Poluição sonora - Perda auditiva - Exposição a ruídos - Acidente pessoal - STJ

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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 280.253 - SP (2000/0099440-5) RELATOR : MINISTRO BARROS MONTEIRORECORRENTE : SERVINO ROQUE ROBERT ADVOGADO : JOSÉ WIAZOWSKI RECORRIDO : VOLKSWAGEM PREVIDÊNCIA PRIVADA ADVOGADO : JOSÉ EDUARDO RANGEL DE ALCKMIN E OUTROSINTERES. : BANCO BRADESCO S/A ADVOGADO : ANDRE CASTELLO BRANCO COLOTTO E OUTROS

EMENTAPREVIDÊNCIA PRIVADA. PLANO DE PECÚLIO. PERDA AUDITIVA

DECORRENTE DA EXPOSIÇÃO EXCESSIVA A RUÍDOS. MICROTRAUMAS. INDENIZAÇÃO CABÍVEL.

– Os microtraumas sofridos por operário, quando exposto a ruídos excessivos, incluem-se no conceito de acidente pessoal definido no contrato de seguro. Precedentes.

Recurso especial conhecido e parcialmente provido. ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,

conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e Jorge Scartezzini.

Brasília, 9 de novembro de 2004 (data do julgamento).

MINISTRO BARROS MONTEIRO Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 280.253 - SP (2000/0099440-5)

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO:

Servino Roque Robert ajuizou ação ordinária contra “Bradesco Seguros

S/A” e “Autolatina Previdência Privada”, sucedida pela “Volksvagem Previdência

Privada”, objetivando haver indenização decorrente de contrato de seguro de vida em

grupo e acidentes pessoais, sob a alegação de que, em face das condições agressivas de

trabalho, contraiu diversas enfermidades incapacitantes: dores na coluna e nas pernas;

perda da audição e da acuidade visual; síndrome neuropsíquica, varizes e sinusite.

O MM. Juiz de 1º grau julgou improcedente a ação (fls. 608/611 e

688/689).

O Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, por unanimidade,

reconheceu a prescrição ânua em relação à “Bradesco Seguros S/A” e, no mérito,

negou provimento ao apelo do autor. Os fundamentos do Acórdão resumem-se na

seguinte ementa:

"PROCESSUAL – AGRAVO RETIDO – SEGURO DE VIDA – RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO ÂNUA DO DIREITO DE AÇÃO. Recurso provido.

PROCESSUAL – AGRAVO RETIDO – Carência da ação por falta de interesse de agir, afastamento. Recurso desprovido.

PROCESSUAL – AGRAVO RETIDO – EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO PARA COLAÇÃO AOS AUTOS DE PRONTUÁRIO MÉDICO – MEIO DE PROVA OBJETO DE ANÁLISE CONJUNTA COM OS DEMAIS EXISTENTES NOS AUTOS. Recurso desprovido.

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – CONTRATO DE SEGURO DE

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VIDA E PLANO DE PECÚLIO – PRESCRIÇÃO RECONHECIDA EM AGRAVO RETIDO COM RELAÇÃO À CÓ-RÉ SEGURADORA, ALÉM DA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DO AUTOR. Recurso desprovido.” (Fl. 788)

Rejeitados os declaratórios, o demandante manifestou este recurso

especial com base nas alíneas “a” e “c” do permissor constitucional, apontando

contrariedade aos arts. 34 e 42, § 9º, da Lei n. 6.435, de 15.7.1977; 5º da LICC; 85 e

1.443 do Código Civil/1916; e 46, 47 e 54, §§ 3º e 4º, do CDC (Lei n. 8.078/90), além

de dissenso interpretativo. Aduziu não ter recebido a cópia do instrumento contratual.

Ademais, sustentou que os microtraumas provocados pela exposição ao ambiente

agressivo de trabalho se enquadram no conceito legal de acidente pessoal e, por isso,

acham-se abrangidos pelo plano de pecúlio.

Oferecidas as contra-razões, o apelo extremo foi admitido na origem.

É o relatório.

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RECURSO ESPECIAL Nº 280.253 - SP (2000/0099440-5)

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator):

1. Não acarreta conseqüências jurídicas no caso a falta de entrega pela ré

ao demandante do inteiro teor do instrumento contratual. De resto, várias das normas

legais invocadas no recurso especial não foram objeto de consideração pelo decisório

recorrido, enquanto que outras não possuem pertinência em relação ao mérito

propriamente do litígio.

2. Dentre as diversas moléstias indicadas pelo recorrente na peça

proemial, o perito encontrou duas que estão a acometê-lo efetivamente: a) a perda

auditiva (disacusia) resultante da exposição a excessivos ruídos existentes no local de

trabalho; b) a doença osteoarticular da coluna vertebral, esta – segundo o perito – de

cunho degenerativo.

O ponto nodal da controvérsia reside em saber se os microtraumas a que

se submeteu o obreiro – notadamente em razão dos ruídos existentes no ambiente

laboral – enquadram-se no conceito legal de acidente pessoal e, como tal, abrangidos

pelo “Plano de Pecúlio” instituído pela ré.

Prima facie, tenho como caracterizado o dissídio de julgados na espécie

ora em exame. Como paradigmas, o autor recorrente carreou dois arestos, um emanado

desta Casa (REsp n. 202.243-SP), outro oriundo do Primeiro Tribunal de Alçada Civil

de São Paulo (Apelação n. 614.319-5, da Comarca de São Paulo), ambos anexados por

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cópias aos autos. No mister de evidenciar a dissidência pretoriana, o recorrente

cumpriu à risca os ditames dos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255, § 2º, do

RISTJ.

É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que os

microtraumas sofridos pelo obreiro se incluem no conceito de acidente pessoal. Nessa

linha de entendimento confira-se o REsp n. 146.984-SP, Relator Ministro Ruy Rosado

Aguiar: “os microtraumas sonoros sofridos durante 22 anos no ambiente de trabalho

com ruído excesso caracterizam o acidente pessoal definido no contrato de seguro,

que deve ser interpretado a favor do aderente .”

O acórdão modelo proveniente deste Tribunal, trazido à colação pelo

recursante, constitui exemplo adequado acerca da diretriz jurisprudencial hoje aqui

dominante, com a nota de que tal precedente diz respeito, por igual, a uma entidade

fechada de previdência privada e, também, à lesão auditiva decorrente de barulho

excessivo no ambiente de trabalho. Apresenta o REsp n. 202.243-SP, com efeito, a

seguinte e expressiva ementa:

“ACIDENTE NO TRABALHO. Microtraumas. Incapacidade auditiva.

Enquadra-se no conceito de acidente no trabalho a lesão auditiva produzida por microtraumas, exposto o operário a ruído contínuo e excessivo.

Recurso conhecido, pela divergência, mas improvido.”

Em outro julgado, proferido outrossim por este órgão fracionário,

idêntica foi a diretriz. Refiro-me ao REsp n. 307.178-SP, Relator Ministro Ruy Rosado

de Aguiar que, em seu douto voto, arrolou outros precedentes: REsp n. 245.469-SP,

em que se reconheceu como indenizável a incapacidade parcial e permanente, como é

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o caso dos autos; REsp's ns. 193.376-SP e 226.350-SP e 237.594-SP, também de sua

relatoria.

Não há, com efeito, distinção entre uma lesão súbita incapacitante e uma

lesão lenta que provoca os mesmos efeitos deletérios à saúde do operário. Para Pontes

de Miranda, citado pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar no REsp 245.469-SP, a

subitaneidade não é da essência do acidente no trabalho.

Perfilhou-se a mesma orientação em aresto datado de setembro de 2001,

no qual figurou como ré a mesma “Volkswagen Previdência Privada” (REsp n.

418.347-SP, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar): a perda de audição decorrente

das condições agressivas do trabalho configura acidente pessoal, dando ensejo ao

pagamento da indenização postulada.

Desassiste, pois, razão à recorrida em suas objeções formuladas, quando

do oferecimento das contra-razões. Impertinentes ao caso mostram-se as regras

insertas nos arts. 202 da Lei Maior e 964 do Código Civil de 1916. Não há falar em

locupletamento indevido, tampouco em hipótese de mera liberalidade, visto que o

trabalhador pagou durante anos a contribuição mensal, descontada em seu

contra-cheque. In casu, inexiste interpretação extensiva indevida, mas sim o escorreito

enquadramento doutrinário de enfermidade no conceito legal de acidente pessoal,

perfeitamente adequado ao contrato de pecúlio firmado com a previdência privada.

Ao contrário do que assevera a ré em suas contra-razões, há a álea

própria dos contratos dessa natureza; não fosse assim, ela própria não se exporia a

celebrar a avença de tal natureza. Conforme já dito acima, a incapacidade parcial e

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permanente também dá margem à concessão da indenização com base no indigitado

“Plano de Pecúlio”.

3. Passo a aplicar o direito à espécie, nos termos do art. 257 do

Regimento Interno desta Casa.

Consoante assinalado acima, a perícia constatou dois males de que o

acionante é portador: a disacusia (perda da audição) e as alterações na coluna

vertebral.

A primeira – dúvida não paira – teve a sua etiologia atribuída às

condições agressivas do trabalho prestado na empregadora, isto é, a ocorrência de

ruídos excessivos durante vários anos (fl. 312)

O mesmo não aconteceu em relação à doença osteoarticular da coluna

vertebral. O perito, nesse ponto, foi inequívoco: trata-se de moléstia degenerativa. “As

alterações da coluna tem características de processo degenerativo, ou seja a perda

evolutiva das características originais dos tecidos, em decorrência do processo

natural de envelhecimento e coerentes e compatíveis com a faixa etária do periciando,

não sendo caracterizado agravo com o trabalho. ” (Fl. 312).

Nessas condições, embora padeça o obreiro de alterações na coluna

vertebral, esta moléstia não é indenizável no caso diante da prova produzida. A

respeito, não colhem as manifestações produzidas pelo Sr. Assistente Técnico do

autor, desde que o Dr. Perito, instado a pronunciar-se, manteve a sua conclusão inicial

(fls. 442/444 e 516/517).

Assim, a indenização devida cinge-se a 10% pelo déficit auditivo,

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conforme estabeleceu a perícia a fls. 313. É o percentual que recairá sobre a base de

cálculo (25 vezes o salário percebido pelo autor em maio/94 – fl. 5).

4. Isso posto, conheço do recurso pela alínea “c” do admissivo

constitucional e dou-lhe provimento, em parte, a fim de julgar parcialmente procedente

a ação, condenando a ré a pagar ao autor a indenização correspondente a 10% (dez por

cento) de 25 (vinte e cinco) vezes o salário percebido pelo obreiro em maio de 1994,

acrescida de correção monetária, juros moratórios de 0,5% ao mês, a contar da citação

(cfr. REsp n. 307.178-SP), custas em proporção (3/4) e honorários advocatícios, estes

últimos arbitrados em 15% sobre o montante da condenação, já considerada aí a

sucumbência parcial do demandante. Este último acha-se isento do pagamento das

custas e despesas processuais.

É o meu voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTOQUARTA TURMA

Número Registro: 2000/0099440-5 RESP 280253 / SP

Números Origem: 5412832 94694

PAUTA: 19/10/2004 JULGADO: 09/11/2004

RelatorExmo. Sr. Ministro BARROS MONTEIRO

Presidente da SessãoExmo. Sr. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR

Subprocurador-Geral da RepúblicaExmo. Sr. Dr. FERNANDO HENRIQUE OLIVEIRA DE MACEDO

SecretáriaBela. CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECK

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : SERVINO ROQUE ROBERTADVOGADO : JOSÉ WIAZOWSKIRECORRIDO : VOLKSWAGEM PREVIDÊNCIA PRIVADAADVOGADO : JOSÉ EDUARDO RANGEL DE ALCKMIN E OUTROSINTERES. : BANCO BRADESCO S/AADVOGADO : ANDRE CASTELLO BRANCO COLOTTO E OUTROS

ASSUNTO: Civil - Contrato - Seguro

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e deu-lhe parcial provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e Jorge Scartezzini votaram com o Sr. Ministro Relator.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 09 de novembro de 2004

CLAUDIA AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE BECKSecretária

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