Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

163
1 1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA VOLUME 5 P-21 - 25

description

Após 4 anos na pista do Planeta de Vida Eterna, Pery Rhodan e seus aliados arconidas voltam a Terra finalmente. Mas novas ameaçam se apresentam, uma possível guerra atômica está em andamento, além de uma surpresa desagradável com um inimigo oculto e traiçoeiro, forte e perigoso — um inimigo que também dispõe de um exército de mutantes bem treinado. Esse inimigo é O Supercrânio...

Transcript of Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

Page 1: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

1

1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA

VOLUME 4

P-16 - 20

1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA

VOLUME 5

P-21 - 25

Page 2: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

2

O Herdeiro do

Universo

Na selva do Mundo Primitivo

Volume 24

A Fuga de Thora

Volume 22

O Supercrânio

Volume 16

A Guerra Atômica Que Não Houve

Volume 21

Chave Secreta X

Volume 23

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

Page 3: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

3

A Guerra Atômica Que Não Houve

A Fuga de Thora

Chave Secreta X

Na Selva do Mundo Primitivo

O Supercrânio

1º Ciclo – A Terceira Potência

Volume 05

Episódios: 21 - 25 de 49

Page 4: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

4

Nº 21

De Kurt Mahr Tradução

Richard Paul Neto Digitalização

Vitório Revisão e novo formato W.Q. Moraes

Nenhum exército equipado com armas terrenas convencionais, por maior que

seja, pode enfrentar os recursos da antiquíssima técnica arcônida. Perry Rhodan

sabe disso perfeitamente, e não se preocupa com os remanescentes de uma divisão

espacial comandada pelo general Tomisenkow, que investira obstinadamente

contra a fortaleza de Vênus. O que causa muita preocupação ao chefe da Terceira

Potência é a evolução mais recente da política na Terra.

Com sua permanência no planeta Peregrino, Rhodan perdeu mais de quatro

anos. Agora tem de regressar com a maior urgência ao seu mundo, para que não

haja a guerra atômica...

Page 5: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

5

I

Vista da nave capitania Wladislav Kossygin, a frota

se parecia com duas fileiras de pérolas reluzentes,

cuidadosamente enfiadas em barbantes, a distâncias

sempre iguais.

A frota se deslocava sob o brilho reluzente do Sol. Os

pontos luminosos que representavam as naves,

projetados nas telas da Kossygin, emitiam uma luz muito

mais intensa que a das estrelas destacadas contra o céu

negro.

O major Pjotkin se esforçou para

reprimir o orgulho que essa visão

ameaçava provocar em sua mente.

Era bem verdade que, comparados

com outros veículos que povoavam o

espaço, essas naves não passavam de

patos desajeitados e de longas asas.

Uma vez fora do âmbito da gravitação

terrestre, possuíam apenas uma

reserva de radiações que lhes

permitiria realizar uma manobra de

desaceleração antes de atingir a órbita

de Vênus. O resto, o mais difícil do

pouso propriamente dito, ficaria a

cargo das asas. A aterrissagem seria

aerodinâmica. Tinham que contar com

uma perda de cinco por cento. Como a

frota possuísse duzentas naves, dez

jamais chegariam ao solo de Vênus;

ou atingiriam o mesmo sob a forma de

um meteorito incandescente. Eram

estas as previsões dos cientistas.

O resultado também poderia ser

diferente, segundo Pjotkin. Talvez fosse dez por cento.

A frota levava reforços para a expedição do general

Tomisenkow. Os reforços consistiam principalmente

num suprimento de aço, uma vez que, depois do pouso,

as naves não mais estariam em condições de sair de

Vênus. Não lhes restaria qualquer reserva de radiações.

Juntamente com as quinhentas naves de Tomisenkow,

aguardariam a chegada de outra frota de reforço com

uma carga de combustível, que voltaria a colocar os

patos metálicos em condições de voar.

Pjotkin procurou calcular se mil naves seriam

suficientes para reabastecer as quase setecentas que se

encontrariam em Vênus. E se fossem? Nesse caso, em

vez de setecentas naves, mil ficariam retidas no planeta

coberto de selva.

Sessenta por cento da tripulação da frota de Pjotkin

era formada por mulheres. Pjotkin ficava se indagando o

que os planejadores teriam tido em mente ao comporem

dessa forma o pessoal conduzido pela frota. As mulheres

eram especialistas: médicas, técnicas, biólogas.

Pretenderiam instalar em Vênus algo parecido com

uma base permanente? Uma base que se tornasse

independente da Terra em todos os sentidos, inclusive no

campo biológico?

Sem dúvida Pjotkin teria encarado sua missão com

maior seriedade se soubesse que, para Tomisenkow e sua

expedição, o êxito da mesma representava a

sobrevivência. Na posição atual dos astros — o Sol se

interpunha entre os dois planetas — não havia qualquer

comunicação pelo rádio entre Vênus e a Terra. Em nosso

planeta ninguém sabia que Perry Rhodan, chefe da

Terceira Potência e comandante da supernave Stardust-

III, havia dispersado a expedição de Tomisenkow pelos

quatro cantos de Vênus e privado a mesma de quase

todos os recursos técnicos.

* * *

Naquele mesmo instante, a Stardust-III se encontrava

em sua viagem de regresso de Vênus à Terra. As

componentes motrizes da enorme nave esférica

funcionavam a plena potência e, dentro de poucos

minutos, aceleraram a nave a

um ponto extremamente

elevado. Os imensos campos

protetores e de absorção de

choques fariam com que

qualquer quantidade de matéria,

desde a minúscula partícula

cósmica até a rocha

interplanetária, se desfizessem

sob o efeito das radiações antes

de poderem se tornar perigosas

à nave.

Rhodan não apreciava esse

tipo de voo, pois, se utilizando

do sistema de micro-ondas, não

teria chances para uma rápida

localização de qualquer objeto

que cruzasse seu caminho. E o

rastreamento estrutural, que

funcionava com base em

princípios pentadimensionais,

tinha seu campo de detecção

situado a partir de uma unidade astronômica, ou seja,

cento e cinquenta milhões de quilômetros. Era bem

verdade que mesmo dentro desse raio o rastreamento era

possível; mas perdia todo o sentido, já que, numa

distância tão reduzida, o sistema de observação por

micro-ondas funcionaria praticamente com a mesma

rapidez.

Por isso a Stardust-III se deslocava numa espécie de

voo cego. Nada poderia lhe acontecer, já que os campos

protetores lhe forneceriam proteção ininterrupta. Mas ai

de quem se pusesse em seu caminho.

* * *

Na tela do radar da Kossygin surgiu uma estranha

mancha verde. Aparecera naquele instante, mas, antes

que o operador de radar desse pela sua presença, já havia

percorrido a quarta parte do diâmetro da tela.

Num movimento treinado milhares de vezes, a mão

do homem se deslocou para baixo e comprimiu a

superfície vermelha da chave de alarma. Sereias uivaram

e o telecomunicador transmitiu o alarma às duzentas

naves que compunham a frota.

Subitamente a voz de Pjotkin soou no alto-falante.

— O que houve radar?

— Objeto desconhecido aproxima-se da frota.

Velocidade... quase igual à da luz!

O operador ouviu a respiração pesada de Pjotkin.

— Que setor de nossa frota está sendo ameaçado?

Fale logo, homem!

— O centro.

Personagens Principais deste episódio:

Perry Rhodan — Chefe da Terceira

Potência.

Coronel Freyt — Representante de Perry

Rhodan na Terra.

Capitão Welinskij — Comandante de um

esquadrão de caças.

Major Deringhouse — Que dá provas de

sua qualidade de sabotador e agente secreto.

Fedor A. Strelnikov — Um novo ditador.

Marechal Sirov — O braço direito de

Strelnikov.

Page 6: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

6

A voz de Pjotkin se tornou mais fraca quando ele se

voltou para outro microfone. O operador de radar ouviu

as ordens por ele transmitidas:

— Corrigir rota. Toda força para bombordo.

Imediatamente.

O ponto verde quase havia percorrido metade da tela

do radar. Aproximava-se inexoravelmente do centro

marcado em vermelho, que representava a posição do

observador.

O operador de radar conteve a respiração. Se a

correção não fosse completada imediatamente...

Mais dois segundos!

O homem cerrou os olhos e se agarrou ao painel,

aguardando o choque iminente.

Não houve o choque esperado. A morte surgiu em

forma de um raio azul e ofuscante, que transformou a

Kossygin num enxame de moléculas e átomos que se

disseminaram pelo espaço.

O operador de radar não percebeu nada. Uma morte

que surge com a velocidade da luz nem chega a causar

uma impressão dolorosa.

* * *

Na última fração de segundo, Rhodan fora avisado

sobre a fileira dupla formada pelas duzentas naves. Num

gesto instantâneo, levantou o braço para manobrar algum

dispositivo de comando que desencadeasse uma manobra

salvadora.

Mas era apenas um movimento reflexivo. Ao se dar

conta disso, baixou o braço; a Stardust-III já deixara para

trás a frota inimiga.

Imediatamente a nave executou uma manobra de

frenagem, utilizando toda a potência de suas

componentes motrizes. Uma desaceleração máxima —

que representava o valor mais elevado que os

neutralizadores poderiam absorver — atingiu em poucos

minutos, não uma imobilização absoluta, mas uma

redução de velocidade que permitia a observação ótica

direta da frota parcialmente destroçada.

O quadro que se apresentava nas telas da Stardust-III

era consternador. A fileira dupla de pérolas cintilantes,

que o major Pjotkin observara meia hora antes, estava

esfacelada. Impelidas pelo pânico, as naves se

dispersavam em todas as direções. Apesar disso, ainda se

percebia nitidamente a abertura que a Stardust-III fizera

naquele front.

Rhodan mandou efetuar a sondagem radiofônica.

Pretendia escutar as mensagens trocadas entre as naves.

Reconhecera seu formato e por isso sabia que se tratava

de uma frota do Bloco Oriental. Apesar disso, prestaria

socorro imediato àqueles homens, se não conseguissem

se arranjar por si.

Ouviu os informes expedidos das várias naves. O

tradutor automático traduziu as mensagens russas para o

inglês.

Rhodan ficou sabendo que, no início, a frota era

composta de duzentas naves. Trinta e quatro delas —

entre elas a nave capitania, que trazia a bordo o major

Pjotkin — haviam sido destruídas; evaporaram-se sob o

impacto dos campos protetores da gigantesca nave.

Um coronel assumiu o comando. Através de uma

série de manobras complicadas voltou a unir as naves

numa formação ordenada. Essas manobras consumiram

uma quantidade considerável de material radiante. Os

remanescentes da frota teriam dificuldades em reduzir a

velocidade a um limite que não oferecesse perigo quando

atingissem a órbita de Vênus.

Todos os observadores de radar da frota haviam

percebido a causa do desastre poucos segundos antes da

catástrofe, e agora viram o ponto verde se afastar com

velocidade moderada.

Rhodan ouviu uma série de conjecturas sobre o que

seria aquele ponto. Uma única pessoa teve a ideia de que

poderia se tratar de um veículo da Terceira Potência, mas

essa ideia foi logo abafada pelo comandante da frota.

Rhodan compreendeu a manobra. O coronel se veria

diante de um problema insolúvel se confessasse que o

inimigo dispunha de veículos capazes de atravessar uma

frota compacta de naves sem sofrer o menor dano.

Percebia-se que as cento e sessenta e seis naves que

restavam estavam em condições de prosseguir viagem

sem auxílio de fora. Face à escassez de matéria radiante,

não lhes restava outra alternativa senão prosseguir pela

rota em que já se encontravam: a de Vênus.

A Stardust-III deixou-as entregues ao seu destino e

reiniciou sua viagem.

Rhodan, no entanto, lamentou a destruição das trinta

e quatro naves espaciais. Ainda mais que o encontro da

Stardust-III com a frota do Bloco Oriental só podia ser

atribuído exclusivamente a um acaso por demais infeliz.

Era extremamente improvável que dois ou mais objetos,

que se deslocassem pelo espaço em trajetórias mais ou

menos arbitrárias, viessem se encontrar no mesmo ponto;

muito mais improvável do que duas pedrinhas atiradas

por pessoas diferentes virem a se chocar.

II

12 de junho.

Moscou.

Dez horas da manhã, tempo local.

O Estado-Maior das forças armadas do Bloco

Oriental chegara à conclusão de que o ataque aos

principais centros militares e industriais dos dois outros

blocos de nações e da Terceira Potência teria de ser

marcado para um dos próximos dias.

As condições nunca haviam sido tão favoráveis. O

Bloco Oriental instalara sua base em Vênus, e uma

poderosa frota com reforços estava a caminho desta base

— não se desconfiava da sorte lamentável de

Tomisenkow, tampouco da catástrofe que atingira a frota

no meio do caminho. Tudo indicava que a Terceira

Potência não tomara conhecimento das modificações

políticas determinadas pelo novo curso de ação do Bloco

Oriental, ou não se interessava pelas mesmas. No início

temia-se uma intervenção dos homens de Galáxia, mas

esta não se verificara.

Provavelmente isso seria devido ao fato de que Perry

Rhodan, chefe da Terceira Potência, no momento não se

encontrava na Terra, nem nas proximidades da mesma.

Em Moscou não se sabia nada sobre o paradeiro de

Rhodan.

A grande conferência do Estado-Maior foi realizada

Page 7: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

7

no auditório de uma universidade. Todos estavam de

acordo sobre os princípios pelos quais se orientaria a

ação, e a ideia generalizada de que só faltava discutir

alguns detalhes da execução do plano encheu os generais

de certa euforia.

Um marechal búlgaro apresentou sua tese do cerco

estratégico da Federação Asiática. Foi quando um

ordenança entrou no recinto com o passo tranquilo, mas

com uma expressão de desassossego no rosto. Trazia um

papel na mão e se dirigiu ao marechal Sirov que, sentado

numa poltrona do centro da primeira fileira, dirigia a

conferência.

Sirov passou os olhos pelo papel. Os que se

encontravam mais próximos viram que franziu a testa,

levantou os olhos e encarou o marechal búlgaro até que o

mesmo estacou em sua fala. Sirov fez um gesto, se

levantou e, com o papel na mão, se dirigiu à tribuna que

o professor costumava usar para fazer suas preleções.

Espantado, mas com a maior solicitude, o búlgaro lhe

cedeu o lugar.

Sirov iniciou sua fala sem qualquer introito:

— Vou ler as notícias vindas de todas as partes do

país, que a central recebeu há poucos minutos.

— Primeiro: Às nove horas e trinta e oito minutos,

tempo de Moscou, um posto de observações

meteorológicas — fez uma pausa significativa, para que

todos compreendessem que, sob o disfarce do posto, se

ocultava um objeto muito mais importante — situado em

Nowaja Sumlja, uma ilha da região ártica, foi arrancado

do solo e carregado por um ciclone. O único

sobrevivente encontrou um radiotransmissor intacto e

enviou a notícia. Informa que, poucos segundos antes do

início do fenômeno súbito e inesperado, a escuridão

desceu sobre a Terra, como se a noite polar tivesse

irrompido com uma antecedência de quatro meses.

“Segundo: Nowosibirsk, oito horas e cinquenta e um

minutos, tempo de Moscou. Um tipo de eclipse solar cai

sobre a Terra. A base de foguetes situada nas

proximidades da cidade é atacada por uma estranha

ausência de gravidade. Os homens saem flutuando pelo

ar, as rampas de disparo se soltam de suas bases, os

foguetes são tangidos pela tormenta que desaba de

repente”.

“Terceiro: Molotov, Montes Urais, nove horas e

quarenta e quatro minutos, tempo de Moscou. Uma coisa

inexplicável obscurece o céu por instantes, provoca um

ciclone de violência inacreditável e deixa atrás de si uma

faixa de terra calcinada com cerca de um quilômetro de

largura. Todas as instalações de mineração e

processamento de minérios das usinas Sergej Iljuchin

situadas acima do solo foram destruídas.”

Sirov fez uma pausa. Sentiu certa satisfação ao

perceber que não era a única pessoa que tinha ficado

abalada com essas notícias. O pavor e o desânimo se

desenhavam em todos os rostos.

— A explicação destas ocorrências — prosseguiu em

tom áspero — provavelmente está na quarta notícia, que

vou ler.

“O posto de radar da península de Taimyr, situada no

norte da Sibéria, informa ter localizado um objeto

esférico de cerca de oitocentos metros de diâmetro, que

se desloca sobre o território de nossos Estados nas mais

variadas direções e altitudes; ao que tudo indica está

sendo dirigido”.

“Todos nós estamos lembrados dos fenômenos

ligados à súbita ausência de gravidade, registrados na

época em que a Terceira Potência começou a se

estabelecer no deserto de Gobi. Portanto, sabemos quem

é o inimigo que temos diante de nós. Não conhecemos

todas as armas de que ele dispõe, mas estamos dispostos

a lançar nossas armas contra ele. O tempo das discussões

passou; chegou a hora de agir.”

* * *

12 de junho.

Karaganda.

Cerca de 14 horas, tempo local.

Há meia hora os aparelhos da 23a esquadrilha de

caças estão em regime de rigorosa prontidão.

Fala-se num “veículo aéreo inimigo muito grande”

que, pelo que se ouve se diverte em cruzar os céus do

país em todas as direções, deixando atrás de si a

confusão e a destruição.

Os pilotos estão sentados nos seus aparelhos, com as

carlingas abertas. Pelo que se ouve, o inimigo

desenvolve uma velocidade extraordinária. Uma vez

localizado o veículo inimigo, os aviões terão que decolar

imediatamente.

O objetivo é a destruição do inimigo com todos os

meios disponíveis.

* * *

Reginald Bell, companheiro de Rhodan desde os dias

do primeiro voo humano à Lua, dirigia a Stardust-III sem

recorrer ao piloto automático. Numa tela fixada acima de

sua mesa de comando via-se o mapa do hemisfério norte

da Terra. As indicações de rota transmitidas por Rhodan

chegavam a ele através de setas e pontos vermelhos

projetados nesse mapa.

Rhodan fez o possível para poupar vidas humanas.

Sabia que a chamada revolução, que há algum tempo

arrancara o Bloco Oriental do seio do grupo das

superpotências que buscavam a distensão, só era

promovida por umas poucas pessoas ambiciosas. Os

quatrocentos milhões de pessoas que habitavam essa

região da Terra não podiam ser responsabilizados pela

reviravolta.

Mas estavam em guerra, e nem mesmo o mais

humano dos comandantes conseguiria evitar toda e

qualquer perda de vida.

Rhodan sabia quais eram os pontos vulneráveis do

inimigo. Seus agentes estavam espalhados pelos quatro

cantos da Terra, e os prisioneiros capturados em Vênus

tiveram de lhe dar as informações que desejava, quer

quisessem, quer não.

Na região de Baku, a Stardust-III acabara de

inutilizar uma usina de reatores que supria de energia

elétrica as instalações técnico-militares do litoral do Mar

Cáspio.

Rhodan introduziu no mapa projetado uma seta

branca que apontava para a Sibéria Ocidental e colocou

um ponto vermelho sobre a cidade de Karaganda.

Imediatamente Bell mudou de rota.

* * *

— Localização a duzentos e dez graus! — berrou a

voz nos fones de ouvido. — Altitude: treze mil metros.

Pista livre para a decolagem de todos os aparelhos.

Page 8: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

8

A base aérea de Karaganda era uma das mais

modernas do Bloco Oriental. O dimensionamento

racional das pistas permitia a decolagem simultânea de

toda uma esquadrilha de caças.

O capitão Welinskij, um homem de descendência

polonesa, comprimiu o botão que fechava a carlinga e

imprimiu a potência máxima ao motor. Com a ordem de

decolar, os calços das rodas foram afastados

automaticamente. A máquina rolou pela pista, aumentou

de velocidade e subiu muito antes de atingir o fim da

pista.

Welinskij assumiu o comando da esquadrilha.

— Virar para duzentos e dez graus. Altitude de

dezoito mil metros.

Não era recomendável que um piloto de caça atacasse

da mesma altitude ou mesmo de baixo um adversário

superior em forças. Uma diferença de altitude de cinco

mil metros aumentaria consideravelmente as chances que

tinham Welinskij e seus companheiros de causar algum

dano ao inimigo.

Os aviões de caça dispunham de dois mecanismos

propulsores inteiramente independentes: um reator de

jato, acionado por ocasião da decolagem, que levaria o

aparelho rapidamente à altitude desejada, e um dos

mecanismos convencionais de turboradiações, que

permitiria, em voo horizontal, uma velocidade de mach

4, ou seja, uma velocidade equivalente a quatro vezes a

do som.

Os caças estavam equipados com foguetes e canhões

automáticos, rigidamente montados na estrutura. Não

haveria caça mais eficiente na Terra, se... há alguns anos

o primeiro astronauta americano não tivesse encontrado

na Lua os representantes de uma raça estranha,

investindo-se na herança de suas conquistas tecnológicas.

— Chaminé para todos os limpas-chaminés! Chaminé

para todos os limpas-chaminés! O veículo inimigo

desloca-se a uma velocidade de mach 15, de duzentos e

dez em direção a zero trinta. Dentro de quinze segundos

sobrevoará a cidade. Limpas-chaminés, vocês já podem

ver o inimigo. Não aguardem nova ordem de ataque.

Confirmem!

Logo se ouviu a voz do comandante da esquadrilha:

— Limpas-chaminés para chaminé. Vemos o inimigo

e atacaremos imediatamente. Fim.

Dirigindo-se aos pilotos, prosseguiu:

— Preparem-se, rapazes! Ação individual. Fim.

Welinskij observou o inimigo.

Viu uma parede tremeluzente de fogo surgir acima do

horizonte. De início era pequena e bonita; seu aspecto,

visto daquela altura, era mais ou menos o de um incêndio

na estepe.

Mas cresceu numa velocidade espantosa, parecendo

se desprender do solo, e se transformou numa esfera

ofuscante. Com um movimento automático, Welinskij

colocou os vidros antiofuscantes diante dos óculos de

proteção.

— Meu Deus! — murmurou para si mesmo. —

Falaram em oitocentos metros! Aquilo ali tem pelo

menos dez quilômetros de diâmetro.

Não teve tempo para refletir. Viu a esfera de fogo se

aproximar vertiginosamente. Supôs que fosse o inimigo,

ou que este se escondesse no seu interior. Disparou todos

os foguetes de uma só vez. Mas, de um instante para

outro, teve dúvidas se os pequenos projéteis com suas

cargas explosivas nucleares seriam capazes de causar

qualquer dano àquela bola de fogo.

Dirigiu o avião para o alto. Cerrou os olhos, pois,

apesar do vidro antiofuscante, a esfera fez com que lhe

ardessem às conjuntivas.

Welinskij foi mais feliz que qualquer dos outros

pilotos. Conseguiu manobrar seu aparelho de tal forma

que apenas roçou nos gigantescos campos protetores da

Stardust-III. O avião se esfacelou, e a força do impacto

fez com que o ejetor arremessasse Welinskij mais

algumas centenas de metros para o alto. Mas, quando

começou a descer, o paraquedas se abriu, foi atingido

pelo ar aquecido e fez com que o capitão balouçasse em

direção ao solo, são e salvo.

Os demais aparelhos se precipitaram para cima da

bola de fogo. Evaporaram-se nas nuvens causadas pela

explosão dos foguetes que eles mesmos haviam

disparado poucos segundos antes.

A luta — se é que aquilo podia ser chamado de luta

— durou exatamente cem segundos, desde o instante em

que surgiu a Stardust-III. Quando chegou ao fim, a 23a

esquadrilha de caças deixara de existir.

Só restava um vestígio insignificante: o capitão

Welinskij, que, atingido pelo redemoinho causado pela

Stardust-III, foi atirado a uma distância tal que pôde se

livrar da radiatividade desencadeada pelos foguetes.

Inconsciente, continuava em sua descida.

O destino poupara aquele homem para que pudesse

contar algo aos homens que lhe haviam confiado a

missão.

Mas às vezes o destino parece bastante míope. Se

Welinskij contasse o que presenciara, seria considerado

um idiota e encaminhado a um psiquiatra.

Enquanto isso acontecia, a fatalidade pôde se abater

sobre a Humanidade.

Perry Rhodan observava a aproximação da

esquadrilha de caças com um rosto que parecia

petrificado. Sabia perfeitamente o que aconteceria se os

caças não mudassem de rumo imediatamente.

A Stardust-III deslocava-se a uma velocidade que

equivalia a quinze vezes a do som. A uma velocidade

daquelas, o impacto dos campos protetores, cujo

diâmetro correspondia a dez vezes o da nave, fazia com

que as moléculas de ar entrassem em incandescência ou

se ionizassem. O resultado era aquela bola de fogo de

quase dez quilômetros de diâmetro, cuja visão o capitão

Welinskij jamais esqueceria.

Os foguetes disparados pelos caças detonaram na

periferia do campo protetor; no interior da nave não

chegaram sequer a provocar um tremor, por mais leve

que fosse. Mas os pilotos de caça voaram atrás dos

projéteis por eles disparados, causando sua própria

destruição.

A Stardust-III se manteve na rota, em direção à

cidade de Karaganda. Rhodan aproveitou a oportunidade

para, pela primeira vez durante aquela missão, fazer uso

de uma arma psicológica.

* * *

A alta oficialidade da base aérea de Karaganda-Leste

ficou com os rostos cadavéricos ao tomar conhecimento

da destruição total da 23a esquadrilha de caças.

Que inimigo seria aquele?!

A Stardust-III sobrevoou a cidade com velocidade

Page 9: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

9

reduzida, produzindo uma tempestade que, em

comparação às que haviam sido desencadeadas em

outros lugares, podia ser chamada de pouco intensa. As

rajadas chegaram à intensidade onze, mas não

produziram qualquer dano à cidade ou à base.

Houve, porém, um fato muito mais interessante, a

leste da cidade, a imensa nave interrompeu sua viagem,

se imobilizou por um instante e começou a subir. Numa

altitude de quarenta mil metros voltou a se imobilizar.

Parecia pendurada no céu, causando pavor aos habitantes

de Karaganda, que não viam mais o sol, e servindo de

estímulo aos oficiais da base de Karaganda-Leste.

— Vamos atirar! — sugeriu um deles. — Devíamos

disparar todos os foguetes ao mesmo tempo.

A sugestão não foi aceita. Para causarem algum

efeito, os foguetes deveriam ser equipados com cargas

explosivas nucleares. E o comandante da base achou uma

temeridade disparar uma salva de quase cem projéteis

desse tipo na direção de um objetivo a apenas quarenta

mil metros de altura, isto é, praticamente por cima da

cabeça dos habitantes da cidade.

Todavia, o general de brigada Chandikarh se declarou

disposto a disparar um único foguete contra a Stardust-

III.

— Quero que a equipe técnica observe a explosão —

disse. — Talvez o fenômeno permita alguma conclusão

sobre a forma pela qual podemos atacar o inimigo.

Todos acharam a sugestão bastante razoável. O

disparo do foguete foi preparado como se fosse uma

experiência difícil, e marcado para as quinze horas e

trinta minutos, tempo local, a fim de que a equipe técnica

tivesse tempo para instalar seus instrumentos de

observação.

— Procure verificar a altura da explosão, fotografe o

fenômeno, meça a intensidade luminosa e as emanações

radiativas — ordenou Chandikarh. — Depois me diga o

que acha de tudo isso.

Quinze horas.

Sentado na cantina com seus oficiais, Chandikarh

tamborilava nervosamente com os dedos, esperando que

os últimos minutos passassem. A Stardust-III continuava

imóvel. Mas Chandikarh receava que reiniciasse a

viagem antes que pudessem realizar a experiência

programada.

* * *

Às quinze horas e três minutos, hora local, Perry

Rhodan pôs a funcionar o grande projetor mental. Um

enorme campo de influência hipnótica envolveu a cidade

de Karaganda e a base de Karaganda-Leste.

* * *

Às quinze horas e três minutos, dúvidas começaram a

surgir na mente do general Chandikarh: valeria a pena

realizar a experiência? Ainda às quinze horas e três

minutos chegou à conclusão de que devia ser suspensa.

Às quinze horas e quatro minutos, os membros da

equipe técnica começaram a sacudir a cabeça, pois já não

entendiam as ordens de Chandikarh. Ao mesmo tempo,

porém, se tornou perceptível a sensação generalizada de

alívio pelo fato de que não teriam mais de atirar contra o

inimigo.

Às quinze horas e cinco minutos, Chandikarh disse

aos seus oficiais:

— Sejamos francos, senhores. O que temos para opor

a um inimigo destes? Ele espalhou o pavor e a

devastação em todo o país; e isso, ao que tudo indica,

com uma única nave espacial. O que será de nós no dia

em que o inimigo lançar mão de duas ou três naves

dessas, ou mesmo de uma esquadrilha?

Um major relativamente jovem o interrompeu,

falando alto:

— Qualquer um pode adivinhar general. Nós mesmos

seremos destruídos, junto com tudo que possuímos, antes

que tenhamos tempo para dar ordem de abrir fogo.

Outros oficiais manifestaram sua concordância em

altos brados.

Chandikarh acenou a cabeça.

— Vamos redigir uma resolução — sugeriu. — Toda

a oficialidade da base de Karaganda-Leste propõe ao

Conselho Supremo do Bloco Oriental a cessação

imediata da resistência contra este inimigo e o início de

negociações. A experiência pela qual acabamos de passar

fez com que constatássemos que seria uma

irresponsabilidade continuar a luta e provocar o inimigo.

Estamos convencidos de que o Conselho Supremo,

mesmo a contragosto, também há de reconhecer que nos

defrontamos com alguém contra o qual, com os recursos

de que atualmente dispomos nada podemos.

As palavras de Chandikarh foram recebidas com

aplausos. O texto da resolução era relativamente

moderado. As ideias que lhe andavam pela cabeça eram

bem diferentes. “Façam as pazes com a Terceira

Potência, seus cabeças de vento”, assim deveria ser o

texto. Mas Chandikarh acreditava que a opinião dos

outros oficiais não tivesse sofrido uma transformação tão

radical como a sua; por isso se contentou com a redação

mais suave.

Meia hora depois, o texto foi divulgado na cidade,

onde provocou manifestações entusiásticas de apoio. A

reação deixou Chandikarh perplexo e fez com que ele

vencesse o constrangimento que sentia em transmitir o

texto para Moscou.

Hás quatorze horas, tempo de Moscou, o Estado-

Maior e o Conselho Supremo, reunidos na capital do

Bloco Oriental, estavam informados sobre a opinião que

subitamente passou a reinar em Karaganda. Palavras

duras foram proferidas; chegou-se a falar em motim.

Ficou decidido que não se tomaria conhecimento da

resolução, e que alguns homens do serviço secreto

seriam enviados a Karaganda.

Era de admirar, mas, ao que parecia ninguém estava

compreendendo toda a gravidade da situação. Era bem

verdade que ninguém contestava o fato de que o inimigo

contava com recursos técnicos mais avançados. Mas,

segundo se argumentava, um único veículo inimigo só

poderia estar num lugar de cada vez. Se a Terceira

Potência acreditava que bastava fazer cruzar uma única

nave sobre o território do Bloco Oriental, provocando as

maiores tolices para obrigar essa superpotência, armada

até os dentes, a dobrar os joelhos, estava redondamente

enganada.

* * *

Perry Rhodan acompanhou os acontecimentos que se

desenrolavam em Karaganda e Moscou, na medida em

que seus instrumentos de observação o permitiram. Não

se surpreendeu com nada. A mudança de opinião em

Karaganda era inevitável, já que o território da cidade se

encontrava sob os efeitos do projetor mental. Por outro

Page 10: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

10

lado, os homens do Estado-Maior de Moscou não seriam

dignos do posto se, a essa altura, já entregassem os

pontos.

Às dezesseis horas, tempo de Karaganda, o major

Deringhouse — um jovem desajeitado e impetuoso que

dominava o russo graças ao treinamento hipnótico e era

um dos melhores elementos de que Rhodan dispunha —

saiu da Stardust-III num traje transportador arcônida. O

campo de deflexão do traje fez com que Deringhouse se

tornasse invisível, e o poderoso neutralizador

gravitacional suavizou sua descida. Deringhouse venceu

os quarenta mil metros que o separavam do solo em vinte

minutos. Enviou a Rhodan o sinal de OK convencionado

através do hipertransmissor, para não assumir qualquer

risco.

Depois disso, a Stardust-III pôs-se em movimento,

permitindo que, depois de uma interrupção de mais de

uma hora, o sol voltasse a brilhar no céu de Karaganda.

Antes disso, o projetor mental fizera com que a mudança

de opinião dos civis e militares de Karaganda fosse

protelada. O condicionamento pós-hipnótico só exigia

um aumento de potência de quarenta por cento em

comparação com a irradiação hipnótica instantânea.

A Stardust-III dispôs-se a cumprir seu primeiro

objetivo: inutilizar o potencial militar do inimigo.

* * *

A voz do marechal Sirov não exprimia a menor

reverência. Fedor A. Strelnikov, membro e secretário do

Conselho Supremo, a quem essa reverência seria devida,

parecia não sentir falta dela.

As últimas notícias eram tão estranhas que ninguém

se preocuparia com questões de etiqueta.

— Karaganda, Chulba, Tchyrgaki, Irkutsk, Tchita,

Blagoviechtchensk — murmurou Strelnikov, perturbado.

— Está notando alguma coisa?

Em vez de responder, o marechal Sirov pegou uma

régua e colocou-a sobre o mapa. Se as cidades de

Karaganda e Blagoviechtchensk fossem ligadas por uma

reta, as de Chulba, Tchyrgaki, Irkutsk e Tchita ficariam

nessa reta ou a poucos quilômetros da mesma.

— As resoluções são parecidas, até no texto —

prosseguiu Strelnikov. — Pede-se o fim da atividade

armamentista, o início de negociações com a Terceira

Potência, o restabelecimento das discussões com os

governos dos outros blocos com o objetivo de criar um

governo único de toda a Terra.

Levantou os olhos do papel que segurava.

— O que acha disto, marechal?

Sirov deu de ombros.

— O senhor deve achar alguma coisa — insistiu

Strelnikov.

Sirov abriu a boca para dizer alguma coisa. Mas logo

voltou a fechá-la e fez um gesto de contrariedade.

— O que é? — indagou Strelnikov.

Sirov apontou para o mapa.

— Parece que alguém voou pelo trajeto Karaganda—

Blagoviechtchensk e hipnotizou todo mundo. É a única

explicação que me ocorre. Se achar que é uma tolice, não

se zangue. O senhor fez questão de que eu dissesse.

Strelnikov não se zangou.

— Acredita que o inimigo dispõe de recursos como

este? — prosseguiu nas suas perguntas. — Acha que lhe

basta sobrevoar nosso território uma única vez para

desencadear, dentro de poucas horas, uma revolução de

que participem mais de quatrocentos milhões de pessoas?

— Vejo-me forçado a admitir esta possibilidade —

respondeu Sirov, passando a mão pelo mapa.

Em sua mente prolongou a linha até o litoral do

estreito dos Tártaros, que separa a Sibéria da ilha da

Sacalina. Qual era a cidade situada no prolongamento da

linha?

Komsomolsk.

Strelnikov seguiu seu olhar.

— Está pensando em Komsomolsk? — perguntou.

Sirov fez que sim.

Ficaram calados por algum tempo.

O telefone soou. Sirov levantou o fone e o entregou a

Strelnikov. Este deu seu nome e ficou ouvindo. Sirov

ouviu uma voz metálica, mas não entendeu uma única

palavra. Mas viu que Strelnikov empalidecia. Sua mão

estava trêmula quando recolocou o fone.

— O senhor se enganou, marechal — disse. — De

Komsomolsk não nos enviaram qualquer resolução que

sugira a paz e o início de negociações.

— Ah, é?

— Não. Em Komsomolsk as tropas se amotinaram

juntamente com a população e cortaram todas as

comunicações com a cidade.

* * *

Na noite daquele dia, tempo de Moscou, o Conselho

Supremo decidiu enfrentar a ameaça com todos os meios

disponíveis. Isso significava levar a guerra a toda a

Terra.

Só assim poderia se esperar que a gigantesca nave

espacial, que traçara estreitas faixas de revolta pelo

imenso território do Bloco Oriental, desistisse de seus

planos e passasse a cuidar do bem-estar de toda a

Humanidade, em vez de interferir nos assuntos internos

do Bloco Oriental.

Com todos os meios disponíveis... Isso significava,

ainda, o emprego da arma mais recente e terrível que a

Humanidade jamais criara com seus próprios recursos: a

bomba catalítica de fusão.

Todos estavam perfeitamente lembrados de que Perry

Rhodan, quando ainda se encontrava no primeiro degrau

da escada que o conduziria ao sucesso, evitara a guerra,

envolvendo o planeta com um campo de absorção de

nêutrons. Os nêutrons, que deviam provocar a cisão dos

átomos de urânio, foram absorvidos por aquele campo.

Nenhuma das bombas atômicas chegou a explodir,

tampouco as bombas de fusão que seriam detonadas por

uma bomba atômica.

As bombas catalíticas não poderiam ser prejudicadas

pelo campo de absorção. O processo de fusão

propriamente dito não dependia dos nêutrons; a

detonação não era conseguida por via indireta, através de

uma bomba de fissão.

A decisão de iniciar a guerra foi adotada pela

unanimidade dos membros do conselho. O ataque foi

marcado para a zero hora do dia 14 de junho, tempo de

Moscou. Os militares disporiam de vinte e seis horas

para os preparativos.

A sessão do conselho e principalmente a decisão

tomada foram estritamente sigilosas. Sabia-se

perfeitamente que nem mesmo no último segundo do

ataque deveria transpirar qualquer coisa sobre as

Page 11: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

11

intenções do conselho.

* * *

Strelnikov e os outros membros do conselho não se

sentiriam tão seguros se soubessem que o segredo em

torno da sessão e da resolução não fora nada perfeito.

Todos os discursos, todos os apartes e todas as

indicações foram irradiados no recinto da sessão por

meio de microfones e alto-falantes. Nada disso chegaria

para fora do recinto; mas as palavras, transformadas em

impulsos elétricos, atravessaram os condutores situados

no interior da sala.

A corrente alternada produz um campo

eletromagnético em torno do respectivo condutor, e esse

campo retrata os impulsos sob a forma de modulações.

Apenas se precisaria de um receptor bastante sensível

para captar o campo eletromagnético modulado a uma

distância de milhares de quilômetros, onde sua

intensidade era centenas de vezes menor que o farfalhar

da atmosfera.

Além disso, precisava-se ter conhecimento da

situação exata da origem do campo eletromagnético. Só

assim o receptor direcional estaria em condições de

reprimir o farfalhar atmosférico e, através de um

comutador acoplado, selecionar, entre a multiplicidade

dos impulsos captados, aqueles que se revestiam de

interesse.

Qualquer técnico terreno teria apostado que ninguém

seria capaz de construir um receptor desse tipo.

Mas teria perdido a aposta. A bordo da Stardust-III

havia vários receptores com essas qualidades. Rhodan

entendeu tudo que foi pronunciado naquela sessão, não

com a mesma nitidez de quem a presenciasse, mas com

uma clareza suficiente para compreender o horror do

complô.

Sabia que o Bloco Oriental dispunha de bombas

catalíticas de fusão, contra as quais o campo de absorção

de nêutrons seria impotente. Poderia fazer partir

imediatamente a Stardust-III, que naquele instante se

encontrava cem mil metros acima da parte sul dos

Montes Urais, e submeter o Conselho Supremo à

influência hipnótica.

Mas acreditava que com uma tática diferente

alcançaria um êxito maior e mais persuasivo.

* * *

No dia 13 de junho todo mundo prestou atenção.

Perry Rhodan, chefe da Terceira Potência,

interrompeu os programas de rádio e televisão e dirigiu

uma proclamação ao mundo.

Informou todos àqueles que quisessem ouvi-lo sobre

os planos do Bloco Oriental.

Perry Rhodan se dispôs a defender a Terra contra

qualquer agressor de dentro ou de fora. Uma surpresa

especial para Strelnikov e os demais ouvintes ficou

reservada para o fim do comunicado.

Em seu televisor, Strelnikov viu o rosto de Rhodan se

aproximar dele.

— Preste atenção, Strelnikov — disse Rhodan. —

Quero preveni-lo sobre o que farei hoje de noite, se você

e seus comparsas não desistirem de seu intento. Para isso

farei uma pequena demonstração. Hoje ao meio-dia, mais

precisamente, entre as doze e as doze e trinta, hora de

Moscou, toda transmissão de energia elétrica, com ou

sem fio, será suspensa no território do Bloco Oriental.

Dispõe de uma hora e meia para tomar suas precauções.

“Sabe perfeitamente o que isso significa. Faça

aterrisar todos os aviões que se encontrem no ar e avise

os hospitais. Ou melhor, faça o que quiser. De qualquer

maneira, saberá o que vai acontecer com seus foguetes

hoje de noite. Sem eletricidade não poderão ser

disparados, nem encontrarão o alvo. E a catalise não

funciona sem os processos eletrônicos que a regulam.

* * *

Strelnikov não fez nada. Não valia a pena tomar

qualquer providência. Todo mundo ouvira o comunicado

ou soubera dele por intermédio de terceiros. Todos

sabiam o que teriam de fazer para evitar um acidente.

Pouco antes do meio-dia os médicos largaram os

bisturis, os motoristas encostaram seus automóveis, os

trens pararam por cautela, e quem tinha de visitar alguém

num dos andares superiores de um arranha-céu preferiu

subir as escadas para não se arriscar a ficar preso no

elevador.

A inteligência de Strelnikov se rebelou contra a

possibilidade de que Rhodan pudesse fazer o que

prometera. Examinou a pilha de relatórios que tinha

diante de si.

A revolta de Komsomolsk se alastrava. As tropas ali

estacionadas avançavam terra adentro. Enquanto se

mantinham na linha que ligava Blagoviechtchensk a

Komsomolsk, eram recebidas de braços abertos. Mas,

quando se desviavam dessa linha, avançando na direção

norte ou sul, defrontavam-se com a resistência oferecida

pelas tropas não submetidas à influência do projetor

mental. De qualquer maneira Strelnikov se sentiu

abalado ao perceber que mesmo nessas áreas os

revoltosos venciam prontamente as resistências que se

impunham a eles.

Até parecia que se sentiam tomados por um impulso

irresistível, inexistente nos regimentos que continuavam

fiéis ao governo.

“Que impulso será este?”, indagou Strelnikov a si

mesmo, perplexo. “Um impulso para quê?”

Manteve o televisor ligado e deixou que o programa

desfilasse diante dele, sem prestar muita atenção.

Levantou-se, foi à janela e olhou para a rua.

Eram cinco para o meio-dia.

O trânsito parara. Até os pedestres ficaram junto ao

meio-fio, aguardando o milagre.

“Que idiotas”, pensou Strelnikov, contrariado.

“Mesmo que consiga eliminar a corrente elétrica, será

que ele acha que isso será o fim?”

Strelnikov continuou a pensar. Não podia parar de

pensar. Era o homem de quem se esperava a iniciativa e

as decisões depois da lição de trinta minutos que Rhodan

pretendia ministrar ao mundo.

Ouviu-se a voz do locutor:

— Ao meio-dia transmitiremos o toque dos sinos da

torre de Spasski.

Mas ninguém ouviu o toque dos sinos. A tela

escureceu assim que a torre surgiu no fundo da paisagem

formada pelo Kremlim. Parado diante do aparelho,

Strelnikov lhe lançou um olhar sombrio.

— Apesar de tudo!... — resmungou.

Page 12: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

12

III

No dia 14 de junho, às nove horas da manhã, tempo

local, a Stardust-III pousou em Galáxia, que até então era

a única cidade situada nos quarenta mil quilômetros

quadrados do território da Terceira Potência, situado no

deserto de Gobi.

O Bloco Oriental desistira de seus planos. Strelnikov

divulgou a notícia cerca de uma hora depois da falta de

energia elétrica. Assim mesmo a Stardust-III continuou a

sobrevoar o território inimigo, a fim de verificar se

Strelnikov dizia a verdade.

A noite desceu sobre o continente asiático; nenhum

foguete saíra das rampas de disparo. A paz fora

resguardada. Rhodan tomou providências para que,

mesmo em qualquer momento posterior, um ataque de

surpresa não pudesse ser coroado de êxito.

A Terra respirou aliviada, primeiro porque Rhodan

voltara no momento exato, e depois porque cumprira sua

promessa de evitar a guerra.

Quando a Stardust-III pousou, o coronel Freyt, que na

ausência de Rhodan exercia as funções de chefe em

Galáxia, estava de prontidão.

Uma multidão de espectadores se comprimia nos

limites do campo de pouso.

Perry Rhodan saiu da nave em companhia de seu

copiloto, Reginald Bell, e de dois arcônidas, Crest e

Thora.

Freyt parecia aliviado, mas não muito feliz, quando

Rhodan lhe apertou a mão. Entraram no carro em que

Freyt viera e Rhodan perguntou:

— Tem algum problema, coronel?

Freyt hesitou. O carro já havia chegado perto do

destino quando resolveu falar.

— Sou acusado de negligência — disse. — Afirmam

que não percebi nem preveni em tempo a evolução da

política do Bloco Oriental. Acreditam que isso ficava

dentro do campo das minhas possibilidades e não

compreendem por que não tomei nenhuma providência.

Rhodan acenou com a cabeça.

— É só isso?

Freyt parecia desolado.

— É quanto basta!

Rhodan conhecera os problemas de Freyt depois que

a Stardust-III concluíra a transição a partir do planeta

Peregrino, e surgira num ponto situado além da órbita de

Plutão.

— Tenho que lhe dizer alguma coisa — respondeu

Rhodan depois de algum tempo. — E quero que acredite

que agi com as melhores intenções.

Freyt o olhou com uma expressão de espanto.

— Nunca seria capaz de duvidar disso.

— Pois espere. Tive que tomar precauções para que,

na minha ausência, ninguém abusasse dos recursos

técnicos da Terceira Potência, para... bem, para satisfazer

suas ambições, ou para qualquer outro fim. Você

compreende?

Freyt fez que sim. Começou a compreender por que

estivera de mãos atadas. Não gostou muito, mas seu

espírito era bastante objetivo para reconhecer que

Rhodan tinha razão.

— Você recebeu instruções para interferir na política

terrena somente se a Terceira Potência fosse atacada —

prosseguiu Rhodan. — Eu não poderia confiar que você

se limitaria a estas instruções, acontecesse o que

acontecesse. As tentações com que o homem se defronta

em nossa cidade são muito grandes. Você ainda não

possui um grau de treinamento arcônida que me permita

confiar unicamente nas instruções que lhe foram

ministradas. Por isso foi submetido a um bloqueio

hipnótico, pelo qual ficou preso às minhas instruções.

Estava impedido de tomar qualquer providência contra o

Bloco Oriental, enquanto nosso território não fosse

violado.

Colocou a mão sobre o ombro de Freyt e o olhou com

uma expressão séria.

— Sei perfeitamente que não vai gostar de mim por

causa disso, Freyt. Mas não pude agir de outra forma. Da

próxima vez não será mais necessário. Quanto aos quatro

anos e meio que se passou, o bloqueio hipnótico

representa um tipo de álibi para você.

Sorriu, apenas para tentar. Sentiu-se bastante aliviado

quando o coronel Freyt retribuiu o sorriso.

* * *

Uma atividade intensa tomou conta da cidade, cuja

população crescera nos últimos anos para oitocentos mil

habitantes.

O coronel Freyt estimulara a imigração de técnicos e

cientistas. Tomara providências para que a General

Cosmic Company construísse as enormes instalações de

montagem e iniciasse a produção de naves e caças

espaciais concebidos segundo os princípios arcônidas.

A Terceira Potência dispunha de dois cruzadores

pesados da classe Terra; eram naves esféricas com

duzentos metros de diâmetro. A construção de mais dois

cruzadores se encontrava em fase bastante adiantada.

A frota de caças espaciais aumentara para dez

esquadrilhas. Eram mil e oitenta aparelhos aptos a

enfrentar as condições reinantes no espaço, e que só por

si bastariam para garantir à Terceira Potência um

predomínio absoluto sobre a Terra.

O exército era formado por dez mil homens. Estavam

equipados com armamento arcônida e equivalia pelo

menos a vinte vezes esse número de soldados

convencionais.

Rhodan passou os olhos pelos relatórios que Freyt lhe

apresentou. Sua inteligência altamente treinada não

gastou mais de trinta minutos para incorporar todos os

dados. Tudo se passara conforme ele previra.

— Não gosto de usar palavras grandiosas — disse,

dirigindo-se ao coronel Freyt. — Mas não posso deixar

de constatar uma coisa. Você foi um representante

extraordinário. Fico-lhe muito grato.

Freyt não teve tempo para se alegrar com o elogio.

Rhodan tinha ordens a dar.

— Avise os governos dos diversos blocos de que...

bem... — piscou para Freyt — como direi? Avise-os de

que ficaria satisfeito em cumprimentar seus

representantes em Galáxia quanto antes.

Freyt anotou.

— Enfatize o quanto antes — recomendou Rhodan.

— Isso significa amanhã ou depois. Acrescente que,

muito embora a guerra tenha sido impedida, considero a

situação extremamente séria, motivo por que se torna

indispensável uma série de consultas.

Freyt também anotou este trecho.

Page 13: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

13

— Além disso, quero que designe uma pessoa de

confiança para o controle de precisão do

hipertransmissor. Quero revezar o homem que exercia

essas funções a bordo da Stardust-III. Ficou muito tempo

com os olhos abertos. Não há hora marcada para as

mensagens do major Deringhouse. Poderá ser anunciado

a qualquer momento que queira.

— Deringhouse? — perguntou Freyt, perplexo.

— Sim, Deringhouse. Larguei-o em Karaganda.

Quero que ele me ajude a atingir o segundo objetivo do

nosso plano. Sabe que devemos contar com as intenções

hostis do Bloco Oriental enquanto o atual governo

estiver no poder, não sabe?

— Naturalmente.

— Pois bem. Um belo dia prenderemos aqueles

cavalheiros de um golpe. E Deringhouse abrirá o

caminho para isso.

Em seu subconsciente, o coronel Freyt procurou

analisar a impressão que estas palavras lhe causavam.

Representavam um trecho da história mundial.

Subitamente, Freyt compreendeu que abismo imenso o

separava de Perry Rhodan. Nos últimos quatro anos e

meio supusera em várias ocasiões que fazia seu trabalho

tão bem feito como Perry Rhodan, e que, com esse

poderio imenso, qualquer um poderia dominar a Terra.

Acontece que não era tão fácil. Era necessário

conservar em quaisquer circunstâncias a noção do

alcance desse poderio. Quem se encontrasse nessa

situação ocuparia uma posição bastante exposta e não

poderia se dar ao luxo de deixar de cumprir qualquer

promessa. Em outras palavras, tornava-se necessário

jogar com a profusão das possibilidades como um

malabarista que brinca com dez bolas ao mesmo tempo.

Um agente pode fazer muita coisa que é proibida às

outras pessoas. Por outro lado, porém, não pode fazer

certas coisas que um homem normal consideraria óbvias.

O major Deringhouse trajava uma vestimenta

transportadora arcônida que, quando desejasse, o tornaria

invisível; mas por outro lado, quando fosse visível,

provocaria suspeitas em qualquer um. Deringhouse

resolveu iniciar seu trabalho em Karaganda. A cidade

com seus habitantes e soldados submetidos a uma

influência pós-hipnótica lhe parecia o melhor ponto de

partida.

No entanto, não havia dúvida de que mesmo uma

pessoa influenciada por Rhodan logo ligaria o

aparecimento de uma pessoa em trajes estranhos com o

surgimento da Stardust-III nos céus da cidade. Por isso,

Deringhouse preferiu deixar passar algumas horas antes

de entrar em Karaganda.

Não teria sido difícil a Rhodan influenciar a cidade

de tal forma que, mesmo como agente da Terceira

Potência, Deringhouse fosse recebido de braços abertos.

Mas esse estado de espírito logo se tornaria conhecido

em Moscou, e a cautela com que o serviço secreto

passaria a agir depois disso teria dificultado

desnecessariamente a tarefa de Deringhouse.

Dessa forma, o major resolveu aterrisar, invisível, nas

proximidades da aldeia de Plachowskoje, cerca de cento

e oitenta quilômetros de Karaganda. Ainda invisível, deu

uma volta pela aldeia. Foi quando aconteceu um fato

que, posteriormente, provocou nele a idéia de que o

próprio destino se empenhara em prestar auxílio a ele e à

Terceira Potência.

Plachowskoje era igual a qualquer outra aldeia da

região. Ficava à beira da estrada e quase não tinha ruas

transversais. As casas, baixas, eram rodeadas de campos

imensos, envoltos numa nuvem de pó alimentada

ininterruptamente pelas esteiras dos tratores e das

máquinas agrícolas.

Deringhouse supôs que o melhor lugar para descobrir

alguma coisa sobre o ânimo da população após o ataque

da Stardust-III seria o edifício da prefeitura, mas teve

algumas dificuldades em descobri-lo em meio às outras

casas.

Finalmente o reconheceu por causa de um pequeno

quadro de avisos, ao qual estava afixado um único

bilhete. No bilhete lia-se o seguinte:

O Conselho Municipal reúne-se hoje de noite, às 20

horas.

O aviso estava manuscrito. Deringhouse acreditava

que durante a reunião se falaria nos acontecimentos

daquele dia.

O edifício da prefeitura era formado por dois

pavimentos. Deu uma volta e viu uma ambulância

estacionada, numa área dos fundos do prédio. Pelo

letreiro, Deringhouse descobriu que o veículo vinha de

Uspenskij.

Isso era de admirar, já que a cidade de Karaganda,

muito maior, ficava mais próxima.

Deringhouse entrou no edifício e examinou o

pavimento térreo. Não ouviu nenhuma voz e por isso

abriu uma das portas que havia no hall de entrada. A

porta rangeu. Deringhouse viu uma sala semideserta. Só

havia uma mesa; atrás dela, um homem assustado se

levantou de um salto e com uma expressão de culpa no

rosto esfregou os olhos para espantar o sono.

Parecia não se perturbar muito com o fato de não ter

visto ninguém que pudesse ter aberto a porta. Suspirou,

voltou a sentar e murmurou uma expressão de alívio.

Deringhouse recuou, deixando a porta aberta. O homem

poderia acreditar que o vento a tivesse aberto. Mas, se

ela se fechasse por si, ficaria espantado.

Nesse instante Deringhouse ouviu vozes vindas do

andar de cima. Subiu a escada de dois em dois degraus

sem se incomodar com o ranger produzido por seus pés.

As vozes eram muito altas.

No andar superior havia um hall igual ao do térreo;

apenas tinha alguns metros quadrados a menos. As vozes

vinham de uma sala cuja porta estava aberta. Um homem

de uniforme e outro que parecia um camponês estavam

conversando.

Deringhouse parou diante da porta.

— O conselho faz questão de interrogar o homem

hoje de noite — anunciou o camponês — sejam quais

forem às condições em que se encontre. Falou coisas tão

estranhas que talvez tenhamos de avisar o serviço

secreto.

O homem de uniforme ergueu os ombros.

— Só posso dizer que o homem está em péssimas

condições físicas e mentais. Se for submetido a um

interrogatório hoje de noite, provavelmente não resistirá.

Mas, se não puder agir de outra forma, paciência.

“É um médico”, constatou Deringhouse. “Deve ser a

pessoa que veio na ambulância de Uspenskij.”

— Obrigado — respondeu o camponês. Parecia

aliviado. — O senhor poderia ter me causado maiores

dificuldades. Mas compreende que...

Page 14: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

14

O médico o interrompeu com um gesto.

— Compreendo. O senhor pode melhorar sua fama

na cidade se descobrir um inimigo do Estado e conseguir

prendê-lo e entregá-lo ao serviço secreto. Por que acha

que alguma coisa não está em ordem com esse homem?

O camponês respondeu sem hesitar.

— Algumas pessoas o viram descer lá fora, de

paraquedas e assento ejetável. Estava inconsciente. Ao

ser colocado na maca, abriu os olhos. E a primeira coisa

que disse foi o seguinte: “Parem com essa bobagem.

Vocês não podem sair vitoriosos dessa luta; o inimigo é

poderoso demais.”

— Por certo estava aludindo à nave espacial inimiga

que sobrevoou esta região, não é verdade? — disse o

médico.

O camponês acenou violentamente com a cabeça.

— Contou algumas coisas confusas sobre uma

gigantesca bola de fogo e sobre vários aviões de caça que

teriam entrado nas bolas de fogo produzidas por seus

próprios foguetes e explodido. Será que uma coisa dessas

pode ser verdade? Quem afirma uma coisa dessas é um

traidor e um sabotador, não é mesmo?

O médico se mostrou cauteloso.

— Depois saberemos — respondeu.

Deringhouse não estava interessado em saber como

prosseguiria a palestra. Provavelmente estariam falando

de um dos pilotos de caça que participaram do ataque à

Stardust-III. Ao que parecia o homem estava extraindo

da série de acontecimentos a única solução aceitável, e

por isso estava prestes a ser imprensado entre as

engrenagens do serviço secreto.

Onde estaria?

Sem ser notado pelos dois homens que conversavam

numa sala de porta aberta, Deringhouse abriu

cautelosamente uma série de outras portas. Finalmente

entrou numa sala escurecida, da qual saía o ruído de uma

respiração irregular.

Havia cortinas diante das janelas para impedir a

entrada da luz ofuscante. Deringhouse fechou a porta e

esperou até que os olhos se acostumassem à penumbra.

Num dos cantos havia uma cama de campanha

bastante primitiva. Sobre a cama estava estendido um

homem. Dormia e parecia precisar do sono. O rosto

estava arranhado e desfigurado. Apesar disso parecia

simpático.

Deringhouse gravou o rosto na memória e saiu da

sala com a mesma cautela com que havia entrado. Voltou

ao pavimento térreo e, depois de espiar por vários

buracos de fechadura, encontrou uma sala um pouco

maior, em que cadeiras e bancos se misturavam

desordenadamente. Era a sala de reuniões. Por enquanto

sabia o suficiente. Saiu do edifício da prefeitura. Para

passar o tempo que faltava até o anoitecer, furtou alguns

comestíveis da única loja existente na aldeia, tirou um

jarro de água límpida do poço e matou a fome e a sede

com sua presa de guerra.

Chegou à sala de reuniões muito antes das oito.

Ocupou um lugar seguro em cima de um dos armários

encostados à parede, onde ninguém esbarraria nele. Os

membros do conselho não pareciam ser muito pontuais.

Às oito horas só havia dois homens, além de

Deringhouse. Os quatorze restantes foram chegando

entre as oito e as oito e vinte.

O homem ferido que Deringhouse vira de tarde

entrou carregado em sua cama de campanha. Não se

percebia qualquer melhora considerável de seu estado.

Mas estava acordado e se mostrava bastante interessado.

Os homens o fitaram com uma curiosidade

indisfarçada. Finalmente o homem que de tarde

conversara com o médico militar abriu a reunião.

E logo passou à ordem do dia.

— Este homem — disse, apontando para o ferido —

é, ao que lhe consta, o único sobrevivente do ataque que

a 23a esquadrilha de caças de Karaganda desfechou

contra a nave espacial inimiga que hoje sobrevoou esta

região. As declarações que prestou a respeito do ataque

são tão estranhas que achei conveniente que ele as

repetisse diante de vocês. Depois deliberaremos sobre o

que devemos fazer face às suas declarações.

“Que idiota”, pensou Deringhouse. “Depois de ter

ouvido isso, o homem não voltará a manifestar sua

opinião.”

O camponês, que devia ser o prefeito da aldeia, se

voltou para o ferido.

— Comece a falar! — ordenou. — Indique seu nome

e posto e informe tudo que julgar importante. O senhor

se encontra diante do Conselho Municipal da aldeia de

Plachowskoje que, conforme sabe, terá que deliberar a

seu respeito, já que desceu no território desta aldeia.

O ferido se apoiou sobre os cotovelos. Via-se que

isso lhe exigia um grande esforço.

— Meu nome é Jaroslav Afimovitch Welinskij —

principiou com a voz fraca. — Sou capitão e comandante

do 5o esquadrão da 23

a esquadrilha de caças,

estacionados em Karaganda-Leste. Lá pelas quatorze e

quinze decolei da base, em companhia dos meus

companheiros de esquadrilha, a fim de atacar e destruir a

nave inimiga que se aproximava da cidade de Karaganda.

Nossa missão foi um fracasso. A maior parte, ou melhor,

todos os nossos aviões foram destruídos.

Forneceu uma descrição minuciosa da bola de fogo

que havia observado, e relatou como os caças se

tornaram vítimas dos foguetes por eles mesmos

disparados. Concluiu com estas palavras:

— Parecia que para o inimigo isso não passava de

uma brincadeira. Não teve de fazer o menor esforço para

destruir nossa esquadrilha. Não precisou mexer um dedo.

A parede de fogo que espalhou em torno de si provocou

a explosão dos foguetes e, com eles, dos nossos caças.

Em minha opinião, seria uma irresponsabilidade lutar

contra um inimigo destes. Não dispomos de nada

comparável com os recursos de que ele dispõe. Quem

quisesse resistir estaria agindo com o mesmo senso de

um menino que pretendesse deter um tanque pesado com

as mãos.

O protesto foi súbito e violento, como se viesse por

encomenda. Welinskij ouviu os piores insultos; as

palavras traidor e sabotador foram as mais suaves.

Deringhouse admirou a coragem daquele homem.

Tudo seria muito mais fácil para ele se tivesse relatado a

ocorrência em termos menos fortes. Face ao intenso

treinamento hipnótico a que fora submetido,

Deringhouse sabia o que esperava o capitão: seria

denunciado aos serviços de segurança e encaminhado a

um dos postos para ser submetido a um interrogatório

bastante minucioso.

A decisão de Deringhouse estava tomada.

Mas antes de executá-la queria saber o que

Page 15: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

15

aconteceria em seguida.

O chefe do conselho formulou a proposta que todos

esperavam: a transmissão de um aviso imediato aos

serviços de segurança.

Welinskij não manifestou qualquer oposição. Até o

fim respondeu a todas as perguntas com a maior

tranquilidade e objetividade. Depois de hora e meia de

interrogatório, as forças o abandonaram. Desmaiou e

deixou-se cair na cama.

Foi levado para fora. O chefe do conselho usou o

telefone para transmitir o aviso. Das palavras que foram

proferidas Deringhouse concluiu que o aviso foi

encaminhado ao posto do serviço de segurança sediado

em Akmolinsk, não ao de Karaganda.

Ao que parecia, conheciam a notícia de que naquela

cidade remava um espírito revolucionário depois que a

Stardust-III ali permaneceu por uma hora. Via-se que os

camponeses de Plachowskoje continuavam fiéis ao

governo.

* * *

Pela meia-noite o silêncio da grande planície foi

interrompido pelos estalos e chiados produzidos pelos

rotores de um helicóptero. Um veículo fracamente

iluminado desceu do céu nublado e aterrizou na estrada,

junto às primeiras casas da aldeia.

O prefeito, mais dois membros do conselho e dois

camponeses que carregavam a maca em que se

encontrava Welinskij estavam à espera. Welinskij havia

acordado.

Deringhouse estava invisível, parado à beira da

estrada. Observou o jovem capitão e procurou descobrir

como o mesmo se sentia. Mas Welinskij não revelava a

menor emoção.

O helicóptero dispunha de um amplo compartimento

de carga. Deringhouse não teve a menor dificuldade em

entrar sem ser notado e se acocorar junto à cama de

campanha de Welinskij.

Ouviu as pessoas conversarem por algum tempo do

lado de fora. Mas logo o motor voltou a chiar, os rotores

bateram e o aparelho se levantou com um forte

solavanco.

“Até aqui tudo bem”, pensou Deringhouse.

É verdade que pretendia ir a Karaganda, mas parece

que os acontecimentos tomaram outra direção. Será que a

modificação se revelaria útil à sua missão?

Ficou quebrando a cabeça a respeito e chegou à

conclusão de que pouco importava o ponto em que

iniciaria sua marcha propriamente dita.

De qualquer maneira teria de ir a Moscou, e tanto

fazia que partisse de Akmolinsk ou de Karaganda.

O voo para Akmolinsk não durou mais de trinta

minutos. Apesar do barulho causado pelo helicóptero

Welinskij adormecera. Só despertou quando sua maca foi

retirada do compartimento de carga.

Deringhouse saiu atrás dela, e foi então que

aconteceu o primeiro incidente.

A porta do compartimento ficava cerca de metro e

meio acima do solo. Os homens que aguardavam o

helicóptero conversavam em altas vozes; por isso

Deringhouse acreditava que não haveria o menor risco

em saltar para fora. Mas não percebeu que, próximo à

porta, havia um tipo de encaixe. Ao saltar, ficou com o

pé direito preso ali. Tombou para frente e caiu sobre o

ombro do homem que se encontrava mais próximo ao

helicóptero.

De início houve uma tremenda confusão. O homem

foi atirado para frente pela força do impacto e arrastou

mais algumas pessoas.

Mas logo todos se viraram, de pistola na mão. À luz

das lâmpadas que iluminavam o campo de pouso,

Deringhouse viu seus rostos decididos e perplexos.

— O que foi isso? — perguntou um deles.

— Alguém saltou sobre as minhas costas — disse o

homem sobre o qual Deringhouse havia caído.

— Deixe de bobagens — disse outro. — Não há

ninguém aqui além de nós!

— Pois eu lhe digo...

O homem se aproximou cautelosamente da porta e

olhou para dentro. O compartimento de carga estava

escuro.

— Há alguém aí dentro? — perguntou em voz alta.

— Saia!

Não houve resposta. Deringhouse já se levantara e se

colocara de pé junto à cabina do piloto. Viu que

Welinskij observava tudo com o maior interesse.

— Eu lhe disse que não há ninguém — disse um dos

homens que permaneceram de pé.

Mas seu companheiro não se perturbou. Deringhouse

não pôde deixar de reconhecer que era um rapaz

corajoso. Entrou imediatamente no compartimento de

carga e revistou-o. Quando voltou, tinha o rosto ainda

mais perplexo.

— É verdade, não há ninguém — disse com a voz

baixa.

Os outros riram.

Pegaram a maca de Welinskij e saíram com ela. O

homem sobre cujos ombros Deringhouse caíra voltou a

cabeça mais de uma vez, lançando olhares desconfiados

para o helicóptero.

* * *

Welinskij passou uma noite desassossegada. Sua

cama fora colocada num cubículo com cheiro de mofo

que ficava num galpão do campo de pouso. Ninguém se

incomodou com ele. Aproveitou o tempo para dormir um

pouco.

Pelas sete da manhã serviram-lhe um café reforçado e

perguntaram se já estava em condições de levantar.

Experimentou e conseguiu, embora dali a cinco

minutos já visse manchas coloridas diante dos olhos.

Foi levado por um longo corredor que dava para

outra sala do mesmo galpão. Um major estava sentado

atrás de uma escrivaninha.

Welinskij fez continência. O major retribuiu. Os dois

homens que haviam acompanhado Welinskij se

retiraram.

— Sente-se — disse o major. — Acho que ainda não

está muito bom das pernas.

Welinskij sentou; estava surpreso com tamanha

gentileza.

— O senhor vai contar a história mais uma vez —

disse o major com um sorriso. — Tenho diante de mim o

relatório vindo de Plachowskoje, mas não estou

entendendo bem.

Welinskij voltou a relatar tudo. Pela terceira vez

contou a história por ele vivida.

O major o escutou com muita atenção. Assim que

Welinskij terminou, perguntou:

— E daí?

Page 16: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

16

Welinskij estava perplexo.

— Por causa destas declarações — explicou —

aquela gente de Plachowskoje fez de mim um traidor e

sabotador e me encaminhou ao serviço de segurança.

O major pareceu se divertir com esse fato.

— Meu Deus! — disse, rindo. — Se eu tivesse

passado pelo que o senhor passou, teria contado

exatamente a mesma coisa. Não vejo onde está a

sabotagem ou a traição.

Welinskij não acreditou no que estava ouvindo.

— Está falando sério? — perguntou em tom

hesitante, se inclinando para frente.

O major fez que sim.

— Sem dúvida.

— Quer dizer que posso voltar para Karaganda?

— Não pode, não.

Welinskij se assustou. Não permitiam que voltasse.

Quer dizer que havia alguma coisa.

— Seu caso foi muito comentado — prosseguiu o

major. — O Conselho Supremo nos enviou um homem

de confiança, que vai levar o senhor a Moscou. O

conselho pede que relate os acontecimentos em sessão

secreta. Evidentemente fará isso como homem livre. Não

há motivo para acusá-lo de traição, sabotagem ou

derrotismo.

Os ouvidos de Welinskij começaram a zumbir. Mal

ouviu a pergunta:

— O senhor concorda?

— Sim... sim, naturalmente.

O major preencheu um formulário. Entregou-o a

Welinskij e disse:

— Vá até o galpão C e bata à porta da sala número

vinte e cinco. Ali encontrará o homem que deverá levá-lo

a Moscou. Mostre-lhe este bilhete. Boa viagem!

Welinskij se sentia confuso. Agradeceu e se retirou.

Subitamente esquecera a fraqueza que sentia; estava

curioso para ver o homem que o levaria a Moscou.

Viajariam por terra? Por que não iriam...

Quando encontrou o galpão C esqueceu a pergunta.

Atravessou o corredor e encontrou a porta com o número

vinte e cinco. Bateu.

— Entre! — disse alguém.

Welinskij entrou.

Na sala havia uma mesa e uma cadeira. Sobre a mesa,

Welinskij viu um par de solas de bota bem frisadas. Deu

um passo para o lado e viu as pernas em que as botas

estavam enfiadas e o homem ao qual pertenciam essas

pernas.

Seu aspecto não tinha nada daquilo que Welinskij

imaginara num elemento de comunicação do Conselho

Supremo. Não havia dúvida de que tinha menos de trinta

anos. Os cabelos estavam cortados à escovinha, e os

olhos emitiam um brilho azulado.

O mais estranho naquele homem era seu

equipamento. Usava um traje que parecia uma

combinação de vestimenta de mergulhador, alpinista e

mecânico. Welinskij nunca vira coisa parecida. Com

certo respeito contemplou as coronhas das armas, que

sobressaíam dos coldres existentes na altura do quadril

ou na parte superior da coxa.

— Terminou a inspeção? — perguntou o homem,

tirando as pernas de cima da mesa.

Welinskij se lembrou do que tinha a fazer. Ficou em

posição de sentido e fez continência:

O louro — Welinskij notou que tinha perto de dois

metros de altura — fez um gesto displicente.

— Sim, já sei. O prenome é Jaroslav Afimovitch.

Capitão-comandante do 5o esquadrão da 23

a esquadrilha

de caças, estacionada em Karaganda-Leste. Correto?

— Perfeitamente — respondeu Welinskij, perplexo.

— Sou Lub — disse o louro. — Veja bem: não digo

que meu nome é Lub. Esqueci meu verdadeiro nome. Os

homens que importam me conhecem como Lub. O

senhor também me chamará assim.

— Está bem — respondeu Welinskij.

— Iremos juntos a Moscou — prosseguiu Lub.

— Perfeitamente. Permita que lhe faça uma

pergunta?

— Naturalmente.

— Por que não vamos de avião? Chegaríamos mais

cedo.

Lub deu um sorriso de escárnio.

— É um rapaz esperto, não é? Acontece que iremos

por terra.

Welinskij logo formou sua opinião. Nunca vira um

homem mais descontraído e lacônico que Lub. Não seria

fácil tirar dele alguma coisa que não quisesse revelar.

Apesar disso Welinskij o achou simpático, até muito

simpático.

Lub não se demorou muito no aeroporto. Todos

pareciam conhecê-lo, pois ninguém lhe pedia que se

identificasse. Welinskij o seguiu.

Às dez horas embarcaram num dos modernos trens

elétricos da Estrada de Ferro Transiberiana, que os

levaria a Moscou, passando por Magnitogorsk e

Kufbychev.

— É mais confortável — explicou Lub em termos

lacônicos. — Mandei reservar um compartimento só para

nós. Até pode dormir.

No momento Welinskij não tinha disposição para

isso. Enquanto o trem atravessava a paisagem numa

velocidade de trezentos quilômetros por hora, voltou a

examinar Lub. Viu que este o percebia e formulou uma

pergunta, para se antecipar a uma observação irônica:

— Que terno é esse?

Lub sorriu.

— É um traje especial — respondeu. — Não deixa

passar balas ou outras coisas desagradáveis. Além disso,

pode executar uma série de truques. Oportunamente lhe

mostrarei.

Ao que parecia quis fugir a outras perguntas, pois

ligou o televisor que se achava instalado neste como em

todos os demais compartimentos do trem sumamente

confortável. Um programa insosso se desenrolou diante

deles... até o momento em que Perry Rhodan interferiu

na rede terrena de televisão e transmitiu sua advertência

dirigida ao governo do Bloco Oriental.

Welinskij acompanhou a alocução com os olhos

atentos. Mas Lub se reclinou num canto e fez como se

achasse aquilo muito tedioso. Quando Rhodan terminou

e o programa anterior voltou ao ar, Welinskij disse:

— Será que Strelnikov concordará? Será que tomará

em consideração os ensinamentos dos últimos dias?

Lub deu de ombros.

— Como vou saber?

Welinskij se exaltou.

— Será que isso não o comove? Todo mundo deve

refletir se vale a pena se engalfinhar com um inimigo

Page 17: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

17

destes, ou se é preferível entrar em negociações para

salvar a pátria.

Lub sacudiu a cabeça.

— Pois eu, por princípio, não quebro a cabeça sobre

estas coisas.

Welinskij achou que a atitude de Lub era repugnante,

mas não disse mais uma palavra a este respeito.

Às onze e meia o trem parou em Atbassar, uma

pequena localidade onde a parada do trem não era

prevista. Lub sorriu.

— Sabe por que o trem parou? — perguntou a

Welinskij.

— Para não se encontrar em qualquer lugar no meio

da linha quando faltar energia — disse o capitão com

toda franqueza.

Lub fez que sim. Depois disse:

— Venha comigo; vamos descer. Welinskij se

assustou.

— Por quê?

— Depois explico.

Welinskij obedeceu. Quando desceram foram

abordados pelo condutor.

— Aqui a descida não é permitida. Fiquem no trem.

— Não vou ficar coisa alguma — resmungou Lub. —

Quero esticar as pernas.

O condutor não tinha qualquer objeção. Lub marchou

em companhia de Welinskij pela plataforma arenosa.

Examinaram a cabana do guarda-trilhos e contornaram-

na.

— Fique aqui mesmo! — ordenou Lub de repente. —

Voltarei logo.

Welinskij obedeceu. Lub voltou a contornar a cabana

e retornou dali a dois minutos.

— Tudo em ordem — disse com um sorriso. —

Vamos andando.

— Para onde? — perguntou Welinskij perplexo.

Lub apontou para os telhados achatados da pequena

localidade, que sobressaíam em meio à névoa que cobria

a planície.

— Para lá. Gosto de aproveitar os intervalos que me

são impostos. Conheço pouca coisa desta terra imensa.

Gostaria de ver Atbassar.

— Vamos voltar em tempo? — perguntou Welinskij,

preocupado.

Lub deu de ombros.

— Não sei — respondeu.

Foram andando, e fizeram-no sem rebuços. Todo

mundo os via, inclusive o solícito condutor, mas

ninguém procurou detê-los. Foi outra coisa que deixou

Welinskij admirado.

Atbassar ficava cerca de seis quilômetros da estação.

Ainda não haviam percorrido a metade da estrada

poeirenta e esburacada, quando o chiado dos jatos de um

avião se fez ouvir, vindo do leste. Lub levantou o braço e

olhou para o relógio. Welinskij o viu estremecer.

— Que idiota! — disse por entre os dentes. — Por

que não aterrizou?

Pararam.

Welinskij não saberia dizer o que havia de errado

naquele avião. Mas percebeu-o assim que o ponteiro de

segundos do relógio de Lub saltou para o número doze.

De um instante para outro o ruído vigoroso dos jatos

cessou, já que o suprimento de energia das bombas de

combustível, compressores, ativadores e outros

componentes importantes do mecanismo foram

interrompidos. O chiado se transformou num uivo, e este

acabou num miserável apito. Um minuto depois das

doze, a máquina, que antes era um ponto brilhante no

azul do céu, estava transformada numa grande mancha

cinzenta.

Lub não respondeu.

O avião passou em disparada por cima da aldeia de

Atbassar.

As asas estreitas, concebidas para um deslocamento

em alta velocidade, não davam sustentação ao avião. Sua

queda foi semelhante à de uma pedra achatada.

Tudo terminou numa labareda ofuscante que surgiu

bem além da aldeia de Atbassar, e num estrondo abafado

que segundos depois percorreu a planície.

— Que Deus tenha compaixão deles! — disse Lub e

voltou a se descontrair.

Quando reiniciaram a marcha, os joelhos de

Welinskij estavam trêmulos.

Pela uma e meia chegaram à aldeia. Lub ordenou:

— É preferível que espere aqui. Quero dar uma

olhada.

Welinskij estava tão deprimido que não se encontrava

em condições de formular qualquer objeção. Sentou na

beira da estrada e esperou. Lub foi andando.

Só se sobressaltou uma vez em sua atitude

cismarenta. Foi quando, ao meio-dia e meia em ponto, os

motores dos tratores entraram em funcionamento com

um rugido e transportou uma caravana de enfermeiros e

voluntários — mas também de curiosos — em direção ao

local em que o avião havia caído.

“Provavelmente Lub não vai encontrar ninguém na

aldeia”, pensou Welinskij; mas em face do desastre que

testemunhara isso não o preocupou.

Meia hora depois se aproximou aos solavancos uma

daquelas carroças motorizadas que, nos últimos anos,

vinham sendo usadas pelos camponeses. Lub estava à

direção e, quando parou diante de Welinskij, sorriu

alegremente como se acabasse de fazer um bom negócio.

— Suba! — disse.

Welinskij subiu e sentou perto de Lub.

— Onde arranjou isso? — perguntou.

— Comprei — foi a resposta.

— Onde pretende ir?

— A Kosgorodok.

Welinskij quase ficou sem fôlego.

— O que vamos fazer em Kosgorodok? Não

pretendia me levar a Moscou?

Lub fez que sim.

— Sei que estou pedindo muito — disse. — Mas

vamos fazer um acordo. Em Kosgorodok eu lhe digo

exatamente o que está havendo. Em compensação você

promete que não fará mais perguntas. Combinado?

Welinskij refletiu.

— De acordo — disse depois de algum tempo.

Pelo que dizia Lub, Kosgorodok ficava a pouco mais

de duzentos quilômetros de Atbassar. Só chegariam no

fim da tarde, isso se não houvesse nenhum enguiço no

veículo.

Page 18: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

18

IV

O coronel Freyt fez-se anunciar. Rhodan fez com que

entrasse imediatamente.

— Já temos a concordância dos governos da

Federação Asiática e do bloco da OTAN — disse Freyt.

— O Bloco Oriental ainda não acusou o recebimento de

nossa nota, nem deu qualquer resposta.

Rhodan acenou com a cabeça.

— Isso era de esperar. Estaremos em três, Freyt.

Conseguiu combinar dia e hora?

— Sim senhor. Amanhã, dia 16 de junho, se possível

às quatorze horas, tempo local.

— Ótimo. Já confirmou?

— Sim senhor. Fui eu que sugeri esse dia e hora.

Rhodan levantou as sobrancelhas, num gesto

zombeteiro.

— Houve alguma objeção?

— Nenhuma — respondeu Freyt com um sorriso.

— Isso representa um bom atestado da nossa

reputação.

Freyt se retirou e Rhodan voltou a mergulhar nas suas

meditações.

O que realmente o incomodava na situação atual da

política terrena não eram os desvios de que o Bloco

Oriental se fizera culpado. Os recursos técnicos e

psicológicos da Terceira Potência poderiam vencer

qualquer atitude deste tipo dentro de poucas horas.

O principal motivo de suas preocupações era a

imaturidade humana que se revelava na conduta dos

Estados do Bloco Oriental.

Rhodan não era o tipo de homem que se entregava a

ilusões. Estava firmemente convencido de que

conseguiria abrir os olhos da Humanidade não só através

da instalação da Terceira Potência, levada a efeito apesar

de todos os obstáculos e hostilidade, mas também através

de uma abundância de informações sobre os

acontecimentos desenrolados na cidade de Galáxia, que

fez fluir para todos os países da Terra através de

numerosos canais. Convencera-se de que, recorrendo a

um material ilustrativo adequado, conseguiria dentro de

um tempo muito reduzido transformar o homem num

terreno, isto é, num ser com uma visão realista de sua

verdadeira terra natal; o homem se transformaria numa

partícula de pó tão impregnado do pensamento galáctico

que consideraria ridículas quaisquer disputas

particularistas em sua minúscula pátria, e não perderia

tempo com elas.

Mas, qual a realidade atual?

Por ocasião do primeiro voo tripulado à Lua realizada

pelo homem, Rhodan encontrou no satélite de nosso

planeta os representantes de uma raça humanoide

desconhecida. Vinham de um mundo que eles chamavam

de Árcon, e que ficava a trinta e quatro mil anos-luz da

Terra. Haviam pousado na Lua com uma nave

exploradora e Crest, o chefe científico da expedição,

sofria de leucemia.

Rhodan aproveitou a oportunidade. Retornou à Terra

em companhia de Crest, a quem prometera a cura, e fez

de sua nave, pousada no deserto de Gobi, o centro da

Terceira Potência.

Crest foi curado e manifestou sua gratidão, colocando

à disposição de Rhodan os recursos criados pela

tecnologia arcônida. Rhodan se defendeu dos ataques

desfechados pelos blocos de potências terrenas e

consolidou seu pequeno Estado. Recorreu ao campo de

absorção de nêutrons, uma invenção dos arcônidas, para

impedir uma guerra que teria significado o fim da

Humanidade.

A nave exploradora arcônida era comandada por uma

mulher chamada Thora. Era a mulher mais bela e

fascinante que Rhodan já vira. Mas, na opinião da

comandante, os homens não passavam de um bando de

criaturas semisselvagens, e foi assim que ela os tratou.

No entanto essa humanidade miserável conseguiu, num

esforço inaudito e sem que Rhodan o soubesse, destruir a

nave arcônida. Quando isso aconteceu, Thora não se

encontrava a bordo, e Crest já se radicara na Terra. Thora

e Crest sobreviveram à catástrofe, e o produto mais

importante de sua civilização que conseguiram salvar foi

uma nave auxiliar esférica de sessenta metros de

diâmetro, que não poderia realizar a viagem de volta ao

seu mundo natal.

Os arcônidas não tiveram outra alternativa senão

colaborar com a Humanidade. Precisavam de um veículo

apto a enfrentar as condições reinantes no espaço. Para

obtê-lo foi criada a General Cosmic Company, dirigida

pelo mutante Homer G. Adams.

Surgiram muitos perigos. Alguns deles ameaçavam a

Terceira Potência, vindos de um ou de alguns dos blocos

de potências roídos pela inveja; outros punham em risco

toda a Terra, provocados por inteligências extraterrenas,

que haviam encontrado a pista do cruzador destruído e

esperavam encontrar em nosso planeta uma presa fácil e

abundante.

Sobreviveram a tudo. No sistema Vega, situado a

uma distância de vinte e sete anos-luz, ajudaram uma

raça desesperada na sua luta contra um grupo de

invasores reptiloides. Depois da vitória, encontraram

indicações que lhes revelaram pistas do mundo em cuja

busca a nave exploradora dos arcônidas se lançara ao

espaço: o planeta da vida eterna.

Um poderoso desconhecido fez seu jogo com eles.

Conduziu-os a armadilhas e os libertou das mesmas, para

que provassem que eram dignos de se tornarem seus

herdeiros.

Encontraram o mundo do desconhecido. Era um

planeta artificial, que percorria uma trajetória também

artificial, realizando no curso de vários séculos um

movimento de translação em torno de mais de uma

dezena de sistemas solares. Deram a esse planeta o nome

de Peregrino. Encontraram o desconhecido e com ele o

segredo da vida eterna. Mas ficaram sabendo que a vida

eterna só caberia a Rhodan e aos homens que o mesmo

julgasse dignos de receberem essa dádiva.

O grande relógio da história galáctica assinalava o

fim do tempo dos arcônidas. A vida eterna não seria para

eles. Crest e Thora encontraram o mundo que

procuravam, mas essa descoberta não lhes trouxe

qualquer vantagem.

Rhodan e os terranos seriam os homens do futuro.

Retornaram do planeta Peregrino, depois de terem

ficado longe da Terra por alguns meses, segundo sua

contagem de tempo.

Mas durante a permanência no planeta Peregrino,

onde prevalecia um tempo diferente, a Terra vivera

quatro anos e meio. Nesses quatro anos e meio as

Page 19: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

19

pessoas ambiciosas haviam se acostumado à ideia de que

Rhodan nunca mais regressaria para intervir na política

terrena.

A Federação Asiática e o bloco da OTAN se

mantiveram na linha de cooperação interestatal já

adotada. Mas no Bloco Oriental houvera uma revolução

que fez vir à tona os elementos menos recomendáveis.

Dali em diante a discórdia voltou a reinar e, por um

triz, teria causado a guerra.

Rhodan se levantou e olhou pela janela.

Contemplou a área verde da cidade. A chuva artificial

criara um grande jardim em meio ao deserto.

Era preciso que fizesse os homens compreenderem

que teriam de obedecer até que sua inteligência estivesse

madura para a missão que a Humanidade tinha que

cumprir.

* * *

Ao chegarem perto de Kosgorodok, que não passava

de uma aldeia à margem de um reluzente lago salgado,

Welinskij e Lub se instalaram numa cabana desabitada.

Ao que parecia ninguém notou sua presença. Ninguém se

interessou por eles.

Mais uma vez Welinskij recebeu ordem para esperar

enquanto Lub foi à aldeia. Demorou mais que das outras

vezes, só voltando ao escurecer.

Welinskij se assustou quando viu na claridade da

porta que outro homem acompanhava Lub. Não saberia

dizer por que se assustou. Afinal, estava com a

consciência tranquila!

Na cabana não havia luz elétrica, mas Lub trouxera

uma vela. Acendeu-a e colocou-a no chão de terra batida.

Welinskij viu que o recém-chegado envergava um

uniforme de policial e voltou a se assustar.

Além do policial, Lub trouxera outras coisas: um pão

achatado e aromático e vários tipos de linguiça. Colocou

tudo isso no chão e disse:

— Daqui a pouco vamos comer. Mas antes disso este

homem nos contará uma coisa.

Sentaram em torno da vela. O policial não se fez de

rogado. Pôs-se a falar:

— O povo de Plachowskoje entregou um derrotista e

sabotador ao serviço de segurança de Akmolinsk.

Realmente o homem chegou a Akmolinsk, mas

desapareceu de forma misteriosa. Apareceu um homem

que, não se sabe como, conseguiu convencer o chefe do

serviço de segurança, um major, de que vinha de Moscou

e fora incumbido de levar o preso para lá. O major

entregou o preso. Quando foi interrogado a este respeito,

não soube dar qualquer explicação satisfatória. Além

disso, se recusou a admitir que o preso realmente fosse

um derrotista. Também não soube explicar essa opinião.

Há um detalhe muito importante. O preso foi

transportado de helicóptero de Plachowskoje para

Akmolinsk. Estava ferido e foi carregado em maca.

Quando foi descarregado em Akmolinsk, um dos homens

que carregavam a maca recebeu um esbarrão por trás e

caiu ao chão. Acontece que ninguém viu o homem que

fez isso, e o mesmo nunca foi encontrado.

“Outros elementos do serviço secreto seguiram a

pista do desconhecido e do sabotador. Em Akmolinsk os

dois tomaram o Expresso Transiberiano com destino a

Moscou. Em Atbassar o trem fez uma parada em virtude

da advertência sobre a interrupção do fornecimento de

energia proferida por Rhodan. O condutor do trem e o

guarda-linha são unânimes em afirmar que ninguém saiu

do trem durante a parada. Mas alguns passageiros

declaram que viram dois homens caminharem em

direção à aldeia de Atbassar. Um deles usava trajes

esquisitíssimos. É a última notícia que se teve dos dois.

Não apareceram em Atbassar. Estão sendo procurados

em toda a região.”

O policial se levantou sem que ninguém mandasse.

Virou-se, abriu a porta e desapareceu na escuridão. A

porta foi fechada atrás dele.

Welinskij notou perfeitamente que o homem se

movia como um boneco.

Sentiu que Lub o olhava e virou a cabeça.

— Então? — perguntou Lub.

— Isto é uma... uma... — gaguejou Welinskij.

— É o quê? — perguntou Lub com a voz tranqüila.

— Faz isso para me intimidar — explodiu Welinskij.

— Logo percebi que não é o homem pelo qual quer

passar. Pretende me impedir de fazer aquilo que é meu

dever. O sabotador é o senhor, não eu. É um traidor da...

Lub o interrompeu com um gesto. Nem chegou a se

aborrecer.

— Deixe de conversa — disse com toda calma. —

Quer insinuar que subornei o policial para que o mesmo

imaginasse uma história?

— Isso mesmo. E...

— Pois vá até a aldeia. Kosgorodok conta com dois

policiais. Procure o outro e diga quem é. Talvez ele seja

bastante inteligente para reconhecê-lo sem uma

apresentação. Espere para ver o que fará com você.

Welinskij se levantou.

— É isso mesmo que vou fazer — asseverou em tom

áspero. — Depois disso mandarei o policial até aqui,

para que tome conta do senhor.

Lub soltou uma gargalhada.

— Seu idiota!

Welinskij saiu.

Mas só deu alguns passos na escuridão. Afinal, por

que estava desconfiando de Lub? E se o policial tivesse

dito a verdade? Pois ele mesmo não se surpreendera com

o curso inesperado que os acontecimentos tomaram em

Akmolinsk?

“E se tudo que o policial dissera fosse verdade?...”

Outras indagações surgiram na mente de Welinskij.

Só Lub poderia dar a resposta.

Teria subornado o major em Akmolinsk? Que tolice!

Nenhum major se deixaria subornar com tanta facilidade.

Mas...

Welinskij deu meia-volta. Voltou a entrar na cabana

e, antes que Lub pudesse fazer uma observação

sarcástica, disse:

— Está bem... voltei. Deve ser um grande triunfo

para o senhor. Mas lhe prometo que irei imediatamente à

polícia sem me importar com o que poderá acontecer

depois, a não ser que forneça uma explicação plausível

sobre tudo que aconteceu desde hoje de manhã.

Lub o encarou.

— Belas palavras, patriota! — respondeu. — Eu lhe

prometi que em Kosgorodok saberia tudo, não prometi?

Talvez não goste do que vai ouvir. Mas ao pensar a

respeito use a cabeça e não o sentimento. Sente-se!

Welinskij obedeceu prontamente.

— Para começar do princípio — iniciou Lub — meu

verdadeiro nome é Conrad Ezechiel Deringhouse. A

Page 20: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

20

responsabilidade pelo segundo nome, e também pelos

outros, cabe a meus pais...

* * *

Se Strelnikov não demonstrou muita sabedoria

política, ao menos deu provas de sua capacidade de

reconhecer uma nova situação e reagir à mesma, quando

nas primeiras horas da manhã do dia 15 de junho

transmitiu suas instruções ao Conselho Supremo.

Já se conformara com a ideia de que não convinha

subestimar as forças do inimigo, e se conduziu de acordo

com a mesma. Determinou que de nenhuma reunião do

conselho deveriam participar mais de cem membros. Era

pouco menos de um terço da totalidade dos seus

componentes.

Dessa forma evitaria que Rhodan conseguisse

dominar todo o conselho de uma só vez, através de seus

inexplicáveis recursos hipnóticos. O voto de um terço

dos membros era necessário para instaurar o debate sobre

qualquer problema, e nem isso Rhodan poderia fazer de

um golpe.

Strelnikov adotou, sem qualquer subterfúgio,

métodos de governo ditatoriais. Dava as ordens e, aos

demais membros do conselho, só cabia cumpri-las.

Enviou três divisões a Komsomolsk para reprimir a

revolta que eclodira naquela cidade.

E fez outra coisa. Interessou-se pelas estranhas

notícias que falavam de um capitão da força aérea que

desaparecera de Akmolinsk. Havia a participação de um

desconhecido ainda mais suspeito; ninguém sabia quem

era ou de onde vinha.

Strelnikov tinha certeza quase absoluta de que se

tratava de um dos agentes de Rhodan. Por isso mobilizou

todos os recursos para prendê-lo. Sabia que Rhodan fazia

muita questão do bem-estar das pessoas que com ele

colaboravam, motivo por que o prisioneiro teria um valor

inestimável como refém.

Era bem verdade que, pelas informações recebidas

até então, era de supor que aquele homem dispunha de

duas faculdades: impor sua vontade aos outros e se tornar

invisível.

Das primeiras vezes que essa afirmativa foi

formulada diante dele, Strelnikov disse que era tolice.

Mas, quando os mesmos acontecimentos foram relatados

pelas mais diversas pessoas com que os dois se

encontravam no caminho, a conclusão que se impunha

era exatamente essa, e Strelnikov se conformou com ela.

Dali em diante a polícia e o serviço de segurança

recebeu instruções de procurarem localizar o capitão

Welinskij, vigiá-lo e aguardar até que o estranho

aparecesse em sua companhia. Todos foram avisados de

que não deveriam atacar o desconhecido pela frente.

Strelnikov nem imaginava que com todas essas

instruções — desde a proibição das reuniões do

Conselho Supremo em sua totalidade até a ordem de

perseguir Welinskij — fez exatamente aquilo que

Rhodan e Deringhouse esperavam dele.

Era esta a guerra psicológica num sentido mais

elevado.

* * *

Depois das explanações de Deringhouse, a discussão

teve um fim tranqüilo. Deringhouse disse:

— Se tiver vontade de sair correndo para fazer minha

caveira em qualquer delegacia de polícia, não demorarei

em agarrá-lo. Estamos entendidos?

A ameaça era desnecessária. Deringhouse expusera

sua missão e suas ideias com a maior franqueza, sem

recorrer a qualquer meio para converter Welinskij à sua

opinião.

Este acreditou na sinceridade de Deringhouse e foi de

opinião que o plano por ele exposto só poderia ser

considerado justo e razoável, até mesmo por um patriota.

Saíram de Kosgorodok e prosseguiram na direção

oeste. Viajaram de trem, roubaram helicópteros, andaram

alguns quilômetros a pé e percorreram algumas centenas

de quilômetros de automóvel.

Nesse meio tempo, já no dia 17 de junho, haviam

chegado a Magnitogorsk. Haviam percorrido quase

metade do trecho de Akmolinsk para Moscou.

Deringhouse se dirigira a Magnitogorsk com uma

intenção bem definida. Tinha certeza de que os setores

responsáveis sabiam, ou desconfiavam, de que ele e

Welinskij se encontravam naquela cidade, e pretendia

lhes dar um osso duro de roer.

De Magnitogorsk saía uma pequena estrada de ferro

em direção a Bajmak, que ficava cerca de cem

quilômetros ao sul. Qualquer um diria que Bajmak era

um lugarejo insignificante, e ninguém saberia dizer por

que se deram ao trabalho de construir uma estrada de

ferro para lá.

Só Deringhouse e mais umas poucas pessoas sabiam.

Em Bajmak era extraído o minério de urânio mais rico

que existia na Terra. Até se falava em veios de urânio

puro que afloravam nas galerias da mina. Era evidente

que o governo se esforçava para guardar o maior sigilo

sobre a jazida. Oficialmente dizia-se que em Bajmak

haviam sido localizadas jazidas de estanho de proporções

reduzidas.

Deringhouse e Welinskij compraram passagem e

tomaram o trem para Bajmak. Mais ou menos a meio

caminho o trem parou num desvio e deixou passar um

comboio carregado de minério. Deringhouse fitou

atentamente os carros cobertos de lona. Subitamente,

Welinskij puxou-o pelo braço.

— Olhe! — chiou, apontando para frente do carro.

Olhando pelas portas envidraçadas, que permitiam a

visão de todos os carros, Deringhouse viu, dois carros

adiante, um homem uniformizado que examinava os

documentos dos passageiros. Virou a cabeça e, do lado

oposto, a uma distância igual, viu outro policial.

Abriu a janela e olhou para fora. Perto da locomotiva

e no fim da composição havia um terceiro e um quarto

policial.

— É o fim — disse Welinskij.

Não poderiam sair dessa. O traje de Deringhouse

chamaria a atenção de qualquer um e, mesmo que ele se

tornasse invisível, Welinskij não dispunha de qualquer

documento que o habilitasse a viajar para Bajmak. Além

disso, todos os policiais deviam conhecer seu rosto de

cor.

Mas Deringhouse não perdeu a calma.

Encontravam-se no terceiro carro a partir da

locomotiva. Welinskij viu que seu companheiro enfiou a

mão no bolso e passou a mexer numa arma que chamava

de projetor mental.

No vagão em que viajavam havia poucos passageiros;

apenas três operários sonolentos sentados num banco

Page 21: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

21

próximo à porta traseira.

O policial os despertou e pediu seus documentos.

Depois de examiná-los, se dirigiu a Deringhouse e

Welinskij.

— Não temos documentos — respondeu

Deringhouse.

O policial ficou perplexo. Depois de algum tempo

disse:

— Vocês não podem estar sem documentos. Vamos

logo, mostrem!

Deringhouse deu de ombros.

— Não tenho documentos, e meu amigo também não.

O policial ficou de olhos semicerrados e franziu a

testa.

— Escute aqui! — disse, esticando as palavras. —

Que traje é esse?

Deringhouse passou os olhos pela sua roupa e

respondeu:

— É um traje de alpinista. Acabo de comprar.

— Como é seu nome?

— Lub.

— Só isso?

— Só.

— Como se chama seu amigo?

Deringhouse deixou a resposta a cargo de Welinskij.

Este fez o que se esperava dele, embora a contragosto: se

assustou e só depois de uma demora altamente suspeita

se lembrou de um nome. E por cima de tudo o nome foi

este:

— Popoff!

Na Rússia este nome é tão frequente como Silva entre

nós.

O policial logo percebeu a situação com que se

defrontava.

— Ah! — exclamou. — Esperem aí! Fiquem

sentadinhos!

Com um passo rápido se dirigiu à janela e abriu-a. O

apito soou. Os policiais postados de ambos os lados do

trem responderam.

O policial que realizara o controle de documentos a

partir do carro da frente descera depois de ter concluído

o trabalho no segundo carro.

Deringhouse endireitou o corpo e comprimiu o

acionador do projetor mental contra o metal plastificado

do vagão. Transmitiu a ordem com o máximo de

concentração. Só se descontraiu quando o trem se pôs em

movimento com um solavanco.

O policial gritou alguma coisa para seu colega. Ao

que parecia ainda não percebera que o trem se pusera em

movimento. Deringhouse se colocou atrás dele, enlaçou-

o pelos joelhos, levantou-o e empurrou-o pela janela. A

velocidade do trem ainda era muito reduzida. O policial

não se machucaria na queda.

Os outros policiais demoraram em compreender o

que estava acontecendo. O trem ganhou velocidade.

Nada lhes restou senão gritar e sacudir os punhos.

Deringhouse soltou uma gostosa gargalhada. Não

teve a menor dificuldade em tranquilizar os três

trabalhadores por meio do projetor mental. Depois se

dirigiu a Welinskij.

— Da próxima vez avise o que pretende fazer —

queixou-se este. — Assim poderei me preparar.

Deringhouse continuou a rir.

— Você foi formidável! Agiu exatamente como

alguém que tem a impressão de que foi descoberto.

— Dentro de dois minutos o pessoal de Bajmak

saberá que estamos para chegar. E então?

— Que saibam! — respondeu Deringhouse. — Era

isso mesmo que eu queria.

Welinskij o olhou com uma expressão de

perplexidade, mas Deringhouse não lhe forneceu

qualquer explicação.

— Assumi um único risco neste jogo — disse. —

Não sabia se conseguiria influenciar o maquinista sem

poder vê-lo. Mas você viu, consegui.

* * *

Thora nunca julgara necessário se fazer anunciar a

Rhodan; mas desta vez ela agira assim. Durante os trinta

segundos que se passaram, desde o anúncio até o

momento em que Thora entrou em seu gabinete, Rhodan

procurou imaginar que consequência o choque sofrido no

planeta Peregrino devia ter provocado no espírito da

arcônida, pois de repente soube se adaptar aos modos

terrenos.

A figura ereta surgiu na porta. Era bela, de uma

beleza desconcertante, com seu cabelo muito claro, quase

branco, e o brilho vermelho irradiado por seus olhos.

Mas ainda se notavam os vestígios da decepção e das

provocações que experimentara no planeta Peregrino.

Rhodan convidou-a a sentar.

— Fico satisfeito em vê-la — disse em tom amável.

— Faz bastante tempo que não me visita.

Thora ergueu as sobrancelhas.

— Sempre se leva algum tempo para vencer um

choque deste — respondeu. Aliviado, Rhodan percebeu

que ela zombava de si mesma.

A arcônida tomou lugar à frente de seu interlocutor.

— Vim por um motivo egoísta — confessou. —

Gostaria de saber, para me distrair um pouco, o que faz o

mundo.

Rhodan relatou os fatos minuciosamente e em tom de

conversa.

— Não o compreendo — disse Thora em tom de

espanto, assim que Rhodan concluiu seu relato. — No

início usa vassoura de ferro e agora prefere enfrentar o

Bloco Oriental com um único agente, quando um ataque

concentrado resolveria tudo em poucas horas. E a

solução seria muito mais convincente.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Thora, não entende a psicologia terrena — disse

em tom professoral. — Em minha opinião, Deringhouse

não corre o menor perigo. Nada pode lhe acontecer, a

não ser que faça uma tolice. Por outro lado posso mostrar

à Humanidade em geral, e ao povo do Bloco Oriental em

particular, que, para a Terceira Potência, uma revolução

desse tipo nem chega a representar um acontecimento

que justifique o uso de armas pesadas ou o lançamento

de bombas.

Lançou um olhar indagador para Thora.

— Compreende o que quero dizer? Inclinou o corpo

para frente. — A Humanidade deve compreender que

Rhodan só precisa fazer isto — passou a mão por cima

da mesa — para remover quaisquer dificuldades. Espere

aí! — disse, adiantando-se a uma objeção de Thora. —

Não quero brilhar à custa dos outros. Apenas quero

obrigar a Humanidade a se unir. É este o meu objetivo.

Mas não pretendo usar a força; prefiro recorrer a um

Page 22: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

22

método especial, para fazer com que a própria

Humanidade acabe compreendendo. Se aceitasse suas

sugestões, a lembrança que ficaria dos acontecimentos

seria a de que os homens foram obrigados pela força

bruta a unir-se. E é isso que eu quero evitar.

Thora não soube o que responder. Depois de algum

tempo voltou a falar:

— Tem razão, como sempre.

Depois de mais alguns minutos de silêncio

perguntou:

— Quais são as perspectivas de voltarmos a Árcon?

A pergunta representou uma surpresa para Rhodan;

mas sua mente reagiu instantaneamente. Desde os

primeiros dias de sua cooperação com a Terra, Crest e

Thora só estavam empenhados em sua volta para Árcon.

E, mesmo quando já existiam recursos para isso, Rhodan

ficou adiando a realização desse desejo de uma

oportunidade para outra, por motivos de segurança

terrena. Sentiu que não poderia continuar assim por

muito tempo.

— Eu lhe prometi que viajaríamos para Árcon assim

que a Terra estivesse em segurança — respondeu.

Conforme era de esperar, Thora não demorou a

formular outra pergunta:

— Quando será isso?

— Aguardemos a conferência que se realizará hoje

— consolou-a Rhodan. — Se conseguirmos uma união,

mesmo imperfeita, poderemos decolar dentro de algumas

semanas.

Sabia que não era nada disso. A Terra estaria longe

de ser um lugar seguro, mesmo que a conferência que se

iniciava fosse coroada de êxito. Mas, consolando Thora,

evitou uma discussão acalorada.

— Está bem — suspirou Thora. — Depois de

tamanha espera aguentaremos mais algumas semanas.

* * *

Deringhouse fez o trem parar poucos quilômetros

antes de Bajmak e desceu juntamente com Welinskij. Os

que pretenderam impedi-lo foram influenciados

hipnoticamente para adotarem uma atitude mais

razoável.

Afastaram-se dos trilhos cerca de duzentos metros e,

andando paralelamente aos mesmos, se aproximaram de

Bajmak, ocultos pela vegetação. De um lugar elevado

viram que o trem no qual haviam viajado, ao chegar a

Bajmak, foi recebido por metade de um batalhão de

policiais. Por cerca de quinze minutos reinou uma

terrível confusão. Depois disso a tropa policial se dividiu

em vários grupos, que se deslocaram para o norte,

avançando de ambos os lados da linha férrea.

— Estão à nossa procura — disse Deringhouse.

Prosseguiram em sua marcha. Por um motivo que de

início lhes parecia inexplicável os policiais nunca se

afastavam mais de cinqüenta metros dos trilhos. Dessa

forma nunca encontrariam os sabotadores.

Posteriormente Deringhouse veio a saber que, em virtude

de suas armas superiores, os policiais receberam ordem

para não penetrarem em qualquer área onde a visão não

fosse perfeita. O comandante do destacamento policial

de Bajmak não estava interessado em enviar duzentos

policiais para o interior do matagal, e meia hora depois

ver duzentos sabotadores saírem de lá.

Welinskij e Deringhouse atingiram o lugarejo meia

hora depois, vindos do sul. Como ninguém os esperasse

de lá, conseguiram se aproximar a cem metros do

edifício em que funcionava a administração da pretensa

mina de estanho sem serem notados. Passaram o tempo

que faltava até o escurecer num matagal grande e denso,

sem que qualquer dos grupos de policiais que

patrulhavam a área os descobrisse.

Só depois das dez horas puseram mãos ao trabalho,

do qual por enquanto só Deringhouse tinha uma ideia

clara. Welinskij só sabia que no momento adequado

devia ser visto por alguém. E Deringhouse não ocultou o

fato de que isso representaria a parte mais difícil do

trabalho.

— Não se esqueça — avisou ao companheiro. — Eu

estou protegido contra as balas, mas você não. Não

assuma qualquer risco.

Aproximaram-se cautelosamente do complexo de

edifícios. Atrás da maior parte das janelas a luz já se

apagara. Só um dos barracos continuava iluminado por

uma desagradável luz fluorescente branco-azulada.

Deringhouse indicou o lugar em que Welinskij deveria

ficar.

— Aqui estará protegido — cochichou. — Voltarei

em tempo. Só se mostre o suficiente para que um policial

medianamente competente consiga gravar seu rosto.

Welinskij ficou nervoso.

— A quem vou me mostrar? Que diabo!

— A qualquer pessoa. Daqui a pouco haverá gente de

sobra nesta área.

* * *

Frunse, um georgiano, naquela noite de plantão no

barraco de vigilância, estava tranquilamente sentado à

mesa que ficava perto da janelinha com o pequeno

guichê. Para vencer o sono procurou afundar na leitura

de um jornal.

Frunse não era um homem muito instruído, mas

possuía uma vontade de ferro. Não falava o russo muito

bem, e a leitura do jornal se tornava ainda mais difícil.

Mas foi atravessando tenazmente os textos e desviou a

idéia de sono de sua mente até vencê-la definitivamente.

Estava entretido na leitura de uma notícia sobre uma

estranha mortandade do gado verificada na Sibéria

ocidental quando a porta se abriu. Frunse atirou o jornal

sobre a mesa e fitou a porta. Estava absolutamente certo

de que ninguém se aproximara do barraco. Havia um

único caminho que conduzia à porta, e apesar do esforço

exigido pela leitura teria percebido se alguém o

utilizasse.

A porta tinha fecho automático; não poderia se abrir

por si, nem permanecer aberta por tanto tempo.

Frunse se levantou. Sentia um pouco de medo, mas

precisava ver o que havia com a porta. Nesse instante ela

voltou a se fechar. Depois de hesitar um instante, Frunse

voltou à sua cadeira. Uma porta fechada não o

preocupava, e o que passou já pertencia ao passado. Mas

estava tão irritado que levou alguns minutos fitando os

espaços vazios do recinto, como se alguma coisa pudesse

estar escondida por ali.

Depois voltou a pegar o jornal.

Pouco depois voltou a se sobressaltar. Ouvira um

ruído. Olhou por cima do jornal, mas não viu nada. Só

quando voltou a ouvir o mesmo ruído percebeu a direção

de onde vinha.

O vigia se ergueu lentamente. Alguns segundos

preciosos se passaram antes que compreendesse que

Page 23: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

23

aquilo não era obra de um fantasma, mas de alguém que

sabia perfeitamente o que queria. Atrás das duas chapas

que acabavam de ser retiradas ficava o labirinto de fios

do equipamento de segurança, cujo painel central fora

instalado na mesa de Frunse. Não entendia nada dos

detalhes técnicos da instalação; mas sabia que qualquer

invasor, inclusive um sabotador, poderia penetrar nos

edifícios da administração e nas galerias sem ser

impedido ou mesmo notado se a instalação fosse

destruída ou danificada.

Isso não podia acontecer!

Com dois saltos enormes se colocou diante da parede.

Estendeu a mão para agarrar o invisível. Mas em vez de

agarrá-lo sentiu uma pancada violenta, que o atirou para

o lado oposto da sala. Por algum tempo ficou estendido

no chão, ofegante.

O medo e a raiva lutaram em sua mente. Olhando

para cima, ele viu que as pontas dos fios embutidos na

parede se moviam, ligações eram desfeitas e outras

estabelecidas. Não compreendia, mas tinha certeza de

que o invisível arruinaria as instalações de tal forma que

alguns dias se passariam antes que pudessem ser

reparadas.

Frunse rastejou cautelosamente em direção à sua

mesa. Apoiando-se em um dos pés, ergueu o corpo, abriu

a gaveta e retirou a pistola. Por baixo da mesa fez

pontaria em direção ao lugar em que supunha estar o

invisível e, num acesso de raiva e coragem, apertou o

gatilho.

A descarga provocou um estrondo naquele recinto

pequeno. Mas o efeito foi totalmente diferente do que

esperava: o estrondo da explosão foi superado pelo ruído

metálico do impacto do projétil contra a parede. Seguiu-

se um uivo cortante e o estilhaçar do vidro. Ao se voltar,

apavorado, percebeu que o tiro disparado para frente

quebrara a vidraça atrás dele.

Mas Frunse era um homem duro, e o fato

tranqüilizador de que o estranho nem tomava

conhecimento dos seus esforços, mas continuava a

trabalhar calmamente, diminuiu o medo de que se sentia

possuído. Inclinou-se sobre a mesa e levantou o fone.

Discou apressadamente os três algarismos da polícia e

gritou:

— Aqui entrou um invisível que está destruindo as

instalações do equipamento de segurança.

Deixou cair o fone e voltou a se abrigar atrás da

mesa.

O telefonema também não perturbou o invisível. Pelo

estalo dos fios partidos e pelo crepitar das faíscas, Frunse

percebeu que continuava a trabalhar.

“Você não perde por esperar”, pensou com o ânimo

furioso. “Logo será agarrado.”

Mas não tinha nenhuma ideia clara sobre a maneira

pela qual a polícia poderia ser mais bem sucedida contra

o inimigo invisível do que ele o fora.

Soltou um grito quando, pouco antes do momento em

que, pelos seus cálculos, a polícia devia aparecer, os

estalos e o crepitar cessaram subitamente e no mesmo

instante a porta voltou a se abrir.

— Nãããoo! — gritou Frunse. — Está escapando!

Passou por baixo da mesa e correu à porta. Mas era

evidente que na escuridão não via mais do invisível do

que vira na sala bem iluminada.

Welinskij ouviu as pisadas de muitos pés. Poucos

minutos antes ouvira o tiro disparado no barraco e o uivo

da bala que ricocheteava.

As pisadas se aproximaram. Vinham da estrada e

entraram no caminho que dava para o barraco. Pouco

depois os vultos dos policiais em desabalada carreira

surgiram na escuridão.

— Nãããoo! — gritou alguém do interior do barraco,

no mesmo instante em que Welinskij saía do seu

esconderijo. — Está escapando!

Os policiais se aproximaram. Num rápido exame,

Welinskij contou oito deles. A escuridão era quase

completa, mas viram-no. O grupo estacou. Depois que

pelos seus cálculos fora visto o suficiente, Welinskij

desapareceu no matagal. Alguém gritou:

— Sigam-no! Vamos! É ele!

Mas do lado do barraco ouviu-se a voz lamurienta de

alguém que falava um péssimo russo:

— É aqui, seus idiotas! Foi daqui que ele

desapareceu!

Welinskij correu pelo matagal. Estava a quase

cinqüenta metros dos policiais quando estes se refizeram

da confusão. Dois deles continuaram a persegui-lo. Os

outros correram em direção ao barraco.

Subitamente Welinskij percebeu que alguém o

segurava pela mão. Assustou-se. Mas Deringhouse ainda

pretendia tomar outras iniciativas.

— Abrace-me por trás — ordenou a Welinskij.

Este obedeceu.

— Agora realizaremos um pequeno vôo, para nos

afastarmos daqui o mais rápido e o mais longe possível.

Neste traje está embutido um gerador que, ligado à

potência máxima, produz um campo antigravitacional

capaz de suportar nós dois. Para isso devemos dispensar

a invisibilidade. Mas de noite isso não será tão perigoso.

Antes que pudesse proferir uma palavra, Welinskij

teve a sensação de quem se encontra num elevador que

desce em alta velocidade. Seu estômago parecia se

levantar um pouco. Assim que se recuperou do susto, viu

as luzes da mina bem abaixo do lugar em que estava.

— Não tenha medo — tranquilizou-o Deringhouse.

— Não é muito confortável, mas é melhor que fugir a pé.

— Mas se eu o soltar... — disse Welinskij, falando

com dificuldade.

— Nesse caso não acontecerá nada — explicou

Deringhouse. — Continuará a voar comigo. Só se der

socos ou pontapés em mim será desviado, e assim que

abandonar a gravisfera artificial cairá. Portanto, é

preferível que continue comigo.

Riu. Mas Welinskij não estava com vontade de rir.

Em seu interior o medo do desconhecido, do nunca visto,

lutava contra a admiração provocada por esse produto de

uma tecnologia incrivelmente desenvolvida.

Depois de algum tempo se acostumou à sensação

estranha da ausência parcial de gravidade e começou a se

interessar pelo que se passava em torno dele. Pelos

contornos pouco nítidos das colinas do sul da cadeia dos

Urais, que desfilavam abaixo deles, calculou em

duzentos metros a altitude em que voavam e em cem

quilômetros por hora a velocidade. A força do

deslocamento do ar fora reduzida bastante pelo campo de

gravitação artificial. Welinskij não sentia qualquer

incômodo, mesmo quando olhava por cima do ombro de

Deringhouse.

Pelo que notava, se deslocavam na direção oeste.

Page 24: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

24

V

Embora, na qualidade de perito militar, o marechal

Sirov participasse do Conselho Supremo apenas como

um adido viu-se diminuído como os demais quatrocentos

e quinze membros com direito de voto: foi reduzido à

simples condição de um receptor de ordens.

Mantinha-se escondido e mudava diariamente de

esconderijo.

Todos os dias, sempre numa hora diferente, entre as

oito da manhã e o meio-dia, Sirov recebia um chamado

telefônico e uma voz desconhecida lhe transmitia as

notícias mais recentes. Sempre que fosse importantes ele

as transmitia através de mais de vinte canais diferentes,

cujo emaranhado geralmente lhe era desconhecido,

fazendo-as chegar aos seus subordinados, a fim de que

estes tomassem as providências que se fizessem

necessárias.

Pelo menos três vezes por dia Sirov recebia um

telefonema de um homem que, segundo supunha, era o

secretário-geral Strelnikov. Este formulava sugestões de

como se devia reagir a esta ou aquela situação e esperava

que Sirov considerasse essas sugestões como ordens; o

que o marechal fazia com a melhor boa vontade.

Naquele dia, em 18 de junho, Sirov recebeu, logo

depois da transmissão das últimas notícias, um chamado

de alguém que falava com a voz disfarçada.

— Grande vitória — disse a voz.

— Grande êxito — respondeu Sirov. Eram as senhas

combinadas para que Sirov recebesse como ordens tudo

que lhe fosse dito em forma de sugestão.

— Temos novidades a respeito do agente de Rhodan

— prosseguiu a voz. — Ontem de noite apareceu em

Bajmak, na área de Magnitogorsk, pela forma usual e

incompreensível. Demonstrou muita autoconfiança. O

capitão Welinskij estava com ele. Safou-se mal e mal de

um controle realizado num trem. Na noite do mesmo dia

o sistema de segurança da mina de urânio foi danificado

de tal forma que o pessoal terá que trabalhar pelo menos

dois ou três dias para repará-lo.

Naquela voz notava-se um tom de triunfo. De início

Sirov ficou admirado com isso; mas logo compreendeu.

— Daí se pode concluir sem a menor dúvida —

prosseguiu a voz — que Welinskij e aquele agente

tentarão atacar a mina, e isso antes que as instalações de

segurança tenham sido reparadas. Portanto, sabemos que

nas próximas vinte e quatro horas, ou ainda nas próximas

quarenta e oito horas, os dois permanecerão em Bajmak.

Sirov compreendeu.

— Quero que mande seus melhores elementos para lá

— disse a voz. — Os dois não devem escapar!

— Entendido — respondeu Sirov. — Providenciarei

imediatamente.

— Muito bem. Por enquanto só tivemos

conhecimento de um agente que Rhodan introduziu em

nosso território. Tudo indica que realmente não haja

outro. Logo, parece que no momento não há nenhum

perigo para Moscou.

Isso representava certo alívio, não só para Strelnikov.

A palestra terminou com o estalo do fone. Sirov

baixou o gancho e discou rapidamente uma seqüência de

algarismos que sabia de cor. Transmitiu as instruções de

Strelnikov e todas as informações adicionais, e insistiu

na necessidade de que Welinskij e o agente fossem

capturados de qualquer maneira.

No curso do telefonema Sirov ouviu um ligeiro

chiado no pequeno apartamento que ocupava naquele

dia. Interrompeu a palestra e se virou. Podia ver a área

fronteira à porta; não havia ninguém. Disse para si

mesmo que algum ruído da rua devia ter chegado até lá e

continuou a falar ao telefone.

Quando terminou o telefonema, ficou sentado mais

algum tempo diante do telefone, mergulhado em

pensamentos e olhando para a janela encortinada. Depois

se levantou para pegar o maço de cigarros que se

encontrava no bolso do paletó.

Quando ia se afastando da escrivaninha, ele os viu, os

dois.

Um deles era Welinskij. Sirov vira muitos retratos

dele e o reconheceu imediatamente. O outro devia ser o

agente da Terceira Potência. Era alto e magro, tinha o

cabelo louro cortado à escovinha e seu rosto exibia um

sorriso irritante.

— Bom dia! — disse o louro com a voz amável. —

Entramos de forma um tanto estranha; queira desculpar.

Não tivemos outra alternativa. Pensávamos que...

Deu um salto enorme para o meio da sala. Era um

salto muito maior que o que Sirov pretendia dar para

alcançar a gaveta da escrivaninha.

O marechal teve a sensação de ter sido envolvido

num furacão. Numa raiva surda percebeu que o louro

alto nem quis recorrer às suas armas, sem dúvida muito

superiores; confiava apenas na força dos punhos e na

agilidade física.

Mas a raiva de Sirov não adiantou de nada. Levou

uma porção de socos doloridos antes que pudesse

levantar os braços para se proteger. Quando tentou

escapar, Deringhouse lhe bateu com ambos os punhos

em cima da cabeça. Sirov tonteou, dobrou os joelhos,

não conseguiu se manter de pé e caiu ao chão com um

baque.

A respiração de Deringhouse nem chegava a ser mais

rápida. Apenas a amabilidade havia desaparecido de seu

rosto.

— Não tente isso uma segunda vez! — avisou ao

marechal. — Dispomos de outros meios; da próxima vez

será um homem morto.

Sirov procurou se levantar. Deringhouse fez um gesto

e Welinskij veio em auxílio do marechal, arrastando-o

para uma cadeira e segurando-o. Deringhouse saiu da

sala. Voltou com um monte de fitas de plástico e as

atirou a Welinskij.

— Amarre-o! — ordenou. — Tenha cuidado. Sua

segurança depende disso.

Depois, perguntou a Sirov.

— Sabe por que estou aqui?

O marechal não respondeu. Deringhouse esboçou um

sorriso zombeteiro.

— Não venha me dizer que seu serviço de

informações é tão ineficiente. A conferência dos

governos legais das potências terrenas decidiu na tarde

de anteontem, em Galáxia, que os objetivos e métodos do

atual governo do Bloco Oriental deviam ser condenados

e exigiu a punição dos culpados por uma corte mundial.

Já deve ter ouvido falar nisso.

A essa altura Sirov já não conseguiu dominar a raiva.

— Não seja ridículo! — fungou. — Em Galáxia

Page 25: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

25

podem decidir e exigir o que quiserem. Quem vai se

interessar por isso?

— Você — respondeu Deringhouse. — Está em

minhas mãos, e delas só sairá para ser entregue ao

carcereiro de Galáxia.

Sirov se esforçou para soltar uma risada de escárnio,

mas não conseguiu.

— Aliás, você não será o único — prosseguiu

Deringhouse em tom indiferente. — Da mesma forma

que o encontrei, ainda vou pôr as mãos em algumas

outras pessoas. Assim não sentirá tanta solidão.

Sirov lhe lançou um olhar indagador. Deringhouse

percebeu que estava interessado em saber como pudera

localizar seu esconderijo. Mas não lhe explicou.

— Afinal, você só é um dos pequenos patifes —

disse Deringhouse.

Com isso a raiva de Sirov voltou a crescer; mas por

mais que forçasse as fitas de plástico, elas não cediam.

À saída do apartamento, Deringhouse transmitiu suas

instruções a Welinskij.

— Tenha cuidado! — preveniu-o. — Não caia em

qualquer truque. É preferível nem falar com ele. Não

devo demorar. Se houver um imprevisto, use o radiador

térmico. Infelizmente não posso lhe dar coisa melhor.

Welinskij voltou ao interior da residência e

Deringhouse se retirou. Examinou o lugar da porta onde

a fechadura fora retirada cuidadosamente com o radiador

térmico. Estava oculto sob a maçaneta e só mesmo

alguém que olhasse cuidadosamente e de perto notaria

alguma coisa.

Ali não haveria qualquer perigo. Mas, se Sirov

estivesse sendo vigiado, a coisa seria diferente. Nesse

caso...

Que nada! Welinskij possuía uma arma superior e

saberia se cuidar. Desde que dispusesse de mantimentos,

poderia resistir com o radiador térmico a um exército

inteiro enquanto conseguisse manter os olhos abertos.

Até então ele, Deringhouse, já estaria de volta.

Antes de tomar o elevador para descer ao térreo,

ativou o campo de deflexão luminosa. Assim que chegou

à calçada se elevou a uma altitude de dez metros e voou

acima do trânsito.

Seu destino era a central de telecomunicações. Por ali

passavam todos os condutos telefônicos de Moscou,

inclusive os dos dez ou quinze videofones de que a

cidade já dispunha.

Deringhouse tivera a ideia de penetrar na central de

telecomunicações enquanto, em companhia de Welinskij,

viajava de Magnitogorsk a Moscou, parte de avião, parte

de trem ou de carro. Chegando a Moscou, logo

transformou a idéia em realidade. Recorreu ao projetor

mental para penetrar no edifício e pelo mesmo meio

obteve permissão de acompanhar trechos das mensagens

do setor oficial F. Recorrera à compulsão hipnótica para

obter do diretor a informação de que as mensagens

internas do governo eram transmitidas por esse setor.

A tentativa foi coroada de êxito. Depois de dez

minutos, descobriu o esconderijo do marechal Sirov.

Acompanhara a transmissão das notícias.

Por simples acaso Sirov foi o primeiro a ser

descoberto. Poderia ter sido qualquer outro membro do

Conselho Supremo.

Deringhouse sabia que, no momento, era mais

importante descobrir o esconderijo de Strelnikov,

secretário-geral do conselho.

Se conseguisse pôr as mãos nele, o êxito do plano de

Rhodan estaria garantido.

Deringhouse não subestimou o risco que correria

numa busca a Strelnikov. Para uma pessoa isolada, o

exponencial de perigo que envolvia o projeto cresceria

com o tempo, por melhor que fosse seu equipamento.

Além disso, Deringhouse percebeu pela primeira vez

que, ao se unir a Welinskij, arranjara antes um peso que

um auxílio.

Aumentou a velocidade e, dez minutos depois que

deixara Welinskij, chegou ao edifício da central de

telecomunicações.

* * *

Rhodan procedeu metodicamente. Confiava antes de

tudo na força dos seus argumentos. Não havia nenhum

problema que o preocupasse tanto como o da união da

Humanidade, e facilmente poderia influenciar os

membros e representantes dos governos no sentido de

concordarem com suas sugestões. No entanto, nada fez

para que isso acontecesse.

Agiu de igual para igual. Inscreveu-se na lista dos

oradores e a palavra lhe foi concedida em primeiro lugar.

Nenhum dos presentes acreditava que aquilo que teria

para dizer fosse mais importante que a mensagem que

solicitara a conferência.

Quem esperava que Rhodan iniciasse seu discurso

com um relato do que fizera nos últimos quatro anos e

meio — e houve algumas pessoas que acreditavam que

ele utilizaria a conferência como plataforma publicitária

— logo viu que estava enganado. Rhodan falou sobre

aquilo que, nesse meio tempo, havia acontecido na Terra.

Leu o relatório sobre a revolução no Bloco Oriental,

redigido por seus agentes. Vários detalhes chegaram ao

conhecimento público pela primeira vez. Tratava-se de

fatos que os novos detentores do poder julgavam

acobertados pelo segredo.

Rhodan estava consciente dos efeitos que suas

revelações produziriam. Por sugestão sua e sem que os

delegados se opusessem, a conferência foi irradiada pelas

potentes emissoras de televisão da Terceira Potência e

retransmitida por todas as emissoras terrenas, com

exceção das situadas no território dos Estados que

compunham o Bloco Oriental.

Rhodan repetiu as recomendações formuladas aos

governos dos blocos de potências durante as conferências

panterrenas realizadas alguns anos atrás. Provou que o

novo governo do Bloco Oriental nada fizera para cumprir

essas recomendações e, mais do que isso, infringira e

continuava a infringir as mesmas.

Mas a acusação de maior peso formulada contra os

governos do Bloco Oriental foi a de que pretenderam

desencadear uma guerra que teria significado o fim da

Humanidade, se a Terceira Potência não tivesse

interferido a tempo.

As explanações de Rhodan não duraram mais que

uma hora. Assim mesmo abrangeram toda a

problemática em formulações sucintas e precisas. Ao

concluir disse:

— Senhores sem dúvida todos têm o direito de

levantar a voz em nome daquele grupo de mais de

quatrocentos milhões de pessoas, que já haviam

Page 26: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

26

começado a acreditar que dentro de poucos anos a Terra

seria um mundo da união, e que sofreram uma decepção

tão cruel em virtude de uma revolução que não merece

esse nome. Quero formular a seguinte proposta: a

conferência tomará uma resolução pela qual declarará

que os objetivos e métodos do Conselho Supremo do

Bloco Oriental são um procedimento criminoso e

contrário aos direitos humanos.

A proposta obteve aprovação unânime em primeira

votação.

Rhodan desceu da tribuna e deixou que outros

tomassem a palavra. Ficou satisfeito ao constatar que os

oradores seguintes, sem que o soubessem, se esforçavam

para aplainar o caminho para a outra proposta que

pretendia formular. Não interferiu nas discussões até que

julgou chegado o momento. Foi ao anoitecer daquele dia,

quando a conferência ameaçou transbordar da indignação

causada pelos métodos desumanos do regime que se

instalara no Bloco Oriental, métodos estes que foram

examinados sob os ângulos mais variados.

Levantou-se e propôs a criação de uma corte mundial

que teria a seu cargo o resguardo dos direitos humanos

em todos os pontos do globo. Ainda sugeriu que os

homens que detinham o poder no Bloco Oriental fossem

denunciados perante essa corte, trazidos à presença do

juiz e condenados.

Quando a proposta foi aceita, a grande maioria das

pessoas que se encontravam no enorme auditório de

Galáxia acreditou que a deliberação não passava de um

ato simbólico. Ninguém concebeu a idéia, e muito menos

acreditou que Rhodan conseguiria transformar a

resolução em realidade, nos seus mínimos pormenores.

Os trabalhos da conferência foram suspensos até a

manhã do dia seguinte. Nesse dia foram eleitos os juizes

da recém-criada corte mundial. A presidência foi

oferecida a Rhodan, mas este não a aceitou. O posto de

juiz supremo foi confiado a Frederick Donnifer, um

australiano que desempenhava as funções de ministro da

justiça do governo de Camberra. E logo se chegou a

acordo sobre o preenchimento dos demais cargos, ainda

mais que Donnifer formulava propostas que todos

julgavam aceitáveis.

Um orador indiano se queixou de que havia um

tribunal e um acusado, mas faltava a lei pela qual os

juízes poderiam se guiar ao proferir a condenação.

A objeção tinha fundamento. Mas logo se verificou

que o código a ser adotado poderia ser a Declaração dos

Direitos Humanos promulgada pelas Nações Unidas, que

não precisaria ser submetida a qualquer alteração.

Na noite daquele dia o tribunal foi constituído. Num

breve discurso, Rhodan ressaltou que em sua opinião o

ato representava a criação de mais uma instituição

panterrena, que oportunamente seria seguida de outras. A

mais importante e provavelmente a última seria o

governo panterreno.

A primeira iniciativa, a criação da Federação de

Defesa da Terra, não fora bem sucedida, mas valera

como primeiro passo.

Decidiu-se que, no dia seguinte, seria discutida a

forma de uma cooperação que precederia a constituição

da confederação terrena e posteriormente de um Estado

federado terreno. Os participantes da conferência se

separaram na convicção de terem feito o possível para

promover o progresso da Humanidade.

Rhodan providenciara para que seus hóspedes

recebessem um tratamento condigno em Galáxia. Tinha

certeza de que a profunda impressão que a cidade

causava nos visitantes e a hospitalidade que lhes estava

sendo dispensada representariam fatores positivos no

encaminhamento das negociações.

* * *

Meia hora se passou sem que Sirov dissesse uma

palavra. Welinskij estava sentado atrás dele e descansara

a arma de radiações no colo. Sirov não podia vê-lo. De

vez em quando, o capitão fumava um cigarro, para matar

o tempo e vencer o nervosismo.

Depois de algum tempo Sirov disse:

— Não poderia ao menos explicar o que esse homem

e a Terceira Potência pretendem fazer?

Welinskij não achou nada demais em responder à

pergunta. Deringhouse o esclarecera a este respeito, mas

Welinskij cometeu o erro de se julgar uma espécie de

missionário, a quem cabia levar a luz da verdade até

mesmo aos corações mais sombrios.

Subitamente Sirov interrompeu seu interlocutor.

Inclinou a cabeça para a frente o mais que as fitas de

plástico que lhe prendiam os ombros o permitiram.

— Está ouvindo? — cochichou.

Welinskij não ouviu nada.

— Alguém está subindo a escada — disse Sirov. —

Quem será? Seu companheiro?

Welinskij se levantou e segurou o radiador térmico.

— Vou dar uma olhada — disse.

Foi na ponta dos pés até a porta e saiu para a área

fronteira. Parou junto à entrada da residência e aguçou o

ouvido. Percebeu uma série de passos, mas talvez isso

não significasse nada. O edifício era grande, e seria de

estranhar se naquele instante não houvesse ninguém

pelas escadas.

Os passos não se fizeram ouvir nas imediações da

porta. Assim que se convenceu disso, Welinskij abriu a

porta o suficiente para enfiar a cabeça na fresta. Olhou

para a direita e para a esquerda; não havia ninguém.

Tranquilizado, fechou a porta.

No mesmo instante, ouviu um estalo surdo vindo da

sala em que Sirov se encontrava. Assustado, deu dois

passos largos, se colocou na porta de entrada e olhou

para a sala.

Sirov continuava sentado na sua cadeira... mas onde

ela estava! O marechal devia ter conseguido movê-la por

meio de vários solavancos. Naquele momento a cadeira

se encontrava ao lado esquerdo da escrivaninha e caíra

para frente. Sirov estava com o peito encostado ao canto

do móvel e teve que desenvolver um esforço tão intenso

para manter a cabeça ereta que as veias do pescoço se

incharam.

Welinskij levantou o radiador térmico.

— Não faça isso, seu idiota! — fungou Sirov. — Pelo

amor de Deus, fique onde está.

Welinskij hesitou. Estava perplexo. Só quando Sirov

deixou a cabeça pender para frente e seu rosto se

desfigurou numa careta de deboche percebeu o que

realmente estava acontecendo.

Numa espécie de movimento reflexo levantou a

pesada arma térmica. O dedo se entortou junto ao

gatilho. Mas no mesmo instante foi agarrado por um

Page 27: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

27

turbilhão ensurdecedor e seus pensamentos se apagaram.

* * *

A paciência de Deringhouse foi submetida a uma

prova dura. Strelnikov não parecia ser um dos usuários

mais assíduos do telefone. No curso de uma hora não

chegou a dar sinal de vida.

A não ser que o homem que, no início de cada

telefonema, dizia “grande vitória” e obtinha a resposta

“grande êxito” fosse Strelnikov. A possibilidade não

podia ser desprezada.

Depois de duas horas Deringhouse abandonou seu

posto de escuta. Anotara a posição do aparelho que

costumava ser usado pela “grande vitória”. Daria uma

olhada no local. Se não conseguisse nada, poderia voltar.

Saiu da central de telecomunicações às onze horas e

trinta e cinco minutos; dez minutos depois chegou à Rua

Vinte e Oito de Outubro, onde ficava o esconderijo de

Sirov. Logo viu a aglomeração que se formara diante do

prédio e não duvidou um instante que alguma coisa

acontecera com o marechal. Estava invisível; entrou

cautelosamente pelo largo portal, para não esbarrar em

ninguém, e voou pela escadaria em direção ao oitavo

andar, onde ficava a residência de Sirov.

Diante da residência notou um grupo de homens

uniformizados. Ainda percebeu uma fenda de uns dez

centímetros de largura, que descia pela parede do

corredor.

Parou no corredor, esperando que os policiais

deixassem a porta livre. Ouviu que, no apartamento,

houvera uma explosão cercada de circunstâncias bastante

estranhas. Ao que parecia ninguém sabia dizer quem era

o ocupante da residência, e ninguém tinha a menor ideia

sobre a causa da explosão.

Depois de ter esperado quinze minutos, Deringhouse

chegou ã conclusão de que qualquer perda de tempo

representaria um risco. Lançou mão do projetor mental.

Os policiais obedeceram à ordem que lhes foi transmitida

e afastaram-se para o lado, liberando a porta.

No interior do apartamento pelo menos seis policiais

se mantinham ativos. Deringhouse obrigou um por um a

se submeter à sua vontade e entrou no escritório de

Sirov.

No lugar em que antes existia a porta, abria-se um

enorme buraco. O soalho estava quebrado e parte do teto

desabara por cima da porta. Pelo buraco, via-se o

apartamento do nono andar.

Era estranho que a explosão quase não causara

nenhum dano no interior da sala. Uma prateleira de

livros caíra e seu conteúdo se espalhara pelo chão. Era

só.

O livro que fora atirado mais longe estava perto da

mão de um homem que a explosão erguera no ar e atirara

ao chão.

Era Welinskij.

Deringhouse se abaixou sobre ele, enquanto os

policiais, obedecendo ao seu comando hipnótico, se

enfileiravam junto à parede. Welinskij estava deitado de

bruços. Deringhouse o virou de costas e percebeu à

primeira vista que estava morto.

Welinskij!

Deringhouse cerrou o punho. Fora um jovem tão

entusiasta e tolo! Não deveria tê-lo deixado a sós com

Sirov, a raposa velha.

Mas ia lhes mostrar o que receberiam em troca desse

assassinato.

* * *

Dali a quinze minutos se encontrava novamente na

rua. Percebeu o risco que corria. Sirov fugira e era mais

que natural que acreditasse que ele, Deringhouse,

voltasse nas próximas horas para revezar Welinskij.

Mesmo um homem invisível equipado com uma arma

psicológica poderia ser capturado, desde que o número

de perseguidores fosse suficiente e estes agissem com

bastante habilidade.

No curso dos quinze minutos examinara o buraco

aberto pela explosão. Mesmo quem não fosse perito em

explosivos perceberia que a carga fora colocada de tal

maneira que mais de noventa e cinco por cento do efeito

explosivo se desenvolveria verticalmente para cima, a

partir da soleira da porta. Welinskij devia estar ali

quando a bomba foi detonada ou provavelmente ainda

estaria no hall, com a porta entreaberta.

Deringhouse também encontrou o detonador. Era um

botão de aparência inofensiva que se encontrava sobre o

tampo da escrivaninha. Perto desta se encontrava a

cadeira em que Sirov estivera sentado, ainda com os

restos das fitas de plástico.

Deringhouse pôde fazer a reconstituição mental dos

acontecimentos. Por algum motivo, Welinskij saíra da

sala. Pobre-diabo! Nunca deveria ter feito uma coisa

dessas. Sirov aproveitou o tempo para escorregar com a

cadeira para junto da escrivaninha e, no momento em

que Welinskij abriu a porta para entrar, se inclinou para

frente e comprimiu o botão com a testa.

Aquele apartamento devia pertencer ao governo. A

bomba fora colocada ali quando foi comprado ou

construído pelo governo. Quem colocou a bomba

naquele local demonstrou muita habilidade. Qualquer um

que se encontrasse num aperto conseguiria fazer com que

seu inimigo fosse à porta sob qualquer pretexto. Desde

que nesse preciso instante conseguisse colocar a mão, ou

qualquer coisa que se movesse, em cima do botão, o caso

estaria liquidado.

Para Sirov estava liquidado; e além de tudo o

marechal se apossara do radiador térmico de Welinskij.

Deringhouse compreendeu que o incidente exigia

uma modificação dos seus planos. Há esta hora

Strelnikov já devia ter sido prevenido e naturalmente

abandonara seu esconderijo; se realmente era a “grande

vitória”.

De qualquer maneira Deringhouse resolveu dar uma

olhada no esconderijo. Muitas vezes uma pessoa que se

vê obrigada a sair às pressas deixa uma pista. Tirou o

bilhete com a anotação do bolso e o leu de maneira que

ficasse dentro do campo de deflexão.

Era na Rua Kujbyschev. Deringhouse se lembrou de

que a rua ficava num bairro da zona leste. Dispôs-se a

subir quando notou um movimento acima de sua cabeça.

Olhou e viu um trançado fino de fios metálicos, que uma

turma de trabalhadores procurava firmar nos telhados de

ambos os lados da rua.

Assustou-se. Virou a cabeça e viu que o mesmo

trançado cobria a rua em todos os lados. Além disso, em

cada esquina, o mesmo descia dos telhados até a rua. E

subitamente dezenas de policiais surgiram de ambos os

lados daquele trecho de rua.

Era a armadilha perfeita!

Page 28: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

28

Deringhouse não teve ilusões. O alcance de seu

projetor mental não ultrapassava cinqüenta metros. A

essa distância poderia, quando muito, submeter dez

homens à sua vontade, desde que eles estivessem bem

juntos.

Imaginou quais seriam as ordens transmitidas a estes

policiais. Não deviam sair do lugar. E estavam tão

encostados um ao outro que nem mesmo um cachorro de

tamanho médio conseguiria passar entre eles.

Provavelmente estavam preparados para mobilizar

reservas assim que um deles saísse do lugar, deixando

uma passagem. Naturalmente nas ruas laterais várias

companhias de polícia estariam de prontidão, preparadas

para acudir ao primeiro chamado e ajudar a encurralar o

homem invisível.

A esse homem invisível seria impossível exercer um

domínio mental simultâneo sobre todos os policiais.

E a tela de arame?

Não havia a menor dúvida de que era mantido sob

observação. Telas de arame deste tipo costumavam ser

fabricadas para as mais variadas finalidades. Submetidas

a uma corrente elétrica de reduzida intensidade,

indicavam, através de um instrumento não muito

complicado, em que ponto eram tocadas. Na altura dos

telhados aconteceria a mesma coisa que nas ruas

transversais, se procurasse sair da armadilha por lá.

No entanto, não podiam saber se ele se encontrava na

armadilha. Portanto, só precisava esperar alguns dias até

que os policiais fossem embora e retirassem as telas.

Alguns dias!...

Não podia esperar nem mesmo algumas horas. Cada

minuto perdido na atividade dava a Strelnikov novas

oportunidades de apagar sua pista.

Também poderia se libertar à força. Ainda possuía o

radiador de nêutrons. Poderia abrir uma brecha e escapar.

Mas se lembrou do que acontecera em Vênus. O fogo

concentrado das armas automáticas seria dirigido sobre a

brecha. Se o campo defensivo do traje recebesse uma

solicitação energética muito intensa, tanto o campo de

deflexão como o campo de neutralização gravitacional

seriam eliminados. Se tornaria visível e teria que se

mover no solo.

Sentiu-se tomado pelo nervosismo quando viu que a

polícia se preparava para uma operação de grande

envergadura. Viu caminhões que evacuavam os

moradores das vizinhanças e equipes de operários

ocupadas em pregar as janelas desse trecho da Rua Vinte

e Oito de Outubro.

Dessa forma, quando se pusessem a revistar as casas,

não poderia usar qualquer janela para fugir, sem ser

percebido.

O homem que preparara a operação com tamanha

rapidez devia ser dotado de uma inteligência

extraordinária. Não se esquecera de nenhum detalhe que

pudesse representar uma escapatória para o homem

invisível dotado de energias hipnóticas.

Não teria mesmo escapatória?

Deringhouse teve uma ideia. De início foi vaga e

fugaz; antes que compreendesse, saiu de sua mente. Mas

ele a trouxe de volta e fez passar várias vezes pela

cabeça. Seria uma possibilidade?

O risco era enorme. Mas antes assumir um risco que

perder uma oportunidade.

Afinal, o que poderia lhe acontecer?

VI

— O que fizeram em Bajmak foi um truque e nós

caímos nele — declarou Sirov.

Seu aspecto não melhorara muito desde o instante em

que Deringhouse lhe dera a sova. Não tivera tempo para

mudar de roupa. Através de um chamado de emergência,

descobriu o esconderijo de Strelnikov e para lá se dirigiu

pelo caminho mais rápido.

Quando soube o que havia acontecido, Strelnikov

logo procurou retribuir o golpe. Incumbiu um jovem

coronel do serviço de segurança de capturar o agente de

Rhodan se este, conforme era esperado, voltasse à Rua

Vinte e Oito de Outubro.

— É claro que foi um truque — resmungou para

Sirov. — Queriam que acreditássemos que a mina de

urânio os manteria ocupados por mais alguns dias,

quando na verdade já se encontravam em Moscou.

Os olhos de Sirov brilharam.

— Mas conseguimos enganá-los!... — gabou-se.

Strelnikov deu uma ducha fria no seu otimismo.

— Por enquanto — disse. — Só por enquanto.

Sirov se acalmou.

— O que pretende fazer? — perguntou.

— Mandar levá-lo a um lugar seguro — foi a

resposta lacônica de Strelnikov.

Sentou atrás da escrivaninha e preencheu um

formulário. Sirov viu que colocou sua assinatura

embaixo do mesmo.

— Tome isto — ordenou. — Dirija-se ao endereço

indicado. De lá será devidamente encaminhado. Depois

aguarde minhas instruções.

Sirov fez continência.

— Pegue meu carro — prosseguiu Strelnikov. —

Está estacionado na frente da porta. Aí — apontou para o

bilhete que Sirov segurava na mão — receberá o

tratamento de que precisa. Além disso, lhe darão um

uniforme novo, ou então um jogo de trajes civis.

Sirov executou uma meia-volta impecável e se retirou

da sala. Strelnikov aguardou até que o ruído dos passos

sumiu e deu um telefonema. Ao terminar se reclinou na

poltrona e sorriu. Parecia satisfeito.

* * *

Deringhouse voltou ao prédio em que residira o

marechal Sirov.

“Se alguém tiver que morrer”, pensou amargamente,

“que seja um deles, não um inocente.”

Os policiais ainda se mantinham ocupados na

residência de Sirov. Fez com que o projetor mental

exercesse sua influência sobre eles. Deixou para trás sete

homens e levou três ao sótão da casa. O elevador fora

desligado, provavelmente porque poderia proporcionar

ao homem que procuravam uma oportunidade de sair

rapidamente e sem ser notado.

No sótão havia várias claraboias. Deringhouse

colocou cada policial junto a uma delas. Ainda estava

escondido atrás do campo de deflexão, mas ouviam sua

voz e obedeciam às suas ordens.

— Acertem os relógios! — ordenou.

A resposta veio logo. Ao que parecia a polícia

moscovita dispunha de excelentes relógios. Não foi

necessário corrigir nenhum deles.

Page 29: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

29

— As doze e quarenta em ponto — prosseguiu

Deringhouse — os senhores abrirão as clarabóias e

sairão para o telhado. Subam à cumeeira e não deixem

que nada os perturbe. Repitam!

A ordem foi repetida. Deringhouse estava satisfeito.

Saiu do sótão e flutuou escada abaixo até atingir o térreo.

Não sabia se numa das outras casas havia uma

claraboia que não tivesse sido trancada. Mas acabou

vendo uma; no telhado da última casa antes da

transversal que se dirigia para o sul. Provavelmente

serviria de passagem aos policiais escondidos atrás das

cumeeiras dos telhados, com as pistolas automáticas

engatilhadas.

Deringhouse não teve a menor dificuldade em

penetrar na casa. Sua suposição se confirmou: teve que

passar o tempo de espera num canto daquele sótão

poeirento, para não esbarrar em qualquer dos policiais

que entravam e saíam pela claraboia.

Uma única vez, quando houve uma pausa, se arriscou

a enfiar a cabeça pela abertura para sondar o terreno.

Conforme esperava, naquele telhado, ao contrário dos

outros, a tela de arame fora estendida ao menos dois

metros acima da cumeeira, a fim de que os policiais

pudessem se mover livremente por baixo dela.

Provavelmente fora presa ao outro lado do telhado por

meio de isoladores.

Doze e trinta e cinco.

Muita coisa poderia acontecer. Era possível que

algum superior notasse a falta dos três policiais na

residência de Sirov e os descobrisse no sótão. Não os

deixaria lá, isso era certo.

E então?

Então poderia voltar a quebrar a cabeça, e enquanto

fizesse isso Strelnikov se afastaria cada vez mais.

É agora!

Alguns segundos se passaram sem que acontecesse

nada. Um policial enfiou as pernas pela claraboia e

saltou para dentro.

O que teria saído errado?

Outro policial entrou pela porta e subiu ao telhado

pela claraboia.

O plano falhara.

Nesse instante começou a gritaria.

— Saiam daí! Desçam do telhado! Ficaram malucos?

Num instante, Deringhouse se aproximou da

claraboia e flutuou suavemente através da mesma.

Agachou-se no telhado e olhou para a casa de Sirov. Os

três policiais obedeceram às suas ordens. Sem se

preocuparem com os gritos de advertência subiram pelo

telhado, cuja inclinação não era muito acentuada. Cada

um se dirigia diretamente da respectiva claraboia para a

cumeeira. Os outros, que lhes apontavam as pistolas

automáticas, pareciam quebrar a cabeça para descobrir

atrás de qual deles o agente de Rhodan se escondera.

O plano de Deringhouse era este. Era provável que

ninguém soubesse que o pequeno projetor mental, que

cabia perfeitamente no bolso, lhe permitia transmitir

ordens pós-hipnóticas. Se suas suposições fossem

corretas, os outros policiais acreditariam que sempre se

encontrava perto dos três colegas que andavam como

sonâmbulos. Pensariam que se encontrava no telhado da

casa de Sirov, não naquele em que eles mesmos estavam

postados.

Às doze horas e quarenta e um minutos, o mais ágil

dos três policiais chegou à cumeeira do telhado e tocou

na tela metálica. Em algum lugar bem próximo, um

instrumento de medida reagiria e desencadearia um

alarma, uma sereia ou uma campainha.

E depois...

Deringhouse viu com seus próprios olhos o que

aconteceu depois. Ouviu o zumbido e as batidas

características dos helicópteros, antes de vê-los subir das

ruas próximas. Não pôde deixar de admirar aquela

organização, que permitia uma ação tão rápida.

Os pilotos dos helicópteros sabiam perfeitamente em

que lugar deviam se postar. Formaram um círculo

estreito, poucos metros acima da cumeeira da casa de

Sirov. Menos de um minuto se passara desde o momento

em que o primeiro policial tocara a tela, e todas as peças

começaram a disparar.

Nesse meio tempo, os outros dois policiais também

haviam atingido a cumeeira. Caíram sob a primeira

salva, escorregaram ruidosamente telhado abaixo e

desapareceram atrás da borda.

Os helicópteros continuaram a disparar. Não se

interessaram pelos três policiais, mas pelo homem

invisível. Posteriormente Deringhouse soube que

acreditavam que, apesar de sua invisibilidade, ele seria

vulnerável ou, o que muito se aproximava da verdade,

que o campo de deflexão poderia ser desativado pela

solicitação energética excessiva dirigida ao campo

protetor, com o que o homem se tornaria visível.

De qualquer forma sua hora havia chegado. Flutuou

para a cumeeira, contornou cuidadosamente um grupo de

policiais que olhavam nervosamente para os helicópteros

e desceu pelo outro lado do telhado. Chegou ao ponto em

que a tela estava presa ao telhado e a arrancou.

Acreditava que não haveria qualquer risco. Sem dúvida o

dispositivo de alarma, que devia ter sido instalado num

posto policial não muito distante, teria sido colocado em

atividade permanente em virtude da ação dos três

policiais.

Levou um minuto para abrir na tela, muito resistente,

uma brecha que permitisse sua passagem. Ninguém se

interessou por ele. O último perigo, o da observação

direta, foi afastado pela curiosidade que a ação dos

helicópteros provocou entre os policiais.

Às doze horas e quarenta e quatro minutos,

Deringhouse estava livre. Para fugir a todo risco, desceu

a meia altura numa das ruas vizinhas e se dirigiu para os

bairros do leste, onde ficava a Rua Kujbyschev.

* * *

— E agora — disse Strelnikov ao homem de teatro

— mande o major entrar. Quero conversar com ele.

O homem obedeceu. Retirou-se; dali a trinta

segundos o major Kalenkim entrou. Nunca vira o homem

que o chamara; mas sabia que devia executar fiel e

prontamente qualquer ordem partida do mesmo.

Fez uma continência impecável.

— Preste atenção — disse Strelnikov. — Quero lhe

explicar uma coisa. Pode parecer muito confuso e

complicado, mas com sua inteligência...

* * *

Doze e cinquenta e nove. Deringhouse penetrou no

prédio da Rua Kujbyschev sem ser visto. Tratava-se de

um daqueles feios prédios de apartamentos de quinze

Page 30: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

30

andares.

O aparelho de que a “grande vitória” se servira nos

seus telefonemas ficava no apartamento 13 C.

Deringhouse flutuou para cima. A porta do

apartamento estava fechada, e no corredor havia algumas

pessoas. Deringhouse esperou até que entrassem em seus

apartamentos ou no elevador. Depois abriu a porta,

dirigindo o radiador por alguns segundos contra a

fechadura. O fluxo neutrônico extremamente intenso

provocou uma série de reações nucleares que

transformou os materiais da fechadura em outras

substâncias que não eram dotadas de qualquer coesão.

Quando abriu a porta, uma reluzente poeira metálica

radiativa caiu da fechadura.

Deringhouse entrou. Pensara que o apartamento

estivesse vazio. Strelnikov tivera tempo de sobra para dar

o fora.

Mas, para surpresa sua, viu um homem sentado no

chão do hall. Mantinha a cabeça inclinada para a frente e

tinha os olhos semicerrados. Uma faixa vermelha se

estendia pelo lado direito do rosto.

Era um homem velho, de cabelos brancos. Ao que

parecia não notou que a porta se abrira; não se mexia.

Sobre seus joelhos havia um bilhete. Deringhouse

conseguiu decifrar as letras desajeitadas:

Agente da Terceira Potência! Strelnikov fugiu. Posso

dizer onde está. Ele me bateu.

A primeira ideia que acudiu a Deringhouse foi a de

que caíra numa armadilha. Quem seria aquele homem?

Procurou avaliar a situação. Pelo aspecto, aquele

velho devia ter sido o criado ou o secretário de

Strelnikov. Como secretário poderia ter ouvido algumas

coisas faladas diante de Strelnikov. Era perfeitamente

possível que soubesse da existência de um agente da

Terceira Potência e estivesse informado sobre as

capacidades extraordinárias de que o mesmo era dotado.

Escrevera o bilhete na suposição de que o agente entraria

no apartamento como um homem invisível.

Strelnikov batera nele; a cicatriz estava ali. Para se

vingar oferecia informações sobre o paradeiro de

Strelnikov.

— Levante-se! — disse Deringhouse.

O velho estremeceu; provavelmente estava dormindo.

— Onde... quem...? — gaguejou.

— Estou à sua frente — disse Deringhouse. — Sou o

agente da Terceira Potência. Parece que está disposto a

me levar ao lugar em que posso achar Strelnikov.

Por um momento teve a impressão de que o velho

superestimara sua própria coragem. Tremeu de medo e

só se levantou com muito esforço.

— Eu... eu... — gaguejou. Deringhouse veio em seu

auxílio.

— Não tenha medo de mim. Como é seu nome?

— Nikolaj.

— Pois bem, Nikolaj. Sabe para onde Strelnikov

fugiu?

Nikolaj fez que sim.

— Como ficou sabendo?

— Ouvi a conversa que teve com um jovem oficial

que veio a este apartamento.

— Quer me levar para lá? — perguntou Deringhouse.

Nikolaj confirmou com um forte aceno de cabeça.

— Por que lhe bateu? — indagou Deringhouse.

Nikolaj deu de ombros.

— Ao sair disse: “Tome isto por andar me

espiando!”, e bateu no meu rosto com um chicote.

Com os olhos chamejantes, Nikolaj fez um

movimento distraído da mão em direção ao lado direito

do rosto.

Deringhouse respondeu com um aceno de cabeça.

— Esse tipo de gente nunca escapa ao seu destino —

murmurou. — Podemos sair logo?

Enquanto desciam no elevador, Nikolaj disse que o

esconderijo de Strelnikov ficava em lugar bem próximo.

Seria mais prático andarem a pé.

* * *

O major Kalenkim estava à paisana. Encostado a uma

casa de esquina, assumiu a atitude de quem aproveita o

último dia de férias para ver a fábrica do lado de fora e

ter pena dos pobres-diabos que têm de trabalhar a uma

hora daquelas.

Trazia na boca um cigarro que já se apagara há muito

tempo. Não era fumante e só usara o cigarro para

oferecer uma imagem mais autêntica.

Não precisou de muita paciência. Cerca de quarenta e

cinco minutos depois de assumir seu posto, o homem que

teria que vigiar desceu a rua e passou a mão direita atrás

da cabeça.

O sinal convencionado! O homem era este.

Antes de chegar ao portão da fábrica, dobrou para o

lado e seguiu o caminho estreito que ladeava o muro de

cerca de três metros de altura que cercava toda a área da

fábrica. O major Kalenkim tocou no relógio de pulso

que, na verdade, não era nenhum relógio. Com isso

estabeleceu um contato que desencadeou o sinal de

alarma para os homens que, num ponto mais distante,

aguardavam o momento de entrarem em ação.

Abandonou a esquina em que se instalara tão

confortavelmente e seguiu o homem que, a intervalos

regulares, repetia o sinal convencionado, para assegurar a

Kalenkim que tudo continuava bem com ele.

O caminho estreito parecia feito especialmente para

acompanhar alguém às escondidas. Pequenos tratores

com fileiras de reboques carregados ou vazios passavam

sem cessar, e entre eles marchavam os trabalhadores.

Três equipes de trabalhadores de construção estavam

ocupados em reparar o muro em vários pontos.

Kalenkim tinha boas chances de passar despercebido

em meio a tamanha confusão.

O homem que, de tempos em tempos, passava a mão

atrás da cabeça passou por um portão lateral e entrou na

área da fábrica. Kalenkim o seguiu a uma distância

segura. Estava convencido de que dali em diante tudo

daria certo.

A enorme caldeira de eliminação de vapor dos

reatores da fábrica, que garantiam a esta um suprimento

de energia que não dependia da rede urbana, não ficava a

mais de cem metros.

* * *

Enquanto caminhavam, Nikolaj e Deringhouse não

trocaram uma palavra. Nikolaj ia à frente, confiante de

que o agente o seguia.

Levou-o até o portão de uma fábrica estatal e ao

chegar lá dobrou para a esquerda. Ao lado do muro o

caminho conduzia a um portão lateral, por onde Nikolaj

entrou, em meio à confusão formada pelos veículos e

Page 31: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

31

trabalhadores, penetrando no terreno pertencente à

fábrica, ao que tudo indicava sem ser percebido.

Dirigiu-se diretamente a uma enorme caldeira

metálica que, em local um pouco distante da fábrica

propriamente dita, se erguia a uma altura de oitenta

metros.

Depois de ter deixado para trás a massa de

trabalhadores que poderiam ter ouvido a estranha

conversa de Nikolaj com um homem invisível, este disse:

— Strelnikov não está escondido muito no alto, mas

na sala de vigilância, situada a meia altura. O elevador

externo vai para lá. Está vendo?

Deringhouse viu o elevador e a pequena fileira de

janelas que interrompia a lisura da parede metálica a uma

altura de cerca de quarenta metros.

— Vamos adiante! — ordenou. Ninguém os deteve

quando tomaram o elevador e subiram. Abandonaram o

elevador e entraram, com Deringhouse à frente, na

primeira das salas de vigilantes.

Nikolaj parecia sentir medo de novo.

— Se ele me vê — cochichou — vai...

— Não tenha medo — disse Deringhouse. — Venha!

Ultrapassada a porta pela qual haviam entrado, havia

mais duas portas.

— Para onde devo ir? — perguntou Deringhouse.

Nikolaj não sabia.

— Tentarei aqui — disse Deringhouse e se dirigiu à

porta que ficava na parede lateral da sala.

Nikolaj não o viu, mas viu a impressão deixada pelo

impacto das botas no plástico macio do soalho. E parou

perto da porta.

— Está aberta — disse Deringhouse e a empurrou.

Nikolaj levantou a mão. Parecia ser um gesto

inofensivo, como se quisesse se segurar na parede.

Mas, antes que sua mão a alcançasse, o cano de uma

arma surgiu diante dele e a voz enérgica de Deringhouse

disse:

— Basta, meu velho! Se levantar a mão mais um

centímetro, não assistirá ao seu triunfo.

Nikolaj empalideceu. Sua mão começou a tremer,

hesitou um pouco e foi baixada. As pisadas de

Deringhouse se aproximaram pelo soalho de plástico. O

cano da arma atravessou o ar em sua direção.

— Tire a peruca! — ordenou Deringhouse.

Nikolaj hesitou um pouco, mas obedeceu. Contorceu

o rosto quando a cabeleira branca saiu.

Por baixo da cabeleira surgiu uma calva reluzente, a

calva do secretário-geral Strelnikov.

* * *

— Respeito sua coragem — disse Deringhouse,

depois de ter abandonado a invisibilidade. — Mas devia

ter imaginado que o plano não tinha a menor

possibilidade de êxito. Dessa forma nunca conseguiria

pôr a mão em mim.

Strelnikov recuperara boa parte de seu autocontrole.

E sabia que o jogo estava definitivamente perdido.

— Como descobriu? — perguntou.

— Foi de uma forma muito estranha. Você me disse

que Strelnikov o havia batido e fez um movimento de

mão em direção ao lado direito do rosto. Acontece que o

maquilador colocou a cicatriz do lado esquerdo. Isso já

me deixou desconfiado. Quando nos dirigíamos para cá

notei seu gesto, a mão que passava atrás da cabeça, e

descobri o homem ao qual o sinal se dirigia. O que está

fazendo agora?

— Está esperando que eu apareça e lhe diga que você

está preso no interior da caldeira.

— Para que os gestos?

— Tínhamos de contar com a possibilidade de que

você me submetesse a uma influência hipnótica. Só faria

aqueles gestos enquanto fosse dono da minha vontade. O

major Kalenkim tinha instruções de executar outro plano

assim que eu deixasse de fazer os gestos, dando a

entender que você havia conseguido dominar meu

espírito.

— Os trabalhadores com os tratores e os carros na

verdade são policiais, não são?

— São. Iriam trancar a caldeira assim que se

encontrasse lá dentro.

— E como eu teria entrado lá? Por um alçapão que

fica junto à porta?

Strelnikov fez que sim.

— A chave está aqui — apontou para um botão quase

invisível que ficava perto da porta. — Esta porta foi

colocada há duas horas. Você teria caído diretamente na

caldeira.

Deringhouse acenou com a cabeça.

— Nesse caso eu não teria conseguido ativar o campo

de neutralização gravitacional em tempo, ou você teria

enchido a caldeira de vapor.

— Era esta a minha intenção. Será que você ainda

teria uma chance?

Deringhouse ergueu os ombros.

— Não sei. Provavelmente não. Comprimiu um botão

e viu que, diante da porta, uma parte do soalho

desapareceu.

— O que pretende fazer? — perguntou Strelnikov.

— O que pretendo fazer é o seguinte — apressou-se

Deringhouse a dizer — você encontrará um pretexto

plausível para fazer com que os membros do conselho

compareçam amanhã, às nove horas da manhã, à Praça

das Nações. Há dois dias foi constituída uma corte

mundial e decidiu-se a condenação dos homens que

detêm o poder no Bloco Oriental. Você e seus comparsas

serão julgados.

Strelnikov estava muito sério.

— Só se me hipnotizar.

Deringhouse sacudiu a cabeça.

— Um chefe de Estado hipnotizado não me serve.

Você comparecerá a juízo, não voluntariamente, mas na

posse plena de suas faculdades mentais; você, os outros

quatrocentos e quatorze membros do conselho com

direito de voto e os adidos. E principalmente o marechal

Sirov. Deste eu faço questão.

Deringhouse lançou um olhar demorado para seu

radiador de nêutrons.

— Sabe perfeitamente o que o espera se não cumprir

minhas ordens.

Strelnikov baixou a cabeça.

— Para começar — prosseguiu Deringhouse — diga

àquele major que está lá embaixo que dê o fora, e isso

pelo meio mais rápido possível. E não se esqueça de

passar a mão atrás da cabeça quando der a ordem.

* * *

No dia 18 de junho, Perry Rhodan propôs à

Page 32: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

32

conferência que a recém-criada corte mundial fizesse

alguma coisa para cumprir a resolução do dia 16: os

homens do regime que detinha o poder no Bloco Oriental

deviam ser acusados e julgados.

A proposta provocou uma discussão acalorada. Os

representantes da Federação Asiática duvidaram da

exequibilidade do projeto. Os representantes dos Estados

da OTAN manifestaram dúvidas de outra espécie.

O motivo verdadeiro foi a sensação desagradável que

se apossou da maioria dos representantes ao pensarem

que um governo ainda no poder seria convocado a juízo.

De repente se assustaram com a coragem

demonstrada dois dias antes, por ocasião da resolução

simbólica.

Mas Perry Rhodan demonstrou cabalmente e com

certo sarcasmo que uma assembleia como esta se

desprestigiaria se tomasse uma resolução e frustrasse sua

execução. Prontificou-se a colocar à disposição da corte

mundial os recursos técnicos que se tornassem

necessários à execução do plano. De noite declarou com

uma franqueza contundente:

— Não terão qualquer dificuldade. Já tomamos todas

as medidas para realizar a prisão dos membros do

Conselho Supremo do Bloco Oriental.

Na manhã do dia 19 de junho, a Stardust-III decolou

de Galáxia com sua preciosa carga de membros dos

governos de todos os países do mundo. Desenvolvendo

grande velocidade, penetrou no território do Bloco

Oriental, sem ser atacada, as oito e cinquenta, tempo de

Moscou, desceu cuidadosamente na área imensa da Praça

das Nações. Uma rampa energética foi descida, e o

presidente da corte mundial, Frederick Donnifer, saiu da

enorme nave em companhia de seus aliados e de Perry

Rhodan, chefe da Terceira Potência.

Ao que parecia alguém tomara providências para

evitar que algum curioso entrasse na Praça das Nações.

A área estava completamente vazia, com exceção de um

pequeno grupo de pessoas.

Frederick Donnifer, que ainda não se acostumara à

sua elevada posição, lançou os olhos em torno quando

pôs os pés no solo; parecia inseguro.

— Um momento! — pediu Rhodan. — Aí vem

Deringhouse; quer apresentar seu relatório.

Um homem se destacou do pequeno grupo.

Caminhou para o lugar em que se encontrava a

delegação.

Deringhouse não deu a menor atenção ao juiz.

Dirigindo-se a Rhodan, anunciou:

— Deringhouse relatando. As ordens foram

cumpridas. Os membros do Conselho Supremo devem

chegar dentro de poucos minutos.

Rhodan deu um sorriso e ordenou:

— Major, repita esta informação perante o senhor

Donnifer, presidente da corte mundial.

Donnifer se adiantou. Deringhouse deu meia-volta e,

fazendo continência, repetiu seu breve relato. De olhos

semicerrados, Donnifer disse:

— Major, tem certeza de que todos virão para cá?

— Certeza absoluta — respondeu Deringhouse.

Voltando-se ligeiramente em direção a Rhodan,

prosseguiu:

— Não confiei muito que executassem a ordem de

Strelnikov, ainda mais que, de vários quilômetros de

distância, perceberão que a Stardust-III pousou na praça.

Cada um dos membros do conselho será acompanhado

por uma escolta de oficiais devidamente influenciados.

Esses oficiais cumprem minhas ordens: trarão seu

homem, quer ele queira, quer não.

Nesse instante a primeira limusine preta atravessou o

cordão de policiais que isolavam a Praça das Nações.

Logo foi seguida de outras. Todas elas descreviam uma

curva, se dirigiam à área de estacionamento e deixavam

sua carga. Parecia que a gigantesca esfera da Stardust-III

não impressionava os homens que se encontravam nos

veículos. Notava-se perfeitamente que muitos dos

membros do conselho vieram porque sua escolta não lhes

deixara outra alternativa.

Deringhouse fez com que os membros do conselho

fossem reunidos num lugar. O grupo foi cercado pelos

membros das escoltas, para impedir qualquer fuga.

Deringhouse pôs-se a contar. O conselho era formado

de quatrocentos e quinze membros com direito de voto e

oitenta e nove adidos. Sirov foi um dos últimos que

compareceu ao ponto de reunião.

As nove e quinze, Deringhouse voltou a se aproximar

de Frederick Donnifer e anunciou:

— O Conselho Supremo está pronto para receber

suas ordens.

Donnifer assumiu posição e, valendo-se de um

pequeno microfone ligado a um alto-falante existente nos

fundos da praça, disse:

— Os representantes dos Estados pertencentes à

Federação Asiática e à OTAN, que em conjunto

representam cerca de seis sétimos da Humanidade,

decidiram formar uma corte mundial, que já foi

constituída. A essa corte cabe resguardar os direitos

humanos em todo o mundo.

“Os senhores — num gesto pouco autoritário,

apontou o dedo para o grupo dos membros do conselho

— são acusados de terem cometido uma violação

grosseira e contínua dos direitos humanos das pessoas

que habitam o território sob sua autoridade. Intimo-os a

se submeterem a esta corte, que deliberará sobre as

medidas a serem adotadas em virtude dos delitos que

cometeram”.

“A conferência dos representantes dos governos fará

com que os cidadãos de seu país possam eleger

livremente os homens que deverão governá-los. Um

governo provisório tomará todos os preparativos para as

eleições.”

Nesse instante a porta de saída da Stardust-III se

alargou, e o passadiço brilhante cresceu igualmente. Um

grupo de cinquenta robôs de combate arcônidas saiu da

nave. De início seus passos foram silenciosos. Mas, ao

atingirem o solo, seus pés bateram ruidosamente.

Formaram um segundo círculo, mais estreito, em torno

dos membros amedrontados do Conselho Supremo.

— Aqui está a prova de que a corte mundial dispõe

dos recursos necessários para executar suas decisões —

prosseguiu Donnifer.

Não houve a menor hesitação. Diante dos poderosos

robôs, a massa compacta dos membros do Conselho

Supremo subiu pelo passadiço e desapareceu no interior

da Stardust-III.

* * *

Donnifer tomou as providências necessárias para que

o Bloco Oriental não ficasse sem governo na época de

Page 33: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

33

transição. Perry Rhodan lhe deu alguns conselhos. No

entanto, nem ele nem qualquer outro membro da Terceira

Potência participaram da escolha dos membros da

administração provisória.

A Stardust-III saiu de Moscou às treze horas, tempo

local, e chegou a Galáxia no fim da tarde.

Rhodan anunciou que, em comemoração ao êxito

notável alcançado pela corte mundial, e ainda em

lembrança ao dia em que a primeira nave construída pelo

homem — a velha Stardust — se libertou da influência

da Terra e voou à Lua, ofereceria um banquete para fazer

aquilo que os membros da conferência esperavam desde

o primeiro dia.

Preparou um relatório sobre a evolução da Terceira

Potência desde o dia de sua formação. Providenciou a

apresentação de filmes que proporcionariam aos

delegados informações detalhadas sobre os

acontecimentos que se desenrolaram nos setores do

espaço mais próximos da Terra e nos mais afastados.

A impressão causada pelo relatório foi tamanha que

ninguém notou quando, durante a apresentação, um

ordenança se dirigiu a Rhodan. Pediu a seu ajudante que

lhe desse um pedaço de papel e rabiscou apressadamente

algumas palavras. O ordenança pegou o papel e

desapareceu.

Pelas onze horas o relatório estava concluído. A onda

de aplausos foi dirigida à Terceira Potência com seu

imenso acervo de realizações, e especialmente a Perry

Rhodan, que em passos comedidos caminhou em direção

a uma pequena tribuna.

Quando os aplausos cessaram, começou a falar. Sua

voz tinha um tom solene, que dificilmente alguém teria

ouvido antes.

— Senhores, eu não quero abusar de sua atenção —

iniciou. Por um instante prestou atenção à confusão

desconcertante que os tradutores simultâneos, cada qual

agindo numa direção diversa, faziam de suas palavras. —

Mas, antes que termine este dia memorável, quero

assinalar dois fatos.

“O dia 19 de junho será feriado legal no território da

Terceira Potência, em comemoração aos acontecimentos

desenrolados hoje e em lembrança ao primeiro voo do

homem à Lua. E, para exprimir sua confiança na breve

união de todos os povos da Terra, a Terceira Potência

modifica o nome de Galáxia que passa a ser Terrânia.”

Fez uma pausa. Aplausos começaram a irromper, mas

Rhodan interrompeu-os com um gesto.

— O segundo acontecimento não é tão agradável —

disse em tom áspero. — Como sabem, na Lua existem

duas bases. Uma delas está submetida à jurisdição do

Bloco Oriental e a outra pertence aos Estados da OTAN.

“Às vinte e duas horas e dez minutos, duzentos

foguetes de grande alcance dotados de cargas explosivas

de fusão catalítica foram lançados da base do Bloco

Oriental em direção à Terra. Sabem perfeitamente que

pouquíssimos homens continuarão vivos se os foguetes

atingirem o alvo. Pouco importa qual seja o ponto da

superfície terrestre em que fica esse alvo”.

“Os foguetes deveriam chegar à Terra amanhã, às

cinco horas da manhã aproximadamente, tempo local.

Mas sinto-me feliz em poder lhes comunicar que uma

esquadrilha de caças espaciais, comandada pelo major

Nyssen, acaba de chegar ao setor do espaço em que se

encontram os foguetes e dentro de poucos minutos

provocará sua detonação.”

No mesmo instante a luz se apagou. Na tela

gigantesca que permitia a reprodução tridimensional de

qualquer filme, surgiu a imagem do espaço com seus

bilhões de pontos luminosos.

Perplexos, os membros da conferência se mantiveram

em silêncio. Rhodan voltou-se para contemplar a

imagem. A cena era filmada por um caça espacial que se

encontrava a algumas dezenas de milhares de

quilômetros da esquadrilha comandada por Nyssen.

As bombas começaram a detonar. Até então

invisíveis, foram se transformando em manchas brancas

e luminosas, que logo cresceram de tamanho e ocuparam

seu lugar no espaço com a luminosidade de um novo sol.

A luz dos duzentos foguetes iluminou o imenso salão

com maior intensidade do que as lâmpadas poderiam

fazê-lo. Os espectadores cerraram os olhos para suportar

a luminosidade.

Rhodan deixou que a imagem agisse no espírito dos

espectadores até que a luminosidade começou a se

desvanecer. Lentamente desligou o projetor e, com a

mesma lentidão, voltou a acender as lâmpadas.

Viu diante de si uma massa de rostos apavorados.

Rostos de gente que, em última análise, devia sua

salvação ao homem que se encontrava diante deles.

— Acredito — disse Rhodan com a voz tão baixa que

mal conseguia ser entendido — que esta projeção provou

a todos que a união definitiva da Humanidade constitui

uma necessidade premente.

Um único agente da Terceira Potência, equipado com algumas das surpresas da

tecnologia arcônida, fora suficiente para instalar a confusão num país inteiro e prender o

principal instigador da discórdia.

Mas nem por isso conseguiu a união definitiva da Humanidade. Enquanto essa união não

se realiza, Perry Rhodan não pode estabelecer contato com o mundo de Árcon.

Thora, um dos últimos representantes da dinastia reinante de Árcon, começa a se

impacientar e foge.

A Fuga de Thora é o título do próximo volume da série Perry Rhodan.

Page 34: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

34

Nº 22

De Clark Darlton Tradução

A. F. Immergut Digitalização

Vitório Revisão e novo formato W.Q. Moraes

Terceira Potência entrou na posse de um fabuloso legado — a tecnologia dos

arcônidas. Dispõe, portanto, dos meios para exercer uma pressão irresistível e

conseguir, em curto prazo, a almejada unificação política da Terra. Mas Perry

Rhodan julga imprudente seguir o caminho da coação, pois ele — que a essa

altura já se tornou imortal — encara as coisas agora sob um ângulo de visão bem

diferente que muitos outros — Thora, por exemplo.

Ela, a arcônida, chegou ao fim da paciência e quer retornar a Árcon, custe o

que custar. Perry Rhodan, porém, não lhe concede permissão para partir, já que só

tenciona estabelecer contato com Árcon à frente de uma Terra unida. E então

Thora empreende a fuga...

Page 35: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

35

1

Três monstros metálicos, prateados e reluzentes,

esticavam as proas cônicas ameaçadoramente no céu

perenemente azul do continente asiático. No seu aspecto

externo assemelhavam-se àquelas naves espaciais que

tinham rompido uma nova era ao realizarem os primeiros

voos entre a Terra e a Lua.

Mas a semelhança era apenas externa.

Produzidas pelo estaleiro espaçonáutico da

Terceira Potência, as três naves

representavam um novo tipo de destróier:

maiores do que os caças espaciais

comuns, contavam com uma tripulação de

três homens e eram capazes de atingir a

velocidade da luz. Seu armamento

consistia em canhões de radiação de longo

alcance e podiam se envolver em

anteparos energéticos que nenhuma

potência da Terra tinha condições de

despedaçar.

Os três destróieres eram os

primeiros exemplares de sua classe e até

agora só tinham realizado um único voo

experimental. E como nenhuma

deficiência havia sido constatada durante

este teste, o maior estaleiro da Terra

iniciaria, em breve, a produção em série

deste novo modelo.

O extenso campo de provas da

Terceira Potência estava deserto sob o

calor inclemente do sol da tarde. Na

distância cintilavam os arranha-céus de Terrânia,

inicialmente chamada de Galáxia, a futura capital da

Terra unida. À esquerda, localizava-se o estaleiro, um

complexo imenso e aparentemente desordenado, onde

extensos galpões se alternavam com construções

cupulares.

Com passos mecânicos e regulares, as sentinelas

marchavam em torno dos três destróieres. Não olhavam

nem para a direita nem para a esquerda, como se

soubessem que o seu serviço de patrulha não fazia

sentido algum, pois era impossível que alguém chegasse

tão perto das naves sem a devida autorização. E não

havia intrusos ou estranhos na área deste estaleiro; disso

se encarregavam as barreiras eletrônicas.

As sentinelas não trajavam uniformes. Sua

vestimenta consistia num tecido metálico curioso, que

emitia um brilho prateado à luz do sol. E seus olhos não

eram olhos orgânicos e sim lentes de cristal. Não eram

homens. Eram robôs.

Com reações desprovidas de qualquer sentimento,

obedeciam à ordem de vigiar aquelas três naves espaciais

novinhas em folha. Tinham que ficar de olho em alguém

que jamais conseguiria se aproximar. Mas, se os seus

cérebros positrônicos registravam este absurdo com

espanto ou não, ninguém poderia dizer.

O lago salgado de Goshun ficava à direita,

estendendo sua superfície lisa como um espelho até o

horizonte. Deste lado, o perigo de uma aproximação

indébita era menor ainda, pois o lago se situava

inteiramente dentro da zona de bloqueio.

E mesmo assim esta calma era ilusória.

Enquanto a Humanidade em peso se preparava

para comemorar o décimo aniversário do primeiro voo

lunar, e os homens, num clima de expectativa crescente,

não desviavam o olhar dos televisores, alguém tomou

uma resolução. Estava farto de esperar que certas

promessas fossem cumpridas, e decidiu agir.

Vindo do sul, um carro se aproximou do campo

de provas, deslizando a cem quilômetros por hora pela

pista lisa de concreto, limpa e isenta de poeira. Não

reduziu a velocidade quando chegou perto da primeira

barreira. Os tateadores

eletrônicos examinaram o

veículo e os ocupantes... e

liberaram a passagem.

As duas barreiras

seguintes reagiram da

mesma forma.

O carro, um elegante

modelo esportivo, se dirigiu

em linha reta aos três

foguetes, reduzindo

gradualmente a velocidade.

Duas das sentinelas-robô

tinham alterado o trajeto da

sua ronda mecânica e se

aproximaram do carro. Os

braços esquerdos, dobrados

num ângulo curioso,

ocultavam armas

energéticas que ninguém

conseguia ver. Bastaria o

menor impulso para

transformar essas criaturas

metálicas, aparentemente inofensivas, em máquinas

mortíferas, capazes de cuspir energia letal.

Mas este impulso não veio.

Os tateadores eletrônicos examinaram o padrão

encefálico daquele ser humano, que tinha descido do

carro, e deram-no como “aprovado”. Apresentava as

características exigidas. Os dois robôs baixaram os

braços e franquearam o caminho. Com um sorriso

irônico — ao menos assim parecia — o desconhecido

passou pelos robôs e parou a poucos metros deles.

E lá estavam elas, as três naves espaciais. Prontas

para partir. Com trinta metros de altura, ainda podiam ser

consideradas gigantes — limitada a comparação a outras

naves terrenas. O seu interior abrigava tremendas

reservas de energia e agregava propulsores fantásticos,

que nenhum cérebro humano havia concebido. Com

essas naves podia-se atravessar o sistema solar em

questão de horas e, se assim se desejasse, alcançar a

estrela mais próxima dentro de quatro anos e meio.

Os robôs retomaram o trajeto da sua ronda

interrompida. O desconhecido, ou melhor, o seu padrão

encefálico não significava qualquer perigo no sentido da

programação. O estranho podia passar. Sim, podia fazer

até mais do que isso, sem disparar o impulso específico

que significava “perigo” para aqueles cérebros

positrônicos.

Durante longos minutos, aquele vulto alto ficou

parado na solidão do deserto, observando, pensativo, as

três naves. O uniforme justo acentuava a esbelteza do

corpo e, com um pouco mais de acuidade, podia-se

reconhecer que o desconhecido... era uma mulher. Um

Personagens Principais deste episódio:

Perry Rhodan — Chefe da Terceira

Potência.

Coronel Freyt — Representante de Perry

Rhodan na Terra.

Capitão Welinskij — Comandante de um

esquadrão de caças.

Major Deringhouse — Que dá provas de

sua qualidade de sabotador e agente secreto.

Fedor A. Strelnikov — Um novo ditador.

Marechal Sirov — O braço direito de

Strelnikov.

Page 36: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

36

boné ocultava o cabelo longo e claro, que o sol fazia

cintilar em tom quase branco. Os olhos avermelhados

revelavam determinação. Mas também uma tristeza mal

velada.

Com um último olhar, a mulher contemplou o

lago salgado, o enorme estaleiro e a distante cidade de

Terrânia. Depois, se dirigiu lentamente à mais próxima

das três naves espaciais.

Era o destróier C, designado abreviadamente por

D.C.

A escotilha de entrada de D.C. estava fechada,

mas uma estreita escada metálica a ligava ao solo. Ao pé

dessa escada estava um dos robôs, que nem se mexeu

quando a mulher se aproximou e parou diante dele. O

braço esquerdo pendia frouxo e imóvel ao lado do corpo.

Um brilho morto emanava daquelas lentes de cristal.

A mulher leu a designação na pequena plaqueta

que o robô ostentava no peito.

— Ocupe o seu lugar, R.17 — disse ela, num

idioma duro e desconhecido. — Vamos decolar para um

voo experimental.

Em vez de se mexer, o robô respondeu, na mesma

língua:

— Não recebi nenhuma ordem para realizar um

voo desses.

A mulher fez um gesto impaciente.

— Eu, Thora de Árcon, estou lhe dando esta

ordem agora!

R. 17 não reagiu da maneira esperada.

— A ordem de Perry Rhodan prevalece, Thora.

Os olhos da mulher brilharam de raiva. Era como

se lançasse chispas de fogo contra o robô renitente.

— Perry Rhodan é um homem, R.17, e eu sou

uma arcônida. Portanto a minha ordem vale mais que a

de Rhodan.

— Vale mais também que uma ordem de Crest?

Por um instante a mulher vacilou, depois lançou a

cabeça na nuca, num gesto de irritação.

— Crest está sob a influência de Rhodan, portanto

ele não conta. Por que você pergunta?

— Porque, de acordo com as disposições de

Crest, temos que obedecer a todas as ordens de Rhodan,

seja qual for o seu teor. Por isso, não podemos agir

contra as ordens de Rhodan. Isto é lógico, ou não?

A mulher refletiu durante alguns segundos, depois

acenou lentamente.

— Sim, isto soa lógico; você sempre age

logicamente, R.17?

— A lógica é à base da minha existência.

— Muito bem — disse a mulher e olhou

pensativa, para os traços quase humanos do robô. —

Então me responda algumas perguntas.

— Com prazer, Thora de Árcon.

— Perry Rhodan chegou a proibir expressamente

um novo voo experimental de D.C.?

— Não.

— Ele, além disso, proibiu que eu participasse de

tal voo experimental?

— Não.

Ela acenou, satisfeita.

— Portanto, você agiria contra uma proibição, se

levasse essa nave para Vênus, por exemplo?

— Dentro dessas limitações, não.

— Está vendo? — disse Thora e soltou um

suspiro de alívio — então você também não vai infringir

qualquer regulamento se fizer o que eu estou lhe

pedindo.

Parecia que uma expressão de dúvida tinha

aparecido no rosto de R.17.

— Mas eu não recebi nenhuma ordem de Rhodan

para esse voo.

— E isso era necessário? — Thora mostrou-se

surpresa. — Você está recebendo esta ordem agora, e de

mim. Você não está proibido de receber ordens minhas,

ou está?

— Não estou não.

Thora sorriu. O sorriso não teve qualquer

influência sobre as regiões psíquicas do robô. Mas a

lógica irrefutável daquela pergunta, sim.

— Não, não estou proibido de aceitar ordens suas

— repetiu R.17.

— Então podemos partir?

R.17 ainda estava vacilante. Desde que isso fosse

possível, não devia se sentir muito bem dentro da sua

pele metálica. Mas também não encontrou qualquer

argumento lógico que lhe permitisse recusar

taxativamente o cumprimento das exigências de Thora.

A mulher pertencia àquela raça que o tinha construído.

Rhodan era apenas um habitante desse planeta, que se

chamava Terra, se bem que era um espécime singular

desses habitantes. Por assim dizer, R.17 sentia-se mais

chegado a Thora do que a Rhodan, muito embora tivesse

que obedecer às ordens deste, em virtude do

condicionamento a que Crest o havia submetido. E R.17

jamais deixaria de cumprir essa ordem que o obrigava a

prestar obediência. Aliás, nem poderia fazê-lo sem

provocar um curto-circuito, que o destruiria totalmente.

Por outro lado, se obedecesse a Thora, não estaria

agindo diretamente contra ordens de Rhodan. E,

portanto, não estaria correndo perigo.

R.17 acenou.

— Sim, podemos partir. A disposição reza que

nenhum estranho deve se aproximar desta nave. Thora de

Árcon não é uma estranha.

— Muito bem, então não vamos perder mais

tempo. Programe o curso para o planeta Vênus e decole o

mais depressa que puder. Quero verificar em quanto

tempo podemos alcançar a nossa base no segundo

planeta deste sistema. Saber disso pode ser muito útil

num caso de emergência.

Meio pesadão, o robô galgou lentamente a escada

e abriu a escotilha. Thora esperou impaciente, que

desaparecesse no interior da nave para depois segui-lo

apressadamente. Um aperto de botão, e a pesada

comporta externa se fechou. O elevador antigravitacional

levou Thora e R.17 em poucos segundos para a central

de comando, que se situava na proa do destróier.

Sentaram-se nos assentos giratórios.

Enquanto o robô estava calculando o curso, os

propulsores começaram a zumbir em regime de

aquecimento. E, em algum lugar no interior do destróier,

o possante reator iniciou a produção das inconcebíveis

quantidades de energia, necessárias para liberar a nave da

força de atração da Terra e, mais tarde, projetá-la através

do espaço com a velocidade da luz. O automático gerou

os campos de gravitação artificiais, que neutralizariam

qualquer empuxo devido à aceleração majorada. Aos

poucos, todo o complicado mecanismo de uma

Page 37: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

37

tecnologia inimaginável entrou em serviço.

Thora pôs-se a esperar. Sabia que seu intento

tinha dado certo. Somente mais alguns minutos e esse

planeta odiado desapareceria como uma bola azul no mar

do infinito. Vênus não passava de uma escala, porque

seria loucura rematada querer alcançar a pátria, a mais de

trinta mil anos-luz de distância, com uma nave que mal

alcançava a velocidade da luz. Mas em Vênus existia

uma hiperestação radiofônica e, com auxílio dela, seria

possível requisitar de Árcon o envio de uma nave de

resgate. R.17 acenou para Thora.

— Está tudo pronto, vamos decolar. Observe a

tela de imagem para se inteirar do desempenho de D.C.

Rhodan proibiu expressamente voar à velocidade

máxima. Autorizou-a apenas para um caso de

emergência. Mesmo assim, devemos chegar em Vênus

dentro de hora e meia. No momento, o planeta se

encontra do outro lado do Sol.

— E qual é à distância?

— Duzentos e trinta e oito milhões de

quilômetros.

— E a que velocidade podemos voar?

— A setenta e cinco por cento da velocidade da

luz.

Thora não respondeu e continuou a esperar. R.17

agarrou uma alavanca e puxou-a para frente. Nada

parecia acontecer, mas a imagem na tela se modificou

rapidamente.

D.C. decolou sem recorrer aos pulsos-

propulsores. Os projetores antigravitacionais

neutralizaram a atração da Terra e os campos repulsores

locomoveram a massa da nave espacial, agora

desprovida de peso.

O chão embaixo da nave se afastou

repentinamente e caiu no infinito. Em velocidade

alucinante, edifícios, estradas, rios, cordilheiras e

desertos lançavam-se, de todos os lados, em direção ao

centro do campo de pouso. O campo de visão se ampliou

até que, de repente, o terreno desapareceu, cedendo lugar

a uma superfície roxa e escura.

O universo!

Em menos de dez segundos, o destróier havia

atravessado a atmosfera da Terra e agora se lançava

vertiginosamente espaço adentro.

Por um instante Thora acreditou ter vislumbrado

um ponto brilhante no canto direito da tela. Mas sumiu

tão fugaz quanto havia aparecido, de maneira que ela não

se preocupou mais com essa aparição. Depois,

praticamente na direção do voo, avistou o Sol, cujo

brilho intenso estava sendo absorvido por possantes

jogos de filtro.

A esta altura, a Terra já tinha se reduzido a um

globo, que rodava pacificamente através do céu

estrelado. Ficou cada vez menor até que se tornou apenas

uma estrela bastante luminosa.

Thora soltou um suspiro. Olhou para o piloto-

robô.

R.17 retribuiu o olhar.

— Parece ser uma nave muito boa — constatou.

— Sim, é uma nave muito boa, mas não

suficientemente boa para aquilo que eu tenho em mente,

R.17.

O robô não fez perguntas. Manteve-se em silêncio

e controlou o curso, calculando e corrigindo.

Estavam perigosamente perto do Sol...

* * *

Já fazia alguns anos que esta estação orbital

tripulada girava em torno da Terra.

A tarefa que lhe cabia realizar, em conjunto com

duas outras estações, era a de garantir a recepção dos

programas da televisão terrena em qualquer parte do

mundo. As três estações pairavam a uma altura em que

sua velocidade orbital correspondia exatamente à da

rotação da Terra. Assim, permaneciam constantemente

acima do mesmo ponto da superfície terrestre.

O telegrafista Adams tinha plena consciência da

sua responsabilidade quando estabeleceu a ligação com

as duas outras estações, a fim de preparar a transmissão

do programa de Terra Television.

Hoje fazia mais um ano que a primeira expedição

espaçonáutica tripulada havia decolado da América sob o

comando do major Perry Rhodan — um homem

inteiramente desconhecido até aquela data. A Stardust —

era este o nome daquela nave espacial pioneira —

pousou na Lua, descobriu a nave naufragada da

expedição espacial dos arcônidas e retornou à Terra com

Crest, o chefe dessa malograda expedição. E foi assim —

o próprio Adams sabia disso — que toda essa história

tinha começado.

Mas Adams sabia também que essa história não

terminaria tão cedo.

Com um intervalo de segundos, as estações II e I

confirmaram o estabelecimento do contato. Adams

chamou a Terra. A grande estação transmissora em

Terrânia acusou o recebimento da mensagem. Estava

tudo pronto para a transmissão, que o mundo inteiro iria

ver e ouvir.

O telegrafista Adams recostou-se

confortavelmente na sua poltrona. Não tinha mais muito

que fazer, pois, desse momento em diante, tudo se

processaria automaticamente. Mas nem por isso Adams

deixaria de assistir a essa transmissão. Pois era o próprio

Perry Rhodan que, dentro de instantes, iria dirigir a

palavra à Humanidade.

Um turbilhão de estrelas apareceu no monitor,

transformando-se gradativamente na imagem familiar da

Via Láctea, que rodava lentamente através do nada.

Era o símbolo de Terrânia, a capital da Terceira

Potência.

Em seguida, a tela apresentou as feições

marcantes de um homem. As profundas rugas no rosto e

em torno da boca faziam-no parecer mais velho do que

devia ser.

— Aqui fala o coronel Michael Freyt, de

Terrânia. Ao ensejo de mais um aniversário do primeiro

voo tripulado à Lua, vai lhes dirigir a palavra Perry

Rhodan, chefe da Terceira Potência e amigo dos

arcônidas. Peço a sua atenção para este importante

pronunciamento.

O rosto de Freyt desapareceu e foi substituído por

outro. Ouviu-se o ligeiro estalo que acompanhava a

ligação das instalações de tradução simultânea. Assim

que fossem pronunciadas as palavras de Perry Rhodan já

estariam sendo traduzidas para todos os idiomas do

mundo.

“É até curioso”, constatou o telegrafista Adams,

pensativo, “como esse Freyt e Rhodan são parecidos.

Page 38: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

38

Bem que podiam passar por irmãos. O mesmo vulto

esguio, os mesmos olhos cinzentos, as mesmas rugas em

torno da boca e do nariz. Até mesmo o olhar é igual,

penetrante e objetivo! Mas Rhodan é o mais moço dos

dois, ou será que me engano? Já não deve ser tão jovem,

mas não aparenta. Gostaria de saber, como ele consegue.

E o uniforme lhe assenta muito bem. Faz anos que ele

despiu a farda de um piloto de provas americano e

passou a envergar esse uniforme aí. Um rebuliço e tanto,

aquele, na época...”

Mas infelizmente Adams perdeu as palavras

introdutórias de Perry Rhodan, pois uma campainha de

alarma ressoou através da central da estação radiofônica

e o arrancou das suas recordações. Levantou-se de um

pulo da poltrona e saiu correndo em direção à porta.

Alarma na estação sempre significava perigo.

Mas o caso parecia não ser tão grave assim. O

telegrafista de serviço havia captado o eco de um objeto

na sua tela de radar. Porém, esse objeto não se

identificou e passou com incrível velocidade quase rente

à estação, desaparecendo na direção da Lua. E só podia

ter vindo da Terra.

— Não se identificou, não foi? — disse Adams,

algo surpreso. — Já consultou Terrânia?

— Ainda não.

— Então faça isso ligeirinho! — recomendou

Adams. Consolou-se com o fato de que mesmo os

discursos mais interessantes invariavelmente começavam

com introduções enfadonhas. Certamente não perderia

grande coisa, se aguardasse mais um pouco.

A resposta de Terrânia veio imediatamente.

— Daqui nenhuma nave decolou. Forneça dados.

Fornecer dados! Essa era boa. A nave — se é que

era uma nave — tinha passado com tamanha velocidade

que nada, ou quase nada, pôde ser constatado. Talvez a

filmagem automática pudesse jogar luz nesse mistério. O

filme estava acabando de sair do revelador.

Mostrou uma nave de uns trinta metros de

comprimento e diâmetro reduzido. Assemelhava-se a um

torpedo. Velocidade: impossível de ser determinada, mas

certamente não inferior a cem quilômetros por segundo.

Adams sacudiu a cabeça, enquanto o seu colega

transmitia os dados. Se realmente existisse uma nave

dessas, só podia ter sido produzida nos estaleiros

misteriosos de Perry Rhodan. E desses se sabia muito

pouco. Sabia-se apenas que...

A resposta de Terrânia foi surpreendente:

— Procurem imediatamente obter novos dados da

estação lunar. Principalmente quanto ao curso

presumível da nave. Estamos também interessados em

saber a velocidade com que passou nas proximidades da

Lua. Obrigado pela sua ajuda. Aguardamos novas

comunicações. De nossa parte, já começamos a

investigar o caso.

Isso foi tudo.

O operador de radar olhou para Adams.

— Bem, que acha disso? História estranha, não é?

Adams acenou lentamente com a cabeça.

— Tudo que se relaciona com esse Rhodan é

estranho. Só gostaria de saber se essa nave partiu

contrariando ordens.

Virou-se e voltou à sua sala, sem tomar

conhecimento da expressão espantada do seu colega.

Chegou a tempo de ouvir Perry Rhodan dizer da

tela do televisor:

— ...e assim, com o auxílio dos arcônidas,

criamos a Terceira Potência que até agora conseguiu

apaziguar todos os conflitos entre os dois blocos de

poder remanescentes da Terra. Sim, porque após os

últimos acontecimentos, não podemos mais considerar o

Bloco Oriental como uma potência mundial; temos como

certo que, mais dia, menos dia, será anexada pela

Federação Asiática. Mas, como as relações políticas

entre a Federação Asiática e a OTAN são bastante

harmoniosas, não está mais tão longe o dia em que a

idéia de um governo mundial possa se transformar em

realidade.

“Os senhores todos sabem que o estabelecimento

de um governo mundial ocupa lugar de destaque entre os

meus objetivos políticos. Os arcônidas, que naufragaram

na Lua, tornaram-se nossos aliados. E isto porque, apesar

do seu tremendo potencial tecnológico, se viram

obrigados a aceitar o auxílio da Terra. Como

consequência imediata dessa aliança, vi colocado em

minhas mãos um poder que me permitiria facilmente

implantar o governo mundial pela força. Mas continuo

convicto que este seria o caminho errado. O governo

mundial, como eu o imagino, deve nascer

espontaneamente e ter as condições para uma evolução

natural, como qualquer organismo em crescimento; e,

podem acreditar isso vai acontecer dentro de bem pouco

tempo. Assim como as diversas nações tiveram que

renunciar ao seu orgulho mesquinho para poder se aliar

às organizações orientais ou ocidentais, algum dia os

dois grandes blocos de poder vão reconhecer que

somente uma Terra unida poderá exercer um papel

histórico na galáxia”.

“Muita coisa foi realizada nesses últimos anos.

Graças ao apoio tecnológico dos arcônidas, eles mesmos

soberanos de um imenso império estelar a mais de trinta

mil anos-luz de distância, a Terceira Potência conseguiu

construir uma frota espacial capaz de proteger nosso

planeta contra qualquer agressão externa. Já mantemos

um vivo intercâmbio comercial com uma raça

extraterrena. Há alguns anos, conseguimos repelir uma

invasão procedente do universo. No deserto de Gobi, foi

erguida a mais moderna metrópole do mundo: Terrânia, a

antiga Galáxia. A Terra abandonou, portanto, o seu

tradicional isolacionismo e se tornou um fator que os

próprios arcônidas não vão poder desprezar... no dia em

que descobrirem a Terra”.

“Acabo de abordar um assunto que, pela sua

importância, precisa ser esclarecido com toda franqueza.

Só há dois arcônidas que sabem da existência da Terra:

Crest, o cientista-chefe da malograda expedição que

encontramos na Lua, e Thora, a comandante daquela

expedição. Até hoje, fui bem sucedido nos meus esforços

de impedir que esses dois arcônidas estabelecessem

contato com Árcon, seu planeta de origem. O meu

empenho nesse sentido tem uma explicação muito

simples: se os arcônidas, em Árcon, soubessem da

existência da Terra, considerariam da maior importância

incorporar o nosso planeta ao seu império, porque, aos

seus olhos, somos subdesenvolvidos e carentes de apoio

político e tecnológico.

“Crest e Thora prometeram adiar o seu retorno a

Árcon até que a Terra estivesse pronta para receber os

arcônidas. Mas a Terra só estará pronta para este

Page 39: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

39

encontro no dia em que puder recepcionar a delegação do

Grande Império arcônida como um planeta forte e unido.

Mas não haverá uma Terra unida se não houver um

governo mundial. Creio que todos compreenderam por

que venho dedicando uma atenção toda especial a este

problema”.

“Há anos que a Terceira Potência está empenhada

nos preparativos para a implantação de um governo

mundial. E vai chegar o dia em que todas as nações da

Terra terão à sua disposição a inconcebível tecnologia

arcônida, atualmente em nossas mãos. A General Cosmic

Company, fundada por mim, tornou-se sem dúvida

alguma o maior fator de poder político-econômico do

nosso mundo. Não constitui exagero afirmar que a

G.C.C. controla a produção da Terra. Nós determinamos

o valor monetário e de câmbio. E posso relevar que a

G.C.C. um dia vai introduzir uma nova moeda mundial;

dispõe dos meios para isto.

“Depende apenas de vocês e de seus governos

para que tudo isso se torne realidade o mais breve

possível. Pois o dia X não pode continuar a ser uma data

imprevisível do futuro. Entretanto, não pretendo recorrer

à força, faço questão de reiterar isto mais uma vez, se

bem que não teria a menor dificuldade em implantar o

governo mundial por coação”.

“Porém não posso mais esperar muito tempo por

uma razão bem simples: a cada dia que passa Crest e

Thora pedem com mais insistência que lhes conceda

permissão para reverem a pátria. E não posso continuar a

me opor a esse justo anseio porque, em nome da

Humanidade, eu assumi uma dívida de gratidão com os

arcônidas. Sem o fabuloso auxílio tecnológico que

recebemos deles, hoje ainda nos encontraríamos nos

umbrais da navegação espacial e deveríamos nos dar por

felizes se, anos após o voo pioneiro à Lua,

conseguíssemos enviar os primeiros foguetes a Vênus.

Portanto, como viram, é bastante exíguo o prazo de que

os senhores dispõem para chegar a um acordo político.

Mas, assim que o governo mundial tiver sido empossado,

vamos poder enfrentar Árcon... e também o desafio

representado por uma galáxia inteira”.

“Agora passo a esboçar, em linhas gerais, como

imagino a constituição de um governo mundial...”

O telegrafista Adams esticou as pernas um pouco

mais. Honestamente, não estava muito interessado nos

pormenores da organização desse projetado governo

mundial. Certo, a ideia em si não era ruim, mas, se os

políticos dos dois blocos de poder a topariam, era outra

questão. Afinal a rebelião do Bloco Oriental contra

Rhodan havia revelado sobejamente quão pouco

conformados os políticos do mundo estavam em ter que

aceitarem a supremacia tecnológica da Terceira Potência.

Seja como for, os militares do Bloco Oriental haviam

sofrido uma derrota decisiva em Vênus. Os exércitos

desembarcados tinham se perdido nos pântanos e selvas

do planeta virginal e foram dados como desaparecidos. E

a base de Rhodan havia repelido todo agressor

automaticamente, empregando as armas de comando

positrônico.

Adams deu um suspiro. Talvez seu colega já

soubesse algo de novo a respeito daquela nave

misteriosa. Por uns instantes, Adams voltou a prestar

atenção no discurso, e ouviu Rhodan dizer que cogitava

colocar a frota de caças espaciais existente sob o

comando do governo mundial. Adams levantou-se e

dirigiu-se à central de radar.

Chegou na hora certa.

Na tela do aparelho que ligava a estação com

Terrânia, via-se o rosto excitado de um homem um

pouco corpulento, que lutava para recuperar o fôlego.

Como um peixe fora d’água, constatou Adams. Depois

tentou se lembrar quem era aquele homem. Não lhe era

estranho, já o tinha visto alguma vez. Ora, com mil

diabos, esse não era Reginald Bell, o amigo de Rhodan?

Membro da tripulação do primeiro voo à Lua e atual

ministro da segurança da Terceira Potência?!

Enquanto fechava a porta atrás de si, examinou

aquele rosto com mais atenção.

A imagem na tela tridimensional e colorida

reproduzia as feições de Bell com fidelidade

impressionante.

— Ande ligeiro, sua pata choca! — ofegou Bell,

irado. — Eu preciso saber o curso dessa nave que você

observou. Será que o raio daquela estação lunar ainda

não enviou resposta?

— Acabou de chegar — disse o colega de Adams,

tranquilamente, e consultou um bloco de apontamentos.

— Mas por que este rebuliço todo? Será que a nave não

teve autorização para decolar?

— Vá a...

Reginald Bell quase que se engasgou ao cortar

bruscamente a sua observação que tanto prometia. Mais

calmo e objetivo, prosseguiu:

— Logo vai saber se teve ou não autorização.

Agora as informações, se não for pedir demais.

— A nave foi localizada e examinada pelos raios

tateadores das instalações da Lua, apesar da enorme

velocidade que estava desenvolvendo. O curso não

sofreu qualquer alteração. Continua orientado mais ou

menos em direção ao Sol.

— Em direção ao Sol? — gemeu o homem na tela

de imagem. — O que será que essa mulher biruta

pretende fazer no Sol?

— Quem? — perguntou o operador de radar,

todos ouvidos.

Bell ignorou a pergunta e comentou:

— Por mim pode ficar lá, assando até se tornar

digerível! Bloco de gelo de uma figa! Sol!

O telegrafista arreganhou os dentes.

— Posso chamar sua atenção para o fato — disse

ele — de que na direção do Sol não existe apenas o Sol.

— O que quer dizer com isso? — berrou Bell,

enfurecido, para uma fração de segundos depois se tornar

lívido. Como por encanto, o rubor da sua face se

transformou num cinza-pálido. — Não apenas o Sol...

Caramba! Você tem razão! Por que não disse isso logo?

Obrigado pela informação, oportunamente vou lhe

mostrar minha gratidão.

— Então me diga o que está se passando —

implorou o operador de radar, exasperado; mas a tela já

estava escura.

Bell tinha se despedido à sua maneira.

Adams encolheu os ombros.

— Não leve isso tão a sério, John. Dizem por aí

que esse Reginald Bell é esquisito como quê.

O telegrafista ainda não se conformou.

— Que diabo de nave terá sido essa? Parece que a

sua decolagem levantou um bocado de poeira!

Page 40: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

40

— A nave nem tanto — vaticinou Adams. —

Creio que quem levantou mesmo a poeira foi aquela

mulher que Bell citou. Também não é vantagem levantar

tanta poeira. Afinal, a nave partiu do deserto de Gobi!

— Piada infame! — comentou o operador de

radar, furioso. — Se eu tivesse a menor noção da

realidade, poderia ganhar um montão de dinheiro. Eu

conheço um pasquim...

Adams franziu a testa e voltou para sua própria

central. A transmissão continuava perfeita e Adams se

sentou aliviado na poltrona.

Perry Rhodan ainda estava falando.

— ...e hoje, nesta data, não vivemos mais na

ilusão de sermos as únicas inteligências no universo. Não

estamos sozinhos, muito pelo contrário. Estamos na

mesma situação dos habitantes de uma ilha isolada no

Pacífico, que até agora se julgaram os únicos homens

sobre a face da Terra, e de repente são obrigados a

constatar que estão circundados ou mesmo cercados por

enormes continentes, povoados por milhões e milhões de

pessoas. Haveria algo mais natural para esses homens do

que esquecerem suas desavenças mesquinhas e se unirem

para enfrentar o desconhecido?

Perry Rhodan fez uma pausa.

No mundo inteiro não houve um único

telespectador que tivesse estranhado essa pausa, porque

não existe homem que consiga falar ininterruptamente.

Mas Adams não se encontrava na Terra e sim na estação

orbital III. Além disso, ele sabia daquela nave misteriosa

que tinha causado um rebuliço tão grande no ministério

da segurança da Terceira Potência. E mais ainda. Adams

também sabia que Rhodan dispunha de um exército de

mutantes, em cujas fileiras militavam, entre outros,

excelentes telepatas.

E Adams não possuía apenas essas informações,

possuía também uma rara facilidade de combinar fatos...

Não era possível retirar Rhodan sem mais nem

menos de frente das câmaras de televisão; afinal de

contas, estava se dirigindo ao mundo. Mas era preciso

colocá-lo a par do ocorrido, se fosse importante. E era

importante; o comportamento de Bell tinha demonstrado.

Portanto...

Não, realmente não foi difícil para o telegrafista

Adams concatenar corretamente os acontecimentos que

se desenrolavam na tela.

Perry Rhodan silenciava e parecia estar refletindo.

Olhava para um ponto imaginário à sua frente com os

olhos ligeiramente cerrados. Era como se estivesse

ouvindo uma voz que estava se dirigindo a ele do

invisível. Uma ruga profunda apareceu na sua testa. Por

um momento, uma expressão de mau humor brilhou nos

seus lábios. Dirigiu o olhar novamente para as lentes das

câmaras e o tom da sua voz se manteve inalterado

quando disse:

— Mas ainda há muitos problemas a resolver, e

eu só posso pedir a todos que confiem em mim. Confiem

também nos arcônidas, aconteça o que acontecer. Basta

que um deles resolva entrar em contato com Árcon para

que o perigo de sermos descobertos aumente

tremendamente. Pois esta mensagem poderia, por um

acaso, revelar a nossa existência a uma das numerosas

raças belicosas do universo. E desnecessário salientar o

que isso significaria para uma Terra desunida.

“Finalizando, desejo lembrar mais uma vez a

todos que hoje não comemoramos apenas mais um

aniversário do início da verdadeira navegação espacial,

mas também a consolidação definitiva da paz. A Terceira

Potência ama a paz. Mas ao mesmo tempo é a sua

defensora mais intransigente e, como tal, não hesitará um

instante sequer, em empregar, sem a menor

contemplação, todo seu poderio para defendê-la, toda vez

que se veja ameaçada em qualquer parte do mundo.”

Após esse final um pouco abrupto, Rhodan se

inclinou ligeiramente perante o seu auditório invisível e

depois se dirigiu rapidamente para uma porta nos fundos,

pela qual desapareceu. Esta porta permaneceu nas telas

de imagem ainda durante algum tempo, antes que o

coronel Freyt aparecesse para anunciar que em breve o

ministro da segurança da Terceira Potência, Reginald

Bell, ia dirigir a palavra ao mundo, abordando questões

de defesa no caso de uma invasão.

Freyt ainda pediu que os telespectadores

desculpassem um pequeno intervalo, uma vez que Bell

estava sendo retido por alguns assuntos internos.

O telegrafista Adams efetuou as ligações

necessárias e depois se pôs a esperar.

Tinha a impressão de ter se tornado testemunha

de acontecimentos sumamente importantes e de

consequências ainda imprevisíveis.

* * *

A esta altura, o Sol já era uma imensa bola de gás

incandescente, que passava rapidamente à esquerda da

nave espacial. As enormes protuberâncias que projetava

no universo pareciam querer agarrar o destróier C, mas

este era rápido demais para poder ser alcançado pelas

turbulentas massas gasosas. Deslocava-se a uma

velocidade próxima à da luz.

O robô R.17 ocupava, praticamente imóvel, o

assento diante dos controles, a maioria dos quais havia

transferido para o comando automático. Só vez por outra

procedia a uma ligeira correção do curso, que era

influenciado pela tremenda força gravitacional do Sol.

R.17 manteve-se em silenciosa expectativa.

Ao passarem pela estação lunar, R.17 havia

cumprido a ordem recebida, e anunciado o nome de

Thora como comandante do destróier. Mas antes que a

estação pudesse responder, já tinha desaparecido no

negrume do vazio total.

Desta vez, Thora não admitiria que ninguém a

impedisse de realizar o seu intento. Durante dez anos —

se computado o curioso lapso de tempo em Peregrino, o

planeta da vida eterna — tinha se submetido à vontade

férrea de Rhodan. Mas acabou chegando à conclusão que

Rhodan nem pensava em permitir que ela e Crest

retornassem a Árcon.

Antes de mais nada, Rhodan queria ver

implantado o seu ambicionado governo mundial, a fim

de não passar por vexame diante dos arcônidas. É claro

que perseguia esse objetivo sob o pretexto barato da

eterna ameaça de uma invasão.

Bem, se Rhodan não estava disposto a lhe

conceder a permissão, paciência, agiria por conta própria

para exercer o seu direito inalienável de rever a pátria.

Chegar a Vênus já era meio caminho andado, pois lá

existia um meio pelo qual poderia se comunicar com o

distante planeta Árcon. Era o emissor hiperespacial, que

Page 41: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

41

levaria as suas palavras através do universo com

velocidade superior à da luz.

E Árcon enviaria uma nave para resgatá-la.

E o seu cativeiro chegaria ao fim...

Neste ponto, algumas dúvidas se infiltraram nos

pensamentos de Thora. Não tinha segredado o seu plano

a Crest, e ele tinha todo o direito de conhecê-lo. Mas

Crest estava do lado de Rhodan. Portanto, teve que agir

sozinha.

Todavia...

Segundos transformaram-se em minutos. O Sol

diminuía cada vez mais na esteira da nave, enquanto que

à frente, em meio às miríades de estrelas, Vênus

despontava como um ponto fulgurante que crescia

vertiginosamente, transformando-se num disco e,

finalmente, num globo branco.

Com olhos ardentes, Thora fitou o planeta que se

aproximava. Lá se encontrava o objeto dos seus anseios:

a gigantesca estação radiofônica estelar dos colonos

arcônidas desaparecidos dez mil anos atrás. No entanto,

o fabuloso automatismo da base que haviam construído

ainda hoje se encontrava em perfeitas condições de

funcionamento.

E isto incluía as terríveis armas defensivas,

criadas por uma tecnologia inconcebível, e que

protegiam a estação radiofônica e o cérebro positrônico.

Thora conhecia a localização exata da base.

Construído de acordo com um projeto arcônida, o

destróier apresentava todos os requisitos para ser

identificado como nave dos arcônidas pelos raios

tateadores da instalação de bloqueio da fortaleza. Não

encontraria qualquer obstáculo para pousar. Thora sabia

quão estarrecedor era o armamento desta fortaleza, e de

que meios o gigantesco cérebro positrônico dispunha

para se defender.

Afastou todas as dúvidas e receios do pensamento

e disse a R.17:

— Precisamos desacelerar.

— Já estamos desacelerando — respondeu o robô.

— Só que não reparou nisso. É que os campos de força

neutralizam qualquer alteração. Mas veja, a imagem de

Vênus está aumentando apenas lentamente.

Tinha razão.

Aquela esfera luminosa já estava bem próxima,

mas na realidade só crescia vagarosamente. A densa

camada de nuvens ocultava a superfície, mas Thora se

lembrava muito bem que aquilo que no momento não

podia ver era um mundo primitivo. Enormes superfícies

de água e mares pré-históricos cobriam uma grande parte

do planeta Vênus e, assim, se constituía para os homens

num imenso labirinto de água, pântanos e selvas

gigantescas. E nesses pântanos sem fim viviam enormes

sáurios, que somente há poucos séculos tinham

conquistado a terra firme.

A selva era praticamente impenetrável. Mesmo

com o auxílio dos meios da técnica mais moderna, ali era

praticamente impossível percorrer trechos maiores a pé.

Quem caísse nessa selva estava perdido. Sucumbiria em

breve, vítima dos sáurios, dos pântanos ou das plantas

carnívoras.

Para seres humanos a atmosfera venusiana era

respirável. Apesar do alto teor de dióxido de carbono,

continha oxigênio suficiente para alimentar a corrente

sangüínea. Nas camadas superiores a percentagem de

impurezas de origem vulcânica e de gases nobres

aumentava consideravelmente. E a camada de nuvens,

que quase sempre pairava a grande altura, transformava

Vênus numa estufa enorme, na qual a vegetação

proliferava exuberantemente.

Um dia completo em Vênus tinha a duração de

dez dias terrestres. Isto equivalia, portanto, a cento e

vinte horas de claridade, seguida de igual período de

noite escura. O ano planetário durava 224,7 dias

terrestres.

A força gravitacional e a velocidade de liberação

eram ligeiramente inferiores às verificadas na Terra. O

Sol estava a cento e oito milhões de quilômetros, e

fornecia energia calorífica superabundante.

Não era um mundo muito hospitaleiro, mas, há

milhões de anos, não tinha sido outro o aspecto da Terra.

Algum dia, Vênus seria habitado; talvez fossem até os

descendentes dos homens que, num futuro remoto,

transformariam este planeta fértil num paraíso.

Mas, no momento, Vênus era tudo, menos um

paraíso. “O planeta do inferno”, assim Bell o tinha

chamado certa vez numa conversa com Thora.

Casualmente, a arcônida se lembrou dessa denominação,

quando o destróier penetrou nas camadas superiores da

atmosfera e começou a baixar lentamente.

A velocidade já era bem reduzida. Vagarosamente

as nuvens claras e esfarrapadas deslizavam diante das

vigias. Parecia que se deslocavam para cima.

Na tela de radar se delineavam os contornos de

enormes e altas cordilheiras. E no planalto de uma dessas

cordilheiras localizava-se a base dos antigos arcônidas; e

esta base abrigava o cérebro positrônico e a hiperestação

radiofônica.

O robô R.17 reassumiu o controle da nave.

Orientou-se pelos instrumentos e determinou a posição

do alvo. Nenhuma instrução havia sido gravada no seu

cérebro que o proibisse de pousar nas proximidades da

base venusiana.

De repente, não havia mais nuvens embaixo do

destróier. Era como se D.C. tivesse mergulhado num mar

de gás e agora estivesse flutuando no fundo. O sol ficou

reduzido a uma mancha clara que brilhava através das

massas gasosas, nas quais originava violentos turbilhões,

mas que só raramente atingiam a superfície do planeta.

Thora olhou para baixo e se arrepiou.

Tinham atravessado um oceano e estavam se

aproximando da costa. A visão era surpreendentemente

clara e lá longe, no horizonte, amontoavam-se altas

cordilheiras, encimadas por cumes achatados. Do sopé

até a metade da altura ainda havia vegetação. Daí para

cima, só se via a rocha desnuda. De frestas escuras

emergia uma cintilação branca. Thora sabia que eram

imensas quedas d’água, que alimentavam sem cessar os

pantanais nas selvas.

As selvas...

Além das cordilheiras e dos mares, não se via

outra coisa senão selvas. Estendiam-se em todas as

direções por baixo do destróier... um tapete verde, do

qual despontavam algumas rochas isoladas, e rasgado em

alguns trechos por vastas superfícies de água, que

brilhavam num tom esverdeado e traiçoeiro. Aqui e ali,

esta superfície de aspecto tóxico era agitada e uma

enorme cabeça aparecia, oscilando indecisa na

extremidade de um pescoço longo e esbelto, para, em

Page 42: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

42

seguida, desaparecer novamente dentro d’água.

A nave continuou a baixar.

— O alvo está a oitocentos quilômetros de

distância — disse R.17 calmamente e sem qualquer

emoção. — Vamos pousar ou voltar?

— Vamos pousar... é claro! — respondeu Thora.

A sua voz também soava calma, se bem que no seu

íntimo rugia uma tempestade difícil de ser amainada.

Dentro de poucas horas saberia ao certo se era mais forte

e inteligente que Rhodan... ou não.

— Algum sinal dos raios tateadores da estação?

R.17 lançou um olhar aos instrumentos.

— Por enquanto, não.

“Ainda estamos muito longe”, pensou Thora.

Lembrou-se que a zona de bloqueio se estendia

num raio de quinhentos quilômetros em torno da

fortaleza, incessantemente controlada pelo cérebro

positrônico, que examinava todo objeto que se

aproximava. Quem fosse reconhecido, mas não tivesse a

devida autorização, ficava apenas proibido de tentar o

pouso dentro da zona de bloqueio. Mas, se o intruso

revelasse ser um estranho, era imediatamente abatido,

sem qualquer aviso prévio. Thora sabia que não corria

esse perigo, porque o padrão das suas ondas encefálicas a

identificaria como arcônida. Mais importante, porém, era

o fato de que o destróier era uma nave de características

inteiramente arcônidas. O emissor de códigos, que fazia

parte do seu sofisticado equipamento, se encarregaria de

responder corretamente às perguntas do cérebro

positrônico.

— Faltam seiscentos quilômetros — disse R.17,

mecanicamente.

Thora olhou de relance para o armário embutido

da central. Continha todas as armas de fogo necessárias

para o caso de um pouso de emergência em território

desconhecido. Encolheu os ombros num gesto

displicente. Não precisaria de uma arma. Também, para

quê?

— Estamos chegando perto da zona de bloqueio

— comentou R.17.

Thora empertigou-se na poltrona e olhou,

fascinada, através da vigia para a superfície do

fumegante inferno de Vênus. Nada havia se modificado

desde a última vez que tinha estado aqui. A nave

deslizou por cima de um lago circundado por rochas

íngremes, cobertas até o cume por uma vegetação rala.

Atrás dessas rochas se encontrava um daqueles

numerosos platôs elevados; eram imensos planaltos que

se estendiam bem acima do nível dos pântanos. Nesses

platôs, as condições de vida eram razoavelmente

suportáveis.

— Desça mais um pouco! — ordenou Thora, mas

não sabia por que o disse.

O robô obedeceu sem proferir palavra. Mas a

altura não tinha menor influência sobre os raios

tateadores da fortaleza. Agarraram aquela nave que, para

eles, era estranha e exigiram o código de identificação...

Mas não receberam nenhuma resposta. E tudo isso se

processou de forma inteiramente automática e sem

qualquer indício visível. Os instrumentos de D.C. apenas

indicaram que a nave havia sido localizada. Mais nada.

Por isso, o que aconteceu em seguida, se

constituiu numa surpresa completa.

Na borda do platô, um trecho de rocha deslizou

para o lado. Da fresta negra emergiu um cano reluzente,

que parecia envolto em espirais coruscantes. Ergueu-se

devagar até apontar ameaçadoramente para aquela nave

que voava a baixa altitude. A quinhentos quilômetros de

distância, correntes de impulsos percorriam complicados

aparelhos, abriam e fechavam contatos; ativaram relês e

originaram, finalmente, um comando positrônico. Um

emissor radiofônico se encarregou de transmitir este

comando imediatamente para o canhão desintegrador na

zona de bloqueio.

Nem de longe R.17 e Thora tinham contado com

a possibilidade de serem derrubados por meio de um tiro

direto. O raio energético aniquilador dissolveu o campo

estrutural cristalino da nave e sublimou toda a matéria.

Automaticamente, R.17 apertou o botão do

dispositivo de ejeção.

A proa do destróier tinha sido decepada como que

por um corte de navalha, de modo que praticamente toda

a central de comando ficou exposta. Como por um

milagre, o abastecimento de energia ainda funcionava.

Mas o mecanismo estava emperrado.

Desesperada, Thora agarrou-se aos encostos da

poltrona. A nave estava ligeiramente adernada e

cambaleava em direção àquele inferno verde. Através da

vigia, que se encontrava abaixo dela, Thora vislumbrou

que ainda iriam pousar naquele platô... se é que essa

queda brusca pudesse ser chamada de pouso.

Talvez as copas das árvores pudessem amortecer

o impacto.

“Por quê?”, perguntou Thora a si mesma nos

últimos segundos de lucidez, “por que este cérebro-robô

mandou nos abater, por quê?”

Depois, o choque violento parecia lhe cravar as

pernas no corpo. A dor lancinante ainda lhe atravessou o

cérebro antes que perdesse os sentidos de vez. R.17 bateu

com a testa nos instrumentos de controle...

2

Reginald Bell se encontrava no centro de

operações do Ministério da Segurança da Terceira

Potência. Todos os fios da vasta rede de comunicações

convergiam para as suas mãos. Em toda a volta da sua

mesa cintilavam as lâmpadas de aviso, brilhavam as telas

de imagem, zumbiam os videofones. E os comunicados

se sucediam sem cessar.

Todos se referiam à inesperada fuga de Thora.

John Marshall, o telepata do Exército de

Mutantes, estava em pé ao lado de Bell.

A poucos instantes, havia enviado a sua

mensagem mental para Rhodan e agora acabava de

receber a confirmação. Com um gesto distraído, enxugou

o suor da testa.

John Marshall era australiano e tinha descoberto

relativamente tarde que possuía o dom de poder ler os

pensamentos de terceiros. Por uma compulsão

automática, havia se aliado a Perry Rhodan, tornando-se

um dos seus mais importantes colaboradores. A causa da

sua faculdade extra-sensorial residia no efeito produzido

pela radiatividade cada vez mais intensa da atmosfera da

Terra. O número de mutantes já era bastante grande, mas

poucas pessoas sabiam disso. Mesmo entre os próprios

Page 43: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

43

mutantes, havia muitos que levaram anos até

descobrirem as suas capacidades excepcionais.

— Daqui a pouco ele está aí — disse John

Marshall a Bell.

Crest, o arcônida, preferiu se manter um pouco

afastado nos fundos da sala. Seu vulto alto erguia-se

acima das telas de imagem. O cabelo branco destacava-

se das paredes escuras, enquanto os olhos albinos

emitiam um brilho avermelhado.

Para ele, o incidente com Thora era mais do que

embaraçoso. É claro que, no íntimo, podia compreender

os motivos que a levaram a fugir. Mas considerava

imperdoável que ela tivesse agido de maneira tão

leviana. Sua atitude irresponsável ameaçava o sucesso do

Projeto Terra.

A raça dos arcônidas tinha atingido — e até

atravessado — o ponto culminante da sua evolução. A

continuar essa estagnação, essa passividade, o império

dos arcônidas, erigido durante milênios, estaria fadado a

desmoronar. Decadentes e prepotentes por natureza, os

arcônidas algum dia se tornariam vítimas do seu próprio

poderio.

Crest havia compreendido isso claramente. Via

nos habitantes da Terra os futuros herdeiros do Grande

Império arcônida. Estava plenamente convicto que, se

algum dia o império fosse entregue a esses homens

decididos e que não recuavam diante de nada, estaria em

boas mãos. Ao menos melhor do que nas mãos daqueles

seres que também pertenciam ao império colonial dos

arcônidas, mas que, apesar da sua inteligência, não

tinham nada em comum com o homem. Sem dúvida o

império estaria mais bem cuidado nas mãos dos terranos

do que, por exemplo, nas nadadeiras dos habitantes das

Plêiades ou nas asas dos pterodátilos do sistema Rígel.

Sem falar, evidentemente, nos tópsidas.

Crest estava procurando sucessores para os

arcônidas e acreditava tê-los encontrado nos terranos.

Havia submetido Perry Rhodan e Reginald Bell a um

treinamento hipnopédico, transmitindo-lhes todo o saber

do universo. Sistematicamente, Crest preparava Rhodan

para a tarefa que teria de cumprir. No fundo do seu

coração, o arcônida denominava o seu plano de Projeto

Terra.

E agora a concretização desse plano corria perigo

por causa da atitude de Thora.

A porta se abriu e Perry Rhodan entrou na central.

Deu um aceno ligeiro a Crest e Marshall, e dirigiu-se a

Bell:

— Algo de novo?

— Uma porção de coisas, Rhodan; nem sei por

onde começar.

— Sugiro que comece do início. Mas seja breve,

não temos muito tempo.

— Thora partiu uma hora atrás com o destróier C.

Passou pela Lua na direção de Vênus, sempre emitindo o

sinal de identificação. Deve ter levado o piloto-robô a

bordo. Não foi detida. Se aumentou a velocidade

suficientemente, já deve ter pousado em Vênus.

Rhodan cerrou os olhos.

— Não é difícil entendê-la, Bell. Esperamos

demais para cumprir a nossa promessa. Foi apenas a

ânsia de rever Árcon, que a levou a fugir.

Crest pigarreou.

— É muito nobre de sua parte, Rhodan, querer

desculpar Thora, mas precisamos encarar a realidade.

Sejam quais forem os seus motivos, ela não agiu

corretamente; cometeu uma injustiça. Se ela conseguir

penetrar naquela fortaleza, vai pôr em funcionamento a

hiperestação radiofônica. Como ex-comandante da nossa

expedição, pode fazê-lo. Agora, pense o senhor mesmo

nas consequências que isso poderá acarretar.

Rhodan se lembrou, com um arrepio, da invasão

dos Deformadores Individuais que havia conseguido

rechaçar. A mensagem radiofônica que Thora tencionava

enviar de Vênus se irradiaria sem perda de tempo por

todo o universo. E bastava que fosse captada por alguma

raça estranha e belicosa para que a situação se tornasse

extremamente grave. Os seres inteligentes, que

casualmente interceptassem essa mensagem, tratariam

logo de determinar a direção da sua origem. E qual não

seria a sua surpresa ao constatar que existia um sistema

habitado neste trecho remoto da Via Láctea! E

Inevitavelmente, a Terra seria descoberta. Uma Terra

despreparada e desunida, pronta para ser colonizada, no

sentido interestelar.

As consequências eram imprevisíveis.

— Gostaria de saber o que ela fez para enganar as

sentinelas-robô — murmurou Rhodan, pensativo — já

tem algum relatório?

— Já! — esbravejou Bell e bateu numa pilha de

anotações. — As sentinelas declararam que tudo se

passou de maneira inteiramente oficial. Thora se

aproximou, falou com o piloto do destróier e depois

partiu com ele. Declararam, ainda, que não a impediram

de decolar porque não tinham recebido qualquer ordem

nesse sentido.

— Claro que não tinham essa ordem! — rosnou

Rhodan. — Também, quem teria imaginado que Thora

fosse quebrar sua palavra!

Desta vez foi Crest quem a defendeu.

— Ela devia estar supondo que jamais retornaria a

Árcon, se não agisse dessa maneira.

— Quer me parecer — respondeu Rhodan, com

um ligeiro sorriso — que este não tenha sido o único

motivo da fuga de Thora. Lembre-se apenas do planeta

da vida eterna. O imortal me concedeu a permissão e me

proporcionou os meios para obter uma prolongação da

vida. Autorizou-me, ainda, a concedê-la a qualquer

terrano que eu julgasse digno. Essa permissão não incluía

os arcônidas, porque essa raça já tinha atingido e

ultrapassado o ápice da sua evolução. Isso significa que

os terranos ainda se encontram no ramo ascendente do

desenvolvimento. Thora é orgulhosa e prepotente, Crest.

Não conseguiu suportar essa humilhação e quis se vingar

à maneira dela. Queria me mostrar que era mais forte do

que eu. Só que não tem a menor noção do que está

causando com isto. O seu desejo de voltar para Árcon é

perfeitamente compreensível, mas a sua estupidez é

imperdoável.

— O que vai fazer agora, Rhodan?

Bell ergueu a cabeça; estava interessado na

resposta. No mínimo tão interessado quanto Crest.

Rhodan disse, com vagar:

— Vou seguir Thora com o destróier A. Agora

mesmo. Vou levar John Marshall e Son Okura comigo.

Bell, chame um carro. Não preciso de mais nada. Afinal,

o equipamento necessário encontra-se a bordo.

Crest fez um gesto de desaprovação, mas depois

Page 44: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

44

baixou a mão lentamente e sacudiu a cabeça, resignado.

Na convivência com Rhodan já se havia habituado a

muita coisa. Esses homens tomavam as suas decisões

com uma rapidez... inacreditável!

Bell encarou Rhodan.

— E eu? — perguntou, com a cara de uma criança

que não tinha recebido o seu presente de Natal. — Por

acaso vou ficar aqui, chupando o dedo?

— Não é uma má ideia — respondeu Rhodan,

como que aceitando a sugestão. — Mas fique tranquilo;

você vai nos seguir com o destróier B, assim que for

possível. Infelizmente não podemos cancelar as

solenidades programadas sem mais nem menos; por isso

você vai ter que me substituir. Se não me engano, o

coronel Freyt já anunciou o seu discurso na televisão.

Espero que você esteja suficientemente preparado.

— Eu? Fazer um discurso na televisão?! —

indignou-se Bell, o sangue lhe afluindo ao rosto. — Para

falar sobre quê?

— Ora, sobre o que poderia ser? Questões de

defesa, evidentemente. Você vai falar sobre as

possibilidades de defesa da Terra no caso de uma invasão

interestelar. Um tema bastante atual. Assim que as

solenidades estiverem encerradas, você parte. Está claro,

Bell?

Bell acenou sombriamente.

— Está claro, sim.

Empertigou-se na poltrona e fitou firmemente os

olhos cor de aço de Rhodan.

— Mas uma coisa eu lhe digo. Se por causa desse

discurso eu chegar tarde para tomar parte naquela

algazarra lá em Vênus, você vai ver o que é bom!

— Avise Son Okura — disse Rhodan, sem tomar

conhecimento da ameaça de Bell.

— Por que logo Okura? — perguntou Bell,

enquanto estabelecia a ligação com o posto de comando

do Exército de Mutantes. — Qual a utilidade dele nessa

missão?

— Ele é o nosso perceptor de frequências, como

você sabe. Os olhos dele são capazes de reparar todas as

ondas invisíveis e, em especial, os raios infravermelhos.

Esta faculdade torna Okura um auxiliar indispensável na

escuridão. Lembre-se que a noite em Vênus dura cinco

dias terrestres. Além disso, Okura tem o raro dom de

poder ver radiação de calor. Com isso, consegue

reconhecer a impressão calorífica de um objeto que já foi

removido há horas. Não há melhor colaborador nessa

aventura que Son Okura.

Bell transmitiu suas instruções pelo rádio e depois

acenou.

— Sim, é verdade. Mas o fraco dele são as pernas.

É uma negação para andar, quanto mais para correr. Aí,

um teleportador seria melhor.

— Esse vai com você. Nos destróieres só há lugar

para três homens. Até o piloto-robô eu não vou poder

levar.

— Por que você não pega uma nave maior?

Rhodan refletiu durante um instante.

— Você está me dando uma boa ideia. Não vai

me seguir com o outro destróier e, sim, com uma nave

auxiliar. Pode enchê-la de mutantes. Mas estou quase

certo que não serão necessários — Rhodan sorriu. — Até

que você chegue, já acabou tudo.

Bell respirou com dificuldade, à cata de uma

resposta apropriada. Mas ao olhar para Crest pensou duas

vezes. Lembrou-se, que o arcônida nunca tinha achado

muita graça nas suas pilhérias meio esquisitas.

Portanto, desistiu de dar uma resposta. Limitou-se

a encolher os ombros e a dizer, sarcasticamente: —

Vamos ver.

* * *

Enquanto Bell discursava diante das câmaras de

televisão, o destróier A estava se projetando espaço

adentro. O curso tinha sido programado. Comandada

pelo piloto automático, a nave atingiria em breve a

velocidade da luz e depois seria novamente desacelerada.

Rhodan estava sentado na poltrona do piloto. O

assento à sua direita era ocupado por Marshall, enquanto

Okura, o japonês franzino, se encolhia na poltrona à

esquerda. Ignorando a existência de lentes de contato e

causando sério desgosto aos inovadores fanáticos, o

japonês usava óculos, lentes grossas montadas numa

armação fina. Era uma verdadeira ironia do destino:

justamente o homem que conseguia ver todas as ondas

luminosas invisíveis tinha que recorrer a óculos para

poder reconhecer os objetos iluminados pela luz normal.

Mas a visão de Okura realmente não era das melhores.

Estava trabalhando como opticista numa fábrica de

máquinas fotográficas, quando os caçadores de talentos

de Bell o descobriram, convidando-o a se incorporar ao

Exército de Mutantes de Rhodan.

— Será que Thora vai pousar junto à estação? —

perguntou Marshall.

— Suponho que sim — respondeu Rhodan, sério.

— O objetivo dela é inteirar Árcon da existência da

Terra, para que venham apanhá-la. O transmissor se

encontra na estação; portanto, ela vai tentar pousar lá.

— Quando me tornei mutante, fui treinado aqui

em Vênus — disse Okura, com aquele seu jeito tranquilo

e discreto. — É uma droga de lugar, se me permitem a

expressão.

— Não temos opção, Okura — disse Rhodan,

acenando. — Por outro lado, creio que não vamos ter

muita ocasião de nos expor aos perigos dessa selva.

Assim que pousarmos junto da estação, vou dar a minha

contraordem ao cérebro positrônico. Se Thora ainda não

chegou ao transmissor, pode ser detida.

— Só faço votos que não cheguemos tarde demais

— murmurou Marshall e cerrou os dentes. — Nem é

bom pensar no que poderia acontecer.

Rhodan manteve o olhar fixo em frente, onde

Vênus começava a se delinear como um disco luminoso.

— Tem razão — concordou — é inimaginável o

que poderia acontecer.

Depois silenciaram.

E tudo transcorreu rapidamente. Vênus tornou-se

cada vez maior e depois o destróier penetrou na

atmosfera. Determinaram a posição da estação e

constataram que a noite venusiana estava para cair. Em

breve ficaria escuro... durante cinco longos dias.

No momento, isso não causava maiores

preocupações, mas, mesmo assim, Rhodan se sentiu

aliviado por ter trazido Okura. Tinha sido uma decisão

previdente, que mais tarde pagaria juros.

Rhodan consultou a marcação dos instrumentos.

— Mil e quinhentos quilômetros a oeste. Vamos

baixar mais para poder ver alguma coisa. Se ao menos eu

Page 45: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

45

soubesse onde Thora se encontra nesse momento!

A selva deslizou rapidamente por baixo da nave

em direção a leste, onde já estava escurecendo.

Sobrevoaram um pequeno mar pré-histórico, depois uma

cordilheira bastante alta e novamente selvas e pântanos.

Aos poucos, tornava-se cada vez mais difícil distinguir a

paisagem que passava por baixo deles.

— Faltam oitocentos quilômetros. Bem longe, à

sua frente, o horizonte ficou difuso e se mesclou à

camada de nuvens. Por trás dessa massa leitosa pairava

uma mancha vermelha, o sol poente. Somente daqui a

cinco dias voltaria a nascer.

— Só mais seiscentos quilômetros — disse

Rhodan. — Dentro de cinco minutos atingimos a zona de

bloqueio.

Marshall acenou, automaticamente.

— Também não temos o que recear.

Foi nisso que Marshall se enganou. Tanto, quanto

Thora antes dele.

Mais uma vez a instalação eletrônica de vigilância

da estação dos arcônidas entrou em silencioso

funcionamento. Mais uma vez os raios tateadores se

lançaram sob o recém-chegado e o examinaram. A

ultimação de fornecer o sinal de identificação foi

ignorada. A intimação foi repetida, mas o destróier A não

respondeu.

Rhodan tinha esquecido que as instalações

codificadoras dos três destróieres ainda não haviam sido

preparadas positronicamente. Que isso lhe tivesse

escapado na pressa de seguir Thora, era compreensível;

mas era totalmente imperdoável, se consideradas as

consequências, mesmo levando em conta que tinha sido

o mesmo fato que impedira Thora de alcançar o seu alvo.

Rhodan não conseguiu realizar uma única

manobra de esquiva, pois ficou ofuscado pelo raio

desintegrador que, subitamente, rompeu a escuridão. Um

forte abalo fez estremecer o corpo metálico e arrancou

Rhodan do assento. O horizonte girou diante da vigia e a

nave começou a tombar.

Felizmente o raio só tinha atingido a popa,

destruindo o sistema propulsor. A proa e a central de

comando continuavam intactas.

Num gesto automático, o punho de Rhodan

golpeou o botão de dispositivo de ejeção.

Ao contrário do que havia ocorrido com o

destróier de Thora, o dispositivo funcionou e lançou a

central de comando completa para fora da nave. Graças

aos protetores antigravitacionais embutidos, a cabina se

manteve em posição horizontal. Os jatos de emergência

entraram imediatamente em ação, fazendo-a deslizar para

o lado, afastando-a da zona de bloqueio. Por isso não foi

alvo de novo disparo.

Muito lentamente o teto verde da selva se

aproximou.

Vislumbraram a cintilação traiçoeira das poças

pantanosas. Um rasgo na parede traseira permitiu que o

repentino silêncio na cabina fosse rompido pelo bramido

abafado de um sáurio. Lá embaixo, no pântano,

divisaram indistintamente algo que se movia, lerdo e

pesadão. Okura estremeceu.

— Essas bestas — gemeu — já farejaram a sua

presa.

— Suponho — objetou Marshall — que só está

falando simbolicamente!

O japonês não deu resposta. Conhecia o planeta

Vênus.

O agregado de emergência da central de

comando, agora separada da nave, fez os pequenos

reatores arcônidas trabalharem sem cessar. As torrentes

de corpúsculos que produziam eram suficientes para

reduzir drasticamente a velocidade da queda. A cabina

baixava muito mais devagar do que se estivesse presa a

um paraquedas.

Olhando para o lado, Rhodan viu algo que

despencava, cambaleante. Era o resto do seu destróier,

que não teve a mesma boa sorte de cair para fora da zona

de bloqueio. Por isso, recebeu um novo disparo, que o

atingiu no meio. Num abrir e fechar de olhos a matéria

foi transformada em gás.

A cabina continuou a descer lentamente.

— Tomara que a gente não caia no meio de um

desses lagos! — murmurou Okura preocupado. Devia ter

um verdadeiro pavor dos sáurios.

— Essa cabina foi feita para flutuar —

tranquilizou Rhodan e lançou um olhar crítico ao redor.

— Só espero que não falte alguma arma naquele armário.

O destróier ainda não estava pronto para entrar em

operação. A prova disso é que fomos derrubados. A

instalação codificadora estava incompleta. Se o nosso

arsenal também não estiver completo...

— E também não dispomos de um transmissor.

— Só temos os rádios nas pulseiras de múltipla

utilidade. Mas são fracos demais para podermos alcançar

a Terra.

Encontravam-se agora a uns cem metros de altura

e já conseguiam divisar o presumível local do pouso. A

paisagem não apresentava aspectos muito contrastantes.

Não viam nenhum daqueles traiçoeiros lagos pantanosos,

somente o teto alto e irregular daquela floresta virginal.

— Não pode nos acontecer grande coisa, ao

menos durante o pouso — constatou Rhodan,

tranqüilizando os companheiros. — Agora, o que vai

acontecer depois...

Deixou em aberto as diversas possibilidades.

As copas mais altas estavam chegando cada vez

mais perto. Rhodan sabia muito bem que, quando as

atingissem, ainda poderiam estar bem longe do chão

propriamente dito. Os troncos dessas enormes árvores

primitivas não raro apresentavam um diâmetro de quinze

metros e alturas até cento e cinquenta metros, eram

verdadeiros gigantes. Entre elas proliferavam os parasitas

da selva tropical, também sensivelmente maiores que

seus congêneres na Terra.

O chão da cabina tocou os primeiros galhos e

afundou lentamente no leito relativamente fofo das

copas. Os reatores ainda estavam funcionando, reduzindo

a velocidade da queda.

E depois a cabina parou de baixar.

Jazia, um pouco adernada, no meio daquele mar

verde onde havia afundado. O crepúsculo começou a

baixar, tingindo as nuvens eternas de negro. O

crepúsculo no oeste reluzia como se um imenso incêndio

estivesse consumindo este mundo.

Rhodan resolveu não esperar mais e desligou os

agregados.

Bruscamente, a cabina recobrou o seu peso

normal, carregando os galhos nos quais se apoiava.

Alguns não resistiram à súbita sobrecarga, e quebraram.

Page 46: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

46

Os outros cederam e a cabina começou a escorregar.

Antes que Rhodan pudesse tomar qualquer

contramedida, a cabina inteira tombou para o fundo,

capotando e se chocando violentamente por várias vezes

contra troncos e galhos. Finalmente, após longos

segundos, a queda foi sustada por alguns galhos bem

mais grossos que resistiram ao impacto.

Surpreendentemente, a central de comando havia

chegado ao repouso em posição quase normal.

Somente agora tinham pousado, de fato, em

Vênus.

Quando, minutos mais tarde, John Marshall

voltou a si e sentiu a forte dor na testa, começou a

desconfiar que o fim da perseguição a Thora estava mais

longe do que nunca. Ergueu-se e viu que Okura estava

inclinado sobre Rhodan, examinando a sua cabeça.

Captou os pensamentos do japonês e ficou sabendo, o

que se havia passado.

Okura se virou.

— Pelo visto se machucou bastante.

Bateu em cheio com o rosto. Está todo

ensanguentado. Só espero que não seja grave...

Marshall se recuperou rapidamente. Ainda

ligeiramente zonzo, dirigiu-se a Okura, apoiando-se na

parede. Rhodan estava esticado no chão da cabina,

respirando fracamente. A pancada devia ter sido violenta.

O japonês cambaleou ligeiramente quando se

levantou. O chão estava inclinado e era preciso se

habituar a este fato. Okura encontrou ligaduras e

medicamentos no pequeno armário embutido da farmácia

de bordo. Aplicaram uma injeção revigorante a Rhodan e

conseguiram fazê-lo ingerir um remédio contra febre.

Quando começou a respirar mais profundamente, os dois

homens juntaram as poltronas e colocaram Rhodan sobre

esta cama improvisada, entregando-o ao sono benéfico.

Okura ainda medicou o ferimento de Marshall, e

só depois tratou de si mesmo.

— É claro que eu fui atingido nas pernas — disse

ele, com resignação — é de amargar. Logo no meu ponto

fraco. Sempre caminhei com dificuldade, quanto mais

agora. Receio que vou ser um fardo durante uma marcha

através da selva.

Marshall empalideceu.

— Não pode estar falando sério! Acredita mesmo

que precisamos descer naquele inferno lá embaixo?

Cheio de sáurios e aranhas gigantes e sei lá o que mais

vive nessa mata? Não, nem dez cavalos vão me arrancar

desta árvore. Aqui estamos relativamente seguros.

— Concordo — disse o japonês com um sorriso

afável. — Na penitenciária também se encontra uma

segurança relativa; só que lá ao menos não se perde

tempo e nem se morre de fome.

John Marshall não soube o que responder.

Desviou o olhar de Rhodan e olhou através da

vigia para aquele crepúsculo difuso e esverdeado.

Podia jurar que uma sombra enorme estava se

deslocando lá embaixo. Um bramido prolongado rompeu

o silêncio da selva.

Apesar do calor Marshall começou a sentir um

frio gélido.

* * *

Quando, horas mais tarde, Perry Rhodan se mirou

no espelho, levou um susto.

Um corte profundo, que ainda sangrava,

atravessava-lhe a fronte de lado a lado. Sem aquele

organoplasma especial dos arcônidas levaria semanas

para cicatrizar. O olho direito, fortemente inchado,

desfigurava-lhe as feições, a ponto de torná-lo quase

irreconhecível.

Recostou-se com um suspiro e deixou que o

japonês lhe enfaixasse novamente a testa.

— Meus melhores amigos não me reconheceriam

— murmurou. — Sei que Bell vai ter um motivo para

ficar me gozando.

— Vou quebrar os ossos dele todinhos se ele se

atrever a fazer isso! — ameaçou Marshall.

Rhodan deu um sorriso fraco.

— Duvido que o consiga, pois estão por demais

protegidos por aquelas grossas camadas de banha.

Rhodan esperou que a bandagem fosse

completada e depois acrescentou: — Qual é a nossa

situação, e o que vamos fazer?

Son Okura retrocedeu meio passo e submeteu sua

obra a um exame crítico.

— O seu ferimento não é grave. Mas o fato é que

estamos presos no meio desta selva, sem qualquer

possibilidade de comunicação com a Terra. Perdemos a

nave espacial e, com isso, qualquer meio de estabelecer

contato com a cúpula energética da fortaleza venusiana.

Portanto, não podemos contar com o auxílio de ninguém.

Nossa única chance consiste em alcançarmos a base, ou

esperar que Bell nos encontre por uma mera casualidade.

— Mas temos os minitransmissores — observou

Marshall.

— Não vão nos adiantar grande coisa, porque seu

alcance é muito limitado. Quando a central foi ejetada da

nave, ficamos separados dos aparelhos radiofônicos. Que

isso nos sirva de lição. Daqui por diante um transmissor

vai fazer parte do equipamento obrigatório de todas as

cabinas de salvamento ejetáveis. Quanto a Bell, é claro

que só podemos entrar em contato com ele se a sua nave

passar ao alcance dos nossos minitransmissores. Mas,

esperar que isso aconteça, é confiar demais no acaso.

Não seria uma temeridade ficar aguardando que ocorra o

improvável, enquanto Thora mobiliza todos os horrores

do universo? Rhodan acenou, concordando.

— Okura tem razão, Marshall. Só há uma

alternativa: é preciso chegar antes de Thora e impedi-la

de penetrar na fortaleza. Mas não vejo motivo algum

para crer que ela tenha tido mais sorte que nós. Afinal, o

codificador da nave dela também não estava ajustado.

Resta-nos esperar que ela tenha sobrevivido à queda.

Marshall rosnou, irado:

— Por mim, ela pode ter quebrado o pescoço.

— Eu não diria uma coisa dessas — respondeu

Rhodan, num ligeiro tom de censura. — Não se deve

desejar mal a ninguém, apenas impedi-lo de cometer

algum mal. É uma ilusão pensar que a violência possa ser

combatida. E tem mais: Thora pode quebrar o pescoço

que isso não nos ajuda em nada. Continuamos presos

aqui do mesmo jeito.

— O sentido das minhas palavras não era bem

esse — disse Marshall, tentando atenuar sua expressão

irrefletida. — O que eu quis dizer é que eu tenho uma

raiva dos diabos dessa mulher extraterrena.

Com um sorriso suave, Okura observou:

Page 47: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

47

— Mas só da extraterrena, não é?

Rhodan se levantou algo vacilante e se apoiou na

parede. Ainda estava meio tonto daquele longo desmaio.

Sob o olhar atento dos dois companheiros, ensaiou os

primeiros passos cautelosos e se dirigiu à vigia. Lá fora

reinava o negrume da noite venusiana. Mas, mesmo se

fosse dia claro, Rhodan não poderia agora ter pensado

em sair da cabina. Ainda se sentia fraco demais para

enfrentar a estafante marcha através desse mundo

primitivo, sem falar nas ameaças desconhecidas que

ocultava.

Por outro lado, quanto mais tempo perdesse em

esperar, tanto maior se tornava o perigo de um colapso

total de tudo o que havia criado até agora. Poderia ser

substituído pelo coronel Freyt, certo; mas bastava que se

tornasse do domínio público que Rhodan, o chefe da

Terceira Potência, não tinha regressado de um voo a

Vênus e que era muito provável que os sáurios o haviam

devorado, para que... bem as consequências eram

inimagináveis. O nacionalismo latente de alguns

políticos ambiciosos voltaria à tona e salvaria as pátrias,

transformando os futuros terranos novamente em

homens. E isto era exatamente o pior que lhes poderia

acontecer. Recairiam no estágio das concepções

nacionalistas bitoladas, tornando-se presa fácil para

qualquer invasor do universo.

Essa conclusão só admitia uma única decisão.

E Rhodan a externou:

— Precisamos procurar chegar à base. Primeiro,

vamos dormir durante mais algumas horas, para

recuperar as forças, depois partimos. Trajes de

exploradores nós não temos, tampouco mantimentos

suficientes. Quer verificar o armamento?

Okura abriu o armário embutido. Bem

arrumadinhos nos suportes, lá estavam três jeitosos

irradiadores de impulsos. E mais nada.

— Ao menos alguma coisa — rosnou Marshall.

— Matar sáurios com essas armas é até covardia.

Para Rhodan isto não parecia ser o problema

principal.

— Só dispomos disso? Nada de pistolas

automáticas ou espingardas?

Olhou ao redor.

— E os víveres e a água?

A expressão de Okura era de pura lamentação.

— Temos alguns concentrados e uns poucos litros

de água. Talvez o suficiente para dois ou três dias. Mas

podemos viver da caça.

— Engano seu! — Rhodan sacudiu a arma. — O

raio energético de uma pistola de impulsos positrônicos

queima e gaseifica instantaneamente toda e qualquer

matéria. Mesmo de um sáurio não sobraria praticamente

nada se o disparo for um pouco excessivo.

— Então — disse Marshall — basta prestar

atenção no disparo. É só matar o bicho e suspender fogo.

Além disso, como sabem, nunca deixo de andar sem o

meu velho e fiel revólver — apontou para o bolso. —

Pode ser obsoleto, mas não me desfaço dele, por mais

que Bell me goze.

— É o que eu vou fazer agora — resmungou

Rhodan. — Não me vai dizer que pretende derrubar um

sáurio com este brinquedo?

— Não estou pensando em sáurios. Afinal,

existem também animais menores em Vênus. Talvez

sejam até mais saborosos.

Okura acenou, satisfeito.

— Marshall não deixa de ter razão. Eu também

acredito que vamos conseguir carne. Talvez encontremos

até frutas. Lembro-me que, durante o nosso período de

instruções aqui em Vênus, serviram-nos frutas em

quantidade. Tenho certeza de que vou reconhecê-las, se

existirem por aí. Mas eu estou mais preocupado com a

água. Afinal, não podemos beber essa porcaria dos

pântanos. Faço ideia de como deve estar pululando de

bactérias!

— Existe uma substância na farmácia de bordo —

disse Rhodan — que substitui a fervura. É só jogar o

pozinho na água e as bactérias desaparecem. Depois, é só

filtrá-la para retirar as eventuais impurezas tóxicas. Esse

processo substitui até a destilação. Agora, se for preciso,

nada nos impede de ferver a água. Lenha existe aos

montes no chão da floresta.

— É, lenha molhada ou úmida! Não vai nos

adiantar grande coisa.

Okura meteu a mão no armário da despensa e

exibiu um pequeno pacote.

— Quem é que está falando o tempo todo em

lenha? Veja aqui, Marshall. Sabe o que é isso? Argila

energética! Rende cem vezes mais que álcool. Com esse

negócio aqui podemos preparar três refeições diárias

durante três meses. Faltam somente os bifes de sáurios.

Marshall torceu o nariz.

— Nunca na vida comi carne de sáurio! —

lamentou-se.

— Então está mais do que na hora de começar —

constatou Rhodan e sentou-se novamente no leito

improvisado. — Arrumem tudo que possa ser de

utilidade e depois vão dormir. Não sei quando vamos ter

nova oportunidade para dormir em paz.

Fechou os olhos e, pouco depois, a respiração

regular mostrou que Perry Rhodan estava decidido a

recuperar as forças para enfrentar a aventura que se

avizinhava.

Uma aventura que, de um segundo para o outro, o

havia feito regredir da era da mais moderna tecnologia

para a pré-história.

* * *

E lá estavam eles, escorados nos galhos grossos

de uma enorme árvore, cinquenta metros acima do solo

traiçoeiro da selva. Cipós da grossura de um braço

pendiam de todos os lados, e facilitariam a descida.

Rhodan lançou um último olhar para a segurança

da cabina, que agora abandonariam para sempre.

Segundo sua estimativa, a base arcônida com a guarnição

de robôs devia se situar uns quinhentos quilômetros para

oeste. Uma distância que, devido à fauna e flora pré-

históricas, se constituía num obstáculo praticamente

intransponível.

Verificou se o irradiador de impulsos estava bem

preso ao cinto e pendurou no espaço o saquinho que

continha a sua ração de água e víveres concentrados.

Depois, escolheu o galho mais apropriado para seguir

Marshall, que já havia iniciado a descida. Okura forçava

a vista, olhando para baixo.

— Estamos com sorte. Há uma pequena clareira.

Nenhum sinal de animais.

Page 48: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

48

O próprio Rhodan sempre voltava a ficar

fascinado quando tinha ensejo de constatar a facilidade

com que esse mutante conseguia enxergar na mais

completa escuridão. E agora mal se via um palmo diante

do nariz! Em algum lugar, longe daqui, um vulcão devia

ter entrado em erupção; talvez na cordilheira mais

próxima. Uma débil luminosidade avermelhada

penetrava na floresta, emprestando um ligeiro tom

rosado a tudo que se via. E isto, na realidade, era

praticamente nada.

— Podemos prosseguir daqui — gritou Marshall,

lá de baixo. — Esses cipós formam uma verdadeira

escada de cordas.

Rhodan tateou com os pés, à procura de um apoio.

Encontrou-o e desceu lentamente. Teve a impressão que

aqui em cima, nas árvores, talvez pudessem avançar mais

rapidamente que no chão enganoso da selva. Mas

somente a prática confirmaria isto. Talvez pudessem

mudar de método à luz do dia.

Levaram três horas para atingir o chão firme.

Okura consultou a bússola de pulso.

— Temos que prosseguir nessa direção, se não

houver algum obstáculo. Pelo que eu consigo ver, não há

pântanos por aqui. E o chão está relativamente seco.

Rhodan sentia uma forte dor de cabeça,

consequência do seu ferimento.

“Mesmo um imortal”, pensou amargurado, “não

está livre de sofrer de enxaqueca.”

Enquanto caminhava atrás de Okura, os

acontecimentos no planeta da vida eterna se

desenrolavam mais uma vez em sua mente. Haviam

seguido o rastro que os conduziu, através da galáxia e do

tempo, até Peregrino, o planeta solitário. E lá vivia

aquele ser imortal do passado, que revelou a ele, Rhodan,

parte do segredo da conservação permanente das células.

E ainda lhe proporcionou a oportunidade de se submeter

ao fisiotron, a ducha celular, que sustava o processo de

envelhecimento por certo período — para ser mais

preciso, durante sessenta e dois anos, na contagem de

tempo terrestre. E aquele ser determinou que apenas os

terranos pudesse se utilizar da ducha celular, se Rhodan

assim o permitisse.

Além de Rhodan, somente Bell havia sido

contemplado com uma prolongação da vida.

Daqui a sessenta e dois anos Rhodan procuraria

de novo aquele ser. Com o auxílio do grande cérebro

positrônico, calcularia as coordenadas espaciais exatas

daquele planeta errante e o revisitaria. Mas seis decênios

constituíam um período de tempo bastante longo. E

quanta coisa poderia acontecer até lá...

De repente Okura parou. Forçou a vista como se

perfurasse a escuridão ambiente, e esticou a mão para

trás, à procura de Rhodan. Marshall havia se chocado

contra Rhodan e sufocou uma imprecação.

— O que houve? — Okura sussurrou:

— Algo está se locomovendo lá em frente. Uma

sombra grande. Não consigo distinguir exatamente o que

é. Ouvir, não se ouve nada.

— Então também não é um sáurio, porque esses a

gente ouve a quilômetros de distância.

Rhodan silenciava os ouvidos aguçados.

Instintivamente sua mão se fechou sobre a coronha do

irradiador.

O japonês suspirou aliviado.

— Talvez seja outro animal qualquer. De

qualquer maneira, não enxerga tão bem como eu, porque

ainda não nos reparou. Está se desviando para a direita,

penetrando na floresta. A julgar pelos contornos, tem o

tamanho e o aspecto de um gorila. Talvez já existam

macacos em Vênus.

— Pelo amor de Deus! — gemeu Marshall.

Rhodan se dirigiu a ele.

— Por quê? Tem algo contra os macacos?

— Não é bem isso, mas, se realmente existirem

macacos em Vênus, daqui a cem mil anos nossos colonos

vão ter aborrecimentos sem fim com os venusianos... ao

menos na minha opinião

Rhodan deu uma risada quase inaudível.

— Queria ter as suas preocupações, Marshall!

Não tem outras, por acaso?

Marshall rosnou algo ininteligível, mas não deu

resposta. Okura reiniciou a caminhada, seguido de perto

por Rhodan, que protegia novamente o rosto com as

mãos.

A noite ainda duraria quatro dias terrestres e, se

não sofressem atraso por algum motivo inesperado,

talvez pudessem percorrer uns cem quilômetros até o

nascer do sol.

Uma perspectiva deveras auspiciosa.

Cinco horas mais tarde Rhodan esticou a mão e

agarrou o japonês pelo ombro.

— Precisamos descansar Okura. Se continuarmos

a esbanjar nossas forças desse jeito, nunca vamos chegar

à base. Assim que descobrir um lugar apropriado, vamos

repousar por algumas horas. Talvez encontremos uma

clareira.

— Posso fazer uma sugestão? — o japonês parou.

— Que tal se subíssemos novamente numa árvore?

Tenho certeza que, alguns metros acima do solo,

encontramos um galho suficientemente largo para nos

acomodar a todos. Aqui embaixo eu teria que ficar de

olhos bem abertos o tempo todo, pois a selva deve estar

cheia de perigos ocultos. A meu ver, as árvores oferecem

uma segurança relativamente maior.

— O que me causa espanto — admirou-se

Marshall — é que ainda não encontramos terreno

pantanoso pela frente. Tivemos uma sorte incrível.

— Também só percorremos cinco quilômetros —

observou Rhodan.

Okura encontrou uma árvore que lhe parecia

adequada e foi o primeiro a subir. Dez metros acima do

solo encontraram um galho largo, que se estendia

horizontalmente através de um emaranhado de cipós. O

conjunto formava uma espécie de caverna, na qual os

homens se sentiram imediatamente seguros.

Marshall assumiu a função de cozinheiro.

Quando os concentrados começaram a se

dissolver na água e o fogo incolor flamejou debaixo da

panela, os três homens até que se sentiram bastante

confortáveis.

— Estou chegando à conclusão, de que a coisa

não está tão ruim assim — observou o australiano

alegremente, mexendo a sopa. — Já pensaram como vai

ser quando for dia claro? Aí mesmo é que vamos

marchar que nem uns andarilhos!

Ninguém viu a expressão cética de Rhodan...

Okura talvez, mas Marshall nunca. Rompendo o silêncio

que se seguiu, Okura disse:

Page 49: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

49

— Só que ainda vai passar um bocado de tempo

até o dia claro chegar!

Sem proferir palavra, Marshall continuou a mexer

na sua panela.

3

Meio oculto por véus de nuvens, o sol de Vênus

preparava o seu ocaso. Aquela mancha difusa atrás da

camada de bruma parecia perder o poder luminoso e por

isso tornou-se mais colorida. Os raios de luz, refratados

pelas nuvens e névoas, produziram no céu monótono de

Vênus um espetáculo que brilhava em todas as cores do

espectro. Aos poucos, o vermelho começou a

predominar, mergulhando este mundo primitivo num tom

rosado, e o inferno verde parecia querer se transformar

num paraíso de cores estonteantes. Até mesmo as

superfícies pantanosas, de brilho tão traiçoeiro, se

apresentavam agora como a palheta furta-cor de um

pintor divino que, invisível, zelava pela sua obra em

constante modificação.

O mundo de Vênus suspendia a respiração quando

a longa noite se iniciava. Era como a rendição da guarda.

Os enormes sáurios regressavam das florestas e se

ocultavam na segurança do seu antigo elemento. Às

dezenas, rolavam por cima dos colmos altos do junco,

transformando as cores variadas do pântano num

turbulento espectro gigante, que fazia lembrar galáxias

coloridas, percorrendo trajetórias infindáveis através do

nada, rodando eternamente e procurando em vão por um

destino.

À distância, reluziam as rochas desnudas das

cordilheiras. Pareciam cobertas por fogo líquido. Entre as

rochas cintilavam, prateadas, as quedas d’água. Quando

se pulverizavam lá embaixo, no teto da mata virgem, era

como se um arco-íris enorme estivesse se alastrando, na

tentativa de encobrir o mundo com suas cores

transparentes.

Enquanto os sáurios iniciavam o longo repouso

noturno, os seres vivos da escuridão começaram a

acordar. O curto intervalo da transição chegou

bruscamente ao fim, quando o sol desapareceu no

horizonte mormacento e candente.

Em voo silencioso, mas grasnando

estridentemente, enormes aves lançavam-se através do

crepúsculo, sobre pântanos e florestas, à cata de presa.

Gigantescas borboletas noturnas cambaleavam em

direção ao sol poente, tentando em vão alcançá-lo.

Na borda do platô, no alto daquelas rochas que se

erguiam como uma ilha do mar verde da floresta, alguns

homens observavam, emocionados, o soberbo espetáculo

da natureza. Não constituía novidade para eles, mas

invariavelmente ficavam enfeitiçados toda vez que o

contemplavam.

Tempos atrás, haviam trajado uma farda. Mas

agora esses uniformes estavam tão esfarrapados que

ninguém mais os podia reconhecer. Parecia que apenas

os cintos evitavam que esses farrapos despencassem de

vez. As calças estavam enfiadas em botas dilaceradas, e

alguns dos homens tinham os ombros envoltos em peles

grosseiramente trabalhadas. Porque, com o sol poente, a

temperatura caía sensivelmente.

Os cabelos eram longos, assim como as barbas

emaranhadas. Mas, apesar do aspecto estranho, eram

indiscutivelmente homens da Terra longínqua.

Um deles, um sujeito troncudo e forte, de cara

larga, protegia a vista com a mão.

— É mais bonito que na Terra — disse, num

idioma que soava como russo. — Talvez fosse isso que

levou os outros a resolverem ficar aqui para sempre.

— E bem provável general Tomisenkow. Não há

outra explicação. Perderam o juízo.

O ex-comandante da expedição do Bloco

Oriental, que Rhodan havia desbaratado, sacudiu a

cabeça com veemência.

— Não creio que a atitude deles possa ser

explicada de maneira tão simples. Deve haver outras

razões mais complicadas. Vênus é um mundo selvagem,

mas é um mundo livre...

— Por acaso nós não somos livres também? —

perguntou um dos homens, meio na espreita.

— Liberdade, e liberdade... será que não existem

diferenças? A liberdade não é um conceito da

relatividade e do dogma político? A liberdade pode ser

imposta, mas também se pode conquistá-la.

— Coisas estranhas, essas que o senhor disse,

general! — comentou um outro homem, pensativo, e

olhou para a vasta planície que se estendia em direção ao

oeste. Lá também se erguiam pequenas ilhas rochosas, e

na luz crepuscular via-se que de uma delas subia uma

coluna de fumaça. — Não foram justamente os rebeldes

que disseram a mesma coisa?

— Foram eles, sim. Mas não se limitaram a

palavras; agiram. Tanto assim que se separaram de nós,

porque não queriam regressar à pátria depois do fracasso

da nossa invasão. Tínhamos ordens de conquistar a base

venusiana de Rhodan. Não conseguimos. Rhodan

destruiu nossas naves e nos abandonou indefesos nesta

selva. Mas ele sabia que o homem pode sobreviver aqui.

Os rebeldes também sabem disso. Todo seu plano está

baseado nesse fato. E é nesse ponto que reside a

diferença entre nós e eles. Nós queremos retornar à Terra

com um único intuito: preparar uma nova invasão. Mas

os rebeldes decidiram permanecer em Vênus para

colonizá-lo. Só que, com os meios escassos de que

dispõem, estão fadados a um fracasso. Mas parece que

isso eles não entendem.

— Pode ser, mas o fato é que já destacaram a sua

gleba e iniciaram o cultivo do solo. Vênus é muito fértil.

Tipo da terra ideal para colonos.

— O ponto de vista dos rebeldes é tão válido

como qualquer outro — admitiu o general, meio a

contragosto. — Mas, apesar disso, continuam sendo

amotinados que se recusam a cumprir ordens. E

amotinados, a gente costuma enforcar!

O soldado maltrapilho e embrutecido ao lado de

Tomisenkow levou a mão instintivamente ao pescoço e

se certificou que sua cabeça ainda estava firmemente no

lugar previsto pela natureza. Sua mão direita estava

fechada em torno da coronha da arma energética que

trazia no cinto. Cerrou os olhos ligeiramente e olhou na

direção do acampamento dos rebeldes. Ainda havia

claridade suficiente para poder reconhecer todos os

detalhes através de um bom binóculo. E lá também havia

sentinelas, que, por sua vez, estavam olhando para o

campo oposto. Eram os únicos homens em Vênus,

Page 50: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

50

pertenciam ao mesmo bloco de potências... e apesar disso

eram inimigos mortais, e se combatiam com todos os

meios de que dispunham.

O general Tomisenkow estava se virando para

voltar à sua cabana quando um ofuscante raio luminoso

rompeu o crepúsculo. Era como se um relâmpago tivesse

atingido o meio do platô, no qual as tropas de invasão,

derrotadas e náufragas, haviam se estabelecido.

Trovoadas não eram nenhuma raridade em Vênus. Mas a

época não era essa.

Com um estrondo avassalador, a onda de choques

varreu por cima dos homens derrubando alguns deles.

Tomisenkow conseguiu se agarrar a uma árvore. Com

olhos arregalados fitou o céu pálido, tentando reconhecer

o ponto incandescente que caía lentamente, como um

meteoro gigante.

Por todos os fantasmas do inferno... aquilo era

uma nave espacial!

Mas não podia ser uma nave de Rhodan.

Pois aquelas diabólicas armas defensivas da

fortaleza extraterrena tinham-na atacado e derrubado.

Seria uma nave de suprimentos da pátria?

Claro que era! Não havia outra explicação. Antes

que conseguisse tomar uma resolução, um novo raio

rompeu a escuridão. Porém, aquela nave que estava

caindo não foi mais atingida; desapareceu atrás das copas

das árvores altas.

Quando a nova onda de choques tinha passado

por cima dele, Tomisenkow voltou correndo.

— Sargento Rabov, pegue alguns dos seus

homens e tente encontrar aquela nave derrubada. Pode

ser que não haja sobreviventes, mas mantimentos e

armas são sempre bem-vindos. Ande ligeiro, antes que

escureça de vez.

O sargento, um sujeito pequeno, de cabelos

escuros e olhos ágeis, acenou vivamente.

— Vou levar o holofote, general. Vamos

encontrar essa nave, pode contar com isso. Não quer vir

conosco?

Tomisenkow franziu as sobrancelhas. O que

restava da antiga disciplina?! Estava na hora de coibir

esses abusos de confiança.

— Tenho coisa mais importante para fazer! —

rosnou, irado, e se afastou em direção às cabanas ao pé

do pequeno cone rochoso.

Começou a se sentir um solitário no meio de seus

homens.

O sargento Rabov acompanhou a retirada brusca

do seu comandante com uma expressão impassível.

Tinha estreitado os olhos, o que lhe emprestava um

aspecto nitidamente mongol. Mas ele não era mongol, e

sim um musculoso ucraniano. E muitos dos seus

camaradas encontravam-se no acampamento dos

rebeldes. Na próxima oportunidade...

Afastou esses pensamentos desagradáveis e

seguiu o general a uma grande distância. As sentinelas

permaneceram na beira do platô, aguardando o próximo

disparo ofuscante.

Mas esperaram em vão.

* * *

Quando Thora acordou já era noite cerrada.

Suas pernas ainda estavam doloridas e só

conseguia mexê-las com dificuldade. Ainda bem que as

pontadas agudas que lhe atravessavam os quadris eram

suportáveis.

Cautelosamente, Thora apoiou os braços no

encosto da poltrona, fez um esforço e conseguiu se

levantar. O chão embaixo dos seus pés estava levemente

inclinado e tinha que tomar cuidado para não escorregar.

Ligou a iluminação, mas tudo permaneceu escuro.

Com um golpe brusco, puxou a alavanca da bateria de

emergência para baixo. Imediatamente as lâmpadas se

acenderam. E Thora viu o robô R.17.

Não havia mudado de posição, a testa ainda

encostada no painel dos instrumentos. O braço direito,

dobrado, repousava sobre a mesa estreita em frente aos

controles, enquanto o esquerdo pendia frouxo, dos

ombros.

Quando lhe ocorreu que R.17 talvez estivesse

morto, Thora se sentiu acometida de uma angustiante

solidão. Consertos de pequena monta não constituíam

problema para ela. Mas, se uma das complicadas peças

positrônicas internas estivesse danificada, R.17

permaneceria para sempre na selva venusiana, se não

fosse encontrado antes disso.

Diante da vigia reinava a escuridão. Só lá longe,

no horizonte, ainda havia o fraco brilho avermelhado do

sol poente. A nave destruída jazia sobre uma clareira. As

copas das árvores haviam amortecido o primeiro

impacto, mas, mesmo assim, era um verdadeiro milagre

que a nave tivesse resvalado sem maiores choques até o

chão. Somente o último trecho da queda tinha resultado

num baque mais violento, que luxou ligeiramente as

pernas de Thora e condenou R.17 à imobilidade.

Thora esticou os membros e constatou, satisfeita,

que não havia sofrido qualquer fratura. Sua preocupação

imediata era o robô. Com movimentos habilidosos, que

denotavam uma longa prática, abriu a caixa torácica de

R.17 e, com uma lanterna, iluminou aquela confusão de

transistores, conexões e outras pecinhas eletrônicas. Até

onde pôde constatar nada havia sido inutilizado.

Pensativa, Thora recolocou a placa no peito do robô,

prendendo-a com os grampos magnéticos. Não havia

mais dúvida; já sabia onde estava o defeito. A fronte de

R. 17 havia se chocado com violência demasiada contra

o painel dos instrumentos.

Thora retirou a tampa de vedação do crânio do

robô e mal conseguiu acreditar no que viu. Um dos cabos

principais tinha se soltado e agora pendia, inútil, em

meio aos minúsculos tubos de arconita.

Thora encontrou material de solda na caixa de

ferramentas e, poucos minutos depois, já tinha

consertado o defeito. R.17 acordou. Ergueu a cabeça,

olhou para Thora e perguntou:

— O que se passou? Eu fiquei desativado.

— Foi um cabo que se soltou só isso. Fomos

derrubados pelos canhões-sentinelas da base. Parece que

o codificador não funcionou direito. A base deve ficar a

uns quinhentos quilômetros daqui. E agora?

— Vamos esperar — respondeu R.17. Para ele,

esta conclusão era evidente. Dispunha de tempo.

— Esperar? Esperar o quê? Esperar que nos

encontrem? Vênus é desabitada. Se Rhodan estiver à

minha procura, vai voar para a base. Duvido que lhe

ocorra a idéia de que eu possa ter sido abatida. Como é

que estão os nossos aparelhos radiofônicos?

Page 51: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

51

R.17 se levantou e caminhou, curiosamente

inclinado para frente, em direção a porta da cabina de

rádio. Sua postura meio adernada era o efeito do

giroscópio de estabilização, novamente em

funcionamento. R.17 não precisava se adaptar ao plano

inclinado do chão, nem dependia da posição do centro de

gravidade.

Thora permaneceu na central e olhou pela vigia,

tentando reconhecer os objetos lá fora. Sorte sua que o

crepúsculo em Vênus durava cinco vezes mais tempo

que na Terra, pois, assim, pôde habituar a vista aos

aspectos da vizinhança.

A nave jazia levemente inclinada, numa clareira

coberta de pedregulhos. Apenas algumas árvores isoladas

formavam a orla de uma floresta, que não era típica das

selvas pantanosas das regiões baixas. Só isto já constituía

um fato auspicioso, que Thora aceitou com satisfação.

R.17 voltou à central de comando.

— Os aparelhos radiofônicos não funcionam e

também não podem ser consertados — constatou, com

objetividade. — Assim, não podemos contar com

auxílio, a não ser que deem por nossa falta. Afinal,

Rhodan está a par do nosso voo experimental, eu

suponho.

— Não, Rhodan ignorava isso; ao menos até a

hora da nossa decolagem. Parti sem permissão, para

estabelecer contato com Árcon através da hiperestação

em Vênus. Rhodan não queria que Crest e eu

regressássemos a Árcon.

O robô estacou no meio da cabina. Cravou os

olhos de cristal naquela mulher.

— Infringiu ordens de Rhodan? Sabe que fui

condicionado a obedecer apenas Rhodan. Pelo que fez,

tornou-se minha adversária.

— Nos encontramos na mesma situação.

— Apesar disso, deve ser punida.

O orgulho de Thora foi duramente atingido. Ela, a

arcônida, pertencia à raça dominadora que havia criado

esse robô. E agora esse engenho, sua própria criação, lhe

dizia que ela merecia ser castigada. Até o poder sobre os

robôs Rhodan havia retirado das mãos dos arcônidas!

— Está certo; Rhodan deveria me punir —

admitiu ela, evitando soar ilógica. — Mas ele só vai

poder fazer isso quando eu chegar à presença dele viva.

Portanto, é sua obrigação me levar a Rhodan... para a

base venusiana. Porque só lá vamos encontrá-lo.

O robô R.17 reconheceu que a arcônida tinha

razão. Acenou com a cabeça — coisa que ele fazia muito

bem, pois os engenheiros arcônidas não haviam deixado

de dotar os seus robôs com essas reações.

— Muito bem, vamos à base venusiana para

esperar por Rhodan.

Isso, é claro, era fácil de dizer e difícil de realizar.

— A partir desse momento, sou responsável pela

sua segurança, pela sua vida — constatou R.17,

secamente. — A senhora transgrediu a lei de Rhodan e,

portanto, é minha prisioneira. A nave está inutilizada, por

isso vamos partir o mais depressa possível para não

perder tempo.

— E víveres para mim? — lembrou-se Thora,

quase perdendo o fôlego de susto.

O robô apontou para os armários embutidos na

parede.

— Lá se encontram armas, medicamentos, água e

concentrados previstos para uma tripulação de três

homens. No caso, dá folgadamente para duas semanas.

Vou lhe permitir o uso de uma arma, porque isso serve

ao meu propósito.

Thora teve que engolir mais essa. Um robô

permitir a ela, a arcônida, o porte de uma arma! Decidiu,

no íntimo, que assim que pudesse mandaria transformar

R.17 em sucata.

Pegou o irradiador de impulsos e o afixou ao

cinto. Depois enfiou os concentrados num pequeno saco,

que entregou ao robô, encarregando-se ela mesma de

levar os medicamentos. R.17 se ofereceu para carregar o

vasilhame de água.

— Vou levar também o holofote — decidiu

Thora; estremeceu quando se lembrou daquela selva

mergulhada na escuridão que a esperava lá fora. Em

outras circunstâncias, Thora teria aguardado o raiar do

dia venusiano. Mas tanto o seu procedimento quanto seu

pensamento eram exclusivamente norteados pela

obsessão de alcançar a base, custasse o que custasse. E

assim resolveu partir em plena escuridão, pois sabia que,

a cada minuto que se passava, diminuíam as suas

chances de poder entrar em contato com Árcon. Rhodan

não ficaria de braços cruzados na Terra, esperando que

ela realizasse com sucesso o seu desígnio.

— A escuridão não é problema — tranquilizou-a

R.17. — Consigo ver muito bem no escuro se ligar

minha instalação infravermelha. E para enfrentar seres

hostis, disponho do meu irradiador de neutrônios —

ergueu seu braço esquerdo. — Vou levá-la em segurança

para a fortaleza.

Somente agora Thora se recordou que Vênus era

habitado principalmente por sáurios enormes. Estava

começando a perder a coragem, mas o desânimo foi logo

vencido pela vontade fanática de realizar o seu intento e

de se defrontar com Rhodan. Monstro algum conseguiria

detê-la.

Lançou um último olhar pela vigia e depois abriu

a porta de emergência. Estava ligeiramente emperrada,

mas, quando R.17 a forçou com o seu corpo possante,

abriu-se com um estridente rangido. A atmosfera

venusiana, ainda quente e úmida, penetrou na cabina e,

com ela, os odores da natureza.

R.17 foi o primeiro a sair. Desceu a escada

estreita e se postou no solo duro e seco, esperando por

Thora. Seus olhos artificiais vararam a escuridão e viram

tudo como se o sol estivesse pairando no céu escuro,

mergulhando a paisagem em luminosa claridade.

É claro que isso Rabov e seu pessoal não podiam

saber.

Encobertos pelo manto da escuridão, os homens

do Bloco Oriental aproximaram-se cautelosamente

daquela nave espacial derrubada. Não sabiam ao certo

quem a havia conduzido a Vênus. Essa gente podia

pertencer tanto à OTAN quanto à Federação Asiática.

Uma luz emanava da vigia de observação. E nessa luz se

moviam as sombras de duas pessoas. Era só o que se

podia distinguir. Depois, a porta se abriu e dois vultos

deixaram a nave, ou aquilo que tinha sobrado dela.

A luz na central permaneceu acesa.

O sargento Rabov fez um sinal aos seus homens.

Agarraram as armas e tentaram varar a escuridão com

seus olhos. A luz na nave espacial lhes fornecia um

ponto de referência, mas nada viam daqueles dois

Page 52: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

52

homens que tinham acabado de descer. Deviam ter

parado debaixo da nave, pois não se mexiam mais.

Com sua voz desprovida de qualquer emoção,

R.17 se dirigiu a Thora:

— Tivemos uma sorte inacreditável. Lá na frente

há seres humanos. Consigo vê-los nitidamente. São

quatro homens armados. Estão se aproximando de nós.

Se eu quiser, posso matá-los.

Thora se refez rapidamente do impacto da

surpresa.

— Não, não faça isso! Por que quer matá-los? São

inimigos?

— A atitude deles não denota intenções pacíficas.

Observaram a queda da nave e agora vieram para

saquear. Talvez foram até eles que nos derrubaram.

— Você sabe muito bem que fomos derrubados

pela sentinela eletrônica da base — disse Thora,

sacudindo a cabeça. — Quem são esses quatro homens?

Você consegue reconhecer algum deles?

— Têm o aspecto de quem vive nesta selva há

anos.

Como um raio, a intuição invadiu a mente de

Thora: eram as tropas de desembarque do Bloco

Oriental! E isso significava inimigos potenciais.

Mas seriam inimigos também aqui, nas selvas de

Vênus, onde um dependia do outro?

Thora sacudiu os ombros.

— Pode ser que não caiamos no seu agrado, R.17,

mas primeiro vamos tratar de saber o que querem de nós.

Mantenha-se pronto para intervir, se for preciso. Quero

falar com eles. Vamos deixar que se aproximem; afinal

de contas, eles não sabem que você os vê.

Thora e o robô observaram em silencio a

cautelosa aproximação de Rabov e seus homens. Menos

de três passos os separavam, quando Thora disse em

inglês, a língua na qual era mais fluente:

— Desejam alguma coisa de nós?

O susto que o sargento levou foi tamanho que

ficou inteiramente desnorteado. Podia esperar tudo,

menos ser interpelado por uma voz feminina, vinda da

escuridão. Tropeçou e se esparramou no chão. Sua arma

se chocou estrondosamente contra a rocha. Soltou uma

florida imprecação em russo.

Ainda esticado no chão, disse:

— Só viemos para oferecer ajuda. Posso saber

quem são?

R.17, que podia ver o sargento perfeitamente

bem, respondeu:

— Agradecemos toda ajuda que nos possa prestar.

Suponho que os senhores pertençam às tropas do general

Tomisenkow.

A esta altura, Rabov já se havia refeito do susto e

se levantou. A voz daquele homem na escuridão soava

curiosamente dura e mecânica, se bem que o inglês que

falava era perfeito. E o sargento entendia inglês muito

bem. Portanto, esse pessoal que tinha sido derrubado era

da OTAN.

— Sim, somos gente de Tomisenkow.

— Eu não entendi, o que o senhor disse. —

constatou R.17, sem qualquer acanhamento. Não tinha

competência para interpretar corretamente expressões

idiomáticas.

Thora disse rapidamente:

— É claro que precisamos juntar forças, se

quisermos sobreviver. Aliás, como é que foi que nos

encontrou tão depressa?

Rabov tinha se aproximado lentamente e foi

apanhado pelo feixe de luz, que vinha da cabina. Seu

aspecto maltrapilho, embrutecido, não era de molde a

causar a melhor das impressões, quanto mais despertar

confiança. Thora sentiu calafrios ao imaginar o que

poderia acontecer se caísse nas mãos de sujeitos tão

rudes. Ainda bem que estava acompanhada por R.17;

certamente saberia como protegê-la.

Durante os primeiros instantes, Rabov nem

prestou atenção no detalhe dos cabelos brancos e dos

olhos albinos, avermelhados. Só via a mulher. Fazia

muitos meses que ele e seus camaradas não viam uma

mulher. Rabov era um sujeito tenaz e valente, mas aquela

visão insólita o fez ficar encabulado. Inseguro, trocava

constantemente de pé, e finalmente balbuciou:

— Vimos sua nave ser derrubada. Nosso

acampamento não é longe daqui. Fomos enviados pelo

general Tomisenkow.

— Ótimo! — disse Thora, que instintivamente

agarrou a chance que vislumbrou.

— Então nos leve ao seu general. Temos muito

que falar com ele.

Rabov acenou. Depois se lembrou que ainda

havia outras perguntas importantes a fazer.

— Foram os únicos que sobreviveram à queda?

— Fomos os únicos passageiros — respondeu

Thora, sem se importar com a surpresa de Rabov. —

Vamos logo! Não tenho nenhuma vontade de passar a

noite inteira em pé aqui.

O sargento Rabov começou a desconfiar que os

papéis houvessem sido trocados, mas seu instinto o

impedia de se indispor com essa mulher. Por isso

ordenou aos seus três companheiros que guardassem as

armas e iniciassem a caminhada de volta ao

acampamento. Ele mesmo resolveu andar ao lado de

Thora, sem dar muita atenção ao outro sobrevivente. Em

sua opinião, devia ser o comandante da nave derrubada.

Por uma questão de gentileza, Rabov se virou para R.17,

que até agora tinha se mantido na escuridão, e disse:

— Espero que não tenha se ferido.

O robô respondeu, com toda objetividade:

— Apenas um cabo se soltou, mas esse defeito

nós conseguimos consertar. Agora, quanto à nave, essa

está perdida.

O sargento Rabov necessitou de vários segundos

para reparar no aparente absurdo da resposta.

— Um cabo?! — murmurou. Não estava

entendendo. — Onde é que esse cabo se soltou?

— Dentro de mim; eu não lhe disse?

Rabov estancou. R.17 que não reagiu com

suficiente rapidez, esbarrou contra o sargento. Por pouco

Rabov não se esparramou mais uma vez no chão. Tinha a

impressão de ter sido abalroado por um tanque ligeiro.

Aturdido pela surpresa, se agarrou a Thora que,

felizmente, conseguiu se escorar numa árvore.

O braço esquerdo de R.17 se ergueu

ameaçadoramente.

— Quem... O quê? — gaguejou Rabov,

desconcertado.

Thora se livrou do sargento e sacudiu a cabeça,

indignada.

— Não seja tão impetuoso, meu amigo. Meu

Page 53: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

53

companheiro é um robô. O que tem isso de tão

espantoso?

É claro que o sargento Rabov não conhecia

nenhum robô arcônida, mas ele sabia que, na Terra,

somente a Terceira Potência possuía robôs. Como é que

esse pessoal da OTAN havia conseguido botar as mãos

nesses robôs? Ou então, um novo pensamento lhe varou

o cérebro, será que esses dois não eram da OTAN? Mas

então por que tinham sido derrubados?

Havia algo de podre nessa história, e Rabov

resolveu ir direto ao assunto.

— Pertencem à Terceira Potência?

— Duvidou disso? — retrucou Thora e fez um

gesto impaciente com a mão que, além de R.17, ninguém

mais viu. — Vamos ficar parados aqui eternamente?

Rabov lançou um olhar furtivo na direção onde

supunha que estivesse o robô, e pôs-se novamente em

movimento.

Uma mulher e um robô... nunca na vida, nem ele

nem o general Tomisenkow haviam capturado uma dupla

tão estranha.

4

O ruído estranho fez Son Okura acordar.

No primeiro instante, ainda tonto de sono, foi

incapaz de se lembrar que tipo de barulho tinha sido esse,

e muito menos de imaginar o que o teria produzido.

Levou até vários segundos para se lembrar onde estava.

Depois, sua mente se desanuviou. Sim... junto

com John Marshall e Perry Rhodan, encontrava-se num

galho largo, dez metros acima do solo de Vênus, em

meio à selva daquele planeta virginal. A escuridão era

total. Em algum ponto no oeste, situava-se a base

arcônida, implantada no alto de uma cordilheira. E atrás

deles, no leste, jaziam os escombros calcinados da sua

nave espacial.

E ouviu novamente aquele barulho.

As pernas lhe doíam bastante, mas isso não

preocupava Okura no momento. Ativou a parte mutada

de seu cérebro... e, de repente, a noite se tornou dia claro

para ele. Podia ver.

A menos de dois metros, encontrava-se Rhodan,

meio deitado, as costas recostadas contra um galho não

muito grosso. Ao lado dele, numa posição encolhida,

estava Marshall, que dormia de boca aberta e roncava.

Sua mão direita estava enfiada no bolso e Okura teria

apostado a sua ração de água que, mesmo no sono, não

largava o coldre daquele revólver obsoleto.

Era um ruído arrastante e vinha da esquerda, onde

o enorme tronco da árvore gigante se erguia em direção

ao teto da floresta, a mais de cem metros de altura.

Okura manteve-se imóvel, tentando descobrir a

origem daquele ruído. Quando a descobriu, ficou mais

imóvel do que antes. Por um instante seu coração parou

de bater, mas depois o sangue lhe afluiu à cabeça com tal

violência que Okura teve a impressão que fosse estourar.

Lentamente, aquela coisa amarela se deslocou

sobre a bifurcação do galho e se arrastou, em ondas

regulares, em direção aos três homens.

Nunca antes em sua vida Okura tinha visto um

verme-lesma venusiano. Era até provável que homem

algum antes dele tivesse posto os olhos nesse animal.

Vivia oculto nas profundezas das incomensuráveis

florestas. De dia, refugiava-se nas cavidades de troncos

gigantes apodrecidos, e só abandonava o seu esconderijo

à noite. Sua alimentação consistia em todas as matérias

orgânicas: plantas, madeira mole... e carne. Tudo que

também fosse lento ou, melhor ainda, imóvel, constituía

a sua presa.

No entanto, não se podia considerar o verme-

lesma como uma fera, ou um animal predador, na

acepção costumeira da palavra.

De qualquer maneira bastou o aspecto deste bicho

para que o medo estarrecesse Okura, incapaz de realizar

o menor movimento. Com olhos arregalados fitou aquele

ser horripilante, que se aproximava lentamente dele.

Realmente fazia lembrar uma lesma, ao menos no

que dizia respeito à cabeça. Longas antenas, que

oscilavam constantemente, estendiam-se para frente, à

procura de algum obstáculo. Na extremidade dessas

antenas, constatou Okura, localizavam-se os pequenos

olhos. A outra parte do animal era o verme propriamente

dito. Um corpo alongado e flexível, sem pernas visíveis.

Os movimentos dos diversos segmentos anulares eram

responsáveis pela locomoção do verme-lesma.

O que mais infundia pavor era aquela bocarra

voraz. Possuía três fileiras de dentes afiadíssimos,

capazes de triturar praticamente tudo que conseguissem

agarrar. Isso incluía ossos, sem a menor dúvida.

Okura interrompeu suas reflexões, quando viu que

o animal parou de avançar. Os olhos nas pontas das

longas antenas dirigiam-se ao japonês, como se também

fossem capazes de enxergar na escuridão. Talvez até o

pudessem. Seja como for, o animal devia ter farejado a

sua presa e agora estava tentando descobrir, se esta era

suficientemente lenta, para não mais lhe poder escapar.

Okura viu que o verme media, no mínimo, cinco

metros de comprimento. Chegou à conclusão que ele e

mais um de seus companheiros caberiam folgadamente

no interior desse corpanzil, principalmente se a

deglutição fosse precedida do devido processo de

redução. O pensamento sumamente desagradável de

eventualmente ser devorado com toda calma ali no alto

daquele galho, restituiu a Okura o raciocínio e a

capacidade de ação.

Com um movimento rápido, arrancou o irradiador

do cinto e abriu o fecho de segurança; certificou-se que a

lâmpada de controle estava acesa e constatou que a

energia disponível era suficiente para liquidar dez desses

horripilantes animais. A arma na mão devolveu a

coragem a Okura, e desalojou o resto do medo

angustiante que se tinha aninhado no seu coração.

Nenhum ser vivo em Vênus conseguiria resistir a um

moderno irradiador de impulsos dos arcônidas.

O verme-lesma parecia ter chegado à convicção

que uma tentativa poderia trazer resultados satisfatórios.

Os segmentos anulares do corpo voltaram a se

locomover, e mais uma vez se fez ouvir aquele ruído

arrastante, que havia arrancado Okura do sono. O

japonês lançou um olhar preocupado aos dois

companheiros, que dormiam profundamente; depois

encolheu os ombros. Talvez não se assustassem tanto a

ponto de cair da árvore, quando o chiado da descarga os

despertasse do sono merecido.

A pequena distância permitiu fazer pontaria

Page 54: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

54

precisa e Okura apertou o botão disparador. O fino raio

energético acertou em cheio a cabeça daquela criatura

estranha, mas perigosa. As antenas, os olhos, aquela boca

voraz, e a parte superior do corpo amarelo

desapareceram no clarão da chama energética,

instantaneamente sublimados. O resto do corpo do

verme-lesma se contorceu violentamente, e resvalou do

galho, precipitando-se com um estalo de encontro ao

solo.

Rhodan acordou numa fração de segundos.

Ergueu-se e viu que Okura estava tentando apagar as

chamas com o pé, antes que se alastrassem para as folhas

secas e os cipós.

— Que foi que houve Okura?

— Uma espécie de serpente. Rastejou em nossa

direção, mas acordei a tempo. Aliás, acho que é boa hora

de reiniciarmos a marcha.

Marshall virou o corpo pesadamente para o outro

lado.

— Que barulheira é essa? — reclamou sonolento.

— Ainda é noite escura. Será que nunca se consegue

dormir em paz?

— Escapou por pouco de dormir em paz para todo

o sempre! — explicou Rhodan, com toda calma, e se

levantou de vez. — Ainda bem que Okura acordou na

hora exata para impedir que o dragão nos devorasse.

— Como é que é?

Marshall ainda estava cansado demais para se

inteirar da realidade dos fatos nos pensamentos de

Okura.

— É mesmo. Algum monstro. Uma espécie de

serpente, se quiser. Okura descobriu o bicho no último

segundo e o matou. Será que não ouviu nada?

Marshall se sentou ao lado de Rhodan. Sacudiu a

cabeça.

— Como é que eu posso ter ouvido alguma coisa,

se eu estava dormindo?

Após essa constatação bastante lógica, tratou de

preparar o almoço. Aquele trecho do galho, onde o

verme-lesma havia exalado o último alento, ainda estava

em brasas e fornecia iluminação suficiente. Meia hora

depois, já estavam novamente marchando através da

floresta. Okura, de arma na mão, ia à frente e sondava a

vizinhança. O chão ainda se apresentava seco. Mas,

como o terreno caía constantemente num declive quase

imperceptível, era inevitável que dentro em pouco

chegassem à região pantanosa. Os três homens

aguardavam esse momento com os mesmos receios.

Algo rumorejava na mata, à direita. Marshall, que

formava a retaguarda, ergueu a arma, mas não encontrou

alvo algum naquela escuridão. Algo os acompanhava, a

menos de dez metros de distância, atravessando a

vegetação densa com passos pesados. Marshall começou

a sentir uma ligeira pressão em seu cérebro. Sem muita

esperança de obter um resultado positivo, Marshall

ativou a sua capacidade telepática... e teve uma surpresa.

Era incrível, mas estava realmente captando os

pensamentos de um desconhecido. Eram pensamentos

bastante primitivos e superficiais, que se ocupavam

principalmente com presa e comida, mas não deixavam

de ser pensamentos.

— Tem alguém à direita! — sussurrou

suficientemente alto para que Okura e Rhodan o

pudessem ouvir. — Consegue vê-lo?

O japonês olhou na direção indicada e acenou.

— É a mesma sombra que observamos ontem.

Aquela silhueta de um gorila. Garanto que é um macaco.

Enquanto não nos atacar, não precisamos nos preocupar

com ele. Só estou admirado que ele não toma

conhecimento de nós. E é impossível que ele não tenha

nos reparado.

— Talvez pensa que também somos macacos —

murmurou Rhodan e lembrou-se dos quinhentos

quilômetros que ainda tinham de percorrer. Aos poucos,

começou a se amaldiçoar por ter partido no encalço de

Thora tão despreparado e sem qualquer medida de

segurança. Por que não havia escolhido uma nave já

testada e perfeitamente equipada?

Continuaram a caminhar com disposição, sem se

importar com seu acompanhante invisível. Finalmente

chegaram às margens de um pequeno lago e acharam o

lugar apropriado para passar um novo período de

descanso. Um murmúrio distante e abafado vinha da

escuridão em frente.

Rhodan perguntou a Okura se conseguia

reconhecer alguma coisa.

— Não estou muito certo — respondeu o japonês,

vacilante — mas, se os meus olhos não me enganam, lá

adiante há uma depressão com alguns pântanos e um

curso d’água. Atrás dela, ergue-se uma cordilheira.

Consigo ver algumas quedas d’água bastante grandes. E

lá em cima, no platô, a floresta é menos densa. Lá vamos

poder avançar com maior rapidez.

Resolveram acender uma fogueira. O solo já se

apresentava úmido mas, poucos metros acima do solo,

encontraram lenha suficientemente seca. As chamas

espalharam claridade e lançaram sombras grotescas

contra a cortina da noite. Okura mantinha-se vigilante e

vasculhava a redondeza sem cessar; mas sua

preocupação era infundada. Os animais de Vênus

conheciam o fogo apenas sob a forma de vulcões em

erupção, e tinham razão para temê-lo.

A água do lago era impotável. Marshall, que

preparava a refeição, observou meio desalentado que

daqui a pouco teriam que começar a caçar, se não

quisessem morrer de fome. Alertou, ainda, que a água

estava escasseando. Rhodan tranqüilizou-o, lembrando

que o dia venusiano já não estava longe e que lá em

frente havia aquelas quedas d’água.

Desta vez não dormiram todos ao mesmo tempo.

Revezaram-se e, assim, sempre havia um a vigiar o sono

tranqüilo dos outros.

* * *

Lá pela meia-noite chegaram ao pé daquele

paredão quase vertical.

O sol só nasceria daqui a sessenta horas; não era

possível esperar tanto tempo. Durante a marcha através

da baixada pantanosa Okura havia conseguido abater um

pequeno animal com o revólver de Marshall. Com isso,

dispunham de carne suficiente para as próximas

refeições. E agora, quando se encontravam diante

daquele paredão, ouviram ao lado o estrondo de uma

enorme queda d’água.

— Um bom lugar para ficar e descansar de

verdade — decidiu Rhodan. — Podemos acender outra

fogueira e improvisar um muro com alguns desses blocos

de pedra. Isso vai nos proporcionar segurança suficiente

Page 55: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

55

para uma pausa. E depois vamos subir até aquele platô

Okura olhou para cima. Seus olhos privilegiados

vararam a escuridão perene da noite venusiana. Embora a

temperatura houvesse baixado sensivelmente, ainda fazia

muito mais calor do que numa noite de verão na Terra.

— Não consigo determinar isso com muita

precisão — disse Okura mas aquele platô está a trezentos

metros acima da baixada, no mínimo.

— E também não temos cordas! — comentou

Marshall.

Rhodan liquidou as duas objeções.

— Não temos outra escolha. Além disso, é bom

considerar que uma marcha através do platô é bem

menos fatigante e perigosa que qualquer caminhada

através da selva ou dos pântanos. Se algum dia Vênus for

colonizada, os homens só vão poder viver no alto dessas

ilhas rochosas. Bem, visto isso, vamos tratar do nosso

assado. Marshall acenda uma fogueira! Okura

desembrulhe sua caça!

Quando as chamas da fogueira se ergueram,

constataram que o animal abatido apresentava muito

pouca semelhança com uma caça terrestre. Era

quadrúpede, mas as quatro pernas eram tão curtas que

Okura acabou tendo a impressão de ter caçado um bassê

avantajado. E aquele focinho estreito e afilado, fazia

lembrar também um cachorro, enquanto que as orelhas,

em pé, não tinham muito que ver com um bassê de raça

pura. De um rabo, não havia nem sinal. E em lugar de

pelo, o animal possuía apenas pele lisa e escorregadia.

— Parece um porco-espinho de barba feita! —

rosnou Marshall, lambendo os beiços furtivamente. —

Ninguém gosta mais de animais que eu, mas, um bicho

gozado desses, eu não queria ter em casa nem de graça.

Vamos tratar de comê-lo!

— Tenho certeza que é bem mais saboroso que

aqueles concentrados — comentou Rhodan e pôs-se a

observar, interessado, com que habilidade Marshall

estava preparando o assado.

Duas horas mais tarde estavam saciados e se

recostaram no paredão ligeiramente aquecido, as mãos

entrelaçadas sobre os estômagos repletos.

— Excelente! — elogiou Marshall sua própria

arte culinária. — Precisamos nos lembrar dessa receita!

— Faltou o sal — murmurou Rhodan e sentiu que

estava ficando com sono.

— Podemos chamar esse bicho de porquinho

bassê — sugeriu Okura, não menos sonolento.

Silenciaram. E, de repente, esse silêncio foi

interrompido por um tiro.

Ouvir um tiro num planeta não habitado por

homens era algo tão surpreendente e fora de propósito

que as mentes não registraram esse fato incomum de

imediato. Marshall fitava as chamas, perdido em

pensamentos. E, para um observador neutro, deveria ter

sido interessante acompanhar suas reações.

Marshall apurou os ouvidos, acenou várias vezes

com a cabeça, e finalmente disse:

— Alguém devia estar caçando um porquinho

bassê, e acertou logo no primeiro tiro.

Resolveu atiçar o fogo e depois viu os olhos

arregalados dos dois companheiros. De repente, ficou

lívido:

— Deus do céu, alguém deu um tiro!

De um só salto, Okura estava de pé.

— Impossível! Quem poderia ter sido? Rhodan

estava tão perplexo quanto os outros, mas a sua mente

funcionava com maior rapidez e com raciocínio mais

lógico. Numa fração de segundos, registrou o fato do

tiro; concluiu que só poderia ter sido disparado por um

homem e que, portanto, havia homens em Vênus; e no

mesmo instante descobriu de que tipo de homens se

tratava. Ao mesmo tempo, se recordou do aspecto

geográfico do local onde as tropas de Tomisenkow

haviam desembarcado, e logo em seguida foram

desbaratadas; chamou à memória a sua própria posição, e

chegou à mesma conclusão. Lá em cima, naquele platô,

viviam os navegantes espaciais, dados como

desaparecidos. Acenou para Okura.

— Por que acha que é impossível? Não somos os

únicos homens em Vênus. Além disso, também poderia

ter sido Thora.

— A arcônida jamais vai lidar com armas de fogo

terrestres — disse o japonês, sacudindo a cabeça.

— Então, por exclusão, só restam os homens de

Tomisenkow — disse Rhodan.

— O pessoal do Bloco Oriental? — Marshall

ainda mantinha a cabeça inclinada. — O que esses caras

querem aqui?

— Caçar...

Rhodan foi interrompido por um novo tiro,

seguido dos estampidos de uma salva inteira. A resposta

não se fez tardar; uma fuzilaria irregular veio de outra

direção. Aquilo não era uma caçada. Era um combate

entre dois grupos que se defrontavam na região. E isso

alterava a situação. Rhodan olhou pensativo para aquele

paredão, que se erguia quase a pique.

— Não vejo mais sentido em subir ao platô. Se

me reconhecem, acabam comigo em três tempos. Pois é a

mim que devem sua sorte atual; ao menos, é o que eles

pensam. Por outro lado, eles possuem fuzis, e com esses

a gente pode caçar. Seu revólver foi útil, Marshall, mas

também não vai nos salvar por muito tempo. Portanto,

um de nós vai ter que tentar estabelecer contato com eles.

— Uma tarefa arriscada como quê! — murmurou

Okura. — Mas eu poderia tentar, porque eu consigo

enxergá-los mais cedo do que eles a mim.

— De noite, sim. Eu acho que devemos subir

juntos ao platô. Depois, resolvemos o que vamos fazer.

Enquanto arrumavam os seus pertences, ainda

ouviram alguns tiros esparsos. Embrulharam o resto da

carne em folhas secas, abasteceram-se de água e,

finalmente, reduziram a fogueira sem, porém, extingui-

la.

— Será que não podíamos dormir mais algumas

horas? — quis saber Marshall. — Sei que estamos com

pressa, mas também não com tanta assim.

Rhodan inclinou a cabeça e aguçou os ouvidos.

Nenhum som veio do alto. O silêncio reinava novamente

naquele platô. Rhodan acenou.

— De acordo. Mais cinco horas de sono e depois

partimos. Eu só não entendo por que é que estão se

batendo. Gostaria de saber qual é o pomo da discórdia.

Okura se estendeu embaixo de uma saliência de

rocha e disse:

— O pomo da discórdia é Vênus, ora essa! Como

os conheço, eles se engalfinharam porque não chegaram

a um acordo quanto ao tipo de sociedade mais adequado

para os futuros venusianos.

Page 56: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

56

Rhodan acenou, com uma expressão séria no

rosto.

— Pode ser que tenha razão, Okura. Mas, se esse

for o caso, estão brigando à toa, porque jamais vai caber

a eles resolver este assunto.

— E quem é que não briga por uma coisa dessas?

— murmurou Marshall e fechou os olhos. A julgar pela

sua expressão, desejava sonhar com bifes de porquinhos-

bassê, mas não pensar a respeito de absurdos.

A fogueira se extinguiu lentamente. Escureceu.

E tudo continuou escuro, até que um súbito clarão

rompeu as trevas. Mas isso só aconteceu horas mais

tarde.

* * *

Quando o sargento Rabov entregou Thora e o

robô no quartel-general de Tomisenkow, ficou admirado

com a indisfarçada satisfação demonstrada pelo seu

comandante supremo. Depois, em cumprimento às

ordens recebidas, se embrenhou na mata à frente de uma

patrulha de vinte homens, numa operação de

reconhecimento da ilha rochosa dos rebeldes. Se possível

devia fazer alguns prisioneiros, pois Tomisenkow queria

saber se estavam planejando um ataque contra ele.

O caminho era longo e conduzia através de

pântanos, baixadas e florestas, mas Rabov não o estava

percorrendo pela primeira vez. Conhecia as marcações

que levavam ao platô do inimigo; por isso não tinha

dúvidas que encontraria esse caminho sozinho... no

momento oportuno.

Mas esse dia ainda não havia chegado.

A patrulha de Rabov não era a única em operação

nesta noite. Do lado oposto, um pequeno exército de uns

duzentos homens aproximava-se do platô no qual se

haviam instalado os rebeldes. Esses homens faziam parte

de outro bando sedicioso das tropas de Tomisenkow. Por

razões puramente ideológicas, este bando não era

partidário de nenhuma das duas facções, mas

representava o pacifismo absoluto. E agora estava

empenhado em impingir esse pacifismo aos rebeldes; se

preciso, com o emprego da violência.

Um tenente de nome Wallerinski comandava o

destacamento.

Wallerinski e seus homens chegaram primeiro.

Escalaram a ilha rochosa dos rebeldes e pegaram as

sentinelas de surpresa. Fiel aos seus princípios pacifistas,

Wallerinski não matou as sentinelas, apenas as

aprisionou. Mas isto não o impediu de interrogá-las com

todos os requintes da arte de arrancar informações, a fim

de que revelassem o esconderijo dos rebeldes.

Uma hora mais tarde, o destacamento de

Wallerinski topou com o posto avançado dos rebeldes.

Mas o homem não estava dormindo, e conseguiu soltar

um tiro de alerta, que acordou o acampamento. Dez

minutos depois, o tiroteio começou.

Rabov e seus vinte homens ainda se encontravam

a alguns quilômetros do platô dos rebeldes quando

ouviram os tiros. Discutiram o fato e chegaram à

conclusão que, nas redondezas, deviam existir outros

grupos daquele exército desbaratado, e que se combatiam

mutuamente.

E essa triste verdade só tinha uma explicação: a

culpa era daquela natureza inóspita, que transformava

conhecidos em estranhos e impedia que se mantivessem

as relações de amizade.

Rabov ia dar a ordem para prosseguir a marcha,

quando um dos seus homens veio correndo em sua

direção.

Agitado, e quase sem fôlego, o homem balbuciou:

— Luz! Lá na frente há uma fogueira. Pode-se vê-

la com toda a nitidez!

— Lá embaixo? — quis saber Rabov.

— Sim, no pé do paredão. Talvez os rebeldes

instalaram um posto avançado lá.

— É, um posto avançado com uma fogueira, para

que possam ser vistos a quilômetros de distância — disse

Rabov com ironia. Tinha certeza que a verdade era bem

outra, mas qual seria não podia imaginar. Senão teria

refletido um pouco mais, antes de emitir sua ordem: —

Vamos descer, para ver quem são!

E assim, duas horas mais tarde, Rabov olhou para

três homens adormecidos, que acordaram imediatamente

quando os feixes dos holofotes incidiram nos seus rostos.

Como tinham aspecto bem tratado e não trajavam

o uniforme daquele exército desbaratado, Rabov se

dirigiu a eles em inglês. Tinha o vago pressentimento

que aquela mulher havia mentido ao afirmar que somente

ela e o robô se encontravam naquela nave espacial

derrubada.

— Estão sob a mira de vinte fuzis! — advertiu —

portanto, não tentem agarrar as pistolas. Um dos meus

homens vai agora recolher suas armas. Se estiverem de

acordo, acenem.

Perry Rhodan reconheceu que tinha cometido um

erro fatal. Era realmente um contrassenso querer dormir

tranquilamente num terreno onde se realizava um

tiroteio. Agora teria que arcar com as consequências.

Baixinho, sussurrou para Okura:

— Consegue reconhecer alguma coisa?

— O sujeito não está mentindo, não — cochichou

o japonês em resposta. — Estamos cercados, e vejo os

fuzis apontados para nós. Podíamos liquidar alguns

deles...

— E qual é a nossa chance?

— Bem, eu diria um para dez.

— É muito pouco — sussurrou Rhodan e, depois,

disse em voz alta: — Mande vir o seu homem para

apanhar as armas. Quem são vocês?

— Vai ficar sabendo disso quando chegar a hora.

Foram os senhores que atiraram ainda há pouco?

— Se está se referindo àquele tiroteio, sinto ter

que desapontá-lo. Foi realizado lá em cima, no platô.

Sem oferecer resistência, Rhodan deixou que lhe

tirassem o irradiador de impulsos do cinto e constatou,

com satisfação, que Marshall conseguiu ficar com o

revólver oculto no fundo do bolso. Okura não fez uma

cara muito feliz, quando lhe retiraram a arma. Pela

primeira vez não sorriu.

— Muito bem — disse o homem atrás do holofote

— agora vamos conversar um pouco.

Quando emergiu da escuridão, Rhodan conseguiu

finalmente vê-lo. Um aspecto pouco alentador, constatou

no íntimo, fazendo votos para que outro não o

reconhecesse; Não era realmente uma perspectiva muito

agradável cair nas mãos daqueles homens que ele, por

assim dizer, havia entregue a um destino incerto em

Vênus.

— Eu sou o sargento Rabov, do exército do

general Tomisenkow — apresentou-se Rabov. — E

Page 57: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

57

quem são os senhores?

Essa pergunta exigia uma resposta clara. Ou ao

menos uma resposta, pensou Rhodan, que não soasse

suspeita.

— Faço parte de uma expedição — disse ele,

cauteloso — que recebeu a missão de testar a vigilância

da fortaleza venusiana de Rhodan.

— Quem o enviou?

— Ora, quem havia de ser?

— Os americanos?

— É possível.

Rabov considerou isto como uma resposta

positiva. Só não conseguia explicar por que aquela moça,

lá em cima no platô, havia mentido, e por que esses três

se tinham separado dela e do robô.

— Suponho que vieram sozinhos. Foram

derrubados?

— Adivinhou.

Rabov refletiu. Ainda não era hora de exibir todos

os trunfos. O prisioneiro não precisava saber que ele já

havia encontrado os outros sobreviventes. Era sempre

bom deixar o adversário na incerteza a respeito da sua

situação. Isso era um princípio básico antiquíssimo e de

uma eficiência mais que comprovada. Todavia, era bem

interessante ouvir que esse homem admitia pertencer à

OTAN, enquanto a mulher afirmava representar a

Terceira Potência.

— E onde foi derrubado? Rhodan apontou para

leste.

— Lá, em cima da selva. Os canhões nos

apanharam.

— Ah! — fez Rabov, sem estar convencido. —

Quer dizer que não foram derrubados sobre um platô e

sim sobre a selva? E depois vieram para cá a pé?

— Isso mesmo. Há algo de estranho nisso?

Rabov não deu resposta. Estava diante de uma

encruzilhada. O que seria mais acertado: levar os

prisioneiros ao acampamento de Tomisenkow ou

entregá-los, como presente introdutório, nas mãos dos

rebeldes, aos quais pretendia se aliar? Além disso, ainda

era preciso descobrir quem era aquele terceiro grupo que

havia atacado os rebeldes de surpresa. Talvez fosse

melhor esperar até que não houvesse mais dúvida quem

seria o vitorioso.

A prudência venceu e Rabov tomou sua decisão.

— Vamos levá-los conosco — disse ele a

Rhodan. — Vamos andando, homens! Quero ver o que

se passou lá em cima. Talvez abocanhemos a parte do

leão!

A escalada se revelou demorada e não isenta de

perigos.

Alguns dos homens de Rabov serviram de guia,

pois conheciam a trilha secreta suficientemente bem para

encontrá-la também na escuridão. Rhodan, Marshall e

Okura iam ao meio, seguidos de Rabov. Os demais

soldados da patrulha formavam a retaguarda.

Após sete horas, houve um período de descanso e

Rabov avisou que agora não faltava muito para atingirem

o platô. Rhodan estava admirado com o comportamento

inesperado do sargento. Tinha como certo ser tratado

com aspereza e severidade e, no entanto, Rabov

mostrava-se reservado e, às vezes, até mesmo gentil.

Bem, esse pessoal não sabia quem eram seus prisioneiros

mas, mesmo assim, a consideração que lhes dispensavam

era surpreendente. Rhodan resolveu não se esquecer

desse detalhe.

Notava-se que Marshall queria segredar algo a

Rhodan, sentado ao seu lado. Mas a presença constante

de Rabov impediu que o fizesse e, assim, Marshall

resolveu aguardar uma ocasião mais propícia.

Dez minutos depois, reiniciaram a escalada e

meia hora mais tarde alcançaram o platô. Na distância,

ouviu-se novamente o pipoquear de tiros. Okura

caminhava, agora, ao lado de Rhodan e, na primeira

oportunidade, sussurrou rapidamente:

— Quer que eu fuja? Para mim é fácil!

Disso Rhodan não tinha dúvida. O japonês podia

enxergar no escuro, e, além disso, nenhum dos três

prisioneiros tinha sido manietado. Se Okura

permanecesse nas proximidades, poderia intervir a

qualquer momento, caso a situação viesse a se tornar

crítica.

Rabov havia percebido o cochicho e se aproximou

curioso.

— Preferia que se mantivessem em silêncio —

disse em tom cortês, porém firme.

Rhodan deu um aceno afirmativo para Okura e

depois se dirigiu a Rabov:

— Não se preocupe, eu o acompanharia também

de livre e espontânea vontade. Acha que gostaria de ficar

sozinho na selva? Não, se alguém pode me ajudar, é o

senhor.

Rabov parecia estar mais tranquilo.

E de repente Okura desapareceu. Além de

Rhodan, ninguém mais percebeu a fuga do japonês, pois

cada qual estava cuidando de si, procurando não tropeçar

em pedras soltas ou troncos de árvores tombados. Aquele

tiroteio distante tinha chegado mais perto. Portanto, os

combates prosseguiam.

O terreno em frente já era bem menos acidentado.

Na distância havia claridade, como se a floresta estivesse

em chamas. Provavelmente o acampamento dos rebeldes

havia sido incendiado. A fuzilaria era intensa,

entremeada pelas detonações de pequenas granadas.

Mais além se ouviu o ribombar de um canhão.

Rhodan constatou, satisfeito, que não estavam

empregando armas atômicas. Era um sinal de que os

futuros colonos de Vênus ainda não eram tão civilizados

a ponto de recorrerem às últimas conquistas da

tecnologia humana.

As primeiras balas passaram sibilantes, sobre as

cabeças dos homens. Sem perda de tempo, todos se

jogaram no chão. Rabov estava deitado ao lado de

Rhodan, a quem não perdia de vista um instante sequer.

O incêndio, que devorava a aldeia dos colonos situada

atrás do pequeno bosque, fornecia luz suficiente. As

poucas árvores, espalhadas na vizinhança imediata, não

ofereciam qualquer possibilidade de abrigo.

— Onde é que está seu japonês? — ofegou

Rabov, mexendo nervosamente na pistola. — Não vai

me dizer que ele...

— Não está longe daqui — explicou Rhodan, sem

mentir. — Talvez resolveu examinar a situação mais de

perto. Para ser honesto, eu também não me considero

propriamente um prisioneiro seu. Seja sensato, Rabov; é

esse o seu nome, não é? Pode ser que estejamos

defrontando com um inimigo comum. Devíamos nos unir

antes que ele nos obrigue a isso.

Page 58: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

58

— As ordens que recebi não foram no sentido de

entrar em combate com o inimigo e, sim, para fazer um

reconhecimento geral da situação. Preciso saber quem

realizou esse ataque de surpresa ao acampamento dos

rebeldes.

— Rebeldes, por quê? — admirou-se Rhodan.

— Amotinaram-se contra Tomisenkow e

resolveram permanecer em Vênus, de livre e espontânea

vontade, para se tornarem colonos.

— Que mais poderiam fazer? Tomisenkow não

está de acordo com essa decisão?

— O general só quer realizar a tarefa de que foi

incumbido: conquistar a base venusiana de Rhodan.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Isto é tão absurdo quanto inútil. Na Terra,

Rhodan e o Bloco Oriental já selaram a paz. O exército

de Tomisenkow foi dado como desaparecido.

Rabov silenciou. Então os rebeldes estavam certos

quando resolveram iniciar uma vida nova em Vênus.

Mas então quem era esse pessoal que havia assaltado os

rebeldes? Outro grupo do qual nada se sabia?

Rabov decidiu botar as cartas na mesa.

— Não sei quem você é, mas vou lhe dizer uma

coisa: você mentiu para mim. Você não pertence à

OTAN e sim à Terceira Potência de Rhodan. Por que me

ocultou isso?

— O que lhe faz pensar isso?

— Apenas sei que é verdade. Não obstante, você

foi derrubado pelos canhões de Rhodan. E isso eu não

entendo. Tem alguma coisa contra Rhodan?

— Não contra a pessoa dele — disse Rhodan,

numa autocrítica cheia de ironia — apenas contra sua

leviandade.

— Essa eu também não entendi! — Rabov

sacudiu a cabeça e olhou para frente, onde o clarão de

uma explosão rasgou o crepúsculo. Alguns tiros

pipocaram perigosamente perto. Passos apressados

arrastavam-se sobre o pedregal. Contra o horizonte em

chamas destacavam-se as silhuetas de homens que

corriam em todas as direções. A agitação estava

aumentando.

— Como sabe que eu pertenço à Terceira

Potência? — perguntou Rhodan e olhou para Marshall.

Antes que Rabov pudesse responder, o telepata disse:

— Uma nave foi derrubada sobre outro platô.

Rabov foi até lá e encontrou uma mulher e um robô. Os

dois se encontram agora nas mãos do general

Tomisenkow.

Deliberadamente Marshall não citou nomes, mas

Rhodan compreendeu imediatamente que Thora não

tinha chegado à fortaleza venusiana. Também tinha

fracassado no seu intento. A essa altura, já devia ter

revelado a sua identidade e isso tornava a situação mais

crítica, porque o general Tomisenkow jamais entregaria

voluntariamente um trunfo tão alto.

— Isso é verdade? — perguntou Rhodan,

dirigindo-se a Rabov.

O sargento acenou perplexo.

— Como é que ele sabe disso?

Rhodan ignorou a pergunta.

— Quem é essa mulher?

— Não disse o seu nome, porém admitiu

pertencer à Terceira Potência. Mas ela mentiu quando

disse que veio apenas na companhia do robô. O senhor

estava com ela, e depois se separaram. Por quê?

Rhodan vislumbrou sua chance. Se não

descobrissem um elo entre ele e a fuga de Thora, era bem

provável que também não fosse reconhecido. Por outro

lado, Tomisenkow não sabia que Thora tinha fugido e

estava sendo perseguida. E imediatamente reconheceria

nela a arcônida.

Uma situação confusa.

Mas, no próximo instante, Rhodan se veria

obrigado a interromper seus pensamentos.

Subitamente um fulgor relampejou rente ao seu

rosto e o estampido de um tiro quase lhe estourou os

tímpanos. Alguém soltou um grito e tombou

pesadamente. De toda parte, surgiram vultos indistintos e

se lançaram sobre os homens calmamente deitados no

chão.

Rhodan viu que Marshall se levantou de um só

salto e mergulhou entre os arbustos ao lado. Durante

algum tempo, ouviu os passos que se afastaram

apressadamente, mas decidiu não seguir o exemplo de

Marshall, embora soubesse que dificilmente teria outra

oportunidade tão propícia para fugir.

Mas a nova situação exigia que permanecesse

junto a Rabov para o que desse e viesse.

Aos gritos selvagens da luta corpo a corpo

misturaram-se de repente, exclamações de surpresa.

Tornou-se evidente que os atacantes tinham cometido um

engano, tomando os adversários por rebeldes. Em voz

alta alguém intimou Rabov e seus homens a se renderem.

Disse que poderiam ficar de posse das armas, mas que

era preciso negociar, antes de continuar com essa

carnificina inútil.

Essa proposta pareceu bastante sensata a Rabov.

Ordenou a seus homens que cessassem o fogo. Todos

obedeceram menos quatro; mas esses quatro nunca mais

poderiam obedecer a ninguém, pois estavam mortos.

O adversário inesperado também havia sofrido

baixas, mas, nessa confusão generalizada, não era

possível determinar prontamente o número exato. Rabov

estava novamente do lado de Rhodan, a mão sobre a

coronha da pistola automática. Parecia não ter percebido

que Marshall havia fugido. Mas também podia ser que

soubesse do fato, e só não achava o momento propício

para discutir o assunto.

Alguém acendeu um archote primitivo. Um

homem alto, de barba negra, atravessou o círculo de luz e

parou diante do sargento, no qual devia ter reconhecido o

comandante daquele destacamento.

— Quem são vocês? — perguntou, em tom

arrogante. — Pertencem aos rebeldes?

— Podia fazer a mesma pergunta ao senhor! —

retrucou Rabov. A arma na sua direita apontava para o

chão. — O senhor matou quatro dos meus homens!

— Quer dizer que não são rebeldes? É curioso.

Então são homens do general Tomisenkow?

— E se for o caso?

— Não melhora em nada a situação... a sua, bem

entendido. Não queremos ter nada com ninguém; nem

com Tomisenkow, nem com seus adversários!

— Se é assim, por que atacaram os rebeldes?

O outro não deu resposta a esta pergunta. Disse:

— Vamos continuar a conversar na aldeia. Sigam-

me até lá. Se forem sensatos, vai ser fácil encontrar uma

solução. Os sobreviventes da aldeia já se aliaram a nós.

Page 59: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

59

— A vocês; afinal de contas quem são vocês?

O desconhecido estufou o peito.

— Eu sou Wallerinski, o presidente dos pacifistas.

Rabov acenou lentamente e lançou um rápido

olhar para Rhodan. Depois seus olhos fitaram os quatro

soldados mortos, vítimas daquele ataque de surpresa.

— Ah! Agora estou entendendo — disse ele, e

deu um suspiro. — Quer dizer que vocês são pacifistas?

Parece inacreditável, mas até em Vênus já estão

realizando um baile de máscaras de dogmas humanos.

Todo mundo trocou de papel e se disfarça com mantos

alheios. Pacifistas transformaram-se em assassinos e

incendeiam uma aldeia. Rebeldes tornam-se colonos

pacíficos e são escorraçados da sua gleba. Tropas

regulares levam uma vida de bandidos. Realmente é uma

situação muito clara e inequívoca!

— O que quer dizer com isso? — vociferou

Wallerinski furioso.

Rabov encolheu os ombros.

— Entendeu muito bem o que eu quis dizer! —

retorquiu e acrescentou: — Vá lá; vamos acompanhá-lo.

Mas vou avisando logo: não vamos permitir que nos trate

como prisioneiros!

No íntimo, Rhodan teve de admitir que estava

simpatizando com o sargento Rabov.

* * *

Favorecido pela escuridão, Okura conseguiu se

manter perto da patrulha desde o momento de sua fuga.

Testemunhou o assalto e o surpreendente armistício e,

quando viu Marshall fugir, fez com que o australiano o

encontrasse. Juntos, começaram a seguir os dois grupos

que marchavam para a aldeia e se vigiavam mutuamente,

abertamente desconfiados.

— Devíamos tirar Rhodan do meio daquele

pessoal — murmurou Okura, que não conseguiu se livrar

de certo sentimento de culpa. Mas Marshall sacudiu a

cabeça.

— Não é o que ele quer. Eu agora consigo captar

bem os seus pensamentos, e há mensagens para nós no

meio deles. Ele quer ficar junto desse Rabov, porque só

esse sabe onde Thora se encontra. No momento, ele não

corre perigo. Se a situação se tornar crítica, quer que o

libertemos junto com Rabov. Mas, se possível, sem

derramamento de sangue.

— E como é que vamos saber se a situação ficou

crítica ou não? — objetou o japonês, ainda céptico. —

Não gostei nem um pouco desse cara que apareceu por

último.

— Wallerinski? É um fanático inofensivo.

— Será que existem fanáticos inofensivos? —

observou Okura, que tinha suas dúvidas. — Mesmo o

fanático mais burro pode ser perigoso. Por falar nisso,

gostaria de saber que causa esse Wallerinski defende tão

fanaticamente!

— O pacifismo! — respondeu Marshall

sombriamente. — Consegue ver bem agora?

— Lá na frente está a aldeia. Metade foi destruída

pelo incêndio e os escombros ainda estão fumegando. Os

habitantes fugiram. Se a sua afirmação foi correta,

estamos diante da obra de um pacifista.

Havia amargura nas palavras do japonês. Sabia

quantos abusos já tinham sido cometidos em nome do

pretenso pacifismo. E sabia isso de experiência própria.

Hoje, qualquer um encobria as intenções agressivas sob o

manto do pacifismo e afirmava que suas ações serviam

unicamente à causa da paz. Graças a Deus, as coisas

haviam mudado desde que existia a Terceira Potência.

Mas, em Vênus, a história da Humanidade ainda se

encontrava no limiar.

Okura e Marshall pararam na orla da clareira. Se

avançassem mais, corriam o risco de serem descobertos.

Mas, mesmo que o japonês perdesse agora Rhodan de

vista, Marshall continuaria em comunicação com ele, se

bem que essa comunicação era apenas unidirecional.

Infelizmente o dom telepático de Rhodan era muito

limitado, porém ele sabia que Marshall conseguia captar

seus pensamentos. E foi desta maneira que o australiano

ficou sabendo de tudo que se passava naquela aldeia,

apesar de não poder utilizar o rádio de pulso.

A ampla sala de reuniões estava repleta de

homens e também algumas mulheres, que pertenciam ao

grupo rebelde. Wallerinski galgou uma mesa, ergueu as

duas mãos e pediu silêncio. Lançou um olhar ligeiro para

um punhado de prisioneiros no fundo da sala, certificou-

se que as saídas estavam devidamente guarnecidas por

sentinelas, e depois começou a falar.

— Homens e mulheres! — gritou com uma voz

autoritária e nada agradável. — A luta entre nós

terminou. Tomamos a resolução acertada de nos unir. De

agora em diante, vamos trilhar juntos o caminho do

futuro. Queremos que a paz reine em Vênus, mas para

que isso se torne realidade é preciso eliminar uma última

ameaça, a maior de todas. E essa ameaça é o general

Tomisenkow. Insiste em realizar o intento suicida de

atacar a base de Rhodan. Foi motivo bastante para nos

separarmos dele. Vocês fizeram o mesmo, se bem que

por uma razão diferente: querem se tornar colonos

pacíficos e melhorar suas condições de vida. Mas antes

que possamos nos dedicar ao nosso trabalho,

Tomisenkow tem que ser eliminado, e é preciso inculcar

nos seus homens a convicção de que nossos objetivos são

melhores. E para isso, precisamos de um líder.

Lá da porta alguém gritou:

— Wallerinski é o nosso líder! Vai nos trazer a

liberdade!

Rhodan acenou lentamente.

— É assim que começam todas as guerras! —

sussurrou tão baixinho que só Rabov, que estava ao seu

lado, pôde ouvi-lo.

O sargento não respondeu. Pressentia que,

fatalmente teria que tomar mais uma decisão portentosa.

Só não podia imaginar o que essa decisão envolvia.

5

Até nova ordem, o Exército de Mutantes de Perry

Rhodan ficou sob o comando de Reginald Bell, ministro

da segurança da Terceira Potência. Um dos efeitos da

radiação liberada pela bomba atômica de Hiroshima foi

certa alteração no sangue das vítimas, e, pouco menos de

vinte anos após aquele terrível evento e que apareceram

os primeiros mutantes. Entre eles havia telepatas, aos

qual nenhum pensamento dos seus semelhantes ficava

oculto. Havia localizadores, que captavam ondas

encefálicas e podiam reconhecer o estado de ânimo de

Page 60: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

60

terceiros. Havia ainda os telecinetas que, graças à energia

da mente, conseguiam locomover matéria através de

grandes distâncias. Já os teleportadores empregavam a

força do pensamento para se desmaterializarem o que

lhes permitia transportar a si mesmos através de longos

percursos.

O único membro extraterreno do exército secreto

dos mutantes era Gucky, o rato-castor do planeta

Vagabundo. Durante uma escala, esse ser — que não

chegava a ter um metro de altura — havia se escondido

sorrateiramente a bordo da nave espacial e, a partir desse

momento, pertencia ao reduzido círculo dos amigos mais

íntimos de Rhodan.

Isso podia parecer estranho, mas, apesar do seu

aspecto, Gucky não era um animal. Era um ser

inteligente, capaz de pensar e raciocinar. Sob a

orientação de John Marshall, havia aprendido inglês e até

intercosmo: e agora estava apto a se comunicar

perfeitamente nesses idiomas. Gucky costumava se

sentar diante dos visitantes de Rhodan, apoiando-se na

cauda de castor. E todos achavam aquela criatura “muito

engraçadinha”. Mas, invariavelmente, levavam um susto

tremendo quando de repente, dizia:

— Bem, e o senhor como tem passado,

cavalheiro?

E ainda por cima era o melhor telecineta de todo o

corpo de mutantes! Foi um custo fazê-lo perder o hábito

de brincar voluntariamente com essa faculdade; porém

agora já não havia naves espaciais que decolavam sem

razão ou canhões de radiação que disparavam sozinhos.

Mas não era só isso. Gucky possuía ainda vários outros

talentos, entre os quais se destacava uma extraordinária

capacidade telepática, ainda mal explorada. Tratava-se,

enfim, de um verdadeiro gênio universal.

Entre ele e Bell reinava uma espécie de

antagonismo amistoso, fato que se revelava toda vez que

se encontravam. Como hoje, quando Bell convocou o

Exército de Mutantes para explicar os detalhes da nova

missão.

As solenidades foram encerradas com o discurso

de Bell e o mundo voltou ao dia-a-dia. Bell se lançou ao

trabalho. Estava preocupado. O destróier de Rhodan

tinha sido avistado pela estação lunar para, em seguida,

desaparecer na direção de Vênus.

E, a partir daquele momento, não havia mais

notícias dele ou de Thora. As hiperestações radiofônicas

mantinham os receptores ligados noite e dia, porém,

nenhum comunicado veio de Vênus. Isso foi o suficiente

para que Bell se lembrasse da ordem de Rhodan.

Convocou os mutantes, expôs a situação e lhes ordenou

que se apresentassem a bordo do girino número cinco,

dentro de meia hora.

Aquela nave esférica, designada no código das

comunicações pela palavra girino, tinha um diâmetro de

sessenta metros, e era capaz de voar com velocidade

superior à da luz. Do ponto de vista terrestre, podia ser

considerada como a nave espacial perfeita; entretanto,

arcônidas a utilizavam apenas como nave auxiliar dos

seus couraçados espaciais da classe império.

Bell finalizou sua exposição sucinta, dizendo:

— ...portanto, algo pode ter acontecido a Rhodan.

Exijo o máximo empenho de todos e que ajam com

rapidez e decisão. Vamos levar cinqüenta soldados-

robôs, além de dez caças espaciais com os respectivos

pilotos. Alguma pergunta?

Bell olhou ao redor.

— Muito bem, então dentro de trinta minutos;

podem se retirar!

Ia sair rapidamente da sala, mas quase esbarrou

em Gucky, que estava ocupando o vão da porta.

— Só uma perguntinha — disse o rato-castor,

exibindo seu único dente roedor, o que significava que

estava rindo.

Mas isto não implicava que também estivesse de

bom humor. Bell sabia disso, ao menos devia ter sabido.

— Fale logo, estou com pressa!

— Eu sou membro do Exército de Mutantes e,

portanto, vou participar dessa missão. Ou não?

— Você? Quer ir a Vênus para cometer uma das

suas travessuras? E causar confusão geral? Nem pense

nisso!

Bell ia forçar a passagem, porém Gucky bloqueou

o caminho.

— Vou contar isso a Rhodan! — ameaçou,

mudando de tática.

— Por mim, pode contar a ele o que você quiser

— grunhiu Bell e tentou em vão levantar o pé. Era como

se estivesse pregado ao chão. — Pare com essa

brincadeira, seu anão! Prender o meu pé! Isto é

insubordinação!

— Posso ir com vocês ou não?

Bell sentiu que o sangue lhe afluía à cabeça.

Alguns dos mutantes tinham se aproximado e estavam

começando a rir.

— Não pode, não! — decidiu Bell, se bem que

agora ainda poderia ter evitado uma derrota ignóbil. —

Não mesmo! Essa missão requer homens, não um

Mickey Mouse!

Não deveria ter dito isso. Gucky sentia-se

mortalmente ofendido toda vez que alguém o apelidava

de Mickey Mouse.

Bell sentiu que a pressão no seu pé estava

cedendo, mas isto pouco lhe adiantou.

De repente, se tornou leve como uma pluma.

Apoiado na cauda de castor, Gucky estava sentado diante

dele e o observava fascinado. Exibia o dente solitário

num riso manhoso. O pelo castanho da nuca se eriçou,

formando uma gola lanosa.

— É sua palavra definitiva? — estridulou,

tremendo de excitação.

A voz de Gucky já era esganiçada por natureza,

mas adquiria uma estridência fora do comum quando o

seu dono estava emocionado.

— É definitiva, sim! — berrou Bell, a plenos

pulmões, apesar de saber que não adiantaria nada e quais

seriam as consequências. Queixar-se a Rhodan também

seria totalmente inútil, pois esse só iria rir dele a valer.

Fato é que Gucky tinha umas tantas regalias; e sabia tirar

o máximo proveito delas.

Uma ligeira rigidez apareceu no olhar meigo de

Gucky, sinal que estava se concentrando. E Bell ficou

definitivamente liberto da gravidade... e começou a subir

como um balão. Mãos invisíveis abriram a janela, e Bell

flutuou para fora.

E lá ficou pairando, trinta metros acima do piso

de concreto, sustentado apenas pelas formas telecinéticas

de Gucky.

Exibindo um riso triunfante, Gucky bamboleou

Page 61: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

61

até a janela, galgou o parapeito com um salto elegante, e

pôs-se a observar o amigo, que devolveu o olhar com

uma expressão de raiva impotente.

— Como é? — piou Gucky, alegremente. — não

vai mudar a sua decisão? Afinal, você tem que admitir

que eu sou um aliado bastante capaz.

— É, mas duvido que consiga fazer flutuar um

sáurio — resmungou Bell e olhou para baixo, apavorado.

Seus pés estavam apoiados em nada. — Além do mais,

isso não passa de pura extorsão!

— Que palavra mais feia! — indignou-se Gucky e

fez com que Bell caísse dois metros. — Um homem

educado não usa um termo desses!

— Não faz ideia dos termos que tenho em mente

em relação a você! Está bem; vou pensar no caso. Mas

agora me faça entrar!

— Quero saber se vou participar dessa missão, ou

não! — insistiu Gucky.

Parecia não tomar conhecimento da presença dos

outros mutantes, que acompanhavam o espetáculo com

vivo interesse. Nenhum deles ousou interferir, porque

Bell poderia se estatelar no fundo. Mas Gucky não via

perigo algum; confiava nas suas forças.

Bell deu um aceno convulsivo e tentou encostar

as mãos na parede do prédio.

— Está bem; você vem conosco, mas sob uma

condição.

— Qual é? — quis saber Gucky, desconfiado, e

fez desaparecer o dente.

— Você tem que me prometer que vai se

comportar direitinho, e fazer tudo que eu lhe mandar. E

nada de travessuras em Vênus! Entendido?

O rato-castor fez Bell pousar suavemente no

peitoril e acenou vivamente com a cabeça.

— De acordo. Mas se você não cumprir sua

palavra, deixando-me aqui, vou fazê-lo voar para a Lua

sem traje espacial!

Sem uma palavra, Bell pulou do peitoril e se

dirigiu à porta.

A telepata Betty Toufry corou subitamente e fixou

um olhar estarrecido nas costas de Bell.

O ministro da segurança da Terceira Potência

devia ter pensado uma imprecação terrível e, ao mesmo

tempo, bastante obscena.

* * *

O general Tomisenkow observou sua visita

inesperada com indisfarçada satisfação. Realmente, a

sorte o havia bafejado além de qualquer expectativa.

Thora havia caído em suas mãos! Logo Thora, a

colaboradora íntima de Rhodan! Logo ela, a arcônida, a

quem Rhodan devia todo o seu poder!

Tomisenkow pôs-se a matutar no que tinha

acabado de ouvir. Era preciso aprender a lidar Com

Thora, a não contrariá-la. Talvez assim pudesse ser

levada a revelar, um dia, alguns dos segredos dos

arcônidas. Seria tão absurdo imaginar que isso pudesse

acontecer? Tomisenkow achava que não. Afinal, a nave

de Thora não tinha sido derrubada pelas armas do

próprio Rhodan?

— É lastimável, realmente lastimável! — disse o

general, cheio de simpatia. — E estão achando que tudo

não passou de um engano lamentável?

— Absolutamente não foi um engano — disse

R.17, com voz rangente. Parecia que tinha chegado a

época da sua revisão anual. Era preciso lubrificar, com

urgência, alguns dos mancais da sua laringe artificial. —

A instalação eletrônica de vigilância não nos reconheceu.

— Não acha possível que Rhodan mandou

derrubá-los de propósito para que não pudessem penetrar

na base de Vênus? — perguntou Tomisenkow, ardiloso.

— Isto é absurdo! — objetou Thora. — Rhodan

ainda não podia ter chegado aqui!

— Ah! Quer dizer, que ele ainda vem?

Thora mordeu os lábios. Volta e meia cometia o

erro de subestimar os homens. Por pouco não se traiu.

Agora era tarde demais para tirar Rhodan da jogada.

— É possível — disse ela, procurando uma

evasiva. — Tudo é possível. Talvez seja até possível ao

senhor explicar por que pretende me deter aqui. Sabe tão

bem quanto eu que o meu robô pode destruir todo seu

acampamento. Vai me fornecer agora as provisões

pedidas e os soldados? Ou quer que eu tente chegar lá

sozinha?

— Vai pensar duas vezes antes de empreender

algo contra mim, pois sozinha está praticamente

indefesa! Só com esse robô, nunca vai chegar à base a

mais de quinhentos quilômetros daqui. Portanto, a

senhora depende de mim. Bem, quero me aproveitar da

sua situação precária. Vou ajudá-la. Vou levá-la à base,

caso as barreiras não nos detenham.

— Essas reagem ao padrão dos cérebros

arcônidas, portanto, não constituem perigo.

— Ótimo! E, quando estiver diante da base, o que

vai fazer, e o que vai acontecer comigo?

— Pode regressar, são e salvo.

O general Tomisenkow deu um sorriso manhoso.

— Quanta generosidade de sua parte, nobre

arcônida! Quando Rhodan a salvou na Lua a senhora o

recompensou, dando-lhe o poder sobre a Terra. Agora eu

a salvo aqui, e está querendo me despachar com uma

mera esmola. Aliás, esmola coisa nenhuma! O que

pretende me dar já possuo há muito tempo. Segurança?

Essa eu tenho! Não, minha cara, se quiser chegar à

fortaleza vai ter que pagar um preço condizente... ou

pode tentar ir sozinha!

Tomisenkow sabia que Thora jamais chegaria à

base sem ajuda, um fato que ele pretendia explorar. Além

disso, era seu propósito, separar Thora do robô na

primeira oportunidade, para aprisioná-la. Não existia

refém melhor do que Thora.

Principalmente se era verdade que Rhodan estava

se dirigindo para cá.

Nem por um instante Thora acreditou na

sinceridade desse homem. Agora mesmo poderia ter

dado uma ordem de aniquilamento total a R.17. Mas, de

que lhe valeria isso? Além disso, ela não sabia com que

armas os homens de Tomisenkow estavam equipados.

Talvez até conseguissem eliminar o robô, e nesse caso

ela estaria perdida de fato. Pesou bem as palavras, antes

de pronunciá-las:

— Não tenho saída. Vou precisar do seu auxílio.

Reconheço, também, que vou ter que pagar por ele.

Vamos aguardar o romper do dia. Aí podemos discutir os

detalhes. Até lá, peço que me dê um alojamento para

mim e o robô.

— Esse também precisa dormir? — perguntou

Tomisenkow, com ironia.

Page 62: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

62

Thora sacudiu a cabeça e disse reservada:

— Ele não. Mas eu preciso.

* * *

Rhodan, Rabov e seus homens não podiam ser

considerados como prisioneiros, na acepção normal do

termo. A começar pelo fato de que puderam ficar de

posse das armas. Foram alojados numa grande choupana,

diante da qual Wallerinski postou imediatamente

algumas sentinelas; não para vigiá-los, como afirmou, e

sim para protegê-los.

Rhodan pediu a Rabov que lhe devolvesse a arma

bem como a dos seus dois companheiros. O sargento

anuiu prontamente ao pedido. Talvez pressentia que,

num futuro próximo, necessitaria do auxílio desse

estranho misterioso.

— O que vai acontecer agora? — perguntou

Rhodan. Achava que Rabov devia conhecer melhor a

mentalidade dos seus patrícios. — Acredita que o grupo

de Wallerinski vai atacar as tropas do general?

— É mais do que certo!

— E não acha que, na posição que ocupa, tem o

dever de alertar Tomisenkow?

Rabov vacilou. Aquele grupo de colonos rebeldes,

aos quais ele quis se unir, praticamente não existia mais.

Detestava Wallerinski por causa das suas frases

empoladas. Nesse caso, seria melhor ficar ao lado do

general Tomisenkow. Rabov acenou.

— Sei que é meu dever avisá-lo; mas como vou

sair daqui sem despertar suspeita?

— Não se preocupe com isso; eu só queria saber

de que lado o senhor está. Meus dois amigos vêm nos

buscar. Um deles consegue ver mesmo de noite, e vai

poder nos conduzir em segurança através da escuridão. E

eu recuperei as minhas armas, com as quais eu poderia

liquidar essa bagunça toda em questão de segundos...

mas para que...

Rhodan se concentrou esperançoso de que

Marshall pudesse captar seus pensamentos agora. Se o

conseguisse, então ele e Okura já deviam estar a caminho

da aldeia para libertá-lo. Talvez não fosse também má

ideia ir ao encontro deles.

Virou-se para Rabov:

— Que sabe daquela mulher e do robô, cuja nave

foi destruída sobre o planeta? Ela está em segurança?

— Está sim — Rabov arreganhou os dentes —

mas é uma segurança relativa. Faz muito tempo que os

nossos homens não veem uma mulher!

— Então não vão ficar muito contentes com a sua

prisioneira! — vaticinou Rhodan, irado. Sabia que, se

fosse preciso, o robô poderia transformar Tomisenkow e

sua força armada em cinza radiativa; entretanto,

violência não resolve problemas. — Diga a seus homens

que vamos apanhá-los mais tarde. Não temos mais tempo

a perder. Meus amigos já estão nos esperando. Lá na orla

da floresta, em direção leste se não me engano.

Rabov deu suas instruções. Depois o sargento e

Rhodan saíram da choupana.

Quase no fim da rua ardia uma fogueira, rodeada

por alguns homens, cujas silhuetas as chamas revelavam.

Provavelmente estavam cansados e preferiam mil vezes

estar dormindo.

Perto da choupana não havia ninguém.

Rhodan agarrou a mão de Rabov e confiou mais

na sua intuição do que nos seus olhos. Enquanto

caminhava, com passos seguros em direção leste,

pensava constantemente na sua posição, para que

Marshall tivesse mais facilidade em encontrá-lo.

Se Marshall não estivesse dormindo agora.

Aquela aldeia semicalcinada ficou para trás. Lá na

frente, em direção ao bosque, estava ficando mais escuro.

Uma luz relampejou por alguns segundos. Depois

Rhodan ouviu que alguém atravessava os arbustos com

passos seguros. Ninguém caminhava assim de noite, a

não ser que portasse uma lâmpada e pudesse ver.

— Okura?

— Sim!

Era como se o sopro de uma brisa alcançasse o

ouvido de Rhodan através do silêncio da escuridão.

Claro, Okura não sabia quem estava com ele. Um

descuido de Marshall, não contar esse detalhe ao

japonês.

— Sou eu — sussurrou Rhodan. — Rabov está

comigo. Vai nos levar ao general Tomisenkow... e a

Thora.

Rhodan sentiu que o sargento estremeceu.

— Vou levá-los a quem? — e, como não recebeu

resposta, acrescentou: — Thora! Não é a arcônida?

E após mais uma pequena pausa perguntou:

— Quem é o senhor?

— Está tudo em ordem? — perguntou Rhodan e

depois se dirigiu ao sargento: — Não se preocupe

inutilmente, meu caro Rabov. Apostou no cavalo

vencedor do páreo... mas, ainda pode escolher outro, se

quiser. Leve-nos a Tomisenkow e deixe todo o resto

comigo!

E assim aconteceu que três grupos diferentes

tencionavam fazer uma visita ao general desaparecido;

claro que cada qual por razões próprias... igualmente

diferentes.

Bell vinha para procurar Rhodan, cujo paradeiro

ele desconhecia.

Wallerinski armou-se de violência para implantar

a paz onde não havia guerra.

E Rhodan queria libertar Thora que, por seu lado,

não fazia a menor questão de ser libertada por Rhodan.

Ao menos não agora.

6

A distância era relativamente pequena; por isso

Bell dispensou o salto através do hiperespaço, não

acelerando o girino número cinco até a velocidade da

luz. A Terra se tornou rapidamente uma estrela brilhante,

o Sol passou pela esquerda, e depois Vênus, radioso,

dominou o setor do céu diante da proa.

Um estalo acompanhou o desligamento do piloto

automático. Bell voltou a assumir o comando da grande

nave esférica. Conhecia perfeitamente a localização da

base em Vênus e, pelos seus cálculos, havia constatado

que ela ainda se encontrava mergulhada na noite

venusiana. O sol nasceria somente daqui a quarenta

horas.

Aos poucos, Bell começou a ficar intranquilo.

Se tudo tivesse decorrido normalmente, há muito

tempo Rhodan teria enviado alguma notícia. Será que

Page 63: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

63

não tinha encontrado Thora na base? E, se não, o que

teria acontecido a Thora? Talvez ela nem tivesse se

dirigido a Vênus, ousando realizar um voo interestelar

com aquele destróier.

Bell virou a alavanca do intercomunicador e

estabeleceu a comunicação visual com a sala radiofônica.

Lá, Tanaka Seiko estava de serviço. Seiko era japonês,

técnico de altas frequências, e o rastreador do Exército

de Mutantes. Sem o auxílio de qualquer aparelho,

conseguia captar as ondas eletromagnéticas e, o que era

mais surpreendente, conseguia ouvir as emissões

irradiadas por homens, em todas as frequências de ondas.

Não havia homem mais indicado para a estação-

receptora da nave.

Seu rosto apareceu na tela de visão.

— Chefe?

Bell gostava de ser chamado assim. Era um sinal

de respeito e admiração. Também não era ele o substituto

direto de Rhodan? Era algo que encheria qualquer um de

justo orgulho.

— Nada, ainda?

— Não captei um pio de Vênus até agora! —

Seiko sacudiu a cabeça. — E como se lá não houvesse

homem algum.

— O que provavelmente não está certo, porque,

se eu me recordo direito, também às tropas desaparecidas

do Bloco Oriental possuem aparelhos radiofônicos. Mas,

o que me intriga demais, é que nem Rhodan, nem Thora

deram sinal de vida até agora; isto é um bocado

inquietante!

— Os minitransmissores são fracos demais para

essa distância.

— Mas não os aparelhos do destróier!

— Talvez apresentaram algum defeito.

— O quê?! Os aparelhos radiofônicos dos

destróieres?

— Quem sabe...

Bell refletia febrilmente, mas não encontrou

qualquer explicação. Seria possível?... Não, era melhor

nem pensar nisso! Aliás, não havia razão para isso. Pois,

quem poderia ter impedido Rhodan de pousar em Vênus?

A instalação de vigilância positrônica da hiperestação o

reconheceria, evidentemente.

— Está bem, Seiko, mantenha o receptor ligado.

E comunique imediatamente qualquer novidade. Vou

agora iniciar as manobras de pouso.

Vênus, uma bola brilhante, já tinha se aproximado

bastante. O lado direito ainda estava na escuridão.

Mediante uma pequena evolução, Bell colocou a nave

exatamente sobre a zona da meia luz. Depois, começou a

baixar.

Quando o casco da nave entrou em contato com

as camadas superiores da densa atmosfera, o girino

número cinco foi sacudido por um violento abalo que

arrancou Bell da poltrona. Enquanto se levantava, meio

aturdido, perscrutando rapidamente os controles, a porta

da central se abriu e vários dos mutantes entraram

correndo.

Ralf Marten segurou-se na parede.

— O que está se passando com você, Bell? Está

querendo nos matar a todos?

Bell lançou um olhar de desprezo para aquele

teutojaponês, esguio e de cabelos escuros.

— Está com medo? Mas, honestamente, eu

mesmo não sei o que aconteceu. Espere um momento,

Seiko está me chamando.

O rosto do telegrafista estava lívido quando

apareceu na tela de imagem. Mexia nos seus aparelhos.

— Mensagens radiofônicas — disse ele, sem

interromper os manejos. — Da hiperestação. Deve ser o

cérebro positrônico. Recusa a permissão para o pouso.

— O quê? — berrou Bell. Seus cabelos curtos e

ruivos se ouriçaram ameaçadoramente e transformaram-

se numa verdadeira escova de aço. Uma ira repentina

brilhava nos seus olhos. — Que ideia maluca é essa?

Pergunte a esse robô idiota qual a razão da sua recusa!

Bem que Seiko tentou, mas seus esforços foram

em vão. Com uma obstinação irritante, a instalação do

cérebro positrônico enviava constantemente a mesma

mensagem, sem tomar conhecimento das tentativas

desesperadas do japonês.

— A chave secreta X foi ativada. Qualquer

aproximação na atmosfera de Vênus será impedida com

o campo repulsor hipergravitacional. Repito: a chave

secreta X foi ativada...

Repetia essa mensagem incessantemente, como se

estivesse gravada numa fita sem fim.

Finalmente Bell desistiu, e ordenou a Seiko que

vasculhasse toda gama de frequências, à procura de

algum outro sinal radiofônico. Desligou o

intercomunicador e se dirigiu a Marten:

— Nessas condições, Rhodan também não

conseguiu pousar. O cérebro positrônico deve ter

enlouquecido.

Bell não podia saber que esse procedimento

estranho nada mais era do que uma consequência lógica

dos acontecimentos precedentes. O próprio Rhodan havia

programado a chave secreta X no cérebro positrônico

durante a sua última visita à base venusiana.

O cérebro tinha recebido a ordem de erigir o

campo repulsor indistintamente diante de qualquer um,

conhecesse ele o código ou não, se antes tivesse

registrado alguma ocorrência que pudesse ser

considerada suspeita.

E esse estado de programação havia sido atingido

naquele instante em que o cérebro derrubou os dois

destróieres. Eram naves da frota de Rhodan, sem dúvida,

mas não conheciam o código secreto.

O girino número cinco também era uma nave de

Rhodan, e essa conhecia o sinal. Mas agora já era tarde

demais. O campo repulsor havia sido erigido e só podia

ser novamente eliminado por uma chave especial dentro

da fortaleza.

Somente um arcônida, ou o próprio Rhodan,

podiam penetrar na base, graças ao padrão característico

das suas ondas encefálicas.

E com isto tinha se chegado a um ponto morto,

que só poderia ser superado por Thora ou Rhodan, mas

nunca por Bell.

No momento talvez fosse até bom que Bell não

soubesse disso. Sua raiva daquele cérebro positrônico

teria atingido proporções incomensuráveis.

A nave esférica girava em torno de Vênus a uma

altura constante. Não podia baixar mais, porque aquele

anteparo energético a impedia de fazê-lo. Ver, também

não se via nada, já que os aparelhos eram incapazes de

perfurar a densa camada de nuvens. Apenas Wuriu

Sengu, com sua visão raio-X, conseguia enxergar a

Page 64: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

64

superfície do planeta. A sua faculdade de poder

trespassar a matéria sólida com o olhar proporcionou-lhe

a oportunidade de ver selvas, pântanos, mares e

cordilheiras, mas isso em nada contribuía para sair do

impasse.

— Agora eu tenho certeza — murmurou Bell,

desesperado — que algo aconteceu a Rhodan. Se a culpa

for daquele cérebro positrônico, vou transformá-lo em

sucata com estas minhas mãos!

Ralf Marten sacudiu a cabeça.

— É um propósito meio difícil de realizar, porque

ninguém; repito ninguém pode pousar em Vênus no

momento. O planeta encontra-se totalmente isolado. Não

sei o que aconteceu, mas sei que as instalações

automáticas da base são de uma confiabilidade a toda

prova. Não há poder no mundo que possa impedi-las de

cumprir rigorosamente com o seu dever.

— Dever! — gemeu Bell, nervoso. — O que esse

monturo idiota de lata entende de deveres? Era sua

maldita obrigação ajudar a nós e a Rhodan. Em vez

disso... bolas!

Chamou Seiko na central radiofônica.

— Precisa emitir constantemente e procurar

estabelecer uma ligação com Rhodan. Deve estar lá

embaixo, entre selvas, pântanos e sáurios.

Com um suspiro, que denotava sua profunda

aflição, recostou-se na poltrona do piloto e se entregou

aos seus pensamentos sombrios.

E por baixo da nave rodava, com infinita lentidão,

o planeta encoberto, que se recusou a revelar os seus

segredos.

* * *

Durante a descida do platô notaram os primeiros

indícios da aurora.

Longe, no leste, Rhodan vislumbrou um tênue

brilho na escuridão impenetrável. Os primeiros raios

lançaram-se do horizonte para as camadas superiores das

nuvens, tingindo-as num tom róseo. Mas a luminosidade

se alastrava muito lentamente e, no momento, era

impossível definir a posição do sol atrás daquela faixa de

claridade incipiente.

Isto ainda levaria horas.

Durante a marcha através da escuridão da noite

venusiana, Okura os havia alertado constantemente

contra todos os obstáculos que encontrava e, assim,

conseguiram chegar até aqui em segurança. Não havia

sinal de possíveis perseguidores, e era mais do que

provável que só daqui a algumas horas a sua fuga seria

descoberta.

Isso servia aos propósitos de Rhodan. Não tinha a

menor intenção de se intrometer na briga daquelas tropas

de invasão desbaratadas, as quais, no íntimo, ele já os

considerava como os primeiros colonos venusianos. Mas

não deixaria de alertar Tomisenkow; se conseguisse

chegar até ele. E isto, pensou Rhodan, ainda era meio

incerto.

Entre os dois platôs, estendia-se a baixada com

seus pântanos traiçoeiros. Rabov disse que a travessia era

menos perigosa à noite, porque assim que o dia raiasse os

sáurios despertavam e saíam do seu esconderijo à

procura de alimento. Disse, ainda, que na grande maioria

eram herbívoros, o que, porém, não os impedia de

atacarem outros seres vivos, se neles vissem

concorrentes ou intrusos indesejáveis.

Rhodan e seus companheiros confiavam

plenamente nas suas infalíveis armas energéticas e

tranquilizaram Rabov, que portava apenas a pistola de

serviço, com a qual, realmente, não poderia enfrentar

aqueles gigantes pré-históricos. Víveres não constituíam

preocupação, porque ainda possuíam algumas provisões

e alcançariam o acampamento de Tomisenkow dentro de

vinte horas, na pior das hipóteses. E, se a água

escasseasse, poderiam se reabastecer no rio que

atravessava a baixada.

Quando chegaram ao local, onde Rabov os havia

capturado de surpresa, já havia claridade suficiente para

poder reconhecer a vizinhança imediata. E não ficaram

muito satisfeitos com o que viram.

A queda d’água precipitava-se num rio, que corria

velozmente e desembocava num imenso lago. Ao longo

das margens desse lago, explicou Rabov, serpenteava o

caminho através da baixada. A margem era constituída

por mata cerrada, da qual se levantava um denso

nevoeiro que se mesclava com as nuvens baixas. A leste,

uma mancha difusa pairava na neblina mormacenta — o

sol.

Havia movimento no lago. Aqui e acolá, via-se

um remoinho e depois apareciam os enormes corpos de

sáurios dos mais diversos tipos que, de uma maneira

geral, apresentavam grande semelhança com aqueles

que, em priscas eras, tinham povoado a Terra. Alguns

permaneciam na água rasa e começavam a pastar

embaixo da superfície. Estes eram os menos perigosos.

Outros, porém, nadavam ou caminhavam

pesadamente até a margem, galgavam a terra firme e,

bamboleantes, desapareciam na floresta, onde se

dedicavam a devorar pequenas árvores sem a menor

dificuldade.

Rhodan havia assistido àquela movimentação com

olhos semicerrados. Soltou um suspiro e disse a

Marshall:

— Até que enfim vai poder verificar se sáurios

pensam, e o que eles pensam. Acredita que os cérebros

deles são capazes de emitir correntes de pensamentos?

— E por que não? — respondeu o telepata,

pensativo. — Tenho para mim que os pensamentos deles

não devem lá ser coisa muito sensata ou lógica, mas seria

muita presunção negar-lhes qualquer capacidade de

pensar. Todo ser vivo pensa, até a formiga. Só o homem

tem a pretensão de achar que é o único ser racional. Isto

o distingue do animal, mas de forma alguma no sentido

positivo. Bem, nós astronautas somos diferentes daqueles

que nunca tiraram o pé da Terra. Se tínhamos algum

preconceito, o perdemos pelo contato com o universo.

Sabemos que a raça dominante de um planeta pode ter o

aspecto de um réptil, e isto fez nascer em nós o respeito

pelo animal terrestre. Involuntariamente, não vemos num

cachorro apenas o animal mas, sim, um verdadeiro ser

vivo, que só se distingue de nós, pelo fato de pensar de

maneira diferente.

— Quer dizer que vê um parentesco entre a nossa

capacidade de aceitar raças estranhas e extraterrenas e o

amor que dedicamos ao animal da Terra? — espantou-se

Rhodan, apesar de estar começando a imaginar qual seria

a conexão.

— Perfeitamente — disse Marshall, em tom

convicto. — Pode ser atrevimento de minha parte, mas

vou mais longe ainda. Em minha opinião, apenas quem

Page 65: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

65

ama verdadeiramente os animais está em condições de

avançar universo adentro e estabelecer contato com os

habitantes de planetas estranhos. Somente um homem

desses possui a compreensão necessária para não recuar

horrorizado diante de formas de vida as mais

impossíveis. Ao contrário, vai aceitá-las como são e

reconhecer que têm os mesmos direitos; fato que, algum

dia, poderá ser decisivo no estabelecimento da paz em

todo o universo.

Rhodan não deu resposta. Olhou para a selva

mormacenta lá embaixo; sabia que outro não tinha sido o

aspecto das planícies na Terra, milhões de anos atrás.

Naquela era, o animal havia sido o soberano do planeta,

porque o homem só apareceu muito mais tarde. Devia a

sua existência ao animal, assim como o animal à planta.

Sucedendo-se, um substituía o outro, e todos eram

interdependentes. Um não existiria se não tivesse havido

o outro. E nem um podia passar sem o outro.

E apesar disso, todos viviam da luta entre si...

Rhodan arrancou-se dos pensamentos.

— Não vai haver problemas; não há sáurio que

resista aos nossos irradiadores de impulsos. Só espero

não ter que matar muitos. Eles pertencem a esse mundo,

e esse mundo é deles. Vamos indo.

Rabov ia à frente, seguido de Rhodan, enquanto

Marshall e Okura formavam a retaguarda. Alcançaram

rapidamente a margem do extenso lago pantanoso, mas

Rabov se manteve suficientemente afastado para não

terem que atravessar terreno molhado demais. Debaixo

das gigantescas árvores, o chão ainda se apresentava

relativamente seco, era praticamente impossível que aqui

topassem com algum sáurio.

Tudo estava correndo satisfatoriamente, até que

contornaram a última enseada, deixando o lago para trás.

Não tinham escolha. Teriam que atravessar um capinzal

de uns cinco quilômetros de largura, onde só em alguns

pontos espalhados se erguia uma árvore solitária. Aqui, o

capim atingia uma altura de cinco metros, o que lhes

tolhia inteiramente a visão. O chão era úmido e cedia.

Caminhavam como que por cima de uma esponja

gigantesca, e nem de longe se sentiam tão seguros quanto

na selva.

Rabov apontou em direção ao alvo, que se

destacava das névoas arroxeadas como um bloco de cor

escura.

— Esta é a trilha que costumávamos percorrer;

mas só à noite. Daqui a pouco voltamos a pisar em

terreno seco.

Apressou os passos para sair o mais depressa

possível da zona perigosa. Rhodan o seguiu vigilante, de

arma na mão.

De repente, Rabov emitiu um grito agudo,

arrancou a pistola do cinto e disparou o pente inteiro na

floresta de capim à sua frente. Depois recuou e esbarrou

contra Rhodan, que teve dificuldade para se manter em

pé.

Okura esticou o braço e apontou para frente, onde

os colmos do capim subitamente se separaram. Rhodan

pensou que o sangue fosse lhe congelar nas veias quando

viu o monstro que se arrastava em direção a eles, sem se

importar com os projéteis de Rabov, que haviam

ricocheteado em sua pele. Devia ter uns dez metros de

comprimento e se assemelhava a um dragão pré-

histórico. Deslocava-se sobre quatro patas e nas costas

ostentava uma crista, constituída por placas ósseas. Os

olhos na pequena cabeça brilhavam com uma expressão

traiçoeira. Da boca larga do réptil, pendiam tufos de

capim e raízes de árvores.

— Um estegossauro — murmurou Rhodan,

indeciso. — A rigor, é um herbívoro inofensivo. Se não

estivéssemos exatamente no seu caminho...

— Atire logo — implorou Rabov, tremendo como

vara verde. — Vai nos esmagar! Eles atacam os homens,

eu já vi isso mais de uma vez!

Marshall se afastou um pouco para o lado e

ergueu a arma. Rhodan olhou para ele e sacudiu a

cabeça.

— Aguarde, Marshall.

Okura parecia compreender que, apesar da

situação, Rhodan queria ganhar tempo para fazer uma

experiência. Por isso, também se afastou da trilha,

mantendo-se quase oculto no capim que a margeava.

Rhodan acenou quase imperceptivelmente, nas não

desviou o olhar do estegossauro.

O enorme animal arrastava o corpo pesado através

do capim, aproximando-se cada vez mais. Seguia os

movimentos dos homens com olhos ágeis, porém não fez

qualquer menção de atacá-los. Rhodan havia agarrado

Rabov pela mão, puxando-o para perto de si. A poucos

metros de distância, o sáurio passou pelos homens, sem

lhes dedicar maior atenção. Esmagou o capim à sua

frente como um rolo compressor, deixando atrás de si

uma verdadeira estrada de uns quatro ou cinco metros de

largura, pela qual arrastava a cauda couraçada. Segundos

depois, voltou a pastar pacificamente.

Quando Rhodan se virou com um sorriso

triunfante para Marshall, viu a expressão de espanto no

rosto deste.

— Pensou! — murmurou Marshall, ainda

aturdido. — Esse bicho pensou!

— E o que foi que pensou?

Marshall sacudiu a cabeça.

— Pensou com tanta clareza que cheguei a

acreditar que um homem estivesse diante de mim!

— Diga logo o que o bicho pensou, Marshall!

Será que o monstro o desnorteou?

— O que pensou foi o seguinte: “Será que vale a

pena esmagar estas pragas nocivas?”

— Pragas nocivas?

Marshall acenou.

— Sim, foi isso que ele pensou; e se referiu a nós!

Rhodan deu um sorriso fraco.

— Não é muito lisonjeiro, mas reforça a teoria a

respeito da qual estávamos filosofando ainda há pouco.

Que é impressionante, é. Mas vamos embora; não temos

tempo a perder. De qualquer maneira, estou satisfeito

que não foi preciso matá-lo. O bicho pensou, e por isso

merece viver.

Percorreram alguns metros da estrada aberta pelo

estegossauro; depois Rabov enveredou pela direita. Não

tinha entendido uma única palavra da conversa e devia

achar que os seus três companheiros haviam ficado

birutas. Mas não se atreveu a fazer perguntas.

Pouco depois, chegaram àquele paredão quase a

pique, e iniciaram a escalada. Seguiram por uma trilha

bastante batida e duas horas depois alcançaram a beira do

platô.

Rabov olhou cuidadosamente ao redor, mas

Page 66: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

66

parecia não encontrar o que estava procurando. Um

pouco perplexo, virou-se para Rhodan.

— Não vejo as sentinelas. Isto é estranho.

Normalmente havia dois homens postados aqui.

— O acampamento de Tomisenkow fica longe?

— perguntou Rhodan; já havia recolocado a arma no

cinto.

— Uns dez minutos, não mais do que isso.

— Então vamos.

O fato de não ter encontrado sentinelas parecia

preocupar Rabov sobremaneira. Simplesmente não lhe

entrava na cabeça que Tomisenkow tivesse relaxado de

tal maneira sua habitual vigilância. Logo ele, que era a

desconfiança personificada.

— Atrás daquelas rochas se encontram as

primeiras cabanas — murmurou Rabov, e ia acrescentar

mais alguma coisa, porém os acontecimentos que se

precipitariam nos próximos segundos impediram que o

fizesse.

Era como se o inferno tivesse explodido.

Um silvo agudo fez com que Rhodan e seus dois

companheiros se jogassem ao solo, numa fração de

segundo. Rabov, porém, não reagiu com a mesma

rapidez. Onde estava, foi atingido pela saraivada de uma

metralhadora, oculta entre os arbustos. Cambaleou

durante uns dois ou três segundos, depois tombou

pesadamente ao chão.

Agora estavam sem guia, e teriam que achar

sozinhos o caminho que levava a Thora. Rhodan sabia

disso. E não precisava se certificar. E sabia também

que...

Uma dor lancinante varou-lhe o ombro direito.

Era como se alguém o tivesse trespassado com um ferro

em brasa. Também tinha recebido um tiro.

O general Tomisenkow devia ter concentrado

suas tropas na aldeia, substituindo as sentinelas e postos

avançados por uma instalação de defesa automática. E

isto significava morte certa para quem tentasse se

aproximar da aldeia.

Marshall já sabia o que tinha acontecido. Apesar

das balas sibilantes, ergueu-se de um pulo e se

aproximou de Rhodan para examiná-lo.

— Felizmente o tiro não afetou nenhum osso.

Mas temos que sair daqui. Okura ajude-me.

Rhodan gemia de dor, contudo tentou auxiliar

Marshall e o japonês, quando o arrastaram alguns metros

para trás. E, como por encanto, cessou de repente o

matraquear das metralhadoras ocultas por toda parte.

Rhodan e os companheiros já se encontravam fora da

zona de bloqueio.

Rabov estava morto. Nunca mais necessitaria de

ajuda. Ao menos, não precisava mais se decidir a favor

de Wallerinski ou de Tomisenkow.

Marshall e Okura sentiram-se aliviados quando

Rhodan declarou que estava em condições de caminhar

sozinho. Por via das dúvidas ampararam-no, um de cada

lado, e trataram de colocar distância entre eles e aquela

traiçoeira armadilha mortal. Contra esta, nem mesmo os

irradiadores de impulsos seriam eficazes, porque não se

conseguia discernir alvo algum.

Longe, atrás deles, ouviram uma voz de comando

e um tiro solitário. Alguns homens gritaram e depois se

fez novamente silêncio.

— Vamos ficar no platô? — quis saber Marshall.

Rhodan reprimiu suas dores.

— Por enquanto, podemos nos abrigar naquela

floresta, à direita. Não consegue descobrir o que esses

homens pretendem? Afinal, a distância não é tão grande

assim.

— Vou deixar isso para mais tarde, quando tiver

sossego suficiente para me concentrar — observou

Marshall. — Primeiro, precisamos levá-lo a um lugar

seguro e tratar do seu ferimento.

Rhodan resolveu não dar resposta. Sabia que

podia confiar nos companheiros; além disso, precisava

poupar suas forças.

Penetraram profundamente na floresta que, aqui,

não era muito densa e finalmente encontraram uma

gigantesca árvore, de tal maneira enleada por trepadeiras

que seria fácil galgá-la. Rhodan praticamente dispensou

auxílio, pois só precisou da mão esquerda para se alçar

pouco a pouco. Vinte metros acima do solo da floresta,

encontraram um galho bastante largo e. achatado, que se

estendia quase na horizontal, perdendo-se no

emaranhado dos galhos vizinhos. Uma verdadeira cortina

de cipós pré-históricos oferecia proteção para todos os

lados. Haviam encontrado uma cabana natural no alto da

árvore e que, mais tarde, ainda poderiam reforçar por

meio de galhos flexíveis.

O ferimento de Rhodan não era grave; a bala

havia atravessado o ombro de lado a lado. Marshall

aplicou um curativo e fez Rhodan tomar um remédio

contra febre. Dez minutos depois, a respiração regular do

ferido mostrou que tinha caído no profundo sono da

convalescença. Mas Okura e Marshall continuavam

intranquilos.

— Bem, cá estamos — disse Okura, sussurrando,

a fim de não acordar Rhodan. — Thora caiu nas mãos

desse Tomisenkow, e nós estamos trepados nessa árvore

como macacos indefesos, e esperamos que aconteça um

milagre. E Bell? Deus sabe onde se encontra. Não deve

estar se precipitando; também não tem noção que tudo

saiu ao contrário. Mas, a essa altura, devia começar a se

preocupar um pouco.

É claro que Okura não podia saber que Bell estava

bem acima deles, girando em torno de Vênus no girino

número cinco, igualmente à espera de um milagre que

lhe permitisse o pouso nesse maldito planeta. O aparelho

radiofônico estava em funcionamento ininterrupto,

tentando estabelecer comunicação com alguém. O

receptor permanecia mudo.

Com uma expressão melancólica, Marshall

checou as provisões.

Constatou que eram bastante minguadas.

— Não dá para aguentar muito tempo — disse ele

— a não ser que voltemos a caçar.

— Só daqui a três ou quatro dias Rhodan vai

poder mexer novamente o braço — constatou Okura. —

Ao menos até lá devíamos ficar na proteção dessa

cabana.

— Ah! — resmungou Marshall e se acomodou.

— Eu vou dormir. Vai ficar acordado?

— Se eu não ficar quem fica? — respondeu

Okura, com um sorriso cansado. Ajeitou-se da melhor

maneira que pôde, com as costas apoiadas no tronco da

árvore, e colocou o irradiador de impulsos sobre os

joelhos.

* * *

Page 67: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

67

Após algumas horas de sono e uma refeição

reforçada, Rhodan recuperou a costumeira energia.

Graças aos excelentes medicamentos, a ferida sarou, e já

começara a cicatrizar. Em instante algum chegou a estar

com febre.

Analisaram a situação.

Depois de terem considerado todos os pontos,

Rhodan fez um resumo:

— ...portanto, é uma ilusão pensar que podemos

estabelecer contato com Tomisenkow. Guarda Thora

como a menina dos olhos, e não vai perder a

oportunidade de fazer umas tantas exigências para

libertá-la. De Bell, não temos notícia alguma. Já deve ter

pousado na base há muito tempo; a não ser que o cérebro

positrônico ativou a chave secreta X programada por

mim. Nesse caso, é claro que não vai poder pousar; aliás,

ninguém mais pode pousar em Vênus.

— Se for assim, como vão poder nos resgatar? —

perguntou Okura, preocupado.

— Só resta uma única possibilidade: vou ter que

alcançar a base a pé, para poder reprogramar o cérebro

positrônico. Mas isso fica para depois. Antes, quero

libertar Thora.

— Mas o senhor acabou de dizer... — começou

Marshall, porém logo emudeceu. Devia ter vasculhado

indiscretamente os pensamentos de Rhodan. — Tinha me

esquecido dela! — murmurou, concluindo sua

observação.

Okura olhou de um para o outro sem entender

nada. Não sabia ler pensamentos e, assim, também não

sabia a que Marshall estava se referindo. Rhodan notou a

perplexidade do japonês e pôs-se a explicar do que se

tratava.

— Quando, muitos anos atrás, pousamos pela

primeira vez em Vênus, topamos com aquelas focas

semi-inteligentes nas margens do mar pré-histórico.

Nossos telepatas conseguiram se comunicar com elas, e

acabamos por nos dar muito bem com esses seres. Houve

até uma ocasião, em que pude auxiliá-los, prestando-lhes

um grande favor. Talvez não tenham esquecido isto e

estejam prontos a saldar sua dívida de gratidão. Seria um

absurdo se quiséssemos todos os três empreender a longa

marcha para aquele mar, que se situa no leste. E só um

telepata pode se comunicar com estas focas e lhes

explicar o que desejamos delas. Vamos discutir os

detalhes mais tarde, mas acho difícil que encontremos

uma solução melhor.

— Um telepata?! — gemeu Marshall e

empalideceu um pouco. — Portanto, está se referindo a

mim! Eu... marchar sozinho através dessa floresta?

Brincou nervosamente com a larga pulseira, que

abrigava uma série de instrumentos minúsculos.

— Não acha melhor tentar estabelecer

comunicação com Bell?

— Isso também, mas se a chave secreta X foi

ativada, a tentativa não vai nos ajudar em nada. As focas

conhecem o caminho para a base e, portanto, podem nos

guiar. Não adianta estrebuchar, Marshall, não vai poder

escapar ao seu destino. Okura e eu vamos permanecer

aqui, aguardando o seu regresso. Se ocorrer algo de novo

em relação a Tomisenkow, vamos deixar uma mensagem

para você neste local.

— E as provisões? Vamos viver de quê?

— Tem a sua pistola e pode caçar — tranquilizou-

o Rhodan. — Nós vamos tentar fazer o mesmo com os

irradiadores de impulsos.

— Não é necessário — asseverou Okura e puxou

uma pesada pistola do bolso. — Não vi razão alguma —

acrescentou, como que a se desculpar — para deixar a

arma de Rabov cair nas mãos dos homens de

Tomisenkow. Essa pistola nos garante mais carne do que

podemos comer.

Rhodan acenou, satisfeito.

— Ótimo! Então está tudo decidido, Marshall.

Sugiro que agora durma mais algumas horas. Depois

vamos discutir os detalhes finais.

* * *

Já era dia em Vênus. A claridade havia

atravessado o teto da floresta, removendo todos os véus

ocultantes da noite. A cabana na árvore flutuava num

mar de orquídeas multicoloridas, que pareciam enormes

águas-vivas boiando num lago verde. Escaravelhos

coloridos rastejavam apressados, sobre os galhos e

troncos. Mais acima, ouviam-se os grasnidos e gorjeios

dos habitantes alados da selva.

Com certo desânimo, Marshall se despediu de

Rhodan e Okura, e desceu do esconderijo. Lá embaixo,

ainda parou por um instante, e acenou para os

companheiros. Depois se virou e iniciou a longa marcha

para leste, em direção àquele mar pré-histórico. Viram-

no desaparecer na vegetação cerrada e, pouco depois, já

não ouviam mais os passos cautelosos.

Agora Rhodan e Okura estavam sozinhos naquela

cabana no alto da árvore.

Por enquanto, estavam condenados à inatividade.

Teriam que aguardar o regresso de Marshall. Mas isso

poderia levar vários dias. Seria dia claro por mais cento e

vinte horas. Se Marshall conseguisse realizar sua tarefa

dentro desse prazo, teriam dado um grande passo para a

frente. Se não...

Okura brincava distraidamente com a pulseira de

utilidade múltipla quando, de repente, ouviu uma voz

baixa que emanava do alto-falante do minitransmissor:

— ...chamando Perry Rhodan; atenção, estamos

chamando Perry Rhodan; responda Perry Rhodan!

Aquela voz estava se tornando cada vez mais alta,

como se o emissor estivesse se aproximando a grande

velocidade. Repetia essa mensagem sem cessar.

Rapidamente Okura ligou o rastreador e olhou

quase verticalmente para cima. Uma expressão de dúvida

se delineou no seu rosto. Rhodan deu um sorriso, que era

um misto de contentamento e resignação.

— É a voz de Bell, Okura. Acuse o recebimento

da mensagem!

Segundos depois, ouviram Bell soltar um grito

alto, que denotava surpresa ao mesmo tempo que alívio.

— Com mil diabos, Rhodan, onde é que você

está? Estou procurando você como uma agulha no

palheiro. Por que você não entrou em contato antes?

— Calma Bell, uma coisa depois da outra. Onde

você se encontra?

— A bordo do girino número cinco e não posso

pousar. Aquele maldito cérebro positrônico...

— Bem que desconfiei que fosse isso! —

interrompeu Rhodan e suspirou. — Aquela chave secreta

foi ativada e ninguém pode pousar em Vênus. É, Bell,

não tem remédio; você vai ter que voltar à Terra e

Page 68: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

68

aguardar o meu chamado. Vou tentar chegar à base. No

momento, você não pode me ajudar!

— E Thora?

— Está em boas mãos — respondeu Rhodan, com

um ligeiro traço de ironia.

— Não vou voltar para a Terra! — disse Bell, de

repente. Sua voz já soava novamente mais baixa, porque

a distância estava aumentando. — Vou circular por aí,

até poder pousar. E fim do papo!

Quando Bell dizia fim do papo, nada mais podia

alterar o seu ponto de vista. Rhodan sabia disso.

— Muito bem, por mim pode ficar orbitando em

torno de Vênus o tempo que quiser. Okura e eu vamos

brincar de Tarzan aqui na floresta, enquanto Marshall

negocia com as focas venusianas. No momento, está tudo

na mais perfeita ordem. Recomendações minhas aos

mutantes!

A resposta de Bell veio tão débil que se tornou

ininteligível; mas Okura estava pronto a jurar que tinha

sido um palavrão.

Rhodan deu um sorriso meio forçado. Voltou a

sentir dores. Recostou-se contra aquela cortina de cipós

gigantes. Acima da sua cabeça pendia uma orquídea cor

de sangue, do tamanho da cabeça de um homem.

— Vai ficar xingando o tempo todo ou eu não o

conheço. Não há coisa que ele deteste mais do que ficar

de mãos atadas, enquanto os outros estão mergulhados

até o pescoço nas aventuras mais malucas.

— E nem pode assistir ao espetáculo! — disse

Okura, sorrindo, e apontou para o alto, onde a eterna

camada mormacenta pairava acima do teto da floresta.

Rhodan fechou os olhos e acenou.

Pensou no quanto tinha que realizar. Tarefas

gigantescas o aguardavam. Havia iniciado a obra da sua

vida ainda outro dia, mal tinha lançado a pedra

fundamental. Em algum lugar da Via Láctea, o Grande

Império estelar dos arcônidas estava começando a

desmoronar.

Talvez, neste preciso instante, a anos-luz de

distância, novas frotas de invasão estivessem decolando,

a fim de fazerem uma visita de surpresa à Terra.

No momento não podia agir. O destino tinha lhe

tirado a responsabilidade das mãos. Mas Rhodan sabia

que, algum dia, essa responsabilidade lhe seria restituída

mil vezes mais pesada.

E enquanto os sáurios pastavam nas baixadas,

enquanto Thora com mal reprimida raiva negociava o

seu preço com Tomisenkow, enquanto Marshall

percorria sozinho a solidão da selva e Bell orbitava em

torno de Vênus com ira impotente, enquanto tudo isso

acontecia, Perry Rhodan dormia o sono da convalescença

definitiva; e lá estava Son Okura, atento e vigilante, para

que ninguém perturbasse os sonhos do seu amo e senhor.

A hora da decisão, que parecia tão próxima,

estava agora mais longe do que nunca, oculta nas brumas

de um futuro remoto...

Também os imortais podem cometer tolices!

Quando Thora fugiu, Perry Rhodan cometeu a tolice de segui-la com uma nave espacial

que ainda não estava em condições de emitir o código de identificação exigido pela base de

Vênus.

A consequência disso foi à imediata ativação da Chave Secreta X, que fez de Perry

Rhodan um prisioneiro de Vênus.

Chave Secreta X é o título do próximo volume da série Perry Rhodan.

Page 69: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

69

Nº 23

De W. W. Shols Tradução

Richard Paul Neto Digitalização

Vitório Revisão e novo formato W.Q. Moraes

Para impedir Thora de penetrar na fortaleza de Vênus e estabelecer contato

com Árcon, Perry Rhodan seguiu a arcônida, mas não se lembrou de que os novos

destróieres espaciais ainda não estavam em condições de irradiar mensagens em

código que pudessem atingir o cérebro positrônico da fortaleza.

Acontece que um robô nunca age irrefletidamente, guia-se apenas pela lógica;

e é assim que, face à aproximação não anunciada de Thora e Rhodan, o

comandante dos robôs da fortaleza de Vênus manipula a Chave Secreta X, que

fecha hermeticamente o planeta...

Page 70: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

70

I

— Nem que os senhores se arrebentem — disse

Reginald Bell depois de uma discussão cansativa — não

voltaremos à Terra. Continuaremos na órbita de Vênus

que estamos percorrendo. Entendido?

O pequeno grupo de pessoas que se encontrava na

sala de comando acenou com a cabeça. Nenhum deles

demonstrou qualquer entusiasmo com a decisão

aparentemente tresloucada de seu comandante.

Conformaram-se, porque era Bell que dava as ordens. E

todos os membros do Exército de

Mutantes estavam conscientes de que

mesmo uma ordem aparentemente

absurda devia ser executada.

Bell desempenhava as funções de

comandante interino do Exército de

Mutantes de Perry Rhodan. Nesta

posição não podia se dar ao luxo de

cometer enganos.

E aqui tudo indicava que um

engano fora cometido.

— Parece que alguma coisa não

está certa — prosseguiu Bell em tom

irritado. Seu indicador estendido fez

alguns movimentos ameaçadores para

baixo. — Quem serve ao chefe da

Terceira Potência, quem prestou

juramento perante Perry Rhodan, não

pode abandoná-lo, por piores que

estejam às coisas. Os senhores

querem voltar para a Terra. E depois?

Sabem perfeitamente que nosso chefe

está praticamente só ali embaixo, na

selva de Vênus...

Wuriu Sengu, um mutante

baixote, mas largo e robusto, arriscou

uma objeção:

— Okura deve estar com ele:

provavelmente Marshall e Thora

também estão.

— Thora saiu sozinha numa nave — interrompeu

Bell. — Se é que teve alguma companhia, foi a de um

robô. Rhodan, Marshall e Okura seguiram-na em outra

nave. Desde que sabemos que aquele cérebro positrônico

da fortaleza de Vênus ficou maluco e, com base na chave

secreta X, programada por Rhodan, subitamente não

mais reconhece seu mestre e senhor e o repele com todos

os recursos técnicos de que dispõe, não estou convencido

de que Perry e Thora estejam juntos. Tudo indica que as

naves deles caíram, e os dois estão expostos aos perigos

da selva de Vênus.

Sengu tentou dissipar o pessimismo de Bell:

— O chefe aludiu ao fato de que Thora, a arcônida,

está bem.

— Para sermos exatos — insistiu Bell — o chefe

disse muito pouco. Não teve tempo para maiores

explicações. O contato pelo rádio foi interrompido em

dois minutos, e até agora estamos tentando em vão

estabelecer novo contato. O cérebro positrônico da

fortaleza de Vênus, além de erigir uma barreira de

quinhentos quilômetros, impede nosso pouso e não

permite qualquer comunicação com as estações de rádio

situadas na superfície do solo. De qualquer maneira, os

pequenos emissores e receptores de pulso com que

Rhodan se acha equipado estão fadados ao fracasso.

Acredito que nem mesmo nosso potente emissor de

bordo consiga romper a barreira. Uma vez ajustado para

uma situação de defesa, o cérebro positrônico dá

cumprimento cabal à sua tarefa. É um produto da técnica

arcônida. Não esqueçam este detalhe.

O mutante Tanaka Seiko fez um gesto respeitoso com

a cabeça.

— Já falamos sobre isto. E agora o senhor mesmo

reconhece que somos impotentes.

Por que vamos ficar nesta órbita

se não podemos fazer nada por

Rhodan?

Bell fez uma pausa. Seu olhar

duro passou de um para outro dos

interlocutores, mas, por causa da

cor dos seus olhos, não conseguia

ser tão penetrante como ele

desejaria para se dar um aspecto

autoritário.

Ali estavam os melhores

homens do seu grupo de elite.

Eram mutantes selecionados entre

os membros do exército secreto

de Rhodan, todos eles nascidos

nos primeiros anos que se

seguiram à Segunda Guerra

Mundial. Vinham das regiões de

Hiroshima e Nagasaki, onde as

primeiras bombas atômicas da

história da Humanidade haviam

causado muita desgraça. Mais

uma vez, porém, a artimanha da

sequencia grandiosa dos

acontecimentos históricos fez com

que também ali surgissem as

exceções que confirmariam a

regra. Depois de vários decênios,

constatou-se que o inferno desencadeado com o

lançamento das primeiras bombas atômicas sobre o

Japão não trouxe apenas a desolação, a morte e a doença.

Em alguns casos, explicáveis certamente com base nas

leis da genética, houve pequenas modificações nas

características hereditárias, que se processaram segundo

as leis causais da evolução. Os filhos das pessoas que

sofreram esse tipo de influência vieram ao mundo com

dons parapsicológicos.

Havia, por exemplo, Tanaka Seiko, que possuía um

sexto sentido que lhe permitia a recepção de ondas de

rádio: e ainda o espia, que era Wuriu Sengu, um homem

que não tinha a menor dificuldade em enxergar através

da matéria compacta.

O olhar de Bell se fixou em Tako Kakuta.

— Estou me referindo a você, Tako. Não acha que o

cérebro positrônico deixou de considerar um fato?

— Está aludindo à minha capacidade de

teleportação?

— Isso mesmo. O cérebro positrônico da fortaleza de

Vênus tem dez mil anos. Nem por isso vou afirmar que

seja pré-histórico. Afinal, foi montado pelos membros de

uma expedição arcônida cujos conhecimentos técnicos

naquela época já eram muito mais avançados que os da

Personagens Principais deste episódio:

Perry Rhodan — Chefe da Terceira

Potência; transformou-se em

prisioneiro de Vênus.

John Marshall e Son Okura —

Companheiros de Rhodan na prisão.

Reginald Bell — Que não consegue

estabelecer contato com o chefe.

Thora — Cuja fuga precipitada da

Terra termina em fracasso.

Tako Kakuta — Cujas capacidades

teleportativas são a última esperança

de Bell.

General Tomisenkow — Um

comandante de divisão sem divisão.

Coronel Raskujan — Que a atmosfera

de Vênus transforma num elemento

amotinado.

Page 71: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

71

Humanidade dos nossos dias. Acontece que há dez mil

anos ainda não existiam no planeta Terra os mutantes

dotados de capacidade parapsicológicas. Logo, a

conclusão que se impõe é a de que este cérebro não tem

capacidade de ser programado para a defesa contra um

teleportador.

— Então quer que eu...

Tako Kakuta se interrompeu. Lançou um olhar

assustado para a tela de imagem, regulada para captar a

superfície de Vênus. Sob a esfera de sessenta metros de

diâmetro formada pela nave Good Hope-V — conhecida

no código de comunicações como girino número cinco

— deslizava, como que em câmara lenta, a paisagem

virgem e selvagem do planeta Vênus. Não se percebiam

os detalhes. Só vez por outra a espessa camada de nuvens

permitia a visão da superfície do planeta. Eram florestas

verde-escuras, um mar azul-escuro, que por vezes

chegava a jogar reflexos, e uma rocha marrom-

acinzentada, que na região da calota polar era coberta de

grossas camadas de neve. A imagem apresentada pela

tela mostrava muito menos do que o teleportador via com

os olhos da lembrança e da fantasia. Tako permanecera

em Vênus por longas semanas. Sabia que ali um labirinto

o aguardava.

— Isso mesmo — disse Bell em tom sério. — Quero

que desça e entre em contato com Rhodan. Se conseguir

encontrá-lo, o resto será brincadeira. Juntamente com o

chefe somos uma equipe invencível. Além do mais,

vamos conseguir o que pretendemos. Levaremos Rhodan

à fortaleza pelo caminho mais rápido, para que possa dar

novas instruções ao cérebro.

— Naturalmente — disse Sengu com um tom de

otimismo na voz. — Por que a ideia não nos acudiu

antes?

— Foi porque muitas vezes somos inclinados a

considerar uma barreira energética arcônida como algo

de perfeito e absoluto. O contato com a tecnologia

arcônida nos transformou em animais guiados pelo

instinto, que no subconsciente chegam a acreditar na

perfeição. Prepare-se, Tako! É apenas um pulo: você

conseguirá.

— A distância chega a ser ridícula. Há tempo vivo

pensando num salto e já teria descido por conta própria

se...

— Se?

— Se não fosse a selva. Já a conheço. Mesmo um

teleportador pode se perder nela, se ficar desorientado.

Além disso, a gente está sujeita a se encontrar com

vermes antropófagos de todos os tipos, diante dos quais

até mesmo a reação instantânea de fuga de um

teleportador será inútil.

— Está com medo?

— Sempre sinto um pouco de medo quando tenho

que descer diretamente para o inferno. Mas não é isto

que importa. Lá embaixo deve haver vários homens que,

a qualquer momento, têm de estar preparados para

defender sua vida. Acontece que preciso de um objetivo

definido. Enquanto não o tenho, eu posso teleportar uma

infinidade de vezes sem encontrar Rhodan.

— Deixe isso por minha conta. O cérebro positrônico

de bordo armazenou todos os dados relativos à manobra.

Também dispomos da localização goniométrica da

última mensagem transmitida por Rhodan. Encontra-se

exatamente a cento e vinte quilômetros a oeste do grande

mar primitivo, situado na região norte do planeta. Mais

exatamente, está a oeste do braço de mar de quase

trezentos e cinquenta quilômetros de largura que penetra

profundamente no continente norte.

— Os dados ainda são muito vagos.

— Sei disso. Acontece que não disse que você vai

saltar neste minuto.

Bell afastou o teleportador com um gesto violento e

se aproximou do cérebro positrônico de bordo.

— Venham todos! Prestem atenção para que Tako e

eu não cometamos qualquer engano. Ponho a mão no

fogo se não conseguirmos determinar a posição de

Rhodan com uma margem de erro não superior a

quinhentos metros. Se não aterrisar nos braços do chefe,

Tako, você terá que se dar ao incômodo de chamá-lo.

— Naturalmente.

A interpretação dos dados armazenados foi mais

rápida do que se esperava. Os círculos gravados no

cérebro reagiram prontamente. Na lâmina milimetrada do

último estágio da interpretação ótica, surgiu à projeção

de uma reprodução fotográfica da superfície de Vênus,

baseada em medições anteriores.

O mais difícil foi a sintonização individual de Tako

Kakuta diante do problema.

Sua mente tinha de realizar uma pontaria muito exata,

e para isso precisava de uma concepção concreta do

lugar que desejava atingir através da teleportação.

Em Vênus só podia contar com esse recurso em

escala bastante limitada. Vista de cima, a selva parecia

um tapete infinito, que numa concepção ligeira oferecia

um milhão de pontos geográficos equivalentes.

— Enxugue o suor, rapaz. Eu lhe dou uma ajuda.

Poucos segundos depois a rede cartográfica foi

introduzida no aparelho. Muito embora ela só

representasse um recurso criado na mente, que não

retratava qualquer realidade na superfície do planeta, ela

se revelou de alguma utilidade.

— A orientação está excelente — disse Tako Kakuta

depois de algum tempo. — Faça o favor de não

modificar a regulagem dos graus geográficos. O curso da

nave também parece correto. Dentro de uns dez minutos

deveremos atingir o ponto mais favorável para o salto.

Todos lançaram um olhar automático para seus

relógios. Além dos cronômetros de bordo, que

registravam o tempo segundo o calendário terrestre, os

membros da tripulação traziam consigo os chamados

relógios de Vênus. A rotação de Vênus é cerca de dez

vezes mais lenta que a da Terra. Por isso a duração do

dia de Vênus é dez vezes maior.

Naquele instante, o ponto que, segundo o cérebro

positrônico da Gold Hope-V, correspondia à posição

atual de Rhodan, ficava na zona crepuscular móvel. Isso

significava que para os amigos que se encontravam na

superfície de Vênus um novo amanhecer começara a

raiar há pouco tempo.

Os que se orientavam pelo tempo de Vênus

encontravam-se pouco antes das setenta e oito horas.

Faltavam cinco minutos para alcançar a posição de

salto mais favorável.

Enquanto os homens esperavam em silêncio, a tensão

crescia. Mas se alguém que se encontrava a bordo

acreditava que a intenção de Tako Kakuta era

impossível, não o dizia. Depois que o cérebro da

fortaleza de Vênus instalara todas as barreiras

Page 72: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

72

concebíveis, a teleportação de um mutante poderia

representar a última possibilidade de transpor essas

barreiras.

Faltavam três minutos.

Wuriu Sengu, o espia, soltou um gemido de

contrariedade. Depois de vários segundos de extrema

concentração, durante os quais aparentemente mantinha

os olhos fitos no nada, descontraiu o corpo e, num gesto

de desânimo, se atirou numa poltrona.

Essa demonstração de pessimismo, que facilmente

poderia se transmitir aos outros, deixou Bell bastante

aborrecido.

— O que houve Wuriu?

— Procurei reconhecer alguma coisa embaixo da

camada de nuvens. É claro que consigo ver mais que

vocês. Para os outros a superfície de Vênus não passa de

uma triste camada de nuvens e neblina, enquanto eu vejo

nela um paraíso luminoso e colorido. Mas o que importa

no momento são os detalhes; é claro que a uma distância

destas não consigo reconhecê-los. Apenas sei que,

aproximadamente há trinta quilômetros ao sul do ponto

determinado pelo cérebro, existe um planalto quase

totalmente livre de vegetação. Mas supõe-se que o chefe

se encontre em meio à selva mais densa.

— Você quer dizer que, se foi inteligente, tentou

atingir o planalto?

— Naturalmente. Para um náufrago representa a

melhor proteção contra a fauna imprevisível do planeta.

— Talvez tenha razão. Mas lá embaixo os problemas

devem parecer um pouco mais difíceis do que se

apresentam quando vistos através de nosso cérebro

positrônico. Seja como for, podemos confiar

irrestritamente no resultado da localização goniométrica.

Tenho certeza de que dentro de quinze minutos

saberemos mais alguma coisa. Está preparado, Tako?

Faltava um minuto para atingir a posição de salto.

O teleportador confirmou com um aceno de cabeça.

Além do equipamento usual, trazia um traje arcônida

especial afivelado às costas. Todos sabiam o que

significava isso. Assim que tivesse encontrado Rhodan,

esse traje os ajudaria a alcançar a fortaleza de Vênus no

mais curto espaço de tempo. Uma vez lá, Rhodan poderia

modificar a programação do cérebro positrônico. Com

isso o domínio da Terceira Potência sobre o planeta seria

imediatamente restabelecido. O traje especial arcônida

representava um recurso técnico extraordinário.

Relativamente leve, era facilmente adaptável acima da

vestimenta comum e transformava seu portador num

verdadeiro Ícaro, num homem voador, já que o

neutralizador gravitacional nele embutido eliminava a

gravidade de um planeta de média força de atração. O

defletor de ondas luminosas e o campo protetor

energético faziam com que o homem que o envergasse se

tornasse invisível e invulnerável.

Ainda bem que esse tipo de pensamento restituía o

otimismo aos homens. Assim que Tako Kakuta

entregasse o traje a Perry Rhodan, o episódio do

naufrágio teria chegado ao fim.

— Faltam dez segundos — disse Reginald Bell. —

Prepare-se, Tako!

— Já vou saltar.

Para os membros do Exército de Mutantes o

desaparecimento de um teleportador era um

acontecimento a que estavam acostumados há anos.

Apesar disso, na situação especial em que se

encontravam, representava algo de extraordinário e

misterioso. Um homem normal sai pela porta. Ou atira-se

num poço antigravitacional. Mas um teleportador

permanece no mesmo lugar. Através de um processo

puramente mental de concentração, transfere-se para o

chamado hiperespaço, desmaterializando-se da mesma

forma que uma nave espacial no início do processo de

transição. Volta a se materializar com a mesma rapidez

no lugar de destino.

O corpo de Kakuta não se desvaneceu aos poucos: de

repente tinha desaparecido. Um ligeiro ruído foi

produzido pelo ar que preencheu o súbito vácuo.

Antes que alguém pudesse respirar, o lugar em que se

encontrara Kakuta estava completamente vazio.

— Agora precisamos ter um pouco de paciência —

disse Bell em tom professoral. Fez menção de imitar

Wuriu Sengu, que se inclinara numa poltrona para

aguardar confortavelmente. Mas antes que atingisse o

lugar um grito fez com que voltasse a cabeça.

O espia, que se levantara de um salto, olhava

perplexo para o corpo que se contorcia no chão da sala

de comando.

Tako Kakuta se debatia num sofrimento indizível.

Seu grito transformara-se num choro convulsivo, que

logo foi interrompido por fortes acessos de tosse.

Ralf Marten, o teleótico do Exército de Mutantes, deu

um salto para trás quando Kakuta, de olhos fechados,

segurou sua perna e procurou enlaçá-la num gesto de

fúria e de súplica.

— Ficou louco! — exclamou Tanaka Seiko. —

Vamos todos agarrá-lo de vez e amarrá-lo. Não sabe o

que está fazendo.

Era verdade que o teleportador parecia não saber o

que estava fazendo. Em compensação, os outros não

sabiam o que deviam fazer. Kakuta sentia os efeitos de

uma estranha experiência. Não poderiam tratá-lo ao

mesmo tempo como doente e como malfeitor. E tudo

indicava que estava antes doente que louco.

— Devemos ajudá-lo! — declarou Marten.

Sua atitude era de compaixão e desconfiança.

Também os outros homens alargaram o círculo em

torno de Tako Kakuta. Procederam assim por puro

instinto. Mas a razão teria de intervir.

— Ralf, concentre-se sobre seu cérebro — ordenou

Bell. — Diga o que está vendo e ouvindo.

A mutação espiritual de Ralf Marten permitia-lhe

desligar temporariamente seu próprio eu para receber

determinadas impressões sensoriais através dos olhos e

dos ouvidos, sem que a pessoa apossada por essa forma

percebesse qualquer coisa.

Marten se concentrou. Foi acometido pela rigidez

típica do mutante que está trabalhando. Logo voltou a se

descontrair e sacudiu a cabeça.

— Tako não me diz nada. O que está vendo e

ouvindo é indefinível. Não nos reconhece. Sua percepção

está confusa como se fosse um...

Marten hesitou.

— Fale logo — insistiu Bell. — Acha que Tako está

louco?

O teleótico acenou com a cabeça, numa atitude pouco

convincente.

— Era exatamente isto que eu pretendia dizer.

Acontece que não sou nenhum médico. Não atribua

Page 73: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

73

muita importância às minhas impressões.

— Ora, Tako, vá para o inferno! Você está nos

confundindo ainda mais. O cérebro de Tako não pode

deixar de retratar certos reflexos. Passou cinco segundos

fora da nave. Não pode ter se transformado num idiota

dentro de um espaço de tempo tão curto.

O teleótico deu de ombros; parecia perplexo.

— Não posso dizer mais nada que possa esclarecer o

assunto. Se o cérebro dele reflete a breve experiência

pela qual acaba de passar, no que diz respeito às

impressões óticas e acústicas, só posso afirmar que essa

experiência deve ter sido indefinível e maluca.

— Não o maltrate — recomendou Wuriu Sengu. —

Afinal, não é nenhum telepata.

— Obrigado pela lição — retrucou Bell bastante

contrariado. — Quer dizer que não temos outra

alternativa senão aceitar a sugestão de Tanaka. Caímos

todos ao mesmo tempo em cima... Um momento está se

acalmando.

De repente Tako Kakuta ficou quieto. Só a respiração

rápida e forte traía sua excitação. Depois de algum tempo

abriu os olhos e encarou os amigos, sem que neles se

refletisse qualquer conhecimento.

— Tenham paciência! — pediu Bell. — Ao que

parece o nervosismo está diminuindo. Não podemos

livrá-lo das dores enquanto não soubermos qual é sua

origem.

Bell se aproximou do teleportador.

— O que houve Tako? Diga alguma coisa!

Demorou mais alguns minutos até que o japonês

reagisse ao ambiente que o cercava. Os traços de seu

rosto pareciam se tornar menos confusos.

— Meu Deus, Bell, por que não me ajuda?

— Ajudarei assim que me explicar o que há com

você.

— Sinto dores.

— Onde?

— Em toda parte. Nas costas, na cabeça... Ninguém

agüenta três horas naquele inferno.

Seus companheiros lançaram olhares indagadores.

“Realmente está doido”, pareciam dizer seus rostos.

— Ficou fora de três a cinco segundos — constatou

Tanaka Seiko. — Não é possível que, num espaço de

tempo tão curto, tenha pousado em Vênus e retomado à

nave.

— De qualquer maneira passou por uma experiência,

e por uma experiência muito intensa — observou o

comandante. — Deem uma mão. Vamos colocá-lo no

sofá do camarote ao lado.

Bell ajoelhou perto dele e abriu o fecho éclair do

colarinho. Isso devia representar um alívio para Tako,

pois ele disse com a voz bem perceptível:

— Obrigado!

Levaram-no ao camarote vizinho sem que ele se

opusesse. Kakuta mantinha uma atitude totalmente

passiva e inofensiva. Engoliu um comprimido de

analgésico, conforme haviam mandado.

— Sente-se melhor? — perguntou Bell.

— Obrigado, estou um pouco melhor.

— Graças a Deus! Você se comportou de tal maneira

que seus companheiros pensaram que estivesse louco. Já

se sente em condições de relatar o que houve?

— Não há muita coisa a relatar. Não cheguei a

descer. É impossível chegar à superfície do planeta.

— Ninguém esperava que nos poucos segundos em

que esteve ausente pudesse ter chegado a Vênus. Além

disso...

— Por que vive falando em alguns segundos? —

perguntou Kakuta desconfiado. — O inferno me segurou

por várias horas, antes conseguir me livrar dele.

— Está bem — interrompeu-o Bell. — Não vamos

discutir ninharias. O que importa é saber qual foi o erro

que cometeu.

— Como é que um teleportador pode cometer um

erro? Você não está em condições de dizer aos seus

olhos e ao seu cérebro como deve se processar o

fenômeno da visão: da mesma forma eu não posso

exercer qualquer influência sobre o fenômeno da

teleportação. É um dom natural que funciona segundo

suas próprias leis.

— Hum! — refletiu Bell em voz alta. — Se não

cometeu nenhum erro, não adiantará repetir a

experiência.

— Nem penso em repetir este tipo de experiência!

Desculpe. Não interprete minhas palavras como uma

manifestação de rebeldia às suas ordens. Não sei

explicar.

— Você aludiu ao inferno.

— É o único nome que posso dar àquilo. Encontrava-

me no nada. Apesar disso tudo eram martírio e dores. Só

consigo encontrar uma explicação.

— Qual é essa explicação?

— O cérebro me repeliu. A chave secreta X repudia

tudo que, de qualquer maneira, assume uma forma

existencial. A energia de ordem superior inclui-se nessa

classe. Depois que nosso pouso se tornou impossível,

tivemos de nos conformar com uma interrupção total das

comunicações radiofônicas. E agora temos de nos

conformar com o fato de que os fluxos energéticos do

espaço de cinco dimensões também são repelidos.

Durante o estado de desmaterialização devo ter me

encontrado num campo temporal de ordem superior.

— O que vem a ser isso?

— Veja a divergência sobre o tempo durante o qual

estive ausente. Todos dizem que não estive fora da nave

mais que cinco segundos. Na verdade estive a caminho

muito mais que isso...

Para provar sua afirmativa Tako Kakuta ergueu o

braço esquerdo onde, ao lado da pulseira de finalidade

múltipla, surgiu o mostrador do cronômetro.

— Meu relógio está adiantado duas horas e meia.

Esta prova é suficiente?

Foi suficiente. A tripulação da Good Hope-V

refugiou-se numa atitude resignada. Nesse instante

compreendeu de vez que não mais poderia prestar auxílio

a Perry Rhodan, que se encontrava na selva de Vênus.

Rhodan e o pequeno grupo de homens que o

acompanhava dependiam exclusivamente de seus

próprios recursos. Teriam de encontrar a solução.

II

John Marshall corria para salvar a vida.

Correr era sua principal ocupação nos últimos dias.

Fugia dos homens do planeta Terra e dos animais de

Vênus. Todo o planeta parecia conspirar contra sua

pessoa.

Page 74: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

74

Fungando caiu por cima de uma raiz que atingia a

altura de seu joelho. Rolou por cima do ombro como um

paraquedista que toca o solo e se voltou para ver o bicho.

A raiz oferecia bastante proteção, enquanto a ameaça só

viesse da frente.

Olhou para cima. O tronco era liso. Os primeiros

galhos ficavam a dez metros de altura. Era impossível

subir. O bicho chegaria antes. E contra seus cem metros

de comprimento provavelmente a mais alta das árvores

de Vênus não representaria uma proteção segura.

A cabeça comprida e pontuda do verme branco e

gosmento surgiu por entre a vegetação. A dois metros

acima do solo, executou um movimento ligeiro para a

direita e para a esquerda e arriscou mais um salto para

frente.

Marshall encontrara o bicho há cerca de uma hora.

Desesperado, pegou a carabina automática de fabricação

russa que trazia consigo. O susto pelo fato de que poderia

revelar sua posição aos perseguidores humanos

sobrepujou o medo que o monstro venusiano lhe

causava. Há muito tempo o gigantesco verme gosmento

era conhecido como uma subinteligência absoluta: suas

perigosas reações eram atos puramente instintivos. Mas

quem fosse enlaçado por ele não teria tempo para fazer o

testamento.

Uma arma automática convencional era praticamente

ineficaz contra a massa de carne nojenta daquele

monstro, cujas dimensões pareciam infinitas. Por isso

mesmo, passado o primeiro susto, Marshall pegara o

radiador de impulsos e abrira um fogo ininterrupto de

vinte segundos sobre aquela massa branca. O resultado

foi apenas uma divisão do bicho que, transformado em

dois, reiniciou a perseguição. A fuga consumiu as

últimas energias de Marshall.

Naquele instante, estava deitado atrás da raiz, que se

erguia diante dele como uma muralha protetora.

Que tal se atirasse bem de frente?

Era apenas uma ideia, e ao que tudo indicava até

então ninguém a havia experimentado. Um ataque lateral

resultava na divisão daquele corpo de cobra. E um ataque

de frente? Penetraria por todo o corpo.

Era este o cálculo. Já não tinha forças para correr.

Mas ainda lhe restavam forças para fazer pontaria e

apertar o gatilho.

O telepata John Marshall ergueu a arma. A parte

superior da raiz proporcionava um bom apoio, que

permitiria uma pontaria segura.

A conta tinha que dar certo. Tinha que dar porque sua

mente não podia conceber a ideia de que pudesse morrer

longe de toda a civilização humana e sem qualquer

pessoa que testemunhasse sua morte.

A cabeça do monstro balançava por cima da alça de

mira. Mas ainda não se encontrava numa posição

adequada para o tiro, já que o corpo estendido ainda

formava um ângulo obtuso com o eixo do radiador de

impulsos.

Quando o animal se encontrava a menos de vinte

metros de distância, Marshall percebeu que, de repente,

aquele ser mudara de intenções. Na verdade, falar de

intenções em relação a um bicho dotado de tão reduzida

capacidade cerebral já representava uma concessão. Não

possuía qualquer inteligência digna de nota. Só agia

através de reflexos condicionados. E isso fornecia a

explicação do comportamento irracional do verme.

Deslizou em direção à árvore, passou do lado oposto

do tronco de seis metros de diâmetro e, numa grotesca

estupidez, prosseguiu seu caminho em direção à

vegetação rasteira não muito distante.

John Marshall conteve a respiração. O que o obrigou

a tanto não foi apenas a ansiedade, mas também o cheiro

penetrante e inexplicável para um homem vindo do

planeta Terra. O verme levou mais de quinze minutos

para passar. Enojado, perplexo e aliviado, Marshall

seguiu a extremidade posterior do monstro, que num

movimento aparentemente inofensivo mergulhou na

selva.

Em algum lugar o verme encontraria um buraco

profundo repleto de pólipos. Mergulharia ali e viveria

numa simbiose harmoniosa com aquelas criaturas.

Marshall enxugou o suor da testa. Mas a lembrança

da ponta branca da cauda do verme logo o fez despertar.

Há uma hora, quando cortara aquele animal com o

radiador de impulsos, as duas extremidades pareciam

enegrecidas e carbonizadas. Pouco depois a crosta devia

ter caído da mesma forma que na outra metade do verme

logo voltara a crescer uma cabeça.

As peculiaridades incríveis da fauna de Vênus eram

conhecidas há anos, e por isso Marshall sabia

perfeitamente que ainda não se livrara do perigo.

Se aquele verme se transformara em dois, a culpa era

dele mesmo. E o segundo verme surgiu no momento

exato em que voltou a olhar para frente.

O que teria levado o primeiro a ignorá-lo de repente?

E isso depois de uma hora de perseguição intensa e

metódica!

Uma única explicação acudiu a Marshall. Os

movimentos do fugitivo irritaram a fera e sempre

voltaram a despertar sua atenção sobre ele. Assim que se

abrigou atrás da raiz e se manteve imóvel, o cérebro

primitivo daquele ser deixou de reconhecer o objetivo. A

tática de se fingir de morto tinha validade em qualquer

mundo onde a luta da vida se desenvolvia segundo leis

eternas.

Mas a nova esperança de Marshall logo se revelou

enganosa.

O segundo verme não era mais inteligente que o

primeiro. Apenas o acaso quis que rastejasse na direção,

exata da raiz atrás da qual Marshall se abrigara.

Desta vez teria que se defender. No último instante,

percebeu que não poderia participar do espetáculo apenas

como espectador. O movimento rápido com que levantou

o radiador de impulsos bastou para despertar a atenção

do animal.

A cabeça branca e pontuda disparou para frente. Os

primeiros cinco ou seis metros do corpo formavam uma

reta perfeita.

A conta estava dando certo.

No sentido longitudinal daquele corpo não havia

qualquer divisão ou qualquer encapsulamento. Cada um

dos anéis transversais do corpo poderia formar um novo

organismo. Assim que fosse atingido pela energia mortal,

morreria.

A certeza do êxito incutiu nova coragem naquele

homem. Reunindo as últimas forças, saltou para fora do

seu esconderijo e atacou. Como que tomado de uma sede

de sangue, percorreu os quarenta e tantos metros do

corpo do animal e, disparando ininterruptamente, traçou

uma linha de fogo contínua sobre o corpo branco e

Page 75: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

75

descorado.

Perto da trilha gosmenta, que prosseguia por mais

alguns quilômetros, as forças o abandonaram e ele caiu

ao solo. Vencera. O que lhe restava era um desamparo

total. Nem mesmo o cheiro nojento e penetrante evitou

que adormecesse instantaneamente.

Quando despertou, o sol ainda se encontrava bem no

oriente, atrás de um véu de neblina branquicenta. Seu

primeiro olhar foi para o cronômetro. Dormira nada

menos de seis horas do tempo terrestre. E continuava

vivo.

Os nervos estavam um pouco mais calmos. E os

membros obedeciam novamente à sua vontade.

Naquelas seis horas parecia ter dormido o sono

inocente de uma criança. E toda criança tem um anjo de

guarda. Mas, no futuro, Marshall não deveria confiar

nesse anjo de guarda.

Olhou para o sol que se levantava ao leste. Para uma

orientação mais precisa, servia-se da bússola giratória

embutida na pulseira de múltipla finalidade. A fuga do

verme fez com que desse uma volta, desviando-se alguns

quilômetros de sua rota. Bem, isso não lhe causava

maiores preocupações. Apenas faria com que atingisse a

costa um pouco mais ao norte. O que importava era que

atingisse o mar. Não devia ficar a mais de trinta

quilômetros. Face às suas forças minguadas, ainda era

uma distância muito grande. Poderia significar que teria

de marchar mais uns três ou quatro dias terrestres. Ou

uma semana, talvez mais.

Preferiu não fazer cálculos mais exatos quanto ao

futuro. A marcha pela selva privara-o de grande parte do

seu otimismo.

A fome e a sede constituíam os fenômenos mais

regulares. Sorveu um gole de água da garrafa que trazia

de reserva; melhorara o sabor do líquido com alguns

restos de chá concentrado. Sua refeição consistiu em

duzentas e cinquenta gramas de carne fria. Quando a

carne acabasse, teria que se lançar novamente à caça.

Mas isso teria tempo. Até que a fome voltasse a atacar.

Lambeu os restos da gordura dos dedos e pôs-se em

marcha na direção leste. O mar devia ficar nessa direção.

E no oeste as patrulhas do general Tomisenkow deviam

estar à sua procura. Proteger-se dele parecia mais

importante para essa gente do que se defender dos

monstros venusianos.

Naquela área a vegetação rasteira era bastante

escassa. O solo era menos úmido que nas baixadas. Nos

primeiros quilômetros a marcha não foi cercada de

maiores dificuldades. A visibilidade era boa. O dia

venusiano que rompia, trazendo consigo um futuro

incerto, constituía um desafio para uma espécie de

balanço intermediário. Quem não sabe muito bem o que

fazer dali por diante e formula indagações sobre o

sentido que possam ter seus esforços, faz bem em

procurar se lembrar de como tudo começou.

Fazia alguns anos que John Marshall, o telepata do

Exército de Mutantes de Perry Rhodan, pisou pela

primeira vez no solo de Vênus. Naquela oportunidade foi

descoberta no hemisfério norte uma fortaleza misteriosa,

construída por uma raça extraterrena, os arcônidas. A

fortaleza datava da época em que os homens do planeta

Terra começavam a aproveitar o invento da roda, a se

arriscar cautelosamente mar afora em embarcações

primitivas e a lançar as bases da geometria euclidiana.

Pelo que se dizia naquela época os arcônidas de

Vênus, cujo planeta natal ficava a milhares de anos-luz

do sistema solar, chegaram a fundar uma colônia na

Terra. Mas esta submergiu com a lendária Atlântida.

Muitos séculos depois, se verificou o segundo

encontro entre os homens e os arcônidas. A primeira

nave lunar americana, comandada pelo então major Perry

Rhodan, descobriu na face oculta da Lua uma nave

espacial arcônida que realizara um pouso de emergência.

Os únicos sobreviventes entre os tripulantes da nave

eram o chefe científico da expedição, chamado Crest, e

Thora, a comandante da nave. Auxiliado pela

supertecnologia arcônida, Rhodan instalou no deserto de

Gobi um novo poder político neutro. Após isso,

comandou a primeira expedição a Vênus, que descobriu

a fortaleza situada no norte. As instalações inteiramente

automatizadas e positronizadas levavam uma vida

autônoma. O grande cérebro robotizado dirigia a defesa

das fortificações segundo uma programação

antiquíssima. Rhodan foi o único que conseguiu regular

sua frequência cerebral de tal maneira que o cérebro

reagisse melhor aos seus comandos que aos de um

arcônida.

Vários anos de evolução terrena e de expedições

importantes nas áreas interestelares fizeram com que o

planeta Vênus, com sua fortaleza, recuasse para o

segundo plano do interesse público.

Mas no Bloco Oriental surgiu um grupo de

conspiradores que resolveu ignorar os acordos

celebrados com Rhodan, dando causa a novas

complicações.

Grande número de naves espaciais russas decolou em

direção a Vênus, para transformar o planeta numa

colônia do Bloco Oriental.

O empreendimento não foi bem sucedido. Enquanto

na Terra as divergências políticas puderam ser reduzidas

a uma medida tolerável, a expedição de conquista

comandada pelo general Tomisenkow foi se

transformando numa farsa. Não conseguiu se aproximar

do cérebro positrônico instalado em Vênus. O

combustível das naves espaciais fora suficiente apenas

para a viagem de ida. Uma frota de abastecimento foi

dizimada em virtude de um choque casual com a nave de

Rhodan; quando atingiu Vênus, perdera grande parte de

suas naves.

Os russos transformaram-se em prisioneiros de

Vênus. Levaram uma vida selvagem. A expedição

desagregou-se. Grupos de rebeldes separaram-se do

grosso da tropa que se mantinha fiel ao comando de

Tomisenkow. Alguns fanáticos paranoicos, como o

tenente Wallerinski, acreditavam chegada a hora de

implantar um novo tipo de pacifismo, que teria que ser

imposto pela força das armas.

Muitas vezes Marshall refletira sobre a provável

situação estratégica no planeta Vênus. Mas tudo não

passava de suposições. Só de uma coisa tinha certeza: o

general Tomisenkow conseguira reunir os remanescentes

de suas tropas numa poderosa unidade. Era só a ele que

devia temer, pois suas patrulhas grudavam-se nos seus

calcanhares. Por duas vezes nos últimos dias mal e mal

conseguira escapar aos seus perseguidores.

As forças desagregadas, como as dos pacifistas

comandados pelo tenente Wallerinski, também poderiam

se tornar perigosas. Mas só por acaso poderia haver um

Page 76: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

76

encontro com elas em meio à amplidão daquelas

florestas e estepes.

Mas as preocupações da equipe de Perry Rhodan não

eram apenas estas.

Foi só pela obstinação da arcônida Thora que se

viram nessa situação complicada. Há anos Thora

empenhava-se pelo regresso ao mundo distante de

Árcon. Diante da falta de compreensão de Rhodan,

apoderou-se de uma nave espacial terrestre e,

acompanhada unicamente de um robô, decolou em

direção a Vênus. Na pressa se esqueceu do sinal

codificado de identificação, motivo por que a barreira

instalada pelo cérebro positrônico frustrou seus planos.

Perry Rhodan, que não pensara em outra coisa senão na

imediata perseguição de Thora, teve destino igual ao

dela.

Ambas as naves viram-se detidas pelo campo

energético, que protegia a fortaleza num raio de

quinhentos quilômetros. Suas naves caíram e, de uma

hora para outra, viram-se numa situação igual à do corpo

expedicionário russo. Thora logo fora aprisionada por

Tomisenkow, e Rhodan ainda não conseguira libertá-la.

Mais do que isso, durante um combate noturno foi

atingido no ombro, o que o pôs fora de ação por algum

tempo. Não estava em condições de realizar marchas

prolongadas. Por isso só o mutante Son Okura, que tinha

problemas de locomoção, permanecera em sua

companhia.

Marshall recebera uma missão especial, que o levara

à selva inteiramente só, e o obrigava a atingir o litoral do

mar do norte.

Estacou. A debilidade física acelerava a transpiração,

obrigando-o a recorrer, com frequência cada vez maior,

ao lenço para enxugar o suor.

Valeria a pena?

Lançou um olhar aflito para a pulseira de múltipla

finalidade, que entre outros equipamentos incluía um

potente minitransmissor. Mas Perry Rhodan havia

proibido expressamente o uso do rádio quando houvesse

possibilidade de ser ouvido e localizado pelo

goniômetro.

A missão especial também se ligava a um encontro

havido há vários anos. Naquela oportunidade, a equipe

de Rhodan encontrara na costa oriental do braço de mar

de trezentos e cinquenta quilômetros de largura uma

espécie de focas semi-inteligentes, cuja mentalidade

inspirava bastante confiança.

Depois que Rhodan fora ferido no ombro, os

quinhentos quilômetros de marcha que o separavam da

fortaleza de Vênus transformaram-se num infinito.

Mesmo que a cura fosse rápida, era provável que, por

mais algumas semanas, a ferida constituísse um sério

fator negativo para o chefe da Terceira Potência. Para

sobreviver a esse tipo de provação, o homem deve gozar

de boa saúde.

Nessa situação, a melhor ideia que poderia ter

acudido àqueles homens era a das focas. Se é que alguém

poderia prestar um auxílio, seriam elas. E se havia

alguém que pudesse entrar em contato com elas, era o

telepata John Marshall, que atingiu o mar pelas noventa e

quatro horas.

Quando saiu da vegetação, estacou subitamente. À

súbita visão do mar, ficou desconfiado, pois o

subconsciente já lhe incutira a ideia de que nunca

atingiria seu destino. Mas pôs-se a correr. A praia estava

coberta de juncos que iam até a altura dos joelhos.

Seguia-se uma faixa de areia amarelenta e limpa. E

depois vinha a água. Marshall só parou quando sentiu a

mesma tocar seus tornozelos.

As focas!

Procurou se concentrar. Colocou todo o desespero de

sua situação no grito telepático de socorro. Depois de

dois minutos se descontraiu. Seu cérebro assumiu uma

atitude passiva, sintonizando-se para a recepção.

As impressões que penetraram nele eram mais que

assustadoras.

O ambiente aparentemente morto estava cheio de

vida. Essa vida ocultava-se nos juncos e na água. E

pensava. Eram pensamentos inumanos. Situavam-se

muito abaixo do nível de inteligência compreensível.

Não passavam de uma série de emoções, de reações

instintivas situadas num primitivo nível animalesco. Não

tinham a clareza de uma fórmula matemática; antes,

deixavam o campo livre para as interpretações, como

uma pintura abstrata. Apesar disso Marshall acreditou

poder extrair de tudo isso uma interpretação inteligível.

Teve de compor essa interpretação com um misto de

ganância, inveja, fome e agressividade. Era o concerto

oferecido pelas almas das criaturas mais baixas. Os tons

provenientes das criaturas mais desenvolvidas, das focas,

achavam-se ausentes.

Decepcionado, Marshall esteve a ponto de abandonar

o exercício cansativo da concentração. Subitamente,

porém, um sinal de alarma soou em seu cérebro. Um

pensamento concebido numa mente humana surgiu

dentro de seu círculo de alcance. Era um pensamento

mortífero, vindo da costa.

Por pouco não deu um salto e saiu correndo. Mas

lembrou-se em tempo que naquela situação sua vida

dependia de sangue-frio. O pensamento girava em torno

do ato de matar. E a intenção era tão nítida que até

mesmo a vítima, John Marshall, estava perfeitamente

fixada.

“É o espião da Terceira Potência, o lacaio de

Rhodan. Há dias você anda fugindo de nós. Mas agora

chegamos ao mar e você não poderá prosseguir. Você

tombará morto. Não merece nossa compaixão. Devia

chamá-lo. Devia mostrar-lhe o cano da arma e o fogo,

mas acontece que você é um dos homens de Rhodan. E

com estes não se deve assumir o menor risco.”

Marshall sabia que atrás dele, na orla da floresta,

existia uma mira, e que naquele instante sua omoplata

esquerda dançava diante da mesma. O homem apontava

a arma para seu coração... Assim que se virasse, o tiro

seria disparado.

Não se virou: atirou-se na água.

Naquele lugar a água era tão rasa que não cobria seu

corpo. Mas os juncos que cresciam na praia ofereciam

certa proteção.

No momento em que se deixou cair o tiro foi

disparado, mas o projétil passou por cima dele.

O pensamento que surgiu a seguir na orla da floresta

foi uma ideia de pânico.

O assassino já não via sua vítima e pensou em fugir.

A reação de Marshall despertou reações supersticiosas

em sua mente. Mas logo o temor dos superiores e o medo

da selva venusiana interpuseram-se nestes fragmentos de

ideias.

Page 77: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

77

“Preciso matá-lo! Preciso matá-lo, senão nunca mais

conseguirei viver tranquilo perto de Tomisenkow.”

John Marshall rastejou pela água rasa, rolou até a

margem e se escondeu entre os juncos, onde permaneceu

imóvel.

“Os Rhodan são feiticeiros! O medo é de

enlouquecer. Só quando todos os Rhodan estiverem

mortos teremos sossego e poderemos dormir sem

pesadelos. Preciso matá-lo!”

A ideia foi se aproximando, e com ela o assassino.

Também se atirara ao solo, abrigando-se nos juncos para

lançar seu ataque. Mas a atividade de seu cérebro traiu

sua posição. Ergueu a cabeça por cima dos juncos.

Marshall conhecia a direção. Bastou-lhe girar sua arma

por um centímetro para a esquerda e apertar o gatilho.

Quando se levantou e foi para junto do inimigo, só

encontrou um morto.

— É estranho! Dizem que somos os Rhodan, quando

só existe um homem que usa este nome.

Marshall sabia que estava só. Caminhando ereto,

dirigiu-se para a vegetação protetora da selva. Um

sorriso brincava em torno de seus lábios. Era um sorriso

de orgulho. Na terminologia do inimigo, também ele era

um Rhodan.

III

O General Tomisenkow transferira seu quartel-

general para um ponto situado cinquenta quilômetros a

leste. Estava situado num planalto que se erguia em meio

à selva com uma vegetação escassa. Isso facilitava sua

defesa no caso de um ataque lançado por um dos grupos

rebeldes. Era bem verdade que na selva encontraria um

esconderijo melhor. Mas não estava muito interessado

em ficar sem ser reconhecido. Todos sabiam que se

instalara nessa área. E todos sabiam que a tropa que se

mantinha fiel a ele era numericamente superior a todas as

outras. E essa superioridade colocava-o numa posição

em que não precisava temer um confronto aberto.

As barraquinhas e cabanas de plástico emergiam em

meio à vegetação de pouco menos de dois metros de

altura. Todo o perímetro do acampamento estava

protegido por uma linha compacta de sentinelas.

De seis em seis horas a senha era modificada, o que

dificultava bastante a infiltração de rebeldes. A patrulha

que fora mandada no encalço do telepata John Marshall

era composta de apenas doze homens e não dependia da

senha. Tomisenkow conhecia pessoalmente cada um

desses homens.

Subitamente o sargento Kolzov viu um pano branco

que se erguia em meio à vegetação.

— Senha!

— Sou o tenente Tanjev do comando avançado.

Preciso falar com o general.

— Levante os braços! Pode passar.

Um homem se levantou de um salto e se aproximou

com os braços erguidos.

— Está bem, tenente. Vá na direção daquele arbusto

redondo. O general mora à esquerda. Há alguma

novidade?

— Não ouvi sua pergunta, Kolzov. Preciso falar com

o general, não com o senhor.

O tenente Tanjev tinha o aspecto de um soldado sadio

que há vários dias se mantinha numa atividade

ininterrupta. E isso correspondia aos fatos. Tomisenkow

recebeu-o sem demora. Ao entrar fez uma continência

impecável.

“Os homens ainda estão em boas condições”, pensou

Tomisenkow satisfeito. Recebeu Tanjev com um sorriso

benévolo, atrás do qual se ocultava a curiosidade.

— Vejo que ainda está vivo, tenente. Quais são as

novidades?

— Aquele homem chegou ao mar, general.

— Que homem?

— Como sabe, há quatro dias houve uma batalha de

rebeldes ao sul do planalto. Conforme constatamos, pelo

menos três elementos da Terceira Potência participaram.

— Isto são fatos conhecidos, tenente — interrompeu

o general. — Acho que veio trazer alguma novidade.

— Pois um desses homens foi sozinho em direção ao

leste, e saímos em sua perseguição conforme nos foi

ordenado.

— Foram instruídos para matá-lo ou trazê-lo para cá.

Já conseguiram?

O tenente Tanjev hesitou.

— Ainda não conseguimos capturá-lo, general. Não é

fácil agarrar um homem só, quando o mesmo esteja

prevenido.

— Quem poderia tê-lo prevenido? Em Vênus quase

não há gente.

— O soldado Lvov cometeu um erro. Correu à frente

do grupo por conta própria. Não gosto de pôr a culpa nos

mortos.

— Quer dizer que Lvov está morto?

— Sim, general. Encontramos seu cadáver na praia.

— Quer dizer que aquele homem solitário do grupo

de Rhodan foi o elemento mais capaz. Será que nem com

uma superioridade de doze para um e com todas as

vantagens estratégicas o senhor está em condições de

cumprir uma missão destas?

A benevolência desapareceu por completo do rosto

de Tomisenkow.

— Por que veio até aqui, tenente? Para anunciar seu

fracasso?

— Vim pedir reforços, general. Atingimos o mar e,

para estarmos seguros, devemos controlar pelo menos

dez quilômetros de costa. Além disso, julgo necessário

que cada grupo seja composto ao menos de três homens.

Precisamos dessa superioridade, que na verdade nunca

passará de uma inferioridade.

— O que quer dizer com essa frase contraditória,

tenente?

Tanjev voltou a hesitar.

— General, o senhor sabe perfeitamente o que andam

contando por aí...

— É aquela história do gigante e do feiticeiro, não é?

— disse Tomisenkow em tom áspero. — Não venha me

dizer que vai falar seriamente nos termos das fantasias

propagadas pelas revistas de fim de semana. Se o grupo

comandado pelo senhor é composto de gente ingênua,

mandarei recolhê-lo ao acampamento e o substituirei por

uma tropa composta de gente adulta.

— Às ordens, general! Cumpriremos nosso dever.

Mas acho que os reforços são indispensáveis.

— Por causa dos dez quilômetros de costa?

— Sim, general — respondeu Tanjev em tom

Page 78: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

78

submisso.

— Muito bem; o senhor os receberá. Tomisenkow

escreveu um bilhete.

— Apresente isto ao coronel Popolzak e escolha os

melhores elementos. Espero que da próxima vez que se

apresente possa comunicar uma ação bem sucedida.

Obrigado.

— Obrigado, general. Mais uma pergunta. A

suspensão das comunicações pelo rádio continua de pé?

Num caso urgente uma mensagem radiofônica será mais

apropriada...

— Pode retirar-se, tenente — interrompeu

Tomisenkow. — Darei novas instruções quando julgar

conveniente. A suspensão continua de pé. Tenho motivos

para isto.

Dali a uma hora o tenente Tanjev saiu do quartel-

general, acompanhado de vinte e cinco soldados.

Durante essa hora o general não quis falar com

ninguém. As informações de Tanjev levaram-no a

refletir, embora não o reconhecesse perante os outros.

Ele mesmo achara instintivamente que havia algo de

verdadeiro naqueles boatos que nunca silenciavam. Mas

não havia nada de tangível. Era apenas o milagre dos

êxitos de Perry Rhodan e da Terceira Potência, que já se

prolongavam por dez anos. Devia haver alguma

explicação para o fato.

Pensou em Thora, a arcônida aprisionada. E no robô

R.17, que nunca saía de seu lado.

Sua mão se fechou. Deu uma pancada na mesa de

lona e despedaçou-a. Nem por isso sua exaltação

diminuiu.

Dirigiu-se à saída da barraca.

— Coronel Popolzak — gritou em meio ao

amanhecer de Vênus.

O coronel engatinhou para fora da barraca vizinha.

— Às ordens, general.

— Venha cá! Preciso de cinco homens de absoluta

confiança.

— Pois não. Logo os mandarei.

— Deixe-me terminar! Não quero ver estes homens.

Ninguém deve vê-los. Daqui a pouco darei um passeio

com a prisioneira, fora do acampamento.

Tomisenkow explicou mais alguns detalhes e dirigiu-

se à cabana que abrigava Thora e seu robô.

— Olá, miss Thora. Posso entrar?

— Ah, é o general. Desde quando resolveu praticar a

cortesia?

Saiu da cabana e, num gesto de desafio, atirou seu

longo cabelo branco para a nuca. Tomisenkow evitou o

olhar zombeteiro de suas pupilas avermelhadas. Esse tipo

de duelo com aquela mulher sempre o deixara irritado.

— Quero convidar a distinta senhora para um

passeio. Acho que concordará em desfrutarmos juntos

esta linda manhã de Vênus.

— Vamos — respondeu Thora numa surpreendente

concordância. — Deve ter um estoque daqueles assuntos

com que costuma me entreter de forma tão agradável.

Tomisenkow sabia perfeitamente que até então

nenhum dos assuntos por ele abordados havia sido do

agrado da arcônida. E o assunto a ser tratado hoje seria

ainda mais desagradável. A malícia voltou a animá-lo.

— Aguarde a surpresa, madame.

— Estou certa de que conseguirá surpreender-me,

general. Por exemplo, esse canhão que traz nas costas...

Tomisenkow trazia um fuzil a tiracolo.

— Talvez tenhamos que penetrar em terreno difícil.

Não preciso explicar à senhora, que conhece

perfeitamente as condições reinantes em Vênus, que

certos animais podem se tornar bastante perigosos.

— Em minha opinião, o R.17 será suficiente.

— Talvez seja suficiente para proteger a senhora.

Mas estou convencido de que não moverá um dedo se

alguma coisa acontecer a mim. Por isso, peço-lhe que

deixe por minha conta a escolha da maneira pela qual

vou proteger minha pessoa.

As sentinelas postadas na saída do acampamento

fizeram continência quando Thora, o general e R.17

passaram diante deles.

— Por que vamos nos afastar tanto? — perguntou a

arcônida de repente. Estaria desconfiando de alguma

coisa?

Tomisenkow conseguiu esboçar um sorriso.

— Não se preocupe madame. Não nos afastaremos

do acampamento mais que a distância de um tiro. Se

estiver entrevendo a ideia de fugir com o auxílio de seu

amigo artificial, ou mesmo de fazer algum mal à minha

pessoa, deixe que eu a previna em tempo. Quero lhe falar

a sós.

— Isso poderia ser feito na barraca do senhor.

— Deixe a decisão por minha conta. E procure se

concentrar para dizer a verdade, no seu próprio interesse.

— Devo interpretar isso como uma ameaça?

— Sinta-se ameaçada enquanto não obedecer às

minhas ordens. Conte alguma coisa sobre seus mutantes.

— Sobre quem?

— Sobre seus mutantes. Refiro-me àquelas pessoas

misteriosas, sobre as quais a imprensa mundial andou

publicando uma porção de tolices. Acontece que deve

haver algo de verdadeiro em tudo aquilo. Sabe

perfeitamente que dependemos um do outro. O próprio

Rhodan dificilmente terá uma chance na selva de Vênus.

Deixou sua superioridade técnica em casa. E antes que

atinja a fortaleza do norte seu corpo apodrecerá nos

pântanos.

— No entanto, o senhor acredita nos mutantes.

Admitamos a hipótese de que estes realmente existem.

Neste caso a superioridade de Rhodan não seria imensa?

Mesmo sem os recursos tecnológicos? Ainda acontece

que o senhor se engana ao acreditar que Rhodan veio a

este planeta em minha companhia.

— Rhodan está aqui! — disse Tomisenkow em tom

áspero. — Não adianta negar.

— O que acabo de lhe dizer é a verdade, general. O

que adiantaria ratificar a mesma? Ao que parece está

mais bem informado sobre o paradeiro de Rhodan do que

eu. Se ainda se encontra na Terra, ele me tirará daqui

antes que se passe mais um dia de Vênus.

— Pois antes que esse dia de Vênus chegue ao fim,

teremos atingido as montanhas do norte. E assim que

estivermos de posse da fortaleza, tenho todo o planeta

sob meu controle. Se os planos secretos da senhora

preveem outra coisa, só posso ter pena, madame. Se unir-

se a mim, levará o tipo de vida que lhe agrada. A outra

alternativa seria continuar a ser minha prisioneira para

sempre. E posso lhe assegurar que disponho de meios

para tornar sua vida bastante desagradável.

— Não tenho a menor dúvida. Toda vez que me diz

uma coisa desagradável, suas palavras correspondem à

Page 79: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

79

verdade. Acho que devemos voltar general. Nossa

palestra é inútil.

— E os mutantes?

— Conheço os mutantes da Terceira Potência —

disse Thora. — Alguns deles sabem ler pensamentos.

Outros podem influenciar os pensamentos de alguém. Os

chamados teleportadores transferem-se de um lugar para

outro por força do pensamento. A qualquer momento

encontram-se no lugar em que querem estar. Se eu fosse

uma teleportadora, poderia chegar à fortaleza de Vênus

dentro de dois segundos.

— Rhodan é um mutante?

— Isso seria novidade para mim. Por que diz isso?

— Enviei uma patrulha que o vem perseguindo há

dias. Rhodan já atingiu a grande baía do mar do norte.

Está numa armadilha. Admitamos que não seja um

mutante. Neste caso posso ter certeza de pôr as mãos

nele dentro de dois dias terrestres.

Thora não deixou perceber quão profundamente a

notícia que Tomisenkow acabara de dar-lhe a comovia.

Embora ao sair da Terra praticamente tivesse fugido de

Rhodan, acreditava que este seria o homem mais

indicado para libertá-la. Depois que seus planos se

frustraram com a queda sobre a selva de Vênus, já estava

arrependida no seu íntimo da sua ação precipitada.

— Se acredita que ele se instalou em algum lugar da

costa do mar do norte, vá buscá-lo. Não posso impedi-lo.

Naquele instante um tiro foi disparado nas

proximidades. Uma bala ricocheteou e, assobiando, foi

bater contra a rocha.

— Proteja-se! — gritou o general, mas correu mais

uns vinte metros antes de se atirar ao solo.

Thora desapareceu imediatamente. Mas o robô

continuava de pé e enviou um breve raio energético para

a floresta, que logo começou a arder.

Seguiu-se uma salva de tiros de armas manuais.

Era evidente que o ataque se dirigia exclusivamente

contra a arcônida, pois o fogo se concentrou sobre o

lugar em que se abrigara.

No mesmo instante o robô saltou para frente.

Ninguém acreditaria que pudesse ser tão ágil. Seu

corpo foi cercado por uma camada tremeluzente, que

parecia de ar quente.

“Será um campo energético?”, foi à pergunta que

acudiu a Tomisenkow.

Pouco importava! Segurou o fuzil por baixo do braço

e colocou um projétil superdimensional no cano; parecia

uma granada de fuzil.

R.17 havia procurado um abrigo. A floresta foi

coberta por um fogo energético ininterrupto. Logo depois

os tiros das armas convencionais cessaram. O general

completou a pontaria. Puxou o gatilho. O campo

energético do robô revelou-se impotente contra a granada

atômica.

R.17 volatilizou-se numa ligeira nuvem

incandescente.

Poucos segundos depois Tomisenkow encontrava-se

ao lado de Thora.

— Paço votos de que a senhora tenha passado sã e

salva por tudo isso, madame. Posso ajudar?

O tom de voz e as palavras do general deixaram a

arcônida ainda mais confusa. Não conseguiu dissimular o

choque. R.17 ainda representava certo apoio moral para

ela, mesmo como prisioneira. O ataque parecera

verdadeiro. Mas quando ouviu as palavras de

Tomisenkow percebeu que se deixara cair numa

armadilha.

Ignorou a mão que se estendia em seu auxílio e

levantou-se sozinha.

— O senhor é um homem ordinário! Thora estava

furiosa.

Isso fez com que Tomisenkow gozasse seu triunfo

com mais intensidade. E nem desconfiava de que na boca

daquela mulher a palavra homem representava uma

ofensa muito grave.

— Vamos voltar madame. Imagino que a perda de

seu protetor metálico deve tê-la atingido profundamente

e que a continuação do passeio não constituirá um bom

descanso. Vá para a cama e descanse um pouco.

— Isso o senhor me paga, general.

— Por que justamente eu?

— O senhor não vai querer negar que essa manobra

infame foi tramada pelo senhor.

— É claro que não. A senhora dá provas de sua

elevada inteligência por ter descoberto isso tão depressa.

Saiba perder esportivamente, madame.

Thora cuspiu diante dele. Vira algum homem fazer

isso e pouco se importou com o fato de que um gesto

desse tipo não ficava muito bem para uma dama. Aliás,

não tinha o menor interesse em guardar as formalidades

terrenas. Quando se enfurecia, perdia toda inibição.

Tomisenkow já conhecia sua prisioneira há bastante

tempo; sabia que, enquanto ela se encontrasse nesse

estado, não seria fácil conversar com ela. Sem dizer uma

palavra deu-lhe as costas e se dirigiu ao acampamento.

Cem metros atrás dele Thora passou pela sentinela. Um

soldado seguiu-a a certa distância para verificar se

realmente se recolhia à sua cabana.

O general mobilizou um grupo que se pôs a controlar

o incêndio da floresta. O estoque de extintores a seco era

muito reduzido, mas foi suficiente para manter o fogo

sob controle. A flora suculenta de Vênus não era um

combustível muito eficiente. Naquele planeta não se

conheciam secas prolongadas que permitissem o

ressecamento das florestas e das estepes.

Tomisenkow era de uma obstinação proverbial.

Voltou a se dirigir a Thora para perguntar sobre os

mutantes.

— Fora, seu bárbaro! — gritou Thora e respirou

profundamente para amontoar novos insultos sobre o

russo. Mas o sorriso zombeteiro que seu rosto exibia

tirou-lhe a fala. Deu-lhe as costas e não disse mais uma

palavra.

O general usou uma linguagem mais gentil.

— Em certa oportunidade a senhora me ameaçou,

dizendo que o R.17 poderia destruir toda a tropa sob meu

comando. Levei suas palavras a sério. Será que vai me

dizer que tudo não passava de um blefe inocente?

Thora não respondeu.

— Pois bem, seja o que quiser! — resmungou

Tomisenkow. — Não acredite que continuarei disposto

por toda vida a prestar contas à senhora. A senhora me

ameaçou, e eu nunca ocultei o fato de que para mim o

robô representava um obstáculo. Fui mais rápido, e a

senhora se encontra sob meu poder, mais que antes.

Ainda dispõe de duas horas para descansar. Depois

levantaremos o acampamento e marcharemos na direção

nordeste. A fortaleza de Vênus cairá. Não tenha a menor

Page 80: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

80

dúvida. E quem assumirá a herança de seus antepassados

arcônidas serei eu, só eu. Com a senhora ou sem a

senhora, pouco importa.

Não obteve resposta. Depois de algum tempo saiu,

dando de ombros.

Ao passar pela praça central do acampamento, viu a

tábua negra colocada junto aos alojamentos da

companhia de prontidão. Popolzak mandara afixar outro

papel em que estavam escritos os nomes dos cinco

homens tombados no combate contra o R.17.

Tomisenkow procurou reprimir a indagação sobre a

finalidade dessa ação. Quando entrou em sua barraca

sentia dor de cabeça.

* * *

Dali a cinco horas terrestres seu pequeno exército se

encontrava em marcha. A gravitação pouco intensa de

Vênus tornava mais fácil aos homens carregar os

preciosos equipamentos e os mantimentos que

conseguiram salvar do pouso malogrado. Não era muito,

se comparado com aquilo de que precisariam nos

próximos meses. Tanto mais avarentos seriam no trato do

que lhes restava. Quem deixasse para trás qualquer coisa,

por desleixo ou comodidade, era chamado a prestar

contas. Neste ponto as ordens de Tomisenkow eram

inequívocas.

Há meses fora realizado um levantamento da

situação. Dali em diante as vistorias e os controles eram

realizados a curtos intervalos. Todo fósforo, todo pacote

de alimento desidratado, todo cartucho era registrado.

Quem disparasse um tiro tinha que dar contas e

apresentar um relatório.

As unidades de vanguarda e de retaguarda eram as

que conduziam menos carga. Deviam ser dotadas de

maior grau de mobilidade. De cada vez que Tomisenkow

fazia sua tropa empreender uma marcha mais

prolongada, para transferir seu quartel-general mais um

pedaço para o nordeste, voltava a surgir à indagação se

sua disposição otimista se justificava face à força de

combate de seu exército.

Nas baixadas pantanosas da selva não havia

possibilidade de manter a coluna bem unida. Às vezes a

vegetação era tão espessa que tinha de ser removida por

meio de granadas atômicas. Tratava-se de armas limpas,

cujo processo de fusão nuclear não causava qualquer

radiação perigosa. Mas sempre havia o perigo de um

incêndio na floresta. Assim a utilização das granadas

atômicas tinha de ser reduzida a um mínimo, face à

pequena reserva de substâncias extintoras de que

dispunham.

O caminho aberto pelas primeiras unidades tinha que

ser utilizado pelo restante da tropa. Por isso muitas vezes

a coluna se estendia por vários quilômetros.

Vista a situação sob esse ângulo, Tomisenkow não

tinha por que se orgulhar com o fato de que ainda

dispunha de cerca de meio regimento. Durante a marcha

sempre deixava um flanco exposto ao ataque até mesmo

de um inimigo mais fraco. E seria uma arrogância dizer

que um inimigo como Perry Rhodan era fraco.

Por isso Tomisenkow sempre se mantinha nas

proximidades de Thora. E ele o fez com tamanha

pertinácia que esta recuperou a fala. Deu a entender sem

rebuços que não gostava de sua companhia.

— Infelizmente não posso considerar seus

sentimentos. Preciso de um refém de que possa lançar

mão se Rhodan atacar. E se tiver a ideia de tirá-la à

força, devo ter a possibilidade de matá-la antes que isso

aconteça.

Tamanha franqueza chocou Thora, que se refugiou na

altivez que lhe era peculiar.

Eram cento e treze horas quando uma patrulha

comunicou ter achado uma carabina automática russa.

Um cabo apresentou a arma ao general.

— Descobrimos uma fogueira a cerca de três

quilômetros ao sul, general.

— Uma fogueira?

— Sim, general, uma fogueira apagada. A lenha

carbonizada já estava fria. Esta carabina estava oculta

sob o capim, embaixo de uma árvore. O pessoal deve tê-

la esquecido.

— E são nossos patrícios. É uma vergonha ver como

essa gente se perde quando não é mantida sob controle. É

o senhor que comanda a patrulha?

— Sim, general.

Antes que o cabo pudesse se dirigir ao coronel que

marchava a cinquenta metros dali, uma salva abafada de

armas de infantaria soou na selva próxima.

— Procurem uma cobertura! — gritou alguém. A

ordem era desnecessária. Num reflexo instintivo os

homens atiraram-se ao chão e viraram-se para a direita.

Enquanto caíam os fuzis foram empunhados

automaticamente.

Depois do primeiro ataque, o silêncio passou a reinar.

Até mesmo os pássaros de Vênus, que cantavam nas

copas das árvores, suspenderam seu concerto. Alguns se

afastavam, batendo ruidosamente as asas.

Outros estariam enfiando as cabeças sob as penas.

Alguns tiros foram disparados nas fileiras do grupo.

— Que diabo! — gritou Popolzak. — Só atirem

quando virem alguma coisa. Todo tiro deve acertar o

alvo.

A resposta veio em forma de uma rajada de

metralhadora disparada pelo inimigo desconhecido.

— São uns idiotas — resmungou Tomisenkow, com

o nariz dois centímetros acima do solo. — Com esta

vegetação não conseguem atingir um homem por um tiro

direto a uma distância de vinte metros. E esta folhagem

gosmenta come as balas como o mata-borrão come a

tinta. Oh, desculpe, madame!

Só agora o general percebeu que mantinha Thora

apertada contra o chão. Enquanto a mão direita segurava

a coronha da carabina automática, o braço esquerdo

enleava a nuca da arcônida como se fosse uma tenaz.

— Se machuquei a senhora não foi por querer. A

senhora é muito preciosa para que possa me arriscar a

perdê-la dessa forma. Aqueles rebeldes são os que menos

estão em condições de dizer quando a senhora deve

morrer. São piores que assaltantes. Posso ajudar em

alguma coisa?

— Solte-me e dê-me uma arma. Sei lidar com ela.

— Não tenho a menor dúvida — disse Tomisenkow,

esticando as palavras. Num gesto hesitante pôs a mão

para trás. Subitamente segurou uma pistola de seis tiros e

passou-a a Thora.

— Tenha cuidado, madame. Está carregada e só se

presta a uma luta corpo a corpo.

— Para mim basta — disse com uma expressão

indefinível no rosto.

Page 81: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

81

IV

Son Okura, os visores de frequências que tinha

dificuldades de andar, e Perry Rhodan, chefe da Terceira

Potência, não formavam a equipe mais adequada para

uma marcha a pé em Vênus. Ainda mais quando o

objetivo ficava a nada menos de quinhentos quilômetros

em linha reta, e havia como obstáculo um braço de mar

de trezentos e cinquenta quilômetros de largura, que um

belo dia também teria de ser vencido.

Desde o início a dificuldade de andar de que padecia

Son Okura teve que ser incluída nos cálculos. A ferida no

ombro de Rhodan só surgira posteriormente, quando os

dois homens e John Marshall se viram envolvidos num

combate entre os rebeldes e os pacifistas do tenente

Wallerinski. Nem por isso Rhodan perdeu o bom humor.

Tratava-se de uma perfuração direta na altura da axila.

Nenhum osso e nenhum músculo importante haviam sido

atingidos. Os medicamentos arcônidas apressaram a

cura, mas apesar de tudo as pontadas e as coceiras que

sentia a toda hora convenceram Rhodan de que ainda não

se encontrava em plena forma.

— Deve se tratar!

As advertências de Okura eram obstinadas. Voltara a

construir uma cabana numa árvore, fechando o chão e as

paredes com trepadeiras e folhas largas. Para baixo a

camuflagem era completa.

— Estas cabanas montadas em árvores servem para

gente que saiba viver, mas não para pessoas que querem

ir para a frente — resmungou Rhodan, contrariado.

— Acho que estamos de acordo: resolvemos andar

seguros. Aliás, na situação desvantajosa em que nos

encontramos, não temos outra alternativa.

— Tenho minhas dúvidas; é bem possível que

estejamos participando de uma corrida. Se Tomisenkow

e Thora chegarem antes de nós à fortaleza escavada na

rocha, ninguém nos garante que não entrarão. Como

arcônida, Thora é portadora de um cérebro reconhecido.

— Acredita que ela nos trairia?

— Tanto faz que haja traição ou não. Os homens do

Bloco Oriental a têm nas mãos. Podem forçá-la.

— OK — disse Okura com um sorriso. — Estou

convencido de que ganharemos a corrida. Com toda

lentidão, ainda somos mais rápidos que o general

Tomisenkow. Não conseguirá arrastar seu exército pela

selva com a mesma rapidez dos corpos inválidos. Depois

do patrulhamento que realizei ontem, tenho certeza de

que os remanescentes do exército de Tomisenkow estão

bem próximos. Isso significa que já recuperamos algum

terreno e tenho certeza de que chegaremos à costa antes

dele. Quanto a Marshall, não há dúvida de que não

precisamos nos preocupar com ele.

— Gostaria de ter seu otimismo — disse Perry

Rhodan. — Acontece que não devemos pensar apenas

em termos táticos, mas também em termos estratégicos.

Você se esquece das relações mais importantes entre os

fatos.

— Não compreendo.

— Até aqui pensamos apenas nos homens com que

nos encontramos diretamente. Mas vamos começar do

início para descobrir as causas e o sentido de tudo aquilo.

— A causa de nossa presença neste planeta é a fuga

de Thora.

— Muito bem. Agora pense nos russos.

— O Bloco Oriental invadiu o planeta Vênus sob o

comando do general Tomisenkow. E nós lhes

atrapalhamos os planos. A divisão de Tomisenkow está

praticamente aniquilada. Ao que tudo indica só um

pequeno grupo de homens continua a obedecer suas

ordens.

— Continue. Mas não pense apenas nos desertores.

Deve haver mais gente na superfície de Vênus.

Son Okura refletiu.

— Gente do Bloco Oriental?

Perry Rhodan fez que sim.

— É claro que sim, meu caro.

— Está aludindo à frota de abastecimento? Bem, já

me lembrei disso. Deve estar lembrado de nosso

encontro com o sargento Rabov, que foi morto durante

um combate. Contou muita coisa, mas nunca aludiu ao

pouso da frota de abastecimento.

— Pois é justamente isso! Provavelmente o próprio

Tomisenkow não sabe nada a respeito disso. Mas tenho

para mim que essa frota deve ter pousado. O Bloco

Oriental mandou duzentas unidades. Destruímos trinta e

quatro quando o campo energético de nossa nave

atravessou, por coincidência, o centro da frota. É

possível que outras naves tenham sido destruídas durante

o pouso. Mas aposto que mais de cem veículos espaciais

conseguiram descer em Vênus.

Son Okura empalideceu.

— Santo Deus! Isso significaria...

Não foi necessário terminar a frase. Ambos sabiam o

que isso significava. Em algum ponto de Vênus devia

haver outra tropa, que dispunha de um equipamento

muito melhor.

— Não há dúvida de que a frota de abastecimento se

destinava ao general. O fato de que até hoje não se

apresentou a ele — prosseguiu Rhodan em tom

indiferente — apenas prova que também este clube

declarou sua independência. A independência parece

grassar em Vênus como uma epidemia.

Não falaram mais no assunto, embora fosse muito

interessante. Seus planos previam um repouso de seis

horas. E no momento a restauração das forças era mais

importante que todas as especulações estratégicas.

Durante a marcha teriam tempo para as mesmas.

* * *

Dormiram o tempo previsto e puseram-se a caminho.

Okura já não saberia dizer quantas cabanas construíra

nas árvores de Vênus. Tornara-se mestre nessa arte. As

construções iam ficando cada vez melhores e mais belas.

Apesar disso tinham de ser abandonadas para sempre.

Falavam nesses pequenos aspectos sentimentais

quando enjoavam de conversar sobre os grandes

problemas. Geralmente calavam-se de vez depois que os

primeiros quilômetros de marcha chamavam à sua

lembrança o fato de que o planeta Vênus com suas selvas

representava uma provação interminável.

No dia seguinte — por uma questão de hábito

costumavam contar o tempo pelo calendário terrestre —

ouviram tiros. Rhodan, que ia à frente, parou

imediatamente. Antes que pudesse dizer qualquer coisa,

ouviu-se outra salva.

— É uma batalha. Pelos meus cálculos é bem ao

norte.

Page 82: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

82

— Só pode ser no norte, pois é lá que Tomisenkow se

encontra.

Seguiu-se a detonação de uma bomba ou de uma

granada. Depois disso o silêncio voltou a reinar.

Esperaram mais quinze minutos. Mas o tiroteio não se

repetiu.

— O que acha Son?

— Devem ter montado acampamento. Numa posição

defensiva vai ser fácil para eles repelir os ataques de

Wallerinski.

— Quem sabe se foi Wallerinski.

Formularam outras suposições, que não se

aproximavam da verdade. Não sabiam que o general

Tomisenkow acabara de destruir o robô R.17.

— Vamos ficar mais à esquerda — decidiu Rhodan.

— Estamos a uma distância muito grande do pessoal do

Bloco Oriental. A prudência não deve ser exagerada.

— A prudência nunca pode ser exagerada —

declarou Okura.

A lição fez o chefe sorrir.

— É claro que não. Ainda existe a possibilidade de

que alguém possa precisar de nós. Thora, por exemplo.

O plano de Rhodan foi executado. Depois de

percorridos outros dez quilômetros, uma cabana foi

construída numa árvore e ocupada imediatamente. Antes

de dormir fizeram as tentativas rotineiras de estabelecer

contato pelo rádio com Bell. Operavam obstinadamente

as antenas escamoteáveis do tamanho de uma agulha.

Mas tal qual nos dias anteriores, a Good Hope-V não

respondeu.

— A chave secreta X — resmungou Rhodan. —

Parece que é muito eficiente.

— Ou então Bell já regressou à Terra.

— Prometeu exatamente o contrário. Seja como for,

dependemos exclusivamente de nós mesmos. Boa noite,

Son.

— Boa noite, chefe.

* * *

Desta vez o tiroteio os despertou. Okura logo sentiu a

mão de Rhodan, que se colocara em seu braço num gesto

de advertência.

— Fique quietinho, rapaz! Estão bem à frente da

nossa porta.

Realmente parecia que os tiros estavam sendo

disparados bem embaixo da árvore. Mas era uma ilusão.

A abóbada de folhas, formada pelas árvores de cerca de

cinqüenta metros de altura, produzia efeitos acústicos

perturbadores.

Espiaram pelas folhas da cabana.

— Não vejo nada — disse Okura.

— Com a visibilidade de que dispomos isso seria

muito difícil — resmungou Rhodan em tom nervoso. —

Gostaria de saber... ora, é lá!

Apontou com o dedo. Seu companheiro já havia visto

o movimento. Eram homens que se deslocavam entre a

vegetação rasteira, a uns cem metros de distância.

Mais alguns tiros foram disparados. De início eram

isolados. Mas logo se seguiu uma salva.

— A batalha está sendo travada mais à esquerda, pelo

menos a quinhentos metros daqui. Mas aquilo que se

mexeu lá embaixo foi um homem.

— É claro que foi. Vi uma cabeça.

— Muito bem. Vou dar uma espiada.

— Fique aqui, chefe; será...

Rhodan interrompeu-o com um gesto.

— Não farão coisa alguma comigo. Sei me cuidar.

Fique aqui e mantenha nossa posição. Aconteça o que

acontecer, não se traia com um tiro. Aquilo que fica por

ali quando muito é o alojamento de um grupo de

rebeldes. Mas quem sabe se essa gente não tem alguma

comida para nós. Temos necessidade premente de um

reabastecimento de munições e mantimentos.

Son Okura estava acostumado a obedecer. Limitou-se

a confirmar com um aceno de cabeça.

Perry Rhodan desceu pela borda da plataforma. Se

não descesse muito depressa, o risco de ser descoberto

não seria grande. A folhagem densa das trepadeiras que

parasitavam as árvores fornecia-lhe uma excelente

cobertura, que descia até o solo.

Teve que descer uns vinte metros. Para aliviar o

ombro direito, colocou quase todo o peso do corpo sobre

a mão esquerda.

Chegou ao solo sem ser visto, e aqui a visibilidade

ainda era menor. Mas lembrava-se da direção que devia

seguir e foi avançando. A batalha certamente desviaria a

atenção daquela gente. Nos alojamentos dos rebeldes

ninguém consideraria a possibilidade de que alguém

pudesse se encontrar nas suas costas. Um perigo maior

que o dos soldados desertores poderia provir dos animais

de Vênus, e Rhodan teve bastante juízo para dedicar sua

atenção também à vizinhança imediata.

Ao que parecia o destino resolvera ajudá-lo.

Conseguiu se desviar das lagartas, dos besouros e das

borboletas que dançavam no ar. Poderiam ser venenosas,

mas não se interessavam por ele. Um ataque partido dali

seria pura coincidência.

As trepadeiras representavam um obstáculo mais

difícil. Às vezes formavam uma verdadeira cerca viva.

Teve que se espremer entre elas, e por vezes via-se

obrigado a dar ao seu corpo a configuração de uma

cobra. Se quisesse cortar aquela vegetação resistente,

gastaria muito tempo. Além disso, as plantas poderiam

estar submetidas a uma espécie de tensão estática. Nos

dias anteriores Rhodan via várias vezes uma trepadeira

cortada chicotear o ar com um silvo, como a corda

retesada de um arco de atirar. O barulho poderia traí-lo.

E se um homem recebesse um impacto pouco feliz, isso

poderia significar a morte.

Quando se encontrava a uns trinta metros do

acampamento, fez uma pausa prolongada. As mãos e o

rosto estavam arranhados. Pegou o lenço e enxugou o

suor que lhe penetrava nos olhos; viu que havia sangue

misturado ao mesmo.

Apenas uns arranhões e alguns pedaços de pele

esfolada, foi o comentário silencioso que a descoberta

provocou nele. Mas atrás desse comentário ocultava-se

uma pergunta menos animadora. A selva misteriosa de

Vênus poderia ser tratada com tamanho desdém? Era

bem verdade que nos últimos anos, os botânicos haviam

esclarecido muita coisa a respeito da flora de Vênus. Mas

só uma fração reduzida das espécies existentes pôde ser

classificada e determinada segundo seus componentes

químicos. Qualquer espinho aparentemente inofensivo

podia trazer em si o germe da morte.

Rhodan fez um esforço para se libertar dessas idéias.

Concentrou-se sobre os homens que se encontravam à

sua frente.

Page 83: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

83

Há anos falava um russo excelente; por isso não teve

a menor dificuldade em acompanhar a conversa daqueles

homens. Era verdade que se mostravam bastante

lacônicos. Apenas mencionaram que estavam cansados e

achavam que o ataque de Wallerinski contra a tropa de

Tomisenkow era muito arriscado. O resto da conversa foi

conduzido em voz tão baixa que Rhodan não

compreendeu nada.

Teria que chegar mais perto.

Seus movimentos tornaram-se mais cautelosos e já

não avançava tão depressa. A intensidade do combate

que se travava à distância aumentara ainda mais e

dificilmente os rebeldes voltariam num breve espaço de

tempo, a não ser que Wallerinski sofresse uma derrota

grave e fosse levado de roldão pelas tropas de

Tomisenkow.

Finalmente Rhodan viu uma pequena clareira. Ou

melhor, um lugar em que o capim havia sido pisado. Não

tinha mais de vinte metros de diâmetro. Mas acima desse

lugar as copas das árvores fechavam-se numa cobertura

espessa, não deixando penetrar mais luz que em qualquer

outro lugar. As flores coloridas em forma de orquídeas

que as trepadeiras ostentavam pareciam abandonadas

naquela semiescuridão.

Rhodan viu cinco homens.

Quatro deles dormiam, ou ao menos estavam

estendidos no capim. O quinto, sentado, recostara-se a

uma árvore e fumava um cachimbo.

O equipamento que aqueles homens vigiavam

provocou a inveja de Rhodan. Pareciam dispor de uma

grande profusão de armas manuais; além de algumas

caixas, cujas inscrições eram bastante reveladoras, havia

ao menos umas quarenta ou cinquenta carabinas

automáticas jogadas embaixo de uma árvore, bem perto

do lugar em que Rhodan se encontrava.

— O presidente não devia ter tanta pressa com suas

concepções — disse um dos homens deitados no capim.

— Afinal, a ideia de impor a paz pela força nada tem de

original.

— Você tem umas ideias esquisitas — disse outro. —

Enquanto Tomisenkow não quiser a paz, nós temos que

lhe dar uma lição.

— Quer dizer que só poderemos ser verdadeiros

pacifistas quando todo mundo for?

— Que bobagem! Já somos verdadeiros pacifistas.

Até parece que você andou dormindo durante as aulas.

O homem que fumava cachimbo fez um gesto

aborrecido.

— Parem com essa conversa de adolescentes. No

momento só importa o que o presidente consegue fazer.

Esse tiroteio já está demorando demais. Quando um

ataque não dá certo no primeiro instante, vejo as coisas

pretas.

— Igor, você ainda vai se dá mal com esse tipo de

conversa. O presidente sabe o que quer. Deposito toda

confiança nele.

— O presidente se sentirá muito orgulhoso com isso,

Mitja. Mas sei perfeitamente que para ele você não passa

de um sabe-tudo. E o presidente não gosta desse tipo de

gente.

— Pense o que quiser. Ele gosta de mim conforme

desejo. Se estiver aludindo aos bons conselhos que lhe

dei, posso lhe assegurar que Wallerinski ficou muito

grato. O projeto da armadilha nas árvores será executado

assim que chegarmos ao rio.

— Não diga! Você conseguiu convencê-lo? Por que

resolveu atacar o general hoje?

— Pergunte a ele! De qualquer maneira meus

conhecimentos táticos bastam para que eu saiba que, por

aqui, uma armadilha nas árvores seria um jogo de loteria.

Mas no rio o general não poderá deixar de usar a

passagem situada acima das cataratas. Conforme deve

estar lembrado, do lado oposto existe um desfiladeiro

bem profundo. Terá que passar por lá. Basta que no

momento exato nos encontremos em cima das árvores

e...

— Calem a boca! — queixou-se outro dos homens.

— Se cada um de vocês quiser gritar mais que o outro, o

barulho fará com que as patrulhas de Tomisenkow

estejam aqui antes dos nossos companheiros. Mitja, você

está de sentinela. Abra os olhos e os ouvidos. E os outros

vão ficar deitados. Se não estiverem gostando, contem ao

presidente. Mas não me causem problemas.

O último dos interlocutores parecia ser um oficial

subalterno. De qualquer maneira possuía certa

autoridade. Perry Rhodan não gostou nem um pouco.

Enquanto os homens conversavam, se distraíam. Mas

agora o menor ruído poderia revelar sua presença.

De outro lado, porém, o barulho produzido pelas

criaturas que habitavam a floresta ainda poderia ser

usado como cortina sonora. Bastava aguardar o bater das

asas de um pássaro ou o chamado de algum bicho que se

encontrasse numa árvore para que Rhodan pudesse se

mover sem ser ouvido. Apenas, a operação progredia

mais lentamente do que fora planejada.

Com uma trepadeira da grossura de um dedo fez uma

espécie de laço. Havia uma alça na ponta. Fez o artefato

avançar centímetro por centímetro, até enfiar a alça por

cima do cano de uma carabina. Com um puxão fechou a

alça, que encontrou apoio no dispositivo de mira.

Demorou uma infinidade até que conseguisse se apossar

da arma. E ainda lhe faltava um suprimento suficiente de

munições e mantimentos.

A presa seguinte que escolheu foi uma caixinha com

a inscrição “extrato de carne”. O laço teria que ser um

pouco maior. Conseguiu aproximá-lo do objetivo. Mas

quando deu o puxão final, a caixa tombou ruidosamente.

A sentinela se levantou imediatamente.

— Stoj! — soou seu comando, embora não pudesse

ver Rhodan. No mesmo instante os outros soldados

puseram-se de pé e num gesto automático pegaram as

armas.

Rhodan percebeu imediatamente que diante dessa

bateria de carabinas prontas para disparar não teria a

menor chance de fugir. Para compensar a inferioridade

de forças teria que recorrer à inteligência e ao blefe.

Levantou-se calmamente, apontando o cano da

carabina recém-capturada para o chão.

— Levante as mãos! — foi à ordem que recebeu.

Evidentemente não tomou conhecimento dessa

ordem. Aparentemente contrariado, passou por cima de

uma raiz e chegou mais perto das cinco sentinelas.

— Pare imediatamente!

Rhodan fez exatamente isso. Seu rosto exibiu um

sorriso matreiro e a expressão de um superior

insatisfeito.

— Quem está no comando? — indagou em tom

autoritário, num russo impecável.

Page 84: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

84

Sua atitude autoconfiante deixou os cinco perplexos.

Nenhum deles se lembrou de repetir a ordem de levantar

as mãos.

— Que diabo! Será que todo mundo perdeu a fala? —

esbravejou Rhodan, prosseguindo na aplicação da mesma

receita. — Que tiroteio é esse? Será que estes guerreiros

de salão pertencem ao seu grupo?

Finalmente um dos homens do Bloco Oriental pôs-se

a falar.

— Meu nome é Ilja Iljuchin, senhor.

— Não tem nenhuma graduação?

— As graduações foram abolidas desde que o

presidente Wallerinski...

— Cale a boca!

Perry usou um tom cada vez mais arrogante, pois

esperava que uma voz de comando retumbante não

deixaria de produzir algum efeito.

— Fiquem sabendo que sou o comissário Danov, R.

O. Danov. O governo do Bloco Oriental, formado há

trinta dias, desembarcou unidades pesadas em Vênus,

para restabelecer a paz e a ordem. A breve palestra que

mantive com os senhores me deu a impressão de que na

divisão de Tomisenkow surgiram costumes bastante

estranhos, que dificilmente contarão com a boa

compreensão do governo. Recomendo-lhes que

procurem se lembrar imediatamente do seu juramento e

dos seus deveres.

— Não pertencemos à divisão de Tomisenkow,

comissário.

Rhodan viu Mitja dar um soco nas costelas do

interlocutor. Mas nem por isso a confissão de

amotinamento poderia ser retirada.

— Mais tarde falaremos sobre os detalhes. Por

enquanto façam parar esse tiroteio estúpido. Qual foi o

nome que disse há pouco? Wallerinski?

— Tenente Wallerinski, comissário.

— Muito bem! Esses dois aí seguirão imediatamente

para informá-lo sobre a nova situação. A partir de hoje os

comissários detêm todo poder de comando em Vênus.

Quero que o tenente e seus companheiros estejam aqui o

mais tardar dentro de trinta minutos. O que estão

esperando?!

Rhodan olhara instintivamente para os dois pacifistas

que lhe pareciam ter um caráter mais independente.

Precisava se livrar deles por algum tempo. Obedeceram.

Sem esboçar o menor protesto, puseram-se a caminho

em direção ao norte. Quando desapareceram entre a

vegetação, Rhodan ainda tinha três inimigos diante de si.

Essa alteração favorável da relação de forças deixou-o

mais otimista.

— Soltem as carabinas. Enquanto não tiverem

renovado seu juramento, não posso concordar que usem

armas.

Por alguns segundos parecia que Rhodan estava

forçando a situação, que os três pacifistas estavam

percebendo o blefe. Os homens hesitaram. Mas logo teve

início um jogo de que mal chegou a ter consciência.

Rhodan ainda mantinha o cano da arma abaixado. O

aspecto que oferecia aos pacifistas não se tornaria mais

convincente se, ao erguer a pesada carabina, esta lhe

caísse da mão. O ombro ferido ainda não suportaria

tamanho esforço.

Mas seus olhos não haviam sido afetados. A potência

daquele olhar, que não podia ser confundida com a

hipnose corriqueira, mas antes representava o resultado

de um treinamento hipnótico arcônida, continuava

intacta.

A hesitação daqueles homens poderia se tornar

perigosa.

— Larguem as armas! — voltou a ordenar.

Proferiu estas palavras sem deixar se arrastar ao tom

de berreiro de um oficial subalterno. Mal chegou a

levantar a voz, mas esta não deixou de produzir o efeito

desejado.

Os pacifistas obedeceram.

— Meia-volta volver!

Estas palavras foram proferidas no tom incisivo de

um comando de pátio de quartel.

Mais uma vez os pacifistas, perplexos, obedeceram.

Rhodan abaixou-se, apanhou as armas e atirou-as

para trás de si. Todas, com exceção de uma. Tratava-se

de uma pistola leve, que conseguia manter erguida apesar

das dores que sentia no ombro.

— Meia-volta volver! — foi o comando que soou a

seguir. Mais uma vez fitou os três homens de frente.

Desta vez a pistola conferia-lhe uma superioridade total.

Até a experiência seguinte foi coroada de êxito, muito

embora uma pessoa menos treinada para uma obediência

cadavérica naquela oportunidade já lhe estaria causando

problemas. Mas para aqueles homens Rhodan era o

comissário R. O. Danov. Fizeram-lhe o favor de se

amarrar uns aos outros com cipós finos, mas muito

resistentes. Perry cuidou do resto. Amarrou-os a três

árvores diferentes, com o rosto voltado para o norte, e

ainda lhes colocou uma mordaça.

Depois de terem sido submetidos a esse tratamento,

os três pacifistas poderiam chegar à conclusão de terem

caído num golpe atrevido. Mas essa conclusão chegou

cinco minutos depois da hora.

Por mais algum tempo ouviram ruídos atrás de si, e

esses ruídos davam a entender que o estranho inimigo se

mantinha ocupado com seus pertences. Depois de algum

tempo o ruído dos passos e das trepadeiras tiradas do

caminho às pressas se afastou.

Se não fossem as mordaças, a essa hora uma praga

dramática sairia dos lábios dos três homens logrados.

* * *

Ao chegar à sua árvore, Perry Rhodan dispôs-se a

transmitir o sinal convencionado para cima. Mas Son

Okura já se encontrava a seu lado.

— Quando ouvi que você falava em voz alta, percebi

que tinha sido descoberto. Foi por isso que desci.

— Pois terá que subir de novo para apanhar nossa

bagagem. Temos que desaparecer o mais rápido possível.

Deixe para lá; mais tarde explico.

O visor de frequências arregalou os olhos para as

duas carabinas pesadas, as pistolas e a sacola com

conservas. Mas logo se pôs em movimento e foi buscar

as bugigangas que se encontravam na cabana.

— Temos que levar tudo isto — disse Rhodan em

tom indiferente. — Quanto antes. Dentro de vinte

minutos Wallerinski encontrará três homens amarrados

em seu acampamento, e se a essa hora não nos

encontrarmos a uma distância razoável, nossa situação

poderá se tornar bem difícil.

— Aguentarei alguns quilômetros — disse o pequeno

Page 85: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

85

Okura em tom confiante e pegou mais de metade da

bagagem.

Encontravam-se numa baixada. Às vezes a floresta

era tão densa que até parecia que fora montada por um

gigante, segundo um modelo sofisticado. Por maiores

que fossem os esforços, o deslocamento não poderia ser

muito rápido. Apesar disso, cada passo que conseguiam

dar representava mais um pedaço de segurança

reconquistada. A selva venusiana tinha muita vitalidade

e, segundo as concepções humanas, corria à frente do

tempo.

Certa vez Reginald Bell afirmara que bastava olhar

atentamente durante dois minutos para ver o crescimento

das plantas. Isso correspondia à verdade. Dali a meia

hora terrestre os perseguidores dificilmente

reconheceriam o caminho aberto por Rhodan e Okura.

* * *

— Minha munição acabou — fungou Thora perto do

general. Este lhe passou dois pentes de balas.

— São os únicos que ainda tenho comigo. Quando

tiverem acabado terá de rastejar duzentos metros para

atingir nosso grupo de abastecimento, se é que este ainda

se encontra em nosso poder. Só atire quando o inimigo

estiver perfeitamente visível.

— Como queira, general.

A batalha já se prolongava por quinze minutos. Mais

de trinta homens estavam reunidos em torno do general,

assumindo uma formação defensiva.

Nenhum dos pacifistas de Wallerinski se arriscara a

se aproximar dessa fortaleza em miniatura a menos de

cinquenta metros.

A ordem de economizar a munição não se dirigia

apenas a Thora. Tomisenkow mandou que a mesma fosse

transmitida de homem para homem.

— Só atirem quando tiverem certeza absoluta de que

vão acertar. Não poderei arrancar munição do ar.

Ninguém pensou em levantar ou abandonar a posição

defensiva. O contato com o restante da tropa havia sido

interrompido. Mas o tiroteio ininterrupto que vinha de

várias direções provava que, em outros pontos, posições

semelhantes haviam sido instaladas. Tomisenkow estava

convencido de que Wallerinski já não mantinha um

controle exato da situação. Por duas vezes ouvira a voz

do tenente ambicioso, que afinava de raiva, dar suas

ordens ao longe.

— Ouça madame. O presidente está ficando rouco de

tanto gritar. É um presidente. Ouviu bem? Um rapazola

desses quer ser presidente! Vênus está transformado num

hospício. Olhe! É assim que se faz. Aposto como nem

estava prestando atenção. Ali à esquerda, perto das três

orquídeas roxas, está um morto. É um pacifista que

resolveu brincar de guerra...

Tomisenkow encerrou suas palavras com uma risada

áspera.

Dali a uma hora estava rouco como seu inimigo. Só

cochichava quando transmitia suas ordens nervosas.

De repente Wallerinski suspendeu o combate. Suas

ordens foram ouvidas nas posições de Tomisenkow.

— Pode ser uma armadilha — disse Thora.

Os outros partilharam a suspeita manifestada por ela

e aguardaram mais algum tempo. Depois disso, o general

despachou mensageiros para frente e para trás e ordenou

à tropa que se mantivesse bem unida. Os oficiais foram

convocados para uma conferência. Os soldados e

sargentos tiveram que recolher os mortos.

Era uma atividade cansativa, que atrasou a marcha

por algumas horas. Mas não era a única desvantagem que

sofriam.

— O senhor ainda passará por muitas decepções

neste planeta — dissera Thora há pouco tempo. E agora

se lembrou dessas palavras.

Encontraram mais de cinquenta mortos. Mais da

metade pertencia ao grupo de Wallerinski. Mas nem por

isso a tropa de Tomisenkow ficou completa.

— Estão faltando vinte e sete homens — declarou

Tomisenkow durante a conferência de oficiais. — Pode

dar alguma explicação, coronel?

Popolzak deu de ombros.

— Provavelmente alguns mortos não foram

encontrados.

— Mas não podem ter sido vinte e sete.

— Talvez o resto se tenha unido a Wallerinski. O

senhor estaria em condições de dizer com quem cada um

dos seus homens simpatiza?

— Ora essa coronel! Que falas heréticas são estas?

Parece que até o senhor já foi infectado por este planeta.

— Todos nós estamos infectados, senhor general.

Cada um segundo sua predisposição individual. O senhor

também não escapou.

— Queira se explicar melhor!

— O senhor vive na ilusão de que ainda comanda

uma tropa disciplinada. Carrega pela selva uma

burocracia que mesmo em condições normais seria

considerada uma superorganização. O que há atrás disso?

Tudo está apenas no papel. E é com esses papéis

cobertos de relatórios, prestações de contas e relações de

objetos que o senhor se diverte na sua barraca de

comando. Mas do lado de fora as coisas são bem

diferentes. Os homens estão esfarrapados, não ligam para

qualquer disciplina assim que se encontram fora das suas

vistas e maldizem seu modo irreal de ver as coisas. Se

este resto miserável de uma divisão aerotransportada

ainda se encontra com o senhor, isso é devido somente

ao instinto gregário dos homens. Se pudessem, já teriam

fugido há tempo. Mas para onde quer que corram, o

inferno se abrirá diante deles. Só ficam por medo e pelo

instinto de autoconservação. Mas não acredite que ainda

pensam que o senhor é capaz de nos levar a um paraíso.

Mesmo seus planos com a fortaleza de Vênus soam

como uma fala impregnada de sonho e de lenda.

Depois da longa fala de Popolzak reinou um silêncio

total.

O general empalidecera até a raiz dos cabelos. Sua

resposta aniquiladora não veio.

— É verdade? — perguntou depois de algum tempo.

Falava muito baixo e, todos sabiam, ele não o fazia

apenas para poupar suas cordas vocais cansadas.

Suas palavras não despertaram qualquer eco.

Ninguém se atreveu a comentar o problema.

— Está bem — disse Tomisenkow depois de algum

tempo. — Refletirei sobre suas palavras, coronel. Acho

que a esta hora todos estamos tão nervosos que não

podemos dar um tratamento objetivo ao tema.

A tropa prosseguiu em sua marcha.

Às cento e quarenta e três horas atingiram o rio e

usaram a passagem que ficava acima das cataratas. O

Page 86: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

86

amplo desfiladeiro representava um convite para

prosseguir na marcha.

De repente um cabo trouxe um bilhete que um

soldado encontrara pregado a uma árvore.

— Não passe pelo desfiladeiro general — leu

Tomisenkow. — Os pacifistas instalaram-se nas árvores

e planejaram um ataque maciço.

— Que diabo! Quem iria me escrever uma careta

dessas?

Thora foi à única que poderia responder à pergunta,

pois conhecia a letra. Mas preferiu não fazê-lo.

V

John Marshall sentia que havia chegado ao fim das

suas forças.

Metade de uma manhã em Vênus representa muito

mais que um dia inteiro na Terra. E durante todo esse

tempo Marshall sempre voltara a se esforçar para

despertar a atenção das focas.

Sabia que residiam na margem oposta do braço de

mar. Essa distância, que era superior a trezentos e

cinquenta quilômetros, poderia induzir dúvidas até

mesmo no otimista mais inveterado. Mas, de outro lado,

o mar era o habitat natural dessas semi-inteligências

animais. Não era de supor que nadassem muito longe e

se aproximassem da margem em que Marshall se

encontrava?

Por que não o ouviam?

Teriam seguido um instinto nômade e procurado

outra região? Mas quando um bando de focas desse tipo

abandona certa área, esta passa a ser ocupada por outro

bando da mesma espécie. Em meio à vitalidade de Vênus

não poderia existir um vácuo biológico.

John Marshall se afastara bastante. A dois

quilômetros a oeste do ponto em que havia atingido o

mar, uma península rasa penetrava profundamente na

água. Não passava de um banco de areia. A vegetação

cessava depois de cem metros. As pegadas das botas de

Marshall formavam um rastro de um quilômetro, que

parecia conduzir a uma solidão sem esperança, a um

beco sem saída.

Encontrava-se na ponta da península. Estava cercado

de água de três lados. O mar estendia-se até o horizonte.

A cadeia montanhosa do norte escondia-se atrás da

curvatura da terra.

Por que as focas não o ouviam?

A intensidade de seus chamados telepáticos foi se

tornando cada vez menor. Intercalou pausas cada vez

mais longas, para recuperar as forças. Mas não era

apenas a debilidade física que reduzia seu poder de

concentração: a depressão psíquica o afetava muito mais

profundamente.

Por que não o ouviam?

A pergunta incessantemente repetida levou a novo

choque, quando subitamente acreditou ter encontrado

uma resposta. As frequências não combinam! O emissor

e o receptor devem estar sintonizados segundo os

princípios mais elementares da física. Marshall se

lembrou do primeiro encontro com as focas. Naquela

oportunidade precisaram de uma bateria completa de

instrumentos para possibilitar o contato entre os animais

e os homens. A linguagem das focas era transmitida pela

faixa do ultrassom e por isso mesmo não era perceptível

ao ouvido humano. Tornava-se necessário transformar o

ultrassom através de um conversor de frequências: após

isso a linguagem das focas tornava-se inteligível através

de um analisador cerebral e de um codificador

positrônico.

Por alguns segundos, Marshall parecia perplexo.

Logo se deu conta de que não concluíra seu raciocínio

sobre o problema. Afinal, não era possível que Perry

Rhodan fosse um idiota para mandá-lo sozinho para a

selva a fim de executar uma tarefa que não tinha as

menores perspectivas de êxito.

“Sou um ótimo telepata”, foi esta a ideia que Rhodan

impôs à sua mente. “Por isso posso dispensar esses

recursos tecnológicos. As ondas de pensamento sempre

são ondas de pensamento, a frequência não muda. Isso

se aplica às focas e a mim. Têm de me ouvir. A não ser

que sejam tão fleumáticas que resolveram ignorar meu

pedido de socorro.”

Estendera-se na areia para ter um descanso total de

pelo menos trinta minutos. Não mexeria um dedo. Não

pensaria em nada.

Quando os trinta minutos haviam passado, cavou um

buraco com a mão e enterrou os objetos que trazia

consigo. O buraco se encheu de água. Mas as conservas e

a carabina pesada eram imunes à umidade.

Aliviado da bagagem foi entrando mar adentro, até

que conseguiu mergulhar completamente. Sabia do

perigo que corria. A água gosmenta e viscosa, totalmente

diferente da que conhecemos na Terra, corria quase

como o óleo. Estava muito mais impregnada de algas e

micro-organismos que o nosso mar e poderia lhe reservar

surpresas de que a ciência humana não desconfiava. Mas

Marshall não tinha outra alternativa.

A água transmite as ondas sonoras com maior rapidez

e intensidade que o ar. Por que a mesma coisa não

poderia acontecer com as ondas emitidas por um cérebro

telepático?

Mergulhou completamente e se concentrou. Procurou

usar um vocabulário bem simples, para que as focas não

tivessem dificuldade em compreendê-lo.

Durante as pausas que fazia punha a cabeça fora da

água para respirar.

Repetiu o jogo cinco vezes. Da última vez, os

projéteis disparados por uma carabina automática

atingiram a água perto dele, obrigando-o a voltar a

mergulhar imediatamente.

No mesmo instante esqueceu as focas. Atrás dele

havia homens que eram muito mais perigosos que o

mundo selvagem de Vênus com seus mistérios.

Uma vez embaixo da água, avançou para a direita até

que os pulmões vazios o forçaram a vir à tona. Deitou de

costas, para poder respirar sem pôr a cabeça toda fora da

água. Seus olhos revirados captaram um grupo de seis

homens, que se aproximavam pela península sem

demonstrar a menor preocupação de se abrigar. Tinham

consciência de sua superioridade. Ao que tudo indicava,

já vinham observando Marshall há bastante tempo:

provavelmente teriam percebido que deixou suas armas

na ponta da península. Talvez acreditassem mesmo que

já o haviam liquidado. Não atiravam mais e não corriam,

apenas andavam apressadamente.

A altura do banco de areia ainda oferecia alguma

Page 87: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

87

proteção: desde que Marshall se comprimisse bem ao

solo, não seria visto. Era evidente que não poderia

permanecer na água nem mais um segundo. Se os

homens do Bloco Oriental chegassem antes dele ao lugar

em que se encontrava sua bagagem, não teria a menor

chance.

Enquanto se encontrava na água, deslocou-se por

meio de movimentos rítmicos dos pés até sentir chão

firme embaixo das costas. Depois disso, girou o corpo

para ficar de barriga para baixo e rastejou para frente.

Ao abrir o buraco em que enterrara sua bagagem,

formara involuntariamente um monte de areia, que agora

poderia salvar sua vida.

Rastejou um pouco para a esquerda, até que o monte

de areia ficasse exatamente na linha de visão dos seis

homens. Depois voltou a rastejar para frente e atingiu

suas armas e sua bagagem sem ser visto.

Os seis homens se encontravam a pouco mais de

duzentos metros.

Enterrou-se mais um pouco no chão molhado e

segurou as duas armas que trazia consigo: a pesada

carabina automática que havia apresado e o radiador de

impulsos facilmente manejável. Quando sentiu a coronha

encostada ao seu ombro teve uma sensação de alívio.

Respirar três vezes... apontar.

O cano descansava sobre o monte de areia. A

pontaria era fácil.

Puxou o gatilho. No último instante atirou o cano

para cima: não queria atingir ninguém. Seria um tiro de

advertência. A decência exigia que ele o desse.

Será que a decência compensaria nessa luta

implacável?

Marshall não sabia. Nem por isso estava arrependido

do que havia feito.

Seus inimigos se assustaram. Se eles tivessem se

virado e corrido, Marshall nunca teria concebido a ideia

de fazer pontaria sobre suas costas. Mas a opinião

daqueles seis homens era diferente. Jogaram-se ao chão e

iniciaram o ataque.

A série de impactos produzidos pelas armas de

infantaria atirou a sujeira para o alto. Marshall logo

percebeu que o pequeno monte de areia que tinha diante

de si não poderia substituir um abrigo subterrâneo. Não

devia ter mais nenhuma consideração, se estivesse

interessado em sair vivo daquela armadilha.

Os homens queriam matá-lo. Seus pensamentos eram

idênticos aos do homem que teve que matar poucas horas

antes.

Marshall largou a carabina e pegou o radiador de

impulsos. Não via os inimigos.

Abriu um fogo ininterrupto de dez segundos, formado

exclusivamente por energia térmica. A energia

desprendida pela arma bastaria para incendiar uma

parede de aço. E as chances do homem seriam muito

menores num inferno desses.

Os seis homens deviam estar mortos. Apesar disso

Marshall esperou mais uma hora antes de fazer qualquer

movimento.

Já eram sete os homens que tivera que eliminar. Era

evidente que com isso não liquidara o grupo inimigo. Ao

que parecia haviam colocado toda uma tropa de choque

no seu encalço. A floresta poderia ocultar uma

companhia inteira.

Suas suspeitas logo se confirmaram. Um tiro isolado

soou ao longe. Na costa surgiram dois homens que

corriam apressadamente por um desfiladeiro.

A demonstração feita com a arma de impulsos

térmicos tornara o inimigo mais cauteloso. Mas este não

tinha necessidade de assumir qualquer risco. Marshall

estava preso na armadilha. A península de cerca de

oitocentos metros de comprimento só se ligava à terra

firme por uma estreita faixa de terra. Se tentasse escapar

por ali, se transformaria no alvo de atiradores de elite

escondidos na floresta. E se atirasse às cegas para a

floresta estaria fazendo a maior tolice que se poderia

imaginar. Diante da selva de Vênus, até um radiador

arcônida de impulsos térmicos não passava de um

brinquedo ridículo.

John Marshall não teve outra alternativa senão

melhorar sua posição atual. Deitado de lado, abriu com a

carabina sulcos profundos na areia. Aos poucos foi se

formando uma cavidade achatada, na qual se abrigaria

deitado. A água que foi se infiltrando não deveria

incomodá-lo.

Também o monte de areia foi reforçado, não tanto em

altura, mas principalmente em largura. Sua massa devia

ser suficiente para resistir ao projétil disparado por uma

arma pesada de infantaria. Nem poderia pensar na

possibilidade do inimigo se equipar com lança-granadas

ou canhões leves.

Quem dera que as focas chegassem! Bem que estava

precisando de um aliado. Mas será que ajudariam um

homem a lutar contra outros homens? Sem dúvida, se

este homem fosse um telepata.

O que lhe inspirava maiores esperanças era a

lembrança de Perry Rhodan, que pretendia segui-lo

lentamente em companhia de Son Okura. Onde estariam

a esta hora?

Marshall apalpou a pulseira, que além de outros

equipamentos continha um minitransmissor. As

comunicações pelo rádio haviam sido proibidas. Mas

Rhodan permitira o uso do emissor em caso de

emergência. Portanto, a decisão caberia ao próprio

Marshall.

Será que o consideraria um covarde se expedisse um

pedido de socorro? Hesitou alguns minutos. Por fim,

num gesto decidido, puxou a rodinha que ativava o mini-

transmissor. Com a unha puxou a antena. O aparelho já

estava regulado para a frequência combinada.

— Alô, Perry Rhodan! Aqui fala John Marshall.

Estou chamando Perry Rhodan. Encontro-me numa

situação de emergência.

Esperou.

Passaram-se dez segundos. O impulso transmitido

pelo emissor causaria a ativação automática do receptor.

Finalmente veio a resposta.

— Rhodan falando! O que houve Marshall?

Conseguiu alguma coisa?

— Não. As focas não dão sinal de vida. Tentei

durante várias horas. Há gente do Bloco Oriental que

está no meu encalço. Conseguiram me cercar. Encontro-

me numa península em que não existe qualquer

vegetação. Minha única proteção consiste num monte de

areia. O inimigo está protegido na floresta. Tenho uma

segurança relativa diante de armas leves de infantaria.

Mas tenho de contar com a possibilidade de que a

patrulha inimiga consiga trazer ou já disponha de

morteiros. Não há dúvida de que estão atrás de mim.

Page 88: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

88

Pode fazer alguma coisa para me ajudar?

— Que diabo, John! Você está mesmo em maus

lençóis. Ainda bem que me avisou. Neste momento reina

a maior confusão nas fileiras de Tomisenkow e dos

rebeldes. Por enquanto não nos preocuparemos com os

goniômetros dos mesmos. Okura e eu conseguimos

passar na frente das tropas do general. Já temos uma boa

vantagem. Calculo que dentro de quatro horas

poderemos chegar ao lugar em que se encontra. Aguente

até lá. A partir das cento e cinquenta horas transmita um

vetor de rádio de dez em dez minutos, para que possamos

tomar logo a direção correta. Não desanime, Marshall!

Nós o tiraremos daí.

Pouco depois do fim da palestra radiofônica, os

soldados que se encontravam na praia voltaram a atirar.

Em três pontos, Marshall reconheceu o fogo dos canos

das armas e respondeu prontamente com o radiador de

impulsos térmicos.

A mil metros de distância a arma de radiações ainda

atingia o alvo com mais de dois terços de sua energia. Na

beira da floresta surgiu uma incandescência azulada que

produziu uma forte condensação da suculenta vegetação.

Num instante um pequeno trecho da linha costeira se

cobriu de uma densa camada de neblina.

— Hum — fez Marshall, satisfeito. — Nem contava

com este efeito da minha arma. Abrirei um pequeno fogo

de barragem e envolverei essa gente na neblina. Isso os

irritará e os manterá ocupados por algum tempo.

* * *

— Vamos, Okura! Somos dois inválidos, mas temos

de aumentar nossa velocidade mais um pouco. Será que

você consegue?

O mutante tentou esboçar um sorriso confiante, mas

não conseguiu. Rhodan viu que o rapaz estava realizando

um esforço que ultrapassava sua capacidade.

— Venha cá, Son. Passe as três carabinas,

espingardas e o saco de mantimentos. É minha vez de

fazer o papel de burro de carga.

— Não fale como se eu até aqui tivesse levado a

carga sozinho. E não se esqueça do seu ombro.

— Bobagem! Meu ombro está em vias de se curar.

Passe para cá essas bugigangas e pegue o facão. Nos

quilômetros que se seguem você irá à frente. Terá

bastante para fazer.

O gracioso japonês obedeceu. Continuaram a avançar

pela selva.

Há muito haviam deixado para trás a passagem pelo

rio.

Rhodan, que havia recebido o pedido de socorro de

Marshall, não pôde permanecer por mais tempo nas

proximidades de Thora. Tinha de chegar ao mar quanto

antes. Só lhe restava fazer votos de que alguém da tropa

de Tomisenkow tivesse encontrado o bilhete que

continha a advertência sobre a armadilha montada por

Wallerinski.

A hora já passara e não se ouvira nenhum tiro.

— É claro que encontraram o bilhete — asseverou

Okura. — Se Tomisenkow tivesse passeado embaixo

daquelas árvores em que Wallerinski se mantinha a

espreita, já teríamos ouvido o barulho de outra batalha.

— Se for assim, por enquanto Thora está em

segurança. Não demorará muito e nós a tiraremos de lá.

Assim que a noite descer sobre o planeta, você será nossa

arma mais potente, Okura...

Perry Rhodan estava aludindo à capacidade de ver as

frequências, de que Okura era dotado. Embora para

enxergar normalmente Okura precisasse de óculos, ele

possuía olhos que dificilmente outro homem conhecia.

Sua visão penetrava profundamente nas faixas do

ultravioleta e do infravermelho. Isso significava que

enxergava muito bem de noite.

— Quando a noite descer sobre o planeta... — repetiu

Okura. Pelo tom em que pronunciava as palavras, até

parecia que ansiava pela noite. — Não sei por que, mas

acho a divisão do tempo na Terra muito mais simpática

que a que temos aqui. Até o anoitecer faltam mais de três

dias. E até lá temos de libertar Marshall da situação

crítica em que se encontra.

— Não é até lá — asseverou Rhodan em tom áspero.

— Acho que o tempo de que dispomos é muito menor.

Os últimos quilômetros foram percorridos com uma

relativa facilidade. Isso não dependia tanto da natureza

do terreno, mas antes da rotina que adquiriram ao lidar

com a selva.

Captaram regularmente o vetor transmitido por

Marshall e isso lhes permitiu seguir pelo caminho mais

curto.

Pelas cento e cinquenta e duas horas, Rhodan afirmou

que estava cheirando o mar.

— Muito cuidado, Son! — advertiu. — Esta floresta

está cheia de combatentes sem escrúpulos.

Subitamente viram o mar junto de si. A visão os

surpreendeu um pouco. Poucos minutos antes ainda se

viram diante de uma vegetação densa e rebelde.

— Hum — resmungou Rhodan. — Não se vê muita

coisa. Que neblina!

Okura sorriu.

— É uma neblina muito estranha, mas não me

incomoda nem um pouco. Se não me engano ela vai se

tornando cada vez mais densa para o lado esquerdo.

— Você não está enganado, Son. Consegue enxergar

alguma coisa?

— Enxergo muito bem. A menos de trezentos metros

daqui pelo menos vinte homens estão deitados na orla da

floresta.

Estão simplesmente deitados no capim, porque

acreditam que a neblina os protege contra a visão.

— E Marshall?

— A península fica pouco adiante.

— Ah, sim. Vejo a ponta lá fora. E vejo um ponto

negro. Deve ser John. Não compreendo como a neblina

pode se concentrar num espaço tão reduzido. No resto da

área a visão é perfeita.

Okura não soube responder.

— Quer que avance sozinho? — perguntou. — Será

fácil achar o meu caminho.

— Um momento: isso tem tempo. Rhodan enfiou as

mãos numa sacola que tirara dos pacifistas. Retirou duas

cargas explosivas.

— Acho que isso os despertará. Voltaram à floresta e

aproximaram-se do grupo inimigo por trás. Colocaram as

duas cargas explosivas num flanco do grupo e regularam

os detonadores para uma diferença de trinta segundos.

Depois se retiraram apressadamente. Muito bem

abrigados, acompanharam o desenrolar dos

acontecimentos.

— Falta um minuto — murmurou Rhodan.

Page 89: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

89

Okura confirmou com um aceno de cabeça.

A primeira carga explodiu.

— Levantaram-se e estão correndo confusamente de

um lado para o outro. Gritam alguma coisa...

— Estou ouvindo.

— A maioria deles procurou uma cobertura no

próprio local.

— E os outros?

— Três estão fugindo, para o oeste. Vão correndo

pela praia. Um deles parece ser corajoso: caminha em

direção à floresta. Está com a carabina em posição de

atirar.

— Diz que isso é coragem? Esse sujeito ficou

maluco.

Os trinta segundos passaram.

A segunda carga explosiva detonou. A confusão nas

fileiras inimigas foi total. Todos esperavam novas

detonações, cuja origem por enquanto era desconhecida.

Face a isso teve início uma retirada geral para o oeste,

que degenerou até que cada um corria o mais que podia.

Corriam pela costa, pois na praia o deslocamento era

mais fácil.

— O acesso à península está livre — disse Okura em

tom exaltado.

— Vamos, meu filho — decidiu Rhodan. Assumiram

suas posições no início da península.

— Verifique o terreno a oeste — ordenou Perry,

mantendo-se ocupado com o rádio. — Venha, John.

Libertamos a passagem. Você nos encontrará no ponto

exato em que a península se liga à terra firme.

— Pelo sagrado Universo, chefe! Isso foi um trabalho

bem feito. Já dispõe de peças de artilharia?

— As explicações ficam para depois. Antes de mais

nada quero ver se ainda está inteiro.

Quando o vulto de John Marshall surgiu na neblina,

novas detonações rugiram ao longe. Pela sua intensidade

concluía-se que eram cargas de grosso calibre.

— O que foi isso? — gemeu Son Okura.

— Acho que foi um bombardeio — disse Rhodan em

voz baixa, falando entre os dentes. — Vivo dizendo que

alguns cavalheiros que se encontram em Vênus erraram

nos seus cálculos.

VI

Haviam escapado da armadilha de Wallerinski. Mas,

quando o general Tomisenkow viu os quatro helicópteros

que se lançavam ao ataque, soube que fugira da chuva

para entrar no chuveiro.

A primeira salva de bombas caiu quase toda na selva.

Apenas as últimas três detonações vinham da área em

que Tomisenkow supunha sua vanguarda.

— Isso é traição. Chamarei essa gente a prestar

contas...

— Procure se abrigar — interrompeu-o uma voz. Era

o coronel Popolzak. — Espalhem-se pela floresta de

ambos os lados do caminho.

Num instante o desfiladeiro bem visível parecia

varrido. Apenas algum material deixou de ser retirado.

Mais uma vez as cargas de TNT foram lançadas em

meio à confusão da selva, atirando para o ar uma mistura

de galhos, árvores inteiras e cipós.

Dentro de dois minutos tudo chegou ao fim.

— Voltarão — afirmou Thora, que com uma

repugnância indisfarçável removeu a sujeira de sua

roupa.

— O que é que a senhora sabe? — berrou

Tomisenkow.

Thora deu de ombros.

— Não sei nada, general. O ataque não foi

desfechado pelo meu exército. Mas procure refletir

intensamente. Deve ter reconhecido as insígnias dos

aparelhos.

— Os helicópteros são do Bloco Oriental, madame.

Conheço-os pelo tipo. São os maiores, os mais rápidos...

— Já sei. Os maiores, os mais rápidos e

provavelmente os primeiros do mundo — respondeu

Thora em tom zombeteiro.

— Cale-se! Eu lhe...

De tanto nervosismo ninguém deixava que o outro

terminasse. O general interrompeu Thora. E o coronel

Popolzak interrompeu o general.

— Deve haver mortos, general. Tem alguma ordem

para mim?

— Não está em condições de decidir a respeito disso,

coronel? Mande recolher os mortos e reúna a divisão.

Preciso falar com todo mundo.

Tomisenkow olhou para a arcônida. Subitamente

segurou-a pela mão.

— A senhora virá comigo.

Thora foi obrigada a segui-lo para a coluna de

comunicações, que há vários meses só existia pelo nome.

Os telegrafistas eram soldados de infantaria esfarrapados

como os demais.

— Kossygin! — berrou Tomisenkow.

Um cabo surgiu entre um montão de aparelhos.

— Às ordens, general.

— A proibição das comunicações radiofônicas está

suspensa. Ligue um microfone e um rolo de fio

magnético para gravar o som.

— Não quer se comunicar em código?

— Que diabo! Não faça perguntas, cabo.

— Desculpe general, que frequência devo ligar?

— Ora essa! A frequência normal! Acha que quero

ter uma conversa particular? Fique aqui mesmo,

madame. Não vai fugir para a selva justamente agora!

Thora só recuara alguns passos para sentar num

tronco tombado. Para surpresa de todos, sorriu.

— Não se perturbe general. Não vou fugir.

Kossygin fez uma prova, gravando e reproduzindo

sua própria conversa.

— O emissor está preparado, general.

— Aqui fala o general Tomisenkow, comandante da

divisão aerotransportada Vênus. Ordem destinada aos

quatro helicópteros. Pousem imediatamente em minha

área e se apresentem. Acusem o recebimento e declinem

o nome do oficial que se encontra no comando.

Para surpresa geral a resposta foi imediata.

— Aqui fala o coronel Raskujan. Quero

cumprimentá-lo, general. Infelizmente vejo-me forçado a

decepcioná-lo se acredita que pode me dar ordens. Na

verdade, sugiro que capitule. Incondicionalmente,

compreendeu? Depois poderemos conversar

tranquilamente sobre os detalhes.

— Será que ficou louco coronel? De onde veio a esta

hora? Há um ano seu nome me foi indicado como o do

Page 90: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

90

subcomandante de uma frota de reforços. Será que levou

doze meses terrestres para percorrer a distância da Terra

até aqui?

— A viagem foi um pouco mais rápida. — disse

Raskujan com uma risada irônica. — Permita que lhe dê

alguns esclarecimentos sobre a situação atual. A frota de

reforços pousou há onze meses na superfície de Vênus.

Acontece que não havia mais qualquer divisão que

merecesse o apoio trazido pela mesma. General eu quero

que fique sabendo que sou a única pessoa que dá ordens

em Vênus.

— Isso é um ato de insubordinação! — fungou

Tomisenkow para dentro do microfone que, de tanta

exaltação, mal conseguia segurar. — O senhor foi

destacado para o meu serviço pela autoridade espacial e

tem o dever de se apresentar a mim.

— É o que acabo de fazer. Espero que não se

incomode com a demora.

A voz de Raskujan porejava de ironia, o que fez com

que o general perdesse o resto de autocontrole que ainda

lhe sobrava.

— Repito pela última vez, coronel Raskujan.

Apresente-se imediatamente. Não vou discutir os

detalhes pelo rádio. Se não obedecer a esta ordem, será

chamado a prestar contas perante a instância mais

elevada.

— O senhor não está avaliando corretamente a

situação — respondeu Raskujan, passando a usar um tom

mais amável e objetivo. — A instância mais elevada sou

eu. Veja no ano passado um trecho de história. É um

pedaço de passado que devia lhe ensinar alguma coisa.

Quem dispõe de todo poder em Vênus sou eu, o coronel

Raskujan. O planeta está submetido às minhas ordens.

Pode acreditar que disponho dos meios para impor

minhas ordens a quem se opuser. Não confunda seu

bando de assaltantes com a divisão que já foi, general.

Repito minha oferta. Recomende aos seus soldados

embrutecidos que se entreguem incondicionalmente.

Estou disposto a transformar todos eles em pessoas

decentes e civilizadas. Tratarei cada um, segundo sua

capacidade e boa vontade. Com isto eu me despeço

senhor Tomisenkow. O senhor sabe como me encontrar.

O general ainda berrou para dentro do microfone

alguma coisa que soava como traidor. Mas era evidente

que o interlocutor já não estava recebendo a mensagem.

Subitamente aquele homem, submetido a uma série

de provações que atingiam o limite de sua capacidade

psíquica, mergulhou no silêncio. Pôs a mão no pescoço.

— Não force sua voz — aconselhou Thora com a

frieza que lhe era peculiar.

Seu sorriso não dissimulava o fato de que a derrota

daquele homem a alegrava.

— Como é que uma coisa dessas podia acontecer,

madame? Esse sujeito, o tal do Raskujan, já serviu numa

companhia comandada por mim. Conheço-o como a mim

mesmo. Era um ótimo soldado, e nada fazia desconfiar

de que um dia enlouqueceria.

— Em Vênus todo mundo enlouquece. Será que o

senhor acha que ainda é normal?

— Acontece que eu sou general e ele é coronel. Isso

devia bastar.

— Parece que em Vênus não basta, general. Já ouvi

falar num ditado que corre pela Sibéria. “Moscou é

longe”, costumam dizer. E nunca essa frase se aplicou

melhor a qualquer pessoa que ao senhor e a seu rival.

Aqui Raskujan começou tudo de novo. É outro planeta,

outra vida. Os fatos são estes.

— Acontece que ele usa o mesmo uniforme que eu.

Isto também é um fato.

— É possível que já tenha tirado o uniforme. Além

disso, os termos que usou durante a palestra e os

helicópteros que comanda causaram a impressão de que

o senhor se encontra diante de um poderio militar

perfeitamente organizado. Não há dúvida de que é o mais

forte. Mas por que digo estas coisas? O senhor tem olhos

que enxergam e sabe perfeitamente que os destroços de

sua divisão não passam de um grupo embrutecido.

— Madame! — indignou-se Tomisenkow, mas

interrompeu-se quando viu seu olhar gelado.

Parecia que entre os dois fora erguido um muro

invisível que não permitia qualquer contato. As palestras

ligeiras que mantinham vez por outra não podiam alterar

esse fato.

O coronel Popolzak anunciou que a divisão se

encontrava em forma.

Haviam encontrado trinta e oito mortos, que foram

amontoados num lugar um pouco afastado.

— Tiramos suas armas e seus papéis e depositamos

tudo no estado-maior.

— Está em ordem — disse Tomisenkow com um

aceno de cabeça, como se aquele instante o mais

importante fosse a exata contabilização.

— Está tudo em ordem, com exceção dos feridos —

observou Popolzak.

Tomisenkow lançou-lhe um olhar irritado, como se

nem tivesse pensado nessa possibilidade.

— Há quinze feridos — prosseguiu o coronel.

— O Dr. Militch não está cuidando deles?

— Está cuidando conforme pode. Mas como sabe

quase não dispomos mais de medicamentos e ataduras.

— Tem de se arranjar conforme pode. Para isso é

médico.

Popolzak nunca vira o rosto de Tomisenkow tão

estreito e decaído como estava hoje. E nunca ouvira o

chefe falar com tamanha indiferença nos mortos e nos

feridos. O surgimento de Raskujan devia tê-lo excitado e

deprimido terrivelmente.

O general revistou a tropa. Não se podia falar numa

divisão formada diante de seu superior. Nem em número,

nem pela apresentação dos homens. Os grupos estavam

reunidos o mais próximo que a vegetação intensa

permitia.

Dirigiu um discurso aos homens, no qual exprimiu

sem rebuços tudo aquilo que já transmitira pessoalmente

a Raskujan pelo microfone.

— Tivemos perdas — concluiu. — Mas não porque o

coronel Raskujan, o desertor, seja o mais forte, mas

apenas porque nos atacou à traição. Há um ano o

governo do Bloco Oriental mandou que seguisse para

Vênus a fim de nos apoiar. Empregaremos todos os

meios de que dispomos para obrigá-lo a prestar a

obediência que nos deve. Estamos prevenidos e

saberemos nos adaptar à situação. Mais alguns

quilômetros, e chegaremos ao mar. Nossa marcha

prossegue pelas baixadas da selva, onde a visibilidade é

nula. Os grupos de observação do inimigo não nos

encontrarão antes de atingirmos nosso objetivo. A

prisioneira arcônida garantirá nosso acesso à fortaleza de

Page 91: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

91

Vênus. No mesmo instante em que chegarmos lá,

ajustaremos nossas contas com Raskujan. Nem que lance

cem helicópteros contra nós. Não poderá resistir ao nosso

poder e será obrigado a se submeter. Os destacamentos

devem se preparar para iniciar a marcha. Os chefes de

companhia devem se apresentar ao Dr. Militch. O

transporte de todos os feridos que não podem se

locomover deve ser garantido. Muito obrigado.

* * *

A neblina artificial já se desvanecera.

Rhodan, Marshall e Okura penetraram um trecho na

floresta. Não se via mais nada dos homens do Bloco

Oriental, que se retiraram em direção ao oeste. Mas havia

o risco de que também penetrassem no mato e

procurassem se aproximar sorrateiramente. Uma vez que,

depois da detonação das duas cargas, não houve outras

explosões no local, poderiam se reanimar.

Rhodan era de outra opinião.

— As duas cargas que detonamos aqui não passam de

brincadeira em comparação com aquilo que acaba de

acontecer ali na selva. Não há dúvida de que foram

bombas. Não me consta que qualquer dos grupos que

conhecemos disponha de armas de calibre tão grosso. Só

há uma explicação, que já me ocorreu há bastante tempo.

— Está pensando na frota de reforço dos russos, não

é?

— Isso mesmo. Conforme sabem, há tempo vivo

quebrando a cabeça para descobrir onde pode ter ficado a

frota que há cerca de um ano surpreendentemente

lançamos numa confusão completa pouco antes de sua

chegada a Vênus. Eram duzentas naves, e destruímos

apenas trinta e quatro. Uma parte deve ter pousado em

Vênus. Mesmo que grande parte das máquinas restantes

tenha sido destruída no planeta, um cálculo grosseiro nos

leva à conclusão de que algumas devem ter chegado.

— Acredita que elas se mantiveram escondidas por

um ano? — perguntou Marshall em tom incrédulo.

— Por que não? Talvez isso se tornasse necessário

por razões de ordem tática.

Naquele instante o ribombar de outra série de

explosões atravessou a paisagem.

— Trata-se de bombas explosivas comuns —

constatou Marshall. — Devem ser os russos. De qualquer

maneira não se trata de uma expedição da Terceira

Potência.

— Desista dessa esperança, John. Se Bell não

consegue descer, nenhuma outra nave conseguirá. A

barreira erguida pelo cérebro positrônico é

intransponível. Por isso também se torna evidente que

essa gente que agora está lançando as bombas já se

encontrava aqui quando nós chegamos. E devem dispor

de aviões.

Os dois mutantes não sabiam o que dizer.

— De qualquer maneira há um certo paradoxo

naquilo.

— Só para quem não sabe o que há atrás disso —

asseverou Perry Rhodan.

Subitamente estacou. Okura e Marshall também

inclinaram a cabeça para o lado, como se prestassem

atenção a um ruído distante.

Um rugido leve e abafado enchia o ar. Não era o

ribombar do bombardeio.

— Olhem! — disse Okura de repente e apontou para

o sudeste. Rhodan e Marshall não viram nada.

— São helicópteros. Santo Deus, não os reconhece

mais?

— Pelo ruído parece que tem razão, Son. Mas devem

estar voando naquelas nuvens baixas.

— Naturalmente. Desculpe não me lembrava.

— Continue a observá-los. Estou interessado em

saber que direção vão tomar.

Num gesto instintivo manipulou seu receptor. Fez o

seletor de freqüências percorrer a faixa usual das ondas

ultracurtas. O condensador seletivo pôs-se a funcionar

automaticamente quando houve uma recepção.

Rhodan encostou a pulseira ao ouvido e testemunhou

a palestra travada entre o general Tomisenkow e o

coronel Raskujan. Marshall e Okura seguiram seu

exemplo, pois ambos usavam uma pulseira igual à de

Rhodan.

O diálogo breve e exaltado foi bastante instrutivo.

Rhodan esboçou um sorriso de satisfação, mas logo se

tornou sério.

— Tive razão. Seguiremos essa gente, desde que nos

façam o favor de prosseguir por mais algum tempo nas

suas transmissões pelo rádio. Uma das feições

características de grande parte da Humanidade consiste

no fato de sempre ter que viver na discórdia, esteja onde

estiver. Aqui em Vênus temos alguns cidadãos comuns

do planeta Terra, e já vivem quebrando a cabeça uns dos

outros. Acontece que o cosmos está à nossa porta, e

temos de aprender a lidar com essas coisas. Parece que a

palestra chegou ao fim. Que pena!

— Não acha que devíamos escutar mais um pouco?

— sugeriu Okura.

— É claro que sim. No momento não temos coisa

melhor para fazer. Mas basta que um de nós cuide disso.

Penetraram mais um pedaço na floresta. Marshall e

Okura, que tinham os melhores dons de observação

natural, cuidaram da retaguarda. Rhodan observou o

terreno em direção ao litoral e manteve seu receptor em

atividade.

Os helicópteros já haviam desaparecido sobre o mar,

atrás da linha do horizonte. Finalmente, depois de

passados mais de noventa minutos, palavras voltaram a

soar no éter. Tratava-se de uma ligeira palestra entre um

dos pilotos e a base. Mas isso bastou para que Rhodan

realizasse a localização goniométrica. O resultado foi

registrado imediatamente na pequena bússola giratória

que também se encontrava na pulseira, para que pudesse

ser interpretado posteriormente.

— Já localizamos o quartel-general de Raskujan.

A exclamação despertou a atenção dos dois

companheiros.

— Onde fica? É muito longe?

— Um momento! Não sou nenhum mágico! Com a

antena goniométrica só posso determinar a coordenada.

Temos a direção, e isso já vale muito.

Rhodan tirou o livro de anotações do bolso e

desenhou um croqui da parte norte do planeta. Registrou

o mar primitivo com o braço de trezentos e cinquenta

quilômetros que se estendia terra adentro os acidentes da

área em que se encontravam e o bloco continental com a

tão cobiçada base de Vênus.

— No momento estamos aqui. Aqui, mais ao sul,

foram lançadas as bombas, e os helicópteros voltaram

Page 92: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

92

por esta rota.

Traçou uma linha para o nordeste, que atravessava a

enseada e prosseguia terra adentro no lado oposto.

— A segunda coordenada deve ser estimada —

prosseguiu. — Mas como dispomos de uma série de

dados, poderemos calcular a distância com um grau de

precisão bastante satisfatório. Conhecemos o tempo de

voo dos helicópteros. Além disso, sabemos que seu

percurso toca um ponto geográfico bastante crítico. Fica

aqui...

Fez uma cruz na folha de papel e os dois amigos

compreenderam imediatamente de que se tratava. A cruz

ficava na periferia da abóbada energética de cinquenta

quilômetros de diâmetro que cercava a base de Vênus. E

ficava no ponto exato em que doze meses antes Rhodan

lançara um ataque contra as forças de Tomisenkow.

Numa faixa de vários quilômetros, a paisagem fora

transformada em terra morta. Toda a vegetação fora

extinta.

— É a picada gigante — disse John Marshall em tom

pensativo.

— É claro — confirmou Rhodan. — Para qualquer

um que ande vagando por Vênus, o Eldorado só pode ser

nossa base. Raskujan quer entrar na fortaleza, da mesma

forma que nós e Tomisenkow. E foi por isso que durante

um ano não se preocupou com os grupos esparsos. Está

alojado nessa grota que transformamos em terra

queimada. É o campo de pouso ideal para as naves

espaciais e fica a poucos quilômetros da abóbada

energética. Cavalheiros, tenho a impressão de que

devemos cuidar de Thora. Thora e eu somos as pessoas-

chaves para o acesso à fortaleza! Raskujan deve estar de

olho em Thora.

— Mas nesse caso não poderia se lançar sem mais

nem menos a um ataque contra Tomisenkow — objetou

Okura. — Precisa de Thora viva.

— Naturalmente. Provavelmente soube através de

outros grupos esparsos como anda a situação. Os colonos

ou alguns desertores do grupo de pacifistas terão contado

tudo. Por certo o bombardeio não passa de uma

demonstração, através da qual pretende mostrar seu

poder a Tomisenkow. Um helicóptero permite uma

pontaria tão exata que até se pode errar o alvo de

propósito. Se minhas suposições forem corretas, dentro

em breve Raskujan tentará raptar Thora. Devemos nos

antecipar a ele.

Fazia horas que não se via nem se ouvia nada da

patrulha formada pelos homens do Bloco Oriental.

Provavelmente se juntaram à sua tropa. O bombardeio

seria um motivo mais que suficiente para isso.

Rhodan voltou a olhar para o relógio. O entardecer de

Vênus já ia bem adiantado. Eram cento e sessenta e seis

horas, e aqui no norte os dias eram mais curtos que as

noites.

— Não temos muito tempo. Vamos embora, minha

gente.

Voltaram a entrar na floresta. A direção em que

encontrariam Tomisenkow e Thora era fácil de

determinar. Avançaram com bastante rapidez.

Até que o lagarto das árvores atacou.

Rhodan já advertira os companheiros de que nas

horas de crepúsculo deveriam dedicar uma atenção

especial ao imprevisível mundo animal do planeta.

Naquela hora do dia quase tudo estava de pé. Os animais

diurnos preparavam-se para voltar aos seus ninhos ou

cavernas. E os animais notívagos iam começando suas

excursões.

Dez minutos depois de iniciada a marcha, Marshall

teve que matar uma barata gigante de três pernas. O

animal correu para cima deles com um terrível chiado.

Só esse barulho nojento fizera com que fosse notado em

tempo.

— Por que será que esse bicho faz um barulho desses

ao atacar? — perguntou Marshall depois de tê-lo

liquidado silenciosamente com o radiador de impulsos

térmicos. — Assim ele só se trai.

— Certos animais assustam suas vítimas de tal

maneira que as mesmas ficam rígidas de pavor. Uma

tática dessas também serve para fazer presas. Se não

fosse assim, essa espécie não se teria mantido até os dias

atuais.

A explicação era convincente.

Trinta minutos depois começou o verdadeiro

desastre.

Marchavam em fila indiana: Okura, Rhodan,

Marshall.

O lagarto das árvores deixou que Okura passasse. Por

algum motivo desconhecido o animal atacou o chefe.

Estendeu sua cauda preênsil de uma altura indefinível

e numa fração de segundos deu várias voltas em torno do

tórax de Rhodan. Este ainda conseguiu soltar um grito.

Mas logo o animal lhe apertou o peito de tal maneira que

nem conseguia respirar.

Num gesto instintivo Rhodan pôs ambas as mãos

naquela cauda coberta de cabelos lisos. Deixara cair o

fuzil no primeiro contato. Acontece que suas mãos

representavam um instrumento ridículo em comparação

com a força desenvolvida nos vários metros dessa parte

do corpo do lagarto. Rhodan não pôde fazer nada.

Depois de dois segundos já se encontrava na altura da

cabeça de Marshall.

Num gesto instintivo o mutante levantou o radiador

de impulsos, mas não se atreveu a atirar. O crepúsculo

que caía, e que sob a densa folhagem ainda espalhava

uma escuridão muito maior, não permitia uma

visibilidade adequada. E aquela cauda executava

movimentos pendulares tão intensos que Marshall não

podia se arriscar a atirar. A vítima foi arrastada para o

alto aos solavancos.

— Okura! — gritou Marshall.

O japonesinho já se virara.

— Está bem, John. Largue a arma. Isto é para mim.

O visor de frequência não experimentava tantas

dificuldades de visão. Viu o laço tríplice daquele rabo de

cobra. Viu o tronco do lagarto que ia engrossando

progressivamente e que, vinte metros adiante, se perdia

em meio à folhagem.

Até então só conheciam esse animal através de

descrições. Pelo que se dizia seu aspecto era semelhante

ao de um jacaré. Dali provinha o nome, tirado da

biologia terrestre. Porém um exame mais detido logo

revelara as diferenças.

A cauda preênsil tinha cerca de quatro vezes o

comprimento do resto do corpo. Desempenhava uma

função tão importante como o rabo dos macacos. O

lagarto propriamente dito tinha o corpo curto e coberto

de pelos lisos como um castor. Vivia principalmente nas

árvores. Até chegava a construir ninhos.

Page 93: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

93

O lagarto simplesmente tirara Perry Rhodan do

caminho. Este já se encontrava a uns sete ou oito metros

acima do solo quando Okura conseguiu levantar seu

radiador de impulsos térmicos.

O laço com o ser humano surgiu diante da alça de

mira. Mas logo Okura viu a parte mais espessa da cauda.

Puxou o gatilho. Um raio contínuo de cinco segundos fez

com que executasse dois movimentos pendulares. A

ponta da cauda se destacou do tronco e caiu ao chão.

Okura e Marshall saltaram para o lugar em que

Rhodan se encontrava, para libertá-lo quanto antes. De

início procuraram fazê-lo da mesma maneira pela qual se

desata um cordão de sapato. Mas logo perceberam que

aqui teriam de lançar mão de energias de outra espécie.

Ainda perceberam que um êxito inicial não deve

tornar a pessoa despreocupada. Só pensavam em tirar o

chefe do laço.

— Cuidado! — gritou Okura de repente e empurrou

Marshall para o lado.

O animal furioso saltou de cima da árvore. Chegou ao

solo perto de Rhodan. Apesar da pequena distância não

se via se este fora atingido mais uma vez.

Agora o alvo era bem grande. Nem mesmo Marshall

hesitou em atirar. A uma distância reduzidíssima

levantou o radiador de impulsos térmicos e puxou o

gatilho. O corpo se estendeu, empinou uma última vez e

se imobilizou de vez.

— Está morto — disse Okura e voltou a saltar para

frente.

Com todo azar Rhodan ainda tivera muita sorte. Por

poucos centímetros não fora esmagado pelo corpo

daquele gigante.

— Chefe! — gritou Marshall e procurou apalpar a

cabeça de Rhodan.

— Está inconsciente — disse Okura. — Vamos,

John, ajude-me. Não poderemos abrir o laço com as

nossas forças. Além de tudo a ponta do rabo está presa

sob o corpo do animal.

— Estou vendo. Como poderei ajudar?

— Temos de nos arriscar a dar dois cortes térmicos

para seccionar a cauda o mais perto possível do corpo de

Rhodan. Só assim poderemos libertá-lo.

Marshall deu um aceno automático com a cabeça.

Não se sentiu muito bem quando se pôs a executar essa

tarefa. Mas não havia outra alternativa. Teve que reunir

todo o sangue-frio e reduzir a abertura do foco ao

mínimo.

— OK — disse depois de algum tempo. — Estou

pronto.

— Pois atire — pediu Okura sem fazer o mesmo. —

Aqui embaixo enxergo um pouco melhor, mas minha

mão não está disposta a uma tarefa destas. Não quero ter

meu chefe na consciência.

— Ah, então você não quer. Mas os outros...

— Não enlouqueça agora, Marshall. Se alguém de

nós tem os nervos em bom estado, é você. Se acredita

que sou um covarde, poderemos tirar a prova em outra

oportunidade. Hoje não. Este seria o momento mais

inadequado.

— Está bem — interrompeu Marshall e fez pontaria.

Ambos os tiros foram bem sucedidos.

— Então! — disse Okura, enquanto o atirador

enxugava o suor da testa.

A libertação de Perry Rhodan foi uma questão de

segundos. Com um gemido rolou para o lado e ficou

deitado de costas. Sua respiração era regular.

— Será que quebrou alguma coisa na queda?

— Não acredito. Em Vênus uma queda de oito

metros é muito menos perigoso que na Terra. Além

disso, a ponta da cauda foi uma espécie de mola. Só o

aperto no tórax...

Marshall interrompeu-se. Rhodan abrira os olhos e

pusera a mão no ombro. Os amigos compreenderam

imediatamente. Arrancaram sua camisa e viram que a

ferida causada pelo tiro voltara a se abrir.

Um dos três pôs-se a praguejar. Lembraram-se dos

remédios que já haviam se acabado há tempo.

— Sente dores? — perguntou Okura. Rhodan

conseguiu esboçar um sorriso.

— Acho que conseguirei andar, meus caros. Apenas

esta velha ferida... — interrompeu-se para cerrar os

dentes por algum motivo desconhecido. — Ajudem-me a

levantar. Quero experimentar as pernas.

As pernas estavam em ordem. Mas o braço direito

estava insensível e imóvel. Rhodan só poderia usar a

mão esquerda.

— Sinto muito. Vocês não poderão carregar a

bagagem sozinhos. E nem devemos pensar em nos

separar mais uma vez. Teríamos que caminhar pelo

menos cinco horas para chegar ao lugar em que

Tomisenkow se encontra. Vamos voltar ao mar.

— E Thora?

— Esperaremos por ela. É bem verdade que será um

jogo arriscado. Raskujan pode ser mais rápido.

— Não há dúvida de que Raskujan será mais rápido.

Possui helicópteros. Quanto a nós, nem sabemos se

Tomisenkow passará por aqui com sua preciosa

prisioneira.

— Sabemos, sim — afirmou Rhodan. — O objetivo

de todos os grupos é a base de Vênus. Tomisenkow terá

de passar por aqui. É claro que não sabemos se passará

alguns quilômetros mais a leste ou a oeste. Mas a praia é

visível por um longo trecho. Se tivermos de esperar até o

escurecer, Okura nos garantirá uma vantagem ainda

maior.

A decisão de Perry Rhodan foi acatada. Puseram-se a

caminho para voltar à costa, onde se manteriam na

expectativa.

— Talvez volte a chamar as focas — disse Marshall.

— Quem sabe se a hora não é mais propícia.

Quando se encontravam a algumas centenas de

metros da orla da floresta, voltaram a ouvir ruído de

motores.

— Os helicópteros estão voltando! — exclamou

Okura bastante exaltado. — Quem dera que já

estivéssemos fora da floresta.

— Quer bancar o guarda de trânsito? — disse

Rhodan com um sorriso. — Aliás, é bom que abra os

ouvidos. Por enquanto só ouço um.

— Um único? Deve ser a patrulha de Raskujan, não

é?

O ruído se tornou mais forte e mais abafado. O

rangido mais lento das paletas horizontais deu a entender

que o aparelho se dispunha a pousar.

— Se for um helicóptero de transporte que vai largar

algumas centenas de soldados por aqui nós estaremos

perdidos — observou Rhodan. Apesar disso prosseguiu

na sua marcha. Queria lançar quanto antes um olhar

Page 94: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

94

sobre a faixa costeira.

VII

Fazia várias horas que a divisão espacial dizimada,

comandada pelo general Tomisenkow, se pusera a

caminho. Com o discurso que, além do apelo a uma

obediência determinada pelo juramento e da promessa de

um futuro tranquilo e poderoso, continha tudo que pode

ser exigido de um bom propagandista, o general

conseguira mais uma vez reunir a tropa desmoralizada

em torno de si.

Depois que o coronel Popolzak e Thora não

admitiram a menor dúvida quanto aos planos de

Raskujan, Tomisenkow parecia ter se conformado com a

idéia de que o coronel desertor não se apresentaria a ele.

Deixara de fazê-lo durante um ano e também deixaria de

fazê-lo no futuro. Thora permitiu-se mais uma de suas

observações cínicas.

— Bem, acredito que dentro em breve Raskujan se

apresentará ao senhor. No entanto, não o fará para

capitular, mas para apontar a pistola contra seu peito.

Pouco depois se encontraram com a patrulha do

tenente Tanjev, que se retirara do mar primitivo. Tanjev

apresentou um relato minucioso dos acontecimentos. A

detonação das duas cargas explosivas foi interpretada

como um indício de que as tropas de Raskujan já deviam

ter se fixado nos trechos da floresta que ladeiam a costa.

Essa circunstância exigia um cuidado redobrado.

Também os homens do Bloco Oriental olhavam para

o relógio com uma frequência cada vez maior.

As pausas intercaladas na marcha se tornaram cada

vez raras e mais breves.

Para frente! Foi à única divisa. Deviam atingir a

costa antes do anoitecer.

Thora, que ultimamente dera para desenvolver uma

estranha predileção pelos provérbios humanos, veio a

dizer posteriormente, face a um acontecimento

inesperado, que nunca se deve fazer a conta sem o dono

do restaurante.

Na ponta da coluna, que marchava a uns cem metros

de distância subitamente surgiram um barulho. Logo

depois se ouviram vários tiros disparados por pistolas e

carabinas automáticas.

— É Raskujan! — disse Tomisenkow em tom aflito,

revelando o quanto esse problema o preocupava.

Acontece que não era o coronel.

Era a própria hostilidade de Vênus.

Popolzak ia à frente com um grupo de dez homens

bem equipados. Marchavam bem juntos. Os três homens

que iam à frente traziam facões largos e abriam o

caminho. Seus golpes eram decididos e rotineiros. Os

galhos e as trepadeiras saltavam para o lado no ritmo de

suas batidas. As plantas costumam agir assim em

silêncio, numa atitude fatalista.

Acontece que uma das plantas deu um grito e

assumiu uma atitude defensiva. À primeira vista parecia

ser uma árvore como qualquer outra. Só quando esboçou

uma reação ruidosa e saltou para o lado, os homens

perceberam que se encontravam diante de um vampiro

carata.

Tudo se passou num espaço de poucos segundos. O

vampiro carata costuma permanecer imóvel por dias,

camuflando-se sob a forma de uma árvore. Esse disfarce

constitui sua proteção mais segura contra os inimigos

naturais. Mas quando é atacado reage com uma rapidez

surpreendente. Possui outra arma, muito mais perigosa

que seu disfarce. Suas folhas, que lembram as da

palmeira carata, natural da América do Sul, estão

semeadas no lado inferior com milhares de pequeninas

glândulas venenosas. E o animal sabe agarrar sua vítima.

Cerca de uma dezena dessas folhas se estendeu

enquanto o grito de dor ainda estava soando. A maior

parte do grupo encontrava-se ao alcance daqueles braços

venenosos. Os gritos de pavor dos homens misturaram-se

aos sons aflitos emitidos pela árvore. Os corpos eram

segurados com a força de tenazes de aço. Foram atirados

para o alto e as glândulas venenosas procuravam

instintivamente qualquer trecho de pele desprotegida.

Assim que a encontravam, começavam a agir. Pequenos

ganchos preparavam o processo destrutivo, riscando a

carne até que sangrasse. Uma vez aberta uma veia da

vítima, por minúscula que fosse, o veneno mortal

penetrava no organismo.

Alicarim, o quirguiz, foi o último homem do grupo

de vanguarda.

Era um talento natural, mesmo antes de ter

frequentado a escola dura de Vênus. Num gesto

instintivo segurou o homem que ia à sua frente pela gola

do uniforme e puxou-o para trás. No mesmo instante

levantou a carabina e pôs o dedo no gatilho.

— Afaste-se, Boris, afaste-se.

Alicarim reforçou o apelo com um desesperado

pontapé. Depois esvaziou o pente de balas para dentro da

massa disforme. Pouco depois Boris participou do

tiroteio. Só pararam quando o vampiro carata e suas

vítimas jaziam imóveis.

Tomisenkow correu para frente.

— Alicarim! Será que ficou louco? Dê-me sua

carabina.

O quirguiz obedeceu.

— Cuide bem dela, general. Ainda precisaremos.

— Seu assassino! — esbravejou Tomisenkow. —

Acaba de matar oito dos meus melhores homens.

Inclusive o coronel Popolzak...

— Se acredita que fiz isso porque gosto, está

enganado. Ainda não viu que isto é um vampiro carata?

O general estacou e olhou com mais atenção.

— É isso mesmo — confirmou Boris. — Não

tivemos outra alternativa, general. Ninguém poderia

fazer mais nada por esses homens.

O Dr. Militch realizou um breve exame, conforme

mandava o regulamento, e confirmou as palavras de

Boris.

Tomisenkow devolveu a carabina de Alicarim.

— Desculpe, Ali. Devemos muito ao senhor. Está

disposto a assumir o comando na ponta? Eu lhe darei

alguns elementos de primeira categoria.

— Obrigado, general. Pode confiar em mim.

A marcha prosseguiu. Não havia tempo para enterrar

os mortos. Dentro de quatro horas teriam que chegar ao

mar.

* * *

Son Okura inclinou a cabeça para trás.

— Você pode atingi-lo com uma pedrada —

cochichou. — É um helicóptero pequeno. Apenas cinco

Page 95: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

95

homens desceram.

— Alguém ficou dentro do aparelho?

— Não: todos desceram.

— Está bem. Vamos até lá: eu mesmo vou avaliar a

situação.

Rhodan viu que os soldados de Raskujan marchavam

em direção ao mato. No mesmo instante concebeu seu

plano.

— Vamos, Marshall, Okura. Nós lhes prepararemos

uma recepção condigna.

— Eles não nos verão chefe. Não vão penetrar na

floresta no lugar em que estamos.

— Mas pretendem se instalar por aqui. Não me

envergonhem. São nossos inimigos, e teremos que nos

defrontar com eles. Além disso, precisamos do

helicóptero.

Os outros compreenderam.

— Vamos voar naquilo até a base?

— Por que não? Dentro de três horas a ordem voltará

a reinar em Vênus, se vocês não cometerem nenhum

engano.

Rhodan pôs a mão em forma de concha na frente dos

lábios.

— Fiquem onde estão e larguem as armas.

A reação dos homens do Bloco Oriental foi

totalmente diferente. E totalmente confusa.

Os cinco homens se atiraram ao chão e dispararam

cegamente. Como não vissem ninguém e só pudessem

determinar a direção aproximadamente pelo ouvido, os

tiros passaram longe do alvo.

— Não se pode conversar com essa gente — disse

Rhodan num tom de desespero. — Temos de atirar todos

ao mesmo tempo, John. Dentro de poucos segundos tudo

deve chegar ao fim. Já localizou o alvo?

— Sim — cochichou Marshall com a voz rouca.

— Fogo! — comandou Rhodan.

Levantaram-se e saíram da floresta.

Okura seguiu-os sem que ninguém tivesse pedido.

Sabia que os cinco soldados estavam mortos. Um furor

cego contra uma arma arcônida de impulsos nunca

poderia produzir bons resultados.

Correram em direção ao helicóptero e entraram.

— Um helicóptero! — regozijou-se Marshall. —

Uma máquina em perfeito estado. Quase não consigo

acreditar.

— Devemos aproveitar as oportunidades quando se

oferecem. Tudo pronto para decolar? Os vidros estão

fechados?

— Tudo em ordem. Mas será que com esse ombro

vai conseguir?

— Não se preocupe com isso. Procure observar o que

vai acontecer lá fora. Ainda falta muito para atingirmos

nosso objetivo. E, se Raskujan manda um helicóptero a

algum lugar, vocês podem ter certeza de que ali mesmo

logo surgirão outros.

— Quer dizer...

— É isso mesmo. É impossível, por exemplo, que

voemos por cima da enseada. Não temos coletes salva-

vidas. E nesta situação não gostaria de ser derrubado por

cima do mar primitivo. Logo, devemos seguir a linha do

litoral. Isso representa uma volta de mais cem

quilômetros. Mas a segurança deve vir antes de tudo...

Perry Rhodan controlou a reserva de combustível.

Balançou a cabeça. Talvez desse mal e mal. Mas Okura

encontrou um tanque de reserva, e o cálculo já parecia

muito mais favorável.

Rhodan tinha algum conhecimento dos modelos

russos; dentro de poucos instantes conseguiu controlar a

máquina. O treinamento hipnótico arcônida e um bom

treinamento básico terrestre fizeram dele um homem

com uma capacidade de percepção instantânea. Decolou.

A máquina ergueu-se rapidamente e seguiu na

direção norte noroeste. As ondas do mar viscoso

espumavam embaixo deles.

Ainda não tinham percorrido mais de dez quilômetros

quando Marshall, em tom exaltado, anunciou a presença

de outro helicóptero. Okura logo lançou os olhos pela

lâmina de vidro inquebrável e confirmou a observação de

seu companheiro.

— Isso pode se tornar bastante desagradável, se eles

reconhecerem o curso estranho que estamos seguindo.

Mas por enquanto não vamos nos preocupar com isso —

disse Rhodan com uma confiança fingida. — Coloquem

os rádios em posição de recepção. Talvez tenhamos de

reagir pelo rádio.

Isso aconteceu dali a dois minutos. O outro

helicóptero pediu a senha. Uma voz grossa afirmou que

ele, Rhodan, falava com a voz muito estranha.

Evidentemente o interlocutor estava aludindo ao seu

companheiro, morto há quinze minutos.

Rhodan arranhou o microfone com a unha e numa

voz furiosa e disfarçada se lamentou de que seu aparelho

não devia estar em ordem. Logo interrompeu o contato.

— Agora podem pensar o que quiserem. Não lhes

pudemos dar a senha. Em compensação simulamos um

defeito. Só nos resta prosseguir no voo e aguardar. De

qualquer maneira devemos ficar em rigorosa prontidão.

Mantenham-me informado sobre os movimentos do

inimigo.

— Já posso lhe dar uma informação — disse Okura,

pouco satisfeito. — Alteraram seu curso e vêm em nossa

direção. Até voam em ângulo para ganhar tempo.

— Nesse caso também alteraremos nosso curso —

disse Rhodan em tom irritado e girou para bombordo. O

mar deslizou embaixo deles. Dali a pouco se

encontravam em cima da selva. Mas isso não adiantou

muito. O inimigo também retificou seu curso.

— Que diabo! Estão nos desviando. Rhodan resolveu

voar ao encontro do outro helicóptero. Dessa forma se

encontraria numa posição mais favorável e não

despertaria tantas suspeitas. Era bem verdade que

qualquer um perceberia que os homens da Terceira

Potência já haviam despertado muitas suspeitas. O

inimigo não abriu margem a dúvida quanto a isso. Na

altura do litoral recebeu-os com uma rajada das armas de

bordo. Rhodan conseguiu se desviar para baixo, mas não

conseguiu evitar um impacto na cabina. Ninguém foi

ferido, mas havia algo de errado no painel.

— O medidor de pressão do óleo! — exclamou

Marshall. Todos viram que não funcionava mais. Mas

não saberiam dizer se o dano atingia apenas o indicador

ou a tubulagem de óleo.

Antes que pudessem refletir a este respeito, tiveram

que se desviar diante de outro ataque.

— Por que não respondemos ao fogo? — perguntou

Marshall em tom obstinado.

— Com quê? — respondeu Rhodan, também

zangado. — Essa gente tem um canhão de bordo, nós

Page 96: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

96

não.

— Devemos abrir a cabina e usar o radiador de

impulsos térmicos.

— Pois tente!

Marshall mexeu no fecho. Mas nesse instante o

inimigo se aproximou do lado e de cima. Atirou uma

bomba que errou o alvo. Mas o detonador foi ativado na

superfície da água. Um estilhaço ou mais atingiram o

helicóptero.

— Fomos atingidos! — gritou Okura. — A cauda

pegou fogo.

Rhodan se virou. Poucas vezes os amigos o haviam

visto tão exaltado.

— Vamos! Desçam! Não adianta insistir. Com esta

geringonça só poderemos aterrizar no inferno, se o

tanque de gasolina pegar fogo. Um momento! Levem

suas armas. A água não afetará o radiador de impulsos.

Marshall abriu a cabina. Rhodan baixou até chegar

perto da superfície da água. A posição era favorável.

— Saltem agora!

Perry foi o último a abandonar o aparelho.

Normalmente não haveria qualquer risco a uma altura de

vinte metros. Mas o ombro ferido transformou o salto

numa tortura.

A água se fechou por cima dele. A uma profundidade

de dois metros encontrou solo firme. Empurrou-se com o

pé. As roupas dificultavam a natação. Mas a gravitação

reduzida, que apenas atingia 0,85g, compensava a

desvantagem.

Ao emergir, Rhodan viu que Marshall se encontrava

nas proximidades. Okura nadava mais ao longe. O

helicóptero balançou pouco acima das ondas e chegou à

praia. Antes de atingir a floresta bateu no solo e

explodiu.

Os homens do Bloco Oriental sabiam que os três

homens haviam saltado antes. Voltaram ao ataque;

pareciam perfeitamente tranquilos. O grito de

advertência de Okura foi desnecessário. Quando o

helicóptero se encontrava a uma distância de cem metros,

Marshall abriu fogo. Dentro de poucos segundos o

aparelho se desmanchou numa incandescência rubra e

branquicenta. A profunda alteração estrutural foi

acompanhada somente por um ruído surdo. Algumas

peças se desprenderam e pingaram na água como tochas

incendiadas, extinguindo-se com um chiado. O resto caiu

na praia e esfriou lentamente. Os três homens nadaram

em direção à praia.

Okura, que se encontrava mais longe da terra firme,

alcançou Rhodan dentro de poucos minutos.

— Posso ajudar chefe? Não devia usar tanto o braço

direito.

— Deixe isso para lá. Estou bem. Já temos chão sob

os pés; podemos caminhar.

— Eu ainda não tenho — fungou o japonês, que quis

imitar Rhodan. Este riu.

— Com seu tamanho você ainda tem um pouco de

tempo.

Pouco depois, também o mutante sentiu chão firme

embaixo dos pés. Dali a dez minutos chegaram à praia,

onde Marshall já os aguardava. Com as roupas

gotejantes, os três homens conferenciaram sobre seus

planos.

— Por enquanto devemos pôr a roupa no varal. Senão

acabamos pegando um resfriado.

Tiraram a roupa e estenderam-na sobre a areia. Se

considerarmos que a temperatura média em Vênus é de

cinquenta graus centígrados, compreenderemos

facilmente que, mesmo no fim da tarde e nas latitudes

situadas bem ao norte, a areia ainda era bastante quente

para fazer com que a roupa secasse dentro de poucos

minutos.

Marshall aproveitou a oportunidade para realizar um

exame minucioso da ferida de Rhodan.

— Perdeu mais um pouco de sangue, chefe.

Enquanto fazia essa observação, arrancou uma faixa

de sua camisa e tirou uma embalagem colorida do bolso.

Espalhou o resto do conteúdo sobre a faixa de pano.

— É a última atadura impregnada que lhe posso

oferecer. E ai de você se não deixar que eu a coloque.

Son me dê uma ajuda.

Rhodan não se opôs ao tratamento. Concluído este,

voltaram a pôr as roupas.

— Quando o crepúsculo chegar voltarei a chamar as

focas — disse Marshall. — Até lá devíamos nos

esconder um pouco. Tenho a impressão de que

Tomisenkow não demorará a aparecer por aqui.

— Esse sujeito devia criar juízo e se aliar a nós —

refletiu Okura.

— Podemos lhe fazer esta oferta. Ele nos entrega

Thora e nós o ajudamos na luta contra Raskujan — disse

Rhodan.

— Quer se colocar ao seu lado? — perguntou

Marshall. — Raskujan não seria um aliado melhor para

nós? Ele tem meios de nos levar à base dentro de poucas

horas.

— Tem os meios, mas não tem vontade, meu caro.

Não podemos cogitar de Raskujan como nosso aliado.

Então deixaremos que ele nos blefe com o fato de que

dispõe de um equipamento melhor e de uma tropa

praticamente intacta. Mesmo depois de um ano de

permanência em Vênus, Raskujan ainda nada em

abundância. Praticamente ainda não se submeteu a

nenhuma prova em Vênus. Com Tomisenkow a coisa é

diferente. Dispondo apenas de recursos primários,

conseguiu se manter na selva inóspita de Vênus. Além

disso, a posição de Raskujan é injusta.

— Quer dizer que você também faz restrições morais

contra ele? — perguntou Marshall.

— Naturalmente. Não passa de um desertor. As

ordens que recebeu determinam que se coloque à

disposição do general. Em vez disso, quer fazer o papel

de comandante.

Conversaram mais algum tempo sobre o tema,

enquanto os seletores de frequência dos receptores

embutidos em suas pulseiras deslizavam de um lado para

outro. Suas suspeitas íntimas logo se confirmaram. Além

dos dois helicópteros destruídos, muitos outros se

encontravam no ar. As mensagens trocadas entre eles

iam crescendo constantemente.

— Até parece que vão lançar uma ofensiva em

grande escala.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Concordo com você, Son. Mas faremos o possível

para ficarmos fora disso.

Page 97: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

97

VIII

— ALARMA!

A mensagem percorreu a coluna de Tomisenkow de

ponta a ponta.

Depois que Raskujan apareceu, trazendo clareza

sobre a situação reinante em Vênus, nenhum dos grupos

em luta achou mais necessário brincar de esconder por

meio de uma suspensão das comunicações pelo rádio. Há

muitas horas reinava vida nas faixas de ondas curtas e

ultracurtas. Podiam correr livremente nas imediações do

planeta, pois a barreira levantada pelo cérebro

positrônico só impedia qualquer contato para fora. No

interior da barreira toda e qualquer forma de

comunicação se tornava possível.

O sargento Kossygin mantivera o aparelho portátil

ligado o tempo todo para a recepção. Por isso pôde

transmitir logo a advertência ao general.

A mensagem de alarma foi seguida imediatamente de

instruções mais precisas. Tomisenkow explicou que era

do interesse de cada um segui-las. Os homens se

dividiram em grupos e procuraram se abrigar atrás de

árvores espessas. As armas leves e semipesadas de

infantaria foram colocadas em posição. As metralhadoras

foram montadas em tripés e posicionadas para atirar em

aviões.

Tomisenkow vigiou Thora com olhos de lince.

— Não me cause problemas há esta hora, madame —

disse em tom áspero. — Nos próximos minutos não terei

muito tempo. Não poderei lhe indicar cada passo que

deve dar. Mantenha-se sempre perto de mim.

A linguagem lacônica e enérgica parecia produzir o

efeito desejado. Aborrecida, confirmou com um aceno de

cabeça e não esperou que Tomisenkow a segurasse

brutalmente pela mão e a arrastasse por entre a

vegetação. Seguiu-o espontaneamente.

O general se dirigiu ao posto de rádio.

— Dê-me um fone, cabo.

— As ordens!

Tomisenkow ouviu um chiado que subia e descia pela

escala acústica, enquanto Kossygin procurava sintonizar

o aparelho. Subitamente ouviu os sons familiares de sua

língua materna.

— César para Lúculo. Espalhem-se de acordo com o

plano A. Repito. Nada de bombardeios enquanto a

posição do inimigo não tiver sido perfeitamente

determinada. O estado-maior de Tomisenkow e

principalmente essa arcônida devem cair em nossas mãos

intactos. César aguarda resultados da exploração do

terreno. Fim!

— César e Lúculo! — gemeu Tomisenkow. —

Ouçam só o vocabulário usado por esse bando de

desertores. Mantenha o receptor ligado, cabo.

Kossygin confirmou com um aceno de cabeça.

Conforme se depreendia das indicações de posição

não codificadas, os primeiros helicópteros haviam

atingido a costa ao sul. Pouco depois o ruído dos motores

se tornou perceptível.

O ninho de metralhadora que ficava mais perto do

posto de rádio era comandado pelo pequeno e atarracado

Alicarim.

— Olá, Ali! Aguarde minhas ordens. Não atire antes.

— Às ordens, general.

Uma voz voltou a soar nos fones de ouvido.

— Lúculo para César. Tomisenkow abandonou o

acampamento anterior. Sentido provável de seu

deslocamento aproximadamente para o norte. A distância

é de cinco a dez quilômetros da costa.

— César para Lúculo. Utilizar visores infravermelhos

para a observação no solo. Concentrar-se numa faixa de

dez quilômetros ao sul da costa sul.

Nesse momento o primeiro helicóptero trovejou

exatamente sobre o lugar em que a tropa de Tomisenkow

se encontrava. Os homens iam respirar aliviados quando

o ruído se perdeu por cima da selva. Mas logo se ouviu a

mensagem seguinte.

— Lúculo para César. Localizamos o inimigo.

Tomisenkow suspendeu a marcha. É provável que tenha

assumido uma posição defensiva. Transmitirei as

coordenadas.

— César para todos. Orientem-se por Lúculo II.

Realizem um voo visual. O grupo de desembarque

Otávio desembarcará na faixa costeira e se espalhará em

direção ao sul. O grupo de desembarque Cícero saltará

conforme o plano AB. Ainda não abram fogo.

Furioso, Tomisenkow arrancou o fone do ouvido.

— Quem foi o idiota que andou livremente por aí?

Quero que ele se apresente imediatamente.

É claro que ninguém se apresentou.

— Quando os helicópteros se aproximarem de novo,

abram fogo — ordenou Tomisenkow. Fechou os olhos

por alguns segundos. Thora percebeu que se esforçava

desesperadamente para recuperar o autocontrole. Numa

situação dessas não convém que o comando esteja nas

mãos de um louco furioso.

As tropas de Raskujan se concentraram cada vez mais

em torno do ponto que correspondia às coordenadas

fornecidas pelo observador Lúculo II. Alguns minutos

depois, seis helicópteros passaram em voo rasante sobre

as posições de Tomisenkow.

— Fogo! — berrou o general em meio ao barulho

infernal produzido pelos rotores.

Alicarim leu o comando nos seus lábios mais do que

o ouviu. No mesmo instante a primeira rajada saiu do

cano refrigerado a ar. Poucos segundos depois as

metralhadoras que se encontravam em pontos mais

afastados também começaram a atirar. O som

entrecortado das mesmas se misturou ao barulho dos

helicópteros.

Era evidente que o coronel Raskujan subestimara em

muito o poder de fogo do inimigo. De outra forma nunca

teria dado ordem para um vôo rasante tão

despreocupado. Alguns homens de Wallerinski que

vagabundeavam pela selva deviam ter fornecido um

relato distorcido sobre os remanescentes da divisão

espacial. E, ao que tudo indicava, esqueceram-se de

mencionar que, apesar de todo embrutecimento, os

homens de Tomisenkow ainda não haviam desaprendido

a arte de atirar.

Para os helicópteros, sujeitos à já conhecida proibição

de atirar, o fogo de metralhadora representou uma

surpresa total. Era o oposto exato do primeiro ataque.

— Atingi um! — berrou Alicarim depois das

primeiras três rajadas.

O rotor do primeiro helicóptero se desintegrou. Devia

ter atingido a junta. O helicóptero caiu imediatamente e

com um grande estrondo atingiu uma árvore de uns

Page 98: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

98

sessenta metros de altura. Os destroços caíram ao chão.

Alicarim visou outro alvo, quando a derrubada de um

segundo aparelho foi anunciado pelos ocupantes de um

ninho de metralhadora situado mais adiante.

— Tudo está correndo segundo o programa. Continue

a atirar, Ali! Atire! Aquele gorducho que está bem em

cima de nós...

Os êxitos alcançados entusiasmaram Tomisenkow.

Apesar disso manteve-se abrigado, pois a todo instante

contava com uma reação do inimigo.

Pouco depois uma forte detonação superou todo o

ruído da batalha. Alicarim derrubara mais um inimigo.

Atingira-o no tanque de combustível. A máquina

explodiu no ar e os homens que se encontravam no solo

encolheram a cabeça. Uma chuva de destroços aquecidos

e incendiados despencava em todos os cantos.

Nuvens de fumaça subiram em meio à selva.

O general levantou a cabeça.

— Tudo bem por aí?

— Aqui não aconteceu nada, general. Ali vem o

número quatro. Os Raskujan estão chovendo de todos os

quadrantes do céu. Esse sujeito não vai esquecer a lição

que recebeu.

O quirguiz só teria razão em parte. Raskujan extraiu

as conclusões cabíveis dos resultados daquele combate;

mas essas conclusões não determinavam a cessação

completa dos ataques.

Os helicópteros que vinham depois deram meia-volta

assim que viram o que estava acontecendo com os que

iam à frente. O céu estava limpo. Desta vez a divisão

espacial escapara sem perdas.

— Procure entrar em contato com Raskujan — disse

Tomisenkow ao sargento-telegrafista. — E dê-me o

microfone e o fone de ouvido.

— O coronel já está na onda, general — anunciou

Kossygin. — Quer falar pessoalmente com o senhor.

— Passe para cá! Esta o senhor não esperava, não é,

Raskujan? Recomendo-lhe que se submeta às minhas

ordens. Se comparecer pessoalmente dentro de duas

horas, esquecerei tudo que aconteceu até aqui. Dou-lhe

minha palavra de oficial.

— Muito obrigado, general! Não posso prometer que

o encontro seja possível dentro de duas horas. Mas irei

até aí. Não tenha a menor dúvida. Mas recomendo-lhe

que antes de nosso encontro largue toda e qualquer arma

que tenha em seu poder. Eu lhe garanto que não sofrerá

nenhum dano pessoal.

— Raskujan! Será que o senhor não compreende que

está precipitando sua própria desgraça? Não haverá

nenhuma visita como o senhor imagina. Temos armas e

munições para rechaçá-lo mais cem vezes...

— Ora, Tomisenkow! Quando ouço falar, eu até

chego a ter vergonha de saber que já foi meu professor

de estratégia. Não me importarei nem um pouco de

lançar meu próximo ataque com bombas de todos os

calibres. Estou em condições de destruir o senhor e seus

homens dentro de poucos minutos. E o trecho de selva

em que se encontra está cercado por todos os lados pelas

minhas tropas. Reflita à vontade. O senhor pode morrer

de fome e se desgastar aos poucos numa série de

combates, ou então será razoável e permitirá que eu lhe

indique uma habitação condigna numa das nossas naves

espaciais.

— Muito obrigado pela oferta. Sua comodidade é um

sinal de decadência que não me atrai nem um pouco.

Meus homens e eu estamos praticamente casados com

Vênus. Mas seus heróis de salão quebrarão os ossos na

selva. Não deixe de aparecer, coronel! Será tratado

segundo seu comportamento, como um oficial ou como

um criminoso. Pense no assunto. Fim.

Tomisenkow largou o microfone e o fone de ouvido.

— Continue com o receptor ligado, Kossygin. Mas

não responda mais. Quando surgir uma palestra

interessante grave-a até o fim, para que eu possa ouvi-la

depois. Continuaremos a marchar em direção ao litoral.

* * *

Dali a pouco começou a cair uma chuva ligeira, que

logo se transformou num furacão. Isso perturbava a

atividade de ambos os lados. Quando as nuvens

começaram a se dissipar, o crepúsculo já começara a cair

sobre o planeta. Os homens praguejaram. Faltavam

quatro quilômetros para atingir o mar. E, de um instante

para o outro, tinha-se de contar com a presença de uma

patrulha de Raskujan. Daqui em diante teriam uma

vantagem ainda maior, pois dispunham de todos os

equipamentos que a tecnologia humana conseguira criar

até aquela data.

A marcha pela selva prosseguiu. Alicarim manteve-se

mais próximo do estado-maior. O grupo de vanguarda

passara a ser comandado pelo tenente Tanjev, que

conhecia a região por causa das atividades de

patrulhamento que já exercera.

Ainda faltavam três quilômetros para atingir o mar.

Os uniformes estavam molhados e pesavam no corpo.

O calor já diminuíra e o frio da noite começou a se fazer

sentir. Os homens tremiam. A escuridão já reinava sob a

folhagem espessa das árvores.

De repente ouviu-se um tiro. Seguiram-se mais dois,

mais três. Exclamações e gritos. A seguir veio uma

rajada de metralhadora, que cessou de repente após a

detonação de algumas granadas de mão.

Novo fogo de infantaria à esquerda. Metralhadoras,

carabinas e pistolas.

O eco ressoou nas copas das gigantescas árvores. A

gritaria dos habitantes de Vênus em fuga se misturou ao

ruído e desapareceu ao longe. O ruído da batalha

aumentou. Os homens de Raskujan pareciam estar em

toda parte. Também no flanco direito ouviram-se tiros. A

retaguarda lançou mão dos morteiros para se defender;

atirou as granadas a esmo em meio à vegetação

imperscrutável.

O estado-maior de Tomisenkow, deitado no capim,

comprimiu-se junto a um enorme cedro de Vênus.

Naquela escuridão os homens se sentiam totalmente

desorientados.

— O cerco é perfeito — constatou Alicarim, sem que

pretendesse se salientar. — Para escaparmos sãos e

salvos teremos de manter um silêncio profundo. Assim

que atirarmos seremos descobertos.

— Já foram descobertos — disse subitamente uma

voz vinda da escuridão. — Levantem as mãos e deixem

as armas no chão. Estão sendo observados pelo visor

infravermelho. Quem fizer um movimento equívoco ou

proibido será morto imediatamente. Também estou me

referindo à senhora, madame. Venha até aqui. Quase

chego a acreditar que é a criatura sobre cuja cabeça

nosso comandante colocou um prêmio bem apreciável.

Page 99: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

99

IX

Dez helicópteros pesados de transporte estavam

enfileirados na praia, como se estivessem preparados

para um desfile.

Perry Rhodan, Marshall e Okura puseram-se em

marcha a partir do lugar em que seu helicóptero havia

caído. Seguiram em direção ao sudeste, onde se

anunciavam operações militares de grande envergadura.

Venceram os dez quilômetros em menos de duas horas,

pois na praia não havia praticamente nenhum obstáculo.

O sol desapareceu no ocidente atrás da muralha

formada pela selva. A chuva cessou.

Okura foi o primeiro que percebeu a presença dos

helicópteros.

— São dez máquinas, chefe. Tudo coisa pesada. Diria

que são helicópteros de transporte de tropas. Em cada um

deles cabem dois tanques de cinquenta toneladas.

— Isso significa que o tiroteio que estamos ouvindo

ali na selva já representa a esperada ofensiva de

Raskujan. Façamos votos para que nada aconteça a

Thora.

Pouco depois Rhodan deu ordem de parar. Agora ele

mesmo e Marshall já reconheciam os contornos dos

aparelhos.

— Naturalmente estão sendo vigiados...

— Chefe, o senhor tem coragem! Quer arriscar mais

uma vez?

— O que vou arriscar?

— Bem, você está cogitando de nova tentativa de

fugir num desses aparelhos. Devo confessar que o plano

não deixa de ser tentador. Afinal, eles não poderão nos

derrubar a toda hora. Um belo dia conseguiremos passar.

— Ou então cairemos para sempre na água ou na

selva.

— Bem, então você acha que não devemos?

— Um helicóptero faz muito barulho, Son. Além

disso, o pessoal logo notaria a falta de um deles. Teriam

um cuidado danado. Não haveria a menor chance de

passarmos.

— Se é assim, qual é a razão do seu otimismo? —

perguntou Marshall sem disfarçar sua contrariedade.

— Vamos refletir minha gente. O que se pode fazer

com um helicóptero de transporte?

— Pode-se voar com ele ou deixá-lo no hangar. Até

hoje não tive conhecimento de outra possibilidade de

utilização.

— O que acha Okura?

O japonês deu de ombros.

— Sei tanto quanto John. Um veículo aéreo decola,

voa e pousa. Fora disso é inútil.

Rhodan esboçou um sorriso condescendente.

— Então isso vem a ser o Exército de Mutantes, a

unidade de elite da Terceira Potência! Muito obrigado,

cavalheiros.

— Um momento, chefe. Sua pergunta se referiu a um

helicóptero. Até aí nossa resposta evidentemente é

correta. Se cogitarmos das peças avulsas, o caso muda de

figura. Pode-se, por exemplo, retirar alguns canhões ou

uma instalação de rádio. Também deve haver munições e

mantimentos.

— Já está melhor, Marshall. O que faz o piloto de um

helicóptero quando cai sobre o mar?

— Desce os barcos infláveis pelo paraquedas. É isso

mesmo! Precisamos de um barco inflável.

— Já estava na hora, John. Então precisamos de um

barco inflável. E vamos arranjá-lo...

Elaboraram seu plano de guerra e se aproximaram

dos veículos estacionados.

— Vejo sentinelas — disse Okura depois de algum

tempo.

— Quantos são?

— Vejo um grupo de três. Não descobri nenhum

outro. Ao que parece se sentem seguros. Naturalmente

tiveram conhecimento do duelo travado entre nós e seus

colegas. Mas tenho certeza de que acreditam que estamos

mortos tal quais os seus companheiros. E nada têm a

temer da parte de Tomisenkow.

— De qualquer maneira nós os observaremos por

algum tempo — decidiu Rhodan.

O momento durou uma hora inteira. Depois disso

tiveram certeza de que não havia outras sentinelas. A

ação programada poderia ter início.

Rhodan teve de prometer que se manteria em

segundo plano. A ferida no ombro era um motivo mais

que suficiente para isso. Além disso, pretendiam fazer o

possível para não matar os três homens. E os dois

mutantes eram os mais indicados para uma observação

bem discreta. Apesar da escuridão, Okura enxergava

muito bem. E Marshall eventualmente conseguia ouvir

pensamentos que não se traduzissem em palavras.

— Vamos, Son.

— Um momento.

O japonês voltou a limpar os óculos. Depois pegou

sua arma de impulsos e os dois se puseram em marcha.

— Será que essa gente dispõe de um visor

infravermelho? Se for assim, poderão nos ver a vários

quilômetros de distância.

— Poderiam, mas não o fazem. Como vê estão

fumando e conversando com as mãos nos bolsos.

Okura e Marshall deitaram e se arrastaram o que

ainda faltava. As rodas de dois metros do primeiro

helicóptero proporcionaram-lhes uma cobertura

provisória.

As sentinelas encontravam-se embaixo do quarto

helicóptero.

— Atire! — cochichou Okura. Marshall fez pontaria

para a aleta do terceiro helicóptero e puxou o gatilho. O

alvo entrou em incandescência e desvaneceu-se em pura

energia. As sentinelas puseram-se a correr aos gritos e

abrigaram-se atrás do último helicóptero.

— Vamos adiante. Cuidado!

Engatinharam embaixo dos helicópteros. Depois

seguiram pela direita, onde o capim lhes fornecia um

abrigo mais perfeito.

— Pare! — disse Marshall com a voz baixa. — Já

basta.

— Alô. Vocês aí. Levantem-se e ponham os braços

para cima.

Okura encolheu a cabeça, pois sua mensagem foi

respondida com um tiro. Se o russo fez sua pontaria

apenas de ouvido, aquele tiro era uma verdadeira obra de

mestre.

— Não desista — insistiu Marshall.

— Se dentro de dez segundos vocês não se

levantarem e vierem até aqui sem armas,

transformaremos um dos helicópteros em ar. Vou

Page 100: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

100

contar...

Os homens do Bloco Oriental ainda não estavam

convencidos. Voltaram a atirar. Depois de alguns

segundos Okura atingiu um dos helicópteros que caiu aos

pedaços e deixou de existir.

— Isto foi o segundo ato, cavalheiros. Marshall

estava com o rosto grudado na areia. Infelizmente tinha

que ler os pensamentos de três homens ao mesmo tempo,

o que dificultava sua tarefa. De qualquer maneira

identificou algumas ideias que traziam consigo ares de

capitulação.

— Converse mais um pouco, Son. Daqui a pouco vão

cair.

— Repito pela última vez. Levantem-se e venham

para cá. Sem armas e com os braços levantados. Se

agirem em conformidade com as minhas ordens, nada

lhes acontecerá. Se quiséssemos matá-los, já o teríamos

feito. Dentro de dez segundos mais um helicóptero vai

desaparecer...

Okura contou em voz alta.

Quando chegou aos seis, um dos homens se levantou.

No oito foi seguido pelos outros. Aproximaram-se

conforme lhes fora ordenado: sem armas e com os braços

levantados.

Foram amarrados e colocados em helicópteros.

Marshall disparou um tiro de sinalização com o

radiador térmico. Breve-longo-breve. Era o sinal

convencionado com Rhodan, que chegou pouco depois.

— Isto está liquidado, chefe. Os três estão amarrados

no interior dos primeiros três helicópteros. Podemos

examinar o conteúdo dos outros.

— Foi um serviço bem feito.

Conforme era de esperar, os helicópteros dispunham

de um equipamento completo para a guerra. O barco

inflável trazido pelos russos era uma maravilha de

conforto. Tratava-se de um barco de plástico capaz de

enfrentar o alto-mar, e que cabia num armário embutido.

Uma vez inflado, pelo menos quinze pessoas cabiam

nele. Os tubos de ar comprimido estavam ao lado do

mesmo. Até havia um veículo de duas rodas para o

transporte terrestre.

— Levem tudo para fora — disse Rhodan

apressadamente, quando Marshall anunciava

entusiasticamente suas descobertas.

— Encontrei remédios — exclamou Okura.

— Vamos levar — disse Rhodan laconicamente.

Depois de quinze minutos haviam levado para fora do

helicóptero, além do barco e do motor de popa, uma

caixa com mantimentos, vários tanques de combustível e

a farmácia de bordo. Tudo foi colocado no carro de duas

rodas.

Foram até a água pelo caminho mais curto. Depois

seguiram paralelamente à costa. Marshall voltou para

apagar a pista. Depois destruiu o helicóptero saqueado.

Dessa forma os homens do Bloco Oriental nunca se

lembrariam da possibilidade de que alguém lhes

houvesse roubado um precioso barco de plástico.

O rastro de vários quilômetros que as rodas

produziram na areia logo foi apagado pela água.

Quando Rhodan, Marshall e Okura desembarcaram

numa pequena baía, podiam se sentir seguros de que

ninguém havia adivinhado a finalidade de sua operação.

* * *

O crepúsculo que durara várias horas foi substituído

pela noite.

Voltaram a ouvir as transmissões dos homens do

Bloco Oriental e souberam que Tomisenkow e Thora

haviam sido capturados vivos. Os cumprimentos triunfais

que Raskujan e seus oficiais trocavam pelo rádio

Fizeram com que um sorriso condescendente surgisse

nos lábios de Rhodan.

— Esse homem nem imagina quanto seu triunfo

passageiro me deixa satisfeito. Pelo menos podemos ter

certeza de que nos próximos dias não se matarão com

bombas. E esse coronel com toda sua arrogância bem

que precisaria de um encontro com Thora. O orgulho

dela lhe quebrará os dentes.

— Não me lembro de tê-lo visto tão malicioso —

constatou Okura.

— Ora, Raskujan é meu inimigo. Portanto, meus

desejos devem ser bem compreensíveis... Além disso, o

novo aprisionamento de Thora poderá nos trazer

vantagens de ordem tática. Aquela arcônida orgulhosa

talvez distraia Raskujan um pouco, se conseguir se

transformar num problema para ele. Até agora a fortaleza

de Vênus tem sido seu único problema.

* * *

Inflaram o barco. Era imponente, e estavam

satisfeitos com sua presa.

O exército invasor de Raskujan já se retirara há

algumas horas. Só deixara atrás de si destroços e solidão.

Marshall e Okura trocaram a atadura da ferida de

Rhodan.

— Como se sente chefe?

— Obrigado, já estou melhor. Com este equipamento

não tenho outra alternativa senão ficar logo curado, para

que alcancemos a fortaleza de Vênus dentro de algumas

horas. Acho que já passamos pelo pior. Vamos dormir

um pouco. Daqui a duas horas colocaremos o barco na

água.

Rhodan deitou de costas e fitou a espessa camada de

nuvens. O vento abriu uma brecha e deixou entrever uma

estrela.

— Veja só! — disse Rhodan. — O Universo ainda

existe. Quase que me esqueço.

Reginald Bell, que pretendia vir em auxílio de seu chefe e amigo, teve que admitir que a

chave secreta X também impedia qualquer penetração através da quinta dimensão.

Por isso, Perry Rhodan não pode contar com qualquer auxílio vindo de fora. Tem de se

libertar com suas próprias forças para não perecer na selva do mundo primitivo.

Na Selva do Mundo Primitivo é o título do próximo volume da série Perry Rhodan..

Page 101: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

101

Nº 24

De Kurt Mahr Tradução

Richard Paul Neto Digitalização

Vitório Revisão e novo formato W.Q. Moraes

Mesmo para um visitante bem equipado, o mundo primitivo, vegetal e animal,

do planeta Vênus oferecem inúmeros perigos.

Por isso é fácil compreender a situação desesperada em que se encontram

aqueles três homens, praticamente sem recursos, que têm de lutar contra a selva de

Vênus e ainda sofrem uma perseguição implacável de outros homens.

É esta a situação em que Perry Rhodan, John Marshall e Son Okura se

encontram depois da queda de seu destróier espacial. Para não perecerem na

Selva do Mundo Primitivo, terão que atingir quanto antes o abrigo protetor da

fortaleza de Vênus...

Page 102: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

102

1

A água borbulhava preguiçosamente. Parecia ser

mais espessa que a água terrena, e realmente era. Quem

enfiasse a mão ali e a retirasse depois de algum tempo,

notaria que a mesma estava coberta por uma camada

gosmenta.

Áloes, unicelulares, microrganismos — a água

regurgitava dessas criaturas e parecia uma solução

coloidal.

Era Vênus, cheia de vida, quase estourando de

vitalidade!

O barco cruzava, a uma velocidade constante, as

ondas sempre iguais, que eram

o último vestígio da tormenta

crepuscular que há mais de oito

horas fustigara a terra plana e o

braço de mar primitivo com

seus trezentos e cinquenta

quilômetros de largura.

O pequeno gerador

ultrassensível espalhava um

zumbido monótono e sonolento,

que pesava sobre as pálpebras.

Mas não podiam dormir,

nenhum deles podia. Fazia mais

de um dia terrestre que não

fechavam os olhos. Era muito

difícil mantê-los abertos na

escuridão, que até ali fora tão

alegre e inofensiva.

Especialmente para aquele

homem com a ferida mal curada

no ombro.

Era Perry Rhodan,

presidente de um Estado

onipotente, a Terceira Potência.

As circunstâncias adversas

fizeram-no descer em Vênus

numa situação de desamparo,

acompanhado apenas de dois

dos seus homens, para que

desse provas de sua energia, dominando a situação

intrincada.

Por enquanto estava muito longe disso. Diante de seu

barco ainda se estendiam quase trezentos quilômetros de

água. Eram trezentos quilômetros recheados de perigos

desconhecidos, trezentos quilômetros durante os quais, a

qualquer segundo, poderia surgir o helicóptero do

coronel Raskujan para atacar a embarcação indefesa. A

escuridão não representava qualquer obstáculo para um

veículo moderno, equipado com visores de luz

infravermelha.

— Será que notaram o desaparecimento do barco

inflável? — perguntou John Marshall, o telepata.

Ninguém sabia. Haviam retirado o barco de um dos

helicópteros de Raskujan, no momento em que a luta

entre as tropas deste e as de Tomisenkow havia chegado

ao ponto mais alto. Depois disso, tiveram a precaução de

destruir o helicóptero.

— É de supor que mais cedo ou mais tarde darão pela

falta do barco, pois não deixarão de examinar os

destroços.

Rhodan ergueu os ombros. O movimento fez a ferida

doer.

— Raskujan vai quebrar a cabeça. Por enquanto nem

sabemos se desconfia da nossa existência.

— E Tomisenkow? Não vai perder tempo; deve

contar logo — objetou Marshall.

Rhodan não estava muito convencido.

— Você não conhece Tomisenkow — retificou. —

Ouvi a palestra de rádio que teve com Raskujan. Este,

com sua frota de abastecimentos, conseguiu agrupar os

homens em torno de si. Não há qualquer tendência para a

indisciplina, e isso por um motivo muito simples: os

homens têm bastante comida para matar a fome. Já o

grupo de Tomisenkow está

completamente desorganizado.

Acontece que Tomisenkow, na sua

qualidade de general, insiste em que

Raskujan, que apenas é coronel, se

submeta a ele. Este, por sua vez, alega

que, face ao amotinamento das tropas

de Tomisenkow, este perdeu os

direitos correspondentes à sua

graduação de general. Ambos são do

Bloco Oriental, mas apesar disso são

inimigos. Não acredito que

Tomisenkow esteja muito disposto a

contar o que quer que seja. Com a

experiência que adquiriu em Vênus, é

o homem indicado até mesmo para

Raskujan. É bem provável que se sinta

seguro e saiba calar a boca.

Son Okura esteve a ponto de

responder. Mas nesse instante ouviu-

se a voz chiante de Marshall, vinda da

proa:

— Pare!

A reação de Rhodan foi imediata.

Apertou uma alavanca e a pequena

hélice saiu da água. O zumbido do

motor, que trabalhava em ponto

morto, subiu um pouco até que

Rhodan o desligasse.

Em redor deles tudo era silêncio, com exceção do

sussurrar preguiçoso da água.

— O que houve? — perguntou Rhodan.

— Olhe — respondeu Marshall e apontou para a

frente.

Rhodan se dirigiu à proa e olhou na direção indicada

por Marshall. Não precisou forçar a vista para enxergar o

trecho de água fluorescente que, a uns cem metros de

distância, se estendia em direção ao leste e ao oeste, até

onde alcançava a vista.

Rhodan se assustou.

— O que é isso? — perguntou Marshall, espantado.

— Não é possível que seja um...

Rhodan fez que sim.

— É isso mesmo. É um tapete luminoso. É o maior

que já vi.

Son Okura também veio à popa. Possuía capacidade

de abranger com a vista certas faixas do campo de

frequências eletromagnéticas que o olho humano comum

não conseguia enxergar. Captava as radiações

infravermelhas, ou seja, os raios de calor, com a mesma

nitidez da luz visível, e esta lhe era tão perceptível como

Personagens Principais deste episódio:

Perry Rhodan — O chefe da Terceira

Potência que se transformou em prisioneiro

de Vênus.

John Marshall, Son Okura —

Companheiros de prisão de Rhodan.

General Tomisenkow — Um comandante

de divisão sem divisão.

Coronel Raskujan — Que dispõe de cento

e vinte e três naves espaciais intactas e por

isso julga ser o senhor absoluto em Vênus.

Thora — Que fugiu de Perry Rhodan e

agora espera ser libertada pelo mesmo.

Reginald Bell — Amigo íntimo e

confidente de Perry Rhodan.

Tako Kakuta — Que já passou pelo

inferno e está disposto a repetir a

experiência

Page 103: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

103

as gamas ásperas do ultravioleta.

— O que está vendo? — perguntou Rhodan.

Okura estreitou os olhos. Para ele a água morna do

oceano de Vênus assumia o aspecto de um vasto terreno

inundado de luminosidade. O tapete, que absorvia parte

do calor irradiado pela água e refletia outra parte para

dentro do mar, surgia em sua retina sob a forma de um

longo traço escuro.

— Vai uns três quilômetros para o oeste — disse Son

Okura. — Para o leste não vejo o fim.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Então vamos contorná-lo pelo oeste.

Deu partida no motor e colocou a hélice na água.

Girando o leme para a direita, Rhodan fez com que o

barco descrevesse uma curva fechada.

— Isso é tão perigoso assim? — perguntou Marshall.

— Nunca viu um tapete luminoso?

— Só um bem pequeno, numa enseada.

Rhodan acenou com a cabeça.

— Pois eu lhe mostrarei o espetáculo. Se

passássemos no meio dele, estaríamos irremediavelmente

perdidos. Esse tapete fininho tem mais força que dez

motores como este.

O barco deslocava-se na direção noroeste. Rhodan se

esforçou para contornar a extremidade oeste do tapete

luminoso o mais próximo possível. O barco desenvolvia

uma velocidade de trinta quilômetros por hora, ou seja,

cerca de oito metros por segundo. Cada oito metros

percorridos a mais significavam um atraso de um

segundo, e nessa viagem os segundos contavam tanto

quanto as horas ou os dias em outras.

Dali a uns dez minutos, o barco se encontrava

aproximadamente na altura da linha que cortava o tapete

de leste para oeste, passando pelo centro. John Marshall

parecia fascinado diante do quadro. A fluorescência

reluzia nas cores mais variadas e oferecia um espetáculo

de beleza movimentada, cujo encanto nem Rhodan

conseguia subtrair-se, muito embora já tivesse tido

muitas oportunidades de observar o fenômeno.

Era difícil de imaginar que na realidade esse tapete

luminoso era um único animal estendido na água, à

espera da presa. A beleza dissimulava a voracidade e a

violência irresistível com que agarrava sua vítima e a

arrastava para as profundezas.

Rhodan retirou algumas pesadas porcas de parafuso

da caixa de ferramentas e se aproximou de Marshall. A

extremidade do tapete não ficava a menos de quinze

minutos do barco.

— Okura — disse Rhodan em voz baixa.

— Sim.

— Prepare-se para fechar o barco. Aguarde meu

comando.

O japonês confirmou com um aceno de cabeça.

Rhodan deu as porcas a Marshall.

— Atire.

Marshall avaliou lentamente o peso das peças de

metal. Depois, num impulso vigoroso do braço direito,

atirou todas elas sobre o tapete.

A reação foi instantânea. Mal as porcas tocaram o

animal, as cores deste começaram a empalidecer. Dentro

de poucos segundos a luminosidade desapareceu por

completo. Um rugido ensurdecedor fez-se ouvir quando

o tapete luminoso se fechou em torno do lugar em que

fora atingido e começou a arrastar para o fundo aquilo

que acreditava ser uma presa.

As primeiras ondas arrebentaram sobre o barco. A

uns trinta metros a estibordo, o inofensivo tapete

fluorescente transformara-se num amontoado semi-

esférico de cor indeterminada.

Quando a massa enorme começou a mergulhar, as

ondas sustentavam coroas de espuma. Marshall, que

assistia ao espetáculo de queixo caído e olhos

arregalados, perdeu o equilíbrio e teria caído à água se

Rhodan não o tivesse agarrado em tempo.

— Cuidado! — gritou Rhodan.

Son Okura segurava o fecho.

O tapete continuava a crescer, enquanto a parte

inferior de seu corpo, que agora assumia uma forma

esférica, mergulhava numa velocidade cada vez maior. A

contração da substância daquele corpo, que poucos

segundos antes ainda cobrira uma área de vários

quilômetros quadrados, enfurecia o mar como se fosse

um temporal de regular intensidade.

Rhodan permitiu que Marshall contemplasse o

espetáculo até que a água que penetrou no barco passou a

representar um verdadeiro perigo. Só então gritou para

Okura:

— Feche! E segure-se!

Okura arrastou a cobertura para a frente. Com um

ruído metálico a cobertura flexível se fechou sobre o

barco, evitando que fizesse mais água. Marshall e

Rhodan deixaram-se cair ao chão e seguraram-se nas

fitas de plástico presas à parede interna do barco. O

japonês, depois de concluído seu trabalho, perdeu o

equilíbrio e foi atirado por cima de Marshall.

Depois disso o mar jogou bola com eles durante dez

minutos. O barco rodopiava em torno do eixo transversal

e longitudinal. Uma forte pancada repuxou a ferida de

Rhodan e obrigou-o a tirar o braço direito da faixa que o

segurava. Son Okura, que não conseguira se segurar em

tempo, rolou por cima da cabeça em direção à popa e,

com um baque bem audível, bateu contra a madeira da

caixa de ferramentas.

Depois de várias tentativas Rhodan conseguiu se

deslocar para a frente e desligar o motor. A solicitação

variável forçava o mecanismo e, enquanto o barco

estivesse sendo atirado de um lado para outro, o motor de

qualquer maneira não adiantava nada.

Marshall, em cuja homenagem a peça fora encenada,

estava deitado no meio do barco, praguejando em voz

alta. Ainda continuava a praguejar quando o mar voltou a

se acalmar e Rhodan mandou que o japonês abrisse o

barco.

Segurando-se na borda, Marshall conseguiu se pôr de

pé.

— Nunca imaginava que isso fosse tão ruim —

fungou.

Rhodan riu.

— Pois da próxima vez já sabe, não é? Não existe

nada que seja tão perigoso e traiçoeiro como um tapete

luminoso de Vênus.

Voltou a pôr o motor em movimento e colocou o

barco no curso correto. Não tinha a menor idéia de

quanto o barco tinha sido desviado em virtude do

incidente; mas, pelo seu cálculo, o desvio não poderia

fazer uma diferença significativa quanto à sua chegada

ao setor norte da costa.

Por algum tempo mantiveram-se ocupados, retirando

Page 104: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

104

a água gosmenta que as ondas levantadas pelo tapete

gigante haviam atirado no interior do barco. O trabalho,

em si bem leve, deixou-os tão cansados que, depois dele,

encostaram-se exaustos à parede do barco e, por algum

tempo, tiveram de lutar com o cansaço que ameaçava

fechar-lhes os olhos.

A ambição desmedida fizera com que o governo do

Bloco Oriental, derrubado há um ano, se aproveitasse da

ausência de Rhodan, que se afastara da Terra, para tentar

se apossar da base montada pela Terceira Potência no

planeta Vênus. Para isso foram enviadas duas grandes

frotas de naves espaciais ao planeta.

“Sem essa ambição”, refletiu Rhodan, “a esta hora

estaríamos não sei onde, mas de qualquer maneira nos

encontraríamos em paz e segurança”.

Provavelmente essa ideia teria induzido reflexões

filosóficas em sua mente, se Okura, que se encontrava na

proa, não se erguesse repentinamente, soltando uma

exclamação de espanto.

Rhodan viu que fitava o céu. Seguiu seu olhar, mas

não viu nada.

Por algum tempo o japonês não disse nada. Rhodan

colocou-se ao seu lado.

— O que houve Son? — gritou. — O que está vendo?

Viu que Okura estava com os olhos arregalados de

susto. Tinha a respiração entrecortada. Antes que

pudesse dizer qualquer coisa, Rhodan ouviu o farfalhar

surdo vindo de cima, que por um instante deixou-o tão

assustado como o japonês.

— É um lagarto voador — fungou Okura. —

Encontra-se na direção noroeste, mas vem exatamente

em nossa direção.

— A que altitude está? — perguntou Rhodan.

— Cerca de cem metros.

— É grande?

O japonês contorceu o rosto.

— Acredito que tenha uns trinta metros de largura.

Esperaram. O farfalhar, que quase chegava a estourar

os nervos, foi se aproximando, tornou-se cada vez mais

forte.

— Daqui a pouco estará acima de nós — disse o

japonês.

E logo em seguida:

— Vai descer; está descrevendo círculos em cima de

nós.

Rhodan deixou cair os ombros.

— Son, fique na popa. Marshall ficará no meio. Eu

cuido do motor. Vamos ficar bem quietos. Son nos

avisará assim que o bicho descer. Quando isso acontecer,

teremos de atirar. Façam boa pontaria, para que não

precisemos atirar mais de uma vez. Os disparos dos

radiadores térmicos são perfeitamente visíveis a vários

quilômetros de distância. Acho que não preciso explicar

o que vai acontecer se uma das sentinelas de Raskujan

observar nossos tiros.

Alguns minutos passaram-se. O motor emitia um

zumbido monótono e as ondas batiam preguiçosamente

no costado do barco.

Subitamente ouviu-se o grito estridente de Okura:

— Está descendo.

* * *

A frota de reforços do coronel Raskujan pousara no

mesmo lugar em que; semanas antes, o general

Tomisenkow fizera descer quinhentas naves espaciais

que se encontravam sob seu comando.

Acontece que Raskujan teve mais sorte que o general.

O acampamento de Tomisenkow fora desmantelado pelo

furacão levantado pela Stardust-III e seus remanescentes

espalhados para os quatro cantos. Tomisenkow levou as

naves intactas para esconderijos situados nas montanhas,

onde a expedição punitiva de Rhodan as inutilizou uma

por uma.

Por isso Raskujan encontrara um campo livre para o

pouso — inclusive a faixa calcinada, coberta de terra

vitrificada, aberta pelo deslocamento da Stardust-III, que

atravessava a selva em linha reta. Raskujan, então ainda

um subordinado do general Tomisenkow, decolara da

Terra com duzentas naves. Trinta e quatro delas foram

perdidas quando a Stardust-III, ao regressar de Vênus

para a Terra, passou em meio à formação; as naves

desajeitadas e pouco manobráveis do Bloco Oriental se

volatilizaram sob o impacto do campo protetor

energético da supernave. Entre as naves perdidas

encontrava-se a capitania, que trazia a bordo o major

Pjotkin.

Raskujan, depois de reagrupar os remanescentes,

prosseguira em sua viagem para Vênus. Outras quarenta

e três naves foram destruídas durante o pouso

aerodinâmico em Vênus. Caíram e, transformadas em

meteoros incandescentes, desapareceram nas florestas ou

no mar.

Cento e vinte e três naves chegaram ao destino sãs e

salvas; pareciam orgulhosas, mas em virtude da falta de

combustível estavam condenadas à imobilidade.

Na época não se encontrou qualquer vestígio de

Tomisenkow. O coronel Raskujan teve de se arranjar

sozinho e viu-se obrigado a decidir, segundo seu livre

arbítrio, como agir para transformar o empreendimento

num verdadeiro êxito.

A tarefa não parecia muito difícil. Os homens que o

haviam enviado para lá desejavam se apossar da

fortaleza da Terceira Potência. Uma vez que, por ocasião

do pouso da frota de apoio, Rhodan não se encontrava

em Vênus, Raskujan pensou que a fortaleza estivesse

desguarnecida e sua conquista seria uma brincadeira.

Mas viu-se obrigado a rever suas ideias sobre o que

vem a ser uma fortaleza. Fazia um ano que, quase

diariamente, quebrava a cabeça nas suas investidas

contra a que tinha diante de si. Rhodan envolvera a base

de Vênus com um campo protetor impenetrável. Entre os

tripulantes de Raskujan havia muitos técnicos — talvez

seria melhor dizer “técnicas”; por motivos sobre os quais

até então Raskujan não tinha a menor ideia, a maioria

dos membros da equipe técnico-científica da frota era

formada por mulheres. Mas até mesmo o técnico mais

competente acaba capitulando diante daquele anteparo

energético impenetrável.

Mas quando Raskujan atingiu esse ponto morto, sua

atenção foi desviada para outro fato. A primeira pista do

general Tomisenkow e de seus homens foi localizada

numa massa de terra em forma de península, que o

enorme continente do hemisfério norte fazia avançar em

direção ao sul, abraçando, por assim dizer, o continente

com o braço de mar de cerca de trezentos e cinquenta

quilômetros de largura.

Raskujan, cuja tarefa consistira inicialmente em dar

apoio à tropa de Tomisenkow, procurou coletar

informações. Soube que a divisão espacial de

Page 105: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

105

Tomisenkow, exposta às condições extremamente

ásperas reinantes em Vênus, tornara-se vítima da

desorganização e da indisciplina.

Com isso o plano de Raskujan estava formado:

Tomisenkow e seus homens teriam de ser obrigados a

entrar nos eixos.

Uma vez que dispunha de meios para impor seus

planos aos efetivos de Tomisenkow, roídos pela

desorganização, tinha nas mãos o general, grande parte

da tropa que se mantinha fiel a ele e uma prisioneira

muito mais importante: Thora, a arcônida. Era a mulher

que transmitira a Perry Rhodan grande parte dos

conhecimentos que lhe tornaram possível a instalação da

Terceira Potência.

Raskujan exultou. Exultou até perceber que Thora

tinha por ele mais ou menos a mesma consideração que

ele mesmo tinha diante de uma das incômodas moscas

que proliferavam em Vênus.

Nem se dignou a responder às suas perguntas, muito

menos revelou como poderiam ser rompidos os campos

energéticos que protegiam a fortaleza de Vênus.

Em vista disso, se dirigiu a Tomisenkow. Este não o

tratou muito melhor do que Thora, e isso o incomodou

ainda mais. No fundo Raskujan era uma criatura

subalterna, carregada de complexos de inferioridade.

Uma vez que teve a coragem de atacar e prender um

general, esperava que este se comportasse como um

prisioneiro, não como um general.

Desde sua prisão, ou melhor, desde o pouso dos

helicópteros no acampamento de Raskujan, Tomisenkow

já havia enfrentado cinco interrogatórios. Para um

homem como ele, que durante um ano tivera ocasião de

pôr os nervos à prova nos perigos da selva de Vênus, isso

não passava de episódios inofensivos e sem a menor

importância. Além disso, os oficiais investigadores de

Raskujan, ao se defrontarem com um general, mesmo

que este não mais usasse as platinas, pareciam sofrer dos

mesmos complexos que seu comandante.

Depois que o temporal crepuscular havia desabado

sobre o solo, Raskujan fez com que o prisioneiro

comparecesse à sua presença, na sala de comando da

nave capitania.

Raskujan tinha uma pistola automática bem visível

sobre os joelhos. Não convidou Tomisenkow a sentar.

— Pelo que ouço — principiou — o senhor se recusa

a prestar qualquer colaboração à nossa frota.

Para Tomisenkow, esse introito não parecia

representar uma pergunta; ao menos, não se dignou a dar

qualquer resposta.

— Responda! — rosnou Raskujan.

— Qual é a pergunta? — indagou Tomisenkow

tranquilamente.

— Por que não quer cooperar comigo?

O rosto de Tomisenkow contraiu-se num sorriso de

deboche.

— Por que não quer cooperar comigo? — perguntou.

Por um instante Raskujan ficou atônito. Depois

cometeu um erro: respondeu à pergunta de Tomisenkow.

— Porque sua divisão está desorganizada e roída pela

indisciplina — respondeu.

— Isso não é motivo para negar sua colaboração. O

senhor foi enviado para cá a fim de me dar apoio,

inclusive moral, se necessário. Mas em vez de fazer

qualquer esforço para localizar minha divisão e, se fosse

o caso, reorganizá-la, o senhor deixou-se ficar por aqui e

realizou algumas tentativas estúpidas para penetrar na

base de Rhodan. Quando acabou descobrindo nosso

paradeiro não achou coisa melhor para fazer senão nos

atacar. Atacar justamente a nós, a quem o senhor deveria

ter trazido apoio!

Raskujan se esforçou para guardar a compostura.

— Como ex-oficial o senhor sabe perfeitamente que

tipo de influência os elementos desmoralizados que se

encontravam em sua companhia teriam exercido sobre

minha tropa. Não tive outra alternativa senão demarcar

desde logo claramente os fronts. Meu regimento não tem

mais nada com sua divisão.

Tomisenkow fez um gesto tão depreciativo que

Raskujan teve de se esforçar ao máximo para reprimir a

fúria de que se sentia possuído.

— Vá contar isso a outro — disse Tomisenkow. — Já

se esqueceu de que serviu por alguns anos em minha

companhia? Naquele tempo, em que ainda era um jovem

tenente, já fazia questão de se salientar toda vez que

surgia uma oportunidade. Não, Raskujan, a coisa não é

tão simples assim. Em Vênus surgiu a oportunidade de

bancar o onipotente. Eu era a única pessoa que, em

virtude da graduação, podia estragar seu jogo. Por isso

inventou alguma coisa e nos atacou. E tudo isso apenas

para que o senhor pudesse continuar a desempenhar esse

papel miserável.

Raskujan se levantou de um salto.

Levou algum tempo para recuperar a fala.

— Isso é... isso é... não se esqueça de que é meu...

Nesse instante a sineta do radiorreceptor interrompeu

aquele balbuciar indignado. Raskujan virou-se

abruptamente e bateu com a mão espalmada sobre a

chave.

— Coronel, observamos um estranho fenômeno

luminoso — principiou a sentinela sem qualquer

preâmbulo. — Direção, cento e cinquenta e três graus,

distância aproximada de duzentos e cinquenta

quilômetros.

Raskujan franziu a testa.

— Descreva! — ordenou.

— Parece um facho de luz de três holofotes, coronel

— respondeu a sentinela. — Apenas a intensidade deve

ter sido muito maior que a de um holofote convencional.

— Quantas vezes foi observado o fenômeno?

— Uma única vez.

— Está bem; obrigado.

A palestra foi interrompida. Raskujan fez outra

ligação. Uma voz metálica respondeu.

— Capitão, pegue dois helicópteros e dê uma busca

no mar — ordenou. — Peça os dados ao posto central de

vigilância. Observaram fenômenos luminosos estranhos.

Quero saber de que se trata.

O capitão confirmou a recepção da ordem. Raskujan

desligou o receptor e voltou a encarar Tomisenkow.

Este sorriu.

— Qual é a graça? — perguntou Raskujan em tom

áspero.

— Acredito — disse Tomisenkow em voz baixa,

apreciando o efeito de suas palavras — que o senhor tem

alguém nos seus calcanhares que lhe ensinará que, em

Vênus, um coronel deve se conduzir com muita

humildade.

* * *

Page 106: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

106

O farfalhar cresceu num trovejar quando o lagarto

desceu sobre o barco. Rhodan se reclinou contra o

costado e olhou na direção de que vinha o ruído.

A única coisa que viu foi uma sombra gigantesca que,

numa velocidade inacreditável, passou por cima do barco

na direção norte—sul e voltou a desaparecer na

escuridão.

O ruído se afastou, tornando-se cada vez mais fraco.

Depois se manteve constante por alguns segundos e

voltou a crescer.

Rhodan perguntou de si para si até onde deveria

arriscar. Ninguém saberia dizer se o lagarto atacaria

nessa revoada ou nas próximas. Era possível que nem

chegasse a fazê-lo.

Mas, de qualquer maneira, seria tarde para atirar

quando tivesse um dos três homens nas garras.

O ruído foi se tornando cada vez mais forte.

— Atirem quando estiver em cima de nós — disse

Rhodan com a voz áspera e em tom decidido.

Apontaram as armas na direção exata. O ruído

cresceu ainda mais, começando a produzir um zumbido

nos ouvidos.

De repente apareceu!

Era uma sombra negra na escuridão cinzenta, maior

que da outra vez e de forma praticamente indefinível.

Rhodan seguiu a sombra com o cano do radiador de

impulsos térmicos. Quando o lagarto se encontrava bem

em cima do barco, ordenou:

— Fogo!

Uma ofuscante luminosidade branco-azulada saiu dos

canos, iluminou por uma fração de segundo o corpo

horrível do lagarto, coberto de uma pele áspera, e

atingiu-o com toda sua potência.

O grito do animal poderia ser ouvido a quilômetros

de distância. Mas não durou muito. Algumas centenas de

megawats de energia térmica mataram o animal, cujo

corpo incendiado caiu ao mar.

Rhodan largou a arma e pegou o leme. Ainda deixou

que a enorme vaga levantada pelo impacto do animal

sobre a água atingisse o barco de frente; mas logo girou o

leme e fez o barco descrever um grande círculo para o

leste.

Só dali a vinte minutos retomou o curso anterior. Os

movimentos do leme, que por uma questão de hábito

executava com a mão direita, fizeram seu ombro doer de

novo. Praguejou em voz baixa por causa de sua relativa

incapacidade e manifestou o desejo de ter à mão uma

caixa de primeiros socorros da farmácia arcônida. Com

ela estaria recuperado dentro de poucas horas.

Son Okura continuava sentado na proa, de olhos fitos

no norte. Apenas Marshall parecia acreditar que, uma

vez morto o lagarto, o maior perigo havia passado.

Deitado de costas no centro do barco mantinha as mãos

entrelaçadas em baixo da nuca.

— Levante-se, homem cansado — disse Rhodan. —

Daqui a pouco teremos trabalho de novo.

Marshall se assustou.

— Que trabalho será este? — perguntou desanimado.

— Infelizmente há um fenômeno luminoso que

acompanha a emissão de calor produzida pela arma

térmica — disse em tom professoral. — E, com a

atmosfera limpa, o mesmo se tornara perceptível a uns

quinhentos quilômetros de distância. Sabe lá o que isso

significa?

Marshall se levantou com um gemido.

— Está bem — resmungou. — E o que vamos fazer

se acontecer aquilo que prevê?

Rhodan sorriu.

— Continuaremos a atirar — respondeu em tom

indiferente.

* * *

O capitão que Raskujan enviara para o mar com dois

helicópteros não precisou se esforçar muito para

descobrir o barco inflável, que não era muito pequeno.

A oitenta quilômetros de distância produziu um

reflexo fraco, mas inconfundível sobre a tela de radar, e a

cem metros o holofote de luz infravermelha e o binóculo

noturno tornaram perfeitamente visíveis os três homens

que o tripulavam.

O capitão recomendou uma atenção toda especial aos

artilheiros de bordo e transmitiu idênticas aos ocupantes

do outro aparelho.

Depois desceu e se aproximou cautelosamente do

barco.

* * *

Ouviram as batidas dos rotores dos helicópteros e o

chiado agudo dos jatos. Son Okura viu dois aparelhos

que se aproximavam do norte a uma altitude

considerável.

Para Rhodan isso não constituía nenhuma surpresa; já

os aguardava.

Subitamente Okura, que mantinha seu posto de

observação na proa do barco, recuou com um grito e

cobriu o rosto com ambos os braços. Foi quando o

comandante dirigiu o holofote de luz infravermelha sobre

o barco e observou-o através de um filtro ótico.

Rhodan procurou adivinhar o pensamento do

inimigo.

“Verá o barco”, pensou. “E também sabe que

nenhum dos helicópteros de Raskujan foi perdido em

cima do mar. Logo, acreditará que somos gente de

Tomisenkow ou então...”

A reflexão não chegou ao fim. Os dois helicópteros

se aproximaram, e a violência com que o fizeram não

deixava nenhuma dúvida sobre suas intenções:

pretendiam atacar o barco.

— Deitem-se no chão! — gritou Rhodan. — E

apontem as armas para cima!

Marshall e Okura obedeceram imediatamente. Um

canhão automático começou a emitir seus sons

entrecortados, outro seguiu seu exemplo, e Rhodan

percebeu os solavancos de seu barco. Em meio do

barulho ouviu que o zumbido do motor mudava de tom, e

logo viu um dos helicópteros bem em cima de si.

Não sabia se Okura ou Marshall já haviam atirado.

Não viu o relampejo de suas armas. Encostou a coronha

do radiador de impulsos térmicos firmemente ao tronco,

para que a arma apontasse bem para cima, e puxou o

gatilho.

A descarga não produziu qualquer recuo da arma.

Num jogo feérico, o raio ofuscante atravessou a

escuridão e atingiu o helicóptero antes que este pudesse

se afastar. Houve uma detonação ensurdecedora quando

o tanque de combustível explodiu, e uma chuva de peças

de metal incandescente caiu na água em torno do barco,

Page 107: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

107

produzindo um forte chiado.

O outro helicóptero acompanhou a cena e se afastou

em tempo. Mais adiante descreveu círculos a poucos

metros acima da água.

Rhodan engatinhou para frente. Marshall ainda estava

deitado, tal qual Rhodan lhe ordenara. Ao ver este,

sorriu.

Son Okura se colocara de joelhos e observava o

segundo helicóptero, que descrevia círculos em torno do

barco. Rhodan ligou o minitransmissor que trazia no

pulso e fez o regulador de frequências percorrer todas as

faixas. Não ouviu nada além do chiado produzido pelas

perturbações atmosféricas. O piloto do helicóptero ainda

não julgava necessário informar a base sobre o incidente.

Rhodan tinha certeza de que logo o faria, ou então

tentaria um segundo ataque antes disso.

Esperaram.

Okura levantou o braço direito.

— Está apertando os círculos! — exclamou.

Rhodan fitou a escuridão. Não viu nada.

— A que distância se encontra? — perguntou.

— A distância média é de cerca de cento e cinquenta

metros — respondeu o japonês.

Rhodan acenou com a cabeça.

— Pois mostre o que achamos dele — disse a Okura.

“Estão muito enganados”, pensou. “Querem

experimentar o alcance dos nossos radiadores. Mas nem

desconfiam de que um radiador de impulsos térmicos

desenvolve potência máxima até o fim de seu alcance.

Acreditam que poderão aguardar o próximo tiro e fugir

em tempo.”

Son Okura ajoelhou-se junto à borda do barco e

apoiou o radiador sobre a mesma. Estreitou os olhos e

inclinou a cabeça para frente; foi quando o holofote de

luz infravermelha do helicóptero passou por cima dele.

Depois se esmerou na pontaria. Rhodan viu quando o

dedo se entortou de encontro ao gatilho. Apesar disso, se

assustou quando o raio branco-azulado da grossura de

um dedo saiu do cano.

O helicóptero de Raskujan não teve a menor chance.

Caiu e, com uma forte explosão, desmanchou-se no mar.

Rhodan respirou aliviado. Empurrou Marshall para o

lado e dirigiu-se para o lado em que ficava o motor. Na

pressa apenas conseguira amarrar o leme, e agora...

Quando chegou à popa, estacou. Viu que a fita de

plástico com que amarrara o leme se esfacelara e estava

jogada no chão. Do leme não existia mais nada.

Atirou-se ao chão e examinou o bloco do motor

envolto em metal leve. Viu os vestígios de um projétil de

canhão automático e identificou o local de impacto.

Arrancara o leme e demolira o motor!

Rhodan ficou deitado por um instante. Bateu com os

punhos no estojo de metal leve. Antes só se poderia

desprendê-lo do motor com o auxílio de chaves de fenda

e cortadores de metal; mas agora as primeiras três

pancadas fizeram com que balançasse, e com a quinta

pancada pôde retirá-lo sem maiores dificuldades.

Um olhar lhe bastou para compreender a situação. O

projétil explodira junto à pequena e potente turbina. E

esta não pôde ser reconhecida nem mesmo pelo formato;

transformara-se num montão fibroso e disforme de chapa

metálica enegrecida.

Rhodan levantou-se. Sentiu-se um pouco fraco nos

joelhos, mas logo venceu a fraqueza.

— O barco está em ordem — gritou Marshall

bastante animado. — Todos os furos produzidos pelos

impactos fecharam-se conforme deviam. O barco quase

não fez água.

Rhodan contorceu o rosto. Atravessou o barco

balouçante em direção a Marshall. Este viu o rosto sério

do chefe.

— O que foi?

Rhodan colocou a mão sobre seu ombro.

— Comece a chamar de novo, Marshall — ordenou a

voz tranquila. — O motor está quebrado, e nenhum de

nós sabe consertá-lo. Pelo meu cálculo estamos a uma

distância de duzentos e vinte quilômetros da costa norte

do continente norte e cento e trinta quilômetros da costa

norte da península. Logo, não podemos ir para a frente

nem para trás. Tente mais uma vez entrar em contato

com as focas.

Com um sorriso animador acrescentou:

— Se não conseguir, teremos que nadar.

2

Raskujan ainda ficou discutindo quase uma hora com

Tomisenkow e quase chegou a esquecer que não tinha

necessidade de manter discussões com um prisioneiro.

Depois de algum tempo veio à notícia de que novamente

haviam sido observados por duas vezes estranhos

fenômenos luminosos no mar aberto. Como até então

Raskujan não tivesse recebido qualquer notícia dos dois

helicópteros que enviara ao local, começou a ficar

Page 108: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

108

nervoso e mandou que a sentinela levasse Tomisenkow

antes que este pudesse dar vazão ao seu triunfo sobre o

fracasso da missão.

Tomisenkow caminhava tranquilamente entre as duas

sentinelas. Atravessou o acampamento, livre de qualquer

vegetação. A cerca levantada em volta do campo de

prisioneiros surgiu na escuridão. As duas sentinelas

entregaram o prisioneiro a uma das quatro sentinelas

postadas junto ao portão do campo e esta o levou à sua

barraca, onde o entregou à sua sentinela particular.

Não foi em vão que Tomisenkow havia estudado

cuidadosamente e decorado, não um mapa do campo de

prisioneiros, mas aquilo que seus olhos treinados viram

dia por dia. Estaria em condições de atingir seu destino

de olhos fechados; por isso a escuridão quase

impenetrável que fazia com que os soldados ainda não

habituados às condições reinantes em Vênus andassem

aos tropeções, fornecia a melhor oportunidade para a

execução de seu plano.

Começou a agir tranquila e metodicamente. Sua

barraca não possuía um soalho próprio; o chão era

formado de terra venusiana batida. Tomisenkow tirou

uma das botas e começou a arranhar o chão, colocando a

terra na bota.

Dentro de quinze minutos a bota ficou cheia até em

cima. Tomisenkow comprimiu a terra com o punho

fechado. Depois segurou a estranha ferramenta na mão

direita e pesou-a cuidadosamente. Parecia ter o peso de

um saco de areia do mesmo tamanho.

Lançou os olhos em torno de si. A barraca não era

muito grande e era fácil abrangê-la com a vista.

Tomisenkow encontrou um canto apropriado para seu

projeto.

Infelizmente não podia modificar a posição da

lâmpada que iluminava o interior da barraca. Poderia

quebrá-la, mas nesse caso...

Agachou-se num dos cantos, de costas para a entrada,

e olhou ostensivamente para o chão. Depois de um

ligeiro preparativo começou a gritar:

— Sentinela! Sentineeelaa!

Parecia um grito de pavor, e o resultado não se fez

esperar. A barraca foi aberta abruptamente. Tomisenkow

virou-se ligeiramente para o lado e esforçou-se para dar

ao seu rosto uma expressão de pavor.

— O que houve? — perguntou a sentinela.

Tomisenkow, esbaforido, fez alguns movimentos

com a mão.

— É aqui... — gemeu — no canto... depressa!

Em Vênus havia muitas criaturas monstruosas,

inclusive algumas que abrem seu caminho por baixo do

solo e de repente surgem no interior de uma barraca. A

sentinela não ignorava isso.

Entrou de pistola automática em punho e fez sinal

para que Tomisenkow se afastasse quando se dirigiu ao

canto da barraca.

Tomisenkow afastou-se.

— Uma espécie de verme... — gemeu. Ficou numa

posição tal que sua sombra caia exatamente no canto que

a sentinela devia examinar. Mal a sentinela tinha passado

por ele, pegou a bota cheia de terra e segurou-a

firmemente pelo cano.

— Saia da luz! — ordenou a sentinela e, sem olhar

para Tomisenkow, sacudiu a mão.

Tomisenkow deixou que a luz caísse sobre a

sentinela, avançando um passo em sua direção.

Assegurou-se de que o homem já não poderia ver sua

sombra.

Levantou o braço direito e, com a bota cheia de areia,

golpeou a cabeça da sentinela. Esta caiu para a frente e

ficou estendida no chão.

Com um movimento automático, Tomisenkow

esvaziou a bota e, com o pé direito, espalhou a terra pelo

chão. Depois pegou as cordas que fabricara com pedaços

da barraca e amarrou o homem inconsciente. Além disso,

enfiou-lhe um lenço na boca, para servir de mordaça.

Finalmente colocou o homem atrás de sua cama

primitiva, para que o mesmo não pudesse ser visto da

entrada, pelo menos ao primeiro relance de olhos.

Colocou a pistola automática sobre a cama, para que a

sentinela pudesse vê-la ao despertar.

Tomisenkow sabia como agir face à situação.

Saiu da barraca.

Não foi muito difícil deslocar-se pela escuridão até

alcançar a maior de todas as barracas, situada acerca de

cem metros, muito embora as sentinelas fizessem de

conta que nada lhes poderia escapar.

“Na verdade estão com medo”, pensou Tomisenkow

com uma certa sensação de desprezo. “Estão com medo

de que, de repente, saia do chão um verme gigante.”

Chegavam a assobiar canções para espantar o medo.

Tomisenkow levou quinze minutos para percorrer os

cem metros. Verificou que diante da barraca havia três

sentinelas. Isso não o perturbou; só no ponto em que as

cordas são amarradas às cavilhas, a barraca fica grudada

ao chão. Entre as cavilhas um homem normal pode

penetrar na barraca; basta levantar a lona um pouco.

Foi o que Tomisenkow fez. No interior da barraca a

luz estava acesa.

Ouviu um grito de pavor abafado. Entrou de vez e se

levantou. Num movimento instantâneo, pôs o dedo no

lábio e fez um movimento em direção à entrada.

Só depois disso cumprimentou a mulher com uma

ligeira mesura, sem dizer uma palavra.

O cumprimento foi dirigido a Thora, a arcônida.

O mundo natal de Thora ficava a uma distância tal da

Terra e do sistema solar que Tomisenkow nem podia

imaginá-lo.

Há alguns anos Thora pousara na Lua com sua nave

exploradora, colaborou com Rhodan e ajudou-o a montar

a estrutura artificial, mas sumamente estável da Terceira

Potência.

Até poucos dias antes, contados pelo tempo terrestre,

Thora fora sua prisioneira.

— Pouco importa que a senhora goste ou não de mim

— disse Tomisenkow apressadamente no seu péssimo

inglês. — Não faça barulho! Não lhe farei nada.

Thora não respondeu. Seus lábios contraíram-se

ligeiramente e esboçaram um sorriso que era tão

zombeteiro e depreciativo que Tomisenkow teve de se

esforçar para reprimir a raiva.

— Não disponho de muito tempo — prosseguiu. —

De cinquenta em cinquenta minutos é realizada a

inspeção das sentinelas. Quer dizer que dentro de quinze

minutos no máximo terei que dar o fora.

O olhar zombeteiro de Thora deixou-o irritado.

Esforçou-se para formular sua proposta em termos

precisos.

— Quero cooperar com a senhora — principiou.

Page 109: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

109

Thora achou que essa proposta não devia ser

respondida.

— Sabe perfeitamente — prosseguiu Tomisenkow —

que para nós não seria difícil dominar as sentinelas de

Raskujan. As dificuldades começarão quando tivermos

saído do acampamento. Não dispomos de outras armas

além das que conseguimos tirar das sentinelas, enquanto

Raskujan dispõe de helicópteros e mais uma porção de

coisas. Não levaria mais de uma hora para nos

recapturar. Isso quer dizer que devemos saber para onde

ir depois que tivermos escapado. Ficaria a cargo da

senhora nos indicar a direção.

Thora encarou-o; a expressão de desprezo que se

desenhava em seu rosto continuava inalterada.

— Será que o senhor acha — disse depois de algum

tempo — que eu vou cair num truque primário como

este?

Tomisenkow não se exaltou. Contava com a objeção.

— Não é nenhum truque. Reflita e há de concordar

comigo. Que interesse teria eu para ser desleal para com

a senhora? A verdade nua e crua é que nos encontramos

no mesmo barco. E não adianta que permaneçamos neste

acampamento com as mãos no regaço, esperando que de

algum lugar surja um milagre.

Thora parecia refletir.

— E quem me garante — perguntou depois de algum

tempo — que com sua ação não irei... gosto de usar

expressões terrenas, não irei de mal a pior?

Tomisenkow deu de ombros.

— Se ainda não percebeu a diferença entre as minhas

intenções e as de Raskujan — respondeu em tom

deprimido — ainda não conhece os homens.

Thora deu uma risada irônica.

— A única coisa que conheço nos homens é a

tendência irreprimível de quebrarem a cabeça uns dos

outros.

Tomisenkow se levantou.

— Naturalmente — resmungou com a voz

contrariada. — Seu povo nunca fez uma coisa dessas.

Sua raça emergiu numa inocência total de sua

predecessora.

Não deixou que Thora respondesse.

— Eu lhe ofereci minha cooperação — declarou. —

No momento tenho a impressão de que a vantagem que a

senhora tiraria do trabalho conjunto seria maior que a

minha. Mantenho a oferta. Pense a respeito. Dentro em

breve voltarei a visitá-la para ouvir sua resposta. Até a

vista.

Abaixou-se e passou por baixo da lona.

Dentro de quinze minutos alcançou sua barraca, sem

que uma única vez tivesse estado em perigo de ser

descoberto. A sentinela amarrada já havia recuperado a

consciência. O homem encarou-o com os olhos

arregalados e enfurecidos.

Tomisenkow agachou-se à sua frente.

— Escute rapaz — disse. — Como vê, deixei sua

arma aqui mesmo. Apenas dei um pequeno passeio que

você provavelmente não teria permitido se eu lhe

pedisse. Por causa disso tive de me livrar de você por

algum tempo. Sinto muito se o machuquei. Daqui a

pouco virá a inspeção das sentinelas. Até lá você estará

livre e terá a arma pendurada sobre o ombro. Você

poderá avisar o incidente ou ficar quieto; depende

inteiramente de você. Da minha parte ninguém saberá

nada, pode ter certeza.

Pôs-se a desamarrar o homem. Por fim retirou a

mordaça.

— Levante rapaz! — ordenou.

A sentinela levantou-se, um tanto perplexo e

desajeitado. Logo pôs a mão na pistola automática.

Depois lançou um olhar desconfiado para Tomisenkow.

Este enfrentou o olhar. Depois de algum tempo

perguntou:

— Está com dor de cabeça?

Surpreso, o homem sacudiu a cabeça.

Depois ambos começaram a rir. Tomisenkow deu

uma forte pancada no ombro da sentinela.

— Você está bem, cabo — disse. — Não me

esquecerei de você quando tudo tiver passado.

A sentinela saiu da barraca e lá fora refletiu sobre o

significado das palavras de Tomisenkow. Estava tão

concentrado que deixou a ronda passar, limitando-se a

dizer:

— Cabo Wlassov. Tudo em ordem.

* * *

Fazia duas horas que John Marshall, um telepata

dotado de energias mentais extraordinárias, emitia

ininterruptamente sua mensagem.

“Venham focas, venham nos ajudar. Somos amigos e

merecemos seu auxílio.”

Há duas horas estava esperando que, diante dele ou

ao lado do barco imobilizado, a cabeça de uma foca

emergisse da água, mas esperava em vão. Não vinha

nada, e o esgotamento total fazia dançar diante de seus

olhos um mundo de figuras coloridas.

A emissão das mensagens telepáticas esgotara as

últimas reservas de energia de seu organismo. Sabia que

as focas não eram verdadeiros animais marítimos.

Viviam próximo à costa, de preferência nos fiordes que

penetravam profundamente na terra; e o ponto mais

próximo da costa distava a menos de cem quilômetros do

lugar em que o barco se encontrava naquele instante.

Marshall esforçara-se para vencer essa distância; mas

o zumbido que ouvia na cabeça dizia-lhe que seus

esforços não poderiam prosseguir por muito tempo.

Ainda durariam alguns minutos, talvez uns oito ou

dez, depois estaria no fim de suas forças.

Son Okura estava agachado em atitude apática na

proa do barco. Vez por outra levantava a cabeça e fazia

os olhos deslizarem sobre o mar; mas não havia nada.

Nada que pudesse representar um perigo e nada que

pudesse interromper, por um instante que fosse, a

monotonia da espera.

A atenção de Perry Rhodan concentrou-se ora no

ouvido, ora em suas reflexões. As reflexões giravam em

torno da maneira pela qual a situação atual poderia ser

modificada se as mensagens emitidas por Marshall não

fossem coroadas de êxito. O que Rhodan sabia a respeito

das focas era muito pouco. Sabia que possuíam certo

grau de inteligência, que lhes permitia usar uma

linguagem própria, e que a comunicação com elas era

possível num nível bastante primitivo. Não sabia se iriam

reagir à mensagem, caso conseguissem captá-la. Era bem

possível que não se interessassem em saber quem se

encontrava em situação difícil na imensidão do mar.

O ouvido procurou captar os ruídos que, segundo

Page 110: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

110

esperava Perry Rhodan, surgiriam no curso da próxima

hora. Bastante tempo já se passara depois da derrubada

dos dois helicópteros. Fosse qual fosse sua opinião sobre

a habilidade militar do coronel Raskujan, mais cedo ou

mais tarde o mesmo enviaria um grupo maior de

helicópteros para descobrir o paradeiro dos dois

aparelhos que decolaram em primeiro lugar.

E nesse caso só mesmo com uma sorte além de toda

medida o barco deixaria de ser localizado.

“Não podemos elaborar planos se temos de calcular

com a sorte”, pensou Rhodan com certa disposição

amarga.

O grito abafado de Son Okura despertou-o de suas

reflexões.

— Estão chegando!

Rhodan se levantou.

— Quem está chegando?

Son Okura também se levantou e se inclinou para

fora do barco. Rhodan viu que observava a superfície do

mar, não o céu.

— Quem está chegando, Son? — perguntou.

O japonês estendeu o braço.

— Ali, são as focas.

Rhodan ouviu um ligeiro rumorejar da água, que não

se adaptava ao ritmo das ondas. Uma massa escura e

brilhante emergiu a poucos metros do barco e

aproximou-se devagar.

— Marshall, venha cá! — gritou Rhodan.

Marshall levantou-se e avançou a passos

cambaleantes. As cabeças de outras focas surgiram

acima da água e se aproximaram. Rhodan contou trinta

ao todo.

Percebia-se que Marshall não aguentaria mais por

muito tempo. Rhodan deu-lhe uma batida carinhosa no

ombro e disse:

— Mais um instante, e estará livre disso. Explique-

lhes a situação em que nos encontramos.

Marshall inclinou-se por cima da popa para se

aproximar das focas e ter um apoio para o corpo cansado.

Concebeu em ideias simples e facilmente compreensíveis

o relato do que lhes havia acontecido e a explicação do

auxílio de que precisavam.

Felizmente as focas não tinham nada de obtusas e

estavam dispostas a ajudar. Marshall transmitiu a

Rhodan a sugestão formulada pelas mesmas:

— Poderiam rebocar nosso barco, desde que

tenhamos correias para isso. Pretendem formar equipes

de dez e se revezar.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Era mais ou menos isso que eu imaginava. Está

tudo em ordem, temos correias em número suficiente.

Cortaram o longo fio da âncora em pedaços de

comprimento adequado. Ajuntaram os cabos de

atracação e fizeram laços segundo as indicações das

focas, traduzidas por Marshall. Toda a operação não

demorou mais que quinze minutos. As focas

precipitaram-se para dentro dos laços antes que estes

pudessem afundar e firmaram os mesmos com suas

potentes nadadeiras das costas e da barriga. Ao que tudo

indicava os cortes dos delgados fios de plásticos nada

conseguiram fazer à sua pele, que tinha a consistência do

couro curtido e, por baixo, uma grossa camada de

gordura.

— Estão perguntando para onde queremos ir — disse

Marshall.

Rhodan refletiu.

— Pergunte-lhes se podem nos levar à faixa de terra

que liga a península ao continente.

Marshall formulou a pergunta.

— Dizem que sim — respondeu.

Rhodan pretendia dizer mais alguma coisa, mas nesse

instante o barco pôs-se em movimento. As focas não

precisaram de outras instruções. A embarcação

desajeitada cortou as ondas a uma velocidade que,

segundo os cálculos de Rhodan, excedia em cinqüenta

por cento aquela que o motor conseguia lhe imprimir.

Mergulhado em pensamentos, Marshall contemplou

as cabeças brilhantes das focas rebocadoras e das que

acompanhavam o barco pelos dois lados.

Depois se deixou cair ao chão. A cabeça estava

deitada numa pequena poça de água gosmenta que

escapara à atenção dos ocupantes quando estes

esvaziaram o barco. Mas o fato não o perturbou. Mal se

ajeitara no chão, adormeceu.

Rhodan e o japonês trocaram olhares significativos.

Agachados na proa observavam as focas. Rhodan ficou

admirado porque dez focas conseguiam imprimir ao

barco uma velocidade maior que um motor de turbina

com trinta cavalos de potência. Um aumento de

velocidade de cinquenta por cento significava um

aumento de potência superior a cem por cento, desde que

o grau de utilização fosse idêntico. Uma vez admitido

esse pressuposto, tornava-se evidente que cada uma das

dez focas desenvolvia uma potência de cerca de dez

cavalos-vapor.

Provavelmente seu grau de utilização era um pouco

superior ao do motor com a complicada propulsão a

hélice. Assim mesmo, porém, a potência de cada foca

não seria inferior a quatro ou cinco cavalos-vapor.

Pela primeira vez Rhodan compreendeu onde residia

a diferença entre as criaturas desse mundo jovem e as da

Terra, que em comparação era infinitamente velha. Pela

primeira vez compreendeu que significado elevado

assume o conceito de vitalidade.

* * *

O coronel Raskujan cometeu um erro: preocupou-se

com as duas pessoas mais importantes que tinha entre

seus prisioneiros — Thora e Tomisenkow — antes de se

lembrar dos dois helicópteros que enviara para o mar.

Indagando junto ao posto de rádio instalado fora das

naves, junto à costa, soube que, há mais de duas horas,

não se tinha nenhuma notícia dos dois aparelhos. Em si a

demora de duas horas não causou a menor preocupação a

Raskujan. Uma busca em mar aberto poderia demorar

três ou quatro vezes mais que isso sem ser coroada de

êxito; mas o silêncio dos aparelhos inquietou-o.

O posto de rádio tentara várias vezes estabelecer

contato com os dois helicópteros, mas não teve qualquer

êxito.

A essa hora a decisão de Raskujan foi rápida. Um

major recebeu instruções para dar busca sobre o mar com

três esquadrilhas de helicópteros, especialmente na área

em que foram observados os estranhos fenômenos

luminosos. Procurariam localizar os dois aparelhos e o

eventual inimigo, que seria atacado e destruído ou, se

possível, aprisionado.

Page 111: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

111

Os helicópteros decolaram poucos minutos depois

que Raskujan transmitira a ordem. Mas, desde as últimas

notícias recebidas dos dois helicópteros que decolaram

em primeiro lugar já se haviam passado quase três horas.

* * *

Duas horas haviam passado desde que as focas

tinham tomado conta do barco. Segundo o cálculo de

Rhodan, nessas duas horas foram percorridos perto de

noventa quilômetros. Uma vez que o barco passara a se

deslocar na direção nordeste, a distância ao ponto

hipotético de desembarque crescera um pouco. Rhodan

acreditava que ainda deviam se encontrar cerca de cento

e quarenta quilômetros do destino. Isso representava

pouco menos de quatro horas de viagem.

Tudo dependia do que faria Raskujan face ao

desaparecimento dos dois helicópteros. A sorte não

poderia ir ao ponto de fazer com que Raskujan ficasse

parado. A qualquer hora apareceriam outros helicópteros

que dariam busca no mar.

Além das armas de impulsos térmicos, o barco só

teria uma chance diante de uma grande esquadrilha de

helicópteros: já se encontrava a certa distância da rota

que os aparelhos percorriam. Talvez a busca demorasse o

suficiente para que o barco se colocasse em segurança.

Talvez...

Rhodan ainda estava envolto nesses pensamentos,

quando o ruído que as focas causavam na água foi

superado por outro. Pôs a mão em concha no ouvido para

protegê-lo do ruído das focas e procurou ouvir noite

afora.

Ouviu um zumbido irregular.

Eram helicópteros! Uma esquadrilha inteira!

“Estão muito longe”, pensou Rhodan.

“Provavelmente Okura não conseguirá vê-los.”

Apesar disso fez um sinal ao japonês, chamou sua

atenção para o ruído e pediu-lhe que esforçasse a vista.

Okura não via nada. A emissão térmica dos jatos dos

helicópteros por certo não lhe teria escapado se os

mesmos se encontrassem ao alcance da visão. Dali se

concluía que os aparelhos ainda se encontravam abaixo

da linha do horizonte.

O ruído cresceu, chegou a um máximo e voltou a

diminuir. Cerca de dez minutos depois que Rhodan o

ouvira pela primeira vez, desapareceu.

— Ainda não encontraram a pista certa — disse

Rhodan com um sorriso. — Tomara que não a encontrem

tão depressa.

Viu Marshall, que dormia. Se os helicópteros se

aproximassem, teria que despertá-lo do sono que tão bem

merecia.

Se tivesse que lutar para valer, não poderiam

dispensar nenhum dos radiadores térmicos. Além disso,

Marshall teria de avisar as focas, para que elas

abandonassem a área de perigo.

— Son, eu preciso de um uísque — disse Rhodan

com um gemido. — Quer arranjar um?

O japonês foi para a parte traseira do barco, onde

estavam empilhados os suprimentos de víveres, armas e

munições apresadas aos homens de Raskujan. Depois de

algum tempo voltou sorrindo, com uma garrafa na mão.

— Não temos uísque — disse. — Em compensação

encontrei uma legítima vodca russa.

* * *

Mais de cem quilômetros acima do ponto em que se

desenrolava essa cena, outro homem fez uma nova

tentativa — que por enquanto seria a última — para

intervir nos acontecimentos que se desenrolavam em

Vênus: era Reginald Bell, companheiro de lutas de Perry

Rhodan e ministro da segurança da Terceira Potência.

Por enquanto Bell tinha de cuidar de sua própria

segurança, sendo incapaz de se preocupar com outras

pessoas, pois o grande cérebro positrônico instalado na

fortaleza de Vênus cercava todo o planeta, quase até o

limite de sua atmosfera, com um campo energético

impenetrável que o protegia de qualquer interferência

externa.

Bell decolara da Terra pouco depois de Rhodan,

numa nave esférica de sessenta metros de diâmetro, da

classe Good Hope. Na linguagem oficial do código de

comunicações, essas naves eram chamadas de girinos.

Thora sofrera um tipo de curto-circuito psicológico.

A saudade de seu mundo natal e a ideia de que Rhodan

nem pensava em permitir seu regresso levaram-na a

procurar auxílio em Vênus. Nesse planeta ficava a base

mais poderosa da Terceira Potência. Não era equipada

com naves capazes de enfrentar o espaço, mas dispunha

de hiperemissores, cuja potência era tamanha que havia

uma boa chance de que fosse ouvida por quem de direito.

Thora partira num dos destróieres recém-construídos

e, ao se aproximar da área interditada, que cercava a

fortaleza, sua nave foi destruída, porque o transmissor

em código ainda não havia sido instalado na mesma. Foi

aprisionada primeiro por Tomisenkow, e logo depois por

Raskujan.

Rhodan seguiu-a, e o destino que teve juntamente

com seus dois acompanhantes não foram melhores que o

de Thora. Todavia, conseguiram escapar à prisão. Mas as

tentativas de libertar Thora falharam por completo.

O terceiro comparsa foi Reginald Bell. Com seu

girino, reunia todas as condições para atingir Vênus e

penetrar na área da base. Os recursos técnicos de que esta

dispunha lhe permitiriam interferir nos combates, libertar

Thora, resgatar Rhodan e obrigar Raskujan a entrar nos

eixos. Acontece que o cérebro positrônico, fora advertido

pela aproximação não anunciada das duas naves, fechara

Vênus contra o mundo exterior e assumira o comando

sobre Vênus em geral e sobre a fortaleza em particular.

Por isso a nave de Bell ficou cruzando além da área

abrangida pelo anteparo energético e nem sequer

conseguiu estabelecer contato permanente pelo rádio

com Rhodan, pois o anteparo não podia ser atravessado

nem mesmo pelas ondulações eletromagnéticas,

inclusive as ondas longas do espectro infravermelho.

Bell fizera uma única tentativa de lograr o dispositivo

positrônico, valendo-se de um mutante. O dom

parapsicológico de Tako Kakuta consistia na capacidade

da teleportação. Estava em condições de, sem o auxílio

de quaisquer recursos técnicos, transportar-se a uma

distância de cinqüenta mil quilômetros. O ambiente

transportador de que se servia era o hiperespaço

sobreposto; com exceção da fonte de energia, o

mecanismo era idêntico ao da transição de uma nave

espacial.

Depois da primeira tentativa, Tako Kakuta regressara

Page 112: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

112

imediatamente; estava esgotado ao extremo. Fora de

opinião que estivera a caminho durante várias horas. Não

havia a menor dúvida de que a verdade dos fatos era a

seguinte: o dispositivo positrônico da base de Vênus

estava preparado para enfrentar tentativas de rompimento

do bloqueio das espécies mais variadas, inclusive aquelas

que se realizassem em níveis superiores. Era de duvidar

que a base mantivesse constantemente um anteparo que

abrangesse as cinco dimensões e cercasse todo o planeta.

Isso exigiria um dispêndio energético de extensões

inconcebíveis. Mas, ao que tudo indicava a reação do

cérebro positrônico face a qualquer objeto que tentasse

penetrar na área protegida era suficientemente rápida

para que o mesmo pudesse ser removido para fora dessa

área.

Tako Kakuta levara dois dias terrestres para se

recuperar.

Naquele mesmo dia, Bell lhe perguntou se estava

disposto a repetir a experiência. Deu algumas

explicações.

— Talvez o fracasso da primeira tentativa tenha sido

uma coincidência — disse. — Quem sabe se da próxima

vez não consegue penetrar na fortaleza sem ser

molestado? Sabe muito bem o quanto isso nos ajudaria.

Já penetrou na base através de um salto de teleportação;

está lembrado? Foi daquela vez em que Tomisenkow

acabara de pousar com sua frota de quinhentas naves e

nós os espalhamos pelos quatro cantos. É possível que o

cérebro positrônico julgue a situação de hoje mais

perigosa, e por isso tenha ativado outros campos de

defesa. Para falar com franqueza, é até provável que seja

assim. Mas não acha que apesar disso devíamos fazer

mais uma tentativa?

A fala de Bell foi cautelosa, o que contrariava seus

hábitos. De resto, não era de sua alçada formular pedidos

a um membro da Terceira Potência. Na situação em que

se encontrava, tinha o direito de ordenar.

Mas sabia perfeitamente o que significaria uma

segunda tentativa de Tako Kakuta. A primeira fora

suficiente para fazê-lo atingir os limites de sua

resistência física.

Por estranho que parecesse, Kakuta não hesitou. Um

sorriso um tanto embaraçado espalhou-se por seu rosto

redondo de criança.

— É claro que tentarei mais uma vez. Faço votos de

que também desta vez não sofra outra coisa a não ser a

sensação de ter sido atropelado por um tanque.

Fizeram todos os preparativos para a ação. Bell

mandou que dois tripulantes da nave comparecessem à

sala de comando e ordenou-lhes que cuidassem bem do

japonês, se este voltasse a aparecer.

Tako Kakuta colocou-se em posição. Em seu rosto

havia uma expressão fatalista.

— Vou tentar — anunciou.

A transição propriamente dita não levou mais de um

segundo. Mal se notava que os contornos do corpo de

Kakuta começaram a se desvanecer, e o mesmo já havia

desaparecido.

Reginald Bell conteve a respiração. No intervalo de

duas pulsações do coração atreveu-se a acreditar que

desta vez a tentativa fora coroada de êxito... mas aí, o

japonês reapareceu de repente.

Fechara os olhos e o rosto contorcia-se de dor.

Os homens que Bell mandara comparecer à sala de

comando cumpriram seu dever. Tako Kakuta caiu nos

seus braços. Estava inconsciente.

— Levem-no ao seu camarote — ordenou Bell. — E

cuidem dele. Avisem-me assim que recuperar a

consciência.

Deu-lhes as costas e fitou a tela de imagem, coberta

de massas turbilhonantes de nuvens luminosas.

A segunda tentativa fracassara.

Não havia mais nenhuma possibilidade de intervir

nos acontecimentos que se desenrolavam em Vênus.

* * *

Son Okura viu o litoral emergir sob a forma de um

traço negro.

Faltavam quarenta horas para a meia-noite.

Fazia tempo que Marshall despertara e assumira o

posto de Rhodan, para que este descansasse ao menos

alguns minutos. Son Okura era o único que ainda não

tivera tempo para dormir.

Por enquanto seus olhos não podiam ser dispensados.

As focas rebocavam o barco sem cessar.

Haviam ouvido os helicópteros por mais algumas

vezes. De cada vez o ruído fora um pouco mais forte que

da vez anterior. Não havia dúvida de que os aparelhos

davam buscas no mar em faixas que corriam do sul para

o norte ou vice-versa, e que essas faixas chegariam cada

vez mais perto da costa e do barco em fuga.

Marshall avisara as focas. Se houvesse um ataque,

aguardariam um sinal para sair dos laços e se retirar da

área de perigo. Marshall esperava que as coisas não

chegassem a esse ponto, mas não tinha muita certeza

disso.

Depois de um ligeiro descanso, Rhodan levantou-se e

mandou que o japonês dormisse um pouco. Okura

obedeceu; dali em diante ele dependeriam

exclusivamente do ouvido. Os olhos do espia haviam

sido eliminados.

* * *

Pouco depois das duzentas e uma horas, tempo local,

o observador do helicóptero que ia à frente da

esquadrilha reconheceu um reflexo débil e minúsculo na

sua tela de radar.

Comunicou-se com o grosso da força e soube que já

haviam observado a mesma coisa. Com isso ficava

demonstrado que se tratava de um reflexo genuíno.

A posição exata do objeto foi determinada;

constatou-se que se deslocava a uma velocidade

considerável em direção ao nordeste.

Cinco minutos depois de realizada a primeira

observação, a esquadrilha tomou o rumo leste e

aproximou-se do objeto desconhecido a toda velocidade.

No momento esse objeto deslocava-se na proximidade da

costa da península.

Para o major que comandava a patrulha de

helicópteros, não havia a menor dúvida de que esse

objeto se relacionava de alguma forma com os dois

helicópteros desaparecidos. Ordenou aos observadores

que não tirassem os olhos daquele objeto e que

utilizassem o dispositivo infravermelho assim que se

encontrassem à vista do mesmo.

Page 113: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

113

* * *

Rhodan aguçou o ouvido.

De início escutara apenas o costumeiro zumbido

distante da esquadrilha que se aproximava, vindo do sul;

alcançaria seu ponto máximo numa posição lateral.

Mais uma vez os helicópteros se aproximaram, mas

por enquanto não havia nenhum perigo.

Rhodan esperava que o ruído se afastasse para o

norte, mas isso não aconteceu. Um novo tom se misturou

ao zumbido.

Rhodan compreendeu imediatamente o que havia

acontecido em meio à escuridão: os ocupantes dos

aparelhos haviam descoberto alguma coisa,

comunicavam-se entre si e tomavam outro curso. Por

alguns instantes teve esperança de que não fosse

justamente o barco. Este era feito de massa plástica

elastificada e não constituía o material adequado para

refletir uma onda de radar.

Mas, quando o ruído começou a crescer com uma

intensidade assustadora, Rhodan percebeu que se

enganara. Os aparelhos de radar do inimigo eram

melhores do que acreditara.

— Marshall! Acorde Son!

Marshall também estava escutando. Respondeu com

um breve aceno de cabeça e dirigiu-se à proa, para

despertar o japonês. Não foi fácil, mas sob a força das

circunstâncias conseguiu.

— Son! — gritou Rhodan. — Estão atacando. Diria

que são mais ou menos dez helicópteros. Fique de olhos

abertos.

E depois:

— Marshall...

— Sim.

— Transmita o sinal às focas. Antes disso procure

saber onde poderemos nos abrigar se conseguirmos

resistir à primeira investida.

— Pois não.

— Son.

— Sim.

— A que distância fica a costa?

— Uns duzentos metros.

Rhodan praguejou por entre os dentes. Não poderiam

ter levado mais um minuto para descobrir o barco?

Marshall já entrara em atividade. Com a habilidade

que lhes era peculiar as focas soltaram-se dos laços e

dispararam em direção à costa.

— As focas moram em cavernas cheias de água até a

metade da altura; desembocam diretamente no mar.

Avisam que estão dispostas a nos abrigar lá.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Está bem. Preparem as armas.

O zumbido dos helicópteros começara a se

desmanchar. Há alguns segundos o ouvido distinguia

entre o chiado agudo dos jatos e as batidas dos motores.

Son informou que via nove pontos luminosos que se

aproximavam pouco acima da superfície da água.

— Estão a uns dois quilômetros de distância —

acrescentou.

Nos últimos segundos antes de abandonarem o barco

as focas ainda o haviam levado mais uns cinquenta

metros em direção à costa. Esta ainda ficava a cento e

cinquenta metros. Rhodan preveniu os companheiros de

que teriam de percorrer essa distância a nado, fossem

quais fossem as criaturas da flora e da fauna aquática que

se encontravam no caminho.

— No primeiro ataque abriremos fogo contra eles —

ordenou. — Se não tremermos com a mão, seremos

capazes de derrubar quase uma esquadrilha inteira. Isso

lhes incutirá um pouco de respeito. Aproveitaremos o

tempo que levarem para se recuperar do susto para nadar

até a costa. Pendurem o radiador de impulsos térmicos

nas costas. Cada um levará ao menos uma das pistolas

automáticas que temos a bordo, além de uma boa

provisão de munições. Não se esqueçam do mais

importante: procurem chegar quanto antes às cavernas

das focas. Dos helicópteros eles nos verão mesmo que

estejamos nadando.

Mal acabou de pronunciar essas palavras, quando Son

Okura levantou o braço.

— Atenção! Ali; estão usando holofotes de luz

infravermelha.

Só o japonês via os raios enfeixados que, vindos das

alturas em que se encontrava a patrulha de helicópteros,

davam busca pela superfície do mar. Para Okura os

pontos cintilantes em que os raios infravermelhos

atingiam o mar constituíam um indício precioso, que lhe

permitia avaliar o tempo que os helicópteros ainda

levariam para descobrir o barco.

— Faltam quinhentos metros! — gritou para Rhodan.

— Vêm bem em nossa direção.

“Não é de admirar”, pensou Rhodan. “Estão voando

de tal forma que o reflexo fica bem no centro da tela.

Isso não é nenhuma arte.”

— Faltam duzentos metros! — gritou Okura e cobriu

o rosto com os dois braços. O holofote, que para outras

pessoas era invisível, ofuscava os olhos do japonês.

Haviam sido descobertos.

— Abriguem-se! — ordenou Rhodan.

As paredes de plástico do barco forneciam uma

proteção muito melhor do que seria de supor à primeira

vista. A massa de plástico que cercava o recipiente de ar

tinha ao menos dez centímetros de espessura. Além

disso, era um material autorregenerável. O impacto de

um projétil liberava calor. E a massa de plástico utilizava

esse calor para fechar o buraco aberto pelo tiro,

recorrendo à substância retirada das partes não atingidas.

Com isso poderiam ser anulados efeitos de qualquer

número de impactos comuns, e de cerca de quinze

impactos de projéteis explosivos. Quanto ao décimo

sexto impacto de projétil explosivo...

Um canhão automático começou a emitir um ruído

metálico ininterrupto em meio à escuridão. Os tiros

foram muito curtos. A uns vinte metros do barco Rhodan

viu os repuxos luminosos levantados pelos impactos.

Okura levantou os dois braços, para avisar que os

helicópteros se encontravam em posição de tiro

favorável. A voz de Rhodan superou o barulho:

— Fogo!

O fogo que surgiu em frente aos aparelhos foi de um

silêncio sinistro. Rhodan viu uma sombra que emitia

silvos e batidas, dirigiu seu radiador de impulsos

térmicos sobre a mesma e comprimiu fortemente o

gatilho. Ficou com os olhos semicerrados para evitar o

ofuscamento produzido pela luminosidade da descarga

energética. Viu quando o raio ofuscante atingiu o enorme

aparelho, descarregou todo seu potencial energético nas

paredes, nos soalhos e nos instrumentos do mesmo,

Page 114: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

114

transformando-os de um instante em outro num montão

de metal derretido e volatilizado, que se desmanchou

numa explosão estrondosa ao tocar a superfície da água.

O mesmo fenômeno repetiu-se em mais dois pontos.

Perry Rhodan teve uma sensação de triunfo quando os

outros helicópteros puseram os jatos a uivar e se

afastaram precipitadamente.

— Tudo preparado para nadar?

— Tudo preparado — soou a voz de Okura.

— Tudo preparado — respondeu Marshall.

— Vamos!

Deixaram-se cair na água. Logo começaram a nadar

com braçadas vigorosas. A água era gosmenta e um

pouco viscosa, mas avançaram rapidamente e

comunicaram-se por meio de gritos para não se

dispersarem.

O ruído dos helicópteros voltou a crescer. Rhodan viu

que Okura, enquanto nadava, virou a cabeça para

observar os raios dos holofotes de luz infravermelha. Fez

um gesto tranquilizador.

Desta vez o ruído dos canhões automáticos soou a

uma distância tranquilizadora. Voltaram a atacar o barco.

Ouviu uma série de estalos e chiados e viu uma chuva

de faíscas quando um dos projéteis atingiu as munições

depositadas no barco. Praticamente no mesmo instante os

helicópteros pararam de disparar. Ao que tudo indicava

achavam que era impossível que alguém tivesse resistido

à explosão.

Okura avisou que dois dos aparelhos estavam parados

pouco acima do barco.

— Pois procurem nadar mais depressa! — gritou

Rhodan. — Logo perceberão que escapamos.

— Son, quanto falta?

— Setenta metros.

Procuraram verificar a profundidade da água, mas era

quase impossível afundar as pernas nesse líquido

viscoso.

A voz de Okura voltou a soar:

— Atenção! Estão se aproximando. Vieram devagar.

Ainda não sabiam em que direção os tripulantes do barco

haviam se afastado. Deixaram os holofotes de luz

infravermelha deslizar sobre a água.

Ainda faltavam quarenta metros, calculou Rhodan. E

os helicópteros estavam a menos de cem metros atrás

deles.

Subitamente Marshall gritou:

— Aqui já temos chão firme! Podemos caminhar.

Rhodan aproximou-se do lugar de onde vinha a voz.

Viu o vulto de Marshall, que agitava os braços, emergir

da escuridão, e baixou as pernas. Sentiu o chão sob os

pés.

Ao andarem não conseguiram avançar muito mais

depressa do que nadando, mas era muito mais

confortável. Avançaram metro por metro em direção à

costa, que começou a se desenhar sob a forma de um

traço negro contra a escuridão cinzenta. Mas os

helicópteros também vinham se aproximando metro por

metro.

De repente Rhodan ouviu o japonês soltar um

gemido.

— Descobriram-nos.

Rhodan não viu o facho luminoso do holofote, mas

ouviu o ruído das armas automáticas. Poucos metros à

direita os projéteis atingiram a água.

— As focas estão bem à nossa frente! — gritou

Marshall. — Vamos para lá!

O helicóptero corrigiu a pontaria. Rhodan viu a linha

dos projéteis se deslocar em sua direção. Faltavam cinco

metros.

Tropeçou sobre alguma coisa e caiu esticado na água.

Alguma coisa segurou-o vigorosamente pelos ombros e

voltou a pô-lo de pé. Mais adiante Marshall gritou

alguma coisa que Rhodan não entendia. Parecia ter a voz

muito cava. O que seria?

Era a caverna! Marshall já se encontrava no interior

dela. Rhodan viu que os repuxos levantados pelos

projéteis da arma automática ficavam atrás dele. Com

uma sensação de alívio tropeçou pelo chão escorregadio

e coberto de água. Percebeu que subia constantemente e

acabou chegando a uma placa de pedra situada poucos

centímetros acima da superfície da água. Marshall, que já

estava sentado, fez-lhe um sinal. O japonês dispôs-se a

subir a pedra, vindo do outro lado.

Rhodan deixou que Marshall o ajudasse. Assim que

conseguiu puxar as pernas para junto do corpo, deixou-se

cair. Deitado de costas, inalou em golfadas vigorosas o ar

úmido da caverna das focas.

Os canhões automáticos dos helicópteros

continuavam a disparar do lado de fora. Mas a abertura

da caverna era tão pequena e estava tão cheia de água

que os projéteis disparados não mais conseguiam atingi-

los.

3

— Já decidiu alguma coisa? — perguntou

Tomisenkow.

Thora se assustou quando o viu entrar por baixo da

lona. Apesar disso não perdeu a compostura.

— Já decidi — respondeu em tom altivo. — Estou

disposta a cooperar com o senhor, desde que consiga me

convencer de que existe alguma chance de sermos bem

sucedidos, por menor que seja.

Tomisenkow sentou sem ser convidado e encarou-a

com os olhos semicerrados.

— Posso garantir — disse — que eu e mais alguns

dos meus companheiros poderemos sair do acampamento

sem sermos molestados e penetrar algumas centenas de

metros na selva. O que acontecer depois depende da

capacidade de sua lendária fortaleza de Vênus de nos

proteger contra os helicópteros e as patrulhas de

Raskujan.

Um brilho de suspeita iluminou os olhos

avermelhados de Thora.

— Se acredita que dessa forma conseguirá penetrar

no interior da base, está muito...

Tomisenkow interrompeu-a com um gesto nervoso.

— Para mim o tempo passou — asseverou. — Não

estou interessado em sua base. Posso viver sem ela.

— Afinal, no que está interessado? — perguntou

Thora com certo tom de ironia na voz.

Tomisenkow encarou-a.

— Estou interessado — respondeu — em impedir

que um idiota faça tudo quanto é besteira em Vênus. Até

parece que a senhora ainda não conhece a raça terrena a

Page 115: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

115

que pertencemos.

— Nunca tive interesse em conhecê-la — respondeu

Thora em tom reservado.

Tomisenkow não parecia ofendido.

— Um dia a senhora devia procurar conhecer —

disse em tom pensativo. — Somos uma raça bem

interessante. Basta que se veja, por exemplo, que um ano

que passamos em Vênus quase sem recursos bastou para

que eu e a maioria de meus companheiros nos

apaixonássemos por este mundo horrível. Somos os

primeiros que passamos um ano inteiro aqui sem casas

pré-fabricadas, camas macias e outras comodidades;

vivemos nas selvas e nos vales que cortam as montanhas

e de noite sempre dormimos em cima das árvores. Vênus

nos pertence. Já não somos russos, mas venusianos ou

coisa que o valha. Por isso sua base não me interessa

nem um pouco; e é também por isso que quero evitar que

Raskujan continue a brincar de ditador por aqui. A

senhora compreende?

Thora não respondeu.

— Está bem — disse depois de algum tempo. —

Sairemos juntos deste campo de prisioneiros. Não posso

fazer nenhuma promessa. Mas talvez pudéssemos

organizar a fuga da seguinte maneira:...

* * *

Rhodan só se permitiu alguns minutos de descanso.

Depois se levantou.

— Marshall, diga às focas que têm de sair quanto

antes desta caverna.

Os helicópteros haviam se retirado. No interior da

caverna reinava o silêncio, interrompido apenas pelo

ruído das ondas e pelo arrastar das barbatanas das focas

sobre a rocha molhada dos fundos.

Marshall transmitiu a advertência.

— Não sabem por que — disse a Rhodan.

— Porque esses helicópteros não terão coisa mais

urgente a fazer que colocar algumas bombas tipo baby

bem à frente do nosso nariz.

Marshall também transmitiu essa mensagem, embora

fosse um tanto difícil fazer as focas compreenderem o

que vinha a ser uma bomba baby.

— Estão de acordo — disse depois de algum tempo.

— Esta caverna tem alguma saída para o lado da

terra? — indagou Rhodan.

Marshall formulou a pergunta.

— Sim, uma espécie de refúgio. Mais precisamente,

uma galeria que sobe num plano inclinado e sai bem em

meio à selva.

— Formidável. Nós a utilizaremos. Acredito que o

pessoal de Raskujan deve ter deixado, em algum lugar lá

fora, um helicóptero que deve observar o terreno. Se

pudermos desaparecer sem sermos notados, teremos uma

ótima vantagem.

Procurou avaliar o raio de ação da bomba que se

esperava e pediu a Marshall que comunicasse às focas

qual era a distância mínima que deveriam guardar da

caverna para não saírem machucadas.

Constatou-se que para as focas a mudança não

representava qualquer problema. Por sua própria

natureza eram uma raça inconstante, e ao longo da costa

havia milhares de cavernas. Prometeram que iriam

advertir outros grupos de focas que se encontravam na

área ameaçada.

Marshall também deu sua contribuição: através de

uma mensagem telepática, repetida várias vezes, ele

preveniu todas as focas que se encontravam nas

redondezas.

Finalmente procurou explicar às focas que aqueles

aos quais haviam prestado auxílio sentiam-se muito

gratos e que Rhodan estava disposto a cumprir qualquer

desejo que tivessem desde que isso estivesse ao seu

alcance.

Mas, por espantoso que fosse as focas não tinham

nenhum desejo. Suas necessidades eram muito reduzidas

e o mundo de Vênus era opulento. Despediram-se uns

dos outros com protestos de amizade mútua — que eram

um tanto desajeitados, em virtude da diferença de

mentalidades.

Rhodan e seus companheiros puseram-se a caminho.

Rastejaram por uma galeria de cerca de cem metros de

comprimento que fedia a peixe e óleo de baleia e mal

dava para andarem de quatro. Mais ou menos às duzentas

e duas horas atingiram o mundo exterior; num ponto bem

afastado da costa, onde a selva impenetrável os protegia.

As focas haviam fornecido uma descrição

aproximada do terreno a Marshall. A topografia desses

animais não chegava a ser uma ciência, mas bastou para

que Rhodan constatasse que a faixa de terra vertical, que

ligava a península com a linha costeira do continente

norte, devia se encontrar entre oito e quinze quilômetros

de distância do lugar em que se encontravam.

— Pois bem — disse — são quinze quilômetros no

máximo até a faixa que liga a península ao continente. O

campo energético da base começa a uns vinte

quilômetros ao norte da linha costeira. Isso perfaz, na

pior das hipóteses, um total de trinta e cinco quilômetros

até o campo energético. Ali devemos encontrar um meio

de ativar o mecanismo identificador do cérebro

positrônico. E depois disso — esboçou um sorriso

cansado — o pior terá ficado para trás.

* * *

Pisando fortemente, o cabo Wlassov saiu da

escuridão e correu em direção à sentinela postada junto

ao portão.

— Preciso de auxílio — fungou. — Tomisenkow

desapareceu.

Junto ao portão do primitivo campo de prisioneiros

havia cinco homens; o mais graduado era o sargento.

Dois homens foram destacados para ajudar Wlassov na

busca do general desaparecido. O sargento preveniu

Wlassov.

— Vocês dispõem de quinze minutos para encontrar

Tomisenkow. Depois terei de avisar a ocorrência.

Wlassov respondeu com um aceno de cabeça e

desapareceu na escuridão juntamente com os dois

homens que o acompanhavam. Uma das sentinelas ligou

a lanterninha para iluminar o caminho; mas Wlassov deu

uma pancada no braço do homem.

— Apague isso! — chiou. — Se ele nos vê de longe,

não deixará que o agarremos.

O argumento era bem plausível, ainda mais que

Wlassov conhecia de cor o caminho até a barraca de

Tomisenkow. Caminhou à frente e pouco se importou

quando subitamente algumas sombras emergiram da

Page 116: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

116

escuridão, saltaram sobre seus companheiros e lhes

comprimiram a garganta até que eles perdessem a

consciência.

— Tudo em ordem — cochichou uma voz. — Tirem

a roupa deles.

Wlassov deu meia-volta e voltou alguns passos. Dois

homens estavam tirando os uniformes das sentinelas

inconscientes.

— Não se apressem — disse Wlassov em tom

tranquilo. — Temos tempo. O sargento não avisará a

ocorrência antes de quinze minutos.

As duas sentinelas foram amarradas, amordaçadas e

escondidas entre as moitas. O campo de prisioneiros

estava seguro contra animais selvagens, com exceção das

formigas gigantes. Desde que estas não assaltassem o

acampamento justamente na próxima hora, a vida dos

dois homens amarrados não correria perigo.

Uma sombra baixa e atarracada destacou-se em meio

à escuridão. Wlassov levou uma pancada vigorosa no

ombro.

— Trabalho bem feito, rapaz — disse Tomisenkow

em tom de elogio.

Wlassov deu um sorriso de embaraço.

— Não me sinto muito bem com isso — respondeu.

Tomisenkow fez um gesto de desprezo.

— Isso passa — disse laconicamente.

Um dos outros homens anunciou:

— Terminamos chefe.

— Muito bem — resmungou Tomisenkow. — Estão

todos reunidos? Wlassov, Alicarim, Jegorov, Zelinskij.

Onde está Thora?

— Estão todos aqui, chefe.

Tomisenkow fez um gesto com a cabeça.

— Está bem. Vamos embora.

O sargento postado junto ao portão não desconfiou de

nada quando, depois de um tempo relativamente curto,

Wlassov voltou acompanhado de dois homens cujo rosto

não podia reconhecer. Seus acompanhantes usavam os

uniformes limpos que distinguiam as tropas de Raskujan

dos homens esfarrapados da divisão espacial.

— Tudo em ordem? — perguntou o sargento.

Wlassov acenou com a cabeça; parecia aliviado.

— Tudo. Passou por baixo da lona de barraca e deu

um passeio. Não acredito que...

Não precisou dizer mais nada. Já havia chegado perto

do sargento. Num movimento instantâneo levantou a

mão que segurava a pesada pistola pelo cano e com a

coronha deu uma pancada violenta na cabeça do homem.

Wlassov segurou o pesado corpo do sargento e deixou-o

cair suavemente em meio ao capim.

Uma das outras sentinelas pôs a cabeça para fora da

cabana primitiva que servia de guarita.

— O que houve? O que aconteceu com...

Wlassov fez-lhe um sinal para que se aproximasse.

— Venha cá. Caiu de repente.

Sem desconfiar de nada a sentinela dispor-se a vir em

auxílio do sargento. Quando inclinou-se sobre o homem

inconsciente, recebeu uma pancada igualmente violenta e

seu corpo flácido e inconsciente cobriu o de seu superior.

Wlassov não perdeu muito tempo com a última

sentinela. Segurou a pistola pela coronha e entrou na

cabana. O homem olhou-o com o rosto sonolento.

— Levante-se e ponha as mãos para cima! —

ordenou Wlassov.

O homem obedeceu ainda sonolento e quase

morrendo de susto.

— Saia à minha frente!

Mais uma vez o homem fez o que lhe fora ordenado.

Ao sair da porta, um dos homens de Tomisenkow que

haviam vindo com Wlassov deu-lhe uma pancada na

cabeça, o que o fez cair duro, tal quais seus camaradas.

Wlassov soltou dois assobios abafados. A escuridão

adquiriu vida. Tomisenkow, Alicarim e Thora chegaram

ao portão.

— Vamos amarrá-los, amordaçá-los e tirar-lhes as

armas — ordenou Tomisenkow laconicamente.

O trabalho progrediu rapidamente. Os três homens

inconscientes também foram escondidos nas moitas num

lugar bastante afastado da cabana. Era de supor que a

busca dos fugitivos demoraria até que a ronda

encontrasse as sentinelas desaparecidas.

Ao todo haviam sido derrubadas e escondidas sete

sentinelas: uma adiante da barraca de Thora e da que

Alicarim, Jegorov e Zelinskij ocupavam em conjunto, as

duas que o sargento havia destacado para acompanharem

Wlassov e finalmente o sargento com os dois

subordinados que ainda lhe restavam.

A oitava das sentinelas desaparecidas daria alguma

dor de cabeça à ronda: era Wlassov. Era difícil de

imaginar que um dos soldados de Raskujan preferisse

renunciar à segurança e ao conforto do campo de

foguetes para seguir um homem que, no linguajar de

Raskujan, era um simples aventureiro, enfrentando a

insegurança e as privações.

Talvez essa dor de cabeça retardasse o início da

busca por mais alguns minutos.

O pequeno grupo, com Tomisenkow na ponta, passou

pelo portão totalmente aberto. Wlassov, que carregava

duas pistolas automáticas e um pesado embrulho com

munições, ia à retaguarda. Fechou cuidadosamente o

portão.

Tomisenkow tomou o rumo nordeste, para contornar

a área perigosa do campo de pouso dos foguetes. Cinco

minutos depois chegaram à selva no lugar em que

terminava a faixa de terra calcinada.

Wlassov conhecia os planos de Tomisenkow. Queria

atingir quanto antes o campo protetor da base que a

Terceira Potência possuía em Vênus. A ideia de roubar

um helicóptero logo foi abandonada. O aparelho não

conseguiria decolar sem ser percebido. Dentro de poucos

minutos os homens se poriam em seu encalço e, numa

relação de forças de um para vinte, não podia haver

qualquer dúvida quanto ao resultado da perseguição.

Também desistiram da ideia de usar a faixa calcinada

aberta pela Stardust-III para avançar mais depressa.

Raskujan logo imaginaria que fossem adotar esse

procedimento. Embrenhando-se pela selva enganariam

Raskujan e estariam protegidos contra a visão direta.

Tomisenkow sabia que a fuga não seria descoberta

antes da próxima ronda, que seria realizada dentro de

duas horas. É a experiência já lhe ensinara que as trilhas

abertas na selva se fechariam dentro de uma hora e meia

no máximo, a tal ponto que nenhum dos homens de

Raskujan conseguiria distingui-los do restante da selva

de Vênus.

Dessa forma os problemas com que Tomisenkow se

defrontava haviam sido solucionados com um grau

máximo de segurança. Só mesmo um fato imprevisto

Page 117: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

117

faria com que o grupo fosse descoberto e recapturado

enquanto Tomisenkow se encontrasse no comando.

O que viria depois era outra coisa. Wlassov não

entendia muito das coisas concebidas pela arcônida e que

depois soubera de Tomisenkow, isto é, de terceira

pessoa. Tratava-se do campo protetor, onde, durante um

ano, Raskujan esbarrara diariamente com a cabeça.

Thora parecia estar convencida de que o mecanismo que

mantinha o campo ativado devia ter efetuado alguma

ligação especial e que justamente essa ligação daria a ela

e aos seus companheiros uma chance de atravessar a área

do campo e penetrar na base.

Wlassov não compreendia nada disso. Mas confiava

na inteligência de Tomisenkow. Se este acreditava que os

planos de Thora tinham alguma chance, esta realmente

devia existir.

* * *

Encontravam-se cerca de dois quilômetros da saída

da galeria quando a bomba baby explodiu. Por alguns

segundos uma luz pálida cobriu o terreno, penetrando

mesmo através da folhagem da selva. Trinta segundos

depois, a vaga de pressão desencadeada pela detonação

da bomba gemeu acima da floresta.

Isso não os perturbou. Tratava-se de uma bomba de

fusão, cuja matéria físsil não atinge o nível crítico, mas

que, através de uma matéria refletiva bastante eficaz,

como a grafite ou o berílio, no momento da detonação

ultrapassa o fator de criticidade um. A radiatividade

desencadeada pela mesma só atinge um nível perigoso

nas imediações do local da explosão. As cavernas das

focas, que lhes servira de abrigo por alguns minutos, e a

área situada num raio de quinhentos metros da mesma,

constituiriam um terreno perigoso por mais algum

tempo. Mas ninguém sofreria qualquer dano, a não ser

que as focas não levassem a sério a advertência que lhes

fora feita.

Apesar disso, Perry Rhodan viu na detonação da

bomba mais uma prova do perigo que se correria se um

homem como o coronel Raskujan pudesse agir à vontade

em Vênus. Não compreendia que um mundo novo exige

o emprego de novos métodos. A ideia de que a política

da Terra, inspirada nas ambições nacionalistas, não

poderia ser transplantada para ser praticada em Vênus

ultrapassava a capacidade de seu horizonte mental.

Aos homens desse tipo faltava aquilo que Rhodan

costumava designar como a mentalidade cósmica.

Rhodan lamentou que não estivesse ainda em

condições de ensinar a Raskujan qual era seu lugar. Dos

trinta e cinco quilômetros que, na pior das hipóteses,

teriam de vencer para alcançar o limite do campo

energético, só haviam percorrido dois. Dentro das

próximas cinco horas teriam que fazer uma pausa de

descanso bastante extensa, pois do contrário suas pernas

e mentes entrariam em pane sem prévio aviso.

Desfrutaram de um descanso no nível mais elevado e

menos perigoso da selva. Son Okura localizou a árvore

que prometia o grau mais elevado de conforto e

segurança. A uns quarenta metros de altura alcançaram

com algum esforço uma bifurcação bastante extensa para

lhes proporcionar um abrigo seguro. Rhodan dispôs-se a

ficar de sentinela durante as primeiras duas horas. Depois

foi a vez do japonês, e o último período coube a John

Marshall.

Instalaram-se o melhor que puderam e dali a um

minuto Marshall e Okura já estavam dormindo

profundamente. Rhodan aproveitou o tempo para refletir

sobre um ou outro problema que ainda não tinha sido

resolvido.

Há um ano privara a divisão espacial comandada pelo

general Tomisenkow de suas naves e a tangera na selva.

Pretendia fazer dos dez mil homens de Tomisenkow, ou

daquilo que restava dos mesmos, a base da colonização

de Vênus. O plano parecia razoável. A divisão de

Tomisenkow dispersara-se, conforme era de esperar.

Houve a formação de grupos dissidentes que

propugnavam esta ou aquela filosofia, como por

exemplo, o dos pacifistas, comandado pelo tenente

Wallerinski. A dissidência não deixou de ser

acompanhada de atritos internos. Mas com o tempo os

grupos começaram a se fixar no solo, a maior parte deles

em formações rochosas que se erguiam em meio à selva

espessa e mortífera, formando planaltos desimpedidos

que ofereciam aos colonos um máximo de segurança e

visibilidade.

Acontece que no meio tempo o coronel Raskujan

pousou em Vênus com sua frota de apoio. Durante um

ano tentou conquistar a base da Terceira Potência e com

isso, sem que o soubesse, deu tempo para que

Tomisenkow e seus homens se instalassem em Vênus.

Mas chegou o momento fatal em que Raskujan teve

conhecimento da existência dos remanescentes da

divisão espacial e se dispôs a subjugá-los, para realizar

seus planos ditados pela sede do poder.

De qualquer maneira Raskujan representava uma

pedra no caminho. Tinha de ser removido antes que

pudesse causar danos ainda maiores. Raskujan não

deixava de ser útil, pois a maior parte dos tripulantes de

sua frota era composta de mulheres que se tornavam

necessárias para fazer da colônia uma autarquia

biológica. Mas sob todos os outros aspectos o coronel

representava um obstáculo.

Na opinião de Rhodan, Tomisenkow era o homem

que poderia fazer prosperar a nova colônia. E o

ressentimento pessoal não entrava nessa opinião. Rhodan

não sabia se jamais chegaria a estabelecer contato direto

com Tomisenkow. Tudo que sabia daquele homem

provinha dos relatos dos prisioneiros que há um ano

capturara em Vênus. O quadro resultante desses relatos

não era muito agradável nem harmônico. Mas, conquanto

não o conhecesse pessoalmente, Rhodan acreditava ter

encontrado uma qualidade favorável em Tomisenkow:

no ano que se passara, Vênus fez daquele homem uma

criatura modesta e compreensiva.

Suas reflexões haviam chegado a este ponto quando

entre a imensa variedade dos ruídos que a selva produzia

a todo instante sobressaiu um farfalhar entrecortado, que

parecia vir de um lugar muito próximo. Rhodan

aproximou-se na escuridão do galho bifurcado e

procurou observar a origem do ruído. Os olhos adaptados

à escuridão enxergavam a uma distância de cerca de três

metros, o suficiente para se defender com o radiador de

impulsos térmicos contra qualquer coisa que pudesse se

tornar perigosa.

Algo comprido, estreito e móvel entrou no campo de

visão, vindo de cima. Por algum tempo balançou ao

acaso entre os galhos; depois deu um solavanco, cresceu

para baixo e arrastou atrás de si um montão elástico

como o resto, que mudava constantemente de forma,

Page 118: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

118

deslizando árvore abaixo por uma trilha gosmenta por ele

mesmo produzida.

Rhodan reconheceu o animal. Era um daqueles

pólipos que viviam no solo onde construíam suas

armadilhas subterrâneas, mas vez por outra se punham a

caçar, isso quando as presas que caíam na armadilha não

bastavam para saciar a fome.

Rhodan aguardou pacientemente. Sabia perfeitamente

que seria inútil atirar contra o tentáculo que balançava

diante de seu rosto.

Por algum tempo o corpo flácido do pólipo, coberto

de uma pele dura, escondeu-se na densa folhagem.

Depois desceu, arranhando a árvore, colocou-se numa

posição favorável e pôs o tentáculo a sair em busca da

primeira presa.

Rhodan manteve-se quieto quando o tentáculo

escamoso e repugnante passou por cima de seu crânio,

caiu sobre o ombro direito e começou a enlaçá-lo pela

cintura. Num movimento lento e cauteloso levantou o

radiador térmico e dirigiu o cano sobre a massa

volumosa formada pelo corpo do animal. Apoiou o pé

contra o galho que, da forquilha, partia para a direita;

quando o tentáculo começou a se esforçar para arrastá-lo,

atirou.

A pontaria foi exata, conforme era necessário num

disparo de radiador térmico. O raio ofuscante atingiu o

corpo do pólipo no ponto mais distante da árvore. A

substância orgânica queimou e se volatilizou num

chiado, derramando uma chuva de fagulhas amarelentas

na escuridão da selva. Rhodan sentiu que a força do

tentáculo diminuía. Desprendeu-se e também foi

consumido pelo calor absorvido pelo corpo do pólipo.

Poucos segundos depois, uma mancha negra, que a

combustão produzira na casca da árvore, era o único

vestígio do perigo que ameaçara os três homens

abrigados na forquilha.

Rhodan mudou de lugar e continuou a observar a

escuridão. Incidentes desse tipo eram relativamente raros

naquela altura; não era de supor que durante o seu tempo

de vigia a paz voltasse a ser perturbada.

Recostou-se e voltou a mergulhar em suas reflexões.

Quebrou a cabeça para descobrir de que forma poderia

trazer prosperidade à jovem colônia de Vênus, caso

conseguisse sair vivo da aventura.

* * *

Era um acampamento primitivo; mas, com exceção

de Thora, ninguém se incomodou com isso, e até mesmo

ela preferiu não dizer nada.

Deitados no chão úmido e morno mantiveram-se em

silêncio e sonolentos. O único que parecia interessado

em alguma coisa era Tomisenkow, que conversava com

Thora sobre as possibilidades de penetrar na base apesar

da existência do campo protetor.

— Pelo que entendi — disse Tomisenkow — a

senhora tem esperança de que o cérebro positrônico

instalado na fortaleza a reconheça e lhe franqueie o

acesso. Será que é assim?

Thora acenou com a cabeça, um pouco enojada.

— Não tenho nenhuma certeza — disse. — Pelo que

sei, o cérebro positrônico assumiu o comando da base em

virtude de vários incidentes graves. Isso significa que o

tipo de ligação que permite o acesso de um membro da

Terceira Potência na base, caso seja irradiado com um

emissor especial o sinal convencionado em código, está

superada. Para nós isso é ótimo, pois não dispomos de

um emissor especial para a transmissão de sinais

codificados e os materiais de que dispomos não

possibilitam a construção do mesmo. Nossa única

esperança é que talvez o cérebro positrônico, assim que

cheguemos ao limite do campo protetor, reconheça

minhas vibrações cerebrais como sendo as de uma

pessoa autorizada, e por isso abra a barreira.

Olhou para Tomisenkow, e este se admirou com a

expressão de perplexidade que havia em seus olhos.

— Infelizmente não sei se o cérebro positrônico me

reconhecerá como pessoa autorizada. Se Rhodan

estivesse conosco, não haveria a menor dúvida de que

seríamos bem sucedidos. Mas estando sozinha...

Deixou de pronunciar o resto da frase. Tomisenkow

sentiu a necessidade de consolá-la. Mas antes que lhe

ocorresse uma coisa apropriada que poderia dizer, ouviu

um ruído que desviou sua atenção subitamente e por

completo para coisas totalmente diversas.

Thora não sabia o que havia acontecido. Não ouvira

nada.

— Alicarim! — gritou Tomisenkow.

— Sim, chefe — respondeu o homem baixo de olhos

oblíquos vindo da Quirguízia. — Ouvi. É um tirano.

Disse-o em tom indiferente, quase entediado.

— Vem do leste-nordeste — acrescentou Zelinskij.

E Jegorov completou:

— Tenho a impressão de que vai diretamente para o

lado do pântano.

Tomisenkow fez um gesto com a cabeça.

— Fiquem bem quietos, rapazes — disse a seus

homens. — Talvez passe por nós sem nos perceber.

Da escuridão ouviram as vozes dos homens que

confirmaram o recebimento da ordem.

— O que é? — perguntou Thora, nervosa. — Um

sáurio?

— Isso mesmo. Não está ouvindo?

Thora levantou a cabeça e aguçou o ouvido.

— Se está se referindo àquilo que, de minuto em

minuto, faz um ruído — disse depois de algum tempo —

eu...

— Não é de minuto em minuto — respondeu

Tomisenkow com um sorriso. — O intervalo é de trinta a

quarenta segundos.

— Por que é chamado de tirano?

— Porque é o único carnívoro entre os sáurios. Come

tudo que atravessa no seu caminho, desde que se trate de

substância animal. Até chega a atacar sáurios de outras

raças, mesmo que sejam maiores que ele. É claro que não

consegue devorá-los totalmente. Arranca os melhores

pedaços e deixa o resto para as formigas.

Thora ouviu-o, espantada.

— Por que anda tão devagar?

— Devagar? — Tomisenkow soltou uma estrondosa

gargalhada. — Desloca-se a uma velocidade de vinte

quilômetros por hora. É o único sáurio que costuma

andar com o corpo ereto. Geralmente só usa as patas

dianteiras para agarrar sua presa. É menor que a maioria

dos sáurios, mas, andando ereto, sua altura é pelo menos

dez metros maiores. Só as pernas têm cerca de quinze

metros de altura. É só calcular quantos passos tem de dar

por minuto para que esses membros provoquem um

deslocamento de vinte quilômetros por hora. Não são

Page 119: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

119

mais que um e meio a dois.

Thora compreendeu.

Os passos retumbantes, que pareciam um terremoto,

tornavam-se cada vez mais fortes. Os outros ruídos da

selva cresceram na mesma proporção. Os animais fugiam

daquela criatura poderosa.

— Vamos ficar sentados até que ele nos pise? —

perguntou Thora, um pouco assustada.

Fez um gesto indefinido para a escuridão.

— Para qualquer lugar... para longe daqui.

— E como podemos saber que não passará

justamente no lugar em que pretendemos nos esconder

dele? Sabe dizer em que direção está andando?

Thora sacudiu a cabeça; parecia perplexa.

— Além disso, não precisa ter medo de ser pisada —

prosseguiu Tomisenkow.

— Será que não?

— Não. Um tirano não pisa suas vítimas; ele as

devora. E tem um nariz excelente para farejar sua presa.

Não tenha a menor dúvida.

Depois de ter dado esse tipo de consolo a Thora,

rastejou para onde estava Alicarim. Este havia removido

a vegetação de um pedaço de chão e comprimiu o ouvido

contra o solo para escutar melhor.

— Como estão as coisas? — perguntou Tomisenkow

em russo.

Alicarim fez uma careta.

— Mal. Na melhor das hipóteses passará a cinquenta

metros daqui.

Tomisenkow se assustou.

— Cinquenta metros não é nada — resmungou. —

Seu faro alcança o triplo dessa distância.

Alicarim confirmou com um aceno de cabeça.

Tomisenkow virou-se:

— Assumam posição de combate, rapazes. Ao lado

dos troncos das árvores. E façam boa pontaria.

Olhou para o lado e viu Wlassov, que não sabia o que

fazer.

— Não fique de pé por aí — disse Tomisenkow em

tom contrariado. — É um tirano que vai devorar você se

ficar de pé diante de suas patas. Peça a Jegorov que lhe

mostre como se deve esperar um tirano. E não se esqueça

de uma coisa: se ele baixar a cabeça para dar uma olhada

na gente, atire no olho dele. É o único ponto vulnerável

de seu corpo. Entendido?

— Entendido — respondeu Wlassov com um nó na

garganta.

Alicarim permaneceu até o último instante em seu

posto de escuta. Tomisenkow procurou se abrigar atrás

de um tronco. Uma vez em posição, fez sinal a Alicarim,

que desistiu de escutar.

O quirguiz esgueirou-se para um lugar que lhe

fornecia abrigo e colocou a pistola automática ao seu

lado.

— Está a menos de vinte metros — fungou. —

Dentro de três ou quatro minutos ele nos farejará.

Tomisenkow se limitou a acenar com a cabeça.

Subitamente, entre dois dos passos retumbantes do

sáurio, ouviu um ruído diferente. Sobressaltou-se e levou

algum tempo para compreender que o ouvido não o

enganara.

As preocupações com o tirano quase fizeram com que

se esquecesse de Raskujan.

Tomisenkow começou a rir, e Alicarim, que também

ouvira o ruído, acompanhou a gargalhada.

— Com todos os demônios — gemeu Tomisenkow.

— Se essa gente não se cuidar, o tirano os devorará

juntamente com o helicóptero.

* * *

Era um único aparelho, cuja tripulação consistia

como de costume em dois homens, um tenente e um

sargento. O sargento pilotava a máquina, o tenente

observava o terreno. Há pouco o tenente murmurara:

— Gostaria de saber como alguém pode reconhecer

pessoas em meio a esse tapete enredado.

E agora o raio do holofote de luz infravermelha

descobriu alguma coisa que nada tinha que ver com o

objetivo de suas buscas, mas assim mesmo ocupou toda

sua atenção.

Era um pescoço robusto e musculoso, que

ultrapassava ao menos em dez metros a cobertura da

selva, e por cima dele uma cabeça enorme de focinho

largo, que balançava suavemente sobre a coluna formada

pelo pescoço.

Ordenou ao sargento que subisse cinquenta metros e

mantivesse o aparelho imóvel. Através de seu

instrumento de voo cego, que na realidade era um

aparelho rígido de luz infravermelha, o sargento também

havia percebido o sáurio. Executou a ordem e imobilizou

o aparelho numa altitude segura, cerca de oitenta metros

do lugar em que se encontrava o animal.

— Também parou — constatou o tenente. — Ao que

parece não se interessa por nós. Descobriu alguma coisa.

* * *

Tomisenkow virou a cabeça e olhou para Thora, que

também se abrigara atrás de uma arvore e segurava uma

das pistolas automáticas que sobravam. Tomisenkow viu

seu cabelo louro-claro brilhar na escuridão.

— Fique quieta — gritou em inglês. — Saberemos

lidar com ele.

Thora respondeu em tom irônico:

— Não se preocupe comigo. Só estou interessada em

saber quanto valem esses seus lança-granadas

antiquados.

Com um resmungo de satisfação, Tomisenkow voltou

a olhar para o outro lado.

De repente cessou o ruído que o sáurio produzia com

seu deslocamento pela floresta. Tomisenkow assobiou

por entre os dentes.

— Ele nos farejou — comentou Alicarim.

Tomisenkow se apoiou nos braços e gritou para a

escuridão:

— Ele nos descobriu, rapazes. O espetáculo vai

começar.

No seu subconsciente percebeu que o helicóptero

também não se deslocava mais. Parado acima da

cobertura vegetal da selva parecia observar o sáurio.

Wlassov não estava gostando daquilo. Não era do seu

gosto esperar um inimigo no escuro, ainda mais quando

nem sequer sabia como ele era. Estava deitado atrás de

uma árvore bem grossa, conforme Jegorov lhe

recomendara; mas o próprio Jegorov estava tão distante

que Wlassov não o via.

Mas ouviu o grito de advertência de Tomisenkow e

estreitou a mão em torno da arma. Enfiara nela um pente

de balas em posição de disparar, com dois pentes de

Page 120: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

120

reserva. Mais dez pentes se encontravam no chão, ao

alcance de suas mãos.

Subitamente o cenário voltou a se movimentar.

Wlassov ouviu um forte farfalhar e uma série de estalos

quando o sáurio voltou a se mexer. Instintivamente

aguardou o estrondo da próxima pisada.

Mas o estrondo não veio. Quase foi tarde demais

quando Wlassov percebeu que aquilo que se havia posto

em movimento era o pescoço do sáurio. Ouviu o estalo

dos galhos bem em cima de sua cabeça e viu uma sombra

descer do alto. De um instante para outro o ar se encheu

de uma terrível fedentina. Wlassov ouviu um fungar

rápido e furioso, quando o sáurio soltou o ar. Foi nesse

instante que a cabeça gigantesca emergiu da escuridão.

Por um segundo o sangue gelou-lhe nas veias. Nunca

vira, nem em sonho, uma coisa tão pavorosa e cruel. Viu

uma boca com duas fileiras duplas de dentes bem afiados

que se aproximava dele, uma boca tão grande que

poderia perfeitamente ficar de pé no interior da mesma.

Em algum lugar à sua direita e à sua esquerda os braços

ligeiros do monstro atravessavam a folhagem; mas

Wlassov fitou os dois olhos circulares e cintilantes do

sáurio, que o fitavam curiosamente a uns três metros de

distância.

Subitamente Wlassov se lembrou do conselho que

Tomisenkow e Jegorov lhe haviam dado. Num

movimento rápido ergueu a pistola automática, teve a

tranquilidade necessária para apontar cuidadosamente

para o olho direito e apertou o gatilho.

A salva dos pequenos projéteis explosivos atingiu o

alvo. O rosto terrível do sáurio desapareceu de repente, e

um instante depois veio do alto um grito tão forte e

pavoroso que Wlassov deixou cair a arma e comprimiu

as mãos contra os ouvidos.

* * *

— É agora! — gritou o tenente que se encontrava no

helicóptero. — É agora que ele vai agarrar a presa.

No filtro de luz infravermelha via-se perfeitamente

que o sáurio dobrava o pescoço e mergulhava a cabeça

entre a folhagem. Por alguns instantes só se viu a nuca

escamosa e saliente do animal. Depois, num movimento

súbito, a cabeça voltou a surgir com a boca muito aberta,

mas que cabeça!

No lugar em que antes ficava o olho esquerdo via-se

uma abertura profunda e irregular, de onde o sangue

jorrava aos borbotões. O tenente levou algum tempo sem

compreender que animal seria este que, num tempo tão

curto, conseguira produzir uma ferida tão extensa

naquela fera. Com os olhos muito abertos, esperou que

outro sáurio surgisse da escuridão da selva e continuasse

a despedaçar o primeiro.

Mas não houve nada disso. O monstro ferido virou-se

com um grito e se afastou cambaleante.

E então o espírito do tenente se iluminou.

Uma salva bem dirigida de projéteis explosivos

poderia causar uma ferida dessas, de projéteis iguais aos

que eram utilizados nas pistolas que ele mesmo usava.

Sua ordem veio quase sob a forma de um chiado, e

foi tão repentina que o sargento estremeceu:

— Desça e dê busca no terreno em que o sáurio

esteve.

O sargento obedeceu: o aparelho caiu para frente e

passou rente às copas das árvores. A massa imensa do

sáurio abrira uma estrada em meio à selva, e o tenente

dirigiu o facho do holofote para o lugar em que essa

estrada fazia uma dobra repentina.

O sargento manteve o aparelho imóvel, e, na ânsia da

observação, o próprio tenente não se deu conta do risco

que com isso assumiam.

Tomisenkow compreendeu a situação. Não sabia o

que teria atraído a atenção do helicóptero, mas não tinha

a menor dúvida de que estava procurando os fugitivos.

Por isso continuou no seu esconderijo e gritou:

— Fiquem deitados até que isso desapareça!

Mas esse grito não conseguiu superar o chiado dos

jatos e atingir o ouvido de Wlassov, e mesmo que este o

tivesse ouvido, provavelmente não lhe teria dado

atenção. O estado de espírito indescritível em que se

encontrava, feito de uma mistura quase psicopática de

euforia da vitória com os efeitos do medo terrível por

que passara, fez com que de um salto se colocasse na

estrada aberta pelo sáurio. Uma vez lá, apontou a pistola

automática para a sombra bem perceptível que

representava o helicóptero e apertou o gatilho.

A cabina de vidro do helicóptero foi atingida em

cheio. O sargento foi morto imediatamente, e o tenente,

ainda incólume, compreendeu imediatamente o que havia

acontecido. Sem se preocupar com os controles do

helicóptero, que por alguns segundos manteve a mesma

altitude, pegou o microfone do rádio sempre preparado

para a transmissão de mensagens e gritou sua

informação.

Ainda estava falando quando o aparelho tombou

como uma pedra e com um tremendo estrondo se

esfacelou no meio da estrada aberta pelo sáurio.

* * *

O posto de rádio instalado no acampamento de

Raskujan captou a mensagem:

— Localizamos os prisioneiros. Um pouco ao

nordeste do acampamento, três quilômetros...

Não se ouviu mais nada além de um estalo

relativamente leve, que era o único ruído que, da

tremenda explosão do helicóptero, foi transportado pelo

éter até a cabine do operador de rádio.

Este era um homem experimentado. Sabia o que

significava a gritaria nervosa e a súbita interrupção da

mensagem. E tinha a impressão de que o coronel

Raskujan acharia que se tratava de uma ocorrência

trivial.

Estabeleceu contato com a sala de comando da nave

capitania e comunicou ao coronel o que acabara de ouvir.

4

Ao que parecia os deuses de Vênus protegeram

Wlassov. Com um salto de pantera conseguiu mal e mal

afastar-se em tempo de escapar ao fogo violento da

explosão. Aterrizou violentamente num arbusto

malcheiroso, cujos galhos úmidos imediatamente

começaram a enlaçar seu corpo. Mas o deslocamento de

ar logo o livrou daquele abraço indesejável, atirando-o

alguns metros para diante, sem produzir nele qualquer

ferimento além de alguns arranhões.

Page 121: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

121

De repente os acontecimentos excitantes dos últimos

minutos foram seguidos pelo silêncio total da selva.

Wlassov ouviu o sangue zumbir em seus ouvidos antes

que a voz zangada de Tomisenkow chegasse até ele:

— Onde está esse idiota que atirou contra o

helicóptero?

Wlassov se levantou e experimentou as pernas:

— Aqui! — gritou.

Depois se pôs em movimento. Alguém ligou uma

lâmpada e dirigiu o feixe de luz semiencoberto para o

solo. Era Tomisenkow. Alicarim e Zelinskij estavam a

seu lado. Jegorov e a arcônida saíram da folhagem lado a

lado.

— Você não ouviu — principiou Tomisenkow em

tom contrariado — que dei ordem para que todo mundo

permanecesse no lugar em que se encontrava?

— Não — respondeu Wlassov espantado e

mantendo-se fiel à verdade.

— O que você pensou quando atirou contra o

helicóptero?

Essa pergunta deixou Wlassov ainda mais espantado.

— Bem — respondeu em tom hesitante. — Devo ter

pensado a mesma coisa que qualquer pessoa que pega

uma pistola automática e atira contra um helicóptero

inimigo. Não vejo nada de especial...

Tomisenkow não deixou que terminasse.

— Então não vê nada de especial! — gritou, zangado.

— Você não podia imaginar que o pessoal do helicóptero

ainda iria transmitir uma mensagem antes de cair?

— Num tempo tão curto? — objetou Wlassov.

— Num tempo tão curto! — escarneceu

Tomisenkow. — E se não transmitirem nenhuma

mensagem, não demorará mais de meia hora e Raskujan

dará pela falta de um de seus aparelhos e mandará que

saiam à procura. E encontrar este montão de metais com

um aparelho de radar será questão de minutos. Você

estragou tudo que já conseguimos fazer. Raskujan não

precisará seguir nossa pista a partir do acampamento.

Poderá começar aqui mesmo.

Wlassov deixou cair os ombros. De um instante para

outro se sentiu muito ridículo, quando poucos segundos

antes ainda acreditara ser o herói do dia.

— Sim, eu reconheço — disse abatido. — O que

posso fazer?

— Você não pode fazer mais nada. Terá que usar as

pernas da mesma forma que nós.

Tomisenkow virou-se e olhou para Jegorov e Thora.

— Se Raskujan ainda não sabia em que direção nós

estávamos fugindo, agora ele sabe. Quer dizer que não

devemos prosseguir na direção nordeste. Vamos tomar a

direção sudeste para ver se conseguimos lograr os

helicópteros. Isso representa alguns quilômetros a mais.

Mas pelo que vejo, no momento, não temos outra

alternativa.

Andaram o mais depressa possível pela estrada que o

sáurio ferido, que já desaparecera nas profundezas da

selva, havia aberto em direção ao leste. Aproveitaram

uma pequena brecha na mata para voltar a mergulhar na

escuridão das árvores.

Tal qual da primeira vez, Tomisenkow supunha que

os homens de Raskujan procurariam os fugitivos na

estrada larga pisada pelo sáurio. Assim, se a sorte os

favorecesse, poderiam escapar dos helicópteros.

* * *

Poucos minutos depois das duzentas e treze horas,

Rhodan e seus companheiros atingiram o pântano que,

segundo se via, se estendia a uma distância desanimadora

para ambos os lados.

Rhodan já fizera suas experiências com os pântanos

venusianos. A ideia de contornar essa área de solo

enganador nem lhe passou pela cabeça. Mandou que Son

Okura examinasse as árvores que havia na área

pantanosa e achou que as mesmas serviam aos seus

propósitos.

— Vamos fazer uma ginástica e passar por cima —

ordenou. — Son, você irá à ponta. Marshall fique com os

olhos bem abertos. Uma pisada ou um gesto de mão em

falso, e será um homem morto.

Subiram às árvores por um feixe de cipós. Okura

guiou o grupo e determinou a velocidade da marcha.

Em primeiro lugar, era o único que enxergava na

escuridão; além disso, entre os três era o que se

deslocava com maior dificuldade. Tinha dificuldades de

andar que vinham de nascença. Por mais que se

esforçasse em acompanhar o passo das pessoas normais,

havia situações em que sua constituição física o obrigava

a ser mais lento. E esta era uma dessas situações. Apesar

da longa pausa todos estavam bem próximos ao

esgotamento total; quem mais sentiu isso foi Son Okura.

É bem verdade que para Perry Rhodan as coisas não

estavam muito melhores. Não tivera tempo para se

ocupar com a ferida no ombro. Sentiu que o ferimento

latejava e que o sangue que lhe corria pelas veias estava

mais quente que antes. A atmosfera úmida da selva

estava repleta de bactérias. Dentro em pouco a ferida

soltaria pus, ou então ele ficaria com febre.

Ou ambas as coisas.

Sabia que estava na hora de fazer uma pausa de trinta

horas no mínimo para dar algum descanso ao corpo

maltratado e cuidar da ferida. Mas no momento as trinta

horas eram preciosas demais para que pudesse gastá-las

numa pausa.

Thora estava em perigo e com ela a base em Vênus.

Muito embora Rhodan não duvidasse da fidelidade de

Thora, era de recear que um belo dia ela acabasse não

resistindo aos métodos que Raskujan empregava nos seus

interrogatórios. E mesmo que não pudesse dizer ao

coronel o que ele teria de fazer para penetrar na base,

este dispunha de uma multidão de técnicos eletrônicos

capazes de extrair das informações de Thora um volume

de dados sobre a estrutura do cérebro positrônico em

especial e a base em geral que poderia representar um

inconveniente grave para a Terceira Potência.

Thora tinha que ser libertada.

Isso não representava qualquer dificuldade, a não ser

a distância considerável que ainda tinha que ser

percorrida até o campo energético.

Rhodan não tinha qualquer possibilidade de se

identificar antes de chegar ao limite desse campo. Não

dispunha de qualquer coisa que lhe permitisse um

contato a grande distância. Só quando atingisse o campo

protetor, o cérebro positrônico começaria a se ocupar

com sua pessoa e descobriria que era a pessoa para a qual

a base devia ser aberta a qualquer hora. Dali em diante

tudo seria fácil.

Page 122: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

122

O pântano que se estendia embaixo deles forçou sua

paciência ao máximo. Nem mesmo a visão do japonês

conseguia penetrar pela densa folhagem. Por isso viram-

se obrigados a, de tempos em tempos, cortar um galho

grosso e limpá-lo da folhagem para que o som do

impacto no chão lhes revelasse a natureza do solo.

Por várias horas não ouviram outra coisa senão o

eterno ruído produzido por um objeto pesado que cai no

líquido viscoso do pantanal.

Rhodan sabia perfeitamente que tudo isso seria uma

loucura rematada se Son Okura, o mutante, não estivesse

com eles. Às duzentas e dezessete horas fizeram outra

pausa. Rhodan gostaria de avançar mais algumas

centenas de metros, pois Okura dizia que mais adiante a

floresta era bem mais densa que no lugar em que se

encontravam. Dali se concluía que o pântano terminava

naquele lugar. Mas ninguém, naquela altura, era capaz

sequer de levantar a perna, quanto mais arrastar todo o

peso do corpo por um longo trecho de cipós.

No pântano os animais que andavam em cima das

árvores eram tão raros que Rhodan dispensou as

sentinelas. Os três dormiram tão profundamente como se

tivessem desmaiado; até que ouviram um ruído, vindo de

longe, que os arrancou imediatamente do sono, não

porque fosse muito forte, mas porque destoava por

completo daquele ambiente.

Era o chiado dos motores dos helicópteros e o ruído

entrecortado dos canhões automáticos.

Estava tão distante que nem cogitavam da

possibilidade de que pudesse ter alguma relação com

eles. O ruído vinha do noroeste, onde os helicópteros de

Raskujan pareciam ter descoberto alguma coisa sobre a

qual valia a pena atirar.

Olhando para o relógio regulado para o tempo

terreno, Rhodan viu que fazia cerca de três horas que

haviam interrompido sua marcha. Faltava pouco para as

duzentas e vinte horas.

Embora os tiros cessassem dentro de pouco tempo e

os helicópteros se afastassem, Rhodan achou que era

importante saber no que haviam atirado. Ainda mais que

o ruído vinha de um lugar que ficava em sua rota. Além

disso, as três horas de sono profundo lhes haviam

restituído, embora provisoriamente, as forças a ponto de

poderem reiniciar imediatamente a marcha.

Verificou-se que a suposição de Son Okura fora

correta. Poucos minutos depois de terem partido notaram

que embaixo deles o chão era seco e firme. Desceram e

dali em diante eles conseguiram avançar um pouco mais

depressa.

Meia hora depois o terreno entrou em aclive. Haviam

atingido as imediações das montanhas, e isso lhes parecia

ser um prenúncio feliz; pois a cadeia de montanhas em

que começavam a penetrar era a mesma em que se

situava a base.

* * *

O uivo dos helicópteros pairava constantemente sobre

suas cabeças, às vezes bem perto, outras vezes mais

afastado.

Os homens de Raskujan encontraram o montão de

metal fundido do aparelho derrubado no momento em

que o grupo de Tomisenkow acabara de desaparecer na

selva. Conforme supusera Tomisenkow, voaram primeiro

ao longo da estrada aberta pelo sáurio e deram busca na

mesma. Quando viram que essa busca não dava

resultado, mudaram de tática. Descreviam círculos largos

pela área e paravam de vez em quando para descer um

homem por uma corda; esse homem procurava localizar

os fugitivos embaixo da folhagem.

Tomisenkow manteve o grupo bem reunido.

Depois de algum tempo o terreno começou a subir.

Por algum tempo a subida foi bem suave, mas depois de

uma dobra do terreno passou a ser tão íngreme que

tiveram de recorrer às suas qualidades de alpinistas para

prosseguir a marcha.

Com uma mão diante da outra, um pé diante do outro,

subiram num ângulo de setenta graus por um paredão

que, apesar do aclive, estava coberto de árvores e

arbustos.

Tomisenkow esperava que lá em cima chegassem a

um dos platôs rochosos que, vez por outra, se elevam

acima da selva.

— Lá em cima a vegetação não é tão densa —

explicou Tomisenkow a Alicarim, o quirguiz. —

Poderemos observar os helicópteros por suas luzes de

posição e orientar-nos por eles, até que desistam da

busca.

Meia hora depois chegaram à beira do platô.

Tomisenkow não se enganara. Até onde a vista alcançava

na escuridão o chão era plano e a vegetação pouco densa.

Mas era suficiente para que o solo do platô só pudesse

ser visto dos helicópteros em poucos lugares.

Tomisenkow contornou esses lugares, enquanto

procurava um ponto de onde pudesse acompanhar a

atuação dos helicópteros.

Encontraram um lugar desses. Ficava pouco além da

borda do platô. Ao noroeste, o paredão caía quase na

vertical em direção à selva. Logo atrás da borda do platô

havia uma baixada rasa, coberta de arbustos, que seria

um ótimo lugar para acampar. Tomisenkow mandou que

Zelinskij, Jegorov, Wlassov e a arcônida descansassem

ali, enquanto ele e Alicarim instalaram-se na borda

rochosa para observar as luzes coloridas dos

helicópteros.

* * *

O major Pjatkov — o mesmo que localizara o barco

inflável de Rhodan e atirara uma bomba baby diante da

caverna das focas — mandou que seu telegrafista o

ligasse com o coronel Raskujan. Pjatkov era um dos

favoritos de Raskujan; a ligação foi estabelecida

imediatamente.

— Tive uma ideia — principiou Pjatkov sem

preâmbulos. — O terreno em que devemos dar a busca é

de constituição relativamente simples: todo plano até a

encosta sul das montanhas. Mas Tomisenkow ainda não

pode ter chegado lá. Antes dele só existe uma única

elevação, um platô de rocha que se ergue uns trinta ou

quarenta metros acima da selva. Tomisenkow precisa de

um lugar em que possa ver quando suspendemos nossas

buscas e se estamos muito perto dele. Sabe que somos

obrigados a manter as luzes de posição acesas. Basta que

se coloque num lugar adequado para poder nos observar

com toda calma.

Raskujan ainda não estava convencido.

— Em que direção fica o platô, considerada a posição

do aparelho derrubado? — perguntou.

— A sudeste.

Pjatkov sempre tinha uma resposta na ponta da

língua.

Page 123: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

123

— Acredito — disse — que Tomisenkow teve a

mesma ideia. Depois de conhecermos qualquer ponto de

sua trajetória, saberemos em que direção está fugindo.

Enquanto não suspendermos as buscas, Tomisenkow

marchará em qualquer direção, menos naquela em que o

estivermos procurando.

— Hum — fez Raskujan.

— Em minha opinião — prosseguiu Pjatkov

animadamente — devíamos pousar no platô com dois ou

três helicópteros, sem chamar a atenção, e agarrar

Tomisenkow no próprio ninho. Se os outros aparelhos

fizerem barulho que chegue, não nos deverá ser difícil

subir ao platô.

Raskujan acabou concordando. Pjatkov concluiu a

palestra e instruiu dois helicópteros de seu grupo a

seguirem-no. Foram na direção norte, quase até as

encostas íngremes das montanhas, e desligaram as luzes

de posição quando Pjatkov acreditou que não mais

poderiam ser vistos do platô. Depois fizeram meia-volta

e aproximaram-se do complexo rochoso, vindos do leste.

As máquinas pousaram numa clareira, pouco atrás da

borda do platô. Os homens desceram. Pjatkov pediu que

se mantivessem, por um instante, junto aos aparelhos. Só

depois de ter certeza quase absoluta de que nas

proximidades não havia nada de perigoso ou suspeito

deu ordem de marcha.

Os homens não gostaram da missão. Nunca haviam

saído dos acampamentos, a não ser no interior de

helicópteros ou de barcos infláveis relativamente

seguros.

O medo só diminuiu depois de uns quinze minutos de

marcha.

Pjatkov calculou que a distância que teriam de

percorrer para chegar à extremidade oposta do platô seria

de cerca de cinco quilômetros. Em sua opinião, mesmo

no escuro, essa distância poderia ser vencida dentro de

uma hora e meia a duas horas.

Depois disso provaria a Raskujan que estava com a

razão.

* * *

Alicarim virou-se.

— O que houve? — resmungou Tomisenkow.

Alicarim levou algum tempo para responder.

— Acho que ouvi um ruído; vem de lá. Apontou para

o outro lado do platô.

— Deixe de bobagens — resmungou Tomisenkow.

— Que ruído é?

— São helicópteros.

— E agora?

Alicarim aguçou o ouvido.

— Não ouço mais nada.

— Pois então — disse Tomisenkow, voltando a se

apoiar nos cotovelos. — Estão todos na nossa frente.

Como é que algum deles poderia surgir pelas costas?

Alicarim achou que a pergunta era tola. Não havia

nada mais fácil para um helicóptero que contornar o

platô e pousar do outro lado. Mas enquanto não tinha

certeza de não ter se enganado, preferiu ficar quieto.

Assustou-se quando subitamente os canhões

automáticos começaram a disparar em cima da selva.

Tomisenkow levantou-se um pouco e com os olhos

arregalados fitou a escuridão. Depois começou a rir.

— É formidável! — disse. — Um desses idiotas

acredita que nos encontrou.

O tiroteio não durou muito. Terminou sem qualquer

motivo plausível, tal qual havia começado. Ao mesmo

tempo uma movimentação nervosa teve início na

multidão das lâmpadas de posição. Os helicópteros

suspenderam as buscas e afastaram-se. Poucos minutos

depois não podiam ser vistos mais. Apenas o chiado dos

jatos continuou a ser ouvido por mais alguns minutos.

— Não compreendo mais nada — comentou

Tomisenkow.

Permaneceu deitado por mais algum tempo; depois se

levantou.

— Está cansado? — perguntou, dirigindo-se a

Alicarim.

— Não senhor.

— Está bem. Vou deitar um pouco. Fique com os

olhos bem abertos. E avise a Jegorov que dentro de uma

hora deve revezá-lo.

* * *

O major Pjatkov trazia consigo um potente binóculo

noturno, equipado com um pequeno holofote de luz

infravermelha e o respectivo filtro.

Com esse binóculo descobriu o acampamento na

baixada junto à borda leste do platô. Mandou que seus

homens cercassem o acampamento, e que, ao seu

comando, surpreendessem e prendessem os homens que

dormiam.

Só depois percebeu que faltava um dos fugitivos.

Incluindo a arcônida, dera-se pela falta de seis pessoas,

entre elas o cabo Wlassov, que, segundo era de supor,

devia ter se unido a Tomisenkow.

Mas Pjatkov só contou cinco homens no

acampamento. Faltava um.

Onde estaria?

Pjatkov assumiu um risco: resolveu debilitar ainda

mais o círculo já bastante esparso de seus homens,

mandando que um deles saísse em busca do sexto

fugitivo.

Depois ficou esperando.

* * *

Jegorov não tinha vindo. Provavelmente estaria

dormindo.

Alicarim não se zangou. Não estava cansado, e, além

disso, gostava de olhar para a escuridão, embora não

visse nada.

De repente ouviu um ligeiro farfalhar. Subia pelo

paredão; alguém parecia arranhar um objeto.

Agora o ruído estava bem embaixo dele. Alicarim se

arrastou por um metro e percebeu que o ruído ainda

vinha de baixo, na vertical.

Soltou um palavrão abafado, levantou-se e correu

mais cinco metros. O ruído também estava lá.

Teve que caminhar mais de dez metros até que o

arranhar viesse de lado.

Ajoelhou-se e esperou.

De início apenas viu alguma coisa que se

movimentava na escuridão; mas não pôde identificar o

que era.

Depois alguma coisa escura, brilhante, surgiu no

campo de visão. O movimento que Alicarim vira vinha

de duas figuras em forma de tentáculo, que assentavam

na frente da coisa escura e brilhante que Alicarim havia

Page 124: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

124

visto.

Levantou-se de um salto.

Eram formigas!

Ficou mais tranquilo ao constatar que os animais não

se deslocavam em direção ao acampamento. O exército

delas subiu pela borda do platô e, estalando e

farfalhando, atravessou a folhagem. Cada uma tinha o

tamanho da mão de um homem adulto.

Apesar disso, Alicarim pôs-se a voltar ao

acampamento. As formigas de Vênus eram animais

imprevisíveis. Além disso, ninguém sabia se possuíam o

sentido do olfato, que eventualmente lhes permitiria

farejar a presa humana.

Era necessário avisar Tomisenkow.

Ali...!

Num gesto instantâneo, mas silencioso, Alicarim

deixou-se cair para frente quando a sombra emergiu da

escuridão. Por um instante xingou-se de idiota por causa

do susto. Devia ser Jegorov que vinha revezá-lo.

Acontece que não era Jegorov.

E não era nenhum dos homens do grupo de

Tomisenkow. O vulto que tinha diante de si media quase

dois metros. Para quem olhava de baixo como Alicarim,

destacava-se nitidamente contra o céu cinzento.

Passou a dois metros de distância do quirguiz.

Andava cautelosamente, olhando de um lado para outro.

Ainda não havia descoberto as formigas; apesar disso a

área não parecia inspirar-lhe muita confiança.

Os pensamentos atropelaram-se no cérebro de

Alicarim. Lembrou-se do barulho dos helicópteros que

ouvira há mais de uma hora.

Afinal, o ouvido não o teria enganado mesmo?

Seguiu o homem, arrastando-se pelo chão. A menos

de um metro à sua direita marchava o exército de

formigas.

Ao chegar à borda do platô, o grandalhão parou.

Olhou para a direita, para a esquerda e depois descobriu

as formigas. Alicarim viu que, tomado de um tremendo

susto, abriu as pernas para ter uma posição mais firme e

levantou a pistola automática.

Foi quando Alicarim saltou para a frente.

O homem, mortalmente assustado pelas formigas,

não ofereceu a menor resistência. Alicarim deu-lhe uma

pisadela na cavidade do joelho e ao mesmo tempo

golpeou seu pescoço com o lado da mão.

Com um grito de pânico, o homem caiu para a frente.

Foi parar no meio das formigas. Debateu-se para afastar

os animais que caíam em cima dele. A pistola foi atirada

bem longe, por cima da borda do platô.

Alicarim rastejou para trás e escondeu-se numa

moita.

Mas logo se levantou de um salto. O acampamento

estava em perigo! O homem atacado pelas formigas, que

a essa hora já estava morto, não devia ter vindo só.

Mas Alicarim ainda não havia avançado dez passos

quando percebeu que já não poderia prestar ajuda a

ninguém.

Viu sombras que se movimentavam apressadamente

na baixada. Gritos abafados soaram. Alguém praguejou:

era a voz de Zelinskij.

Chegara tarde!

Alicarim mudou de direção e procurou se afastar o

mais rápido possível do palco dos acontecimentos.

5

No lugar em que houvera o tiroteio não foi

encontrado nada. Já se encontravam cerca de duzentos

metros acima do nível da planície costeira, e

evidentemente nem desconfiavam de que a finalidade do

tiroteio consistira apenas em fazer barulho para que o

major Pjatkov pudesse pousar no platô sem ser

molestado.

Por algum tempo, Perry Rhodan acompanhou no seu

receptor de pulso as mensagens trocadas entre os pilotos

dos helicópteros. Delas se concluía, sem a menor sombra

de dúvida, que os homens de Raskujan andavam à

procura de prisioneiros que haviam fugido. Rhodan

supôs que os fugitivos deviam ser alguns dos homens de

Tomisenkow. Não ficou sabendo que Thora se

encontrava entre eles. As mensagens apenas aludiam

“aos fugitivos”.

Rhodan e seus companheiros se encontravam a

poucos quilômetros do limite do campo protetor. Na

opinião de Rhodan deviam fazer mais uma pausa de uma

hora, antes de enfrentar o restante do caminho.

* * *

Raskujan tinha consciência do seu triunfo. Mandou

que os dois prisioneiros mais importantes fossem

conduzidos à sala de comando da nave capitania.

Encarou-os com um sorriso amável e zombeteiro ao

mesmo tempo e perguntou:

— O que esperavam conseguir?

Tomisenkow ainda não tivera a oportunidade de pôr

em ordem sua figura esfarrapada. Tinha os cabelos

desgrenhados e o uniforme, já estragado, ainda por cima

continuava rasgado, tal qual saíra da briga com os

homens de Pjatkov.

Thora não participara da breve luta. Estava suja, mas

intacta, quando se defrontou com Raskujan.

Nem Tomisenkow nem Thora deram qualquer

resposta à pergunta do coronel.

— Ah — disse Raskujan com um sorriso. —

Continuam orgulhosos como sempre, não é?

Instalou-se confortavelmente na poltrona e cruzou as

pernas.

— Lamento sua teimosia — prosseguiu. — Os

senhores se opõem ao único poder real que existe em

Vênus. Por quê?

Thora sorriu com desprezo. Tomisenkow respondeu

mal-humorado:

— Porque não gostamos do senhor.

Raskujan não deixou se irritar.

— Parto de um ponto de vista mais negociável —

explicou tranqüilamente a Tomisenkow. — Todos nós

devíamos nos unir. Estou convencido de que juntos

criaríamos um poder como ainda não existiu outro.

Tomisenkow soltou uma risada áspera.

— Só se Rhodan o deixasse em paz.

— Ora! — disse Raskujan com um gesto de

desprezo. — Ele me deixou em paz durante um ano; por

que não vai continuar assim? E se eu conseguir penetrar

na base de Vênus com o apoio da senhora — fez um

Page 125: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

125

gesto em direção a Thora — nem mesmo Rhodan

conseguirá pôr os pés neste planeta contra minha

vontade.

— Não pense que vou ajudá-lo a entrar na base de

Vênus — gritou Thora, furiosa.

— Pois eu saberei obrigá-la a isso! — disse Raskujan

entre os dentes. Já estava começando a perder o

autocontrole.

Thora fez um gesto de desprezo.

— Quem é o senhor para obrigar uma arcônida a

falar? Além disso, Rhodan o agarrará antes que conclua

o interrogatório.

Raskujan se levantou de um salto.

— Rhodan nem sequer está em Vênus! — gritou fora

de si. — E se tentar pousar por aqui, saberei impedi-lo.

Nesse ponto a sensação de triunfo levou a melhor

sobre a inteligência de Thora. Com os olhos chamejantes

gritou:

— Não quebre a cabeça para descobrir como poderá

impedir que Rhodan pouse neste planeta. Ele já se

encontra em Vênus!

Mal acabou de pronunciar estas palavras, reconheceu

o erro que havia cometido. Mas o espetáculo que se lhe

ofereceu quando Raskujan, pálido como cera, cambaleou

e caiu em sua poltrona, bem que valeu o susto que o erro

lhe causava.

Atrás dela, Tomisenkow disse em voz baixa:

— A senhora não devia ter dito isso!

* * *

Alicarim marchava.

Reunindo toda a paciência peculiar a um asiático,

procurou vencer todos os obstáculos para alcançar um

objetivo, de cuja existência, por enquanto, apenas

suspeitava.

Quando ainda era um prisioneiro de Raskujan, ouvira

falar nos acontecimentos estranhos que se desenrolaram

no mar: os fenômenos luminosos que foram observados,

os dois helicópteros que nunca regressaram, a busca

extenuante do major Pjatkov, a descoberta de um barco

inflável e de três homens que nadavam e, por fim, o

lançamento da bomba baby.

Alicarim sabia mais que isso. Lembrou-se do ataque

que o acampamento de Tomisenkow, situado na

península, sofrerá poucos dias antes que Raskujan o

atacasse. O ataque fora repelido; haviam visto três

homens, mas não conseguiram aprisionar nenhum deles.

Por fim, Alicarim ainda guardava uma lembrança

bastante viva das armas de impulsos térmicos usadas

pela Terceira Potência; conhecera-as há um ano. Era

provável que os fenômenos luminosos observados pelos

homens de Raskujan proviessem de armas desse tipo.

Era bem verdade que o resto não passava de

suposições e cálculos. Se é que três homens da Terceira

Potência, desprovidos de quase todos os recursos

técnicos — assim concluiu Alicarim — se encontravam

em Vênus, a primeira coisa que eles procurariam fazer

era entrar em contato com o cérebro positrônico

instalado no interior da fortaleza.

Foi por isso que Alicarim dirigiu sua marcha

montanha acima. Sabia que o enorme campo protetor

tinha um diâmetro de cinquenta quilômetros. A chance

de encontrar os três homens em algum ponto naquela

extensa área era assustadoramente reduzida. Mas essa

chance aumentava pelo fato de que, tal qual Alicarim, os

três homens vinham do sul e provavelmente procurariam

penetrar no campo protetor dessa direção.

Além disso, essa era a única chance de Alicarim. Em

qualquer outro lugar, sua situação seria mais

desesperadora do que no lugar em que havia alguma

possibilidade de se encontrar com membros da Terceira

Potência. Eram os únicos que podiam ajudá-lo.

Por isso Alicarim prosseguiu em sua marcha.

Depois de ter avançado um bom pedaço, viu a

abóbada reluzente do campo protetor que surgia entre as

copas de duas árvores e logo desapareceu entre a densa

camada de nuvens.

A vegetação também era mais rala e a caminhada

mais fácil.

Alicarim criou nova coragem e avançou com maior

rapidez.

* * *

Fosse qual fosse a opinião que se tinha a respeito de

Raskujan, às vezes ele sabia calcular uma situação.

Desde o início, os três homens a respeito dos quais o

major Pjatkov lhe falara representaram um mistério para

ele. Quem se atreveria a cruzar em plena noite o mar de

Vênus num frágil barco inflável, ainda que esse mar

apenas consistisse num braço de trezentos e cinquenta

quilômetros de largura?

Raskujan sabia que havia uma certa possibilidade,

mesmo remota, de que, apesar dos canhões automáticos e

da bomba baby, os três homens ainda estivessem vivos.

Se um desses homens fosse Perry Rhodan...

Raskujan prosseguiu nas suas conjecturas e chegou à

mesma conclusão que, mais ou menos ao mesmo tempo

e num lugar distante, veio à mente do quirguiz Alicarim.

Se é que Rhodan andou pelo mar num barco inflável,

isso significava que, por qualquer motivo, perdera o

contato com a Terra e com sua base em Vênus. Se não

fosse assim, disporia de recursos técnicos muito maiores

do que aqueles com os quais contava no momento.

Partindo desse pressuposto, convenceu-se de que

Rhodan não teria coisa mais urgente a fazer senão

alcançar o campo protetor que cercava sua base e

penetrar na mesma; Raskujan não duvidou um instante

sequer de que Rhodan teria possibilidade de fazê-lo.

O resultado lógico dessa conclusão foi uma ordem

transmitida a toda a frota de helicópteros: deviam

levantar voo imediatamente, aproximar-se do campo

protetor e atirar contra tudo que se movia nas

proximidades do mesmo. Raskujan preferiu não revelar o

fato de que essa ação se dirigia contra Perry Rhodan.

Receava de que esse nome bastasse para amedrontar seus

homens.

Depois de uma pausa que todos os tripulantes

acharam muito curta, os helicópteros voltaram a levantar

voo. Raskujan contemplou na tela de imagem o quadro

que se oferecia no campo de pouso bem iluminado; o

espetáculo impressionante dos helicópteros que saíam

em disparada tranquilizou-o ao menos em parte.

O fato de que a maior das ações bélicas já realizadas

em Vênus dirigia-se contra um único homem não o

perturbou nem um pouco. Se dispusesse de mais

equipamentos, enviaria dez vezes mais gente e material

para destruir um único homem.

Perry Rhodan.

Page 126: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

126

* * *

O corpo de Rhodan aproveitou a última pausa para,

através de uma febre violenta, protestar contra os maus

tratos que lhe eram infligidos.

Quando a pausa terminou e a marcha devia ser

reiniciada, Rhodan batia os dentes. Marshall e o japonês

sugeriram que a pausa fosse prolongada até que a febre

terminasse, mas Rhodan respondeu com uma risada

contrafeita:

— Receio que esta máquina miserável, — apontou

para o peito — ficará febril enquanto não lhe dermos

coisa melhor para fazer.

Prosseguiram em sua marcha. Tiveram sorte: o

terreno continuava em subida e a vegetação tornava-se

cada vez mais rala.

Mas Rhodan teve azar, pois teve de rever sua opinião

sobre a máquina miserável. A febre não diminuiu; pelo

contrário, aumentou. Houve momentos em que Rhodan

teve de se apoiar ao ombro de Marshall para não cair.

Algum tempo depois, marchavam por um vale

estreito situado nas montanhas. Ao atingirem a saída

norte viram, aparentemente ao alcance da mão, a

abóbada reluzente formada pelo campo protetor que

cercava a base.

Rhodan soltou um suspiro de alívio. Praticamente já

haviam conseguido, e não fora nada fácil.

O terreno em que marchavam consistia num planalto

pedregoso coberto apenas de arbustos esparsos.

Avançaram rapidamente, e a parede reluzente do campo

protetor aproximava-se quase a olhos vistos.

— Ainda faltam uns oitocentos metros. — murmurou

Marshall depois de algum tempo, para animar Rhodan e

distraí-lo de suas dores.

Mal terminara, quando um zumbido agudo passou

pelas montanhas, vindo do sul. Marshall estacou e

Rhodan, que se apoiava em seu ombro, também parou.

Son Okura voltou-se bruscamente e fitou o céu

escuro.

O zumbido tornou-se mais agudo, aproximou-se por

cima do vale e dissociou-se no chiado dos jatos e nas

batidas dos rotores.

— São helicópteros! — gritou o japonês.

— Pelo menos quarenta!

Rhodan enrijeceu o corpo e se manteve de pé com

suas próprias forças. Voltou apressadamente a cabeça.

— Abriguem-se — fungou. — Lá atrás. Procurem

atingir a encosta do vale.

* * *

Só por alguns minutos Alicarim acreditou que todo

aquele aparato se destinava a ele. Ouviu que os

helicópteros passaram em disparada por cima do

esconderijo em que apressadamente se abrigara e

começaram a cruzar à frente do campo energético.

Alicarim logo compreendeu suas intenções. Alguém

tivera a mesma ideia que ele e procurava alcançar os três

homens da Terceira Potência no lugar em que havia

maior probabilidade de encontrá-los.

Alicarim pôs-se novamente a caminho e depois de

algum tempo passou por um desfiladeiro onde o

caminhar era muito difícil, e que atravessava a última

barreira de montanhas, terminando na extremidade oeste

de um vale cercado de todos os lados por encostas muito

elevadas.

Mais ao norte — a uns dois quilômetros, pelos

cálculos de Alicarim — a cúpula luminosa emergia do

fundo do vale.

Era bem verdade que mais ao norte também os

helicópteros cruzavam o ar, conforme o quirguiz ouvia

perfeitamente. Uma vez que conhecia seus equipamentos

e estava muito bem informado sobre a eficiência dos

holofotes de luz infravermelha, procurou se abrigar

cuidadosamente. Dessa forma avançou mais devagar,

mas com uma segurança incomparavelmente maior.

Os helicópteros passaram sobre o vale numa altura

reduzida. Rhodan e seus companheiros não conseguiram

atingir a encosta; esconderam-se sob uma pedra larga, de

cerca de dois metros de altura. Depois de terem

percebido que, por enquanto, não haviam sido

descobertos, prosseguiram na retirada e esconderam-se

na entrada de uma caverna que penetrava na encosta

rochosa. A partir dali Son Okura observou os

helicópteros.

— Estão se dividindo — disse. — Dois grupos

dirigem-se para o leste e o oeste, ao longo do campo

energético, enquanto outro grupo cruza bem diante dele.

Rhodan quase não tinha capacidade de responder.

— Devemos prosseguir — gemeu. — Só poderemos

entrar em contato com o cérebro positrônico quando

tivermos atingido o limite do campo energético.

Marshall protestou.

— Se fosse o senhor, eu preferiria...

— Cale a boca! — ordenou Rhodan e levantou-se,

apoiando a mão na parede rochosa da caverna.

No mesmo instante Son Okura, que se encontrava na

entrada da caverna, virou-se com um grito abafado e

levantou o radiador térmico.

— Pare!

Ouviu-se uma voz quase incompreensível vinda da

direita. Marshall não entendeu uma palavra. Deixou

Rhodan a sós e, com a arma engatilhada, colocou-se ao

lado do japonês.

— Quem é? — perguntou. Okura deu de ombros.

— É um russo. Diz que é um dos homens de

Tomisenkow, e que fugiu do campo de prisioneiros.

Marshall baixou a arma. Fechou os olhos, enquanto

Okura mantinha o desconhecido à distância, e

concentrou-se sobre os pensamentos que fluíam do

cérebro do desconhecido.

— Está bem — resmungou depois de algum tempo e

fez um sinal para Okura. — As intenções dele são boas.

Okura também baixou a arma. Gritou em russo para

que o homem se aproximasse.

Finalmente Marshall viu-o emergir da escuridão. Era

pequeno, mas atarracado. Tinha os olhos oblíquos e os

maxilares salientes de um asiático. Dirigindo-se a Son

Okura, disse:

— Meu nome é Alicarim. Sou um dos homens de

Tomisenkow. Posso contar muita coisa.

Rhodan dispôs-se a ouvir o homem, embora tivesse

muita pressa. Alicarim fez um breve relato de tudo que

havia acontecido depois do assalto de Raskujan ao

acampamento de Tomisenkow.

— Depois desse incidente — murmurou Rhodan —

as coisas não serão nada fáceis para Thora. Raskujan não

recuará diante das medidas mais violentas para obrigá-la

a falar. Vamos adiante!

Saíram da caverna e caminharam rentes à encosta.

Page 127: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

127

Aproveitavam todo acidente do terreno que pudesse lhes

proporcionar uma proteção e Son Okura manteve os

helicópteros sob uma observação ininterrupta. O relato

de Alicarim e a preocupação por Thora pareciam ter

dado novas forças a Perry Rhodan. Percorreu quase

metade do caminho que faltava com suas próprias forças;

só no último trecho voltou a se apoiar em Marshall.

Aproximaram-se a uns cinquenta metros da parede

reluzente, sem que os homens que se encontravam nos

helicópteros de Raskujan os houvessem visto. Mas dali

em diante a situação se tornou crítica.

No último trecho não havia praticamente nenhum

abrigo. Só de vez em quando se via um bloco de pedra,

mas na maioria eram tão pequenos que dificilmente

poderiam proteger um homem.

Além do mais, Rhodan não teve a menor dúvida de

que os helicópteros lançariam bombas assim que

descobrissem suas vítimas. E contra uma bomba, a maior

das pedras não oferecia proteção suficiente.

Notava-se que Rhodan recorria às últimas reservas de

energia. Tinha a face flácida e em sua pele surgiam

manchas vermelhas. Sua voz era rouca e entrecortada.

— Vamos fazer uma manobra desviacionista —

ordenou. — Um de nós vai atrair a atenção deles.

Enquanto os helicópteros se ocupam com esse homem,

os outros avançam até o campo protetor. Acredito que o

cérebro positrônico só levará alguns segundos para me

identificar e abrir a barreira energética por um instante.

Quem está disposto a ir?

Alicarim, que não havia entendido uma palavra,

pediu que Okura traduzisse o que Rhodan acabara de

dizer.

— Eu vou — afirmou depois disso. Okura traduziu

suas palavras.

Rhodan não teve nenhuma objeção, ou ao menos não

teve nenhuma objeção com a qual quisesse despender

tempo naquele instante. Alicarim não pertencia à

Terceira Potência. Não tinha nenhum motivo para

arriscar a vida nessa manobra temerária.

Mas não havia tempo para debates.

O quirguiz saiu rastejando, depois de ter sido avisado

de que deveria começar a correr assim que o campo

energético se apagasse. Ninguém sabia quais eram suas

idéias quanto à maneira de atrair a atenção dos

helicópteros.

Os outros esperaram, febris e impacientes.

* * *

Pjatkov acreditara que o vale que, vindo do sul,

estendia-se até a abóbada energética, provavelmente

seria o lugar em que os homens que procurava poderiam

ser encontrados.

Não tinha a menor ideia de quem eram esses homens.

Supunha que deviam ser muitos, ou então, que devia

tratar-se de gente muito perigosa ou importante, pois de

outra maneira Raskujan não se daria à tamanho trabalho

para agarrá-los.

O helicóptero de Pjatkov tinha quatro tripulantes: o

piloto, um observador, um telegrafista e ele mesmo. De

vez em quando substituía o observador em seu trabalho.

Olhou para o relógio. Ainda poderiam permanecer ali

durante cinco horas; depois teriam de regressar para

reabastecer. Dentro de cinco horas aqueles

desconhecidos teriam que...

— Olhe! — gritou o observador. — Um homem!

Pjatkov empurrou o homem para o lado e olhou pelo

filtro ótico. Lá embaixo, em meio às rochas, havia um

homem. Encontrava-se a apenas vinte metros do limite

do campo protetor e corria que nem um louco.

— Fogo! — berrou Pjatkov.

O observador colocou-se atrás do canhão automático,

abrangeu o alvo no pequeno telescópio da mira e

começou a disparar. Aborrecido, notou que os projéteis

detonavam a uma boa distância do homem que corria e

corrigiu a pontaria. Mas antes que conseguisse alvejar o

desconhecido, este desapareceu atrás de uma pedra.

O major Pjatkov fungava de nervosismo.

— Desça!

O helicóptero desceu.

— Circule em tomo da rocha.

A máquina inclinou-se ligeiramente e começou a

descrever um círculo amplo em torno da rocha.

— Chegue mais perto! — gritou Pjatkov, furioso.

Mas logo percebeu outro movimento pelo canto do

olho. Girou rapidamente o filtro ótico e viu os três

homens que, a cem metros dali, corriam em direção ao

campo energético reluzente. Numa fração de segundo

compreendeu que o avanço do homem que se encontrava

ali embaixo fora apenas aparente.

O perigo real era representado por aqueles três

homens.

— Vá para a esquerda — gritou para o piloto. — Ali

há mais gente.

O piloto, que só via os acontecimentos que se

desenrolavam bem à sua frente, levou algum tempo para

compreender a nova ordem e retificar o curso.

— Mais rápido! — ordenou Pjatkov. — Preparem as

bombas.

Pôs a mão para o lado e, numa batida, ligou o rádio.

Não seria necessário perder muitas palavras; as vozes de

comando bastariam para que os ocupantes dos outros

aparelhos compreendessem o que se passava.

Os três fugitivos chegaram ao campo energético.

— As bombas estão prontas — anunciou o

observador.

Pjatkov notou que dois aparelhos que voavam a seu

lado atiravam com seus canhões automáticos contra os

fugitivos.

— As bombas serão lançadas quando eu ordenar —

disse.

As bombas preparadas pelo observador eram dotadas

de cargas explosivas simples. Nenhum helicóptero que se

encontrasse a uma altitude tão pequena arriscaria o uso

de bombas nucleares, por menores que fossem.

Mas uma bomba explosiva seria suficiente para...

O campo energético se apagou.

Pjatkov soltou um grito estridente e apavorado

quando o campo energético desapareceu de repente. Mas

no mesmo instante compreendeu a chance extraordinária

que, com isso, lhe era oferecida.

— Vire para a direita! — gritou para o piloto. —

Atravesse o campo energético!

O piloto não estava preparado para essa missão.

Levou cinco segundos para corrigir o curso. Pjatkov

parecia febril.

Finalmente a máquina girou no ar e disparou em

velocidade máxima para o lugar em que, poucos

instantes antes, a barreira energética se erguia desde o

Page 128: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

128

fundo do vale.

Nenhum dos ocupantes do helicóptero de Raskujan

chegou a ver que a barreira energética voltou a reluzir no

mesmo instante em que o helicóptero se dispôs a romper

a respectiva área.

Os ocupantes dos outros helicópteros viram uma

explosão ofuscante, que produziu um forte estalo nos

receptores.

Mais tarde ninguém saberia dizer se o helicóptero de

Pjatkov foi consumido pela energia da barreira

energética, ou se foi despedaçado pela explosão das

bombas que trazia a bordo.

Depois do primeiro instante de pavor, os ocupantes

dos outros helicópteros deram-se conta de que, ao que

tudo indicava depois da ligeira interrupção tudo voltara a

ser como era antes, e que naqueles poucos segundos os

desconhecidos conseguiram penetrar na área da base.

O coronel Raskujan recebeu esta mensagem lacônica:

— O major Pjatkov está morto. Os fugitivos estão

fora de nosso controle, por terem penetrado na base.

* * *

Raskujan logo compreendeu o significado dessa

mensagem. Rhodan conseguira penetrar em sua base.

Supôs que dentro de poucos minutos Rhodan

utilizaria seu potencial técnico invencível para atacar o

campo de foguetes e destruí-lo.

Mandou que o acampamento entrasse em regime de

prontidão para a defesa, o que não exigiu maiores

preparativos ou modificações. Desde o dia em que

pousara em Vênus contava constantemente com algum

acontecimento imprevisto e agrupou seus homens e

equipamentos de tal forma que poderiam se defender

contra um ataque vindo de qualquer direção.

Havia outra questão: será que o agrupamento

adequado também se tornaria eficiente face ao furacão

artificial que, segundo esperava, seria desencadeado por

Perry Rhodan?

Raskujan era de opinião que a resposta só poderia ser

negativa. Por isso fez outros preparativos, mas em

segredo: além dele e das pessoas atingidas, só uma

pessoa soube deles, o piloto que dirigiria o helicóptero.

Ajudado pelo piloto, amarrou as mãos de

Tomisenkow e Thora, que eram os mais importantes

dentre seus prisioneiros. Fizeram-nos caminhar diante

dos canos das pistolas automáticas e ajudaram-nos a

entrar no helicóptero que já estava à espera.

Quando as mãos vigorosas do piloto empurraram

Tomisenkow para dentro do aparelho, o mesmo lançou

um olhar de desprezo por cima do ombro e disse:

— Alguma coisa não deu certo, não é? Os ratos estão

abandonando o navio que vai afundar.

— Cale a boca! — rosnou Raskujan. Não disse mais

nada.

A cabina era mais ampla que na maioria dos

helicópteros. Havia quatro poltronas para passageiros.

Thora e Tomisenkow foram obrigados a sentar nas da

frente, enquanto Raskujan sentou atrás deles, com a arma

engatilhada. O piloto se enfiou na sua poltrona apertada e

aguardou alguma coisa. A porta externa se fechou com

um chiado.

— Prestem atenção! — disse Raskujan com a voz

embaraçada. — O que me interessa a esta altura é não

cair nas mãos de Rhodan. Ele conseguiu penetrar em sua

base e dentro de poucos minutos estará aqui. Minha

situação é muito séria. Levo os dois. O senhor,

Tomisenkow, conhece este planeta, e a senhora, Thora,

me servirá de refém diante de Rhodan. Neste helicóptero

encontra-se uma ampla provisão de armas, munições e

mantimentos. Tomisenkow, a tarefa do senhor por

enquanto consiste em descobrir um esconderijo seguro

para nós.

Uma vez lá, aguardaremos até que Rhodan se mostre

disposto a entrar em negociações. Como disse, minha

situação é muito séria. Antes de perder a última chance,

que são os senhores, prefiro matá-los. Não se esqueçam

disso! Tomisenkow instrua o piloto sobre o curso que

deve tomar.

Uma porção de ideias sobressaltou-se no cérebro de

Tomisenkow. A mais razoável delas foi a de que no

momento não havia outra coisa a fazer senão obedecer às

ordens de Raskujan.

— Siga um curso entre duzentos e setenta e duzentos

e oitenta graus — resmungou para o piloto. — Suba para

cinco mil metros, pois daqui a pouco chegaremos às

montanhas.

* * *

Perry Rhodan ainda conseguira forças para formular

uma ordem dirigida ao cérebro positrônico, ordem esta

que Marshall deveria transmitir por via telepática. Uma

vez ciente da presença de Rhodan, era de supor que o

cérebro captasse, compreendesse e executasse a

mensagem telepática.

A mensagem incluía o pedido de fornecer um meio

de transporte que permitisse vencer quanto antes os

cinqüenta quilômetros que ainda os separavam do centro

da base, e de preparar uma série de medicamentos que

colocasse Rhodan em condições de atuar no mais breve

espaço de tempo.

* * *

Alicarim não escapou apenas aos tiros disparados

pelo helicóptero de Pjatkov; também conseguiu penetrar

em tempo na área da base.

Uma vez transmitida a ordem a Marshall, Rhodan

desmaiou. Marshall repetiu a ordem até que Son Okura

viu um planador que se deslocava a pouca altura e uma

velocidade tremenda. Rhodan foi colocado no aparelho, e

os outros se instalaram nas poltronas. Poucos minutos

depois o aparelho colocou-os no interior da fortaleza e

transportou Rhodan para o lugar em que os

medicamentos já haviam sido preparados.

Dali a meia hora Rhodan já estava em condições de

formular ordens precisas. Instruiu o cérebro positrônico a

desativar o campo energético que cercava todo o planeta,

para que Reginald Bell pudesse pousar com sua nave

auxiliar. Para evitar outras complicações ainda mandou

que a barreira energética de quinhentos quilômetros de

diâmetro — que, nos momentos críticos, costumava

cercar a área no lugar do anteparo de cinquenta

quilômetros, sempre que o planeta todo não estivesse

protegido — também não fosse ativada.

Só então Rhodan considerou terminado o período de

esforços sobre-humanos e permitiu uma pausa de sono a

si e a seus companheiros totalmente exaustos.

* * *

Page 129: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

129

Reginald Bell reagiu com a explosividade de um

vulcão até então contido por uma fina crosta de terra.

O girino — isto é, a nave auxiliar de sessenta metros

de diâmetro — avançou a toda velocidade e com os

campos protetores ativados para as camadas mais

profundas da atmosfera de Vênus. A uma velocidade de

mach 15 — ou seja, quinze vezes a velocidade do som

— o impacto do campo energético sobre as moléculas de

ar ionizava estas e produzia certa luminosidade. Com a

beleza imponente de um cometa gigante, arrastando atrás

de si a ofuscante faixa branco-azulada de ar ionizado, a

nave precipitou-se pela noite de Vênus e surgiu sobre o

acampamento de Raskujan. Entre os homens que deviam

defender o lugar o medo puro e simples começou a se

espalhar face ao fenômeno nunca visto.

A nave não foi bombardeada. Aliás, um projétil

terreno não lhe poderia causar qualquer dano. Numa

altura de cem metros, manteve-se imóvel acima do

acampamento. Bell não assumiu qualquer risco. Mandou

que Tako Kakuta, o teleportador, ocupasse o grande

projetor mental, e mandou que todo o acampamento

fosse coberto pela ordem de capitulação, transmitida por

via hipnótica.

Só depois disso pousou a nave no chão e começou a

realizar seu inventário. Sabia que Thora era uma

prisioneira do acampamento e, apesar de todos os

ressentimentos que nutria para com a mesma, suas

primeiras preocupações dirigiram-se a ela.

Não a encontrou. Os prisioneiros que capturou

mostraram-se dóceis, conforme lhes ordenava o comando

hipnótico, e conduziram-no para a parte do acampamento

em que Thora devia se encontrar. Não estava lá, e

ninguém sabia onde poderia estar.

Só depois de algum tempo notou-se que Tomisenkow

também não se encontrava no acampamento. E, quando

se verificou que o coronel Raskujan havia dado o fora,

Bell começou a tirar suas conclusões dos

acontecimentos, conclusões estas que se aproximavam

bastante da verdade.

Logo se deu conta de que não valeria a pena sair à

procura dos desaparecidos. Raskujan não deixaria de dar

um sinal de vida assim que a situação voltasse à calma;

além disso, nada se poderia fazer contra ele enquanto

Thora se encontrasse em suas mãos.

* * *

— Passe entre os dois cumes de montanha —

ordenou Tomisenkow.

O piloto relatava constantemente o que via na tela do

instrumento de observação, e face a esses dados

Tomisenkow fornecia o curso a ser seguido.

Pelo cálculo de Tomisenkow, no curso de uma hora

haviam se afastado cerca de cento e cinqüenta

quilômetros do acampamento, já que as montanhas e as

complicações na transmissão das ordens obrigaram-nos a

voar devagar.

A velocidade foi reduzida ainda mais pelo fato de que

Tomisenkow procurava ganhar tempo. Esperava que a

vigilância de Raskujan se tornasse menos intensa, e que

Thora fizesse alguma coisa que o distraísse.

— Atrás destes cumes há outros — disse o piloto. —

São três, que estão em fila. O do meio deve ter uns oito

ou nove mil metros de altura.

Tomisenkow respondeu com um aceno da cabeça.

— Passe entre o da esquerda e o do meio, e depois

tome o curso de duzentos e cinqüenta graus.

Raskujan pigarreou.

— Será que ainda sabe para onde está nos levando?

— Sei, sim — resmungou Tomisenkow.

Nesse instante Thora soltou um grito estridente e se

aproximou de Tomisenkow.

— O que houve? — perguntou Raskujan em tom

áspero.

Thora sacudiu os ombros.

— Ali — gritou amedrontada. — Um lagarto voador.

Olhou pela janela, como se visse alguma coisa. Seu

pavor estava tão bem fingido que, por um instante, o

próprio Tomisenkow não sabia se realmente havia visto

um lagarto.

Raskujan escorregou para o outro assento e

comprimiu o rosto contra a lâmina de plástico

transparente. Colocara a pistola automática sobre o

joelho.

No mesmo instante Tomisenkow virou-se, colocou os

joelhos sobre o assento de sua poltrona e deixou-se cair

para frente. Antes que Raskujan percebesse do que se

tratava, comprimira as costas contra seu corpo,

inclinando o tronco para frente, e levantara as mãos

amarradas, apertando-as em torno do pescoço de

Raskujan. Apertou a garganta do coronel com toda a

força de seus dedos. Não via o efeito que estava

produzindo.

— Pare — gritou Thora. — O senhor o está matando.

O piloto tivera sua atenção despertada pela cena.

Virou a cabeça e olhou para trás.

— Cuide do helicóptero — gritou Tomisenkow. —

Senão acabamos caindo.

Quando Tomisenkow soltou Raskujan, este caiu

molemente no seu assento. Ainda com as mãos

amarradas, Tomisenkow pegou a pistola automática e

firmou-a entre dois assentos, fazendo com que apontasse

para o piloto.

— Não pense que um homem amarrado não pode

atirar — disse. — Basta apertar o gatilho e o senhor será

um homem morto. Volte ao acampamento.

A situação era grotesca. Tomisenkow estava

ajoelhado na poltrona em que poucos instantes antes

Raskujan estivera sentado. Apoiou a barriga no encosto,

com a pistola automática atrás de si, de tal maneira que

podia alcançá-la com as mãos. Não teria o menor

problema em puxar o gatilho. Mas bastava que a arma

presa entre os dois assentos escorregasse para baixo para

que o piloto não mais se encontrasse ao alcance de seus

tiros... e tudo estaria terminado.

Felizmente agora, que Raskujan já não podia fazer

mais nada, tornava-se relativamente fácil desamarrar as

mãos. Thora conseguiu tirar do bolso de Tomisenkow

um pequeno canivete que lhe haviam deixado e com ele

cortou as cordas que o amarravam.

O resto foi uma brincadeira. O piloto, que de

qualquer maneira não estava convencido de que

Raskujan seria o mais gentil dos chefes e que suas ordens

eram muito sensatas, só precisou de um pequeno

estímulo, representado pela visão da pistola automática

engatilhada, para se submeter prontamente às ordens de

Tomisenkow.

Este procurou cuidar de Raskujan. Levou um susto

Page 130: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

130

tremendo ao constatar que o coronel estava morto.

Cobriu-o com sua jaqueta.

— Não merece outra coisa — disse. — Apesar disso

tenho pena.

* * *

Poucas horas depois da meia-noite foi anunciada a

chegada de Rhodan. Voou num aparelho da base e

pousou no antigo acampamento de Raskujan, junto à

nave auxiliar de Reginald Bell.

O campo de pouso estava profusamente iluminado.

Rhodan já fora informado sobre os acontecimentos.

Soube que Raskujan procurara desaparecer com

Tomisenkow e Thora e que os dois prisioneiros haviam

regressado ao acampamento com o cadáver de Raskujan.

Quando entrou na sala de comando da nave auxiliar,

Bell apresentou seu relato, conforme determinavam as

normas. Nesse relato incluía-se o seguinte trecho:

— Tomisenkow pede, com o devido respeito, que o

senhor lhe conceda uma entrevista.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Onde está Thora?

Bell ergueu os ombros.

— Ao que parece preferiu ficar só. Sempre respeitei

os desejos daquela mulher.

Mais uma vez Rhodan acenou com a cabeça.

— Nesse caso vou falar com Tomisenkow.

Bell saiu da sala de comando. Dali a pouco

Tomisenkow entrou. Rhodan ofereceu-lhe uma poltrona.

— O senhor vai ficar admirado — principiou

Tomisenkow sem preâmbulos — com a proposta que

vou formular.

Rhodan sorriu com essa fala sem rebuços.

— Antes de sua chegada — prosseguiu o general —

falei com os homens de Raskujan. Contei-lhes que

conseguimos viver em Vênus durante um ano sem que

dispuséssemos de quaisquer recursos, e que viveríamos

muito melhor se dispuséssemos de mais algumas das

bênçãos da tecnologia. Eu lhes sugeri que ficássemos

para sempre em Vênus, e eles concordaram. Todos, com

exceção de uns quatro ou cinco.

Fitou Rhodan numa atitude de expectativa.

— Está bom — disse Rhodan. — Ou melhor,

excelente. Não oponho nada a que os senhores se fixem,

desde que deixem nossa base em paz.

Tomisenkow sacudiu a cabeça.

— Nem pensamos nisso. Soubemos o que aconteceu

com o governo do Bloco Oriental. Meus companheiros e

eu já rompemos com o passado. E, ao que tudo indica,

para os homens da frota de Raskujan não foi muito difícil

fazer o mesmo.

Rhodan se levantou e ficou andando de um lado para

outro. Subitamente Tomisenkow ouviu que ria.

— Nunca imaginava — disse — que meus planos se

realizariam tão depressa.

— Seus planos? — perguntou Tomisenkow,

espantado.

— Isso mesmo; meus planos. Em sua opinião, qual

foi o motivo por que há um ano não destruí sua frota com

os tripulantes?

— Porque... porque... bem, não sei.

— Porque acreditava — interveio Rhodan — que, se

continuassem vivos, formariam uma base muito sadia

para a primeira colônia a ser instalada em Vênus.

Realizei uma experiência com seres humanos; e o ser

humano revelou suas aptidões.

Tomisenkow, espantado, ficou de queixo caído. Só

aos poucos se deu conta de que nos últimos meses não

fizera outra coisa senão bancar a marionete que alguém

arrasta por um fio. Sua inteligência rebelou-se contra

essa ideia. Quando finalmente sua mente a absorveu,

Tomisenkow sentiu-se possuído pela cólera.

Mas só por um instante.

Não era nenhuma vergonha, para um homem, que

Perry Rhodan o conduzisse por um fio invisível.

Rhodan parecia adivinhar seus pensamentos.

— Não perca seu orgulho — disse. — Só a ideia foi

minha. O senhor conservou a liberdade de ação. E não

tenho receio em afirmar que o senhor a aproveitou muito

bem. Acredito que não estarei errando se lhe deixo as

mãos livres para instalar a colônia e lhe prometo nosso

auxílio.

Tomisenkow tinha a impressão de que estava

sonhando. Levantou-se, dirigiu-se a Rhodan e apertou-

lhe a mão.

— Obrigado — murmurou. — Muito obrigado.

Enquanto saía, muito nervoso, murmurou uma série

de palavras russas, que Rhodan não compreendeu.

Só dez horas depois Rhodan encontrou-se com a

arcônida.

Não a procurara. Da sala de comando, resolveu as

coisas que tinham de ser resolvidas e começou a preparar

a decolagem em direção à Terra.

Thora veio sem ser chamada.

Quase sem o menor ruído, mandou abrir a escotilha e

por algum tempo manteve-se imóvel na entrada, antes

que Rhodan notasse sua presença.

Logo percebeu seu embaraço e sua insegurança.

Como não devia se sentir aquela mulher. Sua fuga

precipitada da Terra provocara toda aquela confusão, que

por pouco não trazia a morte de Rhodan e o fim da

Terceira Potência.

Aproximou-se com passos hesitantes. Rhodan

levantou-se e foi ao seu encontro. Viu que ela se

dispunha a falar, apressou o passo e segurou a mão dela

entre as suas.

— A senhora não imagina — disse com a voz baixa

— como me sinto feliz por revê-la.

Isso lhe tirou toda a munição. Não conseguiu dizer

mais nada; nada de todas as desculpas e motivos que

havia preparado. Fez uma coisa muito espantosa:

inclinou-se para frente até que sua cabeça encostasse no

ombro de Rhodan e chorou.

Thora, a arcônida, a mulher que tinha um bloco de

gelo no lugar do coração, estava chorando.

Rhodan procurou consolá-la. Deu início a algumas

frases consoladoras, mas também não se lembrou de uma

coisa adequada que pudesse dizer. Tudo que lhe

ocorresse parecia ridículo e inexpressivo.

Ficou parado, segurou Thora pelo ombro e deixou

que chorasse à vontade.

* * *

— Tripulação a bordo! — anunciou Bell. — A nave

está pronta para decolar.

Rhodan fez um gesto com a cabeça e olhou para a

tela. A primeira luz do novo dia surgiu no horizonte.

— Está na hora de irmos para casa — disse em tom

Page 131: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

131

pensativo.

Bell deu uma risadinha.

— Neste meio tempo Freyt deve ter criado cabelos

brancos. Não sabe nada dos acontecimentos em Vênus

além do pouco que pude informar.

Rhodan se dirigiu ao microfone do intercomunicador.

— Decolaremos dentro de sessenta segundos — disse

com a voz tranquila.

Reginald Bell ocupou seu lugar.

— Controle!

Com um ligeiro estalo algumas chaves mudaram de

posição.

— Tudo em ordem.

— Cuidado, vamos decolar.

A nave levantou-se e, numa velocidade fascinante,

subiu ao céu pálido. Aquilo que antes fora o

acampamento de Raskujan e agora era o de Tomisenkow

ficou para trás; por um instante a abóbada reluzente de

cinquenta quilômetros formada pelo campo protetor da

fortaleza emergiu da escuridão.

Rhodan voltara a modificar os comandos

introduzidos no cérebro positrônico. Desta vez seguiu os

dados e as sugestões fornecidas pelo próprio cérebro.

Não haveria outro incidente como o que acabara de se

verificar.

Depois de algum tempo, o sol surgiu no horizonte,

qual uma enorme lanterna amarela, envolto na densa

atmosfera de Vênus.

— Se este sol tivesse brilhado o tempo todo para nós

— disse Rhodan em tom pensativo — muita coisa teria

sido bem mais fácil.

.

Em sua caminhada em direção à barreira energética da fortaleza de Vênus, conseguiram

por mais de uma vez lograr a morte, que parecia certa.

Depois disso, operando no ambiente seguro da fortaleza, não tiveram a menor dificuldade

em terminar, num golpe, as insensatas lutas pelo poder que vinham sendo travadas entre os

colonos involuntários de Vênus. Libertado Vênus, o campo de atividade de Perry Rhodan

volta a deslocar-se para a Terra, onde O Supercrânio dá início ao seu jogo nefasto...

O Supercrânio é o título do próximo volume da série Perry Rhodan.

Page 132: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

132

Nº 25

De Kurt Mahr Tradução

Richard Paul Neto Digitalização

Vitório Revisão e novo formato W.Q. Moraes

As semanas enervantes passadas em Vênus chegaram ao fim. Perry Rhodan

voltou para Terrânia, a capital da Terceira Potência.

Mas na Terra uma surpresa desagradável o aguarda.

A Terceira Potência defronta-se com um inimigo forte e perigoso — um

inimigo que também dispõe de um exército de mutantes bem treinados. Esse

inimigo é O Supercrânio.

Page 133: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

133

1

— O chefe anunciou sua chegada para pouco depois

da meia-noite — disse o coronel Freyt, dirigindo-se a seu

ajudante.

Sorriu enquanto proferia estas palavras. Não se

julgava incapaz de cumprir a missão que lhe fora

confiada: representar Rhodan, durante a ausência deste,

em Terrânia, a base que a Terceira Potência havia

instalado no deserto de Gobi. A sensação de alívio que o

regresso de Rhodan provocava em sua mente se devia

mais ao fato de saber que os empreendimentos a que

Rhodan se lançava no espaço eram muito perigosos, e

que um dia, mesmo um homem como Perry Rhodan,

poderia encontrar um poderoso inimigo,

ou ser vitimado num acidente.

Freyt estava convencido de que de

Perry Rhodan dependia não apenas a

existência do Estado conhecido como a

Terceira Potência, mas, em grau ainda

maior, o bem-estar de toda a

Humanidade.

Tudo isso constituía motivo

suficiente para que se alegrasse pelo

fato de que Rhodan havia saído são e

salvo de mais uma de suas aventuras, e

que se encontrava a caminho da Terra.

— Será como das outras vezes?

Nenhuma recepção? — perguntou o

ajudante.

Freyt confirmou:

— Nenhuma recepção.

* * *

A cidade de Terrânia, capital da

Terceira Potência, experimentava um

crescimento ininterrupto. No momento

tinha um milhão e meio de habitantes.

Ficava em pleno deserto de Gobi.

O clima artificial modificara a

paisagem. As precipitações

pluviométricas, controladas à vontade,

transformaram aqueles quarenta mil

quilômetros de terreno ondulado e

desértico num jardim florido. Terrânia

era considerada uma das cidades mais

belas do mundo.

Nas imediações da cidade erguia-se a reluzente

abóbada energética que envolvia o coração da Terceira

Potência em seu manto protetor, repelindo qualquer coisa

que se aproximasse do centro vital da Terceira Potência

com intenções hostis.

* * *

Pouco antes da meia-noite o coronel Freyt e seu

ajudante saíram do edifício da administração e da cúpula

energética.

Caminharam na periferia da cidade e viram os

edifícios baixos que margeavam o campo de pouso

reluzir à luz das estrelas.

Subitamente uma forte luminosidade cobriu a área.

Freyt estacou e olhou em torno; parecia perplexo.

— O que foi isso?

Outro relâmpago refulgiu, bem ao longe, além dos

telhados da cidade. Quase no mesmo instante o ribombar

da primeira explosão passou por eles. Freyt, estarrecido,

manteve-se imóvel, com os olhos arregalados. Só quando

o estrondo da segunda explosão os atingiu compreendeu

o que havia acontecido.

— É no lago salgado — fungou. — Na usina de

reatores.

Voltou-se e correu em direção à cidade. O ajudante

seguiu-o. Deviam ter percorrido uns trinta metros quando

o uivo fino das sereias de alarma penetrou em seus

ouvidos.

Enquanto corria, Freyt utilizou o pequeno receptor e

emissor, adaptado ao seu

uniforme, para pedir uma

viatura oficial. O carro veio

ao seu encontro quando já se

encontravam próximos às

grandes vias de acesso da

cidade.

— O que houve? —

perguntou Freyt, enquanto se

atirava no assento ao lado do

motorista.

— Houve uma explosão

no bloco G — respondeu o

motorista. — Não

conhecemos outros detalhes.

— Vamos para lá! —

disse Freyt.

O carro saiu em disparada,

depois de ter dado a volta. As

sereias bem abertas abriram-

lhe o caminho. A maneira

pela qual o motorista dirigia o

veículo era notável; mas Freyt

quebrava a cabeça com outras

coisas.

— Com os mil demônios!

O que havia numa usina de

reatores que pudesse ser

levada a explodir?

Freyt era antes de tudo um

soldado; só em segunda linha

era técnico. Apesar disso

conhecia em grandes linhas o

funcionamento de um reator

arcônida. Também sabia qual era o material utilizado na

construção de uma máquina desse tipo. Mas por mais

que forçasse a memória, não se lembrou de nada que

pudesse ter causado duas explosões desse tipo.

E como poderia ter ocorrido uma explosão com todas

as medidas de segurança que haviam sido adotadas?

Freyt não encontrou resposta a estas indagações. O

motorista parou diante da entrada do bloco G e

interrompeu o raciocínio de Freyt.

Antes das duas explosões, o bloco G era constituído

de um pavilhão de montagem de telhado baixo, onde as

peças vindas de fora eram reunidas para formar reatores

catalíticos. De dia, uns trezentos homens trabalhavam

nesse pavilhão.

Naquele momento ainda se reconheciam os contornos

Personagens Principais deste episódio:

Perry Rhodan — Chefe supremo da

Terceira Potência.

Coronel Freyt — Representante de

Rhodan em Terrânia.

Reginald Bell — Ministro da segurança da

Terceira Potência.

Clifford Monterny — Chamado de

Supercrânio por seus homens.

Elmer Bradley — Um jovem "simpático".

Homer G. Adams — Que é um gênio

financeiro, mas também comete erros.

Mr. Raleigh — Que não sabe de nada.

Tako Kakuta — Que sofre uma estranha

constrição.

Capitão Farina — O salvador que surge

numa situação desesperadora.

Page 134: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

134

do antigo pavilhão, mas de resto a área parecia um

campo de batalha que, por horas a fio, houvesse sido

martelado pela artilharia inimiga.

As equipes de socorro haviam chegado antes de

Freyt. Protegidos pelas vestes à prova de fogo, os

homens enfrentavam o calor irradiado pelos destroços à

procura de sobreviventes. Freyt foi informado por um

comissário de polícia de que, no momento da explosão,

havia uns dez homens no pavilhão, que desempenhavam

as funções de guardas-noturnos ou realizavam trabalhos

extraordinários.

Ninguém soube dar qualquer informação sobre a

causa das explosões. Os instrumentos de medida

permitiram localizar dois pontos em que, naquele

momento, a temperatura era superior a dois mil graus

centígrados. Ao que tudo indicava, eram os lugares em

que haviam ocorrido as explosões.

Freyt dirigiu-se ao comissário.

— Mandou verificar o nível de radiatividade? —

indagou.

O comissário torceu o rosto.

— Faça-me o favor, coronel! Nesse pavilhão não

havia um grama de material radiativo.

Freyt balançou a cabeça.

— Seja como for — disse em tom desconfiado. —

Chame a equipe dos medidores.

O comissário dirigiu-se ao seu carro para transmitir a

ordem. Freyt começou a se sentir pouco à vontade.

— Não podemos fazer nada — disse ao seu ajudante.

— Temos de aguardar ao menos até que as primeiras

investigações estejam concluídas.

Esquecera Rhodan e o anunciado pouso.

O que ocorrera não era apenas o acidente, mas a

destruição completa de uma das mais importantes

unidades produtoras da Terceira Potência. Sem reatores

arcônidas não haveria mecanismos propulsores. Sem

mecanismos propulsores não haveria naves espaciais. E

sem naves espaciais a defesa da Terra seria impossível.

Seria por simples coincidência que o primeiro

acidente de grandes proporções ocorrido no território da

Terceira Potência tivesse destruído justamente o bloco

G?

O coronel Freyt começou a refletir sobre as chances

que teria um sabotador para penetrar no território da

Terceira Potência e, uma vez lá, quais seriam as chances

de executar o ato de sabotagem.

“As chances são nulas!”, concluiu.

Mas nem por isso se sentiu mais tranquilo.

Lançou os olhos em torno. Estava procurando o

comissário. Quis saber se no meio tempo havia sido

descoberta alguma coisa.

De tão mergulhado em seus pensamentos, nem

percebeu que a equipe dos medidores havia chegado;

envergando seus uniformes vermelho-berrantes,

espalharam-se em torno do edifício destroçado.

Mas não deixou de perceber uma coisa que o sacudiu

até a medula dos ossos: o ruído do alarma de radiações.

A turma de defesa antirradiações acionara as sirenas

colocadas no topo de seus carros. Freyt viu que as

equipes de socorro fugiam precipitadamente do campo

de destroços.

Um dos homens que envergavam o traje protetor

vermelho veio em sua direção. Cumprimentou-o

apressadamente e disse:

— Perigo máximo, coronel! O edifício está

contaminado ao menos com dez roentgen por hora.

Nesse preciso instante, Freyt teve de rever sua

opinião sobre a segurança absoluta das instalações contra

a sabotagem. Por um segundo sobressaltou-se; mas logo

o raciocínio frio voltou à sua mente.

— Qual é o material radiativo?

O homem do medidor sacudiu a cabeça.

— Ainda não sabemos coronel. Dentro de quinze

minutos poderemos informar.

Freyt confirmou com um aceno de cabeça.

— Muito bem. Avisem imediatamente. O homem de

vermelho fez continência.

Freyt virou-se e foi se afastando. Não se preocupou

em saber se seu ajudante o seguia. Só depois de estarem

sentados lado a lado no carro notou a presença dele.

— O que acha? — perguntou contrafeito.

O ajudante deu de ombros.

— Enquanto não conhecermos mais alguns detalhes

não podemos achar coisa alguma.

Freyt concordou.

— Tem razão — murmurou.

O incidente deixou-o bastante deprimido. Ocorrera

enquanto ele, Freyt, era o representante de Rhodan em

Terrânia. Muito embora qualquer um houvesse de

concordar que sua pessoa não poderia ter favorecido ou

dificultado a ocorrência, ele se sentia responsável; teve a

impressão de que o fato do desastre ter ocorrido

enquanto ele se encontrava no exercício do cargo

representava uma falha pessoal.

O alarma voltou a soar no receptor do carro com

tamanha força que fez doer os ouvidos.

— Pare! — gritou Freyt.

A parada foi quase imediata. Freyt foi atirado para

frente, mas não se incomodou. Só ouvia a voz vinda do

alto-falante:

— Três naves espaciais recém-construídas da frota Z,

os chamados destróieres espaciais, decolaram há poucos

minutos sem permissão e sem que se soubesse quem as

pilotava. As naves logo alcançaram a velocidade máxima

e já saíram da área de alcance dos localizadores.

— Atenção! Chamando o coronel Freyt! Atenção...

Freyt rangeu os dentes.

— Passe para a emissão — ordenou ao motorista.

O telecomunicador foi ligado. Na pequena tela surgiu

o rosto aflito do homem que transmitia a notícia

alarmante.

— Aqui fala Freyt — anunciou o coronel. — O que

houve?

Via-se que a pessoa que se encontrava na outra

extremidade desligou todos os outros canais.

— Três destróieres foram sequestrados, coronel —

anunciou laconicamente.

— Sequestrados! — exclamou Freyt. — Como pode

alguém sequestrar um destróier?

A resposta não se fez esperar.

— Não sabemos coronel. Não existe a menor dúvida

de que a vigilância dos robôs funcionava como sempre.

Os robôs não notaram a presença de ninguém que

tentasse se aproximar da área em que se encontravam os

destróieres.

Freyt olhou fixamente para frente.

— Quem está dirigindo as investigações? —

perguntou depois de algum tempo.

Page 135: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

135

— O major De Casa.

Freyt acenou com a cabeça; parecia cansado.

— Fim.

Ordenou ao motorista que o levasse ao lugar em que

estavam estacionados os destróieres. O lugar ficava

próximo às gigantescas linhas de montagem, situadas no

setor sul da cidade. Os destróieres da classe Z

representavam um aperfeiçoamento dos antigos caças

espaciais tripulados por um homem. Haviam sido

concebidos por Perry Rhodan, que há vários anos

encontrara esses caças nos hangares da base de Vênus.

Seu desempenho no espaço estava sujeito a limitações, já

que não eram dotados de mecanismos de hiperpropulsão.

Seus reatores de partículas permitiam que, num espaço

de tempo extremamente reduzido, alcançassem a

velocidade da luz, mas o caminho para os pontos do

espaço situados a maior distância da Terra lhes estava

fechado, já que não estavam em condições de realizar o

hipersalto espacial.

Apesar disso, uma nave Z era um engenho com um

avanço de pelo menos quinhentos anos sobre os produtos

mais recentes da tecnologia terrestre. Representava uma

arma terrível nas mãos de quem dela soubesse se servir.

Durante os minutos consumidos na viagem até a linha

de montagem, Freyt transmitiu uma série de instruções.

Os postos de defesa receberam ordem para atirar

imediatamente e sem prévio aviso sobre qualquer objeto

que decolasse nas próximas horas. Concomitantemente

foi emitida uma proibição geral de decolagem.

Finalmente, boa parte da equipe de vigias robotizadas foi

instruída a permanecer no interior das naves.

A Terceira Potência tinha coisa muito mais

importante a perder que os destróieres. O suor porejou na

testa de Freyt quando este formulou, para si mesmo, a

indagação do que teria acontecido se os desconhecidos

tivessem conseguido subtrair os dois cruzadores da

classe Terra. Eram naves esféricas de duzentos metros de

diâmetro, que tinham plenas condições de enfrentar o

espaço.

Por enquanto as luzes vermelhas de advertência do

alto dessas naves ainda brilhavam, tranquilas e

inalteradas, por cima dos campos de pouso.

O carro parou diante da figura maciça e reluzente de

um robô, que fechava o caminho para a área em que

antes estiveram os destróieres. Freyt fez sinal para que a

máquina se aproximasse e examinou-a. O robô reagiu ao

modelo de ondas cerebrais e ergueu a mão num gesto de

cumprimento.

O carro prosseguiu em sua viagem. Depois de ter

percorrido mais quinhentos metros, aproximou-se de um

grupo de homens que discutiam acaloradamente. Parou e

Freyt desceu.

O major De Casa cumprimentou-o. Seu rosto

exprimia sem rebuços o que sentia face ao

desaparecimento dos destróieres: susto, espanto e um

pouco de medo.

— Como foi que isso aconteceu? — perguntou Freyt.

— Ninguém de nós sabe de ciência própria —

respondeu prontamente De Casa. Parecia mais aliviado

pelo fato de que alguém lhe tirava a responsabilidade das

mãos. — Só sabemos o que os robôs informaram, e isso

é pouco. Os robôs fizeram sua ronda costumeira. O

terreno é plano e não oferece qualquer possibilidade de

alguém se esconder. Seus olhos infravermelhos teriam

reconhecido até um rato que procurasse se aproximar dos

destróieres. Acontece que não passou um rato, um

homem ou qualquer outra coisa. Apenas, de repente, os

três destróieres subiram do solo e desapareceram, depois

de lhes ter sido imprimida a aceleração máxima. O aviso

para a central de comando foi transmitido

imediatamente; mas, antes que se pudesse esboçar

qualquer reação, as três naves já estavam longe.

— Que curso eles tomaram? — perguntou Freyt.

— O curso sudeste, coronel.

Freyt fitou atentamente o major.

— Isso permite alguma conclusão? — indagou.

De Casa sorriu.

— Provavelmente podemos concluir que o

desconhecido que sequestrou as naves pode ser

procurado em qualquer lugar, menos no sudeste.

Freyt confirmou com um aceno de cabeça.

— Provavelmente — disse. Acompanhado por De

Casa, andou em torno da área de estacionamento dos

destróieres. Antes disso De Casa certificara-se de que os

remanescentes radiativos da decolagem eram mínimos,

não atingindo o nível de periculosidade.

Não havia nenhum rastro, além das três manchas

vitrificadas produzidas pela combustão dos jatos.

Nenhuma marca de pé ou de roda, absolutamente nada.

Quando voltou para junto de seu ajudante, Freyt deu

um suspiro.

— Não temos sequer a menor indicação que nos

permita saber se isso foi obra de homens ou de

inteligências extraterrenas — disse em voz baixa.

Naquele instante o motorista da viatura oficial pôs a

cabeça para fora do carro.

— Telefonema para o coronel Freyt! — gritou.

Freyt pegou o fone do telecomunicador que o

motorista lhe estendeu pela janela do carro. Na tela viu

um homem que envergava o traje protetor da equipe de

medida de radiações.

— Descobrimos a fonte das radiações e medimos sua

intensidade — disse calmamente. — Os dois pontos em

que a temperatura é mais elevada são também os de

radiação mais intensa. No centro de cada um desses

pontos chega a quinhentos roentgen por hora. As

radiações são compostas de beta-menos com cerca de 1,8

e 1,6 MeV de beta-mais com...

— Quero saber quais são as substâncias radiativas —

disse Freyt em tom de impaciência.

— Magnésio 27 e zircônio 87, coronel.

— Qual é a conclusão que se extrai disso?

O homem da equipe de radiações parecia contrariado.

— Nenhuma — respondeu. — Nem o magnésio 27,

nem o zircônio 87 pertencem aos produtos da fissão do

urânio ou do plutônio. Não conhecemos qualquer reação

nuclear que possa ser relacionada com as explosões que

ocorreram aqui e seja capaz de produzir esses isótopos.

* * *

Perry Rhodan pousou em meio a toda essa confusão.

Quando viu que o coronel Freyt não estava no campo

de pouso, soube que alguma coisa havia acontecido.

Mandou preparar um dos veículos versáteis que a nave

de sessenta metros de diâmetro trazia a bordo e,

acompanhado de Reginald Bell, foi até a abóbada

reluzente do campo protetor.

Page 136: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

136

Bell olhava ansiosamente pelas lâminas de plástico

transparente.

— O que terá havido? — perguntou.

Rhodan não respondeu. A barreira automática

registrou as irradiações produzidas por sua mente e as

dimensões do veículo. Por um instante um setor que

tinha exatamente o tamanho necessário para permitir a

passagem do mesmo abriu-se na reluzente parede

energética.

O carro avançava rapidamente. Rhodan e Bell

desceram diante do grande edifício da administração.

Poucos minutos depois eles encontravam-se no escritório

de Freyt.

— Isso é grave — disse Rhodan, depois de ter ouvido

o relato. — Mas não se recrimine Freyt. Tudo deve ser

obra de alguém que dispõe de alguns truques que ainda

não conhecemos.

— Fico satisfeito em saber que você pensa assim —

respondeu Freyt. — Mas...

Rhodan interrompeu-o com um gesto.

— Não há nenhum mas, Freyt. Logo descobriremos

do que se trata.

Freyt pigarreou.

— Acredita que... seja um inimigo extraterreno? —

perguntou.

Rhodan olhou-o com uma expressão de espanto.

— Um inimigo extraterreno? Não. Teríamos

percebido sua aproximação.

Freyt havia refletido sobre isso, antes do pouso de

Rhodan. Tinha lá suas dúvidas. Um inimigo que

conseguia se apoderar de três destróieres sem ser notado,

também estaria em condições de chegar à Terra sem que

ninguém o percebesse.

Mas preferiu ficar calado. Quando surgia um

problema desses, o melhor que se podia fazer era deixar

a solução por conta de Rhodan.

* * *

Rhodan realizou o inventário dos danos. Todas as

informações colhidas pelos grupos de pesquisa na área

do bloco G e no local em que estiveram estacionados os

destróieres foram reunidas, gravadas em fitas de

impulsos e introduzidas no cérebro positrônico, que as

interpretaria.

O cérebro positrônico desincumbiu-se da tarefa à sua

maneira. Encontrou duas mil e quinhentas explicações

possíveis para a explosão ocorrida no bloco G, e três mil

e oitocentas para o desvio dos destróieres.

Entre esse total de seis mil e trezentas alternativas,

Rhodan mandou selecionar aquelas cujo índice de

probabilidade ultrapassava determinado grau. Dessa

forma chegou a um total de cem soluções.

Essas cem possibilidades foram introduzidas na

combinatória. As informações extraídas da mesma

coincidiam em larga escala com aquelas elaboradas por

seu cérebro.

Na interpretação final foi ajudado por Crest, o

arcônida.

Crest, um cientista alto de cabelos brancos, era um

dos dois sobreviventes de uma expedição exploradora

destruída na Lua por foguetes terrestres de fusão nuclear.

Ao contrário de Thora, que era a outra sobrevivente e

comandara o cruzador espacial dos arcônidas, desde o

início colocara-se inteiramente ao lado de Rhodan. As

faculdades transmitidas a este permitiram a formação da

Terceira Potência, que salvou a Terra do aniquilamento

total pela guerra atômica.

Crest e Rhodan estavam ligados por uma estranha

amizade. Quem não os conhecesse veria aqueles dois

homens lado a lado por dias seguidos, sem notar nada

que tivessem em comum. Mas subitamente, nos

momentos de perigo, perceberia a sintonização

instantânea daqueles dois espíritos, a atuação

harmoniosa, que não dependia de perguntas e respostas,

já que resultava do nível de conhecimento mais elevado

já atingido por qualquer inteligência no âmbito da

galáxia.

No correr dos anos, Crest passara a se interessar na

evolução da Terra quase tanto como Rhodan, embora sob

outro ângulo. As ocorrências espantosas da noite anterior

não o deixaram menos exaltado que este.

— Tem alguma ideia? — perguntou em tom sério.

Um sorriso um tanto obstinado se esboçou no rosto

de Rhodan.

— Não tenho nenhuma ideia enquanto a máquina

ainda está interpretando os dados — respondeu.

Crest fez um gesto contrafeito.

— Não venha me contar que ainda não teve qualquer

ideia sobre quem pode ter mandado para os ares o bloco

G e subtraído os destróieres.

Rhodan fez de conta que não ouvia.

Depois de algum tempo levantou a cabeça e fitou

Crest.

— Sim — confessou. — Tenho uma ideia.

* * *

A ideia de Rhodan foi confirmada pela interpretação

lógica dos dados.

Por motivos que seriam compreendidos

imediatamente por qualquer pessoa que examinasse o

resultado dos cálculos, as conclusões obtidas só foram

comunicadas ao círculo de comando mais chegado a

Rhodan. Além de Reginald Bell, do coronel Freyt e dos

majores Deringhouse e Nyssen, só Crest e Thora, os

arcônidas, participaram da breve conferência.

O rosto de Crest tinha uma expressão preocupada,

enquanto Thora irradiava o brilho confiante de sua

beleza extraterrena, que nem mesmo os dias terríveis

passados em Vênus puderam afetar.

Rhodan colocou diante de si uma pilha de faixas de

impulsos e lançou um olhar sério para os expectadores.

— O cérebro positrônico indica milhares de possíveis

explicações para os acontecimentos da noite passada —

principiou. — Por isso tivemos de realizar uma triagem

rigorosa. Todavia, já não se pode duvidar dos resultados

da interpretação lógica dos dados. O acidente ocorrido no

bloco G, que vitimou dez homens, e a subtração de três

destróieres recém-construídos não é obra de um inimigo

extraterreno. Face ao volume de conhecimentos de que

dispomos, nenhum ser extraterreno pode se aproximar

desta área sem ser localizado a uma distância segura.

Nem por isso fica excluída a possibilidade de que alguma

raça dotada de uma inteligência bastante superior à nossa

esteja envolvida nisso. Mas essa alternativa possui uma

dose muito restrita de probabilidade.

“Conclui-se que aquilo que acaba de acontecer

Page 137: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

137

constitui obra de um inimigo terreno. Só existe uma

resposta sensata à pergunta de como esses atentados

puderam ser levados a efeito. Alguém, ao compor a

equipe de seus colaboradores, teve a mesma ideia que

nós.”

De início as pessoas presentes não o compreenderam,

com exceção de Crest, que já conhecia o resultado.

Mas subitamente compreenderam. E compreenderam

também por que, ao contrário do que costumava ser feito,

para essa reunião não fora convocado nenhum dos

mutantes, de cujas capacidades resultaram em larga

escala os êxitos alcançados pela Terceira Potência.

* * *

Essa conferência de Rhodan foi realizada nas

primeiras horas da manhã do dia 20 de julho.

Quase no mesmo dia e mês; alguns anos antes, a

seguinte ocorrência verificara-se em Gardiner, uma

pequena cidade situada na divisa dos Estados norte-

americanos de Wyoming e Montana:

O homem que por ora nos interessa só vivia há

poucos dias em Gardiner. Embora à primeira vista não

parecesse nada simpático, tinha um aspecto de abastança.

Em Gardiner havia dois hotéis; ele residia no mais caro.

O povo da cidade era curioso. Gardiner não era

propriamente uma cidade de turistas, embora ficasse na

entrada do parque nacional de Yellowstone. Os

forasteiros eram uma raridade, e todo mundo começou a

se interessar por aquele homem.

Ficaram sabendo que seu nome era Monterny, e que

era cientista. Monterny não era muito alto; em

compensação era bastante gordo. O enorme crânio sem

cabelos, os olhos bem afundados na órbita, levava à

conclusão de que, no interior daquele cérebro havia

bastante substância cinzenta para proporcionar um saber

notável ao cientista.

O povo de Gardiner descobriu tudo isso. Mas não

descobriu uma coisa: o que Monterny pretendia na

cidade.

Não fazia nada senão passear. O lugar era formado

praticamente de uma única rua, ladeada de casas,

geralmente de um só pavimento, em que moravam seus

duzentos habitantes. As vielas que desembocavam nessa

rua quase não contavam. Por isso um homem que

aparecesse em Gardiner teria pouco motivo para passear.

Dali logo surgiu o boato de que Monterny esperava por

alguém.

A atenção misturada de curiosidade que lhe foi

tributada de todos os lados não escapou a Monterny. O

negócio que pretendia realizar em Gardiner não

comportava a menor dose de curiosidade. Por isso,

Monterny já estava começando a ficar nervoso, quando

finalmente naquele dia encontrou aquilo que procurava.

Foi no fim da tarde, durante um dos seus passeios,

que geralmente o faziam percorrer a rua principal em

ambas as direções. Teve sua atenção despertada por um

jovem que desceu de um carro esporte um pouco

desengonçado e entrou numa loja para comprar alguma

coisa.

De pé do lado oposto da rua, Monterny observou o

jovem com a cabeça esticada para frente. O jovem não

percebeu nada; entrou na loja. Monterny atravessou a rua

e parou diante da loja.

Quando o jovem voltou a sair da loja, Monterny

dirigiu-lhe a palavra.

— Olá, meu jovem! Podia me fazer um favor?

O jovem estacou perplexo.

— De que se trata? — perguntou em tom reservado.

Monterny fez um gesto meio amável, meio

embaraçado.

— Não gostaria de falar sobre isso em plena rua.

Moro no Hotel Wolfreys Place. O senhor se importaria

de ir até lá comigo?

O jovem já tinha uma recusa na ponta da língua, mas

Monterny o interrompeu em tempo.

— Podemos ir no seu carro.

Era uma sugestão ridícula, pois o Wolfreys Place

ficava apenas a alguns passos da loja, mas o jovem

sentiu-se orgulhoso porque alguém se dispunha a viajar

em seu carro desengonçado.

— E prometo-lhe uma coisa — prosseguiu Monterny.

— O senhor não sairá perdendo.

Este argumento acabou por convencer o jovem.

Entraram no carro, foram ao Wolfreys Place e

subiram ao quarto de Monterny.

— Sente — disse Monterny em tom ligeiramente

menos amável do que o usado até então e apontou para

uma poltrona.

O jovem sentou. Monterny tomou lugar à sua frente.

Pôs-se a fitar o jovem. Por algum tempo o jovem

suportou o olhar com um sorriso amável, depois com um

sorriso embaraçado e finalmente com uma careta de

obstinação. Finalmente olhou para o lado e passou a

examinar o aposento, para não fitar mais os olhos de

Monterny.

Quando chegou à conclusão de que aquilo já estava

ficando demais, Monterny pôs-se a falar.

— Já me viu alguma vez?

O jovem parecia espantado:

— Não.. Passei quinze dias com amigos em...

— Idaho Falls! — interrompeu-o Monterny. — É

verdade?

O jovem não parecia muito surpreso.

— Isso mesmo. Como soube? Falou com meus pais?

Monterny sacudiu a cabeça.

— Não; nunca vi os seus pais. Seu nome é Freddy

MacMurray. Seus amigos apelidaram-no de Tigre,

porque gosta de usar blusas com desenho de tigre. Em

Idaho Falls você tem amigos porque até poucos anos

atrás morou lá com seus pais. Seu pai, que é técnico de

reatores, foi aposentado antes da idade normal, isso

porque foi ferido num acidente. Você nasceu um ano

depois do acidente. Há poucos dias você conheceu duas

moças em Idaho Falls: Sue e Dorothy. Ainda não sabe

qual das duas lhe agrada mais. Não é verdade?

MacMurray levantou-se de um salto.

Depois das primeiras palavras de seu interlocutor,

esteve a ponto de protestar contra o tom íntimo usado

pelo mesmo; mas as revelações feitas deixaram-no sem

fala. A maior parte do que Monterny acabara de dizer

seria simples de descobrir, mesmo por quem não

possuísse qualquer dom telepático. Mas o fato de que,

em Idaho Falls, tivera relações com duas moças não era

conhecido por ninguém a não ser ele mesmo.

— De onde... de onde... — gaguejou Freddy.

Monterny interrompeu-o com um gesto.

— Sei muito mais a seu respeito; para falar a

Page 138: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

138

verdade, sei tanto quanto você. Antes de mais nada, sei

que você possui um talento especial, sobre o qual você

ainda não falou com ninguém, embora se trate de um

fenômeno único no mundo.

Freddy empalideceu e voltou a mergulhar na

poltrona. Seus olhos emitiram um brilho ameaçador

quando indagou:

— E o que tem isso?

Monterny não deu a menor atenção à pergunta.

— Basta que você feche os olhos e deseje estar em

Idaho Falls, e logo você estará lá. É ou não é verdade?

Esse dom é chamado de teleportação, e você é um

teleportador. Qual é a maior distância que você já

conseguiu vencer?

— Trezentos... — respondeu Freddy

precipitadamente, mas logo se interrompeu.

— Quilômetros — completou Monterny satisfeito. —

Para o início é muito bom; ainda poderá ser melhorado.

Levantou-se e prosseguiu na sua fala, enquanto

caminhava tranquilamente de um lado para outro.

— Desde que você descobriu seu dom, vive

sonhando que um dia será um grande homem. Pois eu lhe

darei uma chance para isso. Você vai trabalhar para mim;

no começo ganhará mil dólares por mês, além do

reembolso das despesas, sem limite. Está entendido?

Voltou-se e encarou Freddy.

— É verdade — disse este com uma segurança

surpreendente na voz. — Há anos sonho em ser um

grande homem. Mas também sonho em atingir meu

objetivo por meios decentes. O que o senhor acaba de me

oferecer não deve ser muito decente; se fosse, teria

adotado uma atitude mais sincera, falando com meus

pais. Não preciso dos seus mil dólares, nem de sua conta

de despesas. O motivo é simplesmente que não gosto do

senhor.

Fez meia-volta e saiu. Monterny não o deteve. Por

algum tempo lançou um olhar odiento para a porta que

acabara de se fechar atrás de Freddy MacMurray.

Depois fechou os olhos e se concentrou em alguma

coisa.

Freddy já saíra correndo do hotel. Uma multidão de

pensamentos revolvia furiosamente seu cérebro; não

conseguia reter nenhum deles. Saltou para dentro do

carro, cometeu uma infração às regras de trânsito ao dar

volta no meio da quadra e pretendia voltar para a casa de

seus pais.

Subitamente uma força estranha se apoderou de sua

mente com a violência de uma martelada. A confusão de

pensamentos foi afastada como por encanto. Um único

desejo ocupava a mente de Freddy: voltar para junto do

estranho.

Deu marcha à ré, voltou a colocar seu carro diante do

hotel, desceu e, passando por Mr. Wolfry, que lhe lançou

um olhar de espanto, subiu a escada.

A porta do quarto de Monterny estava aberta. Freddy

entrou sem bater.

Monterny recebeu-o com um sorriso.

— É assim que eu gosto! — disse.

Por algum tempo examinou cuidadosamente a figura

de Freddy. O jovem tinha os olhos imóveis e vidrados,

que Monterny esperava encontrar numa pessoa

submetida ao seu poder mental.

— Você vai voltar para a casa de seus pais —

ordenou Monterny — e dirá que o levei ao hotel por tê-lo

confundido com outra pessoa. Nos próximos vinte dias

levará a vida de sempre. Não realizará nenhum salto de

teleportação e não contará a ninguém que possui esse

dom. Daqui a vinte dias, guarde a data: 7 de agosto, às

cinco da tarde, você se transportará por teleportação a

Salt Lake City Conhece o grande templo dos mórmons?

Freddy fez que sim.

— Muito bem. Eu o esperarei junto à entrada

principal. E não se esqueça de uma coisa: por meu

intermédio você poderá se transformar num grande

homem; mas sempre estarei acima de você.

* * *

Dali a vinte dias Freddy MacMurray desapareceu de

Gardiner, conforme fora combinado, e nunca mais se

teve notícia dele. Ninguém ligou seu desaparecimento ao

forasteiro que, vinte dias antes, saíra da cidade.

A polícia procurou Freddy e não o encontrou.

Quando as buscas foram suspensas, seu pai, debilitado

pelo acidente que sofrera, faleceu de mágoa, conforme

diziam.

Clifford Monterny continuou a reunir em torno de si

pessoas dotadas de faculdades especiais. Procurava-as

nos lugares em que, nos últimos anos, haviam ocorrido

emanações radiativas intensas, pois sabia que as

alterações das características hereditárias humanas

produzidas pela radiatividade nem sempre são negativas.

Fez exatamente aquilo que Perry Rhodan fizera

poucos anos antes: formou um exército de mutantes.

Havia uma única diferença, e muito grande, entre seu

procedimento e o de Perry Rhodan: Monterny não

perguntava aos homens que reunia se desejavam

trabalhar para ele. Só precisava de um contato de poucos

segundos para absorver o modelo das ondas cerebrais de

qualquer pessoa. Depois disso, estava em condições de

reconhecer os pensamentos dessa pessoa, mesmo que ela

se encontrasse a milhares de quilômetros do lugar em

que se encontrava, e mesmo a essa distância conseguia

forçá-la a uma sujeição total à sua vontade.

Monterny era mutante; tratava-se do telepata,

hipnotizador e sugestionador mais potente, tudo reunido

numa só pessoa. Era um caso único.

Seus homens chamavam-no de Supercrânio. A maior

parte deles nem o conhecia pessoalmente. Sabia que

estava envolvido numa atividade muito perigosa, e que

qualquer erro bastaria para derrubá-lo.

Sentia-se satisfeito em saber que alguém que se

tivesse colocado ao seu serviço nunca mais poderia lhe

escapar. Onde quer que se encontre, estaria submetido à

força da sua vontade.

Freddy MacMurray foi sua primeira vítima. Alguns

anos depois Monterny conseguira reunir um número de

mutantes capazes, que lhe permitia desferir seu primeiro

golpe.

O primeiro golpe seria desferido contra o homem

que, pelo simples fato de ter alcançado êxito, atraíra o

ódio de Monterny.

Contra Perry Rhodan.

Page 139: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

139

2

Perry Rhodan teve alguns dias de trabalho intenso.

Juntamente com Crest coletou todos os dados que,

em sua opinião, poderiam fornecer alguma indicação

sobre a identidade do desconhecido, traduziu-os, num

trabalho que consumia horas, no complicado código

mecanizado dos arcônidas e introduziu-os no cérebro

positrônico, que os interpretaria.

O resultado não foi compensador.

O cérebro positrônico afirmou que os atentados eram

inspirados por uma potência econômica, que, com seus

próprios recursos, ou seja, através do seu poderio

econômico, procurava minar a Terceira Potência a fim de

provocar sua queda.

A combinatória indicou o objetivo da potência

estranha com a expressão singela “domínio mundial”.

— Isso não nos adianta nem um pouco — disse

Rhodan.

Nos últimos dias a situação vinha se tornando cada

vez mais séria. Vários cientistas, que frequentavam a

Academia Espacial de Terrânia, desapareceram de um

dia para outro. Alguém roubara boa quantidade de

minúsculas peças de propulsores e desaparecera sem

deixar vestígio.

O desconhecido trabalhava sem cessar. Os únicos que

poderiam enfrentá-lo eram os mutantes dá Terceira

Potência, pois ao que tudo indicava também era um

mutante.

Mas mesmo um mutante não pode estar em todos os

lugares ao mesmo tempo. E para postá-los em tempo no

local adequado seria necessário adivinhar os planos do

desconhecido.

E nem Perry Rhodan, nem Crest, nem o cérebro

positrônico conseguiram fazer isso.

Utilizando canais secretos, Rhodan fez chegar as

informações necessárias à Federação de Defesa da Terra,

uma gigantesca organização secreta panterrena dirigida

por Allan D. Mercant, um semimutante que, nos

primeiros meses de existência da Terceira Potência,

desempenhara um papel importante e positivo.

Mercant pôs a funcionar sua extensa máquina de

informações e, um dia depois de ter recebido o aviso, já

forneceu o primeiro indício a Rhodan.

Uma fábrica de máquinas da Califórnia lançara no

mercado, com um mínimo de propaganda, certas

máquinas agrícolas dirigidas por robôs.

Perry Rhodan foi de opinião que o indício era tão

importante que ele mesmo deveria verificar o que havia

atrás dele. Algumas horas depois de ter recebido a

informação de Mercant, encontrava-se a caminho dos

Estados Unidos.

Não cometeu o engano de se dirigir diretamente à

recepção da fábrica de máquinas. Instalou-se num hotel

de categoria média e deixou que um dia se passasse antes

de entrar em contato com os dois agentes de Mercant.

O nome da cidade era Sacramento. No mesmo

instante em que transmitira a notícia a Rhodan, Mercant

destacara dois dos seus agentes mais capazes para lá: o

capitão Farina e o tenente Richman.

Rhodan e Farina encontraram-se numa cafeteria,

enquanto Richman percorria a cidade, sempre de olhos

bem abertos.

Farina era um homem baixo e corpulento, cuja

ascendência italiana era perceptível de longe.

Cumprimentou Rhodan sem demonstrar um respeito

excessivo, mas numa ótima disposição de espírito.

— Formidável! — observou, depois de se certificar

de que ninguém poderia ouvir sua conversa. — Ninguém

desconfia de que o senhor se encontra em Sacramento.

Rhodan sorriu.

Não deixara de tomar certas precauções antes de pôr-

se a caminho. A arte de dois grandes peritos em máscaras

transformara seu rosto a ponto de que só quem

dispusesse de uma ótima visão e de um longo

conhecimento poderia reconhecê-lo. Por motivos de

segurança e de comodidade, deixou de recorrer a certos

acessórios, como barbas falsas e perucas. Rhodan sabia

que justamente por isso havia uma possibilidade mínima

de ser reconhecido por alguém.

Farina encontrara-o porque tinham combinado o

encontro naquele local, e ainda porque Rhodan lhe

fornecera um sinal de identificação: uma cicatriz do lado

esquerdo da testa.

— Quais são as novidades? — perguntou Rhodan.

— Nenhuma — respondeu Farina aborrecido. —

Raleigh comporta-se como se fosse o comerciante mais

idôneo de todos os tempos...

— Quem é Raleigh?

— É o chefe da Farming Tools and Machines. Vende

seus arados automáticos abertamente e muito barato. Nos

poucos dias que se passaram, desde que iniciou as

vendas, sua freguesia triplicou ou quadruplicou. Os

fregueses elogiam-no além de toda medida.

— Já deu uma olhada do lado de dentro?

Farina acenou com a cabeça.

— Naturalmente; mas não encontramos nada. Não

temos a menor idéia de onde Raleigh guarda os desenhos

de suas máquinas. Se é que...

Farina fez uma pausa de reflexão.

— Se é que...? — animou-o Rhodan.

— Se é que os desenhos estão em sua casa —

prosseguiu Farina. — Richman descobriu que, nos

últimos dois dias antes do início das vendas, Raleigh, ou

melhor, sua firma, recebeu um grande volume de carga

ferroviária.

— De onde?

— De Salt Lake City.

— Seguiram a pista?

Farina sacudiu a cabeça.

— Ainda não tivemos tempo.

Rhodan refletiu. Era um mistério que uma simples

fábrica de máquinas, que sem dúvida não estava

aparelhada para cumprir programas especiais,

conseguisse colocar no mercado num tempo tão curto

uma linha de produtos prontos para serem oferecidos aos

consumidores — mesmo que partisse do pressuposto de

que havia alguma ligação entre os arados dirigidos por

robôs e os furtos ocorridos em Terrânia.

— Conhece Raleigh pessoalmente? — perguntou

Rhodan.

— Não, mas o vi várias vezes de perto. A primeira

impressão é boa.

— E a segunda impressão?

A boca de Farina se contorceu.

— Não é boa. É o tipo escorregadio: amável, mas

traiçoeiro.

Page 140: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

140

Rhodan já elaborara seu plano.

— Pois hoje de tarde vamos lhe fazer uma visita e

nos apresentar como compradores interessados em seus

produtos — sugeriu a Farina. — Procuraremos nos

lembrar de alguma coisa que nos permita colher o maior

volume possível de informações sobre sua maneira de

negociar e sobre suas reações. Eu mesmo cuidarei da

segunda parte da tarefa, assim que estivermos

suficientemente informados.

— Está bem — respondeu Farina. — E Richman?

— Vai descobrir quem é o fornecedor de Salt Lake

City.

* * *

Mais ou menos à mesma hora, aconteceu o seguinte

na metrópole nova-iorquina, com um homem que parecia

pouco inteligente e, por causa de uma corcunda, oferecia

um aspecto um tanto miserável:

Estava almoçando numa lanchonete. Pegou uma

bandeja com um bife grande, mas fino, e uma porção de

vagens e batatas fritas; tomou lugar junto a uma mesa

cujas cadeiras estavam todas desocupadas. Uns cinco

minutos depois, quando acabara de constatar que o bife

nem de longe correspondia às suas expectativas, outro

homem — jovem, alto, robusto e elegante — sentou à

mesma mesa.

— Teve azar ali na esquina? — perguntou o homem

depois de algum tempo.

Naquele local a expressão ali na esquina era um

estereótipo que designava a Wall Street.

O jovem levantou os olhos do prato com uma

expressão sombria no rosto e examinou seu interlocutor.

— O senhor tem alguma coisa com isso? —

respondeu em tom grosseiro.

Mas o outro não se intimidou.

— Tenho um olho clínico para essas coisas —

afirmou. — Talvez possa ajudá-lo.

— O senhor?

Essas duas palavras encerravam uma dose insultuosa

de menosprezo.

Mas o homem a quem era dirigido o menosprezo

limitou-se a acenar a cabeça:

— Sim, eu.

E não estava exagerando. Aquele homem corcunda,

de andar tortuoso, de aspecto tímido e insignificante,

com a coroa rala de cabelos desbotados, em parte

grisalhos, outro não era senão Homer G. Adams,

ostensivamente chefe da General Cosmic Company, a

maior empresa industrial da Terra, e além disso ministro

das finanças da Terceira Potência.

— Conheço alguns dos truques com os quais se

consegue arrancar o dinheiro de certos criançolas

esquentados e desbocados — disse Homer G. Adams,

brincando com uma caixa de fósforos. — Justamente por

isso também conheço os truques que podem ajudar essa

gente a recuperar seu dinheiro.

O jovem remexeu a comida que se encontrava em seu

prato; parecia ligeiramente embaraçado.

— Já ouviu falar naquela história da Airlines United?

— perguntou.

Adams se sobressaltou.

— Meu Deus, não me vá dizer que comprou papéis

da Airlines United.

O jovem fez que sim.

— Faz quatro dias.

Adams nem se deu ao trabalho de esclarecer o jovem

sobre o assunto. Limitou-se a perguntar:

— Quanto perdeu?

— Tudo — resmungou o jovem.

Adams sorriu.

— Quanto vem a ser isso?

— Pouco mais de doze mil dólares.

Adams fez um gesto com a cabeça.

— É um bom dinheiro para um jovem da sua idade.

Aliás, como é seu nome?

— Meu nome? Elmer Bradley. Sou desenhista

técnico. Ganhei o dinheiro de herança.

Fitou Adams, como se esperasse que também o

corcundinha se apresentasse.

— Meu nome é Adams — disse este em tom

indiferente.

Nos Estados Unidos havia mais de um milhão de

pessoas com esse nome. Não era de esperar que só por se

chamar Adams alguém o ligasse a General Cosmic

Company.

— Qual é a dica que me dá? — perguntou Bradley.

— No momento nenhuma — respondeu Adams em

tom decidido. — Estou disposto a lhe emprestar a mesma

soma que perdeu, para que possa tentar novamente.

Por estranho que parecesse, Bradley não parecia se

impressionar muito com a oferta.

“Provavelmente a esta hora estará pensando que sou

um idiota convencido”, pensou Adams, divertindo-se no

íntimo.

Bradley perguntou:

— Neste instante?

Adams sacudiu a cabeça.

— Apareça no meu escritório quando tiver tempo. Lá

lhe darei o dinheiro e estudaremos juntos, a situação da

Bolsa, para que saiba o que comprar.

Pegou uma agenda de bolso, arrancou uma folha e

escreveu algumas linhas. Depois a empurrou a Bradley.

— General Cosmic? — perguntou Bradley, surpreso.

— Será que o senhor é...

Adams interrompeu-o com um sorriso.

— Nada disso. Em nossa firma há uns dez Adams, e

nenhum deles tem qualquer parentesco com o chefe. O

senhor irá?

Bradley sorriu.

— Não tenha a menor dúvida!

* * *

Farina parecia bastante contrariado.

— Nada — disse com um gesto de desprezo. — Não

tem nenhum arado automático de dez relhas que possa

vencer uma subida de trinta por cento. Por pouco não

fazem gozação de mim por causa disso.

Rhodan riu.

— A ideia era justamente essa. Falou com Raleigh?

Farina confirmou com um gesto de cabeça.

— Durante cerca de vinte minutos.

— E daí?

Farina ergueu os ombros.

— Diria que talvez sua ideia não dê resultado.

Rhodan não parecia se importar com isso.

— De qualquer maneira ainda teremos outro meio —

respondeu.

Page 141: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

141

Farina ponderou:

— Precisaremos desse meio.

Às sete da noite, Perry Rhodan telefonou para a

Farming Tools and Machines.

Raleigh não parecia muito satisfeito com a

interrupção.

— Compreendo perfeitamente que minha chamada

não lhe dê nenhum prazer — disse Rhodan. — Acontece

que preciso falar imediatamente com o senhor.

— Qualquer um pode aparecer com esse tipo de

conversa — protestou Raleigh. — Afinal, quem é o

senhor?

— Sou um homem que lhe pode causar muitos

problemas, a não ser que o senhor chegue a um acordo

satisfatório comigo — respondeu Rhodan em tom de

animosidade.

Ficou admirado de que Raleigh não desligou

imediatamente. Será que sua consciência pouco tranquila

o impedia de fazê-lo?

— A mim ninguém causará problemas! — afirmou

Raleigh.

— Depois que tiver falado comigo o senhor não dirá

mais isso — objetou Rhodan.

Raleigh parecia refletir.

— Pois bem — disse depois de algum tempo. —

Venha.

— Para onde? — perguntou Rhodan.

— 2.035, Parkway Drive. É o endereço de minha

residência.

Rhodan preparou-se cuidadosamente para a tarefa.

Não esperava que Raleigh fosse reconhecê-lo. Estava

equipado com um radiador portátil de impulsos térmicos

e um projetor mental. Não levava outras armas. Teve que

dispensar até mesmo o traje transportador arcônida, que

o protegeria contra qualquer tipo de projétil, porque a

estranha vestimenta revelaria imediatamente sua

identidade.

No início ainda esperava que não fosse obrigado a

recorrer ao projetor mental. Provavelmente Raleigh era

um membro pouco importante do grupo que conspirava

contra a Terceira Potência. E era conveniente para as

investigações que o inimigo desconhecido ficasse o

maior tempo possível sem saber que o contragolpe já

começara.

Pegou o carro alugado em Sacramento e dirigiu-se ao

Parkway Drive. Raleigh habitava uma casa que, embora

ostentasse um estilo ridículo e ultrapassado, era grande e

sem dúvida dispendiosa. Distava tanto da rua que

Raleigh tivera que construir um caminho particular para

alcançá-la.

Quando Rhodan chegou, eram vinte horas e quarenta

minutos. Só a luz pálida das estrelas iluminava a noite.

Por mais que Rhodan lançasse os olhos em torno, não via

o capitão Farina que, segundo o combinado, devia se

encontrar nas proximidades.

Acionou a campainha embutida no batente e

aguardou até que o convidassem a entrar.

Pela descrição de Farina, o homem que deixou entrar

Rhodan foi o próprio Raleigh.

— Meu nome é Wilder — disse Rhodan. — É muita

gentileza sua me receber a esta hora.

Estendeu a mão a Raleigh, mas este fingiu não vê-la.

Seu rosto parecia frio como gelo.

Rhodan foi conduzido a um pequeno aposento, que

parecia ser o escritório de Raleigh. Este, sem proferir

uma palavra, apontou uma poltrona. Rhodan sentou.

— Então? — perguntou Raleigh.

Rhodan reclinou-se confortavelmente na poltrona e

cruzou as pernas.

— O senhor roubou minha invenção — disse como

que ao acaso e num tom de voz que nada tinha de

dramático.

Raleigh estava sentado atrás de sua escrivaninha.

Ergueu-se ligeiramente e inclinou-se por cima da mesma.

Parecia que acabara de levar um tremendo susto.

— Sua invenção? — fungou. — Repita isso!

Rhodan fez um gesto de assentimento.

— É o que acabo de dizer: o senhor roubou minha

invenção.

Raleigh deixou-se cair na poltrona.

— Que invenção? — perguntou. “Acalmou-se muito

depressa. Depressa demais”, pensou Rhodan.

— O senhor sabe perfeitamente — respondeu. — Há

algum tempo o senhor vem produzindo aivecas, arados e

mais umas maquininhas, todas de um tipo que a

humanidade conhece há milhares de anos. Foi só nestes

últimos dias que uma verdadeira novidade surgiu na

história da empresa. E essa novidade foi roubada de

mim.

Raleigh manteve-se impassível.

— Está em condições de provar isso? — perguntou.

— Naturalmente. Quer que apresente a prova em

juízo?

Muito sério Raleigh fez um gesto com a cabeça.

— Faço questão — respondeu em tom tranquilo.

Rhodan percebeu que seu blefe não serviria para

nada. Raleigh conhecia a origem do comando robotizado

de seus arados; não cairia num truque desses.

— O senhor se arrependerá — voltou a investir

Rhodan.

Raleigh levantou-se.

— Eu não — disse em tom glacial. — Mas o

senhor...

Rhodan também se levantou. Com um gesto

disfarçado tirou o pequeno projetor mental do bolso e

dirigiu-o sobre Raleigh.

Raleigh logo percebeu. Seu rosto contorceu-se num

sorriso de deboche. Não tinha medo.

— Agora o senhor vai me dizer quem está atrás do

senhor — ordenou Rhodan.

Enquanto proferia essas palavras, comprimiu o

acionador do projetor mental e ficou aguardando que os

impulsos transmitidos por via hipnótica fizessem Raleigh

falar.

Mas este continuava com o sorriso de deboche no

rosto.

Rhodan percebeu que nem tudo corria conforme ele

calculara. Por que Raleigh demorava tanto em se

submeter à influência do projetor mental? Ou será...

— Andei pensando a mesma coisa — observou

Raleigh em tom zombeteiro. — O que é isso? Um

hipnotizador?

Deu uma risada de deboche.

— Desta vez o senhor pegou o bonde errado. Seu...

seu rhodanita reformador do mundo.

Rhodan sentiu o ódio indisfarçado que vibrava

naquelas palavras e também sentiu que Raleigh não o

reconhecera; por enquanto sabia apenas de onde vinha.

Page 142: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

142

Rhodanita reformador do mundo! A expressão seria

para rir; mas no momento não havia motivo para isso.

No escritório de Raleigh havia duas portas, e ambas

se abriram ao mesmo tempo. Os homens que apareceram

nelas, dois em cada, mantinham as pistolas automáticas

levantadas, não permitindo qualquer dúvida sobre suas

intenções.

— Prendam-no! — disse Raleigh por entre os dentes.

Rhodan ainda não se deu por vencido. Sabia que não

havia mais tempo para pegar o radiador de impulsos

térmicos. Mas ainda não acreditava que também os

subordinados de Raleigh fossem insensíveis à influência

hipnótica.

Virou-se ligeiramente para o lado, fazendo com que

uma das portas caísse no raio de ação do projetor mental

e ordenou:

— Vocês vão me deixar em paz. Larguem as armas.

Os homens não fizeram nada disso. Foram entrando

na sala, e Rhodan ouviu que os dois que se encontravam

atrás dele também se colocaram em movimento.

Apenas por uma fração de um décimo de segundo a

terrível surpresa causada pelo fato de que, naquele caso,

seu projetor hipnótico não valia mais que o metal de que

era feito, turvou seu raciocínio. Num instante percebeu

que antes de tudo precisaria ganhar tempo, para que o

capitão Farina pudesse interferir nos acontecimentos.

— Parem aí! — disse Rhodan em tom ameaçador. —

Mais um passo, e transformo todo mundo em cinza.

Levantou o projetor mental mais alguns centímetros e

entortou ostensivamente o dedo. Os homens pararam, e

Rhodan percebeu sua chance. Teria de falar.

— Vocês pensam — disse com um sorriso

zombeteiro — que basta que apertem seus gatilhos para

me liquidar, não é? Não se esqueçam de que, mesmo que

me acertem em cheio, ainda terei tempo para levá-los

comigo.

Era uma conversa idiota, infantil; mas ajudava a

ganhar tempo e roubava um pouco da segurança dos

quatro guarda-costas. Um deles olhou para Raleigh.

Este não sabia até onde era verdadeira a ameaça.

— Está blefando — resmungou. — Esse negócio é

uma arma hipnótica. Ninguém pode atirar com ela.

Mas não tinha muita certeza do que estava dizendo, e

os outros não deixaram de percebê-lo.

Ficaram parados e olharam para Rhodan.

— Então? — disse Rhodan. — Querem

experimentar? Prometo que terão uma morte rápida e

indolor.

Subitamente um dos quatro atirou a cabeça para trás e

gritou:

— Que nada! Esse sujeito está blefando!

Rhodan viu que seu dedo se entortava no gatilho.

Triste, pensou que, de qualquer maneira, Farina chegaria

tarde.

* * *

— É uma dica formidável, Mr. Adams — disse

Bradley exultante. — Desde ontem os papéis de Hanson

& Sons subiram doze pontos.

Aquela explosão de entusiasmo não deixou Adams

muito impressionado. Sorriu com uma ligeira ironia e

disse:

— Tenha um pouco de paciência. Subirão ainda mais.

Pelo menos trinta pontos, segundo os meus cálculos.

Bradley sentou do outro lado da escrivaninha. Nos

últimos dois dias, ele comparecera pelo menos duas

vezes por dia ao escritório de Adams. Este o recebia

numa pequena sala, que não traía a real qualidade de seu

ocupante.

Por várias vezes indagara de si para si o que o levava

a gostar tanto de Elmer Bradley. Não encontrou resposta.

Gostava daquele jovem, e era só.

Gostou tanto dele que no dia em que o conhecera

emprestou-lhe trinta mil dólares para que pudesse

recuperar o prejuízo. Bradley mostrara-se digno da

confiança depositada nele, apresentando a Adams as

ações que adquirira. O próprio Adams dera-me a dica

relativa aos papéis de Hanson & Sons, revelando um

ótimo faro. Desde anteontem houvera uma alta total de

vinte e um pontos nas ações dessa empresa, o que

significava que Bradley conseguira um lucro com

aqueles trinta mil dólares.

— Tenho uma coisa para o senhor! — disse Bradley

de supetão, com a cara de quem acaba de comprar um

presente de natal.

Adams ergueu as sobrancelhas.

— Ah, é? Deixe ver.

Bradley tirou do bolso um papel dobrado várias

vezes, com aspecto de jornal. O primeiro exame revelou

que se tratava de um prospecto particular da bolsa.

Adams submeteu o papel a um cuidadoso exame. À

medida que lia, tornava-se cada vez mais nervoso.

— Isso é uma coisa nunca vista! — exclamou depois

de algum tempo. — Esse homem deve ser um idiota.

Bradley parecia um tanto embaraçado.

— Eu pensei que isso o interessaria — disse. — Mas,

para falar com franqueza, não entendo muito da coisa.

Poderia me explicar?

Com um gesto animado da cabeça, Adams

principiou:

— Certo sujeito, um peruano, diz ter descoberto uma

rica mina de ouro. A jazida aproveitável é calculada em

mais de dez milhões de toneladas. Existem pareceres

técnicos nesse sentido. O homem gastou todo o dinheiro

de que dispunha para comprar o terreno e agora quer

fundar uma sociedade por ações para explorar a mina. As

leis financeiras do Peru são bastante elásticas. O homem

divulgou sua idéia. Até o momento não encontrou

nenhum sócio. Avalia a propriedade imobiliária,

juntamente com a mina, em trinta por cento do capital da

sociedade a ser criada, e convida qualquer um que tenha

vontade para adquirir os restantes setenta por cento, e

com isso a maioria absoluta da empresa.

Os olhos de Adams, geralmente inexpressivos,

começaram a brilhar. Pouco lhe interessava que Bradley

tivesse ou não tivesse entendido sua explicação. Saiu de

trás de sua escrivaninha e correu mancando em direção à

porta. Bradley esperou-o por mais de uma hora. Só

depois disso convenceu-se de que naquele dia não o veria

mais e foi embora.

Nesse meio tempo Adams desenvolveu uma atividade

de vulcão em plena erupção. De seu verdadeiro

escritório, transmitiu instruções aos bancos da General

Cosmic, para que preparassem a importância que se

tornava necessária para a compra das ações da empresa

peruana. Segundo um cálculo superficial essa

importância atingia cerca de um bilhão e meio de

Page 143: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

143

dólares, e um cálculo também superficial revelava que a

mina de ouro proporcionaria à General Cosmic um lucro

de pelo menos seis bilhões de dólares.

Meia hora depois de ter lido o prospecto, Adams

manteve uma prolongada conferência telefônica com o

senhor Ramirez, residente em Callao, proprietário do

terreno em que seria instalada a mina. Ramirez estava

mais que satisfeito por ter encontrado tão depressa um

sócio para seu projeto, e prometeu enviar os pareceres

dos geólogos ainda no mesmo dia.

Na noite daquele dia a General Cosmic Company —

conhecida pelas iniciais G.C.C.

— realizou a maior compra singular jamais registrada

pela história das finanças. Homer G. Adams adquiriu um

bilhão quatrocentos e cinqüenta e um milhões setecentos

e oitenta e oito mil dólares de ações de uma empresa

recém-fundada, a Peruvian Gold.

Isso representava setenta e um por cento do capital.

Naquela noite, nem mesmo Homer G. Adams,

geralmente tão calmo, conseguiu conciliar o sono.

* * *

— Pare! — gritou Raleigh, exaltado ao extremo. —

Não atire! Precisamos dele vivo — explicou. — Como

vêem, apenas blefou com essa arma. Prendam-no.

Rhodan aguardara em vão um instante em que a

atenção dos guarda-costas se desviasse o suficiente para

que pudesse pegar o radiador térmico sem correr maiores

riscos. A qualquer momento, ao menos três daqueles

homens se mantinham de olhos fitos nele.

Apesar disso a intervenção de Raleigh representou a

salvação.

Tudo correu sem a menor dramaticidade. Em uma

das duas portas que os guarda-costas de Raleigh haviam

deixado abertas, surgiu a figura morena e corpulenta do

capitão Farina.

Empunhava uma pistola automática do modelo mais

recente.

Rhodan foi o primeiro que o viu. Um instante depois,

os dois homens que se encontravam atrás dele também o

descobriram.

— Nada de nervosismo — disse Farina em tom

tranquilo. — Acho que vieram até aqui porque

acreditavam que, com a maior facilidade, conseguiriam

capturar um prisioneiro. Acontece que as coisas estão

mudadas. Qualquer movimento mais precipitado custará

imediatamente a vida de quem o fizer.

Esperou que suas palavras produzissem o efeito

desejado. Depois comandou em tom enérgico:

— Deixem cair as armas.

Hesitantes, os homens largaram as pistolas, que

caíram ruidosamente ao chão.

Rhodan voltou a guardar o projetor mental no bolso e

tirou a arma de impulsos térmicos. Em tom ligeiramente

irônico disse:

— Foi sobre isto que lhes falei há pouco tempo.

Farina amarrou os homens, enquanto Rhodan os

mantinha sob controle. Nenhum deles fez qualquer

tentativa de escapar.

Farina viera em seu carro. Seguiu logo atrás do carro

de Rhodan. Subiram as montanhas da Serra Nevada.

Durante a viagem Rhodan transmitiu uma mensagem

radiofônica para Terrânia.

Pela meia-noite os dois veículos chegaram ao lago

Tahoe, que ficava num lugar solitário. Uma nave

transportadora da Terceira Potência já os aguardava.

Rhodan entregou os prisioneiros e enviou uma

mensagem escrita a Reginald Bell, para que o resultado

do interrogatório lhe fosse comunicado pelo caminho

mais rápido.

À zero hora e quinze minutos, a pesada máquina

decolou da margem do lago e desapareceu em meio à

noite.

* * *

Na manhã do dia seguinte chegaram as primeiras

informações sobre o interrogatório.

Raleigh não se lembrava de nada. Ignorava tudo a

respeito das grades e dos arados automáticos que

costumava vender. E nada sabia do homem que

pretendera eliminar por meio de quatro guarda-costas.

Passou a fazer de tolos os homens que o

interrogavam, e exigiu sua imediata libertação.

Mas Crest, que conduzia o interrogatório, era de outra

opinião. Sabia que, a partir do dia em que iniciara a

venda das máquinas agrícolas dirigidas por robôs,

Raleigh se encontrara sob uma influência hipnótica

incrivelmente forte e provavelmente ininterrupta, e que

essa influência cessara desde o momento em que se

tornara evidente que Raleigh havia perdido o jogo.

Crest ainda não sabia quem era o homem que

exercera tamanha influência sobre Raleigh. Devia ser um

hipno de potência extraordinária, ou então disporia de

um instrumento mecânico de hipnose.

Crest estava convencido de que mesmo aquilo que

Raleigh fizera em virtude da influência estranha a que

estivera submetido ainda estava arquivado em sua

memória, se bem que em certas áreas do ego que se

tornavam inacessíveis à sua consciência. Portanto,

Raleigh não mentia ao afirmar que nada sabia daquilo de

que era acusado.

O arcônida tinha plena certeza de que conseguiria

revelar também a memória sub ou inconsciente de

Raleigh, com o que obteria informações das mais

valiosas. É bem verdade que seria um trabalho de dias,

talvez de semanas. E isso não servia a Rhodan na fase

inicial do contragolpe.

Rhodan sabia perfeitamente que saíra incólume da

primeira batalha, mas que havia perdido. Juntamente

com Farina revistara na noite seguinte as instalações

fabris da Farming Tools and Machines, mas não

encontrara nada que lhe fornecesse qualquer indicação

sobre a identidade do homem ou do poderio que se

encontrava atrás da empresa.

Pelo contrário, tinha certeza quase absoluta de que

toda essa história das grades e dos arados só foi encenada

para atrair algum elemento importante da Terceira

Potência para Sacramento e capturá-lo. Raleigh era o

homem escolhido para pôr a armadilha a funcionar. Não

havia dúvida de que, quando Rhodan entrou em contato

com ele, usando o nome suposto Wilder, percebera logo

que sua vítima havia chegado.

Por pouco, Rhodan conseguiu se livrar da armadilha.

Mas o desconhecido estava prevenido, e Rhodan não

conseguiu compensar a desvantagem por meio de

qualquer informação que conseguisse obter.

Page 144: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

144

No momento só restava a esperança de que o tenente

Richman conseguisse descobrir alguma coisa em Salt

Lake City.

O fato de que, nos últimos dias, nada de novo

acontecera em Terrânia não o tranquilizava muito.

Certamente não tinha sua origem na maior segurança das

instalações de defesa, mas na circunstância de que o

grande desconhecido devia estar ocupado em outra coisa.

* * *

No dia seguinte ao da grande compra, Elmer Bradley

voltou a aparecer e restituiu o dinheiro que Adams lhe

havia emprestado. Os papéis de Hanson & Sons deram

um salto enorme — a segunda sensação de Wall Street

naqueles dias — e em poucos dias Bradley tivera um

lucro de quinze mil dólares em cima dos trinta mil

emprestados por Adams.

Bradley pagou sua dívida em ações. Também

conservou seus quinze mil dólares em ações. Adams

procurou convencê-lo a ficar também com os trinta mil

dólares que lhe havia emprestado.

— O senhor me ajudou a fazer um negócio

formidável — disse com um sorriso. — Gostaria de

demonstrar-lhe minha gratidão.

Mas não foi possível convencer Bradley. Disse que

preferia aproveitar o dinheiro que acabara de ganhar para

tirar férias e descansar da estafa dos últimos dias.

Despediu-se e nunca mais foi visto ao menos por

Homer G. Adams.

* * *

Durante todo o dia chegavam às notícias enviadas

pelo tenente Richman. Não eram muito animadoras:

— Por enquanto nada de novo. Continuo na pista.

Mas ao menos provava que Richman continuava a

cuidar do assunto.

No quarto dia não chegou qualquer notícia. Rhodan

estava preocupado; já o capitão Farina aumentou sua

dose de otimismo.

— Com Richman — observou — isso significa que

encontrou alguma coisa.

Por isso não se preocuparam mais com ele.

Na noite do mesmo dia leram nos jornais que a

polícia de Salt Lake City havia descoberto um cadáver

nos depósitos situados nas proximidades da estação da

Union Pacific. A notícia estava acompanhada de uma

fotografia e a descrição do cadáver, tão minuciosa que

não havia a menor dúvida: o cadáver era do tenente

Richman.

* * *

Naquela mesma noite, Farina e Rhodan foram a Salt

Lake City. Farina nunca estivera tão calado como

naquelas horas. Percebia-se perfeitamente que se

recriminava por sua leviandade.

Em Salt Lake City comunicaram-se com a polícia. O

capitão Farina se identificou, enquanto Rhodan

continuou a fazer o papel de Mr. Wilder, cujo interesse

no assassínio do tenente Richman não foi revelado à

polícia.

As indicações que receberam foram simplesmente

miseráveis. O cadáver foi encontrado por dois policiais

da ronda. Segundo o parecer do médico-legista, Richman

morrera cerca de três horas antes da descoberta do

cadáver. Não havia qualquer pista. Havia uma certa

probabilidade de ter sido morto no lugar em que foi

encontrado seu cadáver, não tendo sido arrastado para lá

depois de ter sido assassinado.

O proprietário do depósito era um homem de conduta

irrepreensível, que conseguiu provar dentro de poucos

minutos que não era o assassino e nada tinha que ver

com o fato.

Farina e Rhodan passaram a noite num hotel. Ao raiar

do dia, quando surgiram os primeiros jornais, havia uma

nova sensação para o mundo. Era uma sensação que

pouco interessava a Farina, mas em compensação era de

bastante interesse para Rhodan, que imediatamente

interrompeu sua permanência em Salt Lake City e voltou

para Nova Iorque.

Um único acontecimento enchia os jornais:

De um dia para outro a General Cosmic perdia um

bilhão e meio.

3

Na verdade o prejuízo era muito maior.

Na verdade, a General Cosmic era um truste formado

de grande número de empresas aparentemente

autônomas. A entidade conhecida como a General

Cosmic Company era apenas o centro administrativo de

centenas de empreendimentos.

Esses fatos não deixaram de chegar ao conhecimento

dos homens da Bolsa. Embora Adams tivesse agido com

a maior cautela ao realizar a congregação, do total das

cento e noventa e três empresas, sabia-se que vinte

pertenciam à General Cosmic. Quem conhecesse a

curiosidade do pessoal da Bolsa não deixaria de

reconhecer que se tratava de um “índice de segredo”

altamente favorável.

Quando o fato de que a General Cosmic acabara de

ser lograda em um bilhão e meio de dólares naquela

história da mina de ouro do Peru chegou ao

conhecimento do público, as cotações das vinte empresas

filiadas conhecidas desceram ao infinito.

Nervosos em virtude desses acontecimentos, também

os acionistas das empresas cuja filiação à General

Cosmic ainda não era conhecida procuraram se livrar

quanto antes dos papéis que detinham, tornando ainda

mais violenta a baixa dos valores da G.C.C. Felizmente a

própria G.C.C. detinha ao menos noventa por cento das

ações de cada empresa. Dessa forma o efeito foi

doloroso, mas não perigoso.

Por fim a baixa foi detida porque na tarde daquele dia

alguns especuladores muito espertos passaram a adquirir

quantidades enormes de ações do grupo G.C.C.

Acreditavam que tudo não passasse de um truque

bolsístico bem sucedido, e viam naquilo uma chance de

enriquecer.

Conforme haveria de se verificar depois, seus

cálculos foram corretos, não porque tudo aquilo não

passasse de um truque, mas porque a G.C.C. fora

montada numa base suficientemente robusta para

suportar o prejuízo.

Rhodan chegou a Nova Iorque pelas doze horas do

dia da catástrofe. Saiu do aeroporto diretamente à

Page 145: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

145

procura de Homer G. Adams. Viu diante de si um

homem que havia perdido toda a autoconfiança e não

estava muito distante de um colapso nervoso total.

Rhodan perdeu uma hora preciosa para incutir nova

coragem a Homer G. Adams. Seu argumento principal

foi este:

— A General Cosmic dispõe de um capital de mais

de duzentos bilhões de dólares. O negócio da mina de

ouro e a baixa dos nossos papéis ocasionaram um

prejuízo total de quatro bilhões. Isso representa menos de

dois por cento! Não adianta desanimar por tão pouco.

Temos coisa mais importante a fazer.

Só depois de algum tempo, Homer G. Adams

mostrou-se interessado em saber que coisa mais

importante seria essa. Rhodan pediu informações sobre a

causa dessa especulação fracassada.

— Não faço esta pergunta porque desconfie de você

— apressou-se em acrescentar — mas porque

ultimamente certas forças vêm agindo com o objetivo

evidente de arruinar a Terceira Potência. Espero que

você me ajude a encontrar uma pista. Procure

compreender, Adams!

Homer G. Adams forneceu um relato minucioso.

Estava acostumado a andar constantemente com um

micro gravador. Todas as palestras mantidas com

Bradley ou com qualquer outra pessoa estavam

registradas. Rhodan mostrou-se mais interessado nesses

registros que no relato direto de Adams.

Foi fácil localizar a pista, mesmo para quem não

dispusesse de conhecimentos psicanalíticos. Rhodan

escutou toda a fita, e reproduziu diante de Adams a

primeira conversa, que tiveram na lanchonete da esquina

da Wall Street.

Adams ouviu atentamente.

— Está percebendo alguma coisa? — perguntou

Rhodan depois de algum tempo.

Adams refletiu. Depois sacudiu a cabeça.

— Não, nada.

— Você costuma emprestar dinheiro sem mais nem

menos? — prosseguiu Rhodan.

Adams protestou.

— Não, nunca. Por vários motivos.

Rhodan dispensou a exposição dos motivos.

— Por que emprestou trinta mil dólares a Bradley?

Adams deu de ombros.

— Meu Deus, eu o achei muito simpático. Eu mesmo

andei quebrando a cabeça sobre o motivo por que gostei

tanto dele. Gostei, e pronto.

Rhodan acenou com a cabeça e apontou para o

pequeno gravador.

— Não notou que Bradley nem quis saber o motivo

por que você se dispôs a emprestar-lhe o dinheiro?

— Não — confessou Adams surpreso.

— Não sei o que dirão os psicólogos — observou

Rhodan. — Mas, em minha opinião, seria de esperar que

um jovem que recebe uma oferta de empréstimo de um

homem que nunca viu indagasse sobre os motivos dessa

oferta.

Adams concordou com essa opinião. Começou a se

admirar de não ter lembrado-se disso antes.

— Só há uma explicação razoável para o fato de

Bradley não ter feito essa pergunta — prosseguiu

Rhodan. — Sabia perfeitamente que você o achava tão

simpático. Desde o início tinha certeza de que lhe

emprestaria o dinheiro e cumpriria qualquer desejo dele.

Adams parecia cair das nuvens.

— Como é que ele poderia saber?

Rhodan se inclinou em direção a Adams.

— Em minha opinião, Bradley é um telepata muito

potente. Além disso, deve ter a capacidade de emitir

comandos hipnóticos com elevado grau de eficiência

pós-hipnótica.

As suposições de Rhodan foram confirmadas em toda

linha.

Verificou-se que o indivíduo do Peru, com o qual

Adams teria mantido a palestra telefônica, não existia.

Ainda mais: foi averiguado que nos últimos três meses

nenhuma ligação para o Peru havia sido feita dos

aparelhos da General Cosmic.

O telefonema só existira na imaginação de Homer G.

Adams, e essa imaginação resultava de uma falsa

representação sugerida por Bradley.

O prospecto que havia enganado Adams não passava

de um impresso no qual se reconhecia, à primeira vista,

uma contrafação primária, e que não teria induzido esse

tipo de reação nem mesmo num principiante.

A prova final resultou de um exame psicológico.

Verificou-se que, ainda agora, quarenta e oito horas

depois do último contato com Elmer Bradley, a atividade

cerebral de Homer G. Adams se desenvolvia com uma

lentidão anormal, o que constituía o indício mais seguro

de uma influência hipnótico-sugestiva precedente.

Não havia a menor dúvida: Adams fora atingido por

um truque do misterioso desconhecido, que também era

responsável pelos acidentes e roubos ocorridos na cidade

de Terrânia e pela venda das máquinas agrícolas

robotizadas de Mr. Raleigh.

* * *

Naquele instante, esse homem nem de longe estava

tão satisfeito como seria de esperar.

Sem dúvida pudera registrar uma série de êxitos.

Mas, ao comparar esses êxitos com aquilo que esperava

alcançar através da ação empreendida, verificou que os

mesmos não correspondiam sequer a cinquenta por cento

dos seus planos.

A partir do seu quartel-general, que ficava a trinta

metros abaixo do solo e, juntamente com a casa que se

erguia acima dele, representava uma fortaleza

inexpugnável em meio a uma área civilizada, manteve

uma palestra de TV com o jovem que se apresentara a

Homer G. Adams com o nome de Elmer Bradley.

Quando o rosto do jovem surgiu na tela, não parecia

irradiar uma dose maior de otimismo do que na

oportunidade em que pela primeira vez se encontrara

com Adams.

— Que besteira foi essa? — gritou Monterny. — O

senhor recebeu instruções para causar um prejuízo de

pelo menos dez bilhões de dólares à General Cosmic. E o

que conseguiu? Por um cálculo otimista, cerca de quatro

bilhões. O que é isso?

Elmer Bradley residia numa casa pequena e modesta,

situada numa cidade também pequena e modesta do

norte da Califórnia. As comunicações com Monterny, o

Supercrânio, desenvolviam-se através de canais que

estavam imunes a qualquer tipo de vigilância.

O próprio Monterny nunca surgia na tela. O tubo de

imagem do aparelho de Bradley, quando este se achava

Page 146: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

146

ligado, produzia apenas um confuso tremeluzir branco

em fundo negro.

— Não tenho certeza — disse Bradley em tom

desanimado. — Os dados que o senhor me forneceu

eram tão transparentes que, de início, nem acreditei que

pudesse ser bem sucedido. Não era possível que um

homem como Adams caísse naquilo.

— Como vê — respondeu Monterny em tom áspero

— ele caiu.

Bradley respondeu com um aceno de cabeça; parecia

cansado.

— É verdade. De qualquer maneira fiquei satisfeito

em poder dar o fora.

Subitamente a voz saída do receptor tornou-se gelada.

— O senhor me estragou um golpe, Bradley! Um

golpe que por pouco não me faz atingir o objetivo fixado

nos meus planos. O senhor teve tempo de sobra para

preparar o grande golpe contra a General Cosmic. A

quantia de dez bilhões de dólares representava o limite

inferior. Para um homem dotado das suas faculdades

teria sido fácil atingir o dobro, o triplo e até mais. Se

uma empresa do porte da G.C.C. perde mais de dez por

cento de seu capital, isso geralmente significa o fim.

Tudo isso estava ao seu alcance, Bradley! E o senhor

deixou escapar a oportunidade. Por puro medo o senhor

agiu precipitadamente. E com isso só conseguiu que nas

minhas próximas investidas contra a General Cosmic

terei de agir com uma cautela toda especial, se é que

ainda me posso dar ao luxo de atacá-la. O senhor terá

que se submeter a um novo treinamento, Bradley.

Bradley estremeceu.

Assim que Monterny descobrira nele um telepata de

primeira ordem, Bradley teve de se submeter a um

treinamento. Estava firmemente convencido de que nem

no inferno havia coisa pior. O único objetivo desse

treinamento consistiu em ativar a faculdade

parapsicológica de Bradley até o limite de sua

capacidade, e em familiarizá-lo com os objetivos do

Supercrânio; e também com a idéia de que não haveria

qualquer objeção contra os mesmos.

Bradley que, fora de seus dons extraordinários, era

um homem absolutamente normal, inclusive no que dizia

respeito às suas ideias, procurara por duas vezes se

subtrair à influência de seu senhor.

Por duas vezes sentira o poder brutal do Supercrânio.

Por duas vezes sentira a martelada espiritual que, de uma

hora para outra, apagava sua vontade para que

prevalecessem exclusivamente as ordens do Supercrânio.

E essas ordens teriam de ser cumpridas imediatamente.

Bradley poderia imaginar perfeitamente que o

segundo treinamento não seria mais agradável que o

primeiro. Mas não formulou qualquer objeção.

— Amanhã passará alguém por aí para levá-lo —

disse o Supercrânio. — Vá com essa pessoa e o senhor se

transformará num outro homem.

Monterny deu por terminada a palestra. A confusão

de linhas ofuscantes na tela do aparelho de Bradley se

apagou.

De seu quartel-general, Monterny transmitiu

instruções para que dali por diante as atividades de seu

grupo fossem transferidas para a filial japonesa.

Esperava alcançar mais com as ações planejadas se

elas partissem de um ponto mais próximo à base inimiga.

* * *

Nesse meio tempo, em Terrânia, as pesquisas

psicológicas dos presos, realizadas por Crest, o arcônida,

haviam atingido um estágio em que se esperava obter as

primeiras informações importantes.

Raleigh passara os últimos dias num estado de transe.

Não ofereceu a menor resistência quando Crest se

esforçou para penetrar em seu inconsciente.

Crest sabia que as informações que Rayleigh pudesse

fornecer se revestiriam da maior importância para

Rhodan. Pediu a Thora que lhe prestasse auxílio na

pesquisa decisiva.

Nos últimos dias, Thora, a arcônida, não tivera outra

coisa a fazer senão se recuperar do choque que lhe

rendera a aventura de Vênus.

Thora e Crest pertenciam à tripulação de um cruzador

espacial de exploração, que saíra do planeta de Árcon,

situado a mais de trinta mil anos-luz, com a incumbência

de realizar pesquisas neste setor da Via Láctea. A nave,

comandada por Thora, ficou presa na Lua, onde Perry

Rhodan a descobriu durante sua primeira viagem

espacial. Na época, Crest precisava de auxílio dos

humanos. Estava doente, e nenhuma das pessoas que se

encontravam a bordo da nave estava em condições de

curá-lo. Rhodan providenciou o auxílio de que precisava

e reconheceu as possibilidades imensas que lhe oferecia

o cruzador arcônida, produto de uma tecnologia com um

avanço de milênios sobre a da Terra.

Crest apoiou-o, primeiro por gratidão, depois em

virtude de uma compreensão íntima. Thora se opôs; só

estava interessada em retornar quanto antes ao seu

mundo natal.

Mas o caminho de volta lhe foi barrado pelas

potências terrenas, informadas sobre o pouso de uma

raça estranha sobre a Lua. Foguetes terrenos destruíram o

cruzador avariado. Além de Crest, que na época se

encontrava na Terra, só restou Thora e uma pequena

nave auxiliar esférica com sessenta metros de diâmetro.

Essa nave e os equipamentos que trazia a bordo

conferiram a Rhodan uma supremacia técnica absoluta

para o Estado recém-criado, a Terceira Potência. Rhodan

impediu uma guerra que teria trazido o fim de toda e

qualquer civilização terrestre, e acabou sendo

reconhecido pelas grandes potências. Repeliu os ataques

desfechados por inteligências extraterrenas, atraídas pelo

sinal de emergência irradiado pelo cruzador arcônida, e

alcançou uma decisão favorável aos agredidos numa

guerra travada no sistema Vega, situado a vinte e sete

anos-luz. Apresou, das mãos de uma raça que por sua

vez a havia tirado de alguém, uma supernave arcônida,

que foi transformada no núcleo de seu poderio. Numa

viagem erradia de vários anos encontrou o mundo da

vida eterna, um planeta artificial habitado por uma raça

que levava uma vida espiritual coletiva e que percorria

uma estranha órbita não-matemática em torno de uma

série de estrelas fixas. Rhodan experimentou em seu

próprio corpo o fenômeno inacreditável da renovação

celular e alcançou a imortalidade, cabendo-lhe, todavia,

visitar a cada sessenta e dois anos aquele mundo

artificial, que chamara de Peregrino, para submeter-se a

novo tratamento pelo fisiotron. Também Reginald Bell

foi transformado num imortal.

Mas a inteligência coletiva espiritualizada negou o

tratamento aos arcônidas. Seu tempo já havia passado; a

vida eterna só seria concedida a raças jovens e

Page 147: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

147

ambiciosas.

Logo depois, Rhodan retornou à Terra. A situação da

Terra, que se apresentava tão estável quando de sua

partida, começara a balançar. O Bloco Oriental revoltara-

se. Em Vênus instalara-se uma divisão espacial inimiga,

cuja tarefa consistia em conquistar a base da Terceira

Potência juntamente com o poderoso cérebro positrônico.

Rhodan atacou imediatamente. Dispersou a divisão

para os quatro cantos, deixando vivo um número

suficiente de pessoas, para que as mesmas, depois de

terem aprendido a viver no mundo venusiano, acabassem

formando uma colônia desligada de toda ambição

política. Depois disso regressou à Terra e removeu um

obstáculo à união final da Terra, que havia sido colocado

pelo Bloco Oriental.

Durante todo esse tempo, Thora tivera de se consolar

com a promessa de que Rhodan permitiria seu regresso a

Árcon assim que a situação na Terra apresentasse um

grau suficiente de segurança.

Thora esperara por vários anos da escala de tempo

terrestre; depois resolveu agir por conta própria.

Apoderou-se de um dos destróieres recém-construídos e

foi a Vênus. Pretendia acionar a hiperestação situada

naquele planeta para enviar um pedido de socorro a

Árcon. Mas não sabia que o emissor de sinais

codificados, sem o qual não se podia ingressar na área da

base, ainda não havia sido instalado naquela nave. O

destróier foi derrubado e Thora tornou-se prisioneira dos

homens que ainda restavam da divisão espacial do Bloco

Oriental.

Rhodan, que imediatamente saiu no encalço de

Thora, não teve outro destino. Utilizou um destróier do

mesmo tipo e também foi repelido e derrubado pelas

instalações positrônicas da base.

Sem quaisquer recursos, já que o cérebro positrônico,

alarmado por aquelas ocorrências surpreendente,

bloqueara todo o planeta, não permitindo que ninguém

de fora o atingisse, Rhodan pôs-se a lutar pela libertação

de Thora. Saiu vitorioso; mas por várias vezes teve de

encarar a morte pela frente.

Levou Thora, uma Thora tímida e abatida, de volta

para a Terra e obteve dela a promessa de que esperaria

até que pudessem ir juntos a Árcon.

De certa forma Thora sentiu-se satisfeita porque

Crest pedia seu auxílio. Sem que se desse conta disso,

estava ansiosa por uma oportunidade de demonstrar a

Perry Rhodan que não servia apenas para fazer bobagens

e criar confusão. Quem sabe se essa possibilidade não

surgiria durante o exame psicológico do prisioneiro.

Crest já a esperava. A sala em que Rayleigh estava

deitado era ampla, mas naquele momento estava tão

atulhada de instrumentos de todos os tipos que não se

podia vê-la de lado a lado.

— O que pretende fazer? — perguntou Thora.

— A rastreação — respondeu Crest laconicamente.

Thora aspirou fortemente no ar.

— Não existe mais nenhuma outra possibilidade?

Crest sacudiu a cabeça.

— Nenhuma. Se é que ainda existe uma memória,

esta se localiza em camadas tão profundas que só

podemos alcançá-la pelo rastreamento.

Thora fez um gesto com a cabeça; parecia pensativa.

— Tomara que resista.

Crest aproximou o complicado aparelho de

rastreamento, preso a um carrinho, colocando-o junto ao

leito em que se encontrava o prisioneiro.

— Quer segurar os eletrodos? — perguntou Crest. —

Eu observarei o indicador.

Sem dizer uma palavra, Thora pegou as duas peças

em forma de espula, ligadas por um cabo ao aparelho

propriamente dito, e prendeu-as a um suporte, fixado

acima do crânio de Raleigh, de tal forma que as

extremidades apontavam diretamente para a cabeça.

— Pronto? — perguntou Crest.

Thora verificou a posição das duas espulas.

— Pronto!

— Aí vem a corrente.

O pequeno aparelho emitiu um leve zumbido. Thora

observou as espulas. Mantinham-se imóveis.

— Potência máxima! — disse Crest. Na tela surgiram

linhas de luzes verdes, das quais ainda não se podia

concluir nada. Crest se certificou de que o registro de

imagem estava funcionando. Com base nas imagens

gravadas, o cérebro positrônico estaria em condições de

decifrar a memória de Raleigh.

As linhas que se entrelaçavam na tela estavam nítidas

e bem estendidas, o que provava que os impulsos

irradiados à potência máxima eram refletidos da maneira

usual. Raleigh possuía um cérebro normal.

— Inverta a posição das duas espulas! — ordenou

Crest depois de algum tempo.

Thora trocou as espulas. Um novo período de

irradiação forneceria quadros que representariam o

complemento dos anteriores.

O exame não durou mais de quinze minutos.

— Pronto! — disse Crest.

Uma chave foi desligada com um estalo. O zumbido

cessou. Não se notava qualquer alteração no rosto de

Raleigh. Sua respiração era tranqüila.

— Parece que resistiu — observou Thora.

Mas Crest já estava ocupado em outra coisa.

— Quer ajudar também na interpretação? —

perguntou.

Thora sorriu.

— Será que está doente Crest? Meu diagnóstico é o

seguinte: um acesso de ativismo terrano. Acaba de fazer

numa hora o trabalho que em Árcon não teria realizado

num dia.

Crest retribuiu o sorriso.

— A atividade é uma coisa contagiante — respondeu.

— Será que preferia ficar deitada embaixo de um

observador fictício, contemplando os modelos de ondas?

Thora riu.

— Não. Prefiro ajudá-lo.

* * *

A General Cosmic recuperou-se. As cotações foram

subindo, e os especuladores arrojados começaram a

exultar.

Mas, a alguns milhares de quilômetros a oeste, um

homem esforçava-se em segredo para preparar

cuidadosamente o golpe mortal contra a Terceira

Potência, e com isso também contra a General Cosmic.

Clifford Monterny, apelidado de Supercrânio, reuniu

seus mutantes no quartel-general do Japão e informou-os

sobre o que pretendia fazer.

— Desta vez não haverá qualquer falha — explicou.

— Uma vez terminada nossa missão, Perry Rhodan e a

Page 148: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

148

Terceira Potência terão deixado de existir.

* * *

Rhodan gastou seu tempo examinando o caso de

Homer G. Adams. Aceitou de bom grado o auxílio da

Federação de Defesa da Terra, comandada por Allan. D.

Mercant, e por intermédio dos agentes deste soube que a

impressora que havia produzido o prospecto fictício da

Bolsa ficava no Japão.

Rhodan pediu que lhe indicassem o local exato — era

num subúrbio da cidade de Osaka — e examinou o caso.

A impressora pertencia a um particular, e o proprietário

não negou que, quinze dias antes, aparecera alguém e lhe

pedira que imprimisse o prospecto.

A pista terminou ali mesmo.

Rhodan regressou a Terrânia. Esperava que nesse

meio tempo Crest tivesse conseguido alguma informação

de Raleigh.

* * *

O setor de interpretação foi devorando a massa de

recordações armazenadas no cérebro de Raleigh, que

nada tinham que ver com o caso de Sacramento.

Eram quadros da infância, da escola, do serviço

militar, estudos na Escola Técnica da Califórnia.

O setor A rejeitou aquele material e depois de algum

tempo chegou ao essencial.

Crest soltou um grito de surpresa, quando viu o

primeiro quadro da série de informações. Era um homem

de contornos desmanchados e rosto irreconhecível, que

aparecera no escritório de Raleigh como que vindo do

nada e lhe metera um tremendo susto.

Thora arregalou os olhos para a sequencia de quadros

que Crest repetia ininterruptamente.

— Não é possível! — gemeu.

Crest acenou com a cabeça, ainda um pouco

perplexo.

— É isso mesmo. A partir desse momento Raleigh

ficou submetido a uma influência hipnótica. Ao que tudo

indica a pressão psicológica podia ser reduzida ou

intensificada por setores. Raleigh ainda se lembra, por

exemplo, da ocorrência propriamente dita, mas o

desconhecido fez com que o quadro desse homem lhe

saísse da memória. Olhe só: nenhuma figura definida,

nenhum rosto, nada!

Thora fitou Crest de lado.

— Até parece — conjeturou — que em sua opinião

esse homem desfigurado e o desconhecido que dirige

toda a ação não são uma e a mesma pessoa, não é?

Crest fez que sim.

— É isso mesmo. Tenho certeza de que uma pessoa

que deve ter tamanho cuidado em nunca ser reconhecida

e identificada jamais participa pessoalmente das ações

que planeja. Envia seus mensageiros, e até estes são

mascarados de tal forma que o parceiro involuntário não

se lembrará dos mesmos. Nem mesmo o rastreador

consegue trazer o quadro à luz do dia.

Fizeram outros quadros desfilarem diante de suas

vistas: os primeiros fornecimentos vindos por estrada de

ferro, o início da propaganda nos jornais e na televisão,

as primeiras consultas, as primeiras vendas.

De permeio sempre surgiam os quadros

desmanchados de homens não identificáveis, a

contratação da guarda pessoal de quatro pessoas.

Finalmente o telefonema de Rhodan. A representação

mental do que Raleigh pretendia fazer com Rhodan. A

visita deste, a entrada em cena da guarda pessoal, a

intervenção de Farina.

Finalmente, o blackout total. Nada além de algumas

recordações desfiguradas de cenas transcorridas em

Terrânia. E a escuridão total, correspondente ao tempo

durante o qual Raleigh se encontrava em transe.

Com um suspiro, Crest desligou o projetor de

imagens e fitou a mesa polida que tinha diante de si.

— Pois bem — disse Thora. — Será que aprendemos

alguma coisa?

Crest não se apressou em responder.

— Aprendemos — disse em tom pensativo — que

inimigo desconhecido, dificilmente liberta suas vítimas

da influência hipnótica. A qualquer momento estão

sujeitas à sua vigilância, às vezes mais intensa, às vezes

menos intensa, exercida por via telepática.

— Isso nos adianta alguma coisa?

Crest estreitou os olhos.

— Certos cérebros sentem a influência telepática,

mesmo que não sejam os que se acham submetidos à

influência de outrem. A influência hipnótica também é

um fenômeno de emissão e recepção que se processa

pelo espaço de cinco dimensões. Verifica-se o

surgimento de campos de dispersão, muito embora um

bom telepata geralmente atue de forma semelhante a um

emissor de raios direcionais bem congregados. Mas um

bom telepata devia estar em condições de notar o

fenômeno da influência hipnótica, desde que o auxiliar

do desconhecido a capte a uma distância não muito

grande.

Eram estes os resultados do exame psicológico, sobre

os quais Perry Rhodan foi informado logo após sua

chegada. Raleigh e seus homens foram dispensados. Já

não representavam qualquer perigo para quem quer que

fosse.

Quase no mesmo instante Rhodan recebeu um

chamado de Salt Lake City, transmitido pelo emissor de

raios direcionais do tipo convencional. O capitão Farina

informou em palavras lacônicas que ainda não

conseguira realizar qualquer progresso nas suas

pesquisas em busca do assassino do tenente Richman.

Rhodan recomendou que suspendesse as pesquisas.

— Encontramos a pista desse patife em outro lugar

— avisou Rhodan, e Farina mostrou-se agradecido.

Uma vez de posse das informações que em parte

foram coletadas pelo próprio Rhodan, em parte obtidas

de Crest, pela primeira vez um mutante foi informado

sobre a série de incidentes graves. Foi John Marshall, o

telepata.

— Quero que me compreenda bem — concluiu a

exposição. — No início não sabíamos se o desconhecido

não havia obrigado algum dos nossos mutantes a se

submeter às suas ordens. Só agora sabemos que não é

assim. O inimigo dispõe de uma equipe própria.

Enquanto não o sabíamos, não poderíamos assumir o

risco de informar o Exército de Mutantes. Nós, que

estamos de posse das informações, não somos acessíveis

a qualquer tipo de leitura de pensamento, isso em virtude

de nossa constituição mental específica. Se um dos

membros do Exército de Mutantes tivesse sido incluído

no círculo dos confidentes, seus pensamentos não

demorariam a se tornar conhecidos dos seus colegas

Page 149: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

149

telepatas, o que significa que nossos planos ficariam ao

alcance do inimigo. Não quero que se sinta diminuído

por isso.

John Marshall, um australiano, olhou Rhodan por

cima da mesa. Sorriu.

— Tenho certeza de que os outros mutantes ficarão

tão satisfeitos como eu por saberem que acabou

recorrendo a nós — respondeu.

Rhodan estreitou os olhos e inclinou a cabeça.

— Minha capacidade parapsicológica é muito fraca;

não consigo ler seus pensamentos — disse um pouco

desconfiado. — Bem que poderia dizer o que realmente

pensa.

O sorriso de Marshall tornou-se mais intenso.

— Pois bem, eu lhe digo. Ninguém se sentirá

lisonjeado ao saber que no início desconfiava do

Exército de Mutantes. Mas se lhe explicarmos os

motivos, acontecerá exatamente o que acabo de dizer:

nós sentiremos satisfeitos por podermos cooperar na

solução do problema.

Rhodan fez que sim. Depois expôs seu plano a John

Marshall.

— Para vocês será mais fácil que para os dois

teleportadores — concluiu. — São quatro, e poderão se

revezar: você, Ishi Matsu, Betty e talvez Nomo Uatushin.

Tako só poderá revezar com Ras Tshubai. Encareça bem

o seguinte: a qualquer momento deverão estar de

prontidão um telepata e um teleportador. O primeiro terá

que localizar qualquer intruso, e o outro deverá agarrá-lo

quanto antes. Não devemos nos esquecer de que as

pessoas que penetram furtivamente em nosso território

também são teleportadores. Tako e Ras devem andar

bem armados. Diga-lhes que um projetor mental será

completamente inútil.

* * *

O que mais os preocupava era o fato de que o próprio

John Marshall não tinha a menor ideia de como o intruso

faria notar sua presença. Era a primeira vez que se

defrontava com uma tarefa como esta.

Marshall passou a ocupar um pequeno apartamento

na periferia da cidade. Ficava no vigésimo primeiro

pavimento de um edifício residencial e servia de posto de

vigia aos quatro telepatas.

Dividiram o dia em quatro períodos de seis horas,

durante os quais cada um ficaria de plantão. Cada um dos

dois teleportadores ficaria de prontidão por doze horas. O

telepata e o teleportador passavam o tempo jogando

baralho ou discutindo. Assim mesmo sentiam muito

tédio enquanto não acontecia nada.

Quem mais se empenhou em sua tarefa foi Betty

Toufry. Betty era a telepata mais potente da Terceira

Potência, e, além disso, possuía em elevado grau o dom

da telecinésia. Acompanhara a longa viagem e a

permanência no planeta Peregrino.

Naquele dia John Marshall veio substituí-la às seis da

tarde. O rosto de Betty exprimia a tristeza e o desânimo.

— Ainda não houve nada, Marshall — disse.

Marshall sorriu.

— Não tenha medo, Betty. Um dia destes vai

acontecer alguma coisa.

Betty confirmou com um aceno de cabeça.

— Vai prestar muita atenção? — perguntou em tom

insistente.

— Muita! — prometeu Marshall.

Tako Kakuta estava deitado num sofá que havia na

sala do pequeno apartamento e lia uma revista. Marshall

não via seu rosto, mas ouviu que o japonês bocejava.

— Boa tarde! Senhor teleportador em serviço —

cumprimentou Marshall.

Kakuta largou a revista.

— Boa tarde. Quais são as novidades?

Marshall fez um gesto de desânimo.

— Nenhuma novidade. O que vamos fazer? Jogar

uma partida de pôquer ou de xadrez, conversar, ler?

O japonês refletiu.

— Vamos jogar xadrez — disse depois de algum

tempo — se não tiver nenhuma objeção.

Marshall sacudiu a cabeça.

— É indiferente de que forma mato o tempo.

Kakuta levantou-se e arrastou a mesa para junto de si.

Marshall pôs cuidadosamente no chão a pasta com livros

que ele trouxera consigo e abriu o pequeno armário em

que estavam guardados o tabuleiro e as pedras de xadrez.

A coisa aconteceu quando a caixa com as pedras foi

tirada das profundezas do armário e, ao se erguer,

Marshall bateu com a parte traseira do crânio na quina do

armário.

Alguma coisa estranha e meiga parecia agarrar seu

cérebro. No início parecia hesitar, mas depois se tornou

mais forte e assumiu a forma de instruções concretas —

instruções dirigidas a um desconhecido que naquele

instante penetrava no território da Terceira Potência.

Marshall deixou cair a caixa com as pedras. O

barulho fez com que o teleportador se pusesse de pé.

— Chegou — fungou Marshall. — No edifício da

administração, entre o vigésimo e o trigésimo andar.

Tem instruções de prender Crest e levá-lo consigo.

Vamos logo! Dê o fora!

Por uma fração de segundo, Tako se manteve imóvel,

com o rosto inexpressivo, como se não tivesse entendido

o que Marshall acabava de dizer. Depois o ar começou a

tremeluzir, e de um instante para outro o japonês

desapareceu.

Marshall pôs-se em movimento. Com um simples

movimento de mão estabeleceu a ligação de

telecomunicação com o edifício da administração. O

major Nyssen, que naquele instante substituía Bell,

recebeu o aviso de alarma e providenciou para que o

respectivo setor do edifício fosse evacuado

imediatamente. Era de esperar que o teleportador inimigo

não perceberia a operação, pois levaria algum tempo para

se orientar. Para ser bem sucedido Tako Kakuta

precisaria ter o campo livre.

Rhodan foi avisado de que pretendiam raptar Crest. A

informação deixou-o bastante preocupado. Crest era a

coisa mais preciosa que a Terceira Potência poderia

perder. E o desconhecido parecia ter bastante certeza de

que conseguiria atingir esse objetivo. Era necessário

descobrir por que se sentia tão seguro.

Por ordem de Nyssen, John Marshall deixou seu

posto e instalou-se no interior da área protegida pelo

campo energético, diante do edifício da administração.

Dali mantinha contato permanente pelo micro

telecomunicador com Nyssen e com o quartel-general, e

poderia dar aviso imediato ao major quando surgisse

alguma novidade.

Page 150: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

150

As sensações que Marshall experimentava pouco se

modificaram quando ele se aproximou do edifício da

administração. Teve a impressão de que as mesmas não

dependiam muito da distância. Não saberia descrever a

sensação que tomava conta de seu espírito. Era um tipo

de dor de cabeça, uma pressão constante que, todavia, ao

contrário de uma dor de cabeça comum, vinha

acompanhado de uma informação sobre sua origem. A

pressão estava ligada a uma série de impulsos

perfeitamente distinguíveis. Eram as instruções

destinadas ao teleportador desconhecido.

Marshall assumiu seu posto bem na entrada do

gigantesco edifício. Transmitiu a seguinte informação ao

major Nyssen:

— Acabo de ocupar nova posição, major. Por

enquanto não há nenhum acontecimento extraordinário.

O homem move-se muito devagar: não está executando

nenhum salto de teleportação.

* * *

O salto de Tako Kakuta terminou conforme fora

planejado, no corredor principal do vigésimo pavimento.

O corredor, profusamente iluminado, estava vazio. Tako

usava sapatos leves e macios. Andou pelo corredor sem

provocar o menor ruído. Em redor dele tudo era silêncio.

Tako não se deu ao trabalho de revistar as salas

situadas à direita e à esquerda do corredor. Marshall o

informara de que a tarefa do desconhecido consistia em

prender e levar Crest. Não permaneceria numa sala em

que evidentemente Crest não se encontrava.

Tako pegou o elevador antigravitacional e subiu ao

vigésimo primeiro pavimento. Também aqui se limitou a

percorrer o corredor principal e a andar em volta de todo

pavimento pelos corredores periféricos.

Nada, nenhum ruído, nenhuma sensação de perigo.

No vigésimo segundo e no vigésimo terceiro

pavimentos o resultado foi o mesmo. Marshall indicara o

setor situado entre o vigésimo e o trigésimo pavimentos

como sendo a área de operações. Tako não sabia qual era

o grau de precisão das indicações de Marshall. Talvez

tivesse de subir até o quadragésimo pavimento para

encontrar o inimigo.

Vigésimo quarto pavimento.

Vigésimo quinto pavimento.

Vigésimo sexto pavimento.

Nenhuma mensagem do quartel-general. Tudo

indicava que o desconhecido ainda se movia sobre suas

próprias pernas.

Vigésimo sétimo...

Era lá!

Pela primeira vez em toda vida, Tako sentiu a

estranha tração; apesar disso sabia que tinha o inimigo

bem diante de si. Agachou-se num dos nichos.

Enquanto esperava, procurou analisar a sensação que

lhe ocupava o cérebro. O que seria? Tako sabia que não

possuía qualquer dom telepático. Não era possível que a

dor suave e persistente fosse produzida pelo intruso

desconhecido. Mas este mesmo estava submetido a forte

influência hipnótica. Teria sido essa influência que

preveniu o japonês?

Tako ouviu um ruído. Comprimiu-se ainda mais

profundamente no nicho e avançou a cabeça apenas o

suficiente para enxergar o corredor.

Ali estava ele!

Tako viu-o de lado. Era um jovem. Da raça branca,

constatou Tako. Examinava as inscrições junto às portas

e parecia um tanto indeciso quanto ao caminho que devia

tomar.

Não podia ver Tako. Este saiu do esconderijo a

passos macios e silenciosos e apontou o radiador de

impulsos térmicos antes de falar:

— Fique onde está! E ponha as mãos para o alto!

Tako viu que o susto sacudiu o corpo do

desconhecido. Seus dedos abriram-se quando começou

lentamente a erguer os braços. Tako aproximou-se

lentamente. Quando se encontrava a cerca de cinco

metros, sentiu o impacto tremendo da onda mental de

choque que o cérebro do desconhecido irradiou quando

se preparava para o salto que lhe traria a salvação.

Tako contara com essa possibilidade. Aquele

desconhecido seria o primeiro teleportador que não

conseguiria se subtrair à ameaça de uma arma por meio

de um hipersalto.

Era o ramo de Tako! A fração de um segundo bastou-

lhe para absorver o modelo de ondas cerebrais, irradiadas

pelo desconhecido e, com isso, a energia que o mesmo

ativava para realizar seu salto. As formas de energia,

desenvolvidas no espaço de cinco dimensões, necessárias

à teleportação representam valores vetoriais; além de

uma intensidade, caracterizam-se por uma direção. Ao

absorver o modelo e regular sua mente para o mesmo,

Tako não saberia responder apenas à pergunta “a que

distância?”, e também à indagação “para onde?”

Saltou no mesmo instante em que o desconhecido o

fez, sempre com o radiador térmico engatilhado na mão.

A dor cruciante da teleportação absorveu-o e, por um

milésimo de segundo, fez com que toda luz se apagasse

em torno dele.

* * *

— Saltou! — gritou Marshall muito exaltado. — O

desconhecido foi embora! Desapareceu.

A reação de Nyssen foi imediata. Dois segundos

depois que Marshall acabou de proferir essas palavras,

estabeleceu contato com Tako Kakuta.

— Kakuta, está ouvindo? — gritou Nyssen. O sujeito

desapareceu. Pode voltar. Suspendemos o alarma.

Nenhuma resposta.

— Kakuta! Está ouvindo? Nenhuma resposta.

Nyssen manteve uma ligeira palestra com Rhodan.

Ficou sabendo que um teleportador tem a possibilidade

de, através da absorção do modelo das ondas de choque,

conhecer o objetivo de outro teleportador que salta nas

suas proximidades. Rhodan não tinha a menor dúvida de

que Tako aproveitara a oportunidade de seguir o

teleportador que se pusera em fuga. O alarma não foi

suspenso.

* * *

Só por uma fração de segundo, o japonês pôde lançar

os olhos em torno, ao chegar ao destino. Reconheceu

uma sala de tamanho médio, cujas paredes, soalho e teto

eram de concreto. Via-se uma mesa, três cadeiras velhas

e um armário com uma fechadura de enrolar antiquada.

Não havia nenhuma janela. A iluminação provinha de

um tubo luminoso de um metro e meio, preso ao teto.

Na outra extremidade da sala, a poucos metros de

Page 151: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

151

distância, o desconhecido acabara de surgir do nada.

Tako esteve prestes a dirigir-lhe a palavra. Foi quando

uma força desconhecida atingiu seu cérebro com uma

violência indescritível.

Tako caiu para frente. O radiador de impulsos

térmicos caiu-lhe da mão. Tako comprimiu o rosto contra

o soalho frio e segurou as têmporas para afastar a dor

insuportável.

Por uns trinta segundos não conseguiu fazer qualquer

movimento. As ondas de amplitude variável da

influência estranha percorriam sua cabeça, faziam-no

esquecer por que viera e transformaram-no num

pedacinho choroso de gente.

Só depois de algum tempo lembrou-se de que possuía

um dom que lhe permitia transportar-se para um lugar

seguro. Concentrou-se o mais rápido possível, e com a

maior intensidade que a dor lhe permitia, sobre o lugar

de onde viera. Quando a influência estranha reduziu-se,

apenas por uma fração de segundo, a um nível

suportável, saltou.

Sentiu que a dor martelante e ondulante abandonou-o

de um instante para outro. A tração e as tensões

produzidas pela teleportação não representavam nada em

comparação ao que suportara nos últimos segundos.

Sentiu-se grato ao ver que as estrelas cintilantes

voltaram a surgir acima de sua cabeça. Ouviu um

farfalhar e sentiu uma areia grossa sob os joelhos.

Lançou os olhos em torno.

As luzes de Terrânia brilhavam a oeste. Descera a

menos de dez quilômetros do destino.

A estafa tomou conta de seu corpo. Quando tentou

levantar, as pernas se dobraram. Inconsciente, caiu

estendido sobre o pedacinho de areia amarela do deserto

que, enfrentando todas as operações de irrigação

artificial, conseguiu se manter entre duas extensas áreas

ajardinadas.

4

— Temos notícias de Kakuta! — anunciou Nyssen

pela meia-noite. — Está deitado entre dois jardins, a uns

dez quilômetros a oeste da cidade, e sente-se muito fraco

para andar. Pede que nós o busquemos.

Rhodan fez que sim.

— Major, prepare um carro — ordenou, dirigindo-se

a Nyssen. — Irei até lá com Marshall.

Nyssen confirmou o recebimento da ordem. Poucos

minutos depois o carro estava esperando. Marshall foi

retirado da residência em que estava de prontidão

juntamente com Ras Tshubai e saiu da cidade em

companhia de Rhodan.

Este mantinha contato com o japonês através do

micro telecomunicador.

— Assim que enxergar as luzes de nosso carro —

disse — oriente-nos. Não temos a menor ideia de onde

está metido. Entendido?

— Sim — respondeu Tako Kakuta com a voz débil.

— Como está passando? — indagou Rhodan.

— Miseravelmente — respondeu o japonês com toda

franqueza.

Um instante depois gritou bastante nervoso:

— Já vejo os faróis de seu carro. Está quase no

caminho certo. Dirija-se um pouquinho mais para o

norte.

Rhodan seguiu a recomendação.

— Aí! — exclamou o japonês. — Agora prossiga

exatamente na direção leste. Mas faça o favor de não me

atropelar.

Poucos minutos depois o encontrara deitado de

costas, ainda não estava em condições de se levantar com

suas próprias forças. Marshall e Rhodan colocaram-no

no carro e levaram-no à cidade.

* * *

— Como vai ele, Eric? — perguntou Rhodan.

O Dr. Manoli, um dos tripulantes da primeira nave

espacial terrena, sacudiu os ombros e deu ao seu rosto

uma expressão de contrariedade.

— Esgotamento total — respondeu. — Nunca vi uma

pessoa que estivesse tão acabada, no sentido literal da

palavra, como este japonês.

Rhodan, pensativo, olhou para frente.

— Quanto tempo falta?

Manoli lançou-lhe um olhar indagador.

— Quanto tempo falta para o quê?

— Para que eu possa interrogá-lo.

— Bem, umas cinco ou seis semanas, acredito.

Rhodan cresceu alguns centímetros, de tão indignado

que ficou.

— Semanas? — exclamou. — Você não sabe quanto

dependemos das informações de Tako. Dê-lhe tudo que

você tiver nesses armários, mas faça-me o favor de

colocá-lo em forma dentro de poucas horas.

Compreendeu?

Manoli voltou a erguer os ombros.

— Não é apenas o esgotamento — ponderou. — Fiz

um encefalograma. Durante sua ausência Kakuta deve ter

sido submetido a uma influência mental muito forte. Sua

atividade cerebral é bastante confusa. Só lentamente está

voltando à calma.

A testa de Rhodan se enrugou.

— É sério?

Manoli sacudiu a cabeça.

— Não; apenas está confuso.

— Está bem. Quanto tempo você vai levar para

colocá-lo em forma? Duas horas?

O rosto de Manoli se contorceu.

— Talvez em dez horas.

— Está bem; em dez horas. Avise-me quando estiver

pronto.

* * *

Tako Kakuta insistiu em comparecer perante Rhodan

de pé em seus trajes normais. O Dr. Manoli recomendou

que permanecesse de cama durante sua conversa com

Rhodan; mas Kakuta recusou a sugestão.

— Pois levante seu teimoso — disse Manoli em tom

irritado. — Avise quando se sentir mal.

Kakuta prometeu com um sorriso que não deixaria de

avisar.

Rhodan recebeu-o em seu escritório, situado no

último pavimento do edifício da administração. Tako

instalou-se confortavelmente numa poltrona, de frente

para Rhodan. Logo iniciou seu relato.

Não omitiu nada, desde os esforços de Marshall,

Page 152: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

152

quando pretendia tirar as pedras de xadrez do armário,

até o momento em que o teleportador desconhecido

surgiu diante dele no vigésimo sétimo pavimento do

edifício da administração e o esgotamento total que dele

se apoderou naquela sala de paredes de concreto, bem

como o regresso a Terrânia.

Rhodan escutou-o atentamente, sem interrompê-lo.

Assim que Tako concluiu, levantou-se e foi a uma das

janelas amplas que permitiam que, daquela sala

iluminada e arejada, se tivesse uma vista imponente

sobre a cidade e as áreas adjacentes.

A vidraça quase não produzia nenhum reflexo. Era

feita para permitir uma visão desimpedida. Tako Kakuta,

que a essa hora estava sentado atrás dele, numa posição

ligeiramente lateral, só produzia um reflexo apagado.

— Você nunca havia visto o teleportador

desconhecido, não é mesmo? — perguntou Rhodan.

Ficou satisfeito quando um movimento pouco nítido

nos reflexos da vidraça lhe dava a perceber que o japonês

sacudia a cabeça atrás dele.

— Não — respondeu Tako. — Não tenho o menor

conhecimento com ele.

— O que quero dizer — prosseguiu Rhodan — é que

o viu tão bem que, sem a menor dúvida, o teria

reconhecido se já o tivesse visto antes. É isso?

Viu um movimento na vidraça, cuja transparência era

quase perfeita. Era um aceno de cabeça.

— Sem dúvida — disse Tako.

Outro movimento, desta vez mais embaixo,

provavelmente na altura dos quadris.

— Tem alguma ideia sobre a área em que foi parar

depois de seu salto? — prosseguiu Rhodan.

Desta vez a resposta do japonês foi imediata.

— Seria capaz de saltar a qualquer momento para

esse lugar. Mas não acredito que possa lhe fornecer as

respectivas coordenadas.

Enquanto falava, executou uma série de movimentos

apressados. Apesar disso Rhodan aguardou

tranquilamente que terminasse. Mesmo depois disso

deixou passar mais alguns segundos, antes que dissesse

em tom áspero:

— Você tem um radiador de nêutrons na mão, Tako.

Não sei quem lhe teria dado a arma. Nos minutos que

passaram você engatilhou a mesma, e agora quer me

matar. Mas não conseguirá.

Só depois disso, voltou-se e olhou para o japonês. O

rosto de Tako, que em outras oportunidades costumava

ser tão amável e infantil, contorcera-se numa careta que

apenas exprimia ódio e vontade de matar. Segurando na

mão direita o pesado radiador de nêutrons, mantinha-o

apontado para Rhodan. A mão nem chegava a tremer.

Rhodan sorriu, embora isso lhe custasse muito

esforço.

Tako entortou o dedo em torno do largo gatilho e

disparou. Um raio de cerca de cinco centímetros de

diâmetro, que irradiava uma débil fluorescência, saiu do

cano da arma.

No mesmo instante, o ar se iluminou cerca de metro e

meio de Rhodan, criando uma parede de dolorosa

claridade que tomava toda a largura e altura do aposento.

O campo protetor crepitou levemente ao absorver a

energia tremenda do raio de nêutrons, ativou as reservas

de energia da arma e consumiu esta.

Rhodan ouviu o japonês soltar um grito selvagem.

Depois disso tudo foi silêncio. O crepitar do campo

energético cessou no mesmo instante. Rhodan esperou

até que a luminosidade tivesse desaparecido. Depois foi

cuidar de Tako.

Este escorregara para fora da poltrona e estava

estendido no chão. A mão que segurara o radiador de

nêutrons apresentava duas manchas frescas de

queimadura. A solicitação excessiva da arma fizera com

que sua parte elétrica realizasse a transferência do

elevado potencial do gerador de nêutrons para a mão de

Tako. O choque elétrico privara o japonês da

consciência; tomara que só fosse isso.

Rhodan avisou o Dr. Manoli e mandou que dois

enfermeiros levassem o homem inconsciente.

* * *

— Trata-se de um bloqueio hipnótico de enorme

potência — explicou Perry Rhodan. — E foi aplicado

com tamanha habilidade que o exame da atividade

cerebral realizado pelo Dr. Manoli, que, é bem verdade,

foi apenas superficial, não revelou nada.

Crest, pensativo, olhava fixamente para a frente.

— Que monstro deve ser esse com que ele esteve em

contato! — murmurou.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Se considerarmos o fato de que aquele

desconhecido não conhece a psicofísica arcônida e, em

consequência, não dispõe de qualquer aparelho destinado

a exercer influência sobre outras pessoas, só poderemos

concluir que se trata de um monstro.

— Será que Manoli conseguirá dar conta do recado?

— perguntou Crest, que de repente parecia bastante

preocupado.

Rhodan fez um gesto tranquilizador.

— Não se preocupe com Manoli — respondeu. — É

um homem que sabe seu ofício, inclusive o que aprendeu

por último. Naturalmente Tako terá que ser poupado nas

próximas semanas.

— Será que ele ainda se lembra de alguma coisa?

— Lembra, sim. Recorda-se de todos os detalhes,

desde o momento em que enfrentou o desconhecido até

que voltou a pousar em Terrânia. É bem verdade que, se

alguém lhe disser que tentou me matar, dirá que esse

alguém é um louco. Juntamente com o bloqueio

hipnótico perdeu toda recordação da tarefa que lhe foi

imposta.

Houve uma pausa. Alguns minutos se passaram até

que Crest perguntasse:

— E agora? Tem outros planos?

Rhodan fez que sim.

— Por enquanto não parecem ser facilmente

realizáveis, mas sempre são planos.

Crest fitou-o cheio de curiosidade.

— Teremos de traduzir o modelo do salto de Tako

em dados geográficos inteligíveis.

Crest respirou fortemente.

— Traduzir! Sabe lá se isso é possível?

Rhodan riu.

— Não faço a menor ideia. Levantou-se.

— Cuidarei disso imediatamente — prosseguiu. —

Procurarei saber se temos alguma chance de êxito. Se

não, teremos que tentar por outro caminho.

Quando a porta se abriu diante dele, ainda disse com

Page 153: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

153

um sorriso na boca:

— Há uma coisa que me deixa muito satisfeito. Toda

essa história do seu rapto não passou de um blefe. Talvez

o teleportador desconhecido realmente sentisse a tarefa

de se apoderar de você. Mas na verdade só surgiu por

aqui para levar um de nós a segui-lo.

Na testa de Crest havia rugas.

— Acredita que não estão atrás de mim?

— Não tenho a menor dúvida — disse Rhodan, rindo.

— Afinal, seria uma loucura rematada tentar raptá-lo em

pleno território da Terceira Potência.

* * *

Clifford Monterny sentira seu primeiro fracasso de

grandes proporções, por assim dizer, por transmissão

direta.

Mantivera-se em contato telepático unilateral e

imperceptível com o japonês Tako Kakuta, até que o

bloqueio hipnótico a que o mesmo estava sujeito foi

removido por via psicológica. Antes que pudesse

restabelecer o contato interrompido, um contrabloqueio

foi incutido na mente de Tako, e este era tão poderoso

que nem mesmo o Supercrânio conseguia rompê-lo.

O que mais preocupava Monterny era o fato de que

não podia atinar com o motivo pelo qual Rhodan havia

previsto o atentado que se planejava. Tako Kakuta não se

traíra com nenhuma palavra, com nenhum gesto.

Enquanto esteve submetido a tratamento médico,

cuidaram em primeira linha de seu bem-estar físico. O

exame mental foi tão superficial que nem mesmo um

bloqueio hipnótico muito mais mal instalado teria sido

percebido.

Contudo...

Monterny acreditava que Rhodan não era nenhum

mutante; ou melhor, ele tinha certeza quase absoluta

disso. Não possuía qualquer dom profético, telepático ou

de outra natureza que lhe permitisse ver o interior do

japonês.

Apesar disso soube o que iria acontecer. No momento

exato abrigara-se atrás de um campo energético e com

um sorriso assistiu ao espetáculo do tiro mortal repelido

pela parede energética protetora. A dor que o choque

elétrico produziu em Tako foi tão intensa que até

Monterny chegou a senti-la.

E para que foi tudo isso?

Uma vez que estava convencido de que Rhodan não

era nenhum mutante, só podia supor que sua conduta

diante do atentado resultava de uma capacidade de

raciocínio quase sobre-humana. E essa ideia deixou-o tão

furioso que, por muitas horas, não esteve em condições

de conceber uma ideia clara.

Além da sede de poder, o Supercrânio ainda estava

imbuído da convicção de que um mutante é um homem

superior. Para ele não podia haver coisa pior do que

saber que um homem comum havia desmascarado seus

planos.

Na manhã do dia seguinte, Monterny teve uma

palestra prolongada com MacMurray, seu melhor

confidente.

MacMurray era o único entre os mutantes de

Monterny que já vira o Supercrânio face a face. Foi

naquele primeiro contato, e depois disso o fato repetia-se

constantemente.

A influência hipnótica a que MacMurray estava

submetido era tão intensa que sua verdadeira

personalidade se perdera há muito. Enquanto isso, suas

capacidades parapsicológicas haviam crescido. Um salto

destinado a vencer distâncias planetárias já não constituía

o menor problema para aquele jovem, que no meio

tempo havia chegado aos vinte anos. Durante o salto

produzia um campo transicional tão amplo e intenso em

torno de si que podia perfeitamente levar consigo objetos

de grandes dimensões.

Era justamente em virtude dessa faculdade que

MacMurray costumava desempenhar um papel

importantíssimo nos planos de Monterny.

* * *

— Será difícil — admitiu Rhodan — mas não

impossível.

Tinha diante de si uma série de diagramas do salto de

Tako Kakuta, elaborados por um psicoanalisador.

Dirigia-se a Crest e Thora.

— Já descobriu alguma coisa? — perguntou Thora.

Rhodan fez que sim.

— O destino aproximado, com uma margem de erro

de cem quilômetros para todos os lados.

— Onde...?

Rhodan levantou os diagramas e mostrou um mapa

escondido sob os mesmos. Era o mapa do império insular

japonês.

— Aqui — disse Rhodan, apontando para um círculo

desenhado no mapa. — Em algum lugar situado no

interior desse círculo.

Thora examinou o mapa. Depois de algum tempo

disse em tom ligeiramente irônico:

— Você tem uma tarefa nada fácil diante de si. No

interior desse círculo ficam três metrópoles com um total

de doze milhões de habitantes: Kobe, Osaka e Kioto. A

isso deve se somar a população rural de cerca de cinco

milhões de pessoas. Quanto tempo acha que vai

despender nas buscas?

Rhodan respondeu com um sorriso.

— Não procuro nenhuma dos dezessete milhões de

pessoas que se encontram nessa área, mas um

subterrâneo feito de concreto. Talvez você não se lembre

desse detalhe. Em todo o Japão não existem mil

subterrâneos desse tipo.

Voltou a colocar os diagramas sobre o mapa.

— Além disso, espero que o modelo do salto de Tako

ainda me proporcione dados mais exatos. E ainda notei

outra coisa. Está lembrada da manobra bolsística suicida

empreendida por Homer G. Adams? Saiu num prospecto

da Bolsa feito por um amador. Conseguimos localizar a

impressora que confeccionou o prospecto.

— E daí?

— Essa impressora fica em Osaka!

* * *

O major Nyssen foi o homem enviado a Osaka por

Rhodan.

Nyssen não se pôs a caminho sem os devidos

preparativos. Recebeu os registros dos acontecimentos

ligados à sua tarefa, com a incumbência de gastar pelo

menos um dia no exame cuidadoso dos mesmos. Além

disso, os instrumentos de treinamento hipnótico dos

Page 154: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

154

arcônidas proveram-no do conhecimento perfeito da

língua japonesa.

Recebeu, ainda, um aparelho criado no dia anterior,

que o protegia contra qualquer influência hipnótica.

Quando lhe mostraram o aparelho, começou a rir. Não

passava de um capacete que emitia um brilho metálico e

cobria toda a parte superior da cabeça. Um minúsculo

gerador embutido no mesmo gerava um campo anti-

hipnótico.

— Quer que eu ande por aí com isso? — indagou

Nyssen.

Rhodan fez que sim.

— A partir do instante em que tiver a impressão de

que o desconhecido passou a se interessar por você, deve

fazer exatamente isso. Eu lhe recomendo

encarecidamente que, quando isso acontecer, não deixe

de usar o capacete. Sabe perfeitamente o que acontece

com uma pessoa não protegida.

Nyssen pegou o capacete.

O major juntara-se a Rhodan quando, por

incumbência do governo americano, remexia os

destroços do cruzador espacial arcônida destruído na

Lua. Era um dos artilheiros de foguetes que, semanas

antes, haviam dado cabo da nave. Seu tipo era

praticamente idêntico ao de Reginald Bell. Como este,

era pequeno, embora um pouco menos baixo, e impusera

à sua cabeleira rala castanho-escura o mesmo corte à

escovinha. Sua voz sempre apresentava o tom de quem

na última noite houvesse enfrentado uma tremenda

bebedeira.

Nyssen pegou o avião de passageiros que duas vezes

por dia fazia a linha de Xangai. Ali permaneceu por meio

dia, esforçando-se para se livrar de eventuais

perseguidores. De noite pegou o avião para Tóquio.

Em Tóquio mais uma vez procurou sacudir os

perseguidores. De noite pegou o expresso Tóquio—

Kobe, com destino a Osaka.

Às duas e meia da madrugada chegou ao destino. Em

Tóquio fizera algumas modificações no seu aspecto

exterior. Contrariando todos os hábitos, usava um terno

cujo aspecto atual era tão surrado que não poderia ter

sido feito por um bom alfaiate, além de uma camisa

desbotada com um colarinho fora da moda. Escolheu um

hotel que correspondesse à sua apresentação.

O disfarce era simples, mas eficiente. Quem o visse

pensaria que tinha diante de si um daqueles globetroters

que resolveram procurar o Extremo Oriente porque em

sua terra natal a polícia estava atrás deles, ou porque aqui

esperavam fazer fortuna mais rapidamente.

Nyssen ocupou um quarto situado no trigésimo andar

de um hotel de categoria inferior e recuperou-se da

canseira do dia anterior com várias horas de sono

profundo e livre de sonhos.

* * *

— O senhor já conhece sua tarefa — disse o

Supercrânio em tom amável. — Não se esqueça de que

muita coisa depende do sucesso desta missão.

Acostumara-se a dar a MacMurray o tratamento de

senhor, depois que fizera dele seu confidente.

MacMurray confirmou com um aceno de cabeça.

— Não me esquecerei.

— E não cometa o mesmo engano desse idiota do

Bradley. Não se apresse. Pelo que sei o senhor não

correrá o menor risco.

MacMurray confirmou com um aceno de cabeça.

— Aguardo seu relatório pontualmente na hora

combinada — advertiu-o o Supercrânio.

Mais uma vez MacMurray confirmou com um aceno

de cabeça.

Depois saiu. No seu quarto — se é que se podia

chamar aquilo de quarto, pois não tinha janelas, a única

luz provinha do tubo branco-azulado e as paredes eram

de concreto maciço — reuniu as poucas coisas de que

precisava para sua tarefa. Principalmente a pistola

automática, que era o único instrumento em que um

teleportador podia confiar quando, depois de um salto,

surgisse em meio aos seus inimigos.

Os objetos encheram uma mala de tamanho médio.

MacMurray segurou a mala embaixo do braço e parou no

meio do quarto, como se refletisse para se lembrar se

havia esquecido alguma coisa.

Poucos instantes depois seus contornos começaram a

se apagar, e logo depois desapareceu por completo.

MacMurray pusera-se a caminho, com a finalidade

de, agindo segundo as intenções do mestre, desferir

contra a Terceira Potência o golpe mais pesado que a

mesma já sofrera.

* * *

A noção que Nyssen tinha sobre aquilo que poderia e

não poderia fazer em Osaka era de uma precisão

confortadora.

Uma das coisas que envolviam um risco excessivo

seria, por exemplo, uma visita à impressora que

confeccionara o prospecto da Bolsa. O próprio Rhodan

visitara a mesma poucos dias atrás, e se esta mantinha

qualquer tipo de relacionamento com o misterioso

desconhecido, conforme era de supor, essa visita teria

sido cuidadosamente registrada, mesmo que Rhodan não

tivesse sido reconhecido.

Nyssen pretendia desempenhar seu papel por muito

tempo sem dar-se a conhecer. Numa cidade do tamanho

de Osaka não havia nada mais fácil, com os meios de que

dispunha, do que encontrar pessoas que se dispusessem a

tirar as castanhas do fogo para ele.

Nyssen deu uma olhada pela cidade. Passou uma

manhã inteira passeando na zona portuária, e os

resultados correspondiam inteiramente às expectativas.

Mais de uma dezena de pessoas envolveram-no numa

palestra no curso de várias horas, dando a entender que

eram exatamente as pessoas que estava procurando.

Nyssen ficou satisfeito ao saber que pareciam ler em seu

rosto que estava à procura de colaboradores.

Escolheu muito. Pelas dez horas, por pouco não

contrata um jovem que tinha uma expressão de desespero

no rosto, o que levaria qualquer um a indagar como viera

parar num ambiente desses. Havia um risco muito grande

que, um dia, tivesse um acesso de moralismo e corresse à

polícia para descarregar suas preocupações. Por isso,

Nyssen mandou-o embora.

Acabou por se decidir a favor de um homem pequeno

de olhos matreiros, que atravessou seu caminho pelas

onze e meia e disse num péssimo inglês:

— Eu Michikai. Michikai fazer tudo. O senhor pagar

bem, Michikai ser seu homem.

Page 155: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

155

Nyssen sorriu. Michikai aparentava uns quarenta

anos e era cerca de vinte centímetros mais baixo que ele.

— Mim Jeremy. Jeremy pagar bem, o senhor fazer

tudo.

Disse-o em japonês, esforçando-se para imitar o

péssimo inglês de Michikai. Este parecia perplexo.

Depois riu, e quando Nyssen também se pôs a rir, o

contrato estava praticamente fechado.

O resto foi combinado num restaurantezinho. É claro

que Nyssen não explicou a seu novo colaborador a

verdadeira finalidade de tudo aquilo. Apenas lhe disse

que gostaria de obter informações sobre as instalações

daquela impressora. A tarefa pareceu tão fácil a Michikai

que ele se espantou bastante quando Nyssen lhe pagou

trinta dólares de adiantamento e lhe prometeu outros

trinta dólares quando tivesse todas as informações em

que estava interessado.

Nyssen combinou com seu colaborador que, dali em

diante, seus contatos seriam exclusivamente telefônicos.

Para esse fim Michikai permaneceria durante certas

horas num restaurante que lhe era conhecido, e onde

Nyssen poderia encontrá-lo.

Não se previu qualquer possibilidade de contato em

sentido oposto; Nyssen quis resguardar-se contra

qualquer interferência do desconhecido.

* * *

Freddy MacMurray admirou a cidade. Nunca a vira.

Ela lhe parecia mais bela que tudo que seus olhos já

haviam contemplado.

Surgira na margem norte do lago salgado, cuja

superfície cintilante interpunha-se entre ele e a cidade de

Terrânia.

MacMurray admirou o panorama até que o

Supercrânio se fizesse sentir. A ordem só foi irradiada

com uma dose minúscula de energia, mas MacMurray

entendeu-a perfeitamente.

“Eu lhe disse que não se apressasse, mas não lhe

pedi que perdesse seu tempo olhando para as coisas que

encontrasse pelo caminho. Comece logo!”

MacMurray pôs-se a correr. Sabia perfeitamente o

que havia incomodado o Supercrânio. Não era o fato de

ter contemplado a cidade. De um agente seu esperava-se

que examinasse a área em que iria desenvolver sua

atividade.

Monterny conhecia os pensamentos de seus

colaboradores. Percebera a admiração que MacMurray

sentira durante alguns segundos por essa cidade. E isso o

deixara zangado.

MacMurray caminhou pelas áreas ajardinadas

desabitadas até enxergar perfeitamente os detalhes das

casas situadas na extremidade norte da cidade. Depois

saltou para lá.

O Supercrânio seguiu-o atentamente. Sabia que a

tarefa de MacMurray encerrava certo risco para ele,

Monterny. Sabia perfeitamente de que maneira fora

localizado o outro teleportador, em cujos calcanhares

Tako Kakuta se havia grudado. Sabia que no Exército de

Mutantes de Rhodan havia telepatas muito potentes, e

que não era só MacMurray, mas também seus planos que

corriam perigo se mantivesse contato permanente com

aquele jovem.

Para observá-lo, acompanhou as emanações

irradiadas por MacMurray. Só em caso de extrema

necessidade o próprio Monterny funcionaria como

emissor.

A tarefa era importante demais.

* * *

Nyssen telefonou e pediu que chamassem Michikai.

Este deu seu nome verdadeiro. Nyssen disse:

— Os pessegueiros já começaram a florir no sul de

Kiushu?

Michikai pigarreou e respondeu:

— Ainda não. Mas em Hondo a floração quase

chegou ao fim.

— Está bem — disse Nyssen. — O que há de novo?

— Já dei uma olhada naquela impressora.

— Discretamente?

— Muito discretamente. Disse que pretendia fazer

um pedido de vulto, mas não conseguia chegar a um

acordo com o proprietário quanto ao preço. Por isso fui

embora. Já havia visto tudo. Ou melhor...

— Ou melhor?

— Quase tudo. Ainda há uma sala em que não

consegui entrar. Mas aposto que não tem mais de quinze

metros quadrados, e que nela só há uma porta, pela qual

consegui dar uma olhadela.

— Você tentou entrar lá? — perguntou Nyssen.

— Sim. Ao sair fiz de conta que me enganei na porta.

O proprietário da impressora não gostou. Quase chegou a

se zangar. No último instante conseguiu dirigir meus

passos para o outro lado.

— Hum — fez Nyssen. — Viu alguma coisa do que

havia lá dentro?

— Vi, sim. Um videofone.

— Nada mais?

— Nada.

— Está bem. Preste atenção, Michikai. Na agência do

correio da estação central da estrada de ferro há uma

caixa cujo número é 7.415 — sete, quatro, um, cinco. O

funcionário só a abrirá a quem lhe disser a senha

Hokaido. É lá que seus cinquenta dólares estão

depositados. Nos próximos dias voltarei a telefonar.

Na outra extremidade da linha Michikai soltou um

grito agudo.

— Só cinquenta dólares? Com tudo...

Nyssen não ouviu mais nada. Desligara.

Nos próximos trinta minutos ele ficou refletindo

sobre a hora mais propícia para a visita planejada.

* * *

Face às informações minuciosas de que dispunha,

sabia quase tudo sobre o dia-a-dia de uma grande

metrópole. Não havia qualquer hora realmente tranqüila,

apenas períodos de um relativo alívio.

Nyssen escolheu o período entre uma e as quatro da

madrugada. Segundo pensava, três horas seriam

suficientes para realizar um exame minucioso numa

pequena impressora.

Dormiu o resto da tarde, jantou bem e foi a um

cinema cuja sessão terminava pouco antes da meia-noite.

Depois voltou ao hotel e equipou-se com as coisas

que julgava necessárias ou úteis. Eram mais de vinte

objetos; mas, face ao avanço da micro técnica arcônida,

apenas ocupavam dois bolsos da calça e um do paletó.

É bem verdade que o pesado radiador de nêutrons

Page 156: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

156

teve de ser carregado sobre o ombro.

Pouco antes da uma encontrava-se nas proximidades

da tipografia. Ficou satisfeito ao constatar que a rua

estava praticamente vazia. Se conseguisse abrir a porta

do edifício dentro de três minutos, praticamente não

correria o menor perigo.

Gastou três minutos e meio; mas não apareceu

ninguém que o perturbasse. Tinha certeza de que

ninguém o observara.

Face à descrição de Rhodan e de Michikai, Nyssen já

conhecia a sala de recepção, os pequenos escritórios e a

oficina ligada aos mesmos. Não perdeu tempo em

revistar essas peças. Sem maiores problemas penetrou no

escritório maior e mais bem instalado e procurou a porta

de que Michikai lhe havia falado.

No escritório havia um total de cinco portas. Aquela

que Nyssen procurava era a única que se haviam dado o

trabalho de trancar.

A fechadura era de um modelo simples. Não resistiu

mais de vinte segundos às micro ferramentas de Nyssen.

A pequena sala que ficava além dessa porta não tinha

janelas. Nyssen fechou a porta atrás de si, acendeu sua

pequena e forte lâmpada permanente e procurou um

lugar em que pudesse colocá-la.

Além do videofone a que Michikai havia aludido só

havia uma cadeira. Nyssen colocou a lâmpada sobre a

cadeira e refletiu sobre o lugar em que devia iniciar as

buscas.

Pensou que estava sendo um pouco ridículo quando

começou a percutir as paredes. Alguns lugares pareciam

ocos, mas quando os iluminava com o pequeno bastão de

raios-X constatava que apenas se tratava de um pouco de

emboço caído entre os tijolos.

Gastou uma hora nessa atividade. Aos poucos se

convencia de que nada encontraria.

Subitamente ouviu um zumbido grave atrás de si.

Voltou-se apressadamente e viu que a tela do videofone

começou a se iluminar.

Afastou-se da parede e contemplou a tela. Era

estranho que um videofone começasse a funcionar por si.

Geralmente a tela só se iluminava depois de estabelecida

a comunicação. Aqui isso não poderia ter acontecido,

pois ninguém havia levantado o fone. Nyssen nem sequer

ouvira o sinal de chamada.

Colocou-se numa posição em que o transmissor de

imagens não pudesse captá-lo e esperou.

No momento em que, num movimento rápido,

desligou a lâmpada, ouviu o estalo no receptor.

O fone estava colocado no suporte, mas apesar disso

falava.

Nyssen foi se esgueirando junto à parede, chegando

um pouco mais perto do aparelho. Ouviu a voz metálica

que começara a falar. O videofone parecia ter um

amplificador ultrapotente. Mesmo sem levantar o fone,

Nyssen entendia praticamente todas as palavras.

— ...uma conferência importante amanhã às vinte

horas... na minha casa. Todos devem comparecer...

A atenção de Nyssen foi desviada em parte pela

imagem estranha que surgiu na tela. Consistia numa

confusão inextricável de linhas. À primeira vista parecia

se tratar de alguma interferência; mas Nyssen logo

percebeu que havia certa regularidade naquelas linhas

trêmulas e ondulantes.

Tirou sua pequena máquina fotográfica e deixou que

a mesma registrasse as linhas. Não conseguiu

desempenhar toda sua potencialidade micro técnica, pois

a transmissão logo cessou. Mas Nyssen esperava que os

peritos conseguissem extrair algum resultado da

fotografia.

Mal e mal percebera que as palavras transmitidas não

continham qualquer indicação importante. Só se falava

em coisas das quais os sócios da misteriosa organização

já sabiam onde se encontravam, motivo por que não

havia necessidade de outras explicações.

As esperanças de Nyssen concentraram-se na

fotografia que acabara de fazer.

O tempo estava ficando curto. Nyssen não mais bateu

nas paredes. Tinha certeza quase absoluta de que nada

havia atrás delas.

Preferiu dedicar sua atenção ao admirável videofone

que começou a funcionar sem que ninguém o ativasse e

cujo fone falava quando ainda se encontrava no suporte.

Havia um fio comum, um tanto fino, que desaparecia

na parede pouco abaixo da tela de imagem. Nyssen

iluminou a parede e viu que o fio a atravessava em

sentido horizontal.

Voltou ao escritório maior e procurou um caminho

que o conduzisse ao lado oposto da parede. Havia uma

porta que dava para um pátio dos fundos. Uma das

paredes desse pátio era exatamente a que Nyssen

procurava.

Nyssen não gastou muito tempo. Viu perfeitamente o

fio um tanto fino que saía da parede, descrevia uma

dobra e subia ao telhado.

E em cima do telhado havia uma antena robusta e

alta.

Nyssen soltou um assobio entre os dentes. Tal qual os

telefones, os videofones estavam ligados a uma rede.

Recebiam os impulsos visuais e auditivos através de fios

que, dentro da cidade, eram colocados embaixo da terra

e, na zona rural, eram presos a postes de madeira ou

plástico. Um videofone não precisava de antena; neste

ponto era igual a um telefone.

Aquilo não era um videofone comum. Era um

receptor e transmissor que funcionava sem fio. Apenas

fora disfarçado sob a forma de um videofone, para

enganar os visitantes.

Foi por isso que aquilo começou a trabalhar sem que

o fone tivesse sido levantado.

Bastante pensativo Nyssen interrompeu sua visita

noturna. Ainda continuava pensativo quando abriu a

porta de seu quarto de hotel.

Como de hábito, tirou em primeiro lugar os

instrumentos de medida e colocou-os cuidadosamente

sobre a mesa.

Passou à leitura dos instrumentos, ainda mergulhado

em pensamentos e convencido de que os mesmos não

indicariam nada.

Radiatividade, nenhuma.

Temperatura, que bobagem. Ele não teria deixado de

perceber se tivesse penetrado numa onda de calor.

Normal!

Influência telepática-hipnótica...

Os instrumentos eram tão pequenos que Nyssen teve

de recorrer a uma lupa para ler as respectivas escalas.

Praguejando baixinho, mas com violência, tirou a lupa

do olho esquerdo e colocou-a no direito.

Mas o quadro era o mesmo.

Page 157: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

157

Influência telepática-hipnótica, oscilação do

instrumento: escala seis.

Nyssen deixou que a lupa caísse do olho e fitou o

espaço diante de si.

Pelo que dizia o instrumento de medida, ele, Nyssen,

sofrerá influências hipnóticas. A escala seis correspondia

a seis microfreud, o suficiente para hipnotizar uma dúzia

de homens adultos.

Mas não percebera nada. Ou será que percebera?

Ainda estaria submetido a alguma influência

hipnótica?

“Pois bem. Não seria difícil encontrar uma

explicação para o fato de não ter percebido nada. Cada

cérebro tem sua faixa peculiar de frequência. É bem

possível que alguém tenha transmitido por outra

frequência, à qual meu cérebro não é acessível. A

medição do instrumento é integral no que diz respeito à

frequência. Mede tudo que aparece sob a forma de

influência hipnótica.”

Mas, com os mil demônios, de onde teria vindo essa

influência hipnótica?

Quando a única explicação possível ocorreu a

Nyssen, este esteve prestes a pegar novamente seus

instrumentos e fazer mais uma visita à tipografia. Mas

depois de ter olhado para o relógio desistiu da ideia.

Eram três e meia, tarde demais.

As ondulações refletidas na tela não eram nenhuma

interferência, nem constituíam o produto de uma

estranha fantasia geométrica. Tratava-se de uma

transmissão hipnótica!

5

Para um homem dotado da mobilidade fenomenal de

MacMurray não houve a menor dificuldade em localizar

a vítima nas primeiras horas de atividade.

MacMurray gravou o rosto e a figura do homem e

passou a estudar os hábitos do mesmo.

Pretendia raptar o homem. Raptá-lo por meio da

teleportação. Para um teleportador que não havia sido

submetido à ativação cerebral arcônida havia uma grande

diferença entre executar um salto sozinho e transportar

com ele mais um objeto de peso aproximadamente igual

ao seu. Mesmo para ele o primeiro ato resumia-se numa

liberação espontânea de energia de curta duração; já o

segundo exigia dez minutos de concentração.

MacMurray procurou encontrar, em meio ao curso de

vida felizmente bastante monótono de sua vítima, um

espaço de tempo que permitisse a intercalação de um

intervalo de dez minutos com a menor dose possível de

risco. Seria a hora em que era mais provável que aquele

homem estivesse só.

MacMurray levou dois dias para se orientar.

Marcou o grande golpe para o dia 2 de agosto. Hora:

entre as vinte e as vinte e uma, tempo local.

* * *

Rhodan estava convencido de que nada mais poderia

ser tirado do modelo de salto que o Dr. Manoli havia

extraído do cérebro de Kakuta.

O diâmetro do círculo traçado no mapa fora reduzido

para cinco quilômetros.

Só um trecho muito pequeno da cidade de Osaka

ficava dentro do círculo. A probabilidade de que o

objetivo ficasse fora da cidade era muito grande.

Isso facilitaria as buscas. No Japão uma casa que

tivesse um porão de concreto seria considerada muito

grande.

Depois de ter reunido todos os resultados, Rhodan

chamou Crest.

Crest não respondeu.

Rhodan telefonou para Thora.

Fazia mais de três horas que Thora não via Crest.

Rhodan deixou que alguns minutos se passassem e

voltou a chamar Crest.

Mais uma vez Crest não respondeu.

Rhodan lembrou-se da tarefa que fora confiada ao

teleportador desconhecido, que havia atraído Tako

Kakuta a uma armadilha tão perigosa.

Ordenou uma busca geral.

Dali à uma hora não havia mais a menor dúvida de

que Crest já não se encontrava no território da Terceira

Potência.

E não avisara a ninguém onde poderia ser

encontrado.

Crest fora raptado.

* * *

Uma extrapolação retrospectiva indicou a hora

provável do rapto: entre as vinte horas e as vinte e trinta.

Pouco depois Rhodan fizera a primeira tentativa de falar

com Crest.

Àquela hora o serviço de vigilância estivera a cargo

Page 158: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

158

de Ishi Matsu, uma japonesinha delicada. Ishi informou

que, pouco depois das vinte horas, captou um impulso

isolado relativamente forte, mas indecifrável. Uma vez

que o impulso não se repetiu, não se preocupou com ele.

Rhodan informou a Thora de que Crest havia sido

raptado. Nunca vira a arcônida tão apavorada.

— O que... o que pretende fazer? — perguntou.

Rhodan olhou-a com uma expressão de espanto.

— Pretendo atacar. Não acha que é o mais acertado?

— Onde? Pois...

— Já disponho de todas as informações de que

preciso. É possível que Nyssen tenha descoberto mais

alguma coisa. Partiremos imediatamente.

— Vai usar o hipertransmissor de matéria?

O hipertransmissor de matéria era um aparelho que

Rhodan trouxera da viagem em busca do planeta

Peregrino. Substituía em quem a ele recorresse, o dom

parapsicológico da teleportação, transportando a pessoa

pelo espaço de cinco dimensões até um ponto em que se

encontrasse um receptor ajustado para a mesma

freqüência.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— A partir daqui, não — respondeu. — Os dados que

conhecemos ainda não são suficientes. Nas próximas

cinco horas um destacamento nosso voará para Osaka.

Levaremos hipertransmissores e, uma vez conhecido os

detalhes da situação, não deixaremos de usá-los.

O tempo entre as seis e as sete horas da manhã era

uma das horas em que Michikai devia permanecer em

seu restaurante, aguardando o chamado de Nyssen.

Este dormiu duas horas. Chamou pouco depois das

seis. Foi informado de que Michikai não estava.

Meia hora depois Nyssen repetiu o chamado; mas

Michikai ainda não havia aparecido. Nyssen pensou que

no dia anterior tivesse apanhado seus cinquenta dólares e

desaparecido. Isso não o preocupava, mas naquele

momento o incomodava; bem que precisaria de

Michikai.

Contrariamente ao que havia decidido antes, foi ao

restaurante em que Michikai devia estar a essa hora.

Talvez o dono pudesse dar alguma informação sobre seu

paradeiro.

* * *

Para Crest tudo havia sido tão rápido que ainda não

chegara a compreender o que tinha acontecido.

Subitamente um jovem surgiu em seu quarto e abateu-o.

Ao despertar, viu-se numa sala que muito se

assemelhava à que Tako Kakuta descrevera.

Crest quase não sentiu nenhuma dor de cabeça; por

isso acreditou que a pancada não devia ter sido muito

forte, e que o desmaio não fora prolongado. Mas, pelo

que dizia Rhodan, a sala em que se encontrava ficava no

Japão, isto é, a milhares de quilômetros de Terrânia.

Como chegara tão depressa até lá?

Quem sabe se nas imediações de Terrânia não

existiam outras instalações desse tipo?

Só depois de algum tempo Crest lembrou-se da

possibilidade de que, entre os inimigos, podia haver

algum teleportador suficientemente forte para transportar

um homem inconsciente num salto. Depois de refletir por

algum tempo, Crest admitiu que a explicação verdadeira

era esta.

Levantou-se e examinou a única porta daquela sala.

Era feita de chapa de aço bastante sólida e não podia ser

aberta do lado de dentro. O mobiliário da sala consistia

numa cadeira e numa mesa.

Crest sentou na cadeira e esperou. Lamentou não ter

o hábito de carregar constantemente uma arma consigo.

Entre os potentes radiadores térmicos dos arcônidas

havia alguns suficientemente pequenos para terem boa

probabilidade de escapar a uma revista pessoal.

Cerca de uma hora depois de ter despertado, a porta

se abriu e um homem que nunca vira antes gritou:

— Venha comigo!

Crest ergueu as sobrancelhas e continuou sentado.

— Para onde? — perguntou.

O homem exibiu uma pistola automática.

— O senhor vai ver! — gritou, furioso. Crest

levantou-se e, passando perto do homem, saiu da sala. A

sala à qual foi ter não era mais confortável que a

primeira. Uma cadeira e uma mesa.

Mas a outra continha, além desses móveis, um

videofone.

— Pegue a cadeira e sente diante da tela! — ordenou

o homem que segurava a pistola automática.

Crest obedeceu. O homem ficou parado na porta.

Crest esteve a ponto de lhe perguntar o que aconteceria,

quando a tela no videofone começou a se iluminar.

Não mostrou nenhum quadro, mas apenas um

conjunto de linhas brancas trêmulas e ondulantes.

No mesmo instante Crest sentiu aquela estranha

pressão na cabeça, acompanhada de um zumbido.

Reagiu imediatamente. Não era difícil a um cérebro

arcônida, ainda mais a um que possuísse o grau de

treinamento do de Crest, resistir a qualquer espécie de

influência telepática ou hipnótica.

Mas compreendeu o significado do comando

hipnótico:

— Daqui em diante você vai trabalhar para mim.

Preciso de um homem como você. E saberei

recompensá-lo pelos serviços que você me prestar. Você

será meu servo fiel.

Crest compreendeu tudo que estava acontecendo.

As linhas onduladas que surgiram na tela de imagem

representavam a emanação reforçada de uma transmissão

hipnótica e exerciam influência sobre quem

contemplasse a tela.

Dali se concluía que as suposições de Rhodan foram

falsas: o desconhecido não dispunha apenas da força de

seu cérebro, mas ainda possuía recursos mecânicos

destinados à produção de comandos hipnóticos, embora

os mesmos ainda fossem primários e de potência

reduzida.

Uma voz antipática começou a falar depois que a

transmissão hipnótica havia durado cerca de dois

minutos.

— Então; consegui agarrá-lo, não é?

Crest achou que não valia a pena responder.

— De hoje em diante o senhor vai trabalhar para

mim! — prosseguiu a voz.

Crest resolveu usar franqueza.

— Não vou fazer nada disso! — respondeu.

Por alguns segundos o desconhecido pareceu

perplexo.

— Ah! Então não fez efeito! Muito bem! Como vê, já

conheço sua frequência pessoal. Não acredite que poderá

resistir por muito tempo. Levem esse homem.

Page 159: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

159

Crest foi levado de volta à sala em que despertara

uma hora antes. Sentou à mesa e pôs-se a refletir.

* * *

Quando se dirigia ao restaurante, Nyssen recebeu

pelo micro telecomunicador a mensagem de Rhodan.

Esta se limitava a informá-lo de que aterrizara com vinte

homens a nordeste de Osaka e procurava o esconderijo

do desconhecido. Pedia-se a Nyssen que apresentasse

imediatamente as informações que conseguira coletar.

Nyssen fez meia-volta e regressou ao hotel.

Estacionou seu carro de tal forma que poderia sair

imediatamente e pegou o elevador para subir ao

pavimento em que ficava seu quarto.

A primeira coisa que viu ao entrar no quarto foi

Michikai. Estava estendido no chão e tinha um buraco na

testa. Do buraco saía um filete de sangue seco que sujava

o tapete surrado.

Os dois homens que haviam trazido Michikai

estavam colocados de um e outro lado da porta. Cada um

deles segurava uma pistola de forma a não permitir a

menor dúvida quanto ao alvo que pretendiam atingir caso

houvesse necessidade.

Realmente Nyssen assustou-se, mas dentro de dois

segundos recuperou o autocontrole. No entanto,

murmurando coisas confusas, deu-se o aspecto de quem

mal conseguira evitar um colapso nervoso.

A trinta quilômetros dali o homem que, por ordem de

Rhodan, devia manter contato com Nyssen teria de

decifrar esse murmúrio.

— ...Hotel, Portão das Aves Celestes... Quarto dois-

um-um-sete... dois homens... aprisionado.

A distância que separava Nyssen dos dois homens era

de três metros. A parte ativa do microfone estava

embutida na pele do pescoço e reagia até mesmo às

vibrações mais débeis da laringe. Havia uma boa chance

de que os dois não entendessem as palavras por ele

murmuradas. Esforçou-se para produzir grande

quantidade de saliva e deixou cair um fio da mesma pelo

canto esquerdo da boca. Parecia ter enlouquecido de

susto.

Um dos homens se aproximou dele, com um sorriso

de deboche nos lábios.

— Por que está com medo, meu filho? Não lhe

faremos nada.

Deslocava-se habilmente. Nem por um segundo

interpôs-se na linha de tiro do outro.

— O que... o que querem de mim? — gaguejou

Nyssen.

O homem apontou para o cadáver de Michikai.

— Viemos entregar este homem e convidá-lo a dar

um passeio conosco.

— Nãooo! — protestou Nyssen com um grito. —

Não quero!

— Cale a boca, seu idiota! Vimos quando você matou

esse coitado. Entendido? — voltou a apontar para

Michikai. — Você deve agradecer porque, em vez de

entregá-lo à polícia, preferimos levá-lo conosco.

— Para onde? — perguntou Nyssen, assustado.

— Você vai saber. Está armado?

— Não... ah, sim.

Apontou para o ombro esquerdo. De qualquer

maneira não deixariam de encontrar o pesado radiador de

nêutrons, mesmo que procurasse ocultar sua existência.

O homem contornou-o e, vindo de trás, pegou em sua

axila. Soltou o coldre que segurava a arma e examinou-a

cuidadosamente.

— Está bem — disse, depois de ter examinado a

arma e passado a mão pelo corpo de Nyssen. — Vamos

embora.

O outro homem abriu a porta e saiu para o corredor.

Nyssen pôs-se em movimento.

Passaram pelo porteiro sem que este percebesse que

Nyssen tinha sido sequestrado. Sem o menor problema,

os três homens alcançaram o carro em que os dois

sequestradores tinham vindo. Enquanto entravam, o

motorista ligou o motor. Nyssen ficou sentado no assento

traseiro, entre os dois homens que o vigiavam.

Quando o carro deu a saída, resmungou com um

mínimo de desempenho vocal:

— Saímos num carro.

Esperava que estas palavras, sopradas para dentro do

microfone do telecomunicador, fossem entendidas e

corretamente interpretadas pelo elemento de ligação.

Durante meia hora o automóvel enfrentou o trânsito

matutino da grande metrópole. Depois tomou uma das

grandes vias de saída e disparou em direção ao nordeste.

Nyssen já tivera tempo de elaborar um plano. Sabia

que o mais importante era evitar a influência hipnótica

do desconhecido.

O capacete trazido de Terrânia estava bem guardado

na mala.

Devia encontrar outro caminho para fugir à influência

hipnótica.

Poderia distrair a atenção do desconhecido por meio

de algum incidente que lhe parecesse mais importante

que a influência hipnótica a ser exercida sobre mais um

prisioneiro.

* * *

Em toda a área compreendida no círculo de cinco

quilômetros de diâmetro, que Rhodan traçara segundo os

dados extraídos do salto executado por Tako Kakuta, só

havia três edifícios. Um deles era um celeiro meio

arruinado que não parecia conter um porão. Os outros

eram casas de campo em estilo japonês.

Rhodan e seus vinte homens haviam chegado ao

amanhecer do dia numa nave de transporte. Esta retornou

imediatamente, depois de ter descarregado os homens.

Rhodan e seus homens usavam vestimentas

transportadoras arcônidas, equipadas com micros

geradores que geravam campos antigravitacionais,

deflexivos e protetores.

O grupo de Rhodan não tivera a menor dificuldade

em passar a maior parte da manhã num bosquezinho sem

ser notado por quem quer que fosse.

O rapto de Nyssen foi uma surpresa nada agradável.

Mas tal qual o major, também Rhodan não demorou em

reconhecer a chance que se lhe oferecia. Enquanto

viajava com os sequestradores, Nyssen murmurava

ligeiras indicações sobre a direção que tomavam. Dentro

de pouco tempo não havia mais a menor dúvida sobre

qual das duas casas de campo era aquela em que se

encontrava seu alvo.

Rhodan também compreendeu o plano de Nyssen,

segundo o qual a atenção do desconhecido, que

aguardava a chegada do prisioneiro, devia ser distraída,

para que Nyssen tivesse certa liberdade de agir nos

Page 160: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

160

primeiros trinta minutos de prisão.

Não havia possibilidade de estabelecer contato com

Crest. O arcônida nunca se convencera da utilidade de

um micro telecomunicador embutido na pele. Rhodan

tinha certeza de que nesse meio tempo devia ter mudado

de opinião.

* * *

Incrédulo, o Supercrânio fitou o quadro que se

projetava na tela do aparelho de advertência e vigilância.

Um estranho!

Estava de pé na pequena área interna existente no

meio do complexo quadrático formado pela casa de

campo. Usava uma vestimenta que Monterny jamais

havia visto e trazia na mão uma arma grosseira, de cano

curto.

O Supercrânio viu que o homem olhava em torno de

si, como se estivesse procurando alguma coisa.

Um instante depois desapareceu.

Mais um instante, e voltou a aparecer em outro lugar.

Não! Não era o mesmo homem. Era mais baixo e

tinha ombros mais largos.

Monterny sentiu que suas mãos tremiam.

Dois homens haviam conseguido burlar todos os

dispositivos de vigilância, penetrando na área interna, e,

além disso, sabiam se tornar invisíveis à vontade.

Monterny deu o alarma.

Mas os dois homens haviam desaparecido e por

enquanto não voltaram a aparecer.

* * *

As coisas se passaram conforme Nyssen previra. Foi

introduzido na casa de campo por uma porta lateral. Um

dos homens que o vigiavam ficou ao seu lado e mandou

que esperasse, enquanto outro seguiu pelo corredor e

desapareceu numa sala.

Voltou dentro de um minuto; parecia contrariado.

— No momento não tem tempo — disse ao

companheiro. — Leve-o para baixo.

Um elevador levou Nyssen para baixo da terra.

Pareceu-lhe que a sala em que foi enfiado correspondia à

descrição de Tako Kakuta. Mas não sabia que embaixo

daquela casa de campo havia trinta salas iguais a esta.

Foi deixado só. A sala só tinha uma saída, fechada

por uma porta de aço tão robusta que, nem por um

instante, Nyssen pensou em movê-la segundo suas

conveniências.

Sentou na única cadeira que havia naquela sala,

apoiou a cabeça nas mãos, colocou os cotovelos sobre a

única mesa e, para as objetivas de televisão que supunha

existirem nas paredes, fez o papel de um homem

totalmente desesperado.

Na verdade refletia friamente, esculpindo os últimos

detalhes de seu plano. O que o inquietava era o fato de

que seus cálculos tinham de incluir um fator

imponderável: a vigilância do inimigo.

Seu plano só poderia ser coroado de êxito se todos

naquela casa, até a última das sentinelas, tivessem sua

atenção desviada ao máximo pelos acontecimentos que

se desenrolassem no exterior da mesma.

* * *

Novos estranhos apareceram. Todos envergavam

aquele traje estranho e possuíam a capacidade de se

tornarem invisíveis.

Monterny não tinha a menor dúvida de que

penetravam na área interna, vindos pelo ar.

Por alguns minutos teve a impressão de que os

estranhos tinham vindo para libertar o prisioneiro. Mas

essa impressão desapareceu quando por uma fração de

segundo descobriu um dos estranhos no telhado da casa,

próximo à antena pela qual costumavam serem irradiadas

as mensagens hipnóticas.

O Supercrânio sentiu-se alarmado.

Destacou quinze homens do contingente de trinta que

guarnecia a base para proteger a antena colocada no

telhado da casa. Mandou que outros dez patrulhassem a

área adjacente, instruindo-os para que atirassem

imediatamente e com todas as armas disponíveis contra

qualquer coisa que se movesse pelo ar.

Depois de ter feito tudo que estava ao seu alcance

para proteger a base, preparou-se para uma fuga

precipitada. Sabia perfeitamente que se encontrava numa

verdadeira armadilha. Se Rhodan — e o Supercrânio não

teve a menor dúvida de que os invisíveis eram homens

de Rhodan — não valorizava o prisioneiro tanto quanto

ele, Monterny acreditara no primeiro momento, poderia

fazer a qualquer momento com que sua tropa-fantasma

destruísse a casa por meio de uma explosão.

Depois dos primeiros acontecimentos não parecia

muito provável que ele o fizesse.

Mas Monterny era um homem que costumava tomar

suas precauções em tempo. Embaixo da casa, num

subterrâneo ao qual só ele tinha acesso, começava um

corredor que só voltava à superfície a um quilômetro do

lugar em que se encontrava.

E um quilômetro, segundo os cálculos do

Supercrânio, bastava para colocá-lo fora do alcance de

Rhodan.

* * *

Exatamente uma hora depois de ter sido preso,

Nyssen começou a martelar a porta com toda força dos

seus punhos. Martelou-a durante quinze minutos; depois

ouviu passos rastejantes.

Continuou a martelar até que a porta se abriu. Só

então foi para o lado e se abaixou.

O vigia trazia a pistola na mão; mas Nyssen não veio

da direção que ele supunha.

A borda da mão de Nyssen atingiu o alvo com a

precisão de um centímetro. O vigia soltou um grito

selvagem, largou a arma e rodopiou.

Seus movimentos eram lentos em comparação com

os de Nyssen. Um soco bem dado atirou-o sobre o chão

de concreto.

Ficou inconsciente por um minuto. Nesse tempo

Nyssen pegou a arma e certificou-se de que, no corredor,

não havia nada que pudesse perturbá-lo.

— Preste atenção! — disse ao vigia. — Preste muita

atenção! Você sabe perfeitamente que me encontro numa

situação terrível. Preciso de você para sair daqui. Não

faço a menor questão de ser capturado mais uma vez.

Gostaria disso tão pouco que o matarei assim que fizer

qualquer coisa de que eu não goste. Entendeu?

O vigia era um japonês. Respondeu com um

apressado aceno da cabeça. Nyssen tinha certeza de que

apenas se encontrava sob uma influência pós-hipnótica

relativamente débil.

Page 161: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

161

— Há outro prisioneiro por aqui — afirmou Nyssen.

— Onde está?

O vigia fez um gesto desolado em direção ao

corredor.

— Quantos vigias existem aqui embaixo?

— Cinco.

— Leve-me ao outro prisioneiro, mas de tal maneira

que não nos encontremos com nenhum dos outros vigias.

Por alguns minutos o japonês levou Nyssen de um

canto para outro.

Finalmente encontraram Crest.

O arcônida levou algum tempo para compreender a

sorte que estava tendo. Só com grande dificuldade

Nyssen conseguiu expor seus planos.

— Ainda falta muito para estarmos em segurança —

disse Nyssen em tom decidido. — O desconhecido ainda

mantém firmemente a sua base. Temos de pôr a mão no

radiador de nêutrons que me tiraram.

Finalmente Crest compreendeu. E concordou com

todas as sugestões de Nyssen. Gritou com a porta aberta

a toda a força de seus pulmões, e o vigia, que acorreu

para ver qual era a origem de tamanho barulho, foi

abatido por Nyssen, à traição, é verdade, mas em

compensação sem a menor resistência.

Passaram sorrateiramente junto aos outros três vigias.

Segurando a arma de que se haviam apoderado, Crest

ficou de sentinela junto ao elevador, enquanto Nyssen e

o japonês subiram. O próprio japonês deu-lhe uma

indicação sobre o lugar em que poderia encontrar a arma

neutrônica. Era na mesma sala em que um dos

sequestradores havia desaparecido por um instante, logo

à sua chegada.

Embora não estivesse informado sobre o número de

pessoas que se encontravam naquela casa, Nyssen tentou

reaver sua arma e foi bem sucedido. Acompanhado de

seu ex-vigilante, retornou ao subterrâneo.

Uma vez lá, manipulou a arma, no que foi apoiado

pelas indicações de Crest, e depositou-a num lugar que

julgava suficientemente eficaz e seguro.

Finalmente Crest e Nyssen puseram-se em

movimento.

* * *

Poucos minutos depois, Rhodan e seus homens

avançaram sem disfarce para a casa de campo, vindos de

duas direções. O ataque do oeste foi iniciado cerca de

dois minutos antes do que vinha do sul. Face a isso a

casa ficou praticamente desguarnecida do lado do sul.

Nyssen e Crest aproveitaram o tempo. Correram para

junto dos homens de Rhodan, quando os mesmos se

encontravam a uns cem metros da casa.

Rhodan foi avisado e imediatamente mandou

suspender o ataque. Um dos homens de seu grupo,

equipado de microfone e alto-falante, penetrou na área

interna da casa e explicou em volume tão alto que seria

ouvido por todos, inclusive pelos vigias que se

encontravam no subterrâneo:

— A casa deve ser evacuada imediatamente. Dentro

de cinco minutos explodirá uma bomba que destruirá

toda vida num raio de cem metros.

O efeito do aviso foi nulo. Os que se encontravam no

interior da casa acreditavam que se tratasse de um

truque. Dirigiram-se ao Supercrânio em busca de

conselho, mas o mesmo não quis falar com ninguém.

Esperaram. Quando os cinco minutos se passaram

sem que nada tivesse acontecido, todo mundo exultou.

A radiação neutrônica não pode ser vista, ouvida ou

cheirada. Nem mesmo um fluxo muito reduzido.

Os homens da equipe do Supercrânio só perceberam

que a bomba havia explodido quando de um instante para

outro sua pele tornou-se vermelha e começou a arder.

Logo após perderam a visão. Tomados de pânico, saíram

correndo pelos corredores e procuraram sair da casa. Mas

era tarde.

Apenas dois vigias de prisioneiros que tinham

atendido ao aviso escaparam à catástrofe.

* * *

As autoridades japonesas só tiveram sua atenção

despertada para os acontecimentos estranhos que se

desenrolaram ao norte da grande via de acesso quando

alguém constatou um nível extraordinário de

radiatividade naquela área.

Isso aconteceu cinco horas depois da detonação da

bomba. Àquela hora Rhodan já havia saído do país e

retornado a Terrânia, acompanhado dos dois prisioneiros

e da experiência que as ocorrências lhe renderam.

* * *

A conferência que segue foi realizada dois dias

depois:

— Não alcançamos um êxito tão grande como

acreditávamos — declarou Rhodan em tom sério. —

Pelo que conseguimos saber dos dois prisioneiros e do

proprietário da tipografia de Osaka, em que também

conseguimos pôr a mão, o homem mais importante

escapou. Nenhum dos prisioneiros jamais chegou a ver o

grande desconhecido, nem de frente, nem numa tela de

imagem. Entre os mortos que encontramos naquela casa

havia um único confidente, com que tratava frente a

frente. Mas um morto não pode nos revelar mais nada.

Encontramos o corredor pelo qual o homem escapou.

Mas perdemos sua pista.

“O material bastante escasso que encontramos

naquela casa de campo praticamente não nos diz nada

sobre os planos, as atividades e as possibilidades do

inimigo. Mesmo que os homens que a teimosia levou à

morte em Osaka constituíssem toda sua equipe, não lhe

será difícil, face aos recursos de que dispõe, conseguir

outros elementos. Portanto, não nos devemos iludir com

a ideia de que a guerra já está decidida. Por enquanto

nem sequer conseguimos localizar os cientistas

sequestrados em Terrânia. Até agora sabemos de três

coisas:

“Além da equipe propriamente dita, que no momento

deixou de existir, o inimigo possui um número

desconhecido de colaboradores. Isso custou a vida de

Michikai, o japonês contratado por Nyssen, e por pouco

não custa a do próprio Nyssen. Ainda sabemos como

funciona a transmissão mecânica hipnótica dos

comandos do desconhecido. Quando recorre ao

videofone para estabelecer contato com os elementos de

sua equipe, o que importa não são as palavras faladas,

mas os modelos de onda que surgem na tela. É bem

verdade que não se sabe se continuará a recorrer a esse

Page 162: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

162

meio de comunicação, quando souber que já

descobrimos seu truque.

“Por fim, sabemos que a liquidação da base japonesa

deve representar um sensível fracasso para o

desconhecido. Embora não tenhamos conseguido muito,

estragamos seus planos. Existe certa probabilidade de

que fique nervoso e cometa nos próximos dias alguns

erros que nos permitam chegar mais perto dele.”

* * *

Perry Rhodan em pessoa levou Betty Toufry ao avião

que a levaria para Nova Iorque. Rhodan falava baixo,

mas em tom insistente, e Betty era uma ouvinte muito

atenta.

— Existe muita coisa que você não compreenderá

Betty — disse Rhodan. — Ao menos metade do que

pretendemos fazer depende de que a General Cosmic

Company continue viva. Você vai a Nova Iorque a fim

de proteger Mr. Adams de qualquer inimigo que dele

queira se aproximar às ocultas. Você terá de ficar com os

olhos bem abertos, Betty!

Betty parou e lançou um olhar sério para Rhodan.

— Ficarei de olhos bem abertos.

Poucos minutos depois Betty estava a caminho de

Nova Iorque.

Naquela mesma noite o capitão Farina transmitiu

uma mensagem de Salt Lake City. Informou que ainda

não havia encontrado qualquer pista. Disse textualmente:

— Se não tivesse visto o cadáver de Richman com

meus próprios olhos, não acreditaria que alguém o

assassinou. É o crime perfeito, Mr. Rhodan. Nenhuma

pista, absolutamente nada.

Face a isso, as pesquisas em torno do assassínio de

Richman foram definitivamente suspensas.

Quando Rhodan concluiu a palestra com Farina,

Thora entrou na sala. Deixou que a porta de enrolar

baixasse silenciosamente atrás dela e não interrompeu

Rhodan quando ele lançou um olhar pensativo sobre as

luzes coloridas do grande painel do telecomunicador.

De início pensou que não tivesse notado sua

presença. Mas depois de algum tempo disse de repente:

— Ainda temos muita coisa a fazer, Thora. Já pensou

nisso?

Thora aproximou-se.

— Sim; posso imaginar — respondeu.

Rhodan olhou-a.

— Já notou que existe uma pergunta para a qual

ainda não encontramos nem um princípio de resposta?

Thora sorriu.

— É a explosão no bloco G, não é?

— Exatamente. Podemos imaginar de que forma

foram subtraídos os destróieres. Basta um teleportador

dotado da capacidade do que sequestrou Crest. Pode

introduzir seus cúmplices no território da Terceira

Potência, um por um ou talvez ao mesmo tempo, e fazê-

los descer na sala de comando das naves. Quanto ao

resto, não haverá mais problema. Mas ainda não sabemos

como alguém pode provocar uma explosão num pavilhão

de montagem sem que nele se encontre um miligrama de

material nuclear.

Houve uma ligeira pausa.

— Será que acredita que um homem como você

levará muito tempo para descobrir a explicação? —

perguntou Thora.

Rhodan encarou-a; parecia perplexo. Procurou um

sinal de ironia em seu rosto; mas não o encontrou.

— Se isso foi um elogio — disse depois de algum

tempo, com um sorriso — foi um elogio muito gentil.

Na época em que a Terceira Potência foi fundada, Perry Rhodan mandou que seus

captores de mutantes’ corressem mundo para lhe trazer os elementos com que pudesse criar

seu Exército de Mutantes.

O Supercrânio teve a mesma ideia. Em silêncio montou sua organização secreta, e agora

achava que ela já era suficientemente forte para enfrentar a Terceira Potência. E é assim que

se trava o Duelo de Mutantes, título do próximo volume da série Perry Rhodan.

Page 163: Perry Rhodan - 1º Ciclo "A Terceira Potência - Volume V - O Supercrânio - p- 21-25.pdf

163

Nº 26/27/28/29/30

De K. H. Scheer Clark Darlton Kurt Mahr W. W. Shols

Os primeiros ataques do Supercrânio foram repelidos. A Terceira

Potência provou sua solidez.

Mas o pavoroso inimigo continua de posse de seu quartel-general, de

onde pode lançar novos ataques contra a Terceira Potência ou outros

Estados. A tarefa mais urgente de Perry Rhodan consiste em localizar essa

central e arrebatar as armas do Supercrânio, pois só assim conseguirá

evitar o caos.

Perry Rhodan coloca em campo os seus mutantes, que se defrontam

com inimigos que nada lhes ficam a dever em capacidade. O Duelo de

Mutantes é deflagrado.

Os Saltadores – Volume 6