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Terça-feiVa, 20-4-1954 FLWDi\DOR: JORGE LACERDA PíTíJ HP /ÍTTP P ANO 8.° N.° 295? DIRETOR: ALMEIDA IÍSCHE s 3 C->* OMO os indivíduos, pos- 3uem os livros uma to- >( nalidade própria, as- cendente ou doscen- dente. os que produzem o efeito estarrecedor de algo fri- gido. E, assim, insinuando-se em «mas obras, a mão do es- crliar ó semelhante à de Uriah Heep que gerava a frieza, o desconforto o o desânimo por onde quer que passasse. O sim- pies contacto dessas enguias do espirito enregela os melho- res sentimentos, fazendo crês- lar a esperança ou simples- mente não a fazendo espon- lar em parte alguma. Mas, em compensação, um livro de ín- dole resoluta e saudável pode envolver-no3 numa atmosfera rejuvenescedora como o clima de montanha. Era a sensação que me dominava progressiva- mente no correr da leitura da ¦"História da minha infância", de Gilberto Amado. (1). Raras vezes., na literatura brasileira, um livro produziu sobre mim tão avassaladora impressão e uma das causai desse arrebatamento é a ana- logia de várias vivências da infância do escritor, soberba- mente recriadas ali, com as minhas próprias. Não importa a diferença de idade; naqueles tempos, o progresso andava excessivamente devagar e, em conseqüência, o estilo da vida brasileira, sobretudo entre os nossos estados, era geralmen- te o mesmo. Gilberto Amado resume o encanto familiar e simples desse passado numa designação que por si des- perta um mundo de reminis- cèncias deleitáveis: a Época do Hesedá. O grande ensaísta as- . sinala o predomínio do olíato em suas reações. E, deveras, é o sentido que o assoberba do maneira mais veemente, resti- tuindo-lhe, com as emanações agradáveis ou não, de outrora, as preferências e as idiosincra- sias que revelam a peculiari- àaie de um temperamento. Não ê por outro modo, senão pelo impulso de suas sensações, que um escritor consegue sobrepor- se ao lugar comum de cer- {°3 convencionalismos literários. Gilberto Amado está precisa- ttente neste caso; a impregna- Çõo de cultura, no que ela 1em da melhor, não o impede nun- cer de correr voluntariamente os nscos de dançar sobre o abis- mo, segundo o sentido da ira- se nietzschiana que deu título 3 om de Beus melhores livro» de ensaios. Empolga-o a vo- lúpia de enfrentar o absoluto, tendência que. de alguns mo- modo. encorajava o menino impossível de Lagarto. Com- preende-se que o mémorialis- «a viesse confessar: "Nasci ami- ?o da vida. Danço conforme a musica que ela tocar". Esse o traço íundamental do espirito privilegiado que, em =uas remini3câncías de iníân- cia. revela grandeza invulgar, í^jetando-se como uma for- »CJ generosa om que o ardor mstiutivo iem a corrigir-ihe o? vffiv?ffi|jÍM5ff__._y_'''v^^B*™^mm* r' *~j£jSm.\.-^mmwmtl"^^H9b^lmW '' 'fàJÈBàWz?*¦ •>'< •í?9iff Émmwímm Detalhe de "Cristo escarnecido pelos soldados" ROUAUtT "HISTÓRIA DA MINHA INFÂNCIA'" excessos mais agrestes o s«dH- mento da porasia da vida. Que estranhos amavios en- train rio barro com qne êsse oleiro ítgilíssimo da linguagem trabalha o c;eu estilo?! Um grande outilo! Estilo Uo cruom, Kvcmio com.s à semelhança de Goeth? na Itália, não passou distraída - meníe sob as grandes pahuas da literatura universal. Estilo do quem pôde assimilar a in- comparável música verbal de Slicrfcispeavé como bem pou- cos, conservando-a permanen- lem ente em si mesmo como o búzio apanhado em pequeno na praia de Aracaju guardava es- tranhamente o vuido do mar insólito e reboante. Ninauém mais habilitado por- tanto a dialogar com o absolu* to ou a dançar conformo a mú* sica quo vida prefere locar. Dickons terá sido outro hw fluxo que se afeiçoou maraví- lhosamente às suas tendências^ notadamente com o sonso doí humor o o gosto do pitoresco* Mas, nesse admirávol ensaia** ta, dono de inesgotáveis recur-*- sos, o que sobressai são fortes e inconfundíveis matizo» de uma personalidade outono* ma, poderosa organização dai homem de letras, para quen» a literatura não é apenas utt* entretenimento. Sua obra sobre os seus dictx, de menino é de um mestre qua atingiu galhardamente o pon"* to mais alto do "monte sagra-* do", do que falava Machado) de Assis, sublinhando que isso era dado "a pés de ferro e a vontades mais sérias". Paradoxalmente a "Historiai] da minha Infância" revela uns singular acento de humildada) e de fidelidade à vida, parado-^ xalraente por ser de um escrío tor que, diplomata, longotfi anos está exposto ás influêa~| cias dispersivas ou deletéricaç do cosmopolitismo. Pois, a reconstituição dessa? . fase pueril fê-lo reintegrar-saj de corpo e alma na atmosfo , ra naturalmente democrático que, na escola primária, hm* iava os meninos de vária pro- cedência social, sem discrimí* nação de raça ou qualque ouira. O, escritor não teria podido"1 realizar obra assim profundai mente humanizada se não res-^ tituisse, sem idéias preconce-n bidas, o menino de Lagarto rj êsse ambiente. e á iaculdadãf um tanto irracional de viven livremente a sua vida. Esse ato de humildade e o/ horror à bajulação e a mesquí-» nharias que deixa transporei cer em tantas passagens, im^ primiram à. sua obra ura teol) substancial que, prestigiada pelas seduções do tema e doi espírito do escritor, colocam! êsse livro de memórias entre mais vigorosos e altos da noa*' sa literatura. Ia escrever sau*. dáveis, mas é temeridade aplí«* car êsse termo, esteticamente» depois do reparo de Gido sobrei as obras geradas por sentimenH tos bons... E, na verdade; o; primeiro e sério obstáculo que; Gilberto Amado teve pela Jren«4 te, quando quis fixar em livra a sua infância, resultará da que esta "pairava numa a!* mosfera edênica", segundo» 09 suas próprias palavras. Mas, terá sido essa infância inteiramente feliz? Não; o es» critor correu como todo menino) várias peripécias que lhe fixe* ram experimentar de perto 09 insidias do Mal. Um de seu* companheiros de tropelias, Za<* belo, que lhe feriu fundamenta, a perna com um golpe propo-l sital de foice, era porventuro&j um instrumento desse mal, mas^ o menino, 3em rancor no cora» ção, desculpa-o, no que é. s_5 .(Conclui IO.' i»»=),

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Terça-feiVa, 20-4-1954

FLWDi\DOR: JORGE LACERDA

PíTíJ HP /ÍTTP PANO 8.° — N.° 295?

DIRETOR: ALMEIDA IÍSCHEs 3

C->*

OMO os indivíduos, pos-3uem os livros uma to-

>( nalidade própria, as-cendente ou doscen-

dente. Há os que produzem oefeito estarrecedor de algo fri-gido. E, assim, insinuando-seem «mas obras, a mão do es-crliar ó semelhante à de UriahHeep que gerava a frieza, odesconforto o o desânimo poronde quer que passasse. O sim-pies contacto dessas enguiasdo espirito enregela os melho-res sentimentos, fazendo crês-lar a esperança ou simples-mente não a fazendo espon-lar em parte alguma. Mas, emcompensação, um livro de ín-dole resoluta e saudável podeenvolver-no3 numa atmosferarejuvenescedora como o climade montanha. Era a sensaçãoque me dominava progressiva-mente no correr da leitura da¦"História da minha infância",de Gilberto Amado. (1).

Raras vezes., na literaturabrasileira, um livro produziusobre mim tão avassaladoraimpressão e uma das causaidesse arrebatamento é a ana-logia de várias vivências dainfância do escritor, soberba-mente recriadas ali, com asminhas próprias. Não importaa diferença de idade; naquelestempos, o progresso andavaexcessivamente devagar e, emconseqüência, o estilo da vidabrasileira, sobretudo entre osnossos estados, era geralmen-te o mesmo. Gilberto Amadoresume o encanto familiar esimples desse passado numadesignação que por si só des-perta um mundo de reminis-cèncias deleitáveis: a Época doHesedá. O grande ensaísta as- .sinala o predomínio do olíatoem suas reações. E, deveras, éo sentido que o assoberba domaneira mais veemente, resti-tuindo-lhe, com as emanaçõesagradáveis ou não, de outrora,as preferências e as idiosincra-sias que revelam a peculiari-àaie de um temperamento. Nãoê por outro modo, senão peloimpulso de suas sensações, queum escritor consegue sobrepor-se ao lugar comum de cer-{°3 convencionalismos literários.Gilberto Amado está precisa-ttente neste caso; a impregna-Çõo de cultura, no que ela 1emda melhor, não o impede nun-cer de correr voluntariamente osnscos de dançar sobre o abis-mo, segundo o sentido da ira-se nietzschiana que deu título3 om de Beus melhores livro»de ensaios. Empolga-o a vo-lúpia de enfrentar o absoluto,tendência que. de alguns mo-modo. já encorajava o meninoimpossível de Lagarto. Com-preende-se que o mémorialis-«a viesse confessar: "Nasci ami-?o da vida. Danço conforme amusica que ela tocar".

Esse o traço íundamental doespirito privilegiado que, em=uas remini3câncías de iníân-cia. revela grandeza invulgar,í^jetando-se como uma for-»CJ generosa om que o ardormstiutivo iem a corrigir-ihe o?

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Detalhe de "Cristo escarnecido pelos soldados" — ROUAUtT

"HISTÓRIA DA MINHA INFÂNCIA'"

excessos mais agrestes o s«dH-mento da porasia da vida.

Que estranhos amavios en-train rio barro com qne êsseoleiro ítgilíssimo da linguagemtrabalha o c;eu estilo?! Umgrande outilo! Estilo Uo cruom,

Kvcmio com.sà semelhança de Goeth? naItália, não passou distraída -meníe sob as grandes pahuasda literatura universal. Estilodo quem pôde assimilar a in-comparável música verbal deSlicrfcispeavé como bem pou-

cos, conservando-a permanen-lem ente em si mesmo como obúzio apanhado em pequeno napraia de Aracaju guardava es-tranhamente o vuido do marinsólito e reboante.

Ninauém mais habilitado por-

tanto a dialogar com o absolu*to ou a dançar conformo a mú*sica quo vida prefere locar.

Dickons terá sido outro hwfluxo que se afeiçoou maraví-lhosamente às suas tendências^notadamente com o sonso doíhumor o o gosto do pitoresco*Mas, nesse admirávol ensaia**ta, dono de inesgotáveis recur-*-sos, o que sobressai são o»fortes e inconfundíveis matizo»de uma personalidade outono*ma, poderosa organização daihomem de letras, para quen»a literatura não é apenas utt*entretenimento.

Sua obra sobre os seus dictx,de menino é de um mestre quaatingiu galhardamente o pon"*to mais alto do "monte sagra-*do", do que falava Machado)de Assis, sublinhando que issosó era dado "a

pés de ferroe a vontades mais sérias".

Paradoxalmente a "Historiai]da minha Infância" revela unssingular acento de humildada)e de fidelidade à vida, parado-^xalraente por ser de um escríotor que, diplomata, há longotfianos está exposto ás influêa~|cias dispersivas ou deletéricaçdo cosmopolitismo.

Pois, a reconstituição dessa?. fase pueril fê-lo reintegrar-saj

de corpo e alma na atmosfo ,ra naturalmente democráticoque, na escola primária, hm*iava os meninos de vária pro-cedência social, sem discrimí*nação de raça ou qualqueouira.

O, escritor não teria podido"1realizar obra assim profundaimente humanizada se não res-^tituisse, sem idéias preconce-nbidas, o menino de Lagarto rjêsse ambiente. e á iaculdadãfum tanto irracional de vivenlivremente a sua vida.

Esse ato de humildade e o/horror à bajulação e a mesquí-»nharias que deixa transporeicer em tantas passagens, im^primiram à. sua obra ura teol)substancial que, prestigiadapelas seduções do tema e doiespírito do escritor, colocam!êsse livro de memórias entre o«mais vigorosos e altos da noa*'sa literatura. Ia escrever sau*.dáveis, mas é temeridade aplí«*car êsse termo, esteticamente»depois do reparo de Gido sobreias obras geradas por sentimenHtos bons... E, na verdade; o;primeiro e sério obstáculo que;Gilberto Amado teve pela Jren«4te, quando quis fixar em livraa sua infância, resultará daque esta "pairava numa a!*mosfera edênica", segundo» 09suas próprias palavras.

Mas, terá sido essa infânciainteiramente feliz? Não; o es»critor correu como todo menino)várias peripécias que lhe fixe*ram experimentar de perto 09insidias do Mal. Um de seu*companheiros de tropelias, Za<*belo, que lhe feriu fundamenta,a perna com um golpe propo-lsital de foice, era porventuro&jum instrumento desse mal, mas^o menino, 3em rancor no cora»ção, desculpa-o, no que é. s_5

.(Conclui o» IO.' i»»=),

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rôgma*/;e r n 'A;ç if a rtns Terça-feira, 20-4-1954

LAcrílica,

mesmo preto n-dendo O oarúlcr oloiiiC-flooj refletirá obrlgaló»rlamento os conceitos

sactafínlco» do homem que cri-Mm.

Apresenta-se agora uma for-,ma dc crítica que, prctcndai-fdo «cr intclrnmonto impessoalt> racional — livro da tintaria-a-ência humana — cai apowirs«o contrassonso, no absurdo, oqual, embora podendo ser atei-to cm meta fisica, não poderádo modo algum ser adotadojpela ciência (15 evidento quo« nosso conceito do metafísicaa exclui inteiramente do domi-nlo cientifico, seja qual íOío sentido em quo puder sertomado o adjetivo.). Esta no-amodalidade dc crítica é rc-presontada em nosso pais, atra-vê» dc uma posição acentua-damento extremista, pelo se-nhor Bráulio do Nascimento,que, nas páginas da Revl&taBranca, valentemente defendoos seus pontos de vista.

Criticar cientificamente ~-êste i é o nosso conceito —dentro dos estreitos limites quepode ter a aplicação deste mo-do àquela atividade, ó criti-«•ar metódica e objetivamente,utilizando-se dos dados válida-mente disponíveis e tirando daiconclusões racionais. Entretan-to, para a distorsão da criticaacima referida, estas conoiu-soes deverão ser sempre evi-dentes e o critico apenas terian função de ordenar os dadoso operar sóbre élcs sem nadoacrescentar ao que está cx-posto. Assim, a função do cri-tico seria, para guardar eoe-rência com o seu caráter ez-tritamente impessoal, cxpór osdados aritméticamente, geomé-itricamente ou algébricarncüte,em números, em gráficos ou emrepresentações, sem nada lhesacrescentai- de seu. Consequên-temente a crítica se reduziriaã. simples enumeração por quoqualquer elaboração da dadosSncidiria em escolha, em ivi-[iterferência do pessoal, a nãoSer que fossem feitas todas

í&s combinações possíveis dclioperações entre todos os ele-faientos da obra criticada, o#\ie — embora podendo ser re-«olvido como um problema deanálise combinatória — exigi-iria do homem critico um es-'forço de paciência efetiyamen-lie sobrchumano e resultarianum rendimento negativo pois«jeria mais difícil ainda pario destinatário —¦ um homemou uma quantidade de homens;— «eria mais difícil a apreaí-são desta critica do que a pr.ç-pria elaboração.

Ora, a critica, por definição,deverá tirar conclusões e paraisto terá de elaborar o» da-dos concretos <la obra. Estaelaboração porém, é dirigidapara tal finalidade, baseadaesta em tal ou tal hipótese.Esta hipótese, por sua vez, é,baseada numa impressão rece-,bida pelo homem que so toi-vnará o critico. Logo: o humanoje pessoal já começou a agir,'desde o princípio, antes deaparecer o ealculador automá-tico. Se assim não fôsse, te-riam que ser experimentadastodas as hipóteses possíveis, oquo não é possível. Em seseguida à positivação da hi~pótese virão as conclusões dc-.correntes, cm que também ohumano está presente, pois éo homem encarregado da fim-,<jão de criticar quem escolhoigual operação deve ser feita«obre os dados fornecidos pc-3as operações anteriores. Adi-janta, so julgamento houver,«era também o homem que dc-cidirá qual a operação a fa-

ifisei' sobre as conclusões par-joiais, apresentando a çonplü-'«ão definitiva. Assim, a criti-¦ca deverá ser científica no ri-teor do método mas, eomo con-dição para que seja critica, sé-|<rá sempre manifestação dohumano e do pessoal.! Em poesia, mais do que na(prosa, os dados a que acima|«os referimos não são própria-onente concretos porque a poe-«ia age sobretudo por sugestão,a sua linguagem sendo realiza-da pelo símbolo, enquanto piu'a

A fUSTA POSIÇÃO NA POESIA

poesia, pela parábola quandotendendo pura a filosofia eainda por um complexto >ini -bolo-pávábola na poesia mi.sti-ca. (1) Os dados propriamenteconcretos -- os elementos lé-xieos do verso — não terãosignificação por si porque nalinguagem especial dc oatlajmeta as palavras, earregadr.»com o dinamismo próprio dapoesia, adquirem um sentidonovo e individual. Por isso,antes dc qualquer levantamos-to dos dados que fundamen-tarão a análise da obra, o en-tico deverá — «em o que nãoestará em condições de criticaro poema — como homem pro-curar entender o que o outrohomem diz. Repete-se por im.v-gem o processo da própriapoesia: deve o crítico, antesde . tudo, procurar conhecer oque foi conhecimento do poe-ta. Então: o crítico está parao poema assim eomo o poetaestá para a vida. Não se tra-ta, da parte do crítico, de cria-ção. Queremos deixar bem cia-ro quo critica não pode, demaneira nenhuma, ser criação,pois, enquanto esta nasce dooontacto direto com a casén-cia da realidade universal in-determinada, a apreensão dalinguagem poética é contadocom uma interpretação deter-minada — em maior ou menor,grau - - daquela realidade.

O primeiro passo para a aná-lise integral de uma obra poe-tica é, pois, a apreensão totalda transmissão do poeta atra-vês do poema, após o que ecíáfeito imediatamente o julga-mento preliminar eliminatóriode sim ou não, se é ou nãopoesia. Aqui devemos salientarque só o poema pode ser obje-to de critica, nunca a poeãia,que é na sua essência perfeitae verdadeira. O crítico deve-rá apenas dizer, com referên-cia à poesia, se está ou nãopresente no poema, isto é, soo poema é autêntico ou falso.Não há poesia boa ou má, apt-nas há poemas, no caso de se-rem autênticos, be mou malrealizados.

Em seguida será feita a aná-liee do poema, onde, aindapor uma comunicação simpãti-ca, será dado um sentido à lin-guagem poética — não pode-rá aí haver regias e só o ho-mem naturalmente capaz esta-rá em condições de realizaresta interpretação. Será levan-tado então o cadastro do ma-terial da obra,,já devidamenteinterpretado, e dai se poderãoagora elaborar os dados — commaior ou menor complexidade— no sentido de chegar a umaconclusão sóbre o valor este-tico do poema. Êste valor evi-dentemente é de caráter emi -nentemente pessoal pois —pe-lo menos até o presente — aciência ainda não tem conõe-guido estabelecer uma teoriade estética própria. Paralela-mente poderão ser tiradas dosmesmos dados conclusões psi-' cológicas sobre o próprio poe-ta, aplicando-lhes os princípiosdo «behayiourismo». (No casoos termos concretos eqüivale-rão aos dados sobre o co rapar-

; tameuto do indivíduo). É pre-. oiso que se tenha em vista que

ò poeta, como homem, fora raj sua obra, não interessa ao cri-

tico — êste não tem nenhuma. iieceSvSidade de conhecer aque-'.le

pessoalmente. Falamos aquido homem-poeta presente nopoema. Aliás poderia ser fçi-to um prolongamento que atin-gisse o homem vivo mas êste«eria antes interesse da psico-logia ou da psiquiatria que dãcrítica literária.

Tendo definido «uináriamen-te nossa posição diante da cri-tica do poema, passamos ago--ra aos nossos conceitos sobrepoesia, já, publicados neste pe-riódico (2) e que resumimos aseguir.

A poesia pode ser considera-

LEDA BÁRRMm

ua na «ua natureza ou ossõn-cia — unia participado do bo-mem no absoluto — o :u* huirealização whisívcI ¦—• tttrftvofiibi poemíl- ®m síntese pode-mos dizer : poesia ó conheci-incuto ua sua origem o co-municacão no seu fim. O poe-mo sob o aspecto Integral po-de. m>r definido «orno unia Hei1 r a n «missão da experiênciapocíica (rui* experiência >eh-do o limite para o qual tende» perfeição do poemn »a suaexpressão) por uma língua-gom adequada a esta cxiierièn-ria e orientada pelo fim de <;«-municacão, baseadas celasduas condições na harmoniavocabular.

Nesta justa situação se co-loca o Sr. E. C. Caldas com osseus dois livros «O PrimeiroMistério» e «Origem*. (S) Acolocação justa do poeta di-ante da vida como objeto deconhecimento, diante da poe-sin como processo de conhe-cimento e do poema como Ins-tiumento de expressão^ e co-municacão, esta situação jus-ta não indica uniformidade pa-ra os poetas. Antes, na mesmafunção, cada homem é singulare a sua poesia deverá ser in<dividual e única. Entretanto,d a observação generalizada,podemos concluir que os poe-tas, na integral acepção quedamos ao termo, se grupam deuma maneira geral, segundo a«ua atitude diante do objetoda poesia, a vida, em poetasfilósofos e poetas místicos, iímqualquer dos dois grupos es-tara sempre Incluído um poetapois a essência íntima da poa-sia é a mesma da filosofia eda mística — uma busca pelotornem da própria unidade naunidade do ser — variandoapenas a linguagem, que roí aespecífica em cada gênero, ovariando ainda estes tipos delinguagem segundo as difere»--ças específicas dos que a»«t ex-primem. A poesia é, de certamaneira, como a filosofia e amística, autônoma, não havon-do porém entre os três fron-teiras bem determinadas. Aclassificação que apresentamosaqui se baseia na maior afini -dade com um ou outro g£-nero vizinho.

Dos dois tipos gerais de poe-tas segundo a sua atitude dl-ante do objeto da poesia, odos poetas filsósofos ê assi-«alado por uma atitude inter-íbgáiivá e a marca da sua lin-guagem exprime a angústia di-ante do enigma da vida. Seja.qual for a corrente filosóficaa.que'por acaso pertençam, oumesmo que não haja tal filia-ção, a sua posição é acentua-damente existencialista nestaaspecto de perplexidade diantedo que é real e da subordina-ção de uma possível interpre-tação do universo á condiçãohumana do poeta. O outro ti-po, o místico, é aquele que pe-lo amor atinge a comunhãouniversal e, sintonizado com aharmonia cósmica, experimentaa alegria perfeita. A sua atitu-de ó acentuadamente otimistae a sua linguagem é cânticodo louvor. Não há somente csexemplos oficialmente rec o-nhecidos do São Francisco dcAssis, São João da. Cruz o San-ta' Teresa de Ávila mas, pas-sando por outros grandes na-mes com o Rilke e Hõlderlin,só querendo citar nomes da li-teratura ocidental, há tambémos místicos menoresS. O quequeremos acentuar é que o ca-ráter místico nem sempre é in-dicado pelo objeto visível nopoema e sim pela atitude dopoeta, nitidamente afirmativaPoderão incluir-se neste grupoaté mesmo poetas que se ex--primem pela linguagem èrôt.l-ca e ainda os poetas de feiçãopopular, uma vez que seja au-têntica a sua poesia.

Há entretanto poetas queevoluem dc um para outro

grupo, normalmente do pri-meiro para o segundo, po*/*,sendo o primeiro a formula-ção do problema, o segundo fcs-rá uma possível solução, ou asolução paia o poeta. ÕlCioil-mente se poderia dar o contra-rio, a passagem do segundogrupo para o primeiro, o quoseria um proccs.su involutivo.Um exemplo desta evolução dotipo filosófico para o tipomístico temos no poeta E. C.Caldas que, sendo ainda ]t>-vem, já mostra nos «eus doi:ilivros sensível mudança do ali-tude diante da vida. Inqlüsivepelos próprios titulou dos n-vros é evidente a sugestão des-ta diferença. «O Primeiro Mis-tério» é, na sua unidade^ - »'»sdiversos poemas compostos nomesmo tom --• uma pergunta,uma expressão da angústia di-anto do mistério da èxiátèttjCia:o homem vive e se perguntaqual o sentido desta vida. «a«Origem», lançado com um In-tervalo de dois anos em rela-cão ao, precedente, é uma ten-tativa dc resposta à perguniaformulada, enunciando u m ainterpretação da existência numana. «Origem» fala do piin-cípio e do fim, e do. seu tèr-mo médio que é o homem, ca-minhando de deus para deus,já «gora afirmando a éxisten-cia do sêr: o homem existe e.é porque é deus. Resumindo: alinguagem de «O Primeiro Mi.s-tério» é interrogativa, enquan-to a dc «Origem» é exclama-Uva.

Passando à análise de acõr -do com ò esquema traçado, te-mos a dizer, quanto aos dois li-vi-os em foco, que o teste eli-minatório de sim ou não • -presença ou ausência de poe-sia — é positivo. Como foi cx-posto acima, êste julgamentoé relativo à pes.soa que o omi-te -— no easo tlepende a sua

.validade exclusivamente da, ca-paoidade natural e adquiridade quem assina o presente ar-tigo. isto é da sua sensibU.uin-de à poesia e do seu preparotécnico, sendo êste um meroinstrumento daquela.

O Sr. E. C. Caldas, niostrán-do ter tido real experiênciapoética, consegue traduzir co-mo poeta o seu conhecimento.Tendendo no primeiro livropara a posição filosófica eno segundo pára a mistioa, asua linguagem é porem sem-pre genuinamente poética poé-tica,. transmitida predominan-temente pelo símbolo era «OPrimeiro Mistério» e pelo com-p 1 e xo simbolo-parábola em«Origem».' Esto equilíbrio é rc-sultado de excelente discipli-na interior ©qualquer quedaaí resultaria em gêneros hibii-dos. — filosofia e mística sobtécnica poética — o que afi-nal não teria a mesma forçade sugestão que cada gêneropuro. O perigo de resvalar nohibridismo está porém preseü-te em «O Primeiro .Mistério»,como, por exemplo, no poemacAs Rosas»:

«Brancas ou vermelhas, elas_i.estão

completas em si mesmas.Sempre existiram sem que

Fm rásnada lhes fôsse acrescentado.?

«Origem»; sob êste ponto devista, é realizado em condi-ções excelentes, permanecendoa linguagem, no seu equiií-brio, propriamente poética.

Prosseguindo, apresentaremosa interpretação do3 livros e,usando dc linguagem técnicamusical, que ilustra adequada-mente nossa intenção neste ca -so, daremos as suas notas Lò-nicas ou a tônica nos diversosgraus. Como foi exposto aci-ma na parte geral, nem sempreesta tônica é evidente material-mente e, neste caso, caberá aocritico procurá-la através d«3

palavras que compõem o j,ma.Ah '

palavra* que aji.;, .com maior freqüência :,.Primeiro Mistério» são ,\u>w.figurando cm se to pri,;,,',«mistério» c «morto, em ,o «angústia» em cinco. a>.,iem linguagem êsiÃtintlca, > ilavra normal ou modal <|n ;vro é «além» e a.s quo ,,.»o aproximam da moda«mistério;.» e «mortoj» <-. chignida, «áugilietla». Pòdcri.i,ndar uma interpretação y^lógica do livro, ordenando ítes termos de frequôiicJn ii.i,alta, eomo uma atitude dc .,gÚNtia ante o muslório idéin 'mortes ou «angústia anumistcrlo do além e da ui.ni,fjá que «além; é empregado!maioria das vezes, ou si j;70% dos casos observado*,.mo substantivo e em 5(1% ,mo advérbio) ou ainda eainjHa'ante o mistório ti.i n\{,lnante a morto (pôslo que b n;tério não reside proptianu-ina morto mas no além), riordem c arbitráiia pois ní,«evidente dos elementos i„jrialmente presentes mus h. ,,rduto da intxiição do liomeiei-ítico, que estabelece uma :lação enti^c os termos -•;:veis. Ora, esta relação, .nexo é justamente :i essemdo j)oema, correspondendotermos materiais às manifejções da existência.' Assim,essência da transmissãopoeta é captávcl pelo hom— embora em termos i-olavos-humanoa mas niirica jIa crítica impessoal, que ú,potente paia périèlrar nsència do universo, boa; eodas suas manifestações. Cotruindo um paralelo com otudo do homem, a críticaentíflca corresponderia u atomia e à fisiologia — ¦dando o aspecto morfoiújdo poema e as suas inanifitações semânticas — ehquat!a interpretação intuitiva •responderia à psicologia, |ucurando atingir através ites aspectos estático e dinilco a causa das suas mahi!taãões externas.

Entretanto, se bem que sêste método válido pelos picípios da moderna psi< olojexperimental, há aindainterpretação de menor \Muniversal mas para o i riifem particular e, éycntualraqpara o público,, de nv-iorciência ou poder de pentfflção: é a tradução indireta ijfIa linguagem explícita, opefção realizada pela intuiçao|homem que critica. Assim,ourando através das paliivifjachamos que a nota prijudo livro é uma cómbinaçáo|medo xe angústia diantmistério da própria exisíéiiO poeta sente, a vida eiiiLna rosa e no pássaro — o, |ipodendo penetrar o mis»que está além destas nüiniltações, o «além», o ^.inviaivfVel», o «sobrenatural» e o '<%no» (termos do livro),mado pela angústia. O roíjque explicitamente a p n i'1com baixa freqüência, é enttanto sensível em várias ¦sagens como, por éxc"iiMllü'fpoema IV da primeira r;utij|livro, «O Fogo Sagrado»:

«Quero apenas encontrai->»|l.cju-;

possam encontrar-se nestajj

amarga de trêmulas P<

A morte, se bem aparouplicítamente com elevada ¦quência, não tem geralnin;i|sentido próprio ordinãiiossim o de equivalente a ';!1-j— calem da morte» ouda vida» seriam a mesníasa, pois seriam a expi'vv-';ill|que está além dos sentiu*

<:0 além começa ondeos. olhos. A viagem eum suspiro

!H'I1

Então resumiriamos a •de do poeta (do poeta P^=no iivrò exclusivamente

(Continua na '1." pás'»a)|

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Terça-feira, 20-4-1954 LE T K A S E 'AR TES ?ógin.i — 3'\

O

último livro de Henryde Montherianl, "A His-tória do Amor da Rosa

de Areia" será talvez mero pis-tilo lirico dessa mesma "Rosa

de Areia" que êle terminou om1932 com mais do quinhentas

páginas o manlsve inédita. E

so pettecia aos seus leitores

que Montherlant estava em de-clinio. este último romance osoergue ao grande período de"Ia Releve du Matin" e àe"Service Inutile".

O autêntico leitor atraído pe-Ias seduções do estilo sempreteve em Montherlant um amigonobie e útil., pois nas suasfases principais., a dos livrosacima citados e a outra, de"La Petite Infante", e do Sois-tice de Juin". êle se caracteri-za por virtudes iá quase ine-xií,lcntos na literatura atual:um estilo clássico exteriorizado

pela soberania, segurança e

precisão- tudo isso apoiado mi-ma sintaxe provindo em linhaie'n do humanismo cresceute.

Já o inconiormado Bernanoso tinha na conta de "o maiordos nossos escritores". O leitorde pecas como "O Mestre de

"A HISTORIA DE AMORDA ROSA DE AREIA"

, i

Santiago" e "Malatesta" talvease decepcionasse um pouco como antigo descendente das vir-tudos léxicas de Raciiv-, Cha-teaubriand e Stendhal. E' que.de certa época para cá, Mon-therlant parecia ter deixado derefletir aquele espirito moral dePéguy e de pregar exatamenteo oposto das "Nourritures Ter-reslres" de Gide. não obstanteseus temas e seu estilo ondu-lar em sempre numa atmosferade gratuidade disiarçada.

Sempre houve, é verdade, noMontherlant das duas fases,uma ambigüidade estética, iei-ta de contradições muito bemalinhadas em simetria- heróis-mo e displicência; culto pagãoe ascese mais do que mística;doutrina de sacrifício e convi-te à disponibilidade. Sua as-cendêncla espanhola por certoo joga ao mesmo tempo num

JOSÉ' GERALDO, VIMUÍt

itinerário de Dom Quixote ede São João da Crus, de Santi-lhana e de Calderón.

Como escritor católico o comodirigento teórico e estático dumocidade, não imitou atuaçãode Péguy nem de Barres., ja-mais se serviu de armas dia-léticas ou polêmicas.

Caiu pois., pouco a pouco,no ecletismo, êle que antes pa-recia tão categórico e definiti -

vo. Acabou pois iicando meroartista, de uma personalidadecontraditória, ora cristã oraprofana, ora religiosa ora lai-ca, ora mística ora política.

Todavia esta "História deAmor da Rosa de Areia", soainda é uma ambivalência en-tre o Ocidente e o Oriento Pró-ximo, entre a França e o num-da árabe; so ainda lhe dá en-

T sejo constante de largar a tra-

ma do romanco e onvoredarpara o ensaio e para toda sor-te de equilíbrio olímpico no en-tilo, parece haver reposto Mon-therlant na sua grande laseantiga. Se até aqui perdurousempre o artista se servindodo bom gosto como preparo detela para seus lemas, mas hou-ve queda e decepção, sem dú-vida este romance de amor, emsua força lírica recobrada ocom seu enredo lógico não pre-judicado por dívagações erudi-tas., trouxe de novo o autor ma-logrado de "A Rainha Morta"aos grandes estágios de "Mors

ot Vita".Montherlant significa nesta

época de experiências onde jánão entram um Max Jacob nemum Apollinaire, a recuperaçãoclássica legitima, porém emconstante evolução dentro da

* pauta francesa de crescimento

o florescência. Colegas ueus»prendados com Malraux, seguiram outros caminho:: batido <polo vento da dialética. Elo fl*cou a serviço do uma vocação'herdada com muitos doíeitos oqualidades, com toda a taraespecifica do descondenle docivilizações. Mesmo essa volta

Iao assunto oriental não deixa:do .-.or um reingressar no oásispermanente que é na hora atua,r|do mundo a literatura lírica.

Se estivesse vivo, Bernanosvolveria ao entusiasmo antigo»pois. sem dúvida Montherianlé o maior escritor vivo de ori-gem latina.

Nesse sentido- tudo quantoPaul Valéry herdou do mundogrego em sentido estético e emaproveitamento de mitos; tudoquanto Gide herdou do mundepagão e fixou no crivo pro-teBtante; tudo quanto Claudeherdou da Idade Média, nadotendo do Mediterrâneo, se acheparadoxalmente contrabalança-do em Montherlant. Mas se nãcmantém a coerência substan-ciai daqueles, lhes aproveitou)o acervo para uma criação]nova.

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Vinheta de Santa Rosa1

A MALDIÇÃO DA INIMIGAERAS CRIANÇA AINDA E JÁ TEU VENTRE

ANTECIPAVA CARDOS NASCITUROS.A PEÇONHA DE OFÍDIOS SE FORMAVAEM TEUS SEIOS DE LUA ADOLESCENTE. •

ERAS PEQUENA E FEIA, DE ALMA ESCURA

NO CORPO COMO PRASA DESMAIADACRESCIAS PARA O MAL E TE NASCIAMESCORPIÕES NA LÍNGUA, COMO ESC AMAS/

NADA VEIO DE TI QUE VICEJASSE.DE TUA TREVA A LUZ JAMAIS BROTOU.DO SOLO DE TUA CARNE A FALSA ROSANASCEU PARA UM DESTINO MALOGRADO.'.

ÁRVORE ESTÉRIL. MAR GLAC1AL SEM VIDA.GRUTA DE MONSTROS. ANTRO DE FANTASMAS.MALDITA TE FIZERAM IMPREVISTOSDEMÔNIOS CONCENTRADOS EM TUA ALMA.-

MALDITA SIM. DE TI NAO CRESCERÁ

SENÃO O CAULE HOSTÍL DO ESPINHEI RO.'

MALDITA COMO UM RIO ALIMENTANDO

A RESSEQUIDA BOCA DOS INFERNOS.

O CORPO QUE TE RESTA — AGLOMERADA

DE NERVOS E CABELO E HUMORES VIS —

MURCHA CONTIGO. E MURCHAM OS TEUS SEIQS,1*

A GRAÇA DESFALECE EM TEUS QUADRIS.

OCULTO JÁ TE ESPREITA 0 POLVO CRUEL

QUE HÁ DE SUGAR TEU SANGUE, HÁ DE MORDER

TEUS NERVOS FRIOS. NUM COVIL DE RATOS

REPOUSARÁ TEU ÁLGIDO ESQUELETO,

NÃO RESTARÁ ENFIM MAIS QUE A MEMÓRIA.

DO TEU MUCOSO NOME, QUE ESTE POEMA

CELEBRARÁ. E A TUA LÍNGUA DE OSTR/MULTIPLICADA EM GERAÇÕES DE VERMES,

DOMINGOS CARVALHO DA SILVA

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¦:¦*¦' ¦;¦-¦ S-.í:--í- ¦'•*¦«¦ :íI :¦''¦;>' "''¦-: '¦¦>*'':> r:;;C!i^ -^*«» T^S ¦' ¦;¦*¦*••;¦ : iftl^r,*-

Vigína — 4 •tiri-» i? ar* hj Terça-feira, 20-4-1954

«AÍKf.4 l>lí tlllllt A4» . í -f *: *

Aleituru

de "Et NuncManct in Te" naotraz nada de própria-mente novo para a

teompreensao da discutidanotara de Gide; apenas conlir-uma hipóteses que o leitoratento terá feito sóbre a gê-pese do alguns dos seus 11**Ivros, e esclarece um ou ou-(tro ponto de contacto entreia vida do escritor e os seusromances, quase todos maislou menos auto-biográficos."Et üünè Manet in Te" éütil porque permite a análi-ee de alguns aspectos da obraido Gide, baseada em suaspróprias afirmações — sai-jmos do terreno incerto dasHipóteses, para sabermosexatamente qual o papel re-presentado por sua esposa,Madeleine, na vida e na obrawo escritor.

i Falando do autor de "Tre-[ííèe", é muito difícil não era-

>regar constantemente axpressão "vida e obra", pois

.jle, o defensor do ato gra-

Suito,

realizou uma das maisnteressadas obras de que se;em conhecimento na moder-ia literatura francesa. É Gi-le quem o diz: "J'ai touticrit pour Ia convaincre, pour

^entrainer. Tout cela n'estqu'un long playdoyer; au-cune oeuvre n'a été plus in-limement motivée que Iamienne". E se fosse necessâ-rio caracterizá-la numa" sópalavra, seria a sinceridadeque escolheríamos para seuftraço dominante — êsse sen-Itimento que tem sido quase«empre negado a Gide. E aoííazê-lo, estaríamos repetiu-fdo, quase que textualmente,mm admirável trecho do pre-••'tfaeio do autor à edição deÜ927 de "Les Nourritures Ter-jrestres": "Se examino mi-jnha vida, o traço dominantetgue nela encontro, longe deIfeer a inconstância, é ao con-ffcrário, a fidelidade. Essa fi-ídelidade profunda do cora-(ção e do pensamento, quejulgo infinitamente rara".Fiel à verdade, Gide podejser acusado de inconstanteJou contraditório, jamais dejmentiroso; pode-se argu-ímentar que êle estava inte-

. aressado apenas na "sua"/verdade, na "explicação deum caso pessoal, que suaobra não é interessada (peloanenos no sentido imediato ejamais comum) porque, não:<3ef ende uma idéia ou uma fi-Hosofia; ou que, se "interes*Sada", somente se dirigiu amm, limitado círculo literã-íSo. Mas o evidente é. que aobra do defensor do ato gra-ftuito não foi gratuita, e simiflcaotivada; êle não realizou« arte pela arte, ao contra-aio. Nenhum outro autor co-Bocou mais da própria vida naobra, e nenhuma outra obraftoi tão realizada em funçãoSffla vida do autor. Gide teve$fc sinceridade de mostrar-seInteiramente, teve a cora-«em e a torça de desnudarkm público todos os seusdefeitos e fraquezas. Ao dis-jeutir exaustivamente o seuproblema pessoal, era, empJtáma análise, um problemaíütíco e humano que êle•discutia. Agora, depois, de«ua morte, a vida de Gide sejbos apresenta nítida: levadoipela necessidade de conven-«er, e ao mesmo tempo de seacusar, êle se transformouSjum homem público, cujaiBlma foi publicamente ex-posta e discutida, explicadae analisada — não lhe res-Íioü nenhum mistério parapoetizá-la. Ela é bem como

A SINCERIDADE GIDEANA

a prosa de seus últimos 11-vros, clara e transparente.

Ê bastante melancólicoconstatá-lo. Porém, de queoutro modo se explica tenhaêle escrito — e pensado empublicar — um livro como"Et Nunc Manet in Te"? Gideíoi visceralmente um homemcie literatura, que só pensavaem letra de fôrma: compro-ya-o o seu longo "Journal",todo êle escrito para ser pu-blicado, e onde o autor falousempre com a maicr fran-queza, tanto assim que o"Journal Intime", que cons-ta dos trechos censurados,forma apenas um pequenoapêndice do "Et Nunc". En-tre esses trechos, encontra-seum que é bastante caracte-ristico de como Gide nãoperdia nunca de vista a suacondição de escritor: referi-mo-nõs à queima de sua cor-respondência a Madeleine,que lhe causou o maior pe-sar de sua vida. Era por essas cartas íntimas (não eramcartas de amor) que Gideesperava permanecer. É evi-dente que, colocando comoparte da sua obra tal cor-respondência, Gide esperavaque um dia fosse publicada— e teria sido possível afãs-taí êsse pensamento, quandodo ato de escrevê-la? E re-sistiria êle ao desejo de posarpara a posteridade, mesmonessas cartas em que trata-va da questão fundamentalda sua vida, na íntima e do-lorosa conversa com o ob-jeto do seu mais profundoe puro afeto? A situação jáera em si bastante dramáti-ca, o amor de Gide bastanteintenso para necessitar dequalquer representação."Et Nunc Manet in Te"vem colocar-se como des-necessário complemento detrês livros onde Gide maisprofundamente falou de si:"LTmmoraliste", "La PorteEtroite" e "Si le grain nemeurt". Destes, sem dúvidaé o primeiro que reproduzmais fielmente certos episó-dios da vida do amor: a Áfri-ca se revela a Michel numperíodo de convalescença,exatamente como a Gide.Para ambos, é a proximida-de da morte que valoriza avida e a torna desejável. Eé quase doloroso constatarque a sua viagem de núpeiastem inúmeros pontos de con*tacto com a descrita em"LTmmoraliste". "La PorteEtroite" mostra profunda li-gacão com certos aspectos docasamento de Gide. Em Mar-celine já havia um pouco deAlissa, e nesta muito de Ma-deleine. Gide, aliás, confessaque quase todas as suas per-sonagens femininas nasce-ram de Madeleine, emboranenhuma delas constitua umretrato dela. Pelo "Journal",ficamos sabendo que "LaPorte Etroite" e "LTmmora-Jiste" foram planejados aomesmo tempo, o que semdúvida explica certas seme-lhanças entre as duas perso-nagens femininas — aliás,esses dois livros são como cverso e o reverso da meda-lha: a famosa tese gideanada personalidade realizadaplenamente em si mesma,sem nenhuma consideraçãodo próximo, tão bem repre-sentada*por Michel; e a con

tra-íacè, a mesma realiza

WALTENSIR DVTR4tão baseada no próximo, afelicidade alheia como obje-tivo máximo da vida — Alis-sa. Dualidade que se encon-tra nos próprios livros, iso-lados — a Michel opõe-seMarceline, e em "La Etroite",de um modo mais sutil, é aintenção de sátira que o au-tor opõe à sublimidade deAlissa. E, em última análise,a própria vida de Gide, nãooscilou ela entre as duastendências, entre a pureza-do seu amor por Madeleinee a liberdade anárquica dosseus sentimentos?

Não é difícil localizar aorigem e a razão do desviode Gide. O puritanismo pro-testante que cercou sua in-fància e adolescência, povoa-das de mulheres assexuadase sofredoras, de moral in-flexível, ac... .. criando emseu espírito um respeito exa-gerado pelas mulheres, queir. ao ponto de considerá-lasintocáveis. Certo que, com otempo, êle pôde vencer essainibição, mas parcialmenteapenas, Madeleine, que con-linuava representando a in-íància, o símbolo da purezafeminina, estava fora do jc-go. "Surpreendo-me hojedessa aberração que me le-vava a acreditar que, quantomais etéreo fosse o meuamor, mais digno dela —conservando a ingenuidadede não me perguntar nuncase ela se contentaria com umamor todo imaterial. Quemeu desejo tivesse, outros ob-jetos, não me preocupava.Eu chegava a me convencer,confortàvelmente, de que eramelhor assim. Os desejos,pensava eu, eram própriostío homem; tranquilizava-menão admitir que as mulheresos pudessem experimentar,ou somente as mulheres de"má vida". Tal era a minhainconsciência, é bem precisoque confesse essa enormida-de, que não pode encontrarexplicação ou desculpa senãona ignorância em que me

. havia mantido a vida, não medando como exemplos senãoessas admiráveis figuras demulheres, inclinadas por sô-bre a minha infância: minhamãe. primeiro, depois Made-moiselle Shacklcton, minhastias Claire e Lucille, mode-los de decência, de honesti-dade e de discrição, a quema suspeita da menor inquie •tação da carne teria insul-tado, me parecia". (Et NuncManet in Te, pag. 23). A ci-tação é longa, mas necessá-ria, pelo que tem de escla-recedora.

A realização da personali-dade de Michel esmagariafatalmente Marceline, domesmo modo que a de Gideesmagou Madeleine. Diz Gi-de, falando de sua esposa:"Je souhaitais 1'entrainer àma suite, sans souci qu'il íutplein pe perils" (Si le Grainne Meurt, pag. 369); e ain-úu: "De là cette resolutionque je pris, três jeune enco-re, de violenter ses ceticenceset de 1'cntrainer avec moivers 1'exubérance et Ia joie".(Et Nunc, pág. 35). Foi exa-tamente isso que Michel ten-tou fazer com Marceline,'Tèntrainer avec lui versFexuberance et Ja joie", equal o resultado? "Cette su-rabo:-dance que je pretendaispartager avec elle ne de vai t

parvemr qua rmquicierd'avantage", diz Gide de Ma-deleine. E Marceline respon-de a Michel: "Je vois bien,je comprends bien votre doe-tríne, car c'est une doctriivà present. Elle est belle, peut-être, mais elle supprime lesfaibles" iLTmmoralistc, pa?.226).

Essa associação r.ue tei: •tamos entre a vida de Gidéa sua literatura, êle a rea-firma plenamente em "EtNunc", e nisso talvez con-sista a .nica coisa que êssilivro traz a interpretação deGide, como já assinalamospermite-nos afirmar o queantes só era possível dedu-zir. Diz êle, à página 40 dêste seu livro póstumo: "L'e-mancipation ou je Ia voulaisentrainer avait fait ses tris-tes preuves et ne pouvait luiparaitre que téméraire,qu'inhamaine; en tout eusnon faite pour elle, et nerèuissant qu'â Ia meurtrir;je tentai d'exposer cela dansmon Immoraliste, livre queme paráit aujourdT.ui bienfmparfáit; bien ihcomplet,du moins, car il ne tenaitpoint compte ou láissaijb àpeine entrevoir le trançhàntle plus blessant du glaive".

Mas a espada se voltavacontra cie... Em "La PorteEtroite" está o outro ladodo drama gideano: Madelei-no. Por muito que êle reafir-me que ela serviu apenas deponto de partida para Alissa(chega a dizer que escreveu"Et Nunc" por não desejai-que o espectro de sua herói-na ofuscasse a personaílda-de de sua esposa), é pràti-camente impossível, para oleitor, não figurá-la, prhiei-palmente depois de saberque certos incidentes repro-tíuzidos no romance foramtomados à vida real; se Ma-deleine foi "bem mais sim-ples.qite Alissa", nem por issodeixam de se confundir,principalmente se eonside-rarmos que, pelas exigência.!do qite Gide se havia propôs-to realizar em "La PorteEtroite", sua< heroina, teria de,por força, ser estilizada párarepresentar uma certa ten-dência mística, que êle sati-rizou. E aquela que êle fe-rira, que aparece tão sofre-riora e desamparada em"L'Immòraliste", é agora ca-paz de, na sua própria ter-mira, no. seu desejo de seapagar e se sacrificar, feri-Io profundamente com a au-to-desfiguràção a que sesubmeteu. O sofrimento da-quela que amava recai nova-mente sobre o seu causado;',ferihdo-o duplamente: porver desfigurar-se o objeto doseu amor, e por saber queela sofria por sua culpa.Ao representar-se em Mi-chel, Gide não hesitou emdar a Marceline a definidacondição de vítima; eom umahonestidade ainda não lou-vada, êle expõe Michel comtodas as conseqüências queseus atos acarretam, mos-trarído-se, assim, integral-mente. Marceline é encan-tadora, e ao leitor a figurado imoralista há de ser sem-pre. antipática, porque êlesacrifica a esposa. Em "LaPorte Etroite", bem ao con-fcrário, as conseqüências daação de Alissa são amorteci-das pela ínsigriíficância de

Jcrôme, em quem Gkto lS..apaga inteiramente. Nada qdito de modo significativosóbre o seu sofrimento, masludo o que possa c , ruirpara embelezar a uiuuJt, deAlissa, é realçado. E nem porter outro nome, a renúncia deAlissa c menos cruel do queo egoismo de Michel — clu,6 o supermorallsmo, digamosassim, talvez mais anti-na-tural do que o imoralismo.P. quase como se em L'Tm-moraliste" Gide se conde-nassè, e em "La Porte Etrui-te" procurasse desculpar Ma-deleine por tê-lo feridoMaior prova de amor seriaimpossível; essa atitude terásido tomada ihçonsejènte-mente, o que só valoriza asinceridade do autor, a suaparadoxal pureza, capaz deura sentimento desligado dequalquer impulso menosètèreo, ao mesmo tempo quedemonstra não ter podidolivrar-se do sentimento deculpa de ter destruído a vi-da daquela a quem amava,de ter sido para ela uma pro-funda decepção. A ¦ atitücl •de Madeleine, em relação .¦.vida de Gide, parece tê-lomarcado grandemente: "ledérriier regarei que je portaissur ellé devait me rappeler.non point son ineffablc tendres.se, mais le sevère juhe-nieht qu'elle avait du portei:sur ma vie". (pag. 14, EtNunc).

Gide foijj sem dúvida, omelhor escritor francês daprimeira metade do séculoTambém foi o mais discutidoe controverso - quantas gera-ções não despontaram e crês-cerjam ouvindo a discussãodos problemas que êle susci-tou, participando dos deba-tes; ao qual trouxeram pala-vras nem sempre serenas, pa-lavras de incompreensão dr:grandeza desse homem, cujasmuitas virtudes', "in. the ge-neral censure took corrUp-tion fròrii one particularfault", como nos verso* deShakespeare.

Remessa de livros: RuaBarão da Torre, 608, apt.° !.(Rio).

JUSTA POSI?PÕEM

(Continuação da 2." página)mo expressão de medo oamia-do pela angústia ante p n.'i-;-tério da existência supra-sen-síve).

Em «Origem», constituído doum único poema de seU.rrcaversos, achámos secundário olevantamento dos termos itia-teriais — já que a èsíatis! içasó tem validade dentro da ¦ <"'dos grandes números --¦- pas-sandò ã significação direta dopoema. A linguagem tío ¦ Oi-igem» é tentativa de respostaâ pergunta expressa no livroprecedente — é uma interpro-tação da vida em termos poe-ticos. Aqui já não há angulanem medo diante da existón-cia porque permanecendo èín-bora o mistério, foi achado o»sentido para a vida:

«Sabiam que viver era recot'-[quistai':

era distante o céu »?omo j» foraTo inferne/,

era maior a. fome o mai?-- pro-[funda a angustia,

mais intensa a vida c a certeza[dá morte.

Recuperá-Lo instante .-) instar-i.tc.

nas manhãs de sol, nas noitesIde tprmenta,

Conchii mx !«'.' pá^'-)

m

i

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Terça-feira, 20-4-1954 LETRAS E AR T, KS . Página — 5*

NTES da lentativa de pe-nelrar propriamente naossència do livro da c*n-tos do Hol o na Silvei-

fa, "Mulheres, Fraquentamcnte".

Innçado pela Editora Martins.croio ser oportuno trazer aqui

•rias considerações que teciim torno do livro do Carloa)runimond de Andrade, "Con--,.. de Aprendiz". Antes de tu-

io- quoro frisar que a Iam-branca dos contos da Mestre):untmond não me ocorreu por:iprosentarem elas semelhanças:om os da escritora HelenaSilveira, pelo contrário> ató quejmbos os prosadores seguem

ta.-ninhos bem diversos tantona íorma como no fundo. Mas

que ambos aproseniam umario característica comum: em

wap respectivas obras, conto ocrônica se enlciam, seguindo

..to.s dois gêneros de mãosíciías por todo o volume. Cabe

leitor o reconhecimento:;st:i é uma crônica. Já êste

aqui, ó um conto...*'E lá vem então a eterna per-

junta: que é conlo? Qual aái.tinção máxima entre o con-

c- seus três irmãos, a crôni-:ci. a novela e o romance? Fun-

io em que o escritor escre-re sob o titulo do seu traba-hc a palavra

"conto" e nãocrônica"? Fará êle essa dis-tnefio obedecendo a determi-v.:áa* regras de ordem técnicu

se guiará aponas por umar.prociação pessoal, completa-nenle subjetiva e arbitrária? E':on'.o porque éle que? que seja:on!o ov. porque so reveste oIrabalho de características tais

us outro nome não poderiaT?Eis ai algumas das pergun-

:« que têm sido feitas comIroquêricüà e às quais loram

[dadas diversas e contraditóriasrespostas. Vejamos a hipótese

:-;e classificar o conto dejacôrdo com a intuição arbitra-

rici daquele que o escreveu.Maia Mario de Andrade: "con-

é aquilo que o autor quermue aeja conto". Assim sondo,[usufruindo de tal liberdade,ico cogitará o autor de fato-

tais como "tamanho" ou"ação" do seu trabalho; êstepoderá ter dez ou cem pági-nas, poderá fixar apenas o íla-jrcmte dç um homem numa es-

CONSIDERAÇÕES SOBREUM LIVRO DE CONTOS

ttGU vAGvams tellks

quina ou narrar toda sua vida* idesde o nascimento até a mor-v-'te. Quer dizer, a ação no tem-po • no espaço e o menor oumaior número de palavras àsquais o escritor tiver recorrido,não pesam no ato da classili-cação do gênero. E' conto por-que êle* "premeditou" que as-sim fosse.

Uma segunda teoria para dis-tinção do gênero, seria aquelaque empresta ao conto caracio-res próprios tão marcantes emrelação ò estrutura e à forma,que seria impossível confundi-Io com a crônica ou com a no-vela. Nesto caso. não importao autor declarar: isto é um con-to. Resta verificar se isso queêle chama conto, possui as tra-dicionais o clássicas exigênciasdo gênero. E que exigências se-rão estas?

Sem dúvida alguma, seriafácil estabelecer as caracterís-ticas essenciais da natureza doconto, é evidente que esta se-ria uma função elementar seencontrássemos nos maiorescontistas do mundo, traços co-muns sob o ponto de vista es-trutural e formal, traços estesque convergiriam numa linhaobrigatoriamente percorrida atépelos mais livres cultores dogênero. Tal não sucede porém;se compararmos a obra dosgrandes contistas antigos e mo-demos, veremos como diver-giam eles quanto aos proces-sos de realização estrutural oformal. Para não irmos muitolonge, tomemos Maupassant,por exemplo. Que relação ha-verá entre a estrutura substan-ciai dos seus contos com a doscontos de Katherine Mansfield?Nos contos de Maupassant, hácom freqüência o enredo, sãohistórias na verdadeira acep-ção da palavra, possuindo emsua generalidade ae. elemento-res exigências que há nos ma-núaià da arte de escrever, "o

conto deve ter começo, meio ofim". Não são casos ness» sen-tido superficial em quo o au-tor conta por contar, mas his-tóriaa com coluna vertebral eque na sua totalidade podemser reproduzidas oralmente.Que diremos porém dos con-tos de Mansfield — brevissi-mos instantes surpreendidos derepente, simples e fugazes cs-tados dalma. alguns anedóticos,mais sugestão do que própria-mente ação? Quais os tra-ços comuns entre esses doisadmiráveis representantes dogênero?

Edgar Poe — dono do umatécnica também diversa doscontistas citados — apontou co-mo característica principal doconto "a rigorosa economia dosmeios de expressão". E' bemverdade quo esta teoria já foicontestada, pois para muitos,conto não significa redução dspalavras, de personagens oude situações. No entanto, tenhopara mim que é essa uma ca-racterística fundamental, uni-forme nos mais dispares con-listas, Eu lembraria ainda umoutro elemento importante., ca-paz de dar ao conto um cunhotodo especial: o "final" do mes-mo, decisivo nas últimas linhascomo moral de fábula. Aliás,em suas origens históricas, tudoleva a crer que conto e fábulase identiiiquem.

Assim sendo, pesando estasrápidas considerações, creioque o caminho mais lógico noslevaria à seguinte conclusão:conto não é só o que o autorquer que seja conto, não secoloca um rótulo mediante ex-clusivo julgamento subjetivo.Também não estaria subordi-nado apenas a condições fun-dadas num julgamento cientíii-co, pois como ficou dito, nãopossui o gênero caracteres obri-gatórios suficientes para lhaimprimir um cunho marcante.

Convém o escritor recorrer ""a

um julgamento minto, isto é,seguir am pouco sua intuiçãoquo diz ser seu trabalho umconto o não outra coisa; o,além disso, será convenienteverificar se ali se encontramos dois caracteres que. apesarde tudo. vêm resistindo no tem-po: tamanho reduzido e finaldecisivo.

Resta agora definir o conto.Quem poderá fazê-lo? Melhorresponder como Santo Agosti-nho respondeu quando lhe per-guntaram o que era o tempo:"Anles de me perguntarem, eusabia, mas agora já não seimais".

Ora. se difícil ou mesmo im-possível ó a definição, possívelno entanto é o reconhecimento.E após a leithra de "Mulheres,freqüentemente", com facilidadese pode separar os contos dacontista das crônicas da crô-nista. "Rilmo das irmãs de luto","Missa das onze", "A meninaazul" e "O céu a seu gosto"são, por exemplo, trabalhos quese ajustam mais ao gênero crô-nica, à nova alta crônica quecoloca a aulora ao lado de umRubem Braga. Mas onde pre-tendo deter-me não é em sua:5crônicas e sim em seus contos.

Helena Silveira é urna con-tista de estilo essencialmentefeminino. A" intuição e a fan-tasia — característicos marcan-tes da mulher — atingem nessaescritora graus de excepcionalaltitude. Intuitiva e imaginosa,tirando de pequeninos nadasefeitos surpreendentes, conse-guo trazer-nos numa linguagemfluente e harmoniosa, todo oseu mundo, tão rico de suges-tõos e idéias quanto coloridode imagens e metáforas. Revê-lando expressiva preferênciapelo sistema de escrever naprimeira pessoa, a contista éuma introsnectiva pura, geral-

mente de pouca ação exterior*encontra no seu "ou" farto ma-teria) que sua inluição sabá,poder transformar am boloza*'inouspeitadas. E como que «e>bastando a si mesma, apre-sonla-nos então monólogos aàVmiráveis, cujos oxpoenler. são',*a meu ver, "Fragmentos de!uma viúva Irisle" e "A som*»'bra dança".

Os personagens da autora —-quase todas mulheres, mulhe-res freqüente — são desven-,dadas até às raixes. O quanos faz pensar que só mwmouma mulher poderia conhecer,tão bem outra mulher, êste sêr 'que os filósofos vêm conside-rando como um ente completa-mente a parte de todo o rostoda criação... Ora mesquinhas,ora grandiosas, ora irí volas-ora profundas, tudo isso alter-nadamente e tudo isso a umsé tempo, tão variadas e con- 'traditórias personagens têm noentanto um forte traço comum:'a fragilidade. No âmago decada uma das Aidas e Débora:;e Marias há sempre o perfilfugidio de uma menininha ín-consisto e suave como as me-nininhas de Renoir. buscando •'[no homem — simbolizado ria 'pai — a força, a bondade, a •-.'"compreensão ,o amor. E cabe 'aqui a voz exasperada de Ham-let: "Frailty, Ihy nume is v/o-manl"

Duas figuras constantes pas-seiam pelo livro, ostensiva ouveladamente estão presentesem quase todas as páginas: amenininha e o pai, isto é, afragilidade, a insegurança n«busca ansiosa da proteção, dapaz. Assim sendo, é com fre-quência que a autora permitoaos seus personagens um pas-seio à infância; em meio daatempestades, ela como que abrej |$um grande toldo para que sob*êle so refugie seus tipos. Te-nho para mim que são essesjustamente os mais belos mo- ,mentos da escritora. Cito umtrecho de "Meu Violino e Dé-bora": "Quando a sala clareou* ieu era uma coisa lamentável-mente sacudida por soluços.

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Mamãe ralhou comigo: a frisaestava em destaque, todo omundo me vial Li via e _eo-nor começaram a caçoar, rin-

(Conclui na 10.» pá*,'.)

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Vinheta de Santa Rosa

VIAGEMADORMECER, VIAJAR SOLITÁRIOPOR ROTAS INFINITAS,PRESENCIANDO MUNDOS MORTOSEM GASES DISSOLVIDOSEDIFICAttEM MEU PRÓXIMO UNIVERSOE OS QUERUBINS EM CHAMAS'REALIZAREM A ASSEMBLÉIADOS FUTUROS ADVENTOSCOM ROSAS FLAMEJANTES

PARA E. C CALDAS

ENRUBECENDO OS PÓRTICOSE AS COLUNAS VIVASDA PERENE JUVENTUDE.

ADORMECER,E NAVEGAR NO MAR SEM ÁGUASCOMO NAVE ESGUIA EM PROÜELAPARA RECOLHER DESTROÇOS

.. E RECOMPÔ-LOS EM OÁSIS MARINHOS

ELCIO XAVIER

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Figina — 6 .

LETRAS E A R J]ES Terça-feira. 20 4-1954 Ferça teiia. 20-4-1954 LETRAS E ARTES Pagina

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PSICOLOGIADA POESIA

JEAN urriER

O

prazer pocillco c um prfl-zer da imaginação, musnão um devaneio ninor-fo, associativo Indefinl-

do ou indoterminado. Consldc-rado apenas cxteriorinento, êleSc dilui sem uma moldura, semlima ordem ocasional que o si-tuo. Mas a verdadeira orfiaiil-fcação é fruto de um profundoImpulso afetivo.

É preciso distinguir: 1.') oprctOxlo, indispensável, mas aei-dental; 2.") o toma, isto é, o teu-tiincnlo singular e presente queconstitui o fundo do devaneiopoético c se realiza figurativa-monte, seja de unia maneira di-reta, seja contrastada, graças àforça Sa imaginação, e ulilÍ2antloAs sugestões oferecidas pelo pvc-

itexto.O universo interior, onde se

desenvolve essa atividade, é for-inado de imagens sensoriais,mais ou menos precisas, coniplc-tas, móveis, cambiantes c depcn-dentes. Na verdade, è um muu-do indissolúvel c plástico. Es-teuder-nos-ianios demais se en-trássemos aqui nos detalhes dôs-Se jogo de imagens, nas nioilali-idades de suas combinações, nasformas de evocações, nas cir-çunstâncias da poetização c dadespoetização. Mas é precisonotar: 1.*) que o prazer poéticoé extremamente subjetivo, indivi-dual, variável, com numerososfatores (a pessoa que o experi-picnta, as circunstâncias, o pre-tíxto," etc); 2.°) que file está,virtualmente, em tudo (poema,arte, natureza, lembranças, ima-gens, no próprio sentimento quese toma como pretexto) sol) acondição de que seja organizadopelo sentimento; 3.°) que é uni-versai, experimentado, cm ecrlo'grau,

por todos os homens (*).sem qualquer condição de cul-tura; toda uma sub-lilevatura"oferece motivos ao prazer poé-tico do povo c mesmo ao ma»gosto de outras classes sociais.A única relação que o prazo*poético tem com o belo ê nega-tiva: quando n exigência esté-tica impede a emoção poéticade se construir; 4.°) que o pra-fcer poético, ao contrário de quese cré não comporta ilusões.Exige, mesmo, a percepção deuma diferença enlre o inundo doespirito, móvel, onde êle se de-senvolve livremente, c o mun-do material, sólido e resistente,cia sensação. A alma não expe-jimentaria mais o prazer, se liou-¦vesse alucinaçâo.

[! O jogo de imagens é livre-mente estabelecido pela pessoaque experimenta o prazer poé-lico; a sistematização é variável,mas necessária. Opera-se sobreum determinado assunto, quepode variar e até multiplicar-se.3\fas a sistematização é unificadapor sua causa profunda, pelapersonalidade afetiva que se sa-tisíaz idealmente numa fantas?magoria gratuita.

O jogo de imagens é, porlan-to, criação de quem expcrinicn-ta o prazer poético. Essa pessoaé o poeta cièsse poema, muitasvezes bem infiel ao poema cs-crito, que foi simplesmente opretexto (propício, sugestivo,mâgicamcnte revelador, mas pre-texto) do poema interior que sa-tisfaz ao tema sentimental. As-sim se manifesta, por uma cria-çSo subjetiva, uma aptidão àconstrução afetiva que completa

u vida segundo os OYritjos do:oráção.

Km resumo, o prazer poéticopoderia, talvez, ser caracterizadopelo seguinte:

1." — O prazer poético é umjugo de imagens livremente sis-temalizndas para a satisfação daafetividade profunda;

2.8 — No prazer poético, 0imaginação orquestra o tema só-bre o pretexto;

3." — A poesia é uma metafí-sica do coração.

A POESIA NAS ARTES E NALITERATURA

0 prazer poético pode ser can-sado acidentalmente por todas asolirãs de arle. Mas convém dei-xar clc lado aquelas que se pro-põem provocá-lo, cspccificamcn-le, pois, nesse easo, encontra-sea aliança da poesia c da beleza,aliança bem freqüente nas obrasy)rimas. Os grandes artistas, aomesmo tempo que se empenha-vam numa realização estéticafortemeiitc caracterizada, bus-cavam também, mais ou menosconscientemente, revolver a per-tonalidade profunda.

Verifica-se, dessa forma, umprazer estético quase puro nasobras muito bem realizadas; cs-só prazer estético sem poesia équalquer coisa de frio e seco;admira-se a virtuosidade, maspão se experimenta qualqueremoção; a vida parece ler-se re-(irado dele, com todo o seu ca-lor afetivo. Quanto mais o gfi-nero comporte uma emoção poé-tica, essa deficiência 6 mais pe-iiosá.

Segundo as obras, os momen-los, as passagens on os detalhes,um mesmo artista sofre em graumais ou menos intenso, de umabandono lírico, ao mesmo tem-po que o seu poder artístico suh-siste, funciona no vazio. O con-trârio não ê raro: os meios es-léticos podem faltar a uma pro-funda inspiração poética. Todasessas observações valem para apoesia propriamente dita.

Para apreciar bem o caráterpoético nas belas artes c nas ar-tes literária que não visam, emprimeiro lugar, a poesia (o ro-mance, o teatro, a prosa, asobras vèrsificàdas didáticas), de-ve-sc ter em conta a sua condi-ção. Como a perfeição estéticatem, aqui, o primeiro plano, ainspiração poética não se fazpresente senão na medida dopossível, e nem sempre plena-mente. Além disso, as artes c osgêneros não são igualmente pro-pícios. Colocadas no mesmo pia-no, a arquitetura parece menospoética do que a escultura, pi-in-cipalmente que a pintura, queainda é menos do que a música.Lembremos que não se trata doprazer poético acidental que pos-sa ser experimentado, arbitra-riamçnte, muna obra de arle.A poesia é aqui um desenho. Masé um desenho subordinado) Ãcon-tece — a arte particular ou aobra singular açòmodanclo-scmelhor às condições próprias dapoesia — que a Intenção poéti-ça tome uma importância quaseigual à intenção estética: o casoé freqüente na música.

Duvida-se mesmo se a músicanão será tão poética quanto apoesia. Não o acreditamos. Rn-tenda-se, porém, que para asse-{furar a primazia poética da poe-sia é preciso conservar suas cs-

i (Conclui na 10/ pág.)

A que hora coluna

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trabalhar?%••#»•# •»••*•*•••••*'••¦•'"•¦¦••¦•"•¦••"•"¦•^ •**••••¦¦•¦•••••*• **•-•«•«*'**

Curiosa «enquête'' de LES NOIJVFJLLES UTTfifl

e Dominique Rolin: pela manhã, com muito silêi

e Supervielle, lacônicos — Os dois inimigos tio— Fernand Gregh

i*»/m;S junto a escritores francesesDois que não crêem na inspiração

tor9 segValéry e Mallarmé

segundo Dorgelês — Farrêrè e

Béatrix Beck- Bedeltelefoneo

RECENTEMENTE,

LesNouvelles Litréraires

promoveu uma "en-

quête" entre os escritoresfranceses subordinada òseguinte pergunta:

"Quais

seio os seus momentos mais

propícios ao trabalho cria-dor: hó períodos mais fc-eu tidos que outros?". Di-versas e curiosas foram asrespostas, que procuramostranscrever na ordem em

que o entrevistador deNouvelles, Phillipe. Carlier.as divulgou. Nas respostasmais longas, cortamos oque nos pareceu menos ne-cessorio.

BÉATRIX BECK (PRÊMIOGONCOURT (1952)

Escrevo de preferênciabem de manhãzinha* quan-do tudo dorme: então, asolidão e o silêncio sãoperfeitos. Mas eu possotrabalhar não importa r.que hora, salvo tarde danoite. Durante o dia, quan-do a inútil procura das pa-lavras me deixou exausta,durmo alguns minutos, coma cabeça sobre a mesa:quando desperto, lá está bminha espera, a palavra re-belde. Em suma, para mim,os momentos mais fecun-dos são os mais vizinhosda inconsciência que suce-de a uma grande tensão, osmais próximos da passívi-dade vinda após um es-forço.

DOMINIQUE ROLIN(PRÊMIO FEMINA 1952)

Trabalho maravilhosa-mente bem pela manhã,quando a faina domésticase acha em ordem e eu mesinto livre dentro de mim.Escrevo durante uma hora,hora e meia no máximo.Volto ao trabalho depois domeio-dia, também duranteuma hora. Isto para o tra-balho de escrita, própria-mente dito. Mas os mo-.

mentos de trabalho rnte-rior ocorrem durante osinúmeros passeios que douatravés de Paris e dos ar-rabaldes que adoro. No in-verno, trabalho mal, poistenho horror ao frio e meucérebro fica entorpecido.As melhores estações sãoa primavera e o verão, so-bretudo quando estou nocampo. Tenho uma terrí-vel necessidade de silêncio.Dão-mo o campo e suaspaisagens tranqüilas.

FRANCIS AMBRIÊRE: AINSPIRAÇÃO É UMA GRA-

ÇA QUE SE PREPARA...

Não creio na inspiraçãocomo uma graça gratuitae inopinada. A inspiraçãoé uma graça que se prepa-ra e que se merece. Quan-do jó refletimos demora-damente sobre um assun-

vo trabalho e no meto-i aquilo que parece

itf da nascente é justa-ir.tc- o que, de ordinário,lis trabalho nos deu. To-

notas sem cessar, mes-

to, meditámos os ptoblmas, entrámos cm íntifcontácto com. o espírjdos personagens, vemmomento em que as idé]e as imagens esparsasfundem e tomam cordEscrevo muito depresjmas o rápido momento iescrita é precedido cguido de períodos toneide reflexão (antes) evisão (depois). Não temépoca favorável, nemmais fecunda, nem me!corro de mania algujquanto ao ambiente. 6|ta-me estar absolutamejsó. onde haja uma mesaum tinteiro, muito de rme de produzir. (A res-

ROLAND DORGELÈ.:ACADEMIA GONCOURT

Escrevo todas as ma-nhãs, com freqüência de-pois do meio-dia, por ve-

de noite, num canhe- xes ^ tarde, jamais ò noite.que jamais abandono; £ no inverno trabalho me-

Ihor. que no verão: O ca-lor e o barulho, eis a meu

ie lanço as idéias, asiQcns; que me através-

o cérebro e que nãonem perder-se. Quanto

"períodos de criação",coincidem estranha-

|nre, creio eu, com osperíodos de cora-

Quem "não se sente

forma" é, antes de tu-

rante quinze ou vinte anosfui jornalista, o que meobrigou, por necessidadeprofissional, a escrever,muitas Yexes, depressa esem meditação prévia. Ja-mais, no entanto, escrevisobre questões que já nãoconhecesse a fundo. Desorte que aquela exceção

ver os dois inimigos do es- confirma a minha resposta,critor.

JULES SUPERVIELLE:NÂO IMPORTA...

ksos

CLAUDE FARRÉRE (ACADEMIA FRANCESA)

... a que hora do dia ouAntigamente, eu traba- da noite, com períodos mais

um escritor sem von- ,hava de preferência das fecundos que outros.

ferência no campo.

HERVÉ BAZIN: TUêLHO E MÉTODO

Não creio absolutamijte na "inspiração". Cri

;ta de Bazin continuamais algumas frases).

MAURICE BEDEL:LACONISMO

*e seis às dez da ma-inverno ou verão.

duas da manhã às nove.Hoje, pelo contrário, cos-turno trabalhar à tarde.Mas num e noutro caso, oque sempre me pareceu ne-cessorio foi o silêncio emtorno de mim, sobretudo osilêncio do telefone. Du-

xxãt^h •;¦-•- • vK':.,.'' 'A "enouete", xmwP* &EN _¦ • ;_^ . .—,.r:. lJ-&..Vf

LA VARENDE: ENTENDASE QUISER

*

A hora de minha inspi-ração? "Cest Ia troisièmede mon travai!".

FERNAND GREGH l DEI-XADO PARA O FIM PORCAUSA DO VERSO DE

MALLARMÉ)

Hó dois momentos aconsiderar nisso que o se-nhor chama de "a hora dainspiração". O da inspira-ção propriamente dita, omomento do "vers donné".como dizia Valéry. Paraesse, não há, a bem dizer,ocasião particularmentepropícia. O verso se apre-senta de repente, saídobruscamente das profun-dezas da inteligência e dasensibilidade, algumas ve-zes em sonho. Depois háo momento de trabalho, dapoiesis (o mesmo Valérydixit), daquilo que de bomgrado eu chamaria a or-questração. Para o traba-lho, a melhor estação, ameu ver, é inverno,

L'hiver, saison de 1'art[seréin, de Tart lucide

ÍMARLLAMÉ),

mas o espírito sopra quan-doe onde quer..'

ONDE APARECEO DOM QUIXOTE

íiuno BROCA

QUANDO

Dom Quixotccliega ao castelo cioCavaleiro do VerdeGabüo, causa-lhe ver-

dadeiro encanto o silenciomaravilhoso que ali reina,lembrando-lhe ura conventode cartuchos. E mostra Azo-rin de como essa impressãodevia refletir o sentimentode Cervantes, cuja existên-cia Jóra uma série ininter-rupta de átribulações e es-crevera, precisamente, pavtedo seu grande romance, nu-ma casa de cômodos em Vai-ladolid, onde o barulho, o fa-latório, a algazarra cõnstan-te das comadres pelos corre-dores haviam de causar-lheo maior tormènto. O silênciopropício à meditação, aos re-gosijos da vida interior e aolabor intelectual, Cervantesnunca o teria desfrutado namedida de suas aspirações deescritor. E Dom Quixote alipermanece enlevado, natranqüilidade deliciosa da vi-venda senhorial.

Confesso que as releiturasdessa passagem me levam aparticipar, por sugestão, domesmo encanto do herói cer-vantino. Pois todos os quedispõem das reservas domundo interior, bem sabemque não há melhor ambientepara explorá-las do que , odo silêncio e o da solidão.Proust mandara forrar decortiça as paredes do apar-tamento em que se exilara,não recebendo senão dequando em quando, pouquis-eimos amigos, por sentir quetodo rumor de fora poderiaperturbar-lhe a b«sca mi-nuciosa do "tempo perdido".

Bem semelhante à atmos-fera do solar, onde Dom Qui-xote foi tão generosamenterecebido, são os casarões dasnossas velhas fazendas, nu-ma das quais já pude usu-fruir o mesmo silêncio a queCervantes tanto aspirava.Nessas antigas habitações,remanescentes dos nossoscostumes patriarcais, algunsaposentos ficam de tal ma-neira isolados de outros, quequando não há muitas pes-soas na casa, os ruidos seperdem completamente e aconsciência da solidão podeser perfeita.

Mas é preciso acentuar: oencanto não vem apenas dosilêncio ou da ausência decontactos humanos; vem dodelicioso abandono do nossoespírito ao sentir-se fora adcírculo de vulgaridade a quesomos condenados nos am-bientes urbanos, no convívioforçado, e. muitas vezes, quo-tidiano de pessoas que nosaborrecem e nos constran-gem. A leitura de um livro,o gozo intelectual de suasidéias, não sofre apenas como ruído dos automóveis, achegar-nos ao ouvido, mes-mo num décimo andar; so-ire, principalment , com 0último imbecil que nos to-lheu o passo na rua e a pers-pectiva de outros que tere-mos de aturar, dentro empouco. Essa presença cons-tante e inevitável de pessoasvirtualmente alheias ao nos-so espírito, vivendo num pia-no diverso, em conflito táci-to conosco, parece traduzir-

se nos rumores que nos cor-cam, e ..ela nos senti..oslivres naquele silêncio tãobem evocado por Cervantes:o .silêncio em que se eseanca-ram as portas do nosso num-do Interior.

Mas náo julgo seja neces-«ário ao homem estar so pa-ra gozar da solidão. O enlê-vo de Dom Quixote na casado Cavaleiro do Verde Gabaoveio, principalmente, da cer-teza de encontrar-se êle en-tre pessoas inteligentes, ca-p..zes do compreendê-lo erespeitar-lhe os sonhos. Ofilho do Cavaleiro cia poe-ta. e Dom Quixote sentiu-semaravilhado no trato da-quelc jovem, sonhador comoéle, e no daquele fidalgoatencioso, polido c culto. Abase da compreensão entreos espíritos é o respeito ao*hábitos, aos cacoetes, c perassim dizer, às manias quequase todos possuem; respei-to, sobretudo, á necessidadede solidão de cada um. Pe-demos usufruir êste últimoprivilégio, sempre que nos fordado limitar o nosso conví-vio ao dos temperamentosafüis, ao das pessoas comquem sintonizamos. DomQuixote deixar-se-ia ficar debom grado na casa do Ca-valeiro do Verde Gabão, senão o impelisse para adianteum destino de aventuras.

Lembro-me dessa passa-gem, ao ler as páginas do li-vro de Claudo Mauriac "Con-versatíons aveo André Gide",um dos mais interessantestestemunhos sobre o autorde "Si le graih ne meurt..."Em junho de 1039, poucoantes de rebentar a guerra,quando chegava ao auge atensão prenunciadora da ca-tástrofe. Gide, a convite deFrançois Mauriac, vai passarumas semanas em Malagar.a propriedad de família doromancista, entre os pinhei-rais da Gironda. Na vastahabitação rural não fica-riam senão os três amigos;Mauriac, o filho Claude eGide, três homens inteligeiv-tes, entre o silêncio e a pazoircundante dos campos.

Nada os constrangia, nadalhes perturbava as horas derepouso, de palestra e leitu-ra. E a descrição que ClaudeMauriac nos faz do decorrerdesses dias, em tão fecundae pródiga solidão, me dá exa-tamente a idéia daquele cas-telo que tanto encantou DomQuixote. Apesar das diver-gências de opiniões entre oromancista de " M y s t è r eFrontenac" e Gide, divergên-cias situadas em parte numterreno perigoso, o da cren-ça religiosa, n e n h ti m adiscussão acalorada entreambos, nenhuma dessas con-trovérsias, em que cada umse emepenha em não cedero passo ao adversário e soservem para nos excitar osnervos e nos roubar o sono.A inteligência, a finura deespírito, pairando acima dosantagonismos na maneira desentir e de pensar. Mesmoem matéria puramente lite-rária, quando François Mau-riac insiste, por exemplo, nadefesa de Musset, Gide aca-

(Conclui na 10." pág'.j'.•*..«..*.,«.,«..«..*.,»«gu«.,«,.í.t4.n„t>,í„n^(W|„«>.6..»,^.,«,.«Mq.,«1.»!ot..««r •*»«"».-'•.'¦«"

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Página — 8 'LETRAS E AR T E S\a mi ifaWfMMWM— ii m"

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Um livropor se'mana'•'MAR 1 AtGRUBBER

ENSAIO DE CRITICACINEMATOGRÁFICA

9 ?

ILKE, nas Curtas a fum jovem poete, diaia que poucos li- f

vros lhe eram indisI pensáveis, que havia dois, f| porém, que estavam sem- I| pre entre suas coisas onde ?| quer que êle se encontras- I1 se. Eram esses livros a Bi- *j blia e a obra de Jens Pe-i ter Jacobsen. O escritor *I dinamarquês deixou ape-«nas dois romances, "Niels t

Lyhne" e "Maria Grub- fl be", um volume com seis Ií novelas curtas e alguns |1 poemas. Não foi preciso J4 mais para conseguir a gló- 4| ria. Nesses livros está con- |E tida toda sua grandeza. *I c como poeta, de um modo |geral; só tem uma coisa ?j? para dizer, Jacobsen o f| disse com toda a força de ii seu gênio. f| Como "Niels Lyhne", |i "Maria Grubbe" é tam- ]| bém marcada pela angus- ;« tia do ser que, sentindo j| a necessidade e a impor- »1 tância de existir, não con- f| segue realizar-se, sem quo ti isso, contudo, constitua T? um destino de frustrações.| Há um sentido na vida e| um caminho a percorrer t

antes da morte. Maria !| Grubbe simboliza uma j? busca desse sentido e per- í| corre seu caminho, onde |? houver, amor, ódio, peca- f! do, fausto e miséria, rique- }f za e desamparo, torturada J

pelo anseio de um ideal ll que nunca se cristaliza. |l Todavia, seu desespero fi- !i nal e sua decadência mo- I? ral e física nos convence J| de que não houve frustra-| ções em seu destino. Se| ela não conseguiu reali-| zar-se dentro da vida, a || vida realizou-se plena- ?I mente nela, e dessa expe- || riência aparentemente do- |í lorosa vêmo-la crescer em |f sua miséria e integrar-se |ó na essência mais pura dt: ?| seu ser, completa como I| um fruto que atravessou f? todas as estações, ela mes- |i ma acreditando que cada fi um vive sua própria vida f| c morre sua própria mor- *I te. f? A angústia que caracte- Ií riza os personagens de Ja- ]| cobsen nos faz pensar que \t não poderemos nunca bus- ?? car o sentido da vida de || acordo cora nossos sonhos, *

porque esse sentido pode- fra tomar um rumo exata- -| mente contrário ao deI nossa procura. Seus per-sonagens, como todos os

seres humanos, lutam por I| certos valores que pode- ?| ríamos designar com a pa- fI lavra impossibilidade. Es-I sa atmosfera de irreaüza-I ções leva-os a um deses-I pêro total, e como o pon-| to de onde partiram era.. o ateísmo, a dúvida e a ?;; descrença na ressurreição, l

! encontram - se, forçados £pelo fluxo vital, no ponto fserem subjugados eiI moldados por sentimentos fI autênticos e circunstàn- |f cias que não previram. São |I então como que tomados •| (Conclui na 10/ pág.) |

!f

I de

TENHO,

para mini, queo que caracteriza pri-màrlamcntc uma obrade arte é seu contendo

humano, isto é. a visão domundo que apresenta, os eis-mentos que traz para o conhe-cimento, do Homem; é néees*sário se note de início que oacervo de humano define aobra do arte, não entrando cmconta o elemento quantitativo:pouco so nos deve interessarque urna obra contribua mais.ou menos para a análise do Ho-mem dentro do mundo; nemmesmo o valor qualitativo doacervo humano . deve ser con-siderado, pois que nâo se trata,de julgamento de valor: o con-teúdo humano dá, apenas, au-tenticidade à obra, define-acomo obra de arte- expressãodo humano cm primeiro lugar— expressão do humano digo,mas não, simplesmente, repro-durão do humano, o que nosafasta de considerar a artecomo dependente do social, aêle subordinado; rnas como ex-pressão, tratamento, do queexiste, pelo Homem, o que nosevita o outro extremo, de purafantasia, ao mesmo tempo quecorrobora que a obra de arteé para o Homem, para o seuconhecimento.

Entretanto, com a afirma-tiva feita por nós que não hájulgamento de valor com baneno conteúdo humano de umaobra, segue-se, daí, que é detodo impossível uma análisecrítica, que implica em julga-mento; depois, a manifesta ino-perância das tentativas de con-formar a expressão do humanoa leia rígidas é outra das ra-zões pelas quais se torna im-possível, a partir deste elemen-to, julgar e concluir. O elemen-to humano é, portanto, necessá-rio e suficiente para a existen-cia da obra de arte; para suacrítica, necessitamos de outroelemento — o formal; pareço-mo evidente que o elementoformal, por .si só, é inoperantepara a caracterização de umaobra artística como tal; acon-tece, no entanto que, possuin-do seu substrato cm leis con-vencionais, estas mesmas leisservem de cânon para o esta-belecimento de dados que per-mitam o julgamento crítico, se-gundo. uma obra se conformoou transgrida aa leis de deter-minada espécie de arte; o ele-mento formal é, por isto mes-mo, necessário à perfeição daexpressão artística, mas nãosuficiente para esta mesma ex-pressão, pois, se tal se fizesse,estar-se-ia erigindo o forma-lismo cm espécie artística. Ou-tra conclusão quo me pareceevidente é.a de que, se admitir-mos como verdadeiras as pre-missas estabelecidas, as dife-rentes espécies de arte têmorigem puramente convencio-nal, para facilidade de critica,pois, se o elemento humano ascaracteriza, o quantitativo e oqualitativo nâo interferem naexecução de uma obra em obrade arte, mas tão sòmenle asua contribuição ao mistério doHomem. Uma obra ó artística,repetimos, independente do ele-mento humano que apresente;para a crítica, porém, que ne-.QâSSiiô Julgar, _há__ nocea^ad^

RENATO ROCHA

do estabelecimento de leis quedividam o campo da arte emsub-espâçds estanques, a ffínde que se possibilite o julga-mento; destarte, estas leis sãoditadas por necessidades cri-ticas. mas não paro definir aautenticidade artística, que os-ta a dá o humano. Deste modo,a crítica exerce-se em doiscampos: o da interpretação e odo julgamento; a interpretaçãoincide sobre o centeúdo numa-no, o julgamento, sobre o ele-monto formal: ademais, se oconvencional nâo dú autenci-dade - - o que seria sobrepor.o convencional ao existente —,mas sim, o humano, a interpre-tação é imprescindível ao mé-todo crítico, e pode-se mesmoconsiderar inoperante qualquercritica que se contentar com àsegunda etapa, esquecida deque se se concentrar apenasnesta etapa acontecerá que po-dera partir de uma pseuda evi-dência quo anulará todas asdemais, atingindo o sofisma,pois jamais s«^ saberá se sejulga uma obra de arte ou não,o que me parece imprescindívelpara a validade de uma críticade arte; podendo-se, mesmo,chegar ao cúmulo de julgar-soobra-prima um puro jogo for-mal e, ainda, não se poderá dis-tinguir suficientemente a arte

. — que pressupõe a inventiva, e.como tal, a experiência existen-ciai do Artista — e o artesanato— que pela subordinação pura esimples a leis suprime a expe-riência e, com isto, o humano;note-se, além do mais que, cmnome da experiência existen-ciai, o Artista pode transgre-dir as leis convencionais quecaracterizam cada espécie dearte, criando, deste modo, no-vas leis e, com isto, fazendoprogredir e aperfeiçoar-se aarte: o temos caracterizado aobra do gênio. Um tal métodocrítico, que desdenhe o humanoe sua contribuição a uma obrade arte, restará impotente adi-ante de uma obra deste porte.

Parece-me óbvio que as duasetapas do método crítico a quenos referimos se interpenetram,pois se a arte é expressão dohumano, há uma como quetransposição do real para oplano da arte, um tratamentohumano que sofre o inundo ob-jetivo por intermédio do artis-ta; o como é feita esta tráns-posição, fornece elementos parao julgamento crítico, pois estocomo subordina-se a determi-nadas leis e, assim, segundo asleis que sejam empregadas natransposição, estará caracteri-zado a que determinada espé-cie de arte pertencerá a obraque se estuda; mas, no produ*-to deste tratamento por partedo artista não restarão, ape-nas, visíveis as leis formai»,que preexistem em relação àobra e com as quais ela se coa-duna, permanece a visão domundo que o Artista apresentae, o que é mais importante,sua contribuição ao problemado Homem. Para interpretaçãodestes dois elementos, já quenão subsistem leks a que elesse conformem, resta ao criticoa análise comparativa: do real,por intermédio da comparaçãocom a visão do mundo do au-tor; os dados específicos para9,, soihecuqento "do Homens

pela experiência existencial ciocritico.

No Çaligari de Wiener, porexemplo, a visão do mundo épor demais expressiva, a visãode um demente e, mais profun-damente, um quadro de ummundo desumano, preso à cons-ciência burocrática, vítima daordem do mundo; a contribui-ção à problemática do Homemestá na análise da autoridadeque oprime, e o domínio domedo; este conteúdo humano,entretanto, expresso dentro deleis formais de cinema. O queafirmamos, portanto, não é sus-cetivel de julgamento, aqui <¦•&aplica com toda a propriedade;por outro lado. se com todo oconteúdo humano Çaligari ná>>estivesse expresso em liriguá-gem cinematográfica, seriaobra de arte. mas não cinema;creio, também que seria inócuatal obra, com seu decor revo-lucionário, se este não se apro-sentasse para exprimir o dadohumano. Deste modo, a críticaa partir das leis formais so-ria pueril e poderia estai exer-cendo-se sôbrç um produto ex-clusivo de técnica, uma fanta-sia desenfreada e, portanto, talanálise não teria nenhum rigor.Assim, pode-se notar o erro emque incorrem os que pensamque é a análise do humano oque não permite o rigor ciaanálise; muito pelo contrário,o dado humano sendo umatransposição do real, isto é, apatir do real, permite- a todomomento a constatação da va-lidez e da veracidade dá análi-se, ao passo que, eliminando-se este elemento, corta-se- oliame. da obra com o mundoobjetivo, afastandó-lhe a pos-sibilidade de constatar-se afantasia, que c inventiva semnenhum rigor, como expressãoidealistiea que é.

Isto, em geral, para o planoda arte. No campo específicoda arte cinematográfica e suaexpressão — o filme — o pro-blema requer consideraçõesparücularizadas, pois que, emvista do caráter de indústriacom que se apresenta o Cine-ma - - o filme é Arte. segundoa famigerada expressão —, umatemática própria que caracte-rizasse cada diretor é por de-mais difícil; deste modo, en-cbhtramos grandes diretoressem esta temática, o que nosimpossibilita de falar em con-junto de seus trabalhos, comoé o caso de William Wyler, emesmo de Ford, embora nesteo problema se complique, emvista de sua obra poder fácil-mente separada em linhas te-mática3 diferentes.

Ao crítico de Cinema se apre-sentam, de início, dois proble-mas que, embora já bastanteestudados, não tiveram até ago-ra uma solução válida para to-d03 que se interessem pela sé-tima arte. O primeiro deles éem torno do autor do filme.Para muitos, é o diretor, aquê-le que, de posse de todos oselementos de característicastão diversa estrutura, põe em.execução e dá estilo próprio à.realização fílmiea. Ainda sa-bendo ser esta á regra geral.permito-me uma variação aesta regra: na série de terror,de Vai Lewton. verdadeira es-

.cola__de..djrejores, ná&jé evidga-

,Terça-teira, 20-4-1954

te que tenham sido os direto^res os verdadeiros autores 'Iaobra cinemáUeti; as caracte-rlstlcas quo definiram a série,embora cada obru fosse do aradiretor, atestam que. uciniudeles, ngiu alguém supervisio-nando. e me.mio orientando, oCoso de Frogonese. na produ-ção de Stanley Kramer, My ni.<convicts, não pode. evidente-mente, ser levado a conta 4ndiretor; neste caso há maiscomplexidade, porém, pois oDiretor orientou-se por um co.n á r i o cinemntogrúfiramemobem feito; o filme, entretanto,não teria saído com tantas qua-lidades, parece-me, se o produ-tor não houvesse fornecido, aum diretor sabidamente médio-cre. elementos bem seleciona-dos. Figueiroa, no cinema me-xicano, forçando o ritmo na di-reção de Emilio Fernandcz óoutro exemplo de quem nemsempre o diretor consegue ?ero verdadeiro autor do filme,aquele que estrutura a obra:Pueblerina exemplifica bastau-to

Por outro lado. devè-se levarern conta o papel que represou-ta o cenarista numa produção,abrindo as perspectivas para odiretor empregar a linguagemrealmente cinematográfica emsua obra; se atentarmos r.oprocesso de proãúçaô em cine-ma, a importância dó céharls-ta ápresentar-se-á eiárampnte:o produtor inicia econômica-mente os preparativos e soti-cita a história — a importan-cia do produtor está, salve ta-ríssimas exceções, na escòlnada. equipe com que tra malha.Note-se que, a não ser os con-siderados grandes diretores, osdomàis recebem a história -e-riarizada e, muita vez, seguem,ou a isto são obrigados, rigo-rosamenle o cenário, incapazesde obra de criação: è num dês-ses casos que é. a rigor, impôs?sivel dar-se a autoria do filme,exclusivamente, ao diretor, ern-bora seja voruade que a estecaibo, a tarefa cie fazer a obracm sua última etapa. A colabo-ração entre ambos, cenarista odiretor deve, porém, ser a maisestreita possível porque de urabom cenário dificilmente resul-tara uma película totalmentemedíocre.

O que me parece claro aofim destas rápidas considera-ções é que a autoria cie um íil-me não pode ser imputada aodiretor sem uma análise parucada caso. pois, embora sejaregra a seguir, a afirmativa apriori é temerária; depois, àin-da que seja esporádica a in-fluência do produtor na auto-ria do filme, a co-autoria cena-rista- diretor é bom mais ver-dadeira da que possa parecer íiprimeira vista.

Relativamente ao problemado Cinema corno indústria ouarte, assunto decantado, o sim-pies fato da existência de umacrítica especializada e de urna.teoria bem desenvolvida ates-tam a sua existência comoArte; além do mais, como ma-nifestação suscetível de expres-sar o humano, como fizemosobservar no início do presentetrabalho, o Cinema é bem artedas mais expressivas de nossoséculo, pois submete a máqui-na e as exigências industrinifiao dado humano.

A expressão «o filme é arte;'o Cinema, indústria» apesar defrase feita, exprime satisfatò-riamente os termos do proble-ma.

Quanto às implicações entreum e outro aspecto da mani-festação cinematográfica e aslimitações impostas a uma eoutra, seria, como diria Kipling,uma outra história.

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Terei-fcira, 20-4-1954 < /; e t n 'A $ v rA n r e .* Fogfrta

JHPECIALMENTE na»relações diplomáticas,as pessoas, antes mes-mu que as Idéias, in-

fluem .sobremaneira no èxi-ro ou no fracasso de acordosrte pouca importância ou dosque, pela sua natureza, po-dem determinar novos cur-nua na historiados paises con-iratantcs. Este fenômenonormalmente ocorre quandosf 1'aia de relações humanas,mi que o homem age emimicão de seus sentimentos,não poucas vezes sobrepori-do o raciocínio ao instinto

Indá quando o homem, mirma fase do intelectualismoexacerbado, esforça-se porar mais um complexo de

i orius que um complexo deisceras o nervos, ainda as-

um, éle não consegue des-igurar-se totalmente c seiai a fada momento, numv. orno embora breve à sua•>., se antropológica.

Lembro, a titulo de ilustra-ção o recente caso ocorridona ONU, após o discurso dopresidente Eisenhpwer. quan-do foi proposta pelos EstadosUnidos a criação de um fúii-tio mundial de recursos alô-micos para fins pacíficos.Nessa proposta se resumiamires pòntcc fundamentais:destruir estoques de bombasitómicas em todas as partes

do inundo; distribuir às ins-tuições científicas de todo

•i mundo as reservas de ma-iais básicos às desintegra-

çnes nucleares; divulgaçãoampla dos conhecimentos jáacumulados sobre o assunto

VVILL1AM PRESTONRAMBO DEIXA O BRASIL

e constituir uma entidadepara inspecionar em todo omundo a estrita observânciadesses princípios. Pegada de.surpresa pelo discurso de Ei-senhower, sem ter sido, por-tanto, instruída por Moscousobre a atitude a tomar emface daquela proposta, a de-legação russa, chefiada povVishinsky, aplaudiu entusias-mada o plano do presidente,americano. Na reunião se-guinte, cumprindo ordens deMoscou, Vishinsky se pôscontra os Estados Unidos,com os sofismas e tergiversações de hábito. Este fatoexemplifica bem o que aca-bamos de dizer. O homemVishinsky, compreendendo ogrande significado da pro-posta americana, não con-teve o aplauso e vibrou mo-vido apenas por um impulsosentimental. O funcionárioVishinsky, cordeiro e sub-misso. sufocando seus an-seios humanos, foi prio e in-diferente, como uma arrue •Ia de torno.

Estas idéias me ocorrem àpropósito do regresso de Wil-liam Preston Rambo a Was -bington. O Adido de ímprerí-sa da Embaixada Americanaem nosso pais desde 1946 es-

SALDANHA COLLNO

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William Preston Rambotá entre nós a serviço do seuGoverno. Dessa época a 1951no Consulado Americano deCuritiba, William PrestonRambo chegou ao Rio paraexercer as funções de Adidode Imprensa até os dias de

hoje. E no Serviço de Infor-mações dos Estados Unidos,sua atuação tem sido da*:mais importantes c simpá-ticas.

O que cm geral não acon-tece aos representantes dedelegações estrangeiras emnosso pais é a perfeita inte?gração destes aos nossos cos-tumes c falas. O estrangeirono Brasil é um homem ilha-do, restrito ao pequeno cir-culo de relações de seus con-cidadãos que eventualmen-te aqui estejam. A próprialíngua portuguesa a muitosdeles fica estranha duranteanos e quando regressam aseus países vão como vierair,sem nenhum vestígio da ei-vilização com a qual convi-veram. Não diremos que istoseja insensibilidade, ignorân-cia. É antes uma atitudeconsciente de jacobinismo,de indiferença por tudo aqui-lo que não diga respeito di-retamente aos seus casulosde origem. E esta atitude,suas inevitáveis consequôn-cias, não se pode negar quesejam antipáticas o respon-sáveis por muita incompre-ensão nas relações diploma-ticas entre o nosso e outrospaíses.

Wilílam Prpaton Rumbo seIndividualiza exatamente pe-lo modo oposto, isto è, seuquase decênio no Brasil foide uma permanente procurado identificação com os nos-'sos hábitos, nossas tradições. •A Imprensa brasileira, a doRio*em particular, encontro*' *"no Adido de Imprensa ame-ricano um misto de orasilel-ro e de americano que sem-pre lhe foi simpático o agra- •dávcl. William Rambo exer-citou a nossa fala com a de- 'senvoltura de um brasilei-ro, porque não se limitouapenas a entender um poucode nossa gramática para fa-lar as palavras essenciais.Seu conhecimento e práticada lingua portuguesa tem ocolorido que lhes dão as cor-ruptelas, os vícios de lingua-gem, os brasilelrismos que opovo renova dia a dia. Estasua condição permitiu-lheentendimento proveitoso com .nossos homens de jornal eo ajudou a desenvolver nomelhor sentido as relaçõesdo Serviço de Informaçõesdos Estados Unidos com aimprensa brasileira. Ao Bra-sil e aos E. Unidos WilliamRambo prestou assim inesti-mável serviço. No seu caso,o Governo americano soubevalorizar sua diplomacia emrelação ao nosso país. É jus-to, pois, que nos juntemos àsdemonstrações de simpatiacom que toda a imprensa fazum retrospecto das ativida-des de William Preston Ram-bo de regresso a Washing-ton para outras funções di-plomáticas.

"O

I \ ARA aqueles que, comoY> nós, .. vão ao teatro

com üm objetivo bemlongínquo do simples

pnssa-: empo ou da ação di-jestiva, o grupo denominado

Artistas Unidos" semprepermaneceu em condição derelevo'. Encabeçado por umufigura • excepcional, Mme.Heririette Morineau, fez épo-ca pela qualidade de suaatuação o, impossível nega-lo, pelo efeito produzido nasoutras companhias profissio- 'nais. Pode-se mesmo dizerque, depois d'"Os Comedian-tes", foi- êsse conjunto um

a dos fatores de renovaçãoem nossos .palcos, renovaçãono plano do ator, do diretor.

1 cia própria idéia de conjunto,1 talvez. Se não feriu tambémI o plano do autor, (já qne'Duas Mulheres" e "Cravo

na Lapela", as únicas peçasI ce autores brasileiros inclui-«ias em seu repertório, nãoprimam pela qualidade), hão§ m cabe exclusivamente aI culpa, que é múltipla e com-| J)i(--a. Mesmo com textos ul-I Jrapassados, certas pecasI francesas produzidas no ín-I jervalo das duas guerras, pri-maya por uma dignidade deI equipe, e uma busca de per-1 leiçao no detalhe. Quando aI maioria de r,,sso.s elencos vi-I ja (anda à base da impro-

I Sa?> "°s Artistas Uni-aos vinham-com uma cons-ciência de trabalho mais¦ipuraao, deixando gravado"Ji uns a sua primeira tem-orada de «Um ano, com ape-nas quatro peças.' A figura

Z.„cilrotora-inférprete agi-buntava-se de "Frenesi" anv ü.th cle Inglaterra", demanche Dubois a Medeia.')y,-inos Tenness.ee' Williams.

I ,'->wcll Anderson, Eürípé--e.s em.adaptação de RÓbin-* Jeffers..Depois, a transformação

h wuma segunda fase. com0 '¦ -f-»"o alterado,

"TAMBÉM OS DEUSES AMAM"

!0moil"pn'»»o e menos"«pm os Ver

neuil, ameia, e noussm, afarta, com uma ligeira pau-sa para Annouilh, um An-nouilh que nem a Françaaceitara. Conquistada pelacomédia, uma das melhoresequipes dramáticas fazia cô~ro à orgia de risos, ou sorri-sos, com que os teatros inun-davam a cidade. No momen-to é interessante constatarque todas as companhias dacidade se empenham nestemister. : ssim, no Teatro deBolso, Silveira Sampaio; noRegina, uma peça de VãoGogó; no Serrador, Eva Tu-dor; no Rival, Alda Garrido.E "Os Artistas Unidos", emcontraponto, ressurgem comum drama: "Os Deuses Tam-bem >\mam".

Estamos, até o momento,procurando uma justificatl-va para a peça, e para amontagem da peça.

Os cinemas do Rio exibi-ram há uns dois anos o fil-me da Gloria Swanson,"Sürisét Boulevard", com otitulo em português de "Cre-púscuio dos Deuses". Produ-zido quase que exclusiva-mente para o reaparecimen-to da grande Swanson, "Sun-set Boulevard" trazia alémda atriz o interesse pela obracinematográfica, constituiu-do-se uma das melhores pa •lículas dos últimos anos.

Que necessidade tinhamJosé Antônio Amaral Vieirao Luiz Fernandes de se ape-derarem do argumento e deleextraírem este "Também osDeuses Amam"? "SunsetBoulevard" tem sua existêri-

SAMUEL RAWfT

cia ligada ao meio em que sedesenvolve a ação, Holly-wood, aos detalhes, aos pro-blemas do desenvolvimentodo cinema, à acidental (enecessária) presença de DeMille. Dentro desse comple-xo desenvolve-se um dramahumano, nada inédito, daatriz decadente e superadapelo tempo, da mulher de-vástada pela idade. Adap-tando-a ao nosso meio, des-locando o centro do cinemapara o teatro, podando-a dosdetalhes acima assinalados,os autores deram-nos umapeça em que, sem o desejo dablague. qualquer semelhançacom o filme é mera comei-ciência. Se julgavam que oseu meio de expressão era oteatro, poderiam, sem pro-curar outras fontes, levantaro original com o problemahumano da atriz e da mu-lher, o que lhes daria maiormobilidade de ação, já quea todo o instante se-'encon-tram presos ao fio da his-tória do filme.

Partindo da peça em si.não encontramos justificati-va, repetimos, para a suapresença no palco com "OsArtistas Unidos". Utilizandouma serie ... lugares-comunscênicos, não manifestandoforça dramática em nenhuminstante, e com uma diálÒ»gação que deixa muito a de-se.jar em matéria de bom gôsto. os autores construíramum dos originai:- mais fracosque nos foi dado conhecernos últimos.tempes. Observe-,ç o tom nnvftlpscn (radiofô

nico jque se acemua naspoucas frases ditas por Fer-nanda Montenegro, só nãoprejudicando sua ponta por-que tem bem grande a têm-pera de _atriz. Inexplicável,também, o primeiro quadro,sugerindo uma forma indi-reta para a apresentação dapeça. Ine-plicável e desne-cessário. Se conseguisse, pelomenos, uma introdução naatmosfera da casa! Mas, na-da! Os poucos momentos em.que esta atmosfera surge,são devidos mais ao trabalhoda atriz do que ao dos au-fores. No instante em que sefazia necessário um vigordramático, há apenas a mor-na placidez de palavras quese sucedem, sem nada acres-centar. Como exemplo, servea noite de ano-novo, com aorquestra, ^cando só para ocasal. E nenhuma dor, só ogrotesco perdido no drama.As emoções são de superfí-cie, e em nenhum instante oproblema humano se apre-senta com sua máscara au-têntica, perdendo-se pela in-segurança dos autores. De-senvolvido nessas condições,o único recurso para desper-tar o interesse do público nofilial, momento psicológicopara as palmas, seria umacena forte com a atriz. 'Eassim o fizeram, inteligente-mente, marcando a saída deCecüe Rcnaiid com um tre-eho da ''Plièdre"

. Falar des intérpretes é fa-lar quase que ekclúsiyânien-te cie Mme. Henriettè Mori-neaú. razão de ser de toda :i

peça, parece-nos. Cilo ouata,ator sóbrio, com boas possibi-lidades, sofre do mesmo malacima assinalado em Fer-nanda Montenegro, com umtexto imepedindo-o de se in-tegrar em sua personagem.Francisco Dantas sempre nospareceu um caso estranho em"Os Artistas Unidos". Atormedíocre, nunca nos possi-bilitou um vislumbre demaiores qualidades nos es-petáculos de que participa,e não são poucos. Sua voz ésempre a mesma, do inícioao fim da peça, e de umapeça para outra. Diz as coi-sas mais terríveis com o mes-mo tom em que mandariaservir um café, e as pausas,coloca-as à sua vontade. Cul-pa da direção? Um grupo demoços, Oscar Felipe, Fernan-do Torres, Rubem Gil e Lau-ro Simões, desincumbe-se sò-briamente de suas pontas.E nem Mme. Morineau con-segue impor o seu imensotalento à fragilidade do dra-ma. Sua força dramáticasempre nos arrebatou quan-do apoiada em um mínimode texto. Agora, debate-sesem apoio procurando com-plementar o autor, quandodeveria recriar. De seu de-sempenho destacam-se ins-tantes, cenas isoladas em quese identifica. Mas nunca aMorineau de "Les ParentsTerribles", nunca a BlancheDubois, nem mesmo a Mori-neau de "Jezabel".

Por coincidência, ainda, nasessão a que assistimos, ves- .peral do último domingo, atémesmo o tiro final veio atra-sado, e já aguardávamos arepetição de mais um dessescasos em que enchem o ane-dotário da ribalta. Felizmen-te nada houve. É se há umasatisfação, confessamos, éouvir, no final, o trecho de"Phèdre"

Se isso sugerisse algumaC.Oisa aOS "Arlicl;ft<s uni-dos"!...

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Página — 10 1\t E r ras n are es /Terça-feira, 20-4-1954

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(ÇçncIusSo da 1.* páulua)guido polo homom maduro, pa-ra quom> os aton do molequoprocossavam-ao no luaco-íuu-co de uma sensibilidade rudi-montar".

Esse episódio ou antes a ma-noira como êlo é narrado evi-dência o espirito cordial o com-preensivo com quo o momo-ríalista conduziu o delicado liode suas reminiscências.

Uma onda generosa lava asarestas do tanto» outros episó-

Onde Aparece oBom Quixote

«oiiHiisiU) da 7.' púR.)ba transigindo "par soiícl'açort\", embora mais tardeise arrependa, e se lamentea Claude do anseio de ami-zatíe e simpatia que o levaaos limites da hipocrisia. MasGide exagera no caso; o queêle chama os limites da hi-oocrista, na constante pre-ocupação de analisar-se, se-i á antes aquele "tédio â con-írovérsia" a que alude Ma-ehado de Assis, fator essen-ciai da harmonia e do en-tendimento entre pessoas in-teíigcntes. Pois como se sabe,ninguém foi mais um hómerade opinião do que o autor de"Amyntas", ninguém lutoumais para se impor contra acorrente, contra o sentimen-to da maioria enquanto nin-guérií o julgou com maior se-veridatíe em todos os terre-nos do que François Mau-riac. Ainda nessa temporadaem Malagar à leitura de umapeça de Gide, o romancistanão o perdoa com um juízoAmplãcávèl, ouvido e aceitonum tom de absoluta con-íormidade. Claude Mauriactreme uni instante pelos doisamigos. Mas tudo se dilui noclima de paz, solidão e in-teligência de Malagar.

Como não receberiam com-'oreensivamente, esses habi-•.tantes da velha mansão, oforasteiro de olhar estranhoque por ali passasse, numatriste alimaria, a falar dosseus sonhos!...

1 "MARIA GRUBBE"(Conclusão da 8.* pág.)

por uma luz divina, sabem,que a vida que viveram éa que tinham de viver, e

; que viveram angustiadosporque não suspeitaramêsse descobrimento.

Isso acontece especial-mente a Maria Grubbe.Bneónfcramo-rla no fimconversando, quase que

j serenamente, com Hol-\ berg, tipo estranho e mis-í terioso. Ela ainda ama,1 acredita talvez em Deus,| e deve acreditar na bem-\ aventurança eterna por-,; que crê na vida e na mor-m te.Finalmente Maria

Grubbe morre sua própriamorte "depois de arrastar

| sua vida durante mais um1 longo ano quando con-traiu moléstia fulminan-te. Durante sua enfermi-dade permaneceu privadada razão, motivo pelo qual

,v o sacerdote não pôde re-I zar com ela, nem minis-I trar-lhe os sacramentos".| "Emlim dia de sol da-

quele verão enterraram-i na ao lado de Soren. Sô-[ bre a baia clara, sôbre os| trigais dourados, cantou o[ pobre séquito, fatigadof pelo calor, sem pesar nem| emoção".

Cumprira-se a lei da vi-da!

E. C. Caldas

"História da minha infâcnia *>*>

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dios desfavoráveis, corlamenloporquo o oscritor não quis car-regar a mão na pintura do cor-to: aspectos da rcalidado dosua meninice. Nosso esforço dorocriação arlistica de uma fasoedênica da vida. licaram sub-mersos ou não adquiriram re-levo.

Bem haja ósse comedimento àGoethc que permitiu o escritorbrasileiro narrar a história dasua infância sem fazer apa-recer um rictus de angústiaou de ódio cm sua fisionomiajuvenil. Porque, afinal, o quefica do uma infância, que nãotenha sido desoladora ou des-graçada, são apenas imagens ovisões quo é doce reviver ourecriar.

O mundo do menino de La-garto é um mundo que. emcerto sentido, ressurgo integro evivo, na evocação do homemmaduro, com as suas paisa-gens. os seus tipos e os seusepisódios* alguns tristes, outrosalegres. E, segundo cada caso,a nota nostálgica, reflexiva ouirônica denunciando a presen-ca inquieta do escritor. Comoser noutro? Há o exemplo doDickens que deixava falar so-mente o menino, metido na pelede David Copperfield, com todaa naturalidade. Mas, quantasoutras tentativas nesta órbitairacassaram redondamente in-clusive em nossa literatura? Omais recente caso, o do Joyco

Cure- com o seu romance auto-biográfico "A Houso of Chi1.-dren", não teve molher óxito. Oromancista utiliza o meninoquo élo foi- nessa narrativa,como uma espécie de cobaiapara as suas experiências dopsicologia infantil, e isso ó doalgum modo abominável. Gra-ças à alacridado do seu es-piritoj tão jovial sempre, Gil-horto Amada não se convertojamais em frio expectador domenino, embora interfira aquie ali a esclarecer algumas desuas reações mais obscuras.

Afinal, o máximo que um ho-mem pode extrair do nevoeirode sua prpria infância atravésda memória imprecisa e üu-tuante, são os "claros" o "ma-

tires", a que se reíere o en-saista brasileiro, no correr dosua narrativa, até porque, co-mo também assinala? "a vidasó costuma responder ao quenão se pergunta".

Mas, êsse amigo fervoroso davida sabe arrancar-lhe os se-gredos, naturalmente porqueninguém celebra e realiza commais entusiasmo o ato de vi-ver. E uma condição para as-similar a vida é vivê-la inten-samente. Por isso mesmo.- aação é o que conta na reali-dade trasladada para os seusromances e para as suas me-mórias. O lirismo que inflamaseu estilo jamais comprometeêsse dinamismo. E, até, como

um traço significativo dêsno di-namlsmo. sua linguagem dc tãovitalizada tendo constantomen-to à gesticulação. Seguidamon-te encon»ram-'*c- exemplos distocm seuü romances. Assim, nocapitulo X do "Inocentes o Cul-pados", êsso fim do diálogo:*'__ Você vê! — soltou Fayal.o com um goato como se dis-sesso: "Precisamos agir", afac-tou-so repetindo: "—Você vê!..."Voltou-se da porta, e tranquili-zador. como um amigo a ou-tro, fez um sinal quo signilica-va "tenha confiança" e disse:— eu "lhe" aviso..."

Essa fixação- dramática darealidade é um processo de queGilberto Amado usa freqüente-mente em suas memórias c>pelo visto, contribui para daruma impressão extremamentegravativa de certas situaçõesque as palavras não podem ex-primir de maneira total. Umadas passagens mais típicasdessa particularidade é a nar-ração da morte do velho Ma-nuel Luiz. Extraordinária a mo-vimentação dessa cena. comalgo d o cinemático! Em todosos casos, a ação da vida éque anima, em suas memórias,os momentos sucessivos de umainfância tão rica de episódiospitorescos. Enfim, nesse magni-fico espirito, em quo milita umpensador preocupado com osproblemas brasileiros, inclusivoou principalmente o da lingua,

Considerações sôbre um livro de contos

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(Conclusão da 5.* página)do baixinho. Esforcei-me porpensar em coisas alegres. Afun-dei meu nariz luzente e ver-melho na gola do casaco. Viaas minhas lágrimas ridículaspingarem uma a uma na lãverde. Foi quando a mão depapai tocou-me levemente oombro: — Venha para trás, aomeu lado. Você fica melhor. —Fui para junto dele. Aquela de-dicação sem palavras, masalerta e vigilante, emocionou-me ainda mais. E' a única pes-soa no mundo que me com •preende, pensei, enquanto aminha mão trêmula se perdiana grande mão forte, honesta >máscula".

Possuindo em alto grau asjá apontadas qualidades — in-tuiçfio, fantasia e linguagemharmoniosa » fluente — podiaa contista fator parle do gran-de numera de escritores brasi-loiros quo "facilitam", i«t« ©,que prodigamente vão lançara.-do seu» livros sem o mais «ele-montar trabalho de depuraçãoe artesanato, Podia ela perlen-cer à categoria dos gênio* queescrevem "sôbre os jor atos" »que ainda tem o despudor depublicamente confessá-lo. Noentanto, notamos com nitidésna escritora, a presença da ar-tesa consciente o lúcida, queburila a frase com o amor ezêio do artista autentico.

Não será entre nós que ire-mos encontrar parentes próxi-mos da contista e sim na lite-ratura inglesa e norte-ameri-cana. A maior forca, talvex, deKatherine Mansfield, reside noseu alto senso poético, no seudom maravilhoso de transformarum fato banal e vulgar numacontecimento cheio de origi-naiidade e beleza. Por toda aobra de Helena Silveira tam-bém perpassa o forte e miste-rioso sopro lírico que faz dealgumas das suas páginas, ver-dadeiros poemas em prosa.

Já o parentesco de HelenaSilveira com Dorothy Parkertraduz-se mais oelo mesmo es-

pirito irônico e meio compla-cente que ambas revelam aofazerem a critica social. De-monstrando também acentuadapreferência na escolha dos tiposfemininos, a contista norte-americana faz igualmente a'devassa implacável nos maiscamuflados recônditos das ai-mas. Mas Dorothy Parker impri-me à sua crítica um certo tomimpiedoso ao passo que Hele-na Silveira., embora irônica,

trata os seus tipos com indis-farçávol dose de piedade. Umexemplo dessa irônica mas pie-dosa forma de tratamento é oconto "Aida Arouche Magnoca-vallo", excelente estudo feito deum ambiente em função donome.

Com "Mulheres, freqüente-mente" Helena Silveira tem as-segurado um lugar indiscutívelno primeiro plano da literaturabrasileira.

A JUSTA POSIÇÃO NA POESIA(Continuação da 4.'' página)

na solidão das sombras,na dôr da própria carne,na» lágrimas do amor e no

[arrependimento.Procuvá-Lo na flor, nas pedras

[do caminho,na força, da semente na lace

[dos filhos,até senti-Lo enormedentro do coração.

O mistério persiste mas opoeta pode contemplá-lo poe-que sabe que ali está deus. ffis»te é um poema nitidamenteotimista e positivo, isto é, usad» linguagem poética era posi-gão mística.

Quanto ao julgamento está-tico, seria ocioso emiti-lo aquisem. que antes estabeleces*^-mos uma escala em que pu-dessem os dois livros ser si-tuados. D i x e r por exemplo«bom» ou «bolo» com referèu-cia ao índice de valor estéti-co é nada dizer se não hou-ver termos de comparação. Enão sendo o momento oportu-no para uma exposição do nos-so critério o que seria inící-ramente pessoal e neste pes-soai ainda extremamente rela-tiyo —¦ cabe-nos dizer apenasque os livros nos satisfazem e>taticamente.'Há imagens paianós dotadas de grande beic-za e de qualquer ponto de vís-ta, originais, como esta:

¦i

«e minha memória é como UD'.• [campo de jogos,vazio e silente, onde os heróisacabam de vencer outra par-.

[tida».

critério, menos pessoal c maisobjetivo. Achamos que o Sr. E.C. Cuidas situa a técnica poe*tica no seu justo lugar, usan-do a como instrumento dc cx-pressão sem se deixar seduzirpelo teenicismo ou exorbitân-cia da técnica da sna funçãoprópria. Assim, os poemas sãode modo geral construídos comequilíbrio e admirável: -profun-didade e riqueza dc pensamdh-to denunciando autenticidadede experiência poética, discre-ta beleza na forma e equilí-brio vocabular, ffiste equilíbriosó poucas vezes é quebrado —e nisso Vai uma questão indívi-dual. No poema «Tríade» (O•Primeiro Mistério) que, junta-' mente com «As Rosas» e «isas-cituro» consideramos poemasbelos e integralmente rcaiiza-dos, o verbo «declinar» apare-ce três vezes com uma signifi-c a «3 ã o bastante problemáticapara produzir um-choque des-favorável à impressão estéti -ca. Em «Origem»- juntamenteas expressões inicial e finalpoderiam ser substituídas conrvantagem pois são palavrasTusadas e abusadas pelo roman-tismo — «Nalma» e «coração.»prejudicam a forma deste eis-plêndido poema. Entretanto, naunidade de cada livro, é peque-na a influência dêste3 vocà-bulos desarmônicos com a lin-guagem em que estão integra-dos.

Quanto à parte técnica JílCi-priamenle. ê. mais, seguro ttin

¦ 1) Em trabalho ainda inéditoexpomos as relações entre poe-sia, filosofia e mística.

íi;; 2) «Letras c Artes¦•>. 9 1-54. 't'.: 3) Ambos são edições «lie-

\$M&. .Branca», "

escrever 6 também um modade convorsar, mas peripaié'..-camento. Com um livro ntu en-tro as mãos o leitor é levado aacompanhar-lhe. não aponas18 palavra*», mas o^ Btovltnan-los, o andar, os gestoa, c. diga-se- acm qualquer cancaço an-tes com a delcitução do quenostivesse a escutar e seguir un"causor" verdadeiramente eucantador. Escrovcr para Gilberto Amado c assim um ato d>viver, e a história da sua iniúncia- tão cheia de verdadehumana, viverá sempre, iazcn-do ressoar no corredor dou tem-pos o óco de sua voz o o ruidode s.-''3 passos.

(1) Livraria José Olympio EdUtora, 1954.

PSICOLOGIA DA POESIA(Conclusão da 6.* pág.)

pécies mais intensas. Dc oulrnlado, convém distinguir :ií|iií nuefeito da música vários fatores(para \\\\o confundir, sol) a pi-lavra "poético", vagamente envpregada, o fjiic c csldliço, poéti-co* c siniplcsmentr afetivo): I."á compreensão; a admiração «o prazer propriamente musicalresultante do jôiío formal c dcseu valor estético: '_\0, a ativi-dade psíquica suscitada, ruais ouíncnos con fusa, coiiipreeiulciiilt.íinageüs, pçpsamcu.lôs, re.ficsõest- nbtaciainèpteí scníinu-nlos; ;:.".o prazer poético, que nã.i c-:;Mcsenão (|uáiulo uni senlimeiil»forte v básico se revela, se im-põe c toin:> forma ativamente,modelando-se sóbre o pretextomusical, üma criação imagináriaque satisfaz ao tema afetivo. f:s-se prazer pode ser ãrl>iu*ári«"i,resultar dc uma falsa iulérpre-tação, mesmo dc uma simplesemoção sonora, cm correspondeiao sentimento pressentido dccompositor.

O artista literário náo pro-cura senão o fim estético (d>contrário rivalizaria, c mal. cono-sábio). Organiza -- partindodo interior e segundo um mo-vimento que c a verdadeira com-posição c não segundo um pia-no exterior, que marca apenasuma orientação —,'nrn r.on.hntnvivo: narrativa, aoãu dramática,pintura moral. etc. nas condi-ções do gênero, dé;acordo comuma estética que nâo desejamosestudar aqui. Mas no livro comeno quadro, ua estátua ou lia siu-fonia, no seio;dó cquilíbiio cda harmonia onde se conjugai'1as forças expressivas, poo'e-;cintroduzir sutümente. uma insi-diosa inspiração poética, que ,;<expande e dá côr ao - çon.iunU(ou a alguns fragmentos.*. Issoó raro, no romance objetivo; <quase uma regra na aulobiografia. Cerca o drama de um halose impregna na tragédia, .ajmilaâ comédia um novo aspecto. ^o elemento poético faltar inlei-ramenle, pode-se ter uma ó!>*vmuito bela: a beleza fria é a !»c-leza, talvez mesmo a I»elez3pura: mas, parece-nos faliur ncl."alguma coisa, it por isso qoe dizemos que toda obra prima lei*'de à poesia.

Pode-se estudar psicológica'mente a poesia nas obras dc artec as obras literárias que nãotem como fim principal: Mli!"'do a poesia se introduz nelas i«-conscientemente, não se P*'"Kcogitar de sua estética: ínas K(o artista combinou a obra '"arte para provocar lambeu»sentimento poético, essa po.cüz?ção decidida e calculada parecese àqüeja operada pelo ?)«>'•¦'•Apenas os meios de expressaavariam, mas cies dizem i%speiloapenas ao prazer estético.

(*) "Todo homem Üe be"1pode passar sem comer duranU*dois dias —- som poesia, nunca— Baudelaire, Conseil aux jeut.>;liltérnteurs.

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Tírça-tõifá, 20-4-1954. jirny r ?OfRW-3tJQ £ $3i.mm«.m»i«-»»»»>ihm»i_i a__éi iíéii—.ii»,, «..,

./r agiria »— n

Nova edição dos "Poemas de Bilü", deAugusto Meyer

Noticia-se que provavelmenteserá lançada pelo editor Pongottlunia reedição dos «Poemas do BI-lu», uni do» principais livros depoesia di? Augusto Movei*. Do mes-mo poeta gaúcho esta anunciadoo «Cemitério Campeiro», a ser odi-tudo por «Orfeu». Seria, aliás,oportuno um volume de obrascompletas dc Augusto Meyer, por-quanto seus livros «Giraluz», «Poe-mas de Bilux. eCóráçnò Verde»,etc. já estão de há muito esgota*dos, e trata-se de um dos poetaimais Importantes não só do gau-abismo, .senão também do modèr-liismo brasileiro.

'Lâmpada softo il sole", de OiovanniColaimissi

O poeta italiano Glovanni Colamussi enfeixou'•:m plaquQté suas líricas sob o titulo de «Lâmpadaf-:otto il sole»* Oiovanni Oàlnmussi é um dos princi-}>aia componentes do grupo graaíista que, na Eu-ropa, intenta o soerguimenro da poesia como veículodc reconstrução espiritual do mundo. Seus poemas,no entanto, quase sempre intensamente líricos, ai-?;ims elegíacos^ jamais pe afastam da essência mes-ma da poesia, não caindo, em momento algum, no«pelo proselítíco."Basalío", de Luigi Fiorentino

O poeta Luijíi Fiorentino, dcquem, «Letras e Artes» já teveocasião dc publicar alguns poemascm tradução, publicou, recente-mente «Basalto», ed. <Maia>-, combelíssima capa de Armando No-cenlini. Luigi Fiorentino é atual-méntè um doe poetas mais famo-<:os da Itália, tendo levantado osprêmios «Ilha de Elba». «S. Pelle-grihò» e «Chiáriciano», êste "últimoem 1951. eBasalto» é o quinto vo-iume de poesia de Fiorentino, vin-do logo depois de «Basal to dei tuflcorpo?, . já em segunda ediçãoAlém de poeta, é Ciccionistá, bió-rrrafo, crítico de poesia («Meie

século «e poesia", 1952) e tradutor de Nodier, Mallar-me e Chénier. Embora, a rigor," "Basalto" *eja umaterceira edição do livro premiado com o galardão"Cinanciano". o'próprio Fiorentino o considera umnovo volume, dadas as variantes introduzidas e o pró->)'io sentido de muitos poemas, devolvidos ao sij,rnifi-••.ido original, que o título "Basalto de tuo corpo"havia d» certo modo extraviado,

_3_S8__5f^*'**^*'**^ ivv^SíívX '^*>jiJj^_B

Rossini Q. Perez premiadoO jovem pintor o desenhista Kossini Q. Peru*-.,

conhecido por diversos tiubalbo.s divulgados em nos-soa principais suplementos, obteve um dos prêmiosdò Saião dc Artes Plásticas (Naturezas Mortas) doSAPS, no \alor dc de/, mil cruzeiros. A importânciadisse prêmio pode ser medida pela doa demais pre-miúdos: Volpi, Bandeira e Santa llosa .

Pirandcllo de volta ao cinemaEntre os grandes escritores, é Plrandello, sen.

dúvida, dos que mata têm .sido uitlizadoa no cinemaCom êle apenas concorrem Dlckcns, Shnkespcare,Sbaw e Alexandre Dumas, .sem /alar, é claro, iiuüescritores americanos, cujos trabalhos são «scripts»prévios. «.O falecido Mal ias Pascais já foi duas vi-aes levado ao «ócranx», primeiro por Ivan Mojuskine,depois por Pierre Chenal. Sua primeira contribui-cão à sétima arte se deu com o conto «A Itosa*,íilmudo por Umherto Fracchia em 1919. O últimofilme uirandeliano reúne quatro de seus contos: *Ajarra de azeite». «O leque:*, *.A. patente» « «Fraqueapertado», « «era dirigido por quatro cineastas ita-lianos."Barrabás, o enjei<ado\ de J. Herculano

PiresOs temas biblieog estão na ordem do dia., prlh-oipalmente depois do prêmio Nobel conferido a Pâr

Lagerkvist por sua novela «Barrabás*. Em tornodo mesmo personagem, tão discutido quanto des-conhecido em suas linhas verdadeiras, acaba deaparecer o romance de J. Herculano Pires «Barra-Ms, o enjeitado», pela- editora Jjake.- I/onge de serum desdobramento dos juízos tradicionais sobro ofacínora preferido a Cristo, o livro de J. HerculanoPires, baseado em pesquisas próprias; dá-nos umBarrabás diferente, em que o material histórico «oharmoniza com o tom lírico-dramático que o autorquis imprimir à nua narrativa-

No teatro o humorista Vão GôgoMillor Fernandes, que sob o pseudônimo de Vão

Gógo se tornou o humorista mais popular do Brasil,tistreou na ribalta com a comédia «Uma mulher cm(rês atos», que está sendo levada no Teatro Dulcinapor Luci Veloso e Armando Couto. Esclareça-se quea. peça conta com apenas dois personagens. Em rc-oente entrevista, declarou Vão Gõgo que está satis-feito com a «descoberta» de sua reia de drama-turgo, e já tem em preparo um outro trabalho.

"Letras da Província", o.6 62Já alcançou o seu 62* número «Letras da Pro-

víhcia», jornal literário de Limeira» dirigido peloProf. João de Souza Ferraz. Do presente número nedestacam «Huidobro é o criacionismo», de MárioTi ejo, *D'Annunzio Rei de Paris», de Charles PI-chòn, «O Suicídio», de N. Souza Pinto; traz éle, ain-da, poemas, notas e farto noticiário.

^L^am X*Ç?ní_í I_t'*íft ' -P*i

"Europa, 1952", de Magalhães JúniorDo eíoritor o dramaturgo May-

mundo Magalhães Júnior foi odi-tado pela José Olympio o livre«Europa, 1952), cm que se conden-saiu impressões de viagens, Comebem escreveu Brito Broca, ^aor

i livro « mais um debato sobre £Europa, em 195*i. do que uma sério dc quadros impressionistas d*um viajante apressados. A verdado é que» em «Europa, 1051V-Magalhães Júnior, jornalista on•ranhado. não se limita a nqi.itr:o que viu: passa-o através de se-¦rivo critico, tira conclusões, e pciassim dizer torna parto em tpd -que focaliza.

"Papoula dos sete reinos", de RüyApocalipse

Um dos primeiros lançamentos poéticos do an*foi o livro de estréia do Ruy Apoealypse, «Papohiudos Sete Reinos», em edição Plratlninga, de bu:v.'..

I feiçáo gráfica. Trata-se de uma estréia de mérito. •que já está obtendo boa repercussão critica

Dois lançamentos da SaraivaDuas estréias no romance, <\Um gato no trlün-

guio», de Marcos Rey, e «A primeira pedra:>, •Heloncida Studart, ambas em lançamento da Saiv.-

, va. São romances que revelam apreciáveis qúalld-j des criadoras e que permitem esi>crar dos seus au-j tores outros livro.?, de ascendente nível artístico.

A revisão dos livros de Machado de AssisTeve enorme repercussão n>

meios literários o artigo do Prof.J. Galante de Souza com referem •cia à defeituosa revisão dos livro--de Machado de Assis, distribuídospor uma conhecida editora, o en-trague (a revisão) a dois homensde letras. O Prof. .1. Galante, queé uin machadólogo paciente, indi-cou diversos senões que macularaas edições do mestre do 'BrazCubas». Infelizmente, o foriórne-no está longe dc ser novo, poismais de trinta anos atrás o cri-tico José Veríssimo já verberavaa Garnier pelos erros de revisão

nos seus lançamentos de obras depalavras podem, aplicar-se u nova

editora: «mais cuidado em suas edições, maximó tra-tando-se de um escritor como Machado de Assis,cuja memória, por nós todos reverenciada, cia temrazões particulares de respeitar».

wWmwk

Wtémque pululavamMachado. Suas

Eleito para a AcademiaBrasileira o escritor Luiz

Vianna FilhoFoi deito para a vaga de Mi-

euol Osório de Almeida o es-ciltor Luiz Vianna Filho, au-tor do duas biografias, uma deRuy Barbosa e a outra de Joa-qnim Nabuco, além de outrasobras dc notável repercussão.Seu graude livro-6, no entáh-to, s história' de Ruy Barbosa,qu ncontribuiu ae estabeleci-menfco da verdadeira persona-lidade desse vulto máiimo denossa vida pública. A eleiçãoile Lulií Vianna Filho, logo noterceiro escrutínio e na elei-t:ãc mais ctíncqrida da Acade-mia Brasileira; vem por assimdizer reabilitar a Casa de Ma-chado do algumas injustiçasque a comprometeram.

No Rio, o pintor e dese-nhisía Hélio Feijó

Encontra-se, no Rio, £p pas-Sí;io, o pintor, desenhista e ar-quitei o Hélio Feijó, um dosartista? mais representativos danova tícracão em Pernambuco.Os desenhos de Hélio Feijóprojetaram seu nome em todoo país. dadas suas característi-cas de originalidade e a deli-çacle?a de teu traço. HcJio Fèi-3o c um dos mais ativos parti-cipantes do movimento de re-novação das artes plásticas emPernambuco, tendo fundado in-clusíve uma instituição paradivulgação da arte moderna noNordeste. Além de desenhistae pinior, Hélio Feijó é um dospioneiros da arquitetura devanguarda, e seu edifício parao Serviço de Documentação eCultura dc Recife tem sido ob-neto nas apreciações mais ia-vojaveis

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"REVISÃO DE CASTRO ALVES",DE JAMIL ALMANSUR HADDADÊste lançamento? em, tires

volumes, da Saraiva, é semdúvida, o maior ensaio atéboje escrito nó Brasil sôbtéum autor nosso! Há; é verda-de .livros de maior tamanhotipográfico, inclusive sóbre opróprio Castro Alves, mas ne-nhum deles conseguiu rou-hir u soma de informaçõesnovas, a documentação iné-dita, anotações criticas, que«Revisão de Castro Alves»,dò Jamil Almansur Haddadnos apresenta.

Embora não »c possa di-zér que esse é o livro def:-riitivo sobre Castro Alves,pois Jamil, em muitos j)on-tos, abre um debato inteira-mente novo, pão há c::agòroalgum em afítmar-sè que, do-rnvánte, essa obra Cigurárácomo base em todos os estu-dos futuros <io poeta baiano.

Num país de livros apressa-doa e de obras dc im provi-saçaoi «Revisão do CastroAlves» é um íiuténtico trabalhó de Hércules, em quenenhum mal criai foi de.sprc-z-ado, nenhum elemento dií-ponível deixou de ser con-sultado, nenhuma fonte íoíposta de lado. Peca, me-smo,por excesso essa «Revisão*,a qual por vezes, esmaga oleitor com a exuberância deconhecimentos demonstradapelo critico.

Algumas revelações vêmlançar sóbre a figura de Cas-tro Alves uma luz nova. Par -

ticularidades «obre sua vidaíntima b'ão decerto «scanda-lissár os exaltado» idolatras do«cantor dos escravos». FazJamil A. Haddad uni levaa-tamento psicolgieo exau.iti-vo da personalidade de Cas-tro Alves!-sem desdenhar £«-

Jamil Almansur Haddad

quer a ajuda, de ciências es-tranhas ou apenas engati-nhantes, como a grafologiae a geografia literária.

O discutido abolicionismode Castro Alves - explicadocom uma pereuciência c umacervo de documentos cx-(.opcionais cm nossas letras

criticas. Jamil não se con-tentou em reconstituir a pes-toa física e moral do épicobaiano: reconstituiu, igual-mente, a época, recolocou ospersonagens, insuflou-lhes vi-da c nos deu um verdadeiroquadro do Brasil no séculopassado.

O terceiro volume, que tia-ta das influências, é sem dr.-rida o mais importante dostrês, do ponto de vksta lite-rário, pois nêlc são estuda-das a fundo as influênciassjofridas por Antônio de Cas-tro Alves, quer de autores es-trangeiros quer dos nacionais.Abre, ainda, Jamil A. Haddadalguns capítulos para os «em-jpréelimos» de que lançoumão o lírico da «Cacnòcira dePaulo Afonso» -- para con-cluir que, se du um lado nãohá em Castro Alves aquelaabsoluta originalidade dc vo-cabulário e de imagens quoseus adoradores mais cegosteimam em ver nele, por ou-tro náo há como negar-lheo papel de crist&lizador denosso romantismo e, a muitoarespeitos, da poesia nacional.

«.Revisão de Castro Alves'»não é, declara Jamil Alpian-sur Haddad, uni livro contranem pró Castro Alves, fi unilivro fundamentado e serenosóbre o homem c a obra.Isso Jmil A. Haddad con-seguiu plenamente, enrique-cendo a nossa literatura comuma obra que é um marco.

Movimento Cultural deSergipe

O escritor José Augusto Gar-eèz está dirigindo em Sergipeum interessante movimentocultural que visa à utilizaçãoe divulgação dos valores regi o-nais. Sob a égide désse movi-mento já foram publicadas asseguintes obras: "Grandeza, de-cadência e-x*enovacão dá vida",dc Fiorentino Menezes; "Cida-do íjUbmersa", poesia, dc San-tos Souza; "Em Sergipe dclRey", de Luís da Câmara Cas-cudo; "Invasão das Estréias"(poesia) e "Ensaios", dc Jost;Augusto Garcez.

Número de aniversário dc"Cicerone"

Está circulando o número os-pecial de aniversário da revi;:-ta "Cicerone",- uma das maisrecentes publicações dedicadasa assuntos culturais e turisti-cos. Bastante variado, póssibi-litando ao leitor uma. amplainformação a respeito dc pon-tos de interesso, para o visilan-té.estrangeiro, "Cicerone" man-tém, entre outras uma sççâq li-terária que está a cargo dc Hé-lio C. Teixeira. Seus diretoressão Américo M. Fiorentino óHilda Perez de Medeiros.

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l.íyros o Corresijomlíncii» — TodacorrèspondOncja destinada a "Letraso Artes" devo ser iJirijri-lr. a Atmci-da Fisctier. Edifício "A NOITE" —Praça M&uí 7 — 3." andar, Uio doJaneiro.

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Página — 12 >LBTBAS B 'ARTBS\yTerça-feío, 20-4-1954

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MS&** IIIlustração de SANTA KOSA

MA N HÁSILENCIOSA MANHÃ ! A MINHA ESTRADA,PREVENDO LONGE TANTO CÉU DESPERTO.ACORDA A LINHA DÚBIA DO DESERTOE EMBARCA NA DISTÂNCIA ILUMINADA.

DE ENTRESSONHAR O TEU FULGOR TÃO PERTO,RECOMPÕE-SE PERDIDA MADRUGADA,E ENGANOSO ESPLENDOR DE TUDO È NADAILUDE GASTO CALENDÁRIO ABERTO.

O DESEJOSO CHÃO DE ÁGUAS CHOROSAS,ESTE AR, A CÔR DE DUVIDA DAS ROSASESPERAM COM SEU CÂNTICO TARDIO

A CHEGADA SEM VOZ DO TEU MINUTO,TEU SORRIR, TUA LUZ, TEU VERDE FRUTOE O JAMAIS DO TEU FÚLGIDO NAVIO.

ABGAR RENAULT