Persuasão e Manipulação

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PERSUASÃO E MANIPULAÇÃO O bom uso da retórica – a persuasão Persuasão – Influência de um orador sobre as opiniões e decisões de um recetor, sem intenção de o iludir ou prejudicar. Considera-se legítima a forma de persuadir efetuada pelo uso de argumentos racionais. Há uma predominância do logos, a quem compete controlar os aspetos menos racionais associados ao ethos e ao pathos. Fala-se de persuasão ou bom uso da retórica, a propósito da argumentação que permite aos constituintes do auditório ajuizarem, expressarem-se e decidirem de modo consciente e crítico. Assim, só existe argumentação se o interlocutor for capaz de avaliar criticamente os argumentos que lhe são apresentados. E quem argumenta tem de o fazer na convicção de que o auditório está na posse das suas competências cognitivas, sendo capaz de deliberar e tomar racionalmente as suas decisões. Razão e emoção no processo persuasivo A persuasão apresenta-se como o mecanismo psicológico mais ajustado para convencer as pessoas. Persuadir não é desqualificar o ouvinte, mas reclamar a sua participação no processo argumentativo. A persuasão implica a intervenção de elementos de ordem racional e afetiva. Os constituintes do público devem obedecer a requisição de cariz intelectual, como: 1. Conhecer o assunto ou objeto da argumentação. 2. Conhecer as soluções disponíveis, acerca das quais se reclama a sua opção. 3. Conhecer as consequências decorrentes de cada uma das escolhas. Ao serem respeitadas estas condições, o auditório está apto a aderir criticamente às posições escolhidas, e o diálogo tende a decorrer segundo as normas que o tornam legítimo.

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PERSUASÃO E MANIPULAÇÃO

O bom uso da retórica – a persuasão

Persuasão – Influência de um orador sobre as opiniões e decisões de um recetor, sem intenção de o iludir ou prejudicar.

Considera-se legítima a forma de persuadir efetuada pelo uso de argumentos racionais. Há uma predominância do logos, a quem compete controlar os aspetos menos racionais associados ao ethos e ao pathos.

Fala-se de persuasão ou bom uso da retórica, a propósito da argumentação que permite aos constituintes do auditório ajuizarem, expressarem-se e decidirem de modo consciente e crítico. Assim, só existe argumentação se o interlocutor for capaz de avaliar criticamente os argumentos que lhe são apresentados. E quem argumenta tem de o fazer na convicção de que o auditório está na posse das suas competências cognitivas, sendo capaz de deliberar e tomar racionalmente as suas decisões.

Razão e emoção no processo persuasivo

A persuasão apresenta-se como o mecanismo psicológico mais ajustado para convencer as pessoas. Persuadir não é desqualificar o ouvinte, mas reclamar a sua participação no processo argumentativo. A persuasão implica a intervenção de elementos de ordem racional e afetiva.

Os constituintes do público devem obedecer a requisição de cariz intelectual, como:1. Conhecer o assunto ou objeto da argumentação.2. Conhecer as soluções disponíveis, acerca das quais se reclama a sua opção.3. Conhecer as consequências decorrentes de cada uma das escolhas.

Ao serem respeitadas estas condições, o auditório está apto a aderir criticamente às posições escolhidas, e o diálogo tende a decorrer segundo as normas que o tornam legítimo.

Considera-se o logos como a estratégia persuasiva mais adequada. Assim, como os aspetos racionais. Deteta-se uma sequência de processos mentais que interferem na ocorrência da persuasão.

A p e s s o a é u m t o d o n ã o r e d u tí v e l à s u a p a r t e r a c i o n a l , i n t e g r a n d o o u t r o s e l e m e n t o s q u e n ã o p o d e m

ser ignorados quando se trata de compreender a decisão que toma.

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As pessoas aderem às posições do orador não apenas pela força dos seus argumentos – logos -, mas também por o considerarem credível – ethos – e porque ele soube despertar-lhe um conjunto de sentimentos estimuladores da adesão – pathos.

As pessoas decidem-se em função daquilo que consideram ser verdade e do que é do seu agrado. Assim, a adesão do auditório é um fenómeno que o orador se esforça por conquistar, lançando

recursos/razões do foro racional e do foro afetivo.

Uso ético da retórica

Qualquer diálogo argumentativo deve cumprir os seguintes princípios éticos, o que permite supor que os

participantes estão a agir de boa-fé.

Princípio da cooperação. Todos os participantes devem comprometer-se a respeitar os objetivos

comuns do diálogo. Qualquer intervenção que se afaste da direção previamente acordada arrisca-se a

ser posta de lado.

Princípio da quantidade. Todos devem contribuir com as informações necessárias ao bom andamento

do diálogo. Há que evitar quer a omissão de informações úteis quer ainda a apresentação de

informações excessivas.

Princípio da qualidade. Os participantes devem ser sinceros. Não podem fazer afirmações falsas nem

afirmações para as quais não tenham provas adequadas.

Princípio da precisão. Nenhum interveniente pode distorcer as afirmações feitas pelos outros, deformando-lhes o sentido.

Princípio da coerência. Os participantes devem manter-se fiéis aos pontos de vista que apresentam, rejeitando-se qualquer tipo de afirmações contraditórias.

Princípio do modo. Os intervenientes devem expor claramente as suas achegas. Discursos ambíguos, longos e desordenados obscurecem o que se pretende dizer.

Princípio da livre expressão. Os participantes não podem impedir a opinião ou o questionamento de pontos de vista expressos por quem quer que seja que tome parte na discussão.

Princípio da prova. Todos os intervenientes se obrigam a fundamentar as afirmações que fazem, desde que isso lhes seja exigido.

O uso ético da argumentação assenta no respeito pelos outros, o que leva ao uso de argumentos racionais e ao repúdio de técnicas de adulação, de ridicularização e outros meios da manipulação das pessoas. Na argumentação filosófica, a isenção e boa-fé são ingredientes essenciais. O filósofo cumprirá mal o seu papel se seguir motivos que se sobreponham ao interesse pela verdade.

O mau uso da retórica – a manipulação

Manipulação – Utilização indevida da argumentação com o intuito de levar os interlocutores a aderir acrítica e voluntariamente às propostas do orador.

As pessoas influenciadas atuam sob impulsos irracionais despertados pelo argumentador, sem se terem servido das capacidades deliberativas.

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Previamente munido de ideias que não apresenta para serem discutidas, o orador concentra os seus esforços no desenvolvimento de técnicas adequadas à sua imposição. Atribui aos seus pontos de vista o valor dos dogmas, impondo-as como se a argumentação fosse uma atividade monológica e unilateral.

As técnicas demagógicas e agressivas de venda e de propaganda eleitoral assumem bastante importância para a manipulação intencional.

No 1º caso, o discurso publicitário visa influenciar as pessoas, induzindo-se ao consumo de produtos. O objetivo é a caça ao dinheiro dos consumidores.

No 2º, o discurso político induz as pessoas ao consumo de ideologias. O objetivo é a caça ao voto dos eleitores.

Não se estabelece entre o orador e o auditório uma relação entre iguais mas uma relação de domínio, na qual o orador se propõe, intencional e voluntariamente, a enganar o auditório.

Erro, mentira e engano

Errar – Aquele que erra faz uma afirmação falsa, estando convencido de que é verdadeira. Erra-se por desconhecimento ou por incapacidade, mas não por má-fé.

Mentira – A mentira forja-se no interior de um sujeito mal-intencionado e consciente de que aquilo que diz não corresponde à realidade. A pessoa é mentirosa quando:

1) Conhece a verdade e sabe que aquilo que diz é falso;

2) Tem a intenção de enganar alguém, fazendo-se passar por pessoa credível.

Engano – O engano pressupõe a mentira, mas nem toda a mentira é enganadora. Para que ocorra o engano é necessário que o interlocutor se deixe enganar, isto é, acredite no que lhe é dito. Só há engano quando a mentira produz consequências no ouvinte: fazê-lo aderir a uma afirmação falsa.

Em suma, o erro não se presta a manipular ninguém. A mentira é uma tentativa de manipulação. O engano ocorre quando há, de facto, manipulação.

A sedução – Fenómeno próprio aos discursos publicitário e político.

Os seres humanos deixam-se seduzir pois o marketing e a publicidade são peritos na construção de discursos envolventes e a cuja influência é difícil de resistir.

O discurso publicitário - A publicidade faz promessas ao encantamento e à necessidade de prazer dos espetadores.

O poder sedutor da publicidade leva à deslocação dos atos decisórios da esfera crítica da razão para as áreas acríticas da afetividade. O resultado será: a razão é posta de lado e age-se movido pelo desejo.

Os anúncios são concebidos segundo técnicas eficazes quanto ao estabelecimento de uma relação imaginária e mágica entre o consumidor e o produto. A aquisição de um produto faz-se basicamente porque ele é apresentado como uma mais-valia a ir ao encontro dos desejos e valores das pessoas.

A atuação mágica da publicidade aposta na simbologia das coisas, conotando os produtos que anuncia com valores sensuais como, p.e., atração irresistível. O segredo reside na transformação da relação entre o consumidor e o valor simbólico dos objetos. Por isso, os anúncios sobrecarregam-se de virtudes imaginárias para seduzir as pessoas e induzi-las ao consumo. As pessoas compram os produtos pelos valores mundanos e hedonistas que lhes associam.

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A relação entre o consumidor e o valor simbólico do produto é tão intensa que as pessoas chegam a ser levadas ao consumo apenas pelo valor mágico que lhe atribuem.

É a marca que se pretende adquirir independentemente do produto a que a etiqueta esteja afixada. O que interessa é criar um vínculo do consumidor com a marca, gerando uma relação de fidelidade.

As pessoas seduzidas pelo anúncio acabam por fruí-lo como uma miragem, como um paraíso hipnótico, concentrando-se com o prazer provocado pela visão do reclame, mesmo que não tenham acesso ao produto anunciado. Trata-se apenas de um processo de evasão, arrebatador da pessoa para o mundo do sonho.

O discurso publicitário não descreve, apenas atrai, seduz e sugere. Por detrás do aspeto visível dos anúncios escondem-se ideias e valores que se dirigem ao inconsciente das pessoas. Trata-se de uma mensagem subliminar, ou seja, de uma informação propaganda por estímulos não percecionados conscientemente, mas que o inconsciente capta e armazém.

A estrutura da mensagem – o slogan

O discurso publicitário é concebido para ser endereçado ao logos e ao pathos. A publicidade usa o logos e abusa do pathos. Daí que os anúncios utilizem muito mais a linguagem icónica do que a verbal.

As palavras são organizadas sob a forma de um slogan, que é facilmente memorizável e que ganham força de prova, dispensando qualquer argumentação.

Os dizeres inscrevem-se num cenário, como que “Uma imagem vale mais do que mil palavras”.

As imagens são de rápida apreensão, de fácil compreensão e de leitura agradável. Com um simples relance de olhos ou um simples alerta de ouvidos vislumbram-se quadros que são um convite e uma promessa.

O discurso político

No centro da vida política há um grupo de pessoas que detêm o poder e lutam para o conservar. Há também quem lute para o conquistar.

A chave da tomada do poder reside na capacidade dos políticos fazerem crer que estão em consonância com a maioria.

Esta necessidade de ir ao encontro do grande público leva os políticos a desenvolver a arte de manipular e seduzir para bem mobilizar, usando estrategicamente a retórica.

No âmbito da política, o mau uso da retórica acontece quando:

1. Os oradores/ políticos não olham a meios para fazer acreditar na sua mensagem.2. Ridicularizam e discordam infundadamente das opiniões que julgam ser tanto ou mais credíveis que

as suas.3. Insistem na otimização dos seus pontos de vista, silenciando a todo o custo propostas válidas dos

seus adversário ou interlocutores.

Os eleitores/auditório também contribuem para o mau uso da argumentação, quando:

1) Avaliam a qualidade das propostas apenas em função da cor partidária daqueles que as subscrevem.

2) Manifestam ignorância e impreparação quanto à participação em debates públicos.3) Se deixam aprisionar pela comodidade de atitudes passivas e laxistas.

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Com as assimetrias geradas entre políticos e eleitores, fazem-se autênticos atentados à ética, cujas responsabilidades não podem ser imputadas retórica enquanto técnica geradora de influência, mas às qualidades humanas daqueles que a usam em favor dos seus interesses.