Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

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UNIVERSIDADE AUTÓNOMA DE LISBOA V Pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária 2009-2011 MONOGRAFIA DE PÓS-GRADUAÇÃO Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na terapia familiar e organizacional Mário Manuel Diniz Cerveira Breda, nº 20091339 [email protected] ORIENTADOR: Prof. Dra. Célia Sales Universidade Autónoma de Lisboa 2012

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Monografia de Pós-Graduação em Terapia Familiar e Comunitária, UAL, novembro 2012. Por Mário Breda

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UNIVERSIDADE AUTÓNOMA DE LISBOA

V Pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária

2009-2011

MONOGRAFIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata

na terapia familiar e organizacional

Mário Manuel Diniz Cerveira Breda, nº 20091339

[email protected]

ORIENTADOR: Prof. Dra. Célia Sales

Universidade Autónoma de Lisboa

2012

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O trabalho que aqui se apresenta muito deve à colaboração e influência que, direta ou

indiretamente, recebi de várias pessoas e instituições. Não podendo aqui citar todas,

apresento os meus agradecimentos, e dedico esta monografia, a algumas em especial.

Antes de mais, ao Professor Pina Prata, presidente da Associação Portuguesa de Terapia

Familiar e Comunitária e diretor científico desta pós-graduação, a quem presto respeitosa

homenagem, pela sua estatura de homem e de cidadão, pela sua forma de ser terapeuta e de

servir os outros, pela sabedoria e lucidez que nos transmitiu.

Aos Professores Ortega Beviá e Célia Sales, diretores científicos desta pós-graduação,

pelos seus ensinamentos e pela experiência transmitida; à Professora Célia Sales, pelo

entusiasmo com que saudou e estimulou este projeto e pela confiança com que esperou os

resultados.

À Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária, ao seu Centro de

Investigação e Apoio à Família e a todos os terapeutas familiares com quem, nesses

contextos, partilhei e aprendi ideias, ensinamentos e experiências.

Aos colegas da V Pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária, pelos animados

debates de ideias que partilhámos, pela solidariedade vivida entre todos e por acreditarem

que este projeto seria concretizado.

À minha família e amigos, pelas longas horas em que estive ausente e pelo apoio e

estímulo que sempre me concederam.

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Conteúdo

1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 1

1.1 APRESENTAÇÃO E OBJETIVO DA MONOGRAFIA.............................................................. 1 1.2 NOTAS BIOGRÁFICAS SOBRE O PROFESSOR PINA PRATA ............................................... 3

1.3 PINA PRATA NA PRIMEIRA PESSOA ................................................................................ 7

2. BIBLIOGRAFIA COMPLETA ........................................................................................ 9

2.1 MÉTODO SEGUIDO NA PESQUISA BIBLIOGRÁFICA .......................................................... 9 2.2 FILOSOFIA, CULTURA, SOCIEDADE E ENSINO SUPERIOR ............................................... 13

Filosofia e cultura ....................................................................................................... 13 Análise sociopolítica da realidade portuguesa e europeia ......................................... 17

Estruturas e métodos pedagógicos no ensino superior ............................................... 20

2.3 SOCIOLOGIA, PSICOLOGIA SOCIAL E PSICOSSOCIOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES............. 26 Psicossociologia da empresa....................................................................................... 27 Psicossociologia das organizações e intervenção terapêutica ................................... 31

Investigação em Sociologia e Psicologia Social ......................................................... 34

2.4 ABORDAGEM SISTÉMICA INTER-RELACIONAL NA FAMÍLIA E NA ORGANIZAÇÃO .......... 39 Dos começos da Terapia Familiar ao I Encontro Europeu ........................................ 41

Fundamentos teóricos no modelo sistémico inter-relacional ..................................... 46

Processo e intervenção em terapia familiar ................................................................ 59 Debate, partilha e crítica ............................................................................................ 79 Formação de terapeutas e "Apontamentos" .............................................................. 109

3. A PRÁTICA EM TERAPIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA .................................... 123

3.1 TERAPIA FAMILIAR E APOIO À COMUNIDADE ............................................................ 123 3.2 TESTEMUNHO: SER TERAPEUTA SISTÉMICO NA FAMÍLIA E NAS ORGANIZAÇÕES ........ 126

4. SÍNTESE BIBLIOGRÁFICA E QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO ......................... 130

4.1 PRINCIPAIS SALIÊNCIAS DA BIBLIOGRAFIA DE PINA PRATA ....................................... 130

Sobre a filosofia, a política e a universidade ............................................................ 130 Sobre a psicologia social e a psicossociologia das organizações ............................ 134

Sobre a abordagem sistémica e a terapia familiar e organizacional ....................... 137

4.2 LIMITES DESTE ESTUDO E PISTAS PARA INVESTIGAÇÃO ............................................. 151

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 153

6. ANEXOS ....................................................................................................................... 158

A: LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS USADAS ............................................................... 159 B: LOCALIZAÇÃO DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................... 161

C: LISTA DE SESSÕES COM INTERVENÇÃO DE PINA PRATA, DE QUE HÁ RELATOS NO CIAF

OU NO SÍTIO ELETRÓNICO DA PÓS-GRADUAÇÃO .............................................................. 164

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Índice de figuras FIGURA 1: Tensão psicológica de base.............................................................................. 35

FIGURA 2: Sistema inter-relacional terapêutico ................................................................ 54

FIGURA 3: Modelo inter-relacional terapêutico................................................................. 61

FIGURA 4: O espaço-problema .......................................................................................... 64

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Resumo

O objetivo desta monografia era fazer a revisão da bibliografia completa do Professor Pina

Prata e, a partir daí, procurar caraterizar a sua abordagem teórico-prática à terapia

sistémica inter-relacional. Para isso, foi feito o levantamento de todas as referências

bibliográficas existentes, mesmo as que não tinham relação direta com o tema principal

mas que, segundo uma visão global das interinfluências, não deveriam ser excluídas.

Para fazer a recensão de todos os textos, estes foram agregados em três áreas temáticas,

embora com maior destaque para a terceira: sobre a filosofia, a sociedade e o ensino

superior; sobre a sociologia, a psicologia social e a psicossociologia das organizações;

sobre a perspetiva sistémica inter-relacional na família e na organização. Esta agregação

corresponde sensivelmente à ordem cronológica mas também ao fluxo do desenvolvimento

do pensamento e dos interesses de Pina Prata.

Este trabalho bibliográfico foi complementado com informação biográfica sobre o autor,

com testemunhos transmitidos por ele próprio e com referências a contextos de prática

terapêutica, formação e supervisão.

No capítulo final é apresentada uma síntese das principais saliências teórico-práticas,

extraídas da bibliografia, tais como: o novo paradigma sistémico inter-relacional, a terapia

nas organizações, o efeito da quantidade e qualidade das interações nos sistemas familiares

perturbados, a redefinição do contexto terapêutico, o sistema inter-relacional terapêutico, o

modelo do equilíbrio tensional, o processo e as fases da terapia sistémica, as significações

e o corpo, a intervenção catalisadora das potencialidades da família, a intervenção

ocasional.

Por fim, são discutidos alguns limites deste estudo e sugeridas algumas pistas para

investigação futura.

Num sentido de espiritualidade que é a minha, o que está ao meu alcance é o homem

Pina Prata

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1. INTRODUÇÃO Esta monografia foi desenvolvida no âmbito da pós-graduação em Terapia Familiar e

Comunitária, organizada pela Universidade Autónoma de Lisboa (UAL) em parceria com a

Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária (APTEFC), na sua V edição que

decorreu no biénio 2009-2011. Tem como título "Perspetiva sistémica inter-relacional de

Pina Prata na terapia familiar e organizacional" e ficou concluída em Março de 2012.

1.1 Apresentação e objetivo da monografia

A monografia tem como objetivo a revisão de toda a bibliografia do Professor Pina Prata,

com vista a conhecer o seu percurso pessoal e académico e a caraterizar a sua abordagem

teórico-prática à terapia familiar e comunitária, na perspetiva sistémica inter-relacional que

persistentemente desenvolveu e aprofundou.

Para isso, foi feita a pesquisa, a inventariação e a análise de todos os artigos e demais

textos publicados pelo autor. A atitude subjacente a este estudo não é fazer a recensão

crítica sobre cada texto mas estudar, fazer a síntese e dar a conhecer toda a literatura

produzida por Pina Prata, traduzindo o seu pensamento e a sua prática.

Inicialmente tinha sido definido o objetivo de investigar e caraterizar a intervenção

terapêutica de Pina Prata, a partir da análise de conteúdos de sessões de terapia familiar.

Mas um estudo empírico dessa natureza não faria sentido sem enquadramento teórico, o

que pressupunha o conhecimento de toda a bibliografia de Pina Prata, não só sobre Terapia

Familiar mas recuando até aos seus estudos iniciais em Filosofia e em Psicossociologia.

Assim, ao ser surpreendido com o volume e o conteúdo de tanto material que estava

disperso e, em parte, desconhecido nos tempos atuais, a revisão completa da bibliografia

tornou-se o objetivo central desta monografia. Fica dado um contributo para que outros

trabalhos de investigação futura aprofundem o pensamento e a prática de Pina Prata.

A relevância da monografia decorre do facto de ainda não ter sido realizado anteriormente

um trabalho de investigação com este objetivo. É um tributo a quem foi um dos mais

importantes criadores e impulsionadores da terapia na família e nas organizações, em

Portugal e na Europa, tanto ao nível da investigação e ensino superior, como da formação,

supervisão de terapeutas e intervenção prática.

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A monografia está estruturada em vários capítulos. Na Introdução são apresentados os

objetivos da monografia e sua relevância, complementados com dados biográficos e

apreciações pessoais do Professor Pina Prata.

O segundo capítulo corresponde ao corpo principal da monografia e trata da revisão e

recensão de toda a bibliografia existente de Pina Prata, desde a sua tese de doutoramento

até aos últimos escritos, abarcando um período de quase 50 anos, desde 1962 até 2010.

Começa pela descrição do método seguido na pesquisa bibliográfica e estrutura-se em

várias áreas temáticas: estudos e textos iniciais sobre filosofia, vida sociopolítica e

propostas para o ensino superior; artigos e textos de apoio à docência de Sociologia e de

Psicossociologia das Organizações; por fim, e mais relevante para os nossos objetivos, toda

a produção do autor sobre a abordagem sistémica inter-relacional na família e noutras

estruturas organizacionais.

Segue-se um terceiro capítulo dedicado à vivência prática de Pina Prata como terapeuta, ao

serviço da comunidade, e como formador de várias gerações de novos terapeutas familiares

em Portugal. São apresentadas as estruturas que criou e que dirigiu ao longo de anos, em

particular a APTEFC, e um testemunho pessoal sobre a sua forma de ser terapeuta.

No quarto capítulo é apresentada uma síntese da revisão de literatura, apontando as

principais linhas teóricas e práticas caraterizadoras da terapia sistémica inter-relacional de

Pina Prata, no que teve de criativo e original.

Por fim apresenta-se o quinto capítulo, com a lista das referências bibliográficas

inventariadas e tratadas neste estudo, e o sexto onde se incluem os anexos.

Em termos linguísticos, foi assumida a escrita de acordo com as regras ortográficas atuais,

mesmo nas citações de trechos que haviam sido originalmente escritos segundo a versão

anterior da língua portuguesa, conferindo assim coerência global ao texto; excetuam-se os

títulos de referências bibliográficas. O recurso, por vezes, à utilização de siglas e

abreviaturas não deverá dificultar a leitura do texto já que se encontra em anexo uma lista

com os respetivos significados (Anexo A).

Ao longo da monografia é bastante frequente o recurso à citação de trechos bibliográficos e

expressões de Pina Prata, a fim de melhor transmitir o sentido do seu pensamento e da sua

comunicação. Optou-se por não indicar as páginas de origem dos trechos por se tornar

demasiado repetitivo.

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1.2 Notas biográficas sobre o Professor Pina Prata

Francisco Xavier Pina Prata foi um dos pioneiros da abordagem sistémica em Portugal e na

Europa. Tendo iniciado o seu percurso académico na área da filosofia da ciência,

desenvolveu depois a sua investigação e docência na sociologia, na psicossociologia das

organizações, na psicologia social clínica e na terapia familiar.

Algumas notas biográficas, a partir de Sales (2008), Sales e Pina Prata (1999) e de outras

fontes, são apresentadas de seguida.

• Doutor em Filosofia da Ciência pela universidade belga de Lovaina, sobre a obra

do pensador espanhol Ortega y Gasset.

• Especializou-se em Psicologia Social na universidade francesa de Rennes onde

iniciou a sua formação psicoterapêutica em dinâmica de grupos.

• Foi leitor de Português na Universidade de Rennes, ensinando Filologia e Literatura

Portuguesa; na mesma universidade pôs em prática aulas noturnas para emigrantes

portugueses, tendo criado um grupo de apoio à sua integração; durante esse período

escreveu regularmente e publicou artigos como jornalista (nos jornais Diário

Popular e Novidades), sobre a problemática dos emigrantes portugueses em França

e outros países europeus.

• A sua iniciação em terapia familiar foi orientada por Pierre Fontaine, psiquiatra

infantil na Universidade de Lovaina; participou mais tarde em formação

especializada, seminários e prática clínica com várias equipas, com destaque para

algumas figuras pioneiras da terapia familiar europeia e internacional: Selvini

Palazzoli, Whitaker, Fontaine, Minuchin, Haley e Watzlavick.

• Trabalhou com professores e investigadores ligados à Sorbonne e à ARIP

(Association pour la Recherche et Intervention Psychosociologique) e colaborou

com a equipa universitária no CREFOR (Centre de Recherche et de Formation sur

les Organizations), na Bélgica; iniciou um segundo doutoramento em Psicologia

Social, pela Universidade de Sorbonne, que interrompeu para aceitar o convite do

Ministério da Educação de Portugal para integrar as estruturas centrais da política

educativa.

• Após 14 anos de estudo e de docência no estrangeiro, regressou a Portugal onde, na

Direção do GEPAE (Gabinete de Estudos e de Planeamento das Atividades

Educativas), foi o primeiro responsável pelo departamento de planeamento,

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estatísticas e atividades pedagógicas; entre outras iniciativas, liderou a equipa

responsável pelo alargamento do ensino obrigatório de 4 para 9 anos, bem como o

primeiro programa de apoio a alunos retidos em vários anos escolares.

• Representou o Ministério da Educação em múltiplos órgãos, a nível nacional ou

interministerial

Comissão Interministerial para o Planeamento da Investigação Científica e Tecnológica

Junta Nacional de Investigação Científica

Comissão Consultiva de Estatística do M.E. Nacional (presidente)

tendo chegado a ser convidado para embaixador de Portugal no Conselho de

Política Científica da OCDE.

• Na sua carreira académica em Portugal, foi um dos precursores das Ciências

Sociais, tendo introduzido e lecionado a cadeira de Sociologia em várias escolas

superiores:

Academia Militar

Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa

Escola Superior de Belas Artes de Lisboa

e as cadeiras de Psicologia Social e Psicossociologia das Organizações em:

Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA)

Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE)

• Foi um dos fundadores da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da

Universidade de Lisboa onde criou o departamento de Psicologia Social, seguindo

uma perspetiva sistémica, integrando duas áreas complementares

Psicologia Social Clínica (orientada para famílias)

Psicossociologia das Organizações (centrada em intervenções em locais de trabalho)

• Foi professor catedrático em

Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE)

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa (FPCE)

tendo sido, no ISCTE, o primeiro presidente do Conselho Científico eleito

democraticamente e, também, presidente do Conselho Pedagógico e da Comissão

Diretiva.

• Dirigiu este departamento até à sua jubilação, tendo centrado as suas investigações

e publicações na área da sistémica inter-relacional da terapia familiar e da terapia

organizacional; pela primeira vez em Portugal, e no âmbito do Serviço de Apoio à

Comunidade, criou uma clínica para terapia familiar, com base na universidade,

onde os estudantes podiam ganhar experiência clínica e realizar intervenções sob

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supervisão.

• No final dos anos 70, tendo em vista criar uma associação científica na área da

terapia sistémica, foi um dos participantes do GUIR (Grupo de Universitários para

a Investigação e Intervenção Relacional); neste contexto, organizou os primeiros

seminários de formação em Terapia Familiar em Portugal, em 1977, para um grupo

restrito de psiquiatras e psicólogos, sob a direção de Pierre Fontaine, com quem

Pina Prata tinha trabalhado durante vários anos.

• No âmbito do GUIR, foi ainda responsável pelos primeiros seminários (em 1978 e

1981) promotores da abordagem sistémica entre profissionais, em especial na área

da orientação vocacional escolar.

• Fundador e primeiro diretor do CER (Centro de Estudos de Relações) e sócio da

secção de Psiquiatria Social da Sociedade Portuguesa de Neurologia e Psiquiatria.

• Primeiro presidente da APTEFC (Associação Portuguesa de Terapia Familiar e

Comunitária), criada formalmente em 1980 por membros do GUIR e promotora de

várias iniciativas científicas e formativas, como seminários orientados para a

abordagem sistémica, uma revista científica (Cadernos de Terapia Familiar e

Comunitária) e a organização do I Encontro Europeu de Terapia Familiar (1983),

marco importante para a terapia familiar europeia e para a criação da EFTA

(European Family Therapy Association).

• Fez parte da direção científica da primeira revista científica europeia nesta área -

Thérapie Familiale - onde publicou alguns artigos resultantes da sua investigação.

• Em 1986 terminou a sua prática clínica privada e iniciou a formação pós-graduada

de terapeutas familiares sob a égide da APTEFC, ministrada por professores

convidados de várias universidades nacionais e estrangeiras.

• Nesse contexto, em 1993 criou o CIAF (Centro de Investigação e Apoio à Família),

onde dirigiu e supervisionou sucessivos grupos de formação e manteve um serviço

terapêutico de baixo custo aberto à população.

• Criou e dirigiu, desde 2001, em colaboração com os Professores Ortega Beviá e

Célia Sales, o curso de pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária, por

protocolo entre a APTEFC e a UAL (Universidade Autónoma de Lisboa).

• Como pai de família, Pina Prata teve cinco filhos e oito netos.

• Faleceu em 7 de Novembro de 2011.

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Síntese biográfica 1924 - Francisco Xavier Pina Prata nasce em 1924, a 7 de Outubro - Termina a sua licenciatura em Filosofia

- Doutoramento em Filosofia da Ciência pela Universidade de Lovaina

- Professor na Universidade de Rennes; especializa-se em Psicologia Social

1970s - Início da formação e prática da terapia familiar na Europa

- Iniciação à terapia familiar com Pierre Fontaine

- Trabalha com professores e investigadores ligados à Sorbonne e à ARIP e colabora com a equipa universitária no CREFOR

- Regressa a Portugal

- Responsável pelo planeamento, estatísticas e atividades pedagógicas no GEPAE

- Leciona Sociologia, Psicologia Social e Psicossociologia das Organizações no ensino superior

- Fundador e dirigente da FPCE da U.Lisboa onde cria o departamento de Psicologia Social, com uma abordagem sistémica

- Professor catedrático no ISCTE e na FPCE

1977 - Participa no GUIR, organizando os primeiros seminários de formação em Terapia Familiar em Portugal

- Primeira revista de Terapia Familiar na Europa, sob a direção de M. Andolfi, Sociedade Italiana de Terapia Familiar

1978 - VII Congresso Internacional de Psiquiatria Social, em Lisboa; Seminário de Terapia Familiar

- Congresso Internacional de Terapia Familiar, em Florença

1978/81 - Responsável pelos primeiros seminários promotores da abordagem sistémica

- Inicia consultas de terapia familiar, como prática privada, na sede provisória da futura APTEFC

1980 - Lançamento da primeira revista científica ao nível europeu, Thérapie Familiale

- Cria e preside à APTEFC, Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária

- Inicia a publicação dos Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária

1983 - I Encontro Europeu de Terapia Familiar e Comunitária, organizado pela APTEFC

- Criação da EFTA, European Family Therapy Association

1986 - Termina a sua prática clínica privada

- Inicia a 1ª formação pós-graduada de terapeutas familiares sob a égide da APTEFC

1993 - Cria o CIAF, Centro de Investigação e Apoio à Família

1995 - Protocolo da APTEFC com a Fundação da Juventude

- Projeto PICJAF (Intervenção Clínica com Jovens Adolescentes, Adultos e suas Famílias)

2001 - Cria e dirige o curso de pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária

- Homenageado pela Reitoria da U. Lisboa, FPCE e APTEFC 2011 - Falecimento em 7 de Novembro, aos 87 anos

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1.3 Pina Prata na primeira pessoa

As notas biográficas, por mais acontecimentos importantes que possam revelar, não são

suficientes para conhecer a estatura do Professor Pina Prata, em todas as suas dimensões,

não dispensando dar-lhe a palavra e escutá-lo na primeira pessoa.

A intenção inicial de realizar uma entrevista com o Professor acabou por não ser possível

de concretizar, por sua indisponibilidade, mas dispomos de outras entrevistas em que

deixou o seu testemunho pessoal, com a espontaneidade e a originalidade conhecidas. É o

caso da entrevista-conversa realizada por Célia Sales e Paulo Vitória, adaptada e publicada

parcialmente na newsletter Recortes, e de que apresentamos alguns trechos selecionados,

com a limitação de estarem retirados do seu contexto (Sales & Vitória, 1999).

A propósito da "Crítica", diz-nos Pina Prata:

Gosto da crítica. Aprecio imenso a crítica. Às vezes a crítica fere-me, quando eu não a vejo! Mas na

minha vida, tudo quanto foi crítica para mim, ajudou-me.

E sobre o "Aplauso":

Apareceu depois no elevador uma frase, aliás duas frases contraditórias. Uma dizia “Mais Pina

Prata” e outra “Menos Pina Prata”. Não apaguei e aquilo andou para cima e para baixo no elevador.

Mas isso bateu cá em mim nessa questão do aplauso.

(...) O grande mal, o grande inferno é a pessoa falhar na sua existência. Nós somos em parte o

conhecimento dos outros, como no filme do Papillon na prisão, mas somos também o que sabemos

que fizemos ou não, se nos anulámos ou não.

(...) Num sentido de espiritualidade que é a minha, o que está ao meu alcance é o homem.

Questionado sobre a "Terapia":

Há um aspeto de desafio que é: Eu creio que nós não fomos feitos para o sofrimento, não acredito…

(...) Eu penso que a função do nosso trabalho é, pelo menos, aliviar. E fico satisfeito quando vejo

que houve um alívio que eu senti. Isto é aplauso?

Não vejo interesse nenhum em sofrer. Safo-me sempre que posso.

O significado de "Religare":

Tudo ao fim e ao cabo vem dar numa dimensão que eu diria religiosa.

A minha forma de entendimento é sempre uma forma de “religare”, por isso é que a sistémica me

encanta.

(...) Eu não posso ser feliz nesta felicidade em que excluo os outros.

Como sente a "Poesia e Música":

Eu sempre me vi, quando escrevo, a fazer poesia. Quando escrevo, a minha frase rima de uma certa

maneira. Eu não sou capaz de empregar os verbos de qualquer maneira. O sujeito, o verbo, o

predicado e os adjetivos encontram-se numa configuração que saboreio. E que fazem com que

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aquilo seja a minha forma de escrever. Há música naquilo que escrevo.

A propósito da "Espiritualidade":

As decisões fundas da minha vida têm a ver com diferentes dimensões. Falei de algumas e uma

delas que falei permanentemente é a dimensão da espiritualidade. Não posso ir para um ofício, para

uma profissão, para uma mulher em que isto seja, por assim dizer, secundário.

O que pensa do "Eu":

E toda a dificuldade que eu tenho dentro da minha vida é fazer com que eu não seja prefabricado!

Prefabricado pela minha mãe, prefabricado pela religião que me foi dada, prefabricado pelos lugares

que ocupo, não quero ser prefabricado. É uma chatice, não é?

Quanto ao "Sofrimento":

(...) momentos muito difíceis. Eu já passei por eles, sei que posso perder uma filha. E eu penso que a

força vem do não visível. O visível diz “não, vai morrer”, e eu digo “não vai morrer” e entra esse

mundo da presença do invisível na nossa vida.

Sobre o conceito de "Terceiro ouvido":

Existe uma zona da realidade que exige o terceiro ouvido. Eu penso que a dimensão do terceiro

ouvido é a que temos em terapia. Isso demora, é difícil de chegar. Tem a ver com o nosso sistema

límbico, com o hipocampo e a amígdala, onde são coloridas as nossas emoções, e que vai na linha

dos trabalhos da inteligência emocional que nos mostra que há muitas formas de inteligência e que

uma dessas formas é a inteligência da esperança.

(...) Eu sinto-me sempre inacabado.

Acerca de "Testemunho":

Aquela frase tão batida… que até a repito com vergonha: o essencial é invisível para os olhos. O

essencial é indizível e no entanto tem de ser dito.

Como vê o "Professor":

Sempre me atraiu a relação pedagógica porque é uma forma de dom, de semear. O que se tornou

muitas vezes difícil porque para semear dentro da Faculdade é preciso ouvir. Se pudesse voltar

agora atrás, ouvia talvez mais. Fiz isso no ISCTE. Era uma aula de 70 alunos em que eu ouvia.

Ouvia e a aula era eu a ouvir. Havia respostas mas as respostas saíam conjuntamente com os outros.

(...) Os alunos obrigavam-me a criar. Uma pergunta despoletava-me toda uma aula.

Eu ficava perdido. Ainda hoje em terapia. Ainda hoje, vós. Uma pergunta despoleta tudo…

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2. BIBLIOGRAFIA COMPLETA

A pesquisa de toda a bibliografia escrita e publicada pelo Professor Pina Prata permite-nos

identificar períodos em que se dedicou e aprofundou áreas específicas do conhecimento,

complementares entre si, num processo contínuo. Esse desenvolvimento teórico seguiu a

par do seu percurso académico e da sua vida pessoal, não se podendo dissociar estes vários

aspetos; por isso, procuraremos complementar a apresentação dos textos com alguma

informação biográfica.

Embora o objetivo desta monografia esteja centrado na terapia familiar, e seja prestada

mais atenção à literatura produzida nessa área, optámos por realizar uma revisão

bibliográfica global e sistemática, fazendo um levantamento de todos os textos publicados

pelo Professor Pina Prata desde as origens da sua vida académica até à atualidade, em

todas as áreas do conhecimento que desenvolveu. A investigação e a prática clínica na área

da terapia familiar não podem ser isoladas e descontextualizadas da investigação

precedente nas áreas da filosofia, da sociologia e da psicologia social clínica.

2.1 Método seguido na pesquisa bibliográfica

O levantamento e identificação de todas as referências bibliográficas da autoria do

Professor Pina Prata baseou-se, em primeiro lugar, na pesquisa on line dos catálogos

coletivos integrados das bibliotecas das universidades e institutos universitários.

Além disso, foram pesquisados também os catálogos eletrónicos de outras bibliotecas que

não fazem parte daqueles sistemas.

Um terceiro nível de recolha de informação incluiu notas bibliográficas ou de rodapé

existentes em textos do autor (algumas das quais não foi possível localizar), alguns textos

existentes na APTEFC, alguns sítios na Internet e outras fontes.

Por "referências bibliográficas" considerou-se os títulos de:

- livros e opúsculos da autoria do Professor Pina Prata;

- livros-coletâneas e publicações periódicas por si organizados (contendo textos de

vários autores e do próprio);

- artigos publicados em revistas científicas ou outras;

- capítulos da sua autoria, incluídos em livros-coletâneas organizados por outros;

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- manuais e outros textos de sua autoria, não publicados formalmente, disponíveis

na Internet ou em formato policopiado;

- textos em coautoria e alguns textos de outros, a si referidos.

No caso de revistas ou coletâneas de textos, definiu-se uma referência para cada

artigo/título, tal como está catalogado nas bibliotecas mais organizadas. Quanto aos

Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária, foi atribuída uma referência genérica a cada

volume (organizados por Pina Prata) e mais uma referência específica a cada um dos

artigos de sua autoria.

Não foi feito qualquer levantamento sistemático de textos, não publicados, que possam

existir sobre a personalidade e a obra de Pina Prata, nomeadamente escritos por formadores

ou formandos de Terapia Familiar, por não caber nos objetivos desta monografia.

A intenção de descrever aqui o método seguido na pesquisa bibliográfica é que o mesmo

possa ser reproduzido e que qualquer investigador possa localizar e consultar as mesmas

referências. Para o facilitar, foi também criado um anexo em que se indicam as bibliotecas

ou outros sítios onde cada referência foi localizada (Anexo B); essa lista segue uma ordem

cronológica simples.

Foi utilizado como critério de pesquisa o termo “Prata” no atributo Autor, de modo a obter

todas as referências, independentemente das diversas variantes em que o autor se encontra

registado nas bases de dados bibliográficas, tais como “Prata, F.X.”, “Prata, Francisco”,

“Prata, Francisco Xavier”, “Pina Prata, F.X.”, entre outras.

Na lista de referências bibliográficas incluída nesta monografia, optou-se por usar o

formato “Pina Prata, F.X.” (denominação geralmente utilizada pelo autor e pelos seus

pares), seguido do ano de publicação e demais informação, conforme as normas da APA.

Dentro do texto, sempre que é feita uma referência, é usada a forma “Pina Prata (ano)”.

Em primeiro lugar, e começando pelos catálogos coletivos de bibliotecas, foram utilizadas

duas plataformas eletrónicas importantes, disponíveis através da Internet:

ColCat - Catálogo Coletivo Distribuído (inclui ISCTE, ISCSP, U.Católica, I.Piaget)

Sibul - Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de Lisboa (inclui FPIE, FL, FBA)

Na pesquisa ao sistema ColCat foram selecionadas as bibliotecas seguintes, e encontrado o

número de ocorrências de catálogo adiante indicado, na data 7 de Março 2011:

U. Técnica de Lisboa / I.S. Ciências Sociais e Políticas (ISCSP): 4 ocorrências

U. Católica: 5 ocorrências

Page 16: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

11

U. Lusíada: 2 ocorrências

I.S. Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE): 7 ocorrências

Instituto Piaget: 1 ocorrência

Biblioteca Nacional de Portugal (BNP): 11 ocorrências

Por este meio foi obtido um total de 13 ocorrências distintas, a maior parte das quais

encontrando-se presente em mais do que uma biblioteca.

Do mesmo modo, o sistema Sibul permitiu pesquisar as seguintes bibliotecas da

Universidade de Lisboa (UL) e encontrar o número de ocorrências de catálogo adiante

indicado, na mesma data:

Faculdade de Psicologia e Instituto de Educação da UL (FPIE): 20 ocorrências

Faculdade de Letras da UL (FL): 5 ocorrências

Instituto de Ciências Sociais (ICS): 3 ocorrências

Faculdade de Belas Artes (FBA): 1 ocorrência

outras

Por este meio foi obtido um total de 20 ocorrências distintas, parte das quais encontrando-

se presente em mais do que uma biblioteca, e todas existentes na FPIE. Embora haja

ocorrências coexistentes com ColCat, algumas ocorrências novas não tinham sido

encontradas anteriormente.

Em segundo lugar, foi realizada a pesquisa direta nos catálogos destas bibliotecas e de

outras que não fazem parte dos sistemas atrás referidos:

I.S. de Psicologia Aplicada (ISPA): 8 ocorrências

U. Autónoma de Lisboa (UAL): 1 ocorrência

Rede Municipal de Bibliotecas de Lisboa: 5 ocorrências

As disparidades de catalogação existentes entre as várias bibliotecas são significativas.

Algumas estão bastante bem organizadas, catalogando os títulos de todos os artigos

publicados em revistas e de todos os capítulos de livros-coletâneas. No outro extremo estão

as bibliotecas que apenas têm catalogados, a um nível geral, os títulos de livros, coletâneas

ou revistas, não existindo referências mais detalhadas. Naturalmente que estas últimas têm

uma utilidade limitada.

Merece destaque especial a pesquisa realizada na biblioteca do ISPA uma vez que permitiu

localizar 8 referências bibliográficas novas, não existentes noutras bibliotecas.

Depois de realizado o levantamento da bibliografia existente, foram visitadas as bibliotecas

pelas quais foi possível consultar e/ou obter cópias de todos os textos identificados, com

destaque para ISCTE, FPIE, ISPA, ISCSP, U.Católica.

Por fim, e em relação à recolha de informação (para além dos catálogos de bibliotecas),

Page 17: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

12

relacionada com a obra teórica e prática do Professor Pina Prata, importa referir os dois

sítios na Internet utilizados:

Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária (APTEFC)

Pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária, da UAL (plataforma eletrónica)

Na plataforma eletrónica da pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária encontram-

se registados os “Apontamentos do Professor Pina Prata”, textos preparados ao longo de

vários anos para reflexão e discussão pelos formandos em Terapia Familiar, nas sessões

curriculares. Apesar da sua relevância teórico-prática, não cabe nos objetivos desta

monografia a sua análise sistemática, podendo ficar aqui referido este valioso material

como pista de investigação futura. De entre o número elevado de “Apontamentos”

existentes, optou-se por considerar apenas alguns que foram recomendados pelo autor para

a V edição da pós-graduação, no biénio 2009/2011.

No total, a lista de referências bibliográficas da autoria do Professor Pina Prata tratadas

nesta monografia conta 43 ocorrências. Além disso, há mais 5 referências que não foram

localizadas. Acrescem ainda, com interesse para este estudo, 3 referências em coautoria, 3

de outros autores e 3 sítios da Internet.

A análise da bibliografia que se apresenta em seguida foi organizada em 3 grupos a que

correspondem áreas específicas mas que se complementam entre si, desde os estudos e

influências filosóficas iniciais, passando pela investigação em psicossociologia e até à

elaboração de uma abordagem própria à terapia familiar. Este agrupamento acompanha,

quase integralmente, a ordem cronológica dos anos de publicação:

- o primeiro período, de 1961 a 1976, sobre os primeiros grupos temáticos

(filosofia, ensino superior, sociologia, psicossociologia);

- o segundo período, a partir de 1977, centrado na terapia familiar, com exceções

em 1989 e 1992 (sobre psicologia social e psicossociologia das organizações).

Page 18: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

13

2.2 Filosofia, cultura, sociedade e ensino superior

Este primeiro grupo temático da revisão bibliográfica corresponde aos primeiros estudos e

textos publicados por Pina Prata, durante um período de cerca de 14 anos em que vive e

trabalha no estrangeiro (Lovaina, Rennes) como investigador e professor universitário.

Podemos identificar três áreas temáticas, apenas para estruturar a análise:

Filosofia e cultura

Análise sociopolítica da realidade portuguesa e europeia

Estruturas e métodos pedagógicos no ensino superior

Filosofia e cultura

Alguns anos após a sua licenciatura em Filosofia, Pina Prata inicia o doutoramento em

Filosofia da Ciência pela Universidade de Lovaina, tendo terminado antes de 1962 (data de

publicação) com uma tese sobre o pensamento de José Ortega y Gasset - filósofo espanhol,

professor na Universidade de Madrid - que intitulou “Dialéctica da razão vital”. Obtém o

título de Doutor do Instituto Superior de Filosofia da Universidade de Lovaina.

O primeiro texto que publicou sobre este tema, "O nível da radicalidade da filosofia de

José Ortega y Gasset" (Pina Prata, 1961), foi editado pela Revista de Filosofia, em

separata, sendo apenas localizado um exemplar na BNP mas não disponível.

A tese de doutoramento foi publicada em livro (Pina Prata, 1962) e deve ser considerada

como uma obra marcante, não só pelo seu interesse filosófico, mas também por ser um

ponto de partida estruturante do trabalho posterior do autor, pelo seu volume (400 páginas)

e longo período de pesquisa e elaboração. Passados cerca de 50 anos, podemos colocar-nos

algumas questões: porquê Ortega y Gasset? qual a sua importância e atualidade?

No prólogo desta obra, o autor justifica o seu interesse pelo filósofo espanhol: apesar da

procura crescente dos seus escritos a nível internacional, poucos estudos sistemáticos se

tinham debruçado sobre o seu pensamento. Alguns dos seus livros – como “La rebelión de

las masas”, “El hombre y la gente”, “Que és filosofia” – revelam o seu grande poder de

antecipação e atualidade, contendo análises sociológicas e filosóficas importantes para o

seu tempo. Além disso, Pina Prata considera Ortega não estritamente um filósofo mas um

homem de letras ou ensaísta, tocando todos os assuntos correntes da existência. O seu

Page 19: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

14

pensamento não se encontra só em tratados filosóficos mas nos inúmeros ensaios literários,

artísticos e políticos que escreveu; daí a dificuldade em caraterizar de forma metódica o

seu pensamento.

A ideia de pôr ordem nos inúmeros escritos deixados por Ortega, e realizar o seu estudo

sistemático, exigiu um grande esforço e resultou num auxiliar precioso para os que

desejassem estudar diretamente a filosofia de Ortega. Podemos, salvas as devidas

diferenças mas fazendo a mesma justiça a Pina Prata, transpor este mesmo princípio para a

revisão bibliográfica que aqui se procura apresentar. Utilizando as suas próprias palavras

transcritas do prólogo desta obra, “há muito a fazer ainda para que o pensamento de Ortega

y Gasset não se perca”.

Esta obra de Pina Prata (1962) é constituída por 7 capítulos, com destaque para: “Cap. II,

Cultura e projeto filosófico”, dois conceitos recorrentes e interligados; “Cap. V, O método

da razão vital”, associado à elucidação do fenómeno da vida; “Cap. VI, Consistência da

estrutura originária”, aprofundando particularmente as várias dimensões da vida e a

questão da intersubjetividade e vida social. Embora não esteja nos nossos objetivos fazer

uma análise sistemática desta obra, não podemos deixar de referir algumas das ideias que

retivemos.

A cultura é criação humana progressiva de valores intelectuais, éticos e estéticos que não

são eternos. Os valores da cultura acompanham as flutuações essenciais da vida humana,

como esta sujeitos à historicidade. A cultura pode ser encarada como sistema de ideias que

jorra duma necessidade real do homem.

O que é a filosofia? Embora esteja presente em todos os seus escritos, Ortega publicou em

1958 um livro com onze lições em que trata formalmente a sua noção de filosofia.

Considera o ideal da filosofia como “ciência geral do amor” ou “conexão universal”,

porque tudo está em tudo. Discute a ideia de “projeto filosófico” enquanto investigação do

fundamento originário do Universo e do conhecimento que temos deste; e também a

relação entre crença, dúvida e filosofia.

Razão vital e “vitalismo” são conceitos que Ortega desenvolve desde muito cedo,

definindo em que sentido a sua doutrina pode ser considerada um vitalismo. Qual o lugar

do pensamento na vida? Ao homem de ação opõe-se habitualmente o filósofo como um

sonhador. Sendo o pensamento um atributo especificamente humano, qual é então o

destino primordial do homem, a ação ou a contemplação? Graças ao pensamento, o homem

dirige a sua vida e encontra-se no mundo diferentemente dos animais. Pelo pensar surge,

Page 20: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

15

em contraposição à exterioridade total, uma interioridade, um “dentro”.

Sobre as dimensões da vida, Pina Prata (1962) apresenta e desenvolve as ideias de Ortega

relativas a facticidade, decisão, vocação e temporalidade. A dimensão primeira da vida é

constituída pela “circunstância” e pelo facto de me dar conta dela. Eu sou “alguém que se

ocupa”, seja a fazer um cigarro, a fazer jogging, a fazer filosofia ou revoluções.

Transcrevendo Pina Prata, “Encontramo-nos na existência, para utilizarmos outra imagem

de Ortega, como náufragos despertados em pleno mar, que devem nadar para não

perecerem. Sendo-nos dada vazia, a vida é “um afazer a fazer”; a cada instante o homem,

para se manter em vida, tem de a fazer. É-nos dada a vida como tarefa, cuja urgência

esclarece o sentido da ocupação vital. A vida é um faciendum e não um factum.” Mas, para

além de ocupação e "pre-ocupação", a vida é também “distração” ou “diversão”, fuga do

mundo circunstancial para um mundo irreal criado pelo homem. E o jogo (como o burlesco

e a farsa) traduz essa capacidade de o homem se inventar um outro mundo. Assim, a

cultura não é apenas a ciência mas também o jogo, ambos inventados pelo homem, pela

necessidade humana de criar um outro mundo excecional e irreal.

Num dos seus textos, Ortega divide as ocupações humanas em “forçadas” e “felicitárias”.

Os ofícios e profissões pertencem às primeiras, o conceito de vocação abrange as

segundas. As necessidades do dia-a-dia obrigam o homem a realizar tarefas sem

entusiasmo ou contra vontade. Aliás, a palavra “trabalho” exprime esse mal-estar,

significando etimologicamente um instrumento de tortura. Mas, no meio dos seus

trabalhos, o homem projeta outras ocupações onde sonha realizar a vocação íntima e

encontrar a felicidade.

O conceito de vocação está ligado, em Ortega, a uma conceção metafísica do homem: a

voz que se ergue do fundo do ser como um apelo à felicidade, finalidade primordial da

vida. Citando Pina Prata, “não há vida sem vocação; viver é viver para algo”. Atente-se

ainda na atualidade universal destas palavras: “O homem, chamado a viver (...) a vocação

implica a procura e a descoberta de um projeto-de-ser e, depois, a sua aceitação e tentativa

de coincidência com ele”.

A realização da vocação traz consigo a ideia de “vida como missão”, conceito que implica

a coincidência entre o ser e o agir. Enquanto há indivíduos que são empresários, políticos,

pintores ou religiosos (ou terapeutas, acrescente-se) por vocação, outros exercem essas

profissões sem vocação. Só os primeiros realizam a vida como missão.

O autor desenvolve ainda alguns pontos importantes sobre o pensamento orteguiano acerca

Page 21: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

16

da intersubjetividade, em termos de vida interindividual e social. A aparição de “outrem”

no horizonte da minha vida instaura a convivência como a forma mais rica da coexistência.

Num dos seus artigos, escrito em 1910, o filósofo espanhol descreve o “outro” e a

comunidade como sendo a quarta dimensão do “eu”, realçando que o indivíduo concreto

está inserido numa determinada comunidade humana.

A noção de intersubjetividade supõe a perceção de “outrem”, isto é, aquele com quem devo

contar, queira ou não queira. O outro é o único ser capaz de me responder tanto como eu a

ele; antecipo a sua ação e vice-versa. A interação humana reside nesta reciprocidade. Já a

vida social é uma perspetiva que está para além da vida individual e interindividual e que

modifica a visão da nossa vida individual tornando-a mais complexa.

Na conclusão do seu livro, Pina Prata discute o lugar de Ortega no pensamento da sua

época - designado “Filosofia da Existência” ou “Existencialismo” - recusando atribuir-lhe

um rótulo de pertença, mas olhando as relações entre o seu pensamento e esta corrente, a

fim de aclarar mais a sua própria doutrina. Para além da discussão da questão filosófica da

prioridade da existência sobre a essência, Pina Prata destaca uma diferença fundamental: o

existencialismo é demasiado negativo, apresentando a vida como angústia, tragédia,

preocupação e esquecendo a sua dimensão jovial. Menosprezada pelo existencialismo,

Ortega realça a dimensão positiva da vida.

Page 22: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

17

Análise sociopolítica da realidade portuguesa e europeia

A análise da realidade portuguesa e europeia, em termos sociais e políticos, foi outra área

de interesse para Pina Prata, levando-o a escrever e a publicar muitos artigos de opinião,

como conferencista e jornalista. Esta sua forma de intervenção coincide com o período em

que exerce a sua atividade de docente universitário e investigador no estrangeiro, o que lhe

permite uma visão à distância como observador da vida sociopolítica europeia e

portuguesa, nomeadamente sobre a emigração e o colonialismo.

O livro “Factos e importâncias” (Pina Prata, 1972) - coletânea de textos escritos entre 1964

e 1972 em Rennes, Lisboa e Lovaina, a maioria dos quais em 1965 em Rennes - não

chegou a ser publicado, encontrando-se apenas um exemplar disponível, na biblioteca da

Universidade Católica de Lisboa.

Esta obra está estruturada em 5 capítulos. No primeiro, intitulado “Europa unida e Europa

sem cores”, apresenta a sua visão sobre a “interconvivência” dos povos e a questão da

mobilidade profissional numa Europa unida. Recordemos que, à data destes escritos, 1965,

estão decorridos apenas 8 anos desde a criação da Comunidade Económica Europeia (hoje

União Europeia), e estamos ainda a 20 anos de distância da então quase inimaginável

adesão de Portugal. Trata-se de uma visão lúcida, progressista e precursora, num contexto

político de fechamento nacional.

Pina Prata (1972) desenvolve no capítulo seguinte, “A política dos homens e os homens da

política”, uma análise eleitoral e política sobre as eleições legislativas francesas e as

opções de doutrina política que estão em debate. Observador atento e aberto aos debates

democráticos na Europa livre, numa época em que o seu país vive ainda subjugado pela

censura institucionalizada do pensamento.

Depois passa ao tema da primazia do humano na ciência e na “economia generalizada”,

uma visão que podemos considerar ecológica e humanista, precursora das preocupações do

homem do nosso tempo com a chamada “economia global”. Nessa ótica, desenvolve

também as questões do trabalho e da emigração, com particular incidência no “trabalhador

português” em França, Luxemburgo e Suíça, enquanto testemunha ativa dos movimentos

iniciais do fluxo migratório português. Considera o Luxemburgo como placa giratória da

emigração portuguesa na Europa e refere alguns indicadores sobre o crescimento, nessa

época, do número de trabalhadores portugueses naquele país: 117 em 1963, 315 em 1964 e

1250 em 1965. Curiosos indicadores estes, se tivermos em conta que, no tempo presente,

Page 23: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

18

cerca de 17% da população do Luxemburgo são portugueses ou lusodescendentes,

aproximadamente 50 000 pessoas. Observador lúcido do início deste fenómeno, mal

poderia Pina Prata imaginar as proporções que ele iria tomar.

“Emigrantes numa Faculdade de Letras” é como o autor refere os cursos noturnos de

formação para portugueses que organizou em Rennes, bem como outras ações concretas

“tendo em vista a pessoa, não só o profissional”. É um académico e investigador que não

se limita à sua cátedra mas que abre as portas da universidade aos desafortunados da vida,

dando a primazia ao homem.

O quarto capítulo “Participação educacional” é dedicado à educação, em especial ao ensino

superior. O autor desenvolve as suas ideias sobre três temas sempre atuais: 1) Exames:

para quê? para quem? 2) Universidade: formar, investigar, informar 3) Do planeamento ao

núcleo da educação. Por último, Pina Prata retoma a sua reflexão política, discutindo a

“Dinâmica” das relações, das doutrinas e das estruturas, com referências ao lugar do

marxismo no seu tempo e à cooperação técnica internacional com o “Terceiro Mundo” por

parte dos católicos.

Ainda no contexto da análise social e política da realidade portuguesa, Pina Prata (1963)

pronuncia uma conferência em Rennes sobre a questão colonial portuguesa, designando-a

“L’Angola multiraciale”, tema sensível e dificilmente defensável internacionalmente na

época, tendo em conta a guerra colonial contra os movimentos independentistas africanos.

Salvaguardando que o seu interesse pela questão não significa admiração pelo dirigente

político do Portugal de então, defende que existe uma maneira portuguesa de estar em

África que deve ser compreendida por si mesma, na sua originalidade e especificidade, e

em comparação com outras experiências europeias no mesmo continente.

Embora fazendo referência aos princípios políticos e constitucionais do Estado português -

Portugal como estado unitário, pluricontinental e multirracial - o autor focaliza a sua

análise sociológica na particular “forma de vida” e de convivência do colono português

com a população africana, separando assim a realidade designada “colonização” do

aparelho de Estado. Neste contexto, distingue os conceitos "colonialismo" (baseado em

princípios de exploração económica) e "colonização" (baseado em valores humanos que se

traduzem na convivência de culturas). E refere que, segundo o pensamento de Salazar, a

razão pela qual os Portugueses combatem em Angola está ligada à realidade “vivida,

sentida e pensada” da Nação, que o povo sente na pureza do seu instinto patriótico, “fora

Page 24: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

19

da filosofia tortuosa de certos intelectuais”.

Pina Prata faz uma reflexão sobre a edificação do sentimento de Nação, ao longo de várias

épocas históricas, constatando que a colonização portuguesa conseguiu engendrar uma

forma de “socialidade nova” de que o Brasil, Goa e Cabo Verde eram exemplos visíveis.

A partir dos trágicos massacres perpetrados nas plantações do norte de Angola em 1961,

que despoletaram a guerra colonial e a nova política “com uma mão na espada, a outra na

charrua”, são descritos os progressos económicos e sociais realizados a ritmo acelerado. "E

porque combatemos?" Citando Salazar, em entrevista à revista Life, “para o

desenvolvimento e a consolidação duma sociedade multirracial governada pelo Direito,

com uma justiça igual para todos, sem distinções de raças ou de credo, onde as

possibilidades de promoção são oferecidas a todos, conforme os seus méritos e a sua

preparação”. Estas palavras parecem nada ter a ver com um regime ditatorial,

assemelhando-se mais ao discurso político pró-socialista, não fosse a realidade vivida

contrariá-las.

O autor discute ainda “a Angola de amanhã” e a possibilidade de vir a tornar-se o “Brasil

africano”, sendo a independência um fenómeno natural nas sociedades humanas e, por

isso, uma hipótese admissível (que, na realidade, só viria a ocorrer passados 12 anos de

guerra). Citando o sociólogo brasileiro Gilberto Freire e os seus estudos sobre a

colonização africana nos trópicos, Portugal deu origem a uma nova forma de sociedade por

ele designada “civilização luso-tropical cristocêntrica”, baseada na integração e

interpenetração de culturas (não na assimilação) e cristianização dos povos. O luso-

tropicalismo só poderia ser realizado por uma nação pré-industrial, o que a impediria de ser

uma “agressão burguesa, capitalista e imperialista”.

Não terá sido fácil defender estes pontos de vista, nem explicar por que esses povos

pegaram em armas contra a dominação portuguesa. Mas em Pina Prata (1963) ressalta a

ideia incontestável de defesa da convivência entre os povos, dentro da multirracialidade e

diversidade humanas, como princípio subjacente às relações entre os homens.

Page 25: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

20

Estruturas e métodos pedagógicos no ensino superior

Em simultâneo com a sua atividade docente, em Portugal e no estrangeiro, Pina Prata

desenvolve a sua reflexão teórica sobre as estruturas, os métodos pedagógicos e a reforma

do ensino superior, escrevendo alguns textos sobre esta matéria entre 1963 e 1973, década

que antecede a revolução democrática em Portugal.

No V Colóquio Internacional de Estudos Luso-brasileiros, realizado em 1963, apresenta

uma comunicação sobre as estruturas latentes no meio universitário, publicada mais tarde

pela Universidade de Coimbra, em separata às atas do colóquio (Pina Prata, 1965). Trata-se

de um projeto de investigação psicossocial sobre as estruturas do meio universitário luso-

brasileiro que depois desenvolve em particular para a realidade portuguesa, tendo em vista

uma meditação nova e necessária acerca da avaliação da vida universitária por processos

metodológicos adequados. Meditação “nova” porque relacionada com a problemática

emergente das Ciências Sociais; meditação “necessária” tendo em conta a “função social”

que a universidade ocupa e a importância de investir e planear o ensino superior, “dando a

todos possibilidades de partida semelhantes”.

Segundo Pina Prata, qualquer trabalho ou decisão sobre este assunto deve ter em conta:

- não basta o apriorismo teórico abstrato para equacionar a questão universitária;

- as mudanças a introduzir serão insuficientes se não decorrerem da análise prévia do “meio”

concreto da universidade portuguesa;

- a universidade, enquanto “função social”, deve inserir-se num plano educativo encarado à escala

nacional.

O autor utiliza alguns conceitos-chave inovadores tais como abordagem “psicossocial”,

“função social” da universidade e “estrutura”. Sendo este último um conceito instrumental

que se refere a um método próprio da investigação em Psicossociologia, dá como exemplo

a discussão do possível “pré-salário universitário” que só faz sentido se inserido num todo

psicossocial em transformação. Da função social da universidade decorre a necessidade de

se ter em conta vetores indispensáveis como programas, métodos de trabalho, relações

entre professores e alunos, relação entre universidade e a comunidade.

Partindo da consciência de que existe uma crise universitária, que são necessárias múltiplas

reformas, que “a Universidade não estudou a Universidade” e que as medidas a tomar

devem ser adequadas à sua “vocação”, Pina Prata apresenta o seu projeto de investigação

psicossociológica das estruturas latentes do meio universitário, e técnicas metodológicas

correspondentes, estruturado em três planos de investigação, desde o levantamento de

Page 26: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

21

questões e de hipóteses até às conclusões teórico-práticas.

Na mesma linha de contribuição para o estudo e reforma da universidade portuguesa, Pina

Prata publica um artigo na revista Análise Social sobre transformação dos métodos

pedagógicos no ensino superior (Pina Prata, 1968). É um estudo extenso, de 50 páginas,

incluído num número especial da revista dedicado ao tema “A universidade na vida

portuguesa” que inclui artigos de vários autores sobre temas como a investigação

científica, a educação permanente, a origem social dos estudantes e a democratização do

ensino superior.

Segundo o autor, há que proceder à reestruturação dos métodos pedagógicos nas

universidades, de modo a beneficiar quer dos aperfeiçoamentos nas técnicas de transmissão

e tratamento da informação (e parecem palavras de hoje, embora escritas há mais de 40

anos), quer dos progressos alcançados no campo da psicopedagogia. A “crise

universitária”, registada em vários países, resulta da dificuldade em dar resposta aos

desafios da nova sociedade mais desenvolvida e com participação crescente dos cidadãos.

Pina Prata (1968) refere um seu estudo realizado em 1964 na universidade de Rennes,

revelador do modo como esta crise era sentida no meio universitário francês, e faz o

paralelismo com os resultados de um inquérito realizado no mesmo ano em Portugal sobre

a “situação e opinião dos universitários”. E interroga-se sobre certas conclusões:

- que significa o facto de 79.6% estarem satisfeitos com o curso escolhido mas apenas 0.6%

acharem muito bom o ensino universitário do ponto de vista profissional?

- como explicar que 96.8% considerem muito desejáveis as relações entre professores e alunos mas

apenas 7.9% julguem boas essas relações?

- que vida afetiva e perfil psicossociológico revela o estudante universitário que classifica em último

lugar, entre “as qualidades morais mais admiradas”, as de dinamismo (9.0%), audácia (5.4%),

eficácia (3.1%) e descontração (2.9%)?

A primazia atribuída às relações entre professores e alunos torna-se sinónimo de uma nova

organização do trabalho universitário, assente na colaboração e participação ativa de uns e

outros no próprio ato pedagógico. A consequência mais imediata e desejável seria a

mudança do estilo de aulas “magistrais” ou “ex cathedra” e da própria matéria ensinada.

O autor desenvolve depois o seu pensamento acerca de estruturas e dinâmicas

universitárias, programas, métodos e técnicas psicopedagógicas. Neste campo particular,

refere as técnicas expositivas (comunicação centrada sobre o ensino do professor, mais do

que sobre a aprendizagem do estudante) e as técnicas multipolares (inovadoras, em que o

Page 27: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

22

eixo de gravidade da interação é o estudante). Dentro destas, as técnicas intuitivas

baseiam-se nos meios audiovisuais (televisão, filme, diapositivo, gravador), levando o

estudante a uma interação direta com os factos e as ideias. As técnicas multipolares

interrogativas, originárias no padrão clássico socrático, podem agora tirar partido de novas

técnicas, como a “simulação por ordenador eletrónico” ou o “ensino programado”, em que

o programa de computador permite um sistema de perguntas-respostas em tempo real,

semelhante a uma “comunicação dialogada”. Ambas técnicas valorizam os aspetos

psicomotores e sensório-motores das atividades educacionais, dando relevo ao

desenvolvimento da iniciativa e criatividade individual e de grupo, “à aprendizagem da

sociabilidade cooperativa e à preparação para o exercício da vida social”.

Não é demais voltar a destacar aqui a visão avançada de Pina Prata na época, há 44 anos,

muito longe ainda do aparecimento e generalização dos computadores pessoais, e em que

as suas propostas na área do desenvolvimento socio-afetivo mantêm toda a atualidade.

Em todos os seus escritos, Pina Prata nunca refere os termos “Psicologia” ou “Sociologia”

isoladamente, utilizando quase sempre os conceitos “Socio-Psicologia”, “Psico-

Sociologia” e “Psicologia Social”. Na sua perspetiva, estas disciplinas influenciam-se

mutuamente, o domínio individual não pode ser separado do domínio interindividual e

social. Nesta ótica de investigação, e no âmbito das estruturas e métodos pedagógicos no

ensino superior, elabora um texto (Pina Prata, 1970) em que aborda três áreas específicas:

Sociologia e Arquitetura

Psicologia Social e Métodos pedagógicos

Psicossociologia das Organizações

Segundo o autor, esta reflexão e “conjunto de sugestões” resultou da sua estadia na Bélgica

onde teve encontros com instituições e especialistas em investigação nessas áreas. A

abordagem da arquitetura, em relação com a sociologia, estaria associada ao facto de Pina

Prata ser docente de Sociologia no departamento de Arquitetura da Escola Superior de

Belas Artes de Lisboa. Apesar de não ter relação direta com o objetivo central desta

monografia (a terapia familiar), é inegável a importância e alcance desta temática na

construção do seu percurso académico e clínico.

No campo da arquitetura, e através do seu contacto-chave André Dufour, tomou contacto

com o Centre d’Études Architecturales, o Groupe International d’Architecture Prospective

e o Construction et Humanisme (Paris). Assim, abre-se a novas abordagens tais como:

Page 28: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

23

contacto entre o investigador e autor do projeto, a indústria e o público utilizador; atuação

do arquiteto usando métodos psicossociológicos como a dinâmica de grupos, envolvendo

futuros clientes no traçado do projeto, na utilização prática do espaço e na aprendizagem

de habitar em conjunto. A função do arquiteto deve superar o estrito exercício profissional

da “autoria de projetos” e articular-se com outras disciplinas, tendo em vista a síntese de

vários elementos que permitam o ordenamento do espaço.

Pina Prata (1970) reflete sobre a inadaptação e os problemas da organização do ensino da

arquitetura de então – dispersão de responsabilidades ministeriais e administrativas,

diversidade de regulamentação e multiplicidade de Escolas – bem como sobre a questão

das equivalências dos diplomas no “Mercado Comum” (questão só recentemente

harmonizada através do Acordo de Bolonha). Considera, como exigências da formação,

três componentes a ter em conta: função criadora e responsabilidade do arquiteto;

equilíbrio entre conhecimentos técnicos e formação em ciências humanas; investigação em

formas arquitetónicas e em materiais de construção, de modo a harmonizar as

preocupações estéticas com as virtualidades das técnicas e as necessidades humanas.

Assim, define como eixos principais da reforma do ensino da arquitetura: acesso após

conclusão de estudos secundários e exame de admissão; duração de 5 anos; organização

em 3 ciclos curriculares, estruturados resumidamente do seguinte modo:

- um tronco comum, de formação multidisciplinar, desenvolvendo a capacidade criadora e o

trabalho em equipa e permitindo múltiplas orientações;

- um segundo ciclo, proporcionando orientações arquitetónicas diversas e dando acesso à profissão

ou ao terceiro ciclo;

- um terceiro ciclo pós-graduado, dedicado a investigações originais.

Esta proposta, delineada há mais de 40 anos, parece óbvia nos dias de hoje, se pensarmos

na atual estrutura do ensino superior harmonizado ao nível europeu.

No mesmo texto, e passando à questão dos métodos pedagógicos na universidade, o autor

desenvolve as suas ideias na sequência do contacto com a área de Psicossociologia da

Universidade de Lovaina e o grupo "Université 1980" (recorde-se que estamos em 1970),

ligado à Fondation Industrie-Université e ao Institut Administration-Université.

Comentando as grandes linhas do projeto "Université 1980", realça o facto de este projeto

resultar de iniciativas conjugadas entre a universidade, a indústria e a administração e

também de ter como objetivo elaborar uma nova “doutrina da universidade”. A mudança

social acelerada transforma o perfil do ensino, dando mais premência à formação

metodológica que à transmissão de conteúdos; a universidade deve “in-formar”, isto é,

Page 29: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

24

ajudar a dar forma ao dinamismo das pessoas e dos grupos. Segundo Pina Prata (1970),

encontrávamo-nos numa “era científica”, em que as tarefas seriam cada vez mais entregues

ao “ordenador” (computador), permitindo a atividade intelectual expandir-se na função de

inovar e de equacionar problemas novos.

Um dos fenómenos “carregado de futuro” seria a crescente socialização do trabalho,

implicando uma mudança nas relações de decisão, entre chefias hierárquicas e grupos de

trabalho, de um sistema de tipo “linear” para “circular”. Por último, refere outro “grande

indicativo da reforma”: o aumento do nível de vida. Na perspetiva da sociedade de

abundância (ou de necessidades materiais satisfeitas), outras necessidades se sobreporão

como o desenvolvimento cultural, a educação permanente e a formação do homem. Mais

do que a transmissão de conteúdos, importa “aprender a aprender” e que a universidade

suscite “homens formados, formadores de homens”.

O tema Psicossociologia das Organizações será retomado adiante no contexto de outras

referências bibliográficas.

Consideremos ainda um trabalho publicado em livro (Pina Prata, 1973) em que o autor

retoma, de forma mais estruturada, a sua reflexão sobre o projeto “Université 1980”. A

“Psicossociologia da reforma do ensino superior” situa-se na linha das investigações sobre

a transformação dos métodos pedagógicos no moderno ensino superior e contém textos

escritos entre 1965 e 1972, em Rennes e em Lisboa. É composto por 3 capítulos:

aproximação metodológica; o caminhar pedagógico sob o prisma da psicossociologia;

participação educacional. O seu conteúdo é de grande importância para quem procura

aprofundar as questões relativas ao ensino superior. Limitamo-nos a apresentar aqui

algumas ideias respigadas segundo a ótica deste trabalho.

Esse estudo pode ser visto como uma reflexão, resultante da sua prática docente, sobre a

mudança na relação pedagógica e de investigação; e como um contributo para a

clarificação do papel do ensino superior e para os estudos conducentes à sua reforma. Tal

como no estudo anterior (Pina Prata, 1970), o autor confronta aqui a sua perspetiva com

estudos realizados por equipas belgas e com o projeto “Université 1980” que aponta para a

necessidade de conjugação de esforços entre organismos universitários e empresariais ou

profissionais, base indispensável a qualquer reforma do ensino. Outras ideias apresentadas

como reflexão e conclusões retiradas daquele projeto foram já referidas no texto anterior.

No domínio da formação e participação, o autor considera a personalidade como um todo

Page 30: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

25

inseparável e integrado, em que os aspetos intelectuais e socio-afetivos se entrelaçam.

Assim, aponta as várias capacidades ou aptidões a desenvolver pela formação, agrupando-

as em três categorias:

- inteligência, como capacidade de análise e de síntese, imaginação criadora, rigor, espírito crítico;

- caráter, como perseverança, espírito de decisão e de risco ponderado, domínio de si próprio;

- sentido social, como compreensão e tato nas relações interpessoais, saber cooperar e negociar,

delegação e partilha de responsabilidades no exercício do poder.

E mais uma vez nos surpreende com a sua visão lúcida quando se refere à necessidade de

estruturas de participação no ensino superior, em termos de partilha progressiva de

responsabilidades pedagógicas e de gestão com os estudantes (para além de docentes e

administrativos). Esta ideia acabaria por se tornar realidade ainda na década de 70, tendo

Pina Prata sido o primeiro presidente democraticamente eleito do Conselho Científico de

um instituto superior, bem como de outros órgãos de gestão com participação de docentes

e estudantes eleitos, conforme referido nas notas biográficas incluídas nesta monografia.

No que se refere à atividade pedagógica, Pina Prata (1973) acha que esta só é formativa se

responsabiliza o estudante na sua própria formação e na dos outros. Embora raras, as

experiências de “autogestão pedagógica” – grupos autogeridos de estudantes, ensinando-se

mutuamente, com objetivos fixados e orçamento próprio – exigiriam uma revisão radical

da orgânica do ensino e da relação entre professor e aluno. Embora parecendo “ficção”

catastrófica, e não podendo ser generalizada, esta ideia poderia servir como referência

orientadora de ações futuras, tais como a definição conjunta de programas, a programação

de meios e a contribuição de alunos de um ciclo superior no ensino de ciclos anteriores.

Uma última referência ainda para o tema “primazia do humano na economia generalizada”,

já antes abordado por Pina Prata (1972). O autor avalia os problemas essenciais da vida

económica de então como sendo cada vez menos isolados e, pela primeira vez na História,

mundialmente comuns. Os problemas da economia não poderiam ser resolvidos em função

da dicotomia entre liberais e marxistas (no poder ainda por mais 20 anos, em grande parte

da Europa de então), ambos com uma conceção demasiado reduzida do homem, centrando-

se nas riquezas materiais mas esquecendo “a riqueza do homem”. Uma economia onde as

“ciências do homem” - Psicologia, Sociologia ou Antropologia - não têm algo para sugerir

ou clarificar, não pode vencer os seus desafios.

Page 31: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

26

2.3 Sociologia, psicologia social e psicossociologia das organizações

No contexto da sua atividade de investigador e docente no ensino superior - com destaque

para o Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE) e Faculdade de

Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa (FPCE) - e numa época

em que foi pioneiro no ensino das Ciências Sociais em Portugal, o Professor Pina Prata

elaborou importante documentação de suporte que designava por "Apontamentos",

emitidos em formato policopiado pelas próprias escolas superiores.

Este conceito pode estar hoje vulgarizado e desvalorizado, não se dando atenção ao seu

significado intrínseco que importa realçar. Segundo o Dicionário Lello Universal,

"Apontamento" significa "Nota. Resumo do que se leu, ou registo de algum facto,

pensamento ou ideia que se quer fixar ou desenvolver. Nota breve e escrita do que se tem a

fazer para que não esqueça". Podemos também invocar a analogia com o termo inglês

appointment que significa "encontro marcado". Cada aula seria esse encontro com os

alunos, em que seriam desenvolvidos alguns temas e ideias.

Assim, estes textos representam o seu aprofundado trabalho de investigação e

sistematização dos conteúdos programáticos, tendo sido da maior importância para os seus

alunos e assistentes. Alguns estão estruturados em "Cadernos" temáticos que foram sendo

sucessivamente emitidos e finalmente compilados num volume, tal como se encontram

hoje disponíveis nas bibliotecas do ISCTE e da FPIE.

Apenas se faz aqui referência a textos que foram localizados e consultados. Mas temos

conhecimento da existência de outros, nomeadamente através de notas de pé de página ou

notas bibliográficas presentes em textos do autor, que não foi possível localizar. É o caso

de "Sociologia Geral" (Pina Prata, 1969), emitido pela Escola Superior de Belas Artes em

1969, provavelmente como suporte à cadeira de Sociologia que Pina Prata lecionou na

licenciatura em Arquitetura daquela escola.

Para além dos "Apontamentos" sobre psicossociologia da empresa e psicossociologia das

organizações, é importante referir a investigação que o autor desenvolveu em Sociologia e

Psicologia Social, da qual se incluem aqui referências a artigos publicados.

Page 32: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

27

Psicossociologia da empresa

A obra com este título (Pina Prata, 1965-1973) foi emitida pelo Instituto de Estudos

Sociais, ao longo de vários anos, como coletânea de "Apontamentos" para as aulas teóricas

e práticas do Professor Pina Prata, encontrando-se disponível apenas na biblioteca do

ISCTE. É constituída por 3 textos introdutórios e 11 cadernos temáticos, sendo três de

outros autores.

Não podendo ser aqui exaustivo na descrição e análise do conteúdo, refira-se apenas alguns

dos temas desenvolvidos aos quais atribuímos maior relevância:

Teoria e prática psicossociológicas Dinâmica de grupos e dinâmica da empresa Processos de liderança Processo e orientação da entrevista Socioterapia na gestão e organização da empresa Psicossociologia do marketing e motivações na procura Desenvolver as capacidades Os dirigentes e os processos de orientação e participação nos grupos de trabalho

Embora reconhecendo que já existem psicossociólogos que observam, analisam e

procuram compreender a empresa nas suas estruturas e interações humanas, refere serem

raros os livros ou programas de estudo designados "Psicossociologia da empresa", por esta

se inscrever no domínio das ciências do humano, de desenvolvimento recente. Só em 1911

a Psicologia Social surge como nova atitude no contexto das ciências humanas, com a

publicação de "The individual and society" do sociólogo e filósofo James Baldwin. Do

ponto de vista prático das intervenções em empresas, só com as experiências de Elton

Mayo a partir de 1927 encontramos uma orientação precursora da abordagem da

psicossociologia; a empresa aparece na complexidade da sua estrutura social e dos seus

grupos informais, deixando de ser olhada como unidade apenas económica.

A abordagem à gestão e organização de uma empresa pode, segundo Pina Prata (1965-

1973), situar-nos em duas perspetivas: ou determinar as condições para o lançamento de

mais uma empresa no circuito económico; ou procurar as condições para o crescimento e

bom funcionamento de uma empresa já existente. Em ambos os casos, tudo parece girar em

torno dos "objetivos" da empresa. E o grau em que estes são alcançados é mediado por um

complexo "sistema de decisões", cujo mecanismo tende a uma espécie de autorregulação

dos objetivos de produção.

Para além dos objetivos e funções clássicas da empresa - técnica, comercial, financeira e

administrativa - o autor considera que são ainda raros os especialistas que lhe acrescentam

Page 33: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

28

a "função social" e o objetivo de criar condições propícias ao desabrochar da personalidade

e ao equilíbrio afetivo dos membros da empresa.

Elabora também as bases dos processos da comunicação e da perceção na empresa. O autor

define, na empresa como em qualquer outro sistema de emissão, transmissão e receção de

informação, duas dimensões constantemente presentes:

- uma dimensão formal, racional, programada (como a ordem de serviço, regulamento, decisão);

- uma outra dimensão informal, emotiva e não sistematizável (como os ruídos, rumores).

A dinâmica da entrevista é outro tema abordado por Pina Prata (1965-1973), no sentido de

apreender os processos internos que a caraterizam e de encontrar formas metodológicas

para a sua condução. A sua utilidade neste contexto da empresa pode ser aproveitada,

acrescentamos agora, noutros contextos como a terapia familiar. Mas o que distingue uma

entrevista de um diálogo ou conversa social? A definição do objetivo da entrevista, da sua

finalidade e das condições metodológicas é que permite distinguir uma entrevista

psicossociológica. Essas condições visam ou a obtenção de informação, ou a manifestação

de problemas ou motivações do entrevistado, com o fim de aconselhamento ou terapia.

Temos, assim, entrevistas centradas sobre o "problema" ou centradas sobre a "pessoa". No

primeiro caso, o objetivo é a busca de informações, com diferentes motivos, e pode ser

mais estruturada que a entrevista centrada na pessoa.

Merece aqui uma referência especial o Caderno 6, já datado de 1972, por nos interessar

particularmente o seu título, "Socioterapia na gestão e organização da empresa", tema

central para a psicossociologia. Cada vez mais é pedido ao psicossociólogo de empresa que

compreenda os conflitos intra e interorganizacionais e que aponte caminhos de superação

dos mesmos. Segundo o autor, "autorregular o funcionamento psicossocial das

organizações consiste em reequilibrar situações de desajustamento relacional ou em criar

as condições de facilitação de processos de mudança, pela diminuição das forças

antagonistas que travam ou retardam o desenvolvimento daqueles". A socioterapia é

encarada como a facilitação da autorregulação, e esta como adaptação ativa, fundada nas

potencialidades criadoras dos indivíduos e dos grupos.

Os desequilíbrios psicossociológicos existentes numa organização podem situar-se ao nível

da coordenação entre os serviços ou entre funções; e podem provir da deficiente

estruturação do departamento de pessoal, dos modos de recrutamento, promoção, formação

e remuneração, da forma como se relacionam e se influenciam os grupos e do modo como

recorrem à arbitragem em situações de conflito.

Page 34: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

29

Ainda no âmbito dos "Apontamentos" de Psicossociologia da empresa, foi emitido pelo

ISCTE um Caderno adicional (Pina Prata, 1973a) dedicado ao tema "Conflito

organizacional", do qual existe um exemplar na biblioteca da FPIE. Trata-se de uma

comunicação apresentada no III Congresso Nacional de Prevenção de Acidentes de

Trabalho e Doenças Profissionais, associando esta problemática com a ocorrência de

situações de conflito nas organizações.

Segundo a ótica psicossociológica, a temática da patologia das situações de conflito

organizacional pode ser encarada sob um prisma tríplice: análise dos factos, diagnóstico da

situação e propostas de solução. Procura-se dar resposta aos problemas pondo a ênfase na

dimensão grupal ou organizacional de alguns deles; o acidente de trabalho e a doença

profissional podem atingir a dimensão de acidente grupal ou de doença da organização.

Segundo Pina Prata (1973a), há organizações doentes e doenças organizacionais, a título

semelhante à aceção mais comum do homem com doença ou acidentado. Neste contexto,

surgem os problemas de mal-estar na empresa, de insatisfação ou angústia na vida

profissional, de falta de clima de trabalho, de conflito intraorganizacional. Será que têm

relação com o aumento dos acidentes de trabalho ou do absentismo? As situações de

conflito têm as suas "lâmpadas de aviso" ligadas a "mostradores" que podem ser do tipo

social, económico, fisiológico, psíquico: são as queixas, as ausências, as mudanças ou

ruturas. Compreende-se assim que a socioterapia das organizações seja o objeto direto das

intervenções do psicossociólogo.

A hipótese de base colocada pelo autor é que "as situações de conflito organizacional são

geradoras de perturbações patológicas ou não (com impacto sobre os indivíduos e os

grupos), consoante aumenta ou diminui a divergência ou a convergência entre os objetivos

da organização e as necessidades das pessoas".

Apresenta depois, ao longo do texto, as linhas gerais da sua tese, a fase de diagnóstico das

situações de conflito, um esboço da questão da socioterapia nas organizações, a análise e

elucidação de uma situação real de conflito numa organização e, por fim, a reformulação

do conceito de patologia do conflito.

Importa ainda reter algumas ideias retiradas do texto: conflitos considerados como

ingredientes, tanto da vida pessoal como social, mais do que estados anormais ou

patológicos; na evolução dinâmica da personalidade e da vida organizacional, a situação de

conflito como um momento privilegiado de rumo ascendente, de tomada de decisão e de

Page 35: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

30

mudança; conflito ligado ao processo de comunicação (formal ou informal) e de relação;

conflitos sentidos como encruzilhada de opções, em que o sentimento de ameaça pode

estar presente, mas também a negociação; mecanismos de defesa podem ser ativados em

resposta à situação frustrante ou de conflito (agressividade, projeção, deslocamento,

idealização, regressão, negativismo, entre outros).

Embora o que ficou escrito sobre "Conflito organizacional" e socioterapia tenha sido

pensado para a empresa ou organização, a sua aplicação torna-se evidente também na

perspetiva familiar, quase bastando substituir "empresa" por "família".

Page 36: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

31

Psicossociologia das organizações e intervenção terapêutica

Da abordagem inicial à "Psicossociologia da empresa", Pina Prata foi generalizando a sua

investigação à "Psicossociologia das organizações", considerando as comunidades ou

estruturas grupais que não apenas a empresarial. Assim, o tema a que passamos

seguidamente não representa uma mudança em relação ao anterior mas o seu

aprofundamento e generalização. Apenas os separamos por razões metodológicas, porque

correspondem a matérias lecionadas e referências bibliográficas com outra designação.

Começámos pela sociedade, passámos à empresa, agora à organização e chegaremos mais

tarde à família.

A primeira referência bibliográfica com o título geral "Psicossociologia das organizações"

(Pina Prata, 1976) foi editada pela Associação de Estudantes do ISCTE, como coletânea de

"Apontamentos" para uso dos alunos daquela cadeira, sendo constituído por 4 cadernos.

Tanto este como os outros dois textos que aqui referimos foram localizados apenas na

biblioteca da FPIE.

O autor começa por clarificar uma questão concetual: que fenómenos considerar na

perspetiva da Psicossociologia?

Os fenómenos relacionais, observáveis ao nível das interações entre os indivíduos e os grupos

que se geram ao serem prosseguidas certas atividades, em áreas estruturadas de trabalho

cuja coordenação tende a autorregular-se mediante um sistema de forças

inerentes aos sistemas estruturais e relacionais das organizações.

Da lista de fenómenos com que exemplifica, destacamos as comunicações interpessoais, a

insatisfação pessoal ou grupal, a produtividade criativa do grupo, a coesão do grupo e a

segurança emocional, as necessidades interpessoais ameaçadas pelas atividades grupais, as

caraterísticas e normas dos grupos, o conflito ao nível da tarefa e das relações

interpessoais, estilos de chefia e sistemas de autoridade, desfasamento das estruturas

formais, ansiedade e sentimentos de mal-estar nos grupos, conflitos construtivos e

destrutivos, e assim por diante.

Sobre a natureza destes fenómenos, considera que a forma de os reconhecer pressupõe uma

aproximação distinta das ciências físicas, isto é, são fenómenos próprios ou resultantes da

existência de relações e, como tal, tomamos consciência deles através da experiência

vivida dos mesmos.

Page 37: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

32

Alguns anos mais tarde são emitidos dois textos de Pina Prata (1989 e 1989a), sob o

mesmo título geral "Psicossociologia das organizações" e no âmbito das suas atividades de

investigação e de intervenção clínica nesta área, com os seguintes subtítulos:

"Dos comportamentos de negociação aos de negociação, conflito e sintomáticos"

"Comportamentos organizacionais e condução do processo terapêutico em interfaces micro-macro

sistémicas"

No primeiro texto, Pina Prata (1989) desenvolve aspetos concetuais e metodológicos sobre

os sistemas humanos de inter-relação, os comportamentos organizacionais, as disfunções e

perturbações nas organizações, na perspetiva de despatologizar as organizações.

Aprofunda depois as questões do diagnóstico organizacional e dos comportamentos de

negociação do psicossociólogo no âmbito do pedido de intervenção numa organização. Por

fim aborda a condução do processo terapêutico no contexto organizacional, o que acaba

por ser o tema central do texto que publicou em seguida e a que passamos a fazer

referência mais detalhada.

Conforme refere logo de início, "O tema que desenvolverei nestas lições tem a ver mais

diretamente com a especificidade da condução do Processo Terapêutico, no contexto da

patologia organizacional" (Pina Prata, 1989a). Delimita o conceito de patologia às

situações das organizações em que se verificam, entre os seus membros, perturbações

emocionais, socio-afetivas, da perceção e da cognição; a sua constância ou intensidade

justificam o recurso a alguma forma de terapia das inter-relações. O termo "patologia", no

contexto organizacional, fica assim definido pela articulação entre dois vetores: a natureza

do problema e o método de intervenção adequado para a sua resolução.

Na sua perspetiva pessoal, em que acentua e valoriza o lado são que existe nas

organizações e famílias em dificuldades, Pina Prata (1989a) propõe-se "despatologizar"

parte das situações ditas patológicas das organizações, estabelecendo uma distinção entre

"disfunção" e "perturbação", e postulando a lei da "economia concetual". Esta implica,

entre outros:

- o princípio do suficiente e habitual ajustamento cognitivo, socio-afetivo e pragmático entre os

atores e grupos dentro das organizações, nos seus micro e macrossistemas de inter-relações pessoais;

- que não há perturbação grave que não tenha a ver com a qualidade de um dado conjunto de

relações interpessoais;

- que não há patologia da organização, no sentido estrito, já que se antropomorfizaria a realidade

organizacional (o que sucede quando se diagnostica a organização como "doente", "neurótica",

"depressiva" ou "esquizoide");

Page 38: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

33

Assim, e contrariamente à abordagem intrapsíquica, na sistémica a compreensão dos

fenómenos organizacionais não parte do indivíduo, do grupo ou da organização mas sim de

uma certa qualidade dos sistemas de relações interpessoais, enquanto mediadores entre os

indivíduos, os grupos e as organizações. Em suma, não se privilegia nem os estados de

disfuncionamento psíquico individual (embora não sejam negados), nem as "neuroses

organizacionais"; a orientação deste novo olhar teórico-prático faz-se a partir de um dado

sistema de relações interpessoais.

O autor critica as posições dos que, na sua forma de intervenção organizacional, seguem

uma abordagem de terapia intrapsíquica de base analítica, como é o caso de De Vries e

outros na obra "The neurotic organization". Segundo esse modelo, a patologia

organizacional é uma psicopatologia que reflete as perturbações emocionais, cognitivas e

percetivas dos seus dirigentes, como uma transposição em linguagem organizacional da

patologia individual. Nessa perspetiva, existem empresas psicóticas ou depressivas, tal

como a personalidade de alguns dos seus dirigentes. E, tal como na prática médica (ou

psiquiatria organizacional), partem da análise dos sintomas, deduzindo um diagnóstico e,

com base nele, definindo o programa de intervenção, suscetível de melhorar o

funcionamento da organização. Assim, a terapia organizacional seria uma terapia por

erradicação dos "doentes", o que passaria por substituir os responsáveis "neuróticos" nos

seus lugares de chefia, ou fazer a sua terapia individual, ou mudar as pessoas que os

rodeiam. Como vimos atrás, a abordagem sistémica defendida por Pina Prata está em

desacordo com esta visão.

Page 39: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

34

Investigação em Sociologia e Psicologia Social

Cabe neste estudo referir alguns textos e artigos publicados pelo Professor Pina Prata

enquanto investigador em Sociologia e Psicologia Social.

Na mesma linha dos "Apontamentos" já referidos para Psicossociologia da empresa e das

organizações, produziu uma obra sobre métodos e técnicas de investigação em Sociologia

(Pina Prata, 1975a), como base teórica para orientação das suas aulas. Foi editado pela

Associação de Estudantes do ISCTE, em formato policopiado, encontrando-se disponível

apenas na biblioteca daquele instituto.

Ao folhearmos esta obra volumosa, sentimos tratar-se de um manual exaustivo e

sistemático sobre os métodos e as técnicas da investigação sociológica. Todo o trabalho de

estudo, pesquisa, estruturação e escrita que lhe está subjacente é representativo de um

espírito rigoroso, metódico e profundo. Embora não esteja diretamente relacionado com os

objetivos deste estudo, é importante deixar a sua referência nesta revisão de literatura, para

outros que o queiram aprofundar.

Modelo do equilíbrio tensional

O artigo "Aproximação a uma teoria do equilíbrio tensional" (Pina Prata, 1975) é o que

consideramos mais importante do ponto de vista da investigação fundamental do autor em

Psicologia Social. Foi publicado na Revista Portuguesa de Psicologia e agora localizado na

biblioteca da FPIE. Fica aqui apenas uma resenha dos aspetos mais salientes desse estudo.

No primeiro capítulo o autor faz uma introdução geral ao tema, associando a dinâmica de

grupo (enquanto forma de intervenção psicossocial) à facilitação da mudança de atitudes

dos participantes. A questão que se coloca: "Como se processam as reestruturações

percetivas, cognitivas e operativas inerentes àquela mudança? Que modelo teórico

subentendem semelhantes reestruturações?" A análise da evolução do comportamento dos

grupos permite definir as várias fases que conduzem àquelas reestruturações e, logo, à

mudança de atitudes. É a partir da dinâmica de grupos que introduz a teoria do equilíbrio

tensional a qual visa explicar e prever os fenómenos de mudança de atitude.

A evolução grupal pode ser caraterizada em três fases, em que a trajetória não é linear mas

circular e ininterrupta:

- fase da exterioridade, em que o grupo surge como um "lugar onde" se fazem e dizem coisas como

opiniões, informações e sugestões; predominam os estereótipos e papéis sociais; fase da latência do

Page 40: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

35

conflito do grupo;

- fase da alteridade, do julgamento e tomada de decisões, do predomínio da opinião sobre a

informação, do conflito aberto;

- fase da inter-intimidade objetiva, da integração das experiências mútuas, com predomínio da

reestruturação do sistema de relações; grupo vivido como possibilidade de expressão das relações,

sejam no domínio cognitivo, afetivo ou operativo.

É nesta última fase que se dá a máxima tensão positiva relacional, em que se reorienta o

processo de desequilíbrio para o de reequilíbrio, pela mudança de atitude.

Há no decorrer das três fases uma ponderação diferente das três categorias do processo de

comunicação:

- opinião, em ligação com a dimensão socio-afetiva, com as crenças e sentimentos dos sujeitos;

- informação, em ligação com a dimensão cognitiva, com os dados e os factos;

- sugestão, em ligação com a dimensão operativa, com os comportamentos e modos de ação.

No decurso da evolução da dinâmica de grupo (no sentido da mudança de atitudes), à

ponderação diferente destas três formas de interação verbal correspondem, em cada fase,

estados diversos de tensão entre as dimensões cognitiva, socio-afetiva e operativa.

FIGURA 1: Tensão psicológica de base

Assim, Pina Prata (1975) estabelece as duas hipóteses que constituem o eixo teórico-

prático do modelo do equilíbrio tensional:

a) A tensão inerente às três dimensões do comportamento (C, A e O) é o tipo de

tensão psicossociológica básica da mudança de atitude;

b) Essa mesma tensão define-se em termos operatórios de informação, opinião e

sugestão.

Estas hipóteses constituem também pressupostos teóricos quanto às reestruturações

cognitivas, afetivas e operativas que se processam na dinâmica de grupo.

O segundo capítulo é dedicado à apresentação das teorias da consistência da mudança de

C - Cognitiva A - Afetiva O - Operativa

If - Informação Op - Opinião Ss - Sugestão

C

A

If

Op Ss

O

Page 41: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

36

atitude, que aqui nos limitamos a referir de passagem: teoria da dissonância cognitiva, de

Festinger; teoria do equilíbrio, de Heider; teoria da congruência atitudinal, de Osgood e

Tannenbaum; teoria da reatividade, de Brehm. Todo este conjunto teórico sobre o processo

de mudança de atitude tem como princípio comum a consistência das dimensões básicas

do comportamento, isto é, o homem tem necessidade de manter uma coerência entre o que

diz, sente, decide ou faz. E só assim pode mudar a sua atitude. Embora desenvolvidos no

contexto da Psicologia Social, estes princípios não podem deixar de ser tomados em conta

no processo de mudança desejado em Terapia Familiar.

Merece referência o modelo da dissonância cognitiva, de Festinger, aqui discutido por Pina

Prata (1975). Segundo Brehm e Cohen existem três situações experimentais que podem

provocar a dissonância: situação de liberdade de escolha, situação de acordo forçado e

exposição a informações incompatíveis com as opiniões do sujeito.

Para explicar a mudança de atitudes, a teoria da dissonância cognitiva parte de postulados

simples: os elementos do conhecimento podem estar de acordo entre si (consonantes) ou

não (dissonantes). Nesta situação, gera-se no sujeito um estado de tensão psicológica cujo

mal-estar procura superar, reduzindo a dissonância. Essa redução visa a adaptação, o

reajustamento ou o reequilíbrio do sujeito. Trata-se, no fundo, de uma teoria do equilíbrio

cognitivo, já que a tendência é para superar o desequilíbrio provocado pela dissonância

cognitiva; essa tendência é diretamente proporcional à dissonância global.

O autor analisa depois a experiência clássica de Festinger e Carlsmith e expõe a sua

posição crítica quanto à estrutura concetual em que se baseiam tais experimentações e se

interpretam os seus resultados.

No último capítulo deste artigo de 65 páginas, Pina Prata (1975) descreve o seu modelo do

equilíbrio tensional, desde os conceitos e interligações até ao processo de estabilidade-

mudança e equilíbrio tensional.

A estrutura psicológica básica inerente a qualquer comportamento ou atitude, bem como as

interações verbais que ocorrem no processo de comunicação, integram as três categorias -

cognitiva, afetiva e operativa - já referidas atrás. Esta estrutura tridimensional é dinâmica,

uma vez que nenhuma das dimensões se fecha sobre si, embora tenham configurações

específicas, respetivamente: conhecimentos, ideias e informações; impressões, sentimentos

e opiniões; decisões, propostas e sugestões (Figura 1).

A tensão é um estado do sistema relacional, quer dos sujeitos quer dos grupos, sendo a

resultante permanente da dinâmica das dimensões cognitiva, afetiva e operativa. A

Page 42: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

37

valência deste estado de tensão pode ser positiva ou negativa. É de notar como nas psicoses

e nas neuroses se manifesta esta tensão dinâmica intra e inter cognitiva-afetiva-operativa. E

a distinção entre neurose e psicose reside na consciência que a pessoa tem ou não do seu

estado. Na neurose, o sujeito dá-se conta da sua angústia ("aperto", "opressão"); "dar-se

conta" é o que radicalmente carateriza a vida de cada pessoa, como defendia Ortega y

Gasset.

O equilíbrio tensional refere-se a um processo específico do estado tensional dos sujeitos

ou dos grupos: o sistema relacional, com valência positiva. Também o conflito é um

processo específico de tensão - o processo do desequilíbrio tensional - que tende ao

retardamento, paragem ou rutura da comunicação. Reflete a valência negativa do estado de

tensão do sistema relacional.

Por fim, uma referência ao processo de estabilidade-mudança. Segundo Pina Prata (1975),

"(...) a dinâmica das necessidades, enquanto processo que vai na direção da procura da

autorrealização das pessoas e dos grupos; concebido, por isso, como processo de

mudança". E existe um processo de estabilidade que é a outra face (e simultânea) da

mudança. Assim, neste processo misto estabilidade-mudança, a resistência à mudança

surge como mais um mecanismo, a juntar aos de equilíbrio e desequilíbrio.

Num outro contexto, e alguns anos mais tarde, Pina Prata apresenta resumidamente a sua

inovadora abordagem à Psicologia Social, e a forma como a pusera em prática na

estruturação da licenciatura em Psicologia Social, na FPCE da Universidade de Lisboa.

Trata-se de uma apresentação ao I Encontro Luso-espanhol de Psicologia Social, realizado

em 1987, cujas atas foram publicadas em livro sob o título "Psicologia Social em Portugal

e Espanha nos anos 80". Esta referência bibliográfica foi localizada na biblioteca do ISPA.

Segundo Pina Prata (1992), a originalidade metodológica da Psicologia Social no contexto

das ciências sociais, residia no deslocamento do eixo epistemológico do domínio

intrapsíquico individual para os fenómenos de nível interpessoal e grupal. Contudo,

algumas questões centrais tinham ficado em aberto, em particular a conceção clássica da

causalidade linear como modelo explicativo dos processos de influência.

Aquela mudança epistemológica significava o início de uma rutura com o paradigma

"clássico" da física matemática. E a mudança começava a mostrar-se em novos ramos da

Psicologia Social, como a Psicologia Social Clínica e a Psicossociologia das Organizações,

sob a nova perspetiva das relações interpessoais e grupais da conceção sistémica.

Page 43: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

38

Foi esta visão de conjunto que levou Pina Prata a conceber o enquadramento pedagógico

dos curricula do departamento de Psicologia Social da FPCE da Universidade de Lisboa,

assente em duas vias de pré-especialização:

- Psicologia Social Clínica, em que se inclui a cadeira de Terapia Sistémica (estudo de casos);

- Psicossociologia das Organizações, em que se inclui Epistemologia e Métodos em Psicologia

Social, bem como Terapias Sistémicas e Metodologias Psicoterapêuticas.

Assim, um projeto universitário recente (a criação da licenciatura em Psicologia Social)

fora estruturado com base na nova abordagem da Psicologia Social. Passados anos,

podemos agora apreciar o alcance que esta visão e este projeto tiveram na abordagem

sistémica em Portugal, quer na psicossociologia organizacional quer na terapia familiar.

Page 44: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

39

2.4 Abordagem sistémica inter-relacional na família e na organização

Durante o período considerável da sua vida que dedicou à Terapia Familiar - como

investigador, professor, supervisor e terapeuta - Pina Prata escreveu inúmeros textos, em

resultado das suas reflexões sobre a teoria e a prática clínica, na família e nas organizações.

Considerando as referências encontradas na pesquisa bibliográfica que realizámos,

publicou artigos em revistas e livros desde 1979 até 1997, desde o primeiro "A terapia

familiar como processo" ao último "Formas de intervenção da terapia familiar e

diagnóstico sistémico psicoterapêutico: complexidade e turbulência".

Depois desta última publicação, o seu pensamento e reflexões continuaram a ser

divulgados, quer através de textos organizados por outros, quer através dos seus

"Apontamentos" de apoio à formação pós-graduada em Terapia Familiar e Comunitária.

Tendo publicado o primeiro artigo referido aos 55 anos, na continuação de uma já longa

carreira de investigador e docente universitário na área da Psicossociologia, ainda dedicou

32 anos da sua vida e um total de cerca de 30 títulos à Terapia Familiar.

Do ponto de vista cronológico, podemos considerar 4 períodos:

a) As primeiras publicações, antes dos "Cadernos" (1979-1980)

- A terapia familiar como processo, 1979, publicado na revista Análise Psicológica e outros sítios

- As fases da terapia familiar sistémica como processo, 1979, em separata da revista Servir

- Analyse différentielle du système rigide de l’anorexie mentale dans l’optique systémique de la

thérapie familiale, 1980, publicado na revista Thérapie Familiale

b) Os Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (1980-1983) - também designados

de Psicologia Social Clínica, área que desenvolvera e de onde emanava a terapia

familiar - dirigidos por Pina Prata e editados pela APTEFC e onde passou a

publicar os artigos que escrevia, juntamente com os de outros autores europeus:

- Caderno 1, Ópticas e estratégias de terapia familiar, 1980, com 5 textos do autor

- Caderno 2, Patologia organizacional, patologia familiar e sistémica inter-relacional, 1981, com 7

textos do autor

- Caderno 3, O 1º encontro europeu de terapia familiar e comunitária, 1983, com 3 textos do autor

c) Artigos publicados posteriormente (1985-1997)

- Patologia inter-relacional na sistémica da terapia familiar, 1985, publicado no livro coletivo

"Psicologia social do desenvolvimento: Socialização e saúde mental"

- Psicologia social clínica: As encruzilhadas do pedido de terapia familiar, 1991, texto policopiado

- Significações, mãos e olhar do terapeuta sistémico, 1996, publicado na revista Cadernos de

Consulta Psicológica

Page 45: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

40

- Formas de intervenção da terapia familiar e diagnóstico sistémico psicoterapêutico:

complexidade e turbulência, 1997, publicado no livro coletivo "Actas do colóquio Família".

d) Textos em coautoria e "Apontamentos" (1999-2011)

- 18 Anos da Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária, 1999, com C.Sales,

publicado na newsletter Recortes

- Pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária: Apontamentos do Professor Pina Prata,

2001-2010, sítio Internet da pós-graduação

- Intimidade e compromisso pessoal ou “aquilo que pode fazer com que um casamento funcione",

2002, com I.Narciso e M.E.Costa, publicado na Revista Portuguesa de Psicologia

- Terapia sistémica de casal. Respigando ideias e experiências, 2008, publicado em livro

organizado por C.Sales e e S.Gonçalves

- Being a systemic therapist in the family and in organizations, 2011, com C.Sales, publicado na

revista Human Systems.

Para além dos textos a que fazemos aqui referência, todos localizados e consultados, temos

conhecimento da existência de outros, nomeadamente através de notas bibliográficas e de

pé de página existentes em textos do autor, que não foi possível localizar. Contudo,

deixamos aqui essas referências para possíveis investigações:

- A socialização da criança, 1977, texto policopiado

- Dimensão socio-afetiva da terapia familiar, 1978, texto policopiado

- O período de destruturação-confirmativa da anorexia mental na óptica sistémica da terapia

familiar, 1979, publicado na Revista Hospitalar 171/172, pp 78-87

Nesta revisão de bibliografia não foi seguida a perspetiva cronológica pois seria fastidioso

ir percorrendo sequencialmente cerca de 30 títulos, sem quaisquer critérios estruturantes.

Achámos mais adequado organizar em áreas temáticas e agregar assim os textos de acordo

com os seus conteúdos principais, independentemente da época em que foram criados ou

publicados. Para isso, foram estabelecidas as seguintes categorias que passamos a

desenvolver em seguida:

- Dos começos da Terapia Familiar ao I Encontro Europeu - Fundamentos teóricos no modelo sistémico inter-relacional - Processo e intervenção em terapia familiar - Debate, partilha e crítica - Formação de terapeutas e "Apontamentos"

Page 46: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

41

Dos começos da Terapia Familiar ao I Encontro Europeu

No preâmbulo do primeiro Caderno de Terapia Familiar e Comunitária, Pina Prata explica

que estes cadernos nascem de uma "necessidade" de abrir o caminho em Portugal ao novo

modelo psicossociológico que é a Terapia Familiar sistémica; de uma "prática" de reflexão

pessoal e grupal; de uma "expectativa" de bom acolhimento para a reflexão e a prática dos

profissionais que procuram estar atualizados (Pina Prata, 1980a; APTEFC, 2011a).

Apresenta de início uma nota sobre os começos da terapia familiar, como contributo para a

história da Terapia Familiar em Portugal, aludindo ao modo como se começou aqui a

estruturar, no contexto do seu aparecimento na América e depois na Europa.

Com o Professor Pierre Fontaine, da Faculdade de Medicina de Lovaina, programou em

1976 o primeiro conjunto de treinos intensivos de Terapia Familiar que vieram a ser

realizados em Portugal, em Março, Abril e Maio de 1977, sob a orientação de terapeutas

familiares da equipa do Professor Fontaine. Cada um dos três treinos desenrolou-se durante

quatro dias, para um número restrito de doze profissionais, psiquiatras e psicólogos

qualificados, tendo em conta os objetivos de formação intensiva em profundidade.

Esta primeira opção de iniciação à Terapia Familiar teve continuidade em moldes

diferentes do que tinha sido feito na Bélgica e na Itália, tirando partido dessa experiência.

Em vez de avançar para a formação imediata de terapeutas familiares profissionais, Pina

Prata procedeu ao lançamento de "treinos pedagógicos nas estratégias da Terapia Familiar

sistémica", em três níveis, destinados a grupos de 15 operadores sociais profissionais, em

três anos consecutivos (1978, 1979 e 1980). Não visavam a formação imediata de

terapeutas familiares mas dotar os profissionais, da área social, de uma nova abordagem

aos problemas familiares, numa visão cuidadosa que evitava "poluir" as intervenções

psicossociológicas feitas sob o nome de Terapia Familiar. Só numa fase posterior poderiam

estes operadores sociais, de diversas profissões, aceder a uma formação específica para se

tornarem terapeutas familiares.

Este modo de encarar o treino em Terapia Familiar, em duas fases distintas mas

articuladas, relaciona-se, segundo Pina Prata, com a ótica sistémica que faz com que a

Terapia Familiar esteja imbricada com a Terapia Comunitária. A preparação de um número

elevado de operadores sociais é indispensável a uma boa complementaridade entre estes e

os terapeutas familiares. Esta dialética sistémica entre Terapia Familiar e Terapia

Comunitária está também patente na realização, em 1978, do Congresso Internacional de

Page 47: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

42

Terapia Familiar, em Florença, intitulado "Terapia Familiar na Comunidade". E também

nos objetivos dos Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária, lançados a partir de 1980.

Tal como a formação em Terapia Familiar, foi também no âmbito do GUIR (Grupo de

Universitários para a Investigação e Intervenção Relacional) que Pina Prata desenvolveu

atividade constante de investigação, baseada nas suas intervenções psicossociológicas,

tendo-se centrado na observação dos sistemas inter-relacionais familiares patológicos mais

rígidos. Assim, no seminário de pós-graduação em Psicopatologia que dirigiu na Faculdade

de Medicina da Universidade de Lovaina, a convite do Professor Fontaine, abordou a

problemática do sistema rígido da anorexia mental na ótica sistémica. O artigo publicado

sobre o tema (Pina Prata, 1980f) está referido mais adiante nesta monografia.

Do mesmo modo, os ateliês que o autor orientou em França, em 1980, nas Jornadas

Internacionais de Terapia Familiar de Lyon, destinadas a um grupo de terapeutas familiares

de vários países, assentaram na discussão das "estratégias do processo terapêutico nos

sistemas familiares rígidos".

Todas estas atividades de investigação, formação e intervenção não se podem dissociar do

desenvolvimento de contactos com os grupos universitários e especialistas em terapia

familiar de outros países europeus como Bélgica, Holanda, França, Itália, Suíça e Noruega.

Encontros como o primeiro Seminário Internacional de Terapia Familiar organizado em

Lisboa em 1978, no âmbito do VII Congresso Internacional de Psiquiatria Social, muito

contribuíram para o fortalecimento desse intercâmbio. O acordo cultural luso-belga,

permitindo o plano de trocas de especialistas na área da terapia familiar entre ambos os

países (elaborado por Pina Prata e Pierre Fontaine) enquadra-se no mesmo movimento.

A terminar esta resenha histórica, Pina Prata (1980a) refere ainda a concretização do

primeiro curso universitário de Terapia Familiar, por ele regido, no contexto da cadeira de

Psicologia Social Clínica da Licenciatura em Psicologia da FPCE.

Funda também em Julho de 1980, com outros profissionais, a Associação Portuguesa de

Terapia Familiar e Comunitária (APTEFC). No mesmo ano tinha sido criada outra

associação - a Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar - que Pina Prata considera um

facto positivo no sentido de contribuir para superar o atraso existente na Terapia Familiar

em Portugal.

Os Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária constituíram o meio mais efetivo ao dispor

da APTEFC, para divulgar a nova ótica terapêutica familiar sistémica, com base em

Page 48: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

43

informação escolhida. Beneficiando da cooperação europeia atrás referida, o seu primeiro

número inclui artigos importantes de vários especialistas como Andolfi, Caille e Ausloos,

para além do clássico "Para uma teoria da esquizofrenia" de Bateson, Haley e outros.

Na segunda parte deste texto, Pina Prata (1980a) apresenta a sua visão sobre os objetivos

dos "Cadernos" e a sua estrutura informativa. Perante o novo paradigma terapêutico em

que se inscreve a terapia familiar, a mudança na abordagem da doença mental e dos

problemas humanos em geral depende do modo como vierem a ser elaborados e praticados

os conceitos-chave da terapia familiar sistémica e suas estratégias. Passadas as primeiras

fases do desenvolvimento da terapia familiar, e da prática do processo terapêutico, torna-se

necessário aprofundar o referencial teórico; segundo o autor, "teoria significa ver; boa

teoria quer dizer saber observar bem".

Assim, os "Cadernos" têm o duplo objetivo de conciliar o rigor da informação com a sua

divulgação para a prática profissional. Conforme anuncia Pina Prata (1980a), a estrutura do

primeiro número dos "Cadernos" (e previsivelmente dos seguintes) apresenta várias

rubricas:

- Clássicos: dar a conhecer os "clássicos" da Terapia Familiar, tanto as suas investigações teóricas

como as terapêuticas específicas que propõem;

- Investigações atuais: divulgar artigos assentes em planos de investigação, com reconhecido nível

teórico ou prático;

- Estratégias: hodologias e técnicas: apresentar estudos de outros autores sobre as suas próprias

estratégias, com foco nos aspetos práticos e nas técnicas de apoio ao processo terapêutico;

- Debate: mostrar e debater as posições de outros investigadores que se situam em óticas diferentes;

- Sugestões e comentários bibliográficos

- Informações

Conforme pode ser consultado em APTEFC (2011a) e nos próprios "Cadernos", o mesmo

formato informativo foi utilizado no Caderno 2. Porém, o Caderno 3 foi diferente por ter

sido dedicado à publicação das conferências e comunicações livres apresentadas no I

Encontro Europeu de Terapia Familiar e Comunitária, bem como outros artigos que já

estavam para publicação.

Toda a atividade de investigação, formação e divulgação conduzida pelo Professor Pina

Prata no início da década de 80, tanto ao nível nacional como europeu, teve o seu ponto

alto na realização daquele Encontro, organizado pela APTEFC em 1983, em Lisboa.

No texto de apresentação do Caderno 3, Pina Prata (1983) cita o texto de abertura contido

Page 49: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

44

nos desdobráveis de divulgação do programa do Encontro:

"O 1º Encontro Europeu de Terapia Familiar e Comunitária, organizado pela Associação Portuguesa

de Terapia Familiar e Comunitária e pela Cátedra de Psicologia Social Clínica da Faculdade de

Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, visa reunir em Portugal um

número significativo de terapeutas familiares europeus, de reconhecida competência científica e

clínica, para se proceder a um balanço de suas posições teóricas e de suas mútuas experiências

clínicas, no que se refere a um grupo de problemas centrais, por eles mais estudados".

Sempre aberto ao debate e à crítica construtiva, acrescenta que, apesar do enfoque na

perspetiva sistémica, o Encontro está aberto a outras óticas da Terapia Familiar e a outras

formas de terapia, como a comportamental e a da sexualidade. Pretendia-se que fosse um

encontro de discussão científica útil a todos os profissionais que trabalham com problemas

familiares. Daí a importância da publicação dos trabalhos apresentados e dos debates

críticos realizados, pondo ao alcance dos operadores sociais investigações e práticas

terapêuticas inovadoras.

Pina Prata (1983a) faz uma alocução na abertura do Encontro em que aponta linhas de

discussão centradas nas dificuldades teóricas e práticas atuais do modelo sistémico inter-

relacional e, também, nos processos psicossociológicos básicos nos sistemas inter-

relacionais perturbados. As suas primeiras palavras são sobre encontro: " O pensamento é

um encontro. A amizade e o ódio são encontros ao contrário. Tanto mudar como não

mudar supõem também encontros com outrem (...). Cada terapia é uma forma de mudança.

O encontro é a face exterior da relação: a face espácio-cultural, a face física, sensorial e

normativa em todos os sistemas de relação (...)"

Este Encontro só foi possível "devido a muitos encontros vividos por cada um de nós" e

corresponde ao desejo de continuar, de forma mais consistente, o projeto comum do

pensamento europeu no novo domínio da sistémica das inter-relações. A realização de um

encontro europeu com estes objetivos tinha sido sugerida por Pina Prata no Congresso

Internacional de Terapia Familiar na Comunidade, realizado em 1978 em Florença.

Segundo o autor, a nova abordagem sistémica inter-relacional dos comportamentos

perturbados encontrava-se num momento crítico do seu desenvolvimento, traduzindo-se

em alguma confusão concetual e de técnicas terapêuticas, para o qual "a prática

profissional não deixa tempo suficiente para a reflexão".

Apresenta em seguida (Pina Prata, 1983a) as dificuldades teóricas e práticas do modelo

sistémico inter-relacional, agrupando-as em torno de três problemas de natureza

epistemológica. Desde o começo do século XX que o centro de gravidade epistemológica,

Page 50: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

45

em todas as ciências, se tem desviado do modelo dominante da física tradicional para o

conceito de relação. Daí decorre um segundo problema, entre as teorias que caraterizam o

novo pensamento científico, que consiste na falta de conexão entre elas; em terapia

familiar sistémica existe uma distância concetual entre abordagens estruturais-operacionais

e existenciais-fenomenológicas (não estruturadas). Um terceiro problema diz respeito à

falta de (ou reduzida) articulação entre a ação do terapeuta familiar e o seu modelo teórico,

podendo originar uma invasão do "mercado terapêutico" por estratégias "mágicas

simplistas".

Sobre o tema do comportamento perturbado e fenómenos sintomáticos, o autor considera

que aquele comportamento se carateriza por exprimir, à sua maneira, o "contágio

envenenado" entre uma estrutura (corporal, espácio-temporal ou normativo-cultural) e um

sistema particular de inter-relações disfuncionais.

"É por isso que o sintoma é uma forma de erupção, uma porta de saída e também uma porta de

entrada. Donde o seu papel de manutenção e de mudança do sistema".

Quer dizer que todos os sintomas psicopatológicos remetem para sistemas específicos de

relações, sendo a face manifesta dos problemas latentes inter-relacionais. Assim, as

estruturas familiares disfuncionais podem ser vistas através da análise das redes das

interações tecidas à volta dos sintomas.

Pina Prata considera que o modelo teórico e experimental mais avançado e adequado às

ciências do comportamento - alternativo do modelo nosográfico clássico - é o da

psicossociologia. Pode dizer-se que, conforme o perfil dos sistemas inter-relacionais

perturbados, verificam-se diferenças no funcionamento de três processos

psicossociológicos básicos, os quais necessitam de reorientação no decorrer do processo

terapêutico:

- circulação da informação no sistema, dosagem do fluxo informativo;

- emprego de diversas formas de avaliação-conotação;

- procura de novas configurações de comportamentos alternativos disponíveis.

Com uma visão abrangente e integradora, o autor acha que a aplicação deste modelo - da

psicossociologia - não é exclusiva de nenhuma abordagem particular, facilitando a

articulação entre as terapias estruturais e as de processo (centradas na qualidade da

vivência das relações), bem como as estratégias centradas na resolução de problemas.

Page 51: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

46

Fundamentos teóricos no modelo sistémico inter-relacional

Sob este título, apresenta-se um conjunto de 5 textos que compõem teoricamente a

abordagem sistémica inter-relacional, em rutura epistemológica com o modelo clássico da

causalidade linear, próprio da psicopatologia clássica ou da abordagem psicanalítica.

São resultado da reflexão e aprofundamento teórico do autor, na linha dos

desenvolvimentos internacionais em que se insere, e em conjugação com a sua prática

terapêutica, de que vários casos são apresentados na bibliografia produzida.

Apesar de existirem ideias recorrentes que atravessam todos estes textos, publicados no

período de 5 anos entre 1981 e 1985, optamos contudo pela sua apresentação cronológica,

por facilidade metodológica e por assim corresponder à evolução do pensamento do autor.

Os primeiros três textos

- A psico-sociologia das organizações como fundamento teórico-prático da face estrutural do

modelo sistémico inter-relacional da terapia familiar (Pina Prata, 1981a)

- Patologia organizacional, patologia familiar e sistémica inter-relacional (Pina Prata, 1981b)

- Quantificação das interações e qualidade das relações nos sistemas familiares perturbados (Pina

Prata, 1981d)

foram publicados no II Volume dos Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (Pina

Prata, 1981), dedicado ao tema "Patologia organizacional, patologia familiar e sistémica

inter-relacional", sendo esse também o título de um dos artigos mais importantes. De

acordo com a sua ótica sistémica, o autor liga de uma forma assumida e sistemática a

terapia familiar com a psicossociologia das organizações, liga a patologia familiar com a

patologia organizacional, encarando sempre a família como uma forma específica de

organização. Esta visão está muito presente nos primeiros textos, embora depois o enfoque

passe a ser quase só familiar, seguindo a prática que vai aprofundando.

Psicossociologia das Organizações e Terapia Familiar

No primeiro destes textos, Pina Prata (1981a) enquadra historicamente a evolução dos

conceitos e a interligação teórica e prática entre a problemática da Psicossociologia das

Organizações e a sistémica inter-relacional da Terapia Familiar, articulando-se ambas na

Terapia Familiar Comunitária, na perspetiva de que "existe uma circularidade entre a

teoria, enquanto modo de ver a realidade, e a realidade que vai suscitando novo olhar

teórico". Adverte que a dificuldade daquela articulação teórica resulta, no contexto da

"sociedade urbana tecnológica", da dinâmica da interdependência entre as estruturas

Page 52: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

47

organizacionais e uma dada textura (ou tecido) de relação de participação. Este problema

central está presente, e é semelhante, tanto na grande empresa industrial, como numa

grande instituição hospitalar, na pequena organização que é a família, ou numa sessão

terapêutica de sistémica familiar.

O autor apresenta uma retrospetiva histórica, desde finais do século XIX, sobre a evolução

da Psicologia Social, realçando a tentativa de alguns autores de não dicotomizarem os

problemas individuais e os sociais, apresentando o comportamento como função de

parâmetros pessoais mas também de fatores situacionais ou sociais. Citando Pina Prata

(1981a):

"A base de qualquer interação está integrada no que chamei triângulo de oiro da Psicologia Social,

em que o nível de interação grupal (G) é um dos três níveis de interação comportamental, a par do

nível de interação individual (I) ou pessoal e do nível de interação das estruturas e do poder social

(S)".

A Psicologia Social do pós-guerra dá um lugar de relevo ao estudo da dinâmica dos

grupos, em que a problemática da interação indivíduo-grupo-estruturas sociais leva à

formalização das relações de poder. Refere um estudo experimental de Lippit e White que,

nos anos 40, anuncia já o "salto teórico-prático qualitativo" que só nos anos 60 se inicia

formalmente, segundo o qual toda a interação de poder (a qualquer dos três níveis

apontados) é vista em termos de definição de inter-relações. Em palavras simples, quando

alguém fala com outra pessoa - seja o pai com o filho, o médico com o paciente, ou o

gerente com o seu subordinado - não apenas se comunica uma mensagem com um certo

conteúdo, como se define uma relação de poder. O conceito de relação é, assim, o fio

condutor da ciência na época; determina, no âmbito das investigações e das intervenções

psicossociológicas clínicas, o salto metodológico da psicossociologia da interação para a

psicossociologia das inter-relações.

Novo paradigma sistémico inter-relacional na patologia organizacional e na familiar

Pina Prata desenvolve e aprofunda o seu pensamento num dos artigos que será uma das

referências mais importantes da sua obra: "Patologia organizacional, patologia familiar e

sistémica inter-relacional" (Pina Prata, 1981b). A designação do artigo (e do Caderno em

que é publicado) pretendem vincar que está em causa uma mudança epistemológica quer

na abordagem teórica que carateriza o pensamento científico, quer na observação dos

fenómenos do comportamento perturbado e do comportamento humano em geral. Como

refere o autor:

Page 53: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

48

"Trata-se da passagem do modelo médico da etiologia linear da unicausalidade e do paradigma

intrapsíquico de uma personalidade em-si-mesma perturbada, para os diferentes formatos de terapia

inter-relacional, em que se situa precisamente também a terapia familiar".

Há assim uma mudança da "unidade de tratamento" do paciente, isolado do seu meio

familiar ou organizacional, para a família (nuclear, alargada ou rede social) ou para as

organizações mais variadas. Neste contexto, a mudança de "paciente" para "paciente-

designado" tem um significado radical.

Os vários tipos de sistemas de relações imbricam-se entre si: o familiar com o escolar, o

profissional com o familiar, o judicial com o familiar e o escolar, e outros. Assiste-se assim

à passagem para modelos inter-relacionais englobantes e abertos, em que os parâmetros de

totalidade evolutiva e de circularidade são fundamentais. Citando o autor:

"A compreensão dos fenómenos inter-humanos e sociais passa pela perspetivação e apercebimento

da complexidade das redes ou estruturas de relações (...) e da qualidade destas, isto é, da dinâmica

dos processos socio-afetivos, cognitivos e de atitudes operativas (...)".

A perspetiva inter-relacional, segundo Pina Prata (1981b), implica dois axiomas: as

sistémicas da terapia familiar e da terapia organizacional representam duas variantes do

modelo básico da sistémica inter-relacional; existe similitude dos processos psicológicos e

psicossociológicos nos diversos sistemas inter-relacionais, isto é, a patologia das relações

disfuncionais define-se de modo semelhante num dado sistema familiar como num sistema

escolar ou empresarial.

Os objetivos do artigo são mostrar o alcance teórico-prático dos dois axiomas, fundamentá-

los, distinguir os subsistemas de "relacionamento" e de "relacionação" e proceder à

exemplificação através da apresentação e análise de 8 casos.

Sempre que nos interrogamos sobre "o que se passa" - quer seja numa organização

industrial, numa família, ou noutro grupo social - podemos dizer que o comportamento

perturbado (ou tensão ou conflito) é função de uma determinada estrutura (ST), de uma

determinada textura de relações qualitativas (TX) e de um determinado contexto (CT), seja

intrassistémico ou intersistémico. Assim:

Cpt- = f (ST, TX, CT)

Referindo-se a um caso apresentado por Hirsch num seminário por este orientado,

demonstra a necessidade que houve de recorrer à utilização da terapia familiar em meio

institucional, na sequência do fracasso de outras abordagens, intrapsíquicas ou

educacionais. Trata-se de um caso paradigmático do modo como frequentemente se chega

à descoberta da realidade da família como sistema de relações, cuja homeostase pode pôr

Page 54: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

49

em causa qualquer tentativa de intervenção que não seja a terapia familiar sistémica. A

propósito deste caso, em que o jovem se encontra internado numa instituição, Pina Prata

desenvolve considerações muito importantes sobre a entrada da terapia familiar numa

instituição e ao modo de fazer terapia familiar nesse contexto, segundo a visão de Hirsch.

Um último ponto apresentado diz respeito ao modo como a equipa, no caso em discussão,

decidiu ter em conta um terceiro sistema, o judicial, numa perspetiva intersistémica. Esta

intervenção passou por pôr em prática um plano de formação e de, assunto mais delicado,

fazer passar pelo juiz de menores a prescrição de terapia familiar, pelo facto de certas

famílias a não procurarem da forma desejada.

Pina Prata (1981b) passa em seguida a apresentar Bloch e a sua visão da psicoterapia

familiar e das "interinfluências sistémicas e subsistémicas". Bloch utilizou, entre outros, o

exemplo paradigmático do casal abastado que comprou um cobertor elétrico com dois

sistemas de comando da regulação térmica. Cada um tem o seu dispositivo de controlo que

lhe permite regular a temperatura do cobertor a seu gosto. Este exemplo é ilustrativo das

interinfluências subsistémicas; existem dois subsistemas no sistema do casal, pois

continuam a ser indivíduos, com personalidades que apontam para conjuntos diversos de

relações. Esta perspetiva aplica-se em qualquer configuração sistémica, como é o caso da

empresa nova-iorquina também apresentado no texto.

A expansão da terapia familiar em 1973 era já uma realidade: "cerca de 50 pessoas

assistiam aos primeiros congressos; este número tem aumentado cada ano, para atingir nos

últimos anos mais de 1000 participantes"; ou ainda "em 1960 inaugurou-se em New York

o primeiro Instituto de T.F.; em 1973 havia 10 Institutos deste género nos E.U.A". Tal

expansão poderia traduzir um progresso real das investigações no domínio das

psicoterapias; mas também poderia esconder um certo desencanto em relação a outras

formas de terapia.

Rutura ou integração entre terapias clássicas e a sistémica inter-relacional?

Uma questão que o autor se coloca: "haverá rutura ou integração dos modelos terapêuticos

clássicos com os da sistémica inter-relacional?" Segundo ele, é compreensível que modos

enraizados de observar, diagnosticar e de tratar não facilitem a passagem a outros métodos

terapêuticos. E citando Haley, "Um dos problemas mais interessantes no treino da terapia

familiar é persuadir um profissional que andou mergulhado nos diagnósticos e treinos de

um hospital psiquiátrico, durante anos, a tratar um acontecimento aparentemente psicótico

Page 55: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

50

como um problema transitório de relações humanas". Ou ainda, por Pina Prata:

"Assim como se fala em desfamiliarizar a família, abrindo-a ao sistema de relações comunitárias em

que se inscreve, assim também falo de despatologizar a relação terapêutica, inserindo-a num

contexto de inter-relações psicossociológicas".

A nova epistemologia apercebe a realidade da pessoa como sistema dinâmico relacional,

constituinte de inter-relações, o que vai implicar uma redefinição da própria relação

terapêutica e do modo de encaminhamento do processo terapêutico. Um testemunho de um

psiquiatra, apresentado no texto por Pina Prata, é muito claro acerca da dificuldade de

mudar de paradigma: "reconheço a minha incompetência na teoria dos sistemas e invejo-te

por conseguires 'pensar sistema', pois para mim é um pouco como passar de um

instrumento de sopro a um instrumento de corda, da análise individual ao sistema".

Ainda sobre rutura versus integração de perspetivas diferentes, o autor considera que de

facto se deu uma rutura ou descontinuidade, na década de 60, entre as duas epistemologias:

a da etiologia causalista unilinear (e sua abordagem individualista intrapsíquica) e a

emergente epistemologia da circularidade evolutiva inter-relacional. Tratava-se de um

grande salto qualitativo na maneira de olhar e compreender não só o comportamento

perturbado mas toda a problemática humana, tanto a nível pessoal como a nível grupal e

organizacional.

A terapia nas organizações

A perspetiva organizacional e a questão da terapia em organizações é ainda abordada por

Pina Prata (1981b) no que intitula "armadilhas institucionais", à semelhança de um artigo

citado de Palazzoli. Começa por explicar que o conhecimento do organigrama de qualquer

organização é um dos caminhos mais diretos para se observar e levantar hipóteses sobre o

que se passa, como se passa e quando se passa nas organizações, porque permite ver:

- como os papéis estão definidos;

- quais as normas organizacionais que definem a forma como se processa a comunicação;

- que articulação existe entre o processo de liderança organizacional e as estruturas de tomada de

decisão e de controlo;

- a configuração do sistema de interações e a distância entre a orgânica formal e as redes informais

das inter-relações.

Há necessidade de saber o que se passa na organização para intervir, para dar resposta a

um pedido da organização; mas também necessidade de saber que tipo de intervenção

fazer. Segundo Palazzoli, citada por Pina Prata, a intervenção terapêutica é uma

Page 56: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

51

componente secundária da competência profissional do psicossociólogo; a componente

primária é a sua capacidade de controlar os seus próprios comportamentos

comunicacionais, não se deixando envolver nas comunicações disfuncionais da

organização. Assim, o terapeuta organizacional só deve intervir a pedido explícito e formal

da organização, através de negociação de contrato específico.

As "armadilhas das instituições" a que se refere Palazzoli são, no dizer do autor,

"marcadamente estruturais e remetem-nos para situações de controlo de poder e disfunções

nas intercomunicações", no contexto da problemática intrassistémica organizacional. São

apresentados alguns exemplos em organizações, representando vários tipos de

"armadilhas":

- o pedido de intervenção, geralmente pela parte que se sente a perder "espaço de poder", pode levar

a uma coalizão do terapeuta com a "parte perdente", contra a outra parte;

- nas organizações rígidas, cujo contexto favorece a homeostase, a rigidez manifesta-se na

proliferação de projetos que nunca são realizados, suscitando lutas pelo poder e sintomas de

natureza diversa;

- comportamentos das chefias em casos de receio de perda ou diminuição de poder.

O autor coloca a questão "Que fazer o psicossociólogo inter-relacional, após observação

deste jogo-armadilha organizacional?" e apresenta respostas que ainda hoje mantêm

atualidade. A questão é pertinente a dois níveis: o terapeuta, por inexperiência de funções

diretivas em organizações, desconhece as lutas de poder de forma direta, apenas por

observação; o terapeuta é ele também "jogador de poder" na sua área de influência.

Assim, numa primeira fase da sua entrada na organização, o terapeuta ou psicossociólogo

organizacional deve: a) fugir à armadilha que lhe é proposta de ser o agente da mudança do

clima da organização, b) só posteriormente intervir como terapeuta das disfunções

organizacionais, na base da negociação de um contrato formalizado; c) manter-se

sobretudo numa atitude de pedagogia de informação que catalise o clima mínimo

necessário à mudança.

Quantidade e qualidade das interações em sistemas familiares perturbados

Na sua abordagem teórica da terapia sistémica inter-relacional, Pina Prata publica um outro

texto de referência: "Quantificação das interações e qualidade das relações nos sistemas

familiares perturbados " (Pina Prata, 1981d). Este texto é de elevado interesse, não só pela

apresentação e discussão de 8 casos ilustrativos, mas sobretudo pela introdução e

desenvolvimento de temas como o "sistema inter-relacional terapêutico", o termo do

Page 57: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

52

processo terapêutico e a responsabilidade partilhada.

Começa por introduzir, tal como em outros textos já referidos, os postulados da terapêutica

sistémica inter-relacional, que se baseia na hipótese de que:

"lidamos com comportamentos perturbados cuja patologia é em sua raiz relacional, isto é, que se

alimenta de um tecido de relações e de inter-relações familiares cuja rigidez se manifesta tanto em

certas formas de comunicação, como em certas configurações de estruturas sequenciais ou de

organização de sintomas".

Para exemplificar este e outros postulados, o autor analisa vários casos de famílias

perturbadas e respetivos sistemas inter-relacionais familiares (que designa por SiRLf),

incluindo situações de anorexia, fobia, esquizofrenia, dificuldades escolares, depressão,

delinquência, sobre as quais coloca questões como: de que modo a magreza e as questões

da comida vão estruturar as inter-relações dos membros da família entre si? qual o papel

desempenhado pelas atividades esquizofrénicas na indiferenciação-diferenciação socio-

afetiva familiar? como se situar relativamente aos dois sistemas, o familiar e o escolar?

Redefinição do contexto terapêutico e termo do processo

A partir dos casos, destaca alguns problemas com que se defronta o terapeuta que utiliza o

modelo sistémico inter-relacional. Desde logo, a redefinição do contexto terapêutico, já

que o modelo de terapia que os clientes têm interiorizado é geralmente médico-orgânico e

nem sempre é fácil desconstruir o contexto de intervenção "clínica". O próprio conceito de

diagnóstico, sendo marcadamente médico, passou a ser também usado ao falar-se de

diagnóstico psicológico, o que contribui para negativamente manter a associação entre

ambos os modelos de intervenção. É difícil fazer renunciar o cliente à crença no poder

mítico da "cura", razão pela qual o autor aceita o uso da expressão "consulta" em terapia

familiar, apenas num primeiro momento, para logo em seguida procurar que se deem conta

da importância da terapia familiar como "encontro" de relação de mudança. Até o próprio

termo "terapia" enferma, tal como os anteriores, dos mesmos limites.

Conforme frisa Pina Prata (1981d), importa que estas questões terminológicas não

impeçam a redefinição do novo contexto. Com esse fim, é importante que o terapeuta faça

eclodir relacionalmente um "novo tipo de relação-de-poder", marcado pela sua

competência em:

- ser o definidor das relações durante os encontros de terapia familiar

- reconhecer a competência da família em assumir ela própria a gestão de suas dificuldades

- reconhecer-se incompetente face àquela competência dos membros da família

Page 58: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

53

Em segundo lugar, a questão primordial, em qualquer terapia, do termo do processo

terapêutico. Num dos casos apresentados, no último encontro a família não se lembrava do

"contrato terapêutico" de 5 sessões; por seu lado, o terapeuta dava-se conta que o processo

terapêutico de mudança estava ainda fortemente em curso. E o processo terminou. Porque

procedeu assim? Segundo o autor, terminar uma terapia não só tem a ver com o modo

como foi iniciada e combinada, mas sobretudo com a conceção da terapia familiar

enquanto "processo unitário de circularidade evolutiva", em que todas as etapas estão

sempre presentes em cada momento.

"O fim de uma terapia familiar está já no seu começo"

Antes do fim da terapia, a família efetua o processo de "confirmação da reestruturação" na

configuração dos seus papéis e inter-relações. E durante essa fase, quer a família quer o

terapeuta dão-se conta que o processo terapêutico começa a gerar a sua própria separação

nos dois subsistemas: o da família e o do terapeuta.

Segundo Pina Prata (1981d), um sinal de boa condução da terapia é o facto de ambos,

família e terapeuta, se darem conta que o fim está para chegar, e que chegou. O número de

sessões estabelecido no primeiro encontro deve ser respeitado, embora possa ser

reformulado, para menos ou para mais, antes ou ao chegar ao seu termo; o modo de o fazer

deve estar inserido na própria estratégia da terapia. Tendo em conta a sua experiência e de

outros terapeutas familiares, em certas situações graves pode ser mais adequado um

conjunto de 10 ou de duas vezes 5 sessões, com intervalos médios de quinze dias (e mais

frequentemente de um mês ou três semanas); ao despertar maior estimulação das

potencialidades, a gravidade da situação pode assim ser melhor superada.

Sistema inter-relacional terapêutico e responsabilidade

Por último, a responsabilidade partilhada e a responsabilidade individual. A perspetiva

sistémica determina que seja o terapeuta familiar a definir o novo tipo de relações no novo

sistema inter-relacional que é o sistema terapêutico (SiRLTP), enquanto função do

subsistema relacional do terapeuta (SRLtp) e do subsistema inter-relacional da família

(SiRLf).

SiRLTP = f (SRLtp, SiRLf )

Page 59: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

54

FIGURA 2: Sistema inter-relacional terapêutico

A empatia inter-relacional do terapeuta não significa que os males ou disfunções da família

ou de seus membros passem a ser dele; quer antes dizer que o terapeuta se deve dar conta

de como se vão tecendo as relações no decorrer da terapia familiar, sendo o definidor de

um novo estilo de inter-relações. Pina Prata (1981d) afirma que tem por hábito exprimir à

família, ou seu membro, o seguinte:

"Ao passardes aquela porta, toda a responsabilidade é vossa; do que sucede aqui dentro, entre nós,

durante cada encontro de T.F., cabe-me completa responsabilidade."

O sucesso e o insucesso é geralmente resultado de uma responsabilidade partilhada;

contudo, o terapeuta familiar deverá "digerir" o insucesso como coisa sua, reservando o

sucesso para o "património da família".

Permanece a questão da responsabilidade individual. Qual o seu lugar numa ótica de

circularidade sistémica, em que se procura superar o paradigma da causalidade-linear

culpabilizante? O autor apresenta algumas considerações sobre o tema, não as

considerando definitivas, e reconhecendo desconhecer que outros autores se tenham

debruçado sobre isso.

Page 60: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

55

Fórmulas-guia explicativas de sistemas familiares rígidos

No mesmo texto (Pina Prata, 1981d), discute ainda a questão da taxinomia inter-relacional

e desenvolve as suas fórmulas-guia em modelos-tipo familiares, as quais são estruturantes

do seu pensamento teórico fundamentando-o em modelos quantitativos.

De acordo com a sua teoria do equilíbrio tensional aplicada à evolução da dinâmica de

grupo, já referida atrás (Pina Prata, 1975), à ponderação diferente entre as três categorias

do processo de comunicação (informação, sugestão e opinião) correspondem estados

diversos de tensão.

As fórmulas-guia criadas pelo autor servem para ilustrar os casos apresentados de famílias

perturbadas, e as transformações ocorridas durante o processo terapêutico, em função do

balanceamento na utilização pela família das Informações (If), Sugestões de iniciativa (Si)

e Opiniões (Op), podendo estas ser positivas (+) ou negativas (-). Consideremos apenas a

que representa os "sistemas inter-relacionais rígidos":

SiRL f - = ({ { (∑If +) < (∑If -) } + { (∑Si +) < (∑Si -) }} < { (∑Op -) > (∑ Op +) })

A quantificação e a qualidade das interações, neste caso, assentam numa estrutura em que

o somatório de informações e de sugestões positivas é inferior ao somatório de

informações e de sugestões negativas, e em que o conjunto de opiniões negativas suplanta

as opiniões positivas.

Nas famílias e outros sistemas de inter-relações assim estruturados, a rigidez é medida pelo

facto de haver sequências de interações que se repetem, mas também pelo modo como

qualitativamente estas se comportam.

Segundo Pina Prata (1981d), em todos os casos referidos notou-se que:

"o processo terapêutico induziu uma utilização mais objetiva da informação disponível no sistema

inter-relacional (If+ >): maior aceitação das informações com que os diferentes membros da família

pretendem validar o que pensam (dimensão cognitiva), o que sentem (dimensão socio-afetiva) e o

que fazem (dimensão operativa).

Também induziu melhor utilização das avaliações com que as diferentes pessoas manifestam as suas

preferências positivas (Op+ >), também no tríplice nível cognitivo-afetivo-operativo das interações

comunicacionais.

Por fim, induziu um aumento ou uma atualização mais diferenciada em alternativas das sugestões de

iniciativa (Si+ >) de cada membro das diversas famílias, igualmente nos três níveis

comportamentais."

O autor conclui o texto abordando temas como "dinâmica da imbricação de modelos inter-

relacionais" e "interconfluência de tensões" que aqui deixamos apenas referenciados.

Page 61: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

56

Porquê a abordagem inter-relacional sistémica na terapia familiar e organizacional?

A conferência "Un modèle systémique pour psychiatrie et psycho-sociologie clinique"

(Pina Prata, 1983c) foi apresentada no Primeiro Simpósio Europeu de Terapia Familiar, em

Madrid. Explorando a teoria do cientista Kenneth Wilson, prémio Nobel da Física - "teoria

dos fenómenos críticos em transições de fase" - o autor reconhece a existência de

fenómenos novos muito particulares que ocorrem na vizinhança do ponto de passagem

entre dois estados, tal como entre a água em estado líquido e em estado gasoso. Daí retira e

desenvolve algumas hipóteses que permitirão:

- estabelecer um ponto de partida epistemológico sobre a questão dos limites teóricos entre dois

modelos psicopatológicos correntes: um baseado na causalidade linear dos factos, o outro que

defende a circularidade sistémica dos fenómenos inter-relacionais;

- sugerir uma orientação metodológica na observação dos sistemas de inter-relações disfuncionais e

também na condução sistémica do processo terapêutico.

Este ponto de viragem epistemológica, presente como uma constante na elaboração teórica

de Pina Prata, refere-se ao novo modelo sistémico inter-relacional, alternativo ao modelo

linear clássico da nosologia psiquiátrica.

Esta perspetiva da terapia familiar é ainda abordada num texto (Pina Prata, 1985) incluído

como capítulo da obra organizada por Gouveia Pereira e Correia Jesuíno denominada

"Psicologia social do desenvolvimento: Socialização e saúde mental". O autor situa-se no

campo da Psicologia Social onde acha que podemos encontrar o melhor apoio teórico e

experimental para o modelo sistémico inter-relacional. E justifica e aprofunda a nova ótica

epistemológica.

Porquê recorrer à abordagem sistémica na terapia familiar? Pina Prata refere duas ordens

de razões: insatisfação, do ponto de vista prático e teórico, com os modelos de intervenção

clínica da psicopatologia clássica e da psicanálise; reconhecimento de que o

"restabelecimento" de um membro da família ocorre, por vezes, a par do aparecimento de

"sintomas" num ou mais dos outros membros da família.

Em qualquer modelo terapêutico há, segundo o autor, quatro aspetos interligados:

- aquilo que se observa;

- o modo de observar;

- as hipóteses teóricas formuladas;

- a forma da intervenção terapêutica.

Mas o movimento da terapia familiar vai suscitar uma reformulação em cada um destes

Page 62: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

57

aspetos. Embora na década de 40 do século passado se tenha delineado o início do

movimento da terapia familiar, Pina Prata considera 1956 como um ano de viragem

importante, com o aparecimento do primeiro estudo que procurou formalizar a mudança

operada naqueles quatro aspetos: "Para uma teoria da esquizofrenia", de Bateson, Don

Jackson, Haley e Weakland, em que é desenvolvido o conceito de double bind. Uma

recensão crítica de Pina Prata sobre este estudo encontra-se mais adiante referenciada (Pina

Prata, 1980b). Acrescenta ainda a importância de um artigo de Don Jackson, publicado no

ano seguinte, sobre "O problema da homeostase na família".

O par de conceitos "duplo ligame" (double bind) e "homeostase", aplicado à patologia

familiar, remete para uma definição de patologia que marca já a passagem para uma nova

epistemologia. O grupo Bateson estuda o comportamento comunicativo dos pacientes

esquizofrénicos e os "paradoxos da comunicação", centrando-se assim na problemática

inovadora da comunicação.

Ao contrário, a psicopatologia clássica assentava numa ótica de causalidade linear, com

uma dimensão unicamente intrapsíquica. Como Pina Prata (1985) caricatura:

"Este paciente tem alucinações, tem uma depressão, é psicótico ou esquizofrénico, como este tinteiro

tem tinta azul ou preta e é de vidro ou de plástico"

Também a perspetiva psicanalítica releva de uma teorização do intrapsíquico, cujos

processos internos são objeto de análise e de eventual mudança, e em que a "unidade de

tratamento" é o "paciente".

A terapia familiar sistémica, ao considerar a "psicopatologia relacional", tenta

"despsiquiatrizar" e "despatologizar" as situações habitualmente apresentadas como

patológicas. Ao referir-se a um caso de Haley, em que um rapaz "se encontrava e falava

com o pai que já falecera", Pina Prata cita uma afirmação daquele autor, ainda hoje atual:

"Um dos problemas mais interessantes, no treino da terapia familiar, é persuadir um profissional

que andou mergulhado nos diagnósticos e treinos de um hospital psiquiátrico, durante anos, a

tratar um acontecimento aparentemente psicótico como um problema transitório de relações

humanas".

Observar e tratar, numa perspetiva sistémica, a criança "fóbica" ou o adolescente

"esquizofrénico" ou a rapariga "anoréxica" passa por considerar estes comportamentos

"sintomáticos" como condutas de relação, remetendo para um conjunto de relações

significativas. Segundo o autor, os sintomas "patológicos" dos "pacientes-designados" não

são ignorados mas passam a ser vistos a par de outros comportamentos familiares que se

estruturam em conjuntos de condutas significativas.

Page 63: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

58

Pina Prata (1985) apresenta neste texto várias taxionomias ou tipologias familiares, como a

estrutural de Minuchin (famílias aglutinadas, desligadas e normais), a de Wertheim

baseada nos conceitos de "morfogénese" e de "morfostase" e ainda a de Haley com o seu

"triângulo perverso" e as "coalizões intergeracionais".

Recapitulando os quatro aspetos inicialmente apontados e sua reformulação na perspetiva

sistémica - unidade de tratamento, método de observação, conceção do que é patológico e

intervenção terapêutica - o autor desenvolve por fim a sua redefinição da forma de

conduzir o processo terapêutico. Retomando o conceito de homeostase familiar do estudo

de Bateson e outros, considera que esta não deve ser vista apenas como resistência à

mudança mas no sentido do processo circular e unitário de estabilidade-mudança.

Por fim, uma referência ao facto de Pina Prata assumir explicitamente que a sua posição

teórica em relação à Terapia Familiar - a família como centro de observação e unidade de

intervenção - deve abrir-se a outros sistemas inter-relacionais que, como cada família,

estão integrados numa dada comunidade; a abordagem inter-relacional sistémica alarga-se,

assim, a outras estruturas organizacionais, como empresas e instituições.

Page 64: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

59

Processo e intervenção em terapia familiar

Alguns dos trabalhos escritos por Pina Prata colocam-se na perspetiva do processo

terapêutico e das estratégias e formas de intervenção do terapeuta. Não havendo intenção

da sua parte em compartimentar as suas ideias e reflexões, apenas fazemos esta

organização para facilitar a apresentação da revisão de literatura.

Considerámos assim um conjunto de 6 textos, publicados em períodos diversos, o primeiro

em 1979, o segundo conjunto já na década de 90. E foram divulgados através de

publicações tão diversas como os Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária, Análise

Psicológica, Cadernos de Consulta Psicológica e outros.

- A terapia familiar como processo (Pina Prata, 1979)

- As fases da terapia familiar sistémica como processo (Pina Prata, 1979a)

- Les stratégies du processus thérapeutique dans les systèmes familiaux rigides et flexibles (Pina Prata,

1980d)

- Psicologia social clínica: As encruzilhadas do pedido de terapia familiar (Pina Prata, 1991)

- Significações, mãos e olhar do terapeuta sistémico (Pina Prata, 1996)

- Formas de intervenção da terapia familiar e diagnóstico sistémico psicoterapêutico: Complexidade e

turbulência (Pina Prata, 1997)

Terapia familiar como processo

O primeiro desenvolvimento sobre a "terapia familiar como processo" terá tido tanta

importância que foi publicado em três sítios: primeiro na revista Análise Psicológica (Pina

Prata, 1979), depois no I Volume dos "Cadernos" (Pina Prata, 1980c) e mais tarde no livro-

coletânea "Terapia familiar sistémica" organizada por Ortega Beviá e editada pela

Universidade de Sevilha (Pina Prata, 2001).

Este artigo está dividido em três partes: a) início do movimento da terapia familiar e sua

relação com a psicossociologia clínica; b) a terapia familiar como sistema; c) a terapia

familiar como processo.

Omitindo aqui a referência ao primeiro ponto, por ter sido já abordado noutros textos

anteriores, no segundo ponto do texto é retomado o conceito de "patologia do sistema

relacional", em descontinuidade com a ótica intrapsíquica. Entre outras ideias importantes,

retemos que é a estrutura socio-afetiva da família - conjunto de interesses e desinteresses

mútuos, de atrações e repulsas, de sentimentos de aproximação e de fuga - que determina a

tensão e o desequilíbrio específicos de cada sistema familiar. E o terapeuta familiar vai

Page 65: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

60

tentar, segundo o autor, "suscitar a destruturação e a restruturação das auto-imagens e das

altero-imagens dos diferentes membros da família, melhorando ou desenvolvendo as

potencialidades próprias de cada um (...); não se trata apenas de 'curar' o paciente-

identificado". Assim, o terapeuta empenha-se com a família no surgimento de uma nova

rede de funções e de relações. Mas "sem se deixar destruir ou absorver por um sistema que,

paradoxalmente, lhe pede que o mude mas... ficando o mesmo; esta é a dificuldade crucial

socio-afetiva do processo terapêutico enquanto processo inter-relacional".

Pina Prata (1979) revisita também aqui os conceitos que tinha já desenvolvido no modelo

do equilíbrio tensional (Pina Prata, 1975), agora aplicado ao contexto familiar: as

dimensões cognitiva, operativa e socio-afetiva do comportamento; os processos básicos de

comunicação: "informação" (que visa a validação objetiva do comportamento), "opinião"

(que traduz a avaliação preferencial que fazemos, positiva ou negativa) e "sugestão" (que

pressupõe a capacidade de iniciativa). Nos sistemas familiares em desequilíbrio, a

circulação da informação e das sugestões de iniciativa é reduzida comparativamente às

opiniões, o que pode ser representado pela fórmula:

∑Op > ∑If + ∑Si

A fórmula inversa seria a dos sistemas em equilíbrio tensional:

∑If + ∑Si > ∑Op

Na última parte do artigo, Pina Prata (1979) aprofunda a questão da terapia familiar como

processo. Para assinalar o contraste entre a perspetiva sistémica inter-relacional e a

perspetiva do modelo médico intrapsíquico, Pina Prata apresenta a experiência de

Rosenhan realizada em 1973. Rosenhan e outros sete indivíduos "normais" solicitam, cada

um, o internamento em vários hospitais psiquiátricos, sob o pretexto de ouvirem vozes

"vazias, ocas e surdas", mantendo o seu comportamento habitual em tudo o resto. Todos

foram imediatamente admitidos como "esquizofrénicos". Durante o internamento nenhum

deles simulou quaisquer sintomas de anormalidade, chegando a dizer ao pessoal hospitalar

que tinham logo deixado de ouvir vozes; aceitavam os medicamentos mas nunca os

tomavam. Ficaram internados entre 7 e 52 dias, tendo tido alta com um diagnóstico de

"esquizofrenia em remissão". Esta experiência mostra como os diagnósticos baseados

apenas em certos sintomas conduzem quase sempre a terapia inadequada.

Segundo o modelo sistémico, o comportamento perturbado do paciente é apercebido como

um processo, tanto ao nível do diagnóstico como da terapêutica. A sua dinâmica tem a ver

com o dinamismo do paciente como também das inter-relações familiares e extra-

Page 66: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

61

familiares. O comportamento sintomático tem uma função que requer uma terapia centrada

não sobre uma pessoa ou família mas sobre o processo de relação enquanto tal.

O autor apresenta neste texto (Pina Prata, 1979) o complexo gráfico representativo do

modelo inter-relacional terapêutico (SiRLTP), em que ilustra as várias fases do processo

terapêutico e a trajetória das atitudes de estabilidade e de mudança, para cada um dos

subsistemas inter-relacionais: o da família, o do terapeuta e o terapêutico.

FIGURA 3: Modelo inter-relacional terapêutico

Este diagrama é retomado noutro artigo que se apresenta adiante (Pina Prata, 1979a) e

Page 67: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

62

pode ser considerado uma das construções teóricas mais elaboradas do autor, na sua

abordagem do processo inter-relacional sistémico.

O autor considera o processo terapêutico estruturado em vários tipos de fases: 5 fases de

interação, 3 fases de relação e 3 fases de integração. Embora estas fases sejam descritas

detalhadamente no texto que apresentamos em seguida, o autor descreve-as aqui de uma

forma geral; retiramos uma síntese das 5 fases de interação:

a) fase Pré-relacional e de contacto do sistema inter-relacional familiar com o terapeuta, de impacto

das representações antecipadas e das expectativas;

b) fase de Consolidação das funções dos diferentes membros, baseada na homeostase do sistema,

para que a mudança possa ocorrer sem riscos de novos desequilíbrios;

c) fase de Destruturação, em que à desqualificação do terapeuta feita pela família corresponde a

não-confiança do terapeuta quanto às mudanças delineadas pela família, numa nova coesão ainda

incipiente;

d) fase de Restruturação da nova rede de funções no sistema familiar, com inter-independência

entre o terapeuta e a família, após a dependência inicial;

e) fase de Reciprocidade, em que as atitudes de mudança e de estabilidade estão em novo equilíbrio

tensional, culminando na separação de ambos os subsistemas, o da família e o do terapeuta.

Nas diversas fases do processo estão presentes permanentemente, embora com incidência

diferente, os processos psicossociológicos básicos de avaliação subjetiva e de validação

objetiva. O primeiro manifesta-se nas apreciações de preferência, negativas e positivas, das

opiniões dos sujeitos; o segundo remete-nos para as informações factuais e para os

métodos de busca de compreensão e de soluções para os problemas.

As fases da terapia familiar sistémica

Esta questão é desenvolvida num longo artigo de 29 páginas (Pina Prata, 1979a), publicado

no mesmo ano do anterior. O autor começa por situar a terapia familiar no contexto das

psicoterapias clássicas, em particular o processo psicanalítico e as terapias de grupo, e

discutir as quatro orientações da terapia familiar na época:

- a orientação intrapsíquica, centrada no sistema relacional do paciente-identificado, em especial na

relação do paciente consigo próprio; refere Murray Bowen;

- a orientação baseada na teoria da comunicação, assente na análise do processo de comunicação

verbal e não verbal que permite determinar as estruturas relacionais patológicas; refere o grupo de

Palo Alto (Bateson, Jackson, Watzlawick), a escola de Roma (Andolfi, Saccu), Whitaker e outros;

- a orientação que privilegia a teoria dos papéis, em que o comportamento perturbado do paciente

se inscreve num conjunto de regras previsíveis que governam o processo de comunicação

interpessoal do sistema familiar;

Page 68: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

63

- a orientação da teoria dos jogos ou a das estratégias, assente na análise das estruturas de conflito

ou dos interesses convergentes e divergentes.

Depois apresenta o seu modelo de condução da terapia familiar sistémica como processo

ilustrando-o, mais uma vez, com o gráfico representativo do modelo inter-relacional

terapêutico atrás citado. Conforme já referido pelo autor em outros artigos, "A terapia

familiar enquanto processo terapêutico releva das dimensões cognitiva, socio-afetiva e

operativa das interações dos respetivos sujeitos; o nível de tensão decorrente da imbricação

daquela tríplice dimensão remete-nos para o processo básico, próprio de qualquer tipo de

equilíbrio ou desequilíbrio tensional, isto é, para o processo de estabilidade-mudança".

As atitudes de estabilidade (E) e de mudança (M) são duas faces complementares de um

mesmo processo. E qualquer iniciativa para modificar um sistema de relações patológicas

tem de atender á vertente de homeostase, isto é, à sua tendência à manutenção e

sobrevivência.

O autor considera duas constantes (K1 e K2) no desenrolar do processo terapêutico. Desde

o primeiro momento de contacto entre o terapeuta e a família, as atitudes de estabilidade e

de mudança são inversas no sistema relacional do terapeuta (SRLtp) e no sistema inter-

relacional da família (SiRLf). O terapeuta mantém até ao fim do processo atitudes E mais

numerosas e intensas do que as da família; o contrário acontece com as atitudes M, já que

procura que seja a família a produzi-las com maior frequência e intensidade.

Esta constante K1 pode parecer contraditória com os objetivos da condução de qualquer

processo terapêutico, isto é, a modificação de um certo comportamento ou atitude; mas as

várias orientações da terapia familiar "não só postulam a capacidade inerente aos sistemas

abertos de se modificarem, como supõem que a possibilidade de 'cura terapêutica' assenta

sobretudo nas potencialidades do(s) sujeito(s)."

A constante K2 define-se pelo decréscimo constante de E e pelo acréscimo constante de M,

tanto no SRLtp como no SiRLf.

Pina Prata (1979a) distingue na terapia familiar sistémica, como processo terapêutico, três

tipos ou níveis de fases interligadas: fases de interação, fases de relação e fases de

integração. Consideremos aqui as 5 fases de interação.

1ª) Fase de antecipação e de expectativa

Esta fase é marcada por todas as representações ou antecipações que os membros da

família fazem acerca do processo terapêutico e do papel do terapeuta familiar. Estas

Page 69: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

64

expectativas "coloram as primeiras interações e até o modo como os diferentes membros

da família se dispõem no espaço, durante as sessões, entre si e relativamente ao terapeuta".

A meta-linguagem da família, nas suas interações com o terapeuta, pode sintetizar-se pela

expressão que o autor cita de Andolfi: "O terapeuta será aquele que nos dirá que fazer para

mudar sem nada mudar".

Há nesta primeira fase uma expectativa da família relativamente à manutenção e até

consolidação do sistema relacional patológico, por contraste com o que imaginam ser o

desejo do terapeuta na mudança do sistema. Assim, a relação patológica deve ser vista na

sua valência positiva de manutenção de um sistema de relações e de papéis associados a

cada um dos seus membros. Nesta fase não há lugar à formulação de mudança dos padrões

relacionais que traduzem a homeostase do sistema.

Ao desejo de resolver um problema não correspondem, por enquanto, atitudes que

impliquem movimentação, nem espaços exteriores ao "espaço-problema". A propósito, o

autor apresenta o exercício em que se pede, num grupo, que unam com 4 segmentos de reta

os 9 pontos, sem levantarem a caneta.

De tal modo a estrutura global se impõe visualmente, como pontos de um quadrado, que

todas as tentativas de solução se movimentam dentro desse espaço-problema que é o

quadrado. Ora, a superação da dificuldade pressupõe a disponibilidade e aceitação para

ultrapassar os limites visualizados como limites do espaço-problema, induzindo a

destruturação e restruturação do espaço-quadrado.

● ● ● ● ● ●

● ● ● ● ● ●

● ● ● ● ● ●

FIGURA 4: O espaço-problema

"Precisamente por isso o terapeuta tenderá a introduzir, desde logo, a reformulação do

problema e, simultaneamente, mostrará que a ele vai caber a definição da relação durante

o processo terapêutico, mas fá-lo-á de tal sorte que respeite as funções que a cada membro

cabem e que realizam mediante o papel que cada um deles representa no sistema inter-

relacional" (Pina Prata, 1979a).

Page 70: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

65

2ª) Fase de consolidação das funções

A condução desta fase pode ser sintetizada, segundo Andolfi citado pelo autor, na "contra-

provocação" do terapeuta à provocação que lhe é feita pela família ao pedir-lhe: "ajude-

nos, mesmo se não nos pode ajudar porque é impossível". Essa atitude do terapeuta

manifesta-se no seu respeito pela estabilidade do sistema. Há uma avaliação preferencial

positiva estabilizadora do sistema inter-relacional familiar que resulta numa validação

objetiva do sistema; o terapeuta reforça a rede de funções consolidando a função do

sintoma. A meta-mensagem do terapeuta pode ser traduzida por:

"Ajudo-vos não vos ajudando porque tendes e sois um conjunto de relações estimáveis: são, de

facto, as melhores relações para alcançardes o que desejais".

A consolidação das funções acompanha o exercício de atitudes de mudança capazes de

alterarem a rede de relações e de funções, sem o que não há processo terapêutico. O

desafio provocatório feito pela família inclui de facto, segundo o autor, um pedido real de

ajuda e um desejo real de mudança.

O terapeuta trabalha sempre um único processo - estabilidade-mudança - e nisso consiste o

paradoxo do processo terapêutico. A condição paradoxal da terapia é nada mudar, o que

não é o seu objetivo último, obviamente. Por isso, nesta fase o terapeuta pode manifestar

que não lhe é possível aceitar fazer uma terapia familiar, "a menos que não modifiquemos

nada de uma situação tão bem aceite e sobre a qual todos vós estais de acordo". Em suma,

afirma-se que não há intenção de mudar para, afinal, levar à desejada mudança.

Esta negação paradoxal da terapia constitui a negociação que possibilita o recurso à

prescrição do sintoma e o "ataque" cauteloso à função-poder do paciente-identificado. Pina

Prata (1979a) utiliza um caso desenvolvido por Andolfi para ilustrar a estratégia a seguir

nesta fase, como a seguinte prescrição:

"É bom que, por enquanto, continues neste teu papel que espontaneamente assumiste. Não deves

mudar até ao fim da próxima sessão (...)".

Através da prescrição paradoxal do sintoma, os terapeutas tornam-se os reguladores do

sistema e do comportamento perturbado, quer o paciente-identificado cumpra ou não a

prescrição. Aliás, esta é para não ser cumprida formalmente, pois visa suscitar um

balanceamento novo entre estabilidade e mudança, implicando o aparecimento de atitudes

de mudança no sistema familiar.

3ª) Fase de destruturação

Nesta fase chega-se a um quase equilíbrio entre o exercício da capacidade de mudança (M)

Page 71: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

66

e a atitude tendente à estabilidade (E), à medida que as atitudes M vão aumentando e as

atitudes E vão decrescendo. Embora a destruturação seja um processo presente desde o

início da terapia, é nesta fase que começa a emergir uma nova coesão interfamiliar,

acompanhada do aparecimento, no sistema inter-relacional, de meta-regras orientadoras da

mudança.

O tipo de provocação estratégica que sintetiza a posição da família nesta fase, para com o

terapeuta, é a desqualificação da melhoria, como se dissessem "a tua ajuda não serve,

ajuda-nos mais". É como se a família comunicasse verbalmente que a situação piorou, mas

dando a perceber analogicamente que houve melhoria.

E o terapeuta contra-provoca paradoxalmente com "vai pior do que pensais, melhor será

que não mudeis nada". Ao acentuar agora a necessidade de não mudarem, através da

desqualificação verbal da melhoria, está a manipular o processo de validação objetiva da

real melhoria, contrapondo-o ao processo de avaliação preferencial negativo da

desqualificação, procurando assim o equilíbrio tensional.

Pina Prata (1979a) recorda, a propósito,

"a reação de um certo paciente-identificado, etiquetado de 'psicótico', a quem, durante encontros

sucessivos, prescrevia progressivamente com mais intensidade que continuasse a procurar a solução

para a sua família preparando melhor todo o ritual externo da sua morte; a meio do terceiro

encontro, o paciente recusa irónico e colérico, e frontalmente: 'não quero morrer'. Ao que respondi,

no contexto da destruturação que prosseguia: 'não estou muito seguro de que o não queira' ".

4ª) Fase de restruturação

Destruturar conduz progressivamente o sistema para a sua própria capacidade de mudança,

fazendo eclodir as respetivas meta-regras que abrem espaço a novas soluções e alternativas

de restruturação.

O autor frisa de novo a ideia de condução cíclica-circular do processo, isto é, as diferentes

fases não devem ser vistas como um modo linear de condução do processo terapêutico;

destruturação e restruturação podem estar presentes na dinâmica de um mesmo encontro ou

até num conjunto de interações no processo terapêutico. Insiste na unicidade do processo

de estabilidade-mudança dos sistemas abertos e na imbricação dos processos

psicossociológicos básicos de validação objetiva e de avaliação subjetiva.

Segundo Andolfi, citado por Pina Prata (1979a), o postulado subjacente a esta fase - que

ele denomina de "verificação da nova estrutura" - por parte do sistema familiar é de que:

"Estamos em desacordo consigo porque na realidade as coisas estão a mudar".

Page 72: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

67

Ao que se contrapõe a atitude do terapeuta exigindo a validação objetiva da mudança:

"Não me fio; confirmai-me a mudança com os factos".

No caso desenvolvido por Andolfi, o terapeuta continua a pedir ao paciente-identificado

que se mantenha no papel de sentinela do sistema inter-relacional familiar o que levará ao

aumento de tensão e à aceitação da nova estrutura de relações familiares: a autonomia

progressiva do paciente-identificado e a distinção crescente do subsistema parental. Assim:

"(...) Solicito-te que não renuncies à criatividade inata nos teus comportamentos habituais (como o

de estares muito tempo na cama, o de masturbar-te repetidamente, (...), o de ameaçares com ações

autolesivas) até que estejas perfeitamente assegurado de que teus pais são capazes de caminhar por

eles só e sem necessidade da tua função".

5ª) Fase de reciprocidade

Pina Prata (1979a) acrescenta o conceito de inter-independência ao de interdependência,

para referir ambos como o objetivo fundamental da terapia familiar; não importa apenas

superar a sintomática do comportamento perturbado mas conseguir novas atitudes de

autonomia dos membros da família e seus subsistemas.

Nesta fase atinge-se uma reciprocidade de interações, no sistema familiar, que tem como

contrapartida, na terapia, a separação entre o sistema relacional do terapeuta (SRLtp) e o

sistema inter-relacional da família (SiRLf) e, com isso, a aproximação do fim do processo

terapêutico.

Assim, às atitudes da família sobre a "mudança das coisas" e à sua tomada de consciência

de que "podem continuar sós" sem o terapeuta, correspondem as atitudes do terapeuta

aceitando a nova situação:

"Demonstraram-me com factos que sois capazes de mudar, não tendes mais necessidade de mim".

Para além das fases de interação que acabamos de descrever, Pina Prata (1979a) apresenta

ainda, a outros níveis de abstração, as fases de relação (exterioridade, alteridade e

reciprocidade) e de integração que nos dispensamos de aqui desenvolver.

Estratégias do processo terapêutico

Sobre as estratégias do processo terapêutico, Pina Prata apresentou uma comunicação nas

Jornadas Internacionais de Terapia Familiar de Lyon (França), em Maio de 1980, sob o

título "Les stratégies du processus thérapeutique dans les systèmes familiaux rigides et

flexibles" (Pina Prata, 1980d). Este texto foi publicado no I Volume dos Cadernos de

Page 73: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

68

Terapia Familiar e Comunitária.

Considera dois tipos de estratégias. O primeiro diz respeito à abordagem de inter-relação

terapêutica direta, pessoa a pessoa, sem intermediação de meios materiais; implica um

método de observação, análise e intervenção próprios dos sistemas humanos, o qual o autor

traduz pelo novo conceito de "hodologias". A intervenção paradoxal, a prescrição do

sintoma, a "escultura" ou "modelagem" da família - que visam diretamente os processos

psicológicos e psicossociológicos - inscrevem-se neste tipo de estratégias.

O segundo tipo de estratégias tem a ver com as abordagens inter-relacionais indiretas, ou

mediatizadas, em que o processo se apoia na utilização de meios materiais. Refere como

exemplos o uso de meios audiovisuais, o recurso à "cadeira vazia", a utilização dum

quadro de parede, a refeição à mesa, as imagens de Rorschach, entre outros.

A outro nível, fala de estratégias em relação aos sistemas familiares rígidos e flexíveis,

fechados e abertos. A rigidez dum sistema mede-se pelo grau de abertura entre os diversos

subsistemas, no que concerne os processos intercomunicacionais de base: validação

objetiva, avaliação preferencial subjetiva e processo resolutivo.

O autor desenvolve outros níveis de estratégias que nos dispensamos de aqui apresentar.

Além disso, insiste na ideia de que o quadro de referência concetual das estratégias

sistémicas constitui um guia metodológico útil para o processo terapêutico. A propósito

dos dois tipos de mudança que enuncia - tipo 1 (no interior do grupo) e tipo 2 (na estrutura

das suas regras e ordem interna) - considera que as estratégias correspondentes consistem

essencialmente em "empurrar" os membros da família a chegarem a uma nova forma de

olhar e sentir os seus problemas, e de se comportarem. Ilustra com o "jogo dos 9 pontos"

(Figura 4), já referido em texto anterior.

O alcance desta estratégia de mudança é destruturar e, ao mesmo tempo, restruturar os

dados do problema, encaminhando os membros da família para uma diferenciação dos seus

pensamentos, impressões e ações e do seu sistema inter-relacional. É assim que as

estratégias baseadas nas intervenções paradoxais e na prescrição do sintoma introduzem

uma rutura direta com o quadro de referência anterior; a partir deste choque, conduzem a

uma diferenciação das dimensões cognitiva, socio-afetiva e operativa dos comportamentos

dos membros da família.

Pina Prata (1980d) exemplifica o seu recurso a uma estratégia paradoxal com o caso da

família Sablon que não cabe aqui desenvolver. Retemos a sua intervenção, num dado

contexto de impasse:

Page 74: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

69

"Minha senhora e meu senhor, não estou de modo nenhum interessado em continuar convosco. Vou

passar-vos o recibo dos honorários (...) Aqui está".

Com isto, foi possível redefinir a relação terapêutica, recusando entrar nos jogos

intermináveis de acusações mútuas do casal. No fundo, mostrou-lhes que a única maneira

de estar com eles e de se ocupar dos seus problemas com os filhos era mandá-los embora;

eis o paradoxo que parece ter sido compreendido por ambos, ao voltarem na semana

seguinte e continuarem o processo terapêutico.

"Encruzilhadas" do pedido de terapia familiar

Assim denomina o autor o tema de um trabalho (Pina Prata, 1991) escrito cerca de 10 anos

após os anteriormente citados. Foi publicado como texto policopiado, pela FPCE da

Universidade de Lisboa, para servir de suporte à docência na área de Psicologia Social

Clínica. Foi estruturado em torno das seguintes perspetivas:

Pressupostos básicos do pedido e da resposta

Redefinição do conceito de pessoa

O conceito de processo

Sucessos e malogros do paciente-designado

Prescrições

das quais daremos particular atenção ao "Pedido" e às "Prescrições", pelo facto de os

restantes temas terem sido já abordados também em textos anteriores.

Qualquer que seja a forma que reveste um pedido de terapia, o autor considera que este

pressupõe sempre:

- O sentimento de uma certa incapacidade ou impossibilidade de continuar a agir

como antes;

- O desejo que aconteça algo que torne mais agradável a vida que se quer viver;

- A esperança de poder beneficiar do "encontro" com um "especialista", graças às

suas capacidades;

- Uma certa maneira de "se ver e se dizer a si próprio", de "ver e se dizer os outros",

de "ver e se dizer as circunstâncias de sua vida num certo espaço-tempo histórico".

Estas dimensões do pedido de ajuda são também apresentadas mais adiante (Pina Prata,

1997), em termos reformulados.

A ambiguidade e o caráter por vezes manipulatório como é manifestado o pedido de

terapia são peculiares ao sistema de relações paciente-especialista; também o terapeuta tem

a sua maneira de ver, de se ver e de manipular as incapacidades dos pacientes e as suas.

Page 75: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

70

Esta reformulação do conceito de pedido, em particular a esperança de poder beneficiar das

capacidades do especialista, pode ajudar a compreender o aparecimento e a evolução das

estratégias paradoxais. Segundo estas, o terapeuta reconhece as capacidades e bondade dos

intervenientes na resolução do seu mal-estar e, por outro lado, reconhece-se incapaz face às

capacidades que valoriza na família.

Ao referir-se às estratégias paradoxais, Pina Prata (1991) analisa de forma crítica um

artigo de Palazzoli - sobre a anorexia mental na perspetiva sistémica - em que esta acentua

o seu afastamento gradual quanto a recorrer a essas estratégias, comparando com o

desenvolvimento que lhes tinha dado aquando das suas primeiras abordagens sistémicas

dos casos de anorexia mental. Palazzoli critica os "aplicadores de fórmulas" que não

retinham dessas intervenções paradoxais senão o enunciado da "frase famosa" de que a

paciente anoréxica era "une petite sainte" que se sacrificava pela sua família.

É curioso como tudo é discutível e como os referenciais teóricos e as estratégias evoluem

no tempo; aquilo que fazia sentido num determinado momento, para um determinado

autor, passa a ser criticado e deixa de fazer sentido mais tarde.

O autor apresenta também uma redefinição do conceito de pessoa, em consonância com a

visão da realidade da família enquanto processo histórico, em que se inscreve o sintoma e o

momento em que a família chega à terapia. Em resumo, "ser-pessoa" deve ser

concetualizado como processo de "ser-em-relação" com outros. É um dar-se conta "face-a-

face", "corpo-a-corpo", tal como é notório na relação interpessoal primária "ser-mãe/ser-

filho". Considera este o modo mais radical de definir o que designamos por pessoa,

acentuando o primado epistemológico das relações interpessoais.

E do novo conceito de pessoa passa ao conceito de processo de inter-relacionamento, já

referido em textos anteriores. Sobre isso, vale a pena citar um trecho de Pina Prata (1991):

"Há famílias (...) falam de objetos, de doenças, de sintomas orgânicos, de rituais familiares (...), de

comidas e faltas de apetite, do que têm e não têm, de horários e de atrasos (...). Mas muito menos

falam de suas relações de pessoa-a-pessoa, dos sentimentos e preocupações pessoais, de suas

maneiras peculiares de conflito, de afastamento ou aproximação. Isto é, de como entre si

desenvolvem inter-relações afetivas e de unidade ou de separação familiares".

Prescrição em terapia familiar

As prescrições são objeto de discussão pelo autor na parte final do seu artigo, distinguindo

logo duas situações. Há prescrições que são propostas pelo terapeuta em resultado do

impasse em que se sente, face ao que interpreta como resistência da família; nesses casos, a

Page 76: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

71

prescrição funciona de uma forma impessoal, no contexto de inter-relacionamento, com

consequências semelhantes à administração de qualquer medicamento.

Isto não é o mesmo que ordenar prescrições a partir de hipóteses terapêuticas, em momento

e dinâmica específicos do processo. Este postulado implica que qualquer tipo de prescrição

assenta, antes de mais, num sistema de relações interpessoais, no sistema familiar e no

terapêutico.

Referindo-se a um caso concreto de comportamento catatónico, Pina Prata (1991)

considera que os sintomas de negação da motricidade são uma forma de prescrição, por

parte do paciente, para que o terapeuta não se aproxime dele, do seu mundo de

relacionamento pessoal. O terapeuta, nesse caso, prescreveu-se um comportamento

semelhante afastando-se para trás, pondo assim em ação a unidade dinâmica própria das

caraterísticas daquele momento relacional.

Vemos, assim, que as prescrições não são tarefas ou comportamentos de iniciativa

unidirecional, podendo ser iniciadas por qualquer dos sujeitos em inter-relação. São

geralmente ordenadas pelo terapeuta por ser este que tem em mãos a condução do

processo, em razão do pedido que lhe é feito, e que deve saber inscrever as prescrições na

dinâmica das relações interpessoais.

"Significações, mãos e olhar" do terapeuta sistémico

Um outro artigo de grande relevância para a intervenção sistémica em terapia familiar

aborda as questões das "significações", do "olhar" e do "contacto físico" do terapeuta. Foi

apresentado em 1996 nas III Jornadas de Consulta Psicológica de Jovens e Adultos no

Porto, depois publicado nos Cadernos de Consulta Psicológica.

Neste artigo (Pina Prata, 1996), pretende levantar interrogações sobre aqueles três aspetos

interligados da terapia. Enquanto o olhar é uma forma de contacto culturalmente aceite sem

levantar questões, o mesmo não acontece com o contacto físico, em que existe uma

diferença entre a intervenção médica e a psicoterapêutica. Porquê? Quais os limites

deontológicos aplicáveis a uns e outros? Em que modalidades pode o terapeuta sistémico

recorrer às suas mãos?

As intervenções do psicoterapeuta estão tão marcadas pelo estereótipo da "cura pela fala"

que se esquece o facto de que a própria palavra é um gesto, de um terapeuta-corpo. E é

através do corpo que o terapeuta

"pode intermediar terapeuticamente manipulando objetos, como esta cadeira de rodas, as muletas do

Page 77: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

72

cliente, o copo de água que mandou buscar, a janela em frente (...), os seus sapatos, os livros da

estante, a chuva a cair, o barulho dos passos no corredor, ou com quase-objetos, como com o facto

de o pai ser bombeiro, da tia não ser mãe, da irmã ser gorda ou o irmão esquelético, do terapeuta

estar constipado ou da existência diagnosticada de uma úlcera duodenal ou gástrica (...)".

Este intermediar da relação terapêutica por coisas e expressões é metafórico, na medida em

que leva o sujeito ou a família a refazerem, visualmente e por analogia comparativa, o

tecido de suas significações. O emprego da metáfora é exemplificado por Pina Prata

(1996): "(...) peguei, certa vez, nas muletas de um rapaz de 12 anos (que fraturara um

tornozelo), enviado pela escola por repetência, desinteresse e absentismo, (...) e disse,

levantando-as e fazendo o gesto de as pôr de lado: podes, também, deixar de ter muletas lá

na escola". E, a um casal em que o marido era bombeiro "de quem a mulher (...) ameaçava

separar-se (...) declarei que não apagava os fogos deles sozinho".

Como situar as significações, as metáforas e o olhar no processo terapêutico, quando o

membro "paciente" apresenta diversas perturbações sintomáticas? Segundo o autor, atacar

os sintomas um a um, ou redefini-los, não é acertado; o desaparecimento de um sintoma

pode coincidir com o aparecimento de um outro, no mesmo ou noutro membro da família.

Pode considerar-se o sintoma como uma metáfora da mal-estar ou disfuncionamento da

família. Citando o autor, "O pedido sintomático remete-nos para o contexto singular de

uma configuração de perceções, de imagens, de dizeres, de informações, de opiniões, de

maneiras de estar, de olhar, de se tocar ou não, que veiculam a história, as crenças e a

qualidade das significações que orientam e dão sentido às interações desta família e de

cada um de seus membros".

E estando as significações entrelaçadas com a vida emocional e socio-afetiva, traduzem-se

ao mesmo tempo em gestos do corpo, intermediados pelo olhar e pelas mãos. Há ditados

populares - como "ter mais olhos que barriga", "comer com os olhos", "os olhos são a

janela da alma" - que subentendem esta associação entre perceção sensorial, atitudes

mentais e fisiologia humana. Assim, no caso de uma pessoa com anorexia, por exemplo,

pode ocorrer uma certa perda da capacidade de escutar o seu próprio corpo.

Esta ligação entre a perceção, as significações e a sensorialidade expressiva do olhar ou

das mãos estão bem patentes na afirmação de Matisse quando lhe perguntavam como sabia

quais eram os seus melhores quadros: "Sei-o, pelas mãos". Segundo refere também Pina

Prata (1996), Whitaker chegava a lutar corpo-a-corpo com alguns dos seus pacientes, como

se lhes metesse "pelos olhos dentro" o que via nos seus pedidos sintomáticos.

Sendo os sinais táteis tão estruturantes da qualidade das relações, o olhar e as mãos do

Page 78: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

73

terapeuta sistémico podem ser metáforas, enquanto emissores e recetores de mensagens de

aproximação-afastamento. Vale a pena citar um exemplo paradigmático do autor:

"Recordo-me que uma família pediu-me que passasse por casa para conversar com um filho de cerca

de 27 anos que era diagnosticado como 'esquizofrénico'. Tive ocasião de o encontrar em posição

catatónica, qual estátua grega com dois olhos imóveis de vidro, em que se encontrava há horas.

Sentei-me em cadeira, aos pés da cama, do lado direito. A um dado momento, afastei a cadeira e

desviei o olhar, como para lhe comunicar a perceção que tinha de que ele não me queria perto e de

que receava incomodá-lo.

Principiámos, então, a comunicar 'inter-mediando' com os seus objetos presentes no quarto. Lembro-

me de ficar surpreendido com a escolha por ele feita de seus quadros e, a certa altura, ter retirado de

uma estante, que ficava à minha direita, um livro: era o Les Mains Sales, de Sartre. Nesse instante,

dei-me conta que seu olhar me havia como que fulminado, piscando, recolhendo-se depois.

Distanciei-me ainda mais, obedecendo àquela injunção de não lhe tocar. Tinha sido um contacto

intermediado por formas comunicacionais de relacionamento (...).

Obedecendo, pois, à sua injunção de afastamento, deixo-lhe espaço significativo para sua iniciativa

de entrada em relação. Pouco depois, movimenta-se, mantendo o mesmo olhar de afastamento,

iniciando uma fase de linguajar 'esquizofrenês'. Volto-me, então, e respondo-lhe no mesmo linguajar

mastigando, incisivo e acolhedor, em que ambos movimentamos já as mãos e o tronco.

E a comunicação normalizada não tarda, convidando-o a vir almoçar, o que acaba por facilmente

aceitar."

Existem situações ocasionais em que o terapeuta pode, oportunamente, intermediar as

significações pelo contacto físico de suas mãos com o corpo do sujeito. Assim procedeu o

autor no decurso do primeiro encontro terapêutico com uma jovem que, além de

comportamento enurético, se auto-asfixiava durante o sono. Primeiro pede à paciente que

envolva o pescoço com as suas próprias mãos, de modo a aconchegá-las com pressão

crescente, até que se sinta bem. Depois o terapeuta, com as suas mãos, e pedindo-lhe

licença, envolve-lhe o pescoço, enquanto ela lhe vai dizendo a sua sensação de bem estar.

Sugere-lhe, como possível tarefa, repetir diante do espelho, antes de se deitar, os mesmos

gestos, para além de outra tarefa de prescrição do sintoma relacionada com o

comportamento enurético. Em resultado dessa intervenção, ambas as sintomatologias

desaparecem após este primeiro encontro.

A um casal em que a mulher apresentava um quadro sintomático depressivo, o autor

procurou suscitar a expressão emocional de ambos e dizerem-se mutuamente o afeto que

sentiam, olhos nos olhos. Quando juntou o pedido metafórico de, ao mesmo tempo, se

darem as mãos, o marido passou do sorriso desajeitado à metáfora "psicossomática" das

lágrimas.

Page 79: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

74

Os casos referidos são reveladores do efeito da utilização da linguagem metafórica,

gerando perceções diferentes e novas significações indutoras da mudança inter-relacional.

A dor e o sofrimento não podem ser reduzidos à sua vertente orgânica, esquecendo que

todo o sintoma orgânico pode servir como metáfora de um mal-estar psicossociológico; a

linguagem do corpo é a única por vezes disponível para manifestar o sofrimento (sem voz)

num dado sistema de relações familiares.

No fim do seu artigo, Pina Prata (1996) considera que o recurso por parte do terapeuta ao

contacto corporal de inter-relacionação deverá ser muito restrito. A "regra de oiro" é que,

no decurso do processo de ajuda ou terapia, o terapeuta sistémico não pode entrar nas

esferas de privacidade ou intimidade se estas não lhe estão acessíveis, por indicação clara

dos que o procuram.

Diagnóstico sistémico e formas de intervenção: complexidade

Pina Prata discute as questões do diagnóstico sistémico e da intervenção em terapia

familiar, atribuindo-lhes os atributos complexidade e turbulência, num longo texto de 28

páginas integrado na publicação “Actas do colóquio Família: Contributos da psicologia e

das ciências da educação”.

Publicado após ter passado os 70 anos de idade, e com a maturidade que isso representa,

este artigo (Pina Prata, 1997) testemunha um nível superior de abstração e de reflexão

filosófica e epistemológica. O autor estruturou o texto em vários temas, dos quais

destacamos "Famílias-problema" e "Intervenções ocasionais".

Que se entende por famílias-problema? Em que contexto nos situamos hoje? Que formas

de intervenção? A abordagem para estas questões, na perspetiva corrente desde os anos 60,

é a que vê a família como um sistema aberto de inter-relações. Esta abordagem sistémica

debruçou-se, até à década de 80, sobre as "relações familiares disfuncionais", colocando a

tónica das intervenções terapêuticas na correção dos vários papéis familiares. Tratava-se de

intervenções de tipo corretivo ou de reparação, em que "reparavam-se as

disfuncionalidades familiares quase como se repara uma avaria num carro escangalhado,

mediante a intervenção externa de um técnico que lhe era estranho (...)" (Pina Prata, 1997).

A partir dos anos 80, as potencialidades da família e as capacidades individuais de todos os

seus membros constituem o campo a explorar, por uma intervenção que se pode chamar

catalisadora dessas potencialidades, em que a estabilidade familiar e a mudança avançam

a par. Essas potencialidades ou recursos incluem as capacidades de diferenciar o que se

Page 80: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

75

comunica, decidir em conjunto, partilhar objetivos, agir com flexibilidade, integrar

diferenças, entre outras que o autor descreve no fim do artigo.

O autor afirma o seu novo quadro de referência, por contraste com aquele que, no passado,

se centrava numa conceção e acentuação da patologia e das disfunções familiares

sintomáticas. Neste texto, em que discute o significado do diagnóstico e das intervenções

sistémicas, o foco é colocado nas potencialidades e capacidades dessas famílias.

Etimologicamente, "terapia" em grego significa servir, "diagnóstico" significa ficar apto a

reconhecer. O terapeuta sistémico, perante a "família-problema", fica apto a reconhecer o

quê? Pina Prata (1997) propõe como axioma básico, orientador de quaisquer intervenções,

que o diagnóstico psicoterapêutico da sistémica familiar não se centre na procura de uma

patologia mas na compreensão da natureza do pedido da família e da resposta do terapeuta,

numa dinâmica de funcionalidade-disfuncionalidade. Colocando-nos nesta perspetiva,

damo-nos conta e valorizamos as capacidades e potencialidades cognitivas, socio-afetivas

e de autorrealização da família e de cada um de seus membros.

As questões do diagnóstico e da intervenção devem ter também em conta três das

caraterísticas (e marcos) mais salientes do "contexto de turbulência" em que se movem os

sistemas familiares, na época em que o artigo foi escrito mas também nos nossos dias:

a) Um primeiro marco evolutivo situa-se na década de 1960/70: foi a época da

redescoberta do corpo e da entrada em cena da chamada revolução sexual, em que

as relações pré-nupciais são assumidas, iniciando-se um período de primeira

desagregação do modelo de referência ideal de conjugalidade;

b) Um segundo marco situa-se na década de 1970/80: a desagregação anterior dá

origem a uma fragmentação de conjugalidades e parentalidades sucessivas,

originadas na prática crescente do divórcio;

c) A década de 1980/90 apresenta-se com a tendência para uma nova reorganização

da vida familiar, em torno de quatro convivências mais frequentes e socialmente

aceites: famílias intactas, monoparentais, confluentes e de coabitação.

E desenvolve também aquilo que considera as três deficiências profundas subjacentes à

desagregação fragmentadora da "família moderna": a desvitalização, a dessacralização e a

desfinalização. Todas implicam uma perda ou definhamento de um sentido da essência da

família e do sagrado. Dessacralização traduz atonia de uma capacidade fundamental

humana, a de maravilhar-se. O sentido do sagrado é, segundo o escritor suíço Ramuz

citado pelo autor, "uma certa atitude de respeito ante a existência, por tal compreendendo

Page 81: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

76

tudo o que existe, a própria pessoa e o mundo que a circunda (...) uma certa veneração ante

a vida (...)".

Daí o lugar que toma, na psicologia do homem contemporâneo, o estado de "preocupação",

o sentimento de "vazio" e de "aborrecimento" (novo síndrome referido por autores

franceses) que se tentam colmatar por "estimulantes precários" e "distrações" consumistas.

Neste contexto, e na perspetiva da psicossociologia sistémica que o autor designou

autocatalisadora, as formas de intervenção familiar apresentam dois denominadores

comuns. O primeiro refere que as intervenções se movimentam da família para o seu

derredor social e da comunidade para a família; o segundo diz respeito ao alargamento do

campo de observação e de intervenção sistémica familiar.

Intervenções ocasionais ou "terapia de rua"

As intervenções ocasionais situam-se nesta perspetiva alargada de intervenção, surgindo

neste texto (Pina Prata, 1997) o desenvolvimento mais profundo que se conhece sobre o

tema, para além de uma outra abordagem ao assunto dada em entrevista (Sales & Pina

Prata, 2011). Trata-se de intervir em situações mais diversificadas, que vão para além da

intervenção clássica num consultório ou instituição de saúde, "como já me sucedeu num

elevador ou num espaço verde, frente a uma escola", no dizer do autor.

Antes de mais, Pina Prata interroga-se sobre o sentido ético de tais modalidades de

intervenção. A sua principal caraterística é o facto de ser um encontro fortuito, não

procurado por nenhuma das partes, e que pode ser único. Uma exigência ética básica é que

sejam evitados efeitos perversos; para isso, deve ser deixada uma porta aberta a um

possível encontro posterior, desde que a intervenção tenha tido aceitação por parte da(s)

pessoa(s) envolvidas.

Um caso de "consulta única ocasional de rua", ocorrido em 1995, é descrito sob o nome "O

caso de Paulo e de sua mãe":

"Encontrava-me numa área de grandes espaços verdes em que há uma escola de ensino infantil.

Dela saíra uma senhora que se me afigurou ser a mãe de um pequenito de uns cinco anos e que, já

longe da porta da escola, lhe dava umas palmadas leves nas costas e pescoço, o que levava o

pequeno a caminhar com a cabeça entre mãos, para se defender daquela persistência materna.

Intervim, aceitando o rápido desabafo daquela mãe preocupada com as fugas do filho para fora do

recinto da escola e receosa que viesse a ser atropelado em estrada adjacente próxima".

Na referência a este caso não importa o diálogo que o terapeuta terá tido com a mãe nem as

"instruções" dadas à criança, salvaguardando a responsabilidade e autoridade da mãe, mas

Page 82: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

77

sobretudo o facto de o terapeuta ter deixado uma porta aberta para uma possível consulta

futura, no âmbito das "consultas abertas à comunidade", na FPCE.

A intervenção de rua pode revestir a forma de acompanhamento com uma certa

periodicidade, como acontece no caso de um casal com um quiosque de venda de jornais,

preocupado com a situação escolar de um dos filhos. Escutado o problema, em diversas

ocasiões, o terapeuta acaba por lhes sugerir também a marcação de uma consulta.

Pina Prata (1997) apresenta em seguida os tipos ou formatos possíveis nas intervenções

ocasionais de rua: de emergência ou de reorientação emocional. Em qualquer dos casos, a

intervenção pode ser única e, posteriormente, encaminhada para o formato clássico do

atendimento em "gabinete". Mas o que a carateriza é o alargamento espácio-temporal da

intervenção, com uma certa analogia com as intervenções de rua de um médico em serviço

de emergência, obedecendo ambas à gratuitidade do ato e não podendo ser canalizadas

para local de consulta que beneficie economicamente o interventor.

O alargamento espácio-temporal da intervenção pode estender-se também à consulta

domiciliária. Já praticada por Minuchin e outros terapeutas (incluindo Pina Prata, em casos

referidos de esquizofrenia e de anorexia), tem como regras de eticidade a impossibilidade

de deslocação dos pacientes, como acontece em certos casos terminais. E também a

condição de ser pedida pela família e da participação desta no encontro terapêutico.

Um dos denominadores comuns da intervenção familiar sistémica, referido acima - o

alargamento da espácio-temporalidade - tem sobretudo a ver com a redução do número de

intervenções e um maior distanciamento temporal entre estas, em contraste nomeadamente

com a prática psicanalítica. Na nova ótica da acentuação do potencial familiar, este

distanciamento permite a ativação intercalar e catalisadora dos recursos e capacidades da

família e de cada um de seus membros; temos assim o fator tempo como ingrediente

fundamental de qualquer processo de desenvolvimento pessoal e inter-relacional.

Quanto ao atendimento de reorientação emocional, carateriza-se por se focar na

reestruturação de processos relacionados com a problemática socio-afetiva ou emocional,

seja em contextos familiares ou em contextos sociais e profissionais. Incluem-se aqui as

situações de divórcio, luto, pobreza, estados de envelhecimento ou terminais, desemprego

ou reformas compulsivas. Assim, muitas destas situações de atendimento apresentam

interfaces não só com as consultas de terapia familiar mas também com consulta de

mediação, como sucede em casos de reinserção social, de mandato judicial, de famílias de

acolhimento ou de adoção, de famílias com menores em situação de risco.

Page 83: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

78

No fim do artigo (Pina Prata, 1997) e em conclusão, o autor define quatro dimensões no

pedido de ajuda terapêutica, conforme já tinha feito uns anos antes noutro texto (Pina

Prata, 1991). Agora apresenta uma versão reformulada, assim:

- Sentimento percecionado pelo requerente e partilhado pela família de que esgotaram os recursos

para ultrapassarem, sós, o mal-estar;

- Um certo desejo de mudança, de saída da situação de desconforto;

- Esperança nos resultados da ajuda do especialista-terapeuta;

- Dimensão socio-afetiva-cognitiva ou o modo como cada um se vê, se sente e se diz.

A perspetiva autocatalisadora das virtualidades dos sistemas familiares, várias vezes

referida neste artigo, não é a de uma intervenção reparadora ou corretiva mas incide na

emergência e exercício das capacidades e recursos disponíveis na família:

- Capacidade de precisão e de diferenciação do que se comunica;

- Capacidade de decidir em conjunto, de partilhar objetivos, de participar nas decisões;

- Capacidade de agir com flexibilidade;

- Capacidade de integrar diferenças, de não excluir sensibilidades;

- Capacidade de gerir tensões, de não escamotear os conflitos;

- Capacidade de harmonizar níveis afetivos e emocionais de proximidade e de afastamento;

- Capacidade de suscitar alternativas que permitem reequilíbrios de estabilidade-mudança;

- Capacidade de se ver, se dizer e se sentir diferente e de ver, dizer e sentir os outros.

Page 84: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

79

Debate, partilha e crítica

Nos artigos e estudos de Pina Prata até aqui tratados são frequentes as referências a outros

autores de quem recebeu influências, ou com quem participou em prática terapêutica. A

discussão teórica e metodológica atravessa, assim, a generalidades dos seus escritos.

Contudo, existe um conjunto de artigos cujo título é claramente dedicado à análise,

discussão, crítica e debate sobre as posições de outros investigadores e terapeutas

familiares. São esses que passamos a referir neste capítulo.

Já na apresentação do primeiro dos Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária, Pina

Prata anunciava a estrutura prevista para os "Cadernos", em que incluía as rubricas

"Clássicos", "Investigações atuais", "Estratégias" e "Debate". Os artigos a que passamos a

fazer referência neste capítulo foram aí publicados, no início dos anos 80, e abordam

autores-terapeutas como Bateson, Haley, Minuchin, Palazzoli e outros. Apresentamo-los

não por ordem do ano de publicação mas pela ordem de importância que lhe atribuimos,

começando pelo "classicíssimo" (assim referido por Pina Prata) estudo da escola de Palo

Alto sobre a esquizofrenia.

- Para uma teoria da esquizofrenia, por G.Bateson, D.Jackson, J.Haley e J.Weakland (Pina Prata,

1980b)

- Casos ao vivo da terapia familiar estrutural de Minuchin (Pina Prata, 1981c)

- Debate com Mara Selvini Palazzoli (Pina Prata, 1981g)

- Terapia em etapas (de Jay Haley) e terapia sistémica por ciclos de interfaces (Pina Prata, 1983b)

- Estratégia da escultura da família, seguindo F.J.Duhl, M.D.Kantor, B.S.Duhl (Pina Prata, 1980e)

- Análise do treino conduzido por Bella Borwick sobre “As intervenções estratégicas no tratamento

dos alcoólicos e toxicómanos” (Pina Prata, 1981e)

- M.Bowen e sua posição sobre alcoolismo e família (Pina Prata, 1981f)

O projeto Bateson e "Para uma teoria da esquizofrenia"

O estudo "Para uma teoria da esquizofrenia", desenvolvido ao longo de vários anos por

Bateson, Jackson, Haley e Weakland, foi elaborado no contexto do "projeto Bateson",

centrado na problemática da comunicação. Apresentamos aqui o artigo em que Pina Prata

(1980b) comenta este estudo, dada a sua grande relevância e por ter tido um papel crucial

na nova abordagem da doença mental e da terapia familiar.

Bateson trabalha como etnólogo, de 1949 a 1952, no Veterans Administration Hospital de

Palo Alto, Califórnia, e é aí que inicia o seu projeto acerca dos "paradoxos na

Page 85: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

80

comunicação". Nos anos que precederam a publicação do estudo, o grupo de Bateson

estuda os fenómenos mais diversos, na perspetiva da comunicação: a natureza da metáfora,

o humorismo, a natureza do jogo, a poesia, o ritual, os filmes populares, o ventríloquo, o

treino de cães para cegos, e aspetos formais da psicoterapia.

A partir de 1956, o projeto foi ampliado com o estudo da "terapia familiar dos

esquizofrénicos", centrando-se no comportamento comunicacional da esquizofrenia.

Segundo informação de Haley, citada por Pina Prata, a primeira entrevista registada com

toda uma família data de Fevereiro de 1956, passando o projeto a incluir um programa de

"tratamento formal de toda a família do esquizofrénico", focando a mudança na família

como unidade de tratamento. Tratava-se de uma mudança radical em relação à ótica

tradicional, já que não se podia "tratar" o paciente sem "tratar" toda a família.

É em 1976 que aparece a coletânea sobre o "duplo ligame" (tradução de double bind, mais

correta que "duplo vínculo", segundo o autor), com 22 artigos, o primeiro dos quais é "Para

uma teoria da esquizofrenia" e cujo conteúdo é comentado por Pina Prata (1980b). Este

estudo tenta pela primeira vez investigar a comunicação nas famílias com esquizofrénicos,

na complexidade de suas mensagens, chegando a uma "teoria comunicacional" sobre a

origem e natureza da esquizofrenia.

Os autores baseiam os seus pontos de vista na chamada "teoria dos tipos lógicos" de

Russel, segundo a qual se utilizam e manipulam diversas modalidades comunicativas na

interação humana, alcançando o processo de composição e definição de mensagens uma

certa complexidade. A limitação do nosso vocabulário para discriminar os diversos tipos e

níveis lógicos de comunicação faz com que se utilize um conjunto de meios não-verbais

como a postura, os gestos, a expressão facial, a entoação e o contexto para comunicar as

mensagens. O papel do humorismo no processo de comunicação, o papel dos sinais meta-

comunicativos e o da aprendizagem são também descritos neste contexto.

A capacidade de servir-se de (e de interpretar) múltiplos níveis de sinais é uma habilidade

que o ser humano vai adquirindo e função de níveis múltiplos de aprendizagem. Segundo

Pina Prata (1980b), a partir do texto comentado:

"O esquizofrénico mostrará fraqueza em três áreas de tal função: tem dificuldade em atribuir a

correta modalidade comunicativa às mensagens que recebe de outrem; (...) àquelas mensagens,

verbais e não-verbais, que ele próprio envia; (...) aos próprios pensamentos, sensações e perceções."

A linguagem esquizofrénica é rica em metáforas, como em geral toda a comunicação

humana; a particularidade da esquizofrenia reside no uso de metáforas não definidas e

Page 86: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

81

percebidas como tais.

Partindo da hipótese que a esquizofrenia é essencialmente um resultado da interação

familiar, os autores do estudo procuram chegar a uma definição dos padrões de sequências

(traumáticas) de interação que induzem esta sintomatologia.

O duplo ligame (double bind)

O "duplo ligame" carateriza-se do seguinte modo, segundo o estudo citado:

a) Duas ou mais pessoas, das quais uma "vítima". O ligame pode ser infligido pelo

pai, ou pela mãe, ou por meio da aliança mãe-pai ou com irmãos.

b) Experiência repetida, recorrente, que faz com que o duplo ligame seja a expectativa

habitual.

c) Uma injunção negativa primária que pode assumir duas formas: "não faças assim

ou castigar-te-ei", ou "se não fazes assim, castigar-te-ei". Elege-se assim um

contexto de aprendizagem baseado em evitar o castigo, em vez de procurar a

recompensa.

d) Uma injunção secundária, em conflito com a primeira, também reforçada por

punição e sinais de ameaça à sobrevivência. Habitualmente é comunicada à criança

de modo não-verbal, por isso a um nível mais abstrato. Pode transmitir a ideia "Não

vejas isto como um castigo", ou mesmo "Não te submetas à minha proibição", ou

poderíamos acrescentar "Castigo-te mas é para teu bem".

e) Uma terceira injunção negativa que proíbe à vítima "abandonar o campo", imposta

desde a infância, e que faz crer que o campo relacional é insubstituível.

f) A série completa destes componentes deixa de ser necessária (mas continua a

exercer-se) quando a vítima aprendeu a perceber o seu universo em termos de

duplo ligame.

Segundo os autores, e conforme resume Pina Prata (1980b), a situação de duplo ligame

carateriza-se por ser uma relação intensa, em que é de importância vital para o indivíduo-

vítima conseguir discriminar com precisão os tipos lógicos de mensagens que lhe são

comunicadas, de modo a responder-lhes adequadamente. Nesta situação em que está

envolvido, a outra pessoa envia-lhe mensagens de diversos níveis, em que um contradiz o

outro. Um terceiro aspeto é que o indivíduo é incapaz de comentar tais mensagens (meta-

comunicar) e de corrigir assim a sua dificuldade em discriminá-las.

Esta é a situação que existe entre o pré-esquizofrénico e sua mãe, situação em que o

Page 87: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

82

indivíduo se sente embaraçado e responde defensivamente, de modo literal, mesmo em

ocasiões (como metáfora ou brincadeira) em que tal nível de resposta é descabido. Uma

pessoa que passou a vida numa relação de duplo ligame, não partilhará com os outros a

compreensão dos sinais que acompanham as mensagens e completam o que se pretende

dizer. Isto é, o seu sistema meta-comunicativo (a comunicação sobre a comunicação) está

deteriorado e não será capaz de reconhecer a natureza de uma mensagem.

Perante a incapacidade de julgar com precisão o que outro lhe quer comunicar, pode usar

como alternativas: aceitar de modo literal tudo o que lhe for dito, ou alhear-se do mundo

exterior, ou mesmo comportar-se de modo paranoico ou catatónico.

Ao caraterizar a situação familiar e respetivas sequências de comunicação, os autores

apresentam a hipótese segundo a qual a mãe do esquizofrénico exprime, pelo menos, duas

ordens de mensagens:

a) Manifestação de comportamento hostil (que é real) ou de afastamento cada vez que

a criança se aproxima

b) Simulação de comportamento afetuoso (que não é real) ou de aproximação cada

vez que a criança reage ao comportamento hostil

Esta hipótese está aprofundada no texto e exemplificada através de casos que nos

dispensamos de aqui reproduzir. Como bem explica Pina Prata (1980b):

"A mãe usa a resposta do filho para confirmar o caráter afetuoso de seu comportamento e, visto que

o comportamento afetuoso é simulado, o filho é posto em condição de não dever interpretar com

exatidão a comunicação da mãe, se com ela quer manter a relação. Isto é, não deve distinguir

atentamente entre as diversas ordens das mensagens; neste caso, entre a expressão de sentimentos

simulados e de sentimentos reais. Donde resulta ser a criança obrigada sistematicamente a distorcer

a sua perceção dos sinais meta-comunicativos."

Para escapar a tal situação, a criança pode recorrer, por exemplo, à ajuda do pai ou de outro

familiar mas, segundo o estudo, os pais destes pacientes não têm força suficiente para dar

um apoio válido. A única saída é a criança comentar com alguém a posição contraditória

para onde sua mãe o empurra. Mas se o fizesse, a mãe reagiria como se ele a acusasse de

não ser afetuosa e iria castigá-lo; assim, impedindo o filho de comentar a situação, a mãe

impede-o de usar o nível meta-comunicativo, que usamos para esclarecer ou corrigir a

nossa perceção de uma comunicação. Em qualquer relação normal existe um contínuo

intercâmbio de mensagens meta-comunicativas do tipo "Que quer dizer?" ou "Porque faz

assim?" ou "Está a brincar comigo?". Em resumo:

"A criança cresce sem desenvolver a sua capacidade de comunicar sobre a comunicação e por isso é

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83

incapaz de captar, seja o que as pessoas querem realmente dizer, seja exprimir o que ele quer

realmente dizer, o que é essencial para uma relação normal (...)

Numa relação que é a mais importante da sua vida, e constitui o modelo para todas as outras, a

criança é castigada, quer manifeste o seu amor e afeto, quer não o faça. Além de que as possíveis

vias de saída desta situação estão bloqueadas."

Vários exemplos apresentados, tomados de dados clínicos do estudo referido, levaram os

autores a três tipos de observações:

a) Uma situação de duplo ligame provoca no paciente impotência, medo, exasperação

ou raiva; a mãe pode continuar serenamente e sem se dar conta; o pai pode reforçar

ou amplificar a situação criada pela mãe, mantendo-se passivo, maltratado,

enredado como o paciente.

b) A psicose parece, em parte, um modo de enfrentar as situações de duplo ligame,

para vencer o efeito inibidor e de controlo.

c) A situação descrita é essencial para a segurança da mãe e para manter a homeostase

familiar.

Por fim, Pina Prata (1980b) apresenta algumas implicações terapêuticas desta teoria. Desde

logo, a própria psicoterapia é um contexto de comunicação a vários níveis, em que se

exploram os limites ambíguos entre o literal e o metafórico, entre a realidade e a fantasia.

As situações de duplo ligame produzem-se no contexto terapêutico e, em particular, no

ambiente hospitalar. Cada vez que o sistema é modificado por interesse do hospital ou do

seu pessoal, e se diz ao paciente que é para seu benefício, está-se a criar a situação

esquizofrenogénica; o paciente, incapaz de comentar o facto de se sentir enganado, irá

reagir de modo esquizofrénico como na situação de duplo ligame.

Vários são os limites e críticas apontados por Pina Prata (1980b) a esta teoria, como a falta

de "uma metodologia adequada à observação e qualificação das interações mais imediatas

vividas na família", ou o facto de as relações analisadas se restringirem quase só às

relações mãe-filho, ou ainda por se estudar não um sistema de relações familiares mas

relações de tipo unidirecional. É também criticada a não integração de conceitos já

disponíveis como modelo cibernético, homeostase, feedback ou interação familiar.

O autor considera também que, no período de investigação a que corresponde o estudo, não

se pode falar ainda de Terapia Familiar, não só pela teoria subjacente como pela

terapêutica adotada. Exemplos disso são o modo como combinam a psicoterapia do

paciente com a da mãe, assim como a orientação de afastamento do paciente de sua casa,

para evitar o agravamento de sintomas ou o seu aparecimento noutros membros da família.

Page 89: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

84

Minuchin e casos da terapia familiar estrutural

Em 1980 Pina Prata participou em treino de terapia familiar conduzido por Minuchin, em

Roma. Dessa experiência resultou o artigo "Casos ao vivo da terapia familiar estrutural de

Minuchin" (Pina Prata, 1981c).

O modelo de terapia familiar da chamada escola de Minuchin, conhecido como terapia

estruturalista, assenta em conceitos básicos que se integram em praticamente todos os

referenciais teóricos de terapia familiar: função, papéis, limites, coalizões, afiliações,

alianças, regras, normas, redes, simetria, complementaridade, feedback, autorregulação,

homeostase.

Nas diversas práticas das múltiplas correntes da terapia familiar, a perspetiva estrutural

entra sempre na condução terapêutica. Porque não é possível falar de relações (sejam

pessoais, grupais, organizacionais, institucionais ou sociais) sem nos referirmos a pontos

de suporte material que são as estruturas dessas relações. O próprio espaço da sala da

terapia familiar é uma estrutura (termo proveniente da arquitetura), com cadeiras cuja

posição relativa tem caráter estrutural; assim como "releva do conceito de estrutura a

posição de um terapeuta de 1,50m face a um cliente que mede 2m". Os conceitos de

estrutura e de relação não se sobrepõem, embora se relacionem, mas Pina Prata defende o

primado das relações sobre as estruturas.

Pina Prata (1981c) faz também algumas considerações sobre a utilização do video-tape na

formação. Tanto os terapeutas em estágio ou supervisão, como as famílias em sessão de

terapia, não suportam sessões demasiado longas, sendo os 50/60 minutos limites próximos

da saturação. Por isso, considera que é possível organizar dias intensivos de formação

apoiada em video-tape sob duas condições: boa qualidade da gravação, imagem e som;

seleção prévia de sessões de terapia e de sequências de interações específicas.

O artigo desenvolve-se depois em torno de 4 casos de consultas de terapia familiar que

permitem ao autor discutir os postulados, o modo de condução do processo terapêutico e

sua avaliação, segundo a terapia estrutural de Minuchin.

Coterapia e afiliação

O primeiro caso reporta-se a uma família cujo "paciente-designado" é anoréxico e o autor

centra a sua análise no tema coterapia e afiliação. A coterapia, na aceção lata de Minuchin,

pode referir-se ao trabalho de apoio e de aliança que lhe é prestado por algum membro da

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85

família ou à relação que estabelece quando tem um colega como coterapeuta. Segundo

Pina Prata, é reduzida a interação que Minuchin estabelece normalmente com o

coterapeuta, tendência habitual dos grandes terapeutas. Sempre ativo e interveniente, é ele

que orienta efetivamente a terapia, interagindo com o coterapeuta apenas "como alguém

que lhe permite a abertura do campo inter-relacional, abrindo caminho à sua 'faena'

terapêutica"; por isso, dirá também que "canabaliza" o coterapeuta.

Também Whitaker referia a necessidade de ter alguém presente durante a terapia, para

além da família, não só para lhe ser uma presença estimulante mas sobretudo para não ser

triangulado pela família, e evitar o envolvimento com a vida socio-afetiva da família.

Ainda sobre esta questão, o autor acha importante fazer a distinção entre coterapia de

formação e coterapia de intervenção; também considera primordial pensar a questão da

coterapia relacionando-a com a supervisão e o papel do supervisor em terapia familiar.

Quanto à afiliação, Pina Prata (1981c) considera ser um processo com um lugar de realce

na condução terapêutica de Minuchin; não consiste apenas em aliar-se a um membro da

família para conseguir penetrar no sistema socio-afetivo familiar, mas faz parte de uma

estratégia de mudança.

No caso de anorexia descrito, a escolha do membro familiar com quem o terapeuta tenta a

afiliação deve ter em vista a mudança do sistema patológico inter-relacional familiar;

assumindo que o marido é são e a mulher é doente, Minuchin apoia o marido quando ele

diz que a mulher deve mudar. Para o marido: "tu não tens nada a fazer para mudar"; para a

mulher: "tu não tens razão, não sabes fazer nada, és doente". A estratégia de mudança

aponta para a aliança com aquele que mais se mostra capaz de suscitar a mudança e de

mudar. Mas isso não quer dizer que depois não estabeleça a aproximação com a mulher,

valorizando-a. A propósito disto, Pina Prata relembra a sua visão sobre a dimensão socio-

afetiva implicando simultaneamente interesse-desinteresse, aproximação-afastamento.

O autor considera que Minuchin não tem adiantado nada de significativo em relação ao seu

referencial teórico. Mas refere a sua afirmação "faço uma terapia segmentária, trabalho

sempre com uma verdade parcial". E isto implica o que designa hipótese estreita que lhe

permite trabalhar com uma família em torno de um conjunto de sequências interativas,

centradas sobre um dos membros mas visando a mudança das interações disfuncionais de

toda a família.

Outro aspeto interessante na estratégia de afiliação consiste em tirar partido das próprias

limitações do terapeuta para que, pedindo ajuda (para ele mudar), possa dar ajuda (para a

Page 91: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

86

família mudar). Minuchin tirava partido do facto de não falar bem italiano, para catalisar a

mudança, através da afiliação que a família fazia com ele ajudando-o. E recordava aos

terapeutas mais novos que o mesmo podiam fazer socorrendo-se da sua falta de

experiência, com muitas famílias com vasto reportório de acontecimentos de vida.

No segundo caso, em que o paciente-designado é fóbico-obsessivo, o autor sublinha a

temática do sintoma e do significado do controlo na patologia relacional. O pai passa o

seu tempo a lavar as mãos, desde que chega do trabalho, com medo de sujar o que toque.

Na sua estratégia de utilização-prescrição do sintoma, o terapeuta insiste na metáfora da

sujidade, entrando por aí na dinâmica familiar. E diz que o pai deve limpar bem toda a

casa, já que ainda não tem um controlo absoluto sobre ela.

O importante da tarefa, focada no sintoma, não é que seja necessariamente cumprida mas

que suscite um campo de interação que permita à família dar-se conta do "círculo vicioso"

da sujidade; e que este deixe de ser agido unicamente pelo paciente, podendo o terapeuta

passar a redefinir a mãe como paciente (centro da sujidade), baralhando ainda mais a

organização familiar controlada pelo sintoma. Nesse sentido vão também os apertos de

mão e as carícias agidas pelo terapeuta na sessão.

Segundo Pina Prata (1981c), Minuchin usa o sintoma para entrar no sistema inter-

relacional mas o seu objetivo é a mudança da família, não o desaparecimento do sintoma.

É por isso que procura "organizar uma crise ao nível do sintoma", para suscitar a

destruturação da "doença disfuncional" da família, já que é o sintoma que organiza toda a

vida familiar. Este desafio estratégico à estrutura familiar torna explícito o controlo que o

paciente-designado exerce sobre o sistema inter-relacional familiar, graças ao sintoma.

No terceiro caso, o paciente-designado é um "delinquente" de menor idade; o autor aborda

a questão dos limites entre os subsistemas na organização do sistema familiar. Tal como

nos casos de toxicodependência e de roubo, o autor considera que a delinquência resulta de

um sistema familiar em que existe falta de poder, manifesto numa estrutura de família

indiferenciada em termos de subsistemas familiares. A descrição do caso, que não cabe

nesta recensão, merece uma leitura atenta.

Minuchin trabalha no sentido de transformar esta família indiferenciada num "animal mais

complexo", numa família com subsistemas bem diferenciados. Por isso, este é um dos

casos em que melhor transparece a temática dos limites e das articulações entre os

Page 92: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

87

subsistemas, tão caraterísticos na terapia estrutural de Minuchin.

Várias são as formas disfuncionais de organização dos subsistemas, referidas por Pina

Prata (1981c), tendo em conta os casos apreciados:

a) Aliança de um dos pais com todos os filhos, isolando o outro membro do casal;

Haley designa triângulo perverso quando ocorre a coalizão de um dos pais com um

dos filhos contra o outro pai;

b) Indiferenciação do sistema familiar;

c) Disfuncionalidade apenas no controlo das relações, resultante da sua indefinição,

por falta de experiência de poder parental (ou impedimento) de um dos cônjuges;

d) Indiferenciação no subsistema dos pais entre os papéis parentais e as relações

conjugais.

Esta questão central da diferenciação dos membros da família e dos subsistemas leva

Minuchin a comparar a pessoa a um diamante, em que o brilho de cada face depende do

contexto em que se encontra. Assim também o contexto familiar disfuncional impede o

desenvolvimento das potencialidades dos seus membros.

O quarto caso diz respeito a uma família psicótica e serve de base à discussão do contexto

terapêutico. Através da afiliação, Minuchin procura levar a família a entrar na realidade

terapêutica e a valorizar as potencialidades dos seus membros, pela criação de novas

alternativas que destruturam a organização das relações patológicas. Segundo Pina Prata

(1981c), Minuchin:

"Entra e participa na estrutura existencial desta família, mas leva a família a criar com ele uma

realidade nova."

"É o timoneiro do barco mas, por isso, vai também nele".

O terapeuta é um "criador de realidades" que favorece a realização das potencialidades

pessoais. Para isso, o terapeuta deve, a partir do modo como a família se organiza - o

contexto familiar disfuncional - criar uma metáfora próxima daquele contexto. O trabalho

terapêutico consiste em realizar essa metáfora, criadora da nova realidade inter-relacional,

a partir das potencialidades existentes.

Em resumo, a terapia estrutural de Minuchin tem uma face existencial, na medida em que

leva o terapeuta a participar na estrutura da família. E é vivencial porque, no contexto

terapêutico, os membros da família e o próprio terapeuta vivenciam experiências novas,

Page 93: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

88

não agidas até aí. Além disso, é uma terapia voltada para a mudança do sistema inter-

relacional familiar, e não para a modificação do comportamento de um dos seus membros.

Pina Prata (1981c) faz ainda algumas considerações acerca da terapia diretiva de

Minuchin, no sentido em que faz grande utilização da "comunicação proxémica",

espontaneamente, para exprimir relações socio-afetivas, sejam de aproximação ou de

afastamento.

"Levanta-se, quer para fazer ou pedir uma carícia, como para manifestar a sua irritação. Fica de pé

ou põe-se de joelhos, consoante quer agir em relação de crescimento ou de dependência."

Para além da comunicação gestual e quinésica, que utiliza correntemente, é a mudança no

espaço que constitui para ele o modo mais espontâneo de regular as relações com os

membros da família. Essa incidência tão pessoal na diretividade, voltada para a mudança

das inter-relações do sistema familiar, leva-o a admitir que uma família pode não conseguir

abrir-se a novas alternativas com determinado terapeuta e ser capaz de mudar com outro.

Palazzoli, anorexia e sistemas familiares rígidos

Outra figura de referência nas relações de investigação e de prática terapêutica de Pina

Prata foi a Professora Mara Selvini Palazzoli. Pina Prata participou como terapeuta na

preparação e discussão de vários casos, no Instituto da Família por ela dirigido. Da sua

experiência e reflexão sobre o caso da "família anoréxica" resultou o artigo "Debate com

Mara Selvini Palazzoli" (Pina Prata, 1981g). Segundo o autor, o seu objetivo neste artigo

não é apresentar as posições teóricas de Palazzoli, nem o seu método de condução

terapêutica, mas a forma como se apercebeu "das virtualidades e dos limites de múltiplas

consultas de terapia familiar, orientadas por diferentes terapeutas, com óticas

diversificadas".

Desde logo, observou que o desenrolar da consulta põe em evidência que as estratégias

pré-elaboradas para conduzir um determinado encontro de terapia familiar podem e devem

ser alteradas ou adaptadas, conforme a inter-relação real que se estabelece durante o

encontro. Estas alterações de estratégia são frequentes, apontando assim para a necessidade

de se ser flexível na sua concretização na sessão terapêutica.

Ao analisar esta sessão, e beneficiando da utilização do espelho unidirecional, Pina Prata

(1981g) observou também que existem realmente dois subsistemas em interação no

processo terapêutico: o familiar e o do terapeuta. Foi fortemente visível a diferença entre o

inter-relacionamento dos membros da família na presença do terapeuta e durante a sua

Page 94: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

89

ausência no intervalo, como se torna evidente nas mudanças de comportamentos

observadas e descritas pelo autor.

Em função dessa observação, pode considerar-se que a hipótese relacional agida por esta

família "anoréxica" é que "nós é que ajudamos a nossa filha", desqualificando o sistema

inter-relacional terapêutico, seja pela negação da capacidade do terapeuta, seja pela

negação da diferenciação necessária dos papéis e funções intrafamiliares. Assim:

"As transações anoréxicas servem para apoiar a filha no seu papel de ajuda aos pais e para apoiar os

pais na sua tarefa de tentar salvar a filha."

Ao regressar após o intervalo, Palazzoli lê um texto com a opinião dos terapeutas sobre a

situação familiar anoréxica e sobre a continuação da terapia familiar; a sua prescrição

paradoxal consiste em os ajudar não os ajudando.

"O texto é lido com voz firme e decidida; a atenção de todos os membros da família é total; à

medida da leitura do texto, cresce a tensão manifesta (...) Eles terapeutas pensam que, encontrando-

se a família num equilíbrio tão precário e para que se evite uma catástrofe eminente na família, o

que podem fazer de melhor é não fazer mais nada (...)"

Mas a terapeuta deixa uma porta aberta, dando paradoxalmente o ar de não acreditar muito,

mas deixando o desafio à família. Assim, sublinha que pode ser que suceda qualquer coisa,

a seu tempo se verá, e que podem comunicar telefonicamente com os terapeutas.

Pina Prata conclui pela reafirmação da sua teoria que define o processo unitário de

estabilidade-mudança como sendo o processo paradoxal de base; e que qualquer equilíbrio

relacional é, por definição, equilíbrio tensional.

Ainda no âmbito da partilha de experiências e discussão com Mara Selvini Palazzoli,

importa situarmos o artigo que se apresenta em seguida, dada a sua importância teórica e

metodológica. Em 1979 o Professor Pina Prata dirigiu na Faculdade de Medicina da

Universidade de Lovaina, a convite do Professor Pierre Fontaine, um seminário de pós-

graduação em Psicopatologia. Na jornada de Terapia Familiar organizada nesse contexto, o

autor colocou a Palazzoli três questões: uma sobre a psicofarmacoterapia da anorexia

mental; outra sobre a possibilidade de uma análise diferencial dos sistemas familiares

rígidos; uma última sobre a vantagem da utilização de um modelo não só qualitativo mas

também quantitativo.

Algumas destas questões foram o ponto de partida para o longo artigo "Analyse

différentielle du système rigide de l’anorexie mentale dans l’optique systémique de la

thérapie familiale" (Pina Prata, 1980f). A sua relevância para o movimento da terapia

Page 95: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

90

familiar internacional é atestada pelo facto de ter sido publicado em Francês, no I Volume

da revista Thérapie Familiale, primeira revista europeia nesta área e de cuja direção

científica fez parte. O artigo está estruturado em 21 pontos, de que destacamos:

- Modelo do equilíbrio tensional

- Relação de tipo 1 e de tipo 2 no sistema anoréxico

- A escuta do corpo

- Análise do processo de avaliação preferencial nos sistemas rígidos

- Pseudocontrole da relação de tipo 1, morte e relação mediatizante do alcoólico e do anoréxico

- Fórmulas-guia quantitativas dos sistemas rígidos e abertos

- Estratégias de destruturação confirmativa (da relação terapêutica, do contexto, do problema)

- Estratégias da regulação do peso

Do ponto de vista da psicopatologia e da nosografia psiquiátrica, Palazzoli afirmou-lhe que

a distinção entre as diferentes formas de anorexia, proposta em 1963 no seu livro sobre a

anorexia mental, já não tinha qualquer sentido. Considera que as categorias nosográficas da

psiquiatria tradicional apenas possuem um alcance descritivo, não tendo o diagnóstico

diferencial da anorexia mental qualquer interesse. É digna de nota esta capacidade de

corrigir uma visão que passou a ser considerada incorreta e de evoluir no pensamento e no

conhecimento.

O caso que o autor apresenta como pano de fundo da sua "análise diferencial" refere-se a

"uma paciente designada, Sónia, 19 anos, que tinha anteriormente sido tratada por meio de

estimulantes de apetite, antidepressivos, sedativos, ansiolíticos, neuroléticos, anabolisantes

e fortificantes, para além do controlo da anemia, da hipoproteinemia, da hiperacidez

gástrica, do metabolismo de base! (...) aos 19 anos, quando nos foi encaminhada pelo

médico de família, pesava apenas 37 kg".

Pina Prata (1980f) começa por elucidar o seu modelo teórico para a psicologia e a

psicossociologia e para a prática psicoterapêutica - "modelo do equilíbrio tensional" - que

tinha vindo a elaborar teoricamente e a aplicar.

A rigidez dos sistemas de comunicação familiar, como a que carateriza os sistemas com

um paciente anoréxico, pode ser determinada em grande parte pela pobreza da quantidade

da informação presente, informação que serve para nutrir as interações e as relações

interpessoais. Esta pobreza de elementos de informação traduz-se pela diminuição das

possibilidades alternativas, mas também pela falta de informações específicas sobre os

problemas pessoais e interpessoais, as quais poderiam facilitar a mudança do sistema das

inter-relações familiares, ao nível dos dois subsistemas:

Page 96: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

91

- subsistema de relação de tipo 1, que diz respeito às relações das pessoas entre

elas e de cada membro da família consigo próprio (enquanto pessoas);

- subsistema de relação de tipo 2, que se refere às relações que os membros da

família mantêm com o mundo das coisas e com o mundo social (seus papéis,

crenças e normas socioculturais).

A qual dos dois subsistemas pertencem as relações das pessoas com o seu corpo? Esta

questão é central nas famílias anoréxicas, já que permite distinguir a rigidez do sistema

anoréxico da dos outros sistemas rígidos. O autor considera muito importante esta

distinção entre a qualidade das nossas relações com as coisas e com as pessoas, distinção

que não tem sido explorada, apesar de ser fundamental para a compreensão do

comportamento perturbado e para a condução terapêutica.

Para esclarecer a questão do enquadramento das relações com o corpo num dos dois

subsistemas, importa analisar as transações que nos remetem para comportamentos

alimentares (que confirmam e estruturam o papel do paciente anoréxico) e também para a

imagem que o paciente constrói do seu próprio corpo. Essa imagem é apoiada na perceção:

- do seu próprio corpo (que tem de comer para subsistir e que pode engordar e

emagrecer)

- do corpo dos outros

- das relações dos outros com o seu corpo e consigo como pessoa.

Segundo Pina Prata (1980f), aqui reside a raiz epistemológica dos erros de cálculo do

paciente anoréxico quando, mediante o seu corpo, entra no jogo das interações familiares

patológicas para pôr à prova o seu poder e o poder do sistema.

"Por isso, interpõe o seu corpo entre ele e os outros, entre a sua vida e ele próprio, como objeto

securizante. O seu corpo torna-se um "corpo diplomático", pela pobreza da sua linguagem verbal e

não verbal (...)

O corpo do paciente anoréxico torna-se o "frigorífico" da sua vontade de comer. Ele vai tentar

manter com o corpo apenas relações ao nível do sistema de relação de tipo 2."

É por isso que o autor conduz vários membros da família à escuta do seu próprio corpo,

desde a primeira sessão de terapia familiar, sem remexer na dinâmica homeostase-mudança

do sistema familiar. E verifica como são rápidas as oscilações entre o distanciamento e a

proximidade percetiva das sensações cinestésicas vividas pelo paciente-designado. Esta

escuta suscitada em todos os membros da família anoréxica é uma primeira abordagem no

sentido da mudança, através da utilização do processo de validação objetiva.

O sistema familiar anoréxico é dominado pelo receio, não confessado, da morte. Mas o

Page 97: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

92

mais frequente são as preocupações com:

- a magreza do paciente anoréxico

- a sua rejeição de alimentos e a recusa de comer com o resto da família

- a recusa de comer o que os outros comem

Na família as opiniões proliferam, carregadas de conotações negativas, sempre a propósito

da mudança do comportamento alimentar do paciente. Formam-se então redes de

intercomunicação que agrupam todos ou alguns membros da família, de que o paciente é

excluído. Isto tem como resultado o curto-circuito de grande parte das informações entre

os subsistemas em que a família se agrupou, bem como entre alianças e coalizões.

No caso em discussão, logo que, entre o primeiro e o segundo encontro, Sónia começa a

comer uns bocaditos de coisas pouco habituais, a mãe chama a atenção do terapeuta nos

seguintes termos: "Sónia não come nada; ela piorou; come uns croquetes que nunca tinha

comido antes e que vai buscar ao frigorífico - mas que ideia!" Sabe-se também que ela

começou a beber leite, o que não fazia havia meses, mas ninguém o comunica ao terapeuta.

Com tudo isto, Sónia mostra bem como é teimosa ao não querer comer o que a mãe lhe

prepara, nem sentar-se à mesa como toda a gente.

Pina Prata (1980f) desenvolve em seguida algumas ideias que relacionam o duplo ligame, a

conotação positiva e as prescrições paradoxais, cuja força socio-afetiva pode ser utilizada

pelo terapeuta para destruturar a função de guardião do sistema, aparentemente atribuída

ao paciente-designado.

Faz também alguma reflexão sobre o pseudocontrolo do corpo, a morte e a relação

mediatizante do alcoólico e do anoréxico. Considera que, para salvar o status quo da

dinâmica dos papéis e das funções, a família anoréxica aceita que o paciente-designado se

imagine o guardião do sistema familiar. E sublinha também que o suicídio é muito raro na

anorexia, o que mostra como a família do anoréxico não deseja a sua morte. O seu medo da

morte é abafado pelo mito do controlo que o paciente teria sobre o seu próprio corpo. Daí

que se observe uma certa mistura entre luto e despreocupação na família do anoréxico.

Importa referir também a relação mediatizante e quase objetal que está associada a este

pseudocontrolo do corpo, fazendo pensar num certo paralelismo entre o comportamento e

atitude do alcoólico e do anoréxico. Assim como o alcoólico, para pôr à prova o seu poder,

não pode parar de beber, também o anoréxico, ao proibir-se de comer, assegura-se de que

exerce sobre o seu corpo (e sobre si próprio) um poder real; também o anoréxico precisa de

"tocar no fundo da sua garrafa", que é o seu corpo. É essa relação de controlo sobre um

Page 98: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

93

corpo-objeto que o leva a pôr em causa a sua sexualidade e as funções do seu corpo,

enquanto corpo sexuado, capaz de amar e de conceber.

O modelo teórico do autor e as fórmulas quantitativas que desenvolveu relativamente aos

sistemas rígidos e aos sistemas abertos, em trabalhos anteriores já citados (nomeadamente

Pina Prata, 1979), são aqui revisitados por Pina Prata (1980f), no contexto da anorexia.

Considera que dispõe agora do "utensílio concetual e analítico necessário e suficiente para

uma condução terapêutica, ao mesmo tempo flexível e estruturada".

Segundo o seu postulado, nos sistemas familiares rígidos os três processos de base tornam-

se disfuncionais. Assim, a informação que circula no sistema familiar (associada ao

processo de validação objetiva) conjuntamente com as sugestões de iniciativa ou ação

(associadas ao processo de resolução) encontram-se como que atrofiadas, se compararmos

com a frequência das opiniões (associadas ao processo de avaliação preferencial), em

particular as conotações negativas. Estas são mais numerosas que o conjunto das

informações e sugestões de iniciativa, tal como representado na fórmula já apresentada

atrás (Pina Prata, 1979). O contrário ocorre nos sistemas familiares flexíveis ou abertos.

O autor revisita também as cinco fases do processo terapêutico que desenvolveu em

trabalhos já citados (Pina Prata, 1979a), através das quais pode ser levada a cabo a

interação terapêutica num sistema familiar rígido: pré-relacional, consolidação das

funções, destruturação, restruturação e reciprocidade. Na condução terapêutica das famílias

anoréxicas, considera que as fases de consolidação e de destruturação se entrelaçam ao

ponto de poder falar-se de um só período. Este compreende pelo menos as 4 primeiras

sessões de terapia familiar (em cerca de 4 meses) que designou período de destruturação

confirmativa.

Durante este período, Pina Prata trabalha o que designa paradoxo de base dos sistemas

inter-relacionais, o facto de a homeostase (estabilidade) e a mudança formarem um mesmo

e único processo. Consiste em proceder a uma destruturação das funções e papéis rígidos,

que se manifestam nas estruturas de intercomunicação disfuncional; mas sem diminuir o

lado positivo dos papéis e das funções na preservação da continuidade do sistema familiar.

No caso em discussão, Pina Prata (1980f) revela:

"É assim que procedo à destruturação da função da anorexia de Sónia desde o início do segundo

encontro, dirigindo-me assim à mãe: "Minha senhora, como vão as suas preocupações?".

Esta questão tão simples e direta que preparei cuidadosamente ipsis verbis, e que serve de revelador

das disfunções do sistema familiar, faz emergir uma série de reações emotivas prolongadas em

cadeia. A mãe de Sónia declara, muito emocionada, ter "conseguido suportar todas as dificuldades

Page 99: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

94

da doença de Sónia durante dois anos" mas acrescenta "agora, não consigo mais".

Este "agora" revela o seu sentimento de angústia e de derrota face ao processo de destruturação já

em curso (...)".

Estratégias de destruturação confirmativa

O autor apresenta em seguida as suas estratégias de destruturação confirmativa, as quais

têm em vista desenvolver a dinâmica dos processos mentais e afetivos já referidos (o da

validação objetiva e o das sugestões de iniciativa), integrando-lhes o processo de avaliação

preferencial na sua dimensão positiva. Resumindo:

a) Estratégias destruturantes da relação terapêutica

Inclui-se aqui a possibilidade de utilizar a prescrição do sintoma, desde a primeira

sessão, por vezes no quadro da "terapia de mediação" (por carta, recado ou outras

vias), o que também permite prosseguir a terapia quando o paciente se recusa ou

não pode vir ao encontro.

b) Estratégia de destruturação do contexto terapêutico

Redefinir o contexto, segundo novos padrões de relação terapeuta-família, pode

incluir a destruturação espácio-temporal, através de novas formas de organização

do espaço terapêutico ou do intervalo de tempo entre os encontros. E também pode

contribuir para preservar a capacidade do terapeuta em clarificar a questão do

poder, definindo as formas de relação no sistema terapêutico ("a mãe de Sónia,

desde o início, admira-se que o meu papel 'não seja nem sequer o de orientar' ").

c) Estratégias de destruturação do problema

Desde o primeiro encontro, o terapeuta deve agir na destruturação ou redefinição

do problema, mas sem nunca negar a conotação positiva da função do paciente-

designado, com tanto mais precaução quanto o sistema familiar é rígido.

d) Estratégias da regulação do peso

As destruturações do problema, do contexto e da relação com a família vão a par e

imbricam-se com as estratégias de regulação do peso. De facto, o aumento e a

diminuição do peso estão no centro das preocupações da família e também dos

médicos; é necessário proceder à destruturação deste duplo contexto. Daí a

necessidade do maior cuidado e fineza na abordagem sistémica quando o paciente-

designado aumenta de peso. No caso de Sónia, perante a carta do pai relatando a

sua admiração com o aumento de peso de 1kg entre o 3º e o 4º encontros, o autor

Page 100: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

95

responde-lhe, também por escrito, "o aumento em questão não me parece

significativo, nem o deverá tranquilizar".

Pina Prata (1980f) descreve o 4º encontro que decorreu em casa da família, ao jantar, e que

nos dispensamos de aqui detalhar. Mas é de realçar o facto de, durante aquelas 3 horas,

nunca se ter referido a questões de alimentação, embora observasse o facto de Sónia ter

recomeçado a comer qualquer coisa e isso fosse o aspeto mais significativo. E dá-se conta

de que a sua própria atenção deixa de se centrar no problema específico da alimentação.

Em resumo, o autor apresenta-nos neste artigo "as estratégias e as orientações concretas

para levar a cabo a terapia familiar durante o período de destruturação confirmativa, tendo

em conta os três processos de base indicados, mediante a ponderação do fluxo quantitativo

e qualitativo, tanto da informação como das opiniões e das sugestões de iniciativa que

circulam no sistema familiar e o estruturam".

Haley e a terapia em etapas

Na discussão de perspetivas teóricas e metodológicas, e no consequente debate crítico

entre as diversas abordagens da Terapia Familiar, Pina Prata desenvolve também um longo

artigo sobre a "terapia em etapas" de Jay Haley, complementando-o com o seu método de

condução terapêutica que denomina "terapia por ciclos" (Pina Prata, 1983b).

Segundo Haley, a primeira obrigação do terapeuta é mudar aquilo que é apresentado como

o problema da família, sem o que a terapia fracassará. Além disso, a melhor maneira de

produzir a mudança é centrar a sua atenção nos sintomas, pois o que mais interessa ao

cliente é o problema trazido; só assim se conseguirá a sua boa cooperação.

Por outro lado, o objetivo da terapia não é dar lições à família sobre o seu funcionamento

defeituoso, mas modificar as sequências das interações familiares, com vista a resolver os

problemas. Assim, não é necessário convencer os membros da família de que têm

problemas (ou interpretá-los), mas sim de que a sua cooperação é indispensável para que

ajudem o terapeuta a superar o problema. Na perspetiva da família, recorda Haley, a

criança é o problema; daí que a família fique intrigada ao ser-lhe pedido que venham todos

os seus membros.

A primeira entrevista é corretamente conduzida pelo terapeuta se lhe permite averiguar

quais as sequências de factos que definem o problema familiar; só depois vem a definição

da estratégia mais adequada para gerar a mudança. É aqui que surge a ideia de etapas

intermédias na terapia.

Page 101: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

96

A terapia em etapas é exemplificada por Haley com dois exemplos: o da "avó intrusa" e o

da "criança com papel parental". O primeiro caso refere-se a uma família em que a criança

sofre de enurese, em que a avó acha que a mãe não sabe tratar da criança e a mãe afirma

que, sempre que tenta disciplinar o filho, a avó se intromete e o protege. A forma como

Haley atua sobre as relações é significativa. Num primeiro momento, consegue persuadi-

las a experimentarem uma nova abordagem, por pouco tempo:

"Competiria à avó responsabilizar-se inteiramente pelo menino durante duas semanas, de todas as

questões de disciplina e da enurese, incluindo a lavagem dos lençóis; a mãe limitar-se-ia a usufruir

da companhia do filho sem querer discipliná-lo. No caso de mau comportamento do filho, deveria

informar a avó, a qual se ocuparia do assunto."

Esta etapa consiste essencialmente na acentuação de uma estrutura de funcionamento

defeituoso, pois não é correto que uma criança fique completamente a cargo de sua avó,

pondo-se a mãe em lugar periférico.

No fim das duas semanas, o terapeuta pediu à família que invertesse as responsabilidades,

cabendo agora à mãe ocupar-se totalmente do filho, e à avó gozar da sua companhia.

Também esta etapa continua a acentuar um funcionamento anormal, excluindo a avó dos

problemas da criança, não lhe permitindo sequer aconselhar a mãe.

Após esta segunda quinzena, a sessão de terapia centra-se na discussão sobre qual dos dois

procedimentos deu melhor resultado.

"Na maioria dos casos, a avó prefere que a mãe se ocupe da criança, já que ela é a mais velha e criou

já os seus filhos. Também acederá a comunicar com a criança através da mãe, em vez de coligar-se

com o neto contra a mãe (...).

Os sintomas da criança costumam desaparecer quando a hierarquia é correta."

Se o terapeuta tenta passar logo diretamente ao sistema "normal", pondo o filho sob o

cuidado total da mãe, o mais provável é que a avó continue a intrometer-se, demonstrando

que a mãe não está apta para essa responsabilidade.

Tanto neste caso como no seguinte, desenvolvidos no texto de Haley, Pina Prata (1983b)

sublinha a ideia de reorganização da estrutura das relações intrafamiliares. Para Haley, a

passagem desde o momento sintomático ao da reestruturação inter-relacional realiza-se

através do desenvolvimento intermediário de uma terapia em etapas. Esta tem a ver com a

função (e utilização) do sintoma e do membro-sintomático nas etapas intermediárias, em

que "papéis quase-funcionais" são ponto de passagem para um tipo de estrutura familiar

"mais normal" e mesmo "normal".

No contexto da terapia em etapas, Haley aborda ainda o problema bigeracional

Page 102: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

97

considerando que o comportamento da criança, em função da tríade, resulta de um dos

progenitores se coligar com a criança contra o outro. Tendo presente esta sequência, o

terapeuta pode escolher diversas abordagens ou "portas de entrada" na família.

Um primeiro enfoque utiliza a pessoa periférica. Haley considera três etapas, antes de

alcançar o objetivo, e que fluem numa sucessão lógica:

a) Na primeira etapa há uma coalizão entre o terapeuta, a pessoa periférica (pai, neste

caso) e a criança, deslocando a mãe para a periferia, criando-se uma nova

organização anormal; ao excluir a mãe, esta terá de procurar um vínculo e, como

não lhe é permitido ligar-se ao filho, volta-se para o pai.

b) Na segunda, o envolvimento é entre o terapeuta e os pais, ficando a criança fora das

questões entre os adultos, podendo assim unir-se a seus pares.

c) Na última etapa, o terapeuta deve desvincular-se da família, deixando os pais

relacionados entre si e a criança relacionada com os seus amigos.

Segundo Haley, citado por Pina Prata (1983b), o sucesso da terapia no caso exemplificado

deveu-se ao facto de a família estar disposta a mudar e também à habilidade do terapeuta

que facilitou a mudança através da negociação, em vez da interpretação dos problemas ou

hostilidades (estratégia terapêutica não interpretativa). Além disso, a terapia é mais eficaz

se o terapeuta é capaz de relacionar-se estreitamente com a família, mas também de se

desvincular dela rapidamente, atribuindo o êxito da mudança à família e não a si próprio.

Um segundo enfoque consiste em quebrar a díade, muito envolvida afetivamente, mediante

uma tarefa. A necessidade inconsciente da mãe em proteger o seu filho não deve ser

interpretada, pois com isso obtém-se o oposto, impedindo a mudança. Um método eficaz

será orientar a mãe para que ajude o filho a adquirir competências; ou desviá-la para outras

ocupações (como cuidar da sua própria mãe ou de outros membros da família) reduzindo

assim o vínculo entre mãe e filho.

O terceiro enfoque consiste em penetrar na organização familiar através dos pais. Este não

é o enfoque mais típico em terapia familiar pois geralmente começa-se pelo problema da

criança e só depois se passa ao conflito dos pais, em que ela se encontra envolvida. Esta

ideia parte de um pressuposto indiscutível em terapia familiar, para Haley, segundo o qual

o paciente-designado é um dos filhos, e o problema da criança remete-nos para uma

situação de conflito e tensão existente no casal.

Alguns dos comentários e críticas formulados por Pina Prata (1983b) merecem ser

referidos. Muitos terapeutas familiares não se guiam por etapas claramente pré-fixadas mas

Page 103: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

98

decidem por intuição o que se tem de fazer em cada momento. Por outro lado, com a sua

teoria das etapas, Haley refere-se a estratégias específicas relativas a cada momento do

processo terapêutico. Mas não propõe um modelo teórico que elucide como essas etapas se

inscrevem no decurso do processo terapêutico, enquanto trajetória evolutiva e circular,

resultante da interação entre o sistema inter-relacional familiar e o sistema relacional do

terapeuta (como no modelo de Pina Prata).

Pina Prata (1983b) resume de uma forma clara a abordagem de Haley e algumas das regras

que aumentam a sua eficácia:

- Desde o ponto de partida (um progenitor superenvolvido com o filho) até ao ponto de chegada

(adultos envolvidos entre si e filho vinculado com seus pares), o processo não pode dar-se de um

salto mas passa por várias etapas.

- Em vez de confrontar os membros da família com o seu "erro", o terapeuta aceita o que fazem,

gerando desse modo a mudança.

- O sintoma tem uma função a que correspondem diversos papéis dos membros da família, função

que não pode ser imediatamente posta em causa; necessitam de uma certa confirmação que visa a

sua destruturação.

- Não deve haver interpretações para ajudar a família a compreender como se comporta; não

explorar o passado mas prestar atenção ao presente e organizar a família para que mude a sua

conduta atual.

- Não praticar um envolvimento prolongado mas uma intervenção breve e intensa, seguida de um

rápido afastamento.

Em suma, o que carateriza esta abordagem da terapia por etapas é uma estratégia de

destruturação e restruturação de múltiplos subsistemas, especialmente a destruturação das

relações do progenitor envolvido socio-afetivamente com o filho e a restruturação das

relações dos pais entre si e do filho com os seus pares.

No texto são apresentados vários casos ilustrativos, a partir do livro de Haley, como aquele

em que se dá um impasse devido à rivalidade entre o terapeuta e um dos progenitores, mas

que nos dispensamos de aqui considerar.

Terapia sistémica por ciclos de interface

Na segunda parte do seu artigo, Pina Prata (1983b) desenvolve o que denomina "terapia

por ciclos de interface". Não exclui os postulados de Haley mas enquadra-os num contexto

teórico mais alargado, que passa pela utilização estratégica dos ciclos evolutivos por que

passa um sistema de inter-relações familiares. Esta abordagem desenvolve-se em volta de

três referências teóricas, desenvolvidas também em textos já atrás citados:

Page 104: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

99

- o modelo do equilíbrio tensional, em que o paradoxo de base é o processo unitário

estabilidade-mudança;

- o conceito de processo, que adquire maior extensão e compreensão;

- o conceito de circularidade evolutiva, aplicado às fases do processo terapêutico e

ao conceito de ciclos.

O caso que suscitou a sua nova abordagem de terapia sistémica por ciclos de interfaces, e

que designou "médico de toda a família", foi apresentado pelo autor em texto já atrás

citado (Pina Prata, 1981d). De entre as hipóteses terapêuticas que colocou no tratamento

desse caso, importa-nos aqui considerar esta: "o processo terapêutico poderia ser longo,

mas que tal não tinha que coincidir com uma terapia contínua e prolongada". Segundo esta

hipótese, o plano terapêutico vai sendo constantemente retocado no decurso do processo.

Foi assim que o terapeuta baseou a sua intervenção apenas em "Faustino", alargando por

vezes a outros membros da família mas por "recado", fazendo dele o seu coterapeuta junto

da família. Este processo decorreu durante 3 anos, com uma média de 5 sessões de terapia

(cada ciclo) espaçadas no tempo. O terapeuta tinha a informação de que "o rapaz

melhorava" mas que "as recaídas" eram frequentes e esperadas. Foi por isso que:

"Tais hipóteses tomaram contorno claro quando, passados cerca de seis meses da conclusão do

primeiro conjunto de 5 sessões de terapia sistémica familiar (...) se deu a 'recaída' habitual, prevista."

Pina Prata (1983b) não pretende neste artigo desenvolver as estratégias diferenciadas

seguidas nos três ciclos de interface efetuados mas apenas mostrar como se foi delineando

esta forma de terapia; a prova do seu sucesso é que, nos quatro anos seguintes após a

conclusão da terapia por ciclos, o paciente não apresentava quaisquer sintomas de recaída.

O que nessa altura designou "terapia por fases diacrónicas, sucessivas, descontínuas e

deixadas em aberto" evoluiu para o novo conceito "terapia sistémica por ciclos de

interface", integrado num referencial mais compreensivo.

Enquanto a abordagem metodológica de Haley se situa na reorganização das estruturas

familiares, mediante etapas de desenvolvimento, mas no decurso de uma mesma unidade

temporal terapêutica, a terapia por ciclos de interfaces de Pina Prata supõe uma visão mais

alargada do processo, aparecendo como "uma ponte teórica e metodológica entre os

modelos de terapias breves e os de terapias longas, ditas de profundidade".

Articulando esta abordagem com os seus referenciais teóricos - modelo do equilíbrio

tensional, dinâmica dos sistemas inter-relacionais, tensão no processo básico estabilidade-

mudança - já apresentados em textos anteriores (Pina Prata, 1979, 1979a, 1981d, 1983c), o

Page 105: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

100

autor considera que ao longo dos diferentes ciclos podem combinar-se dinamicamente

fases de quase-estabilidade, de crise e de mudança dos vários subsistemas. Como refere:

"A terapia sistémica por ciclos de interface aproveita-se desta dinâmica peculiar para nela fazer

windsurf teórico e metodológico, aquando da condução do processo terapêutico (...)."

Além disso, a evolução do processo terapêutico por ciclos de interfaces está estreitamente

relacionada com os ciclos de desenvolvimento próprios do sistema familiar, abrangendo os

pontos críticos ou de transição, em processo circular-evolutivo.

Para concluir, Pina Prata (1983b) deixa em aberto questões que considera essenciais "como

as das circunstâncias da aplicabilidade deste tipo sistémico de terapia familiar e as da

frequência, amplitude, regularidade-irregularidade dos ciclos".

Duhl e a estratégia da escultura da família

No contexto das estratégias sistémicas, a "escultura" da família pode revestir as formas

mais variadas, desde a simples elaboração pelos membros de um dos subsistemas

familiares, sob a orientação de um só terapeuta, até à sua aplicação mais complexa e

estruturada, tal como é relatada no artigo discutido em "Estratégia da escultura da família,

seguindo F.J.Duhl, M.D.Kantor, B.S.Duhl" (Pina Prata, 1980e).

Os mentores desta estratégia, desenvolvida no Boston Family Institute nos anos 1960-70,

começam por pôr em causa o próprio termo "terapia", utilizado em psiquiatria mas

impróprio em terapia familiar; trata-se aqui duma intervenção psicossocial em que o

terapeuta familiar não cura mas favorece o processo de aprendizagem.

A escultura é um tipo de aprendizagem ativa, desenvolvida por David Kantor, e possui os

aspetos comuns a qualquer sistema: o espaço, o tempo e a energia. O espaço de uma

família e os espaços pessoais dos seus membros são relações que se podem representar na

forma de estátua (à maneira do lembrado escultor Henri Moore). Mas, porque é um sistema

vivo, o sistema familiar vai-se transformando com o tempo, aumentando (com nascimentos

e entradas) e diminuindo (com mortes e saídas), modificando-se também as estaturas, as

formas e as forças de seus membros. É por isso que as grandes transformações na história

familiar podem ser representadas por modificações na massa e na dinâmica da escultura.

Tradicionalmente, a psicoterapia (em especial a psicanalítica) assenta no processo verbal e

na associação livre; mas a tomada de consciência e a mudança intrapsíquica não são

suficientes. Para que ocorra a transformação do comportamento psicossocial, Pina Prata

(1980e) considera importante a aprendizagem pela ação, a qual deve ser facilitada pelo

Page 106: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

101

terapeuta nos encontros de terapia e estender-se ao contexto da vida familiar.

A escultura, na aceção dos autores citados, é um método dinâmico para modelar ou

"pintar", num espaço e num tempo determinados, as inter-relações e os comportamentos,

tal como são apercebidos. Tem como objetivo:

"Pôr em cena as significações, as metáforas e as imagens das inter-relações que, deste modo, por

todos, participantes e observadores, são partilhadas."

Apenas existe lugar à representação, não à descrição; padrões comportamentais como "ele

voltou-nos as costas" são retratados e experimentados na ação, expressos através de

metáforas. Os processos cognitivos estão implicados nos comportamentos agidos na

escultura, através do "dar-se conta" das perceções pessoais de cada um. O video-tape

permite rever todo o processo.

O artigo analisado por Pina Prata (1980e) apresenta e desenvolve três tipos de escultura,

conforme os intervenientes:

- Individuais; Diádicos (ou de fronteira); Familiares (ou de grupo)

e quatro papéis:

- Escultor: membro da família que molda, que define os papéis e que pode dar a sua opinião pessoal

- Animador: o terapeuta, enquanto guia definidor e clarificador de situações; suas questões e

comentários vão guiando o escultor

- Ator(es): o que realiza, em cena, um dado processo inter-relacional, sob a direção do escultor

-Espetador(es): o que observa e comenta

Como se desenrola o processo? Estando o animador e o escultor de pé, a escultura começa

pela evocação de uma situação particular ou de um acontecimento familiar que se deseja

explorar. Para isso, o animador pede ao escultor que feche os olhos, que se imagine "na

situação" e que descreva a cena.

"No chão, o escultor delimita o espaço familiar: forma e tamanho. Não apenas espaço físico, mas

metafórico. Não apenas "uma grande casa" (...), mas sua luminosidade, atmosfera, calor,

composição do solo e demais superfícies, qualidade dos limites ou fronteiras. Isto mediante questões

do terapeuta: "as paredes são sólidas?", "como saem e entram?", "como caminham?" (...)

Delimitada a cena, pode redescrevê-la ao animador, tendo assim ocasião de proceder a retificações.

Então escolhe os atores, povoando o seu espaço com pessoas da família (...)"

O artigo exemplifica a disposição dos atores no espaço, num caso de escultura que nos

parece de tipo individual. "O espaço familiar de Joan é o dos seus seis anos, quando o pai

estava no desemprego. A cena: a cozinha com luz e, ao lado, um quarto escuro, em que o

pai estava só, a ouvir rádio. O pai foi a primeira pessoa escolhida (...). O animador disse a

Joan para assinalar ao ator uma posição típica que dissesse bem o que era para ela o pai".

Page 107: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

102

A fase de feedback vai permitir ao escultor sair da cena e retomar o contacto com a

realidade, escutando o que os atores exprimem sobre o desempenho do seu papel; as

reações dos atores são uma fonte de informação importante para o escultor. Também os

espetadores são encorajados pelo animador a implicarem-se no processo e a exprimirem as

suas observações, procurando a metáfora que melhor possa exprimir a essência inter-

relacional daquele sistema familiar. Por exemplo, "a família que se parece com uma jaula

de tigres, em que cada um vai e vem, passeando a sua solidão".

Pina Prata (1980e) descreve em seguida a escultura diádica, ou de fronteira. Em qualquer

casal, o elemento central do conflito resulta frequentemente de uma leitura deficiente que

cada um faz dos interesses e desinteresses do outro, da dimensão socio-afetiva de cada um.

O método seguido pelo animador, desenvolvido no texto, leva a um mútuo "dar-se conta"

do que são os espaços ou territórios pessoais na inter-relação, para com eles se saber agir;

afinal, é como se deixassem de existir problemas de fronteiras.

Por fim a escultura familiar, com a família no todo da complexidade das suas inter-

relações. Permite que cada um dos seus membros se aperceba, ao vivo, dos pontos de vista

diferenciados de cada um. Para isso, parte-se de um aspeto particular das regras que

orientam o sistema familiar, permitindo a expressão individual de cada um dos seus

membros. No caso descrito,

"Quando John coloca a mãe e o pai a dois metros dele, John dá o seu ponto de vista, sem ter que

verbalmente lhes dizer coisas penosas ou desagradáveis".

Mas a distância física não basta para descrever as relações. O animador vai ajudar a melhor

clarificar as relações, levando o escultor a diferenciar perceções e sentimentos: "Como o

Pai toca na Mãe?", "Está sempre voltado para ela?".

Também as relações de poder na família podem ser exploradas e atacadas, através desta

aprendizagem pela ação. Por exemplo, quem decide e quem executa. A maior parte das

pessoas não se dá conta do poder que detém no sistema familiar; a escultura da família

facilita a descoberta das condições em que a intimidade ou as relações de poder podem ser

objeto de mudança.

Em comentários finais sobre a "escultura criativa", os autores referem que o método que

apresentam não é o único válido mas que será bom tentar a abordagem descrita umas cinco

vezes, para depois a melhorar de modo criativo pessoal. Pensar "espaço" e "ação" para que

esta linguagem se torne numa segunda linguagem, próxima da realidade; afinal, agir no

espaço é a primeira maneira de aprender da criança. A visão de Pina Prata (1980e) sobre

Page 108: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

103

esta questão fica bem patente:

"Em terapia, vejo o recurso à escultura como um modo de concretização de um quadro vivo inter-

relacional familiar, que exige uma escolha delicadíssima do momento apropriado, numa situação-

familiar adequada também. Falhada a sua utilização, não vejo que sua repetição seja fácil ou até

conveniente. No que me toca, no contexto familiar da família portuguesa atual, manejo-o com

cuidado e até parcamente, preparando paulatinamente sua utilização".

Em suma, a utilização da escultura da família constitui uma ponte entre as atividades

lúdicas não verbais das crianças e o modo de expressão basicamente verbal dos adultos.

Borwick e as intervenções estratégicas no alcoolismo e na toxicodependência

Para além de diversas situações específicas de famílias disfuncionais já referidas em textos

anteriores de Pina Prata e discutidas com base em casos apresentados - como

esquizofrenia, anorexia, violência - a intervenção no alcoolismo e outras dependências de

substâncias é o tema central de um artigo (Pina Prata, 1981e) em que analisa a condução de

um treino por Bella Borwick, em que participou, bem como o texto de apoio a essa

formação. Baseado no quadro sistémico inter-relacional, o tema "As intervenções

estratégicas no tratamento dos alcoólicos e toxicómanos" foi apresentado por Borwick no

Congresso Internacional de Terapias Familiares, em Bruxelas, em 1981. Das notas tomadas

e discutidas por Pina Prata, a partir do ateliê em que participou e do texto de apoio,

sublinhamos algumas ideias, sem caráter exaustivo.

Situando-se numa perspetiva sistémica, as suas estratégias vão para além de interações

como as entrevistas com o cônjuge não alcoólico, ou a ação das associações de alcoólicos

anónimos, embora reconheça a sua importância. Borwick acentua a dimensão

intergeracional, a partir de duas ou três gerações, e considera que o comportamento do

alcoólico assume um novo significado se abordarmos o paciente e a sua família no

contexto geracional alargado. E formula a questão do papel específico da bebida: que

suporta ela e a quem protege? No processo terapêutico, trabalha com a metáfora da garrafa:

"o esposo alcoólico casou com a garrafa".

De acordo com Pina Prata (1981e), o método proposto por Borwick é especialmente

indicado antes do começo de uma cura de desintoxicação; com certas adaptações, pode

aplicar-se a outros casos de abusos, como o da droga. É indispensável que o trabalho seja

feito por dois terapeutas, devendo a equipa terapêutica ser muito firme para bem definir e

praticar a relação de poder.

Borwick procura formular hipóteses diferenciadoras acerca do comportamento

Page 109: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

104

toxicodependente e alcoólico, de modo a compreender o desenvolvimento específico dos

dois tipos de famílias, nas suas diferenças e nas suas semelhanças. Enquanto a "família

toxicómana" é menos organizada e passiva, na "família alcoólica" tudo está muito bem

organizado e a mulher do alcoólico mostra muita energia. Mas, critica Pina Prata, o autor

não parte de uma ótica psicossociológica, deixando-se envolver pelo modelo médico da

nosografia tradicional; por isso, não utiliza a distinção para a converter em diferentes

metodologias, de acordo com as respetivas estruturas sistémicas inter-relacionais.

A intervenção proposta por Borwick começa por considerar duas categorias de alcoólicos:

- os ocasionais, cujo abuso de álcool é esporádico e de curta duração, sendo um sintoma secundário;

- os inveterados, para quem a bebida se tornou uma "força organizadora" da sua vida familiar, sendo

a estrutura inter-relacional alimentada pelos problemas que advêm da bebida; assim, o alcoolismo é

o elemento principal na organização da vida familiar, profissional e social.

A terapia destas famílias não se centra diretamente no tratamento do abuso do álcool,

apesar da atenção que esse fator merece; fazer do parar de beber o objetivo central da

terapia, esquecendo os problemas familiares em causa, pode levar a recaídas ou à

deslocação de sintomas para outro familiar.

Segundo a recensão de Pina Prata (1981e), Borwick propõe duas fases distintas (que não

têm a ver com as fases de desintoxicação e de suporte psicoterapêutico posterior) no

tratamento dos pacientes alcoólicos inveterados:

a) O período de negociação estratégica com o sistema familiar (fase preliminar),

quanto às condições de desintoxicação, podendo incluir pessoas que não são

membros da família mas que nela podem ter uma influência real; o objetivo é criar

um contexto que permita ao alcoólico deixar de beber.

b) A segunda fase, que o autor não detalhou, permitirá resolver os problemas

familiares que contribuíram para o excesso de álcool ou que deste resultem.

Na fase preliminar do tratamento é importante que não se deixe que "as coisas comecem a

andar sem controlo", pois poderá cair-se no "jogo" do alcoólico ou da família. Borwick

propõe nesta primeira fase 4 consultas (embora não seja estrito), seguidas de consultas de

controlo subsequente.

Pode, a certo momento, introduzir-se entre elas uma interrupção, sob o pretexto de a

família não estar nesse momento preparada para alterações bruscas; mas deve ser

apresentada como uma opção terapêutica necessária, com vista à solução do problema, e

não como um fracasso ou uma desvalorização da família.

Entre as várias hipóteses em que assenta esta abordagem, destaque para:

Page 110: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

105

- existe uma epistemologia do alcoólico, em que se entrelaçam as suas relações, as de sua família e

as de pessoas exteriores ao sistema familiar;

- nas relações com a sua família de origem e atual, o alcoólico não conseguiu suficiente

reconhecimento individual nem aceitação;

- se o pedido de terapia provém do médico que segue o caso, a resistência da família pode ser maior

do que quando o pedido é feito por um dos membros da família; quando feito pelo empregador, tem

grande impacto na decisão de o alcoólico se decidir pelo tratamento.

Em complemento a este artigo, Pina Prata inclui em anexo uma parte do texto - designado

"Fase 1: As consultas preliminares" - fornecido por Borwick durante o treino referido. Este

sugere que seja considerado "mais como uma maneira de refletir e de compreender do que

como um modelo de intervenção".

De acordo com a sua experiência, o processo foi mais eficaz quando a intervenção se

centrou sobre o membro ou os membros mais motivados e imaginativos da família. Se o

primeiro contacto foi feito por alguém diferente do alcoólico, pode sugerir-se que venham

à consulta outras pessoas importantes; se foi o próprio alcoólico, deve pedir-se-lhe que

traga à consulta a pessoa que melhor compreende o seu problema, ou que o pode ajudar ou

que está mais envolvida no seu caso.

Cada uma das 4 consultas é descrita pelo autor, deixando-se aqui um breve resumo.

Primeira consulta:

- A tarefa do terapeuta é começar a compreender como funciona o sistema familiar nas

suas relações com o paciente, isto é, qual o problema familiar compensado pelo álcool

- A caraterização do estado alcoólico deve incluir informações como: Quantidade e frequência da absorção; Alteração do comportamento do alcoólico quando bebe; Comportamento dos outros membros da família quando ele bebe; Novos comportamentos resultantes do excesso de bebida (alterações nos rendimentos, nos papéis familiares, na atividade sexual); Quem sofre mais quando o alcoólico bebe? Quem o ajuda mais? Quem se irrita ou revolta mais? Como se exprime ele acerca destas três questões? Quais as reações dos outros membros da família face a estes testemunhos de sofrimento, de raiva, de ansiedade?

- Este tipo de entrevista permite obter informação sobre sequências de interações que serão

úteis para elaborar as estratégias de intervenção

- O problema do alcoolismo é reformulado à luz das informações fornecidas pela família

- O autor discute ainda como abordar a ausência ou presença do paciente alcoólico, e de

outras pessoas, nesta consulta

Page 111: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

106

Segunda consulta:

- Cerca de uma semana depois

- O autor analisa sempre os dois cenários: "na presença" e "na ausência" do paciente

alcoólico

- Se o objetivo é a desintoxicação (parar de beber), é importante dar-se conta de como a

família se preparou para isso

- Se já houve tentativas anteriores falhadas, ver com os participantes as razões para que

desta vez tenha sucesso

- É útil examinar, com o cônjuge ou a família, as vantagens que a bebida lhe traz (ex: um

pai mais divertido, uma mãe mais independente, filhos com menos disciplina)

- Imaginar como tudo se complicaria se o paciente alcoólico de repente se tornasse sóbrio;

adotar uma atitude hesitante mas não de desespero; é à família que incumbe convencer-nos

da vantagem da desintoxicação

- Cada participante deve poder dar a sua opinião sobre o problema do paciente e como

julga que as coisas irão evoluir na prática se ele parar de beber

- Se o paciente está ausente, centrar a atenção na pessoa mais chegada a ele, ou de quem

mais depende, e ver com os outros como poderão ajudá-la a encorajar o paciente a tratar-se

Terceira consulta:

- Toma-se a decisão de parar de beber (se o paciente está presente); mas deve ser

apresentada como uma intervenção que mantém a homeostase, para que tenha êxito

- O autor descreve vários tipos de interação que se podem encontrar nos "casais alcoólicos"

- O alcoólico envolvido socialmente adere melhor ao tratamento e apresenta melhores

resultados do que se é um solitário, um rejeitado; neste caso, é difícil integrá-lo neste tipo

de intervenção e seria melhor tratá-lo num quadro institucional

Quarta consulta (final):

- Pode ser considerada frequentemente a última consulta antes da cura de desintoxicação;

evitar falar no que "se passará após a cura"

- Embora não se exclua receber a família durante a cura, é importante insistir sobre o facto

que estão a realizar uma coisa que lhes é muito difícil

- Neste momento pode ser útil a família contactar com os Alcoólicos Anónimos

Page 112: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

107

Controlo subsequente (follow up):

- É possível o terapeuta encontrar-se uma vez com a família, durante a desintoxicação, se a

família assim desejar

- Pode também encontrar o casal ou a família após a cura de desintoxicação, pelo menos

uma vez, e propor-lhe um outro programa para conseguir a evolução do tratamento; pode

ser realizado por outra equipa terapêutica, ou pela mesma desde que faça uma distinção

clara entre esta etapa do tratamento e a anterior.

Bowen, alcoolismo e família

Ainda no âmbito da abordagem sistémica inter-relacional do alcoolismo, Pina Prata

apresenta uma recensão a um artigo de Bowen acerca da sua posição sobre "alcoolismo e

família" (Pina Prata, 1981f). Segundo o autor, Borwick fundamentara grande parte dos

seus postulados nas posições teóricas de Bowen mas não tinha sido capaz, como este, de

estabelecer a interligação entre a perspetiva sistémica, a terapia familiar e a terapia da

família alcoólica.

Sendo a família um sistema, "a mudança no funcionamento de um dos seus elementos é

automaticamente compensada por mudanças num dos outros". E para mostrar como a

teoria sistémica focaliza o funcionamento de uma totalidade e de seus componentes,

Bowen exemplifica (e compara) com o corpo humano, aproximando os sistemas biológicos

e os sistemas humanos das inter-relações. Assim, na família, se uma disfunção crónica

existe num membro, pode ocorrer um super-funcionamento de outro(s) o que pode

provocar mais tarde um "desbalancear" da família.

Várias são as razões apresentadas pelo autor para que o alcoolismo se enquadre bem nos

conceitos de um modelo sistémico inter-relacional, tais como:

a) Do ponto de vista da sistémica familiar é uma das perturbações mais comuns.

b) Como "disfunção", existe num contexto de desequilíbrio que diz respeito à

totalidade do sistema familiar; o sintoma da bebida excessiva ocorre quando a

ansiedade é alta.

c) Cada elemento da família tem influência no modo como cada um funciona em

relação aos outros.

d) A terapia visa diretamente a modificação dos padrões familiares disfuncionais.

e) A terapia é dirigida mais diretamente ao(s) membro(s) com mais recursos ou

Page 113: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

108

motivação para modificar o seu próprio funcionamento.

Mas Bowen realça também o conceito de diferenciação do self, que relaciona com

maturidade emotiva. O nível de diferenciação de cada pessoa é determinado por vários

fatores, em particular o grau de diferenciação dos seus próprios pais e o tipo de relações

que com eles desenvolveu.

Page 114: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

109

Formação de terapeutas e "Apontamentos"

Na sua função docente no ensino superior, em particular como professor catedrático na

FPCE da Universidade de Lisboa, o Professor Pina Prata orientou trabalhos de

investigação na área de Psicologia Social Clínica, centrados na abordagem sistémica inter-

relacional da terapia familiar e da terapia organizacional.

Da pesquisa bibliográfica realizada, refira-se um artigo que foi publicado em 2002 na

Revista Portuguesa de Psicologia e que podemos supor ter sido resultado de um trabalho de

investigação dirigido pelo Professor, embora não tenhamos informação que o confirme.

Trata-se de "Intimidade e compromisso pessoal ou 'aquilo que pode fazer com que um

casamento funcione' ” (Narciso, Costa & Pina Prata, 2002).

Tem como ponto de partida a afirmação de Gottman: "aquilo que pode fazer com que um

casamento funcione é surpreendentemente simples". Sendo assim, como explicar as

elevadas taxas de insucesso no casamento, traduzidas por insatisfação e divórcio? Segundo

os autores, estudos revelam que o nível de bem-estar é mais elevado na população casada,

confirmando a função protetora que o casamento parece ter; a relação afetiva e de

intimidade são uma fonte de apoio emocional, reforçando a autoestima e a autoconfiança.

Mas, tendo em conta a grande incidência de insucesso conjugal, parece que a associação

entre casamento e bem-estar apenas se refere aos casais felizes.

Para refletir sobre esta questão e aprofundar a investigação e a intervenção terapêutica, os

autores realizaram um trabalho, no âmbito da Psicologia da Família, tendo como finalidade

o estudo da conjugalidade, em particular da satisfação e da qualidade conjugal. O artigo de

Narciso, Costa e Pina Prata (2002) apresenta a síntese desse estudo, incluindo o

enquadramento teórico, o processo metodológico e algumas reflexões e conclusões a partir

da investigação. Em resumo, os resultados realçam (como o próprio título do artigo indica)

a importância do compromisso pessoal e da intimidade como fatores essenciais do bem-

estar conjugal.

"Apontamentos" para a pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária

O Professor Pina Prata criou e presidiu, a partir de 2001 e até 2011, ao curso de pós-

graduação em Terapia Familiar e Comunitária, em colaboração com os Professores Ortega

Beviá e Célia Sales. Esta formação avançada de terapeutas foi organizada no contexto de

um protocolo entre a APTEFC e a UAL. Assim, foram realizadas até à atualidade 5

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110

edições desta pós-graduação bianual, a I edição no biénio 2001/2003 e a V edição no

biénio 2009/2011.

Na sua função de professor e formador de terapeutas (de "mestre", podemos dizer), Pina

Prata produziu ao longo de 10 anos, com periodicidade quase semanal, um texto de

reflexão para ser analisado e discutido com os formandos nos seminários teórico-práticos.

Chamou-lhes "Apontamentos", tal como tinha feito com os seus manuais de apoio às aulas

de Psicossociologia das Organizações, no ISCTE, nas décadas de 70 e 80 do século

passado. A maioria destes textos encontra-se disponível na plataforma eletrónica (sítio na

Internet) da pós-graduação (Pina Prata, 2001-2010).

Trata-se de um material bibliográfico de grande importância para a formação em Terapia

Familiar. Julgamos que estes textos não foram escritos com intenção de serem

formalmente publicados, tal como as referências bibliográficas que até aqui temos

apresentado, mas para serem partilhados e discutidos com futuros terapeutas, de um modo

informal, como reflexões pessoais de uma vida de investigação e de experiência vivida,

transmitindo um testemunho vivo e dando continuidade a um projeto. São textos

geralmente simples, focalizados, escritos no "aqui e agora", cheios de vivacidade, em

linguagem muitas vezes metafórica, transmitindo a visão tríplice do autor (cognitiva,

socio-afetiva e operativa) e uma forma de observar, de refletir e de intervir muito própria.

No total, encontram-se na plataforma cerca de 150 textos ("Apontamentos"). Não sendo

possível tratar exaustivamente tanta informação no âmbito desta monografia, selecionámos

apenas 5 textos mais significativos, de entre os recomendados e discutidos na pós-

graduação que frequentámos (biénio 2009/2011), a maioria dos quais tinham sido escritos

em anos anteriores.

São aqui apresentados, não pela ordem cronológica em que foram escritos ou propostos,

mas segundo a sequência que nos pareceu ter sentido aqui, neste contexto. Optámos por

fazer transcrição das próprias palavras do autor, dispensando comentários. Alguns textos

são aqui reproduzidos na íntegra; outros, dada a sua extensão, são transcritos em trechos

que selecionámos, assumindo os riscos da subjetividade.

Refira-se também que os textos se encontram em formato "esboço", não tendo sido revistos

pelo autor, como decerto faria se fosse para publicação. Foi respeitada a escrita, no seu

estilo e ritmo próprios, tendo-se apenas revisto a pontuação e a formatação gráfica.

O primeiro "Apontamento" aqui considerado foi proposto para discussão no primeiro

encontro da pós-graduação referida (em 20-11-2009), tendo sido escrito dois anos antes.

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111

Destaquem-se as seguintes partes:

Axioma: o fim está no princípio e o princípio está no fim

Aquele pinheiro manso, de copa arredondada, já estava na semente de que germinou; por isso, não

dará figos, mas pinhões.

Recordo-me, quando procedia à minha formação de terapeuta familiar, em Louvain-la-Neuve, no

«Centre de Guidance», na equipa do Prof. Pierre Fontaine, de assistir a uma primeira consulta com

uma família italiana e de me dar conta que os terapeutas belgas não percecionavam a diferença do

seu contexto específico, face a uma família belga, pelo que se me afigurava que não iriam voltar. “O

princípio estava no fim”. Não quiseram continuar.

Não esqueço que são múltiplas e ainda mal conhecidas as causas por que as famílias abandonam

uma terapia logo ao começo e, mesmo, posteriormente. Mas não se duvida que seja importante o

impacto da impressão do primeiro encontro.

Ponto de vista e Perspetiva. «As árvores escondem a floresta»; «A floresta esconde as árvores»

O «meio situacional» é o contexto do meu ponto de vista, a partir do qual me dou conta do que vejo

ou apercebo, de como se perspetiva o demais. Se vou de avião, deste meu ponto de vista, a uma

certa altitude, apercebo-me primeiro de uma mancha verde escura que é a minha perspetiva de uma

floresta que esconde as árvores.

Se caminho pela estrada são as árvores que, pela sua densidade, me escondem a floresta; esta é-me

dada “mediatamente”; as árvores, imediatamente e numa perceção direta; a floresta, de modo

indireto, situando-se a um nível de abstração concetual de segundo grau. (…)

Percepção e Impressão. A Primeira Impressão

Ann Demarais e Valerie White publicaram um livro intitulado «C´est la première impression qui

compte».

Enquanto a perceção se reporta mais à esfera do conhecimento, do «dar-se conta», a impressão está

mais inserida na da socio-afetividade e nos vestígios emocionais resultantes da perceção.

Metáfora

Metáfora, no sentido corrente, é o emprego de uma palavra em sentido diferente do próprio, por

analogia ou semelhança. O enamorado: “és o meu sol”.

Por que, no paradigma sistémico do modelo inter-relacional da terapia familiar e comunitária, o

sintoma, emergente no pedido, é uma metáfora? (…)

O segundo "Apontamento" foi escrito pelo Professor Pina Prata para discussão no quinto

encontro da pós-graduação (em 18-12-2009). Transcreve-se aqui integralmente.

Modo de encaminhamento para o finalizar de uma Sessão

Sobre a 1ª sessão, costumo dizer que o começo está no fim, como o fim no começo. Além daquela

disponibilidade para escutar e olhar esta Família, a que chamei «Harmonia», a informação que sobre

a mesma nos é dada pela formulação do pedido, é bom que estabeleçamos o contacto com uma

Page 117: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

112

abertura flutuante do nosso ponto de vista, que evite uma estruturação rígida da nossa perspetiva da

família, que uma primeira impressão nos possa ter dado.

Caminhamos, assim, com a família, redescobrindo suas potencialidades, mantendo com ela uma

inter-independência que evita apegos que dificultem o fim da terapia. Também por isto, como disse,

o fim está no princípio.

Esta primeira sessão deve permitir-nos:

- aquilatar do miolo do pedido que pode, por vezes, ser diferente do pedido expresso;

- ver se é de continuar ou não;

- determinar como trabalhar, sobretudo quando o P.I. está a tomar medicação sob controlo do seu

psiquiatra;

- pesar a eventual duração que, em princípio, não deve exceder 10 sessões e a necessidade de as

formatar;

- finalizar a sessão, combinando com a família se deseja continuar; se for essa a orientação, ver

quanto tempo mediar com a próxima, sem muito particularizar o conjunto das eventuais

subsequentes.

Peço que reflitam, aplicando estas orientações ao último caso a que assististes estando presente o

P.I.

O terceiro "Apontamento" foi proposto para discussão no encontro de 8-10-2010, e como

refere o autor, "incorpora dois de anteriores pós-graduações, um que se reporta à escuta do

corpo e outro aos perfis e estilos dos casais".

É importante realçar como, passados quase 50 anos da publicação da sua tese de

doutoramento (Pina Prata, 1962), o autor mostra a que ponto foi influenciado ao longo da

sua vida pelo pensamento de Ortega y Gasset, citando-o a propósito da dimensão religiosa

da condição humana.

Destaque apenas para duas notas ilustrativas do seu sentido crítico e espírito aberto. Sobre

orientação da atenção do terapeuta: "... sem desperdício de anamneses cujas perguntas sem

fim só escondem a compreensão do pedido ...". E sobre estilos de investigação: "... método

'enciclopédico' de acumulação acrescida de informação ... sem aprofundamento e pausa de

reflexão 'assimilante' ... teses de doutoramento que apresentam listagens de obras sem

discriminação ...". Mas demos a palavra ao Professor, citando partes do seu

"Apontamento":

Esferas de sensibilidade e a propósito da catalisação da escuta do corpo na psicossomática inter-

relacional das «anorexias»

Sensibilizou-me o facto de Ortega y Gasset, ao dizer-se “agnóstico”, não se reclamar de uma

superioridade intelectual mas reconhecer, com certa pena, que lhe faltava sensibilidade para essa

esfera do que designei, no livro que sobre ele escrevi, por «Transcendência Plenária».

Ortega refere “ter experimentado outrora a emoção religiosa" e elucida: «não compreendo o homem

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113

que, aspirando a encher indefinidamente seu espírito, possa renunciar sem dor ao mundo religioso;

quanto a mim, é-me extremamente penoso sentir-me excluído da participação nesse mundo. Porque

existe um sentido religioso, como há um sentido estético, um sentido do odorato, do olfato, da

visão”.

A que propósito vem esta fala sobre os horizontes últimos do Ser?

Creio que podemos interligar três dimensões da sensibilidade, isto é, da capacidade de nos darmos

conta que somos emocionalmente afetados por acontecimentos de ordem existencial diversa.

Uma primeira é mais de natureza sensorial; é a que Ortega alude ao falar em que temos sentidos

como os do tato, odorato, olfato; correlaciono-a com a esfera que apelidei a «alma do corpo»; é,

para retomar afirmações do último apontamento de 11.02.05, mais da ordem do somato-psíquico.

Outra reporta-se à esfera do «corpo da alma» com seus desejos, capacidades de amar e ser amado,

que mergulham num corpo com aspirações para além do efémero; aqui se enxerta a sensibilidade

estética, em que o belo, o bem, requer “unidade”, consoante o aforismo, que já citei, dos escolásticos

medievos. É mais da ordem do psicossomático.

Finalmente a esfera do espírito que é captada, para utilizar a expressão de Bergson, pela «ponta da

alma». Já não tem a ver unicamente com a inteligência raciocinante, nem com a inteligência

emocional, mas com a «inteligência espiritual», da qual dimensão Ortega parece sentir-se

dolorosamente “carente”. É a esfera do sentido “religioso”, isto é, que tende para um abarcar dos

«horizontes últimos do Ser», para um «religar» do Todo. Esta seria por excelência a esfera dos

«místicos» tal como foi repensada por Bergson.

(…)

Outra maneira de nos orientarmos na Terapia Sistemecológica dos Casais, demarcando seus Perfis

e como os interativam em Estilos.

Após haverdes lido os cinco estilos de casais enumerados por Kellerhals, podeis visualizar melhor

como proceder à condução dos respetivos processos terapêuticos?

Como os operacionalizar para terdes pontos de referência que sustentem vossa atenção, sem

desperdício de anamneses cujas perguntas sem fim (penso no “teste de interesses”) só escondem a

compreensão do pedido e dispersam vossa forma de atuar? (…)

Voltemos aos cinco perfis. Podemos constatar que têm apenas meia dúzia de eixos particulares, que

nos podem facilitar as combinatórias particularíssimas subjacentes aos pedidos de cada casal.

a) Um dos eixos é o da proximidade-afastamento socio-afetivo-emocional

b) Outro, o da qualidade da abertura-fecho às fronteiras do contexto do meio situacional

comunitário

c) Um terceiro, o da dependência-interindependência dos projetos e papéis dos membros de

casal

d) Um último, o da estabilidade-mudança

E chega! Os demais parâmetros, como os de autonomia, fusão, partilha, rigidez de regras, rotina,

aliança, participação, flexibilidade, hierarquização, consenso, espontaneidade, predictibilidade,

negociação, autenticidade e ainda outros conceitos possíveis, são como ramos saídos destes quatro

troncos, cuja complexidade diferenciadora dos estilos singulares de cada casal que nos consulta,

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114

resulta das formas de entrelaçamento dos ramos e do silencioso emaranhamento das raízes das

árvores destes quatro troncos (…)

O eixo que atravessa todos os outros e aonde as raízes dos quatro troncos cruzam a seiva é o “eixo

«a»” da «proximidade-afastamento socio-afetivo-emocional», o que vale também para a pessoa do

interventor-terapeuta.

Aquilo que chamo as “portas de entrada” na família como no casal reporta-se precisamente a esta

metodologia da perfuração, com a família ou casal, de um ponto-situação em que somos levados ao

centro de que partem as intenções interativas que «modelam» o estilo do casal e de que o pedido é

uma forma de nos ser sugerida, como se diz hoje, a sua co-construção. Eu diria a sua «co-

remodelagem», como o oleiro vai moldando, a duas mãos, a ânfora que vai emergindo do barro.

(…)

Duas formas de Modelagem e de Remodelagem

Releiam o belíssimo trecho de Vieira, em que descreve a arte do estatuário. Os cinco modelos

referidos, como qualquer dos quatro modelos básicos das intervenções sistémicas, são como um

imaginário de referências que nos podem orientar, com flexibilidade, no processo terapêutico

sistemecológico da «co-reconstrução», da «Modelagem renovada a duas mãos» das configurações

do estilo das interações do casal ou da família.

Mas vejamos como o “modelo” pode ir emergindo de duas maneiras diferentes.

A maneira "a", com um «modelo à vista». É o que sugiro aos terapeutas principiantes, um dos

quatro clássicos. É o «modelo de uma dinâmica interativa» entre a “matéria factual” e a

“criatividade do corpo da alma” da espiritualidade do terapeuta.

Exemplifico. Tenho em casa uma «cópia» do Anjo de Verrochio, estátua que se encontra no pátio de

entrada no Palácio “Vechio”, em Florença. Ficou-me bem no olhar, quando o mirei, ao lado de

minha Béatrice (…).

Como procedeu à modelagem?

A estátua que reproduziu é de madeira de carvalho. Podia ter tido em frente a estátua de Verrochio e

ir arrancando à madeira, escopro e martelo e cinzel em mão, a figura do anjo. Para tal, teria em

conta não só o perfil do modelo mas as sugestões do corte lascado da madeira, inscritas nos próprios

veios da textura desta. Era uma modelagem resultante, como disse, da dinâmica interativa entre a

“matéria factual” e a idealidade espiritual a transpirar do modelo que recriava na sua modelagem de

carvalho. Vieira refere-se a este modo de esculpir uma forma “ideal” numa “matéria” com suas

exigências concretas.

Penso ser esta a modalidade de “re-modelagem” do processo de estabilidade-mudança exercida por

alguns terapeutas excecionais, senhores de experiências feitas e assimiladas de maneira original

peculiar, tal Whitaker, Palazzoli, Minuchin.

Mas Béatrice, novata ainda no esculturar madeira, recorreu a uma outra formatação, a ”b”. Esta

recria primeiro o modelo em barro. Bem amassado este, o que já é toda uma arte, dá-lhe um pedaço

inteiriço em que o barro toma já um contorno cujo tamanho e movimento de forma prefiguram já

toscamente o anjo de Verrochio.

Depois, tira aqui, raspa ali, acrescenta e alisa de lado, em frente, ao alto, recolhendo em mão o barro

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115

em demasia, que é recolocado para um bombeamento mais arredondado da face e retirado para uma

curvatura mais delineada da testa. E assim, por toque e retoques que vão afeiçoando a estátua, acaba

por chegar a uma re-modelagem criativa do anjo de Verrochio com o seu sorriso de ingenuidade

aberta.

Creio ser este o processo mais frequente não só da aprendizagem na formação inicial, mas durante

anos a fio de intervenções, para que o terapeuta não se perca no fio da meada, às vezes muito

emaranhada, do pedido.

E lá está o Supervisor, para que o terapeuta não se deixe engolir pelos ramos do tronco socio-

afetivo-emocional dos “clientes”.

(…)

Observar-Avaliar a qualidade da estrutura e do sistema intra-relacional de uma Família

(…) À avaliação apelido-a sempre de "preferencial", dado que está dependente do ponto de vista do

observador e da consequente perspetiva da realidade que dele se recorta.

Vem-me à lembrança um casal a quem deixara só, no decorrer de uma sessão, para só entre si

ficarem, como certamente lhes sucedia, por vezes, em casa.

Ao voltar encontrei-os silenciosos de costas meio voltadas um para o outro. Sem premeditação.

Comecei a falar-lhes de costas voltadas para ambos; foi a única vez que tal me sucedeu.

A posição em que me coloquei era uma forma metafórica de avaliar a perspetiva de como se viam

do ponto de vista em que mutuamente estavam. Era um convite à descoberta de outra perspetiva, ao

convidá-los a falarmos uns com os outros. Não me recordo qual foi a sua posterior caminhada.

Como repetidas vezes lembrei, o processo de avaliação preferencial revela-se através das opiniões

negativas e positivas expressas nas interações, assim como o processo informacional mediante as

informações que as atravessam, como também o processo de encaminhamento resolutivo pelo

conjunto de sugestões que vão sendo propostas.

(…)

O quarto "Apontamento" foi escrito pelo Professor Pina Prata para discussão no terceiro

encontro da pós-graduação (em 4-12-2009), com referência a um apontamento anterior.

Transcreve-se aqui na íntegra.

Quero sublinhar que no treino da observação distingo três níveis de experiência: a) experiência

vivida; b) experiência descrita; c) experiência analisada.

Assim, da última consulta que cognominei “O Corajoso”, a experiência é diversamente vivida por

cada terapeuta interveniente, por cada formando que visualiza a consulta e pelos eventuais

formandos presentes na consulta.

Foi designada assim por, a um dado momento, sentindo toda a raiva que tomava o P.I., lhe ter

perguntado se tinha a coragem de a descarregar, dando um pontapé em certa porta; o que fez,

sentando-se, depois, cabeça entre as mãos, a chorar, como a chorar se pôs a Mãe. Em seguida, tudo

mudou na sua atitude.

Posso descrever, para iniciar, quais as “saliências” que dela foram emergindo, e indicar a que se

afigurou ser o “fecho da abóbada”.

Page 121: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

116

Mas, pondo como pano de fundo da intervenção os Pais, iniciei com a imagem do meu neto Xavier,

de dois anitos. O que visava nesta consulta era a relação parental e a da conjugalidade. “O que será

Xavier dentro de uns 15 anos?” Volto-me assim para a preocupação parental.

E a primeira saliência, a que chamei “carimbo”, foi a marca pós-traumática do Pai, sob fogo, na

guerra de Angola. E, por aí, entro na relação da conjugalidade. Revejam a sessão… São eles o

“fecho da abóbada”, saliento-o pela forma como me despeço, apertando a mão de cada um ao

mesmo tempo e que sucede? Espontaneamente, ambos cruzam suas mãos sob as quatro, vinculando-

se como Mulher e Marido.

A experiência descrita intercruza-se, muitas vezes, como aqui sucede, com aberturas da sua análise,

evitando-se um duplicar do descrito. Este pequeno apontamento deseja suscitar a vossa reflexão e o

levantar de questões.

O que vivi quando as seis mãos se “aquecem” mutuamente é indizível, como o essencial é invisível

aos olhos (Saint-Exupéry); por isso, ao descrever, passamos a dizer o indizível socio-afetivo e, para

melhor espelhar a emoção vivida, recorremos às metáforas e imagens. Por isso falei do que senti de

calor naquele aconchegar das seis mãos, como se a relação de conjugalidade pusesse o motor em

marcha.

O quinto e último "Apontamento" aqui apresentado foi proposto para discussão no

primeiro encontro da pós-graduação (em 20-11-2009), à semelhança do primeiro com que

iniciámos esta série, tendo sido escrito em 13-07-2007. Apesar da sua extensão, foi

transcrito quase na totalidade, dada a sua relevância.

Laços - Ligações - Vínculos - Nós

Interpessoais: nós e os outros

Já vos referi o artigo de David Serva Schreiber intitulado «Le lien aux autres». Não temos em

Português um termo que corresponda a lien, por isso o desdobrei em termos equiparados, mas não

sinónimos: ligações (liaisons), laços, vínculos (attachements), nós (noeux).

(…)

O livro de David Riesman - «A multidão solitária» - aponta para o limite inferior de uma escala de

contactos, em que existe uma ligação exterior de presenças físicas que se cruzam, sem laços. E isto é

diferente se se passa à saída de um metro que conhecemos ou se nos encontramos num país

estranho. Porém, há vazios tão grandes de ligações interpessoais que o “banho de multidão” é até, de

momento, benéfico.

Perto de um semáforo em que as ruas do Restelo se cruzam com a Av. que desce para Algés, com

frequência vejo lá postado um senhor de idade, de aspeto fino e simpático, que vai para ali para

dizer adeus à multidão dos automobilistas; agora passei sempre a também acenar-lhe, o que lhe dá

manifesto contentamento e me alegra também.

Quem é este desconhecido elegante? Não basta dizer que “não funciona”: sei que arranjou um modo

de estabelecer contactos que lhe alimentam o espírito. Penso, um dia, vir à fala com ele. Que lhe

poderei dar mais do que lhe dou no meu cordial aceno? Não sei mesmo se será benéfico para ele;

por simples curiosidade não o farei.

Page 122: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

117

Haverá um polo radicalmente oposto ao destas presenças físicas sem laços, presenças que nos

enlaçam, que por vezes captamos e, como diria Bergson, são traços de união da eternidade com o

tempo?

Sabeis que o interesse de Bergson pelos fenómenos de alucinação e, depois, pelos místicos cristãos,

ele que o não era, derivou de ele ter visto alguém, em grande luminosidade, e de sua filha ter entrado

a correr no seu gabinete, espavorida, relatando-lhe experiência idêntica.

Contei-vos o que me sucedeu, aos 13 anos, quando estava com uma febre tifoide e o que vi; ouvindo

minha Mãe interrogar uma de minhas irmãs, pois vira o mesmo, chamei-a. “Estás curado,

Francisco”. Eu que devia, nesse dia (sem o saber) vir de ambulância para morrer em nossa casa de

Lisboa, levantei-me, comecei a comer de tudo e, no dia seguinte, comecei a ir à praia.

Que cadeia experiencial destes fenómenos anda por estudar, porque logo se fala de alucinações.

(…)

Tive um Prof. holandês que nos contou como a polícia holandesa, quando havia uma criança

desaparecida, pedia a X que lhe indicasse o paradeiro, o que X fazia mediante uma peça de

vestuário, por exemplo, o boné: está em tal rua, em frente de tal casa.

Estes fenómenos de telepatia também andam mal estudados, mas nós próprios os podemos ter, sem

cair na mania dos «pressentimentos».

Ia uma noite ter com a Tati a Antuérpia (...) a uns 120km/h; oiço uma voz: “direção”, tão viva que

eu me volto para trás, eu que sabia ninguém levar; travo; passo para uns 60km/h. Esquecido, vou

retomar a velocidade; o carro derrapa e, a velocidade mais reduzida, vou embater contra um poste de

eletricidade; vem o reboque; na garagem, não havia memória de uma quebra semelhante da caixa da

direção. Que sucedeu? Perceção subliminar de quebra da caixa ou quê?

Vinha, já casado com a Tati, a atravessar uma floresta bretã, perto de Rennes. De repente paro na

berma da estrada e digo à Tati: creio que há um carro, lá em baixo do talude, e alguém moribundo.

Havia de facto: subo rapidamente, consigo pedir ambulância e lá levaram o senhor; nada mais

soube? Perceção subliminar de relva pisada ou quê?

(…)

Ancoradoiros - amarras - responsabilidades - equilíbrios fora dos pontos de equilíbrio

Tinha uma linda bateira, que mandara fazer por experiente calafate, e com que navegava na lagoa de

Óbidos. (…) Ora acabou por a amarrar a uma das colunas do ancoradoiro da Foz do Arelho, para

ficar sempre na água e não abrir com o sol. Simplesmente a amarra dava-lhe muita margem de

movimentos instáveis e, vai daí, com as marés fortes, toca de embater nas colunas e acaba por se

estragar. Estava mal amarrada, por laços que a estabilizassem. Tardiamente me dei conta.

Mas esta é uma boa metáfora de como uma liberdade responsável pode estar bem ancorada por laços

que, se bem a prendem, lhe dão um equilíbrio nas “zonas de equilíbrio instável”.

Fica bem “cativada”. Como dizia a raposa, no Principezinho de Saint-Éxupéry: “cativar é criar laços

em que um passa a ser para o outro único no mundo”. E isto não vai sem responsabilidade de nossas

escolhas e decisões.

(…)

Aprender com os nossos e os erros dos demais. O ser «cortadores de laços» é o oposto da eco-

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118

empatia do processo terapêutico.

E o autor recorda que a liberdade de quebrar laços é hoje tão fácil, como o comprova a crescente

taxa dos divórcios, que se corre o risco de se ficar sem laços, “sós e perdidos”. O que vai a par com

o aumento da taxa de depressões no Ocidente, nos últimos 50 anos.

Recorda também o que diz o psiquiatra austríaco Victor Frankl que sobreviveu nos campos de

concentração nazi. Sobreviveu por, naquele inferno, ter procurado dar-lhe um sentido, tornando,

diria, as horas “cronológicas” desumanas em «horas inter-relacionais».

Tanscrevo D.S.Schreiber: “Para sobreviver num universo frio e indiferente é necessário encontrar

um sentido à sua existência, se conectar a qualquer coisa". O seu conselho, nas situações de

desespero, era de não pedir à vida o que ela pode fazer por nós, mas sempre nos perguntarmos o que

nós por ela podemos fazer.

Pode ser simplesmente fazer o seu trabalho com mais generosidade, tendo no espírito o qualquer

coisa que ele possa trazer aos outros. Pode ser que se trate de consagrar um pouco do seu tempo,

uma vez por semana, a uma causa, a um grupo ou mesmo simplesmente a uma pessoa.

E repetindo palavras de Teresa de Calcutá: «o que é importante, não é fazer nada de espetacular,

mas “que deis de vós mesmos”».

O nosso desempenho de terapeutas familiares e comunitários sistémicos

Diria que o essencial é irmos aprendendo a ter ouvido, fala e gestos de eco-empatia, como refletores

das capacidades e incapacidades da pessoa ou família que nos procura, em que nossas sugestões de

iniciativa decorrem dos postulados do Relacional e da Competência, fugindo às técnicas de

“carimbo feito”.

Somos uns eternos aprendizes da sabedoria de criar laços que “cativem”, mas não criem prisões. E,

para principiar, que não sejamos destruidores de laços, por egoísmo e irresponsabilidade.

Boa Caminhada a vós que terminais a vossa pós-graduação de Terapeutas Familiares e

Comunitários Sistémicos Extraordinários.

Boa caminhada a todos nós.

Cordialmente vosso Francisco Xavier Pina Prata

Todos os cerca de 150 "Apontamentos" têm estas tonalidades. Não faz sentido serem aqui

comentados, foram escritos para serem lidos e refletidos.

Considerando a grande relevância deste material bibliográfico, seria importante que futuros

trabalhos de investigação realizassem a sua inventariação e a classificação por temas ou

palavras-chave, dando continuidade ao trabalho já iniciado, mas não concluído, por

formandos da V pós-graduação. A partir daí, poderia seguir-se o trabalho de preparação,

seleção, edição e organização de textos para publicação em livro, à semelhança do trabalho

pioneiro já realizado com a organização e publicação do livro que a seguir apresentamos.

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119

Alguns "Apontamentos" publicados sobre terapia sistémica de casal

O livro "Terapia sistémica de casal. Respigando ideias e experiências" (Pina Prata, 2008)

compreende uma compilação de 20 textos, escritos entre 2003 e 2007 (e alguns não

datados), selecionados e organizados por Célia Sales e Sónia Gonçalves. Segundo a Nota

Introdutória, trata-se de "uma coletânea de textos escritos pelo Professor Pina Prata para os

terapeutas em formação na Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária", no

contexto da pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária. Tal como já referido atrás,

semanalmente o Professor escrevia um "Apontamento" que servia de mote à discussão em

cada seminário, e que podia abordar a reflexão sobre uma ou várias das seguintes

vertentes: casos clínicos conduzidos na Associação; crítica de livros e artigos sobre os

temas em discussão; relatos pessoais de experiências de vida.

Para a organização desta publicação, foi pedido aos formandos que escolhessem o

"Apontamento" que tivesse sido mais significativo, tendo ressaltado, entre outras, a

temática "Casal". Assim, foram selecionadas, de entre os apontamentos escolhidos, as

passagens relativas ao casal, tendo-se organizado o livro em duas secções: uma sobre a

natureza da relação de casal ("Do eu ao nós"); outra sobre a intervenção terapêutica

("Terapia sistémica de casal").

Segundo indicação do autor, citado na Nota Introdutória (Pina Prata, 2008):

"Estes apontamentos não querem ser mais do que o fio condutor de ideias, que não se substitui ao

caráter vivo do questionamento pessoal de cada um (...)"

Merece uma referência especial o Prefácio, da autoria de Daniel Sampaio, ao recordar a

génese da Terapia Familiar em Portugal, o encontro de ambos em Roma em 1978, a forma

como Pina Prata estimulou a criação da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar

(liderada por Daniel Sampaio), em saudável emulação com a Associação Portuguesa de

Terapia Familiar e Comunitária (liderada por Pina Prata).

Daniel Sampaio afirma-se testemunho da forma como Pina Prata foi capaz de organizar e

manter um dispositivo permanente de formação para terapeutas familiares, primeiro na

Universidade de Lisboa, mais tarde na Universidade Autónoma. E citando as suas palavras:

"Formou muitos discípulos, que continuam a sua obra e têm pelo «Professor» o apreço e a

admiração só conseguidos pelos verdadeiros mestres".

Sobre o livro, considera que deve ser encarado como um "caderno diário" dos terapeutas

familiares, nele se encontrando o melhor de Pina Prata: "o humor, a intervenção criativa e

surpreendente, o rigor da fundamentação teórica e, sobretudo, a dimensão ética da sua

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120

atividade como terapeuta e da sua visão do mundo".

E se as organizadoras desta publicação (Pina Prata, 2008) tiveram que fazer cortes sobre os

textos originais, aqui limitamo-nos a apresentar um ainda mais reduzido número de

citações, com a intenção de despoletar a curiosidade e remeter para a leitura integral do

livro. Os critérios de seleção são puramente subjetivos.

O apontamento "Laços - ligações - vínculos - nós", acima citado na parte sobre os

"Apontamentos", está incluído também nesta publicação, embora de forma mais resumida.

Do texto "A importância do tocar", realce-se o seguinte conjunto de ideias:

Recordo-vos que os sensores da pele nos permitem sentir o calor e o frio, a pressão exercida ou

recebida, os movimentos de deslocação. A qualidade do tocar o corpo de outrem, quer no simples

aperto social de mãos quer na caminhada para a intimidade da sexualidade amorosa, como a da

conjugalidade, é reveladora da natureza da qualidade inter-relacional.

Não imaginamos o que seria ficarmos incapacitados desta possibilidade de expressão do «corpo da

alma».

Um casal que não se toca é um casal afetivamente morto: o seu harmónio emocional paralisou, na

distância de uma abertura sem música.

Também o texto "Significações, mãos e olhar no processo terapêutico sistemecológico"

contém um trecho que merece ser citado:

Ora aconteceu-me uma situação que me levou a uma forma de atuar nova para mim. Primeiramente,

exemplifiquei como costumo «parar» as interações violentas. Após dar-me conta em que medida

existe o desejo de continuarem e qual o grau de empenhamento do amor de ambos, em particular do

«agressor», acabo por lhe dar uma «injunção forte», após promessa deste de que não tornará a

agredir, de que «não mais desejarei vê-lo à minha frente, se tal viesse a suceder», com o pedido de

que a outra parte, normalmente a mulher, me telefone, nesse caso, não fechando a esta a

possibilidade de qualquer consulta ulterior.

Por fim, o apontamento "Violência doméstica", do qual se destaca alguns extratos mais

significativos:

O facto de a violência emergir no palco terapêutico de pedidos explícitos sobre dificuldades

escolares (...) constitui, julgamos, um pequeno contributo para a melhor compreensão e lançamento

de ações de prevenção de escalada da violência doméstica.

(...) ter aberto uma porta da minha observação sobre o contexto, não só escolar mas familiar, deu

rumo completamente diferente ao tipo de diagnóstico e ao estilo da condução terapêutica.

Não somos, nem divorciadores, nem casamenteiros. Somos um espaço de mediação de problemas

inter-relacionais, de situações de conflito, de tensões positivas e negativas, de emergência de

sintomas de «patologia» variada (...) É este espaço de mediação que abrimos a este casal: a eles, a

responsabilidade das suas decisões.

Falo-lhes da metáfora do acordeão: todo aberto não toca; todo fechado, também não. Para haver

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121

música tem de circular o ar, abrindo e fechando, aproximando o fole e afastando-o, numa

ritmicidade variável, de pausas e movimentos.

Contributo para o estudo das metáforas de Pina Prata

A propósito de "metáforas", e da sua utilização frequente por Pina Prata, refira-se um

trabalho (Caleiro Dias & Valente, 2008), desenvolvido no âmbito do curso de pós-

graduação em Terapia Familiar e Comunitária da APTEFC/UAL, e usando também como

base de trabalho os "Apontamentos". Para além de metáforas - na aceção de "emprego de

uma palavra em sentido diferente do próprio, por analogia ou semelhança", citado no texto

- incluem-se também expressões e conceitos que foram criados pelo Professor, para de

forma criativa poder melhor transmitir o seu pensamento.

Fazendo referência a Watzlawick e aos dois tipos de linguagem que considera no processo

terapêutico - a linguagem da razão e a linguagem figurativa - Caleiro Dias e Valente

(2008) realçam a importância da linguagem das figuras ou metáforas no processo de

mudança: "Se a linguagem aparentemente terapêutica da razão e da consciência, usada no

decurso de um diálogo clínico, procura traduzir "o que emerge dos domínios do

inconsciente", é contudo a linguagem figurativa "que detém a chave natural desses

domínios, os únicos que podem fornecer o quadro da mudança terapêutica". Contudo,

"utilizar esta linguagem é um talento que apenas existe numa minoria de nós”.

De entre o conjunto de metáforas apresentadas, cabe aqui citar apenas algumas:

As árvores e a floresta A amarra da bateira A mola invisível A ostra agredida A técnica do coveiro Camadas atmosféricas inter-relacionais Soprar as cinzas Roleta da maneira de ver, de pensar e de sentir Rotunda de saídas comportamentais Os sapatos bicudos Relógios de pulso parados

Também alguns conceitos e expressões criados e usados frequentemente por Pina Prata, na

sua linguagem criativa, merecem ser citados:

Zonas de equilíbrio instável O fim está no princípio Alma do corpo Intersubjetividade Inter-independência Sistemecológico Eco-empatia Terapia de rua

Page 127: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

122

Este texto, tal como outros produzidos por terapeutas em formação e não publicados, é um

exemplo de pequenos trabalhos sobre a especificidade da intervenção de Pina Prata que

também seria importante compilar e disponibilizar para consulta, como adiante se

discutirá.

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123

3. A PRÁTICA EM TERAPIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

3.1 Terapia Familiar e apoio à comunidade

Foram vários os contextos em que o Professor Pina Prata desenvolveu a sua investigação,

em estreita articulação com a prática da terapia familiar e organizacional.

No final da década 1970 foi fundada a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação

da Universidade de Lisboa (FPCE) onde, no âmbito do departamento de Psicologia Social

e do Serviço de Apoio à Comunidade, criou e dirigiu uma clínica para terapia familiar,

tendo em vista a realização de intervenções supervisionadas e a formação dos estudantes.

Com a criação da Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária (APTEFC)

em 1980, passa a existir uma estrutura centrada na organização de encontros científicos,

promoção da investigação, edição de publicações, formação de profissionais, prática da

terapia familiar e apoio à comunidade (Sales & Pina Prata, 1999).

Conforme consta dos seus Estatutos, publicados em 1980, a Associação tem por fins

(APTEFC, 2011):

a) Realizar a investigação científica no domínio dos processos de comunicação e relação familiares e

comunitárias;

b) Promover o ensino e a formação dos especialistas de terapia familiar e comunitária;

c) Praticar sem intenção lucrativa a intervenção terapêutica social no contexto dos processos de

comunicação e de relações familiares e comunitárias;

d) Editar, subsidiar e promover publicações que contribuam para a realização dos seus objetivos.

A APTEFC tem baseado a sua atuação, ao longo dos anos, em dois pilares fundamentais:

relação com o meio universitário e a investigação; contacto permanente com a prática

clínica. Esta dupla orientação consolidou-se com a criação do Centro de Investigação e

Apoio à Família (CIAF), em 1993, oferecendo um serviço de atendimento psicoterapêutico

individual e familiar. Tem como objetivos, segundo APTEFC (2011b):

- formação de terapeutas familiares e comunitários

- organização de conferências, seminários e ações de atualização profissional

- serviço de consultas aberto à comunidade

- investigação

Este serviço terapêutico, a baixo custo, pode ser contactado pelos profissionais que

trabalham na área social, da saúde e educação, bem como pela população em geral.

Page 129: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

124

Neste contexto, a APTEFC estabeleceu um protocolo de cooperação com a Associação de

Pais e Amigos do Cidadão com Deficiência Mental, em 1994, pelo qual foram

disponibilizadas instalações à APTEFC para sua sede provisória, cabendo a esta

proporcionar resposta a pedidos de atendimento para membros daquela Associação, entre

outros objetivos (Sales & Pina Prata, 1999).

Foi também estabelecido um protocolo de colaboração com a Fundação da Juventude, em

1995, abrangendo em particular o acompanhamento de jovens nas áreas do

desenvolvimento pessoal, social e profissional. Neste contexto, o CIAF criou, no mesmo

ano, o Projeto de Intervenção Clínica com Jovens Adolescentes, Adultos e suas Famílias

(PICJAF).

Assim, e durante alguns anos, foi assegurado um serviço de apoio psicossocial, orientação

escolar e vocacional e de terapia familiar para jovens e famílias da área de Lisboa, baseado

na gratuitidade, nas instalações da Fundação da Juventude em Algés. A equipa terapêutica

trabalhava sob direção e supervisão do Professor Pina Prata.

A partir de 2001, com a criação do curso de pós-graduação em Terapia Familiar e

Comunitária, por protocolo entre a APTEFC e a UAL, o CIAF passou a desenvolver a sua

atividade clínica e de investigação nas instalações daquela universidade.

Na preparação desta monografia, e ao fazer-se o levantamento de toda a obra do Professor

Pina Prata, considerou-se também útil inventariar o material existente sobre sessões de

terapia familiar em que interveio como terapeuta, a partir dos arquivos existentes nas

instalações do CIAF:

- relatórios e notas de sessão, feitos por terapeutas ou observadores, existentes em papel;

- relatórios de sessão, existentes em ficheiros na plataforma eletrónica da pós-graduação;

- gravações de sessões em video-tape.

O objetivo era identificar todos os casos e sessões, dos quais havia alguma documentação

relativa à intervenção do Professor, para depois fazer uma amostragem com um conjunto

limitado de sessões e de respetivas transcrições completas. A partir daí, seria possível

realizar um estudo de investigação, baseado em análise de narrativa/conteúdo, com vista à

caraterização da sua forma de "ser terapeuta".

Não cabendo esse objetivo no âmbito desta monografia, considerou-se útil deixar aqui o

levantamento realizado (Anexo C), para que possa servir a outros estudos. Cobre o período

Page 130: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

125

desde 1995 (contexto da Fundação da Juventude) até ao presente (contexto da UAL/CIAF),

embora com maior incidência neste último período.

Importa ainda clarificar que esta documentação é aquela que foi localizada (com referência

a Junho de 2011) e se encontrava disponível nas instalações do CIAF. Haverá mais

documentação (em papel, ficheiros ou video-tape) noutros locais ou na posse de pessoas,

mas que ficou fora do âmbito deste levantamento. Por razões de confidencialidade, os

casos são referenciados apenas por siglas (iniciais dos nomes) ou mnemónicas, embora

permitindo a sua localização.

Page 131: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

126

3.2 Testemunho: ser terapeuta sistémico na família e nas organizações

A revisão de literatura desenvolvida no capítulo anterior não ficaria completa sem uma

visão da abordagem prática e da forma de condução da terapia, com as famílias e com as

organizações, por Pina Prata. Como ficou clarificado na apresentação desta monografia, o

seu objetivo é a revisão de toda a literatura produzida por Pina Prata ao longo da sua vida,

não cabendo assim no seu âmbito a investigação empírica sobre a intervenção do terapeuta.

Para isso, seria necessário recorrer a métodos qualitativos de análise de narrativa (ou

outros), a partir dos conteúdos de sessões de terapia familiar, o que poderia constituir outro

trabalho de investigação.

Mesmo assim, não podemos deixar de incluir aqui a perspetiva pessoal de Pina Prata sobre

o que é "ser terapeuta sistémico na família e nas organizações", partindo da sua experiência

e reflexão pessoal, num artigo em que fala de si próprio (Sales & Pina Prata, 2011). Foi

publicado na revista Human Systems e resultou da adaptação, por Célia Sales, de uma

entrevista com o Professor realizada uns anos atrás.

Na introdução do artigo, é feita alusão à conceção alargada da terapia sistémica

desenvolvida por Pina Prata para sistemas perturbados, sejam a família ou a organização.

Essa perspetiva manifesta-se, nomeadamente, na estruturação do departamento que criou

na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa,

conjugando a formação de terapeutas familiares com a formação de psicólogos

organizacionais.

Ao longo do artigo, e da entrevista que lhe está subjacente, são percorridos três temas que

podemos designar: "na organização", "na rua" e "o que é fazer terapia". A apresentação

muito sintética que aqui deixamos não dispensa a leitura integral do artigo.

Na formação de terapeutas familiares e de psicólogos que trabalham nas organizações, bem

como nos respetivos modos de intervenção, existem naturalmente pontos comuns e

também diferenças. Pina Prata dá como exemplo a sua intervenção numa grande fábrica da

área de Lisboa e salienta o aspeto particular do ruído como pano de fundo da intervenção:

Aquilo era uma barulheira (...) Estou a falar das fábricas. Porque no consultório não tem ruído. Na

fábrica o ruído faz parte do sistema, não é ruído.

(...) aprender a ouvir no barulho.

Distingue assim a experiência numa fábrica e no consultório, em que o ambiente, o espaço

e o silêncio são diferentes. Mas também o foco da observação e da intervenção diverge.

Numa organização, centra-se nas hierarquias e nas estruturas, na forma como estas afetam

Page 132: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

127

as pessoas que lá trabalham, na forma como o poder está distribuído. As famílias são

dominadas pela relação, embora também possuam estruturas e hierarquias. E a qualidade

da relação existe também nas estruturas, seja na família ou na organização.

O psicólogo é alguém que cultiva uma relação que é uma relação de pedido.

E diagnóstico, como sabe, é aquilo de que fico apto para falar (...)

Tem que ser, primeiro, todo um alargar a observação (que é a sistémica).

E é assim que, segundo Pina Prata, chega às organizações o modelo da terapia familiar:

olhar para o sistema. Passou-se de um modelo que era inicialmente centrado na pessoa,

depois vem a relação interpessoal, depois descobre-se o intrassistémico (que é a família),

depois o intersistémico (que são os vários sistemas) "e agora estamos a ver a envolvente

máxima de todos os sistemas que é a casa em que todos habitam, a casa que é comum, que

é 'eco', ecossistémica".

Considera sempre "o homem nas suas circunstâncias", ou contexto, na aceção de Ortega y

Gasset que tanto o influenciou. O contexto do homem vai para além da família, e da

organização, é também "a rua".

Evidentemente que eu pugno-me pelas consultas rápidas e por isso pugno-me pelas intervenções de

rua (...). E digo que são emergências, emergências terapêuticas.

Ainda anteontem ia comprar o jornal e a pessoa que estava no quiosque diz "Ah, ó sr, Fulano de tal,

estou preocupada... A polícia anda atrás do meu filho (...)

E o mote está dado para o Professor contar uma sua intervenção, em contexto de rua, de

modo informal mas sério e eficaz, fora do ambiente protegido que é o consultório. Este

tema foi já abordado num outro texto atrás referido (Pina Prata, 1997) e é retomado nesta

entrevista. Ao descrever a situação, o autor olha todo o sistema, alargando-o à instituição

policial, e avalia o que terá falhado. No caso, "a moto tinha sido roubada e a esquadra (...)

tinha devolvido ao dono mas não tinha dado baixa dela nas motos roubadas". Segundo a

sua avaliação, o erro tinha sido da estrutura, por falha de circulação da informação.

E eu faço uma intervenção. Diz-me assim a senhora: “ah, se pudesse indicar algum psicólogo...” Eu

penso que estava a fazer-me o pedido, não é? Nem mais, nem menos, prr... vem ele de moto. “Olhe,

vem ele aí”. E fiz-lhe uma terapia de emergência. Disse “Psst, anda cá. Eu já sei que te aconteceu

aquilo ontem. Chato.” Eu fiz uma intervenção muito rápida. Deixe-me lembrar as imagens que eu

lhe dei. Eu trabalho muito com as imagens, como sabe. “É natural que neste momento estejas ainda

a estremecer com o que se passou. Faz-me lembrar aqueles passarinhos que estão num fio elétrico e

tocam com o rabito noutro lado do fio e sofrem um choque”. Dei-lhe este exemplo.

A partir da discussão deste caso, o diálogo avança para "o que é fazer terapia". O Professor

considera que foi terapeuta naquela intervenção, e que estava consciente de estar a fazer

Page 133: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

128

terapia, no sentido etimológico de "terapia" que em Grego significa "ajuda". E que, nesta

intervenção (sistémica), estavam envolvidos múltiplos sistemas onde teve de intervir: a

polícia, a família, o rapaz, a namorada, a rua onde estava, o sítio (o quiosque), o terapeuta

que estava com pressa para ir dar aulas. Como diz, estava num "ecossistema".

E sobre a duração da intervenção, é muito claro quando afirma:

Eu sou, de facto, pelo tempo curto de intervenção, pela consulta única, ou quase única.

(...) Estamos a falar muito do tempo: quantas vezes? E distancio-me imediatamente do modelo do

psicanalista, do muitas vezes. (...) mas dentro do modelo sistémico, que reduziu imenso. Palazzoli

fazia 10 sessões, em 10 meses. O psicanalista era 3x4 por mês, eram 120 no mesmo período, era

muito.

Se não fosse a sua visão do sistema, alargado, não teria feito aquela intervenção, naquele

momento. "Só os médicos é que fazem intervenção de emergência na rua. Os psicólogos...

Freud ia fazer emergência na Praça de Viena?".

Em nossa opinião, desde que Pina Prata proferiu estas palavras, alguma coisa já evoluiu em

Portugal. Existe integração da Psicologia na intervenção da "Emergência Médica", em

situações de catástrofe ou de crise que o justifiquem. Mas, de facto, isso é ainda uma

exceção. A intervenção psicológica terapêutica, quer institucional quer privada, continua

confinada ao setting "consultório"; o terapeuta nunca se desloca nem intervém no contexto

do "paciente" mas é este que tem de se deslocar ao contexto do terapeuta. A "terapia de

rua" de Pina Prata deverá ser inspiradora da mudança de atitudes, legitimando essa forma

de intervenção, contra todas as ortodoxias que contestam a deslocação ou ação do terapeuta

(seja sistémico, psicodinâmico, existencial ou de outra qualquer orientação) ao domicílio,

ao local de trabalho ou à rua.

Será esta abordagem mais "de Sistémica" ou "de Pina Prata"? Perante esta questão, a de

saber se se trata de um estilo pessoal, o Professor aborda a herança teórico-prática que

recebeu, duma forma metafórica:

Um sistema gera diferentes modelos, como o ventre de uma mulher pode gerar diferentes filhos. Eu

fui um filho que fui gerado dentro de uma certa matriz. E portanto sou diferente do outro (...)

Portanto eu sou herdeiro. Sou herdeiro da psicanálise também. Sou herdeiro também dos

comportamentalistas. Sou muito herdeiro de um homem, do Rogers, que é o homem das relações

humanas (...)

E a herança é sempre daquilo que pensaram mas também daquilo que fizeram. Realça a

experiência prática, como também a importância da vida e da vivência do terapeuta.

Eu recebi heranças de experiência. Um dos homens que me influenciou muito: Whitaker.

Influenciou-me imenso. Estou a vê-lo ainda em Roma, a fazer aquelas intervenções ao lado do Prof.

Page 134: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

129

Vela. Fui para Roma durante meses seguidos, 3 anos (...) Minuchin também me influenciou.

(...) Portanto fui influenciado por muita gente que tinha prática terapêutica. O Haley, por exemplo.

Na sua perspetiva integracionista, Pina Prata afirma, sem preconceitos ou estreiteza de

vistas, as influências que recebeu das várias tendências - existencial, estrutural, estratégica

- e a partilha e debate com os grandes terapeutas seus contemporâneos, conforme também

ficou patente num capítulo anterior desta monografia.

Acima de tudo, é a relação com o outro que o fascina e lhe dá razão de estar.

Mas o encanto de estar com alguém prima, é o primeiro encanto. Estar com alguém. O Ortega (y

Gasset), que me orienta muito do ponto de vista teórico, dizia: ”estou no deserto, vê-se um homem

despoletar no horizonte; tudo muda, tudo estremece.” Portanto o principal é o desenvolvimento da

relação (...) Com o outro que é diferente e ao mesmo tempo é próximo.

E conclui o seu testemunho pessoal, sublinhando a importância da fragilidade, essa

sensação que permite a nossa defesa: "quem não se sente frágil, avança e atira-se ao

fundo". É uma qualidade da pessoa, fundamental para a capacidade do terapeuta.

Fragilidade que "faz parte de mim e me vai amadurecendo", que faz ser-se e estar-se de

outra maneira. É esse "encanto" que faz a diferença entre "ser terapeuta" e "fazer terapia".

Citando as palavras do mestre, "quando se É terapeuta, o terapeuta incorpora já esta forma

de ESTAR com o outro, que vai amadurecendo, gradualmente, dentro da própria

fragilidade do terapeuta".

Page 135: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

130

4. SÍNTESE BIBLIOGRÁFICA E QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO

A monografia "Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na terapia familiar e

organizacional" tinha como objetivo fazer a inventariação e análise de toda a bibliografia

do Professor Pina Prata para, a partir daí, conhecer e caraterizar a sua abordagem sistémica

à terapia familiar e comunitária.

Foi seguida a metodologia de revisão bibliográfica, através da pesquisa nos catálogos das

bibliotecas das universidades e institutos universitários e de outras fontes de informação,

conforme indicado no capítulo 2.1.

Para culminar este trabalho e fechar a "abóbada", importa retirar as principais conclusões,

identificar os conceitos e linhas teórico-práticas principais, bem como discutir os limites

deste estudo e pistas para investigação futura.

4.1 Principais saliências da bibliografia de Pina Prata

Estruturámos a revisão da bibliografia de Pina Prata em três grandes áreas - filosofia,

cultura, sociedade e ensino superior; sociologia, psicologia social e psicossociologia das

organizações; abordagem sistémica inter-relacional na família e na organização - tendo

atribuído maior destaque e desenvolvimento à abordagem sistémica na terapia familiar.

Sobre a filosofia, a política e a universidade

Doutor em Filosofia da Ciência pela Universidade de Lovaina, e tendo-se depois

especializado em Psicologia Social na Universidade de Rennes, salienta-se como primeira

obra de referência de Pina Prata, na estruturação do seu pensamento e ação, a tese de

doutoramento sobre a abordagem filosófica de Ortega y Gasset (Pina Prata, 1962).

Ortega y Gasset desenvolve uma reflexão sobre vários temas, com destaque para a cultura.

Consiste na criação de valores intelectuais, éticos e estéticos que acompanham as

flutuações da vida humana.

Page 136: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

131

Aprofunda também a questão da "razão vital" ou lugar do pensamento na vida. É pelo

pensamento que surge uma interioridade, um dentro, em oposição à exterioridade. A

dimensão mais imediata da vida é o "dar-me conta" dela, é a circunstância em que existo.

A vida é-nos dada como tarefa e a sua urgência traduz o sentido da ocupação vital. Mas,

além da ocupação, a vida é também distração ou diversão, isto é, fuga do mundo

circunstancial para o mundo irreal criado pelo homem; a cultura, a ciência e o jogo,

inventados pelo homem, inscrevem-se nesse mundo.

O conceito de vocação tem também um interesse especial na perspetiva terapêutica que

aqui abordamos. Está ligado a uma conceção metafísica do homem, como um apelo à

felicidade, e tem a ver com a busca e a descoberta de um projeto de ser. A realização da

vocação está associada à ideia de vida como missão, o que implica a coincidência entre o

ser e o agir.

É importante também considerar-se o pensamento orteguiano sobre a intersubjetividade, no

sentido que lhe atribui de convivência, como a forma mais rica da coexistência. Essa noção

supõe a perceção de outrem, aquele com quem devo contar, quer queira ou não queira. O

outro é o único ser que me pode responder, tal como eu a ele, e é nesta reciprocidade que

reside a interação humana.

A realidade portuguesa e europeia, em termos sociais e políticos, é um dos temas de

observação e análise de Pina Prata nas décadas de 60 e 70 do século passado. O facto de ter

vivido e lecionado noutros países europeus proporcionou-lhe um distanciamento da arcaica

realidade portuguesa, e uma proximidade à realidade europeia comunitária, propiciadoras

da reflexão sobre a política, a economia, a sociedade e a universidade. Durante os anos em

que foi leitor de Português na Universidade de Rennes, ensinando Filologia e Literatura

Portuguesa, escreveu regularmente como jornalista, em particular sobre a problemática dos

emigrantes portugueses.

Dessa reflexão resultou a coletânea de textos que designou "Factos e importâncias" (Pina

Prata, 1972). Apresenta a sua visão sobre a Europa unida e a interconvivência entre os

povos, em particular as questões da mobilidade profissional.

Na nova economia "generalizada", sublinha a primazia do humano e afirma a sua visão

humanista e ecológica; estes conceitos estarão presentes quando mais tarde desenvolve o

seu modelo de terapia familiar sistémica que designa "sistemecológico", no sentido em que

inclui o contexto social ou global em que a família se insere.

Page 137: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

132

A reflexão política de Pina Prata não se limita a discutir as estruturas e as ideologias, como

o marxismo ou a cooperação internacional do movimento católico com os países mais

pobres. Passa à ação prática quando proporciona a abertura da Universidade de Rennes aos

emigrantes portugueses, organizando cursos noturnos para a sua instrução e promovendo a

defesa dos seus interesses e a integração social.

Na mesma época, e em paralelo com a sua atividade docente na Universidade de Lisboa

(de Sociologia, Psicologia Social e Psicossociologia das Organizações) e de alto

responsável pelo Gabinete de Estudos e Planeamento das Atividades Pedagógicas no

Ministério da Educação, desenvolve a sua reflexão sobre a realidade e as perspetivas do

ensino superior em Portugal. Para isso terá contribuído também a observação e a

experiência vivida com a sua passagem por universidades estrangeiras, quer como

doutorando (Lovaina), quer como docente (Rennes).

É inovador na análise que faz e nas propostas que apresenta - em colóquios, revistas e livro

- quanto à transformação das estruturas e dos métodos pedagógicos, no contexto das

necessárias reformas do ensino superior. Passamos a sintetizar o mais relevante.

Num artigo publicado na revista Análise Social, Pina Prata (1968) considera que a crise

universitária de então resulta da dificuldade de a universidade dar resposta aos desafios da

nova sociedade tecnicamente mais evoluída e socialmente mais participativa. Assim,

impõe-se a reestruturação dos métodos pedagógicos no ensino superior, de modo a tirar

partido dos aperfeiçoamentos nas técnicas de transmissão e tratamento da informação e

também dos progressos alcançados no campo da psicopedagogia.

Também a importância crescente atribuída às relações entre professores e alunos requer

uma nova organização do trabalho na universidade, assente na colaboração e participação

ativa de todos no processo de aprendizagem. Pressupõe mudanças no estilo de aulas e na

própria matéria ensinada, valorizando o desenvolvimento da iniciativa e da criatividade dos

indivíduos e dos grupos.

No mesmo texto, e noutros que publica mais tarde em livro (Pina Prata, 1973), aborda a

questão dos métodos pedagógicos na universidade, a partir da experiência colhida junto da

área de Psicossociologia da Universidade de Lovaina, bem como do grupo "Université

1980", anunciador da década seguinte. Este grupo estava ligado a uma fundação promotora

da ligação indústria-universidade e a um instituto de ligação entre a administração pública

Page 138: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

133

e a universidade; a sua influência em Pina Prata, em termos de visão sistémica da

universidade, terá sido importante.

A evolução da sociedade moderna seria também caraterizada pela crescente socialização

do trabalho e consequente mudança nas relações de decisão, entre hierarquias e grupos de

trabalho, passando do tipo “linear” para o tipo “circular”, conceito que seria também

integrado por Pina Prata na sua visão sistémica.

Ainda no que se refere às estruturas de formação e de participação, Pina Prata considera a

personalidade como uma unidade holística, em que se interligam os aspetos cognitivos e

socio-afetivos, ideia que consolidaria mais tarde no seu "modelo do equilíbrio tensional".

Assim, a formação deveria desenvolver três categorias de capacidades: a inteligência, o

caráter e o sentido social.

Page 139: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

134

Sobre a psicologia social e a psicossociologia das organizações

Pina Prata foi um dos precursores das Ciências Sociais em Portugal, tendo lecionado

Sociologia, Psicologia Social e Psicossociologia das Organizações em diversas instituições

do ensino superior. Destacou-se como professor catedrático e investigador no Instituto

Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa e na Faculdade de Psicologia e de Ciências

da Educação da Universidade de Lisboa, de que foi fundador, tendo elaborado estudos e

abundante documentação sobre aquelas matérias.

Nos seus "Apontamentos" de Psicossociologia da Empresa, Pina Prata (1965-1973; 1973a)

desenvolveu temas como a teoria e prática psicossociológicas, a dinâmica dos grupos e da

empresa, os processos de liderança ou ainda a socioterapia na gestão da empresa, apenas

para citar alguns. O seu interesse pela "função social" como objetivo na empresa, no

sentido da criação de condições adequadas ao equilíbrio afetivo dos seus membros, foi

importante numa época em que raros eram os especialistas que iam para além da

preocupação com as funções clássicas da empresa.

Assim, desenvolve o seu conceito de "Socioterapia na gestão e organização da empresa"

que considera central para a psicossociologia e objeto direto das intervenções do

psicossociólogo. Tem como objetivo facilitar a autorregulação da empresa, enquanto

adaptação viva assente nas potencialidades dos indivíduos e dos grupos, procurando

reequilibrar situações de desajustamento relacional ou criar condições que facilitem os

processos de mudança.

Em ligação com o conceito de socioterapia, o autor desenvolve também a abordagem ao

"Conflito organizacional" (Pina Prata, 1973a), segundo uma perspetiva plural: análise dos

factos, diagnóstico da situação e propostas de solução. A resposta a problemas como o

acidente de trabalho, a doença profissional ou o absentismo deve colocar a ênfase na sua

dimensão grupal ou organizacional. Numa organização "doente" existem sintomas de mal-

estar e de insatisfação que não poderão ser desligados daqueles problemas, os quais

funcionam como "lâmpadas de aviso" das situações de conflito.

Do ponto de vista da investigação, a hipótese de base colocada pelo autor é que as

situações de conflito organizacional geram perturbações patológicas consoante aumenta a

divergência entre os objetivos da organização e as necessidades dos seus membros.

Mas Pina Prata mostra também uma perspetiva positiva sobre o conflito organizacional,

considerando os conflitos como ingredientes da evolução dinâmica pessoal e

Page 140: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

135

organizacional, como momentos privilegiados de crescimento, tomada de decisão e

mudança.

Estes conceitos continuam a ser desenvolvidos pelo autor nos "Apontamentos" de

Psicossociologia das Organizações (Pina Prata, 1976; 1989; 1989a) onde clarifica o objeto

da Psicossociologia: fenómenos relacionais, observáveis nas interações entre os indivíduos

e entre os grupos, que se geram em atividades estruturadas de trabalho, no contexto de

sistemas estruturais e relacionais das organizações.

Para além de abordar as questões do diagnóstico organizacional e dos comportamentos de

negociação do psicossociólogo quando é chamado a intervir numa organização (Pina Prata,

1989), o autor apresenta num outro texto a sua visão sobre a condução do processo

terapêutico no contexto da patologia organizacional (Pina Prata, 1989a).

Por patologia, nas organizações, considera as situações em que se verificam, entre os seus

membros, perturbações aos níveis cognitivo, percetivo, emocional ou socio-afetivo; e em

que a sua persistência ou intensidade justificam o recurso a formas de terapia inter-

relacional. Mas, na sua perspetiva "despatologizadora", postula a lei da "economia

concetual" que implica "o princípio do suficiente e habitual ajustamento cognitivo, socio-

afetivo e pragmático entre os atores e grupos dentro das organizações"; e que toda a

perturbação grave tem a ver com a qualidade de um dado conjunto de relações

interpessoais.

Em suma, segundo a sua abordagem sistémica os fenómenos organizacionais não podem

ser compreendidos na perspetiva do indivíduo, do grupo ou da organização mas sim de

uma certa qualidade dos sistemas de relações entre as pessoas ou os grupos.

Enquanto investigador e professor nas áreas da Sociologia e da Psicologia Social, Pina

Prata produziu vários estudos, um dos quais sobre métodos e técnicas de investigação em

Sociologia (Pina Prata, 1975a). Mas um dos seus constructos teóricos mais significativos

foi a teoria ou modelo do "equilíbrio tensional" (Pina Prata, 1975), desenvolvido a partir da

dinâmica de grupos e que visa explicar os fenómenos de mudança de atitude.

No processo de evolução e mudança grupal ocorre uma ponderação diversa nas três

categorias de interação verbal: informação, opinião e sugestão de iniciativa. Cada uma

destas formas de comunicação está associada, respetivamente, à dimensão cognitiva, socio-

afetiva e operativa (Figura 1), embora esta estrutura seja dinâmica, isto é, nenhuma das

dimensões está isolada das restantes. À ponderação diferente entre aquelas três formas de

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136

comunicação correspondem estados diversos de tensão entre as três dimensões referidas.

Segundo o autor, este é o tipo de tensão psicossociológica básica que explica a mudança de

atitude.

A tensão é um estado inerente a qualquer sistema relacional, seja entre indivíduos ou

grupos, e é o resultado da dinâmica permanente entre as dimensões cognitiva, socio-afetiva

e operativa; esse estado de tensão pode ter valência positiva ou negativa. O equilíbrio

tensional refere-se ao processo que ocorre quando o estado de tensão, no sistema

relacional, tem valência positiva. Ao contrário, o conflito é o processo de tensão

correspondente ao desequilíbrio tensional e que reflete a valência negativa do estado de

tensão no sistema relacional; neste caso, ocorre o retardamento ou a rutura da comunicação

dinâmica entre as dimensões referidas.

Em complemento a esta dialética entre equilíbrio e desequilíbrio tensional, Pina Prata

aborda ainda o processo de estabilidade-mudança, enquanto unidade de duas faces,

necessária à mudança do sistema relacional.

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137

Sobre a abordagem sistémica e a terapia familiar e organizacional

O interesse de Pina Prata pela Terapia Familiar e Comunitária iniciou-se sob a influência

de Pierre Fontaine, na Universidade de Lovaina, e desenvolveu-se depois com a

participação em formação, seminários e prática clínica com destacadas figuras como

Palazzoli, Minuchin, Haley, Whitaker e Watzlavick.

A sua perspetiva sistémica inter-relacional, aplicada à terapia familiar e à terapia

organizacional, materializou-se em vários projetos e iniciativas, segundo Sales (2008) e

Sales e Pina Prata (1999), de que se destaca:

- Fundação da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa e

estruturação do seu departamento de Psicologia Social (anos 70);

- Criação do Serviço de Apoio à Comunidade, no âmbito da FPCE, com objetivos de intervenção em

terapia familiar juntamente com a formação e a supervisão;

- Fundação e presidência da Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária (1980);

- Organização do I Encontro Europeu de Terapia Familiar, em Lisboa (1983);

- Organização da formação pós-graduada de terapeutas familiares, por professores de várias

universidades, sob a égide da APTEFC, criando o Centro de Investigação e Apoio à Família (1993),

com um serviço terapêutico acessível à população;

- Criação e direção do curso de pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária, em colaboração

com os Professores Ortega Beviá e Célia Sales, numa parceria entre a APTEFC e a UAL (2001 a

2011).

Pina Prata dedicou grande parte da sua vida à terapia familiar - como investigador,

professor, supervisor e terapeuta - tendo produzido variados textos com os resultados da

sua investigação e reflexão. Dos cerca de 30 títulos referenciados (e já apresentados no

capítulo da revisão bibliográfica), em que Pina Prata elabora a sua perspetiva da sistémica

inter-relacional, salientamos aqui os seus principais conceitos e desenvolvimentos.

Psicossociologia das Organizações e Terapia Familiar

A interligação teórica e prática entre a problemática da Psicossociologia das Organizações

e a sistémica inter-relacional da Terapia Familiar é abordada por Pina Prata (1981a), na sua

evolução histórica e na perspetiva de que "existe uma circularidade entre a teoria, enquanto

modo de ver a realidade, e a realidade que vai suscitando novo olhar teórico".

Na Psicologia Social assistiu-se a um movimento evolutivo contra a dicotomia entre

problemas individuais e problemas sociais, passando a encarar-se o comportamento como

função de parâmetros pessoais, situacionais e sociais. Segundo o autor, qualquer interação

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138

comportamental integra vários níveis, no que designou "triângulo de oiro" da Psicologia

Social: nível de interação grupal, nível de interação individual e nível de interação das

estruturas e do poder social.

Novo paradigma sistémico inter-relacional na patologia organizacional e na familiar

Num dos artigos mais importantes da sua obra - "Patologia organizacional, patologia

familiar e sistémica inter-relacional" (Pina Prata, 1981b) - o autor sublinha a mudança

epistemológica que está a ocorrer, tanto ao nível da abordagem teórica e do pensamento

científico, como ao nível da observação dos fenómenos. Trata-se da passagem do modelo

médico da causalidade linear e do paradigma intrapsíquico, para os diferentes formatos de

terapia inter-relacional, em que se situa também a terapia familiar. A "unidade de

tratamento" deixa de ser o paciente e passa a ser a família ou a organização; daí a mudança

da designação "paciente" para "paciente-designado".

Assim, os vários sistemas de relações - familiar, escolar, profissional, judicial - estão

imbricados entre si, pelo que os fenómenos inter-humanos e sociais devem ser

compreendidos na complexidade das redes ou estruturas de relações.

Nesta perspetiva, Pina Prata (1981b) estabelece dois axiomas: as sistémicas da terapia

familiar e da terapia organizacional são duas variantes do modelo básico da sistémica inter-

relacional; existe similitude dos processos (e patologias) psicológicos e psicossociológicos

nos diversos sistemas inter-relacionais, seja o familiar, escolar ou empresarial.

Considera também que, em qualquer sistema, o comportamento perturbado é função de

uma determinada estrutura (ST), de uma textura de relações qualitativas (TX) e de um

determinado contexto (CT), o que representa pela fórmula:

Cpt- = f (ST, TX, CT)

Do ponto de vista da prática terapêutica, refira-se um outro artigo (Pina Prata, 1985), em

que o autor refere duas razões que justificam o recurso à abordagem sistémica na terapia

familiar. Por um lado, a insatisfação com os modelos de intervenção da psicopatologia

clássica e da psicanálise; por outro, o reconhecimento de que "as melhoras" de um membro

da família são seguidas, muitas vezes, pelo aparecimento de "sintomas" noutro. Assim,

embora os sintomas "patológicos" do "paciente-designado" não sejam ignorados, passam a

ser vistos com um olhar sistémico, a par de outros comportamentos e condutas familiares.

Segundo o autor, em qualquer modelo teórico há quatro aspetos interligados: aquilo que se

observa; o modo de observar; as hipóteses teóricas formuladas; a forma da intervenção

Page 144: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

139

terapêutica. A mudança de paradigma manifesta-se num novo olhar sobre estes aspetos.

Rutura ou integração entre terapias clássicas e a sistémica inter-relacional?

Perante esta questão, Pina Prata (1981b) julga compreensível que modos enraizados de

observar, diagnosticar e de intervir não facilitem a transição para outros métodos

terapêuticos. A dificuldade de mudar de paradigma, de aperceber a pessoa não numa

perspetiva individual mas inter-relacional, prende-se também com a necessidade de

despatologizar a relação terapêutica e de a considerar num contexto de inter-relações.

Sobre a discussão quanto à rutura ou integração das diferentes perspetivas, o autor

considera que ocorreu a rutura, na década de 1960, entre as duas epistemologias: a da

etiologia linear causal (e sua abordagem individual intrapsíquica) e a da emergente

circularidade evolutiva (e sua abordagem inter-relacional). Trata-se de um grande salto

qualitativo na maneira de observar e de compreender os comportamentos perturbados,

assim como as questões humanas em geral, não só ao nível pessoal mas também grupal e

organizacional.

A terapia nas organizações

Conhecer o organigrama de qualquer organização, por parte do psicossociólogo ou

terapeuta, é um meio essencial para se observar e levantar hipóteses sobre o que se passa

na organização (Pina Prata, 1981b). Permite reconhecer os papéis, as normas

organizacionais, a forma como se processa a comunicação, o processo de liderança e sua

relação com as estruturas de tomada de decisão, a configuração do sistema de interações e

a relação entre a orgânica formal e as redes informais de inter-relações. Este conhecimento

é indispensável para intervir, para dar resposta ao pedido da organização.

As "armadilhas das instituições" (a que se refere Palazzoli) são estruturais e apontam para

situações de controlo de poder e para as disfunções na comunicação, segundo um olhar

sistémico organizacional. Esta questão é pertinente, já que o terapeuta não tem experiência

de funções diretivas em organizações, desconhecendo as lutas de poder de forma direta.

Assim, Pina Prata alerta o terapeuta ou psicossociólogo no sentido de "fugir à armadilha

que lhe é proposta de ser o agente da mudança do clima da organização"; de "só intervir

como terapeuta das disfunções organizacionais, na base da negociação de um contrato

formalizado"; de "manter-se sobretudo numa atitude de pedagogia de informação que

catalise o clima mínimo necessário à mudança".

Page 145: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

140

Quantidade e qualidade das interações em sistemas familiares perturbados

A elaboração teórica sobre a quantificação das interações, e fórmulas-guia explicativas dos

sistemas rígidos, é o tema central de um artigo de grande relevância (Pina Prata, 1981d) em

que também discute questões como o sistema inter-relacional terapêutico, a

responsabilidade partilhada e o termo do processo terapêutico, apresentados de seguida.

Redefinição do contexto terapêutico e termo do processo terapêutico

No contexto da terapêutica sistémica inter-relacional, o terapeuta defronta-se, antes de

mais, com o problema da redefinição do contexto terapêutico, procurando desconstruir a

representação médico-orgânico, e a crença no poder mítico da "cura", que os clientes

geralmente trazem. A propósito, Pina Prata (1981d) permite-se a expressão "consulta"

apenas num primeiro momento da terapia familiar, logo em seguida a substituindo por

"encontro", marcando assim a importância da terapia como relação para a mudança.

É fundamental que o terapeuta faça emergir um novo tipo de relação de poder no processo

terapêutico, assente na sua competência em: ser o definidor das relações durante os

encontros de terapia; reconhecer a competência da família em assumir a gestão das suas

dificuldades e da mudança; reconhecer-se incompetente face àquela competência dos

membros da família.

Outra questão primordial, em qualquer terapia, é o termo do processo. Segundo o autor,

não é apenas uma questão de respeitar o número de sessões combinado no primeiro

encontro, embora possa ser reformulado. Mais importante é a nova conceção da terapia

familiar enquanto processo unitário de "circularidade evolutiva" (e não um processo

linear), em que todas as etapas estão sempre presentes em cada momento, tal como diz na

alegoria "o fim de uma terapia familiar está já no seu começo". Um sinal de boa condução

da terapia é quando ambos, família e terapeuta, se dão conta que o fim está a chegar, e que

chegou.

Sistema inter-relacional terapêutico e responsabilidade

Tal como representado na Figura 2, Pina Prata (1981d) considera o sistema inter-relacional

terapêutico (SiRLTP) como função da interação entre o subsistema relacional do terapeuta

(SRLtp) e o subsistema inter-relacional da família (SiRLf).

SiRLTP = f (SRLtp, SiRLf )

Page 146: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

141

Trata-se de um dos mais significativos contributos teóricos de Pina Prata para a abordagem

sistémica inter-relacional. E esta perspetiva liga-se com a redefinição do contexto

terapêutico, acima referida, pois determina que seja o terapeuta familiar a definir o novo

tipo de relações no novo sistema inter-relacional.

É responsabilidade individual do terapeuta definir um novo estilo de inter-relações, ao

mesmo tempo que se deve dar conta de como se vão tecendo as relações no decorrer da

terapia familiar. Mas, fora desse contexto, não tem qualquer poder, tal como afirma à

família: "Ao passardes aquela porta, toda a responsabilidade é vossa; do que sucede aqui

dentro, entre nós, durante cada encontro de T.F., cabe-me completa responsabilidade."

O sucesso e o insucesso, na perspetiva do autor, são resultado de uma responsabilidade

partilhada; contudo, o terapeuta familiar deverá assumir o insucesso como coisa sua,

atribuindo o sucesso à vontade e ao trabalho da família.

Fórmulas-guia explicativas de sistemas familiares rígidos

Retomando o seu modelo do equilíbrio tensional, já referido atrás, o autor aprofunda a sua

teoria sistémica inter-relacional, condensando em fórmulas matemáticas a representação

dos modelos-tipo familiares (Pina Prata, 1981d). Consoante a ponderação relativa das

formas de interação utilizadas pela família - informação (If), opinião (Op) e sugestão de

iniciativa (Si) - as quais podem ser de sinal positivo ou negativo, um sistema inter-

relacional familiar rígido seria descrito pela fórmula:

SiRL f - = ({ { (∑If +) < (∑If -) } + { (∑Si +) < (∑Si -) }} < { (∑Op -) > (∑ Op +) })

A quantidade e a qualidade das interações, neste caso, baseiam-se numa estrutura em que o

somatório de informações positivas é inferior ao somatório de informações negativas, o

mesmo se aplicando às sugestões de iniciativa. No seu conjunto, informações e sugestões

são em quantidade inferior às manifestações de opinião, em que também predominam as

negativas. Assim, nas famílias e noutros sistemas inter-relacionais com estas caraterísticas,

existe uma rigidez que se explica por haver sequências de interações que se repetem.

Esta fórmula serve também para compreender as transformações ocorridas durante o

processo terapêutico. Segundo o autor, nos casos apresentados no artigo notou-se que: "o

processo terapêutico induziu uma utilização mais objetiva da informação disponível no

sistema inter-relacional (If+ >): maior aceitação das informações com que os diferentes

membros da família pretendem validar o que pensam (dimensão cognitiva), o que sentem

Page 147: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

142

(dimensão socio-afetiva) e o que fazem (dimensão operativa)."

Além disso, "também induziu melhor utilização das avaliações com que as diferentes

pessoas manifestam as suas preferências positivas (Op+ >), também no tríplice nível

cognitivo-afetivo-operativo das interações comunicacionais."

E ainda "induziu um aumento ou uma atualização mais diferenciada em alternativas das

sugestões de iniciativa (Si+ >) de cada membro da família, igualmente nos três níveis

comportamentais."

Modelo do equilíbrio tensional aplicado à família

Ao abordar a terapia familiar na perspetiva do processo e as fases da terapia familiar

sistémica (Pina Prata, 1979; 1979a), o autor revisita o modelo do equilíbrio tensional que

tinha desenvolvido anteriormente, no âmbito da sua investigação em Psicologia Social.

A mudança de atitude ocorre a partir da tensão que se gera da ponderação diversa entre as

três formas básicas de interação verbal (informação, opinião e sugestão de iniciativa), por

sua vez associadas, respetivamente, à dimensão cognitiva, socio-afetiva e operativa das

interações (Figura 1).

Nos sistemas familiares rígidos, a circulação da informação e das sugestões de iniciativa é

menor que as manifestações de opinião; o contrário ocorrerá nos sistemas em equilíbrio

tensional.

O nível de tensão referido remete para o processo básico de estabilidade-mudança,

presente em qualquer tipo de equilíbrio ou desequilíbrio tensional. Segundo o autor, as

atitudes de estabilidade e de mudança são duas faces de um mesmo processo. E qualquer

iniciativa para modificar um sistema de relações patológicas deve ter em conta a sua

homeostase, isto é, a sua tendência à manutenção para sobreviver.

Modelo inter-relacional terapêutico

Pina Prata (1979) apresenta e descreve o seu modelo inter-relacional terapêutico (SiRLTP),

mostrando a trajetória das atitudes de estabilidade e mudança, para cada um dos

subsistemas inter-relacionais - o da família, o do terapeuta e o terapêutico - ao longo das

várias fases do processo terapêutico.

Este modelo foi representado pelo autor num gráfico bastante elaborado (Figura 3) e

retomado noutros artigos posteriores. Pode ser considerado uma das construções teóricas

mais importantes do autor, na sua abordagem do processo inter-relacional sistémico.

Page 148: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

143

As fases (de interação) da terapia familiar sistémica

No contexto da discussão da terapia familiar como processo, Pina Prata (1979) refere as

fases do processo terapêutico, estruturando-as em vários tipos: fases de interação, fases de

relação e fases de integração. O tema é depois aprofundado como objetivo central do

artigo seguinte (Pina Prata, 1979a).

O autor sublinha uma vez mais a ideia de condução cíclica-circular do processo, segundo

a qual as várias fases não ocorrem de um modo linear na condução do processo

terapêutico. Por exemplo, destruturação e restruturação podem estar presentes na dinâmica

de um mesmo encontro.

Pina Prata (1979a) considera que os processos psicossociológicos básicos de avaliação

subjetiva e de validação objetiva estão presentes nas várias fases do processo, embora com

incidência diferente em cada fase. E utiliza o jogo dos 9 pontos (Figura 4) para mostrar

como a mudança só acontece quando os membros da família forem capazes de ultrapassar

os limites, à primeira vista visualizados como tal, do espaço-problema.

Deixamos aqui uma síntese das 5 fases de interação:

a) Fase Pré-relacional, de contacto do sistema familiar com o terapeuta, de impacto das

representações e expectativas dos membros da família sobre o processo terapêutico e o

papel do terapeuta familiar.

b) Fase de Consolidação das funções e da homeostase do sistema, para que a mudança

ocorra mais tarde sem riscos de novos desequilíbrios. A atitude do terapeuta manifesta-se

no seu respeito pela estabilidade do sistema inter-relacional familiar.

Torna-se aqui evidente a condição paradoxal da terapia que é “nada mudar”; esta negação

paradoxal da terapia é a base que permite o recurso à prescrição do sintoma e o "ataque"

cauteloso à função-poder do paciente-identificado.

c) Fase de Destruturação, em que ocorre a desqualificação do terapeuta pela família e a

correspondente desconfiança do terapeuta quanto às mudanças esboçadas pela família. À

medida que as atitudes de mudança vão aumentando e as atitudes de estabilidade vão

decrescendo, chega-se a um quase equilíbrio entre ambas, começando a surgir os sinais e

atitudes para uma nova coesão interfamiliar.

d) Fase de Restruturação da nova rede de funções no sistema familiar, com inter-

independência entre o terapeuta e a família. A destruturação faz emergir gradualmente no

sistema a sua própria capacidade de mudança, através de novas meta-regras que conduzem

Page 149: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

144

a novas soluções e alternativas de restruturação.

e) Fase de Reciprocidade, em que as atitudes de mudança e de estabilidade estão em novo

equilíbrio tensional, culminando na separação entre o sistema relacional do terapeuta

(SRLtp) e o sistema inter-relacional da família (SiRLf) e no consequente fim do processo

terapêutico.

Na perspetiva de Pina Prata (1979a), o objetivo central da terapia familiar é o que

denomina "inter-independência" e "interdependência". Mais importante que superar os

sintomas de comportamento perturbado será conseguir novas posturas de autonomia e

diferenciação, por parte dos membros da família e seus subsistemas.

Estratégias do processo terapêutico

Este é o tema central de uma comunicação realizada por Pina Prata num dos muitos

encontros internacionais sobre Terapia Familiar em que participou (Pina Prata, 1980d).

Em resumo, define dois tipos de estratégias. O primeiro corresponde à inter-relação

terapêutica direta, sem intermediação de meios materiais; é o método de observação,

análise e intervenção próprio dos sistemas humanos, que visam diretamente os processos

psicológicos e psicossociológicos e que designa por hodologias. Neste tipo de estratégias

incluem-se a intervenção paradoxal, a prescrição do sintoma ou a "escultura" da família.

O segundo tipo de estratégias consiste em abordagens inter-relacionais indiretas,

mediatizadas por meios materiais, como o uso de meios audiovisuais, o recurso à "cadeira

vazia", a utilização dum quadro de parede, a refeição à mesa com a família ou outros.

"Encruzilhadas" do pedido de terapia familiar

A questão do pedido de terapia familiar foi desenvolvida, entre outros temas, num texto

publicado para suporte à docência de Psicologia Social Clínica (Pina Prata, 1991), tendo

sido também abordado posteriormente (Pina Prata, 1997).

Realçamos aqui que o pedido de terapia, qualquer que seja a sua forma, apresenta sempre

várias dimensões:

- O sentimento, percecionado pela família, da impossibilidade de continuar a agir

como antes e da incapacidade de ultrapassarem, por si sós, o mal-estar;

- O desejo de mudança, de saída da situação de desconforto;

- A esperança de poder beneficiar da ajuda do especialista-terapeuta, graças às suas

capacidades;

Page 150: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

145

- Uma dimensão socio-afetiva-cognitiva ou o modo como cada um se vê, se sente e

se diz, a si próprio e aos outros, num certo espaço-tempo histórico.

A ambiguidade e a forma manipulatória como por vezes é expresso o pedido de terapia são

peculiares ao sistema de relações paciente-especialista; mas também o terapeuta tem a sua

forma de ver, de se ver e de manipular as dificuldades dos pacientes e as suas.

"Significações, mãos e olhar" do terapeuta sistémico

A questão das significações, do olhar e do contacto físico do terapeuta foi abordada num

artigo de grande relevância (Pina Prata, 1996). Se o olhar parece não levantar questões, por

ser uma forma de contacto socialmente aceite, o mesmo não se passa com o contacto

físico, em que existe uma diferença entre a intervenção médica e a psicoterapêutica. O

autor questiona-se sobre os limites deontológicos aplicáveis e sobre as circunstâncias em

que o terapeuta sistémico pode recorrer às suas mãos ou ao seu corpo.

Come refere Pina Prata, “é com o corpo que o terapeuta pode intermediar terapeuticamente

manipulando objetos, como esta cadeira de rodas, as muletas do cliente, o copo de água

que mandou buscar, a janela em frente (...) ou com quase-objetos, como com o facto de o

pai ser bombeiro, da irmã ser gorda ou o irmão esquelético, do terapeuta estar constipado

(...)". A utilização de coisas e expressões na relação terapêutica é metafórica, pois leva as

pessoas a refazerem, visualmente, as suas significações. O próprio pedido sintomático

remete-nos para uma configuração de perceções, de imagens, de dizeres, de maneiras de

estar, de olhar, de se tocar ou não, que refletem as crenças e as significações que

estruturam as interações familiares.

O autor considera que, em certas situações específicas, o terapeuta pode intermediar as

significações pelo contacto físico de suas mãos com o corpo do sujeito, embora o deva

fazer de modo muito restrito; a "regra de oiro" é não entrar nas esferas de privacidade ou

intimidade sem o consentimento ou indicação clara da pessoa em causa.

Intervenção “catalisadora” das potencialidades da família

A complexidade do diagnóstico e da intervenção sistémica é o tema de um texto de

reflexão epistemológica em que se discute o significado, o contexto atual e as formas de

intervenção com as “famílias-problema” (Pina Prata, 1997).

A partir dos anos 80, o foco deixou de estar nas "relações familiares disfuncionais" e na

intervenção corretiva, para se interessar pelas potencialidades da família e capacidades

Page 151: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

146

individuais dos seus membros. Esta nova abordagem “catalisadora” explora as capacidades

da família em diferenciar o que se comunica, decidir em conjunto, partilhar objetivos, agir

com flexibilidade, integrar diferenças, entre outras que o autor descreve.

Sobre o diagnóstico na sistémica familiar, o autor propõe que não se centre na busca de

uma patologia mas na compreensão da natureza do pedido, valorizando as potencialidades

de autorrealização da família e de cada um dos seus membros.

Nesta perspetiva autocatalisadora, as formas de intervenção familiar ganham um âmbito

mais vasto, seja considerando a comunidade e o contexto social da família, seja alargando

o campo de observação e de intervenção, como veremos de seguida.

Intervenções ocasionais ou "terapia de rua"

Na perspetiva alargada da intervenção, a “terapia de rua” pode ser considerada como a

forma de estar na vida de Pina Prata, como parte da sua missão de homem e de cidadão,

agindo permanentemente como terapeuta, fosse dentro de um táxi ou junto ao quiosque de

jornais. Isso mesmo nos transmitiu num artigo em que desenvolveu o tema (Pina Prata,

1997) e, de uma forma informal, em entrevista citada nesta monografia (Sales & Pina

Prata, 2011).

Pina Prata (1997) discute o sentido ético desta forma de intervenção. Sendo um encontro

fortuito e que pode ser único, fora do contexto de consultório ou de instituição de saúde,

uma exigência ética básica é que sejam evitados efeitos perversos. Para isso, deve ser

deixada uma “porta aberta” para encontro posterior, como num dos casos descritos no

texto, em que o autor propõe a marcação de consulta no âmbito das "consultas abertas à

comunidade" da FPCE.

Estas intervenções ocasionais podem revestir vários formatos - de emergência ou de

reorientação emocional - que têm em comum o alargamento espácio-temporal da

intervenção, com uma certa analogia com as intervenções do serviço de emergência

médica. Em termos temporais, significa uma redução do número de intervenções e um

maior distanciamento entre elas, potencializando assim o efeito catalisador dos recursos e

capacidades da família. Sobre a dimensão espacial, este tipo de intervenção pode estender-

se também à consulta domiciliária, respeitando regras éticas, como a condição de

impossibilidade de deslocação dos pacientes, de a intervenção ser pedida pela família e de

esta participar no encontro terapêutico.

Page 152: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

147

Debate com outros autores terapeutas

A discussão teórica e metodológica e o debate de ideias com outros investigadores e

terapeutas familiares seus contemporâneos atravessam a obra de Pina Prata. Mas existe um

conjunto de artigos que foram dedicados explicitamente à apresentação e discussão de

textos de outros autores ou da sua prática terapêutica, nomeadamente Bateson, Haley,

Minuchin e Palazzoli.

O projeto Bateson e o estudo "Para uma teoria da esquizofrenia", desenvolvido ao longo de

vários anos por Bateson, Jackson, Haley e Weakland, é objeto de análise por parte de Pina

Prata (1980b). Este estudo abriu novas perspetivas e explicações para a esquizofrenia, ao

investigar a comunicação e a complexidade das mensagens nas famílias com

esquizofrénicos, procurando uma teoria sobre a origem e natureza da esquizofrenia,

baseada em padrões de sequências “traumáticas” na interação familiar.

Nesta perspetiva, surge o conceito de duplo ligame (double bind), apresentado e discutido

neste artigo. Resumidamente, consiste numa relação em que é vital para o indivíduo-vítima

conseguir discriminar com precisão os tipos lógicos de mensagens que lhe são

comunicadas (em que um contradiz o outro), de modo a responder-lhes de forma adequada.

Além disso, o indivíduo é incapaz de falar acerca de tais mensagens (meta-comunicar) e de

poder assim corrigir a dificuldade em as discriminar.

Perante a dificuldade em julgar com precisão o que outro lhe quer comunicar, restam ao

indivíduo-vítima, como alternativas, aceitar literalmente tudo o que lhe é dito (incapaz de

reconhecer um “segundo sentido” no que ouve), ou alhear-se do mundo dos outros, ou

mesmo adotar comportamentos de tipo paranoico ou catatónico.

A terapia familiar estrutural de Minuchin é apresentada e discutida num outro artigo (Pina

Prata, 1981c), com vários casos em que Pina Prata participou ou observou. Importa aqui

referir, em particular, dois conceitos importantes, a propósito do primeiro caso analisado

no texto: coterapia e afiliação.

A coterapia, na perspetiva alargada de Minuchin, tanto se refere ao trabalho de apoio que

lhe é prestado por algum membro da família como à relação que estabelece com um colega

como coterapeuta. Segundo Pina Prata, é Minuchin que orienta efetivamente a terapia,

interagindo com o coterapeuta apenas "como alguém que lhe permite a abertura do campo

inter-relacional, abrindo caminho à sua 'faena' terapêutica".

Page 153: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

148

Quanto à afiliação, considera ser um processo com um lugar de destaque na condução

terapêutica de Minuchin, ao aliar-se a um membro da família para penetrar no sistema

socio-afetivo familiar, como parte da sua estratégia de mudança.

A influência recebida e o debate de ideias com Mara Selvini Palazzoli, em particular no

caso da anorexia e dos sistemas familiares rígidos, tendo participado como terapeuta na

preparação e discussão de vários casos com Palazzoli, ficaram também registadas por Pina

Prata em dois artigos de referência (Pina Prata, 1980f e 1981g).

As principais saliências aí encontradas dizem respeito ao conceito de “escuta do corpo”, à

análise do processo de avaliação preferencial nos sistemas rígidos e às estratégias de

destruturação confirmativa.

Pina Prata desenvolve também um longo artigo sobre a terapia em etapas de Jay Haley,

complementando-o com o método de condução terapêutica que denomina "terapia por

ciclos de interface" (Pina Prata, 1983b).

Tendo em vista a reorganização da estrutura de relações intrafamiliares, Haley postula que

a passagem do momento sintomático ao momento de uma dada reestruturação inter-

relacional se realiza através do desenvolvimento intermediário de uma terapia em etapas.

Neste contexto, Haley aborda ainda o problema bigeracional considerando o

comportamento de uma criança, em função da tríade, como resultado de um dos

progenitores se coligar com a criança contra o outro. Deste modo, o terapeuta pode

escolher diversas abordagens ou "portas de entrada" na família, como aquela em que utiliza

a pessoa periférica, através de três etapas. No fim da terapia, o terapeuta deve desvincular-

se rapidamente da família, deixando os pais relacionados entre si e a criança relacionada

com os seus pares, e atribuindo o sucesso da mudança à família.

Na segunda parte do artigo, Pina Prata apresenta o seu conceito de terapia sistémica por

ciclos de interface, acrescentando aos postulados de Haley um enquadramento mais

alargado, com utilização estratégica dos ciclos de desenvolvimento por que passa um

sistema familiar, num processo circular evolutivo.

No caso que suscitou o desenvolvimento deste conceito, e em que se previa recaídas

frequentes do paciente, o autor colocou a hipótese de que o processo terapêutico poderia

ser longo, que isso não tinha de coincidir com uma terapia contínua e que o plano

terapêutico iria sendo constantemente retocado no decorrer do processo.

Page 154: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

149

A estratégia da escultura da família, apresentada num estudo de Duhl e outros, foi objeto

do interesse e da discussão do autor (Pina Prata, 1980e). Tendo sido inicialmente

desenvolvida por David Kantor, a escultura funciona como um tipo de aprendizagem ativa.

Sendo um sistema vivo, o sistema familiar vai-se transformando com o tempo, aumentando

e diminuindo, modificando-se também as estaturas, as formas e as forças de seus membros.

É por isso que as transformações na história familiar podem ser representadas por

modificações na forma e na dinâmica da escultura.

Segundo os criadores da estratégia da escultura, esta é um método dinâmico para modelar,

num espaço e num tempo determinados, as inter-relações e os comportamentos, tal como

são apercebidos. Tem como objetivo "pôr em cena as significações, as metáforas e as

imagens das inter-relações que, deste modo, por todos, participantes e observadores, são

partilhadas."

O artigo analisado por Pina Prata (1980e) apresenta e desenvolve três tipos de escultura:

individuais, diádicos e familiares, bem como os quatro papéis: escultor, animador, ator(es)

e espetador(es). Descreve depois como se desenrola o processo, apresentando casos, em

cada um dos tipos de escultura referidos.

As intervenções estratégicas no tratamento dos alcoólicos e toxicómanos são o tema

central do artigo em que Pina Prata (1981e) analisa a condução de um treino por Bella

Borwick, bem como o texto de apoio a essa formação. O método proposto é especialmente

indicado como "Consultas preliminares", antes do começo de um tratamento de

desintoxicação, embora o autor o considere "mais como uma maneira de refletir e de

compreender do que como um modelo de intervenção". São apresentadas e descritas em

detalhe as 4 consultas até se iniciar a cura de desintoxicação, bem como o follow up

posterior.

Formação de terapeutas e "Apontamentos"

Na sua função de professor catedrático, em especial na FPCE, na área de Psicologia Social

Clínica, Pina Prata orientou trabalhos de investigação centrados na abordagem sistémica

inter-relacional da terapia familiar e da terapia organizacional.

Além disso, criou e presidiu, a partir de 2001, ao curso de pós-graduação em Terapia

Familiar e Comunitária, formação avançada de terapeutas que foi organizada numa

Page 155: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

150

parceria entre a APTEFC e a UAL. Como professor, formador e supervisor de terapeutas

em formação, Pina Prata produziu ao longo de 10 anos, com regularidade, um texto de

reflexão para ser discutido com os formandos nos seminários teórico-práticos. Chamou-

lhes "Apontamentos" e a maioria destes textos encontra-se disponível na plataforma

eletrónica (sítio na Internet) da pós-graduação (Pina Prata, 2001-2010).

Trata-se de um material bibliográfico de grande importância para a formação em Terapia

Familiar, não escrito com intenção de publicação formal mas de partilhar os seus

conhecimentos, visão e experiência vivida. Alguns desses textos foram posteriormente

editados e organizados, por Célia Sales e Sónia Gonçalves, no livro "Terapia sistémica de

casal. Respigando ideias e experiências" (Pina Prata, 2008).

Page 156: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

151

4.2 Limites deste estudo e pistas para investigação

Definimos como objetivos, para esta monografia, a revisão da bibliografia completa de

Pina Prata e a caraterização da sua abordagem sistémica inter-relacional à terapia familiar e

organizacional.

Foram usados os termos "abordagem" ou "perspetiva" de Pina Prata para referir o seu

ponto de vista e o conjunto de elaborações teóricas pessoais. Situando-se dentro do

paradigma sistémico, não se trata de uma rutura mas de um contributo criativo para o seu

desenvolvimento e aprofundamento. Relativamente à intervenção prática, também não nos

pareceu adequado usar os termos "método" ou "técnica" de Pina Prata; não se limitou a

criar e aplicar uma técnica de intervenção mas a ter sempre presente uma visão holística do

homem, modeladora da sua própria "forma" de ser terapeuta.

Consideramos que os objetivos propostos foram alcançados, embora com os limites

decorrentes do método seguido. Não seria possível, nem fazia parte dos objetivos,

pesquisar e analisar outros textos de Pina Prata (ou sobre ele escritos) que não foram

publicados ou que não se encontram referenciados. Também não seria possível incluir no

âmbito desta monografia o estudo empírico das intervenções de Pina Prata em sessões de

terapia familiar e a caraterização da sua forma de ser terapeuta, apesar da importância

desse estudo para complementar a revisão bibliográfica.

Assim, levantam-se novas questões de investigação que poderão vir a ser objeto de estudo:

- Continuar a recolha e análise de material informal não publicado, escrito por Pina

Prata, bem como pequenos trabalhos que existam sobre a sua obra, de outros

autores.

- Trabalhar os "Apontamentos" de suporte à pós-graduação, procedendo à sua

inventariação, organização, revisão e publicação, dando continuidade ao trabalho já

iniciado (Pina Prata, 2008).

- Realizar a análise e a caraterização da intervenção de Pina Prata em sessões de

terapia familiar, através de métodos qualitativos, a partir de relatos de sessões e de

gravações video-tape; poderia incluir a análise de conteúdos/narrativas verbais (não

só a linguagem formal mas também as metáforas e expressões pessoais), bem como

de interações não verbais (expressões de humor, silêncios, gestos, trocas de lugar,

saídas e entradas na sessão).

- Aprofundar o estudo das intervenções ocasionais ou "terapia de rua", uma das

Page 157: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

152

vertentes mais caraterísticas de Pina Prata, a partir de documentação que possa

existir sobre esse tema.

Para além destas pistas para investigação, outras sugestões podem aqui ficar apontadas. Os

trabalhos desenvolvidos sobre a obra de Pina Prata poderiam ser disponibilizados à

comunidade de terapeutas e investigadores, no sítio Internet da APTEFC ou em revistas,

retomando a publicação da newsletter Recortes ou dos Cadernos de Terapia Familiar e

Comunitária.

Os textos mais relevantes de Pina Prata poderiam ser digitalizados e disponibilizados no

sítio Internet da APTEFC, facilitando a sua acessibilidade e visibilidade, tanto mais que

alguns existem em exemplar único.

Por fim, e com o conhecimento que esta revisão completa de bibliografia permitiu,

podemos deixar como sugestões de estudo, nos vários contextos de formação de terapeutas,

um conjunto de referências selecionadas como mais significativas, por ordem cronológica:

Pina Prata, F.X. (1979). A terapia familiar como processo Pina Prata, F.X. (1979a). As fases da terapia familiar sistémica como processo Pina Prata, F.X. (1980b). Para uma teoria da esquizofrenia, por G.Bateson, D.Jackson, J.Haley & J.Weakland Pina Prata, F.X. (1980f). Analyse différentielle du système rigide de l’anorexie mentale dans l’optique systémique de la thérapie familiale Pina Prata, F.X. (1981b). Patologia organizacional, patologia familiar e sistémica inter-relacional Pina Prata, F.X. (1981c). Casos ao vivo da terapia familiar estrutural de Minuchin Pina Prata, F.X. (1981d). Quantificação das interações e qualidade das relações nos sistemas familiares perturbados Pina Prata, F.X. (1983b). Terapia em etapas (de Jay Haley) e terapia sistémica por ciclos de interfaces Pina Prata, F.X. (1989a). Psico-sociologia das organizações: Comportamentos organizacionais e condução do processo terapêutico em interfaces micro-macro sistémicas Pina Prata, F.X. (1996). Significações, mãos e olhar do terapeuta sistémico Pina Prata, F.X. (2008). Terapia sistémica de casal. Respigando ideias e experiências Sales, C. & Pina Prata, F.X. (2011). Being a systemic therapist in the family and in organizations

Eu sinto-me sempre inacabado.

Pina Prata

Page 158: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

153

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Filosofia, cultura, sociedade e ensino superior Pina Prata, F.X. (1962). Dialéctica da razão vital: Intuição originária de José Ortega y

Gasset. Lisboa: Morais. Pina Prata, F.X. (1963). L’Angola multiraciale. Lisboa: Secretariado Nacional da

Informação. Pina Prata, F.X. (1965). Estruturas latentes do “meio universitário”. In Actas do V colóquio

internacional de estudos luso-brasileiros (Separata do Vol. 1). Coimbra: Universidade.

Pina Prata, F.X. (1968). A transformação dos métodos pedagógicos no moderno ensino

superior. Análise Social, 6 (20-21), 163-212. Pina Prata, F.X. (1970). Campos da socio-psicologia e da psicologia-social no âmbito dos

métodos pedagógicos e das estruturas do ensino superior (texto policopiado). Pina Prata, F.X. (1972). Factos e importâncias. Perspectivas e práticas: psico-

sociológicas, de epistemologia, de política social e educativa, de sociologia. Texto não publicado.

Pina Prata, F.X. (1973). Psico-sociologia da reforma do ensino superior. Lisboa: Aster.

Sociologia, psicologia social e psicossociologia das organizações Pina Prata, F.X. (1965-1973). Psico-sociologia da empresa: Apontamentos para as aulas

teóricas e práticas do Doutor Francisco Xavier Pina Prata (11 cads.). Lisboa: Instituto de Estudos Sociais (texto policopiado).

Pina Prata, F.X. (1973a). Psico-sociologia da empresa (Cad. 12): Elucidação da patologia

das situações de conflito organizacional. Lisboa: ISCTE (texto policopiado). Pina Prata, F.X. (1975). Aproximação a uma teoria do equilíbrio tensional. Revista

Portuguesa de Psicologia, 12/13, 141-206. Pina Prata, F.X. (1975a). Métodos e técnicas da investigação sociológica. Lisboa: Secção

de folhas da associação de estudantes do ISCTE (texto policopiado). Pina Prata, F.X. (1976). Psico-sociologia das organizações: Apontamentos do Professor

Pina Prata. Lisboa: Associação de estudantes do ISCTE (texto policopiado).

Page 159: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

154

Pina Prata, F.X. (1989). Psico-sociologia das organizações: Dos comportamentos de

negociação aos de negociação, conflito e sintomáticos (texto policopiado). Pina Prata, F.X. (1989a). Psico-sociologia das organizações: Comportamentos

organizacionais e condução do processo terapêutico em interfaces micro-macro sistémicas (texto policopiado).

Pina Prata, F.X. (1992). Un nouvel approche de la psychologie sociale ou l’histoire d’un

récent projet universitaire. In O. Pereira, J. Jesuino et al. (Orgs.), Actas do I encontro luso-espanhol de psicologia social: Psicologia social em Portugal e Espanha nos anos 80. (pp. 217-219). Tomar: ESTT.

Abordagem sistémica e terapia familiar Pina Prata, F.X. (1979). A terapia familiar como processo. Análise Psicológica, 2 (3), 379-

389. Também publicado em: Pina Prata, 1980c; Pina Prata, 2001

Pina Prata, F.X. (1979a). As fases da terapia familiar sistémica como processo. Separata

da revista Servir, 27(5). Pina Prata, F.X. (Ed.). (1980). Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária: Vol. 1.

Ópticas e estratégias de terapia familiar. Lisboa: APTEFC. Pina Prata, F.X. (1980a). Começos da terapia familiar. In F.X. Pina Prata (Ed.), Cadernos

de Terapia Familiar e Comunitária (Vol. 1, pp. 7-16). Lisboa: APTEFC. Pina Prata, F.X. (1980b). Para uma teoria da esquizofrenia, por G.Bateson, D.Jackson,

J.Haley & J.Weakland. In F.X. Pina Prata (Ed.), Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (Vol. 1, pp. 17-43). Lisboa: APTEFC.

Pina Prata, F.X. (1980c). A terapia familiar como processo. In F.X. Pina Prata (Ed.),

Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (Vol. 1, pp. 61-80). Lisboa: APTEFC. Também publicado em: Pina Prata, 1979; Pina Prata, 2001

Pina Prata, F.X. (1980d). Les stratégies du processus thérapeutique dans les systèmes

familiaux rigides et flexibles. In F.X. Pina Prata (Ed.), Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (Vol. 1, pp. 145-164). Lisboa: APTEFC.

Pina Prata, F.X. (1980e). Estratégia da escultura da família, seguindo F.Duhl, M.Kantor e

B.Duhl. In F.X. Pina Prata (Ed.), Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (Vol. 1, pp. 165-179). Lisboa: APTEFC.

Pina Prata, F.X. (1980f). Analyse différentielle du système rigide de l’anorexie mentale

dans l’optique systémique de la thérapie familiale. Thérapie Familiale, 1 (2), 145-164.

Page 160: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

155

Pina Prata, F.X. (Ed.). (1981). Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária: Vol. 2.

Patologia organizacional, patologia familiar e sistémica inter-relacional. Lisboa: APTEFC.

Pina Prata, F.X. (1981a). A psico-sociologia das organizações como fundamento teórico-

prático da face estrutural do modelo sistémico inter-relacional da terapia familiar. In F.X. Pina Prata (Ed.), Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (Vol. 2, pp. 7-14). Lisboa: APTEFC.

Pina Prata, F.X. (1981b). Patologia organizacional, patologia familiar e sistémica inter-

relacional. In F.X. Pina Prata (Ed.), Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (Vol. 2, pp. 21-49). Lisboa: APTEFC.

Pina Prata, F.X. (1981c). Casos ao vivo da terapia familiar estrutural de Minuchin. In F.X.

Pina Prata (Ed.), Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (Vol. 2, pp. 73-92). Lisboa: APTEFC.

Pina Prata, F.X. (1981d). Quantificação das interações e qualidade das relações nos

sistemas familiares perturbados. In F.X. Pina Prata (Ed.), Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (Vol. 2, pp. 117-152). Lisboa: APTEFC.

Pina Prata, F.X. (1981e). Análise do treino conduzido por Bella Borwick sobre “As

intervenções estratégicas no tratamento dos alcoólicos e toxicómanos”. In F.X. Pina Prata (Ed.), Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (Vol. 2, pp. 167-174). Lisboa: APTEFC.

Pina Prata, F.X. (1981f). M.Bowen e sua posição sobre alcoolismo e família. In F.X. Pina

Prata (Ed.), Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (Vol. 2, pp. 183-188). Lisboa: APTEFC.

Pina Prata, F.X. (1981g). Debate com Mara Selvini Palazzoli. In F.X. Pina Prata (Ed.),

Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (Vol. 2, pp. 233-239). Lisboa: APTEFC.

Pina Prata, F.X. (Ed.). (1983). Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária: Vol. 3. O 1º

encontro europeu de terapia familiar e comunitária. Lisboa: APTEFC. Pina Prata, F.X. (1983a). O 1º encontro europeu de terapia familiar e comunitária. In F.X.

Pina Prata (Ed.), Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (Vol. 3, pp. 11-15). Lisboa: APTEFC.

Pina Prata, F.X. (1983b). Terapia em etapas (de Jay Haley) e terapia sistémica por ciclos

de interfaces. In F.X. Pina Prata (Ed.), Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (Vol. 3, pp. 201-231). Lisboa: APTEFC.

Pina Prata, F.X. (1983c). Un modèle systémique pour psychiatrie et psycho-sociologie

clinique. In F.X. Pina Prata (Ed.), Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária (Vol. 3, pp. 266-272). Lisboa: APTEFC.

Page 161: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

156

Pina Prata, F.X. (1985). Patologia inter-relacional na sistémica da terapia familiar. In O.

Pereira & J. Jesuino (Orgs.), Psicologia social do desenvolvimento: Socialização e saúde mental (pp. 241-258). Lisboa: Horizonte.

Pina Prata, F.X. (1991). Psicologia social clínica: As encruzilhadas do pedido de terapia

familiar (texto policopiado). Pina Prata, F.X. (1996). Significações, mãos e olhar do terapeuta sistémico. Cadernos de

Consulta Psicológica, 12, 13-24. Pina Prata, F.X. (1997). Formas de intervenção da terapia familiar e diagnóstico sistémico

psicoterapêutico: Complexidade e turbulência. In H. Marchand & H. Pinto (Orgs.), Actas do colóquio Família: Contributos da psicologia e das ciências da educação (pp. 201-228). Lisboa: Educa.

Pina Prata, F.X. (2001). La terapia familiar como proceso. In F. Ortega Beviá (Ed.),

Terapia familiar sistémica (pp. 169-182). Sevilla: Universidad de Sevilla. Também publicado em: Pina Prata, 1979; Pina Prata, 1980c

Pina Prata, F.X. (2001-2010). Pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária:

Apontamentos do Professor Pina Prata. Consultado em 6 de Março de 2011 através de http://pos-grad2.terapia-familiar.org/course/view.php?id=2.

Pina Prata, F.X. (2008). Terapia sistémica de casal. Respigando ideias e experiências. C.

Sales & S. Gonçalves (Orgs.). Lisboa: Climepsi.

Outras referências bibliográficas Textos em coautoria e de outros autores

APTEFC, Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária (2011). Sobre a

APTEFC: Estatutos. Consultado em 8 de Março de 2011 através de http://www.aptefc.org.

APTEFC, Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária (2011a).

Publicações: Cadernos de terapia familiar e comunitária. Consultado em 1 de Março de 2011 através de http://www.aptefc.org.

APTEFC, Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária (2011b). CIAF:

Centro de Investigação e de Apoio à Família. Consultado em 8 de Março de 2011 através de http://www.aptefc.org.

Caleiro Dias, F. & Valente, J.A. (2008). Contributo para uma coletânea das metáforas do

Professor Pina Prata. Texto não publicado.

Page 162: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

157

Narciso, I., Costa, M.E. & Pina Prata, F.X. (2002). Intimidade e compromisso pessoal ou “aquilo que pode fazer com que um casamento funcione”. Revista Portuguesa de Psicologia, 36, 67-88.

Sales, C. (2008, Março). Who's this Child? Francisco Xavier Pina Prata. Comunicação

apresentada no 16th World IFTA Congress, Porto. Consultado em 6 de Março de 2011 através de http://pos-grad2.terapia-familiar.org.

Sales, C. & Pina Prata, F.X. (1999). 18 Anos da Associação Portuguesa de Terapia

Familiar e Comunitária. Newsletter Recortes (APTEFC), 1, 3-7. Sales, C. & Pina Prata, F.X. (2011). Being a systemic therapist in the family and in

organizations. Human Systems, 22 (3), 718-731. Sales, C. & Vitória, P. (1999). Do gosto da sabedoria à descoberta do terceiro ouvido.

Testemunho do Professor F.X. Pina Prata. Newsletter Recortes (APTEFC), 1, 8-13. Referências não localizadas

Pina Prata, F.X. (1961). O nível da radicalidade da filosofia de José Ortega y Gasset. In

Separata de Filosofia (Vol. 8). Lisboa: Edições da Revista de Filosofia. (localizado no catálogo da BNP, não disponível)

Pina Prata, F.X. (1969). Sociologia geral. Lisboa: Escola Superior de Belas Artes. (texto

policopiado). (não localizado em catálogos) Pina Prata, F.X. (1977). A socialização da criança (texto policopiado). (não localizado em

catálogos) Pina Prata, F.X. (1978). Dimensão socio-afectiva da terapia familiar. Comunicação

apresentada no I Seminário Internacional de Terapia Familiar, Lisboa. (não localizado em catálogos)

Pina Prata, F.X. (1979b). O período de destruturação-confirmativa da anorexia mental na

óptica sistémica da terapia familiar. Revista Hospitalar, 171/172, 78-87. (não localizado em catálogos)

Page 163: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

158

6. ANEXOS

Anexo A - Lista de siglas e abreviaturas usadas

Anexo B - Localização das referências bibliográficas

Anexo C - Lista de sessões com intervenção de Pina Prata, de que há relatos no CIAF

ou no sítio eletrónico da Pós-graduação

Page 164: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

159

Anexo A

A: Lista de siglas e abreviaturas usadas

Page 165: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

160

APA - American Psychology Association APTEFC - Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária ARIP - Association pour la Recherche et Intervention Psychosociologique BNP - Biblioteca Nacional de Portugal CER - Centro de Estudos de Relações CIAF - Centro de Investigação e Apoio à Família ColCat - Catálogo Coletivo Distribuído CREFOR - Centre de Recherche et de Formation sur les Organizations EFTA - European Family Therapy Association FBA - Faculdade de Belas Artes FL - Faculdade de Letras da UL FPCE - Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da UL (desig. anterior) FPIE - Faculdade de Psicologia e Instituto de Educação da UL (desig. atual) GEPAE - Gabinete de Estudos e de Planeamento das Atividades Educativas GUIR - Grupo de Universitários para a Investigação e Intervenção Relacional ICS - Instituto de Ciências Sociais ISCSP - Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas ISCTE - Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa ISPA - Instituto Superior de Psicologia Aplicada OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico PICJAF - Projeto de Intervenção Clínica com Jovens Adolescentes, Adultos e suas Famílias Sibul - Sistema Integrado de Bibliotecas da Universidade de Lisboa SiRL - Sistema Inter-relacional SRL - Sistema Relacional UAL - Universidade Autónoma de Lisboa UL - Universidade de Lisboa cad. - caderno cap. - capítulo desig. - designação Fac. - Faculdade I. - Instituto I.S. - Instituto Superior P.I. - Paciente-identificado T.F. - Terapia Familiar U. - Universidade vol. - volume

Page 166: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

161

Anexo B

B: Localização das referências bibliográficas

Page 167: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

162

Refª Bibliogª (por ordem cronológica)

Título Localização

Pina Prata, F.X. (1961) O nível da radicalidade da filosofia de José Ortega y Gasset

BNP (não disponível)

Pina Prata, F.X. (1962) Dialéctica da razão vital: Intuição originária de José Ortega y Gasset

ISCSP, UAL, U.Católica, BNP

Pina Prata, F.X. (1963) L’Angola multiraciale ISCSP, U.Católica, BNP Pina Prata, F.X. (1965) Estruturas latentes do “meio universitário” ISCTE, BNP Pina Prata, F.X. (1965-1973) Psico-sociologia da empresa: Apontamentos para as

aulas teóricas e práticas (11 cads.) ISCTE

Pina Prata, F.X. (1968) A transformação dos métodos pedagógicos no moderno ensino superior

ISCTE, U.Católica, BNP

Pina Prata, F.X. (1969) Sociologia geral Não localizado Pina Prata, F.X. (1970) Campos da socio-psicologia e da psicologia-social

no âmbito dos métodos pedagógicos e das estruturas do ensino superior

FPIE

Pina Prata, F.X. (1972) Factos e importâncias. Perspectivas e práticas U.Católica Pina Prata, F.X. (1973) Psico-sociologia da reforma do ensino superior ISCTE, ISCSP, BNP Pina Prata, F.X. (1973a) Psico-sociologia da empresa (Cad. 12): Elucidação

da patologia das situações de conflito organizacional

FPIE

Pina Prata, F.X. (1975) Aproximação a uma teoria do equilíbrio tensional FPIE Pina Prata, F.X. (1975a) Métodos e técnicas da investigação sociológica ISCTE Pina Prata, F.X. (1976) Psico-sociologia das organizações: Apontamentos FPIE Pina Prata, F.X. (1977) A socialização da criança Não localizado Pina Prata, F.X. (1978) Dimensão socio-afectiva da terapia familiar Não localizado Pina Prata, F.X. (1979) A terapia familiar como processo ISPA Pina Prata, F.X. (1979a) As fases da terapia familiar sistémica como

processo FPIE

Pina Prata, F.X. (1979b) O período de destruturação-confirmativa da anorexia mental na óptica sistémica da terapia familiar

Não localizado

Pina Prata, F.X. (Ed.). (1980) Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária: Vol. 1. Ópticas e estratégias de terapia familiar

ISPA, U.Católica, BNP

Pina Prata, F.X. (1980a) Começos da terapia familiar Pina Prata, F.X. (1980b) Para uma teoria da esquizofrenia, por G.Bateson,

D.Jackson, J.Haley & J.Weakland Pina Prata, F.X. (1980c) A terapia familiar como processo Pina Prata, F.X. (1980d) Les stratégies du processus thérapeutique dans les

systèmes familiaux rigides et flexibles Pina Prata, F.X. (1980e) Estratégia da escultura da família, seguindo F.Duhl,

M.Kantor e B.Duhl Pina Prata, F.X. (1980f) Analyse différentielle du système rigide de

l’anorexie mentale dans l’optique systémique de la thérapie familiale

FPIE

Pina Prata, F.X. (Ed.). (1981) Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária: Vol. 2. Patologia organizacional, patologia familiar e sistémica inter-relacional

ISCSP, BNP

Pina Prata, F.X. (1981a) A psico-sociologia das organizações como fundamento teórico-prático da face estrutural do modelo sistémico inter-relacional da terapia familiar

Pina Prata, F.X. (1981b) Patologia organizacional, patologia familiar e sistémica inter-relacional

Pina Prata, F.X. (1981c) Casos ao vivo da terapia familiar estrutural de Minuchin

Pina Prata, F.X. (1981d) Quantificação das interações e qualidade das relações nos sistemas familiares perturbados

Pina Prata, F.X. (1981e) Análise do treino conduzido por Bella Borwick sobre “As intervenções estratégicas no tratamento dos alcoólicos e toxicómanos”

Pina Prata, F.X. (1981f) M.Bowen e sua posição sobre alcoolismo e família Pina Prata, F.X. (1981g) Debate com Mara Selvini Palazzoli Pina Prata, F.X. (Ed.). (1983) Cadernos de Terapia Familiar e Comunitária: Vol.

3. O 1º encontro europeu de terapia familiar e comunitária

CIAF

Pina Prata, F.X. (1983a) O 1º encontro europeu de terapia familiar e comunitária

Pina Prata, F.X. (1983b) Terapia em etapas (de Jay Haley) e terapia sistémica por ciclos de interfaces

Page 168: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

163

Refª Bibliogª (por ordem cronológica)

Título Localização

Pina Prata, F.X. (1983c) Un modèle systémique pour psychiatrie et psycho-sociologie clinique

Pina Prata, F.X. (1985) Patologia inter-relacional na sistémica da terapia familiar

ISPA

Pina Prata, F.X. (1989) Psico-sociologia das organizações: Dos comportamentos de negociação aos de negociação, conflito e sintomáticos

FPIE

Pina Prata, F.X. (1989a) Psico-sociologia das organizações: Comportamentos organizacionais e condução do processo terapêutico em interfaces micro-macro sistémicas

FPIE

Pina Prata, F.X. (1991) Psicologia social clínica: As encruzilhadas do pedido de terapia familiar

FPIE

Pina Prata, F.X. (1992) Un nouvel approche de la psychologie sociale ou l’histoire d’un récent projet universitaire

ISPA

Pina Prata, F.X. (1996) Significações, mãos e olhar do terapeuta sistémico ISPA Pina Prata, F.X. (1997) Formas de intervenção da terapia familiar e

diagnóstico sistémico psicoterapêutico: Complexidade e turbulência

ISPA

Pina Prata, F.X. (2001) La terapia familiar como proceso autor da Monog. Pina Prata, F.X. (2001-2010) Pós-graduação em Terapia Familiar e Comunitária:

Apontamentos do Professor Pina Prata sítio Internet da Pós-graduação

Pina Prata, F.X. (2008) Terapia sistémica de casal. Respigando ideias e experiências

ISCTE, I.Piaget, BNP, autor da Monog.

Com/Por OUTROS: (por ordem alfabética)

APTEFC (2011) Sobre a APTEFC: Estatutos sítio Internet da APTEFC APTEFC (2011a) Publicações: Cadernos de terapia familiar e

comunitária APTEFC (2011b) CIAF: Centro de Investigação e de Apoio à Família Caleiro Dias, F. & Valente, J.A. (2008)

Contributo para uma coletânea das metáforas do Professor Pina Prata

os autores

Narciso, I., Costa, M.E. & Pina Prata, F.X. (2002)

Intimidade e compromisso pessoal ou “aquilo que pode fazer com que um casamento funcione”

FPIE

Sales, C. (2008) Who's this Child? Francisco Xavier Pina Prata sítio Internet da Pós-graduação Sales, C. & Pina Prata, F.X. (1999)

18 Anos da Associação Portuguesa de Terapia Familiar e Comunitária

CIAF

Sales, C. & Pina Prata, F.X. (2011)

Being a systemic therapist in the family and in organizations

sítio Internet da Human Systems

Sales, C. & Vitória, P. (1999) Do gosto da sabedoria à descoberta do terceiro ouvido. Testemunho do Professor F.X. Pina Prata

CIAF

Page 169: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

164

Anexo C

C: Lista de sessões com intervenção de Pina Prata, de que há relatos no CIAF ou no sítio

eletrónico da pós-graduação

Page 170: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

165

Sessões com intervenção do Professor Pina Prata, como terapeuta ou com entrada na sessão, de que

existe relato em papel nos arquivos do CIAF ou em ficheiro na plataforma informática da Pós-graduação

(data refª: 2011.06.01)

Fund. Juventude desde 1995

UAL/CIAF desde 2001

caso data nr.

sessão local da sessão

localização do relato,

em papel ou ficheiro

gravação

video-tape?

S 1995.11.22 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 3

CS 1995.12.06

1996.02.07

1

?

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

TN 1996.01.10 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 3

DL 1996.02.21

1996.04.03

1

2

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 3

JE 1996.03.06 2 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 3

TT 1996.03.06 2 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 3

PL 1996.03.20 2 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 3

AV 1996.03.20 2 CIAF gaveta <--- 2005 / folder A

RS 1996.04.03

1996.05.22

5

6

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 3

NC 1996.04.03

1996.06.20

1

2

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 3

LA 1996.05.08

1996.06.05

1

2

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 3

MP 1996.05.15

1996.06.27

1

3

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 3

MR 1996.05.16 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 3

RC 1996.05.16 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 3

MA 1996.05.16

1996.06.20

2

3

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 3

IS 1996.05.22

1996.06.27

2

3

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 3

LM 1996.05.22

1996.06.27

1

3

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 3

CP 1996.06.05 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 3

VP 1998.11.04

1999.02.03

1

3

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

AMM 1998.11.25

1998.12.16

1999.01.06

1999.02.03

1999.05.26

2

3

4

5

6

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

CB 1999.01.06

1999.02.24

1

2

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

Page 171: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

166

FS 1999.01.13

1999.03.10

1

2

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

LP 1999.01.20 5 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

MJS 1999.01.20 4 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

ACL 1999.02.03

1999.03.03

1

2

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

AG 1999.02.03

1999.05.12

1999.06.30

4

6

7

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

LFT 1999.02.24

1999.04.14

1999.05.26

1

2

3

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

CM 1999.03.03 3 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

JPS 1999.03.03

1999.04.14

1999.05.26

2

3

4

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

TP 1999.03.10 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

CF 1999.03.17 2 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 2

TR 1999.03.17

1999.05.27

1

3

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

BR 1999.03.22 2 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

GB 1999.03.24 2 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

CG 1999.03.24 2 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

MC 1999.04.14 0 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

ALL 1999.04.21 6 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

LJ 1999.04.21

1999.06.30

3

4

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

AB 1999.05.05

1999.06.30

1

2

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

PS 1999.05.19 2 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

NS 1999.05.24 4 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

ACO 1999.05.26 2 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

RN 1999.06.?? 2 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

PR 1999.06.16 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

AC 1999.06.16

1999.07.07

1

2

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

VT 1999.06.23 2 Fund. gaveta do fundo / folder 4

Page 172: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

167

Juventude

HM 1999.07.?? 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

DD 1999.07.14 2 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

MSB 1999.07.14

1999.09.15

1

2

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

AG 1999.09.08 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

AJ 1999.09.08 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

RT 1999.09.13 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

FH 1999.10.13 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

AL 1999.10.20 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 4

AC 1999.10.20 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

PV 2000.01.12 5 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 2

FC 2000.01.12 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

MS 2000.03.01 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

LR 2000.03.08

2000.06.07

2

4

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 5

AC 2000.03.22 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 2

LD 2000.05.17 4 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 2

IS 2000.06.07 1 Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 2

MA 2000.10.31

2000.11.28

2001.01.09

1

2

3

Fund.

Juventude

gaveta do fundo / folder 2

SR 2001.01.30

2001.11.??

2002.02.01

1

2

4

CIAF gaveta <--- 2005 / folder S

FP 2001.03.01 1 CIAF gaveta <--- 2005 / folder F

EF 2001.05.29 1 CIAF gaveta <--- 2005 / folder E

VP 2001.10.??

2001.10.??

2001.10.??

5

6

7

CIAF gaveta <--- 2005 / folder V

Casal C 2001.10.23

2002.11.29

1

10

CIAF gaveta <--- 2005 / folder C

APG 2001.11.16

2002.11.08

2

9

CIAF gaveta <--- 2005 / folder A

CE 2002.05.??

2002.05.??

4

6

CIAF gaveta <--- 2005 / folder C

ASA 2002.10.25 3 CIAF gaveta <--- 2005 / folder A

Page 173: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

168

CDS 2002.10.25

2003.01.17

2003.07.19

4

5

7

CIAF gaveta <--- 2005 / folder C

VM 2002.11.22

2002.11.??

1

2

CIAF gaveta <--- 2005 / folder V

MTM 2003.01.10 3 CIAF gaveta <--- 2005 / folder M

E 2003.03.21 1 CIAF gaveta <--- 2005 / folder E

AP 2003.10.31 1 CIAF gaveta <--- 2005 / folder A

AS 2003.12.12 2 CIAF gaveta <--- 2005 / folder A

LR 2004.10.29 1 CIAF gaveta <--- 2005 / folder L

Tiago 2005.01.01

2006.02.03

?

?

CIAF não há relatos Há videos:

ses.?, 2005.01.01, DVD1

ses.?, 2006.02.03, DVD6

CV 2005.07.22 5 CIAF gaveta <--- 2005 / folder C

Aguenta 2005.11.04

2006.01.13

2006.02.03

2006.12.15

1

2

3

12

CIAF gaveta 2006 ---> e plataforma

plataforma

gaveta 2006 ---> e plataforma

plataforma

Há videos:

ses.?, 2006.04.07, DVD12

ses.8, 2006.07.21, DVD21

Cigana 2005.11.11

2005.12.09

2006.01.20

2006.03.10

2006.04.28

1

2

3

5

6

CIAF gaveta <--- 2005 / C e plataforma

gaveta <--- 2005 / C e plataforma

gaveta <--- 2005

gaveta <--- 2005 / C e plataforma

gaveta <--- 2005 / C e plataforma

---

há video, DVD2

---

há video, DVD10

há video, DVD13

Mais videos:

ses.3, 2006.01.20, DVD4

ses.4, 2006.02.10, DVD8/9

Adolescente 2006.??.?? 1 CIAF plataforma informat. Pos-G

Infidelidades 2006.03.10

2006.04.07

1

2

CIAF gaveta <--- 2005 / folder I

Oncologia 2006.10.20 1 CIAF plataforma informat. Pos-G

Gémeos 2006.11.17 2 CIAF gaveta 2006 --->

A Filha 2006.12.04

2006.12.18

5

6

CIAF gaveta <--- 2005 / folder F

Casal 2006.12.18 2 CIAF gaveta 2006 --->

Familia 2007.01.05

2007.02.16

1

2

CIAF plataforma informat. Pos-G

Harmonia 2007.01.26

2007.02.09

1

2

CIAF plataforma

gaveta 2006 ---> e plataforma

Desentendimentos 2007.10.26 penult CIAF gaveta 2006 --->

Digestão 2007.11.16

2007.12.07

2008.01.11

2

3

4

CIAF gaveta 2006 --->

Page 174: Perspetiva sistémica inter-relacional de Pina Prata na Terapia Familiar e Organizacional

169

T 2009.03.20

2009.04.03

2009.11.20

2009.11.27

2009.12.04

2010.03.12

1

2

14

15

16

23

CIAF gaveta 2006 ---> e plataforma

gaveta 2006 ---> e plataforma

plataforma

plataforma

plataforma

gaveta 2006

Bifurcação 2010.07.16 1 CIAF gaveta 2006 --->