Pobreza - Unicamp · 2001. 8. 10. · Alunos de biologia e de computação freqüentam a mesma sala...

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m breve resumo do jogo de- cisivo da Copa de 1998, que ajuda a situar o contexto dos discursos de locutores e comentaristas esportivos, ilustra bem os trabalhos in- centivados pelo Colégio Brasileiro de Ciên- cias do Esporte. O CBCE, instalado na Facul- dade de Educação Física (FEF) da Unicamp, congrega cinco mil sócios, entre eles profis- sionais e estudantes de diferentes áreas do conhecimento envolvidos com abordagens acadêmicas das atividades esportivas. Páginas 14 e 15 U U U U U Campinas, abril de 2001 – ANO XV – Nº 161 – DISTRIBUIÇÃO GRATUITA Números indicando diminuição da miséria no Brasil, apresentados por economista do Banco Mundial, causam polêmica no II Seminário da Nova Economia Institucional, que reuniu especialistas nacionais e internacionais na Unicamp Páginas 9, 10 e 11 COMO ANDA A SAÚDE DA MULHER BRASILEIRA Pesquisa inédita do Núcleo de Estudos da População (Nepo) oferece um panorama sobre as causas de mortes e doenças na população feminina, em todas as regiões do País. Caderno Temático HIDROGÊNIO COMO COMBUSTÍVEL Unicamp sedia Centro de Referência Nacional para incentivar pesquisas sobre o uso energético do gás, inclusive na frota de veículos. Páginas 4 e 5 UNICAMP FORMA ‘BIOINFORMATAS’ Alunos de biologia e de computação freqüentam a mesma sala de aula para se especializar em área carente de profissionais. Página 3 Andarilho vestido com saco de estopa no centro de Campinas: retrato da miséria brasileira O tamanho da O tamanho da Pobreza Pobreza

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m breve resumo do jogo de-cisivo da Copa de 1998, queajuda a situar o contextodos discursos de locutorese comentaristas esportivos,ilustra bem os trabalhos in-

centivados pelo Colégio Brasileiro de Ciên-cias do Esporte. O CBCE, instalado na Facul-dade de Educação Física (FEF) da Unicamp,congrega cinco mil sócios, entre eles profis-sionais e estudantes de diferentes áreas doconhecimento envolvidos com abordagensacadêmicas das atividades esportivas.

Páginas 14 e 15

UUUUU

Campinas, abril de 2001 – ANO XV – Nº 161 – DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Números indicando diminuição da miséria no Brasil, apresentados por economistado Banco Mundial, causam polêmica no II Seminário da Nova Economia Institucional,

que reuniu especialistas nacionais e internacionais na UnicampPáginas 9, 10 e 11

COMO ANDA A SAÚDEDA MULHER BRASILEIRA

Pesquisa inédita do Núcleo de Estudos da População (Nepo) oferece umpanorama sobre as causas de mortes e doenças na população feminina, em todas

as regiões do País.

Caderno Temático

HIDROGÊNIO COMOCOMBUSTÍVEL

Unicamp sedia Centro deReferência Nacional para

incentivar pesquisas sobre o usoenergético do gás, inclusive na

frota de veículos.

Páginas 4 e 5

UNICAMP FORMA‘BIOINFORMATAS’

Alunos de biologia e decomputação freqüentam a

mesma sala de aula para seespecializar em área carente de

profissionais.

Página 3

Andarilho vestido comsaco de estopa no centrode Campinas: retratoda miséria brasileira

O tamanho daO tamanho da

PobrezaPobreza

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UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

ReitorReitorReitorReitorReitor Hermano Tavares. Vice-reitor Fernando Galembeck. PPPPPró-reitor de Desenvolvimento Universitárioró-reitor de Desenvolvimento Universitárioró-reitor de Desenvolvimento Universitárioró-reitor de Desenvolvimento Universitárioró-reitor de Desenvolvimento Universitário Luís Carlos Guedes Pinto. PPPPPró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários ró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários ró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários ró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários ró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários Roberto TeixeiraMendes. PPPPPró-reitor de Pró-reitor de Pró-reitor de Pró-reitor de Pró-reitor de Pesquisaesquisaesquisaesquisaesquisa Ivan Emílio Chambouleyron. PPPPPró-reitor de Pósró-reitor de Pósró-reitor de Pósró-reitor de Pósró-reitor de Pós-----Graduação Graduação Graduação Graduação Graduação José Cláudio Geromel. PPPPPró-reitor de Graduação ró-reitor de Graduação ró-reitor de Graduação ró-reitor de Graduação ró-reitor de Graduação Angelo Luiz Cortelazzo.

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade mensal. Correspondência e sugestõesCorrespondência e sugestõesCorrespondência e sugestõesCorrespondência e sugestõesCorrespondência e sugestões Cidade Universitária“Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. TTTTTelefones elefones elefones elefones elefones (0xx19) 3788-7865, 3788-7183, 3788-8404. FFFFFax ax ax ax ax (0xx19) 3289-3848. Homepage Homepage Homepage Homepage Homepage http://www.unicamp.br/imprensa. E-mail E-mail E-mail E-mail E-mail imprensa@obelix.unicamp.br.EditoresEditoresEditoresEditoresEditores Luiz Sugimoto, Álvaro Kassab e Manuel Alves Filho. RedatoresRedatoresRedatoresRedatoresRedatores Adriana Miranda, Antônio Roberto Fava, Célia Piglione, Isabel Gardenal, Nadir Peinado, Raquel do Carmo Santos, Roberto Costa e MariaAlice da Cruz. FotografiaFotografiaFotografiaFotografiaFotografia Antoninho Perri e Dário Crispim. Edição de ArteEdição de ArteEdição de ArteEdição de ArteEdição de Arte Oséas de Magalhães. DiagramaçãoDiagramaçãoDiagramaçãoDiagramaçãoDiagramação Dário Crispim e Hélio Costa Júnior. Colaboradores nesta edição Colaboradores nesta edição Colaboradores nesta edição Colaboradores nesta edição Colaboradores nesta edição Carlos Lemes Pereira, PauloCésar Nascimento e João Maurício da Rosa. Ilustrações Ilustrações Ilustrações Ilustrações Ilustrações Félix. Apoio Apoio Apoio Apoio Apoio Clara Eli de Mello, Dulcinéia B. de Souza e Edison Lara de Almeida. ImpressãoImpressãoImpressãoImpressãoImpressão R. Vieira Gráfica e Editora: (19) 229-9900. PPPPPublicidade ublicidade ublicidade ublicidade ublicidade (19)3239-0962.

Bicho de sete cabeças?Website desvenda ao público a química do estado sólido

professor Oswaldo Luiz Alves é umhomem pertinaz. Mesmo que o desafioseja o de tornar acessível ao público seusconhecimentos sobre “química do estadosólido”. Desenvolvendo trabalhos há 15

anos no Laboratório de Química do Estado Sólido(LQES) do Instituto de Química (IQ) da Unicamp,ele até escreveu um livro sobre o tema, mas não opublicou por imaginar que este veículo nãoatingiria os objetivos que deseja.

Na Internet, o professor também não identificouaplicações com conteúdos relevantes para acomunidade de alunos e cientistas. Além deescassas, as aplicações não tinham atrativos. Eleprocurou, então, dois especialistas em projetosweb, Francisca Baptistella (Fran) e Gian Barcellini,do Centro de Computação da Unicamp. Depois decinco meses de trabalho, muita troca de idéias eaprimoramento dos textos desenvolvidos, nasceu owebsite do Laboratório, que está disponível desdeo dia 15 de março em http://lqes.iqm.unicamp.br

O novo formato permite compartilhar comacadêmicos e leigos, como desejava o professor, oconhecimento reunido em mais de 100 trabalhosapresentados por ele e seus antigos e atuais alunos,em congressos ou teses defendidas no LQES, entreoutros itens. O trabalho torna-se público nomomento em que o Laboratório está completando16 anos de existência.

Fran e Gian aplicaram ao website conceitos detecnologia de informação, aprimorados no Centrode Computação. Nos 30 megabytes das páginas doLQES há leveza para a navegação. Em sua estruturaprincipal são mostrados a história, missão,produtividade, imagens e outros ícones doLaboratório. “Pretendemos que o site sejainterativo”, informa Oswaldo. Para isso existeespaço destinado a publicações de artigostécnicos, perguntas e respostas de sua área deabrangência (química do estado sólido) e daquímica como um todo, além de um glossário, emdesenvolvimento, que poderá desvendar conceitospara os interessados.

Os arquitetos da informação usaram os inúmerosrecursos técnicos do GoLive, um softwaregerenciador de websites que facilita o trabalho dousuário. O website conta com um completomecanismo de busca, que disponibiliza a procuranos grupos de assuntos. “Pudemos mostrar como épossível construir uma boa aplicação na web usandotodos os conceitos da tecnologia”, resume Fran.

O que é – Mas o que é química do estado sólido?É uma parte da química que trabalha comcompostos e materiais no estado sólido. Esta áreade conhecimento tem papel crucial nadeterminação das propriedades dos materiais,sendo essencial para o design dos mesmos e para odesenvolvimento de rotas inovadoras depreparação de sólidos. Vidros com propriedades

ópticas especiais, cerâmicas e vitrocerâmicasporosas, polímeros condutores confinados,desenvolvimento de filmes semicondutores,sensores químicos, partículas com tamanhonanométrico são algumas das linhas que o LQESpesquisa. Em suma, o Laboratório trabalha naobtenção de materiais sólidos novos ou com os jáexistentes e o conhecimento de suas propriedadespara aplicação no cotidiano do cidadão.

Quem entra no LQES não imagina que tantoconteúdo tenha sido gerado ali. A sala possuipouco mais de 100 m2 , mas dispõe de todas asfacilidades para a síntese de materiais. “Aqui épossível preparar qualquer substância no estadosólido, seja ela orgânica ou inorgânica, cristalina ouamorfa”, diz Oswaldo. Para a caracterização dosmateriais produzidos, o Instituto de Químicadispõe de infra-estrutura invejável: microscopiaseletrônicas, espectrocopias modernas,equipamentos de raios-X, facilidades analíticas. Em

parceria com o Laboratório de Luz Síncroton, oLQES participa de uma estação de trabalho(EXAFS) financiada pela Fundação de Amparo àPesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Visibilidade – Oswaldo Alves, professor doDepartamento de Química Inorgânica, fundador ecoordenador científico do LQES, diz que o websitepretende dar maior visibilidade e abrangência a suaprodução, para que o público possa conhecer acomplexidade do trabalho em um laboratório. “Aatividade de um professor numa universidadepública de pesquisa não se resume apenas aministrar aulas. O site pode mostrar melhor isso”,completa. Foi também uma forma de reunirexperiências já vivenciadas, que poderiampermanecer arquivadas e sem acesso ao públicointeressado. Mas o novo espaço na Internet não vaitratar somente dos “segredos” da química. Há lugarreservado para música, museus, literatura, poesia....

Um dado recente, divulgado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), revela que, pela primeiravez, as pesquisas em química no Brasil suplantaram as de física. O organismo de apoio à pesquisa constatou que, entre 1998 e 2000,havia 2.183 pesquisas científicas em andamento na área de química, contra 1.862 na de física, que vinha então dominando o ranking nasduas últimas décadas.

No Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES), como em outras unidades do Instituto de Química da Unicamp, é possívelcomprovar tais dados. O LQES desenvolve no momento 12 teses de mestrado e doutorado. Números como estes estão no ícone“publicações”, que mostra ainda as teses defendidas desde 1987 e trabalhos publicados em revistas e congressos, entre outros dadosaté então trancados em portfólios inacessíveis ao público externo da Universidade.

TTTTTutorial e treinamentosutorial e treinamentosutorial e treinamentosutorial e treinamentosutorial e treinamentos – Para quem deseja se aprimorar na área de tecnologias de informação para web, a Agência de FormaçãoProfissional da Unicamp (AFPU) e o Centro de Computação (CCUEC) oferecem tutoriais e treinamentos especiais. O tutorial (palestra)“Geração de pacote tecnológico HTML com Adobe GoLive” será realizado no dia 16 de abril, das 14 às 17 horas. O GoLive é o mesmosoftware usado na criação das páginas do LQES.

O curso “Projeto e Administração de Websites Profissionais”, de 15 horas, tem uma turma nos dias 23 a 27 de abril e outra de 28 demaio a 1 de junho. Tanto os tutoriais como os treinamentos são ministrados por Gian e Fran. Informações no endereço http://www.ccuec.unicamp.br/treinamentos

O crescimento da química

ROBERTO [email protected]

O Oswaldo, do IQ, eFrancisca e Gian,do Centro deComputação: maisde 100 trabalhosreunidos em 30megabytes de fácilnavegação

Universidade Estadual de CampinasAbril de 2001

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ENSINOENSINO

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uando o americano HermannHollerith desenvolveu, em 1890, oprimeiro computador mecânico pararealizar operações matemáticas emcurto espaço de tempo, talvez nãoimaginasse que sua máquina trariatanta contribuição para o avanço daciência. De lá para cá, as partes mecâ-nicas daquele invento foram sendo

substituídas por componentes elétricos e, posteri-ormente, os relés, as válvulas e os transistores dari-am lugar ao chip, que permite o avanço dosmicroprocessadores, base dos microcomputadores.Exatos 100 anos depois, em 1990, chegou o ProjetoGenoma Humano, que tem no computador sua fer-ramenta mais importante para análise e adminis-tração da gigantesca quantidade de dados resultan-tes do seqüenciamento de genes.

Ciências biológicas e computador. A necessida-de desta combinação deu origem à bioinformática.E a bioinformática brasileira nasceu no Institutode Computação (IC) da Unicamp. Agora, neste iní-cio de século, a Universidade sai na frente nova-mente, com um projeto pioneiro no Brasil, crian-do disciplinas de especialização em biologiacomputacional, por meio de uma parceria entre

Agora é vez dos‘bioinformatas’Curso inédito da Unicamp vaiajudar a suprir carência deprofissionais na área

os Instituto de Biologia (IB) e o IC.A área de bioinformática no País é extremamen-

te carente de profissionais, apesar do pesado in-vestimento em Genômica feito na última décadapela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa doEstado de São Paulo). Para a primeira turma naUnicamp foram selecionados 82 alunos, sendo 54do curso de biologia molecular e 28 da computa-ção. O propósito é formar profissionais com co-nhecimento e prática comuns nessas duas especi-alidades: biologia e informática.

“É um projeto simples e objetivo”, afirma o pro-fessor Paulo Arruda, do Departamento de Genéti-ca do IB. “O curso é resultado de um processonatural, em virtude das exigências do mercado detrabalho”, acrescenta. O diretor do Instituto deComputação, Ricardo Anido, acha que “este cursooferece um grande atrativo para o estudante decomputação da Unicamp, devido ao aspectoeclético, estando fora das áreas normais de ensinoda Instituição”.

Com essas disciplinas de especialização, preten-de-se agregar alunos de biologia e de computaçãopara que aprendam a manipular informações so-bre bioinformática não apenas dentro de projetosdesenvolvidos pela Fapesp, mas também em áreasimportantes que possam ser abertas – na indústriafarmacêutica, de biotecnologia, de diagnóstico eoutros ramos em expansão no mercado.

ANTÔNIO ROBERTO [email protected]

QGrande demanda – Apesar do espaço dado pela

mídia às recentes conquistas do Projeto Genoma eà anunciada falta de profissionais embioinformática, a procura pelo curso aberto naUnicamp surpreendeu. Dentro do projeto, estu-dantes de exatas e biológicas lecionam disciplinasem ambos os institutos, obtendo uma formaçãocomo profissionais em bioinformática. “É claro quese trata de um curso ainda a ser aprimorado, con-forme as dificuldades e falhas forem aparecendo,até alcançarmos um formato ideal. Mas não há dú-vida de que é um curso de futuro promissor”, sali-enta o professor Ricardo Anido.

O Instituto de Biologia está ministrando duasdisciplinas aos estudantes de exatas: BiologiaMolecular para Ciências Exatas I e II. Nelas sãodetalhados os conhecimentos de genéticamolecular e bioquímica empregados nos Proje-tos Genoma. Caberá ao Instituto de Computa-ção oferecer três disciplinas para os alunos daárea de biológicas: Algoritmos e Programação deComputadores, no primeiro semestre deste ano,e Tópicos em Ciências da Computação/Estrutu-ra de Dados, no segundo. Essas matérias deve-rão proporcionar uma visão abrangente das fer-ramentas computacionais de bioinformática.

Informações sobre o cursowww.cbemeg.unicamp.br/bd590

Acelerando as descobertas científicas

C om o avanço nas tecnologias de biologia molecular nos últimos cinco anos, principal

mente em seqüenciamento de DNA, foram com-pletamente seqüenciados os genomas de 35 bac-térias, da levedura, da mosca de fruta Drosophlamelanogastert, do verme Caenorhabditis elegans,da planta modelo Arabidopsis thaliana e do ho-mem. O estudo simultâneo de vias metabólicasinteiras vai proporcionar uma visão sem preceden-tes do funcionamento e da compreensão de orga-nismos inteiros. A análise global de populaçõespermitirá melhor compreensão dos ecossistemase de formas mais eficientes de preservação.

O conhecimento derivado das tecnologiasgenômicas aumenta em progressão geométrica,

de acordo com observações do professor PauloArruda, do Departamento de Genética do IB. O en-tendimento desta avalanche de dados está intima-mente vinculada ao desenvolvimento da área dabioinformática. Ao possibilitar a avaliação globaldessa extraordinária quantidade de informações,a bioinformática tem acelerado consideravelmen-te as descobertas científicas.

Quando a Fapesp lançou o Projeto Genoma nopaís, ainda não havia as facilidades proporciona-das pelo advento da informática, como nos dias dehoje. “Com isso, devido à interação biologia/informática, ao longo desses anos, chegamos à con-clusão de que a melhor maneira de darmos umpasso significativo seria articular alguma coisa pela

graduação”, diz Arruda. “E é isso o que está sen-do feito”.

Paulo Arruda, do IB: “Passo significativo na graduação”

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ESPECIALIZAÇÃO ESPECIALIZAÇÃO

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Novo gás para o brasileiroHidrogênio deve ser usado em larga escala como

combustível de veículos; Unicamp sedia Centro de Referência

ADRIANA [email protected]

AUnicamp é sede do recém-criado CentroNacional de Referência em Energia do Hi-drogênio (CENEH). Eleito secretário exe-cutivo e representante da Universidade no

Centro, o físico e professor Ennio Peres da Silvaacredita que este tipo de combustível é a saída paradiminuir a poluição na atmosfera. Prevê que aconscientização sobre o meio ambiente e a conse-qüente pressão popular poderão levar àmassificação dos veículos movidos a hidrogênio,como os ônibus que a cidade de São Paulo deveráganhar já no próximo ano. O professor desenvol-ve, na própria Unicamp, um protótipo de automó-vel a hidrogênio.

Ennio Silva adverte, contudo, que o uso do hi-drogênio não ajudará a resolver de imediato a es-cassez de energia elétrica no Brasil. “Novastecnologias devem ser introduzidas no mercadosempre com cautela e depois de muito aprendiza-do. A situação atual é decorrente da políticaimplementada nos últimos anos e a opção encami-nhada pelo governo para este momentoemergencial são as termoelétricas”, pondera.

O novo centro, único do País, está instalado noLaboratório de Hidrogênio do Departamento deFísica Aplicada do Instituto de Física. A função doCENEH é co-patrocinar pesquisas e agrupar infor-mações sobre a área das aplicações energéticas dohidrogênio no Brasil e mundialmente (veja artigona página 5). A seguir os principais trechos da en-trevista concedida pelo professor Ennio Silva aoJornal da Unicamp.

Jornal da Unicamp – A escassez de energia elé-trica é algo que se discute muito nos dias de hoje.O uso do hidrogênio seria a solução?

Ennio Peres da Silva – Mais ou menos. Vive-mos um problema originado pela falta de investi-mentos e que exige solução de curto prazo. É umasituação emergencial e, para uma emergência, pre-cisamos contar com sistemas consolidados. Não éhora de ficarmos pensando em experimentar no-vas tecnologias; novidades só devem serintroduzidas com cautela, após muito aprendiza-do. A opção do momento são as termoelétricas. Issoporque o governo optou por não investir no setore por passar o investimento para a iniciativa priva-da em cima do gás natural. Infelizmente, as em-presas privadas também não investiram, por umasérie de circunstâncias que não nos cabe discutiraqui. A conseqüência é a falta de sistemas de gera-ção comercial de grande porte, que venham a su-prir imediatamente a escassez de energia. Esta si-tuação emergencial não será resolvida com o hi-drogênio.

P – A aplicação do hidrogênio é possível emquais áreas?

R - O hidrogênio pode ser usado tanto na gera-ção de energia como nas mais diferentes áreas in-dustriais: fabricação de margarina, tratamento dederivados de petróleo, produção de amônia parafertilizantes, na indústria metalúrgica, farmacêuti-ca, etc.

P – Como combustível, ele é melhor do que ostradicionais derivados do petróleo?

R – O hidrogênio é mais limpo do que os com-bustíveis fósseis tradicionais (incluindo os liga-

dos ao gás natural e carvão), porque nesses pro-cessos sempre existe a emissão de gás carbônico,que, como todos sabem, contribuem com o efei-to estufa, o aquecimento da atmosfera. Na quei-ma de hidrogênio você tem a liberação de água enão de gás carbônico. O hidrogênio oferece ain-da a possibilidade de uso em células a combustí-veis.

P - É possível gerar energia para domicílios apartir do hidrogênio?

R – Tecnicamente, sim. Existem várias maneirase a mais apreciada pelos pesquisadores é a instala-ção de painéis solares que produzem energia elé-trica durante o dia. Uma parte desta energia é usa-da imediatamente na própria residência e a outraparte produz hidrogênio através da eletrólise daágua, ou seja, a decomposição da água em hidro-gênio/oxigênio. Este hidrogênio é armazenado e,no período da noite, produz eletricidade a partirde uma célula a combustível.

P – Por que não se faz uso desta aplicação atu-almente?

R – Porque ainda não é viável economicamente.

P – As pesquisas para a aplicação do hidrogê-nio como energia são mais voltadas para asindustrias?

R – Realmente, hoje, o grande interesse é paraaplicações industriais. Isso se deve ao fato de queexiste uma preocupação ambiental muito grande.Essa preocupação está se transformando em impo-sições, que visam forçar as empresas a reduziremas emissões de gás carbônico. A diminuição do gáscarbônico vem sendo debatida nas últimas déca-das e não há dúvida de que terá de serimplementada mais cedo ou mais tarde.

P – E o uso do hidrogênio em veículos? Comoandam as pesquisas?

R – O que sabemos hoje é que os veículos a hi-drogênio serão necessariamente elétricos. Veículoselétricos trazem uma série de vantagens que nãoencontramos naqueles movidos a explosão (com-

bustão interna): diminui muito a quantidade deruídos, as emissões com o veículo parado são prati-camente nulas, torna-se menor o desgaste de com-ponentes porque as partes móveis são reduzidas enão se registra liberação de calor. O grande incon-veniente é preço.

P – Quanto custaria um carro movido a hidro-gênio?

R – Os protótipos iniciais levam à estimativa de50 mil dólares, considerando-se mesmo desempe-nho, autonomia e até algumas vantagens em rela-ção aos veículos tradicionais. A tecnologia dos pro-tótipos também não está totalmente compactada,tornando-os um pouco avantajados. A MercedezBenz-Chrysler já trabalha com um veículo nas di-mensões do Classe A, mas o ideal ainda é a aplica-ção em veículos Van, devido ao seu custo. Essas mes-mas empresas, no entanto, estimam que o preçopoderia cair facilmente a 30 mil dólares, havendoescala de produção.

P – E o protótipo da Unicamp?R – Nosso protótipo trabalhará ainda com uma

célula menor do que a dos outros. Utilizaremos umsistema híbrido, constituído de uma célula a com-bustível mais um pequeno banco de baterias. Issoterá vantagens e desvantagens. A grande vantagemserá que a célula menor é mais barata.

P – O que é uma célula a combustível?R – A célula a combustível é um dispositivo

eletroquímico que realiza o processo inverso daeletrólise. A eletrólise é mais fácil de se explicarporque a maioria das pessoas já fez experiênciasdesse tipo no ginásio: um copo de água com umácido, um sal ou uma base onde, com uma pilha edois fios, você faz a decomposição da água nos seusconstituintes, hidrogênio e oxigênio. No caso dacélula a combustível, um dispositivo eletroquímicofaz exatamente o contrário: você introduz o hidro-gênio e o oxigênio do ar na célula, obtendo água e

Ennio Silva e o protótipo de veículo a hidrogênio desenvolvido na Unicamp: maior obstáculo ainda é o preço elevado

Continua na página 5

Universidade Estadual de CampinasAbril de 2001

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ENERGIAENERGIA

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P – No Brasil já existem empresas fazendo uso dohidrogênio?

R – Temos o projeto conduzido pela EMTU (Em-presa Metropolitana de Transportes Urbanos) de SãoPaulo, originado no Ministério das Minas e Energia,com financiamento externo. Este projeto prevê a im-plantação de cinco a oito ônibus em rotaspreestabelecidas, supridos por hidrogênio na formagasosa. Os coletivos têm baixíssima emissão de gáscarbônico e contribuirão para diminuir a poluiçãoambiental em alguns corredores da Capital. A primei-ra fase, um diagnóstico para implantação do sistema,já foi concluída com êxito. A segunda etapa, em anda-mento, é o processo de licitação. Será um edital inter-nacional e uma empresa já se mostrou muito interes-sada em fornecer os ônibus a partir de 2002.

P – É ilusão ou realidade imaginar que, num futu-ro próximo, o transporte a hidrogênio vai semassificar no Brasil?

R – Existem visões otimistas e pessimistas. Algumasempresas como a Daimler Benz-Chrysler são bastanteotimistas e acreditam em uma frota de 100 mil veículosaté 2010. Os pessimistas acham que ainda vivemos umaetapa de ensaios e que a introdução em massa dessesistema dependerá do agravamento da situaçãoambiental, do suprimento de petróleo ou de alguma

outra anormalidade. A entrada de veículos a hidrogê-nio no mercado pode ser forçada mais pela consciên-cia ambiental. Em Los Angeles (EUA), devido ao nívelelevadíssimo de poluição produzida pelos veículos,uma legislação muito rígida está sendo colocada emprática. Lá, a partir de 2003, será obrigatória acomercialização de um percentual de “veículos lim-pos”, a hidrogênio ou a bateria, havendo uma prefe-rência pelo primeiro por parte das empresas. Variasoutras cidades americanas estão copiando este mode-lo de legislação e, se houver um efeito cascata, tere-mos uma frota elevada de carros a hidrogênio.

P - O Brasil é um potencial produtor de hidrogênio?R – Esta é uma questão que exige coerência. Se

estamos pensando em associar a importância dohidrogênio a questões ambientais, estamos falan-do em usar o hidrogênio com fontes renováveis. Ohidrogênio não é uma fonte de energia. Ele é umvetor, um combustível. Vamos ter de produzir ohidrogênio a partir de fontes renováveis. O Brasiltem um enorme potencial de fontes renováveis:hidráulica, eólica, solar, biomassa. Mas, se preten-demos exportar energia para Europa, por exem-plo, precisamos lembrar que não temos linhas detransmissão para lá. Então teríamos de produzirhidrogênio ou outro combustível e embarcá-lo.

P – E podemos fazer isso?R – Fizemos um estudo aqui na Unicamp, compa-

rando um caso brasileiro com outros realizados noexterior. A Alemanha e a Arábia Saudita, conjuntamen-te, executaram um grande projeto para utilizar a ener-gia solar dos desertos árabes para produzir hidrogê-nio, a partir dos painéis fotovoltaicos. O hidrogênioseria liqüefeito e transportado em tanques para a Eu-ropa. Cumpriram várias etapas deste ciclo, mas nãochegaram a efetivar o transporte do hidrogênio. Den-tro dessa linha, o Canadá propôs à Alemanha o mes-mo sistema, mas utilizando a energia hidroelétrica.Achamos então que o Brasil poderia fazer parte des-ses estudos. Por que não usar nossa energia solar, eólicae de biomassa do Nordeste, mais a energia hidráulicada região Norte? Juntaríamos fontes renováveis em ummix de energia para produzir hidrogênio, que pode-ria ser embarcado pelo porto de Fortaleza para a Eu-ropa. Nosso estudo concluiu que esse hidrogênio te-ria custos elevados, mas da mesma ordem dos proje-tos executados na Arábia Saudita e Canadá.

P – Armazenar hidrogênio não é muito perigoso?R – Evidentemente. O hidrogênio é um combustí-

vel. No entanto, não é mais perigoso do que o gásnatural. E o país está ampliando os usos do gás natu-ral, incentivando seu emprego em táxis.

‘Projetos com hidrogênio ainda são insignificantes no Brasil’

A o final de 2000 houve a assinatura do convênio de criação do Cen tro Nacio nal de Referência em Energia do Hi-

drogênio (CENEH), tendo como entidadesconstituin tes o Ministério de Ciência eTecnologia (MCT), a Secretaria de Estado deMeio Ambiente de São Paulo (SMA/SP),Unicamp, USP, Companhia Energética de Mi-nas Gerais (Cemig) e a organização não-go-vernamental Vitae Civilis – Instituto para oDesenvolvimento, MeioAmbiente e Paz. Para sededeste centro foi escolhidaa Unicamp, em Campi-nas.

Os objetivos do CENEHforam definidos em seuconvênio de cr iação:“Promover, através derede de informação, a di-vulgação e difusão de re-ferências sobre progra-mas, projetos, pesquisas,desenvolvimentos cientí-ficos e tecnológicos doaprovei tamento ener-gét ico do hidrogênio ,propor e realizar pesqui-sas c ient í f icas etecnológicas, próprias ouem cooperação com outras entidades inte-ressadas, desenvolvendo alianças estratégi-cas nesta área de atividade e, também, pro-mover a capacitação e treinamento nestetema”.

Caberá então ao CENEH promover a pes-quisa e o desenvolvimento das aplicaçõesenergéticas do hidrogênio no Brasil, queatualmente podem ser consideradas insig-nificantes, em termos quantitativos. Entre-tanto existem grandes perspectivas de quesistemas energéticos baseados no uso do hi-drogênio venham a ser incrementados nospróximos anos, principalmente através dascélulas a combustível, tanto para aplicaçõesestacionárias como móveis. Nesta área o paíspossui basicamente apenas competênciaacadêmica, com algumas pequenas empre-sas investindo atualmente no desenvolvi-mento desta tecnologia. Apontada por mui-

ENNIO PERES DA [email protected]

no exterior, facilitando a troca de informa-ções, estágios, cursos, seminários, visitas,entre professores, funcionários e alunos.Com respeito à organização de eventos, osCentros têm promovido inúmeros encontrose workshops, onde a participação de alunose professores da instituição-sede é ampla-mente beneficiada, seja na apresentação detrabalhos ou no contato com outros profis-

tos especialistas como uma área estratégicados próximos anos, sem dúvida que estatecnologia é no momento a mais prioritária,tanto para pesquisas fundamentais comotecnológicas.

Neste contexto, o papel a ser desempenha-do pelo CENEH será bastante relevante, umavez que o desenvolvimento das tecnologiasque compõem os sistemas energéticos do hi-drogênio passa necessariamente pela cria-

ção de programas inte-grados de P&D, reunin-do as competências e asexperiências nacionaisnas diferentes áreas en-volvidas, programas es-tes que deverão contarcom a participação ou oacompanhamento do se-tor industrial, que seráresponsável pela fabrica-ção e comercializaçãodos resultados das pes-quisas.

Com re lação àUnicamp, diversas ativi-dades previstas para se-rem realizadas no âmbi-to do CENEH, descritasem seu convênio de cri-

ação, resultarão em benefícios diretos àsatividades de pesquisa e ensino da Univer-sidade. Com a concentração de projetos depesquisa e desenvolvimento em torno dosCentros de Referência, o envolvimento dosalunos da instituição-sede passou a contarcom financiamento e infra-estrutura paraprojetos relevantes de iniciação científicae de pós-graduação. Obviamente que osprojetos do CENEH não estão restritos aosalunos da instituição-sede, mas é fácil per-ceber que estes serão beneficiados por es-tarem junto a ele.

A experiência dos outros centros mostraque, apesar de uma maior participação emciências aplicadas, também pesquisas bási-cas têm sido realizadas. Outro aspecto aca-dêmico importante é o estreitamento de re-lações, através dos Centros, entre as insti-tuições-sede e outras instituições no país e

sionais do país e do exterior, o que certa-mente ocorrerá com o CENEH e a Unicamp.

Ennio Peres da Silva (foto) é professordo Instituto de Física Gleb Wataghin(IFGW) da Unicamp e secretário executivodo Centro Nacional de Referência emEnergia do Hidrogênio (CENEH)

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ENERGIAENERGIA

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MANUEL ALVES [email protected]

planejamento estratégico de uma empresa não pode, nos diasatuais, ser desvinculado do seu desenvolvimento tecnológico. Aconstatação é do ex-professor da Unicamp Isaías de CarvalhoMacedo, engenheiro mecânico formado pelo Instituto Tecnológicoda Aeronáutica (ITA) e que até recentemente ocupava o cargo degerente de tecnologia da Coopersucar. De acordo com ele, quemnão perceber esta realidade encontrará muitas dificuldades nummercado globalizado e cada vez mais competitivo. Macedo abriu,no último dia 15 de março, a temporada de seminários promovi-dos pela Coordenadoria Geral da Universidade (CGU). O temaabordado pelo especialista foi “Desenvolvimento Tecnológico eEstratégia”. As palestras acontecem sempre às quintas-feiras, a

partir das 11 horas (confira pro-gramação nesta página).

Atualmente, conforme Macedo,o mundo empresarial encara atecnologia de forma diferente de20 anos atrás. “Os dirigentes com-preenderam que gestão e plane-jamento tecnológico devem cami-nhar juntos. Se não for assim, sórestará correr atrás do prejuízo”,explicou. O ex-professor daUnicamp afirmou que alguns as-pectos fundamentais devem ser le-vados em consideração no mo-mento de formular a estratégia dedesenvolvimento. O primeiro de-les é o fator externo, que compre-ende os assuntos ligados às áreaseconômica, legal e ambiental.

Também é preciso compreender,segundo Macedo, que a disponibili-dade ou a possibilidade do domíniode determinada tecnologia influen-cia diretamente no estabelecimen-to da estratégia empresarial. Paraexemplificar como é possível congre-gar todos esses elementos, o profes-sor falou da sua experiência de apro-ximadamente 20 anos à frente doCentro de Tecnologia da

Coopersucar, unidade que ajudou a instalar. A agroindústria da cana-de-açúcar no Brasil, esclareceu o especialista, tem uma produçãoanual de 300 milhões de toneladas, o que equivale a 25% do que égerado no mundo. Metade desse volume vai para a produção de etanol(álcool) e a outra metade para a de açúcar.

Sucesso em números – O setor conta com 308 unidadesindustriais, responsáveis pelo cultivo de 5 milhões de hectares,algo em torno de 1,5% das terras agriculturáveis do Brasil. Alémdisso, também é responsável pela geração de cerca de 1 milhãode empregos diretos. Só para se ter uma idéia do mercado consu-midor, basta saber que a produção do setor cresceu, em média,10% ao ano durante cinco anos seguidos. Além disso, o mercadoconsumidor de açúcar cresce 1,5% ao ano, independente da com-petição exercida pelos produtos dietéticos. Todos esses números

OOOOOajudam a compreender como o desenvolvimento tecnológico in-fluencia no planejamento estratégico de uma empresa ou de umsegmento industrial inteiro. De acordo com o professor Macedo,entre 1975 e 1990, os produtos da agroindústria da cana-de-açú-car tinham todas as suas fases controladas pelo governo federal.

Do preço à cota de produção, do percentual de mistura doetanol na gasolina à exportação da produção excedente, tudo eraditado por Brasília. Nesse período, mais precisamente entre 80 a85, o setor viveu a fase do Proálcool, programa que reduziu astaxas de juros e ampliou os investimentos. A desregulamentaçãosó ocorreu a partir de 1990. Sem o controle estatal, a agroindústriada cana-de-açúcar experimentou alguns avanços importantes,sustentou o ex-professor da Unicamp. Entre eles está a reduçãodos níveis de poluição, obtida por meio da adoção de uma legisla-ção séria e do emprego de novas tecnologias.

Mas a preocupação do setor com o desenvolvimento tecnológico,ressaltou Macedo, antecede à desregulamentação. Para atender àsnecessidades do mercado, a agroindústria da cana-de-açúcar teveque cumprir três condições básicas. A primeira dizia respeito à ca-pacidade de produção, levando em conta as variedades das plan-tas. Também foi preciso equacionar as questões ligadas à qualida-de do etanol e à logística, aqui entendida como abastecimento.Assim, em 1970, especialistas do Instituto Agronômico de Campi-nas (IAC) e do agora extinto Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) játrabalhavam com o melhoramento genético da cana-de-açúcar, in-clusive com a produção de clones. Graças a esse trabalho, foramobtidas variedades mais produtivas e mais resistentes às praças.

Tecnologia australiana – Em 1973, a capacidade industrialdas usinas foi ampliada com o incremento de moendas que uti-lizavam tecnologia australiana. Dez anos depois, o Brasil desen-volveu um sistema de moagem próprio, que veio a transformar-se no mais produtivo do mundo. Entre 1980 e 1990, o setor ini-ciou o emprego de tecnologias para a reduçãodos custos de produção, iniciativa que foi con-solidada na década seguinte. O uso de me-lhores variedades de plantas, a seleção de ter-ras, a definição de novas especificações para aadubação, o aprimoramento do corte, do car-regamento e do transporte da cana, associ-ados ao gerenciamento técnico detodas as fases de produção, permi-tiram que o setor alcançasse o atu-al índice de desenvolvimento.

Na atualidade, o segmento tra-balha em novos projetos, como aredução de perdas na fabricação deaçúcar, a auto-suficiência energética,a melhoria da qualidade do açúcar e a diversificação da produ-ção, principalmente por meio do aproveitamento do bagaço e dapalha da cana. Esses subprodutos podem ser aproveitados na pro-dução de energia elétrica, de etanol e de celulose. Diante de to-dos esses resultados e das possibilidades que a agroindústria dacana-de-açúcar ainda tem, é que o ex-gerente de tecnologia daCoopersucar reforça a sua convicção de que não há como dissociaro planejamento estratégico de uma empresa do seu desenvolvi-mento tecnológico, que pode ser próprio ou contratado. “Alémdisso, também é preciso estar atento ao que ocorre fora do País,para que não sejamos surpreendidos. A busca por fontes de in-formação tem que ser constante”, aconselhou Macedo.

Especialista da agroindústria da cana-de-açúcar ensina que gestão e planejamento tecnológico devem caminhar juntos

Para garantir nosso doce

OS SEMINÁRIOS DE2001

Macedo: ‘País tem 25% da produção mundial de cana’

19/0419/0419/0419/0419/04 –Carlos Lenz Cesar (IFGW/Unicamp): “Pinças ópticas: Princípi-os e aplicações na Biotecnologia”

n04/0504/0504/0504/0504/05 –José Pastore (FEA/USP):

“Oportunidades de trabalho para por-tadores de deficiência – O papel daspolíticas públicas” (excepcionalmen-te, este seminário será apresenta-do numa sexta-feira, às 15h)

n17/0517/0517/0517/0517/05 –Jacques M.E. Vielliard (IB/

Unicamp): “Comunicação sonora emaves brasileiras”

n31/0531/0531/0531/0531/05 –Denis J. Schiozer

(Cepetro-FEM/Unicamp): “Oportuni-dades de pesquisa na área de pe-tróleo”

07/0607/0607/0607/0607/06 –Anita Jocelyn Marsaioli(IQ/Unicamp): “A língua ancestral dosseres vivos: a química”

n21/0621/0621/0621/0621/06 –Carlos Fernando S. de

Andrade (IB/Unicamp): “Dengue:você ainda terá a sua”.

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PALESTRAPALESTRA

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julgar pela confissão acima, o romancista francês,autor do clássico Madame Bovary (1857),também tinha lá seus probleminhas para pôr nopapel idéias que se transformariam em obras-

primas, como Educação Sentimental (1869) ou Três Contos(1877). Perfeccionista, Flaubert era capaz de ficar dias e atémeses buscando a palavra correta.

A Unicamp criou um curso de Redação voltado para osservidores da Universidade, por meio da AFPU (Agência paraFormação Profissional da Unicamp) e com apoio do Institutode Estudos da Linguagem (IEL). A proposta, obviamente, nãoé descobrir um novo Flaubert, Machado ou Dostoiévsk. Masfazer com que os funcionários passem a escrever melhor �textos oficiais ou mesmo de ficção � e obter uma boa noçãode gramática.

A tarefa coube aos professores Rodolfo Ilari e Lúcia Bastos,ambos do IEL. Para eles, ao final do curso, o nível deaproveitamento dos alunos foi muito bom. �Principalmenteno que se refere aos textos apresentados�, diz Ilari.

O curso teve 40 horas de duração, com uma aula de quatrohoras por semana. Foram doze encontros, ocupados comleitura, produção de textos e análise dos erros �normalmente de ortografia, pontuação e crase. Os sessentaalunos inscritos desenvolveram seus trabalhos com basenuma apostila reunindo textos de jornais, revistas, artigosmais complexos, editoriais e até de propaganda. �Partindo dotexto produzido pelo próprio aluno, observávamos em quaisaspectos ele errava mais, o que fazia bem e se apresentavaproblemas de acentuação, pontuação e escolhas lexicais�,explica Lúcia Bastos.

�Os alunos eram levados a refletir sobre a qualidade quese espera de um texto. Basicamente, coesão, coerência,clareza, vocabulário e adequação à situação�, completa oprofessor Ilari. Detectados os erros, partia-se então para osexercícios de leitura. E, a partir dos textos da apostila, osfuncionários deveriam fazer em casa um diário, consideradoum bom exercício para desenvolver o hábito da escrita e, porconseqüência, aprimorar a concatenação de idéias paraelaboração de um conto, artigo, documento oficial ou umanarrativa de livre escolha.

Processo demorado � Tanto Lúcia quanto Ilari afirmamque é preciso estimular uma pessoa a ler e a escrever

Algumas gotas de tinta

“Tenho vertigem diantede uma folha de papel em

branco. Para muitos,um tinteiro contém algumas gotas

de um líquido negro. Mas, paraoutros, é um oceano.

E nele eu me afogo”. GustavoFlaubert (1821-1880)

ANTÔNIO ROBERTO [email protected]

Unicamp dá curso para que funcionário perca o medo de escrever

quando ainda criança. �Com oadulto, isso já se torna um tantodifícil. Esse binômio ler/escrever nãoé coisa que se consegue de formaimediata. Pelo contrário, é algodemorado e muitas vezes não seconsegue transformar um adultonum bom leitor. Para escrever bem épreciso ler e para ler é precisoescrever. São coisas que secompletam�, assinala Lúcia.

Especialista em semântica, Ilaritrabalhou mais com as históriascontadas pelos alunos. �A maioriadeles conseguiu escrever boashistórias. Percebi, no entanto, que asnarrativas careciam de boa gramáticae ortografia, o mesmo ocorrendocom concordância e regência, e uso inadequado depreposições�, afirma. Em sala de aula discutia-se, reescrevia-se os textos e, curiosamente, a própria classe cobrava quecolegas se dedicassem um pouco mais ao estudo dagramática.

�Eu estava muito mais preocupado em fazer com que eles

A

O espírito, como todos sabem, se transporta para outra dimensão que possa existir, e que, não existindo,pode ser criada na mente de qualquer ser divino. Essa força é que permite afirmar que o ser Supremo é a somade todas as forças energéticas positivas produzidas por nossas almas. Ela é infinita porque nossa mente vivenos mundos onde possamos imaginar.

No passado, chamávamos essa situação de irrealidade, e quando um corpo ficava inerte, mas vivo, dizía-mos que ele estava em estado de coma. Quantos não foram os espíritos que conseguiram se libertar do corpoatravés desse expediente, de fingir a morte? Alguns ficavam nesse estágio durante anos terrestres e, às vezes,tinham que desistir e retornar à vida corpórea. Incorporados, não se lembravam por onde tinham viajado e osmundos que tinham criado. Esses mundos, assim como são atualmente, mantinham o Universo em constantecrescimento. Denominamos esse crescimento de “movimento inconsciente” porque o espírito não tinha odomínio do corpo e muito menos da mente. A mente era controlada por seres que se diziam mais racionais eque formulavam idéias para manter o controle ideológico de uns sobre os outros, com o objetivo de acumularriquezas.

Na verdade, esses seres eram tão controlados pela matéria que passaram a desenvolver um tipo deinteligência, que a palavra irracionalidade pode explicar. O movimento inconsciente foi importante para odesenvolvimento da consciência libertadora em muitos espíritos. E foi em razão dessas experiências que muitos de nós conseguimos, ao longodos séculos terrestres, acumular conhecimento necessário e, de certa forma, nos preparar para o momento da aliança com o espírito Universal.A aliança universal ocorreu no ano terrestre de 2002. A luz universal veio do centro da Galáxia, se intensificou ao passar principalmente pelosplanetas Júpiter e Marte atingindo em cheio a Terra. Os mais desenvolvidos puderam senti-la positivamente. No entanto, bilhões de corpos eespíritos ficaram aprisionados em seus mundos. O individualismo, o egoísmo e principalmente o apego pela cultura materialista, criaram umaforça negativa que não se alia à luz positiva.

Ao incorporarmos a luz Universal, libertamos nossos espíritos e, consequentemente, deixamos a Terra. Nossa saída provocou um desequilíbrio,pois a força negativa aprisionou os individualistas em seus mundos egoístas. O fato é que o Sistema Solar passou a ser uma fonte geradora deenergias negativas para todo o Universo. O mal está contaminando, se espalhando e os espíritos que estão por se libertar em outras galáxias eplanetas correm sérios riscos. Teremos que interferir pelo bem do equilíbrio universal. O filho da luz Universal é voluntário a voltar para a Terra noano que chamarão de Zero; a incorporação se dará, mais uma vez, com o propósito de destruir as idéias egoístas e individualistas, pregar a paz eo amor ao próximo. Esta então será a última tentativa. O Espírito Universal convocou-os para serem os doze apóstolos.

Miguel Leonel dos Santos (foto) é funcionário da área técnica operacional do IEL há sete anos. Entrou em direito na PUC de Campinas, no últimovestibular, segundo ele graças ao curso de redação da AFPU. Ele escreveu o texto acima especialmente para o Jornal da Unicamp.Jornal da Unicamp.Jornal da Unicamp.Jornal da Unicamp.Jornal da Unicamp.

De volta ao Ano ZeroMIGUEL LEONEL DOS SANTOS*

Ilari e Lúcia, do curso de redação: apostando no talento dos funcionários da Universidade

saíssem do curso sem medo de escrever. Depois de dez ou dozesemanas verificamos que já liam e escreviam mais e melhor.Tinham aprendido a olhar para o próprio texto e descobrir ondehaviam errado�, comenta Ilari. �Vale a pena investir nessesfuncionários, há muita gente de talento trabalhando nos maisdiversos setores da Universidade�, conclui.

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SERVIÇOSERVIÇO

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Livres da ‘prisão’Retirada de medicamento melhoraqualidade de vida de portadores de HIV

CARLOS LEMES [email protected]

“A

A menos de um ano de concluir sua pesquisa, oinfectologista já consegue articular com convicçãoseu sentimento em relação aos doentes a que vemproporcionando um ganho na qualidade de vida: “Li-dar com esses pacientes, à medida que se tornaperceptível a melhora deles, me demonstra que, cadavez mais, a Aids está deixando de ser um jogo perdi-do, como se considerava até pouco tempo atrás”.

“Hoje, mesmo quem chega à rede de saúde públi-ca em mal estado, tem possibilidades de obter umasobrevida razoável”, atesta o médico. Ele não es-conde a esperança de que, mantendo os pacientesvivos por mais tempo, estes venham até mesmo sebeneficiar de alternativas mais eficazes que o co-quetel. “Daqui a alguns anos, acredito, teremos dis-poníveis desde vacinas a terapias genéticas, cujosagentes poderão ser enzimas capazes de entrar nocódigo genético do paciente e cortar o vínculo comvírus HIV. Se não couber a nós tais façanhas, alguémas cumprirá; afinal cada pesquisa tem seu tempopróprio para resultar em aplicações práticas”, afir-ma. (CLP)(CLP)(CLP)(CLP)(CLP)

‘A Aids deixou de ser um jogo perdido’O garçom M.S.I.G., 26 anos, descobriu que era soropositivo em 1998.

E pior: começou a se tratar já num estágio avançado da contaminaçãopelo HIV, ou seja, arcando com o peso do acometimento por uma sériede doenças oportunistas, incluindo as provocadas pelo Citomegalovirus.Por isso, na época não lhe restou outra saída que não se submeter àprofilaxia secundária por Ganciclovir.

“Era um martírio. Eu tinha que ‘bater ponto’ quase todo dia no hospitale, incluindo as drogas do coquetel, era obrigado a engolir de 12 a 20comprimidos diariamente”, lembra. “Ao mesmo tempo em que sentia oquanto o coquetel me favorecia, esse remédio específico me deixavaimprestável, com o corpo mole. Sem contar que mal conseguia convivercom a família, que é tão importante numa situação dessas, e muito me-nos manter um emprego que suprisse pelo menos as minhas necessida-des básicas”.

Em 15 de novembro do ano passado o garçom aceitou integrar o gru-po de voluntários que o infectologista Luís Fernando Waib estavamonitorando. “No começo, cheguei a sentir medo de deixar de tomar oremédio, pois a gente que sofre de Aids sabe muito bem o estrago queesse vírus oportunista pode fazer”, confessa.

“Mas hoje, eu me sinto ótimo; acredito que meu estado geral de saú-de melhorou em 80%. Agora, minha necessidade de vir ao hospital pas-sou a ser quinzenal, o que me dá oportunidade de trabalhar e conviverdireito com a família. E só o alívio psicológico de não se sentir mais um‘prisioneiro’ de hospital já conta muitos pontos nas chances de convivermelhor com a Aids”, conclui o paciente. (CLP)(CLP)(CLP)(CLP)(CLP)

Luís Waib, monitor do estudo com 33 pacientes: apenas duas recidivas

M.S.I.G., que se submetia à rotina do hospital: “Me sentia condenado duas vezes”

Martírio de um garçom

ntes, eu me sentia condenado duas vezes: aprimeira, por ter Aids e a segunda, por serobrigado a vir todo santo dia ao hospital, prame medicar. Era como se eu fosse umprisioneiro. Agora, voltei a ter vida pessoal eaté consigo trabalhar�. O desabafo é do garçom

M.S.I.G., 26 anos, e reflete os benefícios que já se esboçam deuma pesquisa em desenvolvimento no Departamento de ClínicaMédica da FMC/Unicamp, pelo infectologista Luís Fernando Waib.

Há quase um ano e meio Waib monitora um grupo que chegoua 33 pacientes com Aids, voluntários para seu projeto multicêntricode mestrado, que propõe a retirada do medicamento Ganciclovirda chamada �profilaxia secundária vitalícia�, ou seja, prevençãoàs doenças oportunistas. A droga, embora indicada para combatero Citomegalovirus (um herpes-vírus bastante perigoso parapacientes imunodepressivos, capaz até de comprometer o sistemanervoso central), tem efeitos colaterais extremamente agressivos,pela sua toxidade.

�Até agora, os resultados têm sido muito animadores, pois sótivemos duas recidivas�, diz o médico, referindo-se aos poucoscasos de reaparecimento dos efeitos oportunistas algum tempodepois da convalescência (veja quadro nesta página). Waibdestaca ainda outras duas vantagens dessa abordagem terapêutica:�Além de não ser mais acometido pelas reações adversas domedicamento, o paciente passa a experimentar uma melhorasubstancial em sua qualidade de vida, pois a administração doGanciclovir tem que ser intensiva, exigindo a presença quase diáriado doente à unidade de tratamento, o que o impede de trabalhare de exercer outras atividades. Sem contar que trata-se de umasubstância cara, que onera em muito o sistema público de saúde�.

Apesar das vantagens, a proposta é restrita àqueles doentes deAids que já recuperaram um grau satisfatório de imunidade, graçasao uso do chamado �coquetel�.

Tanto, que o título da tese de mestrado é Retirada da terapiade supressão para Citomegalovirus em pacientes com SIDA comresposta à Terapia Antirretroviral Altamente Eficaz (HAART).�Neste mês, 21 pacientes do grupo arrolado já terão completadoum ano de experiência, período pré-fixado no protocolo doprojeto�, diz Waib. O pesquisador estima concluir o trabalho até ofinal do ano. Com verba já em estágio de liberação pela Fapesp(Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) � foramrequisitados R$ 40 mil � o projeto envolve quatro centros: Hospitaldas Clínicas da Unicamp, Ambulatório Municipal de DST/Aids deCampinas, Instituto de Infectologia Emílio Ribas e Centro de

Referência e Treinamento em Aids(CRTA) de São Paulo. Do grupo de 33voluntários arrolados, 13 sãopacientes do Hospital das Clínicas daUnicamp.

Waib situa sua motivação para selançar nessa pesquisa no início de1999, a partir de sua experiênciamédica com pacientes do Hospital-Diado HC. �Comecei a perceber que umnúmero cada vez maior delesapresentava uma boa recuperação,por causa do coquetel. Mas o que meconvenceu mesmo foi a propriedadecom que eles mesmos questionavamo fato de serem submetidos a umtratamento secundário tão tóxico, aponto de o benefício preventivo não suplantar o impacto físico.Por fim, era impossível ficar impassível ante as queixas relativasaos prejuízos na vida pessoal, principalmente no tocante àimpossibilidade de geração de renda para subsistência�.

Obviamente, não foi apenas a emotividade que guiou os passosde Waib. �O tratamento de Aids sofreu mudanças qualitativas nosúltimos 6 anos, devido à composição de um conjunto de drogascapaz de inibir de forma eficaz o HIV. Dessa forma, houve aumentoconsiderável da sobrevida dos pacientes�, afirma.

Com a recuperação do sistema imunológico, proporcionada poresse tratamento, �algumas doenças oportunistas, principalmenteaquelas que acometem pacientes com imunossupressão grave,tiveram suas incidências bastante reduzidas�, observa Waib.

Ele ressalta que antes desse avanço do esforço mundial decombate à Aids, pacientes que apresentavam doençasoportunistas como as provocadas pelo Citomegalovirus �mais referido na literatura médica pela sigla CMV � tinhamindicação sempre inquestionável de profilaxia secundáriavitalícia.

Vírus híbrido � O CMV se enquadra entre os oito tipos deherpesvirus patogênicos para o homem. Na verdade, explicaWaib, trata-se de um vírus híbrido - DNA + RNA -, comopublicado recentemente. Estudos norte-americanos situam suaprevalência entre recém-nascidos de 0,2% a 2,2%. �Em setratando de adultos, quando os infectados são saudáveis,raramente ocorre a eliminação de quantidades consideráveisde partículas virais�, frisa o pesquisador. �No caso de pacientescom Aids, o vírus pode afetar órgãos nobres, como o sistemanervoso central e retina. Temos aí, portanto, uma populaçãopara a qual a reativação do vírus representa alto risco, desde

perda de visão a déficit neurológico�.Nessa margem de risco, é formalmente indicado o uso de

Ganciclovir como terapia de supressão. �Porém, sempre seconstatou o quanto as conseqüências dessa abordagem eramdesastrosas do ponto de vista clínico�, relata o médico. �Na maioriados casos, as doenças oportunistas se sobrepunham e a quantidadede drogas usadas em profilaxia secundária também�.

O infectologista destaca alguns dos efeitos colaterais ��aumento da toxidade em diversos tecidos, como medulaóssea e sistema nervoso, intolerância gástrica�, para apontarum fator tão recorrente quanto preocupante dentro destequadro: �Tudo isso contribui fortemente para a falha deadesão ao tratamento�.

Riscos � O médico reconhece ser irrefutável o potencial doGanciclovir de inibir a replicação do CMV. �Mas como o Ganciclovirinibe a síntese de DNA, pode provocar também alteraçõesmedulares, como aplasias e anemia�, adverte. Waib cita ainda quea associação do Ganciclovir com a Zidovudina, um dos maisimportantes antiretrovirais usados na terapia combinada, pode atéprovocar mielotoxidade grave, com risco de vida.

�Outro aspecto a ser ponderado é o custo geral da medicação,que inclui os gastos com a compra, sua administração, a infra-estrutura exigida, além dos exames laboratoriais de controle,necessários na monitorização dos efeitos colaterais�, acrescenta.

Insistindo no impacto na qualidade de vida dos pacientes, Waibexplica que, mesmo sendo feita em leitos-dia e, na maioria dasvezes, sem demanda de internação, �a administração diária doGanciclovir implica na necessidade de locomoção, disponibilidadede tempo e dificuldade de compatibilização com uma atividaderemunerada por parte do paciente�.

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SAÚDE SAÚDE

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Qual é o tamanhoda nossa pobreza?Representante do Banco Mundial afirma que o Brasil estácom 17 milhões de miseráveis a menos, em relação a 1993

A pobreza, tema do Encontro de Economia Institucional: números e posições controversos

Q

Continua na página 10

ÁLVARO [email protected]

ual é, afinal, a dimensão dapobreza no Brasil? Ela concen-tra-se nas pequenas cidades ena zona rural ou nas regiões

metropolitanas? Questões como essasforam debatidas no II Seminário Bra-sileiro da Nova Economia Institucional(leia texto nas página 10 e 11). A mesa-redonda de abertura, cujo tema foi“Instituições e Estratégias de Comba-te à Pobreza”, reuniu os economistasJoachim Von Ansberg (Banco Mundi-al), José Graziano da Silva (Unicamp),Ricardo Henriques (UFF) e o sociólo-go Ricardo Abramovay (USP).

As projeções de Ansberg –transpa-rências inclusas – acenderam o deba-te. Escorado em números, planilhase gráficos do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE) e do Ins-tituto de Economia Aplicada (IPEA),o representante do Bird, alemãolotado há 9 anos na instituição - qua-tro deles no Brasil -, afirmou que onúmero de pobres no Brasil despen-cou nos últimos anos, mais precisa-mente depois da estabilização de1994. Pelas contas de Ansberg, se opaís tinha 52 milhões de miseráveisem 1993, hoje o contingente que temrenda inferior a R$ 65 mensais nãopassa de 35 milhões.

Ansberg saiu da renda e fincou opé na geografia, afirmando que a po-breza se concentra no sertão nordesti-no. E justificou a queda repentina nonúmero de excluídos: os avanços dopaís, no que diz respeito aos indica-dores sociais, entre os quais a reduçãodas taxas de evasão escolar e de mor-talidade infantil. No campo do consu-mo, o economista do Banco Mundialconstata que as classes mais baixas hojetêm mais acesso às linhas de crédito.

Os cenários desenhados por Ansbergnão foram menos otimistas. Pelos seuscálculos, o número de pobres podecair pela metade, nos próximos 15anos, caso a economia cresça 6% aoano, projeção considerada extrema-mente otimista em razão das turbulên-cias do mercado e das oscilações dosíndices. Em sua mensagem final, en-tretanto, o representante do Bird aler-ta que apenas o crescimento não serásuficiente para atenuar os efeitos damiséria. Ele teria que estar acompanha-do por “uma reforma mais profundado gasto social, com alocação eficien-te de recursos entre os programas”.

Os números e as projeções de Ans-berg foram contestados pelo economis-ta José Graziano da Silva, professor doInstituto de Economia da Unicamp, umdos debatedores da mesa-redonda. Asdiferenças começam na tábua das esta-

tísticas. Graziano fala em 54 milhõesde pobres, boa parte deles, segundoo economista, radicados nas periferi-as das regiões metropolitanas, uma le-gião de excluídos que só teria feitocrescer entre 1995 e 1999. Concen-tração de renda e de propriedade, sa-lários baixos e o modelo tributárioseriam, de acordo com Graziano, osfatores geradores da miséria.

Ansberg não questiona os númerosdo professor da Unicamp, mas lembraque o conceito de pobreza exposto porGraziano é diferente do utilizado peloBanco Mundial, que trata o problemamais como uma ferramenta analíticado que normativa. “O importante nãoé contar os pobres, mesmo porquetodos os números são muito altos”, dizo economista do Bird, para quem avida no campo é mais barata, fator queinviabilizaria comparações entre a po-breza rural e a urbana.

O economista do Bird reconhece a“altíssima” desigualdade de renda noBrasil, mas lembra que isso é umacaracterística estrutural do país, a ser

mudada com o combate à pobrezarural e com investimentos maciços naárea de educação, ações que levariamà distribuição mais justa de renda.Essa receita também foi contestadapor Graziano, que acredita ser a edu-cação um direito básico importante,mas não um componente gerador derenda. Para o economista da Unicamp,o aumento do salário mínimo é fun-damental para a redução da pobreza.

Reflexão - As críticas de Grazianosão endossadas pelo sociólogoRicardo Abramovay, professor da Fa-culdade de Economia e Administraçãoda Universidade de São Paulo. A co-meçar pela dança dos números depobres. Uma diferença que supera adezena de milhões não pode ser tra-tada como irrelevante, avalia o soció-logo, que centra sua crítica em doispontos. O primeiro por considerarque, apesar da implantação de algu-mas políticas sociais, a sociedade estálonge de discutir com profundidadequais seriam os requisitos constituci-

onais necessários para uma mudançade modelo estabelecido, não por aca-so o objetivo do seminário. “Existe umburaco na reflexão sobre as mudan-ças institucionais que atenuariam osefeitos da pobreza”, constata.

O outro ponto é a distribuição derenda. Na opinião de Abramovay, oproblema da concentração se expri-me em todos os setores da socieda-de, sem que haja um debate sobre osmecanismos que sustentem uma tran-sição para um cenário mais alentador.“A propaganda daquela camionete gi-gantesca da qual se aproxima um ca-chorro, que recua depois que o bólidoquase late, é emblemática. E o que dizaquele carro? Eu sou todo-poderoso,eu não tenho limite, ninguém podemandar em mim. Essa é a sociedadebrasileira”, compara.

Abramovay acredita que a única for-ma de sair do limbo seja a introduçãode novas regras formais e jurídicas,que caminhariam juntas com novasnormas de comportamentos infor-mais, conquistados por meio de mu-danças que não seriam perceptíveisdo ponto de vista da ação política. Osociólogo reconhece que o país tran-sita para uma situação melhor, mas amarcha é lentíssima. Para ilustrar oabismo entre as classes, cita seu pró-prio exemplo de professor universi-tário, com carro na garagem, casa pró-pria e filho em escola particular. “Nãoprecisa comparar com o Lalau. Bastaolhar para a pessoa que trabalha emsua casa para constatar como é cho-cante o contraste”.

Outro ponto colocado por Ansbenrgque chama atenção de Abramovay é ofato de o economista colocar a pobre-za como um fenômeno fundamental-mente nordestino e rural, o que foiclassificado pelo sociólogo de “ilusãode ótica” por tomar apenas a rendacomo base de cálculo. Uma conta queprivilegia parâmetros comolongevidade, alfabetização e renda emdetrimento da qualidade de vida. Parao sociólogo, o garrafeiro que tem umarenda de R$ 300 e mora sob a ponteda Cidade Universitária, em São Pau-lo, não é menos pobre que o sertane-jo que recebe meio salário mínimo.

Abramovay estranha também aomissão acerca da violência urbana,para ele “socialmente muito defini-da”. E vai na garupa de indicadoresque não constam nos gráficos do Bird:se no quadrilátero formado pelas ruasOscar Freire, Lorena, Bela Cintra eHaddock Lobo, nos Jardins, em SãoPaulo, os índices de homicídios sãosimilares aos da Noruega, ao se afas-tar 30 quilômetros desse eldorado, o

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OOOOOP- Em que medida o II Seminário Brasileiro da Nova Economia Institucional

debateu questões interdisciplinares inseridas no cenário econômico?Walter Belik -Ele se alinhou com que o que está sendo discutido no exteri-

or em relação às novas tendências de abordagem no campo da economia.Hoje a economia não pode ser vista mais como um campo de conhecimentoisolado. A economia está se aproximando cada vez mais de outros campos deconhecimento, como a sociologia, direito, administração de empresa e antro-pologia, entre outros. O objetivo da nova economia institucional é conseguirjuntar contribuições dessas áreas para entender o papel das instituições e dis-cutir como ela contribui para o desenvolvimento econômico de um país. Nóstrouxemos alguns pesquisadores do exterior que apresentaram trabalhos nes-sa área. Trata-se de um leque bastante grande, que foi desde as discussõesmacroeconômicas – sobre desenvolvimento econômico, pobreza e crescimento- até questões microeconômicas, como relações entre agentes, questões decontratos, privatizações, sistemas de franquias, sistemas de distribuição, rela-ção fornecedor/processador etc, além de uma série de assuntos que dizemrespeito ao dia a dia das empresas e dos agentes econômicos.

P- Como a nova economia institucional vê a questão da pobreza?R - A pobreza é discutida dentro de uma nova abordagem. A economia con-

vencional trabalha a questão como se ela fosse uma falta de oportunidades,como se todos os agentes chegam ao mercado com as mesmas condições eque, depois disso, algumas pessoas acabam perdendo espaço. A visão que setem da economia institucional sobre a pobreza é a de que a sociedade nãocriou mecanismos suficientemente bons para poder distribuir a riqueza deuma forma mais equitativa. A economia institucional tenta entender e traduziro papel das instituições de direito - o sistema tributário, o sistema de crédito,o sistema educacional. E, também, como esses mecanismos podem promoveruma sociedade mais justa. A pobreza tem de ser vista dentro da ótica da trans-formação ou aperfeiçoamento dessas instituições. Se você tem instituiçõesque promovam a desigualdade, você tem que repensar o seu papel. A univer-sidade é um exemplo. Da forma como está implantada, ela é naturalmente umfiltro. Esse modelo precisa ser rediscutido enquanto alavanca de promoçãosocial. Os sistemas de crédito e de saúde também. Da forma elitizada eexcludente como estão montados, acabam só agravando o problema.

P - Quais os aspectos da privatização que a nova economia institucionalconsidera relevantes em seus estudos?

R - A privatização precisa ser discutida levando-se em conta um complexosistema de incentivos que possa permitir que essa nova empresa privatizadagaranta acesso e permita ganhos para o Estado, de uma forma vantajosa emrelação à situação anterior. Privatizar não é apenas entregar para a iniciativaprivada, mas é permitir que essa nova empresa tenha um serviço melhor e queo consumidor esteja satisfeito. Como se monta um sistema de incentivo quepermita tudo isso? É tarifa? Como você controla a tarifa? Como você controlaos novos investimentos que vão ser feitos? Todas essas questões são extrema-mente complexas e levam em conta a modelagem e um instrumental quepossa evitar o oportunismo e o monopólio privado dessas empresas.

P – A produção científica sobre a nova economia institucional pode serconsiderada proporcional ao interesse que ela desperta?

R - É um assunto de ponta, hoje em dia a os estudos econômicos estão sevoltando muito para essa área. O volume de produção científica nessa área émuito grande e ele é ao mesmo tempo é um campo bastante pragmático daeconomia. Ao contrário de outras correntes econômicas, existe um pluralismonas contribuições.

Na Unicamp, a gente tem cursos na pós-graduação que trabalham com aabordagem do institucionalismo. A USP, por exemplo, criou um curso de pós-graduação em instituições. Não é um modismo, mas sim uma nova forma dever a economia, mais afinada com a realidade.

P - Quando a corrente começou a ser difundida? Existe alguma relação

II Seminário Brasileiro da Nova Economia Institucional,realizado na Unicamp entre 21 e 23 de abril, reuniu mais demeia centena de debatedores que falaram sobre tecnologia,estado, desenvolvimento, governança, contratos, ética, cadeiasagroindustriais, regulação de utilidades públicas, capital sociale ação coletiva, entre outros temas.Claude Menard (Universidade de Paris I), Richard Langlois(Universidade de Connecticut), Avner Greif (Universidade de

Graziano (à esquerda)e Ansberg: númerose conceitosantagônicos

Abramovay:novas regras

formais,jurídicas e

comportamentais

Continuação da página 9

cidadão cai no Campo Limpo,onde nem situação de guerra matatanto. São insuficientes, para ele, osnúmeros que não refletem a proble-mática da exposição às drogas e àviolência sexual sofrida pelas crian-ças nos bairros mais pobres.

Joachim Von Ansberg diz não fe-char os olhos para a violência urba-na e para a incidência da pobrezametropolitana mencionada porAbramovay e Graziano, embora, nosegundo fenômeno, tenha dúvidassobre seu crescimento, por acredi-tar que é preciso dissociar o aspectomonetário de outras dimensões damiséria. “A pobreza pode ter aumen-tado nas regiões metropolitanas nosúltimos dois anos, mas esse aumen-to foi muito menor que a reduçãoda miséria registrada em todo o paísdesde 1994”, argumenta.

Quanto à violência, Ansberg reco-nhece tratar-se de um “problema-chave” nas regiões metropolitanas,responsável pela queda da qualida-de de vida da população. Para ele, nãohá uma receita mágica que coloqueum fim nesse círculo vicioso. Urbani-zação, projetos voltados para cidada-nia, educação e acesso aos serviçosde segurança pública são algumas dasiniciativas sugeridas pelo economis-ta. “A pobreza produz violência e vice-versa. Visitei muitas favelas onde aspessoas têm medo de sair de casa, demandar as crianças para a escola. Ficaclaro que esse nível de intimidaçãoreduz as oportunidades econômicas”,constata Ansberg.

Abramovay admite que o represen-tante do Banco Mundial lamentaessa insuficiência, mas acha que issocontribui para minimizar o desafioque consiste em dizer o que se fazpara eliminar a pobreza metropoli-tana. “Tudo se passa como se esseproblema estivesse mal ou bem-re-solvido, porque as pessoas estãocom mais renda do que nas regiõesmais miseráveis do país. Acho queisso não é verdade. Quem vive emSão Paulo sabe que não é verdade”,diagnostica. Pior: segundo ele, a so-ciedade brasileira não tem a receitapara melhorar esse quadro.

O professor da USP tem para si al-gumas convicções. A primeira seriauma ampla mobilização intelectualno interior das elites para se discu-tir a questão dos limites entre o pú-blico e o privado, iniciativa que de-

veria guardar boa distância dos mei-os convencionais e das conferências.Abramovay entende que as elites vãolimitar a sua usurpação do espaçopúblico só quando existir, no poderpúblico, indivíduos e organizaçõesvoltados explicitamente para a pro-moção dos mais pobres. “Essa receitaseria uma mistura de capacidade decolocar de maneira negociada limitepara quem tem poder demais, e ca-pacidade de dar confiança, injetar or-ganização, auto-estima a quem tempoder de menos”.

Esse modelo possibilitaria, na análi-se de Abramovay, a formação de umaespécie de substrato que resultaria emmudanças formais e legislativas, envol-vendo o plano político, a começar deuma reforma tributária, como pregatambém Graziano. “Rico nesse paísnão paga imposto, é uma coisa fantás-tica”, ironiza. O passo seguinte, para osociólogo, seria a implantação de re-formas que possibilitassem o acesso àmoradia e à terra, entre outras medi-das. Mas faz uma ressalva: as mudan-ças têm de estar baseadas na capacida-de organizativa da sociedade, colocan-do limites aos poderosos e, nesse qua-dro, o papel do Estado é “crucial”. “Nãohá políticas sociais que estejam apoia-das sobre a organização da sociedadesem que o Estado se comprometa se-riamente com essas ações”.

Dilema - Como exemplo, cita oprograma de fortalecimento da agri-cultura familiar que, segundo ele, nãoexistiria se dependesse de cada pre-feitura. Abramovay, porém, colocauma questão no centro das discus

Muito mais

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com a globalização dos mercados?R - Um trabalho pioneiro sobre economia institucional data de 1936, mas ela

começou a ser debatida mais intensamente a partir da década de 70. Existeuma relação muito grande com essa nova situação que nós estamos vivendo,mesmo porque a globalização leva a mudanças nas instituições. A forma deentender o mercado começa a ser diferente. É o que a gente costuma dizer: omercado é uma arena socialmente construída. Junto com a globalização, veiouma crítica aos que entendem existir um determinismo histórico de mercadosobre os movimentos da economia. Como se constróem os mercados? Por queexistem certos procedimentos, normas e rotinas na economia brasileira quelevam a determinados comportamentos? Então, a discussão sobre globalizaçãoestá muito presente, porque interfere em todas essas questões, ao contrário daeconomia convencional, ortodoxa, que imaginava que os resultados econômi-cos eram decorrentes das forças exercidas por agentes isolados buscando aten-der aos seus interesses. A gente tenta compreender como a sociedade interage.O comportamento das pessoas é levado por condicionamentos sociais, seupassado e suas expectativas futuras.

P - Como esses aspectos são analisados?R - A globalização, enquanto importação de comportamentos que deram

certo supostamente em outros lugares para a nossa realidade, tem uma sériede problemas. Esse é o caso das privatizações. Você não pode dizer que sóporque a distribuição gás é privatizada na Inglaterra, o mesmo vai dar certono Brasil. Não podemos importar o mesmo modelo apenas por causa disso.Então, a globalização está incentivando estudos desse tipo.

P – Como a economia ortodoxa é vista nesse cenário?R - Se existe um ponto no qual a concordância é geral, é o de que esses

modelos de ver a economia da forma convencional, conforme se ensina nosmanuais de economia – com as curvas de oferta e demanda e das leis demercado que parecem ser divinas – nãofunciona. Isso não explica nada, pre-cisamos mudar a forma de abor-dar a economia. A nova economiainstitucional atua buscando for-mas de aperfeiçoar o entendimen-to da realidade, olhando comofuncionam as relações de umaforma mais abrangente.

Stanford) e Benito Arruñada (Universidade Pompeu Fabra-Barcelona)participaram como conferencistas.Walter Belik, professor do Instituto de Economia da Unicamp epresidente da comissão de organização do seminário, considerou oevento um marco. Na entrevista que segue, Belik fala do papel da novaeconomia institucional, destaca seu aspecto pluralista e explica porquee como a corrente trata de temas ignorados pelos economistasconvencionais.

Belik: procurandoentender comoa sociedadeinterage

sões: como que o Estado, mesmoempenhado em criar programas, fazpara enfrentar as chamadas organiza-ções locais, que na maioria das vezessão apropriadas pelas forças dominan-tes? E emenda com outra indagação:vale a pena promover a descentraliza-ção efetiva de políticas e delegação deresponsabilidades se os poderes lo-cais estão comprometidos com as oli-garquias? “Se você responde que nãovale a pena, você está dizendo que sóo poder central pode modificar ascoisas. Se você responde que vale apena, está submetendo essas políti-cas às forças locais”.

Estaria aí, nessa transferência dopoder local para forças “diferentes”,o início das mudanças que, de acor-do com Abramovay, são lentas,moleculares e hoje mais visíveis nointerior do país, com algumas exce-ções, entre elas Porto Alegre, onde280 mil pessoas já integraram o orça-mento participativo. “É muita genteque deu palpite, que começou a en-tender o que é limite. Está mudando.O problema é que, diante da riquezado país, essa mudança tinha que sermais rápida”.

Na ponta - Joachim Von Ansbergdiz que o Banco Mundial já vem, aolongo dos últimos anos, implantan-do projetos nos quais os recursos sãodiretamente destinados aos beneficiá-rios, na maioria dos casos membrosde comunidades de pequenos produ-tores nordestinos. Segundo o econo-mista, esse modelo rompe com as es-truturas dominantes do poder localao “colocar o dinheiro na mão dospobres”. Cita experiências de finan-ciamento no Ceará e no Rio Grandedo Norte como exemplos em que odinheiro chega “na ponta”.

Abramovay considera importantes asiniciativas do Banco Mundial no com-bate à pobreza, mas lembra que a pres-são da opinião pública e a crise no Lesteeuropeu resultaram na mudança de per-fil da instituição, que colocou em suapauta, a partir dos anos 90, temas atéentão ignorados. O sociólogo acreditaque, no caso da crise do comunismo, oBird constatou que quando uma econo-mia centralmente planificada sedesestrutura, o que vem no lugar espon-taneamente não são mercados, mas sima corrupção, o roubo e a máfia. Ressaltatambém que o acesso aos mercados pas-sa a ser uma questão política. “O BancoMundial sofreu um transformação realporque teve que dialogar com a socie-dade e abolir a ideologia segundo a qualo mercado é um ente mágico em tornodo qual a sociedade se organiza sem queninguém interfira”.

O economista Ricardo Henriques,professor da Universidade FederalFluminense e um dos integrantes damesa, concorda com Abramovay. Paraele, a retórica oficial do Banco Mun-dial mudou muito depois de incorpo-rar a questão da pobreza em suacartilha. Lembra que, em alguns paí-ses, uma das précondições exigidaspelo banco para amortizar a dívidaexterna é o cumprimento de metas deredução da pobreza. Henriques dizque vê como “muito positivo” o novocomportamento da instituição, embo-ra não consiga vislumbrar a motiva-ção que, para ele, tanto pode ser ofato de as elites internacionais esta-rem incomodadas com a pobreza,como também uma simples mudan-ça de percepção do problema. O eco-nomista acha prematuro afirmar queas ações do Bird fazem parte de umaformulação a ser implementada. “Nãosei qual a duração disso para que es-ses problemas sejam resolvidos mini-mamente”. A perspectiva histórica ali-menta a desconfiança.

Henriques lembra que, de meadosdo século passado para cá, o pactopós-getulista marginalizou uma par-te significativa da população. Ele nãovê hoje outra alternativa que não sejao combate à desigualdade, por inter-médio de uma combinação de políti-cas compulsórias de redistribuição daterra, da renda, do crédito e do “arti-go mais escasso que é a educação”. Eexemplifica: “a escolaridade média dotrabalhador brasileiro é de 6,5 anos.Não é possível que essa mão-de-obraconsiga uma boa colocação no mer-cado”. O economista denuncia que opadrão educacional é extremamenteconcentrado, valorizando as pessoasque detêm esse ativo, depreciando osdemais.

O professor da UFF entende que aeducação é um direito, mas ao mes-mo tempo é uma condição econômi-ca fundamental para um projeto maissustentado e mais justo. Aponta algu-mas experiências redistributivas, amaioria locais, entre elas a Bolsa-es-cola, agora encampada pelo governofederal. “Movido na origem como po-lítica compensatória, – dar uma ren-da que complemente a carência daspessoas – o projeto tem um compo-nente estrutural fundamental que é aeducação. Medidas como essa, sebem-sucedidas, são um bom exem-plo”. Henriques, porém, faz uma res-salva. A sociedade civil tem que criarmecanismos de controle que façamcom que essas políticas sejam pere-nes e não fiquem passíveis da boavontade do novo governante. É espe-rar para ver.

que o mercado

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Henriques:políticasredistributivassão fundamentais

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Caixa de ferramentaspara toda obra

papel primordial de qualquer universidade é a criação edisseminação de informações e conhecimentos. Estedever tem sido consideravelmente facilitado pelasmilhares de alternativas oferecidas pelo mundo do

software livre. O software livre, desde o sistema operacional,representado por sistemas como GNU/Linux, FreeBSD e vários outros,e os milhares de aplicativos existentes, fornecem uma plataformapara o desenvolvimento de praticamente qualquer tipo de solução.Soluções administrativas e ferramentas para pesquisa científica estãoao alcance de qualquer pessoa que disponha de computadores tãosimples como um 486.

Apenas para citar um exemplo nesta linha, o Centro de PesquisasAgrícolas da Unicamp (Cepagri), até pouco tempo atrás, hospedavaseu servidor Web em um computador modelo 486, 33MHZ, com 16MB de memória RAM. O Cepagri todos os dias tem uma exposição natelevisão, fornecendo a previsão do tempo para a repetidora da RedeGlobo em Campinas (EPTV Campinas) e contabiliza milhares deacessos diários. Seu servidor Web, além de fornecer a previsão dotempo, disponibiliza também imagens de satélite para download.Um fator a ser lembrado é que com a rápida evolução dos sistemaslivres, a instalação e configuração de um servidor Web pode ser feitacom pouquíssima intervenção do usuário, a maior parte do processosendo totalmente automatizada. Este serviço roda hoje em umcomputador 486/66MHZ, com 32 MB RAM.

De longa data � O uso de software livre no mundo acadêmico jávem de longa data. Os softwares desenvolvidos pela Free SoftwareFoundation são referência obrigatória para administradores desistemas de todo o mundo. A instalação de um sistema Unixproprietário geralmente é demorada, porque em seguida à instalaçãoé necessário que se compile todo o conjunto de aplicativos GNU.

Em 1994, quando da instalação do Centro Nacional deProcessamento de Alto Desempenho em São Paulo (Cenapad),também sediado na Unicamp, foi adotada uma soluçãocomputacional baseada em computadores IBM/SP2. A grandemaioria das ferramentas para processamento paralelo era livre egratuita. Para processamento científico com computaçãoparalela, a solução adotada era o programa PVM (ParallelVirtual Machine), também livre e gratuito. No suporte aossistemas eram empregadas ferramentas como AMD(Automounter Daemon), SUP (Software Update Protocol), NTP(Network Time Protocol). O software para gerenciamento detarefas, este proprietário da IBM, o LoadLeveller, era baseadona versão pública do software Condor, desenvolvido naUniversidade de Wisconsin.

Dilema terrível � Nas universidades, até bem poucotempo, a maior parte do processamento científico era feitaem máquinas com sistemas Unix e o processamentoadministrativo realizado em sistemas proprietários, como osequipamentos de grande porte comercializados pela IBM ediversos outros fabricantes. Esta opção por plataformasproprietárias vem de muito tempo atrás, quando não haviaalternativas. Todas as soluções existentes não se comunicavamcom as demais. O dilema para os administradores era terrível,pois qualquer opção que se fizesse desembocariainevitavelmente em uma situação de aprisionamento, com ocliente integralmente nas mãos do fornecedor, tanto emtermos das soluções oferecidas como dos preços.

A IBM, por seu ótimo serviço de atendimento aos clientese pela excelência de seu hardware, capturou a maior parte domercado, a custos , em geral, extremamente elevados.Algumas empresas fecharam os olhos e pularam em ummodelo único e fechado, ao passo que outras, ao optarempela diversidade de plataformas, se viram com a incumbêncianão menos invejável de terem que gerenciar e manter diversos

Software livre facilita disseminação do conhecimento pela universidade

RUBENS QUEIROZ DE ALMEIDA ambientes, com os custos daí decorrentes de manutenção de umaequipe de suporte e desenvolvimento para cada um dos ambientes.

A questão principal, entretanto, é que este modelo não ofereciaalternativas. Felizmente este não é mais o caso. Alternativas, hoje,temos muitas. O mais difícil é a mudança de mentalidade, emacreditar que sistemas completos de gestão universitária e parapesquisa, baseados em software livre, podem ser criados e mantidoscom custos muito menores do que sua contrapartida proprietária.Sistemas proprietários, por definição, constituem um tremendoobstáculo à inovação. Estes obstáculos são o elevado custo de aquisiçãode licenças e sua manutenção. Cada nova funcionalidade ou serviçoque se deseja oferecer representa uma nova fonte de gastos. O controledos softwares proprietários instalados em cada computador, não étarefa fácil e representa uma grande dor de cabeça paraadministradores de sistemas.

Site da Unicamp � Muito do conhecimento gerado emuniversidades é inacessível ao público em geral, não por um desejode ocultá-lo, mas pela falta de mecanismos adequados que o tornemdisponível a todos que dele necessitem. Uma das prioridades para osite institucional da Unicamp foi estabelecer um indexador de todo oconteúdo disponível na Web da universidade. Foram feitosexperimentos com indexadores conhecidos no mercado, comoAltavista e Infoseek, porém o altíssimo custo financeiro n a aquisiçãode licenças para a indexação da quantidade de informação disponívelna Unicamp, tornava esta alternativa inviável. Optamos, então, pelosoftware livre htdig, que permitiu trazer à tona para nossa comunidadede usuários muita informação, que até então estava disponível apoucos. Com isto tivemos uma sensível melhora no serviço prestadoà nossa comunidade.

O Centro de Computação da Unicamp, em parceria com oInstituto Vale do Futuro, coordena uma equipe dedesenvolvimento de aplicativos voltada à criação decomponentes para aprendizado a distância. Todos os aplicativoscriados serão liberados sob a licença GPL. O primeiro destescomponentes foi o sistema Rau-Tu de perguntas e respostas. Oobjetivo principal deste sistema é criar um fórum ondecolaboradores voluntários possam responder a perguntas dos

visitantes. O primeirosistema Rau-Tu tevecomo tópico principalsistemas GNU/Linux.Poucos dias após o seulançamento, mais de200 colaboradoreshaviam se inscrito. Oscolaboradores sãopontuados de acordocom a qualidade deseu trabalho e pelarapidez com querespondem às per-guntas. As per-guntasfeitas pelos visitantessão rapidamente res-pondidas e, após aavaliação feita pelousuário, armazenadas em um banco de dados. Um segundosistema Rau-Tu já foi lançado, para discutir tópicos relacionadoscom educação a distância, e esperamos que, com o lançamentode sua homepage e a disponibilização do código fonte da versão1.0, o número desses sistemas se multipliqueexponencialmente, gerando conhecimento para toda asociedade.

Liberdade total � Com software livre, a liberdade de criar einovar é total. A maioria dos softwares está disponível na Internet acusto zero. Com o código fonte disponível, tudo o que se exige é umpouco de conhecimento para adequar o que existe às nossasnecessidades. Como exemplo posso citar um sistema de solicitaçãoe acompanhamento de serviços que era uma das metas do Centrode Computação. Como era um software para uso interno � e tambémdevido à grande evasão de técnicos de informática que se deu naUnicamp a partir de 1998 � o sistema foi sendo esquecido paraatender a outras demandas prioritárias. Estimativa-se que odesenvolvimento deste sistema iria requerer o trabalho de

aproximadamente seis técnicos, por um período de seis meses,com um custo aproximado de R$ 90 mil.

Na Internet existem várias alternativas de softwares com estafunção. Resolvemos então investigar um software chamadoRequest Tracker, desenvolvido em Perl e com banco de dadosMySQL. Fizemos a instalação e constatamos que atendia a maisde 90% do projeto original. De posse dos fontes em Perl, iniciamosa tradução do pacote e fizemos também algumas adaptações nainterface. A tradução do software foi feita em dois dias e aadaptação da interface consumiu mais quatro horas. A versãotraduzida será disponibilizada no site do desenvolvedor, paraquem mais dela precisar se valer.

De tudo o que foi dito acima, é claro que uma grande economiapode ser feita com a adoção de alternativas baseadas em softwarelivre. A economia de recursos, entretanto, não é o ponto principale sim a liberdade de se poder escolher. A sociedade baseada nainformação, que vem se delineando nos últimos anos, estácriando novos divisores, novos fatores de exclusão.

O uso de software livre é um fator estratégico para odesenvolvimento nacional, para a competitividade de nossosprodutos no mercado mundial e para a melhoria de nossaqualidade de vida. O pioneirismo da administração do Rio Grandedo Sul é um exemplo que precisa ser seguido, e rápido, por todaadministração pública municipal, estadual e federal. Muitasempresas já se deram conta desta realidade, mas ainda existemuito a ser feito. Precisamos começar. Rápido.

O

Rubens Queiroz de Almeida é gerente daDivisão de Serviços à Comunidade do Centro deComputação da Unicamp

Queiroz: “O importante é a liberdade”

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INFORMÁTICAINFORMÁTICA

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O andarilho do software livre

americano Richard M. Stallman, fundador domovimento GNU/Linux, é um dos mais ferrenhosdefensores do software livre. Sua passagem pelaUnicamp, no início de março, mostrou que seucarisma ultrapassa fronteiras. Existe sempre muitaexpectativa em ouvi-lo, apesar de vir ao Brasil comfreqüência. São 17 anos lutando para assegurar àspessoas o direito de desenvolver novos softwares livrese, principalmente, de ter acesso a eles.

Ultimamente, Stallman se dedica mais a palestras eparticipações em congressos. Sua exposição, no Centro de Convenções daUniversidade lotado, durou duas horas. Na sessão de perguntas, uminterlocutor disse ter ouvido “críticas de que você não desenvolve maisnada”. Ele admitiu que não encontra mais tempo para programar. Segundo oamericano, escrever softwares livres é uma tarefa que hoje vem sendoexecutada por mais de 100 mil pessoas no mundo.

“Não é mais necessário que eu escreva. Não sou bom como antes”, declaracom modéstia. Ele considera mais importante divulgar a filosofia do softwarelivre, como tem feito, viajando pelos países. Ao contrário de quando omovimento começou, com ele e mais alguns poucos, atualmente existemmilhares de pessoas desenvolvendo programas, muitos deles sendo pagospara isso.

Velhos tempos – Stallman gastou boa parte da palestra para relembrar otempo em que era um dos integrantes do grupo de hackers do Laboratóriode Inteligência Artificial do MIT. Formado em Física pela Universidade deHarvard (EUA), usava uma velha impressora para colocar no papel asprogramações que realizava na época. Com a tal impressora, não haviaproblemas. Qualquer defeito era resolvido na hora, mexendo aqui e ali. Eleconhecia em detalhes seu funcionamento e códigos.

Bastou a impressora tornar-se inoperante e chegar uma outra nova paraque a dor de cabeça de Stallman começasse. Ele pediu ao fabricante oscódigos-fonte do equipamento e a solicitação foi negada. Indignado, passou apensar numa forma de tornar acessíveis os programas e códigos guardados asete chaves pelos proprietários. Surgiu, então, a idéia do software livre, quevem ganhando corpo a cada dia.

Leis sobre patentes – “Não conheço as leis do Brasil sobre patentes, maselas devem ser combatidas”, criticou Richard Stallman. E deu como exemploa pressão sobre os brasileiros para que assinem leis de interesse americano eque protegem o acesso a DVD e outras mídias encriptadas. “Elas não devemser assinadas. São estúpidas”, acusou, criticando as novas leis americanaspara informática e chegando a compará-las com aquelas que eram praticadasna União Soviética.

Stallman teve seu momento de glória ao final da palestra, num ritual querepete em cada lugar por onde passa. “Vou apresentar meu alter ego”, disse,levantando-se da cadeira. “Eu sou Santo Ignucius e abençôo seucomputador, meu filho. Abençôo, exorcizando os softwares proprietáriosdele”, finalizou, caracterizado com uma capa preta e um disco decomputador adaptado a um chapéu.

A palestra de Richard Stallman foi organizada pela Unicamp, por meio daCoordenadoria de Relações Institucionais e Internacionais (Cori), e pelaInformática de Municípios Associados (IMA), órgão da Prefeitura deCampinas.

ROBERTO [email protected]

Fundador do movimento GNU/Linux cativa platéia na Unicamp

OUnicamp economiza com softwares há

anosA Unicamp é usuária de softwares livres há anos. Alguns dos sistemas operacionais do Centro de Computação sãobaseados em plataformas Linux, dentre outras. A servidora para Educação a Distância utiliza o Conectiva Linux. A Gerência deConectividade estabeleceu como padrão, para roteadores e gateways nas unidades, o sistema FreeBSD. A Gerência deProdução do CCUEC migrou inteiramente para sistemas GNU/Linux, visando o desenvolvimento de todas as suas atividades.

Isto significa economia de dinheiro. A Universidade, ao comprar softwares proprietários, precisa pagar também por cadalicença que deseje utilizar. O que não acontece com os livres, cuja licença dá acesso a novas cópias e até a desenvolver novosprogramas, desde que conhecidos os novos códigos-fonte.

O suposto lucro dos desenvolvedores de softwares livres está no suporte que prestam aos clientes. Para ampliar o uso desoftware livre, a Unicamp está em conversações com o Comitê de Incentivo à Produção de Software Gratuito e Alternativo(Cipsga), uma ramificação do trabalho de Richard Stallman no Brasil, o que pode resultar em breve num convênio de cooperação.

Stallman, em palestra no Centro de Convenções: sem tempo nem necessidade de desenvolver programas

FRASES

“Na Europa descobriram o cripto em filmes em DVDe os autores foram processados, considerados mais

perigosos que os fazedores da bomba atômica”.

“Eu diria: consiga um emprego e faça software livre”.(Perguntado se software livre pode ser desenvolvido para ganhar

dinheiro)

“Hoje o governo dos EUA orienta as crianças para que digamsim às licenças impostas. Nas escolas, elas ouvem: ‘Trouxesoftware para a escola? Não compartilhe. Você vai ser julgado’.Isso é intolerável”.

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INFORMÁTICAINFORMÁTICA

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PAULO CÉSAR DO [email protected]

que dizer da atuação do Brasil nos JogosOlímpicos de Sydney no ano passado? Asdoze medalhas (seis de prata e seis de bron-ze) conquistadas pelo país podem ser con-

sideradas um bom resultado? É papel da EducaçãoFísica escolar forjar atletas para melhorar o desem-penho olímpico nacional? Temas como esses, po-lêmicos e apaixonantes como o próprio esporte,constituem fonte de pesquisa e universo de deba-tes de uma instituição sediada desde setembro de1999 na Faculdade de Educação Física (FEF) daUnicamp. O Colégio Brasileiro de Ciências do Es-porte (CBCE) é uma sociedade de caráter científi-co que congrega, entre seus cinco mil sócios, pro-fissionais e estudantes de diferentes áreas do co-nhecimento, com interesse comum pelo desenvol-vimento das ciências do esporte.

Fundado em 1978 e filiado à Sociedade Brasilei-ra para o Progresso da Ciência (SBPC), o CBCE tor-nou-se referência nacional na discussão, reflexão edifusão de conhecimento científico na área de Edu-cação Física, responsável pelos estudos – originári-os tanto das disciplinas vinculadas às ciências bio-lógicas quanto daquelas localizadas nas ciênciashumanas – das práticas sociais configurativas dacultura corporal da mulher e do homem moder-nos. O CBCE tem contribuído ainda, por meio dediferentes iniciativas, para aprimorar a formaçãoprofissional e acadêmica, estimulando a produçãocientífica e qualificando a intervenção dos sujeitosindividuais e coletivos nos distintos segmentos dasociedade brasileira.

“O CBCE não produz conhecimento, mas con-grega profissionais que o produzem e propicia for-mas para difundi-lo. Também não operacionalizaas políticas para o setor, mas as discute e define osparâmetros teóricos para a intervenção prática”,

Forja de atletasConheça as atividades do Colégio de Ciênciasdo Esporte, que hoje é referência nacional

explica Lino Castellani Filho, presidente da en-tidade e professor da FEF.

Atividades - Os congressos brasileiros de ci-ências do esporte promovidos bienalmente,os congressos regionais, a publicação da Re-vista Brasileira de Ciências do Esporte (a maisconceituada da área e indexada internacional-mente) e os estudos desenvolvidos no âmbi-to de seus doze grupos de trabalho temático(GTTs) são algumas das ações da entidade paradifundir pesquisas, debater e manifestar idéi-as. Este ano, por exemplo, o CBCE organizaráo XII Congresso Brasileiro de Ciências do Es-porte (Conbrace), de 21 a 26 de outubro, emCaxambu (MG). A programação e normas paraencaminhamento de trabalhos encontram-seà disposição dos pesquisadores na home pagewww.cbce.org.br

Além de uma diretoria nacional e dos GTTs,a estrutura organizacional do CBCE conta ain-da com secretarias estaduais, que desenvol-vem diferentes atividades, entre encontros,cursos, debates e palestras. A secretaria esta-dual de São Paulo também está sediada na FEF daUnicamp e tem como secretário o professor JocimarDaólio.

Uma das questões presentes nos debates do CBCEderiva do 52º lugar ocupado pelo Brasil no quadrode medalhas em Sydney: a educação física escolar.

Para um país sem política esportiva definida e comsérios problemas de natureza administrativa, o re-sultado na Austrália só seria outro se prevalecessea superação individual de um ou outro atleta, ar-gumenta Lino. Exceto casos como os do futebol,em que o Brasil era grande favorito ao título, o quehouve em relação a algumas modalidades esporti-vas foi uma expectativa desproporcional ao que sepoderia esperar dos atletas, criada sobretudo pelasemissoras de televisão.

Frustrada, a mídia culpou a educação física esco-lar pela ausência de mais heróis olímpicos nopódio, acusando-a de improdutiva. O gover-no federal endossou as críticas e reconheceua necessidade de revitalização da atividade nocurrículo das escolas, elevando-a à condiçãode peça fundamental de um movimento pelaconstrução de uma nação olímpica.

Para o presidente do CBCE, porém, a pro-posta de uma Educação Física comprometidasó com a busca do rendimento físico-esporti-vo distorce a função da atividade. “Assim comoé papel da escola ensinar Física e não formarEinsteins, ou ensinar Português e não criarMachados de Assis, não é função da EducaçãoFísica escolar promover saúde físico-esporti-va para forjar atletas”, argumenta Lino.

Longe da tradicional aborda-gem biológica, a atividade espor-tiva é rico manancial de análisepara áreas do conhecimento comas quais aparentemente não serelaciona. Um dos exemplos maissignificativos dessas novas abor-dagens acadêmicas são os traba-lhos, nem sempre elaborados porprofissionais de Educação Física,que tratam da conflituosa relaçãoentre esporte e mídia. divulgadospelo CBCE em congressos e naRevista Brasileira de Ciências doEsporte.

Édison Luis Gastaldo, profes-sor-assistente no Centro de Ci-ências da Comunicação da Uni-versidade do Vale do Rio dos Si-nos (Unisinos), analisou a cons-trução social da realidade nochamado “futebol-espetáculo”, apartir do discurso dos locutorese comentaristas das emissorasde televisão que transmitiram afinal da Copa do Mundo da Fran-ça, em 12 de julho de 1998.

Para o autor de “Os campeõesdo século – notas sobre a defi-nição da realidade no futebol-

espetáculo”, diversos aspectosda partida tornaram as trans-missões do jogo um interessan-te objeto de análise, entre elesa mudança na tônica do discur-so de narradores e comentaris-tas na medida em que a seleçãobrasileira, então favorita ao tí-tulo de campeã, aproximava-seda derrota. Houve ainda a con-troversa escalação de Ronaldoe as ambíguas e contraditóriasversões para o problema que fo-ram ao ar. (Veja matéria na pá-gina 15)

Não é por acaso que o CBCE está sediado na FEF. O empenho dainstituição em fomentar a produção de conhecimento na área da culturacorporal sintoniza-se com a filosofia da Faculdade, detentora de um dosprincipais programas de pós-graduação em Educação Física no país.

Desde 1989 o mestrado produziu 193 dissertações e seus atu-ais 80 alunos são o triplo da época da implantação do curso. Odoutorado, com oito anos de existência, respondeu pela produ-ção de 55 teses e o número de alunos matriculados saltou desete em 1993 para 75 este ano.

O qualificado corpo docente formado por professores-doutorese a oportunidade de desenvolver pesquisas por meio de bolsas deiniciação científica são diferenciais que permitem ao aluno da FEFse envolver com a geração do conhecimento ainda na graduação.

“Isso faz com que o processo de aprendizagem seja muito maisrico e, de forma natural, acaba levando o estudante aos cursos depós-graduação”, observa Pedro José Winterstein, diretor da FEF.Outro diferencial, destaca ele, é o forte conteúdo humanístico docurrículo dos cursos de bacharelado, licenciatura e pós-graduação.

Essas virtudes dão à FEF uma posição de liderança no cenárionacional, atestada pela freqüente participação de docentes daunidade em expressivos eventos científicos e nos mais respeita-dos órgãos de fomento de ensino e pesquisa. Era natural, portan-to, enfatiza Pedro, que uma instituição com o perfil da FEF abri-gasse o CBCE.

“Trata-se de uma entidade comprometida com a melhora daqualidade de ensino e com o estímulo à pesquisa, como tambémé a FEF. Além disso, nossos docentes têm vínculos muito fortescom a história e com a atuação do órgão”, ressalta.

A constante preocupação em aprimorar o ensino está levandoa FEF a promover a maior mudança em sua infraestrutura em 16anos. A unidade planeja ampliar em 40% suas atuais instalaçõescom a construção de um ginásio para artes corporais, de umanova sala de musculação, de uma piscina coberta e aquecida ede novas salas de aula. As obras, conforme projeto em andamen-to, deverão estar concluídas no início do próximo ano.

Mídia é destaque em estudos

CBCE e FEFse completam

nRecreação/LazernEscolanPolíticas PúblicasnPós-GraduaçãonMovimentos SociaisnPessoas Portadoras de Necessidades EspeciaisnRendimento de Alto NívelnComunicação/MídianEpistemologianFormação Profissional/Campo de TrabalhonAtividade Física e SaúdenMemória, Cultura e Corpo

O

Grupos de Trabalho Temático (GTTs) do CBCE

O professor Lino Castellani Filho: estímulo à produção científica

Paes e Winterstein, da FEF: ampliação de 40% nas instalações

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Da euforia ao consoloUma reprodução dos discursos de locutores ecomentaristas esportivos durante a final da Copa doMundo de 98, entre Brasil e França

m breve resumo do jogo decisivo da Copa de 1998 ajuda a situar ocontexto dos discursos de locutores e comentaristas – extraídos doestudo de Édison Gastaldo e reproduzidos a seguir, acompanhados deobservações do autor. O jogo esteve equilibrado até os 27 minutos doprimeiro tempo, quando, em uma cobrança de escanteio, o atacantefrancês Zidane fez 1 a 0 para a França. No final do primeiro tempo, aos46 minutos, Zidane, em outra cobrança de escanteio, ampliou o

marcador: 2 a 0. No segundo tempo, a seleção brasileira atacou o tempo todo,mas sem sucesso. No final do jogo, a 47 minutos, um rápido contra-ataqueresultou no terceiro gol da França, com Petit fazendo 3 a 0, completando oescore do jogo. (PCN)

UUUUUAté o primeiro gol da França, observa o professor, o

discurso dos locutores aludia a um jogo equilibrado,com uma certa vantagem dos brasileiros, apesar da Fran-ça se mostrar mais consistente no ataque:

É natural que a França venha para cima nocomeço do jogo (...) Está ainda meio assustadoo time brasileiro com o grito da torcida fran-cesa, mas esse nervosismo no início é absolu-tamente normal, o Brasil joga na casa do ad-versário (...) O negócio é botar pressão pra cimadeles, fazer essa camisa amarela crescer, queaí eles sentem!

Galvão Bueno (Globo), 5’ do 1o tempo.

O Brasil tá começando a botar os nervos nolugar. Aquela euforia do time francês pareceque baixou um pouco.

Sílvio Luis (SBT), 15’ do 1o tempo.

Uma coisa a gente percebe: a seleção bra-sileira tem tranqüilidade para tocar a bola.

Paulo Stein (Manchete), 16’ do 1o tempo.

Vai bem a seleção, vamos tomando contado jogo (...) Cada vez vai se acertando mais aseleção brasileira.

Luciano do Valle (Bandeirantes), 19’ do 1o tempo.

Jogo equilibrado

Ainda no primeiro tempo, Galvão Bueno declaroua sua suspeita sobre a escalação do árbitro marroquinoSaid Belqola, devido aos “fatos” de ele (entre outrosidiomas) falar francês e de sua família residir na Fran-ça, insinuando que, se ele apitasse “contra” a França,seus filhos sofreriam represálias na escola. Tal temorfaria com que ele fosse parcial, de modo a prejudicara seleção brasileira. A suspeita do locutor da Rede Glo-bo também recaiu sobre o auxiliar (conhecido como“bandeirinha”) inglês Mark Warren, de modo aindamais confuso. Segundo o locutor, o simples fato de oauxiliar ser inglês já era motivo suficiente para a des-confiança, como manifestou no caso de uma bola di-vidida em uma cabeçada entre o jogador brasileiroLeonardo e o defensor francês. A bola saiu pela linhade fundo e foi interpretada como tiro-de-meta (GalvãoBueno achou que deveria ter sido escanteio):

Não tô falando? Said Belqola, o árbitro, e esseinglês, Mark Warner (sic). Se esse inglês tiver,por exemplo, o mesmo sentimento que o locutorda TV inglesa que a gente andou vendo aqui nojogo Brasil e Holanda, ele parecia holandês des-de nascença. O que gritava, o que esbravejava,o que torcia para a Holanda, no sentimento eu-ropeu. Vamos ver como é que as coisas aconte-cem daqui pra frente.

Alguns minutos depois, uma bola a meia altura foidividida pelo lateral francês Lizarazu, com a cabeça, epelo lateral brasileiro Cafu, com o pé. Mark Warren,ao lado do lance, interpretou a jogada como uma faltachamada de “jogo perigoso” por parte do brasileiro,dando vantagem ao jogador francês. Foi o suficientepara desencadear outra catilinária de Galvão Bueno:

Esse bandeira inglês tá com toda pinta deestar mal-intencionado (...) Não tô gostando

O primeiro gol da França, aos 27 minutos do pri-meiro tempo, começa a mudar o tom do discursodos locutores e comentaristas com relação ao desem-penho da seleção:

A França faz o gol, a situação fica mais difí-cil, mas ainda tem um século de jogo ainda, e oBrasil quando joga atrás, é um time que crescemuito. Quando tá 0 a 0, fica naquele nhém-nhém-nhém. Tomou o gol, você vai ver que o Bra-sil vai crescer e vai pra cima da França (...)

Juarez Soares, comentarista do SBT.

No último minuto do primeiro tempo, o segundo golda França, em circunstâncias quase idênticas às do pri-meiro tempo, refreou o otimismo dos locutores:

Está irreconhecível a seleção brasileira!

Luciano do Valle.

No segundo tempo, o ataque constante do time bra-sileiro fez com que voltasse o otimismo abalado peloplacar:

Eles tão realmente encurralados com apressão do Brasil no segundo tempo.

Sílvio Luis, 3’ do 2o tempo.

A torcida francesa sente que a sua seleçãoestá em apuros.

Luciano do Valle, 25’ do 2o tempo.

desse bandeira inglês, não. Dá toda pinta deestar mal-intencionado, esse Mark Warner(sic), bandeira inglês. Duas intervenções delemuito claras: um escanteio que ele deu tiro-de-meta e essa bola agora que ele forçou a bar-ra, deu uma jogada perigosa que não existiu.

Alguns minutos depois deste lance, a televisão france-sa mostrou imagens em câmera lenta, em que o técnicobrasileiro Zagallo gesticulava e gritava, mas sem áudio.Bueno “dublou” a fala do técnico:

Olha o Zagallo aí, o Zagallo tá falando como bandeira, tá falando no bandeira, você viuele ali, falando com todo apetite no bandeirainglês, Mark Warner (sic) é o nome dele!

Na verdade, pondera Édison, nada na imagemapresentada indicava o que quer que fosse de alusãoao “bandeira” ou a qualquer outro tema, era sim-plesmente uma imagem em câmara lenta do técni-co gesticulando e gritando, como em outros momen-tos foi mostrada a imagem do técnico francês, AiméJacquet. A imagem é a mesma, mas a interpretaçãodessa imagem articula a ela um sentido que defineuma versão da realidade à qual a imagem acaba sereferindo. Na sequência do jogo, os gols da Françamudaram a ênfase de Galvão sobre a “conspiração”da arbitragem, e ele não falou mais no assunto, atéo fim da partida.

À medida que o tempo vai passando e o tão espera-do gol da seleção brasileira não acontece, a esperançacomeça a dar lugar à resignação, comenta Édison.Locutores buscam salientar algum aspecto positivo

um vice-campeonato é honroso para qualquerseleção, o segundo lugar é uma posição dignapara a seleção brasileira, por que não? (...)

Juarez Soares.O futebol brasileiro vai se recuperar desse

vice-campeonato. (breve pausa) É uma conquis-ta, de uma certa forma...

Luiz Alfredo.A sombra da outra derrota brasileira numa final de

Copa do Mundo, em 1950, também se fez sentir, em-bora seja sumariamente negada por Galvão Bueno. Oautor de “Os campeões do século” lembra que o fatoda seleção brasileira ser a única tetracampeã é nova-mente utilizada pelo locutor da Globo para relativizara derrota para a França e transforma-se no derradeirolastro da frágil auto-estima nacional:

É um esporte, se ganha, se perde. Tira 50,quando era um torneio, que chegamos ali como Uruguai em chance de decidir, depois disso,o Brasil foi a cinco finais, ganhou quatro, co-nhece a derrota pela primeira vez numa fi-nal, e a derrota às vezes traz muito ensi-namento. Façam festa, franceses, vocês me-recem. Pra seleção brasileira, a gente teriaque dizer: (pausa) Valeu, Brasil, valeu! (entraem cena um videotape previamente editado paraveiculação em caso de derrota. As imagens mostramcenas das campanhas vitoriosas do Brasil em Copasdo Mundo, e, no final, as cenas de um jogo de futebolde várzea). Locução:

Valeu, Brasil! A imagem que fica do nossofutebol é essa: afinal, somos os melhores do sé-culo. Seremos sempre o país do futebol. Bola prafrente! A Globo é mais Brasil!

Árbitro sob suspeita O otimismo vai e volta

Zagallo e jogadores premiados como vices na França: ‘Mas somos os melhores do século’

Resignação e prantos

possível naquelas circunstâncias, ainda que não dire-tamente relacionado ao jogo:

Mesmo que não consiga, o Brasil é valente,é o único a ser tetracampeão no final desteséculo, mas ainda busca o penta.

Galvão Bueno, 35’ do 2o tempo.Pelo menos, viu, Ratinho, tem dois sorteios

depois do jogo, um caminhão e uma casa novalor de 50 mil reais.Luiz Alfredo (Record), aos 40’ do 2o tempo, con-versando com o apresentador de programa de

auditório Ratinho.

Quando o jogo terminou, alguns segundos após oterceiro gol da França, todos os locutores e comenta-ristas fizeram suas avaliações a respeito do jogo e desuas conseqüências, procurando, de alguma manei-ra, “consolar” o telespectador, enquanto as imagensmostravam os jogadores brasileiros aos prantos, de-solados, sentados no gramado, contrastando forte-mente com a transbordante alegria dos jogadores e datorcida francesa:

(...) Espero que no nosso país a gente te-nha calma suficiente para entender, praesfriar a cabeça, que ganhar sempre é im-possível, e nessas derrotas muito honro-sas, porque afinal de contas chegamos àfinal da Copa, aqui passaram 32 seleçõese só duas chegaram à final e nessas duasestava o Brasil (...)

Luciano do Valle.(...) É um campeonato, onde se ganha, se

perde e se empata. O Brasil nesse campeona-to perdeu duas partidas, empatou uma e ga-nhou as outras (...) Se nós considerarmos que

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JOÃO MAURÍCIO DA ROSA

ido apenas como prisão da alma e palco dosdesejos sexuais, o corpo humano ainda está porser desvendado, segundo sugere a leitura de Corpoe História, uma coletânea de textos de nove

autores de seis universidades brasileiras, que será lançadano dia 19 de abril, às 18 horas, na Estação Santa Fé, emBarão Geraldo, distrito de Campinas.Editado pela Autores Associados e coordenado pelaprofessora Carmen Lúcia Soares, do Laboratório deEstudos Audiovisuais (Olho) da Faculdade de Educação(FE) da Unicamp, o livro tem como público alvo o meioacadêmico, mas pode ser apreciado pelo leitor comum.“É uma coletânea de artigos que tece, com palavras eimagens, recortes do tempo determinados pelopresente e, assim, revela olhares múltiplos e singularessobre esse texto incompleto que as sociedadesescrevem: o corpo”, explica Carmen, que além deorganizar a coletânea é uma das autoras.Ao contrário do que pode-se imaginar, Corpo e Histórianão é um estudo sobre a anatomia. Seus autores vêm dasUFRS, UFSC, UFV (Viçosa), Unicamp, USP e PUC-SP. Otime é formado por duas historiadoras, um homem deletras e artes e seis professores(AS) de educação físicaque se dedicam a estudos e pesquisas sobre a história docorpo, das práticas corporais e do corpo como territóriode subjetividades, entre outros temas correlatos.O resultado é uma obra vigorosa com múltiplas formasde analisar o corpo, sua história e suas palavras. Nestaentrevista, Carmen avisa: “Minhas palavras e idéiassobre este livro estão agora totalmente impregnadaspelas idéias e palavras dos autores que nele escrevem”.Carmen é mestre em educação pela PUC-SP, doutora emeducação pela Unicamp e autora dos livros EducaçãoFísica: Raízes Européias e Brasil; Imagens da Educaçãono Corpo e Corpo e Educação (org).

Jornal da Unicamp – Como surgiu a idéia do livro?Carmen Soares – Este trabalho foi, inicialmente,

um desejo de reunir autores que escrevessem textosque pudessem repousar olhares sobre o corpo, que otocassem em suas múltiplas histórias, que o encontras-sem nas ruínas da história. É sempre bom lembrar,como sugere um dos autores, que estamos numa civili-zação que despreza os rastros, sobretudo se forem por-tadores de dor e de sofrimento.

P – Em que contexto eleestá inspirado?

R – Vivemos na civilizaçãoda novidade, do rejuvenesci-mento, da cirurgia plástica.O corpo suscita infindáveispossibilidades de estudo.Ele é a primeira forma devisibilidade humana. De

forma aguda, nos obriga a pensar na vida, mas tam-bém na morte; no prazer, mas também na dor; nohumano e no desumano que encarnam as aparênci-as; nas tiranias da aparência.

P – Então os textos vão além das lições deanatomia?

R – Sim, pensar o corpo é também pensar emrelações, pois são as relações entre os sujeitos eas práticas sociais datadas historicamente que pro-duzem nossas preferências, sentimentos, aparên-cias, fisiologia.

P – De que fontes bebem os autores?R –São inúmeras as fontes. A literatura brasileira de

Machado de Assis e Aluísio Azevedo; poesia e prosados gregos. Há ainda análises das tecnologias e peda-gogias que incidem sobre o corpo e o educam e o trans-formam; há análises das simbioses entre o humano e amáquina; há também análises que entendem o corpocomo um ponto privilegiado na interconexão entrenatureza e cultura, pois o corpo pertence a ambos osmundos – natural e social/ biológico e simbólico. E,como não poderia deixar de ser, também há referênci-as ao cinema no livro. Como diz Walter Benjamin, ocinema como imagem em movimento potencializa oolho humano e educa os sentidos para a experiênciamoderna. Desta forma, o cinema não pode prescindirdo movimento corporal como um de seus temas privi-legiados. Neste livro, há uma análise do filme Olympia,de Leni Riefenstahl, feito sob encomenda de Hitler em1936, nas Olimpíadas de Berlim.

P – O livro encerra as discussões em torno do tema?R – Em hipótese alguma. Ele é apenas um desejo

de estabelecer um diálogo com diferentes áreas doconhecimento e ampliar o lugar do corpo comoterritório de subjetividades. Um livro que possibi-lite alargar a compreensão de que o corpo é umaconstrução histórica e onde sua biologia não exis-te como entidade autônoma.

P – No ensino primário o corpo é definido apenascomo cabeça, tronco e membros. Como você o defi-ne?

R – No livro fica claro que o corpo, por ser esta telatão frágil onde a sociedade se projeta, pode ser o ponto

de partida, hoje, para pensar o humano,para preservar o humano, estehumano factível, inusitado, queguarda sempre uma réstia demistério e, assim, romper com aauto-alienação que faz com quea humanidade viva a sua própriadestruição como um prazer.

Prisão da alma, palcodos desejos sexuais‘Corpo e História’, coletânea de artigos, não éum livro sobre anatomia

T

Serviço

Corpo e HistóriaOrg.: Carmen Soares

Formato: 14x21cmPreço: R$ 22,00Editora Autores

Associados:www.autoresassociados.com.br

Uma história arriscada

“Realizar uma história do corpo é um trabalho tãovasto e arriscado quanto aquele de escrever uma história

da vida”, informa Denise Bernuzzi de Sant´Anna, profes-sora assistente doutora e pesquisadora do Programa de

Estudos de Pós-Graduados em História da Faculdade de Ci-ências Sociais da PUC-SP e doutora em Histoire et Civilisation

pela Universidade de Paris VII (França).Denise escreve o primeiro artigo da coletânea Corpo e Histó-

ria. Intitulado com uma pergunta “É possível realizar uma históriado corpo?”, a articulista relata que existem infindáveis caminhos e

numerosas formas de abordagem para buscar a história do corpo.“Da medicina à arte, passando pela antropologia e pela moda, há

sempre novas maneiras de reconhecer o corpo, assim como possibili-dades inéditas de estranhá-lo .̈

Uma máquina diferenciada

A concepção de corpo, naquilo que se refere a dimensão bio-lógica do ser humano, tem raízes na palavra grega physis, traduzidacomo físico, termo atualmente utilizado como sinônimo de corpo,materialidade humana. Este é o tema que a professora Ana Már-cia Silva aborda na coletânea de artigos Corpo e História. Profes-sora adjunta da Universidade Federal de Santa Catarina, Ana Már-cia é integrante do Laboratório de Estudos Corpo, Educação e So-ciedade e também é mestre em educação e doutora em ciênciashumanas pela mesma universidade. “O que diferencia o corpo deoutras máquinas artificiais, seria o seu grau de complexidade e acondição humana de construção de artefatos, condição esta quetraz implicações éticas e conseqüências práticas, as quais auto-rizam a dúvida e exigem reflexões críticas”, argumenta.

A voz do corpo

“As múltiplas faces das dobras visíveis do tem-po são reveladas materialmente na arquitetura, nourbanismo, nos utensílios, no maquinário, na ali-mentação, no vestuário, nos objetos, mas, sobre-tudo, no corpo”, relata a professora Carmen LúciaSoares, no artigo “Corpo, Conhecimento e Educa-ção: Notas Esparsas”. Coordenadora da coletâneaCorpo e História, Carmen é integrante do Olho (La-boratório de Estudos Audiovisuais), mestre em edu-cação pela PUC-SP e doutora em educação pelaUnicamp. O corpo, segundo a professora, internalizagestos aprendidos que se tornam revelação de tre-chos da história da sociedade a que pertencem.

A alma carioca em MachadoLendo crônicas, contos e romances de Machado de Assis, a professora Andréa Moreno tenta desven-

dar a alma fluminense do século XIX. “Quando digo alma de um povo estou me referindo a uma atmosfera,um ar que se respira, um sentimento, um comportamento de um tempo e de um lugar...”, explica. Andreaé autora do artigo “Terpsícore ou... Da Carne e da Alma Fluminense”, publicado na coletânea Corpo eHistória. Professora assistente da Universidade Federal de Viçosa e doutora em educação pela Unicamp,Andréa também é integrante do Laboratório de Estudos Audiovisuais (Olho). A autora diz considerar aliteratura um local privilegiado para se desvendar a alma de um povo, assim como as músicas, as artese a fotografia.

Amor, sexo e anarquiaA professora Margareth Rago, mestre e doutora em história pela Unicamp e coordenadora do Grupo

de Estudos Foucaultianos (GEF), publica nesta coletânea seu artigo “Es que nos es digna la satisfacciónde los instintos sexuales? Amor, Sexo e Anarquia na Revolução Espanhola”. O texto é construído sobre arevista espanhola Estúdios, publicada em Valência entre os anos 20 e 30. A revista é repleta de fotos edesenhos de corpos nus. Folhando-as, Margareth depara-se com uma seção de cartas sobre a vidaamorosa e sexual de trabalhadores anarquistas. Médicos libertários falam de autogestão na sociedade,de amor livre e da importância do orgasmo feminino.

Na velha GréciaTextos escolhidos aleatoriamente de Homero, Platão e Aristófanes mostram a possibilidade de des-

cobrir, em outro modo de vida, em outro tempo e espaço, elementos para se refletir a respeito de nossosvalores, princípios e prioridades de vida. Este é o tema desenvolvido pela professora Yara Maria deCarvalho no artigo “O Corpo Para os Gregos, Pelos Gregos, na Grécia Antiga”. Yara é professora da USP,onde ainda coordena o Núcleo de Estudos Sócio-Culturais. Mestre em educação física e doutora emsaúde pública pela Unicamp, Yara explica que o artigo foi concebido com bases nos originais. “Sim,deixei os comentaristas nas arquibancadas, em segundo plano”.

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LIVROLIVRO

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CARMEN LÚCIA SOARES*[email protected]

á um higienismo e porque não dizer um eugenismo contem-porâneos verdadeiramente assustadores onde impera umacompreensão de corpo como santuário do músculo, comoemblema da cultura da aparência regulada por um ciclo de

absorção e de eliminação, tanto orgânica quanto econômica.

[...]O higienismo e o eugenismo hoje imprimem ao corpo uma visibili-dade nunca antes vista e compõem um amplo projeto estético da aparên-cia que desemboca em uma afirmação narcísica ou é o seu nascedouro.

A subjetividade humana que implica mergulho e reflexão, compreensãode desejos e sonhos reduz-se à intimidade narcísica de centímetros debíceps, cinturas, coxas, nádegas, de pedaços do corpo que são transforma-dos com astúcia e perseverança com o auxílio não apenas dos exercíciosfísicos mas, também, de todo um mercado que existe em função da normaa ser alcançada. São aminoácidos, vitaminas e alimentos dietéticos, cirur-gias que acrescentam e/ou retiram coisas para que o corpo atinja a formaou, conforme Certeau, para que ele possa se adequar à norma.

Praticar alguma atividade física formal hoje é quase uma religião,não isenta da culpa quando a ela se falta ou não se é fiel. É tambémum ato sacrificial disfarçado de alegria obrigatória, conforme as análi-ses de Vaz. Talvez seja possível afirmar que este modelo já fora bemtrabalhado pela Ginástica no passado, ou seja, a idéia de utilidade daação para uso posterior. Somente o que era útil era valorizado.

Hoje, contudo, podemos indagar para onde vão esses seres feitos demontanhas de músculos senão exibir-se numa sociedade que cada vezmais prescinde da força muscular? Quando entramos nos modernossantuários do corpo, as academias, o que vemos diante de nossos olhos?Meu olhar identifica quase replicantes como aquelas personagens cen-trais do filme “Blade Runner”, dirigido por Ridley Scot, em 1981.

Quando comparamos imagens fílmicas de skinheads, de gruposneonazistas1 e imagens fílmicas de ginástica aeróbica podemos iden-tificar o mesmo rosto vazio, o mesmo sorriso mecânico, a mesmaausência de idiossincrasia, de individualidade. Enxergamos nessasimagens apenas o que caracteriza a massa e que nos aproxima deconcepções de mundo fascistas. Não seria fascista esta norma docorpo malhado que é vomitada pela mídia diuturnamente? A fixa-ção no corpo e pelo corpo apresenta-se como ato quase desespera-do de posse de algo em que é possível transformar-se, não impor-tando muito as condições para a realização da transformação.

“Mais alto, mais forte, mais rápido (talvez menos humano)” éa manchete de capa de um caderno especial do jornal Folha deSão Paulo que tem por título “Futuro do Esporte”, da série “FolhaOlimpíada 2000”. O primeiro parágrafo da matéria é singular: “Aciência poderá mudar tanto os atletas até a metade do próximoséculo que é arriscado demais dizer como eles se tornarão. Nãohá nem mesmo o consenso de que eles serão humanos”. Ouainda a afirmação de um pesquisador dos EUA nesta mesma ma-téria, para quem no fim do século só será possível identificar quemé humano ou andróide com o auxílio de instrumentos. Nestamesma matéria pode-se ler que três ramos da ciência e seu acele-rado desenvolvimento como a robótica, nanotecnologia e genéti-ca ameaçam, no limite, a sobrevivência da espécie humana.

Talvez aqui as imagens do filme “Matrix” traduzam com umaintensidade maior este emaranhado de sentidos produzidos pelahumanidade em sua trajetória. No filme eram seres humanosque geravam energia para alimentar um expressivo conjunto desofisticadas máquinas.

[...]Talvez o caminho trilhado pela humanidade até aquiindique mesmo uma alteração radical do que se pensoucomo humano,pois a ciência, hoje, cada vez mais, amplia

o seu poder e sinaliza, bem perto de nossos olhos, possibilida-des outrora apenas esboçadas no cinema e na literatura .

[...]Se tudo no corpo e do corpo é hoje amplamentecomercializado, onde está o limite? Parece que hoje, de fato, ele é apróxima fronteira do capital, conforme sugere o título de um artigode Denise Sant’Anna, de 1997, cujo conteúdo denso chama a aten-ção para aspectos cruciais do debate sobre o corpo, evidenciandoque “o interesse econômico que o corpo desperta deveria servir paraesclarecer à sociedade quais são os grupos que ganham e os queperdem com a transformação das diversas partes do humano emequivalentes gerais de riqueza.”

Há momentos nos quais parece não haver mais fronteiras e tudose revela como já ultrapassado. Parece que o corpo já pode ser vistotambém como um reservatório de produtos caros, função que seagrega a outra plenamente aceita que é a de exibir-se. Nesta última,o que varia é o lugar que pode ser o imenso campo esportivo e seupódio, as passarelas da moda, as academias de ginástica, as casasnoturnas ou os cardápios humanos que são oferecidos no planetá-rio e rentável comércio sexual.

[...] Mas a atividade esportiva, dado o seu alto valor comercial,talvez seja o campo de provas mais imediato e possível de ser con-cretizado. Talvez a sofisticação esportiva atinja tal nível que só omenos humano, de fato, será o esperado para ser visto. O atleta,talvez, venha ser o primeiro campo de provas que vai demonstrarresultados de um planejamento total, inclusive genético.

Talvez o esporte amplie-se como campo possível de exibição de um corpocompletamente alterado por próteses, células, estruturas minúsculas quecriam potências impensadas e permitem o rendimento máximo e controla-do. E o corpo vencedor exibirá os slogans que o ajudaram a chegar lá. Ocampo esportivo como representação real da criação de super-homens.

Parece que a assimilação das conquistas em relação ao rendimentoe a estética corporal por parte da população ocorre de uma maneiraingênua e ao mesmo tempo como promessa, sempre implícita, de con-quista de uma juventude eterna, de um corpo esbelto, belo, de umasuper performance atlética, sexual...

[...]Os riscos das tantas intervenções, alterações, merecem sertratados para além da idéia asséptica de que são apenas erros demedidas, cálculos não exatos que serão corrigidos na próximaoperação. O imprevisível, o imponderável, o inusitado que é par-te da trajetória humana parece algo do passado... A própria defi-nição de humano começa a ser alterada.

Carmen Lúcia Soares – é professora da Faculdadede Educação (FE) da Unicamp e integra a equipe doLaboratório de Estudos Audiovisuais (Olho). O textoacima é um resumo do artigo Corpo, Conhecimento eEducação: Notas Esparsas (Nota 3), incluído dacoletânea Corpo e História.

Entre o humano e o andróide

H

Como disse Walter Benjamin

“Também no corpo a história deixa seus escombros”, sentencia o pro-fessor Alexandre Fernandes Vaz em seu artigo Memória e Progresso: Sobre aPresença do Corpo de Arqueologia da Modernidade em Walter Benjamin.“Pretendo que seja possível vislumbrar o corpo como categoria por meio daqual a arqueologia da modernidade, tal como propôs Benjamin, possa serestudada. E verificar até que ponto esta categoria pode nos auxiliar a enten-der esse nosso mundo contemporâneo, tão repleto de corpos”. Alexandre éprofessor assistente do Departamento de Metodologia do Ensino do Centrode Ciências da Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, mestreem educação pela mesma universidade e doutorando junto à Faculdade deCiências Humanas e Sociais da Universidade de Hannover, na Alemanha.

O espetáculo de Hitler

O professor Milton José de Almeida, da Unicamp, estudou o filme Olympia,dirigido por Leni Riefenstahl sob encomenda de Adolf Hitler na Olimpíada deBerlim em 1936. A partir do estudo, Milton desenvolveu o artigo “A LiturgiaOlímpica”, que está publicado no livro Corpo e História. Segundo ele, asOlimpíadas são como uma simulação estilizada e controlada de guerras en-tre nações onde, em vez de terras e cidades, as conquistas são locais mo-rais e virtudes com representação visual no topo do pódio. “As normas dacompetição simulam os tratados internacionais que regulam a convivênciaharmônica entre nações. O último colocado tem a perfeição do vício e oprimeiro a perfeição da virtude”, defende. Milton é coordenador do Labora-tório de Estudos Audiovisuais (Olho) da Faculdade de Educação (FE) daUnicamp e realiza pesquisas sobre arte, cinema e televisão. Também é mes-tre e doutor em lingüística pela USP.

Carmen Soares, daFE: ‘Não seriafascista estanorma do corpomalhado?’

O bug muscular

O corpo está sendo redimensionado em umavelocidade espantosa movida pela engenhariagenética, cirurgia a laser, transplantes, silicones,alimentos transgênicos, anabolizantes e outrosinstrumentos contemporâneos. É a partir destesargumentos que o professor Alex Branco Fragaconstrói seu artigo “Anatomias Emergentes e oBug Muscular: Pedagogia do Corpo no Limiar doSéculo XXI”. Alex é professor assistente da Uni-versidade Federal do Rio Grande do Sul onde in-tegra o Grupo de Estudos em Educação e Rela-ções de Gênero (GEERG). É mestre e doutorandoem educação na mesma universidade.

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LIVROLIVRO

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ADRIANA [email protected]

novela brasileira dita a moda, o comportamento e, paixão dasdonas-de-casa há décadas, conquista até machões de carteirinha.A média de pontos no Ibope reflete esse fascínio. Agora, uma pes-quisa realizada na Unicamp vem inserir um dado novo sobre os

telespectadores: parcela significativa dos adolescentes se vale da ficção paraaprender a paquerar, conquistar e namorar na vida real. Em sua tese dedoutorado O Adolescente e a TV: O Caso da Telenovela Malhação, a pedagogaMaria Inez Masaro Alves concluiu que, diante da ausência dos pais no lar e apouca participação da escola no processo de formação pessoal, a televisãoacaba cumprindo papel de agente socializador e modelador do jovem de hoje.

Em relação ao vestuário, por exemplo, os jovens estão a cada dia mais pareci-dos, inspirados nos personagens da telinha. “O tempo que encontram livre, elespassam em frente à televisão. O texto imagético serve como uma modelação. Seo adolescente não sabe o que deve fazer, por falta de uma orientação, vai encon-trar na televisão um espelho para sua vida. Vai partir da imagem para desempe-nhar os seus papéis, agindo de acordo com a novela. O que é positivo na trama,ele tenta reproduzir; o que é negativo, tenta negar”, aponta a pesquisadora.

O grande poder da mídia televisiva, entretanto, revela-se de formasubliminar em questões mais profundas e polêmicas que envolvem pre-conceitos e valores. É como uma tortura chinesa. “É o gotejamento, odepósito invisível, mas contínuo, de cognições que vão se acumulando atravésdas imagens representadas, repassadas e repetidas”, destaca Maria Inez naconclusão da tese defendida no ano passado. A tese foi apresentada ao De-partamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)e orientada pela professora Ana Maria Meregalli Goldani.

A escolha de Malhação, exibida pela Rede Globo há cin-co anos (com exceção dos finais de tarde de sábados e do-mingos), foi proposital. A novela é destinada essencialmenteaos adolescentes e estima-se que 1,6 milhão deles estejamem casa com os televisores ligados no horário de exibição.

Na pesquisa foram entrevistados mais de 400 adolescen-tes, em cidades com menos de 10 mil habitantes (caso deSanto Antônio da Posse) e com mais de 100 mil habitantes(Americana) e com quase um milhão de habitantes (Cam-pinas). Todos assistiam à novela, estudavam em escolaspúblicas ou particulares, tinham idade variando entre 13 e18 anos, e em média 9,6 anos de estudos. A amostragem dedomicílios feita pelo IBGE, em 1997, aponta 20,7 milhõesde adolescentes dentro dessa faixa etária no Brasil.

Passada a fase de levantamento, a pesquisadoracentrou-se em seis grupos focais, cada qual com cin-co a doze integrantes cursando a 8ª série do ensinofundamental. Na primeira etapa foram ouvidos es-tudantes também do ensino médio. Com os gruposforam trabalhadas cenas retiradas de Malhação no

A novela dos ‘sarados’Pesquisa mostra como adolescentes aprendem a paquerar e namorar pela TV

período de março de 1998 a outubro de 1999.

As meninas dominam – Segundo Maria Inez, a pesquisa indica que asmeninas reinam absolutas nos jogos amorosos, na vida real e na ficção. “Amulher, no universo pesquisado, é um sujeito que se revela claramente noverbo futurar, como emitido por uma das adolescentes pesquisadas”, diz. Aimagem da mulher liberada, emancipada, autônoma, dona de suas vonta-des, é justamente a que se faz presente nas cenas da novela.

A pesquisadora acrescenta que o namoro, na ficção e na realidade,não é mais entendido como um momento de compromisso romântico eapaixonado, onde o conhecimento mútuo prepara e constrói a idéia docasamento. “Visto através da novela e dos discursos dos adolescentespesquisados, o namoro agora representa uma aproximação mais física eíntima, com compromisso de fidelidade e de transas”, ressalta.

A inclusão de temas como a Aids e o uso da camisinha é positiva, se-gundo Maria Inez, pois faz com que os jovens reflitam sobre o problemadas doenças sexualmente transmissíveis e passem a usar preservativos.Pelos discursos ouvidos dos adolescentes constatou-se que essa popula-ção tem informação suficiente sobre os métodos contraceptivos e que agravidez é “vacilo” ou “opção”. Na novela, como na vida real, o corpo é ocentro do mundo dos adolescentes. Meninos e meninas com corpos ‘sa-rados’ são presença constante em Malhação. “O corpo é apresentado deforma menos contida, demonstrando que o sexo faz parte de um corpoque deve ser usufruído e não negado”, comenta.

Homossexualismo – A opinião dos alunos das escolas particulares dife-re daqueles que freqüentam as unidades públicas quanto às relações degênero. “Quando se trata do papel do homem e da mulher, os estudantes

de escola pública são mais tradicionais”, comparaa pesquisadora. Mas, na questão dohomossexualismo, aqueles de escolas particularesdemonstraram maior preconceito.

“Apesar da visível presença de homossexuaisnos mais diversos espaços da sociedade, celebrou-se um pacto, entre o espectador e o textoimagético, na tentativa de negar esta existência.Nesse sentido, pode-se considerar que Malha-ção reforça o preconceito contra os homossexu-ais”, comenta Maria Inez. Na novela, os persona-gens homossexuais saem de cena, nunca inte-gram o elenco fixo.

Os personagens da tevê servem como modelopara os adolescentes em vários aspectos, mas omesmo não ocorre com relação à virgindade. Ma-ria Inez observa que a novela continua apresen-tando a virgem como exemplo da idoneidade fe-minina. Ela é a figura sedutora e o objeto de de-sejo, valores que na verdade não mais permeiamas cabeças de grande parte dos adolescentes.

Amasso – abraçar, beijar, trocar caríciasAzaração – paquera, flerte, marmitaMarmita/ Jaburu – menina feiaCodorninha – menina novinha, bonitaVacilão – bobãoRolar – acontecerTio, tia, tiazinha – pessoa mais velhaTirar uma onda – tirar sarro, fazer piadaNos panos – bem vestidoBoiola – homossexualÉ bicho – quando alguma coisa prometeser muito boaChavecar – jogar conversa para conquistarEspada – machoGalinha – menino ou menina que fica comtodo mundoMaria gasolina – menina que está interes-sada só no carro e no dinheiro do rapazPagar mico – passar vergonha

A

A LINGUAGEM DOS ADOLESCENTES

Fernanda Souza (Helô)

Natália Lage (Marina Almeida)

Samara Felippo (Érica), Priscila Fantin(Tatiana Almeida), Mário Frias (RodrigoChaves)

Fábio Azevedo (Marcelo Malta)

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

A pedagoga Maria Inez, do IFCH:televisão é um espelho para os

adolescentes, cuja populaçãoé estimada em 20,7 milhões

no Brasil

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COMPORTAMENTOCOMPORTAMENTO

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A telenovela Malhação, objeto da pesquisa de Maria Inez Masaro Alves,estreou na Rede Globo em 24 de abril de 1995, mantendo-se no ar até hoje.Obtém entre 20 e 30 pontos no Ibope. Cada ponto corresponde a 80 mil es-pectadores, o que dá a dimensão da atração que a trama provoca em adoles-centes, principalmente nas meninas. Nos meses de janeiro e fevereiro de 2000,quando a pesquisadora trabalhava em sua tese, a média era de 27 a 30 pon-tos. Nos primeiros anos de exibição, este índice ficava entre 18 e 20 pontos.

Durante esses seis anos no ar, Malhação tem passado por mudanças deenredo, personagens, flexibilidade e mobilidade, sempre visando elevar o nú-mero de telespectadores. “Não há como negar que todas as reformulaçõesforam provocadas pelas oscilações de audiência e resultam das constantespesquisas atualizantes junto a seus espectadores. É uma demonstração decumplicidade e uma negociação entre o meio e o espectador, que continuam

Cecília dos Santos, de 15 anos, aluna da 8ª sé-rie da Escola Barão de Ataliba Nogueira, em Cam-pinas, endossa as constatações da pesquisadorae pedagoga Maria Inez Massaro Alves. A estu-dante vê a novela Malhação há mais de um ano etem roupas compradas depois de observar o quevestem as personagens Bia e Joana, interpreta-das pelas atrizes Fernanda Nobre e Ludmila Dayer.

A adolescente também acha “legal” o compor-tamento dos namorados Joana e Marcelo – o atorFábio Azevedo –, galã e jogador de watterpolo.“O casal se preza pela fidelidade, conversa sobreos problemas. O que considero bom na novela,tomo como exemplo”, admite a adolescente.

Malhação não está presente na vida da estu-dante somente pelas cenas de namoro ou porcausa dos meninos “sarados”. No início deste ano,um dos trabalhos exigidos em sua escola foi so-bre homossexualismo. A novela abordou o temarecentemente e serviu como fonte de estudo.

garantindo a audiência”, escreve Maria Inez em sua tese.No início, a trama ocorria numa academia de ginástica e aeróbica para jovens de

classe média alta do Rio de Janeiro, tendo como música de abertura Assim Cami-nha a Humanidade, do pop Lulu Santos. A letra, segundo Maria Inez, não deixa deser uma caracterização do público a que se destina: apático, lento e indeciso. “As-sim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade. Não vou dizerque foi ruim, também não foi tão bom assim”, diz um trecho da música.

De acordo com a pesquisadora, até hoje não existe um enredo seqüencialem Malhação. “As estórias vão sendo geradas nos relacionamentos que acon-tecem nos intervalos entre aulas ou exercícios, encontros e desencontros,paixões correspondidas ou não, traições amorosas, envolvimento com dro-gas e preconceitos”, afirma. Atualmente, um dos temas é a Aids. Mas é avirgindade, e consequentemente o sexo, a predileção dos autores.

“Achei muito interessante o trabalho. Pessoalmen-te sou contra qualquer discriminação”, afirma.

Segundo Cecília, a maior parte das colegas declasse vê Malhação. Coincidência ou não, come-çou a namorar depois que passou a acompanhar anovela. Só perde a trama quando tem compromis-sos urgentes, mas se diz consciente de que nemtudo o que se vê na televisão pode ser adaptado àrealidade. “Sei que quase tudo é coisa de novela”.

Mar de rosas – Liliane de Souza, 16 anos, cursao 2º ano do ensino médio e também vê Malhação,mas com um olhar crítico. “Eles (personagens) es-tão fora da realidade. Na novela todo mundo ébonito, perfeito, ‘sarado’. Ninguém tem problemase a vida não é assim”, pondera.

Para a adolescente, a novela influencia negati-vamente os jovens. “Não é o meu caso, mas ad-mito que tem muita gente que copia”, diz Liliane.Questionada por que, então, vê a trama, ela co-

Novela atinge entre 20 e 30 pontos no Ibope

Estudante avaliza pesquisa

COMPORTAMENTOCOMPORTAMENTO

menta: “Na televisão aberta a gente não tem odireito de escolher. Vê o que passa. São poucosos canais”. O mesmo, segundo a estudante, nãoacontece com jovens das classes maisfavorecidas, que têm a opção dos canais pagos,que oferecem variedade maior.

Frustração – A pedagoga Maria Inez MasaroAlves adverte que um dos maiores problemas dequem se espelha apenas na ficção, moldando apartir dela a vida real, é justamente o empobreci-mento da experiência, que provoca a frustração.“O adolescente passa a ver que sua família não secomporta como a da telenovela, que seus paisnão são tão esclarecidos, não tratam dos proble-mas do mesmo modo e, muito menos, que no fi-nal tudo dá certo”, afirma. Pecado maior cometeo jovem ao se espelhar na novela para conquistarum namorado. “A experiência, neste caso, não é areal, mas a da ficção”, finaliza a pesquisadora.

Cecília dos Santos: de olho nas roupas

Liliane de Souza: “A vida não é assim”

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CÉLIA [email protected]

E RAQUEL DO CARMO [email protected]

um corpo de baile, cada integrante representa uminstrumento musical, cujo som se reproduz a par-tir dos movimentos executados por esse bailari-no. Uma harmoniosa interação homem-instrumen-to, coordenada por um pequeno robô. Pode pare-

cer algo futu-rista, mas osprimeiros en-saios deste bai-lado já aconte-cem. O NúcleoI n t e r d i s -ciplinar de Co-municação So-nora (NICS) daUnicamp, emconjunto como Laboratório

de Neuroinformática da Universidade ETHZ Zuri-que (Suíça), convidou a bailarina ChristianeMatallo, pós-graduanda do Instituto de Artes, pararealizar uma performance inusitada: calçando sa-patos estilo tap shoes interativos, seus movimen-tos comandavam diferentes estilos musicais e, parasurpresa do público, teve como parceiro um robôque também gerava sons ao contato com a luz emateriais coloridos – o Roboser.

Vestindo roupas pretas bordadas com argolas delatas de refrigerante, Christiane conseguiu um efei-to virtual em sua apresentação no GinásioMultidisciplinar da Unicamp, no dia 29 de março,durante o 2o Encontro da Coordenadoria de Cen-tros e Núcleos (Cocen) da Unicamp. O evento mos-trou a produção científica, tecnológica e cultural dos24 órgãos interdisciplinares de pesquisa da Univer-sidade, por meio de conferências e estandes, numdos quais a bailarina e também pesquisadora do Nicsfez a sua performance. No comando do espetáculoestavam o coordenador do núcleo, Jônatas Manzolli,e o pesquisador suiço Paul Verschure.

A platéia extasiada, estava atenta aos comandosdos três pesquisadores. Enquanto Verschure con-trolava o software específico para o funcionamen-to do Roboser, Manzolli manipulava a mesa queexecutava a interface com os sapatos calçados porChristiane. A bailarina executava seus movimentosem sintonia com a música produzida pelo robô.Eram reproduzidos diferentes ritmos musicais. Estainteração virtual dá maior dimensão à perfomance,pois segundo a bailarina amplia a expressão huma-na e exige mais concentração. Por outro lado, osmovimentos são mais livres e ritmados.

BailadofuturistaBailarinaproduzvariadosritmosmusicaispor meiode sapatosespeciais,tendocomoparceiroum robô

N

Christiane Matallo:sapatos

interativose roupas

bordadas comargolas de

refrigerantes

Os primeiros acordes – A matemática aplicada ea música, embora áreas distintas, têm caminhadojuntas na formação acadêmica de Jônatas Manzolli,que concentra suas pesquisas em modelos mate-máticos aplicados à composição algorítmica, sínte-se sonora digital, desenvolvimento de sistemasinterativos e interfaces gestuais. Após um árduo tra-balho que começou em 1998 com o desenvolvimen-to do Laboratório de Interfaces Gestuais, Manzolliprecisava encontrar um profissional de artes corpo-rais que tivesse habilidades neces-sárias para a implementação do pro-jeto. Na época, Christiane Matallohavia concluído a graduação naUnicamp e aceitou o desafio.

Bailarina desde a infância, nãodemorou para que Christianeinteragisse com a nova interface.Nos calcanhares e nas pontas docalçado, Manzolli acoplou sensoresque, ao movimento humano, pro-duzem sinais elétricos e os proces-sa por um programa de computa-dor. A comunicação entre os sapa-tos e o computador é feita atravésde um cabo que sai do calcanhar e, preso à cintura,chega até o equipamento. Nele, um programa es-pecífico chamado CurvaSom, desenvolvido pelopesquisador do Nics, apresenta opções de escolhapor diferentes instrumentos musicais e padrões rít-micos associados aos sinais elétricos. A composi-ção musical, então, resulta da harmonia entre osmovimentos da bailarina no contato com ossensores.

Especialista em neuroinformática e criador dosistema IQR421 que se acopla ao robô e tem sidoutilizado com sucesso em performancesmultimídias no Brasil e no exterior, Paul Verschureincentivou a idéia de unir a dança virtual com oRoboser. Este é uma aplicação de robótica à com-posição algorítmica na qual um pequeno robô geraas seqüências melódicas através de sensores infra-vermelhos que se localizam ao redor de seu corpocircular. Ao movimentar-se, mede a variação de luze a proximidade de obstáculos: na presença de in-tensidade luminosa, aproxima-se da fonte de luz;na aproximação com obstáculos, afasta-se deles.

A combinação de estímulo e movimento no robômodifica o padrão sonoro executado ao vivo pelocomputador, a quem ele se interliga por fios elé-tricos. “A sucessão de eventos musicais gera umapequena improvisação que reflete a exploração domeio ambiente feita pelo Roboser”, explicaManzolli.

Para os ouvintes foi uma experiência inusitada.Para os pesquisadores uma realização musical queuniu recursos de última geração derivados daneuroinformática com a expressão humana.

Roboser: gerandoseqüênciasmelódicas pormeio de sensores

JônatasManzolli:modelosmatemáticosaplicadosà música

Efeito virtualcativa a platéia:

bailarina fazperfomance

inusitada

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PESQUISAPESQUISA