Perry Rhodan - 1º Ciclo " A Terceira Potência - Volume VII - Voo Para o Infinito. P- 31-35

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1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA VOLUME 7 P- 31-36

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A Terceira Potência, dirigida por Perry Rhodan — uma feliz combinação da energia humana com a supertecnologia arcônida — pode apresentar, nos seus anos de existência, uma história muito movimentada, cheia de dramáticos altos e baixos.Mas os acontecimentos mais recentes dão a impressão de que, ao se encontrar com os saltadores ou mercadores galácticos, Perry Rhodan passou a se defrontar com um poder que tem a intenção e a capacidade de destruir a Terra para eliminar um possível concorrente no comércio interestelar.Há oito mil anos os saltadores detêm o monopólio do comércio galáctico, isso porque eles sempre reprimiram no nascedouro qualquer concorrência que se esboçasse.A Terra e a Solar System, dois cruzadores espaciais da Terceira Potência, juntamente com o grupo de Julian Tifflor, que se encontra no planeta de gelo, dão muito trabalho aos saltadores no sistema de Beta-Albíreo, impedindo-os de se lançarem a um ataque direto contra a Terra. Acontece que os saltadores já dispõem de uma quinta-coluna em nosso planeta, composta de inúmeros agentes que procuram conquistar as bases da Terceira Potência.

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1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA

VOLUME 7

P- 31-36

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1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA

VOLUME 6

P- 26-30

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

O Herdeiro do

Universo

Mundo de Gelo em Chamas

Volume 33

O Exército de Mutantes

O Imperador de Nova Iorque

Volume 31

O Exército de Mutantes

Voo Para o Infinito

Volume 32

O Exército de Mutantes

Levtan, O Traidor

Volume 34

O Exército de Mutantes

O Planeta dos Deuses

Volume 35

O Exército de Mutantes

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O Imperador de Nova Iorque

Voo Para o Infinito

Mundo de Gelo em Chamas

Levtan, o Traidor

O Planeta dos Deuses

1º Ciclo – A Terceira Potência

Volume 07

Episódios: 31 - 36 de 49

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Nº 31

De

W. W. Shols

Tradução

Richard Paul Neto Digitalização

Denise Revisão e novo formato

W.Q. Moraes

A Terceira Potência, dirigida por Perry Rhodan — uma feliz combinação da

energia humana com a supertecnologia arcônida — pode apresentar, nos seus

anos de existência, uma história muito movimentada, cheia de dramáticos altos e

baixos.

Mas os acontecimentos mais recentes dão a impressão de que, ao se encontrar

com os saltadores ou mercadores galácticos, Perry Rhodan passou a se defrontar

com um poder que tem a intenção e a capacidade de destruir a Terra para

eliminar um possível concorrente no comércio interestelar.

Há oito mil anos os saltadores detêm o monopólio do comércio galáctico, isso

porque eles sempre reprimiram no nascedouro qualquer concorrência que se

esboçasse.

A Terra e a Solar System, dois cruzadores espaciais da Terceira Potência,

juntamente com o grupo de Julian Tifflor, que se encontra no planeta de gelo, dão

muito trabalho aos saltadores no sistema de Beta-Albíreo, impedindo-os de se

lançarem a um ataque direto contra a Terra. Acontece que os saltadores já

dispõem de uma quinta-coluna em nosso planeta, composta de inúmeros agentes

que procuram conquistar as bases da Terceira Potência.

O Imperador de Nova Iorque é um desses perigosos agentes...

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1

Uma transição no hiperespaço.

Provinham da quinta dimensão, onde eram apenas energia

e estavam reduzidos a uma amostra fiel de sua verdadeira

identidade.

Cada vez que ocorria o fenômeno repetiam-se as

mesmas dores físicas. A rotina não alterava nada nesse

quadro. Cada transição trazia seu choque.

As juntas repuxavam e, depois que o espaço normal

havia recuperado o corpo, os

olhos precisavam se adaptar ao

mesmo.

Figuras coloridas e saltitantes

surgiam de um estranho

crepúsculo. Custavam a

desaparecer. Pedaço por pedaço,

os olhos voltavam a abranger a

visão da realidade. Quando isso

aconteceu, Rhodan se deparou

com o sorriso largo de Bell, que

não parecia muito convincente.

Reginald Bell não teve o

menor constrangimento em

praguejar em altas vozes e

esfregar a nuca. Pouco lhe

importava que todo o pessoal

reunido na sala de comando da

Stardust-III o visse naquela

oportunidade. Tinha certeza de

que cada um deles estava ocupado

em primeira linha com seus

problemas. Ninguém escapava à

dor e ao choque.

— Graças a Deus! Estamos

em casa!

Estas palavras só poderiam ter saído da boca de

alguém que há muito tempo vivia as concepções

cósmicas. Afinal, ainda se encontravam muito além da

órbita de Plutão, a cerca de oitenta unidades astronômicas

do planeta Terra.

Mas, se considerarmos que o salto espacial os

transportara num instante por uma distância de trezentos e

vinte anos-luz...

Subitamente um forte zumbido se fez ouvir em meio a

essas reflexões ociosas. Pareciam cem transformadores

avariados ao mesmo tempo. De um instante para outro,

todos se esqueceram das dores nas juntas. Uma sereia de

alarma não teria causado maior agitação.

Perry Rhodan sentiu o beliscão que Bell deu em seu

braço.

— Está vendo? Um belo dia esses saltos teriam que

causar algum problema. Nem quero ver quando a tela de

proa esquentar.

Reginald Bell não foi o único que sentiu arrepios de

susto. Qualquer ruído, por mais familiar que seja, deixa de

ser inofensivo quando se verifica uma coincidência

temporal entre ele e o retorno do hiperespaço. Apesar da

segurança proporcionada pela tecnologia arcônida

altamente desenvolvida, o homem desconfiava por

instinto.

Desta vez Rhodan sorriu. Em sua mente o instante de

pavor foi mais curto.

— A tela já está quente. Não sei por que todo esse

nervosismo.

Os instrumentos na sala de comando já tinham voltado

a funcionar. Na lâmina translúcida via-se a constelação

familiar do sistema solar. Os dispositivos automáticos

haviam mandado para o espaço os raios dos rastreadores e

dos aparelhos de radar. Antenas complicadas captavam os

impulsos identificáveis no espectro eletromagnético e,

depois de transformá-los em símbolos inteligíveis,

conduziam-nos para o quadro que se encontrava diante do

primeiro-piloto.

Não havia a menor dúvida: a

transição fora coroada de êxito.

Estavam em casa. Apesar disso, o

sorriso de Rhodan só durou poucos

segundos.

O ruído fora causado pelas

instalações superpotentes do aparelho

de intercomunicação instalado na

nave, cujos impulsos de captação

conseguiam absorver, num décimo de

segundo, uma mensagem de um

metro de comprimento. O aparelho de

decifração acoplado ao mesmo fez

com que poucos segundos depois o

texto decodificado se encontrasse

diante dos olhos de Rhodan.

— Cruzador Terra para Stardust-

III! Cruzador Terra para Stardust-III!

Segundo informações colhidas pela

equipe de Tifflor, os agentes que o

inimigo colocou na Terra são robôs

arcônidas. É de recear que se trate de

robôs que sejam de nossa

propriedade e se encontrem a serviço da Terceira

Potência. As pesquisas realizadas levam à conclusão de

que, em alguns casos, certos especialistas dos

mercadores conseguiram chegar à Terra sem serem

reconhecidos e modificaram a programação dos robôs

segundo suas conveniências. Existe um perigo grave para

a Terra. Cruzador Terra para a Stardust-III! Cruzador

Terra para a Stardust-III!

Com um clique, a reprodução em fita foi interrompida.

Por alguns segundos, um silêncio total tomou conta da

ampla sala de comando desse gigante do espaço, cujo

diâmetro atingia oitocentos metros.

— Vejo que a missão secreta do cadete Tifflor não foi

em vão — constatou Rhodan laconicamente. Até parecia

que as informações que acabara de receber não o

preocupavam, mas lhe causavam alegria por

demonstrarem que seus planos foram corretos. Bell,

porém, não sentiu a menor disposição de se mostrar

exultante com uma notícia tão desalentadora.

— Esse menino, o Tifflor, ainda o levará a um

convento, onde você poderá meditar em paz —

esbravejou o homem de olhos cor de água. — Até parece

que você ainda não compreendeu todo o significado da

mensagem que acabamos de receber. Permita que eu a

interprete no sentido de que o inferno está às soltas na

Terra. Este é o primeiro ponto. E o segundo ponto é o

Personagens Principais deste episódio:

Perry Rhodan — Chefe da Terceira

Potência e comandante da Stardust-III.

Reginald Bell — Ministro da Segurança da

Terceira Potência.

Coronel Freyt — Representante de Perry

Rhodan na Terra.

Ivã Ivanovitch Goratchim — Que tem o

costume de brigar consigo mesmo.

Tako Kakuta — Um teleportador que não

gosta de rastejar.

Homer G. Adams — Um homem que não

faz a menor questão de se colocar a serviço

de um “imperador”.

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seguinte: temos que deixar Vênus de lado e nos dirigir

diretamente à Terra.

— Ainda dispomos de três minutos para resolver isso,

Bell — disse Rhodan em tom indiferente e sem a menor

ironia. — Na posição em que nos encontramos a mudança

de rota não será superior a um segundo do arco graduado.

O que importa no momento é acelerarmos a nave ao

máximo...

Enquanto falava, Rhodan transmitiu as instruções

necessárias através de seu painel de controle. Poucos

segundos depois, a Stardust-III, impelida por forças

titânicas, disparou para frente. A nave parecia adquirir

vida. O uivo dos geradores de propulsão rivalizava com o

barulho dos mecanismos de absorção da força

gravitacional, forçados até o máximo de sua capacidade.

Esses fatos não afetaram o bem-estar dos tripulantes.

O que parecia se mover era o universo, não a nave. A sala

de comando parecia um polo imóvel plantado no centro

do espaço cósmico.

Rhodan se reclinou no assento do piloto.

— Agora precisamos de paciência. De doze horas de

paciência, que será o tempo que levaremos para pousar no

planeta Terra.

Era a ironia das leis naturais.

Um salto espacial de trezentos e vinte anos-luz podia

ser comprimido num tempo objetivo de poucos minutos.

Mas num voo normal a uma velocidade próxima à da luz

— a que tinha de recorrer no âmbito de sistemas solares

habitados, por motivos de segurança — um pulo de gato

de pouco mais de dez bilhões de quilômetros demorava

meio dia.

Paciência!

* * *

A situação da Terra entrara num estágio novo,

bastante crítico.

Depois de longos anos, Rhodan pretendia cumprir a

promessa de levar Thora e Crest, os arcônidas, ao seu

mundo natal. Por outro lado, achava que a criação de um

governo universal para o planeta Terra representava um

problema urgente. Mas, umas séries de acontecimentos

misteriosos vieram perturbar a realização desses projetos.

Dois destróieres de três tripulantes da Terceira

Potência não regressaram de um voo de reconhecimento.

Mais ou menos ao mesmo tempo, desapareceu uma nave

auxiliar, da classe dos chamados girinos. Tudo isso

aconteceu numa época de paz, na qual não se percebia o

menor sinal de que houvesse o perigo de uma invasão

extraterrena. Como se isso não bastasse, as naves de

patrulhamento da Terceira Potência, alertadas por esses

fatos, constataram que pouco depois algumas naves

desconhecidas pousaram em Vênus e logo voltaram a

decolar. Certas perturbações na estrutura espaço-temporal

permitiram a medição de transições que só poderiam ter

sido originadas por hipersaltos executados por unidades

espaciais desconhecidas. O maior cérebro positrônico do

sistema solar, instalado na selva do hemisfério norte do

planeta Vênus, com base em fatores de probabilidade bem

fundados, concluiu que um poder desconhecido vindo das

profundezas do espaço descobrira a posição da Terra, mas

recuava diante de um conflito aberto.

Constatada essa situação, Rhodan colocou em estado

de alarma seu Exército de Mutantes e, numa missão

extenuante, tangera seus membros para todos os cantos do

globo terrestre. Mas a missão não produziu o menor

resultado. Seus colaboradores supersensoriais — parte

deles eram telepatas — voltaram sem terem conseguido

nada.

Em Terrânia, a metrópole da Terceira Potência,

erguida em pleno deserto de Gobi, não se sabia o que

fazer. Pelo que tudo indicava, certos acontecimentos

misteriosos que se verificaram na Terra só podiam ser

atribuídos a agentes vindos de fora. Mas ninguém

conseguia localizar esses agentes. E, quando um mutante

não conseguia encontrá-los, qualquer um haveria de

confessar que não podia fazer mais nada.

Isso, todavia, não aconteceu com Perry Rhodan!

Ele inverteu as posições. “Se Maomé não vai à

montanha, a montanha tem de ir a Maomé”, conjeturou.

Agiu como se Julian Tifflor, um dos elementos mais

promissores de seu corpo de cadetes, fosse um agente

altamente secreto da Terceira Potência. Tifflor era a isca.

E os desconhecidos morderam a isca.

Apoderaram-se da nave espacial em que Tifflor

viajava, a Good Hope-IX, comandada pelo major

Deringhouse. Para isso, lançaram mão de um raio de

tração. Depois desviaram o veículo espacial para o

sistema que gravita em torno dos sóis geminados de Beta-

Albíreo, situado a uma distância de trezentos e vinte anos-

luz.

Imediatamente a Stardust-III, com dois girinos a bordo

e acompanhada dos cruzadores Terra e Solar System

seguiu o cadete. Mas Rhodan teve bastante inteligência

para não superestimar o poderio de sua pequena frota.

Não podia arriscar um ataque direto; teria que se manter a

uma distância segura e sondar a situação.

As informações de Crest, o arcônida, confirmaram o

acerto desse procedimento.

Descobriram que estavam lidando com uma raça

legendária de mercadores galácticos, os saltadores. A

posição do sistema de Beta-Albíreo constituía o indício

mais seguro disso. Crest pôde explicar detalhadamente o

que havia com essa raça.

A oito mil anos da escala de tempo terrestre os

saltadores haviam se separado do Grande Império

arcônida, embora fossem descendentes dos arcônidas. Seu

estilo de vida inconstante fez com que passassem a levar

vida nômade. Com isso desenvolveram uma cultura e uma

tecnologia autônoma. Enquanto o mundo de Árcon, que já

fora tão forte, entrou num processo de degenerescência

ininterrupta, os mercadores saíram pelas imensidões da

galáxia, onde encontraram poder e riqueza. Embora não

fossem de índole guerreira, não recuavam diante de

qualquer meio para alcançar os objetivos a que se

propunham. E um desses objetivos era a Terra.

* * *

Paciência!

Esse pedido de Rhodan representou uma dura

provação para todos. Até para ele mesmo.

Faltavam doze horas para o pouso na Terra. O que não

poderia acontecer nesse tempo?

Os agentes estranhos eram robôs que integravam suas

próprias fileiras. Mas robôs com a programação

modificada.

Na sala de comando não discutiam muito. Sempre que

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o chefe da Terceira Potência se encontrasse presente,

guardava-se um respeito espontâneo, embora todos

soubessem que Perry Rhodan era um homem acessível a

qualquer ideia razoável.

Um homem que raras vezes guardava silêncio era o

representante de Rhodan, Reginald Bell.

Bell encontrou a palavra adequada para desfazer o

clima de tensão.

— Até parece que vocês estão sendo levados para a

forca. O que importa que faltem algumas horas para o

pouso? Ao menos conhecemos a situação. Afinal, os

robôs enlouquecidos já estão andando há semanas pelas

áreas que estão sob nosso controle. E, apesar do trabalho

secreto que talvez já tenham feito, a Terra continua de pé.

Quando estivermos na Terra, não demoraremos a dar um

fim a isso. Acho que ainda vamos atrapalhar os cálculos

dessa gente.

Bell se calou. Um ou outro dos circunstantes

respondeu com um aceno de cabeça. Mas não chegou a se

estabelecer a conversa que ele desejaria. Perry Rhodan

transmitiu algumas ordens para os observadores e

solicitou um controle de rota.

Concluída essa operação de rotina, o silêncio voltou a

se instalar na sala. Os pensamentos voltaram a caminhar

pelo futuro e pelo passado.

A Good Hope-IX, com o comandante e os cadetes,

caíra nas mãos dos saltadores. A essa hora, porém, já se

sabia que Tifflor e seus companheiros haviam conseguido

chegar a um planeta de gelo, onde se mantinham

escondidos. Rhodan enviara Gucky, um estranho ser

peludo, para ajudá-los; graças aos seus múltiplos dons

parapsicológicos Gucky representava uma ajuda

substancial. No momento era só o que podia fazer pelo

grupo. A qualquer momento teria que contar com a vinda

de reforços para o inimigo. Suas naves eram unidades

dotadas do acabamento arcônida. Para se manter diante

desse inimigo dotado de iguais recursos técnicos teria que

procurar alcançar uma superioridade em outra parte. E

essa outra parte só poderia se situar no planeta Peregrino,

o planeta da vida eterna.

Mas, para encontrar o Peregrino, não bastaria uma

navegação de rotina. Os anuários astronáuticos e as

tabelas de efemérides não adiantariam nada. O planeta da

vida eterna era um mundo sem sol. Era um solitário que

jazia nos campos gravitacionais da Via Láctea, mas podia

alterar sua rota independentemente dos mesmos, segundo

a vontade e os caprichos de seu senhor.

O cérebro positrônico altamente desenvolvido estava

em condições de obter dados sobre a posição do planeta; e

estes dados se revestiam de razoável teor de

probabilidade. O cérebro “mais inteligente” de que

dispunha a Terceira Potência estava instalado em Vênus.

Esse fato bastara para levar Perry Rhodan a se afastar

do sistema de Beta-Albíreo. Precisava dos dados sobre a

posição em que o Peregrino se encontrava no momento,

pois ali iria buscar aquilo de que necessitava para alcançar

superioridade sobre os mercadores.

Concluiu-se que a notícia alarmante transmitida pelos

cruzadores em patrulha não correspondia ao programa.

Apesar disso, Rhodan conseguiu extrair o que havia de

melhor nesse fato.

Finalmente obtivera algum indício sobre a ação a ser

empreendida na Terra. Na verdade, a origem daquela

situação que envolvia todos estava no seu planeta natal.

Por semanas a fio não conseguiram pôr as mãos no

inimigo invisível. Só agora, através da atuação de Tifflor,

descobrira-se que a causa de tudo aquilo não eram seres

vivos, mas robôs.

O novo dado constituía motivo suficiente para desistir

por enquanto do pouso em Vênus. De nada valeriam as

vitórias que fossem alcançadas lá fora, na galáxia, se a

Terra, que era a base da Humanidade, ia passando

progressivamente ao controle do inimigo.

Rhodan preferiu não transmitir para Terrânia os fatos

que haviam acabado de chegar ao seu conhecimento.

Seria melhor chegar de surpresa. Não queria que qualquer

dos agentes do inimigo soubesse antes da hora que sua

identidade havia sido descoberta.

Na altura da órbita de Júpiter, a Stardust-III expediu o

primeiro aviso. Tratava-se de uma mensagem lacônica e

rotineira, que informava a base de Gobi de que o pouso de

Rhodan estava previsto para breve.

A confirmação de Terrânia veio pela voz do próprio

coronel Freyt.

— Ainda bem que está chegando, chefe. Muita coisa

aconteceu na sua ausência.

— Não me aborreça, coronel — disse Rhodan com um

sorriso, a fim de confundir eventuais escutas do inimigo.

— As notícias que lhe trago também não são muito

agradáveis. Espero que ao menos tenha descoberto os

agentes do inimigo durante minha ausência.

— Reivindico o direito de não ser mais inteligente que

você e seu Exército de Mutantes — respondeu o coronel

Freyt em tom distante. — Elaboramos um relatório

detalhado sobre as ações por nós empreendidas. Com sua

permissão, o mesmo lhe será apresentado logo após sua

chegada.

— Não faça tanto drama. Afinal, qual foi o resultado?

— Os tais dos agentes inimigos não existem.

Muito obrigado, coronel. Fique com esse tipo de

surpresa para si. Seria justo que uma pessoa que volta

para casa só recebesse notícias agradáveis. Acho que você

não levará mais de dez anos para aprender isso...

* * *

A Stardust-III penetrou na abóbada energética da área

central de Terrânia, que se abrira especialmente. No

espaçoporto A vários veículos estavam à espera, para

levar os oficiais aos quartéis. O resto da tripulação foi

colocado em vários ônibus robotizados. Ficaram para trás

apenas dez homens da equipe de conservação, que

imediatamente entraram em contato com os robôs de

plantão, que realizariam uma limpeza e uma verificação

cuidadosa no gigantesco veículo espacial.

Rhodan foi imediatamente ao escritório de Freyt.

Somente Bell o acompanhou.

Contrariamente ao que costumava fazer, o coronel não

comparecera ao espaçoporto para recebê-los. O

cumprimento que pronunciou a entrada de Rhodan e Bell

não teve nada de solene. Freyt parecia deprimido. De pé

atrás da escrivaninha, disse com a voz um tanto cansada:

— Façam o favor de sentar.

Estendeu um estojo de cigarros a Rhodan e Bell.

Sentou devagar e respirou aliviado. Talvez fosse porque a

partir desse momento a responsabilidade pela Terceira

Potência voltara às mãos de Rhodan. Apesar disso, não

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parecia muito aliviado.

— Tudo continua como antes, chefe, com a única

diferença de que o inimigo fica mais atrevido a cada dia

que passa...

— Há pouco me disse pelo rádio que os agentes

inimigos não existem.

— E não existem mesmo, se me baseio no resultado

das nossas investigações. Mas eles passam a existir se

você lê os jornais, Rhodan.

— Está bem. Conte tudo, Freyt.

— Esqueça-se da palestra que tivemos pelo rádio.

Aqui estamos entre nós; podemos falar à vontade.

— Duvido muito de que estejamos a sós.

— Não se faça de neurastênico, coronel! Nunca me

constou que você sofresse alucinações. Não me comece

com isso justa mente agora.

— Estou falando sério. Não há dúvida de que os

agentes que procuramos realmente existem. Mas não

existe um ser vivo na Terra que possa ser reconhecido

como tal. O senhor mesmo experimentou aquele fracasso

com a atuação dos mutantes...

— Não me recorde os meus fracassos.

— Hoje já sabemos mais alguma coisa. O cadete

Tifflor descobriu que os indivíduos que estamos

procurando são nossos robôs... Ou ao menos alguns

deles...

— O coronel Freyt encarou o chefe.

— Nossos robôs? — gaguejou. — Isso é...

— Isso é perfeitamente possível e plausível, Freyt. É a

única explicação que temos. Tifflor sabe disso. Não

imaginou esta solução, mas andou espreitando o inimigo.

— E a explicação é perfeitamente aceitável.

— Todo mundo sabe que nossos telepatas não podem

ler os pensamentos dos robôs. Seu processo mental

desenvolve-se em outra faixa de frequência que o do

homem natural. Além disso, as reações celulares

artificiais são muito mais primitivas e menos exatas que

as do nosso cérebro. Portanto, não há por que deixarmos

de acreditar nessa versão.

De um instante para outro, Freyt parecia

completamente transformado. Sua atitude voltara a

exprimir o otimismo que todos estavam acostumados a

ver nele.

— Nesse caso não haverá o menor problema.

Suspendemos o suprimento de energia de todos os robôs e

realizamos uma revisão completa nos mesmos.

— Foi esta a decisão que tomei há oito horas — disse

Rhodan, arrefecendo o entusiasmo de Freyt. — Mas

espero que você consiga imaginar o que vai acontecer se

paralisarmos hoje de tarde todos os robôs de trabalho.

Nossas linhas de montagem estão trabalhando a plena

capacidade. A eliminação de vários milhares de elementos

de vigilância significaria que em muitos casos as reações

necessárias deixariam de ser realizadas. Imagine o que vai

acontecer se a corrida de um alto-forno sofrer um atraso,

ou se o suprimento de grafite de um reator não for

controlado, ou...

O coronel Freyt levantou a mão, num gesto de recusa.

— É claro que compreendo Rhodan. Nossa indústria

não pode funcionar sem a utilização constante dos robôs.

Haveria uma catástrofe...

— Somos escravos da nossa tecnologia — disse Bell,

completando o raciocínio. — É uma situação maluca. O

inimigo está em nossas fileiras. Se reduzirmos essas

fileiras à inatividade, nossa cidade não demorará um dia

em voar pelos ares. A solução do dilema cabe a você,

Rhodan.

Rhodan provou que a solução não era tão difícil assim.

Era bem verdade que os habitantes humanos de Terrânia

teriam que desenvolver uma energia extraordinária.

— Dispomos de sete horas para preparar a execução

do plano. Depois das vinte e duas horas, o último turno

dos trabalhadores da indústria comum vai para casa. Até

lá noventa por cento das nossas fábricas estarão

paralisadas. Só teremos de nos preocupar com os dez por

cento que trabalham dia e noite. Trata-se das usinas de

força, dos postos de controle geral, dos hospitais, das

unidades policiais, do serviço de vigilância estratégica,

etc. Até as vinte e duas horas todos esses serviços deverão

ser ocupados discretamente por seres humanos. Às vinte e

duas horas e dez minutos o suprimento de energia de

todos os robôs será suspenso.

De todos os robôs de trabalho, Rhodan — ponderou

Bell. — Não se esqueça de que os robôs de combate

dispõem de um comando individual, motivo por que não

dependem dos impulsos fornecidos pelo cérebro central

de controle.

— É um risco que temos de assumir — declarou

Rhodan. — Com uma única ação não podemos liquidar

tudo. Acontece que os robôs de trabalho representam

perto de oitenta por cento do total de que dispomos. Com

a paralisação deles, o risco principal será eliminado. Faça

o favor de convocar a cúpula do estado-maior, coronel.

Daqui a meia hora quero falar com os meus

colaboradores.

No mesmo instante teve início uma atividade que

poucas vezes havia sido vista em Terrânia. Sob um sigilo

absoluto e mediante um estrito controle telepático, os

colaboradores mais chegados de Rhodan receberam suas

instruções. Estas foram retransmitidas à ampla rede de

setores subordinados.

Para o observador desprevenido, as atividades do dia-

a-dia pareciam prosseguir sem a menor alteração. Os

numerosos turistas que se encontravam na cidade, vindos

de todos os continentes, e que costumavam chegar a

Terrânia em contingentes diários de dois a três mil,

apenas viam a atividade benfazeja daquela nação

territorialmente tão pequena. Sem desconfiar de nada,

sentiam a paz, a segurança e o poder que irradiavam do

reino de Rhodan.

Quando a hora X se aproximava, se encontravam nos

locais de vida noturna ou nos seus aposentos nos hotéis.

22:00 h: As sereias anunciam o término de mais um

dia de trabalho, o fim do último turno.

22:05 h: O nervosismo cresce entre as pessoas

informadas sobre os acontecimentos. Os sentidos estão

tensos.

22:10 h!

Em algum lugar situado no interior da abóbada

energética central uma mão puxa a chave de que tudo

depende. No mesmo instante, milhares de robôs de

trabalho suspendem sua atividade. Veículos dirigidos

eletronicamente param em meio à viagem. Em todos os

lugares em que havia máquinas que controlavam outras

máquinas o trabalho é suspenso. Nas indústrias vitais as

pessoas que se encontram de prontidão saltam para frente

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e numa questão de segundos substituem as máquinas que

entraram em greve. A vida tinha de continuar.

Tudo aquilo havia sido preparado nos menores

detalhes. Os homens de Terrânia trabalhavam em mais de

cinco mil turnos especiais. A execução de numerosas

funções, que o homem progressista há anos entregara à

máquina, correu sem o menor contratempo. Aquilo

representava uma recaída para o desconforto de tempos

mais atrasados. Mas, apesar dos termos lacônicos em que

fora concebida, a ordem secreta levara ao conhecimento

de todos os participantes que as questões que se

encontravam em jogo eram de importância vital.

De repente, viaturas policiais com os alto-falantes a

todo volume passaram pelas ruas.

— Atenção, moradores de Terrânia! Houve um

contratempo no posto central de controle de robôs.

Pedimos a todos que se mantenham calmos e

disciplinados. Os reparos demorarão algumas horas. O

ministério do interior tomará imediatamente todas as

medidas necessárias. Os hóspedes e habitantes de

Terrânia que teriam que andar mais de quinze minutos

para chegar em casa deverão comparecer aos pontos de

parada. Pedimos que os que residam mais perto andem a

pé. Não há motivo para preocupações. Mantenham-se

disciplinados. O ministério do interior tomará

imediatamente...

O quartel-general da operação fora instalado no

escritório do coronel Freyt. Este se transformara numa

espécie de prefeito de Terrânia, embora sua posição

oficial não fosse esta. Era o representante de Rhodan no

território da Terceira Potência e, como tal, conduzia os

destinos do Estado e de sua capital sempre que Rhodan se

encontrasse em outro lugar. E muitas vezes Rhodan se

encontrava em outro lugar.

O representante de Rhodan nas questões universais era

Reginald Bell. Dali se concluía como esses dois homens

sofriam sob o peso das chamadas viagens de negócios.

Quase sempre andavam fora. Em outro país, em outro

planeta e até em outro sistema solar.

A tarefa de Freyt era mais prosaica, muito embora

tanto no caráter como no aspecto exterior ele tivesse

muita semelhança com Perry Rhodan. Geralmente ficava

no deserto de Gobi, onde executava as funções de lugar-

tenente do chefe.

Quando Rhodan regressava, muitas vezes apresentava

relatórios extensos sobre os acontecimentos rotineiros do

dia-a-dia. E às vezes havia algo de excitante.

Como hoje.

O coronel Freyt não procurou ocultar o fato de que a

presença de Rhodan representava um alívio para ele.

Dificilmente teria havido em Terrânia horas tão críticas

como as que estavam se passando. Reginald Bell chegou a

afirmar que era o dia mais excitante que vivia desde o

pouso no deserto de Gobi.

— O resultado de nosso trabalho foi excelente —

argumentou Bell. — Nenhuma das ações que nos foram

relatadas deixa nada a desejar. Sei perfeitamente que só

na Terceira Potência uma tarefa pode ser executada com

tamanha precisão. Mas a coisa deverá ter seu

prosseguimento...

— Você não demorará em saber como prosseguirão as

coisas — respondeu Rhodan. — Até agora o mundo não

parou por causa das preocupações que passam pela sua

cabeça.

— Mas os robôs pararam. Lembro-me perfeitamente

das promessas gordas que você transmitiu pelos alto-

falantes móveis e pela rádio estatal. Você sabe

perfeitamente que, por enquanto, nem podemos pensar em

reativar os robôs de trabalho, a não ser que deseje trazer

de volta o risco que ontem enfrentávamos.

— Agora é noite. Nas próximas horas pouca gente

estará interessada em saber quando os robôs estarão

plenamente recuperados. A situação só começará a se

tornar crítica amanhã de manhã, quando as pessoas

quiserem esquentar a água para o café. Até lá teremos que

dar conta do recado.

Bell se limitou a dar de ombros, num gesto de

incredulidade. Pensava nos milhares de robôs, que teriam

de ser examinados um por um. E o exame só poderia ser

realizado por seres humanos.

Saíram do escritório de Freyt e dirigiram-se ao

elevador que os levaria ao subsolo. Ali havia muitos

veículos que podiam ser dirigidos pela mão do homem.

Pegaram três carros e saíram para a área dos fundos, de

onde se dirigiram a um pavilhão situado a cerca de quatro

quilômetros de distância.

Ali uns trezentos engenheiros haviam montado seus

postos de controle. Já estavam trabalhando no momento

em que Rhodan chegou com seu estado-maior, que incluía

vários mutantes.

Numa fila ininterrupta vinham chegando os

caminhões, cujos guindastes colocavam cautelosamente

no chão os robôs desativados.

Rhodan e Reginald Bell entraram no pavilhão e

visitaram alguns dos postos de controle. O chefe da

Terceira Potência conversou com os engenheiros-chefe e

os dirigentes técnicos. Apenas dizia algumas palavras

indiferentes, pois a forma de execução do trabalho havia

sido estabelecida em todos os detalhes. Os pacientes eram

classificados segundo critérios especiais e transferidos a

outro setor, onde era apagada a programação anterior.

Poucos recebiam desde logo um novo programa. Eram

aqueles que seriam necessários para os serviços que

teriam que ser executados ainda naquela noite. Os outros

teriam que aguardar novas solicitações.

Saíram do pavilhão, depois de terem se certificado de

que o trabalho com os robôs corria normalmente. Antes

de entrarem nos seus carros, Rhodan se dirigiu a Tako

Kakuta, um teleportador japonês que, graças às suas

capacidades sensoriais que haviam passado por um

processo de mutação, estava em condições de se

teleportar no mais curto espaço de tempo para qualquer

lugar que escolhesse. No âmbito da geografia terrestre as

distâncias praticamente não representavam nada para ele.

— Olá, Tako! Dê um salto para junto do capitão

Klein, que está dirigindo a ação contra os robôs de

combate. Peça que ele lhe forneça um breve relato sobre a

situação e vá diretamente ao escritório do coronel Freyt.

Dentro de cinco minutos no máximo estaremos lá.

— Está bem, chefe — confirmou o teleportador. Por

um instante concentrou-se sobre o alvo que pretendia

atingir com o salto. Depois disso, a figura de seu corpo se

dissolveu num nada aparente. Para os homens da Terceira

Potência, o desaparecimento de um teleportador numa

questão de segundos era um acontecimento corriqueiro.

— Peço aos outros que venham comigo — disse

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10

Rhodan.

Elaborara um plano bem definido para as ações a

serem empreendidas naquela noite. E uma das

providências mais inteligentes consistia em estar

prevenido para qualquer imprevisto. Por isso não podia

dispensar a presença dos mutantes. Deviam estar à mão

quando surgisse algo de extraordinário.

Rhodan examinou o grupo de mutantes.

Muitos dos mais capazes dos seus mutantes tinham

ficado em companhia de John Marshall, a bordo dos

cruzadores pesados Terra e Solar System, estacionados no

sistema de Beta-Albíreo. Assim mesmo Rhodan podia

depositar toda a confiança nos homens e nas mulheres que

com ele tinham regressado à Terra.

Além de Tako Kakuta podia contar com Anne Sloane,

uma americana loura e delgada que tinha o dom da

telecinésia. Nos últimos anos, ela aperfeiçoara este dom

através de um treinamento constante. Também havia Ishi

Matsu, uma japonesa, que era uma ótima telepata. E

Wuriu Sengu, um tipo de ombros largos com aspecto de

lutador, cujas forças mentais permitiam-lhe enxergar

através da matéria compacta. Tanaka Seiko, o

goniômetro, possuía um cérebro que desempenhava as

funções de um receptor de ondas de rádio; podia captar

qualquer frequência sem precisar de um rádio.

Finalmente, naquela noite ainda dispunha de Kitai

Ishibashi, um sugestor que dispunha de consideráveis

forças hipnóticas. Quem se encontrasse sob a influência

de Kitai, faria o que ele desejasse, embora acreditasse que

estava agindo por sua livre vontade.

Chegaram ao escritório de Freyt.

— Se as coisas correrem conforme você planejou —

disse o Dr. Manoli, amigo intimo de Rhodan desde o

tempo da primeira viagem lunar — poderemos passar a

noite com vinho e cigarros.

— Com vinho não. Hoje de noite o uso do álcool é

proibido.

Tiveram de se contentar com cigarros.

Pouco depois chegou Tako Kakuta. Não entrou pela

porta ou por qualquer outra abertura na parede. Veio pela

maneira peculiar de um teleportador. No meio da sala se

rematerializou de seu breve salto.

— Tudo bem, chefe — anunciou. — O capitão Klein

está cheio de serviço e disse que eu só o perturbava. Mas

acabou dizendo que podemos ficar tranqüilos.

Rhodan levantou a cabeça; parecia contrariado.

— Desejo um relatório especificado, Kakuta. Não

quero ver chegar o dia em que Klein não tem tempo para

mim. Da próxima vez não se contente com algumas frases

vazias. Entendido?

— É claro que o capitão me entregou algumas linhas

— disse Kakuta, abatido. — Aqui está o papel.

Rhodan leu; seu rosto parecia mais satisfeito.

— Está bem. Ao que parece também no setor de Klein

tudo está dando certo. À meia-noite em ponto, o grupo de

choque entrou em ação. Até agora mais de quinhentos

robôs de combate foram desativados em ações

individuais. Se as coisas continuarem assim, ao

amanhecer do dia a missão estará concluída e poderemos

incluir um comunicado tranquilizador no noticiário das

sete.

— Gostaria de ter o seu otimismo — respondeu Bell

em tom indiferente, sem modificar a posição confortável

em que se encontrava na poltrona de plástico. — Se as

informações expedidas pelo cruzador Terra forem exatas,

grande parte dos nossos robôs age segundo a vontade do

inimigo. Não posso imaginar que os saltadores tenham

alterado apenas a programação dos robôs de trabalho.

Todas as probabilidades levam à conclusão de que um

inimigo esperto se interessaria em primeiro lugar pelas

máquinas de guerra. Em primeiro lugar foram concebidas

para atuar num conflito declarado, e depois sua qualidade

de indivíduos cibernéticos confere-lhes uma autonomia

maior que a dos robôs de trabalhos, submetidos a um

comando centralizado.

— Seu raciocínio não deixa de ser correto —

confirmou Rhodan. — Foi por isso que tive uma conversa

mais prolongada com o capitão Klein. A luta que ele terá

que travar hoje de noite é mais difícil que muitas das

grandes batalhas do espaço que já enfrentamos. Seus

comandos especiais são formados exclusivamente por

oficiais e tenentes. Mas você ouviu o que Tako acaba de

dizer.

O teleportador confirmou com um aceno de cabeça,

como se estivesse empenhado em acalmar os ânimos

exaltados.

— Por três minutos ouvi o capitão Klein expedir

ordens e receber informações. O trabalho está sendo

executado com uma precisão cronométrica. Os homens se

aproximam dos robôs de combate ativados em grupos de

três. Na maioria obedecem à sua lei fundamental, segundo

a qual devem aceitar sem discussão qualquer decisão de

um ser humano. Não oferecem resistência ao serem

desativados...

— Na maioria?

— Isso mesmo. Dizem que houve três exceções. Mas

antes que os sujeitos pudessem ativar seu campo protetor

individual, nossos comandos os atomizaram com seus

radiadores manuais. O chefe tem razão. Quando o sol

nascer, tudo terá chegado ao fim.

Todos olharam instintivamente para Rhodan, que

parecia ser o único que não partilhava o otimismo

generalizado. Em sua testa via-se uma ruga.

— O que acha, Bell? Você não acha que a coisa está

sendo fácil demais?

— Sei o que está querendo dizer. Um robô de combate

deveria ter reações mais seguras, que lhe permitissem

ativar seu campo protetor em tempo quando fosse atacado

por um homem. Ainda acontece que, se os saltadores

programaram vários exemplares segundo seus interesses,

estes deviam se unir para enfrentar nossos comandos. De

outra forma a coisa não faria sentido.

— É isso mesmo. Acho que nosso voo para Vênus terá

de ser adiado por algumas horas ou alguns dias. Não

sairemos da Terra enquanto não tivermos certeza de que

tudo está em ordem. Sairei por alguns minutos. Enquanto

isso você assume o comando, Bell.

Reginald Bell confirmou com um aceno de cabeça.

Ninguém perguntou quais eram as intenções de Rhodan.

* * *

Uma vez lá fora, Rhodan entrou num carro e saiu em

desabalada carreira em direção ao espaçoporto central, em

cuja proximidade estava instalado o cérebro positrônico

de Terrânia. Entrou no enorme edifício. Não havia

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11

ninguém por perto. As barreiras de segurança iam abrindo

caminho para Rhodan, depois de este ter se identificado

através do modelo de suas ondas cerebrais. Finalmente

atingiu o grande pavilhão e realizou alguns cálculos. Os

resultados pareciam satisfazê-lo até certo ponto.

Era bem verdade que seu trabalho não era apenas este.

Os acontecimentos que se desenrolavam na Terra

representavam um contratempo nos planos de Rhodan,

mesmo que pudessem ser vencidos num espaço de tempo

bastante reduzido. O regresso para o sistema do Sol fora

realizado exclusivamente com vistas ao grande cérebro

positrônico instalado em Vênus. Depois da descoberta do

planeta Peregrino, Rhodan armazenara nas extensas

aparelhagens do cérebro positrônico de Vênus os dados e

as quantidades de aproximação daquele corpo celeste. Por

isso mesmo, só aquele cérebro poderia lhe fornecer os

dados de que precisava.

Rhodan transmitiu o aviso em palavras faladas,

gravou-o em fita e ouviu a gravação.

— Perry Rhodan, de Terrânia, para o cérebro P de

Vênus. Chave secreta PQ-3Z4! Ordem de prontidão.

Preparar todos os dados para o Projeto Vida Eterna-

Peregrino. Estado de alarma até novas instruções. Peço

confirmação.

O texto era correto. Rhodan introduziu-o no

hipercomunicador, que realizava a transmissão

instantânea pela quinta dimensão. A resposta chegou

dentro de poucos segundos.

— Cérebro P de Vênus para Perry Rhodan em

Terrânia. Instruções compreendidas. Todos os dados

para o Projeto Vida Eterna-Peregrino serão preparados.

Estado de alarma até nova ordem. Ajuste conforme chave

secreta PQ-3Z4. Completamos: cláusula de bloqueio

ligada ao projeto Peregrino não inclui o receptor.

Quaisquer informações serão fornecidas exclusivamente

a Perry Rhodan em pessoa. Fim.

A tela do telecomunicador se apagou. Rhodan foi para

o carro e voltou ao escritório de Freyt.

Lá não encontrou nada de novo.

— Tako, dê mais um salto para o lugar em que se

encontra o capitão Klein.

— Sim.

— Por que não vamos todos ao quartel-general de

Klein? — perguntou Bell. — Assim receberemos as

informações de primeira mão.

— Ficamos aqui — decidiu Rhodan laconicamente. —

Uma concentração das mulheres e dos homens mais

importantes na área de Klein poderia provocar suspeitas.

Não quero que o quartel-general da ação que está

sendo empreendida fique exposto a um risco

desnecessário. Klein deve trabalhar de forma discreta

enquanto isso for possível.

Kakuta cumpriu a ordem. Demorou um pouco mais

que da outra vez. Em compensação voltou com notícias

mais agradáveis.

— Metade dos robôs de combate estacionados em

nosso território já foi posta fora de combate. Mas oito

máquinas tiveram que ser destruídas porque opuseram

resistência. O capitão Klein não sofreu qualquer perda.

— As coisas estão correndo mesmo com a precisão de

um cronômetro — disse Bell, bastante satisfeito.

E por mais algumas horas isso seria verdade.

Quando o crepúsculo anunciou a chegada de um novo

dia, todos os robôs de combate haviam sido desativados.

Nas primeiras horas da manhã foi iniciado o transporte

para o pavilhão de controle, onde os gigantes de mais de

dois metros seriam submetidos ao mesmo tipo de

verificação realizada com seus colegas da casta dos

trabalhadores.

Às sete da manhã, o capitão Klein apresentou a lista

completa das máquinas colocadas fora de combate, com

indicação do tempo e lugar. Onze indicações traziam a

notado: “destruído”.

— Foi um serviço excelente — disse Rhodan,

elogiando o capitão.

Falou alguns segundos antes da hora. No mesmo

instante veio a grande reviravolta.

2

O Videofone emitiu o ruído insistente da ligação

automática. No mesmo instante o zumbido do alarma

encheu a sala e, por cima da tela, a luz de advertência

começou a piscar a breves intervalos.

Na tela surgiu a figura de um tenente.

— Os robôs estão marchando, capitão! Escaparam do

pavilhão e avançam numa frente ampla por três ruas...

O tenente apontou a objetiva para fora da janela da

sala de vigilância, e todas as pessoas que se encontravam

no escritório de Klein puderam testemunhar o

acontecimento. Mais de mil robôs de combate saíram do

pavilhão e encheram a grande praça fronteira. As

vanguardas começaram a formar três cunhas, que

avançavam para o norte, leste e oeste.

— Dê ordem de retirada a todos os destacamentos

militares, capitão! — gritou Rhodan. — Os que ainda

estão vivos na área do pavilhão devem se retirar numa

distância mínima de quinhentos metros e entrar em

formação. Os mutantes comparecerão ao quartel-general

do coronel Freyt. Vamos logo, coronel! Bell, você irá

comigo.

Os dois amigos entraram no carro de Rhodan e saíram

em disparada em direção ao cérebro positrônico. A

viagem não durou mais que cento e cinquenta segundos.

Eram cento e cinquenta segundos muito preciosos,

pensaram os dois. Mas sabiam que a perda seria

recuperada.

Era bem verdade que Rhodan poderia dar o alarma em

qualquer lugar em que se encontrasse. Suas pulseiras

versáteis bastariam para isso. Mas, face à catástrofe ora

desencadeada, o anúncio de qualquer tipo de alarma não

seria uma medida suficiente. O cérebro positrônico havia

sido programado para milhares de alternativas, e regulado

previamente para qualquer emergência. Dessa forma,

todas as reações específicas poderiam ser determinadas e

emitidas ao mesmo tempo.

Rhodan mal havia passado pela última barreira,

quando sua simples presença fez com que o cérebro se

ativasse para o recebimento de comandos.

— Bell! A caixa número três! Passe para cá!

Uma gaveta sobre trilhos deslizou para fora de um

armário embutido; estava recheada de cartões perfurados.

Rhodan arrancou um maço de cartões da mão do amigo e

atirou-o para dentro da abertura de recepção, que media

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três metros. Bell entregou-lhe outras pilhas de cartões,

que foram atirados sem prévia escolha para dentro do

primeiro estágio do seletor. Rhodan comprimiu nove

botões. Desde o tempo do supertreinamento arcônida

sabia de cor a respectiva combinação.

— Agora vamos respirar profundamente três vezes. E

vamos soltar o ar bem devagar.

Isso não durou mais de quinze segundos. O fim do

exercício respiratório coincidiu com a conclusão da

primeira operação de interpretação. Rhodan segurou um

dos muitos cartões que atirara na máquina.

— É este! Reação de alarma para todo o território da

Terceira Potência no caso da falha de todos os robôs

individuais combinada com um perigo vindo de dentro...

O cartão logo desapareceu em outro setor do cérebro.

O aparelho superdimensionado despertou para a vida em

cem pontos diferentes. Cada reação fundamental

desencadeava muitas outras. Com a rapidez de um

relâmpago, os impulsos positrônicos captaram todos os

aspectos da tarefa e se incumbiram de uma operação

complicada e variada de emissão de ordens.

Rhodan e Bell não puderam fazer outra coisa senão

ficar parados e respirar profundamente por mais três

vezes.

As ordens elaboradas pelo aparelho abrangiam

também o setor civil. Os funcionários mais importantes

receberam instruções sobre as providências a serem

adotadas por via direta, através dos receptores de

videofone instalados em seus escritórios e residências. As

instruções gerais foram transmitidas pela emissora de

rádio governamental, cuja programação normal foi

interrompida automaticamente.

Quando o cérebro positrônico ia repetir as instruções,

Perry Rhodan interveio pessoalmente. Suas palavras

foram transmitidas por uma rede de alto-falantes,

instalados principalmente ao ar livre. Dessa forma todos

que se encontravam no território da Terceira Potência

ouviam suas palavras, inclusive o inimigo. Mas no

momento não havia como evitar que isso acontecesse.

As palavras de Perry foram de uma concisão extrema.

Em poucas palavras expôs a situação extraordinária com

que se defrontavam. Ao concluir, disse que as instruções

posteriores seriam secretas.

Saíram do recinto em que se encontrava instalado o

cérebro.

Quando saíram à rua, viram chegar os primeiros

caminhões com tropas, que se destinavam à proteção das

instalações técnicas mais importantes do Estado. Os

soldados saltaram dos veículos e se espalharam em torno

do quarteirão. Rhodan saudou-os com um gesto de

otimismo e colheu uma série de olhares de confiança.

Podia confiar nesses homens. Não tinha a menor dúvida.

Bell fez a mesma constatação.

— Que belo dinamismo, não é? — disse.

Sorriu e se apressou em entrar no carro de Rhodan,

que já se punha em movimento.

— De volta para o quartel-general!

Ali já haviam dado início ao cumprimento das ordens

recebidas. A cúpula do estado-maior estava de prontidão

com as roupas desajeitadas que formavam o traje

transportador arcônida.

— Já está na hora de nós dois colocarmos isso —

pediu Bell. — Com um automóvel convencional não

aguentaremos por muito tempo.

— Um belo dia você ainda aprenderá a ler

pensamentos — zombou Rhodan em tom amável.

Já estava envergando o traje arcônida.

Deixou o capacete aberto. Em caso de necessidade o

fecho poderia ser colocado num instante.

Nos últimos anos a entrega dos trajes transportadores

arcônidas passou a ser liberada em escala cada vez maior

para os funcionários e representantes mais importantes da

Terceira Potência. De início Rhodan e Bell eram os

únicos que os possuíam. Mas as fantásticas possibilidades

de utilização desse equipamento tornaram imperioso, no

correr do tempo, que também os membros do Exército de

Mutantes, a alta oficialidade e os funcionários mais

graduados os recebessem.

O traje arcônida era uma vestimenta um tanto

desajeitada, que se usava por cima da roupa comum. Uma

instalação antigravitacional embutida no mesmo permitia

que seu portador voasse. Além disso, era dotado de um

defletor de raios luminosos que tornava a pessoa invisível

dentro da faixa de frequência do olho humano normal.

Finalmente, uma barreira energética cuja potência

equivalia aproximadamente à de um robô de combate

assegurava a integridade física do portador.

Lá fora um oficial deu sinal de sua presença. Era o

comandante do grupo destacado para a proteção do

escritório do coronel Freyt.

— Está bem, capitão — disse Bell. — Cumpra sua

tarefa. Peço-lhe que só permita a entrada de pessoas que

tragam alguma informação de real importância.

Rhodan já se aproximara da tela do videofone. A

grande base fixa instalada na Terra já conectara as

ligações sem fio para as comunicações radiofônicas.

Dessa forma surgiu o quadro captado pela visão dos que

se encontravam nos helicópteros que patrulhavam os ares.

Apenas oito minutos tinham passado desde o

momento do alarma. Apesar disso o aspecto das ruas

passara por uma transformação profunda. As três cunhas

do exército de robôs avançavam implacavelmente. Em

outras palavras, ainda não haviam se deparado com

qualquer resistência digna de nota.

Mas a qualquer momento deveriam chegar às linhas

de Klein, que haviam realizado um recuo. Enquanto esse

receio ainda tomava corpo, o fato aconteceu.

Os radiadores de impulsos das tropas de infantaria

escondidas nos prédios expeliram a energia térmica, que

era a única que representava um perigo para aqueles seres

artificiais.

Boa parte dos atacantes prosseguiu em sua marcha.

Apenas uns poucos caíram ou se desmancharam. Os

outros envolveram-se automaticamente com seus campos

energéticos protetores, alimentados por uma miniusina

nuclear. Os robôs que se encontravam nas fileiras

exteriores desviaram-se imediatamente, deslocando-se o

mais rapidamente que seu formato o permitia em direção

às casas.

— Mantenha-se em contato com o inimigo, capitão —

disse Bell subitamente, dirigindo-se a Klein. — Mas

libere um canal para a força aérea.

Ninguém se surpreendeu com essas palavras. O

alarma desencadeado pelo cérebro P informou todo

mundo sobre qual era seu lugar e quem era seu

comandante. Reginald Bell, ministro da segurança da

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Terceira Potência, investira-se automaticamente no

comando supremo das operações. A presença de Perry

Rhodan não alterava nada nessa situação.

O coronel Friedrichs apareceu no videofone.

— Sim senhor!

— Gostaria que o senhor me apresentasse seu relato,

coronel.

— As esquadrilhas de caça decolaram conforme o

plano. A segurança de nosso território nacional fica a

cargo de caças de um tripulante. Os destróieres de três

tripulantes patrulharão o espaço, até a altura da órbita

lunar. No interior da abóbada energética só podemos

recorrer aos helicópteros. Vinte e cinco unidades acabam

de decolar e se dirigem para as cunhas dos robôs. Que

armas devem ser utilizadas?

— Em hipótese alguma podemos usar bombas. Não

pretendemos reduzir nossa cidade a um montão de

escombros fumegantes. O ataque deve ser realizado com

o armamento de bordo. Utilize os radiadores de impulsos

térmicos. São as armas a cujos efeitos os robôs são mais

sensíveis.

— Sim senhor.

A comunicação foi interrompida. A atenção de Bell

voltou a ser dedicada à tela. As perspectivas da cidade

não pareciam muito boas, ao menos no que dizia respeito

à área situada no interior da abóbada energética de dez

quilômetros de diâmetro, que formava o centro vital de

Terrânia.

Na tela via-se a imagem de muros que desmoronavam.

Edifícios de cinco e seis pavimentos situados na rota dos

robôs caíam como se fossem barracos. As máquinas de

guerra desenvolviam um raciocínio autônomo, e

dispunham das armas mais eficientes que jamais um

soldado carregou na Terra.

Sempre que eram recebidos pelo fogo da infantaria, os

aparelhos de observação neles instalados logo lhes

revelavam a posição do inimigo. Acontece que a massa

dos soldados não dispunha de campos energéticos

individuais. Não tinham a menor chance.

Os alto-falantes informaram-nos de que reforços sob a

forma de carros blindados, dirigidos por homens, se

encontravam a caminho. Retiravam-se em corrida

desesperada. Os vultos saíam dos abrigos em disparada.

As armas de radiações dos robôs dispunham de bons

alvos. Sua capacidade de reação era muito superior à do

homem. Seu sistema nervoso era menos sofisticado que o

de um ser biologicamente estruturado, mas, em

compensação, muitas vezes mais eficiente. O sistema

nervoso do homem e do animal é uma instalação de

alarma criada pelo instinto de autoconservação. Nos robôs

a necessidade desse tipo de alarma praticamente não

existia. Sua especialidade era o ataque e a destruição.

A primeira lei dos robôs — “Nunca deves matar um

ser humano” — estava sujeita a uma forte diferenciação.

Assim que qualquer ser humano passava a ser

considerado um inimigo, todos os escrúpulos eram

deixados de lado. Em virtude da modificação da

programação realizada pelos saltadores, todos os seres

humanos passaram a ser considerados inimigos.

Os homens assumiram maior cautela. Passaram a se

utilizar de qualquer coisa que os ocultasse. Com os rostos

cobertos de suor e sujeira, foram chegando às posições de

defesa.

Os oficiais designavam o lugar de cada um. Uma

ligeira massagem de choque. Tabletes energéticos. Novas

armas. Os primeiros carros blindados estavam chegando.

A tripulação de outros tomava seus lugares no interior dos

veículos. E os soldados que haviam escapado ao inferno

continuavam a chegar.

— Que diabo! Onde estão os helicópteros? — gritou

Bell.

— Já estão chegando — disse Rhodan em tom áspero.

A ponta da coluna de robôs que marchava pelo centro

se derreteu sob o fogo dos radiadores de impulsos. Oito

máquinas de guerra foram destruídas. Mas depois

aconteceu uma coisa estranha.

Os robôs se uniam em grupos de seis. Procuravam

estabelecer uma espécie de contato. Quem os observasse,

logo percebia que o haviam encontrado. Reforçavam-se

mutuamente na ativação dos campos energéticos. E um

campo energético seis vezes reforçado seria impenetrável

até mesmo para as armas de médio porte com que

estavam equipados os helicópteros.

“Poderíamos nos orgulhar com a inteligência desses

robôs, se eles estivessem do lado certo”, pensou Rhodan.

Assim que uma onda de ataque dos helicópteros

passava, os grupos de seis dissolviam-se e prosseguiam

no ataque.

— Assim não conseguiremos deter o inimigo —

gemeu Bell. — Por que será que nesta batalha não

dispomos de mutantes?

— Pois temos mutantes — disse Rhodan em tom

oracular. A pergunta de Bell fora puramente retórica. —

As instruções contidas nas diretivas elaboradas pelo

cérebro haviam-nos informado de que, no caso desse

alarma, a utilização dos mutantes não era recomendada. A

não ser que se quisesse jogar tudo numa única cartada.

Um dos princípios fundamentais que prevaleciam na

Terceira Potência determinava que os mutantes deviam

ser poupados sempre que havia uma probabilidade de

noventa por cento ou mais de que os mesmos seriam

destruídos.

— Dispomos de um teleportador, de um telecineta, de

um telepata, de um espia, de um goniômetro e de um

sugestor — constatou Bell. — Tako só pode lidar consigo

mesmo, Anne poderia ser muito útil se não fosse preciosa

demais, e Ishi não pode extrair qualquer informação de

uma máquina. Também Wuriu e Tanaka não nos podem

ser úteis. Kitai ainda não realizou qualquer experiência

bem sucedida com máquinas. Então, para que servirá essa

gente?

— Ofereço-me como voluntário — disse Anne

Sloane, uma lourinha delicada. — Já movi objetos de

várias toneladas por via telecinética...

— Mas não em plena batalha — objetou Rhodan. —

Não adianta que enfrente esses colossos, Anne.

Conseguiria deter e fazer recuar alguns deles, mas apenas

por alguns instantes. Mas não demoraria em chegar a sua

vez. A superioridade numérica é muito grande.

— Poderia atirá-los para o ar e fazê-los cair. Eles se

arrebentariam.

— Não fale mais sobre isso — recusou Rhodan. —

Ainda temos outras coisas em reserva. Tako quer dar um

pulo até aqui?

Rhodan falou baixinho com o teleportador; ninguém

entendeu suas palavras. Com exceção talvez de Ishi

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Matsu, que era uma boa telepata.

De uma hora para outra, o rosto de Tako irradiou

alegria. Acenando fortemente com a cabeça, disse:

— Está bem, chefe! Voltarei quanto antes.

E logo desapareceu.

Ninguém se atreveu a fazer qualquer pergunta a

Rhodan. Sempre que bancava o misterioso, ele se

mostrava coerente nessa atitude; não revelaria seus

segredos a ninguém.

O quadro que aparecia na tela estava completamente

modificado.

Nas três frentes de avanço, a marcha dos robôs fora

detida provisoriamente. Mas apenas provisoriamente.

Os blindados que intervieram na batalha realizaram

aquilo que Anne Sloane pretendia alcançar através de suas

forças naturais. Recorrendo a radiadores

antigravitacionais, os defensores criaram áreas restritas

em que os objetos perdiam o peso. Alguns dos robôs,

impelidos pelos instrumentos de deslocamento,

dispararam para o alto. Assim que cessou o efeito dos

raios antigravitacionais, precipitaram-se ruidosamente ao

solo. Poucos resistiram ao impacto.

Segundo o levantamento provisório de Bell, cerca de

cinquenta robôs já haviam sido destruídos. Mas ainda

havia mais de mil, que prosseguiam implacavelmente em

direção ao objetivo: a instalação de comando da abóbada

energética, o cérebro positrônico do deserto de Gobi.

— Se não houver algum milagre, ao menos oitocentos

robôs conseguirão passar — afirmou Bell. — Temos que

desferir um golpe decisivo...

— O centro em que se situam as instalações mais

importantes dispõe de um dispositivo de segurança muito

potente. E o edifício do cérebro P dispõe de uma barreira

energética própria.

— Obrigado pela lição — disse Bell em tom mordaz.

— Acontece que não posso compartilhar seu otimismo. Já

vimos que, através de um contato mútuo, os robôs são

capazes de reforçar suas defesas. Aposto que ainda têm

outras surpresas para nós. E, se essas surpresas dizem

respeito à sua tática de ataque, não haverá nenhum motivo

para otimismo.

Os robôs iniciaram nova manobra.

A utilização dos raios antigravitacionais retardou seu

avanço. Nos momentos críticos do bombardeio executado

pelos blindados moviam-se a passos rastejantes. Enquanto

não impeliam o corpo para cima, mantinham-se

relativamente próximos ao solo. Alguns deles até

aproveitavam a oportunidade para se impelir para frente.

Com isso atingiam velocidades para as quais não haviam

sido concebidos.

Dessa forma as máquinas de guerra avançaram

velozmente e, com uma rapidez espantosa, colocaram-se

entre os flancos de quatro blindados. Os pesados veículos

foram imediatamente destruídos.

Foi uma perda total.

A manobra tática seguinte dos robôs consistiu numa

ampliação de sua frente de ataque. As pontas das colunas

se dividiram. Em seis, oito e doze colunas prosseguiram

no avanço.

Numa ação que exigia tempo, os homens tiveram que

deslocar reforços em torno de outros quarteirões. E,

utilizando o tempo que se passou até que esses reforços

pudessem entrar em ação, os robôs ganharam mais de mil

metros de chão.

— Que diabo, Rhodan! Por que você anda bancando o

misterioso? — exclamou Reginald Bell. — Explique logo

o que pretende fazer com Tako. Afinal, o ministro da

segurança sou eu.

Num movimento instintivo, todos os olhares se

voltaram para Rhodan. O olhar obstinado deste não tinha

mais nada da confiança que há pouco irradiava.

— Ei, Rhodan! Será que alguma coisa não está em

ordem?

— Estão cercando o quarteirão J-D III. É lá que mora

o homem que Tako foi procurar.

Nem todos sabiam a quem Rhodan se referia. O

quarteirão J-D III era grande: contava mais de duzentas

residências.

* * *

Ivã Goratchim estava dormindo. A cabeça do lado

esquerdo que, para distingui-la da outra, usava o nome

Ivanovitch, despertou poucos segundos antes. Mas os

reflexos das juntas fizeram com que Ivã também não

demorasse em abrir os olhos.

— O que houve?

— Não está ouvindo, Ivã?

— Quando acordo sempre ouço alguma coisa. Mas

prefiro não ouvir nada. Bem que você poderia ter me

deixado dormir.

Ivanovitch recorreu ao braço direito, comum aos dois,

para se coçar. Como as duas cabeças dispusessem de um

único corpo, sempre tinham que chegar a algum acordo

sobre o uso do mesmo. Desde o nascimento, Ivã

Goratchim adaptara-se à necessidade desse procedimento.

Além disso, possuía um caráter pacífico comum, que fazia

com que via de regra as duas cabeças acabassem

concordando.

Acontece que desta vez Ivanovitch era de outra

opinião. Achou que os ruídos eram muito importantes.

Por isso a mão que o coçava ergueu-se subitamente e,

antes que Ivã desconfiasse de qualquer coisa, seus

próprios dedos lhe beliscaram a orelha.

— Diabo! Que é isso?

— Isto é para você abrir o ouvido, meu caro. Estou

ouvindo alguma coisa que não parece ser muito boa. Se

você adormecer de novo, nem por isso aquilo que há de

mal irá embora. Acho que o ruído indica a existência de

algum perigo.

— Indica guerra, Ivanovitch. Ouço um barulho que

parece de veículos blindados passando por aí.

— De veículos blindados atirando — corrigiu a

cabeça que era três segundos e meio mais jovem. — Se os

blindados estão passando, podem estar numa parada. Mas

quando estão atirando, fazem guerra.

Ivã Goratchim saltou da cama. Ainda de pijama,

correu para a janela e procurou abri-la.

— Você é um idiota! — gemeu Ivanovitch. — Em

Terrânia não existem janelas que possam ser abertas. Os

aparelhos de condicionamento nos trazem o ar puro.

— Acho que isto não é nenhum progresso. Uma janela

só é uma janela de verdade quando podemos nos inclinar

para fora dela. Você vê que estes vidros embutidos na

parede são um absurdo. Nem podemos ver se o inimigo

penetrou em Terrânia.

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— Nenhum inimigo pode penetrar em Terrânia —

objetou Ivanovitch. — Quanto mais na abóbada

energética em cujo interior, conforme você sabe, estamos

morando. Vai ver que você está pensando nos nossos

libertadores da Sibéria.

— O mundo, ou Terra, conforme hoje se diz, está

unido. Trata-se de um ataque vindo do espaço. Se me

lembro o que Rhodan nos contou sobre os saltadores, e

como o Supercrânio abusou de nós, não me sinto nada

bem.

— Não diga tolices! A Terceira Potência é o baluarte

mais forte da Via Láctea.

— Você mesmo acaba de dizer que é guerra. O que

pode ser?

— Devíamos mudar de roupa e sair para a rua.

— Com este tempo não dou um passo para fora de

minha casa. O ar está cheio de aço, e de coisa pior. São

esses raios modernos. A gente não os vê, não os ouve...

— Existem raios que se veem e ouvem.

— E existem outros que não se veem — trovejou Ivã

obstinadamente.

Uma pequena briga entre as duas cabeças parecia estar

a caminho. Mas, no mesmo instante, ambas constataram

que mesmo pela janela fechada podiam ver alguma coisa.

No céu viram uma fileira de helicópteros, que

desceram em curva fechada. Os canos dos radiadores de

impulsos relampejaram.

Ivã Goratchim empalideceu. O susto removera todos

os mal-entendidos. As cabeças e o corpo reagiram em

conjunto, como se obedecessem a um único cérebro.

Num movimento instintivo, Goratchim se afastou da

janela.

— Isso não é nenhuma manobra ou parada — afirmou

Ivã. — Aposto que os saltadores invadiram nosso

território e pretendem conquistar a Terceira Potência.

Devemos ir imediatamente para junto de Rhodan a fim de

prestar-lhe auxílio.

— Ir até lá? — perguntou Ivanovitch em tom

desolado. — Nem sabemos onde está Rhodan. A sede do

governo fica a dois quilômetros. E quando estivermos

caminhando pela rua, ninguém nos dirá quem é nosso

amigo e quem é nosso inimigo.

— Perguntaremos ao pessoal — disse Ivã

ingenuamente.

Finalmente as duas cabeças chegaram a um acordo: ao

menos teriam que mudar de roupa. Quando Goratchim

acabou de fazer o nó da gravata, Tako Kakuta surgiu do

nada.

As duas cabeças levaram outro susto. Ainda não se

habituara à maneira pela qual um teleportador costuma

chegar. Mas logo percebeu que tinha diante de si um

homem de confiança de Rhodan.

— Senhor Kakuta! Sua indiscrição nós torna muito

nervosos.

— Pelo universo, Goratchim. Eu o procurei por toda a

residência. Quem poderia imaginar que com todo este

drama você ainda está na cama?

— Ainda é cedo, e estávamos muito cansados —

respondeu Ivã.

— O que aconteceu? — interrompeu-o a cabeça da

esquerda. — Como pôde qualquer poder do universo

penetrar até o interior de Terrânia?

— As explicações têm de ficar para depois. Por

enquanto temos que aceitar o fato de que isso aconteceu

— disse Tako Kakuta. — Os agentes dos saltadores

obrigaram nossos robôs a se passar para o seu lado. Até

parece que todo o exército de homens de lata enlouqueceu

de uma hora para outra. Rhodan mandou que viesse até

aqui para lhe pedir que o ajudasse.

— Rhodan estaria em condições de mandar; não

precisaria pedir — afirmou Ivã.

— Tanto faz que seja uma ordem ou um pedido —

prosseguiu Ivanovitch. — Estamos com ele. O que

devemos fazer?

— Senhor Goratchim, o senhor é nossa última

esperança.

Ambas as cabeças se esticaram num orgulho infantil.

— Para nós esses robôs são um brinquedo — afirmou

Ivanovitch.

— Goratchim, você deve agir com muita prudência —

advertiu-o o teleportador. — De nada nos adiantará se cair

na primeira batalha. Você tem muito mais a perder que

qualquer outro homem: duas cabeças.

— Somos fortes — afirmou Ivã.

— Para encontrar toda sua força, o forte tem de agir

com inteligência — doutrinou Kakuta. — Está pronto?

Faça o favor de vir comigo. Eu o levarei para junto de

Rhodan.

A residência ficava no primeiro andar. Não adiantava

usar o elevador. A rua estava cheia de gente.

— É muito mais gente do que vimos da janela —

espantou-se Ivanovitch. — E todos correm na mesma

direção. Será um ataque?

O suor porejava na testa de Kakuta.

— É uma fuga! — explicou em tom menos gentil do

que usara até então. — A frente de combate fica para

outro lado. Temos que dobrar à esquerda e dar uma volta

pelo quarteirão J-G VII. A área que fica à nossa direita

não está segura. É possível que em frente ao centro de

compras ainda encontremos um táxi livre.

— Por que não pegamos um táxi robotizado?

— Porque os robôs se revoltaram. Vamos, entre na

confusão!

Enquanto Kakuta dava ordem de caminhar, Ivã

segurou as duas cabeças com um gesto rápido. Foi um

movimento instintivo.

De um instante para outro o edifício retumbou em

todos os cantos. As paredes pareciam adquirir vida. Com

um movimento chiante, uma fenda de cerca de dois

centímetros abriu-se no teto e caminhou rapidamente em

direção ao soalho. O emboço chovia sobre suas cabeças.

Encontravam-se na entrada do edifício; enrijeceram de

susto.

Kakuta contou em voz alta até cinco. Quando

concluiu, tudo parecia ter passado. Mas na rua o inferno

parecia andar às soltas. Destroços caíam em meio às

massas em fuga. Eram peças que se soltavam do telhado e

dos pavimentos superiores. Homens, mulheres e crianças

tombavam mortos. A onda dos fugitivos os pisoteavam.

Goratchim ia saltar para frente.

— Fique aqui! — berrou Kakuta. — Os enfermeiros

cuidarão dessa gente. Se não pensarmos exclusivamente

na nossa tarefa, todos os cidadãos da Terceira Potência

estarão perdidos, e não apenas os poucos que estão ali. O

prédio tem uma saída pelos fundos?

— Tem. Leva a uma rua particular dos residentes.

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— Vamos, Goratchim. Talvez por lá a confusão não

seja tanta.

A suposição de Kakuta se revelou mais verdadeira do

que ele desejava. A rua particular parecia varrida de

gente.

Saíram do terreno.

Naquele instante, a porta do edifício do outro lado da

rua se abriu. Um robô saiu.

Kakuta levantou o radiador manual e disparou. Ao

mesmo tempo efetuou uma teleportação reflexiva, que o

colocou sob o abrigo do edifício.

A reação de Goratchim não foi tão rápida. Não pudera

ver o robô. Quando percebeu ao mesmo tempo o perigo

que o ameaçava e a fuga de seu aliado, quase se sentiu

tomado pelo pânico.

Por alguns segundos permaneceu imóvel em plena

rua. Aguardou o golpe mortal. Algumas frações de

unidade de tempo se passaram. Ainda estava vivo.

Depois disso, a vontade de Goratchim se concentrou

sobre o robô, que provavelmente hesitara porque o

homem de duas cabeças lhe causara certa perplexidade. E

essa hesitação foi seu fim. O mutante Goratchim não teve

que fazer outra coisa senão pensar, e o cálcio contido no

robô desfizeram-se numa devastadora reação em cadeia.

* * *

— Gostaria de saber onde está Tako — disse Rhodan.

— Afinal, ele não podia deixar de perceber o que

aconteceu no quarteirão J-D III.

— Como teleportador não terá o menor problema em

escapar ao cerco — afirmou Manoli. Não compreendia

como o chefe poderia ter esquecido esse fato.

— Ele poderá. Mas não conseguirá tirar Goratchim de

lá.

— Então seu segredo foi esse Goratchim — gemeu

Reginald Bell. — Por que não nós lembramos logo de

recorrer a ele? Era uma ideia tão simples. Será que há

algo de errado com nossa capacidade de reação? Eric, o

que me diz?

— Quer que eu responda na qualidade de médico?

Rhodan interrompeu o debate com um ligeiro

movimento de mão.

— Se é que você procura uma explicação psicológica,

Bell, esta só pode ser uma. Em nosso subconsciente

confiamos demais na orientação estratégica fornecida pelo

cérebro P. Todo este alarma complicado foi previamente

programado. Mas nesse alarma não havia lugar para

Goratchim, porque o cérebro não o incluía em seus

cálculos. Nossa programação de alarma já tem algum

tempo. Acontece que Goratchim só veio para junto de nós

há pouco.

O quarteirão J-D III estava praticamente cercado pelo

exército de robôs. Rhodan interrompeu sua exposição.

Todos sabiam que naquele momento o importante era

agir. E o curso que os acontecimentos tomaram nos

próximos minutos realçou ainda mais a necessidade de

ação.

O coronel Friedrichs lançou helicópteros armados

contra o quarteirão J-D III. Bell imediatamente deu

contraordem.

— Será que o senhor ficou louco, coronel? O senhor

está atirando para uma área cheia de civis.

— As frentes estão misturadas. Se quisermos poupar a

vida de nossa gente a qualquer preço, já não poderemos

atingir os robôs.

— Peço-lhe que deixe a decisão desse tipo de

problema por minha conta. Instrua seus homens a chegar

mais perto do inimigo. Procure atingir os robôs um por

um. Mas não extermine a inteligência da Terceira

Potência.

Todos compreenderam que a decisão de Bell

transformava o grupo de helicópteros num comando

suicida. Os robôs já haviam derrubado três aparelhos. E o

raio antigravitacional, que representava a arma mais

perigosa, tinha que ser utilizado em escala cada vez

maior. Em todos os pontos as frentes se misturavam numa

luta corpo a corpo. Quem fosse subtraído à ação da

gravitação terrestre, passaria a rodopiar no ar. Com isso o

caos seria completo.

— Bell para o coronel Friedrichs. Concentre uma onda

de ataque com todas as forças aéreas disponíveis

exclusivamente sobre o quarteirão J-D III. A área tem que

ser libertada de qualquer maneira.

Por três minutos permaneceram em silêncio diante da

tela do videofone. A ordem de Bell causou uma alteração

instantânea na ordem de batalha.

O ataque concentrado contra o quarteirão J-D III

transformou a área num verdadeiro inferno. Mas percebia-

se pelo emprego rigoroso do fogo dirigido que as perdas

dos homens mecanizados eram muito maiores. Os

fugitivos puderam respirar, e conseguiram recuar um

pedaço.

A cunha dos robôs revoltados perdeu tempo e energia.

Até parecia que os indivíduos cibernéticos se

impressionaram com a tática. Por um instante davam a

impressão de não saber como as coisas iriam continuar.

Bell exultou:

— Estão confusos. Friedrichs! Retire imediatamente

os reforços e concentre-os no quarteirão H-G VII. Repita

a manobra.

— Se você tiver alguma objeção contra minhas

disposições intuitivas, Rhodan, avise logo — prosseguiu

Bell, Voltando-se para o amigo. — Ainda não sei o que

houve com Kakuta e Goratchim e não tenho a menor idéia

do que você pretende fazer com eles.

— Continue assim, Bell. É só por meio de uma série

de mudanças táticas que você conseguirá confundir os

robôs, se é que isso se torna possível.

Ninguém falou nas próprias perdas, muito embora

Friedrichs tivesse perdido mais quatro helicópteros.

Finalmente Tako transmitiu um aviso pelo

telecomunicador portátil.

— Acordei Goratchim, Rhodan. Ainda estamos na

casa dele. O ataque maciço valeu ouro. Poderia mandar

para cá o tanque mais próximo? Ivã é um atacante de

primeira, mas suas defesas contra um ataque à traição são

muito débeis.

— Está bem. Continue no interior da casa.

Mandaremos uma máquina com um forte campo

energético.

— Obrigado.

O capitão Klein tomou suas providências sem

aguardar uma ordem expressa. No quarteirão J-D IX

havia dois tanques de setenta toneladas. Klein mandou

que seguissem imediatamente para a residência de

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Goratchim.

— Um dos dois tem que dar um jeito de passar.

Protejam-se mutuamente.

— Às ordens, capitão — disse o primeiro-tenente em

tom seco e interrompeu a comunicação.

O ataque contra o quarteirão H-G VII não produziu

tanto efeito. Talvez fosse porque os robôs já se haviam

adaptado ao plano de Bell.

— Temos que pensar em outra coisa.

A constatação foi bastante deprimente. A

concentração das forças sobre dois pontos também

trouxera suas desvantagens. Dentro de poucos minutos as

duas tenazes que os robôs estendiam para o norte

conseguiram realizar um grande avanço.

— Esses patifes aproveitam qualquer chance —

resmungou Bell. — Deviam supor que os pontos em que

nossa defesa é mais forte são aqueles em que ficam os

objetivos mais importantes. Será que isso é inteligência?

— Em minha opinião — interveio Dr.Manoli — o

mais importante será descobrirmos de que forma se

comunicam entre si. Só assim poderemos descobrir seus

planos.

— Não diga tolices. Sabemos perfeitamente como se

comunicam. Mas não sabemos quem os comanda.

— Pois é isso.

— Consegui. Querem fazer o favor de ficar quietos

por um instante?

Todos olharam para Tanaka Seiko, que até então não

dissera praticamente nada. Entre os mutantes aquele

japonês esbelto e delicado sempre fora conhecido como

um homem quieto e introvertido. Esse traço de caráter

teria que se cristalizar forçosamente com base na

capacidade parapsicológica da goniometria. Perscrutava

seu interior com uma intensidade muito maior que um

telepata. Seu sexto sentido consistia, sob o ponto de vista

puramente técnico, num aparelho de rádio extremamente

complicado, cuja sofisticação ainda não havia sido

alcançada pela mão do homem ou dos arcônidas. Seiko

ouvia as ondas de rádio. Além disso, estava em condições

de realizar espontaneamente a determinação de uma

frequência de ondas, que lhe revelava com toda nitidez o

conteúdo da transmissão que desejasse captar.

Aquela concentração, que perdurava por vários

minutos, sempre resultava em certa debilidade física.

Sentado numa poltrona, manteve-se de olhos

fechados.

— Conseguiu o quê, Tanaka?

Seiko fez um gesto de recusa, que fez com que mesmo

Bell e Rhodan se calassem. Obedientes, mantiveram-se à

espera.

O zumbido do videofone se fez ouvir. Justamente no

momento mais impróprio! Bell se limitou a girar o botão

de recepção, que eliminava imagem e som. Pegando o

microfone, cochichou:

— Aguarde um instante. No momento a recepção é

impossível.

O interlocutor do outro lado protestou com veemência.

Mas não chegou a ser ouvido.

O que fora conseguido por Tanaka? A questão mais

importante era esta.

Pouco depois Tanaka se descontraiu.

— Consegui captar uma das frequências pelas quais os

robôs se comunicam. Os saltadores devem ter modificado

seu mecanismo de radiocomunicação. Temos que sair

daqui, Rhodan.

— Por quê? Afinal, os robôs não têm força aérea e

ainda se encontram a um quilômetro e meio daqui.

— Um dos seus espiões descobriu que o quartel-

general de nossas forças de defesa fica aqui, no escritório

do capitão Klein. Até aqui acreditavam que ficasse no

edifício da sede do governo.

— Está bem. Procure captar novas mensagens,

Tanaka. E esforce-se para não perder a freqüência. Se nós

o incomodarmos, fique na sala ao lado.

— Acho que seria o melhor.

Seiko se retirou.

— ...recuso toda e qualquer responsabilidade. Com

todo respeito que lhes dedico.

O súbito berreiro saiu do videofone, que Bell voltara a

regular para o volume máximo. Na tela viu-se o rosto

furioso do coronel Friedrichs.

— Agora chegou sua vez, coronel.

— Já estava na hora. Minhas tropas já não estão em

condições de manter qualquer posição. Lançar homens

contra robôs, isso é uma...

— Diga logo de que se trata coronel! — trovejou Bell.

— Minhas perdas já chegam a um total de quatorze

helicópteros. Preciso do apoio das forças de terra.

— O apoio é o senhor, coronel. Sinto muito. Não

dispomos de outras máquinas e não temos onde buscá-las.

Por questões de segurança a abóbada energética

permanecerá fechada. Retire suas unidades por dez

minutos e reagrupe-se com os remanescentes. O Exército

de Mutantes lhe dará apoio. Aguarde novas instruções.

— Dentro de dez minutos os robôs chegarão ao nosso

quartel-general, se não forem atacados pelo ar. Peço

permissão para transferir meu estado-maior para o norte.

Bell lançou um olhar indagador para Rhodan. Este se

limitou a acenar com a cabeça.

— Está bem. Retire-se para a quadra A-N XII,

coronel. Com isso chegará bem perto do espaçoporto.

Mas não se esqueça de que depois disso sua posição não

mais poderá ser modificada.

— Obrigado.

A comunicação foi interrompida com um estalo.

— Vamos aos mutantes, Rhodan! Não temos outra

alternativa.

Sem dizer uma palavra, Rhodan passou os olhos pelo

grupo que o cercava.

— Ishi, você é uma mulher e uma telepata. Suas

qualidades não podem ser utilizadas num confronto com

robôs. Gostaria que se retirasse para a quadra

administrativa.

Obediente, Ishi acenou com a cabeça.

— Imediatamente?

— Sim, faça o favor.

Ishi Matsu fechou seu traje arcônida e se despediu.

Decolou do telhado do edifício e desapareceu, tornando-

se invisível aos olhos de qualquer robô.

— Os outros ficarão aqui até que sejamos cercados.

Capitão Klein, avise o batalhão de guardas sobre a nova

situação. Mande que se mantenham em rigorosa

prontidão. Todos os veículos que disponham de campo

energético próprio devem se reunir num grupo de defesa.

— Às ordens.

A tela já revelava o perigo da nova situação. De início

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o plano dos robôs só se revelava vagamente. Mas Tanaka

informou todas as pessoas que se encontravam no recinto

sobre o objetivo visado pelos movimentos das máquinas

de guerra. De repente concentraram quase um quarto de

seus efetivos num avanço para o leste. Já teriam percebido

a fraqueza momentânea das defesas humanas? Sem os

ataques vindos do ar praticamente não encontravam

resistência. Despedaçavam blocos inteiros de prédios

quando numa rua alguém abria fogo sobre eles, por mais

reduzido que fosse. A três quadras do quartel-general do

capitão Klein eles defrontaram-se com a primeira linha de

defesa mais fortemente estruturada. Três tanques

enfileirados formavam uma grande barreira energética,

que cobria toda a pista de rolamento. O fogo concentrado

de suas armas de impulsos abateu a energia defensiva de

sete dos atacantes; sete robôs desfizeram-se na

incandescência provocada pelos tiros.

Mas os robôs não conhecem medo.

Num fanatismo cego, a frente por eles formada

deslocou-se em direção aos tanques.

Naquele instante foi derrubado numa outra rua o

helicóptero que propiciava a transmissão da imagem no

sistema de videofone.

No quartel-general perdeu-se todo contato ótico com

os acontecimentos. Reginald Bell soltou uma terrível

praga.

* * *

Ivã Goratchim não era feio apenas por possuir duas

cabeças. Seu aspecto geral era simplesmente monstruoso.

Era um dos numerosos mutantes negativos nascidos na

Sibéria depois das primeiras experiências realizadas com

bombas atômicas. Os aspectos negativos revelavam-se de

várias formas.

A altura de dois metros e meio, as disformes pernas de

coluna, sua pele esverdeada e escamosa e seu corpo

anguloso e desajeitado eram suficientes para provocar a

impressão de se tratar de um monstro.

No caráter e na capacidade biológica era uma

combinação quase paradoxal entre o bem e o mal. Se não

fosse a mutação que o transformara num detonador,

poderia se dizer que era uma criatura inofensiva. Ambas

as cabeças impunham a ele um gênio paciente, ingênuo e

submisso. Desde a infância costumava ser chamado de

monstro. Isso produzira em sua mente um pronunciado

complexo de inferioridade. Até então, praticamente não

chegara a tomar qualquer iniciativa. Durante o curso de

uma geração, seus dois cérebros haviam se acostumado a

uma espécie de concorrência. Com isso sua capacidade

mental se consumira. Era bem verdade que, perante um

terceiro, as duas cabeças se mantinham unidas como se

fossem uma só. Mas esse fato não substituía a ausência da

vontade de impor-se.

Ivã Goratchim transformara-se numa criatura

tipicamente submissa. Só queria servir para ser

recompensado com o amor do próximo.

O legendário Supercrânio, que há algum tempo

cobrira a Terra e a Terceira Potência, com uma

ameaçadora guerra de guerrilhas, fora o descobridor

estratégico de Ivã. Tirara-o da tundra siberiana e lançara

mão dele para seus desígnios maléficos. E Ivã era fácil de

aproveitar. Afinal, era ingênuo... e era um detonador.

Essa última qualidade, que mais tarde lhe conferiria

um lugar de destaque no Exército de Mutantes de Rhodan,

consistia no fato de que suas energias mentais

provocavam nos compostos do cálcio e do carbono o

mesmo efeito que um impulso térmico produz na pólvora.

Bastava que Ivã Goratchim se concentrasse, para que os

átomos de cálcio entrassem num processo de fissão

nuclear. Acontece que o cálcio e o carbono estão

praticamente em toda parte. Por isso Goratchim, o

detonador, estava em condições de matar qualquer ser

vivo e destruir qualquer objeto, desde que sua mente se

concentrasse intensamente para isso. Era ali que

terminava seu caráter inofensivo.

A destruição do robô de combate provou o fato.

Ivã viu-se diante de um montão de escombros de

metal e de massa plástica. A visão daquilo restituiu-lhe

um pouco de sua autoconfiança. Não era uma criatura

indefesa. Nem mesmo contra essas impiedosas máquinas

de guerra. Apenas teria que agir com cautela. E esta idéia

fez com que se retirasse imediatamente para trás do muro

que cercava a área de onde acabara de sair.

A rua ficou vazia. Não foi disparado mais nenhum

tiro. Mas o que aconteceria se saísse de trás do muro? Não

teria sido visto por outro robô que se mantinha

escondido? Do outro lado da rua havia centenas de

janelas. Atrás de qualquer uma delas a destruição poderia

estar à espreita.

Esperou. Quando se lembrou de Tako Kakuta, voltou

a sentir medo. Por que o teleportador havia desaparecido?

Certamente apenas porque aqui o ambiente estava

carregado de chumbo e de energia. De repente, o barulho

cresceu enormemente. O ouvido já se acostumara aos

ruídos da luta que se desenrolava em ruas distantes. Mas

agora mais de vinte helicópteros corriam pelo céu e

disparavam seus radiadores de impulsos térmicos. A rua

já não estava vazia. Dois, três robôs apareceram e de

pernas duras foram caminhando na direção oposta à que

tinham vindo. Outros se juntaram a eles.

Ivã olhou pelo canto do muro e voltou a se abrigar.

Uns trinta robôs de combate estavam desfilando pela rua.

Parecia ser uma retirada.

Será que isso significava que Perry Rhodan já

conquistara a vitória?

A ingenuidade de Goratchim era pronunciada demais.

Logo esqueceu a prudência. Se Rhodan estava vencendo,

o mais terrível de seus mutantes não poderia deixar de dar

sua contribuição para a vitória.

Levantou-se. Sua altura equivalia a quase duas vezes a

do muro. A cabeça e o tórax estavam desprotegidos. Os

robôs estavam a menos de vinte metros.

Para eles a percepção e a reação eram simultâneas. A

vantagem de Ivã consistia unicamente na surpresa. Ele o

sabia.

Antes de se levantar, preparara rapidamente a

concentração de seus pensamentos. Os dois cérebros

completavam-se numa cadeia de relés. Só por isso seu

ataque alcançou um êxito parcial.

Mais de uma dezena dos guerreiros artificiais

perderam a vida no instante em que estavam começando a

perceber o perigo. Mas os que se encontravam na segunda

e na terceira fila tiveram tempo de reagir. Viram o

mutante de duas cabeças e não perderam tempo em se

espantar com o aspecto pouco humano do mesmo. O

ataque de Ivã era sinal de sua periculosidade. E os robôs

se orientavam exclusivamente por essa circunstância.

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Fizeram pontaria com seus olhos estereoscópicos, que

incluíam o mecanismo de pontaria. O funcionamento do

radiador de impulsos térmicos era automático.

Nesse instante alguma coisa pegou nas pernas de Ivã

Goratchim, que caiu estendido na grama plantada atrás do

muro. Espantados, seus dois pares de olhos fitaram o

rosto de Tako Kakuta, que se mantinha agachado atrás do

muro.

— Vamos embora! Siga-me, seu idiota! Fique

grudado no chão, arrastando-se sobre os cotovelos e os

joelhos.

Para um teleportador era uma maneira pouco usual de

se afastar de uma área de perigo. Mas a esta hora não

poderia se transferir para outro lugar pela simples força de

seu desejo. Levava a reboque a figura desajeitada de

Goratchim; não poderia abraçá-lo e levá-lo num salto

teleportado.

Logo perceberam que a intervenção de Kakuta fora

necessária. Antes que a criatura de duas cabeças tocasse a

grama, os primeiros feixes de raios térmicos passaram por

cima dele e demoliram a parede do edifício. Depois disso

os robôs baixaram a direção dos tiros, fazendo pontaria

sobre o muro.

Lascas de pedra esvoaçaram em torno das cabeças de

Tako e Ivã. Sentiram que o calor aumentava a seu lado.

Quando tinham percorrido uns dez metros, o muro cedeu.

O raio energético dissociara o silício dos elementos a que

estivera ligado, derretendo-o a uma temperatura de quase

dois mil graus centígrados. O muro se desmanchou num

fluxo de lava incandescente. Havia um buraco nele.

Será que os robôs acreditavam terem liquidado o

inimigo?

Não teriam bastante inteligência para saber que o

homem é um ser que sabe rastejar? Tinham. E estavam

programados para se orientar pelas reações humanas. Se o

homem tivesse fugido, ele teria se deslocado para a

direita. Logo, prepararam-se para abrir outro buraco no

muro. Mas Tako fizera exatamente o oposto daquilo que

as máquinas esperavam. Rastejara para o canto do jardim

que ficava mais próximo aos robôs. E Ivã seguira-o

docemente.

— Agora estão a apenas dez metros de nós —

cochichou o teleportador. — O próximo ataque tem de ser

muito bem preparado. Concentre-se com bastante

antecedência na destruição, Ivã. Eu me teleportarei para a

casa em frente e atirarei da janela com meu radiador de

impulsos térmicos. Você só deve detonar no máximo por

três segundos. Depois disso, atire-se ao solo e rasteje o

mais depressa possível. Deixe o resto por minha conta.

Com uma pancada no ombro de Ivã, Kakuta se

despediu.

Tudo se passara numa questão de segundos. Pelo que

se concluía dos ruídos, os robôs dispunham-se a

prosseguir na sua caminhada. Goratchim se concentrou. O

primeiro tiro foi disparado do prédio em frente.

Tako visou à fileira da frente, formada por quatro

robôs que ainda disparavam sobre o muro. Por isso o

radiador de impulsos produziu efeito dentro de poucos

segundos. Quando o feixe de energia atingiu o reator, o

campo protetor deixou de existir.

Doze ou quatorze dos robôs de quatro braços se

viraram instantaneamente e visaram o novo inimigo. Mas

a aparição de Tako na janela não passou de uma sombra

fugaz. O japonês executou novo salto, que o levou ao

prédio vizinho, dois andares abaixo. Logo correu para a

janela a fim de sondar a situação.

Ivã Ivanovitch estava de pé atrás do muro.

Não houve nenhum relâmpago, nenhum raio

energético que envolvesse aquela figura petrificada.

Permaneceu ali apenas por três segundos, mas sua rigidez

e concentração dava a impressão de que ali fora colocado

para toda a eternidade. Mas foi apenas um instante da

eternidade que decidiu o destino de nove dos robôs de

combate.

No centro de seus ventres teve início a reação em

cadeia dos átomos de cálcio. Isso foi sua morte.

Ivã obedeceu à ordem que lhe fora dada. Deixou-se

cair sem aguardar o resultado da detonação por ele

provocada. Os cinco robôs que ainda restavam puseram-

se em movimento sem muita perda de tempo. Dois foram

para a direita, três para a esquerda.

Kakuta liquidou um deles, deu um salto de trinta

metros através das paredes e destruiu mais um.

Goratchim, que de repente se esquecera de todo

cuidado, tomou conta do resto. Abriu os braços e deixou-

se cair para o lado da rua. Só pensava na destruição do

inimigo.

O grito de advertência de Kakuta revelou-se inútil. Os

robôs não estavam à altura dessa investida de apaixonada

concentração humana. Os que ainda restavam

sucumbiram ao fogo que consumiu seus corpos artificiais.

A rua estava livre. Kakuta surgiu ao lado de Ivã.

— Que diabo! Não lhe proibi este tipo de leviandade?

Qualquer outro homem preza sua vida e age com cautela.

Mas você...

Goratchim exibiu dois rostos decepcionados. Esperava

que seu ato merecesse uma recompensa sob a forma de

um elogio. Obediente e sacudindo a cabeça dupla, seguiu

o japonês para um edifício, de onde o mesmo solicitou,

pelo telecomunicador, o envio de um carro blindado.

3

— Estamos entrando na última fase — murmurou

Perry Rhodan em tom obstinado. — É ela que decidirá

quem de nós é o mais forte.

Essa ideia não deixou os amigos muito satisfeitos.

Poucas vezes o chefe deixara o resultado de um combate

em aberto como o fizera desta vez. Sempre confiara sua

segurança e a dos indivíduos que o cercavam à técnica de

que dispunha. Hoje, porém, parte da técnica da Terceira

Potência passara-se para o lado do inimigo. Esse fato

alterara profundamente a situação.

O cerco em torno do quartel-general do capitão Klein

tornava-se cada vez mais apertado. Os robôs haviam

esmagado a maioria das linhas de defesa colocadas nas

ruas. O chão estava começando a arder sob os pés, no

sentido literal da expressão.

Rhodan deu ordem de retirada ao seu estado-maior.

— Bell, não faça essa cara de herói frustrado! Hoje

não se trata de demonstrar coragem, mas de não queimar

os dedos... Fechar os trajes de combate. Capitão Klein,

avise o comandante do batalhão de guardas. Faremos o

possível para providenciar o revezamento quanto antes.

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20

Klein fez continência e saiu. Rhodan mexeu na sua

pulseira para chamar Kakuta.

— Alô, Tako! Vamos nos transferir para um edifício

de escritório. De qualquer maneira, procure chegar até

aqui com o Ivã, a fim de apoiar a tropa de Klein. No

momento não tenho outras ordens. Os dois tanques já

chegaram?

— Não senhor.

— Pois espere. Não deverão demorar.

O capitão Klein voltou.

— Tudo liquidado, chefe.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Todos conhecem o objetivo. Vamos embora! Não

se esqueçam de ligar os defletores de raios luminosos.

Nossa retirada deve ser invisível.

Decolaram do telhado. Cada traje arcônida era um

veículo. Rhodan flutuou no ar por algum tempo, para

colher uma impressão sobre a situação geral. Não parecia

ser boa. Mais de um terço do território coberto pela

abóbada energética estava em poder dos robôs.

— Wuriu — gritou Rhodan pelo telecomunicador,

enquanto voavam.

— Sim.

— Estou me lembrando do helicóptero destruído.

Fique aqui por uma hora e mantenha-me informado sobre

a situação. Não podemos nos dar ao luxo de ficarmos

cegos no nosso escritório.

— Perfeitamente!

O contato através do telecomunicador não

representava o menor risco. Os robôs talvez conseguissem

captar transmissões radiofônicas normais, mas não as do

aparelho audiovisual que trabalhava por meio de impulsos

codificados.

Pousaram no telhado do arranha-céu em que ficavam

as repartições do governo. Quando regulavam seus trajes

para a posição zero houve alguma exaltação, logo

transformada numa sensação de alívio. O edifício do

governo estava cheio de gente retida em seu local de

trabalho por causa do alarma.

— A situação não está boa, não é, senhor Rhodan? —

perguntou uma jovem funcionária.

Pela primeira vez naquelas horas o chefe da Terceira

Potência conseguiu esboçar um ligeiro sorriso.

— Não, senhorita Grohte, a situação não está boa.

Mas estamos nos esforçando ao máximo para que as

coisas logo se modifiquem a nosso favor. Mantenha-se no

seu posto, para que tudo dê certo.

Pegaram o elevador e desceram ao escritório de Bell.

Chegando lá, encontraram Crest e Thora, os dois

arcônidas que nessa situação de alarma não tinham

qualquer tarefa especial a desempenhar, mas deviam

permanecer naquele pavimento por motivos de segurança.

Thora, a mulher vinda do longínquo planeta de Árcon,

logo se aproximou de Rhodan.

— Como está às coisas, Perry?

O tratamento familiar não combinava com o olhar

petrificado. Rhodan deu de ombros.

— A decisão não deve demorar Thora.

— Você devia colocar um girino à nossa disposição,

Perry. Crest e eu temos o direito de nos mantermos

afastados desta luta.

— Não há dúvida. Acontece que nosso plano exige

que a abóbada energética permaneça fechada. Ninguém

pode sair do centro de Terrânia.

— Não vejo por que...

— Está bem. Se as coisas se tornarem críticas por

aqui, voltaremos a falar a respeito. Por enquanto a área

governamental não corre o menor perigo. O front está sob

controle.

A arcônida teve de se contentar com a explicação.

Pouco depois Kakuta chamou.

— Os tanques chegaram. Entramos neles e seguimos

na direção indicada.

— A terceira linha de defesa que cerca o batalhão do

capitão Klein foi rompida — anunciou Wuriu Sengu. —

O edifício está ao alcance dos tiros do inimigo. O avanço

pelos flancos foi retardado. Mas o inimigo está formando

uma cunha central que avança em direção à área

governamental.

— Aí está — constatou Thora.

Ninguém deu atenção às suas palavras. Bell mandou

que todos os helicópteros disponíveis voltassem à luta. O

coronel Friedrichs confirmou o recebimento da ordem em

tom resignado.

Rhodan pareceu tomar uma decisão:

— Se a entrada em ação de Ivã coincidir com o ataque

dos helicópteros, tem alguma esperança no êxito da

operação. O resultado seria ainda melhor se

recorrêssemos a um terceiro fator. Bell, você está no

comando; não precisa de mim. E pode dispensar Anne e

Kitai.

— Basta que Tanaka fique comigo para captar as

ondas irradiadas pelo inimigo. Mas afinal, o que pretende

fazer?

— É o terceiro fator. Nosso grupo de choque será

invisível. Isso representa uma boa vantagem.

Rhodan não deu outras explicações. Não podia perder

tempo, pois do contrário o apoio do novo grupo poderia

chegar tarde.

Os três se retiraram e desceram ao quarto subterrâneo.

Ali cada um deles pegou cinco bombas explosivas

normais, que apesar de seu peso reduzido produziam o

efeito de uma tonelada de TNT por bomba.

O comandante dos blindados era o sargento Cry. Era

uma alma paciente e um gênio na distribuição de cargas,

pois conseguiu, num espaço de três minutos, acomodar os

dois metros e meio do corpo de Goratchim no espaço

estreito de um blindado. E não foi só isso! Ainda

conseguiu abrigar a tripulação normal e Tako Kakuta.

Os homens de Terrânia já tinham conhecimento das

faculdades de Ivã. De repente se sentiram muito seguros

no interior do blindado. Cry apenas ficou quebrando a

cabeça sobre a maneira pela qual Ivã trabalharia. Pois não

podia se mexer muito.

— Isso não tem importância — disse e cabeça da

direita. — Não existe campo protetor que possa resistir à

força dos meus pensamentos. Ainda menos o dos robôs. E

este pedacinho de aço dos seus tanques para mim não é

nada. Apenas preciso ter um pouco de visão pela fenda de

observação...

— Aqui está um telescópio. Com isso a visão será

melhor e mais confortável.

— Muito bem, companheiro — disseram as duas

cabeças de Goratchim, alegrando-se ao mesmo tempo.

Os blindados andavam bem juntos. Seus campos

protetores podiam ser regulados para um efeito aditivo,

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21

desde que os geradores ficassem a uma distância menor

que o triplo do raio do campo energético. Qualquer

comandante de tanque conhecia o truque. Mas o mesmo

pressupunha grande habilidade de quem dirigisse o

veículo, pois as esteiras dos dois tanques não podiam ficar

a uma distância superior a vinte centímetros.

A área em torno da quadra J-D III estava vazia. Vez

por outra se viam mortos ou robôs destruídos. Os

destroços das casas desmoronadas não representavam

qualquer obstáculo para aqueles colossos.

Dali a duas quadras começou a área controlada pelos

robôs. A primeira linha foi liquidada por um impacto

casual da peça de artilharia do blindado. Mas a situação

logo se tornou crítica. A troca de tiros atraiu uma dezena

de inimigos, que se lançaram ao um ataque em frente

ampla.

— Cuidado, Ivã! — gritou Tako Kakuta.

— Eu os vejo no telescópio. Devo...?

— É claro que sim. O que está esperando?

A força demoníaca da mente de Goratchim pôde se

desempenhar em toda a plenitude. Não precisava pensar

na fuga, pois confiava nos campos protetores dos

blindados. Por isso conseguiu se concentrar integralmente

no ataque.

Os robôs estouraram. Foram reduzidos a uma coisa

incandescente indefinível.

O contra-ataque dos dois veículos passou por cima

deles.

Mais uma quadra.

Outros inimigos. Mais de trinta, que logo abriram um

fogo permanente e concentrado.

— Isso é demais! — gritou Cry. — Nossos campos

protetores não aguentam. Temos que recuar.

— Espere um instante! — respondeu Kakuta, também

gritando.

Cry era o comandante, mas um oficial do Exército de

Mutantes sempre seria seu superior.

Um tremeluzir inquietante surgiu diante da lâmina do

visor. O campo energético estava sendo solicitado até o

limite de sua capacidade. Finalmente a força do ataque

diminuiu. Os pensamentos devoradores de Ivã haviam

encontrado seu caminho.

A rua estava livre.

Para a frente!

O suor porejava nos rostos.

Para a frente!

Os helicópteros trovejavam em vôo baixo. Ainda bem

que tinham voltado.

Para a frente!

Destino: o quartel-general do batalhão de guardas de

Klein. O videofone transmitia gritos de socorro

ininterruptos vindos de três posições cercadas.

— Aguentem! — foi à ordem que Bell transmitiu do

edifício do governo.

Era um consolo débil para os defensores. O som das

armas de impulsos dos helicópteros que voltaram a

intervir foi bem mais agradável. Vez ou outra surgiu até

um acesso de otimismo, quando a rádio governamental da

Terceira Potência transmitiu os êxitos observados por

Wuriu Sengu.

— O mutante Ivã Goratchim acaba de entrar em ação.

Nos últimos cinquenta minutos destruiu setenta e dois

robôs de combate.

Passaram pelo cruzamento de duas ruas principais.

Faltavam trezentos e cinquenta metros para atingir o

batalhão de guardas do capitão Klein.

Não se via nenhum inimigo.

— Cuidado! — disse Kakuta. — Os robôs gostam de

lutar em campo aberto. Mas não devemos confiar demais

nisso. Hoje de manhã fiquei sabendo que às vezes

gostavam de pregar surpresas.

Foi o que aconteceu nesse instante.

Os quatro edifícios de esquina, todos eles de doze

andares, explodiram ao mesmo tempo. Milhares de

toneladas de concreto subiram para o alto e caíram no

cruzamento. Os campos energéticos dos blindados

protegeram-nos contra o impacto propriamente dito, mas

nem mesmo os motores nucleares conseguiram movê-los.

— Estamos presos! Que surpresa!

Cry nunca deveria ter dito isso. Ao que parecia os

robôs estavam bem informados sobre as transmissões da

rádio Terrânia. Foram avançando de quatro lados ao

mesmo tempo. Eram muito mais de cem.

Cry gritou para dentro do videofone.

— Solicito apoio aéreo imediato no cruzamento da

Alameda Kepler com a Rua Fermi. Cento e cinquenta

robôs estão atacando o grupo de choque Goratchim. Os

tanques estão presos nos destroços de concreto.

Ivã teve que esperar. Quanto mais próximo se

encontrasse o objeto, maior era a eficiência de sua energia

mental. Mas Kakuta e Cry apressaram-no.

— É bem possível que os robôs comecem logo. Quase

alcançaram a distância crítica.

No mesmo instante o pó de concreto esguichou diante

do visor. O chiado dos geradores revelava que os mesmos

estavam sendo forçados ao máximo de sua capacidade.

— Deixem toda a energia para o campo protetor —

berrou Cry. — Não atirem mais.

O ataque ficou exclusivamente a cargo de Ivã. Este se

esforçou o mais que pôde e registrou alguns êxitos. Mas

os robôs estavam tão longe que não poderia atingir todos

de um só golpe.

— Se eles perceberem que o alcance do detonador é

limitado, estamos perdidos.

— Helicópteros! — gemeu o sargento no seu assento

de piloto.

Sua voz não parecia muito confiante.

A imagem que surgiu na tela revelava que o tanque ao

lado não emitia qualquer energia. Fora atingido. A

potência do campo energético comum estava reduzida à

metade.

— É o fim! — afirmou o sargento. — Saiam!

— Revogo a ordem — berrou Kakuta. — Não perca a

cabeça, Cry. Já pensou o que farão com você se andar

pela rua? Sargento tente deslocar o tanque para trás.

O sargento obedeceu. Mas não conseguiu mover o

tanque um centímetro sequer.

E não era possível se libertar por meio de disparos

energéticos, porque os destroços que teriam de ser

removidos encontravam-se num ângulo morto.

— Coloque toda energia no campo protetor, sargento.

É nossa última salvação. Ivã faça o favor de andar mais

depressa.

Ivã e Ivanovitch responderam com um gemido. Três,

quatro, cinco exemplares do inimigo foram para os ares.

— Muito bem, Goratchim! É assim que eu gosto! Dê-

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22

lhes mais. Daqui a pouco estaremos ao alcance do fogo

deles. Até agora esses caras só dispararam alguns tiros

espalhados. Quando concentrarem todo o fogo nos poucos

metros quadrados do nosso tanque, nem teremos tempo

para pensar.

O zumbido do gerador de campo subiu na escala e

perdeu-se na frequência mais elevada, imperceptível ao

ouvido humano.

Calor!

Suor nos olhos!

Seria apenas imaginação? Ou será que o campo

energético já estava cedendo?

— Ivã! Ótimo! Mas dê-lhes mais, muito mais. São

mais de cem.

Kakuta abriu a gola da camisa, para respirar melhor.

Seu instinto insistia para que executasse um salto

teleportado, que o colocaria a salvo. Mas tinha de ficar ao

lado de Goratchim. Era responsável pelo mesmo.

Os robôs se lançaram ao ataque geral.

* * *

— Lançar! — ordenou Rhodan.

Seis bombas explosivas caíram do nada aparente e

detonaram em meio à falange maciça dos robôs, atirando-

os para todos os lados. Os campos energéticos protegiam-

nos contra os estilhaços. Mas o deslocamento de ar atirou-

os para o alto. Era este o momento de Anne Sloane e do

neutralizador gravitacional.

Protegida pela invisibilidade de seu traje, a telecineta

descera até um ponto bem próximo ao solo, flutuando

entre os telhados de dois prédios. Concentrou-se sobre o

caos formado pelos inimigos privados do apoio sobre o

solo. Com um único pensamento atingiu um grupo de

vinte robôs, impelindo-os para o alto.

Quando atingiram a altura de oitenta metros, Anne

retirou a força cinética de suas vítimas e deixou que

caíssem livremente ao solo. O impacto transformou os

robôs em sucata.

— Vamos repetir a dose!

Naquela Rua Anne Sloane dependia exclusivamente

de si mesma. É que estavam em três e tinham que repelir

os ataques que, divididos em três cunhas vindas do norte,

sul e leste, procediam numa obstinação mecânica contra o

tanque encalhado.

Tako Kakuta captou a última mensagem vinda pelo

telecomunicador.

— Rhodan está presente. Anne Sloane, a telecineta,

também. Eles nos tirarão daqui, Ivã. Agüente mais um

pouco.

— Vamos fazer mais três lançamentos de duas

bombas de cada vez — ordenou Perry Rhodan.

Mais uma vez o caos se instalou entre os robôs. A

mesma coisa que Anne Sloane conseguia realizar com seu

cérebro, Kitai Ishibashi e Rhodan faziam indiretamente

por meio dos antígravos. Assim que as máquinas rebeldes

perdiam o apoio em virtude das explosões, a força

gravitacional era retirada. Os robôs subiam que nem

bolhas de sabão, para despencarem em queda livre.

Nenhum deles resistia à queda.

Poucos robôs conseguiram se manter no solo e

desapareceram no interior dos edifícios mais próximos. O

ataque contra o tanque comandado por Cry foi suspenso.

— Estamos salvos — constatou Tako Kakuta.

— Muito bem. Iremos até aí — comunicou Rhodan.

— Anne e Kitai, pousem imediatamente no cruzamento.

Não se esqueçam de deixar ligados os defletores de luz. É

bem possível que ainda haja alguns robôs atocaiados.

A tripulação do outro tanque estava morta. O lado

esquerdo do veículo havia sido esmagado.

Anne Sloane se aproximou do tanque comandado por

Cry e se concentrou.

Até parecia obra de fantasmas: de uma hora para

outra, blocos de concreto de cem quilos pareciam se

mover por sua própria força, deslocando-se para o lado.

Aos poucos os destroços que impediam o movimento do

blindado foram sendo removidos.

— Ligue o motor.

Cry transmitiu a ordem de Rhodan. Não houve mais

qualquer problema para o tanque.

— Muito obrigado, chefe! Foi formidável!

— Não há por quê. Dirija-se ao lugar em que está o

batalhão do capitão Klein. Acredito que do lado de cá o

cerco já foi rompido. De qualquer maneira, tenha muito

cuidado. Como vai Goratchim?

— O estado dele é excelente — disse Kakuta. — Está

entusiasmado com o seu trabalho.

* * *

Acompanhado dos dois mutantes, Rhodan realizou um

voo de inspeção por cima das linhas de combate Do lado

leste das três posições cercadas, a situação também

parecia bastante perigosa. Os robôs haviam cercado o

regimento de guardas de uma usina de força, infligindo-

lhe graves perdas humanas.

— Vamos repetir o exercício — disse Rhodan. —

Agiremos como da outra vez. Que diabo é aquilo?

Ainda se encontravam a uma distância de mil metros.

Diante de seus olhos uma dezena de robôs flutuou no ar e

se precipitou ao solo.

Mensagem transmitida pelo telecomunicador.

— Indagação geral. Quem está agindo com trajes

arcônidas por cima do enclave, oeste?

— Sou eu — respondeu uma voz bastante familiar. —

Não atravesse o meu caminho, Rhodan. Mantenham-se

mais ao sul.

— Ora, Bell! Será que ficou louco?

— Nada disso. Afinal, ainda temos o coronel Freyt.

Passei o comando a ele. Quando vi o seu grupo saindo

com umas simples bombas explosivas, logo imaginei

quais eram suas intenções. Já deveríamos ter começado

com isso há tempo. Não se preocupe mais com este setor.

Dê um apoio ao pessoal do setor central.

Rhodan concordou, pois as palavras de Bell eram

perfeitamente razoáveis. Voltaram.

Realizaram um controle da situação no batalhão de

guardas de Klein.

— Vamos embora! — ordenou Rhodan. Aqui também

não precisavam deles.

Ivã Goratchim agira como um possesso em meio aos

robôs. Os homens já podiam se deslocar livremente pela

rua.

Houve um ligeiro contato com Kakuta, que ainda se

encontrava no tanque de Cry, em companhia do

detonador.

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— Tomamos o rumo oeste, Rhodan. Posição atual,

quadra H-G IV. Ivã está bem adaptado ao serviço. Não

enfrentamos qualquer resistência digna de nota. As

grandes unidades robotizadas foram todas dizimadas. Só

lançam ataques em grupos de três ou quatro. E a um

ataque desses o nosso campo energético pode resistir.

Vez ou outra ainda se assistia à explosão de uma

máquina de guerra. Wuriu Sengu confirmava os detalhes

das observações parciais.

O coronel Freyt mandou que as tropas que ainda

estivessem em condições de combater se lançassem ao

contra-ataque. À uma hora começou a operação de

limpeza. Rhodan anunciou seu regresso ao quartel-

general.

— Gostaria que viesse imediatamente — disse Freyt.

— Tenho uma notícia muito importante.

— Dentro de três minutos estarei aí.

* * *

As pessoas que se encontravam no gabinete do

ministro da segurança pareciam deprimidas. Isso não era

de estranhar. A população de Terrânia sofrera perdas

dolorosas.

— O que houve, coronel? — perguntou Rhodan.

— Uma mensagem de Adams. Em Nova Iorque estão

enfrentando uma situação idêntica.

Rhodan permaneceu calado o tempo de que precisou

para respirar.

— Peço maiores detalhes. A G.C.C. fica no centro de

uma grande metrópole.

Freyt fez correr a fita gravada.

— Remetente: General Cosmic Company, Homer G.

Adams, diretor-geral. Destinatário: Perry Rhodan,

Terrânia, território da Terceira Potência, deserto de

Gobi. Data: 3 de agosto. Hora: 23:45 h, tempo da costa

leste dos Estados Unidos.

“Desde as 23:30 h, seiscentos elementos da polícia

robotizada da G.C.C. estão fora de controle. Não

encontramos nenhuma explicação para o incidente. Três

homens que tentaram se aproximar dos robôs para

desligá-los foram mortos. Na sede da G.C.C. a confusão é

total. Ao que parece, alguns andares do edifício da

administração central se encontram sob o controle das

máquinas rebeldes. Peço instruções e apoio.”

Desligando a fita, Freyt completou:

— É só, chefe.

— E já chega, coronel. Receio que tenhamos que

dispersar nossas forças ainda mais. Bell ainda não está de

volta?

— Não.

Bell foi chamado e posto a par da nova situação.

Reagiu com algumas palavras grosseiras, mas logo se

calou quando lançou os olhos sobre Thora.

— E dizer que nossa meta era uma transição rápida

para o planeta Peregrino. Gostaria de saber o que será da

nossa frota estacionada no sistema de Beta-Albíreo se

tivermos que ficar presos aqui em casa.

— O inimigo é o mesmo. Apenas, aqui os

protagonistas da peça usam outras máscaras. De qualquer

maneira temos que dar um jeito neles. Não podemos

deixar a Terra enquanto perdurar esta situação.

— Sugiro uma ação-relâmpago. Hoje de manhã

conseguimos desenvolver boas táticas de combate contra

robôs desertores. É bem verdade que alguns deles ainda

estão andando por aí. Mas o coronel Freyt não terá

nenhum problema em lidar com eles. O trabalho principal

será o de cuidar dos mortos e feridos. Os robôs de

trabalho poderão dar uma ajuda nesses serviços de

limpeza. Foram todos examinados e podem ser reativados

logo.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. Pelo

telecomunicador transmitiu uma mensagem-relâmpago a

Adams, informando-o de que nos próximos minutos

seriam deliberados em Terrânia os detalhes da operação

de apoio.

— Até lá não esboce qualquer reação, Adams. Daqui a

pouco voltaremos a entrar em contato com você.

No momento em que Bell falou numa ação-

relâmpago, não apareceu ninguém que o chamasse de

utopista. Mas, antes que a breve conferência fosse

concluída, surgiu outra notícia vinda da central de

informações, que arrefeceu ainda mais o que ainda restava

de otimismo entre os participantes.

— Mensagem de rádio vinda de Berlim: O escritório

da G.C.C. para a Europa Central caiu nas mãos de robôs

policiais e de guerra revoltados. O prefeito de Berlim

decretou o estado de emergência para toda a cidade.

“Mensagem de rádio vinda de Sydney: O edifício do

escritório da G.C.C. para a Austrália foi mandado para os

ares por desconhecidos. Quarenta robôs descontrolados

correm pela cidade, matando o que lhes atravessa pelo

caminho. O exército e a polícia estão impotentes”.

“Mensagem de rádio vinda de Durban: Robôs-polícias

da General Cosmic Company atacaram e mataram o

funcionalismo humano. Poucas pessoas conseguiram

escapar. Os robôs entrincheiraram-se no edifício e

expediram um ultimato que exige a entrega do poder ao

governo local”.

“Mensagem de rádio vinda de Montevidéu...”

“Mensagem de rádio vinda de Manila... de Madri, do

Kuwait...”

Ação-relâmpago!

Era uma ação-relâmpago, sim, mas dos saltadores. Em

todos os lugares em que a G.C.C., o fator de poder

econômico da Terceira Potência, havia instalado suas

dependências, estavam estacionados os robôs de combate.

— Se os saltadores conseguirem atingir e contaminar

todas as nossas filiais, isso equivalerá a um incêndio

mundial — constatou Rhodan. — As mensagens de rádio

que acabamos de receber não serão as últimas. As filiais e

fábricas estão espalhadas por mais de duzentos pontos no

globo terrestre. Alô, central. Peço uma ligação direta

imediata com a F.D.T.

A Federação de Defesa da Terra era comandada por

Allan D. Mercant, um homem pequeno e esguio, e tinha

sua sede no fiorde de Umanak, na Groenlândia. O rosto

desse homem só aparecia nas telas do videofone.

— Já sei o que está querendo, Rhodan. Parabéns pela

vitória alcançada em Terrânia...

— Quer dizer que já está a par?

— Só podia estar. Meus agentes também estão

trabalhando no Canadá. Aliás, seu escritório de Quebec

foi esquecido em todas as mensagens radiofônicas. Não

sei o que posso fazer por você, Rhodan. Afinal, não

disponho de cem milhões de cidades. Teremos que dividir

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a tarefa.

— Antes de mais nada, envie tropas especiais com

armamentos pesados para Nova Iorque. Se essa cidade

sucumbir, com ela sucumbirá a economia do mundo. E

uma nave espacial será a última coisa que poderá ser

usada por lá.

— Posso dispor de duas divisões para Nova Iorque.

Não sei se isso será suficiente para enfrentar o Imperador

de Nova Iorque...

— Enfrentar quem?

— O Imperador de Nova Iorque. Ainda não soube que

na noite passada os robôs proclamaram a monarquia?

4

O gabinete de Adams nunca abrigara tanta gente. O ar

estava viciado, apesar das ótimas instalações de

condicionamento de ar.

— ...agradeço, senhoras e cavalheiros. Peço que

voltem a seus lugares e se mantenham calmos. Estes

fenômenos foram observados em todo o mundo. Nem

mesmo Terrânia foi poupada. Por lá a rebelião dos robôs

já foi reprimida. E Perry Rhodan está se dirigindo para cá.

Um gesto cansado. As pessoas comprimiram-se junto

à porta, para sair. Nem todos podiam voltar aos seus

lugares no escritório. Os primeiros dez pavimentos

haviam sido ocupados pelos robôs. E também a cobertura

e o campo de pouso de helicópteros e outras aeronaves de

decolagem vertical.

— Quero ar! — gritou Adams, desesperado.

Miss Lawrence estava parada na porta. Era o bom

espírito de seu corpo secretarial. Hoje não parecia se

sentir tão segura. Isso já se deduzia do simples fato de que

não perguntava pelos desejos de Adams.

— Esta carta acaba de ser entregue, Mr. Adams.

Dizem que é para o senhor.

— Obrigado! Fique mais um momento. Hoje não

suporto ficar sozinho. A correspondência pode aguardar

até amanhã. Até mais.

Abriu a carta e leu.

— O Imperador de Nova Iorque honrá-lo-á com sua

visita às duas da tarde. Prepare tudo para a recepção, e

tome providências para que possa passar sem enfrentar o

menor perigo. Se o senhor ou seus subordinados tomarem

qualquer atitude inamistosa, a sede da G.C.C, irá pelos

ares. Exigimos obediência, mas sabemos ser um bom

senhor para os que nos amam.

Adams amassou a carta, mas logo se arrependeu e

voltou a alisar o papel.

— Leia, miss Lawrence!

A secretária obedeceu. Sua risada estridente era prova

de que acreditava em cada palavra. O medo e o pânico

tiraram-lhe a fala.

— Já temos um imperador — disse Adams com uma

risada. Também essa risada não parecia muito espontânea,

mas de qualquer maneira podia-se entender o gesto. — Os

robôs elegeram um imperador. Gostaria de saber qual foi

o secretário que conseguiu enganá-los. Qual é sua

opinião, miss Lawrence?

— Minha opinião é que a coisa não é de brincadeira. E

sei que nunca senti tanto medo como hoje.

— Não são invasores extraterrenos, minha filha —

procurou consolá-la Adams.

— Não são monstros, mas simples robôs X,

construídos pelo próprio homem. Vamos refletir

friamente sobre o assunto, miss Lawrence. Esses caras

estão malucos. Não é provável que toda a série esteja

padecendo de um defeito de construção. Se fosse assim,

as avarias teriam surgido progressivamente, e não em

todos os robôs ao mesmo tempo.

Não tenho a menor dúvida de que alguém cuja

identidade ainda não conhecemos modificou a

programação das máquinas. Talvez tenha agido apenas

sobre um único exemplar dotado de uma inteligência

extraordinária. Depois transmitiu as instruções aos robôs

de reparo.

— Queira desculpar, Mr. Adams. Não tenho seus

nervos, e por isso no momento não estou em condições de

refletir sobre as causas do fenômeno. Também não sou

nenhuma cientista, motivo por que não posso

compreender os detalhes. O senhor tem que tomar alguma

providência.

— Tomar providências? — perguntou Adams,

esticando as palavras. — Não me venha dizer que acredita

seriamente que vou dar a este bilhete uma atenção maior

que a um pedaço de papel tirado do lixo. Ora, esta, o

imperador de Nova Iorque! Que infantilidade! Que

loucura!

— Acontece que em Terrânia os filhos da loucura

mataram mais de mil pessoas. E eu não gostaria de

pertencer aos milhões de Nova Iorque.

O homem pequeno e corcunda sentado atrás da

escrivaninha encolheu a cabeça entre os ombros.

— Em Terrânia desencadearam uma guerra feroz —

refletiu Adams em voz alta.

— Mas em Nova Iorque pretendem negociar. Qual é a

explicação disso?

— Falta apenas dez minutos para as duas, chefe —

insistiu a secretária. — Pense nas pessoas que se

encontram no edifício.

— Está bem. Receberei o Imperador. Quem sabe se

não conseguimos envolvê-lo numa discussão mais

prolongada? Nesse caso poderei apresentá-lo a Rhodan.

Até que sua ideia não é má. Prepare bastante café, miss

Lawrence. Isto é, basta um pequeno bule para mim. Acho

que o gosto do Imperador será outro.

Homer G. Adams transmitiu instruções para que os

funcionários da empresa se mantivessem calmos à

chegada do Imperador. E manteve uma palestra pelo

telecomunicador com Perry Rhodan.

— Que pena — concluiu Rhodan. — Não poderemos

estar aí antes das três e meia. Mas mandarei Kakuta.

O teleportador chegou ao escritório de Adams

exatamente dois minutos antes das duas.

No mesmo instante, miss Lawrence anunciou a

chegada do Imperador. De tão nervosa e medrosa que

estava mal conseguia pronunciar o nome.

— Deixe-me ocupar seu lugar — disse Kakuta.

Adams quis objetar. Fez questão de dizer que não era

nenhum covarde.

— Não é por isso — ponderou o japonês. — Terei

mais facilidade em dar o fora que você. Ponha seu traje

arcônida e sente ao meu lado. Esteja invisível. Assim

poderá aparecer a qualquer momento, caso isso seja

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25

necessário. Deixarei o telecomunicador ligado, para que

dentro do seu capacete você possa acompanhar a palestra,

palavra por palavra.

— Faltam dois minutos, miss Lawrence.

Os dois minutos transformaram-se em três. O

Imperador não estava com pressa. Examinou detidamente

todas as antessalas e, segundo seu gênio, dirigiu algumas

perguntas ingênuas aos presentes. Por outro lado,

demonstrou uma série de conhecimentos

superespecializados.

Duas horas e três minutos.

O Imperador entrou.

— O senhor não é Mr. Adams.

— Sou Tako Kakuta, primeiro teleportador do

Exército de Mutantes. Poderei desaparecer a qualquer

momento, se tiver vontade.

— Sou o Imperador. Chame-me de Imperador.

— Como queira, senhor Imperador.

— Gostaria de falar com Mr. Adams. Chame-o

imediatamente.

— O chefe não pode comparecer, senhor Imperador.

Eu o represento em qualquer setor.

Por alguns segundos o Imperador manteve-se imóvel.

Depois disso, dois pesados robôs de combate rolaram para

dentro da sala. Só agora se notou a grande diferença. O

Imperador era um robô-secretário com muito saber

armazenado. Era a classe que dispunha do maior grau de

inteligência e cultura geral. A altura era de um metro e

setenta. Kakuta lembrou-se que, fora do território da

Terceira Potência, esses tipos dispunham de mecanismos

de comando autônomos, tal qual as máquinas de guerra.

Não valia a pena ligar os poucos exemplares

disseminados em largas áreas geográficas a um cérebro de

controle centralizado.

— Sou o Imperador desta cidade e exijo obediência.

Qualquer recusa no cumprimento de uma ordem será

punida com a morte.

Kakuta sabia que um interlocutor desse tipo não teria a

menor disposição para negociar. Seu plano de envolvê-lo

numa palestra mais prolongada tinha que cair por água

abaixo.

— Chamarei Mr. Adams, Majestade.

— Majestade não! Sou o Imperador!

A teimosia do secretário mecanizado era altamente

ofensiva. Kakuta se controlou.

Dirigiu-se à sala contígua e deixou a porta aberta para

que Adams, invisível, pudesse segui-lo.

— Chefe, é necessário que o senhor compareça

pessoalmente.

Adams abriu o capacete. O Imperador não tomou

conhecimento de sua estranha vestimenta.

— Precisamos de sua colaboração, Mr. Adams.

Ofereço-lhe um escritório elegante em minha residência

no Empire State Building. O fato de que o senhor é

indispensável para mim constitui a melhor garantia de sua

sobrevivência. O novo Império não poderá ser dirigido

totalmente sem homens. Siga-me.

O Imperador foi andando. Os dois robôs de combate

pararam na porta, como se esperassem que o maior gênio

financeiro do mundo se colocasse entre eles.

Para os dois homens, o curso que tomaram os

acontecimentos representou uma surpresa excessiva.

Estavam habituados à objetividade. Mas a cerimônia do

novo soberano foi rápida demais.

Queriam Adams e mais ninguém. Assim que Adams

se encontrasse do lado de fora, a guerra desabaria sobre o

edifício da G.C.C.

— Siga o Imperador! — ordenou um dos robôs.

Adams obedeceu. Estava pálido e suas mãos tremiam.

Kakuta fazia votos de que fosse de raiva, não de medo.

Mas logo o japonês teve que cuidar da própria

segurança. O último dos robôs virou-se para ele e

levantou o braço inferior do lado esquerdo, que tinha um

radiador de impulsos térmicos embutido. Kakuta

teleportou-se para a sala contígua e ouviu o som

inconfundível da destruição. A essa hora o gabinete de

Adams devia se parecer com um campo de batalha.

Finalmente estavam mostrando as cartas.

Ligou o telecomunicador.

— Alô, Rhodan! Deixarei meu aparelho ligado para a

transmissão. Acompanhe as informações. Fim. Tenho que

me teleportar de novo.

Kakuta saltou para a segunda ante-sala, pela qual o

Imperador ainda teria que passar.

— Pare! Nenhum passo!

Estava com o radiador de impulsos térmico apontado

para Adams. O Imperador estacou.

— Quem não quiser ser destruído que saia do meu

caminho.

— Um instante, senhor Imperador. O senhor não pode

dispensar o mais importante dos nossos homens. E entre

homens sempre precisamos de um entendimento.

Um dos seus robôs acaba de disparar contra mim.

Exijo garantias contra esse tipo de traição.

— O Imperador ordena, os outros obedecem.

— Menos eu! Se não quiser entender a linguagem da

razão, terei de matar Mr. Adams. Escolha.

Kakuta preferiu jogar no seguro. Atirou no primeiro

dos robôs de combate, que estava entrando na sala.

Depois saiu correndo e destruiu também o segundo, que

naquele instante considerava concluída sua insensata

missão destruidora no gabinete do chefe. As duas

máquinas não haviam sido reguladas para enfrentar um

perigo iminente e por isso mantiveram seus campos

protetores desativados.

Kakuta voltou à antessala. Parecia se sentir muito mais

à vontade.

— Agora vamos ao nosso acordo, senhor Imperador!

Quero um acordo que inclua garantias para o edifício da

G.C.C. Senão estiver disposto a firmá-lo, o senhor não

sairá daqui. Não tenho o menor interesse na sua dinastia

de robôs. Estamos interessados única e exclusivamente na

nossa firma.

A máquina não deu mostras de qualquer reação

emotiva. Nem poderia desenvolver uma reação desse tipo.

Por isso o homem tinha de redobrar os cuidados perante a

mesma.

— Eu sou o Imperador e dou as ordens. Os outros

obedecem.

A arrogância da máquina deixou Kakuta ainda mais

irritado. Não devia perder o autocontrole! Se essa criatura

realmente era o imperador, por que não o prendia? Por

que não o destruía?

O teleportador colocou o dedo no gatilho. Não

acreditou que um disparo de sua arma pudesse salvar

Nova Iorque. Era impossível que o comando de todas as

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máquinas robotizadas estivesse centralizado nesse cérebro

P. Essa história do imperador só podia ser um blefe. De

qualquer maneira, o que poderia fazer?

— Eu o matarei, senhor Imperador, a não ser que se

disponha a negociar em bases justas.

— No momento em que o senhor me matar, as

comunicações com o centro de controle estarão

interrompidas. Isso desencadeará um alarma. Num prazo

curtíssimo este edifício seria reduzido a um montão de

ruínas.

— Nada de violência, Kakuta — voltou a intervir

Adams. — O Imperador deve ter tomado todas as

providências para sua garantia. Sugiro um negócio

melhor...

— Fale — disse o Imperador.

— O senhor nos entrega vinte robôs-polícia em estado

passivo, que se encarregarão da proteção do edifício.

A voz do Imperador se transformou num ronco.

Talvez pretendesse ser um riso irônico.

— No novo Império só existe uma força policial. Sua

proposta é inaceitável. Eu sou o Imperador, os outros

obedecem.

A raiva de Kakuta foi substituída por uma ligeira

satisfação. Afinal, conseguira envolver o robô numa

palestra. O tema não tinha a menor importância. Na

situação em que se encontrava ele se prestaria à palestra

mais idiota deste mundo.

— O senhor está enganado, senhor Imperador! A

G.C.C, não pertence ao senhor. Temos de estabelecer

algum tipo de coexistência. Ninguém conseguirá destruir

a Terceira Potência. Não se esqueça disso.

— A Terceira Potência não pertence ao meu território.

Terá outro imperador.

— O imperador da Terceira Potência já morreu se é

que está interessado nisso. E com ele morreram duzentos

guerreiros seus.

— O destino dos habitantes de Gobi é lamentável.

Mas não é o que está em discussão.

— Esse destino devia lhe servir de exemplo.

— Eu sou o Imperador, Mr. Kakuta. A audiência

terminou. Mande abrir a porta.

Dois policiais querem entrar.

Kakuta teleportou-se para o corredor, onde foi parar

no meio de dez robôs. Logo saltou para diante, pois ali

não teria vivido mais de cinco segundos.

— O senhor está enganado, senhor Imperador. Não

são dois robôs, são pelo menos dez. Devemos interpretar

isso como uma ameaça?

— Mande abrir a porta! — ordenou o Imperador.

Foram suas últimas palavras. Mal acabara de

pronunciar as mesmas, caiu em meio a um estrondo e

ficou reduzido a um montão de sucata.

* * *

— Chega de táticas de retardamento — disse Perry

Rhodan, que subitamente se tornou visível, vindo do

nada. Foi seguido por Anne Sloane, pelo Dr. Manoli e por

Tanaka Seiko. Regularam seus trajes arcônidas para a

posição zero e abriram os capacetes.

Alguns funcionários do escritório haviam desmaiado.

— Eric, faça o favor de cuidar dessa gente.

— Como foi que conseguiu entrar aqui?

— Passei pelo seu escritório, Adams. Tem um buraco

enorme na parede externa.

— Você acaba de matar o Imperador.

— Que imperador, que nada! Há pelo menos trinta e

cinco tipos destes em Nova Iorque. Temos que evacuar a

cidade, senhoras e senhores. Vamos começar pelo edifício

da G.C.C. O perigo é muito grande.

— Antes de mais nada, temos de cuidar dos robôs que

estão lá fora — advertiu Kakuta. — A qualquer momento

podem entrar aqui.

— Está bem — confirmou Rhodan. — Somos cinco

pessoas equipadas com trajes especiais e radiadores de

impulsos. Eric, você ficará de sentinela na porta. Anne e

Tako subam mais um andar...

— Não conseguirão passar. Tako disse que estão bem

diante da porta.

— É verdade?

O japonês fez que sim.

— Nesse caso abram a porta e disparem uma salva

maciça. Dentro de cinco segundos tudo deverá estar

liquidado.

Perry Rhodan sabia perfeitamente que isso

representaria um desafio para o inimigo. Em Terrânia já

perguntara a si mesmo se não teria sido melhor deixar os

robôs em paz. Se o fizesse, naquele dia teria havido

menos mortos. Mas qual seria a alternativa para os

sobreviventes? Teriam que ficar quietos e aceitar tudo?

O exército de robôs teria prosseguido nos serviços de

espionagem sem que ninguém os incomodasse. Teriam

revelado aos saltadores, estacionados no sistema de Beta-

Albíreo, onde ficavam as posições mais importantes da

Terra. O fim teria sido a capitulação de nosso planeta.

Os saltadores descendiam dos arcônidas. Não havia

dúvida de que possuíam certa superioridade técnica.

Nada disso. Rhodan não se cansara de consultar sua

consciência. Qualquer adiamento no confronto entre os

homens e os robôs teria piorado a situação da

Humanidade. Ainda bem que a luta declarada havia

irrompido. Só assim a confusão terminaria logo. E isso

apesar de alguns cálculos errados realizados no interior da

cúpula energética, que fez com que, de uma hora para

outra, o conflito se alastrasse por todo o mundo.

As coisas se tornaram piores do que Rhodan calculara.

Justamente por isso fez questão de que se chegasse a uma

decisão rápida.

A porta se abriu!

Os robôs estavam sem a menor proteção. Enquanto

realizavam a ligação individual que ativaria seus campos

protetores, a energia dos radiadores arcônidas foi

despejada sobre eles.

A escadaria parecia um inferno. Nenhum dos

lutadores artificiais teve tempo de esboçar qualquer gesto

de defesa.

Com os trajes de batalha fechados, Rhodan, Anne

Sloane e Tako Kakuta saltaram para frente. Os campos

protetores que os cercavam tornavam-nos imunes às

radiações liberadas por ocasião do ataque.

— Vamos limpar a área em cima e embaixo! —

ordenou Rhodan. — Tanaka, onde está você? Mantenha-

se próximo a Tako e dirija-se para cima. Anne, você irá

comigo aos andares inferiores.

Com o ataque, os elevadores sofreram pesadas avarias

e não puderam ser utilizados. Foi uma desvantagem

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considerável.

Na verdade, para as pessoas que portavam os trajes

arcônidas o problema não era muito grave. Podiam flutuar

pelas escadarias, sem depender dos degraus.

Rhodan e Anne chegaram ao décimo segundo

pavimento.

— Pare!

Admiraram-se de não terem encontrado qualquer

resistência. Seria de esperar que os robôs houvessem

ocupado ao menos os acessos de todos os pavimentos.

Rhodan tirou suas conclusões. Estava acostumado a

refletir sobre qualquer fato e procurar adivinhar os

motivos.

Havia um fato conhecido: em Nova Iorque deviam

estar estacionados cerca de seiscentos robôs de combate e

uns oitocentos robôs de trabalho. Em meio a uma cidade

de dez milhões de habitantes, o número era insignificante.

Mesmo que o inimigo concentrasse suas atenções sobre a

sede da G.C.C, teria que ter muito cuidado com o seu

pessoal.

— Não tenha medo, Anne — disse o chefe da Terceira

Potência para animar sua acompanhante. — Tenho a

impressão de que estamos superestimando a situação dos

robôs neste edifício. Lembre-se de que, segundo dizem,

ocuparam os dez pavimentos inferiores e a cobertura do

edifício.

Continuaram a flutuar para baixo. A telecineta sempre

ia um pouco atrás de Rhodan.

No décimo pavimento encontraram um único robô

junto à entrada principal desse setor de escritório. Estava

parado como uma sentinela entediada, que não sentia

qualquer emoção durante as horas de serviço.

— Como esses caras são estúpidos! Nem tomam

conhecimento de que trinta metros acima de suas cabeças

um grupo de companheiros foi destruído.

As palavras de Rhodan soaram debilmente no ouvido

de Anne. No interior do traje transportador arcônida havia

um ambiente fechado. Nem mesmo as ondas sonoras

alcançavam o exterior.

Invisível e sem fazer o menor ruído, Rhodan se

aproximou do inimigo. Aquela sentinela solitária dera-lhe

uma inspiração toda especial. Disparou em primeiro lugar

contra os angulosos braços inferiores, que eram os mais

perigosos, já que portavam as armas. Depois foi a vez das

pernas, e por fim dos braços superiores.

O robô caiu ao chão como um saco. Em seu crânio

logo se desenvolveu uma série de reações. O alto-falante

rangia a intervalos regulares, como se estivesse acoplado

a um pisca-pisca. O robô estava pedindo socorro.

Rhodan saltou para a frente e moveu a chave-mestre

que se encontrava nas costas da criatura, que foi colocada

completamente fora de ação.

— Pegue-o, Anne. Vamos logo! Leve-o para cima,

para a sala da direção. A qualquer momento a coisa

pode...

A coisa já começara. Três robôs de combate surgiram

na porta oposta. Ficaram parados por alguns instantes.

Um homem provavelmente teria ficado tão nervoso que

atiraria, mesmo que não visse nada. Mas os robôs

hesitaram, porque não viram nada. Era bem verdade que o

dispositivo de localização de matéria seria posto a

funcionar imediatamente, e contra este a invisibilidade

não adiantaria nada.

— Tenha cuidado, Anne! — chiou Rhodan. — Leve

esse sujeito. Preciso dele no estado em que se encontra.

Dê o fora! Eu cobrirei a retirada.

O radar dos robôs levou perto de quinze segundos para

localizar o alvo. Isso bastou para que a telecineta

desaparecesse com sua vítima. Rhodan flutuou para

baixo, visto que a descida para o nono andar era

observada menos intensamente pelos robôs. E dessa

direção abriu fogo, antes que os três colossos se

dispusessem a atirar.

Dois deles foram liquidados na primeira investida. O

terceiro teve tempo de determinar a posição de Rhodan e

respondeu ao fogo.

O campo protetor gerado pelo traje de Rhodan torceu-

se sob o impacto dos raios disparados pela arma inimiga.

A fluorescência causada pelo atrito das duas formas de

energia revelou ao robô a posição exata de Rhodan. A

máquina aumentou o poder de fogo de seu braço armado.

O homem procedeu da mesma forma com seu radiador de

impulsos térmicos. Modificou a focalização,

concentrando os raios num feixe tão estreito que eles

atingiam o alvo como uma alfinetada.

Esse tipo de manejo da arma pressupõe uma prática e

uma pontaria extraordinária. E numa luta contra robôs

ainda se tornava necessário que o combatente estivesse a

par da anatomia dessas máquinas.

Rhodan estava a par.

Atingiu o reator individual e dessa forma saiu

vencedor no duelo, que por pouco não tem um desfecho

totalmente diverso.

O robô estava fora de combate. Apesar disso, Rhodan

esperou um instante e verificou o andar de cima e o de

baixo. O de baixo adquiriu vida, enquanto no décimo

pavimento tudo continuava em silêncio.

Voltou a flutuar para cima.

Anne Sloane já colocara o robô no pavimento de

Adams, onde foi depositado num lavatório.

— Não está levando seus sentimentos humanos longe

demais? — perguntou Adams, sacudindo a cabeça. —

Desde quando se costuma fazer prisioneiros entre os

robôs?

— O menino é muito precioso. Será levado para

Terrânia, onde o examinaremos. É bem possível que ele

acabe nos revelando como foi tramado todo esse complô.

Dali a pouco Kakuta e Seiko retornaram.

— Limpamos a cobertura do edifício, chefe. Lá em

cima havia cinco robôs.

Adams logo compreendeu as intenções do chefe. E

manifestou sua objeção.

— Acha que todo mundo deve dar o fora daqui?

— Acho que é precisamente isso que você mais tem

desejado nesta última hora.

— Sem dúvida. Acontece que a sede da G.C.C, é uma

oficina de trabalho insubstituível. Só os registros

guardados neste edifício...

— Está certo, Adams. A responsabilidade será minha.

O que mais vale são os seres humanos. Não quero perder

nenhum deles. Acredito que, assim que tivermos

desaparecido, o interesse da família imperial nova-

iorquina será dedicado a outros objetos.

Poucos minutos depois, um gigante esférico desceu

sobre a cidade de Nova Iorque. Naquela hora, a cidade

das possibilidades ilimitadas estava festejando mais um

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triunfo. Apesar do perigo dos robôs, a população

assustada corria para os telhados a fim de contemplar o

espetáculo.

O diâmetro da nave espacial Stardust-III era de

oitocentos metros. Quando parou poucos minutos acima

da cobertura do edifício da G.C.C, sua sombra envolveu

metade de Manhattan.

Era a nave de Perry Rhodan!

Representaria uma esperança?

Para certas pessoas. Para os funcionários da G.C.C.

Mais de doze mil pessoas foram transferidas para o

veículo espacial esférico no curso de duas horas.

Ninguém ficou para trás. E os robôs nada fizeram contra

esse tipo de resgate. Ou não se interessavam pelo que

estava acontecendo.

* * *

Nova Iorque era grande!

E tinha um imperador, embora o Imperador tivesse

tombado.

As estações de rádio transmitiram a notícia de forma

bastante dramática. Algumas centenas de pessoas já

haviam sido obrigadas a se colocar ao serviço da nova

dinastia. Outras pessoas, que formavam a maioria, não

despertavam o interesse da nova dinastia.

Depois de alguma hesitação, a obra de destruição teve

início. Ninguém sabia se ela contava ou não com o

consentimento do Imperador. De resto, isso não

importava O que importava eram os fatos. E a evolução

destes começou de forma bastante semelhante à de

Terrânia.

No momento em que o crepúsculo matutino começou

a subir pela costa leste dos Estados Unidos, as duas

divisões da F.D.T. enviadas por Mercant chegaram à

cidade. Vieram acompanhadas de tropas aero-

transportadas e equipadas com tanques pesados,

protegidos por campos energéticos. Além disso,

trouxeram caças de um tripulante.

As tropas de infantaria logo conseguiram se firmar na

cidade. Foi bem ao norte, onde a Broadway assumia um

caráter pequeno-burguês. Todavia, os pilotos dos caças

não demoraram a constatar que pouco se poderia fazer do

ar. A caça de mil e quatrocentos robôs espalhados pela

cidade parecia uma tarefa sem a menor possibilidade de

êxito. Por isso, pelas nove horas os caças foram trocados

por helicópteros.

O movimento de fugitivos diminuía rapidamente.

Durante a noite os robôs apenas se reagruparam. Com

isso, a maior parte dos habitantes de Nova Iorque se

iludiu. Não souberam avaliar o perigo e resolveram ficar

em casa. Quando chegaram as primeiras notícias sobre a

ação furiosa dos robôs, o pânico e o caos tomaram conta

da cidade. De uma hora para outra as vias de saída,

estações e aeroportos ficaram congestionados.

Entre os dez aviões que decolaram em primeiro lugar,

dois foram derrubados por robôs de combate. Caíram

numa área densamente povoada.

As duas divisões da F.D.T. iniciaram um avanço

precipitado, contando com o apoio de helicópteros em

voo baixo. Venceram seis quilômetros sem serem

molestadas. Mas, de um instante para outro, os

movimentos de tropa estacaram em todas as ruas que se

dirigiam para o sul. Precisamente às nove horas e trinta e

cinco minutos teve início o fogo de defesa dos robôs.

Pelas previsões humanas, a ação fulminante teria causado

perdas sensíveis às tropas de Mercant. Mas as ordens

transmitidas a estas foram terminantes. Ambas as divisões

marcharam todo o tempo com os campos energéticos

individuais ligados, sem se iludir com a ausência inicial

de qualquer defesa. Apesar disso não havia o menor

motivo de ficar alegre.

Uns duzentos robôs de combate fecharam Manhattan

para o norte. Enquanto isso, quatrocentos faziam estragos

pela cidade, espalhando o terror entre a população. Os

robôs de trabalho apoiavam seus colegas o melhor que

podiam.

10:15 h. Mensagem de Allan D. Mercant, dirigida a

Perry Rhodan:

— Não conseguimos avançar mais. A atuação da

força aérea demorará em nos levar ao objetivo e, além

disso, coloca em perigo a população civil. Cada minuto

custa novas vidas humanas. Precisamos de uma

campanha-relâmpago.

Resposta de Perry Rhodan, dirigida a Allan D.

Mercant:

— Evacuamos todos os colaboradores da G.C.C. que

se encontravam em Nova Iorque. A Stardust-III dirige-se

novamente à cidade. Agüente mais um pouco, coronel.

Estamos fazendo o possível; chegaremos dentro de doze

minutos.

A atuação de Rhodan não poderia ficar restrita

exclusivamente a Nova Iorque. Simultaneamente com a

Stardust-III, seis naves auxiliares da classe Good Hope —

os chamados girinos — haviam decolado da base de Gobi.

Cada uma das naves auxiliares trazia ao menos dois

mutantes a bordo. Destróieres e caças de um homem

haviam decolado de todos os pontos da Terra em que se

encontravam estacionadas as máquinas da Terceira

Potência. Centenas de aparelhos controlavam o espaço

aéreo de nosso planeta e aguardavam ordens para entrar

em ação.

Berlim, Sydney, Durban, Montevidéu, Manila, Madri,

Kuwait e mais três dezenas de pontos geográficos foram

assinalados com uma luz amarela no mapa do estado-

maior da Terceira Potência.

Anne Sloane partira para Berlim, Tanaka Seiko para

Manila e Wuriu Sengu para Durban. Os mutantes

começaram a se tornar escassos. E sobrara um único. Ivã

Goratchim. Encontrava-se a bordo da Stardust-III.

10:27 h. A sombra da gigantesca nave esférica voltara

a cobrir a cidade de Nova Iorque.

— Onde está o efeito moral? — perguntou Reginald

Bell, desesperado. — Se os inimigos que se encontram lá

embaixo fossem seres humanos, já teriam feito as malas.

— Paciência — disse Rhodan. — Resolvemos

construir robôs sem nervos. E lá estão eles...

Modificaram a regulagem das telas de observação. Os

detalhes puderam ser vistos. Os quadros que se

desenharam nas telas não foram nada agradáveis.

As perdas nas divisões da F.D.T. haviam crescido

rapidamente. Os tanques destruídos estavam espalhados

por todos os cantos. As tropas de Mercant batiam em

retirada.

Chamado da Groenlândia.

— Não me explique o que está acontecendo aqui —

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respondeu Perry Rhodan. — Vejo-o com os próprios

olhos. E vejo melhor que você. Dê ordens oficiais de

retirada. Só assim poderemos atrair os robôs para fora da

cidade. E é exatamente isto que teremos de fazer para

evitar que Nova Iorque desapareça do mapa.

— Está bem.

— Fim!

Ivã Goratchim, o detonador, entrou num tanque, que

foi levado ao chão num campo gravitacional dirigido. O

corpo de Ivã não cabia num traje de batalha normal.

Mais trinta tanques foram levados ao chão pela mesma

forma. Tinham a artilharia e a tripulação normal, e sua

missão consistia em desviar de Ivã Goratchim a atenção

do inimigo.

Em virtude da situação dos fronts, a área do

cruzamento da Broadway com a Quinta Avenida estava

livre de robôs. O grupo de desembarque da Terceira

Potência chegou ao solo sem qualquer problema e logo se

espalhou em blocos de três. Tako Kakuta, o teleportador,

serviria de elemento de ligação entre Rhodan e Ivã.

— Salte quando for necessário, Tako. Ivã é um

produto da natureza siberiana. Não acredita muito no

telecomunicador e no nosso equipamento técnico. É

preferível que fique com ele. Ivã não pode sofrer a menor

tensão emocional. Tem de concentrar todas as suas

energias na detonação dos robôs.

Às 10:34 h Kakuta anunciou a primeira destruição de

um robô por Goratchim. No mesmo instante o

hipercomunicador da sala de comando produziu um forte

ruído.

— Estabeleça contato imediatamente! — ordenou

Rhodan ao oficial de plantão da sala de telegrafia. O ruído

com que a ligação automática do receptor principal havia

reagido ao chamado era típico. O comandante da nave

podia realizar qualquer palestra sem abandonar seu lugar

na ponte de comando. Enquanto isso, mais de trinta

pessoas se incumbiam dos trabalhos de registro na sala de

telegrafia. A qualquer hora todas as frequências possíveis

tinham de ser mantidas sob observação. Três dezenas de

telegrafistas e vários mini-robôs eletrônicos realizavam

um controle ininterrupto do espaço. Constantemente

chegavam notícias sobre a situação nos diversos pontos da

Terra.

Rhodan acabara de ler um comunicado sobre a

chegada de Anne Sloane a Berlim. O zumbido do

hipercomunicador revelava que o expedidor da mensagem

se encontrava num ponto muito distante.

— Estabeleça imediatamente a ligação.

— Sim senhor.

— Cruzador Solar System para a Terceira Potência.

Cruzador Solar System para a Terceira Potência. O major

Nyssen deseja falar com Rhodan.

— Que diabo! Uma ligação direta — espantou-se Bell.

— Deve haver alguma novidade.

O correio pneumático junto ao assento do piloto-chefe

expeliu um cartucho. Um jovem tenente pegou-o e

entregou o bilhete a Rhodan.

— Ivã registrou novos êxitos, chefe.

— Não me venha com Ivã a esta hora. Capitão Bols,

faça o controle da decodificação automática e cuide para

que nenhuma outra mensagem passe pela minha linha.

Alô, major Nyssen! Aqui fala Perry Rhodan. Encontro-me

a bordo da Stardust-III. A nave está na atmosfera

terrestre.

Na tela surgiu o rosto magro do oficial pequeno e rijo.

Nyssen sempre exibia um sorriso, por mais difíceis que

fossem os problemas com que se defrontava. Sua voz

rangedora só era agradável para quem o conhecesse muito

bem.

— Como está à situação, major? O momento não é

propício para notícias alarmantes.

A base de impulsos de quinta dimensão garantia a

comunicação simultânea a uma distância de trezentos e

vinte anos-luz.

— Em conformidade com as instruções recebidas, nos

mantemos a uma distância segura da frota dos saltadores.

O inimigo vem recebendo reforços constantes, e nossa

situação tornam-se cada vez mais difícil.

— Devo interpretar isso como um pedido de socorro,

major?

— Quando poderá voltar? Afinal, seria importante

para nosso planejamento tático que conhecêssemos esse

detalhe.

— Voltaremos assim que tivermos visitado o planeta

Peregrino. Sabe perfeitamente que nestas circunstâncias

não posso fornecer qualquer indicação de tempo. Isso

significa que a ordem de manter sua posição continua de

pé. Mais alguma novidade?

— Apenas duas observações que talvez sejam

importantes para você. Há uma hora constatamos um

deslocamento altamente suspeito na frota dos saltadores.

Até agora o receio de que se trate de um ataque em grande

escala contra nossas naves não se confirmou. Nossos

telegrafistas dizem que descobriram uma mensagem

direcional orientada para o sistema solar. É claro que isso

não pode ser provado.

— Está bem. Examinaremos isso. Mais alguma coisa?

— Não encontramos mais a Orla XI no meio do grupo

inimigo.

— Isso significa que você conseguiu destruí-la. Meus

parabéns, major. Tifflor ficará satisfeito ao saber que seu

ex-carcereiro Orlgans viu chegada a hora.

— A Orla não foi destruída. Simplesmente

desapareceu. Receio que se trate de outro truque do

comandante dos saltadores.

— Nesse caso só posso lhe recomendar que continue

de olhos bem abertos. Você ainda terá de se arranjar por

algum tempo sem a nossa presença. Não desanime, major!

— Está bem, chefe. Mais alguma ordem?

— Quero que desligue. Lembranças para a frota. Fim.

O contato foi interrompido.

Poucas vezes se vira tamanho nervosismo a bordo da

Stardust-III como naquela hora. Todos sabiam que o

tempo era muito importante para a expedição. A frota

estacionada no sistema de Beta-Albíreo precisava de

socorro imediato. O cérebro P estacionado em Vênus já

preparara os dados sobre o planeta Peregrino e aguardava

a visita de Rhodan. O próprio Peregrino corria por regiões

desconhecidas. Uma vaga esperança fora depositada nele.

E os robôs rebeldes estavam descarregando sua fúria

sobre a Terra.

Rhodan era um homem diferente. Desde que, valendo-

se de alguns estratagemas, conseguira receber no planeta

Peregrino o dom da vida eterna — que além dele só fora

dispensado a Reginald Bell — via-se numa posição

bastante delicada. Apesar disso, a essa altura já devia ser

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capaz de feitos mais grandiosos.

Teria que estar em todos os lugares ao mesmo tempo.

A catástrofe que desabou sobre Nova Iorque

desenhou-se nas telas. Os robôs de combate tinham

transformado quadras inteiras de Manhattan em infernos

de fogo. Um traço duro se desenhou em torno da boca de

Rhodan.

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— Regime de prontidão para a Stardust-III.

Avisem quando estiverem prontos para combater.

O comando de Rhodan significava que ele interviria

no conflito com todo o potencial da nave.

— Você sabe o que está fazendo, Rhodan.

A constatação de Reginald Bell deveria ter sido

formulada como uma pergunta. Mas não foi.

— Ponho vidas humanas em perigo, se é isso que você

quer dizer. Mas ponho um número muito maior de vidas

em perigo se não fizermos o que está ao nosso alcance.

A sombra por cima do inferno atômico de Nova

Iorque cresceu. Representava a única esperança dos seres

humanos que ainda viviam na cidade. Todos sabiam que

era a nave de Perry Rhodan.

O campo energético da Stardust-III tocou a ponta dos

arranha-céus mais altos. O gigante foi parar nas

proximidades do Empire State Building.

— Comandante para os postos de combate. Só abram

um fogo bem dirigido. Não disparem cargas maiores

sobre alvos disseminados. Toda e qualquer vida humana

deverá ser poupada. Os disparos serão registrados com

exatidão.

No momento em que chegou o último aviso de

prontidão, Perry Rhodan mandou abrir fogo.

A Stardust-III se deslocou lentamente para o norte,

aproximando-se da frente de luta. Ivã Goratchim se

encontrava na Rua 42. Kakuta realizou uma teleportação e

compareceu a bordo por dois minutos.

— Trinta e cinco robôs destruídos. Alguns dos nossos

tanques também foram atingidos. Não dispomos de

números exatos.

— Como vai Ivã?

— Está em plena forma. Estamos lutando contra

máquinas. Por isso não tem problemas de consciência. E

bem verdade que se acostumou à minha presença...

— Pois trate de voltar quanto antes.

Kakuta desapareceu imediatamente.

Alguns robôs tentaram atingir a Stardust-III. O

insucesso total, causado pelo campo energético

superpotente da nave, logo os levou a mudar de tática.

Reuniram-se em grupos de três e procuraram se manter

sob o abrigo dos edifícios.

Bell praguejou e chamou-os de bandidos.

— Deixe-se de nervosismo, Bell. Já alcançamos um

êxito. Os robôs já não podem se dedicar exclusivamente

ao ataque. Têm de cuidar também de sua defesa.

Às 11:18 h o êxito definitivo dos homens começou a

se esboçar. As divisões da F.D.T., em sua retirada,

haviam atraído boa parte dos efetivos inimigos para fora

da cidade, onde a Stardust-III em poucos segundos

volatilizou perto de cento e cinqüenta máquinas com um

pesado canhão desintegrador. Os soldados de Mercant

puderam contemplar novamente a possibilidade de um

avanço. Mais tarde reuniram-se aos blindados da Terceira

Potência, no centro de Manhattan, e avançaram por cima

do East River, em direção ao Brooklyn.

Várias emissoras transmitiram proclamações do

Imperador de Nova Iorque. Tratava-se de ordens de

resistir, do tipo das que costumam ser expedidas por

ditadores que vêem seu sistema desmoronar.

Os homens que se encontravam nas salas de comando

da Stardust-III puderam dar-se novamente ao luxo de um

sorriso.

— Não venham me dizer que o Imperador não

conhece as fraquezas humanas — disse Bell em tom

sarcástico. — As ordens que está transmitindo constituem

um indício patente de loucura.

— Não é bem isso. As contradições resultam do fato

de que pelo menos duas dezenas de robôs-secretários

acreditam que são o Imperador. Deve ter havido um

curto-circuito no seu sistema de comunicações. Para mim

isso constitui prova de que o poder dos robôs chegou ao

fim. É bem verdade que há muito trabalho pela frente, até

que a última máquina de combate seja destruída. Temos

um girino a bordo. Coronel Freyt, o senhor ficará por aqui

na Good Hope-XVIII até que o perigo esteja removido.

Entre em contato com o capitão Sirola e avise Mercant na

Groenlândia.

— Perfeitamente, chefe!

— Obrigado. Prepare-se para a saída.

Às doze horas e dez minutos a Stardust-III deixará a

Terra. Ordem dirigida ao oficial de mutantes Kakuta.

Regresse imediatamente! Daqui em diante, Ivã terá de se

arranjar sem você.

* * *

Bell reclinou-se na poltrona; respirava pesadamente.

— Estou acostumado à velocidade com que você

costuma agir, Rhodan. Mas agora você está atropelando

seus atos. Você se esqueceu de alguns mutantes que se

encontram na Europa, na África e na Ásia.

— Ainda há outros na América do Sul e na Austrália.

Mais tarde iremos buscá-los. No momento o que mais

importa é irmos para junto do cérebro positrônico

instalado em Vênus. Se não houver nenhum imprevisto.

— Você desconfia de alguma coisa?

— Estou pensando na mensagem que Nyssen nos

mandou do sistema de Beta-Albíreo.

— Está aludindo à transmissão direcional dos

saltadores? Isso não me preocupa. O fato de que esses

caras mantiveram contato permanente com a Terra não

constitui nenhuma novidade. Sabemos perfeitamente que

os robôs não empregaram apenas sua capacidade militar

contra nós; também funcionavam como espiões. A

atividade dos robôs de trabalho constitui testemunho

evidente disso. Nossa intervenção apenas desencadeou o

conflito aberto.

— Está certo — respondeu Rhodan. — Acontece que

você se esquece do resultado do nosso controle de

comunicações pelo rádio. Não houve qualquer contato

entre os saltadores e os nossos robôs. Ao menos não

houve nenhum contato direto.

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— O que você quer dizer com isso? Um espião que

não pode transmitir os resultados de suas investigações

não vale coisa alguma.

— Pois é justamente isso. Acho que deve existir uma

estação retransmissora.

Talvez em Vênus.

— Isso não passa de uma suposição.

— Naturalmente. Vamos verificar o que há de

verdade. Não se esqueça da informação de Nyssen sobre a

transmissão direcional. Ainda acontece que, segundo

dizem, o comandante dos saltadores, pertencente à

corporação mercantil, desapareceu do sistema de Beta-

Albíreo. Ao que tudo indica, seguiu em direção ao Sol.

A Stardust-III pusera-se a caminho de Vênus. Rhodan

transmitiu, através de um código secreto, um aviso

preliminar dirigido ao cérebro positrônico. Dentro de um

tempo muito breve, compareceria para procurar os dados

relativos ao planeta Peregrino. Se for verdade que Orlgans

se encontrava a caminho da Terra, o tempo urgia ainda

mais.

Toda a tripulação das salas de telegrafia fora instruída

a concentrar suas atenções sobre qualquer mensagem de

hipercomunicação. Mal haviam vencido o décuplo da

distância da Lua quando o primeiro resultado foi

anunciado.

— Impulsos de hipercomunicação vindos das

profundezas da Via Láctea!

— Não conseguiu estabelecer a localização

goniométrica? — perguntou ao jovem oficial.

— Um segundo. Durou apenas um instante. Deve se

tratar de impulsos de localização extremamente

concentrados no tempo.

— Para que serve o equipamento eletrônico?

— Perfeitamente, chefe! Já temos o resultado. Vem

quase exatamente da direção de Beta-Albíreo.

— Pois então! Deve ser a emissora a que aludiu

Nyssen. Ou será que se trata de uma mensagem expedida

por um dos nossos cruzadores?

— Não senhor. Nenhuma das nossas chaves de

codificação adapta-se à mesma.

Não conseguimos interpretar a mensagem.

— Por enquanto — disse Rhodan. — Por enquanto só

estamos interessados em saber onde se encontra a estação

receptora. Coloque em funcionamento todo o

equipamento goniométrico, tenente. Tenho certeza de que

a estação retransmissora hipotética de Vênus não tardará

em trair sua presença.

— Perfeitamente.

— E agora vamos dar um passeio pela nave — disse

Rhodan, dirigindo-se a Reginald Bell.

* * *

O passeio se transformou numa verdadeira correria.

Rhodan estava com pressa, não apenas porque queria

reassumir quanto antes o comando da Stardust-III, mas

também porque havia uma centena de problemas que o

martirizavam ao mesmo tempo.

Pegaram o elevador e subiram ao pavimento

imediatamente superior. Bell viu-se no interior do

laboratório particular de Perry Rhodan. O amigo apontou

para um robô de combate bastante danificado.

— Está reconhecendo esse sujeito, Bell?

— É o robô de Nova Iorque? — conjeturou Bell.

— Deixamos algumas centenas deles nesse estado. É o

sujeito que pus fora de combate no corredor do edifício da

G.C.C. Está em condições melhores do que poderia

parecer à primeira vista. Os equipamentos mais

importantes de seu corpo não foram avariados. Como vê,

já preparei a experiência.

Bell confirmou com um aceno de cabeça.

Um emaranhado de fios ligava o corpo do robô

paralisado com uma série de instrumentos. Rhodan ainda

não tivera tempo para realizar as experiências planejadas.

— Ainda bem que você está aqui. Com isso

economizo uma porção de explicações.

— Você acha que o sujeito lhe revelará muita coisa?

— Faço votos de que a programação introduzida nele

pelos agentes dos mercadores ainda não tenha sido

apagada. De qualquer maneira, lhe restituí a consciência

da Terceira Potência. É um ser muito inteligente com um

conflito interior.

Rhodan interrompeu sua exposição e estabeleceu

contato pelo videofone com a sala de telegrafia.

— Alô, tenente Evans. Ponha a mensagem misteriosa

dos mercadores no meu transmissor.

— Pois não.

A transmissão foi apenas uma questão de segundos.

Rhodan gravou a mensagem concentrada no tempo sobre

um fio e reproduziu-a em intervalos variáveis. O setor

intelectual do robô foi reativado por meio de um simples

movimento de chave.

— Olá, Robby. Como está a recepção?

— Ótima. Uma recepção é o suficiente.

— Muito bem. De onde vem a mensagem?

— De Orlgans, comandante dos saltadores.

— Obrigado. O que diz?

— Orlgans para a estação Sol. No momento não

podemos fornecer apoio. Todas as forças dos mercadores

estão engajadas no sistema de Beta-Albíreo, em virtude

de fortes contra-ataques desencadeados por cruzadores e

destróieres inimigos. A ordem SZ-7 continua em vigor.

— Um momento. O que diz a ordem SZ-7?

— É uma ordem de resistência. Exige um ataque geral

e imediato contra a população da Terra, mediante a

utilização de todos os recursos militares.

— Obrigado. Prossiga com o aviso.

— Chegou ao fim.

— Muito bem. Como é que só agora você conseguiu

decifrar a mensagem? Pelo que sei existe uma estação

retransmissora no sistema solar, que costumava fornecer-

lhes as notícias.

— Nosso receptor é muito fraco. No caso o

equipamento de rádio da Stardust-III desempenhou as

funções de estação retransmissora.

— Hum. A explicação não deixa de ser plausível. Para

onde vocês irradiam suas mensagens destinadas a

Orlgans?

— Na direção de Aldebaran-Touro...

Bell interrompeu o robô com um ataque de tosse

forçado.

— Veja só. Você suspeitava de Vênus, Rhodan.

Parece que foi um engano.

Rhodan deu de ombros.

— Foi uma suposição intuitiva. No momento o planeta

Saturno se encontra na posição do Touro. Robby será que

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Saturno está no jogo?

— Não posso dizer. Não disponho de informações a

este respeito.

— Mentiroso! — trovejou a voz de Reginald Bell.

Mas Rhodan assumiu a defesa do robô.

— Robby não tem nenhum motivo para mentir.

Chegaremos mais longe se acreditarmos nele. Afinal, já

conseguimos alguma coisa. O sistema de Saturno não é

muito grande; deverá haver um meio de resolver o

problema. Teremos que realizar quanto antes uma

mudança de rota.

— Pelo amor de Deus! — gemeu Bell. — Até já estou

começando a ficar nervoso. Gostaria de saber o que vai

pensar o cérebro P instalado em Vênus quando souber que

voltamos à Ponte.

Rhodan pôs a mão na chave que desativaria o robô,

mas Bell o reteve num gesto rápido.

— Um momento, Rhodan. Ainda dispomos de dez

segundos. Preciso fazer uma pergunta muito importante a

esse menino. Trata-se de uma questão que ninguém

conseguiu solucionar.

Logo depois, dirigiu-se ao robô:

— Ouça o que vou dizer. Você voltou a sentir-se

como um servo da Terceira Potência, não é Robby?

— Sim senhor.

— Deixe de cerimônias — insistiu Rhodan. — Está

bem. Você está lembrado da revolta de robôs em

Terrânia.

— Não participei da mesma.

— Mas vocês tiveram meios de se comunicar entre si.

— Sim senhor.

— Pois bem. A revolta foi controlada antes do tempo.

Antes que pudessem desferir o golpe, seus companheiros

de Terrânia foram postos fora de ação. Inclusive os robôs

de combate. Apesar disso puseram-se em marcha ao

amanhecer e espalharam muita desgraça. Qual é a

explicação?

— Muito simples. A polícia humana teve que lidar

com os robôs um por um. E cometeu o erro de não vigiar

as máquinas desativadas. Alguns robôs ainda livres

dirigiram-se aos seus camaradas enquanto a ação policial

estava em andamento e voltaram a ativá-los. Foi por um

estratagema de guerra que todos os robôs de combate se

deixaram depositar no grande pavilhão.

— Desligue esse sujeito, Rhodan! — exclamou Bell,

furioso. — Se escuto isso por mais algum tempo, acabarei

tendo complexos de inferioridade.

* * *

O treinamento hipnótico e a prática galáctica

conferiram-lhes grande presença de espírito. Ao

regressarem à sala de comando, já haviam concluído o

processamento psíquico dos conhecimentos recém-

adquiridos. Rhodan voltou a assumir o comando.

— Vamos alterar a rota.

Seguiram-se os detalhes e as confirmações expedidas

pelos diversos postos.

Saturno?! Com grande espanto os copilotos,

engenheiros de máquinas, navegadores, assistentes e

ordenanças tomaram conhecimento do novo objetivo.

Evans anunciou o resultado da medição goniométrica.

— A resposta dirigida à base dos saltadores instalada

no sistema de Beta-Albíreo é irradiada a partir do sistema

de Saturno.

— Obrigado, Evans. Já fixamos a rota com esse

sistema. Tente obter uma indicação mais precisa do

destino.

O pessoal do rádio provou que não era totalmente

inútil.

— Apuramos a posição exata da emissora do inimigo,

chefe. Fica na lua de Saturno denominada Titã, a sete

graus de longitude oeste e oitenta e quatro graus de

latitude norte, ou seja, nas proximidades do polo norte.

— Obrigado, tenente. Foi um serviço bem feito.

— Fixação precisa da rota. Correções...

A Stardust-III voltou a desenvolver a velocidade

normal, equivalente à da luz, cruzou a órbita de Marte,

atravessou as extremidades do anel de planetoides e

mergulhou no negrume do espaço. Júpiter encontrava-se

em oposição. Saturno com suas nove luas era o objetivo

mais próximo que se encontrava a seu alcance.

Os aparelhos de escuta da Stardust-III estavam

regulados ininterruptamente para a estação retransmissora

do inimigo. Mais três mensagens foram captados.

Tratava-se de pedidos de socorro dos exércitos terrestres

de robôs. Na quarta e última transmissão a estação de Titã

anunciou que ela mesma se encontrava em perigo. Os

robôs depositados no laboratório de Rhodan realizaram a

decodificação.

— Titã para Orlgans! Titã para Orlgans! O

couraçado Stardust-III aproxima-se, navegando à

velocidade da luz. Mantém uma rota que se dirige

exatamente para cá. É impossível que se trate de uma

coincidência. Alguém deve ter revelado nossa posição.

Solicitamos apoio imediato.

— Não podemos dispensar a nave Orla XI. Parta para

o contra-ataque. O girino arcônida dispõe de armamento

suficiente para um ataque de surpresa. Modificação do

código. Nova posição: 74 562 AT 9...

O resto foi incompreensível.

A consulta que Rhodan formulou ao robô não

produziu o menor resultado. Seu cérebro não fora

programado para a chave 74 562 AT 9. A linguagem

ininteligível foi introduzida imediatamente no grande

cérebro positrônico instalado a bordo da nave. Mas a

codificação inimiga era tão complicada, que várias horas

ou mesmo dias poderiam se passar antes que se

dispusesse de um texto compreensível.

Acontece que a decisão teria que vir nos próximos

minutos, pois a Stardust-III, que já iniciara as manobras

de frenagem, encontrava-se a apenas oitenta e cinco

milhões de quilômetros de Titã.

— De qualquer maneira Orlgans cometeu dois erros

— comentou Bell, satisfeito.

— Sabemos que não pode vir pessoalmente, e que

dispõe de uma nave auxiliar arcônida de sessenta metros.

Face a isso podemos avaliar com alguma aproximação a

força do inimigo que nos aguarda em Titã.

— Até podemos avaliá-la com muita exatidão — disse

Rhodan com uma raiva contida. — Na mensagem foi

mencionada a palavra girino. Acontece que se trata de um

apelido que demos às naves dessa classe.

— Dali você conclui que se trata de uma nave da

nossa frota?

— É a conclusão que se impõe meu caro. Lembre-se

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de que ainda não localizamos a Good Hope-I, comandada

pelo tenente Dayton. Todas as buscas foram infrutíferas.

Pode-se perfeitamente conquistar uma nave e tripulá-la

com sua própria gente. Acho que os saltadores não são

tolos. Saberão lidar com a tecnologia arcônida central.

— Isso significa que podemos dar a tripulação

comandada por Dayton como perdida...?

Rhodan ficou devendo a resposta. Não estava tão bem

informado.

Faltavam quinze milhões de quilômetros para Titã.

— Bell, eu sugiro que você nos dê cobertura com três

destróieres. Com o poder de fogo de nossa nave

provavelmente não precisamos disso, mas nunca se sabe

como se desenvolverá a situação. De qualquer maneira

faço questão de que alguém vá dar uma olhada em Titã.

Estou interessado na estação dos saltadores.

— Não pretende pousar?

— Talvez nem tenhamos oportunidade para isso.

Prepare-se. Leve dois oficiais da guarnição de reserva e os

tripulantes de que precisa. Faltavam dez milhões de

quilômetros para chegar a Titã.

Três destróieres comandados por Bell saíram da nave-

mãe e dispararam para o espaço em ligeiros impulsos de

aceleração. Tomaram uma rota tangencial, a fim de

descrever alguns círculos em torno da maior das luas de

Saturno.

No mesmo instante o girino decolou. Contavam com

sua presença e por isso estavam preparados. Bell esteve a

ponto de se precipitar sobre ele. Mas Rhodan ordenou que

não modificasse sua rota.

— O sujeito foi destinado a nós. Vocês só

empreenderão qualquer manobra se forem atacados.

— Está bem — disse Bell, contrariado, e obedeceu.

O girino se aproximou silenciosamente. O rugido

interno de uma nave espacial acelerada ao máximo perde-

se no vácuo do universo.

— Isso mesmo! É a Good Hope-I — constatou Crest,

o arcônida. — E lá vêm os disparos.

Três torpedos espaciais se aproximaram

vertiginosamente. O campo energético da Stardust-III se

dobrou. Foi um devorar mútuo de energias

termodinâmicas. Três bombas investiram contra o campo

energético. Bastava que um dos projéteis conseguisse

vencer o obstáculo para que uma deflagração atômica

irreversível fosse desencadeada em certos elementos do

objeto atingido. O artilheiro podia regular o artefato à

vontade, no que dizia respeito aos elementos até o número

oitenta. De qualquer maneira, todos os elementos pesados

seriam atingidos pela conflagração.

A sensação provocada pelo fato de se encontrar sob o

fogo desse instrumento de destruição maciça não era nada

agradável.

Os homens que ali se encontravam tinham que

depositar muita confiança na potência do campo

energético.

Os instrumentos indicaram a potência do ataque

energético.

— Sessenta e cinco por cento — murmurou Rhodan.

Poucos segundos depois as agulhas voltaram à posição

primitiva. Haviam resistido ao primeiro ataque.

O segundo foi desfechado com cinco bombas.

— Setenta e oito por cento.

— O que está esperando? — perguntou o Dr. Eric

Manoli, que se encontrava perto de Rhodan.

Este se limitou a lançar-lhe um ligeiro olhar; não disse

nada. Afinal, o que poderia dizer? Que preferia não atirar

porque se tratava do girino Good Hope-I? Essa fala

pareceria muito sentimental. Era possível que o motivo

fosse outro.

Talvez o tenente Dayton.

Bell anunciou sua posição além de Titã.

— Observamos nitidamente a estação. Trata-se de

uma montagem de aparência modesta. Ao que parece o

resto encontra-se sob a superfície da lua. Como estão

vocês?

— Bem, obrigado. Repelimos dois ataques. Não se

preocupem conosco. Pousem.

O fim da ligeira palestra coincidiu com o terceiro

ataque do girino. Seis bombas arcônidas!

— Oitenta e três por cento!

Os geradores uivaram em frequências elevadas.

Deram o último de si para recarregar o campo energético

numa fração de segundo.

— Oitenta e sete por cento! Noventa e dois por cento!

As forças que protegiam a Stardust-III da destruição

pareciam reduzidas a uma fina membrana. Quando

diminuiria a força das seis bombas arcônidas?

Finalmente: oitenta e nove por cento, oitenta e oito,

oitenta e sete...

As agulhas dos indicadores de carga tenderam para

baixo. Mas logo a Stardust-III foi atingida por uma

sacudidela, que só depois de um momento de choque

puderam ser absorvidas pelos compensadores de

gravitação. As agulhas saltaram para noventa e oito por

cento.

Nesse momento da eternidade, os gritos se

misturaram. Os instrumentos de alarma anunciaram a

aproximação de matéria pela popa. Tudo foi tão rápido

que num momento de tensão nervosa a mente humana não

poderia esboçar qualquer reação.

A única coisa que poderia salvá-los seria o autômato

positrônico.

Cada um dos três destróieres vindos pelas costas havia

disparado uma bomba arcônida. Logo se seguiram os

impactos e os esforços desesperados do dispositivo

automático de defesa.

— Setenta e dois por cento! Trinta e seis por cento...

As agulhas caíram para trás. Mas a posição da nave

não conferia mais. Que abacaxi!

Saturno estava a vinte milhões de quilômetros.

— Não é possível! — disse Manoli, segurando o

ombro, com o rosto contorcido de dor.

— Dispomos de um controle múltiplo. Se você tivesse

razão, todos eles teriam falhado.

— Mas...

— Não há nenhum, mas, Eric. Foi apenas um salto

espacial involuntário. As energias liberadas durante o

duelo tiveram, por uma simples coincidência, uma

disposição tal que causaram uma verdadeira curvatura do

espaço. Por pouco conseguem nos atirar para fora do

conjunto de quatro dimensões. Sugiro que antes de mais

nada cuidemos do girino. Está ficando muito perigoso

para que possamos ter qualquer contemplação.

* * *

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— Que é isso, Flynn? — perguntou Bell em tom de

desespero ao seu artilheiro. — Será que nossas telas

goniométricas estão desreguladas?

O tenente Flynn sabia que o sentido da fala de Bell era

muito mais sério do que suas palavras poderiam dar a

entender.

— Se esses bandidos tivessem destruído a Stardust-III,

deveria ter sobrado ao menos uma nuvem energética.

— A conclusão não é nada má, desde que nos

mantenhamos no seu campo de experiência. Acontece que

estamos lidando com um inimigo cujo poder real talvez

nós seja desconhecido. É bem possível que tenham

montado suas armas num girino apresado.

Enquanto falava, Bell já ligara o receptor. Utilizou a

freqüência secreta de emergência.

— Bell para Rhodan! Bell para Rhodan! Responda

Rhodan!

Houve uma ligeira pausa. Depois se ouviu:

— Rhodan para Bell! O que houve?

— Graças a Deus, Rhodan! Onde é que vocês se

meteram? Perdemos a posição.

— Sem querer, realizamos um pequeno salto espacial.

Foram quinze milhões de quilômetros. Os caras lançaram

mais três destróieres com que ninguém contava. Não se

preocupem. Cuidaremos da Good Hope-I. Espero receber

em breve informações precisas sobre a situação em Titã.

Fim.

Os homens suspiraram aliviados e se reclinaram nos

assentos. A formação de destróieres girou para baixo e

abandonou definitivamente a órbita do satélite.

Rhodan foi esquecido. Concentraram todas as

atenções sobre o pouso. Um mundo de gelo como Titã,

cuja atmosfera cristalina de metano e amoníaco

misturados com vários gases nobres é capaz de uma série

de reações químicas, requer muito cuidado de qualquer

astronauta que nela queira penetrar.

Obedecendo ao comando de Bell, os pilotos ativaram

o chamado campo de vácuo, que criava uma zona neutra

de mais de quinhentos metros em torno de cada aparelho.

Sem o menor incidente, pousaram ao lado da torre de

rádio. Não houve o menor movimento defensivo.

— Aguardem! — ordenou Bell. — Deixem a

temperatura baixar. Liguem a refrigeração artificial.

Avisem assim que o envoltório externo esteja em

condições normais.

A operação durou dois minutos, que não foram

desperdiçados. Os homens colocaram trajes espaciais.

Depois disso Bell ordenou o desembarque.

— Dois homens de cada aparelho virão comigo. Os

copilotos ficarão para vigiar as máquinas.

A torre era uma construção metálica em forma de

grade, levantada numa planície lisa que não poderia

fornecer abrigo a ninguém. Apesar disso teriam de agir

com cautela. Os seis homens se aproximaram lentamente

do objetivo, com os fuzis de desintegração e os radiadores

de impulsos em posição de atirar. Reginald Bell

caminhava à frente. Seu traje espacial era um

equipamento de batalha de origem arcônida. Mantinha o

campo protetor ativado. Os outros cinco andaram em sua

sombra, para que um ataque de surpresa com armas

ligeiras pudesse ser rechaçado.

Mas não aconteceu nada. Atingiram a armação

metálica sem serem molestados. Embaixo dela havia uma

porta-alçapão que conduzia para baixo do solo.

— Tenham cuidado! — voltou a advertir Bell, quando

Flynn se pôs a mexer no fecho. — Está bem, tenente.

Continue a girar isso. Mas não enfie logo a cabeça pela

abertura.

Um dispositivo hidráulico fez o alçapão deslizar para

o lado. Bell soltou uma bolsa presa ao lado externo de seu

traje e colocou-a cautelosamente acima da abertura. Um

segundo depois metade do objeto havia sido consumida

pelo calor.

— Ah, então puseram sentinelas!

A constatação foi pronunciada num tom estranho. Até

parecia que Bell se sentia satisfeito por ter tido razão.

— Podemos conversar à vontade. Ninguém pode ouvir

a conversa travada pelo telecomunicador de nossos trajes

espaciais, mesmo que se encontre a apenas três metros.

Aguardem mais um instante. Vou ligar o defletor de

ondas luminosas para dar uma olhada.

Para os outros o momento parecia bastante crítico.

Mas Bell confiava na eficiência do aparelho.

Afinal, estava invisível. O olhar duro do robô de

combate constituía a melhor prova disso.

— Alô, minha gente, que surpresa! Seis metros abaixo

de mim está um robô que os mercadores de Orlgans

devem ter roubado de alguma filial da G.C.C. na Terra.

Até parece que seus olhos estão abrindo furos no ar; ao

que tudo indica, aguarda outro ataque. Vamos ver se

temos mais alguns desses sujeitos de lata por aí.

Bell apontou o radiador de impulsos térmicos para

baixo e apertou o gatilho. O robô dobrou as pernas e

volatilizou-se pela metade.

— Vamos esperar!

Passou-se dez segundos, meio minuto.

Nada se movia.

— Ao que parece o ambiente está limpo. Mas prefiro

descer sozinho para dar uma olhada.

Por alguns segundos, Bell ficou dando tratos à bola

para descobrir como um simples mortal poderia descer

por essa galeria vertical de seis metros. Devia ser uma

forma de deslocamento bastante desconfortável, mesmo

que se considerasse que a gravitação não era superior a

um terço da terrestre.

Perto da galeria havia alguns botões. Devia

experimentá-los. Deixou cair algumas pedras. Ao

comprimir um dos botões, as mesmas não caíam mais.

Flutuavam.

— Um elevador antigravitacional! Tudo em ordem,

minha gente! Avisarei assim que puderem seguir.

Bell flutuou para baixo.

Ao atingir o primeiro piso, viu-se numa sala pequena.

Não se via nada além dos destroços do robô. Nas paredes

viam-se três escotilhas. Eram comportas de ar atrás das

quais devia se encontrar uma atmosfera de nitrogênio e

oxigênio. Um exame mais detalhado confirmou o fato.

Bell escolheu a passagem do meio.

Mandou que os cinco homens o seguissem e

informou-os ligeiramente sobre sua descoberta.

— Tenente Flynn, venha comigo. Os outros esperarão

aqui.

O corredor descia obliquamente. Dali a cem metros o

mesmo se ampliou, sendo novamente fechado por três

portas. A da direita levava a um grande depósito, ocupado

principalmente por cinco robôs terrestres desativados.

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— Esses sujeitos de lata ficarão admirados quando os

despertarmos para a vida...

Como o tempo fosse escasso, não puderam examinar

os detalhes, por mais curioso que Bell ficasse com os

numerosos instrumentos. Um belo dia Freyt teria de

cuidar daquilo.

A segunda porta dava para um apartamento residencial

muito confortável. Lembrava as residências terrestres;

apenas os móveis de uso dos ocupantes pareciam

dimensionados além das normas usuais.

— Isso bem pode ter sido uma residência de gigantes

— constatou Bell em tom indiferente e dirigiu-se à outra

porta.

Penetraram num recinto escuro, que logo os fez farejar

um perigo. Mas depois de terem dado três passos, a

iluminação automática derramou uma luz direta sobre

eles.

Era um pavilhão comprido com boxes abertos.

Havia uma espécie de enfermaria, sala de repouso,

laboratório... e seres humanos.

Bell e Flynn estacaram por um momento.

Não eram robôs nem saltadores, mas seres humanos.

O ar era respirável.

— Retirar o capacete — ordenou Bell e abriu o visor.

Flynn acompanhou-o. No mesmo instante as súplicas

dos companheiros debilitados atingiram seus ouvidos.

— Que patifes! — disse Bell por entre os dentes. —

Que patifes de saltadores.

O primeiro homem que libertaram das amarras que o

prendiam ao leito foi o Dr. Berril, médico de bordo da

Good Hope-I. Seguiram-se alguns mortos. O sétimo dos

homens estava vivo, se é que se quisesse chamar de vida

aquilo que fez com que o corpo maltratado se empinasse.

Abatido, o Dr. Berril sentou-se na beira da cama.

— Fale, doutor! Mesmo que seja difícil. O senhor tem

que fazê-lo por si e pelos companheiros. Além disso, é o

único médico que temos por aqui.

— Eles nos prenderam e trancafiaram. Todos os dias

realizavam interrogatórios psíquicos. Deixamos de ser

homens. Nossos cérebros...

— As reações de seu cérebro são normais, doutor.

Pense nos companheiros que tiveram um destino pior que

o seu. Tome este comprimido energético. E use estes

tubinhos para alimentar os outros. Venha, eu o apoiarei.

O comandante, tenente Dayton, era um dos mortos. A

maior parte dos tripulantes havia morrido. Só vinte e dois

homens podiam ser considerados clinicamente vivos. E

Bell só dispunha de três destróieres completamente

lotados.

O problema fez porejar o suor em sua testa. Tinha que

agir. E tinha que agir imediatamente. Ao lembrar-se de

Orlgans, sentiu seu espírito ferver. Onde estaria Orlgans?

Teria abandonado o grupo de seus companheiros de clã

estacionado em Beta-Albíreo? Não poderia surgir a

qualquer momento no sistema do Sol? O destino dos

espiões robotizados que deixara na Terra constituiria

motivo mais que suficiente para isso.

As ordens de Bell foram terminantes, quase grosseiras.

Mandou que os quatro homens que aguardavam diante

das comportas descessem.

— Doutor, o senhor e Flynn os instruirão. Todos nós

dispomos de um estoque de medicamentos que nos

permite prestar os primeiros socorros. Enquanto isso

cuidarei de outro assunto.

Bell desapareceu sem dar qualquer explicação. Seu

destino era o pavilhão da frente, onde estavam

depositados cinco robôs. Conhecia os companheiros de

lata de dentro e de fora. Esse conhecimento pertencia ao

saber adquirido através do treinamento hipnótico.

— Número um — murmurou em tom sarcástico —

levante-se. Você tem visita.

Ativou-o para um décimo de sua potência, examinou a

programação e constatou justamente aquilo que esperara.

— Seu desertor de uma figa, eu lhe darei uma lição...

Mas como?

Sua mente se iluminou com uma rapidez

extraordinária. O traje arcônida.

O gerador destinado ao campo defensivo desenvolvia

uma energia eletromagnética que bastaria para apagar a

programação indesejada que fora introduzida no robô. As

experiências realizadas por Rhodan já lhe haviam

ensinado em que setor do robô fora introduzida a má

consciência.

Número um, a primeira tentativa.

Deu certo.

O resto não passou de um trabalho de rotina. Dali a

vinte minutos, os cinco robôs de combate estavam

reativados e programados de acordo com os interesses da

Terceira Potência.

Bell emitiu algumas ordens e explicou a situação.

Obedientes, os cinco robôs se espalharam pela estação. O

número um foi à sala de instrumentos, o número dois à

enfermaria, o número três marchou para a residência dos

mercadores, o número quatro assumiu seu posto diante

das comportas de ar e o último ficou numa posição

avançada na superfície de Titã.

Um pouco mais satisfeito, Bell voltou para junto dos

companheiros.

— Por enquanto nossa posição está garantida. Os

cinco robôs continuam leais a nós. Decolarei só no meu

destróier e farei com que o coronel Freyt mande socorro

quanto antes. Não deverá demorar mais de um dia.

Bell e Flynn se despediram. Dali a poucos minutos o

destróier disparou para o céu de Titã.

* * *

À decisão de Rhodan seguiram-se as ordens. Os

saltadores que tripulavam a Good Hope-I deviam ser de

opinião que haviam destruído a Stardust-III. Tomaram

uma rota estranha.

— Olhe só! — disse Eric Manoli, espantado. —

Dirigem-se à Terra. Será que pensam que ainda podem

salvar alguma coisa? Acredito que Freyt já conseguiu

liquidar a resistência dos robôs.

— As últimas informações são satisfatórias — disse

Rhodan. — Mas a Humanidade tem muitos mortos e

feridos a lamentar em todos os continentes. Quando me

encontrar com o primeiro saltador, registrarei essa dívida.

Um momento, Eric! Veja só a rota! Parece que não é a

Terra.

Manoli se sobressaltou. Depois sacudiu a cabeça e

disse:

— Há poucas horas você me falou em sua intuição.

Ao que parece sua idéia ligada a Vênus não era tão

absurda...

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36

Na verdade, o girino tomara decididamente a rota de

Vênus.

— O fato é que a espionagem realizada pelos robôs

revelou a Orlgans algumas coisinhas que devíamos ter

guardado para nós — disse Rhodan. — O ponto

nevrálgico da Terceira Potência não é o deserto de Gobi,

mas o grande cérebro positrônico instalado em Vênus.

Está na hora de agir.

— Têm uma vantagem de mais de vinte milhões de

quilômetros — ponderou Manoli.

— E a velocidade da luz sempre é a velocidade da luz.

Tanto faz que seja um pequeno girino ou a Stardust-III

que desenvolve a mesma.

— Faremos uma coisa proibida — disse Rhodan com

um sorriso matreiro.

A coisa proibida foi uma ligeira transição que os levou

através da quinta dimensão. No interior de qualquer

sistema planetário uma manobra desse tipo representava

um perigo inequívoco, pois poderia afetar a estabilidade

do conjunto. Mas não era a primeira vez que Rhodan fazia

uma coisa dessas. Já adquirira prática.

As medições realizadas pelos trinta e cinco

observadores e a interpretação dos dados pelo cérebro

positrônico instalado a bordo consumiu dez minutos. A

hora havia chegado.

A Stardust-III realizou o salto espacial. Desapareceu

pura e simplesmente do setor do espaço em que se

encontrava e, sem cruzar a órbita de Júpiter, Marte e Terra

da perspectiva projetada na quarta dimensão ela surgiu de

uma hora para outra nas proximidades de Vênus.

Abrigou-se atrás do planeta e aguardou o inimigo que se

aproximava.

Aguardou durante oitenta e quatro minutos.

A surpresa total foi o grande aliado de Rhodan. Os

instrumentos de alarma mal podiam ter soado na Good

Hope-I quando a Stardust-III se transformou num monstro

imenso. Doze bombas carregadas por torpedos que se

deslocavam quase à velocidade da luz precipitaram-se

sobre o alvo. Todos os canhões pesados de desintegração

dispararam ao mesmo tempo. A Good Hope-I se

transformou numa nuvem de energia.

Os homens que se encontravam a bordo da Stardust-

III ainda não haviam terminado de dar seu suspiro de

alívio quando os instrumentos de alarma anunciaram nova

aproximação de matéria. Três destróieres se aproximaram

na esteira da Good Hope-I. Eram as mesmas naves que

por pouco não tinham dado cabo do couraçado.

— Pontaria. Ponte de comando para direção de tiro.

Reconheceram o alvo, ou precisam de dados

goniométricos?

— Obrigado. Temos os três destróieres grudados na

mira. O senhor poderia dar ordem de fogo, chefe?

— Fogo!

Mais uma vez contemplaram o fogo de artifício que se

exibiu em pleno céu. Rhodan sabia que não estava indo

longe demais. Em situações como esta sempre soubera

harmonizar seus atos com a consciência. Não que sua

consciência não prestasse, mas conhecia perfeitamente os

limites e os deveres pelos quais tinha que pautar seus atos.

Não estava usando uma desculpa barata ao alegar que

agia em prol do bem-estar de toda a Humanidade.

Quem se aproximasse pacificamente, poderia contar

com um aperto de mão de Rhodan. Mas quem trouxesse a

morte para a Humanidade teria que contar com a própria

destruição.

Dois destróieres foram atingidos. O terceiro escapou

na sombra de Vênus. Não voltou a aparecer. Devia ter

caído ou pousado.

Um destróier?

Rhodan se lembrou do planeta Peregrino. Teria que ir

ao Peregrino. Não poderia perder mais tempo por causa

de um destróier que se encontrava a serviço do inimigo.

Mandou que estabelecessem uma ligação entre sua

sala de comando e a cidade de Terrânia. Em palavras

ligeiras, relatou ao coronel Freyt o que havia acontecido.

Subitamente havia um terceiro interlocutor na mesma

faixa de ondas.

— Olá, Bell. Por que está entrando na nossa conversa?

— Tenho tanta pressa quanto você. Coronel, mande

imediatamente um girino para Titã.

Também Bell ofereceu um relato lacônico de suas

descobertas. Freyt confirmou a recepção e, ao concluir,

informou seus interlocutores de que a guerra de robôs na

Terra podia ser considerada finda.

— Nesse caso posso receber meus mutantes de volta

— constatou Rhodan. — Irei em direção ao cérebro

positrônico de Vênus. Coronel mande a Good Hope-II

para Titã e liquide o assunto com Bell. Voltarei a chamar

assim que tiver terminado em Vênus.

Os instrumentos de Rhodan instalados em Vênus

terminaram o trabalho em menos de dois dias terrestres. O

cérebro positrônico já havia preparado os dados sobre a

posição do planeta Peregrino. Mas o registro desses

dados, que eram extremamente complicados, durou várias

horas. Na verdade, tratava-se apenas de valores

aproximados, dotados do maior grau possível de

probabilidade. Por fim, as coordenadas foram

introduzidas no cérebro positrônico da Stardust-III através

de um código elaborado pelo próprio Rhodan.

Antes de decolar, Rhodan ainda solicitou um relatório

sobre os acontecimentos que se haviam desenrolado nas

últimas semanas em Vênus. O cérebro ali estacionado

informou-o sobre três destróieres que haviam pousado na

selva do hemisfério sul.

— Não é apenas o sujeito que nos escapou que se

mantém escondido aqui.

A constatação de Rhodan revelou certa contrariedade.

A perspectiva mudava constantemente; até parecia que

seus planos seriam estragados a cada hora.

O planeta Vênus não representava uma folha em

branco da história da Humanidade. Há mais de um ano

várias divisões plenamente equipadas do Bloco Oriental,

então em plena revolta, haviam pousado ali. Depois de

uma série de lutas de resultado variável, travadas

principalmente entre os cidadãos do Bloco Oriental, fortes

grupos formaram-se sob o comando do general

Tomisenkow, e passaram a empreender uma pacífica

atividade colonizadora. Mas também aqui a situação ainda

não havia sido esclarecida. Se Rhodan contasse com a

possibilidade de um contato entre saltadores do clã de

Orlgans que haviam pousado ali e os homens de

Tomisenkow, não poderia afastar a possibilidade de novas

complicações.

— De qualquer maneira, não demoraremos nem um

minuto — decidiu Perry Rhodan e deu ordens de decolar.

O coronel Freyt teria que cuidar de Vênus. Era o

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homem que na ausência de Rhodan teria que exercer o

governo da Terceira Potência.

Uma vez fora da densa atmosfera de Vênus, a

Stardust-III deu início a uma intensa troca de mensagens

de rádio. Bell respondeu imediatamente, informando que

o traslado dos vinte e dois sobreviventes de Titã fora

concluído com êxito. Já se encontravam nos hospitais de

Terrânia.

— ...nossos mutantes também estão a postos, Rhodan.

Não há mais nada que impeça a decolagem.

— Muito bem. Apressem-se. Daqui à uma hora no

máximo quero recolher a Good Hope-II a bordo e dar o

fora daqui. Ligue-me mais uma vez com o coronel.

Freyt recebeu instruções detalhadas e se despediu.

— Boa viagem, Rhodan. E um bom regresso.

Lembranças ao pessoal da frota.

Combinou com Bell um ponto de encontro entre as

órbitas da Terra e de Marte. Dali à uma hora a Stardust-III

recolheu a bordo a Good Hope-II e deu início à longa

viagem com destino ao planeta Peregrino.

Antes de atingir o ponto de transição, situado além da

órbita de Plutão, Rhodan pediu mais uma ligação direta

com o major Nyssen. Pediu um relato sobre a situação

atual.

MacClears, comandante do cruzador Terra, anunciou-

se pelo hipercomunicador:

— No momento o major Nyssen está realizando um

voo contra os saltadores. A Solar System está envolvida

num combate contra três inimigos. Até agora tudo deu

certo. Mas não sabemos até quando será assim. Os

mercadores receberam reforços. Receamos a intervenção

de couraçados ainda mais potentes dos saltadores. No

momento só nos resta esperar que a Stardust-III não

demore a voltar. — Faremos o que estiver ao nosso

alcance. Mas não sou nenhum profeta e não costumo fazer

promessas vazias. Aguente mais algum tempo.

Com um laconismo tipicamente militar, MacClears

confirmou o recebimento da ordem e desligou.

— Preparem-se para o salto interestelar — soou o

comando de Rhodan. Reclinara-se profundamente na

poltrona e fitava a tela de proa, que mostrava milhares de

sóis que se desenhavam sobre o fundo negro do espaço

cósmico. Em algum ponto desse labirinto, o planeta da

vida eterna percorria seu caminho. Era o planeta que

trazia o nome bastante significativo de Peregrino. Nele

estava o próximo objetivo de Rhodan. Era ali que existia

o ser indefinível, que não tinha nome. Só esse ser poderia

salvar a Humanidade ameaçada.

— No planeta Peregrino receberemos armas que nos

assegurarão uma superioridade definitiva sobre os

saltadores — murmurou Rhodan, falando quase para si.

— Isso soa como uma prece, Rhodan — prosseguiu

Bell no raciocínio de Rhodan.

Numa ação maciça, as autoridades militares da Terra conseguiram remover a ameaça

representada por seus próprios robôs, cuja programação foi alterada. Mas a Terra só poderá

se defender contra todos os clãs dos saltadores se Perry Rhodan puder contar com uma nova

arma.

Essa arma lhe é dada durante seu Voo Para o Infinito que é o título do próximo volume

da série Perry Rhodan.

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Nº 32

De

Clark Darlton

Tradução

Richard Paul Neto Digitalização

Denise Revisão e novo formato

W.Q. Moraes

A Terceira Potência, dirigida por Perry Rhodan — uma combinação feliz da

energia humana com a supertecnologia arcônida — pode apresentar, nos seus

anos de existência, uma história muito movimentada, cheia de dramáticos altos e

baixos. Mas os acontecimentos mais recentes dão a impressão de que, ao

defrontar-se com os saltadores ou mercadores galácticos, Perry Rhodan vê-se

diante de um poder que tem a intenção e a capacidade de destruir a Terra para

eliminar um possível concorrente no comércio interestelar: Por enquanto ainda

se mantém a linha de defesa do sistema de Albíreo, formada pelos cruzadores

pesados Terra e Solar System. Mas quanto tempo demorarão os saltadores para

descobrir que os terranos apenas realizam uma manobra diversionista? Para

Perry Rhodan o tempo urge. Mas, para conseguir uma arma eficaz, capaz de

defendê-lo contra os saltadores, terá que retornar ao planeta da vida eterna... e

realizar um Voo Para o Infinito.

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1

À primeira vista, percebia-se que a gigantesca

nave espacial não fora construída por mãos humanas.

Deslocando-se em queda livre, descrevia sua órbita

em torno do Sol a uma distância de quinze horas-luz.

Com seus instrumentos ultrassensíveis, observava os

planetas do sistema. Sua forma lembrava um enorme

rolo compressor, arredondado na frente e achatado na

parte de trás. Tinha trezentos metros de comprimento

e cinquenta de diâmetro. Há intervalos regulares, a luz

brilhava nas janelas redondas. Atrás delas, moviam-se

enormes sombras quadráticas.

A nave estranha não estava só. Era acompanhada

por mais sete. A frota movia-se em torno do Sol,

dirigida por seres que jamais haviam posto os pés na

Terra. E não apresentavam aspecto

humano. Sua pátria não era nenhum

planeta, mas o espaço cósmico.

Viviam no interior das naves e

faziam seus negócios com todas as

raças inteligentes do universo.

Amavam a paz somente quando a

mesma lhes proporcionava lucros.

Sempre que uma guerra prometesse

ser mais lucrativa, faziam com que

irrompesse. Eram tolerantes e

autoritários ao mesmo tempo, tinham

senso de humor e ao mesmo tempo

caracterizavam-se por uma dureza

implacável, que se manifestava toda

vez que alguém se intrometia em

seus negócios.

Na sala de controle da nave

capitania, o comodoro Topthor

movia-se pesadamente diante das

telas ligadas. Movia-se pesadamente,

porque segundo as concepções

terrenas seu peso quase chegava a

meia tonelada. Sua largura equivalia

à altura: um metro e sessenta

centímetros. A cor da pele caía para o esverdeado e o

crânio liso não apresentava nenhum fio de cabelo. Em

compensação, seguindo os costumes de sua raça,

ostentava uma barba ruiva.

Os mercadores galácticos descendiam dos

arcônidas, uma raça que, sendo dona de um grande

império situado a trinta e quatro mil anos-luz da Terra,

tornara-se fraca demais para controlar o mesmo. Face

a isso, os mercadores adquiriram sua independência e

criaram um império próprio. Estabeleceram contato

com todos os planetas habitados e viviam

exclusivamente do comércio.

Mas Topthor não era um mercador comum;

pertencia ao clã dos superpesados. Há tempos

imemoriais, quando os descendentes dos arcônidas

ainda viviam em planetas, seu clã habitava um planeta

em que a gravitação chegava a 2,l g. Em virtude disso,

sofreram, no curso das gerações, uma série de

alterações anatômicas, que conferiram a seu corpo o

formato atual. Eram criaturas estranhas em meio à

própria raça, mas o pensamento galáctico não admitia

qualquer forma de discriminação. Com sua esperteza,

os mercadores — ou saltadores, como também eram

chamados — resolveram extrair da modificação da

estrutura anatômica de seus companheiros um

proveito para si, e também para estes. Os

superpesados transformaram-se na tropa de defesa dos

saltadores. Ganhavam a vida fornecendo proteção aos

seus companheiros de raça sempre que estes o

desejassem e, se necessário, lutando por eles.

Mas, desta vez, Topthor estava agindo por

iniciativa própria.

Encarou a tela da frente. Nela se projetava a

imagem de um planeta verde-azulado que, segundo

tudo indicava, servia de sede a uma civilização

florescente. Os continentes jaziam em meio aos mares

azuis. Camadas de nuvens brancas cobriam certos

trechos de terra, ocultando os detalhes.

O ser gigantesco com o

rosto de traços quase humanos

bateu com a mão grosseira

num botão. Imediatamente

outra tela iluminou-se. O rosto

de outro superpesado surgiu

na mesma.

— O que deseja Topthor?

— Dizem que é ali, no

planeta número três do

sistema, não é? Que coisa

estranha! Só hoje ficamos

sabendo...

— Costumam ser

chamados de terranos —

completou o outro. — Só

praticam a navegação espacial

de poucos anos para cá e já

querem estragar nossos

negócios. Estão mantendo

relações comerciais com dois

sistemas solares.

— Sei Grogham. As

mensagens radiofônicas de

nossos irmãos foram bastante

claras. Pelo que me lembro, Orlgans e Etztak trocaram

relatórios minuciosos, e tivemos oportunidade de

ouvir os mesmos. É bem verdade que não pediram que

lhes prestássemos socorro, mas as leis de nosso povo

não proíbem nossa intervenção, desde que a mesma

não cause prejuízo a outro grupo de mercadores.

Conversavam em intercosmo, a língua universal

pela qual costumavam comunicar-se as raças de

astronautas do Império. Grogham passou a mão pela

barba, que o fazia parecer mais velho do que

provavelmente era.

— Pelos últimos relatórios, Orlgans e Etztak estão

ocupados em capturar o encarregado do terrano Perry

Rhodan, que se entrincheirou num planeta gelado, a

cerca de trezentos anos-luz daqui. Por que não vamos

aproveitar o tempo para dar uma olhada por aqui?

Afinal, o planeta número três é a causa de toda

agitação. Talvez possamos fazer um bom negócio.

De um instante para outro, Topthor assumiu uma

atitude fria.

Personagens Principais deste episódio:

Perry Rhodan — Comandante da

Stardust-III e chefe da Terceira Potência.

Reginald Bell — Cujos favores vêm

sendo solicitados por uma grande estrela

do cinema.

Topthor e Grogham — Dois

mercadores do clã dos superpesados.

“Ele” ou “Aquilo” — Um ser incorpóreo

que às vezes pode tornar-se bastante

tangível.

Cadete Redkens — Que recebe um

autógrafo.

Laar, Regoon, Gorat e Nex —

Condenados a um milhão de anos de

solidão, num mundo sem estrelas.

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40

— Aqui não se fazem negócios, Grogham. Aqui

não! Até parece que o senhor ainda não compreendeu

que, pela primeira vez, nos vemos diante de uma

concorrência mais séria. No curso de um decênio o tal

do Rhodan transformou este planeta subdesenvolvido

numa potência interestelar. Suas naves atacam-nos.

Com isso declarou a guerra contra nós, os saltadores.

Por quê? Apenas porque tentamos olhar suas cartas.

— Nós não — retificou Grogham em tom um

pouco pedante — mas Orlgans. Foi ele que aprisionou

duas naves de Rhodan, para interrogar seus ocupantes.

Será que isso representa um ato amistoso?

— Silêncio! — berrou Topthor. E quando esse

colosso de meia tonelada berrava até mesmo as telas

de naves distantes tremiam. Por isso não era de

admirar que Grogham se assustasse. Afinal, era

apenas o comandante de uma das naves pertencentes à

frota mercante e de guerra de Topthor. — Acha que

estou interessado em futilidades desse tipo? Acha que

realizei um vôo tão longo apenas para intrometer-me

nos negócios de outros clãs ou até vir em auxílio dos

mesmos? Se pudermos auferir algum lucro, não tenho

nada a opor. Acontece que por enquanto nem Orlgans

nem Etztak solicitaram auxílio. E um auxílio não

solicitado não costuma ser pago.

Grogham parecia desorientado.

— Se é assim, por que viemos para cá, Topthor?

Não me lembro de que alguma vez o senhor tenha

feito qualquer coisa sem um motivo.

— A observação é muito inteligente — elogiou-o

Topthor, que se sentia lisonjeado. — Nunca faço coisa

alguma em troca de nada. Também desta vez não

estou fazendo. Acompanhei atentamente as

informações de nossos robôs de espionagem, já

desativados, e as mensagens transmitidas por nossa

estação instalada na lua Titã. Rhodan não estará em

condições de enfrentar Etztak, se este se lembrar de

chamar nosso grupo ou outras unidades de combate.

Ainda não o fez porque isso custaria dinheiro. Por isso

Rhodan pretende conseguir as armas de que precisa

para vencer o inimigo, especialmente Etztak. Onde

pretende conseguir essas armas? Grogham não sabia.

— Eu sei! — exultou o comandante da frota. — É

bem verdade que todo mundo se mostra bastante

cético ao falar no planeta da vida eterna. Apenas

correm boatos a respeito de sua existência, mas

ninguém sabe se a lenda tem um fundo verdadeiro.

Quanto a mim, estou inclinado a admitir algumas

gotas de verdade em toda e qualquer lenda, inclusive

nesta.

— O planeta da vida eterna? — murmurou

Grogham, incrédulo. — Já ouvi falar a respeito.

Dizem que percorre sua órbita imprevisível em algum

ponto na amplidão do espaço, mas até agora ninguém

o encontrou. É um belo conto de fadas.

— Conto de fadas coisa alguma! — berrou

Topthor, furioso. — O senhor acredita que esse

Rhodan correria atrás de um fantasma quando sua

existência está em jogo? Tenho informações seguras

de que sabe onde fica esse planeta legendário.

Conhece a posição do mesmo. E pretende ir para lá

em busca de novas armas. Se conseguir, nossa posição

dominante na galáxia terá chegado ao fim. Mas se

chegarmos antes dele, faremos o melhor negócio de

nossa vida.

— Será que Etztak tem conhecimento das

intenções de Rhodan?

— É claro que tem, mas é um idiota tal qual o

senhor: não acredita na existência do planeta

misterioso. Acha que é mais importante pegar esse

funcionariozinho de Rhodan, o tal do Tifflor, que se

escondeu naquele planeta de gelo. Bem, sou mais

inteligente que Etztak.

Grogham não contestou essa afirmativa.

— No momento não estou interessado em Etztak,

nem nas táticas desenvolvidas pelo mesmo —

prosseguiu Topthor. — Nossa missão consiste apenas

em vigiar Perry Rhodan, esse indivíduo extraordinário

que conseguiu arrebatar os segredos que os arcônidas

guardavam com tanto cuidado. Bem que esse

terraqueozinho me impressiona. Mas não me posso

deixar levar pelo sentimento; afinal, o objetivo final

dele consiste em romper nosso poder. Se a ordem

voltar a reinar no reino dos arcônidas, não seremos

mais os únicos que fazem os negócios, e a exploração

dos mundos recém-descobertos terão chegado ao fim.

— As informações recebidas dizem quando deve

decolar?

— Quem? Rhodan? Pois é justamente isso, não

sabemos. As informações que recebemos são antigas,

ou melhor, relativamente antigas. O fluxo de

comunicações foi interrompido quando, numa ação

em grande escala, Rhodan conseguiu pôr fora de ação

nossa estação retransmissora, ou melhor, a de Etztak.

Só fomos informados de que Rhodan procurará visitar

o planeta da vida eterna. E o mais importante da

história é isto: procurará visitá-lo mais uma vez. Dali

se conclui que já esteve lá, motivo por que deve

conhecer sua posição.

A barba de Grogham tremia de forma bem visível.

Seus olhos arregalaram-se.

— Já esteve lá? — respirava pesadamente. — Por

todos os deuses do universo e por todos os mercados

da Galáxia...

— Então? — exultou Topthor. — Agora a

conversa já é outra, não é? Não estamos seguindo

nenhuma pista errática, mas corremos atrás de uma

realidade. Aliás — disse, mudando de assunto de um

instante para outro — ainda não há notícias das outras

naves?

— Estão estacionadas do lado oposto do sistema, a

trinta anos-luz do ponto em que nos encontramos. Por

enquanto não observaram a decolagem de qualquer

nave terrena. E não houve nenhuma transição.

Topthor acenou com a cabeça; parecia satisfeito.

— Isso é importante. As transições acabarão

traindo Rhodan. Nossos rastreadores de estrutura

espacial permitem observar e calcular qualquer

movimento que se realize no plano existencial da

quinta dimensão. Basta acompanharmos as transições

e, se tivermos bastante sorte, rematerializaremos nas

imediações do lugar em que Perry Rhodan e suas

naves regressarem ao espaço normal.

— É um plano muito bem concebido — confessou

Grogham. — Tomara que a espera não seja muito

demorada.

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— Nem que demore anos — retrucou Topthor em

tom mordaz. — De qualquer maneira compensará. O

planeta da vida eterna! O que significam alguns anos

perdidos diante dele?

Mais uma vez Grogham ficou sem resposta.

Num silêncio total, as oito naves continuaram a

percorrer seu caminho em torno do Sol, esperando que

algum terrano deixasse o planeta Terra e o Sistema

Solar. Formavam uma barreira que não poderia ser

rompida sem pôr em alarma os ultrassensíveis

aparelhos de observação.

Sem que o soubesse, a Terra se transformara no

centro de um cinturão de defesa intergaláctica.

E esse cinturão tinha tempo de sobra; poderia

esperar...

Acontece que Perry Rhodan não tinha muito

tempo.

Aquilo que conseguira evitar durante um decênio

acabara de acontecer. A raça mais poderosa do Grande

Império dos arcônidas tivera sua atenção despertada

para a Terra. O tempo do isolamento salvador e da

anonimidade benfazeja havia chegado ao fim.

Justamente os saltadores, os mercadores galácticos,

foram descobrir a Terra!

A primeira batalha havia sido ganha. Todos os

robôs de espionagem de que os saltadores se valeram

na Terra e no sistema solar foram postos fora de ação.

Num ataque-relâmpago, Rhodan conseguira destruir a

estação de rádio instalada em Titã. Mas a luta ainda

não estava decidida. No distante sistema da estrela

gêmea de Beta-Albíreo, a trezentos e vinte anos-luz da

Terra, os cruzadores pesados Terra e Solar System

estavam em luta contra a frota mercante armada de

dois comandantes dos saltadores, Orlgans e Etztak. No

segundo planeta do sistema, formado por um mundo

de gelo primitivo, o cadete Julian Tifflor e seus

companheiros persistiam em suas posições e

aguardavam a libertação. Gucky, o pequeno rato-

castor dotado de faculdades extraordinárias, estava

com eles. Talvez conseguissem reter os saltadores e

desviar sua atenção de Rhodan, até que este

conseguisse as armas necessárias para expulsar os

intrusos de uma vez por todas.

Por isso não se podia dizer que a situação fosse

brilhante no momento em que o gigantesco couraçado

Stardust-III, uma nave esférica de oitocentos metros

de diâmetro, corria vertiginosamente em busca do

ponto de transição.

Perry Rhodan se sentia nervoso.

O fato deixou Reginald Bell bastante contrariado.

— Gostaria de saber por que você se preocupa

tanto, chefe — disse o amigo para alegrá-lo. — As

coisas estão correndo muito bem. Não precisamos

preocupar-nos com Gucky e Tiff; eles darão seu jeito.

Quanto a Nyssen...

— A tarefa do major Nyssen não é fácil —

ponderou Rhodan em tom sério. — Os dois

cruzadores comandados por ele sabem o que devem

fazer, mas não sei por quanto tempo aguentarão essa

história de voar constantemente para realizar ataques

simulados. E há um ponto ainda mais delicado. Os

saltadores são uma raça inteligente, e ninguém sabe

quanto tempo levarão para perceber que apenas

pretendemos detê-los.

— Por que esses seres são chamados de

saltadores? São iguais a nós.

— É porque não possuem uma verdadeira pátria:

saltam com suas naves mercantes de um sistema solar

a outro. Também são chamados de mercadores, mas

acho que o nome de saltadores é mais apropriado,

porque acentua sua condição de apátridas.

Bell olhou para a tela. Júpiter, o planeta gigante,

deslocou-se para fora do campo de visão.

Desenvolvendo uma velocidade próxima à da luz, a

Stardust-III corria em direção ao ponto de transição

situado além da órbita de Plutão.

— Ainda demorará muito?

Rhodan franziu a testa.

— Você tem um talento inigualável para exprimir

os problemas mais complexos através de perguntas

simples, meu amigo. Ainda demorará muito? Pois é

isso que me deixa mais louco em toda a história.

Receio que no momento não possa dar resposta à sua

pergunta. Você deve estar lembrado de que já

estivemos no planeta da vida eterna e, quando

regressamos à Terra, quatro anos e meio se haviam

passado. O planeta Peregrino constitui o produto

artificial de um superser, e sua existência desenvolve-

se num plano temporal diferente do nosso. De

qualquer maneira, precisamos ir até lá para obter uma

nova arma que nos permita expulsar os saltadores. O

que acontecerá se retornarmos depois de um ou dois

anos, mesmo que em nossa opinião, só tenhamos

permanecido poucos dias no Peregrino?

Um sorriso pálido passou pelo rosto largo de Bell.

Seu cabelo ruivo em escovinha não fez o menor

esforço para, num gesto de protesto, libertar-se da

brilhantina que o prendia, conforme era seu costume.

Fez um gesto de desprezo com a mão grossa.

— Por que iria acontecer uma coisa dessas?

Pediremos àquilo que compense a diferença de tempo.

Por um instante Rhodan parecia perplexo, mas

logo deu de ombros.

— Acho que aquilo vai mandar-nos para o inferno.

Aquilo era o ser incompreensível abrigado pelo

planeta Peregrino. Representava a união de um povo

muito antigo. Encerrava em si bilhões de seres vivos,

que renunciaram voluntariamente aos seus corpos.

Poderia ser comparado com um ser energético que

encerrasse em si a inteligência de toda a Humanidade.

Aquilo — um milagre de início incompreensível, que

só começava a ser compreendido quando a pessoa se

desse conta do fato de que, apesar da sua infinita

superioridade, possuía uma boa dose de senso de

humor.

— Por quê? — objetou Bell. Desta vez manteve-se

sério. — Afinal, você sempre se deu bem com ele,

tanto por ocasião da primeira visita como da segunda,

que só durou alguns minutos. Por que não nos

prestaria o favor de eliminar só por uma vez o tal do

fator tempo?

Meio distraído, Rhodan comprimiu um botão.

Uma pequena tela iluminou-se. O rosto de um homem

surgiu na mesma. Pertencia a um telegrafista.

— Pois não.

— Envie pelo hiper-rádio uma mensagem

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destinada ao major Nyssen. Posição: sistema Beta-

Albíreo, a trezentos e vinte anos-luz. As coordenadas

já são conhecidas. O texto será codificado. O teor da

mensagem é o seguinte...

Refletiu por alguns segundos e prosseguiu:

— Para os cruzadores Terra e Solar System.

Mantenham posições a todo custo sem arriscar as

naves. Os saltadores têm de ser mantidos afastados da

Terra. Avisarei assim que retornar do Peregrino.

Tempo de ausência desconhecido. Rhodan.

O telegrafista confirmou com um aceno de cabeça.

— Com impulsos cruzados?

— Evidentemente. E logo.

Bell viu que o rosto na tela foi se desvanecendo

aos poucos, transformando-se numa série de espirais

coloridas, que se tornavam cada vez mais apagadas até

desaparecerem de todo.

— Tomara que ninguém pegue o sinal —

murmurou em tom preocupado.

— Pouco importa que o façam — tranqüilizou-o

Rhodan. — Não faz mal que Etztak saiba que

mantemos contato com as nossas naves. De qualquer

maneira não conseguirá decifrar a mensagem.

— Não estava pensando nisso, chefe. Mas pode

acontecer que haja naves dos saltadores por perto, e

que estas nos localizem pelo goniômetro...

O rosto de Rhodan tornou-se mais pálido.

Compreendeu imediatamente o raciocínio de Bell. Se

alguém conhecesse o ponto de transição e se grudasse

atrás deles, não era impossível que conseguisse segui-

los. Com os instrumentos de localização

ultrassensíveis e os rastreadores estruturais o problema

não seria insolúvel. Mas acabou sacudindo a cabeça.

— Destruímos as instalações automáticas de

espionagem que os saltadores haviam instalado no

sistema solar. E não têm outras naves neste setor do

espaço.

Nem ele nem Bell sabiam da existência dos

chamados superpesados. Muito menos tinham

conhecimento do fato de que justamente esse clã

belicoso estava empenhado em descobrir através deles

o planeta da vida eterna. Pela primeira vez Rhodan

cometeu o erro de subestimar um inimigo. Era bem

verdade que sabia que nunca conseguiria vencer os

saltadores com os recursos convencionais, pois a raça

era muito antiga e experimentada. Através dos

negócios de troca realizados com quase todos os

mundos habitados da Via Láctea, conseguiram

apoderar-se de todos os tipos de armas que existiam.

Nem mesmo um Perry Rhodan poderia enfrentar um

inimigo destes. Ainda não.

Ainda acontecia que Rhodan estava bastante

nervoso. A insegurança que sentia face à peça que o

deslocamento temporal poderia produzir em seus

planos deixou-o intranqüilo e imprudente. O conselho

de Bell, segundo o qual deveria pedir uma

neutralização da diferença entre os dois planos

existenciais afinal não passara de um conselho. Se

aquilo daria ouvido ao pedido já era outra questão.

Seus pensamentos sombrios foram interrompidos

por um zumbido. Um relé ligou-se, estabelecendo uma

ligação automática entre a sala de comando e a de

telegrafia. A confirmação de Nyssen acabara de

chegar sob a forma de um impulso que durou apenas

alguns segundos. Uma vez decodificado o mesmo,

obteve-se este texto:

“Mensagem recebida. Não se preocupe. Daremos

o que fazer aos mercadores. Eles não nos agarrarão.

Esperamos que a Stardust-III não demore em chegar

ao sistema de Albíreo. Até lá agüentaremos. Nyssen.”

Rhodan não parecia se sentir aliviado. Agradeceu

ao pessoal da sala de telegrafia e ligou o

intercomunicador, que levou sua voz a todos os cantos

da gigantesca nave. Disse o seguinte:

— Sala de comando à tripulação. Dentro de cinco

horas chegaremos ao ponto de transição situado além

da órbita de Plutão. Meia hora antes da transição terá

início a contagem regressiva, minuto a minuto. É só.

— Faltam cinco horas! — gemeu Bell num pavor

esquisito. — E isso apesar da velocidade da luz.

Rhodan sorriu, mas desta vez seu sorriso não foi

tranqüilizador como costumava ser.

— Acontece que a luz é muito lenta, Bell.

* * *

Topthor ergueu seu vulto gigantesco quando

Grogham o chamou. A barba ruiva do companheiro

tremia de excitação na tela que tinha diante de si.

— Topthor, nossos instrumentos constataram a

presença de um gigantesco veículo esférico, que se

dirige para fora do sistema. Suas dimensões são

assustadoras...

— É a nave principal do tal do Rhodan — disse

Topthor com um aceno de cabeça, sem mostrar-se

muito impressionado. — Quer dizer que está na hora.

Como conseguiram localizá-la?

— Através de uma mensagem de rádio.

Constatamos a direção: Beta-Albíreo. Não

conseguimos decifrá-la. Deve tratar-se de alguma

informação destinada às forças que estão estacionadas

naquele setor.

— Etztak que brigue com essas forças, Grogham.

Quanto a mim, só estou interessado em Rhodan e no

objetivo ao qual se dirige. Segui-lo-emos a uma

distância segura. Ligue as barreiras de localização

para que não perceba nossa presença. Assim que se

realize a transição, calcule o local e a intensidade do

abalo estrutural do espaço. Segui-lo-emos num salto

de igual intensidade. Se tudo der certo, deveremos sair

da quinta dimensão a uma distância máxima de um

ano-luz de Rhodan. Entendido?

— Tudo entendido — confirmou Grogham,

interrompendo a ligação.

Topthor deixou-se cair novamente na poltrona e

acompanhou os acontecimentos na tela. De início viu

uma esfera minúscula, que saía do sistema solar à

velocidade da luz. Passaria a meia hora-luz da frota

dos superpesados que se mantinha à espreita. As

barreiras de localização teriam que ser ligadas. Com

isso, a pequena frota de Topthor se tornaria invisível

aos instrumentos de Rhodan.

Os três minutos transformaram-se em horas. A

Stardust-III passou pelas oito naves em forma de rolo

compressor e saiu para o espaço interestelar. A

transição poderia ser realizada a qualquer momento.

Topthor mandou seguir nova rota. Acompanharam

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a Stardust-III numa distância bem calculada, que

oferecesse a necessária segurança, e aguardaram a

transição que decidiria tudo... e tudo revelaria.

A mesma foi realizada depois de mais duas horas.

Nas telas normais seguiu-se um ligeiro tremeluzir.

Após isso, a gigantesca nave desapareceu como se

nunca tivesse estado no lugar.

Os rastreadores estruturais captaram o abalo que

atravessava a estrutura espaço-temporal a velocidade

superior à da luz e mediram a intensidade do mesmo.

Os instrumentos produzidos por uma tecnologia

inacreditável começavam a funcionar. Dali a dez

minutos ofereceram o resultado. Grogham anunciou-o

com certo orgulho.

— Intensidade de 467,00958 unidades-salto.

Direção constante. Distância de 1.603,18 anos-luz,

mais ou menos 0,661. Tem alguma ordem,

comandante?

— Vamos à transição. Imediatamente!

As mensagens de rádio correram pelas oito naves.

Os relés estalaram. Os propulsores trabalharam com

uma potência maior. A distância que separava Topthor

do ponto em que a Stardust-III iniciara a transição

teria que ser incluída nos cálculos.

Depois...

Um tremeluzir no lugar em que se encontravam as

oito naves... e nada mais.

A frota de Topthor arriscara o salto para o

desconhecido.

O abalo produzido pela transição multiplicada por

oito correu pelo universo.

* * *

Ao sentir as primeiras dores, depois de recuperar a

consciência, Rhodan percebeu que a transição fora

bem sucedida. Perto dele, Bell tremia, e examinou as

juntas, para verificar se as mesmas haviam voltado aos

seus lugares. Sempre receava que, numa transição

dessas, poderia haver uma pane em virtude da qual seu

nariz reaparecesse em outro lugar.

— Está tudo aí? — perguntou Rhodan em tom

irônico. Não participava dos temores secretos do

amigo, mas em compensação tinha outras

preocupações. — Tomara que consigamos encontrar o

Peregrino.

O problema era este. O planeta artificial do

superser era invisível a qualquer instrumento de

localização e não podia ser localizado por meio da

goniometria. Se não desse sinal de sua presença,

nunca seria encontrado, a não ser por puro acaso. E

Rhodan não gostava de confiar no acaso.

O planeta Peregrino descrevia uma órbita elíptica,

levando dois milhões de anos para percorrê-la.

Contornava cerca de trinta sistemas solares, que

ficavam praticamente em linha reta. Dois deles

formavam os focos da elipse. E o fato de que

justamente o sistema solar terrestre era um desses

focos deu muito que pensar a Rhodan. Em outra

oportunidade verificaria o outro foco. Desconfiava

que uma surpresa o aguardava naquele ponto.

Embora soubesse que isso não adiantaria nada,

mandou pôr em funcionamento o instrumental comum

de localização. Um olhar para a tela revelou-lhe que a

Stardust-III se encontrava num setor da Via Láctea em

que não havia estrelas. Num raio de cinqüenta anos-

luz não havia nenhum sol. A uma distância muito

grande estavam as inúmeras estrelas, irradiando sua

luminosidade tranqüila, como que esperando. Não

piscavam; pareciam ser os inúmeros olhos de um

monstro incomensurável.

O quadro fora o mesmo tempos atrás, quando

Rhodan se dirigira pela primeira vez ao planeta da

vida eterna a fim de receber a ducha celular que

deteria o processo de envelhecimento por seis

decênios. Não havia nenhuma indicação de que, nas

suas proximidades, descrevia sua órbita um planeta

artificial, onde vivia aquilo. Aquilo, cuja pista Rhodan

acompanhara pelo tempo e pelo espaço a fim de

descobrir o segredo da imortalidade. Bem, o segredo

continuou a ser um segredo, mas aquilo lhe oferecera

a dádiva do prolongamento da vida, já que conseguiu

solucionar todos os enigmas. Também Bell foi

atingido pelo fenômeno, e ao menos pelos próximos

sessenta anos, ele não teria de preocupar-se para evitar

o branqueamento de sua linda cabeleira ruiva.

Naquela oportunidade jamais teriam descoberto o

planeta que, invisível aos olhos, descrevia sua órbita

bem perto deles, se o mesmo não tivesse revelado sua

presença. Subitamente alguma coisa monstruosa

materializou-se num dos grandes pavilhões da

Stardust-III. Tiveram que recorrer a todos os recursos

fornecidos pela tecnologia para reduzir a coisa à

impotência. E o ser incompreensível apenas soltara

uma gargalhada homérica, como se tudo não passasse

de brincadeira. Rhodan logo compreendera que

realmente era assim.

Mas compreendera mais uma coisa. Aquilo

teleportara o monstro para o interior da nave por meio

de um transmissor fictício de matéria. E foi justamente

por isso que resolveu retornar ao planeta Peregrino.

Pretendia pedir àquilo que colocasse à sua disposição

um desses TFM ou, se possível, dois. Não poderia

haver uma arma mais perfeita.

— Encontraremos o Peregrino — disse Rhodan,

para espantar as dúvidas de Bell. — Mas não sei

quando.

Lembrou-se de como lhe falara da outra vez. Fora

uma palestra amistosa.

Velho amigo — era assim que costumavam

chamar-se. Afinal, aquilo tinha senso de humor.

— Anuncie o alarma número três. É bem possível

que iniciemos com algumas brincadeiras mais rudes.

Bell acenou com a cabeça e dirigiu-se à sala de

telegrafia para tomar as providências necessárias.

Rhodan ficou só na grande sala de comando. Parado,

fitava distraidamente a tela, que não mostrava nada

além das estrelas distantes. Não havia o menor sinal

do Peregrino, do planeta da vida, onde residia aquilo,

sentindo um tédio terrível em virtude de sua

imortalidade.

— Olá, querido! Rhodan quase teve um colapso.

Era claro que havia moças e mulheres entre os

quinhentos tripulantes da nave, mas não se lembrava

de ter mantido relações íntimas com qualquer uma

delas. Todas viam nele apenas o comandante, um

comandante duro e bem-humorado, mas sempre

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distante. De repente...

Virou-se e contemplou o rosto de uma mulher.

Não sabia por quê, mas aquele rosto lhe parecia

familiar. Já devia tê-lo visto antes.

— Que é isso, querido? Não me conhece mais?

A voz era amável e sugestiva, atraente e

provocadora. O rosto não era inocente, mas possuía

certo encanto ao qual nem mesmo Rhodan conseguia

fechar-se. Sabia que não se encontrava diante de um

ser humano, mas de uma imagem material-intelectual

do ser imortal.

— Olá, madame — disse, acompanhando o

gracejo do grande ser. — Acredito que tenha vindo a

pedido de meu amigo. Faça o favor de sentar.

— Para que tanta cerimônia, querido?

Aproximou-se dele e enlaçou seu pescoço com os

braços finos. Rhodan sentiu o calor de seu corpo; era

incapaz de mover-se. Parou estarrecido e aspirou o

perfume da bela mulher. A mesma usava um vestido

que parecia consistir unicamente num envoltório

antigo.

— Hum — fez Rhodan, pigarreando

desajeitadamente. Não tinha muita experiência no

trato das mulheres, ainda mais de mulheres que nem

sequer existiam. Mas a proximidade dessa figura

corpórea era tão real como a do monstro terrível que

tempos atrás sentira perto de si. De qualquer maneira,

aquilo havia modificado sua tática, passando a utilizar

mulheres em vez de monstros. Era um avanço

considerável... conforme as circunstâncias.

— Então? — disse a bela com um sorriso tentador.

— Acho que você não vai muito ao cinema, não é?

— Vou raras vezes — confessou Rhodan.

De repente soube quem era a pessoa que aparecera

na sala de comando, vinda do nada. O imortal

pesquisara sua memória e ali fora descobrir a

impressão fugaz causada por um filme há muito

esquecido... e materializara a mesma. Era por isso que

tinha a impressão de conhecer aquela mulher.

— Perry! — disse esta subitamente e abraçou

Rhodan com tamanha força que o mesmo não pôde

esboçar qualquer gesto de defesa, embora estivesse

firmemente decidido a fazê-lo se acontecesse o que

estava acontecendo. — Você ainda me ama? Naquela

oportunidade você gostou muito de mim, não gostou?

“Ora essa, a mulher nem sequer existe”, disse

Rhodan amargurado de si para si, embora soubesse

perfeitamente que existia. Não era a mesma

personalidade, segundo lhe parecia. Apenas uma

imitação materializada com base em sua memória. Ou

então — e isso também já acontecera — aquilo trazia

a criatura verdadeira da Terra, ou melhor, apenas seu

espírito. E esse espírito bastava para materializar o ser.

Aquilo já fora buscar grupos inteiros do passado da

Terra, trasladando-os para o plano temporal do planeta

Peregrino, onde agiam como se ainda se encontrassem

na Terra.

Fosse como fosse, o calor do corpo da bela estrela

de cinema, cujo nome Rhodan nem conhecia, era

muito real. Procurou defender-se contra a sensação

estranha que começou a apossar-se dele. Lançando

mão de todas as forças que conseguiu reunir, procurou

empurrar a mulher para longe.

Mas enganara-se. A bela tinha forças que lhe

permitiriam derrubar um campeão de boxe. Rhodan

não conseguiu afastá-la um centímetro que fosse. Pelo

contrário. Com o sorriso mais gentil deste mundo,

estreitou-o ainda mais nos braços e beijou seus lábios.

Rhodan talvez tivesse perdoado o gesto, se naquele

momento Bell não tivesse voltado à sala de comando.

Vinha acompanhado de Redkens, um cadete da

Academia Espacial da Terceira Potência. Naquele

voo, trabalhava no setor de navegação da Stardust-III.

Valeria a pena pintar o rosto de Bell naquele

instante. Deu dois ou três passos, antes de

compreender o que os olhos viam. Logo ali, junto ao

painel de controle, seu amigo e mestre Perry Rhodan

debatia-se desesperadamente para não ser beijado por

Cleópatra. Bell também vira o filme e guardava do

mesmo uma lembrança mais precisa que Rhodan.

— Veja! — gemeu em sons inarticulados,

apoiando-se na parede oval. — É a Rallas! É de

enlouquecer.

— Quem? — gaguejou o jovem cadete, com o

rosto vermelho que nem um pimentão.

Era um admirador fiel, embora desesperançado, da

conhecida artista e não acreditou no que estava vendo

quando a encontrou aqui, a mais de mil e quinhentos

anos-luz de Hollywood, nos braços do chefe.

Com um grande esforço, Rhodan conseguiu virar a

cabeça. Seu belo espírito parecia não apreciar a

assistência que acabara de chegar. Furiosa, a figura

por demais real mordeu as pontas das orelhas do

amante rebelde.

Rhodan soltou um grito de susto e deu um pontapé

nas canelas da famosa Rallas. Mas isso não parecia

incomodá-la.

— Querido, eu o amo! — disse ela num sopro.

Bell esteve a ponto de sofrer um ataque. Teve de

fazer um grande esforço para manter-se de pé. Com os

olhos arregalados, contemplou a estranha cena. Nem

se lembrou da possibilidade de que aquilo poderia ser

o primeiro sinal de vida do imortal. Só via a bela

mulher nos braços de Rhodan.

— Você a contrabandeou para dentro da nave? —

disse fora de fôlego. — Bem que poderia ter contado.

— Acho que devemos deixá-los sós — disse

Redkens em tom cortês e dispôs-se a sair. Mas o grito

desesperado de Rhodan deteve-o.

— Não se atreva, cadete Redkens! Liberte-me

desta mulher, depressa!

— É Cleópatra! — retificou Redkens, perturbado.

— Ou melhor, é a divina Rallas...

— Não importa quem seja! — esbravejou Rhodan,

tentando libertar-se do abraço implacável da amante

vinda do nada. — Vamos, ajudem! O que estão

esperando?

Redkens não entendeu uma palavra do que o chefe

estava dizendo. Por que trouxera Rallas, se não a

queria? Nunca pensara que Rhodan fosse capaz de

uma coisa dessas. Todavia...

— Pois vamos — gemeu Bell e pôs-se em

movimento. — Não compreendo mais nada; talvez a

mulher tenha enlouquecido.

Mal tocou o braço da bela Cleópatra, esta soltou

Rhodan, virou-se e fitou o rosto vermelho de Bell.

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— Bell, meu querido Bell! Venha para os meus

braços, homem amado! — No mesmo instante Bell

viu-se no aperto. — Então é aqui que voltamos a

encontrar-nos.

Os lábios vermelhos da estrela tão distante

comprimiram-se contra os seus, cumprindo um velho

desejo, o de um belo dia ser beijado pela linda Rallas.

Não ofereceu a menor resistência. Deixou que a

mulher fizesse tudo, sem perturbar-se com a

gargalhada homérica que veio ter aos seus ouvidos.

Rhodan, livre por enquanto dos carinhos insistentes da

visitante inesperada, não pôde reprimir o riso quando

viu que Bell, frio como gelo e duro como aço, derretia

literalmente nos braços da Rallas.

O cadete era o único que tinha que achar que o

destino estava sendo injusto com ele. Olhava

alternadamente Rhodan e o par enlaçado, e não sabia o

que pensar da situação.

Finalmente o imortal parecia reconhecer que as

coisas não poderiam continuar assim. Fez com que

Cleópatra soltasse sua vítima.

De uma hora para outra, Bell estava só, abraçando

alguém que não existia mais. O quadro era tão cômico

que Rhodan esqueceu a raiva e pôs-se a rir. Bell abriu

os braços, fechados num grande enlevo, e percebeu

que estava tendo um comportamento ridículo. E isso

na presença de Redkens que, encostado à parede, vivia

gaguejando:

— Um autógrafo! Gostaria tanto de um autógrafo

dela!

— Cale a boca, Redkens! Essa mulher nunca lhe

poderia ter dado um autógrafo. Foi apenas um espírito.

Redkens não acompanhara a primeira viagem ao

planeta da vida eterna, e assim não conhecia as

brincadeiras do ser incompreensível.

— Um espírito? Ora, eu conheço a Rallas...

— Poderia perfeitamente ter sido Colombo —

disse Rhodan. — Mas não me teria assustado como

esta... como é mesmo o nome da mulher?

— Rallas, a divina Rallas — gemeu Redkens,

decepcionado. — Como é que um espírito pode ter um

corpo?

— Um espírito pode tudo — explicou Bell, que

aos poucos se recuperava do choque e começava a

compreender a ilusão em que caíra. — Cria ilusões

materiais em nossa imaginação. Tudo não passa de

uma materialização do pensamento. A lembrança de

certo filme em que figurava a Rallas estava no

subconsciente de Rhodan, e isso bastou para que o

imortal realizasse a imitação perfeita da mesma e a

fizesse materializar diante de nós. É muito simples,

mas tenho que confessar que no primeiro instante caí

na brincadeira.

— Foi um instante bastante comprido — objetou

Rhodan.

Subitamente calou-se. Uma voz soou em seu

cérebro; foi a mesma voz telepática silenciosa vinda

dele, do imortal.

— Ei, amigo — disse aquilo. — Veio visitar-me?

Pelo que vejo tem motivos importantes para isso.

Bem, devíamos conversar prolongadamente a respeito.

Mantenham a rota e a velocidade atual. Precisamente

dentro de três minutos vocês baterão no campo

protetor do Peregrino. Desliguem os propulsores.

Rhodan aguardou outras instruções, mas estas não

vieram. Olhou para Bell.

— Ouviu uma voz?

— Não. Você ouviu?

Rhodan compreendeu que aquilo só se dirigira a

ele. Por estranho que parecesse tudo indicava que

fazia questão de falar quanto antes com Rhodan. Era o

que se concluía da informação sobre a posição exata

do planeta.

— Desligue os reatores! — gritou Rhodan. —

Bell, providencie para que a tripulação se prepare para

uma forte desaceleração. Apesar dos nossos campos

antigravitacionais, haverá uma forte pancada. Dentro

de três minutos atingiremos o campo energético do

planeta Peregrino. Ele nos freará. Depois...

Alguém riu. Foi Redkens. O jovem cadete

permanecia encostado à parede. Segurava na mão um

cartão postal com uma fotografia. Fitava a mesma e

ria até que as lágrimas lhe corressem pela face.

Bell tirou-lhe a fotografia. Olhou-a apenas por um

instante e começou a rir. Sem dizer uma palavra,

passou a fotografia adiante. Rhodan viu uma

fotografia nítida e colorida da dama que há poucos

minutos o comprimira tão energicamente contra seu

busto. Embaixo dela estava escrito em letra delicada:

Ao meu grande admirador Redkens,

com sinceros votos de felicidades.

Rallas.

* * *

As naves espaciais dos saltadores foram

construídas segundo os princípios arcônidas, embora

nem sempre fossem iguais umas às outras. As naves

capitanias de cada clã estavam equipadas com

rastreadores estruturais, que registravam e indicavam

qualquer abalo da estrutura espaço-temporal. A esses

rastreadores estavam acoplados instrumentos que

possibilitavam a localização da causa do abalo e

calculavam a distância que seria percorrida pelo

objeto que causava o abalo estrutural.

Por isso não era de admirar que Topthor e sua frota

retornassem ao espaço normal a menos de cinco

horas-luz da Stardust-III.

Fez a mesma constatação de Rhodan: num raio de

cinquenta anos-luz, não havia o menor fragmento de

matéria perceptível, com exceção da Stardust-III.

Torcendo o rosto, Topthor olhou para a tela. Numa

outra tela Grogham fitava-o tranquilamente.

— Então, onde está o seu planeta de fadas,

Topthor?

O dirigente dos superpesados não se abalou. Não

tirava os olhos da Stardust-III. Era importante que a

mesma não saísse do alcance dos olhos e dos

instrumentos...

— O senhor acreditava que ele estaria logo diante

do nosso nariz? Rhodan tomará suas precauções. Se

não estou enganado...

Interrompeu-se.

Uma coisa muito estranha aconteceu na tela

principal, na qual se via a imagem da Stardust-III.

A nave Stardust-III era uma esfera de oitocentos

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metros de diâmetro, e uma das metades dessa

gigantesca esfera começou a desaparecer. Até parecia

que por lá, a cinco horas-luz do ponto em que se

encontravam, estava ocorrendo um eclipse da lua. Foi

tudo muito rápido. Uma das metades da Stardust-III

desapareceu em dois segundos, enquanto a outra

metade levou dez segundos para desaparecer. O

processo de desaparecimento era mais lento na fase

final.

Topthor não encontrou nenhuma explicação para o

fenômeno.

— Caramba! Isso não foi nenhuma transição

normal — disse um tanto perplexo. — Não houve o

menor abalo no ambiente. Nem chegou a ser qualquer

espécie de transição. Alguma coisa devorou a nave de

Rhodan.

— Devorou a nave? — gaguejou Grogham. Seu

rosto foi se tornando pálido. — O que quer dizer com

isso?

O alarma tomou conta da nave de Topthor. A frota

preparava-se para uma transição ligeira de cinco

horas-luz. Quando voltou a materializar-se o espaço

em torno dela estava vazio. Os instrumentos não

indicavam a presença de qualquer objeto num raio de

cinco anos-luz. Logo, a Stardust-III deixara de existir

e isso era totalmente impossível. A matéria poderia ser

tornada invisível, mas ninguém poderia fazê-la

desaparecer de vez. Ao menos isso não poderia ser

feito sem uma transição normal, e esta teria sido

registrada pelos instrumentos.

O que teria sido feito da Stardust-III?

Topthor não encontrou resposta. Pela primeira vez,

viu-se diante de um problema não resolvido. Ou

melhor, diante de um problema praticamente

insolúvel. Conseguira seguir Rhodan por uma

distância superior a mil e quinhentos anos-luz, e agora

esse terrano se transformara pura e simplesmente

numa porção de vácuo. Alguma coisa não estava certa.

Grogham acenou com a cabeça:

— Se ele desapareceu neste lugar, terá que

ressurgir no mesmo. Apenas precisamos de paciência

para esperar.

— Foi o que eu pensei — murmurou Topthor,

indignado. — Vamos nos preparar para uma longa

espera. Temos tempo.

— Posso permitir uma pausa de descanso à

tripulação? — perguntou Grogham.

Topthor fez que sim.

— Ordene aos comandantes das outras naves que

façam uma pausa para dormir. Não acredito que nas

próximas horas aconteça qualquer coisa.

Topthor estava enganado. Mas não poderia

imaginar que para seus homens não haveria mais

tempo... para adormecer.

2

Com a metade da velocidade da luz, a Stardust-III

precipitou-se sobre o campo energético em forma de

abóbada que cercava o planeta artificial Peregrino. De

um instante para outro, os velocímetros caíram para

zero.

Apesar dos campos de neutralização, um forte

abalo sacudiu a nave. As pessoas que não haviam

colocado os cintos de segurança foram atiradas de um

canto para outro. Felizmente, Rhodan, que aguardava

o choque, tomara suas precauções. Por isso não houve

feridos.

Num espaço de doze segundos, a Stardust-III

atravessou o céu artificial do Peregrino... e depois

viram o planeta diante de si.

Era um mundo cheio de milagres. Ali se reunia

tudo que pudesse ser encontrado nos mundos

habitados da galáxia. As paisagens, onduladas com os

cursos d’água que deslizavam tranquilamente,

alternavam com os amplos mares salpicados de ilhas

deslumbrantes. Os continentes estavam cobertos de

florestas que pareciam parques. No meio delas, havia

gigantescas estepes, habitadas pelos animais mais

estranhos. Montanhas alcantiladas interrompiam o

quadro, proporcionando a necessária mudança. Os

ares eram percorridos por pássaros primitivos em

forma de dragão.

Esse mundo era um verdadeiro paraíso.

Mas não era um mundo normal. Era plano. O

planeta Peregrino não era um planeta na acepção

comum do termo, mas um gigantesco disco com um

diâmetro de oito mil quilômetros. Por cima dele

erguia-se a abóbada energética, em cujo ponto mais

alto brilhava um sol atômico artificial, que dava calor

e vida àquele mundo estranho.

Ao chegar à cúpula de observação da nave,

Rhodan mandou abrir as escotilhas metálicas. Bell

estava com ele. Mais uma vez o milagre inconcebível

do imortal abalou-os até as profundezas da alma.

Enlevados, contemplaram a paisagem que desfilava

diante deles.

— Está gostando, amigo?

A voz do inconcebível quase chegava a ser ouvida

fisicamente no interior do recinto. Até parecia que não

se comunicava com eles apenas por via telepática, mas

que realmente lhes falava. Rhodan sorriu

tranquilamente.

— É um planeta admirável e pacífico, meu caro

amigo. Você acaba de criar um paraíso que causará

inveja a qualquer mortal.

— Não são apenas os mortais, mas também os

imortais que me invejam — sorriu Aquilo muito

alegre.

Perguntou depois:

— Você veio para visitar-me?

— Vim fazer-lhe um pedido — confessou Rhodan,

sem tirar os olhos daquela paisagem de conto de fadas.

— Você deve saber o que quero.

— Não faço a menor ideia — mentiu aquilo. —

Como poderia saber? Não costumo fuçar nos

pensamentos mais recônditos dos meus amigos.

— Que mentira! — protestou Bell, que se lembrou

da Rallas, que lhe fora tirada tão abruptamente. —

Posso provar...

— Ah, é nosso amigo Bell — disse o interlocutor

invisível. — Está aborrecido com a bela imitação?

Pois bem, vamos dar-lhe uma alegria. Hoje de noite

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vou contrabandeá-la para dentro de seu camarote.

— Não se atreva! — berrou Bell, assustado.

Não temia tanto a Rallas como os risos dos

tripulantes. Seu rosto vermelho adquirira uma estranha

palidez. E tornou-se ainda mais pálido quando aquilo

soltou uma ruidosa gargalhada. Aquilo estava em toda

parte, e por isso também podia ver o rosto assustado

de Bell.

— Uma mulher bonita é muito mais interessante

que um índio ou um pistoleiro do faroeste — disse a

voz em tom divertido, aludindo às reminiscências a

que tivera que recorrer por ocasião da primeira visita

de Rhodan, para desviar os terranos de seu objetivo.

— Aliás, mantenha a rota, amigo. Pouse novamente

perto da cidade das máquinas. Não sofreu grandes

alterações. Você não terá dificuldades em encontrar o

grande pavilhão, onde estarei à sua espera. Homunk o

guiará.

Rhodan estava perplexo.

— Como soube que chamei o robô de Homunk?

— Que é isso, amigo? Homunk não é nenhum

robô. É um terrano criado por mim, de um pedaço de

matéria supérflua. Gostei dele, e por isso deixei que

continuasse a existir. Até já ficou mais inteligente;

sente-se satisfeito com sua visita.

— Será que você ainda guarda outras surpresas

para nós? — perguntou Rhodan. — Ainda teremos de

enfrentar alguma prova algum enigma?

— Não, amigo. Não tenho nenhum motivo para

isso. Ainda me divertirei a valer.

Quando a voz se calou, Rhodan e Bell tiveram a

impressão de que um homem invisível deixara a sala.

Alguma coisa afastou-se deles. Aquilo se retirou,

deixando-os sós.

Bell suspirou aliviado.

— Que coisa medonha. Nunca me conformarei

com o fato de que um ser destes exista. Aquilo faz

magias, traz os seres de outros planetas e de outros

tempos. Aquilo é potente como...

Rhodan sacudiu a cabeça, num gesto de suave

censura.

— Não, aquilo não é Deus. Não passa de um ser

formado pela fusão de todos os seres de uma raça, e

que por isso mesmo domina todo o saber dessa raça.

Cometeríamos uma blasfêmia se disséssemos que é

Deus. É bem possível que seu saber chegue perto do

de um deus, mas aquilo tem mais senso de humor, e

trata-se de um humor originado exclusivamente no

tédio. Todos os seres imortais sentem tédio.

— Pois eu nunca sentiria tédio, mesmo que vivesse

dez mil anos — disse Bell em tom despreocupado. —

Sempre surgirão novos acontecimentos que distrairão

a gente e nos fazem esquecer que temos tempo

demais. Sempre haverá aventuras que espantarão o

tédio.

— Bell, um ser mortal nunca pode imaginar o que

se passa na alma de um ser verdadeiramente imortal.

Asseguro-lhe que tentei, embora não tenha alcançado

a verdadeira imortalidade. Meu corpo precisa

regularmente da ducha celular vivificadora. Se um dia

não a receber, o processo de envelhecimento voltará a

funcionar. Apesar disso, fiquei refletindo sobre como

devem ser as coisas para quem nunca envelhece. No

primeiro instante senti uma felicidade nunca antes

experimentada; pensei que estivesse livre de todas as

preocupações. Mas isso só aconteceu no primeiro

momento. Logo me lembrei de que a eternidade é

muito longa. Em torno de mim assistirei à alternância

ininterrupta de nascimentos e mortes; enquanto isso,

eu continuaria, sem ser atingido por tais ocorrências.

Os homens verão um deus em mim, e com isso eu

ficaria condenado a uma solidão infinita.

— Você teria companheiros que seriam imortais

como você.

— Teria, sim. Mas ficaríamos cansados um do

outro se nos víssemos eternamente.

Bell não respondeu. Achava que seria uma

banalidade se, a essa altura, asseverasse diante de

Rhodan que nunca se cansaria de sua presença,

mesmo que a mesma durasse uma eternidade.

Contemplou a paisagem que deslizava lentamente lá

embaixo. Os propulsores da Stardust-III emitiam um

zumbido abafado. Acima deles estendia-se um sol

azul-dourado; irradiado pelo sol atômico. Assim que o

mesmo se apagasse, surgiriam as estrelas de uma

galáxia distante e desconhecida, que talvez fosse a

pátria do imortal. Há milhões de anos, as naves de sua

raça, extinta, mas ainda existente, teriam atravessado o

abismo, a fim de encontrar uma nova pátria aqui, na

Via Láctea. Aquilo nunca falara a respeito, mas era

possível que um dia revelasse o grande segredo.

Rhodan também se manteve em silêncio,

contemplando o planeta. Naquele momento estavam

passando por cima de um oceano, cuja superfície lisa

reluzia para eles. Ao que parecia, não havia a menor

brisa que agitasse as águas. No horizonte surgiu um

grupo de ilhas.

— Que mundos teriam servido de modelo ao

trabalho realizado por aquilo? — disse Bell de si para

si. — Às vezes tenho a impressão de encontrar aqui

alguma coisa de nossa velha e querida Terra.

— Deve ser isso mesmo — confirmou Rhodan e

apontou para frente. — Aquelas ilhas lembram as do

Pacífico Meridional. Por ocasião de nossa primeira

visita, vimos uma imitação exata das Montanhas

Rochosas dos Estados Unidos.

Subitamente a voz voltou a soar na sala de

comando. Aquilo devia ter assistido à palestra e

compreendido tudo.

— Você está enganado, meu caro. Não se trata de

reproduções. A Rallas não foi uma imitação no

verdadeiro sentido da palavra. É bem verdade que seu

corpo permaneceu na Terra, no planeta de vocês. Mas

aqui seu espírito recebeu outro corpo; portanto, ela

compareceu em pessoa. O mesmo objeto pode existir

milhares de vezes, desde que seja transferido

sucessivamente para planos temporais diferentes.

Aquelas ilhas, realmente são ilhas da Terra. Mas não

existem na Terra agora, neste instante; existiam há

milhões de anos. Você constatará isso quando pisar

nelas, meu caro. A vegetação não é do nosso tempo,

mas da antiguidade mais remota.

— Quer dizer que você conhece dois tipos

diferentes de reprodução de imagens — observou

Rhodan. — Aquele corpo de mulher permaneceu na

Terra, mas estas ilhas não.

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— Isso mesmo, amigo. É exatamente como você

acaba de dizer. Acompanhei sua palestra desde o

início. Estou bastante interessado nos problemas

psicológicos da imortalidade. Resolvi todos eles e

identifiquei os motivos do tédio, mas não consigo

vencê-lo. Às vezes tenho vontade de morrer, e um

belo dia acabarei fazendo isso mesmo. Acontece que

esse dia ainda não chegou.

Rhodan sorriu.

— Sua fala até parece muito resignada, amigo.

Onde está seu senso de humor?

— O senso de humor nem sempre se traduz numa

risada. O simples fato de ter concedido o

prolongamento da vida a seu amigo Bell evidencia o

meu senso infinito de humor. Como é que um imortal

não dotado de senso de humor faria viver esse terrano

grotesco por mais tempo que o estritamente

necessário?

Cerca de metade dos cabelos ruivos de Bell

resolveu protestar contra essa constatação, enquanto a

outra metade se mantinha em atitude passiva,

permanecendo na mesma posição. Rhodan sorriu.

— Você tem razão, amigo — disse. — Acontece

que Bell está mortalmente ofendido...

— É justamente aí que está a graça — disse aquilo

com uma risadinha. — Como é que se pode ofender

mortalmente uma pessoa que alcançou a imortalidade

relativa?

— Não vejo nenhuma graça — disse Bell,

contrariado. — E também a história da Rallas;

gostaria de saber onde está o lado humorístico da

mesma.

— Você nunca compreenderá amigo, que é o

segundo em idade — anunciou aquilo satisfeito —

porque não tem senso de humor.

Bell fez uma careta e ficou calado. Rhodan viu que

se aproximavam do continente em que ficava o grande

pavilhão habitado por aquilo. Não demoraria muito até

que a cidade estivesse à vista.

— A cidade continua como antes? — perguntou

Rhodan, que estava convencido de que o imortal

acompanhava seus pensamentos sem cessar. — Não

terei nenhum problema em encontrá-la?

— Encontrar o quê? — perguntou aquilo.

Rhodan ficou tão perplexo que alguns segundos se

passaram antes que dissesse:

— A cidade, ora esta!

— Desculpe — disse Aquilo em tom apaziguador.

Rhodan teve a impressão de que havia uma ligeira

ironia em sua voz. — Estou assistindo à destruição de

um sistema solar a mais de duzentos mil anos de

distância. Há milhões de anos vagou para fora da

galáxia, e os habitantes do segundo planeta tentaram

afastar o mesmo de seu sol a fim de levá-lo para junto

de outro. Seu planeta transformou-se numa

Supernova. Atualmente o sistema tem dois sóis, mas

não tem habitantes.

Rhodan e Bell ouviram-no, esbaforidos. Aquilo

falava em voz tranquila e indiferente, como se

estivesse contando uma história inventada. Contudo,

sabiam que pode ria ser tudo menos isso.

— A destruição durou vários meses, mas como

atravessei os diversos planos temporais, tudo se

desenrolou diante de meu espírito como uma explosão

de poucos segundos. Acontece que apenas cometeram

um erro pequenino. Quase conseguem.

— Quase conseguem o quê? — perguntou

Rhodan, ansioso.

— Quase conseguem retirar o planeta de seu

sistema. Já tinham um sol próprio e um dispositivo

propulsor que levaria seu mundo... mas o que adianta

refletir sobre isso? Aconteceu.

— E não se pode transformar o acontecido em não

acontecido?

Houve um instante de silêncio. Depois a voz

voltou a falar:

— Por que não? Até que seria uma boa

brincadeira. Está vendo aquelas montanhas, amigo?

Você as reconhece?

— São os Alpes — disse Rhodan. — Ao menos é

a impressão que tenho.

— São os Alpes, sim, meu amigo. Atrás deles fica

a cidade que você procura. Mas não vamos perder

mais tempo. Bell ficará só por um segundo. Afinal, o

que é um segundo na vida de um mortal, quanto mais

dum imortal? Rhodan respire profundamente. Você só

soltará a respiração depois de muitas semanas.

Enquanto olhava o calendário automático de bordo

— lendo a indicação 17 de agosto, 22:53 h, hora

terrena — Rhodan sentiu que estava ficando invisível.

Ainda ouviu a exclamação apavorada de Bell:

— O que houve, Perry?! Você está ficando

transparente e...

Depois perdeu a consciência.

* * *

Era tudo bem diferente.

A pequenina nave não precisava de uma transição

regular para reduzir a distância imensa de duzentos

mil anos-luz a um nada. Simplesmente voou por toda

essa distância, a uma velocidade inconcebível.

A nave tinha uma cabina de comando minúscula, e

a disposição dos instrumentos e controles era tão

familiar a Rhodan que ele teve a impressão de nunca

ter entrado em outra cabina. A quantidade enorme de

controles não o deixou perturbado, antes lhe inspirava

muita confiança. A tela oval que se estendia em

semicírculo parecia uma janela aberta para o universo,

através da qual podia lançar os olhos.

Estava só, mas sentia que alguém estava com ele,

alguém que não podia ver. Em algum lugar da nave

encontrava-se o imortal...

— Não estou com você — disse subitamente a voz

já familiar. Desta vez soou verdadeiramente em seu

interior. — Agora sou você. Está compreendendo,

caro amigo? Assumi seu ser físico e passei a existir

dentro de você. Juntos salvaremos um sistema solar,

pois sei perfeitamente como você lamenta o destino

daquela raça que pereceu em algum ponto do

universo, ou vai perecer se não lhe dermos auxílio.

Dentro de dois dias pousaremos no planeta Barcon II,

exatamente três meses antes da catástrofe.

— Como será que tudo isso é possível? — disse

Rhodan num sopro, contemplando a confusão de

estrelas desconhecidas que se deslocavam

vertiginosamente na tela. — O que sou?

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— Você é eu, meu amigo. E vice-versa. Como

preferir.

— E a Stardust-III?

— Não se preocupe. Você a reencontrará, e não

terá perdido nenhum tempo. Agora temos uma tarefa

diante de nós, uma tarefa desejada por você mesmo.

— Isto é mais uma brincadeira sua, brincadeira

através da qual você quer espantar o tédio.

— É claro que é uma brincadeira, mas uma

brincadeira que salvará um povo. A brincadeira com o

destino é a brincadeira mais bela que ainda me resta.

Rhodan não teve vontade de travar mais uma

discussão sobre a finalidade da vida. Sua inteligência

fria começou a digerir os fatos sem indagar sobre sua

origem. Mas havia alguma coisa que fazia questão de

saber.

— Qual é o tamanho desta nave?

— O tamanho dela? É suficiente para garantir o

espaço necessário para você, os mantimentos e o ar

não precisam de traje protetor. Poderia ter levado você

e a mim a Barcon II em estado incorpóreo, mas assim

é melhor e mais interessante.

— Que mecanismo propulsor é este que nos

conduz a uma velocidade tão tresloucada através do

universo?

— Não se iluda meu amigo. A velocidade só

parece ser muito grande. Estamos voando à velocidade

da luz. Apenas, modifiquei o curso normal do tempo.

Trata-se de um processo que pode ser invertido a

qualquer momento. Na situação em que nos

encontramos cada segundo faz passar pouco mais de

quatro mil anos. Uma vez que nos deslocamos à

velocidade da luz, percorremos em dois dias relativos

perto de duzentos mil anos-luz.

— Isso é uma loucura!

— Pelo contrário. É um fenômeno perfeitamente

normal. Quem domina o tempo transforma-se no

senhor do espaço.

— Mas, se todo esse tempo se passa lá fora, no

espaço, o sol Barcon não existirá mais quando

chegarmos lá. É uma conclusão lógica. Ou será que

não é?

— Seria uma conclusão lógica, se no instante da

partida não tivéssemos dado um mergulho de duzentos

mil anos no passado. Até mergulhamos três meses a

mais, a fim de podermos aguardar o momento

apropriado.

— É uma coisa medonha — confessou Rhodan e

sentiu que um arrepio percorria sua espinha. — Se não

soubesse que você está comigo, teria medo, medo de

verdade.

— Contemple o universo — disse a voz do imortal

dentro dele. — É possível que nunca mais o veja desta

forma. Estamos percorrendo muito mais que um ano-

luz por segundo. É uma velocidade inacreditável.

Mesmo que batêssemos num planeta ou num sol, não

o sentiríamos. Não somos apenas nós que nos

deslocamos; também a matéria que está lá fora se

move a uma velocidade vertiginosa. Ainda acontece

que a probabilidade de tocar num astro é menor que a

de derrubar um mosquito com um tiro de pistola dado

ao acaso. É muito menor.

Rhodan não respondeu. Seguiu o conselho do

imortal, absorvendo o milagre da criação cósmica que

lhe era oferecido. Parecia um sonho. Talvez não

passasse mesmo de um sonho.

A nave mergulhou num mar de estrelas. A lei da

perspectiva fez com que se tivesse a impressão de que

os sóis fulgurantes se concentravam no ponto para o

qual se dirigia a proa da nave. Novos sóis se iam

formando naquele ponto e dali se afastavam em todas

as direções, com velocidade crescente à medida que se

afastavam do centro. Deslizavam para o lado à

velocidade de um ano-luz por segundo para retornar a

outro ponto. Este segundo ponto ficava na direção da

popa da nave.

A grande distância dessas estrelas peregrinas fez

com que se tornassem lentas, umas mais, outras

menos. Assim mesmo todas conservaram sua cor

primitiva. O conhecido fenômeno do arco-íris não se

verificou.

O imortal mantinha-se em silêncio. Talvez

estivesse em outro lugar, vagando pelo universo à sua

maneira. Por um instante Rhodan teve a impressão de

estar só e abandonado. Lembrou-se da Stardust-III e

da missão que a mesma devia cumprir. Lembrou-se de

Bell, à vista de quem desaparecera tão abruptamente.

Lembrou-se de Julian Tifflor, que tinha de permanecer

num mundo estranho, em companhia de Gucky e de

alguns companheiros, até que ele, Rhodan, trouxesse o

auxílio prometido. Todos confiavam nele... nele, que

cruzava o espaço cósmico numa nave maravilhosa e

desconhecida, a fim de prevenir uma raça estranha,

que talvez nem existisse mais.

Sacudiu a cabeça.

— Este meu amigo tem cada ideia esquisita! —

murmurou, olhando para o relógio instalado em meio

às escalas dos instrumentos. Esse relógio indicava o

tempo terrestre. Estavam a caminho há três horas, e

assim já haviam percorrido treze mil anos-luz.

— Essa ideia foi sua, Rhodan — disse o imortal.

Concluía-se que o mesmo não tinha ido embora.

— Eu lhe disse que certa raça foi destruída, e você

falou em salvar a mesma. Apenas quero provar-lhe

que em certas condições é possível influenciar o

futuro. Não há dúvida de que se trata de uma

brincadeira, mas a mesma tem um fundo bastante

sério. É que você ainda se encontrará com a raça que

vai ser salva. Talvez você se arrependa de tê-la

prevenido.

As horas arrastavam-se. Rhodan comeu alguma

coisa e adormeceu. Quando despertou, o quadro que

se apresentava diante dele estava alterado.

O ponto situado na proa apresentava-se com

menos estrelas. Só vez por outra apareciam por ali, e

era cada vez mais raro que passassem ao lado da nave

para mergulhar na escuridão infinita na região da

popa.

Escuridão...?

Só agora Rhodan percebeu que atrás dele não

havia uma escuridão completa. A tela redonda não

reproduzia todo o espaço, mas apenas um setor de

setenta por cento. A popa encontrava-se num ângulo

morto. Assim mesmo aquilo que lhe foi dado

contemplar bastou para fazer com que um calafrio lhe

descesse pela espinha.

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Olhou para a Via Láctea que ia surgindo aos

poucos.

Em pouco menos de doze horas cruzara a região

periférica da galáxia em que nascera e abandonara o

setor de grande concentração estelar. A pequena nave

do imortal arriscara o salto para o abismo, para o

abismo pavoroso dos milhões de anos-luz que se abria

entre as vias lácteas e que jamais poderia ser vencido

por qualquer raça de seres vivos.

Não poderia mesmo...?

Perplexo, contemplava o quadro que se oferecia

aos seus olhos. A forma típica de uma nebulosa em

espiral desenhava-se nitidamente, vista “de cima”. Um

dos braços luminosos abrigava o sol de seu sistema,

que já se encontrava a mais de cinquenta mil anos-luz.

E esse braço da espiral não passava de uma parte

minúscula da galáxia. Junto à periferia do quadro

galáctico, luziam duas nuvenzinhas, formadas pelas

inúmeras estrelas que se reuniam em grupos esféricos.

Em um desses grupos encontrava-se o império dos

arcônidas.

De repente Rhodan deu-se conta de como o

império dos arcônidas era insignificante em

comparação com a Via Láctea. E o que era a Terra em

comparação com esse império? Apenas um grãozinho

de pó.

Será que o imortal o fizera empreender essa

viagem para mostrar-lhe que ele mesmo, Rhodan, não

passava de uma partícula microscópica em

comparação com o cosmos?

A nebulosa ia diminuindo a olhos vistos.

Afastando-se a uma velocidade bilhões de vez maior

que a da luz, mergulhou no infinito. Ao menos era o

que parecia.

Rhodan voltou a olhar para frente. Ali não havia

nenhuma estrela. Diante da proa da nave o espaço

apresentava-se tão negro como Rhodan jamais o vira.

Era a escuridão absoluta, na qual a luz seria um fator

desconhecido. Só um pouco à esquerda via-se a luz de

uma minúscula mancha apagada. Era necessário fitá-la

por dez segundos para enxergá-la. Era outra galáxia,

situada a milhões de anos-luz.

Mais à direita havia outra. Seu brilho mal

conseguia vencer a escuridão. Era uma pequena

mancha, que corporificava o brilho de bilhões de sóis.

Agora, porém, sua luminosidade não era maior que a

de uma vela que se apagava.

“Mesmo a luz das estrelas é vencida na luta contra

o espaço e o tempo”, pensou Rhodan profundamente

abalado e fechou os olhos.

Quando despertou, oito horas se haviam passado.

O quadro do universo estava inalterado. Doze ou

quinze vias lácteas brilhavam nas mais diversas

direções. Não estavam mais perto, embora Rhodan se

aproximasse delas a uma velocidade de dez trilhões de

quilômetros por hora. E isso há oito horas.

— Escute aí, meu caro — cochichou emocionado.

— Essa brincadeira está indo longe demais. Você me

deveria ter poupado a visão do infinito.

— Por quê? — a voz do imortal invisível parecia

um tanto espantada. — Por que não há de ver o que

está à sua frente? Afinal, todos nós existimos neste

infinito e somos parte do mesmo. Por que não vamos

saber o que somos?

— É demais. Meu raciocínio se recusa...

— Se ele recusa, é porque compreendeu —

interrompeu-o a voz.

Mudaram de assunto, sem afastar-se do objeto da

palestra.

— Já compreendeu por que os barcônidas querem

afastar seu planeta do sol a que pertence?

Compreendeu por que a solidão infinita desse mundo

quase os leva à loucura? Sempre que contemplam o

céu à noite, não veem outra coisa senão galáxias

distantes, que a seus olhos devem ser um símbolo de

uma convivência amistosa, e realmente são. Naquele

lugar, pensam eles, os mundos habitados estão tão

próximos um do outro que entre eles existe um

contato ininterrupto. Acontece que eles, os barcônidas,

enfrentam a solidão, uma solidão eterna e infinita.

Subitamente uma onda de água quente parecia

derramar-se por cima de Rhodan.

— Os barcônidas...! Se tirarmos o b...

— Nada de especulações! — advertiu o imortal.

Rhodan teve a impressão de que estava esboçando um

sorriso de compreensão. — O acaso é um solo fértil

para os jogos de ideias, mas sempre continuará a ser o

acaso. Raras vezes existe uma ligação real entre os

fatos.

— Desta vez não existe?

— Você espera que eu lhe dê uma resposta?

Pergunte aos barcônidas; você terá oportunidade para

isso.

Rhodan não fez mais nenhuma pergunta.

* * *

Faltavam quinze minutos para completar o

segundo dia. Há uma hora, Rhodan se esforçava para

descobrir uma estrela em meio à escuridão total e às

manchas apagadas das vias lácteas.

— Dentro de sessenta segundos Barcon surgirá na

tela, meu amigo. Sua luminosidade pode ser vista a

mais de oitocentos anos-luz.

Rhodan não disse nada; esperou. Decorridos

exatamente os sessenta segundos, surgiu, bem na sua

trajetória, uma pequenina estrela, que aumentava

rapidamente.

— Lá está Barcon, o sol solitário. Você vai

compreender meu amigo, que os habitantes de um

sistema tão isolado não conhecem as formas de

etiqueta galácticas. A tradição já lhes ensinou que não

são os únicos seres inteligentes do universo, mas

fazem de conta que são. Sua tecnologia é muito

aprimorada, mas não se interessaram pela

astronáutica, porque a mesma lhes parece inútil. Se

voassem à velocidade da luz, levariam cento e

cinquenta mil anos para atingir a estrela mais próxima.

A demora seria muito grande, mesmo para um imortal.

E os barcônidas podem ser tudo, menos imortais. Por

isso dedicaram seu saber a um único projeto, que é o

de transformar seu planeta numa gigantesca nave.

Acreditam que só assim conseguirão retornar juntos,

no curso de milhares de gerações, para a galáxia

perdida.

— É um projeto genial — observou Rhodan. —

Será que posso fazer alguma coisa por esses cientistas

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formidáveis? E quem eu serei aos seus olhos?

— Você poderá ajudar, se eu estiver dentro de

você. E não se preocupe com a recepção que lhe será

proporcionada. Não existe nenhum povo que anseie

tanto por uma visita do espaço como os barcônidas.

Eles vão recebê-lo de braços abertos. É possível que

se interessem pelo funcionamento dos propulsores de

sua nave, mas saberemos desviar sua atenção. Mesmo

que a nave lhes permitisse vencer o tempo e o espaço,

não teriam possibilidade de evacuar o planeta,

conduzindo seus habitantes a uma distância de

milhares de anos-luz. Só lhes resta uma possibilidade,

e eles já perceberam a mesma.

Mais cinco minutos se passaram.

O sol Barcon adquirira uma luminosidade

brilhante. Encontrava-se a uma distância de

quinhentos anos-luz. Dali a nove minutos estariam lá.

Subitamente Rhodan se assustou.

— A desaceleração... deve ser muito forte!

— O retardamento sincronizado do fluxo do tempo

neutraliza os efeitos colaterais — informou o imortal

rindo. Era a primeira risada que dava nas últimas

horas. — Não faça nada, amigo; farei tudo por você.

Sinto-me muito satisfeito em ser um homem; é um

raro prazer.

Havia uma ironia benévola na voz, mas Rhodan

não se incomodou. De repente moveu o braço direito,

sem que tivesse dado a respectiva ordem aos

músculos. A mão direita manipulou alguns controles.

Um ponteiro começou a girar loucamente sobre uma

escala redonda. Pequenas lâmpadas se acendiam e

voltavam a apagar-se. Uma campainha estridente soou

em algum lugar no interior da nave. E o chão vibrou

sob os pés de Rhodan.

— Seus olhos apenas registrarão uma redução de

nossa velocidade de deslocamento — disse o imortal

em tom divertido. — Observe Barcon, mais nada. Não

temos outro sistema de referência.

O indicador de distância ainda marcava cento e

cinquenta anos-luz. Se mantivessem a velocidade

atual, chegariam a Barcon dentro de cento e sessenta

segundos.

Por mais um minuto tudo continuou como estava.

Depois teve início a desaceleração que Rhodan

esperava. Barcon continuava a aproximar-se, mas

demorou nada menos de meia hora até que a nave

mergulhasse no sistema à velocidade de mil

quilômetros por segundo.

— Não notarão nossa presença até que estejamos

junto deles — profetizou o imortal. — Não possuem

telescópios nem instrumentos de observação. Há

milhões de anos não veem uma única estrela.

Rhodan lembrou-se de uma coisa diferente.

— Se nos guiássemos pelo tempo terrestre, qual

seria a data de hoje?

A resposta foi imediata.

— Estaríamos em fins de maio deste mesmo ano.

— Maio... foi quando estive doente. Tenho

certeza. Não fiquei no hospital, mas na minha

residência em Terrânia. Peguei uma espécie de gripe.

E o senhor me diz que voltamos a maio?

— Ainda estamos lá! — enfatizou o imortal em

tom zombeteiro. — Você está doente e encontra-se na

Terra. Esqueceu aquele terrível pesadelo de febre?

— Pesadelo de febre? — Rhodan estremeceu. Sim,

lembrava-se. Acordara banhado em suor e olhou para

os rostos preocupados de seus amigos, o Dr. Haggard

e Bell. — Mas não me lembro do que sonhei.

— Pois eu lhe digo meu amigo. Você sonhou

exatamente aquilo que agora estamos vivendo, apenas

numa sequencia mais rápida, e por isso mesmo mais

perturbadora para seu espírito. Enquanto sonhava, já

tinha esquecido tudo. Tem uma ideia do que seja um

sonho?

Rhodan viu o planeta que surgia bem ao longe. Os

contornos dos continentes destacavam-se em meio aos

mares. Camadas de nuvens cobriam parte de sua

superfície.

— O que é mesmo um sonho? — perguntou

Rhodan, ansioso.

— É apenas uma excursão do subconsciente. Uma

espécie de manifestação do poder de memorização do

cérebro humano, uma libertação do espírito, que se

desprende do corpo. Durante o sono o cérebro não está

preso à matéria, e por isso fica livre das amarras do

tempo e do espaço. O homem só conhece um tipo de

viagem pelo tempo, que é precisamente o sonho.

Contudo, o sonho só abrange uma área diminuta do

terreno que fica entre a realidade e a recordação.

— Você quer dizer que realmente vivemos aquilo

que sonhamos? Não acredito.

— Não está vendo a prova?

Rhodan calou-se. Teve que reconhecer que não

compreendia as explanações do imortal. Sabia que o

sonho humano é um fenômeno não explicado de todo,

que levanta uma série de indagações. Mas as palavras

do imortal lhe abriram perspectivas tão imensas que

nem se atrevia a pensar sobre as mesmas. Não se

podia contestar que no sonho o ser humano adquire

faculdades que não possui em nenhuma outra

oportunidade. Consegue vencer a força da gravidade,

elevando-se livremente no ar, e em certas

circunstâncias consegue mesmo tornar-se invisível e

teleportar porções de matéria. Por que podia fazer

tudo isso, se não havia motivo para supor que jamais

adquiriria esse tipo de capacidade?

Será que num passado muito remoto já pôde fazer

essas coisas?

— Daqui a pouco pousaremos — interrompeu-o a

voz do imortal. — Os barcônidas são uma raça

fortemente amalgamada, no sentido da verdadeira

civilização galáctica. Possuem uma capital e um

governo que centraliza todas as funções, governo este

que, em virtude do projeto gigantesco em que estão

empenhados, é formado principalmente por cientistas.

Isso nos poupa muito trabalho.

— Não terei... não teremos que recear

hostilidades?

— Já disse que para eles somos um presente dos

céus. Você terá uma recepção como nunca lhe foi

proporcionada em parte alguma, por mais paradoxal

que isso possa parecer. Afinal, vamos encontrar-nos

com uma raça que nunca teve contato com outros

seres, ao menos nos últimos milhões de anos. Essa

raça conta com um fato que nenhuma raça do universo

dispõe: uma história sem lacunas, baseada em

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52

documentos autênticos. Têm, em seus arquivos, filmes

de uma época em que o primeiro ser humano na Terra

ainda não passava de um sonho distante da natureza

criadora.

— Filmes mais antigos que a Humanidade?

— Só em virtude desses filmes já seria lamentável

se essa raça fosse destruída.

A pequena nave mergulhou na atmosfera do

planeta e circulou em torno do mesmo a uma

velocidade várias vezes superiores à do som. Cidades

extensas alternavam com amplas áreas de cultura e

pequenos mares. As linhas cintilantes que uniam as

cidades davam mostras de um tráfego intenso.

— O número de habitantes é bastante reduzido em

comparação com a grande extensão das terras deste

planeta. Isso foi mais um motivo pelo qual

negligenciaram o desenvolvimento da navegação

espacial. Sabem perfeitamente que os quatro planetas

que o sistema abriga além deste não são habitados. E

fora disso não teriam para onde ir. Seu mundo oferece

tudo de que precisam para a vida.

— Se é assim, por que pretendem sair daqui?

Mergulharam pela última vez na sombra projetada

pelo planeta, sobrevoando a face coberta pela noite.

Barcon II era do tamanho da Terra e tinha uma

atmosfera semelhante. A gravitação era um pouco

menor.

— Olhe para o céu, Perry Rhodan, que você

compreenderá.

Rhodan olhou para o céu.

Agora, que a atmosfera absorvia inteiramente os

débeis raios de luz vindos das galáxias e nebulosas

distantes, o céu tornara-se negro. Não havia nenhuma

lua que derramasse sua luz suave. Nenhuma estrela

brilhava no firmamento escuro como breu. Era uma

noite que jamais se vira na Terra, mesmo num céu

completamente nublado. Parecia que uma mortalha

preta e opaca envolvia este mundo, ameaçando

sufocá-lo.

Rhodan teve um calafrio.

— Acho que já começo a compreender — disse

em voz baixa.

Subitamente voltaram a mergulhar na luz do sol,

que se ergueu vertiginosamente acima do mar no

oriente. O continente principal surgiu no horizonte.

Em sua costa via-se uma cidade imensa.

— Já estamos sendo esperados — anunciou o

imortal. — É claro que essa raça inventou aparelhos

que lhes permitem voar pela atmosfera. Mas sabem

que não somos deste mundo, pois aqui não existem

segredos. Somos seres estranhos, e neste mundo um

ser estranho só pode vir do espaço.

— Como são esses seres?

— São como nós; humanoides, tal quais todas as

raças da mesma origem.

Rhodan esteve a ponto de formular uma pergunta,

mas suas mãos mexeram automaticamente num dos

controles, sem que ele pudesse impedi-lo. A pequena

nave baixou e passou a deslizar a poucos metros de

altura sobre a superfície ligeiramente ondulada do

oceano, dirigindo-se à costa. Bem no alto, grandes

grupos de ágeis aviões descreviam círculos. Navios

enfeitados com bandeirolas coloridas saíram do porto

e entraram em formação de parada. Uma compacta

massa humana cercava o campo de pouso, situado

junto à cidade e ao mar.

— Não se admire com nada — advertiu o imortal.

— Para eles somos um filho extraviado que está

retornando à pátria. Já mantiveram contato com outras

raças, mas quando seu mundo foi-se afastando da

galáxia, eles o perderam. Não quiseram deixar sua

terra. — Houve uma ligeira pausa. — Alguns poucos

o fizeram. E há milhões de anos os barcônidas

aguardam o regresso desses poucos.

Os pensamentos atropelaram-se no cérebro de

Rhodan, e não houve tempo para pô-los em ordem. O

campo de pouso aproximou-se, e a velocidade foi

reduzida. A nave pousou com a suavidade de uma

pena. O motor desligou-se automaticamente. As

vibrações e o zumbido cessaram.

— Vamos descer — sugeriu o imortal. Riu, mas

foi uma risada silenciosa e cheia de expectativa, que

se comunicou somente com o cérebro de Rhodan. —

Não se esqueça de que estou com você, mas lembre-se

também de que ninguém sabe disso. Se daqui em

diante você tiver que falar comigo, faça-o sem

palavras. Compreendeu velho amigo?

— É claro que compreendi, oh amigo muito mais

velho ainda — pensou divertido, embora seu ânimo

não estivesse disposto para gracejos.

— Muito bem — respondeu o imortal em

pensamento. — Abra a cabine. Os barcônidas falam o

intercosmo. Até foram eles que, em tempos remotos,

criaram esse idioma simplificado, mas hoje ninguém

mais sabe disso.

Os barcônidas romperam as barreiras que

cercavam o campo de pouso e acorreram de todos os

lados. Só com grande esforço o elegante veículo de

quatro rodas conseguiu abrir caminho em meio à

multidão exaltada. Não havia qualquer indício da

presença de forças militares ou policiais.

O carro estava aberto. Em seu interior viam-se

alguns homens de aspecto dignificante, que em nada

se distinguiam de uma delegação terrestre de

recepção. Trajavam roupas diversas, que desde logo

eliminavam qualquer possibilidade de tratar-se de um

uniforme. As calças estavam muito apertadas,

enquanto os paletós eram grandes e folgados. Um dos

cavalheiros chegava mesmo a trazer uma espécie de

cartola sobre a cabeça.

Rhodan lembrou-se do conselho do imortal e não

ficou admirado.

Retribuiu a postura de cumprimento do mais velho

dos ocupantes do carro, que já parara. Os assistentes

eram disciplinados, motivo por que se mantiveram a

uma distância que permitia que os quatro ocupantes do

carro, que deviam ocupar posições muito elevadas,

descessem sem serem molestados.

— Mantenha a calma — recomendou o imortal e

soltou uma risada silenciosa. — Estão admirados

porque você vem justamente agora. Estão prestes a

empreender a grande viagem, e justamente agora

recebem uma visita do universo há muito

desaparecido.

Rhodan não respondeu. Com um salto colocou-se

no solo do planeta estranho e sentiu-se satisfeito pela

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gravitação reduzida. Em poucos passos colocou-se

diante dos quatro homens que o aguardavam.

— Bem-vindo em Barcon, o mundo solitário —

disse o velho com a cartola. — Quer dizer que nos

encontrou?

Rhodan não pôde deixar de reconhecer que

realmente a recepção era muito estranha, pois aquela

gente nunca vira um ser estranho à sua raça.

— Falarei através de você — disse o imortal, que

percebeu a hesitação de Rhodan. — Portanto, não se

espante se você disser alguma coisa de que não tem a

menor ideia. De certa forma, você fará a gentileza de

emprestar-me seu corpo.

— Foi por acaso — disse Rhodan, e as palavras

corriam livremente sobre os lábios que já não eram

somente seus. — O governo da galáxia me mandou

para procurá-los. Vejo que minha missão foi coroada

de êxito. Encontrei Barcon.

— Esperamos por isso mais de um milhão de anos

— respondeu o homem de cartola com um sorriso.

Rhodan teve a impressão de que estava sonhando; e, a

rigor, tudo aquilo não passava de um sono, em sentido

figurado. — Mas, à medida que aumentava a distância

entre nós e a galáxia, nossas esperanças de conseguir

um contato iam minguando. Mas vejo que o milagre

acabou por acontecer.

— O milagre reside no domínio do espaço e do

tempo — explicou Rhodan sem compreender o que

estava dizendo. — Só mesmo esta nave poderia

vencer o abismo imenso que se abriu entre Barcon e

os nossos mundos.

Um dos quatro homens, que se distinguia por uma

espessa barba ruiva, adiantou-se.

— Sou Regoon, físico-chefe de Barcon e

representante do chefe de governo. Peço que me

explique o princípio de funcionamento do propulsor

de sua nave e me diga como foi possível que...

— Nosso hóspede ainda terá tempo para fornecer

explicações — interrompeu o barcônida de cilindro

em tom de censura e dirigiu-se a Rhodan: — Regoon é

um homem muito impaciente, forasteiro. Perdoe sua

pergunta precipitada. Aliás, meu nome é Laar; sou o

chefe de governo e especialista em energia nuclear.

— Meu nome é Rhodan — disse Perry. Além do

mais, o imortal ainda resolvera usar seu nome. —

Permanecerei neste mundo por dez semanas. Até lá

teremos tempo de sobra para intercambiar nossas

experiências no terreno da ciência e da história

galáctica.

Laar lançou um olhar em direção à nave, mal

disfarçando a curiosidade reprimida a custo.

— Podemos guardar a nave num hangar, para

que...

— Não é necessário — disse Rhodan em tom

indiferente. — Nosso melhor hangar é o espaço.

Fez um movimento com a mão e a cabine fechou-

se automaticamente. O mecanismo propulsor começou

a zumbir. O vulto esguio em forma de torpedo

começou a subir, ganhou velocidade e logo se

transformou num pequenino ponto prateado que se

destacou no céu azul.

— Coloquei-o em órbita em torno de Barcon.

Daqui a dez semanas voltará a pousar neste lugar.

Os barcônidas contemplaram o espetáculo em

silêncio. Só em meio à multidão boquiaberta surgiram

alguns gritos de espanto. Laar engoliu algumas vezes

em seco antes que conseguisse abrir a boca.

— Um mecanismo de teledireção. É admirável. Lá

em cima a nave estará em segurança, embora conosco

também o estivesse.

— Desculpem, mas não mandei a nave para o

espaço exclusivamente por uma questão de segurança.

Tive outros motivos para isso. Enquanto estiver

circulando em torno deste mundo, servirá de satélite-

laboratório e estação de rádio receptora. Se houver

alguma mensagem importante, pousará imediatamente

e a transmitirá. Dessa forma mantenho contato com o

governo galáctico.

Regoon venceu o desapontamento. Apontou para

os outros barcônidas que haviam descido do carro.

— Este é Gorat, nosso astrônomo. Infelizmente só

pode realizar um estudo teórico dessa ciência

interessante, pois nenhum telescópio tem alcance

suficiente para permitir um exame mais preciso de

qualquer galáxia.

Gorat era muito pequeno e gordo. Sorriu um tanto

acanhado e perturbado.

— Gostaria que me contasse alguma coisa sobre as

estrelas. Sempre vivo sonhando com a possibilidade

de ver uma estrela de verdade, uma estrela que não

seja Barcon, evidentemente.

— Este — disse Regoon, apontando para um

barcônida muito alto e esbelto — é Nex, que ensina

em nosso mundo a ciência do nexialismo.

“Quer dizer que também no mais solitário dos

mundos do universo prevaleceu a idéia de que um

saber abrangente traz mais vantagens que a simples

especialização”, pensou Rhodan, que conhecia

perfeitamente a doutrina do nexialismo.

Cumprimentou os dois homens. Laar disse:

— Tivemos tempo de sobra para preparar sua

recepção. O senhor é meu hóspede, Rhodan. Terá

oportunidade de falar com todos os cientistas de nosso

mundo, e convencer-se-á de que, apesar de nosso

isolamento, procuramos manter vivo ao menos o

contato espiritual com o passado. Queira acompanhar-

me.

Laar lançou mais um olhar para o céu.

Mas não se via mais nada daquela nave misteriosa,

que trouxera a visita surpreendente e tão ansiosamente

esperada.

Rhodan dirigiu-se ao carro e tomou lugar entre

Laar e Regoon. Ficou pensando de si para si sobre o

que aconteceria se por qualquer motivo a nave não

voltasse. Mas também poderia preocupar-se com o

que seria dele se o imortal resolvesse desaparecer

simplesmente de uma hora para outra. Se isso

acontecesse, Rhodan se veria num mundo

infinitamente distante, e seria o Robinson mais

estranho que o mundo jamais vira.

— Você está se preocupando por nada — disse a

voz em seu interior, num tom de suave censura. —

Nunca deixarei de cumprir a palavra que dei a você, e

prometi que não perderia tempo... quanto muito o

necessário a um suspiro. Concentre-se exclusivamente

na tarefa que tem de cumprir aqui. E acredite:

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realmente é uma tarefa.

Rhodan sentiu-se aliviado quando o imortal lhe

asseverou isso. Não se poderia duvidar de sua palavra.

— Obrigado, pensou.

A viagem até a residência do presidente parecia

uma marcha triunfal. Os barcônidas aglomeravam-se

de ambos os lados das ruas majestosas e manifestavam

seu júbilo ao visitante do espaço. Ao que parecia

ninguém estava trabalhando; todos haviam

aproveitado a oportunidade de fazer um feriado.

Durante quase uma hora atravessaram a cidade.

Depois, o carro, acompanhado de três veículos

ocupados por policiais, levou mais meia hora

percorrendo uma larga alameda margeada de parques

e florestas. Finalmente reduziu a velocidade e parou

diante de uma majestosa entrada. Quando ela se abriu,

Rhodan viu a residência do chefe do governo.

O sentido estético dos barcônidas deixou-o

admirado. A casa não era muito alta, lembrando um

bangalô de proporções gigantescas. A frente era

formada principalmente por um material semelhante

ao vidro. Era transparente e deixava à mostra as peças

que ficavam atrás do mesmo. A casa tinha dois

pavimentos, mas a grande área que ocupava dava a

impressão de que era baixa.

— Aqui o senhor se sentirá muito bem —

profetizou Laar e apontou para o edifício. — Este

edifício abriga o centro administrativo e científico de

Barcon. Não se iluda com as dimensões reduzidas do

mesmo. Uma instalação de televisão teledirigida nos

mantém em contato permanente com os pontos mais

importantes de nosso mundo. Sem sair de seu quarto,

o senhor terá oportunidade de conhecer Barcon e os

milhares de séculos de sua história. Em todo esse

tempo não houve grandes inovações; até é possível

que o senhor nos acuse de esterilidade intelectual.

Acontece que concentramos nossos esforços num

único objetivo, e por isso negligenciamos os demais.

— Já sei — disse Rhodan, sem dar atenção aos

rostos espantados dos quatro homens.

Dali a dez minutos a porta fechou-se atrás dele.

Viu-se só no aposento que lhe serviria de residência

nas próximas dez semanas. Meio desorientado,

deixou-se cair numa poltrona encostada à parede de

vidro. Aquela posição lhe proporcionava uma visão

ampla sobre a cidade e o mar. Suspirou.

— Dez semanas, velho amigo! O que farei durante

dez semanas neste mundo estranho, quando não tenho

um minuto a perder, pois tenho assuntos urgentes a

tratar? Não estarei desperdiçando meu tempo?

— Podemos conversar em voz alta — respondeu o

imortal. — Assim você não se sentirá tão só. Aqui

ninguém nos ouve, e não existem microfones

escondidos. Você fala em desperdício de tempo? Pois

está enganado, caro amigo. Não se esqueça de que

ainda estamos no mês de maio, e você está de cama,

doente. Seu encontro com os mercadores galácticos

ainda está num futuro distante. Faltam mais de dez

semanas. Portanto, não está perdendo nada.

— Não sei o que responder. Será que você poderia

ter a gentileza de contar o que devo fazer para salvar

Barcon da destruição?

— Não se preocupe com isso. Cuidarei do assunto

para você. Um simples movimento de mão resolverá

tudo. Um dia antes de nossa decolagem eles nos

mostrarão as instalações com as quais pretendem

conduzir Barcon II através do espaço. E então farei o

necessário. É por assim dizer uma espécie de inversão

de polos.

— Só isso? — perguntou Rhodan, espantado.

— Só isso.

— Por que temos que ficar aqui durante dez

semanas?

O imortal deu uma risadinha. Ele parecia divertir-

se a valer.

— Ficaremos para que você veja a história de

nossa galáxia. Você não poderá ver mais depressa do

que o tempo corre. Receio que terá de assistir a muitos

filmes.

— Um tipo de hipertransmissão em regime de

concentração de tempo não seria suficiente?

— Desta vez não, meu velho — na voz do imortal

soava uma ligeira recriminação. — Você é

praticamente imortal, mas ainda não aprendeu a ter

paciência. Acho que esta só chegará quando começar

o tédio. Mas pelo que vejo nem mesmo para sentir o

tédio você terá paciência.

Rhodan olhou para o crepúsculo que descia sobre a

cidade. De repente sentiu-se só e abandonado.

3

Os primeiros quinze dias passaram-se sem que

acontecesse nada de extraordinário. Através do

aparelho de televisão, prontamente instalado, Rhodan

travou conhecimento com o planeta Barcon II.

Captava as transmissões diretas realizadas de todos os

pontos daquele mundo pacífico e paradisíaco. O que

invariavelmente causava impressão mais forte em

Rhodan era a escuridão do céu noturno. Era bem

verdade que, para vê-lo, não precisava do

equipamento de televisão. Uma única vez naqueles

quinze dias a atmosfera ficara tão limpa que conseguiu

enxergar uma débil luminosidade no zênite. Parecia

uma mancha de bordas entrecortadas. Era a Via

Láctea em que ficava sua pátria, situada a uma

distância de cento e cinquenta mil anos-luz. E, como

naquele momento se encontrasse num presente

relativista, a Via Láctea para a qual olhava era cento e

cinquenta milênios mais jovem que aquela com que

estava familiarizado. Um simples olhar permitiu-lhe

uma visão do passado.

No início da terceira semana foi visitado por Nex,

o nexialista.

— Fui incumbido de contar-lhe a história de

Barcon. Para isso iremos a um grande arquivo.

— As coisas estão começando a ficar interessantes

— disse o imortal silenciosamente a Rhodan. —

Prepare-se para algumas surpresas. Não se esqueça de

que a raça que você tem diante de si já existia quando

a Via Láctea ainda era jovem e desabitada.

Um carro levou-os até a cidade. Ninguém se

interessou por eles. Barcon voltara a mergulhar na

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faina do quotidiano. De repente, Rhodan deu-se conta

da coincidência que fizera com que Barcon se

parecesse tanto com a Terra. O dia desse planeta

durava exatamente vinte e quatro horas.

Entraram numa rua lateral que subitamente

começou a descer, conduzindo para baixo da terra. O

túnel estava bem iluminado, mas parecia não ter fim.

Só dali a dez minutos o carro parou.

— Estamos a duzentos metros abaixo da superfície

— explicou Nex. — Só aqui nossos filmes estarão

seguros para todos os tempos. Nenhuma radiação

cósmica penetra nestas profundezas. O ar só é

insuflado quando há uma apresentação, e isso só

acontece de cinquenta em cinquenta anos, quando é

constituído um novo governo. Fora disso ficam no

vácuo.

Rhodan não respondeu. Sem dizer uma palavra,

seguiu o barcônida pelos longos corredores e através

das numerosas peças, até que chegassem a uma sala

não muito grande, mas bastante confortável. Uma das

paredes era formada por um gigantesco quadro de

chaves de controle. Na parte da frente, encimando

uma espécie de palco, havia uma tela que emitia um

brilho leitoso. Na parede oposta estava embutido o

projetor. Duas filas de poltronas estofadas

convidavam o visitante a acomodar-se.

— Queira sentar, Rhodan. Aqui tudo funciona

automaticamente. Basta comprimir o respectivo botão,

para que o material desejado seja introduzido no

projetor. Nossa raça conheceu a navegação espacial há

um milhão de anos, mas a mesma não pôde salvar-nos

da catástrofe. Pelo contrário. A despedida forçada do

ambiente familiar foi tornada mais penosa pelo fato de

sabermos de que algum de nós poderia fugir. Mostrar-

lhe-ei Barcon na época em que teve início o desastre,

e ao fim de sua história galáctica.

O quarto escureceu. Na área de projeção a parede

parecia recuar para dar lugar a uma realidade que se

oferecia aos olhos de Rhodan em suas formas e cores

naturais.

— Isso é Barcon, visto de uma nave que está

saindo para o espaço — explicou Nex com um tremor

quase imperceptível na voz. — Pelo que vê, não

mudou muita coisa. Apenas, naquela época havia

naves espaciais. Agora o senhor vê perfeitamente o

planeta vizinho número três, que está penetrando

lateralmente no campo de visão. Infelizmente nunca

encontramos em nosso sistema um planeta que se

prestasse à colonização. Mas chegamos a possuir um

império colonial, e um império colonial muito grande.

— Em que parte da galáxia ficava o sol Barcon?

— perguntou Rhodan por impulso próprio, sem que o

imortal o levasse a isso.

— Logo verá. Naturalmente é impossível

assistirmos, no tempo de que dispomos, a todos os

filmes do nosso arquivo. Escolherei os mais

importantes. A cada cinquenta anos, quando é

realizada a mudança de governo, as pessoas escolhidas

ficam neste recinto durante três meses, com pequenas

interrupções. Depois disso conhecem a história de

nosso mundo e o passado da galáxia, de cujo presente

nada sabemos.

Essa constatação parecia encerrar uma solicitação.

— Ainda falaremos a este respeito — prometeu

Rhodan. — Receio, porém, que o senhor fique

decepcionado.

— Sua nave admirável leva-me a supor o contrário

— disse Nex com um sorriso animador. — Mas veja,

aquilo é uma de nossas últimas naves colonizadoras.

Leva os emigrantes para um sistema recém-

descoberto, onde ainda não surgiu a vida.

O gigantesco vulto devia ter dois quilômetros de

comprimento e deslocava-se em torno de Barcon

numa órbita prefixada. Naves menores levantavam-se

da superfície, conduzindo os passageiros. Mangueiras

de plástico constituíam um passadiço seguro. As

pequenas naves entravam por gigantescas escotilhas,

trazendo a bagagem e os equipamentos dos colonos.

Lá embaixo Barcon ia girando sob a azáfama.

— A nave de colonização trouxe o filme de volta

— explicou Nex. — O senhor está vendo alguns

extratos.

Pouco depois o sistema de Barcon mergulhou no

espaço. O filme fora produzido sob o regime de

concentração de tempo, motivo por que Rhodan

passou por uma experiência semelhante à de seu voo

para Barcon: as estrelas deslizavam rapidamente sobre

a área de projeção. Um sol amarelo ia aumentando de

tamanho. Devia ser o destino da expedição. De

repente um planeta penetrou no quadro, um mundo de

tamanho regular, coberto por uma vegetação

exuberante. Planaltos rochosos erguiam-se em meio às

estepes e florestas. Grandes rios atravessavam as

planícies férteis, atravessadas por rebanhos imensos

de estranhos animais. Certa vez Rhodan acreditou ter

visto uma espécie de sáurio, mas talvez fosse engano.

— Nesse mundo ainda não havia nenhuma forma

de vida inteligente — explicou Nex. — Mas era um

mundo fértil, habitado por animais das mais variadas

espécies. Nossos colonos encontraram um verdadeiro

paraíso. Do momento do pouso naquele planeta até a

formação de uma civilização passaram-se uns dez mil

anos, se incluirmos as experiências acumuladas.

— Quer dizer que os senhores costumavam largar

os emigrantes num mundo apropriado e não se

preocupavam mais com eles? — perguntou Rhodan,

espantado.

Nex sorriu de forma estranha.

— Isso mesmo. No início de nossa história

fundávamos colônias dependentes, mas acabou-se por

descobrir que o sistema não era acertado. Os colonos

confiavam no seu mundo natal e no apoio que viria de

lá. Não tinham maior interesse em explorar as

potencialidades da natureza. Tornavam-se preguiçosos

e decadentes. Mas os náufragos voluntários, pois não

passavam disso, visto que eram obrigados a desmontar

a nave que os trouxera para sobreviver, encontram

uma nova pátria, que lhes dava tudo de que

precisavam para viver. Tinham que trabalhar e

desenvolver-se. É bem verdade que também nesses

casos houve recaídas; mais de uma vez tivemos que

constatar que nossos descendentes que viviam num

planeta-colônia regrediam à barbárie. Mas eram

exceções. Por via de regra, desenvolviam uma

civilização pujante, que sabia resguardar a herança dos

antepassados, mesmo que esquecesse sua origem. Pois

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um dos princípios que guiavam os empreendimentos

coloniais determinava que os colonos não levariam

filmes nem registros escritos. Só assim poderiam

tornar-se totalmente independentes.

— Quer dizer que se esqueciam de onde vinham.

— Perfeitamente. Só assim tornou-se possível

realizar com êxito a colonização dos planetas da

Galáxia, formando raças independentes. Muitas vezes

duas dessas raças só se encontravam algumas dezenas

de milênios depois. Talvez se admirassem pela

semelhança que existia entre elas, mas acreditavam

que isso decorresse do curso necessário da evolução.

Mais uma vez Nex sorriu e olhou Rhodan de lado.

— Já está começando a compreender a verdade?

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Acho que sim. Mas um milhão de anos é um

tempo muito longo, não acha?

— Representam pouco para quem conta em

unidades galácticas e se esquece da brevidade da vida.

Em termos galácticos cem mil anos da existência de

um planeta não representam mais que uma vida

humana. Isso significa que o milhão de anos que

estamos a sós, representam dez gerações galácticas. E

o que podem fazer dez gerações com um planeta?

— Às vezes nada, às vezes muito. Tudo depende

do grau de desenvolvimento e das qualidades da raça.

— Sinto a recriminação — disse Nex, mexendo

nos controles dos projetores. — Em sua opinião,

ficamos parados no curso dessas gerações, que para

nós representam cem mil ou mais. Acha que nossa

civilização estagnou. Admira-se por não termos feito

nenhuma tentativa para escaparmos ao destino que nos

impõe uma cruel solidão. Não procure negar.

— Poderia ter tentado ao menos manter contacto

com os mundos que já lhes pertenceram. Talvez pelo

rádio.

Nex comprimiu um botão.

— Hoje mesmo mostrar-lhe-ei uma coisa que fará

com que compreenda nossa atitude — se possuir um

coração.

A sala voltou a ser escurecida. Rhodan viu diante

de si uma profusão de constelações, nenhuma das

quais lhe parecia familiar. A câmera parecia flutuar no

meio do recinto. O quadro não era muito nítido;

parecia que uma vidraça se interpunha entre o

observador e as estrelas.

— Estas fotografias foram tiradas pelo maior

observatório que jamais possuímos — isso há um

milhão de anos. A câmera tirava uma única fotografia

por ano, sempre num momento determinado. Nos anos

em que na respectiva noite o céu fosse encoberto pelas

estrelas, desistia-se de tirar a fotografia. Por isso só se

conseguia em média uma fotografia em cada três anos.

Essa fotografia sempre mostra o mesmo setor da

Galáxia — ao menos por enquanto. A cada segundo

de projeção a que o senhor está assistindo

correspondem cerca de cinquenta anos. Quer dizer que

em dois segundos o senhor vê uma vida humana —

cem anos. Veja o que nossos antepassados devem ter

sentido. Passaram por uma experiência que os abalou

até as profundezas da alma e até hoje constitui o

fundamento de nossa fé e nossa mentalidade.

Rhodan viu.

As constelações deslocaram-se lentamente — e

foram-se afastando. Juntavam-se cada vez mais, a

profusão de estrelas tornava-se mais densa, mas em

compensação sua luminosidade decrescia.

Subitamente o ângulo de visão ampliou-se, e

Rhodan teve uma visão total. Conseguiu enxergar

aquilo que estava procurando. Era um dos braços da

espiral de onde viera.

Demorou quase dez minutos até que o braço se

tornasse visível em toda a plenitude. Mal se

distinguiam as diversas estrelas. Formavam uma

nuvem alongada e ligeiramente encurvada, que emitia

uma luminosidade própria. E essa luminosidade se

tornava cada vez mais débil.

— Está vendo aquela aglomeração de estrelas mais

luminosa? — perguntou Nex, inclinando-se para

Rhodan. — É este o lugar em que antigamente se

encontrava o sol Barcon. Por algum motivo

inexplicável desprendeu-se do campo de gravitação da

Via Láctea que descrevia seu eterno movimento de

rotação e foi-se deslocando para fora do grupo de

estrelas a que pertencia. Até hoje não chegamos a um

acordo sobre os motivos que determinaram o

fenômeno. Num movimento implacável nosso sistema

foi penetrando no terrível abismo que separa as

galáxias. Não havia nada que pudesse deter o

afastamento progressivo. Contemple com os próprios

olhos o que nossos antepassados tiveram que ver.

Sentiram — bem, não sei se o senhor poderá

compreender seus sentimentos.

Rhodan não respondeu.

Dali a uma hora toda a Via Láctea penetrara no

campo de visão. O setor do espaço em forma de

espiral que abrigava o sol do sistema de Rhodan, que

naquele momento iluminava uma terra virgem e

desabitada, penetrava profundamente na escuridão

infinita do espaço interestelar. Quase no centro

encontrava-se o sol, a uma distância de apenas trinta

mil anos-luz da escuridão.

Onde ficava Árcon? Foi a pergunta que de repente

surgiu na mente de Rhodan, mas este preferiu não

formular a mesma em voz alta. Mas o imortal ouvira a

indagação silenciosa. Respondeu:

— Ficava praticamente fora da Galáxia, velho

amigo. Já o preveni para que não formulasse

conjeturas. Ainda não chegou o tempo de

compreender as grandes relações de causa e efeito.

Você já começa a imaginá-las, e por isso sabe mais

que a grande maioria dos mortais que habitam a

Galáxia. A experiência que você está vivendo através

de imagens representa apenas um resumo da que outro

viverá em escala muito mais intensa num espaço de

vários bilhões de anos. Não reflita sobre isso, se não

quiser enlouquecer.

A Via Láctea ia minguando e deslizando para a

escuridão eterna, Barcon afastava-se cada vez mais.

Nas vizinhanças da nebulosa em espiral não havia

estrelas. A luminosidade débil daquele conjunto

formado por bilhões de estrelas ofuscava a luz ainda

mais débil das nebulosas situadas a maior distância.

Parecia que aquela Via Láctea era a única que existia

no Universo, e a mesma afastava-se a cada segundo —

ou a cada século que passava.

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57

A grande solidão dos barcônidas teve seu início.

Nex comprimiu outro botão.

— Daqui em diante passarei o filme com a

velocidade aumentada quatrocentas vezes. Cada

segundo passa a representar cinco mil anos.

O filme ainda durou pouco mais de três minutos.

Nesses três minutos a Via Láctea precipitou-se

vertiginosamente num buraco escuro que não tinha

limites. A cada segundo que passava tornava-se menor

e mais apagada. Ainda não se via nenhuma estrela, e o

céu foi-se tornando escuro. A forma típica da nebulosa

em espiral transformou-se numa mancha disforme,

que aos poucos se perdeu no infinito.

A imagem parou.

— É este o céu que hoje se apresenta à nossa

câmera telescópica, que continua a tirar uma

fotografia a cada dois ou três anos — disse Nex com a

voz embaraçada.

Bem no centro da área negra da projeção via-se a

nebulosa, reduzida a uma mancha pequena e

insignificante. Estava só: as outras nebulosas não

podiam ser alcançadas pela visão. A atmosfera

absorvia sua luz débil.

— Estamos sós — prosseguiu Nex, pigarreando.

— Mas sabemos que o trabalho que realizamos no

passado não foi em vão. Nos planetas por nós

colonizados desenvolveram-se novas raças, que

devem ter criado uma civilização inimaginável. E nós,

os barcônidas, somos seus ancestrais. Seja qual for o

lugar de onde o senhor veio, Rhodan, o senhor tem de

conformar-se com o fato de ser um descendente dos

nossos colonos, ou então um descendente dos seres

que nossos colonos colocaram em algum mundo fértil,

mas desabitado. Por maior que seja sua raça, ela deve

sua existência a nós, os patriarcas da Galáxia.

Rhodan procurou vencer a emoção que ameaçava

dominá-lo. Sabia que um problema gigantesco acabara

de ser solucionado, mas não se atrevia a extrair todas

as consequências do fato. Por que, perguntou de si

para si, o imortal lhe teria mostrado tudo isso? Por que

o teria levado a Barcon, cuja raça, segundo os padrões

humanos, havia visto a eternidade e não conseguira

enfrentá-la?

Não encontrou resposta e, ao que parecia, o

imortal não estava disposto a dar a mesma, pois

permaneceu calado.

O quadro projetado à sua frente apagou-se. A sala

voltou a iluminar-se. Nex estava de pé junto a

Rhodan. Em seus olhos reluzia a tristeza que passara a

fazer parte da vida em Barcon II. Com a voz trêmula

disse:

— Já compreendeu o que é a solidão, Rhodan? O

senhor vive sob um céu estrelado e sabe que não está

só no Universo. Sabe que a qualquer momento pode

entrar em contacto com outros seres que são seus

semelhantes e amigos.

— Talvez o senhor esteja superestimando os

descendentes que sua raça deixou na Galáxia —

objetou Rhodan cautelosamente. — Muitos colonos

podem ter levado dezenas de milênios para

redescobrir a astronáutica. Talvez muitos nunca a

tenham descoberto, permanecendo isolados e

afastados das outras raças, que afinal são todas irmãs.

Muitos podem ter soçobrado sem que tivessem a

menor ideia de que não eram os únicos seres

inteligentes do Universo.

— O senhor está expondo uma teoria sombria, na

qual ninguém de nós gostaria de acreditar. Vivemos

apenas da esperança de que nosso trabalho não terá

sido em vão. Sua visita prova que nossa vida não

deixou de preencher uma finalidade.

— Acontece que não estou em condições de

reconduzir Barcon para a comunhão estelar —

lembrou Rhodan.

Uma sombra passou pelo rosto de Nex.

— É verdade. Acontece, porém, que o senhor nos

traz notícias dos mundos que já pertenceram ao nosso

Império e que devem sua vida ao nosso povo. E o

senhor lhes levará notícias nossas. O simples fato de

sabermos que não fomos esquecidos espanta parte do

sentimento de solidão que já se tornou insuportável.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Acho que já estou compreendendo. E acredito

que posso fazer alguma coisa pelos senhores.

Nex apontou para a porta.

— Vamos embora. Daqui por diante os filmes

serão projetados em seu quarto. Apenas quis mostrar-

lhe as instalações. Daqui a algumas semanas, quando

tiver travado conhecimento com nosso passado,

mostrar-nos-á o que aconteceu neste meio tempo na

Galáxia.

— Mostrar? — disse Rhodan espantado. — Como

posso mostrar? Não trouxe nenhum material.

— Pode mostrar, sim — disse Nex com um

sorriso. — Mostrará através dos conhecimentos

armazenados em sua memória. Transformaremos seus

pensamentos em imagens.

Enquanto se dirigiam à residência de Laar não

disseram mais nada. Rhodan esforçou-se em vão para

descobrir um meio de livrar-se da situação. O que

poderia fazer para evitar o processo de lavagem

cerebral? Era exatamente isso que pretendiam fazer

com ele.

— Não se preocupe velho amigo — cochichou o

imortal às escondidas. — Será que você acreditava

que não previ essa possibilidade, ou que nem sabia

dela? Pois então! Os barcônidas ficarão admirados

com os frutos de seu trabalho pioneiro.

— Pretende mostrar-lhes alguma coisa que não

existe?

— Apenas pretendo mostrar-lhes o futuro —

respondeu aquilo.

4

Durante as primeiras oito semanas Rhodan travou

conhecimento com a história dos barcônidas — e,

através dela, com a história da Galáxia. Ficou sabendo

que os barcônidas se consideravam os criadores da

civilização da Via Láctea, da qual foram expulsos por

um destino implacável. Levaram a semente da vida

aos mundos desabitados, e estavam convencidos de

que seus descendentes haviam completado a obra por

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eles iniciada. Achavam que eram o tronco do qual

provinham todas as raças humanoides.

No dia 5 de agosto, data em que, segundo Rhodan

estava lembrado, travara uma dura batalha contra os

robôs-espiões dos mercadores galácticos, foi levado

de carro até a cidade. Num grande edifício os

membros do governo de Barcon II o aguardavam,

entre eles Laar, Regoon, Nex e Gorat. Encontravam-se

numa sala ampla, na qual se viam instrumentos

complicados e gigantescos painéis. Sob uma cúpula

reluzente feita dum metal desconhecido havia uma

poltrona. Rhodan foi conduzido a ela.

— Queremos simplificar as coisas para o senhor

— explicou Nex depois dos cumprimentos. — Um

relato minucioso da evolução da Galáxia consumiria

muito tempo. Está vendo a área de projeção? Estamos

em condições de projetar seus pensamentos. Pedimos-

lhe que pense que reproduza na imaginação aquilo que

ocorreu, pois assim poderemos participar das suas

experiências. Assim tomaremos conhecimento do que

aconteceu depois que perdemos o contacto com seu

mundo.

Rhodan sentou lentamente. Enquanto Nex

colocava um capuz prateado sobre sua cabeça e

efetuava algumas ligações, Rhodan fez algumas

perguntas silenciosas ao acompanhante invisível:

— E agora, velho amigo? Ficarão sabendo que sua

obra foi um fracasso. O que é feito de seu projeto de

espalhar as raças humanoides por todos os planetas

habitáveis? Afinal, o que aconteceu depois que se

viram reduzidos à solidão?

— Aconteceu muita coisa. Mas não aconteceu

aquilo que os barcônidas esperavam. O contacto entre

os mundos foi perdido, se é que já existiu. O império

em que pensavam desmoronou-se antes que se

formasse.

— O que devo pensar? Nada sei sobre os

acontecimentos que se desenrolaram no espaço. É bem

verdade que os arcônidas me deram seu saber, mas o

que representa isso com o que realmente aconteceu?

Afinal, Árcon e M-13 não passam de partículas de pó

na Galáxia.

— Não é muita coisa — respondeu o imortal. —

Deixe por minha conta. Pensarei por você. Abra os

olhos para viver a experiência daquilo que acontecerá

um belo dia... talvez. Não poderei oferecer mais que

um resumo muito ligeiro. Mas esse resumo bastará

para transmitir a esses infelizes a impressão de que

não viveram em vão nesta solidão cósmica.

— Está preparado? — perguntou Nex,

interrompendo os pensamentos de Rhodan.

— Estou... naturalmente. O que devo fazer?

— Pense em sua própria história e relate o que

aconteceu até hoje.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. As

luzes apagaram-se. A parede de projeção em forma de

semicírculo emitiu uma fosforescência. Subitamente a

superfície tornou-se negra e Rhodan viu planetas — a

Terra.

Uma gigantesca nave circulava em torno dela e

acabou pousando em sua superfície, sustentada por

raios chamejantes. Homens desceram e apossaram-se

do mundo novo e desabitado. Os primeiros núcleos

começaram a formar-se.

Rhodan teve a impressão de que estava sonhando.

O imortal estava exibindo a ele e aos barcônidas

quadros que nunca poderiam ter sido realidade.

Seriam os terranos descendentes dos barcônidas, uma

raça perdida no espaço?

Mais uma vez apareceu a Terra, vista de longe. As

calotas polares moviam-se, avançando até as zonas

temperadas. Mais tarde as gigantescas geleiras

voltaram a retrair-se. A superfície do planeta

modificou-se. Cidades enormes começaram a surgir,

cidades que não conheciam igual na Terra de hoje.

Gigantescas edificações em forma de cúpula tornaram

a lua habitável. Naves espaciais corriam de um planeta

para outro, conduzindo colonos para Marte e Vênus.

Das profundezas do espaço interestelar vinham os

cargueiros de outras raças e pousavam na Terra, para

oferecer suas mercadorias em troca de outros

produtos.

Rhodan compreendeu que o imortal estava

contando aos barcônidas a história dum futuro

possível. Estes naturalmente pensariam que se tratava

da história do passado. Não transmitiu qualquer

informação sobre as terríveis guerras, que bastariam

para exterminar a população dum planeta, não

mencionou o Império dos arcônidas, que se

encontrava próximo à decadência final, nada mostrou

sobre os conflitos aparentemente insuperáveis que

transformavam raças aparentadas em inimigos

mortais.

O imortal mentia para os barcônidas, para não lhes

tornar ainda mais difícil a terrível solidão em que

viviam.

Depois duma visão panorâmica que mostrou

claramente como todas as inteligências humanóides da

Via Láctea se congregaram numa grande comunidade,

o quadro ideográfico apagou-se de uma hora para

outra. As luzes foram acendidas aos poucos.

Rhodan olhou cautelosamente em torno de si. Viu

os rostos felizes dos barcônidas que sorriam em

silêncio. Ao que parecia haviam esquecido o destino

cruel que os atingira. Foram eles que tornaram

possível a evolução que se exibira diante de seus

olhos. Não viveram em vão. Alguém completara sua

obra.

Nex levantou-se e aproximou-se de Rhodan, para

tirar o capuz de sua cabeça. Com a voz trêmula disse:

— Ficamos muito gratos pelas informações,

Rhodan. Assim a longa viagem para o desconhecido

não será tão difícil.

Rhodan levantou-se. Contemplou os rostos das

pessoas reunidas na sala.

— A longa viagem para o desconhecido? Não

compreendo.

— Amanhã revelaremos nosso segredo — disse

Nex com um sorriso significativo. — E, assim que lhe

tivermos transmitido os conhecimentos teóricos,

mostraremos o quanto já avançamos na prática.

Por algum tempo conversaram descontraidamente;

ninguém aludiu à viagem para o desconhecido. Dali a

duas horas Rhodan estava novamente no seu quarto.

Quando se encontrava na cama e viu que diante

das janelas a noite sem luz derramava suas sombras

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sobre o mundo, disse em voz baixa:

— Você mentiu para eles, velho amigo. Ofereceu-

lhes uma ilusão que lhes dará forças para transformar

em realidade seu plano tresloucado.

— Isso mesmo — respondeu o imortal, também

em voz baixa. — Foi exatamente o que fiz. Um belo

dia, daqui a um milhão de anos talvez, a raça dos

barcônidas salvará a Galáxia da destruição, trazendo

suas experiências através da solidão infinita do abismo

que se abre entre as nebulosas. Um belo dia as raças

inteligentes da Via Láctea também se sentirão sós.

Isso acontecerá no dia em que se derem conta de que

nunca poderão vencer esses abismos.

Rhodan não respondeu. Por maior que fosse a

receptividade de seu cérebro, aperfeiçoado através do

treinamento hipnótico, o mesmo também tinha limites.

E sabia que esses limites já tinham sido

ultrapassados.

* * *

Era o dia 14 de agosto.

Vários dias foram consumidos em explicar o

projeto dos barcônidas a Rhodan. O próprio Nex

explicara-lhe os detalhes técnicos. Não se cansava de

asseverar que há várias gerações sua raça estava

familiarizada com o projeto, e que as melhores

inteligências dum mundo unido estavam fazendo o

possível para eliminar qualquer fonte de erro.

O planeta Barcon II fora escavado por dentro.

Toda a população poderia viver e desenvolver-se no

interior do mesmo. Sistemas de transporte

inconcebíveis garantiam a ligação entre os diversos

centros residenciais. Os reatores atômicos espalhados

pelos pontos mais diversos garantiam o suprimento de

luz, calor e energia por milhares de séculos. As

instalações geradoras de ar substituiriam a atmosfera

perdida. Enquanto o planeta congelado com sua

superfície morta percorresse sua trajetória solitária

pelo Universo, a vida continuaria em seu interior.

Gigantescos laboratórios produziriam os alimentos

e objetos de uso. A vida não seria diferente da que os

habitantes levavam na superfície do planeta. Quando

irrompesse a noite, uma noite de escuridão completa,

isso aconteceria sob comando.

Mas o aspecto mais importante era a propulsão.

Uma maquinaria incrível faria com que o planeta

se desprendesse do campo de gravitação do sol de

Barcon e se deslocasse numa velocidade crescente em

direção à distante Via Láctea. Um dia, asseverou Nex

confiante, a “nave Barcon II” atravessaria o Universo

à velocidade da luz.

Rhodan não conseguia livrar-se da impressão de

viver num sonho. O imortal não respondeu às

perguntas sobre este ponto. Ignorou as observações

que Rhodan fazia a este respeito.

Hoje, no dia 14 de agosto, Nex iria mostrar o

singular propulsor ao hóspede do planeta.

Foram de carro até o aeroporto, onde um

pequenino aparelho os aguardava. Tinha a forma

duma gota de líquido e não possuía asas. Rhodan tinha

certeza de que não haveria o menor problema em

penetrar no espaço por meio dessa nave, mas isso não

adiantaria nada. Mesmo que alcançassem a velocidade

da luz, levariam cento e cinquenta mil anos para

atingir a estrela mais próxima.

Depois de uma hora de vôo pousaram num platô

de rocha, que se erguia em meio a uma planície fértil.

Várias construções em forma de cúpula e algumas

torres elevadas provavam que havia gente em meio

àquela solidão. Olhando melhor, Rhodan notou que a

área do platô fora aumentada por meio de grandes

massas de pedregulho.

— Esta é a entrada do mecanismo de propulsão,

cujo funcionamento se fará sentir aqui — disse Nex,

apontando para baixo. — Regoon concluiu a execução

dos velhos planos. O senhor o encontrará lá embaixo.

Embaixo — isso significava cerca de cinco mil

metros abaixo da superfície.

Rhodan não pôde deixar de admirar as instalações

que os barcônidas haviam montado no curso dos

séculos. Corredores imensos levavam para o interior

do planeta. Os mesmos eram iluminados a espaços

regulares por lâmpadas embutidas no teto. Trilhos de

bitola estreita davam mostra do meio de transporte

utilizado por lá. Uma vibração constante enchia o ar

tépido.

Regoon veio ao seu encontro. Trajava um macacão

apertado, que não o perturbava no trabalho.

— Talvez o senhor tenha suas dúvidas — disse,

apertando a mão de Rhodan. — Mas asseguro-lhe que

conseguiremos. Muitas gerações trabalharam na

execução deste projeto, e nós o realizaremos.

— O senhor viverá apenas para ver o começo —

respondeu Rhodan com um sorriso. — Só nossos

descendentes saberão se foi bem sucedido. Quanto

tempo levará Barcon II para retornar à nossa Galáxia?

— Calculamos a duração da viagem em duzentos

mil anos — respondeu Regoon. — Quanto a isso

Gorat não tem a menor dúvida.

Duzentos mil anos! Rhodan estremeceu ao dar-se

conta do espírito de sacrifício desses homens

extraordinários. Retirar-se-iam para o interior do

planeta, a fim de que seus descendentes mais

longínquos tivessem possibilidade de viver no seio da

comunidade galáctica. Os terranos ainda não haviam

chegado a esse ponto. Não pensavam sequer em seus

filhos.

— Conseguirão — disse, e estava certo de que

tinha razão. — Um dia os descendentes do senhor e os

nossos poderão apertar-se as mãos.

O controle da propulsão planetária era um

mecanismo de complexidade inimaginável. A

profusão de painéis e geradores, instrumentos e fios,

telas e postos de observação era tamanha que Rhodan

logo desistiu de refletir sobre seu funcionamento. Nem

mesmo um cérebro treinado como o seu poderia

compreender à primeira vista o que estava

acontecendo no interior daquele planeta.

Sem dizer uma palavra caminhava pelos

gigantescos pavilhões, ladeado por Nex e Regoon.

Ouvia as explicações que os dois cientistas lhe davam.

Mostraram-lhe todas as instalações e orgulhavam-se

da obra de sua vida, que tornaria todo um mundo

independente do sol por um espaço de duzentos mil

anos.

Quem dera que ele, Rhodan, pudesse evitar a

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catástrofe com o auxílio do imortal.

— Sei onde está o erro — disse nesse instante a

voz silenciosa em seu cérebro. — Daqui a pouco

passaremos pelo gerador principal. Não peça

explicações, velho amigo. Como já disse, trata-se

apenas dum erro de regulagem, que produziria uma

aceleração infinita do processo de fissão nuclear. Se

isso acontecer, a energia que deveria durar uma

eternidade será liberada num segundo. Você

conversará animadamente com os dois, sem

preocupar-se com o que sua mão direita fizer.

— Veja Rhodan, este mecanismo comanda a

propulsão, pois regula o processo de fissão nuclear —

disse Regoon no mesmo instante. — Laar ficará

encarregado de estar aqui dentro de pouco tempo, a

fim de dar início à grande viagem. Os preparativos já

estão sendo tomados.

— Quer dizer que os propulsores estão prontos? —

perguntou Rhodan, apontando com a mão esquerda

para as instalações. Regoon e Nex confirmaram com

um gesto e olharam na direção em que o braço estava

apontando. — Tem certeza de que tudo funcionará

perfeitamente?

— Temos certeza absoluta — respondeu Nex com

um sorriso. Nem ele nem Regoon perceberam que a

mão direita de Rhodan inverteu a posição de duas

chaves. — Tudo foi testado milhares de vezes. Não

existe a menor possibilidade de erro.

— Faço votos de que seja assim — disse Rhodan e

prendeu os grampos das chaves. Sentiu que o imortal

se retirou. Sentiu-se só e abandonado, mas isso só

durou uma fração de segundo. A voz silenciosa logo

se fez ouvir.

— Consegui. Estive no futuro, amigo velho. Os

barcônidas iniciam a viagem. Não submergem na

fusão de seu planeta.

— Como podemos alterar o futuro? Você não viu

seu planeta transformar-se num sol?

— É possível que um dia você compreenda, amigo

velho. A imortalidade e o tédio resolvem todos os

problemas.

— Vamos dar uma olhada na usina energética,

situada numa área isolada — disse Nex, apontando

para um alçapão redondo de cinco metros de diâmetro,

engastado no soalho. — Seria perigoso entrar ali.

Comprimiu um botão e o alçapão, cuja grossura

era de dois metros, abriu-se lentamente. Rhodan

aproximou-se da abertura e olhou para o abismo que

se abria diante dele. A galeria abria-se mais embaixo,

dando para outro pavilhão, no qual se viam

gigantescas peças metálicas. Não se reconheciam os

detalhes. Um zumbido uniforme subia dali, enchendo

o ar com uma vibração intensa. De algum lugar vinha

um cheiro de ozônio.

— Amanhã as manobras de evacuação serão

iniciadas em todos os pontos do planeta Barcon II —

disse Regoon em tom orgulhoso. — Não demorará

muito, e a viagem do planeta terá início.

— E amanhã me despedirei de Barcon —

respondeu Rhodan. — Informarei os mundos da

Galáxia de que os ancestrais da humanidade

retornarão.

Nex e Regoon sorriram. Em seus olhos não se via

mais nada da tristeza que os mesmos costumavam

exprimir. Exalavam confiança e uma felicidade

tranqüila. E a força e decisão que lhes permitiriam

passar o resto de suas vidas numa solidão absoluta.

* * *

A viagem ao campo de pouso parecia uma marcha

triunfal. Milhares de barcônidas enchiam as ruas e

cumprimentavam o embaixador da Galáxia com gritos

de júbilo. Nada parecia indicar que toda essa gente via

o sol pela última vez, pois antes mesmo que deixasse

o sistema, os barcônidas desceriam para as

profundezas de seu mundo para morrer por lá. Só seus

descendentes mais longínquos veriam um belo dia os

novos sóis, que voltariam a dar calor, luz e vida ao seu

planeta.

Enquanto o carro diminuía a velocidade até parar,

a pequenina nave na qual Rhodan viera desceu do céu.

Pousou suavemente. A cabine abriu-se

automaticamente.

Laar foi o primeiro a descer do carro. Deu a mão a

Rhodan, para ajudá-lo a descer. Nex, Regoon e Gorat

seguiram-no.

— Agradecemos pela visita, Rhodan. Já sabemos

que nossos filhos não nos esqueceram. Rhodan

transmita à comunidade galáctica lembranças de seus

irmãos.

— Serão dadas — prometeu Rhodan.

Quando, ainda de pé na cabine aberta, virou-se

para acenar pela última vez para a multidão, o grito de

júbilo da massa humana subiu para o ar claro e tépido

do planeta. Parecia o grito de alívio duma criatura

martirizada, que subitamente se vê livre dos seus

sofrimentos.

Rhodan sentiu as lágrimas que lhe subiam aos

olhos. Virou-se abruptamente e desapareceu no

interior da nave. Esta decolou poucos segundos depois

com um leve abalo e, depois de descrever uma curva,

subiu verticalmente para o céu.

Barcon II voltou a mergulhar no silêncio eterno da

solidão.

Nos próximos dois dias o espetáculo da viagem

repetiu-se em sentido inverso. A cada hora que

passava a Galáxia crescia, até que a pequena nave

mergulhasse na confusão de estrelas de um dos braços

da espiral. Naquele instante Rhodan compreendeu o

que os barcônidas queriam dizer quando falavam em

sua solidão insuportável.

— Dentro de uma hora relativa chegaremos ao

destino — disse o imortal de forma bem perceptível.

— Será que você não vai me dizer por que veio?

— Você não sabe? — perguntou Rhodan

espantado.

— Apesar disso gostaria que você dissesse.

— Preciso duma arma definitiva, para defender

meu planeta natal contra o perigo que o ameaça. Os

mercadores galácticos descobriram a Terra, e não

serão os últimos.

— Ora, os filhos dos barcônidas! — disse aquilo

com um riso de escárnio, mas de repente tornou-se

muito sério. — Estes não deverão sofrer nenhuma

decepção quando chegarem à Galáxia, o que poderá

acontecer bem mais cedo do que você pensa. É bem

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possível que alguém os ajude a vencer o tempo.

Fez uma pausa, para deixar que suas palavras

produzissem efeito na mente de Rhodan.

— Uma mão forte deve unir a Galáxia. E essa mão

forte é você, Rhodan. Só você! Por isso dar-lhe-ei a

arma que me pede. Apenas lhe peço que nunca abuse

dela!

— Pretende dar-me a arma? — perguntou Rhodan,

que subitamente se sentia desconfiado. — Sem

qualquer prova, sem outra missão a cumprir?

— Nossa excursão foi a melhor prova. Você

passou bem por ela, não passou?

— Acredito que sim — com sua ajuda.

Aquilo riu divertido.

— É claro que foi com minha ajuda; nem poderia

ter sido de outra forma. Quer dizer que você quer um

transmissor fictício. Pretende teleportar porções da

matéria. Deseja levar, por exemplo, cargas nucleares

para dentro das naves de seus inimigos.

— E você me ajudará?

— Naturalmente. Durma Rhodan, que você tem

diante de si mais um salto no tempo. Mas não

deixaremos de retornar ao presente, onde há uma

tarefa à sua espera. Seu amigo Bell deverá estar

curioso para saber por onde você andou durante o

segundo em que esteve ausente...

Enquanto refletia sobre as palavras do imortal,

Rhodan sentiu um cansaço invencível. Olhou para a

tela e viu a primeira constelação, que se deslocava

lentamente.

Depois adormeceu...

...e logo despertou.

5

...houve? Você está ficando transparente... já está

de volta! Quer fazer um exercício de teleportação?

Rhodan olhou para o relógio de bordo.

17 de agosto, 22:53 h, hora de Terrânia.

Nem chegara a perder um segundo.

— Olá, Bell — disse com a voz embaraçada. —

Um exercício de teleportação? Não foi bem isso.

Talvez seja uma brincadeira de nosso grande e velho

amigo. — Olhou pela vigia da frente. — A montanha!

Estamos chegando.

Bell ia perguntar mais alguma coisa, mas preferiu

ficar calado. Em sua testa havia uma ruga vertical.

Talvez estivesse refletindo para descobrir como era

possível que numa fração de segundo Rhodan

arranjara uma camisa limpa, e ainda um uniforme bem

passado. Mas no planeta da vida eterna tudo era

possível, até as coisas mais medonhas.

Viram a cidade. O campo de pouso parecia ter

crescido. Novos edifícios erguiam-se em torno dele. O

pavilhão continuava no mesmo lugar. A entrada estava

aberta. Um vulto humano, solitário e abandonado,

estava lá embaixo, olhando para eles.

Era Homunk, a criatura artificial do imortal.

Corporificava este e servia de mediador entre ele, o

grande invisível, e os humanos. Seu saber infinito

permitira-lhe transformar uma porção de matéria num

homem para o qual não havia problemas insolúveis.

A Stardust-III pousou.

Rhodan e Bell foram os primeiros a saírem da

nave. Dirigiram-se a Homunk, que os aguardava com

um sorriso nos lábios.

— Bem-vindos em Peregrino, o planeta da vida

eterna — disse, estendendo a mão aos dois homens.

— Quer dizer que desta vez desejam uma arma. Um

transmissor fictício de matéria, segundo soube de meu

senhor. O desejo foi concedido. Fui incumbido de

montar dois aparelhos desses nas posições de combate

da nave. Será que poderão dar uma ajuda?

Rhodan ficou surpreso em ver com que rapidez o

imortal atendia ao seu pedido. Isso não combinava

com a imagem que fizera dele, se considerasse as dez

semanas que passara com o mesmo. Mas teriam sido

realmente dez semanas?

— Ajudaremos, sim — naturalmente. — Rhodan

teve que fazer um esforço para não dar uma

palmadinha no ombro de Homunk e chamá-lo de

“velho amigo”. O homem artificial sorriu.

— Vamos começar.

Não houve nenhum preparativo, nenhuma demora.

Que interesse teria o imortal em não perder tempo

— ele, que dominava o tempo?

Por um instante Rhodan se esquecera de que

aquilo possuía um ânimo muito galhofeiro.

Os trabalhos foram iniciados imediatamente. Os

cinquenta robôs de trabalho depositados a bordo da

Stardust-III levaram para bordo as peças depositadas

no grande pavilhão, e ali montaram os dois aparelhos

sob a orientação de Homunk.

Quinze dias passaram-se.

Rhodan ficava cada vez mais preocupado com o

tempo que estavam perdendo. Bell também não

conseguiu disfarçar a ansiedade. No início da terceira

semana, quando os trabalhos ainda estavam em pleno

andamento, Rhodan olhou para o lado. Encontravam-

se numa pequena colina, de onde podiam contemplar a

imagem dos Alpes. À sua esquerda estendia-se a

superfície reluzente dum mar. O sol artificial

encontrava-se praticamente no zênite, e um calor

agradável enchia o mundo artificial.

— Já falou com ele a este respeito? — perguntou

Bell.

— Você se refere ao tempo — respondeu Rhodan,

que sabia perfeitamente onde o amigo queria chegar.

— Tentei várias vezes, mas não obtive uma resposta

direta. Estamos perdendo muito mais tempo do que

poderia parecer. Já estamos aqui há mais de quinze

dias. Se me lembro da nossa experiência passada,

chego à conclusão de que é bem possível que lá no

espaço e sobre a Terra vários anos se tenham passado.

E isso seria uma catástrofe. O que nos adiantarão as

superarmas, se chegarmos tarde para salvar a Terra e o

Universo?

— Devíamos... — principiou Bell, mas calou-se

abruptamente. Rhodan percebeu sua hesitação e

seguiu o olhar do amigo, que fitava o mar. Uma esfera

colorida flutuava sobre a superfície ligeiramente

agitada e aproximava-se lentamente. Parecia não ter

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peso e desconhecer a lei da gravidade. Como se fosse

tangida pelo vento, ia velejando em direção à colina

em que se encontravam. E dela saiu a voz do imortal,

forte e nítida — e entremeada com o habitual tom

irônico.

— Assumi uma forma bastante estranha, não

acham? Poderia ter vindo sob a forma dum monstro,

mas isso seria contrário à estética. Uma bolha de

sabão colorida é bem mais bonita.

— Mas esta pode arrebentar — disse Bell sem o

menor respeito.

— É claro que pode! — disse o imortal com uma

gostosa gargalhada. Parecia divertir-se a valer. —

Querem ver?

Rhodan preferiu não perder a oportunidade que se

oferecia.

— Não! — exclamou. — Gostaria de fazer-lhe

uma pergunta.

— Mais um pedido?

— Sim, mais um pedido, velho amigo. Você sabe

qual é a minha situação. Nossos “amigos”, que levam

vantagem sobre nós, estão sitiando nosso sistema.

Conseguiram atrair alguns amigos meus a uma

armadilha e os destruirão se não chegarmos a tempo.

O mundo de você fica em outro plano temporal que o

meu. Da outra vez que estive aqui se passaram mais

de quatro anos. Agora isso não deve acontecer. Quinze

dias já seriam demais. Quero pedir-lhe...

— Um prazo de dez minutos é satisfatório? —

perguntou o imortal. A esfera colorida parecia inchar,

e a gama de cores parecia cada vez mais variada.

Rhodan parecia perplexo.

— Está bem, dez minutos. Mas para quê?

— Dez minutos ao todo, velho amigo. Pense em

tudo pelo que você passou nesses dez minutos. Você

fez uma excursão à eternidade e acompanhou o

destino de sua raça. Além disso, equipou sua nave

com a mais formidável das armas. Aliás, tenho armas

ainda mais potentes, mas você não fez nenhuma

pergunta a respeito. Não posso ajudá-lo, se você não

me dá as indicações. Talvez mais tarde...

— Ontem Homunk fez algumas alusões —

recordou Bell muito exaltado. — Mas não respondeu

às perguntas que lhe fizemos.

— Nem está habilitado a responder — disse com

uma risadinha à esfera que agora flutuava bem em

cima de suas cabeças. — Mas as indicações que ele

forneceu deviam levá-los há pensar um pouco. Talvez

em sua próxima visita vocês possam fornecer

informações mais precisas sobre aquilo que desejam

de mim. Terei muito prazer em ajudá-los. Não querem

que os barcônidas sofram uma decepção quando

regressarem.

Bell fez cara de espanto.

— Os barcônidas? Será que está aludindo aos

arcônidas?

Uma gargalhada homérica veio do céu.

— Que fantasia deliciosa tem meu jovem amigo!

Não deve quebrar a cabeça — ela é muito linda.

Bell esteve a ponto de responder, mas uma forte

lufada de ar quase o atira ao chão. A bolha reluzente

estourara. O ar veio de todos os lados para encher o

vácuo. Logo o vento cessou.

— Foi ele que quebrou a cabeça — murmurou

Bell, arrastando Rhodan encosta abaixo. — Quem são

esses barcônidas?

— Isso é uma história muito comprida — disse

Rhodan em voz baixa. Depois de refletir um pouco,

acrescentou: — É possível que seja apenas uma lenda;

não sei. Um dia destes contarei. Ainda bem que

estamos livres de nossa grande preocupação. Não

vamos perder tempo.

— Tem certeza?

— Certeza absoluta! — confirmou Rhodan,

andando a passos largos. Lá embaixo a Stardust-III os

aguardava. Amanhã as armas estariam em condições

de serem usadas.

Homunk compareceu à sala de comando.

— Meu senhor pediu que lhe dissesse que já pode

decolar, Rhodan.

— Não vai despedir-se de nós? — perguntou

Rhodan espantado.

— Ele o faz por meu intermédio. Além disso, está

conosco neste instante.

Bell olhou em torno, mas não viu ninguém.

— Onde está? — perguntou como se esperasse ver

outra esfera colorida.

Homunk sorriu.

— Está corporificado num ser humano, num ser

humano que o senhor ama muito, Bell — disse; logo

seu rosto voltou a assumir uma expressão séria. —

Meu senhor quer que vocês decolem daqui a dez

minutos, rompendo a abóbada energética na vertical.

Vocês retornarão ao seu sistema no mesmo dia em que

partiram de lá.

Rhodan sentiu-se aliviado por ver a informação

confirmada mais uma vez.

— E a arma? Será que funciona?

— Não tenha a menor dúvida — asseverou

Homunk.

Rhodan ligou o intercomunicador e transmitiu

algumas ordens aos postos de combate. Depois olhou

para o relógio.

— Veremos — disse. — Meu velho amigo não se

zangará se fizer uma experiência na sua área. —

Lançou outro olhar para o relógio. — Qual é a

profundidade desses oceanos?

— Quatro mil metros.

— Excelente! — Rhodan voltou a falar com os

postos de combate. Alguns dados. Depois surgiu a

ordem: — Tudo pronto? Pois bem, vou disparar.

Comprimiu um botão que se encontrava a seu lado,

e que nunca parecia ter sido usado, o que correspondia

à realidade.

Alguns segundos passaram-se. Depois uma

enorme montanha de água surgiu lá fora, no oceano,

formou um gigantesco cogumelo e caiu sobre si

mesma. Vapores brancos turbilhonaram em direção ao

céu artificial. A vaga provocada pela explosão correu

para a margem e inundou grande extensão da zona

costeira.

No mesmo instante começou a chover.

Alguém estava rindo.

— Muito bem, velho amigo. Sabe lidar com armas.

Mas volto a preveni-lo: a superioridade que você

acaba de adquirir só poderá ser usada em prol da

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conservação da paz. Se não for assim, a arma será

dirigida contra você mesmo. Quando for atacado,

poderá destruir o inimigo. Mas nunca ataque ninguém!

Eu o previno, velho amigo. Estou falando muito sério!

— Você não tem motivo para preocupar-se —

tranquilizou-o Rhodan. — Nosso poder tem por único

objetivo realizar o sonho dos barcônidas. E nisso

estamos de acordo, não estamos, velho amigo?

— Inteiramente! Passe bem, Perry Rhodan. Um

momento! Antes que eu me esqueça: fiz uma

promessa a Bell. Poderá procurar em seu camarote.

Mais uma vez o invisível sorriu. Depois reinou um

silêncio total.

Homunk dirigiu-se à porta.

— Desejo-lhes tudo de bom. Mais um conselho:

assim que saírem da proteção deste mundo e

retornarem ao plano existencial comum, tenham

cuidado! Passem bem, caros amigos!

Desapareceu antes que pudessem responder.

Bell parecia furar o ar com o olhar.

— No meu camarote? O que foi que ele me

prometeu?

— Como posso saber? — disse Rhodan, dando de

ombros. — Uma eternidade se passou desde que

chegamos aqui. Não posso lembrar-me de tudo.

— Nem eu. Duas semanas e meia são um tempo

muito longo.

Rhodan sorriu sem dizer uma palavra. Então Bell

vivera dezessete dias. E ele, Rhodan? Teria vivido

treze semanas e meia? Ou uma eternidade formada de

duas parcelas de cento e cinquenta anos?

Ou seriam apenas dez minutos?

Levantou a mão e ligou o intercomunicador.

— Atenção, todos os tripulantes! Decolaremos

dentro de um minuto. Atar cintos! Dentro de

exatamente três minutos romperemos a abóbada

energética. O tempo já está correndo. Cento e setenta

e nove... cento...

O robô prosseguiu na contagem.

Ao número cento e vinte a Stardust-III ergueu-se e,

imponente, subiu ao azul do céu artificial. As nuvens

produzidas pela detonação atômica subaquática já

haviam descido ao solo. Lá em cima o sol artificial

desperdiçava a profusão dos raios dourados.

— Vou até o camarote para deitar um pouco —

disse Bell. — Avise-me quando chegarmos perto da

transição.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

Permaneceu só na sala de comando. O assento de

piloto proporcionava uma proteção tamanha que

poderia superar o pior dos abalos. Daqui poderia

dirigir a enorme esfera com uma das mãos, se não

preferisse deixar o controle a cargo do robô.

Exatamente dois minutos depois da decolagem a

Stardust-III rompeu a cúpula feita de energia que se

estendia acima do planeta Peregrino. O abalo sacudiu

todos os compartimentos da nave, mas em grande

parte foi absorvida e compensada pelos campos

gravitacionais.

Poucos segundos antes do grande acontecimento o

sinal de chamada acendeu-se. Bell procurava entrar

em contacto com a sala de comando por meio do

intercomunicador. Aborrecido, Rhodan não lhe deu

atenção. Não tinha tempo para ouvir piadas sem graça

ou deixar que o distraíssem de outra forma. A situação

exigia toda concentração. Estava lembrado da

advertência de Homunk, segundo a qual devia ter um

cuidado todo especial quando rompesse a barreira que

o separava do Universo normal.

Rhodan não imaginava por que aquele instante

representaria um perigo, mas nem pensou em fazer

pouco caso do aviso que lhe fora dado.

Seu olhar caiu sobre o relógio de bordo, que

poucos segundos antes da ruptura da barreira

continuava há indicar o dia 3 de setembro, 15:47 h,

tempo de Terrânia.

O abalo veio em seguida. O planeta Peregrino

desapareceu de uma hora para outra, sendo substituído

pela visão conhecida do Universo.

Os algarismos do relógio correram

vertiginosamente diante dos olhos de Rhodan. O

calendário de bordo adaptou-se ao novo plano

temporal. Marcava o dia 17 de agosto, 22:39 h, tempo

de Terrânia.

Fazia exatamente dez minutos e meio que haviam

penetrado nesse mesmo ponto na cúpula energética do

planeta Peregrino. E fazia apenas sete horas que

haviam decolado da Terra.

Dali a quarenta minutos o imortal o levaria

consigo, para uma excursão às profundezas dos

abismos que se abrem entre as nebulosas. Uma

excursão à eternidade...

Rhodan sentiu que seus cabelos se arrepiavam. No

mesmo instante o som estridente do alarma encheu a

nave.

Os aparelhos automáticos de observação haviam

localizado porções de matéria, muito embora nenhuma

matéria devesse existir num raio de cinquenta anos-

luz.

Poucos segundos depois veio o aviso da sala de

comando das operações de combate:

— Posto de combate TFM preparado!

Antes que as vigias se fechassem, Rhodan viu as

oito naves em forma de rolo compressor dos

saltadores, que se precipitavam vertiginosamente

sobre a Stardust-III embora o surgimento repentino do

veículo espacial as deva ter surpreendido.

Mais alguns segundos, e os impulsos eletrônicos

percorreram as instalações robotizadas.

Naquele instante uma gargalhada soou nos ouvidos

de Rhodan. Uma voz disse em tom galhofeiro:

— Olá, amigo velho! Chegou a hora de

experimentar a nova arma. Vai ser muito divertido...

Rhodan não pensava assim. Estreitou os olhos e

mordeu os lábios.

— Transmissor um — disparar! — gritou no

microfone.

Naquele instante a Stardust-III transformou-se na

mais perigosa e mortal de todas as naves que já

percorreram o Universo.

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Topthor não acreditava no que estava vendo.

Poucos minutos antes ordenara uma pausa de

descanso, pois contava com uma permanência mais

prolongada de Rhodan sobre o planeta que, segundo

tudo indicava, era invisível. Assim que a gigantesca

esfera voltasse a ingressar no espaço, ele a destruiria

num ataque fulminante. Depois disso não seria difícil

descobrir o planeta da vida eterna.

E agora a Stardust-III surgiu do nada bem diante

do seu nariz, apenas dez minutos depois de ter

desaparecido.

Despertou imediatamente. Com uma pancada de

seu enorme punho baixou a

chave que colocava em

funcionamento a comunicação

audiovisual com as outras

naves.

— Alarma! Rhodan está de

volta! Vamos atacá-lo e

destruí-lo. Deixem a

determinação das coordenadas

do ponto de emersão por

minha conta.

Grogham estava a postos.

Em palavras de comando

ligeiras e entrecortadas

ordenou e dirigiu o ataque.

Mandou que cinco das naves

avançassem, enquanto ele

mesmo, com a nave de Topthor

e mais uma, permanecia na

posição atual. Isso salvaria sua

vida e a do chefe do clã.

As cinco naves espalharam-

se e formaram um anel bem

amplo, em cujo centro a

Stardust-III os aguardava, sem

esboçar qualquer defesa.

— Lançar torpedos! —

berrou Grogham no seu

aparelho de comunicação. Os

comandantes dos cinco

couraçados, que tantas vezes

haviam corrido em auxílio de outros clãs dos

mercadores, receberam a ordem e agiram de acordo

com a mesma.

Cinco pesados torpedos com cargas de fusão

nuclear saíram das escotilhas e correram em

velocidade cada vez maior na direção da Stardust-III.

Tensos, Topthor e Grogham acompanhavam o

espetáculo. Estavam curiosos para ver o que

aconteceria. Naturalmente contavam com a presença

dum poderoso campo de defesa dos terranos, mas

esperavam que o mesmo não resistisse à descarga

energética de cinco bombas atômicas superpesadas.

Naquele instante verificaram-se cinco explosões

em torno da Stardust-III, apagando por um instante a

luminosidade débil das estrelas distantes. Topthor

fechou os olhos e esperou que a luminosidade

diminuísse. Não conseguiu desvencilhar-se de certo

sentimento de orgulho. Talvez tivesse conseguido

aquilo que Etztak e Orlgans tentaram em vão —

destruir Rhodan. Mas a recompensa de seus esforços

não seria apenas esta. Ainda teria encontrado o mundo

da vida eterna — ou quase o teria encontrado.

Lentamente foi abrindo os olhos.

A gigantesca esfera continuava a flutuar, intacta,

em meio às cinco naves de guerra do clã dos

superpesados, comandado por Topthor. Teve a

impressão de que o metal arcônida emitia um brilho

traiçoeiro e desafiador. Fora de si de raiva, berrou:

— Dois torpedos! Cada nave disparará dois

torpedos simultaneamente.

Também este ataque foi dirigido por Grogham.

Perdera parte da autoconfiança, pois imaginava que

talvez desta vez tinham

encontrado um inimigo

à altura — e não apenas

um inimigo, mas

também um mestre.

O campo energético

da nave de Rhodan

também resistiu a essas

dez explosões e à

descarga energética

provocada pelas

mesmas. Era bem

verdade que os

geradores foram

solicitados até o limite

de sua capacidade. Se

os mercadores tivessem

a ideia de lançar três

torpedos ao mesmo

tempo, a Stardust-III

estaria perdida.

— Transmissor

número um — prepare-

se para entrar em ação.

— Preparado! —

soou a voz tranquila e

objetiva.

O posto de combate

aguardava.

Os homens

confiavam na nova arma — e, mais do que isso, em

Rhodan.

— Desistiram dos torpedos, constatou Rhodan.

Tentavam alcançar o objetivo com feixes de raios

concentrados. Era uma arma nada desprezível. Mas o

campo energético da Stardust-III resistiu sem

problemas.

Teve tempo para dedicar sua atenção a Bell, que

entrara correndo na sala de comando, com os cabelos

em pé.

— Dormiu bem? — perguntou Rhodan em tom

gentil.

Bell enfureceu-se sem o menor motivo.

— Dormi o quê! Enquanto você se divertia com

esses pepinos saltadores, eu...

— Eu me diverti com quê? — indagou Rhodan.

— Esses pepinos. Não pertencem aos saltadores ou

mercadores? Pois então! Tenho o direito de dar-lhes o

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nome que melhor me aprouver.

— Por que está tão irritado? Será que uma pulga...

— Pulga o quê! — disse Bell indignado, e

contemplou interessado o quadro que se esboçava na

tela, onde os raios térmicos disparados pelas cinco

naves inimigas eram repelidos pelo campo energético

e retornavam ao espaço. — Se voltar a me encontrar

com esse imortal, vou... bem, em parte a culpa é

minha.

Preocupado, Rhodan sacudiu a cabeça.

— Receio que o último salto temporal não lhe

tenha feito muito bem, mesmo que você não tenha

percebido nada. Ou será que bateu com a cabeça em

algum lugar?

— Não bati em lugar algum! — gritou Bell

furioso, batendo com o pé. A cabelaça ruiva tremia de

raiva. — Esse imortal...

— O que há de errado comigo? — perguntou uma

voz vinda do teto. Rhodan e Bell olharam para cima e

endureceram. Bem acima de suas cabeças flutuava

uma bola de dez centímetros de diâmetro, que luzia

em todas as cores e emitia uma luminosidade branca.

— Minhas intenções foram as melhores possíveis,

caro Bell. Afinal, a ingratidão é a paga do mundo,

segundo se costuma dizer entre os senhores. Rhodan,

não desperdice seu tempo com esse moço imaturo. O

inimigo está planejando um ataque concentrado com

bombas gravitacionais. A Stardust-III será

arremessada para a quinta dimensão...

A esfera apagou-se.

Enquanto Bell contemplava perplexo o lugar em

que estivera a esfera, Rhodan se transformou numa

máquina de combate que funcionava com extrema

precisão. Seus escrúpulos desvaneceram-se.

Bombas gravitacionais! Era a mais terrível das

armas até então produzidas. Ele mesmo só se atrevera

uma única vez a empregá-la. E agora pretendiam

destruí-lo com ela.

— Posto de combate. Transmissor número um.

Fogo!

As coordenadas eram corretas. Corretíssimas!

Uma das cinco naves inchou de um instante para

outro, como se uma bomba nuclear estivesse

detonando em seu interior — o que realmente estava

acontecendo. Um sol formou-se. Quando a nuvem

incandescente acabou de espalhar-se pelos quatro

cantos, não havia mais vestígio da nave.

O transmissor fictício não tivera a menor

dificuldade em transportar a bomba através do campo

energético do inimigo e detoná-la no alvo.

Não havia qualquer defesa contra essa arma.

Rhodan venceu os escrúpulos morais.

Sabia que era uma luta de vida e morte. Com esses

saltadores não se brincava. E não tinha a menor ideia

de que estava lidando com um clã todo especial.

— Transmissor número dois — fogo!

A segunda nave foi destruída com a mesma

rapidez da primeira.

— Que coisa horrível! — gemeu Bell. — Que

arma é esta?

Rhodan mordeu os lábios e, falando entre os

dentes, disse:

— Transmissor número um — fogo!

Depois:

— Transmissor número dois — fogo!

A última das cinco naves que participavam do

ataque resolveu recorrer a uma ação desesperada.

Acelerando ao máximo, procurou abalroar a Stardust-

III de frente. Rhodan conseguiu destruí-la instantes

antes da colisão.

O sopro incandescente da explosão roçou o campo

energético da Stardust-III. Topthor, que acompanhou

os acontecimentos com os olhos arregalados, começou

a desconfiar de que algo de inacreditável se passara.

Nos dez minutos passados no planeta da vida eterna

Rhodan devia ter conseguido a terrível arma. Embora

parecesse impossível, devia ser verdade. Não havia

outra explicação para a destruição das cinco naves

num espaço de menos de dois minutos. Com armas

convencionais Rhodan nunca conseguiria realizar uma

façanha dessas.

E percebeu mais uma coisa. Rhodan não pensava

em atacar quem quer que fosse e muito menos em

destruí-lo. Por isso as três naves que restavam não

corriam perigo.

— Grogham! Prepare a transição! Pouco importa

para onde! Vamos dar um salto de duzentos anos-luz.

Uma vez chegados lá, trataremos de orientar-nos.

Enquanto isso, eu transmitirei uma mensagem para

Etztak.

Rhodan cometeu um pequeno engano.

Não se interessou pelos inimigos que ainda

restavam. Acelerou a Stardust-III e precipitou-se

vertiginosamente espaço afora, deixando para trás

Topthor com as três naves.

— E aquelas ali? — perguntou Bell espantado. —

Não vai...

— Destruí-las? Por quê? Não representam

qualquer perigo para nós. Há esta hora nossa tarefa

mais urgente consiste em ajudar Tiff. Não se esqueça

de que está num planeta de gelo, que pode

transformar-se num inferno de chamas no momento

em que Etztak perder a paciência e descobrir o jogo

que estão fazendo com ele. Daqui a oito minutos

passaremos à transição. Materializaremos no sistema

de Beta-Albíreo.

Bell respondeu com um aceno da cabeça, para logo

sacudir esta violentamente.

Espere aí! Não podemos levá-la.

— Levar quem?

— Ora essa! A Rallas!

Por um instante Rhodan pensou que Bell tivesse

perdido o juízo. Com a testa levemente enrugada fitou

o amigo, que parecia desesperado.

— A Rallas? Não venha me dizer...

— Digo, sim. Está sentada no meu camarote e

sente-se muito ofendida porque não me interesso por

ela. Meu Deus, se a tripulação souber disso —

especialmente o tal do Redkens! Não terei mais um

minuto de sossego na minha vida.

Rhodan certificou-se de que o piloto automático

robotizado estava calculando o ponto de transição e a

intensidade do salto. Verificou que restavam mais de

sete minutos. Deu um sorriso irônico.

— Fique tranquilo, que não é a verdadeira Rallas.

— Qual é a diferença? Qualquer um pensará que é

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ela mesma — e, para dizer a verdade, realmente é. O

que devo fazer com ela?

— Ignore-a. Conheço as brincadeiras do imortal;

ele a fará desaparecer assim que perceber que não nos

interessamos por ela. Por enquanto deixe que fique no

seu camarote.

— No meu camarote? — O rosto de Bell parecia

tão apavorado que Rhodan não pôde reprimir uma

gostosa gargalhada. — Não posso habitar um

camarote juntamente com uma dama. Não é que tenha

alguma coisa contra o sexo feminino, mas na situação

em que nos encontramos...

Rhodan olhou para o relógio. Faltavam seis

minutos.

— No momento da transição ela desaparecerá.

Tenho plena certeza. O imortal apenas está se

permitindo uma brincadeira...

No corredor ouviram-se passos. Ninguém poderia

deixar de ouvir as vozes. Alguém estava rindo.

Bell empalideceu de repente. Por um instante

lançou um olhar de espanto para Rhodan. Depois, com

um gesto decidido, empurrou a porta para o lado.

A Rallas estava no corredor, distribuindo

autógrafos. Alguns dos telegrafistas, e também

Redkens, do setor de pilotagem, comprimiam-se em

torno da estrela de cinema, falando insistentemente à

mesma. Especialmente Redkens fez questão de saber

se a “divina Rallas” passara todo esse tempo no

camarote de Bell.

Para Bell a brincadeira já estava passando da

conta.

Fungando de raiva, saltou em meio aos

entusiásticos caçadores de autógrafos. Abrindo

caminho com os punhos, parou com as pernas

afastadas e os cabelos arrepiados diante da Rallas, que

lhe lançou um olhar enlevado. Seus olhos brilhavam

na maior inocência deste mundo.

— Que ideia é essa? — chiou Bell furioso. —

Como se atreve a prejudicar minha boa fama? Essa

gente só pode pensar que eu a contrabandeei para

dentro da nave, a fim de... de...

— A fim de quê? — indagou a estrela de cinema,

cheia de curiosidade.

Bell recorreu à grosseria para disfarçar o

embaraço.

— Sabe muito bem! — berrou, pisando no pé de

Redkens, que se aproximara de mais. — Só podem

pensar isso!

— E não foi isso mesmo? — disse Rallas num

sopro e enrubesceu. — Não venha me dizer que não

passamos horas felizes juntos.

A cor do rosto de Bell transformou-se numa

raridade anatômica. Rhodan não se recordava de

jamais ter visto um rosto tão vermelho. Nem os

outros. Recuaram instintivamente, como se receassem

que Bell pudesse estourar.

— Pas... passamos? — gaguejou Bell e não soube

mais o que dizer. Perdeu todo o autodomínio. Com o

rosto desfigurado de raiva entesou o corpo, suas mãos

precipitaram-se para frente e os dedos apertaram o

pescoço da beleza de Hollywood. — Eu a mato! Você

quer minar a moral da tripulação...

Calou-se, perplexo. Com os olhos muito

arregalados, estava fitando seu próprio rosto, que o

cumprimentava com um sorriso familiar. Exclamações

de espanto soaram de todos os lados. Alguém que se

encontrava num ponto mais afastado soltou um grito

de pavor.

Bell estava prestes a estrangular seu sósia. A

Rallas havia desaparecido; um segundo Bell

encontrava-se no lugar antes ocupado por ela. Dois

Bells fitavam-se. O verdadeiro estava rubro de raiva,

disposto a matar o outro. E o falso exibia o sorriso

indiferente que todos estavam acostumados a ver em

Bell.

Rhodan teve de esforçar-se para reprimir o riso.

Faltavam três minutos para a transição.

— Há esta hora você já deve ter compreendido que

o imortal apenas estava brincando com você — e os

outros também estão convencidos disso. Você está

reabilitado, Bell. Sua boa fama foi restaurada. Solte

seu sósia, que ele não tem culpa de nada.

Bell soltou o pescoço de sua vítima e recuou um

passo. Aos poucos a cor de seu rosto foi voltando ao

normal.

— Será possível? — perguntou, e em sua voz

soava um medo instintivo do desconhecido. — Aquele

ali... sou eu! Ou não sou?

— É uma imitação, tal qual a Rallas ou nosso

grande amigo Homunk. Poderia ser perfeitamente eu

que me defrontasse com você. Vamos deixar de lado

as brincadeiras do imortal, pois temos coisa mais

importante a fazer. Bell ajude-me a conferir os dados

para a transição. Os outros voltarão a seus postos.

Inclusive o senhor, Redkens! Fique com o autógrafo

da Rallas; pode arriscar qualquer aposta de que é

autêntico.

Os olhos do cadete foram desfilando entre a

fotografia com a assinatura e o rosto largo e risonho

do falso Bell. Ao que tudo indicava Redkens não

conseguia dedicar a esse rosto o mesmo amor e

veneração que lhe merecera o da Rallas. Sua decepção

era tão evidente que Bell, que já se encontrava na

entrada da sala de comando, lhe disse em tom furioso:

— Dê o fora, Redkens! Afinal, o senhor não vai

querer que eu fosse tão bonito como a Rallas.

Desesperado, Redkens foi seguindo os telegrafistas

que se afastavam apressadamente.

O falso Bell transformou-se numa luminosa esfera

branca, que desapareceu com uma risada de escárnio.

— Tomara que tenha desaparecido para sempre!

— exclamou Bell e fechou a porta. — Gostaria de

estar a algumas centenas de anos-luz daqui.

— Será que você já não suporta uma simples

brincadeira? — disse Rhodan admirado. — Pois você

desafiou o imortal.

Bell olhou para os instrumentos.

— Ainda faltam sessenta segundos. As

coordenadas estão certas. Tudo correto. — Atirou-se

na poltrona e reclinou-se na mesma. Quando

continuou a falar, fechou os olhos. — Dentro de dois

minutos estaremos a mais de 1.750 anos-luz daqui.

Calou-se — e Rhodan sentiu-se grato.

Foi agora, exatamente nesse segundo, que iniciou a

viagem em companhia do imortal. Sentiu que uma

vaga de não compreensão passava por cima dele e

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envolvia seu ser. Por um instante teve a impressão de

que caía num abismo sem fim. Caía sem o menor

apoio. Mantinha os olhos bem abertos, mas estes não

viam nada. Apenas descortinavam o negrume da

escuridão com uma mancha minúscula e disforme

bem à frente.

Era a Via Láctea!

Precipitava-se em direção à mesma, e isso numa

velocidade inconcebível.

Mas tudo isso só durou um segundo; depois a

visão desapareceu para ceder lugar à realidade. Viu

novamente diante de si as telas de controle da

Stardust-III, os instrumentos e as escalas, as inúmeras

chaves, ponteiros e botões.

Reclinado na poltrona, sentiu a vibração dos

propulsores. Era uma realidade inconfundível. O

segundo que se passara... bem, o que era mesmo

aquilo? Com uma sensação de pavor, Rhodan se deu

conta de que a vivera duas vezes — ou melhor, três

vezes.

A primeira vez no planeta Peregrino, a. criação

incompreensível dum ser ainda mais incompreensível.

Outra vez no infinito, onde esse segundo se

transformou em duas entidades distintas: uma

realidade de dez semanas e uma visão de trezentos mil

anos.

E por fim agora, num segundo perfeitamente

normal.

Qual seria o segundo genuíno, o segundo real? E o

que seria um segundo, se o mesmo já não tinha

qualquer validade?

— Faltam trinta segundos — disse o contador

robotizado com sua voz metálica.

— Vinte e nove...

Rhodan fechou os olhos.

Faltavam vinte e nove segundos — ou vinte e nove

eternidades, conforme se preferisse. Quanto tempo

não estaremos desperdiçando quando tentamos dividi-

lo?

Vinda do nada surgiu à voz que quase chegara a

esperar, uma voz silenciosa, mas bem perceptível:

— É uma pergunta muito inteligente, velho amigo.

Imagine uma Terra em que não existissem dias e

noites, estações do ano, sol e chuva. Será que o

homem se daria conta de que estava envelhecendo?

Não ficaria muito surpreso quando subitamente

sentisse a morte aproximar-se? Saberia que o tempo

existe?

— O tempo não é uma coisa perfeita mente real,

como o espaço?

— Ambas as coisas são perfeitamente irreais,

velho amigo. Você tem diante de si uma distância de

mais de 1.750 anos-luz, uma distância inconcebível,

que ainda há um decênio todos os habitantes da Terra

considerariam insuperáveis. Você vai vencer essa

distância num segundo. Seus relógios lhe mostrarão

que na verdade não se passou mais que um segundo.

Deixe o tempo de fora, e você reconhecerá que

realmente a vitória sobre o espaço não é possível —

por essa forma. Assim mesmo ele é vencido. Você

tem alguma explicação?

— Existe o hiperespaço, o paraespaço. Passamos

pela quinta dimensão...

— São palavras, apenas palavras. O homem as

pronuncia, sem jamais compreender seu sentido. Nem

mesmo seu cérebro treinado pode entendê-las. O

cérebro humano tem uma predileção pela formação de

conceitos abstratos. Tentarei transmitir-lhe uma

concepção da realidade, mas começo a compreender

que com isso apenas o deixaria mais confuso. Ainda

temos muito tempo até que você me abandone.

— Não é tanto assim — pensou Rhodan e olhou

para o relógio, que continuava a indicar vinte e nove

segundos. Perto dele Bell estava estendido, imóvel.

Tinha o rosto rígido, como o dum morto.

— Todo o tempo do mundo está concentrado nesse

estado — pensou o imortal em resposta. — Olhe para

o relógio: está parado. Ainda ouve o contador

robotizado? Não, não o ouve, porque também para ele

o tempo parou. E seu amigo Bell; sob seu ponto de

vista, está morto.

— Morto?

— Isso mesmo: morto. Por mais que você o olhe,

para ele só se passa a fração dum milésimo de

segundo. Seu sangue está parado nas veias. A

Stardust-III continua parada no mesmo lugar. O tempo

não passa mais — para você.

Rhodan sentiu um assomo de pavor. Um sopro

frio, que parecia vir dum túmulo, parecia atravessar a

sala de comando e fê-lo estremecer. Lançou um olhar

para o relógio. O ponteiro dos segundos estava parado.

Rhodan lutou com todas as forças contra a

sensação de pânico, mas não conseguiu evitar que a

mesma o dominasse, ao menos em parte. Sua mão

tocou o corpo de Bell.

Este parecia de pedra. Não se moveu um

milímetro.

— Bell, você me ouve?

— Não adianta! — disse a voz do imortal vinda do

nada. — Do seu ponto de vista, Bell congelou no

tempo. Vê você sentado ao seu lado, e não enxerga

seus movimentos instantâneos, da mesma forma que

não pode ouvir suas palavras. Lembre-se de que para

ele não se passa nem um segundo, enquanto nós

estamos ocupados em solucionar o problema do

tempo, passando talvez várias horas no plano da

atemporalidade.

— E eu? O que houve comigo? O que acontecerá

se eu me levantar e andar pela nave?

— Ninguém o impedirá, velho amigo. Você sairá

do seu lugar, mas na verdade apenas o abandonará por

um milésimo de segundo. Seus movimentos são tão

rápidos que o olho humano não consegue captá-los.

Rhodan continuou sentado.

— Não compreendo — minha inteligência recusa-

se a admitir essa realidade. Não posso existir

simultaneamente em dois planos diferentes.

— É claro que você pode. Quando você se

encontra diante dum aparelho de telefilmagem, você

também existe duas vezes ao mesmo tempo, e em dois

tempos diferentes — desde que você apareça no filme

que está sendo exibido.

— Isso não é a mesma coisa — objetou Rhodan.

— Será que não é? Será que não é a mesma coisa,

se considerarmos que a cada segundo que se passa

somos uma pessoa diferente? As células de nosso

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corpo renovam-se constantemente, tal qual o sangue.

Logo, o homem deste segundo não pode ser o mesmo

do segundo que se segue. São homens diferentes. Mas,

reúna-os no mesmo segundo, o que é perfeitamente

possível para quem adquiriu o domínio do tempo, e

você terá frente a frente não os mesmos homens, mas

dois homens iguais.

— Quer dizer que Bell estava estrangulando a si

mesmo, não sua imagem?

O imortal deu uma risada.

— Por pouco não mata o Bell que existirá daqui a

dez minutos. Foi dali que eu o trouxe.

Rhodan perguntou:

— E se ele o matasse, o que aconteceria?

O imortal ignorou a pergunta. Não estava disposto

a responder a todas as indagações.

— Falamos sobre a influência que se pode exercer

no futuro. Você viu a prova. No seu próprio interesse

dar-lhe-ei mais uma prova. Mas não acredito que eu

possa anular qualquer coisa que está acontecendo

neste segundo. Apenas quero que esteja prevenido.

Acompanhe-me para o interior da nave de Topthor.

— Quem é Topthor?

— O chefe do clã dos mercadores que localizou

você. É um dos chamados superpesados. Não se

assuste ao vê-lo. As três naves comandadas por ele

estão próximas à transição. Neste instante está dando

ordem ao seu telegrafista, para transmitir determinada

mensagem. O destinatário é certo Etztak.

— Etztak — o patriarca dos saltadores. O que vem

a ser isso?

— Você sabe perfeitamente que Etztak perdeu a

paciência. Quer transformar num inferno atômico o

planeta em que se encontram seus inimigos. Se

receber a mensagem, não hesitará mais em realizar seu

intento.

Você sabe perfeitamente que estava esperando

apenas porque pretendia obter informações preciosas

de sua gente. Mas, quando receber a mensagem de

hipercomunicação de Topthor, ficará ciente de que

você o estava enganando. Saberá que as pessoas que

se encontram no planeta de gelo só estão ali para

distraí-lo, a fim de que você pudesse ir tranquilamente

ao planeta da vida eterna, em busca da nova arma.

Topthor o informará de que você conseguiu a nova

arma, e provavelmente os atacará com a mesma.

Logo, Etztak estará prevenido. Os mercadores são

muito unidos quando se trata de defender os interesses

comuns. Não costumam sujar o prato de que comem.

Etztak solicitará o auxílio da frota de guerra dos

mercadores galácticos.

— Não quero a guerra — gemeu Rhodan

assustado. — Mesmo que disponha de armas

superiores, não a quero.

— Já não é possível evitá-la totalmente —

respondeu a voz do imortal. — E não posso

intrometer-me nos conflitos existentes na Galáxia,

pois isso representaria uma violação das leis naturais.

Mas posso fornecer certas indicações. E se eu o

prevenir apenas lhe darei uma indicação. — Deu uma

risadinha irônica. — Venha comigo, Rhodan. Quero

que conheça Topthor, o inimigo com que vai

defrontar-se. É bom que saiba que ele não poderá vê-

lo, da mesma forma que você não poderá tocar seu

corpo. Você continuará sentado na Stardust-III, mas

seu espírito abandonará o corpo, por uma pequenina

fração de segundo.

Antes que Rhodan pudesse responder, aconteceu

uma coisa muito estranha. Começou a afastar-se de si

mesmo. Flutuou abaixo do teto e teve a impressão de

olhar para si mesmo. Ao mesmo tempo, segundo

imaginava, seu corpo retornava ao plano temporal

comum; só seu espírito permanecia no plano em que o

tempo parara. O Rhodan para o qual estava olhando

“congelou-se”. Seu olhar rígido continuava fixado nos

instrumentos.

Subitamente Rhodan, ou seu espírito, atravessou as

paredes da Stardust-III. Flutuou livremente no espaço.

Tentou em vão ver-se a si mesmo. Estava reduzido ao

nada. Estava invisível.

A Stardust-III transformou-se numa esfera parada

no espaço, que não se movia um centímetro sequer.

Os homens e as máquinas que se encontravam no seu

interior transformaram-se num retrato realista, que

reproduzia apenas um milésimo de segundo de vida.

A Stardust-III foi diminuindo rapidamente, até que

Rhodan não a viu mais.

— Talvez a esta hora você já compreenda por que

minha raça renunciou ao corpo, quando se viu diante

da possibilidade de espiritualizar-se. O corpo é um

simples instrumento. É vulnerável e por isso mesmo é

mortal.

— Bem que eu sentiria falta do meu corpo —

respondeu Rhodan em pensamento.

— Acontece que você é apenas um humano, velho

amigo. Acontece que eu sou minha raça. É uma

diferença enorme. Dentro de mim também vivem

aqueles que se opunham à espiritualização. Talvez

seja por isso que tenho uma tendência de fazer minha

aparição sob esta ou aquela forma. Chegamos. Esta é a

nave de Topthor.

O “pepino” também estava parado no espaço.

Mantinha-se no mesmo plano existencial da Stardust-

III. Rhodan não podia conceber que nesse meio tempo

não havia acontecido absolutamente nada. Mas já

compreendia uma coisa: enquanto se mantivesse por

ali, naquele estado, não estaria perdendo tempo.

Quando viu Topthor, o gigante quadrado levou um

susto, muito embora o imortal o tivesse prevenido. A

altura do monstro era igual à largura. Topthor

segurava um papel nas mãos superdimensionadas.

Naquele instante estava passando o papel a outro

superpesado, que não ficava atrás dele em peso e

tamanho.

— A notícia é esta, amigo velho. Leia.

Rhodan aproximou-se dos dois superpesados.

Poderia tocá-los, se tivesse mãos. Uma pergunta

passou por seu cérebro: como podia ler se não tinha

olhos?

De qualquer maneira, via perfeitamente o bilhete e

as palavras escritas no mesmo. O texto estava redigido

em intercosmo, à língua usual no Império arcônida.

O bilhete dizia o seguinte:

Para Etztak, patriarca do clã

de Etztak. Perry Rhodan, o

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terrano, conseguiu uma nova

arma. Conseguiu destruir cinco

das minhas naves. Não há

qualquer defesa. Etztak, eu o

previno. Garanta o nosso auxílio.

Rhodan vai atacá-lo e destruí-lo.

Só um golpe de surpresa poderá

eliminá-lo. Chamarei duma nova

posição e aguardo sua oferta.

Topthor Clã dos superpesados.

Rhodan leu a mensagem duas vezes e teve certeza

de que não esqueceria o texto. Tudo dependeria da

rapidez das reações de Etztak. Provavelmente não

seriam suficientemente rápidas. A Stardust-III

alcançaria o sistema de Beta-Albíreo num único salto.

Era bem verdade que o mesmo acontecia com as

naves de Topthor. Mas vários dias poderiam passar-se

antes que os superpesados interviessem nos combates.

Etztak era um homem obstinado, que regatearia o

preço do auxílio.

Era esta a única chance de Rhodan.

Recuou alguns passos e lançou um olhar detido

para Topthor. O rosto parecia dum homem ou dum

arcônida. Ou então — Rhodan estremeceu com a ideia

— seria dum barcônida. Sem dúvida havia algumas

alterações. Provavelmente a raça dos superpesados

vivera por muito tempo num planeta de gravitação

extremamente elevada e por isso sofrera uma

deformação. Mas os traços da ascendência eram

inconfundíveis.

A comunidade galáctica. Um sorriso amargo

surgiu no rosto de Rhodan. Ainda bem que os

barcônidas não sabiam o que era feito de seu Império.

E muito tempo se passaria até que sua longa viagem

os levasse às extremidades da Via Láctea. Muita coisa

poderia mudar até lá...

— Vamos voltar — insistiu a voz do imortal. —

Você já viu a mensagem que seu inimigo irá receber.

Tome suas providências. Quando voltar ao plano

existencial da Stardust-III, não terá muito tempo. Mas

você conseguirá.

Pelas concepções de Rhodan o voo incorpóreo

pelo espaço durou poucos segundos. Logo o vulto

familiar da Stardust-III voltou a surgir diante de seus

olhos. Sem o menor esforço passou pelo campo

energético e pelas paredes da nave, para reencontrar-

se na sala de comando, ao lado de Bell, imóvel e

inalterado.

— Obrigado, amigo velho. Quando voltaremos a

encontrar-nos?

Uma risada silenciosa atravessou seu cérebro.

— A linguagem dum ser atemporal não conhece a

palavrinha quando. Mas asseguro-lhe que voltaremos

a encontrar-nos. Até lá, passe bem e cuide da herança

que lhe foi confiada.

Rhodan sentiu que alguma coisa se afastava dele.

No mesmo instante retornou ao seu corpo.

Abriu os olhos. O contador robotizado estava

dizendo:

— ...vinte e oito...

Mantivera os olhos fechados por um segundo.

Quanta coisa não acontecera nesse segundo? Muita

coisa! Sabia que nesse preciso momento certo Topthor

enviaria pelo hiperespaço uma mensagem dirigida a

Etztak. Conhecia o teor da mensagem. E começou a

imaginar como se formavam certos acontecimentos

que os homens ingenuamente designavam pelo nome

de destino.

— ...vinte...

Oito segundos se tinham passado. Oito

eternidades!

— ...dezoito...

Nunca Rhodan pensara tanto antes duma transição

como desta vez. Nunca o tempo lhe parecera tão

longo. E nunca Bell se mantivera tão calado.

— Anime-se! — disse Rhodan ao amigo. —

Dentro de poucos segundos materializaremos, talvez

em meio às naves de Etztak. Cairão sobre nós que

nem uma matilha de lobos, para escapar à destruição

pela nova arma. Devemos estar preparados para...

— A nova arma? — resmungou Bell irritado. —

Você devia voltar a pensar logicamente. Como é que

Etztak vai saber que possuímos uma nova arma?

Rhodan esboçou um sorriso condescendente.

— Você tem razão. Como poderia saber? Quase

chego a acreditar que estou ficando velho. Até mesmo

um homem relativamente imortal pode envelhecer.

Vejo isso em você.

— Nove! — disse o robô em tom decidido.

— Em mim? Por quê? — perguntou Bell

apressadamente.

— Não se esqueça da Rallas. Se você fosse mais

jovem, não se teria irritado com sua presença, mesmo

que fosse uma imitação.

— ...quatro...

— Não me irritei por causa da mulher, mas por

causa do pessoal de bordo. A disciplina exige...

— Tolice! — disse Rhodan.

Bell ficou calado.

— ...um... — disse o robô de contagem.

E depois:

— Transição!

A Stardust-III saiu do Universo para penetrar na

quinta dimensão. Naquele instante o tempo parou para

a nave e para aqueles que se encontravam em seu

interior. E parou também no resto do Universo, pois

mesmo na Terra distante não se passou mais que um

segundo enquanto a Stardust-III executava um salto

que a transportaria por uma distância que a luz só

conseguia vencer em 1.750 anos. Era bem verdade que

isso produzia um envelhecimento que também não

ultrapassava um segundo.

Mas no subconsciente de Rhodan havia uma

pergunta — uma pergunta que alguém formulara

durante o salto.

Que pergunta seria esta?

Ah, era a seguinte: Você já compreendeu?

Devia ter sido a voz do imortal.

Você já compreendeu?

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Rhodan sacudiu a cabeça e disse em voz alta:

— Não, não compreendi amigo velho. Afinal, só

sou um humano, e como poderia um humano

compreender a estrutura da eternidade? Mas agradeço-

lhe por me ter proporcionado uma excursão durante a

qual consegui imaginar como se criam e conservam os

universos.

A escuridão da sala e o sol chamejante não deram

qualquer resposta. Apenas Bell murmurou de forma

quase imperceptível:

— Isso também deve acontecer com você. Quando

despertamos nossa fantasia começa a trabalhar.

É a única vantagem da transição. Devíamos fazer

alguma coisa contra isso. Já chegamos?

Rhodan contemplou as estrelas cintilantes.

— Já — respondeu com o espírito ausente. —

Realmente, devíamos fazer alguma coisa contra

isso. Sim, chegamos.

De repente teve a impressão de que alguém ria nas

profundezas de sua alma. Não foi uma risada

zombeteira ou irônica, mas uma risada gentil e alegre.

A risada de alguém que esteve só por muito tempo,

e de uma hora para outra percebe que não está mais.

Ao contar seu Voo Para o Infinito, Perry Rhodan oferece uma visão emocionante do

passado e do futuro mais longínquo — e obteve dois transmissores fictícios.

Esses transmissores fictícios são armas muito perigosas. Já foram utilizadas e voltarão a

sê-lo, porque Etztak, patriarca dos saltadores, condenou um mundo à morte.

Mundo de Gelo em Chamas, o novo e fascinante volume da série Perry Rhodan, lhe dirá

tudo a este respeito.

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71

Nº 33

De

Clark Darlton

Tradução

Richard Paul Neto Digitalização

Denise Bartolo Revisão e novo formato

W.Q. Moraes

Os saltadores não conhecem piedade: condenaram um mundo inteiro à morte.

Conflitos na Terra, invasões vindas do cosmos, batalhas espaciais, lutas

travadas em planetas distantes, tudo isso a Terceira Potência — criada por Perry

Rhodan e ajudada pela antiqüíssima técnica arcônida — conseguiu enfrentar

galhardamente em sua curta existência.

Mas os saltadores — uma raça de descendentes dos arcônidas que há oito

milênios detém o monopólio comercial na Galáxia, porque reprime

implacavelmente qualquer concorrência que se esboce — representam uma

ameaça muito séria.

Perry Rhodan tinha feito tudo que estava ao seu alcance para impedir que os

saltadores transformassem a Terra numa colônia. Seus cruzadores espaciais

realizaram ataques simulados contra a frota reunida dos saltadores, enquanto ele

mesmo saiu na Stardust-III em busca do planeta do Imortal, onde espera encontrar

uma nova arma que possa ser empregada na luta contra os saltadores.

Já teve que recorrer a essa nova arma, e mais uma vez terá que recorrer a ela,

pois Etztak faz do planeta Homem de Neve um Mundo de Gelo em Chamas.

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1

Embora aquela criatura se parecesse com um

homem, não nasceu na Terra. Mais do que isso, nunca

havia visto a mesma e nem sabia exatamente em que

lugar descrevia sua órbita em torno do seu pequeno

sol.

Sua pátria era o espaço, seu lar a gigantesca nave

que, com seus setecentos metros de comprimento, era

a mais fortemente armada dentre as de seu clã. Era

velho, muito velho. A enorme juba de cabelos cor de

gelo emoldurava um rosto moreno, no qual se via um

par de olhos duros e implacáveis, que já havia visto

milhares de sóis. Os lábios estreitados davam mostras

de um caráter acostumado a mandar, e que não

admitia o diálogo.

Etztak, o patriarca do clã,

estava prestes a incorporar mais

um sistema solar ao grande

império mercantil dos

saltadores.

Aquela raça era chamada de

saltadores porque, tendo o

Universo por lar, saltava de um

sistema solar para outro, a fim

de consolidar e ampliar seu

monopólio comercial. Eram

descendentes dos arcônidas,

uma raça humanóide que já

erigira um enorme império, e

vivia na ilusão de que ainda hoje

dominava o mesmo. Há muito

os saltadores haviam conseguido

a independência, e não davam a

menor satisfação aos arcônidas.

Negociavam e lucravam e,

quando isso se tornasse

necessário, também lutavam.

Era o que estava

acontecendo naquele momento.

Etztak estreitou os lábios

ainda mais ao ver na tela o rosto

de seu companheiro de clã,

Orlgans, que se encontrava a

poucos minutos-luz na sua nave Orla XI.

— O que houve? Mais um ataque desses malditos

terranos?

Orlgans era parecido com Etztak. Apenas, seus

cabelos não eram cor de gelo; eram mais escuros, de

cor marrom ou de um ruivo sujo, conforme a

incidência da luz. Foi quem primeiro tentou incorporar

a Terra ao império colonial dos saltadores.

— Outro ataque? — soou a voz furiosa vinda do

alto-falante. — Não sei se é outro ataque ou se ainda é

o mesmo. De qualquer maneira, não houve uma pausa

maior. Não compreendo. Por que será que esses

terranos não sabem agir com coerência? Atacam,

disparam alguns tiros e batem em retirada antes que se

consiga destruí-los.

— Acha que isso é uma incoerência? — berrou

Etztak com uma sonora gargalhada. — Para mim isso

é uma ação inteligente e cautelosa. Sabem

perfeitamente que somos superiores a eles.

— Talvez — obtemperou Orlgans com um rosto

zangado. — Talvez não.

— No momento está havendo uma pausa. Temos

um número suficiente de naves para destruir as duas

unidades dos terranos, desde que planejemos nossa

ação. Eles apenas querem deter-nos, ou distrair-nos de

alguma coisa.

— De quê?

— Se eu soubesse me sentiria mais à vontade —

respondeu Etztak, contrariado.

— Por que defendem um sistema solar que,

segundo todos sabem, é desabitado e fica a trezentos e

vinte anos-luz de sua pátria? Devem ter algum motivo

para isso. Esse Rhodan nunca faz nada sem ter um

motivo.

Orlgans não respondeu logo.

Lançou um olhar pensativo para

o gigantesco sol alaranjado, que

flutuava no espaço, bem ao

longe. Um acompanhante azul

gravitava em torno dele. Quatro

planetas descreviam órbitas

excêntricas em torno dos dois

sóis.

O sistema do sol geminado

de Beta-Albíreo, situado a 320

anos-luz da Terra, não tinha a

menor importância nem oferecia

qualquer interesse, a não ser...

— Você se esquece de que

ele tem um motivo — disse

Orlgans depois de algum tempo.

— No segundo planeta do

sistema estão alguns humanos

que sabem muito mais do que

confessaram. Rhodan quer

impedir que eles caiam nas

nossas mãos.

— Se é assim, por que não

os mata?

— Talvez... — Orlgans

achou que a suposição era tão

fantástica que nem se atrevia a enunciá-la.

— Talvez o quê? — insistiu o patriarca.

— Talvez sejam amigos que ele não quer matar.

Mais uma vez Etztak soltou uma estrondosa

gargalhada.

— Amigos! Quem se preocuparia com uma coisa

dessas, quando algo muito mais importante está em

jogo? Se ele os matasse, teria certeza de que não

revelariam seus segredos.

Orlgans não respondeu. Já tivera suas experiências

com seres humanos, e sabia que muitas vezes estes

encaram as coisas de forma muito diversa que os

implacáveis saltadores.

Etztak lançou um ligeiro olhar para as telas de

observação. Verificou que sua frota circulava em

torno do segundo planeta de Beta-Albíreo, mantendo

uma impecável formação de combate. Uma ruga

vertical surgiu em sua testa. Refletiu, e o resultado de

Personagens Principais deste episódio:

Perry Rhodan — Soberano da Terceira

Potência e comandante da Stardust-III.

Reginald Bell — Amigo íntimo e

representante de Perry Rhodan.

Julian Tifflor, Humpry Hifield, Klaus

Eberhardt, Mildred Orson, Felicitas

Kergonen e RB-013 — Náufragos do

mundo de gelo.

Topthor — Que já vê na Terra uma colônia

dos saltadores.

Etztak — Patriarca e chefe guerreiro do clã

de Orlgans.

Orlgans — Que encontra seu túmulo no

mundo que ele mesmo condenou à morte.

Gucky — O executor de uma sentença.

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suas reflexões não parecia deprimi-lo demais.

— Só há cinco terranos naquele mundo de gelo,

três homens e duas moças. Pelo que constatamos,

trazem um robô com eles. Trata-se de um robô

arcônida de combate. Não compreendo por que todas

as tentativas de destruir esses cinco humanos

falharam.

— Porque ainda tínhamos uma esperança de

capturá-los vivos. Sabem coisas que poderão ser muito

úteis para nós. Só por isso.

Orlgans sacudiu a cabeça.

— Você sabe tão bem quanto eu que não

adiantaria nada matar esses terranos, especialmente o

tal do Tifflor. É bem possível que este até conheça a

posição do planeta da vida eterna, sobre o qual falam

as lendas...

— Não estou interessado em lendas, apenas em

fatos — interrompeu o patriarca.

— O planeta da vida eterna não passa duma lenda.

Se existisse, nós já o teríamos encontrado. Mas por

outro lado gostaria de saber por que Rhodan ainda não

encontrou nenhuma possibilidade de salvar as cinco

pessoas que se encontram no mundo de gelo.

Orlgans também estreitou os olhos. Uma expressão

estranha surgiu em seu rosto. Parecia um cachorro que

encontra uma pista farejada há bastante tempo.

— Talvez Rhodan queira distrair nossa atenção

dele mesmo. Por que suas naves só nos atacam de vez

em quando, e nunca se envolvem numa luta decente?

Por que apareceu o tal do Tifflor, que parece saber

tanto e na verdade não sabe nada? Por que somos

obrigados a concentrar todos os recursos na tarefa de

capturar Tifflor e seu grupo? É bem possível que tudo

isso não passe dum truque infame desse terrano

chamado Rhodan.

Etztak ouvira-o em silêncio. A ruga de sua testa

aprofundou-se. Um brilho pensativo surgiu em seus

olhos implacáveis. Acenou lentamente com a cabeça e

ergueu as duas mãos, o que representava um sinal de

concordância.

— Talvez suas suposições sejam corretas. Mas se é

que Rhodan quer nos deter e distrair, por que está

interessado nisso? Qual é a finalidade que tem em

vista?

Orlgans não soube responder.

— Não sei. Acho que devemos fazer mais uma

tentativa decisiva de capturar ou matar os cinco

terranos que se encontram no mundo de gelo. Quer

que incumba algumas naves dessa tarefa?

— Três naves serão suficientes — disse Etztak. —

Faça com que a superfície do mundo de gelo se

transforme num inferno de fogo. Se os terranos não

forem queimados, deverão morrer nas rochas

derretidas.

— Não seria melhor capturá-los vivos?

— Talvez não — disse o patriarca. — O que

importa é provarmos a Rhodan...

Não pôde completar a frase, pois o alarma encheu

a nave.

As duas unidades de Rhodan voltaram a atacar.

* * *

O major Nyssen, comandante do cruzador pesado

Solar System, mantinha constato radiofônico

permanente com o capitão MacClears, comandante da

nave-gêmea Terra.

Os dois veículos espaciais esféricos tinham

duzentos metros de diâmetro e estavam equipados

com as armas mais avançadas da técnica arcônida.

Gigantescos reatores criavam campos energéticos

protetores, que não podiam ser rompidos nem mesmo

pelos raios disparados pelas naves dos saltadores.

— Vamos lançar mais um ataque, MacClears —

gritou Nyssen para seu colega. — Se Rhodan não

aparecer logo, acabarei enlouquecendo. Um dia

aqueles sujeitos acabarão nos pegando. E nem me

atrevo a conjeturar sobre quanto tempo Tiff ainda

agüentará viver no mundo de gelo.

— Não gostaria de estar no seu lugar — confessou

o capitão.

— Eu cuidarei do pepino-gigante do patriarca

Etztak. O senhor atacará a nave que está logo ao lado.

E não se esqueça: disparamos uma salva e damos o

fora. Não devem ter tempo de nos eliminar com uma

descarga concentrada de seus radiadores, e muito

menos devem ter oportunidade de demonstrar um

interesse excessivo por Tiff.

— Entendido — respondeu MacClears com um

sorriso. — Faremos isso mesmo.

Os dois cruzadores aceleraram, saíram da sombra

projetada pelo planeta e poucos segundos depois se

viram diante das naves dos saltadores, pegadas de

surpresa. Uma salva dos mortais radiadores de energia

bateu contra o campo energético do inimigo, sendo

desviada sem produzir qualquer dano. De qualquer

maneira o súbito ataque preencheu a finalidade de

retardar mais uma vez a execução dos planos dos

saltadores. E Rhodan ganhou mais um pouco de

tempo, embora não o soubesse.

Naquele instante Rhodan se encontrava a mais de

1.750 anos-luz, e dispunha-se a iniciar a transição.

Com a mesma rapidez com que se lançaram ao

ataque, os cruzadores pesados Terra e Solar System

bateram em retirada. Em hipótese alguma podia-se

arriscar as duas naves, pois no momento eram a única

coisa que a Terra poderia opor aos agressores vindos

das profundezas do Universo. Era bem verdade que a

Terra se encontrava a uma distância de 320 anos-luz,

mas isso não representava nada, já que distâncias bem

maiores que esta podiam ser vencidas numa questão

de segundos através do processo da transição.

Naquele momento o planeta Terra estava prestes a

alcançar a unificação geral. A formação dum governo

mundial seria uma questão de dias. O coronel Freyt,

representante da Terceira Potência, faria tudo para

quanto antes transformar em realidade o governo

mundial.

O surgimento dos mercadores galácticos, também

chamados de saltadores, não podia ser comparado com

as invasões antes ocorridas. Fora possível repelir os

Deformadores Individuais, porque a Terra lhes era

superior no terreno da tecnologia. E os tópsidas, seres

em forma de lagarto que surgiram no sistema de Vega,

também não representaram um perigo muito grande.

Mas com os saltadores as coisas eram diferentes.

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Aquela raça poderosa, que por uma circunstância

trágica teve sua atenção despertada para a Terra com

seu poderio crescente, era superior em todos os

sentidos. Era estreitamente aparentada com os antigos

senhores do Universo, os arcônidas. Tinham suas

armas e conheciam seus métodos — e suas fraquezas.

Viam na Terra, e especialmente em Rhodan, um

perigo para seu monopólio comercial. Teriam que

forçá-lo a submeter-se à sua vontade, ou destruí-lo.

Mas isso não parecia ser muito fácil.

Defrontavam-se com um inimigo praticamente

igual em forças.

* * *

Uma coisa que nem os terranos nem o clã dos

saltadores chefiado por Etztak sabiam era que o

conflito contava com mais um participante. Alertado

pelos sucessivos abalos provocados pelas transições,

Topthor resolvera intervir.

Topthor, que também era um saltador, pertencia ao

chamado clã dos superpesados. Em tempos remotos

seus antepassados viveram num planeta de gravitação

muito intensa. No curso dos milênios esses

descendentes dos arcônidas perderam a figura

humanóide, pois cresceram em largura e diminuíram

em altura. Atualmente os superpesados não mediam

mais de 160 centímetros, e sua largura era a mesma.

Pesavam mais de quinhentos quilos.

Topthor dispunha de oito naves, que circulavam

em torno do sistema solar, além da órbita de Plutão.

Com outro grupo de oito naves seguira Rhodan

quando este se dirigia ao planeta da vida eterna.

Quando Rhodan regressou de sua visita ao mundo

artificial e invisível, Topthor lançou-se ao ataque

contra ele, mas foi surpreendido por uma nova arma e

teve destruídas cinco de suas naves. Topthor fugiu em

pânico mas, antes de mergulhar numa transição cega,

teve tempo de enviar uma mensagem pelo rádio ao seu

companheiro de raça. Rhodan não pôde impedir que

isso acontecesse, embora conhecesse o teor da

mensagem dirigida a Etztak.

A 1.500 anos-luz do sistema de Beta-Albíreo, as

três naves de Topthor emergiram do hiperespaço.

Levaram horas para calcular a posição e determinar as

coordenadas do próximo salto.

O dirigente do clã dos superpesados, chamado

Topthor, pretendia voltar ao sistema no qual a Terra

gravitava em torno de seu sol como terceiro planeta.

Ainda dispunha dum total de onze naves. Com elas

poderia destruir a Terra, se assim o desejasse.

Mas com isso destruiria uma colônia bastante

rendosa. E Topthor era antes de tudo um negociante,

muito embora seu clã cuidasse mais da proteção de

comboios que do comércio. Os outros mercadores

recorriam à sua frota de guerra quando as coisas

esquentavam em algum lugar — e pagavam pelo

auxílio.

Mas agora surgira a oportunidade de fundar sua

própria colônia. Além disso, Rhodan lhe devia cinco

naves.

Por isso Topthor ordenou o salto de volta para o

sistema solar.

Além de serem muito reduzidas as forças da

Terceira Potência, naquele momento a Terra estava

praticamente indefesa.

* * *

A cada 123 anos havia no segundo planeta do

sistema de Beta-Albíreo uma era glacial, que durava

perto de oitenta anos. Esse fato era devido à órbita

excêntrica, que por sua vez tinha sua origem nos dois

sóis. O astro central, um gigante alaranjado, ficava a

um bilhão de quilômetros do segundo planeta,

enquanto o sol azul distava mais trezentos milhões de

quilômetros. Na posição em que se encontravam, a luz

e o calor fornecido pelos mesmos eram tão reduzidos

que no mundo de gelo — era este o nome dado ao

segundo planeta — reinava um crepúsculo constante,

e a temperatura média era de cento e dez graus

centígrados abaixo de zero.

O inferno de gelo era um inferno, mas um inferno

muito frio.

Apesar disso nele viviam seres humanos. Ao

fugirem dos saltadores, realizaram um pouso de

emergência nesse mundo e tiveram sua nave

destroçada. Dali em diante estavam condenados a

esperar, inativos, naquele mundo morto e desolado.

Mas sabiam que Rhodan não os havia esquecido, e

que um dia viria buscá-los.

Julian Tifflor, chefe do grupo de náufragos, tinha

vinte e um anos e era considerado o melhor

matemático da Academia Espacial, da qual saíra com

distinção depois de seis semestres de treinamento

hipnótico. Dali em diante passou a servir na frota

espacial da Terceira Potência. Desta vez a missão lhe

fora confiada pessoalmente por Rhodan. Ele mesmo

não sabia muito bem qual seria a finalidade da missão.

O segundo membro do grupo que se encontrava no

mundo de gelo era Humpry Hifield. Tinha vinte anos e

cabelos cor de palha cortados à escovinha.

Considerava-se uma beleza irresistível. Por isso não

compreendia como Tiff lhe arrebatara Mildred Orson,

uma moça de dezenove anos. Vivia atormentado pelo

receio de não ser notado e, apesar de sua superioridade

física, os complexos de inferioridade martirizavam-no

constantemente. Era este, somente este o motivo da

inimizade secreta que nutria para com Tiff.

O cadete Klaus Eberhardt era o terceiro

participante da expedição, que esperava naquele

mundo desolado que o salvassem. Tinha cabelo

castanho-escuro e era meio baixo e gordo. Sempre

precisava de muito tempo para resolver qualquer

problema. As reações rápidas não constituíam seu

forte.

Mildred Orson, bacterióloga cósmica, tinha razão

de sobra para orgulhar-se de seu cabelo negro, seus

olhos escuros e seu rosto fino e estreito. Ainda não

conseguira decidir-se por nenhum de seus fãs, Tiff e

Hump, mas tudo indicava que a situação estava

mudando. Dera a entender a Hump que preferia Tiff.

Ainda havia Felicitas Kergonen, uma botânica

galáctica de cabelos louros e figura delicada. Dedicava

um amor secreto ao grosseiro Humpry que, segundo

tudo indicava, nem desconfiava dessa inclinação. Felic

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já completara dezoito anos, sendo o membro mais

jovem da expedição frustrada.

Com exceção de Gucky.

Gucky, é bom que se ressalte, não era um ser

humano, e ninguém sabia sua idade. O rato-castor de

um metro de comprimento vinha dum planeta distante,

onde soubera introduzir-se sorrateiramente na nave de

Rhodan. Dali em diante nunca mais saíra de junto

dele, a não ser que alguma missão importante o

obrigasse a tanto. A figura de Gucky lembrava a dum

camundongo grandemente ampliado com a cauda

achatada dum castor. O que chamava mais a atenção

era o solitário dente-roedor, que aparecia

principalmente quando Gucky sorria.

No momento não havia nenhum motivo para isso.

Gucky distinguia-se principalmente por suas

capacidades quase inacreditáveis, que dele faziam o

mais espantoso dos paradotados. O rato-castor, tão

engraçado e aparentemente tão inofensivo, era um

excelente telepata, e por isso mesmo estava em

condições de aprender com a maior rapidez as línguas

usuais. Além disso, dominava a teleportação, ou seja,

podia transportar-se em qualquer tempo para o lugar

que desejasse. Finalmente Gucky era um telecineta. A

força de seu espírito permitia-lhe mover objetos,

inclusive seres humanos, sem tocá-los.

Essas faculdades só se revelaram integralmente no

curso dos últimos meses, pois no início de sua

amizade com Rhodan, e especialmente com Bell, só

conhecia a telecinésia. Mas o contacto permanente

com os membros do exército de mutantes permitira a

Gucky o aperfeiçoamento de suas qualidades. Tinha

certeza de que no curso do tempo ainda descobriria

outras faculdades, que por enquanto jaziam

adormecidas.

O estranho ser peludo era dotado duma espantosa

capacidade de adaptação. Quase não se importava com

o frio intenso do planeta morto. Podia manter-se fora

do alojamento, mesmo sem traje espacial, respirando o

ar gélido. Naquele mundo gelado só havia um ser que

neste ponto podia ser comparado a ele.

Mas pode um robô ser considerado um ser?

RB-013 tinha 2,30 metros de altura e era dotado de

duas enormes pernas e quatro braços, sendo que o par

de braços inferiores era formado por radiadores

energéticos completos. Pertencia ao equipamento

permanente dos destróieres de três homens. Só ele

conseguira salvar os náufragos depois do pouso de

emergência realizado naquele planeta. Só com seu

auxílio puderam derreter a rocha, formando uma

caverna habitável na superfície gelada do planeta. RB-

013 não sabia apenas lutar; também era um

trabalhador competente e incansável.

Depois que Bell, numa aventura arriscada,

colocara Gucky no mundo de gelo para ajudar Tiff e

os membros de seu grupo, a situação tornou-se menos

penosa para os membros do grupo, muito embora os

ataques constantes dos saltadores desgastassem seus

nervos. De qualquer maneira dispunham de

equipamentos e provisões de mantimentos que lhes

permitiriam aguentar por algum tempo.

Sentado sobre uma caixa, num dos cantos do

recinto, Gucky deixou que a bondosa Felicitas

Kergonen lhe acariciasse a barriga.

— Você é um anjo — chiou com a voz

incrivelmente aguda. — Tenho inveja do homem que

for seu marido.

— Tomara que ele também se contente com uma

simples carícia na barriga — observou Humpry

Hifield em tom sarcástico.

— Seu invejoso! — obtemperou Klaus Eberhardt,

que reagira com uma rapidez extraordinária. — Se

fosse uma moça, eu também não...

— Acontece que não é! — objetou Humpry. Em

sua voz não havia nenhum calor, embora o ar na

caverna fosse bastante morno.

O robô construíra uma pequena comporta de ar, o

que lhes permitia abrir ao menos o capacete quando se

encontravam no interior da caverna.

— Será que vocês não sabem calar a boca? —

interveio Tiff. — Devíamos preocupar-nos com coisas

mais importantes que essas discussões fúteis e

intermináveis. Se os saltadores conseguirem localizar

o robô, eles nos mandarão uma carga de gás. Já

removeram a capa de gelo de metade da superfície do

planeta, e podemos dar-nos por satisfeitos porque

ainda não morremos afogados.

— Felizmente a caverna fica em cima dum morro.

Ou será que não fica? — perguntou Humpry em tom

atrevido.

— Se bombardearem o morro com os canhões de

bordo, o que acontecerá, Hump?

Hump não respondeu. Gucky gemeu:

— Ainda bem que sou o único telepata por aqui.

Tiff lançou-lhe um ligeiro olhar e não se interessou

mais por Hump. Estava começando a ficar enjoado de

tudo aquilo, e falaria sem rebuços a Rhodan, se...

Sim, se...

De repente Gucky levantou-se. O pêlo da nuca

arrepiou-se. Afastou lentamente a mão de Felicitas e

inclinou a cabeça, como se escutasse atentamente. Tiff

notou. Fitou o rato-castor. Depois de algum tempo não

agüentou mais.

— Houve alguma coisa, Gucky?

— Acho que sim, Tiff. Voltam a atacar.

Desta vez são três naves. E estão indo tão devagar

que até chego a desconfiar.

— Você consegue vê-las?

Há tempo o tratamento formal “o senhor” fora

deixado de lado.

— Um instante — disse Gucky, e desapareceu.

As pessoas que se encontravam na caverna

olharam-se espantadas. Mais uma vez o rato-castor se

teleportara para o exterior, a fim de sondar o terreno.

Klaus Eberhardt estava abrindo a boca para dizer

alguma coisa, quando Gucky voltou a materializar-se

no interior da caverna.

Seu pêlo marrom estava coberto de neve.

— Temos que dar o fora! — chiou com a voz

nervosa. — Dentro de um minuto esta montanha será

transformada num inferno.

Os saltadores me viram. Consegui destruir uma de

suas naves.

— Destruiu uma nave? — disse Hump com a voz

ofegante.

— Deixemos isto para mais tarde — respondeu

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Gucky. — Ainda bem que aproveitei o tempo em que

estive lá fora para procurar outro esconderijo. Eu os

levarei para lá. Imediatamente. Fechem os olhos, se

quiserem — e os capacetes. A caverna para a qual

vamos ainda não tem comporta.

— Uma comporta? — disse Tiff espantado. No

mesmo instante desapareceu sem deixar vestígio. As

duas moças seguiram-no dali a um segundo. Depois

foi a vez de Eberhardt e Hump. Finalmente foi

transportado o robô e as caixas de equipamentos.

Até parecia obra de feitiçaria.

A atuação de Gucky era estranha e

incompreensível como a dum fantasma. Mal surgia do

nada e pegava uma peça de equipamento, desaparecia

juntamente com a bagagem. O fenômeno repetia-se

com tamanha rapidez que causava pavor até mesmo a

alguém que conhecesse as faculdades do rato-castor.

Nenhum teleportador trabalhava com tamanha

rapidez; para Gucky isso não passava de brincadeira...

As pessoas atingidas pelo fenômeno nem

percebiam a viagem. Conservavam a forma natural do

corpo, mas o transporte era tão rápido que os órgãos

dos sentidos não tinham tempo de captar qualquer

impressão, por mais fugaz que fosse.

Enquanto ainda exalava o ar, Tiff viu-se num

recinto escuro como breu. Apressou-se em fechar o

capacete, pois fazia um frio terrível.

Virou-se e percebeu uma débil luminosidade,

vinda de longe. Devia ser a entrada da caverna. Não

saberia dizer a que distância ficava de seu esconderijo

anterior, pois a distância percorrida por teleportação

não se revela na duração do percurso.

Numa questão de segundos os companheiros

foram surgindo na escuridão. Ele o sentiu mais do que

o via. Mas quando RB-013 acendeu a lanterna

constatou que todos se encontravam ali.

Apenas Gucky estava ausente.

O fato não deixou Tiff muito preocupado.

— Provavelmente quer ver o que está acontecendo

com nosso antigo esconderijo — conjeturou. — É

uma pena que tenhamos de construir outra comporta.

Aliás, aqui não existe gelo, apenas a rocha nua.

Acredito que desta vez Gucky nos levou ao equador,

onde ainda existem trechos sem neve e gelo. Tenho a

impressão de que não faz muito frio.

— Sim — disse Hump em tom sarcástico. — Em

vez dum frio de cento e dez graus devemos ter apenas

noventa graus.

A voz fria e metálica do robô interveio na

conversa.

— Temos exatamente quarenta e sete graus

centígrados abaixo de zero. Se eu ligar o aquecedor,

poderemos dispensar a comporta. Basta fecharmos a

entrada com as caixas de equipamentos.

Tiff fez que sim.

— É uma boa sugestão. Vamos ao trabalho.

— E Gucky? — perguntou Klaus Eberhardt.

Hump lançou-lhe um olhar presunçoso.

— Seu idiota! Desde quando Gucky pode ser

detido por um montão de caixas?

Eberhardt esteve prestes a responder, mas não teve

tempo. De um instante para outro Gucky estava de

volta.

— Nem queiram saber! — exclamou, e sua voz

fina tremia de excitação. — Nunca me esquecerei do

espetáculo que acabo de contemplar. Derreteram

nossa montanha de gelo. Consegui destruir uma das

naves atacantes. Teleportei para dentro da sala do

comandante e quase arranco a barba ruiva do

comandante. O sujeito levou um susto tão grande que

perdeu o controle e bateu com toda força na primeira

montanha de gelo. Metade da nave desapareceu no

interior da mesma. Não acredito que alguém tenha

escapado com vida, pois a duas naves que restaram

esforçaram-se para volatilizar o colega. Não sei se sua

tática não admite sobreviventes. De qualquer maneira

consegui abandonar a nave no último instante e cuidar

da segurança de vocês. Voltei imediatamente. As duas

naves preparavam-se para transformar nossa caverna

de gelo num mar de chamas. Teríamos morrido

queimados ou afogados; nem tenham a menor dúvida.

Consegui destruir mais um dos saltadores. Teleportei

para o arsenal de armas nucleares e fiz detonar uma

bomba atômica. Infelizmente não consegui salvar

nossa nave auxiliar.

— Quer dizer que apenas uma das naves

conseguiu escapar? — indagou Tiff, que já não

parecia tão abatido. — Gucky, não sei o que seria de

nós se não tivéssemos uma pessoa como você.

— Queira fazer o favor de não me ofender — disse

Gucky em tom sério, mas exibiu seu dente roedor, o

que provava que suas intenções não eram tão sérias

assim. — Não costumo chamar vocês de rato.

Tiff sorriu.

— Afinal, onde estamos?

— Uns quinhentos quilômetros ao sul do nosso

esconderijo anterior. Este mundo de gelo tem

aproximadamente o mesmo tamanho da Terra, mas

sua gravitação é mais reduzida. Dali se conclui que a

densidade do planeta é menor. Estamos numa caverna

de rocha natural, nas proximidades do equador.

Dificilmente os saltadores nos encontrarão aqui;

afinal, duzentos metros de rocha não são nenhuma

bagatela.

— Você usa cada expressão! — queixou-se Hump.

— Logo se vê que Bell lhe deu aulas de linguística.

— Não fale mal de Bell — disse Gucky em defesa

do amigo. — As expressões que ele usa são mais

bonitas que as suas.

— Quer dizer que estamos embaixo do solo? —

perguntou Tiff.

Gucky sacudiu a cabeça de rato.

— Não é bem isso. Estamos no interior duma

montanha. Mas estamos cercados de rocha maciça;

não há gelo. Vamos instalar-nos confortavelmente, e

seria ridículo se não aguentássemos por aqui até que

Rhodan venha buscar-nos. Se ele vier buscar-nos,

você terá cumprido sua finalidade.

De repente Tiff despertou.

— Minha finalidade? Que finalidade é esta?

Gucky sorriu. Seu dente roedor parecia projetar

um reflexo desavergonhado sobre Tiff.

— O cilindro implantado em você tem um alcance

de dois anos-luz. Quer dizer que nossos telepatas

saberão a qualquer momento onde procurá-lo.

Acontece que os saltadores acreditam que você

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conhece uma porção de segredos, motivo por que

deixaram distrair-se, não se interessando por Rhodan.

Este foi ao planeta da vida eterna e trouxe uma nova

arma, pois já não tinha condições de enfrentar os

saltadores. Quando voltar, terá a nova arma. Não é

uma explicação bem plausível?

— Sem dúvida — confessou Tiff. Seu rosto não

parecia muito inteligente. — Quer dizer que todo este

tempo apenas servi de isca para os saltadores?

Gucky continuava a sorrir.

— Não se preocupe. A mesma coisa aconteceu

comigo e com os outros. — Subitamente tornou-se

sério. — O importante é que Rhodan consiga a nova

arma, pois sem ela a Terra estaria perdida.

— Acontece que ainda não a conseguiu! —

objetou Hump.

— É verdade — respondeu Gucky. — O que

afirmei foi que ele estará com ela quando aparecer

aqui para libertar-nos. Até lá devemos ter paciência.

De resto, espero que aqui terei maior facilidade em

entrar em contacto com os sonolentos. Nas

proximidades do equador sua capacidade de

concentração deve ser maior.

— Os sonolentos? — perguntou uma das moças,

que até então não participara do debate.

— Isso mesmo, Milly. É o nome que dei aos

habitantes deste planeta. Ainda não vimos nenhum

deles, mas consegui captar seus pensamentos. São

pensamentos confusos, mas muito inteligentes.

Moram sob a superfície, embaixo do gelo, e pelo que

soube costumam vir para cima no verão extremamente

curto, quando o gelo derrete. Isso só deverá acontecer

daqui a alguns decênios.

Tiff sacudiu a cabeça.

— Nunca seria capaz de acreditar que num mundo

como este pode existir vida.

— Ainda não sabemos se é uma vida no sentido

que nós atribuímos ao termo — disse Gucky,

desapontando o entusiasmo.

— É possível que dentro em breve consigamos

saber. Procurarei estabelecer contacto com eles. Mas

antes de mais nada vamos construir uma muralha

contra o frio. Usaremos nossas mãos, pois o exercício

nos fará muito bem.

— Depois disso — disse Tiff — quero dar um

passeio na superfície.

— Também irei — observou Mildred

apressadamente.

— Eu também — cochichou Felicitas.

Gucky não se dispôs a acompanhá-los.

— Poderão ir assim que tivermos terminado nosso

serviço. Nosso robô produzirá calor suficiente para

tornar a vida agradável. Lá fora basta ligar o

aquecedor do traje espacial para a metade de sua

potência. O capacete espacial não é indispensável.

Vamos ao trabalho!

Bem por dentro, Tiff não estava muito admirado

pelo fato de que o rato-castor tirava quase toda a

responsabilidade de cima dos seus ombros. Por mais

estranhável que isso pudesse parecer, na verdade não

havia motivo para isso. Gucky era o ser

parapsicológico mais capaz de todo o exército de

mutantes. Era um dos membros mais importantes do

grupo de combate que no momento estava engajado na

defesa da Terra. Na verdade, Gucky não era um ser

humano; mas os membros da frota espacial já haviam

compreendido que o julgamento de qualquer ser não

deve depender de seu aspecto exterior.

Ao olhar para Tiff, Gucky manteve a cabeça

ligeiramente inclinada.

— Que problema difícil, não é? — disse com um

sorriso insolente. — Não se preocupe sem

necessidade. Apenas quero ajudar antes que você

perca a coragem. Toda a responsabilidade pesa sobre

você, que é o chefe do grupo. Vim apenas para apoiá-

los. Se vez por outra fico distribuindo as tarefas, isso

acontece apenas porque o tédio não deve nascer entre

nós. Na situação em que nos encontramos, não há

nada que possa ser tão perigoso como pensar demais.

— Está bem — disse Tiff com um sorriso de

gratidão. — Estamos entendidos.

Carregaram as caixas em direção à saída e, mais

ou menos na metade do caminho, fizeram uma parede

com as mesmas. Deixaram livre uma pequena

passagem, fechada com um cobertor. Assim o frio não

penetraria tão depressa.

Satisfeito, Gucky esfregou as patas.

— Podem dar seu passeio. Hump cuidará da

comida. Eberhardt lhe dará uma mão, sua estatura

prova que cozinha muito bem. Quanto a mim...

— Deixe de fazer alusões à minha figura —

queixou-se o cadete. — Afinal, não tenho culpa de

não ser muito magro.

— Seu bajulador — berrou Hump, soltando uma

estrondosa gargalhada. — Não é de admirar que

engorda a cada dia que passa. Vive devorando rações

duplas. Ainda bem que temos comida que chega...

— ...quanto a mim, farei um reconhecimento no

fundo da caverna — disse Gucky, sem deixar que o

desviassem. — Talvez descubra algo de interessante.

Naquele instante nem desconfiava de que sua

suposição seria plenamente confirmada pelos fatos.

2

Etztak esbravejou de raiva quando o comandante,

ao regressar, o informou de que duas das três naves

que participaram da missão não regressaram. Uma

caíra em virtude dum erro de navegação e tivera que

ser destruída para não propiciar informações ao

inimigo. A outra explodira no ar sem motivo aparente.

— E o pessoal de Rhodan? — perguntou o

patriarca assim que se acalmou o suficiente para

recuperar a fala. — Conseguiram agarrá-los?

— Não sei — respondeu o comandante da nave

que regressara. — Bombardeamos uma área extensa

do setor em que devem encontrar-se. É claro que não

pudemos constatar o resultado. Mas vi alguma coisa.

— Alguma coisa? — indagou Etztak sem

compreender nada. — Fale logo, homem!

— Não foi um terrano, mas uma criatura pequena,

que deve ter a metade do nosso tamanho. Talvez diria

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que é um jovem terrano, mas não posso imaginar que

realmente seja assim.

— Nem eu — disse Etztak em tom sarcástico.

Ainda guardava viva a lembrançade Gucky. — Afinal,

o que foi?

Não obteve resposta.

O intercomunicador começou a zumbir.

Com um gesto impaciente despediu o comandante

mal sucedido e ligou a chave. O rosto barbudo dum

telegrafista surgiu na tela.

— Uma hipermensagem, senhor. — Etztak

percebeu imediatamente que o telegrafista estava tão

perplexo que mal conseguia falar. — É de Topthor.

Etztak não acreditava no que acabara de ouvir.

— De quem?

— De Topthor, senhor.

Etztak reclinou-se na poltrona.

— Do chefe dos superpesados! O que significa

isso? Não pedi aos superpesados que se intrometessem

nisto. Não preciso de proteção.

— Acho que não se trata disso — arriscou-se a

dizer o telegrafista. — Ao menos não diretamente.

— O que quer dizer com isso? Que tal se lesse a

mensagem para mim? Talvez com isso verei mais

claro.

O telegrafista acenou com a cabeça, olhou para

uma folha e leu:

Para Etztak, patriarca do clã de

Etztak. Perry Rhodan, o terrano,

conseguiu uma nova arma. Com ela

conseguiu destruir cinco das minhas

naves. Não existe a menor possibilidade

de defesa. Etztak, eu o previno. Recorra

ao nosso auxílio. Rhodan o atacará e

destruirá. Só com um golpe de surpresa

conseguiremos destruí-lo. Oportunamente

anunciarei minha nova posição e aguardo

sua oferta.

Topthor, clã dos superpesados.

Etztak confirmou com um gesto da cabeça e

mandou que lhe trouxessem a mensagem. Interrompeu

o contacto. Sem a menor demora, deu alarma geral.

No momento o segundo planeta com o grupo de

Rhodan perdera todo interesse. Antes de mais nada

convinha preparar-se para o ataque de Rhodan, que

estava eminente.

Ao menos Etztak procurou convencer-se disso. No

seu íntimo começou a despontar a ideia de que

cometera um erro. Deixara que desviassem sua

atenção do que realmente importava. Acreditava que o

tal do Tifflor fosse a figura principal. No entanto, o

mesmo não passava dum ator secundário, cuja missão

consistia apenas em desviar sua atenção de Rhodan,

do planeta da vida eterna e da nova arma.

E o inimigo conseguira realizar seu intento.

— Orlgans! — berrou para dentro do microfone,

quando os rostos indagadores dos membros do clã

surgiram na tela. — Rhodan conseguiu a nova arma.

Recebi aviso de Topthor...

— Do chefe dos superpesados? — interrompeu

Orlgans.

— Quem poderia ser? — esbravejou Etztak. —

Também anda por aqui, embora não tenhamos

solicitado seu auxílio. Pois bem, ele me preveniu.

Rhodan pretende atacar-nos. Não sei que arma é esta,

mas tenho certeza de que conseguiremos defender-nos

contra a mesma. Orlgans, você pegará uma das naves

e deflagrará uma fogueira atômica no segundo planeta.

— Uma fogueira atômica? — disse Orlgans,

erguendo as sobrancelhas. — Quer transformar o

planeta num sol? Você sabe que nossas leis proíbem a

destruição de qualquer mundo habitável sem que haja

motivo muito poderoso.

— Acha que não temos motivo para isso? Quero

vingar-me de Rhodan, e principalmente dos

prisioneiros fugidos.

— Será que isso é um motivo suficiente? —

perguntou Orlgans.

— Para mim é — berrou o patriarca. — Quero que

nunca mais sinta vontade de se intrometer nos meus

negócios — esqueceu-se de que era exatamente o

contrário. Afinal, ele, Etztak, se intrometia nos

negócios da Terra. Rhodan se encontrava numa

posição defensiva. — Para isso preciso destruir seu

grupo e o mundo em que se fixaram.

— Quer dizer que devemos desencadear a fogueira

atômica, a fogueira atômica inextinguível?

— Isso mesmo. Quero que o segundo planeta seja

transformado num sol.

Orlgans confirmou com um aceno de cabeça e sua

imagem desapareceu da tela. Era evidente que não

concordava com a ordem que o patriarca acabava de

lhe dar. Mas não tinha outra alternativa senão

obedecer. Ordenou ao comandante de outra nave que

lhe prestasse auxílio e, se necessário, lhe fornecesse

cobertura total. Depois se destacou da formação de

naves e iniciou os demorados preparativos necessários

à realização do plano diabólico.

Enquanto isso Etztak conferenciou com os outros

mercadores, para descobrir a melhor maneira de

enfrentar Rhodan. Não era fácil, pois ninguém

conhecia o funcionamento da nova arma. As

indicações lacônicas de Topthor não permitiam que se

formasse uma ideia a este respeito.

Mas Topthor havia prometido que daria sinal de

vida. Ninguém sabia quando isso aconteceria.

— Ficaremos bem próximos uns dos outros —

ordenou Etztak. — Assim que Rhodan aparecer,

concentraremos nosso fogo energético sobre ele. Nem

mesmo o campo protetor da Stardust-III aguentara

uma carga destas. Não deixem que os dois cruzadores

distraiam sua atenção.

De certa forma o patriarca estava com a razão. No

entanto, não sabia que os dois cruzadores poderiam

perfeitamente lançar ataques mais fortes, destruindo

uma ou outra das naves dos saltadores. Se até então se

tinham limitado a ataques simulados, assim procediam

exclusivamente em virtude das ordens de Rhodan.

Em vez de deixar os saltadores prevenidos por

meio dum combate normal, Rhodan pretendia desferir

tamanho golpe contra eles que nunca mais pensariam

em voltar. Só assim poderia restabelecer a calma.

Só por isso precisara de algum tempo para ir

buscar a nova arma no Peregrino, o estranho planeta

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artificial que existia numa dimensão diferente e fora

criado por um ser que representava a espiritualização

de toda uma raça tornada imortal. Era o planeta

situado nos confins da eternidade, segundo a

expressão de Rhodan — que provavelmente acertara

em cheio.

Etztak não sabia nada a respeito desse planeta, cuja

existência era revelada na Galáxia através duma série

de lendas bastante vagas. Ninguém sabia se existia,

nem onde. Mas Rhodan o conhecia. Através da ducha

celular, ele e Bell conseguiram deter o processo

natural do envelhecimento. A cada sessenta e dois

anos o tratamento tinha que ser repetido.

Finalmente aquele ser estranho, o imortal, deu a

Rhodan a arma que este desejava para defender-se dos

ataques desfechados pelos saltadores.

Etztak apenas começou a ter uma vaga ideia de

tudo isso, e um sentimento de insegurança foi

tomando conta dele. Teria subestimado o inimigo?

Mas Rhodan era apenas um terrano, membro duma

raça que, segundo os padrões galácticos, devia ser

considerada subdesenvolvida. Só há um decênio

aquela raça descobrira a navegação espacial. E foi

exclusivamente o auxílio dos arcônidas naufragados

na Lua que lhes permitiu um grande salto para a

frente. Poderia este salto substituir uma evolução

natural, processada no curso de vários milênios?

Etztak teve suas dúvidas, mas o sentimento de

insegurança continuou a atormentá-lo.

* * *

A nave Stardust-III, que era o gigantesco veículo

espacial de Perry Rhodan, concluiu

a transição e materializou no espaço normal. Dera

um salto de mais de 1.750 anos-luz.

Rhodan notou que as dores da rematerialização

diminuíam e a consciência retornou. Perto dele

Reginald Bell soltava gemidos comoventes; até

parecia que estava sofrendo uma operação de

apendicite sem anestesia. Bell gemia todas as vezes

que se realizava uma transição; já se habituara a isso.

Não era de admirar que Rhodan não se comovesse.

E os cálculos? Teriam sido corretos?

Rhodan levantou-se e olhou para a tela. Viu uma

profusão de estrelas, que logo lhe revelou que já não

se encontravam nas proximidades do planeta

Peregrino. Mas a olho nu não se podia saber se a

Stardust-III chegara ao ponto pretendido. Enquanto

permaneceram no planeta Peregrino, este também

percorreu uma distância que não lhes era conhecida.

— Chegamos? — perguntou Bell. Tentou um

sorriso, mas a tentativa fracassou.

— Que coisa esquisita! Há um instante ainda nos

encontrávamos no mundo do imortal, e agora...

— Ali adiante está o sol gêmeo de Beta-Albíreo —

interrompeu Rhodan. — A distância é de duas horas-

luz aproximadamente. Etztak já deve ter registrado

nossa presença e tomado suas providências. Não

devemos esquecer-nos de que foi prevenido. É bem

verdade que deve quebrar a cabeça em vão para

descobrir que arma nova é esta.

— Ficará admirado — disse Bell. — Um

transmissor fictício capaz de teleportar qualquer

porção de matéria a qualquer distância. Podemos a

qualquer momento contrabandear bombas atômicas

para o interior de suas naves, sem que eles possam

fazer nada para impedi-lo.

— Não se esqueça de que seu potencial de fogo,

concentrado simultaneamente sobre nossa nave,

romperia os campos energéticos. Quer dizer que não

estão totalmente indefesos. O que importa é que

sejamos mais rápidos que eles.

— Mesmo que o tal do superpesado — se não me

engano o nome é Topthor — os tenha prevenido, não

temos nada a temer — profetizou Bell. Para seu

espanto, viu que de um instante para outro Rhodan

parecia muito pensativo. A menção dos superpesados

parecia ter ligado um contacto em seu interior. — O

que houve com você?

— Topthor! — disse Rhodan. — Não é que quase

me esqueço dele?

— E daí? — disse Bell, sacudindo a cabeça. —

Não o compreendo. Destruímos cinco das suas naves;

logo, não temos mais nada a recear da parte dele. Só

lhe restam três.

— É justamente isso — disse Rhodan.

Em sua testa surgiram rugas profundas. — Não se

esqueça do desenrolar dos acontecimentos. Ele deve

ter-nos seguido para o planeta da vida eterna. Para

fazê-lo, deve ter saltado do mesmo lugar que nós.

Acontece que não viemos do sistema de Beta-

Albíreo, mas da Terra. Dali se conclui que conhece a

posição de nosso planeta. Estou disposto a fazer

qualquer aposta de que voltou para lá. Se tiver a idéia

de vingar - se... Pense um pouco! De que recursos

dispõe a Terra para defender-se contra três

couraçados?

Bell parou de sorrir.

— É possível que você tenha uma tendência de

assustar gente que não desconfia de nada. Mas talvez

esteja com a razão. O que vamos fazer?

Rhodan fitou a tela. Defrontava-se com uma

decisão difícil. Lá adiante Tiff aguardava a hora de ser

libertado. Não tinha a menor dúvida de que o segundo

planeta fora transformado num inferno. Gucky não

conseguiria deter os saltadores para sempre. E os dois

cruzadores pesados comandados pelo major Nyssen

não poderiam prosseguir indefinidamente nos ataques

simulados. Etztak não demoraria em descobrir o logro

em que estava caindo. Se resolvesse realizar sua

ameaça, Tifflor e seus amigos estariam perdidos.

De outro lado, porém, Topthor poderia atacar a

Terra com as três naves gigantescas de que dispunha.

Rhodan preferiu não enviar uma mensagem

radiofônica para prevenir o coronel Freyt. Não queria

trair sua posição. Tinha certeza de que os saltadores

estariam em condições de interceptar a mensagem.

A hesitação de Rhodan durou apenas um instante.

Decidiu fazer duas coisas ao mesmo tempo.

Ligou o intercomunicador.

— Atenção, todos os tripulantes! Posto de

combate, atenção! Realizaremos mais um salto.

Distância de duas horas-luz. Depois da

rematerialização os transmissores fictícios de matéria

deverão estar prontos para entrar em funcionamento.

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Preparem duas bombas de fusão. Exatamente vinte

segundos depois será realizado o salto em direção à

Terra. Aguardem novas instruções. É só. Obrigado.

Bell gemeu.

— Vamos pular de novo? Será que nem temos

tempo para descansar?

— Não temos tempo para descansar.

— Atenção, o salto será realizado em um minuto.

O cérebro eletrônico de navegação processou as

informações e efetuou a regulagem automática da

intensidade do suprimento de energia.

— Faltam trinta segundos — disse a voz metálica

do robô.

Rhodan manteve-se rígido na sua poltrona. A mão

direita segurava fortemente a chave que o mantinha

em contacto com o posto de combate. Ao lado dele

ficava o botão que acionava o transmissor fictício.

Assim que a Stardust-III materializasse, ela se

transformaria num monstro mortífero.

* * *

Etztak teve bastante inteligência para não deixar

que o novo ataque dos cruzadores Terra e Solar

System o distraísse. Uma única de suas naves foi

encarregada de responder ao fogo. E os cruzadores

bateram em retirada, conforme se esperava.

Não, desta vez Etztak não seria tolo para deixar

que desviassem sua atenção. Estava prevenido, à

espera de Rhodan.

Os rastreadores estruturais de sua gigantesca nave,

de mais de setecentos metros de comprimento,

trabalhavam a toda potência. E descobriram alguma

coisa.

A uma distância inferior a duas horas-luz houve

uma transição. Uma nave devia ter voltado do

hiperespaço, pois o abalo fora negativo. Os cérebros

positrônicos entraram em funcionamento, e dali a

poucos segundos Etztak tinha o resultado diante de si.

A uma distância de exatamente 118,38 minutos-luz

uma nave que acabara de percorrer 1.749,89 anos-luz

acabara de retornar ao espaço normal e se

materializara.

Só poderia ser Rhodan!

Mais uma vez o alarma estridente encheu as naves.

Todos os canhões de radiações estavam prontos para

disparar. Os campos protetores foram ativados. Etztak

mandou que as naves se agrupassem de tal maneira

que um inimigo que surgisse de repente poderia ser

alvejado de todos os lados.

Logo os rastreadores estruturais registraram outro

abalo da estrutura espacial, desta vez positivo...

...no mesmo instante Rhodan encontrava-se em

meio ao grupo.

A massa da gigantesca esfera de oitocentos metros

de diâmetro era maior que a de toda a frota de Etztak

reunida. O tamanho assustador paralisou os saltadores

por alguns segundos preciosos, que nunca mais

conseguiriam recuperar.

Uma das naves dos saltadores explodiu antes que

houvesse tempo de disparar um tiro. Explodiu sem

qualquer causa aparente, bem diante dos olhos

arregalados de Etztak, deixando para trás apenas uma

nuvem de pó radioativo que se espalhou para todos os

quadrantes. Ninguém poderia imaginar que o

transmissor fictício havia transportado uma bomba

atômica de tamanho médio para o arsenal da nave,

fazendo-se explodir ali mesmo.

Etztak abriu fogo. Todas as peças expeliram raios

energéticos que se concentraram sobre o envoltório

protetor da Stardust-III. Mas os raios foram desviados

sem produzir dano. Os geradores da nave arcônida

produziam energia suficiente para compensar o

impacto.

Exatamente quinze segundos depois explodiu a

segunda nave de Etztak.

Quase cinco segundos se passaram antes que

Etztak, ofuscado, pudesse abrir os olhos, apenas para

ver a Stardust-III desaparecer. Antes que pudesse

recuperar-se da terrível decepção, os dois cruzadores

voltaram ao ataque. Quando viu que Rhodan estava

entrando em ação, o major Nyssen agiu

instintivamente. Sabia que a nova arma fora

encontrada e pensou que aquilo já fosse o início do

ataque geral.

A Solar System precipitou-se sobre uma das naves

da frota dos mercadores que se encontrava um tanto

afastada das demais. Era dum tipo menor. Nyssen

sabia que continha principalmente compartimentos de

carga, sendo bastante reduzido seu armamento. Por

isso mesmo os campos energéticos eram menos

potentes. O fogo concentrado do cruzador rompeu o

envoltório protetor e abriu um rombo a bombordo do

cargueiro.

Nyssen não teve tempo para completar a

destruição. A Stardust-III desapareceu com a mesma

rapidez com que havia aparecido. Não houve nenhuma

mensagem, nenhum aviso, nada. A imensa nave surgiu

que nem um fantasma, e que nem um fantasma voltou

a mergulhar no Universo.

Nyssen ordenou a retirada.

Deixou para trás um Etztak confuso, que no

momento se sentia bastante desorientado.

Em menos de vinte segundos perdera três naves.

* * *

Sentado em sua poltrona superdimensionada,

Topthor parecia uma gigantesca posta de carne. As

constelações de estrelas cristalizavam-se, vindas do

nada, e transformaram-se num quadro com que já

estava familiarizado.

O salto fora bem sucedido.

Diante das três naves de Topthor apresentava-se o

sistema solar, cujo terceiro planeta lhe causava

tamanhas preocupações.

Ligou uma chave e estabeleceu contato com as

outras naves.

— Grogham, entre em contacto com nossa frota.

As oito naves de guerra devem estar do lado oposto do

sol. Encontramo-nos a dez horas-luz daqui, sobre uma

reta que liga o sol e o planeta exterior. Dentro de duas

horas pretendo realizar uma conferência audiovisual.

— Cuidarei disso — prometeu Grogham, vice-

comandante da frota de proteção de combate. Também

era um dos chamados superpesados: pesava mais de

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quinhentos quilos. — Daqui a duas horas. Vamos

destruir o terceiro planeta, Topthor?

— Se não quiserem aceitar nossa oferta, esses

terranos malucos vão pagar por isso. Rhodan está

ocupado com Etztak. Quer dizer que temos tempo.

Topthor estava muito enganado, mas não

desconfiava de nada. No momento em que estava

dizendo essas palavras, três naves de Etztak estavam

sendo destruídas. E antes de terminar a Stardust-III

voltou a penetrar na quinta dimensão, para efetuar o

grande salto em direção à Terra.

Rhodan teve a precaução de se materializar a vinte

horas-luz do sol. Sem realizar outra transição,

penetrou em nosso sistema à velocidade da luz. Dessa

forma o risco de ser localizado era bem menor.

Chegou à Terra sem que sua presença fosse notada

e pousou em Terrânia, capital da Terceira Potência. O

coronel Freyt ficou muito surpreso em rever o chefe

tão cedo. Reprimiu uma observação sarcástica pelo

fato de Rhodan não lhe ter enviado qualquer aviso

pelo rádio, pois viu que Perry estava com muita

pressa. Bell permaneceu a bordo da Stardust-III, e esta

se manteve preparada para decolar a qualquer instante.

Só Rhodan tomou um carro e dirigiu-se

apressadamente à sede do comando situada sob a

abóbada energética, a fim de desencadear o alarma na

Terra. Algumas mensagens breves dirigidas aos

respectivos governos foram suficientes para provocar

uma ação comum.

A Terra estava preparada.

E esperava...

* * *

— Seria um absurdo — concluiu Topthor, olhando

os comandantes das dez outras naves, como que à

espera de aplausos — se atacássemos a Terra sem

aviso e a destruíssemos. De que nos serve um planeta

destruído, se o mesmo é habitado por uma raça da

qual tanto temos a esperar? — os dez rostos barbudos

que se viam na tela inclinaram-se em sinal de

concordância. — Será mais razoável negociarmos

com eles. Rhodan está no sistema situado a trezentos e

vinte anos-luz daqui, onde procura dar cabo de Etztak.

Até é possível que com a nova arma ele o consiga.

Para nós isso não representaria qualquer prejuízo,

mesmo que fosse eliminado um clã que constitui uma

fonte de lucros para nós. Se nesse meio tempo

conseguirmos firmar pé na Terra, teremos

possibilidade de fundar uma colônia bastante rendosa

dos saltadores.

— E Rhodan? — perguntou alguém.

— Rhodan? — um sorriso largo cobriu o rosto

barbudo de Topthor. — Rhodan ficará admirado

quando, depois de ter saído vitorioso na batalha contra

Etztak, regressar para cá e constatar que seu planeta

mudou de dono.

Grogham pigarreou.

— Receio que o senhor esteja subestimando os

terranos — objetou.

Topthor olhou-o em cheio e parou de sorrir.

— Então sua opinião é essa? Afinal, temos onze

naves construídas especialmente para combater. O que

tem Rhodan para contrapor a isto?

— Tem a nova arma.

Topthor parecia não sentir-se muito feliz com a

lembrança da destruição fulminante de cinco das suas

naves.

— Se surgir qualquer dificuldade, poderemos

entrar em contacto com nossa base — ponderou. —

De qualquer maneira procurarei conquistar a Terra.

Vamos aproximar-nos do planeta até uma distância de

dez minutos-luz e procuraremos estabelecer contacto

pelo rádio. Veremos como reage o pessoal de Rhodan.

Tenho certeza de que não têm nada com que possam

defender-se contra nós.

Desta vez não obteve qualquer resposta.

A frota composta de onze naves fortemente

armadas, nenhuma das quais com menos de trezentos

metros de comprimento, tomou o rumo do sol e dele

se aproximou à velocidade da luz. Depois de

ultrapassada a órbita de Plutão, Topthor reduziu a

velocidade e foi-se aproximando sorrateiramente da

Terra.

Mas a cautela revelou-se inútil. Os satélites-

espiões já o haviam detectado e prevenido Rhodan.

Depois de tomar as providências indispensáveis, este

voltou à Stardust-III e logo se dirigiu à sala de

comando, onde Bell se mantinha à espera.

— Então? — perguntou Bell. — Como estão as

coisas?

— Dei as instruções necessárias ao coronel Freyt.

Ele nos transmitirá eventuais mensagens dos

superpesados. E eu responderei em seu nome. Não

devem desconfiar de que já os esperamos aqui mesmo.

Duas horas depois a luz de controle acendeu-se. O

serviço de rádio da Terceira Potência era muito

eficiente. Topthor acabara de estabelecer contacto

com a Terra, mas não sabia com quem estava falando.

Rhodan tomou a liberdade de atribuir-se um

pseudônimo.

Com dois movimentos de chave estabeleceu

contacto direto. Era um contacto audiovisual, mas isso

não fazia mal. Rhodan conhecia Topthor, mas este

nunca havia visto Rhodan.

A figura maciça do gigante causava uma

impressão profunda, mas não poderia assustar

Rhodan. Conhecia a raça, inclusive suas fraquezas.

— Aqui fala a Terra — disse em tom indiferente.

— O senhor chamou?

Topthor demonstrou surpresa pelo fato de não se

mostrarem surpresos com sua mensagem.

— Queremos entrar em negociações com os

terranos — disse em puro intercosmo, com um ligeiro

sotaque. — O clã poderoso dos surperpesados quer

fazer algumas propostas aos terranos.

— Pode falar.

— Com quem estou falando? — perguntou

Topthor, fitando o rosto de Rhodan.

Este enfrentou o olhar sem pestanejar.

— Sou o coronel Freyt, representante de Perry

Rhodan no governo da Terceira Potência.

— O que vem a ser a Terceira Potência?

— É a potência que representa a Terra.

— Por que não posso falar com Rhodan?

“Que raposa esperta”, pensou Rhodan, enquanto

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Bell, que se encontrou fora do alcance da câmara de

TV, esboçava um sorriso de deboche. “Quer saber se

desconfiamos de alguma coisa.”

— No momento não tenho meio de entrar em

contacto com ele — disse Rhodan. — O que deseja?

— Sabem quem eu sou?

— Pelo que vejo, é um monstro — respondeu

Rhodan.

— Sou Topthor, o mais velho do clã.

— Será que também é o mais inteligente?

Por um instante Topthor parecia confuso diante de

tão estranha pergunta, mas logo se mostrou furioso.

Afinal, os comandantes das outras naves assistiam ao

diálogo em que estava sendo ridicularizado.

— Fazemos comércio com todos os mundos

habitados da Galáxia. Acredito que os senhores

tenham algo a oferecer-nos. Vamos pousar. Informe

sua posição.

— Não posso autorizar o pouso sem que Rhodan o

permita. Prefiro que o senhor me forneça sua posição.

— Forneça as coordenadas do pouso, senão

pousaremos em qualquer lugar.

— Devo interpretar isso como uma ameaça? Não

nos subestime.

Topthor soltou uma estrondosa gargalhada e

passou a mão pela barba.

— Subestimá-los? Se conseguimos enfrentar

Rhodan, seu planeta não representará qualquer

problema para nós.

— Ah — disse Rhodan. — Então enfrentou

Rhodan?

— Isso mesmo. Infelizmente escapou. Vai

fornecer as coordenadas de pouso ou não vai?

Rhodan lançou um olhar rápido para Bell. Este

entregou-lhe um bilhete. Rhodan segurou-o de tal

forma que Topthor podia vê-lo e leu em voz alta.

— Órbita de Marte — direção Terra. Velocidade:

7.653,3km/seg. Rumo MX-T4 —Rhodan levantou os

olhos. — Daqui a dez minutos poderemos ter um

encontro pessoal, Topthor, se é isso que deseja.

— O que é isso? O que quer dizer precisamente?

— Os dados que acabo de fornecer correspondem

à sua posição atual, à sua velocidade e direção de

deslocamento. Não pense que só Rhodan tem

condições de destruí-lo. E não pense que ignoramos o

que aconteceu no planeta da vida eterna. Finalmente,

não pense que só possuímos uma única nave da classe

da Stardust-III.

Foi um blefe, mas este não deixou de produzir o

efeito desejado.

Topthor estremeceu instintivamente.

— Refere-se à esfera gigante? — mas logo sorriu.

— Terranos, vocês não me afugentarão. Só Rhodan

esteve no planeta da vida eterna, e só ele foi buscar a

nova arma.

Os senhores só possuem armas convencionais, e

estas não representam qualquer problema para nós.

— Muito bem. Vamos fazer a experiência. Mais

uma vez recomendo-lhes que nos deixem em paz e

não pretendam impor-nos seu comércio, que nos

transformaria numa colônia dos saltadores.

Compreendeu?

— Pousaremos dentro de uma hora — respondeu

Topthor e interrompeu o contacto.

Rhodan fitou a tela vazia e depois olhou para Bell.

— E agora? Não querem saber de conversa.

Sentem-se seguros enquanto a Stardust-III com a nova

arma se encontra longe. A constatação de que existem

várias naves desse tamanho representa um choque

para eles. O sobrevivente revelará o fato aos membros

de seu clã, e a Terra se transformará num dos pontos

mais temíveis do Universo. Infelizmente deve ser

assim mesmo, para que possamos atingir nosso

objetivo.

Deu algumas instruções ao coronel Freyt. Depois

ligou o intercomunicador da Stardust-III.

— Atenção! Decolaremos dentro de um minuto.

Não se esqueçam das medidas de segurança, pois a

nave será acelerada fortemente ainda dentro da

atmosfera. Atenção! faltam cinquenta segundos. Não

realizaremos nenhuma transição. A ação terá início

exatamente dentro de dez minutos. Atenção! Faltam

quarenta segundos para a decolagem.

Bell colocou o cinto largo em torno do ventre

avantajado. Seus olhos brilhavam de animação.

— Talvez você esteja com a razão — disse,

vencendo seus escrúpulos morais. —Devemos dar

mais uma lição aos superpesados, se a primeira não foi

suficiente.

— Depois disso iremos o mais rápido possível ao

mundo de gelo. Ando muito preocupado com Tiff e

seus amigos.

— E eu me preocupo com Gucky — confessou

Bell, acompanhando o movimento dos ponteiros dos

instrumentos. — Faltam dez segundos.

3

Quando Tiff saiu da caverna e teve diante de si a

paisagem do planeta, não pôde vencer a surpresa. Só

nos cumes das montanhas próximas havia neve, e

ainda mais à direita, nas encostas que não eram

atingidas pelo sol. De resto o solo negro estava livre

de neve. Na maior parte era formado de rocha nua,

mas vez por outra Tiff tinha a impressão de que essa

rocha tinha algo de familiar.

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83

Mildred Orson sacudiu a cabeça com tamanha

força que os longos cabelos pretos esvoaçavam. Fazia

um frio terrível, mas por alguns minutos suportava-se

o mesmo. Além disso, parecia que o impacto direto do

sol e a proteção da rocha tornavam o ar menos gélido.

— Não parece tão mau assim — disse em tom

alegre, embora por dentro não se sentisse nem um

pouco alegre. — Não seria de estranhar se aqui

existisse vida.

— Por enquanto só estamos interessados em nossa

própria vida — respondeu Tiff com um sorriso. Sabia

que Mildred sentia certa inclinação por ele, tendo

vencido todas as incertezas. Por Hump parecia sentir

apenas compaixão. Isso fez com que Felicitas

respirasse aliviada, pois até então seu amor por Hump

parecia não ter a menor esperança. O único que

parecia não perceber nada desse jogo complicado era

Eberhardt. Entendia-se perfeitamente com todos e

ficava satisfeito, desde que o deixassem em paz.

— Tiff, você acredita que Rhodan chegará em

tempo para libertar-nos? — perguntou Felicitas um

pouco amedrontada. O medo fazia parte de sua

natureza. — Por que os mercadores ainda não nos

atacaram?

— Por enquanto têm problemas que chega —

conjeturou Tiff. — Gucky já lhes deu muito trabalho.

— Que seria de nós se não tivéssemos Gucky?

Tiff riu.

— Ora, Felicitas, até parece que você está

apaixonada por Gucky.

— De certa forma todos nós estamos, não é

verdade, Milly?

A moça acenou com a cabeça de cabelos negros e

fechou o capacete do leve traje espacial. Ao mesmo

tempo ligou o rádio. Os outros seguiram seu exemplo.

— Estou sentindo frio. — disse. — Não se aguenta

isto por muito tempo sem o traje protetor.

Morreríamos de frio.

— É um mundo hostil — observou Felic,

apontando para o vale onde havia algumas manchas de

neve. — E seria hostil mesmo que não tivéssemos que

temer um ataque dos saltadores.

— Com qualquer mundo pode-se fazer alguma

coisa — objetou Tiff sem tirar os olhos do céu. — Até

mesmo com este. Pensem na lua, senhoritas. Lá nem

sequer existe ar.

— Acontece que não fica tão longe da Terra —

disse Molly, ressaltando um ponto muito importante.

— Isso parece ser um fator decisivo.

Tiff não respondeu. Por um instante teve a

impressão de ter visto um ligeiro relampejo no verde-

azulado do céu, mas logo concluiu que devia ter-se

enganado. Dirigiu-se a Milly e colocou o braço em

torno de seus ombros.

— A distância só tem um significado simbólico;

não produz qualquer efeito prático. No mundo

podemos sentir-nos mais solitários que aqui, a

trezentos e vinte anos-luz da Terra.

— Vamos até o riacho? — sugeriu Milly.

— Parece fazer uma eternidade que não vejo um

riacho.

Caminharam lentamente sobre a rocha escura, que

formava um contraste acentuado com os restos de

neve. No ribeirão havia blocos de gelo, mas o chão

parecia irradiar tanto calor que a corrente de água não

se congelou totalmente. As ondas brincavam

alegremente. Há pouco ainda era gelo, e logo

voltariam a sê-lo.

Felic abaixou-se; em sua voz soou o espanto.

— Vejam só! Existe vida neste mundo de gelo.

Plantas de verdade.

— São apenas algas — disse Milly com certo

desprezo, mas a botânica logo objetou.

— As algas também são plantas, Milly.

Constituem o estágio inicial da vida. A partir deles

tudo se forma desde que disponham de tempo.

De repente Gucky surgiu em meio ao grupo, vindo

do nada. Transferira-se para lá por meio da

teleportação. Provavelmente tivera muita preguiça

para percorrer todo o trecho em suas perninhas curtas.

— As algas tiveram tempo de sobra — disse num

tom estranho. — Deram origem a outras formas de

vida, e de vida inteligente.

Vamos voltar à caverna, que eu lhes mostrarei.

— Vida inteligente? — disse Tiff, esticando as

palavras. — Será que você localizou os chamados

sonâmbulos?

— Vocês ficarão admirados — disse Gucky

animadamente. — São criaturas formidáveis — e além

de tudo são telepatas. Quase diria que são hipnos-

telepatas, pois seus pensamentos transmitem-se por

força dum comando irresistível àquele a que se

dirigirem.

— O que significa isso? — indagou Tiff e sentiu

que seus cabelos se arrepiavam.

Teve a mesma sensação que costumava apossar-se

dele nos tempos em que o avô lhe contava, nas horas

de crepúsculo, as conhecidas histórias de fantasmas.

— São hipnos-telepatas?

— Enquanto pensam, podem influenciar o espírito

de outros seres. Mas não se preocupe Tiff; são

inofensivos. Têm medo dos saltadores.

— E eles sabem alguma coisa a respeito dos

saltadores? — disse Tiff num espanto sempre

crescente. — Como chegaram a tomar conhecimento

da existência deles?

— Os sonolentos dispõem dum estranho poder de

adivinhação. Captaram pensamentos de ódio vindos

do espaço. Só podem ser os pensamentos dos

saltadores. Nossa presença não os incomoda, pois

sabem que não pretendemos fazer-lhes nenhum mal.

Mas têm medo dos saltadores, e não confiam em suas

intenções. Vocês se admirarão — repetiu Gucky. —

Mas vamos à caverna. Ou será que vocês têm tanta

preguiça como eu?

Resmungando, Tiff pôs-se em movimento. Milly e

Felic seguiram-no. Esta última lançou mais um olhar

para as algas que cresciam na margem do riacho e

resolveu que mais tarde voltaria a visitar o estranho

planeta.

Gucky desapareceu. Esperou-os no interior da

caverna, onde reinava um calor agradável — e um

cheiro também agradável de comida preparada.

Hump levantou os olhos quando o grupo entrou.

— Está na hora. A comida está pronta.

Excepcionalmente Eberhardt conseguiu fazer

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84

alguma coisa de útil. Desembrulhou os alimentos

concentrados.

— Se não fosse eu, o molho teria queimado —

disse Eberhardt, defendendo-se da acusação de Hump.

— Esse sujeito não sabe fazer outra coisa senão falar,

e o que fala é apenas mentiras.

Gucky farejou o ar e soltou um gemido de gozo.

— Sugiro que comamos logo. Os sonolentos não

vão fugir. Por enquanto não.

— Poderão fugir mais tarde? — perguntou Tiff,

que não soube dominar a curiosidade.

Gucky fez que sim.

— Mais tarde, na primavera. Daqui a cinquenta

anos aproximadamente.

Tiff lançou um olhar demorado para o rato-castor.

Seu rosto matreiro não permitia qualquer conclusão

sobre se estava brincando ou não.

RB-013 mantinha-se imóvel num canto, irradiando

um calor agradável. A lâmpada alimentada pela

energia inesgotável do reator arcônida espalhava sua

luz. Se não fosse o robô, a vida seria menos agradável.

Sentaram sobre as caixas emborcadas e comeram.

Os mestres-cucas, Hump e Eberhardt, receberam os

elogios merecidos e logo discutiram a respeito de a

quem cabia o maior mérito.

Foi nesse momento que Felic arriscou o primeiro

ataque de frente.

— Hump, você cozinhou uma sopa deliciosa —

disse, lançando-lhe um olhar de admiração. — Eu não

saberia fazê-la tão gostosa.

Hump sempre era acessível a um elogio. Enrijeceu

o corpo e lançou um olhar de advertência para

Eberhardt. Com um aceno de cabeça, prometeu:

— Quando eu for casado, minha mulher não

precisa cozinhar.

Tiff fez uma careta.

— Você cozinhará no lugar dela? — perguntou.

— Claro que sim!

— Ah, é? E sua mulher sairá para trabalhar?

Por pouco Hump não engasga.

— Por quê?

Tiff sorriu.

— Homem, você nem desconfia dos problemas

que uma dona-de-casa tem que enfrentar. Pergunte a

Milly. Quando for casada, não terá outra coisa a fazer

senão cozinhar. Não mandarei na cozinha, mas em

compensação vou ganhar dinheiro.

O rosto de Hump foi tão estúpido que Gucky

soltou uma gargalhada tão aguda que até fez tremer a

lâmpada do robô. Ninguém deu atenção à reação

emotiva da máquina eletrônica, pois todos

concentravam suas atenções em Hump.

O cadete da frota espacial empalideceu, mas

depois seu rosto se tornou vermelho como um tomate.

Passou os olhos de um companheiro para outro, mas

só se defrontou com expressões de expectativa; todos

demonstravam um vivo interesse no desenrolar dos

acontecimentos.

Finalmente seus olhos pousaram em Milly.

— É verdade, Milly? Você quer casar com ele?

A moça confirmou com um aceno de cabeça. Uma

mecha de cabelo negro caiu em sua testa.

— Você não sabia?

Hump engoliu em seco.

— Como poderia saber?

Milly exibiu um sorriso ingênuo.

— Mesmo que amasse você, não tiraria o preferido

de outra moça. Ainda mais quando sei que essa moça

gosta de você de todo coração, mas você é tão

estúpido que não percebe nada.

O rosto de Hump tornou-se talvez ainda mais

estúpido. Tiff teve de esforçar-se para reprimir o riso.

Felic parecia confusa. Seu rosto alternava entre o

vermelho e o pálido. A colher que segurava na mão

tremia fortemente. Eberhardt era o único que não

parecia interessado no que se passava em torno dele.

Continuava a devorar tranquilamente a sopa e vez por

outra soltava um gemido satisfeito, o que fez com que

o rato-castor lhe tocasse o pé às escondidas, para

lembrar-lhe as boas maneiras à mesa.

— Há uma moça que me ama? — gaguejou Hump

depois de algum tempo, totalmente confuso.

— Isso mesmo. É uma coisa que você não pode

compreender, não é? — disse Milly em tom

provocador. — Asseguro-lhe que essa moça não sou

eu.

O olhar de Hump caiu sobre Felic, que parecia

muito confusa e não contara com esse auxílio.

Abaixou a cabeça quando Hump a olhou.

— É verdade, Felic? — cochichou Hump.

Felic confirmou com um aceno de cabeça.

Foi quando a paciência de Gucky estourou.

— Os humanos são criaturas estranhas! Será que

vocês têm de escolher justamente a hora do almoço

para tratar de assuntos de família? Até parece que não

temos outros problemas.

Tiff apontou para a panela colocada sobre a caixa

emborcada que servia de mesa.

— Para quanta coisa não pode servir uma boa sopa

— disse, lançando um olhar de gratidão para Milly. —

Se você não tivesse dado uma dica tão clara, Hump

nunca teria descoberto. Compreende com muita

dificuldade. E Felic é muito tímida. Pelo menos este

problema está resolvido. Será que temos uma

sobremesa?

Eberhardt desertou do cochilo costumeiro.

— Sobremesa? — resmungou. — Será que vocês

têm de empanturrar-se toda vida?

Tiff levantou-se.

— Foi apenas uma pergunta singela. O que vamos

fazer agora, Gucky?

O rato-castor, que já se acostumara ao alimento

dos humanos, embora preferisse uma cenoura,

mostrou o dente roedor e passou as patas pela barba.

Só faltava ronronar.

— Depois da refeição um passeio faz milagres —

disse. — Quem ficará por aqui?

Ninguém se dispôs a ficar. Gucky sorriu.

— Muito bem; vamos todos. Aconselho que usem

botas de borracha e roupa velha.

O caminho é muito difícil e úmido. Voltaremos

sujos que nem uns porcos.

Eberhardt franziu a testa.

— Eu devia lavar a louça... — principiou.

— Pelo que vejo você quer escapar às canseiras da

marcha — disse Gucky com uma expressão de

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recriminação. — Pois bem, sempre tem que haver

alguém que leva a vida melhor que os outros. De

acordo, Eberhardt.

Tiff olhou em torno para descobrir a roupa que

devia vestir, mas Gucky segurou seu braço. Não

compreendeu logo o que estava acontecendo, mas

subitamente viu-se transportado a mais de cem metros

em direção ao fundo da caverna. Poucos segundos

depois surgiram Hump e as moças. Preferiu aguardar

as explicações de Gucky.

O rato-castor apontou com um gesto triunfante em

direção à fraca luminosidade, de onde vinha o ruído

inconfundível da água. Um prato de lata tilintava.

— Afinal, alguém tem que deixar as coisas em

ordem — disse. — Vocês acham que eu teria que

lavar a louça mais uma vez? Não se preocupem o

caminho não é difícil. Tiff, você trouxe a lanterna?

— É claro, seu espertalhão. Nunca ando sem ela.

— Muito bem. Daqui em diante podemos andar.

Não é longe. A passagem não ficará mais estreita. Os

sonolentos usam-na durante a primavera, quando vão

à superfície.

— Eles podem ir à superfície? — perguntou Milly,

arregalando os olhos. — Afinal, o que são?

— Felic terá um interesse todo especial por eles —

prognosticou Gucky sem mostrar-se disposto a fazer

outras revelações.

Milly sacudiu a cabeça.

— Felic é uma botânica, Gucky. Reconheço que é

uma ciência estreitamente ligada à zoologia, mas...

— Vocês ficarão admirados — disse Gucky e saiu

balançando o corpo. A cauda larga desempenhava as

funções dum leme, ajudando-o a andar ereto como um

homem. Ajudava-o a manter o equilíbrio e servia-lhe

de apoio toda vez que parava. — Cuidado para não

bater com a cabeça. A passagem é boa para andar, mas

de vez em quando há uma rocha saliente. Os

sonolentos não são maiores que eu.

— Por que você os chama de sonolentos? —

perguntou Tiff. — Ao menos isso você pode contar.

— Poderia — disse Gucky com um sorriso

matreiro. — É que eles dormem, mas ao mesmo

tempo não dormem. O corpo dorme, mas o espírito

continua acordado. Será que vocês ainda não sentem

nada?

— Você acha que sabemos ler pensamentos? —

perguntou Milly.

— Os sonolentos também sabem comunicar-se

com seres que não sejam telepatas. Sua característica

especial consiste justamente nisso. Avisem-me

imediatamente quando sentirem alguma coisa

estranha, alguma coisa... bem, alguma coisa diferente.

Felicitas parou.

— Estou com medo — disse.

Gucky Virou-se como se alguém tivesse mordido

sua cauda.

— Está com medo, Felic? Você o sente

claramente?

A moça parecia indecisa.

— Como posso sentir claramente o medo? Estou

com medo, mais nada.

Hump pigarreou e segurou sua mão.

— Não tenha medo, meu bem. Estou ao seu lado.

Felicitas exibiu um sorriso corajoso. Tiff sorriu.

Lançou um olhar significativo para Milly.

— Como esse monstro do Hump sabe ser gentil

quando ama uma moça que combina com ele. Até já

começo a sentir mais simpatia por você, Hump.

Hump resmungou alguma coisa que ninguém

entendeu e dirigiu-se a Gucky:

— Então, onde é que estão dormindo suas lindas

criaturas do gelo?

Gucky continuou na caminhada.

— Ainda veremos se são lindas. Afinal, nem todos

têm o mesmo gosto — lançando um olhar de esguelha

para Felicitas, acrescentou: — Ainda bem!

* * *

A frota dos superpesados aproximava-se da lua

terrena.

Um tanto preocupado em virtude da palestra que

mantivera com o homem que, segundo sua opinião,

era o representante de Rhodan, Topthor instruiu seus

comandantes a não tirarem os olhos dos instrumentos

de localização. Manteve contacto ininterrupto com

Grogham.

— Será que levaram a advertência a sério,

Topthor? E se forem realmente fortes como afirmam?

Se de fato houver outras naves além da de Rhodan,

equipadas com o mesmo armamento? Não é

impossível que nos tenhamos enganado...

— Tolice! — interrompeu-o Topthor. — Em

hipótese alguma podemos admitir que alguém nos

desafie. Onde chegaríamos se permitíssemos uma

coisa dessas? Outros saberão e poderão ter alguma

ideia estúpida, como por exemplo, aumentar seus

direitos de exportação ou negociar por conta própria.

Perderíamos nosso monopólio. Se não conseguirmos

impor-nos, os mercadores estarão fritos — e nós com

eles. Se não houver mais voos em comboio para

transportar mercadorias preciosas, não teremos mais

nada a proteger.

Grogham não tirava os olhos da tela do rastreador.

— É claro que você tem razão, Topthor.

Acontece que isso não me deixa muito à vontade.

Não me esqueci da rapidez com que Rhodan destruiu

cinco das nossas naves.

Topthor não respondeu. As palavras que Grogham

acabara de pronunciar chamaram-lhe à lembrança a

primeira derrota sofrida em sua longa vida. Ainda não

conseguira explicar como Rhodan conseguira destruir

cinco de suas naves de guerra antes que começasse a

batalha propriamente dita. Rhodan devia possuir uma

arma que ninguém imaginava como seria. Atravessava

os campos energéticos e desencadeava uma explosão

fulminante no interior do objeto alvejado.

O grito de Grogham arrancou-o das reflexões.

— Ali, os terranos! A esfera-gigante dos

arcônidas. Esses traidores aliaram-se aos terranos.

A Stardust-III aproximava-se a uma velocidade

tresloucada e circulou a uma distância segura em torno

da frota de Topthor. Por enquanto nada indicava que o

ataque estivesse iminente.

Topthor lançou um olhar para os instrumentos.

— Mantenha o rumo inalterado, Grogham.

Pousaremos no ponto prefixado. Não atacaremos.

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Vamos esperar que abram fogo.

Estava lembrado de que Rhodan não destruíra suas

naves antes que estas o atacassem. Talvez o

comandante desse veículo esférico tivesse as mesmas

ideias.

Não poderia adivinhar que o comandante ainda se

chamava Rhodan. E também não podia imaginar que

este interpretava o próprio voo em direção à Terra

como uma agressão, e isso com o consentimento

expresso do imortal, que lhe entregara o transmissor

fictício.

A lua passou ao lado da nave. O globo verde-

azulado da Terra aumentava rapidamente, pois

Topthor ainda não mandara iniciar a manobra de

desaceleração. As onze naves aproximavam-se

implacavelmente do planeta que os mercadores

galácticos pretendiam incorporar ao seu império

colonial. Topthor não se sentiu muito surpreso quando

uma voz potente superou todos os transmissores de

bordo. Era a voz fria e dura que já conhecia. O sujeito

aparentemente tão inflexível não podia ser outro senão

o tal do Freyt.

— Topthor, eu o preveni. Afaste-se da Terra.

Estamos dispostos a estabelecer relações comerciais

de igual para igual com os mercadores galácticos, mas

não concordamos em submeter-nos às condições

ditadas por vocês.

— Quando tivermos chegado à Terra,

negociaremos — respondeu Topthor, que não se sentia

muito à vontade. — Nossas armas não falarão, a não

ser que vocês nos obriguem a agir de outra forma.

— Ninguém mata as galinhas cujos ovos quer

colher, Topthor. O ato de vocês só é pacífico na

aparência. Previno-o pela segunda vez. Você dispõe

de trinta segundos.

Topthor fitou a Terra, que continuava a aumentar.

Já distinguia os continentes e via as grandes cidades,

as vias de comunicação que emitiam um brilho

branquicento, o cintilar das vias férreas, as extensas

áreas cultivadas. Lá embaixo havia uma civilização,

negociava-se e ganhava-se dinheiro.

Entesou-se.

— Por que não concordam em negociar na Terra?

— Temos motivos para isso, especialmente

motivos de ordem tática. Além disso, há uma questão

de princípio — é claro que Rhodan não poderia

revelar que havia muitos outros motivos pelos quais

em nenhuma circunstância se poderia permitir que os

saltadores pousassem na Terra. O planeta ainda não

alcançara a unificação oficial e ainda não possuía uma

frota espacial que lhes permitisse rechaçar eventuais

ataques desfechados pelas civilizações galácticas. Por

enquanto o poder da Terra repousava no blefe. A

Stardust-III era o único couraçado de verdade de que

Rhodan podia dispor. — Previno-o pela última vez,

Topthor, volte antes que seja tarde. Só faltam cinco

segundos.

Tophtor deixou que também esses preciosos

segundos se passassem em vão.

Duro e rijo contemplava a tela frontal, que

revelava tudo que podia ter algum interesse para ele: a

Terra, a gigantesca nave esférica e os dez cruzadores.

Pela primeira vez na vida Topthor sentia-se inseguro.

As dúvidas atormentavam-no: seu procedimento era

acertado, ou estaria cometendo um erro?

Mas Rhodan não permitiu que a incerteza durasse

muito.

De repente Topthor viu que duas de suas naves

entraram em incandescência e caíram aos pedaços. As

peças derretidas, atraídas pela gravitação terrestre, que

já se tornara mais intensa, foram caindo em direção ao

planeta.

Em menos de dez segundos Topthor perdera duas

naves, sem que o veículo esférico tivesse esboçado o

menor movimento de ataque. Mas aquilo só podia ser

obra da gigantesca nave.

O rosto de Rhodan voltou a surgir na tela.

— Então, Topthor, você ainda quer pousar na

Terra, ou mudou de intenção? Eu lhe dou uma última

chance.

Acontece que Topthor não quis a última chance.

Continuava a acreditar na sua superioridade. Até então

suas naves não haviam disparado um único tiro. Nem

se dignou de olhar para Rhodan e não teve tempo de

ficar especulando sobre como aquele terrano, que

acreditava ser Freyt, conseguia interferir em sua rede

de televisão. Sem preocupar-se com a possibilidade de

que suas ordens pudessem ser ouvidas pelos terranos,

berrou:

— Grogham, vamos ao ataque! As naves atacarão

simultaneamente. Disparem os torpedos e os raios

energéticos. Lancem mão de todos os recursos

disponíveis.

Voltou a olhar a tela e viu o rosto do terrano, que

assumiu uma expressão de dureza.

— Topthor, foi você que quis assim — disse

Rhodan, e em sua voz havia um som metálico. —

Pouparei você e Grogham, não por compaixão ou

condescendência, mas apenas para que sobre alguém

do clã dos superpesados. Quero que os outros

saltadores saibam o que lhes acontecerá se vierem à

Terra com a intenção de conquistá-la. A Terra é mais

poderosa que todas as civilizações guerreiras da Via

Láctea, Topthor. E há mais um recado que você

poderá transmitir à sua raça. Estamos dispostos a viver

em paz com todo mundo, mas qualquer um que nos

ataque será destruído sem contemplação. O império

dos arcônidas continua a existir, e com ele prevalecem

às leis que visam à paz.

Topthor estreitou os olhos e esperou que Grogham

transmitisse e executasse a ordem que acabara de dar.

Mas antes que isso acontecesse perdeu mais duas

naves, que sem qualquer causa aparente se

dissolveram nos seus componentes atômicos.

O superpesado lançou mão das sete naves que lhe

restavam, tentando surpreender o inimigo com um

desesperado ataque. Mas os torpedos explodiram antes

que atingissem o campo energético do veículo

esférico, e os raios energéticos concentrados foram

desviados pelo envoltório protetor da Stardust-III.

Subitamente Topthor ficou com apenas cinco

naves.

Seu raciocínio não quis admitir a realidade. Não

era possível que alguém conseguisse romper os

campos energéticos sem mais esta nem aquela. Esses

terranos deviam dispor dum recurso que lhes permitia

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transformar o inimigo de um estado em outro,

convertendo a matéria em energia pura. Mas como

poderia ser feita uma coisa dessas sem que os campos

energéticos fossem tocados?

Topthor não descobriu a resposta, mas a essa hora

só lhe restavam três naves.

Com isso o instinto de autoconservação venceu a

ambição.

— Grogham, vamos embora! Transição de

emergência. O ponto de encontro é Etztak.

Bateu furiosamente na chave que o afastaria da

zona de perigo.

Grogham seguiu-o, mas a outra nave dos

superpesados não conseguiu escapar à destruição.

Volatilizou-se bem acima da atmosfera terrestre.

Nunca Perry desferira um golpe tão duro e

implacável.

Mas teve que fazê-lo, para que a humanidade

continuasse a existir.

E a humanidade havia de continuar...

4

Orlgans descobrira os terranos e fora o primeiro a

estabelecer contacto com eles, mas submeteu-se à

vontade e às ordens do patriarca de seu clã, Etztak,

que assumira pessoalmente o comando supremo. Os

saltadores não eram uma raça combativa. Em linhas

muito gerais, pareciam apenas uma raça mercantilista

que sabia impor-se. Quando houvesse necessidade de

lutar, chamava-se o clã dos superpesados para prestar

auxílio, pagava-se, a quantia combinada, e ficava-se

livre deles. Mas desta vez o caso era diferente.

No planeta Terra havia uma civilização até então

totalmente desconhecida, que num salto enorme

avançara até o estágio da Astronáutica e contava com

o apoio dos arcônidas. Era um mundo a ser explorado.

Se outros clãs viessem a saber disso, perderiam um

monopólio garantido. Por isso Etztak decidira

enfrentar sozinho a luta contra o planeta Terra e Perry

Rhodan. A luta parecia mais difícil do que era de

supor. Além disso, os superpesados apareceram em

cena, mas Etztak não tinha certeza se conheciam a

posição da Terra. Talvez estivessem blefando.

Bem, Topthor prometera dar sinal de vida.

Orlgans estava pensando nisso, enquanto descrevia

círculos cada vez mais estreitos em torno do mundo de

gelo. Vez por outra mandava disparar salvas de seus

canhões de radiações contra as montanhas de gelo e a

rocha nua, embora soubesse que isso não adiantaria

nada. O motivo de tal procedimento era puramente

psicológico.

Orlgans recuou diante da ideia de destruir esse

planeta habitável por meio duma deflagração atômica

irreversível. Uma medida dessa ordem só era

permitida quando a segurança própria dependia dela.

E o caso não era este. Dominado de raiva, Etztak

pretendia destruir um mundo apenas para vingar-se de

cinco terranos que haviam feito pouco dele.

Orlgans não precisaria fazer muita coisa. Bastaria

pousar em qualquer ponto do planeta condenado à

morte e colocar a bomba. Um mecanismo a faria

detonar dentro de determinado tempo. Depois da

detonação a bomba desencadearia uma reação em

cadeia, que prosseguiria até que a última partícula de

matéria tivesse sido consumida. A reação em cadeia

era lenta. Vários dias se passariam até que todo o

planeta estivesse transformado num sol. Mas, uma vez

iniciado, não havia como reverter o processo.

Nada poderia salvar o segundo planeta do sistema

de Beta-Albíreo.

Mas Orlgans ainda hesitava.

Se o Tribunal Supremo dos mercadores galácticos

pedisse contas do procedimento de Etztak, ele,

Orlgans, ficaria sujeito ao mesmo castigo. Tinha a

obrigação de recusar-se a cumprir a ordem absurda,

que destruiria um mundo capaz de evoluir. Mas o que

aconteceria, perguntou Orlgans de si para si, se

realmente se recusasse? Não atrairia sobre si a cólera

do patriarca? E este não lhe causaria uma série de

dificuldades?

Orlgans respirava pesadamente, enquanto fitava o

deserto de gelo que deslizava embaixo dele. O que

havia para destruir lá embaixo? Neve e gelo. Haveria

alguma vida? Só a dos cinco terranos. E daí?

Deu de ombros e pôs a mão nos controles.

Uma curva fechada levou a nave ao polo norte,

onde pousou suavemente na neve profunda. Mas a

neve não cedeu. Endurecera de tão congelada que

estava.

Orlgans ligou o intercomunicador. Esperou até que

o imediato da Orla XI respondesse ao chamado e

disse:

— Compareça à minha presença. Temos uma

missão a cumprir.

Nem desconfiava de que já iniciara o cumprimento

da tarefa, pois um dos tiros energéticos disparados a

esmo contra a superfície gelada já desencadeara a

catástrofe.

* * *

O cadete Klaus Eberhardt acabara de guardar as

panelas e os pratos lavados e divertia-se, formulando

perguntas inteiramente ociosas ao RB-013. Estava

confortavelmente deitado sobre uma coberta, aos pés

do robô, regalando-se nos raios de calor expelidos

pelo mesmo.

— Está com frio, Moisés? — indagou.

Por algum motivo desconhecido, os cinco terranos

haviam dado este nome ao robô. — Afinal, você não

tem ninguém que o aqueça.

— A pergunta teria muita lógica se eu fosse um ser

orgânico — respondeu RB-013, ou seja, Moisés. —

Mas, como não sou a pergunta não tem nenhuma

lógica.

— Só perguntei por perguntar — desculpou-se

Eberhardt. — O tempo custa tanto a passar quando os

outros não estão por aqui. Quase se chega a sentir

medo.

— Isso não tem nenhuma lógica — repreendeu-o

Moisés com a voz um tanto enferrujada. — Se os

outros estivessem por perto, o perigo não seria menor.

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Eberhardt suspirou.

— Rapaz, será que você não é capaz de se

esquecer por um instante de que é um robô? Não tem

nenhum sentimento? Conhece apenas a lógica?

— Você me chamou de rapaz, criatura esquecida.

Sou RB-013, construído em Terrânia, e pertenço à

série...

— Já sei — gemeu Eberhardt, arrependido de se

ter envolvido numa discussão com aquele sujeito, que

tinha uma resposta para tudo. — Isso só escorregou

dos meus lábios. Desculpe.

Subitamente ouviu um uivo, um forte apito, e uma

vaga de calor quase insuportável envolveu-o. As

cobertas penduradas entre as caixas foram arrancadas

e atiradas contra a parede de rocha. Mas embora as

cobertas tivessem sido afastadas, não surgiu mais luz

no lugar que correspondia à saída para a superfície. E

o frio polar não invadiu a caverna. Pelo contrário: a

temperatura subiu.

Moisés desligou automaticamente o aquecimento e

providenciou a refrigeração.

Perplexo, Eberhardt continuava deitado sobre o

cobertor. Levantou-se devagar.

— O que foi isso? O que aconteceu?

Ouviu-se um forte clique no interior do robô. Era

sinal de que estava consultando seu cérebro

positrônico. Depois respondeu:

— A entrada foi fechada por meio de raios

térmicos. Existem dois fatos que levam a esta

conclusão: o aumento de temperatura e a ausência da

luz do dia. Como terceiro fator podemos citar a falta

da correnteza de ar frio. Meu termômetro indica uma

temperatura de vinte e um graus centígrados positivos.

É ao menos uma temperatura extraordinária, desde

que minha conclusão seja correta.

— Estamos trancados? — Eberhardt empalideceu

e levantou-se. — Por causa de raios térmicos? Foram

os saltadores?

— Provavelmente. Quem poderia ter sido? Os

raios energéticos disparados por eles derreteram a

rocha e a entrada da caverna foi fechada quando a

massa derretida voltou a endurecer. Suponho que se

trate dum simples acaso.

— Isso não deixa de ser um consolo — cochichou

Eberhardt, que subitamente teve a impressão de que o

ar estava muito viciado. — Qual é a grossura da

parede?

— Poderemos verificar isso quando Gucky voltar.

Só agora se lembrou dos colegas e das moças.

— Santo Deus, e os outros? Onde estarão? Tomara

que não lhes tenha acontecido nada.

— Eles correm menos perigo que eu —

tranquilizou-o Moisés. — Esperemos calmamente até

que voltem. Aqui estamos em segurança. Ao menos

posso economizar energia, pois o calor que temos aqui

é suficiente.

— E o ar? Como é que vamos respirar quando o

suprimento de oxigênio estiver esgotado? Afinal, a

entrada está fechada.

Moisés levantou um dos quatro braços e apontou

na direção em que Gucky havia desaparecido com

seus amigos.

— Daí vem um fluxo constante de oxigênio. Nem

há necessidade de ligar meu dispositivo de renovação

de ar.

Eberhardt fitou o corredor escuro.

— Ar puro dali? Como será possível?

Pela primeira vez o robô ficou devendo a resposta.

— Não sei — confessou. — Não disponho de

qualquer indicação que me permita formular uma

explicação do fenômeno.

Eberhardt caiu sobre o cobertor. Parecia ter-se

esquecido de que se transformara num prisioneiro da

caverna.

— Graças a Deus! — gemeu satisfeito. —

Finalmente!

* * *

Tiff parou e respirou profundamente algumas

vezes.

— Tenho a impressão de que ficou mais quente. E

estou admirado de que aqui no fundo da caverna o ar

seja tão puro. Há uma explicação para isso?

O rato-castor sacudiu a cabeça.

— Em hipótese alguma eu me privarei do prazer

da surpresa — disse em tom enfático. — É claro que

existe uma explicação, mas quero que vocês mesmos a

descubram.

Não tenham pressa. Não estão sentindo nada?

Felicitas apontou para a escuridão que se

apresentava diante deles.

— Para onde você nos leva, Gucky? Ainda falta

muito? Estou com medo de verdade.

— Sim, você está com medo — confirmou Gucky.

Parecia satisfeito. — Era o que eu esperava. Você é a

pessoa mais sensível que temos por aqui, e por isso é o

melhor objeto de experiência de que dispomos.

Subitamente uma ruga vertical surgiu na testa de

Tiff.

— Ouça Gucky. Reconheço que você tem alguns

dons admiráveis, mas sempre se corre o risco de

exagerar as coisas. Você faz alusões misteriosas e nem

pensa em fornecer explicações. Tenho certeza de que

você sabe perfeitamente o que está acontecendo neste

mundo. Por que não diz logo o que significa tudo

isso?

Gucky riu satisfeito. As palavras de Tiff não

pareciam impressioná-lo nem um pouco.

— O problema é que você não quer que eu me

divirta. Se eu lhe garanto que não há o menor perigo,

isso não basta? O fato de que Felic sente medo apenas

confirma minha teoria. Daqui a pouco todos vocês

sentirão o mesmo medo. Digo isto para que estejam

prevenidos. São os pensamentos dos sonolentos, que

serão captados por seus cérebros como se estes fossem

uma antena. O que vocês sentirão são o medo de

outrem. Não o medo de vocês.

Tiff prestou muita atenção ao que estava dizendo.

A ruga da testa desapareceu.

— Afinal, você já renunciou a parte da surpresa —

constatou. — Que tal se logo nos contasse o resto?

O dente roedor de Gucky avançou por cima do

lábio.

— Em hipótese alguma! — disse energicamente.

— Prefiro teleportar-me de volta para a caverna e

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ajudar Eberhardt a lavar a louça.

Milly assustou-se.

— Não faça isso, querido Gucky. Você não pode

nos deixar sós. Hoje de noite cocarei seu pêlo durante

uma hora, se você quiser.

Gucky sorriu.

— Aceito a proposta — disse com um gesto de

condescendência. — Vamos adiante. Não deve faltar

muito.

Tiff sacudiu a cabeça.

— Pensava que você soubesse onde é.

— É claro que sei. Acontece que não percorri todo

o caminho a pé. Apenas fiz alguns ensaios. Por isso

não sei qual é a distância. Mas se não estou enganado,

depois da primeira curva deveremos enxergar a luz.

Tiff parou. Hump, que não enxergava muita coisa

sob a luz da única lanterna acesa e estava entretido

com os próprios pensamentos, esbarrou nele. Ambos

esbravejaram. Mas Tiff logo recuperou o controle.

— Luz? — perguntou.

Gucky fez um gesto impaciente com a cabeça.

Parecia lamentar-se.

— Isso mesmo, luz. Acabei contando mais uma

coisa. Daqui em diante ficarei com a boca fechada.

Caminhou para frente, sem preocupar-se em saber

se os outros o seguiam. O que poderiam fazer senão

isso? Hump resmungou alguma coisa que soava como

“falta de educação”. Ao que tudo indicava, estava

aludindo às maneiras de Gucky. No íntimo Tiff deu-

lhe razão, mas não disse nada. Também as duas moças

seguiram-no em silêncio.

A curva anunciada chegou. O corredor alargou-se.

Bem adiante brilhava uma luz.

— É mesmo! — disse Milly e estremeceu. — Uma

luz. Gucky, como é que pode haver luz por aqui, bem

embaixo da montanha? Será uma luz artificial?

— Não sei — respondeu o rato-castor, que à luz da

lâmpada tinha alguma coisa dum rato Jerry bastante

ampliado. Ao que parecia, excepcionalmente estava

dizendo a verdade.

Não fizeram outras perguntas. Seguiram Gucky,

que caminhava mais depressa.

O corredor tornou-se mais largo e mais alto. Tiff

calculou que haviam percorrido ao menos um

quilômetro. Como o chão em que pisavam sempre se

apresentara em declive suave, deviam encontrar-se

cerca de cinquenta metros abaixo da superfície. Não

havia dúvida de que a profundidade devia ser maior,

se o corredor levava para o interior da montanha.

A luz tornou-se mais forte.

Gucky deu mais um passo e entrou num recinto

amplo. Num gesto dramático levantou os braços e fez

um gesto abrangedor. Nesse instante parecia um

Napoleão em edição de bolso. Se a situação fosse

outra, Tiff não teria deixado de formular uma

observação nesse sentido; mas ficou calado.

O quadro que se apresentava diante dele roubou-

lhe a fala.

Os outros também ficaram parados e,

boquiabertos, admiravam o que estavam vendo.

Acreditaram que estivessem sonhando, mas as ondas

de pânico que passaram por eles faziam com que o

sonho fosse muito realista.

Encontravam-se num pavilhão que media algumas

centenas de metros de diâmetro. Bem no centro luzia o

espelho dum pequeno lago, em cujo centro brotava um

repuxo. Não era muito alto, mas o esguicho fino foi

pulverizado de tal forma que uma neblina quase

imperceptível descia em todos os cantos. As paredes

rochosas eram bastante irregulares e não davam

mostras de terem sido trabalhadas. Certamente os

nichos foram obra da natureza, da mesma forma que o

poço e o repuxo.

E a luz!

As quatro pessoas do grupo ficaram paradas,

olhando para cima, onde um sol brilhava no centro do

teto. Era redondo, mas seu formato não era tão

uniforme que lembrasse um sol de verdade. Antes

parecia um gigantesco diamante que irradiasse uma

incandescência vinda de seu interior, fornecendo luz e

calor.

Só agora Tiff sentiu a tepidez do ar. Não era um

calor excessivo ou desconfortável, mas a temperatura

ficava em torno de zero grau, o que naquela região

representava uma marca bastante elevada.

— Como é que esta luz pode chegar até aqui? —

perguntou Tiff.

— Deixemos a luz de lado. Ainda teremos tempo

para tratar disso. Não percebeu mais nada, Tiff?

Felicitas não se interessou muito pelo fenômeno

daquela luz estranha, para o qual não encontrou

qualquer explicação. Dedicou sua atenção aos nichos

de pedra — e soltou um grito. Não foi um grito de

susto ou de pavor, mas apenas de surpresa.

Os outros se esqueceram por um momento do sol

de pedra e seguiram na direção apontada por seu braço

estendido. Apoiado sobre a cauda, Gucky cruzou as

patas dianteiras e sorriu.

— Flores! — gaguejou Felicitas e deu um ou dois

passos em direção ao nicho, que ficava a menos de

vinte metros. — Flores de verdade, e bem embaixo da

superfície.

Era isso mesmo. Tiff não pôde negar que a jovem

botânica dissera a verdade. Nos nichos cresciam

plantas em formato de tulipas, numa profusão

conhecida apenas nas florestas tropicais. Estavam tão

amontoadas que não haveria mais lugar para uma

única que fosse. Exalavam um cheiro forte, que enchia

todo o recinto. Tiff admirou-se ligeiramente de não ter

notado o cheiro antes.

— Venham! — convidou Gucky. — Dêem uma

boa olhada no jardim botânico. Vale a pena.

Insatisfeito como sempre, Hump resmungou:

— Pensei que tivéssemos vindo para fazer uma

visita às inteligências semiadormecidas, e acabamos

parando num jardim de tulipas.

— As flores que crescem neste mundo de gelo só

por si representam um milagre — obtemperou Tiff. —

Por que não vamos contemplar o milagre? Felic deve

ter um interesse todo especial pelo mesmo.

Parecia que Gucky nunca queria parar com seus

sorrisos.

Tiff seguiu Felicitas, que fora ao nicho mais

próximo e se inclinava para olhar as tulipas mais de

perto. Os outros também não tiveram coisa melhor a

fazer senão dedicar uma atenção toda especial às

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plantas.

Realmente lembravam tulipas, mas tulipas

grandemente ampliadas, que teriam causado orgulho a

qualquer floricultor terreno. Os longos talos

sustentavam enormes coroas, que se mantinham

fechadas. O formato típico das tulipas era

inconfundível. O vermelho e o alaranjado dominavam

o quadro, mas também havia flores azuis, amarelas e

roxas.

Na parte de baixo as raízes mergulhavam na terra

fofa. Realmente, havia porções de terra fofa. Até

parecia que um jardineiro cuidadoso preparara a terra

especialmente para servir àquelas plantas.

Felicitas voltou a endireitar o corpo.

— São flores; talvez se trate duma variedade de

tulipas. Como vieram parar aqui? Alguém deve tê-las

plantado.

— Talvez tenha sido um dos sonolentos —

conjeturou Tiff em tom inseguro.

— Foi o que pensei no início, Tiff. Pensei que os

sonolentos apreciassem as flores. Mas de certa forma

eu me enganei. Dê uma boa olhada nas flores, Felic.

Não está notando nada?

A botânica voltou a inclinar-se e submeteu as

flores a um exame mais detido. Não teve necessidade

de esforçar-se muito, pois as flores tinham quase um

metro de altura. Estreitou os olhos quando viu uma

fenda fina, mas bem fechada, que circundava a corola.

Cada pétala da flor tinha uma fenda desse tipo.

— Talvez sejam plantas carnívoras — conjeturou,

mas pelo tom de sua voz percebia-se que não estava

muito convencida do acerto da suposição. — O fato é

que dispõem de aberturas que podem ser fechadas à

vontade.

De repente Gucky soltou uma gargalhada chiante e

começou a dançar sobre suas pernas curtas. Emitiu

sons estridentes, que por certo se destinavam a revelar

sua alegria.

— Adivinhou! — exclamou depois de algum

tempo, enquanto Tiff e Hump se fitavam numa

estranha harmonia. Naquele momento deviam ter a

mesma idéia. Ao que tudo indicava, acreditavam que o

rato-castor tivesse perdido o juízo.

Mas logo descobririam que não era nada disso.

Quando Gucky conseguiu acalmar-se, disse:

— É verdade: podem abrir e fechar as fendas à

vontade. Mas estas não são órgãos de nutrição.

Prestem atenção para ver o que vai acontecer. Depois

vocês saberão.

Colocou-se ao lado de Felicitas e tocou uma das

plantas com a pata de veludo. Ficou acariciando as

pétalas vermelhas com a suavidade de quem está

lidando com um ser amado.

E o milagre aconteceu.

A tulipa abriu as fendas estreitas.

Os quatro humanos, estupefatos, depararam-se

com um verdadeiro olho que os fitava curiosamente.

— Permitem que lhes apresente os sonolentos? —

disse Gucky com uma mesura impecável.

* * *

Orlgans contemplou o oficial, quando este,

auxiliado por alguns homens, colocou a bomba no

gelo. Os radiadores térmicos abriram um buraco

profundo até que, ultrapassada a camada de neve,

encontraram o gelo firme. O buraco encheu-se de

água, mas isso não prejudicaria a execução do plano.

A água é uma matéria estável, tal qual o gelo ou a

neve.

Finalmente Raganzt inclinou-se sobre a bomba e

pôs a funcionar o mecanismo de relógio. Após isso, o

instrumento mortal da destruição absoluta foi

colocado no buraco por meio duma corda.

Orlgans continuava calado. Transmitira a ordem

irresponsável, mas não fez a menor tentativa de

impedir sua realização. Ainda não era tarde para isso.

Só dali a trinta minutos seria desencadeada a reação

em cadeia. Se isso acontecesse no espaço cósmico, ela

logo se extinguiria, pois a matéria ali existente é tão

tênue que não permite o desenvolvimento do processo.

Orlgans nem estava pensando nisso. Desejava sair

quanto antes desse planeta, que logo se transformaria

num inferno — num inferno criado por suas mãos.

Acompanhado de Raganzt e dos outros homens do

grupo, voltou à nave. Uma vez na sala de comando,

entrou em contacto radiofônico com Etztak e anunciou

o cumprimento da ordem.

O patriarca parecia satisfeito, mas não conseguiu

ocultar o nervosismo.

— Volte imediatamente. Acabamos de receber

uma mensagem de Topthor. Realizou um salto de

emergência para fugir da Terra. Sua frota de guerra foi

destruída, com exceção de duas naves. Recusa-se a

prestar-nos auxílio e decidiu voltar à sua base.

Orlgans venceu o primeiro susto.

— Ele se recusa? — cochichou espantado. — Um

superpesado recusa-se a lutar em troca de dinheiro?

Uma coisa terrível deve ter acontecido.

— Possuía dezesseis naves, e agora só possui duas.

E lutou contra um único terrano.

— Foi Rhodan!

— Isso mesmo, lutou contra Rhodan.

Receio que o mesmo ainda nos dê trabalho por

aqui. Talvez seria preferível se batêssemos em

retirada.

— Sem destruí-lo? — disse Orlgans, admirado

pela súbita mudança que se processara no espírito do

patriarca. — Isso seria uma derrota.

— Poderíamos voltar mais tarde. Afinal, os

terranos são uma raça tão subdesenvolvida que não

poderão enfrentar os saltadores por muito tempo. Sua

aparente superioridade provém exclusivamente do fato

de que alguns arcônidas lhes dão auxílio. Mas não se

trata apenas disso. Esse Rhodan conhece a posição do

planeta da vida eterna, e faço questão que ele me

revele a mesma.

— Será que fará isso? — disse Orlgans,

manifestando uma dúvida até certo ponto justificada.

— Terá que fazê-lo... um dia! — afirmou Etztak,

seguro de si. — Voltarei com uma frota enorme e...

O rosto desapareceu da tela. O contacto sonoro foi

mantido. Orlgans ouviu gritos de pavor, seguidos de

vozes de comando. Finalmente, depois de alguns

minutos de incerteza, o rosto de Etztak voltou a surgir.

Nos olhos do velho patriarca brilhava a insegurança e

o medo, mas também uma decisão implacável.

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— Apresse-se, Orlgans! Decole imediatamente,

mas tenha cuidado quando chegar aqui. Os dois

cruzadores terranos voltaram a atacar, mas desta vez o

ataque é sério e mortal. Dispõem de armas espantosas.

Defendemo-nos contra eles, mas ao que tudo

indica receberam outras instruções.

Não se deixam pôr em fuga.

— Quem sabe se não conseguimos surpreendê-los

se viermos de outra direção? — sugeriu Orlgans, mas

logo se arrependeu do que acabara de dizer. Como

tivera a ideia de atacar sozinho dois cruzadores que

toda a frota de Etztak não conseguira vencer?

— Tente — confirmou o velho e de permeio deu

outras ordens. — Mas se for atacado, retire-se.

Mais uma vez o patriarca confirmou com um

movimento de cabeça. Após isso, a tela escureceu.

Orlgans aguardou por alguns segundos. Depois

disso suas mãos hábeis passaram pelas chaves e

botões dos controles automáticos. Um zumbido soou

no interior da nave. Por um instante, Orlgans

perguntou de si para si onde ficara a nave que devia

acompanhá-lo na missão, mas a idéia de que alguém

teria que controlar o espaço aéreo logo o tranqüilizou.

Mas era de estranhar que não conseguia estabelecer

contacto.

A Orla XI decolou.

Lá embaixo, em meio ao gelo eterno, ficou um

buraco negro e quadrado, que abrigava a morte de

todo esse mundo. Orlgans estremeceu à simples ideia

do que aconteceria ali dentro de pouco tempo. Uma

explosão atômica normal liberaria um calor tamanho

que a neve e o gelo seriam derretidos num raio amplo.

Mas o fenômeno não se restringiria à explosão. De

início ocorreria a transformação dos elementos mais

leves, cuja estrutura atômica se desagregaria,

convertendo-se em energia. Depois seria a vez dos

elementos pesados, e o processo prosseguiria até que o

próprio núcleo do planeta se transformasse num

inferno em chamas. O sistema de Beta-Albíreo teria

mais um sol.

Apesar das ordens de Etztak, Orlgans tinha motivo

para recorrer mais uma vez à sua tática de

retardamento. Não se sentia muito atraído pela

perspectiva de engalfinhar-se numa luta contra os dois

cruzadores, e ficaria satisfeito se as naves terrenas se

retirassem antes que atingisse o setor em que se

encontrava seu grupo.

Mas de repente, enquanto deslizava calmamente

sobre a superfície branca sem pensar em ganhar

altitude, uma coisa muito estranha aconteceu a menos

de cem quilômetros do lugar em que fora colocada a

bomba mortífera.

Raganzt saíra da sala de comando para fiscalizar

os preparativos a serem tomados nos postos de

combate. De repente Orlgans sentiu que não estava só.

Tinha a impressão de que alguém se encontrava atrás

dele, olhando seus dedos.

Virou-se repentinamente — e deparou-se com o

ser mais estranho em que jamais havia posto os olhos.

Devia ter cerca de um metro de altura e tinha o

formato dum rato grandemente ampliado. Apoiava-se

sobre a cauda larga e contemplava-o com uma

expressão suave nos olhos.

Era Gucky!

Evidentemente Orlgans não sabia quem era Gucky

ou o que sabia fazer. Para ele o estranho intruso era

apenas um animal, mas não sabia se o animal era

agressivo ou inofensivo.

Por um instante Orlgans pensou que se tratasse

dum habitante desse mundo inóspito, que conseguira

penetrar na nave enquanto a mesma estava pousada na

zona polar. Mas só acreditou nisso até que Gucky

fizesse sua auto-apresentação.

E a apresentação foi feita no mais genuíno

intercosmo.

— Então um assassino é assim — disse Gucky.

Orlgans tornou-se um pouco mais pálido quando o

animal lhe dirigiu a palavra. O que acabara de dizer

não era tão importante, mas o fato de que falava

representava uma terrível realidade. Por um instante

Orlgans se esqueceu de que havia muitas raças

inteligentes no Universo, muitas das quais não têm

aspecto humano.

— Quem é você? — perguntou, sem conseguir

recuperar-se do espanto e do susto. Esqueceu-se por

completo da pistola de radiação que trazia no cinto.

— Meus amigos costumam chamar-me de Gucky,

e um dos meus amigos é Perry Rhodan. Está curioso

para saber como consegui entrar na nave? É simples:

sou um teleportador. Sim, e também sou um telepata;

espero que isto o tranqüilize. Ah, o fato o deixa

intranqüilo? Não há nada que eu possa fazer.

— O que deseja? — gemeu Orlgans.

— Você ainda se atreve a perguntar, assassino?

— Por que vive me chamando de assassino?

— Porque você quer destruir um mundo no qual

existe vida, e vida inteligente, Orlgans. Você será

punido por isso.

— Quem deu a ordem foi Etztak. É ele que terá de

dar contas ao Tribunal Supremo, não eu...

— Não acreditamos muito nos tribunais dos

saltadores — chiou Gucky. — O castigo será aplicado

por nós.

Orlgans voltou a tornar-se mais pálido. A mão

direita executou um movimento rápido em direção ao

cinto, mas a pistola foi mais rápida. Saiu do coldre por

si mesma e subiu em direção ao teto, onde parou como

se alguém a segurasse.

— Esqueci-me de mencionar uma coisa —

desculpou-se Gucky em tom zombeteiro. —Também

sou um telecineta. Como já disse, vim para julgá-lo.

— Exijo um julgamento regular — berrou Orlgans

na esperança de que alguém o ouvisse. — Ninguém

pode ser castigado sem que haja uma sentença.

— Uma sentença? — respondeu o rato-castor. —

A sentença já foi proferida. Por ela você é condenado

à morte.

— À morte? — O saltador recuou instintivamente.

— Quem se arroga o direito de condenar-me à morte?

— Quem foi condenado não foi apenas você, mas

toda a tripulação desta nave —explicou Gucky. —

Você quer saber quem o condenou à morte? Muito

bem, eu lhe direi. Foram aqueles que você condenou à

morte. E todo um mundo foi condenado à morte por

você.

— Todo um mundo? — disse Orlgans num

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espanto genuíno. — Este planeta está coberto de neve

e gelo. Ninguém pode viver nele.

— Você está enganado! — subitamente a voz de

Gucky tornou-se aguda e estridente. Os pelos da nuca

eriçaram-se. — Neste mundo vivem os sonolentos,

uma raça muito inteligente em comparação com seus

companheiros de espécie de outros mundos. Sabem

que no polo foi colocada uma bomba que pode

explodir a qualquer instante. E sabem que a mesma

provocará uma reação de cadeia que não poderá ser

detida. E sabem mais do que isso, Orlgans: sabem que

terão de morrer, porque seu mundo deixará de existir.

E eles me incumbiram de punir o assassino.

Orlgans ouvira-o num espanto crescente. Vez por

outra lançava um olhar sobre a pistola inatingível, que

continuava pendurada sob o teto. Então havia vida

nesse mundo? Não contara com essa possibilidade.

Será que isso o liberava da culpa?

Gucky sacudiu a cabeça.

— Não, de forma alguma, Orlgans. A sentença dos

sonolentos está conforme o direito.

O comandante dos saltadores olhou para a tela.

— Estamos pousando. O que aconteceu? Por que

estamos pousando?

— Assumi o controle da nave — esclareceu

Gucky. — Conforme se constata, a mesma pousará a

menos de trezentos quilômetros do pólo. A bomba

explodirá dentro de três minutos. No momento não

lhes fará nada. Dentro de três minutos terão que

abandonar a nave. Não terão tempo de emitir um

pedido de socorro dirigido a Etztak. É que exatamente

daqui a três minutos a nave irá pelos ares. Entendido,

Orlgans?

Orlgans havia entendido, embora não

compreendesse por que sua nave teria que ir pelos

ares. Mas afinal já vira alguns exemplos.

A nave pousou suavemente.

— Vamos transmitir as instruções necessárias aos

tripulantes — recomendou Gucky. — Não têm tempo

sequer para levar mantimentos. Mas isso não faz mal.

Vocês terão que passar fome até que sejam atingidos

pela deflagração atômica.

Orlgans tremia que nem uma vara verde.

— Isso é uma crueldade! Vocês não nos podem

expor a um destino desses. Por que não nos matam de

uma vez?

— Farei com que vocês tenham algumas pistolas

— afirmou Gucky sem a menor contemplação. —

Quem quiser poderá fazer uso delas. Não impedirei

ninguém de fazê-lo. Quanto a mais, nada posso fazer

por vocês. Uma raça moribunda manifestou seu último

desejo. Eu apenas o cumpro.

Cerca de noventa segundos depois, Gucky viu do

cume duma montanha como os saltadores evacuavam

a nave. Alguns os faziam devagar e a contragosto. O

prazo que lhes fora fixado não lhes dava possibilidade

de levar mantimentos ou qualquer equipamento.

Raganzt foi à sala de comando e procurou entrar em

contacto com Etztak, mas teve que constatar que os

aparelhos de rádio estavam sem energia. Gucky não se

esquecera de nenhum detalhe.

E a nave entrou em incandescência. A mesma

começou na popa e propagou-se rapidamente. Os

instrumentos atingidos em primeiro lugar explodiram.

Quando o círculo de fogo atingiu o arsenal, uma

explosão final rasgou a nave.

Alguns dos saltadores, que não se haviam afastado

o bastante, foram soterrados pelos destroços. Os

outros corriam o que davam as pernas. E Gucky

constatou bastante contrariado que se dirigiam para o

sul, afastando-se do polo.

Teriam que correr bastante se quisessem escapar à

deflagração atômica, que naquele instante se iniciava

no polo norte.

5

— Os sonolentos são flores?

Tiff proferiu estas palavras em tom incrédulo,

olhando para Felic, como se esta pudesse dar resposta

à sua pergunta. Gucky encarregou-se disso.

— Já conversei com eles, Tiff, e acho que sei

quase tudo a seu respeito. No verão vivem na

superfície, no inverno voltam para cá. O poço fornece-

lhes água e do solo extraem o alimento. Lá em cima

brilha o sol eterno. Eles mesmos não sabem dizer

como foi parar lá. Mas sabem que existem outras

cavernas onde brilham sóis semelhantes a este. Dizem

que foram criados pelos deuses. Talvez tenham sido

seus antepassados, tecnologicamente mais avançados

que eles, mas que acabaram desaparecendo.

— Como fazem para ir até lá em cima no verão?

— indagou Hump. Em sua voz havia uma ligeira

ironia. — Será que vão caminhando pela caverna?

Gucky continuou sério.

— Isso mesmo, caminham. Têm pezinhos

delicados, que também desempenham as funções de

raízes. Podem mergulhar esses pés no solo a fim de

absorver água e alimentos. No verão levam vida

nômade; andam de um lugar para outro. E o verão

também é o tempo da fecundação. Os sonolentos são

polissexuados. Cinco indivíduos de sua raça formam

um casal. Vocês devem ter notado que as flores têm

cinco cores principais.

Tiff inclinou-se para frente. Seu rosto estava

transformado num ponto de interrogação.

— Como é que você conversa com eles? São

telepatas?

— Isso mesmo. São telepatas de elevada potência.

Captam as emissões mentais a grande distância e são

capazes de receber as que vêm das profundezas do

espaço. É esta sua única distração durante os anos de

sonolência.

— Que idade eles atingem?

— Chegam aos duzentos anos, pela contagem

terrena. Quer dizer que seu tempo de vida abrange um

verão e um inverno — Gucky inclinou a cabeça e

parecia escutar alguma coisa. Seu dente roedor

desapareceu e tudo indicava que não tinha a menor

vontade de reaparecer.

Aproximou-se da tulipa vermelha, que estava com

os cinco olhos arregalados, fitando-o. Havia uma

estranha semelhança entre os olhos da tulipa e os de

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Gucky. Tinham em comum não apenas a cor castanha,

mas também a expressão de bondade e lealdade.

Gucky permaneceu na mesma posição por cerca de

três minutos. Depois levantou a cabeça.

— Se vocês se esforçarem, compreenderão seus

pensamentos. Infelizmente terei que deixá-los sós por

cinco minutos. Uma coisa horrível acaba de acontecer.

Os saltadores desencadearam um incêndio atômico

neste planeta. É um incêndio que ninguém poderá

apagar. Colocaram uma bomba que explodirá dentro

de cinco minutos. Não poderei removê-la, já que o

processo que se desenvolve no interior da bomba já

foi iniciado. É tarde. Este mundo está perdido. A única

coisa que posso fazer é vingá-lo.

Subitamente os quatro humanos viram-se a sós

com os sonolentos. Gucky desaparecera sem despedir-

se, a fim de executar a sentença de morte proferida

pelas tulipas.

Tiff procurou dar um tom de realidade à situação

fantasmagórica. A planta continuava a olhá-lo

fixamente, e subitamente sentiu que falava a ele.

Parecia alguma coisa que tateava em seu cérebro, que

procurava tocar levemente em sua consciência.

“Vocês não são maus”, disse o sonolento, ou seria

a sonolenta? — em silêncio. “E vocês não sabiam que

este mundo é habitado. Seus inimigos querem destruí-

los, mas destroem nosso mundo. São maus e

perversos.”

— Serão castigados por isso — murmurou Tiff,

embora soubesse que suas palavras representavam um

consolo muito débil.

Viu que Hump e as duas moças se mantinham

imóveis, escutando. Também deviam ter

compreendido a voz silenciosa.

— Sim, eles vão morrer. Mas nossa raça morrerá

com eles. Ninguém pode extinguir o incêndio atômico

que acaba de ser ateado ao nosso planeta. A história

dos sonolentos, que é o nome que vocês nos dão, está

chegando ao fim.

— Se tivéssemos uma nave que nos salvasse,

poderíamos levá-los. Ao menos poderíamos levar

alguns de vocês, para evitar a extinção da raça —

disse Tiff, e no mesmo instante deu-se conta de que

não só estes seres estranhos estavam perdidos. Se

Rhodan não acorresse em seu auxílio, ele e seus

companheiros também estariam liquidados. — Acho

que ainda não devemos renunciar a todas as

esperanças.

— Tiff — interrompeu-o Felicitas que

compreendera tudo. — De qualquer maneira devíamos

tentar salvar alguns dos sonolentos. Se Rhodan chegar

em tempo, poderemos evitar o extermínio da raça.

Posteriormente encontraremos um mundo desabitado

em que poderá começar de novo.

Tiff confirmou com um aceno de cabeça e

inclinou-se para o sonolento que estava acordado.

— Compreendeu o que ela acaba de dizer?

Faremos o possível para conservar sua raça. Mas será

uma decisão muito difícil para vocês. Talvez

poderemos levar alguns, mas não podemos levar

todos. Quem fará a escolha?

A onda de pânico tornou-se mais intensa, mas foi

superada pelos pensamentos da tulipa vermelha.

“Todos nós temos apego à vida, mas a

conservação da raça é mais importante que a

existência do indivíduo. Escolherei dez casais, isto é,

cinquenta exemplares jovens e saudáveis de nossa

raça. Estes irão com vocês.”

— Irão? — indagou Tiff em tom de dúvida.

“Conforme leio nos seus pensamentos, vocês têm

caixas. Uma dessas caixas será suficiente para

abrigar os exemplares escolhidos. E não são muito

pesados. Seu amiguinho Gucky não terá a menor

dificuldade em transportá-los pela maneira estranha

que lhe é peculiar. Mais tarde, dentro de vários

milênios, os terranos terão um aliado que lhes será

eternamente grato: nossos descendentes.”

— Vamos esperar a volta de Gucky — sugeriu

Tiff. — Até lá queremos aprender tudo que devemos

saber a respeito de vocês. Vocês inspiram gás

carbônico?

“E expiramos oxigênio” confirmou a tulipa

vermelha. “Mas só quando brilha o sol, ou quando,

durante o inverno, somos acalentados por nosso sol

artificial.”

— Vocês são aparentados com as plantas do

planeta Terra — disse Tiff e viu que Felicitas ia de um

nicho a outro, e vez por outra arrancava

cuidadosamente uma das tulipas.

As flores tinham raízes muito longas, que eram

enroladas assim que perdiam o contacto com o solo.

— Assim ocupam menos lugar — disse o

indivíduo que até então lhes falara em silêncio. —

Aguentam muitos dias sem água e alimento. Se não

forem expostas a condições extremamente adversas,

não morrerão.

— Se nós formos salvos, elas também o serão —

prometeu Tiff.

Nesse meio tempo Felicitas conseguira arrancar as

cinquenta plantas e reuni-las num feixe. Na maior

parte das vezes os olhos permaneciam fechados, mas

os quatro seres humanos sentiram a intensificação das

ideias de pânico. Estas passavam sobre eles como as

ondas dum oceano, crescendo e diminuindo a

intervalos regulares. Era o canto fúnebre desolado

duma raça condenada à extinção.

Subitamente Gucky estava novamente entre eles

sem que se fizesse anunciar. Em seus olhos castanhos,

geralmente tão bondosos, brilhava alguma coisa que

Tiff nunca vira neles. Era o ódio.

— Os assassinos deste mundo morrerão com ele

— disse sua voz aguda. — Destruí sua nave e eles não

têm a menor possibilidade de sair deste planeta. Pelo

que li nos pensamentos do tal do Orlgans, Etztak anda

tão ocupado que não terá tempo de preocupar-se com

eles. Além disso, o patriarca não sabe o que

aconteceu. Acredita que Orlgans está regressando de

sua missão infame. O assassino morrerá juntamente

com suas vítimas.

— E nós? — perguntou Tiff. — Não morreremos

com eles?

Gucky não deu atenção às suas palavras.

Prosseguiu:

— Aconteceu mais uma coisa. Uma das naves dos

saltadores, provavelmente a de Orlgans, atingiu a

entrada da caverna com um disparo de canhão de

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radiações. A rocha derreteu-se. Estamos fechados.

Para mim isso não representa qualquer obstáculo, pois

posso transportar-me por meio da teleportação. Mas

será difícil levar vocês através da grossa parede de

rocha que nos separa do exterior.

Tiff empalideceu.

— Estamos fechados? — soltou um gemido

desesperado. — Era só o que faltava. O que será de

nós?

Felicitas aproximou-se. Carregava nos braços o

último feixe de tulipas. Ouvira as palavras que Gucky

acabara de pronunciar.

— Estamos fechados? Neste caso os sonolentos

estão perdidos, inclusive os que pretendíamos salvar.

— Ainda podemos contar com Moisés, que é

nosso robô — disse Hump sem demonstrar muita

esperança. — Talvez possa ajudar-nos.

— Sem dúvida — confirmou Gucky. — Dispomos

de pelo menos dois dias até que o incêndio atômico

atinja a zona equatorial.

A energia de Moisés será suficiente para abrir a

parede de rocha. Teremos que contar com uma intensa

geração de calor, mas a caverna é bastante profunda.

Quanto a Moisés, este saberá cuidar de si.

— Quando conseguirmos chegar lá fora, só faltará

Rhodan para completar nossa felicidade — observou

Milly com a voz tímida.

— Se soubesse como está nossa situação não

perderia um segundo; viria imediatamente em nosso

auxílio.

— No momento Rhodan tem outras preocupações

— disse Tiff, mas o tom de sua voz não era muito

convincente. — Tenho certeza de que se lembrará de

nós, quando tiver tempo.

— Ele tem tempo — disse Gucky, encerrando o

tema. — Não acredito que ele nos deixe na mão.

Felicitas lembrou-se da tarefa que tinha de

cumprir.

— Gucky, será que você pode trazer uma caixa

alongada na qual possamos guardar os sonolentos?

Prometemos...

— Já sei — interrompeu Gucky. — Um instante.

Mais uma vez deixou-os sós.

* * *

Orlgans sabia que ele e seus homens estariam

perdidos se não recebessem socorro.

Uma luz ofuscante que brilhava ao norte

anunciara-lhe o início da desastrosa reação em cadeia.

Numa fuga precipitada correra para o sul em

companhia de alguns dos seus homens, assim que a

nave explodiu. Empreendendo uma verdadeira marcha

forçada, percorreram quase quarenta quilômetros no

primeiro dia, atravessando o deserto de gelo e

deixando para trás o furioso incêndio atômico que os

ameaçava, e que já dava sinal de si através de alguns

rios, que corriam para o sul apesar do tremendo frio.

Ficara mais quente, conforme Orlgans pôde constatar

em seu instrumento de pulso, muito embora a

temperatura ainda fosse de cinqüenta graus

centígrados abaixo de zero. Os rios voltaram a

congelar, mas as massas de água aquecida corriam por

cima deles, apenas para congelar também.

As barreiras de gelo dificultavam a marcha.

Quando os dois sóis desceram abaixo do horizonte,

a noite desceu sobre o planeta.

Mas a temperatura, em vez de diminuir, aumentou.

Os rios não congelavam mais; corriam furiosamente

para o sul. Enchiam os vales largos e pouco profundos

com as massas de água borbulhantes e fumegantes,

que vez ou outra penetrava nas cavernas, sufocando

todas as formas de vida subterrânea.

Ao raiar do dia, uma terrível luz vermelha brilhava

ao norte, bem acima do horizonte. A temperatura

subira a zero grau, e a neve derretia em todos os

lugares. Os rios subiam.

Orlgans e seus homens esforçaram-se para ganhar

altura. Depois duma marcha longa e penosa eles

chegaram a um platô, coberto apenas por uma fina

camada de gelo. De todos os lados desciam as

encostas íngremes, um fato que garantia a drenagem

do platô. Ao menos não morreriam afogados.

Será que isso era uma vantagem?

Orlgans parou e olhou para o norte, onde a

luminosidade se tornara mais intensa. O céu parecia

arder. Colunas gigantescas de chamas turbilhonantes

deslocavam-se que nem um furacão no sentido da

rotação do planeta. O novo oceano bramia em torno

do platô. Os saltadores perceberam que a elevação em

que se encontravam não passava duma ilha cercada

pelo grande oceano. A retirada lhes havia sido cortada.

Estavam irremediavelmente perdidos.

Raganzt estreitou os olhos e virou o rosto para o

norte.

— Estamos perdidos — disse, esforçando-se para

dar um tom firme à voz. —Estamos numa armadilha.

Se aqui houvesse árvores, poderíamos construir uma

jangada.

A correnteza do mar nos levaria para o sul.

— Morreremos queimados — confirmou Orlgans

com a voz trêmula. — Este planeta morrerá uma

morte terrível.

— E nós morreremos com ele — constatou

Raganzt. — Isso se Etztak não aparecer em tempo

para salvar-nos. Afinal, já estamos atrasados um dia.

Bem que poderia imaginar que houve algum

imprevisto.

— Ele sabe que o planeta está em chamas. Talvez

pense que já estamos perdidos. Veja Raganzt, o

incêndio atômico. Avança mais depressa do que

qualquer pessoa poderia correr. E a temperatura

continua a subir. Por enquanto a refrigeração de

nossos trajes espaciais ainda nos oferece alguma

proteção. Mas daqui a pouco eles não servirão para

mais nada.

O mar que se agitava em torno das costas rochosas

começava a fumegar cada vez mais. Em alguns

lugares já chegava a borbulhar. Os dois sóis já haviam

desaparecido atrás das nuvens cada vez mais densas,

que num gesto de misericórdia ocultava das estrelas o

rosto do planeta que se debatia nos estertores da

morte.

O chão começou a esquentar. Não se podia ficar

mais de trinta segundos no mesmo lugar. O resto do

gelo já havia derretido.

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A cortina de fogo, vinda do norte, precipitava-se

em direção ao lugar em que se encontravam. A reação

em cadeia não atingira somente a terra e a água, mas

também se desenvolvia na atmosfera. O ar ardia.

Transformava-se em energia.

O mundo submergiu.

Quando o inferno em fúria chegou às montanhas e

a onda de calor que precedia a catástrofe passou sobre

o platô, não encontrou mais nenhuma forma de vida.

Orlgans e seus cúmplices haviam morrido da

mesma morte que destinaram aos outros.

* * *

Etztak teve de esforçar-se bastante para conservar

a calma.

Os ataques-relâmpago dos dois cruzadores

terranos, que eram esferas de duzentos metros de

diâmetro, exigiam toda sua atenção. Orlgans ainda não

regressara, e o comandante da nave que o

acompanhara não sabia dar qualquer informação. O

contacto pelo rádio foi interrompido de uma hora para

outra, mas isso não significava necessariamente que

havia algo de anormal. Até mesmo a tecnologia mais

avançada não está livre de falhas. De resto, Etztak não

teve tempo de refletir a ausência de Orlgans. De

qualquer maneira, suas ordens foram cumpridas. O

segundo planeta começava a arder. A fogueira

atômica, iniciada no polo norte, espalhava-se de

maneira uniforme em direção ao sul.

Rhodan devia saber que ninguém se intromete nos

negócios dos mercadores galácticos sem receber o

castigo merecido.

Etztak já havia perdido duas de suas naves não

adaptadas a uma batalha aberta, quando recebeu uma

mensagem de Topthor, o superpesado. Era uma

mensagem lacônica:

Para Etztak, patriarca do clã.

Oferta recebida e recusada. Não estou

disposto a entrar em ação. Rhodan é

muito forte. Aconselho a retirada.

Topthor Clã dos superpesados.

Furioso, Etztak contemplou o radiograma,

expedido num sistema estelar situado a mais de

15.000 anos-luz. Então Topthor resolvera colocar-se

em segurança juntamente com os restos miseráveis de

sua frota. Ninguém poderia levar a mal essa atitude.

Mas Etztak sentiu-se decepcionado.

Enquanto refletia, dando-se conta de como estava

só de uma hora para outra, sentiu uma correnteza de ar

na sala de comando.

Era estranho, pois todas as portas estavam

fechadas e não havia ninguém além dele na extensa

sala.

Ao menos um segundo atrás ainda não havia.

Horrorizado, Etztak fitou o fantasma escuro que

materializou do nada e, exibindo um amplo sorriso,

fez uma mesura. Usava uniforme, mas não envergava

traje espacial. Uma cabeleira negra encarapinhava-se

na cabeça parda; embaixo dos olhos bem abertos via-

se um nariz achatado. Entre os lábios brilhavam duas

fileiras de dentes alvos. As mãos escuras do fantasma

seguravam um papel, que contrastava estranhamente

com o vulto escuro.

— Não se assuste Etztak — disse o fantasma em

intercosmo. — Sou Ras Tshubai e pertenço ao

exército de mutantes de Perry Rhodan. Meu

comandante mandou que viesse até aqui para entregar-

lhe um ultimato. Aliás, sou um teleportador, e por isso

não tive a menor dificuldade em penetrar em sua nave.

Naturalmente Etztak já ouvira falar em seres

inteligentes que possuíam o dom da teleportação. As

experiências até então feitas com os terrenos

indicavam que essa raça conseguira desenvolver

faculdades extraordinárias. Aos poucos venceu o

espanto.

— Foi Rhodan que o mandou? — perguntou para

certificar-se. Seus instrumentos ainda não haviam

registrado qualquer abalo. Pelo que sabia Rhodan não

podia encontrar-se nas proximidades. — Por que não

vem pessoalmente?

— Seria melhor para o senhor que não viesse —

disse o robusto negro e estendeu-lhe a folha de papel.

— Leia. Depois conversaremos.

Etztak segurou o papel. À primeira vista percebeu

que estava escrito em intercosmo. Não era de admirar

que os terranos, até então uma raça desconhecida,

dominassem essa língua, pois os arcônidas lhes

vinham ensinando.

Sem dar atenção a Ras Tshubai, pôs-se a ler:

Para Etztak, patriarca de seu clã

de saltadores. Destruí a frota de

guerra dos superpesados. Apenas

poupei Topthor e Grogham, a fim de

que possam retornar para junto de

seu clã e prevenir o mesmo de que

nunca mais deve aproximar-se da

Terra, a não ser para fins de

negociação. E dou uma última

chance ao senhor, Etztak. Desde que

se retire dentro de dez horas, nada

lhe acontecerá. Daqui a dez horas

irei ao sistema de Beta-Albíreo para

retirar meus homens que se

encontram no segundo planeta. Se

ainda o encontrar por lá, eu o

destruirei. Não se atreva a lançar

novos ataques contra o segundo

planeta. Meus cruzadores

receberam instruções para impedi-

lo. O senhor dispõe de dez horas.

Aproveite-as. Quando avistar minha

nave, será tarde.

Perry Rhodan Terra.

Etztak leu o ultimato duas vezes e num movimento

vagaroso colocou o papel sobre a mesa. Sentou. Por

um instante parecia ter esquecido a presença do

terrano negro.

Será que Rhodan ainda não sabia que um incêndio

atômico havia sido deflagrado no segundo planeta?

Não seria onisciente, como tudo parecia indicar?

Ras Tshubai pigarreou.

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— Meu comandante gostaria de receber uma

resposta. Tenho instruções para estabelecer o contacto

assim que regressar ao cruzador.

Etztak estreitou os olhos.

— Quero falar pessoalmente com Rhodan —

disse.

— Por quê? Não há nada para negociar.

— Talvez haja. Tenho que transmitir-lhe uma

informação muito importante.

— Pode dar a informação a mim. É a mesma coisa.

Daqui a cinco minutos estarei falando com Rhodan.

— Prefiro contar-lhe pessoalmente.

O negro deu de ombros.

— Posso transmitir o recado, mas não tenho muita

esperança de que atenda. Se me permite que lhe dê um

conselho estritamente pessoal, Etztak, faça o que

Rhodan pede. Não há outra saída para o senhor.

Etztak não respondeu. Fitou o rosto de Ras, mas

não conseguiu ler no mesmo.

Subitamente o negro dissolveu-se no ar, e

desapareceu.

Etztak não perdeu tempo. Ligou a chave que

estabelecia contacto com suas naves. Quando os

comandantes surgiram nas telas, olhando-o com uma

expressão de curiosidade no rosto, disse no dialeto do

clã:

— Os terranos nos enviaram um ultimato. Eles nos

dão dez horas para dar o fora daqui. Gostaria de saber

a opinião de vocês.

Logo teve de constatar que não havia nem um

pouco de união entre os membros do clã. A maioria

achou conveniente ignorar o ultimato e atacar a

própria Terra, mas havia alguns mais cautelosos. Estes

recomendaram voltar imediatamente à base do clã e

preparar uma guerra em regra.

Etztak ouviu pacientemente as opiniões dos

comandantes, conforme era costume. Cada um podia

formular sugestões, mas a decisão final cabia ao

patriarca.

E não gostou de ouvir as ponderações dos

elementos cautelosos.

— Se cumprirmos hoje as exigências dos terranos

— disse quando notou que não haveria outras

propostas — estaremos reconhecendo nossa derrota.

Nós, os mercadores da Galáxia, capitularíamos diante

de seres que só há um decênio descobriram os

segredos da navegação espacial. Nós a conhecemos há

oito mil anos, sem contar o tempo em que nossos

antepassados arcônidas a praticavam. Seria como se

um homem velho e experimentado cedesse aos

conselhos duma criança. Nem que tivesse que morrer,

nunca faria uma coisa dessas. Todo o meu ser revolta-

se diante da perspectiva. Afinal, quem é este Rhodan,

que nos apresenta um ultimato? Apenas um favorito

de alguns arcônidas decadentes, que se apaixonaram

por ele e por seu mundo.

— Rhodan conhece a posição do planeta da vida

eterna — disse um dos comandantes. — Todos os

povos da Galáxia procuram esse planeta há milênios, e

foi Rhodan que o encontrou.

— Teve sorte, mas a sorte nunca dura para sempre

— respondeu Etztak, furioso.

— Vamos capitular só porque um terrano teve

sorte?

— Não — disse o comandante que acabara de

falar. — Não é por isso. É porque, segundo dizem, no

planeta da vida eterna existem segredos que

transformam aquele que os descobre no dono de todas

as galáxias. É possível que Rhodan tenha descoberto

esses segredos.

Zangado, Etztak acenou com a cabeça.

— É possível! Se for assim, está na hora de

tirarmos os segredos desse terrano. Qualquer ser que

conheça os segredos do planeta da vida eterna e não é

um saltador representa um perigo para a Galáxia —

depois dessa constatação um tanto subjetiva, Etztak

disse em tom desajeitado: — Previno todos os

elementos excessivamente cautelosos para que não

tomem uma decisão apressada. Sou a favor da

resistência e da luta. Mas cederei ao desejo da

maioria. Qual é a decisão?

A decisão foi quase unânime.

Etztak e seu clã lutariam, se necessário até a última

nave.

— Alguém deve prevenir a Galáxia — sugeriu

alguém. — Se Rhodan realmente conseguisse destruir

todas as nossas naves...

— Topthor já fugiu e tomará todas as providências

que se fazem necessárias. Não se preocupe, Heratz.

Mesmo que morramos todos, a Galáxia está

prevenida. Seremos vingados.

Nas telas notava-se um silêncio total, até que um

dos saltadores disse em tom ligeiramente irônico:

— Nem por isso voltaremos a viver.

Etztak não respondeu. Desligou o rádio e,

estreitando os olhos, contemplou o mundo condenado

à morte.

* * *

O cruzador pesado Solar System separou-se da

nave Terra e reduziu a velocidade. Ras Tshubai

entregara a mensagem destinada a Etztak e informou

Rhodan. A mensagem de rádio foi curta e objetiva.

O motivo pelo qual o major Nyssen reduziu a

velocidade e se aproximava cautelosamente do

segundo planeta era mais que evidente. Uma

modificação estarrecedora estava ocorrendo na

superfície do mesmo.

De início o polo começou a arder. O major Nyssen

pensou que se tratasse duma explosão atômica

ultrapotente, destinada talvez a derreter a crosta de

gelo. Não desconfiara logo. Mas quando o fogo se

espalhou, avançando lenta, mas inexoravelmente em

direção ao sul, começou a desconfiar.

Uma ideia terrível surgiu em sua mente.

Enquanto Ras levou a mensagem à sala de rádio,

Nyssen informou MacClears, comandante da Terra,

sobre a ação que iria empreender, instruindo-o para

que não esmorecesse nos ataques contra os saltadores.

— Voltarei o mais rápido possível, mas é de vital

importância verificarmos o que está acontecendo no

mundo de gelo. Não devemos esquecer que um grupo

de nossa gente se encontra lá.

À medida que a Solar System se aproximava do

planeta, a suspeita de Nyssen transformou-se em

certeza. Até parecia que um incêndio atômico estava

consumindo o mundo de neve.

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E esse incêndio não poderia ter sido provocado por

uma causa natural. Se realmente fosse um incêndio

atômico, este só poderia ter sido ateado pelos

saltadores.

Pelo simples fato de não conseguirem agarrar um

grupo de cinco pessoas pertencentes à equipe de

Rhodan destruíam um mundo inteiro.

Sentiu-se dominado pela cólera. Se Etztak

estivesse diante dele, não teria escrúpulos em

estrangulá-lo com as próprias mãos.

Mas logo se lembrou de Tiff e das moças.

Circulou duas vezes em torno do mundo de gelo,

sem descobrir o menor vestígio do grupo perdido. Não

era de admirar, pois não dispunha de tempo para

realizar uma busca sistemática. E foi por isso que não

descobriu Orlgans e sua tripulação.

De qualquer maneira adquiriu a certeza de que o

segundo planeta do sol geminado de Beta-Albíreo

estava a ponto de transformar-se no terceiro sol do

sistema. Se não acontecesse logo alguma coisa, Tiff,

Hump, Eberhardt, as duas moças e Gucky estariam

irremediavelmente perdidos.

O que poderia fazer? Os elementos extraviados

não respondiam às mensagens expedidas pelo rádio.

Talvez nem devessem responder. Nyssen não estava

muito bem informado sobre as intenções que

animaram Rhodan ao enviar Tiff numa missão secreta

dirigida contra os saltadores.

De forma que só lhe restava uma possibilidade; e o

major Nyssen logo a reconheceu.

Deixou para trás as fúrias do inferno atômico e

penetrou no espaço. A cerca de uma hora-luz de Beta-

Albíreo II, estabeleceu contacto audiovisual com

Rhodan.

* * *

Bell saiu do camarote com o rosto sonolento e

lançou um olhar desconfiado para Rhodan, que se

encontrava na sala de comando da Stardust-III.

— Será que você podia fazer a gentileza de dizer

como faz para ficar sem dormir? Se me deixassem em

paz, só acordaria daqui a dois meses.

— É que na velhice sentimos as conseqüências dos

pecados da juventude — disse Rhodan com um sorriso

condescendente.

Bell olhou-o com a expressão de quem está prestes

a sofrer um ataque.

— Não venha me dizer que com meus trinta e sete

anos sou um velho.

Rhodan continuava a sorrir.

— Em termos relativos você envelheceu alguns

anos, meu caro. Mas quanto aos pecados da sua

juventude, nunca se pode dizer se você não os repetirá

na velhice.

Basta lembrar certa Rallas...

— Pare! — berrou Bell apavorado, sem conseguir

impedir que seus cabelos se arrepiassem de pavor.

Bell tinha cabelos ruivos cortados à escovinha. Às

vezes sua cabeça parecia uma escova de fios de arame.

Especialmente quando ficava furioso. E também

quando lhe lembravam coisas que preferia esquecer. E

não havia nada que gostasse tanto de esquecer como a

tal da Rallas.

— O que houve? — indagou Rhodan em tom

compreensivo. — Afinal, foi uma bela mulher, não

foi?

Bell não quis saber de nada. Era claro que o

fenômeno espiritual que o imortal introduzira em seu

camarote fora belo. Mas fora uma simples piada. O

imortal gostava de fazer piadas desse tipo quando

alguém o visitava nos confins da eternidade. E toda a

tripulação divertira-se a valer. Bell preferia não pensar

nisso.

— Não há nada mais importante? — resmungou

contrariado. — E por uma coisa dessas você mandou

me acordar?

O rosto de Rhodan assumiu uma expressão séria.

— Não foi só por isso — confessou. — Tive mais

alguns motivos. Acabo de enviar um ultimato a Etztak

por intermédio de Ras Tshubai. O prazo termina daqui

a dez horas. É claro que agora mesmo poderia

executar o salto em direção a Beta-Albíreo, mas

prefiro dar tempo aos saltadores, para que reflitam

bem sobre o que irão fazer.

Neste meio tempo não haverá novos ataques ao

mundo de gelo, motivo por que Tiff não correrá o

menor perigo. Podemos voltar à Terra, onde temos

alguns assuntos a tratar.

— Dentro de dez horas? — disse Bell em tom de

dúvida. — É um prazo muito curto.

— Acontece que preciso dar algumas instruções ao

coronel Freyt. Não sabemos quando voltaremos de

Albíreo.

Bell continuava a mostrar-se cético.

— Só assim Crest e Thora voltarão a encher

nossos ouvidos com suas lamentações e pedidos de

levá-los para Árcon. Não sei, não...

Rhodan não teve tempo de pronunciar-se sobre

esse assunto melindroso, pois uma luz vermelha de

advertência acendeu-se. A sala de telegrafia desejava

entrar em contacto com o comandante.

Rhodan estabeleceu o contacto.

— O que houve?

— Estamos em contacto com o cruzador Solar

System. Um chamado de emergência.

Rhodan lançou um olhar rápido para Bell.

— Contacto! — ordenou.

— Trata-se dum contacto audiovisual por

hiperondas — explicou o telegrafista de plantão.

Poucos segundos depois a tela de Rhodan iluminou-se.

O rosto preocupado do major Nyssen surgiu na

mesma. Rhodan cumprimentou-o com um aceno de

cabeça.

— O senhor me chama por hiperondas, o que só é

permitido em casos de extrema urgência. Está sendo

atacado pelos saltadores?

— Estes continuam a manter-se na defensiva —

respondeu Nyssen, sacudindo a cabeça. — O motivo

de meu chamado é outro. Tiff e os membros de seu

grupo se encontram numa situação de grave perigo.

Os saltadores desencadearam um incêndio atômico no

segundo planeta.

— Uma reação em cadeia? — certificou-se

Rhodan em tom assustado. O cabelo de Bell reiniciou

o jogo cruel, transformando-se na conhecida escova.

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98

— Quer dizer que os saltadores não tiveram

escrúpulos em destruir um mundo?

— Não existe a menor dúvida. Convenci-me

pessoalmente da terrível realidade. O incêndio teve

início no polo norte e aproxima-se do equador com

uma velocidade inacreditável.

— Pelas últimas notícias que recebemos, Tiff

encontra-se na zona equatorial —murmurou Rhodan

em tom preocupado.

— Apesar das pesquisas que realizei não consegui

descobri-lo. Até parece que sumiu da face da terra.

Mas isso não lhe adiantaria nada. O planeta está

totalmente perdido. As massas de gelo já derreteram.

Os rios caudalosos unem-se para formar mares,

que nas zonas temperadas já entraram em ebulição.

— Dei um ultimato a Etztak — principiou Rhodan,

mas Nyssen interrompeu-o abruptamente.

— Daqui a dez horas o incêndio já terá

ultrapassado a zona equatorial. O senhor não pode

esperar tanto tempo, a não ser que queira expor Tiff e

seu grupo a um destino horrível. Gostaria de salvá-lo,

mas os saltadores se mantêm alertas. Atacaram-me

com sete naves enquanto efetuei meu vôo de

reconhecimento.

Rhodan fez um sinal a Bell, que se esforçava em

vão para formular uma sugestão.

— Com isto meu ultimato dirigido a Etztak perdeu

a validade. De resto, tudo indica que não tem a

indicação de levá-lo a sério. Se não fosse assim, não o

teria atacado. Pois bem, ele terá uma ideia do que

acontece a quem ataca nossa Terra. Major Nyssen,

procure descobrir algum sinal de vida de Tiff. Dentro

de dez minutos chegarei aí na Stardust-III. E quando

isso acontecer, ai dos saltadores.

A tela apagou-se e o rosto aliviado de Nyssen

desapareceu.

— Isso é...! — disse Bell. Não conseguiu dizer

mais nada.

— Sim, isso é um ato diabólico e irresponsável. O

planeta de gelo é habitado. Nas cavernas tépidas

vivem os sonolentos. Não sei quem são, mas segundo

as informações de Tiff possuem certo grau de

inteligência e bondade. De qualquer maneira é uma

raça pacífica, que não faz mal a ninguém. E essa raça

antiga está condenada a desaparecer, só porque um

velho não quis admitir que sofreu uma derrota. Ele vai

pagar por isso.

Antes que Bell tivesse tempo de responder,

Rhodan instruiu o cérebro positrônico a calcular as

coordenadas do salto. A distância era de cerca de 320

anos-luz, e por isso não representava nenhum

problema. O importante era que os cálculos fossem

absolutamente exatos, pois após a rematerialização

não se poderia perder um minuto sequer para calcular

a posição.

Dali a cinco minutos o cérebro expeliu a folha

metálica com a resposta. Rhodan pegou-a e a

introduziu no robô de navegação, que dali em diante

assumiu o comando da gigantesca nave.

Rhodan esperou até que a voz metálica da máquina

começasse a falar:

— Conservamos o rumo. Velocidade constante.

Salto será executado exatamente dentro de três

minutos. Coordenadas conhecidas. Contagem

regressiva será iniciada a sessenta segundos antes de

zero.

Bell gemeu.

— Só por isso sou acordado. Bem que poderia

dormir durante o salto.

Os traços de Rhodan descontraíram-se um pouco.

As rugas profundas desapareceram, e os olhos

emitiram um brilho irônico.

— Acho que isso não adiantaria muito, meu velho.

O salto propriamente dito só dura alguns segundos.

— Na minha idade — respondeu Bell, lançando

um olhar sugestivo para o amigo, que contava mais

dois anos que ele — qualquer segundo de sono é uma

preciosidade — atirou-se na poltrona do copiloto e

fitou o relógio de segundos. — Prefiro nem falar na

sua idade.

Naquele instante a voz metálica do robô iniciou a

contagem.

— Sessenta segundos... cinquenta e nove

segundos... cinquenta e...

* * *

Moisés levou quase cinco minutos para anunciar

sua decisão ao grupo que se mantinha numa ansiosa

expectativa. Foi o tempo que o cérebro positrônico

gastou para pesar todas as alternativas e descobrir o

melhor resultado que as circunstâncias permitiam.

— Gucky constatou que um incêndio atômico

vindo do norte aproxima-se do equador. A

temperatura externa já subiu acima de zero. O gelo

está derretendo ao norte, e as águas avançam para o

sul. Só o fato de que a entrada da caverna foi fechada

pelo bombardeio de radiações salvou-nos da morte por

afogamento. Só nos resta uma saída: para cima.

Tiff e seus companheiros lançaram um olhar para a

maciça camada de pedra.

— Acima de nós existem pelo menos trinta metros

de rocha natural, Moisés — disse em tom

desesperançado.

— Em compensação provavelmente não existe

água — respondeu o robô. — Temos que tentar.

Retirem-se para a entrada da caverna, onde a mesma é

mais elevada. Se houver uma penetração de água,

fechem os capacetes dos trajes espaciais. Nesse caso

terão de mergulhar.

— Mergulhar por um poço cheio de água... e

subindo trinta metros?

— Se necessário, sim. Não nos resta outra

alternativa. Não podemos pedir socorro, pois a rocha

representa uma barreira.

Se não nos salvarmos sozinhos, estaremos

perdidos. Embora seja apenas um robô, não tenho a

menor vontade de enferrujar na água.

Gucky lançou um olhar para a caixa em que

estavam guardados os sonolentos.

— A água não lhes causará maior mal. Além disso,

a caixa pode ser hermeticamente fechada. Mas com o

tempo isso não seria bom para eles.

— Vamos começar — sugeriu Moisés. — Não

temos muito tempo. Quando a rocha se tornar

incandescente, será tarde.

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99

Tiff fez um sinal ao robô.

— Está bem. Iremos até a entrada antiga. E tome

cuidado para não se queimar.

— Não se preocupe. Meus aparelhos de

refrigeração aguentam muita coisa.

Afastaram-se de Moisés, que logo deu início ao

trabalho. Os dois radiadores energéticos penetravam

na rocha maciça, que, depois de derretida, caía em

pesados pingos. A maior parte Volatilizou-se. Os

gases, mais pesados que o ar, corriam

preguiçosamente na direção da grande caverna. Para

os sonolentos que se mantinham na expectativa,

seriam os prenúncios da morte que se aproximava.

Tiff parou diante da parede derretida da antiga

entrada. Hump, que se mantinha num estranho

silêncio, encostou-se a uma rocha saliente. Eberhardt

sentou na caixa com as tulipas. As duas moças

olhavam-se apavoradas, Nos seus olhos lia-se o medo

de morrer. Só Gucky mantinha-se tranqüilo. Fez um

sinal tranquilizador para Tiff e disse:

— Verificarei como estão as coisas lá fora. Se

soubesse onde estão os cruzadores poderia arriscar um

salto até lá. Mas saltar no escuro seria uma

temeridade. É possível que um dos telepatas capte

meu chamado.

Logo estarei de volta — prometeu, e desapareceu.

Os que ficaram para trás olharam-se sem dizer

uma palavra. Será que Gucky conseguiria entrar em

contacto com os cruzadores?

O tempo passava devagar. Os gases da rocha

volatilizada e o calor chegavam até ali. Quando Tiff

pôs a mão na rocha da parede externa, ele a retirou

com um grito de espanto.

Estava morna.

Gucky demorou dez minutos. Subitamente

reapareceu no meio deles. O pêlo estava liso e

molhado. Soltou um apito agudo, que exprimia o

maior grau de contrariedade. Seu rosto parecia feito só

de recriminação. Fumegava no verdadeiro sentido da

palavra.

— O que houve Gucky? — perguntaram Tiff e

Milly, falando ao mesmo tempo.

Gucky lançou-lhes um olhar de censura.

— Nem me perguntem amigos. Talvez a resposta

venha a ser uma decepção amarga para vocês. Mas

não posso deixá-los na incerteza. Sabem onde

estamos? Não, não sabem; afinal, não podem

adivinhar.

Pois eu lhes direi: estamos no fundo dum mar.

— Hein? — perguntou Eberhardt, e por pouco não

escorrega da caixa em que estava sentado. — Onde

estamos mesmo?

— É o que lhes digo — confirmou Gucky. — Eu

mesmo não acreditaria se não tivesse estado lá fora.

Quando me materializei, vi que estava embaixo da

água. Ainda bem que acabara de inspirar. Fiquei tão

assustado que preferi não arriscar outro salto; poderia

ter caído algumas dezenas de metros, o que não seria

nada agradável. Subi simplesmente à tona. Temos um

mar em cima de nós. A profundidade é de uns trinta

ou quarenta metros. Do morro em que nos

encontramos só se vê a ponta.

— Nesse caso a água penetrará na caverna assim

que Moisés romper a superfície — constatou Hump.

— Tem que suspender imediatamente as perfurações.

— Será que você ficou louco? — perguntou Tiff.

— Quer morrer sufocado aqui dentro?

— Morrer queimado! — retificou Gucky, muito

sério. — Não nos resta outra alternativa senão subir

pela água. Aliás, a temperatura da água é bastante

agradável. Calculo que dentro de dez horas estará

fervendo.

Por alguns instantes um silêncio de pavor tomou

conta do grupo. Finalmente Tiff disse:

— Pedirei a Moisés que se apresse. Fiquem aqui

mesmo.

Fechou o capacete do traje espacial e ligou o

aparelho de suprimento de oxigênio. Caminhando a

passos firmes, dirigiu-se ao lugar em que Moisés

havia desaparecido na rocha. O material liquefeito

continuava a pingar. Não se via mais nada de Moisés.

Tiff esforçou-se para estabelecer contacto com Moisés

através do transmissor de capacete.

— Alô, Moisés. Onde é que você está?

— Exatamente dezoito metros e trinta centímetros

acima do solo da caverna — veio prontamente a

resposta. — Dentro de uma hora o serviço estará

concluído.

— Gucky esteve lá fora — prosseguiu Tiff. — O

morro já está coberto pela água.

— Tínhamos que contar com isso.

— E a água já começa a esquentar, Moisés.

Houve um instante de silêncio. Finalmente Moisés

disse:

— Trabalharei mais depressa. Conseguiremos.

Tiff voltou para junto dos amigos. Os rostos que

encontrou não eram alegres nem confiantes.

— Falta uma hora — informou Tiff, depois de

abrir o capacete. — Assim que a água penetrar aqui,

saberemos que chegou a hora.

Gucky enfiou-se no traje espacial.

— Não estou com vontade de toma banho —

disse. — Mesmo que seja um banho quente.

O primeiro minuto de espera parecia uma

eternidade.

E a hora tem sessenta minutos...

6

O patriarca atacou.

Acreditava que nas próximas horas não precisaria

contar com a presença de Rhodan, e assim quis livrar-

se ao menos dos dois cruzadores. Recorreu a toda a

frota do clã para destruir as duas naves de Rhodan.

O major Nyssen adivinhou a finalidade dupla do

patriarca. Etztak pretendia livrar-se dos dois inimigos

antes que tivesse início a luta final com Rhodan, e

também quis impedir que alguém fosse procurar o

grupo perdido no mundo de gelo.

— Capitão MacClears — disse Nyssen, depois de

entrar em contacto com o cruzador Terra. — Procure

desviar a atenção dos saltadores, para impedir que eles

me sigam. Tenho que tentar localizar Tiff.

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— Confie em mim — respondeu MacClears e

lançou um olhar preocupado para a outra tela. Viu que

as naves dos saltadores entravam em forma para

lançar-se ao ataque. Desta vez a coisa parecia séria. —

Saberei defender-me. Quando deverá chegar Rhodan?

— Pode aparecer a qualquer momento. Se não

tiver possibilidade de entrar em contacto, queira

informá-lo sobre o lugar em que me encontro.

Entendido?

— Entendido. — respondeu MacClears e

cumprimentou Nyssen com um sorriso forçado. —

Mostraremos uma coisa a essa gente.

Nyssen retribuiu o sorriso. MacClears viu que a

Solar System acelerou fortemente e se precipitou

sobre o mundo em chamas, mergulhando na camada

de nuvens que parecia um mar agitado.

No mesmo instante os primeiros torpedos atômicos

detonaram no campo energético da Terra. O ataque

concentrado dos saltadores começara.

No mesmo instante o cruzador pesado

transformou-se na perfeita máquina que devia ser

segundo seus construtores. Salvas de raios mortíferos

saíram do corpo enorme da nave e rompiam os

campos energéticos não muito fortes do inimigo,

sempre que eram atingidos por cinco raios ao mesmo

tempo. Seguiram-se os feixes de raios energéticos que,

devidamente concentrados, produziam o mesmo

efeito.

Apesar dos êxitos isolados, a superioridade dos

saltadores era muito grande. Desviavam-se habilmente

dos ataques da Terra e procuraram entrar numa

posição de tiro favorável. MacClears percebeu que era

sua intenção cercá-lo, para destruir o cruzador com

um golpe energético simultâneo desfechado por vinte

naves, o que seria perfeitamente possível.

Foi nesse instante que um abalo tremendo da

estrutura espaço-temporal fez reagir os rastreadores

estruturais. Num ponto bem próximo uma nave devia

ter saído do hiperespaço e retornado ao espaço

normal.

O amigo e o inimigo viram-na ao mesmo tempo.

Vinda das profundezas do espaço, a esfera

reluzente aproximou-se vertiginosamente, anunciando

a desgraça.

Rhodan surgira no campo de batalha, a fim de

mudar a sorte das armas a seu favor.

Por alguns segundos preciosos, Etztak ficou tão

surpreso que MacClears conseguiu, numa manobra

fulminante, destruir duas de suas naves, que

aguardavam ordens. Mas os saltadores logo bateram

numa retirada precipitada, para erigir nova frente

defensiva a alguma distância. Ao que tudo indicava

estavam decididos a enfrentar a Stardust-III.

Rhodan não teve pressa. A vida de seus homens

era mais importante que os saltadores. Entrou em

contacto com a Terra.

— Onde está o major Nyssen? — foi a primeira

pergunta que formulou.

— Tenta salvar Tiff — explicou MacClears. —

Ainda não conseguimos encontrar qualquer vestígio

dele.

— Será que o senhor pode impedir Etztak de

seguir-me, capitão?

— Tentarei. O que pretende fazer?

— Procurar Tiff. Marshall está a bordo da Solar

System?

— Sim senhor. E mais alguns mutantes.

— Estou interessado apenas nos telepatas.

Deveriam ter condições de entrar em contacto com

Gucky.

— Está bem, chefe. Manterei Etztak ocupado.

Quando voltará?

— Assim que tiver encontrado Tiff — disse

Rhodan e interrompeu o contacto.

Acelerando ao máximo, precipitou-se em direção à

superfície borbulhante do planeta de gelo, que estava

prestes a transformar-se num mundo de fogo.

* * *

Quando RB-013 saiu da galeria vertical, foi

seguido por um filete de água morna. Tiff espantou-se

com isso.

— O que é isso, Moisés? Por que está entrando tão

pouca água?

— Apenas soltei um pouco a rocha que está na

superfície, para que a torrente da água não me atirasse

para baixo. Gucky tem que fazer o resto. Por enquanto

estamos seguros neste lugar, que é o ponto mais

elevado da caverna. Teremos que esperar até que a

água encha toda a caverna. Não sei quanto tempo

demorará.

— É verdade. Nunca conseguiríamos vencer a

correnteza — reconheceu Tiff. —Acontece que muitas

horas poderão passar antes que as galerias e cavernas

subterrâneas estejam cheias.

— Não; o senhor está subestimando a força da

água. Penetrará com tamanha força que a galeria

aumentará a cada segundo que passa. Quando a água

chegar aqui, seu diâmetro será de vários metros.

Eberhardt lançou um olhar desolado para o robô.

— E você, Moisés? Sabe nadar?

— Nado melhor que vocês — asseverou Moisés.

— Meus jatos desenvolvem uma força de empuxo

de...

— Nesse caso será bom que você fique atrás de

nós, senão o caldo esquentará demais — decidiu Tiff.

— Então, Gucky? O que nos diz?

O rato-castor fez uma careta, que parecia dizer

“sempre eu”. Mas finalmente acenou com a cabeça,

sentou numa das caixas vazias e concentrou-se. Os

poderosos fluxos espirituais emitidos por sua mente

subiram pela galeria, encontraram a resistência

representada pela última pedra, e agarraram-na.

Não foi fácil vencer a pressão da água e levantar a

cobertura derretida nas bordas, que media alguns

metros quadrados e tinha uma grossura de cinqüenta

centímetros.

Mas o êxito logo se fez sentir.

Com um rugido ensurdecedor o oceano penetrou

no vazio subterrâneo. As águas penetraram na galeria.

Por um instante foram represadas numa das

extremidades, mas logo correram para a parte inferior

da caverna.

Dentro de poucos minutos atingiriam os

sonolentos.

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Eberhardt, que estava sentado na caixa que

continha os cinquenta exemplares de tulipas

destinados à sobrevivência, levantou-se subitamente.

Nos seus olhos brilhava o medo e o pavor. Suas mãos

começaram a tremer.

— Meu Deus! — balbuciou. — Meu Deus, que

coisa horrível!

Seu corpo contorceu-se e teria caído se Hump, que

estava a seu lado, não o tivesse segurado.

No mesmo instante as moças sentiram-se

dominadas por uma onda de pânico, emitida pelos

sonolentos moribundos. As ideias que brotaram na

mente da raça condenada à morte penetraram nos

cérebros dos homens, enchendo-os de pavor e tristeza.

Hump e Tiff eram os únicos que pareciam imunizados

contra isso. E Gucky.

— Quem me dera que pudesse proteger seus

cérebros — lamentou-se o rato-castor.

— Infelizmente não posso. Não se livrarão do

pânico enquanto os sonolentos não estiverem mortos.

Sua morte será nossa única salvação.

— Será que você não pode dar outro tipo de ajuda?

— fungou Tiff, que segurava Milly nos braços,

tentando acalmá-la. — Que tal a telecinésia?

— E a água? — lembrou Gucky, mas logo se

levantou de um salto. — Vou tentar.

Mas temos que esperar um pouco. Por quanto

tempo os sonolentos aguentam embaixo da água? Se

soubesse...

Desapareceu diante dos olhos de Tiff, para voltar

dentro de dez segundos. Seu traje espacial estava

molhado.

— A água já chega à metade da altura da caverna.

O sol artificial apagou-se. Não demorará muito e a

vida dessa raça estranha se extinguirá. Esperem mais

um instante. Vou ver como estão às coisas lá fora.

Fechou o capacete e desmaterializou-se.

Desta vez levou quase três minutos para voltar.

Estava radiante.

— Estamos salvos, amigos, desde que consigamos

chegar à superfície. O major Nyssen está nas

proximidades. Consegui entrar em contacto com John

Marshall, o telepata. Encontra-se a bordo da Solar

System. Também ouve seu emissor celular, Tiff.

De repente.

— Por que só agora?

Gucky sacudiu os ombros peludos.

— Não faço a menor ideia. Provavelmente até aqui

foi superado pelos impulsos mentais provocados pelo

medo da raça moribunda. Há esta hora a raça está

praticamente morta, e seu transmissor se tornou mais

forte. É a única explicação que me ocorre.

— Vou perguntar a Rhodan que transmissor é este

— murmurou Tiff, pensativo. — De qualquer

maneira, ele nos salvou a vida.

— Ainda não — chiou Gucky, olhando para o alto.

O ruído da água diminuíra. O nível da mesma subia a

olhos vistos e estava atingindo a entrada fechada.

Eberhardt e as moças ficaram mais tranquilas.

— O cume do morro ainda está fora da água —

prosseguiu Gucky. — Temos de chegar lá. A galeria

tem trinta metros e acima dela há pouco menos de dez

metros de água. O cume fica a duzentos metros.

Tiff colocou o capacete e fez sinal aos outros.

— Está na hora, amigos Teremos que nadar.

— Levarei as moças para cima — disse Gucky. —

Depois darei uma mão a Eberhardt. Tiff e Hump,

vocês terão que dar um jeito sozinhos. Assim que tiver

terminado com os outros, poderei cuidar de vocês. E

você, Moisés?

— Muito obrigado pelo interesse — respondeu o

robô. — Detesto a água, mas não preciso de auxílio.

Quando chegarmos à ilha, eu os enxugarei.

Gucky contorceu a boca e viu que a água atingiu

seus pés e logo chegou aos joelhos. Fechou o capacete

e ligou o rádio. Os outros seguiram seu exemplo. Tiff

pegou a caixa com os cinquenta sonolentos.

A água subia cada vez mais depressa. Gucky foi o

primeiro que desapareceu sob a superfície

ligeiramente ondulada. Os outros o seguiram.

Sentiram-se como mergulhadores que tivessem

penetrado numa caverna do fundo do mar, e não

sabiam se voltariam a ver a luz do dia.

A água chegou ao teto de pedra, e o silêncio se fez

em torno deles.

— Está na hora — repetiu Tiff. Fez alguns

movimentos natatórios lentos e flutuou em direção à

galeria, onde a água parada não oferecia a menor

resistência. — Irei na frente.

— Quando estiver em cima, dê um sinal — pediu

Gucky. — Seguirei com Milly.

Hump, fique logo atrás de Tiff.

Dali em diante Tiff estava praticamente só.

Chegou à galeria e olhou para cima. Teve a

impressão de que ao longe brilhava uma luz. Devia ser

o céu, do qual estava separado por quarenta metros de

água. Segurou firmemente a caixa, que praticamente

não pesava nada. Tinha que apressar-se, pois do

contrário os últimos exemplares duma raça estranha e

maravilhosa morreriam afogados.

Empurrou-se com o pé e subiu. Admirou-se de que

era tão fácil. Usou a mão esquerda para evitar que

esbarrasse em alguma rocha saliente. Moisés tinha

razão: a galeria tinha cinco metros de diâmetro.

A luz acima dele tornou-se mais forte.

Subitamente viu-se no fundo dum imenso oceano. Ao

redor dele só havia água. E abaixo dele abria-se o

buraco ameaçador da caverna, do qual Hump estava

emergindo naquele instante.

— Gucky, a galeria está desimpedida — anunciou

Tiff. — Pode vir quando quiser.

— Procurem atingir a ilha — respondeu Gucky.

Tiff subiu à tona e por pouco não perde a caixa,

que subitamente recuperou o peso. Ao lado dele

surgiu a cabeça de Hump.

— Bem que você poderia dar uma mão — sugeriu

Tiff. — Vamos levantar a caixa um pouco, para que a

água possa escorrer.

Senão morrerão afogadas.

Hump fez uma careta, mas não esperou que o

amigo repetisse o pedido. Nadando lado a lado,

dirigiram-se à costa rochosa da ilha não muito

distante.

— E olhe que nunca gostei de flores — disse,

amargurado.

Tiff não respondeu. Tentou em vão descobrir no

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céu qualquer sinal de que estavam sendo esperados.

Mas não viu o menor indício da presença da Solar

System. Por que a nave não vinha agora, que mais

precisavam de auxílio? Não demoraria muito para que

a última ilha das proximidades fosse coberta pelo

oceano, que subia constantemente.

Só agora Tiff percebeu que a água esquentara

bastante. Pelos seus cálculos a temperatura era de pelo

menos trinta graus. Tomara que não fizesse mal aos

sonolentos. Todavia, com o auxílio de Hump

conseguiu manter acima da água a caixa que continha

os remanescentes duma raça em extinção.

Seus pés tocaram o chão. Mais alguns passos, e

estaria em terra firme. Milly e Felicitas já os

esperavam. Gucky trabalhara depressa. Voltara para

buscar Eberhardt.

Dali a cinco minutos encontravam-se no ponto

mais elevado da pequena ilha, olhando em direção à

galeria subterrânea. Esperavam Moisés.

A chegada do robô foi anunciada por um monte de

águas espumantes, produzida por seus propulsores. O

monstro metálico atravessou as ondas tal qual um

submarino e aterrizou sem problemas na ilha.

Todos haviam aberto os capacetes e inspiravam o

ar tépido e abafado do planeta moribundo. Moisés

espalhava um calor insuportável. Hump resmungou:

— Será que você não pode ligar a refrigeração? Já

chega de calor.

— Sinto muito. Tenho pavor da água. Se não

começar logo a enxugar-me, terei manchas de

ferrugem.

— De qualquer maneira você será reformado,

desde que nos encontrem em tempo — disse Tiff em

tom preocupado, olhando incessantemente para o céu

cinzento, onde as nuvens turbilhonantes impediam a

visão. — Gostaria de saber onde se meteu o Nyssen.

— Dirigiu-se a Gucky: — O que está dizendo

Marshall?

— Não tenho contacto com ele — lamentou-se o

rato-castor. — Avisará Rhodan.

— Rhodan — disse Milly em voz baixa e só com

grande esforço conseguiu segurar-se em Tiff. — É o

único que poderá salvar-nos. Se não chegar em

tempo...

Contemplaram silenciosamente a água que subia

ininterruptamente — e a parede vermelha que

começou a brilhar no horizonte.

* * *

Depois de poucos segundos, Rhodan descobriu a

Solar System. Mandou que Marshall viesse

imediatamente a bordo da Stardust-III num dos

pequenos caças espaciais. E ordenou ao major Nyssen

que voltasse imediatamente ao espaço, para ajudar

McClears nas lutas destinadas a desviar a atenção dos

saltadores. Não deviam perturbar a operação de

salvamento.

Poucos minutos depois, Marshall encontrava-se

diante de Rhodan.

— No momento não estou em contacto com

Gucky e Tiff, mas sei onde os mesmos podem ser

encontrados. Estão numa caverna no fundo do oceano,

mas Gucky diz que pode salvá-los, levando-os a uma

ilha.

— Vamos logo. Não temos tempo a perder. Sabe

onde fica a ilha?

— Mais ou menos. Com esta neblina a orientação

não é fácil.

— Tente localizar o transmissor de Tiff assim que

conseguir captá-lo. E preste atenção às mensagens

telepáticas de Gucky. Bell coloque a Stardust-III no

rumo certo. Um segundo pode ser decisivo.

Para Rhodan não havia naquele instante nenhum

saltador e nenhum patriarca agressivo. Só conhecia

um problema: a salvação do grupo que por ele se

metera num inferno.

A pouca altura a imensa nave passava acima das

ondas do mar fumegante, que mais ao norte já fervia,

atirando nuvens imensas para o céu. Vez por outra

surgia uma ilha rochosa, mas em nenhuma delas

encontrou qualquer sinal de vida.

Subitamente Marshall soltou um grito.

— Consegui os dois. Gucky e Tiff. Estão bem

perto, e já se encontram na ilha. Mantenha o mesmo

rumo. Deve ser a próxima ilha.

Rhodan olhou para a tela. Não viu muita coisa,

pois a neblina tornava-se cada vez mais densa. Mas

acabou reconhecendo um ponto negro em meio à

movimentação da água e das nuvens.

Era a ilha. Nela surgiram sete pontos móveis:

cinco seres humanos, Gucky e o robô.

Acontece que a ilha era tão pequena que a

Stardust-III não poderia pousar na mesma.

— Pergunte a Gucky se ele pode trazer todos até

aqui — disse Rhodan e fez a Stardust-III descer, até

que a mesma se manteve imóvel pouco acima da ilha.

Naquele instante uma luz vermelha iluminou-se. Era o

sinal vindo da sala de telegrafia.

Rhodan moveu a chave.

— O que houve?

— Um chamado de emergência do major Nyssen.

Etztak conseguiu separar-se dos cruzadores e está

lançando toda sua frota num ataque contra o planeta

de gelo.

Nyssen diz que tentará atacá-lo pelas costas.

Rhodan confirmou com uma expressão zangada.

— Muito bem. Diga a Nyssen que não desista.

Vamos pegar Etztak dos dois lados. E diga-lhe ainda

que deste momento em diante não teremos a menor

contemplação. Entendido?

— Entendido.

A luz vermelha apagou-se. Bell estreitou os lábios.

— Quer dizer que será uma luta de vida e morte?

— perguntou.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Não temos outra alternativa. Marshall avise

Gucky de que vamos mandar um destróier. Há esta

hora não posso abrir as escotilhas da Stardust-III, pois

com isso não teria condições de combater. Tiff tentará

escapar num destróier. Se necessário o robô terá que

ser deixado para trás.

— Os destróieres leves são pequenos.

Mal podem abrigar três pessoas — interveio Bell.

— Pois excepcionalmente a cabine deverá ter lugar

para cinco pessoas e o rato-castor, a não ser que

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103

Gucky prefira teleportar-se para a Stardust-III.

— Ele não fará nada disso — disse Bell,

defendendo o amigo. — Ficará com Tiff.

Rhodan chamou o setor de armamentos.

— Atenção, preparem ambos os transmissores

fictícios. Não, desta vez não se trata de bombas

atômicas, mas dum destróier de três pessoas.

Seguiu-se um silêncio de perplexidade. Logo

surgiu a pergunta:

— Um destróier?

— Correto. Faça a teleportação dum pequeno

destróier para a ilha que se encontra embaixo de nós.

Rápido. Aqui estão os dados...

Rhodan esperou até que subitamente viu na ilha o

formato esbelto de torpedo dum destróier que surgiu

do nada. Logo a Stardust-III subiu, a fim de enfrentar

a frota dos saltadores, que se precipitava dos céus.

* * *

Com a pose dum general vitorioso, Gucky apontou

a área livre da pequena ilha.

— Abracadabra, caramba, será que vai demorar?

— Será que desta vez você enlouqueceu de

verdade? — indagou Hump em tom preocupado.

— Que nada! Marshall diz que Rhodan nos

mandará um destróier. A remessa será feita por

teleportação. Deve ser alguma novidade que trouxe do

planeta da vida eterna. Não pode cuidar de nós, já que

os saltadores estão atacando.

— Um destróier? — murmurou Tiff em tom

pensativo, lançando um olhar rápido para o robô. —

Será muito apertado.

Por alguns segundos a Stardust-III surgiu acima

deles, em meio às nuvens. Logo o destróier

materializou-se no lugar exato apontado por Gucky.

Tiff pegou a caixa, segurou Milly com a mão livre

e correu em direção à nave salvadora. Só agora se deu

conta de que a rocha em que seus pés pisavam estava

morna. A salvação estava chegando ao último

instante.

Antes que chegassem à nave, um feixe energético

alaranjado desceu das nuvens e abriu um funil

borbulhante a alguma distância.

— Atenção! — gritou Gucky. — Vou saltar para

abrir a comporta. Continuem a correr. Depois eu os

apanharei.

No mesmo instante a escotilha abriu-se. Gucky

não perdeu tempo. O segundo raio energético expelido

pela nave dos saltadores já chegou mais perto. Mas no

mesmo instante surgiu o vulto da Solar System e abriu

fogo maciço contra o inimigo.

De um instante para outro Tiff viu-se transportado

para a pequena cabine de comando do destróier.

Colocou a caixa com os sonolentos embaixo duma

mesa e precipitou-se para o painel.

Milly surgiu logo depois, seguida por Felicitas. Os

propulsores começaram a vibrar.

Também Hump e Eberhardt apareceram, seguidos

poucos segundos depois por Gucky. A cabine era tão

apertada que as moças tiveram que sentar no colo de

Hump e Eberhardt, fato que deixou este último um

tanto embaraçado.

— Vamos decolar! — chiou Gucky, procurando

acomodar-se num armário embutido. — Está em cima

da hora. O mar começa a ferver, e a rocha está quente

que nem ferro em brasa. Daqui em diante a coisa será

muito rápida.

Enquanto Tiff acelerava ao máximo, conduzindo o

destróier para o céu opaco, lembrou-se de Moisés.

— Hihi — riu Gucky no armário embutido. —

Você está enganado. Acha que seria capaz de deixar

na mão a criatura que salvou nossa vida? Está na sala

de máquinas.

Tive que tirar algumas caixas de ferramentas.

Afinal, a rapidez não é bruxaria para quem tem o dom

da teleportação.

Tiff sorriu aliviado.

— Teria pena do rapaz; até chego a gostar dele.

Correram velozmente pelo espaço, passando pelas

naves dos saltadores que detonavam e desviando-se

dos feixes energéticos que se estendiam furiosamente

em sua direção. O planeta de gelo mergulhou no

espaço. Já não era um planeta de gelo, mas um sol em

formação. Só o polo sul continuava branco, mas as

águas dos mares recém-formados já se precipitavam

sobre as superfícies geladas.

O segundo planeta do sistema de Beta-Albíreo

estava morrendo. As massas de nuvens turbilhonantes

pareciam os últimos estertores dum gigante

moribundo.

* * *

Encontravam-se diante de Rhodan, ouvindo

ansiosamente o seu relato. Só as autoridades mais

graduadas da administração de Terrânia e os oficiais

que dirigiam a frota espacial encontravam-se

presentes.

Além de Tiff, Hump, Eberhardt, Milly e Felicitas.

E, naturalmente, Gucky.

A conferência estava sendo realizada no jardim da

cobertura do edifício da administração central. Acima

deles estendia-se o céu azul e límpido da Terra, que

não era turvado por qualquer nuvem. Os últimos raios

do sol no ocaso atravessavam o vidro do jardim de

inverno e brincavam nos pelos reluzentes de Gucky. O

rato-castor estava ao lado de Bell que, mergulhado em

pensamento, lhe acariciava o pelo.

Milly e Felicitas não pareciam ter tempo para esse

tipo de atividade. As moças preocupavam-se

exclusivamente com Tiff e Hump. Só Eberhardt

continuava fiel à sua qualidade de ermitão.

— ...de forma que não tivemos outra alternativa —

dizia Rhodan naquele instante. — A frota dos

saltadores lançou mão de todos os recursos para

atacar-nos e destruir-nos. Etztak não pôde defender-se

contra nosso transmissor fictício. Perdeu uma nave

após a outra, até que reuniu as duas naves que lhe

restavam e, tomado de pânico, passou à fuga. Pelo que

indicam nossos instrumentos, realizou um salto de

mais de doze mil anos-luz. Deixei que se fosse, pois

quero que espalhe a notícia de que a Terra é um

terreno muito quente para todos aqueles que se metem

a conquistadores.

Um murmúrio passou pelos presentes. Rhodan

sorriu para apagar a impressão de crueldade deixada

pelas palavras que acabara de proferir.

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104

— Se devemos ser gratos a alguém pela vitória

sobre uma raça fortemente armada e de inteligência

muito evoluída, este alguém é o cadete Julian Tifflor e

seus amigos. Sua atuação corajosa fez com que os

saltadores se enganassem sobre nossas reais intenções.

Ainda quero mencionar nosso amiguinho Gucky,

graças ao qual a missão teve um desfecho feliz. A

todos manifesto minha gratidão e a do planeta Terra.

Algumas perguntas foram formuladas, e Rhodan

deu as informações solicitadas.

Bell puxou Gucky para o lado. Os dois amigos, tão

desiguais, estavam junto à parede de vidro, mas não

deram atenção ao panorama maravilhoso que se abria

diante deles. Terrânia, a metrópole mais moderna do

mundo e a capital da Terceira Potência, não

representava nenhuma novidade para eles.

A novidade eram os canteiros de flores, arrumados

em torno da varanda envidraçada. Neles cresciam

gigantescas tulipas de cinco cores diferentes,

estendendo as coroas bem formadas em direção ao sol

terreno. Mantinham os olhos em formato de amêndoa

bem abertos, como se fizessem questão de conhecer

todos os detalhes de seu novo mundo. Um aroma

suave subiu dos canteiros, misturando-se ao ar que os

homens respiravam.

— Quer dizer que estes são os sonolentos —

cochichou Bell e acariciou uma das flores. Era

vermelha. Em cada um dos canteiros havia tulipas de

cinco cores diferentes. — São os últimos exemplares

de sua raça. Faço votos de que se sintam bem por

aqui.

— Sentem-se muito felizes por terem escapado a

uma morte horrível — disse Gucky, colocando o dente

roedor para frente a fim de esboçar um sorriso

satisfeito.

— Elas se reproduzirão para conservar a espécie. É

bem verdade que demorará cinquenta anos até que as

primeiras mudas se tenham formado. Elas não têm

pressa.

— Meio século? — gemeu Bell e passou a mão

cuidadosamente sobre a cabeleira curta e ruiva. —

Meio século para produzir uma muda? Minha tia

Amália com sua plantação de cactos não iria gostar

disso.

— Acontece que a tia Amália não tem tanto tempo

quanto os sonolentos... e nós.

— Afinal, quantos anos você vai fazer, Gucky?

Você nunca contou a ninguém.

O dente do rato-castor emitiu um brilho

avermelhado sob o sol em ocaso.

— Quantos anos vou fazer? Você quer saber

quando vou morrer? — Num gesto de lástima sacudiu

os ombros, o que lhe dava um aspecto quase humano.

— Bem, isso é bastante incerto. Na verdade, só há um

meio de determinar exatamente o meu tempo de vida.

— É mesmo? — Bell inclinou-se para seu gracioso

amigo. — Que meio é este?

— Você terá que aguardar minha morte — disse

Gucky e teleportou-se para o lado oposto da varanda.

A mão de Bell acertou apenas o ar.

O mundo de gelo, onde Julian Tifflor e seus companheiros conseguiram, através de

sucessivos golpes de habilidade, escapar aos comandos de saltadores enviados em sua

perseguição, deixou de existir, apenas porque um dos patriarcas dos saltadores, dominado

pela cólera, deu ordem de destruí-lo.

Mas essa ordem, concebida como uma sentença de morte que deveria atingir Julian

Tifflor e seus companheiros foi dada num momento em que Perry Rhodan já estava em

condições de salvar do incêndio atômico não apenas os membros de seu grupo, mas também

alguns dos estranhos habitantes do mundo de gelo, os sonolentos...

Qual será a próxima ação que os saltadores empreenderão contra a Terra? Quais são

seus planos?

Levtan, o Traidor, que conhece os planos dos saltadores, entra em contacto com Perry

Rhodan...

Levtan, O Traidor, é este o título do próximo volume da série.

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Nº 34

De

Kurt Brand

Tradução

Richard Paul Neto Digitalização

Denise Bartolo Revisão e novo formato

W.Q. Moraes

Um saltador pousa em Terrânia e transforma-se na figura principal do grande

blefe...

Conflitos na Terra, invasões vindas do espaço, batalhas cósmicas, combates

travados em planetas distantes, tudo isso na Terceira Potência de Perry Rhodan,

instalada com o auxílio da antiqüissima técnica arcônida, venceu galhardamente

em sua curta existência.

Mas os saltadores, uma raça descendente dos arcônidas, que há oito milênios

detém o monopólio incontestado do comércio galático, reprimindo

implacavelmente qualquer concorrência que se esboce, representam um perigo

muito mais sério.

Perry Rhodan fez tudo para evitar que os saltadores transformassem a Terra

numa colônia. Seus cruzadores espaciais realizam ataques simulados contra a

frota dos saltadores, enquanto ele mesmo se dirige a bordo da Stardust-III, ao

planeta do imortal, a fim de obter uma nova arma que possa ser empregada contra

os saltadores. O poderio dos saltadores é tremendo. Muito embora diante da nova

arma tenham batido em retirada, ainda é de se recear que eles prossigam

inexoravelmente na execução dos planos de conquista da Terra. Um mercador

galático, que conhece esses planos, mostra-se disposto a vendê-los por um preço

adequado. Trata-se de Levtan, o Traidor...

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1

Na altura da órbita de Plutão, a Terra e a Solar

System, cruzadores da Terceira Potência, emergiram do

hiperespaço para retornar ao cosmos normal. Mantendo

uma distância de 40.000 quilômetros, os dois veículos

espaciais atravessaram vertiginosamente o sistema solar,

em direção à Terra.

O choque da transição, um acompanhante

desagradável de todo salto pelo hiperespaço, já estava

superado. Perry Rhodan, que se encontrava a bordo do

cruzador pesado Terra, juntamente

com Reginald Bell.

Bell e alguns elementos de seu

Exército de Mutantes cumprimentou

MacClears, o comandante da nave,

com um ligeiro aceno de cabeça, e

lançou um olhar convidativo a Bell,

após o que se dirigiu ao seu camarote,

em companhia do mesmo.

— Ainda não consigo

compreender, Perry — principiou

Reginald Bell, impressionado pelo

silêncio de Rhodan.

Perry esboçou um sorriso amargo,

mas ainda não disse nada.

Bell estourou. Aqui, a sós com

Perry Rhodan, chefe da Terceira

Potência, podia dar-se ao luxo de falar

com este de amigo para amigo. Foram

os primeiros homens que haviam

atingido a Lua a bordo da Stardust, e

continuavam amigos enquanto Perry

Rhodan se preparava para conquistar a

galáxia, incorporando-a aos domínios

do planeta Terra.

— Perry, Aquilo ou Ele permitiu-

se uma piada de mau gosto. Por que

não aceitou tudo na esportiva,

insistindo, sem esmorecer, em chegar

ao Peregrino?

Perry lançou um olhar pensativo para o amigo.

— Aquilo pode ter feito uma piada, mas nunca uma

piada de mau gosto.

Bell, engrenado, não permitiu que Rhodan terminasse.

— Ora, Perry! — disse em tom insistente. — Afinal,

não fomos ao Peregrino para fazer turismo, mas porque os

mercadores galácticos nos colocaram em situação

extremamente difícil. Se eles resolverem lançar seus

couraçados num ataque concentrado contra nós, podemos

fazer nosso testamento. E foi numa situação destas que

Ele ou Aquilo houve por bem não permitir nosso ingresso

no Peregrino. Você realmente acha que isso não é uma

piada de mau gosto?

Um Perry Rhodan totalmente diferente daquele que os

homens conheciam, um homem profundamente

decepcionado e abatido, que ainda não via qualquer meio

de escapar ao perigo que os mercadores galácticos

representavam para a Terra, deixou que seus olhos

vagassem ao lado de Bell, que o fitava numa ansiosa

expectativa. Sabia que a fala irreverente de Bell apenas

tinha por fim dissimular a decepção e encobrir a situação

desesperançada.

— Santo Deus, Perry! — exclamou Bell. — Nunca o

vi do jeito que o vejo agora.

Perry não reagiu à observação. Disse simplesmente:

— Ele confia mais em nossa capacidade que nós

mesmos. Só pode ser isso, Bell. Lembre-se de como ele

nos tornou difícil a busca do caminho que conduz ao seu

planeta, ao Peregrino. Tanto você como eu ainda temos de

aprender a compreender seu senso de humor. Foi por isso

que desta vez ele não nos deixou entrar, nem tomou

conhecimento da nossa presença. Nem pensa em entregar-

nos outros transmissores fictícios. Devemos defender-nos

dos mercadores com os recursos de

que dispomos.

— Se isso é senso de humor,

perdi toda capacidade de apreciar

uma boa piada — respondeu Bell

em tom sarcástico. — A Stardust

possui exatamente dois

transmissores fictícios. Isso

mesmo: dois. O que acontecerá

com ela se os mercadores

chamarem seus amigos, os

superpesados, para que estes

lancem um ataque concentrado

contra nosso couraçado? Nesse

caso a Stardust já era; e dos

cruzadores Terra e Solar System

nem se fala. Quanto à Terra, será

escravizada e transformada numa

colônia dos mercadores.

Subitamente Bell viu um brilho

nos olhos do amigo. E, como

depois disso um sorriso amargo

brincasse em torno dos lábios de

Perry e este se espreguiçasse

vigorosamente, Reginald Bell já se

sentiu um tanto aliviado.

— Você tem razão —

confirmou Perry Rhodan. — Se os

saltadores voltarem com os

superpesados e lançarem um ataque concentrado contra

nós, tudo estará perdido. Você não acha engraçado que

ele confie tanto em nossa capacidade que acredita que

possamos enfrentar os mercadores galácticos e os

superpesados?

Decepcionado, Bell reclinou-se na poltrona.

— É só o que você tem a dizer, Perry? — perguntou

estupefato.

— No momento, sim. Você é um sujeito formidável.

Deu-me uma sacudidela no momento exato.

— Quem? Eu? Mas como? — fez uma cara tão tola

que Perry lhe disse com um sorriso:

— Neste momento você não parece muito inteligente.

— Seria capaz de pagar alguma coisa por uma dica de

como poderemos enfrentar o perigo que nos ameaça —

resmungou Reginald Bell em tom sarcástico. Depois disso

manteve-se em silêncio.

* * *

Terrânia chamou. Era a capital da Terceira Potência,

situada no deserto de Gobi. Desde aquele 25 de novembro

Personagens Principais deste episódio:

Perry Rhodan — Chefe da Terceira

Potência.

Reginald Bell — Amigo íntimo e

representante de Perry Rhodan.

Levtan — Um indivíduo expulso da

comunidade dos saltadores por sua

conduta fraudulenta.

John Marshall — Um telepata.

Tako Kakuta — Cuja especialidade é a

teleportação.

Kitai Ishibashi — Cujos dons se situam

na área da sugestão.

Tama Yokida — Que domina a

telecinésia.

Etztak Goszul — Patriarcas dos

saltadores.

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107

servia de sede ao Governo Universal da Terra.

A aproximação dos cruzadores Terra e Solar System

já fora detectada. Logo após o abalo estrutural provocado

pelo salto através do hiperespaço, as naves entraram em

contato com as estações da Terra, que lhes forneceram as

horas em que poderiam pousar sem entrar em choque com

o campo energético invencível que se estendia por cima

de Terrânia.

Taciturno, Perry Rhodan saiu da Terra. Sua aparência

não revelava nada quando retribuía os cumprimentos ou

falava com uma ou outra pessoa, mas seu amigo Bell não

se deixaria enganar pelas aparências.

Nunca a Terra se defrontara com um perigo tamanho

como o que a ameaçava, agora que fora descoberta pelos

mercadores galácticos. Membros do império arcônida,

que se encontrava num processo de esfacelamento

progressivo, os mercadores viviam divididos em clãs que

passavam seus dias em gigantescas naves, negociando

com qualquer planeta que lhes parecesse lucrativo. Não

eram amigos ou inimigos de qualquer raça. Mantinham-se

neutros na guerra e vendiam com um lucro adequado a

qualquer das partes que se encontrassem em luta. Mas os

saltadores, como também eram conhecidos, não podia ser

considerado um grupo de inofensivos ciganos espaciais.

Qualquer intruso que tentasse penetrar em seus domínios

era destruído sem a menor contemplação. Sempre que os

recursos de que dispunham não eram suficientes para isso,

recorriam aos superpesados. Estes também descendiam

dos arcônidas, mas eram indivíduos de peso inacreditável

e, o que os tornava ainda mais perigosos, possuíam

gigantescos couraçados espaciais.

Perry Rhodan rechaçara os mercadores e os

superpesados, mas não lhes inoculara de forma indelével

a ideia de que deviam tirar as mãos da Terra, por

representar ela um perigo mortal. Naquele momento Perry

Rhodan estava explicando ao seu estado-maior que a frota

dos mercadores, que reunida aos superpesados,

representava o perigo mais grave com que a Terra jamais

se defrontara, e que não tinham com que se defender do

mesmo.

— Amanhã o cruzador pesado Centauro será batizado

e entrará em serviço — interveio Nyssen, comandante da

Solar System.

Perry Rhodan exibiu um sorriso condescendente.

— O que significa isso, cavalheiros?

— Nada! Trata-se duma nave com cerca de duzentos

metros de diâmetro. Juntamente com a nave Centauro,

disporemos de três naves desse tipo. Isso não representa

coisa alguma face ao poderio maciço do inimigo.

— Prometo-lhes um reino por uma boa ideia, e, além

disso, lhes ficarei eternamente grato.

Passou os olhos pelo grupo. Fitou Bell, MacClears e

Nyssen, os comandantes dos cruzadores, o major

Deringhouse, os mutantes e finalmente Crest e Thora, os

arcônidas.

Onde seu olhar demorou mais foi na orgulhosa

arcônida. Nos últimos anos haviam se aproximado

progressivamente sob o aspecto humano, mas nunca a

aproximação fora tão grande que um terceiro pudesse

esperar que esses belos exemplares se transformassem

num par.

* * *

Foi Thora, a arcônida, quem batizou a nave Centauro.

Atrás dela estava o major Deringhouse. Seu rosto

manteve-se impassível, mas não pôde reprimir o brilho

dos olhos, através do qual exprimiu a alegria de ser

comandante da nave.

Perry Rhodan, chefe da Terceira Potência, Bell e

Crest, o arcônida, mantinham-se ligeiramente de lado.

Enquanto Thora pronunciava, em voz firme, a costumeira

fórmula de batismo, Crest cochichou para Perry Rhodan:

— Será que há alguns anos, quando tivemos nosso

primeiro encontro, como náufragos presos à superfície

lunar, o senhor poderia imaginar que um dia, como

administrador do Governo Universal da Terra, tivesse que

defender o planeta contra um grupo de invasores do

espaço?

Seus olhares encontraram-se. De um lado estava o

arcônida, com o saber concentrado duma cultura

antiquíssima, e de outro lado Perry Rhodan, protótipo do

homem terreno, inteligente, audacioso e confiante. Era o

herdeiro do saber dos arcônidas e, juntamente com

Reginald Bell, fora o único ao qual tinha sido conferido o

dom de não envelhecer nos próximos seis decênios.

Perry ia responder à pergunta de Crest, quando Bell

lhe tocou o braço e apontou para a tela.

Quando a imagem se firmou, a tela mostrou o rosto do

coronel Freyt.

— O que houve? — perguntou Perry Rhodan

laconicamente, sem elevar a voz.

Preferia que o batismo do cruzador Centauro não

sofresse qualquer perturbação. Freyt entendeu a fala

contida de Rhodan. Também dominou suas cordas vocais:

— Chefe, os rastreadores estruturais instalados em

Marte e numa das luas de Saturno detectaram alguma

coisa.

Uma idéia passou pela mente de Perry Rhodan.

“São os mercadores!”, pensou. “Levaram três meses

para preparar o ataque à Terra. E agora estão

chegando.”

— Coronel Freyt — disse — queira fornecer...

Mas Freyt interrompeu-o em tom nervoso:

— Nova detecção, chefe. Mais um abalo estrutural.

Foi a mesma nave que abandonou o sistema solar.

— Alarma número um — disse Rhodan em tom

decidido, lançando um olhar pensativo para o novo

cruzador pesado da frota terrena, que acabara de ser

batizado por Thora, a arcônida.

Os contornos do rosto do coronel Freyt desfizeram-se.

A tela voltou ao cinza. Bell mastigou o lábio inferior.

Crest parecia um homem que contém a respiração.

O alarma número um foi desencadeado, e não pegou a

cidade de Terrânia desprevenida. O supercouraçado

Stardust-III, o máximo da engenharia arcônida,

conquistado por Perry Rhodan e seus mutantes no mundo

dos ferrônios, estava pronto para decolar. Também os

cruzadores Terra e Solar System e alguns grupos de

destróieres estavam preparados, enquanto outros, que

cruzavam entre os planetas, mantinham a vigilância do

sistema.

O alarma número um foi mantido quando Rhodan

convocou seus colaboradores mais chegados para uma

conferência.

A interpretação dos dados confirmara o fato de que

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uma nave desconhecida, vinda do hiperespaço, efetuou

uma transição que a levou para o interior do sistema solar,

realizando poucos segundos depois, um novo salto, que a

levou de volta ao hiperespaço.

Reginald Bell irradiava otimismo.

— Será que é um embaixador dos saltadores?

John Marshall, um homem alto de cabelos escuros,

não alterou as feições de seu rosto estreito e duro.

Ninguém desconfiaria de que fosse um telepata. Quando

Rhodan lhe lançou um olhar indagador, disse:

— Conheço os mercadores galácticos, e por isso sei

que essa nave que apareceu para desaparecer

imediatamente não é dos saltadores. Estes estão

incubando um plano para subjugar-nos de um golpe.

— Será que foi um salto mal sucedido? — disse Bell,

pensando em voz alta.

Estremeceu quando Crest, o arcônida, respondeu:

— Os mercadores galácticos são descendentes de

nossa raça, Bell...

— Infelizmente — respondeu em tom áspero Bell, que

logo recuperara o controle. — É lamentável. Se não

fossem eles, os filhos de sua raça não nos dariam tantos

aborrecimentos.

Crest estacou um momento, mas logo compreendeu

como deviam ser interpretadas as palavras de Bell. Mas

estas ficaram atravessadas na garganta de Thora.

Seus olhos chisparam de raiva quando chiou para Bell:

— O senhor não tem o menor motivo para fazer pouco

caso de nossa raça. Todo saber de que dispõe provém

dela...

Estacou em meio à frase. Não poderia deixar de

perceber o riso que Perry Rhodan procurava reprimir. Só

agora a arcônida percebeu que mais uma vez se tornara

vítima das brincadeiras de Bell.

— Vamos aguardar — disse Rhodan, encerrando a

conferência. — Para os destróieres que se encontram no

sistema solar continua a vigorar o alarma número um. É a

única coisa que podemos fazer no momento.

2

O comandante Deringhouse podia ser encontrado em

qualquer lugar dentro de sua nave. Como um sonâmbulo,

caminhava de um lado para outro na gigantesca nave

esférica de duzentos metros de diâmetro.

Dentro de uma hora, a Centauro decolaria para o voo

inaugural. Pela primeira vez o colosso se ergueria do solo,

para penetrar no seu espaço vital, o cosmos mortal, mas

admirável.

Verificou pessoalmente os controles finais.

— Controle de armamentos!

A língua falada por todos parecia conhecer apenas esta

expressão: “Em ordem.”

Os goniômetros, as instalações de rádio, a

comunicação com a sala de máquinas, com os

conversores, tudo em ordem...

Finalmente veio o aviso definitivo de que a nave

estava em ordem, e Deringhouse respirou aliviado.

Nem se lembrou do alarma número um, que

continuava a vigorar.

Um tanto admirado, Perry Rhodan viu entrar Crest e

Thora.

John Marshall pretendia despedir-se. Sua capacidade

telepática, aperfeiçoada através dum treinamento

hipnótico, fizera-o perceber que os arcônidas desejavam

falar a sós com Perry Rhodan.

Quando já se dispunha a sair, Rhodan deteve-o.

— Fique aqui, Marshall — disse em tom amável,

enquanto cumprimentava os arcônidas com um aceno de

cabeça.

A testa de Thora enrugou-se ligeiramente. Sempre que

alguma coisa não corresse conforme previra, revelava sua

qualidade de arcônida sensível. Crest, um indivíduo alto e

magro pertencente à elite científica do Império de Árcon,

exibia a tranquilidade esclarecida que se harmonizava

com seu saber.

Diante do olhar sempre amável de Perry, a testa de

Thora desanuviou-se. Sem preocupar-se com a presença

de Marshall, começou a falar.

— O tempo urge Perry Rhodan. E o tempo trabalha a

favor dos mercadores galácticos e contra a Terra, ou

melhor, contra nós, inclusive contra Árcon. A Centauro

está preparada para o voo inaugural. Permita que Crest e

eu viajemos para Árcon. Não formulo a proposta para

aproveitar as circunstâncias e obter o cumprimento duma

promessa, mas pelo simples fato de estar preocupada com

o destino da Terra, com o nosso destino...

O rosto de Perry Rhodan assumiu uma expressão dura.

Lançou um olhar perscrutador para Thora e Crest. Podia

confiar irrestritamente no cientista, mas não era

impossível que a mulher impulsiva que tinha diante de si

ainda mantivesse reservas mentais.

John Marshall estava de pé atrás dos arcônidas.

Reunindo suas forças telepáticas, conseguia penetrar na

barreira que cercava o cérebro dos arcônidas,

desvendando seus pensamentos.

Quando fitou Perry Rhodan, este compreendeu a

linguagem de seus olhos.

— Sei perfeitamente — respondeu este, depois que a

informação de Marshall o tranquilizara — que ainda lhes

estou devendo o cumprimento duma promessa...

— Não é disso que se trata — interrompeu Thora,

exaltada. — Queremos buscar auxílio, Perry Rhodan.

Aquilo, o ser que habita Peregrino, o planeta invisível,

acaba de lhe recusar esse auxílio. Meu povo, os arcônidas,

não o recusarão. Sem o auxílio do poderio de nossa raça o

senhor não conseguirá manter-se contra os saltadores e os

superpesados.

— O ataque pode ser lançado a qualquer momento —

disse Rhodan, tentando fugir à decisão, embora várias

vezes ele já tivesse dito a si mesmo que chegara o

momento em que o auxílio de fora se tornava

imprescindível.

Mas não era apenas um homem dotado dum raciocínio

e dum senso tático frio; também possuía o dom da

intuição e da adivinhação. Uma premonição indefinível

dizia-lhe que conseguiria defender-se dos saltadores sem

auxílio de fora.

— Perry Rhodan! — disse Crest, dirigindo-se a ele.

Seus olhares encontraram-se. — Rhodan, o senhor me

decepciona. Procura fugir ao problema. Não adianta

inventar desculpas para escapar ao destino. Thora e eu

temos que ir a Árcon. E temos que ir imediatamente. A

Page 109: Perry Rhodan - 1º Ciclo " A Terceira Potência - Volume VII - Voo Para o Infinito. P- 31-35

109

Centauro está pronta para decolar. Permita que viajemos

nela. Será que não confia mais em nós?

Foi uma pergunta dura.

Afinal, Perry Rhodan devia a esses dois seres todo o

saber e todo o poder de que dispunha.

Sua resposta franca e terminante impressionou os

arcônidas:

— Nunca desconfiei dos senhores, mas prefiro adiar a

viagem para Árcon. Esperava encontrar um meio de

rechaçar os saltadores com meus próprios meios. Mas

reconheço que isso não é possível.

Marshall interrompeu-o:

— Chefe, há uma mensagem.

— O que é? — soou a voz rangedora de Rhodan,

enquanto este girava o botão da tela. Os traços

ordenaram-se, retratando o rosto do coronel Freyt.

— Chefe — disse Freyt em tom nervoso — a estação

de rádio principal, instalada na Lua, acaba de captar uma

mensagem vinda do mesmo setor em que ontem foram

constatados os dois abalos estruturais...

— Qual é o teor da mensagem? — pediu Perry

Rhodan.

Freyt transmitiu apressadamente o conteúdo da

mensagem:

— Levtan solicita permissão de aterissagem a

Rhodan, chefe da Terceira Potência. Peço que a resposta

seja transmitida pela mesma onda. Levtan.

— Obrigado, coronel Freyt — exclamou Perry.

Freyt não compreendeu por que uma mensagem desse

tipo poderia provocar tamanha alegria no chefe, pois

subitamente o rosto do mesmo irradiou alegria.

— Quer dizer que não vamos a Árcon? — adivinhou

Crest, antes que Perry Rhodan voltasse a dirigir a palavra

aos arcônidas.

— Ainda não, Crest! — dirigindo-se a John Marshall,

disse: — O senhor ouviu tudo. Peça a Bell que cuide da

interpretação da mensagem. — Voltou a dirigir-se aos

arcônidas: — Um momento!

Enquanto ainda era um jovem cadete da Força

Espacial dos Estados Unidos, Perry Rhodan já era

considerado um “reator psíquico instantâneo”. Depois

desenvolvera essa faculdade. Usando o sistema de

comunicação audiovisual, mobilizou através de ordens

lacônicas todos os postos de alarma. Suas instruções

estenderam-se bem além da órbita de Plutão, onde um

destróier exercia o serviço de vigilância.

Reginald Bell, amigo e representante de Perry

Rhodan, deixou cair sua figura atarracada na poltrona,

empurrou para o lado a pilha com as interpretações da

mensagem e sorriu para Kitai Ishibashi, um médico e

psicólogo japonês.

— Daqui a pouco o senhor terá trabalho, Ishibashi.

Estamos esperando visita. Alguém quer falar com o chefe,

o senhor da Terra. Este alguém perguntou...

— Será que é um saltador? — perguntou Kitai

Ishibashi. Seus olhos em forma de amêndoa iluminaram-

se.

— Talvez seja um saltador. É mesmo provável que

seja. O fato é que não sabemos. Mas quando a nave dele

pousar, sua hora terá chegado. Mantenha-se preparado.

Acredito que sua arte representará o fiel da balança...

— Farei o possível — asseverou Kitai Ishibashi.

Bell seguiu-o com um olhar pensativo.

A idéia de receber uma visita dos saltadores não o

deixava muito satisfeito. Havia algo de errado nessa

história, mas nem mesmo Perry Rhodan sabia onde estava

o erro.

Foi por isso que chamou Kitai Ishibashi, o sugestor,

cujas energias mentais lhe permitiam impor a qualquer

indivíduo sua própria vontade de forma tão terminante

que o indivíduo atingido pela operação mental se

convencia de que estava agindo por sua livre e espontânea

vontade, não em virtude da influência de outrem.

Bell examinou as interpretações.

A mensagem vinda do setor em que se registraram os

dois abalos estruturais era um fenômeno único.

— A coisa não poderia ser mais demorada —

resmungou, enquanto calculou que a mensagem devia ter

levado pelo menos 24 horas para chegar à Lua. — Hum...

e isto?

Leu as medições do ângulo em que a mensagem

chegara à estação da Lua. Ao lado delas estavam os

cálculos do cérebro positrônico. Os mesmos confirmavam

que as mensagens redigidas em linguagem não codificada

deviam provir da nave que 24 horas antes provocara dois

abalos estruturais.

— Talvez isso ainda fique bastante divertido... —

resmungou Bell, tendo em si mesmo seu único

interlocutor. — Talvez não fique...

O comandante Deringhouse pretendia anunciar que

tudo estava em ordem com os controles da Centauro,

quando o sinal de rigorosa prontidão soou pela nave.

Imediatamente a voz tranquila de Perry Rhodan soou nos

alto-falantes. Pouco depois seu rosto surgiu nas telas.

— Ao comandante. Decolagem de emergência.

Transição de curta distância em direção à órbita de Plutão.

Missão de combate. Tentaremos localizar a nave

desconhecida que ontem executou dois saltos. Os dados

do cérebro positrônico para a decolagem e a amplitude do

salto seguem imediatamente. Repita, comandante

Deringhouse.

Este repetiu toda a série de comandos, sem parar para

refletir.

As comportas da Centauro fecharam-se. A tripulação e

os robôs corriam apressadamente pelos conveses da nave.

De todos os lados vinham os avisos de que tudo estava em

ordem. A tensão estalava em todos os cantos do cruzador.

Com um som uivante, a Centauro disparou em direção

ao céu. A imensa esfera foi diminuindo até desaparecer

em meio aos reflexos solares. Quando atingiu a altura de

vinte quilômetros, transmitiu a primeira mensagem para

Terrânia.

Dali a uma hora veio a segunda mensagem:

— Tudo preparado para a transição a curta distância.

Deringhouse.

Todos os rastreadores do sistema solar registraram o

abalo provocado pela Centauro, quando esta penetrou no

hiperespaço para executar o salto em direção à órbita de

Plutão.

O coronel Freyt virou-se rapidamente ao notar que

duas pessoas entravam na sala. No mesmo instante

esqueceu a presença de Perry Rhodan e de Crest.

— Há três minutos houve novo abalo estrutural.

A informação não poderia ser mais lacônica. Mas para

Perry Rhodan foi suficiente. Nem notou o olhar de

admiração de Crest. A capacidade de extrair o mais

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110

importante das coisas importantes, uma constante em

Rhodan, nunca deixava de impressionar o arcônida.

Acabara de receber outra prova disso.

— É a mesma nave, Freyt?

— O cérebro positrônico ainda está calculando. Ah, o

resultado acaba de chegar, chefe.

Leram ao mesmo tempo a interpretação do cérebro

positrônico:

— Existe uma probabilidade de 98,3 por cento de que

se trate da mesma nave que ontem executou duas

transições nas proximidades da órbita de Plutão.

— E a interpretação do rastreador? — indagou

Rhodan.

O coronel Freyt já tinha a resposta preparada:

— Nave aproxima-se a uma velocidade que fica 0,9

por cento abaixo da luz, vinda do espaço interestelar e

dirigindo-se ao sistema solar.

O hipercomunicador chamou. A Centauro respondeu.

— Nave desconhecida localizada. Coordenadas

conhecidas. Aproximação imediata. Deringhouse.

* * *

Os rastreadores estruturais da Centauro registraram a

transição dum veículo espacial, que devia ter ocorrido nas

imediações do ponto em que se encontrava.

O comandante Deringhouse lançou um olhar ligeiro

para o telegrafista.

— Hipercomunicação para Terrânia — ordenou e

transmitiu a informação, sem desconfiar de que Perry

Rhodan a estivesse ouvindo.

A Centauro acelerou. Atrás dela foi desaparecendo o

relampejar frio dos planetas solares. O planeta Plutão,

condenado a descrever sua órbita em torno do Sol numa

escuridão eterna, encontrava-se em oposição.

O comandante Deringhouse sentia-se no seu elemento.

Tranquilo, estava reclinado na sua poltrona. Passou os

olhos pelas telas, quadros de controle e painéis; vez por

outra fitava seus oficiais e tinha a impressão de encontrar-

se com a melhor tripulação no melhor cruzador pesado do

sistema solar.

— A posição da nave desconhecida! — ordenou em

tom enérgico.

O dispositivo automático instalado junto à mesa de

instrumentos deu um clique. O cérebro positrônico do

cruzador forneceu os dados solicitados por Deringhouse.

Um oficial transmitiu os mesmos em palavras

lacônicas e precisas.

— Acelerar dez por cento.

No mesmo instante o veículo espacial deu um salto

para o espaço, mas no interior da nave a pressão da

aceleração não foi sentida.

A Centauro precipitou-se para a nave desconhecida.

As torres de armas estavam ocupadas, aguardando a

ordem de fogo.

— Distância um minuto-luz.

Deringhouse confirmou com um aceno de cabeça.

A Centauro continuou a penetrar no espaço, em

direção ao desconhecido. Todas as faixas de ondas

estavam ligadas. A qualquer instante poderia surgir um

chamado da nave desconhecida.

— Distância de dez segundos-luz. Deringhouse

reduziu a velocidade da nave à metade. Quando se

encontrasse no limite de segurança, não queria realizar

nenhuma manobra de frenagem.

— Distância de quinhentos mil quilômetros.

A ordem de Deringhouse foi transmitida

apressadamente às posições de combate.

— Retirar as capas dos canhões.

As indicações de distância vinham a curtos intervalos.

Quarenta mil quilômetros ainda os separavam do inimigo.

— Malditos saltadores... — disse um dos homens que

se encontravam na sala de comando. Deringhouse franziu

a testa, mas, não disse nada, pois acabara de pensar

exatamente a mesma coisa.

Os mercadores galácticos estendiam seus tentáculos

em direção ao débil planeta Terra. Descobriram-no num

dos setores laterais da galáxia e acreditaram que com ele

poderiam fazer seus negócios pela forma que costumavam

fazer com muitos mundos habitados da Via Láctea.

Corriam em direção a uma dessas naves dos

mercadores — dos inimigos mortais da Terra.

— Mensagem do desconhecido — gritou o

telegrafista, e Deringhouse descontraiu-se um pouco. —

Senhor, certo Levtan pede permissão para vir a bordo.

Deringhouse inclinou-se ligeiramente para frente para

aproximar-se do microfone.

— Atenção, postos de combate. Ao menor movimento

suspeito, atirem imediatamente com todas as peças, sem

aguardar ordem de fogo da sala de comando.

Sabia que poderia confiar em seus homens.

— Hipercomunicador. Mensagem ao chefe — disse

Deringhouse com a voz tranquila. — Nave desconhecida

pede permissão para mandar certo Levtan para bordo da

Centauro. Darei a permissão. Nossas coordenadas são as

seguintes...

A estação de Terrânia limitou-se a confirmar o

recebimento da mensagem.

— Nave desconhecida aproxima-se. Distância de oito

mil quilômetros — assim foi anunciado o resultado da

medição da distância. O limite da segurança já fora

ultrapassado.

— Deixe que se aproxime — disse Deringhouse e

acendeu um cigarro.

* * *

Ao lado da gigantesca Stardust-III, o couraçado de

Rhodan com oitocentos metros de diâmetro, os cruzadores

pesados Terra e Solar System estavam prontos para

decolar.

As autoridades de Terrânia haviam ordenado

prontidão rigorosa para as tripulações, mas nem Perry

Rhodan, nem Reginald Bell, nem qualquer dos arcônidas

se encontrava a bordo dos veículos espaciais.

— Por que estamos esperando por aqui? — perguntou

Thora, impaciente. — Não sei qual é a graça! — gritou

para o amigo de Perry Rhodan, que continuava

tranquilamente em sua poltrona, sorrindo por todo o rosto.

— A graça é que a senhora está tão nervosa, Thora —

respondeu Bell. — Vejo nisso um traço muito humano.

Não chegou a dizer que os habitantes da Terra são

bárbaros?

Thora e Bell não se suportavam. Não podiam passar

um pelo outro sem soltar uma indireta.

— Por que Deringhouse não dá mais nenhum sinal de

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vida? — perguntou Crest, encerrando a discussão. — É

uma leviandade permitir a esse Levtan que venha a bordo

da Centauro...

— Leviano? Logo Deringhouse? — Perry sorriu. — É

bem verdade que já poderia ter chamado.

— Por que não o chamamos pelo hipercomunicador?

— insistiu Thora.

— As comunicações radiofônicas foram suspensas

para todos os destróieres. Não posso abrir nenhuma

exceção, Thora.

— Será que o chefe da Terceira Potência não ocupa

uma posição especial? — perguntou com uma ponta de

ironia.

Perry esteve a ponto de responder com uma

observação mordaz, mas viu o olhar de advertência de

Crest. Por isso limitou-se a dizer:

— A grandeza revela-se através do autodomínio nas

pequenas coisas, Thora. E na Terra a curiosidade é

considerada um mal.

Atirando a cabeça orgulhosamente para trás, Thora

retirou-se. Crest procurou desculpar seu comportamento:

— É a decepção de mais uma vez ver frustradas suas

esperanças de ir para Árcon, de ver adiada a volta para

seu mundo. Afinal, é uma mulher, Perry Rhodan.

— Está bem, Crest — Perry demonstrou pressa em

mudar de assunto. Neste ponto, relacionado com a volta

dos arcônidas, não tinha a consciência muito tranquila. —

Por que será que a Centauro não entra em contato

conosco? — Rhodan lançou o olhar pela janela,

contemplando seus veículos espaciais. — Essas naves

representavam muito pouco face ao poder dos mercadores

galácticos e dos superpesados. Daria um reino por uma

boa ideia.

Ele mesmo, Perry Rhodan, era o mais preocupado, o

mais nervoso dos três homens que se encontravam na

sala, mas continuou a fazer o papel de polo inabalável da

tranquilidade.

— Por que será que Deringhouse não entra em contato

conosco? — voltou a perguntar de si para si.

O hipercomunicador continuava em silêncio.

* * *

Deringhouse gritou para dentro do microfone:

— Torre número dois, coloque um tiro na frente da

proa!

Na grande tela de visão global da sala de comando

surgiu um lampejo ofuscante. Pela primeira vez a

Centauro deu uma demonstração de força. A uma

distância de 3.000 quilômetros quase arranca a proa da

nave desconhecida.

— Paramos! — foi a mensagem radiofônica em texto

não codificado recebida na Centauro. — Viemos para

negociar, não para atacar.

Deringhouse lançou um olhar mais prolongado que de

costume para seu telegrafista. Alguma coisa não estava

certa nessa mensagem expedida pela nave dos saltadores.

Em sua opinião, as intenções pacíficas eram pronunciadas

demais.

— Comandante para os postos de combate — voltou a

chamar as torres de canhões. — Disparem imediatamente

se dentro de um minuto o mercador não estiver parado —

desligou e chamou o telegrafista: — Mande-lhe isto.

— Tudo? — perguntou o telegrafista.

— Sim, tudo. Quero que saibam o que podem esperar

de nós.

A tensão cresceu na sala de comando. Deringhouse

não tirava os olhos da tela de visão global. A voz metálica

do cérebro positrônico indicava as modificações de

distância. A mensagem destinada ao mercador Levtan

havia sido expedida.

— A nave está parada — referia-se ao veículo espacial

desconhecido.

A Centauro desenvolvia pouca velocidade. Numa

curva suave, o cruzador pesado passou pela outra nave a

uma distância de três mil duzentos e oito quilômetros.

— A nave contínua parada.

O próprio Deringhouse não compreendia o motivo de

tamanha cautela. Tinha uma superioridade imensa sobre o

mercador, mas agia como se fosse o mais fraco.

Estaria impressionado com aquilo que Crest lhe

contara sobre os clãs dos mercadores e seus patriarcas?

Ou seria porque era difícil aceitar a ideia de que um

mercador poderia aparecer nas imediações do sistema

solar para negociar? Bastaria que os mercadores

estendessem a mão para estrangular a Terra.

Naquele instante Deringhouse voltou a transformar-se

no piloto do caça tripulado por um homem.

A Centauro correu velozmente em direção à outra

nave. O ponto reluzente da tela aumentava rapidamente.

— É um saltador — disse alguém na sala de comando.

— Meu Deus! — exclamou Deringhouse perplexo. —

Esse calhambeque está totalmente enferrujado. Quem será

esse sujeito que os saltadores nos mandaram?

No mesmo instante James Hugh gritou:

— Localização, comandante. Um objeto estranho

aproxima-se a uma velocidade setenta e seis por cento

inferior à da luz. Vem de Pi 3,65 Teta 56,19 graus.

O cérebro positrônico interpretou esses dados e logo

os transmitiu às torres de canhões.

Então era isso! Tratava-se dum estratagema primário

dos mercadores — tão primário que por pouco não cai

nele. Mas a indicação de distância? A que distância se

encontrava a outra nave?

Descrevendo um salto tremendo, produzindo por uma

quantidade inacreditável de energia, a Centauro passou

rente à nave enferrujada, descreveu uma curva arriscada e

precipitou-se na direção indicada.

— E a distância? — perguntou Deringhouse com a

voz fria. — Hugh, por que ainda não me forneceram a

distância?

— A positrônica forneceu dois valores — respondeu

Hugh com a voz tímida. Deringhouse quase chegou a

saltar da poltrona.

— É porque são duas naves dos saltadores. Quero

ambas as distâncias. Vamos logo, Hugh!

— Quatro vírgula três oito e quatro vírgula sete um

segundos-luz — gaguejou Hugh.

A Centauro já estava acelerando a 10.000 quilômetros

por segundo.

— Vamos estragar o prazer deles de uma vez para

todas — disse Deringhouse com uma perigosa suavidade.

— Depois cuidaremos do Levtan, esse perigoso anjinho

da paz.

* * *

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112

Contrariado, Perry Rhodan ergueu os olhos.

— O que houve? — perguntou em tom ainda mais

contrariado, mas no mesmo momento fez um gesto de

mão para entender que a qualquer momento estaria

disposto a falar com John Marshall.

— Um enviado da Federação Asiática solicita uma

audiência.

— Peça-lhe que fale com Bell — disse Perry

laconicamente. No momento não podia perder tempo

ouvindo as ciumeiras dos blocos de potências da Terra.

— Acontece que o enviado faz questão absoluta de

falar com o chefe da Terceira Potência. Não quer ir

embora.

— Pois eu o mando embora. Diga-lhe isto em termos

um pouco mais corteses.

Para Rhodan a interrupção havia chegado ao fim.

Entrou em contato com a gigantesca estação de rádio da

gigantesca metrópole de dois milhões de habitantes,

enquanto John Marshall, o telepata, se dispunha a sair.

— Ainda não chegou nada? — perguntou Rhodan em

tom impaciente.

— Não — soou a voz metálica da membrana.

Imediatamente Rhodan entrou em contato com os dois

cruzadores pesados.

— A Terra e a Solar System decolarão imediatamente.

Entrem em posição para uma transição a curta distância

em direção à órbita de Plutão. As ordens para o salto

serão dadas separadamente.

No mesmo instante o uivo potente provocado pela

decolagem das naves de duzentos metros irrompeu na

sala, apesar do isolamento acústico. Girou o botão e viu

que os cruzadores pesados, acelerando cada vez mais,

corriam em direção à camada de nuvens altas e

desapareceram na mesma.

Sua respiração era nervosa e pesada.

O que teria acontecido com a Centauro para lá da

órbita de Plutão? O que estariam tramando os

mercadores?

Será que ele e toda a Terra teriam se deixado envolver

numa trama dos saltadores?

Ainda não teria percebido a cilada?

Mais uma indagação dirigida à estação de rádio.

Nada.

O cruzador pesado Centauro, comandado por

Deringhouse, ainda não enviara nenhuma mensagem.

* * *

— São dois meteoros! — exclamou Deringhouse

bastante contrariado. Por que tinham que existir esses

blocos de metal, e por que tinham que possuir campos

magnéticos? — Vamos voltar ao calhambeque

enferrujado.

Perdera um tempo precioso. A Centauro teria que

mostrar do que era capaz.

O comandante olhou para o relógio. Assustou-se ao

ver que já era tão tarde. Refletiu ligeiramente se convinha

avisar Terrânia. Resolveu ficar quieto. Não havia

nenhuma novidade.

Os localizadores captaram a nave enferrujada.

Continuava no mesmo lugar.

Parecia que a Centauro iria abalroar o outro veículo a

toda velocidade. Os oficiais foram olhando para

Deringhouse. Nos olhares de todos havia a mesma

pergunta: Não vai frear?

Deringhouse pilotava a gigantesca esfera como se

fosse uma nave de um tripulante.

Subitamente as forças de frenagem rugiram na nave.

Mãos titânicas reduziram a velocidade do cruzador. Os

valores g subiram vertiginosamente, mas os

neutralizadores não permitiram que fosse ultrapassado o

valor g 1. Nenhum dos tripulantes sentiu a pressão

gigantesca produzida pela desaceleração.

Medonha e ameaçadora, fantasmagórica e silenciosa, a

Centauro voltou a aproximar-se da popa da nave dos

saltadores, chegando quase a tocá-la com seus campos

energéticos.

— Levtan pode vir a bordo — disse Deringhouse ao

telegrafista. — Não quero que venha numa nave; apenas

num traje espacial. Diga-lhe que providenciaremos um

transporte seguro. Enfatize a palavra seguro.

A mensagem foi irradiada. A confirmação do saltador

não se fez esperar. Logo a grande tela de visão global

mostrou que a pequena comporta da nave enferrujada se

abriu, deixando sair um homem que, envergando um traje

arcônida e empurrando-se, deslocou-se no rumo exato da

Centauro.

Foi quando o telegrafista anunciou a chegada de outra

mensagem.

— A Terra e a Solar System acabam de irradiar o sinal

de chegada para Terrânia a partir do ponto de salto da

transição de curta distância em direção à órbita de Plutão.

Naquele instante um imenso raio magnético expelido

pela Centauro apanhou o desconhecido e os imensos

campos energéticos da nave abriram-se por um instante

para que o mercador pudesse vir a bordo são e salvo.

“Ainda não tenho nenhuma informação para

Rhodan”, pensou Deringhouse, mas não pôde livrar-se da

impressão de que após o pouso levaria uma tremenda

bronca do chefe.

Da pequena comporta veio o aviso:

— Homem a bordo. Foi revistado. Não tem armas.

Deringhouse respondeu:

— Traga-o à sala de comando, acompanhado de

quatro homens e dois robôs de combate.

— Então realmente veio para negociar — disse James

Hugh.

Percebia-se pelo tom da sua voz que continuava

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desconfiado, sem acreditar no que acabara de dizer.

Deringhouse também estava desconfiado.

3

A nave cilíndrica de Levtan, que media cento e

cinqüenta metros de comprimento, estava pousada ao lado

da Centauro. A Terra e a Solar System encontravam-se

nos seus pontos de decolagem, como duas naves que

nunca estiveram no espaço. Nada indicava que suas armas

fulminantes estavam apontadas para a Lev-XIV.

Ultimamente Perry Rhodan não costumava demonstrar

interesse em pôr Terrânia em perigo através da utilização

dos recursos mais radicais de que dispunha. A conferência

acabara de ser concluída.

Bell lançou um olhar insatisfeito para a nave dos

mercadores, pessimamente conservada.

— A impressão que Levtan me causou quando

apareceu na tela foi igual a essa nave. Nunca vi um sujeito

tão antipático — disse.

— Foi por isso que nosso voo para Árcon foi adiado

— disse Thora em tom agressivo, sem dar atenção ao

olhar repreensivo de Crest. Num gesto de desprezo, atirou

os lábios para frente. — A Lev-XIV não é e nunca foi

uma nave dos saltadores.

— Logo saberemos que tipo de nave é a Lev-XIV e

quem nos mandou Levtan — interveio Perry Rhodan.

Estas palavras puseram fim à discussão.

Deringhouse surgiu na porta acompanhado de dois

robôs de combate e entregou o forasteiro.

Um homem de baixa estatura com traços mongólicos

entesou o corpo quando viu os robôs desaparecerem. Com

um sorriso autoconfiante, inclinou-se diante do grupo de

homens.

Parecia desleixado como sua nave. E a Lev-XIV não

estava apenas enferrujada; fedia de tanta sujeira.

Thora torceu o nariz e recuou. Crest fitou o mercador,

demonstrando certo interesse científico. O rosto largo de

Bell revelou tudo àquilo que um diplomata nunca deve

revelar. Apenas Perry continuou o mesmo. Dominava a

situação. Ainda não se mostrava disposto a proferir seu

julgamento, pois não sabia o que trouxera Levtan à Terra.

Mas logo ficou sabendo. Não era à toa que os

melhores dentre os seus mutantes se encontravam nos

fundos da sala. John Marshall já estava lendo os

pensamentos de Levtan.

Crest dirigiu a palavra ao saltador:

— Levtan, o senhor não é um mercador. Já foi, mas

agora é apenas um pária, um elemento proscrito.

Um brilho traiçoeiro passou pelos olhos oblíquos de

Levtan. Olhando de baixo, examinou a figura alta do

arcônida.

— O senhor é de Árcon? — perguntou em tom

atrevido, em vez de responder à observação de Crest.

— O senhor é um pária — disse Crest, enfatizando a

afirmativa anterior, enquanto admitiu ser um arcônida.

Perry Rhodan recebeu a informação cochichada que John

Marshall lhe transmitiu.

— Levtan é um traidor, um desesperado e um

elemento proscrito. Suas ideias estão dominadas pela

torpeza, pela traição e pela intenção de praticar

chantagem.

Neste momento está refletindo sobre a maneira de

lograr-nos.

Perry Rhodan adiantou-se ligeiramente. Deu seu nome

a Levtan.

— Perry Rhodan... — repetiu o saltador proscrito e

envolveu o chefe da Terceira Potência com um olhar. —

Onde está a outra nave arcônida que o senhor possui,

Rhodan? Nunca acreditei nesse blefe. Sabia perfeitamente

que até hoje o Império só perdeu uma nave desse tipo.

Mas não se preocupe; saberei guardar seus segredos,

desde que consigamos entender-nos no terreno dos

negócios.

Perry não se alterou. Continuou a fitar Levtan com

uma expressão fria.

— Não tenho necessidade de blefar.

O atrevimento daquele saltador desleixado era

espantoso. Em tom petulante interrompeu Rhodan.

— Também eu não confessarei logo todas as mentiras

que soltar diante do senhor. Sua sorte, Rhodan, é que os

clãs ainda acreditam que o senhor dispõe de duas naves da

classe da Stardust. Bem, deixemos isto de lado...

John Marshall avançou, vindo dos fundos da sala.

Passou pelo chefe e só parou quando estava quase pisando

nos pés de Levtan.

Perry Rhodan achava que ainda era cedo para ensinar

boas maneiras a Levtan. Cochichou para Marshall,

ordenando-lhe que se limitasse a chocar o saltador com

um fato.

John Marshall reagiu imediatamente, embora já

tivesse outra frase na ponta da língua.

— Levtan, o senhor seria capaz de repetir a safadeza

com o clã de Gaxtek que o senhor praticou na estrela

Caster?

Todos ouviram a respiração pesada de Levtan, que

logo soltou um gemido burborejante e se abaixou como

um cachorro que acaba de levar um pontapé. Um olhar de

falsidade atingiu Marshall. Em tom odiento perguntou:

— Como soube disso?

— Vamos ao que importa Levtan — interveio Perry

Rhodan. O tom de sua voz não admitia réplica. — Por que

não nos chamou pelo hipercomunicador? Por que usou

aquela onda-tartaruga?

Agira propositadamente ao dar essa formulação à

pergunta. Era necessário robustecer por um curto lapso de

tempo a autoconfiança de Levtan. Os mutantes telepatas

ainda não tinham conseguido extrair todas as informações

de sua mente.

Com um sorriso arrogante Levtan respondeu:

— Não sou um idiota para chamar a atenção dos

saltadores por meio duma mensagem pelo

telecomunicador. Por causa do senhor em toda nave dos

saltadores há constantemente alguém ocupado com o

goniômetro. Bem, vamos ao que importa. Quero vender

uma informação, mas antes de entreter a ideia de fazer

este negócio com o senhor, tomei minhas precauções. Não

sou o único elemento proscrito de minha raça. Dois

amigos que também sabem do blefe a respeito da Stardust

aguardam meu regresso apenas por vinte e quatro horas

terrenas. Se não voltar, agirão. Então, Rhodan, vamos

fazer um negócio?

Marshall cochichou ao ouvido de Rhodan:

— Levtan está blefando. Pensa ininterruptamente nos

mercadores e vez por outra se lembra duma conferência

muito importante.

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114

A palavra conferência produziu um choque em Perry

Rhodan.

— Tire tudo — disse a Marshall, enquanto Bell se

dirigia a Levtan:

— Nossos conversores são tão grandes que podem

acolher o senhor com todo o clã dos ciganos espaciais.

Por enquanto nossas intenções são pacíficas, saltador.

Mas não me venha mais com esses dois amigos que não

existem. Vamos...

Levtan não se deixou intimidar. A ameaça do

conversor não o impressionou. Com um olhar matreiro

contemplou a figura baixa de Bell.

— Ontem saltei duas vezes e hoje uma vez. Os

mercadores galácticos não estão dormindo. Se tiverem

medido o abalo estrutural, a esta hora podem encontrar-se

a caminho com uma pequena frota dos superpesados...

Foi quando interveio Tama Yokida, o telecineta que,

pela simples força de sua vontade, podia transportar

objetos pesados a qualquer lugar.

Queria que Levtan se aproximasse do teto.

Subitamente o pária, cujo rosto retratava o pavor,

começou a debater-se desesperadamente em busca dum

apoio, enquanto subia lenta e inexoravelmente em direção

ao teto.

— Devíamos deixar que morresse de fome lá em cima

— disse Bell em tom contrariado, fitando-o

prolongadamente. — Levtan, diga logo o que tem a nos

oferecer, senão vamos tratá-lo pela forma como os

mercadores costumam tratar seus prisioneiros.

Tama Yokida, um japonês de estatura média que

estudava astronomia até que Perry Rhodan teve

conhecimento de suas qualidades de mutante e o

incorporou ao seu exército, manteve-se imóvel nos fundos

da sala e sustentava o pária Levtan no teto.

Marshall transmitiu esta informação ao chefe:

— Está amolecendo; já não pensa em truques. Já não

tem certeza se sua informação vale alguma coisa para nós.

Em algum lugar da galáxia está havendo uma reunião

extraordinária dos mercadores.

Perry Rhodan percebeu a oportunidade. Assumiu o

comando das negociações com o pária dos saltadores. Por

intermédio de Marshall ordenou a Yokida, o telecineta,

que fizesse Levtan descer ao chão.

O mercador, apavorado, desceu devagar, que nem um

balão. Quando se viu novamente de pé, passou a mão pela

calva suarenta, enxugou a mão na barba rala e soltou um

forte gemido.

— Levtan — principiou Rhodan em tom calmo — o

senhor está precisando de auxílio. Dar-lhe-emos todos os

recursos de que sua nave está precisando. Em

compensação o senhor nos dará todas as informações

sobre a reunião dos mercadores galácticos.

Era uma atitude típica de Perry Rhodan. Dava a

impressão de ter jogado o melhor trunfo, quando na

verdade apenas acabara de apresentar a carta mais baixa.

— Preciso de armas — rangeu a voz de Levtan,

enquanto seus olhos brilhavam numa expressão

gananciosa.

No mesmo instante soltou um grito de pavor e recuou

até a porta. Um homem se fez diante dele. Um homem

pequeno e franzino com rosto de criança surgiu do nada.

Esse homem, que era japonês como Yokida, seguiu

Levtan de perto.

— As armas não são o que mais preciso — retificou o

pária apressadamente. Ao que tudo indicava, não estava

disposto a arriscar um contato mais estreito com aquele

homem franzino. — Com todos os patriarcas, isso é uma

coisa horrível...

— Ainda não está sendo bem sincero, chefe —

cochichou John Marshall ao ouvido de Perry Rhodan.

— Faça Ras Tshubai entrar em ação — ordenou

Rhodan.

O pavor de Levtan subiu ao infinito. No instante em

que o homem franzino dava o último passo em sua

direção, um homem alto e esbelto, de tez escura, fez-se do

nada.

— Meu nome é Ras Tshubai, Levtan. Quer que lhe

apresente meus amigos?

— Está maduro, chefe — anunciou Marshall.

— Levtan — disse Rhodan num tom que revelava a

maior indiferença. — Dou-lhe um minuto para oferecer

sua mercadoria. Se não me oferecer tudo, mas apenas uma

parte, farei com que os mercadores saibam do nosso

encontro.

Foi quando John Marshall interveio bastante nervoso:

— Chefe, na reunião dos mercadores galácticos o

patriarca Etztak apresentará um relatório sobre o senhor.

Perry Rhodan, o “reator psíquico instantâneo”, ainda

acrescentou o seguinte às palavras destinadas a Levtan:

— Acho que Etztak ficaria muito satisfeito em tirar o

senhor da Lev-XIV. Não é da mesma opinião?

O pária quase desmoronou. Teve que reunir todas as

forças para manter-se de pé. Estava satisfeito em ver que

o negro e o homem franzino o seguravam de um lado e de

outro, mas quando quis apoiar-se nos mesmos, pegou no

vazio e viu-se só.

Logo viu os dois homens, que num pestanejar saíram

de junto dele, dissolvendo-se no nada, parados junto à

janela, atrás do extenso grupo que ali se encontrava.

— Eu... eu... — fungou, cambaleando e comprimindo

as têmporas — direi tudo. Não quero negociar.

— Vamos logo! — disse Perry Rhodan

laconicamente, lançando-lhe um olhar enérgico.

* * *

Em Terrânia surgiu uma nova Lev-XIV.

Perry Rhodan colocara mais de trezentos robôs sobre a

nave arruinada. Mostrava-se tão generoso para com

Levtan, o pária, que até Bell se espantou e chegou a

resmungar:

— Não precisa dar um presente de milhões a esse

traidor.

Rhodan lançou um olhar pensativo para o amigo.

— Você ainda se lembra de que eu estava disposto a

dar um reino por uma boa ideia?

— E daí? Não venha me dizer que esse cigano das

estrelas lhe trouxe uma boa ideia com sua traição. Será

que pretende conquistar o planeta em que os patriarcas

vão conferenciar sobre nossa destruição?

— Isso mesmo.

— Dou um reino por uma cadeira — fungou Bell,

lançando os olhos em torno sem encontrá-la. — Perry, a

piada que você acaba de fazer é tão infame como a que

Aquilo ou Ele fez conosco, ao bancar o frio e não permitir

que atravessássemos os campos energéticos do Peregrino.

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115

Quer conquistar um planeta? Com quê? Com nossa frota

liliputiana? Acha que com ela poderá enfrentar os

mercadores?

— Talvez possamos conquistar um planeta com outros

meios que não sejam uma frota espacial — respondeu

Perry sem abalar-se. Sorriu para Reginald Bell e virou-se

para cumprimentar Kitai Ishibashi.

Perplexo, Bell seguiu o amigo com os olhos.

— Um reino por uma boa idéia. É verdade, era o que

Perry estava disposto a dar. E agora dá um presente de

milhões a esse cigano. Um reino é uma coisa muito cara.

Mas, caramba, como será que Perry pretende agarrar os

patriarcas sem lançar mão da frota?

Viu Perry ao lado de Kitai Ishibashi, o sugestor, a

falar com o mesmo. Mas não se deu conta do ovo de

Colombo.

* * *

O alarma foi suspenso.

Os amigos mais chegados de Rhodan imploraram para

que não se arriscasse a tanto.

Perry mantinha-se calado, mesmo diante de Bell. Mas

Reginald Bell conhecia o amigo; sabia que o mesmo

obrigava uma ideia a adquirir forma definitiva.

Depois de algum tempo, Rhodan procurou Crest, o

arcônida. Conversou com ele. O chefe da Terceira

Potência fez de conta que o perigo que os mercadores

galácticos representavam nem existia.

Quando Rhodan despediu-se de Crest, este pensou que

tivesse tido um dos raros bate-papos com o mesmo.

Enquanto se dirigia ao Dr. Frank Haggard, o

descobridor do soro anti-leucêmico que salvara a vida de

Crest depois do malogrado pouso da nave arcônida na

Lua, Rhodan encontrou-se com Bell.

— Aonde vai, Perry?

— Vou falar com o Dr. Haggard.

— E onde esteve?

— Acabo de falar com Crest.

— Está com pressa, Perry? Também estou.

Com um sorriso, Perry viu o amigo baixote afastar-se.

Sabia o que estava afligindo Bell: procurava adivinhar o

plano que ele, Rhodan, concebera para afastar o perigo

que ameaçava a Terra. E Reginald iria procurar Crest,

para ver se conseguia extrair alguma informação do

mesmo.

Também o Dr. Frank Haggard surpreendeu-se em ver

Perry Rhodan tão loquaz. E nem desconfiou quando,

pouco depois, Reginald Bell apareceu e procurou saber

sobre o que haviam conversado. Dispôs-se logo a dar a

informação.

Mal-humorado, Bell foi ao seu escritório. Não

conseguira descobrir nada de concreto. Não atribuiu

maior importância à conferência dos mutantes com o

chefe.

“Deve ser um encontro de rotina”, pensou.

Acontece que, no curso dessa conferência, o plano de

Perry Rhodan assumiu forma definida.

Com um gesto disfarçado, Kitai Ishibashi enxugou o

suor da testa. O sugestor japonês, um homem alto e

magro, parecia totalmente esgotado. Tivera uma tarefa

imensa diante de si. E agora já a deixara para trás.

Acabara de impor sua vontade aos quarenta indivíduos

que compunham a tripulação da Lev-XIV a tal ponto que

todos, inclusive o sagaz Levtan, acreditavam que cada

ato, cada pensamento, cada palavra seria produto de sua

vontade espontânea.

Sugerira-lhes uma quantidade imensa de dados,

implantados na mente de cada um, como se fossem uma

engrenagem complicada. Perry Rhodan acabara de

realizar, em sua presença, o ensaio geral com Levtan.

Tudo correra conforme fora previsto.

— Obrigado, Ishibashi — disse Perry Rhodan em tom

cordial, apertando-lhe a mão. — Acontece que o senhor

tem outras tarefas diante de si...

O plano genial, que passaria à história da humanidade

com o nome de Lance Galático, ainda estava sendo

aperfeiçoado nos seus detalhes.

* * *

Com a precisão dum rastreador estrutural, os fatos se

foram conjugando. De repente Bell notou a falta de Tako

Kakuta, o teleportador. Antes que pudesse formular uma

pergunta a respeito, deu-se conta de que fazia vários dias

que não via John Marshall e Tama Yokida.

— Onde estão eles? — gritou pelo intercomunicador.

— Será que entendi bem? Kakuta, Marshall e Yokida

foram internados na clínica, no setor particular de

Haggard?

Realmente estavam internados na clínica. Reginald

Bell pegou um carro e foi até lá.

Em companhia do Dr. Haggard viu-se diante de três

camas, estacou, lançou mais um olhar e resmungou em

voz baixa para o médico:

— Pedi para ver nossos mutantes, não esses ciganos

das estrelas.

— Acontece que são nossos mutantes — afirmou o

Dr. Haggard com a maior tranqüilidade.

Bell não estava num dia de bom humor.

— Dr. Haggard — disse em tom áspero.

No mesmo instante o paciente desapareceu de uma das

camas, enquanto o doente surgiu do nada diante de

Reginald Bell.

Bell nem chegou a engolir em seco.

— Kakuta! — berrou, e suas mãos volumosas estavam

a ponto de agarrar o japonês franzino, que parecia ser um

dos ciganos estelares da nave de Levtan.

Mas suas mãos agarraram o vazio. Num segundo

pulinho, Tako Kakuta teleportara-se de volta para a cama.

— Estou doente! — gritou Kakuta, sorrindo.

Aquele homenzinho, que já se permitira várias

brincadeiras com Bell, sabia ser prudente. Conhecia o

temperamento do outro.

— Ainda lhe torço o pescoço — gritou Bell. Com um

olhar pouco gentil para o Dr.Haggard, saiu ruidosamente.

Aos poucos uma luz foi surgindo em seu espírito.

Começou a compreender o plano de Rhodan, mas não

acreditava muito no mesmo. Uma vez no corredor, disse

de si para si:

— É o gesto desesperado do homem que procura

agarrar-se numa palha para não morrer afogado.

* * *

Reginald Bell foi a Pequim na qualidade de

representante de Perry Rhodan. A Federação Asiática

acreditava ter motivos de queixa por causa das violações

cometidas pelo Bloco Ocidental.

Consumira três dias nas negociações e conferências da

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Federação Asiática. Durante três dias aborrecera-se com

as ninharias, que não guardavam a menor proporção com

o perigo que ameaçava a Terra. O Bloco Ocidental tivera

sua parcela de culpa na contrariedade manifestada pela

Federação Asiática.

Bell falara com língua de anjo. Mas ao anoitecer do

terceiro dia de conferências intermináveis, quando

percebeu que não avançara um passo, sua paciência

chegou ao fim.

Perry Rhodan não poderia ter enviado a Pequim um

representante menos diplomata que Reginald Bell.

De qualquer maneira, o método de Bell foi coroado de

êxito. Quando, na sala de conferências, entrou em contato

com Washington, para onde também transmitiu uma série

de observações nada amáveis, pôde ir à cama pela meia-

noite, dizendo: “Finalmente!”

Voltou para Terrânia num destróier.

Pilotou-o pessoalmente. Nunca se privava desse

prazer. O comandante estava sentado na poltrona do

copiloto.

Bell estava muito bem-humorado.

O suor brotava de todos os poros do comandante do

destróier, que quase não conseguia respirar. Na sua

imaginação já se via estatelado no chão juntamente com

seu destróier.

Numa velocidade incrível, Bell realizou uma descida

íngreme junto ao campo de pouso.

— Senhor...

— O que houve desta vez? — disse Bell com um

sorriso que cobria toda a largura de seu rosto, olhando

para o copiloto.

As energias tremendas da frenagem seguraram o

destróier, levando-o à imobilidade. Bell colocou a nave na

horizontal. Com um solavanco quase imperceptível a

mesma pousou.

— Finalmente estamos em casa — disse Bell,

contemplando o espaçoporto. Já se esquecera de que com

seu pouso prenunciador de catástrofe pregara um susto

mortal ao comandante.

Inclinou-se precipitadamente para frente e fitou a área

de pouso do couraçado.

A Stardust-III havia desaparecido. Não conseguiu

descobrir o veículo esférico de oitocentos metros de

diâmetro, o couraçado de Perry.

— Onde está Rhodan? — berrou para dentro do

microfone.

— Em Vênus — soou a resposta vinda do alto-falante.

* * *

Só havia um meio de realizar o plano de Perry Rhodan

com alguma chance de sucesso: através do cérebro

positrônico instalado em Vênus.

O cérebro positrônico fora instalado há muitos

milênios pelos arcônidas no interior duma montanha

rochosa. Esquecido por essa raça, foi redescoberto por

Rhodan, que várias vezes o utilizara.

Mais uma vez viu-se diante do mesmo. Sozinho diante

do gigantesco painel introduziu uma sequencia quase

infinita de dados no cérebro-mamute.

Durante o voo para Vênus conversara horas a fio com

Crest. Falavam exclusivamente nos mercadores

galácticos, seus clãs e suas leis.

O cérebro positrônico informou-o de que dentro de

vinte e quatro horas poderia obter a resposta.

Aguardou pacientemente que esse prazo se esgotasse.

Mais uma vez viu-se sozinho diante do cérebro

positrônico, calmo e descontraído. Pensava nos

mercadores, que representavam o maior perigo que a

Terra já enfrentara.

Eram uma raça tão antiga como a dos arcônidas. Mas

nos espaços interestelares passaram a constituir uma raça

distinta, criando leis destinadas a evitar a ruptura dos elos

fracos que os uniam.

Uma lei antiquíssima determinava que um indivíduo

proscrito só poderia ser readmitido nos clãs dos

mercadores, se realizasse algo de extraordinário, que

trouxesse uma vantagem considerável para toda a raça dos

mercadores.

O cérebro forneceu a solução do problema.

As mãos de Perry não tremiam enquanto lia os

cálculos precisos e reconhecia os problemas que ainda

teria de solucionar.

Dali à uma hora a Stardust-III iniciou sua viagem de

volta à Terra.

Chegou há Terrânia meia hora depois do regresso de

Bell.

* * *

Kitai Ishibashi, o sugestor, batizara seu método de

processos por camadas. Perry Rhodan interrompeu-o.

— Ishibashi, não podemos assumir o menor risco. O

que está em jogo é muito valioso. Desta vez confio

exclusivamente na sua capacidade. A sugestão profunda

deve atingir não apenas Levtan, mas todos os tripulantes

de sua nave. Entendido?

— Entendido.

— Pois venha comigo. Levtan está esperando por mim

na sala ao lado. Pedi que comparecesse para uma troca de

ideias.

* * *

A força sugestiva de Kitai Ishibashi foi penetrando

cada vez mais profundamente na mente de Levtan.

Rhodan observava os dois.

O sugestor impunha a vontade estranha à mente do

mercador proscrito por camadas sucessivas. Acabara de

falar com Perry Rhodan a respeito de transplantes — mais

precisamente, do transplante duma faixa de pele sadia

sobre uma grande área queimada do corpo.

À vontade e a força de representação de Ishibashi

transformaram-se na mente, num saber por ele mesmo

assimilado e experimentado. Perdeu o caráter estranho,

identificando-se com o pária.

Levtan viu o centro de armamentos de Perry Rhodan,

situado em Vênus. Eram gigantescas cavernas escondidas

sob a rocha, que se estendiam por centenas de

quilômetros, e abrigavam um enorme estaleiro espacial,

de cujas fitas de montagem saía a cada hora uma

imensidade de robôs e de armamentos.

E a vontade de Kitai Ishibashi apresentou-lhe quadros

imaginários dum espaçoporto situado em Vênus, instalado

abaixo do solo e protegido por campos energéticos,

enormes comportas e quilômetros de rocha. Viu mais de

cem cruzadores do tipo da Terra e da Solar System e vinte

e duas naves do tipo da Stardust-III.

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Perry lançou um olhar insistente para Kitai Ishibashi.

O japonês parecia dormir. Ligeiramente inclinado na

poltrona, estava com as mãos entrelaçadas e os olhos

fechados. Nenhum movimento do rosto traía os esforços

imensos que pesavam sobre ele.

De repente Ishibashi abriu os olhos e informou

Rhodan de que ele, o chefe da Terceira Potência, teria que

encarregar-se de Levtan.

Perry olhou para o relógio.

Um minuto se passara desde o instante em que

Ishibashi iniciara o tratamento do pária. Este despertou da

sugestão e respondeu à pergunta de Rhodan, que foi a

única coisa que ouviu antes do tratamento.

— Está certo — respondeu o chefe da Terceira

Potência com a voz tranquila. — Pode decolar dentro de

três dias, Levtan. Acho que fez um bom negócio, não fez?

Sabia perfeitamente o que Levtan estava pensando. O

saltador proscrito via em sua mente a base fictícia de

Vênus. A frota de mais de cem cruzadores pesados e vinte

e duas naves de oitocentos metros de diâmetro. Era uma

armada de supercouraçados.

Comparou esse poderio com o valor da notícia com

que traíra sua raça e não pôde deixar de responder

afirmativamente à pergunta de Rhodan. Mas logo seu

caráter traiçoeiro veio à tona:

— ...mas o senhor também teve seu lucro, Rhodan.

Seus robôs examinaram todos os cantos de minha nave.

Aposto que encontraram muita coisa que o senhor ainda

não conhecia. Como...?

— Tenho a impressão de que o senhor ainda faz um

juízo muito elevado a seu respeito, Levtan. Afinal, é um

proscrito. A presunção é o último dos passos que

conduzem ao abismo...

— O senhor com suas vinte e duas naves do tipo da

Stardust pode falar grosso — disse Levtan em tom

odiento. O tom de sua voz revelava a mais pura inveja.

Mas no mesmo instante voltou-se no mercador hábil e

experimentado. — De qualquer maneira, por enquanto me

livrei do aperto. Quer dizer que dentro de três dias poderei

decolar.

— O senhor terá que decolar, Levtan — avisou

Rhodan, levantando-se. — Hoje os quatro tripulantes de

sua nave que adoeceram receberão alta.

— Amanhã — interrompeu Kitai Ishibashi, que se

sentia tão exausto que hoje preferia não realizar mais que

uma sessão.

Sabia que com isso poderia subverter o cronograma de

Perry Rhodan. Engoliu o suspiro de alívio que esteve para

soltar quando este retificou suas palavras.

— Compreendo — respondeu Levtan com um olhar

traiçoeiro. — Somos expulsos. Da Terra não esperava

mesmo um tratamento diferente.

* * *

O Dr. Frank Haggard convocou toda a tripulação da

Lev-XIV para comparecer à clínica. Só Levtan foi

dispensado; já havia sido submetido ao tratamento.

— Para que tanta vacina? — resmungou um dos

saltadores. — Afinal, para que serve isso?

Haggard fez uma ligeira exposição.

Cada vacina demorava um minuto. Era o tempo

suficiente para que Kitai Ishibashi aplicasse a cada

tripulante seu tratamento por camadas.

Ele mesmo era o último paciente.

Ainda não tinha o aspecto dum cigano estelar.

Deitou calmamente na mesa de operações e entregou-

se à arte médica arcônida do Dr. Haggard. Tinha certeza

de que nenhum dos tripulantes da Lev-XIV ficaria

desconfiado pelo fato de que um dos quatro doentes da

nave saíra da clínica um dia depois dos outros.

A última coisa que Kitai Ishibashi sentiu quando foi

envolvido pela anestesia foi à música vinda dum mundo

irreal.

4

Vinte dias depois de ter pousado em Terrânia, a Lev-

XIV decolou do espaçoporto e subiu lentamente ao céu

límpido do deserto de Gobi.

Levtan, o saltador, que fora expulso da comunhão dos

clãs dos mercadores, deixava a Terra com sua tripulação,

aumentada de quatro elementos, a fim de trair Perry

Rhodan.

Era este o grande lance galáctico.

* * *

O campo energético protetor voltara a fechar-se sobre

a metrópole de dois milhões de quilômetros enquanto a

Lev-XIV ia diminuindo. Nada indicava o estado de

alarma.

Este foi proclamado pelo próprio Rhodan.

As salas de comando das quatro naves de grande porte

de sua frota receberam as horas de decolagem.

Decolagem dentro de duas horas.

Nunca a curiosidade quanto ao destino duma viagem

fora tamanha.

— Avançar até a órbita de Plutão à velocidade da luz

— ordenou Rhodan.

Era o rumo que a nave de Levtan acabara de tomar.

Será que Perry Rhodan pretendia seguir o pária a uma

distância segura, a fim de descobrir para onde o mesmo

iria? Será que não confiava nas informações que seus

telepatas haviam extraído da massa cinzenta de Levtan?

Não estaria acreditando na grande conferência dos

patriarcas no sistema 221-Tatlira?

221-Tatlira.

Os gigantescos mapas estelares da Stardust-III não

registravam nenhum sistema com esse nome. Mas

descobriram os dados no catálogo da Lev-XIV.

A hora da decolagem chegou.

Mais uma vez Rhodan pilotou a Stardust-III. As naves

Centauro, Terra e Solar System seguiram na sua esteira.

Desenvolveram velocidade inferior à da luz até

atingirem a órbita de Plutão.

A tensão parecia estalar no interior de cada nave.

Nenhum dos homens estava acostumado a essa viagem

em velocidade de tartaruga.

Notou-se a falta de quatro membros do Exército de

Mutantes: John Marshall, o telepata, Tako Kakuta, o

teleportador, Kitai Ishibashi, o sugestor, e Tama Yokida,

um indivíduo muito retraído, no qual ninguém

desconfiaria um telecineta de potência extraordinária.

Perry Rhodan não permitiu que lhe formulassem

perguntas.

Mais uma vez transformara-se no polo que irradiava

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tranquilidade em todas as direções. Apenas uma pessoa

não acreditava nessa tranquilidade aparente: era Reginald

Bell. Mas este se manteve calado.

Por dentro, Perry Rhodan ardia como um vulcão no

momento da irrupção.

O chefe da Terceira Potência envolvera-se na maior e

mais perigosa das aventuras de sua vida. Durante toda a

existência da Terra, a existência da mesma nunca estivera

por um fio tão delgado como naqueles dias e nos que se

seguiriam.

Os postos de observação da Stardust-III não perdiam o

controle sobre a nave dos mercadores.

Ao atingirem a órbita de Plutão, as quatro naves

pararam e mantiveram-se imóveis no espaço.

— Vamos esperar aqui — disse Rhodan

laconicamente.

Encontrava-se diante do grande cérebro positrônico.

Vez por outra lançava um olhar pensativo para o

gigantesco painel.

Todos procuravam manter-se afastados do chefe,

inclusive Bell.

Havia uma coisa muito importante no ar.

Teria Perry Rhodan aguardado a transição da nave dos

saltadores?

Os rastreadores estruturais acabaram de medir um

salto. Rhodan ordenou em voz alta:

— Tragam-me todos os dados.

Os dados chegaram, e Rhodan introduziu-os no

cérebro positrônico.

Bell e as outras pessoas que se encontravam presentes

observavam-no. Não entendiam a finalidade do trabalho

apressado, mas preciso de Rhodan.

Este moveu outra chave.

O cérebro positrônico da Stardust-III estava acoplado

aos cérebros dos três cruzadores.

O resultado chegou, e chegou simultaneamente na

Terra, na Solar System e na Centauro.

— Saltaremos dentro de três segundos — gritou

Rhodan para dentro do microfone.

A contagem automática de tempo foi iniciada

simultaneamente nas três naves.

O resultado fornecido pelo cérebro positrônico dera

origem a milhares de ligações em cada uma das naves.

E as quatro naves saltaram ao mesmo tempo através

do hiperespaço.

Por meio dum desempenho energético inconcebível,

as gigantescas esferas foram retiradas do universo normal

e trasladadas para o hiperespaço, que continuava a ser um

mistério inacessível à mente humana. Dessa forma eram

atiradas, no chamado tempo zero, por distâncias enormes,

para voltarem ao ser no fluido espacial com que estavam

familiarizadas.

Como sempre, Perry Rhodan foi o primeiro a

despertar do estado de semiconsciência. Recuperando-se

imediatamente do choque provocado pela transição, tinha

concluído o exame dos instrumentos mais importantes

quando os outros retornavam lentamente ao mundo da

realidade.

— Um sistema semelhante ao sistema solar. Distância

da Terra, mil e doze anos-luz. Sete planetas. Um deles, o

segundo, figura no catálogo dos saltadores como o planeta

de Goszul — Perry Rhodan apontou para a tela de visão

global da Stardust-III, onde o brilho de uma estrela de

primeira grandeza superava o de todos os sóis.

Notou o olhar indagador de Bell.

— Localização — gritou nesse instante uma voz

áspera.

Rhodan voltou-se tranquilamente para o oficial que

servia o instrumento de observação:

— Se for apenas um objeto, deve ser a Lev-XIV.

Levtan, o pária, está a caminho do planeta de Goszul, a

fim de revelar aos patriarcas dos saltadores o poderio de

nossa frota. É apenas um objeto?

— Apenas um — gaguejou o homem, perplexo diante

da segurança de Rhodan. — Desloca-se à velocidade de

duzentos e cinquenta mil quilômetros por segundo em

direção ao segundo planeta, mas...

— Mas o quê? — perguntou Rhodan laconicamente.

— E o nosso salto? Os rastreadores estruturais dos

mercadores devem ter registrado o abalo espacial.

Perry Rhodan foi para junto dele e colocou-lhe a mão

sobre o ombro. Com uma insistência quase hipnótica

disse:

— A Lev-XIV teve que realizar dois saltos para

vencer uma distância superior a mil anos-luz. O segundo

salto da Lev-XIV coincidiu com nosso salto. Se tivemos

sorte, os mercadores constataram apenas uma transição

nas imediações. Depois disso só falta que descubram o

pária, para que saibam quem deu o pulo.

Tiveram sorte.

5

Levtan torceu-se depois de vencer o choque da

segunda transição, quando viu na tela a estrela fulgurante

e percebeu que se tratava da 221-Tatlira.

Sentiu-se tomado de pânico, de medo dos patriarcas

dos mercadores galácticos, que há anos o expulsaram das

suas fileiras porque viam nele um elemento desonesto.

Fez com que a Lev-XIV se deslocasse em direção ao

segundo planeta a oitenta por cento da velocidade da luz.

Não ouvia o que os membros do clã lhe diziam. Olhava

constantemente para o aparelho de observação. Tinha o

rosto desfigurado. Não sabia se estava voando para a

morte, ou se voltaria a ser admitido na comunidade dos

mercadores.

— Deixe-me em paz! — berrou para seu sobrinho,

que se encontrava no assento do copiloto. — Quem está

pilotando esta nave sou eu. A nave é minha, e eu sou o

comandante.

Seus berros foram ouvidos três cabines adiante. Logo

atrás da sala de comando sete homens estavam sentados

num pequeno recinto, que graças à generosidade de

Rhodan fora instalado luxuosamente e oferecia todas as

comodidades.

Estava sendo ocupado pelos mutantes de Rhodan.

Kitai Ishibashi não teve a menor dificuldade em sugerir

aos párias que lhes oferecessem esse recinto.

Olhavam-se disfarçadamente.

— O velho está enlouquecendo — disse John

Marshall em tom indiferente, lidando na regulagem de

precisão de seu agregado audiovisual.

— Tomara que isso dê certo — cochichou Kakuta e

estava falando sério. Descobrira em sua tela alguns pontos

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que um segundo antes não estavam lá.

— Estão chegando! — berrou Levtan na pequena sala

de comando.

— São seis — disse Tako Kakuta tranquilamente.

Ninguém respondeu. Mas Levtan voltou a gritar na

sala de comando:

— Um couraçado espacial! Um couraçado espacial!

Os receptores da Lev-XIV estavam ligados a todo

volume. A mensagem do couraçado foi ouvida até a popa

da nave dos párias:

— Nave que se aproxima, qual é o número de

registro? Qual é o clã? Queira fornecer o código.

Mais uma vez Levtan sentiu-se tomado de pânico. Em

vez de responder, de fornecer qualquer explicação,

modificou o curso da nave, acelerou ao máximo e fez uma

curva para bombordo.

Um raio ofuscante saiu das profundezas do espaço e

procurou atingir a Lev-XIV.

Uma boa estrela estava protegendo o pária. Foi só

graças à repentina mudança de rota que não se

transformou numa nuvem de gás juntamente com a Lev-

XIV.

O tiro seguinte do couraçado também não acertou no

alvo.

Levtan quase chegou a colocar a nave de cabeça para

baixo. Na cabine situada junto à sala de comando sete

homens engoliam em seco. Viam o sol 221-Tatlira correr

loucamente pela tela e desaparecer na margem superior da

mesma.

Os reatores da nave zumbiram, da sala de máquinas

veio um som agudo, os propulsores funcionaram ao

máximo de sua capacidade e aceleraram a nave quase até

o limite da velocidade da luz.

— Quero ver se lá fora está caindo neve — disse

Marshall e levantou-se.

— Não se esqueça de levar um agasalho — gritou

Dorget, um dos membros do clã.

— Vou com você — disse Kitai Ishibashi, fez uma

volta em torno de dois homens e, uma vez no corredor,

acompanhou Marshall.

Limitaram-se a trocar um olhar.

Ninguém contara com o incidente. Nem mesmo Perry

Rhodan.

Os campos energéticos da Lev-XIV deviam ter sido

atingidos por um dos raios disparados pelo couraçado

espacial. Por um instante não houve energia para os

neutralizadores gravitacionais da nave. Todos os

ocupantes da nave tiveram a impressão de que iriam

arrebentar sob o impacto das forças tremendas que

subitamente desabaram sobre eles.

O perigo passou, mas dois dos três campos energéticos

da nave mercante ainda não haviam sido restaurados.

Na sala de máquinas ouviu-se gente praguejando.

— Levtan está louco de medo. Não sabe o que está

fazendo — disse Marshall, dirigindo-se ao sugestor. Logo

voltou a concentrar-se sobre os pensamentos do pária.

Kitai Ishibashi sobressaltou-se. Teria cometido um

erro? Será que o tempo de sugestão não fora suficiente?

— Tenho que entrar na sala de comando — cochichou

Marshall para o companheiro, desviando-se do sobrinho

de Levtan, que saiu praguejando da sala de comando e

correu para a sala de máquinas.

A escotilha que fechava a sala de comando continuava

na mesma posição quando Marshall entrou.

Ninguém lhe deu atenção. Todos estavam de olhos na

tela. Além de Levtan havia quatro pessoas na sala.

No cérebro do comandante dos párias, Marshall só leu

o pânico e alguns fragmentos de pensamentos confusos.

Se Kitai Ishibashi não interviesse com suas forças

mentais, dentro de um minuto eles e a Lev-XIV se teriam

transformado numa nuvem de gases.

Três relampejos simultâneos surgiram na tela. Os

destróieres dos mercadores estavam intervindo na luta.

Tinham uma superioridade total sobre a nave mercante.

Naquele instante um dos parentes mais próximos de

Levtan saltou para frente, quase arrancou o comandante

do assento e gritou para o rosto desfigurado do mesmo:

— Seu covarde! Diga-lhes por que viemos. Vamos

logo, seu idiota! Quer que sejamos transformados num

sol?

John Marshall não viu mais nada.

Uma luz diabólica saíra da tela, um raio disparado nas

proximidades. Felizmente não acertou.

— Fale logo! — gritaram para Levtan. Duas mãos

seguraram sua cabeça e empurraram-na em direção ao

microfone de hipercomunicação. — Vamos, diga agora.

O nome de Perry Rhodan foi mencionado. Mais uma

vez. Aludiu-se a uma base instalada em Vênus, a uma

frota imensa de cruzadores e a vinte e duas naves do tipo

da Stardust-III.

Lá fora, Kitai Ishibashi parecia sonhar diante da

escotilha da sala de comando. Não havia o menor

movimento em seu rosto que revelasse que estava

intervindo na luta, uma luta que a qualquer segundo

poderia significar a morte.

Sua energia sugestiva venceu uma distância de

quarenta mil quilômetros, rompeu os campos energéticos

dum couraçado espacial e penetrou no cérebro do

comandante.

Kitai Ishibashi não tinha a menor ideia de que naquele

instante o nome de Perry Rhodan caiu pela primeira vez

em meio às palavras balbuciadas por Levtan. Admirou-se

com a facilidade com que esse comandante podia ser

influenciado. Chegou quase a sentir fisicamente o

desmoronamento das defesas espirituais e a absorção

ávida de suas forças sugestivas.

Procurou ininterruptamente inocular no cérebro do

comandante do couraçado a ideia de que devia instruir os

destróieres a não lançar novos ataques.

Mais uma vez Kitai Ishibashi recorreu ao método de

sugestionamento por camadas. Esse método era mais

demorado, mas quando havia algumas camadas

homogêneas superpostas, estas deixavam de ser um corpo

estranho na mente do indivíduo. O comandante da nave

dos mercadores estava convencido de que agia por livre

vontade quando transmitiu pelo telecomunicador a

instrução destinada aos destróieres:

— Suspender os ataques! Escoltar o pária Levtan.

Aguardar licença de pouso para a Lev-XIV.

O grito que Levtan soltou na sala de comando

despertou Kitai Ishibashi dos seus sonhos. Respirou

profundamente por algumas vezes, passou as mãos pelos

olhos e, encurvado, dirigiu-se à sua cabine.

— Então? — cumprimentou-o o teleportador com um

sorriso. — Lá fora ainda está caindo neve?

Com a voz indiferente, como se apenas tivesse olhado

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o tempo, Kitai Ishibashi respondeu:

— Já parou. Mas logo vai começar de novo.

* * *

Longe da Stardust-III e dos três cruzadores, as naves

dos mercadores caçavam a Lev-XIV.

A gigantesca tela de visão global da Stardust-III não

mostrava nada. A distância era muito grande. Mas os

instrumentos ultrassensíveis reagiam fortemente. Toda

vez que os ponteiros disparavam escala acima, um raio

desintegrador havia sido disparado em direção à Lev-

XIV.

Na sala de comando da Stardust reinava um silêncio

mortal.

Rijo como uma estátua, Perry Rhodan mantinha-se

diante do grande painel, observando os instrumentos.

— Por que será que Kitai Ishibashi não intervém? —

perguntou bastante nervoso.

— Como pôde acontecer um imprevisto desses? Quem

havia de dizer que Levtan seria estúpido a ponto de não

responder ao chamado da grande nave dos mercadores?

O hipercomunicador captou a mensagem.

Ouviram-se palavras balbuciadas, mas o tom de voz

de Levtan era inconfundível.

— Que covarde miserável! — praguejou Bell.

A covardia do pária poderia representar o fim do lance

galáctico de Perry Rhodan e de quatro dos seus melhores

mutantes.

Mais cinco raios de desintegrador estenderam-se em

direção à Lev-XIV. Instintivamente Perry conteve a

respiração. Fitou três instrumentos próximos.

Quando chegaria outro movimento do ponteiro, o

maior de todos, indicando que a Lev-XIV se transformara

numa nuvem de gases?

Mais uma vez o receptor de hipercomunicação voltou

a soar.

— Suspender os ataques! — rangeu a voz no alto-

falante. — Escoltar o pária Levtan. Aguardar licença de

pouso da Lev-XIV.

Uma das pessoas que se encontravam na sala de

comando respirou ruidosamente.

— Depois do pouso nossos mutantes serão

desmontados...

Perry Rhodan virou-se abruptamente para a pessoa

que acabara de pronunciar estas palavras.

O jovem oficial-telegrafista que soltara a observação

enrubesceu e inclinou o rosto sobre o quadro de

instrumentos.

Perry Rhodan deu-se conta do fato de que nem Bell

estava informado sobre seu plano.

— Nossos mutantes não serão desmontados —

declarou com a voz calma, enquanto seus olhos cinzentos

pareciam expedir um ligeiro sorriso. — Os tripulantes da

Lev encontram-se sob uma influência sugestiva e não

sabem que trazem mais quatro pessoas a bordo. E posso

assegurar-lhes que nossos homens têm o aspecto de

genuínos ciganos espaciais.

Nesse instante o operador do aparelho de observação

disse:

— A formação segue com a Lev-XIV em direção ao

segundo planeta.

Com isso a tensão que vinha consumindo os nervos

dos ocupantes da Stardust deixou de existir.

Perry Rhodan pôde lançar mais uma parcela a crédito

da conta da Humanidade. Crest, o arcônida, que se

mantinha discretamente nos fundos, sabia que o homem

que acabara de ocupar o assento de piloto da Stardust —

Perry Rhodan — era o herdeiro do Universo.

* * *

Em velocidade bastante reduzida, o grupo de

destróieres, com a Lev-XIV no centro, passou a baixa

altura sobre o planeta de Goszul.

O astro recebera esse nome em homenagem a Goszul,

um mercador que o descobrira e dele tomara posse.

Os mutantes ficaram espantados quando a tela lhes

mostrou não apenas uma paisagem encantadora, mas

também um grande centro industrial. Nem mesmo os

verdadeiros membros do clã ocultavam o espanto.

— Então é aqui que ficam os estaleiros dos

mercadores — disse Dorget em tom preocupado, coçando

o crânio meio tosado.

John Marshall parecia contemplar seu próprio interior

de tão ausente que parecia. Na verdade, empenhava todas

as energias mentais para captar os pensamentos dos

párias.

Mas seu conhecimento do planeta de Goszul não

passava daquilo que chegara a eles através de boatos.

Fazia muitos anos que Levtan fora expulso da

comunidade dos saltadores, e naquela época o planeta

ainda levava uma vida pacata.

Descrevendo uma grande curva, retornaram ao

formidável centro industrial, sempre acompanhados pelos

destróieres. Ao que parecia, a Lev-XIV recebera

permissão para pousar.

Mal tocou o solo, a ordem de Levtan foi ouvida em

todos os cantos:

— Preparem-se para abandonar a nave.

Os mutantes deixaram que os três membros

verdadeiros do clã seguissem à sua frente. Hesitavam em

sair dali.

— Seremos presos — informou Marshall.

Ninguém se abalou, pois já contavam com essa

possibilidade.

Tama Yokida, um telecineta de estatura mediana,

olhou para o lugar em que os robôs haviam escondido

algumas armas manuais bastante eficientes.

O rosto estreito de John Marshall empalideceu mais

um pouco. Mais uma vez estava captando o pensamento

alheio. Retornou à realidade.

— Não podemos levar nada — disse em tom decidido.

— Todas as pessoas que saem desta nave serão

rigorosamente revistadas...

— Mesmo com...?

Marshall entendera o pensamento de Ishibashi.

— Sim, também com isso. Por enquanto dispensarão

apenas a lavagem cerebral. Os saltadores não confiam em

Levtan. Ninguém lhes pode levar a mal. Vamos embora.

Somos os últimos.

* * *

Goszul, descobridor do sistema 221-Tatlira e

conquistador do segundo planeta — ou melhor, o

patriarca Goszul — ainda gozava duma saúde excelente.

Naquele momento ouvia as notícias sobre o pouso da

Lev-XIV.

Mais três patriarcas, sentados em poltronas

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confortáveis em torno duma mesa redonda, ouviam

atentamente as notícias. O nome Perry Rhodan foi

mencionado várias vezes, e sempre que isso acontecia um

dos patriarcas dava uma expressão de ódio ao rosto e

respirava pesadamente.

Goszul, um homem velho, baixo e calvo, notou a

respiração pesada de Etztak.

— Está contrariado com o pouso de Levtan? —

perguntou. — Ou será que o nome de Rhodan lhe dá

tamanha raiva?

Os olhos penetrantes do sagaz Goszul fitaram o

amigo, que chegara a acreditar que conseguiria destruir

Perry Rhodan, mas deu-se por satisfeito por ter escapado,

embora fosse o único.

— Não gosto nem de uma coisa nem de outra, Goszul

— respondeu Etztak com uma calma surpreendente. —

Conheço Levtan. É um covarde e um criminoso

traiçoeiro.

— E Perry Rhodan? Por que não fala a respeito dele?

Estou muito interessado em ouvir sua opinião, Etztak.

Etztak lançou um olhar desconfiado para Goszul. Os

outros patriarcas sentiram a discussão aproximar-se.

Um deles interveio apressadamente.

— Vamos aguardar o resultado do interrogatório de

Levtan. Depois disso ainda poderemos conversar sobre o

tal do Perry Rhodan.

Etztak chiou indignado:

— Não é o tal do Perry Rhodan, mas o Perry Rhodan,

que encontrou o mundo da imortalidade e sabe onde

encontrá-lo de novo. Um ser desse tipo não pode ser

designado com a expressão depreciativa “o tal do”.

O patriarca Goszul esboçou um sorriso matreiro.

— Você fala conforme lhe dá na veneta, Etztak.

Quanto a mim, nunca acreditei na lenda do mundo da vida

eterna. Mas chega de palavras vazias. Não temos muito

tempo. Dentro de duas horas começará a reunião na qual

será elaborado o programa da grande conferência.

* * *

Parados na grande comporta da Lev-XIV, os mutantes

de Perry Rhodan viram como os tripulantes foram

recebidos um por um pelos mercadores, sendo obrigados

a entrar num veículo fortemente vigiado, depois de terem

sido revistados.

— Parece que as coisas não estão boas para nós —

constatou Tako Kakuta.

Nesse instante um dos mercadores gritou para eles:

— Vocês querem um convite especial?

Kitai Ishibashi saiu andando. Com toda calma deixou

que o revistassem. Caminhou tranquilamente entre dois

mercadores armados até os dentes e entrou num veículo

que logo o levaria dali.

— Se fizer qualquer movimento estranho, atiraremos

— preveniram seus acompanhantes.

Kitai tomou conhecimento da advertência sem

responder nada. Acontece que, uma vez sentado ao lado

das sentinelas, o veículo continuou parado.

— Por que não vai embora? — berrou a sentinela, à

sua direita, para o condutor do veículo, que não moveu

um dedo para colocar a chave na posição de movimento.

— Devo esperar pelos últimos três — respondeu

tranquilamente o mercador, e não se espantou com a

resposta do indivíduo que acabara de berrar:

— É verdade, temos que esperar por esses traidores.

Kitai Ishibashi riu para dentro. Estava satisfeito com o

servicinho que acabara de realizar. Já era algum consolo

saber que os amigos estariam ao seu lado.

* * *

Etztak teve uma conferência com os membros de seu

clã.

— Fiquem de olhos abertos amanhã, quando Levtan

for interrogado diante da grande assembléia. Não se

esqueçam de que por pouco Rhodan não nos destrói.

Ainda não consegui convencer Goszul de que Rhodan é

um elemento extremamente perigoso.

Seu filho interrompeu-o. Com isso cometeu uma

violação grave dos costumes, mas Etztak deixou-a passar.

— Sempre que você alude a Levtan está pensando em

Rhodan?

— Será que ainda não me expliquei? — gritou o

patriarca para seu filho. — Levtan diz que fugiu do centro

de armamentos de Rhodan. Acontece que eu sei como é

difícil escapar dessa criatura. Não acredito em Levtan.

Sempre andou mentindo para entregar-nos a Rhodan.

— Quer dizer que você não acredita nos vinte e dois

supercouraçados que, segundo afirma Levtan...

— Se você me interromper mais uma vez, terá que

limpar o campo número três — gritou Etztak para o filho.

— Não, para prevenir qualquer pergunta tola, não acredito

nas informações de Levtan. Rhodan possui duas naves de

grande porte, não vinte e duas. E também não é verdade

que tenha cem cruzadores. O pária se vendeu a Rhodan,

que por intermédio dele quer descobrir o que pretendemos

fazer. Sabe que é fraco...

O filho não pôde deixar de interrompê-lo mais uma

vez, embora se arriscasse a limpar com as próprias mãos o

grande depósito da nave:

— É tão fraco que destruiu nossa frota. Pai, será que

isso é fraqueza?

O velho Etztak estava fervendo por dentro, mas a

inteligência conseguiu vencer a cólera. O filho acabara de

lembrar um acontecimento que nos últimos quatro meses

surgira muitas vezes em seus sonhos, fazendo-o despertar

banhado em suor.

Bastante contrariado, respondeu:

— Voltei a dizer a Goszul que Perry Rhodan esteve no

mundo da vida eterna. De lá trouxe aquela arma medonha,

que faz com que as naves desapareçam sem mais aquela.

Acontece que Goszul não acredita nisso. Para ele essas

histórias não passam de lendas.

— Ou então não quer confessar que Perry Rhodan

representa uma ameaça para ele — interveio o filho mais

uma vez. — Acho que Goszul nunca teve que saborear

uma derrota.

Todos se surpreenderam quando Etztak respondeu

com um gesto amável:

— Cá para mim, desejei muitas vezes que ele tivesse

um encontro com Rhodan. Um único encontro fará com

que pense e fale de maneira muito diferente. Vocês —

disse, apontando para três homens — participarão na

qualidade de observadores da conferência que será

realizada amanhã. Abram os olhos quando Levtan for

chamado a prestar depoimento e apresentar provas das

suas declarações. Lembrem-se de que esteve com

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Rhodan, e nunca se esqueçam do que este fez com as

nossas naves.

* * *

Os quatro mutantes de Rhodan registraram

atentamente todos os detalhes que puderam ver durante a

viagem.

Encontravam-se no interior duma fortaleza. Os

canhões pesados não eram novidade para eles; a bordo

dos cruzadores e da Stardust-III viram peças iguais. Essa

fortaleza dos mercadores galácticos constituía uma

posição inexpugnável, capaz de resistir a qualquer ataque

vindo do espaço.

Enquanto prosseguia a viagem do veículo que

deslizava pouco acima do solo, os quatro mutantes foram

percebendo que a tarefa que tinham diante de si era

tremenda, quase insolúvel.

Via-se de tudo: estaleiros espaciais, gigantescas

fábricas, milhares de robôs que desempenhavam as tarefas

mais variadas e gente de pele avermelhada. Eram

indivíduos estranhos, mas tinham um aspecto humano e

pareciam simpáticos. Esses goszuls preguiçosos...

Foi a única coisa que a pesquisa mental de John

Marshall conseguiu revelar a respeito daqueles seres

baixos e ruivos, cuja densa cabeleira chamava a atenção.

Os mercadores chamavam-nos de goszuls — e os

desprezavam.

Foram recolhidos à prisão. Os quatro mutantes

passaram por três áreas distintas e dois conjuntos de

muralhas muito altas. Pelas antenas que havia no topo das

mesmas via-se que acima delas ainda existia uma grade

de radiações.

Pela primeira vez John Marshall fez uma observação

para a sentinela que o acompanhava. Era uma observação

irônica, que desafiava uma resposta.

— Que monstro de prisão! Entre os mercadores deve

haver muitas ovelhas negras.

A sentinela que caminhava à sua esquerda resmungou:

— Recomendo-lhe que não volte a abrir a boca desse

jeito, seu pária. Daqui a pouco você verá quem está preso

aqui.

Pensou nos goszuls, aquela corja preguiçosa que

apesar do treinamento hipnótico continuava a ser falsa e

traiçoeira.

Os veículos pousaram um atrás do outro.

— Desçam! — soaram os comandos.

Um campo de radiações abriu-se diante deles. Uma

sentinela saiu do portão e perguntou em tom contrariado:

— São os últimos traidores?

Desde o instante do pouso no planeta de Goszul os

homens de Levtan só foram chamados assim.

Os acompanhantes estavam satisfeitos por entregarem

os prisioneiros. Mas um deles respondeu em tom

aborrecido:

— Você pode bancar o arrogante. Bem que eu gostaria

de ter um serviço confortável como o seu. Vamos logo!

Passe o recibo e desapareça com estes indivíduos.

Os mutantes olharam-se. Seus acompanhantes

perceberam. Um dos mercadores aproximou-se de Tako

Kakuta e atirou o japonês franzino de encontro à

sentinela.

Esta praguejou e conseguiu desviar-se no último

instante.

— Quase que ele vai para cima de mim, seu idiota! —

gritou para o mercador. — Eu o denunciarei. Aposto que

hoje você ainda recebe uma visita.

John Marshall leu os pensamentos e percebeu o que

Tako Kakuta pretendia fazer.

Tako demorou propositadamente em pôr-se de pé.

Estava atrás da sentinela.

— Vamos, entrem! — resmungou a sentinela para os

outros três, deixou-os passar e assinou o documento pelo

qual confirmava ter recebido os homens de Levtan.

O mais brutal dentre os mercadores teve que receber o

recibo. Foi o último a entrar num dos veículos.

A sentinela seguiu-o com os olhos, virou-se para os

quatro homens que acabavam de ser entregues e ouviu um

grito.

John Marshall respirou profundamente e lançou um

ligeiro olhar para Tako Kakuta.

Por uma fração de segundo o japonês desapareceu,

para efetuar um ligeiro salto de teleportação e pagar o

brutal mercador na mesma moeda. Voltou no mesmo

instante e estava no mesmo lugar de antes... bem no

interior do corredor.

Praguejando, o mercador pôs-se de pé. Esfregou a

testa, que na queda batera contra uma quina metálica.

— Você me deu um pontapé! — gritou furioso para a

sentinela.

— Eu? — respondeu esta em tom sarcástico,

apontando-lhe a arma. — Você acha que sei dar saltos

milagrosos? Não está vendo onde estou eu e onde está

você, seu idiota? Você deve ter tropeçado sobre suas

pernas. Você sabe pisar nos outros, mas ainda não

aprendeu a andar.

O rosto de Tako Kakuta continuou impassível. No seu

íntimo sentia-se alegre.

* * *

Levtan viu-se diante de três mercadores, que o fitavam

com uma expressão de profundo desprezo.

As perguntas foram desabando sobre ele.

O pária respondia quase sem refletir.

— Não nos conte lorotas, seu covarde! — gritou

subitamente um dos mercadores que o interrogavam. —

Sabe quem eu sou? Sou filho de Gaxtek. Isso mesmo!

Pertenço ao clã que você logrou na estrela de Caster,

tirando-lhe o produto de três circuitos de trabalho. Não

está lembrado de mim?

O pária encolheu-se como se estivesse sendo

chicoteado, mas o brilho sagaz de seus olhos não se

apagou. Gritou:

— Vocês são muito pequenos; não deporei perante

vocês. Pedi que fosse conduzido para a grande

assembleia. Tenho direito a isto. É um direito que cabe ao

proscrito. Vim para trazer informações que nos podem

salvar da destruição.

— Seu fanfarrão! — disse Gaxtek por entre os dentes,

cerrando os punhos.

— Tenho provas do que digo — disse Levtan em tom

irônico, mas no mesmo instante suplicou: — Se eu e o

meu clã formos tratados bem...

Gaxtek riu.

— Este sujeito só sabe mentir — disse.

O mercador alto e esguio acenou com a cabeça. O

outro, que era um baixote, que se limitara a formular vez

por outra uma pergunta durante o interrogatório cerrado,

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disse:

— Informaremos Goszul sobre as declarações que

acaba de prestar. O patriarca decidirá o que deve ser

considerado mentira e o que pode ser aceito como

verdade. Em minha opinião, deve ser levado de volta para

sua cela.

Levtan olhou-os com um sorriso malévolo. Sabia que

amanhã seria o grande homenageado. Depois disso esses

três mercadores seriam os primeiros que sentiriam sua

vingança. Lançou mais um olhar traiçoeiro para Gaxtek,

antes que as duas sentinelas o conduzissem à sua cela.

— Você viu o olhar dele, Gaxtek? — perguntaram a

este, assim que o grupo se viu a sós.

O mercador lançou um olhar pensativo para seus

companheiros.

— Sim — respondeu em tom grave — vi o olhar e

compreendi. O que acontecerá se aquilo que Levtan acaba

de dizer for verdade e amanhã ele conseguir provar o que

afirma? Farei uma visita ao patriarca Etztak.

— O que você quer com esse velho impulsivo? —

perguntou o indivíduo alto e esbelto em tom de surpresa.

— Procurarei Etztak para semear a desconfiança, a

desconfiança contra as declarações de Levtan. Etztak é o

único patriarca que já lutou contra Perry Rhodan. Teve

que fugir. Teve que fugir de Rhodan. Topthor, o

superpesado, perdeu sua frota. Vocês já estão começando

a compreender quem é esse Levtan?

Não compreenderam. Limitaram-se a fitá-lo.

— Pois eu lhes direi, e também direi a Etztak. Levtan

é a bomba infernal de Perry Rhodan, que fará a desgraça

de nosso povo.

6

Kitai Ishibashi empenhara a força de sua vontade para

que ele e seus companheiros ocupassem uma cela

especial, em vez de serem recolhidos à cela coletiva em

que foi abrigada a maioria dos tripulantes da Lev.

Levtan foi o único que ocupou uma cela individual.

Na opinião dos mercadores e de seus patriarcas era o

homem mais importante. A tripulação desempenhava um

papel secundário.

Os mutantes espantaram-se ao notar que os goszuls

também trabalhavam na prisão. Por duas vezes John

Marshall conseguira entabular conversa comum deles

através da portinhola da cela, mas de cada uma das vezes

foram surpreendidos por uma sentinela dos mercadores,

que interrompeu o contato recém-estabelecido.

Apesar disso as capacidades telepáticas de John

Marshall lhe proporcionaram muitas informações.

Aos cochichos transmitiu as mesmas aos amigos,

depois que Yokida, o telecineta, realizou um exame

minucioso e constatou que não havia microfones na cela.

— Todos os goszuls estão bloqueados, ou seja,

escravizados. Não podem voltar para junto dos seus

familiares. E querem saber por quê? Não querem que o

povo de Goszul saiba que existe a navegação espacial.

Tako Kakuta, o teleportador, desconfiou da veracidade

da informação.

— E as naves a cujo pouso e decolagem assistem

constantemente? Será que essa gente é cega?

John não levou a pergunta a mal.

— Quando Levtan ainda se encontrava no assento do

piloto, captei uma informação a respeito dum corredor de

entrada. Há esta hora já entendo o motivo da precaução.

— É um ramo encantador dos arcônidas —

resmungou Tama Yokida. — Não me sinto nem um

pouco à vontade por aqui — pelo brilho dos seus olhos

percebia-se que brincava com a ideia de usar seu dom

telecinético para abrir a porta maciça da cela.

Por ordem de Rhodan, Marshall assumira o comando

do grupo. Este limitou-se a olhar para Tama Yokida, que

respirou profundamente e disse:

— Está bem. Deixemos disso.

No mesmo instante ouviram-se passos no corredor. A

porta da cela abriu-se, a mesma porta que Yokida

pretendia arrombar com sua força telecinética.

Uma sentinela e dois goszuls lançaram os olhos para

dentro da cela.

— Saiam! — ordenou a sentinela.

Segurava um radiador numa das mãos. Saíram; Tako

Kakuta foi o único que parecia não ter pressa. Ele e

Marshall acabaram de combinar alguma coisa.

Quando os três mutantes passaram perto dos goszuls,

estes lhes lançaram um olhar estranho. Kitai Ishibashi

notou que em seus olhos havia compaixão, mas alguma

coisa faltava neles.

John Marshall examinou os pensamentos confusos que

atravessavam a mente da sentinela. A única coisa que o

homem sabia é que seriam interrogados, e que o tema

Levtan empolgava toda a fortaleza.

O grande australiano de rosto estreito perscrutou os

pensamentos dos goszuls.

Descobriu a mesma coisa que Kitai Ishibashi havia

notado em seus olhos, e ainda compreendeu uma pergunta

silenciosa: Por que vieram a este mundo? Não sabem que

nunca mais poderão sair dele, tal qual nós?

A sentinela berrou para Tako Kakuta, que continuava

parado no interior da cela:

— Vamos logo! Depressa!

* **

No mesmo instante John Marshall sorriu sem querer.

Captara os pensamentos de Tako. Todos eles convergiam

numa pergunta: Será que este sujeito também vai me dar

um pontapé?

O guarda notou o sorriso de Marshall e pensou que o

mesmo estivesse zombando dele. Num movimento

abrupto levantou o radiador, apontou para Marshall e,

com um brilho ameaçador nos olhos, disse:

— Pare de sorrir, senão...

Foi quando Kitai Ishibashi resolveu intervir. Sua

vontade tomou conta do guarda.

O rosto de John Marshall estava enrijecendo quando o

guarda baixou a arma e disse tranquilamente a Tako

Kakuta:

— Venha, amigo. Não nos faça esperar.

Kitai Ishibashi desligou. O ligeiro tratamento

garantiria uma atitude amável do guarda até que

chegassem à sala de interrogatórios.

Sentiu o olhar dos dois goszuls pousado nele. E

compreendeu o gesto de Marshall. Os dois goszuls

possuíam uma reduzida capacidade telepática, bloqueada

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ou diminuída em 99 por cento por meio dum processo

hipnótico.

Kitai Ishibashi percebeu que esse fato fez brotar o suor

em seu corpo. Será que ao elaborar seu plano Perry

Rhodan contara com a possibilidade de encontrarem

telepatas no planeta de Goszul?

Os dois seguiram-nos a poucos metros de distância.

O guarda, que de uma hora para outra se tornara tão

amável, abriu-lhes a porta e convidou-os a entrarem.

Etztak lançou um olhar de pavor para o guarda. Os

quatro mercadores que se encontravam presentes além

dele demonstravam uma perplexidade tipicamente

humana.

— Levem esses sujeitos para fora — gritou

subitamente Etztak com a voz rouca. — Levem-nos para

fora e tranquem-nos em sua cela!

O guarda esteve a ponto de levá-los de volta.

— Fique aqui! — berrou Etztak e apontou sua pesada

arma para ele. — Gaxtek e Hor, levem-nos de volta.

Levem-nos imediatamente para a mesma cela.

Kitai Ishibashi mal e mal conseguira impor ao

patriarca Etztak a ordem de levá-los de volta para a

mesma cela, quando Gaxtek e Hor já os estavam tangendo

para fora.

John Marshall logo reconheceu o perigo.

Procurou ouvir os pensamentos de Etztak, absorveu-os

e sentiu-se muito preocupado. Só quando se encontravam

no interior da cela e os fechos magnéticos já haviam

trancado a porta, que estava com a portinhola fechada a

tramela, contou o que sabia.

Kitai Ishibashi empalideceu.

— O quê? — cochichou. — Etztak quer fazer uma

lavagem cerebral no guarda?

Tako Kakuta, o teleportador, reagiu.

— John, onde está o guarda? Diga logo.

Marshall concentrou-se. As pessoas que se

encontravam na cela prenderam a respiração.

Depois de algum tempo Marshall levantou o rosto

banhado em suor. Os olhos haviam perdido o brilho, o

rosto parecia ainda mais estreito.

— Está sendo levado num veículo blindado,

acompanhado de seis guardas.

— Onde está, Marshall? — insistiu

Tako Kakuta, preparando-se para o salto. Com um

gesto cansado o telepata respondeu:

— Estou captando muitos pensamentos, mas todos

eles representam sua morte, se você saltar. Os seis

homens que estão levando o guarda para a lavagem

cerebral mantêm o dedo no gatilho. Sinto; não hesitarão

em apertar o gatilho.

— Onde está? — perguntou o japonezinho franzino,

com uma terrível frieza na voz.

Marshall lhe disse que um dos guardas estava

pensando no grande estaleiro pelo qual estavam passando

naquele instante.

Só havia três mutantes na cela.

Tako Kakuta, o teleportador, saltara. Saltara para o

desconhecido, atrás do guarda que mostraria suas cartas

quando fosse submetido à lavagem cerebral.

* * *

Etztak e os outros mercadores saíram da sala de

interrogatórios antes que o guarda fosse levado dali. Lá

fora entrou num veículo e correu para junto de Goszul.

Entrou sem fazer-se anunciar. Interrompeu uma

conferência.

Etztak não ligou para o fato.

Principiou com o entusiasmo dum jovem, e

estimulado pelo fato de saber que Perry Rhodan

representava um perigo que não devia ser subestimado.

Ele o conhecera.

Viu o sorriso condescendente de Goszul. Subitamente

Etztak acalmou-se. Interrompeu sua exposição.

— Você não acredita no que acabo de dizer, Goszul?

— perguntou em tom indiferente.

— Acredito tanto quanto acredito na estrela da vida

eterna — respondeu Goszul. — Etztak, você teve

oportunidade de travar conhecimento com Rhodan, e por

isso não consegue mais pensar objetivamente. Ainda se

sente abalado pelo susto. Eu vejo a coisa sob outro

ângulo. Mas não me oponho a que o guarda seja

submetido à lavagem cerebral, para que tiremos dele tudo

que sabe.

Os mercadores não se comoveram pelo fato de que a

lavagem cerebral transformaria um dos seus num idiota.

Subitamente a porta abriu-se. Gaxtek gritou ainda na

entrada:

— Um dos homens que vigiavam o guarda acaba de

matá-lo!

— Isso foi obra de Rhodan! — gritou Etztak. — Se

não o tivesse feito, muita coisa teria sido diferente.

O patriarca Goszul quase estourou de rir.

Tako Kakuta, o teleportador japonês, estava de volta à

cela da qual desaparecera quinze minutos antes.

Reapareceu no mesmo lugar de que saíra.

O rostinho de criança encimado pela testa

protuberante parecia ainda menor e revelava um tremendo

cansaço.

Enxugava seguidamente o suor da testa. A respiração

era rápida.

Com uma paciência sobre-humana, os amigos

esperaram que relatasse o que havia acontecido. Marshall

era o único que conhecia as experiências pelas quais o

japonês acabara de passar, mas preferiu ficar calado.

Tako Kakuta disse com a voz cansada:

— O homem está morto. Estavam parados em círculo,

com ele no centro. Quando cheguei ao veículo, apenas

para desaparecer no mesmo instante um dos radiadores foi

disparado...

Não contou que teve de executar meia dúzia de saltos

perigosos para localizar o veículo blindado. Era de

opinião que não valia a pena relatar esse fato. Também

não contou que depois do segundo salto foi parar no

telhado transparente do estaleiro espacial, o que provocou

um alarma geral no mesmo.

Seus amigos fitaram-no em silêncio. Compreendiam

perfeitamente por que um dos seis homens que vigiavam

o guarda disparara seu radiador. Ainda estavam

lembrados do choque que sentiram quando pela primeira

vez o teleportador surgiu diante deles, vindo do nada, que

nem um fantasma.

* * *

Marshall acordou no meio da noite. Assustou-se;

captou impulsos mentais duma criatura estranha. Eram

gritos mudos de angústia, uma confusão que conseguiu

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decifrar. Depois de algum tempo compreendeu de onde

vinham os impulsos: da cela ao lado. Um goszul

condenado à morte estava mergulhado no desespero.

Marshall acordou os amigos e transmitiu-lhes os

pensamentos que acabara de captar.

O planeta de Goszul apresentou-se aos mutantes como

um mundo escravizado, digno de lástima. Os mercadores

haviam implantado um regime desumano em meio a esse

povo pacífico e bondoso.

— Descendentes dos arcônidas? — perguntou Kitai

Ishibashi, perplexo. — Quer dizer que estes goszuls

também descendem da raça dos arcônidas?

A pergunta não era de estranhar. Muito antes do

desaparecimento da Atlântida, os arcônidas aportaram à

Terra como se fossem deuses para nunca mais retornar.

Apesar disso continuaram a viver nas lendas dos povos.

Aqui, no planeta de Goszul, o destino provavelmente

seguira por uma trilha semelhante.

E esse povo pacato foi escravizado por seus irmãos de

raça.

— Estes saltadores... — disse Tama Yokida, falando

entre os dentes, e voltou a prestar atenção aos cochichos

de Marshall.

Os goszuls regrediram a um estágio primitivo. Na

ciência e na tecnologia não estavam mais avançados que a

Terra no século XVII. Quando o patriarca Goszul pousou

no planeta com seu clã, acreditaram que se tratasse de

deuses. Mas este não viu outra coisa naqueles seres e no

seu mundo que um objeto de exploração: foi o melhor

negócio de sua vida. Apossou-se do segundo planeta do

sol 221-Tatlira. Subjugou a inteligência daquele povo

tranqüilo através dum processo de treinamento hipnótico,

reduzindo-o à escravidão, deportou-os para esse lugar e,

auxiliado pela poderosa comunidade dos mercadores e

pelo trabalho dos escravos de Goszul, criou seu centro de

poder.

O medo de morrer enlouquecera o homem da cela

vizinha. As disfunções doentias de seu cérebro romperam

a barreira hipnótica e, sempre que surgia um momento de

lucidez em que percebia todo o desespero de sua situação,

lembrava-se do que os mercadores haviam feito com ele e

com seu povo.

De repente os mutantes que escutavam atentamente

foram interrompidos por passos ruidosos. Três guardas

caminhavam pelo corredor, passaram por sua cela e

pararam diante da porta ao lado.

Ouviram as fechaduras magnéticas que se abriam com

um rangido, ouviram quando a porta girou nas dobradiças

— e todos se abaixaram: Kakuta, Ishibashi e Yokida. Só

Marshall parecia imobilizado.

Teve a impressão de que via através dos pensamentos

que estava captando.

Viu que um dos guardas apontou a arma de radiações

para o goszul condenado à morte. O pavor do homem

escravizado doeu no telepata.

Subitamente tudo acabou.

John Marshall não ouvira nada.

Mas Ishibashi, Yokida e Kakuta ouviram o chiado

típico da arma de radiações.

* * *

O patriarca Goszul não era o idiota que Etztak

começava a ver nele.

Goszul ordenara uma investigação sobre a morte do

guarda que devia ser submetido à lavagem cerebral.

Sharer, um dos membros do clã, apresentou o relatório.

O patriarca ouviu-o sem dizer uma palavra. Não se

esquecera da exclamação de Etztak: “Isso foi obra de

Rhodan!” E não subestimava esse indivíduo, que vivia

num mundo pequeno e afastado, num planeta chamado

Terra, situado num braço deserto da Via Láctea.

Formulou a primeira pergunta:

— Quem viu aquela sombra, além do idiota que matou

o guarda?

— Ninguém. Interroguei insistentemente todos eles.

Aquele que se encontrava à direita do sujeito que atirou

diz ter sentido uma pancada nas costas que não consegue

explicar.

Apesar da idade, Goszul era dotado duma espantosa

agilidade mental. Sabia extrair os pontos importantes de

cada situação complexa com que se deparava. Foi o que

fez agora.

— Quero que você me repita textualmente o que o

homem disse a este respeito.

Sharer refletiu ligeiramente:

— Vi Plug atirar. No mesmo instante senti uma

pancada e uma mão fechada passou pelas minhas costas.

Não podia ter sido Plug, pois este cambaleou e ainda

estava cambaleante no momento em que atirou. Lusudo,

que se encontrava à minha esquerda, ainda não

compreendera o que havia acontecido. Estava parado.

Foi o que o homem disse patriarca Goszul.

— E agora quero que me forneça às declarações de

Plug, também textualmente.

— Ele disse o seguinte: “Fui atacado de surpresa. Um

homem saltou sobre mim de costas e procurou

estrangular-me com a mão esquerda. Ainda sinto o lugar

do pescoço em que me apertou com o polegar. O impacto

me fez perder o equilíbrio. Tropecei, e nesse instante devo

ter disparado a arma de radiações contra o guarda. No

mesmo instante tudo desapareceu: não havia mais

nenhuma mão que procurava estrangular-me, nenhum

homem nas minhas costas, nada, absolutamente nada...”

— Plug lhe mostrou o lugar em que o homem apertou

seu pescoço?

Sharer apressou-se em mostrar-lhe o lugar em que

Plug, segundo suas declarações, seria estrangulado por

um dedo estranho.

O patriarca refletiu por um instante. Depois mandou

que o ligassem com a prisão.

— Quero falar com o oficial de plantão! — disse.

O oficial não tardou em responder. Goszul gritou para

dentro do microfone:

— Verifique se os tripulantes da nave de Levtan se

encontram todos na prisão. Coloque dois guardas diante

de cada cela em que haja párias. Se na contagem faltar um

homem ou mais, aguardo seu aviso... mas só neste caso.

Voltou a encarar Sharer. Nesse instante a tela

começou a tremeluzir, e um leve chiado saiu do alto-

falante.

Era um chamado do espaçoporto. Na tela surgiu um

rosto safado.

— Aqui fala Ottek — disse o homem. — Concluímos

o exame da Lev-XIV. Não encontramos nada. Apenas

alguns equipamentos que devem vir do planeta Terra ou

Vênus...

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— Você acha que isso não é nada? — berrou Goszul.

— Será que não se pode confiar em mais ninguém desse

clã? Exijo que todos os objetos provenientes do planeta

Terra ou Vênus sejam levados imediatamente ao

laboratório, para serem examinados. Entendido? E os

comprovantes de que o pária vive falando? Onde estão as

provas em apoio daquela conversa sobre o estaleiro

gigantesco que Rhodan possui em Vênus? Onde está esse

material, Ottek?

— Não encontramos nada, patriarca Goszul —

respondeu o homem antipático, cabisbaixo.

— Voltem a revistar a nave. Irradiem tudo. No

momento em que for iniciada a grande conferência,

preciso ter tudo nas mãos. Os comprovantes de Levtan só

podem estar na Lev-XIV. Se você não os encontrar, pode

tomar a próxima nave para ser levado às minas. Não se

esqueça disso, meu filho — Goszul desligou com um

sorriso malévolo.

— Sharer, você também pode dar o fora. Quero ficar

só.

E Goszul ficou só. Estava a sós com suas angústias.

Pronunciou o nome de Perry Rhodan com tamanho ódio

que Etztak teria dado uma pancada amistosa no ombro do

velho amigo, se pudesse ouvi-lo nesse momento.

* * *

De repente a porta da cela abriu-se. Cinco radiadores

dirigiram-se ameaçadoramente contra os mutantes de

Rhodan, enquanto estes se erguiam sonolentos, fitando a

luz com os olhos semicerrados. Um dos homens contou

em voz alta até quatro.

Outro, que se encontrava atrás dele, disse:

— Está certo. O lote está completo.

A porta da cela voltou a fechar-se ruidosamente. Os

fechos magnéticos ajustaram-se com um rangido. Dois

guardas permaneceram diante da porta. Os outros foram

para diante.

O grupo de Rhodan limitou-se a trocar alguns olhares.

Todos haviam compreendido a finalidade do controle.

Era a reação à morte do guarda que seria submetido à

lavagem cerebral.

— Os mercadores desconfiaram — cochichou

Marshall. — Se houver mais um incidente que não

puderem explicar, fatalmente terá a ideia de que entre os

tripulantes da Lev existem mutantes.

* * *

Etztak estava sentado diante do patriarca Gaxtek, o

mercador que há muitos anos, por obra de Levtan, fora

privado dos resultados de seu trabalho.

O filho de Gaxtek era o melhor defensor das idéias de

Etztak. Não se esquecera do olhar assassino de Levtan.

Nunca se esqueceria de que hoje o clã de Gaxtek seria tão

rico como o de Etztak, se não tivesse sido miseravelmente

enganado por um indivíduo de seu próprio povo.

Etztak falava em tom insistente:

— Perry Rhodan é forte, mas também é fraco.

Ninguém me tira esta ideia da cabeça. Se não fosse assim,

já nos teria atacado de novo. Tem algum ponto fraco, e

um homem fraco sempre é perigoso. Procura compensar a

fraqueza por meio da astúcia. E a astúcia de Rhodan é

Levtan. Nunca mais terá uma oportunidade tão boa de

destruir os mercadores galácticos num só golpe como na

grande conferência. Diga-me uma coisa, Gaxtek: O que

faria você se fosse Rhodan?

O ódio que dedicava a Perry Rhodan fez com que

Etztak subestimasse o patriarca Goszul.

Este já formulara a mesma pergunta, e já respondera à

mesma. E já estava agindo!

Mais de cinquenta mensageiros procuravam um por

um os patriarcas do clã. No espaçoporto foi desencadeado

o alarma.

Na noite que antecedeu a grande conferência nenhum

dos patriarcas dormiu.

Os jatos uivaram e os grupos de destróieres dos

mercadores, acompanhados de alguns couraçados,

passaram pelo corredor de saída e dispararam em direção

ao céu límpido.

Mas Goszul não admitira apenas a possibilidade dum

ataque vindo do espaço. Também incluiu em suas

cogitações a possibilidade dum atentado contra a grande

conferência.

Identificara-se com Perry Rhodan, colocando-se na

situação em que este se encontrava. Tal qual Etztak, era

de opinião que a força de Rhodan devia ter um ponto

muito fraco.

Goszul não quebrou a cabeça para descobrir que ponto

seria este. Viu nesse fator o X de seus cálculos, e

percebeu que esse X representava um perigo imenso.

O nervosismo na antessala cresceu. Ouviu a voz de

Sharer. A tela junto à poltrona iluminou-se. O

comandante da grande base de artilharia apresentou-se.

Sem dizer uma palavra, Goszul recebeu a informação de

que todas as posições estavam ocupadas e prontas para

entrar em ação.

Enquanto a imagem na tela se desfazia, a voz odienta

de Goszul voltou a pronunciar um nome:

— Perry Rhodan!

Não se recordava de que em toda a história dos

mercadores galácticos tivesse surgido um ser cuja

intervenção e cujos ataques os tivessem obrigado a

convocar a grande conferência. Sharer entrou.

— Todos os clãs foram informados. Os patriarcas e os

observadores que participarem da conferência, antes de

entrar na grande sala, se identificarão através de membros

de dois outros clãs, que anunciarão seus nomes.

Nesse instante Goszul teve uma ideia.

— Antecipo o início da conferência por duas horas.

Sharer providencie para que os mensageiros só avisem os

patriarcas no último instante.

Quando se viu a sós, disse em tom apreensivo:

— Gostaria que a grande conferência já tivesse

chegado ao fim.

Mais uma vez lembrou-se de Perry Rhodan.

7

— Localização!

O grito soou quatro vezes — uma vez na Stardust-III e

uma vez em cada um dos três destróieres.

Já o aguardavam há algumas horas, pois o sinal

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combinado com o grupo ainda não havia chegado.

A dezoito milhões de quilômetros a frota de Rhodan

mantinha-se à espera. Eram quatro objetos minúsculos

parados na imensidão do espaço, quatro estruturas

altamente sofisticadas, cujos hiper-rastreadores acabaram

de constatar a decolagem de grande número de naves no

planeta de Goszul.

— As coisas não estão boas — disse Bell, falando tão

baixo que só Rhodan pôde ouvi-lo.

Crest, líder científico dos arcônidas, entrou.

— Não quero insistir — disse — mas não se pode

acreditar mais no êxito dos nossos mutantes. Acho que o

alarma no planeta diz tudo.

Perry ergueu-se lentamente do assento do piloto.

Quando se encontrava diante de Crest, via-se que este o

superava em tamanho por cerca de vinte centímetros.

Apesar disso havia uma espantosa semelhança entre os

dois, embora fossem homens de raças diversas.

— Pois eu acredito no êxito dos meus mutantes —

respondeu Perry Rhodan, sem enfatizar suas palavras. —

E suponho que nosso cérebro positrônico continua a

acreditar nisso. Quer ver no que ele está acreditando,

Crest?

Os postos de observação continuavam a fornecer

novas indicações.

A frota de guerra dos mercadores descrevia círculos

cada vez maiores em torno do planeta do qual decolara.

Dava uma busca sistemática no espaço.

Durante a ligeira caminhada em direção ao cérebro

positrônico, Crest mencionou esse fato inquietante.

— Já sei — respondeu Rhodan.

— Pois não demorarão em localizar-nos, tal qual nós

constatamos sua decolagem, Rhodan! — advertiu Crest

em tom insistente.

— No momento em que a frota dos mercadores

decolou começamos a retirar-nos — havia uma ligeira

repreensão no tom da voz de Perry. — Não quero arriscar

a vida de meus quatro homens.

Crest lançou-lhe um olhar de surpresa. Nunca deixaria

de admirar a superioridade desse homem terreno. Sabia

perfeitamente que foi graças a ele que Rhodan adquiriu o

saber incomensurável dos arcônidas, mas não cometeu o

erro de atribuir importância excessiva ao fato, pois a

utilização do saber depende das qualidades de cada

indivíduo.

A forma pela qual Perry Rhodan manipulava seus

conhecimentos causava admiração até a Crest, o arcônida.

O cérebro positrônico da Stardust-III forneceu,

traduzidas em algarismos frios, as possibilidades de êxito

do grupo de mutantes que se encontrava no planeta de

Goszul.

— Mas isso é...

— ...é bom, não é? — interrompeu Perry. — Se

houvesse apenas um zero atrás da vírgula, também ficaria

satisfeito. O grande cérebro de Vênus calculou que as

chances eram de zero vírgula quatro...

Um brilho estranho surgiu nos olhos de Crest.

— E com uma chance de zero vírgula quatro por cento

o senhor arrisca a vida de quatro homens?

O gesto de Rhodan fê-lo calar-se subitamente.

— Isso mesmo! — a firmeza com que Rhodan

proferiu estas palavras fez com que Crest o

compreendesse. Logo ouviu a explicação que se seguiu a

essas palavras: — É uma possibilidade de êxito de zero

vírgula quatro por cento, mais o fator humano, Crest. Não

somos como os arcônidas, para os quais a finalidade da

vida consiste em sonhar de olhos abertos. Por isso as

chances do grupo de mutantes são bem maiores.

O fator humano representa um mais que nenhum

cérebro positrônico pode calcular, nem mesmo o grande

cérebro de Vênus. É que todos eles foram construídos por

arcônidas.

A voz áspera do oficial do posto de observação

interrompeu-os:

— Três destróieres dos saltadores estão saindo do

grupo e dirigem-se ao ponto em que nos encontramos...

Imediatamente Perry gritou para Bell:

— Acelerar para o quíntuplo!

Na sala de comando a pergunta para a qual ninguém

tinha resposta enchia o ar como se fosse um pesadelo:

— Será que os destróieres dos saltadores nos

localizaram?

* * *

— Vou dar uma olhada lá fora — dissera Kakuta há

poucos minutos. — Preciso saber o que está acontecendo.

Alguma coisa não está certa. Dentro de quinze minutos

estarei de volta.

Ninguém se opusera. O teleportador desaparecera

para, num salto arriscado, transportar-se ao espaçoporto.

O lugar estava banhado numa verdadeira orgia de luzes.

Tako Kakuta fechou os olhos ofuscados e saltou para a

beira das pistas.

Fora da profusão de luzes, pôde contemplar

tranqüilamente a grande área.

Por coincidência viera parar perto da Lev-XIV.

Arriscou-se a chegar mais perto e viu que os saltadores

entravam na nave e dela saíam pela grande comporta.

Essa atividade intensa despertou sua curiosidade.

No mesmo instante não havia mais ninguém no lugar

em que Tako Kakuta se encontrara há pouco. Voltou a

materializar-se no interior da Lev-XIV, mais

precisamente, no recinto destinado a um fim específico, e

que por isso mesmo era de dimensões bastante reduzidas.

Acontece que a porta da toalete estava aberta. Lá fora

dois mercadores conversavam. Satisfeito, Kakuta ouviu

que falavam mal do patriarca Goszul. O fato de que

Levtan também era atacado não o abalou nem um pouco.

Riu para dentro ao saber que continuavam a procurar

os registros escritos de Levtan.

Tako Kakuta ouvira o suficiente. Concentrou-se no

grande edifício situado na periferia do espaçoporto, que

vira no instante em que os saltadores o levavam à prisão

— e saltou.

Surgiria na sombra do grande edifício. Não havia

necessidade de esconder-se. Pelo aspecto exterior e pelas

vestimentas não se distinguia dos saltadores. Dobrou

lentamente o canto do prédio e aproximou-se dum grupo

que discutia junto à entrada.

Quando Tako viu o guarda em meio ao grupo, já era

tarde. Este o vira e achava que o fato de ele dobrar o canto

direito do prédio tinha algo de errado.

Fazendo um movimento vigoroso com o braço

esquerdo, o guarda deixou a linha de tiro livre. Com o

outro braço dirigiu a arma paralisadora sobre Tako

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Kakuta.

O pequeno japonês mascarado de saltador não perdeu

a calma.

— Venha cá — gritou o guarda. Em vez de esperar

que se aproximasse, o guarda foi andando em sua direção.

— Quem é você? E o que andou fazendo no lugar em que

estão guardadas as bombas?

Kakuta só absorveu a palavra “bombas”. Numa

operação mental instantânea registrou todos os detalhes: a

situação do edifício em relação ao espaçoporto, o aspecto

da fachada bem iluminada, a fábrica situada de fronte, a

rua larga — e o fato de que atrás do edifício, à direita,

ficava o depósito de bombas.

— Perdeu a língua? — berrou o guarda.

O grupo de homens que discutia animadamente teve a

atenção despertada para o incidente. Dois homens

aproximaram-se lentamente.

Tako Kakuta avaliou a situação. Assumia rapidamente

os contornos duma catástrofe. No momento não poderia

recorrer à teleportação. Não daria uma demonstração de

sua arte, pois com isso poria em risco os planos de

Rhodan e a vida dos homens do grupo.

— Meu nome é Brom. Pertenço ao clã de Gaxtek —

disse em tom atrevido, fazendo votos de não se deparar

com nenhum membro do clã de Gaxtek.

Quando viu o sorriso largo que se espalhou pelo rosto

do guarda, pondo à mostra os dentes estragados, sentiu

que o desastre se aproximava. Mas nem de leve

desconfiou de que a situação fosse assumir uma feição tão

grave.

— Só se você for da nova nave, a Gax-XXII — disse

o guarda em tom desconfiado. — Conheço todos os

outros, e nunca vi você.

— O quê? — gritou uma voz sonora vinda mais de

longe. — A Gax-XXII. Eu sou dessa nave. O que houve

com ela?

— Não fale tanto; venha cá — disse o guarda,

virando-se de lado. — Este homem diz que é de sua nave.

Você o conhece? Dê uma olhada... — virou a cabeça para

não tirar os olhos por muito tempo de cima do suspeito,

quando o fato de não ver mais o sujeito lhe fechou a boca.

Tako Kakuta não vira outra saída senão teleportar-se.

O mercador que dizia ser da Gax-XXII e tagarelara

por tanto tempo transformara-se na palha em que

resolvera agarrar-se desesperadamente. No momento em

que todo mundo olhava para o saltador, Tako Kakuta

efetuara um salto pequenino, que o transportara até o

canto do edifício.

Num cálculo frio e instantâneo, avaliou todas as

chances.

Os saltadores não deveriam perceber que era um

mutante. Deviam acreditar que seu desaparecimento não

era outra coisa senão uma fuga normal. Um deles vira-o

dobrar o canto do prédio. O coração de Tako palpitou.

A situação melhorava a olhos vistos.

Saiu correndo. Lembrava-se de que o guarda não

trazia nenhum radiador, apenas a arma paralisadora. E o

alcance desta não era muito grande. Foi nesse fato que

Tako baseou seu plano de fuga.

Fugiu como qualquer outro indivíduo. Sua proteção

era a escuridão. Mas aproximava-se cada vez mais do

depósito de bombas, e num lugar em que se guardam

bombas sempre existem guardas.

“É sempre a mesma coisa”, pensou, quando ouviu um

grito vindo da escuridão:

— Pare!

Por trás dele os saltadores aproximaram-se. Um deles

gritou para o guarda do depósito de bombas:

— Mate-o!

Tako teleportou em meio ao salto e pousou meio

esbaforido junto a algumas peças de artilharia pesada.

Dois soldados estavam conversando. O mutante

aguçou o ouvido. Falavam no alarme e no fato de que

Goszul enviara seus mensageiros aos patriarcas e nos

motivos por que o velho não recorrera ao rádio para

transmitir suas ordens.

— Você ouviu alguma coisa? — ouviu

Tako, um tanto preocupado, viu um soldado que se

aproximava.

Preferiu não aguardar o encontro. Saltou

silenciosamente e rematerializou-se no interior de sua

cela, limitando-se a perguntar:

— Será que demorei mais de quinze minutos?

* * *

O orgulhoso patriarca Goszul levantou-se no momento

em que foi anunciada a chegada do último participante da

grande conferência.

Há poucos minutos ainda se sentira martirizado pelas

idéias de desastre iminente. Mas agora estava livre das

mesmas e regalava-se no respeito que todos tributavam a

ele, o descobridor e conquistador do planeta.

Presidia a grande conferência. Fora escolhido por

unanimidade. Com uma ligeira alocução abriu os

trabalhos. Cumprimentou os participantes pessoalmente,

sem citar nomes. Mas enquanto ainda proferia a fala

introdutória, seus olhos aguçados procuravam um homem

em meio ao grupo de mais de mil e duzentos patriarcas.

Era Etztak.

Não o encontrou, nem mesmo quando voltou a sentar-

se. E não viu qualquer dos filhos de Etztak. No momento

em que ia ordenar que lhe dissessem em que fileira se

encontrava Etztak, o orador Kherr mencionou pela

primeira vez o nome de Perry Rhodan.

No mesmo instante Goszul esqueceu seu amigo

Etztak.

— ...o espaço vital dos mercadores galácticos está

ameaçado. Topthor, o superpesado, pagou com suas naves

e com a vida de sua gente o fato de ter atendido ao pedido

de socorro do patriarca Etztak. Perry Rhodan, um ser

vindo do planeta que seus clãs chamam de Terra, recorreu

aos recursos dos arcônidas para destruir-nos. O Império

de Árcon encontra-se em estagnação. Os herdeiros

legítimos somos nós. Nada nos impedirá de solicitar o

auxílio de todos os superpesados e, com o auxílio dos

mesmos, eliminar o planeta Terra do seio da galáxia.

Nosso poder é cem vezes maior que o de Rhodan. Basta

que nossos objetivos sejam definidos. Mas antes de abrir a

discussão a este respeito, interrogaremos o pária Levtan.

Fomos nós que criamos as leis de nossos clãs. Por elas

punimos e por elas perdoamos. Sejam quais forem as

declarações de Levtan, não se esqueçam, patriarcas, de

que veio do mundo de Perry Rhodan. Examinem as

palavras de Levtan e as provas que apresenta. Examinem

tudo antes de pronunciar o perdão segundo as leis dos

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clãs, tirando dele a mácula do pária.

— Examinem tudo, mesmo que acreditem que está

mentindo.

— Examinem com toda atenção, como se nossa vida

dependesse de tudo.

— Examinem, pois temos diante de nós uma questão

de vida ou morte. E a morte traz o nome de Perry

Rhodan!

À fala seguiu-se um silêncio mortal. As palavras que

acabavam de ser pronunciadas traziam uma enorme carga

sugestiva.

O silêncio condenou quando Levtan, acompanhado de

seis robôs, foi conduzido pelo largo corredor central.

Foi obrigado a sentar-se numa posição em que fitava

os dirigentes e todos os participantes da grande

conferência.

O olhar de Levtan, que refletia o medo, ficou preso em

Goszul.

Este voltou a levantar-se, cruzou os braços diante do

peito, lançou um olhar severo para o pária e dirigiu-lhe a

primeira pergunta.

— Pária Levtan, onde estão as provas escritas daquilo

que você afirmou a respeito de Perry Rhodan?

Um eco soou no recinto.

— Rhodan! — respondeu ironicamente.

Goszul viu que alguns dos patriarcas estremeceram,

virando o rosto em direção à entrada. Ele mesmo

conseguiu com grande esforço reprimir o susto.

— As provas estão em minha nave — respondeu

Levtan quase num cochicho.

— Onde? — perguntou Goszul em tom áspero e logo

pronunciou a ameaça: — Não pense que com essa tática

poderá prolongar a vida...

Num esforço desesperado, Levtan animou-se a uma

objeção:

— Não vim de minha livre vontade? — gritou, e seus

olhos oblíquos tornaram-se ainda mais estreitos. — Não

vim para mostrar-lhes a maneira de destruir Rhodan?

Afinal, quem conhece Rhodan?

E o eco escarneceu:

— Rhodan!

Mais uma vez Goszul viu os patriarcas estremecerem

e olharem para a entrada, como se esperassem ver Perry

Rhodan.

Goszul refletiu ligeiramente. Já por duas vezes esse

eco devolvera o nome de Rhodan num tom de escárnio.

As frases deviam ser formuladas de modo a reduzi-lo ao

mínimo.

— Onde estão os documentos? — gritou para o pária.

— Na sala de comando de minha nave. No cristal de

pilotagem — respondeu Levtan em tom submisso. — No

segundo cristal de pilotagem.

Os olhos velhos de Goszul dirigiram-se para a entrada

onde se encontravam os membros de seu clã. Brilhavam

como os dum jovem caçador. Em tom autoritário gritou:

— Desmontem e tragam para cá!

Em tom mais calmo, dirigiu-se a Levtan:

— Conte tudo sobre Rhodan.

Não pôde retirar a palavra. E a mesma foi devolvida.

— Rhodan! — gritou o eco.

Goszul sentiu as primeiras gotas de suor porejarem em

sua testa enrugada.

— Fale — berrou Goszul para o pária. Perdera o

autocontrole diante dos numerosos patriarcas que,

dominados pelo eco, estavam encolhidos em suas

poltronas, cochichando aos grupos.

Levtan, o pária, iniciou seu relato.

* * *

A situação de Perry Rhodan e sua frota tornara-se

mais tranquila. As naves dos saltadores continuavam a

circular em torno do planeta de Goszul, mas não se

afastavam mais de cinco milhões de quilômetros. E, o que

era mais importante, os instrumentos da Stardust-III

revelavam que os mercadores trabalhavam

exclusivamente com os rastreadores estruturais, que

funcionavam com base em princípios hipergravitacionais.

Os mesmos não permitiam uma localização precisa num

raio de uma unidade astronômica, mas tornavam-se muito

eficientes a distâncias superiores a 150 milhões de

quilômetros.

As naves de Perry Rhodan mantinham-se a uma

distância de 35 milhões de quilômetros do planeta de

Goszul e esperavam. Esperavam uma mensagem de rádio,

um ataque. Esperavam que houvesse alguma coisa. Nada

aconteceu.

Subitamente o receptor emitiu um som. O decifrador

automático revelou o texto da mensagem, que ao ouvido

humano só se apresentava sob a forma dum chiado

instantâneo.

Rhodan leu o texto e não ocultou o desapontamento.

Era uma mensagem vinda de Terrânia. Fora enviada pelo

coronel Freyt. O destinatário era Perry Rhodan, chefe do

Governo Mundial.

Sem dizer uma palavra, este entregou a mensagem a

Bell, que já adivinhava seu conteúdo. Em tom contrariado

perguntou:

— É uma guerra de papéis vinda lá de baixo? Lá

embaixo — isso significava a Terra, o planeta que

finalmente alcançara a união sob a direção de Perry

Rhodan, a Terra em que já não existiam os blocos de

potências, que viviam gritando uns para os outros que

eram mais fortes. Ainda havia três grupos de interesses na

velha Terra, mas aos mesmos só cabia à tarefa de

entregar-se ao processo de autodissolução.

— Leia! — disse Perry ao amigo.

Bell leu bastante contrariado.

— Sempre há uns senhores que querem fazer política.

Bem, Freyt lhes dará umas palmadinhas. Não vamos

responder, não é, Perry?

— Não vamos responder — respondeu Rhodan

laconicamente. Tirou a mensagem das mãos de Bell e

entregou-a a Julian Tifflor, que estava de pé ao seu lado.

— Jogue isto no desintegrador, Tifflor.

Sem olhar para o papel, Tifflor atirou o mesmo para a

grade junto ao autômato. O papel desfez-se sem produzir

fogo ou fumaça.

Rhodan lançou um ligeiro olhar para o jovem. Seu

rosto delicado, que já trazia as marcas das tarefas

desempenhadas nas condições mais adversas, poderia

iludir tal quais os olhos castanhos e sonhadores. Julian

Tifflor podia ser tudo, menos frouxo ou macio. Era um

dos membros da geração jovem dedicada a Perry Rhodan,

que tinha nele o cadete mais fiel e capaz.

— Está com saudades de John Marshall, Tifflor?

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130

Um brilho fugaz surgiu nos olhos castanhos. Esse fogo

revelara de que material era feito Julian Tifflor. Só por

uma fração de segundos deixara perceber seus

pensamentos. Ao responder, sua voz era tranquila:

— Não podemos estar sempre na linha de frente.

A espera enervante na sala de comando da Stardust-III

foi interrompida pela exclamação do engenheiro que

controlava os instrumentos:

— Emanações radiativas intensas no planeta de

Goszul. A área é limitada. Um instante, que a

interpretação logo virá.

Mesmo Rhodan concordou em esperar. Começou a

desconfiar de alguma coisa. Lançou um olhar pensativo

para o relógio. Em tom áspero, perguntou:

— Peço o tempo local do segundo planeta!

— 45,71! — foi a resposta vinda do posto de

cronometragem. Isso correspondia aproximadamente ao

meio-dia terreno.

No planeta de Goszul o dia já chegara ao zênite, e a

mensagem combinada com o grupo de mutantes ainda não

havia chegado.

— A interpretação chegou! — voltou a falar o

engenheiro dos instrumentos. — As radiações ocorreram

na cidade dos mercadores. Estão restritas a um raio de

cem a cento e cinquenta metros.

Os homens que se encontravam na sala de comando

pensaram em Marshall, Yokida, Ishibashi e Kakuta.

A faixa de ondas previamente convencionada não

trouxe a mensagem dos mutantes.

8

John Marshall acabara de “trazer” o tempo. Eram

23:104.

Os quatro homens que se encontravam na cela fizeram

seus cálculos; na Terra eram cerca de nove horas.

— A alimentação neste estabelecimento é muito

deficiente — disse Tama Yokida, o telecineta, em tom

seco. — Sugiro que procuremos alguma coisa para comer

— voltou a acariciar a ideia de usar suas forças

telecinéticas para tirar a pesada porta dos gonzos.

— Não — disse Marshall, que mais uma vez captara

seus pensamentos. — Não é necessário. Daqui a pouco

virão buscar-nos para participarmos da grande assembleia

dos patriarcas.

Os amigos olharam-no, desconfiados. Havia alguma

coisa na voz de Marshall que não lhes agradara.

— Sim — acrescentou o telepata, completando suas

informações. — Acontece que não participaremos na

qualidade de hóspedes, mas como testemunhas párias.

Levtan deve ter feito papel de louco, não abrindo mão da

exigência de que todos os membros de seu clã também

sejam interrogados.

— Que chefe de clã! — observou Tako Kakuta, que

geralmente costumava manter-se calado. — Meu pai não

teria agido dessa forma. Quando virão buscar-nos?

— O comando já está a caminho. Todo mundo vive

falando em Levtan. Já sabem em que lugar estavam

escondidos seus documentos. Dizem que Goszul mandou

alguns homens de seu clã à Lev-XIV, para retirá-los do

segundo cristal de pilotagem...

Kitai Ishibashi interrompeu as palavras de Marshall.

— Já me interessei por isso, e sei que o segundo

cristal de pilotagem não existe — no mesmo instante pôs

a mão na cabeça e soltou uma risada. — Formidável!

Ninguém desconfiaria de que os documentos pudessem

estar lá. Encontraram nossas armas e equipamentos?

— Os homens do comando não estão pensando sobre

isso — respondeu Marshall e aguçou o ouvido. — Não

são eles que estão chegando?

No corredor ouviram-se passos; as pisadas duras dos

robôs eram inconfundíveis.

A porta da cela abriu-se. Três armas paralisantes e

dois radiadores de impulsos foram apontados sobre eles.

— Saiam! — gritou um saltador.

Pelo uniforme devia ser um oficial. Sem dizer uma

palavra, o grupo de Rhodan saiu do alojamento pouco

acolhedor.

O transporte até o local da grande assembléia foi

realizado em grandes veículos em forma de tanque. Tako

Kakuta teve a impressão de que no dia anterior, quando o

guarda estava sendo levado ao local em que seria

submetido à lavagem cerebral, já estivera num veículo

desse tipo.

Ao descerem, viram-se cercados por uma companhia

de robôs de combate.

“Se esses camaradas de brinquedo nos

acompanharem até a sala de conferência e não tirarem

seus radiadores de nós, nossa situação poderá tornar-se

bastante difícil”, pensou Tama Yokida, e experimentou o

peso de um dos robôs.

Escolheu um dos indivíduos metálicos que estava na

fileira de trás, onde não podia ser visto por seus amigos

sem alma, nem por qualquer dos saltadores.

Tama Yokida limitou-se a “brincar” ligeiramente com

ele. O esforço que teve de fazer para levantar o robô numa

altura de cinquenta centímetros não foi maior que o de

quem mexe um dedo.

A experiência durou menos de um segundo. E Tama

Yokida ficou satisfeito com o resultado. Caminhando com

a maior tranquilidade atrás dos amigos, entrou no

gigantesco salão. Quando viu mais de mil patriarcas

enfileirados em confortáveis poltronas, conteve a

respiração por um instante.

Nunca esperaria encontrar essa multidão de caciques

dos clãs.

Marshall fez uma descoberta: apesar dos documentos

de Levtan, nenhum dos patriarcas que se encontravam no

recinto acreditava uma palavra daquilo que o mesmo dizia

a respeito de Perry Rhodan.

À sua frente, de ambos os lados, atrás deles, estavam

os robôs, e mais ao longe grupos de saltadores armados.

Foram conduzidos pelo largo corredor central em

direção ao presidente da grande conferência.

Banhado em suor, Levtan estava em sua pequena

tribuna e olhava para os membros de seu clã como um

homem que está prestes a morrer afogado.

Não sabia mais o que fazer. Ninguém acreditava nele

nem nas provas que apresentava — nos desenhos, nas

fotos em três dimensões, nos filmes.

— Isso não passa dum truque barato! — gritou um dos

patriarcas depois que um terço do filme havia sido

rodado, e a tela mostrou a decolagem de vinte e dois

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131

couraçados que traziam o nome Stardust com uma

numeração seguida.

Levtan gritou de volta. Sabia que seu filme não era

nenhuma falsificação. Ele mesmo fizera a fotografia em

Vênus. Quando se arriscou a isso, por pouco não cai nas

mãos de um grupo de guardas de Rhodan. Lembrava-se

de todos os detalhes, mas suas palavras apenas

provocavam uma desconfiança tola e odienta.

Queria ajudar os saltadores! Era o único que poderia

mostrar-lhes a maneira de escapar ao perigo representado

por Perry Rhodan.

Perry Rhodan — era este o poder mais imenso que

jamais existira em meio às estrelas. O poderio de Perry

Rhodan equivalia ao triplo daquele que o Império de

Árcon atingira nos seus melhores tempos.

Com a voz rouca e suplicante, gritou:

— ...a cada cinco dias que passam um cruzador

pesado é construído. As naves de Perry Rhodan brotam do

solo de Vênus que nem cogumelos. Mercadores, eu... eu

vi com estes olhos... eu, que já fui um dos seus, e que fui

tratado por Perry Rhodan como se fosse um cachorro.

Rhodan nos odeia. Se nos atrevermos a atacá-lo, seremos

destruídos. Caçará os nossos clãs um por um...

Um raio de choque fechou-lhe a boca e o filme pôde

ser rodado sem ser interrompido por sua cantilena de

ódio.

Etztak, patriarca do clã de Orlgans, viu a tripulação da

Lev-XIV entrar. Afundado em sua poltrona e escondido

atrás das costas largas do gigantesco patriarca Slurd,

absorvia todas as impressões com sua vigilância

instintiva, sem deixar que nada o comovesse. Também o

filme não o comoveu.

Não acreditava nas imagens que estavam sendo

projetadas, e muito menos nos vinte e dois couraçados,

sem falar na afirmativa infantil de Levtan, segundo o qual

a cada cinco dias Perry Rhodan construía um cruzador

pesado em Vênus.

Ninguém lhe tirava da cabeça a ideia simplista de que

ainda hoje os milagres demoram para serem feitos.

— Gostaria de saber por que Goszul mandou trazer

essa gente da prisão — disse a Virn, patriarca do clã de

Sanko, que estava sentado à sua direita, acariciando

nervosamente a longa barba. — Será que teremos que

ouvir de novo toda a série de mentiras infames?

O vizinho da esquerda de Etztak era Gaxtek, o homem

que há muitos anos quase foi arruinado pelas falcatruas de

Levtan. Deu uma cotovelada no patriarca dos Orlgans,

chamando a atenção do mesmo para o espetáculo que se

desenrolava na mesa diretora, formada por um grupo de

nove patriarcas.

Entre esses nove patriarcas um dos documentos de

Levtan passava de mão em mão, enquanto o clã e a

tripulação dos párias se ia agrupando em torno de seu

comandante. Três robôs mantinham-se mais ao longe,

prontos para dirigirem impiedosamente os raios

mortíferos de suas armas sobre os proscritos. Seu centro

positrônico estava regulado especialmente sobre os párias.

Pela primeira vez Etztak endireitou o corpo e,

lançando os olhos por cima do ombro largo de Slurd,

contemplou a mesa diretora.

Estreitou os olhos. Pensou que estivesse vendo uma

alucinação. Viu que os membros da mesa diretora

demonstravam um interesse surpreendente ao

examinarem um dos documentos de Levtan. O patriarca

Goszul formava o centro do grupo que discutia

animadamente.

Levantou a cabeça e dirigiu uma pergunta a Levtan.

Etztak começou a desconfiar também dos seus ouvidos.

Que tom de voz era este que Goszul punha na sua

pergunta?

O pária viu suas chances subirem. Até agora

respondera com a voz estridente, ou em tom choroso e

suplicante. Agora respondeu com a voz firme:

— Produção diária de destróieres da classe C, três

unidades; da classe G, quatro unidades, e oito unidades da

classe H, a maior de todas.

Mais uma vez Goszul discutiu animadamente com os

membros da mesa diretora da grande conferência. Depois

de algum tempo ordenou:

— Vejamos o segundo filme. Projeção, por favor!

Etztak voltou a mergulhar em sua poltrona,

desaparecendo atrás das costas do gigantesco patriarca

Slurd. Não se interessou pelo filme que estava sendo

projetado, nem respondeu às perguntas de Gaxtek.

Apenas seu corpo se encontrava no gigantesco salão.

Em pensamento estava no interior de sua nave, e esta

estava envolvida num combate com os cruzadores de

Perry Rhodan.

Naquele tempo acontecera alguma coisa — uma coisa

impossível, mas real. O que seria?

Etztak mergulhou cada vez mais profundamente nessa

indagação; pretendia descobrir a resposta, custasse o que

custasse.

Não via nem ouvia o que se passava em torno dele.

Foi o único patriarca que não participou da grande

conferência.

* * *

O grupo de Rhodan encontrava-se no meio do clã de

Levtan. Praticamente no centro do grupo, mantinham-se

bem juntos e, tal qual o patriarca, assistiram a um filme

que os teria entusiasmado — se representasse a verdade.

O filme tridimensional mostrava uma gigantesca

batalha espacial. As esquadrilhas de couraçados e

cruzadores de Perry Rhodan lutavam contra um inimigo

que era muito mais forte que ele, para quem se baseasse

no número de naves.

Levtan arriscou um comentário.

— Local da batalha: a Nebulosa de Xaders.

A Nebulosa de Xaders era um dos nomes encontrados

no catálogo estelar dos mercadores. Perry Rhodan não se

esquecera de nenhum detalhe, quando refletiu sobre o que

Levtan devia dizer a respeito desse filme para que os que

o ouvissem acreditassem nele.

O catálogo dos saltadores encontrado na Lev-XIV

prestara-lhe ótimos serviços. A Nebulosa de Xaders

ficava na extremidade oposta da Via Láctea, e entre os

mercadores era conhecida como a região mais perigosa da

Galáxia. Até agora toda e qualquer nave que se

aproximasse da Nebulosa de Xaders a menos de cinco

unidades astronômicas desapareceria sem deixar vestígio.

Nenhum pedido de socorro, nenhuma nave salva-vidas

dava notícia do desastre. E agora o filme de Perry Rhodan

desvendava o segredo da Nebulosa de Xaders.

O formato das naves utilizadas pela raça que habitava

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132

a Nebulosa era estranho e apavorante. Consistiam de três

gigantescas esferas grudadas umas às outras. A do centro

tinha um gigantesco furo que a atravessava de lado a lado

e devia ter um diâmetro de quinhentos metros.

O filme mostrou a vitória de Rhodan sobre a raça da

Nebulosa de Xaders.

Quando a fita terminou, o pavor tomou conta da

grande assembleia. Todos se mantinham em silêncio, e

assim continuaram inclusive Levtan.

Ninguém deu atenção aos quatro homens do clã de

Levtan que se mantinham bem unidos em meio aos

tripulantes da nave.

Dois deles estavam trabalhando: Kitai Ishibashi, o

sugestor, e John Marshall, o telepata.

Lançando mão de todas as suas energias mentais, o

médico e psicólogo japonês obrigou o patriarca Goszul a

submeter-se à sua vontade. De início concentrou a força

de seus dons sobre ele. Sem que o soubesse, Goszul sentiu

os efeitos tremendos do método progressivo.

“Acredite no que o filme acaba de mostrar e nos

dados constantes dos documentos. Acredite naquilo que

Levtan e seu clã estão prontos a declarar sob juramento.

O poder de Perry Rhodan é infinitamente superior ao de

vocês. Desista da ideia de atacar a Terra ou voar para a

base de Vênus. Seria um voo para a morte.”

John Marshall encarregou-se dos cérebros dos homens

que ao lado de Goszul dirigiam os trabalhos da grande

conferência. O poder de sua mente não era igual ao do

japonês, mas tornou mais fácil a este mergulhar os

patriarcas na hipnose profunda, fazendo com que

acreditassem estarem agindo por sua livre vontade.

O silêncio que reinava no recinto rompeu-se como

uma fina parede de vidro. Numa pergunta proferida em

tom estridente, o patriarca Resd exigiu que Levtan lhe

prestasse as informações que desejava.

Levtan acreditava no que estava dizendo. Acreditava

ter visto e sentido tudo aquilo. E também acreditava no

ódio que nutria por Rhodan. Foi justamente esse ódio

desenfreado que tornou plausíveis suas informações.

Um cérebro atrás do outro se submetia a Ishibashi. Os

patriarcas iam reconhecendo que, se atacassem Rhodan,

estariam selando sua própria destruição.

Do lado direito do recinto o pânico começou a

fermentar e ameaçava transbordar. Com a voz estridente

Levtan gritou sua resposta nessa direção.

— Vi a arma. Quando Rhodan a acionou, uma enorme

cadeia de montanhas desapareceu sem deixar para trás

nem uma nuvem de gases. Quando fugi, essa arma estava

sendo montada em todas as naves de Rhodan.

Goszul começou a falar. Em tom autoritário exigiu

silêncio, mas o pânico espalhou-se como um veneno sutil.

— Será que aquilo que acabamos de ouvir não basta?

O último filme do arquivo de Rhodan ainda não nos

convenceu? Isto sem falar nos documentos que se

encontram diante da mesa diretora da grande conferência.

Patriarcas dos mercadores galácticos, um pária nos

adverte para que não percorramos a trilha que levará

nossa raça à destruição. Não quero convencer ninguém

com as minhas palavras. Não posso exibir os documentos

de Levtan a todos os patriarcas. Peço aos ocupantes das

primeiras três fileiras que se levantem e venham olhar.

Kitai Ishibashi realizou um trabalho inacreditável.

Suas forças mentais haviam desencadeado o pânico. Um

cérebro atrás do outro estava sendo submetido ao poder

de sua mente. Os patriarcas se iam convencendo da

veracidade das declarações de Levtan e começavam a

temer a força de Rhodan.

Indiferentes como os membros do clã dos párias, Tako

Kakuta, o teleportador, e Tama Yokida estavam

imprensados em meio ao grupo. Limitavam-se a observar,

a registrar os acontecimentos.

Viram que o lance galático de Perry Rhodan colocava

os mercadores numa posição de xeque-mate.

Subitamente o coração de Kakuta começou a palpitar.

Onde estava Levtan? Não o via em parte alguma.

Por algumas frações de segundo conseguia enxergar o

lugar em que o pária, de pé numa pequena tribuna, fizera

suas declarações. Os patriarcas curiosos que se dirigiam à

mesa iam obstruindo a visão.

Será que Goszul chamara Levtan, para fornecer

explicações sobre os documentos aos membros da mesa

diretora?

Tako Kakuta não conseguiu descobri-lo por lá. Tama

Yokida notou algo de estranho no amigo.

— O que houve? — cochichou.

— Levtan desapareceu — respondeu o teleportador,

também em voz baixa.

Tama Yokida virou-se para os robôs. Os vigilantes

continuavam no mesmo lugar, com as armas apontadas

para eles.

— Deve estar aqui.

— Mas onde? Não o vejo! Há esta hora devíamos vê-

lo — disse Kakuta com a voz quase incompreensível.

Sentiu que uma aflição tremenda começava a sacudi-lo.

Deu uma cotovelada em John Marshall. O retorno ao

mundo real quase chegou a ser doloroso para o

australiano. A interrupção consumira tamanhas energias

mentais que no momento não foi capaz de entender os

pensamentos de Tako Kakuta.

O teleportador teve que transmitir-lhe a notícia

inquietante aos cochichos.

Marshall, que era bem mais alto que o teleportador

japonês, procurou localizar Levtan.

Não o encontrou. Não estava junto à mesa diretora,

onde os patriarcas continuavam a acotovelar-se, nem no

meio da multidão, nem no largo corredor central.

— Quando começou a notar a falta dele? — perguntou

Marshall tranquilamente.

— Há dez minutos; talvez sejam oito. Não sei dizer

exatamente. Procure-o, Marshall. É a primeira vez que

tenho medo de verdade. Parece que alguma coisa não deu

certo.

O nervosismo de Tako Kakuta foi contagiante. John

Marshall respondeu com um ligeiro aceno de cabeça, e

através de suas energias telepáticas procurou localizar

Levtan.

* * *

Etztak viu que os patriarcas que se encontravam nas

primeiras três filas levantaram-se e correram para a mesa

diretora, a fim de apresentar as provas oferecidas por

Levtan.

Etztak, patriarca do clã de Orlgans, também se

levantou, e isso com uma rapidez de que ninguém o

julgaria capaz. Sua poltrona ficava próxima ao corredor

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central.

Resmungando desculpas, abriu caminho entre quatro

patriarcas, viu-se no corredor e olhou para a saída

principal.

Acenou ligeiramente com a cabeça e aguardou os

acontecimentos.

No primeiro minuto não aconteceu nada, mas dali a

dois minutos Levtan não estava mais na sua tribuna. Um

dos mercadores que tinham ido à mesa diretora passou tão

perto que esbarrou nele. Pediu desculpas. Etztak fez uma

careta.

Dali a um minuto — ou seja, três minutos depois de se

ter levantado — virou-se lentamente, como alguém que

respira profundamente antes de dar um salto.

* * *

Quando Marshall lhe apertou o braço com tamanha

força que parecia querer arrancar-lhe o bíceps, Tako

Kakuta percebeu que tinha havido uma catástrofe.

— Etztak e o clã de Orlgans levaram Levtan para

submetê-lo à lavagem cerebral! — cochichou Marshall

aflito.

“Isto é o fim”, pensou Kakuta num acesso de pânico.

Ia voltar-se para Marshall, mas deteve a cabeça em meio

ao movimento.

Marshall movia os lábios. Cochichava uma ordem

quase imperceptível. A ordem era dirigida a Kitai

Ishibashi.

O sugestor compreendeu. John Marshall sabia

localizar Levtan e ler seus pensamentos, mas nada podia

fazer para impedir a lavagem cerebral. Nem mesmo Kitai

poderia evitá-la. Mas podia fazer outra coisa.

Marshall captou a angústia mortal de Levtan.

Identificou todos os pensamentos: a defesa desesperada

do pária, os golpes que distribuía com as mãos e os pés

para não ser submetido à lavagem cerebral. Sabia qual

fora o destino da grande massa de indivíduos submetidos

a essa tortura. Todos perderam a razão em virtude do

tratamento.

Marshall também captou os pensamentos de Etztak.

Etztak — esse nome equivalia a um sinal de alarme.

Etztak desconfiara e resolvera agir imediatamente.

John Marshall lembrou-se do povo escravizado do

planeta, e lembrou-se da Terra indefesa e do destino que a

aguardaria se os saltadores pusessem os pés nela. Seria a

escravização total.

O aparelho que agiria sobre a mente de Levtan devia

ter sido ligado. A lavagem cerebral! Seria a revelação do

lance galáctico de Perry Rhodan!

John Marshall pensou na Terra e no destino que a

aguardava, quando indicou a posição a Ishibashi.

9

Com o rosto petrificado Etztak contemplou os quatro

homens de seu clã, que acabavam de dominar Levtan.

O pária defendera-se desesperadamente.

Um dos filhos de Orlgans fora jogado ao chão,

gemendo e segurando o ventre. Seu sobrinho mais novo

estava enxugando o sangue do queixo. Mas Levtan teve

de capitular diante da tremenda superioridade. Com uma

cruel indiferença Etztak viu que os feixes de radiações

cingiam o peito do pária. Dentro de poucos segundos o

respectivo campo energético estabilizou-se, condenando o

pária à imobilidade.

— Saia da frente! — gritou Etztak para o sobrinho.

— Sim senhor — fungou o jovem mercador e saltou

para o lado.

O próprio Etztak pôs o aparelho a funcionar.

Os protestos desesperados de Levtan cessaram. O

pária conformara-se com o destino cruel. Não acreditava

num milagre que pudesse salvá-lo. E para ele não houve

nenhum milagre.

Limitou-se a atirar a cabeça para trás — era a única

parte do corpo que conseguia mover. Depois disso foi

atingido pela força do aparelho, que penetrou nas idéias e

nas memórias armazenadas em sua massa cinzenta.

— Etztak — disse com um gemido — os deuses

castigarão você e seu clã por...

Não completou a frase.

Levtan já não era senhor de si mesmo. Teria que

entregar todo o saber, todos os mistérios que se

encerravam em sua mente, e pagaria isso com a razão.

O patriarca cruel saltou para frente.

— Saiam à frente! Ordenou, aproximando-se de

Levtan e lançando-lhe um olhar preocupado. — O que

houve com o traidor? — gritou. — Será que está

morrendo? — apontou para Levtan, cuja cabeça estava

imóvel, levemente inclinada para o lado.

* * *

Quando percebeu que não conseguia captar mais

nenhum pensamento de Levtan, Marshall soube que a

lavagem cerebral fora iniciada.

A catástrofe aproximava-se vertiginosamente. Etztak

estava a ponto de desvendar o mistério em torno das

relações entre Levtan e Perry Rhodan.

A mais de mil anos-luz do sistema solar, a destruição

da Terra estava sendo encetada no planeta de Goszul.

John Marshall transformara-se num tático frio.

Sobrecarregando suas forças ao máximo interveio em

tudo, não negligenciou nada, não perdeu nenhuma

oportunidade. Arranjou tempo para orientar as forças de

Kitai Ishibashi para outro objetivo e dar uma ordem

terrível a Tako Kakuta, o teleportador.

— Prepare-se para um salto para o depósito de

bombas.

O delicado japonês nem pestanejou ao receber a

ordem de Marshall. Preparou-se; sabia que a qualquer

momento a catástrofe poderia desabar sobre eles.

As forças telepáticas de John Marshall voltaram a

exercer-se na área em que Levtan estava sendo submetido

à lavagem cerebral.

Kitai Ishibashi, o sugestor, trabalhou mais uma vez

sobre Goszul, antes de unir suas forças às de Marshall.

A cabeça calva do saltador virou-se ligeiramente para

a tripulação da Lev. Não notou a ausência do comandante

dos párias. Os três guardas-robôs continuavam no mesmo

lugar. Cochichou alguma coisa para o homem que se

encontrava a seu lado. Este acenou com a cabeça e

levantou-se. Pouco depois Tako Kakuta viu-o atrás dos

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134

robôs. Os robôs foram dispensados.

Os verdadeiros tripulantes da Levtan nem o

perceberam. O ligeiro nervosismo causado pelo

desaparecimento do comandante proscrito já cessara.

Kitai Ishibashi trabalhou depressa. Mas o perigo ainda

não fora removido; continuava grave como antes. Sob a

orientação de John, Kitai empenhou todas as forças numa

luta titânica contra o coração de Levtan. O mesmo tinha

que ser paralisado, e já!

Etztak não poderia receber a menor indicação que

aumentasse a desconfiança que já se instalara em seu

espírito.

Kitai perdeu por completo a noção do tempo. Não

sabia se o teleportador estava preparado para saltar, não

sabia se Goszul providenciara para que os três robôs

fossem afastados, não sabia se os tripulantes da Lev já

deixaram de preocupar-se com o desaparecimento de seu

comandante. Crescera acima de si mesmo.

Em suas mãos jazia o destino dum mundo — a Terra.

E houve mais um estímulo que lhe conferia energias

titânicas: Perry Rhodan confiava em sua capacidade. Ele

mesmo, um dos combatentes da Terceira Potência de

Perry Rhodan e do futuro império cósmico, travava o

combate mais cruel de sua vida.

Subitamente os músculos cardíacos de Levtan

contraíram-se num espasmo, enrijecendo sob a força das

energias hipnóticas. Kitai percebeu que em certo setor do

espaço, onde Levtan estava submetido ao poder de Etztak,

não havia mais nada que representasse o comandante dos

párias.

Levtan não poderia revelar o plano de Perry Rhodan.

Seu coração parara. Mas o perigo continuava a

aproximar-se do grupo.

Esse perigo era Etztak, um patriarca que não recuava

diante de nada, o protótipo do mercador galático, que não

hesitava em valer-se dos métodos mais brutais para

alcançar seus objetivos.

— Tirem-no daqui! — berrou, apontando para o

cadáver de Levtan. — Tragam dois ou três párias de seu

clã. Quero saber o que está atrás dessas declarações a

respeito de Levtan.

Tama Yokida estava condenado a um papel de simples

observador. O treinamento a que Rhodan o submetera

dava-lhe forças para não mostrar o menor sinal de

inquietação, mas na verdade toda a mente do japonês,

geralmente tão equilibrado, fervilhava.

Viu que Kitai Ishibashi, o sugestor, quase se consumia

no esforço interior, chegando progressivamente à

exaustão total; descobriu os primeiros sinais de fraqueza

em John Marshall, o telepata; e viu que Tako Kakuta, que

se encontrava a seu lado, concentrava-se para o salto.

Finalmente, Tama Yokida viu que o pânico se espalhava

entre as fileiras de poltronas que nem um veneno sutil,

apossando-se das mentes dos patriarcas, em cujos

cérebros ganhava corpo a ideia de que qualquer ataque a

Perry Rhodan ou ao seu planeta traria a morte.

Nada parecia indicar a iminência duma catástrofe, mas

Tama Yokida viu a mesma aproximar-se.

— Traga uma bomba! — cochichou Marshall ao

ouvido de Kakuta. — Faça-a detonar dentro de três

minutos. Mande este salão para os ares.

Tako Kakuta não saltou imediatamente. Mudou de

lugar, passando entre Marshall e Ishibashi. Os dois

cobriram-no com seus corpos.

Foi nesse instante que o teleportador saltou para o

depósito de bombas. Rematerializou-se sobre uma pilha

de bombas. O pouso não fora totalmente silencioso.

Ligeiramente abaixado, mantinha-se de pé sobre os

artefatos de vinte centímetros de comprimento, aguçando

o ouvido. Três bombas haviam batido ruidosamente umas

contra as outras.

Ouviu passos. O “rosto de mercador” de Tako

Kakuta, inalterado sob a máscara, contorceu-se num

sorriso. Os passos que acabara de ouvir eram dum ser de

carne e ossos.

Será que os saltadores usavam os goszuls — os

escravos — como guardas?

A pilha sobre a qual se encontrava tinha mais de três

metros de altura. As outras pilhas, muito numerosas, não

eram menos altas. As passagens existentes entre as

mesmas pareciam vielas estreitas.

O guarda surgiu de trás de uma das pilhas.

Aproximava-se sorrateiramente, segurando uma arma de

impulsos em cada mão, mas não olhava para cima. Nem

desconfiava de que o perigo pudesse estar ali.

Sem fazer o menor ruído Tako Kakuta pegou uma das

bombas. Era leve: pesava menos de trinta quilos. Era

quanto bastava.

O guarda estava bem embaixo dele. O saltador

estacara em meio ao passo que ia dar.

“Que diabo”, pensou Tako Kakuta contrariado, “esse

sujeito tem um ouvido excelente. Sabe perfeitamente que

foi daqui que veio o barulho.”

Ao soltar a bomba, não causou o menor ruído. Mas

houve um forte baque quando a mesma bateu na cabeça

do mercador. E um verdadeiro estrondo fez-se ouvir

quando deslizou pelo corpo do saltador e bateu no chão.

Tako contou até dez. Tudo continuou em silêncio no

interior do depósito. Não havia outro guarda além do

saltador inconsciente.

O teleportador lembrou-se da ordem de Marshall:

— A bomba tem que ser detonada dentro de três

minutos.

O incidente já lhe custara um minuto! E aqui havia um

estoque imenso de bombas de todos os calibres, mas

nenhum detonador.

Teleportou-se para a viela que começava ao lado do

mercador inconsciente. As duas armas de impulsos

vinham bem a propósito. Mudaram de dono. Tako Kakuta

enfiou a bomba sob o braço e saiu correndo pela

passagem entre as pilhas. Com quatro passos atingiu o

primeiro cruzamento. Olhou apressadamente para os

lados, estendeu a mão e pegou um detonador.

Noventa segundos já se haviam passado quando o

detonador estava preso à pequena bomba atômica.

No mesmo instante Tako Kakuta teleportou-se de

volta para o salão em que estava sendo realizada a grande

conferência dos patriarcas.

* * *

— Dentro de três minutos deverá ser detonada! —

dissera John Marshall ao teleportador. Com isso dera aos

amigos um prazo extremamente curto para escaparem ao

perigo.

Se usassem o largo corredor central gastariam mais de

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135

um minuto para atingir a saída, isso se nenhum patriarca

procurasse detê-los. E ainda tinham de contar com a

possibilidade de, lá fora, se defrontarem com os robôs.

— Vamos usar a saída que fica atrás da mesa diretora!

— cochichou Marshall.

Mais uma vez Kitai Ishibashi concentrou todas as

energias. Mais uma vez derramou suas forças sugestivas

sobre a multidão dos patriarcas que se comprimia em

torno da mesa. A sugestão profunda dirigida aos

saltadores, no sentido de que estes não vissem nada de

anormal em sua saída, foi breve e potente.

O dia do planeta de Goszul era mais longo que o dia

terreno. Apesar disso Marshall baseava-se nos minutos de

nosso planeta.

Levaram quarenta segundos para atingir a estreita

passagem lateral.

Atrás deles o pânico continuava a espalhar-se. Em

centenas de cérebros fixara-se a ideia de que seria uma

loucura envolver-se numa luta com Perry Rhodan.

Tama Yokida viu um veículo parado na outra

extremidade do gigantesco edifício. Lançou mão de suas

energias telecinéticas.

O veículo aproximou-se vertiginosamente, desviando-

se dos obstáculos que se interpunham em seu caminho,

como se alguma pessoa extremamente hábil o dirigisse.

Enquanto percorria os últimos cem metros, viram que

estava ocupado.

Mais uma vez Kitai Ishibashi interveio. O método

progressivo durou apenas alguns segundos. Foi o tempo

suficiente para que o mercador que se encontrava no

interior do veículo se esquecesse de que, apavorado,

fizera tudo para parar o carro. Sem demonstrar o menor

espanto, desceu, cumprimentou os três estranhos e disse:

— Entrem, por favor.

John Marshall acabara de contar o segundo minuto.

Restavam-lhes sessenta segundos para afastarem-se a uma

distância suficiente até o momento em que Tako Kakuta

fizesse detonar a bomba no interior do salão.

Saltaram para dentro do carro. O veículo acelerou a

toda e saiu em disparada. Reunindo as forças de seu

cérebro, Marshall voltou a escutar o que se passava nos

cérebros dos patriarcas que se comprimiam em torno da

mesa diretora.

Um misto de medo e cólera atingiu-o como uma

interferência perturbadora. Levou alguns segundos para

encontrar uma explicação para a confusão. Depois

compreendeu o que se passava lá dentro.

Etztak enviara alguns homens do seu clã para trazer

outros homens da tripulação da Lev que serviriam de

vítimas para a lavagem cerebral, e os párias resolveram

defender-se.

Nesse instante Kitai Ishibashi berrou pela terceira vez:

— Quanto tempo nos resta?

Num processo doloroso Marshall retornou à realidade

que o cercava. O veículo passava por um grupo de robôs.

Os seres mecânicos não lhe deram atenção; controlavam

apenas a saída principal.

Tama Yokida pilotava o veículo voador. No momento

em que entrava na larga avenida que ia para o

espaçoporto, forças gigantescas atiraram o veículo para o

alto.

O grito de Kitai Ishibashi foi engolido por um rugido

primitivo.

* * *

Com a bomba ativada sob o braço, Tako Kakuta

materializou-se no subterrâneo do gigantesco salão.

Cautelosamente colocou a bomba no chão, fez mais

um salto e, que nem um macaco, ficou preso ao teto do

salão, no ponto exato em que as quatro travessas que

sustentavam o teto se encontravam. Lançou um olhar para

a profusão de crânios de patriarcas. Para ele isso

representava um exame de posições.

Numa teleportação vertical desceu novamente ao

subterrâneo. A escuridão não constituía nenhum

obstáculo. Bem ao longe, na outra extremidade do teto

abobadado, uma lâmpada espalhava sua luz débil. Com a

bomba sob o braço, voltou a realizar um salto.

A luz foi apenas suficiente para ler a escala do

detonador.

O prazo de três minutos havia chegado ao fim. Tako

tinha certeza absoluta. Seu sentido do tempo nunca o

enganava.

A detonação se daria dentro de dez segundos.

Por um instante lembrou-se de John Marshall, Tama

Yokida e Kitai Ishibashi. Naquele instante julgava os

amigos capazes de realizar o impossível. O contador de

tempo do detonador começou a funcionar.

Tako Kakuta concentrou-se no espaçoporto e saltou

em direção ao mesmo.

* * *

Sem que ninguém o percebesse, Thora, a arcônida,

entrou na sala de comando da Stardust-III. A mulher alta

e bela, uma das poucas criaturas do império estelar de

Árcon que não se deixara dominar pela letargia sob a qual

o poderio dos arcônidas se esfacelava, lançou um olhar

indagador para Crest.

— Estão perdidos, desaparecidos, não é? — a

pergunta não representava uma simples constatação, mas

uma afirmativa terminante, que não admitia a menor

contradita.

Bell virou-se abruptamente na sua poltrona.

— Pois está enganada! — disse em tom agressivo.

Havia ocasiões em que não suportava o pessimismo

virulento dos arcônidas. E hoje era uma dessas ocasiões.

— Pois prove que estou errada, Reginald Bell! —

respondeu a arcônida em tom mordaz, sem dar atenção a

Crest, que colocou a mão sobre seu braço, pedindo-lhe

que procurasse dominar-se.

Thora não queria dominar-se. Depois de tanta demora

desejava ir para Árcon, para casa. Queria obrigar Perry

Rhodan a cumprir sua promessa.

De tão nervosa que estava não notou o brilho suspeito

nos olhos de Bell. Mas Perry viu-o e já estava

adivinhando a resposta que o esquentado Bell soltaria.

— Com o maior prazer, Thora — principiou Bell num

tom pacato que dava para desconfiar. — A prova está

naquilo que a senhora vive afirmando. Para a senhora

somos bárbaros semisselvagens. Acontece que uma

criatura semisselvagem é, sob todos os pontos de vista,

mais estável e resistente que um povo altamente evoluído,

que atingiu um estágio em que se transformou num grupo

de deuses indolentes. Espere aí, Thora, a senhora ainda

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não ouviu as provas que tenho a oferecer...

Ainda estava rindo depois que a escotilha que dava

para o corredor principal da nave se fechara atrás da

arcônida, que se retirara apressadamente.

Crest aproximou-se de Bell; parecia pensativo.

— Se um dia Thora voltar a praticar um ato que para o

senhor é uma tolice perigosa, a culpa será sua.

Bell fez um gesto de desprezo e ia reclinar-se

confortavelmente no assento, quando o alarme de

localização começou a uivar.

As naves dos saltadores estavam decolando do planeta

de Goszul. Não era duas ou três, nem dez. A localização

registrou mais de cem naves. As pessoas que se

encontravam na sala de comando lembraram-se da

pequena explosão atômica ocorrida no planeta. Menos de

meia hora se passara desde então.

— Abalos estruturais! — gritou exaltado o oficial que

controlava os rastreadores. — Meu Deus, tão perto!

O “perto” dizia respeito ao planeta de Goszul.

Agindo desarrazoadamente, as naves dos saltadores

lançaram-se à transição, sem a menor consideração pelo

planeta habitado.

— Uma série ininterrupta de transições! — continuou

a falar o oficial em tom exaltado.

Subitamente a voz de Perry Rhodan fez-se ouvir. Era

uma voz que impunha silêncio a todos.

— Realizaremos a transição dentro de oito segundos.

Daremos um salto de volta numa distância de oito dias-

luz.

A programação da Stardust-III e dos três cruzadores

pesados de Rhodan era atualizada constantemente pelo

grande cérebro positrônico do supercouraçado, para que a

qualquer momento pudesse realizar uma transição no

mais curto espaço de tempo.

— ...quarenta e três ...quarenta e quatro ...agora são

três de uma vez ...quarenta e oito... — contava o oficial

que controlava o rastreador estrutural.

Para a frota de Rhodan ainda faltavam cinco segundos.

Depois a mesma também realizou seu salto a pequena

distância. As quatro naves saltaram ao mesmo tempo,

para que houvesse um único abalo. Com as tensões

tremendas a que os saltadores estavam submetendo a

estrutura espacial, seria praticamente impossível que a

transição da frota terrena fosse registrada no planeta de

Goszul.

Rhodan e Reginald Bell olharam-se.

A contagem automática chegara ao zero. Nas quatro

naves o espaço cósmico com o esplendor dos sóis

fulgurantes desfez-se, abrindo-se para envolver o

couraçado e os três cruzadores pesados no processo de

transição.

* * *

Tako Kakuta voltou a materializar-se na sala de

comando da Lev-XIV.

Três mercadores levantaram-se apavorados quando

subitamente viram diante de si um homem vindo do nada.

Mas o pavor ainda não se desenvolvera em toda plenitude

quando, num gesto automático, moveram as mãos para

pegar as armas.

Sem perder o sangue-frio, Tako apertou o gatilho das

duas armas de impulsos de que acabara de apoderar-se.

Disparou três vezes. O sistema de exaustão uivou,

expelindo três nuvens de gases.

O teleportador virou-se abruptamente. Só agora teve

tempo de examinar a sala de comando da nave dos párias.

A escotilha estava fechada. Se havia outros mercadores

que vigiavam a nave, os mesmos não perceberam a luta

que acabara de travar-se.

Os olhos de Tako passaram apressadamente pelos

diversos objetos. De repente os mesmos arregalaram-se, e

Tako praguejou. Um dos instrumentos mais importantes

da Lev-XIV fora destruído: o cristal de pilotagem.

Apavorado, dirigiu o olhar para a tela de visão global.

Procurou desesperadamente outro veículo espacial

cilíndrico do mesmo tipo da Lev-XIV.

Viu um bem ao longe, quase na extremidade oposta do

gigantesco porto espacial. No mesmo instante teleportou-

se para a sala de comando da nave.

Materializou-se do nada atrás dum saltador que

cochilava. A coronha de sua arma não pertencia ao nada:

era a mais dura realidade. A pancada fez o mercador cair

ao chão, inconsciente.

— Bendita seja a técnica arcônida! — cochichou

Tako, enquanto com um simples movimento de mão

arrancou o instrumento com o cristal de pilotagem. A

técnica arcônida não conhecia as perigosas ligações por

fios, às soldas que se derretiam com facilidade ou chaves

estampadas inquebráveis.

Eles, os arcônidas, seguiram pelo caminho mais fácil.

Tako Kakuta os estava elogiando acima de todas as

medidas quando a nave foi atingida por uma imensa vaga

de compressão, e meia dezena de suportes se dobraram

com um estalo.

Já estava de volta na Lev-XIV, preparado para

enfrentar a onda de compressão.

Arrancou o instrumento destruído do painel, atirou-o

num canto, colocou a peça sobressalente que acabara de

“arranjar” e não se preocupou quando a onda de

compressão também sacudiu a Lev-XIV.

— Bendita seja a técnica arcônida! — voltou a dizer, e

só então aguçou o ouvido para saber o que se passava lá

fora.

A onda de compressão desencadeada por sua bomba

atômica acabara de passar. Não causara o menor dano à

Lev-XIV. No longo caminho que tivera de percorrer até

atingir a extremidade oposta do espaçoporto perdera

muito de sua força destrutiva.

Tako pôs-se a caminho para limpar a Lev-XIV dos

mercadores que ainda pudessem importuná-lo com sua

presença. Não encontrou ninguém e pôs-se a esperar na

grande comporta. Não eram eles que estavam chegando?

Tako estreitou ainda mais os olhos oblíquos e sorriu.

Aquilo só podia ser Tama Yokida.

O telecineta transformara o lento deslizador num

veículo que se deslocava em voo rasante. Com as energias

de sua mente fazia-o correr em direção à Lev-XIV. De

uma altura de trezentos metros desceu sobre a nave dos

párias.

Até o coração de Tako Kakuta começou a palpitar

quando, ao chegar junto ao solo, perto da rampa, o

veículo ainda desenvolvia uma velocidade tremenda.

Mas não se ouviu o baque da batida nem o estalo dos

materiais que se partiam. O veículo pousou suavemente.

No mesmo instante os amigos de Tako corriam

desesperadamente rampa acima.

— Vamos decolar! — gritou Marshall. — Estão atrás

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de nós. Maldito Etztak!

* * *

Etztak viu os muros de concreto arrebentarem. Parte

do teto desabou, soterrando os membros do clã. Mas não

viu nem ouviu nada do inferno que desabava sobre ele.

“As radiações!”, martelava seu cérebro. “A dose é

mortal!”

Atirou-se contra a porta empenada e correu para a sala

contígua. Sabia que ali havia trajes espaciais.

E um traje desses foi sua salvação. Envergou-o e,

passando pelo buraco aberto no teto, atingiu o ar livre;

lutando contra o furacão desencadeado pela bomba,

chegou ao salão de reuniões. Sentiu um frio na espinha.

Até onde alcançava a vista só havia devastação, mas

também havia vida.

Passando pela gigantesca abertura — do teto do salão

só restava um terço — flutuou para baixo. Um olhar para

o medidor de radiações mostrou-lhe que a dose já não era

perigosa. Abriu o capacete e gritou para o primeiro

patriarca que, cambaleando por cima dos cadáveres,

procurou atingir a saída. Agarrou o décimo, o vigésimo, e

finalmente encontrou alguém que lhe disse que três

homens da tripulação de Levtan haviam abandonado o

salão, utilizando a saída atrás da mesa diretora.

Resmungando uma praga, Etztak fez com que o traje

espacial o levasse através do salão. Só viu cadáveres. Até

parecia milagre: a maior parte dos comprovantes de

Levtan estava intacta aos pés de Etztak.

Enfiou-os apressadamente no bolso. Não havia mais

nada a fazer por ali. Passou pela gigantesca abertura no

teto e dirigiu-se velozmente para o espaçoporto.

— Três deles fugiram — disse numa fúria impotente.

— Três elementos desse clã maldito. A vingança deles foi

terrível, mas esqueceram-se de me incluir nos seus

cálculos. Eu os agarro! Minha nave é mais veloz que a

deles.

O ódio de Etztak ia crescendo, e ele nem suspeitava de

que Marshall captava seus pensamentos como se estes

tivessem sido emitidos por uma potente emissora.

* * *

Os propulsores da Lev-XIV uivaram terrivelmente

quando a nave se desprendeu do solo, precipitando-se em

direção ao céu luminoso. Estava sendo pilotada por John

Marshall.

Na sala de comando não foi trocada uma única

palavra.

Marshall ainda se encontrava no planeta de Goszul,

embora seu corpo corresse pelo espaço no interior da Lev-

XIV. Experimentou o pânico dos patriarcas que

sobreviveram à bomba de Tako Kakuta.

O medo dominava todos, mesmo os que não tinham

sido submetidos ao tratamento. Era o medo do poderio de

Perry Rhodan. Ninguém pensou na terrível explosão.

Ninguém via nela uma obra de Rhodan. O medo que

sentiam por ele sobrepujava tudo.

Tama Yokida fitou o velocímetro como se fosse um

inimigo. A aceleração da Lev-XIV era terrivelmente

lenta.

O planeta de Goszul foi mergulhando no espaço,

transformando-se numa esfera. A tela de visão global

mostrou uma cidade grande e ampla que surgiu na

extremidade sul do continente, até que uma camada de

nuvens a cobriu.

— Localização! — disse Tako Kakuta.

— Estão chegando! Se não me engano é um grupo de

destróieres, mas também há mais grande nave mercante...

— É Etztak! — comentou Marshall laconicamente.

— Qual é a velocidade? — perguntou Ishibashi.

— Estamos indo muito devagar para viver e muito

depressa para viver. Marshall, vamos para a face noturna.

É nossa única chance. Dentro de cinco minutos seremos

derrubados — a voz de Tama Yokida continuava

tranquila.

— Fechar os capacetes! — ordenou Marshall.

Quatro destróieres e uma nave mercante dos saltadores

aproximavam-se vertiginosamente. A Lev-XIV descreveu

uma curva e correu desesperadamente para a face noturna

do planeta de Goszul.

A altitude era apenas de 30.000 quilômetros!

Os propulsores não davam mais que isso. O aparelho

de hipercomunicação começou a funcionar.

Uma mensagem rápida e codificada dirigida a

Rhodan.

A mensagem era formada de apenas três frases:

— Levtan está morto. A conferência foi desmanchada

por uma bomba atômica. Ishibashi conseguiu...

Foram estas as únicas palavras captadas pela Stardust-

III, que juntamente com os três cruzadores pesados se

mantinham numa posição situada há oito dias-luz do

sistema de Tatlira, onde estava fora do alcance da

localização.

Um forte raio desintegrador esfacelara os campos

energéticos da Lev-XIV, atingindo a nave de raspão.

A popa desmanchou-se numa nuvem de gases

incandescentes. E a ponta caiu sobre a face noturna do

planeta de Goszul.

* * *

“Desceram” da nave a três mil quilômetros de altura.

Face aos trajes espaciais arcônidas, essa “descida” não

era nenhum ato tresloucado de desespero.

Cada homem era uma pequena nave espacial, com seu

campo energético, seu propulsor e sua capacidade de

aceleração.

A três mil quilômetros acima da superfície do planeta

de Goszul não passavam de quatro partículas de pó,

tangidos pelas fronteiras do infinito.

Abaixo deles a ponta da Lev-XIV queimou-se nas

camadas densas da atmosfera.

Depois que a nave fora atingida de raspão não saíram

para o espaço em pânico. Ainda tiveram tempo de levar

parte do equipamento habilmente escondido na nave por

ocasião da reforma a que a mesma foi submetida em

Terrânia.

Os quatro mutantes de Perry Rhodan formavam uma

corrente. Era uma corrente que se deixava cair. Só quando

atingiram as camadas densas da atmosfera tiveram de

lutar contra as tormentas — fluxos desencadeados pelos

jatos e tempestades de mais de trezentos quilômetros por

hora.

John Marshall foi desviado. Parecia que a noite o

havia engolido. Mas Kitai Ishibashi conseguiu localizá-lo,

e Tama Yokida usou suas faculdades telecinéticas para

trazê-lo para junto de si.

Os campos antigravitacionais dos trajes dos mutantes

desenvolviam uma atividade bastante reduzida, pois a

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maior parte da energia produzida pelos mini-geradores era

destinada aos envoltórios energéticos. Atravessavam as

primeiras camadas de nuvens, e estas estavam carregadas

de granizo. Ao atingirem os campos energéticos, os

pedaços de gelo se assemelhavam a balas. A vibração e as

sacudidelas pareciam ameaçadoras e desagradáveis, mas

eram muito mais agradáveis que a lembrança da

impressão causada pelo chiado da popa da Lev-XIV,

quando esta se transformou numa nuvem de gases.

— Atenção! Estamos a cem metros de altura — disse

Marshall.

Os campos antigravitacionais dos trajes espaciais

foram reforçados, e a queda dos mutantes transformou-se

num suave flutuar.

O planeta de Goszul voltara a recolhê-los — como

náufragos.

* * *

Quando o dia começou a raiar, ligaram os defletores

de seus trajes espaciais. No mesmo instante

desapareceram, fizeram-se invisíveis. Conformaram-se

com o fato de não se verem uns aos outros. Através dos

pontos de referência geográficos conseguiam manter

contato entre si.

A cerca de cem quilômetros por hora voaram por cima

do continente em cuja extremidade haviam visto no dia

anterior, de bordo da Lev-XIV, uma cidade bastante

extensa. Essa cidade era seu destino. À medida que

passavam a pouca altura sobre o solo, mantendo a direção

geral sul, convenciam-se de que o poder dos saltadores

não chegava até lá.

Pelo meio-dia, John Marshall espantou-os com uma

exclamação:

— Olhem a cidade! Vamos subir mais um pouco, para

que possamos vê-la melhor.

A trezentos metros de altura conseguiram ver a área à

qual se destinavam e tiveram todos os motivos para

espantar-se.

— Navios a vela? — cochichou Kitai Ishibashi no seu

capacete, e o rádio embutido transmitiu suas palavras aos

amigos.

— Navios a vela do século XVIII. Santo Deus, em que

era estamos penetrando? E dizem que este povo descende

dos arcônidas. Não acredito.

Marshall interrompeu-o:

— Silêncio! Estamos recebendo uma mensagem.

Seu aparelho portátil de hipercomunicação estava

ligado para a recepção.

A trezentos metros acima da superfície do planeta de

Goszul, à vista duma cidade quase medieval, Marshall

recebeu a mensagem de Perry Rhodan. Era uma

mensagem lacônica, codificada e concebida em termos

muito gerais.

— Aguardem a chegada de auxílio! Aguardem a

chegada de auxílio!

Estas palavras foram repetidas vinte vezes. Só então o

receptor de hipercomunicação silenciou. Até o anoitecer

não houve nenhum contato.

— Aguardem a chegada de auxílio!

Para os homens do grupo de Perry Rhodan estas

palavras eram suficientes. Conheciam o chefe. Sabiam

que não os abandonaria.

No momento em que ia ser submetido à lavagem cerebral, Levtan já devia ter chegado à

conclusão de que o resultado final da traição e do jogo dúbio nunca é favorável. É bem

verdade que para Perry Rhodan o aparecimento de Levtan representou uma dádiva do

destino, pois sem isso não teria conseguido introduzir quatro dos seus mutantes na grande

conferência dos patriarcas dos saltadores, realizada no planeta de Goszul.

E esses quatro mutantes — quatro homens terrenos num mundo estranho — continuam a

desempenhar um papel de destaque na nova aventura de Perry Rhodan, relatada no próximo

volume da série: O Planeta dos Deuses.

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139

Nº 35

De

Kurt Mahr

Tradução

Richard Paul Neto Digitalização

Arlindo San Revisão e novo formato

W.Q. Moraes

Foi no ano de 1971 que Perry Rhodan, então um oficial da Força Espacial dos

Estados Unidos, chegou à Lua com o foguete Stardust e, recorrendo à tecnologia

encontrada na nave arcônida que ali realizara um pouso de emergência, fundou a

Terceira Potência.

Conflitos na Terra, invasões vindas do espaço, batalhas espaciais, combates em

planetas distantes, a tudo isso a Terceira Potência resistiu galhardamente nos poucos

anos de sua existência.

Agora os saltadores, representam um grave perigo para toda a Humanidade.

Descendentes dos arcônidas há oito milênios eles detêm o monopólio comercial

irrestrito da galáxia, porque reprimem implacavelmente qualquer concorrência que se

esboce.

Perry Rhodan tem feito tudo que está ao seu alcance para impedir que os saltadores

transformem a Terra num mundo escravo. Levtan, o traidor, representou uma peça

importante no jogo de Rhodan, pois só graças a ele tornou-se possível introduzir um

grupo de agentes na Grande Conferência do Conselho dos Saltadores.

Esses homens, combatentes consagrados do Exército de Mutantes de Rhodan, vão

parar no Planeta dos Deuses, depois de terem praticado um atentado contra a

Conferência dos Saltadores...

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140

1

— Astronavegação ao comandante. Distância do alvo

205.1012 metros. Velocidade zero. Nenhum objeto no

raio de alcance dos instrumentos de observação. Fim.

Sentado de costas para a mesa, Rhodan pôs a mão para

trás e baixou a chave do pequeno receptor de

intercomunicação.

Com um sorriso ligeiro e indiferente, olhou para as

pessoas que estavam de pé diante dele: Thora, a arcônida,

e Reginald Bell, copiloto da Stardust.

— Quer dizer que chegamos — disse

em tom indiferente. — Estamos a oito dias-

luz de 221-Tatlira, fora do alcance dos

instrumentos de localização dos saltadores.

A palavra-chave de Thora acabara de

ser pronunciada. Zangada, adiantou-se um

passo e dirigiu o brilho chamejante de seus

estranhos olhos vermelhos sobre Rhodan.

— Estamos fora do alcance de seus

instrumentos, sim — disse em tom de

escárnio. — Acontece que para chegar até

aqui tivemos de realizar duas transições.

Será que os saltadores são tão idiotas que

não notaram nada?

— Bell...

Rhodan virou ligeiramente a cabeça.

Bell sabia o que o amigo esperava dele.

De maneira ostensiva ficou em posição de

sentido e disse:

— Os localizadores da nave registram

cinquenta e cinco transições por hora, em

média, naturalmente, num raio de 1015

metros. Provavelmente trata-se de naves

dos saltadores que chegam ou partem da

base dos saltadores situada em Tatlira II.

Rhodan voltou a cabeça.

— Então, Thora?

Thora não gostou de receber um tratamento

professoral como este. Sua raiva cresceu.

— Sei o que está pensando — chiou. — Acredita que

em meio a todas essas transições a sua nem foi notada. O

que acontecerá, porém, se estiver enganado?

Rhodan deu de ombros.

— Nesse caso realizo uma transição rápida para trás e

reapareço num lugar em que os saltadores nunca

suspeitariam que eu estivesse.

Thora estendeu os braços.

— Por que não quer ouvir minha sugestão, Rhodan?

— perguntou. Falava com a voz suplicante; o chiado de

raiva havia desaparecido por completo. — Por que não

vai a Árcon e pede socorro ao Grande Império?

Rhodan inclinou-se para frente em sua poltrona.

Inclinou-se tanto que suas mãos quase chegavam a tocar

as de Thora, já que sua poltrona se encontrava numa

posição mais elevada.

— Permita que lhe explique a situação mais uma vez,

Thora. Através de um comandante rebelde dos saltadores

ficamos sabendo da conferência dos patriarcas dos

saltadores a ser realizada no segundo planeta do sol

Tatlira, a mil e doze anos-luz da Terra. A presença do

comandante dos saltadores permite-nos colocar nossos

mutantes em Tatlira II, a fim de que, por meio de seus

dons parapsicológicos, possam convencer os saltadores de

que um ataque à Terra poderia representar a destruição

final de sua raça.

“O êxito do plano é apenas parcial. Um dos patriarcas

teve a ideia de realizar uma lavagem cerebral no

comandante rebelde, cuja nave transportou nossos

homens para Tatlira II. Sabemos que Marshall conseguiu

impedir a lavagem cerebral, matando o saltador rebelde, e

que a maioria dos patriarcas dos saltadores pereceu em

virtude da explosão de uma

bomba”.

“Não sabemos até que ponto

Kitai Ishibashi, o sugestor,

conseguiu inocular na mente dos

patriarcas a lenda de uma Terra

armada até os dentes. Não temos

tempo para voar a Árcon, gastar

semanas em negociações com o

Conselho e enfrentar a

possibilidade de afinal não

conseguirmos nada. Temos que

ficar aqui para estabelecer

contato ao menos com um dos

mutantes”.

“Sei perfeitamente que a

senhora fez a sugestão a fim de

ajudar a Terra, não para encontrar

um meio de voltar à pátria. Mas

não poderá deixar de reconhecer

que simplesmente não temos

tempo para aceitar a sugestão”.

Recolheu as mãos e levantou-

se. Deu alguns passos ao acaso,

parou de repente, virou-se e

sorriu para Thora.

— Além disso — disse em

tom suave — quatro dos meus

homens se encontram em Tatlira II. Não deixarei que

nenhum deles caia nas mãos do inimigo, a não ser que

isso se torne absolutamente necessário. Nossa situação

não é tão grave que tenhamos de abandonar nossa gente.

* * *

Tako Kakuta era um homem que possuía o dom

parapsicológico da teleportação, que lhe permitia

transportar-se, graças exclusivamente às forças de seu

espírito, a qualquer ponto que escolhesse, desde que este

Personagens Principais deste episódio:

John Marshall, Tako Kakuta, Kitai

Ishibashi e Tama Yokida —

membros do Exército de Mutantes, que

pousaram como náufragos no planeta

de Goszul.

Gucky — que mais uma vez faz o

papel de viajante clandestino, tal qual

no início de sua carreira.

Vethussar — um goszul que apóia os

inimigos dos “deuses”.

Honbled — que sabe desempenhar o

papel de sacerdote.

Etztak — um patriarca dos saltadores

dado aos acessos de raiva.

Fafer — comandante do veleiro

Storrata.

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141

não ficasse a mais de cinquenta mil quilômetros e suas

coordenadas geométricas fundamentais lhe fossem

conhecidas. Naquele instante dedicava alguns palavrões à

situação que o obrigava a usar esse dom.

Deslocava-se pouco acima do chão acidentado coberto

de capim em direção à cidade em cujas proximidades

haviam pousado. Estava invisível graças ao campo

defletor produzido por um pequeno gerador embutido no

traje espacial.

O grupo, formado pelo próprio Tako Kakuta, por John

Marshall, o telepata, por Kitai Ishibashi, o sugestor, e por

Tama Yokida, o telecineta, começara a contar aos

participantes da Grande Conferência dos Patriarcas dos

Saltadores algumas lendas sobre os armamentos de que

dispunha a Terra, mas o velho Etztak lhes atrapalhara o

serviço. Mataram Levtan, o saltador rebelde que

procurava recuperar sua reputação entre os saltadores;

mataram, ainda, a maior parte dos patriarcas, mas depois

disso tiveram de fugir.

Depois de passarem por cima da superfície infindável

de um grande mar vieram pousar naquela ilha, onde o

tempo parecia ter parado. A cidade que se encontrava

diante deles, a menos de dez quilômetros de distância, era

composta de casas estreitas e altas, de paredes

entremeadas de madeira. Estavam tão próximas umas às

outras que não devia haver ruas, ou então as mesmas eram

muito estreitas.

A cidade ficava junto ao mar e dispunha de um porto

natural. E o que havia nesse porto?

Navios a vela!

Navios a vela de todos os tipos e tamanhos, mas

nenhum deles era mais moderno que os produzidos pela

tecnologia terrestre do início do século XVIII.

E isso acontecia num mundo que os saltadores

consideravam sua propriedade particular, e no qual se

haviam reunido numa conferência muito importante.

Acontecia no planeta de Goszul.

Tako Kakuta regulou a velocidade com a qual se

aproximava da cidade. Preferia não pousar no porto

enquanto não estivesse familiarizado com a disposição

geral da cidade.

Encontrava-se a cerca de cinco quilômetros dos

limites ocidentais da cidade. O pequeno neutralizador

gravitacional mantinha-o numa altitude constante de cinco

metros acima do solo.

O terreno descia suavemente em direção à cidade. Era

um terreno não cultivado, coberto de capim, com

elevações que chegavam a um metro de altura. Tako

concentrou sua atenção exclusivamente sobre a cidade.

Por isso não percebeu a sombra cinzenta que corria pelo

ar.

O objeto que produzia a sombra encontrava-se a cerca

de quinhentos metros de altura, desenvolvendo uma

velocidade extraordinária. Seu formato era circular e,

quem o observasse por ocasião da curva que descreveu

cerca de dez quilômetros a oeste da cidade, notaria sua

semelhança com uma lentilha.

Voltou em direção à cidade, perdeu altitude, reduziu a

velocidade e produziu um leve chiado.

Esse chiado foi o primeiro sinal de perigo que chegou

ao conhecimento de Tako. Virou-se e descobriu o veículo

em forma de lentilha, poucas centenas de metros atrás

dele.

Sabia que era uma nave auxiliar do tipo daquelas que

as grandes naves dos saltadores trazem a bordo às dezenas

ou mesmo às centenas. Seu primeiro impulso foi no

sentido de descer ao solo e procurar um abrigo.

Mas que abrigo, pensou, poderia ser melhor que a

invisibilidade proporcionada pelo campo defletor?

Freou e imobilizou-se no ar. A nave auxiliar foi se

aproximando. Não se deslocava em linha reta, mas numa

espécie de ziguezague, como se estivesse procurando

alguma coisa.

O susto gelou o corpo de Tako.

Se procuravam alguma coisa em cima dessa área

desolada, essa coisa não poderia ser outra senão ele

mesmo.

No mesmo instante em que Tako reconheceu o perigo,

este começou a concretizar-se. O piloto da nave auxiliar e

seus companheiros pareciam saber muito bem onde estava

seu alvo. Num ponto que correspondia aproximadamente

a linha equatorial surgiu um feixe concentrado de raios

energéticos verde-pálidos.

O raio passou a menos de cinco metros de Tako,

alcançou o solo mais adiante e atirou para o alto o capim

que se encontrava na área de combustão, reduzindo-o a

uma nuvem de gases turbilhonantes.

Tako reagiu imediatamente e pela única forma

possível. Rememorou o lugar em que Marshall, Ishibashi

e Yokida o esperavam, procurando fixá-lo com a maior

precisão de que era capaz. Depois retornou a esse lugar

num salto de teleportação que não fora preparado com

muito cuidado.

Uma fração de segundo depois disso um segundo tiro

de radiações passou pelo lugar em que Tako estivera.

Uma vez que não tivera tempo para concentrar-se,

Tako pousou a uns duzentos metros do lugar em que o

grupo havia montado um acampamento provisório. O

terreno era acidentado. Parecia uma grande cadeia de

montanhas que alguém tivesse coberto de terra, deixando

de fora apenas os cumes mais altos. Em meio ao solo

coberto de capim erguiam-se rochas íngremes que

chegavam a atingir cem metros de altura. A poeira, a areia

tangida pelo vento e as sementes de capim tiveram muito

trabalho em fixar-se nas encostas íngremes. Mas no curso

dos milênios o conseguiram. Nas encostas tocadas pelo

vento durante a maior parte dos dias do ano de Goszul os

flancos eram mais suaves e cobertos de espessa

vegetação. No lado oposto a encosta era quase vertical,

caindo perigosamente do cume ao pé do monte.

Logo após o pouso o grupo descobrira uma ampla

caverna na face ocidental de um dos morros mais altos.

Abrigaram-se no interior dela. Foi dali que Tako partiu

meia hora antes para dar uma olhada na cidade.

Assim que se materializou, lançou um olhar para o

alto. Não viu o veículo em forma de lentilha.

“A esta hora devem estar quebrando a cabeça sobre

como alguém pode desaparecer tão depressa”, pensou

Tako contrariado.

Ainda não se dera conta de que não sabia explicar

como os saltadores haviam conseguido localizar uma

pessoa como ele, invisível.

Tako procurou concentrar-se no nome de Marshall.

Tinha certeza de que dessa forma Marshall, o telepata, o

compreenderia à distância de duzentos metros que ainda

os separava. Depois disso esforçou-se para pensar no

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142

incidente que acabara de ocorrer. No momento o maior

perigo era o de que alguém saísse da caverna, fornecendo

um alvo a algum veículo espacial dos saltadores que

estivesse cruzando em regiões mais elevadas.

Marshall não deixaria de prevenir os outros.

Tako voou até a caverna. Antes de entrar lançou os

olhos em redor. Não viu a nave auxiliar dos saltadores.

Mas por enquanto Tako não via nisso um motivo para

concluir que haviam perdido sua pista.

Entrou na caverna, desativou o campo defletor e

informou os companheiros sobre o que acabara de

ocorrer. Viu o pavor desenhado no rosto dos três e

acrescentou:

— Talvez tudo isso não passe de uma coincidência.

Marshall sorriu.

— Muito obrigado pelo tranquilizante, Tako — disse.

Abanou a cabeça. — É claro que não foi nenhuma

coincidência. Já receava que os saltadores pudessem estar

em condições de realizar a localização goniométrica dos

nossos trajes. Estes contêm um gerador destinado à

produção do campo defletor, um gerador antigravitacional

e um gerador que ativa o campo protetor, que nos

resguarda contra as balas. O conjunto desses aparelhos

produz uma quantidade apreciável de radiações

disseminadas, e não deve ser difícil medi-las e determinar

o ponto em que se originam.

— Se minha suposição for correta, nossos trajes

espaciais não servem de mais nada. Pelo contrário: atraem

os saltadores. Precisamos...

— Acontece que não sabemos a que distância

conseguem localizá-los — objetou Yokida em tom

exaltado. — Se só conseguirem nos localizar a uma

distância de cem metros, com esses trajes, que afinal têm

os campos defensivos, estamos melhores que sem eles.

Marshall ergueu as sobrancelhas.

— Se...! — respondeu Marshall em tom enfático. —

Acontece que não sabemos. É possível que consigam nos

localizar a cem quilômetros de distância.

Abanou a cabeça e olhou fixamente para a frente.

— Não — murmurou. — Receio que tenhamos que

nos desfazer dos trajes. E...

Subitamente levantou a cabeça e olhou para o alto.

Yokida esteve a ponto de dizer alguma coisa, mas

Marshall o repeliu com um sinal enérgico.

— Fique quieto!

Dali a dois segundos levantou-se.

— Estão em cima de nós — disse com a maior

tranquilidade. — E estão bem perto. Quase chego a

identificar seus pensamentos um por um. Conhecem o

ponto em que nos encontramos com uma precisão de

vinte metros. Vamos logo! Tirem os trajes espaciais!

Tako tirou o traje e correu em direção à entrada da

caverna. Sem pôr a cabeça para fora, viu a nave auxiliar

que deslizava metros acima do solo.

No mesmo instante Tako concebeu seu plano.

Voltou ao interior da caverna.

— Entreguem-me seus trajes! — disse em tom

enérgico.

Os companheiros arregalaram os olhos.

— Vamos logo! Não façam perguntas. Levantaram os

trajes e colocaram-nos sobre os braços estendidos de

Tako. Este teve que carregar o peso considerável daqueles

conjuntos. Todos os aparelhos estavam desligados. No

momento não havia praticamente nenhum impulso que

pudesse ser captado pelos saltadores.

— Esperem por aqui! — ordenou Tako. — Eu os

levarei a uma pista falsa.

Marshall exclamou.

— Não faça isso! É muito perigoso. Você não vai...

Tako já tinha desaparecido.

Quando voltou a materializar apenas pôde avaliar a

distância que o separava da caverna. Não tinha a menor

ideia da direção. O salto fora muito rápido.

Perdera de vista a nave auxiliar dos saltadores.

Pousara a poucos metros de uma rocha, e apressou-se

em abrigar-se atrás da ponta esguia da mesma. Pôs no

chão os pesados trajes, vestiu o que pertencia a ele e ligou

todos os geradores.

Depois se pôs a esperar.

* * *

No interior da caverna Marshall ocupara o lugar de

observador. Deitado junto à entrada, observava

atentamente a nave dos saltadores.

— Não se movem — disse. — Se tivéssemos armas

mais potentes que estes pequenos radiadores de impulsos,

poderíamos derrubá-los.

— Se nos uníssemos todos... — sugeriu Ishibashi; mas

no mesmo instante Marshall exclamou:

— Estão indo embora!

Ishibashi e Yokida aproximaram-se da entrada. Viram

a nave auxiliar ganhar velocidade, desaparecendo no

rumo sudoeste, onde ficava o mar.

— Isso foi obra de Tako! — disse Marshall admirado.

* * *

Tako Kakuta viu a nave chegar.

Voava pouco acima do solo, descrevendo a mesma

rota em ziguezague que há pouco observara. Os

goniômetros utilizados pelos saltadores para localizar a

fonte das radiações não deviam ser de muita precisão.

Tako esperou até que a nave começou a contornar a

rocha.

Só então saltou.

Não percorreu mais de cem metros.

O piloto parecia irritado. Descreveu alguns círculos

em torno da rocha, mas não notou os três trajes espaciais

que Tako escondera cuidadosamente. Não deixou de

notar, porém, as radiações emitidas pelo traje de Tako.

A nave desistiu de descrever círculos e voltou a

aproximar-se. Mais uma vez Tako esperou até que se

aproximasse a uma distância que quase chegava a ser

crítica. Depois voltou a saltar. Desta vez executou um

salto de duzentos metros.

Tinha certeza de que o campo protetor do traje seria

capaz de absorver qualquer tiro disparado pela nave. Mas

também tinha certeza de que para isso consumiria uma

quantidade de energia maior que a produzida por seu

próprio gerador. E o excedente seria retirado do campo

defletor, fazendo com que Tako se tornasse visível. E isso

Tako pretendia evitar, inclusive para defender sua

integridade física. Um dispositivo de mira automática

possibilitaria a fixação indefinida de qualquer alvo, desde

que este tivesse sido claramente determinado. Se

necessário, a fixação poderia perdurar até que o inimigo

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conseguisse trazer armas pesadas, que acabariam

rompendo o campo protetor.

Desta vez a reação do piloto dos saltadores foi

diferente. Assim que seus goniômetros captaram o novo

sinal, desistiu da busca no local antigo e aproximou-se

imediatamente.

Tako executou um salto de quinhentos metros, que o

levou até a costa. A nave dos saltadores seguiu-o

docilmente.

Sob a proteção de um rochedo tirou o traje espacial,

mas deixou que os geradores continuassem a funcionar,

para que os impulsos captados pela nave dos saltadores

não diminuíssem em intensidade.

Depois executou um último salto, bem maior, que o

levou alguns quilômetros mar afora, com o traje sobre os

braços.

Rematerializou cinquenta centímetros acima da

superfície da água, deixou-se cair e soltou o traje no

mesmo instante em que seu corpo tocou a água. Enquanto

boiava, viu que o objeto branco afundava devagar.

Saltou de volta para o lugar em que escondera os

outros trajes. Completou o serviço, cobrindo os mesmos

com grandes blocos de pedra, até que tivesse certeza de

que ninguém os encontraria ainda mais que os impulsos

dos geradores, desligados há quinze minutos, iam

diminuindo progressivamente, e não poderiam fornecer

mais qualquer indicação aos saltadores.

Executou outro salto que o trouxe a uma distância de

quinhentos metros da caverna, e outro que o colocou em

meio aos companheiros.

— Tudo em ordem — disse com um sorriso. — Há

esta hora devem dar tratos à bola para descobrir o que

estamos fazendo no fundo do mar.

Relatou em frases lacônicas o que acabara de fazer.

Marshall deu-lhe uma palmadinha no ombro.

— Muito obrigado, Tako — disse em tom objetivo.

Tako deu de ombros.

— Não há por quê. O que vamos fazer? Marshall

apontou para a entrada da caverna.

— Seguiremos a pé — sugeriu. — Vamos à cidade.

Não queremos ficar para sempre neste mundo estranho.

Ninguém se opôs.

* * *

No dia 27 de dezembro do calendário terrestre, às

17:21 h, hora de Terrânia, um feixe de raios do

localizador da Stardust, que girava ininterruptamente,

atingiu, junto ao limite do seu alcance, um objeto

metálico; foi refletido pelo mesmo e desenhou um ponto

verde na tela.

Por ordem de Perry Rhodan, o dispositivo automático

de observação havia sido colocado em estado de

prontidão permanente. Uma fração de segundo depois do

surgimento do ponto verde desencadeou o alarma número

III.

Rhodan, que se encontrava na sala de comando, foi

avisado imediatamente. Manteve-se em contato com o

posto de observação e acompanhou a identificação do

objeto.

— Distância 7,1010

metros. Velocidade 1,9.108 m/seg.

Componente de deslocamento em nossa direção...

E alguns segundos depois:

— As dimensões do objeto não ultrapassam cem

metros...

Dali a mais alguns segundos:

— Trata-se de um objeto cilíndrico. Comprimento

oitenta metros, diâmetro cerca de dez metros.

E finalmente:

— Os movimentos do objeto estão sendo controlados.

Trata-se de um veículo espacial.

Rhodan acenou com a cabeça. A direção de que vinha

o objeto dizia tudo. Vinha diretamente de 221-Tatlira.

Era uma nave dos saltadores vinda das profundezas do

espaço.

Rhodan chamou os postos de defesa.

— Como está a proteção contra o rastreamento?

— Em perfeito estado. Se não fosse assim, já nos

teriam localizado. Em nossa nave os impulsos estão sendo

recebidos ininterruptamente.

A proteção contra o rastreamento que envolvia a

Stardust era um dispositivo novo e muito eficiente.

Impedia o reflexo de feixes de ondas até uma intensidade

bastante considerável. Só acima desse limite havia um

reflexo insignificante, que causava no inimigo a

impressão de ter diante de si um objeto que se encontrava

a vários milhões de quilômetros, quando na verdade já se

aproximara a algumas centenas de milhares de

quilômetros.

Quando a nave desconhecida havia se aproximado a

uma distância de 109 metros (um milhão de quilômetros),

Rhodan ordenou o alarma número II, e movimentou a

Stardust sob a proteção do campo anti-rastreação.

Durante a manobra, que em parte foi executada pelo

sistema de pilotagem automática, pediu que dois de seus

colaboradores, Ras Tschubai e Gucky, comparecessem à

sala de comando.

Tschubai veio pelo caminho mais curto. Era

teleportador, tal qual Tako Kakuta, e de uma hora para

outra se encontrava no interior da sala de comando.

Poucos segundos depois surgiu Gucky, o mutante

mais competente do Exército de Mutantes de Rhodan.

Gucky entrou pela escotilha, depois que lá fora se erguera

sobre as pernas traseiras, apertara o botão que anunciava

sua presença e esperara que Rhodan acionasse o

dispositivo que deixava aberta a entrada.

Para Gucky, um salto de teleportação que o

transportasse de um convés para outro da gigantesca nave

não representava qualquer problema. Em compensação

ainda não se familiarizara com a arte de deslocar-se como

um ser humano o bastante para sentir-se satisfeito.

Gucky parecia o resultado do cruzamento de um rato

com um castor. Coberto de pelo vermelho, tinha um

metro de comprimento, incluído o toco de rabo. Era

membro de uma raça originariamente dotada apenas de

inteligência mediana, formada de telecinetas naturais que

habitavam o planeta Vagabundo, ao qual Rhodan já fizera

uma visita. Gucky uniu-se ao grupo de Rhodan. Um

programa de treinamento, adaptado especialmente à sua

inteligência, então ainda bastante reduzida, despertou não

só o setor inexplorado de sua inteligência consciente, mas

também vários dons paranormais. Gucky transformou-se

num telepata e teleportador. Dominava várias línguas

terrestres e pertencia ao oficialato da Terceira Potência.

Muita gente acreditava que Gucky era um esquisitão, e

que a concessão da patente a um ser como ele fora um

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erro. Mas Gucky soube convencer todos sem muita

demora de que não era apenas um excelente mutante, mas

também um estrategista dotado de inteligência

extraordinária.

Rhodan cumprimentou-o com um sorriso. Depois que

a escotilha se fechou, disse:

— Tenho algumas instruções para os dois. Dizem

respeito à nave inimiga que se encontra ali.

* * *

O pequeno veículo espacial era uma nave de

reconhecimento. Só dispunha de armamento leve, mas em

compensação sua aceleração e maneabilidade eram

consideráveis.

O comandante do veículo era Frernad, membro do

poderoso clã dos Frers. Sua nave era a Frer LXXII. Para

Frernad esse número elevado tinha um aspecto horrível,

pois os veículos de cada clã são numerados na ordem

decrescente do tamanho, do que resultava claramente que

a Frer LXXII era uma das menores.

Foi graças ao velho Etztak que Frernad teve de

cumprir a missão de penetrar no espaço numa distância de

dez dias-luz, à procura de eventuais inimigos. Etztak se

defrontara, num mundo distante, com os inimigos de que

ora se tratava, e por isso sofria, na opinião de Frernad, de

um complexo de prudência.

Frernad detestava a missão que lhe fora confiada.

Todavia, executou-a com o maior cuidado. Os raios dos

goniômetros giravam ininterruptamente, mas até então

não havia registrado nada, além de alguns fragmentos de

rocha que se deslocavam lentamente pelo espaço.

Com os olhos cansados, Frernad examinou o pequeno

instrumento que, com base no consumo de energia,

registrava a distância do ponto de decolagem, e cujo

mostrador luminoso caminhava lentamente em direção à

marca dos dez dias-luz.

— Mais dois dias — disse alguém. — Depois estará

liquidado.

Frernad virou-se para o interlocutor e levantou as

mãos em sinal de concordância.

— Quando tivermos regressado à base, cantarei de

alegria — disse com um sorriso amargo.

A sala de comando da Frer LXXII era pequena; só

havia três homens no interior dela.

A tripulação da nave era composta de dezoito homens.

Frernad esteve a ponto de dizer alguma coisa, quando

o homem que controlava o goniômetro começou a falar

apressadamente:

— Um reflexo! — exclamou. — Ali...

Contrariado, Frernad interrompeu-o com um gesto e

aproximou-se do goniômetro. O homem que lhe falara

apontou a mão rígida para um ponto da tela em que uma

mancha, de início grande e intensa, empalidecia

rapidamente. Frernad ficou perplexo.

— O que é isso? Apareceu sem mais aquela... e agora

não está mais lá?

O homem que lhe falara levantou as mãos. Ia dizer

alguma coisa. Mas no mesmo instante uma voz estranha e

áspera falou junto ao painel de controle.

— Não fiquem quebrando a cabeça, meus chapas.

Quem teve culpa do reflexo fui eu.

Viraram-se abruptamente e fitaram o homem que, de

uma hora para outra, se encontrava junto ao painel de

instrumentos. Nunca haviam visto uma pessoa como ele.

Era grande — quase chegava a ser do tamanho deles —

mas sua pele era negra.

Quando percebeu o susto dos outros, riu e mostrou

uma fileira de dentes brancos. Usava um traje espacial de

feitio estranho e, enquanto falava, ficou com o capacete

aberto. Falava um impecável intercosmo, se bem que sua

voz fosse estranhamente monótona.

Frernad registrou tudo isso como que por acaso. A

pergunta que mais o martirizava, e para a qual não

encontrava resposta, foi a seguinte: Como esse sujeito

conseguiu entrar?

Frernad abriu a boca para formular a pergunta, mas o

homem de pele negra começou a mexer-se, e Frernad

sentiu-se fascinado pela segurança dos seus movimentos.

Viu que, num movimento rápido, o estranho enfiou a mão

no bolso de seu traje espacial e tirou um objeto esférico.

Viu-o girar um parafuso ou uma chave que sobressaía da

esfera. Depois levantou o rosto e examinou

cuidadosamente Frernad e seus companheiros.

— O que significa isso? — perguntou Frernad depois

de algum tempo. — Quem é você e o que...

Não conseguiu dizer mais nada. Com uma rapidez que

nunca antes conhecera, perdeu a consciência. Nem teve

tempo para perceber o que lhe fizera perder os sentidos.

Também não pôde ver se os companheiros tiveram o

mesmo destino. Caiu.

Com um sorriso satisfeito, Ras Tchubai olhou para os

três homens inconscientes. Depois disso fechou o

capacete do traje espacial. Os filtros que trazia no nariz

teriam sido suficientes para continuar a protegê-lo do gás

que saía da bomba esférica.

Tinha que contar com a possibilidade de ter que

enfrentar problemas se o gás não se espalhasse logo pela

nave. Nesse caso seria preferível estar pronto para entrar

em ação.

Com o pé Ras Tschubai empurrou a esfera, que

colocara no chão, para junto do túnel de exaustão. A

circulação ininterrupta de ar que entrava e saía espalharia

o gás incolor e inodoro, carregando-o para toda a nave.

Ras Tschubai cumprira sua tarefa. A tripulação da

pequena nave ficaria inconsciente por quatro horas. Era

um prazo suficiente para fazer o que Rhodan pretendia.

Com um vigoroso telessalto, Ras voltou para bordo da

Stardust.

* * *

— Agora é sua vez, Gucky — disse Rhodan em tom

sério. — Pode levar suas coisas para lá.

Gucky acenou com a cabeça como se fosse um ser

humano. Por um instante fitou a tela na qual a nave dos

saltadores se desenhava sob a forma de um pontinho

luminoso, junto a ela a Stardust se deslocava a uma

distância constante de trinta mil quilômetros. Depois

voltou o rosto para os objetos empilhados ao seu lado:

armas, equipamentos, minicomunicadores.

Com movimentos quase caminhou em direção à pilha,

elevou por via telecinética um pesado desintegrador,

cravou os dedos na embalagem, e teleportou-se.

Dentro de três minutos a pilha desapareceu; foi

teletransportada para a outra nave.

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O rato-castor voltou mais uma vez.

Gucky contorceu o rosto e seu dente roedor insinuou

um sorriso.

— Já vou — disse em tom amável.

Rhodan acenou a cabeça e lançou mais um olhar

rápido para o equipamento espacial da pequena criatura.

Foi um equipamento fabricado especialmente para Gucky,

o rato-castor.

— Está bem — concordou. — Faça um serviço bem

feito. De qualquer maneira temos de localizar Marshall e

seus companheiros. Queremos saber o que fizeram com

os patriarcas. Além disso, queremos salvá-los.

Gucky não respondeu. Olhou fixamente para frente e

dali a um instante desapareceu da mesma forma que

pouco antes com sua bagagem.

Reapareceu no corredor central da Frer LXXII.

Poucos minutos bastaram-lhe para que se certificasse de

que a bomba de gás de Ras Tschubai colocara toda a

tripulação fora de combate; logo encontrou, também, um

lugar em que pudesse passar o tempo até que a nave

pousasse no planeta de Goszul. Era um cubículo situado

no fim do corredor principal. Gucky não tinha a menor

ideia da sua finalidade.

Gucky guardou sua bagagem no interior do cubículo,

pegou a arma hipnótica que Rhodan lhe entregara e, com

ela, trabalhou, um por um, todos os tripulantes da nave de

uma maneira tal que garantiria a maior segurança possível

a ele e à Stardust. Passou sistematicamente por todos os

compartimentos da nave.

Finalmente chegou à sala de comando. Também

Frernad e seus companheiros receberam instruções.

Depois disso, Gucky dedicou seu interesse ao

goniômetro, que continuava a funcionar. Viu o traço

finíssimo que a antena descrevia enquanto seu ângulo de

giro abrangia todo o espaço. Não houve qualquer reflexo.

A Stardust e, mais além, os cruzadores pesados Centauro,

Terra e Solar System estavam invisíveis.

Na opinião de Rhodan, partilhada por Gucky, nos

últimos trinta minutos vários reflexos deviam ter surgido

na tela. Isso teria acontecido quando, por ocasião de um

salto de teleportação, todos os campos protetores da

Stardust foram desativados por uma fração de segundo, a

fim de permitir a passagem do teleportador e dos objetos

que o mesmo levava consigo. Em parte os campos

energéticos estavam estruturados de maneira a

funcionarem na quinta dimensão, motivo por que

representavam uma barreira para o teleportador, que se

deslocava no espaço de cinco dimensões.

“Isso representa um ponto fraco”, pensou Gucky.

“Devemos descobrir um meio de manter a proteção

contra o rastreamento mesmo no instante em que um

teleportador sai da nave.”

Razoavelmente satisfeito, voltou ao esconderijo por

ele escolhido, instalou-se confortavelmente entre sua

bagagem e aguardou os acontecimentos. Combinara com

Rhodan que só enviaria uma mensagem pelo

microcomunicador quando alguma coisa não estivesse em

ordem.

* * *

Os efeitos da bomba lançada por Ras Tschubai

cessaram com a mesma rapidez com que haviam

começado.

Quatro horas depois do instante em que os cabelos de

Frernad se arrepiaram com o súbito aparecimento da

estranha criatura de pele negra aconteceu o seguinte na

sala de comando da Frer LXXII:

Frernad levantou-se, juntamente com os dois

companheiros, tão depressa que parecia haver caído

naquele instante. Não lançou um único olhar em torno de

si. Caminhou diretamente para o goniômetro e olhou para

a tela. No mesmo instante o homem que controlava o

aparelho retornara ao seu lugar diante da tela. O outro

homem também voltou ao lugar em que se encontrava

antes que Tschubai aparecesse.

— ...e agora não está mais lá? — repetiu no mesmo

tom de surpresa as palavras que foram as últimas que

pronunciara antes do estranho incidente.

O homem sentado diante do goniômetro levantou as

mãos.

— O reflexo foi grande e nítido!

Frernad riu; parecia contrariado.

— Será que você já se deixa enganar por uma simples

interferência, Sifflon? Algum feixe de ondas sofreu uma

interferência eletromagnética e causou o reflexo. É só

isso.

— Está bem — resmungou Sifflon ligeiramente

ofendido. — Nem afirmei que se tratasse de uma nave

inimiga.

Frernad voltou ao painel de controle. O outro homem,

que acompanhara atentamente a troca de palavras, voltou

a dedicar-se à atividade que vinha desempenhando.

Parecia entediado. Olhou fixamente para a frente,

aguardando o momento em que Frernad fosse revesado.

Ninguém guardara a menor lembrança do estranho

incidente com Ras Tschubai. E os cuidadosos impulsos

hipnóticos de Gucky corrigiram o erro originado no fato

de que, desde o momento em que Ras Tschubai saltara

para o interior da nave, a Frer LXXII, deslocando-se a

baixa velocidade, penetrara uma boa distância no espaço.

Nem mesmo a bomba que Tschubai colocara diante do

canal de exaustão provocou a menor suspeita. O terceiro

homem descobriu-a quando por acaso lançou os olhos

pela sala, pegou-a e mostrou-a a Frernad. Este não soube

o que fazer com ela.

— Jogue fora! — ordenou.

Gucky conseguiu mais uma coisa. Durante o voo

nenhum dos tripulantes teve a ideia de abrir a porta do

pequeno cubículo situado no fim do corredor principal.

Cerca de dois dias depois disso, a Frer LXXII

alcançou o ponto de sua trajetória que ficava mais

afastado do planeta de Goszul e retornou. Por ocasião de

sua visita à sala de comando, Gucky havia lido as

indicações dos instrumentos. Além disso, conseguia ler

através das paredes espessas do cubículo em que se

encontrava os pensamentos dos homens, não muito

distantes.

Sabia que cerca de dez dias ainda se passariam antes

que pudesse sair da nave no planeta de Goszul.

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146

2

Enquanto caminhavam em direção à cidade,

encontraram uma carroça puxada por animais semelhantes

a cavalos.

Depois de terem tirado os trajes transportadores,

voltaram a envergar as vestimentas que usavam na nave

de Levtan para não despertar a atenção dos tripulantes.

Pelo aspecto exterior, praticamente não se distinguiam de

qualquer das pessoas que se encontravam a bordo da nave

dos saltadores. Até mesmo as barbas, que os saltadores

costumavam usar, haviam crescido nesse meio tempo.

Ignorava-se se os habitantes daquela ilha sabiam o que

vinha a ser uma nave espacial. Geralmente alguém que

anda em navios a vela não tem a menor ideia do que seja

uma nave espacial, e muito menos saberá reconhecer um

marinheiro espacial pelas roupas que usa.

— Temos que experimentar — disse Marshall. — Não

podemos ficar escondidos por toda a vida.

Continuaram tranquilamente na sua caminhada,

enquanto a carroça sacolejante se aproximava pelo

caminho que subia suavemente.

Um único homem estava sentado na boleia, segurando

as rédeas à maneira de um camponês terrestre dos tempos

antigos. Quando viu os três estranhos, o homem

sobressaltou-se, fez os animais pararem e protegeu os

olhos com a mão, para enxergar melhor.

Marshall e seus companheiros, que recebiam pelas

costas a luz forte da 221-Tatlira, viram como o homem se

assustou.

“Tomara que compreenda o intercosmo”, pensou

Marshall. “Senão teremos que aprender sua língua.”

Pararam junto da carroça. O homem estava tão

assustado que nem teve coragem de se mexer. Continuava

com a mão sobre os olhos.

— Felicidade a cada dia que passa — disse Marshall,

proferindo o cumprimento mais corriqueiro dos

saltadores.

O homem sentado em cima da carroça arregalou os

olhos. Com um movimento rápido baixou a mão. Dando

um grande salto, desceu da carroça, caiu de joelhos e

ficou deitado, com a cabeça encostada ao chão. Marshall

ouviu que murmurava palavras incompreensíveis.

— Levante-se — pediu Marshall.

O homem obedeceu prontamente. A certeza de que

entendia o intercosmo deixou Marshall muito mais

tranquilo.

— Olhe para mim — prosseguiu Marshall.

O homem, que não era muito jovem, lançou os olhos

apavorados sobre Marshall.

— Como é seu nome? — indagou Marshall.

— Eu... euuu... — gaguejou o velho com a voz

rangedora — ...eu sou Vethussar Ologon, senhor.

— Queremos ir à cidade, Vethussar — disse Marshall.

Vethussar inclinou-se.

— A cidade sentir-se-á honrada, ó senhores, se quereis

visitá-la, e muito mais honrado me sentirei eu se

permitirdes que vos ofereça minha carroça imunda.

Marshall olhou a carroça. Era um modelo de limpeza.

— Permitimos — respondeu. — Ficamos muito gratos

pela oferta.

Vethussar ergueu as mãos.

— Não fale em gratidão, senhor. Sou vosso servo.

O velho esperou até que Marshall e seus

companheiros subissem à carroça. Marshall não se

apressou; aproveitou o tempo para pesquisar os

pensamentos de Vethussar. Até então não conseguira nada

além do susto enorme que o encontro causara no velho, e

que expulsava todo e qualquer pensamento consciente.

Mas a mente começou a descontrair-se, e nela se instalou

a desconfiança misturada com a admiração.

“Será que realmente são...?”, pensou Vethussar.

“Existem mesmo... conforme dizem?”

O conceito que Marshall só conseguiu captar

vagamente, sem conseguir interpretá-lo, surgiu por duas

vezes. Marshall ficou quebrando a cabeça, enquanto

Vethussar virou lentamente a carroça e começou a descer

em direção à cidade.

Depois de ter observado mais algumas vezes o mesmo

impulso nos pensamentos de Vethussar, Marshall chegou

à conclusão de que deveria traduzi-lo pela palavra deuses.

Não encontrou nada que mais se aproximasse do

verdadeiro significado.

Marshall virou-se e informou os companheiros. Falava

em inglês e tinha certeza de que isso não provocaria a

menor desconfiança em Vethussar. Afinal os deuses

deviam ter bastante inteligência para dominar mais de

uma língua.

Percebeu, porém, que Vethussar ficou quebrando a

cabeça sobre a língua estranha.

Aos poucos se foram aproximando da cidade. Nos

últimos minutos Vethussar virara-se várias vezes, como se

quisesse dizer alguma coisa. Marshall percebeu o desejo

de formular uma pergunta.

— Pode falar! — disse ao velho. — Qual é a pergunta

que quer fazer?

— Desculpe a curiosidade, senhor — exclamou

Vethussar — mas é a primeira vez que uma criatura

miserável como eu tem a felicidade de ver um deus. Já

que são tão bondosos, gostaria de saber como é a terra dos

deuses.

Marshall sentiu-se perplexo com a rapidez com que o

ânimo do velho mudava do pavor paralisante e reverente

para a curiosidade indisfarçada. Devia ter uma enorme

agilidade espiritual, ou não estava acreditando...

— Quer saber de uma coisa, Vethussar? — disse em

tom de conversa. — Por lá a coisa não é muito diferente

daqui. A grama é verde, as folhas das árvores também e a

água do mar é azul enquanto brilha o sol. Acontece que

por lá existem veículos muito mais rápidos que esta

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carroça, e alguns deles podem voar pelos ares, e ainda

existem outros com os quais se pode viajar até as estrelas.

Vethussar parecia impressionado. Marshall foi o único

que percebeu o ligeiro impulso de desconfiança

zombeteira que surgiu nas camadas mais profundas de sua

mente. E logo veio outra pergunta:

— Por que estão caminhando a pé, senhor?

Estas palavras foram pronunciadas com a maior

humildade.

“Seu hipócrita”, pensou Marshall, divertido e zangado

ao mesmo tempo, “você nunca acreditou nos deuses, e

agora você quer enganar um.”

Viu-se diante de uma decisão muito importante.

Poderia contar alguma desculpa, mas Vethussar não

acreditaria numa palavra. Por outro lado, poderia

explicar-lhe que não eram melhores que ele mesmo, e que

dele se distinguiam apenas pela tecnologia mais

desenvolvida, que não transformava ninguém num deus.

Decidiu-se pela segunda alternativa.

— Pare um pouco, Vethussar! — ordenou.

Vethussar assustou-se. Parou os animais e olhou para

trás, assustado.

— Sim, senhor... o que...

Marshall apontou para a frente.

— Olhe aquela árvore! — disse.

Vethussar voltou a olhar para trás e fitou a árvore.

Marshall pegou a pequena arma de impulsos e, apontando

ao lado do ombro do velho, disparou um tiro para um dos

galhos inferiores.

O galho soltou-se da árvore, caiu ao chão e durante a

queda transformou-se em fumaça e cinzas. Pequenas

chamas surgiram em meio ao capim, mas logo se

apagaram na umidade do solo.

Vethussar tremia. Mas a aula de Marshall ainda não

estava concluída.

— Agora olhe para a esquerda, ali, onde o caminho

descreve uma curva.

Marshall deu uma cutucada em Tako Kakuta. Este

logo compreendeu do que se tratava. Efetuou um salto

rápido, desaparecendo de cima da carroça e surgindo no

mesmo instante no ponto indicado, de onde os

cumprimentou com um gesto da mão.

Vethussar soltou um grunhido de pavor. Sem que

Marshall lhe pedisse, virou-se e, arregalando os olhos,

descobriu que o indivíduo que se encontrava lá adiante

realmente era o mesmo que um instante antes estivera

sentado na carroça.

Dali a pouco Tako voltou, pela mesma forma

surpreendente pela qual saíra.

O suor porejava na testa de Vethussar.

Mas quando uma força estranha e invisível agarrou-o,

erguendo-o no ar e fazendo-o girar, pôs-se a gritar. Tama

Yokida, o telecineta, ergueu-o até a altura da copa da

árvore, fez com que ele girasse algumas vezes em torno

de si mesmo e recolocou-o suavemente na carroça.

Choramingando e gemendo, Vethussar encolheu-se.

Marshall deixou-o à vontade por algum tempo. Depois o

levantou pelo ombro e disse:

— Preste atenção, Vethussar!

Obediente, Vethussar parou de lamentar-se e lançou

um olhar de pavor para Marshall. Este prosseguiu:

— Não somos deuses, Vethussar. Não existe nenhum

deus além daquele que ninguém jamais viu. É o único e o

onipotente, e contra vontade dele nada acontece no

mundo. Somos apenas gente, gente como você,

Vethussar, e os que vivem na cidade ou em qualquer

outro lugar. Apenas sabemos algumas coisas que você

não sabe. Não tenha medo de nós. Pelo contrário: poderá

pedir-nos alguma coisa se nos levar até a cidade. Dar-lhe-

emos uma recompensa.

Sentiu que, embora hesitando, a mente do velho

começou a absorver suas palavras. Aos poucos ia

acreditando nelas.

Por algum tempo Vethussar fitou Marshall. Depois

ergueu-se de vez, pegou as rédeas e pôs os animais em

movimento. Sacolejando, a carroça foi seguindo

lentamente em direção à cidade.

— Teremos problemas — disse Marshall em tom

pensativo, falando em inglês. — Na cidade haverá um

tumulto. Pensarão que somos deuses. Vethussar

desconfiou por causa de nossas vestimentas. Mas quando

usei o cumprimento dos saltadores, “Felicidades a cada

dia que passa”, que entre os habitantes da ilha é

considerado um cumprimento usado pelos deuses, não

teve mais a menor dúvida. Poderemos evitar esse

cumprimento. Mas nossos trajes os deixarão

desconfiados. Sou de opinião que Vethussar deverá seguir

na frente e arranjar roupas adequadas para nós. Qualquer

objeção?

Sacudiram a cabeça.

Marshall dirigiu-se a Vethussar e começou a explicar-

lhe seu plano.

— É bem verdade — disse ao concluir — que não

tenho dinheiro. Quem sabe se você aceitaria outra coisa?

Vethussar possuía um sentimento de dignidade

altamente desenvolvido. Marshall teve de esforçar-se

bastante para convencê-lo de que a oferta de pagamento

não devia ser interpretada como uma ofensa.

— No lugar de onde venho — explicou Marshall —

costumamos pagar pelas coisas que nos dão.

Quase reconciliado, Vethussar concordou.

— Aqui também é assim — confirmou. — Mas não

entre amigos.

Lendo seus pensamentos, Marshall descobriu que suas

palavras eram sinceras.

Sentira-se impressionado pela sinceridade com que

fora tratado. No momento era o aliado mais fiel que

Marshall e seus companheiros tinham no planeta de

Goszul.

A cerca de um quilômetro do dique de terra que

cercava a cidade para o interior, Vethussar deixou a

carroça com os amigos recém-conquistados. Prometeu

que voltaria antes do escurecer com roupas adequadas.

* * *

Szoltan, o piloto da pequena nave auxiliar que passara

a última hora numa busca desesperada, compareceu

perante a assembleia dos patriarcas, ou melhor, daquilo

que sobrara da mesma depois do atentado.

— A busca não deu resultado. Captamos alguns

impulsos. Mas seu ponto de partida mudou várias vezes

aos saltos. A própria perseguição foi um problema.

Finalmente deslocaram-se para o mar, e a última coisa

que captamos provinha de uma profundidade de dois mil

metros.

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Foi só o que Szoltan teve a dizer. Tinha certeza de que

em troca de tais informações não colheria elogios dos

patriarcas. Talvez seria mesmo transferido para...

Mas as especulações de Szoltan foram infundadas. A

resposta dos patriarcas foi imediata:

— Entregue o veículo ao seu companheiro e siga para

Saluntad, capital da ilha. Antes de penetrar na cidade,

entre em contato com nosso agente a-G-25, que lhe

arranjará roupas locais, para que você não desperte

desconfiança no interior da cidade. Tenha cuidado, a-G-

25 é o único elemento de que dispomos em Saluntad. A

população pertence às camadas mais primitivas de

Goszul. Supomos que os tripulantes da Lev XIV que

conseguiram escapar seguiram diretamente para a cidade,

depois de se livrarem dos instrumentos que poderiam traí-

los, jogando-os ao mar. A-G-25 lhe prestará todo auxílio.

Goza de grande influência na cidade. Fim.

Szoltan respirou aliviado. Esperara coisa pior.

Voou até as proximidades da cidade, pousou, deixou a

nave a cargo de seu companheiro e, antes que este

decolasse, mandou irradiar um chamado dirigido a a-G-

25. O agente respondeu e foi informado do lugar em que

Szoltan se encontrava, recebendo instruções para trazer-

lhe roupas que não despertassem a atenção.

Depois disso, a nave decolou e afastou-se em direção

ao norte, ganhando altura. Szoltan esperou paciente.

Dentro de uma hora ou duas o sol se poria.

“Tomara que a-G-25 não demore”, pensou.

* * *

As roupas trazidas por Vethussar se pareciam com as

que ele mesmo usava.

Uma camisa grosseira, amarrada na cintura por uma

espécie de cordel, uma calça de bombachas um pouco

menor, amarrada na altura dos tornozelos, um par de

sandálias e uma manta sem mangas.

Apesar de sua simplicidade, as vestimentas não

pareciam pertencer a um homem pobre. Concluía-se que

Vethussar não devia ser pobre.

Vethussar ficou satisfeito com os agradecimentos que

os amigos lhe manifestaram. Com um sorriso disse:

— Trouxe mais uma coisa.

Pôs a mão no bolso largo da manta e tirou um pequeno

recipiente metálico.

— Vetro! — disse em tom de segredo.

Marshall apressou-se em descobrir o que seria vetro.

Mas Vethussar estava tão concentrado na reação dos

amigos que seus pensamentos não revelaram nada.

— É incrível — disse Marshall, aparentando uma

alegre surpresa. — Passe para cá, amigo.

Vethussar entregou-lhe o recipiente. Marshall abriu-o

e viu que seu conteúdo consistia num tipo de creme

avermelhado.

— Especialmente para você — disse Vethussar. — É

provável que ninguém desconfie dos outros.

No mesmo instante Marshall leu em seus pensamentos

do que se tratava. Vetro era um corante da pele, que dava

a tipos muito claros ou muito escuros a cor avermelhada

dos habitantes de Goszul. Pelo que se deduzia dos

pensamentos de Vethussar, o conteúdo daquele recipiente

valia uma pequena fortuna.

Marshall agradeceu e pediu a Vethussar que passasse

o creme nos lugares de seu corpo que ficassem expostos,

sempre ou de vez em quando. Para andarem bem seguros,

Yokida, Kakuta e Ishibashi imitaram-no.

Quando o trabalho foi concluído, o sol havia

desaparecido. A escuridão irrompeu rapidamente.

Subiram à carroça de Vethussar e poucos minutos depois

passaram pela abertura no dique que, por assim dizer,

representava o portão ocidental da cidade.

O nome da cidade era Saluntad. Se dali não

encontrassem um caminho que os levasse para o norte,

por cima do mar, nunca mais o encontrariam.

Só lhes restaria pôr suas esperanças nas faculdades

extraordinárias de Tako.

* * *

Sob um aspecto importante, Gucky distinguia-se da

maior parte dos seres humanos: era incapaz de sentir

tédio.

Sua raça era dotada de um instinto lúdico infalível,

que não se comprazia tanto na brincadeira como tal, mas

antes na alegria provocada pelas aflições que a

brincadeira coerente causava nos parceiros inconscientes.

Tempos atrás a raça de Gucky causara um grave

perigo à tripulação da Stardust, porque o instinto lúdico

inato à mesma não conhecia medidas. Mais tarde essa

falha foi suprida em Gucky através da educação. Este já

sabia até onde podia chegar com suas brincadeiras,

inclusive numa situação como a presente.

Cinco dos dez dias já se haviam passado.

A Frer LXXII retornava ao planeta de Goszul a 98 por

cento da velocidade da luz.

Recorrendo ao projetor hipnótico arcônida, Gucky

ordenou a um dos homens que se aproximara a menos de

cinco metros do seu cubículo que entrasse no mesmo. Por

algum tempo divertiu-se com o rosto desfigurado pelo

pavor. Depois recorreu a um impulso hipnótico que o fez

esquecer o quadro e interrogou-o sobre as condições

reinantes no planeta de Goszul.

Dessa forma ligou o útil ao agradável. Recolheu

informações sobre o mundo em que teria de trabalhar e,

no fim, ainda teve o prazer de captar fragmentos de

pensamentos que passaram pelo cérebro do homem

depois de este ter saído do cubículo, quando passou a

discutir com os outros tripulantes que quiseram saber por

onde tinha andado por todo esse tempo, enquanto ele

mesmo afirmava que não saíra do lugar por um instante

sequer.

O comando hipnótico geral de não abrir a porta do

cubículo não foi afetado pela brincadeira de Gucky.

* * *

O papel que Vethussar desempenhava na cidade

tornou-se evidente quando ele convidou seus amigos a

descerem da carroça diante de sua casa.

Sob a luz de tochas crepitantes tiveram oportunidade

de admirar muitas fachadas, espantando-se pelo fato de

que as construções de Saluntad quase não diferiam

daquelas que a cultura ocidental do início do século XVII

criara na Terra.

Mas a casa de Vethussar era uma exceção.

Na verdade não era uma casa. Era um palácio!

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A construção de um pavimento estendia-se por cerca

de cinqüenta metros ao longo da rua estreita. Quanto ao

aspecto exterior, era o cúmulo da falta de gosto.

Mas Marshall sentiu o orgulho exuberante de

Vethussar e mostrou-se bastante impressionado.

Vethussar introduziu os hóspedes por um portal, e só

lá dentro eles se deram conta da riqueza do palácio. O

interior da enorme casa estava recheado de uma

ostentação perdulária, sem demonstrar a mesma falta de

gosto da fachada.

Vethussar sentiu-se muito satisfeito com a admiração

sincera que os amigos tributaram a sua casa. Fez questão

de que Marshall e seus companheiros, que não tinham

dinheiro, ficassem com ele até que tivessem uma idéia

melhor. Marshall acabou concordando em seu nome e no

de seus companheiros.

Cada um deles recebeu um quarto. Tiveram muito

trabalho em convencer Vethussar de que não havia

necessidade de um criado para cada um deles. Mas

Vethussar não se deixou demover do intento de dar um

criado para os quatro.

— Nunca tive hóspedes de categoria tão elevada como

vocês — disse com um alegre piscar dos olhos. — E faço

questão de que recebam um tratamento condigno.

Marshall teria a impressão de que a gentileza era

excessiva, se não tivesse captado nas profundidades da

mente de Vethussar a ideia de que o mesmo esperava que

a hospitalidade lhe trouxesse um proveito, em virtude das

faculdades extraordinárias de que seus hóspedes eram

dotados.

* * *

— Muito bem, vamos fazer um plano — concordou

Marshall. — Alguém tem uma idéia?

De madrugada Tako Kakuta dera um giro pela zona

portuária.

— Dei uma olhada nos navios — disse — e também

conversei com algumas pessoas. Os navios têm uma

capacidade de enfrentar o alto-mar que não fica nada a

dever a quaisquer outros. Mas, se o vento for normal,

gastam cerca de trinta dias para vencer uma distância de

cinco mil quilômetros. Se não houver outra saída,

poderemos ir num desses navios. O comandante não

concordará em ir para o Norte, pois lá fica a terra dos

deuses, da qual eles têm um medo terrível. Kitai teria que

influenciar o comandante e os oficiais, talvez mesmo toda

a tripulação, para evitar um motim.

Marshall confirmou com um aceno de cabeça.

— A distância daqui ao continente norte é de cerca de

quatro mil quilômetros — disse. — Se a velocidade para

o norte for idêntica à do sul, a viagem demorará pouco

mais de vinte dias. Isso seria suficiente para os fins que

temos em vista.

“Vamos fixar um ponto. Só no continente norte

teremos possibilidade de sair deste planeta e voltar para

junto de Rhodan. Teremos que capturar uma nave dos

saltadores. Por outro lado, será conveniente que algumas

semanas se passem entre o atentado contra a assembleia

dos patriarcas e a nova ação que estamos planejando.”

Levantou-se.

— Oportunamente falarei com Vethussar a este

respeito — concluiu. — Pelo que deduzo dos seus

pensamentos, sua riqueza extraordinária provém do

comércio marítimo. É possível que possua alguns navios,

e que possa ceder-nos um deles.

Vethussar apareceu dali a alguns minutos. Parecia

bastante contrariado. Marshall compreendeu que certa

visita o deixara indignado.

— Sinto muito — disse Vethussar depois do

cumprimento matinal — mas Honbled soube que tenho

hóspedes em minha casa, e veio para dispensar-lhes as

graças dos deuses.

— Quem é Honbled? — perguntou Marshall, pois

Vethussar não pensava em outra coisa senão no

aborrecimento que sentia.

— Honbled é o sacerdote supremo da cidade —

respondeu o velho. — Em minha opinião também é o

maior idiota. Mas não posso dizer-lhe isso, pois goza de

muito prestígio e quase todo mundo acredita nos seus

deuses.

Marshall riu.

— Pois o deixe entrar — sugeriu. — Não tenho nada

contra suas bênçãos.

Vethussar suspirou aliviado.

— Muito bem, eu o trarei até aqui. Esperaram. Dali a

alguns minutos o velho voltou com um homem que, de

tão gordo, quase não passa pela porta delicada. Era pálido

e tinha barba rala. Pelos padrões terrestres, aquele homem

não devia ter mais de trinta anos.

— Este é Honbled — disse Vethussar em tom pouco

gentil.

Honbled não se perturbou. Levantou a mão esquerda,

comprimiu-a suavemente contra a testa de Marshall e

disse:

— Que os deuses o abençoem, meu filho.

Repetiu o procedimento com Tako Kakuta, com Tama

Yokida e finalmente com Kitai Ishibashi.

Depois se deixou cair pesadamente numa das

poltronas.

— Pelo que soube, vocês vêm de longe — disse,

iniciando a palestra sem rodeios.

— Isso mesmo — respondeu Marshall e pôs-se a

sondar o que ia pelo cérebro do sacerdote.

— Permite que pergunte de onde vêm? — prosseguiu

Honbled.

“Será que ele não pensa em nada?”, perguntou

Marshall de si para si.

— Descemos das montanhas — respondeu.

Era uma resposta dada ao azar. Como Marshall não

conhecesse a topografia da ilha, não sabia se nela existiam

montanhas. Sentiu que Vethussar se divertia ao saber que

Honbled estava sendo enganado. E Honbled?

— Desceram das montanhas? — disse o sacerdote,

espantado. — Nesse caso são daquela raça dura de

montanheses que enfrentam as intempéries e alegram os

deuses com sua vida frugal.

Marshall sentia-se cada vez mais confuso. Tako

Kakuta percebeu a confusão do amigo e encarregou-se da

resposta.

— Bem, nossa vida não é tão frugal como costumam

dizer aqui embaixo — respondeu em tom insolente. —

Levamos nossa vida, festejamos nossas festas e, pelo que

dizem, nossas mulheres são as mais belas desta terra.

Honbled parecia decepcionado.

— Os deuses não gostarão de ouvir uma coisa dessas

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— disse um tanto indignado. — Os deuses gostam que

suas criaturas vivam na abstinência. O castigo da luxúria é

muito rigoroso.

Ao que parecia, o japonês se divertia com a conversa.

— Não digo que vivemos na luxúria — respondeu. —

Apenas quis retificar uma opinião muito em voga. Não

passamos o tempo sentado em galhos secos nem vivemos

do ar.

Vethussar divertia-se a valer.

— Também costumamos casar — interveio Kitai com

o rosto mais sério deste mundo.

— E também tomamos nosso trago — exclamou

Tama Yokida.

Ninguém sabia onde aprendera a gíria.

Honbled levantou-se indignado.

— Pelo que vejo — disse, para sair da situação

desagradável — vocês têm atrás de si uma viagem muito

longa e ainda não se recuperaram das canseiras. Com a

vontade dos deuses e de vocês voltarei a visitá-los

amanhã, para ouvir mais alguma coisa sobre os homens

das montanhas.

Fez um gesto com a mão esquerda e retirou-se.

Vethussar seguiu-o com um sorriso.

Marshall levantou-se de um salto, assim que a porta se

fechou atrás dos dois.

— O homem tem um bloqueio — disse. — Não

consigo captar seus pensamentos.

Tranqüilo, Tama Yokida sacudiu a cabeça.

— Não, ele não tem nenhum bloqueio — afirmou

calmamente.

Marshall fitou-o perplexo. Sabia que a capacidade

telecinética de Yokida lhe permitia reconhecer os

contornos dos objetos invisíveis. Poderia reconhecer um

instrumento mecânico implantado no cérebro do

sacerdote, por menor que fosse.

— O que é que ele tem? — perguntou Marshall.

— Não tem nada — respondeu Yokida com um

sorriso. — Ele é uma coisa, é um robô...

3

A-G-25 voltou com uma rapidez surpreendente.

Szoltan, que se encontrava no primeiro andar da casa em

que residia o agente, viu-o andar pela rua. Tomou tempo

para divertir-se com a submissão que os transeuntes

demonstravam ao cumprimentá-lo e admirar a

engenhosidade dos construtores, que deram a esse robô

uma forma tão humana.

A-G-25 passou pela porta estreita situada no topo de

uma pequena escada, que dava diretamente para a rua.

Poucos minutos depois se encontrava ao lado de Szoltan.

Fungava como um homem de Tirou um lenço do traje

manchado e passou-o pela testa.

— São eles! — exclamou. — Não tenho a menor

dúvida.

— São os tripulantes da Lev XIV?

— Como vou saber? — perguntou. — Não pude

perguntar, não é?

Szoltan ficou contrariado.

— Como é que você sabe que são as pessoas que

procuramos?

— Entre os habitantes da ilha não há telepatas —

respondeu a-G-25, ou melhor, Honbled. — Acontece que

um deles é telepata. Senti que tateou em direção ao meu

cérebro.

Szoltan esboçou um sorriso um tanto depreciativo. O

cérebro de a-G-25 não passava de um conjunto de chaves

de reação lenta e rápida, depósitos de impulsos, condutos

e controles de medição de tensões.

Era verdade — e isso era o mais importante — entre

outros instrumentos, o robô possuía um aparelho de

registro de emanações telepáticas.

Szoltan não parecia muito satisfeito.

— O que foi que eles lhe contaram?

A-G-25 relatou a palestra.

— E ainda se divertiram à minha custa — acrescentou

bastante contrariado.

Szoltan atirou os braços para cima.

— E daí? Será que não pode ser verdade o que dizem?

É bem possível que venham das montanhas, e que entre

os homens das montanhas existam telepatas.

A-G-25 ainda estava suando.

— É possível que entre os homens das montanhas haja

telepatas — reconheceu. Intercalou uma pausa, para

aumentar o efeito de suas palavras. Depois concluiu

enfaticamente: — Acontece que nesta ilha não existe uma

única montanha.

* * *

— Será que é um agente dos saltadores? — perguntou

Marshall laconicamente.

Os outros sabiam tanto ou tão pouco quanto ele; por

isso a pergunta era puramente retórica.

Mas dificilmente se poderia conceber outra resposta

que não fosse um sim. Além dos saltadores não havia

ninguém neste mundo que soubesse construir um robô.

Qualquer robô que existisse em Saluntad só poderia ser

um robô dos saltadores.

Admitidos esses atos, ainda era certo que Honbled

viera exclusivamente para saber se eram os fugitivos que

estavam sendo procurados.

— Isso afeta nossos planos — constatou Marshall. —

Se um dos saltadores souber que estamos nesta cidade,

suporá que procuraremos embarcar num navio. Vigiará o

porto e logo descobrirá que navio tomamos. Quando nos

encontrarmos em alto-mar, os saltadores não terão

nenhuma dificuldade em capturar-nos.

— Hum! — fez Yokida. — Poderíamos desmascarar o

sacerdote. Basta que lhe abramos a barriga em público

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151

para mostrar a todo mundo que o sacerdote que adoravam

até então é uma alma de lata.

— Você acha que isso adiantaria alguma coisa? —

perguntou Marshall. — Não adiantaria nada. Os

saltadores ficariam de olho em nós. Nem sequer sabemos

se Honbled é o único agente que mantêm nesta cidade.

Teremos que acompanhar o jogo de Honbled por algum

tempo. Precisamos descobrir se suspeita de nós, e

precisamos adaptar nossos planos à ideia que faz a nosso

respeito.

A sugestão foi aceita. Vethussar não foi informado

sobre a mesma. Sentiu-se satisfeito porque alguém tivera

coragem de fazer uma brincadeira desse tipo com o

sacerdote.

* * *

— Será possível — asseverou a-G-25 em tom

insistente. — Não há a menor dúvida. E será bem simples.

Um delito desse tipo deixará o povo furioso. Não teremos

o menor problema, mesmo que se trate de um dos

armadores mais ricos da ilha.

— Deixaremos que as coisas tomem seu curso normal.

Não recorreremos aos meios técnicos. Para viver em paz e

realizar um trabalho útil, preciso de uma população

pacata. Quando alguém começar a arrebentar as casas

com desintegradores e trabalhar os homens com armas

hipnóticas, a paz e a credulidade deixarão de existir. Não

devemos esquecer que os goszuls foram levados à força a

esse estado de atraso. Ninguém sabe quais são as

recordações do tempo de sua grandeza tecnológica que

ainda jazem no seu subconsciente.

Szoltan deu-lhe razão, embora o fato de ter sido

derrotado por um robô numa discussão franca o deixasse

triste.

— Então, quais são seus planos? — perguntou em tom

áspero.

— Colocaremos as provas nos lugares adequados —

respondeu prontamente a-G-25. — Depois mobilizamos

os templários e marchamos em direção à casa. No

caminho uma grande massa de povo deverá juntar-se a

nós. Cercamos a casa e intimamos Vethussar a entregar o

produto do roubo. Ele fará pouco de nós. Depois disso

ocupamos a casa à força. É tudo. Como o edifício será

cercado em tempo, ninguém escapará. Prenderemos os

quatro homens da Lev e informaremos Vethussar de que

ficará isento de pena se os deixar por nossa conta. Ele não

se oporá, pois um delito desse tipo é punido com a morte.

Szoltan virou as palmas das mãos para cima.

— De acordo!

* * *

Marshall acordou.

Lançou os olhos em torno. Na luz do fogo quase

extinto — um fogo de lenha sem fumaça, aceso

constantemente numa tina de ferro colocada no centro do

quarto — descobriu Tako Kakuta, sentado junto à porta.

Desde que Honbled os visitara os quatro sempre

permaneciam no mesmo quarto, e de noite ficavam de

sentinela por turnos.

— Tako...

O japonês virou-se.

— Sim.

— O que houve?

— Nada de especial. Tudo tranquilo.

Marshall ergueu-se e aguçou o ouvido.

Algo de extraordinário o despertara. Se fosse alguma

coisa que pudesse ser vista, ouvida ou sentida, Tako sem

dúvida o teria percebido. Acontece que não percebeu...

Ali estava de novo.

Um impulso de pensamento gerado por um medo

extraordinário. Mais um, e mais um, vindo de outro

cérebro.

“Vem de longe”, calculou Marshall. “Talvez da ala

direita do edifício.”

Acordou os companheiros.

— Alguma coisa está acontecendo — disse em tom

sério. — Há alguém por lá que sente um medo terrível.

São pelo menos duas pessoas. Vamos dar uma olhada.

No dia anterior haviam conhecido a casa por dentro. A

divisão era simples e metódica. Passando pelo corredor

central, esgueiraram-se pela escuridão em direção à ala

direita.

Os impulsos captados por Marshall tornaram-se mais

intensos.

— É naquela sala — cochichou, apontando para os

contornos quase imperceptíveis de uma porta situada

poucos metros adiante, do lado direito do corredor.

Foram avançando grudados à parede. Da porta saíam

ruídos de alguma coisa que era arranhada. Uma voz

reprimida falava apressadamente e com raiva.

Marshall compreendeu os pensamentos:

“Quem dera que já estivéssemos prontos! Que

sacrilégio! Os deuses nos punirão apesar da intercessão

de Honbled. Vamos dar o fora quanto antes.”

Marshall acenou com a cabeça. Parecia satisfeito. Viu

uma estreita faixa de luz que saía pela fresta da porta.

Concluiu havia luz no interior do quarto. Marshall passou

rapidamente junto à porta fez sinal para que Tako o

seguisse. Tama e Kitai continuaram do outro lado da

porta.

Com um forte pontapé Marshall jogou a porta para

dentro. Ouviu-se um grito de pavor. No mesmo instante

os quatro viram-se no centro da pequena sala, iluminada

pela luz trêmula de algumas velas de sebo.

— Segurem-nos! — disse Marshall.

Inspecionou a armação. Viu que suas suposições não o

haviam enganado: a sala era o depósito de valores de

Vethussar. Preciosidades de todos os tipos estavam

espalhadas sobre as tábuas da armação, e o conteúdo da

caixa que naquele instante seria colocado sobre uma delas

correspondia ao que já se encontrava lá. Eram estatuetas

de ouro, com as partes mais interessantes do corpo

assinaladas por pedras preciosas. Na caixa haveria umas

vinte estatuetas desse tipo. Se no planeta de Goszul, mais

especialmente na cidade de Saluntad, o ouro e as pedras

preciosas tinham o mesmo valor que na Terra, os dois

homens haviam carregado uma fortuna considerável

naquela caixa.

“E daí?”, pensou Marshall. “Ninguém pode proibir

Vethussar de completar seu tesouro durante a noite”.

Mas havia o medo dos dois homens. Por que esse

medo? Por que sentiam tanto medo que nada havia em

seus cérebros além desse sentimento?

Kitai colocou-se diante de um dos homens. Tako

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152

segurou-o e obrigou-o a fitar Kitai.

— Que estatuetas são estas? — perguntou Kitai.

Seus interrogatórios não admitiam respostas falsas. A

força sugestiva de Kitai Ishibashi era tão intensa que até

então nenhuma vontade conseguira resistir à mesma.

— São figuras tiradas do templo principal dos deuses

— respondeu o homem.

— Vocês as roubaram?

— Não.

— Então, quem foi?

— Honbled, o supremo sacerdote, as entregou a nós.

— Ordenou que as colocassem aqui?

— Sim.

Marshall interveio.

— Está bem, Kitai. Pode parar.

As perguntas de Kitai e a influência sugestiva por ele

exercida obrigaram o homem a superar o medo e pensar

sobre as coisas a respeito das quais estava sendo

interrogado. Marshall sabia o que havia acontecido e,

mais do que isso, o que deveria acontecer.

Virou a cabeça. Parte das tábuas da armação estava

presa aos postes por meio de correias de couro. Marshall

tirou os objetos que se encontravam em cima das tábuas e

tirou as correias.

— Amarrem-nos! — disse laconicamente. — Um de

nós tem que buscar Vethussar. Rápido.

Tama Yokida saiu em disparada. Mal os dois intrusos

estavam amarrados e amordaçados, Yokida voltou com

Vethussar. Estupefato, este piscou para a luz das velas.

— Kitai!

O japonês confirmou com um aceno de cabeça. Sabia

que não havia tempo a perder. Vethussar estava

sonolento. Se alguém lhe quisesse explicar os

acontecimentos sem recorrer a qualquer pressão

sugestiva, levaria mais de uma hora.

Kitai não teve necessidade de repetir qualquer palavra.

O velho logo compreendeu, e também compreendeu o

desastre que estava prestes a desabar sobre sua casa.

— Estes homens declaram — concluiu Kitai — que

Honbled e seus templários estarão aqui cerca de uma hora

depois da meia-noite, para acusar e prender você. Isso

significa que apenas nos restam noventa minutos. Você

tem alguma sugestão sobre o que devemos fazer?

Vethussar não tinha nenhum plano. A infâmia do

sacerdote, que sem dúvida seria bem sucedida se não

fosse a vigilância de seus hóspedes, assustara-o tanto que

não conseguia concatenar os pensamentos.

— Está bem. Nesse caso é conosco — disse Marshall

em inglês. — O velho está tremendo de medo.

Dirigiu-se a Vethussar:

— Onde fica o templo principal?

Vethussar descreveu a situação.

— Tako, você retirará as provas desta casa.

Tako fez que sim.

— Nossa defesa será mais eficiente — explicou

Marshall, falando em intercosmo, para que o velho o

compreendesse — se os objetos roubados forem levados

de volta aos seus lugares. Nesse caso poderemos acusar

Honbled de calúnia e expulsá-lo daqui.

Entusiasmado, Vethussar bateu palmas. Marshall

prosseguiu em inglês:

— Resta saber se isso bastará para que o robô desista

de seus planos. Não acredito que saia daqui sem mais nem

menos, depois que não encontrar as estatuetas. De

qualquer maneira tentará agarrar-nos. Portanto,

mantenham as armas preparadas.

Tako ensaiou um salto em direção ao templo. Marshall

completara as indicações de Vethussar com uma

descrição dos arredores do templo, extraídas do cérebro

do velho. Por isso o salto foi executado com a precisão de

um metro.

Tako pousou na escuridão do interior do enorme

edifício. Atrás dele, junto ao portal, ardia um pequeno

fogo, que provavelmente era sagrado. Dois guardas

estavam juntos à porta. Não notaram a presença de Tako.

Tako encontrou os altares dos quais Honbled havia

tirado as estatuetas e retornou à casa de Vethussar.

Com mais três saltos levou os objetos roubados de

volta ao lugar a que pertenciam. Pouco depois da meia-

noite o trabalho estava concluído. Ninguém percebera a

ação. Vethussar estava garantido contra as acusações de

Honbled. Em palavras exaltadas manifestou sua gratidão

aos hóspedes.

Enquanto isso, Marshall havia refletido sobre a

maneira de escaparem à rede dos saltadores, que se

fechava em torno deles, sem expor-se a qualquer perigo e

sem renunciar à posição vantajosa em que se

encontravam.

Dispunha de quarenta minutos para elaborar seu

plano.

* * *

Vethussar enviou um mensageiro para colher a

informação.

Realmente, a partir de ontem Honbled abrigava em

sua casa um hóspede que até o dia anterior ninguém havia

visto na cidade.

Marshall recebeu a informação trinta minutos depois

da meia-noite e respirou aliviado.

Tinha certeza absoluta de que, antes de acusar

Vethussar em público, Honbled mandaria cercar sua casa.

Marshall e seus amigos saíram da casa para observar o

cerco. Vethussar ainda recebeu algumas informações,

transmitidas às pressas e reforçadas por via sugestiva, e

mandou um mensageiro ao porto para que as transmitisse

ao homem a que igualmente interessavam.

Finalmente Marshall disse:

— Caro amigo, talvez não possamos valer-nos mais da

sua hospitalidade. Isso dependerá da situação. Se não nos

encontrarmos mais, tenha certeza de que lhe somos

muitíssimo gratos. Você foi um bom amigo, e esperamos

que não se esqueça de nós.

Vethussar comoveu-se com estas palavras.

— Não me fale em agradecimentos — disse. — Sou

eu que tenho que agradecer-lhes. Vocês me salvaram da

morte e da desonra.

Faltavam apenas quinze minutos para o momento em

que Honbled pretendia avançar. Apressaram as

despedidas e saíram para o grande parque dos fundos do

palácio de Vethussar.

Avançaram cautelosamente. Marshall caminhava no

centro, pois estava ocupado exclusivamente em captar

pensamentos estranhos.

Quando captou o primeiro impulso, pegou a perna de

Kitai Ishibashi, que rastejava à sua frente, e segurou-o.

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— Ali à frente, um pouco à direita — cochichou.

Kitai confirmou com um aceno de cabeça e informou

Tako Kakuta, que se mantinha na ponta, para que seguisse

em outra direção.

Poucos segundos depois ouviram um ruído na

vegetação. Eram os homens de Honbled que ocupavam

seus postos.

Marshall estremeceu ao receber o primeiro impulso de

um cérebro bem desenvolvido e treinado. O impulso dizia

o seguinte:

“Mais alguns minutos, e os patriarcas terão seus

prisioneiros e eu recuperarei o sossego.”

* * *

Honbled e Szoltan repartiram suas tarefas. Como

sacerdote, Honbled, acompanhado de seus templários,

encarregou-se da acusação pública. Szoltan,

acompanhado de um grupo de pessoas recrutadas e

informadas às pressas, cuidou para que ninguém saísse da

casa.

Pouco menos de uma hora depois da meia-noite,

Szoltan espalhara seu grupo. Ele mesmo escolhera um

posto bastante solitário. Impaciente, lia os minutos no

relógio luminoso.

Procurou romper a escuridão e disse furioso:

— Eu não lhes disse que ficassem nos seus lugares?

A vegetação abriu-se à sua direita e à sua esquerda e

duas figuras abaixadas aproximaram-se às pressas.

— Não, meu filho, você não nos disse nada disso —

respondeu uma voz baixa e desconhecida.

Szoltan assustou-se até a medula dos ossos. Não teve

tempo de recuperar-se do susto. Uma forte pancada

atingiu seu crânio e deixou-o sem sentidos.

— Tudo em ordem — cochichou Marshall.

Kitai e Tama aproximaram-se.

— Vamos aí para os fundos — Marshall apontou para

a direção a que se referia.

Os dois japoneses carregaram o saltador inconsciente.

Escondidos na vegetação espessa, carregaram-no até o

muro que fechava o parque pelos fundos. Tama ajudou-os

com suas forças telecinéticas quando o levaram por cima

do muro e manteve-o no ar até que subissem no muro

atrás dele. Tako seguiu-o, e Marshall ia na retaguarda.

— Tudo tranquilo — disse. — Dentro de um instante

o drama começará.

A poucos passos dali, na viela que ficava junto ao

muro, estava a carroça com dois animais que Vethussar

deixara ali a seu pedido. O saltador inconsciente foi

colocado na mesma. Kitai, Tako e Tama sentaram-se de

tal forma que podiam ficar de olho nele, e que o saltador

não pudesse ser visto de fora. Marshall sentou na boleia,

tangeu os animais e seguiu em direção ao porto.

* * *

Vethussar não se apressou quando ouviu o gordo

sacerdote martelar o portal da casa com os punhos.

Esperou que o criado entrasse em seu quarto e dissesse:

— Honbled, o sacerdote supremo, está lá fora. Está

muito zangado...

Vethussar fez de conta que bocejava.

— Peça-lhe que volte amanhã de manhã. De noite

costumo dormir.

O criado tremia.

— Ele não concordará. Veio com quase todos os

templários e afirmam que você cometeu um crime punido

com a morte.

Vethussar ergueu-se sobressaltado. Desempenhava seu

papel com muita habilidade.

— Eu, que sou o servo mais fiel dos deuses? Um

crime infame?

Com um salto ágil saiu da cama e gritou para o criado:

— Traga minha capa. Rápido! E um archote.

Lá fora Honbled voltou a martelar a porta. Com a capa

sobre os ombros e o archote na mão, o velho abriu o

portal e em atitude arrogante colocou-se diante do gordo

Honbled.

— Que tolice é essa que você anda contando ao povo?

— gritou. — Quem cometeu um crime digno de morte?

Honbled não se intimidou.

— Foi você! — gritou, apontando para o velho. —

Você roubou quatorze imagens dos deuses do templo para

aumentar sua riqueza. Você ofendeu os deuses.

— Quem lhe disse isso?

— Dois guardas viram você e um criado seu carregar

uma caixa pesada pelo portal pequeno do templo.

— É mentira! — respondeu Vethussar.

— Nada disso! — vociferou Honbled. — Deixe que

revistemos sua casa, e descobriremos onde você escondeu

as imagens.

Vethussar deu uma risada sarcástica.

— Antes disso quero que você me leve ao templo e

mostre quais são as imagens desaparecidas.

— Não quer mais nada? — escarneceu Honbled. —

Só assim seus criados terão tempo para esconder os

tesouros.

Vethussar estragou-lhe o jogo.

— Pois deixe alguns dos seus homens aqui. Poderão

ficar diante da casa e nos corredores. Assim você terá

certeza de que nada está sendo escondido.

Gritos de concordância soaram na multidão que se

comprimia atrás de Honbled. Este não estava interessado

em demorar a operação. Sabia que, atrás da casa, Szoltan

estava de guarda. Por isso decidiu ceder ao desejo de

Vethussar.

Carregando archotes fumegantes, a multidão que

crescia constantemente desceu pela rua, em direção ao

templo principal.

— Abram o portão — gritou Honbled de longe.

Os dois guardas que tinham ficado no templo

obedeceram e abriram o grande portão.

— Vocês que estão carregando archotes, fiquem junto

às paredes para que haja luz.

Os homens foram andando junto às paredes e pararam

em intervalos regulares. Uma claridade amarelenta e

esfumaçada encheu o recinto.

— Agora — anunciou a voz potente de Honbled — eu

lhes mostrarei os altares de onde este malfeitor roubou as

imagens dos deuses. Olhem ali...

Estacou. Nada estava faltando no altar do deus do mar,

embora tivesse ordenado aos seus homens que esvaziasse

esse altar antes dos outros, porque nele se encontrava a

mais preciosa das imagens.

— ...ou ali — prosseguiu.

Acontece que também a imagem de ouro do deus dos

peixes continuava no lugar de sempre — com pedras

preciosas verdes e brilhantes que lhe serviam de olhos.

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— Ou ali — arremedou Vethussar, brandindo o

archote. — Ou ali... ou ali.

O organismo mecânico de Honbled registrou e

classificou a nova situação e fez com que o exterior de

seu corpo demonstrasse a reação tipicamente humana à

mesma, feita de pavor, medo e espanto.

— Onde estão as imagens roubadas? — gritou

Vethussar. — O que foi que eu roubei? Pois está tudo

aqui! O que é que você esperava encontrar em minha

casa?

O mecanismo de processamento de dados de Honbled

trabalhava febrilmente. Pesou todas as alternativas

possíveis, inclusive a de que Vethussar soubera do

atentado e levara as imagens de volta ao templo. Mas o

setor lógico recusou-se a transformar esse conhecimento

em impulsos verbais e transmitir os mesmos aos

instrumentos de fala, porque a essa altura ninguém mais

acreditaria numa palavra do que o sacerdote dissesse.

Enquanto isso, a fala de Vethussar inflamava a

multidão. Os que não carregavam archotes apinharam-se

em torno do velho e do sacerdote, enquanto os outros

saíram de junto das paredes e iluminaram a cena.

— Ele mentiu — gritou Vethussar. — Mentiu para me

roubar. Ele, o sacerdote.

— O sacerdote supremo — gritou a multidão

enfurecida.

A sorte de Honbled estava selada. A multidão

precipitou-se sobre ele. Era bem verdade que a-G-25 era

uma máquina potente; não teve a menor dificuldade em

defender-se do primeiro atacante. Mas a multidão estava

composta de mais de mil pessoas. Honbled não teve outra

alternativa senão emitir o sinal de emergência do agente e

deixar que os acontecimentos seguissem seus cursos. As

pancadas e os pontapés sacudiram seu interior,

condenando-o à imobilidade. Sua última reação foi a de

fechar os olhos.

Dali a pouco pensaram que estivesse inconsciente ou

morto. A barriga gorda de Honbled evitara que o corpo

propriamente dito do robô, feito de metal plastificado,

fosse colocado à mostra. Os cidadãos de Saluntad foram

poupados ao choque metafísico.

Vethussar já se desprendera da multidão e retornara a

sua casa. Face às notícias que trouxe e ajudado por seus

criados expulsou os servos de Honbled da casa e do

jardim.

Concluído este serviço, foi ao seu aposento particular,

mandou que o criado acendesse alguns cavacos de pinho e

contemplou ansiosamente o relógio de água, que mostrava

tranquilamente as horas.

Fora cheia quatro horas antes da meia-noite. Agora o

nível da água estava junto à linha da sexta hora.

Quando passou por essa linha, três tiros de canhão

soaram na zona portuária.

Vethussar sorriu satisfeito, levantou-se e apagou os

cavacos. Ao deitar-se, pensou:

“Fafer é um homem de confiança.”

* * *

Os dois animais de tração foram à única dificuldade

com que o grupo se deparou no caminho até o porto.

Marshall só conseguira uma explicação apressada sobre a

maneira de dirigi-los, e mais de uma vez aconteceu que

andassem para a esquerda, quando ele queria que

seguissem para a direita.

Apesar disso não levaram mais de meia hora para

chegar ao porto.

O navio que tinham em vista — o Storrata — foi fácil

de encontrar. Era a única embarcação em que havia outra

iluminação além das costumeiras luzes noturnas, e no

qual se trabalhava.

Marshall levou a carroça até junto ao passadiço, que

descia do último dos três conveses sobrepostos.

— Vethussar nos manda a esta hora da noite — gritou

Marshall.

Eram as palavras que combinara com o comandante

do Storrata, por intermédio de Vethussar e de seu

mensageiro.

— Subam! — gritou alguém.

Descarregaram o saltador, ainda inconsciente, e

subiram pelo passadiço.

Foram recebidos por uma pessoa que envergava um

uniforme colorido. Marshall sondou o conteúdo de seu

cérebro: surpresa, curiosidade e certo aborrecimento

causado pela incumbência de zarpar a uma hora dessas.

— Sou Fafer — disse o homem. — Sejam bem-

vindos.

Marshall agradeceu.

— Sentimos que, por nossa causa, você tenha tanto

trabalho — disse. — Mas tivemos oportunidade de prestar

um serviço nada desprezível ao seu amo, e ele deseja

retribuir. Tenho certeza de que também você sentirá os

favores de Vethussar, se puder ajudar-nos a sair desta

terra sem que ninguém o saiba.

Marshall percebeu que o humor de Fafer logo

melhorou.

— Farei o possível — asseverou o comandante. —

Permitam que lhes mostre o lugar em que irão morar.

Perto da popa havia uma escada estreita que levava ao

convés do meio. Fafer seguiu em direção à popa e, depois

de chegar ao fim do corredor, abriu algumas portas atrás

das quais ficavam aposentos cujo esplendor deixou

Marshall e seus amigos estupefatos.

— Aquela janela permite uma visão bem ampla —

explicou Fafer. — A popa do navio inclina-se da ponte de

comando em direção à água. Por isso pode-se olhar tanto

para baixo como para cima.

Esse detalhe era importante. E outra vantagem era que

cada aposento possuía uma janela desse tipo.

Fafer indagou delicadamente se os aposentos eram do

agrado dos hóspedes. Despediu-se depois que estes

asseveraram que poucas vezes haviam morado num lugar

tão confortável.

— A manobra será difícil — disse, como para

desculpar-se. — Daqui a uma hora, aproximadamente, a

maré vai mudar. Se não conseguirmos sair o suficiente

com a maré vazante, a maré alta nos carregará novamente

para dentro do porto.

Quinze minutos depois se ouviu o ribombo de três

tiros de canhão no convés superior. Pouco depois os

quatro viram que o panorama mudava diante das janelas.

As luzes do porto recuaram e os contornos escuros de

outros navios deslizavam lentamente diante deles.

O Storrata saiu do porto.

* * *

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155

Na manhã do dia seguinte várias pessoas perguntaram

a Vethussar, como que por acaso, o que era feito de seus

hóspedes. Este, que fora prevenido por Marshall,

respondeu às perguntas com a maior boa vontade.

Os quatro forasteiros haviam saído no Storrata. Não,

não seguiram em direção às ilhas ocidentais, mas para o

continente do sul. Sua missão era muito urgente, por isso

Fafer, o comandante, se mostrara disposto a zarpar ainda

na mesma noite.

O primeiro “contato de segurança” de Marshall

entrara em funcionamento. O fluxo de informações estava

em desenvolvimento.

* * *

O segundo “contato” era o próprio prisioneiro,

chamado Szoltan.

Marshall tivera boas razões para não revistar seu

equipamento, quanto mais tirar-lhe alguma coisa. Tinha

certeza de que devia trazer consigo alguma coisa que lhe

permitiria ao menos transmitir um sinal goniométrico aos

seus chefes.

E isso mesmo era necessário. Agora, que os saltadores

tiveram sua atenção despertada para eles, não adiantaria

retardar o regresso ao continente norte. O motivo

principal — isto é, a opinião de que com o tempo o

atentado contra os patriarcas cairia no esquecimento — já

não existia.

E, para vencer a distância de cinco mil quilômetros

com maior rapidez do que seria possível num navio a

vela, Marshall precisaria dos próprios saltadores. Estes

deveriam saber onde encontrar Szoltan e os homens que o

haviam aprisionado.

O resto correu conforme Marshall desejara. O Storrata

saiu do porto e antes da mudança da maré o vento

enfunou suas velas, deslocando-o lentamente em direção

ao sul enquanto ia raiando o dia.

* * *

O planeta de Goszul — era este um nome que não

existia há muito tempo, ao menos em comparação com a

história do povo que atualmente era chamado de goszuls.

Os goszuls, que a si mesmos davam o nome de gorrs e

chamavam seu mundo de Gorr, foram primitivamente um

grupo de colonos arcônidas, que se estabeleceram nesse

setor da galáxia, vindos de Árcon numa imensa frota

espacial. Isso acontecera há vários milênios. Portanto, os

gorrs pertenciam à mesma raça de Thora e Crest, ou dois

arcônidas aos quais, em última análise, Perry Rhodan

devia o imenso avanço tecnológico da Terceira Potência.

Acontece que certas influências climáticas e

psicológicas existentes no planeta habitado pelos gorrs

trouxeram um retardamento, e finalmente a paralisação do

desenvolvimento técnico-civilizatório. Cerca de mil e

quinhentos anos após o início da colonização, a

tecnologia dos gorrs começou a regredir. Certos objetos

que, séculos antes, eram usados por todos deixaram de ser

fabricados, porque o povo havia esquecido a maneira de

produzi-los.

Não há dúvida de que o processo foi muito lento.

Provavelmente os habitantes de Gorr continuariam por

mais vinte mil anos uma raça dotada de uma tecnologia

relativamente avançada, se o mundo de Goszul não

tivesse sido descoberto pelos saltadores, que decidiram

acelerar o processo de regressão por meios artificiais.

Os saltadores dispunham de todos os meios para isso.

Eram uma raça de mercadores, que não tinha uma

verdadeira pátria. Em compensação, detinham o

monopólio do comércio galático e, como fossem os seres

que mais andavam pelos diversos mundos, eram

considerados o grupo tecnicamente mais avançado. Sob o

ponto de vista racial também eram aparentados aos

arcônidas, mas no terreno político formavam um reino

independente dentro do Império Arcônida. Enquanto não

surgisse nenhum perigo, as ligações entre eles eram

bastante frouxas. Mas sempre que um deles se via numa

situação de emergência causada por um elemento não

pertencente ao grupo, vinha imediatamente em auxílio de

seus semelhantes.

Tiveram sua atenção despertada para a Terra por causa

do comandante da nave Orla XI, que observou que, no

setor de Vega, alguém praticava o comércio interestelar,

rompendo o monopólio dos saltadores. Orlgans, o

comandante, colocara seus agentes na Terra e, só porque

Rhodan assim o planejara, conseguira capturar um

prisioneiro muito importante. Rhodan seguiu a nave dos

saltadores, atacou-a e viu-se envolvido numa batalha com

as naves de guerra que acudiram às pressas.

Compreendendo que com um grupo de três naves,

posteriormente aumentado para quatro, não conseguiria

enfrentar por muito tempo o poderio superior dos

saltadores, dirigiu-se ao mundo artificial do planeta

Peregrino, a fim de pedir à entidade espiritual coletiva que

ali vivia que lhe concedesse uma arma nova e superior, o

transmissor fictício. A entidade espiritual coletiva, que

era a concentração mental de uma raça que há muito se

extinguira fisicamente, apenas lhe concedeu dois

transmissores que seriam instalados na Stardust, o enorme

couraçado espacial de Rhodan. Face a isso, Rhodan

continuou em situação inferior no terreno tecnológico.

Depois disso tinha de impedir que os patriarcas dos

mercadores, reunidos em conferência extraordinária no

planeta de Goszul, resolvessem lançar um ataque imediato

contra a Terra.

Voltando ao planeta de Goszul: Ao reforçar o efeito

involutivo do ambiente de Gorr e introduzir no processo

de regressão um fator multiplicativo de dez mil, os

saltadores criaram um mundo habitado exclusivamente

por inteligências subdesenvolvidas.

Transformaram o continente norte numa base,

deixando o resto intocado. Fizeram com que os gorrs, que

passaram a ser chamados de goszuls, acreditassem em

deuses, deuses estes que não eram outros senão os

próprios saltadores. Fizeram de seus robôs os supremos

sacerdotes, controlando dessa forma a evolução do

planeta.

Escolheram os mais inteligentes dentre os goszuls e,

depois de submetê-los a um ligeiro treinamento hipnótico,

transformaram-nos numa força de trabalho barata e

submissa.

Tudo isso fazia com que o planeta de Goszul — ou de

Gorr — fosse uma advertência ao vivo do que aconteceria

à Terra se um dia os saltadores conseguissem conquistá-

la.

* * *

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156

Era perto do meio-dia.

Fafer tomara o rumo sudoeste.

Marshall e seus companheiros subiram ao convés de

comando, observando cuidadosamente os arredores do

Storrata.

Quanto a Szoltan, todas as providências haviam sido

tomadas. Podia mover-se livremente num dos aposentos.

Mas não podia sair do camarote para o interior do navio.

Marshall levantou-se. Estivera sentado num montão de

corda enrolada, inspecionando um dos canhões que se

encontravam na ponte de comando.

Só deu alguns passos. Estacou diante das palavras de

Tako.

— Olhe! Ali!

Marshall agachou-se ao lado dele sobre o tombadilho

e olhou na direção em que Tako apontava. Com um

suspiro de alívio viu os três pontos negros que,

deslocando-se pouco acima da superfície da água, vinham

do norte.

— Então deu certo — disse, satisfeito.

O vigia da gávea parecia ter descoberto a mesma coisa

ao mesmo tempo.

— Três embarcações estranhas vindas do norte! —

gritou.

Fafer, que se encontrava no convés do meio, gritou de

volta:

— De que tipo?

O vigia gritou:

— Não andam na água, mas acima dela.

Sua voz parecia amedrontada.

Marshall viu que também Fafer se assustou. Os

marinheiros que se encontravam nas proximidades de

Marshall haviam acompanhado a troca de palavras da

gávea para o tombadilho. Marshall ouviu-os murmurar:

— São os deuses nos seus carros voadores.

Fafer voltara a controlar-se.

— Continuem! — soou sua voz retumbante, atingindo

todos os conveses. — Veremos de que se trata.

Marshall transmitiu as últimas instruções.

— Ficaremos de prontidão aqui no convés.

Provavelmente ao menos um dos homens descerá de uma

das naves e procurará entrar em entendimento com o

comandante. Não acredito que ataquem o navio, pois

temos um refém a bordo.

As naves aproximaram-se rapidamente. Apesar das

ordens de Fafer a tripulação parou de trabalhar. Atiraram-

se ao tombadilho quando as naves começaram a circular

em torno do navio e uma delas parou na altura do convés

do meio, deixando descer um homem.

— Kitai... para a frente! — disse Marshall entre os

dentes.

Kitai esgueirou-se até a beirada da ponte de comando

e, escondido atrás de um mastro, desceu pela escada

estreita que dava para o convés do meio. Marshall viu-o

tomar posição atrás do mastro.

Provavelmente o saltador viera na intenção de falar

com o comandante do navio. Mas de repente resolveu

outra coisa. Marshall viu-o segurar o microfone de bolso e

mover os lábios.

A reação foi imediata. A nave da qual o homem

acabara de sair desceu ao convés. O outro tripulante

também desceu. Outra das naves ocupou a posição da

primeira — na altura do convés do meio — e também

dela saiu um dos tripulantes.

Os três saltadores parados no convés do meio

lançaram os olhos por cima das costas da tripulação que

os venerava, atirada no tombadilho.

— Tako!

Foi uma ordem lacônica, executada imediatamente.

Tako desapareceu.

Marshall observou a nave que se mantinha no ar, junto

ao convés, mas não notou qualquer alteração, embora

Tako acabasse de ocupar o lugar do tripulante que acabara

de descer.

Kitai Ishibashi fez um sinal de trás do mastro. Os três

homens que haviam descido estavam submetidos ao seu

controle sugestivo.

Por algum tempo não aconteceu nada.

Subitamente a nave para cujo interior Tako acabara de

teleportar-se foi colocada em movimento. Lentamente,

como se estivesse sendo pilotada por uma pessoa não

muito familiarizada com o comando de um veículo

espacial, foi-se afastando do navio, ganhou altura e depois

de algum tempo parou.

Marshall observava-a bastante ansioso.

Um raio compacto de desintegrador saiu da nave

parada no ar e atingiu a outra, que ainda circulava em

torno do navio. Metade do veículo dissolveu-se em

nuvens de gases turbilhonantes, enquanto a outra metade

caiu como uma pedra atirada com pouca força, bateu na

superfície com um estalo e desapareceu dentro de três

segundos.

Marshall e Yokida desceram ao convés do meio. Os

três saltadores continuavam imóveis. Não haviam notado

a derrubada de uma de suas naves, nem deram a menor

atenção aos três homens que se aproximavam. Entre eles

estava Kitai, que se unira a Marshall e Yokida.

— Fafer! — gritou Marshall.

Olhando por cima do cotovelo, Fafer observara os

acontecimentos estranhos que se desenrolaram em torno

dele e chegou à conclusão de que os passageiros que

trazia a bordo deviam ser muito mais poderosos que os

deuses parados no convés. Levantou-se de um salto e

aproximou-se solícito.

— Preste atenção, Fafer! — disse Marshall. — Você

prosseguirá na viagem ao continente sul. Largue estes

homens na primeira ilha. Não tenha receio, que não são

deuses. No momento em que perderem o navio de vista

terão esquecido tudo que aconteceu com eles. Prometo-

lhe que você não sofrerá qualquer castigo. Faça a mesma

coisa com o prisioneiro que se encontra num dos

camarotes e com o homem que daqui a pouco descerá

daquela nave.

Tako dispôs-se a pousar. Balançando, a nave deslizou

alguns metros por cima do convés e deu um empurrão

violento em alguns dos marinheiros que continuavam

abaixados sobre o tombadilho, antes de imobilizar-se.

Tako desceu com o rosto muito sério.

— Tive que matá-lo — disse. — Não me deixava em

paz.

— Quer dizer que você terá apenas quatro prisioneiros

— comunicou Marshall, dirigindo-se a Fafer, procurando

disfarçar a tristeza que a morte do saltador lhe causava.

Fafer prosseguiu no mesmo rumo, depois que os dois

carros voadores tinham levantado pouso, levando os

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passageiros a bordo, e desapareceram em direção ao

norte.

* * *

Se não fossem os pensamentos dos tripulantes, Gucky

nem teria notado que a pequena nave de reconhecimento

acabara de pousar. Os neutralizadores antigravitacionais

absorviam os impactos causados pela frenagem e pelo

pouso.

A tripulação preparou-se para sair da nave. Gucky fez

a mesma coisa.

Num salto de teleportação audacioso e extenso

examinou os arredores mais amplos do enorme

espaçoporto que os saltadores haviam instalado no

continente norte do planeta de Goszul. Depois de algum

tempo encontrou um lugar situado numa pequena cadeia

de montanhas, que lhe parecia adequado para esconder os

objetos que trouxera consigo. Retornou à nave para

efetuar o transporte.

Tal qual fizera dez dias antes a bordo da Stardust,

levantou cada um dos objetos por meio da telecinésia,

segurou-o com as mãozinhas e o teleportou para o

esconderijo que acabara de escolher.

Quando ia levantar a última peça, um pesado

desintegrador automático, o desastre aconteceu.

Uma sucessão rápida de teleportações, ainda mais com

bagagem, exige tamanha concentração que o indivíduo

perde quase todo o contato com o mundo exterior.

Gucky não poderia ter percebido a presença do robô

de reparos que, depois de a tripulação ter saído da nave,

veio pelo corredor para verificar se havia alguma avaria.

Um simples acaso — o fato de que a poeira levantada

pelos objetos afastados à pressa obrigou Gucky a espirrar

— impediu-o de desaparecer em tempo com o último dos

objetos, um desintegrador pesado.

No mesmo instante em que, depois de ter espirrado,

Gucky pretendia concluir o trabalho, sentiu a vibração do

chão.

Recorreu à telepatia para descobrir quem se

aproximava do lado de fora. A tentativa não teve êxito.

Antes que Gucky pudesse tomar qualquer providência, a

escotilha do cubículo foi aberta, pondo à mostra um robô

forte, de mais de dois metros de altura.

Por sorte de Gucky tratava-se de um simples robô de

reparos, classe que, além de não portar armas, não possui

uma capacidade de reação muito rápida.

Gucky deixou-se cair sobre as patas dianteiras e numa

questão de segundos abriu o fecho de contato do

envoltório hermeticamente fechado em que estava

guardado o desintegrador. A arma era tão pesada que o

rato-castor mal conseguiu movê-la, mas a certeza de que

sem isso a missão fracassaria antes de ter começado

conferiu-lhe novas forças.

Com dois movimentos repentinos elevou o cano o

suficiente para que apontasse mais ou menos para o

centro do corpo de metal plastificado do robô. Com um

forte movimento da pata traseira puxou o gatilho.

O tiro arrancou um pedaço do robô, gaseificou o

mesmo e fez com que o resto do mecanismo, dividido em

duas partes desiguais, caísse ruidosamente ao solo.

Gucky voltou a guardar a pesada arma no envoltório,

cerrou o fecho de contato e teleportou-se juntamente com

o volume. Retornou para uma inspeção final.

Foi então que cometeu um erro.

O erro consistiu em acreditar que a falta de um

simples robô de reparos não seria notada tão depressa.

Confiando nisso, Gucky saiu da nave a pé. Tinha

certeza de que, se alguém o visse, pensaria que se tratava

de um animal inofensivo. A única arma que trazia

consigo, um pequeno radiador de impulsos, estava

cuidadosamente escondida numa dobra da pele, e o traje

espacial fora transportado para o esconderijo em que se

encontrava o resto da bagagem.

A área imensa do espaçoporto parecia abandonada sob

os raios fortes do sol 221-Tatlira, que era o nome sob o

qual constava do catálogo estelar dos saltadores.

Havia muitas naves além daquela em que tinha vindo.

Mas estavam tão longe que algumas delas permaneciam

semi-ocultas sob a linha do horizonte.

Eram as naves dos patriarcas, todas elas gigantescas.

Mas a essa distância pareciam delicadas e inofensivas.

Gucky brincou com a ideia de teleportar-se para bordo

de um desses veículos e fazer algumas travessuras que

causassem problemas aos patriarcas quando estes

quisessem decolar. Mas logo se lembrou da missão que

lhe fora confiada e da advertência de Rhodan:

— Os saltadores ainda não sabem que têm diante de

si a frota espacial da Terra, a não ser que Marshall ou

algum dos seus companheiros tenha aberto a boca. Mas

se acontecer alguma coisa que lhes traga à lembrança os

acontecimentos do Homem de Neve, do setor do

Peregrino ou de outro ponto do espaço, não demorarão

em tirar suas conclusões. Portanto, tenha cuidado.

Por isso Gucky abandonou a idéia.

Estacou quando viu o movimento acima do horizonte

que tremulava ao ocidente. Parou e olhou em torno.

Notou o mesmo movimento ao sul, ao leste e ao norte.

Esquadrilhas de pequenos veículos em forma de

lentilha corriam velozmente sobre o campo aberto,

seguidas por colunas de robôs que marchavam

apressadamente. Foi tudo tão rápido que Gucky estava

praticamente cercado antes de compreender que a causa

de todo aquele movimento era ele mesmo.

Formava o centro para o qual tanto as naves como os

robôs convergiam em linha reta.

“Notaram a perda do robô”, constatou Gucky.

E registrou mais uma coisa. Desde que Rhodan

recebera as últimas notícias de Marshall, deviam ter

acontecido algumas coisas que fizeram com que os

saltadores se tomassem extremamente cautelosos.

Gucky ficou curioso para saber o que Marshall teria

feito nesse meio tempo.

Mas nem por isso esqueceu-se de abandonar em

tempo o palco dos acontecimentos.

Afastou-se por meio de um salto de teleportação antes

que alguém pudesse identificá-lo claramente, e antes

mesmo que alguém pudesse ter a ideia de que o objeto da

busca era ele.

Pousou nas proximidades do esconderijo para o qual

havia transportado o equipamento. Não se entregou a

ilusões. Os saltadores não se contentariam em dar busca

no campo de pouso. O aparato de que lançaram mão fazia

supor que no caso de um insucesso a estenderiam às áreas

adjacentes, atingindo inclusive o local do esconderijo, que

ficava a poucos quilômetros da extremidade leste do

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campo espacial.

E o pior não era isso. Os minicomunicadores —

aparelhos criados há pouco tempo, que apesar de seu

tamanho reduzido permitiam o contato verbal direto e

instantâneo a uma distância de vários anos-luz — mesmo

quando não estavam funcionando emitiam uma radiação

constante, gerada pela atividade ininterrupta das pequenas

células energéticas, que produziam e armazenavam a

energia necessária à próxima transmissão.

Gucky tinha certeza de que não desfrutaria por muito

tempo o conforto de seu esconderijo. Mas antes que os

saltadores se aproximassem, pretendia fazer alguma coisa

que trazia em mente.

* * *

O voo decorreu sem contratempos, a não ser os

pequenos problemas que o manejo dos veículos

totalmente desconhecidos causou nos primeiros minutos.

Desenvolvendo a velocidade máxima, as duas naves de

patrulha aproximaram-se da costa do continente norte.

Ao que parecia, as cidades eram muito raras naquela

área. Só Kitai descobriu uma. Ficava à beira-mar e tinha

um porto que tinha aproximadamente metade do tamanho

do de Saluntad. Alguns navios a vela estavam ancorados

no mesmo, o que provava que apesar do temor que lhes

inspiravam os deuses, os ingênuos nativos mantinham

contato com a terra dos deuses, nome que davam ao

continente norte.

Depois que tinham passado pela linha costeira,

Marshall desceu com sua nave e pediu que Tako Kakuta o

seguisse. As duas naves voavam juntinho ao solo,

formando um alvo muito pequeno para as estações de

observação dos saltadores.

Marshall deixou-se guiar pelas impressões. Não tinha

uma ideia exata sobre o local em que ficava o ponto de

reunião dos saltadores. O terreno que sobrevoava era

totalmente desconhecido. A única coisa de que se

lembrava era que o gigantesco campo espacial em que

estavam pousadas as naves dos patriarcas não ficava a

mais de cem quilômetros da costa.

Por isso Marshall pousou oitenta quilômetros ao norte

da linha costeira. Se fosse mais longe, estaria desafiando a

sorte que até então os protegera.

Desceram e deixaram as naves para trás.

O terreno subia. Marshall lembrou-se de que ao sul do

espaçoporto vira uma cadeia de montanhas não muito

elevadas. Talvez fosse a mesma que começavam a

escalar. Talvez bastasse chegar ao cume para ver o

espaçoporto aos seus pés.

Quando começou a escurecer, montaram

acampamento. Tama Yokida descobriu um pequeno vale

que possuía várias saídas bem abrigadas e,

principalmente, um suprimento de água.

A água matou sua sede. Mas não tiveram com que

matar a fome. Praguejaram contra a própria tolice, que

fizera com que não se suprissem de mantimentos.

Apesar disso dormiram profundamente até altas horas

da manhã seguinte. Levantaram-se famintos, mas

dispostos e animados.

Marshall prometeu que, no correr do dia, usariam o

radiador de impulsos para abater um animal comestível,

que seria assado no fogo aberto.

— Aliás — constatou Marshall — daqui até o

espaçoporto não pode ser longe. Quando conseguirmos

vê-lo diante de nós, e desde que Tako possa ajustar-se

com uma certa precisão, poderemos viver dos

mantimentos dos saltadores. Acho que eles não se

alimentam mal.

Sorria e esteve a ponto de dizer mais alguma coisa.

Mas de repente teve a impressão de que estava ouvindo

alguma coisa. Estacou. O sorriso desapareceu.

Mas dali a pouco voltou.

— Estabelecemos contato! — exclamou. — Gucky

está nas proximidades.

Kitai soltou um grito de alegria. Tako estava

desconfiado.

— Tem certeza? — perguntou. Marshall confirmou

com um rápido aceno de cabeça.

— Certeza absoluta. Gucky está a menos de cinquenta

quilômetros daqui, ao nordeste. Ele... silêncio!

Marshall voltou a escutar. Os outros ouviram que

murmurava de si para si, dando respostas telepáticas,

apoiadas pela palavra falada a fim de possibilitar uma

concentração mais intensa.

— Sim... atentado bem sucedido... oitenta por cento

dos patriarcas foram mortos... ainda acreditam que

somos gente da Lev... o quê?... Isso mesmo, tripulantes da

Lev XIV... só isso, tivemos que fugir... não, não tenho

outras informações. Até agora não notamos nada que

levasse à conclusão de que os saltadores mudaram de

idéia... mas não temos a menor certeza. Sim, pode

transmitir isso. Espere aí com quê? Com mini-

comunicadores? Está bem. Fim.

Marshall virou-se apressadamente.

— Rhodan está por aí, rapazes! — exultou. —

Encontra-se a oito dias-luz. Gucky mantém contato com

ele. Traz consigo alguns aparelhos novos.

A alegria e a gratidão apossaram-se de suas mentes,

fazendo com que esquecessem a fome que os martirizava.

Marchando o mais rápido que o terreno acidentado e de

visibilidade restrita permitia, deslocaram-se em direção ao

lugar em que Gucky se mantinha escondido com sua

bagagem.

* * *

Pela natureza das coisas e segundo a letra dos

estatutos, Etztak era um igual entre seus pares — um

patriarca entre outros patriarcas.

Todavia, os acontecimentos dos últimos dias, que

confirmaram repetidamente que ele tivera razão ao

demonstrar uma cautela aparentemente exagerada, e que

aqueles que diziam que as coisas não estavam tão ruins

assim estavam enganados, elevaram o velho acima dos

co-patriarcas.

Passaram a dar atenção às suas palavras.

Todos começaram a indagar se poderia ser correta a

suposição de Etztak, segundo a qual os causadores dos

incidentes desagradáveis que se vinham verificando eram

os seres que o comandante Orlgans descobrira há algum

tempo num braço afastado da galáxia. Era uma suposição

que há poucas horas qualquer pessoa teria tachado de

idiota.

Etztak era um homem muito velho, mas possuía uma

inteligência extraordinária.

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— Mais uma vez os prisioneiros escaparam — disse

com a voz retumbante, e Vallingar e Wovton, os

patriarcas sentados ao seu lado no amplo salão,

encolheram a cabeça como se fossem responsáveis pelo

fracasso. — Um dos nossos agentes mais preciosos foi

demolido a ponto de estar completamente inutilizado, um

dos nossos homens foi sequestrado, uma nave auxiliar foi

destruída e duas foram aprisionadas, mais três homens

foram sequestrados e três foram mortos, e agora ao menos

um daqueles seres traiçoeiros penetrou em nossa base a

bordo da Frer LXXII. E não conseguimos encontrá-lo.

— Ainda não conseguimos encontrá-lo — retificou

Vallingar em tom suave. — As buscas ainda não foram

encerradas.

Etztak fez um gesto de desprezo.

— Se conseguiu desaparecer do campo espacial aberto

debaixo de nossas vistas, não terá a menor dificuldade em

esconder-se nas montanhas.

Até parecia que o homem da sala de comando

aguardava essa palavra. O receptor de bordo emitiu um

zumbido no instante exato em que Etztak acabara de

proferir a última palavra. Etztak ligou.

— O que houve? — perguntou com a voz zangada.

— As naves de reconhecimento descobriram alguma

coisa, senhor — respondeu o homem apressadamente e

em tom assustado.

— O que foi que descobriram? — gritou Etztak

impaciente.

— Radiações da quinta dimensão, bastante fracas. Não

se sabe qual poderia ser a fonte dessas radiações. De

qualquer maneira são consideradas suspeitas.

— Ah, são? — disse Etztak com uma risada

sarcástica. — Pois diga a esses rapazes que pousem e

dêem uma olhada naquilo, senão terão que explicar-se

comigo.

Assustado, o homem prometeu que a ordem seria

transmitida imediatamente.

Embora poucos segundos antes ele mesmo tivesse

manifestado a opinião de que a busca seria infrutífera,

Etztak falou em tom exultante quando se dirigiu aos

patriarcas:

— Nem tudo está perdido. Dentro de poucos minutos

poremos as mãos no sujeito, ou nos sujeitos.

* * *

Gucky surpreendeu-se com a rapidez com que as

naves de reconhecimento conseguiram seu intento.

Acabara de transmitir a mensagem de Marshall a Rhodan

por meio do mini-comunicador e recebera a confirmação

da mesma.

No momento em que colocou o aparelho

cuidadosamente no chão para guardá-lo, viu a sombra da

primeira nave deslizar por cima dele.

Recuou alguns metros, procurando um abrigo, e olhou

em torno.

Não era só esta nave que se aproximava do seu

esconderijo. Vinham de todos os lados: quinze, vinte,

vinte e cinco.

Gucky encontrava-se numa armadilha.

Era bem verdade que a armadilha não o atingia

pessoalmente. Mesmo no momento em que um inimigo

estendesse a mão em sua direção ainda poderia colocar-se

em segurança através de um salto de teleportação.

Mas havia os equipamentos! Além de serem muito

preciosos, revelariam aos saltadores quem era o inimigo

que tinham diante de si. E por enquanto isso teria que ser

evitado a todo custo.

Gucky saiu por um instante de trás da rocha que lhe

servia de abrigo para guardar o minicomunicador e o

respectivo estojo. Apressadamente fechou o mesmo e pôs-

se a lidar com outro volume, do qual retirou o

desintegrador automático.

Começou a levar os volumes a um lugar seguro.

Lembrou-se de um rio que corria na extremidade oposta

do planalto e, depois de passar por um túnel de rocha,

penetrava na planície litorânea. Era bastante profundo

para os fins que Gucky tinha em vista. Sua profundidade

chegava mesmo a ser suficiente para evitar que as

radiações constantes dos minicomunicadores pudessem

penetrar na atmosfera.

Gucky tinha uma chance diminuta de livrar-se de toda

a bagagem antes que os saltadores chegassem, mas essa

chance não se realizou.

Agachado sobre o cano do desintegrador pesado,

matou cinco saltadores que haviam descido da nave e,

segurando os instrumentos de medição numa das mãos e a

arma na outra, vinham na direção exata do esconderijo de

Gucky.

Depois disso chamou Marshall.

* * *

Marshall estava subindo por uma rocha lisa, quando o

chamado de Gucky o atingiu. A intensidade era tamanha

que de tão assustado Marshall largou o apoio que a custo

conseguira alcançar, escorregando alguns metros até

voltar para junto dos companheiros, que o aguardavam ao

pé da rocha.

— Silêncio!

A mensagem de Gucky foi curta e precisa.

— Gucky está em dificuldades — disse Marshall

apressadamente. — Os saltadores conseguiram cercá-lo, e

não quer deixar a bagagem para trás. Pergunta se Tako

poderia chegar para junto dele.

A reação de Tako foi instantânea.

— Qual é à distância e os sinais característicos?

— A distância é de cerca de quarenta e cinco

quilômetros, direção leste-norte-leste. Sinal característico:

uma reunião de pequenas naves dos saltadores, em parte

pousadas, em parte no ar.

Tako confirmou com um aceno de cabeça.

— Está bem — disse laconicamente.

No mesmo instante desapareceu.

* * *

Tako aterrizou dois metros atrás das costas de Gucky.

Este se esforçava para lidar com o desintegrador pesado.

No instante em que Tako apareceu, um disparo energético

esverdeado saiu do cano com um zumbido, fazendo a

desgraça de alguns saltadores que tentavam aproximar-se

do esconderijo.

— Cuidado, Gucky! — gritou Tako. — Cheguei.

Gucky virou-se tranquilamente e exibiu o dente

roedor.

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— Já sei — sussurrou. — Acontece que ainda não tive

tempo para cumprimentá-lo.

Com a pata direita apontou para um dos volumes

cinzentos que se encontravam a seu lado.

— Abra isso e tire o radiador de impulsos. Esses

sujeitos ainda nos incomodarão por muito tempo.

Tako apressou-se em obedecer Foi só quando

segurava a arma nos braços que teve tempo para avaliar a

situação.

Gucky encontrava-se no flanco sudoeste de uma rocha

monolítica que se erguia em forma de torre. Algumas

rochas menores forneciam-lhe abrigo. As naves de

reconhecimento pareciam conhecer o ponto exato em que

se encontrava o inimigo, pois, ao circularem em torno da

rocha, aproximavam-se dela muito mais nos flancos leste

e norte que nos outros.

Ainda não tiveram oportunidade de disparar um único

tiro eficaz contra Gucky, pois o alcance de arma

automática deste era ao menos igual ao dos canhões leves

montados nas naves.

Abrigando-se atrás de algumas rochas pequenas, Tako

arrastou-se para o flanco norte da elevação, levando o

radiador de impulsos. Colocando-se numa posição segura,

dirigiu o cano da arma para cima e transformou cinco

naves dos saltadores numa massa de metal plastificado em

volatilização, antes que estes compreendessem que

também deste lado da rocha se defrontavam com um

perigo, e que estava na hora de manterem uma distância

respeitosa.

Tako rastejou de volta. O monte de bagagem que se

encontrava ao lado de Gucky diminuíra. Gucky

aproveitava cada segundo de que podia dispor para

teleportar-se com uma peça e voltar. Ainda faltavam

quatro volumes que teriam de ser transportados para o

esconderijo seguro situado sob a superfície do rio.

— Assim que descobrirem que deste jeito não

conseguem nada — disse Tako, observando as naves que

continuavam a descrever círculos largos em torno da

rocha — lançarão sua artilharia pesada contra nós.

Gucky acenou com a cabeça.

— Sei disso. Mas acho que terminaremos antes que

cheguem.

Desapareceu com um dos quatro volumes. Dali a vinte

segundos levou mais um.

Foi quando os saltadores voltaram ao ataque.

Conceberam uma tática diferente. Vindos de dois lados —

do sul e do oeste — atacaram a pé. Ao mesmo tempo

meia dúzia de naves contornou a rocha próxima ao solo,

vindo de cada um dos dois lados.

Se Gucky estivesse sozinho, essa forma de ataque

poderia tornar-se muito perigosa. No entanto, Tako

encarregou-se de um dos grupos de atacantes e, antes que

os mesmos pudessem fazer outra coisa senão disparar

alguns tiros a esmo, meteu-lhes tamanho susto que se

retiraram precipitadamente. O trabalho que Gucky

desenvolveu no outro flanco não foi menos bem sucedido.

Os saltadores fugiram aos tropeções e, ao que tudo

indicava, Gucky teria alguns minutos de sossego para

completar seu trabalho.

Transportou um dos últimos volumes para o novo

esconderijo; tratava-se dos estojos vazios do

desintegrador automático e do radiador de impulsos que

estava sendo usado por Tako. Depois apontou para o

último volume e disse:

— Leve-o a Marshall e volte. Faço votos de que até lá

consiga defender-me sozinho.

Tako não sabia o que havia naquele volume. De

qualquer maneira Gucky achava que era uma coisa

importante. Tako colocou-o nos braços, fechou os olhos

para rememorar o lugar em que deixara Marshall e seus

amigos e saltou.

Marshall não teve tempo para formular qualquer

pergunta. Antes que se recuperasse do susto causado pelo

súbito aparecimento de Tako, este voltou a desaparecer.

Nada de novo tinha acontecido com Gucky.

— Ainda estão com medo — sussurrou este em tom

zombeteiro.

Tako viu que na extremidade do planalto algumas das

naves dos saltadores decolaram, subiram obliquamente e

tomaram o rumo oeste. Era naquela direção que ficava o

enorme espaçoporto. Podia-se apostar mil contra um que

haviam saído em busca de apoio.

— É claro que você tem razão — disse Gucky,

lembrando Tako de que, além de possuir os dons da

telecinésia e da teleportação, era um eficiente telepata. —

Saíram em busca de auxílio. Acontece que, quando

voltarem, não encontrarão nenhum inimigo contra o qual

possam ser ajudados.

Tako descreveu com a maior precisão possível o lugar

em que Marshall os esperava. Saltou na frente e

surpreendeu-se ao ver que sua descrição fora tão exata

que poucos segundos depois Gucky pousou a menos de

dez metros.

Marshall, Kitai e Tama cumprimentaram-no

cordialmente. Falando com a voz sussurrante e

zombeteira que lhe era peculiar, Gucky disse:

— Se fosse por mim, não teria vindo. Acontece que

Rhodan disse que fosse ver se, por acaso, os quatro

macacos cabeludos ainda estão vivos. Aí não tive outra

alternativa.

Mas logo deixaram de fazer brincadeiras. Lembraram-

se de que depois do último incidente a situação não era

tão brilhante como seria de desejar para que pudessem

executar sua missão. A atenção dos saltadores fora

despertada, e isso não de forma genérica, como

acontecera há algumas semanas, mas de forma especial,

sobre os acontecimentos que se desenrolavam nas

imediações do lugar em que se encontravam. O continente

norte seria coberto por uma rede de naves de

reconhecimento, e provavelmente as malhas dessa rede

seriam tão estreitas, que dificilmente haveria uma chance

razoável de escapar pelas mesmas.

— Temos que descobrir uma coisa inteligente — disse

Marshall contrariado — e logo!

* * *

Vallingar constatou que Etztak sofreria um colapso se

não se acalmasse logo.

Nunca vira ninguém que soubesse aumentar a própria

raiva como Etztak. Com a voz esganiçada, gritava

palavras desconexas, praguejando ora contra os pilotos

das naves auxiliares, ora contra a organização da operação

de busca, e finalmente contra toda a raça “decadente” dos

saltadores.

Era bem verdade que Vallingar não pôde deixar de

reconhecer que havia motivo para tamanha exaltação.

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Treze naves destruídas, trinta e oito homens perdidos!

E isso numa luta contra um inimigo que nem chegara

a ser visto, do qual não se sabia sequer quem era e qual

era sua força. De início os tripulantes das naves

informaram que o fogo só provinha de um lugar. Mas

pouco depois tiveram que mudar de opinião, pois o fogo

foi aberto de outro lugar, ocasionando a perda de cinco

naves e das respectivas tripulações.

Mandaram trazer armas pesadas. Mas antes que as

mesmas pudessem ser utilizadas, as tripulações das outras

partes conseguiram tomar de assalto o esconderijo do

inimigo, sem encontrar a menor resistência.

Esse resultado poderia ser considerado plenamente

satisfatório, se em virtude dele tivessem capturado o

inimigo. Mas o homem, ou os homens que se defenderam

com tamanha eficiência pareciam ter-se dissolvido no ar.

O esconderijo estava vazio.

Era essa a causa da fúria de Etztak.

Nos últimos momentos em que esteve em seu perfeito

juízo mandara que todas as naves disponíveis se

lançassem numa enorme operação de busca, que

abrangeria todo o continente e grande parte das áreas

marítimas adjacentes.

Depois disso começara a esbravejar e até agora não

havia feito nenhuma pausa, muito menos dado mostras de

que pretendesse acabar num tempo previsível.

Nos primeiros momentos a fúria do velho enervara

Vallingar. Mas acabou acalmando-se e, reclinado

confortavelmente na poltrona, suportou os acessos de

raiva com uma espécie de agradável curiosidade.

O intercomunicador de bordo deu sinal. De tão furioso

que estava Etztak nem percebeu o zumbido. Por isso

Vallingar estabeleceu o contato. O homem que se

encontrava do outro lado da linha mostrou-se aliviado por

não ver o rosto furibundo de Etztak na tela.

— Mais duas naves foram destruídas, senhor — disse

com um suspiro.

— Onde? — perguntou Vallingar com a maior

tranqüilidade de que foi capaz.

O homem indicou o local exato em que as naves

haviam sido derrubadas. Vallingar procurou-o no mapa de

plástico, cuja projeção cobria uma das paredes da sala.

Depois procurou despertar Etztak da sua fúria. Só o

conseguiu depois que pegou o robusto velho na gola da

capa e o obrigou a virar-se de tal maneira que teve de

encará-lo.

— Mais duas naves foram derrubadas — disse

Vallingar com a voz tranquila.

Depois de interrompido no seu acesso de cólera,

Etztak não perdia o autocontrole sem mais nem menos.

— Acontece que isso nos fornece uma indicação sobre

a rota do inimigo — acrescentou Vallingar.

— Onde... como...?

Vallingar arrastou Etztak até o mapa.

— Aqui — disse, apontando para uma ampla mancha

verde-claro. — Foi aqui que há uma hora nossas naves

brigaram com o inimigo sem o menor resultado. E aqui —

a mão de Vallingar deslizou para a esquerda, apontando

para um lugar que ficava mais ou menos no centro da

linha que unia a mancha verde ao retângulo branco que

representava o espaçoporto — foram derrubadas as duas

naves. Compreendeu?

Etztak confirmou com um gesto feroz.

— Compreendi — resmungou. — Estão avançando

em direção ao campo de pouso.

* * *

A ideia inteligente concebida por Marshall, Gucky e

seus companheiros foi a seguinte:

Precisavam de um lugar seguro para esconder-se

durante o tempo em que não recebessem novas instruções

de Rhodan, e os saltadores recorressem a toda sua

habilidade para localizá-los.

Um esconderijo em algum lugar deserto não serviria.

Era justamente ali que os saltadores os procurariam, e

com os recursos de que dispunham a chance de não serem

descobertos era mínima. Teriam que esconder-se num

lugar em que os saltadores só realizariam uma busca

superficial, por suporem que nas condições ali reinantes

seriam encontrados logo.

Teriam que esconder-se entre homens.

Os saltadores acreditavam que os fugitivos, que eram

membros da tripulação da Lev XIV, seriam facilmente

reconhecíveis, especialmente, por exemplo, pelos

tripulantes dos veleiros primitivos que estavam ancorados

junto à costa sul. Se lhes acudisse a ideia de que os

homens que procuravam podiam estar escondidos por lá,

se limitariam a uma inquirição junto aos comandantes dos

navios. Estes não deixariam de dar resposta verídica à

indagação de um “deus”.

— Vamos nos esconder num dos navios! — foi esta a

diretiva.

Todavia, teriam que tomar seus preparativos. Os

saltadores não deveriam conhecer o caminho da fuga, pois

isso representaria uma indicação de suma importância.

Era necessário desviar sua atenção. Devia-se fazê-los

acreditar que os inimigos se deslocavam em outro sentido

— para o espaçoporto, por exemplo, levando-os a chamar

os grupos de busca que operavam nas outras partes do

continente norte.

Esta parte da missão ficou a cargo de Tako e Gucky.

Este fez questão de que Marshall e seu grupo ficassem

com uma das armas pesadas. Por isso Marshall ficou com

um radiador de impulsos. Tako e Gucky equiparam-se

com o desintegrador e uma delicada arma de bolso.

Não havia a menor dúvida de que a missão era

perigosa. Assim que tivessem dado sinal de sua presença,

teriam que defrontar-se com toda a organização de busca

dos saltadores. E acontecia que só tinham um

conhecimento bastante limitado do terreno em que teriam

de operar. Era bem possível que depois de um salto

viessem parar no meio de um grupo de reconhecimento

dos saltadores, e nesse caso a possibilidade de escaparem

ilesos era bastante reduzida.

Mas tinham de arriscar.

Um tanto abatidos, Marshall, Kitai Ishibashi e Tama

Yokida, que seguiriam para o sul em direção à costa,

despediram-se dos teleportadores.

* * *

O céu estava preto de tantas naves auxiliares, pesados

veículos deslizantes que, entre os saltadores,

desempenhavam o papel de caminhões e pequenas naves

de reconhecimento, que eram mais ou menos do tamanho

da Frer LXXII, na qual Gucky chegara ao planeta.

Tako e Gucky estavam escondidos numa caverna, e

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esperavam para ver o que fariam os saltadores. Poucos

minutos antes haviam derrubado duas de suas naves e,

conforme era de prever, logo depois toda a frota que

participava da operação de busca se reunira no local.

Acontece que a mesma não possuía a menor

indicação, a não ser a destruição das duas naves. Gucky e

Tako não emitiam qualquer tipo de radiação que pudesse

ser localizada. O minicomunicador ficara com Marshall.

Tako olhou para o relógio. Fazia uma hora e meia que

Marshall se pusera a caminho. Para alcançar o porto mais

próximo teria de marchar quase cem quilômetros, pois era

de supor que durante a busca intensa os saltadores já

tivessem encontrado as duas naves capturadas. Por isso a

ação desviacionista teria que ser prolongada ao máximo

para que pudesse ajudar Marshall.

— Temos que passar para o outro lado — cochichou

Gucky.

Estava aludindo ao lado oposto do longo vale, que se

estendia do leste para o oeste, isto é, a um ponto situado

algumas centenas de metros ao norte. Sem dúvida esse

ponto ficava fora da área em que os saltadores supunham

que os autores do atentado estivessem escondidos.

Tako confirmou com um aceno de cabeça. Convinha

preparar sempre surpresas novas para os saltadores.

Saltaram com um intervalo, depois de terem

combinado com a maior precisão o ponto de destino do

salto. Pousaram aproximadamente a meia altura de uma

grande encosta de pedras, da qual sobressaíam alguns

blocos de rocha. Gucky, que saltou em último lugar,

surgiu a menos de quinze metros do japonês e, como este,

procurou abrigar-se imediatamente atrás da rocha mais

próxima. Estavam bem ajustados um ao outro.

Viram que do lado oposto do vale as naves dos

saltadores pousavam cautelosamente e as tripulações

desceram ainda mais cautelosamente.

Alguns veículos destacavam-se do grupo, passavam

junto aos flancos íngremes do vale e esforçavam-se para

encontrar qualquer pista dos homens que procuravam.

— Vamos dar-lhes uma pequena ajuda — sugeriu

Tako.

Descansou o desintegrador sobre uma rocha, fez

pontaria por cima do cano e esperou. Tinha tempo; não

havia necessidade de seguir o inimigo com a arma. A

qualquer momento um deles se colocaria à frente da

mesma.

Dali a alguns minutos chegou o momento em que isso

aconteceu.

A única coisa que Tako teve que fazer foi curvar o

dedo e soltar o gatilho em seguida.

Conseguiu o que queria. Um raio desintegrador de

apenas um décimo de segundo atingiu a pequena nave que

se aproximara demais, e volatilizou parte de seu casco.

Tako não teria o menor trabalho em destruí-la juntamente

com a tripulação. Mas ficou satisfeito em ver que a nave

descontrolada perdeu altitude e atingiu o chão com um

forte baque. As equipes de socorro, formadas às pressas,

acorreram de todos os lados. Pareciam nervosas e

assustadas.

Tako tinha certeza de que a tripulação ainda estava

viva.

Desta vez a reação dos outros veículos dos saltadores

foi muito interessante. Alguém parecia ter visto de onde

viera o tiro e transmitiu seu conhecimento aos outros.

Com uma rapidez e segurança até então desconhecida nos

saltadores, estes se afastaram do lugar em que estavam

procurando e precipitaram-se para o flanco norte do vale.

— O tempo não está bom para nós — resmungou

Tako e colocou a pesada arma sobre os braços. — Vamos

para o oeste.

Poucos segundos depois de terem mudado de lugar, os

projéteis disparados pelas naves dos saltadores

começaram a detonar no ponto em que antes se

encontravam.

* * *

Depois de terem caminhado durante três horas sem

serem perturbados, Marshall e seus companheiros

chegaram a uma espécie de estrada.

Marshall trazia o radiador de impulsos sobre o ombro.

A arma não pesava muito, pois Tama Yokida, o

telecineta, suportava parte do peso por meio de seu dom

especial. Concentrou o resto de sua potência telecinética

sobre o minicomunicador, que carregava juntamente com

Kitai Ishibashi, caminhando atrás de Marshall.

Marshall parou junto às marcas de roda. Parecia

pensativo.

— Alguma coisa não lhe está agradando? —

perguntou Kitai.

A mão esquerda de Marshall apontou para as marcas.

— É isto — respondeu. — Você acredita que os

saltadores permitiriam que os ingênuos goszuls

penetrassem tão profundamente no continente? Afinal,

estamos a mais de sessenta quilômetros do mar.

Kitai abanou a cabeça.

— Não devem ser os goszuls. Talvez os próprios

saltadores tenham deixado estas marcas.

— Não é possível; eles não usam veículos de rodas.

São nômades até o fundo da alma. Percorrem o espaço e

não gostam de fixar-se em qualquer planeta. Não

saberiam o que fazer com um veículo que anda sobre

rodas.

— Quem poderia ter sido? — resmungou Kitai.

Marshall deu de ombros.

— Não sei — respondeu. — Veremos, pois vamos

caminhar pela estrada.

Mantinham-se à esquerda do caminho, onde as rodas

só haviam chegado vez ou outra, pois era difícil caminhar

nas marcas profundas deixadas pelas rodas. Meia hora

passou-se sem que sua curiosidade fosse satisfeita.

Subitamente Kitai parou e obrigou Tama, que o

ajudava a carregar o minicomunicador, a parar também.

— Ouçam! — exclamou.

Aguçaram o ouvido. De algum lugar, provavelmente

das primeiras montanhas a cujo pé se encontrava, veio um

ruído crepitante.

— Olá! — disse Marshall espantado. — Até parece o

primeiro automóvel de meu avô.

Pararam e esperaram. Nem de longe pensaram na

possibilidade de que uma coisa que fizesse um barulho

tamanho pudesse representar um perigo.

Depois de algum tempo viram. Numa curva arriscada,

saiu da primeira volta do caminho, entrou pelo capim

adentro e parou. O ruído crepitante cessou, mas poucos

segundos depois voltou a soar mais forte, e o estranho

veículo deslocou-se pelo capim, dócil mas um pouco

devagar. Descreveu uma curva larga, voltou à estrada e

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aumentou de velocidade assim que atingiu as marcas de

roda. Aproximou-se do grupo que se mantinha a espera.

Marshall riu.

— Isso não é o primeiro carro de meu avô; é o

primeiro carro de meu bisavô.

Três homens estavam sentados naquela coisa. Não

havia dúvida de que eram goszuls, mas seus trajes eram

diferentes daqueles usados pelos goszuls que os homens

do grupo de Marshall haviam visto até então.

Marshall não teve necessidade de ler seus

pensamentos para saber quem eram. Pertenciam ao grupo

que os saltadores haviam julgado digno de receber um

superficial treinamento hipnótico, a fim de ser

transformado numa força de trabalho barata — ou melhor,

numa força de trabalho escrava.

Pareciam orgulhosos em cima do incrível veículo e

mostraram-se espantados diante dos três caminhantes que

se esforçavam para esconder a hilaridade.

O condutor do veículo esforçou-se para parar. Mas só

conseguiu fazê-lo, com o motor aos estalos, quando já

havia passado alguns metros pelo grupo de Marshall.

Este percebeu os pensamentos dos goszuls. Pensavam

que ele e os dois japoneses também fossem trabalhadores

a soldo dos saltadores — ou servos dos deuses, como

diziam os ingênuos goszuls.

— Aonde vão? — perguntou o homem que se

encontrava na direção, uma vez concluído o difícil

trabalho de imobilizar o veículo.

Falava o intercosmo no mesmo tom cantante dos

habitantes ingênuos do planeta de Goszul. Marshall nem

se esforçou para imitar esse tom.

— Vamos ao porto — disse laconicamente.

O goszul espantou-se.

— A pé?

Marshall leu os pensamentos que iam pela cabeça do

goszul. “Será que os deuses não dispunham de nenhum

carro?”

— Os deuses não nos puderam dar nenhum carro —

respondeu Marshall. — Poderiam levar-nos?

— Você sabe que não é possível — respondeu o

goszul.

Marshall leu a informação. O veículo só suportava o

peso de três pessoas. Marshall virou-se para Tama e

cochichou ao ouvido do mesmo:

— O carro só pode levar três pessoas. Será que você

poderia levantá-lo?

Tama confirmou com um aceno de cabeça e Marshall

voltou a dirigir-se ao goszul.

— Vamos experimentar com cuidado. Está certo?

Sem aguardar uma resposta, subiu na armação de

plástico que formava a parte mais importante do

automóvel. O goszul que se encontrava na direção ia

protestar, mas não teve tempo para fazê-lo, pois, embora

Kitai e Tama subissem logo depois de Marshall, o veículo

não quebrou.

— Está vendo? — disse Marshall rindo. — Dá

perfeitamente. Vamos embora.

O goszul nem pensou em obedecer. Marshall viu a

desconfiança despontar em seus pensamentos.

— Quem são vocês? Por que fala de maneira tão

estranha, e que instrumento é este que você carrega no

ombro?

— Não sei — respondeu Marshall em tom indiferente.

— Os deuses não costumam dizer aos seus servos o que

estes estão carregando para o porto a mando deles.

O Goszul parecia satisfeito com a resposta.

— Por que sua fala é tão estranha? — perguntou.

— Venho de longe — explicou Marshall.

— Não me diga que vem do continente sul — disse o

goszul com os olhos brilhantes.

Marshall cometeu a imprudência de não formular uma

indagação ao cérebro estranho antes de dar a resposta.

— Isso mesmo — disse.

No mesmo instante reconheceu o erro que cometera.

— Também sou de lá — exclamou o goszul. —

Somos patrícios; mas... — interrompeu-se e prosseguiu

com os olhos semicerrados — justamente por isso não

compreendo por que sua fala é tão estranha.

Marshall dispôs-se a prestar um esclarecimento

amplo; falaria no destino que o arrastara a muitos países,

e dali por diante. Mas antes que pudesse falar o goszul fez

um gesto e disse:

— Talvez eu esteja enganado. Para dizer a verdade,

seu modo de falar nem é tão estranho.

Virou-se e dispôs-se a pôr o motor a funcionar.

Marshall olhou para Kitai. Este deu um sorriso

malicioso. Marshall falou baixo:

— Obrigado. As coisas estavam começando a ficar

perigosas.

Marshall interessou-se pelo motor que movia o

veículo. Neste meio tempo, o goszul que se encontrava na

direção já o pusera a andar. Quando ouviu o ruído bem de

perto, Marshall não teve mais a menor dúvida de que se

tratava de um motor de combustão interna, do tipo dos

motores a gasolina. Era bem verdade que o cheiro dos

gases de escapamento não lembrava nada que jamais

tivesse tocado o nariz de Marshall, mas isso não

significava nada. Afinal, um motor de combustão interna

também pode ser alimentado com cachaça.

O milagre era outro. Os saltadores, uma raça ligada ao

espaço, que não tinha o menor interesse pelos veículos de

roda, deram-se ao trabalho de inventar um veículo

semelhante a um automóvel para seus servos.

Provavelmente não quiseram arriscar-se a confiar aos

goszul recursos técnicos que ultrapassassem este motor

que funcionava muito mal.

Dali se deveria concluir que não confiavam muito nos

goszuls submetidos ao treinamento hipnótico?

Marshall revolveu os pensamentos dos três servos dos

deuses, mas não encontrou a menor indicação de que

tivessem qualquer pensamento de rancor para com os

saltadores. Era bem verdade que isso não queria dizer

nada, pois no momento nem pensavam nos saltadores.

Tama Yokida encarregara-se de aliviar parte do peso

do veículo, para que o motor que fungava pesadamente

pudesse deslocá-lo. O goszul que se encontrava na

direção ficou admirado com a velocidade que o veículo

descrevia ao sacolejar pela estrada. Virou a cabeça e

gritou em tom alegre:

— Daqui a três horas estaremos no porto.

* * *

A estranha batalha deslocara-se para o norte. Pelos

cálculos de Tako, deviam encontrar-se na altura da

extremidade norte do enorme espaçoporto. Estava na hora

de chegar para o oeste.

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As lutas mais ou menos prolongadas haviam custado

aos saltadores um total de cinco naves auxiliares e dois

transportadores. O único resultado que puderam

comunicar aos superiores foi que, depois de cada tiro,

conseguiam localizar prontamente o atirador, mas que o

contragolpe sempre chegava tarde.

A histeria tomou conta dos grupos de busca.

O que tinham diante de si não era um inimigo como

qualquer outro; eram fantasmas.

Etztak gritava num novo acesso de fúria. Disse que

qualquer um que se atrevesse a suspender as buscas antes

que o inimigo estivesse morto ou preso seria condenado à

morte.

Quatro horas e meia já se haviam passado desde que

se separaram de Marshall. Pelos cálculos de Tako, pelo

menos quatro vezes esse tempo se passaria antes que

Marshall conseguisse chegar ao porto. Marshall ainda não

os avisara de que conseguira tomar um veículo.

* * *

A cidade não era Saluntad, e nenhuma das casas tinha

a menor semelhança com a que Vethussar possuía no sul.

Mas tinha um porto, e nesse porto estavam ancorados

três veleiros de alto-mar de grande porte. Havia lugar de

sobra para esconder uma companhia inteira de

guerrilheiros terrestres.

De repente Marshall teve muita pressa em sair do

carro. À primeira vista notou que na cidade havia grande

número de robôs dos saltadores e, enquanto não sabiam

quais eram suas funções, não poderiam ter certeza de que

um deles não fosse examinar por iniciativa própria os

ocupantes do veículo trepidante. Nesse caso não se

deixaria demover pela sugestão ou por qualquer outra

força, a não ser pelo uso das armas.

Marshall agradeceu aos três goszuls, prometeu

retribuir a gentileza um belo dia e afastou-se com os

companheiros. O goszul que ia na direção ficou admirado

ao notar que agora, que a carga era menor, o carro não

obedecia tão bem como antes.

Marshall saiu da rua principal, pois achava que a

mesma era movimentada demais e muito freqüentada

pelos robôs. Juntamente com Tama e Kitai, que

novamente carregavam o minicomunicador, entrou por

uma viela que, pela direção, parecia levar à zona

portuária.

Marshall refletiu sobre se convinha transmitir a Gucky

a informação de que haviam chegado ao porto antes do

tempo previsto, mas felizmente não chegou a levar o

pensamento ao fim. De outra forma poderia ter enviado a

mensagem.

Outra viela cruzou aquela pela qual estavam seguindo,

e um pequeno grupo de robôs dobrou a esquina,

produzindo um som metálico com suas pisadas.

Marshall olhou disfarçadamente. Havia muita gente

que também havia notado os robôs, mas não se

preocupava com sua presença. Marshall achou que devia

fazer a mesma coisa. Seguiu pelo lado direito, tão perto

das casas que a cada passo que dava o cano do radiador de

impulso raspava a parede numa extensão de meio metro.

Prosseguiu na marcha e olhava fixamente para a frente,

como se refletisse sobre um problema importante.

Mas os robôs não estavam dispostos a permitir que os

três homens passassem por eles sem mais nem menos.

Quando se encontravam a uns cinco metros, o da frente

parou, o outro colocou-se ao seu lado, e assim por diante,

até fecharem toda a largura miserável do beco.

— Parem! — gritou a voz metálica de um deles. —

Vocês vieram à cidade no último carro?

Reunindo todo o sangue-frio que ainda lhe restava,

Marshall parou diante do robô que acabara de formular a

pergunta, olhou-o dos pés à cabeça num gesto de desprezo

e respondeu:

— Isso mesmo. Você tem alguma coisa com isso?

A reação daqueles que, até então, talvez acreditassem

que poderiam assistir a uma cena divertida foi bastante

significativa. O beco esvaziou-se num instante. Todos

procuraram a entrada da casa mais próxima. Só os quatro

robôs e os três homens continuavam no beco.

— Que instrumento é este que os dois estão

carregando? — prosseguiu o robô nas suas perguntas, sem

dar atenção à observação sarcástica de Marshall.

Um lampejo passou pela cabeça de Marshall: o

minicomunicador! Conforme Gucky lhe havia dito, emitia

radiações inertes. E os robôs haviam registrado as

mesmas.

“Pois bem”, pensou Marshall numa atitude resignada.

“Ao menos sabemos que não adiantará tentar enganá-

los.”

— Não sei — respondeu em tom despreocupado.

Com a rapidez peculiar ao seu cérebro eletrônico o

robô tomou sua decisão.

— Sigam-me! — ordenou.

Sem dizer mais uma palavra, virou-se e andou pelo

caminho por onde tinham vindo. Marshall seguiu-o. As

três máquinas restantes pararam até que Tama, que era o

último do grupo, tivesse passado por eles e passaram a

formar a retaguarda.

Sem preocupar-se com o risco que isso representava,

cochichou em inglês para os companheiros:

— Só atiraremos quando estivermos numa área menos

movimentada. Não queremos testemunhas.

Os outros compreenderam. Kitai poderia ordenar a

duas, três ou mesmo quatro testemunhas que esquecessem

o que haviam visto, mas diante de um número maior seria

impotente. E o tumulto que se espalharia na cidade com a

notícia da “morte” de quatro robôs era o que menos lhes

convinha.

Seguiram docilmente o robô que ia à frente e evitaram

virar a cabeça para os que seguiam atrás.

O da frente entrou no beco pelo qual havia vindo.

Marshall alegrou-se ao ver que, ao sudoeste, as casas

começaram a ficar mais espaçadas. Se conseguissem

chegar lá sem que fossem presos pelos robôs, a batalha

estaria praticamente ganha.

* * *

Tako atingiu outra nave. Viu que se descontrolou e

caiu. Preparou-se para saltar. Os saltadores haviam

adotado o hábito de reagir com a maior rapidez diante de

cada tiro.

Mas desta vez as coisas foram diferentes. Tako

esperou que as máquinas se aproximassem, mas as

mesmas continuaram onde estavam.

Por enquanto; depois se reagruparam, subiram e

tomaram o rumo sul. Ultrapassaram a cadeia de

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montanhas mais próxima e desapareceram.

Tako riu.

— Será que é um novo truque?

Não poderia adivinhar a palestra que poucos segundos

antes Etztak mantivera com a cidade portuária de Vintina,

nem as instruções que acabaram de ser transmitidas aos

pilotos que participavam da busca.

— Não compreendo — cochichou Gucky.

Abanou a cabeça e esteve a ponto de dizer mais

alguma coisa. Mas nesse instante seus olhos arregalaram-

se. Com o corpo rígido, olhou fixamente para a frente,

como se estivesse escutando alguma coisa.

— Marshall e seus companheiros foram aprisionados

na cidade por um grupo de robôs. Não compreendo tudo,

mas ao que parece estão em dificuldades. Temos que

seguir imediatamente para lá.

Marshall havia fornecido a localização aproximada da

cidade. Não havia motivo para demora. Saltaram no

mesmo instante.

* * *

Os robôs nem pensaram em cumprir o desejo de

Marshall. Muito antes de atingirem o setor do beco em

que as construções começavam a escassear, a máquina

que ia na frente dirigiu-se para o lado, abriu a porta de

uma das casas que era tão suja como as demais que havia

naquela área, e procurou fazer com que os prisioneiros

entrassem no corredor escuro que se via atrás da porta.

Marshall não perdeu tempo. Não sabia o que lhes

aconteceria no interior da casa, mas era bem possível que

esta fosse apenas uma armadilha da qual dificilmente

conseguiriam escapar.

Era preferível arriscar um tumulto na cidade.

— Atenção! — gritou em inglês, sem mover um

músculo da face.

A porta era baixa. Marshall fez de conta que tinha que

tirar o radiador de impulsos de cima do ombro para poder

passar. A arma escorregou para a curva do cotovelo. No

momento em que, ao abaixar-se, virou o corpo num

movimento instantâneo, puxou o gatilho.

Tama e Kitai haviam compreendido a advertência.

Encontravam-se fora da linha de fogo. Marshall deixou

que o raio branco chiasse e destruiu o primeiro robô antes

que o mesmo compreendesse o que estava acontecendo. O

metal chiou ao atingir o chão, formou uma poça cinzenta

e espalhou um calor insuportável.

Tama e Kitai foram mais para o lado. Marshall

destruiu mais dois robôs que, ao que tudo indicava, não

haviam sido programados para a ação. O último, que

provavelmente se viu ativado por uma espécie de ligação

de emergência, começou a reagir no mesmo instante em

que Tama e Kitai se deram conta de que mesmo com suas

pequenas armas de bolso poderiam perfeitamente ter uma

chance contra a máquina. Os dois raios energéticos, finos

como uma agulha, penetraram no crânio da máquina e

fizeram com que o robô cambaleasse.

Marshall cuidou do resto.

O calor aumentara tanto que estava chamuscando seus

cabelos e as roupas começavam a fumegar.

— Vamos embora! — fungou Marshall. — Para a

direita.

Era a direção da qual tinham vindo. As reações de

Marshall foram puramente instintivas. Embora não

soubesse qual era o estado de espírito da população, tinha

a impressão de que estaria mais seguro num lugar em que

pudesse esconder-se em meio a muitas pessoas.

Tinha certeza absoluta de que os saltadores tinham

conhecimento da morte de um dos seus robôs no mesmo

instante em que essa ocorria. Afinal, conhecia a história

de Gucky.

O beco estava vazio. Enquanto corria, Marshall via

vez por outra um rosto assustado. O pânico parecia ter-se

apoderado da população de Vintina. Provavelmente era a

primeira vez que alguém se atrevera a enfrentar um robô.

Marshall perguntou de si para si quanto tempo

demoraria a primeira reação dos saltadores diante da

morte de um dos seus robôs. Teriam tempo de chegar ao

porto para esconder-se num dos navios?

Se continuassem a correr como até aqui, não levariam

mais de dez minutos para chegar ao porto. Levariam

outros dez minutos, talvez quinze, para encontrar um

navio e influenciar ao menos o comandante de tal maneira

que não se opusesse à estranha hospedagem.

Se os saltadores levassem meia hora para reagir à

destruição de quatro dos seus robôs-polícia, tudo estaria

em ordem.

E se levassem menos?

* * *

Tako e Gucky aterrizaram junto à cidade. Viram a

frota de naves auxiliares, aerotransportadores e naves de

pequeno porte aproximar-se ruidosamente e espalhar-se

pela cidade. As naves desciam às dezenas nas ruelas

estreitas e soltavam os tripulantes.

Tako atingiu com o desintegrador uma nave

transportadora que voava a pouca altura, danificando-a de

tal forma que se viu obrigada a descer antes da cidade,

realizando um pouso de emergência bastante acidentado.

O incidente fez com que parte das forças que

operavam sobre a cidade recebesse ordem para regressar e

sair à procura do atirador atocaiado.

O jogo realizado horas antes nas montanhas repetiu-

se. Tako e Gucky atiravam e saltavam, atiravam e

saltavam.

Dessa forma conseguiram concentrar em torno de si

três quartas partes dos veículos. Só um quarto prosseguiu

nas buscas no interior da cidade. Se Marshall tivesse a

ideia de esconder-se por algum tempo, os saltadores se

convenceriam de que os homens que haviam praticado o

atentado contra os robôs já deviam ter saído da cidade, e

eram os mesmos que destruíam uma nave atrás da outra

sem serem molestados.

Gucky instruiu Marshall nesse sentido. Este recebeu o

impulso e confirmou-o.

* * *

A reação demorou menos de quinze minutos. Marshall

ouviu o ruído surdo vindo do alto, olhou para cima

enquanto corria e viu uma nave auxiliar redonda passar

pouco acima dos telhados.

Foi seguida por outras naves, inclusive

transportadoras.

A rua pela qual corriam levava diretamente ao porto.

No fim da mesma via-se o casco de um navio. Quase

parecia ao alcance da mão.

Enquanto Marshall refletia se não seria preferível

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esconder-se em algum lugar até que se descobrisse quais

eram as intenções dos saltadores, três pequenas naves

auxiliares surgiram na rua, vindas do porto, desceram

suavemente e abriram as escotilhas.

Três saltadores armados até os dentes desceram delas.

Ainda estavam muito longe para poderem descobrir

qualquer coisa de suspeito nos três homens que vinham ao

seu encontro. Mas os três subiam pela rua, chegavam cada

vez mais perto. Sem dúvida desconfiariam se Marshall e

seus companheiros fizessem meia-volta e seguissem na

direção oposta.

— Cuidado! — cochichou Marshall. — Vamos entrar

na primeira casa.

No mesmo instante captou a mensagem de advertência

de Gucky. Confirmou o recebimento e acrescentou:

— É o que estamos fazendo.

Tama procurou abrir a porta da primeira casa. Estava

trancada. Tama tentou abri-la por meio da telecinésia, mas

para isso precisaria concentrar-se, o que exigiria certo

tempo. Marshall pegou-o no ombro e empurrou-o até a

próxima casa.

— Não temos tempo — resmungou.

Os três saltadores estavam a menos de cem metros. Se

a porta da outra casa também estivesse trancada, estaria

na hora de atirar.

Tama experimentou a estranha maçaneta triangular,

puxou e empurrou com toda força, sacudiu a porta. A

madeira velha rangeu...

Nada!

— Fique atrás de mim — ordenou Marshall. — Está

na nossa vez.

Tama e Kitai largaram o minicomunicador. Kitai

começou a concentrar-se para que pudesse ajudar

Marshall quando chegasse o momento. A distância ainda

era grande para tentar a influência sugestiva.

Abrigado na entrada da casa, Marshall foi levantando

o cano do radiador de impulsos.

Naquele instante a porta abriu-se devagar, deixando

apenas uma fresta livre. Uma mão estendeu-se pela fresta

e segurou o braço de Tama, arrastando-o pela porta, que

se abriu inteiramente.

Kitai seguiu-o espontaneamente, depois de avisar

Marshall. Arrastou o minicomunicador atrás de si.

Com um grande salto, Marshall colocou-se sob o

abrigo da escuridão reinante no corredor.

— Desçam ao porão! — disse uma voz estranha.

Alguma coisa rangeu. Tama, que estava nos fundos do

corredor, disse:

— Aqui há uma porta e alguns degraus.

— Não adianta — respondeu Marshall. — Os

saltadores viram que entramos aqui. Virão...

Lá fora, passos ruidosos aproximaram-se pelo

calçamento desigual e pararam diante da porta. Marshall

ouviu a maçaneta girar. Mas ao que parecia a porta

voltara a ser trancada.

— Abra! — gritou uma voz rouca.

— Pouco importa quem você seja — disse Marshall

baixinho ao desconhecido em meio à escuridão. — Abra,

senão eles porão fogo na casa. Saberemos defender-nos.

Passos rastejantes atravessaram o corredor, vindos dos

fundos, passaram por Marshall e atingiram a porta.

— Tama, vá para baixo — ordenou Marshall. —

Kitai, veja o que pode fazer. Se for necessário poderei

trabalhá-los.

Kitai não respondeu. Já estava trabalhando. Os passos

tateantes de Tama afastaram-se pela escada. Uma lufada

de ar frio passou pelo corredor.

A porta abriu-se, deixando entrar um raio de luz. A

figura pequena e franzina destacou-se na escuridão.

Inclinou-se profundamente.

— Que honra imensa... — começou a murmurar.

Um dos saltadores interrompeu-o em tom grosseiro:

— Você escondeu três estranhos nesta casa. Entregue-

os.

O magricela endireitou o corpo.

— Eu? Senhor, você está brincando com o mais

humilde dos seus servos.

— Pare com essa conversa mole. Quero...

Um dos saltadores colocou a mão sobre seu ombro. O

primeiro inclinou-se e deixou que o companheiro

cochichasse alguma coisa ao seu ouvido.

— Será? — perguntou ele com a testa enrugada.

Numa fração de segundo foi da mesma opinião, que

era a opinião que Kitai já instilara nos dois companheiros:

a de que naquela rua nunca haviam passado estranhos, e

que por isso mesmo eles não os poderiam ter visto.

— Por que nos olha desse jeito? — gritou para o

magricela. — Feche a porta e cuide do seu trabalho.

O magricela voltou a inclinar-se e obedeceu.

Marshall respirou aliviado quando lá fora os passos se

afastaram. Os passos rastejantes do magricela voltaram

pelo corredor.

— Que poder imenso vocês têm sobre os deuses —

disse com uma risadinha. — Acho que vocês bem

mereciam que eu os ajudasse.

— Afinal, por que você nos ajudou? — perguntou

Marshall.

— Vocês mataram quatro máquinas dos deuses, não

é? — perguntou o outro. — Isso é motivo bastante para

ser grato e ajudar vocês. Quase todos os outros pensam

como eu. Mas têm muita coisa a perder, e por isso têm

medo de ajudar. Não querem descer?

— Não, não queremos mais — respondeu Marshall.

— Queremos ir ao porto. Talvez a sorte nos ajude para

conseguirmos passar sem sermos vistos.

— Talvez — disse o magricela com uma risadinha. —

Se vocês descerem ao porão, a sorte os ajudará com toda

certeza.

Marshall começou a desconfiar do magricela. Mas a

superfície lisa de metal plastificado que sentia no braço

tranquilizou-o. O que poderia ele fazer contra o radiador

de impulsos?

— Está bem. Vamos descer — decidiu.

Kitai pegou o minicomunicador. Tateando, chegou ao

início da escada e foi descendo. Marshall seguiu-o. O

magricela veio atrás de todos.

Tama gritou lá de baixo.

— Gostaria que não fosse tão escuro. Em algum lugar

está entrando ar puro.

O magricela deu outra risadinha. Subitamente

Marshall sentiu chão plano sob os pés. Alguma coisa

crepitava atrás dele. O magricela acendera um cavaco de

lenha.

Encontravam-se num subterrâneo não muito grande. O

que havia de estranho nele era a abertura redonda de cerca

de um metro existente numa das paredes.

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O magricela, um velhinho de roupa esfarrapada e

cabeleira imunda e desgrenhada, apontou para a abertura.

— Entrem ali — disse com uma risadinha. — A outra

extremidade fica no cais, um palmo acima da água, no

momento. Com a maré alta a galeria fica cheia de água até

a metade, pois desce em direção ao porto.

Marshall leu seus pensamentos. As indicações eram

verdadeiras.

— Nós lhe ficamos muito gratos — disse em tom

sério. — Quando chegar a hora, não nos esqueceremos de

Wosetell.

O velhinho não parecia espantar-se pelo fato de que

Marshall sabia seu nome. Com a voz inalterada,

respondeu:

— Vejo que você possui um poder imenso. Acredito

que um dia você conseguirá fazer com todos esses deuses

malvados a mesma coisa que você fez com quatro de suas

máquinas. Não percam tempo; cada instante pode ser

precioso.

Rastejando de quatro, Tama entrou na galeria. Kitai

empurrou o minicomunicador atrás dele, para que se

encarregasse do mesmo, e seguiu-o. Marshall despediu-se

do velho com um aceno de cabeça e entrou na abertura,

assim que os sapatos de Kitai haviam desaparecido.

Ouviram a risadinha de Wosetell atrás deles.

* * *

Tudo indicava que a sorte estava favorecendo

Marshall.

Dali a uma hora os saltadores estavam convencidos de

que na cidade não havia mais nenhuma das pessoas que

procuravam. Concentraram sua atenção para os lugares

em que surgiam constantemente tiros breves, disparados

com boa pontaria, diminuindo lenta, mas, seguramente as

fileiras dos veículos que participavam da busca.

Cada salto levava Tako e Gucky algumas centenas de

metros para o norte. Os saltadores viram-se diante de um

mistério. Talvez o inimigo com que estavam lutando fosse

o mesmo com que se defrontaram nas montanhas. Nesse

caso não sabiam explicar como teria chegado tão

rapidamente a Vintina sem qualquer auxílio aparente.

Também era possível que se tratasse de outro grupo.

Nesse caso não havia como explicar que, tal qual o

primeiro, se aproximava do grande espaçoporto sob os

olhos dos vigilantes.

Tako acreditava que os saltadores se defrontassem

com esse tipo de problema, e perguntou de si para si

quanto tempo Etztak levaria para descobrir que não se

encontrava diante de membros da tripulação da Lev XIV,

mas sim dos seus piores inimigos.

Bem, essa ideia já acudira a Etztak há algum tempo.

Mas não dispunha de provas, e, além disso, de certo

tempo para cá estava tão furioso que não conseguia

concatenar seus pensamentos.

O estranho combate deslocava-se cada vez mais para o

norte.

À medida que o combate prosseguia, os saltadores iam

se convencendo de que realmente em Vintina não havia

mais nenhum dos elementos que procuravam. Sabia-se

que quatro homens da tripulação da Lev XIV haviam

fugido. E o grupo que tornava as coisas tão difíceis para o

grupo de busca devia ser composto ao menos de quatro

elementos.

Marshall anunciou que ele e seus companheiros

haviam subido num navio e “garantido toda a tripulação,

inclusive o comandante”

Gucky respondeu:

— Tudo em ordem! Seguiremos assim que os

saltadores se tiverem afastado-o suficiente da cidade.

* * *

A ocupação do Orahondo foi realizada sem

dificuldades. O costado de bombordo ficava a poucos

metros do lugar em que a estranha galeria de Wosetell

rompia o cais. Deixaram o minicomunicador e o radiador

de impulsos na galeria e nadaram até o navio. Subiram

por uma corda.

A tripulação do navio pertencia à classe ingênua de

Goszul. Kitai praticamente não teve nenhum trabalho em

modular os pensamentos dessa gente de tal forma que

acreditavam justamente naquilo que mais convinha à

segurança do grupo de três pessoas, posteriormente

aumentado para cinco.

Também o comandante foi submetido ao tratamento

de Kitai. Indicou-lhes três aposentos confortáveis, e

prometeu que mandaria arrumar dois camarotes para as

pessoas que deveriam chegar depois.

Depois disso Tama Yokida trouxe para bordo o mini-

comunicador e a arma de impulsos.

Marshall comunicou a Gucky que a missão fora

coroada de êxito. Este respondeu:

— Tudo em ordem! Seguiremos assim que os

saltadores se tiverem afastado o suficiente da cidade.

Subitamente Marshall ficou estarrecido de surpresa, ao

captar o impulso retumbante e dolorido:

— Quem vive falando por aí?

Gucky não demorou tanto em recuperar-se do susto.

Marshall recebeu sua mensagem:

— O que foi isso?

E logo a resposta dolorida:

— Fui eu!

— Quem é você? — perguntou Gucky.

— Sou um servo dos deuses.

Marshall interveio.

— É um telepata de Goszul, Gucky! — preveniu. —

Isso pode ser muito perigoso.

— É mesmo — respondeu Gucky. — Espere um

momento.

O próximo impulso foi dirigido ao goszul:

— Quer fazer-nos um favor, amigo?

— Depende.

— Eu explicarei. Coisas importantes estão sendo

preparadas. Se você interferir na nossa troca de

mensagens, isso poderá perturbar nossa tarefa. Se estiver

disposto a ficar calado até que tenhamos liquidado nossos

negócios, poderá participar dos nossos lucros.

A resposta veio num tom zombeteiro:

— Você não pode ocultar inteiramente, forasteiro, por

mais que você se esforce. Você é um inimigo dos deuses,

não é?

Gucky teve bastante inteligência para compreender

que realmente o goszul compreendera alguma coisa das

vibrações fundamentais de seu cérebro.

— Sou sim — respondeu.

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— Para mim essa recompensa basta — disse o goszul.

— Daqui em diante ficarei calado.

Marshall procurou auscultar o impulso. Não havia

dúvida de que era genuíno. O goszul pensava o que

acabara de dizer por via telepática.

Ao que parecia, havia nessa terra mais inimigos dos

deuses do que se poderia acreditar à primeira ou à

segunda vista.

— Pois então — suspirou Gucky por via telepática.

* * *

Dali a duas horas, Gucky e Tako também chegaram ao

Orahondo, num salto gigantesco que os levou da

extremidade sul do espaçoporto, que acabavam de atingir,

até o porto de Vintina.

O comandante e a tripulação do navio estavam

espiritualmente preparados para receber o estranho

visitante que Gucky era sob todos os pontos de vista. Não

houve problemas, e não era de recear que qualquer dos

tripulantes avisasse os saltadores.

As barreiras erguidas por Kitai eram mais duras que

paredes de aço.

Marshall resumiu os acontecimentos dos últimos dias

numa mensagem concentrada bastante lacônica e

transmitiu-a a Rhodan através do minicomunicador.

A resposta de Rhodan veio imediatamente.

— A base dos saltadores no continente norte deve ser

destruída de qualquer maneira no mais curto prazo.

Realizem uma operação de guerrilha. Não esperem

qualquer auxílio das nossas naves.

Marshall leu a fita expelida pelo minicomunicador e

fitou os companheiros um por um.

— Quer que destruamos a base — murmurou

estupefato. — Com quê? Só se for com as mãos.

Gucky torceu o rosto e exibiu o dente roedor.

— Você se esquece das coisas que escondi no fundo

do rio. Com elas podemos destruir meia galáxia...

— Espere aí... — disse Kitai.

— ...quanto mais essa base ridícula.

Marshall suspirou.

— E eu que pensava que bastaria que ficássemos

quietos por alguns dias até que Rhodan viesse buscar-nos.

Agora tudo vai começar de novo.

Gucky acenou com a cabeça. Parecia muito sério.

— Naturalmente. No momento estamos em paz. Os

saltadores não desconfiam de que estejamos em Vintina,

nem a bordo do Orahondo. Lá nas montanhas estão

gastando as vistas à nossa procura. Toda a atenção deles

está concentrada nas áreas adjacentes ao espaçoporto.

— Seria o momento mais favorável para dar o golpe.

Tako Kakuta disse em tom pensativo:

— Talvez seria conveniente que nos interessássemos

mais um pouco pelos nativos, tanto os ingênuos como os

servos dos deuses. Pelo que vejo, não é impossível que

por aqui já exista uma oposição clandestina. Se for assim,

não precisaremos realizar todo o trabalho de reconstrução.

Marshall deu um sorriso pálido.

— Muito bem. Vamos começar de novo. Mas antes

disso gostaria de saber uma coisa: Com que idade um

funcionário da Terceira Potência tem direito de aposentar-

se? Será que para mim ainda não está na hora?

Na verdade, John Marshall, Tako Kakuta, Kitai Ishibashi e Tama Yokida naufragaram no

planeta de Goszul. Mas, em vez de se comportar como náufragos procuram abalar os

alicerces do poderio dos saltadores através de uma série de ações de surpresa.

O Flagelo do Esquecimento, o título do próximo volume da série Perry Rhodan,

representa o instrumento de libertação de um mundo escravizado.

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Nº 36/37/38/39/40

O Flagelo do

Esquecimento

O Planeta Louco

Avanço Para Árcon

O Mundo dos Três

Planetas

Luta Contra o

Desconhecido

De Clark Darlton

Kurt Mahr

e K. H. Scheer

Foi no ano de 1971 que Perry Rhodan, antigo oficial da Força Espacial Americana,

atingiu a Lua com a nave Stardust e, com a tecnologia que adquiriu da nave espacial dos

arcônidas encalhada, fundou sua Terceira Potência.

Conflitos na Terra, invasões de fora, batalhas no espaço, lutas em planetas

longínquos — por tudo isto passou gloriosamente a Terceira Potência no curto espaço

de sua existência.

No momento, são ainda os saltadores — aqueles comerciantes da galáxia que há

milênios conseguem defender seu monopólio comercial com determinação contra

qualquer concorrente que apareça — que representam o perigo mortal para toda a

Terra.

Perry Rhodan, até hoje, tem feito tudo que está a seu alcance para impedir que os

saltadores façam da Terra um mundo de escravos. Levtan, o traidor, desempenhou um

papel importante no jogo de Rhodan, pois somente através dele é que foi possível fazer

com que um grupo de agentes conseguisse penetrar na Grande Conferência dos

Patriarcas dos Saltadores.

Estes homens, lutadores experimentados do Exército de Mutantes de Rhodan,

cumpriram seu dever. E agora eles ainda vão mais longe: Libertam um planeta inteiro

do jugo estrangeiro.

O Flagelo do Esquecimento serve-lhes de instrumento para a libertação.

O Grande Império – Volume 8

1º CICLO - A TERCEIRA POTÊNCIA

VOLUME 8

P-36 - 40