PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU SEÇÃO ... ILHA.pdf · PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA...

65
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal Sentença n. /2008/JCM/JF/MA – A * Processo n. 2007.37.00.007491-1 AÇÃO CIVIL PÚBLICA Autor : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL : UNIÃO Processo n. 2007.37.00.007431-5 AÇÃO CIVIL PÚBLICA Autores : UNIÃO DOS MORADORES PROTEÇÃO DE JESUS DO CAJUEIRO E OUTROS : UNIÃO Processo n. 2006.37.00.000290-4 AÇÃO POPULAR Autor : JOSÉ MAX PEREIRA BARROS Réus : UNIÃO E OUTROS S E N T E N Ç A Processo n. 2007.37.00.007491-1 AÇÃO CIVIL PÚBLICA Autor : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL : UNIÃO * Sentença cível classificada de acordo com os termos da Resolução n. 535, de 18 de dezembro de 2006, do Conselho da Justiça Federal (arts. 2º e 3º).

Transcript of PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU SEÇÃO ... ILHA.pdf · PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA...

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira

Juiz Federal

Sentença n. /2008/JCM/JF/MA – A*

Processo n. 2007.37.00.007491-1

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Autor : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Ré : UNIÃO

Processo n. 2007.37.00.007431-5

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Autores : UNIÃO DOS MORADORES PROTEÇÃO DE JESUS

DO CAJUEIRO E OUTROS

Ré : UNIÃO

Processo n. 2006.37.00.000290-4

AÇÃO POPULAR

Autor : JOSÉ MAX PEREIRA BARROS

Réus : UNIÃO E OUTROS

S E N T E N Ç A

Processo n. 2007.37.00.007491-1

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Autor : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Ré : UNIÃO * Sentença cível classificada de acordo com os termos da Resolução n. 535, de 18 de dezembro de 2006, do Conselho da Justiça

Federal (arts. 2º e 3º).

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

2

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

promove ação civil pública, com pedido de antecipação dos efeitos da

tutela, contra a UNIÃO pretendendo (i) anular os atos de constituição

de débito, inscrição na dívida ativa e cobrança de taxas e/ou foros,

bem como o pagamento de laudêmio nas transferências de domínio,

sobre imóveis situados nos Municípios de São Luís, São José de

Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa, a partir da EC 46/2005, à exceção

dos terrenos de marinha e seus acrescidos; (ii) anular os atos de

inscrição de inadimplentes de foros, taxas de ocupação e laudêmios,

constituídos a partir da EC 46/2005, no CADIN – Cadastro

Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal; (iii)

anular os efeitos da inscrição em massa – provenientes dos Editais de

Convocação n. 01/93, n. 02/94 e 03/94, expedidos pela Delegacia no

Maranhão do Serviço do Patrimônio da União –, como bens da União,

das áreas situadas na Ilha de Upaon-Açu, inclusive daquelas

localizadas na Gleba Rio-Anil; (iv) anular as cobranças das taxas de

ocupação e foro sobre os imóveis cadastrados na forma acima,

lançadas nos últimos 5 (cinco) anos; e anular a inscrição de

proprietários desses imóveis no Cadastro Informativo de Créditos não

Quitados do Setor Público Federal – CADIN.

Aduz que a Delegacia no Maranhão do

Serviço do Patrimônio da União – atualmente denominada Gerência

Regional do Patrimônio da União -, através dos Editais de Convocação

n. 01/93, n. 02/94 e n. 03/94, e valendo-se da falsa premissa de que

todos os terrenos situados na Ilha de Upaon-Açu seriam de domínio da

União, instou os moradores dos Municípios de São Luís, São José de

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

3

Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa a apresentarem documentos que

comprovassem a alegação de direitos incidentes sobre a área que

ocupavam, para fins de regularização dos imóveis, tendo, em seguida,

emitido as Declarações de Irregularidade n. 01/94 e n. 02/94, nas quais

declarou “irregular a situação dos imóveis situados na Ilha Upaon-Açu

(...) para advertência a eventuais interessados de boa-fé a imputação de

responsabilidades civis e penais”.

Sustenta a ilegalidade do referido

procedimento, sob o fundamento de (i) não terem sido observadas as

exigências previstas no Decreto-Lei 9.760/46, (ii) não ter sido

instaurado processo administrativo visando ao registro dos imóveis, (iii)

não ter havido publicidade na divulgação daquele edital e (iv) não ter

sido realizado processo discriminatório, com o objetivo de demarcar as

terras devolutas e afastar do registro os terrenos de propriedade do

Estado, do Município ou de particulares.

Assinala que essas irregularidades

provocaram a criação de regimes administrativos díspares para cidadãos

que se encontravam em situações idênticas, pois para alguns teria sido

constituído o regime da enfiteuse, por previsão contratual, quando da

transferência dos lotes aos particulares através dos projetos de

urbanização conduzidos pelo Município de São Luís e pela Sociedade

de Melhoramentos e Urbanismo da Capital S/A – SURCAP, e para

outros, instituiu-se um regime de ocupação.

Destaca que essa distinção entre os dois

regimes repercutiu no patrimônio dos cidadãos, vez que, enquanto o

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

4

foro é devido à ordem de 0,6% (seis décimos por cento) do valor do

respectivo domínio pleno, nos termos do DL 9.760/46, a taxa de

ocupação pode alcançar o percentual de 5% (cinco por cento).

Em outro plano, e agora cuidando

especificamente dos que estão submetidos ao regime de foro, enfatiza

que, após a EC 46/2005, deixaram de ser devidas as cobranças de foro e

de laudêmio, incidentes nas transferências de domínio sobre imóveis

situados na Ilha de Upaon-Açu, à exceção dos terrenos de marinha e

seus acrescidos e das áreas afetadas ao serviço público, assim como das

unidades ambientais federais, eis que a reforma constitucional visou

excluir da União toda pretensão de domínio sobre áreas de ilhas

costeiras que contenham sede de municípios, mostrando-se contrastante

com a Constituição Federal a interpretação contida no Parecer

MP/CONJUR/JCJ/N. 0486-5.9.9/2005, que declara sobre o domínio da

União os terrenos situados na Ilha de São Luís e que foram regularmente

registrados em seu nome até a data da vigência da EC46/2005,

permanecendo, em relação a estes imóveis, a obrigatoriedade do

pagamento anual de foros ou taxas de ocupação (fls. 03/248).

Instada a se manifestar sobre o pedido de

antecipação dos efeitos da tutela formulado pelo Autor, a União suscita,

preliminarmente, a impossibilidade de ser concedida antecipação dos

efeitos da tutela contra a Fazenda Pública, sob o fundamento de a

sentença proferida contra a União, o Estado, o Município e suas

autarquias e fundações públicas (Lei 9.469/97 – 10) somente produzir

efeitos após sua confirmação pelo órgão de segunda instância,

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

5

destacando, ainda, as ausências, no caso ora examinado, dos requisitos

da prova inequívoca e do perigo de dano.

No plano de mérito, sustenta que, após a EC

46/2005, duas situações jurídicas foram consolidadas, resumindo-as nos

moldes seguintes: (i) imóveis registrados em nome de particular sem

qualquer ressalva à nua-propriedade da União; e (ii) imóveis particulares

registrados com ressalva da dominialidade da União, sendo o

proprietário particular apenas detentor do domínio útil.

Fundado nessas situações, destaca que,

“segundo a nova redação atribuída ao dispositivo constitucional,

aparentemente, não mais subsistiria a causa legal, isto é, constitucional,

para sustentar a dominialidade da União”, mas, “devido ao princípio

da irretroatividade da lei, do direito adquirido e da legalidade

administrativa, deve-se, forçosamente, concluir que a União, quando ao

tempo da legislação constitucional pretérita, procedeu regularmente o

registro de sua propriedade no cartório de imóveis, adquirindo o direito

definitivamente”, persistindo esta situação até os dias atuais.

Em passagem final, assinala que, embora não

seja mais detentora do domínio das ilhas costeiras – excetuadas as áreas

que permanecem sob o seu domínio –, os atuais detentores das

respectivas áreas não seriam transformados em proprietários, pois

incidiria a regra da CF 26 IV, que considera estaduais as terras

devolutas, razão pela qual o Estado do Maranhão deverá decidir se

abdica da sua dominialidade em prol da estabilização das situações

jurídicas já consolidadas pelo tempo (posse ad usucapionem entre a

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

6

CF/67 e a CF/88) ou se irá buscar a regulamentação do seu patrimônio

nos termos das Leis 6.015/73 e 6.383/76 (fls. 254/270).

Deferido pedido formulado em sede de

antecipação dos efeitos da tutela, determinando-se, ainda, o traslado da

decisão para os Processos n. 2006.290-4, n. 2007.7431-5 e n.

2007.8169-8, ante a ocorrência do fenômeno da conexão (fls. 272/295).

Inconformada, a Ré interpôs recurso de

agravo, que foi devolvido pelo TRF-1ª Região para que este Juízo o

processasse sob a forma de agravo retido (fls. 299/326 e 328/330,

respectivamente).

Indeferido pedido de reconsideração

formulado pela Ré (fl. 332).

Comparecimento da NACIONAL GÁS

BUTANO DISTRIBUIDORA LTDA. para noticiar o descumprimento,

pela União, da decisão que antecipou os efeitos da tutela, informando,

ainda, a cobrança da taxa de ocupação, referente aos exercícios

financeiros de 1998 a 2007, incidente sobre o imóvel de sua

propriedade, localizado na área Itaqui-Boqueirão, no Município de São

Luís (fls. 334/359).

Oferecendo Contestação, a União sustenta, em

sede de preliminar, a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal,

ao fundamento de que ação civil pública pretende a proteção de direitos

individuais, o que não seria compatível com suas atribuições.

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

7

No plano de mérito, sustenta a legalidade do

procedimento de inscrição dos imóveis situados na Gleba Rio-Anil,

informando que os editais convocatórios foram amplamente divulgados

no Diário Oficial do Estado do Maranhão, acrescentando que adquirira a

propriedade dos imóveis situados na Ilha de Upaon-Açu com base nos

Decretos 66.227/70 e 71.206/72, e não com base no procedimento de

inscrição impugnado.

No que diz respeito aos efeitos da EC

46/2005, destaca a incidência dos princípios hermenêuticos da máxima

efetividade e da integração constitucional, asseverando que a nova

redação atribuída ao Art. 20, inciso IV, da CF/88, não afasta a

incidência do inciso I do mesmo artigo, que manteve sob o domínio da

União os bens que já lhe pertenciam ao tempo daquela Emenda.

Por derradeiro, requer a revogação da medida

deferida em sede de antecipação dos efeitos da tutela, sob o fundamento

de a decisão contrariar os interesses públicos e afrontar o disposto no

Art. 20, incisos I e IV, da Constituição Federal (fls. 364/492).

Notícia da decisão proferida pela Presidência

do TRF-1ª Região, que suspendeu os efeitos da decisão proferida em

sede de antecipação dos efeitos da tutela até que fosse efetuado o

julgamento definitivo do processo (fls. 483/485).

Instado a se manifestar sobre a Contestação, o

Autor impugnou a preliminar de ilegitimidade suscitada pela União,

sustentando que o direito vindicado nos presentes autos, embora

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

8

divisível e disponível, se insere na categoria dos direitos individuais

homogêneos, espécie do gênero interesses coletivos, sendo possível,

assim, sua proteção através do manejo de instrumentos processuais

destinados à tutela coletiva.

Assevera, também, que o Ministério Público

encontra-se legitimado para a propositura da presente ação civil pública

em decorrência da sua atribuição constitucional de promover ações que

visem à tutela do patrimônio público ou do interesse social, bastando,

para a caracterização deste último requisito, a relevância social da

demanda, que estaria configurada, à espécie, pelos gravames causados a

incontáveis moradores dos municípios da Ilha de São Luís, obrigados a

pagar a taxa de foro/ocupação e o laudêmio.

No mérito, reafirma os fatos e os fundamentos

expostos na petição inicial, acrescentando que o Contrato de Cessão sob

regime de aforamento, firmado pela União com o Estado do Maranhão

e, posteriormente, com a SURCAP, seria irregular, mesmo que realizado

sob os auspícios de decretos presidenciais pelo fato de não encontrar

amparo na Constituição Federal (fls. 495/505).

Comparecimento da Ré para registrar a

ocorrência de prejuízos, por conseqüência da decisão proferida em sede

liminar, em sua arrecadação de receitas patrimoniais no Município de

São Luís (fls. 507/521).

Processo n. 2007.37.00.007431-5

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

9

Autores : UNIÃO DOS MORADORES PROTEÇÃO DE JESUS DO

CAJUEIRO E OUTROS

Ré : UNIÃO

UNIÃO DOS MORADORES PROTEÇÃO

DE JESUS DO CAJUEIRO, ASSOCIAÇÃO DE SAÚDE E

ASSISTÊNCIA COMUNITÁRIA DE VILA MARANHÃO,

ASSOCIAÇÃO DOS FEIRANTES DO MERCADO DO ANJO DA

GUARDA promovem ação civil pública, com pedido de antecipação

dos efeitos da tutela, contra a UNIÃO pretendendo (i) a declaração de

que o Estado do Maranhão, por força da EC 46/2005, seria o sucessor

dos imóveis então pertencentes à União, tendo a propriedade plena

desses imóveis, e a (ii) declaração de que os foreiros ou ocupantes dos

imóveis excluídos do patrimônio não seriam devedores de foros, taxas

de ocupação ou laudêmios, desde a promulgação da EC 46/2005.

Após registrarem suas legitimidades para a

instauração da presente ação, sustentam, no plano de mérito, que, após a

EC 46/2005, “a União perdeu o domínio sobre os terrenos dados em

enfiteuse, ou ocupados sob título outro”, o que torna sem eficácia todos

os contratos existentes, desobrigando, assim, os detentores do domínio

útil de qualquer obrigação.

Sustentam, ainda, que a alegação da Ré,

consubstanciada no Parecer MP/CONJUR/JSJ N. 486 – 59.9/2005,

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

10

segundo a qual a “manutenção do acervo da União decorre da

preservação de direito adquirido, previsto no inciso XXXVI do art. 5°

da CF/88”, não se sustentaria, pois essa garantia constitucional seria

dirigida ao governado e oponível contra o Estado (fls. 03/73).

Reconhecimento da ocorrência do fenômeno

da continência a envolver a ação contida nos presentes autos e a ação

popular n. 2006.37.00.000290-4, firmando-se, assim, a competência

deste Juízo para processá-la e julgá-la; determinou-se, por conseqüência,

a intimação da Ré para se manifestar acerca do pedido de antecipação

dos efeitos da tutela (fl. 75).

Oferecendo manifestação sobre o pedido

formulado em sede liminar, a União sustenta a preliminar de

ilegitimidade ativa ad causam, sob o fundamento de as associações não

disporem de legitimidade para a propositura de ações judiciais coletivas,

enfatizando que os estatutos coligidos aos autos não apresentam

qualquer autorização expressa para que as Autoras ingressem com a

presente ação civil pública, acrescentando que não teria sido

comprovado que os seus associados teriam posses ou propriedades

afetadas pela sua reivindicação de permanência no domínio.

No mérito, aduz que procedera, ao tempo da

vigência da legislação pretérita, ao registro dos imóveis com a ressalva

de dominialidade, razão pela qual o proprietário particular seria apenas o

detentor do domínio útil, situação que perduraria por decorrência dos

princípios do direito adquirido, da legalidade e da irretroatividade da lei.

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

11

Sob esse enfoque, sustenta que, embora não

subsista a hipótese legal que lhe conferia a propriedade das ilhas

costeiras, persistiria sua propriedade sobre os imóveis regularmente

registrados com amparo na legislação anterior.

Aduz, também, que, por expressa previsão do

art. 26, IV da CF/88, a edição da EC 46/2005 não torna proprietários dos

imóveis os seus possuidores, visto que se considera pertencente aos

estados-membros as terras devolutas que não tenham se originado do

desmembramento do patrimônio público, razão pela qual caberia ao

Estado do Maranhão decidir se abdicará da sua dominialidade em prol

dos possuidores, ou se irá buscar a regularização do seu patrimônio nos

termos das Leis 6.015/73 e 6.383/76.

Por derradeiro, sustenta a legalidade da

cobrança da taxa de ocupação e foro, afastando a alegação dos

Autores de que a cobrança caracterizaria o fenômeno da bitributação,

pois seria “pacífico na doutrina e na jurisprudência que os

respectivos institutos não têm natureza tributária, mas

contraprestacional pela utilização do imóvel público sujeito ao

regime de aforamento” (fls. 82/104).

Notícia do deferimento da decisão proferida

em sede liminar no Processo n. 2007.37.00.007491-1, sendo, assim,

reconhecido o perecimento do objeto do pedido formulado em sede de

antecipação dos efeitos da tutela (fls. 107/130 e 132, respectivamente).

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

12

Oferecendo Contestação, a Ré, após refutar a

pretensão dos Autores de excluir da dominialidade da União os imóveis

situados em terrenos de marinha e seus acrescidos, reiterou os

fundamentos expendidos em sua manifestação anterior (fls. 137/215).

Processo n. 2006.37.00.000290-4

AÇÃO POPULAR

Autores : JOSÉ MAX PEREIRA BARROS

Réus : UNIÃO E OUTRO

JOSÉ MAX PEREIRA BARROS promove

ação popular, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, contra a

UNIÃO , o ESTADO DO MARANHÃO e JOSÉ CARLOS

BARRETO JÚNIOR pretendendo a (i) declaração de nulidade do

Parecer Normativo MP/CONJUR/JCJ/N. 0486.5.9/2005, a (ii)

condenação da União a ressarcir os valores cobrados a título de foro e

taxa de ocupação dos moradores dos Municípios de São Luís, São José

de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa, e (iii) compelir o Estado do

Maranhão a cadastrar os imóveis que, após a EC 46/2005, teriam sido

incorporados ao seu acervo patrimonial.

Em seguida, após discorrer sobre o cabimento

da ação popular e sobre sua legitimidade para promovê-la, enfatiza que,

após a EC 46/2005, as áreas situadas em ilhas costeiras que sejam sede

de municípios deixaram de integrar o patrimônio da União, razão pela

qual a interpretação dessa norma constitucional pela Administração,

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

13

consagrada no MP/CONJUR/JCJ/N. 486 – 59.9/2005, representaria

grave ameaça aos princípios da legalidade e da moralidade

administrativa, por restringir o seu alcance (fls. 03/46).

Exame do pedido formulado em sede de

antecipação dos efeitos da tutela diferido (fl. 48).

Pleiteando sua habilitação no processo para

atuar como litisconsorte ativo, RAIMUNDO BENEDITO BRAGA

ROCHA ratifica os fatos e os fundamentos expostos na petição inicial,

pleiteando o seu aditamento para ampliar o objeto da ação popular e,

assim, compelir a Ré a se abster de realizar a cobrança do laudêmio

incidente sobre as transferências de imóveis situados na Ilha de São Luís

(fls. 51/66).

Oferecendo Contestação, o Estado do

Maranhão destaca, sob forma preliminar, sua ilegitimidade para compor

o pólo passivo da demanda, assinalando que não autorizara, aprovara,

ratificara ou praticara o ato impugnado, e que não teria sido omisso ou

causador da lesão descrita pelo Autor.

Em seguida, e ainda sob forma de preliminar,

sustenta a inidoneidade da ação popular para o caso ora examinado, sob

o fundamento de o Autor não haver comprovado a lesividade decorrente

do ato impugnado.

No plano de mérito, sustenta que somente o

Estado do Maranhão seria legitimado para instaurar ação discriminatória

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

14

com o propósito de verificar as terras que, após a EC 46/2005, passaram

ao seu domínio, enfatizando que “não pode ser o Estado do Maranhão

obrigado, pelo particular, a cadastrar administrativamente as áreas

que passaram a compor o seu acervo patrimonial, por ser essa matéria

objeto de devido processo discriminatório, de competência exclusiva do

Estado, a ser oportunamente realizado”.

Oferecendo Contestação, a União enfatiza o

descabimento da presente ação popular, sob o fundamento de os Autores

não terem comprovado qualquer lesividade aos seus patrimônios, por

decorrência dos fatos descritos na petição.

Enfrentando a questão de mérito, sustenta que

os imóveis registrados em seu nome ao tempo da vigência da legislação

anterior encontrar-se-iam definitivamente incorporados ao seu

patrimônio, sendo devidas as cobranças da taxa de foro e do laudêmio

daqueles que estão vinculados ao regime da enfiteuse administrativa.

No que diz respeito aos ocupantes irregulares,

destaca que a cobrança da taxa de ocupação seria devida somente até a

edição da EC 46/2005, obedecido os prazos prescricionais.

Em passagem derradeira, ressalta que as áreas

afetadas ao serviço público e as unidades de conservação ambiental

federal compõem o patrimônio indisponível da União, razão pela qual,

mesmo situados em ilhas costeiras que sejam sedes de municípios,

permaneceriam sob o domínio da União (fls. 89/121).

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

15

Indeferido o pedido formulado em sede de

antecipação dos efeitos da tutela por ausência da verossimilhança da

alegação; inconformado com este pronunciamento, o Autor interpôs

recurso de embargos de declaração, que foram improvidos (fls. 103/104

e 116/120, respectivamente).

Oferecendo Contestação, o réu JOSÉ

CARLOS BARRETO JÚNIOR, após suscitar a preliminar de

ilegitimidade passiva ad causam, reafirmou os fundamentos deduzidos

pela União em sede de Contestação (fls. 138/155).

Instados a se manifestarem acerca das

contestações oferecidas pelos Réus, os Autores JOSÉ MAX PEREIRA

BARROS e RAIMUNDO BENEDITO BRAGA ROCHA, após

refutarem as preliminares suscitadas, reiteraram os fundamentos

apresentados na petição inicial (fls. 162/180 e 181/193,

respectivamente).

Certificada a interposição, pelo Autor, do

recurso de agravo, como forma de impugnação da decisão de fls.

103/104 (fl. 194).

Acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva

ad causam argüida na Contestação de fls. 138/155, sendo, assim, extinto

o processo sem investigação da questão de mérito em relação ao réu

JOSÉ CARLOSBARRETO JÚNIOR; determinou-se, em seguida, a

citação da União para oferecer resposta ao aditamento da petição inicial

(fls. 199/200).

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

16

Encartada aos autos cópia da decisão proferida

nos autos da ação civil pública n. 2007.37.00.007491-1 (fls. 203/227).

Oferecendo Contestação, a União sustenta o

descabimento da ação popular e destaca que os fatos descritos na

petição inicial não seriam lesivos ao patrimônio do Autor; em passagem

final, reitera os argumentos que apresentara em sua primeira resposta

(fls. 229/233).

Instado a se manifestar acerca do pedido de

aditamento da inicial, o Estado do Maranhão ratifica os termos de sua

Contestação (fls. 237/238).

FUNDAMENTOS DOS JULGADOS

Processo n. 2007.37.00.007491-1

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Autor : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Ré : UNIÃO

1. DO FENÔMENO DA CONEXÃO.

DEMANDA FUNDADA NO MESMO

CONTEXTO DE FATOS QUE SERVEM

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

17

DE SUPORTE PARA OUTRAS

DEMANDAS. CPC 105. REUNIÃO DE

AÇÕES CONEXAS EM SIMULTANEUS

PROCESSUS.

Conforme assentado anteriormente (fls.

372/295), a ação ora examinada possui intensa afinidade com as ações

contidas nos Processos n. 2006.290-4, e 2007.7431-5.

De efeito, em todos esses casos as respectivas

demandas encontram-se impregnadas pelo mesmo objeto ou fundadas

no mesmo contexto de fatos, avultando como ponto de referência para a

composição das diversas lides a edição da EC 46/2005, que retirou da

União o presumido domínio sobre as ilhas costeiras em que instaladas

sede de municípios.

Por oportuno, registre-se que, ante a redação

do CPC 105, o fenômeno da conexão impõe – e a norma ostenta, ao

contrário do que muitos sustentam, feição imperativa – a reunião de

ações propostas em separado, “a fim de que sejam decididas

simultaneamente”, sendo, por conseqüência dessa exegese, irrelevante a

existência de pronunciamento que determina expressamente a reunião

das ações, vale dizer, que reconheça prévia e expressamente a

ocorrência do fenômeno da conexão.

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

18

Segundo a dicção do CPC 103, reputam-se

conexas duas mais ações, “quando lhes for comum o objeto ou causa de

pedir” . Estes parâmetros, todavia, mostram-se insuficientes para a

identificação do fenômeno da conexão, pois a sua ocorrência dar-se-á

com a tão-só coincidência de um dos elementos da ação (partes, causa

de pedir ou pedido).

Nesse contexto, Cândido Rangel Dinamarco

oferece um roteiro bastante consistente para a identificação do

fenômeno da conexão:

“Na definição do art. 103 do

Código de Processo Civil, duas

demandas são conexas quando lhes

for comum o objeto ou a causa de

pedir. Há nessa definição nítida

remissão aos três eadem, que

tradicionalmente servem de apoio

para a identificação e comparação

entre demandas (mesmas partes,

mesma causa de pedir, mesmo

pedido). Ocorre conexidade quando

duas ou várias demandas tiverem

por objeto o mesmo bem da vida ou

forem fundadas no mesmo contexto

de fatos.” (Instituições de Direito

Processual Civil, v. II, 3ª ed., São

Paulo: Malheiros Editores, 2003, p.

149).

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

19

Esta coincidência entre duas ou mais causas

de pedir, presentes em duas ou mais demandas, dificilmente ocorrerá

completa e integralmente, conforme alerta Cândido Rangel Dinamarco:

“Na grande maioria dos casos, os

fatos são comuns entre elas até

certo ponto da narrativa,

diferenciando-se em seguida. São

conexas as demandas de duas

pessoas que alegam haver sofrido

danos no mesmo acidente

automobilístico, porque ambas

invocam um só evento concreto,

causador de danos a ambas; mas o

dano concreto que cada uma sofreu

não é o mesmo suportado pela

outra, pois cada uma delas tem a

sua história e não coincidem os

modos como cada uma ficou lesada

nem a natureza ou valor do dano

sofrido. Daí falar a doutrina

italiana em identidade parcial de

títulos, que é suficiente para

produzir a conexidade entre

demandas” (op. cit., p. 150).

Havendo dúvidas quanto aos limites ou

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

20

contornos da coincidência entre as causas de pedir, “capaz de gerar os

efeitos jurídico-processuais da conexidade, aconselha que se abrandem

os rigores da precisa demarcação da demanda em elementos, inerente à

teoria dos três eadem. O que importa, nos institutos regidos pela

conexidade, é a utilidade desta como critério suficiente para impor

certas conseqüências (prorrogação da competência, reunião de

processos) ou autorizar outras (litisconsórcio). Essa utilidade está

presente sempre que as providências a tomar sejam aptas a

proporcionar a harmonia de julgados ou a convicção única do julgador

em relação a duas ou mais demandas (Redenti). Ainda que ocorra a

mera identidade parcial de títulos – ou causas de pedir -, será útil a

prorrogação de competência, com reunião das causas sob um juiz só,

assim como será útil a formação de litisconsórcio (dois ou mais

sujeitos demandando ou sendo demandados num só processo) ou a

admissão da reconvenção – sempre que a convicção para julgar haja

de ser a mesma e não deva haver discrepâncias entre os julgamentos.

Conquanto vaga, essa orientação tem as vantagens da flexibilização de

critérios, permitindo ao juiz alguma margem de poder para a

inteligente avaliação dos casos concretos e da utilidade da medida a ser

determinada” (op. cit., p. 150/151) (grifamos).

De efeito, a norma inserta no CPC 103 tem

por finalidade evitar decisões contraditórias, que repugnem-se

mutuamente; o direito, porque essencialmente lógico, não tolera

contradições.

Sobre esse aspecto, mostram-se atualíssimas

as palavras de Moacyr Amaral Santos:

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

21

“Evitar sentenças contraditórias,

eis a razão de ordem pública. Se as

várias ações se acham presas por

um vínculo, por um elemento que

lhes é comum, tudo aconselha que

as decisões por elas solicitadas não

se contradigam. E o meio natural

de impedir que as sentenças sejam

contraditórias será reunir as várias

ações perante o mesmo juiz, e até

no mesmo processo, para que uma

única seja a decisão” (Primeiras

Linhas de Direito Processual Civil,

1º vol., 15ª ed., São Paulo: Editora

Saraiva, 1992, p. 254).

Mais recentemente, e já sob o influxo

hermenêutico das modificações do CPC, Antonio Dall’Agnol perfilhou

idêntico entendimento;

“A doutrina dissente a respeito da

cogência ou dispositividade da

norma jurídica em exame – CPC

105 -, como de ordinário se dá em

hipóteses em que o interesse

público se imiscui em grau

considerável. Não é, pois, apenas

no interesse que se dispõe, mas,

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

22

como já adiantado, no público,

compreendido, no mínimo, na

conveniência de que não conflitem

decisões judiciais, por não

interessar à paz social, objetivo da

jurisdição.

Confere a lei, sem dúvida, ao juiz o

exame – que vai da necessidade à

conveniência – que nem sempre se

resolverá pela só invocação do art.

103, pois, por vezes, os elementos

de atração não compõem a causa

de pedir ou o pedido, exibindo-se,

porém, útil a reunião para

simultâneo processamento e

julgamento.

É preciso que tenhamos presente

que o sistema positivo adotou o

princípio da direção material do

processo pelo juiz, motivo pelo qual

não se há de submeter

demasiadamente o julgador ao

conceito apertado do art. 103. Não

fora assim, algumas espécies

refugiriam à reunião, seja porque

não são comuns os pedidos, seja

porque não o são a causa de pedir

de uma ou outra das ações em

cotejo” (Comentários ao Código

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

23

de Processo Civil, volume 2, 2ª ed.,

São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2007, p. 47/48).

Assim, embora sejam evidentes as

dificuldades surgidas no julgamento de ações conexas – com lides

sofisticadas e matizes diversos –, e mesmo surgindo inquietações sobre

a ocorrência plena do fenômeno da conexão, aconselha-se a reunião de

ações para que seja prestigiado o julgamento simultâneo (= simultaneus

processus), evitando-se a proliferação de decisões conflitantes (=

utilidade do reconhecimento da conexão).

2. DA PRELIMINAR.

2.1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS

E INTERESSES INDIVIDUAIS

HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE DO

MINISTÉRIO PÚBLICO.

- Os interesses ou direitos individuais

homogêneos encontram-se inseridos no

amplo contexto dos interesses coletivos

(RE 163231/SP, rel. Min. Maurício

Corrêa, DJ 29/06/2001, p. 55), razão pela

qual o Ministério Público, ao promover

ação coletiva em busca de solução para

controvérsia de largo espectro social,

cumpre sua vocação jurídico-

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

24

constitucional (CF 129 III).

Não merece guarida a preliminar suscitada

pela Ré, eis que a presente ação civil pública, que busca proteger o

interesse de milhares de moradores da Ilha de Upaon-Açu, que são

compelidos ao pagamento de taxas de ocupação/foro e laudêmio,

ostenta evidente função social, pois o interesse posto à apreciação,

embora nitidamente divisível e disponível, encontra-se encartado no rol

dos direitos e interesses individuais homogêneos, segundo a dimensão

finalística do CDC 81 par. ún. I.

É que, conforme bem o registrou o Autor, “o

traço característico desses bens jurídicos é que eles são titularizados

por um grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou

determináveis, que compartilham um dano de extensão divisível, ou de

amplitude variável entre seus titulares, decorrentes de uma origem

comum, normalmente de natureza fática”.

Nessa perspectiva, assentado o entendimento

de que os interesses individuais homogêneos constituem espécie do

gênero interesses coletivos, a legitimidade do Ministério Público para

defendê-los mostra-se inequívoca, inclusive por razões pragmáticas –

que não perdem o viés jurídico –, vale dizer, como forma de evitar a

proliferação de demandas discutindo a mesma lide. Em sede acadêmica,

e corroborando o entendimento ora apresentado, valha-nos o seguinte

registro:

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

25

“Em relação aos interesses ou

direitos individuais homogêneos,

também não cabe qualquer

restrição, pois o que se busca é a

tutela jurisdicional coletiva desses

direitos, para solucionar várias

lides em um único processo e evitar

decisões contraditórias. Isso deixa

evidente o interesse social que

justifica a legitimidade do

Ministério Público, mesmo que a

tutela jurisdicional verse somente

sobre bens patrimoniais; basta que

se trate de direitos ou interesses

individuais ligados pelo vínculo da

homogeneidade. Além disso, o art.

129, IX, da CF diz expressamente

que poderão ser conferidas outras

atribuições ao Ministério Público,

desde que compatíveis com a sua

finalidade; esse dispositivo é outra

norma constitucional que dá

legitimidade e suporte jurídico ao

disposto nos arts. 81, parágrafo

único, III, e 82, I, ambos do CDC”

(Gregório Assagra de Almeida,

Direito Processual Coletivo

Brasileiro, São Paulo: Editora

Saraiva, 2003, p. 514).

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

26

3. DA QUESTÃO DE MÉRITO.

No que diz respeito à questão de mérito, e a

despeito dos densos argumentos expendidos pela Ré, tenho que a

matéria restou criteriosamente examinada ao tempo da decisão proferida

em sede de antecipação dos efeitos da tutela, razão pela qual,

invocando-a como suporte para o presente momento processual,

reapresento os fundamentos lançados naquela ocasião.

Em primeira perspectiva, o procedimento de

inscrição ex-oficio produzido pela Delegacia no Maranhão do Serviço

do Patrimônio da União – atualmente denominada Gerência Regional

do Patrimônio da União –, que tomou por parâmetro a presunção de que

todas as áreas situadas nas ilhas costeiras passaram, por determinação da

Constituição Federal de 1988, para o domínio da União, restou

maculado por vícios que não foram sanados ou corrigidos pelo decurso

do tempo, mas irradiaram graves conseqüências sobre os habitantes da

Ilha de Upaon-Açu, inclusive – e principalmente – no plano econômico.

Disciplinando a regularização da ocupação de

imóveis presumidamente de domínio da União, o DL 9.760, de 5 de

setembro de 1946, consagrou os procedimentos seguintes:

“Art. 61. O SPU exigirá de

todo aquele que estiver

ocupando imóvel

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

27

presumidamente pertencente

à União, que lhe apresente os

documentos e títulos

comprobatórios de seus

direitos sobre o mesmo.

§ 1º Para cumprimento do

disposto neste artigo, o órgão

local do SPU, por edital, sem

prejuízo de intimação por

outro meio, dará aos

interessados o prazo de 60

(sessenta) dias, prorrogáveis

por igual prazo, a seu

prudente arbítrio.

§ 2º O edital será afixado

na repartição arrecadadora

da Fazenda Nacional, na

localidade da situação do

imóvel, e publicado no órgão

oficial do Estado ou

Território, ou na folha que lhe

publicar o expediente, e no

Diário Oficial da União, em se

tratando de imóvel situado no

Distrito Federal.

...

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

28

Art. 63. Não exibidos os

documentos na forma prevista

no art. 61, o SPU declarará

irregular a situação do

ocupante, e, imediatamente,

providenciará no sentido de

recuperar a União a posse do

imóvel esbulhado.

§ 1º Para advertência a

eventuais interessados de

boa-fé e imputação de

responsabilidades civis e

penais, se for o caso, o SPU

tornará pública, por edital, a

decisão que declarar a

irregularidade da detenção do

imóvel esbulhado.

§ 2º A partir da publicação

da decisão a que alude o § 1º,

se do processo já não constar

a prova do vício manifesto da

ocupação anterior, considera-

se constituída e má-fé a

detenção de imóvel do

domínio presumido da União,

obrigado o detentor a

satisfazer plenamente as

composições legais.” (Os

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

29

grifos não constam do texto

original.)

Da leitura dos textos do DL 9.760/1946, e por

relevante, colhe-se que o seu marco essencial é a regularização da

ocupação de imóveis presumidamente de domínio da União e que, por

isso mesmo, tenham sido esbulhados por particulares.

Partindo dessa premissa, a Delegacia no

Maranhão do Serviço do Patrimônio da União lançou o Edital de

Convocação n. 01, de 27 de dezembro de 1993, através do qual

deflagrou – e nesse ponto privilegia-se por inteiro a versão apresentada

pelo Autor no corpo da petição inicial – o procedimento voltado para (i)

identificar, (ii) cadastrar e (iii) inscrever os imóveis situados nas áreas

ali descritas como bens da União, e assim desconstituir “as legítimas

propriedades e posses nas quais investidos cidadãos que, de boa-fé, ao

longo das décadas de 1970, 1980 e início de 1990, por ocasião da

implantação de vários projetos habitacionais aprovados pelo Poder

Público, adquiriram lotes de terras para a construção de suas moradias

em áreas para tal fim destinadas pelo Município e Estado do

Maranhão”.

Sucede, todavia, que a presunção motivadora

daquele ato administrativo não encontrava amparo no corpo normativo

da Constituição Federal de 1988, embora esta tenha alterado

substancialmente o regime de domínio da União sobre as ilhas costeiras.

Eis, e por relevante, o texto originário da Constituição Federal de 1988:

“Art. 20. São bens da União:

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

30

...

IV – as ilhas fluviais e

lacustres nas zonas limítrofes

com outros países; as praias

marítimas; as ilhas oceânicas

e as costeiras, excluídas,

destas, as áreas referidas no

art. 26, II;”

Cuidando da ressalva preconizada no texto

supradestacado, a Constituição Federal expressamente deixara assentado

o seguinte:

“Art. 26. Incluem-se entre os

bens dos Estados:

...

II – as áreas, nas ilhas

oceânicas e costeiras, que

estiverem no seu domínio,

excluídas aquelas sob domínio

da União, Municípios ou

terceiros;”

Assim, confrontando-se os dois textos legais

pode-se concluir que, ante o advento da Constituição Federal de 1988,

as ilhas costeiras, ao lado das ilhas oceânicas, passaram a compor o

patrimônio da União, sendo este – e precisamente nesse ponto –,

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

31

substancialmente ampliado, pois que os regimes constitucionais que o

precederam somente fizeram referência às ilhas oceânicas.

E mais, colhendo achegas nos argumentos

expendidos pelo Autor: “Ainda que relativamente confusa a redação do

texto constitucional – CF 26 II -, que emprega dupla exclusão

acompanhada de dupla remissão, é evidente que o constituinte teve o

escopo de excluir, dentre os bens da União, áreas inseridas nas ilhas

oceânicas já pertencentes aos estados, municípios e particulares” (os

grifos não constam do texto original).

Nessa perspectiva, e por consectário evidente,

mostrava-se defeso à União proclamar seu domínio sobre todas as áreas

formadoras das ilhas costeiras, pois que estas somente integrariam o seu

patrimônio se não houvesse comprovadamente a inserção do domínio de

particulares ou dos Estados e Municípios.

Em outras palavras, a Constituição Federal de

1988, ao contrário da interpretação tacanha realizada pela Delegacia no

Maranhão do Serviço do Patrimônio da União nos anos de 1993 e 1994

– e que culminaram com as edições dos Editais de Convocação n. 01/93,

n. 02/94 e n. 03/94 –, não contemplou a regra da presunção de domínio,

através da qual os imóveis situados em ilhas costeiras – e apenas por

decorrência dessa condição estritamente topográfica ou geográfica –

passariam a compor o patrimônio da União, razão pela qual restaram

preservados integralmente os domínios dos particulares nessas áreas,

bem como os domínios dos Estados e Municípios, sendo elucidativos os

pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal apresentados pelo Autor

(RE 217.013-RN e RE 285.615-SC).

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

32

Não bastasse esse aspecto, que seria suficiente

para fulminar os atos administrativos editados pela Delegacia no

Maranhão do Serviço do Patrimônio da União, o procedimento

instaurado revelou-se acintoso às garantias do devido processo legal, e

assim aos princípios da ampla defesa e do contraditório, da publicidade

e da propriedade.

É que, segundo as diretrizes do DL 9.760, de

5 de setembro de 1946, a regularização dos imóveis da União, a par de

levar em consideração a presunção do domínio, impõe a convocação de

todo aquele que estiver ocupando imóvel presumidamente pertencente à

União, a ser feita por edital, que será afixado na repartição arrecadadora

da Fazenda Nacional, na localidade da situação do imóvel, e publicado

no órgão oficial do Estado ou do Território (61 §§ 1º e 2º).

À espécie, a Administração, tendo partido de

premissa equivocada, qual seja, de que todos os imóveis situados em

ilha costeira passaram a compor o patrimônio da União após o advento

da Constituição Federal de 1988, deflagrou o procedimento de

regularização de ocupação sem atentar para as garantias decorrentes do

devido procedimento legal, pois que os editais convocatórios – Edital de

Convocação n. 01, de 27 de dezembro de 1993; Edital de Convocação n.

02, de 25 de abril de 1994, e Edital de Convocação n. 03, de 15 de

agosto de 1994 –, mesmo publicados pelo Diário Oficial do Estado do

Maranhão (fls. 477/479), não possuem aptidão jurídica para substituir os

procedimentos administrativo e judicial de discriminação de terras da

União, previstos no DL 9.760/46 e na Lei 6.383/76.

Ou seja, “a mera demonstração de que houve

a publicação na imprensa oficial dos editais de convocação de nº 01/93

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

33

e 02/94 não serve para convalidar um ato de arrecadação que se

desenvolveu, em sua essência, de forma absolutamente irregular e

abusiva”.

Nesse contexto, reitere-se, o procedimento

administrativo instaurado pela Administração destoou acintosamente

dos parâmetros do devido procedimento legal, bem assim dos princípios

da ampla defesa e do contraditório, da propriedade e da publicidade (CF

5º LIV e LV e 37 caput, respectivamente), pois que desconstituiu,

“ manu militare, as legítimas propriedades e posses nas quais

investidos cidadãos que, de boa-fé, ao longo das décadas de 1970, 1980

e início de 1990... adquiriram lotes de terras para a construção em

áreas para tal fim destinadas pelo Município e Estado do Maranhão.”

Esse procedimento, segundo o Autor, levou à

inscrição de aproximadamente 60 (sessenta) mil imóveis situados no

Município de São Luís, “os quais, pelo só efeito da inserção de

informações cadastrais na base de dados da GRPU, passaram a ser

considerados bens da União, sujeitando seus proprietários à cobrança

da taxa de ocupação.”

Em segunda perspectiva, e ficando assentada a

premissa consubstanciada no reconhecimento da nulidade dos atos

administrativos produzidos pela Administração, impõe-se reconhecer

que a EC 46/2005 promoveu formidável modificação no regime dos

bens da União, pois afastou definitivamente sua pretensão de domínio

sobre as áreas de ilhas costeiras que contenham sede de municípios.

Por relevante, e para fins de confrontação com

o texto produzido pelo Poder Constituinte Originário, impõe-se a

transcrição do novel texto constitucional:

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

34

“Art. 20. São bens da

União:

...

IV – as ilhas fluviais e

lacustres nas zonas

limítrofes com outros

países; as praias

marítimas; as ilhas

oceânicas e as costeiras,

excluídas, destas, as que

contenham a sede de

Municípios, exceto

aquelas áreas afetadas ao

serviço público e a

unidade ambiental

federal, e as referidas no

art. 26, II;” (Os grifos

não constam do texto

original.)

Assim, o propósito da reforma constitucional,

conforme bem o destacou o Autor, foi retirar da União toda a pretensão

de domínio sobre as áreas de ilhas costeiras que sejam sede de

municípios, excluindo-se desta regra apenas (i) as áreas afetadas ao

serviço público, (ii) as unidades ambientais federais e (iii) os terrenos de

marinha e seus acrescidos.

Não obstante essa conclusão, a União, ao se

manifestar sobre o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, ofereceu

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

35

resistência com suporte no seguinte raciocínio: “devido ao princípio da

irretroatividade da lei, do direito adquirido e legalidade administrativa,

deve-se, forçosamente, concluir que a União, quando ao tempo da

legislação constitucional pretérita, procedeu regularmente o registro

da sua propriedade no cartório de imóveis, adquirindo o direito

definitivamente” , permanecendo esta situação nos dias atuais.

E mais, sob a forma de surpreendente

advertência, enfatizou: “deve-se alertar que o fato de a União não ser

mais a detentora do domínio das ilhas costeiras (excetuadas as áreas

que permanecem no seu domínio), não os torna atuais “proprietários”

das áreas que não estão oneradas pela dominialidade da União no

registro imobiliário, pois sobressai a aplicação do inciso IV do Art. 26,

também da Constituição de 1988, através do qual considera estaduais

as terras devolutas (que não tenham a sua origem no desmembramento

do patrimônio público)”.

Estes raciocínios, sobremodo o primeiro,

mostram-se desassistidos de amparo lógico e jurídico, seja pelo fato de

não ter havido registro – no sentido imobiliário preconizado pela Lei

6.015/73 (172 e segs.) – dos imóveis situados na Ilha de Upaon-Açu,

pois que praticamente todo o Município de São Luís fora reputado como

sendo presumidamente patrimônio da União por tratar-se de ilha

costeira, seja pelo fato de os títulos apresentados pela União decorrerem

também da presunção de as terras de São Luís, por sua condição de ilha

costeira, integrarem o seu patrimônio.

Ou seja, todo o encadeamento dominial

invocado pela União em relação às terras do Município de São Luís

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

36

repousa na frágil sustentação da presunção, que teria surgido com a

Constituição Federal de 1988.

No que diz respeito ao aspecto da existência

de títulos, que amparariam o domínio da União, a Gleba Rio-Anil, que

se encontra encravada no Município de São Luís – e sobre a qual estão

assentados os bairros mais densamente povoados da Capital do Estado

do Maranhão –, oferece contornos jurídicos especiais, que não podem

ser ignorados neste instante derradeiro do processo.

De efeito, o Serviço do Patrimônio da União,

através do Decreto 66.227/70, recebeu autorização para ceder

gratuitamente, sob regime de aforamento, ao Estado do Maranhão e

independentemente das formalidades do DL 9.760, de 5 de setembro de

1946, os terrenos que constituem as áreas denominadas Itaqui-Bacanga

e Rio-Anil, que seriam destinados à execução do plano de

desenvolvimento urbanístico da área metropolitana, deixando

registrado que o Estado do Maranhão ficaria isento do pagamento do

foro, enquanto o imóvel integrasse o seu patrimônio, e de laudêmio, nas

transferências que viesse a promover.

Em outro momento, o Estado do Maranhão,

através do Decreto 71.206, de 5 de outubro de 1972, transferiu o

domínio útil da Gleba Rio-Anil para a SURCAP – Sociedade de

Melhoramentos e Urbanização da Capital S/A, que celebrou com a

União contrato de cessão, sob regime de aforamento, envolvendo o

referido terreno, dando-lhe destinação específica: “execução do plano

de desenvolvimento urbanístico”. Nessa mesma ocasião, a outorgada

cessionária obteve autorização para alienar o domínio útil do terreno

cedido, “no todo ou em parte, bem como frações ideais do mesmo

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

37

domínio útil do terreno, com a finalidade de obter recursos para a

execução dos objetivos da cessão, inclusive para a construção de

edificações”.

Em face desses apontamentos, que possuem

enorme valor histórico para São Luís do Maranhão, o Autor arrola as

seguintes conclusões, que desde logo ficam incorporadas como

fundamentos do presente pronunciamento: (i) a delimitação da Gleba

Rio-Anil não resultou de procedimento demarcatório ou discriminatório;

(ii) o título que a União apresenta como sendo constitutivo de seu

domínio, para efeitos do que estabelece o art. 20, inciso I, da

Constituição Federal, é apenas o Contrato de Cessão que celebrara com

a SURCAP; (iii) este Contrato fora celebrado sob a presunção de que,

estando a Gleba Rio-Anil situada em ilha costeira, integraria, ipso facto,

o patrimônio da União; (iv) segundo a jurisprudência do STF, sob o

regime da Constituição de 1967/1969, as ilhas costeiras não podiam ser

consideradas, tout court, bens da União; (v) era interesse do Estado do

Maranhão e do Município de São Luís urbanizar a região, e para esse

fim foi autorizada a transferência da Gleba Rio-Anil para a SURCAP;

(vi) o regime jurídico imobiliário adotado na transferência foi o

enfitêutico, com a isenção, para o Estado do Maranhão e para a

SURCAP, do pagamento do foro, enquanto o imóvel integrasse os

respectivos patrimônios, bem como de laudêmio nas transferências

efetuadas a terceiros; (vii) no curso das décadas de 1970 e 1980 foram

implantados planos de desenvolvimento de projetos de urbanização na

referida área, sem que fossem adotadas, em muitos casos, providências

para esclarecer aos adquirentes que os imóveis estavam, mesmo por

suposição, em área do domínio da União, bem como formalizar o

regime enfitêutico nas transferências de lotes realizadas aos particulares;

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

38

(viii ) o SPU somente tomou a iniciativa de inscrever, como bens da

União, os imóveis inseridos na “Gleba Rio-Anil”, no ano de 1994,

fazendo-o, contudo, sem observar o devido processo legal; (ix) as

transferências de lotes aos particulares de boa-fé, ocorridas antes da

Constituição de 1988, assegurou-lhes ao menos o domínio direto sobre

os imóveis adquiridos; (x) antes da Constituição de 1988, as ilhas

costeiras não se presumiam integrantes do domínio da União,

constituindo – no máximo - terras devolutas do Estado, dos Municípios

ou bens de propriedade privada; (xi) após a Constituição de 1988, as

ilhas costeiras efetivamente passaram ao domínio da União, ressalvadas

as áreas pertencentes aos Estados, Municípios (STF, RE 217.013-RN) e

particulares; e (xiii) a presunção instituída pela Constituição de 1988

indicava que caberia à União realizar procedimento discriminatório

de suas terras, o que não foi efetivado.

Nesse contexto, a tese da União mostra-se

destoante dos parâmetros mais comezinhos da hermenêutica, pois a EC

46/2005 teve o evidente propósito de afastar definitivamente qualquer

pretensão dominial da União sobre toda a área de ilha costeira em que

instalada sede de município, mostrando-se patrimonialista a

interpretação que recomenda a continuidade da cobrança das taxas de

ocupação e foros.

Em outras palavras, a União não pode mais

ostentar qualquer pretensão de domínio sobre as áreas interiores das

ilhas costeiras sede de municípios, ressalvadas as hipóteses de (i) áreas

afetadas ao serviço público federal, (ii) áreas onde encravadas unidades

ambientais federais e (iii) terrenos de marinha e seus acrescidos, razão

pela qual – e por definitivo – “saíram do domínio da União todas as

terras que formam a Ilha de Upaon-Açu, onde situados os Municípios

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

39

de São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa”, valendo

esta conclusão inclusive para as áreas que, “não constituindo bens de

uso especial, encontram-se registradas como de domínio da União,

inclusive nos casos em que regularmente instituído o regime foreiro”.

Esta conclusão leva em consideração a

notável relevância da norma constitucional, pois que sua interpretação

submete-se a princípios próprios, que não podem ignorar sua grandeza

ou supremacia perante o ordenamento jurídico, afastando-se, por esse

viés, dos critérios comuns de hermenêutica.

Assim, dentre os princípios de interpretação

especificamente constitucional, e por ajustável à espécie, encontra-se o

princípio da efetividade, através do qual o intérprete deve buscar os

meios práticos necessários para assegurar a eficácia plena da norma

jurídica constitucional, extraindo de suas entranhas todas as garantias

reais em prol dos cidadãos e dos seus direitos fundamentais.

Nesse contexto, o Poder Judiciário não pode

esquivar-se da sua função de guardião dos direitos e das garantias

assegurados pela Constituição Federal, mas, ao revés, deve proclamar

sua independência, pois que esta serve de anteparo para que a

Administração, por exemplo, não seja beneficiada pela sua incúria ou

prepotência.

Sobre esse último aspecto, as palavras do

Prof. Luís Roberto Barroso ganham um relevo especial:

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

40

“Um dos pontos capitais

relativamente ao princípio da

efetividade é a necessidade de o

Poder Judiciário se libertar de

certas noções arraigadas e

assumir, dentro dos limites do

que seja legítimo e razoável, um

papel mais ativo em relação à

concretização das normas

constitucionais. Para tanto,

precisa superar uma das

patologias crônicas da

hermenêutica constitucional no

Brasil: a interpretação

retrospectiva, pela qual se

procura interpretar o texto novo

de maneira a que ele não inove

nada, mas, ao revés, fique tão

parecido quanto possível com o

antigo” (Interpretação e

Aplicação da Constituição, São

Paulo: Editora Saraiva, 1996, p.

229).

Assim, e seguindo a linha de raciocínio do

ilustre Procurador da República Sergei Medeiros Araújo, impõe-se

reiterar “que a presunção de que todas as áreas interiores das ilhas

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

41

continentais integravam o domínio da União não encontra

fundamento nos Textos Constitucionais que se sucederam entre 1891

e 1969, dominialidade essa que somente foi admitida – mesmo assim

com inúmeras ressalvas -, na CF/88, em sua redação original” ,

conforme evidenciado anteriormente, de sorte que “a cessão de terras

feita pela União ao Estado do Maranhão e, posteriormente, ao

Município de São Luís (via SURCAP), constituiu-se de forma

irregular, mesmo realizada sob os auspícios de decretos presidenciais

e registradas em cartório (= gleba “Rio Anil”), ante a inexistência de

suporte constitucional legitimador dos referidos atos”.

Processo n. 2007.37.00.007431-5

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Autores : UNIÃO DOS MORADORES PROTEÇÃO DE JESUS DO

CAJUEIRO E OUTROS

Ré : UNIÃO

1. DA PRELIMINAR.

1.1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

ASSOCIAÇÃO. DEFESA DO

INTERESSE COLETIVO OU DIFUSO.

OBJETIVOS PRETENDIDOS X

INTERESSES TUTELADOS NA AÇÃO

CIVIL PÚBLICA.

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

42

- Não obstante os novos parâmetros de

exegese oferecidos pelo Superior Tribunal

de Justiça, que privilegiam a legitimidade

das associações para a propositura de

ação civil pública quando os seus

objetivos – descritos nos seus estatutos –

não se mostram expressamente inseridos

nos interesses que permeiam o objeto da

ação (REsp. 31.150-SP, 2ª Turma, rel.

Min. Ari Pargendler, DJ 10/6/1996), não

se pode olvidar que a legitimidade deve

ser aferida sob o enfoque da pertinência

objetiva ou finalística, exigindo-se

comprovação de que os seus associados

efetivamente estejam suportando os danos

decorrentes do ato impugnado

judicialmente.

Merece guarida a preliminar suscitada pela

Ré, eis que a presente ação civil pública, que busca o reconhecimento de

que os foreiros ou ocupantes de imóveis que teriam sido excluídos do

patrimônio da União – por decorrência da EC 46/2005 – não seriam

devedores de foros, taxas de ocupação ou laudêmios, somente poderia

ser instaurada por associação que comprovadamente demonstrasse que

os seus associados estivessem suportando aqueles gravames

administrativos.

De efeito, embora seja certo que as

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

43

associações possuem legitimidade para a instauração de ação civil

pública (LAC 5º I e II § 4º; CDC 82 IV), não se mostra razoável que

essa legitimidade seja consagrada sem que exista um prévio

envolvimento objetivo ou finalístico da associação com o interesse a ser

tutelado na ação.

No caso vertente, a par de as Autoras não

comprovarem – através dos seus respectivos estatutos – o interesse (=

utilidade) dos seus associados no desfecho de demanda que pretende

afastar a cobrança de foros, taxas de ocupação ou laudêmios, o que

poderia ser mitigado pela leitura da cláusula que consagra, dentre os

objetivos das respectivas associações, a promoção do amparo social da

coletividade (fl. 20), não foram produzidos quaisquer documentos ou

registros de que essas cobranças estejam sendo realizadas em desfavor

de membros das associações.

Assim, à míngua de demonstração da

pertinência objetiva ou finalística, que decorre do confronto entre o

objetivo da associação e o interesse a ser tutelado na ação, impõe-se a

extinção anômala do processo.

Por outro lado, convém registrar, a pretensão

contida na presente ação – que não pôde ser acolhida por questão

estritamente processual – restará assegurada pelo desfecho da ação civil

pública encartada no Processo n. 2007.7491-1

Processo n. 2006.37.00.000290-4

AÇÃO POPULAR

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

44

Autores : JOSÉ MAX PEREIRA BARROS

Réus : UNIÃO E OUTRO

1. DAS PRELIMINARES.

1.1. AÇÃO POPULAR. INTERVENÇÃO

DO ESTADO DO MARANHÃO. ATOS,

REPUTADOS LESIVOS, PRATICADOS

EXCLUSIVAMENTE PELA UNIÃO.

- Não tendo o Estado do Maranhão

praticado, autorizado, ratificado ou sido

beneficiário dos atos administrativos que

possibilitaram a cobrança, por parte da

União, de foros, taxas de ocupação ou

laudêmios dos imóveis situados na Ilha

de Upaon-Açu, e sendo este o objeto da

ação popular examinada, sua

legitimidade para figurar no pólo passivo

da ação fica drasticamente

comprometida.

Merece guarida a preliminar suscitada pelo

Estado do Maranhão, eis que a ação popular tem por objeto o ato

ilegal e lesivo ao patrimônio público (CF 5º LXXIII – LAP 1º caput),

de sorte que somente as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, que

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

45

tenham autorizado, aprovado, ratificado, praticado ou se beneficiado

do ato impugnado (LAP 6º), inclusive sob forma omissiva, poderão

compor o pólo passivo da ação.

À espécie, os atos administrativos

impugnados, que possibilitaram – ou possibilitam – a cobrança de

foros, taxas de ocupação ou laudêmios dos imóveis situados na Ilha de

Upaon-Açu, não se encontram inseridos no rol das atividades

administrativas do Estado do Maranhão, mas no âmbito das

atribuições da União – por intermédio da Delegacia no Maranhão do

Serviço do Patrimônio da União –, de sorte que o Estado do

Maranhão, por não haver autorizado, aprovado, ratificado ou efetuado

a cobrança desses valores, e não sendo, também, beneficiário – sob a

forma de repasse, por exemplo – dos valores arrecadados, não dispõe

de aptidão para figurar no pólo passivo da ação popular.

1.2. AÇÃO POPULAR. ATO LESIVO AO

PATRIMÔNIO PÚBLICO. COBRANÇA

DE FOROS, TAXAS DE OCUPAÇÃO

OU LAUDÊMIOS DOS IMÓVEIS

SITUADOS NA ILHA DE UPAON-AÇU

APÓS O ADVENTO DA EC 46/05.

EXEGESE TELEOLÓGICA DA CF 5º

LXXIII.

- Sendo a causa da ação popular um ato

administrativo abertamente contrastante

com a norma constitucional, e que possua

um denso viés econômico-financeiro, sua

idoneidade decorre da defesa do

postulado da moralidade administrativa,

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

46

pois este envolve os chamados princípios

da lealdade e boa-fé, que impõem à

Administração o dever de proceder “em

relação aos administrados com

sinceridade e lhaneza, sendo-lhe

interdito qualquer comportamento

astucioso, eivado de malícia, produzido

de maneira a confundir, dificultar ou

minimizar o exercício de direitos por

parte dos cidadãos” (Celso Antônio

Bandeira de Mello, Curso de Direito

Administrativo, 20ª ed., São Paulo:

Malheiros Editores, 2006, p. 107).

Não merece trânsito a preliminar suscitada

pela União, eis que o objeto da ação popular restou ampliado

formidavelmente ante o advento da Constituição Federal de 1988,

passando a alcançar – e assim ampliando o seu espectro – os atos lesivos

à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico

e cultural (CF 5º LXXIII).

Assim, sendo a moralidade administrativa

patrimônio imaterial do Estado, a sua defesa pode ser feita por

intermédio da ação popular, sob pena de o seu alcance ficar reduzido.

Em outras palavras, o cidadão tem a

prerrogativa de exigir da Administração um comportamento que

respeite os mandamentos da lealdade e da boa-fé, que se encartam, por

assim dizer, no princípio da moralidade administrativa (CF 37 caput).

Por isso, a ação popular se apresenta como precioso instrumento de

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

47

fiscalização dos atos emanados do Poder Público, devendo o Poder

Judiciário compreendê-la em sua dimensão finalística, evitando, assim,

restringir ou amesquinhar sua vocação – ampliada, com a Constituição

de 1988 – de guardiã da desconstituição dos atos lesivos ao patrimônio

público.

No caso vertente, a Administração, ao insistir

na cobrança de foros, taxas de ocupação ou laudêmios dos imóveis

situados na Ilha de Upaon-Açu, mesmo após a edição da EC 46/05, fez

menoscabo do princípio da moralidade administrativa, confundindo,

dificultando ou minimizando o exercício de direitos fundamentais dos

cidadãos. Estes procedimentos, na linha do escorreito escólio de Celso

Antônio Bandeira de Mello, agridem o princípio da moralidade

administrativa e torna, por conseqüência, idônea a ação popular

intentada para impugná-los.

Ultrapassadas as questões preliminares

aduzidas pela Ré, e doravante cuidando da questão de mérito

propriamente dita, tenho que os argumentos apresentados ao tempo do

julgamento da ação civil pública promovida pelo Ministério Público

Federal contra a União – Processo n. 2007.7491-1 – ofereceram

esquadrinhamento adequado para a solução das controvérsias postas na

presente ação popular.

De efeito, a sentença proferida naquele

processo, e que se encontra inserida integralmente no presente instante

processual, por força da aplicação da regra do CPC 105, que recomenda

– melhor dizendo: impõe – a reunião dos processos para julgamento

simultâneo, deixou assentado que a União – por decorrência da EC

46/2005 - não pode mais ostentar qualquer pretensão de domínio sobre

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

48

áreas interiores das ilhas costeiras sede de municípios, ressalvadas as

hipóteses de (i) áreas afetadas federais, (ii) áreas onde encravadas

unidades ambientais federais e (iii) terrenos de marinha e seus

acrescidos.

E mais: a sentença, acolhendo integralmente

os pedidos formulados pelo Ministério Público Federal, reconheceu que

“saíram do domínio da União todas as terras que formam a Ilha de

Upaon-Açu, onde situados os Municípios de São Luís, São José de

Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa”, valendo esta conclusão inclusive

para as áreas que, “não constituindo bens de uso especial, encontram-se

registradas como de domínio da União, inclusive nos casos em que

regularmente instituído o regime foreiro”.

Assim, mostra-se razoável, e mesmo

recomendável sob perspectiva instrumental – ou pragmática – invocar

os fundamentos que possibilitaram esse pronunciamento, sem que seja

necessário transcrevê-los, remanescendo apenas, como forma velar pelo

princípio da demanda (CPC 128), o exame das questões específicas, isto

é, daquelas que tenham sido tratadas apenas na ação popular ora

examinada.

Nessa perspectiva, se apresentam como temas

específicos as teses do (i) direito adquirido e da irretroatividade da lei,

através das quais a União sustenta que os imóveis registrados em seu

nome ao tempo da vigência da legislação anterior, isto é, antes da EC

46/2005, encontrar-se-iam definitivamente incorporados ao seu

patrimônio, sendo, por conseqüência, devidas as cobranças da taxa de

foro e do laudêmio daqueles que estejam vinculados ao regime da

enfiteuse administrativa, e, não sendo esta a hipótese, (ii) da

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

49

impossibilidade de realização do registro das áreas que pertenciam ao

seu patrimônio, mas que foram registrados em nome de particulares sem

qualquer ressalva à nua-propriedade da União, pelo fato de não subsistir

a causa legal para a aquisição definitiva do direito de propriedade.

Agregando-se a essas teses específicas, far-se-

á necessário o exame dos pedidos formulados na ação popular e no

pedido de habilitação de litisconsorte, quais sejam, respectivamente, (i)

declaração de nulidade do Parecer Normativo MP/CONJUR/JCJ/N.

0486.5.9/2005, (ii) condenação da União a ressarcir os valores cobrados

a título de foro e taxa de ocupação dos moradores dos Municípios de

São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa, (iii)

compelir o Estado do Maranhão a cadastrar os imóveis que, após a EC

46/2005, teriam sido incorporados ao seu acervo patrimonial, e (i)

condenar a União a se abster de realizar cobrança do laudêmio

incidente sobre as transferências de imóveis situados na Ilha de São

Luís.

2. DAS QUESTÕES DE MÉRITO.

2.1. DIREITO ADQUIRIDO.

PRINCÍPIO DA INTANGIBILIDADE

DAS SITUAÇÕES DEFINITIVAMENTE

CONSOLIDADAS. LICC 6º. CF 5º

XXXVI. IRRETROATIVIDADE DA LEI.

PRINCÍPIO DA SEGURANÇA

JURÍDICA.

- Segundo CF 5º XXXVI, “a lei não

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

50

prejudicará o direito adquirido, o ato

jurídico perfeito e a coisa julgada”.

(Grifamos).

- Esta regra tem por objetivo assegurar o

valor da segurança jurídica,

“especialmente no que tange à

estabilidade dos direitos subjetivos” (José

Afonso da Silva, Comentário Contextual

à Constituição, 4ª ed., São Paulo:

Malheiros Editores, 2007, p. 133).

- Inexiste, todavia, direito adquirido

contra Constituição, mas direito

adquirido com a Constituição e em

razão dela.

Segundo a LICC, “consideram-se adquiridos

assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer,

como aqueles cujo começo do exercício tenha seu termo prefixo, ou

condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem” (LICC 6º §

2º).

Embora a doutrina não tenha fixados os

contornos definitivos do conceito de direito adquirido, a sua

compreensão, conforme o bom roteiro produzido por Miguel Reale, e

bem aproveitado por José Afonso da Silva, pode ser feita a partir do

conceito de direito subjetivo, pois que este se mostra essencial para a

revelação daquele.

Assim, tendo em consideração que o direito

subjetivo “é um direito exercitável segundo a vontade do titular e

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

51

exigível na via jurisdicional quando seu exercício é obstado pelo sujeito

obrigado à prestação correspondente”, não sendo viabilizado o seu

exercício, e surgindo lei nova que dê novo disciplinamento ao tema, dar-

se-á sua transformação em direito adquirido.

Ou seja, “o direito subjetivo vira direito

quando a lei nova vem alterar as bases normativas sob as quais foi

constituído. Se não era direito subjetivo antes da lei nova, mas interesse

jurídico simples, mera expectativa de direito ou, mesmo, interesse

legítimo, não se transforma em direito adquirido sob o regime da lei

nova, que, por isso mesmo, corta tais situações jurídicas subjetivas no

seu iter, porque sobre elas a lei nova tem aplicabilidade imediata,

incide” (José Afonso da Silva, op. cit., p. 134).

Sob esse enfoque, a lei nova realmente não se

aplica a situação subjetiva constituída sob o império da lei anterior, o

que poderia amparar a tese exposta pela União.

Sucede, todavia, que o tema do direito

adquirido – e, por conseqüência, da irretroatividade da lei nova – se

apresenta no caso ora examinado sob roupagem peculiar, que não pode

ser confundida e generalizada.

De efeito, a discussão gravita em torno da

edição da EC 46/2005, que, conforme assentado anteriormente,

promoveu o desaparecimento do domínio da União sobre as áreas

interiores das ilhas costeiras sede de municípios, e não sobre o advento

de norma infraconstitucional.

Em casos assim, prepondera velha afirmação

do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual inexiste direito adquirido

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

52

contra Constituição (RTJ 99/890), mas direito adquirido com a

Constituição e em razão dela.

Ou seja, com o advento da EC 46/2005, os

moradores das áreas interiores das ilhas costeiras sede de municípios

não poderão ser compelidos, salvo certas exceções, a pagar foros, taxas

de ocupação ou laudêmios, sendo estes direitos adquiridos – porque

incorporados aos patrimônios dos referidos moradores – com a norma

constitucional, pois depois da incidência desta o direito subjetivo

transformou-se em direito adquirido.

Entender diversamente implicará na subversão

dos princípios fundamentais da certeza e segurança da ordem jurídica,

que encontram na Constituição o seu suporte definitivo.

2.2. REGISTRO DE IMÓVEIS. ÁREAS

QUE PERTENCIAM AO PATRIMÔNIO

DA UNIÃO, MAS QUE FORAM

REGISTRADAS EM NOME DE

PARTICULARES, SEM QUE TENHA

SIDO LANÇADA QUALQUER

RESSALVA DA OCORRÊNCIA DO

FENÔMENO DA NUA-PROPRIEDADE.

- Com a EC 46/2005, a União ficou

desfalcada do domínio sobre as áreas

interiores das ilhas costeiras sede de

municípios, de sorte que nenhum

registro em seu nome, excetuadas as

áreas afetadas ao serviço público, as

unidades ambientais federais e os

terrenos de marinha e seus acrescidos,

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

53

pode validamente subsistir.

Nos moldes do que ficou assentado

anteriormente, e assim diante da proclamação da inexistência de direito

adquirido em favor da União sobre as áreas interiores das ilhas costeiras

sede de municípios, evidente a impossibilidade – e nesse ponto a União

tem razão, ainda que a conclusão seja decorrente de premissa

equivocada – de realização do registro das áreas que pertenciam ao seu

patrimônio, mas que foram registrados em nome de particulares sem

qualquer ressalva ao fenômeno da nua-propriedade, pelo fato de não

subsistir a causa legal para a aquisição definitiva do direito de

propriedade.

É que, reitere-se, a União, ante o advento da

EC 46/2005, perdeu toda a pretensão de domínio sobre as áreas de

ilhas costeiras sede de municípios, de sorte que nenhum registro em

seu nome, excluídas as áreas afetadas ao serviço público, as unidades

ambientais federais e os terrenos de marinha e seus acrescidos, pode

validamente subsistir.

Em outro plano, e por conseqüência do

raciocínio anteriormente exposto, as dívidas decorrentes das taxas de

foro, ocupação ou laudêmios, que sejam anteriores à EC 46/2005, não

podem ser afastadas, pois nesse caso prepondera o direito adquirido,

que revela a existência prévia do direito subjetivo da União de buscar

os créditos que nasceram com base em hipótese constitucional de

incidência.

3. DOS PEDIDOS.

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

54

3.1. PARECER NORMATIVO

MP/CONJUR/JCJ N. 0486 – 5.9.9/2005.

LC 73/93 (4º X). ESCLARECIMENTOS

SOBRE OS EFEITOS GERAIS

DECORRENTES DA PUBLICAÇÃO DA

EMENDA CONSTITUCIONAL N.

46/2005.

- Reportando-se ao Parecer

MP/CONJUR/JCJ n. 0486 – 5.9.9/2005, a

Secretaria do Patrimônio da União, por

sua Gerência Regional no Maranhão,

proclamou a legalidade da cobrança de

foros, taxas de ocupação de terrenos

interiores situados na ilha de São Luís,

“em glebas tituladas em nome da União”.

- Por tratar-se de parecer normativo, que

possui força vinculante em relação a

todos os órgãos hierarquizados à

autoridade que o aprovou, o Poder

Judiciário dispõe de autoridade para

anulá-lo, desde que preservada a

garantia do devido processo legal.

Com suporte na LC 73, de 10 de fevereiro de

1993, que institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, a

Coordenação-Geral Jurídica de Patrimônio da União editou o Parecer

MP/CONJUR/JCJ/N. 0486 – 5.9.9/2005, através do qual ficaram

assentadas as seguintes recomendações: “... a cobrança de taxas de

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

55

ocupação sob áreas consideradas sede de municípios, ou seja, as áreas

urbanas, deve ficar restrita às hipóteses em que os imóveis permanecem

no domínio da União, quais sejam: os terrenos afetados ao serviço

públicos, as unidades ambientais federais, os terrenos devidamente

incorporados ao domínio da União pelo registro público na forma da

legislação vigente e os terrenos de marinha e seus acrescidos” (fls.

32/40).

Por decorrência desse pronunciamento, a

Secretaria do Patrimônio da União, por sua Gerência Regional no

Maranhão, informou ao Autor – Deputado Max Barros – que

permanecera a cobrança de foros e taxas de ocupação de terrenos

interiores situados na ilha de São Luís, “em glebas tituladas em nome

da União” (fl. 41).

Em primeira perspectiva, impõe-se reconhecer

a idoneidade do Parecer produzido pela Advocacia-Geral, eis que

editado nos limites da LC 73/93 (4º X) e dotado de aptidão normativa,

ou seja, se mostra capaz (= presunção de legitimidade) de impor suas

conclusões aos órgãos subordinados ao Ministério do Planejamento,

dentre os quais – e por relevante – a Secretaria de Patrimônio da União.

Nessa perspectiva, as palavras de Hely Lopes

Meirelles, ao cuidar dos chamados atos enunciativos, mostram-se

perfeitamente cabíveis ao caso ora examinado:

“ Parecer normativo: é aquele que,

ao ser aprovado pela autoridade

competente, é convertido em norma

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

56

de procedimento interno, tornando-

se impositivo e vinculante para

todos os órgãos hierarquizados à

autoridade que o aprovou. Tal

parecer, para o caso que o

propiciou, é ato individual e

concreto; para os casos futuros, é

ato geral e normativo” (Direito

Administrativo Brasileiro, 26ª ed.,

São Paulo: Malheiros Editores,

2001, p. 185).

Sob esse enfoque, o Parecer

MP/CONJUR/JCJ/N. 0486 – 5.9.9/2005, porque incompatível com a

melhor exegese da EC 46/2005, conforme assentado reiteradamente

em parágrafos precedentes, não pode permanecer no mundo jurídico,

irradiando seus efeitos sobre os órgãos subordinados ao Ministério do

Planejamento, dentre os quais se apresenta a Secretaria de Patrimônio

da União.

Para extirpá-lo do mundo jurídico, a

anulação é prerrogativa do Poder Judiciário, que não pode esquivar-se

da garantia do direito de ação que o Estado concedeu ao cidadão (CF

5º XXXV).

3.2. AÇÃO POPULAR. CONDENAÇÃO

DA UNIÃO A RESSARCIR OS VALORES

COBRADOS A TÍTULO DE FORO E

TAXA DE OCUPAÇÃO.

- “Os direitos pleiteáveis na ação popular

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

57

são de caráter cívico-administrativo,

tendentes a repor a Administração nos

limites da legalidade e a restaurar o

patrimônio público de desfalque sofrido”

(Hely Lopes Meirelles, Mandado de

Segurança, Ação Popular, Ação Civil

Pública, Mandado de Injunção e “Habeas

Data” , 22ª ed., São Paulo: Malheiros

Editores, 2000, p. 125).

Embora seja certo, conforme assentado

anteriormente, que o cidadão tem a prerrogativa de exigir da

Administração um comportamento que respeite os mandamentos da

lealdade e da boa-fé, que se encartam no princípio da moralidade

administrativa, não se pode ignorar que os direitos pleiteáveis na ação

popular “são de caráter cívico-administrativo, tendentes a repor a

Administração nos limites da legalidade e a restaurar o patrimônio

público de desfalque sofrido” (Hely Lopes Meirelles, Mandado de

Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e

“Habeas Data”,, 22ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 125).

Em outras palavras, mesmo tendo em

consideração o fato de a moralidade administrativa ter sido erigida em

causa autônoma da ação popular, com a ampliação do seu objeto (CF 5º

LXXIII), não se pode olvidar que o fim supremo da ação popular é

desconstituir o ato administrativo lesivo ao patrimônio público,

restaurando-o do desfalque sofrido.

Na hipótese de o ato ter sido lesivo ao

patrimônio moral da Administração, que expressa evidente interesse

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

58

público, e por desdobramento ao patrimônio do cidadão, este

desdobramento, porque lesivo ao patrimônio particular, não pode ser

reparado em sede de ação popular.

De efeito, cuidando-se de direitos individuais

homogêneos, que tenham sido molestados por ato administrativo

impregnado de ofensa ao princípio da moralidade administrativa, sua

reparação somente pode ser feita por ação autônoma, a ser exercitada

pelos seus próprios titulares, pois deve preponderar a máxima segundo a

qual, salvo exceção legal, ninguém poderá pleitear, em nome próprio,

direito alheio.

Em remate, o ressarcimento ao patrimônio

particular deve ser buscado em ação própria, e não em sede de ação

popular, mesmo reconhecida a ilegalidade do ato administrativo que

ceifou direitos individuais homogêneos.

3.3. EC 46/2005. EXCLUSÃO DO

DOMÍNIO DA UNIÃO SOBRE AS

ÁREAS INTERIORES DAS ILHAS

COSTEIRAS SEDE DE MUNICÍPIOS.

TERRAS DEVOLUTAS. PATRIMÔNIO

DO ESTADO-MEMBRO. CF 26 IV. NÃO

CARACTERIZAÇÃO: A INTENÇÃO DO

LEGISLADOR CONSTITUINTE NÃO

FOI SIMPLESMENTE DESLOCAR O

DOMÍNIO DA UNIÃO PARA OS

ESTADOS-MEMBROS, MAS CESSAR

DEFINITIVAMENTE O DOMÍNIO

DAQUELA E TRANSFERI-LO PARA O

PARTICULAR. OCORRÊNCIA DO

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

59

FENÔMENO DA RENÚNCIA.

- Segundo a Constituição Federal de 1988,

que manteve basicamente a regra da

Constituição de 1891, pertencem aos

Estados as terras devolutas situadas nos

seus respectivos territórios, cabendo à

União somente a porção de território que

seja indispensável para a defesa das

fronteiras, edificações e construções

militares, das vias federais de

comunicação e à preservação ambiental,

definidas em lei (CF 26 IV c/c 20 II).

- Estas regras, todavia, não se aplicam

quando a norma constitucional,

modificando radicalmente uma situação

histórico-jurídica, afasta completamente o

domínio da União sobre áreas de ilhas

costeiras que contenham sede de

municípios, pois o seu propósito não foi

deslocar o domínio da União para os

Estados-Membros, mas, por imperativo

de ordem social, assegurar ao particular

o domínio sobre os imóveis sob sua posse.

Com o advento da EC 46/2005, a União,

renunciando ao seu domínio sobre as áreas interiores das ilhas costeiras

sede de municípios, ficou definitivamente impedida de expressar

qualquer pretensão de domínio sobre essas áreas, ressalvadas as

hipóteses de áreas afetadas ao serviço público federal, áreas onde

encravadas unidades ambientais federais e terrenos de marinha seus

acrescidos.

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

60

Assim, diante dessa modificação histórico-

jurídica, através da qual o Estado Democrático de Direito persegue sua

consolidação (CF 1º II e III), mostra-se destoante da dimensão

teleológica da norma constitucional a transferência do domínio da União

para os Estados-Membros, pois estes são titulares apenas das terras

devolutas que não estejam compreendidas entre as da União, e não das

terras que, tendo integrado o patrimônio da União, desgarraram-se por

determinação constitucional para compor o patrimônio particular, como

forma de possibilitar os valores supremos da cidadania e da dignidade

da pessoa humana.

Sob outro enfoque, as terras devolutas

caracterizam-se fundamentalmente por serem terras desocupadas, sem

dono, que nunca tenham sido possuídas. Nesse sentido, a definição

oferecida pela Lei 9.760, de 5 de setembro de 1946:

“Art. 5º - São terras devolutas, na

faixa de fronteiras, nos Territórios

Federais e no Distrito Federal, as

terras que, não sendo próprias nem

aplicadas a algum uso público

federal, estadual, territorial ou

municipal, não se incorporaram ao

domínio privado:

....”.

Nessa perspectiva, as terras que integraram o

patrimônio da União, e que se desgarraram desse patrimônio por força

de norma constitucional – a única com aptidão jurídica para promover

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

61

esse evento –, não podem ser transferidas para o patrimônio dos

Estados-Membros, pois isso implicaria grave ofensa ao princípio da

segurança jurídica, mutilando, por conseqüência, a dimensão finalística

da norma que veiculou a renúncia ao direito de propriedade.

Assim, este fenômeno especial deve ser

compatibilizado com as regras do Código Civil acerca da aquisição do

domínio de bens imóveis, de sorte que os registros anteriormente

existentes, por terem perdido a validade diante da renúncia da União,

sofrerão alterações sob a forma de averbações, ou seja, dar-se-á o

lançamento desse fenômeno – edição da EC 46/2005; pronunciamento

judicial que reconheceu sua incidência sobre os imóveis situados na Ilha

de Upaon-Açu –, que possui aptidão para alterar o domínio, afetando o

registro correspondente.

Ou seja, aplica-se a regra do CC 1.245, que

consagra a transferência da propriedade mediante o registro do título

translativo no Registro de Imóveis, observando-se o procedimento da

Lei 6.015/73 (167 e segs.).

Por outro lado, na hipótese de o imóvel não se

encontrar registrado em nome da União, e assim expressamente

incorporado ao seu patrimônio, mas sendo beneficiado pela EC 46/2005,

far-se-á o registro na forma da legislação civil vigente, pois o que deve

preponderar é o fenômeno da aquisição – por parte do particular – do

domínio, ante a renúncia do proprietário anterior.

Em remate, mostrar-se-ia teratológico a

transferência do domínio da União – sobre as áreas interiores das ilhas

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

62

costeiras sede de municípios – para o Estado-Membro, pois apenas seria

substituído o opressor, perdurando o fenômeno da opressão patrimonial.

Esta, todavia, em prol do interesse social e dos valores supremos da

cidadania, restou extirpada do ordenamento jurídico brasileiro, nos

limites da EC 46/2005.

Assim, evidente a impossibilidade jurídica de

compelir o Estado do Maranhão a cadastrar o que não lhe pertence.

D I S P O S I T I V O S Processo n. 2007.37.00.007491-1

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Autor : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Ré : UNIÃO

ANTE O EXPOSTO, acolho os pedidos

formulados pelo Autor (CPC 269 I) para, confirmando integralmente a

antecipação dos efeitos da tutela anteriormente deferida, (i) anular os

atos de constituição de débito, inscrição na dívida ativa e cobrança de

taxas e/ou foros, bem como o pagamento de laudêmio nas transferências

de domínio, sobre imóveis situados nos Municípios de São Luís, São

José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa, a partir da EC 46/2005, à

exceção dos terrenos de marinha e seus acrescidos; (ii) anular os atos

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

63

de inscrição de inadimplentes de foros, taxas de ocupação e laudêmios,

constituídos a partir da EC 46/2005, no Cadastro Informativo de

Créditos não Quitados do Setor Público Federal – CADIN; (iii) anular

os efeitos da inscrição em massa – proveniente dos Editais de

Convocação n. 01/93, n. 02/94 e n. 03/94, expedidos pela Delegacia no

Maranhão do Serviço do Patrimônio –, como bens da União, das áreas

situadas na Ilha de Upaon-Açu, inclusive daquelas localizadas na

“Gleba Rio-Anil”; (iv) anular as cobranças das taxas de ocupação e

foros sobre os imóveis cadastrados na forma acima, lançadas nos

últimos 5 (cinco) anos; e (v) anular a inscrição de proprietários desses

imóveis no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor

Público Federal – CADIN.

Custas processuais e honorários advocatícios

indevidos (CF/88 128 § 5º II a).

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição

(CPC 475 I).

Encaminhe-se cópia da presente sentença para

o Processo n. 2007.37.00.008169-8, bem ainda para a Assembléia

Legislativa do Estado do Maranhão, Câmaras Municipais, Prefeituras

dos Municípios de São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e

Raposa e para os Cartórios de Notas e de Registros de Imóveis dos

Municípios de São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e

Raposa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

64

Processo n. 2007.37.00.007431-5

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Autores : UNIÃO DOS MORADORES PROTEÇÃO DE JESUS DO

CAJUEIRO E OUTROS

Ré : UNIÃO

ANTE O EXPOSTO, julgo extinto o

processo sem investigar a questão de mérito (CPC 267 VI).

Custas processuais e honorários advocatícios

indevidos (LACP 18).

Processo n. 2006.37.00.000290-4

AÇÃO POPULAR

Autores : JOSÉ MAX PEREIRA BARROS

Réus : UNIÃO E OUTRO

ANTE O EXPOSTO, acolho parcialmente

os pedidos formulados pelo Autor JOSÉ MAX PEREIRA BARROS – e

ratificados pelo Autor RAIMUNDO BENEDITO BRAGA ROCHA -

(CPC 269 I) para (i) anular o Parecer Normativo MP/CONJUR/JCJ/N.

0486 – 5.9.9/2005, editado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento

e Gestão – e aprovado pela Advocacia-Geral da União –; (ii) rejeito o

pedido de condenação da União a restituir os valores que recebera por

decorrência da cobrança de taxas e/ou foros e laudêmio, oriundo das

PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO 5ª VARA

José Carlos do Vale Madeira Juiz Federal

65

transferências de domínio, sobre imóveis situados nos Municípios de

São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa; (iii) rejeito o

pedido de condenação do Estado do Maranhão ao recadastramento das

áreas situadas na Ilha de Upaon-Açu que, até o advento da EC 46/2005,

integravam o patrimônio da União.

Em relação ao Autor RAIMUNDO

BENEDITO BRAGA ROCHA, condeno a União a se abster de realizar

a cobrança do laudêmio incidente sobre as transferências de imóveis

situados na Ilha de Upaon-Açu.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

São Luís, de outubro de 2008.

JOSÉ CARLOS DO VALE MADEIRA

Juiz Federal

W:\GABJU\Assessoria\SENTENÇAS\Ação Civil Pública\ACP. taxa de ocupação. ações conexas.doc