Planejamento em saúde no Brasil

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Planejamento em saúde no Brasil – Planejamento estratégico situacional (PES) Auxiliar Colaborador Danielle Tupinambá Emmi, Regina Fátima Feio Barroso, Izamir Carnevali de Araújo e Marizeli Viana de Aragão Araújo - Professores do Curso de Odontologia da Universidade Federal do Pará 1. REVISÃO DE LITERATURA Tancredi e colaboradores (1998) definem planejar como a arte de elaborar o plano de um processo de mudança e compreende um conjunto de conhecimentos práticos e teóricos ordenados de modo a possibilitar interagir com a realidade, programar as estratégias e ações necessárias e tudo mais que seja delas decorrentes no sentido de tornar possível alcançar objetivos e metas desejados e preestabelecidos. Segundo Manfredini (2003), mudança e estratégia são pré- requisitos do planejamento. O exercício de planejar pressupõe a busca de situações diversas das inicialmente detectadas e que possam ser construídas mediante estratégias que avaliem os interesses de sustentação ou de oposição a esse processo de mudança. O enfoque de planejamento estratégico situacional - PES surge no âmbito mais geral do planejamento econômico-social e vem sendo crescentemente utilizado no campo da saúde. Parte do reconhecimento da complexidade e da incerteza da realidade social, onde os problemas se apresentam, geralmente, não estruturados e o poder se encontra compartido (Artmann; Azevedo e Sá, 1997). Teixeira (2001) afirma que o enfoque estratégico situacional foi originalmente proposto por Matus na década de 80 como uma teoria geral da planificação, passível de subsidiar uma prática concreta em qualquer dimensão da realidade social e histórica.

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Planejamento em saúde no Brasil – Planejamento estratégico situacional (PES)Auxiliar ColaboradorDanielle Tupinambá Emmi, Regina Fátima Feio Barroso, Izamir Carnevali de Araújo e Marizeli Viana de Aragão Araújo - Professores do Curso de Odontologia da Universidade Federal do Pará1. REVISÃO DE LITERATURA Tancredi e colaboradores (1998) definem planejar como a arte de elaborar o plano de um processo de mudança e compreende um conjunto de conhecimentos práticos e teóricos ordenados de modo a po

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Planejamento em saúde no Brasil – Planejamento estratégico situacional (PES)

Auxiliar

Colaborador

Danielle Tupinambá Emmi, Regina Fátima Feio Barroso, Izamir Carnevali de Araújo e Marizeli Viana de Aragão Araújo - Professores do Curso de Odontologia da Universidade Federal do Pará

1. REVISÃO DE LITERATURA

Tancredi e colaboradores (1998) definem planejar como a arte de elaborar o plano de um processo de mudança e compreende um conjunto de conhecimentos práticos e teóricos ordenados de modo a possibilitar interagir com a realidade, programar as estratégias e ações necessárias e tudo mais que seja delas decorrentes no sentido de tornar possível alcançar objetivos e metas desejados e preestabelecidos.

Segundo Manfredini (2003), mudança e estratégia são pré-requisitos do planejamento. O exercício de planejar pressupõe a busca de situações diversas das inicialmente detectadas e que possam ser construídas mediante estratégias que avaliem os interesses de sustentação ou de oposição a esse processo de mudança.

O enfoque de planejamento estratégico situacional - PES surge no âmbito mais geral do planejamento econômico-social e vem sendo crescentemente utilizado no campo da saúde. Parte do reconhecimento da complexidade e da incerteza da realidade social, onde os problemas se apresentam, geralmente, não estruturados e o poder se encontra compartido (Artmann; Azevedo e Sá, 1997).

Teixeira (2001) afirma que o enfoque estratégico situacional foi originalmente proposto por Matus na década de 80 como uma teoria geral da planificação, passível de subsidiar uma prática concreta em qualquer dimensão da realidade social e histórica.

Segundo Rieg e Araújo Filho (2002), Matus considera que o planejamento tradicional se baseia no cálculo da predição, constituindo-se basicamente em técnicas de projeções econômicas, que quando utilizadas no planejamento do desenvolvimento econômico e social, ao ignorarem todos os atores do processo social, têm caráter autoritário e tecnocrático. Em função disso, Matus defende a necessidade de que dirigentes políticos ampliem sua capacidade de governo, utilizando para isso um conjunto de conhecimentos que leve em consideração a apreciação situacional e interpretação da realidade, permitindo uma ação mais eficaz no jogo social.

Na área da saúde pública, uma das tecnologias gerenciais mais difundidas foi o

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planejamento estratégico. A partir da década de 60 e principalmente nos anos 80, o planejamento foi apresentado como uma ferramenta capaz de dar conta dos desafios do setor da saúde (Campos, 2001).

O planejamento estratégico situacional foi o método de planejamento mais difundido pela Reforma Sanitária Brasileira. Simplificado, reformulado ou em sua complexidade integral, o método foi introduzido nos vários núcleos de planejamento e gestão que começaram a se espalhar pelo país nos anos 80 (Campos, 2001). No Brasil, segundo Rivera (1988) citado por Teixeira (2001), o enfoque situacional foi inicialmente adotado para o planejamento e programação, na época da implantação do SUDS (1987 – 1989). Para Rieg e Araújo Filho (2002), o planejamento estratégico situacional apresenta três características principais: a) o subjetivismo, que objetiva identificar, analisar e interpretar uma situação centrada nos indivíduos envolvidos (atores) e suas percepções; b) elaborar planos-propostas a partir dos problemas selecionados subjetivamente; c) incerteza sobre o futuro, onde se busca enumerar possibilidades e preparar os atores para enfrentar os problemas. Assim, à medida que se planeja, se influi no futuro.

É possível identificar quatro momentos de planejamento, segundo Rieg e Araújo Filho (2002). A saber: a) o explicativo, que busca justificar os porquês da situação atual; b) o normativo, no qual se estabelece o que se deseja fazer; c) o estratégico, que analisa a viabilidade das operações planejadas; e d) o tático-operacional, que cuida das implementações das operações no dia-a-dia.

Tomando como suporte teórico o planejamento estratégico situacional, Samico e colaboradores (2002), propuseram um monitoramento da atenção básica no nível da equipe de saúde da família tomando como base de dados o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), como forma de fornecer subsídios aos profissionais e usuários, para promover melhor compreensão das necessidades da comunidade e então intervir para melhoria da qualidade de vida da população.

Silva (1994), analisou as possibilidades de aplicação do modelo gerencial derivado do enfoque do planejamento estratégico situacional à gestão das organizações de saúde, propondo a mudança organizacional e implantação de um novo modelo gerencial da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará. Os resultados revelaram que a experiência imprimiu importantes mudanças na dinâmica organizacional, dentre descentralização político-administrativa, introdução de uma prática de avaliação de desempenho institucional e aumento da integração entre os setores administrativos e assistenciais.

Para Teixeira (2001), o planejamento e a programação de saúde podem ser um espaço de construção da mudança do modelo assistencial, ou das práticas de saúde. Daí a possibilidade da Vigilância da Saúde como prática sanitária alternativa que inclui, em sua dimensão gerencial, o planejamento e programação situacional das ações e serviços. Assim, a construção da Vigilância da Saúde em um determinado sistema local (distrital, municipal, microregional) contempla, desde a formulação de políticas de caráter intersetorial para a melhoria das condições de vida da população do território

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até a reorganização das práticas de promoção da saúde, prevenção dos riscos e assistência a indivíduos e grupos com a prestação de serviços nos diversos níveis de complexidade. Dessa forma, para se planejar e programar o desenvolvimento da Vigilância da Saúde em um território específico é necessário uma visão estratégica, isto é, uma clareza sobre o que é necessário e possível ser feito.

Segundo Drumond Jr. (2001) citado por Paim (2003), a epidemiologia pode garantir o conhecimento do processo saúde-doença na realidade complexa e concreta, reconhecer e abordar suas relações em diferentes níveis da realidade e contribuir na redução das iniqüidades sociais detectadas. Assim, ao se discutir o uso da epidemiologia nos serviços de saúde é importante ressaltar seu papel na organização do sistema e às intervenções destinadas a dar solução a problemas específicos (Paim, 2003).

Para Carvalho (2004), a mudança do perfil epidemiológico da população nas últimas décadas tem ensejado o aparecimento de novas formulações sobre o pensar e o fazer sanitários. No Brasil, o projeto de promoção à saúde se faz presente, dentre outros projetos, na proposta de Vigilância à Saúde, e suas diretrizes são parte estruturantes de muitos projetos de reorganização da rede básica, hoje vinculado ao Programa Saúde da Família.

2. DISCUSSÃO

Nos últimos anos, na literatura sobre gerenciamento e gestão de serviços de saúde, diferentes correntes que procuram produzir mudanças institucionais têm proposto diversas técnicas de intervenção nas organizações de saúde. Porém, o surgimento do planejamento em saúde dentro do marco da Reforma Sanitária brasileira é um campo determinado e determinante dessas mudanças (Campos, 2001). Entretanto, segundo Merhy (1997) citado por Campos (2000), para que essas mudanças possam ocorrer, o planejamento deveria acabar com os métodos, uma proposta que dificulta construir certa instrumentalidade.

Para Campos (2000), o planejamento é mais um item da gestão, ao contrário de Matus, para quem a gestão é item do planejamento. Essa inversão faz diferença, no momento em que Campos afirma que haveria gestão sem planejamento, porém não pode haver planejamento sem gestão.

Para Rieg e Araújo Filho (2002), é inquestionável, como o próprio Matus pondera, que o Planejamento Estratégico Situacional é hoje um corpo teórico-metodológico-prático muito sólido, sistemático e rigoroso. Porém, é importante ressaltar, segundo estes autores, que todo o rigor e a sistematização pressupostos pelo PES e as informações e o conhecimento necessários acerca da situação e dos atores envolvidos, chegam a colocar em dúvida sua aplicação na totalidade, pois o tempo necessário para obter e processar as informações que a metodologia solicita, certamente seria incompatível com as agendas e, provavelmente, a motivação dos dirigentes envolvidos. Entretanto, na análise de Silva (1994), o enfoque estratégico situacional empregado como modelo gerencial na Santa Casa de Misericórdia do Pará, mostrou importante contribuição para gestão das organizações de saúde, embora se revele

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insuficiente para enfrentar alguns problemas relacionados às especificidades destas organizações.

Apesar da convicção e da comprovação da eficácia da utilização do PES na área da saúde ser imprescindível a uma gestão democrática, participativa e propulsora de mudanças, esta prática de planejamento encontra-se prejudicada pela falta de sensibilidade e de conhecimento dos atores que dirigem a saúde no Brasil.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O planejamento mostra-se como um meio auxiliar na interação entre os sujeitos no sentido de viabilizar um dado projeto ético-político para saúde. Está relacionado com o futuro, porém para isso é necessário que se olhe para o passado, buscando verificar as falhas e estabelecer então, um processo de mudança para o futuro.

O enfoque estratégico situacional aparece como uma proposta de construção de um novo modelo de atenção à saúde, voltado para integralidade e eqüidade, onde o processo de programação se dá à luz da análise dos problemas de saúde em uma perspectiva epidemiológica e social. Ainda deve ser enfatizado que, em planejamento estratégico, a importância do “o que fazer” em análise deve preceder o “como fazer”.

No Brasil, um planejamento estratégico de saúde bucal foi lançado em março de 2004 – o “Brasil Sorridente”. Para traçar suas metas (planejar), este projeto levou em consideração o levantamento epidemiológico nacional SB-Brasil, e busca o acesso universal à assistência odontológica, com adoção de ações voltadas para todas as faixas etárias, de acordo com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS).

4. REFERÊNCIAS

ARTMANN, E; AZEVEDO, C.S.; SÁ, M.C. Possibilidades de aplicação do enfoque estratégico de planejamento no nível local de saúde: análise comparada de duas experiências. Cad. Saúde Publ. Rio de Janeiro, 13(4):723-740, out-dez, 1997.CAMPOS, R.O. Planejamento e razão instrumental: uma análise da produção teórica sobre planejamento estratégico em saúde nos anos noventa, no Brasil. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, 16(3):723-731, jul-set, 2000. CAMPOS, R.T.O. O planejamento em saúde sob o foco da hermenêutica. Ciência & Saúde Coletiva, 6(1):197-207, 2001. CARVALHO, S.R. As contradições da promoção à saúde em relação à produção de sujeitos e a mudança social. Ciência & Saúde Coletiva, 9(3):669-678, 2004. DRUMOND Jr, M. Epidemiologia e Saúde Pública: reflexões sobre o uso da epidemiologia nos serviços do Sistema Único de Saúde em nível municipal. Universidade Estadual de Campinas. São Paulo, 2001. In: PAIM, J.S. Epidemiologia e planejamento: a recomposição das práticas epidemiológicas na gestão do SUS. Ciência & Saúde Coletiva, 8(2):557-567, 2003.

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MANFREDINI, M.A. Planejamento em Saúde Bucal. In: PEREIRA, A.C. e colaboradores. Odontologia em Saúde Coletiva – Planejando ações e promovendo saúde. Porto Alegre: Artmed, 2003. cap. 3. p. 50 – 63. MERHY, E.E. Em busca do tempo perdido: a micropolítica do trabalho vivo. São Paulo, 1997. In: CAMPOS, R.O. Planejamento e razão instrumental: uma análise da produção teórica sobre planejamento estratégico em saúde nos anos noventa, no Brasil. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, 16(3):723-731, jul-set, 2000. PAIM, J.S. Epidemiologia e planejamento: a recomposição das práticas epidemiológicas na gestão do SUS. Ciência & Saúde Coletiva, 8(2):557-567, 2003. RIEG, D.L.; ARAÚJO FILHO, T. O uso das metodologias “Planejamento Estratégico Situacional” e “Mapeamento Cognitivo” em uma situação concreta: o caso da Pró-reitoria de extensão da UFSCar. Gestão e Produção. v.9, n.2, p. 163-179, ago. 2002. RIVERA, F.J.U.A. A programação local de saúde, os Distritos Sanitários e a necessidade de um enfoque estratégico. Brasília, 1998. In: TEIXEIRA, C. F. Planejamento Municipal em Saúde. Salvador: Instituto de Saúde Coletiva, 2001. SAMICO, I. e colaboradores. A sala de situações na Unidade de Saúde da Família: o Sistema de Informação de Atenção Básica (SIAB) como instrumento para o planejamento estratégico local. Saúde em Debate. Rio de Janeiro, v.26, n.61, p.236-244, maio/ago. 2002.SILVA, R.M. A teoria organizacional do planejamento estratégico situacional e a gestão no setor saúde: uma análise da experiência da Santa Casa de Misericórdia do Pará. 1994. 140 p. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública, Rio de Janeiro. TANCREDI, F.B. et al. Planejamento em Saúde. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, 1998 (Série Saúde e Cidadania).

TEIXEIRA, C. F. Planejamento Municipal em Saúde. Salvador: Instituto de Saúde Coletiva, 2001.

Data de Publicação do Artigo:

11 de Maio de 2006