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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Doutorado em Direito São Paulo 2013

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

MARIANA MENCIO

O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas

Doutorado em Direito

São Paulo

2013

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

MARIANA MENCIO

O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de DOUTORA em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Márcio Cammarosano

São Paulo

2013

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MARIANA MENCIO

O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de DOUTORA em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Márcio Cammarosano.

Aprovada em: _____________

Banca Examinadora

Prof. Dr. Márcio Cammarosano (Orientador) Instituição: PUC-SP Assinatura______________________

Prof. Dr.________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________ Prof. Dr.________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________ Prof. Dr.________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________ Prof. Dr.________________________________________________________ Instituição: ________________________Assinatura______________________

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AGRADECIMENTOS

Tocada pelas sábias palavras de Elizabeth Gilbert, em seu livro Comer,

Rezar e Amar, homenageio a todos que participaram da minha trajetória

durante o desenvolvimento desta tese. Adaptando as reflexões propostas, sinto

que vivenciei um processo intenso de trabalho comparado à jornada descrita.

Em muitos momentos, abandonei minha zona de conforto pessoal e acadêmica

para aprofundar os estudos, confrontar dúvidas, testar ideias e argumentos

jurídicos, esclarecer pensamentos para que ao final todo o material pesquisado

fosse construído de forma lógica e sistemática. Durante este processo, todos

os homenageados foram mestres responsáveis por tornar o meu caminho mais

suave.

Aprendi a acreditar que existe no universo algo que eu chamo “A Física da Procura” – uma força natural governada por leis tão reais quanto a lei da gravidade ou do momento. E a regra da Física da Procura deve ser alguma coisa como “se você for corajoso o suficiente para deixar para trás tudo que lhe é familiar e reconfortante (que pode ser qualquer coisa – da sua casa a seu velho e amargo ressentimento) e partir em uma viagem em busca da verdade, (interna ou externamente), e se você está sinceramente disposto a ver tudo que lhe acontecer durante essa viagem como um ensinamento, e se aceitar cada um que encontrar durante a viagem como um mestre, e se você estiver – acima de tudo – preparado para encarar (e perdoar) algumas realidades desagradáveis a seu respeito... então a verdade não lhe será ocultada. (GILBERT, Elizabeth. Comer, Rezar e Amar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008 ).

Aos meus pais, Carlos e Marisa, e à minha irmã, pelo amor incondicional

e o apoio irrestrito, por acreditarem em meus sonhos e propiciarem todas as

condições para que fossem realizados.

Ao meu amado, amigo e companheiro, Luiz Fernando Sydow por todo

amor frutificado no encantamento de viver.

Ao meu orientador, professor Márcio Cammarosano, eterno mestre,

agradeço as oportunidades que propiciaram desenvolver minha vida

acadêmica, as brilhantes lições e as proveitosas discussões, essenciais para a

construção da tese.

Aos professores Dinorá Musetti Grotti e Luiz Alberto David Araújo pelo

apoio e incentivo constantes e indicação de precioso material bibliográfico; à

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Daniela Campos Libório Di Sarno e Nelson Saule Júnior pelas críticas e

sugestões apontadas durante o exame de qualificação.

Aos meus amigos Luís Manuel Fonseca Pires e Marcos de Lima Porta,

cujas atuações profissionais inspiram a todos que estão ao redor, um

agradecimento especial, por toda a ajuda durante a elaboração da tese.

Ao Rui e ao Rafael, funcionários da Pós-Graduação da PUC-SP e à

Maria de Lourdes Feitosa, da FMU, pela imensa colaboração ao solucionar

pendências administrativas necessárias para viabilizar o doutorado.

À Eveline Denardi, pela primorosa revisão da tese.

Ao Juan Carlos Covilla Martínez, dedicado pesquisador sobre Regiões

Metropolitanas na Colômbia, cujo auxílio foi relevante para o desenvolvimento

das pesquisas de direito comparado sobre o tema.

E, por fim, aos meus amigos, que igualmente profissionais da área de

urbanismo e direito, participaram da minha jornada acadêmica indicando

leituras e com apoio emocional: Débora Sotto, Egle Monteiro, Flávia Giorgini

Fusco Cammarosano, João Paulo Pessoa, Júlia Maria Plenamente Silva,

Luciana Ferrara, Maximiliano Rosso, Paulo de Tarso Néri, Ricardo Marcondes

Martins e Sylvio Toshiro Mukai.

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RESUMO

Esta pesquisa versa sobre a existência de fundamento jurídico no ordenamento

brasileiro para a elaboração de planos diretores metropolitanos, as normas

jurídicas que disciplinam o seu conteúdo, a autoridade competente para a

edição, seus limites de incidência, objetivos e finalidades, além de abordar a

compatibilidade entre o planejamento urbano metropolitano e o municipal.

O objetivo deste estudo é aprofundar a identificação no ordenamento jurídico

brasileiro das normas destinadas à disciplina do planejamento urbano das

Regiões Metropolitanas. A tese proposta diz respeito ao regime jurídico do

Plano Diretor Metropolitano, composto pelo conjunto de princípios e regras que

regem o planejamento urbano das funções públicas de interesse comum.

Para essa finalidade, o estudo investiga a natureza jurídica do planejamento

metropolitano; as tipologias nas quais os planos metropolitanos são

enquadrados; os fundamentos jurídicos que autorizam a sua edição e os entes

federados competentes para editá-lo.

Traz uma metodologia pautada em legislação atual e casos concretos

analisados pelo Poder Judiciário para responder se planos metropolitanos são

elaborados em função de vínculos compulsórios entre o Estado e os Municípios

ou por vínculos consorciais, o processo de elaboração e aprovação, os atores

envolvidos para definir o seu conteúdo e os parâmetros para enfrentar as

colidências entre os planos diretores metropolitanos e municipais.

A pesquisa ainda percorre os limites territoriais disciplinados pelo plano, seus

objetivos e finalidades, o prazo para revisão e as normas jurídicas aplicadas

em razão da revogação de um plano diretor por outro, levando em conta as

regras do direito intertemporal brasileiro.

Palavras-chave: Plano Diretor. Região Metropolitana. Planejamento Urbano.

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ABSTRACT

This research discusses the existence of a legal basis in the Brazilian legal

system for implementation of metropolitan master plans, the legal standards

that discipline its content, the authority responsible for their enactment, their

incidence boundaries, goals and objectives. In addition, it addresses the

compatibility between metropolitan and municipal urban planning.

The aim of this study is to further the identification, within the Brazilian legal

system, of the rules that relate to the organization of urban planning of the

metropolitan areas. The proposed thesis refers to the legal regime of the

Metropolitan Plan, made up by a set of principles and rules governing the urban

planning of public functions of common interest.

For this purpose, this work investigates the legal nature of metropolitan planning

the typologies in which metropolitan plans are framed, the legal basis

authorizing their enactment and the federated entities competent to enact them.

The investigation methodology is grounded in current legislation as well as in

specific cases analyzed by the judiciary. It seeks to respond if metropolitan

plans are elaborated on account of compulsory ties between the state and the

municipalities or connecting links, also approaching the drafting and approval

processes, the parties involved to define the content as well as the parameters

to face the conflicts between metropolitan and municipal master plans .

Furthermore, the survey covers the territorial boundaries governed by the plan,

its objectives and purposes, the period for review and the legal standards

applied by reason of the revocation of a master plan by another, taking into

account the rules of Brazilian intertemporal law.

Keywords: Master Plan. Metropolitan Region. Urban Planning.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

QUADRO 17 – Indicadores utilizados para a análise da Rede Urbana do Estado de São Paulo 239 QUADRO 18 – Conceitos e indicadores para definição de Regiões Metropolitanas 241 QUADRO 19 – Critérios principais e complementares para definição de aglomerações urbanas 242 QUADRO 22 – Critérios principais e complementares para definição de microrregião 242

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12 1 ESTADO FEDERAL BRASILEIRO E AS

COMPETÊNCIAS URBANÍSTICAS 17

1.1 Estado federal 17 1.1.1 Noções gerais 18 1.1.2 Características do federalismo 23 1.1.3 Contrastes entre Estado regional e federativo:

comparações entre o modelo espanhol e colombiano 31 1.1.4 Tipos de federalismo e os modelos adotados pela

Constituição Federal de 1988 38 1.2 Entes federados e as Regiões Metropolitanas à luz da

Constituição Federal de 1988 48 1.3 Competências constitucionais em matéria de direito

Urbanístico 57 1.3.1 Breves noções sobre conceito e autonomia do direito

urbanístico 60 1.3.2 Competências materiais e legislativas em matéria de

direito urbanístico 68 1.3.2.1 Competências materiais 68 1.3.2.2 Competências legislativas privativas, exclusivas e

expressas 73 1.3.2.3 Interesse local 76 1.3.2.4 Competências concorrentes 85 1.3.2.5 Competências urbanísticas e planejamento urbano 97 1.4 Regiões Metropolitanas e as funções públicas

de interesse comum 103 1.4.1 Noções gerais sobre funções públicas de interesse

comum 105 2 FUNÇÕES PÚBLICAS DE INTERESSE COMUM:

INTERESSE METROPOLITANO 109

2.1 Critérios de identificação das funções públicas de

interesse comum 113 2.2 Titularidade da função pública de interesse comum 131 2.2.1 Noções gerais 132 2.2.2 Posições da doutrina em relação à titularidade das

funções públicas de interesse comum 134 2.2.3 Breves notas sobre a polêmica envolvendo as discussões

relativas à titularidade da prestação do serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário 140

2.3 Exercício das competências administrativas e legislativas na organização, planejamento e execução das funções públicas de interesse comum 146

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2.4 Interfaces entre os interesses local e metropolitano: limites da autonomia municipal 156

2.4.1 Natureza jurídica dos vínculos regionais 158 2.4.2 Interfaces entre os interesses local e metropolitano 164 3 REGIME JURÍDICO DAS REGIÕES METROPOLITANAS 183 3.1 A positivação no sistema jurídico brasileiro da

realidade metropolitana 191 3.2 Noções gerais sobre regiões metropolitanas 194 3.2.1 Conceito 197 3.2.2 Conceito previsto no estatuto da metrópole 197 3.2.3 Conceitos legais e doutrinários 203 3.3 Requisitos de criação 213 3.3.1 Requisito material (fático) 217 3.3.2 Requisito formal 219 3.3.3 Requisito de conteúdo 223 3.4 Distinções entre Regiões Metropolitanas, Aglomerações

Urbanas e Microrregiões 233 3.5 Considerações sobre Regiões Metropolitanas na Espanha

e Colômbia 248 3.5.1 Espanha 248 3.5.2 Colômbia 250 3.5.3 Comparação entre as Regiões Metropolitanas do Brasil,

Colômbia e Espanha 255 4 ADMINISTRAÇÃO DAS REGIÕES METROPOLITANAS 259

4.1 Modelos de administração metropolitana 260 4.2 Perfil da administração metropolitana no Brasil 268 4.2.1 Breves considerações sobre o regime jurídico dos

consórcios públicos brasileiros 276 4.2.2 Considerações sobre o modelo espanhol e

colombiano: institucional com arranjos supramunicipais e consorcial 280

4.2.2.1 Considerações sobre o modelo consorcial espanhol 282 4.2.2.2 Considerações sobre o modelo consorcial colombiano 288 4.2.3 Comparação entre a administração por modelos

institucionais compulsórios e por consórcios públicos 290

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5 PLANEJAMENTO URBANO 307

5.1 Planejamento e plano: relações 309 5.1.1 Espécies de planos 314 5.2 Planejamento urbano e planos urbanísticos 317 5.3 Planejamento urbanístico brasileiro 322 5.3.1 Regime jurídico do planejamento urbano 337 5.3.2 Sistema constitucional de planejamento urbano 339 5.4 Tipologias de planos urbanísticos 344 5.4.1 Planos urbanísticos federais, estaduais e municipais:

noções gerais 347 5.4.2 Planos urbanísticos federais, estaduais e municipais:

gerais e setoriais 349 5.4.2.1 Planejamento urbano estadual: supramunicipal e

metropolitano 353 6 PLANEJAMENTO URBANO METROPOLITANO 358

6.1 O tratamento jurídico do Plano Diretor Metropolitano

após a Constituição Federal de 1988 360 6.2 Plano Diretor Metropolitano e as contribuições das

legislações espanholas e colombianas 364 6.3 Regime jurídico do Plano Diretor das Regiões

Metropolitanas 369 6.3.1 Competência para elaboração 373 6.3.2 Objetivos e finalidade 375 6.3.3 Obrigatoriedade 376 6.3.4 Conteúdo 384 6.3.5 Planejamento urbano e discricionariedade legislativa 384 6.3.5.1 Objeto do Plano Diretor Metropolitano 395 6.3.5.2 Plano Diretor Metropolitano e Plano Diretor: interfaces 405 6.3.6 Elaboração, aprovação e revisão 423 6.3.7 Abrangência 430 6.4 Plano Diretor Metropolitano e direito intertemporal 436

7 CONCLUSÕES 449 REFERÊNCIAS

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INTRODUÇÃO

O interesse pelo estudo do tema decorreu da leitura de algumas

reportagens veiculadas pela imprensa sobre o surgimento de questões urbanas

que não poderiam ser resolvidas isoladamente pelos municípios, mas

demandavam a colaboração dos Estados. Na ocasião, precisamente na época

das eleições para governador do Estado de São Paulo, em outubro de 2010, a

revista Veja São Paulo publicou uma interessante matéria sobre as metas que

deveriam ser cumpridas no âmbito das políticas públicas pelo futuro

governador. Em especial, ficamos sensibilizados pela advertência feita pela

arquiteta e urbanista Raquel Rolnik sobre os grandes dilemas do planejamento

urbano metropolitano, envolvendo questões referentes aos espaços entre os

municípios conurbados, trânsito e proteção aos mananciais da Região

Metropolitana de São Paulo.

Após a percepção do viés urbanístico, resolvemos aprofundar os

estudos no campo jurídico para verificarmos se a doutrina e o legislador pátrio

já teriam demonstrado preocupação em disciplinar a matéria.

A noção de Plano Diretor Metropolitano não é nova, pois foi concebida

em 1968, quando da sua aprovação pela Região Metropolitana de Porto Alegre

e previsto pelas Leis Complementares Federais nº14/1973 e nº20/1974, e pela

Lei Estadual de São Paulo nº94/1974.

A Constituição Federal de 1988 (art. 25, §3º) não tratou do Plano Diretor

Metropolitano, mas apenas da criação da Região Metropolitana.

Recentemente, como forma de suprir esta lacuna, foi apresentado o projeto de

Emenda Constitucional (50/2011), introduzindo o Plano Diretor Metropolitano.

Apesar da ausência da previsão constitucional, o tema foi tratado pelas

Constituições Estaduais, arts.4º, II e 45 do Estatuto da Cidade e também pela

Lei nº 9.605/2010, a qual trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Diante das referências esparsas sobre o assunto, procuramos

sistematizar os elementos que compõem o regime jurídico do Plano Diretor

Metropolitano, estimulados por questões referentes aos aspectos de disciplina

de uso e ocupação do solo urbano e medidas de proteção ambiental, que

apresentam repercussões na esfera metropolitana.

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É importante ressaltarmos o papel desenvolvido pelo Estado de Minas

Gerais, que desde 2006 iniciou a reestruturação de suas regiões

metropolitanas e do seu sistema de administração. O legislador mineiro

promoveu alterações legislativas necessárias para adequar o sistema legal à

Constituição Federal de 1988, pois todas as previsões referentes às Regiões

Metropolitanas ainda estavam sob a égide da Constituição anterior, portanto,

não recepcionadas pela Carta atual, em função de terem sido criadas pela

União Federal e não pelos Estados-membros.

Esta tarefa só foi desenvolvida pelo governo do Estado de São Paulo em

junho de 2011, ocasião em que foi retomada a reorganização das regiões

metropolitanas, criando à luz do novo sistema Constitucional a Região

Metropolitana de São Paulo pela Lei Complementar nº 1.139 de 16/6/2011.

Após a Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal (STF)

não tratou de forma significativa da questão metropolitana. Em 28/2/2013 foi

julgada parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN)

1842 (RJ) e por conexão as ADINS 1826, 1843 e 1906, que discutiu por alguns

anos a titularidade dos serviços de saneamento básico.

Recentemente, os debates públicos entre o prefeito de São Paulo e o

governador do Estado sobre o rodízio de caminhões em região metropolitana,

pedágio urbano e inspeção veicular ambiental incrementaram a curiosidade

sobre o tema.

A partir das nossas pesquisas, verificamos a magnitude do problema, ao

constatarmos que apenas os planos diretores municipais não são suficientes

para disciplinar o uso e a ocupação do solo nos municípios das Regiões

Metropolitanas. A insuficiência do planejamento urbano em regiões

metropolitanas criou as condições necessárias para estudarmos o regime

jurídico do Plano Diretor Metropolitano e analisarmos, sobretudo, sua interface

em relação ao plano diretor municipal, quanto à violação de competências

constitucionais em torno do pacto federativo que consagra a autonomia dos

municípios.

Com o intuito de aprimorarmos nossa análise jurídica sobre o tema,

optamos por estudar os elementos que compõem o planejamento urbano

metropolitano na Espanha e na Colômbia. A despeito de adotarem a forma de

Estado Unitária, composta por forte descentralização administrativa, distinta do

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federalismo brasileiro, os ordenamentos jurídicos espanhóis e colombianos têm

experiências significativas em termos de exercício de autonomia administrativa

dos entes locais em relação às Regiões Metropolitanas. Além disto, contam

com a previsão de relevantes institutos jurídicos, como plano diretor e modelos

de administração consorcial, os quais serão aproveitados para o estudo do

planejamento metropolitano, sob o crivo do modelo federalista.

A doutrina estrangeira nos dará subsídio para aprofundarmos o estudo

do tema, sobretudo, em relação às formas de administração metropolitana, do

conteúdo e das interfaces entre os interesses metropolitanos e locais.

O propósito da nossa tese é o estudo do Plano Diretor Metropolitano,

composto pelos critérios legislativos de criação das regiões metropolitanas, da

titularidade dos seus interesses, das autoridades responsáveis pela execução

das suas funções e formas de exercício do planejamento urbano neste

contexto. Adotamos como fio condutor da tese o estudo das normas jurídicas

que disciplinam o Plano Diretor Metropolitano.

A investigação do planejamento urbano metropolitano comporta análise

jurídica das Regiões Metropolitanas e suas distinções em relação às

aglomerações urbanas e microrregiões para verificarmos a realidade a ser

regulamentada pelo plano diretor. Na sequência, identificaremos a posição das

Regiões Metropolitanas no sistema federativo brasileiro e, diante destas

conclusões, revelaremos o ente federado responsável pela titularidade das

funções públicas de interesse comum. Com base nestas premissas,

poderemos compreender o sentido de função pública de interesse comum,

quanto ao uso e ocupação do solo e seus problemas ambientais, matérias

elencadas como conteúdo fundamental do Plano Diretor Metropolitano.

Desta forma, elaboramos nosso estudo em seis capítulos que

abordaram paralelamente dois grandes eixos temáticos: de um lado, o eixo

material das relações jurídicas disciplinadas pelo plano e, de outro, o eixo

subjetivo das pessoas jurídicas responsáveis por conceber e executar o plano

diretor. Assim, o desenvolvimento da nossa tese obedeceu a disposição lógica

que apresentaremos a seguir.

Os capítulos 1 e 2 pertencem ao eixo material, os capítulos 3 e 4 ao eixo

subjetivo. Os capítulos 5 e 6 reúnem os elementos para compor o regime

jurídico do plano metropolitano.

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Nos capítulos 1 e 2 abordamos o federalismo e o exercício de

competências urbanísticas no campo das funções públicas de interesse

comum. O intuito desta divisão foi especificar as principais características do

Estado federado e suas relações com o fenômeno metropolitano, sobretudo, no

exercício das funções públicas de interesse comum, conteúdo essencial do

plano metropolitano, sob a perspectiva do uso e da ocupação do solo e seus

aspectos de proteção ambiental.

Os manuais de direito constitucional frequentemente mencionam o

interesse local, regional e nacional, afastando a noção de interesse

metropolitano. Sua delimitação é fundamental, uma vez que diz respeito ao

conteúdo do Plano Diretor Metropolitano. Apenas a partir da compreensão do

conceito e da titularidade do interesse metropolitano, por um dos entes

federados é que verificaremos o exercício de competências legislativas e

administrativas, em torno do interesse metropolitano para viabilizar a sua

elaboração.

O regime jurídico das Regiões Metropolitanas é abordado no capítulo 3.

A despeito de não ser ente federado, sofre os influxos desta forma de Estado

no âmbito de sua atuação. Verificaremos que apesar do plano diretor referir-se

em sua rubrica ao fenômeno metropolitano, por não ser entidade federativa, a

Região Metropolitana não será responsável pela elaboração do plano

metropolitano, apesar de influenciar significativamente os elementos do regime

jurídico de planejamento urbano. Na sequência tratamos do conceito e da

natureza jurídica das Regiões Metropolitanas e sua distinção em relação às

figuras criadas pela Constituição Federal de 1988, aglomerações urbanas e

microrregiões.

Dedicamos o capítulo 4 ao conceito fundamental para apartarmos

dúvidas em termos de corte metodológico da tese. A compreensão dos

modelos de administração metropolitana afastará a adoção de consórcios

públicos para solucionar problemas metropolitanos em razão da distinção entre

o regime jurídico consorcial e o metropolitano, à luz do sistema pátrio. Desta

forma, investigaremos os planos diretores formulados no âmbito das Regiões

Metropolitanas, os quais não são confundidos com planos elaborados por

arranjos consorciais entre municípios. Destacamos o estudo comparado em

relação à Espanha que considera os arranjos consorciais alternativas para

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solucionar o problema metropolitano. Nossa preocupação foi aprofundar a

análise com base na doutrina comparada, mas evitar a adoção de soluções

estrangeiras, incompatíveis com o sistema jurídico brasileiro.

No capítulo 5 tratamos do planejamento urbano e a forma como está

descrito pelo sistema constitucional, com o propósito de compreendermos as

regras de competência e de estrutura que influenciarão o regime do plano

jurídico.

Por fim, no capítulo 6, abordamos o objeto da tese, especificamente, o

regime jurídico do Plano Diretor Metropolitano, ao verificarmos a realidade

jurídica da Espanha e da Colômbia, fundamento jurídico, abrangência,

objetivos, conteúdo, elaboração, aprovação e revisão, proteção ao direito

adquirido em face do surgimento de um novo plano diretor, tudo com o

propósito de organizarmos os espaços habitáveis entre os municípios que

integram as Regiões Metropolitanas.

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17

1 ESTADO FEDERAL BRASILEIRO E AS COMPETÊNCIAS URBANÍSTICAS

1.1 Estado federal

Ao examinarmos o Capítulo I do Título III da Constituição Federal de

1988 que trata da organização político-administrativa do Estado brasileiro,

constatamos que o modelo de Estado adotado é federalista. Ao procedermos à

leitura dos dispositivos legais não identificamos uma sessão ou capítulos

específicos a respeito das Regiões Metropolitanas. Só localizamos capítulos

referentes à União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Diante desta

realidade, como método de investigação do regime jurídico do planejamento

metropolitano julgamos necessário aprofundarmos o estudo do regime jurídico

conferido pela Constituição Federal de 1988 às regiões metropolitanas. Não

conseguiremos obter êxito no tratamento de vários aspectos da tese se não

enfrentarmos inicialmente o estudo das regiões metropolitanas e sua natureza

jurídica.

Diante desta constatação, indagamos: qual a relação entre o estudo das

Regiões Metropolitanas e o modelo de Estado federado? A primeira

aproximação que facilitará a abordagem do questionamento refere-se ao

conteúdo do art. 25, §3º, da Constituição Federal, localizado no Capítulo III do

mesmo título que trata do Estado federado, dentro do artigo que confere

competências ao Estado-membro. Por força deste dispositivo, os Estados

poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas,

constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a

organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse

comum.

Ao refletirmos sobre a hipótese investigada, perquirimos: a região

metropolitana é considerada um ente federado ou um fato jurídico cujas

consequências levam ao estudo de diversas formas de exercício de

competências administrativas e urbanísticas pelo Estado-membro?

A resposta só será possível se iniciarmos nossa pesquisa abordando o

sistema federativo e o exercício de competências urbanísticas para revelarmos

elementos importantes à montagem do complexo quebra-cabeça que permeia

o estudo do planejamento urbano das Regiões Metropolitanas.

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1.1.1 Noções gerais

A qualificação do Estado federado considera dois dos elementos

caracterizadores do Estado1: o poder político e o território. Na realidade, o

federalismo pertence ao gênero forma de Estado, estudado sob o ponto de

vista da forma de exercício do poder político2 em função do território de

determinado Estado.

Explicam Vidal Serrano Nunes Júnior e Luiz Alberto David Araújo3 que

as formas de Estado dizem respeito à projeção do poder dentro da esfera

territorial e consideram como critério a existência, a intensidade e o conteúdo

de descentralização político-administrativa de cada um. A doutrina costuma

apontar duas formas de Estado: Federal e Unitário.

Ultimamente, alguns constitucionalistas4, em razão de outras formas de

Estado, decorrentes do modelo Unitário, como o espanhol e o colombiano,

mencionam o Estado regional, uma forma intermediária entre o Estado unitário

e Federal, os quais atribuem autonomia, ainda que relativa, aos entes

regionais.

Neste sentido, é fundamental traçarmos rápidas noções sobre o termo

descentralização político-administrativa, justamente por ser o critério que

classificará as diversas formas de Estado.

A descentralização é o oposto da centralização. Na linguagem do Novo

Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa5 centralização significa acumular

atribuições no poder central. Por sua vez, ao dispor sobre descentralização,

refere-se ao ato ou efeito de descentralizar, que apresenta como um dos seus

sentidos a atribuição de autonomia administrativa6.

1 De acordo com o professor Dalmo de Abreu Dallari: “O Estado é a ordem jurídica soberana que tem por

fim o bem comum de um povo situado em determinado território. A partir desta definição, o autor enumera os elementos que caracterizam a noção de Estado: poder político (Soberania), povo, território e finalidade (bem comum). (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado.28.ed.São Paulo: Saraiva, 2009.) 2SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

3ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed.

São Paulo: Verbatim, 2011. 4DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado.28.ed.São Paulo: Saraiva, 2009, p.

225. 5 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de

Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p.381. Centralização. Sf. 3-acumulação de atribuições no poder central. 6FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de

Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p.550. Descentralização. Sf. Ato ou efeito de descentralizar.

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19

Identificamos ainda que o termo descentralismo contribui para nossa

investigação, pois significa regime político no qual as pessoas jurídicas

administrativas têm autonomia marcante, ficando tanto quanto possível

destacados do poder central.

Poderemos então relacionar estes termos com o seu sentido jurídico e

aplicá-los às tipologias de formas de Estado. Essencialmente, verificamos que

centralização traz a ideia de acúmulo de funções em um único centro de poder

e descentralização proporciona distribuição, autonomia em relação ao poder

central.

Juridicamente a centralização e a descentralização são analisadas do

ponto de vista político e administrativo.

Do ponto de vista administrativo, ambas estão relacionadas à

capacidade de gerir seus próprios bens e serviços.

Assim, estaremos diante da centralização administrativa se as funções

administrativas forem desempenhadas diretamente, por um único centro de

poder. Na hipótese das funções serem deslocadas do núcleo central para

outros, estaremos diante da descentralização administrativa.

Por sua vez, de acordo com o critério político, a centralização e

descentralização relacionam-se com o conceito de capacidade política. Explica

Michel Temer7 que ser capaz politicamente é ter capacidade legislativa, isto é,

“ser capaz politicamente é ter a possibilidade de estabelecer comandos

normativos sobre assuntos de sua competência”.

Afirma Oswaldo Aranha Bandeira de Mello que a atividade de legislar

significa inovar originariamente a ordem jurídica, isto é, criar para as pessoas,

em aplicação da Constituição, direitos e deveres até então inexistentes8.

Concluímos, então, que na centralização política, apenas um centro de

poder tem capacidade legislativa, enquanto na descentralização, vários núcleos

de poder titularizam esta capacidade.

Descentralizar. Vtd. 2 – Aplicar o descentralismo a; dar autonomia administrativa a e 3–aplicar o descentralismo. 7TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008,

p.60. 8MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios Gerais de Direito Administrativo. v.1, 2.ed, Rio de

Janeiro: Forense, 1979 apud SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 9ª tiragem. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.73.

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20

Para relacionarmos os conceitos de centralização e descentralização

política e administrativa, trazemos as observações de Maria Sylvia Zanella Di

Pietro9 ao tratar dos vocábulos autonomia e administração e suas relações com

estes fenômenos jurídicos:

Os vocábulos autonomia e administração expressam bem a distinção. Autonomia, de autos (próprio) e nómos (lei), significa o poder de editar as próprias leis, sem subordinação a outras normas que não as da própria Constituição; nesse sentido, só existe autonomia onde haja descentralização política. Autoadmnistração dá idéia de capacidade de gerir os próprios negócios, mas com subordinação a leis postas pelo ente central; é o que ocorre na descentralização administrativa. Normalmente, combinam-se as duas modalidades de descentralização, ourtorgando-se aos entes locais (Estados e Municípios) uma parcela de competência própria que podem exercer com autonomia (sem subordinação a leis federais) e fixando-se uma parcela de competências concorrentes em que as leis locais se subordinam às leis federais; além disso, criam-se entidades com personalidade jurídica própria, com capacidade de autoadministração, porém sem autonomia.

Conforme veremos adiante, a combinação entre a centralização política

e administrativa originará o modelo dos Estados Unitários que, por sua vez,

sofreram transformações e atualmente mantém a centralização política,

combinada com a descentralização administrativa. No modelo de Estado

federado, verificaremos que sua essência reside na descentralização política.

De posse destes conceitos, classificaremos as formas de Estado com

relação à divisão espacial do poder a partir da proposta de Augusto

Zimmermann10, segundo a qual a distribuição do poder político dentro do

Estado poderá ocorrer de forma simples ou composta.

Os Estados Simples, também denominados unitários, são caracterizados

por unidade de poder sobre o território, pessoas e bens. Há o predomínio de

um único centro de poder político, de onde partem as normas jurídicas. O

Estado unitário é caracterizado pela centralização política, isto é, um único

órgão do poder inova originariamente a ordem jurídica.

Adverte o autor11 que a centralização política não exclui algumas formas

de descentralização administrativa garantidoras da relativa autonomia regional

9PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.471.

10ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático.2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen

Júris, 2005, p.12. 11

ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático.2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p.14.

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21

ou local, consubstanciadas em províncias, departamentos, regiões, comunas,

como nos Estados Unitários da Itália, Espanha e Colômbia.

Explica Dalmo de Abreu Dallari12 que atualmente autores como Juan

Fernando Badia13 sustentam uma terceira espécie, o Estado regional, uma

forma intermediária entre o Estado unitário ou Simples e o Federal, justamente

por ser menos centralizado do que o unitário, mas sem alcançar os extremos

da descentralização federalista. Nesta forma de Estado, há uma breve

descentralização na forma unitária, mas que ainda é subordinada política e

juridicamente ao poder central. Este é o modelo adotado pela Espanha,

Colômbia e Itália.

A fim de comprovarmos esta afirmação, trazemos a comparação

realizada por Raul Machado Horta14, ao indicar as semelhanças e as diferenças

entre o descentralismo dos Estados Unitários nas figuras das regiões e

comunidades autônomas e o Estado federal:

Reside na autonomia normativa das Regiões e das Comunidades Autônomas, que se concretiza na elaboração do Estatuto e na atividade legislativa própria, o elemento de maior aproximação entre essas entidades territoriais do Estado unitário e o Estado-membro do Estado federal. Outro traço de aproximação é o da técnica da repartição de competências, que alcançou apreciável desenvolvimento na Constituição da Espanha de 1978. Todavia, há profundo distanciamento entre as Regiões, as Comunidades Autônomas e o Estado-membro do Estado federal nas regras da Constituição Italiana de 1947 e da Constituição Espanhola de 1978, as quais, entre outras disposições, impõem a tramitação do Estatuto no órgão legislativo central do Estado, para receber a lei estatal de aprovação, na Itália; a sanção e a promulgação do Estatuto pelo Rei, na Espanha; a figura do Comissário do Governo Central na Região e nas Comunidades Autônomas; a dissolução do Conselho Regional na Itália, por Decreto do Presidente da República; o visto do Comissário na lei aprovada pelo Conselho Regional. O distanciamento entre Regiões, Comunidades Autônomas e Estado-membro do Estado federal ganha profundidade pela ausência nos entes territoriais do Estado unitário da autonomia constitucional, que confere poder de auto-organização, e da autonomia judiciária pela inexistência do Poder Judiciário regional ou autonômico.

Por sua vez, esclarece Augusto Zimmermman15 que o Estado Composto

se desdobra em outras classificações, pois envolve a união de duas ou mais

12

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 28.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.255. 13

BADIA, Juan Fernando. El Estado Unitário, el Federal y el Estado Regional. Madrid: Technos, 1978. 14

HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional.5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.443. 15

ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático.2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p.14.

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22

entidades políticas. Citemos quatro espécies de Estado Composto: União

pessoal, união real, Confederação e Federação.

Para não fugirmos do propósito neste item, qual seja,essencialmente

abordar o sistema Federalista, nos dedicaremos a expor unicamente a tipologia

da Confederação ao lado da Federação, uma vez que esta última forma de

Estado decorreu da transformação do modelo de Confederação.

A Confederação é a união permanente e contratual entre Estados para

fins de defesa externa, paz interna e outras finalidades que possam ser

pactuadas. Os Estados confederados conservam a soberania, guardando

inclusive a possibilidade de se desligarem da União. Além da Confederação

dos Estados Unidos da América formada em 1787, existiu a Comunidade dos

Estados Independentes, resultante da dissolução da antiga União das

Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Decorrente da transformação do modelo de Confederação dos Estados

Unidos foi criado o federalismo. Isto nos permite afirmar que as raízes

históricas do federalismo são originárias do sistema Confederativo.

De acordo com Dalmo de Abreu Dallari16, a etimologia do termo

federação quer dizer pacto, aliança. Assim, o Estado federal decorre da união

de dois ou mais Estados que, de um lado, renunciaram sua soberania em

nome de uma entidade central, corporificadora do vínculo federativo, mas que

de outro, preservaram sua autonomia política, através da atribuição

Constitucional de competências legislativas e administrativas.

São considerados Estados Federados o Brasil e os Estados Unidos da

América. Como veremos adiante, ao contrário da Confederação, os estados

integrantes da Federação não poderão romper o vínculo que promove a união

entre eles.

Diante destas considerações, preliminarmente caracterizaremos Estado

federal como Forma de Estado Composto do ponto de vista da distribuição

espacial do poder no território do Estado.

16

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. 28.ed.São Paulo: Saraiva, 2009, p.256.

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23

1.1.2 Características do federalismo

Tendo em vista o núcleo central da nossa tese, a despeito das várias

características que compõem o modelo federativo priorizaremos a abordagem

daquelas fundamentais para compreendermos o planejamento metropolitano.

Neste sentido, cuidaremos da descentralização política, fenômeno responsável

pela reunião dentro de um mesmo Estado, de várias ordens parciais de poder,

através de um vínculo indissolúvel. Deste modo, traçaremos a partir das

origens históricas do sistema federalista observações sobre soberania,

autonomia e descentralização.

A forma federativa de Estado tem sua origem na constituição dos

Estados Unidos da América, em 1787 na transformação da forma

Confederativa de Estado.

Logo após a independência das 13 colônias britânicas, cada uma delas

foi transformada em Estado Soberano. A despeito da independência das

colônias, os novos Estados optaram por manterem entre si um vínculo com o

propósito de promoverem a proteção contra os ataques e ameaças da antiga

metrópole inglesa. Desta forma, foi celebrado um tratado, denominado Artigos

de Confederação, que deu origem aos Estados Unidos da América. Em razão

do pacto confederativo, cada Estado reservava para si o direito de retirada do

pacto, a qualquer tempo.

No entanto, a Confederação revelou-se frágil e ineficaz para os objetivos

pactuados. Em razão das crises surgidas a partir de vários conflitos de

interesses, os Estados confederados realizaram a Convenção de Filadélfia, em

1787, fixando as bases do Estado federal norte-americano. A nova forma de

Estado não permitia o direito de secessão. Cada Estado cedia parcela de sua

soberania para uma pessoa jurídica, responsável por centralizar e unificar o

poder político, formando os Estados Unidos da América, passando, neste

momento, a ser autônomos entre si, dentro do pacto federativo.

Observamos então que a soberania mantida pela pessoa jurídica, assim

permaneceu para os Estados-membros na forma de autonomia. Surge, então,

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24

o modelo federalista, resumidamente descrito por Vidal Serrano Nunes Júnior e

Luiz Alberto David Araújo17:

O Estado federal nasce do vínculo de partes autônomas, de vontades parciais. Com essa associação de partes autônomas nascem simultaneamente uma entidade central, corporificadora do vínculo federativo, e diversas entidades representativas das vontades parcelares. Todas essas entidades são dotadas de autonomia e possuem o mesmo patamar hierárquico no bojo da Federação.

O Estado federal surge, portanto, da transformação da Confederação, o

que implica a mesma forma de revelar os termos soberania e autonomia para o

novo modelo de Estado. Ao compreendermos estas noções, mais

precisamente a forma como ocorreu o processo de transformação,

identificamos as características essenciais que nos permitem avaliar se

determinado Estado é federado.

Ao compararmos a Confederação com o Estado federado, encontramos

algumas distinções. Os Estados Confederados são soberanos, reunidos por

meio de um Tratado que consubstancia adesão voluntária dos integrantes, e

que, portanto, permite a qualquer tempo o exercício do direito de secessão por

parte do Estado integrante da Confederação. Por sua vez, na Federação, os

Estados-membros abdicam de sua soberania em prol de uma unidade central

que reúne todos os estados, por meio de uma Constituição rígida que

estabelece um vínculo indissolúvel, o qual não permite a retirada dos entes do

pacto constitucional. Cada Estado recebe autonomia política para produzir suas

leis e executar suas funções.

A Confederação está atrelada diretamente à noção de soberania e o

federalismo à ideia de autonomia dos Estados-membros, que veremos adiante,

significa descentralização política.

Em termos jurídicos, soberania significa “poder de decidir em última

instância sobre a atributividade das normas, vale dizer sobre a eficácia do

direito”18.

17

ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.292. 18

Na órbita externa, todos os Estados são soberanos, imperando a mais absoluta igualdade jurídica entre eles. Deste modo, os direitos e deveres na órbita externa não são provenientes de qualquer ordem jurídica superior, pois as obrigações entre os Estados são pautadas por mútuo consentimento, por sua livre vontade, nunca por imposição de outrem, de acordo com o artigo 4º, I e V da Constituição Federal. De outro modo, o Estado soberano no plano de relacionamento com os outros Estados representa a ordem jurídica interna nacional, pautada na Constituição Federal. Deste modo, ao travar relações com os outros Estados no plano internacional o Estado não se torna livre das limitações do seu direito nacional. É

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25

Por sua vez, a autonomia também está relacionada como poder político,

desta vez, sob o ângulo de observação interior do Estado e ao conceito de

descentralização política, alicerce fundamental do Estado federal, conforme

Michel Temer19.

Afinal, qual o sentido de autonomia? Vários autores exprimem o seu

significado, dos quais destacaremos os principais.

Santi Romano20 afirma que autonomia é a competência para criar

ordenamento jurídico, isto é, sinônimo de capacidade legislativa.

Da mesma forma, Raul Machado Horta21 entende:

autonomia é a revelação de capacidade para expedir as normas que organizam, preenchem e desenvolvem o ordenamento jurídico dos entes públicos. Essas normas variam na qualidade, na quantidade, na hierarquia e podem ser, materialmente, normas estatutárias, normas legislativas e normas constitucionais, segundo a estrutura e as peculiaridades da ordem jurídica.

Por outro lado, existem autores que ampliam o sentido de autonomia

para além da capacidade legislativa, como é o caso de José Afonso da Silva,

Fernanda Dias Menezes de Almeida e Anna Cândida da Cunha Ferraz.

José Afonso da Silva22 qualifica autonomia como “governo próprio dentro

do círculo de competências traçadas pela Constituição Federal”. Esclarece o

autor que a autonomia federativa é baseada, de um lado, na existência de

pessoas jurídicas autônomas que não dependem das pessoas jurídicas

centrais quanto à forma de seleção e investidura e de atribuição de

competências exclusivas. Além disto, o Estado federado tem Estados-

membros, autônomos, sobretudo, com relação ao exercício de capacidade

normativa relacionada às matérias reservadas à sua competência.

por isto que o Presidente da República, ao assinar, pelo Estado brasileiro, tratado com o Estado Francês, por exemplo, só poderá fazê-lo nos termos, condições e limites da competência que a Constituição Brasileira outorgou. O direito interno não reconhecerá o tratado como válido, impedindo sua ratificação pelo Chefe do Poder Executivo, se não for aprovado, nos termos do art. 49, I da Carta Constitucional, pelo Congresso Nacional. (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado.28.ed.São Paulo: Saraiva, 2009, p.80.) 19

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.60. 20

ROMANO, Santi. Princippi di Diritto Costituzionale Generale. 2.ed. Milano: Dott. A Giuffré, 1947. apudHORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.330. 21

HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 330. 22

SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.100.

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26

De acordo com José Afonso da Silva23, autonomia envolve capacidade

legislativa e executiva, implica contar com pessoas jurídicas autônomas que

não dependam de comandos de outros núcleos de poder.

Por sua vez, Fernanda Dias Menezes24 e Anna Cândida da Cunha

Ferraz25 compartilham do mesmo entendimento ao disporem que autonomia

envolve quatro aspectos essenciais: capacidade de auto-organização, de

autogoverno, de autolegislação e de autoadministração. Este é também o

nosso entendimento. Nas palavras de Fernanda Dias Menezes de Almeida26:

Desfrutam os Estados-membros, isto sim, de autonomia, ou seja, de capacidade de autodeterminação dentro do círculo de competências traçado pelo poder soberano, que lhes garante auto-organização, autogoverno, autolegislação e autoadministração, exercitáveis sem subordinação hierárquica dos Poderes Estaduais aos Poderes da União.

A despeito dos vários conteúdos que poderemos atribuir ao termo

autonomia, afirmamos, como explica Michel Temer27, que autonomia está

diretamente relacionada com a noção de descentralização política, elemento

essencial do Estado federal28.

Em razão da passagem da Confederação para o Estado federal, é

importante ressaltar o surgimento de duas ordens jurídicas parciais de poder,

ao contrário dos Estados Confederados, caracterizado por uma ordem única de

poder. O Estado-membro ao transferir sua soberania para uma entidade

central, em troca da autonomia política, cria duas ordens de poder: a

23

SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.100. 24

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.11. 25

FERRAZ, Ana Cândida da Cunha. Poder Constituinte do Estado-membro, p.54 apud ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.321. 26

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.11. 27

Nas palavras de Michel Temer: “sem a descentralização política não há como falar-se no Estado Federal”.(TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.63) 28

Esta importante característica advinda da transformação da Confederação foi bem retratada pela professora Fernanda Dias Menezes de Almeida: “Perante o concerto das Nações, esse aspecto se manifesta pela unidade de personalidade (só o Estado federal é pessoa jurídica de Direito Internacional Público, o mesmo não ocorrendo com os Estados-membros); pela unidade de nacionalidade (não há nacionalidades estaduais: os nacionais dos Estados que aderem á Federação perdem a primitiva nacionalidade e adquirem a do Estado federal); e pela unidade de território (embora cada Estado-membro tenha território próprio, para efeitos externos o que conta é o terrritório nacional como um todo)”. In: ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.12.); Nas palavras de Michel Temer: sem a descentralização política não há como falar-se no Estado Federal. (TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.63).

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27

central(também denominada União dos Estados-membros, por força do pacto

indissolúvel por meio de uma Constituição) e as ordens parciais autônomas

(Estados-Membros). No entanto, apesar da duplicidade de ordens de poder, o

Estado federal permanece uno nos planos internacional e interno. O Estado

federado torna-se uma pessoa jurídica de direito público com aspectos internos

e externos. No primeiro caso, são os Estados-membros dotados de autonomia

e no segundo caso, o Estado federal, oriundo da União dos Estados-membros,

soberano perante os demais Estados estrangeiros29.

Portanto, diante das comparações em relação ao modelo da

Confederação, concluímos que o federalismo é caracterizado pela

descentralização política, justamente, por reunir dentro de um mesmo Estado,

várias ordens parciais de poder, através de um vínculo indissolúvel. Todos os

centros de poder que integram a federação estão em pé de igualdade entre si,

ou seja, não há hierarquia entre os entes federados30.

Apesar do modelo de Estado federalista apresentar características

especiais em relação ao modelo de Estado Confederado, para a adoção da

forma federalista, é necessário que a Constituição Federal introduza em seu

texto princípios, critérios e instrumentos específicos. Os diversos modelos de

federalismo serão construídos a partir do regime jurídico proposto pela

Constituição Federal, sobretudo, no que tange aos graus de autonomia política

conferidas entre a ordem central e periférica dos Estados. Assim, partindo da

classificação sistematizada por Michel Temer31 sobre as características

29

Em suma, é possível sintetizar a noção de federalismo, por uma frase emblemática de Georg Jellinek: o federalismo é a unidade na pluralidade. (TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.1098.) 30

“O Estado denominado federal apresenta-se como o conjunto de entidades autônomas que aderem a um vínculo indissolúvel, integrando-o. Desa integração emerge uma entidade diversa das entidades componentes, e que incorpora a federação. No federalismo, portanto, há uma descentralização do poder, que não fica represado na órbita federal, sendo compartilhado pelos diversos integrantes do Estado. Todos os componentes do Estado federal (sejam estados, distritos, regiões, províncias, cantões ou municípios) encontram-se no mesmo patamar hierárquico, ou seja, não há hierarquia entre essas diversas entidades, ainda que alguma seja federal e outras estaduais ou municipais”.(TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional.10.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.1099.) 31

Vários autores sistematizam de forma próprias os critérios que entendem essenciais para organização do federalismo. Neste sentido, optamos por utilizar as características sistematizadas por Michel Temer: “Verifica-se, pois, que três notas são essenciais à caracterização federal: a) descentralização política fixada na Constituição (ou, então, repartição constitucional de competências); b) participação da vontade das ordens jurídicas parciais na vontade criadora da ordem jurídica nacional; e c) possibilidade de autoconstituição; existência de Constituições locais. As ordens jurídicas parciais são chamadas Estados ou Províncias (Argentina) ou, Cantões (Suíça) ou Laender (Alemanha). Se estes requisitos são indispensáveis para a caracterização da Federação, dois outros colocam-se necessários para a sua mantença. São eles: a) a rigidez constitucional e b) a existência de um órgão constitucional incumbido do controle da constitucionalidade das leis”. (TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.65)

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28

essenciais do modelo federalista, cada ordenamento jurídico cuidará de modo

especial da sua repartição de competências e tributos, da forma como cada

ordem parcial participa de sua atuação junto ao Senado Federal ou até mesmo

do conteúdo da constituição dos Estados-membros da federação.

Estas são as conclusões de Raul Machado Horta que a despeito de

identificar os requisitos típicos desta forma de Estado, não afirma que todo

Estado adotará uniformemente estas características. Cada Constituição

adotará um regime específico. De fato, há linhas mestras sem as quais não

poderemos qualificar um Estado como federado, apesar de algumas

características serem modificadas ligeiramente. Segundo o autor:32

A reunião desses requisitos não se realiza homogeneamente nas formas reais de Estados federais. Há os casos em que a lista é integralmente atendida. Há casos de atendimento parcial, com ênfase em determinados requisitos e diluição de outros. Por outro lado, a configuração desses requisitos não é uniforme, pois isso decorre da diversidade na organização federal, dando origem a modelos múltiplos de federalismo: federalismo norte-americano, federalismo alemão, federalismo brasileiro, federalismo canadense, federalismo mexicano, federalismo argentino, federalismo soviético

33. Não

obstante a permanência de determinados requisitos, como a repartição de competências, a autonomia constitucional do Estado-membro, a intervenção federal, a Câmara dos Estados, recebem eles definições individualizadoras e contrastantes nos diversos modelos reais de federalismo. Em alguns casos, a autonomia constitucional do Estado-membro praticamente deixa de existir, quando a Constituição Federal se encarrega de preordenar o Estado-membro e seu texto, tornando a Constituição Federal um documento híbrido, federal e estadual. Em outros modelos, por reflexo do fenômeno da centralização, a intervenção federal se dilata numa série indefinida de casos, tornando teórica e nominal a autonomia do Estado-membro.

Assim, enfatizaremos como característica relevante para o estudo de

nossa tese a descentralização política, também denominada repartição

constitucional de competências e rendas, e a auto-organização dos Estados-

membros.

Em razão dos Estados-membros e da União serem núcleos de poderes

distintos, a Constituição deverá atribuir a cada qual um conjunto de

competências para que o Estado possa cumprir suas finalidades públicas e

evitar possíveis conflitos de atribuições entre os entes federados.

32

HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.274. 33

Vale ressaltar que não existem mais as Repúblicas Federativas Soviéticas. Trata-se de reprodução de obra do autor falecido e escrita em outro contexto, mas cujas observações ainda são importantes.

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29

Através da divisão de competências, determinadas matérias incidirão em

todo o território da federação, enquanto outras ficarão distribuídas aos

ordenamentos parciais dos Estados-Membros.

Antes de adentrarmos no tema, é preciso compreender: o que são

competências? Resumidamente, são poderes atribuídos a entidades estatais

para realizarem suas funções. Nas breves palavras de Carlos Ari Sundfeld34: “a

competência é um poder vinculado a certa finalidade”.

A ideia de competência está vinculada diretamente à realização de

finalidade atribuída por uma norma jurídica. Além disto, é relacionada à ideia de

função pública, o que lhe confere caráter de exercício obrigatório. Mais uma

vez, Carlos Ari Sundfeld35 relaciona os conceitos de competência e função com

base em Paolo Biscaretti di Ruffia36, que traduzem duas ideias fundamentais:

as competências são exercidas em nome de interesse alheio, público, e por

isto, são obrigatórias.

A partir destas colocações, trazemos o entendimento de Celso Antônio

Bandeira de Mello para quem competência é um dever-poder, por implicar

exercício de função no interesse público37.

O conjunto de deveres-poderes atribuídos por lei para o alcance de

finalidade pode ser distribuído entre o Estado-membro e a União por duas

técnicas principais: a repartição horizontal e a vertical. Mais adiante, nos

dedicaremos ao estudo dos critérios que disciplinaram a distribuição de

competências pela Constituição Federal de 1988. Neste momento, trataremos

apenas das formas pelas quais os dois núcleos de poder federado poderão

exercer suas atribuições.

34

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 9ª tiragem. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.112. 35

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 9ª tiragem. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.113. 36

RUFFIA, Paolo Biscaretti di. Direito Constitucional. Instituições de Direito Público. Tradução brasileira de Maria Helena Diniz. São Paulo: RT, 1984 apud SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 9ª tiragem. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.113. Segundo o autor: “A atividade pública cujo exercício é regulado pelo direito públicoconstitui função. Função, para o Direito, é o poder de agir, cujo exercício traduz verdadeiro dever jurídico, e que só se legitima quando dirigido ao atingimento da específica finalidade que gerou sua atribuição ao agente. O legislador, o administrado e o juiz desempenham função: os poderes que receberam da ordem jurídica são de exercício obrigatório e devem necessariamente alcançar o bem jurídico que anorma tem em mira”. 37

“Visto que o poder expressado nas competências não é senão a face reversa do dever de bem satisfazer interesses públicos, a competência pode ser conceituada como o círculo compreensivo de um plexo de deveres públicos a serem satisfeitos mediante o exercício de correlatos e demarcados poderes instrumentais, legalmente conferidos para a satisfação de interesses públicos”.(MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Curso de Direito Administrativo. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.140.)

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30

Na repartição horizontal de competências, explica Manoel Gonçalves

Ferreira Filho38, a Constituição atribui para cada ente federado matérias

reservadas, exclusivas. Neste caso, apenas o ente que recebeu a competência

pode dispor sobre a matéria, com exclusão de qualquer outro ente, sob pena

de invasão de esfera de competência. Na repartição horizontal há separação

de competências de forma exclusiva.

Por outro lado, na repartição vertical, um mesmo assunto pode ser

tratado concomitantemente por outro ente federativo. Há separação em níveis

diferentes da competência para dispor sobre assunto específico.

Ao lado da divisão de competências, é necessário existir partilha de

recursos para as funções estatais serem desempenhadas adequadamente.

Neste caso, também é essencial à descentralização política a divisão de

rendas entre os Estados-membros e a União.

Através da repartição de rendas, surgem as competências tributárias

exercidas pelos entes federadas nas formas vertical e horizontal.

Mencionamos ainda a possibilidade dos Estados-membros se auto-

organizarem por meio de Constituições próprias. Trata-se da manifestação do

Poder Constituinte Derivado Decorrente. Cada Estado-membro pode se

organizar, mediante uma Constituição, desde que respeite os limites instituídos

pela lei federal.

A auto-organização39 está atrelada ao significado de autonomia, que

pressupõe a existência de tripartição de poderes. Deste modo, cada Estado-

membro deverá contar com seu Poder Executivo, com competências

específicas e eleito pela população local. Da mesma maneira, deverá contar

com órgãos legislativos próprios para elaborar suas leis e um Poder Judiciário

local para dizer o direito de forma definitiva em relação às matérias de sua

competência.

38

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 37.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.81. 39

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Poder Constituinte do Estado-membro, p.54 apud ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011.

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31

1.1.3 Contrastes entre Estado regional e federativo: comparações entre o modelo espanhol e colombiano

Neste capítulo verificaremos que as formas de Estado regional e

Federativo são distintas em termos de distribuição espacial do poder no

território estatal. De um lado, as relações entre o poder central e periférico são

caracterizadas por meio de acentuada autonomia de cada ente, por meio de

relações de descentralização política do poder, como no caso do Estado

federalista, modelo brasileiro. Por outro lado, as relações entre as duas esferas

de poder são limitadas, contribuem para a centralização de poder político em

uma única esfera e a correspondente descentralização administrativa para

outra, como no caso do Estado regional, modelo espanhol e colombiano.

Contudo, as distinções entre as formas de Estado da Colômbia,

Espanha e Brasil não enfraquecem as razões pelas quais escolhemos estes

Estados Regionais para estudarmos o Regime Jurídico do Planejamento

Metropolitano.

Ocasionalmente poderíamos causar certo estranhamento ao optarmos

pelo estudo comparado entre duas realidades completamente distintas em

termos de graus de autonomia e distribuição do poder político em seu território.

Todavia, este critério não compromete o exame comparativo, pois os contornos

da autonomia política, da descentralização administrativa ou da centralização

político administrativa dependerão de cada ordenamento jurídico e do

tratamento atribuído por cada Constituição. Assim, ainda que tivéssemos

optado pelo estudo conjunto do planejamento metropolitano entre dois Estados

Federados, os traços de autonomia de cada um seriam distintos. Um poderia

concentrar suas competências nas esferas de poder periférico, o outro

concentrar poder apenas na esfera central e gerar o que a doutrina denomina

federalismo por agregação ou desagregação.

Desta forma, se o critério de escolha para estudarmos os regimes

jurídicos de Região Metropolitana considerasse o cotejo entre modelos de

autonomia político-administrativo semelhantes, ou melhor, se optássemos por

comparar modelos metropolitanos delineados sob uma única perspectiva de

forma de Estado cometeríamos uma impropriedade jurídica, uma vez que o

grau de condicionamento da autonomia política e administrativa em função da

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32

centralização ou descentralização política varia de acordo com a ordem

constitucional de cada Estado. A Espanha e a Colômbia, apesar de serem

Estados regionais, têm experiências significativas com o exercício de

autonomia administrativa dos entes locais em relação às Regiões

Metropolitanas.

O termo autonomia é um conceito jurídico indeterminado que comporta

interpretação em diversos sentidos. Não existe um conceito único de

autonomia, o que leva à definição de diversas tipologias de Estado regional e

Unitário40. Em certos momentos poderemos compreendê-la como capacidade

de determinada pessoa política produzir suas próprias leis, em outros como

capacidade de administrar suas competências ou até a aptidão para fixar

diretrizes administrativas por meio do exercício de competência regulamentar.

Assim, são elucidativas as conclusões de Paula Robledo Silva ao analisar o

tema sob a égide da Constituição colombiana de 199141:

Todo lo anterior lleva a concluir que cuando el operador jurídico se enfrente al estúdio de la autonomia, lo primero que debe hacer es tratar de desentranar el significado que em esse texto concreto o em esa situación específica tiene dicho vocablo. Así las cosas, a partir de este momento se abordará el estúdio de la autonomía circunscrita a um sujeto determinado y em el marco de um ordenamiento jurídico específico. Es decir, la autonomia predicabel de los entes territoriales y garantizada por la Constitución de 1991.

De fato, uma das características fundamentais dos Estados Unitários

reside na centralização política. Neste tipo de Estado, o ente central concentra

a tomada de decisões políticas por meio do órgão central legislativo que tem

competência para expedir leis válidas a todo o território nacional.

Além disto, o Estado é regido por apenas uma Constituição aplicável a

todo o território, unificado por uma única soberania titularizada pelo povo. Este

modelo é completamente distinto em relação ao Estado federal, caracterizado

por várias ordens de poderes políticos distribuídos entre os entes centrais e

periféricos. Nesta forma de Estado, embora exista uma Constituição Federal

fundamentando todo o ordenamento jurídico, as ordens periféricas contam com

40

“Por ello, hablar hoy em dia de um concepto unívoco de autonomia es tan difícil como hablar de um sólo modelo de Estado unitário o de Estado Federal”.(SILVA, Paula Robledo. La Autonomia Municipal em Colômbia. Colômbia: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.36). 41

SILVA, Paula Robledo. La Autonomia Municipal em Colômbia. Colômbia: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.40.

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33

suas próprias constituições, mesmo que sejam inspiradas na Constituição

Central.

Contudo, a tendência dos Estados Unitários não é mais pautada na

centralização absoluta do poder político. Atualmente, as Constituições de cada

Estado criaram instrumentos que permitem a centralização política ser

amenizada, através de mecanismos de distribuição do poder político, como a

descentralização, a desconcentração e a delegação. Assim, a descentralização

convive com a autonomia que gradativamente é conferida para ordens de

poderes surgidas em relação ao poder central, para flexibilizar a sua

centralização excessiva. Neste sentido, utilizamos a comparação feita por

Paula Robledo Silva ao revelar o estado de permanente tensão sob o qual

convivem a autonomia e a descentralização nos Estados Regionais, originários

dos Estados Unitários dotados de descentralizações administrativas. A relação

entre os dois conceitos é qualificada como meio e fim. A autonomia é o fim que

deverá ser alcançado pelo instrumento da descentralização, conforme explica a

autora42:

Es importante mencionar que el concepto de descentralización mantiene una estrecha relación com el de autonomia; sin embargo, no es este el escenario para emprender la difícil labor de estudiar las diferencias y similitudes de dos nociones tan complejas. Por tanto, baste mencionar que las relaciones entre estos dos conceptos (descentralización y autonomia) se puden calificar como de medio a fin. Em otras palabras, el término autonomía obedece a um principio organizativo que implica um fin del Estado; y, por el contrario, la descentralización opera como herramienta o instrumento jurídico para alcanzar dicho fin, es decir, la autonomia.

Esta relação é também constatada na Espanha e na Colômbia. A

autonomia é construída dentro do Estado unitário com limites e não poderá

romper a estrutura unitária do Estado soberano.

Em relação à forma de Estado, a Colômbia é qualificada (art.1º de sua

Constituição Política) como República unitária, descentralizada, com autonomia

de entidades territoriais. Da mesma maneira que o Estado espanhol, que a

despeito de ser unitário, comporta graus de descentralização, confere

autonomia às entidades territoriais, denominadas municípios, distritos,

departamentos e territórios indígenas, sem deixar de obedecer aos comandos

42

SILVA, Paula Robledo. La Autonomia Municipal em Colômbia. Colômbia: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.51.

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34

do Poder Central. Desde 1991, quando a Constituição entrou em vigor, as

entidades territoriais passaram a ser competentes para definir suas próprias

atribuições, sem prejuízo de submeter-se à coordenação e planejamento das

atividades do poder central.

A forma do Estado espanhol43 é Regional44, um pouco menos

centralizado que o modelo unitário, pois comporta descentralização política,

justamente por conferir autonomia aos municípios e Comunidades Autônomas,

sem deixar de obedecer aos comandos do poder central.

A Constituição espanhola de 29/12/1978 consagra em seu Título VIII

como modelo de organização territorial do Estado o princípio da

descentralização aos entes locais e autônomos45.

Em razão da ingerência do poder central no exercício do poder das

Comunidades Autônomas, o modelo de Estado espanhol não se confunde com

o federalismo, embora em alguns pontos ambos apresentem semelhanças.

Com base em Raul Machado Horta46, constatamos que o modelo de Estado

autonômico aproxima-se da característica federalista pela descentralização

legislativa que a Constituição espanhola atribui em favor da Comunidade

Autônoma e a preservação de sua eventual competência no domínio exclusivo

do Estado. Assim, as Comunidades Autônomas titularizam competências para

43

“As formas de Estado referem-se à projeção do poder dentro da esfera territorial, tomando como critério a existência, a intensidade e o conteúdo de descentralização político-administrativa de cada um”. (ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p. 290). 44

“Para maioria dos autores que tratam do assunto o Estado Regional é apenas uma forma unitária um pouco descentralizada, pois não elimina a completa superioridade política e jurídica do poder central”. (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado.28.ed.São Paulo: Saraiva, 2009, p. 255).Trata-se de uma forma intermediária entre o Estado Unitário e o Federalista, pois são atribuídas autonomias aos entes regionais. Já Pablo Perez Tremps entende que “La estructura territorial del Estado no encaja em ninguna de las categorias tradicionales del Derecho Público, categorías que, por outra parte, tampoco responden a unos modelos perfectamente delimitados y que, em consecuencia, inducen a menudo a confusión. El modelo español utiliza técnicas tanto del federalismo tradicional como del Estado Regional” (comentário àConstituição Espanhola.Derecho Constitucional. v.2, Tirant lo Blanch Libros, 1994, p.302 apud ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.290). 45

Francisco Toscano Gil explica: “Em 1978 se aprueba la Constitución Española, como norma jurídica suprema de nuestro ordenamiento, que va a marcar la transición de um Estado dictatorial y autoritario a un Estado democrático. La construcción de um nuevo esquema de organización territorial del Estado em el Texto Constitucional, basado em el principio de descentralización, com el consiguiente reconocimiento de âmbitos próprios de autonomia a entes locales y Comunidade Autônomas, va a incidir decisivamente en la matéria que estamos tratando; de manera que tendremos que tener bien presentes los princípios y normas constitucionales a lo largo de nuestro estudio”.(GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.107). 46

HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.443.

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35

elaborarem seus Estatutos e produzirem suas leis, por força da distribuição de

competências previstas pela Constituição de 1978.

Entretanto, outras peculiaridades afastam a forma do Estado espanhol do

modelo federalista. Citemos, como exemplo, a tramitação do Estatuto das

Províncias no órgão legislativo central do Estado, para receber a lei estatal de

aprovação e a ausência da autonomia constitucional dos territórios do Estado

unitário para atribuir poder de auto-organização, e de autonomia judiciária pela

inexistência do Poder Judiciário nas Comunidades Autonômas.

Por outro lado, ainda que a autonomia seja exercitada limitadamente

pelas entidades periféricas dos estados regionais, cada entidade tem um

complexo de competências próprias.

Esclarecemos ainda que a forma como as competências são atribuídas

aos entes periféricos nos Estados Regionais são distintas daquelas indicadas

para os Estados federais. Neste último, a Constituição Federal unifica de forma

indissolúvel as ordens centrais e periféricas e é a única responsável pela

divisão de competências. As leis infraconstitucionais não poderão fixar

competências, sob pena de inconstitucionalidade.

Nos Estados Unitários esta realidade é diferente. As autonomias são

qualitativamente e quantitativamente distintas para cada instância de poder.

Isto significa que cada Estado cria várias ordens periféricas de poder que

titularizam graus de autonomia distintas. Na Espanha, em função da

Constituição de 1978, o Estado é organizado em municípios, províncias e

comunidades autônomas, cada um com autonomia para gerir seus interesses,

por seus próprios órgãos. Em âmbito local existem as províncias e os

municípios, e na esfera regional, as comunidades autônomas.

Na Colômbia, por sua vez, as entidades territoriais (organização política

administrativa do Estado), por força do art. 286 da Constituição de 1991, são

compostas por departamentos territoriais, distritos, municípios e territórios

indígenas.

De uma maneira ou de outra, existem pontos em comum, no que se

refere à divisão de competências entre os dois Estados. A Constituição é

encarregada de distribuir genericamente competências, enumerando as

exemplificativas, que posteriormente serão complementadas por leis

infraconstitucionais. Assim, o formato da autonomia dependerá do conteúdo

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36

atribuído pela Constituição e pelas leis infraconstitucionais, característica que

não se aplica à realidade federativa. Na Espanha, em face dos poderes locais e

regionais, a Constituição estabelece genericamente as competências locais

materializadas por meio de competências que o legislador regional das

comunidades autônomas atribui a cada qual47.

Em que pese a admissão de autonomias regionais, por se tratar de

Estados Unitários, embora exista uma necessária convivência entre as diversas

ordens de poder, ainda assim, há prevalência dos interesses da ordem

nacional. Paula Robledo Silva confirma esta constatação48:

Finalmente, dentro de lo que se ha denominado fuentes em matéria de límites e la autonomia local se encuentran los poderes de los demás niveles territoriales, que se refieren al Estado y las Comunidades Autónomas. Tanto a nível nacional como regional existen intereses diversos a los de los entes locales y, desde luego, debe existir uma cohabitación de intereses que se lleva a cabo mediante uma participación diversa por parte de los entes territoriales em el ejercicio del poder. Esto significa, como se dijo antes, que en España no hay um régimen uniforme em matéria de autonomia territorial y por ello el interés general de la Nación goza de supremacia frente a los intereses de las Comunidades Autónomas y los entes locales.

De que forma cada entidade territorial exerce as competências

atribuídas pela Constituição e pela legislação infraconstitucional? De acordo

com o art. 287 da Constituição colombiana de 1991 as entidades territoriais têm

autonomia para gerir seus interesses através de suas próprias autoridades,

administrar os recursos e tributos necessários para cumprir suas funções.

47

SILVA, Paula Robledo. La Autonomia Municipal em Colômbia. Colômbia: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.56; 159. Acompanhe dois trechos de explicações distintas feitos pela autora a respeito desta dinâmica de distribuição de competências entre os países. Na Colômbia (p.56): “La concreción del contenido del artículo 287 se encuentra em las distintas competencias de las que son titulares los entes territoriales. Em nuestro ordenamiento es la propria Constitución la encargada de hacer uma primera distribución de competências; sin embargo, hay que tener em cuenta que no se trata de listas cerradas; todo lo contrario, la Carta Política deja abierta la posibilidad para que através de la via legislativa se complete el sistema competencial Desde esta perspectiva, se trata de um concepto cuyo contenido podrá I lenarse a partir de otros preceptos constitucionales, distintos del artículo 287, y de la labor del órgano legislativo. El alcance de la autonomía dependerá de lo que la Constitución y la ley determine em relación a los intereses de las entidades territoriales em las distintas matérias o sectores de acción territorial; por lo tanto, se deja um marco de definición muy reducido a las autoridades territoriales, esto sin duda constituye um obstáculo de gran tamaño em el ejercicio de la autonomia territorial”. Na Espanha (p.160): “Así las cosas, la Constitución estableció uma cláusula general a favor de los entes locales que se materializará a través del abanico de competencias que el legislador (estatal y regional) atribuya a dichos entes. El legislador estatal, consciente de que no podía regular las competências locales de forma definitiva, utilizó em la Ley Reguladora de las Bases del Régimen Local, em adelante LRBRL (art.2.I), um critério material según el cual él y el legislador regional deben proceder a determinar las competencias locales em todos aquellos asuntos públicos que afecten los intereses de la comunidad local”. 48

SILVA, Paula Robledo. La Autonomia Municipal em Colômbia. Colômbia: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.166-167.

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37

Neste caso, as entidades territoriais gozam de autonomia administrativa e

financeira.

Entretanto, estes conteúdos não são baseados nos mesmos parâmetros

do Estado federal. Por se tratar de Estado unitário, a autonomia é concebida

em outros termos, ou seja, não está calcada na ideia de elaborar suas próprias

leis, denominada capacidade legislativa.

Nos Estados Regionais, como por exemplo, o colombiano, o sentido de

autonomia política foi alterado para parâmetros mais flexíveis do que o

conteúdo clássico atribuído em termos de capacidade legislativa. Na realidade,

a autonomia política deve ser interpretada como normativa e não legislativa. O

que isto significa? Que apenas o Congresso Nacional Colombiano é

competente, para expedir leis aplicáveis em todo território nacional, enquanto

as entidades territoriais o são para expedir atos regulamentares. É por isto, que

as entidades territoriais, dentre elas, o município são dotadas de autonomia

normativa secundária. Assim, apenas o ente central tem autonomia normativa

primária. A secundária permite que as entidades periféricas administrem seus

interesses através de atos administrativos que executem as leis nacionais, por

meio de autoridades próprias. Nas palavras de Paula Robledo Silva49:

Nuestros municípios gozan de potestad normativa secundaria, puesto que la producción legislativa se encuentra radicada exclusivamente em el Congreso de la República, poseen capacidade de dirección política autónoma y sus órganos de gobierno son elegidos mediante votación directa de los ciudadanos en el marco de um sistema democrático. Estos elementos son los que han llevado a um sector doctrinal, con el que estamos de acuerdo plenamente, a afirmar que los entes municipales pueden ser titulares de autonomía política. No obstante, se debe matizar esta afirmación señalando que, evidentemente, no se está em presencia de lo que por tradición se há entendindo por autonomia política, uma autonomía fuerte y robustecida por medio de la potestad legislativa; pero, sin duda alguna, se está delante de la outra tendencia que se ve reflejada tanto em la doctrina como em el Derecho positivo, es decir, aquella que ve em la autonomía política una noción renovada que no se identifica necesariamente com la potestad legislativa.

Com base neste raciocínio, através da comparação entre os modelos

federativos e regionais percebemos que o sentido de distribuição espacial do

poder político é distinto, de acordo com o conteúdo aplicado ao termo

49

SILVA, Paula Robledo. La Autonomia Municipal em Colômbia. Colômbia: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.414.

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autonomia por cada Constituição. Igualmente, o modelo de organização

político-administrativa dos Estados reflete sensivelmente no tratamento jurídico

conferido às regiões metropolitanas e seu planejamento urbano.

O propósito da nossa tese é o estudo do Regime Jurídico Metropolitano,

composto pelos critérios legislativos de criação das regiões metropolitanas,

pelas autoridades responsáveis por executar as funções metropolitanas e pelas

formas de exercício do planejamento urbano metropolitano.

A utilização de doutrina estrangeira serve como subsídio para

aprofundarmos o estudo do tema, sobretudo, em relação à discussão das

formas de administração metropolitana, do conteúdo e das interfaces entre os

interesses metropolitanos e locais. Quando abordarmos os modelos de

administração metropolitana, verificaremos, por exemplo, que a Espanha adota

como forma de gestão das regiões e execução de seu planejamento urbano o

modelo consorcial. Apesar de ser um instrumento importante para administrar

interesse metropolitano, não poderá ser utilizado pelo nosso sistema jurídico,

em função das limitações jurídicas do regime constitucional brasileiro.

Neste item, desenvolveremos as características do Estado regional para

apresentarmos elementos relevantes à análise das experiências estrangeiras,

completamente distintas do sistema federativo brasileiro, embora forneçam

importantes parâmetros para avaliarmos em função do grau de autonomia dos

entes periféricos, o exercício de competências urbanísticas em relação às

regiões metropolitanas.

A despeito de compararmos os Estados Regionais, os ordenamentos

jurídicos espanhóis e colombianos contam com relevantes institutos jurídicos,

como o plano diretor e modelos de administração consorcial, os quais serão

aproveitados para o estudo do planejamento metropolitano, sob o crivo do

modelo federalista.

1.1.4 Tipos de federalismo e os modelos adotados pela Constituição Federal de 1988

Já observamos que o Federalismo apresenta princípios fundamentais

que terminam por caracterizá-lo como forma de Estado, mas que em razão das

circunstâncias históricas, econômicas e sociais, as Constituições de cada país

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definem um modelo específico. Assim, existem vários tipos de federalismo, em

função da maneira como as características gerais do sistema são apropriadas

e organizadas pela Constituição dos Estados.

Na sequência da nossa pesquisa, apresentaremos algumas

classificações da doutrina constitucionalista, com o propósito de analisar o

perfil do federalismo adotado pelo Brasil, na Constituição Federal de 1988.

Novamente chamamos a atenção para o corte metodológico utilizado para

tratarmos do tema, em função de nosso objeto de estudo. Certamente, não

cuidaremos de todas as classificações doutrinárias, mas apenas aquelas que

tratam das características referentes à descentralização política e da

autonomia por serem as mais relevantes para a abordagem da repartição

constitucional de competências.

Isto posto, ao abordarmos a evolução das tipologias federalistas

adotadas ao longo da história das cartas constitucionais brasileiras, julgamos

relevante aprofundarmos o estudo das características relacionadas ao

federalismo de regiões e dos modelos adotados a partir da Constituição de

1967, ocasião em que foram previstas pela primeira vez as regiões

metropolitanas no ordenamento jurídico brasileiro. Através da interpretação

histórica, poderemos reunir subsídios para compreendermos o perfil jurídico

atual das regiões metropolitanas.

Desta forma, utilizaremos a tipologia formulada pela doutrina

constitucionalista brasileira50, que considera como as competências são

distribuídas entre os entes federativos. Assim, a doutrina distingue o

federalismo dual do cooperativo.

No federalismo dual a distribuição de competências entre os entes é

rígida. De um lado, a União recebe atribuições, e de outro, o Estado, cada uma

delas de forma exclusiva. André Ramos Tavares51 utiliza os ensinamentos de

Bernard Scharwartz52 para esclarecer o dualismo na distribuição de

competências: “A doutrina baseou-se na noção de dois campos de poder

50

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15.ed. São Paulo: Saraiva, 2011; TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2012; ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático.2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005; HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010; SILVA, José Afonso da. O Constitucionalismo Brasileiro (Evolução Institucional). São Paulo: Malheiros, 2011. 51

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.1100. 52

SCHARWARTZ, Bernard. O Federalismo Norte-Americano Atual. Tradução de Elcio Cerqueira. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984, p.26.

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40

mutuamente exclusivos, reciprocamente limitadores, cujos ocupantes

governamentais se defrontavam como iguais absolutos”.

Do ponto de vista histórico, Nina Beatriz Stocco Ranieri53 explica que o

federalismo dual dos fins do século XVIII adota a filosofia liberal que lhe é

contemporânea, justamente por opor-se à organização unitária dos Estados

centralizados, até então existentes no modelo monárquico. José Alfredo de

Oliveira Baracho54acrescenta que no federalismo dualista tanto a nação como

os Estados são soberanos em suas esferas de atividade. Isso impede a União

ingressar no campo de atividade dos estados, contribuindo para o

fortalecimento do ideal de limitação estatal preconizado pelo Estado Liberal.

Vale dizer, cada ente federado deve exercer suas atribuições nos estritos

limites impostos pela Constituição. O federalismo dual foi aplicado na origem

do modelo norte-americano, bem como no século XIX à Austrália, Canadá e no

início das Repúblicas Latino-Americanas55.

A partir do Estado do Bem-Estar Social, durante o século XX, mais

precisamente, a partir da crise capitalista de 1929, como forma de intervenção

do governo federal em relação aos Estados-membros para conter os

catastróficos efeitos sociais e econômicos resultantes da quebra da bolsa, foi

implementado o federalismo cooperativo. Ao contrário da rigidez predominante

no modelo dual, no federalismo cooperativo não existem limites definidos em

relação à distribuição de competências entre os entes da federação. O intuito

desta forma federativa é justamente promover a cooperação entre todos os

núcleos de poder, ainda que de forma forçada para solucionar problemas

sociais e econômicos. A atuação conjunta entre os entes pode ser exercida de

forma comum ou concorrente. Afirma Nina Beatriz Stocco Ranieri56:

53

RANIERI,Nina Beatriz Stocco. Sobre o Federalismo e o Estado Federal. Revista de Direito Constitucional e Internacional (RDCI) 9/87. Out-dez.1994. In: (Orgs.) CLÉVE, Clemerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional: Organização do Estado. Coleção doutrinas essenciais. v.III. São Paulo: RT, 2011. 54

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Novos Rumos do Federalismo. Revista de Direito PúblicoRDP 65/5, jan-mar.1983, p.107. In: (Org.) CLÉVE, Clemerson Merlin; BARROSO, Luis Roberto. Doutrinas Essenciais. Direito Constitucional. Edição Especial da RT 100 anos. 55

RANIERI,Nina Beatriz Stocco. Sobre o Federalismo e o Estado Federal. Revista de Direito Constitucional e Internacional (RDCI) 9/87. Out-dez.1994. In: (Orgs.) CLÉVE, Clemerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional: Organização do Estado. Coleção doutrinas essenciais. v.III. São Paulo: RT, 2011, p.171. 56

RANIERI,Nina Beatriz Stocco. Sobre o Federalismo e o Estado Federal. Revista de Direito Constitucional e Internacional (RDCI) 9/87. Out-dez.1994. In: (Orgs.) CLÉVE, Clemerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional: Organização do Estado. Coleção doutrinas essenciais. v.III. São Paulo: RT, 2011, p.170.

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41

É desejada a mais perfeita interação estadual/federal em prol do interesse coletivo, cabendo à União o papel de provedor econômico-financeiro, na medida em que o orçamento federal garante a consecução dessa estratégia. Este aspecto, sobretudo nas relações econômicas, leva a um maior fortalecimento do Poder Executivo Federal.

Deste modo, o federalismo cooperativo promove maior centralização de

poder entre os entes federados, através do fortalecimento da União. É

justamente este o ponto de grande controvérsia e crítica sobre este modelo. A

doutrina o acusa de promover o autoritarismo. Segundo Paulo Bonavides:57

É o único federalismo que os países socialistas conhecem, pois excelentemente se amolda ao autoritarismo e os isenta de todo o reconhecimento da autoridade política autônoma das unidades-membros. [...] nos países democráticos não se poderá aplicá-lo a contento, salvo se vier resguardado de sólidas instituições jurídicas, ou seja, se o fizermos indissociável de um Estado de Direito [...]. O mal do chamado federalismo cooperativo é a sua unidimensionalidade de fato, o unilateralismo da decisão. Esse federalismo só tem uma cabeça: a União. Há sido na prática um federalismo de subordinação (contradizendo a lógica do sistema) e não de coordenação. Não há verdadeiro ou legítimo federalismo de participação e cooperação nas sociedades democráticas, sem audiência às unidades-membros, sem o resguardo da autonomia que estas hão de possuir, sem o concurso de sua vontade livre na tomada de decisões cuja resultante seja um ato de intervencionismo ou um esquema de planejamento do Poder Central.

Diante desta crítica alertando para o risco de centralização da tomada de

decisões pela União e a subordinação dos Estados ao atendimento de suas

determinações, Augusto Zimmermmann58 propõe adotar duas modalidades de

federalismo cooperativo: autoritário e democrático. No federalismo autoritário, a

coordenação é imposta pela entidade central União enquanto o democrático

prioriza a colaboração consentida entre os entes federados, por meio do pacto

constitucional.

O federalismo cooperativo democrático recuperaria a autonomia dos

entes, fortalecendo os Estados-Membros e o primado da Constituição. Nas

palavras de Paulo Bonavides59:

57

BONAVIDES, Paulo. Política e Constituição – os caminhos da democracia. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p.103 apud ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático.2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p.57. 58

ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático.2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p.58. 59

BONAVIDES, Paulo. Política e Constituição – os caminhos da democracia. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p.103 apud ZIMMERMANN, Augusto. Teoria Geral do Federalismo Democrático.2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005, p. 59.

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A juridicidade do relacionamento do poder federal com os poderes estaduais, sob a égide da Constituição Federal, elimina o autoritarismo, fazendo a confiança e solidez do sistema na consciência dos governados. Não há, portanto, federalismo cooperativo sem o primado da Constituição. Das disposições da lei suprema brota a solidariedade dos entes constitutivos, única alternativa segura para uma integração consentida, que jamais se obteria com o federalismo cooperativo de natureza autoritária.

Nina Beatriz Stocco Ranieri60 observa que da vertente autoritária do

federalismo cooperativo surgem o federalismo de integração e regional ou de

regiões.

O federalismo de integração também preconiza a preponderância do

governo federal através da busca pela integração nacional. André Ramos

Tavares61 afirma com base em Dircêo Torrecillas Ramos62 que o federalismo

de integração desqualifica o tradicional, pois reduz significativamente a

autonomia dos Estados-membros, subordinando sua atuação aos comandos

do governo central, aproximando-se de um Estado unitário descentralizado

constitucionalmente.

No Brasil, este modelo vigorou nas Constituições Federais de 1967 e

1969, caracterizadas pelo retrocesso democrático e pela inauguração do

regime ditatorial. Houve acréscimo significativo das competências da União,

acarretando uma relação de dependência cada vez maior dos Estados em

relação ao poder central. Citamos, como exemplo, a criação dos Estados-

membros, que não contava com a anuência do interessado (Estado-membro),

recaindo a responsabilidade apenas sobre a União que teria competência para

aprovar o processo, por meio de lei federal.

Trata-se de teoria concebida por Alfredo Buzaid63, de acordo com José

Afonso da Silva64, baseada na intervenção do Estado no domínio econômico

60

RANIERI,Nina Beatriz Stocco. Sobre o Federalismo e o Estado Federal. Revista de Direito Constitucional e Internacional (RDCI) 9/87. Out-dez.1994. In: (Orgs.) CLÉVE, Clemerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional: Organização do Estado. Coleção doutrinas essenciais. v.III. São Paulo: RT, 2011, p.170. 61

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional.10.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.1102. 62

RAMOS, Dircêo Torrecillas. O federalismo assimétrico.1.ed. São Paulo: Plêiade,1998, p.75. 63

BUZAID, Alfredo. Estado Federal Brasileiro. In:Conferências. Departamento de Imprensa Nacional: Brasília, 1971, p.128. 64

SILVA, José Afonso da.O Constitucionalismo Brasileiro (Evolução Institucional). São Paulo: Malheiros, 2011, p.294.

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para promover a integração nacional, através do desenvolvimento das regiões

pobres, na perspectiva desenvolvimentista dos militares65.

Por outro lado, Paulo Bonavides66 e Fábio Konder Comparato

desenvolveram o federalismo de regiões, que defendia a autonomia das

regiões administrativas criadas pela União67e das Regiões Metropolitanas, ao

lado das autonomias estaduais, como forma de promover políticas de

desenvolvimento para solucionar questões de desequilíbrios socioeconômicos

entre os entes federados. Haveria o fortalecimento das regiões, ao lado dos

outros níveis de poder, em detrimento do centralismo do federalismo de

cooperação e integração.

No Brasil, a tese referente ao federalismo das Regiões foi desenvolvida

a partir do federalismo cooperativo, introduzido na Carta Constitucional de

1946, sob a perspectiva das Regiões Administrativas. O sistema cooperativo

destinava percentagens de renda tributária ao desenvolvimento de regiões nela

indicadas, promovendo a criação de superintendências regionais de

desenvolvimento, como entidades administrativas autônomas, sob o comando

da União Federal, como ocorreu com a Superintendência do Desenvolvimento

do Nordeste (Sudene).

O contexto criado pelo fortalecimento da União em relação às políticas

regionais de desenvolvimento, implementadas nos Estados-membros, ao lado

do enfraquecimento do poder político estadual e o consequente desequilíbrio

entre as unidades federativas, contribuíram para a criação, segundo Paulo

Bonavides68, da tese referente à autonomia das Regiões. A ideia não era

substituir o federalismo de Estados-membros, dotados de autonomia, mas

atribuir poder político às Regiões de Desenvolvimento, configuram um quarto

nível de governo, denominado regional, ao lado do federal, do estadual e do

municipal. As Regiões (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste) teriam

65

BUZAID, Alfredo. Estado Federal Brasileiro. In: Conferências. Departamento de Imprensa Nacional: Brasília, 1971, p.128 apud SILVA, José Afonso da. O Constitucionalismo Brasileiro (Evolução Institucional). São Paulo: Malheiros, 2011, p.294. 66

BONAVIDES, Paulo. Planejamento e os organismos regionais como preparação a um federalismo das regiões (a experiência brasileira). Revista de Informação Legislativa.jul-set.1971; COMPARATO, Fábio Konder. Planejar o Desenvolvimento: Perspectiva Institucional. Revista de Direito Público (RDP). out-dez. São Paulo: RT, 1988, p.19-43. 67

Art. 43 da Constituição Federal de 1988 e os instrumentos regionais criados pela Constituição de 1946 como SUVALE, SUDAM, SUDENE, SUDESUL, SUDECO. 68

BONAVIDES, Paulo. Planejamento e os organismos regionais como preparação a um federalismo das regiões (a experiência brasileira). Revista de Informação Legislativa. jul-set.1971, p.73.

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governo próprio, de capacidade legislativa, administrativa, além de

promoverem sua própria Constituição.

Acompanhemos a tese do autor, redigida à época da Constituição de

196969:

No federalismo brasileiro coexistem três níveis de governo – o federal, o estadual e o municipal, observando-se absoluta preponderância do poder federal, com declínio da esfera estadual (autonomia dos Estados-membros) e a estagnação da órbita municipal (autonomia dos Municípios). A formação do quarto nível se desenha no horizonte, justificando a sondagem prospectiva, objeto do presente trabalho. O governo regional seria a nosso ver a única saída, de futuro, para o desenlance eventual da presente estrutura federativa do Brasil, em plena crise. Fora dessa alternativa, cairemos na solução unitária e centralizadora, já iminente, e que fará o País regredir a fórmulas de organização política praticadas durante o passado, ao tempo da monarquia, e consoante se supunha irreversíveis, em virtude do advento da Federação. Nem mesmo aquele preceito constitucional que veda toda Emenda à Constituição, que possa alterar as bases federativas e republicanas do sistema, parece constituir garantia bastante eficaz contra os fatos avassaladores, conducentes a uma centralização assoberbante e prenúncio grave do retrocesso ao Estado unitário, com a morte ulterior do federalismo, já enfermo. [...] Com a dicotomia federalista, formalmente em vigor, mas a pique de extinguir-se o federalismo tetradimensional que se adotasse (União, Estado, Município e Região) seria ainda um federalismo de transição, reservando-se à Região o papel de verdadeiro instrumento renovador e estimulante de reacomodação política e econômica do sistema, em termos mais realistas. Tal aconteceria até que a Federação como tempo, e ultrapassadas as razões da crise, viesse a definir com mais precisão as linhas de seu comportamento e as relações entre as unidades regionais politizadas e a União.

A despeito de alguns conceberem o federalismo cooperativo, na

modalidade Regiões, como solução para fortalecer o ideal autônomo de cada

esfera federativa, Raul Machado Horta70 visualizava outro ângulo da questão e

acusava esta forma cooperativa de contribuir com a centralização de poderes

da União, comprometendo o harmonioso convívio federativo. Ao tratar do

assunto, o autor afirmava71:

69

BONAVIDES, Paulo. Planejamento e os organismos regionais como preparação a um federalismo das regiões (a experiência brasileira). Revista de Informação Legislativa. jul-set.1971, p.73. 70

HORTA, Raul Machado. A Autonomia do Estado-membro no Direito Constitucional Brasileiro (tese de concurso). Belo Horizonte, 1964, p.121 apud SILVA, José Afonso da.O Constitucionalismo Brasileiro (Evolução Institucional). São Paulo: Malheiros, 2011, p.292. 71

HORTA, Raul Machado. A Autonomia do Estado-membro no Direito Constitucional Brasileiro (tese de concurso). Belo Horizonte, 1964, p.121 apud SILVA, José Afonso da.O Constitucionalismo Brasileiro (Evolução Institucional). São Paulo: Malheiros, 2011, p.293.

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45

a cooperação financeira se compromete quando as discriminações caprichosas de arbítrio reclamam atos de vassalagem, certamente, incompatíveis com o harmonioso convívio federativo [...] A cooperação financeira, na base de decisões unilaterais do Governo Federal, pode eletrocutar a autonomia. Por isso, impõe-se fortalecê-la como o desenvolvimento de sistema se relações intergovernamentais capaz de elaborar decisões fundadas na participação e no assentimento recíproco das partes diretamente interessadas na convivência federativa.

Ressaltamos que as Constituições de 1967 e 1969 introduziram as

Regiões Metropolitanas no âmbito das Regiões criadas pela União por meio de

Lei Complementar. A despeito das teses desenvolvidas em termos de

federalismo de regiões, que qualificaram as regiões como nível de governo

intermediário entre os Estados e Municípios, a tese não foi adotada pela

Constituição anterior, mantendo a autonomia apenas em relação à União e aos

Estados-membros.

Diante da evolução federalista exposta pela análise das Cartas

Constitucionais, resta-nos indagar: qual a tipologia adotada pela Constituição

Federal de 1988?

A Carta fortaleceu o pacto federativo, sobretudo, introduzindo a

autonomia aos municípios, caracterizada pelo aprimoramento de competências

municipais e pelo poder de auto-organização dos Municípios, por meio das Leis

Orgânicas (art.29, c/c parágrafo único do art. 11 do Ato das Disposições

Constitucionais Transitórias) 72.

Além disto, favoreceu o regionalismo, sem adotar o federalismo de

Regiões. Além das Regiões Metropolitanas, a Constituição criou as

microrregiões e aglomerações urbanas como fruto da criação pelos Estados-

Membros com o intuito de promover a organização, o planejamento e a

execução de funções públicas de interesse comum.

Do ponto de vista da divisão de competências, a Constituição Federal

adotou o modelo cooperativo democrático, pois modernizou a redistribuição de

competências constitucionais, garantindo a divisão horizontal, por meio das

competências privativas, sem descuidar dos mecanismos de cooperação,

desenvolvidos através das competências administrativas comuns (art. 23) e

concorrentes (art. 24).

72

Adotamos a abreviatura c/c durante toda a pesquisa para designar a combinação entre normas legais. (c/c = combinado)

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46

Gilberto Bercovici73 afirma que a Constituição de 1988 consagrou a

cooperação federativa. A cooperação instituída garante a autonomia de todos

os entes federados e promove o equilíbrio de atribuições entre todos os

núcleos de poder, por meio da Carta Constitucional.

Predominam as relações de coordenação e cooperação, conforme

esclarece o autor74:

A coordenação é, na realidade, um modo de atribuição e exercício conjunto de competências no qual os vários integrantes da Federação possuem certo grau de participação. A vontade das partes é livre e igual, com a manutenção integral de suas competências: os entes federados sempre podem atuar de maneira isolada ou autônoma. A coordenação é um procedimento que busca um resultado comum e do interesse de todos. A decisão comum, tomada em escala federal, é adaptada e executada autonomamente por cada ente federado, adaptando-a às suas peculiaridades e necessidades. A materialização da coordenação na repartição de poderes são as competências concorrentes.

No nosso modelo constitucional, a coordenação é exercida conforme o

art. 24, através das competências concorrentes. A União e os demais entes

federados concorrem para o exercício de uma competência, mas com âmbito e

intensidade distintos.

Por outro lado, na cooperação todos os entes federados devem exercer

sua competência conjuntamente, excluindo a possibilidade de atuação isolada

de cada um. Na Constituição de 1988 foi prevista no art. 23, nas competências

comuns. De acordo com Gilberto Bercovici75:

Nas competências comuns, todos os entes da Federação devem colaborar para a execução das tarefas determinadas pela Constituição. E mais: não existindo supremacia de nenhuma das esferas na execução destas tarefas, as responsabilidades também são comuns, não podendo nenhum dos entes da Federação se eximir de implementá-las, pois o custo político recai sobre todas as esferas de governo. A cooperação parte do pressuposto da estreita interdependência que existe em inúmeras matérias e programas de interesse comum, o que dificulta (quando não impede) a sua atribuição exclusiva ou preponderante a um determinado ente, diferenciando, em termos de repartição de competências, as competências comuns das competências concorrentes e exclusivas.

73

BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, p.149. 74

BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, p.151. 75

BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, p.153.

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A despeito da maioria dos constitucionalistas atribuir à Constituição

Federal a qualificação de federalismo cooperativo democrático, Raul Machado

Horta76 entende que a Constituição Federal inovou e ultrapassou os limites da

cooperação ao implementar um Federalismo de Equilíbrio.

André Ramos Tavares77 ao explicar o Federalismo de equilíbrio, afirma

que a expressão foi cunhada por Dircêo Torrecillas78e significa a necessidade

de no federalismo se manter o delicado equilíbrio entre as entidades

federativas. Segundo o autor, este equilíbrio federativo poderá ser alcançado

pela atuação das regiões de desenvolvimento, previstas no art. 43 e das

regiões metropolitanas (art. 25, §3º), além da criação de mecanismos de

articulação entre os entes federativos, como a lei complementar prevista pelo

art. 23, parágrafo único, da Constituição Federal79.

Neste sentido, até mesmo como objeto de investigação deste estudo, o

aprimoramento do regime jurídico das Regiões Metropolitanas conferido pela

Constituição Federal de 1988 proporciona o equilíbrio nas relações entre os

entes federativos.

Raul Machado Horta80, ao tecer comentários sobre esta tipologia de

federalismo, estabelece uma relação ontológica81 entre o federalismo de

equilíbrio e o federalismo cooperativo.O federalismo traz em si a própria

essência de colaboração, pois deriva de foedus, termo que significa, pacto,

ajuste, tratado, entre a comunidade central e as comunidades parciais. Assim,

o grande desafio desta forma de Estado é promover dentro do pacto

cooperativo, um equilíbrio nas relações entre os entes federados no exercício

de suas autonomias políticas.

Segundo o jurista mineiro, a cooperação no federalismo brasileiro surgiu

com a implantação de organismos regionais e com o mecanismo da repartição

76

HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.430. 77

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional.10.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.1102. 78

RAMOS, Dircêo Torrecillas. O federalismo assimétrico.1.ed. São Paulo: Plêiade,1998, p.81. 79

Vale a pena mencionar a recente Lei Complementar 140 de 8/12/2011 que pioneiramente fortaleceu os comandos do art. 23, III, VI e VII e parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal ao fixar, para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora; e altera a Lei n

o 6.938, de 31 de agosto de 1981.

80HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.426.

81FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio

de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p.1224. Ontológico. Adj. Filos. 1. Pertencente ou relativo à ontologia. Ontologia. SF. Filos. Parte da filosofia que trata do ser enquanto ser, e, do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres.

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tributária de impostos federais e estaduais. Isto beneficiou Estados e

Municípios mediante a atribuição de percentuais da arrecadação dos impostos

que se tornaram objeto da repartição.

Desta maneira, o professor mineiro afirma82 que o federalismo de

equilíbrio da Carta atual substitui os modelos das Constituições de 1967 e

1969, que fortaleciam a União em detrimento dos Estados-Membros e até

mesmo dos Municípios, que até então não contavam com efetiva autonomia

política. Nas palavras do autor83:

O federalismo constitucional de 1988 exprime uma tendência de equilíbrio na atribuição de poderes e competências à União e aos Estados. Afastou-se das soluções centralizadoras de 1967 e retomou, com mais vigor, soluções que despontaram na Constituição de 1946, para oferecer mecanismos compensatórios, em condições de assegurar o convívio entre os poderes nacionais-federais da União e os poderes estaduais-autônomos das unidades federadas. As bases do federalismo de equilíbrio estão lançadas na Constituição de 1988.

O autor cita o artigo 24 dentre as inovações da Constituição de 1988 no

campo da distribuição de competências por ter ultrapassado as tímidas

dimensões das competências supletivas ou complementares adotadas em

Constituições anteriores, permitindo uma atuação mais robusta aos Estados,

por meio das competências complementares e supletivas, previstas nos § 3º e

§ 4º deste artigo constitucional.

1.2 Entes federados e as Regiões Metropolitanas à luz da Constituição Federal de 1988

De acordo com o art. 18 da Constituição Federal de 1988, são

considerados entes federados, todos autônomos, nos termos da Constituição a

União, os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios.

Deste modo, quando a constituição se refere às entidades federadas, ela

atribui a cada uma a capacidade administrativa, legislativa e o poder de

promover sua própria constituição e organização. Citemos como exemplo o

perfil jurídico dos Estados-membros, desenhado pela Constituição Federal de

1988.

82

HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.429. 83

HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 5.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.416.

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Os Estados-membros são ordens parciais autônomas

independentemente da União, que formam o vínculo indissolúvel entre si

gerando a União Federal. Internamente os entes federativos são autônomos

nos limites de suas competências constitucionais.

O regime jurídico do Estado-membro foi previsto no art. 25 da

Constituição Federal e suas características relativas à autonomia também.

De acordo com o art. 25 da Constituição Federal e 11 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias, os Estados organizam-se e regem-se

por suas próprias Constituições, através da atuação da Assembleia legislativa,

observados os princípios da Constituição Federal.

Baseados em Anna Cândida da Cunha Ferraz84, Luiz Alberto David

Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior85, os princípios que devem ser obedecidos

pelo Poder Constituinte dos Estados-membros:

Assim, como Anna Cândida da Cunha Ferraz entendemos que a Carta Estadual deve obedecer aos seguintes limites: a) princípios, explícitos ou não, que retratem o sistema constitucional do País, como o princípio republicano, a eletividade, a tripartição de Poderes, inclusive em relação ao processo legislativo, direitos fundamentais etc. b) princípios relativos à Federação que se estendam aos Estados-membros, a exemplo de questões relativas à repartição de rendas, impostos estaduais, autonomia municipal e etc. c) preceitos específica e diretamente destinados aos Estados-membros, tais quais os atinentes à organização do Poder Judiciário e do Ministério Público estaduais, instituição de regiões metropolitanas etc.

Percebemos, por esta limitação, que deverá existir entre as

Constituições Estaduais e Federais aquilo que a jurisprudência denomina regra

de simetria. Assim, se a Constituição Federal indicar os legitimados do art. 61,

responsáveis pela iniciativa das leis complementares e ordinárias, respeitadas

as diferenças, as Constituições Estaduais deverão adotar as mesmas

previsões.

A capacidade de autogoverno é revelada pela prerrogativa dos Estados

elegerem seus próprios membros do Poder Executivo, independentemente de

autorização do governo central. Neste sentido, o art. 28 da Constituição

84

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Poder Constituinte do Estado-membro, p.54 apud ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional.15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.290. 85

ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.290.

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Federal indica como chefe do Poder Executivo o governador e o vice-

governador.

Com relação ao exercício do Poder Legislativo, o art. 27 da Constituição

Federal prevê a composição e a estrutura das Assembleias Legislativas.

Por sua vez, o Poder Judiciário dos Estados será organizado (art. 125 da

Constituição Federal) a partir de competências definidas na Constituição dos

Estados. De acordo com os arts.125 e 126 da Constituição Federal, o Poder

Judiciário Estadual tem no Tribunal de Justiça o seu órgão de cúpula, que

exerce a jurisdição em segundo grau, enquanto os juízes de direito titularizam o

exercício da jurisdição estadual em primeiro grau.

Por sua vez, a capacidade legislativa foi atribuída como regra de forma

residual, conforme o art.25, §1º e expressa, no § 2º, quanto à exploração direta

ou mediante concessão dos serviços locais de gás canalizado.

O art. 25, §3º, da Constituição Federal permite que os Estados-Membros

por meio de Leis Complementares, criem regiões metropolitanas,

aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de

municípios limítrofes para integrar a organização, o planejamento e a execução

de funções públicas de interesse comum.

Conforme veremos mais adiante, as Regiões Metropolitanas são

formadas pelo fenômeno da conurbação urbana,que promove a formação de

um único aglomerado urbano que se espalha pelos limites territoriais de vários

municípios, criando um único sistema socioeconômico, que necessita de

planejamento, execução e organização das funções públicas de interesse

comum.

A criação das Regiões Metropolitanas exige soluções administrativas

comuns entre os municípios limítrofes, como por exemplo, relacionadas ao

transporte e planejamento urbanos, saneamento e preservação ambiental.

As definições e regime jurídico de cada figura serão delineados

detalhadamente nos próximos capítulos. No entanto, é importante ressaltarmos

que as Regiões Metropolitanas não são entidades políticas federadas, por não

terem autonomia na acepção de governo próprio, autoconstituição e exercício

de competências legislativas e administrativas.

São criadas pelo Estado-membro e assumem várias formas de

administração, ora como órgão, ora como pessoa jurídica de direito público. E

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51

dependem da lei complementar estadual responsável por sua formação para

executar, planejar e organizar funções comuns de forma compartilhada com os

Municípios integrantes.

Para pontuarmos nossas discussões, apresentamos um trecho da obra

de Michel Temer86 visando afastar completamente a natureza jurídica

federativa das Regiões Metropolitanas:

Será a Região Metropolitana uma quarta esfera de governo, uma pessoa dotada de capacidade política? Se não for, caracteriza-se como pessoa de capacidade administrativa? Ainda, será pessoa? De logo se afirme que a região metropolitana não é dotada de personalidade. Com este dizer fica afastada a idéia de governo próprio ou, mesmo, de administração própria. Não é pessoa política nem administrativa. Não é centro personalizado. Não é organismo. É órgão.

Com relação aos Municípios, membros integrantes das Regiões

Metropolitanas, a despeito do debate doutrinário acerca de sua inclusão na

categoria de entes federados, acolhemos a posição que qualifica o Município

como ente federativo, ao lado da União, Estados e Distrito Federal.

Em face dos argumentos expostos, não tem sentido sustentarmos que o

Município não é parte essencial da federação, como entende José Afonso da

Silva87 que defende ser o Município apenas parte integrante da Federação.

Caminha para o mesmo entendimento José Nilo de Castro88, que por

sua vez, acrescenta novos argumentos para afastar os Municípios das

entidades federadas. Ao lado de José Afonso da Silva, acrescenta:

A Federação, dessarte, não é de Municípios e sim de Estados, cuja caracterização se perfaz com o exercitamento de suas leis fundamentais, a saber, a da autonomia e da participação. Não se vê, então, participação dos Municípios na formação da federação. Os Municípios não têm representação no Senado Federal, como possuem os Estados federados, não podem propor emendas à

86

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 114. 87

José Afonso da Silva afirma que existem na Constituição Federal onze ocorrências das expressões unidade federada e unidade da federação, referindo-se apenas aos Estados e Distrito Federal, nunca envolvendo os Municípios. (SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 620). A seguir indicamos seu posicionamento, com base na obra ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.269): “a) se os Municípios desaparecessem, a Federação continuaria a existir; b) a Federação não é a união de Municípios, mas de Estado; c) quem decreta a intervenção nos Municípios é o Estado (e não a União, salvo nos Municípios dos Territórios), demonstrando que a Federação é composta por duas ordens apenas; d) por fim, a criação de Municípios depende de lei estadual (CF, art. 18, §4º) critério diferente da criação dos Estados-membros”. 88

CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo.7.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.25.

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52

Constituição Federal (art. 60), como o podem os Estados, nem possuem Poder Judiciário, Tribunais de Contas (salvo São Paulo e Rio) e suas leis ou atos normativos não se sujeitam ao controle concentrado do STF. Ainda, o parecer prévio do Tribunal de Contas ou órgão equivalente só pode ser rejeitado por 2/3 dos Vereadores, Esse quórum qualificado não é exigido, na Constituição da República, para os entes federativos (União e Estados).

José Nilo de Castro afirma que apesar de autônomos os Municípios não

têm a mesma autonomia constitucional conferida aos Estados e ao Distrito

Federal. Deste modo, utiliza um argumento derradeiro relacionado à instituição

das Regiões Metropolitanas para afastar a autonomia dos Municípios. Os

Estados ao criarem as Regiões Metropolitanas obrigaram os Municípios a

pertencerem ao fenômeno regional, os quais deverão submeter-se às diretrizes

administrativas do Estado-membro.

A despeito de reproduzirmos o raciocínio do autor, consignamos nossa

discordância. Os Municípios são autônomos nos termos da Constituição e não

são submetidos aos ditames do Estado, pois atuarão em conjunto com eles no

âmbito das deliberações e execuções de políticas. Nas palavras do jurista89:

A propósito do fenômeno regional (art. 25, §3º), argumenta-se mais: o Município não é ente federativo, porque o Estado, que o é, pode, por lei complementar, ao estabelecer regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, criar órgãos deliberativos e gestores, o que têm feito sem questionamentos, cujas decisões vão obrigar os Municípios envolvidos no fenômeno regional. Ora, como um ente federado poderia submeter-se a outro ente federado ou a órgãos desse mesmo ente federado? Porque os Municípios se compreendem administrativamente no território do Estado-membro, que é para eles Estado unitário, revela-se de fragilidade extrema a sustentação de que os Municípios seriam entes federados.

Ademais, concordamos com Alaôr Caffé Alves90ao dizer que a

autonomia dos Municípios do ponto de vista constitucional já está delineada

como regime especial ao obedecer aos comandos legais fixados pelo Estado e

instituir a Região Metropolitana. O autor afirma que a lei estadual criadora da

região metropolitana introduziu no ordenamento jurídico um novo município,

denominado metropolitano, que sem deixar de ser município como entidade

89

CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo. 7.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.30. 90

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. Revista de Direito Ambiental nº 21. ano 6. jan-mar. São Paulo: RT, 2011, p.65.

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53

política, recebe uma nova roupagem institucional. Segundo o autor91: “O

município tradicional engole a cidade, mas o município metropolitano, ao

contrário, é engolido pela grande cidade”. Ao estudarmos o fenômeno

metropolitano o sentido da frase ficará mais claro. Verificaremos que o

crescimento urbano intenso promoveu o crescimento das cidades, núcleo

urbano, sede dos Municípios, para além de fronteiras dos municípios aos quais

pertenciam originariamente. No modelo tradicional, cada cidade pertence a

determinado Município Em razão da conurbação, a cidade se espraia para

além de outros territórios municipais, provocando o fenômeno metropolitano.

Assim, o grande desafio será administrar interesses federativos distintos, não

mais adstritos à esfera de único município, mas de todos os outros submetidos

ao mesmo fenômeno.

Não necessariamente correligionário da posição mencionada, mas

convencido que de fato a autonomia dos Municípios não é a mesma dos

Estados-membros e Municípios, apresentamos o entendimento de Fernando

Dias Menezes de Almeida92.

Explica o autor que a redação do art. 18 da Carta Magna não estabelece

que todos os entes da federação brasileira são igualmente autônomos, apenas

que são autônomos. Isto significa que nem todos têm o mesmo grau de

autonomia. A Constituição Federal atribuiu um regime diferenciado aos

Municípios. O autor aponta, por exemplo, que ao dispor sobre auto-

organização dos Municípios a Constituição não utilizou a expressão

constituição, mas leis orgânicas municipais. Além disto, os Municípios não têm

Poder Judiciário, apenas Poder Executivo e Legislativo.

Por outro lado, Luiz Alberto David Araújo, Vidal Serrano Nunes Junior,

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Alexandre de Moraes e Pedro Estevam

Serrano discordam radicalmente do entendimento anterior e afirmam, com

base no art. 1º da Carta Magna, que o Município é componente essencial do

sistema federativo brasileiro.

91

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. Revista de Direito Ambiental nº 21. ano 6. jan-mar. São Paulo: RT, 2011, p.65. 92

ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Crítica ao tratamento constitucional do Município como ente da federação Brasileira. Revista de Direito Constitucional e Internacional RDCI 68/76. jul-set 2009. In: (Orgs.) CLÉVE, Clemerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional: Organização do Estado. Coleção doutrinas essenciais. v.III. São Paulo: RT, 2011, p.933.

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54

Reconhecem todos eles que o Município não participa da formação da

vontade geral por meio do Senado Federal, no entanto sustentam que este

critério não autoriza desqualificar o Município como ente federado. Este é

também o nosso entendimento.

Segundo Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior93

Com efeito, o Município recebe competências próprias, tem autonomia e pode auto-organizar-se por meio de lei orgânica. De todos os característicos comuns do federalismo, o Municípiosó não possui a faculdade de fazer-se representar junto ao Senado Federal, mas tal traço não pode afastá-lo da integração federativa.

Por outro lado, sustentam ainda que a Constituição, em seu art. 34, VII,

“c”, atribuiu ao Município a autonomia plena tal como os demais entes

federados, quando eleva a defesa da autonomia municipal à categoria de

princípio sensível, de necessária observância pelo constituinte derivado

decorrente e cuja inobservância implica decretar a intervenção federal no

respectivo Estado-membro.

Sustentando este entendimento, Pedro Estevam Serrano94chega a

afirmar que aqueles que retiram do município a qualidade de ente federado não

estão baseados em argumentos jurídicos, mas em modelos da ciência política

e teoria geral do Estado. Além disto, estão extremamente apegados ao modelo

federativo norte-americano, que não adota o Município como estrutura

federativa. Ora, cada Constituição tem o condão de delinear, obedecidos

alguns primados básicos, o modelo federativo coerente com sua evolução

histórica e política. Embora não existam algumas características, a pedra

fundamental está garantida ao município que tem autonomia política em todas

as acepções.

A organização dos Municípios é promovida por meio da Lei Orgânica,

votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por

dois terços dos membros da Câmara Municipal, a qual deverá respeitar os

princípios estabelecidos pela Constituição Federal e Estadual.

No que tange ao exercício de competências administrativas e

legislativas, a Constituição Federal indicou o rol de competências nos arts. 30,

93

ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.301. 94

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.106.

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23 e 24, e como garantiu a eleição de prefeito e vice-prefeito para o exercício

das funções executivas (art. 29, II) e escolha de Vereadores para o exercício

das funções legislativas na Câmara Municipal (art. 29, I).

Da mesma forma entende Alexandre de Moraes95ao interpretar que a

autonomia constitucional atribuída à União e aos Estados-membros é a mesma

dos Municípios:

a autonomia municipal, da mesma forma que a dos Estados-membros, configura-se pela tríplice capacidade de auto-organização e normatização própria, autogoverno e auto administração. Dessa forma, o município auto-organiza-se através de sua lei Orgânica Municipal, e, posteriormente, por meio da edição de leis municipais; autogoverna-se mediante a eleição direta de seu prefeito, Vice-prefeito e vereadores, sem qualquer ingerência dos Governos Federal e Estadual; e, finalmente, autoadministra-se, no exercício de suas competências administrativas, tributárias e legislativas, diretamente conferidas pela Constituição Federal.

Por fim, faremos algumas observações acerca do Distrito Federal. De

acordo com os arts. 1º, 18, 32 e 34 da Constituição Federal, o Distrito Federal é

considerado um ente federado. É pessoa jurídica de direito público interno, com

capacidade legislativa, administrativa e judiciária. É autônoma politicamente. E

de acordo com Alexandre de Moraes96:

A nova Constituição Federal garante ao Distrito Federal a natureza de ente federativo autônomo, em virtude da presença de sua tríplice capacidade de auto-organização, autogoverno e autoadministração, vedando-lhe a possibilidade de subdividir-se em Municípios.

A partir da leitura dos dispositivos legais, percebemos que o Distrito

Federal reúne parcela de regime jurídico do Estado, dos Municípios e até

mesmo da União, sem, contudo, confundir-se com qualquer um deles97.

Importante frisarmos que o Distrito Federal não forma uma região

metropolitana, embora muitos estudos classifiquem-no como tal.

Ao examinarmos o Estado-membro, constatamos que ele titulariza a

competência exclusiva para instituir Regiões Metropolitanas (art. 25, §3º). Por

sua vez, ao traçarmos o perfil do Distrito Federal observamos que a

95

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.281. 96

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.291. 97

ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.339-340.

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Constituição conferiu a este ente federado algumas competências atribuídas

aos Estados-Membros, por força do art. 32, §1º da Constituição. Diante desta

colocação, perquirimos: o Distrito Federal pode instituir região metropolitana da

mesma forma que os Estados-membros? Além disto, ele mesmo pode

pertencer a uma Região Metropolitana?

Retiramos a resposta da interpretação constitucional. A primeira parte do

art.32 da Constituição Federal veda a divisão do Distrito Federal em

Municípios. Assim, não existe do ponto de vista jurídico, por força de

mandamento expresso da Constituição, Município no Distrito Federal.

Dispõe o art. 10 da Lei Orgânica do Distrito Federal que sua organização

é feita por meio de Regiões Administrativas visando à descentralização

administrativa, à utilização racional de recursos para o desenvolvimento

socioeconômico e à melhoria da qualidade de vida. De acordo com o art. 11, as

administrações regionais integram a estrutura administrativa do Distrito

Federal, mas cada região contará com um Conselho de Representantes

Comunitários, com funções consultivas e fiscalizadoras.

Por outro lado, ao examinarmos o art. 25, §3º, da Constituição Federal

verificamos que as Regiões Metropolitanas são constituídas por agrupamentos

de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a

execução de funções públicas de interesse comum. Do cotejo dos dois

dispositivos constitucionais, concluímos não haver possibilidade jurídica de

constituir as figuras regionais no Distrito Federal.

Além disto, como ente federado, o Distrito Federal reúne características

dos Municípios e dos Estados-membros.

Ainda que admitamos que Brasília, sede da capital federal, contribua

para incrementar o crescimento urbano nas regiões limítrofes, inclusive com

espraiamento de sua malha urbana por meio da conurbação, juridicamente sua

formatação não se confunde com Região Metropolitana. Na realidade, em

razão dos problemas socioeconômicos causados por conta da expansão da

malha urbana, além do projeto piloto que delimitava suas fronteiras, no início

de sua construção, a União Federal criou, com base no art. 43 da Constituição

Federal, a Região Administrativa denominada Região Integrada de

Desenvolvimento do Distrito Federal, por meio da Lei Complementar nº 94 de

19/2/1998.

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57

De acordo com o art. 1º, §1º da Lei, o Poder Executivo Federal para

articular ação administrativa da União, dos Estados de Goiás e Minas Gerais e

do Distrito Federal, criou a Região Administrativa, formada pelo Distrito Federal

e pelos Municípios de Abadiânia, Água Fria de Goiás, Águas Lindas, Alexânia,

Cabeceiras, Cidade Ocidental, Cocalzinho de Goiás, Corumbá de Goiás,

Cristalina, Formosa, Luziânia, Mimoso de Goiás, Novo Gama, Padre Bernardo,

Pirenópolis, Planaltina, Santo Antônio do Descoberto, Valparaíso e Vila Boa, no

Estado de Goiás, e de Unaí e Buritis, no Estado de Minas Gerais.

O propósito da União é articular sua ação no mesmo complexo

geoeconômico e social, visando desenvolvê-lo, e reduzir as desigualdades

regionais do Distrito Federal e municípios de Goiás e Minas Gerais.

Portanto, em razão do exposto, não deveremos confundir a Região de

Desenvolvimento Integrado (que envolve o Distrito Federal) com Região

Metropolitana.

1.3 Competências constitucionais em matéria de direito urbanístico

Em função da autonomia política dos entes federados, a Constituição

reparte entre eles as competências que exercerão. É necessário identificar os

tipos de matéria e a forma como cada ordem federativa deverá desempenhar

suas atribuições. Ao examinarmos o tema, deveremos indagar, por exemplo, se

compete à União ou aos Estados-membros legislar sobre Direito Penal. Além

disto, ao identificarmos a competência, devemos verificar se ele irá exercê-la

sobre o assunto de forma exclusiva ou se contará com a colaboração de outro

ente. No que tange ao meio ambiente, compete ao Município tratar do assunto

com exclusividade ou poderá contar com a colaboração dos demais? A

resposta às questões propostas decorrerá da interpretação do texto

constitucional de 1988.

Ao procederemos à sua leitura, constatamos que foram adotados os

princípios do federalismo de equilíbrio. Não vigora mais o dualismo na

repartição de competências, ou seja, competências estanques atribuídas de

forma enumerada à União e residual aos Estados, ou vice-versa. Atualmente,

em decorrência do federalismo de cooperação, na sua vertente de equilíbrio,

não falamos apenas em competências exclusivas, divididas de forma

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compartimentada. Para promover a colaboração entre todos os entes, a

Constituição permitiu a divisão de competências da forma comum e

concorrente.

Embora a Constituição confira competências legislativas e materiais a

todos os entes enumerados no art.18, versaremos apenas sobre as

competências legislativas e administrativas da União, dos Estados-membros e

Municípios.

Restringiremos a nossa análise sobre competências federativas às

matérias que dizem respeito ao direito urbanístico, por se tratar de típico

instituto desta disciplina jurídica e uma vez que o tema de nossa análise versa

exclusivamente sobre fenômenos de conurbação urbana e seu planejamento.

Iremos nos concentrar especificamente nas competências urbanísticas

atribuídas à União, Estados e Municípios, distribuídas nos seguintes

dispositivos constitucionais:

1) Competência Exclusiva da União: Art. 21. IX; XX; XXI 2) Competência privativa Legislativa da União: Art. 22,: IX 3) Competência Material Comum entre União, Estados e Municípios: Art. 23. III, VI, IX 4) Competência Concorrente própria Limitada exercida pela União, Estados e Municípios: Art. 24. I; VI; VII, § 1º, § 2º, § 3º, § 4º 5) Competência Legislativa Exclusiva do Estado: Art. 25, §3º- 6) Competência exclusiva dos Municípios (Material e Legislativa): Art. 30,I, II, IV, VIII, IX e Art. 182, § 1º, § 2º, § 3º, § 4º

Resumidamente explicaremos o conteúdo jurídico de cada uma delas.

Conforme Celso Antônio Bandeira de Mello98,competência é traduzida

como o conjunto de deveres-poderes atribuídos por lei para satisfazer

interesses públicos. Em linguagem simplificada, é um conjunto de atribuições

de que se servem as entidades estatais para o exercício de suas funções.

Reiteramos não ser correto atribuir ao termo competências o sentido de

poderes, por implicar em dever destinado ao cumprimento de interesse alheio.

Isto decorre do modelo de Estado Democrático, previsto no art. 1º, parágrafo

único da Carta Magna, que prevê a titularidade do poder político pelo povo.

98

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.146.

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59

Assim, os poderes são instituídos em razão do povo para cumprir seus

interesses99.

José Afonso da Silva100, ao interpretar o texto constitucional de 1988,

verifica que o Poder Constituinte utilizou como princípio geral para distribuir

competências federativas a predominância do interesse. Assim, caberá à União

o trato de matérias nas quais predomine o interesse geral, aos Estados aquelas

relativas ao interesse regional e aos Municípios o cuidado com assuntos de

interesse local.

Com base no princípio da predominância do interesse atribuiu aos entes

federados competências materiais e legislativas101, no campo do direito

urbanístico.

Com relação às competências materiais, atribuiu de forma exclusiva102 e

enumerada competências para a União (art. 21), aos Estados (art. 25, §3º) e

Municípios (art. 30). Da mesma forma, atribuiu à União, Estados e Municípios,

de acordo com o art. 23, algumas competências comuns.

Quanto às competências legislativas, a Carta Constitucional conferiu à

União competências privativas (art. 22), exclusivas, com possibilidade de

delegação aos Estados (parágrafo único do art. 22) e concorrentes, para a

edição de normas gerais aos entes federados, sobre os assuntos do art. 24.

Por outro lado, conferiu aos Estados competência delegada pela União,

nos termos de lei complementar para legislar sobre os assuntos do art. 22

99

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.149.O autor atribui às competências as seguintes características: obrigatória, irrenunciável, intransferível, indelegável e imprescritível. 100

SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo.20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.476. 101

A professora Fernanda Dias Menezes de Almeida explica que a denominação material deve ser interpretada como sendo o conjunto de atividades desempenhadas pelo ente federativo que não se confunde com a atividade legislativa. Assim, é preciso saber o que efetivamente compreende atividade legislativa para sabermos o que definitivamente não é considerado atividade material. (ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de.Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p. 67). 102

Quanto ao processo de distribuição de competências, destacamos a divergência de entendimento doutrinário quanto à competência exclusiva e privativa. Para José Afonso da Silva: “ (a) exclusiva: Trata-se de competência atribuída a um ente federativo com exclusão dos outros (art. 21); (b) privativa: significa que a competência inicialmente é atribuída ao ente federado como própria, mas poderá ser exercida por outros entes, nas hipóteses de delegação (art. 22, parágrafo único)e de competência suplementar (art. 24 e §3º e §4º). O autor ainda distingue (p.478) as competências exclusivas das privativas do ponto de vista da possibilidade ou não de exercício de suas atribuições por outros entes, por meio da delegação ou suplementariedade. Já Fernanda Dias Menezes de Almeida (ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de.Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.63) acompanhando Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Celso Bastos e José Cretella Filho não distingue as expressões, atribuindo a ambas o sentido de competências próprias de cada entidade federada.

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60

(parágrafo único) e concorrente complementar-suplementar (art. 24,

§2º,§3º,§4º).

Aos Municípios delegou competência exclusiva (art. 30, I) e suplementar,

(art.30, II).

Conheceremos agora um pouco mais sobre o ramo do direito urbanístico

para porteriormente abordarmos competências específicas nesse segmento.

1.3.1 Breves noções sobre conceito e autonomia do direito urbanístico

Quando interpretamos o texto constitucional verificamos que a Carta

Magna confere aos entes federativos competência para tratar do direito civil,

penitenciário, tributário, agrário e urbanístico. Portanto, constitui tarefa

fundamental do jurista compreender o teor desta disciplina para distinguir

quando está diante de disciplina típica de direito civil ou agrário, que só poderá

ser exercida exclusivamente pela União, de quando se depara com assuntos

de competência urbanística.

A matéria será relevante para o desenvolvimento do nosso estudo, pois

ao tratarmos nos capítulos 5 e 6 do Planejamento Urbano e do Plano Diretor

Metropolitano, avaliaremos o que pode ser considerado núcleo essencial do

planejamento urbano, a ser regulamentado pela União, Estado-membro ou

Município. Assim adverte Carlos Ari Sundfeld103:

Desse modo, continua sendo útil debater a respeito da identidade- e, portanto, da autonomia- do direito urbanístico, pois disso depende a solução, quando menos, de muitas dúvidas relativas à competência. Nesse contexto, têm grande relevância as normas, também constitucionais, tratando dos objetivos e instrumentos da política urbana.

Nos posicionamos sobre o tema para facilitar a postura do intérprete ao

identificar o sentido e o alcance conferido pela Constituição ao Direito

Urbanístico.

Inicialmente, apresentaremos as principais definições de direito

urbanístico formuladas pela doutrina nacional para identificarmos assuntos

103

SUNDFELD, Carlos Ari. (Org.) DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal nº 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010.

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61

pertinentes a este ramo do Direito, atribuídos pela Constituição Federal à

União, aos Estados e Municípios.

Baseada nas relações formuladas por Hely Lopes Meirelles entre

urbanismo e direito urbanístico, Regina Helena Costa104 compreende o direito

urbanístico de forma ampla, decorrente da disciplina jurídica do urbanismo.

Nestes termos, abrange:

todas as regras jurídicas que cuidem do planejamento urbanístico, do uso e da ocupação do solo urbano (parcelamento, loteamento, proteção ambiental), da ordenação da atividade edilícia (zoneamento, licenças urbanísticas) e da utilização de instrumentos de intervenção urbanística (desapropriação, tombamento, servidão administrativa).

Valendo-se dos conceitos de direito-ciência e direito norma jurídica, José

Afonso da Silva105compreende o direito urbanístico com base nestes dois

aspectos:

(a) direito urbanístico objetivo, que consiste no conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade do Poder Público destinada a ordenar os espaços habitáveis – o que equivale a dizer: conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade urbanística; (b) o direito urbanístico como ciência, que busca o conhecimento sistematizado daquelas normas e princípios reguladores da atividade urbanística”.

Acrescentamos à definição as observações de Hely Lopes Meirelles106:

Direito Urbanístico é o ramo do direito público destinado ao estudo e formulação dos princípios e normas que deve reger os espaços habitáveis, no seu conjunto cidade-campo, incluindo na amplitude do conceito todas as áreas em que o homem exerce coletivamente qualquer de suas quatro funções essenciais na comunidade – habitação, trabalho, circulação e recreação-excluídas somente as terras de exploração agrícola, pecuária ou extrativa que não afetem a vida urbana. Segundo essa conceituação, cabem no âmbito do direito urbanístico não só a disciplina do uso do solo urbano e urbanizável, de seus equipamentos e de suas atividades, como a de qualquer área, elemento ou atividade em zona rural que interfira no agrupamento urbano, como ambiente natural do homem em sociedade.

Baseados nesta definição, acrescentamos ao conceito objetivo de José

Afonso da Silva a disciplina dos espaços habitáveis, o que inclui cidade-campo.

104

COSTA, Regina Helena. Princípios de Direito Urbanístico na Constituição de 1988. In: (Coords.) DALLARI, Adilson Abreu; FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de Direito Urbanístico 2. São Paulo: RT, 1991, p.111. 105

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.37. 106

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

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62

Por sua vez, Carlos Ari Sundfeld107 afirma que a Constituição Federal de

1988, em seu art. 182, atribuiu ao Direito Urbanístico a função de implementar

a política de desenvolvimento urbano, a qual tem por finalidade ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus

habitantes. Para compreendermos a ideia de política de desenvolvimento

urbano, o autor propõe a reflexão: qual o sentido de política urbana? De acordo

com Carlos Ari Sundfeld, a definição deve ser retirada do texto Constitucional.

Reproduziremos o raciocínio do autor para justificar a relação da política

urbana com a disciplina jurídica do solo (espaço) da cidade, o que atribuiu ao

direito urbanístico o papel de ser o direito da política espacial da cidade108:

No caput do art 182 a política urbana aparece vagamente com a política das “funções sociais da cidade”. Mas outras referências constitucionais dão maior fechamento ao conceito. Combinando-se a norma do art. 30, VIII (compete ao Município promover “adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”), com as ligações estabelecidas entre a expressão “política urbana” e as figuras da “propriedade urbana” (art. 182, §2º), do “solo urbano” (arti 182, §4º) e da “área urbana” (art. 183), pode-se então afirmar que o objeto da regulação promovida pelo direito urbanístico é o solo (espaço) da cidade. Nesse sentido, o direito urbanístico é o direito da política espacial da cidade.

Ao final, o autor considera o campo temático do direito urbanístico a

política espacial das cidades e os instrumentos para implementá-la

(desapropriação urbanística, licença urbanística e plano diretor).

107

SUNDFELD, Carlos Ari. (Org.) DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010, p.49. 108

Segundo FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p. 403, dois sentidos podem ser destacados para esta explicação: Sf. 1. Complexo demográfico formado, social e economicamente, por uma importante concentração populacional não agrícola, i. e, dedicada a atividade de caráter mercantil, industrial, financeiro e cultural; urbe. 5. Bras. Sede de município, independentemente do número de seus habitantes.As duas noções são importantes para construção do conceito de cidade. Identificamos que é um núcleo de concentração populacional urbana, sede de município. Ao discorrer sobre o sentido do termo, José Afonso da Silva (SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.24) explica que apesar de cidade apresentar concepção demográfica e econômica, o sentido que revela cidade como um conjunto de subsistemas administrativos, comerciais, industriais e sócio-culturais é o que deve ser considerado, por efetivamente ser jurídico. Além da noção de cidade como sede de Município, formula o seguinte conceito (p.26): “O centro urbano no Brasil só adquire a categoria de cidade quando seu território se transforma em Município. Cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de sistemas político-administrativo, econômico não-agrícola, familiar e simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja sua população. A característica marcante da cidade no Brasil consiste no fato de ser um núcleo urbano, sede do governo municipal”.

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63

Daniela Campos Libório di Sarno109igualmente conceitua o direito

urbanístico:

Ramo do Direito Público que impõe, ao Poder Público, o planejamento pela normatização, a execução e a fiscalização de ações que visem à ordenação dos espaços habitáveis, com o objetivo de coordenar a convivência entre as pessoas para melhor qualidade de vida.

Mencionamos ainda a posição de Nelson Saule Júnior110que introduziu o

direito à cidade como “pedra fundamental” do direito urbanístico brasileiro

previsto no art. 2º, II, do Estatuto da Cidade, que engloba o direito à terra

urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao

transporte e aos serviços públicos, além do direito ao trabalho e ao lazer.

Assim, segundo o autor, todo o enfoque do direito urbanístico visa

promover este direito fundamental. As normas jurídicas devem disciplinar

instrumentos, criar organismos, definir obrigações e responsabilidades para os

agentes públicos assegurarem a proteção ao direito às cidades. Assim o autor

conceitua o direito urbanístico:111

O direito urbanístico deve ser composto por normas voltadas em especial para fins: do direito da propriedade urbana cumprir sua função social, de combater a especulação imobiliária, de democratizar o acesso à terra urbana, de redistribuir a riqueza decorrente das intervenções imobiliárias, de potencializar o uso das áreas centrais para habitação de interesse, de ampliar espaços públicos para lazer e cultura nas periferias, de ampliar as áreas verdes, de recuperar as áreas de preservação ambiental e de regularizar e urbanizar as favelas.

Temos então que o direito urbanístico é composto por normas de direito

público, destinadas à organização dos espaços habitáveis, envolvendo os

espaços urbanos e rurais, ou até mesmo da política espacial das cidades, com

o propósito de assegurar a todos o direito às cidades sustentáveis.

A partir de agora já entendemos ser possível identificar matérias

relacionadas a este campo temático.

109

SARNO, Daniela Campos Libório di.Elementos de Direito Urbanístico. São Paulo: Manole, 2004, p.30. 110

SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007. 111

SAULE JÚNIOR, Nelson. A Relevância do Direito à Cidade na Construção de Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis. In: (Coord.) SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007, p.64.

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64

Com o propósito de sistematizar as normas do direito urbanístico, José

Afonso da Silva112apresenta três conjuntos normativos que nos permitirá

identificar imediatamente o tipo de norma que pertence ao ramo do direito

urbanístico e que, portanto, poderá ser elaborada ou executada, de acordo com

a divisão constitucional de competências. São três os complexos de normas

urbanísticas113, conforme demonstramos a seguir:

(a) Normas de sistematização urbanística– que estruturam os instrumentos de organização dos espaços habitáveis, e são as pertinentes (1) ao planejamento urbanístico; (2) à ordenação do solo em geral e de áreas de interesse especial; (b) Normas de intervenção urbanística – que se referem à delimitação e limitações ao direito de propriedade e ao direito de construir; (c) Normas de controle urbanístico – que são aquelas destinadas a reger a conduta dos indivíduos quanto ao uso do solo, como as que estabelecem diretrizes de atividades urbanísticas dos particulares, as que regulam a aprovação de urbanificação, a outorga de certificado ou certidão de uso do solo, a licença para urbanificar ou para edificar.

Da mesma forma, verificamos que o Direito Urbanístico pertence ao

ramo do Direito Público, pois constitui uma atividade tipicamente desenvolvida

pelo Estado para ordenar o espaço habitável. Como consequência, recebe

influências dos princípios que regulam este ramo do Direito114.

Mas qual o lugar que ocupa este ramo jurídico no âmbito da Ciência

Jurídica? O direito urbanístico é ramo autônomo do Direito ou um capítulo de

outro ramo jurídico? Ele tem autonomia didática?

Esta discussão é proposta por José Afonso da Silva115 ao explicar

alguns posicionamentos doutrinários sobre a matéria. De um lado, há quem

considere o direito urbanístico parte do direito administrativo116. De outro, não

identificam sua autonomia, mas afirmam ser uma disciplina de síntese ou ramo

multidisciplinar do Direito, que aos poucos configura suas próprias instituições,

112

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.64. 113

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.64. 114

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed.São Paulo: Malheiros, 2012, p.44. Segundo o autor: “É certo que as normas que ele sintetiza, visando a regular a atuação do Poder Público na ordenação do território ou dos espaços habitáveis, inserem-se no campo do direito público, qualquer que seja o critério que se considere: as relações que estabelecem têm sempre como titular uma pessoa de direito público; protegem interesse coletivo; e são compulsórias”. 115

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.40. 116

NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Introdução ao Direito Ecológico e ao Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p.55. O autor afirma ser o Direito Urbanístico “ramo do Direito Administrativo que impõe a disciplina físico-social dos espaços habitáveis.”

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65

até alcançarmos posicionamentos que defendem sua total autonomia jurídica

destacando Nelson Saule Júnior e Edésio Fernandes117.

Acompanhamos José Afonso da Silva118 e José dos Santos Carvalho

Filho119 ao defendermos que o direito urbanístico é multidisciplinar. Ambos

argumentam que a disciplina não é autônoma, mas reúne vários institutos

jurídicos de outros ramos do direito (tributário, civil, constitucional,

administrativo) sob a perspectiva da ordenação das cidades.

Argumenta José Afonso da Silva120 que ainda é cedo para falarmos em

autonomia científica do direito urbanístico, por existirem ainda poucos diplomas

legais editados para tratar do assunto, como o Estatuto da Cidade (Lei Federal

nº 10.257/2001) em vigor há 12 anos.

Deste modo, prefere o autor considerá-lo como disciplina síntese, ramo

multidisciplinar do Direito, que aos poucos configura suas próprias instituições.

No entanto, a despeito de não considerarem o ramo autônomo, não aceitam a

ideia dos doutrinadores que o enquadram como um simples capítulo do direito

administrativo121.

Márcio Cammarosano122sustenta a autonomia relativa do direito

urbanístico. Reconhece a identidade deste ramo, mas afirma que o direito

urbanístico guarda em relação ao direito administrativo uma carga de herança

genética. Na realidade, o direito urbanístico compreende normas jurídicas

objeto de estudo de outros ramos, por isto seu caráter multidisciplinar,

sobretudo, originárias do direito administrativo. Citemos como exemplo as

normas de uso e ocupação do solo urbano, as licenças urbanísticas, o

tombamento e as desapropriações. Contudo, a despeito das normas de direito

administrativo informarem diretamente o ramo do direito urbanístico, novos

fenômenos surgiram, contribuindo para estudos jurídicos especializados, que

aperfeiçoaram o ramo jurídico e criaram uma identidade própria. Assim, o

117

SAULE JÚNIOR, Nelson. A Relevância do Direito à Cidade na Construção de Cidades Justas, Democráticas e Sustentáveis. In: (Coord.) SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007, p.60. 118

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 12.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.40-41. 119

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade.2.ed.Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p.6 120

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.43-44. 121

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.44. 122

CAMMAROSANO. Márcio. (Coord.) BEZNOS, Clovis; CAMMAROSANO, Márcio. Direito Administrativo, Urbanístico e Ambiental: Interfaces. Direito ambiental e urbanístico: estudos do Fórum Brasileiro de Direito Ambiental e Urbanístico. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

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66

direito urbanístico compartilha categorias do direito administrativo e de outras

disciplinas. Desta forma, nos parece mais adequado afirmar que, por

apresentar caráter multidisciplinar, tem autonomia relativa, uma vez que novos

diplomas jurídicos são incorporados ao seu regime, ao lado do Estatuto da

Cidade, como a Lei Federal no 11.977, de 7 de julho de 2009, que dispõe sobre

o Programa Minha Casa, Minha Vida e a regularização fundiária de

assentamentos em áreas urbanas. Segundo o autor123:

O direito urbanístico é compreensivo de normas que eram objeto de estudo dos administrativistas em geral, de normas que compunham mesmo o direito administrativo, dentre elas as relativas ao parcelamento, ocupação e uso do solo para fins urbanos. Essas normas consubstanciam a disciplina jurídica dos espaços urbanizados e a urbanizar. E em razão mesmo do vertiginoso adensamento populacional, formando grandes centros e conglomerados urbanos, com os imensos e variados desafios daí decorrentes, a reclamar planejamento e soluções da maior abrangência e complexidade, a disciplina normativa dos espaços vocacionados para tanto adquiriu tal dimensão que passou a reclamar estudos jurídicos nela concentrados, cada vez mais aprofundados e sistematizados. Referida produção normativa intensa e complexa, e a concomitante exigência de estudos jurídicos especializados, chegou a tal ponto que tornou-se forçoso reconhecer a formação de um novo ramo do direito: o direito urbanístico, sem embargo de sua herança

genética do direito administrativo. Márcio Cammarosano retrata, por fim, a íntima relação entre o Direito

Urbanístico e Ambiental como interfaces entre os dois ramos jurídicos124. Da

mesma forma que o direito urbanístico, o ambiental é geneticamente

relacionado com o direito administrativo, porquanto compartilha com este ramo

jurídico categorias fundamentais. Por isto, existe entre eles uma necessária

interface. Nos três ramos o Estado exerce função administrativa, submetida ao

regime jurídico administrativo, o que permite atribuir ao direito ambiental e

urbanístico uma autonomia relativa, sem deixar de reconhecer princípios

próprios de cada uma das disciplinas jurídicas125.

Ao lado da relação entre o direito ambiental e urbanístico, que derivam

do direito administrativo, outros argumentos jurídicos indicam importantes

123

CAMMAROSANO. Márcio. (Coord.) BEZNOS, Clovis; CAMMAROSANO, Márcio. Direito Administrativo, Urbanístico e Ambiental: Interfaces. Direito ambiental e urbanístico: estudos do Fórum Brasileiro de Direito Ambiental e Urbanístico. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.15. 124

CAMMAROSANO. Márcio. (Coord.) BEZNOS, Clovis; CAMMAROSANO, Márcio. Direito Administrativo, Urbanístico e Ambiental: Interfaces. Direito ambiental e urbanístico: estudos do Fórum Brasileiro de Direito Ambiental e Urbanístico. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.17. 125

CAMMAROSANO. Márcio. (Coord.) BEZNOS, Clovis; CAMMAROSANO, Márcio. Direito Administrativo, Urbanístico e Ambiental: Interfaces. Direito ambiental e urbanístico: estudos do Fórum Brasileiro de Direito Ambiental e Urbanístico. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.17.

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67

associações entre os dois ramos. Assim, não será possível tratarmos da

disciplina de uso e ocupação do solo urbano, matéria fundamental do

planejamento metropolitano, sem mencionarmos os aspectos ambientais

envolvidos.

Ora esta relação entre os dois ramos não é algo recente em nosso

sistema jurídico. Em 1977, Diogo de Figueiredo Moreira Neto já conjugava o

estudo da disciplina físico social dos espaços habitáveis com o meio ambiente,

propondo integração profunda entre as duas esferas ao afirmar126:

Se a Ecologia é gênero do qual o Urbanismo é espécie, a dimensão social do problema ecológico levar-nos-á, pelos mesmos motivos, à formulação de seu disciplinamento em termos jurídicos, ou seja, à fronteira multidisciplinar entre a Ecologia e o Direito- o Direito Ecológico, no qual se insere, na fronteira entre o Urbanismo e o Direito, o Direito Urbanístico.

Também Paulo Affonso Leme Machado e Toshio Mukai tratam

conjuntamente a disciplina dos espaços territoriais da cidade com aspectos da

qualidade de meio ambiente.

Paulo Affonso Leme Machado vislumbra na expressão do art. 1°, § 1º do

Estatuto da Cidade a busca do equilíbrio ambiental como uma das finalidades

precípuas da ordem urbanística127. Por sua vez, Toshio Mukai128 explica que o

direito urbanístico deverá abranger a disciplina do meio ambiente sadio ao

apontar vários exemplos que demonstram muitos dos institutos do direito

urbanístico utilizados em última análise para proteger o meio ambiente. Explica,

por exemplo, que a legislação do zoneamento industrial, visa, através da

disciplina do uso e ocupação do solo, evitar ou mitigar a poluição atmosférica

em níveis prejudiciais. Da mesma forma, a legislação de proteção aos

mananciais, por meio das restrições de uso e ocupação do solo, procura

manter as fontes de alimentação da água potável das cidades.

126

NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Introdução ao Direito Ecológico e ao Direito Urbanístico. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p.54. 127

MACHADO, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro.16.ed.São Paulo:Malheiros, 2008, p.388. De acordo com o autor: “O Estatuto da Cidade cria a expressão “ordem urbanística”, que passa a integrar o conjunto dos valores ou bens a serem defendidos pela ação civil pública (art. 1º da Lei 7347/85, com a redação dada pelo art. 53 da Lei 10257/2001). Não se definiu explicitamente a locução “ordem urbanística”. Parece-me razoável buscar no parágrafo 1 do art. 1 da Lei 10.257/2001 uma orientação para estabelecer seu conceito. Ordem urbanística é o conjunto de normas de ordem pública e de interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança, do equilíbrio ambiental e do bem-estar dos cidadãos”. 128

MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental. 3.ed. Belo Horizonte: Fórum, p.71.

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68

A comprovação da nítida correlação entre os dispositivos jurídicos do

direito ambiental e urbanístico servem para fixar importantes premissas

utilizadas ao tratarmos do planejamento metropolitano quando afirmaremos

que o objeto deste plano diretor compreenderá aspectos de direito urbanístico

e ambiental do solo metropolitano.

Considerando a perspectiva multidisciplinar do direito urbanístico, é

preciso compreender no ordenamento jurídico brasileiro, quais os diplomas

legislativos que informam a concepção do direito urbanístico brasileiro. Por isso

analisaremos a divisão constitucional de competências urbanísticas de cada

ente federado.

1.3.2 Competências materiais e legislativas em matéria de direito urbanístico

Como já reunimos elementos, instrumentos e conceitos suficientes para

identificar quando estamos diante de assuntos de direito urbanístico,

passaremos a analisar o critério utilizado pela Constituição para atribuir a cada

ente federado a disciplina e a execução deste ramo do direito. De imediato,

percebemos que todos os entes federados são responsáveis por criar e

executar normas urbanísticas.

Para sistematizarmos didaticamente a matéria, indicaremos inicialmente

os dispositivos constitucionais que tratam do direito urbanístico, para

posteriormente analisarmos questões polêmicas surgidas em razão da sua

aplicação.

1.3.2.1 Competências materiais

Ao identificarmos as competências do art.21, verificamos que a

Constituição Federal atribuiu significativa atuação da União em matéria de

planejamento urbanístico, pois ela deverá elaborar e executar planos nacionais

e regionais de ordenação do território, instituir diretrizes para o

desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes

urbanos.

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69

José Afonso da Silva129interpreta os arts. 24, I, §1º c/c art. 21, XX e XXI

da Constituição Federal, conjuntamente e afirma que à União compete editar

normas gerais de direito urbanístico e estabelecer planos urbanísticos

nacionais e macrorregionais.

Embora o dispositivo seja qualificado como competência exclusiva

material da União, Anna Cândida da Cunha Ferraz130 e Fernanda Dias

Menezes de Almeida131 relacionam os arts. 21 e 22, pois sustentam que não há

como executar as competências materiais, sem expedir comandos legislativos,

como preceitua o art. 21, IX, que utiliza duplamente os termos elaborar e

executar planos.

Além da competência exclusiva da União sem a participação dos demais

entes federativos, o Poder Constituinte, em razão do federalismo de equilíbrio,

atribuiu (art. 23) à União matérias exercitáveis conjuntamente entre Estados e

Municípios. Fernanda Dias Menezes132 afirma que a Constituição Federal,

neste artigo, convoca todos os entes federados para uma ação conjunta e

permanente, por se tratar de obrigações em que todos são responsáveis.

Apesar do art. 23 da Constituição Federal prever competências

materiais, não significa que prescinda da atuação legislativa dos entes que

titularizam competência enumerada nestes incisos. O artigo abrange aquilo que

a doutrina denominou competência concorrente imprópria ao permitir que todos

os entes ali arrolados exerçam sua competência conjuntamente, sem

limitações. Havendo conflito entre as normas, prevalecerá a mais rigorosa.

No entanto, acolhemos a advertência de Fernanda Dias Menezes de

Almeida133de que a técnica da competência concorrente imprópria não foi

prestigiada majoritariamente pela Constituição, podendo enumerar apenas

poucos incisos neste sentido, como por exemplo, o art. 23, I, da Constituição

Federal134.

129

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.64. 130

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Apud ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.79. 131

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.79. 132

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.113. 133

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.123. 134

É preciso registrar divergência de entendimento entre Fernanda Dias Menezes de Almeida e Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior. A primeira entende que apenas o art. 23, I é hipótese

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Diante do exposto, investigaremos como todos os entes atuarão em prol

de competências arroladas no art. 23, sobretudo, em matéria urbanística e

ambiental.

Por força do parágrafo único do art. 23, leis complementares fixarão

normas para a cooperação entre a União, os Estados e os Municípios, tendo

em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.

É importante notarmos que a expressão leis complementares está no

plural. Isto significa dizer que mais de uma lei complementar, em razão de

multiplicidade de assuntos arrolados no artigo, deverá ser editada para fixar as

regras de disciplina do exercício das competências comuns.

Inicialmente indagamos: na ausência da lei complementar, as

competências estampadas no artigo deixariam de ser exercidas? Até porque

não há um rol significativo de leis complementares dispondo sobre a matéria,

salvo a recente Lei Complementar nº140/2011135.

Lúcia Valle Figueiredo136 entendia que as competências não ficariam

inibidas, pois são deveres, decorrentes do exercício de função. Assim, a jurista

explicava a matéria:

Entendidas as normas constitucionais como dotadas de eficácia e, em várias das hipóteses, com ratificação expressa de outras normas constitucionais como são as veiculadas nos arts. 215, 216, §1º e §2º, art. 225, caput, §1º e §2º, verificamos que as pessoas elencadas no art. 23 devem exercitar plenamente a competência constitucional, mesmo sem se denotar a cooperação, que se deverá dar, se editada fosse a lei complementar.

Perfilhando o mesmo entendimento citamos Heraldo Garcia Vitta137, que

entende a ausência de lei complementar não afastar o exercício de

de competência concorrente imprópria, enquanto os outros dois juristas entendem que a hipótese também abrange os incisos VI e VII do dispositivo. 135

Lei Complementar 140 de 8/12/2011 – Fixa normas (incisos III, VI e VII do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal) para a cooperação entre os entes federados nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção do meio ambiente. 136

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade. 2.ed.São Paulo: Malheiros, 2005, p.198. 137

VITTA, Heraldo Garcia. Da definição e da divisão: no direito; da classificação das competências das pessoas políticas e o meio ambiente. Revista Trimestral de Direito Público, p.199 apud CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Das Normas Gerais – Alcance e Extensão da Competência Legislativa Concorrente. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.39: “Entendemos não ser necessária a edição de lei complementar para a atuação conjunta das entidades políticas. O art. 23 tem eficácia plena, e não necessita de norma infraconstitucional para regulá-lo. A referida lei complementar, a nosso ver, viria apenas indicar a maneira pela qual se daria a cooperação entre as entidades; ainda sem ela, porém, possível se nos afigura a atuação conjunta dos entes políticos estatais, em quaisquer hipóteses, respeitados, apenas, os limites territoriais”.

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competências do art. 23. Sua edição é necessária apenas para indicar como os

entes deverão exercer a cooperação entre si.

Michel Temer138, por sua vez, sustenta posicionamento com o qual não

concordamos. Segundo ele, União, Estados e Municípios poderão dispor sobre

as matérias do art. 23, desde que editada a lei complementar que fixará as

normas de cooperação.

Ao admitirmos a existência da lei complementar, como deverá ser

editada para cumprir as determinações do parágrafo único? De acordo com

Fernanda Dias Menezes de Almeida139, pautada em Manoel Gonçalves

Ferreira Filho140, as leis complementares não poderão desatender as regras

constitucionais de repartição de competências, sobretudo, as legislativas, por

serem pressuposto para o exercício das competências materiais comuns.

Quais seriam as regras de competência legislativas que deverão nortear

a elaboração das leis complementares? Baseados em Fernanda Dias Menezes

de Almeida, invocando Anna Cândida da Cunha Ferraz141, entendemos que

deve existir certa preponderância da União. Nas palavras da jurista142: “O

princípio que rege essa partilha (competências comuns) é o da “coordenação e

cooperação”, entre as entidades políticas sob a égide da legislação federal”.

Para Fernanda Dias Menezes, no que toca ao exercício das

competências urbanísticas, o intérprete deverá combinar os arts. 23 e 24 da

Constituição Federal. Assim, as leis que servirão de base para a execução das

tarefas comuns serão decorrentes de competência legislativa concorrente, em

que caberá à União editar normas gerais e aos Estados-membros e Municípios

legislação suplementar.Na ausência de lei complementar que discipline o

exercício das competências pelos três entes federados, a execução das tarefas

138

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.68, 139

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.116. 140

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988.v.1, São Paulo: Saraiva, 1990, p.188. 141

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. União, Estados e Municípios na nova constituição: enfoque jurídico-formal.A nova constituição paulista. São Paulo: Fundação Faria Lima/Fundação de Desenvolvimento Administrativo, 1989, p.67. 142

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. União, estados e Municípios na nova constituição: enfoque jurídico-formal. A nova constituição paulista. São Paulo: Fundação Faria Lima/Fundação de Desenvolvimento Administrativo, 1989, p.67.

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materiais decorrerá dos dispositivos correlatos do art. 24, conforme propõe

Fernanda Dias Menezes de Almeida143:

De fato, como se percebe pelo cotejo dos arts. 23 e 24, as leis que servirão de embasamento para execução das tarefas comuns serão, em sua maior parte, fruto de competência legislativa concorrente, em que caberá à União editar normas gerais e às demais esferas a legislação suplementar. Assim, por exemplo, tarefas como [...] proteger o meio ambiente; preservar florestas, a fauna e a flora, pressupõem a observância de normas gerais da União, com base no dispositivo dos incisos VI, VII, VIII, IX, XII e XIV do art. 24. Cabendo, por igual, à União estabelecer diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (art. 21, XX), essas diretrizes não podem ser desrespeitadas pelas leis estaduais e municipais voltadas ao exercício da competência material comum prevista no art. 23, IX.

Este também é o entendimento de José Afonso da Silva144 que

vislumbra o exercício da competência comum dos Estados, União e Municípios

de forma articulada em relação aos incisos VI, VII e VIII e §1º do art. 24 da

Constituição Federal, admitindo que o Município atue de forma suplementar,

(art. 30, II da Carta).

Sobre os conteúdos possíveis das leis complementares que disciplinarão

o exercício de competências comuns, nas lições de Fernanda Dias Menezes de

Almeida145 “deverão fixar as bases políticas e as normas operacionais

disciplinadoras da forma de execução dos serviços e atividades cometidos

concorrentemente a todas as entidades federadas”.

Assim, deverão considerar possibilidades administrativas e

orçamentárias dos diversos parceiros, não conferindo a um determinado

parceiro, algo que não possa ser por ele realizado. Da mesma forma, a lei

deverá definir os instrumentos que serão usados no exercício das

competências comuns146.

Importante ressaltarmos que as observações relacionadas ao exercício

das competências materiais comuns da União são extensíveis aos Estados-

membros e Municípios.

143

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.116. 144

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.65. 145

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.117. 146

Observe, neste sentido, o disposto no art. 4º da Lei Complementar 140/2011, que trata de exercício de competências comuns em matéria ambiental.

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Quanto aos Municípios, o art. 30 indicou expressamente as

competências materiais. Da mesma forma, acrescenta Fernanda Dias Menezes

de Almeida147, que apesar do art. 30 indicar expressamente competências

materiais exclusivas dos municípios (incisos III a IX) outro rol foi atribuído

implicitamente cujo critério identificador foi o interesse local (30, I). O sentido

desta expressão será revelado quando tratarmos das competências

legislativas.

Com relação à competência material urbanística (art.30, IV da

Constituição Federal), os Municípios deverão criar, organizar e suprimir

distritos, observada a legislação estadual; e promover a proteção do patrimônio

histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e

estadual.

1.3.2.2 Competências legislativas privativas, exclusivas e expressas

Ao nos valermos da distinção proposta por José Afonso da Silva, a

União Federal titulariza competências legislativas privativas (art. 22, IX) e

competências legislativas exclusivas, por força de outros dispositivos

constitucionais (art. 182 da Constituição Federal).

Ao analisarmos a competência privativa urbanística, enfrentaremos duas

questões tormentosas. A primeira diz respeito ao inciso IX para perquirir se as

diretrizes do art. 22 correspondem ao art. 24, ou não se confundem, por ser

intenção do legislador conferir a cada dispositivo um regime jurídico distinto.

Fernanda Dias Menezes de Almeida e José Afonso da Silva entendem

que o art.22, IX, foi impropriamente alocado no rol de competências privativas;

as diretrizes gerais do art. 22 são exercitadas à luz do mesmo regime do art. 24

da Constituição Federal.

Se interpretarmos o conteúdo do inciso IX que dispõe sobre diretrizes

gerais de transporte à luz do art. 22, consequências diversas serão extraídas.

Isto porque as competências privativas são exercidas com plenitude pela União

e podem abordar todos os aspectos da matéria submetida a sua apreciação;

pelo art. 24, §1º, só poderá dispor sobre normas gerais.

147

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.97.

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74

Deste modo, entendem os constitucionalistas que o art. 22, IX, se refere

às normas gerais e não obedece ao regime de seu próprio dispositivo, pois os

Estados poderão complementar as diretrizes da União com base na

competência complementar e não por delegação de lei complementar.

Deverão, portanto, respeitar o art. 24, inclusive, a possibilidade dos Estados-

Membros e Municípios suplementarem a normatividade geral, no que couber,

quando estivermos diante do interesse local. Esta é a posição que

acolhemos148.

Embora previsto no título da Ordem Econômica, o art. 182 da

Constituição Federal deverá seguir o mesmo tratamento dos incisos do art. 22

que mencionam as normas gerais. Todos serão submetidos ao regime do art.

24.

Quanto à delegação de competências legislativas privativas da União

aos Estados-membros, precisamos interpretar corretamente o art. 22,

parágrafo único. Nestes termos, lei complementar poderá autorizar os Estados

a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

Então, quais os limites e a forma desta delegação? O legislador constituinte

permitiu que todas as matérias do art. 22 fossem delegadas aos Estados?Qual

a extensão da competência atribuída a eles?

Fernanda Dias Menezes de Almeida149adverte que o legislador

constituinte, apesar de ter permitido que a União autorizasse os Estados a

editarem normas sobre as matérias do art. 22, delimitou o campo da delegação

por parte da União de competência privativa. Na verdade, o parágrafo único do

artigo atribuiu ao Estado apenas a competência para legislar sobre questões

específicas das matérias do art. 22, cabendo à lei complementar apenas indicar

os aspectos sobre os quais os Estados poderão legislar.

148

Concordamos com o posicionamento de Fernanda Dias Menezes (Fernanda Dias Menezes de Almeida. Competências na Constituição de 1988. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.92). Todavia, registramos o posicionamento contrário de Carlos Ari Sundfeld que entende ser proposital o tratamento diferenciado do art. 22 em relação ao art. 24, no que tange à competência suplementar dos Municípios. Por esta posição, apenas nos incisos do art. 22, os Municípios poderiam exercer igualmente competência suplementar em relação à legislação geral federal. Isto porque o autor não admite o exercício de competência concorrente por parte dos Municípios, nos termos do art. 24, por não constar da redação dos parágrafos do artigo, sendo admitido, tão somente aos Estados-membros. É por isto que o legislador propositadamente tratou dois campos distintos de normas gerais em artigos diferentes para que em um deles o Município atuasse e em outro não. 149

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.92.

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75

Como desdobramento da aplicação do parágrafo único, a doutrina

discute se a delegação deve ser realizada para um ou alguns dos Estados-

membros ou para todos eles igualmente. Sustentando o primeiro entendimento,

mencionamos Manoel Gonçalves Ferreira Filho150 e Rafael Augusto Silva

Domingues151. Fernanda Dias Menezes de Almeida152 e Anna Cândida da

Cunha Ferraz153 defendem a segunda posição.

Assim, ao conjugarmos o art. 22, IX com o art. 24, compete à União

Federal legislar privativamente sobre as diretrizes da política nacional de

transportes, sem exercício de competência delegada pelos Estados. Na

hipótese de legislarem sobre o assunto, deverão complementar ou suplementar

as diretrizes gerais da União, conforme §º2 do art. 24 da Constituição Federal.

Com relação aos Estados, segundo art. 25, §º3, a Constituição Federal

atribuiu de forma exclusiva a criação das regiões metropolitanas, por meio de

lei complementar. Nos capítulos subsequentes, aprofundaremos o exercício

desta competência.

Baseados em Alexandre de Moraes154, os Municípios apresentam um rol

significativo de competências privativas legislativas, que não se resumem

apenas ao art. 30, I. A Constituição atribuiu aos Municípios a competência

genérica em virtude da predominância do interesse local (art. 30, I), ao lado das

competências arroladas nos art. 30, III a IX, no qual presumimos a incidência

do interesse local e a criação do plano diretor (art. 182).

No entanto, ao analisarmos o art. 30, I nos deparamos com uma

claúsula genérica, que comporta esclarecimentos.

Trata-se do conceito de interesse local. A ele, dedicaremos nossa

próxima exposição.

150

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988.v.1, São Paulo: Saraiva, 1990, p.184. 151

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.98. 152

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.94. 153

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. União, Estados e Municípios na nova constituição: enfoque jurídico-formal. A nova constituição paulista. São Paulo: Fundação Faria Lima/Fundação de Desenvolvimento Administrativo, 1989, p.71. 154

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.314.

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1.3.2.3 Interesse local

Existe uma controvérsia quanto à definição do conteúdo do termo

genérico, interesse local, previsto no art. 30, I e V, da Constituição Federal.

A doutrina indaga o sentido desta expressão. Assim, traremos os vários

posicionamentos sobre o tema para estabeleceremos nosso critério nesta

pesquisa.

Inicialmente registramos a contribuição de Alaôr Caffé Alves em

obra155escrita à luz da Constituição de 1967, com Emenda nº 1 de 1969.

Como anotamos, o dispositivo constitucional anterior mencionava o

termo peculiar interesse, ao contrário da Constituição Federal de 1988, que

indica o termo genérico. Ao ler o dispositivo, o autor criticava o entendimento

de Hely Lopes Meirelles para quem peculiar interesse era sinônimo de

interesse predominante156, que pressupunha não exclusão de interesses, mas

concorrência em termos de importância no predomínio para sua satisfação:

bem reduzido ficaria o âmbito da Administração local, aniquilando-se a autonomia de que faz praça a Constituição. Mesmo porque não há interesse municipal que o não seja reflexamente da União e do Estado-membro, como também não há interesse regional ou nacional, que não ressoe nos Municípios, como partes integrantes da Federação Brasileira, através dos Estados a que pertencem. O que define e caracteriza o “peculiar interesse”, inscrito como dogma constitucional, é a predominância do interesse do Município sobre o do Estado ou da União.

Na opinião de Alaôr Caffé Alves, peculiar interesse é sinônimo de

competência exclusiva, oponível perante qualquer outro ente político. Explica

Alaôr Caffé que se adotarmos o entendimento anterior, o Município correria o

risco de ter suas atividades estreitadas, o que acarretaria diminuir sua

autonomia, uma vez que o interesse concorreria com o Estado e a União para

posteriormente ser predominante.

O autor entende o termo peculiar como atributo particular de uma

pessoa ou coisa, o que é especial ou próprio, sem relação com predominante.

155

ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981. 156

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.114-115.

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77

Assim, a primeira corrente atribui ao dispositivo constitucional um sentido

equivocado157:

Ora, a idéia de “peculiar”, segundo o étimo, não se aplica a algo que exclua a influência de fatores externos, visto quenão existe um “ser próprio” em sentido absoluto, isolado de todas as condições de sua existência. Uma coisa ou atividade peculiar implica, necessariamente, a existência de fatores comuns em razão dos quais o peculiar se realiza como peculiar, como próprio, como particular. Por outro lado, o conceito ”predominante” compreende uma relação hierarquizada, não comutativa, onde deve existir a preponderância de um ser, característica ou fator sobre outro ou outros. Se dizemos que um interesse predomina, é imediata a idéia de que prevalece sobre outro interesse, que àquele deve se subordinar ou a ele ceder lugar. Ora, como se pode admitir que um interesse local possa subordinar um interesse regional ou nacional? Como é possível o interesse nacional ser afastado para fazer prevalecer o interesse regional ou local? Vê-se, por essa colocação, a impropriedade na identificação do “peculiar” como o “predominante”, distorcendo não só a raiz etimológica dos termos como a própria idéia posta em jogo para os efeitos jurídicos que se deseja obter”.

Deste modo, o interesse local especifica, diferencia, particulariza o

interesse do Município em relação aos demais entes, mas não há que se falar

em relação de predomínio ou hierarquia. Na realidade, ele é exclusivo, se

somente o Município tiver condições plenas de executá-lo. Nas palavras do

autor158: “Assim, o peculiar interesse local só se define como tal se, e somente

se, for possível de ser provido total ou parcialmente por administração própria

do município e esta, por sua vez, só tem sentido em razão daquele interesse”.

A grande contribuição do autor está em atrelar este conceito à noção de

autonomia, justamente para diferenciá-lo do interesse metropolitano,

demonstrando ao longo de sua obra que em razão do peculiar interesse, se

compreendido desta forma, não haverá mitigação da autonomia municipal face

ao surgimento das realidades metropolitanas.

Deste modo, a ideia de predominância não se coaduna com interesse

local, que não pode ser definido de plano. Na realidade, o sentido de

exclusividade norteia sua compreensão, uma vez que será local o interesse,

dependendo do grau de repercussão e solução do problema para além dos

limites do município. O grau de repercussão é verificado de acordo com a

realidade socioeconômica e o nível de aperfeiçoamento tecnológico que poderá

157

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.200. 158

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.200.

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ser dedicado ao seu tratamento. Assim, se o interesse demandar interface com

outros interesses de caráter regional ou nacional, dependendo do contexto

urbano, estaremos diante do interesse regional que exigirá atuação de todos os

entes envolvidos, de forma complementar. Neste caso, a autonomia do ente

será condicionada159.

Em resumo160, o interesse local será exclusivo se o Município tiver

autonomia plena para solucioná-lo. Por outro lado, se o interesse for

organicamente relacionado com os interesses regionais, em razão da

conurbação, por exemplo, sua solução demandará satisfação compartilhada

entre Estados e Municípios transformando a autonomia em condicionada.

Verificar o âmbito de abrangência do interesse envolvido, por exemplo, uso do

solo ou saneamento básico, não é dado pela pura consideração da norma

positiva. É necessário interpretar os conceitos indeterminados (peculiar

interesse), à luz da realidade econômica, social e urbana, por exemplo, no

fenômeno metropolitano, através do crescimento espraiado dos núcleos

urbanos para além das fronteiras físicas do município.

Para corroborar o entendimento de Alaôr Caffé Alves, citamos João Luiz

Teixeira Neto161, que também tratou do tema à luz da Constituição de 1969,

mas faz uma observação que pode ser aproveitada com base no sistema

constitucional atual:

[...] as peculiaridades locais sobre as quais incide o poder de polícia e a prestação de serviço público (no sentido de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados) são diversificadas em função de múltiplos aspectos: localização geográfica, dimensão, população, tradição, fatores históricos e culturais, potencialidades, níveis de urbanização, características do solo e proximidade ou afastamento de centros polarizados. Embora diferenciados e variáveis os interesses municipais, poderíamos classificar os Municípios em três grupos: Municípios integrantes de áreas metropolitanas, Municípios de características rurais e Municípios urbanizados ou em acelerado processo de urbanização não constituídos em áreas metropolitanas. Com efeito e inobstante seja indeterminável o elenco de peculiaridades locais, é possível traçar alguns parâmetros que em grandes linhas agrupem as características básicas dos Municípios brasileiros, que possibilitem a verificação da intensidade da predominância de interesses. De conseguinte ela será menos intensa

159

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.276. 160

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.276. 161

NETO, João Luiz Teixeira. O peculiar interesse municipal. Cadernos de Direito Municipal (RDP) nº64, out-dez, São Paulo: RT,1982, p.212.

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nos Municípios metropolitanos de vez que a ação estadual e federal será mais efetiva em tais Municípios. Será de intensidade média nos Municípios rurais, face à competência da União para legislar sobre direito agrário e, por último, será mais intensa nos Municípios urbanizados ou em acelerado processo de urbanização, não constituídos em áreas metropolitanas.

Neste sentido, a intensidade do interesse local pode sofrer

condicionamentos em razão do interesse metropolitano.

O grande embate travado na Constituição anterior, ainda está presente

na Carta atual, ou seja, é preciso definir o que vem a ser interesse local. As

duas correntes são reproduzidas em tendências opostas162. A primeira,

liderada por Hely Lopes Meirelles, manteve seu entendimento, acompanhada

por Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Celso Bastos, José Cretella Júnior e

Fernanda Menezes de Almeida e sustenta que peculiar interesse é sinônimo de

predominância do interesse do Município sobre o Estado ou União. Caso exista

divergência, competirá ao Judiciário resolvê-la163.

Hely Lopes Meirelles164 ao apartar exclusividade da ideia de

predominância do interesse do Município em relação ao Estado e a União,

enfatiza que não há assunto municipal que não seja reflexamente de interesse

estadual e nacional, pois a diferença é de grau e não de substância.

O autor explica a linha de raciocínio que devemos adotar, além da

necessidade de identificarmos o conteúdo jurídico do termo interesse local.

Rejeita ainda a apresentação de um rol de assuntos de interesse local,

tipificados justamente pelo fato do interesse abranger reflexos nacionais e

estaduais, além de existirem matérias que se sujeitam simultaneamente à

regulamentação dos Estados, Municípios e União, como por exemplo, trânsito

e saúde pública165:

162

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.98. 163

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.98 : “É inegável que mesmo atividades e serviços tradicionalmente desempenhados pelos Municípios, como transporte coletivo urbano, polícia das edificações, fiscalização das condições de higiene de restaurantes e similares, coleta de lixo, ordenação do uso do solo urbano etc, dizem secundariamente com o interesse estadual e nacional[...]. Acreditamos, portanto, que acabará prevalecendo, por mais consentâneo com a realidade das coisas, o entendimento de que as competências próprias dos Municípios são as relativas aos assuntos de predominante interesse local Seja qual for a orientação que se preferir, o fato, porém, é que sempre poderá haver situações de difícil enquadramento, quando os interesses de mais de uma esfera se entrelaçarem com peso igual. Diante de inevitáveis impasses desta ordem, só mesmo ao Poder Judiciário caberá dizer a quem compete disciplinar a matéria ou executar a tarefa”. 164

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.134. 165

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.134.

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Exemplos típicos dessa categoria são o trânsito e a saúde pública, sobre os quais dispõem a União (regras gerais: Código Nacional de Trânsito, Código Nacional de Saúde Pública), os Estados (regulamentação: Regulamento Geral de Trânsito, Código Sanitário Estadual) e o Município (serviços locais: estacionamento, circulação, sinalização, etc. regulamentos sanitários municipais). Isso porque sobre cada faceta do assunto há um interesse predominante de uma das três entidades governamentais. Quando essa predominância toca ao Município a ele cabe regulamentar a matéria, como assunto de seu interesse local.

Por outro lado, o autor indica explicitamente o que não pode ser

considerado interesse local como a atividade judiciária, a segurança nacional, o

serviço postal, a energia, todos assuntos alocados nos arts. 21 e 22 da

Constituição Federal.

Em seguida, explica que existem atividades tuteladas pela União e pelos

Estados-membros mas que “deixam remanescer aspectos da competência

local, e sobre os quais o Município não só pode como deve intervir, atento a

que a ação do Poder Público é sempre um poder-dever”166. E conclui167:

Examinando-se a atividade municipal no seu tríplice aspecto político, financeiro e social, depara-se-nos um vasto campo de ação, onde avultam assuntos de interesse local do Município, a começar pela elaboração de sua Lei Orgânica e escolha de seus governantes (prefeito e vereadores) e a se desenvolver na busca de recursos para a Administração (tributação), na organização dos serviços necessários à comunidade (serviços públicos), na defesa do conforto e da estética da cidade (urbanismo), na educação e recreação dos munícipes (ação social), na defesa da saúde, da moral e do bem-estar público (poder de polícia) e na regulamentação estatutária de seus servidores.

Complementando as lições de Hely Lopes Meirelles, citamos Diogo de

Figueiredo Moreira Neto168 ao enfatizar a ideia de que a expressão traz um

conteúdo variável, em razão de transformações tecnológicas, econômicas,

dependendo do tempo e do espaço169:

o local é sensível às transformações tecnológicas e econômicas, com suficiente flexibilidade para assimilá-las, pois o que é hoje local,

166

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.134. 167

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.136. 168

NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Poder Concedente para o abastecimento de água. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Mutações do direito Administrativo, p.244 apud DANTAS, Camila Pezino Balaniuc. A questão da competência para a prestação do serviço público de saneamento básico no Brasil. In: PICININ, Juliana; FORTINI, Cristiana. Saneamento Básico (Estudos e pareceres à luz da Lei 11445/2007). Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.38. 169

NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Poder Concedente para o abastecimento de água. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Mutações do direito Administrativo, p.244 apud DANTAS, Camila Pezino Balaniuc. A questão da competência para a prestação do serviço público de saneamento básico no Brasil. In: PICININ, Juliana; FORTINI, Cristiana. Saneamento Básico (Estudos e pareceres à luz da Lei 11445/2007). Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.38.

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amanhã poderá ser regional e, depois nacional ou, quiçá, comunitário, como na Europa hoje, ou no Cone Sul amanhã.

O autor170ainda sistematiza vários critérios enumerados na doutrina para

informar o conteúdo da cláusula interesse geral:

1. predominância do local (Sampaio Dória); 2. interno às cidades e vilas (Black) 3. que se pode isolar (Bonnard) 4. territorialmente limitado ao município (Borsi) 5. sem repercussão externa ao Município (Mouskheli) 6. próprio das relações de vizinhança (Jellinek) 7. simultaneamente oposto a regional e nacional (legal) 8. dinâmico (Dallari)

A segunda corrente iniciada por Alaôr Caffé Alves, e mantida por Manoel

Gonçalves Ferreira Filho após a Constituição Federal de 1988, entende que os

interesses locais seriam exclusivos. A Constituição não optou por atribuir ao

interesse local a qualidade de peculiar interesse, sob pena de restringir a

autonomia municipal171:

O texto em estudo refere-se a interesse local e não mais a peculiar interesse. Forçoso é concluir, pois, que a Constituição restringiu a autonomia municipal e retirou de sua competência as questões que, embora de seu interesse também, são do interesse de outros entes.

Compartilhamos o entendimento da primeira corrente, que atrela o

interesse local aos interesses imediatos do Município, predominantes,

resolvidos casuísticamente, conforme entende Michel Temer172:

Doutrina e jurisprudência, ao tempo da Constituição anterior, se pacificaram no dizerem que é de peculiar interesse aquele em que predomina o do Município no confronto com os interesses do Estado e da União. Peculiar interesse significa interesse predominante. Interesse local é expressão idêntica a peculiar interesse. Exemplificando: é da competência da União legislar sobre trânsito e transporte nas vias terrestres (art. 22, XI). Entretanto, não se põe em dúvida a competência do Município para dispor sobre tais matérias nas vias municipais. Estacionamento, locais de parada, sinalização, mão e contramão de direção, corporificam matérias de peculiar interesse municipal. Afastam a legislação estadual e federal [...] Tudo quanto dissemos leva à conclusão de que a competência do

170

NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Poder Concedente para o abastecimento de água. In: NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Mutações do direito Administrativo, p.244 apud DANTAS, Camila Pezino Balaniuc. A questão da competência para a prestação do serviço público de saneamento básico no Brasil. In: PICININ, Juliana; FORTINI, Cristiana. Saneamento Básico (Estudos e pareceres à luz da Lei 11445/2007). Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.38. 171

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional.18.ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 172

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.108.

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Município em tema de interesse local será desvendada casuisticamente.

Conforme o exposto, percebemos que a interpretação da cláusula

genérica ‘interesse local’ diz respeito à extração de sentido de conceitos

indeterminados173. Isto significa que é possível, de um lado, identificarmos as

zonas de certeza positiva de determinado termo, ou seja, o que efetivamente

compreendemos de forma clara sobre o seu sentido. De outro lado,

identificamos as zonas de certeza negativa, isto é, aquilo que sabemos que

jamais será considerado o sentido de determinado termo. E, por fim, a zona

intermediária, que causa dúvida, que depende da decisão final do Judiciário

para fornecer parâmetros e defini-lo à luz do caso concreto.

Este é o caso do termo ‘interesse local’, que exigirá constante consulta à

jurisprudência para verificar o sentido atribuído ao termo, identificando para sua

precisão as zonas de certeza positiva e negativa do conceito.

Em regra, doutrina e jurisprudência apontam como zonas de certeza

positiva, o entendimento da primeira corrente, o interesse predominante, as

atividades relacionadas aos transportes coletivos municipais, coleta de lixo,

ordenação do uso e ocupação do solo, fiscalização das condições de higiene

em bares e restaurantes174. Por outro lado, constatamos que a zona negativa

do conceito pode ser compreendida como aquilo que não é interesse regional e

nacional (arts. 21, 22 e 25, §2º da Constituição Federal).

Algumas questões geram controvérsia e a casuística das decisões

judiciais nos socorre para apontar as eventuais zonas cinzentas que poderão

surgir, uma vez que o interesse local comporta interfaces com os regionais e

nacionais. O desafio é verificar o que predomina, com base no caso concreto,

em termos imediatos, junto aos Municípios.

173

CARRIÓ, Genaro R. Notas Sobre Derecho y Lenguaje, 2. ed. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 1979, p. 33-35.: “Respecto de todas ellas vale la siguiente metáfora esclarecedora. Hay un foco de intensidad luminosa donde se agrupam los ejemplos típicos, aquellos frente a los cuales no se duda que la palabra es apicable. Hay una mediata zona de oscuridad circundante donde caen todos los casos en los que no se duda que no lo es. El tránsito de una zona a otra es gradual; entre la total luminosidad y la oscuridad total hay una zona de penumbra sin límites precisos. Paradójicamente ella no empieza ni termina en ninguna parte, y sin embargo existe. Las palabras que diariamente usamos para aludir al mundo en que vivimos y a nosotros mismos llevan consigo esa imprecisa aura de imprecisión. […] Esta característica de vaguedad potencial que los lenguajes naturales necesariamente exhíben ha sido llamada por Waismann ‘la textura abierta del lenguaje’. Carnap alude al mismo fenómeno cuando habla de ‘vaguedad intensional’”. 174

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Organização do Estado. Capítulo 10, p.872. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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83

Assim, verificamos que compete privativamente à União legislar sobre

trânsito e transporte (art. 22, XI da Constituição Federal). Por outro lado, é

competência comum administrativa dos Estados, Municípios e União, de

acordo com o art. 23, XII estabelecer e implantar política de educação para a

segurança do trânsito. Com relação ao exercício da competência local, é

preciso identificar o que diz respeito ao envolvimento direto e imediato no

âmbito local, sem desconsiderar a influência com relação aos interesses

estaduais e federais. Deste modo, o STF decidiu com base em vários

precedentes175 que não compete aos Municípios dispor sobre a obrigatoriedade

do uso do cinto de segurança em vias públicas, pois o assunto não é de

predomínio local.

Por outro lado, é de competência da municipalidade disciplinar a

exploração da atividade de estabelecimento comercial e expedir alvarás ou

licenças para regular o seu funcionamento176.

De outro lado, o STF firmou jurisprudência considerando competência

exclusiva da União (art. 22, I e VI da Constituição Federal) a matéria referente

à determinação do horário de funcionamento bancário, por extrapolar os limites

de competência local do Município177.

A mesma Corte178 considerou constitucional uma lei municipal que

obriga instituições financeiras a instalar em suas agências, bebedouros e

sanitários destinados aos usuários dos serviços bancários (clientes ou não),

por se tratar de matéria tipicamente local (art. 30, I da Constituição Federal).

175

ADI 874–MC/BA; RE 215.325–RS; RE 227.384–SP, Rel. Min. Moreira Alves, 17.0602002 (Informativo 273/STF). Uso de Cinto de Segurança: Competência – 1– Por ofensa à competência privativa da União Federal para legislar sobre trânsito (CF, art. 22, XI), o Tribunal declarou a inconstitucionalidade da Lei 10.521/95, do Estado do Rio Grande do Sul, que determinava o uso obrigatório de cinto de segurança nas vias públicas do Estado. Precedente citado: ADI (MC) 874–BA (DJU de 20.8.93). RE 215.325–RS, rel. Min. Moreira Alves, 17.6.2002.(RE–215325) Uso de Cinto de Segurança: Competência – 2–Com o mesmo fundamento acima mencionado, o Tribunal também declarou a inconstitucionalidade da Lei 11.659/94, do Município de São Paulo, que obrigava o uso de cinto de segurança e proibia transporte de menores de 10 anos no banco dianteiro dos veículos. RE 227.384–SP, rel. Min. Moreira Alves, 17.6.2002.(RE–227384) 176176

TJ – 3º Câm Civil; Ap. Cível nº 259.432–1– Ubatuba, Rel. Dês. Toledo César; j. 3/10/1995. 177

RExtraordinário 121623–9 – Rel Ministro Carlos Velloso, Diário da Justiça, Seção I, p. 24.280; Rec Extraordinário 130.202-0/SP– Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 25 de agosto, 1995, p. 26026. No mesmo sentido o STJ editou a Súmula 19: A fixação do horário bancário, para atendimento ao público, é da competência da União. 178

RE 251542/SP* Relator Ministro Celso de Mello: EMENTA: ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA, MEDIANTE LEI, OBRIGAR AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS A INSTALAR, EM SUAS AGÊNCIAS, BEBEDOUROS E SANITÁRIOS DESTINADOS AOS USUÁRIOS DOS SERVIÇOS BANCÁRIOS (CLIENTES OU NÃO). MATÉRIA DE INTERESSE TIPICAMENTE LOCAL (CF, ART. 30, I). CONSEQÜENTE INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

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84

Em relação à fixação do tempo máximo de espera de clientes em filas de

instituições bancárias o STF qualificou a matéria como interesse local. A ex-

Ministra Ellen Gracie, em 29/4/2010, reconheceu Repercussão Geral no

Recurso Extraordinário 610221.

E por fim, dois argumentos distintos invocados por Carlos Velloso e

Nelson Jobim, no Recurso Extraordinário 193.749-1 de São Paulo, publicado

em 4/6/1998, servem para qualificar o interesse local, ao dispor sobre a

inconstitucionalidade de lei municipal que ao fixar distância para a instalação

de farmácias, desrespeitou os princípios constitucionais da livre concorrência e

proteção aos interesses do consumidor (art. 170, IV, culminando com a edição

da Súmula 646 do STF179).

Na ocasião, o relator Carlos Velloso, com voto minoritário, entendeu que

a lei municipal respeitava o art. 30, I e II, ao dispor sobre o zoneamento do

solo, caracterizado pela localização de estabelecimentos comerciais, evitando

a concentração em determinadas localidades dentro de um raio de 200 metros

de um em relação ao outro.

Nelson Jobim discordou dos argumentos do relator e estabeleceu

premissas fundamentais para nortear o raciocínio sobre como deveremos

interpretar o exercício de competência Municipal para fins de uso e ocupação

do solo. Ressaltou que o Município, ao disciplinar sobre o planejamento e uso

do solo urbano, diz respeito à prestação de serviços municipais (art.182 da

Carta Magna). Neste sentido, argumenta:

O Município deve planejar as suas obras, tendo em vista uma limitação do uso do solo urbano vinculada ao trânsito de veículos. A proibição, por exemplo, do tráfego de determinados veículos em vias urbanas municipais é vinculada ao cálculo de pavimentação sobre o peso do veículo que deve circular sobre essa área.

Em seguida, sintetiza suas conclusões discordando do relator:

No caso específico, com a vênia que peço ao Ministro Carlos Velloso, não há propriamente a fixação do uso do solo urbano por parte de farmácias; há, isto sim, a disciplina do comércio de farmácias dentro do Município. Esse é o ponto que gostaria de colocar a exame da Turma. Uma coisa é a competência do Município de dispor sobre o planejamento urbano e exigir determinados tipos de obras e

179

Súmula 646 do STF ofende o princípio da livre concorrência. Lei Municipal que impede a instalação de estabelecimentos comerciais do mesmo ramo em determinada área.

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85

construções, ou determinados tipos de atividades que se vinculam aos serviços urbanos; outra, é o Município fixar zoneamentos para o exercício de atividades comerciais dentre aquelas que não causem prejuízo às zonas residenciais; é o caso, por exemplo, de não se permitir abertura de bares que possam ficar abertos até altas horas em determinadas áreas, prejudicando o ambiente residencial. [...] O que se pretende com a legislação municipal é estabelecer faixas de duzentos metros de áreas comerciais da cidade para exclusiva oferta de produtos por um vendedor só, ou seja, inviabilizar a possibilidade de termos de concorrência nesses duzentos metros. Quando trabalhei nessas situações de política urbana em solo urbano, observei que havia sempre uma pretensão de determinados comerciantes em estabelecer áreas, porque não é propriamente reserva de mercado – daí divergi da sustentação feita na tribuna, pois a lei municipal não chega a proibir que os habitantes da faixa dos duzentos metros sejam impedidos de comprar o produto nos outros duzentos metros. O que há é a redução dos espaços da concorrência, para que ela chegue ao consumidor e não o consumidor vá a ela. Essa é a distinção fundamental. É necessário assegurar que consumidor– o objetivo final de toda a teoria da concorrência é assegurar preços baixos e produtos de boa qualidade – possa receber a concorrência dos comerciantes, e não ter que fazer a busca dessa concorrência. Portanto, com a vênia e o respeito que merece o eminente Ministro Carlos Velloso, conheço do recurso para lhe dar provimento, tendo em vista que, neste caso, a legislação municipal não tratou do solo urbano, mas de disciplinar a livre concorrência no aspecto urbano, estabelecida como princípio constitucional no art. 170, IV, V. (grifos nossos)

Assim, identificamos as divergências sobre a qualificação de

determinado interesse (de trato local ou não). Por vezes, dependendo das

premissas adotadas, uma ou outra conclusão será alcançada. Optamos por

conceituar o interesse local como sinônimo de interesse predominante.

Procuramos, por isso, indicar as principais decisões do STF com o objetivo de

fornecer balizas e diretrizes sobre a conceituação do termo constitucional.

1.3.2.4 Competências concorrentes

Inicialmente esclarecemos que concorrência significa soma de

atribuições diferenciadas sobre um mesmo assunto180, ou seja, mais de um

ente federado poderá cuidar da mesma matéria. Isto não se confunde com a

ideia de competição ou conflito de atribuições, uma vez que a Constituição

indica em seus parágrafos um sistema de competências diferenciadas para que

cada ente federado trate do mesmo assunto.

180

SARNO, Daniela Campos Libório di. Competências Urbanísticas. In: (Coords.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal nº 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010, p.64.

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86

Por outro lado, não deixamos de mencionar que a Constituição Federal

de 1988 adotou o sistema de competências concorrentes próprias limitadas,

possibilitando mais de um ente tratar simultaneamente sobre determinada

matéria, mas de forma limitada, pois compete à União estabelecer normas

gerais, e aos Estados e Municípios, complementar ou suplementar as leis de

forma específica.

O sistema por excelência de competências concorrentes foi arrolado no

art. 24 da Constituição. No entanto, ele não exclui outras previsões espalhadas

pelo seu texto, como o art. 22, IX, e o art. 21, XX e XXI, que tratou dos

princípios e diretrizes para o desenvolvimento urbano e para o sistema nacional

de viação, que deverão ser fixados em lei, de acordo com o art. 48, IV.

Com base nas competências indicadas, indagamos: como é exercida a

competência concorrente limitada, nos termos do art. 24 da Constituição

Federal? A compreensão irá decorrer da interpretação dos parágrafos 1º a 4º.

No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limita-se a

estabelecer normas gerais, que não exclui a competência suplementar dos

Estados. Na hipótese de não ser editada lei federal sobre normas gerais, os

Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas

peculiaridades. Caso a lei federal venha a ser editada, será suspensa a eficácia

da lei estadual, no que lhe for contrária.

O ponto de partida para compreendermos o exercício de competência

concorrente é investigarmos o sentido de norma geral, pois é importante

avaliarmos o campo específico de competência que será atribuído ao Estado e

à União, sob pena de invasão de competência e inconstitucionalidade da lei

produzida.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto181identificou o desafio proposto ao

intérprete quando se trata de desvendar o sentido e o alcance de determinada

norma jurídica. Qual o verdadeiro sentido que revela o termo normas gerais,

uma vez que por definição todas as normas jurídicas são gerais? O esforço da

doutrina e da jurisprudência para descobrir o ponto diferencial de tratamento

levou à elaboração de vários conceitos sobre o assunto.

181

NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Competência Concorrente Limitada. O problema da conceituação das normas gerais. Revista de Informação Legislativa nº100, out-dez,1988, p.152.

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87

Paulo Affonso Cavichioli Carmona182elaborou uma sistematização

baseada na antiga classificação de Diogo de Figueiredo Moreira Neto183 que

permite visualizarmos os principais conceitos doutrinários sobre o tema:

1) São principiológicas, ou seja, estabelecem princípios, diretrizes, fundamentos, critérios básicos, linhas mestras: Alice Gonzáles Borges, Burdeau, Celso Antônio Bandeira de Mello, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Eros Roberto Grau, Francisco Cavalcante Pontes de Miranda, José Afonso da Silva, Hely Lopes Meirelles, Marco Aurélio Greco, Maunz, Ottmar Buhler, Paulo de Barros Carvalho, Roque Antonio Carrazza; 2) São nacionais, aplicando-se indistinta e uniformemente em todo território nacional pelos entes públicos: Adilson Abreu Dallari, Alice Gonzáles Borges, Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, Celso Antônio Bandeira de Mello, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Geraldo Ataliba, Hely Lopes Meirelles, José Souto Maior Borges, Paulo de Barros Carvalho; 3) Devem ser regras uniformes para todas as situações homogêneas: Adilson Abreu Dallari, Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, Pinto Falcão; 4) Visam prevenir conflitos de atribuições entre as entidades locais, nos assuntos de competência concorrente das ordens federadas: Alice Gonzáles Borges, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Geraldo Ataliba, Hely Lopes Meirelles; 5) Só cabem quando preencham lacunas constitucionais ou disponham sobre áreas de conflitos: Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Roque Antonio Carrazza; 6) Visam uniformizar o essencial sem cercar o acidental: Alice Gonzáles Borges, Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, Diogo de Figueiredo Moreira Neto; 7) Devem referir-se a questões fundamentais: Adilson Abreu Dallari, Francisco Cavalcante Pontes de Miranda; 8) São limitativas na medida em que limitam, como princípios, a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e os particulares: Diogo de Figueiredo Moreira Neto; 9) São limitadas, no sentido de não poderem violar a autonomia dos Estados, Distrito Federal e Municípios: Adilson Abreu Dallari, Francisco Cavalcante Pontes de Miranda, Lúcia Valle Figueiredo, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Paulo de Barros Carvalho; 10) Sempre que existir a previsão de norma geral existe competência estadual sobre a matéria: Marco Aurélio Greco; 11) Não podem representar instrumentos de regulação da atividade de uma pessoa pública por outra também pública: Geraldo Ataliba; 12) Não são normas de aplicação direta: Burdeau, Cláudio Pacheco; 13) São as que cuidam de determinada matéria de maneira ampla: Adilson Abreu Dallari; 14) Estabelecem diretrizes sobre o cumprimento dos princípios constitucionais expressos e implícitos: Lúcia Valle Figueiredo.

Acrescentamos ao extenso rol a posição de Celso Antônio Bandeira de

Mello184. Ao lado da noção já apresentada de que normas gerais são diretrizes,

182

CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Das Normas Gerais –Alcance e Extensão da Competência Legislativa Concorrente. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.57. 183

NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Competência Concorrente Limitada. O problema da conceituação das normas gerais. Revista de Informação Legislativa nº100, out-dez,1988, p.149-150.

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88

princípios e delineamentos genéricos, o autor acrescenta outra proposta. Nas

hipóteses em que o interesse público deva ser assegurado em todo o país, sob

pena de não ser protegido, a União estaria autorizada, por meio das normas

gerais a fixar padrões mínimos de defesa do interesse público. Estados e

Distrito Federal poderiam legislar sobre a matéria, sempre respeitando o

patamar mínimo exigido pela lei federal. Os entes até poderão, sob a ideia de

proteger o interesse público, fixar diretrizes mais intensas, observados os

limites mínimos básicos estabelecidos pela União.

Diante das várias posições suscitadas, alguns elementos poderão

balizar o intérprete na árdua tarefa de identificar o sentido de norma geral.

Reuniremos alguns que representam consenso na doutrina para auxiliar o

intérprete: a) as normas gerais fixam princípios, critérios básicos, diretrizes,

fundamentos; b) não podem ser específicas, ou seja, detalhar a matéria; c)

devem ser aplicadas uniformemente em todo o território nacional, equiparam-

se às normas nacionais185.

A despeito de todos os esforços da doutrina para reunir critérios que

facilitem a exata intelecção do termo, atentamos para a advertência de

Fernanda Dias Menezes de Almeida186 para identificá-lo como conceito

indeterminado. Assim, sua interpretação acarreta uma dose de subjetivismo,

que poderá ser resolvida pelo STF.

Após a investigação do campo de exercício de competência da União no

âmbito concorrente, examinaremos o âmbito de competência suplementar dos

Estados-membros.

Prevê o § 2º do art. 24 que a competência da União para legislar sobre

normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. Qual o

184

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conceito de normas gerais no direito constitucional brasileiro. Interesse Público. Revista Bimestral de Direito Público nº66, Ano XIII, 2011: “Dessarte, de fora parte diretrizes, princípios e delineamentos genéricos, a União estaria autorizada também a qualificar, em casos de símile compostura, um patamar, um piso defensivo do interesse público que as legislações estadual e distrital não poderiam desatender. Porém, acima daquele piso e obviamente respeitados os princípois e diretrizes pertinentes, Estados e Distrito Federal legislariam livremente sobre as matérias da legislação concorrente. Isto é, poderiam neste campo sempre estabelecer exigências defensivas do interesse público, ainda mais enérgicas, mais intensas ou mais extensas do que as fixadas pela União; o que não poderiam seria rebaixá-las porque, aí sim, estariam contrariando normas gerais, é dizer, normas instituíds para caracterizar o patamar mínimo imposto para defesa do intersse público atinente àquele objeto legislado”. 185

CARMONA, Paulo Afonso Cavichioli. Das Normas Gerais – Alcance e Extensão da Competência Legislativa Concorrente. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.60. 186

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.133.

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89

sentido de competência suplementar? A compreensão da expressão decorre

da junção entre os parágrafos 3º e 4º. Fernanda Dias Menezes de Almeida187e

Alexandre de Moraes188 explicam que a competência suplementar dos

Estados-membros pode ser dividida em dois tipos: complementar e supletiva.

No primeiro caso, é exercida conforme o §2º e dependerá de lei federal a ser

especificada pelos Estados, ou seja, pormenorizada em relação ao conteúdo

da norma geral. No segundo caso, é exercida (§3º e §4º) diante da inércia da

União em editar a lei federal. Nesta situação os Estados adquirirão,

temporariamente, competência plena para editar normas de caráter geral e

específicas. O vocábulo supletiva equivale a suprir a falta, fazer as vezes de

uma lei que não foi editada.

No campo da competência complementar, portanto, os Estados poderão

especificar, minudenciar as normas gerais, adaptando-as às peculiaridades

regionais. Não caberá delegação das normas gerais da União para os Estados.

Por sua vez, no âmbito da competência suplementar supletiva, a

competência legislativa dos Estados-membros surge diante da inexistência de

lei federal sobre normas gerais. Qual o sentido e o alcance do §3º?

A inexistência de legislação sobre normas gerais autoriza o exercício da

competência dos Estados-membros de forma plena para atender suas

peculiaridades. Interessa-nos saber qual o âmbito de ação dos Estados. Eles

poderão legislar apenas sobre conteúdo específico diante da omissão da lei

federal ou tratar de normas gerais e específicas em razão de suas

peculiaridades? As duas posições são apontadas pela doutrina como formas

de aplicar o dispositivo.

A primeira interpretação formulada por Anna Cândida da Cunha

Ferraz189 e a segunda por Manoel Gonçalves Ferreira Filho190 e adotada por

Fernanda Dias Menezes de Almeida. Adotamos esta última.

187

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.135. 188

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.311. 189

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. União, Estados e Municípios na nova constituição: enfoque jurídico-formal. A nova constituição paulista. São Paulo: Fundação Faria Lima/Fundação de Desenvolvimento Administrativo, 1989, p. 70 apud ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.137. 190

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988.v.1, São Paulo: Saraiva, 1990, p.197 apud ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.137.

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90

O exercício pelo Estado de competência legislativa plena diante da

ausência de norma geral federal parte de um raciocínio simples. O Estado só

detalha normas gerais existentes, quando está diante das competências

suplementares complementares (§2º). Diante da ausência de normas gerais,

não há o que complementar. Desta maneira, é necessário exercer dupla tarefa,

editar as normas gerais e a partir delas, expedir outras detalhando seus

comandos em razão das peculiaridades dos Estados, daquilo que venha a ser

interesse predominante regional. As normas gerais e específicas do Estado,

por sua vez, só incidirão no âmbito do território do Estado que as editar. O

Estado-membro não poderá substituir o legislador federal, sob pena de

inconstitucionalidade da norma editada. Este também é o entendimento da

jurisprudência191.

Em face do exercício de competência plena do Estado em razão da

inércia da União, poderíamos indagar se ela seria permanente ou temporária. A

Constituição responde a questão ao prever no §4º do art. 24, que a

superveniência de normas gerais da União suspende a eficácia da lei estadual.

Assim, a inércia será temporária, pois a União a qualquer tempo voltará a editar

normas gerais sobre os assuntos do art. 24.

Se a Constituição permite que a União a qualquer momento volte a

legislar sobre normas gerais, qual será o destino das normas editadas pelos

Estados, na forma do §3º? Determina a Constituição Federal, no §4º, que as

normas estaduais serão suspensas. José Afonso da Silva192explica que

suspensão não se confunde com revogação. Suspensão significa perda da

aplicabilidade da norma, ou melhor, suspensão de sua eficácia. Assim, na

hipótese de revogação da lei federal superveniente, há possibilidade da norma

estadual voltar a incidir.

Se ao contrário, ela tivesse sido revogada, no caso de eventual

revogação da norma federal superveniente, a norma estadual deixaria de existir

no ordenamento jurídico, o que impediria sua nova aplicação.

191

Posição revelada pelo professor Alexandre de Moraes em seu curso de Direito Constitucional, 25 edição, p. 313. Acórdãoreferência: STF– Pleno– Adin. nº 903-6/MG – medida liminar– Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção 1, 24 outubro. 1997, p. 54; 155. 192

SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.502.

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91

Resta-nos examinar a competência suplementar dos Municípios,

prevista no art. 30, II. Ao examinarmos o art.24 e seus parágrafos, não

encontramos normatização sobre o exercício de competência suplementar

pelos municípios. No entanto, uma interpretação sistemática do art. 30, II, traz

esta possibilidade, pois a Constituição permite que o Município suplemente a

legislação federal e a estadual, no que couber.

Assim, deveremos analisar a questão sob duas perspectivas. A primeira

diz respeito ao fato do município exercer ou não competência suplementar, por

não figurar no art. 24, e a segunda, à análise do campo de atuação do

Município se eventualmente for admitida esta espécie de competência.

Já reconhecemos que competência suplementar diz respeito à

complementação de norma geral de lei editada e substituição na ausência de

lei federal. Será que este significado decorrente do art. 24 é aplicável aos

Municípios?

A doutrina diverge neste sentido. Michel Temer193 exclui os Municípios

da competência concorrente (art. 24) pela União, Estados, Distrito Federal e

Municípios.

Carlos Ari Sundfeld194 e Jorge Radi195,por sua vez, admitem a

competência suplementar do Município, prevista no art. 30, II, apenas sobre

matérias administrativas titularizadas pelos Municípios, nos termos da

Constituição. Assim, o Município não poderá legislar em relação a qualquer

espaço de sobra que a União ou Estado tenha deixado em sua legislação. Só

poderá fazê-lo se a matéria envolver competência administrativa do Município.

Deste modo, explicam os autores, não poderá o Município suplementar

legislação estadual que envolva juntas comerciais (art. 24, III), custas dos

serviços forenses (IV) e juizados de pequenas causas (X). Porém, admitem o

exercicio de competência suplementar, da mesma forma que os Estados-

membros, em relação ao art. 22 e incisos que tratam das hipóteses nas quais a

União poderá legislar sobre diretrizes gerais.

193

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.68. 194

SUNDFELD, Carlos Ari. Sistema Constitucional de Competências. Revista Trimestral de Direito Público nº1. São Paulo: RT,1993, p.272-281. 195

Aula ministrada no Curso de Direito a Cidades da Sociedade Brasileira de Direito Público, em 25 abr. 2003. Disponível em: <www.sbdp.org.br>. Acesso em: 16 jan.2013.

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92

Por outro lado, a maioria dos doutrinadores, incluindo José Afonso da

Silva196, Fernanda Dias Menezes de Almeida197, Luiz Alberto David Araújo

eVidal Serrano Nunes Júnior198defendem o exercício de competência

suplementar pelos Municípios (art.30,II) ainda que não tenham sido

mencionados no art. 24. Este é o nosso entendimento.

Embora defendam o exercício de competência suplementar, entendem

que é preciso investigar o campo de incidência desta atribuição municipal,

sobretudo, em razão da cláusula limitadora do dispositivo que diz respeito no

que couber.

José Afonso da Silva 199 afirma que, embora o Município não figure

expressamente como ente capaz de exercer a competência concorrente

(art.24), o art.30, II, viabiliza o exercício da referida competência em relação à

suplementação das normas federais e estaduais, no que couber, desde que

disponha sobre os assuntos arrolados no inciso e respeite as normas gerais da

União.

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior aplicam, da

mesma forma, o art. 30, II, no âmbito do art. 24 da Constituição Federal, ao

admitirem que os Municípios foram encarregados de suplementar as normas

gerais federais e as estaduais em nível local, sempre que houver interesse

evidente.

Fernanda Dias Menezes de Almeida200 amplia o espectro de aplicação

do art. 30, II, determinando que os Municípios legislem de forma suplementar,

estabelecendo as normas específicas ou gerais, sempre que necessário ao

exercício de competências materiais, comuns ou legislativas privativas. Em

todos os casos o limite da atuação municipal esbarra no interesse local, pois

ele baliza a interpretação da cláusula no que couber. Assim, apenas quando

houver interesse local, o Município poderá suplementar a legislação federal e

estadual. Este é o nosso posicionamento.

196

SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.502. 197

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.139. 198

ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.306. 199

SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.502. 200

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed.São Paulo: Atlas, 2010, p.139.

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93

No que diz respeito ao exercício de competência material exclusiva, o

Município poderá legislar de forma suplementar, observando quando

necessário as leis federais e estaduais. Este é o caso do art. 30, IV. O

Município poderá criar, organizar e suprimir distritos, desde que observe a

legislação do Estado para esta finalidade. O fato de existir legislação estatal

sobre a matéria não inviabiliza o exercício da competência municipal no que

tange aos aspectos de interesse local.

Esta é a nova versão: No âmbito das competências materiais comuns do

art.23, as leis complementares previstas no parágrafo único são originárias da

competência concorrente do art.24, conforme Fernanda Dias Menezes de

Almeida201. Desta forma, competirá à União editar normas gerais e aos demais

entes federativos suplementar as normas da União.

Assim, por exemplo, no campo do Saneamento e Programa de Moradia,

Desenvolvimento Urbano e Direito Urbanístico, poderemos articular os arts. 21,

XX, 23, IX, 24, I e 30, I. No campo da competência comum, a União instituirá

diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive, saneamento e habitação,

cabendo aos demais entes federados (no exercício da competência material,

baseada nesta lei) promover programas de construção de moradias e a

melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. Por sua vez, os

Estados exercerão sobre o mesmo assunto sua competência complementar ou

supletiva e os Municípios sua competência complementar em relação às

normas da União e dos Estados, desde que verse sobre o interesse local.

No campo da competência suplementar, os Municípios devem seguir o

mesmo regime jurídico aplicado aos Estados, conforme o art. 24, §2º, 3º e 4º

da Constituição Federal. Poderão complementar as normas federais e

estaduais, e diante da inércia da União ou do Estado, exercerão competência

plena, suspendendo a legislação pela superveniência de norma federal e

estadual. Este sistema, no entanto, só será aplicado se houver interesse local.

Diferentemente de toda a doutrina constitucionalista e baseado nas

ideias de Tércio Sampaio Ferraz202, Ricardo Marcondes Martins203 traz um

201

ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.116. 202

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Normas Gerais e Competência Concorrente: uma exegese do art. 24 da Constituição Federal. Revista Trimestral de Direito Público nº7. São Paulo, 1994, p.16-20.

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outro interessante critério. Trata-se do cotejo entre os princípios da segurança

jurídica e da igualdade na interpretação das competências concorrentes.

O autor explica que no sistema federativo, a descentralização territorial do

poder em países de dimensão continental como o Brasil – com diversas

características locais e regionais – assegura efetividade ao princípio da

igualdade democrática, o exercício do pacto federativo e a garantia da

predominância do interesse nacional. É o que justifica a figura da União e da

segurança jurídica, que fundamenta a produção de normas gerais, aplicáveis a

todo território nacional.

Deste modo, o art. 24 da Constituição ao tratar das competências

concorrentes adotou o princípio da igualdade, que permite a edição de normas

particulares pelos Estados conforme suas peculiaridades, e o da segurança

jurídica, que justifica a produção de normas gerais pela União, de caráter

nacional, aplicáveis, em princípio, a todos os entes federativos.

Ao editar a lei, em razão de fatores históricos, sociais e econômicos, o

legislador deverá ponderar204 qual princípio deverá incidir no caso concreto

(igualdade ou segurança jurídica) e editar a norma que o abarcar. Segundo

Ricardo Marcondes Martins205, o legislador federal só poderá editar normas

gerais se verificar que prevalecerá o princípio da segurança jurídica:

Este, ao editar uma lei, aplica os princípios constitucionais em constante colisão e, conseqüentemente, é obrigado a efetuar uma ponderação. O legislador federal tem também diante de si um caso concreto: trata-se da respectiva lei a ser editada, referente à determinada matéria, em um contexto histórico determinado. Diante dessas circunstâncias que tem diante de si, deve efetuar uma ponderação e analisar qual princípio tem maior peso: o princípio da igualdade ou o princípio da segurança jurídica. Se concluir que, diante da matéria a ser legislada e naquele contexto histórico, o princípio da segurança jurídica tem maior peso que o princípio da igualdade, estará legitimado para editar uma norma geral. Se a ponderação por ele efetuada levar a resultado contrário, ou seja, que em relação a respectiva matéria o princípio da igualdade tem maior peso, não terá competência para editar normas gerais.

203

MARTINS, Ricardo Marcondes. As Normas Gerais de Direito Urbanístico. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estadonº20. dez-jan-fev2009/2010. Salvador/Bahia/Brasil. Disponível em:<www.direitodoestado.com>. Acesso em: 18 jan.2013. 204

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério.1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002; ALEXY, Robert. Princípios Jurídicos y Razón Práctica. In: Derecho y Razón Práctica. 2. reimpr. corrig. México: Fontamara, 2002, p.7-24 apud MARTINS, Ricardo Marcondes. As Normas Gerais de Direito Urbanístico. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estadonº 20. dez-jan-fev2009/2010. Salvador/Bahia/Brasil. Disponível em:<www.direitodoestado.com>. Acesso em: 18 jan.2013. 205

MARTINS, Ricardo Marcondes. As Normas Gerais de Direito Urbanístico. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estadonº 20. dez-jan-fev2009/2010. Salvador/Bahia/Brasil. Disponível em:<www.direitodoestado.com>. Acesso em: 18 jan.2013.

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95

Portanto, o autor afirma que as normas gerais não têm conteúdo

material preciso, pois precisam ser preenchidas através da ponderação entre

os princípios jurídicos da igualdade e segurança jurídica.

Adverte o autor206 que o controle de constitucionalidade das normas não

é afastado, caso o legislador federal tenha extrapolado o exercício de suas

competências. Caberá, portanto, ao Judiciário controlar a ponderação em

última instância.

Ricardo Marcondes Martins acrescenta que as normas gerais, após

ponderadas deverão respeitar os limites impostos em razão da competência

privativa dos Estados e Municípios.

O autor conclui apresentando três tipos de normas em relação à

interpretação do art. 24. As normas gerais da União são denominadas de

primeiro nível e sua edição irá priorizar o princípio da segurança jurídica, a

partir de normas aplicáveis a todo o território nacional. Os Estados-membros,

ao editarem normas complementares ou suplementares editarão normas de

segundo nível, priorizando o princípio da segurança jurídica, por meio de

normas jurídicas válidas para o território daquele Estado. Em relação aos

Municípios, o legislador local deverá ponderar a partir do interesse local e das

competências do art. 30. No entanto, em função do interesse local, deverá

priorizar o princípio da igualdade em detrimento da segurança jurídica207:

Daí a denominação: normas gerais de direito urbanístico de primeiro nível. O legislador estadual, após editadas as normas gerais de primeiro nível pelo federal ou, em caso de omissão, no exercício da competência plena, não tem competência para editar normas propriamente particulares. Deve também observar a previsão das competências municipais e, por força disso, efetuar uma segunda ponderação entre o princípio da segurança jurídica e o princípio da igualdade, este também aqui reforçado por uma prioridade prima facie. As normas editadas pelo legislador estadual não são particulares, mas normas gerais de direito urbanístico de segundo nível. Na primeira ponderação, efetuada pelo legislador federal, o princípio da segurança jurídica exige a edição de normas urbanísticas válidas para todo território brasileiro; na segunda ponderação, efetuada pelo legislador estadual, o princípio da segurança exige a edição de normas urbanísticas válidas para todo território do

206

MARTINS, Ricardo Marcondes. As Normas Gerais de Direito Urbanístico. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estadonº 20. dez-jan-fev2009/2010. Salvador/Bahia/Brasil. Disponível em:<www.direitodoestado.com>. Acesso em: 18 jan.2013. 207

MARTINS, Ricardo Marcondes. As Normas Gerais de Direito Urbanístico. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estadonº 20. dez-jan-fev2009/2010. Salvador/Bahia/Brasil. Disponível em:<www.direitodoestado.com>. Acesso em: 18 jan.2013.

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96

respectivo Estado. O legislador federal, também aqui, deve efetuar uma ponderação entre os princípios da segurança jurídica e da igualdade e apurar se a exigência de edição de uma norma de direito urbanístico referente à ordenação da política urbana,assunto diretamente vinculado ao interesse local, válida para todo território brasileiro, prepondera. Sempre que nessa ponderação não se justificar o afastamento do princípio da igualdade, a competência para editar a norma será exclusivamente do Município. Este, ao exercer sua competência, deve respeitar todas as normas gerais por ele editadas.

Deste modo, o intérprete poderá utilizar os critérios de ponderação para

editar as normas gerais da União, da competência suplementar e

complementar do Estado priorizando a segurança jurídica e, por fim, a

igualdade, para atender as peculiaridades locais do Município.

No que tange à competência suplementar dos Estados-membros, há

óbice em relação ao interesse local? Existe impedimento em relação à

competência suplementar dos Municípios? A doutrina diverge. Reproduziremos

o debate com base na pesquisa realizada por Rafael Augusto Silva

Domingues208. De um lado, a corrente restritiva, encampada por José Afonso

da Silva, entende que os Estados-membros, no exercício de sua competência

suplementar (§2º e §3º do art. 24) deverão respeitar os limites das normas

gerais e do interesse local (art. 30, I). Assim, o exercício da competência

suplementar dos Estados teria seu espectro de atuação bem delimitado, entre

os âmbitos federal e o municipal. Por outro lado, a corrente ampliativa liderada

por Carlos Ari Sundfeld209 confere ampla atuação ao Estado-membro, pois

entende que o art. 30, I, só serviria de restrição ao exercício de competência do

Estado no âmbito das competências reservadas (art. 25, §1º) e não no campo

das concorrentes (art.24). Assim, os Estados-membros ao exercerem a

competência suplementar encontrariam limitação apenas nas normas gerais

expedidas pela União.

208

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.133. 209

SUNDFELD, Carlos Ari.Sistema Constitucional de Competências. Revista Trimestral de Direito Público nº1. São Paulo: RT,1993, p.272-281.

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1.3.2.5 Competências urbanísticas e planejamento urbano

Em relação ao planejamento urbano por parte dos três entes federados,

deveremos recorrer à aplicação da competência concorrente limitada, na forma

do art. 24.

Com relação à atuação da União, trazemos a interpretação

sistemáticade José Afonso da Silva210, ao conjugar as normas gerais de

desenvolvimento urbano dos arts. 21, XX, XXI, 24, I, §1º e 182 da Constituição

Federal:

Em matéria urbanística a Constituição declara que compete à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (art 21, XX), bem como estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação (art. 21, XXI). E ainda prevê que cabe a ela, concorrentemente com os Estados e o Distrito Federal, legislar sobre direito urbanístico, sendo que, no âmbito desta legislação concorrente, sua competência se limitará a estabelecer normas gerais (art. 24, I e §1º). Achamos que a referência a diretrizes gerais fixadas em lei, no art. 182, se liga também à competência indicada nos arts. 21, XX, e 24, I, e §1º. Quer dizer, as diretrizes do desenvolvimento urbano, mencionadas no art. 21, XX, devem ser veiculadas mediante lei federal de normas gerais,

de que cogitam o art. 24, I e §1º. Esta interpretação permite concluir que o Estatuto da Cidade, Lei

Federal nº 10.257/2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana, ao

regulamentar o art.182 reúne os elementos desta interpretação formulada por

José Afonso da Silva, assumindo as características de lei geral do direito

urbanístico.

O Capítulo I introduz diretrizes gerais da política urbana que deverão ser

obedecidas pelos Estados e Municípios, além de indicar instrumentos

urbanísticos que no mínimo deverão ser incorporados nos planos regionais dos

Estados e Municípios.

Da mesma forma, aplicam-se ao Estatuto da Cidade, a competência

complementar/suplementar dos Estados-membros e dos Municípios,

respectivamente (art. 24, §2º, 3º e 4º; art.182 e 30, I, II e VIII da Constituição

Federal).

210

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.67.

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Interessante questão foi proposta por Rafael Augusto Silva

Domingues211 ao analisar o âmbito de competência concorrente em matéria

urbanística pelos Estados-membros. É possível que os Estados elaborem

outras normas gerais ao lado daquelas editadas pela União? Por exemplo, os

Estados poderão acrescentar outros instrumentos da política urbana além dos

indicados no rol do art. 4º? A resposta do autor é afirmativa.

A pergunta supõe que já existe uma norma geral editada e que, portanto,

só se justificaria a edição de uma norma complementar para especificar

detalhes importantes para serem aplicados no âmbito do Estado, no que toca

ao interesse regional. No entanto, o autor afirma ser possível a competência

suplementar, ainda que já tenha sido editada uma norma geral. Entende ainda

que a despeito de normas gerais terem sido editadas, é possível existirem

vazios, lacunas, para os quais seja necessário legislar, caracterizando a

hipótese de inexistência de norma geral sobre determinado assunto. O âmbito

de atuação do Estado estaria restrito às peculiaridades do Estado, por força do

§3º do art. 24. Da mesma forma, se existisse superveniência de lei federal

sobre o instituto criado, suspenderia a eficácia da norma geral editada pelos

Estados-membros (§4º)212:

Acreditamos que a resposta deva ser positiva, ou seja, os Estados podem legislar sobre normas gerais–dentro da sua competência suplementar– a par daquelas normas já expedidas pela União, desde que, é claro, não conflite com essas normas federais já editadas. Ora, se os Estados podem o mais, que é legislar integralmente sobre a matéria, de maneira suplementar (quando inexiste lei federal), tapando assim um vazio deixado pela União, podem, por conseqüência, o menos, que é editar normas gerais sobre determinadas matérias ou institutos não tratados pela legislação editada pela União (legislar parcialmente).

Com relação à competência suplementar dos Municípios, não prevista

expressamente no art. 24, mas acolhida no art. 30, II, em matéria urbanística

ela está prevista nos arts. 24, I, c/c art. 30, II, VIII e 182. Assim, compete aos

Municípios complementar, no que tange ao interesse local, as normas gerais

da União e dos Estados e diante da ausência delas, legislar para atender suas

211

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.116. 212

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.116.

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peculiaridades, acolhendo a suspensão da norma local, na hipótese de

superveniência de norma federal ou estadual.

Em relação aos Municípios, propõe Ricardo Marcondes Martins que

conjugando a competência do art. 182, 30, II e VIII, o Município poderá legislar

em razão do princípio da igualdade, em termos de competência suplementar,

para atender às peculiaridades da norma geral editada pela União213:

Após a edição das normas gerais de direito urbanístico de primeiro e segundo nível, passa-se a ordenação direta dos espaços habitáveis, matéria diretamente vinculada ao interesse local. Por força do art. 30, I, essa disciplina seria de competência privativa do Município. O constituinte, no entanto, preferiu instituir uma exceção: por força do art. 182, preceito vinculado ao art. 30, VIII, a competência para promoção da política urbana é de competência concorrente da União e dos Municípios, em que àquela cabe a edição de diretrizes, sinônimo de normas gerais, e a estes cabe a edição de normas específicas. O legislador federal, também aqui, deve efetuar uma ponderação entre os princípios da segurança jurídica e da igualdade e apurar se a exigência de edição de uma norma de direito urbanístico referente à ordenação da política urbana, assunto diretamente vinculado ao interesse local, válida para todo território brasileiro, prepondera. Sempre que nessa ponderação não se justificar o afastamento do princípio da igualdade, a competência para editar a norma será exclusivamente do Município. Este, ao exercer sua competência, deve respeitar todas as normas gerais por ele editadas.

Rafael Augusto Silva Domingues214 exemplifica trazendo um caso

envolvendo loteamentos fechados ou condomínios previstos em legislação

municipal, em razão da ausência de previsão na Lei nº 6.766/1979. Desta

forma, é possível a previsão que permite aos Municípios utilizar privativamente

pelos condôminos as áreas destinadas ao patrimônio público.

Compete aos Estados-membros disporem sobre normas urbanísticas

regionais, responsáveis pela ordenação do território estadual, em razão da

competência suplementar das normas gerais da União (art. 24, I e §2º), por

meio de suas Constituições Estaduais. Igualmente compete ao Estado editar

planos urbanísticos estaduais para disciplinar seu território, além dos planos

urbanísticos regionais, responsáveis pela ordenação territorial das regiões

metropolitanas (art. 25, §3º, da Constituição Federal).

213

MARTINS, Ricardo Marcondes. As Normas Gerais de Direito Urbanístico. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estadonº 20. dez-jan-fev2009/2010. Salvador/Bahia/Brasil. Disponível em:<www.direitodoestado.com>. Acesso em: 18 jan.2013. 214

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.122.

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100

Em relação aos Municípios, a Constituição lhes conferiu várias

competências urbanísticas, que ora podem ser suplementaresà legislação

estadual e federal (art. 30, II), ora material (art. 30, IV e IX) e até legislativa

exclusiva (arts.30, VIII c/c I e 182 da Constituição Federal).

O núcleo especial da competência urbanística, que conferiu prestígio ao

Município, está nos arts. 30, I, c/c VIII e 182 da Constituição Federal. É por

força destes dispositivos que o Município exerce suas competências de forma

exclusiva. Conjugando ambos verificamos que a Carta Magna atribuiu a ele a

tarefa de estabelecer a política de desenvolvimento urbano, ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade, garantir o bem-estar de seus

habitantes (art. 182), ordenar o seu território, mediante planejamento e

controlar o uso e a ocupação do solo urbano por meio do Plano Diretor. Hely

Lopes Meirelles215 desenha o quadro de competências urbanísticas do

município em dois setores distintos: o da ordenação espacial e do controle da

construção:

As atribuições municipais no campo urbanístico desdobram-se em dois setores distintos: o da ordenação espacial, que se consubstancia no plano diretor e nas normas de uso, parcelamento e uso do solo urbano e urbanizável, abrangendo o zoneamento, o loteamento e a composição estética e paisagística da cidade; e o de controle da construção, incidindo sobre o traçado urbano, os equipamentos sociais, até a edificação particular nos seus requisitos estruturais funcionais e estéticos, expressos no código de obras e normas complementares.

É importante ressaltar que o Município (art. 182 da Constituição Federal)

executa a política de desenvolvimento urbano com base nas diretrizes gerais

fixadas em lei federal (arts. 21, IX e XX, 24, I) denominada Estatuto da Cidade.

Além disto, os Municípios também deverão respeitar os planos regionais,

sobretudo, o plano urbanístico microrregional, editado pelo Estado-membro, no

campo do art. 25, §3º, da Constituição Federal.

Da mesma forma, elabora e executa o Plano Diretor, obrigatório para

cidades com mais de 20 mil habitantes, considerado instrumento básico da

política de desenvolvimento e de expansão urbana, pois baliza e condiciona o

cumprimento da função social da propriedade urbana.

215

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.509.

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Caso o Município entenda ser necessário, poderá optar por editar lei

municipal específica para área incluída no Plano Diretor para exigir que o

proprietário do bem cumpra a função social da propriedade através dos

instrumentos do parcelamento compulsório, IPTU progressivo no tempo e

desapropriação urbanística.

A despeito da Constituição ter atribuído aos Municípios competência

exclusiva em matéria urbanística (art. 30, I, VIII e 182), seu exercício não deve

estar centrado em uma exagerada visão de autonomia irrestrita. Isto porque, no

caso da edição dos planos urbanísticos, há incidência de normas federais e

estaduais que deverão ser obedecidas, em razão da competência concorrente.

Esta é a posição de José Afonso da Silva. Segundo ele, embora predomine a

atuação do Município no campo urbanístico, não é ilimitada, pois está adstrita

às normas de desenvolvimento urbano da União e dos Estados-membros.

As normas urbanísticas municipais são bem características, porque é no

espaço dos Municípios que se manifesta a atividade urbanística na sua forma

mais concreta e dinâmica. Por isso, as competências da União e do Estado

esbarram na competência própria que a Constituição reservou aos Municípios.

Por outro lado, os mesmos municípios deverão conformar sua atuação às

diretrizes gerais de desenvolvimento urbano definidas pela União e

genericamente coordenados pelos Estados216.

Mas quais seriam os limites do exercício da competência suplementar do

Estado-membro com relação ao interesse local dos Municípios, em matéria

urbanística?Já compreendemos que existem duas correntes que balizam o

exercício da competência concorrente por parte do Estado em relação ao

Município. A ampliativa, que entende que os Estados-membros no exercício de

competência concorrente só encontram limites nas normas gerais da União e

desconsidera o interesse local dos Municípios. Este último, por sua vez,

deveria respeitar a legislação federal e estadual no que toca o Direito

Urbanístico, suplementando-as no que couber. Por outro lado, existe a corrente

restritiva, defendida por José Afonso da Silva217, que sustenta exercício de

competência suplementar pelos Estados de forma restritiva, pois ao editar suas

normas, deverão respeitar as normas gerais federais e normas de competência

216

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed.São Paulo: Malheiros, 2012, p.65. 217

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed.São Paulo: Malheiros, 2012, p.127.

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102

dos Municípios. Esta última corrente é bem acolhida no campo do Direito

Urbanístico218, em razão da variedade de competências urbanísticas do

Município.

Com base neste raciocínio, duas vertentes poderão surgir: Se

estivermos diante de interesse local, predominante, em matéria urbanística, os

Estados deverão respeitar a autonomia dos Municípios em matéria urbanística.

Por outro lado, se houver prevalência do interesse regional, calcada na

competência de planos metropolitanos, as restrições e parâmetros urbanísticos

impostos pelos Estados serão obedecidos pelos Municípios, sem abrir mão de

sua autonomia local.

Citemos dois exemplos práticos, um que prioriza o interesse local e outro

o regional. Iniciaremos a análise pelo caso que prioriza o interesse local.

Segundo o art.181, §2º, da Constituição do Estado de São Paulo:

Art.181 – Lei municipal estabelecerá, em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes. Parágrafo 2º – Os Municípios observarão, quando for o caso, os parâmetros urbanísticos de interesse regional, fixados em lei estadual, prevalecendo, quando houver conflito, a norma de caráter mais restritivo, respeitadas as respectivas autonomias.

Acompanhando a posição de Rafael Augusto Silva

Domingues219verificamos que este dispositivo é inconstitucional, face à divisão

de competências em matéria urbanística. Os Municípios não deverão respeitar

os parâmetros urbanísticos do Estado, prevalecendo o mais rigoroso em caso

de conflito, pois esta matéria é totalmente relacionada ao interesse específico

dos municípios, por se tratar de competência relativa ao ordenamento do solo

urbano, baseada em leis de zoneamento, parcelamento do solo e Plano

Diretor.

Por outro lado, o acórdão do STJ, referente à Ação Rescisória (nº

756PR (1998/0025286-0), publicado em 14/4/2008, relatado pelo atual Ministro

do STF, Teori Albino Zavascki, afastou o predomínio de normas urbanísticas do

Município de Guaratuba, no Estado do Paraná, em razão de normas do Estado

218

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010. 219

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.140.

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103

editadas em nome do interesse regional para promover o desenvolvimento

sustentável de municípios da zona costeira do Paraná.

Em razão do conflito entre normas urbanísticas do Município e normas

de proteção ao meio ambiente do Estado, foram priorizadas as do Estado em

razão do predomínio do interesse regional relacionado ao desenvolvimento

sustentável de municípios da zona costeira. A lei municipal permitia adotar

parâmetros urbanísticos menos restritivos de construção em relação à lei

estadual. O relator admitiu que embora o Município tenha competência

exclusiva em matéria urbanística, ela não é absoluta, pois em razão da

cláusula do art. 30,II, a incidência de suas normas cabe quando houver

interesse local. Abaixo, as conclusões que motivaram o acolhimento desta tese

pelos demais ministros220:

Além disso, a legislação estadual se dedica a salvaguardar interesses que se sobrepõem aos meramente municipais, pois atinge toda a zona costeira, o patrimônio ecológico e paisagístico do Estado. Assim, aos Municípios, no âmbito do exercício da competência legislativa, cumpre observar as normas editadas pela União e pelos Estados, como as referentes à proteção das paisagens naturais notáveis e ao meio ambiente, não podendo contrariá-las, mas tão somente legislar em circunstâncias remanescentes.

No capítulo 2 abordaremos com mais detalhamento o interesse regional

e metropolitano.

1.4 Regiões Metropolitanas e as funções públicas de interesse comum

A Constituição Federal (art. 25, §3°), ao prever a instituição das Regiões

Metropolitanas pelos Estados, determinou como finalidade para sua criação

integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de

interesse comum. No entanto, não explicitou o sentido desta expressão.

A Constituição Federal de 1967221, modificada pela Emenda nº 1 de

1969, ao dispor sobre as Regiões Metropolitanas, permitia que a União

instituísse a figura regional para realizar serviços comuns.

220

Trecho do voto do relator. Acórdão do STJ, referente à Ação Rescisória (nº 756 PR (1998/0025286–0), publicado em 14/4/2008, relatado pelo então Ministro Teori Albino Zavascki. 221

Emenda n°1 – CF/1969 “Art. 164. A União, mediante lei complementar, poderá para a realização de serviços comuns, estabelecer regiões metropolitanas, constituídas por municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa, façam parte da mesma comunidade sócio-econômica”. Explicam Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Silva (ARAUJO, Luiz Alberto

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104

A terminologia serviço comum nos remete à abordagem jurídica do que

vem a ser serviço público. Para estes fins, utilizaremos a conceituação de

Celso Antônio Bandeira de Mello222:

Serviço Público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público, portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais, instituído em favor de interesses definidos como públicos no sistema normativo.

Ao examinarmos a Lei Complementar nº 14 de 8/6/1973 editada à luz da

Constituição anterior, responsável pela criação das regiões metropolitanas de

São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e

Fortaleza, constatamos que o art. 5º reputava como interesse metropolitano os

seguintes serviços comuns aos Municípios que integravam a região: I –

planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social; II –

saneamento básico, notadamente abastecimento de água e rede de esgotos e

serviço de limpeza pública; III – uso do solo metropolitano; IV – transportes e

sistema viário, V – produção e distribuição de gás combustível canalizado; VI –

aproveitamento dos recursos hídricos e controle da poluição ambiental, na

forma que dispuser a lei federal; VII – outros serviços incluídos na área de

competência do Conselho Deliberativo por lei federal (grifo nosso).

Ora, diante do que a lei complementar qualificou como serviços comuns,

percebemos que não apenas serviços públicos na acepção de Celso Antônio

de Mello foram incluídos na definição, como também atividades relacionadas

ao uso do solo metropolitano e planejamento social, atreladas ao exercício do

poder de polícia. O critério, portanto, não era tão rigoroso e a abrangência das

atividades não estava restrita à terminologia “serviços públicos”.

A Constituição Federal de 1988 utilizou a terminologia significando mais

do que serviços comuns, ampliando a abrangência da atuação das Regiões

Metropolitanas no campo das funções públicas de interesse comum.

David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.126) que muitos doutrinadores consideram a Emenda nº 1 de 1969 à Constituição de 1967 uma nova Carta Constitucional, ou seja, fruto de um novo Poder Constituinte Originário, pois alterou significativamente o sistema constitucional da Carta de 1967, sem respeito aos limites do poder Constituinte Derivado. 222

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.650.

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105

A interpretação do dispositivo da Carta atual indica que as Regiões

Metropolitanas são formadas, em última análise, para tratar das funções

públicas de interesse comum. Já tivemos a oportunidade de verificar que as

Regiões Metropolitanas não são entes federativos dotados de autonomia

política. Na realidade, são criadas pelo Estado-membro para administrar as

funções públicas de interesse comum.

Verificaremos ao longo deste estudo como a União, Estados e

Municípios exercem competências urbanísticas, sobretudo, no que tange ao

planejamento urbano, núcleo fundamental de disciplina pelo Plano Diretor

Metropolitano.

Entre os principais aspectos, destacaremos o conteúdo das funções de

interesse comum e a identificação do ente federativo responsável por sua

titularidade. Em destaque às funções públicas de interesse comum,

dedicaremos especial atenção ao conteúdo referente ao tratamento de uso,

ocupação do solo urbano e demais relacionados à proteção ao meio ambiente.

1.4.1 Noções gerais sobre funções públicas de interesse comum

Iniciaremos a análise da expressão pelo termo função. Segundo Celso

Antônio Bandeira de Mello223:

função pública, no Estado Democrático de Direito, é a atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público, mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos pela ordem jurídica.

Função pública para o Direito traduz a noção de dever jurídico conferido

ao Estado para alcançar finalidade pública, de acordo com os comandos da lei.

Assim, o guarda de trânsito tem o dever de punir com multa o motorista que

não respeita a faixa de pedestre, em razão do respeito à finalidade pública de

proteção à incolumidade física do pedestre ao circular pelas vias públicas.

Estão presentes, portanto, o dever e a finalidade no exercício da função pública

pelo guarda de trânsito.

Por sua vez, o Estado exerce seus deveres por meio de três funções:

legislativa, executiva e judicial224. Celso Antônio Bandeira de Mello225 explica

223

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.29.

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106

que o critério satisfatório para distingui-las refere-se ao objetivo formal, ou seja,

aos atributos específicos de cada função, independentemente dos elementos

de cada um:

O próprio da função legislativa seria não apenas a generalidade e abstração, pois sua especificidade adviria de possuir o predicado de inovar inicialmente na ordem jurídica, com fundamento tão só na Constituição; o próprio da função administrativa seria, conforme nos parece, a de se desenvolver mediante comandos “infralegais” e excepcionalmente “infraconstitucionais”, expedidos na intimidade de uma estrutura hierárquica; o próprio da função jurisdicional seria resolver controvérsias com a força jurídica de definitividade.

Ao analisarmos o art.25, §3º, da Constituição Federal, apenas dois

sentidos são compatíveis com o estudo das funções públicas de interesse

comum: função administrativa e legislativa. Assim, os Estados criam figuras

regionais para integrarem a organização, o planejamento e a execução das

funções legislativas e administrativas dos agrupamentos de municípios

limítrofes, ou seja, das funções responsáveis por criarem direitos e obrigações

no ordenamento jurídico e executarem, no caso concreto os comandos legais,

sem força de coisa julgada.

Com relação à função administrativa, utilizaremos a interpretação de

Luiz Henrique Antunes Alochio226 ao indagar o sentido de função pública de

interesse comum. Com base em Maria Sylvia Zanella di Pietro227,

Administração Pública compreende sentido objetivo, material, que envolve o

tipo de função, a natureza da atividade desenvolvida pelas pessoas jurídicas,

órgãos e agentes públicos. Desta forma, a administração pública pode ser

compreendida em sentido amplo como responsável pelo exercício da função

política228 (que estabelece diretrizes governamentais) e administrativa (que as

executa).

224

Art. 2º - São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. 225

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 33. 226

ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. O Problema Metropolitano da concessão de serviços públicos em regiões metropolitanas: (Re) pensando um tema relevante. Interesse Públiconº 24. ano 6, mar-abr, Belo Horizonte: Fórum,2004. 227

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.75. 228

Para Maria Sylvia Zanella, função política “implica uma atividade de ordem superior referida à direção suprema e geral do Estado em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a determinar os fins da ação do Estado, a assinalar as diretrizes para as outras funções, buscando a unidade da soberania estatal”. (PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.51).

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107

E em sentido estrito (isto é, apenas pelo exercício da função

administrativa)229 como “atividade concreta e imediata (vontade do Estado

contida na Lei) que o Estado desenvolve, sob regime jurídico de direito público,

para a consecução dos interesses coletivos”.

Acrescenta a autora que a função administrativa stricto sensu abrange

as atividades de fomento, serviços públicos, poder de polícia e intervenção do

Estado no domínio econômico.

Qual a relação entre o termo função administrativa e legislativa e função

pública de interesse comum? As Regiões Metropolitanas ao administrarem

funções (art.25,§3º) prestarão serviços públicos e atuarão no exercício do

poder de polícia, com base nas leis editadas pelo titular das funções comuns.

Assim, a organização, planejamento e execução destas tarefas decorrerão do

exercício de funções legislativas e administrativas.

Além da noção sobre função pública, é necessário interrogarmos o

sentido empregado pelo constituinte referente ao interesse comum. O art. 25,

§3º não deu subsídios para identificá-lo. Coube então ao legislador estadual,

responsável por criar as regiões metropolitanas, mencionar o conteúdo jurídico

das matérias que compõem o conteúdo das funções públicas de interesse

comum. Basta verificarmos (Lei Complementar nº 1.139/2011, art.12),

responsável por criar a Região Metropolitana de São Paulo, que engloba o

campo funcional de interesse comum, por exemplo, o planejamento e uso do

solo, transporte e sistema viário regional, habitação, saneamento ambiental e

meio ambiente. Na nossa pesquisa usaremos a expressão interesse

metropolitano como sinônimo de função pública de interesse comum.

Ressaltamos que a caracterização do interesse metropolitano

frequentemente passa pelo debate e conceituação sobre interesse local, do

município. Ao investigarmos sobre a titularidade da função, inevitável o

surgimento de eventual conflito em relação à autonomia municipal, que

percebemos ser apenas aparente, pois a Constituição Federal fixou as

premissas básicas da competência municipal local para não sofrer ingerência

dos outros entes federados.

229

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.75.

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108

Temos então que o grande desafio do estudo sobre o interesse

metropolitano parece ser: como compatibilizar o art. 30, I da Constituição

Federal230, que atribui ao Município a competência para dispor sobre interesse

local, com o art. 25, §3°, que atribui às regiões metropolitanasa competência

para dispor sobre a organização, planejamento e execução das funções

públicas de interesse comum?

230

Art. 30. Compete aos Municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local.

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109

2 FUNÇÕES PÚBLICAS DE INTERESSE COMUM: INTERESSE METROPOLITANO 231

Qual seria a natureza jurídica das funções públicas de interesse

comum? Quais os critérios para definirmos o interesse metropolitano, isto é, as

funções públicas de interesse comum?

Grande parte da doutrina sobre o tema foi desenvolvida em função de

conceitos das Constituições Federais de 1967 e 1969 como serviços comuns e

comunidade socioeconômica, distintos da terminologia da Constituição atual.

No entanto, suas lições serão utilizadas por conta da contribuição

proporcionada ao desenvolvimento do tema. Nos dedicaremos, inicialmente, à

construção histórica do termo interesse metropolitano.

Um dos primeiros a identificar o termo interesse metropolitano, em 1970

foi Adilson Abreu Dallari232. Na ocasião, chamou a atenção para o surgimento

do termo em oposição ao peculiar interesse municipal. Na época, o conceito

não era adotado pela doutrina ou jurisprudência.

Adilson Abreu Dallari considerou como grande contribuição para

identificar o termo, o estudo de Eurico de Andrade Azevedo, autor da tese

elaborada pelo Centro de Estudos e Pesquisas da Administração Municipal

(Cepam) no Congresso realizado pelo Chile. Ao discorrer sobre a

regulamentação do uso e a ocupação do solo, Eurico de Andrade Azevedo

explicou que nas áreas metropolitanas, o tratamento não se referia ao peculiar

interesse de cada município isoladamente, mas de todo o conjunto urbano. Ao

mencionar ‘todo o conjunto urbano’, Adilson Dallari identificou o sentido de

peculiar interesse metropolitano, que decorreria do interesse do conjunto

formado pelas Regiões Metropolitanas.

Eurico de Andrade Azevedo233 ao examinar o art.164 da Constituição

Federal de 1967, modificada pela Emenda nº 1 de 1969, esclarece que o

constituinte não forneceu parâmetros satisfatórios para conceituar serviços

comuns. Desta forma, ao indagar sobre quais seriam executados pelo governo

231

Para alguns doutrinadores como Alaor Caffé Alves e Eros Grau. 232

DALLARI, Adilson. Uso do Solo Metropolitano. Revista de Direito Público. Cadernos de Direito Municipal.v.14, ano IV. São Paulo: RT, 1970, p.290-291. 233

AZEVEDO, Eurico de Andrade. Regiões Metropolitanas no Brasil e seu Regime Jurídico. In: Estudos sobre o amanhã – Regiões Metropolitanas. Caderno nº 1. Coedição Instituto Metropolitano de Estudos e Pesquisas Aplicadas da FMU (Imepa). São Paulo: Resenha Universitária, 1978.

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110

metropolitano sustenta que não seria correto afirmar que seriam comuns a

todos os municípios da região. Assim, o autor optou por qualificar o serviço

comum por serviço de interesse comum234 como aquele de interesse da região

metropolitana dando origem à noção de peculiar interesse metropolitano235:

Assim como a Constituição outorgou ao Município tudo o que diga respeito ao seu peculiar interesse, ou seja, interesse predominantemente local, poderia conceder ao governo da metrópole tudo o que fosse do seu peculiar interesse, ou seja, do interesse predominantemente metropolitano.

O autor esclarece que o surgimento da realidade metropolitana não

culminou com o desaparecimento do interesse local, mas permitiu constatar

que os problemas extravasam as possibilidades de soluções estritamente

locais.

Eurico de Andrade Azevedo esclareceu ainda que a Lei Complementar

nº 14/1973236 teve o mérito de introduzir o conceito de interesse metropolitano,

adiantando-se ao definir alguns serviços considerados comuns aos Municípios

da Região.

Ponderou também que a técnica utilizada pela Lei Complementar nº

14/1973 não foi das melhores, pois não distinguiu as fases de prestação dos

serviços tratadas pelo Estado ou pelo Município237. O autor entendia que o

legislador federal, ao definir os interesses metropolitanos pecou pela excessiva

generalização, pois optou por definir como interesse metropolitano a prestação

de todo o serviço e não as fases dos serviços de interesse da região. Isto

acarretou problemas para definir os entes responsáveis pela execução, pois na

maioria das vezes, as primeiras são de natureza eminentemente local, cuja

matéria é de competência local.

234

A Constituição Federal de 1988 (art. 25 e parágrafos) optou por usar a expressão função pública de interesse comum. 235

AZEVEDO, Eurico de Andrade. Regiões Metropolitanas no Brasil e seu Regime Jurídico. In: Estudos sobre o amanhã – Regiões Metropolitanas. Caderno nº 1. Coedição Instituto Metropolitano de Estudos e Pesquisas Aplicadas da FMU (Imepa). São Paulo: Resenha Universitária, 1978, p.131. 236

Criou as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza, com base na Constituição Federal de 1969. 237

Art. 5º – Reputam-se de interesse metropolitano os seguintes serviços comuns aos Municípios que integram a região: I – planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social; II – saneamento básico, notadamente abastecimento de água e rede de esgotos e serviço de limpeza pública; III – uso do solo metropolitano; IV – transportes e sistema viário; V – produção e distribuição de gás combustível canalizado; VI – aproveitamento dos recursos hídricos e controle da poluição ambiental, na forma que dispuser a lei federal; VII – outros serviços incluídos na área de competência do Conselho Deliberativo por lei federal.

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111

Por exemplo, o art. 5º, II, da lei complementar considerava interesse

metropolitano o serviço de limpeza pública em sua fórmula genérica. No

entanto, não era possível identificar os entes responsáveis por prestar cada

etapa, ao passo, que a divisão possibilitaria, por exemplo, que a primeira fase

do serviço de limpeza pública referente à coleta domiciliar fosse considerado

interesse local, enquanto, o destino final do lixo poderia ser tratado como

interesse metropolitano238.

Com base nestas considerações, o autor assim conceituou os interesses

metropolitanos:

Fica entendido que são de interesse metropolitano as etapas e parcelas dos serviços que foram predominantemente regionais. Continuam na alçada municipal as fases dos serviços relacionados na Lei 14 que sejam de interesse local, o que não significa que os Municípios não tenham de compatibilizar o planejamento e a execução dos serviços de sua competência ao planejamento

metropolitano.

O autor ainda observa as legislações complementares nº 20, de 1º de

julho de 1974239, responsável pela criação da Região Metropolitana do Rio de

Janeiro e da fusão dos Estados do Rio de Janeiro e Guanabara e a Lei

Complementar Paulista nº 94240, de 29 de maio de 1974.

238

AZEVEDO, Eurico de Andrade. Regiões Metropolitanas no Brasil e seu Regime Jurídico. In: Estudos sobre o amanhã – Regiões Metropolitanas. Caderno nº 1. Coedição Instituto Metropolitano de Estudos e Pesquisas Aplicadas da FMU (Imepa). São Paulo: Resenha Universitária, 1978, p.139. 239

Lei Complementar 20/1974–Art. 19 – Fica estabelecida, na forma do art. 164 da Constituição, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Parágrafo único – A Região Metropolitana do Rio de Janeiro constitui-se dos seguintes Municípios: Rio de Janeiro, Niterói, Duque de Caxias, Itaboraí, Itaguaí, Magé, Maricá, Nilópolis, Nova Iguaçu, Paracambi, Petrópolis, São Gonçalo, São João do Meriti e Mangaratiba. Art. 20 – Aplica-se à Região Metropolitana do Rio de Janeiro o disposto nos arts. 2º, 3º, 4º, 5º e 6º da da Lei Complementar nº 14, de 8 junho de 1973. 240

Lei Complementar Estadual nº 94 de 29/5/1974: Dispõe sobre a Região Metropolitana da Grande São Paulo, autoriza o Executivo a constituir a Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S/A – EMPLASA, institui o Fundo Metropolitano de Financiamento e Investimento – FUMEFI e dá outras providências:Art. 2º – Reputam-se de interesse metropolitano os seguintes serviços comuns aos municípios que integram ou que venham a integrar a Região Metropolitana da Grande São Paulo: I – planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social; II – saneamento básico, notadamente abastecimento de água e rede de esgotos e serviço de limpeza pública; III – uso do solo metropolitano; IV – transportes e sistema viário; V – produção e distribuição de gás combustível canalizado; VI – aproveitamento dos recursos hídricos e controle da poluição ambiental, na forma que dispuser a lei federal; e VII – outros serviços que assim forem definidos por lei federal. Art. 4º– Considerar-se-ão participantes da execução do planejamento integrado e dos serviços comuns de interesse metropolitano os Municípios da Região Metropolitana da Grande São Paulo que se vincularem às disposições constantes desta lei complementar, especialmente as dos §§ 2º e 3º deste artigo e cujos representantes assinem o protocolo de participação, em reunião do Conselho Consultivo Metropolitano de Desenvolvimento Integrado a que se refere o art. 6º. § 3º – As etapas ou parcelas dos serviços comuns de interesse metropolitano que possam ser executadas pelo município, sem prejuízo do planejamento e da execução global dos serviços deverão, preferencialmente, ficar sob a responsabilidade executiva dos municípios que integram a Região Metropolitana da Grande São Paulo.

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112

Com relação à primeira, verificou que o legislador não foi sensível às

críticas feitas à Lei Complementar nº 14/1973, sobretudo com a definição

ampla dos serviços comuns e incorporou todas as disposições sobre os

serviços comuns da Lei nº 14/1973. O aperfeiçoamentoficou por conta da Lei

Complementar nº 94/1974 de São Paulo (que tratou da adequação da Região

Metropolitana, criada pela Lei Complementar nº 14/1973). Relatou que o

legislador paulista procurou aprimorar a conceituação ampla de serviço comum

da lei federal, introduzindo no art. 4º, §2º a divisão de etapas de serviços para o

Estado e o Município241:

Procurou o legislador estadual, entretanto, no art. 4º, §2º, remediar a conceituação extremamente ampla da Lei Federal, ao estabelecer que as etapas e parcelas dos serviços comuns de interesse regional que não prejudicassem o planejamento global e a execução dos demais serviços, deveriam ser, preferentemente, executados pelos próprios Municípios. Visa a lei, claramente, fazer com que o Estado não assuma a prestação do serviço todo, deixando para a responsabilidade dos Municípios os serviços locais, não considerados de interesse metropolitano.

Apesar da maior parte da doutrina ter localizado no sistema jurídico o

interesse metropolitano, contrapõe os pensamentos expostos, a tese

municipalista de Íris de Araújo Silva242, firmada à luz do sistema jurídico

anterior (Constituições de 1967,1969 e Lei Complementar nº14/1973), que

sustenta a inexistência do interesse metropolitano para evitar a violação da

autonomia municipal.

Segundo ela, o interesse teria sido introduzido por Lei Complementar nº

(14/1973) e não pelas Constituições Federais de 1967/1969, instrumento

jurídico capaz de definir competências federativas. Ademais, a técnica

constitucional para definir competências considera a entidade política e o

interesse correspondente. Em razão da Região Metropolitana não ser

considerada um ente político, posição predominante até hoje, não poderia

exercer competência definida em função de interesse próprio. Esta qualidade

só seria privilégio dos entes políticos municipais, titulares do interesse local.

241

AZEVEDO, Eurico de Andrade. Regiões Metropolitanas no Brasil e seu Regime Jurídico. In: Estudos sobre o amanhã – Regiões Metropolitanas. Caderno nº 1. Coedição Instituto Metropolitano de Estudos e Pesquisas Aplicadas da FMU (Imepa). São Paulo: Resenha Universitária, 1978, p.141. 242

SILVA, Iris Araújo. As Regiões Metropolitanas e a Autonomia Municipal- Revista Brasileira de Estudos Políticos (RBEP) Universidade Federal de Minas Gerais, 1981, p.120.

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113

2.1 Critérios de identificação das funções públicas de interesse comum

Segundo Alaôr Caffé Alves243, a doutrina utiliza dois critérios para

identificar funções públicas de interesse comum: legal e decorrente da natureza

do interesse comum

a) o do ponto de vista da jurisdição metropolitana definida “a priori”, sobre determinadas funções públicas listadas e descritas dogmaticamente na lei complementar que instituir a região; ou b) o da seleção “ad hoc”, conforme o exame das características intrínsecas e contextuais pelas quais determinadas funções públicas passam a ser de interesse comum, objetivando, com a aplicação dos critérios disponíveis, identificar-se a organização governamental de âmbito adequado para assumi-lo.

O primeiro critério é mais seguro, embora insuficiente para enquadrar

outras funções que no futuro requeiram esta qualificação. Deste modo,

compete às leis complementares estaduais responsáveis por criarem a região

metropolitana especificar os serviços considerados de interesse comum244. Por

sua vez, o segundo critério, pautado na natureza do interesse comum,

substancial, casuístico245, pode ser alterado em função do desenvolvimento ou

de mudanças de fatores objetivos, de ordem físico-geográfica, social,

econômica, institucional, técnica, financeira ou administrativa. Através destes

critérios, novas interpretações poderão ampliar ou restringir o campo de

atuação local ou regional. Neste caso, a doutrina e a jurisprudência exercem

funções relevantes ao fornecerem conteúdo à cláusula genérica.

Luis Roberto Barroso246, ao tratar especificamente das competências

para a prestação de serviço de saneamento, compartilha o entendimento de

Alaôr Caffé Alves e acrescenta um terceiro critério para distinguir o interesse

local do comum, através do exercício de competências atribuídas para União

(arts.21, XX, 22, IV, 23, parágrafo único e 241 da Constituição Federal). Ela

243

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998. 244

BARROSO, Luís Roberto. Saneamento Básico: competências constitucionais da União, Estados e Municípios. Revista de Informação Legislativa nº153, jan-mar. Brasília, 2002, p.265. 245

BARROSO, Luís Roberto. Saneamento Básico: competências constitucionais da União, Estados e Municípios. Revista de Informação Legislativa nº153, jan-mar. Brasília, 2002, p.264-265. 246

BARROSO, Luís Roberto. Saneamento Básico: competências constitucionais da União, Estados e Municípios. Revista de Informação Legislativa nº153, jan-mar. Brasília, 2002, p.264-265.

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fixará um critério técnico que concretize as noções de interesse local ou

comum em matéria de saneamento, aplicável de forma geral.

Este posicionamento foi baseado em uma proposta de Projeto de Lei

Federal, no Fórum Nacional dos Secretários de Estados ligados ao setor de

saneamento, que atribuiu ao Município a competência para o serviço como

regra, salvo se sua prestação fosse considerada interesse comum pela lei

complementar estadual, responsável por criar as regiões metropolitanas. Para

Luis Roberto Barroso, a utilização deste critério técnico seria vantajosa por

conferir grau de certeza jurídica à questão e retirar a margem de incerteza

casuística, além de proporcionar certa uniformidade, em âmbito nacional, nos

parâmetros de distribuição de competências do serviço de saneamento básico.

Esta corrente pode ser invocada por aqueles que atualmente participam

dos debates sobre o Estatuto da Metrópole, isto é, do Projeto de Lei Federal nº

3.460 de autoria do ex-deputado federal Walter Feldman (PSDB/SP).O

propósito do projeto é regulamentar o universo das unidades regionais e

fornecer parâmetros uniformes de normatização para fomentar a criação das

figuras regionais pelos Estados-membros.O projeto de lei, ao tratar da questão

metropolitana no âmbito federal, ainda não fixou os critérios que caracterizam

funções comuns pela União, embora esta lógica possa ser utilizada por alguns

parlamentares durante o processo legislativo.

Alguns doutrinadores não compartilham deste entendimento, pois

haveria avocação pela União das funções de atribuir competências aos

Estados-membros, violando as regras constitucionais que atribuem a este

último, competência para fixar de forma casuística ou legal o interesse

metropolitano (art. 25, §3º da Constituição Federal).

Este pensamento também é criticado por Camila Pezzino Balaniuc

Dantas247, em razão da Constituição Federal não atribuir especificamente à

União poder para legislar sobre o assunto, justamente por ser a Carta Magna a

responsável pela divisão de competências administrativas e legislativas entre

os entes federados. Ademais, quando o art. 21, XX da Constituição trata por

parte da União da competência para instituir diretrizes para o desenvolvimento

247

DANTAS, Camila Pezino Balaniuc. A questão da competência para a prestação do serviço público de saneamento básico no Brasil. In: PICININ, Juliana; FORTINI, Cristiana. Saneamento Básico (Estudos e pareceres à luz da Lei 11445/2007). Belo Horizonte: Fórum, 2009.

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115

urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos, não

significa que está atribuindo ao ente competência legislativa para estabelecer

normas gerais. Há uma nítida distinção entre os arts.21, XX e 22, XXVII, que

trata da competência da União para elaborar normas gerais de licitação e

contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas

e indiretas. No primeiro caso, a autora explica com base em Marçal Justen

Filho248 que diretriz traduz eleição de fins e a escolha de soluções para resolver

questões práticas. Consiste em determinar parâmetros das políticas adotadas

com relação à determinada atividade. Por sua vez, a competência do art. 22

refere-se à criação de normas gerais, que obrigam como regras jurídicas todos

os entes da federação.

Desta forma, para parte da doutrina, a posição de Luís Roberto Barroso

de atribuir à União critérios para definir competências para prestar o serviço

público de saneamento básico, por exemplo, ultrapassa os limites da

Constituição Federal que define o exercício de competência para cada ente

federado.

Defendem o primeiro critério de definição das funções comuns Caio

Tácito e Sérgio Ferraz.

Caio Tácito249 sustenta que o interesse comum deve ser aferido pelo

legislador estadual mediante um juízo político de valor250 e afirma que a lei

estadual que cria a Região Metropolitana tem o condão de avocar pelo Estado

competência que originariamente seria atribuída ao Município. De acordo com

o autor, a Constituição admitiria a avocação prevista no art. 25, §3º como limite

ao exercício da autonomia municipal.

Da mesma forma, Sérgio Ferraz251, baseado na Constituição de 1969,

entende que a ideia de serviço comum precisa ser regulamentada por lei para

concretizar a Constituição Federal.

248

JUSTEN FILHO, Marçal. Parecer sobre a minuta de anteprojeto da Lei da Política Nacional de Saneamento Básico para o Ministério das Cidades. Revista Jurídica 72. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev 72/pareceres>. Publicado em: fev.2005, p.44. 249

TÁCITO, Caio. Saneamento Básico – Região Metropolitana – Competência Estadual. Revista de Direito Administrativo nº 242. out-dez. Rio de Janeiro, 2005, p. 345-346. 250

TÁCITO, Caio. Saneamento Básico – Região Metropolitana – Competência Estadual. Revista de Direito Administrativo nº 242. out-dez. Rio de Janeiro, 2005, p.347. 251

FERRAZ, Sérgio. Regiões Metropolitanas no Direito Brasileiro. Revista de Direito Público (RDP) nº 37/38, ano VII. São Paulo: RT, 1976, p. 20-21: “Já a idéia de serviços comuns, afora revestir-se de caráter dinâmico, há de ser, para tornar operativo texto constitucional, normada juridicamente. Essa exigência de caracterização legal, do serviço comum, é, à luz do molde federativo vigente, incontornável: os municípios e Estados têm direito subjetivo às autonomias e competências, podendo, por isso, invocar controle

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116

À luz da Carta de 1988, este posicionamento foi adotado por várias

legislações estaduais, como por exemplo, os arts. 7º e 13 da atual Lei

Complementar nº 760/1994 do Estado de São Paulo252.

De outro lado, a Lei Complementar nº 1.139, de 16 de junho de 2011

que reorganiza a Região Metropolitana de São Paulo, baseada na Lei

Complementar nº 760/1994, previu no art. 12 que o Conselho de

Desenvolvimento especificará as funções públicas de interesse comum ao

Estado e aos Municípios da Região Metropolitana de São Paulo, dentre elas o

planejamento e uso do solo, a habitação e o saneamento ambiental.

No entanto, o fato da lei estadual indicar as funções públicas de

interesse comum, não significa que zonas de incertezas ou margens de

interpretação deixem de existir. Aliás, situação que foi bem debatida nas

Constituições de 1967 e 1969 e na Lei Complementar nº 14/1973253, por Eros

Roberto Grau254 e Sérgio Ferraz255.

Ao comentarem a Lei Complementar nº 14/1973, os doutrinadores

constataram que a legislação tratava o interesse metropolitano em função de

dois tipos de serviços comuns: (a) serviços comuns definidos como de

interesse metropolitano para efeitos da Lei Complementar e (b) os serviços

comuns que não receberam essa qualificação normativa.

A divisão foi estabelecida por conta do art.5º, VII, que estabelecia uma

cláusula genérica conferindo ao Conselho Deliberativo a competência de

discriminar por meio de lei ordinária, outros serviços inicialmente não

concebidos como interesse metropolitano. O autor criticava esta disposição em

razão da cláusula excluir vários serviços comuns que se enquadrariam como

função metropolitana do Plano Integrado por sua importância e quantidade.

Verificou ainda que o inciso III, sobre o uso do solo urbano, não

explicitava as etapas ou parcelas da função referentes ao interesse

metropolitano e local. Tratava-se de uma função que envolvia interferências e

jurisdicional da lei instituidora de regiões metropolitanas que extrapolem a idéia legitimadora de sua consagração, o serviço comum a ser realizado”. 252

Estabelece diretrizes para a Organização Regional do Estado de São Paulo. Lei Complementar nº 760/1994, art.7° c/c art. 13. 253

Responsável pela criação das regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza. 254

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.176. 255

FERRAZ, Sérgio. Regiões Metropolitanas no Direito Brasileiro. Revista de Direito Público (RDP) nº 37/38, ano VII. São Paulo: RT, 1976, p.19-24.

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117

conexões entre o interesse estritamente local e a competência do Estado. O

legislador não definiu coerentemente os limites de cada um.

A Lei Complementar nº 14/1973 atribuiu ao Estado a competência para

tratar de assuntos metropolitanos (art.6º256) o que lhe permitia expedir normas

gerais relativas ao planejamento e controle do uso do solo, inclusive para

definir categorias e condições de uso e ocupação correspondentes, de

procedimentos gerais para aprovar e fiscalizar o uso do solo e das normas

referentes à determinação da área urbana, loteamentos e parcelamentos de

imóveis257.No entanto, em razão desta lacuna da Lei, surgiram conflitos como,

por exemplo, a atribuição completa ao Estado da definição do zoneamento dos

Municípios das regiões metropolitanas, quando a matéria também era de

competência municipal à luz da Constituição anterior. Permaneceu a dúvida

sobre os limites desta fixação.

Ainda hoje, no sistema de nossas leis complementares, a despeito de

serem mencionadas funções públicas, existe margem de discricionariedade,

culminando em situações de difícil conceituação para definir os limites das

expressões interesse local e metropolitano, consideradas conceitos jurídicos

indeterminados. A Lei Complementar nº1139, de 16 de junho de 2011258.

consagra este sistema, atendendo às determinações da Lei Complementar nº

760/1994. Por força do art. 12, o Conselho de Desenvolvimento especificará as

funções públicas de interesse comum ao Estado e aos Municípios da Região

Metropolitana de São Paulo, dentre outras, das funções de planejamento e uso

do solo, habitação e saneamento ambiental. Competirá ao órgão, no caso

concreto, especificar dentre as funções aquilo que será apartado do interesse

local, para tornar-se interesse metropolitano.

Por outro lado, o segundo critério para definir funções, é baseado na

natureza do interesse comum, no exame casuístico259das circunstâncias de

cada função, considerando critérios doutrinários que fornecem conteúdo às

cláusulas interesse local e metropolitano. Dependendo da doutrina adotada,

256

Art. 6º – Os Municípios da região metropolitana, que participarem da execução do planejamento integrado e dos serviços comuns, terão preferência na obtenção de recursos federais e estaduais, inclusive sob a forma de financiamentos, bem como de garantias para empréstimos. 257

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.176. 258

Reorganiza a Região Metropolitana de São Paulo à luz da Constituição Federal de 1988. 259

BARROSO, Luís Roberto. Saneamento Básico: competências constitucionais da União, Estados e Municípios. Revista de Informação Legislativa nº153, jan-mar. Brasília, 2002.

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118

alguns critérios irão nortear e definir o interesse. Defendem esta corrente

Michel Temer, Pedro Estevam Serrano, Eros Roberto Grau e Alaôr Caffé Alves.

Na realidade, a fixação casuística necessita de interpretação sobre os

termos interesse local e metropolitano.

Neste sentido, valiosa foi a contribuição de Diogo de Figueiredo Moreira

Neto260 que sistematizou os parâmetros utilizados pela doutrina para

caracterizar os interesses locais e metropolitanos:

Com relação ao interesse local, o autor aponta: a) predominância do local (Sampaio Dória); b) interno às cidades e vilas (Black); c) que se pode isolar (Bonnard); d) territorialmente limitado ao município (Borsi); e) sem repercussão externa ao Município (Mouskheli); f) próprio das relações de vizinhança (Jellinek); g) simultaneamente oposto a regional e nacional (legal); h) dinâmico (Dallari). No que toca ao interesse comum, o autor aponta os seguintes elementos caracterizadores: a) que apresenta predominância do regional. b) que se externaliza às cidades e às vilas; c) que não está isolado; d) que não está territorialmente limitado ao município; e) que tem repercussão externa ao município; f) que transcende as relações de vizinhança; g) que é simultaneamente oposto a local e nacional; h) que está estabilizado por uma definição legal específica.

De outro lado, Alaôr Caffé Alves utiliza critérios para fixar funções

comuns pautadas no desenvolvimento ou mudança de fatores objetivos, de

ordem físico-geográfica, social, econômica, institucional, técnica, financeira ou

administrativa. Entende261 que a configuração das competências municipais ou

regionais não são obtidas apenas por descrição normativa, mas contribuem

para sua definição as mudanças nas dimensões dos serviços prestados, seu

caráter técnico, condições socioeconômicas, geográficas e institucionais. O

autor defende ainda que estes fatores poderão redistribuir as competências262:

Muitas vezes realiza-se uma certa redistribuição de competências a partir tão somente da consideração a respeito da alteração dos fatos que concretizam o conteúdo delas, em virtude das mudanças ou transformações objetivas do mundo real. Em conseqüência, altera-se o campo da competência, mediante expansão ou restrição de natureza hermenêutica a respeito dos fatos e dos textos dogmáticos, com reflexos inevitáveis no plano jurídico da autonomia[...]. A configuração de competências tem aspectos formais e materiais, e estes últimos, como conteúdos empíricos, dependem da realidade

260

NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Poder concedente para o abastecimento de água. Revista de Direito da Associação dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro nº 1, 1999, p.66-67. 261

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 36-37. 262

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 36-38.

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119

constatada e não apenas da expressão literal de seus respectivos conceitos. Os conceitos jurídicos, não só os teóricos, mas também os de natureza normativa, devem ser completados ou saturados com o concurso da experiência sobre o mundo sócio-econômico, realizando-lhes a concreção interpretativa e aplicativa. [...] O conceito é, por conseguinte, dinâmico e adaptável às circunstâncias da natureza e da conveniência técnica, social ou política, devendo ser, tais circunstâncias e fatores, devidamente ponderados e justificados, podendo até ser deduzidos em possível argüição jurídico-contenciosa.

Alaôr Caffé Alves acrescenta ao critério ad hoc que a caracterização das

funções de interesse comum por vezes é identificada pelos efeitos, impactos ou

polarizações que os problemas exercerão no entorno regional, estadual ou

municipal263.

O autor relaciona interesses locais e metropolitanos264. Ao verificar que o

interesse municipal é interesse predominante local nos campos dos serviços

públicos, e ordenamento urbano, afirma que não há atividade, serviço ou obra

que por sua natureza intrínseca, sejam considerados de exclusivo interesse

local. O mesmo em relação ao interesse metropolitano. Assim, sugere como

critério jurídico para apartar as fronteiras entre o interesse local e o

metropolitano, o maior ou menor grau de repercussão do problema para aquém

ou além dos limites do Município265.

Além de apontar os critérios que oferecem parâmetros para identificar

interesse metropolitano, acrescenta ao conceito o fato do interesse

metropolitano não ser autônomo em relação aos interesses locais e estaduais,

263

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.35: “O interesse comum dessas funções está expressamente referido à unidade operacional a ser constituída de uma diversidade representada pelos Municípios agregados de uma determinada região, associados ao Estado. Seu reconhecimento jurídico é assim, uma resposta institucional para problemas urbano-regionais de caráter complexo e de dimensões supralocais. Tais dimensões, entretanto, não estão diretamente referenciadas à ocupação física de espaços supramunicipais, mas sim aos efeitos, impactos ou polarizações que eventualmente esses problemas possam exercer no entorno regional, estadual, nacional e até internacional. Assim, por exemplo. O Metrô tem sua rede atual implantada totalmente dentro do território do Município de São Paulo. No entanto, em razão dos problemas a que está ordenado a resolver, ele é considerado, sem sombra de dúvida, como equipamento metropolitano, exercendo seu raio de ação influente para além dos lindes do Município da Capital, envolvendo toda a região metropolitana de São Paulo. Uma greve, por exemplo, dos trabalhadores daquele Metrô afeta não só o complexo sócio-econômico da Capital, mas todo o entorno metropolitano, com reflexos inequívocos em todo o país. Daí o seu indiscutível caráter de serviço metropolitano”. 264

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 27. 265

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 27.

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120

acarretando consequênciasem relação à titularidade do serviço. Neste aspecto,

Alaôr Caffé Alves discorda de Adilson Abreu Dallari e Sérgio Ferraz.

Alaôr Caffé Alves afirma266 que o interesse metropolitano decorre de

uma parcela dos interesses das unidades político-administrativas envolvidas na

promoção e execução dos serviços comuns, por isto denominado serviço

comum267.

O ministro Ricardo Lewandowski em seu voto-vista na ADIN 1842

adotou este entendimento e formulou o seguinte conceito de função pública de

interesse comum:

As funções públicas de interesse comum, inconfundíveis com aquelas de interesse exclusivamente local, correspondem, pois, a um conjunto de atividades estatais, de caráter interdependentes, levadas a efeito no espaço físico de um ente territorial, criado por lei complementar estadual, que une Municípios limítrofes relacionados por vínculos de comunhão recíproca.

Compartilhando o entendimento, Eros Roberto Grau268 explica que o

interesse local do município não é exclusivo, pois tudo aquilo que interessa ao

município também influencia as esferas de interesse estadual e federal. Neste

sentido, o fator de discrímen diz respeito ao conceito de interesse

predominantemente local. Um mesmo interesse, dependendo do caso

concreto, poderá ser municipal, comum a outros municípios ou até regional e

federal, como no caso do abastecimento de água potável269.

266

ALVES, Alaôr Caffé.Saneamento Básico – Concessões, Permissões e Convênios Públicos (pareceres). Bauru: Edipro, 1998, p.192. 267

ALVES, Alaôr Caffé.Saneamento Básico – Concessões, Permissões e Convênios Públicos (pareceres). Bauru: Edipro, 1998, p.192. Vale ressaltar que a opinião do autor ainda contava com a terminologia utilizada pela carta constitucional anterior. De acordo com a terminologia do jurista: “O interesse metropolitano não se automizou em relação às unidades governamentais implicadas na solução dos problemas a ele atinentes. Juridicamente, portanto, não se reconhece o interesse metropolitano senão como parcela dos respectivos interesses das unidades político-administrativas envolvidas na promoção e execução dos serviços comuns. Daí a conotação específica incluída na idéia de “serviço comum”, em termos da cooperação mútua entre os níveis de governo, considerados horizontal (entre municípios da mesma região) e verticalmente (entre União, Estado e Municípios)”. 268

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.62-63. 269

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974. Segundo o autor: “Para pequenos municípios, supridos por mananciais suficientes à demanda e de cuja exploração não resultem reflexos sensíveis sobre outros, aquele problema será de interesse nitidamente municipal. Se, no entanto, imaginarmos grandes concentrações urbanas que ultrapassem a área de mais de um município e onde a demanda se faz muito intensa, sendo, ademais, os recursos hídricos disponíveis utilizados também como força motriz para a geração de energia elétrica, em relação à comunidade desse aglomerado urbano, o problema transcende os limites municipais e passa a assumir relevâncias de ordem não estritamente local, mas de caráter comum a todos eles, com o que diríamos regional. O mesmo se diga, por exemplo, com referência ao problema de energia elétrica, que pode assumir caracteres de predominância de interesse de natureza local ou regional, conforme a sua demanda se torne ativada por fatores de ordem regional ou não. A noção referida, nestas condições,

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Eros Roberto Grau elaborou um conceito de interesse metropolitano

considerando a realidade metropolitana que envolve área urbana e engloba

multiplicidade e superposições de autoridades e competências político-

administrativas:

O fenômeno metropolitano gera efeitos que extravasam, com intensidades comuns, aos limites territoriais de competência institucional de várias autoridades e unidades administrativas dentro da metrópole, exigindo, desta forma, soluções coordenada e integradas de parte daquelas mesmas autoridades e unidades. É certo, assim, que a juridicidade do conceito de interesse metropolitano, também referido como peculiar interesse metropolitano e que melhor designaríamos como interesse predominantemente metropolitano, que esta juridicidade possibilita ao Estado, em função do que dispõe o parágrafo único do art. 13 da Constituição Federal

270,

intervir na área metropolitana para atendê-lo. E nem se alegue que isso implica em redução de autonomia municipal, do ponto de vista jurídico, visto que os municípios continuarão com sua administração própria relativamente a tudo quanto for de seu interesse predominante.

E, por fim271, invoca o conceito de função metropolitana delineado no

Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado da Grande São Paulo,

elaborado pelo governo de São Paulo272:

Atividades e serviços urbanos, ou parte destes, que, pela natureza de sua disciplina, implantação ou operação, resultem em conexões e interferências recíprocas entre os diferentes municípios, exigindo ação unificada e planejada que ultrapasse seus limites institucionais.

A tônica fundamental da identificação do interesse metropolitano,

portanto, está nas conexões e interferências recíprocas entre os municípios,

que exigem ação unificada do ponto de vista administrativo, justamente, por

ultrapassar os limites de competência das unidades municipais273.

Explica o autor que nas cidades não pertencentes às regiões

metropolitanas os serviços urbanos são prestados pelas administrações locais,

isoladamente. Por sua vez, se integrarem região metropolitana, uma parte

permite que tais problemas possam ser entendidos numa hipótese como de interesse municipal e, em outra, como de interesse regional, comum a mais de um município”. 270

Art. 14 (e não 13 da CF de 1967 com Emenda nº1 de 1969). “Lei complementar estabelecerá os requisitos mínimos de população e renda pública, bem como a forma de consulta prévia às populações, para a criação de municípios. Parágrafo único. A organização municipal, variável segundo as peculiaridades locais, a criação de municípios e a respectiva divisão em distritos dependerão de lei”. 271

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.18. 272

Edição do Grupo Executivo da Grande São Paulo (GEGRAN), 1971, p.189. Decreto nº 47.863/1967 criou o Conselho de Desenvolvimento da Grande São Paulo e o Grupo Executivo da Grande São Paulo (GEGRAN), como embrião de uma futura autoridade metropolitana. 273

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.20.

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poderá consubstanciar a função metropolitana. O critério que irá qualificá-lo

como interesse metropolitano diz respeito às interferências e conexões

comuns, capazes de alcançar a generalidade dos municípios que integram a

região metropolitana. É por isto que o interesse metropolitano impõe uma

administração coordenada para gerir as conexões e interferências entre as

funções dos municípios conurbados.

Recentemente, Eros Roberto Grau274 tratou do tema referente ao

interesse metropolitano, com base nos conceitos da Lei Complementar nº

14/1973, embora tenha admitido que ela não teria sido recepcionada pela atual

Carta Constitucional: “Em síntese, serviço comum é o que, mercê de seu

caráter interlocal, reclama administração intermunicipal. Tratando-se de serviço

de interesse interlocal, aos Municípios por ele afetados incumbiria a sua

administração”. Na realidade, o autor identifica que o interesse ultrapassa

estritamente a esferas locais, em função da conurbação urbana entre eles,

conceituando-o como interlocal. Através do fenômeno urbano da conurbação

surgem serviços que atendem simultaneamente a mais de um interesse local,

afetando algumas concepções e categorias utilizadas para descrever o

funcionamento do sistema de distribuição de competências em nosso sistema

federativo275:

O antigo modelo, da cidade incrustrada no Município, é implodido. Um novo modelo são os Municípios, então, que se incrustam em determinadas cidades se impõe, a exigir a adaptação, ao novo, das formas institucionais produzidas a partir do antigo modelo. Diante da vocação homeostática das formas jurídicas, capacidade de adaptação à realidade, a análise de cada dado da realidade informará essa adaptação.

O interesse metropolitano, na visão do autor, é portanto aquele serviço

que atende concomitantemente a mais de um interesse predominantemente

local, ou seja, envolve vários interesses locais, prestado e administrado pelos

Municípios. Seria o interesse metropolitano, o interesse local que se desdobra

em interesse interlocal. A partir deste raciocínio, o autor entende que a

competência para organizar e prestar o serviço interlocal seria do Município. E

274

GRAU, Eros Roberto. Sobre a prestação, pelos Municípios, do serviço público de abastecimento de água. In: Estudos de Direito Constitucional e Urbanístico em homenagem à Professora Magnólia Guerra. São Paulo: RCS, 2007, p.133. 275

GRAU, Eros Roberto. Sobre a prestação, pelos Municípios, do serviço público de abastecimento de água. In: Estudos de Direito Constitucional e Urbanístico em homenagem à Professora Magnólia Guerra. São Paulo: RCS, 2007, p.132.

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de acordo com o art. 25, §3º, da Carta, o Estado ao instituir as regiões

metropolitanas por lei complementar apenas deveria integrar a organização, o

planejamento e a execução dos serviços, cabendo ao Município a prestação e

a organização276.

Pedro Estevam Serrano277, ao lado de Alaôr Caffé Alves, adota o

segundo critério para definir as funções comuns, pautado no exame casuístico.

De acordo com o autor, a definição de interesse local ou metropolitano não tem

densidade semântica278 capaz de apresentar conteúdos facilmente detectáveis

arrolados em determinada legislação com tranquilidade. Será necessário

interpretar os termos de acordo com o caso concreto.

Deste modo, um interesse originalmente local pode pela modificação da

realidade urbana no tempo, transformar-se em interesse predominantemente

regional, sem alteração no âmbito jurídico da competência municipal. Isto

significa que as circunstâncias do mundo fático serão interpretadas para

identificar o alcance e o sentido do interesse metropolitano279, conforme explica

Luis Roberto Barroso280:

A noção de predominância de um interesse sobre os demais implica a idéia de um conceito dinâmico. Isto é: determinada atividade considerada hoje de interesse predominantemente local, com a passagem do tempo e a evolução dos fenômenos sociais, poderá perder tal natureza, passando para a esfera de predominância regional e até mesmo federal. Uma série de fatores pode causar essa alteração: desde a formação de novos conglomerados urbanos, que acabam fundindo municípios limítrofes, até a necessidade técnica de

276

GRAU, Eros Roberto. Sobre a prestação, pelos Municípios, do serviço público de abastecimento de água. In: Estudos de Direito Constitucional e Urbanístico em homenagem à Professora Magnólia Guerra. São Paulo: RCS, 2007, p.134. 277

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Regiões Metropolitanas e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.142. Confira o entendimento do autor: “A caracterização de determinada atividade em determinado local e em determinado tempo como sendo de interesse regional ou local para fim de discriminar qual ente federado é o competente para titularizá-la é ato cognoscente do disposto na norma constitucional em sua aplicação fática, e não juízo de valor apto a ensejar a criação normativa autônoma. Vejamos, por exemplo, a possibilidade de um interesse originalmente local que pode, pela transformação urbana no tempo, transmutar-se em interesse predominantemente regional, mas sem que isso implique qualquer alteração no âmbito jurídico da competência autônoma municipal [...] Mas, note-se que o que sofreu alteração foi o domínio normativo, na expressão de Canotilho (dados da situação fática que condicionam o alcance e o sentido do texto normativo em sua aplicação à realidade), e não o programa normativo (o texto normativo abstratamente considerado, que, em conjunto com o domínio normativo, compõe a norma jurídica na visão hermenêutico-concretizadora do referido autor)”. 278

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.166. 279

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.143. Segundo o autor “Não ocorre na espécie alteração alguma na competência municipal, apenas se realiza novo ato cognoscente de sua incidência pela alteração das circunstâncias fáticas sobre as quais ocorre sua aplicação”. 280

BARROSO, Luís Roberto. Saneamento Básico: competências constitucionais da União, Estados e Municípios. Revista de Informação Legislativa nº153, jan-mar. Brasília, 2002, p.261.

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uma ação integrada de vários municípios, para a realização do melhor interesse público. Também não é impossível imaginar o processo inverso, diante de uma substancial alteração da forma de ocupação populacional no território.

Dependendo de como compreendermos a definição das funções

públicas de interesse comum – se fixadas por lei ou por interpretação

casuística – alguns reflexos serão causados à autonomia municipal.

Pedro Estevam Serrano discorda de Alaôr Caffé Alves281 por este último

defender que os critérios fáticos do fenômeno da conurbação provocam

reflexos no aumento de competências metropolitanas, em detrimento das

competências atribuídas inicialmente pela Constituição aos Municípios.

Em face disto, Pedro Estevam Serrano argumenta que diante do caso

concreto, o legislador estadual não poderá modificar competências federativas

nem atribuir a determinados serviços caráter regional ou local282:

A caracterização de determinada atividade em determinado local e em determinado tempo como sendo de interesse regional ou local para fim de discriminar qual ente federado é o competente para titularizá-la é ato cognoscente do disposto na norma constitucional em sua aplicação à situação fática, e não juízo de valor apto a ensejar a criação normativa autônoma.

Contudo, não identificamos divergência entre os autores quanto à

conceituação do interesse metropolitano. Eventuais divergências dizem

respeito apenas à titularidade da função pública de interesse comum.

Alaôr Caffé Alves não entende que legislação estadual em razão de

fatores urbanísticos, sociais, geográficos e físicos tenham o condão de

modificar competências jurídicas locais ou regionais. Aponta283e sistematiza

possíveis critérios para identificar o interesse metropolitano, enfatizando,

inclusive, que identificar interesse metropolitano é fruto de interpretação.

Reconhece ainda dificuldade de identificar a qualidade de determinado

serviço. Tem caráter regional, por exemplo, os serviços de transportes

suburbanos e o tratamento dos esgotos da metrópole. Por outro lado, há

281

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.144. 282

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.142. 283

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.269.

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125

serviços de caráter nitidamente local, como a gestão de cemitérios, a

regulamentação dos espaços destinadas às feiras-livres e enquadrados em

zonas cinzentas de identificação que demandam uma interpretação casuística.

Neste caso, o jurista propõe critérios para balizar a interpretação: a) a região

metropolitana tem funções públicas de interesse comum próprias, distintas das

funções estaduais, macrorregionais ou locais; b) as funções públicas de

interesse comum metropolitano compreendem também o interesse local dos

Municípios metropolitanos. Isto justifica a participação destes Municípios nas

decisões sobre sua organização, regulamentação, planejamento e execução; c)

as funções públicas de interesse metropolitano incluem atividades que podem

ser segregadas em etapas ou parcelas distintas, para atribuir competências

aos diferentes agentes públicos; d) em determinadas parcelas ou fases das

funções públicas de interesse metropolitano persiste a competência

concorrente (supletiva) ou comum do Município. Em suma, são critérios

geográficos, econômicos, financeiros, técnico, institucional e estratégico

capazes de permitir ao intérprete fixar determinada categoria de interesse.

A divergência aparece quando Alaôr Caffé Alves cita o art.13 da Lei

Complementar Estadual nº 760/1994 que permite a definição específica das

funções públicas de interesse comum por parte de cada Conselho de

Desenvolvimento Regional, dentro das funções arroladas no art. 7º, I a VII.

Neste ponto a lei estadual permite, em razão de fatores físicos, geográficos,

sociais, econômicos e administrativos, novas interpretações dos conceitos

normativos, ora ampliando ora restringindo o campo de atuação local ou

regional. No entanto, identificar critérios doutrinários e jurisprudenciais e indicar

parâmetros de funções no próprio artigo reduz a margem de subjetivismo da

atuação discricionária do Conselho Deliberativo (art.9º e 10).

O que poderia ser uma divergência entre autores, deve ser analisado

com cautela. A legislação do Estado de São Paulo, por exemplo, atribuiu a

especificação das funções públicas de interesse comum ao Conselho de

Desenvolvimento, órgão colegiado, composto por representantes dos

Municípios e do Estado envolvidos na Região Metropolitana.

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A Lei Estadual nº 760/1994284 e as complementares responsáveis por

criar outras regiões metropolitanas285contém conceitos jurídicos indeterminados

em suas disposições, o que demanda ao órgão colegiado especificar dentre os

serviços indicados – como, por exemplo, planejamento e uso do solo, meio

ambiente e saneamento básico – os que serão definidos metropolitanos.

Alaôr Caffé Alves e Pedro Estevam Serrano defendem que compreender

interesse metropolitano é ato cognoscente, uma interpretação exercida pelo

órgão colegiado e não de previsão de lei complementar estadual, que a

qualquer tempo poderá modificar as competências dos entes federados

atribuídas pela Constituição Federal.

Nossa posição

Diante das proposições jurídicas expostas, concluímos que os conceitos

jurídicos de interesse metropolitano e local são indeterminados. No interesse

local, predomina o do município em relação ao Estado ou União.

No interesse local predomina o do Município em relação ao Estado ou

União. O interesse comum refere-se ao predomínio regional, pois não está

territorialmente limitado a um único município e envolve um conjunto de entes

locais limítrofes. Os interesses metropolitanos resultam em conexões e

interferências recíprocas entre os diferentes municípios e exigem ação

unificada, integrada entre os Municípios da região e o Estado responsável pela

sua criação. As funções comuns, portanto, dizem respeito simultaneamente

aos vários municípios conurbados, cuja gestão exige uma atuação integrada.

Já os conceitos jurídicos de interesse metropolitano e local são

indeterminados, conforme sustenta Luís Roberto Barroso286:

São expressões de sentido fluido, destinadas a lidar com situações nas quais o legislador não pôde ou não quis, no relato abstrato do enunciado normativo, especificar de forma detalhada suas hipóteses de incidência ou exaurir o comando a ser dele extraído. Por essa razão, socorre-se ele de locuções como as que constam da Constituição brasileira de 1988, a saber: pluralismo político,

284

Lei Complementar Estadual nº 760, de 1 de agosto de 1994– Estabelece diretrizes para a Organização Regional do Estado de São Paulo. Lei responsável pela criação da Região Metropolitana de São Paulo (Lei 1139/2011), 285

Lei Complementar nº 1139 de 16 de junho de 2011, art.12. 286

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo (Os Conceitos fundamentais e a Constituição do Novo Modelo). 2ª tiragem. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.313.

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127

desenvolvimento nacional, segurança pública, interesse público, interesse social, relevância e urgência, propriedade produtiva, em meio a muitas outras. Como natural, o emprego dessa técnica abre para o intérprete um espaço considerável, mas não ilimitado ou arbitrário, de valoração subjetiva.

Os conceitos indeterminados, conforme já discorremos, têm áreas de

certeza positiva, negativa e zonas de penumbra. Isto significa que é possível

identificar as zonas de certeza positiva de determinado termo, ou seja, o que

compreendemos claramente sobre o seu sentido. De outro lado, identificamos

as zonas de certeza negativa, isto é, aquilo que jamais será considerado o

sentido de determinado termo. E, por fim, a zona intermediária, que gera

dúvida e depende da decisão final do Judiciário para oferecer parâmetros para

defini-los à luz do caso concreto. Ao interpretarmos interesse local, verificamos

que sua zona de certeza negativa está no interesse nacional e regional. Por

outro lado, a de certeza positiva é aquilo considerado predominante em relação

aos outros interesses da federação. Mas existem casos nos quais surgirão

dúvidas, e portanto, estaremos diante da zona de penumbra do conceito.

Luís Roberto Barroso287 explica que a jurisprudência do STF, ao

interpretar os conceitos indeterminados das normas constitucionais, admite o

controle judicial de seu sentido, até porque, em inúmeras ocasiões já se

pronunciou sobre o sentido e o alcance que determinados termos devem

apresentar. Basta lembrarmos a interpretação da relevância e urgência para a

edição de Medida Provisória, (art. 62 da Carta Magna)288. Conclui o autor 289

que“a atividade de integração do sentido dessas cláusulas gerais é suscetível

de controle judicial, que será mais forte nas áreas de certeza positiva e

negativa e mais deferente nas zonas de penumbra”.

Desta forma, interesse metropolitano e local são conceitos que exigem

interpretação jurídica. Aliás, por mais clara que seja uma norma, sempre será

interpretada, até porque sua redação por vezes conterá conceitos imprecisos.

287

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo (Os Conceitos fundamentais e a Constituição do Novo Modelo). 2ª tiragem. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.315. 288

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. DJU, 23/04/2004, ADINMC 2213/DF, Rel Min. Celso de Mello. 289

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo (Os Conceitos fundamentais e a Constituição do Novo Modelo). 2ª tiragem. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.317.

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128

A tarefa do jurista é identificar o sentido e o alcance da norma jurídica,

revelando o seu conteúdo, conforme explica Maria Helena Diniz 290:

Interpretar é descobrir o sentido e alcance da norma, procurando a significação dos conceitos jurídicos. Devido aos motivos já mencionados – vaguidade, ambigüidade do texto, imperfeição e falta de terminologia técnica, má redação – o magistrado, a todo instante, ao aplicar a norma ao caso sub judice, a interpreta, pesquisando o seu significado. Isto é assim porque a letra da norma permanece, mas seu sentido se adapta a mudanças que a evolução e o progresso operam na vida social. Interpretar é, portanto, explicar, esclarecer, dar o verdadeiro significado do vocábulo, extrair da norma tudo o que nela se contém, revelando seu sentido apropriado para a vida real e conducente a uma decisão.

A interpretação jurídica é feita pelo método subsuntivo, ou seja, o

intérprete diante da premissa maior (norma jurídica), verifica a ocorrência do

fato ali relatado, isto é, premissa menor (no mundo fenomênico). Ao enquadrar

o fato concreto à hipótese normativa, imputará ao fato uma conclusão, ou seja,

será declarada uma consequência jurídica.

Luís Roberto Barroso291 explica sucintamente o método subsuntivo de

interpretação:

Após examinar a situação de fato que lhe foi trazida, irá identificar no ordenamento positivo a norma que deverá reger aquela hipótese. Em seguida, procederá a um tipo de raciocínio lógico, de natureza silogística, no qual a norma será a premissa maior, os fatos serão a premissa menor e a conclusão será a consequência do enquadramento dos fatos à norma. Esse método tradicional de aplicação do Direito, pelo qual se realiza o enquadramento dos fatos na previsão da norma e pronuncia-se uma conclusão, denomina-se método subsuntivo.

Caberá ao intérprete examinar os fatos concretos para identificar sua

adequação à norma jurídica qualificada por conceito indeterminado. Fixar o

sentido das funções comuns e do interesse local diz respeito ao juízo de

subsunção.

De acordo com as leis estaduais que tratam das Regiões Metropolitanas,

qual o sistema adotado para qualificar o interesse metropolitano?

290

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.430. 291

Curso de Direito Constitucional Contemporâneo (Os Conceitos fundamentais e a Constituição do Novo Modelo). 2ª tiragem. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.297.

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129

Utilizaremos a legislação de São Paulo e Minas Gerais para

esclarecermos a questão, devido ao grau de institucionalização e

aperfeiçoamento alcançados pela gestão metropolitana.

A Lei Complementar do Estado de São Paulo nº 760/1994, responsável

pela organização regional do Estado, previu em seu art. 7º as atividades

consideradas de interesse comum292.

Segundo o art. 13, I, da lei, cabe ao Conselho de Desenvolvimento

especificar os serviços públicos de interesse comum do Estado e dos

Municípios na unidade regional, compreendidos nos campos funcionais do art.

7º, bem como, as etapas ou fases e respectivos responsáveis.

Mas de que forma as funções serão especificadas? Segundo o art.8º,

parágrafo único, e art. 9º, o exercício das funções públicas comuns decorrerá

da participação paritária do conjunto dos municípios em relação ao Estado,

pois o Conselho, normativo e deliberativo, será composto por representante de

cada município e do Estado.

Para garantir a participação paritária dos Municípios e do Estado,

determina o art. 16, sempre que no Conselho de Desenvolvimento existir

diferença de número entre os representantes do Estado e dos Municípios, que

os votos sejam ponderados, de maneira que, no conjunto, tanto os votos do

Estado como os dos Municípios correspondam a 50% da votação293.

Importante observarmos que o voto-vista de Ricardo Lewandowski na

ADIN 1842 acolheu o entendimento de Gilmar Mendes, ao não exigir no

compartilhamento decisório entre o Estado criador da Região Metropolitana e

os Municípios que as compõem, uma participação paritária relativamente a

qualquer um deles.

A decisão não torna inconstitucionais as leis mineiras e paulistas que

preveêm estes mecanismos em suas legislações.

A Lei Complementar nº 1.139/2011, que reorganizou a Região

metropolitana de São Paulo, criou em seu art. 5º o Conselho de

Desenvolvimento da Região de caráter normativo e deliberativo (art.154 da

Constituição Estadual e 9º e 16 da Lei Complementar nº 760, de 1º de agosto

de 1994).

292

Lei Complementar 760/1994, Art.7º, I a VII. 293

Lei Complementar nº 760/1994, art. 16, §1º a § 4º.

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130

O Conselho de Desenvolvimento integrará uma autarquia responsável

pela gestão da Região Metropolitana, que por sua vez (art. 17, §1º) será

vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano.

Os arts. 6º e 12 reiteram a competência do Conselho de

Desenvolvimento para especificar as funções públicas de interesse comum ao

Estado e aos Municípios da Região, de acordo com os campos funcionais do

art. 12, I a VIII.

A Lei Complementar reiterou a composição paritária dos Municípios em

relação ao Estado para viabilizar a participação dos Municípios na definição

das funções comuns294.

A Constituição do Estado de Minas Gerais, por sua vez, definiu função

pública de interesse comum, em seu art. 43, como“a atividade ou o serviço cuja

realização por parte de um Município, isoladamente, seja inviável ou cause

impacto nos outros Municípios integrantes da região metropolitana”.

Contudo, ao contrário do Estado de São Paulo, as especificações das

funções públicas (parágrafo 2°) serão definidas na lei complementar que criar a

região metropolitana.

A Lei Complementar nº89/2006 que dispõe sobre a Região

Metropolitana de Belo Horizonte prevê (art. 8º) que a atuação dos órgãos de

gestão da RMBH295 abrangerá as funções comuns indicadas nos incisos I a XII

do artigo 8º. A Lei estabeleceu referências um pouco mais precisas em relação

ao interesse metropolitano. No entanto, subsiste uma margem considerável de

interpretação para ser realizada pelos órgãos de gestão da Região

Metropolitana, com base no critério do art. 43 da Constituição Estadual.

São órgãos de gestão nos termos da Constituição Estadual, da Lei

Complementar nº 88/2006 e da Lei Complementar nº 89/2006 responsável pela

criação da Região Metropolitana de Belo Horizonte: Assembleia Metropolitana,

Conselho Deliberativo de Desenvolvimento Metropolitano e Agência de

Desenvolvimento, de caráter técnico e executivo.

294

Art. 7º, §1º, 3º e 5º; art.9º, parágrafo único; art. 10, §1º, 2º e 3º. 295

Região Metropolitana de Belo Horizonte.

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131

Em todos eles a lei296 assegura a representação paritária entre o Estado

e os Municípios da região metropolitana.

Os integrantes dos órgãos colegiados no Estado de São Paulo e em

Minas Gerais deverão deliberar democraticamente sobre o conteúdo jurídico do

interesse metropolitano, na forma da legislação, considerando os interesses

dos municípios e Estado envolvidos. Mesmo com a discussão realizada em

órgãos colegiados, a identificação da função comum decorrerá de vontade da

maioria, dependendo do quórum estabelecido em cada legislação.

Neste momento, ao interpretarem a norma, deverão considerar o

atendimento aos fins sociais e aos objetivos que pretende garantir, como os

dos incisos do art. 3º da Lei Complementar nº 1.139/2011, incluindo a redução

das desigualdades regionais (V). Segundo Maria Helena Diniz297:

Ao se interpretar a norma, deve-se procurar compreendê-la em atenção aos seus fins sociais e aos valores que pretende garantir. O ato interpretativo não se resume, portanto, em simples operação mental, reduzida a meras inferências lógicas a partir das normas, pois o intérprete deve levar em conta o coeficiente axiológico e social nela contido, baseado no momento histórico em que está vivendo. Dessa forma, o intérprete, ao compreender a norma, descobrindo seu alcance e significado, refaz o caminho da “fórmula normativa” ao “ato normativo”, tendo presentes os fatos e valores dos quais a norma advém, bem como os fatos e os valores supervenientes, ele a compreende, a fim de aplicar em sua plenitude o “significado nela objetivado”.

Assim, na realidade, deverão interpretar a lei para atender aos fins

sociais a que a norma se dirige (art. 5o da Lei de Introdução às normas do

Direito Brasileiro - Lei Federal nº 12.376/2010).

2.2 Titularidade da função pública de interesse comum

Até o momento examinamos os esforços da doutrina em estabelecer as

bases para definir interesse metropolitano. Por outro lado, pelo fato das

Regiões Metropolitanas não serem consideradas entidades políticas

federativas, é necessário identificar o ente federado responsável pela

296

Constituição do Estado de Minas Gerais: Art. 46 §1°, §2°, §3°, I, II, III, §4°. Lei Complementar 88 de 12/1/2006: Dispõe sobre a instituição e a gestão de região metropolitana em geral. Art. 7º, I, II, III, IV, Art. 9º; Lei Complementar 89/2006, arts. 4º e 5º. 297

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.432.

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132

titularidade das suas funções, ou seja, o escolhido pela Constituição para

planejar, normatizar a prestação e execução de determinada função pública.

As discussões doutrinárias e jurisprudenciais questionam como serão

tomadas as decisões pelas Regiões Metropolitanas. Quem são os

responsáveis pelo planejamento, organização e execução do interesse

metropolitano, uma vez que conforme o art. 25, §3º da Constituição Federal,

compete exclusivamente ao Estado criar as Regiões Metropolitanas?

2.2.1 Noções gerais

A noção comum de titularidade está relacionada à qualidade de titular,

dono, senhor e possuidor298.

Do ponto de vista jurídico e para o desenvolvimento deste trabalho nos

interesssa o sentido técnico. Juridicamente, a noção tem íntima ligação com a

divisão constitucional de competências do sistema federalista.

O art. 25, §3º da Constituição Federal, ao dispor que Lei Complementar

Estadual instituirá regiões metropolitanas para integrar a organização, o

planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum,

transferiu ao titular as funções que serão desenvolvidas, sem ao menos revelar

o sujeito que as realizará. Assim, o responsável pela execução das funções

comuns deverá atuar de forma legislativa e administrativa, ou seja, editar

normas que disciplinarão as atividades administrativas de organização,

planejamento e execução dos serviços públicos e das medidas de polícia

relacionadas ao interesse metropolitano.

Por isto Alaôr Caffé Alves299 ao discorrer sobre função pública explica

que o ente responsável não deverá apenas executar os serviços e respectivas

concessões, mas também editar leis, estabelecer diretrizes de políticas

públicas e fiscalizar sua execução, reunindo dimensões administrativas e

legislativas de determinada atribuição estatal.

A ideia de titularidade é correlata à de responsável pelo exercício de

determinada competência administrativa ou legislativa de acordo com a divisão

298

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994. 299

ALVES, Alaôr Caffé. Saneamento Básico – Concessões, Permissões e Convênios Públicos (pareceres). Bauru: Edipro, 1998, p.195.

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133

constitucional de competências300. Verificamos, por exemplo, que o Município é

competente para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I, da

Constituição Federal) e para organizar e prestar, diretamente ou sob regime de

concessão, permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de

transporte coletivo, que tem caráter essencial.

Com relação às Regiões Metropolitanas, o constituinte não atribuiu o

regime jurídico de ente federado, dotado de autonomia política. Desta forma, as

Regiões Metropolitanas apenas titularizam competências administrativas

originárias para organizar, planejar e executar funções públicas de interesse

comum.

Diante desta distinção, questiona-se a definição da titularidade sobre o

exercício das funções públicas de interesse comum, uma vez que as Regiões

Metropolitanas não têm autonomia política, cabendo apenas aos Estados e

Municípios integrantes executar estas funções.

Maria Coeli Simões Pires e Gustavo Gomes Machado identificaram com

clareza o problema que envolve a discussão sobre a titularidade das funções

públicas de interesse comum301:

É relativamente pacífico o entendimento quanto à titularidade de certas funções públicas. É o que se dá, por exemplo, em relação ao saneamento e ao transporte público, que, vinculados ao interesse local, situam-se no campo de competência municipal. Não cabe discordância quanto à titularidade municipal desses serviços, quando os sistemas correspondentes são caracterizados tecnicamente como isolados. No caso da função saneamento, por exemplo, tem-se tal caracterização quando a captação, a produção, o estoque e a distribuição da água, assim como a coleta e a disposição final de resíduos sólidos, localizam-se dentro dos limites territoriais do Município. O tema, entretanto, deixa de ser pacífico quando a execução das funções públicas causa impacto em outras municipalidades, como ocorre normalmente em região metropolitana, território no qual a integração entre os Municípios é material por força do processo de conurbação. Em tais casos, é impossível separar as infra-estruturas envolvidas, o que por si transmuta o interesse local em interesse comum-regional. Nessas situações de integração de infra-estruturas, alguns entendem que o estabelecimento de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, ao abrigo do

300

Competência material exclusiva (art 21 da CF), comum (art 23 da CF), bem como, da competência legislativa exclusiva (art 25, §1º e §2º), privativa (art 22 da CF), concorrente (art 24 da CF) e suplementar (art 24, §2º da CF). 301

MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, p.416. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

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134

art. 25, §3°, da Constituição da República, concorre para transferência da titularidade das funções públicas de interesse comum para o Estado. Já outros entendem que a instituição dessas unidades regionais não tem o condão de retirar dos Municípios a titularidade sobre as funções públicas de interesse comum. Reconhecem, no entanto, que o interesse regional envolvido autoriza o Estado a estabelecer diretrizes, critérios e limites para atuação municipal para a prestação de serviços públicos de impacto supramunicipal, a invocar a competência legislativa no âmbito estadual.

2.2.2 Posições da doutrina em relação à titularidade das funções públicas de interesse comum

A doutrina se divide em três posições acerca da definição do titular das

funções públicas de interesse comum:

a) Há quem entenda que, na realidade, as funções comuns de interesse

público originam interesses intermunicipais. São correligionários da defesa

extrema do municipalismo, pois defendem de forma apaixonada a autonomia

municipal adquirida pelos Municípios, pela Constituição Federal de 1988.

b) De outro lado, existem os regionalistas que procuram priorizar os

interesses metropolitanos. Subdividem-se em: b.1) regionalistas extremos e

b.2) regionalistas moderados, dependendo da maneira como definem a

titularidade do interesse e sua relação com a autonomia municipal.

c) E por fim, os adeptos da corrente intermediária entre os municipalistas

e regionalistas, postura adotada por Pedro Estevam302, Sérgio Ferraz, Adilson

Abreu Dallari e Eurico de Andrade Azevedo que atribuem titularidade das

funções públicas de interesse comum ao Estado-membro.

Na primeira corrente de pensamento estão Eros Roberto Grau e Irís

Araújo Silva, embora apresentem pressupostos e conclusões distintas . Ambos

priorizam a defesa da autonomia municipal, atribuindo ao Município o exercício

das competências do art. 25, §3º, da Constituição Federal. Eros Grau

desenvolveu estudos sobre Regiões Metropolitanas a partir de 1971, e

manteve sua posição após a Constituição Federal de 1988303. Íris Araújo Silva

tratou do tema em 1981, período anterior à Constituição Federal de 1988304.

302

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.161. 303

GRAU, Eros Roberto. Sobre a prestação, pelos Municípios, do serviço público de abastecimento de água. In: Estudos de Direito Constitucional e Urbanístico em homenagem à Professora Magnólia

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135

Eros Grau esclarece305que a expressão serviço comum306 revela um

caráter interlocal, que reclama administração intermunicipal pelos municípios

por ele afetados. A partir da Constituição Federal de 1988, o interesse local dos

Municípios foi enriquecido pelo interesse interlocal (regional). No entanto, o

interesse local é representado pela competência para prestar serviços comuns,

que permanece sob a titularidade dos Municípios. O interlocal é atribuído ao

Estado-membro como competência para integrar a organização, o

planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, sem

violar a autonomia municipal.

O interesse interlocal (art. 25, §3º da Constituição Federal) importa em

tornar-se compulsório o relacionamento entre os Municípios limítrofes que

compõem o agrupamento para integrar a organização, o planejamento e a

execução das funções públicas de interesse comum307.

Deste modo, existe uma clara divisão de competências formulada pelo

autor. De um lado, o Município prestando serviços públicos de interesse

comum, de forma solidária, integrada no que concerne a sua organização,

planejamento e execução. De outro lado, só será atribuída ao Estado a

competência de criar o agrupamento regional mediante lei complementar308:

Isso ocorre ainda quando se trate de Municípios integrados em região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião instituída por lei complementar estadual. Neste caso incumbirá ao Estado-membro tão somente prover no sentido de integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, isto é, execução dos serviços comuns. À prestação desses serviços corresponde uma função (dever-poder) de caráter intermunicipal. Essa prestação incumbe à administração intermunicipal, vale dizer, aos Municípios, solidariamente, de modo integrado, no que concerne à sua organização, ao seu planejamento e à sua execução. Ao Estado-membro nada incumbe além de mediante lei complementar instituir a Região Metropolitana, a aglomeração urbana ou a microrregião, dispondo a respeito daquela integração, naturalmente, sem qualquer comprometimento das autonomias municipais.

Guerra. São Paulo: RCS, 2007. Sua posição também pode ser conferida em razão do voto proferido na ADIN 2077 (BAHIA). 304

SILVA, Iris Araújo. As Regiões Metropolitanas e a Autonomia Municipal. Revista Brasileira de Estudos Políticos (RBEP) Universidade Federal de Minas Gerais, 1981. 305

A Constituição Federal de 1988 em seu art. 25, §3º se refere a função pública de interesse comum. 306

Hoje denominada função pública de interesse comum, art. 25, §3º da Constituição Federal. 307

BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) Bahia, 2007. 308

BRASIL. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) Bahia, 2007.

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136

Íris Araújo Silva309 não admite a existência do interesse metropolitano e

sustenta que o rol de serviços comuns da Lei Complementar nº 14/1973 não

modifica ou transfere atribuições municipais ao Estado-membro. Diante da

Constituição de 1969, o interesse metropolitano não era um critério redefinidor

de atribuições entre Municípios de regiões metropolitanas e o Estado-membro,

pois distribuição de competências entre entes federados sempre foi matéria

constitucional. A titularidade dos serviços permanece sob a expressão de

interesse local, com o Município, competindo aos Estados-membros apenas

regular as condições de funcionamento dos agrupamentos municipais.

De outro lado, existem os regionalistas que priorizam os interesses

metropolitanos. Subdividem-se em regionalistas extremos e moderados,

dependendo da maneira como atribuem a titularidade do interesse e sua

relação com a autonomia municipal.

Os extremamente regionalistas, defendem a ideia de supressão da

autonomia municipal, como Caio Tácito310 que entende ser a Região

Metropolitana forma de avocação da competência municipal pelo Estado-

membro.

Assim, os interesses regionais mencionados no art.25, §3º, da

Constituição Federal passam a ser titularizados pelos Estados na hipótese de

instituírem regiões metropolitanas. O Estado “avocaria” dos municípios as

funções de interesse comum, quando instituísse as regiões metropolitanas311.

Para Caio Tácio312, as atividades do Poder Público na área de

saneamento básico comportam vários entendimentos, a depender do grau de

abrangência e de interdependência limitam-se ao plano municipal ou

integração estadual. Assim, a competência poderia ser deslocada do Município

para o Estado de duas maneiras: vínculo compulsório do art. 25, §3º da

309

SILVA, Iris Araújo. As Regiões Metropolitanas e a Autonomia Municipal. Revista Brasileira de Estudos Políticos (RBEP) Universidade Federal de Minas Gerais, 1981, p.120. 310

TÁCITO, Caio. Serviços de Saneamento Básico. In: Revista de Direito Administrativo nº213,1998, p. 324. 311

TÁCITO, Caio. Serviços de Saneamento Básico. In: Revista de Direito Administrativo nº213,1998, p. 324. Afirma o autor: “a própria Constituição prevê limites ao exercício da autonomia municipal não somente na excepcionalidade traumática da intervenção federal ou estadual, em situações excepcionais, como na capacidade avocatória conferida aos Estados para, mediante lei complementar, instituir Regiões Metropolitanas, agrupando Municípios limítrofes para a integração de funções públicas de interesse comum”. 312

TÁCITO, Caio. Saneamento Básico – Região Metropolitana – Competência Estadual. Revista de Direito Administrativo nº 242. out-dez. Rio de Janeiro, 2005, p.349.

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137

Constituição Federal ou pela forma consorciada313, posição com a qual

discordamos.

Ao interpretarmos o dispositivo constitucional considerando a avocação

de competências do Município pelo Estado, por ocasião das regiões

metropolitanas, violaremos o regime jurídico federativo previsto pela

Constituição, que não considera as Regiões Metropolitanas como ente

federado.

Desrespeitaremos ainda a autonomia municipal (art.60, §4°,I, da

Constituição Federal de 1988), ao permitir que Leis Complementares

responsáveis por criar regiões metropolitanas modifiquem ou suprimam

competências atribuídas pela Constituição Federal.

Já os regionalistas moderados representados por Ana Carolina

Wanderley Teixeira314, Alaôr Caffé Alves e José Afonso da Silva315

compatibilizam os interesses locais e regionais, possibilitando a interferência de

um conjunto de Municípios no território de um único Município, em virtude do

interesse metropolitano ou regional, que se sobrepõe ao interesse individual de

um deles. Entendem que a titularidade não poderá ser imputada a qualquer

entidade, mas ao Estado e aos Municípios envolvidos, isto é, mais de uma

entidade federativa. Assim, a titularidade seria exercida pelos Estados e

Municípios envolvidos na região, em razão do vínculo compulsório que

sustentam entre si.

José Afonso da Silva só adotou o posicionamento de Alaôr Caffé Alves,

após a Constituição Federal de 1988, considerada inconstitucional em 1967 e

alterada pela Constituição de 1969.

Explica José Afonso da Silva316 que no regime constitucional anterior à

terminologia “serviços comuns” estava relacionada aos Municípios constituídos

em regiões metropolitanas e não aos serviços de entidades federadas.

Atualmente, a situação foi modificada, pois compete ao Estado editar uma Lei

313

TÁCITO, Caio. Saneamento Básico – Região Metropolitana – Competência Estadual. Revista de Direito Administrativo nº 242. out-dez. Rio de Janeiro, 2005, p.349. 314

TEIXEIRA, Ana Carolina Wanderley. Região Metropolitana (Instituição e Gestão Contemporânea Dimensão Participativa). 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. 315

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed.São Paulo: Malheiros, 2012. 316

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.160.

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138

agrupando os municípios para organizar, planejar e executar funções

comuns317.

Alaôr Caffé Alves e José Afonso da Silva divergem em relação à forma

como Municípios e Estados deverão desempenhar funções comuns.

José Afonso da Silva318 explica que a despeito de propugnar a

titularidade dos serviços para os Estados e Municípios, ela não será executada

em termos de cooperação mútua entre os níveis de governo, ao contrário do

que defende Alaôr Caffé Alves. José Afonso da Silva entende que competirá à

Lei Complementar estadual explicar como os Estados e Municípios atuarão na

gestão e execução das funções comuns, respeitando competências que cada

um ostenta no sistema constitucional319.

De outro lado, Alaôr Café Alves insiste na defesa da colaboração entre

os Estados e Municípios no exercício das funções públicas de interesse

comuns nas atividades de operação, normatização, planejamento,

coordenação, controle, fiscalização e execução, em razão do interesse

metropolitano ser considerado interesse conjunto de todas as esferas

governamentais320:

Juridicamente, portanto, não se reconhece o interesse metropolitano senão como parcela dos respectivos interesses das unidades político-administrativas envolvidas na promoção e execução dos serviços comuns. Daí a conotação específica incluída na ideia de função pública de interesse comum, em termo da cooperação mútua entre os níveis de governo, considerados horizontal (entre Municípios da mesma região) e verticalmente (entre Estado e Municípios).

O autor defende a criação de uma entidade pública administrativa que

permita articular e coordenar os planos, programas das diferentes agências

atuantes na região, vinculadas aos entes federados envolvidos.

Em 1998, o autor já defendia321que a colaboração entre os Estados e

Municípios para ser efetiva deveria garantir a representação participativa das

agências e entes governamentais que a constituírem, de forma paritária. Da

317

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.161. 318

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.161. 319

Estados (art. 25) e Municípios (art. 30), todos da Constituição Federal de 1988. 320

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998. 321

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.43

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139

mesma forma, defendia a implantação do modelo previsto na Constituição

Estadual de São Paulo322, o qual permitia a gestão globalizada em termos

normativos de planejamento, organização e execução das funções públicas de

interesse comum:

É preciso, entretanto, desde já deixar claro que tal institucionalização não poderá ter efetividade, como, aliás, já se consagrou na legislação paulista, se não houver representação participativa das agências e entes governamentais que a constituírem, de forma paritária, visto que a referida articulação planejada não pode de maneira alguma soar como advinda de mecanismos estranhos à vontade institucional daquelas agências e entes governamentais. Essa participação deverá ser ponderada em razão da natureza, do papel institucional, população dos Municípios integrantes e da massa de recursos aportados pelas agências setoriais e entes governamentais envolvidos. Por exemplo, qual o valor do voto da representação do Município pólo (a capital), em uma região metropolitana como São Paulo, em face dos demais Municípios metropolitanos (38), cuja população é cerca de 60% de toda a região? Por outro lado, é também de grande importância considerar com especial atenção a participação, na referida forma institucional, de entidades da sociedade civil, representantes da comunidade. A participação popular, no caso de São Paulo, encontra-se igualmente equacionada, em suas grandes linhas, na Lei Complementar nº 760/1994.

Por fim, há os adeptos da corrente intermediária entre os municipalistas

e regionalistas, postura adotada por Sérgio Ferraz323 e Eurico de Andrade

Azevedo324, antes da Constituição Federal de 1988 e Pedro Estevam Serrano.

Consideramos, então, necessário, delimitar como os Municípios e

Estados atuarão para desempenharos interesses metropolitanos (funções

públicas de interesse comum), uma vez que Pedro Estevam Serrano325

entende que o titular das funções públicas de interesse comum é o Estado-

membro. Para ele326, os serviços comuns devem ser prestados pelo Estado,

pois extravasam a competência municipal, salvo determinação contrária da lei

322

Constituição Estadual de São Paulo (arts.152, II; art. 154, §1º, §2º, §3º). 323

FERRAZ, Sérgio. Regiões Metropolitanas no Direito Brasileiro. Revista de Direito Público (RDP) nº 37/38, ano VII. São Paulo: RT, 1976, p.37-38. As reflexões do professor Sérgio Ferraz são anteriores ao professor Pedro Estevam, pois o artigo Regiões Metropolitanas no Direito Brasileiro foi redigido na década de 70, à luz da Constituição passada. 324

AZEVEDO, Eurico de Andrade. Regiões Metropolitanas no Brasil e seu Regime Jurídico. In: Estudos sobre o amanhã – Regiões Metropolitanas. Caderno nº 1. Coedição Instituto Metropolitano de Estudos e Pesquisas Aplicadas da FMU (Imepa). São Paulo: Resenha Universitária, 1978, p.133. 325

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.161. “Quando alguma situação ou serviço pertencer ao interesse predominantemente local, será decidida e executada de acordo com os comandos e diretrizes do Município a que se refere. No entanto, quando se referir a dois ou mais Municípios, tornar-se-á de interesse regional o que perfaz a competência do Estado-membro para resolver a situação ou realizar a atividade.” 326

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.155.

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140

complementar estadual que cria Regiões Metropolitanas e definir o modo mais

ou menos desconcentrado de realizar tal prestação, inclusive atribuindo

competência a uma gestão comum dos Municípios atendidos pelo serviço.

Em razão do art. 25, §3º, da Constituição Federal, o Estado-membro tem

a faculdade de criar a Região Metropolitana quando diante dos pressupostos

que a autorizam, o que implica atribuir ao Estado o exercício de competência

administrativa para executar funções comuns, ou seja, o exercício da sua

titularidade.

O autor defende ainda que competirá ao Estado-membro decidir se

exercerá as funções comuns isoladamente ou com o auxílio dos Municípios, de

forma ativa, consultiva ou por delegação do desempenho dos serviços,

conservando para si apenas a fiscalização e a administração. Ao contrário de

Alaôr Café Alves, Pedro Estevam, entende que a cooperação entre os entes

será decisão exclusiva do Estado e não uma obrigação necessária em razão

do interesse metropolitano abarcar os interesses municipais e estaduais327.

Pedro Estevam Serrano critica Eros Roberto Grau em relação à

instância intermunicipal de exercício de competências federativas. Para ele, o

sistema federativo brasileiro não prevê competência intermunicipal para realizar

serviços328.

O autor enquadra a situação dos interesses intermunicipais como objeto

de Consórcios Intermunicipais329, considerados formas de colaboração entre as

entidades locais para prestar serviços e realizar atividades no interior da

competência municipal estipulada na federação.

2.2.3 Breves notas sobre a polêmica envolvendo as discussões relativas à titularidade da prestação do serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário330

O propósito deste item é demonstrar argumentos doutrinários e

327

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.159. 328

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.159. 329

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.159. 330

A polêmica foi tratada de forma aprofundada no artigo por nós publicado intitulado Competências da região metropolitana: água e esgoto. Revista Brasileira de Direito Municipalnº42. ano12, out-dez. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.59-82.

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141

jurisprudenciais sobre a titularidade de um dos interesses metropolitanos, o

saneamento básico, decidido recentemente pelo STF331. A decisão judicial

poderá indicar os rumos que vão orientar a definição sobre a titularidade de

todos os interesses que compõem a rubrica constitucional funções públicas de

interesse comum.

A Lei Federal nº 11.445/2007 que estabelece as diretrizes nacionais

para o saneamento básico e sua política federal não indicou explicitamente o

ente competente para assumir a titularidade deste serviço público. Parece-nos

que a omissão foi proposital, visto que apenas a Constituição Federal é

competente para atribuir aos entes federados o exercício de competência

administrativa e legislativa.

A divergência jurisprudencial e doutrinária está calcada na interpretação

do perfil constitucional das competências materiais para a prestação dos

serviços públicos entre os entes federados, definida nos arts. 21, V, XX, 23, IX,

25, §3º e 30, V.

Baseados na Constituição Federal, identificamos os entes competentes

para prestar o serviço. A controvérsia diz respeito à interpretação dos arts. 25,

§3° e 30, V. Se considerarmos os serviços de saneamento básico de natureza

local, chegaremos a determinadas conclusões. Mas se sustentarmos que nem

sempre esta premissa é válida, em determinadas circunstâncias mudará a

competência para prestar os serviços, deixando de ser municipal para tornar-se

estadual, na hipótese do art. 25, §3°, em razão de Lei Complementar Estadual

que institui região metropolitana para executar funções públicas de interesse

comum. Destacamos três posições doutrinárias sobre a titularidade dos

serviços de saneamento básico.

Inicialmente há quem defenda que todos os serviços da cadeia são de

natureza municipal e que nenhuma circunstância pode alterar a titularidade do

Município sobre eles. Assim entendem José Afonso da Silva, Eros Roberto

Grau, Floriano de Azevedo Marques e Pedro Estevam Serrano.

Para outros, ainda que a competência para prestar tais serviços seja dos

Municípios, os Estados têm a capacidade de avocar para si esta competência,

mediante lei complementar (art. 25, §3° da Constituição Federal). Neste caso,

331

No dia 28/2/2013 foi julgada parcialmente procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 1842 (RJ) e por conexão as ADINS 1826, 1843 e 1906.

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142

os serviços seriam municipais quando prestados em âmbito estritamente local,

e deixariam de sê-lo se houvesse lei complementar estadual delimitando novo

espaço geográfico para seu provimento e atribuindo a titularidade ao Estado.

Defendem esta tese Geraldo Ataliba, Rosoléa Folgosi, Caio Tácito, Diogo de

Figueiredo Moreira Neto e Luís Roberto Barroso.

Por fim, destacamos a terceira corrente, liderada por Alaôr Caffé Alves,

que defende que a possibilidade de transferir a titularidade dos serviços para

os Estados-membros não depende da criação da região metropolitana por lei

complementar, mas de alterar as condições técnicas ou territoriais da

prestação do serviço. Este fato justifica a necessidade de tratá-los de maneira

mais abrangente, ou ainda de melhor preparar o governo para prestar

satisfatoriamente o serviço.

O raciocínio parte da premissa de que todos os entes federativos

titularizam, ao menos em teoria, competência comum em relação ao

provimento dos serviços de saneamento básico, conforme o art. 23, IX da Carta

Constitucional. Neste caso, os Estados-membros poderiam ser chamados a

exercer uma espécie de competência comum supletiva nos casos em que

existe interesse regional predominante.

Por outro lado, o Poder Judiciário recentemente decidiu, após 8 anos em

tramitação, a ADIN 1842 (RJ) seu posicionamento acerca da titularidade do

serviço. No dia 28/2/2013 foi julgada parcialmente procedente a Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADIN) 1842 (RJ) e por conexão as ADINS 1826, 1843 e

1906. Ainda não foi decidida a ADIN 2077 (BA) proposta pelo PT em face dos

dispositivos da Constituição da Bahia, por supostamente definirem

restritivamente o interesse local e outorgarem ao Estado a titularidade dos

serviços de saneamento básico.

Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes e

Teori Zavascki divergiram parcialmente dos votos de Nelson Jobim, Eros

Roberto Grau e Maurício Correia.

Em sua maioria, os ministros seguiram o voto de Ricardo Lewandowski,

que proferiu voto-vista na sessão de 28/2/2013, acolhendo os ensinamentos de

Alaôr Caffé Alves. Sua posição constata que nem o Estado, nem os Municípios

ostentam a condição de únicos titulares das funções públicas de interesse

comum, devendo ser esta competência compartilhada entre os membros dos

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143

dois níveis federativos, que juntos formam o ente regional.

O julgamento refletiu os votos de Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa.

Ambos defendiam um modelo de gestão metropolitana condicionada ao

compartilhamento do poder decisório entre o estado instituidor e os municípios

que os integram, sem a exigência de uma participação paritária relativamente a

qualquer um deles, desde que seja apta a prevenir a concentração do poder

decisório no âmbito de um único ente. A participação dos Municípios e dos

Estados deve ser estipulada em cada região metropolitana de acordo com suas

particularidades, sem permitir que um ente tenha predomínio absoluto em

relação ao outro.

A gestão compartilhada deverá ser feita por uma autarquia territorial,

intergovernamental e plurifuncional, com personalidade jurídica própria e

participação das entidades da sociedade civil, sem, no entanto, promover a

transferência integral do poder concedente aos Estados e Municípios.

Gilmar Mendes entende que o interesse comum tutelado pelas

aglomerações municipais não constitui apenas a soma das competências e

atribuições dos municípios formadores. A partir da conurbação, o

desatendimento de determinadas funções públicas pode afetar não só um

município, mas atingir situações além de suas fronteiras, principalmente

considerando os municípios limítrofes. Ou seja, a falta de determinado serviço

ou atividade que normalmente só diz respeito a uma única comunidade, pode

eventualmente prejudicar os vários municípios ao redor.

Dessa forma, a função pública do saneamento básico frequentemente

extrapola o interesse local e passa a ter natureza de interesse comum, apta a

ensejar a criação de regiões metropolitanas (art. 25, §3º, da Constituição

Federal), conforme explica o Ministro332:

A inadequação da prestação da função de saneamento básico em um único município pode inviabilizar todo o esforço coletivo e afetar vários municípios próximos. Assim, o interesse comum é muito mais que a soma de cada interesse local envolvido, pois a má condução da função de saneamento básico por apenas um Município pode colocar em risco todo o esforço do conjunto, além das conseqüências para a saúde pública de toda a região. A solução parece residir no reconhecimento de sistema semelhante aos Kreise alemães, em que o Agrupamento de municípios junto com o estado federado detenha a

332

Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.842. Voto do ministro Gilmar Mendes, em 3 abr.2008, p.40-41.

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144

titularidade e o poder concedente, ou seja, o colegiado formado pelos municípios mais o estado federado decida como integrar e atender adequadamente à função de saneamento básico.

Gilmar Mendes não entende que o serviço deva ser titularizado ou pelo

Estado ou pelo Município, pois o sentido do art. 25, § 3º demonstra a

necessidade de prestação integrada. Para ele, o exercício das funções

normativas diretivas e administrativas do novo ente deve ser compartilhado

com paridade entre o estado e os municípios envolvidos. No entanto, esta

entidade não pode ser autônoma em relação à administração municipal e

estadual, como uma quarta pessoa política, mas tão somente uma entidade na

qual se congregam os diversos responsáveis por garantir o funcionamento das

funções públicas de interesse comum na região metropolitana.

No entanto, a decisão não foi unânime e revelou no teor de vários votos

de ministros diferentes posições. A que predominou não atribuiu a titularidade

do serviço a nenhum ente político (nem ao Estado e nem ao Município), mas

aos dois que deverão compartilhar a gestão por meio de uma autarquia

intergovernamental.

O teor da decisão foi oposto ao voto do relator Maurício Correia, que

entendia que as autonomias dos Municípios integrantes das Regiões

Metropolitanas sofriam condicionamentos das conurbações urbanas, por existir

uma comunhão superior de interesses. O Estado, neste caso, assumiria a

responsabilidade pela adequada prestação dos serviços metropolitanos, com a

participação ativa dos Municípios como membros dos Conselhos Deliberativos.

Eros Roberto Grau participou do julgamento da ADIN (2077– BA) e

defendia a competência dos Municípios integrantes da Região Metropolitana

para prestar o serviço; o Estado apenas deverá por meio de lei complementar

integrar a organização e a execução dos interesses comuns. A prestação do

serviço será feita pelos Municípios diretamente ou por meio da administração

indireta ou até mesmo por concessão à empresa privada.

Por fim, reproduzimos os principais trechos do voto de Ricardo

Lewandowski, por orientar o voto dos demais ministros e consolidar o

posicionamento do julgamento da ADIN 1842, que deverá influenciar o

entendimento em relação ao julgamento da ADIN 2077.

Page 145: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

145

Segundo o Ministro, a titularidade das funções públicas de interesse

comum foi deferida aos Estados e Municípios, que deverão gerir o interesse

metropolitano qualificado na função saneamento básico, de forma

compartilhada. Tipificou a Região Metropolitana como uma autarquia territorial,

intergovernamental e plurifuncional, sem personalidade política. Trata-se de

gestão compartilhada (art. 25, §3º da Constituição Federal), entre os

Municípios e o Estado, que harmoniza, de um lado, a autonomia dos

municípios, e de outro, a coordenação exercida pelos Estados. O Ministro

confere destaca os arranjos institucionais de gestão compartilhada previstos na

Constituição do Estado de São Paulo, seus conselhos deliberativos e

mecanismos de participação popular.

De uma forma ou de outra, as posições da doutrina e da jurisprudência

convergem ao apresentarem três possibilidades de titularidade: do Município,

dos Estados ou ambos de forma compartilhada.

O conjunto de posições jurídicas firmadas pela doutrina e jurisprudência

influenciam a orientação jurídica sobre a titularidade do serviço público de

saneamento básico.

Nossa posição

Com relação à titularidade do interesse metropolitano, defendemos que

sua organização, planejamento e execução sejam atribuídos ao Estado-

membro, ao contrário do entendimento proferido na ADIN 1842 RJ que delega

a titularidade das funções à gestão compartilhada entre os Estados e

Municípios da Região Metropolitana.

Sabemos que as Regiões Metropolitanas são criadas pelos Estados,

que, por sua vez, são responsáveis por administrá-las por meio de pessoas

jurídicas de direito público, junto com órgãos colegiados vinculados às

Secretarias de Governo. Contudo, as leis que orientam o exercício das

competências administrativas são produzidas pela Assembleia Legislativa (art.

27 da Constituição Federal).

Desenvolveremos nossa posição a partir da organização da Região

Metropolitana de São Paulo, instituída pela Lei Complementar nº 1.139 de

2011.

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146

O governo do Estado de São Paulo (art.17) criou mediante lei

complementar uma autarquia para gerir as funções comuns da região. Como

ente da administração indireta, ela está vinculada à Secretaria de

Desenvolvimento Metropolitano (art. 17, §1º). Integram a autarquia os

Conselhos de Desenvolvimento (art. 5º §1º), Consultivo e as Câmaras

Temáticas, formados por representantes do Estado e dos Municípios da região.

A Administração Direta Estadual (Lei Complementar nº 1.139/2011) criou

pessoa jurídica de direito público vinculada à Secretaria de Desenvolvimento

Metropolitano do Estado de São Paulo, com autonomia administrativa e

financeira, mas integrada à Administração Pública Estadual.

Ademais, os Conselhos criados para funcionar junto à Autarquia são

órgãos colegiados, integrados por agentes do Estado e da Prefeitura, mas que

em última análise revelam a manifestação da vontade do Estado-membro, em

razão da teoria da imputação.

Por força desta teoria333, nos órgãos colegiados integrados por vários

agentes, as decisões são manifestadas coletivamente; suas deliberações são

atribuídas ao corpo deliberativo, e não a cada componente individualmente.

Assim, os Conselhos Consultivos e de Desenvolvimento que compõem a

autarquia manifestam a vontade por meio do Estado, mesmo originária de um

conjunto de agentes públicos municipais e estaduais, pessoa jurídica integrada

à estrutura administrativa do Estado-membro334.

2.3 Exercício das competências administrativas e legislativas na organização, planejamento e execução das funções públicas de interesse comum

A Região metropolitana não constitui uma entidade política. Por ser

considerada fato jurídico, a figura regional não exerce competência federativa.

No entanto, a doutrina e a jurisprudência ao interpretarem a Constituição

Federal, identificam o ente federado responsável por titularizar o interesse

metropolitano. Assim, a partir de cada posição, explicaremos como o ente

333

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed.São Paulo: Atlas, 2013, p.579. 334

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.145.

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147

responsável pela execução das funções comuns exercerá suas competências

constitucionais.

Se adotarmos a primeira corrente – para a qual os interesses

metropolitanos são na realidade intermunicipais – verificaremos que os poderes

executivo e legislativo do Município serão responsáveis pelo exercício das

funções públicas de interesse comum. Ao Estado competirá apenas criar por lei

complementar as figuras regionais; os municípios produzirão as leis e aplicarão

suas deliberações para gerir os interesses metropolitanos.

Por outro lado, se adotarmos a posição de Caio Tácito335, que defende

que o Estado poderá avocar as competências do município, na hipótese de

criação de Regiões Metropolitanas para integrar funções públicas de interesse

comum, defenderemos que competirá aos Estados exercer competências

administrativas e legislativas. O autor entende que a região metropolitana é

apenas uma área administrativa de serviços especiais, cuja administração

poderá ser atribuída a uma pessoa administrativa autárquica ou paraestatal, ou

a órgão da administração direta estadual.

Partindo de premissas distintas, Pedro Estevam Serrano, Sérgio Ferraz

e Eurico de Andrade Azevedo entendem que compete aos Estados as

atribuições administrativas e legislativas para realizar funções públicas de

interesse comum.

Por fim, os posicionamentos de Alaôr Caffé Alves e José Afonso da Silva

que entendem que os interesses metropolitanos serão geridos com a

participação dos Estados e Municípios.

Neste item, explicitaremos como cada autor interpreta o exercício das

competências administrativas e legislativas na organização, planejamento e

execução das funções públicas de interesse comum. Destacaremos as

posições de Pedro Estevam Serrano e Alaôr Caffé Alves que lideram as

discussões sobre o tema.

Os autores que entendem que a competência federativa para as

questões metropolitanas é atribuída ao Estado – como Pedro Estevam

Serrano, Eurico de Andrade Azevedo e Sérgio Ferraz – embora em realidades

335

TÁCITO, Caio. Saneamento Básico – Região Metropolitana – Competência Estadual. Revista de Direito Administrativo nº 242. out-dez. Rio de Janeiro, 2005, p.345.

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148

jurídicas distintas336, sustentam que o Estado é competente para fixar as

diretrizes políticas e governamentais da região metropolitana, ainda que

admitam ao Município participar da execução das funções.

Eurico de Andrade Azevedo337 acrescenta a Lei Complementar nº 14/1973 ao

atribuir ao Estado a organização do sistema federativo metropolitano, com dois

Conselhos atuando como órgão deliberativo e outro como consultivo e a

participação de representantes dos Municípios338.

Trilhando o mesmo entendimento de Sérgio Ferraz e acrescentando

observações, Pedro Estevam Serrano339 entende que o art. 25, §3º da

Constituição Federal atribui ao Estado forma de exercício de competência, que

pode ser realizada unicamente pelos Estados ou em parceria com os

Municípios integrantes da Região. Trata-se de cláusula de exercício de

competência por parte do Estado-membro.

Por sua vez, Alaôr Caffé Alves, dos estudos à luz da Constituição de

1967, às reflexões após a Constituição Federal de 1988, sempre entendeu que

o interesse metropolitano não é privativo do Município, do Estado ou da União,

mas refere-se a todos os interesses ao mesmo tempo, como uma legislação

condominial340. Para o autor da expressão, o interesse metropolitano é uma

parcela dos respectivos interesses das unidades político-administrativas

envolvidas na promoção e execução dos serviços comuns.

Neste sentido, as competências administrativas e legislativas que

traduzem a gestão dos interesses metropolitanos são baseadas nas

competências comuns e concorrentes (supletivas, complementares e

336

Sérgio Ferraz e Eurico de Andrade Azevedo contribuíram com a reflexão sobre o tema na década de 70, enquanto Pedro Estevam Serrano aprofundou seus estudos por conta de seu doutorado em 2009. 337

AZEVEDO, Eurico de Andrade. Regiões Metropolitanas no Brasil e seu Regime Jurídico. In: Estudos sobre o amanhã – Regiões Metropolitanas. Caderno nº 1. Coedição Instituto Metropolitano de Estudos e Pesquisas Aplicadas da FMU (Imepa). São Paulo: Resenha Universitária, 1978, p.132-133. 338

Art. 2º, §1º, §2º; Art.3º, I, II, parágrafo único; Art. 4º, I, II. 339

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto.Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.164. 340

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 40-41; ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.318. O leitor deverá fazer uma interpretação histórica levando em conta que ao citar a União o autor dizia respeito à Constituição Federal de 1967 que atribuía à União a responsabilidade pela criação das Regiões Metropolitanas, realidade que a Constituição Federal de 1988 alterou atribuindo aos Estados referida competência.

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149

cumulativas) e incluem órgãos ou autarquias governamentais que envolvem os

Municípios e os Estados no tratamento conjunto das questões341:

As funções públicas de interesse comum pressupõem integração entre (níveis de) governos que, além de plenamente autônomos em determinadas matérias (federalismo clássico), são relativamente autônomos em outras (federalismo de integração), cujo quadro legislativo somente pode ser exercido mediante competências comuns e concorrentes (supletivas, complementares e cumulativas). As funções públicas de interesse comum a serem exercidas a nível metropolitano incluem atividades operacionais de normatização, planejamento, programação, coordenação, controle, fiscalização e execução, reclamando a existência de agências públicas intergovernamentais e plurifuncionais que propiciem o tratamento unificado de tais funções.

Para o autor, o sistema não é estanque ou compartimentado, baseado

apenas na ênfase do interesse predominante, nacional, regional ou municipal.

Ainda que o constituinte tenha atribuído competências privativas a cada ente

federado, em razão de fenômenos socioeconômicos advindos das realidades

de conurbação urbana, justificam a previsão de competências que permitem a

cooperação normativa e administrativa de outros entes federativos. Alaôr

Caffé342 denomina o quadro atual de divisão de competências da Constituição

de ‘federalismo de integração’343. Trata-se de uma forma de repartição de

competências que deve integrar os interesses nacionais, estaduais e

municipais.

Pelo fato da região metropolitana ser ente de caráter administrativo,

suas normas não são impostas aos Municípios. Na realidade, sua organização

comporta gestão intergovernamental, com poderes administrativos. Assim, as

normas impostas aos Municípios com relação às funções públicas de interesse

comum, são originárias do Poder Legislativo Estadual, cabendo, aos

Municípios, no âmbito das competências comuns e concorrentes, suplementá-

las no que couber, através da câmara municipal.

341

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do estado brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.40-41. 342

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.14. Neste artigo, o autor afirma que no Brasil o tipo de federalismo da Constituição de 1988 é o de Integração.“Desse modo, no Brasil, vigora atualmente um quadro de competências constitucionais cuja distribuição caracteriza o federalismo de integração, sucessor do federalismo de cooperação, ambos contrários ao federalismo dualista, de caráter rígido e tradicional, onde dominavam as competências exclusivas”. 343

Verificamos que a Constituição Federal de 1988 adotou o federalismo cooperativo na modalidade equilíbrio e não integração, conforme adotado na Constituição anterior.

Page 150: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

150

O autor aprofunda o exercício de competências legislativas, nos campos

do exercício do serviço público e do poder de polícia344. O autor admite

existirem serviços que, por sua natureza, exigem prestação unificada para

serem implementados e operacionalizados. No entanto, mesmo atribuída a

atuação normativa para apenas um ente, no caso o Estado, não significa que

os Municípios serão excluídos das deliberações administrativas tomadas pelo

Estado-membro345. Mas, se estivermos diante do exercício do poder de polícia

referente ao uso do solo metropolitano que não reclama unidade quanto ao

ente político responsável por sua execução, compete aos Estados e Municípios

executar as competências legislativas de forma concorrente e do ponto de vista

administrativo, de forma comum. Reproduzimos as observações do autor

elaboradas à luz da Constituição de 1967, alteradas pela Constituição de

1969346:

Há, entretanto, serviços comuns que não prescindem da composição ativa de múltiplas unidades político-administrativas, horizontal e verticalmente consideradas. Nesta hipótese, a produção legislativa a respeito daqueles serviços deve pressupor um sistema de competências concorrentes, de natureza complementar ou suplementar. Isto porque determinadas normas e medidas gerais estabelecidas em nível federal ou estadual exigem, para sua plena eficácia, a necessária especificação e concretização em nível municipal. São os casos, por exemplo, de medidas e diretrizes do plano metropolitano em relação aos planos locais e de normas de controle de uso do solo metropolitano em relação a normas de ordenamento espacial de nível local. Pode-se, também incluir nessa mesma linha atividade normativa e o controle relativos à preservação do meio ambiente. [...] Quanto aos serviços comuns que mais se caracterizam como atividades estatais calcadas diretamente na lei e na forma dela, relativos aos condicionamentos do exercício da propriedade urbana a fim de compatibilizá-lo como o bem estar social,

344

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.170-171. 345

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.170: “Há serviços comuns que pela natureza de sua implantação e operação exigem prestação unificada, como o concurso da atuação normativa de apenas um ente político. Isso não significa que sua execução ou suas decisões administrativas a eles pertinentes devam excluir a participação de outros entes políticos interessados. São os casos, por exemplo, do tratamento e disposição final do lixo e da operação do sistema metropolitano de transportes de massa. [...] De modo geral, conclui-se que os serviços comuns de interesse metropolitano, relativos à prestação de utilidades e comodidades aos administrados, ou que viabilizem aquela prestação, ficam na órbita da competência privativa do Estado. A esses serviços comuns, porque exigem prestação unificada, convém o regime jurídico que lhes defina um único titular para os efeitos de sua outorga ou delegação, tendo em vista a quase inevitável descentralização para realizá-los. Esse regime, entretanto, como já dissemos, não impede que os outros entes políticos interessados (União e Municípios) tenham participação no planejamento e gestão executiva daqueles serviços. Assim, tais serviços comuns, de caráter regional, devem transcender, quanto ao aspecto jurídico, a esfera local e serem incluídos no âmbito de competência privativa do nível político-administrativo mais imediato, o Estado, de modo a assegurar sua prestação unificada, sob regime legal centralizado”. 346

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.170.

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151

cumpre salientar a necessidade da participação, conjunta ou isoladamente, de todos os entes políticos, União, Estados e Município, não só em relação ao controle e fiscalização das atividades e funções urbanas, mas também na produção legislativa indispensável àquele desiderato. Neste caso, ao Estado e ao Município metropolitano, em particular, devem caber capacidades de produção normativa que estejam mutuamente condicionadas, de modo complementar ou suplementar.

O mesmo entendimento pode ser transportado para a Constituição

Federal de 1988, se tomarmos como base as competências comuns do art. 23

e as concorrentes do art. 24, 30, II e VIII no que tange ao uso e ocupação do

solo urbano.

O autor conclui347 classificando a competência do Estado de forma

peculiar, privativa, mas não exclusiva, uma vez que está obrigado a tolerar o

exercício da competência complementar (regulamentar) ou supletiva, por parte

dos Municípios em matéria de interesse metropolitano. Há, portanto, a

ingerência nos assuntos metropolitanos das Assembleias Legislativas

Estaduais e a Câmara dos Vereadores dos Municípios.

A discussão ganhou fôlego com a obra de Rafael Augusto Silva

Domingues348, ao tratar do exercício das competências quando Estados e

Municípios ingressam em Regiões Metropolitanas.

O autor questiona quem seria o ente federado responsável pelo

exercício das competências legislativas e administrativas no trato dos

interesses metropolitanos. De imediato afasta a ideia imprópria adotada por

algumas Constituições Estaduais ao referir-se à Assembleia Metropolitana,

como citada pela Constituição de Minas Gerais e Lei Complementar

nº88/2006349. Pelo fato das Regiões Metropolitanas não serem entes políticos,

só cabe referirmos às Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais quando

estivermos diante dos entes políticos Estados e Municípios350.

O autor critica Alaôr Caffé Alves para quem os Estados e Municípios

atuam de forma colaborativa no exercício das funções comuns, de forma que

347

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Bushatsky, 1981, p.320. 348

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.164-171. 349

Lei Complementar 88/2006. Art.46, I, § 1°, I, II, §2°. 350

Art. 46, §1º, da Constituição do Estado de Minas Gerais. Ao refletirmos sobre as Assembleias Metropolitanas só vislumbramos sua constitucionalidade se forem enquadradas como órgão colegiado de decisão superior, que conta com representantes do Estado e do Município no âmbito do Poder Executivo Estadual.

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152

os Municípios necessariamente deverão participar junto com os Estados no

planejamento, organização e execução dos interesses metropolitanos. Na sua

visão, a interdependência entre os dois entes políticos poderá provocar uma

“amarração351”de todo o processo de exercício de competências

metropolitanas, que poderá gerar omissões nas atuações de cada ente

envolvido.

O temor da omissão reside nos casos de disputa, impasse ou

divergência de entendimento entre os envolvidos. Neste caso, o autor entende

que a decisão final dos conflitos sempre caberá ao Estado-membro (art. 25, §3º

da Constituição Federal) responsável pela instituição da Região Metropolitana.

A argumentação do autor parte da premissa de que o legislador

constituinte previu entre os entes federados hipóteses de consenso, ao tratar

das normas de cooperação (art. 23) e dos consórcios e convênios (art. 241).

No entanto, a própria Carta Magna relativiza as hipóteses de consenso e prevê

a predominância do interesse Estadual ao se referir ao art. 25, §3º. A

interpretação faz sentido se entendermos que o dispositivo das regiões

metropolitanas não teria razão de ser, caso tratasse do mesmo conteúdo dos

outros mandamentos constitucionais.

Do ponto de vista do exercício das competências legislativas na

administração das funções públicas comuns, o autor utiliza o pensamento de

José Afonso da Silva352. Cabe aos Estados não apenas suplementar as normas

federais, mas também fixar normas específicas de efeitos diretos e concretos

intraurbanas. Os Estados poderão esmiuçar e tratar exaustivamente os

interesses metropolitanos, sem se preocupar com o interesse local, que ao final

deixará espaço para a primazia do interesse regional, na hipótese do Estado

criar por Lei Complementar a Região Metropolitana.

Assim, ao exercer competências suplementares nas regiões

metropolitanas, o Estado também não encontrará limites no interesse local dos

Municípios, competindo a eles apenas suplementar a legislação estadual, no

que for de interesse local (art. 30, II, da Constituição Federal)353:

351

Termo utilizado pelo autor. In: DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.166. 352

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.127. 353

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.170-171.

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153

Quando estivermos diante de um interesse estritamente local, a competência dos Municípios continuará constituindo um obstáculo intransponível para os Estados-membros. Contudo, diante de um interesse metropolitano, este obstáculo não mais existirá, podendo os Estados-membros legislar plenamente, “esgotando” a matéria urbanística que envolve a metrópole, restando aos Municípiosa possibilidade de suplementação desta legislação estadual, sem olvidar, é claro, da necessidade de se “ouvir” os Municípios. Em suma, as decisões devem ser compartilhadas, mas, não havendo consenso, a decisão final, segundo o nosso entendimento, é atribuída ao respectivo Estado-membro.

Nossa posição

A partir das premissas já fixadas, desenvolveremos nossa posição sobre

o exercício das competências administrativas e legislativas nas Regiões

Metropolitanas com base nas legislações do Estado de São Paulo e Minas

Gerais.

O ente federativo responsável, em última análise, pela tutela do

interesse metropolitano é o Estado-membro, ainda que possa contar no espírito

do federalismo de equilíbrio com a colaboração dos Municípios.

As leis estaduais em geral, sobretudo, do Estado de São Paulo, ao

disciplinarem o sistema de gestão metropolitana determinam que no Poder

Executivo Estadual, os Conselhos Deliberativos e Consultivos que funcionem

junto à Autarquia e à Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano, respeitem

a vontade dos Municípios ao definirem os seus interesses e elaborarem os

planos metropolitanos.

De acordo com os arts. 6º, 7º e 9º da Lei Complementar nº 1.139/2011,

compete ao Conselho de Desenvolvimento deliberar sobre planos, projetos,

programas, serviços e obras na Região Metropolitana de São Paulo.

O Conselho será formado por integrantes do Município e do Estado. A lei

exige a participação paritária do conjunto de municípios da Região em relação

ao Estado. Assim, se houver diferença de número entre os representantes do

Estado e dos Municípios, os votos serão ponderados, de maneira que, no

conjunto, tanto os votos do Estado, como os dos Municípios, correspondam,

respectivamente, a 50% da votação.

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154

Na hipótese de empate (art.10, §2º), serão realizadas até três novas

reuniões. Persistindo, a matéria será submetida à audiência pública e voltará à

apreciação do Conselho Deliberativo para uma nova deliberação.

Se ainda assim permanecer o empate, a matéria

será arquivada e não pode ser proposta no mesmo exercício, salvo se

apresentada por 1/3 (um terço) dos membros do Conselho de Desenvolvimento

ou por iniciativa popular, subscrita, no mínimo, por 0,5% do eleitorado da

Região (art. 10, §3º).

Por sua vez, compete ao Conselho Consultivo (art.15) elaborar

propostas representativas da sociedade civil, dos Poderes Executivo Estadual,

Executivo Municipal, Legislativo Estadual e Legislativo dos Municípios que

integram a Região Metropolitana de São Paulo, a serem submetidas à

deliberação do Conselho de Desenvolvimento.

Ainda que os Estados e Municípios atuem com sua própria

representatividade no Poder Executivo, deliberando sobre assuntos

metropolitanos, não devemos esquecer que referidas matérias serão

submetidas ao crivo do Poder Legislativo Estadual, responsável, em última

análise pela tutela do interesse metropolitano. Neste sentido, ainda persiste a

seguinte indagação: As deliberações formuladas em conjunto entre Estados e

Municípios no âmbito do Poder Executivo são obrigatórias?

A resposta depende da correta aplicação das competências comuns e

concorrentes constitucionais.

Lembremos que o campo de atuação dos Estados nas regiões

metropolitanas é cooperativo. Já verificamos que o exercício de competências

administrativas do art. 23 da Carta Magna depende da atuação legislativa. Em

certas matérias, da conjugação específica com o art. 24, como no caso da

matéria urbanística.

Desta forma, os Estados-membros, no exercício de matérias

urbanísticas, dentre elas, o planejamento urbano, devem respeitar as normas

gerais da União e dependendo da corrente adotada (ampliativa ou restritiva) as

normas específicas do Município. A União edita as normas gerais e o Estado,

ao exercer suas competências suplementares, a depender do entendimento

doutrinário poderá ter atuação ampla (editar normas respeitando apenas as

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155

diretrizes da União) ou limitada (observar as normas gerais da União e as

locais do Município).

Em razão disto, examinaremos como ocorre o exercício de

competências do Estado nas regiões metropolitanas.

Utilizaremos o pensamento de Rafael Augusto Silva Domingues372 ao

defender que os municípios podem participar da execução das funções

públicas de interesse comum (no âmbito dos órgãos executivos), mas a

decisão final deve ser atribuída aos Estados-membros, de acordo com a

competência concorrente, no sentido ampliativo, pensamento que adotamos

nesta tese373:

Mas e quais são os limites da competência dos Estados-membros? A interpretação mais coerente, no nosso entender, é a de que se trata de uma competência especial, similar, se não igual, à competência concorrente com os contornos traçados pela “corrente ampliativa”, ou seja, em que a competência municipal não representa uma ameaça aos Estados-membros. Aqui, na região metropolitana, a União continua detendo a competência para estabelecer normas gerais, mas os Estados-membros passam a poder não só suplementar a legislação federal, como também, e esta é a diferença, fixar normas específicas de “efeitos diretos e concretos intraurbanas”. Em outras palavras, os Estados-membros podem observadas as normas gerais federais, “esgotar” a matéria urbanística na região metropolitana, sem se preocupar com o interesse local, que afinal cederá lugar a um interesse metropolitano.

Entretanto, apesar de adotarmos a corrente ampliativa, diante do

interesse metropolitano, não concordamos com a amplitude atribuída pela

doutrina quanto aos limites da atuação do Estado ao disciplinar os espaços

habitáveis nas regiões metropolitanas.

Entendemos que o interesse local acaba sendo condicionado face ao

interesse metropolitano.

Ainda que o interesse metropolitano seja titularizado pelo Estado,

acolhemos moderadamente a corrente de Rafael Augusto Silva Domingues.

Toda vez que o Estado-membro exercer qualquer tipo de competência

no campo do interesse metropolitano, sobretudo, de cunho urbanístico, deverá

respeitar o núcleo essencial das competências municipais (art. 30, e 182, §1º,

da Constituição Federal).

372

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.168. 373

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.168.

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156

Consequentemente, no campo do direito urbanístico, tema afeto à nossa

tese, por se tratar de competência concorrente, quando estivermos diante da

realidade metropolitana, por envolver interesse regional, prevalecerá a atuação

do Estado, sem invasãoà autonomia municipal.

Então, o que restará de atuação aos Municípios nas regiões

metropolitanas? Em razão de sua autonomia, por participarem da competência

suplementar, deverão complementar a legislação do Estado, quanto ao

interesse local (art.30, II, da Constituição Federal) ou criar normas jurídicas

específicas, na hipótese de não existirem normas estaduais.

2.4 Interfaces entre os interesses local e metropolitano: limites da autonomia municipal

Até agora, analisamos o interesse metropolitano, relacionado às Regiões

Metropolitanas, que não são dotadas de autonomia política, por não serem

entidades políticas federativas, ou seja, não terem capacidade para editar suas

leis e aplicá-las ao caso concreto.

Por outro lado, pelo fato das Regiões Metropolitanas serem compostas

por Estados e Municípios, duas entidades políticas com interesses distintos,

importante compreendermos as íntimas relações entre os interesses, tendo em

vista a preservação ou eventual limitação da autonomia municipal.

As Regiões Metropolitanas têm estruturas administrativas capazes de

gerir os interesses metropolitanos pelas entidades municipais, estaduais ou até

pelos Estados e Municípios, a depender da corrente adotada.

Notamos ainda que cada uma das figuras regionais, independentemente

da tipologia374, é formada por Municípios, reunidos entre si por vínculos

compulsórios instituídos por Lei Complementar Estadual. Verificamos

imediatamente as interfaces entre os interesses metropolitanos e locais, e

possíveis conflitos que poderão surgir destas relações. A grande controvérsia

doutrinária depende da corrente adotada acerca da titularidade das funções

comuns e diz respeito às condições para os Municípios que integram as

regiões metropolitanas exercerem sua autonomia política.

374

Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões (art. 25, §3º).

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157

Citemos como exemplo as medidas de restrição de circulação de

caminhões, caracterizada como uma função pública de interesse comum.

Por força do art. 23, I da Lei Federal nº 12.587 de 3/1/2012, os entes

federativos poderão utilizar, dentre outros instrumentos de gestão do sistema

de transporte e da mobilidade urbana, restrição e controle de acesso e

circulação de veículos motorizados em locais e horários predeterminados. O

Município de São Paulo adotou medidas restritivas de circulação de caminhões

em marginais em determinados horários do dia. Da mesma forma, os

Municípios que integram o Consórcio do ABC375 debatem a adoção das

medidas como forma de mitigar os impactos provocados pelos veículos e

cargas transportadas no que diz respeito à mobilidade das cidades.

Ressaltamos que os reflexos da medida extrapolam o âmbito municipal. Por

vezes, a restrição na marginal de São Paulo gera problemas de circulação em

vias públicas do Município de Diadema e Guarulhos. Isto significa que a

restrição de veículos de carga pesada é um problema metropolitano.

Em razão dos interesses metropolitanos envolvidos, em 10 de maio de

2012, o Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de São Paulo

criou a Câmara Temática376 para debater o tema envolvendo soluções para a

manutenção do caminho mais viável e manter o abastecimento e a prestação

de serviços às cidades, através da circulação de caminhões, sem comprometer

a mobilidade das vias públicas. O problema tem dimensões metropolitanas,

uma vez que cada prefeitura isoladamente não resolve os problemas que

geram impactos no trânsito dos 39 municípios da região. O intuito é elaborar

uma regulamentação unificada que considere todo o sistema de transporte

incluindo rodoanel, ferrovia e hidrovia.

Os Municípios isoladamente não são capazes de solucionar a questão: é

necessário adotar a administração integrada pela autoridade regional e verificar

de que forma as soluções adotadas por um órgão metropolitano prevalecem ou

devem ser obedecidas pelos Municípios integrantes de cada região. Trata-se

de uma interface entre os interesses metropolitanos e a autonomia dos

municípios, considerando a titularidade dos interesses.

375

Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. 376

Lei Estadual nº 1.139/2011, Art.5º; Constituição do Estado de São Paulo (art.154); Lei Complementar 760/1994, Art.7º.

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158

Acrescentamos ainda o tema que envolve o exercício da autonomia

municipal em relação à realidade regional, ou seja, a existência de vínculo

compulsório entre os municípios integrantes da região metropolitana.

Abordaremos as principais correntes doutrinárias e propostas apontando

a manutenção ou a redução da autonomia municipal diante da realidade

metropolitana. Ao final, identificaremos as premissas necessárias para

formularmos nossa posição.

2.4.1 Natureza jurídica dos vínculos regionais

Com relação à adesão voluntária ou compulsória dos Municípios junto às

Regiões Metropolitanas e seus reflexos relativos à preservação da autonomia

municipal, há duas correntes.

De um lado, defendendo a preservação absoluta da autonomia

municipal, através da adesão voluntária dos Municípios junto às Regiões

Metropolitanas, encontramos a doutrina de Íris Araújo Silva e Geraldo

Ataliba377.

Em 1981, Iris Araújo Silva378, sob a égide da Constituição Federal de

1967, emendada em 1969, criticou o relacionamento compulsório entre os

Estados e Municípios no âmbito das Regiões Metropolitanas.

Segundo ela, dois argumentos sustentados pela doutrina majoritária

deveriam ser desconsiderados, justamente, por não preservarem a autonomia

dos municípios. O primeiro diz respeito ao teor do art. 164 da Emenda

Constitucional nº1 somado à Lei Complementar nº 14/1973, ao estabelecer o

relacionamento compulsório entre os Municípios de regiões metropolitanas. O

segundo refere-se à competência do Estado para prestar serviços comuns,

denominados interesses metropolitanos.

A autora afastava o vínculo compulsório (art.164 da Emenda

Constitucional nº1), por amesquinhar a autonomia política dos Municípios.

Segundo ela, as relações entre os membros da federação só poderiam ocorrer

377

ATALIBA, Geraldo. Lei Complementar na Constituição. São Paulo: RT, 1971, p.93. 378

SILVA, Iris Araújo. As Regiões Metropolitanas e a Autonomia Municipal- Revista Brasileira de Estudos Políticos nº35(RBEP). Universidade Federal de Minas Gerais, 1981, p.99.

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159

de forma conveniada, por meio de consórcios, ajustes, vínculos voluntários

denunciáveis pelas partes do acordo a qualquer tempo.

Com base na Constituição Federal de 1969, a autora enfatizava que o

art. 164 localizava-se no título constitucional da ordem econômica e social,

caracterizado por disposições de conteúdo programático, sem cunho proibitivo

ou impeditivo. Assim, não seria sustentável juridicamente a existência de

vínculos compulsórios entre os integrantes de região metropolitana, sob pena

de criar exceções não previstas na Carta Magna ao princípio jurídico da

autonomia municipal.

Por outro lado, defendendo o vínculo compulsório entre os Municípios

integrantes da Região Metropolitana379, destacamos alguns acórdãos do STF e

a posição de Sérgio Ferraz, Alaôr Caffé Alves, Luis Roberto Barroso380, Eros

Roberto Grau e Pedro Estevam Serrano.

É característica das figuras regionais a união dos Municípios junto ao

Estado por Lei Complementar e vínculo compulsório. Compete ao Estado,

independentemente da vontade dos municípios, presentes os pressupostos

técnicos, instituir as figuras regionais. Este entendimento foi corroborado por

dois acórdãos julgados pelo STF. O primeiro trata da ADIN 796-3 do Espírito

Santo, e o segundo, da ADIN 1841-9 do Rio de Janeiro. No primeiro caso, não

foi considerada constitucional a previsão da Constituição do Estado do Espírito

Santo que determinava a anuência dos municípios em relação ao ingresso de

regiões metropolitanas, por meio do plebiscito. No segundo caso, o STF

considerou inconstitucional a previsão da Constituição do Rio de Janeiro que

determinava a concordância prévia dos Municípios com relação à formação das

Regiões Metropolitanas. Nos dois acórdãos, ficou decidido que o art. 25, §3º da

Constituição Federal previu competência privativa dos Estados para disciplinar

379

Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões (art. 25, §3º da CF). 380

BARROSO, Luís Roberto. Saneamento Básico: competências constitucionais da União, Estados e Municípios. Revista de Informação Legislativa nº153, jan-mar. Brasília, 2002, p.263.: “Tanto é assim que o entendimento da doutrina é o de que a associação à região metropolitana é compulsória para os Municípios. Ou seja: editada a lei instituidora da região metropolitana, atualmente, nos termos do art. 25, §3º, da Constituição uma lei complementar estadual, não podem os Municípios insurgir contra ela. E isso porque o elemento local, particular, não pode prejudicar o interesse comum, geral; se a associação não fosse compulsória, faleceria a utilidade da instituição da região metropolitana para o atendimento do interesse público regional de forma mais eficiente. Toda a população da região seria prejudicada pela ação ilegítima da autoridade local, mesmo porque, a essa altura, os serviços em questão não podem mais ser considerados como de predominante interesse local. Essa é a opinião, entre muitos outros, de Alaôr Caffé Alves, Diogo de Figueiredo Moreira Neto e Sérgio Ferraz”.

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160

Regiões Metropolitanas, sem que os Municípios manifestassem sua vontade

com relação à formação da região.

Deste modo, à luz da Constituição de 1967, e com a Emenda nº 1 de

1969, já entendia Sérgio Ferraz381 que o vínculo compulsório não reduzia a

autonomia municipal. Assim, o Município não poderia desrespeitar as

competências do Estado, em nome do interesse local. Por outro lado, a

participação dos Municípios seria garantida, ainda que o serviço comum fosse

executado pelos Estados.

Eros Roberto Grau382 admitia que os Municípios, em função de sua

autonomia política, poderiam optar por celebrar convênios diante dos

interesses locais serem comuns a diversos municípios, sobretudo, pela relação

de vizinhança383.

A principal característica deste tipo de vínculo consorcial, segundo o

doutrinador, diz respeito ao caráter voluntário, denunciável por qualquer dos

convenentes ou associados, em qualquer tempo384. Além disto, os consórcios

são utilizados para organizar interesses imediatos de todos os associados,

exauridos em curto prazo.

No entanto, ao tratar da possibilidade dos municípios associarem-se

entre si e com os Estados para realizar interesses metropolitanos, o jurista

defende a natureza compulsória, obrigatória do vínculo entre os entes

envolvidos. A razão da diferenciação proposta diz respeito à natureza da

execução e planejamento da atividade metropolitana, envolvendo

planejamento, controle e coordenação de interesses comuns, que por vezes

não acarreta benefícios comuns. A duração será no mínimo de médio a longo

prazo. Assim, não se justifica um vínculo inseguro, desfeito a qualquer tempo,

diante de qualquer discordância entre os entes envolvidos. Ao contrário, são

necessárias obrigações recíprocas, pois se houver discrepâncias entre os

381

FERRAZ, Sérgio. Regiões Metropolitanas no Direito Brasileiro. Revista de Direito Público (RDP) nº 37/38, ano VII. São Paulo: RT, 1976, p.22-23. 382

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.99-102. 383

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.101. 384

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.102.:“O relacionamento que se estabelece entre as unidades político-administrativas que delas participam não é compulsório, podendo deixar de existir a qualquer momento, como conseqüência de simples ato discricionário, não vinculado, portanto, de qualquer delas”.

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161

envolvidos, será possível aproximar ideais e esforços das unidades, superar

obstáculos e gerar a busca permanente por soluções comuns385.

Com base na Constituição Federal de 1969, o autor já identificava o

vínculo compulsório entre os Municípios da Região Metropolitana, contrapondo-

o às relações consorciais estabelecidas entre os Municípios para a execução

de serviços comuns entre os Municípios vizinhos386.

Corroborando o mesmo entendimento de Eros Grau, Alaôr Caffé

Alves387interpreta o art. 25, §3º da Constituição Federal, entendendo que a

integração dos Municípios constituída por Lei Complementar será compulsória

para fins das funções públicas de interesse comum, impede que o Município

retire-se do complexo regional, devendo submeter-se às condições regionais

para executar funções públicas de interesse comum. A compulsoriedade da

relação regional, segundo o doutrinador, define os limites da autonomia

municipal no âmbito metropolitano. É por isto que ao tratarmos das interfaces

entre a autonomia municipal e as figuras regionais, abordaremos a natureza

jurídica deste vínculo.

Assim como Eros Grau, o autor entende que as regiões metropolitanas

não se sustentam por modelos consorciais, mas apenas com vínculos

compulsórios entre os municípios integrantes, em razão da realidade limítrofe

estabelecida entre os municípios conurbados, que impede a discordância ou o

isolamento de um município participante da região388:

Nesta mesma linha, tira-se que o referido dispositivo do art. 25, §3º, da Constituição Federal, acima mencionado, não compreende a instituição de associações voluntárias, mediante convênios, para a realização do planejamento e execução das funções públicas de interesse comum. Se assim fosse concebido, então a região metropolitana teria base bastante frágil, uma vez que qualquer dos partícipes não estaria constrangido a manter essa relação, podendo sair da mesma quando bem entendesse, o que implicaria na desconstituição da própria região metropolitana. Imagine-se esta ação voluntária em um núcleo urbano-regional, onde o Município

385

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p. 102. 386

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.102. 387

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. v.3. ano II. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.18-19. 388

ALVES, Alaôr Caffé.Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. ano II. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.22-23.

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162

rebelde estivesse em seu interior, rompendo-se o princípio segundo o qual os Municípios metropolitanos devem ser limítrofes. Neste caso, haveria vazios dentro da região metropolitana, constituídos por comunidades que viesse a aderir ou que viessem a denunciar o convênio em algum momento de sua existência. Não parece ser esse o pensamento do legislador constituinte, motivo pelo qual transportou o referido dispositivo para o capítulo da organização do Estado brasileiro. Na verdade, o poder constituinte inaugurou uma nova figura em nossa federação, constituída por ente público administrativo regional, de caráter territorial e intergovernamental, sem força legislativa, mas com estrutura suficiente para garantir a integração indispensável ao tratamento das funções públicas de interesse comum.

Segundo o autor, a lei não contém palavras inúteis. Caso o art. 25, §3º,

da Carta Magna, fosse interpretado apenas como uma previsão de relação

voluntária entre os Municípios e os Estados metropolitanos, nada

acrescentaria, pois já teria sido disposto no art. 241.

Qual, então, o fundamento jurídico que justifica o vínculo compulsório

para Alaôr Caffé Alves? O interesse regional metropolitano constitui parcela

dos respectivos interesses dos municípios integrantes do vínculo. Cabe aos

Estados e Municípios planejar funções através das Assembleias Legislativas e

Câmaras dos Vereadores e a execução pelos poderes executivos

correspondentes.

Assim, em razão do planejamento, execução e organização dos

interesses metropolitanos pelos Estados e Municípios, qual a característica do

vínculo compulsório existente em face da autonomia municipal? O vínculo não

limita a autonomia municipal, ao contrário, fortalece-o, pois o Estado não

poderá impedir a participação dos Municípios metropolitanos na gestão

metropolitana. Por outro lado, em nome da autonomia, os municípios poderão

até se negar a participar da gestão das funções públicas comuns, mas terão

que suportar as intervenções do Estado-membro. Há uma escolha exercitável

pelo Município389.

Pedro Estevam Alves Pinto Serrano390 prevê como requisito para criação

válida da Região Metropolitana o vínculo compulsório entre os Estados e

Municípios integrantes das Regiões Metropolitanas. Do mesmo modo que os

389

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. ano II. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.24-25. 390

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.170-171.

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163

outros autores, ao estabelecerem as relações entre os Consórcios e Convênios

e as Regiões Metropolitanas, admite que as primeiras relações são formadas

por vínculos voluntários, e as figuras regionais, por vínculos compulsórios391.

Enfatiza392 que o vínculo compulsório preserva a autonomia municipal,

na hipótese da lei complementar instituidora da figura regional, pois não retira

indevidamente competência dos municípios transferindo à Região

Metropolitana. Assim, o Estado não pode avocar para si competências

administrativas dos municípios sob pena de ingerência indevida na autonomia

municipal.

Por fim, destacamos Rafael Augusto Silva Domingues393, que a despeito

de caracterizar a relação metropolitana com vínculo compulsório, entende não

haver redução de autonomia municipal. Os Municípios até poderão se negar a

participar da gestão das funções públicas comuns, mas terão de suportar as

intervenções necessárias ao seu provimento. Isto implica a possibilidade de

reserva de recursos dos orçamentos dos Estados e Municípios, mesmo contra

a vontade deste último, desde que recorra ao uso de medidas judiciais. O autor

entende que a violação à autonomia ocorreria na hipótese do Estado obrigar o

Município manu militari a empregar recursos para atender interesses

metropolitanos. O uso de medidas judiciais, portanto, reforça o princípio, até

porque, as funções comuns não podem deixar de ser executadas, sob pena

dos Estados e Municípios se omitirem no cumprimento de funções

constitucionais, comprometendo a máxima efetividade das normas

constitucionais.

Rafael Augusto Silva entende ser inconstitucional o art. 25, parágrafo

único da Constituição do Maranhão, que exige aprovação da medida pela

Câmara Municipal. Por outro lado, cabível o art. 24 da Constituição do Paraná,

segundo a qual para a execução das funções públicas de interesse comum

serão destinados recursos financeiros do Estado e dos Municípios que

integram a região metropolitana.

391

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto.Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.170-192. 392

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.170. 393

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.161.

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164

2.4.2 Interfaces entre os interesses local e metropolitano

A doutrina divide-se em duas correntes opostas: de um lado, há quem

defenda que em face da realidade metropolitana a autonomia municipal é

condicionada, limitada. Outros argumentam que a autonomia municipal

permanece plena, intocável, íntegra394, em razão da realidade metropolitana,

conforme posição de Pedro Estevam Serrano e Eros Roberto Grau.

Ressaltamos que os adeptos da primeira corrente apresentam entre si um

ponto de divergência substancial, que encaminha para duas subdivisões

distintas. De um lado, entendem que a Constituição Federal define a autonomia

limitada, permitindo, avocação de competência dos municípios pelo Estado por

conta da criação da região metropolitana (Caio Tácito e Luis Roberto Barroso).

Outros sustentam que a autonomia é relativa, comporta graus, mas sem

defender a avocação de competência (Alaôr Caffé Alves, Ana Carolina

Wanderley Teixeira395 e Maria Coeli Simões).

Para Caio Tácito396 e Luís Roberto Barroso397a Constituição prevê

limites à autonomia municipal, não apenas na excepcionalidade traumática da

intervenção federal ou estadual, mas também em situações especiais, como na

capacidade avocatória dos Estados (art. 25, §3º da Constituição Federal).

Desta maneira, os Estados-membros, ao criarem as figuras regionais,

avocariam para si o interesse municipal, pois o interesse regional sobrepõe-se

ao local, em função do princípio da continuidade, produtividade e eficiência.

Sustentam que esta previsão não amesquinha a autonomia municipal,

pois a autonomia dos entes federados não é preexistente, mas definida pela

Constituição. As duas disposições constitucionais, uma que permite a

titularidade do interesse local (art. 30, I) e a outra que trata das regiões

metropolitanas (art. 25, § 3º) pertencem ao mesmo status hierárquico, pois são

normas constitucionais. É a Carta Magna que, de um lado afirma, e de outro,

limita a competência atribuída. Deste modo, a lei complementar estadual

394

O vocábulo íntegra significa feminino substantivado de íntegro. Por sua vez, íntegro é adjetivo cujo um dos significados é inteiro, completo. (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994.) 395

TEIXEIRA, Ana Carolina Wanderley. Região Metropolitana (Instituição e Gestão Contemporânea Dimensão Participativa). 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.77. 396

TÁCITO, Caio. Saneamento Básico – Região Metropolitana – Competência Estadual. Revista de Direito Administrativo nº242.out-dez. Rio de Janeiro, 2005, p.346-347. 397

BARROSO, Luís Roberto. Saneamento Básico: competências constitucionais da União, Estados e Municípios. Revista de Informação Legislativa nº153, jan-mar. Brasília, 2002, p.263.

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165

prescinde da anuência dos municípios cujos serviços passam a integrar a

competência comum concentrada na administração regional.

Discordamos deste entendimento por revelar nítida ruptura da autonomia

política definida pela Constituição para os entes federados.

Se interpretarmos o dispositivo constitucional considerando a

avocação398 de competências do Município pelo Estado, por ocasião das

regiões metropolitanas, violaremos o regime jurídico federativo da Carta

Constitucional, que não considera as Regiões Metropolitanas entes federados.

Estaríamos diante de supressão de competências municipais pelo Estado-

membro, em razão do exercício de competências administrativas, através da

criação de Regiões Metropolitanas, o que não é possível pelo sistema

federativo nacional.

Ao discorrer sobre competências administrativas, conceito extensível às

competências políticas dos entes federados, o jurista399 explica que

competências são intransferíveis e imodificáveis. No primeiro caso, não o são

nem transacionadas, salvo hipóteses expressas em lei de delegação. No

segundo caso, não podem ser modificáveis pela vontade do titular, o qual não

tem poder de dilatá-las ou restringí-las, pois devem ser exercidas nos limites

legais, exceto os casos de avocação.

Observamos que os critérios de delegação e avocação envolvem

hipóteses excepcionais, previstas em lei, pois as competências não admitem

modificação ou transferências. De fato, admite-se, excepcionalmente, (art. 22,

parágrafo único da Constituição Federal) a delegação por meio de lei

complementar federal de competências privativas da União aos Estados para

que legislem sobre questões específicas das matérias relacionadas no rol de

competências do art. 22. Entretanto, não verificamos na Constituição Federal

hipótese de avocação de competência de um ente federado em relação a

398

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 150: O autor assim se refere à avocação de competências: “a episódica absorção, pelo superior, de parte da competência de um subordinado, ainda assim restrita a determinada matéria e somente nos casos previstos em lei”, adverte, no entanto, que excepcionalmente, a lei prevê a avocação, como no caso do art. 15 da lei de processo administrativo federal (Lei Federal nº 9.784/1999), que permite a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados. 399

A distinção entre as duas categorias diz respeito aos conceitos de autonomia política ou administrativa. As competências políticas decorrem da descentralização política, que significa o poder de editar as próprias leis, sem subordinação a outras que não as previstas na própria Constituição. Por outro lado, competência administrativa refere-se ao fenômeno da descentralização administrativa e diz respeito à capacidade de gerir os próprios negócios, mas com subordinação a leis ditadas pelo ente central.

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166

outro. A hipótese de intervenção federal (arts. 34 e 35 da Carta) não diz

respeito à avocação de competências, mas à garantia do sistema federativo. A

intervenção é forma de evitar que os entes rompam entre si o pacto de

indissolubilidade do vínculo federativo, estabelecido no art. 1º, impedindo a

separação dos entes federados. É por isto que é medida excepcional, a

exemplo do art. 34, I.

Acrescenta Pedro Estevam Serrano400 que o texto constitucional não

apresenta referências implícitas nem explícitas sobre a avocação. Enfatiza que

o Estado-membro não está autorizado pela Carta a estabelecer exceção ao

sistema constitucional de distribuição de competências na federação, através

da avocação de competências de outro ente federal. Ao criar Região

Metropolitana (art.25, §3º), o Estado exerce competência própria,

descentralizada em parceria com os Municípios integrantes da Região

Metropolitana. Portanto, criar figura regional não significa usurpar

competências do Município, pois decorre de exercício de competência

exclusiva do Estado-membro, sendo possível ao Estado atribuir competência

colaborativa junto ao Município para atuar nos assuntos de interesse regional,

de acordo com os limites estabelecidos pelo legislador estadual, instituidor da

região.

Após críticas contundentes à defesa da avocação de competências,

Pedro Estevam Serrano parte da premissa de que a autonomia federativa é

constitucional, e não cabe ao legislador estadual, responsável pela criação das

figuras regionais, eventuais restrições.

Em nome do princípio da igualdade entre os entes federados401, o

Estado-membro está proibido de subtrair parcela da competência municipal por

ato de sua competência legislativa discricionária que possibilita criar a região

metropolitana pela Lei Complementar. A atuação administrativa da Região

400

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.162. 401

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 9ª tiragem. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.185. Nesta obra, o autor indica como sendo princípio do Direito Público a igualdade das pessoas políticas, no que toca à organização espacial da estrutura do poder: “Sob o ponto de vista jurídico, as pessoas políticas são absolutamente iguais entre si; todas são criaturas da Constituição, que outorgou a cada qual uma esfera irredutível e impenetrável de competências, exercidas com toda independência. A União não é mais importante ou hierarquicamente superior aos Estados e Municípios, nem os Estados o são em relação aos Municípios. Todos estão no mesmo nível. A relação entre eles é de igualdade, de isonomia”.

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167

Metropolitana é competência do Estado-membro, impede interferências no

município e evita que determinado Município comande outro.

Independentemente da conurbação urbana, os Municípios continuam

autônomos politicamente, não subordinados a outros entes federados. Pedro

Estevam Serrano adverte que a legislação estadual responsável por instituir

Região metropolitana não poderá formular dispositivos implicando usurpação

das competências municipais, restringindo ou subtraindo autonomia política

dos Municípios.

Quando à autonomia municipal, Pedro Estevam Alves Pinto Serrano

compartilha o entendimento de Alaôr Caffé Alves402, ao permitir que o

município atue junto ao Estado na administração das funções metropolitanas.

Na hipótese do Estado criar Região Metropolitana, a lei deverá definir a

participação dos Municípios na gestão regional, sem violar a autonomia

municipal. Deste modo, afirma Pedro Estevam Serrano403, baseado na partilha

de competências (arts.154 e 155) da Constituição do Estado de São Paulo:

A administração da Região Metropolitana deve ser realizada em conjunto entre o Estado e Municípios, no sentido de que todos irão contribuir na formação das decisões administrativas e para a gerência da Região, permitindo em cada caso concreto auferir a real dimensão do interesse local, a fim de permitir uma atuação simplesmente municipal ou de cuidado regional, consoante aplicação da ordem constitucional discriminadora das referidas competências. Não obstante nossa divergência com o conteúdo de algumas de suas conclusões a respeito, somos de total concordância com o pressuposto de Alaôr Caffé Alves

404.

O autor constata que a norma constitucional não tem palavras inúteis,

pois não haveria sentido esta interpretação, caso fosse atribuído ao Estado

realizar competências da mesma forma que o faria sem criar a Região

metropolitana.

402

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.277. 403

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto.Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.136. 404

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981.p.277. “O interesse do Município, individualmente considerado, está inevitavelmente ligado ao interesse regional, o que nos leva a compreender que os interesses locais e regionais não se contrapõem necessariamente; ao contrário, normalmente são complementares entre si. Assim, os graves problemas que envolvem um conjunto de Municípios, normalmente ligados à segurança, saneamento básico, transporte público, principalmente, demandam tratamento que escapa ao controle e possibilidades do ente local isolado, abandonado à sua própria sorte”.

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168

Deste modo, a lei estadual que criar a Região metropolitana deverá

respeitar as competências locais, reservando ao Estado apenas a titularidade

da competência regional405:

Diante da cooperação entre os entes federados, determinada pela Constituição, por força do regime federativo de Estado e como já destacado, há a necessidade de manutenção de todas as autonomias envolvidas, ou seja, a todos os entes federativos participantes da Região Metropolitana deverá ser respeitada sua competência e autonomia quanto à resolução dos problemas enfrentados, atuando cada qual de acordo com o regime jurídico do interesse em questão. Distanciamo-nos, assim, tanto dos extremadamente “regionalistas” quanto dos extremadamente “municipalistas”, preferindo permanecer num território intermediário entre tais posições, mais de acordo, a nosso ver, com o Direito Posto e vigente” [...] Afirma-se que a autonomia municipal, com a criação de uma Região Metropolitana, deve continuar sendo respeitada, visto que os serviços de interesse predominantemente locais e criação de atos conjuntos do Estado e Municípios para a prestação dos serviços relativos ao interesse regional, de competência estadual, que com a criação da Região desconcentra sua competência para exercê-la com a colaboração dos Municípios.

Eros Roberto Grau interpreta o art. 25, §3º da Constituição Federal

preservando as competências constitucionais em sua integralidade. As

premissas elaboradas por ele e Pedro Estevam são distintas visto que ambos

divergem em relação à titularidade do interesse metropolitano. Contudo, quanto

à autonomia, defendem a preservação das autonomias políticas dos Estados-

membros e Municípios de forma íntegra406.

Eros Grau esclarece que os interesses dos Municípios conurbados

deixam de ser isoladamente locais, transformando-se em interlocal,

organizados e prestados pelos Municípios, por meio da Lei complementar que

institui a Região metropolitana. O Estado-membro, através da Lei

complementar Estadual, torna compulsório o relacionamento entre os

municípios conurbados, integrando a organização, o planejamento e a

execução das funções públicas de interesse comum. Desta forma, competirá

aos Municípios a autonomia plena ao prestar os serviços diretamente, por

delegação à Administração Indireta ou através de concessão de empresa

privada. Cabe ao Estado-membro apenas integrar a organização, o

405

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.157. 406

Sobre a prestação, pelos municípios, do serviço público de abastecimento de água. In: (Org.) RODRIGUES, Francisco Luciano Lima.Estudos de Direito Constitucional e Urbanístico. São Paulo: RCS, 2007, p.134.

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planejamento e a execução do interesse metropolitano. Assim, o Estado-

membro ao promover a integração das funções comuns, não compromete a

autonomia Municipal, que permanece com a prestação dos serviços pelos

Municípios limítrofes. Assim, destacamos as conclusões de Eros Roberto

Grau407:

Isso permanece a ocorrer ainda quando se trate de Municípios integrados em região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião instituída por lei complementar estadual. Neste caso incumbirá ao Estado-membro tão somente prover no sentido de integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, isto é, execução dos serviços comuns. À prestação desses serviços corresponde uma função (dever-poder) de caráter intermunicipal. Essa prestação incumbe à Administração intermunicipal, vale dizer, aos Municípios solidariamente de modo integrado no que concerne a sua organização, ao seu planejamento e a sua execução. Ao Estado-membro nada incumbe além de mediante lei complementar instituir a região metropolitana, a aglomeração urbana ou a microrregião, dispondo a respeito daquela integração, naturalmente sem qualquer comprometimento das autonomias municipais.

Por outro lado, há quem defenda que a autonomia dos Municípios (art.

25, §3º) não pode ser interpretada de forma absoluta, intangível, pois ela

comporta graus de exercício diferenciados.

Maria Coeli Simões Pires, ao discorrer sobre regiões metropolitanas,

observa que a autonomia dos municípios deve ser preservada, nos limites da

Constituição. No entanto, admite que a lei estadual responsável pela instituição

das figuras regionais condicione, relativize ou expresse os contornos à

autonomia municipal408:

A autonomia, que deve ser reciprocamente respeitada pelos próprios Municípios (sem prejuízo da observância pelos demais entes federativos), impõe às leis municipais a impossibilidade de regulação de assunto ou função pública cuja execução se dê no território de outro Município. Daí a necessidade de uma lei estadual, que, comportando-se nos limites da Constituição da República, na realidade reconforme ou relativize, ou ainda, simplesmente, expresso os contornos práticos da autonomia municipal no âmbito do território metropolitano.

407

Sobre a prestação, pelos municípios, do serviço público de abastecimento de água. In: (Org.) RODRIGUES, Francisco Luciano Lima.Estudos de Direito Constitucional e Urbanístico. São Paulo: RCS, 2007, p.135. 408

MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.418.

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170

Antes mesmo da promulgação da Carta Constitucional, ao refletir sobre

a realidade metropolitana, afirmava em 1987 que autonomia municipal não

deveria ser interpretada de forma literal, sem considerar os fins que disciplinam

sua criação, como o desenvolvimento regional sob os aspectos econômicos e

sociais409:

a autonomia municipal não pode se constituir num entrave ao desenvolvimento das ações adotadas no conjunto metropolitano, mas tem que com ele conviver, de tal sorte que seu conceito jurídico-constitucional submeta-se a balizamentos, jamais à supressão ou ao abrandamento. [...] a tentativa de se erguer a autonomia municipal como mote inatingível, inibindo-se a operacionalização legítima da região metropolitana, consiste em contrariar a Constituição, que erigiu a região metropolitana com instrumento de agregação e de agrupamentos para solução econômica e racional dos problemas regionais de âmbito infra-estadual e supramunicipal.

Ana Carolina Wanderley Teixeira410 corrobora o entendimento de Maria

Coeli e acrescenta o posicionamento de Alaôr Caffé Alves.

Para a autora, a autonomia municipal e as funções públicas de interesse

comum são compatíveis. A convivência é possível, pois Alaôr Caffé Alves faz

referência a dois núcleos de autonomia: plena e condicionada.

Pela primeira forma de autonomia, a Constituição permite que o ente

atue exclusivamente a respeito de certas matérias. Já na segunda tipologia, a

Carta prevê competências concorrentes ao lado das exclusivas, permitindo que

vários entes atuem sobre o mesmo plexo de competências, desde que

observem os limites definidos pela Constituição Federal para cada ente

federado.

A autora concluiu que o aparente paradoxo entre as competências do

art. 30, I e 25, §3º, da Constituição Federal, pode ser superado possibilitando

ao Estado tratá-lo sob o enfoque regional. Isso se considerarmos que a

autonomia municipal não é um dogma sagrado, mas suscetível de

condicionamentos, sob pena de impossibilitarmos a solução dos problemas

econômicos e sociais que ultrapassam as fronteiras geográficas dos municípios

conurbados.

409

SIMÕES, Maria Coeli. A institucionalização das regiões metropolitanas e o novo modelo de federalismo brasileiro. Revista de Direito Público nº84, out-dez, São Paulo: RT,1987, p.187-194. 410

TEIXEIRA, Ana Carolina Wanderley. Região Metropolitana (Instituição e Gestão Contemporânea Dimensão Participativa). 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.76.

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171

Ao indagar se a criação de região metropolitana representa ofensa à

autonomia municipal, Alaôr Caffé propõe analisar o tema sob duas

perspectivas: de um lado a formal-normativa, e de outro, política do direito,

metajurídica. Enfatizaremos a autonomia jurídica, critério que nos interessa

nesta tese.

Do ponto de vista jurídico (formal-normativo), o autor assim define

autonomia411:

É o poder jurídico de um sujeito de direito de se reger por leis próprias, por ele especificadas e editadas de conformidade com certos princípios, normas e matérias definidoras, segundo o ordenamento jurídico, de um âmbito de competência determinado. Assim definida, formal e abstratamente, a autonomia se apresenta em termos absolutos, imutável e estática, sem consistência operacional. Entretanto, se atentarmos para o objeto sobre o qual deve ser exercida, observamos que ela comporta graus, dependendo da maior ou menor amplitude, em termos relativos, do círculo funcional mediante o qual o referido objeto se manifesta e se concretiza.

De acordo com a perspectiva jurídica, a autonomia política é delineada

pelo texto constitucional, dentro dos seus limites e condições, como as

competências municipais arroladas no art. 30, I a IX, da Constituição Federal.

Adverte o autor que sob o enfoque constitucional não é possível afirmar

que uma autonomia originária, positivada inicialmente em termos abrangentes

ou generosos posteriormente, seja “restringida” ou “ampliada” através da

criação de Regiões Metropolitanas. Isto porque, as competências são

positivadas de forma ampla, sistemática, sem contradições. Portanto, quando

surge a figura regional, os Municípios metropolitanos deixam de ter plena e

exclusiva atuação sobre determinadas matérias, transferindo seu tratamento

para nível regional, mas continuam adquirindo participação conjunta com o

Estado e demais municípios para deliberar sobre as funções comuns412. A

modificação da competência não ocorre por mero arbítrio do legislador

estadual, mas por razões da natureza das coisas, fatores socioeconômicos,

que deixam de pertencer ao interesse local para alcançar a categoria regional.

Ao priorizar a autonomia jurídica, o autor conceitua a expressão

considerando dois sentidos: amplo e estrito. No primeiro, estamos diante das

411

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.228. 412

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. ano II. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.30-31.

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172

competências complementares suplementares e supletivas (art. 24, §1º, 2º e 3º

da Constituição) que permitem a atuação concorrente entre a União, Estados,

Distrito Federal e Municípios. Através deste artigo, os entes federados

produzirão normas sobre os assuntos arrolados no art. 24, graduandoa atuação

de cada ente, na medida em que, compete à União estabelecer normas gerais,

aos Estados complementá-las, assim como aos municípios (art. 30, II) além de

possibilitar aos Estados atuarem de forma supletiva, legislando para atender

suas peculiaridades se não houver lei federal. A competência comporta graus,

condicionamentos, pois permite que vários entes políticos atuem

conjuntamente em relação a determinado rol de competências.

No segundo sentido (stricto sensu), a autonomia seria plena, absoluta,

exercitável de forma exclusiva, sem a colaboração de outro ente, ou seja, com

a atuação apenas da pessoa política que recebeu a incumbência

constitucional.

Para Alaôr Caffé Alves o que importa é a capacidade legislativa atribuída

à pessoa política. Os graus e condicionamentos atribuíveis à competência, em

razão de critérios da realidade, não definem a autonomia, mas são apenas

alguns dos seus atributos413. E conclui414:

A autonomia plena haure sua força, estabilidade e garantia do próprio caráter sistêmico do ordenamento jurídico, envolvendo sempre a idéia de competência exclusiva, previamente demarcada a nível constitucional. A autonomia dotada de estabilidade relativa, de caráter temporal e precário, depende das circunstâncias e dos critérios de oportunidade, sendo condicionada a possíveis limitações pela interferência de atos normativos de maior amplitude, autorizados no âmbito do próprio sistema normativo. Envolve sempre a ideia de competência concorrente.

Do ponto de vista jurídico, não podemos afirmar que há violação da

autonomia municipal em face da criação da região metropolitana. O Município

mantém sua competência (arts.29, 30 e 31 da Constituição) através do

exercício de competências legislativas, administrativas e tributárias. Ocorre que

ao integrar uma Região Metropolitana, a autonomia sofre condicionamentos e

graduações, em razão das articulações, coordenações e integrações que

413

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.232. 414

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.235.

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173

envolvem o exercício de competências entre os municípios conurbados e o

Estado-membro responsável por criar a figura regional. Desta forma, ao lado

das competências exclusivas do art. 30, o Município recebe as comuns (art. 23)

e as concorrentes (art.24), que permite ao ente atuar de forma integrada,

cooperativa, em relação aos entes componentes da região. Em razão destas

possibilidades, é possível afirmar que os municípios participam junto aos

Estados da gestão metropolitana, uma vez que os interesses metropolitanos

envolvem a atuação de ambos por conta da integração entre os interesses

locais e regionais.

Quando Alaôr Café afirma que fatores sociais, econômicos, geográficos,

tecnológicos podem intervir nas relações humanas provocando alterações de

competências dos integrantes da região metropolitana, não significa que a lei

estadual (infraconstitucional) tenha alterado o sistema de competências

constitucionais e violado autonomias políticas. Na realidade, o fenômeno se dá

em razão da interpretação das normas à luz de elementos do caso concreto.

Alterar competências constitucionais só é possível por meio de novas

emendas, produzidas através de processo legislativo mais dificultoso que o

previsto para as demais espécies normativas além da necessária observância

às cláusulas pétreas que estabelecem limitações materiais à preservação do

sistema federativo (art. 60, §4º, I). Os termos interesse local e funções públicas

de interesse comum são conceitos jurídicos indeterminados, comportam zonas

cinzentas de significação, esclarecidas à luz do caso concreto. Neste caso, o

trabalho do intérprete é fundamental para preencher o conteúdo de ambos.

Não há que falarmos em violação de autonomia política, em razão das

circunstâncias fáticas acarretarem novos contornos de interpretação ao

interesse local ou regional. Esta é a proposta do jurista que invoca,

constantemente, a necessidade de aliarmos o mundo do “ser” com o do “dever

ser”, ao defender que novos sentidos podem ser atribuídos à norma pelo

intérprete.

Para Alaôr Café, o Direito não é compreensível apenas do ponto de vista

do mundo do dever-ser, mas à luz da realidade social. Ao exercer a

competência atribuída pelo Constituinte, o legislador deve normatizar

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174

comportamentos, tendo em vista valores e consequências que pretende

induzir415:

O mundo jurídico compõe-se, então, dos fatos da conduta circunscritos à perspectiva (ideal) de seus resultados (outros fatos), conscientemente estabelecida, a qual exprime o valor (positivo ou negativo) que a esses fatos é dado. Assim, o legislador, dentro do quadro de competência fixado pelo constituinte, realiza uma conduta produtora de normas jurídicas para uma certa comunidade, sempre referenciada a uma perspectiva das conseqüências que pretende induzir. Essa norma, contudo, considerada em si mesma, oferece uma literalidade fria, ideal, cuja significação autêntica só é possível quando é relacionada com a totalidade do ordenamento jurídico e, ao mesmo tempo, colocada em contraste com a realidade a que se

refere. Para o autor, a norma jurídica comporta “múltiplas significações,

dependendo do sentido de valor adotado num determinado momento e das

circunstâncias objetivas condicionamentos do quadro real em que deve ser

aplicada”416.

Dessa maneira, o autor irá interpretá-la relacionando o mundo do ‘ser’

com o do ‘dever ser’. De acordo com a alteração da realidade social, a norma

jurídica irá traduzir um novo sentido semântico.

Todavia, ela não pode ser compreendida apenas em seu sentido formal,

literal, mas seu conteúdo deve ser verificável a partir da realidade concreta que

lhe atribuiu o verdadeiro sentido e eficácia. O autor invoca como exemplo a

interpretação da autonomia municipal, face ao sistema constitucional, tomando

por base a estrutura normativa como algo independente, sem relação com o

mundo prático e conclui417:

Do ponto de vista das relações entre o conteúdo das competências, abstratamente especificado na norma jurídica, e os fatos concretos que realizam o referido conteúdo, é possível consignar a variação de poderes e competências dos entes, originários apenas da interpretação dos elementos caracterizadores dos fatos que as concretizam. [...] Os fatos são indicados e selecionados em função das conotações conceituais, abstratas e gerais, que os enfocam dentro de certos padrões e limites de compreensão, de modo a permitir uma visão inteligível dos mesmos. Entretanto, constata-se, por outro lado, a permanente alteração de significado desses mesmos conceitos, estimulada pelas constantes mudanças ou

415

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.6. 416

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.8. 417

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.8.

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transformações das diferentes características ou propriedade dos fatos e objetivos a que eles se referem. Esse processo orienta de certa forma a dinâmica perspectiva que se tem ou se deve ter do mundo jurídico, fazendo originar, dentro de certos limites espaciais e temporais, as mudanças conceituais necessárias aos ajustes da concepção normativa com a realidade cambiante. [...] Nesse sentido convém observar, e isso é ponto de fundamental importância, que as competências, e com elas os respectivos âmbitos de autonomia, nem sempre serão reformuladas ou redistribuídas em termos de sua configuração formal, visto que são matérias de índole constitucional, só alteráveis por via institucional básica, observados procedimentos especiais, de consecução política mais difícil. Assim, muitas vezes se realiza uma certa distribuição de competências a partir tão somente da consideração analítica a respeito dos fatos que se alinham para concretizar a hipótese abstrata fixada na norma jurídica. Altera-se o conceito jurídico por se ter modificada a concepção a respeito das correspondentes ocorrências ou comportamentos do mundo real, em virtude das transformações objetivas que este apresenta. Em consequência, altera-se o campo da competência com reflexos inevitáveis no plano jurídico da autonomia. [...] Exemplo desse processo é o caso da captação, tratamento e adução a grosso de água potável em região metropolitana. Esses serviços são tidos tradicionalmente como de interesse local, não mais devendo, entretanto, nas regiões metropolitanas, ser considerados apenas sob essa rubrica; não porque assim não se queira classificá-los, mas sim pelo fato de que somente podem ser efetivamente prestados em quase todas as regiões metropolitanas, com o concurso de decisão e de recursos mobilizáveis só a nível supramunicipal.

Ora, a afirmação não é um disparate jurídico, uma vez que a

interpretação das normas constitucionais envolve conceitos jurídicos

indeterminados, que possibilitam ao intérprete uma atividade, criativa, que se

expressa em categorias construtivas e evolutivas.

Luís Roberto Barroso418 explica que em função dos conceitos jurídicos

indeterminados, em larga medida, presentes na Carta Magna, como ordem

pública, dano moral, interesse social, dignidade da pessoa humana, é exigida

uma atuação significativa do intérprete para delimitar o sentido dos termos.

Para o autor, o operador do direito não cuidará apenas da revelação do sentido

e alcance da norma, mas também da criação do sentido do termo

interpretado419:

O enunciado normativo, por certo, fornece parâmetros, mas a plenitude de seu sentido dependerá da atuação integrativa do intérprete, a quem cabe fazer valorações e escolhas fundamentadas à luz dos elementos do caso concreto.

418

BARROSO, Luís Roberto.Curso de Direito Constitucional Contemporâneo (Os Conceitos fundamentais e a Constituição do Novo Modelo). 2ª tiragem. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.130. 419

BARROSO, Luís Roberto.Curso de Direito Constitucional Contemporâneo (Os Conceitos fundamentais e a Constituição do Novo Modelo). 2ª tiragem. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.130-131.

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176

Para o autor, esta função criativa do jurista abrange a interpretação

construtiva e evolutiva. No primeiro caso, permite ampliar o sentido ou

extensão do alcance da Constituição para criar uma nova interpretação,

hipótese normativa não prevista originariamente no texto constitucional, como

foi o reconhecimento dos efeitos jurídicos às relações homoafetivas estáveis,

com base no art. 226 da Constituição. A interpretação evolutiva consiste em

aplicar a Constituição a situações que não foram contempladas quando de sua

elaboração e promulgação, por não existirem nem terem sido antecipadas à

época. Citemos como exemplo, o fenômeno da internet, inexistente na época

da Assembleia Constituinte.

O mesmo ocorre em relação à Teoria Tridimensional do Direito que

entende ser o direito uma integração entre fato, valor e norma. Pela concepção

de Miguel Reale, a ciência do direito é histórico-cultural e compreensivo-

normativa, por ter como objeto a experiência social na medida em que a norma

se desenvolve em função de fatos e valores. Em resumo, não há como separar

o fato da conduta, nem o valor ou finalidade a que a conduta está relacionada,

nem a norma que incide sobre ela. Assim, explica Maria Helena Diniz420:

Ao se interpretar a norma, deve-se procurar compreendê-la em atenção aos seus fins sociais e aos valores que pretende garantir. O ato interpretativo não se resume, portanto, em simples operação mental, reduzida a meras inferências lógicas a partir das normas, pois o intérprete deve levar em conta o coeficiente axiológico e social nela contido, baseado no momento histórico em que está vivendo.

Portanto, ao reunirmos a escola da tridimensionalidade do Direito, os

comentários e Luís Roberto Barroso e o pensamento de Alaôr Caffé Alves,

verificamos que o direito é produzido com base em uma atividade interpretativa

que considera a realidade social. Isto não nos autoriza desconsiderara norma

jurídica ou atividade legislativa em razão do mundo fenomênico. Ao contrário, a

alteração da realidade proporciona novos contornos ao conceito normativo e

implica atividade dialética entre fato, valor e norma.

Neste sentido, não vemos distinção expressiva entre o entendimento de

Alaôr Caffé Alves e Pedro Estevam Serrano ao tratarem do conteúdo de

interesse metropolitano, pois ambos partilham a opinião de que os conceitos

420

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.142-149.

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177

jurídicos são constantemente preenchíveis à luz dos fatos sociais, assim, uma

mudança na realidade geográfica, social ou econômica poderá acarretar nova

compreensão e outro sentido atribuível à norma, através de ato de

conhecimento do direito pelo intérprete.

Nossa posição

Diante dos vários posicionamentos apresentados em relação ao grau de

ingerência da região metropolitana sobre o interesse local, concluímos que não

há supressão da autonomia municipal, mas mecanismos jurídicos que

viabilizam a convivência entre o interesse local e o metropolitano.

A Lei estabeleceu vários dispositivos para garantir a paridade na tomada

de decisões por parte dos entes. É medida que permite não mitigar a

autonomia dos Municípios, uma vez que sua participação está assegurada na

gestão do interesse metropolitano.

Portanto, a definição do interesse metropolitano decorre da combinação

da interpretação jurídica formulada nos órgãos deliberativos – que funcionam

junto à administração metropolitana estadual – finalizada pela atuação da

Assembleia Legislativa, caso o exercício da competência exija atuação

legislativa.

Além de participar junto aos órgãos administrativos, do ponto de vista

legislativo, os Municípios da Região Metropolitana exercerão competência

condicionada e baseada no federalismo cooperativo, ou para alguns

doutrinadores, através das competências concorrentes (art. 24) e comuns (art.

23) da Constituição Federal. Mais uma vez, o Município poderá participar na

definição das funções comuns, caso seja necessário para preencher lacunas

da legislação estadual que disciplina a região.

Por este aspecto, não concordamos com a classificação adotada por

Alaôr Caffé Alves, ao distinguir autonomia plena de condicionada, atrelando a

primeira às competências exclusivas e a segunda às concorrentes. Autonomia

política envolve capacidade legislativa definida pela Constituição nas

modalidades exclusivas e concorrentes. Haverá condicionamentos no exercício

da competência municipal em razão do seu ingresso na região metropolitana,

mas com base em outra premissa.

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178

A Carta Constitucional ao criar as regiões metropolitanas pautou-se no

federalismo cooperativo democrático ou, para outros, no equilíbrio federativo,

pois reconheceu que existem funções que os Municípios não podem resolver

isoladamente. Para estabelecer um equilíbrio federativo, possibilitou unir suas

esferas à Estadual para conjugar esforços e partilhar decisões na execução,

organização e planejamento de funções públicas de interesse comum.

Ao atribuir competências concorrentes para resolver problemas,

assegurou a autonomia e não limitou seu exercício. Ao submeter-se às

decisões da figura regional, o Município não obedece de forma autoritária, mas

democrática, pois é assegurada sua participação igualmente ao Estado na

tomada de decisões. A autonomia municipal foi garantida pela Constituição de

1988, equiparando o Município a ente federado, ainda que seu regime jurídico

seja diferenciado em relação à União e aos Estados. No entanto, a Carta

Magna confere a mesma autonomia traduzida no exercício de competência

administrativa e legislativa para os Estados e Municípios. As leis que instituíram

as regiões metropolitanas asseguram a paridade.

Quanto ao vínculo compulsório que une os Estados e Municípios em

razão da formação da figura regional, também não há que se falar em redução

de autonomia federativa. Isto porque, as figuras regionais foram previstas como

fórmulas para implementarem o federalismo de equilíbrio, cooperativo e

propiciar a máxima efetividade na solução dos problemas de cada ente, na

hipótese dos municípios serem incapazes de resolver as questões

isoladamente, por sofrerem impacto decorrente da conurbação urbana na qual

estão inseridos.

Por força dos critérios técnicos que orientam a criação das regiões

metropolitanas, os Municípios não podem negar sua participação na Região

Metropolitana. A criação das regiões metropolitanas exige atuação de órgãos

técnicos, a expedição de pareceres atestando que os municípios vizinhos

apresentam as características de conurbação, alto grau de diversidade,

especialização e integração socioeconômica. Portanto, se os municípios não

desejarem participar da figura regional, mas o parecer técnico atestar em

sentido contrário, em face do vínculo compulsório estarão obrigados a integrar

a Região Metropolitana. Entretanto, se os requisitos técnicos não forem

comprovados, a lei responsável por criar a região será inconstitucional.

Page 179: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

179

Por esta perspectiva, ao participarem das Regiões Metropolitanas os

municípios terão sua autonomia fortalecida, pois poderão resolver de forma

partilhada com os Estados assuntos que impediam seu desenvolvimento local.

Devemos, no entanto, atentar para o fato de que as deliberações do

Poder Executivo, envolvendo a comunhão de vontades dos Estados e

Municípios, ainda sim, poderão ser modificadas quando submetidas à

discussão na Assembleia Legislativa. Isto porque, o interesse metropolitano é

titularizado pelo Estado, que em última análise inova originariamente o

ordenamento jurídico, nos termos da Constituição, por meio do Poder

Legislativo.

Deste modo, caso determinada medida relacionada ao interesse

metropolitano tenha sido tomada pelos órgãos executivos, por força do sistema

federativo, o Poder Legislativo Estadual poderá modificá-la. Ainda assim, não

poderemos sustentar que o Município sofreu redução de competência, uma vez

que ela é condicionada ao ingressar na Região Metropolitana, já que este ente

não tem mais capacidade para gerir o interesse isoladamente. É necessário

adotar uma solução integrada junto aos municípios vizinhos e ao Estado.

Em função até mesmo do vínculo compulsório que une os Estados e

Municípios da região, este último deverá ser ouvido sobre as decisões de

acordo com o sistema previsto pela Lei Complementar no âmbito do poder

executivo, ainda que eventualmente submeta-se às alterações propostas pelo

Poder Legislativo.

Na hipótese do Poder Legislativo Estadual modificar proposta definida

pela Autarquia Metropolitana com relação aos órgãos colegiados, certamente

ela também terá atingido a vontade de representantes que integram os órgãos

estaduais. Isto, porque, inicialmente, eles deliberaram a proposta junto aos

municípios pelo Poder Executivo. Neste ponto, saímos da esfera da autonomia

política dos entes federados para respeitar o equilíbrio entre os poderes

executivo e legislativo (art.2º c/c art. 18, 27, 28, 29, 57, 84 da Constituição

Federal). Ora, o Estado-membro ao titularizar o interesse metropolitano, conta

com a atuação dos poderes legislativo e executivo, que ao exercerem suas

funções são independentes e harmônicos entre si.

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180

Compete ao Poder Executivo aplicar a lei ao caso concreto, sem força

de coisa julgada, isto é, expedir atos administrativos baseados nos comandos

de lei no desempenho das funções administrativas.

Por sua vez, apenas o Poder Legislativo tem a atribuição de inovar

originariamente o ordenamento jurídico, criar obrigações e direitos até então

inexistentes no sistema jurídico.

No exercício de função administrativa, a autarquia metropolitana junto

aos órgãos colegiados de caráter deliberativo e normativo expede atos

administrativos, como por exemplo, projeto de lei referente aos planos

metropolitanos ou Resoluções. Todos deverão respeitar o conteúdo das leis

estaduais, pois administrar é aplicar a lei de ofício. O exercício da competência

administrativa é fruto da competência prevista em Lei.

Assim, quando a autarquia e os órgãos colegiados praticarem atos

administrativos, se forem resultantes de atividade de planejamento, deverão

ser submetidos ao Poder Legislativo Estadual para vincular todos os entes da

Região Metropolitana.

Caso os órgãos colegiados aprovem Resoluções, instrumentos pelo

quais os órgãos colegiados veiculam suas decisões como comandos gerais,

suas determinações deverão respeitar as Leis estaduais.

As normas não poderão contrariar leis estaduais, pois não compete à

administração criar direitos e obrigações, mas tão somente, executar os

comandos da lei. Da mesma forma, os projetos de lei, ou planos, que

necessitarem de aprovação legislativa, deverão submeter-se ao processo

legislativo estadual para impor de forma genérica e abstrata obrigações a

serem respeitadas pelos integrantes da Região Metropolitana.

Desta forma, é importante distinguirmos a gestão administrativa da

legislativa das Regiões Metropolitanas, no que tange à titularidade da função

pública de interesse comum.

Quanto às funções administrativas, em relação à gestão de serviços

públicos, por exemplo, defendemos a posição dos ministros do STF na ADIN

1842, baseada em Alaôr Caffé Alves e José Afonso da Silva, os quais

conferem aos Estados e Municípios a competência para tratarem do interesse

metropolitano.

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181

O Ministro acolheu em seu voto a gestão compartilhada entre os

Estados e Municípios como forma de administrar o interesse metropolitano,

junto aos órgãos deliberativos (Conselhos Deliberativos vinculados às

Autarquias).

Do ponto de vista administrativo, as Regiões Metropolitanas contam com

a participação dos Estados e Municípios na gestão das funções públicas de

interesse comum. Observemos o voto de Ricardo Lewandowski, na ADIN 1842,

julgada em 28/2/2013:

Parece-me, portanto, que a gestão compartilhada das novas regiões, previstas no art. 25, § 3º, da CF, entre os Municípios e o Estado, é a solução que melhor se harmoniza com a preservação da autonomia locale a imprescindível atuação do ente instituidor como coordenador dasações que envolvam o interesse comum de todos os integrantes do enteregional. [...] Disso se conclui que o legislador constituinte, ao prever essas novasentidades regionais no art. 25, § 3º, da Lei Maior, ou seja, no título quetrata da própria organização do Estado brasileiro, alvitrou que o poderdecisório relativamente às funções públicas de interesse comum fossecompartilhado entre os diversos entes federativos que as compõem, notadamente quanto ao poder concedente, ao planejamento, à regulação,à fiscalização, à organização e à execução desta.

No entanto, quando estivermos diante de funções públicas de interesse

comum que exijam a atuação da função legislativa em conjunto com a

administrativa, é necessário escolher um ente responsável por sua gestão, ou

seja, atribuir a titularidade do interesse metropolitana ao Estado. Como as

entidades metropolitanas não contam com poderes legislativos compartilhados,

uma vez que estes estão atrelados, diretamente, a um dos entes federados do

sistema constitucional.

Poderíamos adotar um modelo institucional que integrasse as ações

públicas na Região Metropolitana, conforme observa Toshio Mukai421, tornando

a Região Metropolitana um quarto poder, intermediário entre o Estado e o

Município. O governo metropolitano, nos âmbitos dos Poderes Legislativo e

Executivo seria composto por representantes políticos dos Municípios da

Região. Entretanto, o autor admite que este modelo não foi adotado pela Carta

Constitucional422, embora fosse desejável.

Não sendo a Região Metropolitana uma entidade política, não é possível

adotar, por exemplo, o modelo de Minas Gerais, denominado Assembleia

421

MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental.3.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p.250. 422

MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental.3.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p.251.

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182

Metropolitana (art. 46 da Lei Complementar nº88/2006). A previsão da

Constituição mineira só será constitucional se interpretada como órgão

deliberativo junto ao Poder Executivo, justamente por não ser entidade política,

mas administrativa.

Nas Regiões Metropolitanas, mesmo sendo necessária a cooperação

entre os entes – ao contrário do modelo consorcial de cooperação (art. 23,

parágrafo único e consorcial do art. 241, ambos da Constituição Federal) –é

permitido existir por parte dos Municípios e Estados (art.25, §3º) o vínculo de

cooperação compulsório. Portanto, ainda que o Município tenha o direito e a

oportunidade de participar da gestão metropolitana, na hipótese de não atuar

ou recusar sua participação, a última palavra será dada pelo Estado,

responsável por criar e coordenar as funções da região metropolitana.

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3 REGIME JURÍDICO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

O surgimento da realidade metropolitana considera o exame de

questões referentes ao processo econômico que norteia o crescimento das

cidades, culminando com intensa urbanização, industrialização e aumento da

densidade demográfica. Em razão disto, as cidades sofrem junção em seus

limites físicos, o que denominamos conurbação e que por sua vez, traz novos

problemas que extrapolam o âmbito de solução local. Em resumo, descrever o

surgimento da realidade metropolitana, envolve a abordagem de fatores como

cidade, polo econômico, urbanização, industrialização, aumento da densidade

demográfica, conurbação e necessidades metropolitanas.

O termo cidade apresenta vários significados423, conforme ensina José

Afonso da Silva, mas enfatizemos especialmente os aspectos da concepção

econômica e jurídica, este último mais adiante.

Do ponto de vista econômico, a cidade é uma localidade de mercado, na

qual a população satisfaz suas necessidades essenciais, troca e comercializa

produtos entre as cidades vizinhas. Segundo Alaôr Caffé Alves424:

A função básica da cidade é produzir e distribuir bens e serviços para um determinado espaço, tornando-se ela o centro de atração ou polarização desse espaço. O poder dinamizador da função industrial, além de ser um fator de transformação da estrutura econômica do mundo rural, é elemento propulsor da integração nacional. Por outro lado, como os bens e serviços apresentam diferenças quanto à freqüência do consumo, surgirão forçosamente alguns centros urbanos mais equipados, mais especializados, exercendo funções mais complexas relativamente a outros centros que permanecem sob sua influência. À medida que os bens e serviços se especializam, mais sofisticados e raros se tornam, concentrando-se nas cidades maiores onde existem as condições específicas para sua produção e consumo.

Em razão do seu enfoque econômico425, as cidades absorvem mais

estruturas produtivas, para facilitar logisticamente a distribuição de produtos e

serviços, reduzir custos de produção e distribuição, o que contribui para o seu

423

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.24.: “Três concepções podem ser destacadas relativamente ao conceito de cidade: (a) a concepção demográfica; (b) a concepção econômica; (c) a concepção de subsistemas”. 424

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.105. 425

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.105.

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crescimento, polarização e influência econômica em relação às cidades ao

redor.

Da mesma forma, as cidades vivenciam intensamente a industrialização

e a urbanização, que por sua vez, aumentam a densidade demográfica, em

função da atração de emprego e estrutura que os núcleos urbanos oferecem,

conforme explica Eros Roberto Grau426:

Nestes pólos verificamos, com muita freqüência, simultaneidade de dois processos que se implicam mutuamente, o de industrialização e o de urbanização: a expansão industrial atrai mão-de-obra aos pontos que se difunde, ao mesmo tempo em que, a disponibilidade desta, acrescida à existência de excedentes de capitais ali gerados e de capacidades de consumo em potencial, carentes nas regiões que não centralizam atividades econômicas, propicia, naturalmente, aquela expansão. A industrialização, assim, acarreta, além de uma série de outras conseqüências interativas, ampliação do setor terciário, consolidação de uma infra-estrutura financeira, etc – intenso crescimento demográfico, nos pontos em que se localiza. Dentro de um certo prazo esse intenso crescimento tende a gerar os centros metropolitanos, que constituem o objeto de nossa atenção.

Para Mercedes Arroyo Huguet427, as grandes cidades são originárias de

processos centrípetos que confluem sobre o núcleo central e atraem população

de seu entorno, eminentemente rural, o que gera o crescimento das cidades,

no próprio território Municipal. Quando o crescimento ultrapassa os limites

municipais, surge o fenômeno metropolitano. Assim, a grande cidade enquanto

estiver contida dentro do território Municipal, não provoca o fenômeno

metropolitano. Este, por sua vez, surge quando sua dimensão invade a trama

urbana de vários municípios428.

Em consequência deste intenso processo de urbanização e

industrialização, as cidades sofrem o fenômeno da conurbação, ou seja,

coalescência429 de duas ou mais unidades urbanas430. A conurbação faz

426

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.13. 427

HUGUET, Mercedes Arroyo. La contraurbanización: un debate metodológico y conceptual sobre la dinámica de las áreas metropolitanas apud GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos. Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.196. 428

Rios Rull. Cortes Generales. Diário de Sesiones del Senado, Año 2002, VII, Legislatura, Comisiones Num. 309, Comisión de las Entidades Locales, lunes 17 de junio de 2002, p.15. apudGIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.202. 429

Coalescente. Adj. 1.Aderente, unido; 2.Aglutinante; 3.Concrescente; Coalescer. Verbo transitivo direto; 1.Fazer aderir; aglutinar; 2.Juntar, unir (Conjug, v, crescer). 430

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.14.

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desaparecer faixas que servem como limites entre as cidades, contribuindo

para a sua junção entre as cidades, acarreta sobreposição das áreas contíguas

e o desaparecimento das áreas rurais entre as cidades que estabelecem entre

si relações de polarização econômica. Segundo Michel Temer431:

A idéia de Região Metropolitana deriva da conurbação. As áreas urbanas vão se aglomerando em torno de um Município maior, eliminando as áreas rurais e fazendo surgir, entre os Municípios, área urbana única, o que passa a exigir a integração dos serviços municipais.

A conurbação urbana provoca modifica até mesmo a estrutura das

cidades, que se alastram, estendendo-se para além de territórios confinados

por limitações de aspecto político-administrativo432. Isto significa dizer, segundo

Eros Roberto Grau433:

A emergência das regiões metropolitanas, como realidades de fato, entre nós, contrariou o modelo ortodoxo, de Direito, de divisão político-territorial, sob cuja ótica estava a cidade incluída na área de um município: são vários municípios, então, que se encontram integrados no território de uma mesma área, continuamente urbanizada.

Do ponto de vista jurídico, cidade só adquire qualificação quando seu

território se transforma em Município, isto é, em sede do governo municipal,

conforme explica José Afonso da Silva434:

Cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de sistemas político-administrativo, econômico não-agrícola, familiar e simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja sua população. A característica marcante da cidade no Brasil consiste no fato de ser um núcleo urbano, sede do governo municipal.

Quando ela intensifica seu crescimento e sofre o processo de

conurbação, seu território amplia limites e começa a intervir em outros

Municípios. A sede de governo deixa de estar atrelada a um único município,

integrando outros territórios municipais. Em razão da configuração jurídico-

política do Estado Brasileiro, questões relacionadas à autonomia das entidades

431

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.114. 432

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas– Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.6. 433

GRAU, Eros Roberto. Direito Urbano – Regiões Metropolitanas. São Paulo: RT, 1983, p.10. 434

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.26.

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186

surgirão, em razão da mútua interferência entre as cidades e os municípios da

Região metropolitana, uma realidade bem retratada por Alaôr Caffé Alves435:

Com efeito, na região metropolitana não é mais a unidade municipal que envolve e abarca a cidade; mas, ao contrário, é a grande cidade (metrópole) que envolve vários municípios, várias unidades locais autônomas do ponto de vista político, jurídico, administrativo e financeiro. A fragmentação institucional, com a existência de múltiplos centros autônomos de decisão política dentro da mesma realidade urbano-regional metropolitana, exige, por sua própria natureza, soluções unificadas, articuladas e integradas. Assim, a região metropolitana apresenta-se como uma mesma realidade física, social, econômica e ambiental, sem apresentar, contudo, uma unidade político-administrativa adequada ao tratamento de seus gigantescos

problemas. O termo Metrópole tem origem grega e significa cidade mãe, (metra-

útero-pólis), principal centro urbano, adotada inclusive pelos romanos como

uma referência à capital da província436. O vocábulo faz menção à noção de

centralidade política e hegemônica437.

Do ponto de vista histórico, o conceito de grande cidade, de cidade

hegemônica, foi cunhado nos Estados Unidos pelo censo federal de 1910 que

enfatizou o critério populacional para caracterizar a noção metropolitana de

grande cidade. Nesta época, afirmava-se que uma zona metropolitana era

formada pela existência de 200 mil habitantes na cidade central, de acordo com

o jurista colombiano Juan Carlos Covilla Martinez438. Posteriormente, em 1950

foi criado o conceito de Standard Metropolitan Área para qualificar área

metropolitana, segundo o qual o sistema populacional era mantido

acrescentando a contabilidade de população das cidades anexas ao redor da

grande cidade (que deveria apresentar 50 mil habitantes), além de critérios de

integração econômica, social e cultural.

Mais adiante, o conceito foi complementado pelo Standard Metropolitan

Statical Área que passou a considerar o percentual de trabalhadores não

435

ALVES, Alaôr Caffé. Saneamento Básico – Concessões, Permissões e Convênios Públicos (pareceres). Bauru: Edipro, 1998, p.171. 436

SPINK, Peter Kevin; TEIXEIRA, Marco Antônio Carvalho; CLEMENTE, Roberta. Governança, governo ou gestão: O caminho das ações metropolitanas in: Cadernos Metrópolenº 22, v.11, jul-dez, São Paulo, 2009, p.456. 437

SPINK, Peter Kevin; TEIXEIRA, Marco Antônio Carvalho; CLEMENTE, Roberta. Governança, governo ou gestão: O caminho das ações metropolitanas in: Cadernos Metrópolenº 22, v.11, jul-dez, São Paulo, 2009, p.457. 438

MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.40-42.

Page 187: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

187

relacionados à mão de obra agrícola e a quantidade de população mínima

necessária nas cidades vizinhas à cidade polo439.

Juan Carlos Covilla Martínez440 apesar de admitir que o conceito de

metrópole não é uniforme, adverte para a necessidade de encontrarmos traços

comuns que o qualifiquem. Quais seriam, então, os elementos mínimos para

configurar uma metrópole? Para o autor seria necessário uma grande cidade,

com importância na região onde está inserida e elevadodesenvolvimento

econômico, social e conurbação441:

Con certeza se puede afirmar que existe una falta de uniformidad en el concepto de metrópolis, pero sí está claro que se necesita de una gran ciudad, importante dentro de uma región y con un desarrollo económico y social elevado. Mientras no exista una definición clara y uniforme debemos entender la ideia de metrópolis teniendo en cuenta los critérios citados. Además de la gran ciudad llamada metrópoli, se necesita de uma conurbación: a continuación definiremos este término.

Inicialmente, o termo conurbação, segundo o jurista colombiano, foi

concebido por Patrick Geddes442 para retratar um fenômeno criado no sul do

condado de Lancashire, zona industrial da Grã-Bretanha. Para o autor inglês,

em função da industrialização algumas cidades eliminaram os limites territoriais

entre elas, retratando relações físicas entre as cidades.

Posteriormente, de acordo com Juan Carlos Covilla Martinez443, em

razão do desenvolvimento das grandes cidades, além do fenômeno físico e

territorial, a conurbação passou a ser caracterizada pela integração funcional.

Assim, além das relações entre os territórios das cidades, em decorrência da

ampliação da malha urbana, as grandes cidades começaram a exercer em

439

MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.41. Nesta obra, explica o autor: “Posteriormente, se usó el Standard Metropolitan Statical Area, como complemento del Standard Metropolitan Area, en la cual se requerían otros aspectos, como: 1. Al menos el 75% de la mano de obra del condado debe ser mano de obra no agrícola; 2. Además del punto l, el condado debe reunir, por lo menos, uma de las condiciones siguientes: a. Debe tener um 50% o más de su población que viva em divisiones menores, límites contiguos com una densidad de 150 personas por milla cuadrada, formando uma cadena contígua de divisiones menores civiles a esa densidad, irradiándose de una ciudad central em el área; b. El número de trabajadores no agricultores empleados em el condado debe ser al menos igual al 10% del número de trabajadores empleados em el condado que contenga la ciudad más grande del área, o em todo”. 440

MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.25. 441

MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.25. 442

GEDDES, Patrick. Cities in evolution: na introduction to the town planning movement and to the study of civics. Williams and Norgate, 1915, p.47-51apud MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.26. 443

MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.27.

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188

relação às cidades médias e pequenas influências econômicas, sociais e

políticas. Citemos os transportes públicos como exemplo. Muitas pessoas

vivem em uma cidade e trabalham em outra, na região conurbada, afetando o

sistema de transportes dos dois centros urbanos.

Assim, o autor entende ser a conurbação a ampliação dos territórios das

cidades em razão da interdependência funcional entre elas. Deste modo, a

metrópole é caracterizada pelas relações de trabalho, moradia, indústria,

comércio e transporte desenvolvidas entre os grandes centros urbanos e as

cidades ao seu redor. O termo conurbação, então, é a expressão da

dependência funcional e territorial entre as cidades metropolitanas444.

Diante disso o autor445 conclui que dependendo do sistema jurídico de

cada país, a metrópole será caracterizada em torno de critérios positivados na

legislação, que no mínimo considerarão características básicas, como grande

cidade com alta densidade demográfica, grau de desenvolvimento econômico,

influência em termos de prestação de serviços, trabalhos e governo em relação

às cidades vizinhas. Ou seja, conurbação física e funcional.

Acrescentamos ao desenvolvimento das metrópoles por conurbação o

fenômeno da contraurbanização, que aponta para o equívoco das definições de

regiões metropolitanas pautadas apenas na unidade de atração central (ideia

implícita no conceito de metrópole) por desconsiderarem regiões formadas a

partir de vários centros da realidade urbana.

A partir das transformações urbanas da sociedade pós-industrial, a

metrópole deixou de ser unicamente formada pelo fenômeno da conurbação,

de estrutura monocêntrica446, oriunda da sociedade industrial, pautada na

organização vertical, hierarquizada, que pressupõe a cidade-polo, ou melhor, a

444

MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p. 30. 445

MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.44. 446

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.67. Segundo o autor: “Por una parte, se distingue una tipologia monocéntrica, fuertemente jerarquizada, que caracteriza las áreas metropolitanas de Madrid, Málaga, Sevilla y Valencia, donde casi todos los flujos de movibilidad por motivos de trabajo gravitan hacia el municipio cabecera y que determinan unos recorridos radiales bastante largos. Por otra parte es posible detectar outra tipología bijerárquico radial que caracteriza Barcelona, y em un medida menor Bilbao, a través de la existência de uma serie de sub-centros, según el patrón de movilidad obligada por motivos de trabajo, que implica unas distancias de desplazamientos inferiores y potencialmente más sostenibles”.

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189

cidade mãe influenciando as demais cidades em razão de fatores sociais,

econômicos, demográficos e urbanos447.

Com a sociedade pós-industrial, segundo Francisco Toscano Gil448, a

estrutura das regiões metropolitanas foi alterada substancialmente, a ponto de

deixar de ser hierárquica, centralizadora, para assumir uma organização

policêntrica e descentralizada, em relação às cidades urbanizadas, por meio do

fenômeno da contraurbanização.

O autor espanhol449 denomina o fenômeno da contraurbanización ou

periurbanización e explica que ele surge nas sociedades industriais ocidentais

nos anos 70 do século XX. Ao contrário da sociedade indústria – pautada no

predomínio do setor secundário e terciário450 da economia em um ou poucos

centros urbanos, monopolizadores da estrutura de produção e serviço em

relação às demais cidades – a contraurbanização permitiu que outros centros

urbanos, em áreas periféricas (periurbanas) ganhassem independência em

relação à cidade central, por abrigarem indústrias, escolas, prestação de

serviços, residências, antes polarizadas em um único centro. A

interdependência de relações entre as várias cidades, faz surgir outras áreas

urbanas, de expansão, periféricas, rurais e urbanas.

Em razão, portanto, da conurbação e da contraurbanização, novas

questões surgiram, desta vez, em escala metropolitana. Citamos, por exemplo,

o elevado índice de adensamento populacional, atrelado ao excesso de

verticalização, a impossibilidade da população de baixa renda adquirir

habitação em regiões com infraestrutura urbana e as dificuldades relacionadas

447

KLINK, Jeroen Johannes. Perspectivas recientes sobre la organización metropolitana. Funciones y governabilidad. Gobernar las metrópolis. In: ROJAS, Eduardo; CUADRADO-ROURA, Juan R.; GUELL, José Miguel Fernández. Banco Interamericano de Desarrollo (BID). Washington DC, 2005. Disponível em: <www.iadb.org./pub>. Acesso em: 15 jul.2013, p.127. O autor admite que apenas os critérios demográficos ou administrativos são insuficientes para caracterização da noção: “Se defenderá, en cambio, la idea de que las áreas metropolitanas se caracterizan por la compleja naturaleza de las interdependencias sociales, económicas, ambientales y político-administrativas que se dan en ellas. De este modo, y según Campbell (2002), las ciudades metropolitanas se caracterizan principalmente por tener intensas interdependencias y factores externos/efectos secundarios entre los territorios locales, mientras que el conjunto de esos territorios tiene características comunes funcionales socioeconómicas, políticas e históricas que le otorgan una identidad colectiva. Teniendo en cuenta esta definición, resulta igualmente claro que el propio tamaño no es un factor determinante”. 448

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.67. 449

Francisco Toscano Gil esclarece que o fenômeno é denominado contraurbanización na América do Norte. (GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.54.) 450

Indústrias e Prestação de serviços para pessoas e empresas.

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190

à mobilidade urbana. O processo de degradação urbana pode ser descrito

conforme as observações de Alaôr Caffé Alves451:

Dentre estes, pode-se pôr em relevo o da utilização inadequada do solo urbano, em virtude das dificuldades decorrentes da utilização do espaço urbano de modo não compatível com as funções que deve desempenhar; o da consequente perda da fluidez do espaço metropolitano, visto que a principal vantagem da aglomeração espacial metropolitana, ou seja, a fácil acessibilidade é neutralizada pelas dificuldades impostas à fluidez da rede de transportes e de comunicação; o da deterioração prematura do capital imobiliário, pelas aceleradas e contínuas alterações nas funções dos edifícios, sistemas viários, espaços verdes, e; o do estreitamente acelerado da capacidade de absorção da infra-estrutura urbana, em virtude do adensamento populacional; o da saturação do uso econômico dos recursos naturais, como água, ar, terrenos para recreação etc; o do crescimento progressivo das necessidades de investimentos em serviços urbanos, requerendo nova tecnologia e um volume considerável de recursos financeiros; e, ainda, como um problema de grande expressão, de caráter institucional, o da deficiência de uma administração unificada, capaz de propor soluções em nível metropolitano frente à multiplicidade de governos locais que agem na região.

Os problemas metropolitanos reclamam soluções regionais, uma vez

que são conexos e interdependentes. Em função dos estreitos limites entre os

territórios municipais não há que se falar em tomada de decisões parciais ou

isoladas por parte de um município. Neste sentido, a realidade metropolitana

demandará a construção de um sistema integrado de gestão que envolva

vários centros políticos, municípios que atuem de forma coordenada na

organização e na execução das políticas metropolitanas.

A descrição das etapas que revelam o surgimento da realidade

metropolitana pode ser sintetizada por José Afonso da Silva452:

O desenvolvimento industrial gerou a grande cidade dos nossos dias, cujo crescimento acelerado amplia a urbanização de áreas próximas, interligando núcleos vizinhos, subordinados a Administrações autônomas diversas. Essa continuidade urbana, que abrange vários núcleos subordinados a Municípios diferentes, gera problemas específicos que demandam solução uniforme e comum. Mesmo sem essa continuidade urbana surgem situações urbanas contíguas, polarizadas ou não por um núcleo principal, que requerem organização jurídica especial que propicie tratamento urbanístico adequado ao aperfeiçoamento da qualidade de vida de todo o assentamento humano da área. Esse fenômeno, que resulta da expansão urbana, constitui uma realidade fática, sociológica, e se

451

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.107. 452

Capítulo VI – Do Plano Urbanístico Metropolitano, p.154. In: Direito Urbanístico Brasileiro. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

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191

transforma, entre nós, em entidades jurídicas, como regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões, quando instituídas por lei complementar estadual, na forma prevista pelo art. 25, §3°, da CF.

3.1 A positivação no sistema jurídico brasileiro da realidade metropolitana

Nos dedicaremos agora a uma breve abordagem histórica sobre o

tratamento jurídico dedicado à realidade metropolitana para compreendermos

os contornos atribuídos à tipologia regional à luz da Constituição de 1988.

A doutrina453 costuma apontar como precedente do tratamento

metropolitano, sem empregar esta expressão, o art. 29 da Constituição de

1937454. No entanto, a competência atribuída aos Estados-membros para criar

a entidade responsável por administrar o agrupamento não foi exercida.

A figura regional só foi reaparecer no ordenamento jurídico brasileiro na

Constituição Federal de 1967 (art. 157, §10º, Título III – Da Ordem Econômica

e Social). Segundo o dispositivo, a Região Metropolitana seria criada por Lei

Complementar da União455.

Por sua vez, a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969,

introduziu profundas modificações na Carta Constitucional de 1967, e foi

considerada por muitos uma nova Constituição, decorrente de um novo poder

constituinte originário. As regiões metropolitanas permaneceram no título

dedicado à Ordem Econômica, embora tenha havido pequenas alterações

formais e na redação que levaram à criação do art.164456.

Mais uma vez a Constituição conferiu à União a competência para

instituir regiões metropolitanas, exclusivamente para realizar serviços comuns

dos Municípios integrantes da mesma comunidade socioeconômica. Coube ao

legislador federal estabelecer regras, dentro dos parâmetros constitucionais,

para organizar as Regiões Metropolitanas.

453

HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional Brasileiro e as Regiões Metropolitanas. Revista de Informação Legislativa. abr-jun.1975, p.40. 454

Art. 29 - Os Municípios da mesma região podem agrupar-se para a instalação, exploração e administração de serviços públicos comuns. O agrupamento, assim constituído, será dotado de personalidade jurídica limitada a seus fins. Parágrafo único– Caberá aos Estados regular as condições em que tais agrupamentos poderão constituir-se, bem como a forma, de sua administração 455

Art 157 – A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base nos seguintes § 10 – A União, mediante lei complementar, poderá estabelecer regiões metropolitanas, constituídas por Municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa, integrem a mesma comunidade sócio-econômica, visando à realização de serviços de interesse comum. 456

Art. 164. A União, mediante lei complementar, poderá para a realização de serviços comuns, estabelecer regiões metropolitanas, constituídas por municípios que, independentemente de sua vinculação administrativa, façam parte da mesma comunidade sócio-econômica.

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192

Foram editadas as Leis Complementares Federais criando Regiões

Metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador,

Curitiba, Belém e Fortaleza (Lei Complementar nº 14/1973) e Lei

Complementar nº 20/1974 (criou a Região Metropolitana do Rio de Janeiro)

além de atribuir aos Estados-membros competências para sua disciplina e

organização.

O legislador federal não instituiu apenas as figuras regionais, mas

utilizou seu poder impIícito, decorrente do art.164 da Constituição de 1969,

para organizar as Regiões e estabelecer em vários de seus dispositivos

competência para os Estados criarem suas estruturas administrativas

metropolitanas.

Mencionamos as principais leis sobre o assunto, destacando a

legislação federal, uma vez que a União era o ente competente para disciplinar

a matéria e em alguns aspectos conferir competência aos Estados para

disciplinar a criação de Conselhos e estruturas administrativas.

Com base no art. 2º da Lei Complementar nº 14/1973, cada Estado seria

responsável por criar em cada Região Metropolitana um Conselho Deliberativo,

presidido pelo governador do Estado, e um Conselho Consultivo.

O Estado de São Paulo cuidou de estruturar sua administração

metropolitana por meio da Lei Complementar nº 94 de 29/5/1974 e providenciar

a autorização legislativa para criar a Empresa Metropolitana de Planejamento

da Grande São Paulo (Emplasa) e o Fundo Metropolitano de Financiamento e

Investimento. Por meio do art.6º da Lei Complementar nº 94/1974 foram

criados o Conselho Deliberativo da Grande São Paulo (Codegran) e o

Conselho Consultivo Metropolitano de Desenvolvimento Integrado da Grande

São Paulo (Consulti).

Importante o pioneirismo da legislação mineira (Lei Complementar nº

6.303/1974), ao criar, com base no art. 2º da Lei Complementar nº 14, não

apenas os Conselhos Deliberativo e Consultivo, mas também uma autarquia,

denominada Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte

(Plambel), com personalidade jurídica de direito público, autonomia

administrativa, patrimonial e financeira para administrar a Região Metropolitana

de Belo Horizonte.

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193

A partir da Constituição Federal de 1988, inovações significativas ao

tratamento metropolitano foram introduzidas pelo art. 25, §3º. A competência

para instituir e organizar Regiões Metropolitanas foi atribuída aos Estados-

membros, por meio de lei complementar. Além disto, o legislador constituinte

acrescentou duas figuras até então inexistentes, denominadas Aglomerações

Urbanas e Microrregiões. Com relação ao tratamento das necessidades

metropolitanas, o constituinte optou por qualificá-la como função pública de

interesse comum, que necessitaria ainda da integração em seu planejamento,

execução e organização. Como substrato material para criar figuras regionais,

o constituinte previu a existência de agrupamentos de municípios limítrofes.

Com relação às legislações estaduais, a Constituição estabeleceu

pequenos contornos para tratar figuras regionais, atribuindo aos Estados-

membros mais autonomia para sua criação, planejamento e organização.

Neste caso, examinaremos o tratamento conferido pelas Constituições

estaduais e leis complementares específicas de cada Estado da Federação.

Mencionaremos referências, sobretudo, de São Paulo e Minas Gerais, em

razão dos incrementos realizados recentemente na Gestão Metropolitana.

A introdução de um novo regime constitucional para as figuras regionais

implicou a edição de novas leis complementares, pois as Leis Federais

relativas à criação das regiões metropolitanas não foram recepcionadas em

função dos entes políticos responsáveis por sua criação. No sistema anterior

era a União, e na Constituição de 1988, a competência foi atribuída aos

Estados-membros.

Esta tese457 não surtiu efeito imediato para os legisladores estaduais,

uma vez que em Minas Gerais as novas legislações só foram editadas em

2006, e em São Paulo, a partir de 2011.

Foram elas, em Minas Gerais, a Lei Complementar Estadual nº 88

(responsável pela instituição e gestão de região metropolitana e sobre o Fundo

de Desenvolvimento Metropolitano), a Lei Complementar nº 89 (que criou a

Região Metropolitana de Belo Horizonte) e a Lei Complementar nº 90

(responsável pela criação da Região Metropolitana do Vale do Aço), todas de

12 de janeiro de 2006.

457

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.159.

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194

Em São Paulo, destacamos a Lei Complementar nº 1.139, de 16 de

junho de 2011, responsável pela reorganização da Região Metropolitana de

São Paulo, que substituiu a antiga Lei Complementar nº 14 de 1973.

3.2 Noções gerais sobre regiões metropolitanas

Inicialmente visamos esclarecer o sentido do termo metrópole, antes de

o relacionarmos com regiões. Entre os vários sentidos a ele atribuídos, do

ponto de vista dos urbanistas e cientistas sociais a expressão diz respeito às

grandes áreas urbanas e interurbanas espalhadas territorialmente458. Isto

significa dizer que por meio de evoluções tecnológicas e do incremento da

urbanização pelo processo de globalização, as extensões urbanas foram se

alastrando e ampliando os limites físicos da cidade, o que levou vários

geógrafos, estatísticos e economistas a compreenderem o fenômeno por meio

de conceitos como metrópole, megapolo, megalópole, aglomeração, área

urbana e metápole459.

As agências oficiais de estatística se referem ao termo considerando

aspectos demográficos dos países. Jornais de grande circulação contam com

cadernos de notícias específicos denominados metrópoles quando pretendem

noticiar fatos ligados a assuntos locais da cidade ou crimes e escândalos

políticos de grandes conurbações.

Já vimos também que o termo metrópole, de origem grega, está

relacionado ao sentido de cidade-mãe, principal centro urbano.

Por outro lado, vale a pena também examinarmos a definição trazida

pelo dicionário460 sobre Região e Região Metropolitana. Destacaremos dentre

os seus vários sentidos aquele referente ao tema de nossa investigação.

Região na terminologia latina é substantivo feminino e corresponde à grande

extensão de terreno. Por sua vez, Região Metropolitana é região densamente

urbanizada constituída por municípios que, independentemente de sua

458

SPINK, Peter Kevin; TEIXEIRA, Marco Antônio Carvalho; CLEMENTE, Roberta. Governança, governo ou gestão: O caminho das ações metropolitanas in: Cadernos Metrópolenº 22, v.11, jul-dez, São Paulo, 2009, p.456. 459

LEFÉVRE, Christian. Governar as metrópoles: questões, desafios e limitações. Cadernos Metrópolenº 22, v.11, jul-dez, São Paulo, 2009, p.304. 460

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994.

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195

vinculação administrativa, fazem parte da mesma comunidade socioeconômica,

e cuja interdependência gera a necessidade de coordenação e realização de

serviços de interesse comum.

Diante dos vários sentidos do vocábulo, fixaremos o conceito positivado

no ordenamento jurídico brasileiro para permear a nossa pesquisa.

Antes de analisarmos o regime jurídico das regiões metropolitanas,

faremos uma breve consideração sobre outros aspectos relevantes ao estudo

das regiões metropolitanas.

Alaôr Caffé Alves461 explica que a compreensão do conceito de região

metropolitana envolve dois aspectos preliminares: estrutural e funcional.

Os estruturais consideram a descrição das condições básicas que

determinam a existência da região metropolitana. O propósito é determinar

uma noção absoluta, imutável, independentemente das modificações

históricas. O autor adverte que o esforço de elaborar um conceito válido para

qualquer época e lugar está fadado ao fracasso462. Isto porque, a realidade

metropolitana tem enfoques econômicos, urbanísticos, jurídicos e

antropológicos, que podem ser conceituados por enfoques distintos. Assim, a

abordagem exclusivamente estrutural do conceito não é a mais adequada.

O conceito pode ainda ser estudado sob o enfoque funcional,

direcionado para as ações humanas, finalidades, solução de problemas e

alcance de objetivos. Não basta descrevermos a realidade sob o aspecto

estrutural, é preciso avaliar o que atribui realidade à sua operacionalidade. A

função do conceito é descrever o mundo para operacionalizá-lo; é preciso

exprimir nele sua direção ou finalidade.

Assim, o estudo de determinada realidade exige a conjunção dos

elementos estrutural e funcional.

A abordagem jurídica enfatiza os dois elementos. Da mesma forma, o

conceito jurídico não considera apenas a estrutura normativa necessária à

qualificação jurídica da realidade metropolitana, mas também a funcionalidade

461

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.149. 462

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.149.

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196

específica em razão da qual a norma é concebida e aplicada à realidade.

Explica o autor463:

Se a juridicidade não está e não pode estar afeta tão somente à mera caracterização normativa, vale dizer, também ideal da ação humana, essa caracterização, entretanto, empresta um sentido de inequívoca necessidade para a abordagem jurídica do problema. Essa questão se coloca não só sob o aspecto da estrutura normativa necessária à qualificação jurídica da realidade metropolitana, como também e principalmente sob o aspecto da funcionalidade específica em razão da qual a norma jurídica é concebida e aplicada em relação à referida realidade e seus problemas.

Do ponto de vista jurídico, o aspecto estrutural está na hipótese da

norma, na realidade fática descrita na norma como hipótese, na proposição

descritiva das situações fáticas464. Por isto é necessário compreendermos os

aspectos urbanísticos, sociais, econômicos, ciências que informam o substrato

material que qualificará a hipótese normativa.

Com relação ao aspecto funcional, examinaremos o conteúdo da norma

jurídica para identificaros fins, objetivos invocados para concretizar

determinado aspecto da realidade. Com base no art. 25, §3º da Constituição

Federal de 1988, o aspecto estrutural do conceito é formado pela existência de

agrupamentos de municípios limítrofes e o funcional pelos objetivos de

integração, organização, planejamento e execução de funções públicas de

interesse comum.

Esta abordagem preliminar justifica os motivos pelos quais utilizaremos

em certos momentos conhecimentos da realidade econômica, social e

urbanística para o estudo da região metropolitana visando reforçar o enfoque

jurídico do problema.

463

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky, 1981, p.149. 464

Baseado em VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. São Paulo: Noeses, 2005 : “Seguimos a teoria da estrutura dual da norma jurídica: consta de duas partes, que se denominam norma primária e norma secundária. Naquela, estatuem-se as relações deônticas direitos e deveres, como conseqüência da verificação de pressupostos, fixados na proposição descritiva de situações fácticas ou situações já juridicamente qualificadas; nesta, preceituam-se as conseqüências sancionadoras, no pressuposto do não-cumprimento do estatuído na norma determinante da conduta juridicamente devida”.

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197

3.2.1 Conceito

Os conceitos jurídicos de regiões metropolitanas foram positivados pelos

Estados-membros através de Constituições Estaduais e Leis Complementares.

Com base nas definições legais, a doutrina formulou diversos conceitos,

ora caracterizando as regiões metropolitanas como pessoa jurídica, ora como

órgão, considerando sempre os aspectos relacionados com a gestão da

realidade metropolitana.

Antes de apresentarmos estes conceitos comentaremos o Projeto de Lei

Federal nº 3.460, de autoria de Walter Feldman (PSDB/SP), denominado

Estatuto da Metrópole, que no âmbito federal definiu em seu art. 6º, I Região

Metropolitana.

3.2.2 Conceito previsto no estatuto da metrópole

Na década de 90, por ocasião da discussão do Estatuto da Cidade,

Clementina de Ambrosis465recordou que as diretrizes gerais para a criação das

Regiões Metropolitanas foram tratadas pelo Projeto de Lei nº 5.788 de 1990466.

No entanto, foi redigido pela Comissão de Constituição e Justiça um

substitutivo em 28/11/2000 pelo deputado Iranildo Leitão, que o retirou, uma

vez que a criação e a instituição das Regiões Metropolitanas foram

consideradas competência exclusiva do Estado (art. 25, §3º da Constituição).

Em razão da ausência de tratamento das regiões metropolitanas por

meio do Estatuto da Cidade (art. 25, §3º da Constituição Federal), coube aos

465

Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. In: (Coord.) MOREIRA, Mariana. Estatuto da Cidade CEPAM, São Paulo, 2001. 466

Diretrizes Gerais para criação de Regiões Metropolitanas: I– estabelecimento de meios integrados de organização administrativa das funções públicas de interesse comum; II– cooperação na escolha de prioridades, considerando que o interesse comum prevaleça sobre o local; III– planejamento conjunto das funções de interesse comum, incluindo o uso do patrimônio público; IV– execução conjunta das funções públicas de interesse comum, mediante rateio de custos proporcionalmente à arrecadação tributária de cada município; V– estabelecimento de sistema integrado de alocação de recursos e de prestação de contas. Vale a pena mencionar que o projeto de lei também definia o sentido de função pública de interesse comum e patrimônio público: “Entende-se função pública de interesse comum como as atividades ou serviços cuja realização por parte de um município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto nos outros municípios integrantes da Região Metropolitana.Entende-se patrimônio público de interesse comum como o conjunto dos equipamentos de educação, saúde, transporte e lazer, bem assim dos recursos naturais, econômicos e culturais, que atenda simultaneamente a todos os municípios da Região Metropolitana”.

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198

Estados através de suas próprias Constituições e Leis Complementares criar o

tratamento jurídico das regiões metropolitanas.

Em termos legislativos o cenário sofreu modificações em 2004, quando

foram realizados seminários e audiências públicas na Câmara dos Deputados,

que culminaram com a proposição do Projeto de Lei nº 3.460/2004, do

deputado federal Walter Feldmann, denominado Estatuto da Metrópole, cujo

objetivo era tratar a questão metropolitana em âmbito federal.

Apesar de competir ao Estado criar Regiões Metropolitanas, a União não

foi excluída do planejamento regional de ordenação do território (art. 21, IX, XV,

XX.

A ela compete com exclusividade instituir diretrizes ao desenvolvimento

urbano, elaboração e execução de planos nacionais e regionais de ordenação

do território e de desenvolvimento econômico e social, o desenvolvimento de

instrumentos para organização e manutenção de serviços oficiais de

estatística, geografia, geologia e cartografia em âmbito nacional.

Recentemente467, a tramitação do Projeto de Lei nº 3.460/2004 foi

reativada com a criação da Comissão Especial que dará um parecer ao projeto,

tendo o deputado Zezéu Ribeiro (PT/BA) como relator.

467

Em abril de 2012 o relator do projeto entendeu como medida necessária a realização de um Seminário com a participação da sociedade denominado Fórum da Região Sudeste para debater e recolher subsídios técnicos para a elaboração do referido projeto. No dia 14/06/2012 na Assembleia Legislativa de São Paulo o evento ocorreu com a participação de técnicos e autoridades no assunto: Vice-presidente da Emplasa, Luiz José Pedretti; Prefeito de Diadema e presidente do Consórcio Grande São Paulo, Mário Reali; Nabil Bonduki, professor de Planejamento Urbano da FAU/USP, Barros Munhoz, presidente da Assembléia Legislativa, Barros Munhoz, Renato Viegas, Diretor Presidente da Emplasa, Deputado Federal Walter Feldman, autor do projeto, Giliar Santos, representante dos movimentos populares, Vereador Alexandre Pimentel, Presidente da Câmara Municipal de Carapicuíba e o deputado federal William Dib, que em 18 de abril de 2012 foi eleito 1º Vice-Presidente da Comissão Especial. Na ocasião o deputado Walter Feldman explicou que o projeto propõe uma política nacional de planejamento urbano regional, ou seja, a União passa a ter responsabilidade de auxiliar no planejamento territorial urbano. Neste sentido, o autor reconhece que sem este patamar institucional, a União se dedicará junto aos Municípios que atuam sem planejamento à fornecer recursos para as demandas de políticas públicas como moeda de troca política. O propósito é criar instâncias administrativas com o propósito de fazer com que os Municípios participem da gestão regional, mediante planos regionais instituídos pelos Estados como forma de coletar recursos financeiros para realizar os aportes adequados para desenvolvimento do saneamento básico, dos transportes e meio ambiente. O deputado acrescenta que o projeto de lei é responsável pela criação da política nacional de planejamento urbano e de um sistema nacional estatístico. Da mesma forma, introduz o Conselho das Cidades na política regional, além de estabelecer estrutura técnica de acompanhamento, ou seja, o governo federal passa a ficar preocupado com a nova modalidade organizativa das cidades brasileiras. Existe também a proposta de um fundo nacional de investimentos, que será administrado pelo Conselho das Cidades que indicará as fontes de subsídios nas Leis Orçamentárias Anuais e nos Planos Plurianuais federais. A leitura da justificativa do projeto de lei reafirma as explicações do autor do projeto, além de enfatizar a ausência do tratamento do tema metropolitano no Estatuto da Cidade, tornando imperiosa a “regulamentação do universo das unidades regionais, de características essencialmente urbanas, que dote o País de uma normatização que, de forma dinâmica e continuada, uniformize, articule e organize a

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199

O art.2º do Projeto caracteriza a Política Nacional de Planejamento

Regional Urbano, um conjunto de objetivos e diretrizes que a União, articulada

com os Estados, Distrito Federal e Municípios integrantes de unidades

regionais urbanas468 vão utilizar para estabelecer especificações para

organização regionalizada do território nacional, assegurar o equilíbrio do

desenvolvimento dessas unidades e o bem-estar da população.

Um dos objetivos do Estatuto da Metrópole é elaborar um conjunto de

critérios técnicos de referência nacional para caracterizar a trilogia regional469.

A cada dez anos serão feitas pesquisas nacionais considerando urbanização,

mudanças funcionais, crescimento demográfico dos Municípios e processos de

conurbação. Mas enquanto o estudo não for providenciado, o projeto adotará

provisoriamente parâmetros para definir do ponto de vista nacional o sentido de

Região Metropolitana, conforme indicados no art. 6º, I:

Art. 6º – Até que se proceda à caracterização de unidades regionais urbanas,conforme estabelecido no art. 5º desta Lei, passam a vigorar as seguintes definições: I – região metropolitana: é o agrupamento de Municípios limítrofes, que apresente, cumulativamente, as seguintes características: a) um núcleo central com, no mínimo, 5% (cinco por cento) da população do País ou dois núcleos centrais que apresentem, conjuntamente, no mínimo, 4% (quatro por cento) da

ação dos entes federativos naqueles territórios em que funções de interesse comum tenham de ser necessariamente compartilhadas”. O Estatuto da Metrópole foi dividido em duas partes, sendo a primeira dedicada à Política Nacional de Planejamento Regional Urbano (Título I) e a segunda ao Sistema Nacional de Planejamento e Informações Regionais Urbanas (Título II). Dispõe o § 2º do art. 2º que a Política Nacional de Planejamento Regional Urbano deverá seguir na sua elaboração e execução as diretrizes e instrumentos do Estatuto da Cidade (Lei 10257/2001). A Política Nacional de Planejamento Urbano deverá cumprir os objetivos gerais e específicos indicados no projeto de lei. Nos termos do art. 3º constituem objetivos gerais da Política Nacional de Planejamento Regional Urbano, por exemplo: II – realizar a organização e a manutenção dos serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional; III – promover, por meio da União, a elaboração de um conjunto de critérios técnicos de referência nacional, que contemple, entre outros, aspectos estruturais, funcionais, sociais, econômicos, hierárquicos, tipológicos e espaciais de centros urbanos na rede brasileira de cidades, visando a classificação de Municípios e a caracterização de unidades regionais urbanas; IV – orientar a União e os Estados na instituição de unidades regionais urbanas; V – promover a cooperação entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios componentes de unidades regionais urbanas, mediante articulação e integração de seus órgãos e entidades das administrações direta e indireta, atuantes regionalmente, visando o compartilhamento de informações estatísticas, geográficas, geológicas e cartográficas e a integração do planejamento e da execução das funções públicas de interesse comum. Por sua vez, o art. 7º estipula os objetivos específicos da Política Nacional de Planejamento Regional Urbano, com destaque especial: IV – fomentar a prática do planejamento territorial regional urbano e de planos diretores urbanos regionais, mediante a articulação e compatibilização dos planos diretores de Municípios integrantes de uma mesma unidade regional urbana, e a otimização dos instrumentos das políticas regional e urbana, estabelecidos nesta Lei e na Lei nº 10.257, de 2001 – Estatuto da Cidade. 468

Art. 2º, § 1º – Para os fins de aplicação da Política Nacional de Planejamento Regional Urbano, entende-se por unidade regional urbana o agrupamento de Municípios limítrofes, que têm por finalidade integrar a organização, o planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum, observado o disposto no art. 25, § 3º, da Constituição Federal. 469

Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões.

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200

população nacional; b) taxa de urbanização acima de 60% (sessenta por cento), para cada um dos Municípios integrantes da região; c) população economicamente ativa residente nos setores secundário e terciário de, no mínimo, 65% (sessenta e cinco por cento), considerado cada um dos Municípios integrantes da região; d) urbanização contínua em, no mínimo, 50% (cinqüenta por cento) dos Municípios componentes da região.

Neste sentido, indagamos: um diploma federal poderia instituir diretrizes

gerais para toda e qualquer região metropolitana instituída no país? À luz da

divisão constitucional de competências a resposta é afirmativa.

A União participa do planejamento urbano nacional, conferindo as

diretrizes gerais para os planejamentos regionais e locais.

Com base em Ricardo Marcondes Martins470 ao tratar de normas gerais

em direito urbanístico, defendemos a constitucionalidadedo projeto de lei que

trata do Estatuto da Cidade, apesar de competir especificamente aos Estados-

membros criar Regiões Metropolitanas através de Leis complementares.

Segundo o autor, o preenchimento do conteúdo das normas gerais da

União e dos Estados decorre da ponderação de princípios (prevalece o da

segurança jurídica) bem como do município (prevalece o da igualdade). Isto

significa que no exercício da competência do art. 24, o legislador

infraconstitucional deverá verificar o princípio que irá predominar.

Priorizado o da igualdade, as peculiaridades urbanas de cada Estado

deveriam ser observadas em suas legislações para definir as figuras regionais.

Este é o sistema aplicado até então, gerando disparidades em relação à

realidade urbana do país, uma vez que os parâmetros para criar a Região

Metropolitana de São Paulo não são os mesmos de Manaus, por exemplo.

No entanto, se o projeto de lei do Estatuto da Metrópole for aprovado,

haverá coerência em relação à aplicação das regras de competência

constitucionais, pois o interesse nacional, em nome da segurança jurídica será

priorizado. Aprovado o projeto de lei reconhecendo parâmetros nacionais,

fixados como patamar mínimo para todos os Estados-membros criarem suas

figuras regionais, haverá segurança jurídica e planejamento urbano uniforme e

470

MARTINS, Ricardo Marcondes. As Normas Gerais de Direito Urbanístico. Revista Eletrônica sobre Reforma do Estadonº 20. dez-jan-fev2009/2010. Salvador/Bahia/Brasil. Disponível em:<www.direitodoestado.com>. Acesso em: 18 jan.2013.

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201

equilibrado em todo país, reduzindo as disparidades urbanas, decorrente do

fenômeno da conurbação.

Não haverá ingerência na competência exclusiva prevista no art. 25, §3º

da Constituição Federal ao tratar da criação pelos Estados-membros das

figuras regionais. O Estatuto da Metrópole não obriga, apenas fornece

parâmetros gerais, caso o legislador Estadual opte por instituir as figuras

regionais. Caso contrário, o Estado apenas deixará de criar as figuras, sem

desrespeitar a partilha constitucional de competências.

Na hipótese dos legisladores estaduais exercerem suas competências

por meio de Constituições ou Leis Complementares, deverão adotar os critérios

gerais da União para criar e administrar o planejameto regional. Diante do

Estatuto da Metrópole, deverão suplementar estes comandos regionais, no que

tange às suas especificidades, decidindo se criarão ou não suas realidades

metropolitanas. Caso decidam fazê-lo, no mínimo deve respeitar estas

diretrizes.

Em razão da ausência do Estatuto da Metrópole, os legisladores

estaduais por meio de Constituições e normas complementares legislam

suplementarmente, de forma ampla sobre a criação das figuras regionais,

oferecendo parâmetros e tratamentos díspares entre as regiões metropolitanas

pelo país.

Por isto seria desejável editar a norma geral federal uniformizando os

critérios e contribuindo com a harmonia do planejamento urbano em todo o

território nacional.

Para Nelson Saule Júnior471 a União tem competência para dispor sobre

as diretrizes gerais do desenvolvimento urbano, matéria diretamente

relacionada à realidade metropolitana, da mesma forma que influencia a

criação de Estados e Municípios (art.18, §3º e §4º da Constituição Federal),

entidades integrantes das Regiões Metropolitanas. A União deverá tratar do

papel, da finalidade, dos critérios para criação e atribuições da região

metropolitana.

471

SAULE JÚNIOR, Nelson. Bases Jurídicas para a instituição de uma Lei Federal sobre o sistema nacional de desenvolvimento urbano. In: (Coord.) SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007, p.96-97.

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202

Por fim, compete aos Estados, criar por lei complementar as regiões

metropolitanas constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes para

integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de

interesse comum (art. 25, §3º Constituição Federal). Segundo o autor472:

a) Os Estados podem criar as regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões por lei complementar estadual como unidades regionais estaduais administrativas; b) Os assuntos metropolitanos das regiões estaduais administrativas são assuntos de interesse nacional como a política nacional de desenvolvimento urbano, habitação, saneamento ambiental, mobilidade e transporte urbano; c) A União tem competência constitucional para estabelecer normas gerais sobre assuntos metropolitanos tais como critérios para a criação e organização das regiões estaduais administrativas; d) Cabe a União para atuar de forma cooperada e integrada com os Estados e Municípios definir as prioridades nacionais e regionais, para o planejamento e execução de funções públicas de interesse comum, as formas e instrumentos de cooperação.

O projeto de lei que trata do Estatuto da Metrópole cumpre o mesmo

propósito das demais leis federais urbanísticas, ao viabilizar a elaboração e a

execução de planos nacionais e regionais de ordenação do território e fixar

diretrizes da política nacional de planejamento regional urbano.

O documento aborda normas aplicáveis a todo território nacional, que

proporcionarão à União, ao lado dos Estados e Municípios integrantes das

figuras regionais determinar critérios para a organização regionalizada do

território nacional, assegurar o equilíbrio do desenvolvimento dessas unidades

e do bem-estar da população.

A lei tratará dos fundamentos, objetivos gerais, conceituação, objetivos

específicos, diretrizes gerais, instrumentos e planos da política nacional de

planejamento regional urbano.

Inclui também os fundamentos e objetivos gerais e composição,

Ministério das Cidades (Unidade Coordenadora e Operadora), Conselho das

Cidades (Unidade Normativa e Deliberativa), Unidade de Assessoramento

Técnico (Comitê Técnico), Unidade de Captação, Investimento e

Financiamento, Gestão Democrática do Sistema Nacional de Planejamento e

Informações Regionais Urbanas.

472

SAULE JÚNIOR, Nelson. Bases Jurídicas para a instituição de uma Lei Federal sobre o sistema nacional de desenvolvimento urbano. In: (Coord.) SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007, p.97.

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203

A legislação traz ainda os conceitos de cada tipologia regional para

orientar e estabelecer diretrizes aos Estados para criarem suas regiões,

obedecendo aos parâmetros de desenvolvimento nacional.

Assim, a União realizará, a cada 10 anos, uma pesquisa de âmbito

nacional, denominada Caracterização e Tendências da Rede Urbana do Brasil,

com o objetivo de analisar, regionalmente, a configuração e as tendências da

rede brasileira de cidades, seu processo de urbanização, crescimento

demográfico, organização, mudanças funcionais e espaciais, a classificação

dos Municípios e a caracterização de unidades regionais urbanas.

Para cumprir este propósito, o sistema nacional de planejamento e

informações regionais urbanas deverá manter em bases nacionais a

organização dos serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e

cartografia de âmbito nacional.

Do mesmo modo, como forma de orientar genericamente o

desenvolvimento nacional, o projeto de lei prevê o processo democrático de

elaboração dos planos nacionais, regionais e setoriais urbanos pela União, seu

conteúdo e prazo para revisão. O intuito é promover a integração e orientação

do planejamento de caráter regional e urbano, além da execução das funções

públicas de interesses comuns pelos órgãos e entidades federais, estaduais e

municípios que integram as unidades regionais urbanas.

Em suma, com base na divisão constitucional de competências, o

projeto de lei não amesquinha a competência legislativa exclusiva do Estado,

pois a competência para decidir em última análise se haverá criação ou não

das regiões metropolitanas, mesmo em face dos critérios fixados em lei

nacional, permanece com os Estados.

3.2.3 Conceitos legais e doutrinários

Preliminarmente tratamos das noções gerais sobre o conceito de Região

Metropolitana; verificamos que o fenômeno pode ser estudado sob os aspectos

fático-urbanístico (realidade urbana e econômica) e jurídico.

O fenômeno fático-urbanístico se transforma em instituto jurídico quando

é instituído por lei complementar estadual (art. 25, §3º da Constituição

Federal).

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204

Neste caso, cuidaremos das abordagens urbanística e econômica, que

servirão para descrever os elementos da hipótese normativa, a situação fática

juridicamente qualificada. Posteriormente, trataremos do tema do ponto de

vista jurídico, através do regime jurídico e das formas de gestão aplicáveis.

Não existe conceito universal aplicável às figuras regionais, pois caberá

ao ordenamento jurídico de cada país definir os contornos jurídicos das regiões

metropolitanas, conforme esclarece Juan Carlos Covilla Martinez473:

No existe um concepto global de la palabra metrópolis, por lo que corresponde a cada ordenamiento fijar su definición de acuerdo com las características de cada país, buscando ante todo un desarrollo metropolitano.

A formação das regiões metropolitanas tem relação com o intenso

crescimento urbano decorrente do surgimento das cidades. Para José Afonso

da Silva474, é possível estabelecer juridicamente um conceito de cidade:

Cidade, no Brasil, é um núcleo urbano qualificado por um conjunto de sistemas político-administrativo, econômico não – agrícola, familiar e simbólico como sede do governo municipal, qualquer que seja sua população. A característica marcante da cidade no Brasil consiste no fato de ser um núcleo urbano, sede do governo municipal.

De outro lado, o Município é ente federado, tem autonomia política, é

capaz de editar suas próprias leis, criar sua própria estrutura administrativa

através da Lei Orgânica e executar suas funções, nos termos da Constituição

Federal.

No Brasil, as cidades experimentaram a partir da década de 60, um

intenso processo de industrialização, acompanhado do aumento de riqueza

econômica, crescimento demográfico, implementação de equipamentos

urbanos (ruas, praças, canalizações subterrâneas, viadutos, escolas,

mercados), estrutura edilícia para abrigar o elevado contingente populacional, o

que acarretou o desenvolvimento de relações sociais, comerciais, culturais e

industriais. Contudo, o acelerado crescimento das cidades, decorrente da

intensificação dos fluxos econômicos, sociais e culturais gerou a expansão dos

núcleos urbanos, circunscritos a uma única sede de Município para outras

473

MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.157. 474

SILVA, José Afonso da.Capítulo I – Do Regime Jurídico da Atividade Urbanística, p.24. In: Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

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205

cidades vizinhas, criando vínculos entre cidades de municípios próximos,

gerando relações de graus distintos de interdependência.

A região metropolitana é fruto do crescimento da cidade para além dos

limites territoriais do município no qual está inserida. Neste processo há

sempre um núcleo urbano principal que exerce influência econômica e social

em relação aos núcleos urbanos das cidades vizinhas, contidas em outros

Municípios. A interdependência entre os núcleos urbanos em grau elevado

forma um único aglomerado com relações mútuas, denominado conurbação.

Na verdade, conurbação475 é o conjunto formado por uma cidade e seus

subúrbios, ou por cidades reunidas, que constituem uma sequência, sem,

contudo, se confundirem.

Dependendo das características econômicas, sociais e urbanas que

geram a interdependência entre as cidades de vários municípios, distintos tipos

de regiões metropolitanas poderão surgir. Por exemplo, o Estado de São

Paulo, atualmente, conta com 4 regiões: São Paulo, Campinas, Santos e a

recente Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte.

A Região Metropolitana de São Paulo, por exemplo, foi criada pela Lei

Complementar nº 1.139 de 16 de junho de 2011, e tem 8097 Km2, 39

municípios, 5 sub-regiões, 19, 7 milhões de habitantes e 572 bilhões de reais

de PIB476. Por sua vez, a Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral

Norte, criada pela Lei Complementar nº 1.166 de 9 de janeiro de 2012, conta

com 16.178 Km2, 39 municípios, 5 sub-regiões, 2.264.594 habitantes, 55, 6

bilhões de reais de PIB e 94 % taxa de urbanização477.

Sob o aspecto jurídico compreendemos que o fenômeno urbano descrito

é transformado em realidade jurídica quando instituído pelo art.25, §3°, da

Carta Constitucional por Lei Complementar Estadual, conforme observamos

nas palavras de José Afonso da Silva478:

475

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p.470. 476

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Reorganização da Região Metropolitana de São Paulo consolida novo sistema de gestão. Publicação da Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano de São Paulo e EMPLASA.São Paulo: Imprensa Oficial, 2008. 477

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte. Publicação da Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano de São Paulo e EMPLASA, 2011. 478

SILVA, José Afonso da.Capítulo I – Do Regime Jurídico da Atividade Urbanística, p.24. In: Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012.

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206

O desenvolvimento industrial gerou a grande cidade dos nossos dias, cujo crescimento acelerado amplia a urbanização de áreas próximas, interligando núcleos vizinhos, subordinados às Administrações autônomas diversas. Essa continuidade urbana, que abrange vários núcleos subordinados a Municípios diferentes, gera problemas específicos que demandam solução uniforme e comum. Mesmo sem essa continuidade urbana surgem situações urbanas contíguas, polarizadas ou não por um núcleo principal, que requerem organização jurídica especial que propicie tratamento urbanístico adequado ao aperfeiçoamento da qualidade de vida de todo o assentamento humano da área. Esse fenômeno, que resulta da expansão urbana, constitui uma realidade fática, sociológica, e se transforma, entre nós, em entidades jurídicas, como regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões, quando instituídas por lei complementar estadual, na forma prevista pelo art. 25, §3°, da CF.

O fenômeno da Região Metropolitana também apresenta dimensão

jurídica, justamente por sua criação decorrer de lei. No entanto, esta criação

parte de substratos da realidade econômica, social e urbanística, conforme

discorre José Afonso da Silva479:

Sob os aspectos econômico, social e urbanístico, o fenômeno é inorgânico, empírico, problemático, ao passo que, definido juridicamente, toma forma, persegue organização, institucionaliza-se. Não é a Constituição que a realiza, por si. Apenas possibilita sua criação. Dá as bases para seu estabelecimento, quando, no citado art. 25, §3°, estatui que “os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, [...] constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes”.

Como parâmetro legislativo, invocaremos as definições de regiões

metropolitanas das legislações paulistas e mineiras:

Com base no art. 153 da Constituição Estadual de São Paulo e do art. 3º

da Lei Complementar nº 760/1994 que instituiu as diretrizes para organização

regional do Estado de São Paulo, temos a definição:

Art.153 – O território estadual poderá ser dividido, total ou parcialmente, em unidades regionais constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, mediante lei complementar, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, atendidas as respectivas peculiaridades. §1º – Considera-se região metropolitana o agrupamento de Municípios limítrofes que assuma destacada expressão nacional, em razão de elevada densidade demográfica, significativa conurbação e de funções urbanas e regionais com alto grau de diversidade, especialização e integração sócio-econômica, exigindo planejamento integrado e ação conjunta permanente dos entes públicos nela atuantes.

479

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.156.

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207

Acréscimo do art.3º da LC 764/1994 – Considerar-se-á região metropolitana o agrupamento de municípios limítrofes, com destacada expressão nacional, a exigir planejamento integrado e ação conjunta com união permanente de esforços para a execução das funções públicas de interesse comum, dos entes públicos nela atuantes, que apresente, cumulativamente, as seguintes características: I – elevada densidade demográfica; II – significativa conurbação; III – funções urbanas e regionais com alto grau de diversidade; IV – especialização e integração socioeconômica.

De acordo com os arts. 44 e 45 da Constituição Estadual de Minas

Gerais e do art. 3º da Lei Complementar nº 88 de 12/1/2006 que dispõe sobre a

instituição e a gestão de região metropolitana e sobre o Fundo de

Desenvolvimento Metropolitano, são regiões metropolitanas:

Art. 44 – A instituição de região metropolitana se fará com base nos conceitos estabelecidos nesta Constituição e na avaliação, na forma de parecer técnico, do conjunto dos seguintes dados ou fatores, dentre outros, objetivamente apurados: I – população e crescimento demográfico, com projeção qüinqüenal; II – grau de conurbação e movimentos pendulares da população; III – atividade econômica e perspectivas de desenvolvimento; IV – fatores de polarização; V – deficiência dos serviços públicos, em um ou mais Municípios, com implicação no desenvolvimento da região. § 1° – Lei complementar estabelecerá os procedimentos para a elaboração e a análise do parecer técnico a que se refere o "caput" deste artigo, indispensável para a apresentação do projeto de lei complementar de instituição de região metropolitana. § 2° – A inclusão de Município em região metropolitana já instituída será feita com base em estudo técnico prévio, elaborado em conformidade com os critérios estabelecidos neste artigo. Art. 45 – Considera-se região metropolitana o conjunto de Municípios limítrofes que apresentam a ocorrência ou a tendência de continuidade do tecido urbano e de complementaridade de funções urbanas, que tenha como núcleo a capital do Estado ou metrópole regional e que exija planejamento integrado e gestão conjunta permanente por parte dos entes públicos nela atuantes. Art. 3º– A instituição de região metropolitana se fará com base nos conceitos estabelecidos na Constituição do Estado e na avaliação, na forma de parecer técnico, dos seguintes dados ou fatores, objetivamente apurados, sem prejuízo de outros que poderão ser incorporados: I – população e crescimento demográfico, com projeção qüinqüenal; II – grau de conurbação e movimentos pendulares da população; III – atividade econômica e perspectivas de desenvolvimento; IV – fatores de polarização; V – deficiência dos serviços públicos, em um ou mais Municípios, com implicação no desenvolvimento da região metropolitana.

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De acordo com as definições legais, Maria Coeli Simões Pires e Gustavo

Gomes Machado480 explicam o conceito de Regiões Metropolitanas:

O conceito de regiões metropolitanas se estruturam a partir de elementos e fatores pragmáticos oriundos da geografia, da sociologia e da economia, notadamente. Podem ser citados como elementos integrantes do conceito de região metropolitana: a) Municípios limítrofes: Trata-se de exigência constitucional básica para o estabelecimento de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. No Direito Positivo Brasileiro, a região metropolitana, assim como as outras duas espécies regionais, será formada por municípios limítrofes. Deve-se assinalar que a área de conurbação pode envolver a integralidade dos territórios dos Municípios que formam a unidade socioeconômica regional ou parte delas; b) Conurbação: Trata-se do fenômeno geográfico mais visível como decorrência da metropolização. Nesse processo, o tecido urbano de duas ou mais cidades junta-se, implicando a integração das infra-estruturas urbanas e, por conseguinte, a necessidade de planejamento e gestão conjunta permanente das funções públicas de interesse comum; c) Metrópole: O termo metrópole se origina do grego metropolis, que quer dizer “cidade-mãe”. As regiões metropolitanas têm como núcleo uma metrópole, pólo dinamizador do crescimento econômico e populacional do complexo. No Brasil, em virtude do peculiar processo histórico de urbanização, diversas capitais acabaram por ganhar a conformação de grandes cidades, diferentemente do que ocorre na maioria dos países, que é a formação de raras metrópoles. A presença da metrópole pode ser apontada como um dos elementos que diferenciam a região metropolitana da aglomeração urbana, no direito brasileiro; d)Influência:projeção nacional. As regiões metropolitanas comandam e influenciam a rede urbana de grandes porções do território nacional. A industrialização e o maior grau de especialização dos serviços nas metrópoles pressionam as relações produtivas, comerciais e migratórias entre as cidades do complexo ou mesmo entre elas e outros centros nacionais e até internacionais. Influências de âmbito regional-nacional (Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, etc) ou global (São Paulo e Rio de Janeiro) dinamizam, pois, as regiões metropolitanas; e)elevada densidade demográfica: A concentração populacional é um traço marcante das regiões metropolitanas e elemento integrante de seu conceito. Somente a megalópole brasileira formada pelas regiões metropolitanas da Baixada Santista, de São Paulo e de Campinas, com área territorial de 13.000 Km (0,15% do território nacional), concentra cerca de 21,5 milhões de habitantes (12,6% da população brasileira).

480

MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.413-414.

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209

Diante desta constatação, os autores481 formulam o conceito de Região

Metropolitana:

Nesse sentido, pode-se conceituar juridicamente a região metropolitana como o complexo geoeconômico formado por Municípios limítrofes polarizados por uma metrópole, e que apresenta forte conurbação, alta densidade demográfica e influência em ampla fração da rede urbana.

Para José Afonso da Silva482, Região Metropolitana “constitui-se de um

conjunto de Municípios cujas sedes se unem com certa continuidade urbana

em torno de um Município”.

O autor chama a atenção para o fato das regiões metropolitanas não

serem explicadas apenas pela existência de um conjunto de Municípios

limítrofes. Na realidade, a essência do conceito está no fenômeno da

conurbação ao exigir que as áreas urbanizadas que integram a região

metropolitana estejam subordinadas a mais de um Município. Assim, para o

autor, não importa que exista uma grande cidade, complexa, absorvente, pelos

subúrbios ou arredores, que demandem soluções conjuntas, se tal cidade

estiver no território de um único Município483:

O que dá a essência ao conceito de região metropolitana, o que justifica, o que legitima sua definição por lei complementar estadual, é precisamente o fenômeno da conurbação, ou seja, a existência de núcleos urbanos contíguos, contínuos ou não, subordinados a mais de um Município, sob a influência de um Município-pólo.

Por sua vez, Alaor Caffé Alves484assim conceitua Região Metropolitana:

Região Metropolitana é constituída por mandamento legal que, reconhecendo a existência de uma comunidade sócio-econômica com funções urbanas altamente diversificadas, especializadas e integradas, estabelece o grupamento de Municípios por ela abrangidos, com vistas à realização integrada da organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum exigidos em razão daquela mesma integração urbano-regional.

481

MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.414. 482

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.156-158. 483

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.156-158. 484

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. ano II. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.13-44.

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210

Para Alaôr Caffé Alves, o conceito se qualifica mediante dois elementos:

a) Lei Complementar e b) Agrupamento dos Municípios limítrofes em razão da

organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse

comum485:

O primeiro especifica a forma legal, lei complementar da Constituição Estadual pela qual se reconhece a existência da comunidade sócio-econômica e se determina o agrupamento dos municípios envolvidos; é o elemento instrumental. O outro, subordinado ao primeiro, o que exprime o mandamento decorrente do exercício da faculdade conferida ao Estado para aqueles efeitos, isto é, o mandamento que determina, para certas conseqüências jurídicas, o agrupamento daquilo que antes não estava agrupado.

O autor observa que compete ao Estado organizar, planejar e instituir as

regiões metropolitanas e aos Municípios integrantes sustentar um vínculo

compulsório com o Estado e demais entes para a realização das funções

públicas de interesse comum. Neste caso, o ente político local não poderá

subtrair-se à figura regional, ficando sujeito às condições regionais para realizar

funções públicas de interesse comum estabelecidas por meio de lei

complementar.

José Afonso da Silva e Alaôr Caffé Alves defendem que as regiões

metropolitanas não podem ser instituídas com base em um único município. É

pressuposto a existência de duas ou mais entidades político-administrativas em

função da coordenação, planejamento, articulação, integração e execução de

funções públicas orientadas de modo unificado.

Sob outro ponto de vista, trazemos Eros Roberto Grau486que assim

define região metropolitana:

Conjunto territorial intensamente urbanizado, com marcante densidade demográfica, que constitui um pólo de atividade econômica, apresentando uma estrutura própria definida por funções privadas e fluxos peculiares, formando, em razão disso, uma mesma comunidade sócio-econômica em que as necessidades específicas somente podem ser, de modo satisfatório, atendidas através de funções governamentais coordenada e planejadamente exercitadas. Para o caso brasileiro, adite-se que será ela o conjunto, com tais características, implantado sobre uma porção territorial dentro da qual

485

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. ano II. v.3. São Paulo: Max Limonad, 1998, p.13-44. 486

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.25.

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se distinguem várias jurisdições político-territoriais, contíguas e superpostas entre si, Estados e Municípios.

Hely Lopes Meirelles487 atribui à Região Metropolitana a natureza de

área de serviço unificado, de serviços especiais de natureza meramente

administrativa.

Os serviços apresentam abrangência metropolitana, uma vez que o

interesse não é apenas local, mas também regional, por afetar a administração

de todo o Estado e, por vezes, até da União. Em razão da abrangência regional

dos serviços é necessário instituir uma administração única, que planeje

integralmente a área, coordene e promova as obras e atividades de interesse

comum da região.

Esta administração da área de serviço especial pode ser feita por

autarquia ou por pessoa jurídica de direito privado. O autor afasta

completamente a natureza federativa da Região Metropolitana, pois não poderá

ser qualificada como entidade política, instância intermediária entre o Estado e

Município488.

Em defesa da natureza de ente, pessoa jurídica, mas com personalidade

exclusiva de direito público, trazemos as reflexões de Pedro Estevam

Serrano489 sobre o conceito e a natureza jurídica das regiões metropolitanas.

Ao formulá-lo, o jurista reconhece o fenômeno em suas duas acepções:

urbanística e jurídica. No primeiro sentido, diz respeito ao mundo do ser, da

realidade fática, enquanto no segundo, refere-se ao mundo do dever-ser, de

acordo com Hans Kelsen490. A despeito de tratarem de realidades distintas, os

planos apresentam mútuas relações, uma vez que o dever-ser condiciona,

comanda a realidade fática, ou seja, a norma jurídica estabelece obrigações e

proibições, disciplina a realidade do mundo fenomênico.

Assim, quando nos deparamos com a realidade urbana, o legislador

estadual deverá verificar sua presença e manifestação, através da subsunção,

para averiguar a necessidade de instituir determinada Região Metropolitana.

487

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.83. 488

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.83-84. 489

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto.Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.188. 490

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.6.

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Pedro Estevam Serrano reconhece que a Região Metropolitana não é

quarta esfera política no âmbito da federação, não possui um Poder Executivo

e Legislativo próprios. O autor trata o fenômeno do ponto de vista jurídico,

como uma forma de exercício de competência administrativa do Estado-

membro, de forma semelhante a Hely Lopes Meirelles, embora ambos

discordem da forma como serão administrados. Hely Lopes Meirelles permite

que a figura regional seja administrada até mesmo por pessoas jurídicas de

direito privado (Sociedade de economia mista ou empresa pública). Pedro

Estevam Serrano até admite sua administração no âmbito da administração

direta, por meio de órgãos. No entanto, em relação à criação de pessoas

jurídicas da administração indireta para administrar a figura regional, só admite

sua administração por pessoa jurídica de direito público491. E conceitua Região

Metropolitana da seguinte forma492:

Parece-nos tratar-se a Região Metropolitana, portanto e à luz de todo o expendido, de ente administrativo estadual da administração direta ou indireta, sob o regime de Direito Público, instituída por faculdade discricionária do legislador complementar estadual por conta do permissivo constitucional do §3º do art. 25 de nossa Carta Magna, em áreas de conurbação de três ou mais Municípios em que haja a necessidade de realização de serviços e atividades comuns de caráter regional, no interior dos limites da competência constitucional do Estado-membro e em seu nome e sob sua responsabilidade realizados por gestão compartilhada com os Municípios integrantes, nos limites e organização estipulados na lei instituidora, sem interferência na autonomia municipal.

Por fim, registramos as lições de MichelTemer493, ao qualificar a região

metropolitana como órgão de planejamento, de onde deriva a execução de

funções pública de interesse comum. Para o autor, a região metropolitana não

tem personalidade jurídica e por esta razão não pode ser considerada pessoa

política, administrativa, nem mesmo organismo ou centro personalizado de

poder.

491

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.188. 492

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.190. 493

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 114.

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3.3 Requisitos de criação

Nosso objetivo neste momento é identificar os requisitos exigidos pela

Constituição e Leis estaduais para sabermos se o legislador estadual tem

liberdade, ou melhor, discricionariedade ampla para criar Região Metropolitana

ou se está submetido aos estritos limites da lei, no âmbito do exercício de

competência vinculada.

O Poder Constituinte originário conferiu ao poder constituinte dos

Estados uma faculdade (art. 25, §3º da Constituição) ao redigir no texto

constitucional a expressão “poderão”, atrelada a parâmetros para o exercício

da competência legislativa, quais sejam: a) Instituição de Região metropolitana

por lei complementar estadual; b) existência de agrupamentos de municípios

limítrofes; c) finalidade de integrar a organização, planejamento e execução de

funções públicas de interesse comum494.

Da mesma forma, a Constituição Federal permite que o Poder

Constituinte derivado decorrente, por meio de suas próprias constituições495,

estabeleça requisitos diferenciados para formar as regiões metropolitanas,

além dos previstos no art. 25, §3º. Trata-se da observância do princípio da

simetria, de acordo com a terminologia da jurisprudência. O Poder Constituinte

dos Estados-membros está vinculado à observância dos princípios magnos e

estruturantes do Estado, previstos na Constituição. O quanto possível, devem

ser reproduzidos de forma simétrica nos textos das Constituições Estaduais.

Assim, se não respeitarem os parâmetros do Poder Constituinte

Originário, as disposições das cartas estaduais serão inconstitucionais.

Analisaremos a legislação dos Estados de São Paulo e Minas Gerais

sobre o assunto.

Por força do art. 6º da Lei Complementar nº 760/1994496 do Estado de

São Paulo, os projetos de lei complementar que tratem da criação das

unidades regionais ou a modificação de seus limites territoriais ou de sua

494

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.186. 495

Anna Cândida da Cunha Ferraz, no artigo Poder Constituinte do Estado-membro. Revista dos Tribunais, 1979, p.19 apud ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Verbatim, 2011, p.27. 496

Lei Complementar nº 760, de 1 de agosto de 1994 – Estabelece diretrizes para a Organização Regional do Estado de São Paulo.

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designação deverão ser instruídos com o parecer da Secretaria de

Planejamento e Gestão demonstrando as características definidas para Região

Metropolitana497: elevada densidade demográfica, significativa conurbação,

funções urbanas e regionais com alto grau de diversidade e especialização e

integração socioeconômica.

Acrescenta o parágrafo único do mesmo artigo que os projetos de lei

complementares que tiverem por objetivo a divisão do território estadual em

unidades regionais deverão ser instruídos com certidão atestando a existência

das características legais fundamentais para as Regiões Metropolitanas e o

resultado da audiência aos Municípios interessados.

A Constituição de Minas Gerais (art.42) também previu como requisito

para instituir Regiões Metropolitanas critérios técnicos comprobatórios da

realidade fática que origina a conurbação entre os Municípios limítrofes.

Segundo o art. 44, a região metropolitana será instituída com base na

Constituição Estadual e na avaliação (parecer técnico) de fatores como

população e crescimento demográfico (com projeção quinquenal), grau de

conurbação e movimentos pendulares da população, atividade econômica e

perspectivas de desenvolvimento e polarização da deficiência dos serviços

públicos, em um ou mais Municípios, com implicação no desenvolvimento da

região.

A Constituição Estadual mineira também atrela a inclusão de municípios

em região metropolitana já criada à elaboração de estudo prévio (§2º), que

deverá acompanhar o projeto de lei complementar responsável pela formação

da figura regional (§1º do art. 44 da Constituição de Minas Gerais), nos termos

de lei complementar.

Coube à Lei Complementar nº88 de 2006498 disciplinar o procedimento

de elaboração dos pareceres técnicos, previstos na Carta Constitucional. O

parecer técnico que embasará a criação da Região Metropolitana (§1º do art.

3º) será elaborado por instituição de pesquisa com notório conhecimento e

experiência em estudos regionais e urbanos, a partir de informações fornecidas

por fontes especializadas e acompanhará o projeto de lei responsável, sob

497

Lei Complementar nº 760/1994, Art. 3º, I a IV. 498

Lei Complementar nº 88/2006 (Minas Gerais) – responsável pelas disposições gerais acerca da instituição e gestão de região metropolitana e o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano.

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pena de inconstitucionalidade (§4º do art. 3º da Lei Complementar nº 88/2006).

Da mesma forma (§2º), o parecer será obrigatório para incluir Município em

região metropolitana já formada.

Segundo o art.3º, §5º e §6º da Lei Complementar nº 88, há possibilidade

dos municípios se manifestarem no processo de criação das regiões

metropolitanas. A instituição de pesquisa responsável pelos estudos técnicos

de criação das regiões metropolitanas encaminhará aos Municípios

interessados, antes de concluir o parecer técnico, as informações coletadas e

analisadas e lhes concederá tempo para manifestação.

Examinemos os requisitos necessários, obrigatórios sem os quais a

Região Metropolitana não poderá ser criada por lei complementar estadual.

Para Pedro Estevam Serrano, o legislador não está vinculado à criação

das Regiões Metropolitanas, não está obrigado a editar lei complementar. No

entanto, se decidir realizar a função, deverá observar os requisitos da norma

constitucional, sobretudo, no que tange aos fins a serem alcançados. Trata-se

de competência legislativa positivamente vinculada, uma vez que terá o

legislador autonomia para qualificar os fins e os pressupostos de fato

respeitando os requisitos constitucionais: agrupamento de municípios limítrofes

que exijam planejamento, organização e execução de funções públicas de

interesses comuns.

O autor admite que há inegável esfera autônoma de decisão do

legislador complementar estadual para decidir criar a Região Metropolitana.

Contudo, a despeito deste campo discricionário e autônomo de decisão, surge

outra competência vinculada quanto aos requisitos de criação da figura

regional. Existem requisitos materiais (fáticos), formais e de conteúdo da norma

constitucional que orientam o legislador infraconstitucional. Se eles não

estiverem presentes, a lei complementar será inconstitucional.

São requisitos materiais, conforme o autor499, a existência de

conurbação entre no mínimo três municípios limítrofes, (a.1) cuja natureza

fática de seu agrupamento exija a realização de serviços comuns, (a.2) a

serem planejados e executados na forma regional.

499

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.166-167.

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216

São requisitos formais a criação da figura regional por meio de Lei

Complementar Estadual que, como terceiro requisito, deverá trazer o vínculo

compulsório formado entre os Estados e Municípios na gestão de serviços e

atividades de interesse de todos.

Além dos parâmetros constitucionais, o legislador constituinte estadual

estabeleceu outros requisitos que servem para orientar o exercício da

competência legislativa do legislador constituinte.

É por isto que a doutrina afirma que os Estados-membros não são

totalmente livres para escolher os municípios que integrarão a região

metropolitana. O Município que não reunir as características de integrante da

conurbação, por exemplo, poderá questionar judicialmente seu ingresso na

Região Metropolitana. Sobre o tema observa Rafael Augusto Silva

Domingues500:

É inquestionável que a competência para instituir as regiões metropolitanas é dos Estados-membros. É o que prescreve o art. 25, §3°da CF. Trata-se de competência exclusiva dos Estados-membros sobre Direito Urbanístico. Muito bem. De início, deve ser esclarecido que os Estados-membros não podem instituir regiões metropolitanas sem que haja uma situação fática efetiva, qual seja, que os Municípios sejam limítrofes e que haja interesse comum entre eles. Com efeito, a Constituição Estadual que estabelecer um rol de funções públicas que reputa como de interesse comum, como acontece em alguns Estados-membros, deve observar se há efetivamente essa situação, sob pena de incidir em inconstitucionalidade. Nessa linha, os Estados-membros não são totalmente livres para escolher qual Município pretende incluir na região metropolitana. O Município eleito deve ser limítrofe a outros Municípios, devendo ainda existir interesses comuns entre todos eles. Desatendidos esses pressupostos constitucionais, é possível, inclusive ao Município indicado, impugnar judicialmente a escolha realizada pelo Estado-membro.

A seguir esclareceremos cada um dos requisitos constitucionais para a

criação das Regiões Metropolitanas, igualmente aplicáveis às aglomerações

urbanas e microrregiões.

500

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

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3.3.1 Requisito material (fático)

Pedro Estevam Serrano501 aponta o fenômeno da conurbação entre no

mínimo três municípios limítrofes, que exijam a necessidade da prestação de

serviços e atividades comuns. O mesmo requisito é mencionado por José

Afonso da Silva, no entanto, sem a necessidade de reunir, no mínimo, três

Municípios limítrofes. Basta existirem “núcleos urbanos contíguos, contínuos ou

não, subordinados a mais de um Município, sob a influência de um Município-

pólo502”.

José Afonso da Silva apenas alerta para a necessidade de participação

de mais de um Município na região, sem definir a quantidade de municípios, o

que não se confunde com a existência de uma grande cidade contida em um

único Município503.

Alaor Caffé Alves504também reconhece a existência de uma comunidade

socioeconômica com funções urbanas altamente especializadas e

diversificadas que estabelece o agrupamento de Municípios limítrofes. Este

requisito está atrelado à avaliação técnica, por meio de pareceres emitidos por

órgãos metropolitanos.

Diante disto poderíamos indagar se estamos diante de uma

discricionariedade técnica. De acordo com Eva Desdentado Daroca505:

discricionariedade técnica cuida de toda atividade da Administração que se rege por critérios técnicos, o que engloba a atividade de aplicação de conceitos jurídicos indeterminados que se referem a conhecimentos especializados, mas também a toda atividade que reclama o emprego da experiência técnica. As apreciações técnicas são para ela as atividades de busca de soluções a problemas práticos utilizando-se de critérios técnicos (conhecimentos especializados).

Parte da doutrina não admite a existência de discricionariedade técnica,

mas apenas uma simples apreciação técnica. A posição predominante, e a qual

501

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.166-167. 502

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.158. 503

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.160. 504

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. In: (Org).FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Temas de direito ambiental e urbanístico. ano II. v.3. São Paulo: Max Limonad,1998, p.13-44. 505

Eva Desdentado Daroca, Los problemas del control judicial de la discrecionlidad técnica (um estúdio crítico de la jurisprudência). p.22, apud PIRES, Luis Manuel Fonseca. O Controle Judicial da Discricionariedade Administrativa – Dos Conceitos Jurídicos Indeterminados às Políticas Públicas. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p.226.

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nos filiamos, entende que a existência de cláusulas técnicas não autoriza o

exercício de competência discricionária, uma vez que o preenchimento dos

critérios técnicos por si só levam o intéprete à escolha de uma única

alternativa. Os critérios são objetivos, técnicos, não comportam margem de

apreciação subjetiva, discricionária.

Admitamos que no exercício da discricionariedade legislativa exista, com

base nas exigências legais, margem de apreciação técnica por parte do

legislador estadual, que apontará a presença de requisitos materiais para

criação da região metropolitana. Na hipótese do legislador decidir criá-la,

deverá pautar-se nos aspectos técnicos trazidos por instituições de pesquisa

que fornecem parâmetros objetivos aos órgãos administrativos. Trata-se de

competência vinculada. Presentes os pressupostos da realidade urbana

conurbada atestados pelo parecer, haverá critério material para a criação da

região metropolitana.

De acordo com Maria Sylvia Zanella di Pietro506, “parecer é ato pelo qual

os órgãos consultivos da Administração emitem opinião sobre assuntos

técnicos ou jurídicos de sua competência”. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello

os qualifica em três tipos, facultativo, obrigatório e vinculante507.

Nos termos das Constituições paulista e mineira, o parecer técnico

elaborado por órgão do governo ou instituição de pesquisa é obrigatório para

avaliar se os municípios têm as características exigidas para instituir Região

Metropolitana e acompanhar o projeto de lei complementar. O caráter do

parecer é vinculante, o que influencia obrigatoriamente a decisão do legislador.

A fundamentação do parecer integrará o conteúdo da decisão legislativa de

criação da Região Metropolitana e é pressuposto para edição da lei

complementar.

De acordo com os requisitos da legislação estadual, o parecer técnico

será obrigatório e vinculante, deverá apreciar requisitos caracterizadores da

506

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.237. 507

MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello. Princípios Gerais de Direito Administrativo, p.583 apud PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.238. Segundo a autora “O parecer é facultativo quando fica a critério da Administração solicitá-lo ou não, além de não ser vinculante para quem o solicitou. Se foi indicado como fundamento da decisão, passará a integrá-la, por corresponder à própria motivação do ato. O parecer é obrigatório quando a lei o exige como pressuposto para a prática do ato final. A obrigatoriedade diz respeito à solicitação do parecer (o que não lhe imprime caráter vinculante). O parecer é vinculante quando a Administração é obrigada a solicitá-lo e a acatar a sua conclusão”.

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219

realidade de conurbação urbana e atestar a existência de municípios limítrofes,

além de estar submetido ao controle judicial.

3.3.2 Requisito formal

O art. 25, §3º da Constituição Federal exige a edição de lei

complementar estadual para a formação das Regiões Metropolitanas.

Examinaremos as constituições estaduais para verificarmos as

características da lei complementar estadual responsável pela criação das

regiões metropolitanas.

Ao procedermos à interpretação do art. 25, §3º, verificamos que a

Constituição Federal não dispõe sobre a iniciativa da lei complementar

estadual, o que faz crer, em um primeiro momento, que a iniciativa é comum

(art. 61, §2º da Constituição Federal) atribuível, simultaneamente aos órgãos

do Poder Legislativo, ao governador do Estado e à população.

Contudo, há quem entenda que o Poder Constituinte Originário atribuiu

ao Chefe do Poder Executivo iniciativa privativa para criar Regiões

Metropolitanas (art. 61, §1º, II, b da Constituição Federal). Assim sustenta

Rafael Augusto Silva Domingues508 para quem a instituição de região

metropolitana é uma forma de organização administrativa do território, matéria

relacionada à organização administrativa e serviços públicos, conteúdo tratado

como competência privativa do Chefe do Poder Executivo, aplicável, pelo

princípio da simetria, ao governador do Estado509.

508

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.159. 509

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.159.:“A discussão é árdua. Entretanto, em relação à lei complementar instituidora das figuras urbanas (região metropolitana, aglomerações urbanas e microrregiões), nos inclinamos no sentido de reconhecer a reserva de iniciativa para o Chefe do Poder Executivo. O que dispõe o art. 61, §1º, II, b da Constituição Federal é que são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre a “organização administrativa e serviços públicos, entre outras matérias”. Em razão do princípio da simetria (corolário do princípio federativo), essa disposição se aplica aos Estados-membros, que devem considerá-la no momento da aprovação das Constituições estaduais. Entendemos, assim, que a instituição dessas figuras urbanas toca de perto a organização administrativa do Estado, assim como os serviços públicos estaduais. É que a instituição da região metropolitana, por exemplo, constitui uma forma de racionalização da atividade administrativa. Os Estados-membros organizam o seu território de maneira a melhor desempenhar o serviço público de sua responsabilidade. Por isso, entendemos que a iniciativa dessa lei complementar cabe privativamente ao Governador do respectivo Estado”.

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220

Diversamente argumentam os ministros do STF, ao julgarem a ADIN

2809-0 do Rio Grande do Sul de 25/09/2003, de relatoria de Maurício Corrêa,

DJ, 30/04/2004. O acórdão abordou a polêmica envolvendo a iniciativa para

criação das figuras regionais, ao tratar do tema como pano de fundo de uma

discussão que envolvia vício formal e material na lei complementar estadual

que incluiu município limítrofe (por ato da Assembleia Legislativa) na Região

Metropolitana de Porto Alegre.

Na ocasião, o governador questionou a Assembleia Legislativa em razão

do aumento de despesa em projeto de iniciativa do Poder Executivo (art. 63, I

da Constituição Federal). Sustentou o governador que a competência para criar

e incluir municípios nas Regiões Metropolitanas é privativa do governador (art.

61, §1º, II da Constituição Federal) por dispor sobre a organização e o

funcionamento da administração pública.

O ministro Marco Aurélio foi voto vencido ao entender ser a lei

impugnada inconstitucional por se destinar a dispor sobre processo de criação,

atribuição e organização dos serviços públicos. A maioria dos ministros,

seguindo o relator, considerou-a constitucional. Sepúlveda Pertence e Carlos

Ayres Britto argumentaram que criar Região Metropolitana não implica criar

órgão estadual, nem despesa estadual, mas integrar serviços de competência

municipal.

Em razão do exposto, percebemos dois entendimentos em relação à

iniciativa da criação da lei das figuras regionais: de um lado, trata-se de

iniciativa privativa do governador (art.61, §1º, da Constituição Federal) e de

outro, comum (art. 61§2º), ambas interpretadas à luz do princípio da simetria.

A Constituição do Mato Grosso do Sul (art.89, XXIII) considerou (art.

61§1º) competência privativa do governador a proposição de instituição de

órgãos autônomos, entidades de administração indireta, regiões

metropolitanas, aglomerações urbanas e regiões de desenvolvimento.

Por outro lado, as Constituições de São Paulo510 e Minas Gerais511, ao

tratarem expressamente da criação de figuras regionais, por meio de lei

complementar, não indicaram um dispositivo específico sobre a iniciativa da lei.

No entanto, se examinarmos aqueles que tratam das competências privativas

510

BRASIL. Constituição do Estado de São Paulo. Art.23, Parágrafo único, 17; Art.24, §2º, 1 e 2. 511

BRASIL. Constituição do Estado de Minas Gerais. Arts.42, 65 e 66, III, b, e.

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221

do governador do Estado, em ambas verificaremos a reprodução do art.61, §1º,

quanto à criação de organização administrativa e serviços públicos. Neste

caso, se adotarmos o entendimento de Rafael Domingues da Silva, a criação

de figura regional em razão da simetria entre as constituições estaduais e

federais (art. 61, §1º da Constituição Federal) será de iniciativa privativa do

governador, por estar relacionada à administração territorial de funções

públicas de interesse comum.

Ao sustentarmos que as figuras regionais são fatos jurídicos512, não

podemos confundir a forma pela qual o ordenamento atribuiu a organização,

execução e planejamento das funções públicas com o fenômeno jurídico

propriamente dito. Isoladamente, as figuras regionais são fatos jurídicos (e não

serviços, órgãos ou pessoas jurídicas). Por este ponto de vista, não seria

matéria de iniciativa privativa do Chefe do Executivo, pois não estaria

relacionada à criação de estrutura administrativa para disciplinar funções

públicas de interesse comum.

No entanto, sempre que o Governo do Estado cria determinada figura

regional, na mesma lei regulamenta sua organização, sobretudo, a forma como

será administrada (autarquia ou conselhos). Assim, a lei que forma a região

metropolitana leva à criação de órgãos, estrutura administrativa e definição dos

serviços públicos considerados funções públicas de interesse comum513.

Como a lei que cria a figura regional também dispõe sobre sua estrutura

administrativa, as considerações sobre iniciativa privativa do Chefe do

Executivo Estadual são pertinentes por levar à criação de estrutura

administrativa.

Assim, a criação da figura regional não seria iniciativa exclusiva do

Chefe do Executivo Estadual (por não importar necessariamente em

administração territorial de função pública de interesse comum). Entretanto, se

considerarmos que as leis sobre o assunto tratam no mesmo corpo legislativo

tanto do fato jurídico quanto de sua forma de administração, acolhemos a

posição de quem sustenta ser competência privativa do Chefe do Poder

512

Consequências jurídicas atribuídas pelo ordenamento em razão dos municípios limítrofes apresentarem fenômeno da conurbação que exigirá disciplina das funções públicas de interesse comum. 513

Lei Complementar nº 89/2006, responsável pela criação da Região Metropolitana de Belo Horizonte; Lei Complementar 1139/2011, responsável pela criação da Região Metropolitana de São Paulo, Lei Complementar 1146/2011, responsável pela criação da Aglomeração Urbana de Jundiaí.

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222

Executivo (governador). E indagamos: cabe iniciativa popular de lei

complementar estadual destinada à criação de região metropolitana? E

iniciativa popular sobre matérias reservadas à iniciativa exclusiva de outros

titulares?

Como regra geral, não se admite a iniciativa popular para matérias em

relação às quais a Constituição fixou determinado titular para deflagrar o

processo legislativo.

Esta é a orientação das Constituições dos Estados em geral, inclusive

de São Paulo514, por competência atribuída pelo art. 27, §4º da Constituição

Federal.

No entanto, Pedro Lenza515 aponta a possibilidade de admitir iniciativa

popular apenas em matérias reservadas ao Presidente da República, o que

poderemos interpretar, com relação ao governador do Estado. Trata-se do

precedente da Lei que criou o Sistema Nacional de Habitação de Interesse

Social516.

O tema não é pacífico para a doutrina nem na jurisprudência. Discute-se

assim a possibilidade de iniciativa popular para criar Regiões Metropolitanas,

em razão da iniciativa privativa atribuída pelas Constituições.

A questão só será resolvida pela técnica de ponderação entre os

princípios jurídicos, à luz do caso concreto. Estamos diante de dois princípios

jurídicos constitucionais que sustentam o modelo de Estado Democrático

Social de Direito. De um lado, a regra da iniciativa popular decorre do princípio

democrático em sua vertente participativa (art.1º, parágrafo único). Por outro

lado, estamos diante de norma que restringe a participação de um Poder da

República para deflagrar processo legislativo (embora interpretado

restritivamente) decorre da cláusula de harmonia entre os poderes517, refletida

514

BRASIL. Constituição Federal. (1988). Art.27, § 4º; BRASIL. Constituição do Estado de São Paulo. Art. 24, §2º, 1 e 2; §3º, 1, 4 e 5. 515

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.507. 516

Durante 13 anos o processo legislativo foi obstacularizado em razão do vício formal de iniciativa tendo em vista que a matéria tratada (art. 61, §1º, II, a e “e”) seria de competência exclusiva do Presidente da República. No entanto, no ano de 2005, o entendimento da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e do Senado foi modificado em razão da aprovação da Lei nº11.124 de16/6/2005

516, sob o

argumento de que as matérias de iniciativa popular não deveriam ser restritas por força da democracia participativa, soberania popular, cidadania, pleno exercício dos direitos políticos, princípios democráticos que se sobrepõem à iniciativa restrita e exclusiva atribuída apenas a um dos Chefes de Poderes. 517

SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.110.

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223

no mecanismo de freios e contrapesos, garantidor do princípio constitucional da

separação dos poderes (art. 2º da Constituição Federal).

De fato, há um motivo para a regra de exceção ser interpretada

restritivamente, pois o Poder Constituinte vislumbrou em nome da harmonia,

decorrente do princípio da separação dos poderes, a necessidade do Poder

Executivo exercer com exclusividade a iniciativa de determinados projetos de

lei.

Ao final, faremos também uma breve reflexão sobre a extinção da

Região Metropolitana visto que a Constituição Federal apenas tratou da criação

das figuras regionais, sem dispor sobre as formas de sua extinção.

Apresentamos as lições de Pedro Estevam Serrano518, que resolve a

questão ao aplicar o princípio do paralelismo das formas:

que pode se entendido como a via transversa, o caminho pelo qual a criação tomou e para o qual a destruição tomará em anverso àquela, ou seja, a região metropolitana criada por lei complementar deve ser extinta pelo mesmo instrumento legal.

Acrescenta ainda519 que as regiões metropolitanas também poderão ser

extintas por meio de decisão judicial que declare inválida sua instituição por

meio de efeitos ex tunc, retroativos, preservando-se os direitos de terceiros de

boa-fé e a continuidade dos serviços públicos.

3.3.3 Requisito de conteúdo

Pedro Estevam Serrano520 ao tratar dos requisitos para a criação válida

da Região Metropolitana afirma que, implicitamente, está previsto (§3º do art.

25), vínculo compulsório entre o Estado e o Município na gestão das funções

públicas de interesse comum. A denominação utilizada pelo autor é gestão

compartilhada entre o Estado e os Municípios integrantes da região.

518

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.209. 519

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.209. 520

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.169.

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224

Para Alaôr Caffé Alves521a denominação é mesmo vínculo compulsório.

Independentemente da terminologia utilizada, a Constituição Federal previu

implicitamente a obrigatória participação dos Municípios na gestão do interesse

metropolitano junto ao Estado.

Mas, o que efetivamente caracteriza o vínculo compulsório? O

agrupamento forçado de municípios limítrofes por meio de lei complementar

estadual com o intuito de organizar, planejar e executar funções públicas de

interesse comum (art. 25, §3º da Constituição Federal). De acordo com Pedro

Estevam Serrano522, a instituição da Região Metropolitana implica a submissão

dos Municípios a seus termos, independentemente de sua vontade.

Ainda que não seja atribuída ao Município a possibilidade de escolher

integrar a região metropolitana, o vínculo compulsório pressupõe a garantia de

que os municípios devem participar das decisões e ações regionais, em todas

as fases da gestão do interesse comum523:

A lei complementar deverá prever, como condição de sua constitucionalidade, a participação dos Municípios integrantes da Região Metropolitana em sua organização e funcionamento, no papel e intensidade definidos autonomamente pelo legislador complementar estadual. O fato de ser instrumento de gestão compartilhada dos interesses estaduais no interior da Região Metropolitana é que dá sentido sistêmico à exigência de lei complementar para sua instituição.

A ideia é obtida como contraponto à noção de convênios ou consórcios

entre entidades governamentais, vínculos jurídicos possíveis em razão do art.

241 da Constituição Federal que prevê, por meio destas figuras, a gestão

associada de serviços públicos. O vínculo consorcial está adstrito à vontade

das partes envolvidas, no caso os Municípios, que poderão a qualquer

momento se retirar do pacto celebrado. O consórcio pressupõe adesão

autônoma das partes e não é veículo constitucional previsto para a instituição

da Região Metropolitana524.

521

ALVES, Alaôr Caffé. Saneamento Básico – Concessões, Permissões e Convênios Públicos (pareceres). Bauru: Edipro, 1998, p.182. 522

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.193. 523

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.170. 524

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.193.

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225

Sustentam Pedro Estevam Serrano e Alaôr Caffé Alves, que se a

Constituição Federal desejasse um vínculo voluntário entre os municípios não

criaria uma disposição distinta, em outro Título da Constituição, que cuida

estritamente da Organização do Estado. Assim conclui Alaôr Caffé Alves525:

Assim, não há outra forma plausível de interpretação do referido dispositivo constitucional senão a de considerá-lo como uma expressão jurídica pela qual se adiciona um conteúdo novo ao sistema federativo brasileiro, na medida em que nele se introduz uma modalidade de relacionamento compulsório entre entidades político-administrativas nas regiões metropolitanas, cuja instituição, no entanto, ficou a depender do seu estabelecimento, através de lei complementar.

Vale adicionar as observações de Alaôr Caffé Alves526 no sentido de

observar que o vínculo regional não pode ser criado pelo Estado de forma

arbitrária, de acordo com sua vontade e escolha de qual município integrará a

região metropolitana. A lei complementar está adstrita aos critérios materiais,

ou seja, o município deve pertencer à realidade urbana conurbada

comprovada, segundo algumas leis estaduais, por pareceres técnicos. Assim, a

escolha dos municípios está vinculada às situações objetivas, descritas na

hipótese normativa de cada figura regional, sob pena de inconstitucionalidade

da lei complementar. Para o jurista527:

Disso decorre que o vínculo regional não pode ser criado pelo Estado ao seu talante, de modo arbitrário, se não houver uma situação objetiva que justifique a necessidade daquele provimento de funções públicas de interesse comum. Se não houver tal situação objetiva, a criação de regiões metropolitanas, de aglomerações urbanas ou de microrregiões seria tida como ato francamente inconstitucional. Essas figuras regionais, portanto, não podem ser criadas arbitrariamente, sem base nas exigências de ação conjunta para atender às necessidades efetivamente comuns a vários entes político-administrativos locais. Se isto ocorrer, deverá ser interpretado como ingerência absolutamente impertinente contra a autonomia municipal, o que obviamente é inconstitucional. Entretanto, se existir real e efetivamente a situação de exigências regionais de caráter comum, pode o Estado declará-la por lei complementar, criando as condições institucionais para seu provimento, sem que os municípios envolvidos possam alegar a impertinência do vínculo regional.

525

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. Revista de Direito Ambiental nº 21. ano 6. jan-mar. São Paulo: RT, 2011, p.66. 526

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. Revista de Direito Ambiental nº 21. ano 6. jan-mar. São Paulo: RT, 2011, p.66. 527

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. Revista de Direito Ambiental nº 21. ano 6. jan-mar. São Paulo: RT, 2011, p.66.

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226

A existência de vínculo compulsório também foi acolhida pela

jurisprudência em dois acórdãos julgados pelo STF528. O primeiro trata da ADIN

796-3 do Espírito Santo, publicada em 2/2/1998 e relatada pelo ministro Néri da

Silveira. O segundo, da ADIN 1841-9 do Rio de Janeiro, publicada em

20/9/2002, relatada pelo ministro Carlos Velloso. No primeiro caso, foi

considerada inconstitucional a previsão da Constituição do Estado do Espírito

Santo que determinava a anuência dos municípios com relação ao ingresso de

regiões metropolitanas, por meio do plebiscito. No segundo caso, o STF

considerou inconstitucional a previsão da Constituição do Rio de Janeiro que

determinava a concordância prévia dos Municípios com relação à formação das

Regiões Metropolitanas. Nos dois acórdãos, ficou decidido que o art. 25, §3º da

Constituição Federal previu competência privativa dos Estados para disciplinar

as Regiões Metropolitanas, sem que os Municípios tenham de manifestar sua

vontade com relação à formação da região.

Além disto, os ministros argumentaram que o Estado não pode

estabelecer (arts. 25, da Constituição Federal de 1988 e 11, do ADCT),

requisitos não previstos pela Constituição Federal para criar Região

Metropolitana.

Não há no texto constitucional determinação para a realização de

plebiscito para compor o processo de formação das figuras regionais.

Também foi invocado o vínculo compulsório entre os municípios da

região a ser criada, o qual impede que um possa ser retirado por conta da

discordância de seus munícipes.

Assim, questionamos o art.6º, parágrafo único, II, da Lei Complementar

nº 760 de 1994 do Estado de São Paulo, que condiciona os projetos de lei

complementar que têm por objetivo criar unidades regionais ao resultado de

audiência dos Municípios interessados.

528

MENCIO, Mariana. Considerações jurídicas sobre as Constituições Estaduais que introduzem o plebiscito e o referendo como Instrumento de Participação Popular no Processo Legislativo de criação das Regiões Metropolitana. Boletim de Direito Administrativonº4 (BDA), ano XXVIII, São Paulo: NDJ, 2012, p.427-446.

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227

Nossa posição

As considerações sobre o conceito de Região Metropolitana da doutrina

e da lei são extensíveis às aglomerações urbanas e microrregiões.

A despeito de revelarem aspectos econômicos, urbanos e sociais da

realidade metropolitana, na maior parte das vezes consideram a dimensão

territorial, que envolve diversas cidades espraiadas em mais de um município,

áreas de funções comuns que necessitam de uma administração única. Ao

qualificar a região metropolitana, muitos juristas incluem no conceito a natureza

administrativa das funções, que pode ser exercida por órgão público ou

autarquia, empresas públicas ou sociedade de economia mista. Vincula-se,

deste modo, a região metropolitana ou as aglomerações urbanas e

microrregiões às entidades, pessoas jurídicas, responsáveis por sua gestão.

Este é o caso do voto-vista de Ricardo Lewandowski na ADIN 1842, que ao

tratar da natureza jurídica dos novos entes regionais definiu região

metropolitana como autarquia territorial:

Ora, se a região metropolitana é um conceito jurídico que institucionaliza um fenômeno empírico, a saber, a existência de núcleos urbanos contíguos, com interesses públicos comuns, correspondendo, na abalizada lição de Alaor Caffé, a uma autarquia territorial, intergovernamental e plurifuncional, sem personalidade política.

A Constituição Federal e as legislações estaduais consideram como

substrato fático das figuras regionais agrupamento de municípios limítrofes,

com vistas ao planejamento, organização e execução comuns. No entanto,

cada figura regional será distinta em relação à outra dependendo do tipo de

relação que os Municípios limítrofes apresentam entre si. A Região

Metropolitana, por exemplo, é caracterizada por municípios conurbados com

elevada densidade demográfica, funções urbanas e regionais com alto grau de

diversidade, especialização e integração socioeconômica. Por outro lado, a

aglomeração urbana também deverá apresentar conurbação entre municípios,

mas em grau menor; na microrregião a relação entre os entes locais é apenas

interação funcional de natureza físico-territorial, econômico-social e

administrativa.

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228

Francisco Toscano Gil529, ao tratar do fenômeno metropolitano, observa

que o termo é ambivalente e revela duas dimensões: fática e jurídica. No

primeiro caso, a expressão deve ser abordada sob o enfoque da realidade

metropolitana e, no segundo, da realidade jurídica do fato jurídico

metropolitano.

Na Colômbia, Juan Carlos Covilla Martinez,530mesmo reconhecendo que

os termos áreas, regiões ou zonas metropolitanas digam respeito apenas ao

aspecto da entidade administrativa que regula a questão metropolitana, utiliza

as conclusões de Maria Concepción Barrero Rodríguez531 para diferenciar as

dimensões extrajurídicas e jurídicas de área metropolitana. No primeiro caso,

manifestado pela concepção urbana e, no segundo, refletido na organização

política ou administrativa atribuída pelo Direito, como por exemplo, na

Colômbia, que considera área metropolitana como entidade administrativa de

Direito Público.

Alaôr Caffé Alves532, nos anos de 1980 constatou que o fenômeno

metropolitano no seu aspecto estrutural, de manifestação de existência, é

revelado por várias ciências, jurídicas, urbanas e econômicas, justificando a

insuficiência do aspecto estrutural na formulação de conceitos.

Por outro lado, o jurista espanhol, ao perceber o enfoque multidisciplinar

do fenômeno metropolitano, estudado por várias disciplinas (econômica,

sociológica, urbana e geográfica) detecta consequências distintas em relação a

este fenômeno, daquelas formuladas por Alaôr Caffé Alves em razão da

quantidade de significados que podem ser atribuídos ao mesmo fenômeno. É o

que o autor 533denominou: “El caráter multidisciplinar y polisémico del hecho

metropolitano”.

Ao revelar vários sentidos, o objeto de estudo torna-se complexo,

devendo ser portanto abordado sob os enfoques fáticos e jurídicos. Francisco

529

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.28. 530

MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.36-40. 531

Las áreas metropolitanas, p.59 apud MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010. 532

ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981,p.145. 533

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.28.

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229

Toscano Gil utiliza os ensinamentos de Barrero Rodrigues534, que também

distingue as dimensões fáticas e jurídicas da área metropolitana:

Hay un concepto extrajurídico de Área metropolitana y un concepto normativo. Desde um punto de vista fáctico, se alude con tal denominación a aquellas aglomeraciones urbanas situadas en el cinturón de las grandes ciudades, desde la óptica del Derecho, a las formas de organización y gobierno características de tales espacios. Dos signficados profundamente interrelacionados pero entre los que conviene distinguir adecuadamente. Nuestro estudio se centra em la vertiente jurídica del Área metropolitana en cuanto respuesta del ordenamiento – uma de las múltiples posibles – la problemática generada por las Áreas metropolitanas en su dimensión fáctica.

A realidade metropolitana são fatos, realidades urbanas conurbadas, ou

não, conforme estivermos diante de região metropolitana, aglomeração urbana

ou microrregião que necessitam de soluções jurídicas. São formadas por

cidades conectadas por núcleos de população que perfazem a mesma

realidade econômica e social535. Por sua vez, o fato jurídico metropolitano536 é

o significado atribuído pelo direito à realidade fática metropolitana e às

correspondentes consequências jurídicas traduzidas nas diversas técnicas

empregadas para solucionar os problemas metropolitanos.

Baseados nesta perspectiva,distinguimos as notas características da

realidade fática, que informam o fenômeno metropolitano como realidade

urbana, dos aspectos relevantes para o Direito. É por isto que nos dedicamos

ao exame dos requisitos fáticos, materiais e formais previstos pelo

ordenamento para compreendermos o fenômeno metropolitano. Esse também

é o motivo pelo qual Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e

Microrregiões não podem ser confundidas com pessoas jurídicas ou órgãos,

pois traduzem o que denominamos no campo da Teoria Geral do Direito de

fatos jurídicos.

De acordo com Maria Helena Diniz537: “O fato jurídico stricto sensu é o

acontecimento independente da vontade humana, que produz efeitos jurídicos”.

534

Concepción, Las áreas metropolitanas. Instituto Garcia Oviedo, Madrid: Civitas, 1993, p.59 apud Consideraciones preliminares In: GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.29. 535

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.30. 536

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.31. 537

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito – Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação.20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.538.

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230

A realidade metropolitana é um fato, um acontecimento que ocorre no

mundo real e também comporta enunciados linguísticos, que podem ser

formulados por várias ciências, dependendo do aspecto escolhido: geográfico,

urbanístico, sociológico e econômico. É por isto que nos dedicamos a

esclarecer a origem desta realidade, bem como às várias formas de informar

sua caracterização, isto é, se basta existir uma única cidade-polo para

influenciar as demais ao seu redor ou se deve haver vários centros

canalizadores de relações entre estes núcleos urbanos. Contudo, todas estas

notas ainda não são relevantes para o mundo jurídico, pois não são

enunciados tratados pelo Direito, como explica Aurora Tomazini de Carvalho538:

Cada sistema delimita sua própria realidade, elegendo modo pelo qual seus enunciados lingüísticos serão constituídos. Não é qualquer linguagem habilitada a produzir efeitos jurídicos, somente o código próprio daquele sistema é capaz de modificá-lo, constituindo-lhe novas realidades. Assim, enquanto não traduzido em linguagem jurídica, o fato pode existir socialmente, politicamente, historicamente, economicamente, religiosamente, mas não se configura como uma realidade jurídica, porque não integrante do sistema do direito positivo e, portanto, não é capaz de nele produzir qualquer efeito.

A realidade metropolitana só acarretará consequências jurídicas quando

transformada em fato jurídico metropolitano e surtir efeitos nesta órbita.

Deverá, portanto, ser traduzido em enunciado próprio do sistema jurídico visto

que apenas a linguagem do Direito constitui o fato jurídico. Assim, é preciso

que determinada realidade fenomênica seja captada pela hipótese

normativa539, pelo antecedente normativo, descrita em linguagem normativa e

aplicada ao caso concreto, por meio da interpretação da norma jurídica540. O

fato jurídico não está contido inteiramente na hipótese normativa, o que existe

são apenas critérios para a sua identificação. Somente com o fenômeno da

subsunção (aplicação da situação concreta prevista na hipótese jurídica)

teremos um fato jurídico.

Tanto a hipótese normativa quanto o fato jurídico são enunciados

linguísticos do Direito, descrevem acontecimentos do mundo fenomênico. A

distinção entre os enunciados está no grau de determinação, pois na hipótese

538

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito (O Constructivismo Lógico- Semântico). São Paulo: Noeses, 2009, p.505. 539

MELLO, Celso Antônio Bandeira de Mello. Teoria Geral do Direito e do Estado, p.13 apud SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 9ª tiragem. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.123. 540

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito (O Constructivismo Lógico- Semântico). São Paulo: Noeses, 2009, p.505.

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231

encontramos as notas identificadoras da realidade condicionantes de tempo e

espaço enquanto no fato nos deparamos com a ação concreta verificada num

ponto do tempo e num lugar do espaço541. É o entendimento de Aurora

Tomazini de Carvalho542:

No enunciado da hipótese (antecedente de normas abstratas), ainda não temos o fato jurídico, apenas critérios para identificá-lo. Somente com o enunciado antecedente da norma individual e concreta, produzido na finalização do processo de aplicação, é que o fato jurídico aparece na sua integridade constitutiva. Por isso, não é correto dizer que o fato jurídico está contido na hipótese de incidência. Esta contém apenas a indicação de uma classe, com as notas que um acontecimento precisa ter para ser considerado fato jurídico. É somente com a norma individual e concreta, veiculada pelo ato de aplicação, que o fato jurídico é constituído, antes dela, ele não existe.

Região metropolitana, aglomeração urbana e microrregião são fatos

jurídicos, isto é, acontecimentos da realidade fática incorporadas pelas normas

jurídicas como elementos relevantes para descrição do fenômeno e atribuição

das consequências jurídicas. Analisamos legislações estaduais para

verificarmos os requisitos fáticos indicados para criação de determinada figura

regional. É por isto, que o legislador estadual indica diversos elementos da

realidade urbana, geográfica e econômica para descrever a hipótese normativa

(elevada densidade demográfica, significativa conurbação, funções urbanas e

regionais com alto grau de diversidade, especialização e integração

socioeconômica e vínculo compulsório).

Acrescentamos a isto o fundamental papel da Lei Complementar

Estadual, conforme observa Pedro Estevam Serrano543. Não basta o suporte

material, fático, da realidade urbana porque a criação jurídica da realidade

metropolitana só ocorre com a edição de Lei Complementar Estadual.

Por outro lado, não há fato jurídico metropolitano com a simples

descrição normativa destes elementos. Deve haver interpretação e subsunção

atestando que os elementos do fato estão consubstanciados na descrição da

norma. Assim, é fundamental que o legislador estadual, através do exercício da

541

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito(O Constructivismo Lógico- Semântico). São Paulo: Noeses, 2009, p.508. 542

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito(O Constructivismo Lógico- Semântico). São Paulo: Noeses, 2009, p.508. 543

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.153.

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232

competência discricionária, verifique baseado em estudos e pareceres técnicos

se os requisitos materiais constam no caso concreto, culminando com a edição

da lei complementar.

Em suma, a região metropolitana é um fato jurídico que acarretará

consequências administrativas aos interesses metropolitanos.

Assim, não devemos confundir as formas de gestão da realidade

metropolitana com o seu conceito, uma vez que o Direito, ao descrever os

elementos da realidade urbana e social atribuindo-lhes consequências

jurídicas, também cuida do regime jurídico das figuras regionais e das suas

várias formas de administração.

E por fim, refletiremos sobre o exercício de competência do legislador

estadual, atribuída pela Constituição, para criar as figuras regionais do art. 25,

§3º.

Concordamos com Pedro Estevam Serrano que entende ser exercício

de competência discricionária do legislador estadual a criação das três figuras

regionais. Neste caso, não seria possível imputar ao legislador

infraconstitucional a prática de conduta omissiva em relação ao dever instituído

na Constituição, corrigível por meio do Mandado de Injunção (art.5º, LXXI)e

Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (art.103, §2º), conclusões

endossadas por Flávia Piovesan544. Com base em José Afonso da Silva545,

verificamos que a norma do artigo art. 25, §3º546é classificada como norma de

eficácia limitada, definidora de princípio institutivo ou organizativo; são aquelas

que dependem de lei para formar órgãos, estruturas administrativas e

instituições previstas na Constituição547.

Não obstante existir para o legislador estadual discricionariedade

legislativa (art. 25, §3º, da Constituição Federal), o exercício da competência

está vinculada aos critérios das Constituições e Leis estaduais

544

PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra Omissões Legislativas (Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão e Mandado de Injunção). 2.ed.São Paulo: RT, 2003, p.68. 545

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1999 apud PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra Omissões Legislativas (Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão e Mandado de Injunção). 2.ed.São Paulo: RT, 2003, p.66. 546

Normas Constitucionais de Eficácia Plena, Normas Constitucionais de Eficácia Contida e Normas Constitucionais de Eficácia Limitada, que por sua vez abrange as normas definidoras de princípios institutivos ou organizativos e as normas definidoras de princípios programáticos. 547

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.82 apud PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra Omissões Legislativas (Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão e Mandado de Injunção). 2.ed.São Paulo: RT, 2003, p.68.

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233

correspondentes, obedecidos os parâmetros do Poder Constituinte Originário.

Havendo previsão de estudos técnicos para viabilizar a criação das Regiões

Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões (conforme verificamos

nas Constituições paulista e mineira), estaremos diante do exercício de

competência vinculada548 aos critérios da Lei.

Apesar de estarmos diante de competência legislativa, poderemos

utilizar subsídios da discricionariedade e vinculação administrativa para

esclarecermos conceitos de vinculação na competência legislativa, conforme

fez Pedro Estevam Serrano.

O fato das leis atrelarem a criação de Regiões Metropolitanas,

Aglomerações Urbanas e Microrregiões aos critérios técnicos, não significa que

estamos diante da discricionariedade técnica. Apesar de parte da doutrina

entender tratar-se de atuação discricionária, baseada em apreciação técnica,

adotamos o posicionamento de Maria Sylvia Zanella di Pietro. A apreciação

técnica não caracteriza margem de escolha do administrador, mas exercício de

competência vinculada, pois restringe a manifestação de vontade do legislador

aos parâmetros técnicos da lei, comprovados por estudos ou pareceres.

Mas quando a lei utiliza conceitos que dependem da manifestação de

órgão técnico, o Administrador Público não terá mais de uma opção para

decidir549. Os critérios apontados pelos pareceres e certidões, que pela

legislação são obrigatórios, nortearão o exercício da competência do legislador

estadual.

3.4 Distinções entre Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões

A Constituição de 1988 (art.25, §3º) introduziu ao lado das Regiões

Metropolitanas as figuras regionais, Aglomerações Urbanas e Microrregiões,

548

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.222: “Pode-se, pois, concluir que a atuação da Administração Pública no exercício da função administrativa é vinculada quando a lei estabelece a única solução possível diante de determinada situação de fato; ela fixa todos os requisitos, cuja existência a Administração deve limitar-se a constatar, sem qualquer margem para apreciação subjetiva. E a atuação é discricionária quando a Administração, diante do caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas para o direito”. 549

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.223. Para a autora, no caso do direito à aposentadoria por invalidez, a decisão da Administração fica vinculada a laudo técnico, fornecido pelo órgão especializado competente, que concluirá sobre a invalidez ou não para o trabalho; não resta qualquer margem de discricionariedade administrativa.

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234

ambas formadas por Lei Complementar Estadual para integrar a organização, o

planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum.

Partiremos nossa exposição das seguintes questões: o sentido das

novas figuras regionais coincide com o conceito de Região Metropolitana? O

tratamento jurídico conferido à Região Metropolitana é o mesmo atribuído às

Aglomerações Urbanas e Microrregiões?

O principal desafio é identificarmos as distinções e semelhanças entre

as figuras regionais. Em relação à segunda questão, o assunto é pouco

discutido na doutrina, o que exige uma interpretação sistemática para identificar

suas premissas jurídicas. Segundo José Afonso da Silva550,

Regiões Metropolitanas constitui-se de um conjunto de Municípios cujas sedes se unem com certa continuidade urbana em torno de um Município; Microrregiões forma-se de grupos de Municípios limítrofes com certa homogeneidade e problemas administrativos comuns, cujas sedes não sejam unidas por continuidade urbana. Aglomerações Urbanas carecem de conceituação, mas de logo se percebe que se trata de áreas urbanas sem um pólo de atração urbana, quer tais áreas sejam das cidades-sedes dos Municípios, como na Baixada Santista, ou não.

Quanto à distinção conceitual entre as figuras regionais, Rafael Augusto

Silva Domingues551compartilha o entendimento de José Afonso da Silva. As

microrregiões não apresentam continuidade urbana. Por sua vez, as

aglomerações urbanas, embora muito semelhantes às regiões metropolitanas,

não contam com um Município-polo que exerça atração em relação aos

Municípios limítrofes.

Do ponto de vista legal, identificamos a definição destas figuras nas

Constituições Estaduais, que nem sempre revelam o mesmo sentido atribuído

pela doutrina. Como exemplo, citaremos as legislações dos Estados de São

Paulo e Minas Gerais embora vários outros tenham instituído Regiões

Metropolitanas e outras figuras regionais. O Rio de Janeiro, por exemplo,

dispõe em sua legislação de interessante estrutura organizacional das figuras

regionais, criação de microrregiões e previsão de Planos Diretores

Metropolitanos. Optamos pelas regiões mineiras e paulistas porque as leis

550

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed.São Paulo: Malheiros, 2012, p.156. 551

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

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235

complementares não foram objetos de controvérsias de ações propostas no

STF, como no caso do Rio de Janeiro e Bahia, por exemplo552.

Com relação ao Estado de São Paulo, reunimos as definições da

Constituição Estadual e da Lei Complementar nº 760/1994 (que estabelecem

diretrizes para a organização regional do Estado) para identificarmos as

seguintes noções:

(Constituição do Estado) (Constituição Estadual) Art. 153, §2º – Considera-se aglomeração urbana o agrupamento de Municípios limítrofes que apresente relação de integração funcional de natureza econômico-social e urbanização contínua entre dois ou mais Municípios ou manifesta tendência nesse sentido, que exija planejamento integrado e recomende ação coordenada dos entes públicos nela atuantes. Acréscimo da LC 760/1994. Art. 4º – Considerar-se-á aglomeração urbana o agrupamento de municípios limítrofes, a exigir planejamento integrado e a recomendar ação coordenada dos entes públicos nele atuantes, orientada para o exercício das funções públicas de interesse comum, que apresente, cumulativamente, as seguintes características:I – relações de integração funcional de natureza econômico-social; II urbanização contínua entre municípios ou manifesta tendência nesse sentido. Art.153,§3º – Considera-se microrregião o agrupamento de Municípios limítrofes que apresente, entre si, relações de interação funcional de natureza físico-territorial, econômico-social e administrativa, exigindo planejamento integrado com vistas a criar condições adequadas para o desenvolvimento e integração regional. Acréscimo da LC 760/1994 – Art. 5º – Considerar-se-á microrregião o agrupamento de municípios limítrofes a exigir planejamento integrado para seu desenvolvimento e integração regional, que apresente, cumulativamente, características de integração funcional de natureza físico-territorial, econômico-social e administrativa.

O Estado de Minas Gerais, quanto às definições de Aglomerações

Urbanas e Microrregiões, só conta com previsão na sua Constituição (arts. 48 e

49). O art. 48 considera aglomeração urbana o agrupamento de Municípios

limítrofes que apresentam tendência à complementaridade das funções

urbanas que exija planejamento integrado e recomende ação coordenada dos

entes públicos.

Acrescenta ainda (parágrafo único) que o art. 44 deverá ser aplicado no

que for possível à criação da aglomeração urbana, especialmente no que tange

à comprovação de critérios técnicos caracterizadores da figura regional, por

552

Ação Direta de Inconstitucionalidade nºs. 1942 e 2077.

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236

meio de parecer que instruirá o projeto de lei responsável por instituir a

aglomeração553.

O art.49 considera microrregião o agrupamento de Municípios limítrofes

resultante de elementos comuns físico-territoriais e socioeconômicos que exija

planejamento integrado com vistas a criar condições adequadas para o

desenvolvimento e a integração regional.

No Direito espanhol, Francisco Toscano Gil554 explica que aglomeração

urbana, assim como realidade metropolitana, possui vários sentidos.

Inicialmente distinguimos aglomeração urbana do fenômeno metropolitano, se

considerarmos que a aglomeração urbana poderá limitar-se

administrativamente apenas a um município, enquanto a conurbação engloba

vários deles. No entanto, em certos casos, o legislador espanhol utiliza os

termos como sinônimos, ao dispor sobre os Planos de Ordenação do Território

da Andalucía. Afirma ainda que a União Europeia, na sua Oficina Estadística

(Eurostat), ao tratar das aglomerações urbanas como conjunto de unidades

territoriais de base nível NUTS 5 com mais de 50 mil habitantes, constituídas

por unidades locais contíguas com densidade populacional superior a 500

habitantes por quilômetro quadrado, praticamente equipara a figura à região

metropolitana.

Por sua vez, Juan Carlos Covilla Martínez555entende que aglomeração

urbana é um conceito sociológico e urbano, mas não jurídico, por ser originário

de estudos urbanos. Para o autor, foi um equívoco o constituinte brasileiro

regulamentar em seu art. 25, §3º o fenômeno urbano.

Aglomeração urbana e as outras figuras regionais são fatos jurídicos,

que partem de fenômenos da realidade para receberem consequências

jurídicas. Portanto, não há que se falar em equívoco por parte do constituinte

brasileiro. Assim, se o dispositivo constitucional remeteu às leis

complementares a definição da figura regional, a caracterização do fenômeno

partirá de conceitos urbanos, econômicos, para ser qualificado como realidade

jurídica por meio de lei complementar.

553

BRASIL. Constituição do Estado de Minas Gerais. Art.44, I a V, §1° e 2º. 554

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.41. 555

MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.31.

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237

Acrescenta o autor556que aglomeração urbana não está

necessariamente conurbada, apesar de apresentar um grande centro

dominante sobre áreas suburbanas, em razão de critérios de densidade

demográfica, movimentos pendulares entre as cidades, ou por taxas de

consumo de energia. Desta forma, o autor retira a conurbação como elemento

da aglomeração urbana, qualificando o fenômeno estritamente por aglomerado

de pessoas em um território, isto é, por agrupamentos de população nas

margens da cidade. Trata-se da mancha urbana formada pela população que

cresce além do perímetro urbano, até o limite do território onde ainda

encontramos moradias. Mas não é esta concepção que vigora em nosso

ordenamento jurídico.

Diante da variedade de conceitos legislativos e de constribuições da

doutrina estrangeira, Maria Coeli Simões Pires e Gustavo Gomes Machado557

explicam as dificuldades para identificar essas noções:

A expressão aglomeração urbana raramente aparece na legislação, e o conceito é pouco desenvolvido na doutrina mais consolidada sobre planejamento e gestão urbana. A primeira referência urbana a tal unidade regional consta na Lei Federal nº 6.766/1979, no art. 13, sendo, porém omissa a norma quanto à conceituação da espécie. Em linhas gerais, uma aglomeração urbana apresenta algumas das características que qualificam a região metropolitana, nisso reside a dificuldade de defini-la. É ela igualmente um complexo geoeconômico formado por municípios limítrofes e caracterizado por certo grau de conurbação e pela presença de problemas urbanos de repercussão regional, para cuja solução são necessárias ações compartilhadas entre os entes federativos envolvidos. A constitucionalização da espécie, à sua vez, desafia o novo Direito Urbanístico a precisar-lhe o conceito e a apontar, compreender e explicar os seus desdobramentos teóricos e pragmáticos. Na verdade, a doutrina tem buscado a diferenciação conceitual entre região metropolitana e aglomeração urbana, a partir da metodologia utilizada para a hierarquização da chamada Rede Urbana Brasileira, importante subsídio à formulação de políticas públicas de planejamento territorial de âmbito nacional, regional e municipal, como se colhe da lição de Motta e Ajara

558 A rede urbana do país, [...], compreende o

conjunto de centros urbanos que polarizam o território nacional e os fluxos de pessoas, bens e serviços que se estabelecem entre eles e com as respectivas áreas rurais. É formada por centros urbanos de dimensões variadas, que estabelecem relações dinâmicas entre si de diferentes magnitudes. São estas interações que respondem, não

556

MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.31. 557

MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008. 558

MOTTA, Diana Meirelles; AJARA, César. Rede urbana brasileira: hierarquia de cidades. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2000.

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238

apenas pela atual conformação espacial da rede, mas também por sua evolução futura, cuja compreensão é fundamental para o estabelecimento de metas de políticas públicas.

As definições jurídicas das tipologias regionais decorrem da análise de

estudos técnicos, pautados em estudos geográficos da realidade urbana, que

consideram critérios ambientais, demográficos e de distribuição de atividades

econômicas.

Trata-se da distinção entre a realidade e o fato jurídico metropolitano,

conceitos aplicáveis às figuras regionais de aglomerações urbanas e

microrregiões.

Para uniformizarmos as terminologias, nesta pesquisa utilizaremos

figuras regionais ou trilogia regional para designarmos as três realidades.

Assim, as regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões serão

estudadas do ponto de vista da realidade regional e do fato jurídico.

Quanto à realidade fática, o urbanismo, a economia e outras ciências

descrevem os fenômenos apropriados pela norma jurídica, configurando a

hipótese que ao ser aplicada no caso concreto, resultará no fato jurídico.

A primeira parte da abordagem estudará a realidade urbana das três

entidades regionais. A doutrina invoca o modelo da “Hierarquização da Rede

Urbana Brasileira”para informar o estudo da trilogia regional.

Esta referência conceitual foi utilizada pela publicação559 elaborada pela

Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano SA (Emplasa), Fundação

Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), Secretaria de Planejamento e

Desenvolvimento Regional, órgãos e pessoas jurídicas pertencentes ao Poder

Executivo do Estado de São Paulo. Tem como objetivo fornecer subsídios para

formular e implementar o planejamento regional, criar e institucionalizar

Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões no Estado de

São Paulo. Sua ideia central para conceituar as regiões considera a

presunção da existência de certo grau de homogeneidade socioeconômica entre municípios funcionalmente articulados e, também, na ideia de conformação de uma organização territorial integrada por municípios limítrofes. Esta organização, por sua vez, estrutura-se por relações funcionais que se dão entre um núcleo, com

559

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Rede Urbana e Regionalização do Estado de São Paulo.Publicação EMPLASA, SEADE, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional e Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Governo de São Paulo, 2011.

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239

funções polarizadoras, e municípios que compõem sua área de influência

560.

Entre as explicações técnicas da teoria que influenciam o modelo

conceitual561, destacamos:

Em geral, as regionalizações que adotam essa formulação têm por fundamento a Teoria do Lugar Central (TLC), desenvolvida por Christaller e, alternativamente, o modelo de redes urbanas, apresentado por Losch. Elas se baseiam no princípio da centralidade, segundo o qual o espaço é organizado em torno de um núcleo urbano principal, denominado lugar central. A região complementar, ou entorno, desenvolve relação de codependência com o núcleo principal que lhe oferta bens e serviços urbanos.

Os critérios que consideram o modelo da centralidade do ponto de vista

técnico identificam a área de influência de centros urbanos a partir de alguns

indicadores562 que demonstraremos a seguir:

Quadro 17 – Indicadores utilizados para a análise da Rede Urbana do Estado de São Paulo:

Critérios Indicadores Utilizados

Centralidade: área de influência de centros urbanos

REGIC – IBGE/2007 Região de Influência das Cidades – Estudo do IBGE que identifica e hierarquiza os centros urbanos brasileiros e suas regiões de influência

Centros decisórios/relaçõesinternacionais: presença de centros decisórios e fluxos de relações com a rede urbana brasileira e uma rede mundial de cidades

Sede das 500 maiores empresas do país Embarque de passageiros nos aeroportos estaduais e federais Embarque de cargas nos aeroportos estaduais e federais Agências bancárias e depósitos bancários

Escala da urbanização: dimensão do processo de urbanização

Taxa de urbanização Taxa de crescimento populacional Índice de infraestrutura urbana (saneamento e energia elétrica) Índice de consumo de bens

Complexidade/diversificação da economia urbana: presença e articulação de setores econômicos

Percentual da PEA urbana

Diversificação do terciário: grau de diversificação/complexidade das atividades de serviços

Percentual da PIA ocupada em bancos Percentual da PIA ocupada em serviços técnicos e profissionais

560

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Rede Urbana e Regionalização do Estado de São Paulo.Publicação EMPLASA, SEADE, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional e Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Governo de São Paulo, 2011, p.17. 561

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Rede Urbana e Regionalização do Estado de São Paulo.Publicação EMPLASA, SEADE, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional e Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Governo de São Paulo, 2011, p.17. 562

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Rede Urbana e Regionalização do Estado de São Paulo.Publicação EMPLASA, SEADE, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional e Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Governo de São Paulo, 2011, p.139.

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240

Percentual da PIA ocupada em serviços de saúde Percentual da PIA ocupada em administração pública

Estes indicadores563 permitiram classificar os centros urbanos

hierarquicamente a partir dos modelos abaixo:

1.1) Metrópole: Apresenta a maior gama de bens e serviços, que se caracterizam por seu grande porte e por fortes relacionamentos entre si, além de possuírem extensa área de influência; 1.2) Capital Regional: Não possui bens e serviços de maior complexidade tecnológica. Tem área de influência de âmbito regional, sendo referida como destino, para um conjunto de atividades; 1.3) Centro sub-regional: detém bens e serviços com níveis intermediários de complexidade. Atividades de gestão menos complexas. Tem área de atuação mais reduzida e seus relacionamentos com centros externos à sua própria rede se dão, em geral, penas com a metrópole; 1.4) Centro de Zona: Cidade com menor porte, com atuação em sua área imediata. Exerce funções de gestão elementares, apresentando bens e serviços inferiores aos do centro sub-regional; 1.5) Centro local: cidade cuja centralidade e atuação não extrapolam os limites do município, servindo apenas aos seus habitantes. Representa a menor unidade administrativa e possui bens e serviços mais simples.

Com base nesta classificação, identificamos municípios que deveriam

ser incorporados ao estrato superior da rede urbana, apontamos a estrutura e

os níveis hierárquicos entre os centros urbanos com funções de polos e

caracterizamos os municípios a partir da hierarquia (polos, subpolos e

articulações).

563

PEA: Sigla do IBGE. Corresponde à população economicamente ativa. Neste sentido, designa a população que está inserida no mercado de trabalho ou que está procurando exercer alguma atividade remunerada. PIA: Sigla do IBGE: Pesquisa Industrial Anual: A série da pesquisa industrial anual teve início em 1996 com o propósito de fornecer informações anuais sobre o setor industrial formado pelas indústrias extrativas e de transformação, nos períodos intercensitários. As pesquisas referentes ao período 1966-1995 passaram por diversas fases com diferenças nas abordagens metodológicas e nos desenhos amostrais. A partir do ano de 1996, a PIA foi adequada aos parâmetros do novo modelo de produção das estatísticas industriais, comerciais e de serviços, em que os censos econômicos qüinqüenais foram substituídos por pesquisas anuais de base amostral. O Cadastro Central de Empresas (CEMPRE), atualizado sistematicamente, passou a ser a referência comum para o universo das empresas coberto por estas pesquisas. O desenho das pesquisas estruturais anuais leva em consideração a concentração da atividade produtiva nos segmentos de maior porte, dando tratamento censitário para as empresas de 20 ou mais pessoas ocupadas na organização das pesquisas do comércio e de serviços, e de 30 ou mais pessoas ocupadas, nos casos das pesquisas das indústrias e extrativas e de transformação e da construção. As demais empresas, numericamente majoritárias, mas com pequena expressão no cômputo geral da atividade econômica, são objeto de seleção probabilística. (Fonte Série Relatórios Metodológicos- Pesquisa Industrial Anual- Empresas. V. 26, p.9).

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241

Contudo, a base técnica do Estudo das Regiões no Estado de São Paulo

considerou outras duas tipologias, distintas do critério hierárquico: a primeira

adotou critérios funcionais, demográficos, socioeconômicos e físico-territoriais

para definir as regiões com o propósito de identificar as relações entre

municípios-polos e de seu entorno, abrangidos em sua área de influência564. A

segunda considerou grupos de municípios com comportamentos estatísticos

semelhantes em relação a determinados temas, como demografia, economia e

meio ambiente. O propósito não foi estabelecer um posicionamento quanto ao

território, mas com relação à rede de cidades e o pertencimento a uma região

determinada para complementar as duas outras abordagens.

Com base nestes critérios e na definição jurídica oferecida pelas

Constituições Estaduais e pela Lei Complementar Estadual nº 760/1994 foi

possível produzir os conceitos e indicadores para definir Regiões

Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões.

Quadro 18– Conceitos e indicadores para definição de Regiões Metropolitanas565

Conceitos Principais Indicadores Indicadores Complementares

Elevada densidade demográfica

Densidade demográfica= Região com mais de 700hab/Km2 e mais de 1300 hab/Km2 na sede

Tamanho da população urbana = Região com mais de 1,5 milhões de habitantes

Liderança do pólo Sede com posição no Regic ≥ ao nível 5

Taxa de crescimento da população urbana = Região com taxa de crescimento populacional igual ou acima da média estadual

Significativa conurbação Existente ou não à continuidade da mancha urbana

Fluxos pendulares recebidos (deslocamento da população entre cidades) = Região com recepção de fluxos

564

Funcional: pendularidade trabalho/estudo (1º, 2º e 3º destinos – 2000), fluxos de saúde – processamento das Autorizações de Internação Hospitalar – AIHs (1º, 2º e 3º destinos – 2009), classificação dos municípios segundo as tipologias do Observatório das Metrópoles e da tipologia combinada a partir da análise de clusters. • regionalização: considerando a posição dos municípios e sua inserção regional, segundo: a organização regional do ESP, desenvolvida no estudo da Emplasa (1992/1993), a estrutura e a morfologia da rede urbana paulista propostas pelo estudo da rede urbana (Ipea/IBGE/Unicamp – Nesur – de 1999), balizados pelo Regic (IBGE – 2007), e considerando a divisão territorial oficial do Estado em RAs; • demográfico: População Urbana (1991 e 2009), Densidade Bruta (1991 e 2009), Taxa de Urbanização (1991 e 2009), Taxas de Crescimento Populacional (1991/2000 e 2000/2009), Classificação dos Municípios segundo a Tipologia do IPRS (2006). • econômico: PEA total e PEA ocupada por setor (1991 e 2000), valor adicionado fiscal (1993 e 2008), PIB municipal (2006), Classificação dos Municípios segundo a tipologia do PIB. • ambiental: Classificação dos municípios por UGRHI, Balanço Hídrico (2007). 565

Fontes: Emplasa, Fundação Seade e IBGE.

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242

pendulares (trabalho/estudo) acima de 100 mil pessoas e mais de 70 mil pessoas na sede.

Funções urbanas e regionais com alto grau de diversidade, especialização e integração socioeconômica

Hospitais de alta e de média complexidade, ensino, sede com valor do PIB superior a R$ 18, 5 milhões

Fluxos de cargas recebidos (carga de origem externa à RA/carga total destinada à RA. Região com proporção de fluxos recebidos superior a 50%.

Quadro 19 – Critérios principais e complementares para definição de aglomerações urbanas

566

Conceitos Principais indicadores Indicadores complementares

Densidade demográfica Média densidade demográfica= Região com mais de 150hab/Km2

Tamanho da população urbana = Região com mais de 250 hab/Km2

Liderança do pólo Sede com posição no Regic ≥ ao nível 2

Presença de equipamentos de porte regional (hospitais de média complexidade, centros de distribuição; shopping centers) existente ou não.

Significativa conurbação Existente ou não a continuidade da mancha urbana

Fluxos pendulares recebidos (deslocamento da população entre cidades) = Região com recepção de fluxos pendulares (trabalho/estudo) acima de 5 mil pessoas e região com proporção de fluxos recebidos superior a 50% Taxa de crescimento da população positiva

Quadro 22 – Critérios principais e complementares para definição de microrregião

567

Conceitos Principais indicadores Indicadores complementares

Relação de integração funcional de natureza físico-territorial

Sistema viário intermunicipal e capacidade de suporte do meio ambiente (condição de balanço hídrico satisfatório, isto é, relação demanda/disponibilidade hídrica).

Estrada vicinal

Relação de integração funcional de natureza econômico-social

Similaridade das atividades econômicas e prestação de serviços públicos comuns aos municípios (tipologia do PIB industrial, agropecuário e serviços).

Presença de equipamentos de porte regional (hospitais de média complexidade, centros de distribuição; shopping centers) existente ou não.

Relação de integração de natureza administrativa

Presença de consórcios intermunicipais

Programa governamental de desenvolvimento regional.

566

Fontes: Emplasa, Fundação Seade e IBGE. 567

Fontes: Emplasa, Fundação Seade e IBGE.

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243

Com base no estudo técnico do governo do Estado de São Paulo568,

constatamos graus de hierarquia apenas nas cidades das Regiões

Metropolitanas e Aglomerações Urbanas, justamente por verificarmos os

distintos níveis de liderança e atração exercidos entre as cidades em função de

alguns elementos. Entre eles, citamos a densidade demográfica, a presença de

equipamentos de comércio e serviços de porte regional, fluxos de cargas

recebidas e destinadas e a intensidade de deslocamentos entre as populações

das cidades limítrofes.

As cidades de Microrregiões não apresentam relações de lideranças em

função destes aspectos, uma vez que os fatores identificadores apontam para

relações de integração funcional de natureza físico-territorial, econômico-social

e de natureza administrativa. O importante na microrregião é constatar

integrações entre as cidades do ponto de vista do suporte ambiental, atividades

econômicas e prestação de serviços públicos comuns aos municípios.

Diante do suporte técnico desenvolvido em função das Redes Urbanas,

Maria Coeli Simões Pires e Gustavo Gomes Machado569assim conceituam

estas figuras:

Portanto, de acordo com o critério indicado, a aglomeração urbana pode ser compreendida como um conjunto de municípios limítrofes intensamente urbanizados, ou mesmo conurbados, com posição intermediária na hierarquia da rede urbana, cuja interação reclama um aparato de gestão das funções públicas que suplante a ação isolada do Município polarizador ou dos Municípios envolvidos. [...] Já a noção de microrregião não se prende à idéia de intensa urbanização. Surge a partir da identificação de funções púbicas de interesse comum entre Municípios limítrofes, como decorrência de alguma peculiaridade regional que os une ou de virtual facilidade de escala para provimento de algum serviço público ou desenvolvimento de outras atividades administrativas, de planejamento ou de fomento.[...] Assim, a microrregião é o agrupamento de Municípios limítrofes que apresentam, entre si, relações de interação funcional de natureza físico-territorial, econômico-social e administrativa, exigindo planejamento integrado, com vistas à criação de condições adequadas para desenvolver potencialidades e superar limitações para o desenvolvimento.

568

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Rede Urbana e Regionalização do Estado de São Paulo. Publicação EMPLASA, SEADE, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional e Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Governo de São Paulo, 2011, p.133-149. 569

MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

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244

A realidade que caracteriza cada uma das figuras regionais leva em

conta tipos distintos de relações estabelecidas entre os municípios limítrofes, o

grau de influência que determinada cidade exerce em relação à outra,

consubstanciada na ideia de hierarquia entre os núcleos urbanos.

Do ponto de vista técnico, o critério de hierarquia entre as cidades que

formam a trilogia regional pode exercer grau máximo de atração, considerada

metrópole em relação aos outros centros; em outro extremo poderá ser um

centro local, sem exercer sobre outra qualquer influência a ponto de extrapolar

os limites territoriais.

As relações surgirão dependendo do desenvolvimento da região. A

capacidade de atração máxima poderá ser baseada tanto em uma cidade que

apresente toda a infraestrutura urbana, de prestação de serviços e indústrias,

como modelo monocêntrico (que atrai permanentemente a população do

entorno para satisfação de suas necessidades) quanto em cidades de modelo

policêntrico (quando várias delas apresentam infraestrutura e ampla rede de

serviços, que aos poucos rompem com o grau de polarização e dependência

em relação aos demais centros urbanos).

Portanto, a hierarquia de rede urbana está relacionada à capacidade de

atração e liderança exercida por determinada cidade em relação às outras, em

função de oferta de serviços, equipamentos urbanos e densidade demográfica,

o que gera distintos graus de conurbação entre os núcleos urbanos.

Do ponto de vista urbano, identificamos entre as figuras regionais graus

de importância e interdependência entre as cidades e municípios envolvidos.

Observamos, por exemplo, que tanto na Região Metropolitana quanto na

Aglomeração Urbana o fenômeno da conurbação está presente, isto é, o

crescimento de várias cidades que extrapolam o núcleo urbano de um

município passando a integrar outros municípios, através de relações com as

cidades vizinhas. O grau elevado de urbanização faz desaparecer as zonas

rurais entre as cidades interligadas e o predomínio da grande zona urbana,

formada pela junção dos municípios limítrofes. Isto significa que nas duas

regiões, as áreas urbanizadas estão interligadas a mais de um Município, a

partir da articulação entre vários núcleos urbanos em relação aos diversos

municípios. Por sua vez, as microrregiões não contam com o fenômeno da

conurbação. Cada núcleo urbano, com sua zona urbana e rural, pertence a um

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245

Município. Os municípios apresentam entre si relações físico-territoriais,

econômico-sociais, administrativas, mas sem extrapolar suas respectivas

fronteiras. A microrregião conta com características de homogeneidade físico-

territorial (os municípios poderão pertencer às mesmas unidades de

conservação ou Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos – UGRGI)

e socioeconômica.

Destacamos, por exemplo, a criação da Microrregião de São Roque570.

Ela abrangerá cinco municípios, no eixo Raposo Tavares–Castelo Branco, que

apresentam ligações funcionais com Sorocaba. Todos pertencem à mesma

UGRGHI e com relação à ocupação do solo, predominam chácaras de recreio.

A economia é diversificada. Convivem municípios industriais com outros

pautados na prestação de serviços. Os Municípios estão inseridos na UGRGI

Tietê-Sorocaba, que apresenta balanço hídrico crítico, e não abrigam unidades

de conservação571.

Deste modo, o critério técnico que informará a definição jurídica das

várias tipologias regionais levará em conta o grau de complexidade e

tangenciamento da malha urbana entre as cidades de Municípios. Assim, a

conurbação entre os Municípios sempre existirá nas Regiões Metropolitanas

em grau de complexidade elevado. Mas está em estágio de formação nas

aglomerações urbanas e não existe nas microrregiões, uma vez que as cidades

integrantes permanecerão nos limites de seus Municípios que contarão com

áreas rurais e urbanas, sem apresentar entre si o tangenciamento entre seus

territórios.

O Estado de São Paulo, recentemente, criou pela Lei Complementar nº

1.146 de 24/8/2011 a Aglomeração Urbana de Jundiaí. Ainda não foram

criadas microrregiões, embora tenha sido proposto o Projeto de Lei Estadual nº

32, publicado em 11/5/2011 que cria a microrregião de São Carlos formada

570

Ainda não foi criada, no entanto é identificada como possibilidade de microrregião. In: GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Rede Urbana e Regionalização do Estado de São Paulo.Publicação EMPLASA, SEADE, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional e Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Governo de São Paulo, 2011. 571

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Rede Urbana e Regionalização do Estado de São Paulo.Publicação EMPLASA, SEADE, Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Regional e Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Governo de São Paulo, 2011.

Page 246: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

246

pelos Municípios de Analândia, Descalvado, Dourado, Ibaté, Ribeirão Bonito e

São Carlos572.

Todavia, o fato jurídico regional – denominado assim, por referir-se às

três entidades do art. 25, §3º da Constituição Federal – não conta com a noção

de hierarquia entre região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião.

Do ponto de vista jurídico, hierarquia significa ordem, subordinação de

poderes ou série contínua de graus ou escalões, em ordem crescente ou

decrescente573. Em termos de regiões previstas pela Constituição Federal, não

há vínculo de subordinação em relação à outra tipologia. Quando se fala em

hierarquia das redes consideramos aspectos da realidade fática, geográficos,

urbanísticos que demonstram grau de desenvolvimento elevado de um centro

urbano em relação a outro capaz de atrair o crescimento e a expansão dos

centros limítrofes.

Sobre o tratamento jurídico dado às tipologias regionais à caracterização

do fato jurídico regional, indagamos: o regime jurídico atribuído às Regiões

Metropolitanas pode ser aplicado às aglomerações urbanas e microrregiões?

Os interesses regionais são titularizados pelos Estados? Entre si, os municípios

envolvidos sustentam vínculos compulsórios? Quais os requisitos que

autorizam sua criação?

Do ponto de vista doutrinário, Rafael Augusto Silva Domingues574

sustenta que as aglomerações urbanas justificam o mesmo tratamento jurídico

atribuído à Região Metropolitana. Entende, todavia, que as microrregiões

deverão receber um tratamento jurídico distinto.

Discordamos do autor por constatarmos que o tratamento jurídico para a

criação das figuras, os interesses comuns e o modelo de gestão são

semelhantes entre elas.

572

Projeto de Lei nº 32/2011 – Microrregião de São Carlos. Art.3º – Fica criado o Conselho de Desenvolvimento da Microrregião de São Carlos, de caráter deliberativo e normativo, composto por representante do município integrante da região e por representantes do Governo do Estado de São Paulo, nos campos funcionais de interesse comum e garantida a paridade das decisões nos termos dos arts. 9º e 16 da Lei Complementar nº 760, de 1º de agosto de 1994 e art.154 da Constituição do Estado de São Paulo. 573

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994.

574

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

Page 247: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

247

Do ponto de vista das funções públicas de interesse comum, a Lei nº

1.166/2012575 responsável pela formação da Região Metropolitana do Vale do

Paraíba e Litoral Norte, por exemplo (art.12) criou o Conselho de

Desenvolvimento para especificar as funções públicas de interesse comum,

como o planejamento e o uso do solo, habitação e meio ambiente.

Por outro lado, a Lei Complementar nº 1.146/2011 responsável pela

criação da Aglomeração Urbana de Jundiaí dispensou (art.5º) o mesmo

tratamento a respeito das funções públicas de interesse comum. O §1º ressalta

que assim como a Região Metropolitana, o planejamento dos serviços da

aglomeração urbana será de competência do Estado e dos municípios que

integram a região.

Tanto as leis que instituíram Aglomerações Urbanas no Estado de São

Paulo, como os projetos de lei que tramitam para aprovar a criação de

microrregiões, apresentam estrutura jurídica semelhante à conferida às

Regiões Metropolitanas, respeitadas suas especificações. Mencionamos, por

exemplo, a existência dos Conselhos de Desenvolvimento, que permitem a

gestão compartilhada das funções públicas de interesse comum de forma

paritária entre os Municípios e o Estado pertencentes às aglomerações

urbanas e microrregiões576.

Da mesma forma, entendemos que o vínculo compulsório presente nos

Municípios integrantes de Regiões Metropolitanas, deve ser aplicado aos

municípios das aglomerações urbanas e microrregiões.

A distinção entre região metropolitana, aglomeração urbana e

microrregião reside apenas na realidade urbana, fática, disposta na hipótese da

norma jurídica. Verificamos por meio da legislação do Estado de São Paulo577 e

de Minas Gerais578 que estes elementos deverão constar em estudos técnicos

ou pareceres para justificara edição das leis complementares que vão criar as

figuras regionais.

Quanto ao fato jurídico regional, as três realidades apresentam regimes

jurídicos semelhantes.

575

Região Metropolitana: Lei Complementar nº 1.166 de 9/1/2012. 576

Aglomeração Urbana de Jundiaí. Lei Complementar nº 1.146/2011. Art. 5º, I a VII; §1º; Art.6º, I e II; Art.8º, §1º. 577

Lei Complementar nº 760/1994, Art. 6º. 578

Constituição do Estado de Minas Gerais, Art.44.

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248

3.5 Considerações sobre Regiões Metropolitanas na Espanha e Colômbia

Com o propósito de aprofundarmos nossa análise sobre o fenômeno

metropolitano, faremos uma abordagem comparativa em relação ao modelo

brasileiro das Regiões Metropolitanas considerando a análise jurídica dos

modelos espanhol e colombiano. Iniciaremos pela Espanha.

3.5.1 Espanha

Com base nos arts. 141.3 e 152.3579 da Constituição espanhola, os

legisladores das Comunidades Autônomas poderão criar os agrupamentos de

municípios como entidades metropolitanas, ao lado das províncias e das

Comunidades Autônomas, para solução de problemas próprios das áreas

metropolitanas. De acordo com Francisco Toscano Gil580:

En respuesta a esta cuestión sostiene BARRERO RODRIGUEZ, amparándose en la jurisprudência constitucional vertida em esta materia, que estos preceptos habilitan al legislador tanto para constitución de entes de naturaleza territorial como para la de entes no territoriales o de naturaleza institucional. Éste es em definitiva, el margen de opción política que el constituyente deja al legislador, si quiera ir por el camino de la creación de uma entidad metropolitana de naturaleza local para la solución de los problemas próprios e las áreas metropolitanas.

Apesar de várias áreas metropolitanas já terem sido criadas, antes

mesmo da edição da Constituição de 1978, e adaptadas ao novo modelo de

Estado (como foi o caso da Entidade Municipal de Barcelona) ou a

transferência da Coplaco581 para a Comunidade Autônoma de Madrid, o

verdadeiro alicerce legislativo para concretizar a organização local foi

construído a partir da Lei de Bases do Regime Local de 2 de abril de 1985582.

579

Constituição espanhola. Capítulo segundo – De la Administración Local -Artículo 141: 3. Se podrán crear agrupaciones de municipios diferentes de la provincia. Capítulo Tercero – De las Comunidades Autônomas – Artículo 152: 3. Mediante la agrupación de municipios limítrofes, los Estatutos podrán establecer circunscripciones territoriales propias, que gozarán de plena personalidad jurídica. 580

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.113. 581

Área Metropolitana de Madrid. Comisión de Planeamento y Coordenación del Area Metropolitana de Madrid. 582

Ley 7/1985 de 2 de abril, Reguladora de las Bases del Régimen Local.

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249

Neste sentido, a lei básica do Regime Local significou uma oportunidade

para o legislador estadual regular de forma geral a realidade metropolitana.

A criação da área metropolitana é compartilhada entre o Estado e a

Comunidade Autônoma (art.43, item I). É o que a doutrina espanhola denomina

naturaleza bifronte del régimen local español. 583 De um lado, o Estado Central

desenvolve as diretrizes gerais, e de outro, as Comunidades Autônomas a

partir das bases concebidas pelo Estado, legislam e executam as medidas para

criar regiões. O legislador da Comunidade Autônoma deverá obedecer às

bases fornecidas pelo legislador estatal584.

Francisco Toscano Gil585distingue realidade metropolitana de área

metropolitana. Entende que área metropolitana compreende o espaço

geográfico, sociológico e econômico, delimitado pelos estudiosos como fim de

demarcar os limites de estudo e âmbito de abrangência da realidade

metropolitana. Trata-se, portanto, do espaço metropolitano. Já a realidade

metropolitana diz respeito aos fatores reais que geram a necessidade de

delimitar o espaço e atuação sobre ele.

Ao analisar a terminologia adotada pelo art.43 da LBRL o autor

constatou ter havido uma coincidência entre a denominação jurídica da

entidade com a delimitação fática que diz respeito ao espaço afetado pelo fato

metropolitano que se pretende solucionar.

As áreas metropolitanas são criadas ou extintas por lei editadas pela

Comunidade Autônoma (art. 43, item 1). Trata-se de competência discricionária

exercida conforme o Estatuto das Comunidades586.

Se a criação de áreas metropolitanas não estiver prevista no Estatuto da

Comunidade Autônoma, a doutrina entende que não haverá impedimento para

criar as áreas metropolitanas. Neste caso, bastará a previsão estatutária

genérica, a existência de agrupamentos de Municípios distintos da Província.

A lei editada pela Comunidade Autônoma responsável por criar as Áreas

Metropolitanas (art.43, item 3) deverá dispor sobre os órgãos responsáveis por

583

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.125. 584

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.135. 585

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.34-35. 586

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.139.

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250

sua administração, o regime econômico e de funcionamento das obras e

serviços de prestação ou realização metropolitana e seu procedimento587.

Sobre os requisitos técnicos exigidos pela legislação (art.43, item 2588)

para a criação das Áreas Metropolitanas, citamos a existência de grandes

centros populacionais urbanos formados por laços econômicos e sociais, que

necessitem de planejamento e coordenação de determinados serviços e obras.

Ao analisar as características da realidade metropolitana que informam a

competência discricionária do legislador autônomo, Francisco Toscano Gil

enumera alguns critérios, aprofundando a análise daqueles previstos na LBRL:

a) existência de conurbação; b) superação dos limites administrativos dos

municípios e c) laços sociais e econômicos entre as populações das cidades

envolvidas589.

O autor espanhol investiga os requisitos (eleitos pela doutrina

espanhola) que permitem identificar os vínculos econômicos e sociais entre os

núcleos de população integrados nas áreas metropolitanas e que necessitam

de planejamento comum. Esclarece ainda que são utilizados os critérios de

deslocamentos da população, não apenas em relação à mobilidade residência-

trabalho, mas também para compras, lazer ou prestações de serviços. Assim, a

população estabelece vínculos entre distintos núcleos urbanos em função dos

deslocamentos para adquirir bens e serviços que, por vezes, estão em cidades

distintas590.

3.5.2 Colômbia

Em matéria metropolitana, a legislação colombiana é baseada nos arts.

319, 325 e 326 da Constituição Política e na recente Lei nº 1.625, editada em

587

LBRL–Artículo 43.3. La legislación de la Comunidad Autónoma determinará los órganos de gobierno y administración, en los que estarán representados todos los Municipio integrados en el área; el régimen económico y de funcionamiento, que garantizará la participación de todos los Municipios en la toma de decisiones y una justa distribución de las cargas entre ellos; así como los servicios y obras de prestación o realización metropolitana y el procedimiento para su ejecución. 588

LBRL– Articulo 43. 2. Las áreas metropolitanas son entidades locales integradas por los Municipios de grandes aglomeraciones urbanas entre cuyos núcleos de población existan vinculaciones económicas y sociales que hagan necesaria la planificación conjunta y la coordinación de determinados servicios y obras. 589

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.37. 590

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.57.

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251

29 de abril de 2013591. A lei atual não será aplicada à região metropolitana de

Bogotá que será disciplinada por legislação específica.

Importante mencionarmos que a Lei nº 1.625/2013 é objeto da Acción

Pública de Inconstitucionalidade, proposta em 13/6/2013, sob o argumento de

violar o art. 319 da Constituição Política que determina ser a lei de

ordenamento territorial, consubstanciada na Ley Orgânica 128/1994, o

instrumento adequado para organizar o regime administrativo e fiscal das áreas

metropolitanas. Desta forma, a legislação atual não poderia ter revogado o

diploma, considerado instrumento legítimo para organizar as áreas

metropolitanas. Como o Tribunal Constitucional ainda não proferiu uma decisão

a respeito, comentaremos a lei que está em seu pleno vigor.

Segundo o art.319 da Constituição Política (c/c art.2º da Lei nº1.625),as

áreas metropolitanas são entidades administrativas de direito público, dotadas

de autonomia administrativa e patrimônio próprio, formadas por um conjunto de

dois ou mais municípios integrados em torno de um município do núcleo,

relacionados por vínculos interterritoriais, ambientais, econômicos, sociais,

demográficos, culturais e tecnológicos com o intuito de promover o

desenvolvimento sustentável e a administração coordenada do ordenamento

territorial e da prestação racional de serviços públicos.

As entidades administrativas metropolitanas, conforme estabelece a

Constituição colombiana, não pertencem à organização estatal, não são

autônomas politicamente, embora Juan Carlos Covilla Martinez592esclareça que

as entidades administrativas metropolitanas não deixam de executar sua

própria administração, com base nas atribuições que lhe são conferidas.

A área metropolitana exerce sua jurisdição sobre o território dos

municípios integrantes, cuja sede será o município núcleo da área, segundo a

lei, a capital da província. Na hipótese de vários municípios serem

considerados a capital do departamento, o município núcleo será aquele que

em primeiro lugar tiver a maior categoria, de acordo com a Lei nº 617/2000.

591

Articulo 1°. Objeto de la ley. La presente ley tiene por objeto dictar normas orgánicas para dotar a las Áreas Metropolitanas de un régimen político, administrativo y fiscal, que dentro de la autonomía reconocida por la Constitución Política y la ley, sirva de instrumento de gestión para cumplir con sus funciones. La presente ley, deroga la Ley 128 de 1994 y articula la normatividad relativa a las Áreas Metropolitanas con las disposiciones contenidas en las Leyes 388 de 1997, 1454 de 2011, 1469 de 2011 y sus decretos reglamentarios, entre otras. 592

MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.93, nota de rodapé nº12.

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252

As decisões da entidade administrativa prevalecem sobre as decisões

municipais, sem com isto acarretar a redução da autonomia municipal. O

Conselho de Estado da Colômbia entende que, na hipótese do Município não

pertencer a uma área metropolitana, será dotado de ampla autonomia. Por

outro lado, se pertencer à zona metropolitana, pelo fato das decisões

transcenderem a esfera municipal, as decisões do órgão metropolitano deverão

predominar, sem com isto violar a autonomia municipal593.

Segundo os arts.6º e 7º da Lei nº 1.625/2013, as áreas metropolitanas

são competentes, por exemplo, para coordenar o desenvolvimento sustentável

de forma integrada entre os municípios participantes da área, para racionalizar

a prestação de serviços públicos pelos municípios que a compõem, execução

de infraestrutura rodoviária e projetos de interesse social na região

metropolitana; fixar diretrizes para a gestão do território dos municípios que

compõem as áreas para integrá-los em relação aos planos de gestão territorial,

elaborar e aprovar o Plano de Desenvolvimento Metropolitano, o de

ordenamento territorial e coordenar o desenvolvimento de políticas de

mobilidade urbana e habitacional metropolitana.

De acordo com a Constituição e a Lei, a hipótese normativa exige fatos

metropolitanos (art.10 da recente lei aprovada em 2013) para instituir área

metropolitana. Diante disso, questionamos: no sistema colombiano, quem será

o responsável pela avaliação da existência do fato metropolitano?

Juan Carlos Covilla Martinez594 nos responde invocando a decisão do

Contencioso Administrativo de 11/9/2003, tomada por ocasião da criação da

área metropolitana de Cartagena. Foi conferida exclusivamente às autoridades

administrativas – compostas pelo Alcalde (espécie de Prefeito) e pelos

concejales (espécie de Conselhos595) bem como aos cidadãos que integram o

colégio eleitoral dos municípios envolvidos – a avaliação dos resquisitos

urbanísticos da lei, afastando completamente a participação de órgãos

técnicos, como os Institutos de Geografia, por exemplo.

593

MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.94. 594

MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.96. 595

Consejo = Conselho, tribunal, corpo diretivo, corpo coletivo superior. (GARCIA, Hamílcar de. Dicionário Português Espanhol; Espanhol Português. São Paulo: Globo,1998.) Pode ser equiparado às Câmaras Legislativas Municipais ou Conselhos Municipais, no âmbito do Direito Brasileiro.

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253

A orientação permanece em vigor nos arts. 7º, a, c/c 8º, ao dispor que as

áreas metropolitanas são responsáveis pela identificação dos fatos

metropolitanos, por meio dos alcaldes, de 1/3 dos conselheiros municipais, 5%

dos cidadãos integrantes das áreas e governadores dos Departamentos ao

qual pertençam os municípios da área metropolitana.

O fato metropolitano é mais amplo que o fenômeno da conurbação

descrito na legislação brasileira. De acordo com o art.11 são avaliados pela

abrangência territorial, eficiência econômica, capacidade financeira, técnica e

de organização político-administrativa.

E como são criadas as áreas metropolitanas? De acordo com o art. 8º

da Lei nº 1.625/2013, é necessário que dois ou mais municípios apresentem

características de fato metropolitano, isto é, que sejam integrados ao redor de

um município núcleo em razão de relações físicas, econômicas e sociais. Além

do suporte fático, a lei prevê formalidades para a sua criação. São autoridades

competentes para criar áreas metropolitanas os prefeitos dos municípios

interessados (alcaldes), um terço dos vereadores (conselheiros) dos municípios

envolvidos (Consejales), 5% dos cidadãos que compõem o colégio eleitoral dos

Municípios e o governador ou governadores dos departamentos aos quais

pertencem os municípios integrantes da área.

Na hipótese da inclusão de um novo município em área metropolitana

(§3º do art. 8º), a lei conferiu a iniciativa aos prefeitos dos munícípios anexados

(alcaldes), ao presidente dos Conselhos Municipais (legislativo local), a 1/3 dos

Conselheiros (legisladores locais) ou de 5% dos cidadãos que integram o

censo eleitoral dos municípios. Sua aprovação será por maioria de votos em

cada um dos municípios vizinhos interessados em anexação, através da

participação de pelo menos 5% da população registrada no eleitorado.

Qualquer um dos legitimados para criar área metropolitana terá o dever

de elaborar um projeto apontando os municípios que integram o fato

metropolitano e as razões que justificam a criação da área metropolitana.

O projeto será entregue à Secretaria Nacional de Estado Civil, para que

em 10 dias úteis, a partir do recebimento, o órgão verifique os legitimados, os

municípios integrantes e as razões que justificam a criação da área

metropolitana. Na sequência, a Secretaria Nacional deverá convocar o

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254

referendo cujos meios para organizá-lo serão oferecidos pelo Cartório de

Registro Nacional de Estado Civil.

A data para realizar o referendo não poderá ser inferior a três nem

superior a cinco meses a partir da chamada deflagrada e será publicada no site

da Secretaria Nacional de Estado Civil. Durante este período, a data do

referendo596 será divulgada periodicamente pelos meios de comunicação que

tiverem maior impacto sobre os municípios envolvidos.

O projeto de criação será aprovado quando a maioria dos votos de cada

município for favorável à proposta e a participação cidadã atingir, pelo menos,

um quarto da população registrada no eleitorado de cada um dos municípios

envolvidos.

Em seguida à realização do referendo popular, os responsáveis pela

iniciativa do projeto de criação da área metropolitana ou da anexação de

municípios em relação à área existente, encaminharão o projeto de lei para o

acompanhamento da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Os órgãos

do Poder Legislativo avaliarão em até um mês os aspectos de relevância e

oportunidade para constituir uma região metropolitana ou acrescentar um ou

mais municípios às áreas integrantes597.

Na sequência, os prefeitos de cada município no qual o projeto foi

aprovado e os presidentes de câmaras municipais deverão protocolar o projeto

de criação no Cartório de Registro Nacional de Estado Civil do município

núcleo da região, quando se tratar de formação ou adesão de área já existente,

em até 30 dias.

Segundo o art.4º da Lei nº 1.625/2013 o ato administrativo que forma

uma área metropolitana será regra obrigatória para o qual será regido cada

conselho ao aprovar o orçamento anual.

596

Vale ressaltar que na Colômbia o referendo não se confunde com os sentidos de consulta popular, plebiscito e referendo, disciplinados pela legislação brasileira (Lei Federal nº 9.709/1998). Enquanto no Brasil, o referendo é convocado posteriormente a realização de ato legislativou ou administrativo, no sentido de ratificar ou rejeitar a medida (art. 2º, §1º) na Colômbia o referendo é consulta feita para aprovar ou rejeitar propostas (projetos) de lei, podendo ser de âmbito nacional, regional, departamental, distrital, municipal ou local (art. 3º, § único da Lei 134/1994). 597

Foi proposta em 13/6/2013 “Acción Pública de Inconstitucionalidade” em relação ao art. 8º da Lei 1625/2013. De acordo com o dispositivo legal, após o registro do projeto no Cartório de Registo Nacional de Estado Civil, os responsáveis pelo envio do projeto remeterão seu conteúdo para análise da Comissão Especial do Senado e da Câmara dos Deputados que tratam de assuntos de Descentralização e Ordenamento Territorial. A ação questiona a constitucionalidade do dispositivo face ao art. 287 da Constituição que consagra a autonomia para gestão dos próprios interesses por parte das entidades municipais. O Tribunal Constitucional ainda não se manifestou sobre o assunto.

Page 255: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

255

Ressaltamos que a legislação prevê (art.11, §1º) a sanção de demissão

para as autoridades que dificultarem o registro das novas áreas metropolitanas

e a incorporação de novos municípios às áreas existentes.

Por isso, embora a lei não preveja a forma de dissolução da área

metropolitana ou a retirada de determinado município, Juan Carlos Covilla598

sustenta que esta hipótese poderá constar nos Estatutos registrados. Se não

constar, pelo princípio do paralelismo da forma, uma nova consulta popular

será convocada para tratar da extinção da área, uma vez que é requisito

necessário para criá-la.

3.5.3 Comparação entre as Regiões Metropolitanas do Brasil, Colômbia e Espanha

Ao tratarmos das regiões metropolitanas à luz da realidade espanhola e

colombiana, comentamos a forma de Estado de cada um para verificarmos

suas distinções em relação ao modelo federalista brasileiro.

Ao contrário das regiões metropolitanas brasileiras – que não são

entidades políticas com base no modelo federalista – as áreas metropolitanas

espanholas e colombianas são criadas no modelo de Estado unitário, que

conta com a descentralização legislativa e administrativa limitada, ora nas

comunidades autônomas ora nas entidades territoriais. Assim, os Estados

apesar de serem unitários, admitem modernamente, descentralização limitada,

exercida por meio de um forte controle dos órgãos centrais do Estado.

As regiões metropolitanas espanholas são criadas pelas comunidades

autônomas, com base nas diretrizes centrais e gerais do Estado central. Sua

criação e extinção decorrem de lei, expedida no exercício de competência

discricionária. A criação das regiões exige o preenchimento de requisitos

técnicos, entre os quais a existência de conurbação, a superação dos limites

administrativos municipais e relações sociais e econômicas imbricadas entre as

populações das cidades envolvidas.

Lembramos que os fenômenos da conurbação e da superação dos

limites administrativos do Município também integram os requisitos materiais da

criação das regiões metropolitanas brasileiras. Com relação ao último item, a

598

MARTÍNEZ, Juan Carlos Covilla. Las Administraciones Metropolitanas. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2010, p.105.

Page 256: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

256

legislação brasileira também o adota ao mencioná-lo na constituição de

agrupamentos entre municípios limítrofes (art. 25,§3º da Constituição Federal).

Nos três países, as áreas metropolitanas (regiões metropolitanas), do

ponto de vista administrativo, são entidades administrativas de direito público,

formadas por dois ou mais municípios integrados em torno de um município do

núcleo, relacionados por vínculos interterritoriais, ambientais, econômicos,

sociais, demográficos, culturais e tecnológicos com o objetivo de promover o

desenvolvimento sustentável e a administração coordenada do ordenamento

territorial e da prestação racional de serviços públicos.

Independentemente da forma de Estado que a entidade administrativa

(região metropolitana) venha a ser criada, de uma maneira ou de outra, não

será dotada de autonomia política.

Na Colômbia, por exemplo, as entidades administrativas (gênero que

pertence às áreas metropolitanas) diferem das entidades territoriais (art.286 da

Constituição Política), pois não pertencem à organização estatal, nem exercem

autonomia política. No entanto, as entidades administrativas, embora distintas

das territoriais, não deixam de exercer autoridade nem suas próprias

competências. A área metropolitana exerce sua jurisdição sobre o território dos

municípios integrantes, cuja sede será o município núcleo da área.

Em regra, as áreas metropolitanas surgem a partir da identificação do

fato metropolitano, mais amplo que a conurbação e que apresenta os critérios

de abrangência territorial entre dois ou mais municípios, eficiência econômica,

capacidade financeira, técnica e de organização político-administrativa.

As áreas metropolitanas na Colômbia são criadas a partir da iniciativa

dos representantes dos Poderes Executivo e Legislativo do Departamento e

dos Municípios que integram a região e a partir da realização de referendo. O

projeto de lei é submetido ao legislativo nacional para que no exercício de

conveniência e oportunidadeseja criada a área metropolitana. O ato

responsável pela criação é administrativo, embora seja normativo em relação

aos municípios que compõem a área.

Ao compararmos com a realidade jurídica brasileira, temos que, mesmo

distintas, as formas de Estado onde as regiões serão formadas – Estado

unitário (Colômbia e Espanha) e Federação (Brasil) – alguns componentes são

semelhantes. Na Espanha as áreas metropolitanas são criadas por

Page 257: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

257

comunidades autônomas, dotadas de parcial autonomia política, assim como

as entidades municipais e departamentais na Colômbia, denominadas

entidades territoriais. Elas contam com certa descentralização, embora

submetidas ao regime de criação determinado pelos órgãos do Estado Central.

No Brasil, em razão do modelo federalista, o Estado (entidade autônoma

politicamente) é o responsável por editar a lei complementar que criará a

Região Metropolitana, a partir de critérios técnicos definidos pela Constituição

do Estado e leis complementares.

Todas as leis exigem o cumprimento de requisitos de análise técnica

para a criação das regiões, denominado conurbação, independentemente do

tipo de Estado no qual a região irá surgir. Ao lado da apreciação técnica

obrigatória para criar região em cada país, em alguns casos, como no

colombiano, há intensa participação popular e das entidades territoriais

(municípios) que a integrarão, por meio de referendo. Esta realidade não é

admitida no Brasil, em função do vínculo compulsório que une os entes da

região.

Por outro lado, na Espanha a realidade é criada pela legislação da

comunidade autônoma, baseada nas diretrizes do órgão central, sem

participação popular.

Em todos os países a realidade metropolitana torna-se jurídica a partir

de instrumentos legais que contam com a participação de órgãos legislativos,

decidindo instituir ou não a região metropolitana, a partir de critérios de

conveniência e oportunidade.

No Brasil, a discricionariedade legislativa (art.25,§3º), exercida pelo

Estado é vinculada. O Estado poderá gerir o interesse regional metropolitano

de forma isolada ou compartilhada com os demais municípios. Nesta última

hipótese, deverá exercer competência vinculada para criar a região,

observando os requisitos formais, materiais e de conteúdo previstos na

legislação.

Na Espanha e na Colômbia o legislador responsável pela criação das

entidades também exerce competência discricionária. Caberá, no primeiro

caso, ao legislador das comunidades autônomas verificar se é melhor para o

interesse local administrar os problemas metropolitanos por meio da gestão por

áreas ou até mesmo por consórcios. No segundo, o juízo de conveniência e

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258

oportunidade ficará a cargo do legislador da entidade central do país. Porém,

em ambos, deverão respeitar os requisitos técnicos para criar a região, o que

revela o exercício de competência vinculada.

Page 259: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

259

4 ADMINISTRAÇÃO DAS REGIÕES METROPOLITANAS

Identificamos na doutrina várias denominações para designar a função

de gerir o interesse metropolitano: governança, governabilidade, sistemas de

governo ou de Administração Metropolitana.

Adotaremos nesta tese a expressão Administração Metropolitana e

abandonaremos o termo gestão, por restringir a atividade administrativa

exclusivamente à execução dos comandos da lei, desconsiderando que o

sistema de administração das regiões metropolitanas pressupõe a elaboração

por parte do governo do Estado, através dos Poderes Legislativo e Executivo

de políticas públicas, consubstanciadas em planos estatais.

Também não adotaremos governo, governabilidade, por não ser objeto

da tese a compreensão dos aspectos da ciência política que procuram

identificar o grau de interação entre as políticas formuladas com aquilo que é

captado pela sociedade civil ou até mesmo que incrementa o desenvolvimento

econômico da região.

Nosso foco é a análise jurídica do fenômeno metropolitano. Assim,

adotamos a terminologia ampla ‘administração pública’ que revela o exercício

de funções políticas e administrativas, formuladas conjuntamente pela

Administração Pública e Poder Legislativo e executadas pelo Poder Executivo,

com o propósito de tutelar o interesse público. Trata-se da definição de

determinada política, por meio de planos e leis propostos pelo Poder Executivo,

que serão aprovados pelo Poder Legislativo e executados no exerício da

função administrativa.

Quanto ao termo ‘regime jurídico’ do Plano Diretor Metropolitano, temos

o termo ‘regime’, de acordo com o Novo Dicionário Aurélio da Língua

Portuguesa599, que tem ligação com a noção de regimento. O mesmo dicionário

traz regimento como conjunto de normas que regem, regulamentam

determinada instituição.

Ao estudarmos o conjunto de normas jurídicas que regulamentam o

Plano Diretor Metropolitano, devemos identificar os princípios e regras jurídicas

599

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p.147.

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260

que disciplinam a administração do interesse metropolitano, definir o ente

político competente para exercer as funções legislativas e administrativas

referentes às funções públicas de interesse comum.

Caberá ao Estado, por meio das Assembleias Legislativas e autarquias

estaduais, compostas por Conselhos Deliberativos, exercer suas competências

para administrar as funções comuns.

Analisaremos as várias tipologias de administração do interesse

metropolitano através de um breve estudo comparado em relação aos modelos

empregados em outros países, sobretudo, Colômbia e Espanha para

verificarmos as formas de administração admitidas pelo ordenamento jurídico

brasileiro.

Admitiremos apenas a administração das regiões metropolitanas de

forma institucionalizada por vínculos compulsórios (art.25, §3° da Constituição

Federal), descartando os arranjos consorciais (art. 241 da Constituição

Federal). Por meio desta opção, verificaremos que a elaboração e a

implementação do Plano Diretor Metropolitano será fruto de arranjos

institucionais.

4.1 Modelos de administração metropolitana600

As diversas tipologias da administração metropolitana variam em função

da forma de Estado adotada por determinado país, seja ele unitário ou

federativo. As distinções consideram maior ou menor autonomia dos entes

políticos locais e regionais e suas relações com os poderes nacionais.

Para sistematizá-las, mencionaremos a classificação adotada por

Christian Lefévre601 que compreende duas grandes tipologias e algumas

subdivisões. São elas os modelos institucional e não institucional.

A classificação escolhida tem o propósito de sistematizar modelos de

Administração Metropolitana utilizados por vários países, independente das

600

A terminologia governo metropolitano, até este item, é estendida apenas para as Regiões Metropolitanas, uma vez que as figuras jurídicas aglomerações urbanas e microrregiões são criações da Constituição Federal de 1988 e não foram elaboradas internacionalmente. Quando tratarmos dos modelos adotados no Brasil, estas figuras regionais serão incluídas. 601

LEFÉVRE, Christian.Governabilidad democrática de las áreas metropolitanas. Experiências y lecciones internacionales para las ciudades lationamericanas. Gobernar las metropolis.ROJAS, Eduardo; CUADRADO-ROURA, Juan R.; GUELL, José Miguel Fernández. Banco Interamericano de Desarrollo (BID). Washington DC, 2005, p.198.

Page 261: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

261

formas de Estado adotadas, comparar e analisar os modelos administrativos

mencionados. Passemos aos modelos, apresentados inicialmente em um

quadro sinótico e, posteriormente, detalhados.

A) Modelo Institucional

A.1) Arranjos (ajustes) supramunicipais

A.2) Arranjos (ajustes) intermunicipais

A.2.1) Autoridades conjuntas intermunicipais com sentido metropolitano

A.2.2) Autoridades conjuntas intermunicipais “inframetropolitanas”

A.2.3) Autoridades conjuntas intermunicipais monossetoriais:

B) Governança Metropolitana não institucional

B.1) Coordenação das estruturas existentes

B.2) Formalização de acordos

A) Modelo Institucional

Envolve a criação de um novo escalão de governo, independentemente

das unidades locais. É denominado “modelo metropolitano” e nele admite-se

alternativamente constituir arranjos intermunicipais, citar uma instituição que

não é como um novo escalão de governo e que depende, para seu

funcionamento e financiamento, das unidades de governo, normalmente dos

municípios.

É importante neste modelo a escolha das autoridades governantes

mediante eleições diretas e com legitimidade funcional. É preciso obter

recursos financeiros próprios e dispor de profissionais para planejar e executar

políticas para garantir substancial autonomia em relação aos governos

superiores e aos poderes locais.

A.1) Arranjos supramunicipais

É a criação de um novo escalão de governo, independente das unidades

de governo locais existentes. É um modelo mais desenvolvido que os arranjos

institucionais e reúne cinco características: a) escolha das autoridades

Page 262: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

262

metropolitanas por meio de eleições, o que confere legitimidade ao exercício do

poder; b) o território onde incide as determinações da área equipara-se ao

território das funções metropolitanas (lixo, planejamento, transporte e outros);

c) presença de recursos próprios; d) atribuição de competências próprias; e)

quadro de pessoal autônomo para elaborar e executar as políticas públicas na

área.

Christian Lefévre602 explica que, em geral a reunião de todas as

características cria um modelo ideal que admite uma variedade de formas,

impossível de sintetizar. Cada um dos países adota um conjunto de elementos,

que particulariza o seu perfil. Destacaremos como exemplo a nova autoridade

metropolitana de Londres denominada Greater London Authority (GLA), criada

em 2000, em substituição a Greater London Council, extinta em 1986. É

dirigida por um prefeito eleito diretamente, cujas atividades são

supervisionadas pela Assembleia de Londres, composta por 25 representantes

da população, 11 deles eleitos diretamente e 14 escolhidos de forma indireta,

por meio da indicação de setores representativos da sociedade. Sob a égide do

GLA estão os 32 municípios que integram a autoridade metropolitana e a City

of London Corporation.

A GLA é assistida por quatro agências setoriais (Transporte,

Desenvolvimento Econômico, Polícia, Fogo e Emergência) todas sob controle

do prefeito.

A autoridade exerce funções relativas ao desenvolvimento econômico,

planejamento ambiental e ações ligadas aos serviços de saúde. No que tange

ao transporte, a dimensão operativa foi transferida para o prefeito que preside a

Companhia de Transportes Londres (Transport for London), a principal

companhia de transportes públicos da área de Londres.

Contudo, a autonomia da GLA em relação à autoridade metropolitana

anterior foi restringida sensivelmente, pois suas atividades e seu orçamento

são controlados pelo governo nacional. A entidade não tem recursos fiscais

próprios, com exceção da taxa sobre o congestionamento, e conta com o

auxílio de subsídios domésticos e financimento de municípios.

602

LEFÉVRE, Christian. Governabilidad democrática de las áreas metropolitanas. Experiências y lecciones internacionales para las ciudades lationamericanas. Gobernar las metropolis.ROJAS, Eduardo; CUADRADO-ROURA, Juan R.; GUELL, José Miguel Fernández. Banco Interamericano de Desarrollo (BID). Washington DC, 2005, p.198.

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263

A.2 Arranjos intermunicipais

Não implica criar um novo nível de governo que depende das unidades

participantes (geralmente municípios) para financiar e executar ações. É um

modelo baseado em cooperação obrigatória ou voluntária entre os municípios

da região metropolitana. Os arranjos são diversificados, o que permite uma

sistematização simplificada das formas de arranjos que surgirão, dependendo

do grau e natureza da cooperação entre os governos locais. Indicamos três

categorias de ajustes intermunicipais, conforme descrevemos a seguir.

A.2.1 Autoridades conjuntas intermunicipais com sentido metropolitano

São arranjos mais completos, porém mais limitativos para exercer

competências municipais. Se aproximam do modelo de governo metropolitano,

exceto pelo fato dos integrantes que as administra não serem eleitos

diretamente. Tem capacidade para obter recursos financeiros e exercer

competências relevantes para planejar e executar políticas e ações.

Citemos como exemplo as communautés urbaines e as communautés

d´aglomération na França, responsáveis pela administração de quase todas as

150 áreas urbanas. As communautés urbaines compreendem áreas com

população superior a 500 mil habitantes e as communautés d´aglomeration

administram comunidades com população entre 50 mil e 500 mil habitantes.

São dirigidas por conselhos eleitos indiretamente, uma vez que seus membros

são representantes dos municípios. Nelas a cooperação é obrigatória. São

responsáveis por funções relevantes como o transporte público, meio

ambiente, habitação social, planejamento, desenvolvimento econômico, esgoto,

coleta do lixo e cultura. As atividades são financiadas por impostos e

transferências do governo central e dos municípios.

A.2.2 Autoridades comuns “inframetropolitanas”

A peculiaridade deste ajuste está no fato da cooperação intermunicipal

ocorrer apenas em uma parte da área metropolitana. Abrange vários setores de

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264

competência, embora apresente diversidade com relação às funções

delegadas e financiamentos. Dois exemplos demonstram variedade do modelo:

as experiências italiana e brasileira as quais detalharemos a seguir,

separadamente:

A.2.2.1 Experiência italiana

A Agência de Desenvolvimento do Norte de Milão (ASNM), associação

criada em 1996 para transformar a economia e o desenvolvimento social do

norte de Milão, surgiu de um acordo voluntário e abrange quatro municípios,

com cerca de 300 mil habitantes cada um deles (a área metropolitana tem

cerca de 4 milhões de pessoas).

Regida por um Conselho de representantes dos quatro municípios, da

província de Milão e da câmara de comércio (que na Itália é considerada uma

"autoridade funcional local") é dirigida pelo prefeito da maior cidade integrante

da região metropolitana.

Quando foi constituída, o ASNM contava apenas com algumas funções,

particularmente a regeneração urbana da área. Mas, posteriormente, novas

responsabilidades como o planejamento estratégico foram incorporadas. As

funções podem ser delegadas ou removidas dos municípios, livremente.

O ASNM não tem recursos próprios e seu financiamento advém

principalmente dos quatro municípios e subsídios provinciais, da região, do

Estado e da União Europeia.

A.2.2.2 Experiência brasileira

Christian Lefévre destacou o exemplo do Consórcio Intermunicipal do

Grande ABC, criado em 1990, como experiência brasileira603.

Em 1992, foi instituído o Consórcio Intermunicipal do ABC, pessoa

jurídica de direito privado, composta pelos sete prefeitos dos municípios

envolvidos, reunidos estrategicamente em torno da questão ambiental da

disposição dos resíduos sólidos e para discutir temas de interesse regional.

603

NEGRELOS, Eulália Portela. Avaliação de novos projetos urbanos metropolitanos. Limites do ente federativo municipal. Cadernos Metrópole nº22,v.11, jul-dez, São Paulo, 2009, p.545-570.

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265

Em março de 1997, foi instalada a Câmara Regional do Grande ABC,

com a participação do governo do Estado, dos sete prefeitos, representantes

das classes trabalhadora e empresarial, entidades que reúnem associações e

de caráter urbano e regional para elaborar e implementar o “projeto estratégico

de desenvolvimento da região”.

Em seguida, foi criada, em 1998, a Agência de Desenvolvimento

Econômico do ABC, cuja competência era também produzir e divulgar a base

atualizada de dados e de análises científicas do panorama socioeconômico da

região do ABC. Esse conjunto de iniciativas embasou uma nova estrutura de

administração aplicada ao ABC.

A Lei Federal nº 11.107/2005, regulamentadora dos consórcios públicos

(art.241 da Constituição Federal) transformou o consórcio em autarquia, em 8

de fevereiro de 2010604 , pessoa jurídica de direito público, integrante da

administração indireta dos municípios consorciados, com legitimidade para

planejar e executar ações de políticas públicas de âmbito regional.

A entidade passou a ser o primeiro consórcio multisetorial de direito

público e natureza autárquica do país. Nesta data, os prefeitos dos sete

municípios instalaram a Assembleia Geral nos mesmos moldes do Contrato de

Consórcio Público.

A autarquia recebeu atribuições para firmar acordos entre as

administrações e abrir processos de licitação para obras em prol dos sete

municípios, receber recursos das esferas federal e estadual, e de organismos

internacionais para viabilizar os projetos regionais dos Grupos de Trabalho do

Consórcio Público.

O Consórcio é mantido com recursos dos municípios, de acordo com

suas receitas orçamentárias. As atividades são realizadas a partir de diretrizes

emanadas da Assembleia, órgão soberano constituído pelos sete prefeitos

consorciados, que se reúnem mensalmente ou em caráter extraordinário. É a

Assembleia que elege anualmente o presidente e o vice-presidente.

Compete à Secretaria Executiva encaminhar as deliberações com o

auxílio de uma equipe técnica, assistentes e dos Grupos de Trabalho (GTs).

604

NEGRELOS, Eulália Portela. Avaliação de novos projetos urbanos metropolitanos. Limites do ente federativo municipal. Cadernos Metrópole nº22,v.11, jul-dez, São Paulo, 2009, p.545-570.

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266

Determina o Estatuto da Autarquia que são finalidades específicas do

Consórcio (art.4º), atuar como gestor, articulador, planejador ou executor, por

exemplo, das áreas de infraestrutura, desenvolvimento econômico e regional,

desenvolvimento urbano e gestão ambiental e saúde605.

A.2.3 Autoridades conjuntas intermunicipais monossetoriais (potencialmente multisetoriais)

São compostas pelo agrupamento de diferentes níveis de governo e

cobrem a área metropolitana por áreas de atuação. Tratam de setores

específicos de interesse entre os envolvidos.

Destacamos como exemplo as associações na Espanha (consórcios

metropolitanos setoriais ) e o trânsito na federação alemã.

As federações de tráfegos alemães ou Verkehrsverbund (VV) estão em

quase todas as principais áreas urbanas da Alemanha. São organismos

complexos, pois congregam o município central (denominado Kreis) com o

Estado. Suas principais funções são planejamento e gestão do tráfego de

transportes públicos nas áreas urbanas. Cuidam do sistema de estacionamento

e estão envolvidas no planejamento do uso da terra em áreas urbanas,

desfrutando de poderes para expedir licenças de construção ou para rejeitar

assentamentos excessivamente dispendiosos para cobrir os transportes

públicos.

Os modelos descritos não são excludentes entre si. Encontramos várias

combinações nas áreas metropolitanas, como os modelos supramunicipais e

monosetoriais. Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, há

incidência de modelos supramunicipais e autoridades inframetropolitanas.

B) Governo metropolitano não institucional

Trata-se do modelo de governança que envolve coordenação política

entre os vários setores, formalizadas por meio de acordos, dos quais

destacamos duas categorias.

605

Versão integral do estatuto. Disponível em: http://www.consorcioabc.sp.gov.br. Acesso em: 10 jun.2013.

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267

A primeira refere-se aos acordos de coordenação de estruturas já

existentes. Este tipo de arranjo ocorre em áreas metropolitanas que não

contam com instituições urbanas, mas com estruturas já existentes, como por

exemplo, órgãos mono ou multissetorial, mas inframetropolitanos.

Os organismos não podem gerenciar as áreas urbanas, pois sua

jurisdição é pequena e restrita a um único setor. Assim, por meio de acordos,

firmam cooperação mais ampla. Foi o caso da gestão metropolitana em

Londres, durante grande parte das décadas de 80/90, quando os modelos de

organização supramunicipal tinham sido extintos.

Desde meados de 1980, cidades britânicas com o intuito de compensar

os problemas de fragmentação na área metropolitana, criaram as "associações

de ordem superior", associações de parcerias público-privadas (APP), que

visavam coordenar um nível mais amplo: o campo da regeneração econômica

e o planejamento. Citemos o exemplo de Birmingham, que em 2002 criou a

Comunidade Birmingham Estratégia de Parceria (BCSP) que apresentou um

plano estratégico para a cidade e reuniu a área mais notável de Birmingham.

Seus membros eram a própria cidade, a Câmara de Comércio, algumas

associações empresariais, instituições de caridade ou trabalho voluntário.

A segunda categoria, por sua vez, refere-se à formalização de acordos

que contribuam para a cooperação dos atores públicos e de coordenação

política. Estes mecanismos são, em geral, "monossetoriais"pois estão limitados

a um objeto ou propósito específico (financiamento da infraestrutura, por

exemplo). Seu funcionamento e desenvolvimento dependem da vontade

política de órgãos públicos, o que pode causar certa instabilidade, dependendo

de fatores como continuidade político-partidária. É o caso dos Accordi di

programma, na Itália, também denominados contratos de programa.

Para facilitar a cooperação entre as autoridades públicas e o setor

privado, a Itália desenvolveu, desde o ano 2000, um conjunto de instrumentos,

como os contratos- programas que podem ser utilizados para grandes projetos

de infraestrutura de importância local, como por exemplo, metrô, feiras

internacionais, aeroportos, estações ferroviárias e é celebrado em várias fases.

A primeira delas, uma reunião geral com a participação do prefeito, presidente

da província ou da região; em seguida, os atores deliberam sobre o

financiamento e a construção do projeto, culminando com a aprovação do

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268

compromisso pelo Conselho Regional e posterior conversão em lei. Se um dos

atores envolvidos não realizar o acordo, sofrerá sanções.

4.2 Perfil da administração metropolitana no Brasil

Do ponto de vista da administração metropolitana, quais os modelos

adotados no Brasil a partir da sistematização elaborada por Christian Lefévre?

A resposta partirá, dentre outras obras, das considerações de Sol

Garson606 sobre a evolução histórica dos modelos de administração

metropolitana no Brasil.

Antes das discussões metropolitanas surgirem no ordenamento jurídico

brasileiro, Maria Paula Dallari Bucci607explicava que o debate sobre o

compartilhamento de serviços públicos entre entes federados é antigo e

remonta aos primeiros delineamentos da proposta de criação das Regiões

Metropolitanas. O art. 29 da Constituição de 1937 já previa o agrupamento de

municípios para administrar serviços comuns, sem a rubrica de “Regiões

Metropolitanas”.

No entanto, o dispositivo constitucional não foi implementado. Os

debates metropolitanos começaram em 1960 com a aceleração do processo de

urbanização no país e a discussão sobre problemas urbanos relacionados às

práticas de gestão, ou seja, planos e programas que dessem conta dos

problemas criados pelo deslocamento acelerado de pessoas em busca das

áreas de maior dinamismo, como, por exemplo, as regiões metropolitanas.

Em 1963, o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e o Instituto de

Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE) apresentaram ao

final do Seminário de Habitação e Reforma Urbana, a criação de órgãos que

administrassem, de forma consorciada, os problemas comuns dos municípios.

No mesmo contexto, outras iniciativas surgiram baseadas na ideia de

administração consorciada. Os Municípios de Porto Alegre e Belém

promoveram a articulação com o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo

(SERFHAU) para o planejamento metropolitano. Por sua vez, o Rio de Janeiro,

606

GARSON, Sol. Regiões metropolitanas: por que não cooperam? Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópolis: Belo Horizonte, MG: PUC, 2009, p.99. 607

BUCCI, Maria Paula Dallari. Gestão associada de serviços públicos e regiões metropolitanas. In: Estudos em Homenagem ao Professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

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269

por conter municípios integrantes de regiões metropolitanas em dois Estados

(Guanabara e Rio de Janeiro), provocou a iniciativa do Governo Federal para

criar o Grupo de Estudos da Área Metropolitana (GERMET).

Em 1964, a ação na área urbana, coordenada pelo governo federal foi

inserida, do ponto de vista do planejamento regional, em um contexto mais

amplo direcionado para o desenvolvimento econômico. Deste modo, no âmbito

do Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, foi criado o

Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada (EPEA), posteriormente

denominado IPEA.

No ano de 1967, a área de Desenvolvimento Regional e Social ganhou

um núcleo dedicado aos estudos urbanos. A ação é executada através de

políticas setoriais operadas por empresas públicas, subordinadas a distintos

ministérios, com garantia de recursos e agilidade em sua alocação, como o

Banco Nacional de Habitação (BNH).

Já na década de 1960, por ocasião da criação do IPEA pelo governo

federal pensamentos sobre gestão consorciada e metropolitana eram

intensificados. Isto porque foi constatado que as aglomerações urbanas, em

razão da intensa urbanização, formadas em torno da grande cidade por meio

de núcleos urbanos apontavam para problemas envolvendo transportes

deficientes, ausência de moradia e grande contingente de fluxo migratório. Os

limites das jurisdições políticas municipais não eram mais suficientes e

coincidentes com as áreas de influência econômica exercida sobre os núcleos

urbanos, que ampliavam suas fronteiras territoriais e a necessidade da

população residente.

Problemas desta ordem não poderiam ser tratados pelos governos locais

de forma isolada, até pela fraca autonomia que eles detinham.

Em razão da importância política e econômica das áreas metropolitanas,

o Direito começou a tratar do assunto por meio do governo federal, buscando

integrar ações entre os Estados e os Municípios envolvidos nas demandas

metropolitanas.

Assim, as regiões metropolitanas foram previstas pela Constituição

Federal de 1967. Neste momento, foi conferida à União a competência para

instituí-las por meio de leis complementares (art.157, §10º da Constituição de

1967). O planejamento e a administração das obras e serviços de interesse

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270

comum ficariam a cargo de uma entidade metropolitana, organizada pelo

Estado e dirigida por um Conselho Metropolitano e por uma Diretoria Executiva.

No Conselho, além de representantes dos três níveis de governo, poderiam ter

assento representantes de associações atuantes na região.

A natureza das regiões metropolitanas era apenas de serviços comuns.

Não havia o Estado como titular do interesse metropolitano. O intuito era fazer

os municípios enfrentarem os problemas comuns conjuntamente. Afirma

Edésio Fernandes608 que, nesta época, a “natureza jurídica da região

metropolitana é de associação compulsória de municípios. Os municípios

seriam obrigados a, juntos, resolver problemas comuns. Não se falava em

titularidade ou participação do Estado-membro. A questão era local”.

A Emenda nº 1 da Constituição Federal de 1969 mantém a mesma

natureza da região metropolitana consagrada pela Constituição Federal de

1967.

Em 8 de junho de 1973 a União estabeleceu, por meio da Lei

Complementar nº14, as regras básicas sobre as Regiões Metropolitanas

previstas na Constituição Federal de 1967, o que permitiu a criação das regiões

metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador,

Curitiba, Belém e Fortaleza.

Cada Região Metropolitana teria um Conselho Deliberativo, presidido

pelo governador do Estado, e um Conselho Consultivo, ambos previstos na lei

estadual (art.2º).

Apesar da União criar as Regiões Metropolitanas, a gestão e os custos

dos Conselhos era atribuição do Estado-membro (art.2º, §3º).

Foram atribuídas ao Conselho Deliberativo as funções de elaborar o

Plano de Desenvolvimento integrado da região metropolitana e a programação

dos serviços comuns, a coordenação da execução de programas e projetos de

interesse da região metropolitana, com o objetivo de unificar os serviços

comuns609 sempre que possível.

608

FERNANDES, Edésio. Gestão Metropolitana: Cadernos da Escola Legislativa nº12.v.7.jan-jun.Belo Horizonte, 2004, p. 65-79. 609

Lei complementar 14, Parágrafo único – A unificação da execução dos serviços comuns efetuar-se-á quer pela concessão do serviço a entidade estadual, que pela constituição de empresa de âmbito metropolitano, quer mediante outros processos que, através de convênio, venham a ser estabelecidos.

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271

Quanto ao Conselho Consultivo (art.4º) tinha competências para opinar,

por solicitação do Conselho Deliberativo, sobre questões de interesse da região

metropolitana, sugerir a elaboração de planos regionais e a adoção de

providências relativas à execução dos serviços comuns.

O art.5º indicou os serviços comuns de interesse metropolitano que

interessavam aos Municípios integrantes da região. Dentre eles, destacamos o

planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social, o saneamento

básico e o uso do solo metropolitano, além de outros serviços incluídos na área

de competência do Conselho Deliberativo pela lei federal.

Quanto ao financiamento das regiões (art.6º), os Municípios da região

metropolitana que participassem da execução do planejamento integrado e dos

serviços comuns, teriam preferência para obter recursos federais e estaduais,

inclusive sob a forma de financiamentos e de garantias para empréstimos.

Em 1º/7/1974 por ocasião da fusão entre os Estados do Rio de Janeiro e

da Guanabara, foi criada a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A Lei

determinou (art.20) aplicar à Região Metropolitana do Rio, o disposto sobre

conselhos e interesses metropolitanos previstos na Lei Complementar nº 14 de

8/6/1974.

Na realidade, a partir da Constituição Federal de 1988 (art.25, §3º), outro

regime metropolitano foi constituído. A responsabilidade por criar e organizar

regiões foi transferida do governo federal para os Estados. Os municípios

foram reconhecidos membros da federação, entes federados, o que dificultou a

legitimação dos Estados como órgão de coordenação de ações metropolitanas.

A despeito da Constituição Federal prever a criação de tipologias

regionais pelos Estados, o ordenamento jurídico não conta com lei federal

estabelecendo diretrizes mínimas para uniformizar os critérios regionais para

todos os Estados, inclusive quanto à Administração Metropolitana. Deste modo,

cada Estado-membro, através de suas próprias Constituições e Leis

Complementares, ficou responsável pela criação dos regimes jurídicos

administrativos das metrópoles.

Recentemente algumas experiências metropolitanas de Estados da

federação contribuíram para fortalecer os vínculos compulsórios entre os

municípios, aprimorar a organização e o planejamento das funções públicas de

interesse comum.

Page 272: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

272

Em 12/1/2006, a Lei Complementar Estadual nº88 de 12/1/2006 instituiu

a gestão e o fundo de desenvolvimento para todas as regiões metropolitanas

do Estado de Minas Gerais. Na mesma data, a Lei Complementar Estadual

nº89 criou a região metropolitana de Belo Horizonte.

Para compor a administração metropolitana, em 12/1/2009, a Lei

Complementar Estadual nº107 criou a Agência de Desenvolvimento da Região

Metropolitana de Belo Horizonte encarregada de promover a gestão

compartilhada de funções públicas de interesse comum junto às cidades da

RMBH, que executarão as determinações do Conselho deliberativo

Metropolitano da Grande Belo Horizonte. Enfatizemos a experiência de

fortalecimento metropolitano no Estado de São Paulo. Até junho de 2011, a Lei

Complementar nº14/1973 não havia sido recepcionada pela atual Constituição,

o que possibilitou a edição da recente Lei Complementar Estadual nº1.139 de

16 de junho de 2011.

A lei estadual levou à criação de estruturas organizacionais como

Conselhos Deliberativo e Consultivo, Câmara Temáticas junto aos Conselhos

Deliberativos e Autarquia.

O Conselho de Desenvolvimento da Região tem caráter normativo e

deliberativo e será integrado à autarquia de gestão da Região, caso seja

criada. É composto pelo prefeito de cada Município, integrante da Região

Metropolitana (ou por pessoa por ele designada) e representantes do Estado

vinculados aos campos funcionais de interesse comum. A lei garante no

Conselho a participação paritária dos Municípios em relação ao Estado quanto

aos votos de deliberação (art.9º, parágrafo único).

Por sua vez, o Conselho Consultivo será regrado pelo Regimento

editado pelo Conselho de Desenvolvimento e composto por representantes da

sociedade civil, dos Poderes Legislativo Estadual e dos Municípios que

integram a Região Metropolitana de São Paulo e dos Poderes Executivo

Municipal e Estadual.

Compete ao Conselho de Desenvolvimento das Regiões Metropolitanas

de São Paulo (art.12) especificar as funções públicas de interesse comum ao

Estado e aos Municípios da Região Metropolitana de São Paulo, como o

planejamento e uso do solo, transporte e sistema viário regional, habitação,

Page 273: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

273

saneamento ambiental, meio ambiente, desenvolvimento econômico,

atendimento social e esportes e lazer.

Ao Conselho Consultivo cabe elaborar (art.15) propostas representativas

da sociedade civil, dos Poderes Executivos e Legislativos estaduais e

municipais que integram a Região Metropolitana de São Paulo, a serem

submetidas à deliberação do Conselho de Desenvolvimento, propor ao

Conselho de Desenvolvimento Câmaras Temáticas e Temáticas Especiais

(art.16 desta lei complementar) e opinar, por solicitação do Conselho de

Desenvolvimento, sobre questões de interesse da respectiva sub-região.

Caberá ao Poder Executivo Estadual criar entidade autárquica vinculada

à Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano (se necessário para executar

funções públicas de interesse comum) arrecadar receitas próprias, elaborar

planos e projetos e fiscalizá-los e desapropriar bens de utilidade pública

necessários à realização de funções comuns.

Enfatizamos que a jurisprudência acolheu o modelo de gestão

compartilhada entre os Estados e Municípios da região metropolitana das

funções públicas de interesse comum, por meio do voto-vista de Ricardo

Lewandowski, que orientou o entendimento dos demais ministros na ADIN

1842. Desta forma, os Estados e Municípios deveriam gerir as funções

metropolitanas em uma autarquia territorial composta por órgãos deliberativos

e consultivos que garantam a participação conjunta entre ambos. É

assegurado, por meio destes órgãos, o direito dos Estados e Municípios da

região metropolitana de participarem do processo decisório no plano

intergovernamental.

A despeito da criação de modelos institucionais, em razão das

experiências de São Paulo e Belo Horizonte (denominados modelos

institucionais de gestão metropolitana supramunicipais) desde 2005 foi

introduzido no Direito brasileiro o modelo de autoridades conjuntas

intermunicipais inframetropolitanas chamadas Consórcios Públicos.

Duas correntes abordam a possibilidade de priorizar o governo

metropolitano por consórcios ou mecanismos institucionais (conselhos,

autarquias, agências).

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274

Jeroen Johannes Klink610 explica que em razão da reunião do Fórum das

Entidades Metropolitanas, de 11 de novembro de 2008, duas tendências

dicotômicas de modelos de gestão metropolitana foram apresentadas:

Por um lado, uma vertente protagonizada principalmente pelos representantes dos órgãos de planejamento na esfera estadual, que defende um modelo com um viés estadualizado, de acordo com o qual a atribuição principal do planejamento, da gestão e da organização das regiões metropolitanas pertence à esfera estadual. De acordo com essa visão, a lei dos consórcios públicos proporciona, inegavelmente, um fortalecimento institucional e jurídico dos arranjos colaborativos horizontais existentes entre os municípios, mas não pode ser considerado um instrumento que substitui a prerrogativa da esfera estadual na matéria das regiões metropolitanas. A lei também não permitiria a delegação de funções de planejamento para o consórcio, limitando a aplicação desse instrumento ao domínio da execução de serviços de interesse comum. Por fim, os representantes dos órgãos de planejamento estadual receiam que a lei dos consórcios públicos também sirva para o governo federal intensificar cada vez mais o trânsito direto entre os ministérios e as cidades, esvaziando ainda mais as funções de planejamento da esfera estadual. Por outro lado, há uma vertente, que poderíamos rotular de municipalismo regionalizado, de acordo com a qual o consórcio público representa um embrião de um novo modelo institucional para a governança metropolitana. Nessa perspectiva, a flexibilidade e o grau de abertura da nova lei proporcionariam um ambiente favorável à experimentação e à aprendizagem, com novos arranjos mais amplos de colaboração interfederativa, mas sempre impulsionada pela vontade autônoma dos municípios.

Conduzindo a corrente que enfatiza os acordos horizontais por meio de

consórcio público, destacamos Paula Ravanelli Losada611:

O Consórcio é uma estratégia fundamental frente à escassez de recursos financeiros, às diferenciações regionais na capacidade gerencial e fiscal dos entes federados, à profundidade das desigualdades sociais e à natureza cada vez mais complexa dos problemas urbanos e ambientais, que exigem soluções cada vez mais intersetoriais e intergovernamentais [...] Por ela reconhece-se ao estado competência para instituir a região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião, cabendo à lei complementar estadual dispor sobre o funcionamento de tais intermunicipalidades; ela não assegura, porém, a participação do estado na gestão das funções públicas de interesse comum. De qualquer forma, independentemente do que venha a ser decidido, é necessário induzir o uso de instrumentos voluntários. Nesse sentido, acreditamos que os consórcios públicos são mais eficazes para uma atuação realmente integrada dos entes federados, desde que os contratos celebrados no

610

KLINK, Jeroen Johannes.Novas Governanças para as áreas metropolitanas. O panorama internacional e as perspectivas para o caso brasileiro. Cadernos Metrópole nº22, v.11, jul-dez, São Paulo, 2009, p. 415-433. 611

O Comitê de Articulação Federativa e o Desafio da Governança Metropolitana no Brasil. Governança das Metrópoles. Conceitos, experiências e perspectivas. Jeroen Klink (org). Anna Blume, 2010. p.285.

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275

âmbito da cooperação federativa possuam proteção jurídica adequada.

Dentre outras vantagens de se utilizar os consórcios como instrumento

indutor da governaça metropolitana, citamos a constituição de câmaras ou

conselhos com a participação social. Sobre o tema, explica a autora612:

Nada impede que na estrutura de um consórcio sejam criadas instâncias, inclusive com caráter deliberativo, reproduzindo assim, quando couber, o princípio de gestão democrática das cidades, inclusive da cidade metropolitana. A idéia não é nova. Nos anos 1950 já se falava em uma estrutrura político-administrativa apropriada para as áreas metropolitanas, com uma alternativa para atender aos interesses comuns intermunicipais ou regionais. Vitor Nunes Leal chegou a sugerir a “instituição de entidades especiais, com personalidade jurídica própria, dispondo de autonomia administrativa e financeira”. Para ele, essa forma seria a que melhor poderia conciliar a conveniência da centralização de certos serviços públicos com a autonomia dos municípios, que participariam da composição ou escolha dos quadros dirigentes da organização regional. Com o advento da Lei nº 11.107, de 2005, a idéia de Nunes Leal tornou-se possível.

Sol Garson e Jeroen Johannes Klink defendem a variedade de modelos

de governo metropolitano, ao contrário do modelo único, pautado em vínculos

compulsórios.

Afirma Jeroen Johannes Klink613 que a discussão não tem vencedores,

por ignorar a pluralidade de arranjos colaborativos no âmbito da gestão

metropolitana que pode ser feita por consórcios ou pela instituição de regiões

metropolitanas.

No Brasil, há uma tendência atual de introduzir dois modelos de gestão

metropolitana: os decorrentes dos vínculos compulsórios (art.25, §3ºda

Constituição Federal) e os baseados nas relações voluntárias entre os entes

federativos (União, Estados e Municípios) celebrados por meio de consórcios

públicos (art.241 da Constituição Federal e regulamentados pela Lei nº

11.107/2005 e pelo Decreto nº 6.017/2007).

Assim, investigaremos se esta tendência é permitida pelo nosso

ordenamento jurídico, isto é, se equivale a uma escolha de decisão política

612

LOSADA, Paula Ravanelli. O Comitê de Articulação Federativa e o Desafio da Governança Metropolitana no Brasil. Governança das Metrópoles. Conceitos, experiências e perspectivas. In: KLINK, Jeroen. São Paulo: Anna Blume, 2010, p.285. 613

KLINK, Jeroen Johannes.Novas Governanças para as áreas metropolitanas. O panorama internacional e as perspectivas para o caso brasileiro. Cadernos Metrópole nº22,v.11, jul-dez, São Paulo, 2009, p.415-433.

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276

discricionária dos entes federativos envolvidos na administração dos interesses

metropolitanos ou se o sistema constitucional impõe condicionamentos legais.

Analisaremos brevemente o regime jurídico dos consórcios públicos

introduzidos pelas legislações regulamentadoras do art. 241 da Constituição

Federal para compararmos como o regime do art. 25, §3º da mesma Carta.

Além disto, apontaremos as contribuições das doutrinas espanhola e

colombiana que admitem utilizar parte das entidades territoriais dos respectivos

Estados, a opção de escolha entre a administração do fenômeno metropolitano

pela definição compulsória das áreas metropolitanas, instituídas pelas

comunidades autônomas e os consórcios metropolitanos integrais. Estes

últimos são qualificados por Francisco Toscano Gil614 como aperfeiçoamento

dos consórcios metropolitanos setoriais disciplinados pela Lei nº 7/1993, de 27

de julho, regulamentadores da demarcação municipal da Andaluzia (LDMA),

parcialmente derrogados pela Lei nº 5/2010, de 11 de junho, que trata da

autonomia local da Andaluzia (Laula).

4.2.1 Breves considerações sobre o regime jurídico dos consórcios públicos brasileiros

O art. 241 da Constituição Federal previu a gestão associada de

serviços públicos entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios

por meio de consórcios públicos e convênios. Uma única norma, a Lei Federal

nº 11.107/2005 estabeleceu normas gerais para a constituição dos consórcios

públicos e convênios. Posteriormente, foi editado o Decreto nº 6.017/2007

regulamentador da Lei.

Observa Maria Sylvia Zanella di Pietro615 que antes da Lei nº

11.107/2005 a doutrina considerava o convênio e o consórcio acordos de

vontades para a consecução de fins comuns. O consórcio era utilizado quando

os entes estavam no mesmo nível (entre Municípios ou Estados) e o convênio

quando os entes eram de patamares distintos de governo (União e Municípios,

por exemplo).

614

GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.106. 615

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo.26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.533.

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277

No entanto, o art. 1º c/c art. 6º da Lei Federal nº 11.107/2005 modificou

a tradicional natureza jurídica dos institutos ao atribuir ao consórcio público

personalidade jurídica ora de direito público, ora de direito privado. Assim, o

consórcio público adquirirá personalidade jurídica de direito público, na

hipótese de constituir associação pública, mediante a vigência das leis de

ratificação do protocolo de intenções ou pessoa de direito privado, mediante

atendimento dos requisitos da legislação civil.

Deste modo, o art. 2º, I, do Decreto nº 6.017/2007 assim qualifica o

consórcio público:

pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação, na forma da Lei nº 11.107, de 2005, para estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum, constituída como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos.

Os consórcios públicos são integrados tanto pelos entes do mesmo nível

federativo quanto pelos entes de patamares distintos da federação. Desta

forma, poderão ser constituídos somente por Municípios ou por um Estado e

Municípios com territórios nele contidos, ou entre Estados apenas, Estados e

Distrito Federal ou entre Distrito Federal e Municípios. O art.1º, §2º, da Lei

Federal nº 11.107/2005 restringe a participação da União no consórcio público,

pois determina que este somente participe daqueles nos quais também façam

parte todos os Estados em cujos territórios estejam os Municípios

consorciados.

De acordo com o art. 6º da Lei Federal, embora o §1º determine que

apenas as associações públicas integrem a Administração Indireta, a

interpretação deve ser estendida aos consórcios com personalidade de direito

privado616.

Quanto ao regime jurídico aplicável às pessoas de direito privado, dispõe

a lei que a pessoa jurídica será regida pelo direito civil em tudo o que não for

expressamente derrogado por normas de direito público. Assim (art.6º, §2º, da

Lei Federal nº 11.107/2005) as pessoas de direito privado deverão submeter-se

à licitação, celebração de contratos regidos pelo direito público e prestação de

616

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo.26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.534.

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278

contas ao Tribunal de Contas (art.9º) mas admitirão seus funcionários pelo

regime celetista.

Independentemente da personalidade jurídica do consórcio público, a Lei

Federal concedeu-lhe alguns privilégios. Entre eles, desapropriar e instituir

servidões, contratar pela administração direta ou indireta dos entes da

Federação consorciados, com dispensa de licitação, determinar limites maiores

para escolher a modalidade de licitação617, dispensar licitação ao celebrar

contrato de programa com ente da federação ou entidade de sua

Administração Indireta, para prestar serviços públicos de forma associada e

impor valores maiores para dispensar licitação em razão do montante618.

Foram previstos no art. 3º do Decreto nº 6.017/2007619 vários campos de

atuação dos consórcios, como a gestão associada de serviços públicos, prestar

serviços, inclusive assistência técnica, executar obras e fornecer bens à

administração direta ou indireta dos entes consorciados, promover o uso

racional dos recursos naturais e proteger o meio-ambiente, gerir e proteger o

patrimônio urbanístico, paisagístico ou turístico comum e as ações e políticas

de desenvolvimento urbano, socioeconômico local e regional.

A constituição dos consórcios públicos obedecerá às seguintes fases,

nos termos da Lei Federal: a) subscrição do protocolo de intenções (art. 3º); b)

publicação do protocolo de intenções na imprensa oficial (art. 4º, §5º); c)

promulgação por cada um dos partícipes de lei, ratificando, total ou

parcialmente, o protocolo de intenções (art. 5º) ou disciplinando a matéria (art.

5º, §4º).

De acordo com o art. 2º, III, do Decreto nº 6.017/2007, o protocolo de

intenções é considerado um contrato preliminar que, ratificado pelos entes da

federação interessados, converte-se em contrato de consórcio público. Na

verdade, por este protocolo não é assumido um compromisso com direitos e

obrigações, apenas são definidas as cláusulas utilizadas no momento da

celebração.

Por meio das etapas para constituir, alterar e extinguir o consórcio

público, constatamos que o instrumento tem como principal característica firmar

617

§8º do art. 23 da Lei nº 8.666/1993, acrescentado pela Lei nº 11.107/05. 618

Art. 24, I e II, da Lei nº 8.666/1993, conforme alteração introduzida no parágrafo único do art. 24 pela lei nº 11.107/05 619

Decreto nº 6.017/2007: Art.2º, IX a XIV.

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279

pactos voluntários entre os envolvidos. Isto é demonstrado pelo art. 5º, §1º e

§2º da Lei Federal nº 11.107/2005, ao permitir que mesmo o ente federativo

subscrevendo o protocolo de intenções, poderá optar por não participar do

consórcio ou fazê-lo parcialmente, com ratificação mediante clásula de

reservas. Somente após a ratificação por cada consorciado será celebrado o

contrato.

A lei de consórcio não prevê procedimento para saber quantas são as

leis e o momento adequado para considerar o protocolo ratificado. Nesse caso,

Maria Sylvia Zanella di Pietro620 afirma o absurdo resultante da lei, que neste

caso permite surgir da personalidade jurídica de cada consorciado em

momento distinto, atrelado à ratificação dos municípios consorciados.

A autora entende também que a lei contém impropriedades na

constituição do consórcio. Não há motivo para exigir contrato de constituição de

consórcio público de pessoa jurídica de direito público, pois como é

considerada autarquia (art.6º, I) deve ser aplicado o art. 37, XIX da

Constituição Federal, que exige lei apenas para criar a figura, dispensando a

ratificação legal.

De acordo com o art.6º, II621, da lei federal, os consórcios formados por

personalidade de direito privado estão adstritos ao cumprimento do art. 45 do

Código Civil, que condiciona o surgimento da personalidade de pessoa jurídica

de direito privado ao registro do ato no Cartório de Registro.

No que tange à alteração ou extinção do consórcio, a lei determina pelo

art.12 que dependerá de instrumento aprovado pela assembleia geral,

ratificado mediante lei por todos os consorciados.

Refletindo o caráter voluntário dos consórcios, a lei federal prevê a

possibilidade do ente retirar-se do consórcio público (art.11), por meio de ato

formal de seu representante na assembleia geral. Por outro lado (art.8º, §5º), o

ente federado será excluído, após suspensão, do consorciado que não

consignar, em lei orçamentária ou créditos adicionais, as dotações suficientes

para suportar as despesas assumidas no contrato de rateio (art.8º) considerado

instrumento de financiamento do Consórcio Público. Dispõe o art. 2º, VII do

620

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo.26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.538. 621

Lei Federal nº 11.107/2005 Art.6º – O consórcio público adquirirá personalidade jurídica: II – de direito privado, mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil.

Page 280: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

280

Decreto regulamentador da lei, que o contrato de rateio é o meio pelo qual os

consorciados se comprometem a fornecer recursos para realizar despesas do

consórcio público.

E por fim (art.4, XI, “d”, da Lei Federal, c/c art. 2º, XVI) os entes

federados consorciados, no ato do protocolo de intenções poderão prever o

contrato de programa. Trata-se de um instrumento pelo qual devem ser

constituídas e reguladas as obrigações que um ente da federação, inclusive

sua administração indireta, tenha com outro ou com o consórcio público, no

âmbito da prestação de serviços públicos por meio de cooperação.

Deste modo, a gestão associada de serviços públicos pode ser feita de

duas formas. A primeira, através do contrato programa celebrado pelo

integrante do consórcio (que assume a obrigação de prestar serviços por meio

de seus órgãos ou por entidade da administração indireta) e a segunda, pelo

ente federado que optar por prestar o serviço público, sem a qualificação de

consórcio público, revestindo-se como pessoa jurídica de direito público ou

privado.

4.2.2 Considerações sobre o modelo espanhol e colombiano: institucional com arranjos supramunicipais e consorcial

Do ponto de vista institucional, com arranjo supramunicipal, podemos

apontar a experiência espanhola da Comunidade Autônoma de Madrid

(CAM)622, criada em 1983 junto a 17 regiões espanholas, instituídas entre 1979

e 1983. Sua jurisdição abrange apenas uma parte (embora maioria) da

população regional. No entanto, o seu território cobre, aproximadamente, a

área funcional da metrópole de Londres, com cerca de 8 mil km2 e uma

população de aproximadamente 5,2 milhões de pessoas. O município de

Madrid conta com 55% dos habitantes da região. Integram o perímetro da

(CAM) 179 municípios e é administrado por um conselho regional, cujos

membros são eleitos pelo povo e, por sua vez, entre eles, elege um presidente.

Os 179 municípios que integram a Região de Madrid estão abaixo da

autoridade metropolitana e exercem competências limitadas.

622

LEFÉVRE, Christian. Governabilidad democrática de las áreas metropolitanas. Experiências y lecciones internacionales para las ciudades lationamericanas. Gobernar las metropolis.ROJAS, Eduardo; CUADRADO-ROURA, Juan R.; GUELL, José Miguel Fernández. Banco Interamericano de Desarrollo (BID). Washington DC, 2005, p.198.

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281

Na Espanha, as regiões se equiparam aos Estados dos países federais,

dotados de competências federativas e legislativas. O CAM tem uma única

província e, como tal, assumiu os poderes da antiga Madrid. Com a recente

transferência de funções, a Comunidade Autónoma de Madrid é responsável

por áreas de políticas públicas, como o transporte e infraestrutura, educação,

saúde, planejamento, desenvolvimento econômico, meio ambiente, cultura e

pesquisa; muitos são da sua competência exclusiva.

Em relação à Colômbia, destacamos as contribuições da administração

institucional, previstas nos arts. 14 e 15 da Lei nº 1.625/2013. As áreas

metropolitanas são administradas pela Junta Metropolitana, que por sua vez, é

formada pelos prefeitos (Alcalde) de cada um dos municípios integrantes das

áreas metropolitanas; um representante da Câmara Municipal do Município

núcleo da área, um das outras Câmaras Municipais (escolhido entre os

Presidentes das câmaras referidas), um permanente do Governo Central (com

direito à manifestação sem voto) e um das entidades sem finalidades

lucrativas, sediada na área de jurisdição metropolitana, cujo objeto principal

seja proteger o meio ambiente.

De acordo com o art. 15, §1º da lei, a Junta Metropolitana é presidida

pelo prefeito metropolitano (alcalde metropolitano) e, na sua ausência, pelo

vice-presidente.

Quando necessário, a Junta Metropolitana, com autorização do seu

presidente poderá convidar pessoas do setor público ou privado para

participarem das sessões nas quais poderão expor suas opiniões, sem direito a

voto.

Compete aos membros da Junta Metropolitana, ao representante legal

da área metropolitana, aos conselheiros dos municípios da área metropolitana

e à iniciativa popular propor acordos metropolitanos (art.18).

Também compete ao Conselho Metropolitano (Junta Metropolitana)

aprovar o plano de desenvolvimento metropolitano, expedir normas sobre o uso

do solo rural e urbano no município, fixar o perímetro urbano, prestar serviço

público, declarar de utilidade pública ou de interesse social os imóveis urbanos

e rurais imprescindíveis ao desenvolvimento das necessidades previstas no

Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano e indicar os imóveis

desapropriados para cumprir estas finalidades.

Page 282: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

282

Quanto aos serviços prestados, a Junta Metropolitana definirá aqueles

que afetam mais de um município conurbados.

O funcionamento das Juntas Metropolitanas garante a autonomia dos

municípios conurbados, porque embora suas decisões tenham supremacia em

relação às decisões dos municípios integrados, todos compõem o conselho e

participam de suas decisões.

Por fim, citamos o Conselho Metropolitano de Planejamento. De acordo

com o art. 26, é um órgão consultivo das autoridades metropolitanas que visa

preparar, elaborar e avaliar os planos da área, além de recomendar ajustes a

serem introduzidos.

4.2.2.1 Considerações sobre o modelo consorcial espanhol

A estrutura jurídica dos consórcios como forma de gestão metropolitana

na Espanha é uma alternativa ao modelo das áreas metropolitanas, previstas

no art. 43 da Lei nº 7/1985, de 2 de abril responsável pela disciplina das bases

do regime local (LBRL).

Ao constatar que a doutrina brasileira questiona a adoção desta

estrutura para administrar interesses metropolitanos, optamos por verificar se

este modelo seria aplicável à realidade brasileira.

Na concepção de Francisco Toscano Gil, a solução jurídica do fenômeno

metropolitano no Estado Espanhol não está exclusivamente adstrita ao modelo

das áreas metropolitanas, entidade local prevista pela Lei de Bases Locais

(LBRL), até por não ter sido demonstrada sua eficiência nos últimos 25 anos.

Assim, foi necessário introduzir outros instrumentos, como os consórcios

caracterizados por seus vínculos voluntários e flexíveis.

O termo consórcio é polissêmico, isto é, tem vários significados.

Francisco Toscano Gil623 afirma ser difícil fixar um único sentido para a

expressão. Para o autor o termo não é utilizado apenas pelo Direito

Administrativo, mas também pelo Direito Privado. Todavia, independentemente

623

GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.31.

Page 283: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

283

do ramo, o vocábulo apresenta como característica básica a existência de

interesse comum.

Como o objeto de análise da nossa tese envolve o Direito Administrativo,

reproduziremos o conceito de consórcio para o direito espanhol, considerando

sua inserção nesta área. Assim define o autor624:

Siendo así, debemos decir, que entendemos el Consorcio administrativo como la técnica jurídica de cooperación interadministrativa por la cual varias Administraciones Públicas ponen en común la gestión de un asunto del interes de todas estas, mediante la creación de uma organización dotada de personalidad jurídica e integrada por todas ellas, que constituye una nueva Administración Pública creada a tal fin.

O gênero Consórcio Administrativo na Espanha abrange três tipos de

consórcios: o local e o metropolitano, que subdivide-se em setorial e integral.

De acordo com a Lei da Comunidade Autônoma da Andalucia (Laula), os

consórcios (art.78) são considerados associações públicas e voluntárias,

dotadas de personalidade jurídica e capacidade de criar e gerenciar serviços e

atividades de interesse comum, e sujeitos ao direito administrativo.

O consórcio sujeita-se às normas do ordenamento jurídico local. Assim,

o consórcio local, é portanto considerado um consórcio administrativo com a

peculiaridade de ser regido pelo Direito Local, com a participação das

administrações locais entre os seus membros625 (art.78, 2º da Ley5/2010

(Laula). Francisco Toscano Gil626 compreende os consórcios locais nos

seguintes termos:

Debemos concluir que el Consorcio local, como Administración Pública constituída al servicio de intereses predominamente locales, tiene naturaleza jurídica local, por lo que se incardina en el ordenamiento jurídico local. Y ello, al margem de la opinión que se tenga sobre si el Consorcio local debe o no definirse como entidade local, lo que, em nuestro Derecho, es todavia una cuestión diferente a

624

GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.32. 625

O regime jurídico do consórcio local é composto pelas seguintes legislações: Ley 7/1985 de 2 de abril, regulamentadora do regime local das entidades territoriais do Estado Espanhol; Real Decreto legislativo 781/186.de 18 de abril, que aprova o texto revisado das disposições legais relativas ao governo local; Ley 30/1992, de 26 de novembro que regula o regime jurídico das Administrações Públicas e o processo administrativo comum; Decreto de 17 de junho de 1955 que aprova o Regulamento do serviços das corporações locais, legislações das comunidades autônomas, em especial da Andalucia, introdutora da figura dos consórcios metropolitanos, que veremos adiante, nos arts. 78 a 82 da Ley 5/2010, de 11 de junho da autonomia local da Andalucia (LAULA), além dos Estatutos de constituição dos próprios consórcios. 626

GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.37.

Page 284: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

284

la de su naturaleza jurídica, de la que se disocia, y que es em todo caso de carácter local.

A lei 5/2010, de 11 de junio, de Autonomía Local de Andalucía o qualifica

como uma entidade de cooperação, desde que conte com a participação

majoritária dos entes locais e persiga finalidades de interesse local. E conclui o

autor627:

Por tanto, si em la práctica los estatutos reguladores de los consorcios locales suelen configurarlos como entes de Derecho público que gestionan intereses predominantemente locales, entes participados e integrados mayoritariamente por Administraciones Públicas locales, y sujetos fundamentalmente al Derecho local, ningún problema debería haber en dar el siguiente paso, el de definirlos como entes locales en la normativa autonómica.

Como regra geral, os consórcios locais têm as seguintes características:

a) personalidade jurídica; b) entidade de Direito Público, administração pública

instrumental de base associativa sujeita ao Direito Administrativo; c)

Composição heterogênea; d) Técnica de cooperação interadministrativa; e)

Vínculo voluntário.

Com relação à atribuição de personalidade jurídica, sua instituição

implica criar uma associação com personalidade de direito público para

alcançar as finalidades propostas. Sua composição considera diversas

administrações locais de caráter instrumental e corporativo. Trata-se na

verdade de descentralização administrativa que leva em conta as funções

realizadas pelo consórcio em razão do território no qual se localiza (ente local).

A despeito dos consórcios serem compostos por autoridades locais

(municípios), isto não impede que outras entidades formem a associação,

como as próprias comunidades autônomas ou jurídico privadas.

Segundo o art. 57 da Lei nº 7/1985 (LBRL), os consórcios locais são

formas de cooperação interadministrativa, comportam cooperação econômica,

técnica e administrativa entre as autoridades da Administração Local e as

Administrações do Estado e as comunidades autônomas em relação aos

serviços locais e assuntos de interesse comum.

Por outro lado, os consórcios são formados por vínculos voluntários,

decorrentes da vontade de cada autoridade. Não são construídos de forma

627

GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.44.

Page 285: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

285

obrigatória, imposta por uma instância superior e sua organização está prevista

em estatutos. Diversos modelos poderão surgir. O consórcio será composto por

um órgão unipessoal, um presidente que representa o consórcio e um órgão

colegiado, formado por representantes das entidades associadas na proporção

estatutária (Lei nº 5/2010 da Comunidade Autônoma da Andalucia).

Acrescenta o item 2 (art.82) que na hipótese do consórcio contar com

membros da Comunidade Autônoma da Andalucia, os órgãos colegiados

deverão ter integrantes destas comunidades.

Francisco Toscano Gil628 explica que o objeto do consórcio pode ser

modificado ou alterado. No entanto, isto não permite afirmar a natureza

conjuntural das suas finalidades. Os consórcios têm duração indefinida e

admitem reformulação em seus objetos.

Os consórcios locais são vocacionados para funcionarem de maneira

permanente e estável e a alteração das suas finalidades não prejudica a sua

continuidade por prazo indeterminado.

Ao lado dos consórcios locais, o direito espanhol admite os consórcios

metropolitanos setoriais, igualmente submetidos ao modelo dos consórcios

locais. A diferença está relacionada à existência dos interesses metropolitanos.

Quando o consórcio local tem o propósito de gerir o interesse metropolitano,

sua denominação é alterada para consórcio metropolitano. Nas palavras de

Francisco Toscano Gil629:

Siendo la finalidade del Consorcio local la gestión de un assunto de interes común a las Administraciones integradas en el mismo, bien puede ocurrir que esse asunto público sea um asunto de naturaleza metropolitana. Y em la medida em que lo metropolitano, según defendemos, se ubica fundamentalmente em el ámbito próprio de los interesses locales, podemos entender que em este supuesto se está utilizando el Consorcio Local para solucionar el fenômeno metropolitano. El Consorcio local, por tanto, se convierte em estos casos em um Consorcio metropolitano, entendientdo por tal aquel Consorcio que se constituye com el fin de atender a lo metropolitano.

A denominação ‘setorial’ para a expressão ‘consórcios metropolitanos’

considera a abordagem de interesses qualificados metropolitanos, restritos às

áreas específicas, como por exemplo, o transporte e a moradia, na Andaluzia.

628

GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.90. 629

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.258.

Page 286: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

286

Como, então, definir consórcios metropolitanos setoriais? Trata-se de

um consórcio administrativo, que tem personalidade jurídica decorrente de

associação voluntária de várias administrações municipais, provinciais e

comunidades autonômas. Em razão disto a cooperação é considerada

interadministrativa. Segundo o autor espanhol630:

Así, puede decirse que el Consorcio metropolitano sectorial, como Consorcio administrativo que es, se define como um ente com personalidad jurídica. La persona jurídica que se crea al constituirlo es el resultado de la asociación voluntária a tal fin de varias entidades, aqui Administraciones municipales, Administración provincial y Administracion autonómica. Por esta razón, se predica de él su carácter asociativo, por cuanto su constitución se deriva de esta asociación de voluntades. La presencia de este fenómeno asociativo de base, que es lo que permite entender al Consorcio metropolitano como corporación interadministrativa, va a determinar importantes aspectos de su régimen jurídico.

Registraremos ainda algumas considerações sobre a natureza jurídica

local do consórcio. Nesta modalidade, são compostos os consórcios por

administrações locais e regidos por normas específicas. Esta característica não

é tão clara para os metropolitanos setoriais, uma vez que este é formado por

entes autônomos, provinciais e locais, o que implica imbricamento de

interesses.

Citemos, por exemplo, a Lei nº 2/2003, de 12 de maio de ordenação dos

transportes urbanos e metropolitanos da Andalucia (Louvma). A lei qualifica

expressamente como metropolitano o interesse público dos transportes

urbanos abarcando o âmbito territorial do município e da comunidade

autonôma, denominados nível local intermediário (supramunicipal). O interesse

metropolitano incide sobre o municipal e o autonômo. Deste modo,

identificamos o espaço metropolitano como espaço local intermediário entre os

interesses locais, municipais e provinciais. No entanto, Francisco Toscano Gil

ainda insiste em afirmar ao analisar a (Louvma), que o legislador da Andalucia,

ao final, reconhece a existência dos interesses locais no âmbito metropolitano.

E, então, qualifica o interesse metropolitano como local. Isto porque, o

legislador permite atribuir competências para gerir transportes a um ente que

está na esfera local, tem natureza jurídica e administração local.

630

GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.107.

Page 287: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

287

Apesar de amplamente utilizado pela Comunidade Autônoma da

Andalucia,algumas deficiências surgiram em relação à sua aplicação.

A principal crítica diz respeito à forma de abordagem parcial das

questões metropolitanas, que na realidade, exigem a compreensão integral dos

problemas. Diante destas falhas, Francisco Toscano Gil sugere, com base no

modelo criado na Andalucia pela lei que regulamentou os consórcios

metropolitanos setoriais e os locais do ano de 2010, o surgimento de um novo

modelo de consórcio metropolitano (integral) com a perspectiva de gerir e

coordenar de forma global as áreas metropolitanas.

A opção pelo Consórcio Metropolitano integral não implica introduzir ou

substituir o marco legal que disciplina os consórcios locais, extensíveis aos

consórcios metropolitanos setoriais. Na realidade, a distinção em relação ao

regime aplicável aos consórcios metropolitanos setoriais está na ampliação das

funções que serão indicadas no estatuto que poderão abranger uma

regulamentação ampla dos problemas metropolitanos, ao invés de priorizar

funções específicas, setoriais. É possível incluir, portanto, dentre outras

competências, a ordenação do território, urbanismo, moradia, transportes, ciclo

da água, resíduos sólidos urbanos, áreas verdes, telecomunicações, energia,

desenvolvimento social, econômico ou proteção e prevenção contra incêndios.

O propósito desta espécie de consórcio metropolitano, segundo

Francisco Toscano Gil631, é atender vários tipos de competência, abrangendo

integralmente os problemas do território, como foi o caso da Andaluzia, por

meio dos planos de ordenamento do território desenvolvidos para solucionar

problemas em escala metropolitana.

Na realidade, esse modelo consorcial preocupa-se com a visão integral

dos problemas metropolitanos, e não com as funções específicas,

compartimentadas.

Os consórcios metropolitanos integrais são regulamentados por normas

locais, formados por vínculos voluntários de cooperação, flexíveis e contam

com a participação da Administração Autônoma para gestão, planejamento e

coordenação dos interesses metropolitanos.

631

GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.312.

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288

São denominadas formas de administração instrumental de base

associativa e consideradas (art.60 da Ley 5/2010), entidades de cooperação

territorial, de caráter supramunicipal, que têm entre os seus objetivos: 1)

promover o desenvolvimento sustentável, a coesão econômica, social e

territorial; 2) viabilizar as condições básicas de governo e gestão; 3) articular,

cooperar e defender os interesses comuns entre as entidades territoriais,

municípios e comunidades autônomas e 4) aplicar aos modelos de organização

metropolitana policêntricas, que atualmente vigoram na Espanha acolhem

vários centros urbanos e têm infraestrutura, em detrimento do antigo modelo

pautado no predomínio das cidades centrais ou metropolitanas, centralizadoras

do fornecimento de bens e serviços.

Verificamos que Francisco Toscano Gil632admite várias soluções ao

problema metropolitano, que não são pautadas exclusivamente nas áreas

metropolitanas nem nos consórcios metropolitanos como única alternativa. O

caráter diversificado da questão metropolitana exige solução variada e admite,

inclusive, adotar planos metropolitanos, na modalidade de ordenação do

território.

4.2.2.2 Considerações sobre o modelo consorcial colombiano

A Lei nº 1.454 de 2011 que disciplina a organização político-

administrativa do território colombiano, ao definir a responsabilidade pelo

ordenamento territorial entre as áreas federais, territoriais e metropolitanas,

prevê vários modelos de associações entre as entidades territoriais na

Colômbia.

A finalidade do ordenamento territorial é descentralizar, planejar, gerir e

administrar as entidades e instâncias de integração territorial, por meio de

transferência de conhecimentos e de decisões do governo central e

descentralizar a esfera nacional e territorial alocando recursos. Para isto, os

instrumentos associativos foram previstos como uma das formas de

implementá-la.

632

GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.315.

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289

Com base no modelo associativista há o incentivo para formar parcerias

entre autoridades locais e organismos de integração regional, produzir

economias de escala, sinergias e alianças competitivas para alcançar o

desenvolvimento econômico.

Os modelos poderão envolver associações entre municípios, áreas

metropolitanas e departamentos e são formados livremente por duas ou mais

autoridades locais para fornecer serviços públicos em conjunto, próprios ou

funções administrativas atribuídas à autoridade local, nacional, realizar obras

de interesse comum ou encontrar funções de planejamento, além de garantir o

desenvolvimento de seus territórios.

As associações poderão resolver as funções e serviços comuns como

pessoas coletivas de direito público, sob a direção e coordenação do conselho

de administração ou órgão de gestão, desde que garantida a participação dos

integrantes na tomada das decisões associativas.

Duas agregações merecem destaque, em razão de sua relação com o

tema desenvolvido na nossa tese: as associações de municípios e as de áreas

metropolitanas.

Quanto às primeiras (art.14 da Lei nº 1.454), dois ou mais municípios do

mesmo ou de diferentes departamentos, administrativamente e politicamente,

poderão associar-se para organizarem como prestar serviços públicos e

executarem obras de funções administrativas regionais. Deverão cumprir os

acordos ou planos de contrato assinados pelos respectivos prefeitos e

autorizados pelos conselhos municipais para o exercício das competências

conjuntas.

Com relação à segunda espécie de agregação (art.15), duas ou mais

regiões metropolitanas do mesmo ou de departamentos diversos poderão

associar-se para organizar conjuntamente a prestação de serviços públicos, a

execução de obras de funções administrativas regionais e cumprir os acordos

ou contratos assinados pelos conselheiros das respectivas áreas

metropolitanas.

Os acordos ou contratos originários dos vínculos associativos deverão

ser tratados para fins legais. Neles serão estabelecidas competências

específicas a serem delegadas ou transferidas entre diferentes autoridades, a

depender do assunto.

Page 290: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

290

Este modelo de associação foi incorporado recentemente pelo art. 34 da

Lei nº 1.625/2013. Ele permite associações entre áreas metropolitanas

integrantes de um ou vários departamentos como esquemas de associação de

integração territorial e órgãos de coordenação de desenvolvimento municipal

que serão beneficiários dos mesmos direitos e condições dos regimes de

outros tipos de associação territorial. As associações serão celebradas por

meio de convênios ou contratos subscritos pelos diretores das áreas

metropolitanas, autorizadas pelas juntas metropolitanas.

4.2.3 Comparação entre a administração por modelos institucionais compulsórios e por consórcios públicos

Traremos as contribuições da doutrina espanhola, precisamente de

Francisco Toscano Gil e o modelo da legislação colombiana, para refletirmos

sobre a possibilidade de o Brasil adotar como substituição ao modelo

institucional das Regiões Metropolitanas, os consórcios públicos.

O jurista espanhol defende os consórcios metropolitanos integrais como

instrumentos para solucionar as questões metropolitanas. Abordaremos as

semelhanças entre a gestão metropolitana por meio das áreas metropolitanas

(art.43 da LBRL), considerada modelo institucional e os consórcios

metropolitanos. Na sequência, indicaremos à luz da teoria do jurista espanhol,

as vantagens dos consórcios metropolitanos em relação às áreas

metropolitanas. E por fim, acrescentaremos as observações da doutrina

brasileira sobre os dois modelos de gestão para, por fim, nos posicionarmos.

Francisco Toscano Gil633 aponta semelhanças entre os dois institutos,

como por exemplo as que mencionaremos abaixo.

1) Tanto as áreas metropolitanas quanto os consórcios metropolitanos

integrais são pessoas jurídicas de direito público com o propósito de solucionar

as questões metropolitanas. As duas entidades são compostas por integração

de outras administrações públicas, como forma de corporação

interadministrativa. No entanto, as áreas são integradas exclusivamente por

municípios, enquanto os consórcios são compostos por municípios, províncias

633

GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.238.

Page 291: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

291

e Comunidades Autônomas. Nas áreas metropolitanas, as comunidades

autônomas atuam como agente propulsor, fomentador, nos consórcios são

membros integrantes;

2) As duas instituições são consideradas entidades locais;

3) Nos dois casos os modelos propostos buscam soluções integradas,

globais;

4) Em ambos, estamos diante de entidades que buscam o exercício

coordenado de competências. Contudo, nas áreas metropolitanas a

coordenação é imposta pela Comunidade Autonôma, enquanto nos consórcios

públicos a coordenação é oriunda de relações voluntárias entre as entidades

integrantes;

5) A criação das áreas metropolitanas envolve limites ao exercício da

autonomia municipal, pois decorre da auto-organização das Comunidades

Autônomas. Por sua vez, os consórcios municipais envolvem respeito à

autonomia local;

6) As áreas metropolitanas são pactos obrigatórios impostos por lei das

Comunidades Autônomas. Já os consórcios públicos são frutos de pactos

associativos, originários de convênios, uma vez que sua voluntariedade é

premissa básica para instituir as entidades locais nas quais se reúnem;

7) O autor reconhece que nos dois casos as entidades são facultativas,

reguladas pelo legislador das Comunidades Autônomas. Nas áreas

metropolitanas, o regime jurídico definido pelo legislador autônomo é mais

rígido do que o atribuído aos consórios que têm ampla margem de

discricionariedade, dentre os poucos condicionamentos estabelecidos pelas

Comunidades Autônomas.

Francisco Toscano Gil634 aponta algumas vantagens da utilização dos

consórcios metropolitanos em detrimento das áreas metropolitanas (art. 43 da

LBRL) como modelo institucional de gestão, dentre as quais, destacamos: a)

vínculo de cooperação voluntária; b) relações de cooperação e horizontalidade

entre as partes integrantes do consórcio; c) os consórcios são mais eficazes

em relação às áreas metropolitanas; d) flexibilidade do regime jurídico; e)

634

GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.297.

Page 292: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

292

participação das Comunidades Autônomas; f) Garantia da autonomia local; g)

ampla atuação dos agentes sociais e econômicos.

Com relação ao vínculo de cooperação voluntária, os consórcios

metropolitanos garantem o respeito à autonomia, porquanto sejam formados

por fórmulas de associação voluntárias, ao contrário das áreas metropolitanas

que decorrem de vínculos compulsórios, que desconsideram a vontade das

entidades locais e limitam sua autonomia. A autonomia local é garantida pelos

consórcios, uma vez que possibilita aos municípios decidirem como satisfazer

os interesses públicos locais.

No que tange ao caráter de igualdade, relações de equilíbrio e

horizontais entre os componentes das associações, o modelo consorcial ao

facultar ajustes voluntários, permite maior participação e de forma paritária

entre os integrantes. Não podemos afirmar, contudo, que as áreas

metropolitanas afastem a participação das entidades integrantes. Isto, porque,

a legislação reguladora determina que todos os municípios participantes da

área metropolitana atuem nos órgãos de governo e da administração. Contudo,

na prática, a representação não é equilibrada em razão dos vínculos

obrigatórios que permeiam a relação.

O autor insiste em afirmar que os consórcios metropolitanos solucionam

problemas metropolitanos com maior eficácia do que as áreas metropolitanas.

Em primeiro lugar, em razão das ações de coordenação desenvolvidas entre as

entidades locais e a diminuição da duplicidade de atuações públicas, pois o

consórcio afasta a criação de novas estruturas administrativas, ao contrário das

áreas metropolitanas que consideram modelos institucionais.

Ressaltamos que os consórcios públicos contam com regimes jurídicos

flexíveis, atribuídos como amplo espaço de discricionariedade pelo legislador

da Comunidade Autônoma. Cada estatuto particulariza e diferencia as

necessidades dos consórcios formados pelas entidades da administração. Se

necessário modificar seu objeto, basta alterar os estatutos, a partir de acordo

prévio entre as entidades consorciadas.

Já as áreas metropolitanas apresentam um modelo jurídico rígido,

atribuído pelo legislador autônomo. Qualquer mudança em seu objeto

necessitará de alteração legislativa por parte do legislador autônomo.

Page 293: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

293

Os consórcios metropolitanos são considerados associações de caráter

intermediário, por estarem no meio do caminho entre as fórmulas de

associação estritamente municipais (na Espanha, denominadas

mancomunidad) e a institucionalização dos governos metropolitanos (áreas

metropolitanas formadas por municípios que transferiram autoridades e

competências, por força de lei produzida pelas Comunidades Autônomas).

Nas áreas metropolitanas, as Comunidades Autônomas condicionam

sua criação, extinção e funcionamento, deixando prevalecer vários conflitos

entre as entidades envolvidas. Isto porque as áreas metropolitanas são

modelos impostos, nas quais predominam verticalidade e hierarquia entre os

membros que as compõem, mesmo garantida a participação das entidades

locais em sua administração.

Em relação aos consórcios metropolitanos, as entidades envolvidas

encontram soluções mais facilmente por meio de acordos, afastando as

imposições das comunidades autônomas.

Fransciso Toscano Gil vê respeito maior pela autonomia dos entes locais

com a figura dos consórcios quando comparados às áreas metropolitanas.

Segundo ele, os vínculos entre os entes locais são voluntários, o que implica

relações paritárias entre as administrações envolvidas, flexibilidade em relação

às formas de organizar e prestar serviço em razão da ampla liberdade que a

Comunidade Autônoma lhe confere, predomínio do regime jurídico local desde

o controle dos órgãos de direção até pelas entidades locais consorciadas. As

competências locais são titularizadas pelas administrações locais e não são

transferidas, como ocorre nas áreas metropolitanas para entidades de gestão

criadas pelas Comunidades Autônomas. Com isto a competência não será

atribuída à Comunidade, mantendo seu exercício pelas entidades locais.

E, por fim, por ter mecanismos de administração flexíveis, conta com

maior atuação dos agentes sociais e econômicos que participam da realidade

metropolitana, facilitando a solução dos seus complexos problemas.

Este modelo foi adotado recentemente pela Colômbia, que já contava

com a Lei nº 1.454/2011 ao introduzir modelos associativos, implementados,

atualmente pela Lei nº 1.625/2013 nas áreas metropolitanas. Ao lado das

associações de municípios, a lei possibilitou que duas ou mais regiões

metropolitanas do mesmo ou de diferentes departamentos, associem-se para

Page 294: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

294

organizarem conjuntamente serviços e ordenamento territorial das funções

comuns.

A doutrina brasileira ao interpretar os arts. 25, §3ºc/c art. 241 da

Constituição Federal, disciplinado pela Lei nº 11.107/2005 e o Decreto

regulamentador nº 6.017/2007 apresenta posicionamentos distintos sobre o

tema.

No âmbito federal, alguns estudiosos aproximam-se das conclusões de

Francisco Toscano Gil ao enfatizarem as vantagens de utilizar consórcios

públicos como modelo de gestão das regiões metropolitanas em detrimento

dos modelos institucionalizados pelos Estados (art.25, §3º da Constituição

Federal).

Alaôr Caffé Alves distingue os institutos e o âmbito de aplicação à luz do

sistema constitucional brasileiro. Pedro Estevam Serrano Alves Pinto, Gustavo

Gomes Machado e Maria Coeli Simões Pires, embora distinguam os institutos,

introduzem importante contribuição jurídica para demonstrar que, por vezes, as

soluções consorciais poderão ser utilizadas também para questões

metropolitanas. Pedro Estevam Serrano admite que o consórcio público seja

utilizado como forma de administrar figuras regionais, através da prestação de

serviço público.

Alaôr Caffé Alves635 entende que o legislador brasileiro tratou das figuras

em locais distintos da Constituição Federal de forma proposital, por se

referirem a fenômenos diferentes.

O art. 25, §3º da Constituição Federal, Título III, trata da Organização do

Estado, enquanto o art. 241 está no Título IX “Das disposições constitucionais

gerais”. O autor explica que, no primeiro caso, os vínculos metropolitanos são

compulsórios, enquanto os consórcios e convênios pressupõem associações

voluntárias. Se esta interpretação não fosse adotada, as regiões metropolitanas

seriam fragilizadas, uma vez que os integrantes não seriam obrigados a manter

essa relação e poderiam deixar o vínculo quando entendessem oportuno,

descaracterizando a existência das figuras regionais. Acrescenta o jurista636:

635

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. Revista de Direito Ambiental nº 21. ano 6. jan-mar. São Paulo: RT, 2011, p.65. 636

ALVES, Alaôr Caffé. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. Novas dimensões constitucionais da organização do Estado Brasileiro. Revista de Direito Ambiental nº 21. ano 6. jan-mar. São Paulo: RT, 2011, p.65.

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295

Imagine-se esta ação voluntária em um núcleo urbano-regional, onde o município rebelde estivesse em seu interior, rompendo-se o princípio segundo o qual os municípios metropolitanos devem ser limítrofes. Neste caso, haveria vazios dentro da região metropolitana, constituídos por comunidades que não viessem a aderir ou que viessem a denunciar o convênio em algum momento de sua existência. Não parece ser esse o pensamento do legislador constituinte, motivo pelo qual transportou o referido dispositivo para o capítulo da organização do Estado brasileiro.

O modelo do art. 25, §3º da Constituição Federal prevê o agrupamento

compulsório dos municípios das regiões metropolitanas, o que não permite aos

entes locais terem liberdade para isolar-se, em função de requisitos legais

como conurbação que implica, do ponto de vista fático, a reunião de municípios

limítrofes em razão de fatores econômicos, geográficos, sociais e urbanos.

Para o autor, determinado vínculo não amesquinha a autonomia

municipal, em razão da criação das regiões metropolitanas pelo Estado,

independentemente da vontade dos municípios. Baseados na Constituição

Federal, eles poderão negar-se a participar da gestão das funções ou serviços

comuns regionais, mas terão de suportar as intervenções indispensáveis ao

seu alcance, em razão do interesse regional. O interesse local do Município

agrega-se ao regional, que por sua vez propõe integrar os municípios e o

Estado na gestão, execução e planejamento das funções públicas de interesse

comuns.

Pedro Estevam Alves Pinto Serrano637compartilha o entendimento de

Alaôr Caffé Alves ao distinguir os institutos, embora acrescente peculiaridades

ao pensamento de Alaôr Caffé.

Pedro Estevam Alves Pinto Serrano aponta quatro causas que

distinguem consórcios e convênios das Regiões Metropolitanas: instrumentos

de formação, interesses envolvidos, preservação da autonomia local e natureza

jurídica dos vínculos das entidades envolvidas. E reforça seu posicionamento:

E de plano cabe estipular que consórcios e convênios são institutos jurídicos que não se confundem com a Região Metropolitana, nem esta pode ser criada ou instituída por consórcio, mesmo que entre Estado e Municípios integrantes da área conurbada

638.

637

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.194. 638

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. Região Metropolitana e seu regime constitucional. São Paulo: Verbatim, 2009, p.192.

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296

Quanto ao instrumento de formação, as figuras regionais são

constituídas por leis complementares estaduais, enquanto os consórcios são

formados por assinatura de protocolo de intenções, ratificado por lei de cada

uma das entidades envolvidas, até chegar à elaboração do contrato.

Com relação aos interesses envolvidos, o objeto da gestão da Região

Metropolitana são os serviços e atividades que incumbem ao Estado-membro,

enquanto dos consórcios ou convênios intermunicipais são os serviços e

atividades municipais homogêneas, titularizados pelos municípios, por serem

interesses locais, intermunicipais. Esclarece o autor que a homogeneidade

material dos serviços municipais conurbados não os torna integrante da

competência estadual. O serviço de coleta de lixo, por exemplo, é prestado por

cada um dos Municípios da Região Metropolitana. No entanto, este fato não

autoriza o Estado avocar para si a sua gestão. Assim, este serviço, a critério

dos municípios envolvidos poderá ser gerido por meio de consórcio público.

Os serviços comuns (art.25, §3º da Constituição Federal) são

titularizados pelo Estado-membro, embora sejam de interesse comum do

Estado e dos Municípios.

Assim, as respectivas competências constitucionais deverão ser

preservadas, sob pena de violar as autonomias federativas. Caso as Regiões

Metropolitanas avoquem para si as atividades municipais dos municípios

conurbados (ou os municípios por desempenharem essas funções por

consórcios serviços de natureza regional) haverá ofensa ao princípio das

competências federativas.

Quanto aos vínculos dos entes envolvidos, Pedro Estevam Serrano

compartilha a opinião de Alaôr Caffé Alves ao afirmar que as relações

consorciais são celebradas por vontade autônoma enquanto as regiões

metropolitanas e demais figuras regionais são oriundas de vínculos

compulsórios legais e obrigam o município a participar, independentemente de

sua vontade.

Portanto, à luz do sistema constitucional o Estado-membro não poderá

criar a Região Metropolitana por meio de consórcios ou convênios com os

Municípios integrantes do fenômeno da conurbação.

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297

Entretanto, o debate toma outros contornos quando nos deparamos com

a contribuição de Gustavo Gomes Machado e Maria Coeli Simões639. Embora

os autores diferenciem as figuras dos consórcios públicos das regiões

metropolitanas vislumbram possibilidades de aplicação dos consórcios para

gerir questões urbanas específicas das Regiões Metropolitanas.

Os doutrinadores mineiros admitem o equívoco do raciocínio que

equipara ou até substitui as regiões metropolitanas pelos consórcios públicos.

Isto porque os autores reconhecem que as figuras regionais têm um sistema

normativo e regulatório estadual geral e abstrato das relações

intergovernamentais no âmbito de cada território.

No entanto, explicam que isto não afasta as possibilidades de

negociações e modelagens cooperativas. Admitem inclusive, que o consórcio

público possa instrumentalizar políticas arrojadas da esfera metropolitana. E

neste sentido, invocam a Lei Complementar nº 88 de 12/1/2006 do Estado de

Minas Gerais640 (art.4º, parágrafo único) que acolhe como princípio da gestão

metropolitana a colaboração permanente entre o Estado e os Municípios da

região metropolitana, através do convênio de cooperação ou associações

públicas, denominados consórcios públicos.

Os doutrinadores mineiros esclarecem que os consórcios públicos não

substituem as regiões metropolitanas. Até porque são formados por vínculos

voluntários, que podem ser considerados instrumentos acessórios na

integração das funções públicas de interesse comum mas não são

instrumentos principais, uma vez que as regiões metropolitanas são realidades

impostas em razão dos fenômenos jurídicos da conurbação e incompatíveis

com vínculos que dependam da vontade de entes federativos641:

Ademais, considerando que nenhum ente federativo poderá ser obrigado a se consorciar ou a se manter consorciado, decorrendo disso o caráter instável dos consórcios públicos, constata-se que esses arranjos contratuais podem ser instrumentos acessórios na

639

MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008. 640

Dispõe sobre a Instituição e gestão de região metropolitana e sobre o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano. 641

MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 420-421.

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298

integração das funções públicas de interesse, mas não os principais, visto que os problemas comuns de caráter regional de um agrupamento de Municípios são realidades que se impõem, indepentendemente da configuração político-institucional do território, e não podem ter suas soluções inteiramente à mercê das autonomias municipais. Especialmente no caso das regiões metropolitanas, o fenômeno da conurbação implica a integração das infra-estruturas urbanas e, por conseqüência, a necessidade de planejamento e gestão conjunta permentente das funções públicas de interesse comum.

Por outro lado, a despeito de distinguirem os consórcios das regiões

metropolitanas, os autores admitem que os consórcios possam ser utilizados

pelos municípios participantes das regiões metropolitanas para promover a

administração intermunicipal da política urbana de interesse comum. Assim,

admitem que os consórcios públicos sejam utilizados para viabilizar o

urbanismo nas regiões metropolitanas, por meio da implementação

compartilhada de distintos instrumentos de política urbana regulados no

Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001). Como fundamento jurídico para o

raciocínio, Maria Coeli Simões e Gustavo Gomes Machado mencionam o

art.3º, do Decreto nº 6.017, de 2007, que regulamenta a Lei nº 11.107/2005

que admite os consórcios para promover ações e políticas de desenvolvimento

urbano, socioeconômico local e regional:

Esse importante instrumento urbanístico de política urbana, regrado pelo Estatuto das Cidades, pode ser utilizado em situações nas quais o fenômeno urbano a ser disciplinado ultrapasse a circunscrição administrativa de um Município. Não há razões lógicas nem de direito para negar elasticidade ao instrumento da operação urbana consorciada para regulação de questões urbanísticas de interesse transmunicipal. Nas regiões fronteiriças de Municípios metropolitanos, nas quais se evidencia a fusão física das cidades, as operações urbanas consorciadas podem mostrar-se um instrumento eficaz para a condução dos interesses comuns intermunicipais.

Pedro Estevam Alves Pinto Serrano642 acolhe o posicionamento dos

autores mineiros ao admitir que a Região Metropolitana atribua por convênio a

um ou mais Municípios consorciados ou conveniados, integrantes da Região, a

realização material de atividades ou serviços de sua competência.

Sustenta ainda que os consórcios ou convênios poderão prestar serviços

públicos de sua competência, na região metropolitana na qual os municípios

participantes estão inseridos, desde que não vulnerada a autonomia municipal

642

Região Metropolitana e seu regime constitucional, p. 195

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299

dos demais municípios. O convênio ou consórcio também não devem ser

utilizados para estabelecer relação que implique satisfação meramente

patrimonial ou de captação de lucro por qualquer das partes, de acordo com

Celso Antônio Bandeira de Mello643:

Caso uma Região Metropolitana pretenda atribuir a um ou mais Municípios atividades que tratem de forma desigual os Municípios integrantes, de forma a submeter um à autoridade do outro, esta pretensão será eivada de inconstitucionalidade inafastável por ofensa à autonomia municipal dos Municípios não agraciados. Tal fato ocorreria, por exemplo, se a Região Metropolitana atribuísse a um dos Municípios que a integram atividade de planejamento ou regulamentar. Obviamente são atividades indelegáveis, pois implicariam vulnerar a autonomia de Municípios em favor do agraciado pela outorga.

. Nossa posição

A exposição detalhada dos modelos de governo para a gestão de

problemas metropolitanos está relacionada à nossa crítica a respeito da

tendência no plano internacional, especialmente na Espanha, de substituir o

modelo institucional supramunicipal (art.25, §3º) pelos consórcios públicos na

gestão das funções públicas de interesse comum. De acordo com o sistema

jurídico brasileiro, seria possível gerir funções públicas de interesse comum por

meio de consórcios públicos (arranjos intermunicipais institucionais com

autoridade inframetropolitana) em substituição ao modelo institucional de

arranjo supramunicipal, de acordo com a terminologia adotada por Christian

Lefrévere?

Se adotarmos a premissa de que os consórcios públicos são alternativas

à administração metropolitana, defenderemos a produção de planos diretores

pelos municípios participantes dos consórcios para tutelar questões urbanas

interlocais como forma de viabilizar o planejamento urbano metropolitano.

Mas se entendermos que os consórcios não são alternativas para a

gestão das funções públicas de interesse comum, empregaremos um modelo

de plano diretor regional próprio da Região Metropolitana (art.25, §3º), que não

se confunde com os planos elaborados pelos municípios consorciados. Este é

o posicionamento que adotaremos nesta tese.

643

Curso de Direito Administrativo, 26 edição. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 659.

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300

No entanto, isto não afasta a possibilidade dos municípios integrantes

das regiões metropolitanas celebrarem entre si consórcios ou convênios para a

gestão de interesses referentes a este espectro de atuação interlocal, como os

problemas urbanos intermunicipais.

Mencionaremos o Consórcio Intermunicipal do ABC, formado pelos

municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul,

Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Criado em 1990,

tornou-se entidade autárquica em 8 de fevereiro de 2010 (Lei Federal de

Consórcios nº 1.107/2007). Dentre as suas finalidades (art.4º do Estatuto do

Consórcio) verificamos a atuação como gestor, articulador, planejador e

executor, por exemplo, de infraestrutura, desenvolvimento econômico regional

e urbano e gestão ambiental.

Nesta tese, destacaremos a atuação relacionada ao desenvolvimento

urbano e de gestão ambiental. Determina o Estatuto que o Consórcio Público

adote, por exemplo, medidas para promover o desenvolvimento urbano e

habitacional, desenvolver ações de requalificação urbana com inclusão social,

implantar um sistema integrado de gestão e destinação final de resíduos

sólidos industrial, residencial, da construção civil e hospitalar, articular

regionalmente planos diretores e legislação urbanística.

Para viabilizar a adoção destas medidas o Consórcio Municipal elaborou

o 2º Planejamento Regional Estratégico (2011/2020). O Consórcio elaborará

um Plano Diretor Regional com ações estratégicas para a consecução de

objetivos urbanos no território dos Municípios participantes. Dentre elas,

destacamos a elaboração de um plano de uso e ocupação regional cujo intuito

é compatibilizar o uso e a ocupação do solo dos diferentes municípios. O plano

regional definirá diretrizes regionais de regularização fundiária para orientar os

municípios integrantes do consórcio, definir diretrizes regionais de

adensamento compatíveis com as capacidades de suporte de cada município

consorciado. E por fim, definir diretrizes regionais relativas à mobilidade urbana

e à articulação com a região metropolitana para associar o planejamento do

sistema de mobilidade dos vários municípios.

As Regiões Metropolitanas qualificam esta competência constitucional

como função pública de interesse comum. A Lei Complementar nº 1.139/2011

que criou a Região Metropolitana de São Paulo, atribuiu ao Conselho de

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301

Desenvolvimento a especificação das funções públicas de interesse comum, no

âmbito do planejamento e uso do solo (art. 12).

Entretanto, os consórcios públicos não substituem a gestão integrada

viabilizada pelo arranjo institucional supramunicipal do art. 25, §3º, da

Constituição Federal. Isto porque, apenas o modelo institucional de governo

das regiões metropolitanas é capaz de abranger a complexidade das funções

públicas de interesse comum, estritamente relacionada ao fenômeno da

conurbação ou outra forma de relação física, geográfica, econômica, social

entre os municípios que informaram o substrato material de criação destas

tipologias regionais.

A Lei Complementar nº 1.139 de 16/6/2011, ao instituir a Região

Metropolitana de São Paulo abrange número maior de municípios agrupados

(art.4º) nas seguintes sub-regiões: I–Norte: Caieiras, Cajamar, Francisco

Morato, Franco da Rocha e Mairiporã; II–Leste: Arujá, Biritiba-Mirim, Ferraz de

Vasconcelos, Guararema, Guarulhos, Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Poá,

Salesópolis, Santa Isabel e Suzano; III–Sudeste: Diadema, Mauá, Ribeirão

Pires, Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardo do Campo e São

Caetano do Sul; IV–Sudoeste: Cotia, Embu, Embu-Guaçu, Itapecerica da

Serra, Juquitiba, São Lourenço da Serra, Taboão da Serra e Vargem Grande

Paulista; V –Oeste: Barueri, Carapicuíba, Itapevi, Jandira, Osasco, Pirapora do

Bom Jesus e Santana de Parnaíba.

Os municípios integrantes da região sudeste representam os

consorciados do ABC, mas igualmente compõem uma sub-região da grande

região metropolitana de São Paulo, se articulam com os demais municípios da

região metropolitana compartilhando problemas metropolitanos relacionados às

funções públicas de interesse comum.

Diante do sistema jurídico brasileiro, não podemos adotar soluções

alienígenas para problemas nacionais. Os modelos de Estado são distintos e

os tipos de governo metropolitano sofrem influências em razão da forma

unitária ou federativa de Estado e do conjunto de competências atribuídas aos

integrantes da figura regional.

Os consórcios públicos metropolitanos integrais ou setoriais espanhóis,

ou os formados por áreas metropolitanas na Colômbia, são considerados entes

locais que cuidam de interesses metropolitanos também considerados locais.

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302

Apesar de serem mecanismos de cooperação interadministrativa – com

personalidade jurídica, decorrente de associação voluntária dos municípios, de

certa forma similiar ao modelo brasileiro – poderão gerir interesses

metropolitanos que envolvem o imbricamento de interesses provinciais,

municipais e das comunidades autônomas. Ainda assim são interesses locais,

administrados por entidades locais e regidos por interesse local. Não nos

esqueçamos também que estamos diante de um Estado unitário, que a

despeito de propiciar descentralização política para as províncias,

comunidades autônomas e municípios, ainda depende da interferência em

certa medida do poder central.

Na Espanha o consórcio é um modelo supramunicipal, ao contrário da

tipologia brasileira, pois a despeito de ser formado por vínculo voluntário de

cooperação entre as entidades locais, comunidades autônomas e provinciais

contam com a participação da Comunidade Autônoma na gestão, planejamento

e coordenação dos interesses metropolitanos.

O modelo das áreas metropolitanas espanholas, em certa medida, se

aproxima do modelo brasileiro e dos arranjos consorciais. Nos dois países as

entidades integrantes formam pessoas jurídicas de direito público. As regiões e

as áreas metropolitanas são formadas apenas por municípios conurbados

agrupados por um agente externo. Na Espanha, a Comunidade Autônoma; e

no Brasil, o Estado-membro. Admite-se nos arranjos consorciados dos dois

países a participação dos Estados e das Comunidades Autônomas.

As áreas metropolitanas são formadas por vínculos compulsórios entre

os municípios, impostos pelos Estados ou Comunidades autônomas; já os

consórcios surgem de pactos associativos voluntários das entidades locais. Na

Espanha o primeiro modelo é visto como mitigador da autonomia municipal.

Na Espanha, as entidades consorciadas e as áreas metropolitanas são

consideradas locais facultativos porque reguladas pelo legislador das

Comunidades Autônomas. Nas áreas metropolitanas, o regime jurídico é mais

rígido do que o atribuído aos consórios, que por sua vez têm ampla margem de

discricionariedade, limitados por poucos condicionamentos estabelecidos pelas

Comunidades Autônomas.

Não poderíamos considerar este regime jurídico para as Regiões

Metropolitanas brasileiras pois são geridas por autarquias vinculadas à

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303

Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Estado de São Paulo,

auxiliadas por dois Conselhos que garantem a participação dos municípios da

região, afastando uma eventual mitigação na autonomia municipal.

Verificaremos no art. 7º e seguintes da Lei Complementar nº 1.139/2011, que

os Conselhos garantem o respeito à autonomia municipal, pois os municípios

participam dos órgãos diretivos e consultivos da região metropolitana.

O Conselho de Desenvolvimento será composto pelo prefeito de cada

Município integrante da Região Metropolitana de São Paulo e o Consultivo por

vereadores e outros integrantes do Poder Executivo municipal ao lado de

representantes da sociedade civil e dos Poderes Legislativo e Executivo

Estadual.

Como forma de proteger a autonomia municipal, mencionamos o art.9º

da Lei nº 1.139/2011 que promove no Conselho de Desenvolvimentoa

participação paritária do conjunto de Municípios em relação ao Estado. Por

força do parágrafo único, se houver diferença de número entre os

representantes do Estado e dos Municípios, os votos serão ponderados, de

modo que tanto os votos do Estado, como os dos Municípios, correspondam,

respectivamente, a 50% da votação.

Deste modo, é possível rebater ponderações da doutrina espanhola ao

atribuir grande importância ao consórcio, em detrimento dos modelos

supramunicipais brasileiros, como forma de substituir a gestão compulsória do

art. 25, §3º da Constituição Federal.

A despeito de Franscisco Toscano Gil644 dizer que os consórcios

públicos fortalecem a autonomia municipal – por serem formados por vínculos

voluntários com respeito à vontade das entidades locais – no modelo brasileiro

garantimos a autonomia municipal pelos vínculos compulsórios formados pelas

administrações supramunicipais.

O autor espanhol admite que as áreas metropolitanas na Espanha

permitem a participação das entidades integrantes, até porque a legislação

reguladora determina que todos os municípios integrantes da área

metropolitana participem dos órgãos de governo e administração. Contudo, ele

644

GIL, Francisco Toscano. Los Consorcios Metropolitanos.Madrid: Fundación Democracia y Gobierno Local; Instituto Andaluz de Administración Pública. Consejeria de Hacienda y Administración Pública, 2011, p.238.

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304

afirma que na prática, a representação equilibrada não é efetiva em razão dos

vínculos obrigatórios que permeiam a relação.

Apesar das várias vantagens dos consórcios sobre o modelo das áreas

metropolitanas, sobretudo, com relação ao seu regime flexível pautado nos

estatutos (que contam com espaços de discricionariedade conferidos pela

Comunidade Autônoma) o modelo consorcial brasileiro não admite este regime

jurídico. O Estatuto dos consórcios é elaborado pelos componentes do

Consórcio que ora pode ser formado pelos Municípios (como pessoa jurídica

de direito público, sem intervenção do Estado), ora pelo Estado (ocasião em

haverá interferência pelo simples fato de ser membro da pessoa jurídica de

direito público ou privado integrante do consórcio).

Ressaltamos que os consórcios públicos, mesmo integrados por

Estados, são fruto de contratos, enquanto as regiões metropolitanas,

administradas por meio de autarquias,são formadas por lei complementar

estadual, através de vínculos compulsórios, em razão de aspectos geográficos,

urbanos, sociais e econômicos, que inviabilizam a manifestação de vontade

dos municípios integrantes.

Ao contrário do modelo espanhol, as regiões metropolitanas são criadas

para a administração das funções públicas de interesse comum que incumbem

ao Estado, tanto do ponto de vista da administração, quanto da titularidade. Os

consórcios públicos destinam-se à gestão de serviços e atividades municipais

homogêneas, titularizadas pelos municípios, por serem interesses locais,

intermunicipais. Eles só incidem sobre os municípios que participam do

consórcio. Não estão integrados no âmbito geral às regiões metropolitanas,

que tratam de funções de municípios articuladas com todo o fenômeno de

conurbação.

A distinção entre os modelos de gestão, considerando os tipos de

interesses administrados, foi abordada nos anos de 1980, por Alaor Caffé

Alves, sob a égide da Constituição Federal de 1969. O interesse metropolitano,

administrado pelas regiões metropolitanas, decorria de grandes concentrações

urbanas, responsáveis pela extensão física de uma cidade por mais de dois

municípios. Assim, um organismo único era o gestor de vários problemas

relacionados aos demais municípios, os quais só poderiam ser equacionados

regionalmente. O jurista já identificava que soluções tratadas por meio de

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305

institutos intermunicipais, como os convênios e consórcios, não eram

adequados para resolver problemas metropolitanos envolvendo solução em

escala global. Assim, Alaôr Caffé Alves645 distinguia interesse metropolitano e

serviços comuns de interesse municipal, os quais seriam administrados por

institutos distintos. Além disto, não seria possível excluir a possibilidade dos

municípios integrantes das regiões metropolitanas da celebração de convênios

e consórcios, sob pena de ofensa à autonomia municipal646:

Por isso, é preciso fazer a distinção entre os serviços comuns de interesse metropolitano e os serviços comuns de interesse intermunicipal. Estes últimos são tratados a nível do relacionamento, direto e espontâneo, entre os municípios vizinhos interessados na solução de determinados problemas comuns, mas que não interessam ao conjunto urbano-regional. Tal relacionamento pode se concretizar através da utilização de instrumentos adequados e tradicionalmente colocados à disposição das unidades políticas para a realização de propósitos comuns. Assim, de conformidade com o art. 13, §3º, da Constituição Federal

647, a União, os Estados e os

Municípios poderão celebrar convênios para execução de suas leis, serviços ou decisões, por intermédio de funcionários federais, estaduais ou municipais. [...] Evidentemente, não se poderia excluir, por inconstitucional, a capacidade de os municípios integrantes de regiões metropolitanas celebrarem convênios a respeito de assuntos que interessem a mais de uma comunidade local. Isso seria impor uma restrição à autonomia municipal, vedada expressamente pela Lei Maior. Então, haverá serviços comuns de interesse intermunicipal que podem ser objeto de avenças entre duas ou mais municipalidades, na região metropolitana, sem que sejam, por isso, identificados como serviços comuns de interesse metropolitano.

Apesar de semelhanças com o modelo espanhol, existem distinções

entre os regimes jurídicos que não permitem aos consórcios públicos

substituírem completamente as regiões metropolitanas, embora possam ser

utilizados por cada uma das figuras para resolver questões de incidência local,

que não se confunde com funções públicas de interesse comum. Isto significa

dizer que os consórcios públicos poderão auxiliar a gestão dos problemas

metropolitanos apenas para um âmbito restrito de competências, que abrange

municípios ou o Estado quando participante. Este modelo não é juridicamente

destinado para gerir questões complexas, abrangentes, que envolvam a

articulação com municípios das regiões metropolitanas unidos por fenômenos

645

ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981,p.280. 646

ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.280. 647

BRASIL. Constituição Federal. (1969).

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306

urbanos da conurbação e reunidos por relações de integração funcional de

natureza físico-territorial, os quais caracterizam interesse metropolitano.

O âmbito de abrangência do modelo consorcial é distinto do

compulsório, de acordo com o ordenamento jurídico nacional. Os ajustes

consorciais (arranjos intermunicipais institucionais com autoridade

inframetropolitana) abrangem interesses interlocais, homogêneos, um campo

distinto de incidência em relação às funções públicas de interesse comum,

geridas pelos arranjos supramunicipais (art.25, §3º da Constituição Federal)

referentes aos interesses tutelados pelo Estado, o que autoriza a distinção

entre os regimes jurídicos previstos pelo legislador constituinte.

Assim, ainda que uma parcela da doutrina defenda a possibilidade da

administração do interesse metropolitano por consórcios públicos, entendemos

não ser o instrumento adequado para esta finalidade, em razão da fragilidade

do vínculo. O regime jurídico de elaboração e execução dos planos diretores

metropolitanos não será pautado por arranjos consorciais, mas por vínculos

compulsórios e institucionais formados a partir do previsto no art. 25, §3º da

Constituição Federal.

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307

5 PLANEJAMENTO URBANO

Ao consultarmos o dicionário648 para investigarmos o sentido do termo

‘planejamento’, encontramos três significados:

Sm. 1. Ato ou efeito de planejar; 2. Trabalho de preparação para qualquer empreendimento, segundo roteiro e métodos determinados; planificação: planejamento de um livro, de uma comemoração. 3. Brás. Elaboração, por etapas, com bases técnicas (especialmente no campo sócio-economico), de planos e programas com objetivos definidos; planificação.

Com relação ao item 1, ‘planejamento’ significa ato ou efeito de planejar.

Por sua vez, o verbo transitivo direto ‘planejar’ apresenta os sentidos:

1. Fazer o plano ou planta de; projetar, traçar: Um bom arquiteto planejará o edifício. 2. Fazer o planejamento de; elaborar um plano ou roteiro de; programar, planificar: planejar um roubo. 3. Fazer tenção ou resolução de; tencionar, projetar: “Mesmo antes do dia nascer, levantar-se, planejando uma vistoria aos serviços”

Imediatamente identificamos a relação entre as atividades de

planejamento e edição de plano. Planejamento é sinônimo de atividade,

processo de elaboração, realizado por etapas com bases técnicas para

alcançar objetivos definidos.

Do ponto de vista lógico, envolve um conjunto de etapas ligadas entre

si,o desenvolvimento de métodos e caminhos necessários para chegar aos fins

desejados649.

Esse conceito envolve a idéia de uma rede seqüencial de atividades ligadas organicamente entre si, formando um processo onde se faz presente também a idéia de uma rede sistêmica, com as implicações funcionais dela resultantes.

A atividade de planejamento começou a ser utilizada pelo Estado como

instrumento de governo e administração no século XVIII, mas recebeu

destaque com o Estado Social, caracterizado pela atuação intensiva do Estado

no domínio econômico para reduzir as desigualdades sociais.

648

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p.1343. 649

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.42.

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308

O planejamento estatal não poderia ser desenvolvido no Estado Liberal

do século XIX, pois o Estado não poderia intervir na esfera dos particulares,

salvo quando indispensável para impedir que a liberdade de uns interferisse na

de outros, garantir a ordem, a paz e a segurança. Era o Estado mínimo, que

não intervinha na vida econômica nem na liberdade dos cidadãos.

No entanto, a ausência da atuação do Estado na ordem econômica

culminou com o aparecimento de crises sociais em razão da falta de garantia

de direitos mínimos à população que a despeito de trabalhar, não vivia em

condições dignas de subsistência.

De um lado, a Revolução Industrial e o Estado de Direito propiciaram o

desenvolvimento econômico e o fortalecimento do sistema capitalista, de outro

consagraram a forte concentração de riqueza na mão de poucos que se

beneficiavam do sistema alimentado pela mão de obra de trabalhadores

explorados em suas condições de trabalho que incluía trabalho infantil e

elevadas jornadas, além da ausência de direito à saúde, educação e amparo

contra a doença e a velhice, se não fosse mais possível trabalhar.

Os movimentos sociais do final do século XIX e início do XX culminaram

com o surgimento do Estado e mobilizaram as massas populares para

reinvindicarem sua atuação e propiciar melhores condições de vida, salários,

saúde, educação e habitação.

As Constituições de Weimer (1919) e do México (1917) foram as

primeiras a consagrar o novo modelo de Estado que, por necessariamente

atuar no domínio econômico e social dos indivíduos, passou a utilizar o

planejamento,um conjunto de métodos e etapas destinados à promoção da

justiça social.

Fernando Alves Correia650 afirma que o planejamento era o instrumento

por excelência do Estado para programar racionalmente a sua intervenção no

domínio econômico e social dos indivíduos. Isto, porque, o Estado Social

exerce atividades complexas, que necessitam alocar racionalmente recursos

públicos e investimentos privados para atender às necessidades sociais651:

650

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 276. 651

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 276

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309

Com o Estado de Direito Social, a planificação estende-se a muitos sectores anteriormente não abrangidos por ela, ao mesmo tempo que sofre uma mudança funcional, na medida em que passa de uma actividade de mera execução da lei à própria definição e realização de objetivos sociais, nomeadamente a regulamentação dos processos de desenvolvimento económico e a criação de condições mínimas de vida para todos os cidadãos.

Atualmente, o uso do planejamento como um instrumento de atuação

estatal representa vários propósitos como os de auxiliar a coordenação de

programas nos diversos setores de intervenção do Estado no domínio

econômico, coordenar os diferentes serviços estatais, utilizar de forma racional

os meios e recursos do Estado para alcançar os objetivos e compatibilizar

vários interesses contraditórios de uma sociedade democrática e pluralista652.

Neste estudo adotaremos a definição de planejamento elaborada por

José Afonso da Silva653: “O planejamento, em geral, é um processo técnico

instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos

previamente estabelecidos”.

5.1 Planejamento e plano: relações

A atividade de planejamento tem íntima relação com a elaboração de um

plano, pois o ato de planejar exige a edição do meio pelo qual se

instrumentaliza o processo de planejamento654. Considerando o caráter

dinâmico do planejamento e estático do plano, explica Alaôr Caffé Alves655:

O plano é a estratificação de certos momentos do processo de planejamento. O processo é dinâmico, fluente e sinuoso; o plano, produto daquele processo, é estático, embora não imutável, e exprime uma tentativa de imprimir coerência, consistência e certeza em relação às medidas propugnadas durante o referido processo. O plano estratifica, de certo modo, as etapas ou fases do planejamento, isto é, a definição dos objetivos gerais, a pesquisa dos meios disponíveis, a determinação dos meios necessários, a fixação da seqüência ou simultaneidade das operações e dos objetivos parciais, a demarcação do local (ou locais) da ação, do seu cronograma e, como prolongamento lógico, a indicação das medidas de controle de sua implementação. O plano delinea as decisões de caráter geral do sistema, suas grandes linhas políticas, suas estratégias, suas diretrizes e precisa responsabilidades.

652

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004. p.276. 653

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.89. 654

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.89. 655

Com base em SILVA, Benedicto. Uma teoria geral de Planejamento. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1964, p.125, apud ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.71-72.

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310

Apesar da proximidade entre eles, o produto do processo de

planejamento não se confunde com a atividade que culmina com a sua edição.

Conforme Fernando Alves Correia656, é possível existir um planejamento que

não resulte na aprovação de um plano, ou a continuidade da atividade ainda

que o plano tenha sido editado. No primeiro caso, atentamos para a hipótese

do Poder Executivo ter realizado estudos técnicos ao lado de medidas

propostas pela população que resultaram em um projeto de plano diretor, que

não tenha sido aprovado pelo Poder Legislativo Municipal. No segundo,

mencionamos a aprovação do plano e o processo contínuo de planejamento

para elaborar propostas de projetos de lei que regulamentem os instrumentos

urbanísticos nele contidos.

Em razão do Estado social atuar em diferentes setores (domínio

econômico, campo social, urbano, ambiental e orçamentário) surgem várias

espécies de planos que procuram compatibilizar as decisões do Estado com as

expectativas da iniciativa privada. Há aqueles que dificultam delimitar

uniformemente seu conceito e conteúdo. Os planos, dependendo da espécie,

podem adotar apenas diretrizes ou estratégias gerais, até formularem

programas, políticas governamentais ou assumirem comandos concretos como

instrumentos de intervenção na liberdade e propriedade do particular.

A doutrina diverge se é possível elaborar um conceito comum de plano

correspondente às diversas espécies que ele poderá assumir. Enquanto alguns

sustentam um conceito uniforme de plano que corresponda a cada espécie,

outros defendem a criação de um conceito uniforme657.Nos filiamos à última

corrente. Com base na literatura alemã, esclarece Fernando Alves Correia658:

“Em todos os casos, trata-se de actos da Administração Pública, que consistem

na utilização de diferentes medidas discricionárias, interligadas, com o fim de

impor uma certa ordem nos sectores a que se aplicam”.

Destacamos desta definição que plano é ato da Administração Pública,

que usa medidas discricionárias para ordenar certa realidade.

656

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 275. 657

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 286. 658

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. p.287.

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311

Quanto ao caráter de ato administrativo atribuído ao plano, não podemos

adotá-lo em nosso sistema jurídico, pois a Constituição brasileira converteu o

processo de planejamento e plano para o Direito, atribuindo-lhe característica

de norma jurídica.

A qualificação de plano como ato legal já decorria da Constituição de

1969, ao prever que o plano só teria eficácia jurídica junto à Administração e

aos administrados, se aprovado por lei. Na Constituição Federal de 1988,

vários dispositivos atestam a institucionalização jurídica, segundo José Afonso

da Silva659, do processo de planejamento e seu produto (plano). Assim, os

planos adquirem natureza de lei, pois são por ela aprovados e integram o

conteúdo legislativo. É o que verificamos nos arts. 21, IX, 30, VIII, 48, IV, 174,

§1º e 182, §1º, da Constituição Federal.

Apesar da lei aprovar o plano, isto não restringe sua natureza legal.

Além de aprovar o plano, é conferida eficácia jurídica às regras planificadas. O

plano, portanto, integra o conteúdo da norma. Segundo José Afonso da

Silva660:

Por isso, a nosso ver, o plano passa a integrar o conteúdo da lei, formando, assim, com esta, uma unidade legislativa. Em sentido formal, portanto, os planos urbanísticos no Brasil têm natureza de lei, e também o têm no sentido material, pois como já vimos, são conformadores, transformadores e inovadores da situação existente, integrando o ordenamento jurídico que modificam, embora neles se encontrem também regras concretas de natureza administrativa, especialmente quando sejam de eficácia e aplicabilidade imediatas e executivas.

Para Alaôr Caffé Alves661 não há sentido em diferenciar plano de lei que

o aprova, já que o Poder Executivo tem o dever de cumprir as disposições

aprovadas pelo Legislativo. Qualquer disposição contida no plano, de cunho

político ou proposições jurídicas permissivas e proibitivas geram deveres em

relação aos seus destinatários. A firma o autor, baseado em Fernando Garrido

Falla662:

659

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.90. 660

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.98. 661

GORDILLO, Agustín A.La Planificación y el Poder Legislativo. In: Perspectivas del Derecho Público em la Segunda Mitad del Siglo XX, v.III, 1969, p.225, apud ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.84. 662

FALLA, Fernando Garrido. Tratado de Derecho Administrativo. Madrid, Instituto de Estúdios Políticos, 1976, p.396-397, apud ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.85.

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312

Sob o ponto de vista do plano aprovado por lei, é indiferente que os juízos lógicos definidores daquelas situações jurídicas se encontrem ou não no articulado da lei ou no plano. Cumpre, entretanto, distinguir, através de percuciente análise, as disposições que efetivamente expressam aqueles juízos das que representam uma retórica política, destinada a servir de pano de fundo para a interpretação do plano como um todo. Mesmo neste último caso, não se pode de modo algum dizer que as formulações assim caracterizadas sejam irrelevantes, visto que, em razão de sua própria investidura jurídica, passam a oferecer o necessário balizamento à correta interpretação das disposições geradoras de situações jurídicas de poder ou de dever contidas no plano ou na lei que o aprovar.

Adotada a eficácia jurídica dos planos, a doutrina questiona o seu grau

de eficácia, de obrigatoriedade. Explica José Afonso da Silva663 que a doutrina

reconhece dois tipos de planos: o indicativo e o imperativo.

No primeiro caso, o planejamento é típico de Estados intervencionistas,

sociais que apenas impõem medidas de intervenção no domínio econômico.

Os planos estatais sugerem condutas, editam comandos que convencem ou

não os particulares a adotarem seus comandos. No segundo caso, o

planejamento imperativo é típico de países socialistas, cujo planejamento é

necessário em razão da administração estatal dos meios de produção. Neste

caso, as direrizes dos planos são obrigatórias para coletividade.

Qual a solução adotada pelo constituinte de 1988? Dispõe o art. 174 que

planejamento e plano jurídico são determinantes para o setor público e

indicativos para o setor privado. A Constituição adotou um modelo de Estado

Social, intervencionista, que protege no Título VII, da Ordem Econômica (art.

170) valores como livre iniciativa, propriedade privada, livre concorrência e a

função social da propriedade, justiça social e redução das desigualdades

regionais e sociais. Assim, o plano é sempre obrigatório para o setor público,

mas indicativo aos particulares, através de sugestões que visam convencer os

particulares para o processo de planejamento.

Diante do art.174 e do caráter jurídico da atividade de planejamento e

seu produto, poderíamos pensar que a afirmação seria um disparate jurídico.

Afinal, qual o sentido de sustentar um plano jurídico obrigatório se é indicativo

para o setor privado nos termos constitucionais?

Pelo fato do plano ser meramente indicativo para o setor privado não

existem motivos para retirar seu conteúdo jurídico. José Afonso da Silva664,

663

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.90.

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313

baseado em Agustin Gordillo, explica que as sugestões do plano, as

faculdades conferidas aos particulares não retiram seu caráter jurídico, pois as

normas também conferem faculdades, comportamentos permitidos aos seus

destinatários. Os enunciados sugestivos são fundamentos de ações que os

particulares vão realizar em troca de benefícios previstos nos planos. Caso os

particulares cumpram as exigências do Poder Público, poderão auferir

benefícios e estímulos previstos no plano. Conforme explica Fernando Garrido

Falla665, o planejamento indicativo, se realizado, é considerado atividade de

fomento: “a planificação de tipo indicativo, na qual os benefícios e estímulos

que se oferecem ao setor privado constituem a contraprestação das obrigações

que os particulares assumem, ao aceitar livremente tais benefícios”.

Por outro lado, o caráter indicativo dos planos traz consequências

jurídicas aos particulares por condicionar suas condutas à atuação

governamental planejada, sobretudo, nas atividades que dependem de licença

e autorização do Poder Público, além da imposição de respeitoaos objetivos

dos planos666:

Por outro lado, se é certo que o plano indicativo não obriga o setor privado, é também certo, como uma nota de sua índole jurídica: (1º) que a liberdade de atuação do empresariado privado fica, em termos globais, condicionada à atuação governamental planejada; (2º) que o setor privado não pode atuar deliberadamente contra os objetivos do plano; (3º) que, naquelas hipóteses em que a atividade depende de autorização ou licença, a Administração poderá ter em conta os objetivos, previsões e requisitos estabelecidos, para outorgar, ou não, a autorização ou licença, pois, em tais casos, sua concessão ou denegação se converte em matéria regrada.

Para Ricardo Marcondes Martins667o art.174 é preciso pois proporciona que

o particular saiba antecipadamente as medidas tomadas pelo Poder Público ao

realizar o planejamento:

o planejamento é vinculante para o setor público e obriga os agentes públicos, quando das decisões discricionárias futuras, a observar a antecipação fixada no plano e indicativo para o setor privado revela para os particulares quais serão as decisões discricionárias futuras.

664

GORDILLO, Agustín A. Derecho Administrativo de la Economia, p.423 apud SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.92. 665

Problemática Jurídica de los Planes de Desarrollo Econômico, p.111 apud SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.92. 666

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.93. 667

MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação Administrativa à luz da Constituição Federal. São Paulo: Malheiros, 2011, p.132.

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314

O autor qualifica o ato de planejamento como a situação de quem pode

escolher entre duas ou mais alternativas. Como se trata de exercício de função

administrativa, o Estado atua no campo da discricionariedade, de liberdade de

atuação nos limites legais do plano para alcançar a melhor forma de

concretizar o interesse público. Segundo Ricardo Marcondes Martins, a

atividade de planejamento estatal é a antecipação de escolhas futuras por

parte do Estado, no exercício de competência discricionária668:

Eis a natureza jurídica do planejamento estatal: é uma restrição ao exercício futuro da discricionariedade por meio da antecipação. A fortiori, não consiste num meio de intervenção na ordem econômica e, pois, num meio de regulação; trata-se de uma forma de realização dos meios de intervenção, dos meios da regulação. Quer dizer: em rigor, os meios são a ordenação, o fomento e, nos termos a seguir examinados, a exploração direta; as decisões discricionárias relativas a esses meios devem, sempre que possível, ser antecipadas.

Nessa perspectiva, explica também que669o planejamento, ao ser

imperativo para o Estado, proporciona antecipar as escolhas discricionárias de

acordo com as determinações previstas no plano. E não isenta o particular do

efeito das decisões pois lhes confere segurança jurídica, visto que saberá

antecipadamente o teor das decisões do Estado e suas consequências. O

planejamento urbanístico confirma esta afirmação, ao antecipar as decisões do

Estado, como por exemplo, as zonas nas quais haverá moradias populares ou

incidirão medidas de proteção ambiental. Assim, quando os comandos do

plano forem executados os proprietários dos imóveis urbanos não poderão

edificar suas casas nestas áreas, em razão das medidas previstas no plano

diretor.

5.1.1 Espécies de planos

Em razão das inúmeras atividades assumidas pelo Estado Social nos

setores da saúde, meio ambiente, econômico e urbanístico, são criadas

diversas espécies de planos administrativos. Para esta tese, acolheremos a

divisão entre os planos econômicos e territoriais. Qual o conteúdo e o fator de

668

MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação Administrativa à luz da Constituição Federal. São Paulo: Malheiros, 2011, p.131. 669

MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação Administrativa à luz da Constituição Federal. São Paulo: Malheiros, 2011, p.132.

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315

diferenciação entre eles? Fernando Alves Correia670aponta para os diversos

elementos da realidade sobre o qual cada espécie de plano aborda ou melhor,

os distintos objetos disciplinados.

O plano territorial tem o território como objeto e sobre ele determina seus

comandos e intervenções. Indiretamente estes planos também atuam no

planejamento econômico, desde que conexos com o do território, em razão de

efeitos condicionados ou induzidos pela planificação do solo. Por sua vez, o

plano econômico é um conjunto de normas jurídicas que possibilita ao Estado

definir por um período de tempo os objetivos da política econômico-social e os

meios para concretizá-la.

O jurista português acrescenta que os planos de desenvolvimento

econômico e social são classificados com base em vários critérios, destacando

aqueles que priorizam a projeção temporal e o âmbito de abrangência. No

primeiro caso, identificamos os planos de longo prazo e médio prazos e os

anuais. No segundo, temos as espécies de planos nacionais e regionais.

Do ponto de vista da atuação do Estado, enquadramos os planos

econômicos sociais como atividade típica de intervenção do Estado no domínio

econômico que guarda relação com as três grandes concepções da

planificação econômica surgidas na História e adotadas pela Constituição

Federal (Título VII – Da Ordem Econômica) como misto de planificação do

terceiro mundo com intervenção pública na economia.

Fernando Alves Correia671enumera três grandes concepções da

planificação econômica. A primeira diz respeito aos Estados de regime coletivo,

nos quais a planificação econômica é necessária, em razão da titularidade

pública dos meios de produção e sua unidade de decisão. A segunda refere-se

aos países de terceiro mundo, nos quais o planejamento assume natureza de

desenvolvimento de algumas atividades produtivas importantes para a

economia e algumas estruturas públicas como aeroportos, transportes,

educação e saneamento. Por fim, a planificação pode ser qualificada como

uma intervenção pública na economia, na qual coexistem bens públicos e

privados, empresas públicas e privadas e de sociedade de economia mista.

670

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. p. 280. 671

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. p.281.

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316

A Carta Magna acolhe a mistura entre o segundo e o terceiro modelos

de planificação. O art.170 da Constituição, ao disciplinar os princípios vetores

da ordem econômica, garante a livre iniciativa, a propriedade privada e a livre

concorrência como corolários da intervenção estatal no domínio econômico,

mas por outro lado, prevê mecanismos para reduzir as desigualdades regionais

e sociais e promover a justiça social.

No entanto, o planejamento territorial (ou pela denominação nacional,

planejamento urbanístico) trata das formas de ordenar o uso e a ocupação do

solo e a disciplina da propriedade, atividades diretamente relacionadas com a

intervenção do Estado na propriedade. José Afonso da Silva, baseado em

Joseff Wolff672, afirma: “A planificação urbanística é um acontecimento que tem

sequelas de funda repercussão e impõe sensíveis limitações aos direitos de

propriedade sobre o solo”. Isto porque o planejamento urbano qualifica

juridicamente o solo em urbano, rural ou de expansão urbana, prevê

proibições, assinala limitações e deveres com relação ao coeficiente de

aproveitamento e edificabilidade, o que importa, sobretudo no direito de

propriedade. Sob esta perspectiva estudaremos o planejamento urbanístico e

seus planos de ordenação territorial.

O fato de enquadrarmos os planos urbanos nas atividades de ordenação

territorial (provocando intervenção do Estado na propriedade) não afasta sua

relação com o domínio do Estado no plano econômico. Isto porque se trata de

uma relação indireta, pois aspectos da ordenação urbanística nos planos

urbanos, influenciam o signo de riqueza do mercado imobiliário, que é a

propriedade privada. Assim, a fixação de zoneamento (industrial, comercial,

misto, residencial), a definição de potencial construtivo modificam o valor

atribuído a determinado terreno ou propriedade eventualmente edificada.

A Constituição Federal de 1988 adotou esta relação e inseriu então o

Capítulo II (Política Urbana) no Título VII (Ordem Econômica).

A caracterização do planejamento urbanístico ou territorial como medida

de intervenção na propriedade, mas que indiretamente implica atuação do

672

“El planeamiento urbanístico del territorio y las normas que garantizan su efectividad, conforme a la Ley Federal de Ordenación Urbana”. In: La Ley Federal Alemana de Ordenación Urbanística apud SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.94.

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317

Estado no domínio econômico, foi assim retratada por Fernando Alves

Correia673:

[...] Na medida em que os planos definem os princípios e regras respeitantes à ocupação, uso e transformação do solo, ficam aqueles a conhecer qual o tipo e intensidade de utilização que podem dar à sua parcela de terreno. Em relação aos particulares, os planos urbanísticos constituem, deste modo, um factor de previsibilidade das decisões administrativas de gestão urbanística. A estas vantagens decorrentes da planificação urbanística acresce outra de inegável importância: a influência benéfica que a existência de planos tem sobre o mercado de solo para fins de edificação. Na verdade, a definição antecipada pelo plano urbanístico dos terrenos destinados à edificabilidade (para fins habitacionais, comerciais ou industriais) e da intensidade da sua vocação edificatória inspira confiança nos agentes interessados na realização de operações de transformação do solo, designadamente a construção, e estimula, pela via do reforço da segurança, o comércio desta classe de terrenos.

O mesmo raciocínio foi adotado por Edésio Fernandes674ao destacar a

importância do Estatuto da Cidade que não apenas regulamentou os usos e

ocupações do solo urbano, mas interferiu na dinâmica econômica dos

mercados imobiliários675:

[...] O Estatuto da Cidade não só regulamentou os instrumentos urbanísticos pela Constituição de 1988, como também criou outros. São instrumentos que podem e devem ser utilizados pelos municípios de forma combinada, de maneira a promover não apenas a regulação normativa dos processos de uso, desenvolvimento e ocupação do solo urbano, mas especialmente para induzir ativamente os rumos de tais processos, podendo dessa forma interferir diretamente com, e reverter em alguma medida, o padrão e a dinâmica dos mercados imobiliários produtivos formais, informais e, sobretudo, especulativos que, tal como operam hoje, têm determinado o processo crescente de exclusão social e segregação espacial nas cidades brasileiras.

5.2 Planejamento urbano e planos urbanísticos

Os planos urbanísticos são produtos, instrumentos que materializam,

concretizam as determinações do processo de planejamento urbano. No

sistema jurídico brasileiro são aprovados por lei e têm natureza jurídica.

Segundo José Afonso da Silva676, o plano urbanístico não é um simples

673

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. p.283. 674

FERNANDES, Edésio. Do Código Civil de 1916 ao Estatuto da Cidade, p.40. In: (Org). MATTOS, Liana Portilho. Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. 675

FERNANDES, Edésio. Do Código Civil de 1916 ao Estatuto da Cidade, p.40. In: (Org). MATTOS, Liana Portilho. Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. 676

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.94.

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318

conjunto de relatórios, mapas e plantas técnicas, mas também revela normas

jurídicas disciplinadoras da política do solo e sua edificação.

Assim, o planejamento urbano não irá alterar significativamente o

espaço urbano enquanto o seu produto não for aprovado como lei. O

planejamento urbano e seu instrumento de concretização (o plano urbanístico)

são instrumentos do direito urbanístico aplicados na ordenação dos espaços

habitáveis, no conjunto campo-cidade, como forma de corrigir e eventualmente

prevenir os prejuízos do processo de urbanização.

Como instrumento do direito urbanístico, nos valemos do conceito de

planejamento urbano desenvolvido por Maria Magnólia Lima Guerra677:

Hoje, o planejamento é procedimento inicial de toda e qualquer atividade urbanística. Entende-se por planejamento urbano a atividade da Administração dirigida à ordenação de seu território através de determinação prévia do uso do solo urbano por entidades públicas ou particulares, de localização das áreas residenciais, industriais, comerciais e de lazer, de determinação das áreas públicas, de delimitação do exercício de direito de propriedade, e, ainda, através do estabelecimento das formas de desenvolvimento da cidade. Como se vê, o planejamento urbano destina-se, fundamentalmente, a explicitar as diretrizes a serem seguidas para a solução de problemas essenciais da cidade.

Como forma de ordenar os espaços habitáveis das cidades, o

planejamento urbano gera o plano que apresenta várias funções de disciplina

do solo urbano. Fernando Alves Correia678aponta quatro tipos de funções dos

planos urbanos: (1) Inventariação da realidade ou da situação existente; (2)

Conformação do território; (3) Conformação do direito de propriedade do solo;

(4) Gestão do território.

A primeira função de inventariação da realidade urbana pressupõe a

atividade de técnicos, arquitetos, engenheiros, que deverão verificar a

realidade física, social e econômica do território que sofrerá a ordenação do

solo.

José Afonso da Silva679cita 10 passos adotados por Jorge

Wilheim680para elaborar planos diretores. Esta função apresentada pelo jurista

677

GUERRA, Maria Magnólia Lima. Aspectos Jurídicos do Uso do Solo Urbano. Fortaleza, 1981, p.41. 678

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 288. 679

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.144.

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319

português corresponde à fase do diagnóstico que pressupõe avaliar com

profundidade os problemas de desenvolvimento do Município e compreende

duas análises: a primeira retrospectiva da situação existente, na qual serão

identificadas as demandas e suas causas e a segunda projetiva, que irá

salientar os meios necessários para solucioná-las.

A segunda função refere-se à conformação do território, que na

metodologia de Jorge Wilheim corresponde às fases de definição do plano de

diretrizes em relação à situação retratada e a instrumentação do plano. Como o

propósito dos planos é modificar a realidade e influenciar a organização do

espaço, o plano abrigará definir regras e princípios que vão orientar a solução

dos problemas territoriais. Além disto, serão escolhidos os instrumentos para

alcançar metas. Trata-se da previsão financeira, isto é, dos recursos

necessários para implementar e executar o plano, definir instrumentos

urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade para cumprir a função social da

propriedade, como a outorga onerosa do direito de construir, direito de

preempção, parcelamento e edificação compulsórios, por exemplo. Além disto,

o projeto de lei elaborado pelo Poder Executivo deverá ser aprovado no

Legislativo para ser respeitado pelos habitantes do território que será

ordenado.

A terceira função diz respeito à conformação do direito de propriedade

do solo. Isto significa que o plano contém normas jurídicas que disciplinarão a

essência do direito de propriedade681, por meio da classificação do uso e

destino do solo, divisão do território em zonas urbanas, rurais ou de expansão

urbana, fixação dos parâmetros a que deve obedecer a ocupação, o uso e a

transformação de cada um deles. Segundo Fernando Alves Correia682,esta

função só pode ser aplicada aos planos específicos, que contenham

determinações sobre o destino das áreas singulares. Esta peculiaridade não

diz respeito aos planos que estabelecem normas gerais sobre o uso e a

ocupação do solo.

680

WILHEIM, Jorge. O Substantivo e o Adjetivo, p.185 apud SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.144. 681

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p.290. 682

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 290.

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320

Pautado na legislação portuguesa, o jurista explica que esta função de

conformação do direito de propriedade do solo está diretamente relacionada ao

grau de concretização e de detalhamento que o plano urbanístico apresenta.

De um lado há os programas nacionais e os planos regionais de política de

ordenamento do território, os setoriais e intermunicipais, que indicam opções

gerais, diretrizes com relação à organização do território por ele abrangido. Por

outro lado, há os planos que apresentam especificações, detalhamentos sobre

o uso e ocupação do solo, que englobam os planos especiais e municipais de

ordenamento do solo.

De acordo com o sistema urbanístico português, os planos especiais são

instrumentos elaborados pela administração central, de natueza regulamentar,

que estabelecem normas de tutela dos recursos ambientais e os municipais

regulam o regime de uso do solo, ou seja, as vocações e destinos das parcelas

de terreno, formas de urbanização e edificação. É neste último que

encontramos o grau mais específico de conformação do direito de propriedade,

pois prescreve a densidade habitacional, as áreas urbanizável e de construção,

o número de pisos e superfícies de lotes683.

E por fim, os planos devem gerir os territórios. Isto significa que os

planos não se dedicam apenas à regulamentação do uso e ocupação do solo,

mas também deverão criar sistemas de gestão territorial para garantir que suas

normas sejam executadas. Assim, preocupam-se com o surgimento de órgãos

para executar as políticas e fiscalizar sua aplicação.

O art. 42 do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001) determina

que o Plano Diretor deverá, no mínimo, conter um sistema de

acompanhamento e controle, baseados no modelo de gestão democrática (art.

43), através de Conselhos, audiências públicas, consultas e outros

mecanismos de participação popular.

683

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004. p. 292. Para o autor, os planos municipais de ordenamento do território apresentam várias tipologias, sendo necessário distinguir os planos diretores municipais, dos planos de urbanização e os planos de pormenor, cujo grau de concretização e de detalhe vai aumentando à medida que se passa dos primeiros para os segundos e destes para os indicados em terceiro lugar. Assim, a função conformadora do direito de propriedade do solo é mais intensa e incisiva nos planos de pormenor do que nos planos de urbanização e mais profunda nestes do que nos planos diretores municipais. Neste sentido, o autor utiliza o próprio conteúdo dos planos para confirmar suas ideias. Ele diferencia indicadores e parâmetros urbanísticos, quanto ao grau de concretização da conformação. Os indicadores são genéricos e inclui os conceitos de densidade populacional, densidade habitacional, área urbanizável, área de implantação e área de construção. Já os parâmetros englobam os índices volumétricos, número de pisos, cérceas, superfícies de lotes, superfícies de pavimentos, afastamentos das construções.

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321

Trazemos duas classificações de Fernando Alves Correia684 que apesar

de terem sido realizadas à luz do sistema jurídico português, são úteis para

analisarmos a tipologia dos planos urbanísticos previstos na Constituição

Federal de 1988.

O primeiro critério divide os planos em razão da finalidade. O segundo

os classifica de acordo com o âmbito espacial de aplicação.

De acordo com a natureza das metas e objetivos (finalidade)

perseguidos por cada um dos planos, dividem-se em: a) globais ou gerais; b)

setoriais e c) especiais. Os planos globais determinam um ordenamento

integral do território por eles abrangido e disciplinam de forma genérica todos

os usos e destinos do espaço. Citemos como exemplos planos jurídicos

disciplinados como normas gerais no Estatuto da Cidade (Lei Federal nº

10.257/2001). Os planos setoriais têm como propósito programar e concretizar

diversas políticas específicas com incidência ou repercussão na organização

do território. Desta maneira, citamos os planos previstos na Lei Federal nº

6.766/1979(disciplina as normas gerais sobre o parcelamento do solo urbano) e

na Lei Federal nº 12.587/12 (dispõe sobre a Política Nacional de Mobilidade

Urbana).

Os planos especiais ou específicos têm como finalidade definir os usos e

o regime de gestão do espaço, compatíveis com a preservação do meio

ambiente. Os conteúdos são mais concretos e precisos, justamente por

definirem as modalidades e intensidades de uso e ocupação do solo. Neste

caso, citamos como exemplo os Planos Diretores Municipais.

Quanto ao âmbito espacial de aplicação, a divisão dos planos é

horizontal e não se preocupa com o valor hierárquico de cada um deles. Assim,

a doutrina enumera cinco tipos de planos: nacional, regional, supramunicipal,

municipal e submunicipal.

Os nacionais introduzem no sistema jurídico programas nacionais de

ordenamento territorial, cuja aplicabilidade abrange todo o país, como os

planos nacionais de gerenciamento costeiro685. Os planos regionais podem

atingir mais de um Estado ou Regiões Administrativas de desenvolvimento da

684

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 294-301. 685

Lei do Gerenciamento Costeiro. Lei Federal nº 7.661/1988. Art. 1º, Art.3º, I a III.

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322

União (art. 43 da Constituição Federal). A União Federal poderá utilizar planos

macrorregionais destinados a ordenar o território dos complexos

geoeconômicos e sociais por ela criados. Como planos supramunicipais,

citamos os planos intermunicipais de ordenamento territorial que abrangem a

totalidade ou parte de áreas pertencentes a dois ou mais municípios vizinhos,

consubstanciados nos planos dos consórcios municipais (editados com base

no art. 3º, XII do Decreto nº 6.017/2007 regulamentador da Lei nº 11.107/2005).

São destinados a viabilizar ações e políticas de desenvolvimento urbano,

socioeconômico local e regional em âmbito supramunicipal. Igualmente

mencionamos os planos de ordenação territorial estaduais. Quanto aos planos

municipais, citamos os planos diretores (art.40, §2º) que deverão abranger o

território do Município integralmente (conjunto campo-cidade). E por fim, os

planos submunicipais, restritos aos planos territoriais específicos, que

abrangem apenas uma parte do município. Citamos os planos de bairros, os

quais deverão estar articulados com o plano diretor.

5.3 Planejamento urbanístico brasileiro686

Até agora trouxemos subsídios genéricos aplicáveis a todo e qualquer

tipo de planejamento ou plano urbanístico. A partir deste momento, utilizaremos

critérios gerais para explicitar o sentido e o alcance conferidos pelo legislador

ao planejamento urbano brasileiro.

No art.182 da Constituição Federal, identificamos que a política de

desenvolvimento urbano, executada pelo Município, tem por objetivo ordenar o

pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de

seus habitantes. Mais adiante, o parágrafo 1º afirma que o plano diretor é o

instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana, que

por sua vez, deve ser ordenada e disciplinada por meio de planos diretores

para alcançar o desenvolvimento das funções sociais da cidade.

Por outro lado, dispõe o art. 2º do Estatuto da Cidade que a política

urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais

686

Ao mencionarmos planejamento urbanístico não desconsideramos os planos urbanos, que são produtos do processo de planejamento. Indicaremos de forma genérica planejamento urbanístico para nos referirmos tanto ao processo de planejamento quanto aos planos. Quando nos referirmos às distinções entre eles, serão abordados separadamente.

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323

da cidade e da propriedade. Em seguida, prevê no art. 4º um rol de

instrumentos da política urbana considerados meios utilizados pelo Poder

Público para concretizar suas decisões de mérito, opções com relação aos

objetivos a serem atingidos para desenvolver as funções sociais da cidade e da

propriedade. Dentre eles destacamos os planos previstos nos incisos I, II, III,

que tratam, respectivamente, dos planos nacionais, regionais e estaduais de

ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; planejamento

das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões e

planejamento municipal, em especial: planos diretor, plurianual, programas e

projetos setores e planos de desenvolvimento econômico e social.

Ao interpretarmos os dispositivos de forma sistemática, percebemos que

o planejamento urbano é um instrumento de ordenação da política urbana para

concretizar princípios da função social da cidade e da propriedade.

Destacaremos, então, algumas noções para construirmos nossa análise: o

planejamento como instrumento de ordenação e os princípios da função social

da cidade e propriedade. Nosso intuito é demonstrar que o planejamento

urbano tem como objetivo alcançar a função social da cidade e propriedade,

mas para isto deverá ordenar a política urbana, conformar, restringir e por

vezes sacrificar o direito de propriedade.

Alguns entendem, assim como Nelson Saule Júnior que o direito à

cidade é a pedra fundamental do direito urbanístico por consistir (art. 2º, II, da

Lei Federal nº 10.257/2001) na garantia do direito a cidades sustentáveis, que

engloba o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à

infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao

lazer, para as atuais e futuras gerações. Assim, compete ao planejamento

urbano viabilizar estas funções ao disciplinar o ordenamento das cidades.

Mas o planejamento urbano também deve zelar pelo cumprimento da

função social da propriedade. Qual, então, o conteúdo deste princípio jurídico?

Atualmente (arts. 5º, XXII, XXIII do rol dos direitos e garantias

individuais; art. 170, II e III, previsto no Título VII) foi garantido no sistema

jurídico brasileiro o direito subjetivo de propriedade privada, mas que deverá

atender a uma função social.

Esta concepção do princípio não se coaduna com o conteúdo defendido

em 1912, na França, por Duguit que qualificava a propriedade como função

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324

social. Segundo o jurista francês, a posição do indivíduo na sociedade não

decorre de direitos subjetivos, mas de funções por eles exercidas687:

O homem não tem direitos. A coletividade tampouco. Porém, todo indivíduo tem na sociedade uma certa função a cumprir, uma certa tarefa a executar. Este é precisamente o fundamento da regra de direito que se impõe a todos. Em relação à propriedade, a função assinalada é dupla: de um lado, o proprietário tem o dever e o poder de empregar a coisa que possui na satisfação das necessidades individuais e especialmente nas suas próprias, de empregar a coisa no desenvolvimento de sua atividade física, intelectual e moral. De outro lado, o proprietário tem o dever e, por conseguinte, o poder de empregar a sua coisa na satisfação de necessidades comuns, de uma coletividade nacional inteira ou de coletividades secundárias.

Não podemos adotar esta concepção, uma vez que o proprietário

privado também exerce o direito de propriedade para atender interesses

específicos, individuais. Basta lembrarmos as noções de função pública para

verificarmos o descabimento desta concepção. Aquele que realiza função

pública cumpre determinações para proteger interesse alheio e não próprio.

Esta concepção não se coaduna inteiramente com o particular, até porque a

Constituição Federal adota o modelo de Estado Social, mas que também

assegura a vigência da ordem capitalista, pautada nos valores da livre iniciativa

e garantia da propriedade privada. A ordem constitucional garante no mínimo

um conteúdo econômico688, aproveitável deste direito.

Maria Magnólia Lima Guerra689esclarece que não podemos adotar esta

concepção, ao afirmar que embora a propriedade tenha uma função social, ela

é um direito e não apenas uma função. Endossa seu posicionamento

explicando que esta concepção não é acolhida pelos ordenamentos jurídicos

não socialistas, como é o caso brasileiro. E reproduz contribuição de Santi

Romano690 para confirmar sua tese, que confere à propriedade privada a

característica da bilateralidade atributiva, uma qualificação aparentemente

sofisticada que corresponde à garantia atribuída pela ordem jurídica ao conferir

687

ROCHA, Silvio Luís Ferreira da.Função Social da Propriedade Pública. ColeçãoTemas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.71. 688

A expressão é de Carlos Ari Sundfeld em Direito Administrativo Ordenador, p.93 apud PIRES, Luis Manuel Fonseca. Limitações Administrativas à Liberdade e à Propriedade. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.318. Este autor destaca uma passagem importante da obra de Carlos Ari Sundfeld que ilustra o conteúdo econômico da propriedade: “Em outras palavras, qualquer condicionamento do direito de propriedade tem como limite a viabilidade prática e econômica do emprego da coisa: proibido este, o direito estará totalmente sacrificado”. 689

GUERRA, Maria Magnólia Lima. Aspectos Jurídicos do Uso do Solo Urbano. Fortaleza, 1981, p.57. 690

ROMANO, Santi. Princípios de Direito Constitucional Geral. Tradução de Maria Helena Diniz. São Paulo: RT,1977, p.145-146. In: GUERRA, Maria Magnólia Lima. Aspectos Jurídicos do Uso do Solo Urbano. Fortaleza, 1981, p.58.

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325

certo direito a alguém e o seu correspondente dever. Assim, a propriedade é

um direito que deve ser fruído, mas que deve cumprir deveres coletivos,

voltados ao interesse social.

Conclui que o direito de propriedade continuará sendo um direito, mas

com uma vertente social691:

[...] É claro que a sua natureza continuará sendo a de um direito, vestido, no entanto, com outra roupagem, tendo em vista o fim a que ela se destina na sociedade moderna. Em outras palavras: um direito posto sobre uma base social em que se possa exigir do titular da propriedade, como já se assinalou, não apenas determinados comportamentos negativos, mas igualmente comportamentos positivos, de tal sorte que o direito de propriedade seja exercido realmente em perfeita correspondência com a sua função social.

Esta é a posição de Celso Antônio Bandeira de Mello692,que qualifica o

conteúdo mínimo econômico da propriedade, como funcionalidade da

propriedade. Segundo ele, a noção de propriedade como função permite

equivocadamente pensarmos nas hipóteses em que as propriedades não

cumpridoras de função social estariam desprotegidas à luz do ordenamento

jurídico. Isto não corresponde à realidade jurídica constitucional, já que, como

regra, existe proteção para a propriedade que desatenda a função social. A

proteção existe, embora incompleta, como por exemplo, no pagamento das

indenizações pela desapropriação como sanção (títulos da dívida pública) ao

contrário das demais (prévias, justas e em dinheiro).

Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, o dever de cumprir a função

social pela propriedade compreende dois sentidos: cumprir destino

economicamente útil, que obriga a propriedade a produzir utilidades

específicas, sob pena de sofrer, sucessivamente, parcelamento e edificações

compulsórias, IPTU progressivo, desapropriação com pagamento de títulos da

dívida pública (art. 184, §4º da Constituição Federal) e cumprir objetivos da

justiça social693:

691

GUERRA, Maria Magnólia Lima. Aspectos Jurídicos do Uso do Solo Urbano. Fortaleza, 1981, p.59. 692

Novos aspectos da função social da propriedade. In: ROCHA, Silvio Luís Ferreira da.Função Social da Propriedade Pública.ColeçãoTemas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.71. 693

Novos aspectos da função social da propriedade. In: Silvio Luis Ferreira da Rocha. Função Social da Propriedade Pública.Coleção de Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.71.

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326

Adotaremos o conceito sintético de função social da propriedade

proposto por Silvio Luis Ferreira da Rocha694:“pode ser concebida como um

poder-dever ou um dever-poder do proprietário de exercer o seu direito de

propriedade sobre o bem em conformidade com o fim ou interesse coletivo”.

Se de um lado, o planejamento urbano deve cumprir os princípios da

função social da cidade e da propriedade, de outro é instrumento de ordenação

dos espaços habitáveis da cidade, da política urbana, conformando, restringido

e sacrificando direitos.

O termo ordenação é provocativo. Adotaremos dois sentidos atribuídos

pelo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa por guardarem íntima relação

com a noção desenvolvida nesta tese. Ordenação pode correponder ao (1) ato

ou efeito de ordenar; ordenamento e (2) ordem. Para ‘ordem’, temos os

significados: (1) Disposição conveniente dos meios para se obterem os fins; (2)

Disposição metódica; arranjo de coisas segundo certas relações. Ordenar

implica organizar, conformar, dispor elementos ordenadamente para obter fins.

Os dispositivos legais utilizaram apropriadamente o termo para traduzir a

ideia de planejamento como forma de racionalizar, ordenar, conformar, os

elementos que compõem o espaço das cidades, que integram a política

urbana.

Carlos Ari Sundfeld695 relacionou muito bem os conceitos e esclareceu

as conexões entre ordenação da política urbana e planejamento urbano.

Ordenar, planejar, pressupõe adotar intervenções na política urbana que

devem seguir um objetivo, a garantia das funções sociais da cidade e da

propriedade. Sem o planejamento e a ordenação da política urbana

predominam os efeitos caóticos do processo de urbanização. É por isto que o

ordenamento qualifica o planejamento como instrumento. É por propiciar a

ordem, conformação de direitos para que a política urbana cumpra os seus

objetivos legais.

O jurista destaca dois sentidos para ordenação, revelados pelo Estatuto

da Cidade e que expressam sua ligação com o planejamento urbano:

694

ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Função Social da Propriedade Pública.ColeçãoTemas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.71. 695

SUNDFELD, Carlos Ari. (Org.) DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010, p.54.

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327

a)imposição vinculante e 2) estado de equilíbrio, que os agentes privados ao

lado do Estado deverão concretizar. O primeiro sentido está no art.1º,

parágrafo único do Estatuto da Cidade ao dispor que as normas urbanísticas

são vinculantes, pois são de ordem pública. O segundo decorre do art.2º que

estabelece a busca pelo equilíbrio entre os vários componentes do meio

urbano696:

Ao assentar suas diretrizes gerais, o Estatuto expressa a convicção de que, nas cidades, o equilíbrio é possível– e, por isso, necessário. Deve-se buscar o equilíbrio das várias funções entre si (moradia, trabalho, lazer, circulação, etc), bem como entre a realização do presente e a preservação do futuro (art. 2º, I); entre o estatal e o não estatal (incisos III e XVI) entre o rural e o urbano (inciso VIII); entre a oferta de bens urbanos e a necessidade dos habitantes (inciso V); entre o emprego do solo e a infra-estrutura existente (inciso VI); entre os interesses do Município e os dos territórios sob sua influência (incisos IV e VIII). O crescimento não é um objetivo; o equilíbrio, sim, por isso, o crescimento deverá respeitar os limites da sustentabilidade, seja quanto aos padrões de produção e consumo, seja quanto à expansão urbana (inciso VIII). Toda intervenção individual potencialmente desequilibradora deve ser previamente comunicada (inciso XIII), estudada, debatida e, a seguir, compensada.

Conclui o autor que o ordenamento urbanístico previsto no Estatuto da

Cidade não pode ser um conjunto desordenado de determinações, mas deverá

conter diretrizes racionais, que irão disciplinara organização do espaço

habitável. Assim, segundo Carlos Ari Sundfeld, o ordenamento urbano

decorrerá do planejamento urbano697:

Na lógica do Estatuto, o ordenamento urbanístico não pode ser um aglomerado inorgânico de imposições. Ele deve possuir um sentido geral, basear-se em propósitos claros, que orientarão todas as disposições. Desse modo, o ordenamento urbanístico deve surgir como resultado de um planejamento prévio, além de adequar-se sinceramente aos planos.

O planejamento como instrumento de ordenação do espaço urbano e da

política urbana, traduz uma imposição normativa vinculante que conforma,

condiciona e ordena.

696

SUNDFELD, Carlos Ari. (Org.) DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010, p.55. 697

SUNDFELD, Carlos Ari. (Org.) DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010, p.57.

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328

De acordo com a Constituição Federal de 1988, a ordenação da política

urbana diz respeito a todos os entes da federação: União (edição das normas

gerais) Estados (suplementando estes comandos) e os Municípios, no que

tange ao peculiar interesse local (art. 24, c/c art 21, XX, 25, §3º, 30, I, VIII e

182). Mas qual é o conteúdo da ordenação do solo urbano?

José Afonso da Silva definiu o conceito, afirmando que a ordenação é

um conjunto de medidas destinadas a realizar o conteúdo dos planos

urbanísticos698:

Consiste fundamentalmente, pois, na sistematização do solo municipal e implica uma série de medidas, quer voluntárias, quer impostas pela lei, destinadas à consecução de determinados objetivos urbanísticos, por meio das quais se modificam ou alteram certas relações dominiais sobre os terrenos ou se configuram, de modo diverso, as propriedades imóveis, do ponto de vista econômico, ou jurídico, para efeitos de sua edificação.

O autor699 explica que o zoneamento, o parcelamento e os parâmetros

de uso e ocupação do solo são instrumentos transformados em normas que

compõem o conteúdo dos planos urbanísticos e geram impactos e influências

diretas no conteúdo da propriedade urbana. As normas modificam relações

dominiais sobre os terrenos ou atribuem valor econômico às propriedades

imóveis. Deste modo, o ordenamento jurídico brasileiro acolhe a noção de que

o planejamento urbano é um meio de conformação da propriedade imobiliária.

Esclarecemos, por fim, que juridicamente o correto é dizer ‘conformação

da propriedade imobiliária’ e não ‘do direito da propriedade imobiliária’. Esta

distinção apontada por Celso Antônio Bandeira de Mello700 contribui para

separarmos as noções de limitações à propriedade dos sacrifícios de direito.

Explica ainda que a noção de propriedade é distinta de direito de

propriedade701. A primeira, abstratamente considerada, recebe um tratamento

698

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.181. 699

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.181. 700

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Tombamento e dever de Indenizar. In: Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.351. 701

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Tombamento e dever de Indenizar. In: Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.350.: “Não há direitos ilimitados. Falar em direito-e, pois, em direito de propriedade – é falar em limitações. Assim, é compreensível que dispositivos legais estabeleçam condicionamentos ao exercício da propriedade, traçando, deste modo, o perfil do direito correspondente. Em suma: as normas atinentes à propriedade e ao seu uso e gozo definem o âmbito de expressão da propriedade, tal como reconhecida em um dado sistema justpostivo. São elas que desenham o que chamamos de “direito de propriedade”, isto é, o conteúdo juridicamente protegido e aceito como valido, em certa ordenação nacional, para a propriedade. Daí que são distintas as noções de propriedade, abstramente considerada – ou seja, para além do seu delineamento normativo, em tal ou

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329

jurídico que varia em razãodo sistema constitucional de cada país, ora restrito,

ora mais amplo com relação às faculdades que lhe são atribuídas pelo Direito.

Já o direito de propriedade nasce justamente da conformação, do perfil

conferido à propriedade por determinada ordem jurídica.

Assim, o Código Civil brasileiro ao conferir ao proprietário (art.1228) a

faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, bem como o direito de reavê-la do

poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, representa o

conjunto de normas que delinearam este perfil jurídico ao direito de

propriedade. As limitações à propriedade não são indenizáveis, pois definem a

extensão do direito e não colidem com ele. Essas limitações não reduzem o

conteúdo do direito, apenas atribuem características a ele.

Fernando Alves Correia702 baseado nas doutrinas espanhola e alemã,

afirma que o plano urbanístico é um instrumento que define o conteúdo e os

limites da propriedade do solo sem natureza expropriativa. Qual seria o

fundamento para esta afirmação?

Precisamos compreender os fatores que geram valorização e utilidade

econômica à determinada propriedade. A propriedade rural tem seu valor em

função do que nela é possível plantar, cultivar, produzir. Por isto, a Constituição

Federal ao tratar de sua função social se preocupou com o critério da

produtividade. O art.186, I, da Carta Magna prevê como um dos requisitos para

cumprir a função social da propriedade rural o seu aproveitamento racional e

adequado. Na hipótese de descumprimento deste inciso junto aos outros

critérios do art. 186, a União poderá (art.184) desapropriar o imóvel rural, com

pagamento em títulos da dívida agrária. Mas o que norteia o critério do uso

adequado e racional da propriedade?

De acordo com o art. 6º da Lei nº 8.629/1993, a propriedade rural será

produtiva quando atingir simultamente determinados índices previstos em seus

incisos, em razão dos graus de utilização da terra e eficiência na exploração.

Determina também o art. 12 da mesma lei, como um dos critérios para fixar a

indenização, a aptidão agrícola da propriedade rural703.

qual País, e de direito de propriedade, pis este é a configuração que ela tem perante certo direito positivo; é a resultante do plexo normativo reportado, pelas leis do País, aos poderes de quem a titularize e das contenções que lhe sejam aplicáveis”. 702

CORREIA, Fernando Alves. O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade. Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 2001, p.333. 703

Lei nº 8.629/1993 - Art. 6º, §1º, §2º, I a III; §3º, I a V; § 4º, §5º,§ 6º. Art. 12. I a V.

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330

E quais critérios influenciam o valor econômico da propriedade urbana?

O valor de um terreno urbano depende daquilo que nele possa ser implantado.

Vale dizer, os usos, o grau de edificabilidade, as zonas nas quais estão

situados os terrenos agregam valor. Quem explica o grau de valorização

econômica atribuído ao solo urbano é o jurista português Fernando Alves

Correia, com base em Eduardo Garcia de Enterría e Luciano Parejo Alfonso704.

[...] O valor de um terreno está intimamente dependente daquilo que nele se pode implantar. O valor do solo é fortemente condicionado pela espécie e intensidade de utilização que nele for possível realizar. Aquele está, por conseguinte, dependente do tipo de edificação (edificação destinada à habitação, à indústria, ao comércio, a fins recreativos ou análogos, etc) e, dentro de cada um deles, da superfície, densidade e altura das construções. Esta evolução também é clara no que respeita ao solo rústico este é apenas um ponto de localização de uma empresa agrícola. Tudo isto demonstra que não é mais o solo que constitui o valor fundamental e o elemento possuidor da vis atractiva, mas antes a capacidade de nele se criar riqueza.

Compete ao plano urbanístico atribuir esta configuração econômica, o

conteúdo de utilidade que será conferido à propriedade ou ao solo urbano.

Esta também é a conclusão de José Afonso da Silva705ao afirmar que a

qualificação do solo como urbano decorre dos planos urbanísticos, que lhe

fixam o destino urbanístico ao qual fica vinculado o proprietário.

O plano poderá, por exemplo, conferir ao solo urbano, a qualidade de

lote (uma parcela do terreno destinada à edificação706), fruto do parcelamento

do solo (Lei nº 6.766/1979). Da mesma forma, poderá qualificá-lo como

edificável, possibilitando ao particular exercer o direito de construir (art.1299 do

Código Civil).

Assim, o direito de construir, que nasce com a edificabilidade do solo,

não é inerente ao direito de propriedade, mas atribuído pelo plano urbanístico.

É o plano que fixará o coeficiente de aproveitamento (relação entre metros

quadrados do lote e área de edificação nele admissíveis)707, taxa de ocupação

(projeção horizontal da edificação no lote), gabarito (altura e volume edificável),

portanto, condicionar o exercício da faculdade de construir. Se o plano não

704

ENTERRIA, Eduardo Garcia de; ALFONSO, Luciano Parejo. Lecciones de Derecho Urbanístico. Madrid: Civitas, 1981, p.427 apud CORREIA, Fernando Alves. O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade. Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 2001, p.335. 705

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.82. 706

Lei Federal 6766 - Art.2º, §1º e §4o.

707SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.85.

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331

vislumbrar esta destinação ao solo, o proprietário não poderá infringir o

comando legal.

As conclusões de José Afonso da Silva ao atribuir natureza constitutiva

para o direito de construir do proprietário, como se decorresse de concessão

do Poder Público708foram adotadas por Eduardo Garcia de Enterría, na

Espanha709:

A propriedade urbana se constrói com base em três princípios fundamentais: a) urbanizar deixou de ser um conteúdo da propriedade para converter-se em função pública. A edificação do solo, como máximo expoente dessa atividade, é uma tarefa exclusivamente assinada aos planos, ou, em sua falta, à própria lei do solo; b) o plano determina exaustivamente todos os usos possíveis do solo urbano. O ius edificandi já não é mais uma faculdade livre do proprietário, é, quanto à sua medida concreta, uma estrita determinação do plano. c) a incidência do plano sobre a propriedade privada não é mais a de uma limitação que restrinja uma liberdade inicial, posto que sem plano nãohá aproveitamento urbano possível. O plano outorga positivamente faculdades, não limita uma posição básica de liberdade do proprietário.

O plano urbanístico tem a natureza jurídica de limitação administrativa,

pois conforma o exercício de direito de propriedade dos particulares,

determinando exaustivamente todos os usos possíveis do solo urbano, suas

categorias (industrial, residencial, institucional) seus recuos710 (afastamentos

da edificação das fronteiras de lotes) e outros índices urbanísticos. Caso o

Poder Público tenha fixado determinado perímetro urbano, como zona de

interesse social para construir casas populares, o proprietário de lote nesta

localidade, não poderá construir seu empreendimento de edifícios de alto

padrão neste local.

Ao constatarmos esta natureza jurídica, quais as consequências

jurídicas advindas das limitações administrativas? A questão sugere

investigarmos a indenizabilidade ou não das conformações ao direito de

propriedade.

Limitações administrativas são condicionamentos da propriedade, não

implicam sacrifícios de direitos ou expropriações, pois apenas disciplinam como

a propriedade deve ser utilizada, portanto, não ensejam pagamento de

indenizações.

708

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.86. 709

Pedro Escribando Collado, La propriedad Privada Urbana, p. 208 apud SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.85. 710

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.85.

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332

Das modalidades denominadas pela doutrina “restrições do Estado

sobre a propriedade privada”711as limitações são caracterizadas pela imposição

de obrigações de caráter geral a proprietários indeterminados, em prol do

interesse coletivo. As limitações decorrem do que a doutrina denomina

supremacia geral, isto é, relação de sujeição entre o Estado e os

administrados, que decorre da condição do indivíduo submeter-se à ordem

jurídica imposta pelo Estado.

Pelo fato de serem obrigações gerais e abstratas, provenientes de lei,

impostas a todos os indivíduos indistintamente e que configuram o perfil da

propriedade, não há que falarmos em dever de indenizar, pois o valor

econômico é conferido pelas normas que desenham o perfil do direito. O

indivíduo exerce o direito tal como a ordem jurídica o definiu. Não há

expectativa rompida. O propósito das limitações é conformar o exercício da

propriedade para evitar prejuízos à sociedade ou violações à ordem

urbanística, ao meio ambiente, à segurança pública, à ordem pública e à

circulação de pessoas.

Celso Antonio Bandeira de Mello712 adverte que o Estado brasileiro não

tem ampla discricionariedade para atribuir ao direito de propriedade o perfil que

lhe aprouver, inclusive suprimindo seu conteúdo mínimo de aproveitamento

econômico. Isto porque, a Constituição Federal (art. 5º, XXIII e 170, II) garante

o direito de propriedade.

O autor afirma que são limitações administrativas à propriedade as

normas municipais que estabelecem zonas e os padrões de ocupação do solo.

No entanto, não suprimem o direito de propriedade, já definido, uma vez que

todos os moradores de determinada região estão submetidos ao zoneamento

imposto ou ao potencial construtivo definido em Plano Diretor713:

A cidade é recortada em áreas ou zonas, fixando-se os usos permitidos em cada qual (industrial, comercial, institucional, residencial e misto) e os padrões que regerão a ocupação edilícia na zona correspondente. [...] É bem de ver que tais disposições, condicionantes do uso da propriedade e das edificações passíveis de serem erigidas nos diversos lotes e zonas, irão delinear o âmbito da expressão do direito de propriedade no que concerne ao uso e gozo

711

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.131. 712

MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Tombamento e dever de Indenizar. In: Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.353. 713

MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Tombamento e dever de Indenizar. In: Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.353-354.

Page 333: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

333

dela. São disposições gerais e abstratas estabelecidas por lei, e colhem genérica e abstratamente a coletividade de imóveis categorizadas por suas ubicações físicas nas diferentes zonas, pois a cada zona correspondem um certo destino urbanístico e um certo regime edilício. Nisto nada há que suprima, comprima ou deprima o direito de propriedade. Há, pura e simplesmente, o delineamento jurídico do âmbito de expressão legítima da propriedade. Em uma palavra, há a composição do desenho daquilo que é o direito de propriedade nos seus atributos de uso e gozo. Traceja-se por tal modo o perfil do direito de propriedade, direito comum a todos os que se encontram no mesmo requadro zonal. Bem por isso, a estatuição e a modificação ulterior destes limites modelados em lei não ensejam indenização alguma aos proprietários.

Além de conformar a propriedade urbana, o plano urbano também

poderá acarretar sacrifícios de direito. Nem todas as determinações dos planos

urbanísticos (plano diretor), tratam apenas de limitações à propriedade. O art.

4º do Estatuto da Cidade o qualifica como instrumento da política urbana e que,

portanto, pode ser previsto em planos municipais e estaduais, institutos

administrativos da servidão, desapropriação e tombamento de bens. Neste

caso, não estaremos mais diante de institutos que conformam o direito de

propriedade, mas que suprimem, comprimem o próprio direito, caracterizando o

que a doutrina714chama de sacrifício de direito. Diante desta hipótese caberá o

direito à indenização.

O Plano Diretor do Município de São Paulo (Lei Municipal nº

13.430/2002), ao tratar do patrimônio histórico cultural (art.90, I) determinou

como ação estratégica a utilização da legislação municipal ou tombamento

para proteger bens culturais, vegetação significativa e referências urbanas.

As desapropriações e tombamento de bens e as servidões

administrativas são institutos legais, mas que afetam o direito de propriedade.

Haverá mitigação em relação aos atributos do art.1228 do Código Civil sobre

as faculdades de uso, gozo e disposição do bem. Justamente por suprimirem

este conteúdo da propriedade ensejam o pagamento de indenizações.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello715 os sacrifícios de

direito caracterizam-se por imporem restrição peculiar em relação a certos

bens, em razão de interesse público. Não são todos submetidos à restrição,

714

MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Tombamento e dever de Indenizar. In: Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.354. 715

MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Tombamento e dever de Indenizar. In: Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.353.

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334

mas apenas alguns que suportam o sacrifício dos atributos da propriedade em

relação ao interesse público.

A servidão administrativa, segundo Maria Sylvia Zanela di Pietro716:“é

considerada um direito real de gozo, de natureza pública, instituído sobre

imóvel de propriedade alheia, com base em lei, por entidade pública ou por

seus delegados, em favor de um serviço público ou de um bem afetado a fim

de utilidade pública”. Segundo este instituto, há um dever de suportar717 relativo

a um bem, imposto a um ou poucos particulares. Há um sacrifício parcial do

direito de propriedade, que deverá ser utilizado para benefícios coletivos. Como

é caso das restrições para construir ao redor de área tombada718.

O mesmo ocorre no tombamento, pois em nome da memória histórica

coletiva ou fatores artísticos, apenas o proprietário do bem suporta as medidas

de conservação e reforma, reguladas pelo Poder Público, de fiscalização do

estado de conservação e alienação mediante respeito à preferência em relação

à União, Estados e Municípios (arts.17 e 22 do Decreto nº25/1937).

Na desapropriação, o grau de ingerência no direito de propriedade é

absoluto, pois compromete o próprio direito, uma vez que obriga o proprietário

do bem a entregá-lo compulsoriamente ao Poder Público, mediante pagamento

de indenização, para a consecução de utilidades coletivas.

Em todos os casos há o dever de indenizar, pois apenas alguns são

tolhidos total ou parcialmente do exercício do direito de propriedade719.

Por fim, distinguimos a função do plano urbanístico decorrente de ser

instrumento de política pública (que alcança a função social da propriedade) da

função de conformação da propriedade urbana e explicitar algumas distinções

entre o princípio da função social da propriedade e as limitações

administrativas.

Concretizar o princípio da função social implica impor vários deveres e

obrigações ao proprietário visando o aproveitamento da propriedade para fins

coletivos.

716

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2013, p.157. 717

MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Tombamento e dever de Indenizar. In: Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.354. 718

Decreto nº 25/1937, Art. 18. 719

MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Tombamento e dever de Indenizar. In: Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010, p.356.

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335

Citemos o art. 182, §4º da Constituição Federal combinado com arts.5º,

7º e 8º do Estatuto da Cidade. Do ponto de vista do direito subjetivo, o

proprietário poderá (art.1228 do Código Civil), usar sua propriedade da maneira

que lhe aprouver. Poderá locar o imóvel, morar ou dispor dela quando desejar.

No entanto, se estiver por muito tempo desocupada (e o plano diretor demarcá-

la como área suscetível de parcelamento e edificação compulsórios) e

posteriormente uma lei municipal720 for editada, todas as consequências do

artigo 182,§4º da Constituição Federal serão aplicadas ao proprietário. Isto

porque, ele não poderá mais deixá-la desocupada, sem utilidade alguma. Neste

caso, o Plano Diretor, acompanhado de lei municipal, poderá inicialmente impor

obrigações ao proprietário de parcelar, edificar ou utilizar a propriedade

compulsoriamente. Caso não seja cumprido (art. 5º do Estatuto da Cidade) o

IPTU progressivo será cobrado e se não for pago (art.7º) o imóvel estará

sujeito à desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública.

Quando o Município (art.8º, §4º) do Estatuto da Cidade, adquirir o imóvel

por desapropriação, estará obrigado a aproveitá-lo adequadamente em até

cinco anos, contados a partir da sua incorporação ao patrimônio público, sob

pena do prefeito e outros agentes públicos incorrerem em ato de improbidade

administrativa (art. 52, I do Estatuto da Cidade).

Verificamos que limitações administrativas são condicionamentos

impostos à propriedade, atribuindo-lhe um perfil jurídico. Em regra é

caracterizada por obrigações de não fazer. Excepcionalmente para alguns

juristas721 é considerada obrigação de fazer (art.182, §4º da Constituição

Federal).O proprietário não deverá construir desrespeitando os gabaritos,

seguranças e pavimentos indicados na legislação urbanística para não

comprometer a segurança das construções.

No entanto, a função social da propriedade é mais ampla que a

limitação administrativa, pois impõe obrigações positivas ao proprietário para

atender finalidades sociais. Já as limitações estabelecem obrigações de não

fazer para evitar que alguns danos sejam causados ao meio ambiente, ao

patrimônio histórico, à segurança e à saúde.

720

O Município de São Paulo, pela Lei nº15.234 de 1/7/2012 institui (do art. 182, § 4º da Constituição Federal) os instrumentos para cumprir a Função Social da Propriedade Urbana no Município de São Paulo e dá outras providências. 721

Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella di Pietro.

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336

Este é o entendimento de doutrinadores que admitem distinguir os dois

conceitos pelo tipo de prestação que os envolve e pelo fato da função social

abranger também estímulos que induzem o proprietário a utilizar a propriedade

de acordo com interesses sociais. Enfatizando o primeiro critério, trazemos o

pensamento de Dinorá Grotti722:

Não se confundem, também, a função social da propriedade e limites ou restrições a ela impostos, pois a função social, fator que determina a atuação do proprietário, serve como fonte de estímulos e sanções, ou como meio de impor, a aquele, deveres positivos, pelo fato de ser titular da propriedade, em relação a outros sujeitos determinados, ou perante a coletividade. [...] Em suma, enquanto as limitações administrativas à propriedade são os contornos do próprio direito, a conformação jurídica que possibilita o exercício concreto de um direito, a função social representa um dever, imposto ao proprietário, de orientar o uso e fruição de sua propriedade de modo a amparar, em alguma medida, o interesse da coletividade.

Para reforçar o sentido da função social como conjunto de estímulos que

o proprietário do bem adotará para cumprir interesses sociais, invocamos

Francisco Eduardo Loureiro723que alerta para o fato da função social ser mais

ampla que as limitações, por proteger com incentivos a pequena e média

empresa, subsidiar a instalação de indústrias em determinadas regiões, isentar

do pagamento de tributos propriedades de valor histórico, preservadas ou

tombadas, isto é, servir para o estímulo de várias condutas socialmente

relevantes.

Luis Manuel Fonseca Pires724apresenta exemplos que distinguem

limitações administrativas e função social da propriedade: o autor explica que o

proprietário pode edificar sua propriedade cumprindo todos os índices

urbanísticos previstos no plano diretor e leis municipais, mas deixará de

cumprir a função social se o imóvel ficar sem utilidade, desocupado725.

Assim, o planejamento urbano e seu produto (plano urbanístico) têm

funções distintas daquelas previstas pela teoria geral dos planos urbanos. Não

servem apenas como meio de conformação da propriedade imobiliária urbana,

722

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Função Social da Propriedade Privada.In: Direito Ambiental e Urbanístico:Estudos do Fórum Brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.66. 723

ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Função Social da Propriedade Pública. ColeçãoTemas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005, p.74. 724

PIRES, Luis Manuel Fonseca. Limitações Administrativas à Liberdade e à Propriedade. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.125. 725

PIRES, Luis Manuel Fonseca. Limitações Administrativas à Liberdade e à Propriedade. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p.125.

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pois podem por vezes contemplar servidões administrativas e até

desapropriações, que importam em sacrifícios de direito. Além disto, o

planejamento urbano é um instrumento da política urbana, destinado a cumprir

os princípios da função social da cidade e da propriedade.

5.3.1 Regime jurídico do planejamento urbano

Segundo o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa726, um dos

sentidos do termo ‘regime’ está atrelado ao de ‘regimento’, ou seja, conjunto de

normas que regem, disciplinam determinada instituição.

Celso Antônio Bandeira de Mello727 desenvolve a noção de regime

jurídico ao abordar o valor metodológico do regime jurídico administrativo. Na

realidade, regime jurídico corresponde ao complexo de princípios e regras

jurídicas.

Compete ao jurista, cientista do Direito, identificar o conjunto de normas

jurídicas, ou seja, princípios e regras, as categorias fundamentais e institutos

típicos que regulamentam determinada realidade. Ao estudar o regime jurídico

que disciplina uma matéria, o jurista interpretará o sentido e o alcance das

normas, formulará postulados científicos, enfim, identificará as diferentes

relações entre as normas jurídicas, por meio da interpretação sistemática,

gramatical, finalística, lógica e histórica. Da mesma forma, integrará o sistema

se existir aparente lacuna, formulando analogias ou identificando princípios

gerais para que determinada situação jurídica seja resolvida à luz das normas

jurídicas728:

Se o que importa ao jurista é determinar em todas as hipóteses concretas o sistema de princípios e regras aplicáveis – quer seja a lei clara, obscura ou omissa, todos os conceitos e categorias que formule se justificam tão-só na medida em que através deles aprisione logicamente uma determinada unidade orgânica, sistemática, de normas e princípios. A razão de ser destes conceitos é precisamente captar uma parcela de regras jurídicas e postulados que se articulam de maneira a formar uma individualidade.

726

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p.1477. 727

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.85. 728

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p.90.

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338

Nesta perspectiva, a tarefa do jurista ao estudar o sistema de

planejamento urbano é identificar os princípios e regras jurídicas que norteiam

o seu funcionamento. Lembremos que plano urbano é norma jurídica.

O fundamento constitucional para atribuir a natureza jurídica aos planos

urbanísticos decorre do art.5º, II, que determina ninguém será obrigado a fazer

ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Como os planos

urbanísticos têm conteúdos que fixam obrigações ora gerais, ora específicas

aos particulares, estes só poderão ser obedecer aos comandos se estiverem

pautados em lei. Além disto, os arts. 48, IV, 174, §1º e 182 da Cartar e afirmam

a natureza jurídica legislativa dos planos urbanísticos.

Ao identificarmos o regime jurídico que regula o planejamento urbano

brasileiro, nos preocupamos em examinar as normas constitucionais que

disciplinam o assunto; os entes federados que exercem competência para

editá-los além de interpretar o regime jurídico atribuído aos diversos planos

previstos pela Constituição. Ao verificarmos que o Estatuto da Cidade previu

algumas tipologias de planos, definiremos os princípios que norteiam a

elaboração dos planos urbanos, com base no art. 2º, que determina as

diretrizes gerais a serem obedecidas pelos entes federados.

As normas jurídicas previstas pelo art.2º estabelecem conteúdos

vinculantes que vão nortear a elaboração dos planos urbanos, como por

exemplo, a diretriz do inciso VII, que determina a promoção e a integração e

complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, a ordenação do uso e

ocupação do solo para evitar a utilização inadequada dos imóveis urbanos e a

proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes (art. 2º, VI, ‘a’ e ‘b’).

Vimos também que a função social da propriedade e da cidade são

princípios que influenciam a elaboração dos planos urbanos. Além disto, o

art.2º, II, determina que todos devam ser elaborados de forma democrática,

com a participação direta da população que sofrerá os seus impactos.

Os planos urbanos devem apresentar conteúdo jurídico (art. 42),

abrangência territorial de suas disposições (art.40, §2º), processo de

elaboração (art. 40, §4º), prazo (art. 40, §3º), sistema de execução e

implementação. Além disto, pelo fato dos planos urbanos conformarem o

conteúdo da propriedade, questionamos se caberia indenização ao proprietário,

na hipótese de novo uso ser estipulado por outro plano editado. Trata-se da

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339

abordagem do direito intertemporal que versa sobre identificar as normas

jurídicas que serão aplicadas em função de relações jurídicas consolidadas,

tendo em vista que modificam o tratamento jurídico dos planos em relação às

disciplinas de uso e ocupação do solo.

Diante das várias normas que disciplinam o regime jurídico dos planos

urbanos, ele (plano) será abordado considerando os aspectos 1) competência

para edição dos planos; 2) conteúdo; 3) abrangência; 4) finalidade; 5) revisão,

6) elaboração; 7) execução e efeitos; 8) direito intertemporal.

Posteriormente passaremos ao conjunto de normas constitucionais que

disciplinaram a organização dos planos urbanos.

5.3.2 Sistema constitucional de planejamento urbano

O sistema de planejamento destinado a ordenar a política urbana é

formado pela atuação de todos os entes da federação e não apenas do

Município, a despeito do direito urbanístico tratar essencialmente da realidade

das cidades, considerada sede do núcleo de determinado Município.

Carlos Ari Sundfeld729 explica que as políticas urbanas não podem ser

desenvolvidas de forma isolada pelo planejamento, por um único plano. Elas

necessitam de articulação e coordenação junto à política geral do Estado e às

políticas setoriais730: “a política urbana, enquanto política espacial, precisa

necessariamente coordenar-se com a política econômica do país e com as

políticas de transportes, saneamento, energia, agrária, etc”. Esta afirmação

decorre da interpretação sistemática dos arts.174,§1º, 21, IX e XX e 182, da

Constituição Federal.

O art. 174, §1º, da Constituição Federal, garante a coordenação entre os

planos nacionais e regionais de ordenação do território e desenvolvimento

econômico e social, as diretrizes do desenvolvimento econômico editadas pela

União,com os planos diretores municipais.

729

SUNDFELD. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais, p.50. In: (Coords.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010. 730

SUNDFELD. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais,p.50. In: (Coords.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010.

Page 340: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

340

A articulação coordenada entre os planos nacionais, estaduais e

municipais foi denominada por Carlos Ari Sundfeld731como um sistema que tem

racionalidade decisória, baseada na observância de normas de maior

abrangência, intermediárias e, por fim, pelo nível local. As normas em matéria

urbanística deverão respeitar as de maior abrangência nos sentidos territorial e

temático732:

Para viabilizar essa coordenação a Constituição adotou um sistema de racionalidade decisória em que as normas e decisões em matéria urbanística (isto é, de política espacial da cidade) têm sua validade condicionada ao respeito de normas e decisões de maior abrangência, tanto no sentido territorial (a política espacial da cidade deve compatibilizar-se com a política nacional de ordenação do território) como temático (a política espacial da cidade deve compatibilizar-se com a genérica política de desenvolvimento).

A concepção de coordenação entre planos, dos mais gerais aos mais

específicos e concretos, obrigando a articulação entre os vários níveis de

competência federativa, decorre do federalismo de cooperação, na sua

perspectiva de equilíbrio.

Do mesmo modo, a coordenação entre planos foi prevista na doutrina

estrangeira, segundo Fernando Alves Correia733, sob a classificação dos planos

com base no grau analítico das previsões. Por este critério o processo de

planejamento ocorre conforme uma concretização progressiva, ou seja, pelo

que o jurista português denomina “sequência gradualista de comandos sempre

menos abstratos e sempre mais concretos”. Assim, os planos mais genéricos

deverão prever diretrizes gerais; os mais específicos, medidas setoriais,

pontuais sob o ponto de vista da organização territorial. No entanto, deverão

guardar entre si uma relação de obediência e vinculação entre os níveis

genéricos, influenciando a elaboração dos níveis concretos de exigências. Nas

doutrinas italianas e espanholas este sistema gradual de comandos se

expressa em três níveis: planos de diretrizes, operativos e execução. Os planos

de diretrizes devem apenas traçar parâmetros gerais do ordenamento do

731

SUNDFELD. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais,p.50. In: (Coords.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010. 732

SUNDFELD. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais,p.50. In: (Coords.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010. 733

CORREIA, Fernando Alves.O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade. Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 2001, p.192.

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341

território para orientar a elaboração e o conteúdo dos planos posteriores. Os

operativos revelam aos municípios ou entre municípios vizinhos as diretrizes

dos planos gerais, além de traçar normas que os planos de execução deverão

obedecer. Estes últimos vão especificar e concretizar as previsões dos planos

operativos. Há, portanto, um sistema de obediência em razão do grau de

comandos e especificações que cada plano apresenta.

Este pensamento pode levar equivocadamente à crença de que há uma

hierarquia entre os planos ou uma obediência hierárquica entre eles. É preciso,

portanto, ter cautela com a afirmação de José Afonso da Silva734que sustenta a

existência no ordenamento nacional de um sistema de planejamento

urbanístico estrutural, que comporta a construção hierárquica de planos de

ordenação territorial com diversas abrangências:

Um sistema de planejamento urbanístico estrutural, que comporta a construção hierárquica de planos de ordenação territorial com amplitudes diversas, indo dos arcabouços maiores dos planos nacionais e macrorregionais até os mais limitados dos planos microrregionais e locais, de tal sorte que os nacionais estabeleçam as diretrizes e objetivos gerais do desenvolvimento da rede urbana no território nacional em função do plano nacional de desenvolvimento econômico-social. Os macrorregionais desceriam aos aspectos mais particularizados das regiões em função do planejamento econômico-social regional; os planos estaduais e os microrregionais dentro de cada Estado, observadas aquelas diretrizes e objetivos, seriam planos de coordenação urbanística; e, finalmente, cada Município faria seu plano urbanístico (plano diretor), segundo suas necessidades e conveniências, respeitados as diretrizes e objetivos econômicos e sociais fixados nos planos de nível superior.

Não estamos diante de hierarquia entre planos da União, dos Estados e

dos Municípios para afirmar que o plano federal é mais importante que o

municipal. A federação não comporta hierarquia entre seus entes, mas divisão

de competências. Compete à União tratar do interesse nacional, os Estados

dos regionais e os Municípios os locais. Desta forma, cada ente federado tem

sua parcela de autonomia política, sobre a qual o outro não pode legislar. A

estruturação de forma escalonada que a doutrina estrangeira denomina

sequência gradual de comandos (dos mais abstratos aos mais concretos) tem

relação com os diversos níveis de competência, apenas quanto ao interesse

que a norma regulamenta. Só isto, não pelo fato de sempre prevalecer o

interesse da União na federação.

734

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.105.

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342

Utilizaremos a terminologia de Carlos Ari Sundfeld que identifica graus

de articulação e coordenação para atribuir aos diversos planos uma

racionalidade decisória.

Este sistema é perfeitamente identificável no ordenamento jurídico

constitucional brasileiro. Mas qual o critério adotado pelo constituinte para

organizar os graus de abrangênciados planos urbanísticos? Explica José

Afonso da Silva735 que a Constituição ao articular a abrangência entre os

planos preferiu promover uma integração global entre os aspectos físicos-

territoriais com os econômicos e sociais e obedecer ao critério vertical-

horizontal.

Isto significa que os aspectos econômicos e sociais deverão ser mais

intensamente regulados pelo planejamento nacional e menos efetivos em

âmbito local. Por sua vez, a ordenação físico-territorial deve ser priorizada no

nível concreto abrandada em escala nacional. Assim, do ponto de vista vertical

os planos nacionais assumiriam com mais ênfase a disciplina dos aspectos

econômicos e sociais e os planos municipais priorizariam a ordenação físico

territorial. No entanto, do ponto de vista horizontal, ainda que a União priorize

os planos econômicos e sociais, também tratará de diretrizes gerais de

desenvolvimento urbano, por exemplo. Desta forma, os planos federais,

estaduais e municipais, à luz da divisão de competências constitucionais,

deverão obedecer a seguinte articulação entre os diversos graus de

abrangência dos planos urbanos736:

[...] desde que o planejamento econômico e social realizado no nível nacional estabeleça diretrizes do desenvolvimento urbano (interurbano – ou seja, da rede urbana nacional), como aspecto da política de crescimento econômico e da melhoria da qualidade de vida das populações; a essas diretrizes, integradas na política econômica do desenvolvimento, se vincularia a política urbana no nível regional e estadual como aspecto da programação econômica dos mesmos níveis; finalmente, a elas estariam integrados os planos urbanísticos locais, mais concretamente destinados à ordenação do território para o cumprimento das funções urbanísticas elementares (habitar, trabalhar, recrear e circular) – ou, como diz a Constituição, destinados a ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (art. 182).

735

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.52. 736

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.104.

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343

José Afonso da Silva737conclui que este sistema permitiu o surgimento

de uma tipologia de planos urbanísticos baseada nos arts. 21, IX e XX, 24, I,

30, VIII e 182 da Constituição Federal. Haverá, portanto, vinculação quanto aos

graus de concretização dos planos, de maneira que os planos federais sirvam

como normas gerais e diretrizes para os estaduais e municipais. A União, por

meio da Lei Federal de Desenvolvimento Urbano (editada com base no art. 24,

§1º, c/c art. 182, que corresponde ao Estatuto da Cidade) instituiu regras para

aplicar as normas constitucionais a todos os níveis de planejamento da

federação.

José Afonso da Silva738 formulou as tipologias de planos urbanos que

podemos extrair do sistema constitucional. Utilizaremos sua sistematização

acrescentando informações a partir das tipologias do art.4º do Estatuto da

Cidade.

A) PLANOS URBANÍSTICOS FEDERAIS A.1) Nacionais Gerais: Estabelecem as diretrizes e objetivos gerais do desenvolvimento urbano (da rede urbana). Fundamento Legal: art. 24, I, §1º c/c art. 21, IX, XX; art. 182, art. 4º, I do Estatuto da Cidade. A.2) Macrorregionais: sob a responsabilidade das superintendências do desenvolvimento das regiões geoeconômicas do país. Fundamento Legal: art. 43 da Constituição Federal; art. 4º, I do Estatuto da Cidade * A Lei Federal nº 11.445 de 5/1/2007 (Saneamento básico) e o Decreto nº 7.217/2010, art. 24, II – o Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSB), elaborado pela União; e (III) e os planos regionais de saneamento básico elaborados pela União(inciso II do art. 52 da Lei n

o 11.445, de

2007). A.3) Setoriais: ordenação territorial especial (plano de viação, plano de defesa do meio ambiente, etc.) * Art. 21, XX da Constituição Federal –art. 16, c/c art. 22, I Planejamento pela União da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal nº 12.587/2012) – Instrumentos do art. 23. Lei nº 12.305/2010 – Política Nacional de Resíduos Sólidos –art. 14: Plano Nacional. * A Lei Federal nº 11.445 de 5/1/2007 estabeleceu diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. O Decreto nº 7.217/2010 explicita em seu art. 24 que o processo de planejamento do saneamento básico envolve três categorias de planos: (I) o plano de saneamento básico, elaborado pelo titular;(II) o Plano Nacional de Saneamento Básico (PNSB), elaborado pela União; e (III) os planos regionais de saneamento básico elaborados pela União(art. 52, II, da Lei n

o 11.445, de 2007).

* Art.8º da Lei nº 9.433 de 8/1/1997– Política Nacional de Recursos Hídricos: Plano Nacional de Recursos Hídricos. * Art.7º – Lei nº 7.661/1988 c/c Decreto nº 5.300/2004: Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro.

737

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.50. 738

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.106.

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344

* Art.6º do Decreto nº 4.297/2002 – Zoneamento Econômico Ecológico Nacional e Regional. B) PLANOS URBANÍSTICOS ESTADUAIS B.1) Gerais: de ordenação do território estadual, respeitadas as diretrizes federais; art. 4º, I do Estatuto da Cidade. B.2) Setoriais: defesa do meio ambiente, plano de viação estadual, respeitadas diretrizes e princípios do plano nacional de viação (art. 21, XXI da Constituição Federal). * Art. 21, XX da Constituição Federal – art. 17, c/c art. 22, I Planejamento pelo Estado da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal nº 12.587/2012) – Instrumentos do art. 23. * Lei nº 12.305/2010 – Política Nacional de Resíduos Sólidos – art. 14: Planos Estaduais de resíduos sólidos; os planos microrregionais de resíduos sólidos e os planos de resíduos sólidos de regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas; os planos intermunicipais de resíduos sólidos. ** Depende do titular do serviço de saneamento (Lei Federal nº 11.445 de 5/1/2007 c/c Decreto nº 7.217/2010) art. 24: (I) o plano de saneamento básico, elaborado pelo titular; Art. 8º da Lei nº 9.433 de 8/1/1997 – Política Nacional de Recursos Hídricos: Plano Estadual de Recursos Hídricos. * Art. 7º– Lei nº 7.661/1988 c/c Decreto nº 5.300/2004: Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro * Art. 6º, B, do Decreto nº 4.297/2002 – Zoneamento Econômico Ecológico Estadual B.3) Zona Intermediária: Planos das Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões: art. 4º, II do Estatuto da Cidade c/c art. 25, §3º da Constituição Federal. B.3.1) Microrregionais: com valor de planos de coordenação no âmbito de cada região administrativa estadual. C) PLANOS URBANÍSTICOS MUNICIPAIS C.1) Gerais: planos diretores;art. 4º, III c/c art. 40 do Estatuto da Cidade e art. 182 da Constituição Federal; plano municipal de Mobilidade Urbana previsto no art. 24, § 1º da Lei nº 12.587/2012 (Política Nacional da Mobilidade Urbana). C.2) Parciais: zoneamento, alinhamento, melhoramentos urbanos. C.3) Especiais/Setoriais: distritos industriais, renovação urbana. Art. 14 – Lei Federal nº 12.305/2010 – Política Nacional de Resíduos Sólidos: Planos Municipais de Gestão integrada de resíduos sólidos.

** Depende do titular do serviço de saneamento (Lei Federal nº 11.445 de 5/1/2007 c/c Decreto nº 7.217/2010) art. 24: (I) o plano de saneamento básico, elaborado pelo titular; *Art. 7º – Lei nº 7.661/1988 c/c Decreto nº 5.300/2004: Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro. * Art. 6º, B, do Decreto nº 4.297/2002 – Zoneamento Econômico Ecológico Local

5.4 Tipologias de planos urbanísticos

Com relação ao direito intertemporal, ressaltamos que nem todo Plano

Urbanístico tem aspectos que sofrerão este impacto de alteração na

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345

conformação da propriedade em razão de mudanças no regime de uso do bem

regulado por determinado plano.

Os planos editados pelos entes federados estão dispostos de forma

escalonada, em razão de uma sequência gradual de comandos normativos,

que atingem graus abstratos aos mais concretos.

Apenas os planos concretos, específicos, tocam em temas que

influenciam no conteúdo econômico da propriedade. Os gerais estabelecem

diretrizes, comandos genéricos, que orientam, disciplinam, mas não ingressam

em aspectos que podem referir-se a limitações ou restringir a propriedade.

Envolvem aspectos de indenização relativos, portanto, ao conteúdo econômico

da propriedade.

Para o jurista português Fernando Alves Correia739, “a função

conformadora do direito de propriedade do solo exercida pelos planos

urbanísticos vai aumentando a sua intensidade e a sua eficácia vinculativa à

medida que se desce na respectiva escala hierárquica”. José Afonso da

Silva740aponta três graus aos planos urbanísticos:

A disciplina urbanística deverá atuar mediante três graus de intervenção fundamentais que, por sucessivas aproximações, determinam a configuração futura dos espaços habitáveis: (a) como diretrizes e orientação geral e coordenação macrorregional, agirão aos planos urbanísticos federais; (b) como programação urbanística e coordenação microrregional, elaborar-se-ão os planos urbanísticos estaduais; (c) como instrumento urbanístico para realizações concretas, implatar-se-ão planos urbanísticos municipais.

Com relação ao conteúdo dos planos urbanísticos, vigora no Brasil

ampla discricionariedade de consequências jurídicas741. A doutrina portuguesa

explica que a atividade urbanística de planejamento urbano conta com ampla

discricionariedade na escolha das soluções e do conteúdo dos planos, por ser

uma atividade de previsão e atuação à luz de uma realidade urbana que se

modifica constantemente. É por esta razão, para conferir disposições

normativas adequadas que os planos devem ser “maleáveis” para se

739

CORREIA, Fernando Alves.O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade. Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 2001, p.184-185. 740

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.110. 741

CORREIA, Fernando Alves.O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade. Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 2001, p.285.

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346

adaptaremàs condições de cada realidade urbana742.Contudo, Fernando Alves

Correira743 admite que estes espaços de discricionariedade são sujeitos a

limitações, como por exemplo, de princípios extraídos do ordenamento jurídico,

que orientam os planos urbanos.

Na realidade jurídica brasileira, todas as leis estabelecem princípios,

diretrizes e conteúdos que deverão ser observados como patamares mínimos

para a elaboração dos planos previstos em cada lei. O conteúdo de cada

norma que disciplina os planos já trata dos assuntos e matérias específicas que

deverão disciplinar.

Carlos Ari Sundfeld744, ao discorrer sobre as diretrizes do Estatuto da

Cidade (art.2º)745 explica o sentido jurídico destas previsões por fornecer

parâmetros normativos ao controle das orientações seguidas pela política

urbana, com o propósito de viabilizar a invalidação das normas e atos a eles

contrários.

O jurista aprofunda a análise mencionando um plano diretor com

excessivos ou inadequados usos do solo em relação à infraestrutura urbana.

Ao analisarmos o art.2º, VI, “c”, verificamos que a diretriz de planejamento

urbano do Estatuto da Cidade é garantir a promoção de ordenação e controle

do uso do solo e evita o seu parcelamento, a edificação e o uso excessivo ou

inadequado em relação à infraestrutura urbana. O autor explica que diante da

contrariedade do plano diretor municipal, a Lei Federal permite questioná-lo

com base na teoria do desvio de poder legislativo746.

742

CORREIA, Fernando Alves.O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade. Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 2001, p.286 743

CORREIA, Fernando Alves.O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade. Colecção Teses. Coimbra: Almedina, 2001, p.286. 744

SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais, p.55. In: (Coord.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários à Lei 10257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 745

Lei Federal nº 10.257/2001 Art. 2o, I, II e III.

746SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais, p.55. In: (Coord.) DALLARI,

Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade (Comentários à Lei 10257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010.: “Assim, por exemplo, a previsão do art. 2º, VI, c, do Estatuto – de que a ordenação deve evitar os empregos do solo que se apresentem como “excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana” – pode servir para censurar a alteração da lei de zoneamento que autorize a intensificação do emprego do solo quando isso importar quebra da necessária relação de equilíbrio entre a intensidade desse emprego e as possibilidades da infra-estrutura. Pode-se dizer que as novas disposições do Estatuto dão fundamento jurídico específico para o controle do desvio de poder legislativo em matéria urbanística, o qual até aqui não era freqüente, apesar da evolução recente da teoria sobre esse controle (propiciado pela aplicação dos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e ou devido processo legal substantivo)”.

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347

Assim, observamos que existe um campo de normas jurídicas limitando

a discricionariedade do legislador quando da elaboração dos planos

urbanísticos, que pode ser controlada do ponto de vista do desvio legislativo

ou, se contrariar dispositivo da Constituição, por meio da inconstitucionalidade

das leis. Mas mesmo diante desta limitação legislativa, há um campo de

atuação discricionária, que comporta espaço de decisão do legislador, para

preencher o conteúdo dos planos urbanos.

5.4.1 Planos urbanísticos federais, estaduais e municipais: noções gerais

Iniciemos compreendendo o sentido das diretrizes gerais de

desenvolvimento urbano (articulada, no art. 21, IX com habitação, saneamento

básico e transportes públicos). O que poderia preencher este conteúdo para

vislumbrarmos o que é desenvolvimento urbano? Nelson Saule Júnior747

explica que o Ministério das Cidades748adotou o seguinte conceito:

Podemos definir o desenvolvimento urbano como a melhoria das condições materiais e subjetivas de vida nas cidades, com diminuição da desigualdade social e garantia de sustentabilidade ambiental, social e econômica. Ao lado da dimensão quantitativa da infra-estrutura, dos serviços e dos equipamentos urbanos, o desenvolvimento urbano envolve também uma ampliação da expressão social, cultural e política do indivíduo e da coletividade, em contraponto aos preconceitos, a segregação, a discriminação, ao clientelismo e cooptação econômica.

O autor749 indica os temas que tratam diretamente do desenvolvimento

urbano para nortear a atuação estratégica dos entes federativos e promover a

política de desenvolvimento urbano dentre os quais destacamos o

ordenamento e regulação do território, habitação, saneamento ambiental,

mobilidade, transporte urbano e trânsito, política fundiária com ênfase na

regulação do uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, dos serviços

e infraestrutura urbana e financiamento público.

747

SAULE JÚNIOR, Nelson.Bases Jurídicas para a instituição de uma Lei Federal sobre o sistema nacional de desenvolvimento urbano, p.98. In: (Coord.) SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007. 748

Cadernos Ministério das Cidades Desenvolvimento Urbano. Política Nacional de Desenvolvimento Urbano nº1, nov.2004, p.8. Disponível em: www.cidades.gov.br. Acesso em: 28 jan.2013. 749

SAULE JÚNIOR, Nelson.Bases Jurídicas para a instituição de uma Lei Federal sobre o sistema nacional de desenvolvimento urbano, p.98. In: (Coord.) SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007.

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348

Pelo fato da União ter competência para instituir normas gerais de direito

urbanístico, os Estados atuarem suplementarmente (interesse regional) e os

Municípios, no âmbito local, todos agem de forma cooperada quanto à

elaboração, implementação e execução do desenvolvimento urbano.

Em 2006 foi apresentada a proposta de Lei Federal de Cooperação dos

Entes Federativos sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano

(baseada no art.23, IX da Constituição Federal750). Todavia, a atuação conjunta

voltada ao desenvolvimento urbano não depende de Lei Complementar e pode

ser exercitada no âmbito das competências do art.24. Assim, a União editará

diretrizes gerais, os Estados e Municípios suplementarão os planos nacionais,

no que for referente, respectivamente, aos interesses regional e local.

Na ausência de uma lei complementar para coordenar os entes

federados, Nelson Saule Júnior751 arrolou várias legislações federais que

trazem mecanismos de atuação conjunta entre eles para alcançar a política de

desenvolvimento urbano, núcleo fundamental do planejamento urbano752.

Dentre elas, podemos citar: Estatuto da Cidade, Lei de Resíduos Sólidos e

Mobilidade Urbana.

O Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001) contém normas

gerais da política nacional de desenvolvimento urbano e estabelece normas

jurídicas de ordem pública de observância necessária por todos os entes

federados no campo do direito urbanístico.

750

SAULE JÚNIOR, Nelson. Bases Jurídicas para a instituição de uma Lei Federal sobre o sistema nacional de desenvolvimento urbano, p.98. In: (Coord.) SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007. O texto serviu como subsídio para elaborar a proposta de Lei Federal de Cooperação dos Entes Federados sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, do Ministério das Cidades – Programa das Nações Unidas. 751

SAULE JÚNIOR, Nelson. Bases Jurídicas para a instituição de uma Lei Federal sobre o sistema nacional de desenvolvimento urbano, p.104. In: (Coord.) SAULE JUNIOR, Nelson. Direito Urbanístico– Vias Jurídicas das Políticas Urbanas. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 2007. 752

O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766/1979), a Lei Federal que trata do Conselho Nacional das Cidades (MP 2220/2001 c/c Lei nº 11.683/2003), Lei sobre o sistema nacional de habitação de interesse social (Lei nº 11.124/2005), Lei sobre o Patrimônio da União que disciplina as formas de uso das terras urbanas e rurais da União (Lei nº 9.636/1998), Lei Federal que trata do Zoneamento Ecológico e Econômico (art. 9º, II, da Lei nº 6.398/1981 e Decreto nº 4.297/2002), Lei que dispõe sobre o plano nacional do gerenciamento Costeiro (Lei nº 7.661/1988 c/c Decreto nº 5.300/2004), Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007 c/c Decreto nº 7.217/2010), Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei Federal nº 12.305/2010 c/c Decreto nº 7.217/2010), Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997), Mobilidade Urbana (Lei Federal nº 12.587/2012), Zoneamento Econômico Ecológico (Lei nº 6.398/1981 c/c Decreto nº 4.297/2002) e Programa Minha Casa, Minha Vida (Lei Federal nº11.977/2009).

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349

Mesmo considerado um conjunto normativo intermediário753, concretizou

os comandos do art.182 (que trata da política urbana), tornando viável

implementar mecanismos para cumprir a função social da cidade e da

propriedade, de fixar instrumentos da política urbana, como o direito de

preempção, a outorga onerosa, o estudo de impacto de vizinhança, que

dependem de legislação municipal, ao lado do plano diretor municipal.

As normas que compreendem o núcleo fundamental do planejamento

urbano disciplinam temas relativos à função social das cidades (art.2º, I, do

Estatuto da Cidade). Esta, por sua vez, só é garantida quando se viabiliza o

direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, infraestrutura

urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer. Assim, as

diversas legislações esparsas relacionadas aos temas do desenvolvimento

urbano criaram, de acordo com regras constitucionais, um sistema envolvendo

os três entes federados no planejamento de matérias específicas.

5.4.2 Planos urbanísticos federais, estaduais e municipais: gerais e setoriais

A partir da perspectiva constitucional, constatamos duas tipologias de

planos urbanos: gerais e setoriais.

Segundo o art.21, IX da Constituição Federal, compete à União elaborar

e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território.

Ao analisar os dispositivos legais que tratam da competência da União

em matéria de planejamento urbano, José Afonso da Silva754 afirma que a

União tem competência para estabelecer três tipos de planos de ordenação

territorial nacional: (a) o plano urbanístico nacional; (b) os planos urbanísticos

macrorregionais e (c) os planos urbanísticos setoriais.

Todavia, não temos uma legislação única, sistematizada e uniforme

atribuindo diretrizes e coordenações entre as atividades de planejamento

urbano nos vários níveis territoriais da federação.

753

SUNDFELD.Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais, p.52. In: (Org.) DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010. 754

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro.7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.112.

Page 350: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

350

Por enquanto, o ordenamento jurídico conta com leis setorizadas, que

tratam de temas relacionados ao desenvolvimento urbano, como a Lei da

Mobilidade Urbana e a Política Nacional de Resíduos Sólidos, por exemplo.

Os planos urbanísticos macrorregionais abrangem o processo de

ordenação territorial destinado a disciplinar a ocupação urbana do solo nas

macrorregiões (art.43 da Constituição Federal). Trata-se de administração

instituída pela União para promover ações em um mesmo complexo

geoeconômico e social, com o objetivo de desenvolver e reduzir as

desigualdades sociais. Com base neste dispositivo foram criadas a

Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), pela Lei

Complementar nº125/2007, autarquia, sediada em Recife, e vinculada ao

Ministério da Integração Nacional e a Superintendência do Desenvolvimento da

Amazônia (Sudam), pela Lei Complementar nº 124/2007, autarquia, sediada

em Belém e vinculada ao Ministério da Integração Nacional.

As leis atribuíram às autarquias a competência para produzirem planos e

propor diretrizes ao desenvolvimento de suas áreas de atuação, em

consonância com a política nacional de desenvolvimento regional, articulando-

os com os planos nacionais, estaduais e locais. Entretanto, não temos ainda

uma Lei que coordene e implemente este planejamento territorial. Caso isto

ocorra, deverá ser editada uma lei federal, iniciada no Poder Executivo Federal

e aprovada pelo Congresso Nacional, como lei ordinária755.

Por força do art. 24, I, §2º, a Constituição Federal reservou aos Estados-

membros a competência para legislarem suplementarmente sobre direito

urbanístico e estabelecerem diretrizes gerais de ordenação do seu território,

inclusive por meio de planos estaduais ou regionais de urbanismo.

Nesta perspectiva, o Estatuto da Cidade (art.4º), previu por parte dos

Estados-membros a elaboração dos planos regionais e estaduais de ordenação

do território e a elaboração de planos para as regiões metropolitanas,

aglomerações urbanas e microrregiões.

Em razão da competência constitucional para os Estados editarem

planos urbanísticos de ordenamento territorial, José Afonso da Silva concebeu

as tipologias de planos estaduais e seus respectivos conteúdos. Ele entende

755

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.122.

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351

ser possível, por planos estaduais, estabelecer regiões de uso industrial,

delimitar áreas supramunicipais destinadas à proteção ambiental, melhorar o

interesse turístico, a indicação e a localização de infraestruturas básicas

supramunicipais, como as linhas de comunicação terrestre, marítima e o

saneamento básico756.

José Afonso da Silva distingue duas tipologias de planos conforme o

âmbito de incidência. De um lado, identifica os planos estaduais de

desenvolvimento urbano, composto por diretrizes gerais, atuação interurbana,

supramunicipal, envolvendo os municípios localizados em seu território para

estabelecer diretrizes observadas pelos entes municipais, em função do caráter

de coordenação geral de ordenação territorial.

Menciona também os planos urbanísticos das regiões metropolitanas,

aglomerações urbanas e microrregiões que apresentam caráter intraurbano, de

efeito direto e concreto, por ocasião do tratamento do interesse metropolitano,

que decorre do interesse local e de sua projeção para outros municípios, em

razão da expansão das cidades, além do território de um único município757:

A função do planejamento estadual de desenvolvimento urbano há de consistir na consecução de objetivos gerais ou microrregionais, consequentes a um conjunto de diretrizes e ações interurbanas, que conduzam a uma ordenação a rede urbana no território do Estado ou da microrregião que sirva de base à atividade planejadora. Vale dizer que não será adequado ao Estado o exercício de função urbanística de efeito direto e concreto intra-urbano, salvo nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas e em alguns outros setores muito especiais.

José Afonso da Silva758 ao explicar o conteúdo dos planos de ordenação

do espaço territorial estadual, argumenta que deverá versar sobre:

(a) o estabelecimento de regiões de uso industrial; (b) a delimitação de áreas supramunicipais que se considere necessário submeter a determinadas limitações e a uma adequada proteção ou a melhoramentos, tais como tutela do meio ambiente natural (planos estaduais ou microrregionais de combate à poluição, de proteção florestal, de preservação dos mananciais que sejam do domínio estadual (Constituição Federal, art 26, I), tutela do meio ambiente cultural (proteção do patrimônio histórico, paisagístico, artístico e arqueológico do Estado), melhoria das áreas de interesse turístico em nível estadual ou regional; (c) indicação e localização de infra-estruturas básicas supramunicipais: linhas de comunicação terrestre, marítima e aérea, saneamento básico, fornecimento de energia e

756

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.107. 757

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.127. 758

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.105.

Page 352: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

352

outras análogas, para conseguir-se o modelo urbanístico do território estadual ou microrregional.

Citemos como exemplo, a Lei Federal nº 6.803 de 2/7/1980, que trata

das diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de

poluição, atribuindo aos Estados competência para restringir a localização de

estabelecimentos industriais, após a oitiva dos Municípios, em razão de

padrões de uso e ocupação do solo definidos em termos de interesse

ambiental. Com relação à localização de infraestrutura básica supramunicipal,

mencionamos o art. 17, IX, XI, alínea “a” da Lei nº 12.305/2010 que determina,

por parte dos Planos Estaduais de Resíduos Sólidos, a previsão em áreas

metropolitanas de zonas favoráveis para localizar unidades de tratamento de

resíduos sólidos ou de disposição final de rejeitos.

José Afonso da Silva759explica que em termos de localização de

indústria, o Estado deverá atuar da seguinte forma:

(1) não tem eficácia a lei estadual de determinação de localização industrial onde o Município a proíba; (2) o Estado, segundo diretrizes e objetivos regionais estabelecidos no plano, poderá restringir a localização de indústrias (mesmo onde o Município a admita), mediante controle dirigido à iniciativa privada.

Acrescenta que o Estado não tem competência para determinar a

localização das indústrias em relação à zona específica, ao contrário do que

dispõe a norma municipal, em razão das competências constitucionais

urbanísticas atribuídas ao Município. Contudo, dentro de um plano de

regionalização industrial poderá fixar objetivos de interesse público, de cunho

supramunicipal, impondo restrições à localização industrial, por meio de

parâmetros legais de licenciamento estadual, que condicionarão a atividade do

particular ao construir os estabelecimentos industriais.

Não haverá ingerência na competência municipal, pois o Estado em área

supramunicipal atuará em conjunto com os Municípios para licenciar ou

autorizar a abertura de indústrias, em razão da competência comum (art.23, VI,

IX e X, c/c art. 225 da Constituição que tutela o meio ambiente).

E por fim, prevê o art. 182, §1º, da Constituição Federal a competência

do Município elaborar plano diretor como instrumento básico da política de

desenvolvimento e de expansão urbana e o Estatuto da Cidade (Lei nº

759

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.132.

Page 353: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

353

10.257/2001) que estabelece em seu art.4º, III, “a”, o plano diretor como

instrumento da política urbana municipal.

5.4.2.1 Planejamento urbano estadual: supramunicipal e metropolitano

A Carta Magna previu para o Estado-membro atribuições em matéria

urbanística, no que tange ao planejamento urbano. Tomando por base, que o

Município tem força constitucional (art.30, VIII, c/c art.182) de grande parte da

matéria urbanística quanto à organização dos espaços habitáveis do município,

qual o conteúdo designado constitucionalmente aos Estados para cumprir esta

tarefa? Ao considerarmos que planejamento urbano diz respeito à ordenação

dos espaços territoriais habitáveis do Estado, constatamos que o conteúdo do

planejamento urbano estadual refere-se aos interesses supramunicipais,

disciplinados genericamente, que condicionam a elaboração dos planos

específicos traçando orientações. A função do planejamemento estadual diz

respeito à coordenação de ações relativas à disciplina dos espaços habitáveis.

Por força do art. 25, §3º, da Constituição Federal, a competência estadual para

instituir Regiões Metropolitanas também considera o planejamento urbano em

seu território.

Nos dois casos nos referimos ao conteúdo do planejamento urbano

estadual como matérias de cunho urbanístico e ambiental, pela íntima relação

que apresentam entre si.

Assim, procuramos estabelecer o conteúdo do planejamento urbano dos

estados vinculados à aplicação das medidas de proteção ambiental ao

ordenamento territorial dos espaços supramunicipais e metropolitanos.

Com relação aos espaços territoriais supramunicipais, de acordo com

José Afonso da Silva760, não poderá versar sobre “funções urbanísticas de

efeito direto e concreto intraurbano, salvo nas regiões metropolitanas e

aglomerações urbanas e em alguns outros setores muito especiais”. O campo

supramunicipal do Estado atuará como função coordenadora, organizadora da

atuação urbana dos Municípios, através de seus planos diretores.

760

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.125.

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354

Os Estados cumprirão as diretrizes de ordenação do seu território,

mediante intervenção direta naquilo que lhe compete e mediante articulação

com os Municípios e incentivos à iniciativa privada, tendo em vista761:

I – a coordenação do desenvolvimento urbano em nível estadual e regional; II – o estabelecimento de critérios de assentamento urbano de relevância regional, como a criação de novos núcleos populacionais e a regionalização industrial; III – a delimitação de áreas supramunicipais que se considere necessário submeter a determinadas limitações ou a uma adequada proteção ou melhoramento, visando à tutela do meio ambiente, como a proteção florestal, a preservação dos mananciais e das margens das águas públicas; IV – a tutela do meio ambiente cultural, como a proteção do patrimônio histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, etnológico e turístico do Estado; V – a indicação e localização de infraestruturas básicas supramunicipais e a definição da rede viária extraurbana.

Rafael Augusto Silva Domingues762aponta três exemplos que

demonstram a atuação do Estado-membro no planejamento urbano.

Os dois primeiros dizem respeito à imposição de limites para construção

quando se tratar de patrimônio ambiental, cultural, paisagístico, histórico e

ecológico por se tratar de competência comum (art.23, III, IV e VI) e

concorrente (art. 24, VI e VII da Constituição Federal). Trata-se do art. 229 da

Constituição da Paraíba763 e do art. 236, §11, da Constituição do Pará764.

No primeiro caso, a legislação paraibana fixou normas específicas sobre

a disciplina de construção urbana, referente aos gabaritos, no que tange à zona

costeira do território. No segundo caso, as mesmas normas de construção de

pavimentos de prédios foram previstas nas instâncias balneárias, turísticas e

hidrominerais do Estado do Pará. Os conteúdos foram possíveis por tratar dos

aspectos ambientais e turísticos, matérias relacionadas à atribuição Estatal.

Da mesma forma, o art.13 da Lei nº 6.766/1979 que condiciona em

determinadas situações a aprovação dos loteamentos pelos Municípios e está

atrelado ao prévio exame e anuência dos Estados-membros é constitucional

face ao conteúdo urbano que pode ser impresso a tais situações. Este é o

entendimento de Rafael Augusto Silva Domingues e Toshio Mukai, que

identificam claramente o interesse supramunicipal de ordem urbanística que

761

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.126. 762

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.142. 763

BRASIL. Constituição do Estado da Paraíba. Art.229. §1°, ‘a’ e ‘b’. 764

BRASIL. Constituição do Estado do Pará. Art.236, §11.

Page 355: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

355

demanda legislação estadual para evitar conurbações excessivas, densificação

caótica e desarmonia nas urbanizações indesejáveis765.

O legislador estadual ao fixar por meio das Leis Complementares

responsáveis pela criação de regiões metropolitanas o sentido de função

pública de interesse comum, dispõe dentre as várias espécies, de conteúdos

relacionados ao planejamento urbano destinado à proteção ambiental, às

funções referentes ao uso do solo metropolitano e à preservação e proteção ao

meio ambiente e combate à poluição (art. 43 da Constituição mineira). A tarefa

do jurista será compreender o sentido do planejamento urbano metropolitano,

de maneira a não colidir com os arts.30, VIII e 182, §1º, clásulas constitucionais

intangíveis que preservam o conteúdo essencial da competência municipal em

matéria urbanística.

Segundo Hely Lopes Meirelles766, estas competências são traduzidas

em dois tipos de atribuições municipais: de ordenação espacial e de controle

da construção. A primeira diz respeito ao plano diretor, às normas de uso,

parcelamento e ocupação do solo, envolve o zoneamento, o loteamento e a

composição estética e paisagística da cidade; a segunda, o controle da

construção, normas que incidem sobre o traçado urbano, equipamentos sociais

e edificações nos requisitos funcionais e estéticos, expressas no Código de

Obras do Município. Este conteúdo compõe o núcleo intocável, que a atuação

do Estado no campo urbanístico não poderá versar, tanto no campo

supramunicipal quanto metropolitano.

Ao tratarmos das competências concorrentes dos Estados-membros nos

referimos às duas correntes de entendimento no que tange ao campo de

suplementação da atuação do Estado no interesse supramunicipal (regional) e

metropolitano. Há quem defenda, como José Afonso da Silva767 que a atuação

do Estado está sempre limitada pelas normas gerais federais urbanísticas e

referentes à competência municipal, quanto à ordenação do solo urbano. O

jurista até admite ingerência concreta e direta em matéria intraurbana por parte

do Estado, diante das regiões metropolitanas.

765

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.144; MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental.3.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006. 766

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.508. 767

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.124.

Page 356: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

356

Ainda no campo das competências do Estado supramunicipais, Carlos

Ari Sundfeld768argumenta que as normas suplementares estaduais poderão,

desde que observadas as normas gerais da União, regular exaustivamente as

matérias urbanísticas, restando ao Município dispor sobre o interesse local.

Rafael Augusto Silva Domingues769aceita aplicar esta corrente ao

autorizar os Estados-membros, observadas as normas gerais federais, o

esgotamento da matéria urbanística, sem se preocupar com o interesse local,

que deverá ceder lugar ao interesse metropolitano770:

Quando estivermos diante de um interesse estritamente local, a competência dos Municípios continuará constituindo um obstáculo intransponível para os Estados-membros. Contudo, diante de um interesse metropolitano, este obstáculo não mais existirá, podendo os Estados-membros legislar plenamente, “esgotando” a matéria urbanística que envolve a metrópole, restando aos Municípios a possibilidade de suplementação desta legislação estadual, sem olvidar, é claro, da necessidade de se “ouvir” os Municípios. Em suma, as decisões devem ser compartilhadas, mas, não havendo consenso, a “decisão final”, segundo o nosso entendimento, é atribuída ao respectivo Estado-membro.

Adotamos a corrente ampliativa (com algumas restrições), que

incrementa a competência urbanística dos Estados-membros, diante do

interesse metropolitano, sem comprometer o exercício das competências

municipais na disciplina dos espaços habitáveis.

O interesse local é condicionado pelo metropolitano. A premissa decorre

do pensamento de João Luiz Teixeira Neto771que ao dividir os municípios em

três categorias (integrantes de regiões metropolitanas, rurais e urbanizados,

sem integração de região metropolitana) admite que a predominância do

interesse será menos intensa nos Municípios metropolitanos. Ainda que o

interesse metropolitano seja titularizado pelo Estado (competente para elaborar

e executar o plano metropolitano) acolhemos Rafael Augusto Silva Domingues

de forma moderada, para quem o Estado-membro respeita o núcleo essencial,

intangível das competências urbanísticas municipais do art. 30, VIII e 182, §1º

da Constituição Federal.

768

SUNDFELD, Carlos Ari. Sistema Constitucional de Competências. Revista Trimestral de Direito Público nº1. São Paulo: RT, 1993, p.278. 769

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.168. 770

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.169-170. 771

NETO, João Luiz Teixeira. O peculiar interesse municipal. Cadernos de Direito Municipal (RDP) nº64, out-dez, São Paulo: RT,1982, p.212.

Page 357: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

357

Assim, o conteúdo do Plano Diretor Metropolitano será elaborado de

forma compartilhada entre os Estados e Municípios, no âmbito do Poder

Executivo Estadual. Competirá à Assembleia Legislativa Estadual aprova-lo

respeitando as matérias urbanísticas do Município, o que retira do Estado o

esgotamento da matéria urbanística que abrange os assuntos metropolitanos.

Portanto, a premissa adotada para nortear o conteúdo dos planos

urbanísticos metropolitanos restringe a atuação dos Estados quanto à

competência municipal, mas contempla aspectos intraurbanos, por exemplo,

quanto ao zoneamento industrial fixado para reduzir a poluição ambiental. É

uma corrente intermediária, que admite avanços no tratamento da matéria

urbanística e ambiental relacionados ao parcelamento do solo e ao

zoneamento, sem tornar o Estado-membro agente pleno da atuação

urbanística e o município mero executor dos instrumentos da política de

ordenação territorial.

Page 358: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

358

6 PLANEJAMENTO URBANO METROPOLITANO

Iniciaremos esclarecendo as origens do Plano Diretor das Regiões

Metropolitanas. A ideia não é nova e foi prevista em outros dispositivos legais

desde a década de 70 no Brasil.

Em alguns Estados foi anterior às Leis Complementares nº 14/1973 e nº

20/1974 responsáveis por criarem as Regiões Metropolitanas de São Paulo,

Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém, Fortaleza e Rio

de Janeiro (art.164 da Constituição de 1969).

Eros Roberto Grau777explica que os municípios da Região Metropolitana

de Porto Alegre, criada em 1968, conscientes da incapacidade de resolverem

os problemas individualmente assumiram a condução do desenvolvimento

metropolitano, criaram o Conselho Metropolitano de Municípios (CMM) e

instituíram o Grupo Executivo da Região Metropolitana (GERM), ambos em

1970, este último como executor técnico das diretrizes e políticas daquele

Conselho, o que levou à elaboração, entre 1971/73 do Plano de

Desenvolvimento Metropolitano.

Eros Grau778cita também a elaboração do Plano de Desenvolvimento

Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte, concluído em

10/12/1972.

Do ponto de vista jurídico, o Plano Metropolitano foi criado pela Lei

Complementar nº14/1973 ao atribuir ao Conselho Deliberativo (art.3º) a

competência para elaborar o Plano de Desenvolvimento integrado da região

metropolitana e a programação dos serviços comuns. Por força do art.20 da Lei

Complementar nº 20/1974, as disposições relativas à elaboração do Plano

Integrado de Desenvolvimento Metropolitano eram extensíveis à Região

Metropolitana do Rio de Janeiro.

Com relação à atuação do Conselho Deliberativo, Alaôr Caffé Alves779

explica que o fato do órgão colegiado ter competência para elaborar o Plano de

Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana, ou seja, tomar a iniciativa

777

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.88. 778

GRAU, Eros Roberto. Regiões Metropolitanas – Regime Jurídico. São Paulo: José Buschatsky, 1974, p.89. 779

ALVES, Alaôr Caffé. Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981,p.195.

Page 359: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

359

e estimular não significava obrigatoriedade para concretizá-lo. Assim, para o

autor, a elaboração do plano metropolitano não era obrigatória, mas uma

competência discricionária do Poder Executivo Estadual.

Quanto à competência para aprovar o plano metropolitano, a Lei

Complementar apenas se referia à entidade competente para deflagrar o

processo, sem tratar do Poder Legislativo. Não competia ao Conselho

Deliberativo, órgão executivo, aprovar o plano. Alaôr Caffé Alves780sugeria

aprovação por decreto do governo do Estado ou pela Assembleia Legislativa,

pois segundo a Lei Complementar nº 14/1973, o plano metropolitano não era

considerado lei. A ausência de natureza legislativa do plano, segundo Alaôr

Caffé Alves781, comprometia sua eficácia, por se tratar de plano meramente

retórico, sem comandos normativos obrigatórios.

As leis complementares, em razão do regime constitucional de 1969,

foram elaboradas pela União, responsável pela criação das Regiões

Metropolitanas. Mas competia aos Estados elaborar e executar os planos e

programas referentes aos serviços comuns. O governo do Estado de São

Paulo editou a Lei Complementar Paulista nº94, de 29/5/1974 para aplicar as

diretrizes da Lei Complementar Federal em relação à Região Metropolitana de

São Paulo. Posteriormente a Lei Paulista foi alterada pela Lei Complementar nº

144/1976.

Com relação à elaboração do Plano Metropolitano, a lei federal foi

reproduzida pela lei estadual para compor o regime jurídico do Plano

Metropolitano.

De acordo com a Lei Complementar Paulista (art.7º), foi atribuído ao

Conselho Deliberativo da Grande São Paulo (Codegran) a competência para

elaborar e atualizar o Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado da

Grande São Paulo.

A Lei Complementar Federal e a Lei Paulista garantiram a participação

dos municípios na elaboração do Plano Integrado de Desenvolvimento

Metropolitano, embora de forma tímida. Seus membros compunham os

Conselhos Deliberativos e Consultivos (Lei Federal, art.6º e Lei Estadual

780

ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.196. 781

ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.199.

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360

Paulista, art. 4º, §1º). Os municípios da região metropolitana participavam da

execução do planejamento integrado e dos serviços comuns com preferência

para obter recursos federais e estaduais, sob a forma de financiamentos e de

garantias para empréstimos.

Mas as leis não garantiram a participação popular durante a elaboração

do Plano Metropolitano, pois os Conselhos só contavam com representantes

do Estado e dos Municípios. Na década de 80, Alaôr Caffé Alves782discutia a

ausência desta participação popular durante a elaboração dos planos

metropolitanos, o que impedia o consenso da população quanto ao seu

conteúdo e até mesmo legitimidade e respeito às suas determinações783.

6.1 O tratamento jurídico do Plano Diretor Metropolitano após a Constituição Federal de 1988

O art.25, §3º, da Constituição Federal apenas trata da instituição da

Região Metropolitana, sem referir-se ao Plano Diretor Metropolitano.

No entanto, foi proposto, na Câmara dos Deputados, o projeto de

Emenda Constitucional nº 50/2011, do deputado Alberto Mourão, que

acrescenta ao art.182, os parágrafos 5º a 8º relativos à obrigação dos Estados

editarem Plano Diretor Metropolitano abrangendo o território de todos os

municípios integrantes da região. Segundo a emenda, a elaboração do Plano

Diretor Metropolitano não exime os municípios integrantes da região

metropolitana de elaborarem os respectivos planos diretores municipais.

O projeto também fixa prazo três anos, após a entrada em vigor da

emenda, para os Estados elaborarem Plano Diretor Metropolitano sob pena de

suspender o repasse de recursos da União não classificados como

transferências obrigatórias.

782

ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.214. 783

ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.214.: “Nas palavras de Alaôr Caffé Alves: [...] Por outro lado, não se pode esquecer que o plano metropolitano se refere a uma realidade urbanística regional, interferindo, se implementando, no seio da comunidade cujas aspirações devem ser necessariamente levadas em conta. Na verdade, a participação comunitária na elaboração do plano é, em nossa opinião, imprescindível não só porque possibilita acolher as expectativas e os reais interesses da população a que se dirige, como também porque essa participação legitima a exigibilidade das determinações do plano frente aos administrados. A participação induz ao consenso e este passa a ser o fundamento das exigências jurídicas a serem feitas”.

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361

Do ponto de vista legislativo, a primeira referência após a Constituição

Federal de plano urbano metropolitano foi o Projeto de Lei nº 5.788 de 1990

que tratou da primeira versão do Estatuto da Cidade.

Clementina de Ambrosis784 explicou que tratava de capítulo específico

sobre Região Metropolitana e seu planejamento. No entanto, um projeto

substitutivo elaborado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos

Deputados, redigido em 28/11/2000, retirou do Estatuto da Cidade o tratamento

das regiões metropolitanas, sob o argumento de ser matéria de competência

exclusiva do Estado criar e organizar figuras regionais.

O antigo projeto do Estatuto da Cidade previa o Plano Diretor

Metropolitano, abrangendo o território de todos os municípios integrantes sem

eximi-los da elaboração do plano diretor local.

A despeito do projeto de lei ter retirado este comando sobre Regiões

Metropolitanas do Estatuto da Cidade, permaneceram “vestígios” do projeto

substituído, que culminaram com os dois artigos que tratam de Regiões

Metropolitanas, um deles sobre o planejamento urbano (arts.4º, II e 45 da Lei

Federal nº 10.257/2001). O primeiro prevê como instrumento da política urbana

o planejamento das regiões metropolitanas, e o segundo trata da gestão

democrática dos gestores das regiões metropolitanas, através da inclusão

obrigatória e significativa da participação popular e de associações

representativas de vários segmentos da comunidade, garantindo o controle

direto das atividades e o exercício da cidadania.

Notamos que as noções de planejamento urbano metropolitano não

foram completamente abandonadas nas Constituições e leis complementares

estaduais. A Constituição do Estado de Goiás (Emenda nº46 de 9/9/2010)

previu (art.90, §3º) que as diretrizes do planejamento das funções de interesse

comum serão objeto do Plano Diretor Metropolitano, microrregional ou

aglomerado.

Por sua vez, a Lei Complementar nº87 de 16/12/1997 que trata da

criação da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, determina (art.5º,I) a

elaboração do Plano Diretor Metropolitano pelo Conselho Deliberativo e

submetido à Assembleia Legislativa. O plano conterá diretrizes de

784

AMBROSIS, Clementina de. Regiões Metropolitanas, Aglomerações Urbanas e Microrregiões. In: (Coord.) MOREIRA, Marian. Estatuto da Cidade – CEPAM. São Paulo, 2001.

Page 362: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

362

planejamento integrado, de desenvolvimento econômico e social, incluídos os

aspectos relativos às funções públicas e serviços de interesse metropolitano ou

comum.

Igualmente (art.6º, V) caberá ao Estado elaborar e supervisionar a

execução dos planos, programas e projetos relacionados às funções públicas e

serviços de interesse comum, conforme o Plano Diretor Metropolitano. Por sua

vez (arts. 8º e 9º da Lei Complementar nº 87), os órgãos setoriais estaduais e

os planos, programas e projetos dos municípios integrantes da região deverão

observar as diretrizes do Plano Diretor Metropolitano.

Alguns artigos desta lei tiveram sua constitucionalidade questionada pelo

STF (ADIN 1842), quanto à transferência ao Estado do Rio de Janeiro de

competência municipal, sobretudo em relação aos serviços de saneamento

básico. A ação foi julgada em 28/2/2013, mas os dispositivos sobre o Plano

Diretor Metropolitano não foram objeto da ação.

Baseado na Lei Complementar nº 87 de 16/12/1997 foi editada a Lei nº

5.192/2008 determinando o Plano Diretor decenal da Região Metropolitana do

Estado do Rio de Janeiro. De acordo com o parágrafo único, deverá ser

elaborado pelo governo do Estado, através de uma entidade coordenadora,

que inclua representantes de todos os municípios integrantes da Região

Metropolitana.

O Plano Diretor (art.3º) deverá criar a gestão metropolitana consorciada,

ambiental, uso de solo, saneamento ambiental, urbanização, transportes de

passageiros e cargas, habitação, recursos hídricos, matrizes energéticas,

insumos de produtos e industrial e educação pública.

O Plano Metropolitano deverá abordar questões específicas como

projetar o crescimento populacional, identificação e incremento das demandas

por investimentos em relação aos polos industriais Petroquímico de Itaboraí,

Gás Químico de Duque de Caxias e Siderúrgico de Santa Cruz e Itaguaí.

Em relação à mobilidade urbana, deverá tratar do Arco Rodoviário

Metropolitano. Quanto às questões ambientais, abordará os programas de

Despoluição das Baías de Guanabara (PDBG) e de Sepetiba (PDBS), com

enfoque no saneamento ambiental da zona oeste do Município do Rio de

Janeiro.

Page 363: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

363

De acordo com o art. 46, IV, da Constituição mineira, haverá em cada

região metropolitana um Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado,

considerado instrumento de planejamento (arts.5º e 6º da Lei Complementar nº

88 de 2006785) que terá diretrizes para o desenvolvimento econômico e social

relativas às funções públicas de interesse comum. Os planos diretores dos

municípios da região metropolitana serão orientados pelo Plano Diretor de

Desenvolvimento Integrado quanto às funções públicas de interesse comum

(§1º).

Os municípios participam do processo de elaboração assim como os

representantes de interesses sociais, culturais, econômicos e de instituições de

relevante interesse regional (§2º). As mesmas disposições constam na Lei

Complementar nº 89 de 2006, que trata da gestão da Região Metropolitana de

Belo Horizonte786.

Ao lado destas leis, a Lei Complementar nº 107 de 2009 criou a Agência

de Desenvolvimento Metropolitano de Belo Horizonte para (art. 4º, I, II) elaborar

o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado e implementar planos,

programas e projetos de investimento, executar metas e prioridades.

Em 14 de setembro de 2011 foi lançado o Plano Diretor de

Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte até

2030, que propõe, por exemplo, criar uma estrutura de mobilidade em rede

com obras rodoviárias e ferroviárias como opção de transporte.

A legislação paulista não tratou expressamente do Plano Diretor

Metropolitano. Mas, no art. 24 da Lei Complementar nº 1.139 de 16/6/2011787,

determinou a compatibilização entre os planos e projetos dos Estados e

Municípios com as diretrizes metropolitanas estabelecidas em lei ou fixadas

pelo Conselho de Desenvolvimento.

Em 16 de abril de 2013, em razão da abertura do Conselho de

Desenvolvimento da Região Metropolitana de São Paulo, o prefeito Fernando

Haddad defendeu um planejamento estratégico conjunto envolvendo os 39

municípios da região metropolitana através de um plano diretor. Na ocasião,

sugeriu que a Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa)

785

Trata da instituição e a gestão de região metropolitana e sobre o Fundo de Desenvolvimento Metropolitano das regiões metropolitanas mineiras. 786

Lei Complementar nº 89 de 2006, Art. 8º, XII, §1º e §2º. 787

Responsável pela criação da Região Metropolitana de São Paulo.

Page 364: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

364

recolha junto aos secretários de Desenvolvimento Urbano de cada cidade a

compilação dos planos diretores para elaborar um planejamento metropolitano,

sobretudo, nas questões de mobilidade urbana e saúde pública788.

Embora não tenha estrutura formal jurídica nem competência

deliberativa, o parlamento metropolitano de São Paulo (composto pela Câmara

Municipal de 30 municípios integrantes da Região Metropolitana) começou em

10 de maio de 2011 os estudos e pesquisas para elaborar o Plano Diretor

Metropolitano.

6.2 Plano Diretor Metropolitano e as contribuições das legislações espanholas e colombianas

Na Espanha o ordenamento jurídico prevê planos metropolitanos para

implementar políticas públicas das Comunidades Autônomas. Foram previstos

três tipos: planos estratégicos, setoriais e territoriais, os quais se aproximam

mais dos planos urbanísticos brasileiros, por abrangerem o âmbito espacial da

área metropolitana.

Ao analisar o planejamento metropolitano nas Comunidades Autônomas

espanholas, Francisco Toscano Gil789explica que os planos estratégicos,

utilizados no ramo das ciências empresariais, demonstraram eficácia na

solução dos fatos metropolitanos. O autor cita referências importantes

utilizadas na Espanha: Primeiro Plano Estratégico Metropolitano de Barcelona

(aprovado em 10/3/2003), Plano Estratégico de Revitalização de Bilbao

Metropolitano e o editado entre 2000/2010, Plano Estratégico de Zaragoza e

sua área de influência (aprovado em julho de 1998 e revisado em junho de

2006), concretizado com o Plano Estratégico de Zaragoza e seu Entorno e o II

Plano Estratégico de Málaga (2010).

E segundo a Lei nº7 de 2/4/1985, responsável pela regulação do poder

local, previu no art. 59.1 os planos setoriais que definem objetivos e

determinam prioridades para as políticas públicas, específicas, relacionadas a

determinado setor de serviço. Daí o nome plano setorial. Assim, poderão

788

SECRETARIA Executiva de Comunicação. “Haddad é eleito presidente do Conselho Metropolitano e propõe plano diretor integrado”. Disponível em: <www.prefeitura.sp.gov.br>. Acesso em: 17 abr. 2013. (Trecho da notícia veiculada no portal da Prefeitura) 789

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.265.

Page 365: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

365

atribuir ao governo da Nação ou ao Conselho de governo, a faculdade de

coordenar a atividade da administração local no exercício de suas

competências, por meio dos planos setoriais.

Francisco Toscano Gil defende que os planos setoriais sejam

metropolitanos, específicos para resolver os problemas destas áreas. Neste

caso, as administrações locais não se manifestarão, devendo submeter-se à

vontade das administrações responsáveis por sua coordenação:790

La planificación sectorial prevista em este artículo de la LBRL, entendida como técnica jurídico-administrativa al servicio de la Administración estatal o autonómica para la coordinación de la Administración local, puede ser, como ya se ha dicho, un instrumento de solución del hecho metropolitano. En estos términos, esta técnica se caracteriza por la ausencia de voluntariedad para las Administraciones locales coordinadas em el espacio metropolitano, que, con los limites marcados por la própria LBRL, se ven aquí sujetas a la imposición de la voluntad de la Administración que las coordina, conforme a la conocida jurisprudência del Tribunal Constitucional, en STC 214/1989, de 21 de diciembre (FJ 20) (Iustel: §101420).

Os planos territoriais, segundo Francisco Toscano Gil, são os

instrumentos mais adequados para o planejamento metropolitano.

De acordo com o art. 148.3 da Constituição espanhola, as Comunidades

Autônomas poderão assumir competências de ordenação territorial, uma vez

que lhe são facultadas competências para o planejamento espacial e o

desenvolvimento urbano e habitação.

Francisco Toscano Gil destaca a Comunidade Autonôma de Andaluzia

por ser referência e pioneira na edição de planos de ordenamento territorial

metropolitano em relação a outras comunidades autônomas.

Pautada na Constituição espanhola, a Comunidade de Andaluzia editou

a Ley1de 11/1/1994 que trata da sua Ordenação Territorial (denominada LOTA)

e previu como típico plano territorial metropolitano os planos sub-regionais

(art.10 a 16). Embora não sejam os ideais, apresentam reflexos e relações

sobre as áreas metropolitanas. Francisco Toscano Gil791, também considera os

planos regionais (arts. 6º a 9º do Decreto nº 206/2006), os setoriais de

790

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p. 267. 791

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.269.

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366

Ordenamento Territorial das Aglomerações Urbanas (POTAU) e os de

Transportes Metropolitanos (PTM).

A Lei nº 1/1994 da Comunidade de Andaluzia regulamentou (arts.10 a

16) os planos sub-regionais. O âmbito de aplicação dos planos de ordenação

territorial corresponde (art.14) aos municípios limítrofes e contíguos, que por

suas proximidades físicas, funcionais e socioeconômicas, compõem um espaço

adequado de planejamento territorial.

De acordo com o art. 11, a LOTA prescreve para os planos de nível sub-

regional os objetivos territoriais e as propostas a serem desenvolvidas como o

esquema básico de infraestrutura e a distribuição de equipamentos e serviços

disponíveis ou supramunicipal necessários para desenvolver os objetivos,

identificar áreas de gestão e compatibilidade de usos da terra e para proteger e

valorizar a paisagem, os recursos naturais e o patrimônio histórico e cultural,

combatibilizar e adaptar as determinações dos planos com incidência na

ordenação do território e os urbanísticos em relação ao plano sub-regional

territorial, além do prazo para revisão.

A iniciativa para elaborar o plano é do Ministro das Obras Públicas e

Transportes que após a oitiva dos empresários sobre os quais incidirão suas

consequências, submeterão o conteúdo à aprovação do Conselho de

governadores.

Na hipótese dos municípios manifestarem a intenção de participar da

formulação do plano territorial sub-regional, deverão encaminhar a iniciativa

para a aprovação no plenário dos municípios, por pelo menos 3/5 dos

municípios, incluídos no plano, desde que agrupados por, pelo menos, metade

da população dessa área.

Elaborado o plano, será submetido à consulta pública por até dois

meses e à oitiva das administrações governamentais.

O plano será ainda aprovado por decreto do Conselho de governo e

dirigido ao parlamento.

É possível destacar o êxito da planificação metropolitana na

Comunidade de Andaluzia com a aprovação dos planos territoriais (2006), de

Ordenação Territorial das Aglomerações Urbanas de Sevilha (Decreto nº

195/2006) e Málaga (Decreto nº 213/2006).

Page 367: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

367

Em relação aos planos regionais e setoriais, que incidem na realidade

metropolitana e afetam sua área de abrangência, citamos o de Ordenação

Territorial Regional da Andaluzia (aprovado pelo Decreto nº 206/2006) que

apesar de ser referência para a organização territorial da comunidade para

todos os outros planos, em alguns aspectos se refere à realidade metropolitana

e à ordenação territorial. Esta é a análise de Franscisco Toscano Gil792:

Aunque el ámbito territorial del POTA

793 no sea el del area

metropolitana, sus determinaciones vinculan al resto de los planes regulados em la LOTA, también a los de ámbito subregional, por lo que habrá que tenerlo en cuenta especialmente en lo que incida sobre el hecho metropolitano. La lectura detenida del POTA nos lleva, sin ningún género de dudas, a la conclusión de que el problema metropolitano, y la necesidad de su solución, están muy presentes en el mismo.

Em dois pontos específicos o plano menciona a realidade metropolitana,

objeto de sua disciplina. No item 13, se refere ao Sistema Regional Polinuclear,

uma área urbana, afetada, em maior ou menor grau por processos de natureza

metropolitana, que representam cada uma das grandes cidades da Andaluzia

(capitais provinciais, mais de Jerez e Algeciras), e seu âmbito metropolitano. A

delimitação da área deve ser flexível, de maneira que o plano preveja

possibilidades para que, durante sua vida útil, participem deste centro, novos

municípios.

No item 26, trata da abordagem supramunicipal e metropolitana dos

territórios da Comunidade de Andaluzia, como prioridade para a ação pública a

fim de resolver os problemas de áreas urbanas (terra, transporte e habitação).

Além disto, a abordagem metropolitana permite o desenvolvimento econômico

e espacial da região e o aprimoramento dos instrumentos de cooperação

envolvidos na gestão dessas cidades e nas estruturas metropolitanas.

Por fim, quanto aos Planos de Transporte Metropolitano (arts.19 a 22 da

Lei nº2/2003), que trata da ordenação dos transportes urbanos e

metropolitanos de passageiros em Andaluzia, a Comunidade planeja os

transportes em espaço metropolitano. São matérias que embora não sejam

afetas à ordem territorial, em razão da dimensão metropolitana do serviço,

792

GIL, Francisco Toscano. El Fenômeno Metropolitano y sus Soluciones Jurídicas. Madrid: Iustel, 2010, p.274. 793

Plan de Ordenación del Território de Andalucía, aprobado por Decreto nº 206/2006, de 28/11, del Consejo de Gobierno

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368

intervém na área metropolitana. Mencionamos, por exemplo, o Plano de

Transporte Metropolitano de Sevilha, aprovado pelo Decreto nº 188/2006, de

31/10.

A legislação colombiana dispõe sobre o regime de planejamento

metropolitano em um Estado unitário. Nossa análise sobre o tema levará em

conta esta peculiaridade.

Dispõe o art.311 da Constituição colombiana que compete aos

municípios prestarem serviços públicos previstos na lei, construírem obras que

exigem progresso local e ordenarem o desenvolvimento territorial.

Prevê o art.7º da Lei nº 1.625/2013 que compete às áreas

metropolitanas tratarem da disciplina dos interesses metropolitanos. A

legislação confere ainda à Junta Metropolitana determinar os interesses

metropolitanos, que afetam simultaneamente pelo menos dois dos municípios

integrantes da área decorrente do fenômeno da conurbação.

Diante das competências de cada entidade, a Lei colombiana estabelece

a supremacia das decisões das áreas metropolitanas em relação aos

municípios, mesmo que existam colidências.

De acordo com o art. 311 da Constituição colombiana, caberá ao

Município organizar o desenvolvimento do seu território. E por força do art.7º

da Lei nº 1.625/2013, foi conferida à Junta Metropolitana o planejamento

urbanístico, através da elaboração dos Planos Integral de Desenvolvimento

Metropolitano e Estratégico Metropolitano de Ordenamento Territorial.

O Plano Integral de Desenvolvimento Metropolitano (art.12) é um marco

estratégico geral, com visão metropolitana e regional integrada, que permite

implementar um sistema de coordenação, abordando a programação de

desenvolvimento metropolitano e estabelecendo critérios e objetivos comuns

para o desenvolvimento sustentável dos municípios sob sua jurisdição. Do

ponto de vista da hierarquia dos planos, ocupa o grau mais elevado em relação

aos demais planos de uso do solo das áreas metropolitanas.

Sua formulação deverá ser feita conforme as orientações do plano

nacional de desenvolvimento setorial e planos específicos dos municípios.

De acordo com o art.13, deverá contar, dentre outros conteúdos, com a

definição dos objetivos e diretrizes para a localizar a infraestrutura de

transportes, serviços públicos, equipamentos e espaços públicos

Page 369: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

369

metropolitanos de escala, áreas de reserva para proteger o meio ambiente,

recursos naturais e da paisagem, determinar áreas estratégicas que possam

ser protegidas, diretrizes físicas territoriais, sociais, econômicas e fatos

relacionados com o ambiente metropolitano.

Deverá determinar a estrutura urbano-rural para horizontes de médio e

longo prazo e definir políticas, estratégias e diretrizes para localizar programas

e projetos de habitação social em escala metropolitana.

Caberá à Junta Metropolitana aprovar o plano de desenvolvimento

integral metropolitano com duração de longo prazo incluindo componentes do

ordenamento físico territorial, como norma geral de caráter obrigatório que os

municípios deverão respeitar. Seu presidente (art.23 da Lei nº 1.625/2013)

deverá executá-lo mediante decreto metropolitano (plano integral) e promover a

formulação do Plano Estratégico Metropolitano de Ordenamento Territorial

(art.22), cujo conteúdo definirá o sistema de equipamentos metropolitanos e

sua dimensão, a estratégia para a moradia social e prioritária no âmbito

metropolitano, o ordenamento do solo rural e urbano e as normas obrigatórias

que definem os objetivos e critérios que os municípios deverão respeitar

relativos ao interesse metropolitano.

O plano de ordenamento territorial (tal qual o Plano Diretor

Metropolitano) será baseado nas diretrizes gerais do plano integrado de

desenvolvimento e condicionará a atuação dos municípios quanto aos

interesses metropolitanos.

6.3 Regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas

Verificaremos as bases constitucionais e legislativas que sustentam a

previsão do Plano Diretor Metropolitano para compreendermos o regime

jurídico que informa sua elaboração e aprovação.

Foi proposto na Câmara dos Deputados o projeto de Emenda

Constitucional nº 50/2011, do deputado Alberto Mourão que acrescenta ao art.

182 §5º a §8º a obrigação dos Estados editarem Plano Diretor Metropolitano

abrangendo todos os Municípios integrantes da região.

Diante disto, indagamos se é necessária uma reforma constitucional

para incluir em nosso sistema jurídico o Plano Diretor Metropolitano. Já

Page 370: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

370

verificamos também que vários dispositivos do Estatuto da Cidade e leis

estaduais fundamentam legislativamente os planos diretores.

Entendemos que o ordenamento jurídico já contém dispositivos legais

suficientes que indicam a previsão para elaborar o plano e as pilastras que

sustentam o regime jurídico dos planos diretores metropolitanos.

Iniciaremos nossa análise a partir da previsão do Estatuto da Cidade

(arts.4º, II e 45) o qual consideramos a norma federal norteadora, matriz, da

política de desenvolvimento urbano estadual em termos intraurbanos e

supramunicipais. Caberá ao Estado que for elaborar as normas jurídicas e o

planejamento urbano respeitar os instrumentos, adotá-los, inclusive, quando

necessário, legislando ou modificando aspectos referentes ao atendimento do

interesse regional ou metropolitano. O Estatuto da Cidade é a norma referência

para discorrermos a respeito da previsão e da competência do regime jurídico

dos Planos Diretores Metropolitanos.

Para Jacintho Arruda Câmara794, ao tratar da juridicidade que o plano

diretor recebeu com o Estatuto da Cidade795, afirmou:

Os contornos jurídicos mais precisos a respeito do planejamento urbano foram traçados somente com a edição da Lei Federal nº 10.257, de 10/7/2001, o chamado Estatuto da Cidade. A partir deste marco regulatório, não só no campo urbanístico–que, obviamente, continua a ter substancial e perene material de trabalho–mas também sob o prisma estritamente jurídico, o planejamento urbano adquire reflexos concretos.

É comum, segundo a doutrina, considerar que o Estatuto da Cidade só

está direcionado para ordenar os espaços das cidades do núcleo urbano do

Município. No entanto, a interpretação deve ser extensiva e abarcar também o

fenômeno metropolitano pela Lei Federal nº 10.257/2001 por abranger uma ou

mais cidades que inicialmente ocupavam o núcleo urbano de um município,

cresceram intensamente e ocuparam o território de outros municípios, unindo o

seu a outras cidades no mesmo ente federado.

O fenômeno metropolitano diz respeito às cidades, não apenas a uma

delas, mas no mínimo duas capazes de gerar a conurbação, inseridas no

território municipal.

794

CÂMARA, Jacintho Arruda. Plano Diretor, p. 317. In: (Coord.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio.Estatuto da Cidade (Comentários à Lei 10257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 795

CÂMARA, Jacintho Arruda. Plano Diretor, p. 317. In: (Coord.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio.Estatuto da Cidade (Comentários à Lei 10257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

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371

O Estatuto da Cidade serve para orientar vários instrumentos que

poderão ser utilizados na política local dos planos diretores, já que a maioria

deles exige previsão no plano diretor do município e regulamentação em lei

municipal específica, como o parcelamento e a edificação compulsória (art.5º).

Vários municípiosque tiveram junção de território em razão do

crescimento de suas cidades serão regulados pelo parâmetro geral do Estatuto

da Cidade.

Odete Medauar assim discorre sobre a força vinculante das diretrizes da

política urbana do Estatuto da Cidade796:

Evidente que o Estatuto da Cidade destina-se precipuamente aos Municípios, executores diretos da política de desenvolvimento urbano. E por força do seu art. 51, aplica-se também ao Distrito Federal e seu Governador. Mas se Estados legislarem sobre matéria urbanística, deverão absorver as regras desse diploma.

Consideramos o Estatuto da Cidade o fundamento jurídico para os

planos jurídicos metropolitanos.

Este também é o entendimento de Maria Coeli Simões Pires e Gustavo

Gomes Machado ao tratarem da possibilidade de utilizar os consórcios públicos

na gestão das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e

microrregiões797. Ambos afirmam que os consórcios públicos poderão facilitar o

tratamento urbanístico das regiões metropolitanas, utilizando de forma

compartilhada os instrumentos do Estatuto da Cidade por vários municípios.

Para eles, o Estado tem competência para regulamentar os instrumentos de

gestão intermuncipal do território, nos termos do Estatuto da Cidade798:

Ressalte-se, contudo, que a gerência do território em escala regional-função pública, deveras, de interesse comum, instrumentalizada pelos consórcios, não pode, outrossim, desmerecer regulamentação estadual contida na legislação, nos termos do art. 25, §3º, da Constituição da República, da função uso do solo metropolitano. Ainda que prevalecente a tese da natureza procedimental defendida por Jobim no STF, não resta dúvida de que o Estado poderá

796

MEDAUAR, Odete. A força vinculante das diretrizes da política urbana. In: Temas de Direito Urbanístico nº 4, p.22. Ministério Público de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial, 2005. 797

MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.432. 798

MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.432.

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372

regulamentar instrumentos de gestão intermunicipal do território, valendo-se, notadamente, das direrizes contidas no Estatuto da Cidade, documento normativo que não tem sido apropriado pelos Estados-membros como matriz de política urbana, que deve encontrar abrigo, também, nas competências do Estado. Esse entendimento é reforçado pelo art. 24, I, da Constituição da República, que atribui aos Estados competência para legislar, concorrentemente com a União, sobre Direito Urbanístico.

Os autores se referem também à utilização das operações urbanas

consorciadas nas situações em que o fenômeno urbano a ser disciplinado

ultrapassar a circunscrição administrativa de um Município, que pode envolver

tanto interesses intermunicipais (abarcados por consórcios públicos) quanto

fenômenos metropolitanos (que dizem respeito ao nosso tema)799:

Esse importante instrumento urbanístico de política urbana, regrado pelo Estatuto das Cidades, pode ser utilizado em situações nas quais o fenômeno urbano a ser disciplinado ultrapasse o circunscrição administrativa de um Município. Não há razões lógicas nem de direito para negar elasticidade ao instrumento da operação urbana consorciada para regulaçãode questões urbanísticas de interesse intermunicipal. Nas regiões fronteiriças de Municípios metropolitanos, nas quais se evidencia a fusão física das cidades, as operações urbanas consorciadas podem mostrar-se um instrumento eficaz para a condução dos interesses comuns intermunicipais.

Podemos utilizar, por exemplo, estudos de impacto de vizinhança de

abrangência metropolitana (art. 36 do Estatuto da Cidade). O Plano Diretor

Metropolitano poderá fixar critérios a serem observados pela legislação de

cada município para elaboração de estudos de impacto metropolitanos, durante

a construção de empreendimentos ou funcionamento de atividades privadas ou

públicas nos municípios limítrofes que terão impactos negativos nos interesses

comuns.

Os Estados poderão editar normas jurídicas de direito urbanístico,

inclusive o Plano Diretor Metropolitano, com base nas diretrizes e comandos

genéricos fixados pela União, pelo Estatuto da Cidade, particularizando ou

especificando detalhes relativos ao interesse metropolitano.

A mesma diretriz é adotada para as demais leis federais sobre temas

correlatos ao desenvolvimento urbano. São elas a Lei Federal nº

6.766/1979(parcelamento do solo urbano) e a Lei da Política Nacional dos

799

MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.434.

Page 373: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

373

Resíduos Sólidos, cujas normas cuidam (Lei nº 12.305/2010), respectivamente,

de licenciamento de empreendimentos metropolitanos e resíduos sólidos. Estas

leis não mencionam o Plano Diretor Metropolitano, mas trazem diretrizes que

poderão orientar o seu conteúdo. Quanto à Política de Resíduos Sólidos, o

art.17 trata de um plano setorial relacionado à matéria urbanística dos planos

de regiões metropolitanas sobre resíduos sólidos. Na elaboração dos planos,

os Estados poderão utilizar as diretrizes da Lei Nacional para fixar os

comandos específicos desta política.

As leis federais que estabelecem previsões sobre o Plano Diretor

Metropolitano são seus fundamentos jurídicos, dispensando a edição de

emendas à Constituição para tratar do assunto.

6.3.1 Competência para elaboração

Nosso sistema jurídico constitucional só admite como ente federado

capaz de editar seus planos jurídicos ou normas jurídicas a União, Estados,

Distrito Federal e Municípios. Diante disso, questionamos: se a Região

Metropolitana não é uma entidade política, quem poderá elaborar o Plano

Diretor Metropolitano?

O Estado é o ente federativo responsável por elaborá-lo e aprová-lo,

com fundamento na Lei Complementar nº 1.139/2011 do Estado de São Paulo

e acrescentaremos a Constituição Estadual e a Lei Complementar nº 760/1994.

Por força do art. 152, parágrafo único da Constituição Estadual compete

ao Poder Executivo Estadual coordenar e compatibilizar os planos regionais.

Como precendente jurisprudencial, reproduzimos a ementa e alguns

trechos da decisão monocrática proferida pela ministra Cármen Lúcia, no

Recurso Extraordináro 474922 (SC), em 22/6/2012, pautada na jurisprudência

do STF para garantir o exercício de competência do Estado em matéria

urbanística, devendo a legislação municipal respeitar seus limites:

E 474922/ SC – SANTA CATARINA–RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA–Julgamento: 22/06/2012 PublicaçãoDJe –126 DIVULG 27/06/2012 PUBLIC 28/06/2012 Partes: RECTE.(S) : MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS

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374

PROC.(A/S)(ES):PROCURADOR–GERAL DO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS RECDO.(A/S):MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA PROC.(A/S)(ES) PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA INTDO.(A/S): SINDICATO DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL DA GRANDE FLORIANÓPOLIS – SINDUSCON ADV.(A/S): JOÃO JOSÉ RAMOS SCHAEFER DECISÃO–RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS PARA LEGISLAR SOBRE ASSUNTOS DE INTERESSE LOCAL E PROMOVER O ORDENAMENTO TERRITORIAL URBANO: NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DAS NORMAS ESTADUAIS SOBRE DIREITO URBANÍSTICO, MEIO AMBIENTE EPROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO TURÍSTICO E PAISAGÍSTICO. JULGADO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. (…) Analisados os elementos havidos nos autos, DECIDO. 3. Razão jurídica não assiste ao Recorrente. 4. Pela jurisprudência do Supremo Tribunal, a competência dos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local e promover o adequado ordenamento territorial urbano não afasta a incidência das normas estaduais expedidas com base na competência concorrente para legislar sobre direito urbanístico, meio ambiente e patrimônio turístico e paisagístico: “A competência municipal, para promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano C.F., art. 30, VIII – por relacionar-se com o direito urbanístico,está sujeita a normas federais e estaduais (C.F., art. 24, I)” (ADI 478, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ 20.2.1997 – grifos nossos).

Luiz Henrique Antunes Alochio800menciona o precedente do STF anterior

à Constituição Federal que ainda orienta a Constituição atual. É o Recurso

Extraordinário 101.331-1 do Estado da Paraíba, relatado pelo Ministro Carlos

Madeira e publicado no Diário da Justiça de 29/11/1985. Na ocasião, os

Ministros do STF entenderam que as normas da Constiuição Estadual que

fixavam parâmetros restritivos para a construção da orla marítima deveriam ser

obedecidas pelos municípios quanto à competência para autorizar construções

nesta área. De acordo com o acórdão, a competência estadual para legislar

sobre matéria urbanística que transcenda ao interesse local, não violaria

disposições constitucionais e legais sobre o direito de propriedade.

As conclusões de Luiz Henrique Antunes Alochio801traduzem a

competênciado Estado para editar Plano Diretor Metropolitano. O Poder

800

ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.117. 801

ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.116.:“Nesse sentido, nada impede que as próprias Regiões Metropolitanas exerçam a atribuição de planejamento urbano, especialmente os atos

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375

Executivo Estadual composto por autarquia e conselhos deliberativos será

responsável por elaborar o plano e seus aspectos técnicos, enquanto a

Assembleia o aprovará ou não, no exercício da função legislativa.

6.3.2 Objetivos e finalidade

Os planos urbanísticos buscam essencialmente modificar a realidade de

acordo com as diretrizes do seu conteúdo. O plano metropolitano deverá conter

as finalidades, objetivos que pretende atingir para conformar a propriedade

urbana metropolitana, criar obrigações aos proprietários dos bens e disciplinar

relações jurídicas para promover o direito às cidades sustentáveis.

Onde estão previstos os objetivos do planejamento metropolitano? Qual

a finalidade do plano metropolitano?

As finalidades do plano metropolitano serão definidas junto à população,

em um processo democrático, com a participação dos órgãos executivos do

Estado. Cada plano é fruto de um processo típico e peculiar legislativo que fixa

objetivos em função da realidade que pretende disciplinar. Há leis que norteiam

os parâmetros mínimos, os objetivos que deverão orientar os planos

metropolitanos.

Os planos diretores deverão integrar a organização, o planejamento e a

execução das funções públicas de interesse comum.

O Estatuto da Cidade prescreve (art.2º) que a política urbana tem por

objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da

propriedade urbana e estabelece diretrizes (I a XVI) que deverão ser seguidas

pelos destinatários da lei para alcançarem os objetivos gerais.

Assim, os Planos Metropolitanos deverão ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais das cidades metropolitanas e da

propriedade urbana, cumprindo, no mínimo, as diretrizes do art.2º, I e II, como

a garantia do direito às cidades sustentáveis e a participação popular na gestão

das regiões metropolitanas.

Ao lado do Estatuto da Cidade, os Planos Metropolitanos deverão

cumprir os objetivos previstos na Constituição Estadual e Leis Complementares

materiais, legando-se à Assembleia Legislativa Estadual a edição da legislação decorrente desses Planos”.

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376

responsáveis pela criação das regiões metropolitanas. Com base no parâmetro

paulista, três normas são observáveis quanto à orientação dos planos

metropolitanos na condução do planejamento regional.

De acordo com o art. 152 da Constituição Paulista, a organização

regional do Estado pretende promover:

I– o planejamento regional para o desenvolvimento sócio-econômico e melhoria da qualidade de vida; II–a cooperação dos diferentes níveis de governo, mediante a descentralização, articulação e integração de seus órgãos e entidades da administração direta e indireta com atuação na região, visando ao máximo aproveitamento dos recursos públicos a ela destinados; III– a utilização racional do território, dos recursos naturais, culturais e a proteção do meio ambiente, mediante o controle da implantação dos empreendimentos públicos e privados na região; IV– a integração do planejamento e da execução de funções públicas de interesse comum aos entes públicos atuantes na região; V–a redução das desigualdades sociais e regionais.

Estes objetivos também foram previstos pela Lei Complementar

nº760/1994 e reproduzidos pelo art.3º da Lei Complementar nº 1.139/2011,

responsável pela criação da Região Metropolitana de São Paulo.

Portanto, dois tipos de objetivos são necessários para elaborar o

planejamento metropolitano. O primeiro diz respeito à promoção de política

regional, reunião de esforços dos municípios e Estados para integrar as

funções comuns e o desenvolvimento social e regional. O segundo reflete a

preocupação prevista pelo Estatuto da Cidade em promover o direito à cidade

sustentável, que no âmbito da região metropolitana, será mais amplo, pois

abrangerá várias cidades, que cresceram além dos limites dos municípios, nos

quais estavam inicialmente situadas, promovendo a interface em relação a

outras cidades, de outros municípios integrantes da região metropolitana.

Neste sentido, o desafio nos parece maior.

6.3.3 Obrigatoriedade

Ao tratarmos da obrigatoriedade de editar Plano Diretor Metropolitano,

examinaremos as hipóteses determinadas pela legislação como dever jurídico

de elaboração do plano pelo Estado-membro criador da Região Metropolitana.

Investigaremos também as normas jurídicas que estabelecem

obrigações para o Estado elaborar o Plano Diretor Metropolitano.

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377

Nossa constatação inicial é de ordem constitucional. Só admitiremos a

obrigatoriedade de Plano Diretor Metropolitano, se conforme o art. 25, §3º, da

Constituição Federal, for instituída Região Metropolitana. Segundo Luiz

Henrique Antunes Alochio802:

[...] Em questão de planejamento urbano de interesse metropolitano, cabe definir a posição do Estado. Melhor dizendo: o Estado, diante de um planejamento de cunho urbanístico que se possa caracterizar de fato como de interesse comum ou interesse regional, passaria a ter competênciapara esse tipo de ordenação. Para tal mister, bastar-lhe-ia a criação de uma região metropolitana, na forma do art. 25, §3º da Carta Política. Cumpre notar uma observação, a nosso sentir de extremo relevo: a Constituição parece vincular a competência do Estado para a “[...] execução de funções públicas de interesse comum” à existência (criação) de uma região metropolitana. Portanto, a competência residual do Estado “[...] para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum” demandaria a presença de regiões metropolitanas.

Partindo do pressuposto que a Região Metropolitana tenha sido criada,

indagamos: quais seriam as sanções previstas no ordenamento jurídico que

tornam a edição do Plano Diretor Metropolitano obrigatório?

De acordo com Maria Helena Diniz803, a norma jurídica é composta por

duas notas essenciais: a imperatividade e o autorizamento. A norma jurídica é

imperativa porque prescreve condutas devidas e comportamentos proibidos e

autorizante, pois permite ao lesado pela sua violação exigir o seu cumprimento,

a reparação do dano causado ou a reposição das coisas ao estado anterior.

Deste modo, investigaremos se o Estatuto da Cidade ou outra norma legal

fixam mecanismos para reparar ou sanções para obrigar a edição do Plano

Diretor Metropolitano, se não for editado.

Em relação ao Plano Diretor Municipal, a Constituição Federal (art.182,

§1º) determinou que planos diretores serão editados pelas cidades com mais

de 20 mil habitantes. Por sua vez, o art. 41 do Estatuto da Cidade acrescentou

outras hipóteses de obrigatoriedade, determinando a edição de plano diretor,

por exemplo, para cidades integrantes de regiões metropolitanas e

aglomerações urbanas ou onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os

instrumentos previstos no §4º do art. 182 da Constituição Federal.

802

LOCHIO, Luiz Henrique Antunes.Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.114. 803

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.386.

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378

Por outro lado, o mesmo diploma legal ao criar hipóteses de elaboração

obrigatória do plano diretor, previu consequências jurídicas, caso o dever não

fosse cumprido pelos órgãos do Poder Público municipal.

Determinou o art. 50, que os municípios enquadrados na obrigação de

editar os planos diretores que abrigam cidades com mais de 20 mil habitantes,

integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, deverão editá-

los até 30 de junho de 2008. Na hipótese de inércia, os agentes públicos

envolvidos sofrerão sanções administrativas e funcionais e os prefeitos

responderão por atos de improbidade administrativa (art. 52, VII do Estatuto da

Cidade).

O Estatuto da Cidade cometeu um equívoco, pois estabeleceu sanções

jurídicas apenas para duas hipóteses que reputou obrigatória a edição do

plano, deixando de mencionar os prazos e as sanções correspondentes para

as hipóteses dos incisos III a VI.

Jacintho Arruda Câmara reflete sobre este aparente paradoxo legislativo,

que ora impõe prazo para cumprimento de obrigações e respectiva sanção e

ora não fixa consequência jurídica. E sugere como interpetação a determinação

de dois grupos de obrigação criados pela Lei Federal nº 10.257/2001. São eles

os planos diretores sujeitos e não sujeitos ao cumprimento de prazo.

Portanto, estavam submetidos ao cumprimento do prazo até junho de

2008 apenas as cidades indicadas nos incisos I e II. As demais deveriam editar

o plano diretor tão logo a condição legal tivesse sido concretizada. Isto significa

que, quando houver a intenção do Poder Públicode utilizar os instrumentos

para viabilizar políticas urbanísticas previstas na Constituição ou a cidade for

inserida em área de especial interesse turístico, os municípios deverão elaborar

seus respectivos planos.

Com relação à obrigatoriedade de editar planos diretores, quais as

consequências jurídicas previstas pelo Estatuto da Cidade, se não o forem?

Jacintho Arruda Câmara804esclarece, por fim, qualificando as tipologias das

consequências previstas: consequências de natureza institucional, funcional

ordinária e funcional extraordinária.

804

CÂMARA, Jacintho Arruda. Plano Diretor. In: (Coord.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio.Estatuto da Cidade (Comentários à Lei 10257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.328.

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379

Conforme Maria Helena Diniz805,estas normas, do ponto de vista da

atributividade, são menos que perfeitas, pois autorizam, se violadas, aplicar

pena ao violador, mas não a nulidade ou a anulação do ato que as violou.

As consequências institucionais são aplicáveis para todas as hipóteses

do art. 41 e significam que toda vez que um determinado município não editar

seu plano diretor, deixará de utilizar os instrumentos da política urbana, como a

outorga onerosa, o parcelamento e a edificação compulsória, o direito de

preempção, a transferência do direito de construir e outorga onerosa (arts.42, II

c/c art. 5º do diploma federal).

Quanto às consequências funcionais ordinárias e extraordinárias, são

aplicáveis como consequências jurídicas apenas para as hipóteses do art. 41, I

e II (art.52, VII do Estatuto da Cidade) que acrescenta aos agentes públicos

envolvidos com a edição dos planos diretores a responsabilidade

administrativa, por descumprimento de deveres funcionais e a responsabilidade

por ato de improbidade administrativa cometida pelo prefeito.

Indagamos ainda se o regime previsto pelo Estatuto da Cidade para os

planos diretores municipais seria aplicável aos planos metropolitanos. De

acordo com o art.41, II do Estatuto da Cidade, o plano diretor é obrigatório para

cidades integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas.

Analisaremos apenas a primeira parte do dispositivo, que menciona cidades

integrantes de regiões metropolitanas.

O artigo menciona obrigação dirigida às cidades, que são as sedes dos

núcleos urbanos dos municípios, mas a entidade política capaz de editar os

planos diretores são os municípios, entes federados que têm poderes

Executivo e Legislativo.

Por força deste dispositivo, as cidades, em razão do fenômeno da

conurbação urbana, crescem do ponto de vista físico, social, econômico e

demográfico, para além das fronteiras físicas dos municípios, onde estão

situadas e abrangem outros municípios, promovem relações com cidades de

outros municípios e geram agrupamento de municípios limítrofes. Assim,

determinou o legislador federal que cada município integrante da região

805

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.393.

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380

metropolitana elabore seu respectivo plano diretor. Caso contrário, os

Municípios serão submetidos às sanções institucionais, funcionais ordinária e

extraordinária.

Concomitantemente à obrigação dos Municípios editarem seus planos

diretores, os Estados responsáveis pela criação da região metropolitana

estariam obrigados a editar seus planos diretores metropolitanos (art.41, II)? O

dispositivo já pressupõe a existência de Regiões Metropolitanas criadas pelos

Estados, o que autoriza a formulação de Plano Diretor Metropolitano.

Por outro lado, constatamos que os municípios das regiões

metropolitanas não resolvem isoladamente suas competências, em razão do

fenômeno da conurbação. Surge o interesse metropolitano, tutelado pelo

Estado, mas que guarda relação direta com o interesse local e conta com a

participação dos municípios para realizar atividades.

Os interesses metropolitanos resultam em conexões e interferências

recíprocas entre os diferentes municípios exigem ação unificada entre os

municípios da região e o Estado responsável por sua criação. As funções

comuns, portanto, dizem respeito a um só tempo aos vários municípios

conurbados, cuja gestão exige uma atuação integrada.

Isto significa que o dispositivo legal só será complementado com a ação

do Estado ao editar um Plano Diretor Metropolitano. De nada adianta cada

município criar seu plano diretor isoladamente, se está inserido em uma região

metropolitana, unida por vínculo compulsório, que o obriga a uma atuação

compartilhada entre o Estado e os demais municípios da região. Pelo fato de

integrarem a região metropolitana, necessitam de um planejamento comum ao

lado dos planos diretores de cada município.

Nelson Saule Júnior806ao atentar para a integração das funções públicas

sugeriu que os municípios da Região Metropolitana de São Paulo, que

apresentam parte de seus territórios em área de manacial ocupada por

população de baixa renda poderiam executar uma política de urbanização e

regularização fundiária, por exemplo, adotando zonas especiais de interesse

social. Além disto, poderia haver um Consórcio para planejar integralmente a

questão fundiária dos municípios da região ou um comitê sobre política urbana,

806

SAULE JÚNIOR, Nelson.Plano Diretor.In: (Org.) MATTOS, Liana Portilho. Estatuto da Cidade Comentado.Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 275.

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381

baseado no modelo da gestão compartilhada existente na política de recursos

hídricos através dos comitês por bacia hidrográfica.

O art.41, II, seria, então, ao mesmo tempo substrato legal para a edição

dos planos diretores dos municípios integrantes das regiões metropolitanas e

para elaboração do Plano Diretor Metropolitano.

Notamos também que a gestão compartilhada por consórcios e por

planos respectivos é possível entre municípios vizinhos que compartilham o

mesmo problema urbano. No entanto, não se confunde com a administração

metropolitana (art.25, §3º da Constituição Federal), que demanda o Plano

Diretor Metropolitano como forma de articular o desenvolvimento urbano de

todos os municípios da região. Assim, se o consórcio ou as estruturas

baseadas em Comitês de Bacia Hidrográfica podem ser utilizados para a

gestão compartilhada dos problemas comuns destes municípios, com mais

razão o Plano Diretor Metropolitano tem o condão de abarcar a realidade global

dos municípios integrantes da região metropolitana.

Assim, consideramos o art.41, II, o fundamento legislativo que obriga o

Estado, quando criar Região Metropolitana, editar o Plano Diretor

Metropolitano, ao lado dos planos diretores de cada município pertencente à

Região Metropolitana. Trata-se de uma interpretação extensiva, aplicável ao

caso concreto, conforme esclarece Maria Helena Diniz807:

A interpretação extensiva desenvolve-se em torno de um preceito normativo, para nele compreender casos que não estão expressos em sua letra, mas que nela se encontram, virtualmente, incluídos, conferindo, assim, à norma o mais amplo raio de ação possível, todavia sempre dentro de seu sentido literal. Não se acrescenta coisa alguma, mas se dá às palavras contidas no dispositivo normativo o seu significado. Conclui-se tão somente que o alcance da lei é mais amplo do que indicam seu termos.

Ao interpretarmos o texto legal extensivamente, com relação à hipótese

de obrigatoriedade do plano metropolitano, poderemos fazer o mesmo quanto

às consequências jurídicas previstas para não edição dos planos diretores

pelos municípios das regiões metropolitanas (art.50 do Estatuto da Cidade)? A

resposta é negativa, visto que o sistema de aplicação de sanções é distinto.

807

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.444.

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382

Só poderemos utilizar para a hipótese de não edição pelo Estado do

Plano Diretor Metropolitano as consequências institucionais. Não serão

aplicadas as sanções funcionais para os agentes públicos envolvidos, nem de

improbidade administrativa ao governador do Estado, em razão do princípio da

legalidade. Não há previsão expressa desta figura típica em legislação federal.

Não poderemos acrescentar novas hipóteses por mera interpretação, sem lei

que amplie o rol das sanções cabíveis. Estes são os ensinamentos de José

Roberto Pimenta Oliveira808que afirma categoricamente que somente por lei

federal formal é possível estabelecer tipos e sanções estatais aplicáveis a

condutas desonestas. Além disso, não são admitidos acréscimos de figuras

típicas por medidas provisórias, leis delegadas e decretos.

Por sua vez, é possível aplicar consequências jurídicas institucionais em

razão da não edição de Plano Diretor Metropolitano. Da mesma forma que o

plano diretor, o Estado não poderá utilizar os instrumentos de ordenação

urbana previstos no Estatuto da Cidade, resguardados os instrumentos típicos

de interesse municipal, desde que compatíveis com a realidade metropolitana,

como por exemplo, o estudo de impacto de vizinhança de caráter

metropolitano.

O Estado deixará de cumprir o mandamento constitucional (art.25, §3º)

que ao prever a criação de região metropolitana, determina a realização de

planejamento regional integrado em relação às funções públicas de interesse

comum. A razão do dispositivo constitucional é permitir que o desenvolvimento

urbano dos municípios integrantes da região metropolitana obedeça ao Plano

Diretor Metropolitano para orientar o crescimento das cidades e a execução

das competências delimitadas como interesse metropolitano.

Esta diretriz se coaduna com o princípio do Direito alemão, de acordo

com o jurista português Fernando Alves Correia809, denominado

desenvolvimento urbanístico em conformidade com o plano. Segundo ele, o

desenvolvimento e a evolução urbanística não podem ser deixados ao

respectivo crescimento natural, mas devem ser ordenados e disciplinados

pelos planos urbanísticos previstos na lei. Ora, se examinarmos o art.2º, IV que

808

OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade Administrativa e sua Autonomia Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.202. 809

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p.288.

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383

orienta o planejamento urbano em geral, também adotamos a diretriz do

planejamento urbano como vinculante e obrigatória para os Estados e

Municípios, destinatários do Estatuto da Cidade. Assim, deverá haver

planejamento metropolitano, ou seja, distribuição espacial da população e das

atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência,

para evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos

negativos sobre o meio ambiente.

Ao lado das sanções institucionais do Estatuto da Cidade, ao

realizarmos uma interpretação sistemática, nos deparamos com algumas

sanções jurídicas aplicáveis à ausência de Plano Diretor Metropolitano,

referente aos resíduos sólidos, matéria constante de plano metropolitano,

tratada na Lei Federal nº 12.305/2010.

Resíduos sólidos, de acordo com as leis que tratam das regiões

metropolitanas são considerados funções públicas de interesse comum e estão

intimamente relacionados com a política de desenvolvimento urbano. A

disciplina da Política de Resíduos Sólidos foi abordada na Lei Federal

nº12.305/2010 e regulamentada pelo Decreto nº 7.404/2010. Mas a lei não

deixou de mencionar a função metropolitana em relação a esta matéria. Assim,

regulamentamos esta questão pelo plano metropolitano, no qual as

observações da lei federal são aplicáveis no que tange ao interesse

metropolitano de resíduos sólidos.

O art. 16 da Lei nº 12.305 de 2/8/2010 condicionou a elaboração de

plano estadual de resíduos sólidos, para obter pelo Estado os recursos da

União, ou por ela controlados, destinados a empreendimentos e serviços

relacionados à gestão de resíduos sólidos, ou para serem beneficiados por

incentivos ou financiamentos de entidades federais de crédito ou fomento para

tal finalidade. Igualmente, o art. 78 do Decreto nº7.404/2010 acrescentou os

planos de resíduos sólidos das regiões metropolitanas como condição para

financiar e incentivar as entidades federais (art.16 da Lei).

No entanto, se os planos de resíduos sólidos de regiões metropolitanas,

que poderão integrar o conteúdo dos planos diretores metropolitanos, não

forem elaborados, os Estados não receberão os recursos federais para

aprimorarem a política de resíduos sólidos no âmbito metropolitano. Trata-se

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384

de uma sanção de cunho financeiro, que reflete no fomento de atividades

protetivas ao meio ambiente810.

Ressaltamos ainda que as Constituições e as leis estaduais

responsáveis pela criação e disciplina das regiões metropolitanas, poderão

prever consequências jurídicas para a hipótese de não edição do Plano Diretor

Metropolitano como forma de estimular a realização do planejamento urbano

regional. As legislações mineiras e paulistas ainda não trataram do assunto.

6.3.4 Conteúdo

A primeira questão a qual nos dedicaremos é a existência de

discricionariedade por parte do legislador responsável por elaborar e aprovar o

planomunicipal ou estadual visto que ambos revelam natureza legislativa.

Na sequência verificaremos as normas jurídicas que disciplinam o

conteúdo dos planos diretores municipais e estaduais e as consequências

jurídicas na hipótese de inobservância.

6.3.5 Planejamento urbano e discricionariedade legislativa

Na elaboração dos planos diretores municipais, o ordenamento jurídico

prevê discricionariedade legislativa? Em Portugal, Fernando Alves Correia811ao

tratar da discricionariedade na atividade de planejamento, admite que os

planos urbanos são caracterizados por uma significativa liberdade de

conformação, ou melhor, por uma acentuada discricionariedade. Explica que a

legislação reconhece à entidade planejadora um amplo poder discricionário na

escolha das soluções adequadas ao desenvolvimento urbanístico de

determinado território. Isto porque a atividade de planejamento urbano é uma

tarefa de previsão, na qual o conhecimento da realidade urbanística do ente

local e o juízo de prognose sobre a evolução dos processos urbanísticos são

810

Já refletimos sobre estes dispositivos da Lei Federal nº 12.305/2010 em: MENCIO, Mariana. Considerações acerca da constitucionalidade dos dispositivos legais que priorizam o acesso aos incentivos financeiros da União para os Estados e Municípios integrantes de Microrregiões na elaboraçãodos planos estaduais e municipais de Resíduos Sólidos. Boletim da NDJ nº10, out. 2012, ano XXVIII. 811

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 466.

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385

essenciais para a disciplina dos espaços. A realidade urbana é dinâmica e

precisa contar com esta margem de discricionariedade para produzir

adaptações às condições do uso e ocupação do solo de determinado território.

Quanto aos planos urbanos, segundo o autor vigora o princípio da

discricionariedade da planificação da Administração em grau máximo812:

É no domínio do conteúdo do plano, ou seja, no campo das soluções a adoptar quanto ao regime de ocupação, uso e transformação do território por ele abrangido, que ganha maior expressão o chamado princípio da discricionariedade de planificação da Administração. A discricionariedade da autoridade que elabora e aprova o plano assume particular relevância quando esta determina o chamado zonamento funcional, estabelecendo os destinos ou vocações das várias parcelas do território por ele abrangidas.

No entanto, o autor admite que apesar de vigorar o princípio da

discricionariedade da Administração, considerando que em Portugal o regime

jurídico dos planos não é legislativo – tal como o nosso ordenamento jurídico

considera – o administrador público está sujeito às vinculações legais, como o

respeito aos princípios da igualdade, proporcionalidade, imparcialidade, boa-fé

e outros. E afirma813:

O espaço da discricionariedade de planejamento está, assim, sujeito, a uma série de limitações. Elas resultam essencialmente daquilo que designamos por “princípios jurídicos fundamentais ou estruturais dos planos”. Uns são de carácter externo e outros de índole interna. Os primeiros definem a moldura da discricionariedade de planejamento, limitam-na do exterior, estabelecendo limitações ou condicionamentos que têm de ser obrigatoriamente observados antes de o órgão competente se debruçar sobre uma determinada decisão de planificação. Os segundos colocam, no interior do espaço da discricionariedade de planejamento, limitações na escolha entre as várias soluções alternativas a consagrar numa concreta decisão

planificatória. Segundo a doutrina portuguesa são limites à atividade de planejamento

urbano: obedecer ao princípio da legalidade, homogeneidade da planificação,

tipicidade dos planos, desenvolvimento urbanístico conforme o plano e a

obrigação de planificar, a definição pela lei da competência para elaborar e

aprovar os planos e o procedimento para a sua formação. Além disso temos a

determinação pela lei de um regime particular para certos tipos de bens,

812

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 468. 813

CORREIA, Fernando Alves. Manual de Direito do Urbanismo. v.1. 2.ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 468.

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fixação pela lei de standards urbanísticos, dever de fundamentação e proibição

de planos meramente negativos, obrigação da unidade externa, de clareza e da

consideração pelo plano das circunstâncias concretas.

No ordenamento jurídico brasileiro, identificamos a discricionariedade

legislativa (art.182, §1º da Constituição Federal), que confere aos planos

diretores característica legal e o exercício de competência concorrente em

matéria urbanística.

De acordo com a competência concorrente em matéria urbanística (art.

24, I, c/c art. 182, da Constituição Federal), cabe à União editar normas gerais

sobre a política de desenvolvimento urbano, que foram tratadas no Estatuto da

Cidade, Lei nº 10.257/2001. Por sua vez (art. 30, II, c/c art. 24), os Municípios

deverão produzir seus planos diretores, desde que respeitem as diretrizes

gerais da norma federal, podendo suplementar o instrumento de ordenação

espacial com normas jurídicas considerando o interesse municipal de disciplina

do uso e ocupação do solo urbano. Deste modo, ao elaborar o Plano Diretor, o

Município deverá observar o conteúdo do Estatuto da Cidade como referencial

básico. A partir deste raciocínio, o que vem a ser discricionariedade legislativa?

Encontramos o conceito na obra de Pedro Estevam Serrano814:

Conceituamos, assim, discricionariedade legislativa como a designação das margens de liberdade de valoração própria do legislador, quando ocorrentes diretrizes materiais heterônomas (meios), em vista da obtenção de fins positivamente vinculados.

O exercício da função legislativa é elaborar lei por meio do Poder

Legislativo, inovar na ordem jurídica, criar obrigações e direitos, estabelecer

finalidades e meios para os exercícios das funções administrativas e judiciais.A

lei, por ser fonte primária do Direito, cria um conjunto de direitos e obrigações

em relação ao princípio da supremacia da constituição815.

Segundo Pedro Estevam Serrano816, o legislador preponderantemente

aplica a norma constitucional ao exercer a função legislativa, observando maior

ou menor grau de densidade normativa dos comandos constitucionais. De

814

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.43. 815

SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo.20.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 45. 816

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.17.

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387

acordo com Joaquim Gomes Canotilho817, Pedro Estevam Serrano identifica

três hipóteses nas quais é possível avaliar a vinculação do legislador em sua

atividade criadora de leis à luz da Constituição Federal.

No primeiro caso, encontramos a competência de concretização

legislativa que inclui situações de restrita criação por parte do legislador. Ele só

poderá complementar ou declarar condições como sendo relações jurídicas

abstratas. Identificamos também situações nas quais o legislador está

vinculado, possibilitando que o legislador crie de forma autônoma normas mais

amplas, competindo-lhe qualificar fins ou criar pressupostos de fato ou

diretrizes materiais. Por fim, encontramos a competência legislativa

negativamente vinculada, ocasião em que o legislador tem ampla margem de

inovação legislativa, encontrando-se limitado apenas pela não contradição ou

contrariedade ao sistema constitucional.

Diante dos aspectos de vinculação da atividade legislativa à

Constituição, onde encontramos o que a doutrina chama discricionariedade

legislativa? O termo discricionariedade nos conduz ao direito administrativo,

ramo jurídico que usa esta expressão com sentido próprio, relacionado à

função de executar comandos da lei e não de criar comandos legais, como na

atividade legislativa. Apesar da origem comum, o termo ligado à atividade

legislativa traz outro sentido, relacionado à criação de normas, pois a

Constituição ao determinar vinculações e parâmetros ao legislador utiliza

conceitos amplos e imprecisos, com baixa carga normativa, que necessita de

legislação correspondente. A margem de atuação do legislador é mais ampla

que o administrador público, pois cria valores em relação à ordem jurídica.

Quanto ao exercício de competência vinculada do legislador em relação

à Constituição, Pedro Estevam Serrano818baseado em Joaquim Gomes

Canotilho,categoriza as competências legislativas a partir das “margens de

liberdade” oferecidas ao legislador pela vinculação constitucional, tendo em

vista a identificação do vício legislativo do desvio de poder da seguinte forma:

(a) competência de concretização legislativa; (b) competência legislativa

817

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Coimbra,1994apud SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.23. 818

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.86.

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discricionária (c) competência legislativa vinculada exclusivamente nos fins; (d)

competência legislativa negativamente vinculada, conforme reproduzimos819:

Tendo por critério a margem criativa do legislador diante da vinculação constitucional, e por objetivo a identificação da possibilidade de ocorrência do vício do desvio de poder legislativo- chegamos à seguinte classificação das competências legislativas: a) Competência de concretização legislativa – Compreende as competências legislativas em que a vinculação constitucional positiva estabelece os meios e os fins, mas não deixa margem para valoração material autônoma, b) Competência legislativa discricionária – Designa as hipóteses em que o sistema constitucional estabelece, para o legislador, uma competência legislativa materialmente dirigida à prossecução de um fim vinculado positivamente, requerendo que ele concretiza as “determinações heterônomas” por meio de “determinantes autônomas”, ou seja, introduzindo e agregando ao ordenamento valores obtidos por ponderação própria; c) Competência legislativa vinculada exclusivamente nos fins– Compreende as situações em que a Constituição restringe-se a comandar positivamente os fins, sem oferecer diretrizes materiais para sua prossecução; d) Competência legislativa negativamente vinculada– Compreende aquelas “situações de legislar” em que só há vinculação constitucional no sentido da não contradição ou contrariedade aos princípios, fins e valores constitucionais (modal do proibido).

Em apenas um caso estamos diante da discricionariedade legislativa.

Trata-se da hipótese na qual as finalidades são determinadas pelo legislador

constituinte e as formas e meios pelos quais os fins são atingidos. Não há,

neste último, liberdade absoluta para o legislador, mas um direcionamento

material criado pelo constituinte, para orientá-lo na escolha das formas pelas

quais alcançará os fins legais. A norma apontará um caminho, uma direção

para o alcance da finalidade. Ao dispor sobre os meios, deve existir uma

margem de discricionariedade para o legislador escolher como atuará no

alcance do fim positivado.

Deste modo, o jurista820cria uma tipologia para identificar as normas

constitucionais que atribuem exercício de competência legislativa: esta relação

de meio material específico-fim positivamente vinculado só ocorre no interior da

competência “legislativa discricionária”, conforme discorre Pedro Estevam

Serrano821:

819

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.86. 820

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.93. 821

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.84.

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Esta diretriz material deverá ter uma dimensão conotativa reduzida o suficiente para possibilitar ao legislador sua ampliação através da ponderação de fatores próprios de valoração, mas ampla também o suficiente para ir além da simples prerrogativa geral de legislar. Precisará estipular “o que” da atividade legislativa, mas não de forma tão densa que venha a tolher a possibilidade da realização da atividade legiferante em termos axiológicos e materialmente criativos. A competência legislativa, nesta categoria, se traduz numa “tarefa de legislar” para obter um “fim”.

A discricionariedade legislativa é a única categoria que aponta para a

ocorrência do desvio de poder legislativo. As demais categoriais geram vícios

de inconstitucionalidade material.

Pedro Estevam Serrano opta pelo entendimento de Gilmar Mendes que

trata o desvio de poder legislativo, no âmbito da competência legislativa, como

um vício de inconstitucionalidade no exercício da liberdade de decisão

autônoma do legislador. As normas produzidas pelo legislador deverão

obedecer aos aspectos formais e materiais positivados na Constituição. Assim,

estaremos diante de inconstitucionalidade formal quando existir uma

inadequação procedimental, uma incompatibilidade do processo de produção

da lei com as normas constitucionais que o regulam.

O desafio é verificarmos o que permite apartar o desvio de poder

inerente ao exercício da atividade legislativa e a inconstitucionalidade material,

revelada pelo simples contraste entre o objetivo prescritivo imediato das

normas constitucionais e o das leis inconstitucionais. O desvio legal é verificado

quando identificamos vícios lógicos ou teleológicos, relação meio-fim da

atividade legislativa, baseados em raciocínios de ponderações entre meios e

fins alcançados pela norma. Parafraseando Pedro Estevam Serrano822,o desvio

de poder legislativo comporta duas modalidades: a) o desvio de finalidade

legislativa (quando utilizada competência legislativa para obter fim diverso

àquela prerrogativa de legislar, ou seja, houver inadequação entre os fins da

medida adotada e os fins constitucionais que conformam a competência

legislativa); b) e o desvio de poder por vício causal (quando a medida legal for

inadequada, contraditória ou irrazoável diante dos fins a que se destina;

822

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.96.

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quando o exercício da própria competência legislativa for irrazoável e

desproporcional aos fins desejados)823.

Então, qual a relação entre o conteúdo do plano diretor municipal, o

desvio de poder legislativo e o exercício da competência legislativa

discricionária? Este questionamento nos leva a pensar sobre a adequação do

plano diretor municipal às diretrizes mínimas da lei federal que regulamenta a

política de desenvolvimento urbano: o Estatuto da Cidade. Não há, portanto,

uma relação direta entre o exercício da competência legislativa municipal com

a Constituição Federal, mas com a legislação federal. Raciocinamos, portanto,

no exercíciode competências constitucionais concorrentes. O plano diretor

deve obedecer às normas gerais do Estatuto da Cidade (art. 24, I c/c art. 182,

§1º da Constituição Federal) que atribui ao Poder Público Municipal, por meio

do Plano Diretor, executar a política de desenvolvimento urbano, conforme a

Lei Federal nº 10.257/2001.

E se houver descumprimento do (quanto ao conteúdo mínimo do art.42 e

das diretrizes do art.2º) haverá ponderação entre os meios eleitos pelo plano

diretor para alcançar os fins destinados à ordenação das cidades, os quais

devem obedecer às diretrizes mínimas da Lei Federal nº 10.257/2001.

De acordo com Carlos Ari Sundfeld a inobservância às diretrizes

mencionadas autoriza invalidar leis contrárias a seu conteúdo, justamente por

ser parâmetro normativo para o controle das orientações que devem ser

seguidas pela lei que disciplina a política urbana. O autor fornece como

fundamento jurídico para invalidar o plano diretor contrário ao conteúdo das

normas federais, a teoria do desvio de poder legislativo, uma sofisticação

pertencente ao gênero das inconstitucionalidades materiais824.

Acrescentemos um precedente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo,

sobre o Plano Diretor de Vila Velha. Embora o teor do acórdão (liminar da ADIN

nº100110030515, com sessão em 17/11/2011), não tenha se referido à teoria

do desvio de poder, o conteúdo tem relação íntima com a nossa discussão.

823

SERRANO, Pedro Estevam Alves Pinto. O Desvio de Poder na Função Legislativa. São Paulo: FTD, 1997, p.95. 824

SUNDFELD, Carlos Ari. (Org.) DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010, p.55.

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O Procurador Geral de Justiça do Espírito Santo ingressou com a ação

pretendendo suspender imediatamente a vigênciada Lei Municipal nº 5.155, de

09 de agosto de 2011, que dispõe sobre alterações no Plano Diretor Municipal

(PDM) do município de Vila Velha. Um dos argumentos invocados foi o vício de

constitucionalidade material, para nós retratado como desvio de poder

legislativo, pelo fato do plano criar distritos industriais sobrepostos em áreas de

interesse ambiental e alterar o perímetro de áreas de interesse ambiental como

o Parque Municipal de Jacarenema, o Morro do Moreno e o Morro de

Jaburuna. De acordo com o Procurador Geral, esta transformação contraria o

"princípio do não retrocesso social", que, a despeito de não ser expresso, pode

ser extraído do art. 186 da Constituição Estadual. Estamos diante de uma via

inadequada escolhida pelo legislador municipal para definir o zoneamento da

cidade. Não há como atingir o desenvolvimento sustentável, a própria função

social da cidade, implementando na zona rural e nas áreas de interesse

ambiental, distritos industriais. Reproduzimos trecho do voto do desembargador

Carlos Simões Fonseca, ao identificar o desvio de poder como um vício causal.

Observamos que as modificações do plano diretor são inadequadas,

irrazoáveis para o alcance dos fins do desenvolvimento sustentável das

cidades:

De outro lado, a Lei ora atacada também padece de vício de inconstitucionalidade material, já que as alterações introduzidas no Plano Diretor Urbano de VilaVelha – tais como a criação de distritos industriais em áreas de interesse ambiental e a alteração do perímetro do Parque Municipal de Jacarenema, Lagoa Encantada, Morro do Moreno e Morro do Jaburuna – vão de encontro a relevantes princípios constitucionais, tais como o princípio do não-retrocesso social e o princípio da prevenção. Sobre o princípio do não retrocesso social, o Ministro Celso de Mello, citado como referência pelosdoutrinadores, tem pontuado o seguinte:"O princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentaisde caráter social, que sejam desconstituídasas conquistas já alcançadas pelo cidadãoou pela formação social em que ele vive. – A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em conseqüênciadesse princípio, o Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los, abstendo-se de frustrar mediante supressão total ou parcial – os direitos sociais já concretizados". Nesse contexto, deve-se reconhecer que a

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criaçãode Zonas Industriais em áreas de interesse ambiental e a redução de áreas de preservação consiste em verdadeiro retrocesso social, posto que o direito ao meio ambiente ecologicamente saudável e equilibrado encontra-se expressamente previsto no art. 186, caput, da Constituição Estadual, que, em simetria com o art. 225, caput, da Constituição Federal. Desta regra também extrai-se o princípio da prevenção,que deve ser obedecido por Estado e Municípios,e que, segundo Paulo Affonso Leme Machado consiste no"dever jurídico de evitar a consumação de danos ao meioambiente" (In: Direito Ambiental Brasileiro. 19.ed. SãoPaulo: Malheiros, 2011, p.97). Oportuno ressaltar que de acordo com as conclusões finais do Relatório Técnico n.º031/11, do Ministério Público Estadual, as modificações empreendidas pelaLei nº 5.155/11 não foram precedidas de estudos ambientais e viabilidade da alocação de infraestrutura parasaneamento básico. Tal preocupação também foi externada pelo "Fórum em Defesa de Vila Velha contra o PDM", em texto publicadono jornal "Praia da Costa", edição n.º 166, de novembrode 2011, no excerto destacado a seguir: "As mudanças aprovadas impactam toda a região rural do município, mantida como talno PDM de 2007, por abrigar áreas ecologicamente frágeis, tais como a bacia de inundação do Rio Jucu, a área de amortecimentodo Parque de Jacarenema, além de remanescentes da Mata Atlântica. Em termos genéricos, quase nenhum estudoambiental foi apresentado. A ocupação da planície de inundação da margem direita do Rio Jucu precisa ser feita em cota acima de 2,30m, conforme decreto municipal24/2004, devendo ser próxima de 3 metrospara poder evitar as cheias do rio. Isto pode encarecer sua ocupação que poderá ocorrer de forma desordenada. Da mesma forma, o urbano tende a ocupar áreas de interesse ambiental, que se transformaram com a mudança do PDM em áreas urbanas. Isto pode ocasionar, em longo prazo – 50 anos ou com a ocupação quase total destas novas áreas urbanas –, o represamento de água do rio Jucu em sua foz, juntamente com o aumento do run-off, podendo causar erosões na Barra do Jucu ou necessidade de aumento do dique do Jucu,em sua margem esquerda. Além disto, a drenagem das áreas da planície será para o Rio Jucu, podendo se ter que fazer algumas obras caras para evitar cheia, como ocorre atualmente nos bairros da baixada de Guaranhuns, quando as chuvas que atingem a Serra do Caparaó enchem o rio e ele represa por até algumas semanas as águas nestes bairros.A ausência dos estudos preliminares indica o açodamento desta alteração, que pode trazer consequências graves para a ocupação urbana do município, que já enfrenta sérios problemas de drenagem e agressão ao meio ambiente.

Segundo Nelson Saule Júnior825, os instrumentos do plano diretor

deverão combater a especulação imobiliária, garantir a gestão democrática das

cidades, implementar as cidades sustentáveis, promover a regularização

fundiária das populações de baixa renda. Caso contrário, o plano diretor poderá

ser questionado judicialmente por meio da Ação Civil Pública (art. 54 do

825

SAULE JÚNIOR, Nelson.Plano Diretor.In: (Org.) MATTOS, Liana Portilho. Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.263.

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Estatuto da Cidade826) para proteger a ordem urbanística. Assim, a sociedade

civil ou o Ministério Público poderão utilizar a ação visando responsabilizar os

agentes públicos e privados pelo uso indevido dos instrumentos de política

urbana que acarrete lesão às funções sociais da cidade.

Examinaremos se o ordenamento jurídico previu conteúdo discricionário

para o legislador estadual elaborar o plano, a possibilidade de

inconstitucionalidade material e o desvio de poder no exercício de competência

legislativa.

Na hipótese dos planos diretores metropolitanos apresentarem

conteúdos que não atendam às diretrizes do Estatuto da Cidade.

Do ponto de vista da ordenação do uso do solo urbano e rural, o Plano

Diretor Metropolitano fixará diretrizes e padrões genéricos para prevenir e

evitar ocupações desordenadas de áreas de vulnerabilidade direta e indireta,

como o setor costeiro, zonas de encostas e fundos de vale, além de aumentar

a cobertura vegetal das áreas urbanas dos municípios conurbados e promover

o plantio de espécies que reduzam as ilhas de calor (art. 10, I e XI). Essas

medidas são parâmetros para orientar a disciplina do uso do solo urbano e

rural em cada município integrante da região metropolitana.

Imaginemos a hipótese do Plano Diretor Metropolitano, ao dispor sobre

diretrizes da política de mudanças climáticas, adotar medidas que diminuam a

cobertura vegetal das áreas urbanas dos municípios conurbados, ou promover

adensamentos urbanos em áreas de fundos de vale em municípios

metropolitanos, gerando ocupações desordenadas em áreas estratégicas de

controle natural do clima, aumentando a ilha de calor urbano e incrementando

o efeito estufa em cada município.

A teoria do desvio de poder poderá ser aplicada ao caso concreto, pois

os padrões adotados são desproporcionais, irrazoáveis, diante dos fins aos

quais estão atrelados (art.2º, VI, g, do Estatuto da Cidade), justamente por

aumentar a poluição e a degradação do clima dos municípios metropolitanos.

826

Art. 54. “O art. 4o da Lei n

o 7.347, de 1985, passa a vigorar com a seguinte redação: Art 4º. Poderá ser

ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Acolhemos a doutrina que defende a utilização do instrumento para declaração incidental de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos do poder público, desde que a controvérsia jurídica não figure como pedido, mas como causa de pedir. (MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva, 2011).

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394

Esta medida viola o conteúdo constitucional das funções sociais da cidade (art.

182 da Constituição Federal de 1988), que conta com o adequado

ordenamento do solo para construir cidades sustentáveis.

Trata-se de desvio de poder legislativo, de Plano Diretor Metropolitano,

face à contribuição que viabiliza o planejamento urbano, desde que para

alcançar finalidades do desenvolvimento sustentável, nas cidades, traduzido no

art.182 como função social da cidade.

Temos então que sustentabilidade é dever ético e jurídico-político de

viabilizar o bem-estar no presente, sem prejuízo do bem-estar futuro, próprio e

de terceiros.

Juarez Freitas qualifica a sustentabilidade como pluridimensional, pois o

bem-estar, objetivo que ela busca alcançar, repercurte em várias dimensões da

existência humana, o que inclui as ambientais, sociais, econômicas, ética,

jurídico-políticas.

Priorizaremos a dimensão jurídico-política da sustentabilidade a partir da

qual Juarez Freitas827explica que se trata de um princípio jurídico, de estatura

constitucional, imediata e diretamente vinculante (arts. 225, §3º, 170, VI), que

atribui eficácia aos direitos fundamentais de todas as gerações, não apenas de

terceira dimensão e que reputa antijurídica qualquer omissão causadora de

injustos danos intrageracionais e intergeracionais.

O princípio foi consagrado desde o preâmbulo da Constituição Federal,

passando pelos arts. 3º, II (objetivos da República), arts.170, VI; 174, §1º; 192,

205, 218, 219 e 225. Do ponto de vista infraconstitucional, o desenvolvimento

sustentável foi acolhido por vários diplomas legais828.

Além disso, o princípio jurídico constitucional da sustentabilidade

preenche lacunas na ausência de previsão legal (art.4º da Lei de Introdução ao

Direito Brasileiro) e confere parâmetros para interpretar normas jurídicas e

reduzir a margem de discricionariedade do intérprete legal.

827

FREITAS, Juarez. Considerações sobre Sustentabilidade– Direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p.71. 828

Lei nº 6.938/1981, art. 2º, I do Estatuto da Cidade, Lei nº 9.433/97, art. 2º, II da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei nº 11.145/2007, art. 48, II, Lei nº 9.985/2000, arts. 2º, II, XI, XII, a Lei nº 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima e até mesmo a Lei nº 12.587/2012, art. 5º, que trata da mobilidade urbana. São normas jurídicas concretizaram o conteúdo jurídico do princípio constitucional.

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Diante do exposto, qualificar a sustentabilidade como norma jurídica–

sob a perspectiva das cidades sustentáveis, prevista no art. 2º, I do Estatuto da

Cidade – autoriza o controle legislativo do Plano Diretor Metropolitano caso seu

conteúdo seja desproporcional ou inadequado para alcançar esta finalidade,

que está positivada em forma de princípio jurídico constitucional.

6.3.5.1 Objeto do Plano Diretor Metropolitano

Quais matérias poderão compor o plano diretor? Aquelas que dizem

respeito ao interesse metropolitano, no caso em especial, objeto da tese,

apenas as normas jurídicas que disciplinem uso e ocupação do solo e medidas

de proteção ambiental.

Os interesses metropolitanos resultam em conexões e interferências

recíprocas entre os diferentes municípios, exige ação unificada, integrada entre

os Municípios componentes da região e o Estado responsável por sua criação.

As funções comuns, portanto, dizem respeito a um só tempo aos vários

municípios conurbados, cuja gestão exige atuação integrada.

Isto demonstra, que o interesse metropolitano é conceito jurídico

indeterminado, que revela relato abstrato da norma, que necessita de

especificação do conteúdo, conferindo ao jurista certa margem de

interpretação.

Em resumo, no plano metropolitano serão abordadas ações e diretrizes

relativas ao planejamento do uso e ocupação do solo das regiões

metropolitanas de modo a evitar que o processo de conurbação acarrete

efeitos negativos para o meio ambiente, referentes à poluição e degradação

ambiental.

Como forma de orientar a elaboração do conteúdo do plano

metropolitano, levando em conta certa margem de discricionariedade, tanto os

Poderes Executivo quanto o Legislativo deverão obedecer às normas contidas

nas leis federais e estaduais responsáveis pela edição da política de

desenvolvimento urbano e proteção ambiental.

Iniciaremos nossa abordagem pela Lei da Mobilidade Urbana (Lei

Federal nº 12.587/2012) quanto ao seu aspecto de proteção ambiental. Com

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base na lei, medidas de controle da poluição ambiental poderão ser adotadas

na esfera metropolitana e incluídas no plano diretor.

Em 19 de fevereiro de 2013, o jornal Folha de S.Paulo noticiou o debate

entre o prefeito Fernando Haddad e o governador do Estado, Geraldo Alckmin,

a respeito da inspeção veicular ambiental na região metropolitana de São

Paulo.

Fernando Haddad demonstrou-se favorável ao interesse metropolitano

sob o aspecto ambiental. Segundo ele, muitos proprietários de veículos da

capital, para não respeitarem a lei de inspeção veicular, licenciam seus carros

em municípios da região metropolitana. Além disso, segundo ele, não é

coerente com a própria política ambiental exigir que apenas os veículos da

capital paulista sofram a inspeção, pois vários veículos “forasteiros” circulam

nas vias públicas paulistanas e contribuem diretamente para o aumento da

poluição atmosférica municipal. Trata-se de um problema que não é resolvido

exclusivamente pela esfera local, mas implica na contribuição de todos os

municípios metropolitanos829.

Na mesma reportagem, Geraldo Alckimin demonstrou-se favorável à

proposta, ao dizer que há um projeto sobre inspeção estadual tramitando na

Assembleia, enviado em 2009830.

Ainda que o problema da inspeção veicular ambiental metropolitana seja

debatido em um contexto político, recordemos que a matéria já foi juridicizada

pela Lei nº12.587/2012 (Lei da Mobilidade Urbana), podendo ser adotada como

instrumento de gestão do sistema de transporte e mobilidade urbana por todos

os entes federados831.

829

FOLHA de S.Paulo. Caderno Cotidiano. O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), cobrou ontem o governador Geraldo Alckmin (PSDB) para que a inspeção veicular ambiental seja implantada em todo o Estado ou pelo menos na região metropolitana. Publicado em: 19 fev. 2013. 830

FOLHA de S.Paulo. Caderno Cotidiano. Publicado em: 19 fev.2013. “O governador Geraldo Alckmin (PSDB) disse na manhã desta terça-feira (18) que é favorável à implantação da inspeção veicular nas regiões metropolitanas do Estado de São Paulo: "Nós somos favoráveis, sim, mas precisamos debater na Assembleia Legislativa a abrangência e a melhor maneira de fazer", disse o tucano, questionado sobre o assunto um dia depois de o prefeito Fernando Haddad (PT) defender a expansão da inspeção. "Eu acho que não é no Estado de São Paulo, mas nas regiões metropolitanas", concluiu. 831

Ressaltamos que o entendimento do atual prefeito Fernando Haddad foi incorporado na Lei Municipal nº 15.688, de 11.04.2013, que dispõe sobre o Plano de Controle de Poluição Veicular do Município de São Paulo – PCPV–SP e o Programa de Inspeção e Manutenção de Veículos em Uso do Município de São Paulo – I/M–SP. Art. 5º, § 3º. O Executivo poderá incluir, na frota-alvo, os veículos licenciados em outros municípios que: I – circulem mais de 120 (cento e vinte) dias por ano no território do Município de São Paulo.

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De acordo com o art. 23, II e VII da Constituição Federal, o Estado, no

âmbito da região metropolitana, poderá regulamentar medidas de controle da

poluição ambiental por meio da inspeção veicular metropolitana, no Plano

Diretor Metropolitano. Embora considerado inicialmente um instrumento

ambiental, poderá ser disciplinado pelo planejamento urbano, pois está

relacionado à política urbana, sobretudo quanto a modelo de cidades

sustentáveis. A disciplina de uso e ocupação do solo, matéria por excelência do

Plano Diretor Metropolitano, também poderá tratar de assuntos ambientais, por

revelar interface direta com a matéria e contribuir para a construção das

cidades sustentáveis (art. 2º, I do Estatuto da Cidade).

Desta maneira (art.23 da Constituição), os Estados e Municípios da

região metropolitana, dentre outros instrumentos de gestão do sistema de

transporte e da mobilidade urbana, vão fixar padrões de emissão de poluentes

para locais e horários determinados condicionando o acesso e a circulação aos

espaços urbanos sob controle; monitorar e controlar as emissões dos gases de

efeito local e de efeito estufa dos transportes motorizados, facultando a

restrição de acesso a determinadas vias em razão dos índices de emissões de

poluição.

Ademais, a Lei nº 13.798 de 9/11/2009832 que instituiu a Política

Estadual de Mudanças Climáticas, prevê a elaboração de planos adequados e

integrados para a gestão das áreas metropolitanas, que podemos interpretar

como conteúdo suscetível de tratamento do Plano Diretor Metropolitano (art. 6º,

VI). Para cumprir esta tarefa, o art. 5º, XV destaca como um dos objetivos

promover um sistema de planejamento sustentável de baixo impacto ambiental

e energético, inclusive identificar, estudar a suscetibilidade e proteger áreas de

vulnerabilidade indireta quanto à ocupação desordenada do território.

O Plano Diretor Metropolitano fixa diretrizes e padrões genéricos

destinados a prevenir ocupações desordenadas de áreas de vulnerabilidade

direta e indireta, como o setor costeiro, as zonas de encostas e fundos de vale,

aumentar a cobertura vegetal das áreas urbanas dos municípios conurbados,

plantar espécies que reduzam as ilhas de calor (art. 10, I e XI), todas medidas

832

Dispõe sobre condições para as adaptações necessárias aos impactos derivados das mudanças climáticas e sobre as formas destinadas a redução ou estabilização da concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera.

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observadas como parâmetros para disciplinar o uso do solo urbano e rural nos

municípios da região metropolitana.

Quanto a oferecer aos mananciais uma proteção regional, com base na

Lei Estadual nº 9.866/1997833e Lei nº 13.579/2009, destacamos, por exemplo,

como instrumento de planejamento e gestão o art.10 da Lei nº 9.866/97 que

propõe utilizar áreas de intervenção, diretrizes e normas ambientais e

urbanísticas de interesse regional (art. 11, I). Segundo o art.12 foram definidas

áreas restritas à ocupação, de ocupação dirigida e de recuperação ambiental.

Destacamos ainda o art.16 ao determinar que para cada Área de

Proteção da Região de Mananciais (APRM), serão estabelecidas diretrizes e

normas ambientais e urbanísticas de interesse regional, respeitadas as

competências municipais e da União, considerando especificidades e funções

ambientais das áreas de intervenção para garantir padrões de qualidade e

quantidade de água bruta, passível de tratamento convencional para

abastecimento público. Segundo o art.19, as leis municipais de planejamento e

controle do uso e ocupação do solo urbano deverão incorporar as diretrizes e

normas ambientais e urbanísticas de interesse para preservar, conservar e

recuperar os mananciais.

Sobre fixar índices específicos, através da combinação dos critérios de

uso e ocupação do solo com parâmetros ambientais834, a Lei da bacia Billings

estabelece diretrizes para o planejamento e gestão de cada área de

Intervenção835. Para a subárea de ocupação de baixa densidade (SBD836)

foram definidos (art.25, I, II e art.30) parâmetros de uso e ocupação do solo, a

fim de assegurar a manutenção das condições ambientais adequadas à

833

Dispõe sobre as diretrizes e normas para a proteção e recuperação das bacias hidrográficas dos mananciais do Estado de São Paulo. 834

Lei nº 13.579/2009 – art. 4º: VII – lote mínimo: área mínima de terreno que poderá resultar de loteamento, desmembramento ou desdobro; VIII – taxa de permeabilidade: o percentual mínimo da área do terreno a ser mantida permeável de acordo com a área de intervenção; IX – coeficiente de aproveitamento do terreno: relação entre a área construída e a área total do terreno, de acordo com a área de intervenção; X – índice da área vegetada: relação entre a área com vegetação, arbórea ou arbustiva, e a área total do terreno, definida de acordo com a área de intervenção. 835

Lei da Bacia Bilings . Art. 4º – II – Área de Intervenção: Área Programa sobre a qual estão definidas as diretrizes e normas ambientais e urbanísticas voltadas a garantir os objetivos de produção de água com qualidade e quantidade adequadas ao abastecimento público, de preservação e recuperação ambiental, na seguinte conformidade. 836

Lei da Bacia Bilings. Art. 20 – Áreas de Ocupação Dirigida (AOD) – são áreas de interesse para a consolidação ou implantação de uso urbano ou rural, desde que atendidos os requisitos que assegurem a manutenção das condições ambientais necessárias à produção de água em quantidade e qualidade para o abastecimento público. IV– SBD: Subárea de Ocupação de Baixa Densidade: área não urbana destinada a usos com baixa densidade de ocupação, compatíveis com a proteção aos mananciais.

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produção de água para o abastecimento público837. É admitido o uso misto em

todas as subáreas, desde que respeite a legislação municipal de uso e

ocupação do solo e as disposições quanto a parâmetros urbanísticos,

infraestrutura e saneamento ambiental definidas na Lei nº 13.579/2009.

Com relação ao zoneamento industrial disciplinado pela Lei Federal nº

6.803 de 2/7/1980, o Estado, ao tratar da Região metropolitana, por meio de

plano diretor disciplinará genericamente parâmetros e critérios do zoneamento

industrial que conduzirão os municípios para fixarem essa área.

De acordo com a Lei nº 6.803/1980 (art.1º), as zonas destinadas à

instalação de indústrias serão definidas em esquema de zoneamento urbano,

aprovado por lei municipal, que compatibilize as atividades industriais com a

proteção ambiental. Nas Regiões Metropolitanas, o art. 11 determina

expressamente que compete aos Municípios instituir o zoneamento urbano,

sem prejuízo do disposto na lei estadual de zoneamento industrial.

Assim, os Estados por meio do plano metropolitano apresentarão

modelos e parâmetros genéricos que vão influenciar a elaboração do

zoneamento urbano pelo Município. É a nossa interpretação da Lei Federal

(art. 2º, §1º, I, II, III e §2º), em conjunto com o art. 11. Ao definir o zoneamento

urbano para localizar indústrias, os municípios consideram as áreas de seu

território com elevadas capacidades de assimilação de efluentes e proteção

ambiental, as restrições legais ao uso do solo. Igualmente, as áreas industriais

deverão manter, em seu contorno, de acordo com as diretrizes da lei

metropolitana, anéis verdes de isolamento capazes de proteger as zonas

circunvizinhas contra possíveis acidentes e efeitos residuais.

Com base na Constituição Federal de 1988 (art.30, VIII, c/c art.182), o

art. 7º da Lei Federal nº6.803/80 deverá ser interpretado visando preservar a

autonomia e competência municipal responsável por definir parâmetros de uso

e ocupação do solo. Assim, o Estado apenas aprovará genericamente padrões

de uso e ocupação do solo, aos municípios integrantes da Região

837

Vale destacar que ficará reservada, dentro do lote especficado com área vegetada de lote urbano, 30% da área total do lote, podendo ser dividida em, no máximo, até duas áreas dentro do lote. De outro modo, o gabarito máximo para execução das edificações dentro do lote especificado será de 20 metros, contados a partir da cota do piso do pavimento térreo até a última laje, de cobertura dos pavimentos, sendo tolerados acima desse gabarito apenas as casas de máquinas de elevador e o reservatório de água, quando necessários.

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metropolitana, nas quais, por suas características culturais, ecológicas,

paisagísticas, ou pela necessidade de preservar mananciais e proteger áreas

especiais, ficará vedada a localização de estabelecimentos industriais. O

Estado não poderá impedir a localização de estabelecimentos nos municípios,

pois é uma competência intangível do município.Ele apenas fixará princípios e

diretrizes para impedir a localização de indústrias, considerando os aspectos

legais, desde que os municípios decidam se acatarão ou não a norma.

Destacamos também o uso dos instrumentos da política nacional dos

resíduos sólidos da Lei nº 12.305/10, em razão do imbricamento entre a gestão

dos resíduos sólidos e o conteúdo urbanístico e ambiental do planejamento

metropolitano quanto à política de saneamento básico838.

Segundo o art.11 da Lei nº 12.305/2010 incumbe aos Estados integrar a

organização, o planejamento e a execução das funções públicas de interesse

comum relacionadas à gestão dos resíduos sólidos nas regiões metropolitanas.

Em relação ao saneamento básico, determina a elaboração de Plano

Estadual de Resíduo Sólido, cujo conteúdo está no art. 17, I a XII, com

destaque ao inciso XI, que prevê a fixação de zonas favoráveis para a

localização de estações de tratamento de resíduos sólidos e disposição final de

rejeitos.

Assim, o Estado deverá, por exemplo, prever em seu plano diretor as

zonas favoráveis para a localização de unidades de tratamento de resíduos

sólidos ou de disposição final de rejeitos, como usinas de compostagem que

poderão ser instaladas nos municípios da região. Com base nas diretrizes

gerais do plano metropolitano, os municípios poderão definir em seus planos

diretores as áreas específicas para abrigar as estações de tratamento dos

resíduos sólidos.

838

As atividades de gestão dos resíduos sólidos estão intimamente relacionadas com aspectos urbanísticos e ambientais, basta examinarmos a Lei nº 11.445/2007, lei federal que dispõe sobre o saneamento básico, em conjunto com a Lei 12305/2010

838, que trata da política nacional de resíduos

sólidos. A política de manejo dos resíduos sólidos compõe o gênero saneamento básico (art. 3º, I, “c”) ao abranger conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas. Por sua vez, reza o art. 2º, III e IV da Lei nº 11.445/2007 que o manejo de resíduos sólidos deverão ser realizados para promover a articulação com as políticas de desenvolvimento urbano, de habitação e proteção ambiental, sendo que o art. 7º, III qualifica como sendo um dos objetivos da política nacional de resíduos sólidos o estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços.

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A despeito deste conteúdo referir-se ao interesse metropolitano, não

devemos confundi-lo com os zoneamentos específicos das leis municipais, que

indicam a localização de cada estação de tratamento em determinado tipo de

município, acarretando eventual invasão de competência do município pelo

Estado. As interfaces entre os interesses metropolitanos e locais são

frequentes e não poderão acarretar indevida ingerência de competência de um

em relação a outro.

Por outro lado, os mesmos instrumentos de política urbana previstos no

Estatuto da Cidade poderão ser implementados, no âmbito da competência

concorrente pelos Estados-membros.

Assim entendem Maria Coeli Simões Pires, Gustavo Gomes Machado839

e Odete Medauar840.

Os Estados-membros ao legislarem sobre Planos Diretores

Metropolitanos – no âmbito da competência suplementar (art.24,§2º) e

supletiva (§3º da Constituição Federal) – poderão prever no Plano Diretor

Metropolitano, o Estudo de Impacto de Vizinhança Metropolitano. Esta hipótese

foi retratada por José Nilo de Castro841, que aventou a possibilidade de

elaboração de estudo pelos Municípios integrantes de Região Metropolitana e a

empresa de siderurgia Usiminas sobre os impactos que a expansão da

indústria causaria na região, na época de sua construção. Enfatizamos o

incremento de grandes movimentos dos trabalhadores, durante os

deslocamentos entre as cidades nas quais estão sediadas as indústrias e as

cidades onde residem os funcionários (dormitórios). Os impactos deste

fenômeno refletem problemas relacionados à ordenação do uso e ocupação do

solo dos municípios quanto à implantação de novos distritos industriais e

eventuais questões ambientais advindas de um crescimento populacional

desordenado.

839

MACHADO, Gustavo Gomes; PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz. Consórcios Públicos – Instrumento do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.432. 840

MEDAUAR, Odete. A força vinculante das diretrizes da política urbana. In: Temas de Direito Urbanístico nº 4. Ministério Público de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial, 2005, p.22. 841

CASTRO, José Nilo de; RODRIGUES, Tais Erthal; PASSOS, Pagani Carolina. Expansão da Usiminas – Crescimento populacional – Região Metropolitana do Vale do Aço – Execução de funções públicas de interesse comum – Poder Regional – Articulação entre os Municípios – Preceitos da Lei Complementar nº 90/2006 – Conferência Metropolitana. Revista Brasileira de Direito Municipal nº 25 (RBDM).ano 8, jul-set. Belo Horizonte, 2007, p.16.

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Em razão da instalação destas indústrias, os Municípios da Região

Metropolitana do Vale do Aço poderão sofrer com a insuficiência de espaços

territoriais habitacionais para a maioria dos funcionários atraídos pelo novo

cenário842:

Como é cristalino de se concluir, a elaboração de EIV que não prescinde à realização de estudos de impacto ambiental– pode ser adaptada às regiões metropolitanas, dado que, guardadas as devidas proporções, os Municípios integrantes das Regiões Metropolitanas são vizinhos e, portanto, são passíveis de sofrer os mesmos impactos relacionados à insuficiência de serviços públicos, adensamento populacional, especulação imobiliária, et. [...] Pode-se compreender, portanto, que uma vez entendida a expansão realizada pela Usiminas como função pública de interesse comum, essa atividade causará impacto nos outros Municípios integrantes da RMVA, sendo possível lançar mão de instrumento, à semelhança do EIV, a fim de subsidiar o planejamento das ações.

Enfim, o plano metropolitano poderá prever a elaboração de Estudo de

Impacto para uso e ocupação do solo e aspectos ambientais que considerem o

interesse metropolitano, compartilhado entre os municípios vizinhos

(integrantes da Região Metropolitana). Os aspectos examinados neste estudo

não consideram os requisitos dos arts. 36 e 37 do Estatuto da Cidade quanto

ao conteúdo da lei municipal para obter licenças e autorizações de construção

e funcionamento de empreendimentos no município. O estudo metropolitano

não exclui o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) exclusivamente municipal.

Diversamente, o conteúdo do EIV metropolitano trará referências

genéricas sobre problemas compartilhados por todos os municípios da Região

Metropolitana em função de um grande empreendimento que impacte de forma

abrangente aspectos de uso, ocupação do solo e proteção ao meio ambiente.

E permite um planejamento estratégico genérico para toda a região, sem

excluir, eventual detalhamento observado por cada município em estudo

próprio, baseado em planos diretores e legislações específicas.

O instrumento foi adotado pelo Projeto de Lei Estadual nº 3.078/2012843,

que trata da gestão do solo metropolitano, sob a denominação de Estudo de

Impacto Metropolitano (EIM), sobre parcelamento do solo metropolitano e

realização de empreendimentos com grandes impactos regionais (art. 28). De

acordo com o projeto de lei, o EIM será requisito para a emissão de anuência

prévia, por exemplo, em parcelamentos do solo, para fins urbanos, de glebas

842

Lei Complementar nº 90/2006. 843

Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.

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superiores a 50 hectares. Em função do art.29 do Projeto, o EIM será

executado para contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento

ou área de influência (direta ou indireta) indicando, por exemplo, os impactos

relativos à infraestrutura, ao meio ambiente, à valorização imobiliária e às

ações mitigadoras e compensatórias para os impactos à área conurbada.

Quanto ao parcelamento do solo urbano em forma de loteamento e

desmembramento (Lei Federal nº 6.766/1979), o Plano Diretor Metropolitano

poderá dispor sobre o assunto, desde que observe os limites da competência

municipal (art.30, VIII da Constituição Federal).

Quando o art.13 determina ao Estado disciplinar a aprovação pelos

Municípios dos loteamentos e desmembramentos, examinar e conceder

anuência prévia à aprovação do projeto do empreendedor – quando as

modalidades de parcelamento estiverem em área limítrofe do município ou

pertencerem a mais de um município nas regiões metropolitanas – não estará

sendo mitigada a competência municipal.

Rochelle Jelinek844 faculta aos Estados fixar diretrizes para aprovar os

projetos de parcelamentos (art.13, II, parágrafo único, da Lei nº 6.766/1979).

Neste caso, cada Estado-membro dispõe sobre a autoridade e o conteúdo das

diretrizes gerais. Mas as disposições de cada legislação são tratadas de forma

abrangente. O Estado fixará os requisitos necessários para disciplinar o

parcelamento do interesse metropolitano, competindo ao Município, a última

palavra quanto à aprovação e decisão sobre o parcelamento do solo.

Não se trata de competência ampla para todo e qualquer parcelamento

do solo localizado em município integrante de Região metropolitana. Deve

existir uma peculiaridade em atenção ao art.13 que considera a localização do

loteamento ou parcelamento em área conurbada, de município limítrofe ou

localizado em mais de um município, provocando impacto regional que

necessite de integração no parcelamento da região metropolitana. Não há que

falarmos em atuação se o parcelamento do solo estiver em um único município

da região, incrustrado no seu território, sem efeito para os demais municípios

844

JELINEK, Rochele. Licenciamento Ambiental e Urbanístico para o parcelamento do solo urbano. Promotora de Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul. In: Disponível em: <www.mp.go.gov.br>. Acesso em: 15 jul. 2013, p.19.

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da região metropolitana. Neste caso, apenas o Município atuará na aprovação

do parcelamento do solo845.

Esta foi a solução adotada pelo Projeto de Lei nº 3.078/2012846, proposto

pelo governador de Minas Gerais para disciplinar a gestão unificada da função

pública de interesse comum de uso do solo metropolitano do Estado, posição a

qual acolhemos.

De acordo com o art.8°, a agência de desenvolvimento metropolitano é o

órgão responsável pela gestão unificada do interesse comum do uso do solo.

Cabe a ele emitir anuência para aprovar projetos de parcelamento do solo em

área de Município em região metropolitana e para alterar o uso do solo rural

para fins urbanos (Lei Federal nº 6.766/1979, art.53) quando inserido em área

de interesse metropolitano.

Ainda que o Estado aja nas hipóteses de parcelamento em áreas

metropolitanas, a atuação do Município não é dispensada (art.9º da lei federal

de parcelamento do solo), pois competirá à autoridade local aprovar o

loteamento ou desembramento de acordo com as suas diretrizes de uso e

ocupação do solo, traçados de lotes, espaços livres, áreas reservadas para

equipamentos urbanos e tipo de uso do loteamento, de acordo com a sua

legislação (art. 6º e 7º da lei federal).

No Estado de São Paulo compete ao Grupo de Análise e Aprovação de

Projetos Habitacionais (Graphohab), Decreto Estadual n°33.499/91, o papel de

autoridade metropolitana na aprovação e licenciamento de loteamentos, ao

reunir todas as secretarias estaduais (de habitação, meio ambiente, da saúde),

órgãos e empresas concessionárias de serviços públicos.

Em Minas Gerais, o exame de anuência prévia pelo Estado é feito pela

Agência da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Lei Delegada nº

180/2011, modificadora do Decreto nº 44.646/2007). Concedida a anuência

prévia pela Agência Metropolitna (art. 29), o processo de parcelamemento será

845

MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental.3.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p.152. 846

Em 19/6/2013 foi realizada audiência pública na Câmara dos Vereadores de Ipatinga em função do Projeto de Lei nº 3.078/2012 que trata da gestão unificada do solo metropolitano por plano integrado de desenvolvimento metropolitano. Os municípios integrantes da Região metropolitana do vale do aço (RMVA) demonstraram preocupação com possível redução da autonomia dos municípios da Região, motivo pelo qual foi encaminhado à mesa diretora da Assembléia Legislativa de Minas Gerais pedido de suspensão da tramitação do projeto até que ele seja completamente discutido pelos municípios. Disponível em: <www.diariodoaco.com.br/noticias>. Publicada em: 19 jun.2013. Acesso em: 18 set.2013.

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remetido à prefeitura municipal para exame e aprovação pelo Poder Público

municipal em última instância e encaminhado ao Registro Imobiliário (parágrafo

único).

6.3.5.2 Plano Diretor Metropolitano e Plano Diretor: interfaces

Começaremos nosso estudo a partir dos interesses interesse local e

metropolitano, no âmbito do planejamento urbano. Em resumo, o que

expusemos sobre interesses metropolitano e local:

1) Em relação aos entes federados que integram as Regiões

Metropolitanas, convivem dois tipos de interesses: de um lado, o interesse

local,de cada Município, de outro, os interesses comuns, resultante de todos ou

alguns deles. As duas tipologias deverão conviver respeitando os limites da

autonomia dos entes federados.

2) No interesse local predomina o interesse imediato do Município em

relação ao do Estado ou União e serão resolvidos casuisticamente. Já o

interesse comum refere-se ao predomínio regional, não está territorialmente

limitado a um município, por envolver interesse de vários entes locais vizinhos.

Os interesses metropolitanos resultam em conexões e interferências recíprocas

entre os municípios, exige ações integradas entre os Municípios da região e o

Estado responsável por sua criação. As funções comuns, portanto, dizem

respeito a um só tempo aos vários municípios conurbados, cuja administração

exige atuação conjunta.

3) Os conceitos de interesse metropolitano e local são jurídicos

indeterminados, apresentam áreas de certeza positiva, negativa e zonas de

penumbra.

4) De acordo com as leis estaduais que tratam das Regiões

Metropolitanas, qual o sistema adotado para qualificar o interesse

metropolitano? 4.1) Analisamos separadamente as leis paulistas e mineiras,

que instituem as regiões metropolitanas indicam genericamente as atividades

consideradas funções públicas de interesse comum, como o saneamento

básico, o planejamento urbano e o uso e ocupação do solo; 4.2) No entanto, o

critério legal é insuficiente, pois estes assuntos também dizem respeito ao

interesse municipal e precisam ser bem definidos para não haver indevida

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violação do campo de competências constitucionais atribuídas aos Estados e

Municípios.4.3) Interesse Regional é aquele que não pode ser resolvido

isoladamente pelo Município. Por vezes, fatores de ordem física, geográfica,

social e administrativa modificam o espectro de ação local para o regional.

Assim, algo que inicialmente poderia ser resolvido isoladamente pelos

municípios, em razão dos impactos e efeitos que geram em regiões

conurbadas, será disciplinado em âmbito regional. 4.4) O interesse

metropolitano resulta das conexões e interferências recíprocas entre os

municípios, que demandam ações unificadas para sua solução;5) A definição

dos dois tipos de interesses pelo Poder Executivo conta com a colaboração dos

Estados e Municípios e representantes da sociedade civil por meio de órgãos

colegiados. 6) Por fim, o conteúdo do interesse metropolitano e local é

submetido, respectivamente, ao Poder Legislativo Estadual e à Câmara

Municipal.

E quais os parâmetros dentro das zonas de certeza positiva e negativa

utilizados para definir conteúdo do interesse local e metropolitano quanto ao

uso, ocupação do solo urbano e proteção ambiental?

José Afonso da Silva847 e Hely Lopes Meirelles848 definem como zonas

de certeza positiva para qualificar o interesse local (art.30, VIII da Constituição

Federal) normas referentes ao uso e ocupação do solo, parcelamento do solo

urbano, zoneamento, composição estética e paisagística da cidade e controle

da construção.

As normas de zoneamento de uso do solo são fixadas por leis

municipais por serem consideradas de interesse municipal (art.30, VIII da

Constituição Federal) conforme explica José Afonso da Silva849: “O

zoneamento é matéria que se insere dentro do que se chama peculiar interesse

do Município, ficando o munícipe sujeito às limitações urbanísticas impostas

pelo Poder Público”.

Por sua vez, o Município no campo da competência local dispõe sobre a

ocupação do solo urbano. Explica, José Afonso da Silva850 que o objetivo do

controle da ocupação do solo é garantir para as cidades uma distribuição

847

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.245. 848

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.508. 849

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.249. 850

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.252.

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equitativa e funcional de densidade, ou seja, densidades edilícias e

populacionais compatíveis com a infraestrutura e equipamentos das áreas

consideradas.

Por meio das normas de ocupação do solo, vários modelos de

assenamento urbano surgem, em razão da dimensão do lote onde será

construído o edifício e os índices urbanísticos de ocupação do solo (taxa de

ocupação851, coeficiente de aproveitamento852, áreas de estacionamento).

Podemos indicar como zonas de certeza negativa para qualificar

interesse local, de regulamentação exclusiva pelo Município, a fixação de área

mínima dos lotes oriundos do parcelamento do solo urbano. Por se tratar de

norma urbanística, a Lei nº 6.766/1979, ao dispor sobre o parcelamento do solo

urbano, é considerada (art.24, I, §1º, da Constituição Federal) norma geral da

União, responsável por determinar padrões mínimos, válidos para todo o

território nacional, de urbanização das glebas e habitabilidade dos lotes, por

conta do loteamento e do desmembramento.

Não caberá aos Municípios disciplinar em suas legislações urbanísticas

o tamanho mínimo de determinado lote originário de parcelamento do solo. Isto

porque dispõe a Lei nº 6.766/1979, art. 4º, II, que os lotes serão formados com

área mínima de 125m² e frente mínima de 5m, salvo quando o loteamento se

destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de

interesse social, aprovado pelos órgãos públicos. Portanto, não caberá ao

município legislar sobre este assunto que não é considerado interesse local.

Já os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão estabelecer

normas complementares relativas ao parcelamento do solo municipal para

adequar a Lei às peculiaridades regionais e locais.

São consideradas pela lei federal normas locais as urbanísticas que

visam assegurar aos loteamentos os equipamentos e as condições mínimas de

habitabilidade e conforto, harmonizadas com o plano diretor municipal. De

acordo com os arts. 2º e 4º, são normas jurídicas desta espécie a definição dos

índices urbanísticos (taxa de ocupação, coeficiente de aproveitamento) por

851

Taxa de ocupaçãorefere-se à superfície do terreno a ser ocupada com a construção. É um índice que estabelece a relação entre a área ocupada pela projeção horizontal da construção e a área do lote. In: SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.255. 852

Coeficiente de Aproveitamento, segundo o professor José Afonso da Silva, em seu SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.255, é a relação entre a área total da construção e área do lote.

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408

planos diretores ou leis municipais específicas para a zona onde estiverem

situados.

Contudo, existem zonas de penumbra, que exigem do intérprete da

norma um exercício de hermenêutica jurídica para aplicá-la sem invadir a

competência constitucional de outro ente federado. É neste ponto que surgem

vários conflitos de competência, cabendo ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da

Constituição Federal) decidir a controvérsia.

Dentro destas zonas de penumbra, analisaremos três casos para

verificarmos se há interesse local ou metropolitano que justifique o tratamento

das seguintes matérias: a) zoneamento industrial; b) aprovação pelo Estado de

loteamento e desmembramento quando localizados em áreas metropolitanas

(Lei nº 6.766, art.13, II); c) previsão pelo plano estadual de resíduos sólidos,

em áreas metropolitanas, de zonas favoráveis para a localização de unidades

de tratamento de resíduos sólidos ou de disposição final de rejeitos (Lei nº

12.305/2010, art.17, IX).

Ao analisarmos as legislações envolvidas no zoneamento industrial,

verificaremos que o Estado poderá tratar do assunto em níveis regional e

metropolitano. Haverá um necessário imbricamento entre as noções de

interesse local e metropolitano quanto à incidência do assunto.

Do ponto de vista do zoneamento urbano é competência do Município

defini-lo (art. 30, VIII, da Constituição Federal).

Em se tratanto de competência regional, os Estados (art.24) exercem

competência suplementar, obedecendo à norma geral federal que dispuser

sobre o assunto e respeitando a competência municipal. Afirma José Afonso da

Silva853 que o Estado não poderá agir no exercício da função urbanística de

efeito concreto intraurbano, mas deve atuar em nível supramunicipal de

ordenação territorial, que aos Municípios cabe observar apenas como normas

de atuação e coordenação regional. O autor ainda propõe que o conteúdo do

Plano Diretor Estadual deverá abordar, por exemplo, objetivos estratégicos do

desenvolvimento da rede urbana estadual e sua relação com o ambiente rural;

as diretrizes gerais da organização do território do Estado em correlação com

os programas estaduais de desenvolvimento econômicoe social, diretrizes

853

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.127.

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409

urbanísticas (nos planos federais) e diretrizes de regionalização e do

zoneamento industrial supramuncipal.

Com relação ao zoneamento industrial, os Estados não poderão atuar no

que tange à localização industrial no perímetro urbano, por se tratar de

competência municipal854:

traçar diretrizes gerais ao direcionamento, ao ordenamento e ao controle do assentamento industrial em nível supramunicipal, obtendo-se dos Municípios envolvidos, mediante convênio, assistência e incentivos, a adequação de seus planos diretores e de suas leis de uso do solo aos objetivos pretendidos.

Se o Estado não poderá proibir a localização industrial em algum

município de estabelecimentos industriais, o que deverá fazer, em razão da

competência comum ambiental (arts.23, VI, IX e X, e 225, IV da Constituição

Federal)? Segundo José Afonso da Silva, o Estado, dentro de um plano de

regionalização industrial que determina objetivos de interesse público,

supramunicipal, deverá impor condições à iniciativa particular, sujeitará o

empresário a obter licença ambiental estadual para instalar e funcionar

empreendimentos industriais na área supramunicipal definida pelo plano.

O raciocínio será diferente no âmbito da ação do Estado em se tratando

de Regiões Metropolitanas.

Dispõe as legislações estaduais, como a Lei Estadual Complementar nº

1.139 de 2011 (art.12) ao criar a Região Metropolitana de São Paulo, que

compete ao Conselho de Desenvolvimento Metropolitano gerir os interesses

metropolitanos, dentre eles o planejamento, o uso do solo e o meio ambiente.

Quanto à normatização do zoneamento industrial, mencionamos a Lei

Federal nº 6.803/1980, que prevê as diretrizes básicas para o zoneamento

industrial, nas áreas críticas de poluição dos Estados e Municípios e nas

Regiões Metropolitanas de São Paulo e a Lei nº 1.817, de 27/10/1978, que

determina os objetivos e as diretrizes para o desenvolvimento industrial

metropolitano, a disciplina do zoneamento industrial, a localização, a

classificação e o licenciamento de estabelecimentos industriais na Região

Metropolitana de São Paulo.

854

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.132.

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410

Em razão das legislações antecederem a Constituição Federal de 1988,

a doutrina discute a recepção pela nova ordem constitucional. De um lado, Ives

Gandra Martins855 defendeu a não recepção da Lei nº 1.817/1978856, pela nova

ordem Constitucional, por entender que os Estados-membros não têm

competência sobre política urbana (art.182 e parágrafos, que atribuem

exclusivamente aos Municípios, pelo plano diretor, a competência para

disciplinar a política de desenvolvimento e expansão urbana).

O jurista enfrentou em seu parecer a questão que relatamos a seguir: o

Município de Diadema era regulado pelo plano diretor (Lei nº468/1973) que não

restringia o direito de construir, sobretudo quanto aos estabelecimentos

industriais. Por outro lado, a Lei nº 1.817/1978 (art.10) restringiu o porte e

impôs critérios para a instalação de um estabelecimento. O jurista defendeu

que as limitações da lei estadual não foram recepcionadas pela nova

Constituição, pois continham normas que desrespeitavam a autonomia

municipal, subordinando o interesse municipal ao nacional, tratamento

compatível apenas com a ordem constitucional de 1969. Neste caso, pela

Constituição de 1988, apenas as regras do plano diretor municipal

prevaleceriam, afastando qualquer tipo de limitação para a construção de

indústrias no município.

Discordamos do jurista pelas razões que passamos a expor. Com

relação ao zoneamento industrial disciplinada pela Lei Federal nº 6.803 de

2/7/1980, o Plano Metropolitano abrangerá os critérios do zoneamento

industrial que vão orientar a disciplina do zoneamento urbano a ser definido

pelos municípios. As leis estaduais e federais vão estabelecer os contornos

genéricos das zonas, que serão escolhidas pelos municípios em seu território,

através de especificações como capacidade de assimilar efluentes ou

condições favoráveis para instalar a infraestrutura e os serviços necessários ao

funcionamento das indústrias.

855

MARTINS, Ives Gandra. Competência legislativa retirada dos Estados para os Municípios pela nova ordem constitucional. Revista dos Tribunais 645/13, jul.1989. In: (Orgs.) CLÉVE, Clemerson Merlin; BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional: Organização do Estado. Coleção doutrinas essenciais. v.III. São Paulo: RT, 2011. 856

Lei nº 1.817, de 27 de outubro de 1978 –Estabelece os objetivos e as diretrizes para o desenvolvimento industrial metropolitano e disciplina o zoneamento industrial, a localização, a classificação e o licenciamento de estabelecimentos industriais na Região Metropolitana da Grande São Paulo e dá providências correlata.

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411

O art. 7º da Lei Federal nº 6.803 de 2/7/1980, recepcionado pela

Constituição Federal, preserva a autonomia e a competência municipal

responsável por definir os parâmetros de uso e ocupação do solo. O Estado

apenas aprovará genericamente padrões de uso e ocupação do solo, aos

municípios da Região Metropolitana, nas quais, por suas características

culturais, ecológicas, paisagísticas, ou necessidade de preservar mananciais e

proteger áreas especiais, fica vedada a localização de estabelecimentos

industriais.

O Estado apenas fixará princípios e diretrizes para impedir a localização

de indústrias, desde que os municípios decidam se acatarão a norma.

A interface entre as competências municipal e estadual quanto à

definição do zoneamento industrial por planos diretores foi abordada por Paulo

Affonso Leme Machado857:

[...] Competirá ao Município dizer o local das indústrias e das zonas de reserva ambiental. Contudo, a lei fala em esquema de zoneamento. Localizar as indústrias não equivale a criar zonas industriais, porque a lei reservou aos governos estaduais aprovar a delimitação, a classificação e a implantação de zonas estrita e predominantemente industriais. Institui-se, assim, o poder de tutela estadual ou federal sobre a ação municipal de zoneamento industrial. Não será admissível a intervenção direta da União ou dos Estados para fazer o esquema de zoneamento urbano. Entretanto, a lei reservou a possibilidade de ação indireta dos Estados para todos os tipos de zonas industriais, pois de nada valerá o Município indicar o local, se não houver a aprovação da delimitação em fase posterior.

A disciplina do zoneamento industrial regulamentada por lei nacional e

pelo Estado (região metropolitana), não envolve, exclusivamente,a disciplina de

uso do solo. A lei cuida ainda dos aspectos relacionados ao controle da

poluição, matéria de caráter ambiental, exercida de forma comum entre os

entes federados (arts.23, VI, c/c com a competência concorrente do art. 24, VI

da Carta Magna).

Determina a Lei nº 6.803/1980 (art.1º), que as zonas destinadas à

instalação de indústrias serão definidas em esquema de zoneamento urbano,

aprovado por lei, que compatibilize as atividades industriais com a proteção

ambiental. Rege o parágrafo 1º, art.1º, que as zonas de que trata este artigo

857

MACHADO, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro.16.ed.São Paulo: Malheiros, 2008, p.205.

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412

serão classificadas em: a) zonas de uso estritamente industrial; b) zonas de

uso predominantemente industrial; c) zonas de uso diversificado.

Quando as indústrias estiverem em Regiões Metropolitanas (art.10 da

Lei nº 1.917/1978, §1º), caberá ao Conselho de Desenvolvimento Metropolitano

aprovar a delimitação, a classificação e a implantação de zonas de uso estrito e

predominantemente industrial.

Com base na Lei das Regiões Metropolitanas de São Paulo 1139/2011,

competirá ao Conselho de Desenvolvimento, com a participação de prefeitos

dos Municípios da Região e de representantes do Estado definir zonas

industriais de acordo com a classificação federal para evitar que indústrias

poluentes se instalem em locais impróprios, comprometendo a qualidade do ar

atmosférico da região.

Igualmente a Lei Estadual nº 1.817/1978, para compatibilizar o

desenvolvimento industrial com a melhoria das condições de vida da população

e a preservação do meio ambiente; na Região Metropolitana de São Paulo,

permitiu que o Conselho de Desenvolvimento Metropolitano de São Paulo,

tratasse do zoneamento industrial como interesse metropolitano. Neste caso,

os integrantes deste colegiado deverão estabelecer critérios de localização

industrial, baseados em três categorias (art. 6º): I – zona de uso estritamente

industrial (ZEI);II – zona de uso predominantemente industrial (ZUPI), dividida

nas subcategorias ZUPI-1 e ZUPI-2;III – zona de uso diversificado (ZUD).

Ao realizar esta tarefa, o Conselho de Desenvolvimento Metropolitano

deverá observar o art. 7° que oferece os critérios para fixar o zoneamento

industrial. Assim, cada uma das zonas de uso industrial são qualificadas,

considerando aspectos ambientais e relativos à economia regional e à

infraestrutura urbana, índices urbanísticos de uso e ocupaçãodo solo urbano,

critérios de dimensionamento, de ocupação, de aproveitamento de lotes e de

categorias de uso conforme e não conforme, sem prejuízo da observância da

legislação federal e estadual sobre a matéria.

A Constituição do Estado de São Paulo prevê (art.183) a competência

do Estado para estabelecer diretrizes à localização e integração das atividades

industriais, considerando aspectos ambientais, sociais, geográficos e

econômicos, competindo aos Municípios (parágrafo único) de acordo com as

diretrizes e critérios estaduais, criar e regulamentar zonas industriais.

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413

Assim, o Plano Diretor Metropolitano cria repercussões concretas em

relação ao zoneamento industrial no planejamento dos municípios da região,

ao estabelecer modo e intensidade de uso e ocupação do solo.

As normas em vigor envolvem disciplina de uso e ocupação do solo,

atrelada às questões ambientais. Isto porque a regulamentação do uso visa a

proteção ambiental e a redução dos impactos decorrentes da poluição. Isto já é

possível no exercício de competência estadual regional, quando o Estado

estabelece políticas indutoras ou condicionadoras no campo do licenciamento

ambiental para controlar a atividade industrial do empresário. No entanto, no

campo das Regiões Metropolitanas, por meio desta legislação específica, o

critério ambiental serviu como base para o controle do uso e ocupação do solo,

mesclando os dois campos de competências constitucionais (urbanístico-

ambientais).

Seguimos o entendimento de Luiz Carlos Guimarães Castro858, que

tratou de tema semelhante referente à recepção constitucional da Lei Estadual

nº 466/1981 do Rio de Janeiro. Por este diploma estadual, atribuiu conforme a

Lei Federal nº 6.803/1980, a competência do Estado, por meio do Conselho de

Desenvolvimento Metropolitano, para tipificar genericamente as modalidades

de zonas industriais. O Procurador do Estado defendeu a edição da norma

estadual no âmbito da competência supletiva estadual (art. 24, VI, §2º, da

Constituição Federal).

Defende o jurista carioca que, embora o zoneamento seja matéria de

competência local (art. 30, VIII, c/c art. 182 da Constituição Federal), na qual se

insere o zoneamento industrial, como forma de uso e ocupação do solo, a

matéria transcende a esfera urbanística exclusiva do Município por refletir

interesses ambientais. Ao tratar de zoneamento industrial, a matéria vincula-se

à tipologia das indústrias admissíveis em regiões do solo urbano consideradas

zonas críticas de poluição, por consistir em política de controle de poluição,

assunto de competência concorrente entre os entes federados (art.24, VI, da

Constituição Federal).Transcrevemos algumas conclusões do autor com as

quais concordamos859:

858

CASTRO, Luiz Carlos Guimarães. Revista de Direto da Procuradoria Geral do Rio de Janeiro nº 44, 1992, p.291. 859

CASTRO, Luiz Carlos Guimarães. Revista de Direto da Procuradoria Geral do Rio de Janeiro nº 44, 1992, p.296.

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414

Há que se ressaltar que a poluição decorrente da localização de um estabelecimento industrial não se restringe a um assunto de interesse local, simplesmente concernente ao Município onde a indústria se teria fixado; a poluição aérea por gases tóxicos não se detém nos limites municipais, o mesmo sendo dito com relação aos efluentes lançados nas águas dos rios; principalmente numa “região crítica”, todos os municípios constantes da dita região recebem, possivelmente com a mesma intensidade, os efeitos nocivos advindos do estabelecimento industrial, não se atendo, por esta razão, o controle dos agentes poluidores a um único ou peculiar interesse municipal.

Quanto à aprovação pelo Estado de loteamento e desmembramento,

quando localizados em áreas metropolitanas (art.13, II, da Lei nº 6.766),

entendemos que é constitucional em face da competência suplementar do

Estado em matéria urbanística, considerando o interesse metropolitano.

Justifica-se o dispositivo ao lado da competência local dos municípios na

aprovação de loteamentos e desmembramentos, por envolver situações nas

quais o parcelamento do solo terá conexão direta entre o interesse

metropolitano e o local.

Apesar de alguns doutrinadores, como Toshio Mukai860interpretarem o

dispositivo mais restritivamente em nome da autonomia municipal, ainda assim

é necessário aplicá-lo à luz da Constituição Federal, para minimizar a

conurbação excessiva gerada pelos parcelamentos do solo não planejados.

No entanto, o autor enfatiza que art.13, II, c/c com o seu parágrafo único

da Lei Federal nº 6.766/1979 só deverá ser aplicado às áreas de intensa

conurbação, ou seja, em parcelamentos urbanos localizados em áreas

limítrofes de municípios ou em mais de um município. Não é, portanto,

aplicável em todo e qualquer parcelamento urbano localizado em certos

municípios, justamente por não existir interesse supramunicipal a ser

resguardado.

O dispositivo continua em vigor, não foi considerado inconstitucional e é

aplicável em vários Estados, conforme verificamos no Estado de São Paulo por

meio do julgado da Corregedoria Geral de Justiça de 8/8/2006 que considerou

autoridade legal para aprovar loteamento na Região metropolitana de São

Paulo, a Secretaria de Estado da Habitação e não o Conselho de

860

MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental.3.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p.152.

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415

Desenvolvimento da Região metropolitana de Campinas (Lei Complementar nº

870/2000), conforme argumentou o Ministério Público do Estado de São Paulo:

PROCESSO CGJ DATA: 8/8/2006 FONTE: 517/2006 LOCALIDADE: AMERICANA Relator: Álvaro Luiz Valery Mirra Legislação: Art. 13, parágrafo único, da Lei nº 6.766/79. PARCELAMENTO DO SOLO URBANO. LOTEAMENTO – IMPUGNAÇÃO. AUTORIDADE METROPOLITANA – ANUÊNCIA. QUALIFICAÇÃO REGISTRAL – LEGALIDADE FORMAL. GRAPROHAB – SECRETARIA ESTADUAL DA HABITAÇÃO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. Ementa:Registro de Imóveis – Loteamento – Impugnação ao registro – Empreendimento localizado em município integrante de região metropolitana – Anuência da autoridade metropolitana (art. 13, p.u., da Lei nº 6.766/1979) – Competência atribuída à Secretaria de Estado da Habitação pelo Decreto Estadual nº 47.818/2003 – Anuência concedida por referido órgão – Suficiência para reconhecimento da legalidade formal do empreendimento, no âmbito da qualificação registral – Impossibilidade de negativa de vigência de referida norma na esfera administrativa, sob o argumento de ilegalidade e inconstitucionalidade – Controle de legitimidade de norma infra-legal em confronto com a lei e a Constituição reservado, como regra, na matéria, ao Poder Judiciário, no exercício da função jurisdicional – Impugnação não acolhida – Registro autorizado – Recurso não provido

861.

Para reforçar a autonomia municipal – ainda que o Estado, nos casos da

Região metropolitana, atue como instância de anuência prévia de loteamentos

e desmembramentos, fixando comandos genéricos – o Município tem papel

preponderante na disciplina do parcelamento do solo urbano (art.30, VIII da

Carta Magna em consonância com a Lei Federal nº 6.766/1979). Sempre

caberá ao Município o início e o término da aprovação do parcelamento do

solo, de acordo com as diretrizes instituídas pela legislação local.

Em razão Projeto de Lei nº 3.078/2012 (art. 8°, VI e VII) que disciplina a

gestão do uso do solo metropolitano em Minas Gerais, a agência metropolitana

terá a competência apenas para emitir anuência prévia à aprovação dos

projetos de parcelamento do solo em área de Município da região

metropolitana e alterar o uso do solo rural para fins urbanos quando se tratar

de conurbação urbana, matéria afeta ao interesse metropolitano.

Desta maneira, não há redução da autonomia municipal, pois o

parcelamento do solo e a alteração do uso do solo são exercitáveis, no âmbito

861

Jurisprudência do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil–Fonte: http://www.irib.org.br/asp/Jurisprudencia.asp?id=15654 – acesso em 03/12/2011.

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416

da competência local, restritos aos limites territoriais de cada município. No

entanto, se as questões de parcelamento do solo extrapolam o interesse local,

são transformadas em interesse metropolitano, que autoriza a imediata atuação

da autoridade estatal. Assim, o município mantém a competência para ordenar

e parcelar o solo quando não estiver em jogo interesse de outros municípios.

Caso contrário, o Estado deverá atuar em razão do interesse metropolitano

com a participação dos municípios que integram a região metropolitana.

Invocamos ainda as recentes alterações do Estatuto da Cidade,

promovidas pela Lei nº 12.608/2012. Segundo o art.3° da Lei Federal nº

6.766/1979, o parcelamento do solo para fins urbanos só poderá ser admitido

em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica,

definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.

Em razão do recente art. 42-B do Estatuto da Cidade, os Municípios que

pretendam ampliar seu perímetro urbano deverão elaborar projetos específicos,

definindo parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, a fim de

promoverem a diversidade de usos e contribuírem para gerar emprego e renda,

conforme as diretrizes do plano diretor (art.42-B, §1º). Na sequência, o

§3ºdetermina que a aprovação de projetos de parcelamento do solo no novo

perímetro urbano ficará condicionada a um projeto específico e deverá

obedecer às suas disposições. Ora, este dispositivo coloca um ponto final às

discussões que ensejam dúvida em relação à atuação das autoridades

metropolitanas estaduais quanto à anuência prévia. Mesmo havendo uma

função estadual neste sentido, o Município sempre atuará de forma decisiva,

pois caso os municípios que integram a região metropolitana decidam ampliar

seus perímetros urbanos, a aprovação dos parcelamentos dependerá do

projeto específico elaborado pelo Município de acordo com a legislação local.

Portanto, em conformidade às alterações legislativas, o art. 13 da Lei Federal

nº 6.766/1979 deve ser interpretado em conjunto à legislação editada

posteriormente, que por sua vez, imprime função relevante aos municípios na

aprovação dos loteamentos e desmembramentos urbanos.

Por fim, discutiremos o art. 17, IX, XI, “a”, da Lei nº 12.305/2010 que

atribui como conteúdo do Plano Estadual de Resíduos Sólidos, a previsão em

áreas metropolitanas de zonas favoráveis para localização de unidades de

tratamento de resíduos sólidos ou de disposição final de rejeitos.

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Esta matéria pode ser disciplinada no Plano Diretor Metropolitano,

quando tratar de localização de unidades de resíduos sólidos ou disposição

final de rejeitos em regiões metropolitanas. Estamos diante de norma de

caráter ambiental, inteiramente relacionada com o zoneamento urbano.

Assim como defendemos a constitucionalidade da competência do

Estado, no Conselho Metropolitano para definir zoneamento industrial,

aplicamoso mesmo raciocínio no campo da instalação de equipamentos de

tratamentos de resíduos sólidos, evitando contaminação do solo e problemas

de poluição ambiental relacionados ao destino dos resíduos. O legislador não

determinou expressamente ao Estado fixar zonas para instalar equipamentos

de tratamento do lixo. O dispositivo apenas mencionou a possibilidade do plano

estadual metropolitano prever zonas favoráveis para localizar unidades de

tratamento de resíduos sólidos que, no âmbito da competência de zoneamento

do município, seriam definidas por lei municipal.

Poderíamos enquadrar o caso acima relacionando-o às normas

urbanísticas, que transcendem o interesse local. Luiz Henrique Antunes

Alochio862entende ser possível disciplinar o planejamento urbano nas Regiões

Metropolitanas.

O jurista cita o Recurso Extraordinário 101.3311863 do Estado da

Paraíba, que ao tratar de normas de direito de construir, expedidas pelo Estado

no controle das construções na orla marítima, agiu conforme a lei por se tratar

de norma que transcende o peculiar interesse local. O autor reconhece que o

acórdão foi proferido à luz da Constituição de 1969, sem tratar especificamente

de interesse metropolitano. Contudo, utiliza a noção de transcendência do

interesse local como paradigma para afirmar que o planejamento urbano pode

ser objeto de interesse metropolitano regulamentado por Plano Diretor

Metropolitano864:

Diante de tais razões, fundamento nosso entendimento de que as regiões metropolitanas podem servir de instrumentalidade para o planejamento urbanístico, desde que obedecidas as peias e limites para a fixação dos reais interesses metropolitanos, que serão os delimitadores da atuação estadual. No caso, as leis deverão ser

862

ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes.Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.116. 863

Disponível em: <www.stf.gov.br>. Acesso em: 22 fev.2013. 864

ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes.Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.117.

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aprovadas pelas Assembleias Legislativas, cabendo às regiões metropolitanas a execução dos atos materiais de planejamento.

O jurista capixaba admite ainda que o Plano Diretor Metropolitano

excepcionalmente trate de assuntos concretos, de menor grau de generalidade

e abstração como forma de sobrepor-se ao conteúdo das normas municipais.

Para o autor, as normas do Plano Diretor Metropolitano são genéricas, dão

diretrizes, demonstram em relação às demais normas elevado grau de

generalidade e abstração865:

[....] A presença de eventual regra mais concreta será uma exceção nesse nível de planejamento urbanístico; as “normas metropolitanas” têm por essência o viés ordenador da região metropolitana, o que, por essência, já se vai aproximando de elevado grau de abstração e generalidade. Não são normas próprias para a veiculação de regras de comportamento individual do cidadão. [...] Em suma, os Planos Metropolitanos, muito mais que ordenadores de comportamentos privados, funcionariam como ordenadores dos partícipes de uma região. Teria função institucional de equalizar as regras e políticas públicas locais, em benefício de um interesse regional, e não apenas a ordenação de comportamentos diretores dos proprietários e empreendedores.

Em suma, ainda que o autor admita as normas de concreção

específicas, legisladas pelo Estado em âmbito metropolitano, ressalva que

serão excepcionais, pois a matéria típica deste plano é mais genérica,

fornecedora de princípios e diretrizes.

Em razão da existência de dois planos diretores – um editado pelo

Estado (no que toca ao ordenamento territorial metropolitano) e outro no que

tange ao ordenamento territorial municipal – quem deverá prevalecer? O

metropolitano ou o municipal?

Para Rafael Augusto Silva Domingues866 não há prevalência entre

planos. Cada ente federado tem sua parcela de competência, em razão da qual

o outro não pode legislar, exceto nas hipóteses de competência suplementar.

Assim, a ideia de prevalência deverá ser substituída por constitucionalidade de

um plano em relação ao outro.

865

ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes.Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.259. 866

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.154.

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419

Com base em Alaôr Caffé Alves867, temos que os planos diretores

metropolitanos deverão inspirar a elaboração dos planos diretores municipais,

criando modelos territoriais que refletem a localização das atividades

econômicas e sociais numa área geográfica, prevendo, inclusive, as

infraestruturas e os equipamentos urbanos necessários. Além disto, o plano

metropolitano servirá como ponto de coordenação e articulação entre os planos

metropolitanos e municipais, evitando contradições, interferências ou

superposições em relação ao conteúdo de cada um.

Na hipótese das zonas de penumbra (em termos de definição do

interesse local e metropolitano), caberá aos Municípios disciplinar

detalhadamente os parâmetros de uso e ocupação do solo, específicos para

ordenar seus espaços habitáveis, com índices concretos distintos de outros

municípios da mesma região. Este é o núcleo intangível da competência

municipal quanto ao direito urbanístico.

Por outro lado, o interesse local receberá influência das diretrizes

metropolitanas, pois abrange de forma comum, os interesses de toda região,

atentando para os aspectos locais que ainda subsistem quando o Município

integra a Região Metropolitana, apesar dos condicionamentos relativos à sua

competência diante das funções públicas de interesse comum.

A lei que cria o plano metropolitano urbanístico e ambiental

estabelecerá, para as regiões metropolitanas, as diretrizes, objetivos, metas e

prioridades da região quanto aos aspectos de uso e ocupação do solo e as

medidas de proteção ao meio ambiente.

O plano metropolitano irá nortear a elaboração dos planos municipais

em relação à ordenação do uso e ocupação do solo urbano visando proteger

medidas ambientais, como a preservação de mananciais, o combate à poluição

e aos efeitos negativos que decorrem do efeito estufa.

Os planos diretores municipais serão, portanto, elaborados em

conformidade às metas e diretrizes gerais do Plano Diretor Metropolitano. Por

meio da “corrente ampliativa de tratamento moderado”, no que tange ao

exercício de competências urbanísticas dos Estados-membros na disciplina

territorial e ambiental das Regiões Metropolitanas, o Plano Diretor

867

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.166.

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420

Metropolitanoirá nortear, direcionar, definir prioridades e ações para disciplinar

o ordenamento territorial das regiões metropolitanas e sua proteção ambiental.

Se optarmos pelo termo prevalência fracassaremos uma vez que

estamos tratando de competências entre entes federativos disciplinados pelo

princípio da igualdade das pessoas políticas868. A Constituição Federal outorga

aos entes federados um conjunto de competências para serem exercidas em

patamar de igualdade. Só falamos em superioridade quando tratamos da

influência que a Carta Constitucional exerce sobre as leis editadas por cada

ente, visto que deverão seguir rigorosamente os padrões constitucionais.

Portanto, os planos metropolitanos (editados pelos Estados) e os planos

municipais entre si estão em patamar de igualdade, pois foram editados sob a

égide da Constituição.

Assim, qual a relação entre o conteúdo de ambos os planos?

Entendemos que os dois deverão ser compatíveis entre si, coexistirem,

conciliarem seus conteúdos sem predominância de um sobre o outro.

Nessa perspectiva, adotamos o raciocínio de Rafael Augusto Silva

Domingues869 que admite o diálogo entre os conteúdos e na hipótese de

eventual discordância, a análise da divisão de competências constitucionais ao

dispor que todo conteúdo de interesse metropolitano seja atribuído ao Estado e

o municipal, de ordenamento e parcelamento do solo urbano, conferido aos

municípios.

Assim, como fixar conteúdo (diretrizes genéricas) no Plano Diretor

Metropolitano é competência do Estado, suas disposições influenciarão os

planos municipais. Os Municípios, em razão do vínculo compulsório que

ostentam na criação das regiões metropolitanas pelo Estado, poderão

influenciar, participar da elaboração de seu conteúdo, dialogar com os órgãos

estaduais. No entanto, se não concordarem com suas disposições, deverão

aceitar os comandos genéricos, diretivos, pois integram a Região

Metropolitana. Os planos diretores metropolitanos não deverão invadir os

limites relacionados à competência urbanística municipal (art.30, VIII e 182 da

868

SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 9ª tiragem. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.185. 869

DOMINGUES, Rafael Augusto Silva. A Competência dos Estados-Membros no Direito Urbanístico – Limites da Autonomia Municipal. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.152.

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421

Constituição Federal). Não há prevalência de matéria local, mas respeito ao

seu conteúdo em razão da divisão constitucional de competências.

Rafael Augusto Silva Domingues870, ao analisar a constitucionalidade

das Cartas da Bahia, de São Paulo e do Rio Grande do Sul, afirma que a

primeira tem disposições inconstitucionais em relação à Carta de 1988. Por

outro lado, alguns artigos da Constituição paulista poderão ser interpretados

conforme a Constituição Federal e por fim reputa inteiramente constitucionais

as determinações da Constituição gaúcha.

Segundo os arts.167 e 168 da Constituição baiana, não podemos afirmar

que cabe ao Estado legislar sobre direito urbanístico, restando aos Municípios

apenas executar a política urbana, reduzindo completamente o sentido de

autonomia municipal.

A Constituição Paulista (Art. 155), por sua vez, compatível com a

Constituição Federal, pois determina que os Municípios alinhem,no que couber,

seus planos às ações, diretrizes e objetivos dos planos estaduais de ordenação

territorial. Mas prescreve, em seu parágrafo único, que o Estado, no que

couber, compatiblizará os planos estaduais com o plano diretor. Isto demonstra

respeito às competências de cada ente, em função da terminologia, no que

couber.

Na mesma linha, a Constituição gaúcha (art.177), ao determinar que os

Municípios da região metropolitana, além de contemplar os aspectos de

interesse local, deverão compatiblizar suas determinações com as normas de

planejamento metropolitano.

Esta premissa orienta o trabalho desenvolvido e implementado pelos

governos de Minas Gerais e São Paulo em seus planos metropolitanos.

Em 23 de novembro de 2011, durante a III Conferência Metropolitana da

Região de Belo Horizonte, o secretário extraordinário de Gestão Metropolitana,

Alexandre Silveira, afirmou871:

O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) é um documento fundamental e norteador das políticas públicas da Região Metropolitana de Belo Horizonte e, por meio dele, já foram definidas

870

ALVES, Alaôr Caffé.Planejamento Metropolitano e Autonomia Municipal no Direito Brasileiro. São Paulo: José Buschatsky,1981, p.153. 871

“Gestão Metropolitana realiza II Conferência Metropolitana do Vale do Aço”. Reportagem veiculada em <www.folhadocomercio.com.br.Publicada em nov.2011. Acesso em: 17 jul.2013.

Page 422: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

422

as prioridades de trabalho para o desenvolvimento da região metropolitana.

Do mesmo modo, em 16 de abril de 2013, o prefeito Fernando Haddad,

ao assumir a presidência do Conselho de Desenvolvimento da Região

Metropolitana de São Paulo, propôs elaborar um plano diretor estratégico para

a região, integrando as diretrizes de desenvolvimento dos 39 municípios. Ao

lançar as bases do projeto, explicou872:

Para pensar em médio e longo prazo a região metropolitana, você precisa ter um plano diretor. A idéia é que a Emplasa (Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano) capitaneie, junto aos secretários de Desenvolvimento Urbano de cada cidade, a compilação dos planos diretores existentes para criar uma visão de futuro da região metropolitana, propôs Haddad. A partir das informações levantadas pela Emplasa, o conselho elaborará um trabalho de planejamento estratégico integrado, apontando soluções conjuntas para questões como mobilidade urbana e saúde pública. [...] Durante a reunião, o prefeito Fernando Haddad anunciou a doação ao Município de Cotia de um terreno de cerca de mil metros quadrados, atualmente pertencente à COHAB. No local, está sediado o maior parque de Cotia. A iniciativa é um exemplo de parceria entre os municípios da região metropolitana. A COHAB possui dezenas de milhões de metros quadrados em outros municípios. Disponibilizar este estoque fundiário seria extremamente benéfico para parques e moradias no entorno de São Paulo, o que iria contribuir com o desenvolvimento da própria capital.

A manifestação do prefeito está alinhada ao nosso pensamento, pois

através da análise dos planos municipais, os órgãos metropolitanos terão

subsídios sobre a realidade local para articularem ações genéricas

considerando as competências municipais.

Por fim, citamos Toshio Mukai873, ao responder a pergunta: os planos

nacionais, estaduais, regionais (inclusive os metropolitanos) obrigatoriamente

devem ser observados pelo Município?

A questão é bastante discutível. Contudo, se admitimos que os planos urbanísticos são parte integrante do direito urbanístico, e sendo este consubstanciado por normas enquadráveis como matéria concorrente dos três níveis de Governo, devemos admitir, também, em princípio, que os planos estaduais e metropolitanos obrigam sua observância (se o Município se dispuser a aprovar seu plano) pelo Município. Entretanto, em caso de conflitos de diretrizes e normas,

872

“Haddad propõe plano diretor integrado para Região Metropolitana”.Reportagem veiculada na Rede Nossa São Paulo. Disponível em: 17 abr.2013. Disponível em: <www.nossasaopaulo.org.br>. Acesso em: 17 jul.2013. 873

MUKAI, Toshio. Direito Urbanístico e Planejamento Municipal. Fórum de Direito Urbano e Ambiental (FDUA) nº15, ano 3, mai-jun, Belo Horizonte, 2004, p.6.

Page 423: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

423

sempre que os planos municipais contrariarem aqueles planos, se contiverem assuntos, diretrizes ou normas que contemplem maior repercussão na necessidade local e menor no interesse geral, devem prevalecer sobre os planos nacionais, estaduais ou metropolitanos.

Deste modo, concluímos que o ordenamento jurídico exige por parte dos

municípios a observância dos planos metropolitanos. No entanto, na hipótese

de contrariedade entre os seus conteúdos, o plano municipal deverá ser

respeitado se estivermos diante de interesse local.

6.3.6 Elaboração, aprovação e revisão

Cuidaremos agora do processo legislativo que o Plano Diretor

Metropolitano deverá percorrer em razão de ser considerado uma lei.

Avaliaremos o tipo de lei que veicula as direrizes do plano diretor e a

iniciativa que Constituição Estadual atribui ao plano metropolitano para

conhecermos o quórum de aprovação da lei e as etapas específicas do

processo legislativo. Por fim, verificaremos o grau de participação popular

atribuído pelo ordenamento na elaboração do plano diretor.

Ao examinarmos a Constituição do Estado verificamos o tipo de lei

atribuída para expedir o plano metropolitano. Na ausência de dispositivo

expresso, significa que o legislador atribuiu à espécie normativa a qualidade de

lei ordinária. Caso contrário, diante da previsão expressa, a norma será

complementar. A Constituição do Estado de São Paulo, por exemplo, não

dispôs sobre esta espécie. Apenas por simetria, reproduziu do art. 25, §3º, da

Constituição Federal, ao determinar que a criação de região metropolitana será

por lei complementar.

Em relação à iniciativa do projeto de lei que trata do Plano Diretor

Metropolitano, qual o regime jurídico adotado? Caberá à Constituição Estadual

tratar do assunto.

Como exemplo, no que tange ao Plano Diretor Municipal, a previsão

caberá à Lei Orgânica. Uma vez silente, a doutrina e a jurisprudência não são

unânimes no tratamento da matéria.

Em decisão publicada pelo STF, em 2/4/2002 – por ocasião do

julgamento do Recurso Extraordinário 218.110-6 de São Paulo, relatado pelo

Page 424: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

424

Ministro Néri da Silveira, em ADIN contra lei municipal – por unanimidade os

ministros não identificaram normas que atribuíssem ao Chefe do Poder

Executivo Municipal a exclusividade de iniciativa relativa ao planejamento

urbano.

Regina Maria Macedo Nery Ferrari874, José dos Santos Carvalho

Filho875, acompanham o entendimento do STF, acolhendo a tese de iniciativa

geral para o Plano Diretor. Assim, ele será proposto por qualquer membro ou

comissão da Câmara, do Prefeito e por cidadãos (art. 29, XII, da Constituição

Federal).

Mas há julgados que acolhem entendimento contrário, defendido por

José Afonso da Silva876e Luiz Henrique Antunes Alochio877 ao reconhecerem

competência privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal para editar o

Plano Diretor878.

874

FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Direito Municipal. 2.ed. São Paulo: RT, 2005, p.237. 875

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 2.ed.Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p.271. 876

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.143. 877

ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes.Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.129. 878

A seguir vários trechos de julgados defendendo para edição de plano diretor municipal, competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo: ADIN N. 174.103-0/6-00 – SÃO PAULO – VOTO 13.829 –RRBF/CECP. Entretanto, este Tribunal tem reiteradamente decidido que a iniciativa legislativa nestes casos, que envolvem a ocupação e o uso do solo, é de competência exclusiva do prefeito, pois dependem de estudos prévios e técnicos e audiências junto às entidades comunitárias que só o Poder Executivo local, por meio de seus órgãos, está apto a realizar.Sobre o assunto:"Segundo o art. 30, incs. I e VIII, da Magna Carta compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local e, no que couber, promover adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. E, conforme art. 180, II, da Constituição Bandeirante, no estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão a participação das entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e soluções dos problemas e projetos que lhes sejam concernentes.Vale dizer, o Município tem competência suplementar para o ordenamento urbano. Contudo, com a edição do ato normativo, o Poder Legislativo invadiu a esfera da competência privativa da Prefeita, não sendo respeitada a harmonia e independência dos Poderes, na medida em que, projeto de lei que trate de matéria relativa ao uso e ocupação do solo, é de iniciativa exclusiva daquela autoridade, a qual possuiu as melhores condições de avaliar a necessidade de alteração do zoneamento, pois dispõe do suporte técnico necessário. É imperiosa a realização de prévio estudo tendente a verificar a pertinência das futuras regras em relação ao local a que serão aplicadas" (ADIn n°. 171.822-0/5-00, rei. Des. Penteado Navarro, julgada em 18/03/2009). Rio Grande do Sul: A iniciativa para apresentação de projeto de Lei visando alteração do Plano Diretor de Maquine foi da Câmara dos Vereadores. No entanto, o Procurador Geral de Justiça questionou a constitucionalidade da lei municipal em relação ao disposto na Constituição Estadual alegando ofensa ao princípio da separação dos poderes, pois compete ao Poder Executivo a iniciativa dos projetos de lei que cuidam de matéria relativa ao Plano Diretor. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS MUNICIPAIS. INSTITUIÇÃO DO PLANO DIRETOR. PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR. REQUISITO CONSTITUCIONAL. NECESSIDADE DE PUBLICIDADE PRÉVIA E ASSEGURAÇAO DA PARTICIPAÇÃO DE ENTIDADES COMUNITÁRIAS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E VIOLAÇÃO FRONTAL AO § 5º DO ART. 177 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL.AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE.Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70017515719Comarca de Porto Alegre PROPONENTE: EXMO SR DR PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA REQUERIDA CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE MAQUINE REQUERIDO: EXMO SR PREFEITO MUNICIPAL DE MAQUINE DECISÃO: 26 DE MARÇO DE 2007

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425

E qual o tratamento jurídico dedicado ao Plano Diretor Metropolitano?

No Estado de Minas Gerais, dispõe a Constituição do Estado (art.46, II, §3º, III)

que incumbe ao Conselho Deliberativo de Desenvolvimento Metropolitano

provocar a elaboração e aprovar o Plano Diretor Metropolitano e suas

modificações, fiscalizar e controlar sua implantação.

Em São Paulo, a Constituição do Estado não tratou do assunto. Só

identificamos que será o Poder Executivo competente, pela leitura do art. 13 da

Lei Complementar nº 760/1994, c/c Lei nº1.139/2011 (Região Metropolitana de

São Paulo). Segundo a última legislação (art.6º, I) caberá ao Conselho de

Desenvolvimento deliberar sobre planos, projetos, programas, serviços e obras

realizados com recursos financeiros do Fundo de Desenvolvimento da Região

Metropolitana de São Paulo (art.17, §2º) pela autarquia vinculada à Secretaria

de Desenvolvimento Metropolitano. Da combinação entre os dois dispositivos,

verificamos que o governador contará com a proposição do Plano Diretor

Metropolitano pela autarquia e aprovação pelo Conselho de Desenvolvimento

Metropolitano, para na sequência encaminhá-lo à Assembleia Legislativa.

Considerando o modelo paulista, em função da iniciativa exclusiva do

Chefe do Poder Executivo Estadual para deflagrar o processo legislativo do

plano metropolitano, seria possível prever a iniciativa popular?

A Constituição Paulista previu (art.24, §3º) previu a iniciativa popular que

poderá ser exercida por meio da lei ordinária, pela apresentação de projeto de

lei subscrito por, no mínimo, 0,5% do eleitorado do Estado, assegurada sua

defesa por representante dos responsáveis, perante as comissões pelas quais

tramitar.

Acolhemos a possibilidade de atribuir à iniciativa popular o projeto de lei

do plano metropolitano, como prestígio do princípio democrático.

Quanto ao processo de participação popular, durante a elaboração do

Plano Diretor Metropolitano, qual seria o regime jurídico aplicável?

Com relação ao Plano Diretor Municipal (art.2º, II e art.40, §4º do

Estatuto da Cidade) ao elaborar o plano diretor e fiscalizar sua implementação,

os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantem as audiências públicas

e debates com a população e associações representativas dos segmentos da

RELATOR: DES. GUINTHER SPODE

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426

comunidade; a publicidade dos documentos e informações e o acesso de

qualquer interessado ao material.

Se o processo legislativo do plano diretor municipal não for conduzido de

forma democrática (art.52, VI, do Estatuto da Cidade) agentes públicos e o

prefeito poderão responder por improbidade administrativa. Trata-se de uma

norma, com relação ao autorizamento, segundo Maria Helena Diniz879, mais

que perfeita. O descumprimento dos comandos legais autoriza a nulidade do

ato, o restabelecimento da situação anterior e a aplicação de pena ao violador.

Com relação aos planos diretores municipais que não observam o

processo democrático, vários foram questionados em âmbito estadual,

caracterizando a inconstitucionalidade da lei face à Constituição do Estado.

Assim tem se manifestado a jurisprudência do Tribunal do Rio Grande do

Sul880.

Ressaltamos que, antes do Estatuto da Cidade (10 de julho de 2001), o

Tribunal do Rio Grande do Sul881 já havia se manifestado argumentando que as

Leis Municipais do Rio Grande do Sul – sobre política urbana, em específico à

elaboração do Plano Diretor – deveriam obedecer à publicidade prévia e a

participação de entidades comunitárias, cuja orientação político-administrativa

foi atribuída pelo art.29, VII, da Constituição Federal e 177 da Constituição

Estadual do Rio Grande do Sul.

No campo metropolitano, em razão da competência suplementar

urbanística do Estado é necessário observar as normas gerais da União (art.

24, I da Constituição Federal). Dispõe o art. 2º ,II,da Lei nº 10.257/2001, que a

política de desenvolvimento urbano deverá ser conduzida de forma

879

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.391. 880

Em 5 de abril de 2004, esse mesmo Tribunal de Justiça julgou por unanimidade inconstitucional a Lei 1.365/99 do Município de Capão da Canoa, Rio Grande do Sul, que estabeleceu normas acerca das edificações e dos loteamentos, alterando o plano diretor, porque não ocorreu a obrigatória participação das entidades comunitárias, legalmente constituídas, na definição do plano diretor e das diretrizes gerais de ocupação do território, conforme exige o art.177, §5°, da Constituição Estadual de 1989.ADIN nº 70005449053. RELATOR ARAKEN DE ASSIS. 881

Esse é o entendimento estabelecido pelas ADINS 70003026564 e 70002576239, procedentes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Tanto na primeira ADIN, proposta contra uma lei municipal que instituía o Plano Diretor do Município de Bento Gonçalves, quanto a segunda ADIN, referente ao Plano Diretor do Município de IMBÉ, foi caracterizado vício formal no processo legislativo e na produção de lei

que não respeitaram o § 5 do art. 177 da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul que determina que as Leis Municipais do Rio Grande do Sul sobre política urbana devem obedecer à condicionante da publicidade prévia e a garantia da participação de entidades comunitárias, sob pena de ofender ao princípio da Democracia Participativa.

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427

democrática por meio da participação da população e de associações

representativas dos vários segmentos da comunidade para formular, executar,

e acompanhar planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. Na

sequência, determina o art. 45, que os gestores das regiões metropolitanas e

aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da

população e de associações representativas dos vários segmentos da

comunidade, de modo a garantir o controle direto das atividades e o pleno

exercício da cidadania.

Por serem normas gerais, têm diretrizes vinculantes em relação aos

entes federados que não observadas tornarão nulo ou inconstitucional o ato

administrativo ou lei produzida. Estas são as considerações de Odete

Medauar882:

Desse modo, leis de normas gerais e leis de diretrizes têm alcance igual no tocante ao caráter impositivo e vinculante de seus preceitos, em tese, à legislação dos Estados, Distrito Federal e Municípios [...] O Estatuto da Cidade fornece, então, os parâmetros aos Executivos e Legislativos municipais na elaboração de suas leis e planos urbanísticos. Além do mais, melhor que invocar, a cada passo, a inconstitucionalidade deste ou daquele dispositivo, é buscar a aplicação e efetivação das diretrizes contidas no Estatuto da Cidade, para atenuar os graves problemas acarretados pelo caos urbano.

Ao lado das diretrizes vinculantes do Estatuto da Cidade, a participação

democrática no desenvolvimento urbano decorre da ideia de democracia

(art.1º, parágrafo único da Constituição Federal). Ao lado deste dispositivo,

outros determinam a participação representativa e direta no poder (arts.14 a

17, 34, VII, “a”, 27, 28, 29, XII, 32, § 1º e 2º, 44, parágrafo único e art. 82 da

Constituição Federal). Assim, violar a gestão democrática por parte dos planos

diretores metropolitanos atenta contra os dispositivos constitucionais e pode

ser questionado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN),

(art.102, I, a da Constituição Federal).

Em relação aos diplomas estaduais, o art. 11 da Lei Paulista nº

1.139/2011 determina que o Conselho de Desenvolvimento convocará,

ordinariamente, a cada seis meses, audiências públicas para expor suas

deliberações sobre os estudos e planos em andamento e o uso dos recursos

882

MEDAUAR, Odete. A força vinculante das diretrizes da política urbana. In: Temas de Direito Urbanístico nº 4. Ministério Público de São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial, 2005, p.23.

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428

do Fundo de Desenvolvimento da Região Metropolitana de São Paulo, a que se

refere o art. 21 da Lei Complementar.

Por sua vez, dispõe o artigo 15, I, parágrafo único da Lei nº1139/2011

que o Conselho Consultivo encaminhará propopostas para serem deliberadas

pelo Conselho de Desenvolvimento por meio de iniciativa popular, subscrita

por, no mínimo, 0,5% do eleitorado de determinada sub-região metropolitana.

Diante dos instrumentos participação popular no âmbito da gestão

democrática metropolitana, questionamos: é possível aplicar as mesmas

consequências jurídicas previstas para o plano diretor municipal, no que tange

a participação popular, ao plano diretor metropolitano?

Neste caso, estamos diante de normas perfeitas, conforme explica Maria

Helena Diniz883, cuja violação apenas autoriza a declarar nulidade do ato ou a

possibilidade de anular ato praticado contra sua disposição, mas não será

cabível pena ao violador.

Será possível questionar o Plano Diretor Metropolitano (lei estadual),

face à Constituição Federal, por desrespeito aos preceitos de gestão

democrática das cidades, por meio de ação direta de inconstitucionalidade (art.

102, I, “a”, da Constituição Federal).

Por fim, a realidade urbana é mutável, precisa adequar-se às

transformações físicas, sociais, econômicas. Isto contribui com a necessidade

de alteração e revisão do plano diretor.

Determina o Estatuto da Cidade (art.40, §3º), que a lei instituidora do

plano diretor deverá ser revista, ao menos, a cada dez anos. Na hipótese da

revisão não ocorrer, o legislador previu (art. 52, VII) sanções de improbidade

que deverão ser aplicadas aos agentes públicos envolvidos e ao prefeito, mas

não pode ser aplicada ao Plano Diretor Metropolitano em razão do princípio da

legalidade.

Luiz Henrique Antunes Alochio884 entende o processo de revisão do

plano “uma reapreciação global das disposições do plano com vista a actualizá-

lo devido à alteração das circunstâncias que nortearam a sua elaboração”.

883

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.392. 884

ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes.Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.232.

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429

Assim, como poderíamos prever os prazos de revisão do plano

metropolitano? As Constituições e Leis Estaduais complementares

responsáveis pela criação (art.25, §3º da Constituição Federal) deverão fixar

prazos para a revisão dos planos diretores metropolitanos, mas ao consultá-las

ainda não os detectamos.

Visualizamos prazos de vigência dos planos quando se referem aos

resíduos sólidos, matéria regulamentada por lei federal, que poderá integrar o

conteúdo do plano metropolitano.

Segundo a Lei Federal nº 12.305/2010, art.17, o plano estadual de

resíduos sólidos será elaborado para vigência por prazo indeterminado,

abrangendo todo o território do Estado, para atuação em 20 anos e revisões a

cada quatro.

Por enquanto, a falta de previsão específica em relação aos prazos de

revisão não causam sérias consequências, em razão de alguns deles não

tratarem especificamente de matérias concretas, que afetam o ordenamento

territorial dos municípios da região metropolitana. Se isto ocorrer, será

necessário determiná-los, sob pena de comprometer o licenciamento de

indústrias, comércio e outras atividades, em razão das normas estaduais

metropolitanas. Se o plano não atender à realidade prática, em face das suas

constantes transformações, como agir se não houver prazo para a sua revisão,

conforme o Estatuto da Cidade?

Por analogia, poderemos eventualmente utilizar o prazo de 10 anos

concebido para o plano diretor municipal, por reunir normas gerais que os

Estados, ao elaborarem e implementarem seus planos metropolitanos, deverão

obedecer.

Luiz Henrique Antunes Alochio885 ao refletir sobre a revisão do plano

diretor entende que após o prazo de vigência do plano, se não houver

alteração, ele deixará de produzir efeitos.

885

ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes.Plano Diretor Urbano e Estatuto da Cidade– Medidas Cautelares e Moratórias Urbanísticas. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p.267.

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430

6.3.7 Abrangência

Identificaremos agora os limites territoriais alcançados pelo Plano Diretor

Metropolitano e as áreas compreendidas pelas normas jurídicas deste

instrumento jurídico.

Inicialmente avaliaremos a aplicação das diretrizes do plano

metropolitano em relação às zonas urbanas e rurais dos municípios

conurbados. Em seguida, apuraremos se o ordenamento jurídico autoriza o

plano metropolitano a definir zonas específicas para a atuação das normas

jurídicas, criar áreas de expansão metropolitana ou núcleos metropolitanos,

formados pelo agrupamento de municípios conurbados em razão das

características de cada conjunto de entidade local circunvizinha. Poderá o

plano metropolitano definir áreas diferentes do zoneamento municipal para

incidir suas normas jurídicas em razão das peculiaridades dos municípios

limítrofes, que participam da Região Metropolitana?

Em termos de abrangência, o plano diretor municipal (art.40, §2º do

Estatuto da Cidade), deverá englobar o território do Município como um todo;

vincula a aplicação do dispositivo à diretriz do art. 2º, VII, que determina a

integração e a complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo

em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob

sua área de influência. A doutrina e a jurisprudência discutem então se o Plano

Diretor deverá disciplinar as áreas urbanas e rurais ou apenas as urbanas. É

uma reflexão sobre os limites territoriais de abragência do plano municipal, que

por sua vez, envolve o estudo das competências constitucionais de cada ente

federado.

Por outro lado, advém do fenômeno da conurbação urbana, um

processo que possibilita o crescimento das cidades além dos limites territoriais

do município no qual estão contidas.

Neste processo há sempre um núcleo urbano principal que tem

influência econômica e social em relação aos núcleos urbanos das cidades

vizinhas, que estão em outros municípios. A interdependência entre os núcleos

urbanos em grau elevado forma um único aglomerado com relações mútuas,

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431

denominado conurbação. Trata-se886de uma cidade e seus subúrbios (ou

cidades reunidas) que formam uma sequência, sem se confundirem.

Michel Temer887 e Regina Maria Macedo Nery Ferrari888 entendem que a

conurbação faz desaparecer faixas que limitam as cidades, contribuindo para o

isolamento de uma em relação a outra, acarretando sobreposição das áreas

contíguas e o desaparecimento das áreas rurais entre as cidades que

estabelecem entre si relações de polarização econômica.

Os Estados-membros (art.25, §3º, da Constituição Federal) ao

instituírem as Regiões Metropolitanas fixam como limites territoriais da Região

metropolitana os municípios limítrofes, que sofreram a junção das cidades em

torno de vários municípios, como ocorreu com a Região Metropolitana de São

Paulo889.

Ao delimitarmos o âmbito de aplicação do Plano Diretor Metropolitano,

indagamos se apenas as zonas urbanas, responsáveis pela conurbação serão

disciplinadas ou se as conurbações abrangerão as zonas rurais. Como será

possível abranger as zonas rurais se o fenômeno da conurbação extingue

estas áreas e unifica os limites urbanos dos municípios limítrofes? Se o Plano

Metropolitano abranger as zonas rurais, poderá o Estado disciplinar as

atividades desta área, conforme a Constituição Federal?

Há duas posições doutrinárias baseadas no art. 40, § 2º c/c art. 2º, VII

do Estatuto da Cidade. Alguns defendem que o plano diretor só deva disciplinar

a área urbana, pois as áreas rurais são de competência da União, que detém

(art.22, I, c/c 184 e 187, da Constituição Federal) exclusividade na disciplina do

direito civil e agrário. Assim argumenta Toshio Mukai890, pela

inconstitucionalidade do art. 40, §2º, do Estatuto da Cidade em face do art.

182, §1º e §2º, da Constituição Federal. Segundo ele, os dispositivos referem-

886

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2.ed.Rio de Janeiro: Nova Fronteira S.A,1994, p.470. 887

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 2ª tiragem. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.114. 888

FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Direito Municipal. 2.ed. São Paulo: RT, 2005, p.93. 889

Lei Complementar nº 1.139/2011 art. 3º, §1º Art. 3º § 1º – Ficam mantidos os atuais limites territoriais da Região Metropolitana de São Paulo, composta pelos seguintes Municípios: Arujá, Barueri, Biritiba–Mirim, Caieiras, Cajamar, Carapicuíba, Cotia, Diadema, Embu, Embu-Guaçu, Ferraz de Vasconcelos, Francisco Morato, Franco da Rocha, Guararema, Guarulhos, Itapecerica da Serra, Itapevi, Itaquaquecetuba, Jandira, Juquitiba, Mairiporã, Mauá, Mogi das Cruzes, Osasco, Pirapora do Bom Jesus, Poá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Salesópolis, Santa Isabel, Santana de Parnaíba, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, São Lourenço da Serra, São Paulo, Suzano, Taboão da Serra e Vargem Grande Paulista. 890

MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.134.

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432

se apenas aos aspectos urbanos da disciplina das cidades, pois determinam

que a política de desenvolvimento urbano tem como objetivo ordenar funções

sociais da cidade. O plano diretor é portanto um instrumento básico da política

de desenvolvimento e de expansão urbana. Conclui afirmando que o plano

diretor municipal deverá abranger até a área de expansão urbana sem alcançar

a zona rural, sob pena de usurpar competência da União.

Por outro lado, há quem entenda ser constitucional o art. 40, §2º do

Estatuto da Cidade, se interpretado à luz da divisão constitucional de

competências. É o posicionamento de Jacintho Arruda Câmara891, José Afonso

da Silva892, Hely Lopes Meirelles893, Nelson Saule Júnior894 e Carlos Ari

Sundfeld895 ao qual acolhemos. Todos partem de uma visão global, integrada,

entre os vários setores da política urbana, que se relacionam com aspectos

ambientais e rurais. Entendem que a Constituição Federal aborda em capítulos

apartados a política urbana (arts. 182 e 183) da política agrária e fundiária

(arts. 184-191), o que demonstra ser o direito agrário um limite ao direito

urbanístico.

José Afonso da Silva896, Hely Lopes Meirelles897 e o Estatuto da Cidade

(art.42-B) entendem que a delimitação do perímetro urbano é de competência

do Município. Assim, caberá ao Plano Diretor ou lei municipal estabelecer

requisitos que darão à área condição urbana ou urbanizável. Posteriormente

uma lei específica irá delimitá-la.

A Lei nº 12.608/2012 introduziu o art.42-B no Capítulo III do Estatuto da

Cidade dispondo sobre diretrizes a todos os municípios que pretenderem

ampliar seu perímetro urbano.

Mas o plano diretor não deverá desconsiderar as influências das zonas

rurais sobre as urbanas, integrando as duas disciplinas. Há vários exemplos no

ordenamento jurídico demonstrando a integração entre as áreas rurais e

891

CÂMARA, Jacintho Arruda. Plano Diretor. In: (Coord.) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio.Estatuto da Cidade (Comentários à Lei 10257/2001). 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.325. 892

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.137. 893

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.509. 894

SAULE JÚNIOR, Nelson.Plano Diretor.In: (Org.) MATTOS, Liana Portilho. Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.267. 895

SUNDFELD, Carlos Ari. (Org.) DALLARI, Adilson de Abreu; FERRAZ, Sérgio. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros, 2010, p.49. 896

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.241. 897

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.516.

Page 433: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

433

urbanas. Citemos a atuação indireta do Município sobre a disciplina da zona

rural, por exemplo, quando diante de um imóvel rural que tenha perdido suas

características de exploração agrícola, extrativa, pecuária ou agroindustrial

(como nos caso das chácaras de recreio) e pretendam sofrer a incidência da

Lei Federal de Parcelamento do Solo Urbano nº 6.766/1979. Neste caso,

deverá obedecer ao disposto no art. 53, que determina prévia audiência do

Incra e aprovação da prefeitura para alterar uso do solo rural para fins urbanos,

além de obrigatoriamente, ser incluído, por lei municipal, em zona de expansão

urbana898. Assim entende o acórdão do TJ/SP do Município de Itatiba, julgado

em 29/6/2011899.

Hely Lopes Meirelles900 defende que a ação urbanística do Município é

plena na área urbana e restrita na área rural. Desta forma, será permitido ao

Município intervir excepcionalmente na zona rural apenas para coibir

empreendimentos ou condutas prejudiciais à coletividade urbana, preservar

recursos ambientais e disciplinar sua proteção para viabilizar o

desenvolvimento da cidade.

Se o Município não tratar no plano diretor da interface entre as áreas

urbanas e rurais, haverá uma inconstitucionalidade, segundo Nelson Saule

Júnior901.

Agora que verificamos os limites da competência do município quanto às

áreas rurais, refletiremos sobre a atuação do Estado em relação à abrangência

do Plano Diretor Metropolitano. A Região Metropolitana, ao ser instituída em

função do fenômeno da conurbação, cria entre os seus municípios limítrofes

uma nova configuração territorial, que por sua vez, exige definição de

zoneamento para o uso e a ocupação do solo.

898

MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental.3.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p.149. 899

VOTO Nº 4.256–APELAÇÃO COM REVISÃO Nº 9153800-90.2003.8.26.0000 ITATIBA APELANTE: CLUBE DE CAMPO FAZENDA APELADA: PREFEITURA MUNICIPAL DE ITATIBA Juiz de 1ª Instância: Esaú Messias dos Santos CONSTITUCIONAL E DIREITO URBANÍSTICO MANDADO DE SEGURANÇA LOTEAMENTO IMÓVEL SITUADO NA ZONA RURAL REGULARIZAÇÃO MATÉRIA DE COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO.1. As normas gerais sobre direito urbanístico, notadamente as que versem sobre parcelamento do solo, são aplicáveis tanto aos imóveis localizados em zona urbana quanto em zona rural. 2. Compete ao Município promover adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII, CF). 3 Inexistência de direito adquirido frente ao poder de polícia do Estado. Ausência de direito líquido e certo. Segurança denegada. Sentença mantida. Recurso desprovido. 900

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.509. 901

SAULE JÚNIOR, Nelson.Plano Diretor.In: (Org.) MATTOS, Liana Portilho. Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.267.

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434

Determina o art. 1º, §1º da Lei Complementar nº 1.139/2011 que os

limites territoriais da Região Metropolitana de São Paulo são formados pelos

municípios arrolados neste artigo902. Ainda que a doutrina afirme que a

conurbação urbana entre os municípios da Região Metropolitana elimine as

zonas rurais entre os limites municipais, constatamos que isto não ocorre.

Os Municípios que compõem as regiões metropolitanas incluem suas

zonas rurais e urbanas na nova configuração territorial metropolitana e

contribuem para formar outros contornos de uso e ocupação do solo,

originários dos municípios limítrofes unificados. Por sua vez, os novos limites

territoriais formam diferentes áreas regionais (com áreas urbanas e rurais)

distintas de suas áreas rurais e urbanas, definidas no território municipal

isolado903:

a região metropolitana de São Paulo apresenta conurbação contínua mais evidente que as outras regiões e o vísivel complexo de pólos de concentração de atividades terciárias. Nesta região, as indústrias se concentram no entorno das rodovias e em pólos industriais institucionalizados em alguns municípios. O cinturão verde coincide com os limites da região metropolitana e é usado como reserva natural, para o turismo e para o lazer, ou para captação de água potável e rarefeitas atividades primárias, como o plantio de hortaliças. (grifos nossos) .

Os municípios poderão ordenar por meio de seus planos diretores as

zonas urbana e rural de seus espaços habitáveis. Examinaremos a viabilidade

jurídica dos planos metropolitanos disciplinarem as zonas rurais e urbanas dos

municípios conurbados.

Observamos que suas normas jurídicas disciplinam questões

envolvendo áreas rurais e urbanas dos municípios limítrofes. Basta

analisarmos a Lei nº 13.798/2009 que cuida da Política de Mudanças

902

Art. 1º – A Região Metropolitana da Grande São Paulo fica reorganizada como unidade regional do território estadual, nos termos do art. 25, § 3º, da Constituição Federal, dos arts. 152 a 158 da Constituição Estadual e, no que couber, da Lei Complementar nº 760, de 1º de agosto de 1994, bem como na forma estabelecida por esta lei complementar. § 1º – Ficam mantidos os atuais limites territoriais da Região Metropolitana de São Paulo, composta pelos seguintes Municípios: Arujá, Barueri, Biritiba-Mirim, Caieiras, Cajamar, Carapicuíba, Cotia, Diadema, Embu, Embu-Guaçu, Ferraz de Vasconcelos, Francisco Morato, Franco da Rocha, Guararema, Guarulhos, Itapecerica da Serra, Itapevi, Itaquaquecetuba, Jandira, Juquitiba, Mairiporã, Mauá, Mogi das Cruzes, Osasco, Pirapora do Bom Jesus, Poá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Salesópolis, Santa Isabel, Santana de Parnaíba, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, São Lourenço da Serra, São Paulo, Suzano, Taboão da Serra e Vargem Grande Paulista. § 2º – Integrarão a Região Metropolitana de São Paulo os Municípios que vierem a ser criados em decorrência de desmembramento, incorporação ou fusão dos Municípios indicados no § 1º deste artigo. 903

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Secretaria dos Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo. Publicado em jun.2008, p.47.

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435

Climáticas do Estado de São Paulo. O art.10, IV, por exemplo, determina a

utilização de medidas de atuação na disciplina do uso do solo urbano e rural

para ordenar a agricultura e as atividades extrativas, adaptar a produção a

novos padrões de clima e disponibilidade hídrica, diversificar a produção para

garantir o suprimento, conter a desertificação, utilizar áreas degradadas sem

comprometer ecossistemas naturais, controlar queimadas e incêndios, prevenir

a formação de erosões, proteger nascentes e fragmentos florestais e recompor

corredores de biodiversidade. A utilização de medidas para prevenir danos ao

clima e eliminar o efeito estufa abrange áreas rurais e urbanas dos municípios,

que serão tratadas pelo Estado em âmbito metropolitano.

Em razão da abrangência do plano metropolitano nas áreas urbanas e

rurais de cada município conurbado, questionamos se o Estado ao elaborá-lo

deveria respeitar os limites de zona rural e urbana fixadas pelo Município ou se

poderia criar um zoneamento específico, como por exemplo, núcleos

metropolitanos ou área de expansão metropolitana. Poderia o Estado, ao tratar

do interesse metropolitano, modificar ou alterar a qualificação urbanística do

solo para aplicar o Plano Diretor Metropolitano?

Considerando o exercício de competência legislativa urbanística

Estadual nas regiões metropolitanas, podemos dizer que o interesse local sofre

condicionamentos ao integrar as Regiões Metropolitanas permitindo criar

zoneamento específico para a abrangência do Plano Diretor Metropolitano,

uma vez que a predominância do interesse local é menor nos municípios

metropolitanos904.

Adotamos a corrente ampliativa para incrementar a competência

urbanística dos Estados-membros, apenas quando estivermos diante do

interesse metropolitano. No entanto, não concordamos com a amplitude

atribuída pela doutrina à atuação do Estado ao disciplinar os espaços

habitáveis nas regiões metropolitanas. Acolhemos a corrente defendida por

Rafael Augusto Silva Domingues de forma moderada pela qual o Estado-

membrodeve respeitar o núcleo essencial, intangível das competências

urbanísticas municipais (art. 30, VIII e 182, §1º, da Constituição Federal).

904

NETO, João Luiz Teixeira. O peculiar interesse municipal. Cadernos de Direito Municipal (RDP)nº64, out-dez, São Paulo: RT,1982, p.212.

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436

Se necessário, para disciplinar e abranger as áreas submetidas ao Plano

Diretor Metropolitano, o Estado poderá criar áreas metropolitanas, abarcando

zonas urbanas e rurais dos municípios limítrofes integrantes da região, através

de classificações genéricas, agrupando municípios com características e

peculiaridades comuns que serão melhor atendidas por normas especiais.

O fato foi bem observado pela legislação catarinense (Lei Complementar

Estadual nº495 de 2010) que instituiu as Regiões Metropolitanas de

Florianópolis, do Vale do Itajaí, do Norte/Nordeste Catarinense, de Lages, da

Foz do Rio Itajaí, Carbonífera e de Tubarão.

De acordo com o art. 2º da Lei, as Regiões Metropolitanas previstas no

diploma serão compostas por um núcleo metropolitano e uma área de

expansão metropolitana, que tem como sede, respectivamente, os municípios

de Florianópolis, Blumenau, Joinville, Itajaí, Criciúma e Tubarão.

Segundo o art.3º, serão incluídos no núcleo metropolitano os municípios

que atendam, alternativamente, ao art. 6º, II, III ou IV, da Lei Complementar nº

104, de 1994 (significativa conurbação), nítida polarização, com funções

urbanas e regionais com alto grau de diversidade, especialização e integração

socioeconômica.

Determina ainda o art.4º que estão incluídas na área de expansão

metropolitana de Florianópolis, do Vale do Itajaí, do Norte/Nordeste

Catarinense, da Foz do Rio Itajaí, Carbonífera e de Tubarão, os municípios que

dependam de utilização de equipamentos públicos e serviços especializados

do núcleo metropolitano, com implicação no desenvolvimento da região (I); e

apresentem perspectiva de desenvolvimento integrado, por meio de

complementaridade de funções (II).

A reunião dos municípios limítrofes poderá gerar novos usos e

zoneamentos do solo, que atuem em perspectiva metropolitana.

6.4 Plano Diretor Metropolitano e direito intertemporal

Em razão do frequente crescimento das cidades, gerando conurbações

urbanas, e a necessidade de adequação constante dos novos usos e formas

de ocupar o solo às necessidades da população, são impostas revisões e

adequações das legislações urbanas, que alteram os critérios de uso e

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437

ocupação do solo urbano. Determinada zona na qual era permitida localizar

estações de tratamentos de resíduos sólidos (nos termos da lei) do ponto de

vista fático, pode começar a ser inapropriada para estas finalidades, em razão

do surgimento de estabelecimentos comerciais, lojas ou restaurantes em seu

entorno.

Hely Lopes Meirelles905 observa que a mudança de destinação de um

bairro ou de uma rua produz grandes alterações econômicas e sociais,

valorizando ou desvalorizando substancialmente as propriedades atingidas, em

razão das suas novas características. Assim, alterar o zoneamento

constantemente ofende direitos adquiridos. O mesmo podemos afirmar em

relação às alterações das formas de ocupação do solo de áreas de ocupação

dirigida, subárea de ocupação urbana consolidada (art.21, II da Lei nº

13.579/2009906).

As modificações das leis urbanísticas, sobretudo, com relação ao

zoneamento e ocupação do solo, impõem aos habitantes das regiões

metropolitanas novas regras que, por vezes, modificam o regime jurídico do

plano que até então vigorava. Instaura-se uma situação de aparente colisão

entre a necessidade de alterar leis para melhor satisfazer o interesse público e

proteger a segurança jurídica (art.5º, XXXVI907 da Constituição Federal). Por

força da segurança jurídica, um princípio de direito, há garantia de

previsibilidade e estabilidade das relações jurídicas, reduzindo

significativamente os impactos aos direitos de quem sofrerá os ajustes

decorrentes das modificações legislativas. Segundo Márcio Cammarosano908:

Destarte, previsibilidade e permanência de efeitos jurídicos, direitos e obrigações e alterabilidade da ordem normativa, de sorte a conferir segurança jurídica de um lado, e atendimento às necessidades supervenientes de adequação do direito às transformações sociais de outro, convivem em estado, digamos assim, de permanente tensão, a reclamar mecanismos de harmonização.

905

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro.12.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p.524. 906

Lei 13579/2009– Define a Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais da Bacia Hidrográfica do Reservatório Billings – APRM-B. Art. 21 – Para efeito desta lei, as AOD compreendem as seguintes subáreas: II– Subárea de Ocupação Urbana Consolidada – SUC: área com ocupação urbana irreversível e servidas parcialmente por infraestrutura, inclusive de saneamento ambiental e serviços urbanos. 907

BRASIL. Constituição Federal. (1988) Art.5º, XXXVI–a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; 908

A proteção constitucional do direito adquirido, p. 276 in Soluções Constitucionais

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438

Diante da aparente colisão entre a segurança jurídica das relações e as

alterações que poderão sofrer pelas normas jurídicas, relações jurídicas serão

formadas sob a égide da lei modificada, cujos efeitos perdurarão durante a

vigência da lei posterior. O desafio do jurista é definir critérios jurídicos para

pacificar os problemas decorrentes do direito intertemporal, isto é, situações

surgidas em função de um regime jurídico cujos efeitos permanecem para

serem disciplinados pela lei nova.

O tratamento da matéria é permanentemente discutido por ocasião das

sucessivas alterações dos planos diretores municipais e leis urbanísticas locais

justamente por disciplinarem matérias relacionadas à intervenção direta do

Estado na propriedade, dispondo, por exemplo, sobre localização e normas de

edificação.

Já verificamos que os planos metropolitanos, em regra, dispõem sobre

diretrizes gerais em termos urbanísticos e ambientais, por respeitar os limites

da competência do plano diretor municipal. Ainda que o ordenamento jurídico

admita (Lei nº 13.579/2009909, arts. 20 e 28; Lei 13.798/2009910, art.10) a

fixação de índices ambientais com reflexo na disciplina de uso e ocupação do

solo urbano, pelo plano metropolitano, as medidas são genéricas e influenciam

substancialmente as normas dos planos diretores municipais. Neste caso,

citamos respectivamente a definição dos lotes mínimos e coeficientes de

aproveitamento nas áreas de ocupação dirigida a áreas de mananciais da

Billings, bem como a determinação dos coeficientes de permeabilidade do solo

usado para contenção de ilhas de calor em áreas metropolitanas adensadas.

Assim, o plano metropolitano indiretamente poderá intervir em situações

que modificam a situação econômica de um proprietário. Neste caso, o

particular poderá ser obrigado a alterar a localização de sua indústria em razão

das novas normas instituídas pelo plano metropolitano superveniente, observar

novos coeficientes de aproveitamento em áreas de mananciais ou submeter-se

a novos índices de cobertura vegetal para construir edificações, distintos da

norma anterior.

Em suma, pelo fato do Plano Diretor Metropolitano disciplinar

genericamente as condições ambientais que fornecem subsídios para compor

909

Define Área de Proteção da Recuperação de Mananciais da Bacia Billings. 910

Política Estadual de Mudanças Climáticas.

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439

o uso e a ocupação do solo e zoneamento urbano municipal, suas

qualificações influenciarão as normas feitas pelos municípios, quanto ao

zoneamento local. A mesma situação poderá ser estendida ao local da estação

de tratamento de resíduos sólidos. Assim, é necessário estudarmos o

fenômeno da colisão entre as normas do plano metropolitano anterior e do

novo para identificarmos os critérios de solução referentes às situações

constituídas durante o antigo plano, que permanecem em desacordo com o

atual plano metropolitano. Ainda que o conteúdo do plano metropolitano seja

genérico, os padrões fixados orientam o planejamento municipal. Daí a

necessidade de investigarmos os aspectos do direito intertemporal, que serão

executados pelo Município.

Examinaremos o momento em que a norma passa a vigorar, as

situações jurídicas que a lei deverá regular, o que implicará na construção da

noção de direito adquirido, inteiramente relacionada com a segurança jurídica.

A partir da noção de direito adquirido, refletiremos sobre as relações jurídicas

protegidas pelo novo plano diretor constituídas sob a regência do plano

anterior.

Segundo o art.6º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (Lei nº

12.376/2010), a lei em vigor terá efeito imediato e geral, devendo ser aplicada

para as novas relações jurídicas.

Em razão da edição de novas leis, determina (art.2º §1º) que a posterior

revoga a anterior quando expressamente o declare, seja com ela incompatível

ou regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Assim, conflitos

jurídicos surgirão em função dos diferentes regimes jurídicos formados antes e

depois da vigência da nova lei.

A nova lei só vigora para o futuro ou regula situações anteriormente

constituídas? Em certos casos, a lei nova traz em seu conteúdo normas de

disposição transitórias, que por vezes, admitem, excepcionalmente, aplicar a

nova lei para situações passadas (retroatividade da lei). Salvo hipóteses

expressas e excepcionais, em regra as normas só regulamentam

comportamentos futuros, em nome do princípio da segurança jurídica911.

911

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.404.

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440

Contudo, caso seja possível aplicar leis retroativamente, alcançando

eventos pretéritos, quais as balizas do ordenamento jurídico para proteger a

estabillidade das relações jurídicas e promover a segurança jurídica? O art. 5º,

XXXVI da Constituição Federal e o art. 6º, §1º, §2º, §3º, da Lei de Introdução

ao Direito Brasileiro tratam do assunto.

Ao reuni-los, interpretamos que estando em vigor a nova lei,

imediatamente deverá ser aplicada e disciplinará os atos e fatos jurídicos

formados a partir de sua edição. No entanto, na hipótese de se admitir os

efeitos retroativos pela própria previsão legal, deverá respeitar o direito

adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Para o nosso caso,

interessam o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.

Por outro lado, é possível afirmar, tal como José Afonso da Silva912 e

Celso Antônio Bandeira de Mello, que o direito adquirido além de servir de

limite para o fenômeno da retroatividade das leis, também serve como

parâmetro para aplicar os efeitos imediatos das leis às situações jurídicas

regradas.

Estas conclusões são o resultado da distinção feita por Celso Antônio

Bandeira de Mello913entre afacta praeterita, facta futura e facta pendentia. O

direito adquirido só abrange a categoria da facta pendentia, por envolver

situações anteriores à nova lei, mas cujos efeitos continuam durante a vigência

da nova lei. Não se confunde com a facta praeterita, eventos constituídos e

consumados antes do vigor da nova lei e nem mesmo com o facta futura, que

engloba as relações jurídicas formadas pelo império da nova lei.

Celso Antônio Bandeira de Mello914 qualifica como sendo a função do

direito adquirido permitir que situações jurídicas constituídas sob a égide da lei

anterior permaneçam protegidas pela lei antiga, ainda que produzam efeitos

sob o império da nova lei.

912

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.296. 913

MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Direito Adquirido e Direito Administrativo. Revista Trimestral de Direito Público nº 44. São Paulo:Malheiros, 2003, p.8.: “Deveras, não há confundir os facta praeterita, ocorridos e vencidos ante diem legis, com os facta futura, sucedidos ex die legis, nem com os facta pendentia, surgidos ante diem legis, mas cujos efeitos se perlongam e se processam durante o império da lei superveniente. É precisamente com relação a estes últimos que se põem as questões delicadas de direito intertemporal.” 914

MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Direito Adquirido e Direito Administrativo. Revista Trimestral de Direito Público nº 44. São Paulo:Malheiros, 2003.

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441

Entretanto, adverte o jurista915 que é preciso atentarmos ao fato de que

nem todos os direitos nascidos no passado, que permanecem com a produção

de efeitos sob o vigor da nova lei, são considerados adquiridos e, portanto,

imunizados pela lei antiga. Diante disto, precisamos compreender o sentido

efetivo de direito adquirido.

Por força do art. 6º, §2º, da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro,

reputa-se direito adquirido aqueles que o seu titular, ou alguém por ele, exerça

como aqueles cujo começo do exercício tenha termo fixado ou condição

estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. Segundo Maria Helena Diniz916 “o

direito adquirido é aquele que já se incorporou definitivamente ao patrimônio e

à personalidade de seu titular”.

Para José Afonso da Silva917 direito adquirido é aquele integrado ao

patrimônio do titular, mas não exercido. Com ele não se confunde o ato jurídico

perfeito (art.6º, §1º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro), ato consumado

segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

Para verificarmos como serão solucionados os conflitos intertemporais

decorrentes das situações jurídicas formadas durante a vigência do plano

metropolitano anterior, e que mantém seus efeitos sob a regência do Plano

Diretor Metropolitano superveniente, a tarefa do jurista será identificar as

hipóteses em que estamos diante de direitos adquiridos, expectativas de

direitos ou ato jurídico perfeito, no âmbito das relações jurídicas no campo do

zoneamento, uso e ocupação do solo metropolitano.

Suponhamos que certo empresário adquiriu determinado lote em área

urbana isento de padrões de exigência de cobertura vegetal de acordo com o

Plano Metropolitano em vigor. Na sequência, outro plano passa a vigorar,

exigindo padrões de cobertura vegetal e o plantio de espécies de árvores

adequadas à redução das ilhas de calor urbanas, com o objetivo de evitar o

efeito estufa. Quais as consequências jurídicas que o empresário poderá

experimentar? O mesmo raciocínio poderá ser estendido para o caso de certo

proprietário de uma unidade de tratamento de resíduos sólidos localizada em

915

MELLO, Celso Antônio Bandeira de.Direito Adquirido e Direito Administrativo. Revista Trimestral de Direito Público nº 44. São Paulo:Malheiros, 2003, p.9. 916

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito –Introdução à Teoria Geral do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação. 20.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.404. 917

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.300.

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442

uma área da região metropolitana, favorável para seu funcionamento e que, em

virtude de modificações da dinâmica da cidade, passa a ser inadequada para a

instalação e o funcionamento pelo plano metropolitano superveniente?

A resposta dependerá da análise conjugada de duas hipóteses

relacionadas entre si. O primeiro aspecto deverá considerar as diferentes

consequências que o ordenamento jurídico atribui ao uso do solo ou de

edificação e para a ocupação ou edificação do solo. De acordo com José

Afonso da Silva918o zoneamento de uso diz respeito ao direito que todos têm

de atuar, suscetível de deslocamento no espaço, dinâmico, pois caso o uso

não seja permitido por norma posterior, mais facilmente o imóvel poderá se

adequar ao novo uso, em razão de sua troca de local de funcionamento. Não

há uma ameaça plena ao padrão estabelecido pelo uso do bem.

Por outro lado, quando estamos diante de ocupação e da edificação de

imóvel, a propriedade é estática e localizada em determinado padrão.

A edificação construída em desacordo às diretrizes da atual legislação,

não é facilmente resolvida por simples transferência de sua localização. É difícil

adequá-la aos padrões corretos, portanto, o imóvel incompatível deverá ser

demolido 919:

O uso refere-se ao direito que todos tem de atuar, que é um direito mais passível de controle, mais fácil de deslocar no espaço e menos suscetível de reação quando restringido em relação a seu exercício em determinados lugares (zonas de uso), porque nisso não se vê ameaça alguma a padrões tradicionais estabelecidos. Já o assentamento urbano conflui com o direito de propriedade imobiliária, de natureza nitidamente estática e localizada; mexer com ele é eriçar um conjunto de normas de Direito tradicionalista e de garantias seculares, que logo provocam reações, porquanto se teme que se comece a minar aqueles padrões estabelecidos. Além disso, o assentamento urbano é indeslocável; não se transfere uma edificação desconforme de um modelo de assentamento para outro em que seja conforme, como é possível fazer com um uso desconforme, deslocando-o para uma zona de uso em que ele seja conforme, admissível.

Inicialmente precisamos distinguir os seguintes conceitos: situação

jurídica tolerável, direito adquirido, interesse jurídico, expectativa de direito e

direito consumado (ato jurídico perfeito). Desta forma, indicaremos a

qualificação de cada situação jurídica em função de cada hipótese referente ao

zoneamento de uso e padrões de ocupação e edificação. As consequências

918

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.297. 919

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.297.

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443

jurídicas serão distintas em se tratando de modificação de uso e alteração de

padrões de ocupação do solo.

Poderemos inicialmente supor que certo empresário deseje estabelecer

sua unidade de tratamento de resíduos sólidos ou de disposição final de

rejeitos em zona favorável. Quais as hipóteses passíveis de proteção jurídica

no caso de lei superveniente modificar os padrões de uso de determinada

zona?

Caso este empresário apenas revele o interesse em estabelecer-se na

zona favorável de uso para estabelecimentos destinados ao tratamento de

resíduos sólidos, mas não toma qualquer iniciativa para viabilizar seu projeto,

não estaremos diante de direito protegido, mas apenas de um simples

interesse.

Mas se esse mesmo empresário resolver adquirir o terreno ou

estabelecimento, a partir do plano metropolitano em vigor, justamente por

autorizar o uso pretendido e modificar os padrões de uso favorável, ainda

assim não estaremos diante de direitos protegidos, mas apenas de interesse

legítimo.

Por sua vez, haverá expectativa de direito, se na hipótese anterior, ao

adquirir o imóvel com uso previsto no plano, o empresário solicitar junto aos

órgãos públicos o certificado de uso permitido.

Quando então estaremos diante de direito adquirido (o empresário terá

direito de instalar-se efetivamente ou continuar o uso) estabelecido pelo plano

metropolitano revogado?

Quanto ao uso, precisamos verificar se nos referimos ao uso inicial ou

continuidade em função de situação anterior constituída que permanece nos

termos na nova lei.

Na primeira hipótese, o empresário pretenderá iniciar o exercício do uso,

após a compra do terreno ou edificação e imediatamente será surpreendido

pela lei superveniente que modificará os padrões em razão de índices

específicos de cobertura vegetal, até então inexistentes. Neste caso, o

ordenamento jurídico só irá viabilizar a proteção do uso permitido pelo plano

como direito adquirido, quando o interessado instalar-se efetivamente com o

alvará de funcionamento. Só a partir deste momento é que falaremos em

Page 444: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

444

integração dos direitos no patrimônio do particular, tornando-se exigível por

meio do Poder Judiciário, que o uso e o gozo sejam impedidos.

Por outro lado, o proprietário do estabelecimento de tratamento de

resíduos sólidos só terá o direito de continuar o uso, em relação ao plano

metropolitano superveniente (que o veda) se tiver adquirido o direito de renovar

o alvará de funcionamento e localização antes da superveniência da lei nova

proibitiva. E quando estaremos diante deste direito? Sabemos que os usos

industriais, comerciais ou para funcionamento de estação de tratamento de

resíduos sólidos, ao contrário dos usos residenciais, são monitorados por meio

de licenças de funcionamento e instalação renováveis, de acordo com o prazo

legal. A renovação das licenças são formas de controle dos padrões de

emissão de gases ou condicionamentos resultantes de eventuais

transformações da atividade que serão alteradas causando impactos na região

onde estão instalados. O direito à renovação existirá enquanto as condições de

uso estiverem em conformidade às determinações legais para o local. Quando

estiver desconforme, por superveniência de lei modificadora do zoneamento,

será tolerado pelas disposições transitórias de lei ou protegido como direito

adquirido enquanto perdurar a vigência da licença de localização e

funcionamento, que é periódica.

Adverte José Afonso da Silva920que a licença não tem obrigação de

permanecer enquanto o seu prazo não expirar. O Poder Público municipal, em

função do novo Plano Diretor Metropolitano, poderá considerar a caducidade

da licença por entendê-la incompatível como novo zoneamento em razão do

interesse público. Neste caso, em função do direito adquirido, será indenizado,

desde que comprovados os prejuízos. Além da indenização, será possível usar

o estabelecimento em nova localidade favorável para instalar estações de

tratamento, em razão do uso, por natureza, permitir exercício em várias

localidades.

E, por fim, investigar as consequências jurídicas impostas pelo

ordenamento jurídico, caso o novo Plano Diretor Metropolitano imponha ao

empreendedor novos parâmetros de cobertura vegetal921ou coeficiente de

920

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.300. 921

Lei nº 13.798 de 09 de Novembro de 2009 – Institui a Política Estadual de Mudancas Climáticas. Art. 10–O disciplinamento do uso do solo urbano e rural, dentre outros resultados, buscará: XI– aumentar a

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445

aproveitamento em áreas de ocupação dirigida, em regiões de mananciais922

para a construção de edificações. Trata-se de superveniência de modelo de

assentamento urbano, de ocupação, diverso do existente em determinada

zona. Conforme José Afonso da Silva923é preciso distinguir quatro hipóteses: a)

edificação licenciada, mas não iniciada; b) edificação licenciada, já iniciada; c)

edificação concluída, sem “habite-se”; d) edificação concluída, com “habite-se”.

Quando haverá direito adquirido? O assunto é controverso e revela três

posições. Nos filiamos à corrente de José Afonso da Silva924.

Na hipótese inicial do proprietário de terreno obter licença para construir,

deverá obedecer ao prazo de vigência legal para o início da edificação. Caso o

prazo expire, a licença caduca, e, com ela, as faculdades decorrentes. Não

haverá direito adquirido se for aprovado novo plano metropolitano, pois nova

licença deverá ser liberada, de acordo com as novas determinações da lei. A

caducidade da licença só gera expectativa de direito, pois o direito de construir

será abstrato. Assim, caso a lei anterior tenha previsto coeficiente de

aproveitamento maior para o imóvel, e o prazo da licença de construir tenha

decorrido, se o plano posterior fixar coeficiente menor em relação ao primeiro,

não haverá direito a ser protegido. O proprietário deverá providenciar nova

licença.

No primeiro caso, a licença ainda poderá estar no prazo, mas a obra

ainda não ter sido iniciada. Qual será o direito do proprietáriose for editado um

plano metropolitano superveniente? De acordo com José Afonso da Silva925

não estaremos diante de direito adquirido, mas de situação tolerada, caso o

novo plano assim tenha disposto no ato de suas disposições transitórias. Do

contrário, o direito não será protegido, não será o caso de indenização, por não

se tratar ainda de direito adquirido. O proprietário não fará jus ao coeficiente de

aproveitamento do plano anterior e deverá adequar-se ao novo plano.

cobertura vegetal das áreas urbanas, promovendo o plantio de espécies adequadas à redução das chamadas ilhas de calor. 922

Lei nº 13.579, de 13 de julho de 2009 Define a Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais da Bacia Hidrográfica do Reservatório Billings – APRM-B, e dá outras providências correlatas. Art. 27– Constituem parâmetros urbanísticos básicos para a instalação de uso urbano, residencial e não residencial ou qualquer outra forma de ocupação nos Compartimentos Ambientais e respectivas AOD, lote mínimo, cota-parte, coeficiente de aproveitamento, taxa de permeabilidade e índice de área vegetada constantes do Quadro II anexo a esta lei. 923

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.302. 924

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.304. 925

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 302.

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446

No entanto, esta hipótese é discutível na doutrina. Lúcia Valle

Figueiredo926 e Luís Manuel Fonseca Pires927entendem que haverá proteção

ao direito adquirido, com indenização, desde o despacho de deferimento da

licença, independentemente do início da construção928:

Do despacho de deferimento ou, mais tecnicamente dizendo, do ato administrativo de deferimento, ao que entendemos, emerge, líquido e certo, o direito de construir dentro dos moldes aprovados e sem obstáculos colocados pela Administração.

E, mais adiante, conclui929:

A Administração pode suprimir uma licença para edificar se houver interesse público relevante que a isso impulsione. Entretanto, quer haja ou não sido iniciada a construção, é, necessariamente, a supressão da licença com indenização.

Esclarece Luís Manuel Fonseca Pires930ao acolher Lúcia Valle

Figueiredo, que é mais adequado sustentar que o direito adquirido deve ser

protegido tão logo o interessado obtenha a licença, pois baseado em

declaração do Poder Público o proprietário confirmará investimentos, firmará

compromissos com terceiros que irão edificar, decorar, instalar equipamentos e

adquirir materiais. O proprietário assumirá despesas em razão de uma

expectativa legítima que o ato da Administração Pública gerou.

Caso a licença tenha sido expedida, mas a obra não iniciada, há quem

sustente que estaremos diante de direito adquirido, apenas com o deferimento

da licença, sem cogitar se a obra foi iniciada ou concluída.

Por sua vez, para o STF931 o direito adquirido surge com a edificação

licenciada e a obra iniciada. O leading case do STF a este respeito (RE 85002

do ex-ministro Moreira Alves) acolhia como premissa a ementa do acórdão932:

926

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade. 2.ed.São Paulo: Malheiros, 2005, p.160. 927

PIRES, Luis Manuel Fonseca. Regime Jurídico das Licenças. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 202. 928

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Disciplina Urbanística da Propriedade. 2.ed.São Paulo: Malheiros, 2005, p.139. 929

PIRES, Luis Manuel Fonseca. Regime Jurídico das Licenças. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 202. 930

PIRES, Luis Manuel Fonseca. Regime Jurídico das Licenças. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 202. 931

AI 135464 AgR / RJ – RIODEJANEIRO–AG.REG.NO AGRAVODEINSTRUMENTO Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO–Julgamento: 05/05/1992 Órgão Julgador: Primeira Turma Publicação–DJ 22–05-1992 PP–07217EMENT VOL–01662-02 PP-00453 RTJ VOL-00142-01 PP-00358 Parte(s): AGTE.(S): COCIBRA ENGENHARIA INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A ADV.(A/S): GERALDO ALVES DE SOUZA AGDO.(A/S): PREFEITURA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO

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447

Licença de construir. Revogação. Fere direito adquirido a revogação de licença de construção por motivo de conveniência, quando a obra já foi iniciada. Em tais casos, não se atinge apenas a faculdade jurídica o denominado direito de construir, que integra o conteúdo do direito de propriedade, mas se viola o direito de propriedade que o dono do solo adquiriu com relação ao que já foi construído, com base na autorização válida do Poder Público. Há, portanto, em tais hipóteses, inequívoco direito adquirido, nos termos da Súmula 473.

Quando dizemos que estamos diante de obra iniciada? Esclarece José

Afonso da Silva933 que o entendimento não é pacífico, mas é possível adotar

como um bom critério para sua definição o descrito no antigo Código de

Edificações do Município de São Paulo. Neste caso, obra iniciada é

caracterizada pela conclusão dos trabalhos de sua fundação, do corpo principal

da edificação de acordo com soluções técnicas (esqueamento, tubulações,

sapatas corridas ou fundações diretas–art. 527, §3º), atualmente mantido, de

forma menos clara, pelo atual Código de Obras e Edificações do município de

São Paulo (Lei nº 11.228/1992).

Contudo, José Afonso da Silva questiona o STF ao atrelar a obra

iniciada como direito adquirido a ser protegido pelo ordenamento jurídico. Para

o jurista, muitas vezes, a legislação municipal prevê que, mesmo após o início

da obra, sua interrupção por determinado período gera a caducidade da

licença. Além disto, durante a construção, o Poder Público tem o direito de

fiscalizar a execução da obra para verificar se está sendo realizada conforme a

licença que só termina com o termo de conclusão (habite-se). Caso não exista

obediência aos padrões da licença, a prefeitura terá o dever de determinar a

demolição da obra. Por isto, não há direito adquirido com o simples início da

obra. Por esta tese, o proprietário não adquire o direito de continuar com sua

atividade construtiva se sobrevier lei nova alterando regras relativas ao modelo

de edificação (ocupação) do solo. A partir do novo Plano Diretor Metropolitano,

ADV.(A/S): ANDRE TOSTES E OUTROS Ementa: DIREITO DE CONSTRUIR.MERA FACULDADE DO PROPRIETARIO, CUJO EXERCÍCIO DEPENDEDEAUTORIZAÇÃO DO ESTADO. INEXISTÊNCIADE DIREITO ADQUIRIDOA EDIFICAÇÃO ANTERIORMENTE LICENCIADA - MAS NEM SEQUER INICIADA, SE SUPERVENIENTEMENTE FORAM EDITADAS REGRAS NOVAS,DEORDEM PÚBLICA, ALTERANDO O GABARITO PARA CONSTRUÇÃO NO LOCAL. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental improvido. 932

É importante ressaltar que inadequadamente a ementa do acórdão denomina revogação do direito de construir como forma de extinção do ato. No entanto, é preciso observar que estamos diante do ato denominado licença para construir, considerado vinculado e, portanto, insuscetível de revogação. Neste caso, seria correto afirmar que houve caducidade, isto é, extinção do ato por interesse público superveniente. 933

SILVA, José Afonso da.Direito Urbanístico Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.303.

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448

o Poder Público deverá compatibilizar sua edificação às novas normas

supervenientes. Na hipótese em que não for possível, o bem estará sujeito à

demolição, caso não tenham sido previstas normas de tolerância. Dependendo

do prejuízo, o autor considerará a hipótese de indenização para cobrir os danos

provenientes da nova determinação.

José Afonso da Silva só considera direito adquirido passível de proteção

a situação em que a obra está concluída, dependendo do termo de conclusão

ou do “habite-se”. Assim, sobrevindo Plano Diretor Metropolitano novo que

modifique os coeficientes de aproveitamento e cobertura vegetal, o proprietário

só terá direito a construir segundo os padrões do plano revogado, se tiverem

sido cumpridos os requisitos anteriores. No entanto, se o Poder Público

municipal verificar ser impossível manter os padrões anteriores nem adequá-

los à nova situação, o imóvel será desapropriado por necessidade pública, com

prévia e justa indenização em dinheiro.

Com relação à quarta hipótese, estaremos diante de ato jurídico perfeito

ou ato consumado, pois a obra já foi construída, teve sua regularidade atestada

pelo Poder Público e recebeu o habite-se. Assim, caso o Plano Diretor

Metropolitano modifique a situação, não tolerando mais os padrões de

cobertura vegetal e coeficiente de aproveitamento até então em vigor, se não

tiver sido previsto tolerância, o Poder Público municipal mais uma vez deverá

desapropriar o bem imóvel construído nos padrões do antigo plano

metropolitano.

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449

7 CONCLUSÕES

Sintetizaremos algumas premissas desenvolvidas nesta tese para

indicarmos as proposições jurídicas formuladas durante a nossa pesquisa.

1) Com relação à natureza jurídica do Plano Diretor Metropolitano,

constatamos que se trata de uma lei e resulta da atividade de planejamento

metropolitano, pois o ato de planejar deve converter-se, afinal, em um plano.

Segundo a Constituição Federal (art.174), o planejamento ao ser

imperativo para o Estado e indicativo para os particulares, permite antecipar

escolhas discricionárias dentro das determinações previstas no plano. Por

outro lado, não isenta o particular de decidir, pois lhe confere segurança

jurídica ao saber antecipadamente as decisões que serão tomadas pelo Estado

e suas consequências.

O planejamento urbanístico, portanto, antecipa as decisões do Estado.

Verificamos a criação das zonas onde serão localizadas as estações de

tratamento de resíduos sólidos ou regiões nas quais incidirão medidas de

proteção ambiental. Nelas, os proprietários dos imóveis urbanos não poderão

edificar suas casas em razão das medidas previstas pelo plano diretor.

Embora os planos urbanos sejam uma intervenção do Estado na

propriedade, não há como negarmos sua profunda relação com o domínio do

Estado no plano econômico. Esta relação ocorre de forma indireta, pois

aspectos da ordenação urbanística influenciam a riqueza do mercado

imobiliário, que é a propriedade privada. Fixar parâmetros de zoneamento

urbano modifica o valor que será atribuído a determinado terreno ou

propriedade eventualmente edificada.

Assim, consideramos que os planos urbanísticos são produtos,

instrumentos que materializam, concretizam as determinações do processo de

planejamento urbano e revelam conteúdo normativo.

2) Pelo fato da União ter a competência para instituir normas gerais de

direito urbanístico, os Estados atuarem suplementarmente no interesse

regional e os Municípios, no âmbito local (do art. 24, c/c art. 30, VIII, c/c art. 182

Page 450: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

450

da Constituição Federal), os três entes federados atuam de forma cooperada

quanto à elaboração, implementação e execução do desenvolvimento urbano.

Assim, é possível estabelecer tipologias de planos urbanísticos editados por

cada ente. A articulação coordenada entre os planos federais, estaduais

regionais, metropolitanos e locais é baseada na observância das normas de

maior abrangência em relação ao nível intermediário e local. Trata-se de um

raciocínio de aplicação de planos por escalonamento de níveis temáticos de

abrangência territorial, sem pressupor hierarquia que decorre do modelo de

federalismo de cooperação, na sua perspectiva de equilíbrio, adotado pela

Constituição. Trata-se de aplicar normas genéricas por planos mais

abrangentes, em termos nacionais, regionais e metropolitanos para definir

normas concretas por planos diretores locais.

Os planos diretores metropolitanos, em regra, apresentam normas

gerais, que estabelecem diretrizes, comandos abrangentes e excepcionalmente

tratam de aspectos concretos referentes aos limites e restrições da

propriedade. Isto ocorre apenas quando dispõem sobre zoneamento, uso e

ocupação do solo, desde que relacionados com o meio ambiente.

3) O ordenamento jurídico já tem dispositivos legais suficientes que

indicam como elaborar o Plano Diretor Metropolitano e as pilastras que

sustentam o seu regime jurídico.

O Estatuto da Cidade assumiu no sistema jurídico brasileiro o papel de

lei geral de direito urbanístico. Por sua vez, na formulação dos Planos

Metropolitanos caberá aos Estados respeitarem os instrumentos do Estatuto da

Cidade e adotá-los, inclusive, quando necessário.

Deste modo, consideramos o Estatuto da Cidade fundamento jurídico

para os planos diretores metropolitanos, por abarcar soluções que nos

permitem compreender questões referentes à administração metropolitana e a

utilização pelos Estados de instrumentos de planejamento metropolitano.

A mesma diretriz deve ser adotada em relação às demais leis federais,

que dispõem sobre temas correlatos ao desenvolvimento urbano. São elas a

Lei Federal nº 6.766/1979 (parcelamento do solo urbano) e a Lei da Política

Nacional dos Resíduos Sólidos. Ambas se referem a normas que cuidam,

respectivamente, de licenciamento de empreendimentos metropolitanos e

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451

resíduos sólidos. Especificamente elas não mencionam o Plano Diretor

Metropolitano, mas apresentam diretrizes que orientam seu conteúdo.

4) As Regiões Metropolitanas não editam os planos metropolitanos, visto

que não têm autonomia política; são criadas pelos Estados-membros por meio

de Leis Complementares diante do agrupamento de municípios limítrofes, para

integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de

interesse comum. Impõem ainda soluções administrativas que envolvem os

municípios limítrofes – através das diversas formas de gestão, ora como órgão,

ora como pessoa jurídica de direito público – para planejar e executar o uso e a

ocupação do solo metropolitano, saneamento básico e preservação do meio

ambiente.

Juridicamente, o conceito de Região Metropolitana não é uniforme, pois

depende dos contornos definidos pelo ordenamento jurídico de cada país.

No Brasil, os requisitos para criar por parte dos Estados as regiões

metropolitanas são estabelecidos pelas Constituições e leis estaduais. No

entanto, não existe um diploma nacional que estabeleça os critérios uniformes

para a criação destas regiões.

Destacamos o Projeto de Lei Federal nº 3.460/2004, o Estatuto da

Metrópole, que em âmbito federal definiu (art.6º, I) o conceito e os critérios

qualificadores da Região Metropolitana. Defendemos a constitucionalidade

deste diploma.

A região metropolitana é fato jurídico, acontecimento da realidade fática

incorporado pelas leis complementares estaduais como elemento relevante

para descrever o fenômeno urbano e atribuir suas consequências jurídicas.

Por outro lado, não há fato jurídico metropolitano com a simples

descrição normativa destes elementos. É necessário existir um ato de

interpretação, de subsunção atestando que os fatos estão consubstanciados na

norma. É fundamental que o legislador estadual, por meio da competência

discricionária, verifique baseado em estudos e pareceres técnicos se os

requisitos materiais estão previstos no caso concreto, culminando com a lei

complementar.

Portanto, não devemos confundir as formas de administração

metropolitana com o seu conceito. Não está correto qualificar as figuras

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452

regionais como pessoas jurídicas ou órgãos. Isto diz respeito às consequências

jurídicas atribuídas pelo legislador para administrar a realidade regional através

de órgãos públicos, pessoas jurídicas de direito público ou modelos

consorciais. Em suma, a região metropolitana é um fato jurídico que acarretará

consequências administrativas de interesses regionais.

Quanto à criação da Região Metropolitana pelo Estado-membro,

estamos diante de competência discricionária do legislador (ao escolher a

forma de gestão do interesse regional) e vinculada (quanto ao respeito dos

critérios materiais, formais e de conteúdo).

Os municípios que integrarem por vínculo compulsório a região

metropolitana não poderão abandoná-la, por meio de plebiscitos ou outros

mecanismos de anuência, pois deverão participar das deliberações de forma

compartilhada.

As Regiões Metropolitanas são distintas das aglomerações urbanas e

microrregiões (art. 25, §3º da Constituição Federal). O critério técnico que

define juridicamente as várias tipologias regionais considera a complexidade e

o tangenciamento da malha urbana entre as cidades de municípios. O critério é

fundamentado na conurbação entre eles, presente em grau elevado nas

regiões metropolitanas e inexistente nas microrregiões.

Portanto, a distinção entre região metropolitana, aglomeração urbana e

microrregião está apenas na realidade urbana, fática, disposta na hipótese da

norma jurídica. Quanto ao fato jurídico regional, as três realidades têm regimes

jurídicos semelhantes.

O Estado é o ente federativo responsável em última análise pela tutela

do interesse metropolitano e pela aprovação e elaboração dos Planos

Metropolitanos.

Por meio do Poder Executivo, contará com autarquia, Conselhos

Deliberativos e Consultivos para elaborar o plano, seus aspectos e a atuação

do Poder Legislativo, por meio das Assembleias Estaduais que poderão

aprová-lo. Compete ao Estado a titularidade das funções públicas de interesse

comum e consequentemente, a responsabilidade pelo planejamento urbano

metropolitano, espécie de interesse metropolitano.

Page 453: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MARIANA MENCIO Mencio.pdf · MARIANA MENCIO O regime jurídico do Plano Diretor das Regiões Metropolitanas Tese apresentada à Banca

453

A Carta Constitucional ao criar as regiões metropolitanas pautou-se no

federalismo cooperativo democrático ou, para outros, no equilíbrio federativo,

pois reconheceu funções que os Municípios não podem resolver isoladamente.

Ao atribuir competências concorrentes para resolver problemas comuns,

assegurou autonomia aos Municípios e não limitou seu exercício. Ao submeter-

se às decisões da figura regional, o município não obedece ao Estado de forma

autoritária, mas democrática, pois é assegurada sua participação conjunta.

Quanto ao vínculo compulsório que une os Estados e Municípios,

também não há que falarmos em redução de autonomia federativa.

Nas Regiões Metropolitanas, mesmo sendo necessário imprimir a

cooperação entre os entes, há por parte dos Municípios e Estados (art.25, §3º)

a ligação por meio de vínculo compulsório. Se o Município não cooperar, a

última palavra será do Estado.

5) Com relação à administração metropolitana, os consórcios públicos

não são modelos adequados de administração das funções públicas de

interesse comum à luz do nosso sistema jurídico.

Isto não afasta a possibilidade dos municípios integrantes das regiões

metropolitanas celebrarem entre si consórcios ou convênios para a gestão de

interesses referentes a este espectro de atuação interlocal.

Entretanto, os consórcios públicos não substituem a gestão integrada

viabilizada pelo arranjo institucional supramunicipal (art.25, §3º da Constituição

Federal). Isto porque, apenas o modelo institucional de governo das regiões

metropolitanas abrange a complexidade das funções públicas de interesse

comum, estritamente relacionada ao fenômeno da conurbação e número

expressivo de municípios envolvidos.

6) Quanto ao conteúdo do Plano Diretor Metropolitano, o conjunto de

normas jurídicas que disciplinarão o planejamento urbano são extraídas da

competência concorrente por parte do Estado, tomando por base o conceito de

interesse metropolitano, qualificado pelas funções públicas de interesse comum

(art. 25, §3º, da Constituição Federal).

Os interesses metropolitanos resultam em conexões e interferências

recíprocas entre os municípios, exigem ação unificada, integrada entre os

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municípios da região e o Estado responsável por sua criação. As funções

comuns dizem respeito a um só tempo aos vários municípios conurbados, cuja

gestão exige atuação integrada.

Isto demonstra que o interesse metropolitano é conceito jurídico

indeterminado, revela um relato abstrato da norma e necessita especificar o

conteúdo, conferindo ao jurista certa margem de interpretação.

Assim, o intérprete deverá examinar os fatos concretos para identificar

sua adequação à norma jurídica qualificada por conceito indeterminado. Fixar o

sentido das funções comuns diz respeito à interpretação, ao juízo de

subsunção, que será realizado pelo modelo das leis estaduais por Conselhos

Metropolitanos e Autarquias (Poder Executivo) junto à Secretaria de

Desenvolvimento Metropolitano e pelo Poder Legislativo, por meio das

Assembleias Legislativas.

O plano metropolitano disporá sobre aspectos genéricos de uso e

ocupação do solo metropolitano, medidas de combate à poluição e degradação

ambiental, fixando diretrizes, metas, parâmetros que vão influenciar a

elaboração dos planos diretores pelos municípios.

Na hipótese dos planos diretores metropolitanos apresentarem

conteúdos que não correspondam às diretrizes das leis federais e estaduais,

será aplicada integralmente a teoria do desvio de poder, em função da

desproporcionalidade, irrazoabilidade dos padrões adotados diante dos fins aos

quais estão atrelados. Trata-se de desvio de poder legislativo, do Plano Diretor

Metropolitano, face ao conteúdo da carta constitucional, que viabiliza o

planejamento urbano para alcançar as finalidades do desenvolvimento

sustentável, nas cidades metropolitanas, traduzido no art. 182 como função

social da cidade.

Em relação às eventuais colidências entre planos diretores

metropolitanos e municipais, compete aos municípios disciplinar

detalhadamente os parâmetros de uso e ocupação do solo, específicos para

ordenar seus espaços habitáveis, com índices concretos, distintos de outros

municípios da mesma região. Este é o núcleo intangível da competência

municipal no que diz respeito ao direito urbanístico. Por outro lado, o interesse

local será influenciado pelas diretrizes metropolitanas, por integrar a Região

Metropolitana.

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A lei que criar o plano metropolitano urbanístico e ambiental

estabelecerá nas regiões metropolitanas suas diretrizes, objetivos, metas e

prioridades relativas aos aspectos de uso e ocupação do solo e as medidas de

proteção ao meio ambiente.

Os planos diretores municipais serão elaborados em consonância com

as metas e diretrizes gerais do Plano Diretor Metropolitano. Entendemos que

ambos deverão ser compatíveis, coexistirem, conciliarem seus conteúdos sem

que um predomine sobre o outro.

Assim, como o conteúdo para fixar diretrizes genéricas do Plano Diretor

Metropolitano é de competência do Estado, suas disposições deverão

influenciar os planos municipais.

Os municípios participam junto com os órgãos estaduais da elaboração

do plano metropolitano. E, mesmo não concordando com algumas diretrizes,

deverão se submeter aos seus comandos em função do vínculo compulsório.

Os únicos limites intangíveis que os planos diretores metropolitanos

deverão respeitar são os relacionados à competência urbanística municipal

(art.30, VIII e 182 da Constituição Federal). Não há prevalência de matéria

local, mas respeito ao seu conteúdo em razão da divisão constitucional de

competências, obedecendo sempre à norma de maior para a de menor

abrangência em termos de concreção direta do tratamento conferido ao

zoneamento, uso e ocupação do solo.

7) Ao ser instituída em função do fenômeno da conurbação, a Região

Metropolitana cria entre os Municípios limítrofes que integram sua estrutura

uma nova configuração territorial, que exige definição de zoneamento para o

uso e a ocupação do solo. Deste modo, o conteúdo do plano metropolitano

regulamentará as relações jurídicas envolvendo áreas rurais e urbanas dos

municípios limítrofes.

Por outro lado, ao elaborar o plano metropolitano, o Estado poderá criar

um zoneamento específico, disciplinar e abranger áreas submetidas ao Plano

Diretor Metropolitano, respeitadas as proporções do zoneamento municipal. A

reunião dos municípios limítrofes poderá gerar novos zoneamentos do solo,

que atuem em perspectiva metropolitana, qualificado, como núcleo

metropolitano e de expansão metropolitana.

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8) Os objetivos do plano metropolitano serão definidos

democraticamente, com a participação dos órgãos executivos do Estado. Cada

plano é fruto de um processo típico e peculiar legislativo que fixa objetivos em

função da realidade que pretende disciplinar.

No entanto, existem leis que oferecem parâmetros mínimos para definir

os seus objetivos. Entre elas, citamos as diretrizes do Estatuto da Cidade e as

Leis estaduais. Em regra, dispõem sobre a integração do planejamento e da

execução de funções públicas de interesse comum entre os entes públicos na

região, a redução das desigualdades sociais e regionais.

Só admitimos a obrigatoriedade de Plano Diretor Metropolitano se for

instituída Região Metropolitana (art. 25, §3º da Constituição Federal). Além

disso, com base no art. 41, II, do Estatuto da Cidade, os municípios integrantes

de região metropolitana deverão elaborar seus planos diretores. Logo, o

Estado-membro deverá elaborar seu plano metropolitano. Caso não seja feito

pelo Estado, só haverá consequências institucionais sem sanções de

improbidade administrativa e responsabilidade funcional administrativa, em

nome do princípio da legalidade.

Assim, a falta de um Plano Diretor Metropolitano afasta o uso dos

instrumentos de ordenação urbana previstos no Estatuto da Cidade e impede a

obtenção de recursos federais para aprimorar a política de resíduos sólidos

(art.16 da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos).

Ao lado das sanções, as Constituições e leis estaduais poderão prever

consequências jurídicas para a hipótese de não edição do Plano Diretor

Metropolitano, até como forma de estimular o planejamento urbano regional.

9) Em relação à iniciativa do projeto de lei que trata do Plano Diretor

Metropolitano, caberá à Constituição Estadual abordar o assunto. Na hipótese

do legislador não prever expressamente lei complementar, competirá à lei

ordinária esta tarefa.

Até o momento, as Constituições e leis estaduais não previram o órgão

para a propositura do projeto de lei. Ainda que a legislação estadual determine

iniciativa privativa ao Chefe do Poder Executivo, quanto à iniciativa popular,

entendemos ser viável em nome do princípio democrático. Acreditamos

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também ser importante a participação popular durante o processo de discussão

e aprovação do plano metropolitano, em nome das diretrizes gerais do Estatuto

da Cidade e do art. 45 do mesmo diploma.

10) As leis estaduais ainda não estabeleceram prazo para a revisão dos

planos metropolitanos. Desta forma, serão utilizados por analogia os 10 anos

previstos pelo Estatuto da Cidade para revisar os planos diretores municipais.

O conteúdo genérico do Plano Diretor Metropolitano deverá prever os

critérios que vão nortear a resolução de conflitos resultantes da colisão entre as

normas do novo e do antigo plano.

Apesar de tratarmos das normas de direito intertemporal do plano

metropolitano elaborado pelo Estado, a autoridade competente para viabilizar

as medidas concretas de uso e ocupação ao solo será o município. Nesta

hipótese, não há que falarmos em conflito de competências, pois a normas do

plano metropolitano são genéricas e influenciam as normas de uso e ocupação

dos municípios, entidade federativa por excelência competente para executar

estas atribuições.

Diante de normas de zoneamento, modificação do uso do solo, o direito

adquirido, que possibilitará instalar empreendimento e a manutenção do uso,

ainda que novo plano entre em vigor, proibindo-o, surgirá apenas diante do uso

inicial, acompanhado de instalação do empreendimento e obtenção do alvará

de funcionamento.

Quanto à manutenção do que já está em funcionamento, só haverá

proteção ao direito adquirido se o proprietário tiver adquirido o direito à

renovação do alvará de funcionamento e localização antes da superveniência

da lei nova proibitiva. Neste caso, o Poder Público deverá tolerar o uso

inadequado em razão do novo plano, até o fim do prazo de licença. Contudo,

mesmo havendo tolerância do uso durante a vigência da licença, o Poder

Público poderá extingui-la por meio da caducidade, por entender que a nova lei

introduziu mecanismos protetivos para a área, o que ensejará indenização ao

proprietário.

Além da indenização, será possível usar o estabelecimento em nova

localidade favorável para instalar estações de tratamento.

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Em relação à ocupação e à edificação de imóvel, só haverá direito

adquirido e indenização se houver obra licenciada, construída, mas sem

expedição do habite-se.

Assim, sobrevindo Plano Diretor Metropolitano alterando os coeficientes

de aproveitamento, o proprietário só terá direito a construir segundo os padrões

do plano revogado se tiver cumprido os requisitos anteriores. Mas se o Poder

Público verificar ser impossível manter estes índices de aproveitamento, nem

adequá-lo à nova situação, o imóvel será desapropriado por necessidade

pública, com a prévia e justa indenização em dinheiro.

Por fim, estaremos diante de ato jurídico perfeito quando a obra tiver

construída, regularizada e atestada pelo Poder Público municipal, mediante o

habite-se. Se o Plano Diretor Metropolitano modificar a situação, não tolerar

mais os padrões de aproveitamento em vigor e na hipótese de não ter previsto

tolerância, o Poder Público municipal deverá desapropriar o bem imóvel

construído nos padrões do antigo plano metropolitano.

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