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Pedagogia e Empreendedorismo Ziléa Baptista Nespoli IESDE Brasil S.A. Curitiba 2011

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Pedagogia e Empreendedorismo

Ziléa Baptista Nespoli

IESDE Brasil S.A.Curitiba

2011

IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

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N642 Nespoli, Ziléa Baptista. / Pedagogia e Empreendedorismo. / Ziléa Baptista Nespoli. – Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2011.

152 p.

ISBN: 978-85-387-2135-2

1. Pedagogia. 2. Empreendedorismo. I. Título.

CDD 370.19

Doutora em Educação pela American World University (Iowa-USA). Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ).

Ziléa Baptista Nespoli

Sumário

Evolução histórica da Pedagogia ........................................ 11

Breve referência histórica ....................................................................................................... 11

Pedagogia: considerações .................................................................................................... 13

A formação do pedagogo e sua identidade pro�ssional ............................................ 15

O campo do conhecimento pedagógico: teoria e prática ................................................ 25

Teoria e prática ou teoria X prática? ................................................................................... 26

A formação de pedagogos ................................................................................................... 27

O pedagogo e a ação educativa .......................................................................................... 30

Didática e currículo: relações ............................................... 39

Temas atuais ................................................................................................................................ 39

Projeto pedagógico, currículo e capacidade empreendedora ............................................ 51

Projeto político-pedagógico ................................................................................................. 51

Projeto político-pedagógico e gestão ............................................................................... 52

Princípios norteadores do projeto político-pedagógico ........................................... 54

Currículo e projeto político-pedagógico ......................................................................... 58

Capacidade empreendedora ................................................................................................ 59

Gestão e competências profissionais do pessoal da escola ............................................................... 67

Estilos de gestão ........................................................................................................................ 67

Ações.............................................................................................................................................. 67

Visão empreendedora ............................................................ 81

A questão do conflito............................................................................................................... 82

Empregabilidade: o desafio do fim do emprego ........................................................... 85

O autoconhecimento .............................................................. 95

Considerações iniciais .............................................................................................................. 95

Gestão escolar empreendedora ........................................................................................... 96

Estudo das oportunidades ..................................................................................................100

O gestor empreendedor e a comunidade democrática ............................................109

Gestão democrática – Gestão empreendedora ...........................................................109

A gestão democrática na Educação hoje .......................................................................111

O gestor empreendedor e a rede de relações .............123

Relações interpessoais...........................................................................................................123

Comunicação efetiva .............................................................................................................124

O sistema de comunicação ..................................................................................................126

Gerenciando a equipe: um trabalho coletivo ..............139

A união faz a força ...................................................................................................................139

Apresentação

O objetivo deste livro é discutir a relação educação, pedagogia e empreen-dedorismo, presente na dimensão da gestão educacional. A partir de uma breve visão histórica das tendências pedagógicas e do currículo escolar, procurando le-vantar características do gestor/professor/educador/pedagogo empreendedor, o estudo parte de dois aspectos fundamentais: o primeiro refere-se à problemática da identidade do campo do conhecimento pedagógico e do currículo escolar, e o segundo aspecto evidencia dados referentes à ação empreendedora do gestor escolar, destacando o valor do autoconhecimento, do estímulo à criatividade e da e�cácia da comunicação.

Os avanços cientí�co-tecnológicos marcam um cotidiano em que espaço e tempo têm dimensões diferenciadas e, por essa razão, sobressaem as ações em-preendedoras, provocando nos educadores um repensar sobre as competên-cias e as habilidades que precisam ser desenvolvidas nos educandos, e para que possam estar preparados para viverem nesse tempo de mudanças radicais.

Morin (2003, p. 103) propõe “uma educação para uma cabeça benfeita, que acabe com a disfunção entre as duas culturas (cientí�ca e humanidades), daria capacidade para se responder aos formidáveis desa�os da globalidade e da com-plexidade na vida quotidiana, social, política, nacional e mundial”.

E é nesse sentido que pretendemos levantar conceitos e nortear nossas re�e-xões e questionamentos.

Bom trabalho!

A autora

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Para iniciarmos nossos estudos sobre Pedagogia e Empreendedorismo, propomos um rápido histórico dos estudos no campo pedagógico e da identidade do pro�ssional pedagogo, uma vez que há mais de 20 anos pre-senciamos debates sobre questões referentes a esse campo de estudo.

Começaremos nossos estudos a partir dos conceitos de Educação e Pedagogia.

Breve referência histórica

EducaçãoNo sentido epistemológico da palavra educação, alguns autores que

se ocupam em esclarecer seu conceito apontam a origem latina de dois termos: educare (alimentar, cuidar, criar, referindo-se tanto às plantas e aos animais quanto às crianças) e educere (tirar para fora de, conduzir para, modi�car um estado). Acrescentamos o termo educatio (educação) que parece sintetizar aqueles dois outros: criação, tratamento, cuidados que se aplicam aos educandos, visando adaptar seu comportamento a expectati-vas e exigências de um determinado meio social.

Essa noção parece estar presente no linguajar comum. Quando as pes-soas dizem: “os pais educam os �lhos”, “fulano não tem educação”, “a escola educa para a vida”, “a educação é a mola do progresso”, tem-se aí o sentido mais corrente de educação: uma série de ações, visando à adaptação do comportamento dos indivíduos e grupos a determinadas exigências do contexto social. Esse contexto pode ser a família, a escola, a igreja, a fábri-ca e outros segmentos sociais.

Evolução histórica da Pedagogia

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A evolução histórica da Pedagogia

As de�nições de educação são tão variadas quanto são as correntes e autores que se dedicam ao seu estudo.

Sem pretender esgotar as concepções pedagógicas, vejamos algumas de�nições:

(DILTHEY apud LUZURIAGA, 1957, p. 32)

Concepções naturalistas – a educação e o ensino devem adaptar-se �à natureza biológica e psicológica da criança e às tendências de seu desenvolvimento que já estariam basicamente prontas desde o nasci-mento. A �nalidade da educação seria trazer à tona, “tirar para fora”, o que já existe na natureza do indivíduo.

Concepções pragmáticas – concebem a educação como um processo �imanente ao desenvolvimento humano, cujo resultado é a adaptação do indivíduo ao meio social. Por isso, educar-se é desenvolver-se.

Concepções espiritualistas – também concebem a educação como um �processo interior mediante o qual cada pessoa vai se aperfeiçoando. Cabe à educação atualizar disposições existentes potencialmente no aluno, cultivando suas faculdades mentais para atingir o ideal de per-feição, cujo modelo é Cristo.

Concepções culturalistas – a educação é uma atividade cultural dirigi- �da à formação dos indivíduos, mediante a transmissão de bens cultu-rais que se transformam em forças espirituais internas no educando. A educação é uma atividade planejada pela qual os adultos formam a vida anímica dos seres em desenvolvimento [...].

Concepções ambientalistas – são as que jogam no ambiente externo �toda a força de atuação sobre o indivíduo para con�gurar sua condu-ta às exigências da sociedade. Segundo Durkheim, é a sociedade que propicia valores, ideias, regras, às quais o espírito do educando deve submeter-se. A educação é uma imposição ao educando.

Concepções interacionistas – a�rmam que o ser humano desenvolve- �-se tanto biológica como psiquicamente na interação com o ambien-te, implicando a interação entre o sujeito e o meio. Piaget, Wallon, Vygotsky, entre outros, defendem a aprendizagem como um proces-so interativo em que os sujeitos constroem seus conhecimentos por

A evolução histórica da Pedagogia

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meio de sua interação com o meio, numa inter-relação constante en-tre fatores internos e externos.

Concepção histórico-social – concebe a educação como produto do �desenvolvimento social e determinada pela forma de relações sociais de uma dada sociedade; põe-se como crítica radical à educação indi-vidualista. Assim, em sentido amplo, a educação compreende o con-junto de processos formativos que ocorrem no meio social, sejam eles intencionais ou não intencionais, sistematizados ou não, e institucio-nalizados ou não.

Constatamos que o antropólogo Carlos Brandão, quando, em 1981, escre-veu O que É Educação, expressou muito bem a amplitude da Educação. Essa visão ampla deverá nortear nossas re�exões e questionamentos durante todo o trabalho.

Ninguém escapa da educação: em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias: educação? Educações [...] não há uma forma única nem um único modelo de educação; a escola não é o único lugar em que ela acontece e talvez nem seja o melhor; o ensino escolar não é a única prática, e o professor pro�ssional não é o seu único praticante. (apud LIBÂNEO, 2002, p. 26)

Essa visão ampla deverá nortear as re�exões e os questionamentos durante todo nosso trabalho.

Pedagogia: considerações Aproveitamos a breve incursão histórica da Pedagogia em Libâneo (2002)

e organizamos esta síntese para que possamos nos localizar no tempo e no espaço, quando tratarmos das diferentes visões do pedagógico na prática edu-cativa concreta.

Certamente, a Pedagogia existe desde que houve a necessidade de cuidar da criança e de promover sua inserção num contexto social. Todavia, sua institucio-nalização ocorre com a modernidade, por volta do século XVI. Logo, a Pedagogia e toda a base do seu discurso teórico é fruto da modernidade, achando-se ligada a acontecimentos cruciais, como a Reforma, o Iluminismo, a Revolução Francesa, a Industrialização, e a ideias como a natureza humana universal, a autonomia do sujeito, a educabilidade humana, a emancipação humana pela razão.

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A evolução histórica da Pedagogia

O século XVII lança as bases do movimento cientí�co e �losó�co que vai dar o lastro para a ilustração.

A Pedagogia Realista de Ratke, Comênio e Locke traz para a educação o que Bacon propunha para a ciência da época: o conhecimento vem da experiência, portanto, deve começar pelo estudo da natureza, pelo conhecimento das coisas.

O século XVIII é chamado o século da Pedagogia, não apenas porque nele surgem grandes nomes da Pedagogia Clássica, como Rousseau e Pestalozzi, mas porque se desenvolve a educação pública estatal e inicia-se a educação nacional.

Pertence ao século XVIII o desenvolvimento da educação para a cidadania, para a nacionalidade, a adoção do princípio da educação universal, gratuita e obrigatória, a organização das escolas em torno da primazia da razão universal que une os pensadores e os educadores e da crença do poder racional na vida dos indivíduos e dos povos.

O século XX distingue-se por mergulhar a teoria educacional mais a fundo na modernidade, inaugurando a cienti�cidade da Pedagogia. Com Herbert, o saber sobre a educação desvincula-se da Filoso�a e torna-se saber cientí�co, como conhecimento metódico, sistematizado e uni�cado. Herbert dá um importante passo na cimentação teórica da Pedagogia quando a institui sobre dois pilares: a Ética e a Psicologia.

Já Dewey expressa o vínculo educação-sociedade, a�rmando claramente a exigência de que a escola, ao mesmo tempo em que é expressão da socieda-de existente, atue também na preparação de uma sociedade diferente e mais justa.

As pedagogias de cunho crítico (Saviani; Libâneo; Mizukami, entre outros) destacam-se das demais por entenderem que o processo social global da pro-dução codetermina a constituição de seu objeto, a educação, de modo que a formação e a educação ganham uma concreção histórico-social.

A conexão da Pedagogia com a dinâmica concreta das relações sociais en-controu em propostas de inspiração marxista respostas bastante satisfatórias, basicamente na ideia da educação como elemento de emancipação humana e força propulsora da transformação das relações sociais.

Também não passou despercebido, especialmente na Pedagogia crítico-so-cial, o reconhecimento da existência de várias e diferentes práticas educativas na sociedade, de modo que não se reduzia o educativo ao escolar.

A evolução histórica da Pedagogia

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A formação do pedagogo e sua identidade pro�ssional

A primeira regulamentação do curso de Pedagogia no Brasil, em 1939, prevê a formação do Bacharel em Pedagogia, conhecido como “técnico em educação”. A legislação posterior, em atendimento à Lei 4.024/61 (LDB), mantém o curso de bacharelado para formação do pedagogo (Parecer CFE 251/62) e regulamenta as licenciaturas (Parecer CFE 292/62). O Parecer CFE 252/69 extingue a distinção entre bacharelado e licenciatura, mas mantém a formação de especialistas nas várias habilitações, no mesmo espírito do Parecer CFE 251/62. Com suporte na ideia de “formar o especialista no professor”, a legislação em vigor estabelece que o formado no curso de Pedagogia recebe o título de licenciado.

Na segunda metade da década de 1970, surgem as licenciaturas, fruto do “repensar” o curso de Pedagogia, envolvendo organismos o�ciais e identidades independentes de educadores.

A partir dos anos 1980, destaca-se a atuação do movimento de reformula-ção dos cursos de formação do educador, cuja atividade perdura até hoje na As-sociação Nacional pela Formação dos Pro�ssionais da Educação (ANFOPE) que produziu, ao longo destes anos, documentos bastante expressivos do debate, tendo exercido efetiva in�uência na concepção de formação do professor e na reformulação de currículos em algumas faculdades de Educação.

Concordamos com Libâneo (2002, p. 50) quando diz que

o esfacelamento dos estudos no âmbito da ciência pedagógica com a consequente subjunção do especialista no docente, e a improcedente identi�cação dos estudos pedagógicos a uma licenciatura, talvez sejam dois dos mais expressivos equívocos teóricos e operacionais da legislação e do próprio movimento da reformulação dos cursos de formação do educador, no que se refere à formação do pedagogo.

Reconhecemos os méritos das propostas e ações implementadas; no entan-to, os impasses continuam e exigem persistir na busca de saídas.

A história dos estudos pedagógicos, do curso de Pedagogia, da formação do pedagogo e de sua identidade pro�ssional está demarcada por certas peculia-ridades da história da educação brasileira, que assim podemos sintetizar: até os anos 1920, não se punha em questão a existência de uma ciência pedagógica. Nos anos 1930, a ideia de uma ciência unitária começa a perder espaço com o surgimento do movimento da educação nova, inspirada no pensamento de Dewey (1968) – Pedagogia: ciência da educação.

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A evolução histórica da Pedagogia

Nos anos 1950, surge nos Estados Unidos o “tecnicismo educacional” que se intensi�ca nos anos 1970. Tanto o escolanovismo como o tecnicismo tendem a uma visão cienti�cista do educativo, a psicologização da atividade escolar, reti-rando da Pedagogia seu caráter ético-normativo e de disciplina integradora dos vários enfoques de análise do fenômeno educativo. Em consequência, ocorre um reducionismo dos termos pedagogia e pedagógico, que passam a ser em-pregados para indicar meramente os aspectos metodológicos e organizativos da escola.

A teoria pedagógica esvaziada dá lugar a uma teoria sociopolítica da edu-cação e a Pedagogia seria, na sociedade de classes, o próprio modo de ser da ideologia dominante, já que a educação escolar atuaria como reprodutora dos antagonismos de classes sociais.

Os anos 1980 foram marcados pela crítica da educação ao capitalismo, por um lado, e pela associação entre análise crítica e formas de intervenção na práti-ca escolar, por outro. A ANFOPE, como já dissemos, tem tido expressiva atuação quanto às discussões e documentos sobre o assunto.

Há que se considerar que é necessário discutir mais sobre: a especi�cidade do conhecimento pedagógico, a identidade pro�ssional do pedagogo, a neces-sidade do pedagogo na escola, a pertinência das habilitações e a questão da licenciatura.

A especi�cidade do conhecimento pedagógico“A docência constitui a base da identidade pro�ssional de todo educador”

(LIBÂNEO, 2002, p. 43). O autor considera a a�rmativa feita pela atual ANFOPE, no Encontro Nacional de Belo Horizonte, em 1983, um paradoxo que permeia os documentos produzidos nos vários Encontros. Por um lado, partem de uma aná-lise global da educação brasileira, acentuam uma formação ampliada do educa-dor insistindo fortemente na dimensão política; por outro, incentivam currículos e práticas que reduzem a atuação do educador à docência. Hoje, entre os estu-diosos, é quase unânime o entendimento de que as práticas educativas esten-dem-se às mais variadas instâncias da vida social, não se restringindo à escola e muito menos à docência, embora estas devam ser a referência da formação do pedagogo escolar. Logo, o campo de atuação do pro�ssional formado em Peda-gogia é tão vasto quanto são as práticas educativas na sociedade.

A evolução histórica da Pedagogia

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A Pedagogia, tomada como teoria e prática da educação, foi assim afetada pela ampliação do conceito de educação, decorrente da complexidade da socie-dade moderna, acarretando grande diversidade nas atividades educativas.

As ações pedagógicas ocorrem em todas as instituições, e não apenas na fa-mília e na escola. A importância da mídia veri�ca-se na modi�cação de estados mentais e afetivos das pessoas, não apenas pela propaganda, mas também pela divulgação de saberes e modos de agir nos campos econômico, político e moral.

Assim, na prática, ao analisarmos as ações pedagógicas que estão presentes em todo ato educativo, veri�caremos, com certeza, que englobam o social, o econômico, o político e o moral.

Ao considerarmos que, por natureza, a prática educativa é pluridimensional, não poderemos negar os aportes das ciências da educação (Sociologia, Filoso�a, Psicologia, Biologia...) para a construção do objeto de estudo da Pedagogia.

Logo, a Pedagogia é globalizante, não só ocupando-se dos processos educa-tivos, métodos e modos de ensinar, mas, sobretudo, da problemática educativa na sua totalidade e historicidade.

No dizer de Libâneo (2002), “o pedagógico refere-se à �nalidade da ação edu-cativa, implicando objetivos sociopolíticos a partir dos quais se estabelecem formas organizativas e metodológicas da ação educativa”.

Assim, a Pedagogia é o campo do conhecimento que se ocupa do ato educa-tivo e da prática educativa concreta que se realiza na sociedade.

Libâneo (2002) conceitua educação como:

o conjunto das ações, processos, in�uências, estruturas que intervêm no desenvolvimento humano de indivíduos e grupos na sua relação ativa com o meio natural e social, num determinado contexto de relações entre grupos e classes sociais.

No livro Pedagogia e Pedagogos, para quê?, de Libâneo, encontramos citações interessantes sobre Pedagogia que, com certeza, enriquecerão nossos questio-namentos e debates e, por essa razão, estamos transcrevendo-as:

O didata alemão Schmied-Kowarzik chama a Pedagogia de Ciência da e para a educação, teoria e prática da educação. Tem, portanto, um caráter explicativo, praxiológico e normativo da realidade educacional. Também o pedagogo francês Jean Houssaye escreve que a Pedagogia busca unir a teoria e a prática de sua própria ação. É nesta produção especí�ca da relação teoria–prática em educação que a Pedagogia tem sua origem, se cria, se inventa e se renova. (LIBÂNEO, 2002, p. 30).

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A evolução histórica da Pedagogia

Segundo Schmied-Kowarzik (1983), é por meio dos processos de comunica-ção e interação que os membros de uma sociedade assimilam saberes, habilida-des, técnicas, atitudes e valores existentes no meio culturalmente organizado, e a educação está, com certeza, associada a esses processos, uma vez que o ato educativo tem um forte caráter de mediação.

A Pedagogia recorre aos aportes teóricos providos pelas demais ciências da educação, uma vez que o pedagogo é o pro�ssional que atua em várias instân-cias da prática educativa. A Pedagogia ocupa-se da educação intencional, in-vestigando os fatores que contribuem para a construção do ser humano como membro de uma determinada sociedade, e os processos e meios dessa forma-ção. Os resultados dessa investigação dão uma direção de sentido à atividade de educar.

Podemos então dizer que a Pedagogia, além de sua característica de cuidar das formas metodológicas e organizativas de transmissão de saberes, refere-se a objetivos éticos e a projetos políticos de gestão social.

Houssaye (1996) escreve:

Por de�nição, o pedagogo não pode ser nem um puro e simples prático nem um puro e simples teórico. Ele está entre os dois. A ligação deve ser ao mesmo tempo permanente e irredutível, porque não pode existir um fosso entre a teoria e a prática. É esta abertura que permite a produção pedagógica. Em consequência, o prático em si mesmo não é um pedagogo, é mais um utilizador de elementos, de ideias ou de sistemas pedagógicos. Mas o teórico da educação como tal não é também um pedagogo; pensar o ato pedagógico não basta. Somente será considerado pedagogo aquele que fará surgir um “mais” na e pela articulação teoria-prática na educação. Tal é a cadeia da fabricação pedagógica. (LIBÂNEO, 2002, p. 35)

A noção de Pedagogia como ciência prática ou ciência da e para a educação foi trabalhada sistematicamente por pedagogos marxistas, e Houssaye a�rma que a Pedagogia não tem sua origem nas ciências da educação porque estas não podem fornecer a prática indispensável à elaboração pedagógica. Tais ciências tratam de saberes sobre a educação e a pedagogia, e não de saberes pedagógi-cos, que são constituídos a partir da prática. É a Pedagogia que pode construir esses saberes a partir de necessidades pedagógicas postas pelo real, para além dos esquemas apriorísticos das ciências da educação.

Vista assim, a Pedagogia, para Libâneo, é um campo de estudos com iden-tidade e com problemáticas próprias e o objetivo da ação pedagógica. Resu-midamente, podemos dizer que se con�gura na relação entre os elementos da prática educativa: o sujeito que se educa, o educador, o saber e os contextos em que ocorre.

A evolução histórica da Pedagogia

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Textos complementares

A Educação como objeto de estudo(LIBÂNEO, 2002, p. 108-109)

Não há, certamente, objeções sérias quanto à a�rmação de que a educa-ção é um fato da vida individual e social, constituindo-se, como tal, em objeto de estudo e formando um campo de investigação. Tratando-se de fenômeno da realidade histórico-social, o processo educativo é abordado sob diferen-tes perspectivas de análise, fato esse decorrente do caráter pluridimensional da educação. A questão é saber a que área ou áreas de conhecimento estão afetos o estudo e a investigação desse campo, razão pela qual se �lia ora em Pedagogia, ciência pedagógica, ciência da educação, ciência educativa, ora em ciências da educação.

Há razões para se perguntar se a Pedagogia cobre os requisitos para qua-li�car de “cientí�co” os conhecimentos de que trata, mesmo porque não há unanimidade a respeito do conceito de ciência. As discussões sobre seu es-tatuto cientí�co giram em torno das seguintes di�culdades:

a Educação é uma tarefa prática, situando-se mais no campo da arte e �da intuição do que no da especulação cientí�ca;

os fenômenos educativos são singulares, o que impede extrair deles �leis cientí�cas generalizáveis; consequentemente, as explicações “pe-dagógicas” seriam frágeis e incompletas;

a Pedagogia ocupa-se de �nalidades e valores, não passíveis de análi- �se cientí�ca;

a Educação é objeto de várias ciências, não cabendo à Pedagogia ex- �clusividade no trato das questões educativas.

Tais questionamentos são, em boa parte, semelhantes aos que se fazem a outras ciências sociais. Seria demorado tentar contestar detalhadamente as objeções levantadas; consideremos apenas alguns aspectos. Não é inco-mum no Brasil, como em outros países, designar a Pedagogia apenas como

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A evolução histórica da Pedagogia

campo de aplicação de conhecimentos cientí�cos de outras áreas, isto é, como tecnologia (no sentido de ser um saber técnico, aplicação sistemática de conhecimentos cientí�cos para resolver problemas práticos). Que a edu-cação seja uma atividade prática não restam dúvidas; como tal, todavia, pode realizar-se de maneira artesanal, improvisada, ou seguir leis e princípios ex-plicativos decorrentes da investigação cientí�ca. Além do mais, não é mais tempo de se opor conhecimento teórico e conhecimento prático. Quanto à singularidade dos fenômenos humanos, ela existe; mas isso não impossibili-ta a ocorrência de regularidades que possam gerar leis explicativas, por mais que essas leis, no caso da educação, não impliquem uma predição exata de prescrições ou aplicações absolutamente objetivas. É sempre pertinente discutir se uma ciência pode livrar-se de valores – há os que dizem que os cientistas se ocupam de fatos, não de valores – já que a Pedagogia não tem como eximir-se de sua conotação ético-normativa. Quanto à última objeção, a discussão parece estar já exaurida. Com efeito, a pluridimensionalidade do fato educativo levou à recorrência de um conjunto de saberes que é o que se denomina hoje de “ciências da educação”. Permanece, todavia, a polêmica questão: a Pedagogia seria uma das ciências da educação ou ela seria substi-tuída pelas ciências da educação?

Uma escola não “totalitária”(SNYDERS, 1988 apud GADOTTI, 2001, p. 308-309)

A riqueza da vida dos jovens é sua variedade, sua diversidade e a multi-plicidade dos tipos de alegrias. Os jovens vivem pelo menos em quatro am-bientes: a família, a escola, a vida cotidiana com os colegas e as colegas e a formação fora da escola: ela mesma pode se desenrolar nas atividades, sejam organizadas (a saber: esportes dirigidos, animações, cursos mais ou menos assegurados) sejam escolhidas de modo esporádico: jogar um jogo, ler de-terminado livro, ver determinado �lme, fazer pequenos reparos etc.

Cada ambiente tem sua riqueza especí�ca, seus tipos de exigências, seus modos de progresso, penso que é essencial que nenhum se deixe invadir pelos outros, que nenhum queira absorver tudo, englobar tudo; nem esten-der seu domínio a outros nem anularem-se em outros. Cada um deve ofere-cer ao jovem suas possibilidades diferenciadas e assim complementares.

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Sempre se diz que não é preciso cortar a criança em rodelas de salsicha, que ela é caracterizada pela unidade de sua pessoa. Mas a abundância desta unidade está em participar, de modo diferente, em setores de vida diferen-tes. Aliás o melhor modo de aproveitar uma salsicha é ainda assim cortá-la.

Em particular toda educação não pode, não deve ser feita na escola, pela escola. A escola imprime sua marca particular sobre uma parte da vida e da cultura do jovem: ela se dá como tarefa o encontro com o genial – e o máximo de sua ambição é que quer este encontro para todos.

Há muitos outros momentos da vida em que não temos tais objetivos, em que partimos simplesmente de novos gostos, de nosso desejo; podemos então também encontrar o genial, lançarmo-nos no museu de Louvre, na maioria das vezes não pretenderemos ir tão longe, há muitas possibilidades para que não se vá tão longe – e assim está muito bem. Do mesmo modo não temos necessidades da obrigação, recusamos a obrigação.

A escola, minha escola, tem como objetivo extrair alegria do obrigatório. O que justi�ca que se vá à escola (evidentemente fora da preparação para o futuro, mas é preciso lembrar que, por hipótese, estou proibido de evocá- -lo?) é que ela suscita uma alegria especí�ca: a alegria da cultura elaborada, o confronto com o mais bem-sucedido; o que exige condições particulares do sistemático: o que pode ser fácil, daí o recurso necessário ao obrigatório. O problema todo é que os alunos sentem efetivamente a instituição como dirigida a parar a alegria – e uma alegria que quase não se poderia atingir de outra maneira.

Eu gostaria de uma escola que tivesse a audácia, que corresse o risco de assumir sua especi�cidade e de jogar totalmente a carta de sua especi�ci-dade. Uma das causas do mal-estar atual parece-me ser que a escola quer beber em todos os copos: ensinar o sistemático, mas também deleitar-se com o disperso, com o acaso dos encontros; recorrer ao obrigatório, mas ela tenta dissimulá-lo sob aparências de livre escolha. Em particular a escola, fre-quentemente ciosa dos sucessos da animação, cobiça suas fórmulas mais suaves, mais agradáveis – mas ela é na verdade obrigada a constatar que essas são inadequadas para ensinar álgebra ou para chegar até Mozart.

Direi até que isso não me parece um elogio concedido à escola que os alunos chegam a confundir a classe com a recreação, o jogo com o trabalho, que eles queiram prolongar a classe como uma recreação, retornar à escola

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A evolução histórica da Pedagogia

como a um lazer; pois realmente é à escola que eles retomam? Temo que a escola tenha abandonado seu próprio papel – reconhecendo-se precisa-mente que em certos momentos, para certos alunos, pode ser indicado in-troduzir elementos de brincadeira, momentos de distração, com a condição de que não se esqueça que estes são estimulantes intermediários destinados a ser temporários.

Atividades1. Fazer uma linha do tempo sobre a história do pensamento pedagógico.

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