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PONTIFICIA FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO MARIA APARECIDA PASCALE A EDUCAÇÃO LIBERTADORA NO SISTEMA PREVENTIVO DE DOM BOSCO. BASES À ELABORAÇÃO DE UM PROJETO TEOLÓGICO PASTORAL NO MEIO URBANO SÃO PAULO – 2006

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PONTIFICIA FACULDADE DE TEOLOGIA

NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO

MARIA APARECIDA PASCALE

A EDUCAÇÃO LIBERTADORA NO SISTEMA

PREVENTIVO DE DOM BOSCO. BASES À

ELABORAÇÃO DE UM PROJETO TEOLÓGICO

PASTORAL NO MEIO URBANO

SÃO PAULO – 2006

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PONTIFICIA FACULDADE DE TEOLOGIA

NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO

MARIA APARECIDA PASCALE

A EDUCAÇÃO LIBERTADORA NO SISTEMA

PREVENTIVO DE DOM BOSCO. BASES À

ELABORAÇÃO DE UM PROJETO TEOLÓGICO

PASTORAL NO MEIO URBANO

Dissertação apresentada como exigência

parcial para obtenção do título de mestre em

Teologia Prática Núcleo Pastoral à comissão

julgadora da Pontifícia Faculdade de Teologias

N. S. da Assunção, sob orientação do Prof. Dr.

Pe. Francisco Martins.

SÃO PAULO – 2006

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COMISSÃO JULGADORA:

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Dedicatória Todo esforço, dedicação e empenho,

empreendidos nesse Estudo eu os dedico

aos meus alunos.

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Agradecimentos

Ao Prof. Dr. Pe. Francisco Martins, orientador,

incentivador que, com grande paciência,

valorizou o trabalho da aluna.

Aos Mestres da Pontifícia Faculdade de

Teologia N. S. da Assunção e do Instituto

Teológico Pio XI.

À Pontifícia Faculdade de Teologia N. S. da

Assunção

As minhas amigas Cleide, Sandra Mara,

Rosemeire, Clotilde e ao amigo Edgar, que não

me deixaram desistir.

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A MINHA MÃE E MEU PAI

Patrocínia Izaías Pascale e Giovanni Pascale (em memória)

Iahweh é meu pastor, nada me falta.

Em verdes pastagens me faz repousar.

Para as águas tranqüilas me conduz

e restaura minhas forças;

ele me guia por caminhos justos,

por causa do seu nome.

Ainda que eu caminhe por um vale tenebroso,

nenhum mal temerei, pois estás junto a mim;

teu bastão e teu cajado me deixam tranqüilo.

Diante de mim preparas uma mesa,

à frente dos meus opressores;

unges minha cabeça com óleo,

e minha taça transborda.

Sim, felicidade e amor me seguirão

todos os dias da minha vida;

minha morada é a casa de Iahweh

por dias sem fim.

(Sl. 23)

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SIGLAS E ABREVIATURAS

CEHILA Comissão de Estudos de História da Igreja na América Latina

CELAM Conselho Episcopal Latino Americano

CNBB Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil

DV Constituição Dogmática Dei Verbum

GE Declaração Gravissimum Educationis

EN Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi

GS Constituição Pastoral Gadium et Spes

LG Constituição Dogmática Lúmen Gentium

MB Memória Biográficas di S. Giovanni Bosco

MO Memórias do Oratório de São Francisco de Sales

REB Revista Eclesiástica Brasileira

RIBLA Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana

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Resumo

O capítulo I relê e liga os fundamentos e a forma de conceber Educação e liberdade na

Sagrada Escritura. A falta de conhecimento e formação leva o povo à idolatria, um povo sem

educação religiosa pode ser facilmente manipulado pelo poder político e religiosos. Em Jesus

mostra seu modo carinhoso e atencioso, pois sua práxis era do serviço e da partilha, atitudes

que nos levam à verdadeira libertação. A liberdade cristã apresentada pelo apóstolo Paulo

educa para a liberdade. “Para ser livre, Cristo vos libertou” (Gl 5,1). O conceito filosófico da

Educação contempla fundamentos da educação e formação em alguns dos grandes mestres da

filosofia e finalmente uni-los todos aos documentos da Igreja que colaboram e dão diretrizes

para uma definição de educação para a libertação e com autonomia. No II capítulo apresenta

um educador do século XIX, período histórico, cujo sistema educativo era altamente

repressor, São João Bosco, que apresenta um jeito novo de ensinar que fica conhecido como

sistema preventivo, que não nasceu a princípio como teoria pronta para ser aplicada, mas,

nasceu da síntese entre ação social e seu pensamento pedagógico cristão. Foi no seu cotidiano

que esse sistema preventivo aconteceu, motivado pelo amor, caridade e alegria. Com presença

contínua do educador na vida do educando conduzindo-o para ser protagonista de uma

renovada sociedade no exercício da educação libertadora cristã, intitulado por ele mesmo de:

“Educação é obra do coração”. O III capítulo, uma vez estabelecidos os parâmetros da

educação libertadora cristã na história, compreendida como construção de liberdade segundo

o Evangelho de Jesus, apresenta, o Sistema Preventivo de Dom Bosco com uma proposta

pedagógica humanizadora que liberta para a autonomia e responsabilidade.

PALAVRAS CHAVES:

Ensinamento – Formação – Educação – Libertação – Preventividade

Alegria – Festa – Razão – Religião – Afeição

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Abstract

Chapter I reviews and connects the basis and the way of conceiving Education and Freedom

on the Holy Scriptures. The lack of knowledge and formation leads the people to idolization -

people without religious education can be easily manipulated by the political and religious

power. Jesus shows his concern and kindness, because his practice was serving and sharing,

attitudes that lead us to the true liberty. The Christian freedom presented by the Apostle Paul

educates for liberty. “To be free, Christ set you free” (Gl 5,1). The philosophical concept of

Education contemplates the basis of education and formation on some of the greatest masters

of philosophy and, finally, connects them all to the documents of the Church which

collaborate and give direction to a definition of education for the freedom with autonomy.

Chapter II presents a teacher from the XIX century, a historical period in which educative

system was extremely repressive, Saint John Bosco, who presents a new kind of teaching that

became acquainted as preventive system, which did not come, in principle, as a ready theory

to be applied, but it came from the synthesis of social action and his Pedagogical Christian

thought. It was in his routine that this preventive system came up. He was motivated by love,

charity and happiness. With continuous presence of a teacher in a student’s life, leading him

to be the protagonist of a renewed society in the practice of the Christian Unrepressed

Education, called by himself “Education is all heart”.

Chapter III, once the parameters of the Christian Unrepressed Education in history are

established, is understood as construction of freedom, the Gospel according to Jesus, presents

the Preventive System of Dom Bosco as a humanist pedagogical proposal that sets free to

autonomy and responsibility.

Key Words:

Teaching – Formation – Education – Freedom – Prevention

Joy – Festival – Reason – Religion - Affection

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Resumen

El capitulo 1º relee y une los fundamentos y la forma de concebir Educación y libertad en la

Sagrada Escritura. Ia falta de conocimiento y educación que lheva el pueblo a la idolatrie, un

pueblo sín educación religiosa puede ser manipulado por el poder politico y religioso. Jesus se

muestra cariñoso y atencioso, pues su praxis era la del servicio y la solidaridad, actitudes que

nos llevan a la verdadera libertación. Ia libertad cristiana seguem Pablo educa para la libertad.

“Para ser libres, Cristo nos libertó” (Gal 5,1). El concepto filosófico de Educación contempla

los fundamentos de la educación y la formación en lo grandes maestros de la filosofia y

finalmente unirlos a todos los documentos de la Iglesia que colaboran y dan las directrizes

para una definición de educación libertadora y con autonomia.

El capitulo II presenta un educador de siglo XIX, periodo histório en el cual el sistema

educativo era altamente represor, San Juan Bosco, que presenta una manera nueva de enseñar

que es conocido como sistema preventivo, que no nasció como teoria para ser aplicada

imediatamente seno que nasció de la sintesis entre la acción social y su pensamento

pedagógico cristiano. Fue en el dia a dia que este sistema preventivo aconteció, motivado por

el amor, la caridad y la alegria. Com la presencia continua del educador en la vida del

educando y llevandolo para ser protagonista de una sociedad renovada en el ejercicio de la

educación libertadora cristiana, titulada por el mismo de: “Educación es obra del corazón”.

El capitulo III una vez establecido los parámetros de la educación libertadora cristiana en la

história, comprendida como construcción de libertad segun el Evangelio de Jesus, presenta, el

Sistema Preventivo de Don Bosco con una propuesta pedagógica humanizadora que liberta

para la autonomia y la responsabilidad.

PALABRAS CLAVES:

Enseñanza – Formación – Libertación – Preventividad – Alegria – Fiesta – Razón –

Religión – Afección

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 10 CAPITULO I......................................................................................................................... 13 1. A EDUCAÇÃO LIBERTADORA NOS ASPECTOS: BIBLICO, FILOSOFICO E TEOLÓGICO........................................................................................................................

13

1.1. PRINCÍPIOS DA PEDAGOGIA DIVINA NA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO............. 13 1.1.1. Pedagogia de Deus na obra da Criação......................................................................... 18 1.1.2. Pedagogia da Profecia................................................................................................... 20 1.1.3. A pedagogia de Jesus.................................................................................................... 21 1.1.4. Paulo Apóstolo: A Educação para a liberdade dos filhos de Deus............................... 26 2. ASPECTOS DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO............................................................. 32 2.1. A educação entre os povos primitivos............................................................................. 37 2.2. Educação Judaica............................................................................................................. 38 2.3. Educação Grega............................................................................................................... 39 2.4. Educação Romana........................................................................................................... 40 3. A EDUCAÇÃO NOS DOCUMENTOS DA IGREJA................................................... 41 3.1. Conceito Cristão de Educação......................................................................................... 42 3.2. Concílio Vaticano II: Declaração “Gravissimum Educationes”...................................... 43 3.3 Ética e Educação............................................................................................................... 49 4. REALIZAÇÃO TOTAL DA PESSOA HUMANA: PERSPECTIVA DE DOM BOSCO...... 53 CONCLUSÃO........................................................................................................................ 55 CAPITULO II....................................................................................................................... 57 1. SISTEMA PREVENTIVO DE DOM BOSCO.............................................................. 57 1.1. CONTEXTO HISTÓRICO............................................................................................. 59 1.1.2. A situação cultural e escolar no Piemonte e em Turim, de 1841 a 1861..................... 59 2. A situação religiosa no Piemonte e em Turim, de 1841 a 1861......................................... 60 2.1. A situação psicossociológica dos primeiros jovens de Dom Bosco................................ 61 3. BIOGRAFIA DE DOM BOSCO.................................................................................... 61 3.1. A infância........................................................................................................................ 63 3.2. Sua Formação Escolar..................................................................................................... 65 3.3. Sua formação Espiritual.................................................................................................. 68 4. Educação no Sistema Preventivo de D. Bosco e a proposta de outros educadores e educadoras..........................................................................................................................................

68

4.1. Marcelino Champagnat e os irmãos Maristas.................................................................. 68 4.2. Teresa Eustochio Verzeri e as Filhas do Sagrado Coração de Jesus............................... 69

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4.3. São João Batista de La Salle........................................................................................... 70 4.4. Barnabitas....................................................................................................................... 70 4.5. Santo Afonso de Ligório.................................................................................................. 70 4.6. São Francisco de Sales.................................................................................................... 71 4.7. Sistema Preventivo – uma espiritualidade Oratoriana..................................................... 72 5. Oratório: oratório festivo, espírito oratoriano: festa, alegria e formação................... 73 6. Prevenir: Método Divino.................................................................................................. 80 7. A influência feminina na educação preventiva.............................................................. 82 8. A prevenção e os princípios do Sistema Preventivo....................................................... 83 8.1. A Educação no Sistema Preventivo de D. Bosco........................................................... 84 8.2. A Educação libertadora no Sistema Preventivo............................................................... 87 9. Carta de Roma.................................................................................................................. 87 CONCLUSÃO........................................................................................................................ 88 CAPITULO III...................................................................................................................... 90 1. PISTAS À ELABORAÇÃO DE UM PROJETO TEOLÓGICO PASTORAL.......... 90 1.1. PASTORAL DA EDUCAÇÃO - CONCEITOS E ESCLARECIMENTOS.................. 90 1.2. TEOLOGIA PASTORAL.............................................................................................. 92 1. 3. PASTORAL URBANA................................................................................................. 95 1. 4. TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO..................................................................................... 96 2. UM PROJETO EDUCATIVO LIBERTADOR............................................................. 99 2.1. VISÃO TEOLÓGICA DO PROJETO EDUCATIVO.................................................... 1002.2. O SENTIDO DA VIDA HOJE....................................................................................... 1012.3. TAREFA DA TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO............................................................... 1042.4. DESAFIOS DO MEIO URBANO................................................................................. 1062.5. DIGNIDADE HUMANA............................................................................................... 107 3. PISTAS PARA ELABORAÇÃO DE UM PROJETO PASTORAL............................ 109 CONCLUSÃO......................................................................................................................... 120 CONCLUSÃO FINAL.......................................................................................................... 122 BIBLIOGRAFIA................................................................................................................... 134

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INTRODUÇÃO

A experiência humana é a procura cotidiana do conhecimento; o ser que quer

encontrar o Transcendente. Homens e mulheres são seres “culturais”, herdeiros e testadores

de uma cultura.

Nenhum ser humano começa sua experiência do ponto zero. Valendo-se da memória,

com base em experiências anteriores, faz um processo dialético entre o presente e o passado.

Vislumbra o futuro, tendo como parâmetros memória, esperança, tradição e profecia.

Fundamenta-se, primeiramente, na pedagogia Divina: na História da Salvação e na

Obra da Criação, onde o ensinamento de Deus é bem claro: ao ser humano não é dado

penetrar no íntimo de outro ser humano, para não sufocá-lo, nem oprimi-lo. Somente Deus

pode conhecer o que cada um carrega dentro de seu coração.

A Bíblia coloca o relacionamento do ser humano com Deus como o eixo fundamental

para a harmonia de todo o cosmo.

Buscamos, assim, mais que conceitos de educação. Buscamos sua verdade na vida.

Através dos ensinamentos da Torá, das reflexões filosóficas, do pensamento profético,

chegamos ao ápice da pedagogia da educação com Jesus, o maior de todos os mestres.

Com os olhos voltados para o profeta Oséias, Paulo, Dom Bosco e para o pedagogo

contemporâneo Paulo Freire, encontramos os mesmos objetivos e ideais quanto à formação

e a denúncia a não-formação do ser humano.

O gesto profético que é pedagógico, e o direito de ter “raiva” diante das injustiças

cometidas no ambiente educacional, é objeto de interesse dos formadores da liberdade e

autonomia do ser humano.

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Demonstrar que o vislumbrar da Revelação de Deus deve ser refletido nas ações

pastorais. A boniteza [sic] e a alegria de ensinar e aprender.1 Aprendendo e ensinando a ética

e a estética do aprendizado que levam ao desejo epistemológico, que constrói o conhecimento

e participe da sua construção. Creio que poucos percebem essas possibilidades, pois é preciso

que se tenha gosto pela vida e que a vida tenha sentido.2

Os Documentos da Igreja nos dão o embasamento necessário para fundamentar nossos

estudos em uma significativa educação pastoral. Neles encontramos reflexões e critérios que

nos possibilitam afirmar que o profeta Oséias, o apóstolo Paulo, Dom Bosco e o educador

Paulo Freire, são coerentes nos seus escritos pela opção que fizeram e que permearam as suas

vidas. Eles podem demonstrar que, pela educação formativa e pelo conhecimento de Deus, é

possível mudar a sociedade.

Oséias, Paulo, Dom Bosco e Paulo Freire são facilitadores de uma mudança social

necessária nos dias de hoje. Pois, não há outra pedagogia senão a do amor e da inquietude.

Pedagogia que situa a todos, homens e mulheres, no exercício de sua responsabilidade e de

suas decisões relativamente ao que vem do externo, no discernimento exato de suas decisões,

onde a liberdade é a essência de suas vidas, nesta exposição acima está o conteúdo que

procuramos trabalhar no primeiro capítulo, em que privilegiamos o ensinamento bíblico-

filosófico-teológico.

No segundo capítulo, em especial, trazemos o modelo cristão de educação: Dom

Bosco, sua vida, sociedade, seus contemporâneos, assim como sua preocupação com a

juventude. Toda uma vida dedicada à instrução dos educadores e preocupada com a

metodologia que deveria se aplicar aos educandos. João Bosco viveu profundamente os

ensinamentos do Evangelho. E, por conhecer o valor da luta por uma vida digna, justa e plena,

criou um método personalizado, segundo o qual é a presença amorosa que educa e transforma.

1 (boniteza): termo usado por Paulo Freire em suas obras. 2 ‘o grifo é nosso’.

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O terceiro capítulo se empenha em demonstrar como foi possível para esses grandes

educadores fazer a diferença dentro de seu contexto social e como podemos, também hoje,

apreciar a vida e a existência no paraíso e redescobrir o paraíso na nossa realidade. È esse o

desejo de todas (os) nós. Essa realidade é, por vezes, embaçada pela violência, pelo medo e

pela depressão, por tudo, enfim, que assola nossa época. Faz-se necessária uma voz profética-

educadora, que resgate homens e mulheres da negatividade, fruto da injustiça, que transforma

o mundo num “lugar” difícil de viver e, não, num “lugar” de esperança e maravilhas. “Deus

criou e viu que era bom”. (Gn 1)

É importante recuperar homens e mulheres. É fundamental dar sinais da alegria que é a

Vida.3

Oséias, Paulo, Dom Bosco e Paulo Freire procuram dar esses sinais e dar sentido dessa

maneira às suas próprias vidas, remetendo seus educandos a valores essenciais da vida: amar,

refletir e libertar.4

Sendo a criação narrada nas mais diferentes formas, nas diversas culturas, constata-se

algo em comum nessas narrativas e mitos, à procura de explicação para a vida, para o sentido

da vida.

A perda da identidade é um sinal preocupante em nossos dias. É necessário fazer uma

revisão das nossas formas educativas-pedagógicas-teológicas. E, além de traçar pistas, definir

objetivos para que tais pistas sejam realmente libertadoras e criem identidade.

3 O grifo é nosso. 4 O grifo é nosso.

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CAPÍTULO I

1. A EDUCAÇÃO LIBERTADORA NOS ASPECTOS: BIBLICO, FILOSOFICO E

TEOLÓGICO

INTRODUÇÃO

A experiência humana é a procura cotidiana do

conhecimento. Homens e mulheres são seres

culturais, que não começam suas experiências do

ponto zero. Valem-se da memória, baseiam-se em

experiências anteriores vividas por seus

antepassados para construir a sua própria educação

e identidade. A educação tem como finalidade

ajudar o homem e a mulher a alcançar a plenitude e

a realização de seu ser. Neste capítulo faremos

uma abordagem aos textos da bíblia, dos

documentos da Igreja e da história da educação,

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para compreender a passagem da cultura do oriente

para o ocidente, do ontem para o hoje, de uma

educação elitista para uma educação civilizatória e

libertadora. Eminentemente histórico, quer

justificar a educação, em todas suas formas (formal

ou popular), como veículo para essa

transformação.

1.1. PRINCÍPIOS DA PEDAGOGIA DIVINA NA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO

Ouve, ó Israel. O senhor é nosso Deus, o Senhor é um. Portanto,

amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a

tua alma e com toda a tua força. Que as palavras dos

mandamentos que hoje te dou estejam em teu coração. Tu as

repetirás a teus filhos e delas falarás quando estiveres em casa

e quando andares pela estrada, quando estiveres deitado e

quando estiveres de pé. Tu também as atarás à tua mão como um

sinal, e serão como um frontal entre os teus olhos; tu as

inscreverás sobre as ombreiras da porta de tua casa e na entrada

de tua cidade. Dt 6, 4-9

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Para o mundo semita palavras, nomes, não diferem dos seus sentidos. “Shemá, Israel”,

é a oração familiar que recorda o primeiro mandamento e deve ser transmitido aos filhos pelos

pais, não somente como uma regra, mas como explicação da obra libertadora de Deus, pois

foi através dos mandamentos que Deus os fez viver como um povo justo e livre, e os filhos

devem aprender a ser fiéis à Aliança para terem uma vida melhor e mais prolongada. Todo fio

condutor bíblico está alicerçado nessa educação que liberta, como veremos em textos de

diferentes estilos literários: históricos, proféticos, sapienciais, contidos na Bíblia5.

A frase: “TU AS REPETIRÁS A TEUS FILHOS”: explica que o ethos de Israel é a

família, em Gn 17, 19-27, o pai circuncida o filho varão e os escravos para incorporá-los ao

povo com o qual Deus fez aliança, também a mãe pode circuncidar, em Ex 4, 24-26, é Séfora,

esposa de Moisés, quem o circuncida, e também ao seu filho Gerson, ao vê-lo em perigo de

vida sem receber a circuncisão.

Os livros Sapienciais são ricos em ensinamentos familiares, A sabedoria vem de Deus

como um dom, porém isso só é reconhecido no temor à Javé, que é comunicado pela

disciplina e esta leva o jovem à viver em aliança com Deus. É essa aliança que mantém a

identidade do povo e o faz diferente dos outros povos. (Dt 4, 8-10). Dar a vida a esses

ensinamentos atrai a prosperidade.

O Shemá é a oração da obra libertadora de Deus, que faz o povo ser justo, honrado por

seus filhos e possuidor da Terra. (Dt 6, 20-25; 32; 44-47). Vejamos alguns exemplos: Pr 1,

8ss. 2, 20-22 - o pai e a mãe aconselham seus filhos a serem dóceis, especialmente na

juventude; Pr 3, 11ss – corrigir é um sinal de amor, traz satisfação e os prepara para deixarem-

5 FARIA, Jacir de Freitas. A reLeitura do Shemá Israel nos Evangelhos e Atos dos Apóstolos. p 54-55 – SHEMÁ = OUVIR: interpretar, comentar a Torah. Shemá está intimamente ligado à Torah, porém ser comentada ela é morta. EHAD = UM: completo, sem divisão interior. Algumas Bíblias traduzem por único, porém não se deve fazê-lo, pois, único está sempre em relação à alguém, assim sendo dizer que nosso Deus é um, significa que ele não está em relação a outros deuses, não existem outros deuses para serem comparados ao Deus de Israel. Deus é indivisível, é UM. ‘AHAB = AMAR: é a tarefa de todo judeu, e exige integridade, doação, entrega. O amor apregoado em Dt 6,4-9 deve perpassar os momentos cotidianos, e também deve ser tridimensional, isto é: deve ser realizado com o coração, a alma e a força. essas três coisas representam a perfeição de um triângulo eqüilátero. LÊB = CORAÇÃO: sentimento e razão integrados. O povo de Israel entendia o coração como sede da razão e do raciocínio. NEFESH = ALMA: é o que confere dignidade, o que me faz ser e também o outro ser. Alma é personalidade, individualidade, vida, vontade. ME’ÔD = FORÇA: poder aquisitivo, dinheiro, posses. Não tem sentido de vigor dado pelas traduções de nossas Bíblias, mas tem o sentido de tudo que se possui. Seguiremos este autor para aprofundar o vocabulário desta perícope.

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se corrigir; Pr 31, 1-5 – a mãe de um rei estrangeiro o ensina a governar com justiça; Eclo

30,1-3 – cabe aos pais ensinar, educar para a sobriedade, mostrando as idéias infundadas,

aconselhando e castigando caso necessário. (educar para o bom senso); Eclo 30, 7-13 – mimar

os filhos não é um bem, pois os torna insolentes.

Educar na fé é obrigação dos pais, dos anciãos e especialmente das mães que

comunicam a fé, através de conversas informais, que constituam o objeto primeiro e contínuo

de toda educação, em todas as situações: andando, sentado, deitado, em pé. O amor deve ser

vivido na família e na sociedade.6

A fé comunicada pela família em Israel é entusiasta, alegre, leva a louvar a Deus, a

confiar nele, a agradecer e a fortalecer o coração. (Sl 78, 3-8). É transmitida às sucessivas

gerações, e as maravilhas de Deus serão ouvidas pelos filhos desde a juventude, quando a

tentação da violência e da cobiça os quiser seduzir (Pr 1, 8-19). Dar boa educação aos filhos

leva-os a perseverar no bem (Pr 22,6). A educação familiar na fé capacita os jovens e as

crianças israelitas para o martírio, que os prepara para todas as inusitadas situações a serem

vividas. (2 Mc 7, 1-23).

A fé manifesta-se, também, na maior festa dos israelitas, que é a Páscoa, celebrada

desde o princípio em família. Nela é mantida viva a memória da libertação da escravidão, ao

longo das gerações servindo de catequese infantil como recorda o Deuteronômio,

transmitindo uma consciência para que a nova geração não reproduza uma sociedade

estruturada na injustiça, desigualdade e opressão.

Em Êxodo 13, 11-16, tanto a consagração quanto o resgate do filho primogênito é

explicado aos filhos em forma de Catequese, onde a família se prepara durante sete dias,

comendo pães ázimos como sentido libertador, recebido da época em que cada tribo tinha seu

6 Por isso o livro do Deuteronômio mostra mais do que simplesmente a Lei, mas uma resposta de amor ao Deus que se manifesta em todas as relações humanas. (Dt 6,6bss; 20ss): “Amanhã seu filho vai lhe perguntar o que são essas normas, esses mandamentos e decretos que o Senhor vosso Deus ordenou? Tu responderás a teu filho: Éramos escravos do Faraó no Egito e o Senhor nos tirou do Egito com mão forte.”

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lugar no culto e os chefes das famílias deviam apresentar oferendas nas três festas do ano (Dt

16, 16ss). Ao ser unificado o lugar do culto surge a peregrinação familiar anual (1Sm 1, 1-3).

Em Gênesis observamos que o pai da família abençoa os filhos solenemente ao sentir que a

morte está perto. A bênção é passada de pai para filho como benefício de Deus, assim como

também a maldição como seu castigo e todos devem ser alertados para isso. (Eclo3,8ss e Gn

27,27-29; 49,1-27; 48,8-20).

TORAH – ENSINAMENTO: muito mais comum é termos a tradução como LEI. Essa

tradução é próxima, mas não é a ideal. Lei em si significa: prescrição jurídica. Torah, muito

mais do que isso. Sua derivação está na raiz semítica yarah, cujo significado é “lançar,

instruir”. Ao ser traduzida por ensinamento, instrução, lançar as bases, caminho, temos muito

mais chance de nos aproximar-nos do significado semita, pois em hebraico ensinamento é o

caminho através dos quais Deus nos conduz. Para o povo, Torah representa o dedo de Deus,

indicando o caminho certo e apropriado para viver bem e assegurar o shalom (vida abundante,

plena, feliz), a hesed (graça, bondade e lealdade), a emunah (fidelidade), a sedaqah (justiça,

atos salvíficos de Deus) e assegurar que tudo isso continue acontecendo no mundo através da

obediência a esta instrução.

Isso vai legitimar a Torah como o pilar sustentador de toda a criação e que ela não

pode ser usada por pessoas incapazes de entendê-la, apreciá-la e seguir suas instruções. Seria

um desperdício de tempo e energia, a tarefa de ler e ensinar as pessoas que não possuem

interesse, respeito e capacidade para apreciar e compreender tão rica instrução.7

Ela precede a criação, porque é tão eterna quanto o próprio Deus. Religião e cultura

estão intimamente ligados, andam de braços dados, brotam do meio onde vivem. A Torah

passa pelo crivo da cultura, pois jamais Deus se revela de modo que as pessoas não o

entendam. As histórias bíblicas são cotidianas. O que as tornam diferentes é o modo como são

relidas e recontadas.

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Os textos nascem de dois momentos: litúrgico e catequético. Foram influenciados pela

cultura, linguagem e ideologia dos autores que utilizaram todos os instrumentos de que

dispunham para falar da Revelação de Deus, assim, não importa quem escreve, mas a

mensagem, que é fruto da experiência mística da fé do povo. Essa mística no antigo Israel, era

transmitida pela grande Família (clã), a base da convivência social, proteção das pessoas,

garantia de posse da terra, veículo principal da tradição. A defesa da identidade do povo. A

Família era por assim dizer, a universidade do povo! Era a maneira concreta de encarnar o

amor de Deus no amor do próximo. Defender o clã era o mesmo que defender a Aliança com

Deus, mantendo aberta a fonte da sabedoria do povo.8

As normas sociais provinham do âmbito familiar, do clã, da aldeia, quer dizer, das

pequenas comunidades que sempre juntaram os habitantes no seu convívio íntimo de trabalho

diário, dos ritos e festas comuns. Neste nível da sociedade, com necessidade elementar,

desenvolveram-se, então, normas fundamentais de relacionamento interpessoal, sobretudo no

que diz respeito à integridade pessoal, às relações sexuais e à propriedade particular. São os

mandamentos mais compactos e elementares que caem nessa faixa de manter a ordem

primordial entre as pessoas e não precisam de muito comentário, enquanto se trata de um

regulamento interno de um grupo pequeno.9

A linguagem usada nos mandamentos é didática, é linguagem de ensino, de

aprendizagem social, primeiros nas famílias, depois também nas comunidades eclesiais do

Israel vencido e disperso. O tratamento direto aparece igualmente, e com a mesma finalidade

de instruir os jovens, na literatura sapiencial, onde não só existem as diversas formas de

constatação de verdades essenciais para o convívio, mas também a linguagem clara de

7 Siqueira, Tércio Machado. O Evangelho do Antigo Testamento. p. 23 8 cf. GERSTENBERG, Erhard S. Os dez e os outros mandamentos de Deus. p. 14 9 cf. Ibidem p. 15

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instrução: “Não roubes ao pobre, porque é pobre, nem oprimas em juízo o aflito” (Pr 22,22);

Filho meu, ouve o ensino de teu pai, e não deixes a instrução de tua mãe” (Pr 1,8). 10

Até mesmo as diversas coleções de regras sociais e cultuais do Pentateuco, incluindo

até as normas jurídicas civis, (principalmente Ex 21, 1-22), serviam em primeiro lugar à

instrução da comunidade. A transformação estilística crescente é bem visível nos livros do

Êxodo, Levítico e Deuteronômio, como de regras neutras para a linguagem de instrução. Ela é

testemunho desse desenvolvimento. 11

Além disso, em todos os níveis sociais havia um cuidado especial quanto ao

comportamento religioso. A família era o centro do culto e os santuários locais ocupavam o

segundo lugar com respeito aos ritos e às celebrações. A mulher principal, a mais idosa, devia

ser capaz de cuidar das cerimônias caseiras, de ofertas de comidas, de ritos festivos para

várias ocasiões. Os conhecimentos rituais eram importantes e foram transmitidos de pai para

filho e de mãe para filha, em diversos momentos da educação e da instrução caseiras.12

A memória do povo não é um museu que conserva o passado desligado da vida. É

como o alicerce invisível que sustenta a casa onde o povo mora. Conserva e narra os fatos,

não de maneira fotográfica, mas com um raio X. Descobre aquilo que o olho não vê e que só a

fé consegue revelar. 13

1.1.1. Pedagogia de Deus na obra da Criação

10 cf. Todo o trecho literário, de Pr 22, 17 até 24,22, foi composto com esse teor educativo, no tratamento direto, visando o aluno, chamado de “filho”. O trecho tem afinidades fortes com a literatura didática do Antigo Egito. e o bloco de Pr 1 a Pr 9 além disso, ainda trás exemplos amplos de uma literatura didática da antiga Mesopotâmia, conferir William G. Lambert, Babylonian Wisdom Literature, Oxford, University Press, 1966. 11 cf. GESTSTENTERG, Erhard S. Os dez e os outros mandamentos de Deus. p. 16 12 cf. ibidem p. 17 13 cf. MESTERS, Carlos. Paraíso Terrestre Saudade ou Esperança? p. 17

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Mas Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, vossos

olhos se abrirão e vós sereis como deuses, versados no bem e

no mal.” Gn 3,5

“Dá, a teu servo um coração cheio de julgamento para

governar teu povo e para discernir entre o bem e o mal, pois

quem poderá governar o teu povo que é tão numeroso. 1 Rs 3,9

Os patriarcas percebiam Deus como alguém que acompanha o seu povo e com ele fez

uma aliança assegurando os direitos humanos fundamentais: a liberdade religiosa em sua vida

pessoal e pública. Porém, nas cortes de Davi e Salomão surgiu a reflexão sobre a semelhança

com Deus, sua preferência pelo ser humano, e começam a surgir dúvidas sobre quem deveria

ser o preferido de Deus. Esses dois versículos, citados acima, mostram a preocupação do

monarca em adquirir o mesmo conhecimento de Deus, e a reação profética, alertando: só

Deus deve ter o conhecimento do bem e do mal. 14

Essa maneira de apresentar a realidade da vida familiar, social e pessoal é uma

tentativa de comunicar a mesma consciência crítica que o autor já possui, aos que estão com

os olhos fechados. O autor do Gênesis usa uma pedagogia para conscientizar o povo da

situação que está vivendo. Essa consciência nasce no ambiente imediato da intimidade da vida

familiar por meio de uma minuciosa observação do pessoal e do particular, só depois

conseguirá alargá-la para os problemas coletivos. A Bíblia faz uma ligação entre a vida

pessoal e o problema mundial. Evita, assim, a pretensão daqueles que querem consertar o

mundo sem primeiro submeter a uma séria revisão a própria vida pessoal e familiar, ou pior,

aos que querem dominar as pessoas e decidir por elas o melhor. A bíblia coloca o

relacionamento do ser humano com Deus como o eixo fundamental para a harmonia de todo o

14 cf. AHUMADA, Enrique Garcia, F.S.C. Teologia da Educacion, p. 65-67

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resto, porém, é impossível restabelecer a ordem desfeita da vida, sem considerar o lugar que

Deus deve ocupar na vida de todo ser humano. 15

“Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher

ele os criou.” Gn 1, 27. Deus é criador. 16 A palavra criar começou a ser usada sobretudo pelo

Segundo Isaías na época do cativeiro (Não o sabes? Não ouvistes dizer? Iahweh é Deus

eterno, criador das extremidades da terra. Is 40,28). Isaías usa esta palavra para indicar a ação

com a qual Deus fez surgir o mundo, o povo e as maravilhas do Êxodo. Criar é ação divina

que vence a desordem e estabelece a ordem, para que a vida humana seja possível. Criar é

ação libertadora que enfrenta e derrota as forças da morte. 17

1.1.2. Pedagogia da Profecia

Os profetas dos outros povos nunca chegaram a ser independentes e críticos diante do

poder. A sua divindade tinha como função legitimar o poder, pois o rei era a própria

encarnação da divindade. Na Bíblia, porém o Deus do povo não existia para legitimar o poder

do rei, mas o poder existia para servir à Aliança e ao “Projeto de Deus”. 18

A monarquia teve apoio dos profetas até desviar-se para criar um sistema contrário à

Aliança e ao Projeto de Deus (1Rs 19, 10-14), aí, aos poucos, a profecia tomou um rumo

independente e transformou-se em força crítica, livre diante do poder, expressão da liberdade

do próprio Deus.19

A teologia profética não se cria do nada, ela aproveita as lições do passado. Em Oséias,

15 cf. MESTERS, Carlos. Paraíso Terrestre. p. 19-40 16 cf. Diretrizes gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil. 2003-2006 n. 71 “120. Deus, modelo de comunhão na Trindade, não anula as pessoas, mas as plenifica no amor. Ser imagem e semelhança do Criador é também trazer no coração um enorme anseio de ser comunidade. A fecundidade da comunhão que vem de Deus nos impulsiona para a transformação da sociedade: “o amor de Deus que nos dignifica radicalmente se faz necessariamente comunhão de amor com os outros homens e participação fraterna; para nós, hoje em dia, deve tornar-se sobretudo obra de justiça para com os oprimidos, esforço de libertação para quem mais precisa. De fato, “ninguém pode amar a Deus a quem não vê, se não ama o irmão a quem vê’ (Jo 4,20). 17 Cf. MESTERS, Carlos. Paraíso Terrestre. p. 19-40 18 cf. Leitura Profética da História, Coleção Tua Palavra é Vida p. 18 19 cf. idem p. 18

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especialmente, a tradição do Êxodo está em pauta. É o seu ponto de partida, a fé em Javé – o Deus

Libertador. (cf.Os 12,14;11; 2,16-24).

Oséias apresenta pela prática do amor, num relacionamento humano, o projeto de uma Nova

Sociedade que visa restabelecer o relacionamento entre Deus e o povo. Denuncia os próprios

sacerdotes do templo que deveriam instruir o povo (Dt 18, 1-8)20, porém estavam envolvidos pela

busca de poder e facilidades que lhes eram oferecidas. Além disso estão envolvidos no mesmo

sistema estrutural da exploração do povo pobre e oprimido e, sobretudo porque vivem da ignorância

do povo (Os 4, 1-6). Fazem aliança com os poderosos (Os 7, 10-12). Oséias vive em um contexto,

cujos líderes são religiosos, ele não vê autenticidade, na administração de um conhecimento mais

profundo e humano de Javé que deveria ser dado pelo sacerdote. Os sacerdotes além de se

esquecerem da Lei (Deuteronômio) assaltam e matam (Dt 6,5). Oséias é o profeta que mais volta ao

passado, faz alusões a ele, pois acredita que o “conhecimento de Deus”, que liberta, vem quando se

resgata a história e a cultura. Esse passado que se torna esperança para o futuro está enraizado no

Javé Salvador. Conhecer as origens, lembrar, cantar e contar o passado e as tradições é um dos

caminhos da libertação.

1.1.3. A pedagogia de Jesus

A espiritualidade do seguimento de Jesus é chamada Discipulado, pois quando bem

feita é ao mesmo tempo conteúdo e método da verdadeira Educação Cristã libertadora. É com

Jesus que aprendemos que a grande massa só se torna Povo quando conscientizada,

organizada e articulada entre si. 21

20 cf. Comparar com Os 4, 1-6: os levitas intinerantes, que se identificavam com o povo marginalizado, e que viviam espalhados entre as tribos, tinham como objetivo observar a situação real do povo e adaptar a Lei a essa situação. São responsáveis pela catequese que deu origem ao Livro do Deuteronômio.

21 cf . Isaías 50, 4 “O Senhor me deu uma língua de discípulo para que eu soubesse trazer ao cansado uma

palavra de conforto. De manhã ele me desperta, sim, desperta o meu ouvido para que eu ouça como discípulo”.

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A figura do Mestre na tradição Judaica está estreitamente ligada a Torah. É

interessante notar também que o mestre, no que concerne ao ensinamento da Torah, faz

trabalho provisório, porque o verdadeiro ensinamento será dado pelo Rei Messias, quando

chegar. Por esta razão, podem existir divergências de idéias entre os mestres quanto à

interpretação da Torah, mas essas diferenças não afetam a unidade de onde elas vêm e para

onde elas vão; são legítimas como a legitimidade de Deus “UM”. 22

A relação mestre–discípulo é sempre vista de uma maneira análoga à relação pai –

filho, pois os dois geram um novo ser para a vida. O pai, criado à imagem e semelhança de

Deus (Gn 1,26), gera um filho com as mesmas características que lhe são próprias (Gn 5,3),

portanto “imagem” e “semelhança” de Deus se perpetuam em cada ser humano. O mestre

pelos seus ensinamentos e exemplos, gera vida da Torah a seus discípulos, que também irão

gerar e transmiti-los a outros como uma força vital. Esse é o valor da imitação do mestre por

parte do discípulo, de repetir seus ensinamentos sem modificá-los; é o valor da tradição,

porque é nela que os valores são transmitidos e nutridos. É o valor da Torah Oral, que faz de

cada membro da comunidade dos filhos de Israel uma Torah Viva. 23

No contexto judaico da época de Jesus, os mestres eram homens que estudavam e

explicavam a Lei. Eram “ordenados” escribas e lhes era conferido autoridade para as questões

jurídicas, assumindo um lugar no Sinédrio. Com estes homens Jesus muitas vezes entrou em

conflito por causa do legalismo que estes veiculavam. Tal legalismo produzia nos tempos de

Jesus uma verdadeira barreira para viver os ensinamentos da Torah. 24

Apesar de não ter passado pelo processo de formação de mestre, Jesus apresenta

muitas características dos autênticos mestres, Ele tinha discípulos que são convocados a

observar a vontade de Deus e a uma adesão sem reservas à pessoa de Jesus (Mt 10,37). A

grande novidade em Jesus está na sua pedagogia, ou seja, no seu modo de apresentar seu

22 cf. URBACH, E. E. Les Sages d’ Israel, Paris: Verdier, 1996, p.323 23 cf. idem p. 150-152

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ensinamento: Todos se admiravam, perguntando uns aos outros: que é isto? Um novo

ensinamento com autoridade! (Mc 1,28).

A prática de Jesus revela que um só é o mestre, contrariando aos “mestres” de sua

época, que insistem em ser chamados e reconhecidos pelo povo e honrados por serem

mestres. Eles formavam novos mestres. Jesus recomendava aos seus discípulos que não se

deixassem chamar de “mestre” (Mt 23,8). Ao invés da honra, Jesus insiste no serviço e no ser

irmãos (Mt 23, 1-12). 25

Os Evangelhos apontam Jesus como aquele que ensina: o ensinamento de Jesus pode

ser concentrado em três espaços fundamentais, espaços geográficos, que se tornam lugar da

manifestação de Deus:

a) Sinagoga – “entraram em Cafarnaum e, logo no Sábado, foram à sinagoga. E ali ele

ensinava (Mc 1,21). A sinagoga era lugar de culto e de oração, de ensinamento, e onde

aconteciam os julgamentos e processos penais. Jesus como um homem integrado nos

costumes de seu lugar e de seu tempo vai à Sinagoga, mas diante da sua proposta nova é

rejeitado pela Sinagoga, e ele alerta seus discípulos de que a Sinagoga é um lugar de

tribunal e de paixão: “Ficai de sobreaviso. Entregar-vos-ão aos sinédrios e às sinagogas, e

sereis açoitados, e vos conduzirão perante governadores e reis por minha causa, para

dardes testemunho perante eles.”(Mc 13,9).

b) Montanha – “Depois subiu à montanha, e chamou a si os que ele queria, e eles foram até

ele. E constituiu doze, para que ficassem com ele, para enviá-los a pregar” (Mc 3,13-14);

nas Cidades – “e ele percorria os povoados, ensinando. (Mc 6,6); a beira do Mar – “e ele

disse a seus discípulos que deixassem o pequeno barco à sua disposição para que o povo

não o apertasse” (Mc 3,9); Casas – “e voltou para casa. E de novo a multidão se apinhou”

(Mc 3,20). Os deslocamentos de Jesus no meio do povo mostram sua encarnação viva do

24 cf. WOLLMANN, Lauri José. Jesus o Mestre. p. 40 25 idem p.41

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Bom Pastor , conhecedor e amante de seu povo, Ele é a manifestação do Deus Pastor que

caminha com seu povo.

c) Jerusalém – “Jesus atravessa cidades e povoados ensinando e encaminhando-se para

Jerusalém” (Lc 13,22); no Templo – “Chegaram a Jerusalém. E entrando no Templo, ele

começou a expulsar os vendedores e os compradores que lá estavam: virou as mesas dos

cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas, e não permitia que ninguém carregasse

objetos através do Templo. E ensinava-lhes dizendo: Não está escrito: Minha casa será

chamada casa de oração para todos os povos? Vós porém, fizestes ela um covil de

ladrões!” (Mc 11, 15-17).

Os ensinamentos de Jesus assumem os mesmos quadros dos ensinamentos normais do

judaísmo contemporâneo, ou seja, Jesus trata os mesmos temas que eram tratados pelos

“mestres” judeus. Porém, Jesus discute estes temas com uma forma nova, com uma nova

preocupação: libertá-los Suas parábolas podem servir de paradigma para compreender o seu

ensinamento, a sua urgência de adesão ou rejeição, que representam uma resposta ao primeiro

apelo feito por Jesus. “Arrependei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15).

Jesus não apresenta uma nova Lei, mas trata-se da Lei reconduzida ao seu sentido

primordial e libertador, purificada ao mesmo tempo do legalismo rabínico. Jesus é a nova

Torah, pois aos antigos foi dito e Jesus passa para o “eu porém vos digo”. Quem segue Jesus

não é dispensado da Lei. Antes, é chamado a uma justiça maior, cujo fundamento é a Lei e a

interpretação que Jesus faz dela. O ensinamento de Jesus, como discussões sobre a Lei e o

anúncio do Reino de Deus, é interpretado de forma diferente nas diferentes comunidades. Elas

percebem em Jesus o único Mestre que não ensina Leis humanas, como o fazem os escribas,

mas o Mestre, cujo ensinamento é um anúncio de salvação e libertação.26

26 idem p. 42-46

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Na Nova Aliança, a família mantém seu rol educativo primordial. O anúncio da

Encarnação ocorre na “casa” de Maria de Nazaré (Lc 1,26). Quem celebra primeiramente o

evento é um menino, ainda no ventre materno, quando Maria chega na “casa” de Isabel.

É Maria quem educa o menino! “Criados a imagem e semelhança de Deus” (Gn

1,26). Assumir a si mesmo (a) como filho (a) de Deus é onde se dá o reconhecimento pessoal

da dignidade humana, também em relação ao outro, em relação ao cosmo e com o próprio

Deus. Estabelecendo-se, dessa forma, um processo dialógico filial, confiante e participativo

na vida da Trindade Santa e nos desígnios dela sobre o mundo.

Jesus, olhando para o ser humano adormecido e necessitado da Ruah, o Sopro Divino,

que é a sua própria ação, sente que a participação de ser humano para o entendimento, o

conhecimento de Deus, vem através da imitação de sua ação levando o ser humano a aderir

essa prática que o libertará e o fará também libertador. A pedagogia de Jesus é fazer

discípulos, amigos, comunidade de discípulos aqueles que sabem ouvir e colocar em prática

seus ensinamentos.

O discípulo é o sujeito do seu próprio desenvolvimento na fé e no seguimento de

Jesus, que o estimula para que essa se dê, chegando ao ponto culminante da libertação que é a

vitória da Vida sobre a morte. A Encarnação e Ressurreição é igual Vida em plenitude, em

abundância, que acontece, acontecerá, o já e o ainda não, tema da escatologia. “ Deus de tal

modo amou o mundo que entregou se Filho único”. (Jo 3, 16)

As palavras e ações de Jesus convergem sempre para a libertação e responsabilidade

que cada um tem sobre si mesmo, “tua fé te salvou” ou “os que têm ouvidos para ouvir que

ouça”, uma mulher o questiona e ele aceita, uma samaritana lhe oferece água, uma mulher

adúltera.... Uma explosão de amor mútuo na confissão de fé de Marta, a amizade de Pedro...

Jesus é O que a partir de uma pedagogia desperta o ser humano, os seus talentos, os dons

recebidos, imagem e semelhança de Deus. Vós sois Templos do Espírito Santo, facilitadores

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da visão de Reino de Deus, comunicadores (as) da Boa Nova de Jesus, anunciadores (as) do

Reino, “Ide e levai” (At), doadores (as) da própria vida pelo Reino de Deus, “quem quiser

salvar a sua vida vai perdê-la, mas quem a entrega”. Jesus nos liberta pela oração, por seu

pedido ao Pai por nós e por todos aqueles que atrairemos para o Pai.

O conteúdo primordial da pregação de Jesus é a vinda do Reino de Deus e ele nos

transmitiu esse ensinamento através de parábolas, instrumentos pedagógicos privilegiados,

destinados a ilustrar a realidade deste reino. Esse tipo de ensinamento fazia parte do mundo da

sabedoria israelita, onde se condensava toda a experiência sapiencial de Israel. É muito mais

que uma “historinha” simplista que qualquer criança entende; a parábola condensa elementos

causadores de crise. Não é um jeito de expressão da corte, mas faz parte do ambiente

cotidiano das pessoas. Não há qualquer compromisso com ordem ou moral, pelo contrário,

ela detecta exatamente a desordem, o caos e a crise. É marcada por um profundo realismo, por

isso é facilmente assimilada. Porém, ao mesmo tempo que ela surge da realidade material e

cotidiana, destaca-se dela. Emerge da realidade, mas não a reproduz: transforma-a. E essa

transformação é a verdadeira libertação, pois nos dá o conhecimento real da vontade do Pai e

o seu desejo para conosco. Pois em Jesus, Deus se mostra exatamente como Ele é.

1.1.4. Paulo Apóstolo: A Educação para a liberdade dos filhos de Deus

A dignidade humana, dom precioso, pode ser promovida pelo veio da educação. Amar,

refletir “com”, conduzir “para” uma vida de liberdade, que liberta.

Educar para ser livre, opção fundamental feita de acordo consigo mesmo. Somente

assim o ser humano assemelha-se a Deus (Gn 1,26-28). Liberdade como mola propulsora da

vida – a mais profunda aspiração da alma humana. O direito de ser livre na escolha, de ir e

vir, consagrado como direito básico da pessoa humana – o maior drama do encarcerado é a

perda da liberdade.

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A Teologia Paulina é uma reflexão sobre a missão e a práxis de Jesus, como motivo de

fé e fundamento da nova práxis cristã. A morte e ressurreição, são a fonte e o fundamento da

vida na graça. Cristo comunica o Espírito de Vida e de liberdade. A teologia da liberdade é

uma teologia da graça que vem a nós pela missão de Jesus Cristo e pela missão do Espírito. 27

Na carta aos Gálatas, Paulo apresenta aos gentios (Gl 2,2) que o evangelho é ruptura

com a Lei, que não salva e nem liberta. Ela (a Lei) segura o povo em um projeto de

escravidão. A Lei não tem força para destruir as forças sociais e éticas da escravidão, que

determinam uma sociedade imperial e escravagista.

As Cartas de Paulo, principalmente as endereçadas aos Gálatas, colocam claro o

conceito radical entre o “fetiche” (vida segundo a Lei) e a vida segundo o Espírito (vida na

Liberdade) (Gl 5). O conflito é entre a “Lei” e a “Graça” que liberta para a liberdade.

Para Paulo, a Lei mantém a aliança da escravidão. A liberdade, que é vida no Espírito,

somente o evangelho comunica. Na vida está a possibilidade de construir a nova criatura.

A Liberdade é processo de formação histórico-social da vida do Homem e da Mulher

(Nova humanidade) novos (ou ser humano novo). O Evangelho da libertação em Paulo

constrói, educa para um Novo “Sujeito Histórico”. A palavra em Paulo suscita o

discernimento. A fé permite ver o sistema social idólatra e satânico. A Palavra do Evangelho é

pedagógica, educa para a libertação do que é idolatria e constitui assim sendo – um povo com

nova práxis e esperança, o que significa compreender de maneira nova a si mesmo e ao

próximo e as relações humanas. A ação característica dos cristãos é a nova práxis da

liberdade. Sendo liberto, o cristão (um novo cidadão) é um “Typos”, modelo de resistência, de

solidariedade e de confiança na ação do Espírito Santo, que liberta.

As cidades gregas orgulhavam-se de suas liberdades. Os judeus se orgulhavam e se

apoiavam na Lei de Moisés. Paulo, porém, rompe com o sistema da Lei, mostrando que a Lei

27 Comblin. J, A liberdade cristã, 1977, p. 17-24; p. 56-66 Fritzmyer. J.A, Linhas Fundamentais de Teologia Paulina, 1970, p. 37-48

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mantém um grande regime de escravidão. A Lei não salva. A libertação vem pela fé em Jesus

Cristo que comunica o Espírito.

A experiência da liberdade permite compreender a extensão e a profundidade da

escravidão. A Lei naquele contexto estava a serviço da estrutura social no seu conjunto,

como sistema de morte e de escravidão.

O sistema judaico não era apenas uma Lei interior, uma Lei

moral é inscrita no coração. Era um sistema cultural completo,

incluindo a submissão às classes sociais privilegiadas os

sacerdotes e doutores, um conjunto de prestações religiosas,

morais, sociais que incluíam contribuições econômicas

importantes. Uma grande parte dos produtos da nação estava

reservada ao sistema da Lei. Os homens piedosos obrigavam-

se a manter as mordomias, o prestigio, a vaidade e a

superioridade social do que os oprimiam e exploravam. A

religião exigia que bajulassem o sistema que os oprimia. 28 (J.

Comblin 1987)

Paulo nascido no início da era cristã deixa sua cidade natal, Tarso, por Jerusalém. É

um citadino e não um homem de campo. Não encontramos em suas reflexões referências ao

campo; a teologia de suas cartas passa pela realidade das grandes cidades (principalmente as

portuárias). Quando se perguntava a Paulo sobre a sua identidade ele respondia o que está

citado em Fl 3, 5 “Circunciso no oitavo dia da raça de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu e

filho de hebreus”, “mas também, cidadão romano” e além do mais, “de nascimento” (At 22,

25-28). Essa forma de se identificar manifesta a rica personalidade de Paulo, judeu por

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nascimento e educação, mas da diáspora vivendo no Império integrado a ele. Valorizando

assim, como cidadão romano, ordem e justiça, Paulo nasceu em Tarso, na Cilícia, cidade

importantíssima, cruzamento de vias comerciais.

O horizonte de Paulo é a cidade com as suas construções: os

termos que evocam edificação, a arquitetura, são freqüentes.

Paulo é o único a empregar o termo politeuma (Fl 3, 20), direito

de cidade, cidadania, tão bem enraizada na civilização urbana do

mundo helenístico. Pertencendo a uma família praticante, ainda

jovem Paulo freqüentou a sinagoga. Ai ele aprendeu a ler as

sagradas Escrituras e ouviu as explicações tradicionais sobre a

Lei de Moisés. Em Tarso, como nas outras sinagogas da

diáspora, a tradução grega da Bíblia chamada dos Setenta, como

seu vocabulário, e às vezes as sua variantes características.

Assim a palavra Torah que fundamentalmente quer dizer

ensinamento, é traduzida por nomos, Lei, o que não deixa de ter

conseqüências para a apreciação do conjunto sobre a obra de

Moisés. (...) Quando nas suas cartas Paulo cita a Escritura, ele o

faz o mais das vezes, segundo o texto grego sem problemas. 29

O jovem judeu podia sentir-se face aos gentios, orgulhoso de seus ensinamentos. Em

Rm 2,17 o judeu nos é apresentado como: “convencido de ser o guia dos cegos, a luz dos que

estão nas trevas, educador dos ignorantes...”.

Isso era apresentado com espírito de orgulho, mais tarde, o próprio apóstolo Paulo vai

combater esse orgulho dos judeus, que se achavam superior aos outros. Para Paulo, a

28 Cf. Comblin. J., Paulo Apóstolo de Jesus Cristo, 1993.

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liberdade de Jesus Cristo é uma vocação dinâmica porque é uma tarefa a ser cumprida. Poder,

graça, “iniciativa de Cristo que nos alcança” (Fl 3, 12), isto está na compreensão dos

ensinamentos. Constatamos que Paulo ensina de maneira regular. Não estamos mais no

estágio do primeiro anúncio, mas de uma formação contínua, uma explicação detalhada da

Escritura, isso seria dar um sentido novo ao ensinamento em relação com Cristo.

Assim sendo, Paulo cria o que chamamos de uma escola, a “escola” paulina, isto é, um

grupo de discípulos ligados ao ensinamento do mestre. Por exemplo: Timóteo, Tito aos quais

Paulo incumbe delicadas missões. Graças a isso, os seus discípulos assegurarão a

continuidade dos ensinamentos do mestre (Paulo) através de escritos publicados com o seu

nome, como por exemplo a carta aos Efésios e epístolas pastorais. A graça para o apóstolo

uma palavra já gasta no vocabulário hodierno (chares) é fundamental para Paulo.

A celebração da graça não o impede de fazer uma crítica ‘Eu

trabalhei mais do que eles, não eu, mas a graça de Deus que está

comigo’ (1 Cor 15, 10). A graça de Deus quer agir em nós, e

devemos Ter disponibilidade para isso: a proposta da carta aos

Gálatas é o evangelho da liberdade que liberta.

O amor liberta. A Bíblia mostra que a razão de ser da liberdade humana é o amor de

Deus. A Liberdade de poder dizer não; mas no entanto, experienciar o amor de Deus. Fomos

chamados à liberdade: “vós fostes chamados para a liberdade” (Gl 5, 13-15). O amor é

serviço de uns para com os outros, como entender esse fato hoje?

A liberdade é um fato social. Ela se dá sempre em relação à outra, ao outro e ao Outro.

É solidária, é fraterna como uma opção expontânea e não normativa, pois cairia num vazio

existencial quando normativa30. A compreensão cristã da liberdade em Paulo, é apresentada

29 Cf. Cothenet. E., Paulo apóstolo e escritor, 1999, p. 24 – 25. 30 Comblin. J, Cristãos rumo ao século XXI, 1999

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como: “Cristo deu liberdade para que sejamos livres” (Gl 5, 1). Aderir a Cristo é o que Paulo

chama de fé. Na mística paulina que vai além do seu ensinamento moral, a liberdade plena é

um Dom do Espírito Santo; é vida nova inaugurada por Jesus Cristo; é de filhos libertados de

uma Lei que escraviza. A meta dos cristãos é uma vida livre de Leis e regulamentos movida

pelo Espírito Santo, que os faz atuar por amor e não por temor, cheio de alegria, paz e

bondade, fidelidade e outros frutos do amor. Quando Deus reina a pessoa atua como quem é

de Cristo (Gl 5, 19 – 25).

A tarefa dos educadores e pastores é contribuir para o desenvolvimento e não para

restringir essa liberdade responsável e generosa dos fiéis. Liberdade não é dada, é

conquistada; ninguém torna o outro livre, mas lhe permite conquistar a liberdade. Assim

sendo, o cristão atua livremente agindo pela ação do Espírito Santo que nele habita por

gratuidade e não por dever.

Desde o seu novo nascimento, pelo conhecimento de Jesus Cristo, morto e

ressuscitado, cada filho de Deus tem por obra do Espírito Santo um desenvolvimento de sua

liberdade incomparável, a qualquer tipo de pseudo liberdade. A liberdade não é dada, ela é

uma possibilidade; é mais do que uma qualidade, é um atributo do ser humano: é a própria

razão de ser da humanidade, o ser profundo, o eixo central de toda a existência humana. Deus

fez o homem-mulher para que fosse livre e pudesse agir com liberdade. “Deus quis diante

dele um ser livre como Ele” 31.

Sendo a liberdade uma conquista - como nos mostra, também, Paulo -, os educadores e

os pastores podem ser os facilitadores desta libertação pela educação. O ser humano, que é ser

corporal, material, físico e também espiritual, deve buscar a libertação em todos esses

31 Cf. Segundo. J.L., Que mundo? Que homem? Que Deus?, 1995, p. 385 à 404. “Para aqueles que crêem em Deus, mostrar-lhes a estupenda aventura de uma criação, na qual Deus decide – livremente – amar, e para faze-lo criar um ser especialíssimo, capaz de liberdade, amor e gratuidade embora seja dentro dessa imponente rede de forças de um universo infinitamente maior, e, aparentemente, mais poderoso”. Segundo. J.L., Que mundo? Que homem? Que Deus?, 1995, p. 453.

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âmbitos. Por muito tempo se pensou em viver essa liberdade fora do mundo: o tema era fuga

do mundo.

No entanto, a liberdade está inserida na vida. Fora de um mundo ideal e da realidade.

Ela só se realiza e existe dentro de uma grande necessidade de “liberdades” que se conquista:

liberdade política, liberdade econômica, liberdade religiosa, liberdade cultural, em conexão

com o mundo, com os outros e com as outras.

A vocação à libertação se realiza em meio a tantas lutas e condicionamentos e

fracassos, que são condicionantes ao ser libertado pela cruz de Cristo32.

2. ASPECTOS DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Ao longo da história humana a educação foi sempre pensada num processo dialético

de ensinar e aprender.

A etimologia da palavra “educação” provém do latim educere e

significa “conduzir”; ducere “para fora”, ela nos oferece uma

pista nova. Na tarefa educativa é preciso contar com o

educando, certamente há condução, mas sempre a partir do que

o aluno já é. Não se parte do nada. Numa visão mais

“tradicionalista” se diria que etmologicamente “educação” do

latim educare se assinalava a ação de formar, instruir, guiar, com

o papel mais passivo do educando. Ambas etimologias

apresentam forma insofismável e a dimensão fática ativa e social

do munus educacional 33

Educação seria em alguns dos seus significados:

- Formação da personalidade

32 Cf. Comblin. J., Cristãos rumo ao século XXI, 1999, p. 65. 33 FULLAT, Octavi. Filosofias da Educação. p.21

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- Um saber e um saber-agir sobre o educando

- Atividades escolares

- Instruir, informar (incluindo boas maneiras) mesmo fora do ambiente escolar.

Esses significados contribuem para a socialização e libertação do educando.

Educação: Processo Educativo

- Como realidade (fatos): sociologia, história, psicologia, economia, neurofisiologia, física,

química e tecnologia.

- Como valor: (antropologias filosóficas), filosofia, moral, política, estética e direito.

Reflexão sobre a evolução do pensamento humano:

Sócrates – (469-399 a.C.) é uma figura emblemática na história da filosofia. Passava

horas discutindo nos locais públicos de Atenas e era muito procurado pelos jovens. Ele

argumentava e provocava discussões, fazendo perguntas aos que julgavam entender um

determinado assunto, deixando-os sem saída e obrigados a reconhecerem sua própria

ignorância. Esse é o conhecido método socrático, nascido da perplexidade do filósofo diante

do oráculo de Delfos, que o identificara como “o homem mais sábio”. Apesar de não se

considerar como tal, ele não ousa desacreditar do oráculo e consulta as pessoas que se diziam

sábias, descobrindo a fragilidade desse saber. Percebe que a sabedoria começa quando se

reconhece a própria ignorância. “Só sei que nada sei” é , para Sócrates, o princípio da

sabedoria: atitude de assumir a tarefa verdadeiramente filosófica de superar o enganoso saber

baseado em idéias preconcebidas.

Seu método compreende duas partes: 1)ironia (do grego eironeia, que significa

perguntar, fingindo ignorar), é um processo negativo e destrutivo de descoberta da própria

ignorância; 2) Maiêutica (de maieutikê, “relativo ao parto”) é construtiva e consiste em dar à

luz novas idéias.

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Temos conhecimento dos ensinamentos de Sócrates através das obras de seus

discípulos, especialmente Platão, pois ele nada deixou por escrito. Sempre assumiu uma

postura mais radical e procurou definir com rigor aquilo de que se falava, pois não bastava

descrever as diversas virtudes, mas deveria saber-se sua essência.

Quando Sócrates usa a máxima “Conhece-te a ti mesmo”, ele não tinha um objetivo

puramente intelectual. Ele queria chegar no reto conhecimento das virtudes humanas, a fim de

se poder levar uma vida igualmente reta. Para Sócrates, ninguém é voluntariamente mau, pois

a filosofia favorece a vida moral do homem. Para conhecer o bem é preciso praticá-lo e a

maldade provém da ignorância. Esse pensamento é chamado de intelectualismo ético, isto é, a

doutrina socrática que identifica o sábio e o homem virtuoso.

Desse conceito derivam diversas diretrizes para a educação, como: o conhecimento

tem por fim tornar possível a vida moral; o processo de adquirir o saber é o diálogo; nenhum

conhecimento pode ser dado dogmaticamente, mas como condição para desenvolver a

capacidade de pensar; toda educação é essencialmente ativa e, por ser auto-educação, leva ao

conhecimento de si mesmo; análise radical do conteúdo das discussões, retirado do cotidiano,

leva ao questionamento do modo de vida de cada um e, em última instância, da própria

cidade. Essa doutrina, considerada subversiva, por colocar em questão valores vigentes,

levanta contra Sócrates inimigos rancorosos. Acusado de corromper a mocidade e de não crer

nos deuses da cidade, é condenado à morte. Toda sua história e contada por Platão, em

Apologia de Sócrates e Fédon. 34

Platão – (428-347 a.C.) Ateniense de família aristocrática, sentia-se atraído por

política, apesar de ter sofrido pesados reveses ao tentar pôr em prática suas teorias. O vigor de

seu pensamento faz questionar o que de fato seria de seu mestre Sócrates e o que é sua criação

34 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. p. 44

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original. Platão dizia ser preciso cinqüenta anos para fazer um homem. Para seu tempo isso

significa muitíssimos anos.35

Ante a variedade de significados que se descobre no conceito de educação, assumindo

a postura de Platão, entendemos que educar é fazer-se e educar fazer, e que esta tarefa

abrange toda a existência humana em todas as suas dimensões.36 A educação de “valores”

como um “dever - ser”, propicia a idéia de melhoria na dinâmica do ato de educar,

observando-se o ato de educar nas implicações sociais pessoais.

Educar o indivíduo acreditando no desenvolvimento das possibilidades humanas,

capacidades críticas que liberta e nos conhecimentos de valores, atitudes e aptidões que

socializam. Para Platão, há dois modos, entre outros, de educação.

Em seus processos educacionais (pedagógicos), o que insere a pessoa numa sociedade

- o socializador (empeiría = experiência) - seria o mais comum. Aquele que liberta, em parte,

a pessoa das amarras que a sociedade impõe - o libertador (eleutheria) – é um processo mais

raro.37 Para compreender a proposta pedagógica de Platão é preciso associá-la ao seu projeto

inicial, que é político.

No seu livro A República, Platão expõe o “mito” da caverna, uma alegoria usada para

explicar sua teoria, a qual relata que os homens se encontram acorrentados em uma caverna

desde a infância, de tal forma que, não se podendo voltar para a entrada, apenas enxergam o

fundo da caverna, onde são projetadas as sombras das coisas que passam as suas costas, onde

há uma fogueira.

Se um deles conseguisse se soltar para contemplar a luz do dia, os verdadeiros objetos,

quando regressasse para contar o que vira, não mereceria o crédito de seus amigos, que o

tomariam por louco. A análise desse mito pode ser feita de dois pontos de vista: o

35 FULLAT, Octavi. Filosofias da Educação. p.24 36 ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da Educação. p. 44 37 PLATÃO, República, 540,a; Segunda edição de Henricus Stephanus

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epistemológico, relativo ao conhecimento e o político que, por sua vez, desdobrará

implicações pedagógicas.

Platão compara o acorrentado ao homem comum, que permanece dominado pelos

sentidos, paixões, e só alcança um conhecimento imperfeito da realidade , restrito ao mundo

dos fenômenos, no qual as coisas são meras aparências e estão em constante fluxo. A esse

conhecimento Platão chama doxa, que significa “opinião”.

O homem que se liberta dos grilhões é o filósofo, capaz de atingir o verdadeiro

conhecimento, a episteme, “ciência”, quando a razão ultrapassa o mundo sensível e atinge o

mundo das idéias. Lugar da essência imutável de todas as coisas, dos verdadeiros modelo ou

arquétipos. Este é o único verdadeiro, e o mundo sensível só existe enquanto participa do

mundo das idéias, do qual é apenas sombra ou cópia. 38

Para Aristóteles (Grécia - 384-332 a.C.): “não é apenas preciso educar; é necessário

educar honestamente. No plano da consciência educar exige sempre ter que optar, preferir ou

decidir-se, por este ou aquele sistema de valores. A liberdade portanto oferece, exerce um

papel preponderante na tarefa educacional.” 39

Fundou em Atenas sua própria escola, o Liceu, no ginásio de Apolo Lício, em uma

dependência chamada peripatos, daí o fato de sua filosofia ser conhecida como peripatética.

Segundo hipótese corrente, Aristóteles daria suas aulas andando pelos jardins da escola, no

peripatos (peri = ao redor; e pateos = passear). 40

Ao superar a influência do mestre, elabora um sistema filosófico original que abrange

os mais diversos aspectos do saber do seu tempo, inclusive das ciências. Filho de médico,

herda o gosto pela observação, tendo classificado cerca de 540 espécies de animais, o que

mostra a importância dada à investigação científica, também valorizada na sua concepção

pedagógica

38 idem p. 44-45 39 idem p, 94

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A teoria do movimento leva à distinção entre as causas possíveis dos seres, a matéria e

a forma. Como conseqüência dessa teoria do movimento e das causas para a pedagogia, toda a

educação deve levar em conta o fato de o homem estar em constante devir. A educação tem

como finalidade ajudar o homem a alcançar a plenitude e a realização do seu ser; a atualizar

as forças que tem em potência. Note-se aqui uma característica da pedagogia da essência, pois

a educação pretende levar o homem a “tornar-se o que deve ser”. Mas como podem vir a ser,

nos encontramos finalmente no campo da ética, parte da filosofia que trata da ação humana

tendo em vista o bem. O sumo bem é alcançar a felicidade.

Para Aristóteles, o que distingue o homem do animal é a capacidade de pensar e,

portanto, sua perfeição se encontra no exercício dessa atividade. Se a virtude do homem é

viver conforme a razão, cabe a ela disciplinar os sentimentos e os instintos.

Diferentemente de Sócrates, que identificava saber e virtude, Aristóteles enfatiza a

ação da vontade, exercitada pela repetição, que conduz ao hábito: só é virtuoso o homem que

tem o hábito da virtude. Daí ser a imitação o instrumento por excelência desse processo,

segundo o qual a criança se educa repetindo os atos de vida dos adultos, adquirindo hábitos

que vão formar uma “segunda natureza”.

Muitos outros pensadores influenciaram o pensamento no que concerne à educação, e

hoje é preciso assumir uma postura histórica para podermos entender os problemas

educacionais, não bastando, entretanto, conhecer os fatos e idéias relacionadas com a

educação em cada época histórica é necessário, além disso, investigar os aspectos, “de ordem

econômica, política e social do país em cujo seio se desenvolve o fenômeno educativo que se

quer compreender, uma vez que é esse processo de investigação que fará emergir a

problemática educacional concreta”. 41

40 FULLAT, Octavi. Filosofias da Educação. p. 28 41 SAVIANI, Demerval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. p. 38

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Partimos a seguir para alguns aspectos da história da educação que precisam ser

analisados neste contexto de Libertação, da qual, D.Bosco é representante com sua importante

contribuição da preventividade.

2.1. A educação entre os povos primitivos

Sob regime tribal, a característica essencial da educação reside

no fato de ser difusa e administrada indistintamente por todos os

elementos do clã. Não há mestres determinados, nem inspetores

especiais para a formação da juventude: esses papéis são

desempenhados por todos os anciãos e pelo conjunto das

gerações anteriores. (Émile Durkheim)

A educação existe mesmo onde não há escolas. Nas sociedades chamadas primitivas e

de povos considerados “bárbaros”, por exemplo, não existem escolas nem métodos de

educação conscientemente reconhecidos como tais. No entanto, existe educação, cujo objetivo

é promover “o ajustamento da criança ao seu ambiente físico e social, por meio da aquisição

da experiência de gerações passadas” 42

Entre os povos primitivos, a criança adquire o conhecimento necessário por meio da

imitação: 1ª fase (primeiros anos de vida): imitação inconsciente.

2ª fase (adolescente): imitação consciente.

As cerimônias de iniciação possuem valor educativo nos seguintes aspectos:

a) moral;

b) social;

c) político e religioso.

42 MONROE, Paul. História da educação. p. 1

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Animismo é a crença de que tudo possui uma alma. O aprendizado dos métodos que

apaziguarão o mundo dos espíritos constitui a parte mais importante da sua educação. Os

primeiros professores são, inicialmente, a classe formada pelos chefes de grupos familiares.

Posteriormente, a instrução passa a ser dada pelos sacerdotes, que se constituem nos primeiros

professores profissionais.43

2.2. Educação Judaica

Como nas demais civilizações antigas, os hebreus estão impregnados da religiosidade

e da ação dos profetas, na realidade seus primeiros educadores. De início as sinagogas

também servem de local para a instrução religiosa, em que se dizem as verdades da Bíblia.

A Bíblia é constituída pelos livros do Antigo Testamento, no qual se encontram os

fundamentos do judaísmo. No início da nossa era, os evangelistas acrescentaram o Novo

Testamento, referente aos ensinamentos de Jesus, aceito apenas pelas religiões cristãs, porque

os judeus não os consideravam o verdadeiro Messias. Os documentos bíblicos têm

inestimável interesse histórico e, não somente nos fazem conhecer os valores morais e

jurídicos do povo hebreu, como ajudam a compreender as raízes judaico-cristãs da cultura

ocidental.

Significativa mudança acontece entre os hebreus, distinguindo-os dos demais povos.

Em primeiro lugar, pela superação de concepção politeísta, ao admitirem a existência de um

só Deus, Javé. Além disso, enquanto as outras civilizações não destacaram propriamente a

individualidade, por estarem seus membros mergulhados nas práticas coletivas, os hebreus

desenvolvem uma nova ética voltada para os valores da pessoa e para a interioridade moral.

Outro aspecto do judaísmo é a importância dada a todo ofício e ao reconhecimento do

valor da educação manual, o que atestam as seguintes citações: “A mesma obrigação tens de

43 BRANDÃO, Carlos Rodrigues O QUE É EDUCAÇÃO. São Paulo: Brasiliense. 1981. P.18-19

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ensinar a teu filho um ofício como a de instruí-lo na Lei” e “É bom acrescentar a teus estudos

o aprendizado de um ofício; isso te ajudará a livrar-te do pecado”. 44

2.3. Educação Grega

As características principais da educação grega é o maior desenvolvimento individual

bem ao contrário da educação oriental que tentava conservar e reproduzir o passado mediante

supressão da individualidade.

“É historicamente indiscutível que foi a partir de que os gregos situaram o problema

da individualidade no cimo do seu desenvolvimento filosófico que principiou a história da

personalidade européia. Roma e o cristianismo agiram sobre ela”. 45 Entretanto, não se pode

esquecer que o novo conceito de educação grega refere-se aos cidadãos livres da Grécia

Antiga, que podiam tirar proveito da sua liberdade ao mesmo tempo em que cerca de 90% da

população vivia como escravos.

Um dos significados dados ao sophós – sábio, na Antiga Grécia, foi o de ser entendido

em algo. Quem tinha êxito na cura das doenças era um sophós. Nesse sentido particular de

“sábio”, insere-se o educador como artista ou fazedor. Os educadores são sophói; são práticos

e habilidosos na arte de educar. 46

Paidéia: A palavra “paideia não pode ser usada como fio condutor da origem da

educação grega. Este fato se encontra pela primeira vez em Ésquilo, “Os Sete contra Tebas”,

que designa, tão somente, a criação dos meninos (Paidos = crianças), porém seu sentido de

tornou muito mais elevado com o correr do tempo. Como fio condutor que nos guie ao longo

da história da educação grega e lhe dê unidade, encontramo-lo no conceito de Aretê. É este

conceito que exprime a forma primeira, original e originária do ideal educativo grego.

44 ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. p. 36 45 JAERGER, Werner. Paidéia. A formação do homem grego. p. 9 46 FULLAT, Octavi. Filosofias da Educação. p.29

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A Paidéia é então entendida como sendo a formação geral que se dará ao homem para

torná-lo cidadão. Este ideal aparece claramente no séc. IV a.C. presente nos sofistas e também

encontrado em Sócrates, Platão, Aristóteles ou em Isócrates, tornando-se uma afirmação: “O

princípio espiritual grego não é o individualismo mas o humanismo”, para usar a palavra nos

seu sentido clássico e originário: “um fator marcante para o desenvolvimento do mundo

grego, sobretudo na cultura e nas ciências.” 47

2.4. Educação Romana

“A Grécia vencida conquistou por sua vez o rude vencedor e

levou a civilização ao bárbaro Lácio” (Horácio)

“As armas não tinham conseguido submetê-los a não ser

parcialmente; foi a educação que os domou” (Plutarco).

Os romanos tinham uma mentalidade prática: procurava alcançar resultados concretos

adaptando os meios aos fins. Enquanto os gregos julgavam e mediam todas as coisas pelo

padrão da racionalidade da harmonia ou da proporção, os romanos julgavam tudo pelo

critério da utilidade ou da eficácia.

O ideal romano de educação decorre, principalmente, da concepção de direitos e

deveres. Numa educação centralizada na formação do caráter moral das pessoas, a família

desempenha papel muito importante. A situação da mulher em Roma era mais elevada do que

no restante dos impérios da Antigüidade.E ela exercia grande autoridade dentro da família.

A característica fundamental do método da educação romana era a imitação. O método

característico era a educação prática. Aprendia-se fazendo a coisa que se tinha de fazer.

47 JAERGER, Werner. Paidéia. p

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A educação primitiva romana era dada praticamente no lar. Durante a última parte

desse período surgiram as escolas elementares (ludi), que passaram a ministrar os rudimentos

das artes de ler, escrever e contar. Os mestres dessas escolas chamavam-se ludi-magister.

Com as mudanças históricas, a cultura grega continua se nos impondo mais diversos

aspectos da vida romana. A escola do retórico em Roma ministrava o treino completo em

oratória, e era freqüentada por aqueles que pretendiam dedicar-se a uma carreira pública. Com

a retórica se transformou num simples treino para aquisição de habilidades de falar em

público, sem se preocupar com o conteúdo do discurso, houve necessidade de se preencher

tais deficiências. Surgiu, então, o estudo da ciência do Direito e da Filologia.

Roma e Constantinopla tiveram os melhores centros docentes. Nesses centros

floresceram as escolas de filósofos e os institutos helenísticos, onde se desenvolviam as

ciências particulares. Tais instituições tornaram possível o surgimento das universidades.

O fato de a educação romana ter passado a se limitar à classe mais elevada colabora

para a sua decadência. A educação ministrada pela Igreja Primitiva Cristã veio, gradualmente,

substituir a decadente educação romana. 48

3. A EDUCAÇÃO NOS DOCUMENTOS DA IGREJA

Quando nos reportamos à educação é comum associa-la à filosofia de educação e

princípios educativos de uma escola. Neste trabalho, porém a proposta é uma reflexão

sobre os aspectos teológicos da educação para o qual não bastaria uma reflexão puramente

racional, pois a Teologia pressupõe a fé e esse pressuposto transforma o todo. Os aspectos

que envolvem a teologia da educação nos seus desdobramentos educacionais pastorais e

espirituais. A teologia (teos = Deus; logos = palavras, saber, estudo). A teologia é o estudo

e reflexão na fé da Palavra de Deus.

48 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O QUE É EDUCAÇÃO. P. 48-53

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De acordo com o Concilio Vaticano II, a palavra de Deus é idêntica a Revelação Divina

contida na Tradição e na Sagrada Escritura: “A Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura

constituem um só sagrado depósito da Palavra de Deus” (Dei Verbum 10). A teologia é a

forma de conhecer a revelação de Deus acolhida pela fé. A teologia é uma ciência e como

toda a ciência tem uma estrutura do conhecimento, que possibilita o teólogo a ver tudo a partir

da Revelação de Deus, acolhido pela fé, que cria dentro do seu próprio ser a vontade

intrínseca de Deus.

Um teólogo cristão é um estudioso da Palavra de Deus, que é o Verbo encarnado (Jo1,1),

porém, antes de ser um “doutor” ele é um discípulo, um humilde discípulo, que deseja

“ensinar” por Deus. Ele se empenha em conduzir os seus educandos para o desejo de Deus

que existe dentro deles. Todo o ser humano, isso nos diz a antropologia, é atraído pelo

transcendente.

3.1. Conceito Cristão de Educação

O conceito do que é “educação”, compete em primeiro lugar à filosofia, porque se

trata de analisar racionalmente a natureza humana, o seu aperfeiçoamento cultivo e falar sobre

sua cultura, porém em uma sociedade complexa como a atual, onde não só influências

familiares contribuem para maturidade de pessoa, mas há outros fatores externos que

influenciam o educando em seu amadurecimento e que preocupam: filósofos, sociólogos,

antropólogos e teólogos. A dimensão religiosa do ser humano, e falar de sua relação com

Deus, obriga a Igreja a envolver-se com a educação de seus filhos a partir do Projeto de Deus

sobre a humanidade. Assim sendo, para os cristãos o conceito de educação não é incumbência

só da filosofia, mas, também, da teologia. A educação é vista como um processo de

amadurecimento da pessoa como tal e sua abertura para a transcendência. Assim,

considerando que esse processo educativo está orientado para a salvação integral e para a

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santidade da pessoa. Procuraremos observar em documentos eclesiais a grande preocupação

da Igreja como Educação.

Por uma razão bem especial cabe a Igreja o dever de educar.

Não só porque deve ser reconhecida como sociedade humana

capaz de transmitir educação. Mas antes de tudo, porque lhe

incumbe anunciar o caminho da salvação aos homens todos

comunicar aos fiéis a vida de Cristo ajudando-os por uma

solicitude continua a atingirem a plenitude desta Vida. (G. E. 3).

3.2. Concílio Vaticano II: Declaração “Gravissimum Educationes”

O concílio Vaticano II impulsiona a ação educativa interna da Igreja, definindo-a

como um “sacramento de salvação”. Essa noção sacramental explica o dinamismo da Igreja

para aperfeiçoar as pessoas e torná-las libertas. A Constituição Dogmática Lumen Gentium

nos diz:

A Igreja é em Cristo como que um sacramento ou o sinal e

instrumento da íntima união com Deus, e da unidade de todo o

gênero humano, ela deseja oferecer a seus fiéis e a todo o mundo

um ensinamento mais preciso sobre sua natureza e sua missão

universal insistindo no tema de Concílios anteriores (LG. 1).

A Igreja ao evangelizar atrai os homens e as mulheres para Cristo, que os liberta, e os

encaminha assim à perfeição e à felicidade (LG 17).

A Declaração Conciliar Gravissimum Educatones, que se dedica à educação cristã da

juventude, dá uma explicação a respeito dos direitos dos cristãos e os deveres da Igreja,

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“todos os cristãos têm direito à educação cristã” e passa a descrever e recorda aos pastores de

almas a gravíssima obrigação de tudo empreenderem no sentido de os fiéis se beneficiarem

desta educação cristã, particularmente os jovens, que constituem a esperança da Igreja (GE 2)

A Igreja tem como missão educar os fiéis. O primeiro meio educativo próprio da Igreja

é a instrução catequética, isto é educação na Fé, mostrar com bondade as várias etapas de

amadurecimento na fé, desta maneira o educando percebe-se participante de sua educação

(GE 4). Em seu preâmbulo (na nota 3), 49 esta Declaração Gravissimum Educacionis

menciona vários acordos que mostram a importância de diálogos da Igreja com autoridades

educativas civis.

Nos documentos do CELAM, encontramos referências importantíssimas para uma

visão do que é a educação libertadora proclamada em Medellin, Puebla, e Santo Domingos,

que têm o propósito de transformar o povo da América Latina no novo sujeito histórico,

libertado pela educação, sendo fator básico e decisivo para o desenvolvimento do continente.

Como destacamos no antigo Israel, nas páginas anteriores, o povo sofria

conseqüências da idolatria de uma religião manipuladora, fiel aos interesses das elites e dos

governantes políticos e religiosos, que não permitiam o desenvolvimento libertador do ser

humano, tornando-o escravo política, religiosa, cultural e economicamente.

A Conferência de Medellin vem nos apontar, ao referir-se à educação na América

Latina, o sentido humanista e cristão da Educação que liberta porque responde às

necessidades do povo e os ajuda a refletir sobre as causas do seu fracasso. 50

A Conferência de Medellin também observa que é o campo da educação o meio mais

necessitado de mudanças, e de mudanças profundas, que encerrem a fase de uma educação

49 cf. Profissão universal dos direitos humanos (Declaration des droits de l’homme), de 10 de dez. 1948, ratificada pela assembléia geral das nações Unidas; e cf. Declaration des droits de l’enfant, de 20 nov. 1959; Protocole additionnel à la convention de sauvegarde des droits de l’homme et des libertés fondamentales, Paris, 20 março 1952; a respeito da Profissão universal dos direitos humanos, cf. João XXIII, Carta encíclica Pacem in terris, de 11 abril 1963: AAS 55 (1963) p. 295s. 50 cf. Documento de Medellin nº 8, p. 88

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reprodutora de padrões de culturas européias, que não permitem o desabrochar da mente o

desenvolvimento de raciocínio livre, das pessoas, crianças, adultos, adolescentes, tornando-os

marginalizados por falta de uma alfabetização criativa e profética.

O Documento de Puebla dedica alguns parágrafos à necessidade urgente de uma

educação libertadora. Cita que, para a Igreja: educar o ser humano é parte da missão

evangelizadora, continuando assim a missão de Jesus o Cristo e o Mestre.51

Quando a Igreja evangeliza e consegue a conversão do homem,

também o educa, pois a salvação (Dom divino e gratuito) longe

de desumanizar o homem, o aperfeiçoa e enobrece; faz com que

cresça em humanidade. A evangelização é, neste sentido,

educação. todavia, a educação enquanto tal não pertence ao

conteúdo essencial da evangelização, mas ao seu conteúdo

integral.”; 1024 “a educação é uma atividade humana da ordem

da cultura; a cultura tem uma finalidade essencialmente

humanizadora. Desta forma, compreende-se que o objetivo de

toda educação genuína seja humanizar-se e personalizar o

homem, sem desvirtuá-lo, mas pelo contrário orientando-o

eficazmente para seu fim último que transcende a essencial

finitude do homem. A educação será tanto mais humanizadora

quanto mais se abrir para a transcendência, ou seja, para a

verdade e o sumo Bem.”; 1025 “a educação humaniza e

personaliza o homem quando consegue que este desenvolva

plenamente o seu pensamento e sua liberdade, fazendo-os

frutificar em hábitos de compreensão e comunhão com a

51 cf. Documento de Puebla nota 297 n.º 1012. N.º 1013

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totalidade da ordem real; por meio destes, o próprio homem

humaniza o seu mundo, produz cultura, transforma a sociedade e

constrói a historia.”; 1026 “A educação evangelizadora assume e

completa a noção de educação libertadora, porque deve

contribuir para a conversão do homem total, não só em seu eu

profundo e individual, mas também no eu periférico e social,

orientando-o radicalmente para a genuína libertação cristã, que

torna o homem acessível à plena participação no mistério de

Cristo ressuscitado, isto é, à comunhão filial com o Pai e à

comunhão fraterna com todos os homens, seus irmãos.

A Conferência de Santo Domingo nos coloca mais uma forma Pastoral que dá título a

ação educadora da Igreja, reafirmando o que diz Medellin e Puebla. Quer fazer uma proposta

para a educação cristã mais atualizada e a inculturação do Evangelho. 52

Reafirmamos o que dissemos em Medellín e Puebla (cf.

Documento de Educação, Medellín, Puebla) e a partir dali

assinalamos alguns aspectos importantes para a educação

católica nos nossos dias.

- a educação é a assimilação da cultura. A educação cristã é

a assimilação da cultura cristã. É a inculturação do Evangelho na

própria cultura. Seus níveis são bem diversos: escolares ou não-

escolares, elementares ou superiores, formais ou não-formais.

Em todo caso, a educação é um processo dinâmico que dura a

vida toda da pessoa e dos povos. Recolhe a memória do passado,

ensina a viver hoje e se projeta para o futuro. Por isso, a

educação cristã é indispensável na nova evangelização. N.º 264

– a Educação cristã desenvolve e assegura a cada cristão a sua

vida de fé e faz com que verdadeiramente nele sua vida seja

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Cristo (cf. Fl 1,21). Por ela, ecoam no homem as “palavras de

vida eterna”(Jo 6,68), realiza-se em cada pessoa a “nova

criatura” (2Cor 5,17) e se leva a cabo o projeto do Pai de

“recapitular em Cristo todas as coisas” (Ef 1,10). Assim a

educação cristã se funda numa verdadeira antropologia cristã,

que significa a abertura do homem para Deus como Criador e

Pai, para os outros como seus irmão, e para o mundo como

àquilo que lhe foi entregue para potenciar suas virtualidades e

não para exercer sobre ele um domínio despótico que destrua a

natureza. N.º 265 – Nenhum mestre educa sem saber para que

educa e em que direção educa. Há um projeto de homem

encerrado em todo projeto educativo; este projeto vale ou não

segundo construa ou destrua o educando. Este é o valor

educativo. Quando falamos de uma educação cristã, queremos

dizer que o mestre educa para um projeto de homem no qual

Jesus Cristo viva. Há muitos aspectos nos quais educar e muitos

que constam do projeto educativo do homem; há muitos valores;

mas estes valores nunca estão sós, sempre formam uma

constelação ordenada, explícita ou implicitamente. Se a

estruturação tem como fundamento e termo a Cristo, tal

educação recapitulará tudo em Cristo e será uma verdadeira

educação cristã; caso contrário, pode falar de Cristo, mas não é

educação cristã. N.º 274 – Urge uma verdadeira formação cristã

sobre a vida, o amor e a sexualidade, que corrija os desvios de

certas informações que se recebem nas escolas. Urge uma

educação para a liberdade, um dos valores fundamentais da

pessoa. É também necessário que a educação cristã se preocupe

em educar para o trabalho, especialmente nas circunstâncias da

cultura atual.

Há várias maneiras de olhar a história da educação. É diferente o olhar de um

sociólogo, de um poeta, de um político. Todas são válidas e contribuem para que a educação

52 cf. Documento de Santo Domingo “A ação Educativa da Igreja”. Iluminação Teológica. N.º 263

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seja promotora da humanização do ser humano. Nós, porém, queremos olhar a realidade

educacional com os olhos da teologia, uma maneira de olhar original, pois aparece pela

experiência de Deus na vida de homens e mulheres que se dedicam à ação de observar os

sinais dos tempos. 53

A Igreja do Brasil quer olhar também a realidade atual da Educação como cristãos

educadores seguindo o caminho pedagógico de educação libertadora. O olhar da realidade

atual vai mudando nos sucessivos documentos da Igreja Universal, na Igreja Latino

Americana regional, particular e local, observando com muito cuidado as diferenças segundo

o lugar e o setor social, econômico e cultural que abarcam.

O Documento Educação Igreja e Sociedade da CNBB começa apontando a Missão do

Educador como o responsável pela formação da pessoa para agir conforme sua consciência,

iluminada pelos valores objetivos de uma vida humana e realizada.54 O objetivo da educação é

ajudar a pessoa a libertar-se dos condicionamentos e dominações que dificultam seu

desabrochar efetivo e assumir-se integralmente como sujeito no seu crescimento pessoal.

“A liberdade é a marca de que a atividade humana é capaz de transcender os limites de

ordem material, corporal, sexual, psicológica, social, econômica e cultural que envolve as

pessoas”55. É por essa liberdade que o ser humano é chamado a transcender todos os

condicionamentos e a dar sentido à sua vida.

O processo de libertação ou de auto-realização é longo e difícil, pois leva o indivíduo a

uma tomada de consciência de um sentindo transcendente diante dos valores que superam os

condicionamentos temporais e materiais da existência, apontando para o mistério de sua

própria vida e para o mistério de Deus. Ao descobrir o Ser Supremo, o ser humano transcende

53 cf.AHUMADA, Enrique Garcia. Teologia de la Educacion. p.448-455 54 cf. Documento “Educação Igreja e Sociedade” n.º 47 parágrafo 65. “a educação está a serviço da liberdade. Ela é libertadora não só no sentido de que considera o educando como sujeito do seu próprio desenvolvimento (Medellín), em comunidade (Puebla), mas, também enquanto visa a plena liberdade do educando como pessoa. Seu objetivo é o de ajudá-lo a libertar-se dos condicionamentos e dominações que dificultam seu desabrochar efetivo e a assumir, como sujeito, seu crescimento pessoal. 55 Cf. Idem. 1992, p. 40, 66

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a si mesmo, e ao estabelecer uma relação vital com Deus, ele aprende a lhe ser fiel em todos

os momentos da sua existência e de sua atividade.

É essa transcendência que dá o sentido à vida. Daqui, a força transfiguradora da

religião e a sua importância para educação, pois toda educação comporta uma religiosidade.

“não se pode negar à criança a possibilidade da experiência de uma realidade superior a ela

mesma, decisiva para sua realização plena.[...]”.

O que a revelação nos diz do ser humano, da pessoa? Qual seu

sentido, seu destino? A primeira resposta está no início da Bíblia.

Deus criou o ser humano, ‘homem e mulher ele os criou’. Mais: ‘Deus

criou o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou’. O

salmo 8 dirá, com admiração, diante dessa obra tão especial de Deus:

‘que coisa é o homem, para dele te lembrares, Senhor, que é o ser

humano, para o visitares? No entanto o fizeste só um pouco menor

que um deus, de glória e honra o coroaste. Tu o colocaste à frente das

obras de tuas mãos. Tudo puseste sob os seus pés. 56

Afirmar que Deus cria o mundo e os seres humanos significa a

afirmar a liberdade de Deus: a criação é fruto de uma vontade

pessoal, de amor, não resultado do acaso. Significa também

reconhecer que homem e mulher, criados semelhantes ao Criador, são

pessoas dotadas de liberdade e chamadas à criatividade, á

responsabilidade e ao amor oblativo. Assim como no mistério de

Deus Trinitário a pessoa divina é relação amorosa para as outras

pessoas, assim também homens e mulheres criados à imagem e

semelhança do mesmo Deus, deve abrir-se, oblativamente, às

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outras pessoas até aos inimigos, para merecerem ser chamados

filhos e filhas de Deus.57

A dignidade humana, dom precioso que pode ser promovida pelo veio da educação. O

direito de ser livre, de escolher, de ir e vir, consagrado como direito básico da pessoa humana.

Libertação: liberdade que liberta para a responsabilidade, fraternidade e para a cidadania.

Libertação: livres para servir. Libertação cristã aberta para a comunidade. “O homem é, com

efeito, por sua natureza íntima, um ser social. Sem relações com as outras não pode nem viver

nem desenvolver seus dotes”58. Não individualista, solitária, mas sim solidária. A liberdade

prisioneira pode ser “salva” caminho da inteligência e sabedoria. A inteligência humana deve

ser aperfeiçoada pela sabedoria. É preciso que se atinja todas as realidades humanas, a

realidade de hoje e a de que o mundo se move pelo pensamento científico. A sabedoria faz

com que se conjugue corretamente a ciência e tecnologia e antropologia com a verdade do

Evangelho.

3.3 Ética e Educação

Ética é uma responsabilidade radical e objetiva. A ação humana voluntária livre

se situa numa ordem de ser original, ou seja, o caráter ético objetivo da ação responsável

é um dado antropológico fundamental, fundado na originalidade da ação voluntária.

Todo educador percebe que é essa responsabilidade e essa originalidade que inaugura o

universo ético e, o que conta, é a fidelidade do sujeito aos valores que considera para

uma boa relação com os outros. Os educadores estão hoje cada vez mais preocupados

em se colocar a serviço dos educandos, favorecendo-lhes o aprendizado e a

56 Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Documento da CNBB. n. 71 São Paulo: Paulinas. 2003 – 2006, 70 57 Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Documento da CNBB n. 71, 70 -71 58 Cf. Constituição Pastoral. Gaudium et Spes. Compêndio do Vaticano II. 7ª ed. Petrópolis: Vozes. 1968, 12

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autoconstrução do conhecimento. O documento da Conferência de Bispos em Medellín

demonstra em 1968 a preocupação com esse método de educar:

A educação formal ou sistemática se estende cada vez

mais para as crianças e os jovens latino americanos,

embora grande número deles fique ainda fora dos

sistemas escolares. Qualitativamente, e tendo em vista o

futuro, está longe de corresponder àquilo que exige nosso

desenvolvimento. Sem esquecer as diferenças que existem

relativamente aos sistemas educativos nos diversos países

do continente, parece-nos que o seu conteúdo

programático é, em geral, demasiado abstrato e

formalista. Os métodos didáticos estão mais preocupados

com a transmissão dos conhecimentos do que com a

criação de um espírito crítico. Do ponto de vista social, os

sistemas educativos estão orientados para a manutenção

das estruturas sociais e econômicas imperantes, mais do

que para sua transformação.59

A mesma Conferência em suas orientações pastorais afirma:

Reconhecendo a transcendência da educação sistemática

para a promoção do homem, em escolas ou colégios,

convém não identificar a educação com qualquer dos

59 II CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Medellin. 2ª ed. São Paulo: Paulinas. 1968, 4

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instrumentos concretos. Dentro do conceito educativo

moderno, esta transcendência é enorme, pois a educação

é a maior garantia para o desenvolvimento pessoal e

progresso social, já que, conduzida corretamente para os

autores do desenvolvimento; e é também ela a melhor

distribuidora dos frutos do progresso, que são as

conquistas culturais da humanidade, constituindo-se no

elemento mais rentável da nação. A Igreja toma

consciência da suma importância da Educação de Base.

Em atenção ao grande número de analfabetos e

marginalizados na América Latina, a Igreja, sem

poupar sacrifício algum, se comprometerá a promover a

Educação de Base, que não visa apenas alfabetizar, mas

também capacitar o homem para convertê-lo em agente

consciente de seu desenvolvimento integral”. A Igreja,

servidora da humanidade, tem-se preocupado, ao longo

de sua história, com a educação, não só catequética, mas

integral do homem.60

No cerne da ética manifestada por Jesus está a fidelidade aos valores e a

qualidade da relação com os outros, portanto, seguindo às diretrizes de Medellín, a

educação ética particular e a educação religiosa encontram-se na mesma dificuldade, ou

seja, continuamos a entender moral e ética como coisa vinda de fora, como um sistema

se princípios e normas, às quais o educando tem que se submeter, como à expressão da

60 CELAM: Conclusões de Medellín: “A Igreja na Atual Transformação da América Latina”. Vozes. 6ª ed.

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natureza ou da vontade do criador. Porém, a educação só se pode fazer a partir do

sujeito, como progressivo aprendizado da liberdade, numa vida que deve ser vivida em

sintonia com os valores que lhe dão sentido, na trama concreta e real das relações

interpessoais.

Na III Conferência Geral do Episcopado Latino – Americano, em Puebla,

México, onze anos depois, 1979, os Bispos fazem a seguinte constatação:

O múnus educativo desenvolve-se entre nós numa situação de

transformação sócio – cultural, caracterizada pela secularização

da cultura, influenciada pelos meios de comunicação de massa e

marcada pelo desenvolvimento econômico quantitativo que,

embora, haja significado progresso, não suscitou as requeridas

mudanças para uma sociedade mais justa e equilibrada. A

situação de pobreza de grande parte de nossos povos está

significativamente correlacionada com os processos educativos. Os

setores deprimidos são os que mostram maiores taxas de

analfabetismo e deserção escolar e as menores possibilidades de

conseguir emprego. (1014)61

Entre os religiosos educadores surgem questionamentos sobre a

instituição escolar católica, porque favoreceria o elitismo e a

mentalidade classista; por causa dos escassos resultados na

educação da fé e das mudanças sociais; devido a problemas

financeiros, etc. Esta tem sido uma das causas que levaram muitos

Petrópolis, RJ. 1968, 4; 10; 17

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religiosos a abandonar o campo da educação em troca duma ação

pastoral considerada mais direta, valiosa e urgente. (1019)62

Como princípios e critérios os Bispos indicam:

A educação é uma atividade humana da ordem da cultura; a

cultura tem uma finalidade essencialmente humanizadora. Desta

forma, compreende-se que o objetivo de toda educação genuína

seja humanizar e personalizar o homem, sem desvirtuá-lo, mas

pelo contrário orientando-o eficazmente para seu fim último que

transcende a essencial finitude do homem. A educação será tanto

mais humanizadora quanto mais se abrir para a transcendência,

ou seja, para a verdade e o Sumo Bem. (1024)63

A educação humaniza e personaliza o homem quando consegue

que este desenvolva plenamente o seu pensamento e sua liberdade,

fazendo-os frutificar em hábitos de compreensão e comunhão com

a totalidade da ordem real; por meio destes, o próprio homem

humaniza o seu mundo, produz cultura, transforma a sociedade e

constrói a história. (1025)64

61 Cf. III CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO. Puebla. São Paulo: Paulinas. 1979, 1014 62 Cf. III CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO. Puebla. São Paulo: Paulinas. 1979, 1019. 63 Cf. III CELAM –Puebla. 1979, 1024. 64 Cf. III CELAM – Puebla. 1979, 1025.

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A educação evangelizadora assume e completa a noção de

educação libertadora, porque deve contribuir para a conversão do

homem total, não só em seu eu profundo e individual, mas

também no eu periférico e social, orientando-o radicalmente para

a genuína libertação cristã, que torna o homem acessível à plena

participação no mistério de Cristo ressuscitado, isto é, à

comunhão fraterna com todos os homens, seus irmãos”. (1026)65

Hoje, mais do que nunca, toda a vida humana social, nacional, e internacional,

cultural, artística, cientifica e até religiosa, parece determinada por interesses e

parâmetros econômicos. Por isso mesmo o cristão no mundo de hoje é convidado a um

exercício para a liberdade. No campo da Moral, o convite é para alcançar a autonomia e

a autenticidade de comportamento sem pressões vindas de fora (pais, Igreja, Governo).

Autenticidade é ser autor do seu agir, coerente com o seu pensar, falar. Um caminho

para orientar o exercício da liberdade “para”, nunca a educação “de”. Assim o “eu”

pode ser aquilo que “é”, ou seja, eu posso “SER”.

4. REALIZAÇÃO TOTAL DA PESSOA HUMANA: PERSPECTIVA DE DOM

BOSCO

Toda pessoa elabora para si uma noção de salvação, que reflete a compreensão que

tem de si próprio, do mundo e de Deus, e do que significa para ela felicidade e plenitude.

O cristianismo quer ser um caminho que leva à realização total da pessoa humana,

oferecendo a seus seguidores a salvação. A noção de salvação é, portanto, central no

cristianismo, mas se apresenta historicamente numa multiplicidade muito grande de

expressões, e sua compreensão se atualiza sempre nos diversos contextos sociais e culturais.

65 Cf. III CELAM – Puebla. 1979, 1026.

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A idéia de salvação em Dom Bosco, como veremos no capítulo a seguir, está

condicionada a sua prática educativa. Sua visão teológica situa-se no quadro da Igreja no

século XIX. É uma Igreja marcada pela herança do Concílio de Trento, em oposição à

modernidade. Procurava-se reforçar a identidade católica diante do perigo do protestantismo e

da sociedade moderna, influenciada pelas novas idéias provindas da Revolução Francesa.

Numa tentativa de voltar ao regime de cristandade, onde a Igreja tinha hegemonia, procura-se

refazer a histórica aliança entre o trono e altar, tendo o papa como garantia da ordem. A

ideologia da “restauração” fez da Igreja do século XIX, especialmente no longo pontificado

de Pio IX, uma instituição extremamente conservadora.

A visão de mundo é essencialmente religiosa. A religião por excelência é o

cristianismo católico, a única religião verdadeira, fora da qual não há salvação. Cuidava-se da

“salvação das almas”, em situação de perigo no mundo perdido e decaído. Para isso, era

necessário expandir e conservar a religião. Isso era feito através de uma doutrinação

persistente e forte (catecismo, pregações, missões populares), combatendo a impureza e a

embriaguez (os grandes males de uma moral individualista), exigindo a freqüência aos

sacramentos, impondo uma disciplina rígida para o clero e os fiéis, usando a arma do medo

(do pecado, da morte, do juízo de Deus, do inferno).

Dom Bosco entendia a religião como instrumento de salvação e, também, como

elemento fundamental de educação. Como instrumento de salvação, a religião - para ele só a

católica - oferece os canais da graça - sacramentos - e a doutrina que guia neste caminho

seguro. Como meio educativo a religião tem a força de motivar e de transformar as pessoas.

Era comum no tempo de Dom Bosco fazer a separação entre religião – coisas

espirituais - e a vida profana - mundo. Mas Dom Bosco não fazia esta separação procurando

colocar a religião na vivência da realidade do jovem. A religião cumpria, então, dupla

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finalidade: formar a pessoa para o convívio humano e social, e formar a pessoa para seu

destino transcendente.

Todo esse processo estava marcado pela racionalidade e se dava num clima de

liberdade, de espontaneidade e de alegria. - “Nunca se obriguem os jovens a freqüentar os

santos sacramentos: basta encorajá-los e dar-lhes comodidade de se aproveitarem deles...

estimulá-los a querer, espontaneamente, essas práticas de piedade; haverão de cumpri-las de

boa vontade, com prazer e fruto” (Cf. “O Sistema Preventivo na Educação da Juventude” – D.

Bosco). Por isso também Dom Bosco exigia um mínimo de práticas de piedade exteriores e

incentivava os momentos de diversão sadia, de trabalho empenhado, de estudo sério.

CONCLUSÃO

A religião é dimensão fundamental da educação e impregna todos os outros elementos,

especialmente a razão e a amorevolezza. Concluímos repetindo o parágrafo 78 da Exortação

apostólica EVANGELII NUNTIANDI:

O Evangelho de que nos foi confiado o encargo é também

palavra de verdade. Uma verdade que torna livres e que é a

única coisa que dá a paz do coração, é aquilo que as pessoas

vêm procurar quando nós lhes anunciamos a Boa Nova.

Verdade sobre Deus, verdade sobre o homem e sobre o seu

misterioso destino e verdade sobre o mundo. Difícil verdade que

nós procuramos na Palavra de Deus e da qual nós somos,

insistimos ainda, não os árbritos nem os proprietários, mas os

depositários, os arautos e os servidores.

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Espera-se de todo evangelizador que ele tenha o culto da

verdade, tanto mais que a verdade que ele aprofunda e comunica

outra coisa não é senão a verdade revelada; e por isso mesmo,

mais do que qualquer outra, parcela daquela verdade primária

que é o próprio Deus. o pregador do Evangelho terá de ser,

portanto, alguém que, mesmo à custa da renúncia pessoal e do

sofrimento, procura sempre a verdade que há de transmitir aos

outros. Ele jamais poderá trair ou dissimular a verdade, nem

com a preocupação de agradar aos homens, de arrebatar ou de

chocar, nem por originalidade ou desejo de dar nas vistas. Ele

não há de evitar a verdade e não há de deixar que ela se

obscureça pela preguiça de a procurar, por comodidade ou por

medo; não negligenciará nunca o estudo da verdade. Mas há de

servi-la generosamente, sem a escravizar.

Enquanto Pastores do povo fiel, o nosso serviço pastoral obriga-

nos a preservar, defender e comunicar a verdade, sem olha a

sacrifícios. Tantos e tantos Pastores eminentes e santos nos

deixaram o exemplo, em muitos casos heróico, deste amor à

verdade. E o Deus da verdade espera por nós precisamente que

sejamos os defensores vigilantes e pregadores devotados dessa

mesma verdade.

Quer sejais doutores, teólogos, exegetas ou historiadores, a obra

da evangelização precisa de todos vós, do nosso labor

infatigável de pesquisa e também da vossa atenção e delicadeza

na transmissão da verdade, da qual os vossos estudos vos

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aproximam, mas que permanece sempre maior do que o coração

do homem, porque é a mesma verdade de Deus.

Pais e mestres, a vossa tarefa, que os múltiplos conflitos atuais

não tornam fácil, é a de ajudar os vossos filhos e os vossos

discípulos na descoberta da verdade, incluindo a verdade

religiosa e espiritual.

Tarefa difícil para quem não conhece o caminho a seguir para encontrar a

verdade e transformá-la em vida e vida em abundância, porém quem conhece Jesus sabe

que Ele veio para que todos tenham vida e vida em abundância, que Ele é o caminho, a

verdade e a vida. Dom Bosco um verdadeiro educador e um pai amoroso, buscou em

Jesus o ensinamento para formar os jovens da sua época com a alegria da festa e com o

discernimento aprendido no Evangelho. Ele educou os jovens para a verdadeira

liberdade, de ser cristão e honesto cidadão, em meio as dificuldades do meio urbano,

pois acreditou desde de cedo no que o próprio Cristo ensinou: A VERDADE VOS

LIBERTARÁ66.

66 Jo. 8,32.

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CAPÍTULO II

1. SISTEMA PREVENTIVO DE DOM BOSCO

INTRODUÇÃO

No plano afetivo prevenir significa: dar o primeiro passo, procurar, ir ao encontro,

aproximar-se, ser acessível, disponível, amável, acolher, inspirar confiança, favorecer a

confidência, encorajar, e também preceder como guia e, depois, acompanhar, aconselhar.

(Dom Bosco)

Educar é uma tarefa complexa, porém, fascinante. Numa sociedade moderna e

pluralista, existem inúmeras propostas educativas concorrendo para imprimir a sua marca na

construção de um projeto mais amplo da pessoa humana e de sociedade.

A modernidade é um processo histórico complexo que iniciou-se no século XVIII, na

Europa, uma época marcada pelas revoluções política, industrial e cultural, impondo-se um

desenvolvimento espetacular das ciências e da tecnologia.

O iluminismo provoca uma nova visão do ser humano e de mundo, onde a referência

era a religião (teocentrismo), agora o centro é o humano (antropocentrismo). É um tempo de

grande florescimento pedagógico e as novas idéias de Dom Bosco apareciam como

reducionista da pessoa humana, sobretudo quanto ao aspecto religioso, por isso, opôs-se à

modernidade como projeto global. Apesar de continuar com uma visão teocêntrica, foi de uma

realismo muito grande em adotar técnicas e modalidades modernas de ação; e, no campo

particular pedagógico, não adotou um sistema rígido, fechado, autoritário, pelo contrário, o

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seu sistema preventivo é um tipo de pedagogia da liberdade comprovadamente adequado para

a educação dos jovens.67

O Pe. Braido, lembra que, antes de ser norma, “teoria” é de alguma maneira,

“sistema”, a pedagogia de Dom Bosco é vida vivida, exemplo e transparência pessoal. A

exposição orgânica de sua visão pedagógica adquire maior relevo e significado quando se faz

referência a esta fonte viva e cristalina.68

Sem a presença de uma mãe, é impossível, traduzir na prática cotidiana aquela

“amorevolezza” que é: amor percebido pelo jovem, bondade que se dá além da medida,

delicadeza de trato que cura qualquer ferida, amor que suscita amor recíproco.

João Bosco sente junto de si a presença materna de sua mãe, Margarida, mulher forte e

ao mesmo tempo amável, que sabe educar como somente uma verdadeira mãe é capaz de

fazê-lo. A proximidade de Margarida, leva João Bosco a sentir a presença de uma outra Mãe,

daquela que ele havia aprendido a “saudar três vezes ao dia”. Maria , a mulher que viveu o

Evangelho colocando-se junto à vida dos demais, a mulher presença silenciosa em quem a

Palavra se fez Carne, acolhendo a finitude, a precariedade de todo ser, de toda cultura.

Em Maria, encontramos o novo paradigma de maternidade que gera, acolhe, intercede,

acompanha, partilha, sustenta e defende a vida. Ela é o modelo da amorevolezza,

transparência do amor que faz o educador e a educadora viverem um incrível poder de

transformação.69 E esse amor seduziu também a Mazzarello - Maria Domingas Mazzarello,

co-fundadora com João Bosco do Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora - uma mulher

formada na dinâmica da proximidade com a pessoa e com a realidade, e, por isso, nela o

amor se exprime de maneira visível com muita delicadeza e intuição, com uma capacidade

67 Cf. SCARAMUSSA, Tarcísio, SDB. O SISTEMA PREVENTIVO DE DOM BOSCO: UM ESTILO DE EDUCAÇÃO p. 74-105 68 Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir o sistema educativo de Dom Bosco, p. 47-54 69 Cf. TIMOSSI, Luis, Libertar em nós o carisma Salesiano para vivê-lo e comunicá-lo no Terceiro Milênio, 1999

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materna de conquistar os corações. Foi dito que Mazzarello atraía as jovens como o ímã

atraí o ferro.

João Bosco e Mazzarello nos ensinam que, com Maria Auxiliadora, os milagres do amor

são possíveis também hoje.70

O educador e a educadora, instruídos por Dom Bosco, vivendo a paixão pelo jovem e pela

jovem fazem acontecer um estilo de vida educativa que é profundamente e essencialmente

personalizada, em que a presença amorosa educa, transforma, porque conhecem o valor de

lutar por uma vida digna, justa e plena.

1.1. CONTEXTO HISTÓRICO

A Revolução Francesa provocou mudanças muito profundas. Nas guerras promovidas

pelos países europeus contra o jugo napoleônico explodira, com fervor religioso, o

nacionalismo revolucionário. Essa Revolução e tudo o que decorreu dela afetaram

profundamente a existência das igrejas, acelerando-se o processo de dissolução do seu

poder. A novidade do século XIX é que o secularismo adornou-se da classe média alta, a

industrialização e a conseqüente degradação das condições de vida trouxeram desafios para

as igrejas. Foi nessa época que surgiu a obra educacional de Dom Bosco. Seu trabalho com

a juventude abandonada, sem emprego, moradia, ou estudo, modificou a cidade de Turim,

capital de Piemonte.

A situação sociológica do Piemonte e de Turim, de 1841 a 1861, a seguinte: As

condições dos trabalhadores era de miséria, doença e cansaço, causados pelos horários

excessivos de trabalho, ausência de segurança, salários de fome, falta de relações

contratuais, exploração da mão-de-obra infantil e feminina. Além de não haver uma

legislação trabalhista séria, havia poucas sociedades de assistência. O progresso econômico

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no Piemonte foi significativo, mas às custas de muita opressão diante da juventude operária

de Turim71.

1.1.2. A situação cultural e escolar no Piemonte e em Turim, de 1841 a 1861

Em contraste com a estrutura sócio econômica, o ambiente cultural do século XIX

apresentava ricos aspectos: um vivo fermento das idéias; o fervor iluminístico pela cultura,

pela escola popular e pela imprensa. A ação de Dom Bosco situava-se num clima de

autêntica explosão pedagógica e escolar em toda a Europa. Embora não seja possível

estabelecer exatamente contatos e dependências, é certo que Dom Bosco não permaneceu

estranho às novas idéias e fatos que estavam ocorrendo. 72

A situação escolar no Piemonte e em Turim era precária e a porcentagem de

analfabetos era realmente considerável e até 1840, no entanto, muitos lugares estavam

ainda desprovidos de escolas existentes eram, principalmente: o monopólio do clero, que

centralizava todo o ensino em torno da doutrina cristã e realizava um rígido controle sobre

o cumprimento dos deveres religioso-morais e civis, tanto com relação aos mestres, como

com relação aos alunos; o caráter muito rudimentar e elementar do ensino; a multiplicação

de escolas de ensino humanístico, descuidando-se da organização escolar de aprendizagem

profissional. 73

Nenhuma dessas reformas resolveu, porém, o problema do analfabetismo,

principalmente para a maior parte das populações rurais: enquanto nas montanhas as

escolas permaneciam desertas por um bom tempo, na maior parte da planície os alunos

abandonavam as escolas antes de terminar o período letivo.

70 Cf. CASTAGNO, Marinella. Amorevolezza, Roma: in Revista da mihi Amnimas 1999 p. 3-4 71 Cf. SCARAMUSSA, Tarcísio. O sistema preventivo de Dom Bosco: um estilo de Educação. 1984 p. 19-21 72 Cf. BRAIDO, P., sistema Preventivo di Don Bosco, 2ª ed. Zurich, Pas-Verlag, 1964 p. 81 73 Maiores detalhes em SINISTRERO, V., “La legge Boncompagni del 4 ottobre 1848 e la libertà della scuola”. Em Salesianum, 10 (3): 369, lugl./ sett., 1948.

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Havendo também a necessidade de um outro tipo de escola que atendesse a mutação

social, e preparasse os jovens para qualificarem-se como trabalhadores industriais uma vez

que estavam vivendo uma época de emergente realidade industrial.74

2. A situação religiosa no Piemonte e em Turim, de 1841 a 1861

A religiosidade popular, no caso particular da massa de operários migrados, entrava

em crise ao tomar contato com a nova realidade da vida da cidade. Desenraizados de seu

meio rural, limitados pelo analfabetismo, e dominados pelo ritmo esgotador do trabalho e

pelas explorações de todo tipo, não conseguiam estabelecer uma nova síntese religiosa. Por

outro lado, enquanto a promiscuidade das fábricas favorecia a imoralidade, os operários

procuravam esconder suas mágoas e seu vazio, entregando-se ao vício. A situação da

massa proletária de Turim apresentava-se, assim, complexa e problemática.

Dom Bosco encontrou os jovens ocupando as ruas, as praças, os parques, geralmente

sem trabalho, sem perspectivas para o futuro, sem um ambiente sadio para desenvolver

seus valores. 75

2.1. A situação psicossociológica dos primeiros jovens de Dom Bosco

Os primeiros jovens encontrados por Dom Bosco em Turim eram: jovens provenientes

das prisões, cuja idade oscilava entre os 12 e os 18 anos; jovens migrantes provenientes de

Biella, de Vercelli, de Novara, do Valle D`Aosta e de outras províncias do Reino. Na

cidade encontravam-se desorientados, longe de seus pais, abandonados; jovens

trabalhadores de vários tipos.

74 A esse respeito deve-se assinalar a intuição e praticidade de Dom Bosco em instituir escolas profissionais para os jovens, a partir de 1853 (cf. MB, 4, p. 665; 15, p. 179. 75 Cf. STELLA, P., Don Bosco nella storia della religiosità cattolica, 1969, p. 104

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As características comuns dos primeiros jovens de Dom Bosco eram de abandono e

carência total, não se tratava delinqüentes, mas em perigo de perder-se, devido às

circunstâncias de abandono em que se encontravam, necessitando de estrutura sócio-

política que os integrasse e apoiasse. 76

3. BIOGRAFIA DE DOM BOSCO

Meus filhos, quando lerdes estas memórias depois de minha morte, lembrai-vos que

tivestes um pai afeiçoado, que antes de abandonar o mundo deixou estas memórias

como penhor de seu carinho paterno...São João Bosco 77

Um Sonho: Nessa idade tive um sonho, 78 que me ficou profundamente impresso na mente por toda a vida. Pareceu-me estar perto de casa, numa área bastante espaçosa, onde uma multidão de meninos estava a brincar. Alguns riam, outros divertiam-se, não poucos blasfemavam. Ao ouvir as blasfêmias, lancei-me de pronto no meio deles, tentando, com socos e palavras, faze-los calar. Nesse momento apareceu um homem venerando, de aspecto varonil, nobremente vestido. Um manto cobria-lhe o corpo; seu rosto, porém, era tão luminoso que eu não conseguia fitá-lo. Chamou-me pelo nome e mandou que me pusesse à frente daqueles meninos, acrescentando estas palavras: Não é com pancadas mas com a mansidão e a caridade que deverás ganhar79 esses teus amigos. Põe-te imediatamente a instruí-los sobre a fealdade do pecado e a preciosidade da virtude. Confuso e assustado repliquei que eu era um menino pobre e ignorante, incapaz de lhes falar de religião. Senão quando aqueles meninos, parando de brigar, de gritar e blasfemar, juntaram-se ao redor do personagem que estava a falar. Quase sem saber o que dizer, acrescentei: Quem sois vós que me ordenais coisas impossíveis? Justamente porque te parecem impossíveis, deves torná-las possíveis com a obediência e a aquisição da ciência. Onde, com que meios poderei adquirir a ciência? Eu te darei a mestra, sob cuja orientação poderás tornar-te sábio, e sem a qual toda sabedoria se converte em estultice. Mas quem sois vós que assim falais? Sou o filho daquela que tua mãe te ensinou a saudar três vezes ao dia. Minha mãe diz que sem sua licença não devo estar com gente que não conheço; dizei-me, pois, vosso nome. Pergunta-o a minha mãe. Nesse momento vi a

76 Cf. BRAIDO, P. Scritti sul Sistema Preventivo nell educazione della gioventù, 1956, p. 360-361 77 Todos os dados biográficos seguirão LEMOYNE, G. B Memorie Biografiche, 19 volumes 78 Cf. LEMOYNE, G.B. e AMADEI A. , Memorie biografiche di S. Giovanni Bosco, v. 10. P. 254-256): “A palavra sonho e Dom Bosco são correlativos. É deveras admirável a repetição desse fenômeno durante setenta anos(...). a bondade do Senhor serviu-se dos sonhos no Antigo e no Novo Testamento, bem como na vida de muitos santos, para confortar, aconselhar e mandar; por meio deles fez ouvir sua voz profética, ora de ameaça, ora de esperança, ora de prêmio para os indivíduos ou para as nações (...). a vida de Dom Bosco é uma trama de sonhos tão maravilhosos, que não se compreende sem a assistência divina direta. Fica, pois, de todo em todo excluída a idéia de que houvesse sido um estulto, um iludido, um enganador ou um vaidoso. Os que viveram a seu lado durante trinta, quarenta anos, jamais viram nele o menor sinal de querer conquistar o apreço dos seus, fazendo-se passar por um privilegiado com dotes sobrenaturais. Dom Bosco era humilde, e a humildade aborrece a mentira”. 79 Num primeiro momento, Dom Bosco havia escrito “têm de ser acalmados”. A seguir corrigiu para “deverás ganhar”. Nesta frase se vê toda a essência de seu sistema educativo: ganhar os corações dos jovens.

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seu lado uma senhora de aspecto majestoso, vestida de um manto todo resplandecente, como se cada uma de suas partes fosse fulgidíssima estrela. Percebendo-me cada vez mais confuso em minhas perguntas e respostas, acenou para que me aproximasse e, tomando-me com bondade pela mão, disse: Olha. Vi então que todos os meninos haviam fugido, e em lugar deles estava uma multidão de cabritos, cães, gatos, ursos e outros animais. Eis o teu campo, onde deves trabalhar. Torna-se humilde, forte, robusto;80 e o que agora vês acontecer a esses animais, deves fazê-lo aos meus filhos. Tornei então a olhar, e em vez de animais ferozes apareceram mansos cordeirinhos que, saltitando e balindo, corriam ao redor daquele homem daquela senhora, como a fazer-lhes festa. Neste ponto, sempre no sonho, desatei a chorar, e pedi que falassem de maneira que pudesse compreender, porque não sabia o que significava tudo aquilo. A senhora descansou a mão em minha cabeça, dizendo: A seu tempo tudo compreenderás. Após essas palavras, um ruído qualquer me acordou, e tudo desapareceu.

3.1. A infância

Para que servirá então este trabalho? Servirá de norma para superar as dificuldades futuras, aprendendo as lições do passado; servirá para dar a conhecer como o próprio Deus conduziu todas as coisas a cada momento; servirá de ameno entretenimento para meus filhos quando lerem as aventuras em que andou metido seu pai; e haverão de lê-las com mais gosto quando, chamado por Deus a prestar conta dos meus atos, já não estiver entre ele. Perdoai-me quando encontrardes fatos expostos talvez com muita complacência e mesmo aparência de vanglória. Trata-se de um pai que tem a satisfação de falar de suas coisas a seus amados filhos, que, por sua vez, ficam satisfeitos de saber as pequenas aventuras de quem tanto os amou, e que, nas coisas pequenas como nas grandes, sempre se empenhou em trabalhar em seu benefício espiritual e temporal.81

No dia 16 de agosto de 1815, nasce João Bosco em Murialdo, um pequeno lugarejo

dependente da comuna e da paróquia de Castelnuovo D´Asti 82, mais precisamente, na

localidade chamada Becchi. O primeiro momento da sua vida foi marcado pelo ambiente

rural de sua família piemontesa.

Perdeu seu pai, cujo nome Francisco, aos dois anos de idade, passando a autoridade da

família para as mãos da avó e da mãe Margarida, que, alguns anos depois, tornou-se a

única responsável por toda a família. Era uma mulher enérgica e trabalhadora, paciente e

religiosa. Tal qual a mãe de Israel foi sua educadora, pois não queria vê-lo crescer sem os

80 Inicialmente, Dom Bosco havia escrito: “ Torna-te sadio, forte, robusto”. 81 Cf. BOSCO, São João. Memórias do Oratório de São Francisco de Sales. 2005 p. 23 82 Hoje, Castelnuovo Don Bosco.

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ditames valorosos do ensino religioso e moral.83 O quadro familiar se completava com os

dois irmãos mais velhos: Antônio, filho do primeiro casamento do pai, rapaz extremamente

rebelde e revoltado contra a autoridade da madrasta e tirânico com os dois irmãos

consagüíneos, e muito mais jovens que ele; e José, 3 anos mais velho que João Bosco.

As atitudes negativas do irmão mais velho, Antônio, com suas exigências prepotentes

em relação ao trabalho de João, faz com que sua mãe arrume um trabalho para ele fora de

casa, ficando junto aos Moglia 84 durante dois anos. A situação mudou quando chegou a

Murialdo o capelão Pe. Calosso. Na primeira conversa com o padre, revelaram-se logo as

preocupações de João Bosco: o problema dos estudos, as dificuldades familiares, o

problema de sua vocação sacerdotal. De comum acordo com a mãe, resolveu-se que João

devia voltar para casa. Sua volta não significava simplesmente uma reintegração no clã

familiar, mas uma feliz integração de João Bosco com o novo elemento de equilíbrio: o Pe.

Calosso, na casa do qual ia estudar.

Há algo de misterioso na vida do santo, que é com certeza inspiração divina. Os fatos,

as acontecimentos de sua vida comprovam isso, pois tendo que aprender a tratar seus

colegas, dividiu-os em três categoria: bons, indiferentes, maus. Estes últimos evitou-os, os

indiferentes serviram para entrete-lo por delicadeza ou necessidade, e os bons travou

amizade. João Bosco havia sido confiado por sua mãe à dona Lúcia, que o hospedou e lhe

servia de desculpa para não envolver-se com maus companheiros. Mas também lhe serviu

materialmente, pois, sendo encarregado por ela de cuidar dos estudos de seu filho, levou-o

às práticas religiosas, tornando-o dócil, obediente e estudioso, a tal ponto que depois de

83 Cf. MO. P. 39. Em casa fazia-me rezar, ler um bom livro, dando-me os conselhos que uma mãe industriosa julga oportunos para seus filhos. 84 Cf. STELLA, Pietro. Don bosco nella storia della religiosità cattolica, p. 36, nota 30. João Bosco, depois de muita insistência, foi acolhido pela família Moglia, que era bastante rica. O fato de não aparecer o relato desse momento de sua vida nas vidas nas suas Memória foi diferentemente interpretado pelos estudiosos de Dom Bosco.

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seis meses havia-se tornado bastante aplicado, satisfazendo o professor e a mãe que como

recompensa a João perdoou toda a pensão mensal.

Para não criar inimizades, dedicou-se a ajudar os alunos em dificuldades, dessa maneira

agradava a todos e conquistava o afeto e a estima dos colegas. Começaram a reunir-se e

chamaram essas reuniões de “Sociedade da Alegria”, onde todo membro devia evitar

qualquer conversa ou ação que não fosse cristã, e cumprir os deveres escolares e religiosos.

À reunião ia livremente quem queria, sem que soubessem estavam pondo em prática o

sublime aviso de Pitágoras: “Se não tendes um amigo que vos corrija os defeitos, pagai um

inimigo para que vos preste esse serviço”.

Falar de religião atraí aquelas e (es) que são vocacionadas (os), é manifestação da

identidade, imagem e semelhança: é singular porque para cada um é diferente e é plural por

que é atração para todos.

3.2. Sua Formação Escolar

João Bosco obteve estudo e segurança junto ao Pe. Calosso, confiando nele assim

como a um pai: “Eu o fiz conhecer-me tal como era. Manifestava-lhe prontamente minhas

palavras, meus pensamentos, minhas ações. Isto lhe agrava muito porque assim podia

conduzir-me melhor no espiritual e no material”. O contato com esse sacerdote amigo foi

para ele uma experiência intensa que marcou a sua adolescência.

“O relacionamento com o Pe. Calosso foi muito breve e sua morte imprevista foi para

João Bosco um desastre irreparável, um verdadeiro trauma psíquico, e repercutiu até em

sua saúde física. Já havia perdido precocemente, seu pai biológico, agora perdia seu pai

espiritual. Age também, mas de forma negativa, o encontro com os padres de Castelnuovo

d’Asti. Eles são ocasião para que João Bosco defina qual o ideal de paternidade quer em si:

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“Quereria aproximar-me das crianças, desejaria dirigir a elas palavras boas, dar bons

conselhos. Quanto seria feliz se pudesse conversar com o meu pároco. Tal conforto tive

com o padre Calosso; é possível que não possa tê-lo outra vez? (MO).

E mais tarde, no seminário, falando de seus superiores dizia: “Quantas vezes teria

desejado falar com eles, pedir um conselho ou esclarecer alguma dúvida, e não podia fazer

isso (...). Isso acendia em meu coração o desejo de ser padre para entreter-me com os

jovens, assisti-los e satisfaze-los em qualquer situação” (MO). Como vemos, João Bosco

escolhe ser também um pai, o pai que ele estava procurando e que não achava. E ele o diz

claramente, ao falar das férias em Buttigliera d’Asti:

Continuei a ocupar-me dos jovens, distraindo-os com o contar alguma história, com

brincadeiras agradáveis, com o canto de loas sacras. Mas ainda, vendo que muitos já tinham

certa idade, mas eram muito ignorantes quanto às verdades da fé, apressei-me a ensinar a

eles também as orações cotidianas e outras coisas mais importantes para aquela idade. Era

uma espécie de oratório, no qual tomavam parte perto de cinqüenta meninos que me

queriam bem e me obedeciam, como se eu fosse o pai deles. (MO)85.

Com a morte do Pe. Calosso, rompeu-se também o equilíbrio da família Bosco e

acelerou a solução de algumas situações importantes, com a divisão do patrimônio

familiar. João pôde assim continuar seus estudos na escola de Castenuovo e no colégio

municipal de Chieri. Em Chieri, João Bosco viveu os melhores anos de sua vida. 1831-

1835.

Encontrou oportunidade para expandir as riquezas de sua personalidade e viveu um

período de euforia, alimentado pelo êxito nos estudos e pelo prestígio que tinha entre seus

companheiros e professores. Do ponto de vista religioso, considerou importante a

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escolha de um confessor estável (Pe. Maloria), que, ao contrário da mentalidade jansenista

86 da época, aconselhava-o a freqüentar os sacramentos.

O momento da decisão vocacional apareceu-lhe como um período de angústia e de

insegurança, principalmente por não encontrar possibilidade de orientação nesse sentido.

Depois de “refletir”, acreditou ser chamado para a vida franciscana, mas desistiu desse

propósito pouco depois. Finalmente, tomou uma decisão, e vestiu o hábito clerical no dia

25 de outubro de 1835. No dia 30 entrou no seminário de Chieri.

O regime do seminário era claustral e rigorista, característico do mundo eclesiástico

piemontês do século XVIII, apesar de ter sido instituído em 1829. Não encontrou no

seminário a mesma relação amiga que mantinha com o Pe Calosso, nota-se essa

insatisfação em suas Memórias, que revelam uma certa inibição tanto no clima educativo,

como na orientação acética da espiritualidade, chegando até afetar sua saúde.

Tampouco o satisfez o ensino ministrado no seminário. Ele o considerava muito

dogmático e especulativo, desencarnado da realidade e das necessidades concretas dos

candidatos que se preparavam para o sacerdócio.

Um ambiente tão carregado não parecia propício para o amadurecimento de uma

decisão importante. Não foi sem um grande sentimento de angústia e de insegurança que se

preparou para receber as ordens sagradas. Foi ordenado em 5 de junho de 1841

85 Cf. FERREIRA, Antônio da Silva. De olho na cidade. 2000 p. 37-41 86 Cf. STELLA, P. Don Bosco nella religiosità, v. 1, p. 85-95. O jansenismo é um conjunto de doutrinas rígidas sobre a graça, o livre arbítrio e as condições para receber os sacramentos, com declarada hostilidade à autoridade do papa. Fundamenta-se no Augustnus, obra póstuma de Cornélio Jansênico (1585-1638), bispo de Ypres, publicada em 1640. Durante o domínio napoleônico, os círculos jansenistas criaram força no Piemonte. No tempo a que Dom Bosco se refere, tinha ainda alguma força. Sobre a doutrina jansenista cf. CECHINATO. Pe. Luiz, Os 20 séculos de Caminhada de Igreja. P. 292. A doutrina jansenista nega que haja participação humano no processo da salvação. Segundo Jansênico, ou o homem é salvo porque Deus lhe deu a graça, ou se perde porque não recebeu a graça. O homem já nasce predestinado para a salvação ou para a condenação. Por isso, Jansênio afirmou que Jesus não morreu por todos os homens, mas somente por aqueles que foram predestinados à salvação. O erro dessa doutrina está no sentido absoluto de suas afirmações. A doutrina católica afirma que Deus dá a graça da salvação a todos. Uns aproveitam essa graça, outros a desprezam, o homem pode colaborar com a graça e pode rejeitá-la. É por isso que uns são salvos, outros se perdem.

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3.3. Sua formação Espiritual

Com a Igreja procurando refazer a hegemonia que tinha, refazendo uma aliança entre o

trono e o altar era uma instituição extremamente conservadora, vendo o cristianismo

católico, a única religião verdadeira, fora da qual não havia salvação. Cuidava-se da

“salvação das almas”, em situação de perigo no mundo perdido e decaído. Esse contexto

influencia Dom Bosco e a sua preocupação com a “salvação da juventude”.

Dom Bosco mostra-se dominado pela aspiração unitária, pela vis unita fortior, sobre a

qual se refletia uma idéia igualmente sólida do seu patrimônio religioso: a da família única

à imagem e semelhança da família humana que tem Deus como Pai e a eclesial que tem o

Papa como pai comum.

O termo família é empregado na tradição de Dom Bosco de forma genérica, como os

laços existentes entre vários grupos, e se aplica de maneira diversa conforme a natureza do

relacionamento entre eles.

Este laço ou relacionamento não pode reduzir-se a um fato de pura simpatia. É antes a

expressão externa da comunhão interior carismática. A pertença se alimenta de um espírito

comum, que orienta para uma vasta e complementar missão juvenil e popular, e de certas

características próprias e originais que justificam o reconhecimento oficial, que é dado por

um título específico.

4. Educação no Sistema Preventivo de D. Bosco e a proposta de outros educadores e

educadoras

Dom Bosco é um conhecedor do espírito que deixou em herança um rico e bem definido

patrimônio espiritual. Ele é o iniciador de uma verdadeira escola de espiritualidade

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apostólica, nova e atraente. Mas, não está sozinho na história muito menos no século XIX.

O sistema preventivo que pratica e do qual fala e depois escreve se origina num contexto

em que semelhantes orientações são seguidas, e propostas por outros educadores e

educadoras, como também instituições que compartilham com ele as ansiedades em

relação à juventude em tempos novos e difíceis. Devemos mencionar também instituições

que, embora remetem a séculos anteriores, lhe serviram de exemplo. É o caso dos

lassalistas e dos barnabitas, e outros.

4.1. Marcelino Champagnat e os irmãos Maristas

Marcelino Champagnat (1789 –1840) é uma das figuras mais representativas da ação

de recuperação e prevenção positiva, promovida na França por dezenas de Congregações

docentes, sobretudo na escola primária. Seu objetivo principal é assegurar o futuro das

jovens gerações, principais vítimas da França revolucionária e imunizá-la contra o espírito

desagregador do século XVIII.

A educação cristã e o catecismo são a síntese da formação humana e cultural,

buscando através da instrução religiosa tirar do vício e formar a consciência, a vontade, a

devoção a Maria e a Jesus, seu método de amor na disciplina, não é conter os alunos com a

força ou castigos mas preservá-los do mal, corrigi-los de seus defeitos e forma-lhes com

sentimentos de amor, respeito, e confiança recíproca. 87 (O bem que fica sempre como a

opção fundamental).

4.2. Teresa Eustochio Verzeri e as Filhas do Sagrado Coração de Jesus

Teresa Eustochio Verzeri, uma mulher de aguda inteligência , dá início em 1831 à

Congregação das Filhas do Sagrado Coração de Jesus, consagrada à instrução das meninas

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de todas as classes sociais, aprovada canonicamente em 1847. Nela é sensível a influência

de Santa Teresa de Ávila, Santo Inácio de Loyola e de São Francisco de Sales.

A refinada espiritualidade pedagógica e a explícita orientação preventiva são postas em

evidência em sua experiência, definindo o seu significado, ao mesmo tempo protetor,

dispositivo e construtivo. 88

“Cultivem e preservem muito e com muito cuidado a mente e o coração de suas

jovens, enquanto são ainda de pouca idade, para impedir, enquanto for possível, que

o mal entre nelas, visto que é melhor preservá-las com a admoestação do que livrá-

las depois com a correção. Afastem as meninas de tudo aquilo que possa corromper-

lhes, por pouco que seja, a mente, o coração e seus bons costumes.”89

4.3. São João Batista de La Salle

João Bosco provavelmente não teve conhecimento direto aos escritos pedagógicos

espirituais de São João Batista de la Salle (1651-1719), mas conhecia sim, religiosos e

educadores dedicados, ao cuidado de meninos provenientes do mundo dos artesãos e de

humildes trabalhadores.

A sua espiritualidade pedagógica é expressa em: vigilância, guia, zelo ardente, afastar do

pecado, inspirar horror da impureza, exortar e estimular a fazer o bem. A primeira

habilidade do professor, além da didática, é saber “ganhar o coração dos alunos”, com

amor, caridade, correção, paciência, prudência, doçura. 90

4.4. Barnabitas

87 Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir. 2004 p. 89 -97 88 Cf. idem p. 98-99 89 Cf. idem p. 98-99 90 Cf. idem p.109-112

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O que se sabe dessa congregação é que iniciou-se na primeira metade do século XVI e se

ocuparam de colégios para estudantes no início do século XVII, com um disciplina

afetuosa. A densidade do conteúdo dos estudos era de prevenção, significando, guardar,

corrigir, afastar, frear, proteger, dos perigos presentes e precaver contra os futuros, mas ao

mesmo tempo reforçar os jovens nas verdades da fé cristã, orientando-os no caminho da

virtude e ajudando-os a conseguir sua eterna salvação. Formando-os para com o tempo

tornarem-se homens sábios, humanos e cristãos, virtuosos, e com isso também bons

cidadãos.91

4.5. Santo Afonso de Ligório

Afonso Maria de Ligório era um grande pregador dedicado à juventude e aos abandonados

fundou em 1732 a ordem dos Missionários Redentoristas, que têm como finalidade pregar

missões e retiros espirituais ao povo em geral.

Sua influência na vida de João Bosco foi na área moral, pois como advogado seus escritos

influenciavam pelo teor de justiça que se devia aplicar aos jovens infratores.92

4.6. São Francisco de Sales

Inspira-se no humanismo de São Francisco de Sales, revivido de maneira peculiar,

juntando os diferentes grupos e seus membros numa família como uma espécie de

parentesco espiritual, sendo o próprio Dom Bosco o pai de todos. O critério de pertença é a

caridade pastoral. A referência a São Francisco Sales não é puramente formal na

experiência de Dom Bosco: escolheu-o como patrono porque correspondia às íntimas

aspirações que se preocupou também de manifestar e motivar.

91 Cf. idem p.112-113

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“A caridade e a doçura de São Francisco de Sales me guiem em tudo”: é o propósito feito

no início do seu sacerdócio. Para Dom Bosco o humanismo de São Francisco de Sales

significa valorização de todo o positivo presente e radicado na vida das pessoas, nas coisas

e na história. Essa inspiração humanística leva-o a captar os valores do mundo,

especialmente se agradáveis aos jovens; a inserir-se no fluxo da cultura e do

desenvolvimento humano do próprio tempo, estimulando o bem e não se contentando com

gemer os males; a procurar a cooperação de muitos, convencidos de que cada um tem um

dom próprio, evidente ou por descobrir; a acreditar na força da educação que anima e

sustenta a mudança e o crescimento do jovem para ser honesto cidadão e bom cristão; a

confia-se sem titubeio à providência de Deus, percebido e amado como Pai. O humanismo

de São Francisco de Sales ajuda Dom Bosco formar uma família que se abre aos grupos

que a compõem, para que cada um viva, na alegria do Senhor, sua missão específica. 93

4.7. Sistema Preventivo – uma espiritualidade Oratoriana

É do próprio Dom Bosco que provêem duas tradições diversas a respeito do início de

seu oratório festivo. A primeira, mais antiga, é trazida pelo “Cenno storico dell´Oratório di

S. Francesco di Sales”, de 1854: “Este Oratório, ou seja, reunião de jovens nos dias

festivos, começou na igreja de São Francisco de Assis, onde reuniu dois jovens,

gravemente necessitados de instrução religiosa. A esses se uniram outros, e no decorrer de

1842 o número chegou a 20 e às vezes 25”.94 A segunda mais recente, e adotado com

história oficial dos salesianos aparece já nas Crônicas de Ruffino e fala somente de

Bartolomeu Garelli. Em suas memórias Dom Bosco relata:

92 Cf. CECHINATO, Luiz. Os vinte séculos de caminhada da Igreja. P. 313 93 Cf. Carta de Comunhão na Família salesiana de Dom Bosco – publicadas por ocasião do primeiro Encontro Nacional das Lideranças da Família Salesiana no Brasil

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Mal entrei no Colégio de São Francisco, vi-me logo cercado por um bando de meninos que me acompanhavam em ruas e praças, até mesmo na sacristia da igreja do instituto. Não podia, entretanto, cuidar deles diretamente por falta de local. Um feliz encontro proporcionou-me a oportunidade de tentar concretização do projeto em favor dos meninos que erravam pelas ruas da cidade, sobretudo dos que deixavam as prisões. No dia da festa da Imaculada Conceição de Maria, 8 de dezembro de 1841, estava, à hora marcada, vestindo-me com os sagrados paramentos para celebrar a santa Missa. O sacristão José Comotti, vendo um rapazinho a um canto, convidou-o a ajudar-me a Missa. Não sei – respondeu ele, todo mortificado. Vem – replicou o outro -, tens de ajudar. Não sei – retorquiu o rapaz – nunca ajudei. És um animal – disse o sacristão enfurecido. – Se não sabes ajudar a Missa, que vens fazer na sacristia? E, assim dizendo, tomou do espanador e começou a desferir golpes nas costas e na cabeça do pobrezinho. Enquanto este fugia, gritei em voz alta: Que está fazendo? Por que bater nele desse jeito? Que é que ele fez? Se não sabe ajudar a missa, por que vem à sacristia? Mas você agiu mal. E que lhe importa? Importa muito, é um meu amigo; chame-o imediatamente, preciso falar com ele. Oi, rapaz! – pôs-se a chamar; e correndo atrás dele e garantindo-lhe melhor tratamento trouxe-o para junto de mim. rapaz aproximou-se a tremer e a chorar pelas pancadas recebidas. já ouviste Missa? – disse-lhe com a maior amabilidade que pude. Não – respondeu. Vem então ouvi-la. Depois gostaria de um negócio que vai-te agradar. Prometeu. Era meu desejo aliviar o sofrimento do pobrezinho e não deixá-lo com a má impressão que lhe causara o sacristão. Celebrada a santa Missa e terminada a ação de graças, levei o rapaz ao coro. Com um sorriso no rosto e garantindo-lhe que já não devia recear novas pancada, comecei a interrogá-lo assim: Meu bom amigo, como te chamas? Bartolomeu Garelli. De onde és? De Asti. Tens pai? Não, meu pai morreu. E tua mãe? Morreu também. Quantos anos tens? Dezesseis. Sabes ler e escrever? Não sei nada. 95 Já fizeste a Primeira Comunhão? Ainda não. Já te confessaste? Sim, quando era pequeno. E agora, vais ao catecismo? Não tenho coragem. Por quê? Porque meus companheiros mais pequenos sabem o catecismo, e eu, tão grande, não sei nada. Por isso fico com vergonha de ir a essas aulas. Se te desse catecismo à parte, virias? Então sim. Gostarias que fosse aqui mesmo? Com muito gosto, contanto que não me batam. Fica sossegado, que ninguém te maltratará. Pelo contrário, serás meu amigo. Terás de haver-te só comigo e mais ninguém. Quando queres começar? Quando o senhor quiser. Esta tarde serve? Sim. E se fosse agora mesmo? Sim, agora mesmo. Que bom! Levantei-me e fiz o sinal-da-cruz para começar; meu aluno não o fez porque não sabia. Naquela primeira aula procurei ensinar-lhe a fazer o sinal-da-cruz e a conhecer Deus Criador e o fim por que nos criou. Embora tivesse pouca memória, conseguiu, com assiduidade e atenção, aprender em poucos domingos as coisas necessárias para fazer uma boa confissão e, pouco depois, a sagrada Comunhão. A esse primeiro aluno juntaram-se outros mais. Durante aquele inverno limitei-me a alguns que tinham necessidade de catequese especial, sobretudo aos que saíam da cadeia. Pude então constatar que os rapazes que saem de lugares de castigo, caso encontrem mão bondosa que deles cuide, os assista nos domingos, procure arranjar-lhes emprego com bons patrões e visitá-los de quando em quando ao longo da semana, tais rapazes dão-se a uma vida honrada, esquecem o passado, tornam-se bons cristãos e honestos cidadãos. Esta é a origem do nosso Oratório, que abençoado por Deus, teve um desenvolvimento que então eu não podia imaginar.96

5. Oratório: oratório festivo, espírito oratoriano: festa, alegria e formação

94 Cf. G. Bosco, “Cenno storico”. In. P. Braido, Don Bosco educatore, p. 110 –111. 95 Lemoyne (MB II, p 76) diz que o santo, depois do “não sei nada”, prosseguiu assim o diálogo: “- Sabes cantar? Não. Sabes assobiar? E então o menino sorriu”. Era o que Dom Bosco queria: conquistar a confiança. 96 Cf. BOSCO, João. MO. 2005 p.122-125

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Se São Francisco santificou a natureza e a pobreza, São João Bosco santificou o

trabalho e a alegria (...). não me admitiria se Dom Bosco fosse proclamado santo

protetor dos jogos e dos esportes modernos. (Francesco Orestano)

Pietro Stella em sua mais recente pesquisa sobre Dom Bosco, observa que alguns estudos

têm posto em evidência, mais do que formulações sobre o “sistema preventivo”, “as

instituições que o regem em seu devir e, em relação com estas, o papel que

desempenharam o uso do tempo livre e o esporte na experiência educativa de Dom Bosco,

tanto no agrupamento espontâneo juvenil dos oratórios, quanto no bastante desinibido do

colégio salesiano, onde o brinquedo no pátio era momento importante de vida e também de

salutar válvula de escape”.97

Para Dom Bosco a alegria é o elemento constitutivo do “sistema” inseparável da piedade,

do estudo e do trabalho. Usava sempre as palavras de São Filipe Néri: “no momento

devido correi, saltai e diverti-vos também quanto quiserdes, mas, por caridade, não

cometais pecado”.

A alegria é expressão da amorevolezza, é característica essencial do ambiente familiar,

resultado lógico entre a razão e a religiosidade, interior e espontânea, que tem a sua fonte

última na paz com Deus, na vida de graça. “O contato fraterno e paterno do educador com

os seus alunos não teria valor nem efeito sem a eficácia da vida alegre, da alegria sobre o

espírito do jovem, que por ela se abre à influência do bem”.98

E, Braido, continua:

“A alegria, antes de ser expediente metodológico, um meio para fazer aceitar o que é

“sério” em educação, é para Dom Bosco forma de vida, que ele deriva de uma instintiva

97 Cf. P. STELLA, “Bilancio delle forme di conoscenza e degli studi su don Bosco”. In:BRAIDO Pietro. Prevenir, não reprimir. 2004 p. 295

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avaliação psicológica do jovem e do espírito de família. Em um tempo geralmente austero

na própria educação familiar, Dom Bosco, mais do que qualquer outro, entende que o

menino é menino e permite, antes, quer que ele o seja; sabe que a sua exigência mais

profunda é a alegria, a liberdade, o jogo, a “sociedade da alegria”. Além disso, homem de

fé e padre, ele está convencido de que o Cristianismo é a mais segura e duradoura fonte de

felicidade, porque é alegre anúncio, o ‘evangelho’: da religião do amor, da salvação, da

graça, não pode jorrar senão a alegria, o otimismo. Entre jovens e vida cristã existe,

portanto, uma singular afinidade, quase um apelo recíproco. ‘O jovem que se sente na

graça de Deus experimenta naturalmente a alegria, certo da posse de um bem que está todo

em seu poder, e o estado de prazer se traduz para ele em alegria”.

“Efetivamente, na prática educativa e na correlativa reflexão pedagógica de Dom Bosco, a

alegria assume um significado religioso. Sabem isso muito bem os próprios alunos, como

aparece no encontro de Domingos Sávio99 com Camilo Gávio, no qual, a alegria coincide

com a santidade. Esse aspecto aparece explícito e límpido nessa e nas outras vidas escritas

por Dom Bosco ou vividas na sua “casa”. Alberto Caviglia nota: “Dom Bosco soube ver a

função da alegria na formação e na vida de santidade, e quis que reinasse entre seus jovens

a alegria e o bom humor. Servite Domino in lactitia podia ser chamado o décimo primeiro

mandamento da casa de Dom Bosco”.

“Essa mistura equilibrada de sagrado e profano, de graça e natureza, na alegria

francamente humana do jovem, feliz no estado de graça, revela-se em todas as expressões

da vida cotidiana, no cumprimento do dever como na ‘recreação’. Atinge particular

intensidade nas muitas festividades, religiosas e profanas, com uma tonalidade

98 Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir e não reprimir. 2004 p. 296 99 Cf. A mística do Educador Salesiano. “Prevenir é ajudar o jovem a construir uma personalidade rica, que o leve a querer só o bem. Isso fica claro principalmente nas biografias de dois meninos do Oratório escritas por Dom Bosco, a saber: de Domingos Sávio (oratoriano falecido em 9 de março de 1857 e canonizado por Pio XII em 12 de junho de 1954), de Miguel Magone (oratoriano que Dom Bosco apresenta como modelo de menino alegre e vivo que sabe a hora certa de cada coisa).”

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característica no fim de do carnaval, em princípio os últimos três dias. Com o exercício da

boa morte, a adoração eucarística continua e a oração se entrelaçam com o tratamento

especial na mesa, os esportes, o bingo, o teatro, a música, a fogueira final”. “Em segundo

lugar, Dom Bosco considera a alegria necessidade fundamental de vida, lei da juventude,

por definição idade em expansão livre e alegre. Por isso fica exultante, como em uma bela

página do Esboço biográfico de Miguel Magone. Com evidente complacência descreve

‘sua índole fogosa e vivaz’, ‘o olhar saudoso para os brinquedos’ no fim do recreio e como

‘parecia sair da boca de um canhão’, quando se passava da sala de aula ou do estudo para o

recreio”.

“Os jogos, as brincadeira, as charadas, as conversas alegres e impregnadas de seriedade e

construção educativa, povoam os recreios. As Memórias do Oratório são ricas de

vocábulos que indicam movimento e alegria: ‘brincadeiras, cantos, gritos’; ‘provocar

aplausos e ovações gritando e cantando’; ‘cansados de rir, brincar, cantar e diria mesmo de

urrar’; ‘o recreio com bolas de pau, pernas de pau, com fuzis, com espadas de madeira, e

com os primeiros aparelhos de ginástica’; a maior parte do tempo transcorria-se saltando,

correndo e divertindo-se em vários jogos e brinquedos’. ‘Todas as possibilidades de salto,

corrida, prestidigitação, cordas, bastões’ eram utilizadas em movimento sob meu

comando.” 100

“A alegria torna-se, nas mais variadas formas de recreação e sobretudo nos brinquedos ao

ar livre, meio diagnóstico e pedagógico de primeira ordem para os educadores; e para os

jovens, campo de irradiação de bondade. Alberto Caviglia nota: Depois da confissão não se

pode indicar outro centro mais vital e ativo do que este no seu sistema. Porque não somente na

espontaneidade da vida alegre e familiar do jovem se tem uma das fontes capitais do conhecimento

dos ânimos, mas, sobretudo, tem-se um meio e uma ocasião de se aproximar, sem sujeição e sem

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dar na vista, de cada jovem, e de dizer-lhe em confiança a palavra que cada um precisa. Volta aqui

o princípio vital da pedagogia, ou melhor, da verdadeira educação: o da educação de cada um,

mesmo se absorvida no clima ambiente da educação coletiva.”101

Assim, se deu origem aos oratórios e quando em 1869, Dom Bosco pedia cartas de

recomendação dos prelados para alcançar a aprovação pontifícia da Congregação

Salesiana, incluía nas petições que lhes fazia um resumo histórico desde as origens.

Começava assim: “esta sociedade era no princípio um simples catecismo”. Era, com efeito,

o catecismo iniciado a 8 de dezembro de 1841e continuado na mesma igreja, e que dali

passou a outros lugares, com a colaboração de leigos e eclesiásticos e com a aprovação do

arcebispo, sob a direção do santo. Em 2 de fevereiro de 1842, já eram 20 meninos, em

1844.

O Oratório funcionava assim: em todos os domingos e dias santos dava-se comodidade

para se aproximarem dos santos sacramentos da Confissão e da Comunhão. À tarde, em

hora determinada, toava-se um cântico, dava-se catecismo, em seguida explicava-se um

exemplo e por vezes distribuía-se alguma coisa a todos, outras por sorteio.

Consagrava-se o domingo inteiro à assistência dos meninos, e durante a semana ia visitá-

los em seus trabalhos nas oficinas e fábricas. Todos os sábados ia às prisões com os bolsos

cheios de fumo, ou de frutas, ou de pãezinhos, sempre com o foto de atender os rapazes

que tinham a desgraça de serem encarcerados, e assisti-los, torná-los amigos e conseguir

que viessem ao Oratório ao deixarem o castigo.

Ao fim do triênio de moral, João Bosco, devia decidir-se por um determinado setor do

sagrado ministério, e orientado pelo padre Cafasso “quero reconhecer a vontade de Deus

na sua deliberação e não quero que nela entre a minha vontade.” Faça a trouxa e vá com o

100 Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir. 2004 p. 298, reproduzindo trechos de Memórias do Oratório de Dom Bosco. 101 Cf. BRAIDO, Pietro. Previr, não reprimir. 2004 p. 298

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teólogo Borel; lá será diretor do pequeno Hospital de Santa Filomena; trabalhará também

na obra do Refúgio. Entretanto Deus lhe mostrará o que deve fazer pela juventude.102

Fundado pela marquesa Júlia Colbert Falletti de Barolo103 em 1843, o Hospital Santa

Filomena, e um instituto chamado Refúgio destinado a meninas pobres dos 4 aos 14 anos.

Às meninas convalescentes se ensinava a ler e escrever. Dom Bosco introduziu o ensino da

aritmética. A marquesa dou-lhe 600 francos e o teólogo Borel lhe cedeu para alojamento

provisório um quarto seu no Refúgio. Dom Bosco antes de ir para lá faz o acordo de poder

ser visitado por vários jovens, os quais iam aprender o catecismo. No Refúgio não se podia

celebrar missa, nem dar a bênção à tarde. Por conseguinte, não podia haver Comunhão, que

é o fundamental para Dom Bosco. O próprio recreio era bastante perturbado, paralisado,

porque os meninos eram obrigados a brincar na rua e na pracinha da igreja. Começou então

a correr voz que aquelas reuniões de jovens eram perigosas, acrescentava-se sem razão que

os meninos causavam muitos estragos na igreja e fora dela. Chegou-se ao cúmulo de

através de uma carta ao prefeito de Turim, acusar o local de centro de imoralidade,

obrigando-o a trasladar imediatamente o Oratório para um outro sítio.

Não obstante a ordem, a disciplina e a tranqüilidade do Oratório o marquês Cavour, vigário

da cidade, pretendia o fim das reuniões pois as julgava perigosas. Ao saber do

consentimento do arcebispo, reuniu o tribunal de ordem pública no palácio episcopal, por

estar o prelado um tanto adoentado.

O tribunal estava formado por uma seleção de conselheiros, em cujas mãos concentrava-se

todo poder civil. Discutia-se muito pró e contra, e no fim chegou-se à conclusão de que se

102 Cf. BOSCO, João. MO. 2005 p. 131 103 Cf. idem p. 131-132. “A marquesa Julieta Colbert, viúva do marquês de Barolo, havia fundado ao redor do chamado Refúgio, no bairro de Valdocco, um grupo de instituições. O Refúgio (hoje Istituto Barolo) é um grande colégio para meninas pobres “a quem a sedução induziu ao erro e as quais, arrependidas, procuram a paz de um retiro. Primeira condição para que sejam aceitas é que estejam arrependidas e entrem espontaneamente no colégio”. O nome é tirado da padroeira, Nossa Senhora Refúgio dos Pecadores. Está situado entre a Pequena Casa da Divina Providência e o Oratório salesiano: três obras grandiosas, uma ao lado da outra, na rua

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devia absolutamente impedir e dispersar aquelas aglomerações porque comprometiam a

tranqüilidade pública. Quando o rei Carlos Alberto soube que o tribunal de ordem pública

ameaçava proibir as reuniões, encarregou Conde José Provana de Collegno, reitor da

Companhia de São Paulo e benfeitor do Oratório, de transmitir sua vontade: “é minha

intenção que essas reuniões dominicais sejam promovidas e protegidas; se há perigo de

desordens, procure-se a maneira de as prevenir e impedir”. Ante essas palavras silenciaram

Cavour e todo o tribunal.104

No Refúgio, posteriormente na casa Moretta, iniciou uma escola dominical estável, e

também uma escola noturna regular quando se estabeleceram em Valdocco. Então

começou-se a ensinar a leitura, a escrita, aritmética e a língua italiana, porém o empenho

maior e particular se colocou para tornar familiar àqueles jovens de boa vontade o uso das

medidas legais, pois sendo a maior parte ligados a trabalhos onde sentiam a maior

necessidade.105

As escolas noturnas produziam dois bons efeitos: animavam os rapazes e ao mesmo

tempo e animavam Dom Bosco a oportunidade de instruí-los na religião, que era sua maior

intenção. Havia porém, uma grande dificuldade: onde arrumar professores que o fizessem

Cottolengo. O teólogo Borel era então o diretor espiritual do Refúgio. Em 1844, a marquesa fazia construir, ao lado, o Pequeno Hospital, para meninas enfermas, o Santa Filomena.” 104 Ao me deparar com a fundação de vários oratórios veio-me na memória a primeira carta de Pedro, com seus ensinamentos sobre a verdadeira casa. Um lar para todos sem descriminação. Cf. ELLIOTT, John H. Um lar para quem não tem casa. Interpretação sociológica da primeira carta de Pedro. P.53-54. “Amados exorto-vos como forasteiros peregrinos neste mundo”. “ Em 1Pd, os termos parakoi e parepidemoi identificam os destinatários como uma classe de pessoas deslocadas, que na realidade são de fato estranhos residindo de forma permanente (paroiki, paroikoi) ou forasteris em trânsito (parapidemoi) nas quatro províncias da Ásia Menor, mencionados na saudação (1,1). Esses termos, como evidencia o seu uso corrente em textos contemporâneos seculares e religiosos, indicam não mera deslocação geográfica dos destinatários, mas também as limitações e a estranheza de cunho político, lega, social, e religioso, que esse deslocamento acarreta. Como paroikoi, podem constituir quer a população rural quer as aldeias, tendo sido transferidos para territórios cidadinos, agregados às cidades, onde recebiam estatuto jurídico inferior ao da cidadania plena. E, quer como paroikoi quer como parepidemoi, podem ser contados entre os inúmeros imigrantes – artesãos, operários especializados, comerciantes e negociantes, residindo de forma permanente ou viajando de passagem pelas vilas, cidades e metrópoles das províncias ocidentais.” 105 Cf. BOSCO, João. MO. 2005 p. 181

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gratuitamente. Além disso não dispunham de livros e terminado o catecismo nada mais

dispunham para leitura.

Dom Bosco para sanar essa lacuna na educação, dedicou-se à compilação de uma história

sagrada de exposição fácil e estilo popular. Essa a razão que o levou a escrever e imprimir

a História Sagrada para uso das escolas.

Quanto maior a solicitude em promover a cultura, tanto mais ia crescendo o número de

alunos, para atender à necessidade crescente, abriram um novo oratório em outro bairro. A

boa vontade tudo supria. Os perigos a que se achavam expostos os rapazes quanto à

religião e à moralidade exigiam maiores esforços para defendê-los, e também de um

número maior de pessoas capacitadas que se dedicassem a uma verdadeira educação

libertadora.

Dom Bosco contou com o auxílio do Pe Miguelanjo Chiatellino, que cuidava dos mais

velhos e ensinava música; os oblatos de Maria Virgem tomaram conta do santuário da

Consolata de 1834 a 1855; o Pe. Pio Bruno Lanteri aplicava os exercícios espirituais;

Pedro Roppolo fabricante e serralherio; Monclavo, dava aulas de desenho, aritmética e

geometria.106

6. Prevenir: Método Divino

No Livro da Aliança se vê a presença de IHWH “Eu Sou, Eu estou com você e este é o

sinal de que eu o envio, quando você tirar o povo do Egito, vocês vão servir a Deus nesta

Montanha” (Ex 3, 12). Os Salmos nos trazem a figura do Bom Pastor “Eu sou o pastor que

faz repousar em verdes pastagens e restaura as forças em fontes tranqüilas” (Sl 23,1-2). Os

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evangelhos retomam a figura do bom Pastor: “Se um de vocês tem cem ovelhas e perde

uma, será que não deixa as noventa e nove no campo par ir atrás da ovelha que se perdeu,

até encontrá-la? E quando a encontra, com muita alegria e coloca nos ombros. Chegando

em casa, reúne amigos e vizinhos, para dizer: Alegrem-se comigo! Eu encontrei a minha

ovelha que estava perdida!” Lc 15, 4-6). “Estarei no meio de vós, sereis o meu povo.

Pois Eu Sou IHWH vosso Deus.107” (Lv 26,12).

É a relação mais íntima de um Deus que só quer amar a sua criatura e despertar seu

povo para o amor, tornando-o a manifestação do próprio Deus para a humanidade nos mais

diferentes contextos. O sistema preventivo de Dom Bosco tem origens nas Sagradas

Escrituras.

O sistema preventivo é um sistema educativo que trabalha o desenvolvimento futuro, é

muito rico de promessas e de perspectivas, manteve-se sempre e deverá manter-se fiel aos

seus princípios bíblicos e a história do seu fundador, Dom Bosco, não foi um homem de

um único tempo. É preciso despertar nos educadoras (es) a disposição de transmitir a

mensagem desse grande mestre: amor, trabalho, e alegria, em nosso tempo com problemas

complexos e de difícil solução na área educacional, é preciso resgatar o verdadeiro sentido

da educação, que deve ser rígida sem perder a doçura, deve ser franca sem ser ameaçadora,

mas principalmente deve nascer da própria experiência vivida do educadora (or), pois Dom

Bosco construiu um sistema a partir da sua própria experiência.

Em primeiro lugar devemos definir o que significa os termos “prevenir” e “reprimir”,

que são nomes dados a dois verdadeiros sistemas educacionais, distintos relativamente.

Foram praticados tanto como educação familiar quanto nas instituições educacionais.

Ambos se fundamentam em razões essenciais para a formação do educando e têm

106 Cf. BOSCO, João. MO. 2005 p. 181-250 107 O grifo é nosso.

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metodologias positivas que apresentam êxito. “o primeiro (preventivo) se preocupa mais

com a criança e com seus limites de sua idade portanto, com uma assistência assídua e

amorosa do educador que “paternal ou maternalmente” está presente, aconselha e ampara.

Daí nascem regimes educativos de orientação familiar. O outro (repressivo) se preocupa

mais diretamente com a meta a ser atingida e por isso olha o jovem como um futuro adulto

e como tal deve ser tratado desde os primeiros anos. Nascem regimes educativos maus,

austeros e exigentes. 108

7. A influência feminina na educação preventiva

A protagonista primária de toda a educação, cronologicamente, é a mãe. A mulher

parece encarnar as melhores condições, pois é inclinada à piedade, somada a ternura, a

maneira suave de repreender, a perseverança e a paciência

Não foi diferente com Margarida, (Margarida Occhiena – 1788-1856), que logo tem a

intuição de que João não fora feito para trabalhos do campo e o manda estudar em

Castelnuovo. Depois no seminário é ela quem lhe dá a maior lição para sua vida: “O que

quero é que você estude bem o passo que está para dar e que depois siga sua vocação sem

se preocupar com ninguém.

O pároco queria que eu dissuadisse você desta decisão, considerando que eu posso vir

a precisar do seu auxílio. Mas eu lhe digo: nessas coisas eu não entro, porque Deus está em

primeiro lugar em tudo. Não se preocupe comigo. De você eu não pretendo nada: nada

espero de você. Guarde bem o que vou lhe dizer: nasci pobre, vivi na pobreza, quero

morrer pobre. Ainda mais: se você se decidisse pelo estado de padre secular e, por

108 Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir. P. 13

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desgraça, ficasse rico, eu nunca iria fazer-lhe uma única visita. Lembre-se bem do que lhe

digo!” 109

O próprio Dom Bosco, escreve a respeito dela, que “seu máximo cuidado foi de

instruir os filhos na religião, orientá-los à obediência e ocupá-los em coisas compatíveis à

idade”. Foi sua mãe que o ensinou a prática do Sacramento da Confissão a ler e escrever.

Foi também ela quem lhe apresentou Maria mãe e mestra de Jesus.

A Tradição da Igreja sempre reconheceu a missão educativa de Maria, tanto nos

aspectos litúrgicos quanto na devoção popular. Maria mãe de Deus e dos humanos, a partir

de uma bem trabalhada perspectiva antropológica é que se pode compreender o significado

de Maria educadora, que partindo do seu “faça-se” (fiat) consciente acolhe o Verbo que se

encarna em seu ventre assume assim a missão, a vocação de mulher à maternidade.110

Maria mulher personagem historicamente situada e datada, ser humano como nós é

quem adere ao apelo – interpelação - proposta divina. É quem assume o magnífico fato

religioso da maternidade divina também como feito religioso de ordem pessoal. 111

Jesus é educado, aprende e se nutre no cotidiano de Maria, sua mãe educadora. Maria

é aquela que colabora com a obra salvífica e transformadora de Jesus Cristo Filho predileto

de Deus. 112

Outra Maria fez parte da vida de Dom Bosco, com ele estabeleceu uma relação de

reciprocidade, aplicando o mesmo método de educação com as meninas. Formaram uma

Comunidade Educativa onde o necessário era aprender a dar e receber com liberdade, com

109 Cf. CURTO, Fausto, Mamãe Margarida. P. 30-31 110 Cf. BUCKER P. Barbara, BOFF Lina, AVELAR, Maria Carmem. Maria e a Trindade. P. 67 111 Cf. GUARDINI, R., La mère du Seigneur p. 61 112 Cf. BUCKER P. Barbara, p. 80 “Uma das metáforas que explica, de modo sugestivo, o ato educativo, refere-se ao ato de nutrição, de libertação. Nesta perspectiva, educar, enquanto ato de nutrir e elevar, é fecundar, é deitar raízes, mas é, concomitantemente, transcender, libertar, introduzir ao novo, ao inusitado. A educação é então compromisso e direito. Compromisso empenhativo tanto para o que se educa ou é educado, quanto para os que educam ou que ajudam a pessoa a se educar, pois implica numa bela e árdua tarefa de ajudar a fazer desabrochar todas as potencialidades, todas as qualidades que possam existir em semente no coração humano”.

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atitudes equilibradas, fora de leis rígidas que pretendem regular tudo e todos, Maria

Domingas Mazzarello nos recorda que o importante é “fazer com liberdade o que a

caridade requer”.

8. A prevenção e os princípios do Sistema Preventivo

A pedagogia do Sistema Preventivo, nasceu do encontro com os jovens pobres,

com as suas características de conteúdo e método, com a figura de um educador que vai além

do papel institucional e é para os jovens amigo e pai. A opção pelos pobres vai além da

simples escolha de destinatários, passa por uma opção existencial pela “pobreza evangélica”

concebida como elemento de educação e construção.

Missão leiga – sonho de D. Bosco

A expressão mais contundente da solidariedade do “sistema preventivo” é, sem

dúvida, a perspectiva missionária. Dom Bosco não se cansava de olhar o mapa – mundi,

suspirando enviar seus padres para evangelizá-lo. numa linguagem leiga, essa dimensão

configura-se muito bem, nos nossos dias, com a sensibilidade do voluntariado.

Atualmente, o prevenir hoje representa propor alternativas que levem o

educando a fazer escolhas importantes e significativas para sua vida. Este modo de conceber a

educação supera, em muito, o Sistema Repressivo, linear e previsível, pobre e empobrecedor,

que apontava, já no tempo de dom Bosco, para uma prática tacanha que reduzia o educador a

um funcionário destinado a apresentar leis e controlar seu cumprimento

A convivência de Dom Bosco com os jovens é caracterizada pela “Amorevolezza”,

isto é exprimir a unidade de seus princípios conteúdos e métodos educativos, com

dinamismo na realidade humana. O amor deve ser o princípio evangélico e o fundamental

na educação, é o cimento que torna os educadores e educandos membros de uma mesma

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família. Portanto em seu sistema preventivo esse amor se expressa em três dimensões:

RAZÃO, RELIGIÃO, AFEIÇÃO.

RAZÃO:- é o eixo psicológico – refere-se aos processos de conhecimento de si e do

mundo (à tendência para a verdade, o bem, o belo, a busca da segurança);

RELIGIÃO:- o eixo espiritual – religioso – refere-se à busca e descoberta do sentido da

vida, à abertura para o transcendente, para o Absoluto – Deus.

AFEIÇÃO:- o eixo afetivo – refere-se à aceitação de si mesmo e à abertura de amor para

os outros e para a vida, à alegria de viver.

Esses elementos interagem entre si, unificando-se através do amor educativo, como

uma expressão da caridade pastoral que se traduz por amorevolezza, que não é um recurso

pedagógico mais é a expressão da caridade do educador, somente uma pessoa inspirada e

movida pelos ideais divinos e pelo autêntico amor de Deus pode expressa-lo. Dom Bosco

dizia: “A prática do Sistema Preventivo apóia-se toda nas palavras de São Paulo que diz: a

caridade é paciente... tudo crê, tudo sofre, tudo espera, tudo suporta... O educador é um

indivíduo consagrado ao bem dos seus alunos; por isso deve estar pronto a enfrentar todo

incômodo, toda fadiga, para conseguir o seu fim, que é a educação cívica, moral, científica

dos alunos”. E na conclusão da carta circular sobre castigos, escrevia: “ Recordai-vos de

que a educação é coisa do coração e que dos corações o dono é Deus. Nós não podemos

chegar a coisa alguma se Deus não nos ensinar a arte e não nos puser na mão as chaves

para consegui-la”.

8.1. A Educação no Sistema Preventivo de D. Bosco

O sistema Preventivo de dom Bosco emposta a educação como re-construção de

símbolos e representações vitais, onde o educador não fará primeiro conhecer as leis,

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objetivos e depois vigiar para garantir a observância, punindo os eventuais transgressores,

mas buscará “prevenir”, propondo metas significativas, apresentado-as como boas,

importantes, e aprazíveis de serem atingidas, e será o “assistente”, ou seja, sempre presente,

ajudando, aconselhando, acompanhando, recordando, encorajando, promovendo o educando

em todo itinerário educativo

Nessa perspectiva pode-se afirmar que o sistema educativo de dom Bosco não se

esgota no “preventivo”, que é apenas um critério metodológico, mas não um elemento

qualificador da sua proposta educativa. Ele deriva muito mais de uma identidade

antropológica cristãmente fundada, de uma marcante e inconfundível postura educativa. De

uma prática conjunta da razão, da religião e da “amorevolezza”. E de uma robusta e dialética

integração entre fé e humanismo.

O sistema educativo de dom Bosco, através das palavras chaves: amorevolezza, razão

e religião traz como estrutura fundante da proposta pedagógica a antropologia da “inteireza”

proporcionada pelo humanismo cristão. Através do canal do afeto, educador e educando

tornam significativas seus traços simbólicos, que, em última análise, proporcionam-lhes

sentido de vida e caminho de felicidade. Em chave católica e com o linguajar do tempo, o

grande objetivo da educação no Sistema Preventivo era “fazer santos”.

“Santo é aquele que através de esforço e, principalmente, assistido

pela graça de Deus, atingiu o “seu máximo”. Esse máximo dentro da

ótica cristã vem balizado por aquele que Deus colocou como

paradigma para a humanidade – Jesus Cristo. Por isso mesmo na

tradição cristã, ser cristão (seguidor de Jesus Cristo) é ser santo.

Assim apresentava o apóstolo Paulo em suas cartas: “[...] à Igreja de

Corinto: aos santos que foram santificados no Cristo Jesus, chamados

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a ser santos, juntos com todos os que, em qualquer lugar, invocam o

nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (Cor 1, 2-

3).113

Segundo Viganò na história da Igreja e na história da educação o Sistema Preventivo

pode ser conhecido como pedagogia realista da santidade: tanto do educador que mergulha na

cultura para fazer educação, quanto do jovem que emerge da promoção humana impregnado

de Evangelho.

[..] A originalidade e a audácia da proposta de “santidade juvenil” é

intrínseca à arte educativa de Dom Bosco. O seu grande segredo foi

de não somente não desiludir as profundas aspirações juvenis

(necessidades vitais, de espaço, alegria, liberdade, futuro), mas de ter

levado, gradualmente e realisticamente, os jovens a experimentarem

que somente na “vida da graça”, isto é na amizade com Cristo, os seus

ideais, mais autênticos, seriam compreendidos e exaltados [..]

(VIGANÒ, LC Vol. I, 1996:61)114

Amorevolezza é caridade sobrenatural, no sentido das motivações religiosas da relação

entre educadores e educandos: respeito dedicação, ver nos jovens o próprio Cristo, contudo

, não significa que a pessoa não deva assumir suas responsabilidades, essa é a dimensão

racional que responde às possibilidades de amadurecimento da pessoa no processo de sua

113 Cf. VIGANÒ Egídio, Lettere circolare di don Egidio Viganò ai Salesiani, Vol. I Roma: Editrice Direzione Generale Opera Don Bosco, 1996. In DAMAS, Luiz Antonio Hunold. A preventividade na educação salesiana. Brasília: Universa. 2004, p. 91-100. (Egídio Viganò , sétimo sucessor de Dom Bosco, reitor maior de 1978 a 1995). 114 Cf. DAMAS, Luiz Antonio Hunold. A preventiviidade na educação salesiana. 2004, p. 91-100.

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educação. O educador deve ter firmeza em suas posições e clareza nas suas exposições,

jamais usar do autoritarismo e imposição.

A parte racional da amorevolezza é justamente a atitude construtiva e paciente de

diálogo e persuasão, evitando qualquer forma de sujeição, de pressão emotiva, de

chantagem sentimental. O ambiente espontâneo onde as normas regulamentares sejam

reduzidas ao mínimo necessário, onde os jovens possam manifestar-se com naturalidade,

em sua alegria. É a verdadeira educação libertadora.115

8.2. A Educação libertadora no Sistema Preventivo

No sistema preventivo a educação liberta, pois não intoxica de informações muito

menos massifica, dá ao jovem o tempo suficiente para que trabalhe o uso da razão em sua

religião. Contribuindo para a transformação de um ser cristão e honesto cidadão. Fazendo

assim suas as palavras do apóstolo Paulo:

“É para liberdade que Cristo nos libertou. Permanecei firmes, portanto, e não vos

deixeis prender de novo ao jugo da escravidão”.(Gl 5,1).

9. Carta de Roma

A carta de Roma é um dos documentos mais expressivo e importante da pedagogia de

Dom Bosco, considerado como “manifesto pedagógico”, e como um “poema do amor

educativo”. É uma mensagem direta aos educadores e educandos, onde expressa com

emoção seu sentimento e seu sonho educativo, focalizando os elementos essenciais do

Sistema Preventivo em ação. Foi uma avaliação radical da prática do Sistema Preventivo

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no antigo Oratório. E continua sendo parâmetro para avaliar se nossa prática educativa está

sendo conduzida nessas mesmas bases.

Perto ou longe,, penso sempre em vocês. Só tenho um desejo: vê-los felizes nesta e

na outra vida. foi isto que me levou a escrever-lhe esta carta. ... Valfré me mostrou

os jovens do mesmo jeitinho daqueles tempos. Parecia que eu estava no antigo

Oratório... a gente sentia que entre os salesianos e os jovens reinava um clima de

muita confiança. .. e Valfré comentou. A familiaridade gera o amor e o amor a

confiança. É isto que abre o coração dos jovens para a confiança em seus mestres e

professores... Dom Bosco, você quer ver agora os jovens que estão atualmente no

Oratório?... Ele me mostrou. Vi o Oratório e todos vocês no recreio. Mas não ouvia

mais a barulhada, a vida, a alegria, e o movimento da primeira cena. Via ao contrário

muitos jovens de cara fechada, tristes, desconfiados... É daí que provém a frieza de

tantos deles. Não freqüentam mais os sacramentos. As celebrações são frias e sem

vida. estão de má vontade num lugar onde Deus é tão bom para eles. É por isso que

não há mais vocações; não se manifesta gratidão para com os educadores. Daí o

isolamento... que destroem o ambiente.... Olhei de novo e vi que eram bem poucos

os salesianos que estavam no meio dos jovens e menos ainda os que brincavam com

eles. Não eram mais a alma do recreio... Concluo; sabem o que deseja de vocês este

pobre velho que gastou toda sua vida pelos seus queridos jovens? Nada, a não ser

que, feitas as devidas proporções, voltem os dias felizes do antigo oratório. Os dias

de amor e da confiança cristã entre jovens e educadores; os dias do espírito de

condescendência e tolerância de uns para com os outros por amor de Jesus Cristo; os

dias dos corações abertos com toda simplicidade e candura; os dias da caridade e de

verdadeira alegria para todos.

CONCLUSÃO

115 Cf. BRAIDO, Pietro, Preveni, não reprimir. P. 269-278.

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Dom Bosco soube como ninguém reler as Escrituras nos seus trechos mais complexos,

talvez por intuição pois não tinha os conhecimentos que hoje me ajudam a fazer tal

conclusão.

Ao ler sua vida e tomar contato com seu método me reportei ao antigo Israel e

vislumbrei as celebrações, onde se dividiam as primícias colhidas e as dividiam sob a

orientação da mãe e o olhar atento do pai. A família de Dom Bosco era também assim:

Margarida, sua mãe, dedicou toda sua vida, para traçar diretrizes eficazes de vida, aos

filhos e marido, assim como Maria, educou seu Filho Jesus.

Margarida educou seu filho para o mundo, para fazer o bem, este foi o alicerce de todo o

sistema criado por seu filho. Margarida era segura sem ser autoritária, era severa sem ser

um carrasco.

O sistema preventivo de Bom Bosco e seguido de perto por Maria Mazzarelo, motiva a

reflexão teológica para uma educação libertadora, que baseada no amor, alicerçada na

verdade evangélica exige do educador, uma prática verdadeiramente difícil e só possível

para um ser consagrado. Mas, também leva o teólogo a um trabalho pastoral familiar,

orientando pais e mães sobre o verdadeiro sentido de educar: convívio e confiança,

cordialidade, demonstração de afeto ativo, incondicional, equilibrado e racional.

Essa educação familiar, social, baseada na alegria evangélica será demonstrada no próximo

capítulo.

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CAPÍTULO III

1. PISTAS À ELABORAÇÃO DE UM PROJETO TEOLÓGICO PASTORAL INTRODUÇÃO

A vontade soberana de Deus prepara com força e suavidade o momento de sua

intervenção. Ele respeita amorosamente o momento histórico e as condições culturais dos

destinatários de sua Palavra. Até a revelação de quem Ele é, do seu nome e das exigências

fortes de seus desígnios é feita de modo progressivo, respeitando os ritmos e capacidade

de aprendizagem do povo.116 (Doc 47 CNBB)

O processo educativo para a libertação tem seu ponto culminante em Jesus inspirado, em

seu amor, em sua vida, morte e ressurreição. Vivendo e pregando o Reino de Deus, Jesus nos

mostra como chegar ao Pai. Por causa de sua práxis libertadora foi condenado à morte, e uma morte

de cruz, conseqüência aos que promovem a solidariedade e fraternidade. Porém a cruz não é o

“fim”. A cruz é a possibilidade do Pai mostrar sua aniquilação diante da liberdade do Filho de

morrer pela causa da justiça, mas, além disso, a cruz dá a possibilidade da confirmação de que

Jesus é realmente o caminho da verdade, uma verdade realmente libertadora, que também pode ser

compreendida pelo veio da Educação.117

1.1. PASTORAL DA EDUCAÇÃO - CONCEITOS E ESCLARECIMENTOS

116 Cf. Educação, Igreja e Sociedade – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. n. 62. São Paulo: Paulinas. 1992. 117 Cf. Texto Base da Campanha da Fraternidade 1982. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. p. 14

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Educação é um campo privilegiado da ação evangelizadora e pastoral da Igreja e, por isso

é preciso sintonizar a Pastoral da Educação em sua rica caminhada de preparação para o

Reino.118

A Pastoral da Educação está além do ensino religioso na realidade escolar. Ela o ultrapassa

muito! Deseja favorecer a evangelização apresentando novos dados do complexo mundo da

educação e, ao mesmo tempo, valorizar e motivar a dimensão educativa de tudo o que a Igreja faz.

Buscando mostrar essa dimensão, serão apresentadas algumas pistas que podem servir como

bases para um projeto educativo.

Enfim, somos construtoras(es) da paz! Essa é a realidade de pessoas voltadas para o bem e

para a sua construção. A paz é a harmonização que unifica o ser humano, primeiramente no seu

interior, e transborda após um longo processo. A paz provoca solidariedade quando avança no

processo de desenvolvimento do ser humano, enquanto projeto de vida de quem é “ser”, e, também

deseja promover os que não conseguem “ser”.

A construção da paz começa no seio familiar. Para que isso ocorra, é necessária a formação

e a construção da família, embasando-a em conceitos atuais, o que é ser família hoje? Objetivo este

(tarefa – dever), esquecido tanto pelas escolas, na área da educação, como pelas igrejas, na sua

formação e catequese e tão decisivos para o educar! A realidade do mundo de hoje mostra jovens e

crianças que não encontram essa paz que gera solidariedade dentro de seus próprios lares, nas

escolas, e nas religiões.

A proposta para que se dê essa construção seria a de investir com mais afinco, nos objetivos

imediatos: busca do ser interior; busca do conhecimento próprio do ser humano; busca de

reconhecimento da dignidade. Fazer do jovem e da criança um ser que está no mundo para

construir, para edificar, vivendo em relação com o mundo que os acolhe, os deseja, muitas vezes os

maltrata, mas que é o mundo que eles têm para conquistar e transformar.

118 Cf. Pastoral da Educação, Reflexão e Organização – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – texto Base

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A importância do Concílio Vaticano II para a caminhada da Igreja foi principalmente a sua

abertura para o mundo, o “aggiornamento”, o olhar para o mundo e se deixar questionar pelo

mundo e procurar com todo o amor e compreensão dar respostas à humanidade que lhes dê

esperança e alegria. Com grande visão teológica traçar projetos acessíveis e aceitar projetos que

com certeza podem ser bem sucedidos no mundo de hoje, tais como: priorizar a formação de

agentes de pastoral principalmente, com um olhar para o hoje e assim conseguir capacidade de

olhar a realidade do contexto em que vivem: país, estado, cidade, bairro; um conhecimento

antropológico, história da sua família, sociológico, psicológico e religioso do contexto em que vive.

Um conhecimento pessoal aprofundado. Prepará-los não seria enfrentamento e sim um

reconhecimento que leva à libertação e à alegria de ser agente de pastoral.

Jesus veio para libertar-nos de todos os sistemas e esquemas que impedissem a realização

do Projeto de Deus. Jesus veio viver o Projeto de Deus. Com sua práxis dizer e mostrar ao ser

humano, como é o humano e como é o divino: filha (o) de Deus. Jesus veio dar plenitude às leis,

aos costumes do seu tempo. Ele é libertador.

1.2. TEOLOGIA PASTORAL

A palavra pastoral vem de pastor. Jesus é o bom pastor, portanto, fazer pastoral é fazer o

que Jesus fez. É prática, é ação, é trabalho, é serviço.119 Segundo Mihály Szentmártoni: “A

Teologia Pastoral pode ser definida como reflexão teológica sobre o conjunto das atividades com as

quais a Igreja se realiza, com a finalidade de definir como essas atividades deveriam ser

Setor Educação 4ª ed. São Paulo: Paulinas. 2001. 119 Cf. Pastoral da Educação Reflexão e Organização, CNBB Texto Base. 2001, p. 7-8. “A imagem de Pastor e ovelhas, tão ricamente trabalhada pela Sagrada Escritura e colocada em destaque por Jesus, tem, porém, suas limitações, que precisam ser consideradas, especialmente as que se referem à passividade das ovelhas e ao rebanhismo. Sem dúvida este dado, infelizmente, entrou fortemente na estrutura da Igreja, enfatizando a hierarquia e deixando os leigos e leigas muito passivos porque dependentes, não formados para autonomia no pensar, organizar-se e agir. Mas, num sentido mais amplo, Pastoral é o agir da Igreja como um todo, hierarquia e fiéis, num esforço contínuo, consciente, articulado e organizado de ir proclamando e construindo o Reino de Deus na história, através do testemunho comunitário, do anúncio, do serviço libertador e do diálogo”.

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desenvolvidas, levando em consideração a natureza da Igreja, sua situação atual e a do mundo.”120

A origem da teologia pastoral como disciplina científica é recente. Sua história pode ser

dividida em quatro etapas:

1) “Sentido prático mas não teológico”. Em 1777 temos o nascimento da teologia pastoral,

quando a imperatriz Maria Teresa introduziu a reforma do ensino universitário. É a era

“manualística”, isto é, escrevem-se livros sobre os deveres e atividades dos pastores, é a chamada

teologia prática, contendo muita ética e pouca referência à Sagrada Escritura. Baseia-se no costume

e na tradição. O ponto central é o pastor ou cura de almas, professor de religião, sacerdote e pastor.

2) “Orientação bíblico-teológica”. Agora o Pastor de almas não é simplesmente promotor de

uma vida humanamente serena, mas o colaborador ativo de Deus na salvação dos homens. O

sacerdote não é tratado apenas como “funcionário”, mas como sacerdote com uma vocação própria.

Pelos meados do século XIX, a teologia pastoral, torna-se uma ciência sobre a Igreja que vai

construindo a si mesma. Não é um simples conjunto de métodos didáticos, pedagógicos, mas deve

ser entendido como a mediação no ato salvífico que vem de Deus para o ser humano, ou seja, como

a mediação da salvação.

3) “Cunho eclesiológico”: chama-se também escola de Tübingen. São dessa Escola as

expressões válidas até hoje: “ações eclesiais”; “edificação do Reino de Deus”; como auto-definição

de Igreja, o objeto material da teologia pastoral não é o pastor, mas a Igreja, por meio da qual o

cristianismo edifica a si mesmo em vista do futuro.

4) “A reforma querigmática”. A. Graf, propõe a seguinte definição “A ciência das

atividades divino – humanas realizadas pela Igreja por intermédio de pessoas por ela incumbidas de

tal tarefa, de preferência pertencentes ao estado eclesiástico, para a edificação da mesma Igreja”.

Assim, a pastoral adquire importante lugar na Igreja e é apresentada como uma ciência teológica.121

120 Cf. SZENTMÁRTONI, Mihály, Introdução à Teologia Pastoral. 1992, p. 11 121 Cf. SZENTMÁRTONI, Mihály. Introdução à Teologia Pastoral. 1992, p. 15

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A teologia pastoral assume a idéia do Reino de Deus como critério para sua pregação, e sua tarefa

principal é o anúncio do Evangelho.122

Nos desenvolvimentos mais recentes apontados, K. Rahner com o conceito de “auto-

construção da Igreja” (1964) é quem dá um impulso determinante para o desenvolvimento da

Teologia Pastoral, o que introduz com um novo enfoque da problemática teológica pastoral: o

anúncio da palavra, os sacramentos, a vida cristã segundo a lei, e a ação caritativa. Além disso,

segundo Rahner, evangelizar quer dizer promover a fé em Jesus como Senhor, educar nessa mesma

fé de modo que a pessoa cresça na relação interpessoal com Jesus no plano das idéias, das escolhas

e das obras.123 Para K. Rahner a realidade mundana incide essencialmente na construção de ação

eclesial cristã. Daí a necessidade das demais ciências, principalmente a Sociologia, que podem

auxiliar a reflexão para a análise da situação atual. A Teologia Prática deve ser também crítica.

1. 3. PASTORAL URBANA

Pastoral Urbana, segundo José Comblin, é em

primeiro lugar dialogar com a cidade, ouvindo-a em

toda sua diversidade. A Pastoral Urbana observa as

condições concretas em que as pessoas se encontram,

as auxilia com seus diferentes recursos, numa ação

transformadora para a realização plena do ser humano

122 Cf. idem. 1992, p. 13-17

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conforme o Projeto de Deus. A vivência religiosa

passa pela alegria de estarmos em comunidade

criando métodos para envolver amorosamente

pessoas. Envolvê-las respeitando sua complexidade e

num projeto evangelizador, humanizar cada vez mais

os excluídos do convívio social.124

O Documento da CNBB n. 71 diz no seu § 196 “Especial atenção merece a pastoral urbana,

com a criação de estruturas eclesiais novas que, sem desconhecer a validade da paróquia renovada,

permitam que se enfrente a problemática das enormes concentrações humanas e as novas formas de

cultura em gestação.” Como exemplos o documento cita: multiplicar e diversificar as comunidades

eclesiais; incentivar a reflexão e o planejamento pastoral em comum entre paróquias da mesma

cidade ou área; criar ou desenvolver centros de evangelização; tecer uma rede de comunicação e

contatos com os cidadãos; valorizar a religiosidade popular e finalmente, um cuidado particular

pelos jovens que são o grande desafio da Igreja hoje, como também são o seu futuro.125

O mesmo documento aponta como desafios para uma ação evangelizadora: a construção da

identidade pessoal e da liberdade autêntica numa sociedade consumista; nos três âmbitos de ação:

pessoa, comunidade e sociedade.126 E José Comblin como no documento da CNBB e afirma que

uma evangelização no ritmo da cidade deve obedecer a critérios dentro da lógica dessa cidade,

123 Cf. RAHNER, Karl. (org.), La salvezza nella Chiesa, Herder, Morcelliana, Brescia, 1968, in. SZENTMÁRTONI, Mihály. Introdução à Teologia Pastoral. 124 Cf. COMBLIN, José. Pastoral Urbana. 2ª Edição. 2000, p. 16 125 Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora. Documento da CNBB, nº 71. 2003-2006, 196

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assumir sua complexidade e diversidade, e aponta alguns caminhos, ou seja, diz que uma pastoral

urbana deve ser: organizativa, formativa, educacional e espiritual.127

O documento n. 71, indica passos de trabalho:

1. Ir até as pessoas, criar espaços, incidir nos mais diferentes ambientes. Fé e vida.

2. Criar ambientes ecumênicos e de diálogo inter religioso.

3. Reconduzir homens e mulheres à Unidade em Cristo.

4. Fontes para esse trabalho: Sagrada Escritura, Documentos da Igreja, livros de ciências humanas

e sociais.

5. Para a execução de um bom trabalho evangelizador são necessários um aprofundamento

bíblico teológico e uma boa pesquisa sociológica.128

Para José Comblin, trabalhar em uma pastoral urbana exige do agente de pastoral não só

conhecimento da cidade mas amor por ela. Exige um conhecimento permanente, exige um ir ao

encontro “de” e “para”, só assim haverá uma inter – ação.

Um trabalho na pastoral urbana deve contribuir na reflexão sobre o sentido da vida. A

necessidade que homens e mulheres têm do “outro” de ser “alguém”, de escutar e ser ouvido.

Enfim, um ser em relação, pois, a alteridade é a condição da liberdade, e a liberdade pressupõe um

livre modo de pensar e agir, não havendo pensamento igual entre as pessoas à relação exige

respeito mútuo, o qual só se aprende na convivência com o diferente.129

Comblin afirma haver necessidade de um maior investimento na formação integral e educação

para a vida na cidade: de padres, religiosos, religiosas, leigos e leigas, engajados e atuantes nas

pastorais, uma educação acadêmica formativa que privilegie a espiritualidade. Também insiste na

inclusão da mulher nas diversas instâncias de ação na Igreja, para melhor dialogar com a cidade

onde a mulher ocupa cargos nos mais diferentes setores. Colocar em prática o que nos diz as

Escrituras (Gn 1, 27-31).

126 Cf. idem, 64 127 Cf. COMBLIN, José. Pastoral Urbana. 2ª edição. 2000, p. 16 128 Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil. Documento da CNBB, n. 71. 2003 – 2006, 22, 24, 38, 53, 59-61

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Deus criou à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele

os criou”.

“Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a

terra e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos

os animais que rastejam sobre a terra.’ Deus disse-lhe: ‘ Eu vos dou todas

as ervas que dão semente, que estão sobre toda a superfície da terra, e todas

as árvores que dão frutos que dão semente; isso será vosso alimento. A

todas as feras, a todas as aves do céu, a tudo o que rasteja sobre a terra e

que é animado de vida, eu dou como alimento toda a verdura das plantas e

assim se fez.

Viver intensamente o ambiente relacional, onde somos todos imagem e semelhança de

Deus. Não existe ninguém só. A relação pressupõe: olhar, escutar, acolher, pertencer.130 E

finalmente, ter coragem de correr risco. É na aventura da Pastoral Urbana que vivemos o momento

escatológico do “já” e o “ainda não”. Segundo Paulo Freire: “Porque na verdade meus amigos não

é o discurso que diz que a prática é válida. É a prática que diz se o discurso é válido ou não”.131

1. 4. TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO

Segundo Giuseppe Groppo, a teologia da educação é a reflexão da fé, de modo crítico e

sistemático, diretamente sobre a Palavra de Deus em quanto se refere à educação, e indiretamente

sobre os aportes das ciências no diálogo interdisciplinário.132 Em outros lugares da América Latina

existem práticas de ação investigadoras, que exigem incluir entre as ciências da educação o saber

129 Cf. COMBLIN, José. Viver na cidade. 1996, p. 33 130 Cf. COMBLIN, José. Viver na cidade. 1996, p. 17 131 Cf. Boletim “Para um trabalho com o povo”. 2ª Ed. Comissão Editorial da C.C.J. Centro de Capacitação da Juventude. Fruto de um bate papo entre Paulo Freire e um grupo de pessoas (Cebs, Pastoral Operária, Oposição Sindical Metalúrgica), empenhados no trabalho de Educação Popular na Vila Alpina, zona Leste de São Paulo, no início da década de 80.

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sobre a educação, o que se aprende por experiência ou por outras informações acerca dos feitos

educativos como eles se ordenam sistematicamente.133

A experiência educativa escolar e extra escolar sistematizam-se com instrumentos de

análises deliberadamente elaborados. Essas análises devem descobrir os pressupostos táticos da

prática educativa. Por exemplo: por trás de uma reforma educativa pode existir uma concepção do

ser humano puramente funcional a um projeto político instrumentalizante de um projeto de

utilização econômica dos recursos humanos em favor de certos centros de poder. Também, em um

centro educativo pode haver dissonância entre a teoria proclamada à prática efetiva. A capacidade

crítica do teólogo, e da equipe de crentes interessados no eixo educativo, pode detectar e denunciar

estas falhas deliberadas do inconsciente com visão transformadora.134 Afonso G. Rubio escreve o

seguinte a esse respeito:

E, assim, ficam desautorizados todos os sistemas e todas as maneiras de se

relacionar que manipulam e instrumentalizam o ser humano, de modo que é

impedido de dar sua resposta pessoal. Sistemas políticos/econômicos,

sistemas educativos etc. que impedem ou obstaculizam o desabrochar da

responsabilidade da pessoa. É a educação ‘bancária’ de que fala Paulo

Freire. É o tipo de educação que, infelizmente, está também presente num

tipo de evangelização que superprotege ou domina o outro, mantendo-o

numa dependência infantil do evangelizador.

A Igreja, quando utiliza métodos que levam à passividade e à alienação da

pessoa, acaba negando na prática o sinal que é a sua vocação profunda.

Sinal de comunhão, de fraternidade e de participação. A vivência eclesial

não deveria nunca passar por alto este dado básico da antropologia bíblica:

o homem é um ser de reposta e, por isso mesmo, chamado a assumir a

própria responsabilidade. Com outras palavras: é chamado a assumir os

riscos da liberdade, em todos os domínios da vida humana. Parece-me que,

nas comunidades eclesiais, esquecemos facilmente a afirmação paulina:

132 Cf. GROPPO, Giuseppe. Teologia dell’ deucazione. Origine, identità, compiti. In. AHUMADA, Enrique Garcia. Teologia de La Educacion. 1991, p. 26 133 Cf. SCHIPANI, Daniel, teología del ministerio educativo, perspectivas latinoamericanas, in. AHUMADA, Enrique Garcia.Teologia de la Educacion. 2003, p. 27 134 Cf. PERESSON, Mario. Teología a pie, entre sueños y clamores, sistematizacion del proyecto de Teología popular de dimensión educativa, in. Teologia de La Educacion. 2003, p. 30-35.

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‘Vós, irmãos, é para a liberdade que fostes chamados’ (Gl 5, 13), não para

uma falsa liberdade, mas para a liberdade de amar. Às vezes, parece que

queremos ser cristãos, sendo desumanos.135

A função própria da teologia da educação é fundamentar, motivar e orientar baseada no

evangelho de Cristo a uma ação educativa.

Existe uma reflexão cristã não só orgânica, mas também crítica sobre os métodos e os

resultados da teologia sistemática e das ciências da educação, que podemos chamar de teologia

profissional ou acadêmica da educação. É muito importante para o pensamento cristão que a

teologia acadêmica mantenha contato com a sabedoria dos fiéis e dos santos, em especial dos

santos educadores.136 No nosso caso Dom Bosco e outros educadores citados no segundo capítulo

nas páginas 68-71.

Como toda ciência, a teologia da educação é um hábito de conhecer e pensar de

determinada maneira. O início da teologia da educação consiste na reflexão dos fenômenos

educativos cotidianos à luz da Palavra de Deus expressa na Bíblia e na Tradição da Igreja. A

sistematização se dá à medida que se obtêm um pensamento coerente com a fé sobre o conjunto dos

eixos educativos.137

O sujeito pensante mais apropriado da teologia da educação é o cristão educador, sua

reflexão teológica será melhor fundamentada quanto mais entender a Palavra de Deus contida na

Tradição que cresce e amadurece pela força do Espírito Santo e particularmente na Bíblia.138

A teologia da educação é tanto mais abrangente quanto melhor incorpora os ensinamentos

da teologia sistemática (cristologia, eclesiologia, teologia moral e espiritual...); quanto melhor

assume os avanços das ciências da educação (teoria da educação, história da educação. sociologia,

antropologia, ...); quanto mais se conhecer a prática cultural e atual também visualizando o futuro.

135 Cf. RUBIO, Alfonso García. Elementos de Antropologia Teológica. 2004, p.75 136 Cf. GONZÁLEZ, Chico. Institutos y Fundadores de Educación Cristiana, in. AHUMADA, Teologia de la Educacion. 2003, p. 28 137 Cf. AHUMADA, Enrique Garcia. Teologia de la Educacion. 2003, p. 26-31

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Portanto, é uma reflexão teórica prática e não simplesmente especulativa, porque pretende orientar

o apostolado educativo da Igreja como tal e dos seus membros.139

2. UM PROJETO EDUCATIVO LIBERTADOR

Verificou-se que o plano da salvação não se opera apenas na Teologia da Educação, assim

reconhecida, mas também na obra libertadora de outros homens e em outros lugares. Como

exemplo, temos o trabalho de Paulo Freire, a ilustrar este capítulo.

Paulo Freire nasceu em uma das regiões mais pobres do país. Trabalhou inicialmente no Sesi

(Serviço Social da Indústria) e no Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife. Ele foi

quase tudo o que deve ser como educador, de professor de escola e criador de idéias e “métodos”.

Sua filosofia educacional expressou-se primeiramente em 1958, na sua tese de concurso para a

Universidade do Recife, e, mais tarde, como professor da História e Filosofia da Educação daquela

Universidade, bem como em suas primeiras experiências de alfabetização como a de Angicos, no

Rio Grande do Norte.

A primeira constatação para o educador e o educando, segundo Paulo Freire, é a de que ninguém está só no mundo; e porque os seres

humanos estão no mundo com outros seres humanos o “estar com os outros, significa, necessariamente, respeitar nos outros o direito de dizer a

palavra” esse é o princípio do Método de Paulo Freire.140

A obra de Paulo Freire pode ser vista tomando-o como um educador, um cientista, mas também como um político, pois ele não pensa a

realidade apenas como um sociólogo que procura somente entendê-la, mas ele busca, nas ciências sociais e naturais elementos, para poder

intervir de forma eficaz nela. Ele pensa a educação ao mesmo tempo como ato de conhecimento, ato político e como ato criador.141

A coragem de colocar em prática um autêntico trabalho de educação que identifica a

alfabetização como um processo de conscientização, capacitando o oprimido tanto para a aquisição

dos instrumentos de leitura e escrita, quanto para a sua libertação, fez dele um dos primeiros

brasileiros a ser exilado. A metodologia por ele desenvolvida foi muito utilizada no Brasil em

campanhas de alfabetização conscientizadora. Exilou-se primeiro no Chile, onde, encontrando um

138 Cf. Idem. 2003 p. 31 139 Cf. HOZ, Garcia V. El orden sobrenatural en la educación, 1944. In Ahumada, Enrique García. Teologia de la Educacion. 2003, p. 30 140 Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 1993, p. 10 141 Cf. GADOTTI, Moacir. Paulo Freire uma Biobibliografia. 2001, p. 80ss

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clima social e político favorável ao desenvolvimento de suas idéias, promoveu, durante cinco anos,

trabalhos em programas de educação de adultos no Instituto Chileno para a Reforma Agrária

(Icira). Ali escreveu, em 1968, a sua principal obra — Pedagogia do oprimido.

Em Paulo Freire, conviveram, sempre presentes, tanto o senso de humor quanto a não menos

constante e indignação contra todo tipo de injustiça.142

Aprende-se com ele que é importante praticar um método pedagógico orientado pelo diálogo aberto e corajoso, sendo esses elementos

condição indispensável aos fundamentos de uma escola e de uma sociedade democrática. A situação material das escolas vítimas de depredação

é uma resposta à violência quotidiana em que vive a população pobre deste grande centro urbano.143

2.1. VISÃO TEOLÓGICA DO PROJETO EDUCATIVO

A capacidade de amar é o que possibilita transformações na sociedade, que aceita culturas, e

que incide na história dos seres humanos fazendo comunhão dos que querem “mundo novo”. Praxis

igual reflexão e ação.

A vida proibida de ser vivida é o que causa o sistema injusto de educação, isto é, a pessoa,

não pode admirar, nem, maravilhar-se, com a vida, que é o mais precioso dom do ser humano. É a

vida que o conduz à liberdade de “ser” e “estar” em permanente felicidade, dentro das mais

diversas situações.144

A educação dialógica possibilita a descoberta da significação verdadeira que as pessoas não

tinham do mundo, dos homens e mulheres, cultura árvore, trabalho animal, que no caso dos países

onde a grande maioria é oprimida pelos sistemas de injustiça, são “coisificados” e vivem num

limite restrito onde se confundem com as coisas e animais; não têm consciência de sua

humanidade. É preciso humanizar pessoas que se reconhecem como “seres”, passam a ser

transformadores de seu meio, com a força de seu trabalho criador (o valor de ser humano). Já não

são quaisquer - coisas; ou quase – coisas. Possuí-las vem da consciência da sua opressão para a

142 Cf. FREIRE, Paulo, Revista Nova Escola. In. GADOTTI, Moacir (org) Paulo Freire – uma Biobibliografia, 1996, p. 31 143 Cf. Idem. 2001, p. 273

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consciência de classes oprimidas. Aqui, nesse momento, começa a transformação de história

humana por mãos humanas, no Deus que se “revela” na história145

O ser humano é um ser de liberdade, e um ser em relação. Tudo que a pessoa é, suas

virtudes, condicionamentos, são características indiscutíveis do seu agir. Só é considerado um ato

humano o que é fruto da liberdade, pois a ação humana não é simples reação mecânica ao

conhecimento, mas é fruto de uma opção, cuja fonte é a liberdade.146

2.2. O SENTIDO DA VIDA HOJE

Deus não criou um mundo já todo pronto. Se tudo já estivesse perfeito ou,

simplesmente ‘feito’, poder-se-ia pensar que o ser humano não tem nada a

fazer e a vida seria sem sentido. O ser humano não está na terra

simplesmente para guardar uma ordem, mas para colaborar com o criador.

O ser humano foi criado para criar. Os animais e as plantas foram criados

para se reproduzirem ‘segundo suas espécies’, repetindo sempre o mesmo

programa, enquanto todo filho de uma família humana é único, diferente

dos outros. Toda criança que nasce suscita uma nova alegria.147 Deus criou

o ser humano à própria imagem, porque o quis próximo de si, não somente

amigo, mas filho, Deus fez os seres humanos ‘capazes de Deus’. Isto

significa que o ser humano está aberto ao Infinito, ‘capaz’ de participar

da vida divina. Paulo, em Atenas, citando um poeta grego, afirma:

‘Somos da raça do próprio Deus’. Somos seres feitos para Deus. João

144 Cf. FREIRE, Paulo, Pedagogia do Oprimido. 1996, p. 10-26 145 Cf. Idem. 1996, p. 102 146 Cf. CATÃO, Francisco. A educação no mundo pluralista. 1993, p. 32-35 147 Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Documento da CNBB n. 71. São Paulo: Paulinas. 2003, 72

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confirma: ‘Desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o

que seremos!’ (1 Jo 3,2)148

Todos os discursos de Jesus têm, como pano de fundo, três questões inquietantes para todo

ser humano: Quem somos? De onde viemos? Para onde iremos?

Tudo que Jesus disse refere-se à vida humana, concreta, com dificuldades, doenças,

injustiças, mas falou, sobretudo, na dependência de Deus, tal como é vivida, enfim , no cotidiano,

na relação com os outros, para o bem e para o mal. Sob esse aspecto o discurso de Jesus tem como

base a antropologia. A característica que se verifica por trás do discurso de Jesus é a questão do

sentido da vida, sua antropologia é uma antropologia aberta, leva à teologia, no sentido etimológico

do termo, leva ao discurso sobre Deus.149

Jesus falou do Reino, da salvação, da grande esperança de um mundo de justiça e de amor a

que somos chamados e que crescem escondidos no meio de nós, como uma semente lançada em

terra boa. Porém, Jesus nos deixou livres para escolher: o que fazer aqui?

Podemos abraçar sua missão, ou podemos dar-lhe as costas, mas para qualquer uma das

duas escolhas, é preciso preparação, e necessário conhecermos seus caminhos. Na dimensão

religiosa. Portanto, educação, vida e religião estão misturadas como a massa de um bolo. Todos

sabem que contem: ovos, leite farinha, açúcar, mas depois de misturados já não sabemos quem é o

que. Aqui está a tarefa do educador e da educadora: descobrir caminhos, degustar sabores, re -

encontrar o sentido da vida.

Mas o educador religioso não pode basear seu discurso em Deus, simplesmente, ou na sua

palavra, porque escapa à experiência humana. Os evangelhos nos mostram como Jesus parte

sempre da experiência das mulheres e dos homens para transformá-los em pessoas livres com um

desejo enorme de viver e de ser útil aos outros. É isso que dá sentido à vida. Desta forma a

liberdade, da qual muitos têm medo, é um dom de Deus, que é Amor. O aprofundamento na

148 Cf. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil. Documento da CNBB n. 71. 2003, 73 149 Cf. CATÃO, Francisco. Em busca do Sentido da vida. 1993, p. 6-26

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experiência de Deus implica no crescimento da liberdade do homem e mulher. A corporeidade do

ser humano já que somos seres terrestres e não celestes, também almejam a libertação da qual

foram privados e não se justificam os medos do corpo, da sexualidade que forma prerrogativas

alienadoras.

É precisamente como seres corpóreos que somos chamados (as) a viver um

relacionamento de comunhão com os outros seres humanos também

criaturas de Deus”.

Sim o ser humano é criatura, mas só ele é criado à imagem semelhança de

Deus. Esta é a grandeza do ser humano. É um ser de diálogo e de

responsabilidade responsável em relação à história e ao mundo criado”.150

Tudo o que somos reflete a origem trinitária e comunitária. A solidão, o isolamento, o

fechamento, são o verdadeiro inferno. Nega-se assim o fundamento do nosso próprio ser. Fomos

criados para a relação, para viver em comunidade. Infelizmente, a cultura, a religião, a sociedade,

até o trabalho, hoje estão profundamente marcados pelo individualismo. sabemos que muitos

fatores influenciam para que esse fenômeno ocorra, ou seja, temos hoje muitas pessoas com

bloqueios psicológicos, conscientes ou inconscientes, depressivas, com síndrome do pânico, que

não conseguem conviver socialmente, nem ao menos caminhar numa rua por mais silenciosa e

calma que seja. Outro bloqueio é o social, há uma mudança da sociedade tradicional, hoje as

famílias apesar de mais abertas e pluralistas, rompem seus laços com extrema facilidade.151

No âmbito religioso, as pessoas não enfrentam mais a pressão da Igreja, obrigando-as a uma

decisão “de fé”. Hoje cada qual decide se crê ou não em Deus. Se freqüenta ou não um templo e

qual a ideologia que quer. Também somos “livres” para escolher nossos valores e esquecemos que

150 Cf. RUBIO, Alfonso García. Elementos de Antropologia Teológica. 2004, p. 74 151 Cf. CATÃO, Francisco. Em brusca do sentido da Vida. 1993, p. 6-26

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a liberdade pressupõe a escolhe entre dois bens, pois a escolha pelo mal nos leva para escravidão.

Estamos assistindo a um avanço de uma nova cultura mais urbana, técnica e política, que vem

desencadeando, especialmente na geração jovem, uma crise das crenças religiosas tradicionais, uma

crise de “Deus”, e verificamos que essa crise é antes crise de uma certa imagem de Deus recebida

ou até a de ídolos que usurparam seu nome santo e suplantaram em nossa civilização cristã, o Deus

vivo e verdadeiro. Pensa-se, por isso, que a questão crucial para a teologia e para o testemunho

evangelizador como Igreja não é tanto se somos crentes ou ateus, mas de que Deus somos crentes e

de que Deus somos ateus.152

A fé está em choque com o mundo virtual, predomina a relação virtual, uma auto satisfação

que elimina o relacionamento entre as pessoas, que se fecham cada vez mais em si mesmas. Na

cultura individualista os sentimentos religiosos se identificam com uma fé midiática, sem

compromisso social, sem interação, o que provoca um enfraquecimento social e pessoal.

Vê-se, entretanto, que uma pessoa é mais sã quanto mais ela for capaz de relacionar-se. É

aqui que se dá o sentido da vida: SER EM RELAÇÃO153

2.3. TAREFA DA TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO

A principal tarefa da teologia da educação é proporcionar às pessoas o crescimento no amor,

não como um cumprimento de preceitos, mas como abertura filial a Deus, em união com Jesus e

com o Espírito Santo, para exercer um serviço realmente libertador no mundo.154

Outra tarefa tão importante quanto é de ser facilitadora da percepção do Reino de Deus em

uma visão escatológica do “já” e o “ainda não”. E assim apressar a vinda do Reino de Deus.

Com afirma Braido, quanto mais são acentuadas a dignidade, as virtualidades e o

protagonismo do menino e do jovem, tanto mais deve ser renovada a função do educador. Isso

comporta o modo radicalmente novo de interpretar e de experimentar a própria idéia e o papel do

152 Cf. MUÑHOZ, Ronaldo. O Deus dos cristãos. 1986, p.28 153 Cf. CATÃO, Francisco. Em busca do sentido da vida p. 6-26 154 CF. AHUMADA, Enrique Garcia. Teologia de la educacion. 2003, p. 234

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“pai”, “irmão”, “amigo”. O educador seguro e tranqüilizador, consciente do próprio dever e

responsável, não é autoritário, somente autorizado, capaz de associar ao envolvimento afetivo

ilimitado, incondicionada confiança e profundo respeito. Essa é a condição para um autêntico

diálogo e o construtivo confronto com um jovem respeitado no seu protagonismo, nos seus direitos,

incluídas a discordância e a contestação.155

É muito doloroso ao ser humano quando conscientizado, perceber-se desumanizado, ao

“cair em si” perceber-se como vítima, muitas vezes, de uma sociedade de poder e opressores,

educação manipuladora.

O oprimido que se percebe como tal, e quer libertar-se de tal condição, individualmente,

tem uma visão distorcida do que é ser livre. Não percebe que ser livre é sinônimo de tornar-se

pessoa. Também esse será um opressor pois está imerso numa estrutura de opressão que não foi

transformada, assim sendo o oprimido tem no opressor um exemplo a ser seguido, um testemunho

de homem. Isso se repete de pai para filho, de sociedade para sociedade, etc...

A libertação de opressão não se dá apenas para se “comer mais” mas para saborear a

liberdade, que é a possibilidade que todo o ser humano tem, e que deve superar, na sua própria

cultura e sociedade em que vive, isso sempre no sentido coletivo, de realização. “Os homens e

mulheres se libertam em comunhão”.156

Paulo Freire argumenta que o processo opressor, propicia às elites viverem da “morte em vida”

dos oprimidos e só em relação vertical entre elas e eles. No processo revolucionário só há um

caminho para autenticidade da liderança que emerge: “morrer para reviver através dos oprimidos

e com eles”. É a práxis de Jesus.

A Igreja tem uma especial preocupação com a Educação, e sua missão educadora está

basicamente nos Documentos Conciliares, e em muitos outros Documentos do Magistério

Pontifício Universal e dos Bispos.

155 Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir. 2004, p. 361

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O Cardeal Arcebispo de Milão Carlo Maria Martini diz:

A intenção de fazer o homem a sua imagem e da humanidade seu povo,

levou Deus a revelar-se e ainda mais, a encarnar-se em Jesus e se derramar

como Espírito. A fé nesse Deus tão empenhado em fazer crescer o homem

não pode deixar de contagiar os crentes da Igreja inteira e fazer nascer no

coração o sentido vivo da urgência de educar pelo gosto de cooperar com

Deus na sua empresa de grande beleza, como é a de fazer um homem

plenamente humano.”157

Paulo Freire diz haver dois tipos de educador: - o educador bancário, aquele que só

deposita; e - o educador que supera as contradições de bancário, que é o educar problematizador e

se torna um companheiro dos educandos. Já não faz depósitos, nem saques, e educando com eles

“sabe” com eles. Não está a serviço da desumanização e da opressão, está a serviço da

libertação.158

A linguagem do educador precisa estar sintonizada, com a situação concreta dos homens e

mulheres com quem fala, de outra forma a sua fala é um discurso a mais, alienado e alienante.

O ser humano é histórico porque pode problematizar a vida. Ele precisa dar sentido à vida.

A vida não lhe basta como um passar o tempo sem consciência. Para o ser humano, a vida é criada

e re-criada. Ele assume a vida para construí-la. O ser humano reage quando a vida lhe parece ser

tirada. O ser humano sabe, quando está, e em que espaço está, e está constantemente em busca de

si, como um ser aberto em relação com o mundo e com os outros, e podem assim, com sua

presença criadora, não somente viverem, mas, existirem. E sua existência é histórica.159

156 Cf. CATÃO, Francisco. A educação no mundo pluralista. 1993, p. 37-41 157 Cf. AHUMADA, Enrique Garcia. Teologia de la educacion. 2003, p. 299-301 158 Cf. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 1996, p. 58-68 159 Cf. CATÃO, Francisco. A educação no mundo pluralista. p. 32-41

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2.4. DESAFIOS DO MEIO URBANO

O esforço para discernir as exigências que derivam do “amor” em cada contexto leva as

pessoas a refletirem sobre suas opções, suas escolhas, seu modo de viver, sua convicção religiosa.

Pois bem, o grande desafio que os educadores enfrentam nos dias atuais é justamente a falta de

sentido na vida dos jovens e adolescentes.

Ser pessoa, ser cristão, amar a Deus com todo o

coração e com toda a nossa força, e ao próximo como

a nós mesmos, deveria ser a opção fundamental de

todo ser humano, porém, o que se sente hoje é uma

imensa perda de valores, de valorização, de interesses

comuns, existentes entre cada indivíduo.

Enquanto educadoras e educadores, se faz necessário ajudarmos nossos educandos a

encontrarem urgentemente o sentido da vida, pois, é esse sentido que dá coerência entre a nossa

vida e o nosso discurso. É a partir desse sentido que se dá à vida, que definimos a nossa opção

fundamental e a transformamos em compromisso concreto de realização plena.

Há contrastes hoje que impedem ou embaçam o discernimento. Um deles é o neoliberalismo

globalizante. Ironicamente, no mercado é sadio, apenas, aqueles que consomem e produzem. Ele é

o termômetro para o crescimento do país, tudo e todos dependem dele, portanto, o novo nome da

dominação é exclusão.160

160 Cf. CATÃO, Francisco. A educação no mundo pluralista. 1993, p. 32-41

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Nesse mundo, onde poucos detêm todo o poder aquisitivo e muitos são escravizados para manter

esse tipo de sociedade, os educadores se perguntam: como dar sentido a vida? Como plantar

esperança nesses corações? Como libertá-los para viverem realmente na dignidade?

2.5. DIGNIDADE HUMANA

Cuidado para não sermos desumanos, quando pensamos ser cristão! Cada um

(a) de nós, sem exceção é chamado (a), a crescer na sua humanização, esta é

a nossa vocação fundamental, vocação de imagem de Deus. (Alfonso García

Rubio)

Observamos que o nosso povo cristão, católico ou evangélico é ainda fatalista passivo

domesticado e com uma religião alienada, que alimenta esse infantilismo. Parece que há uma fuga

da realidade.

O ser humano é imagem de Deus não só porque é chamado a assumir a sua responsabilidade

em face do mundo criado e em face da história. Não só pelo seu fazer e o seu criar cultura, nem tão

pouco pela sua atividade, mas também pelo seu descanso, pelo seu repouso. O autor do texto de Gn

1, dá uma ênfase maior ao descanso de Deus, para mostrar que assim como Ele, nós também

criados a sua imagem e semelhança devemos descansar. Esse descanso é tão importante que se

tornou uma Lei do Senhor: “Lembra-te do dia do sábado para santificá-lo. Trabalharás durante seis

dias, e farás toda a tua obra. O sétimo dia, porém, é o sábado de Iahweh, nem teu escravo, nem tua

escrava, nem teu animal, nem o estrangeiro que está a tuas portas. Porque em seis dias Iahweh fez o

céu, a terra, o mar e tudo o que eles contêm, mas repouso no sétimo dia; por isso Iahweh abençoou

o dia do sábado e o santificou”. (Ex 20, 8-11).

O trabalho é a dignidade do ser humano, porém o descanso é o que torna possível essa

dignidade, pois todos precisam além de trabalhar, dar, receber, agradecer, celebrar, por isso Deus

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santificou um dia, para que, maravilhado, o ser humano pudesse louvar toda a plenitude do Amor

de Deus.161

Por fazer parte do universo, a pessoa humana tem necessidade de sobreviver, de se

alimentar, de se reproduzir, de se vestir, e de educar sua prole. O interessante é que a mulher e o

homem constituem algo de original e único no mundo. Eles transcendem e por isso são capazes de

se conhecer, de se amar, de buscar o próprio bem, de compartilhar e somar com os outros, para

fazer a sociedade melhor.

Sua luta pela sobrevivência, enquanto um ser inserido na História, é também uma luta pela

dignidade, pelo amor, pela construção de um mundo justo e solidário. Muitas vezes, porém pode

deixar-se mover por um projeto de vida pessoal e de mundo no qual prevalecem o egoísmo, a

dominação e o alheamento às responsabilidades éticas do ser humano. O ser humano precisa

assumir eticamente a direção de seu destino e de sua História e ser responsável por si mesmo.162

3. PISTAS PARA ELABORAÇÃO DE UM PROJETO PASTORAL

Maximiliano Salinas163, chama o riso e cristianismo de chave hermenêutica dos pobres. Para Dom Bosco alegria é expressão da

amorevolezza.

Vejo na festa uma das pistas para a elaboração de um projeto teológico pastoral e tomo como fundamento duas festas: a

celebração da Ressurreição de Jesus Cristo, elemento fundante da fé cristã; e a “Pessach: festa da liberdade”, da tradição judaica. A festa é

o momento em que se aprende o amor como dádiva de Deus, que alegra, comove, encanta e faz renascer. Precisa-se descobrir um modo

alegre de trabalhar nas pastorais e para isso é preciso abrir o coração e deixar o sorriso crescer em nossos lábios.

Dom Bosco não chegou a escrever um tratado completo e com rigor científico sobre o seu

Sistema Preventivo, porém, tem o mérito de apresentar de forma simples e sintética os elementos

constitutivos desse sistema educativo que ele chamou, de preventivo, e as motivações e critérios

para se avaliar sua utilidade.

O sistema preventivo mostra as leis e as prescrições, mas depois os educadores estão atentos

e vigilantes para que os educandos não as transgridam. A atitude dos educadores não é a de quem

161 Cf. RUBIO, Alfonso García. Elementos de Antropologia Teológica. 2004. p. 77 162 Cf. Educação, Igreja e Sociedade. Documento da CNBB. 5ª ed. 1992, n. 47, 64

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vem para punir, mas a de quem está presente como pai e irmão que orientam, que aconselham, que

corrigem com bondade e carinho. O sistema cria um ambiente tal que fica difícil para o educando

cometer faltas.

Este sistema se apóia todo sobre três bases fortíssimas: a razão, a religião, “amorevolezza”.

Nada, portanto, de castigos violentos e, se possível, evitem-se também os castigos leves.

Alguém poderá dizer que este sistema é difícil de se praticar. É um sistema muito fácil e

gratificante para os educandos. Para os educadores apresenta algumas dificuldades que

desaparecerão se eles se dedicarem com amor à sua missão. O educador é uma pessoa totalmente

dedicada ao bem de seus alunos e por isso deve estar pronto a enfrentar qualquer incômodo e

cansaço para atingir seu objetivo, que é a educação civil, moral e científica de seus discípulos.

Amar: Amar é ir ao encontro dos jovens, pois Deus ama primeiro, está é a preventividade:

sentir-se amada e amado por Deus. É a primeira e a última palavra da pedagogia de Dom Bosco, já

que Deus e o seu Reino de amor estão no vértice da sua finalidade educativa. Só pode ser o amor, o

supremo princípio do método, característica fundamental do seu estilo, da sua práxis. Pois, faz

parte do sistema preventivo, ir a frente, tomar a iniciativa. “Procure fazer-se amar antes de fazer-se

temer. A caridade e a paciência acompanham sempre você”.164 “É quando diminui este amor que as

coisas já não vão bem”.165 “A prática deste sistema apóia-se inteiramente nas palavras de São

Paulo: charitas benigna est, patiens est; omnia suffert, omnia sperat, omnia sustinet. A caridade é

benigna e paciente; tudo sofre, tudo espera, tudo suporta. Por isso, somente o cristão pode aplicar

com sucesso o sistema preventivo. Razão e religião são os instrumentos de que o educador deve

constantemente fazer uso, que deve ensinar e praticar ele mesmo, se quiser ser obedecido e obter o

seu fim”.166

163 Salinas C. Maximiliano, texto da CEHILA, Chile. Riso e cristianismo: uma chave hermenêutica dos pobres 1993, p. 172-173 164 G. BOSCO, Ricordi confidenziali ai direttori, cit., p. 283 165 G. BOSCO, Lettera da Roma del 10 maggio 1884 in Scritti, cit, p. 323 166 B. BOSCO, II sistema preventivo nella educazione della gioventù, in Scritti, cit, p. 294

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Exclamava Margarida, mãe de Dom Bosco: “... são tão jovens! Nem são capazes de

refletir”. Vamos tratá-los com caridade. A caridade triunfa” (MB 3, 369).

Foi esse o clima da vida de Dom Bosco. O hino da caridade de São Paulo, cantou-o com a

própria existência. Toda a espiritualidade e o complexo problema educativo se resumem nesse

canto vital. Somente percorrendo a estrada do amor é possível ser cada vez mais humano.

Metodologia do Amor Educativo: “Amorevolezza” O amor que traz a alegria de viver.

Vimos que a amorevolezza é a marca do Sistema Preventivo de Dom Bosco. Não há um

termo correspondente em língua portuguesa que traduza adequadamente o sentido amplo que ela

tem para Dom Bosco. Seria como querer traduzir saudade noutra língua! Termos afins como

cordialidade, amabilidade, carinho, amor...não esgotam suficientemente o significado da palavra

amorevolezza para Dom Bosco, por isso, a usamos no seu original italiano.

Os elementos, Razão Religião e Afeição demonstrada interagem sempre, tanto em nível de

conteúdos, como de metodologia. O elemento unificante, o cimento de tudo é o amor educativo,

uma expressão da caridade pastoral que se traduz em amorevolezza. Trataremos de seu significado

na prática educativa.

A amorevolezza vem de encontro a anseios profundo dos jovens. É também reafirmada

pelas mais recentes conquistas das ciências da educação e da psicologia que, ao mesmo tempo. lhe

oferecem nova compreensão e novas perspectivas: Oportunidade de resposta às aspirações dos

jovens; Diálogo como categoria de Prevenção; Os jovens como protagonistas, agentes para um

mundo novo possível.

A sociedade atual apresenta-se contraditória. Proclama determinados valores mas a prática

apresenta outra face:

• afirma a subjetividade, o valor das pessoas, mas estas se vêem cada vez afogadas no

anonimato e massificação da sociedade moderna.

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• Valoriza a corporeidade, o corpo e o sentimento, mas os corpos trazem as marcas da

exploração e da tensão. Os sentimentos ficam embrutecidos diante das diversas formas

de competição, de violência, de discriminação.

• Proclama a liberdade, a individualidade e a autonomia, mas as pessoas são manipuladas

em função do consumo, das ideologias, da moda, da passividade e acomodação.

• Exalta a comunicação, mas predominam as relações superficiais, puramente funcionais

e instrumentais que fazem com que as pessoas sintam na solidão no meio da multidão.

Os jovens que aspiram com grande intensidade viver tais valores são, também, os que mais

agudamente sentem a frustração e o desencanto.

• A prática da amorevolezza vem de encontro às necessidades dos jovens como oferta de

acolhida e atenção pessoal, como oportunidade de afirmação de sua liberdade e

criatividade, valorizando seu jeito jovem de ser, de se expressar, resgatando a alegria de

viver intensamente; como experiência de comunicação mais profunda, seja pela atitude

de empatia, de escuta, de amor desinteressado por parte do educador, seja pelas

oportunidades de encontro e experiências de grupo que oferece. Os jovens rejeitam

atitudes e comportamentos estereotipados e puramente funcionais, e respeitam a

autenticidade de uma relação amiga.

Realização total da pessoa humana: salvação.

Toda pessoa elabora para si uma noção de salvação, que reflete a compreensão que tem de

si próprio, do mundo e de Deus, e do que significa para ela felicidade e plenitude.

O cristianismo quer ser um caminho que leva à realização total da pessoa humana,

oferecendo a seus seguidores a salvação. A noção de salvação é, portanto, central, no cristianismo,

mas se apresenta historicamente numa multiplicidade muito grande de expressões, e sua

compreensão se atualiza sempre nos diversos contextos sociais e culturais.

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A idéia de salvação em Dom Bosco condicionava a sua prática educativa. A consciência que

temos hoje é diferente em relação aos tempos de Dom Bosco.

• Pluralismo religioso e salvação

Muitos católicos já não consideram a Igreja como fundamento de sua fé, nem aderem sem

reservas à sua pregação. Os jovens especialmente, manifestam bastante ojeriza pela “instituição”. O

mesmo pluralismo observa-se no campo ético, pois os valores morais tornam-se uma questão de

escolha pessoal.

A própria reflexão teológica não defende mais que “que fora da Igreja não há salvação”. O

Concilio Vaticano II afirma que “Deus salva todos os que o busca com um coração sincero e

conformam sua conduta com os ditames de sua consciência” (LG 16). E hoje, especialmente,

procura-se reconhecer as “sementes do verbo” presentes nas diversas culturas...

A partir desse quadro de compreensão, novos desafios se apresentam para a educação:

• oferecer uma proposta que seja significativa e que leve o jovem a aderir livremente e

com convicção à fé; numa situação de concorrência, somente uma proposta de qualidade

conseguirá sucesso.

• A fé deverá basear-se numa experiência pessoal de Deus, uma vez que não é mais

respaldada pela sociedade. Por isso, é necessário valorizar as experiências salvíficas e

suas expressões, mais do que a doutrina; e transmitir a fé aos jovens progressivamente,

dentro de suas experiências humanas, e permitindo-lhes assimilar os dado da fé na

medida em que respondem e trazem sentido às mesmas. Muito contribuirão para isso o

testemunho de fé de educadores significativos, e os suporte de grupos de vivência.

• A convivência com pessoas de outras crenças e religiões exige o espírito auto crítico e

uma fundamentação maior da própria fé. Por outro lado, estimula um sadio

ecumenismo, baseado no respeito e diálogo diante das diferenças, na aceitação do outro,

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na colaboração em torno das causas que dizem respeito ao bem comum, ao projeto do

Reino de Deus.

O modelo educativo de Dom Bosco tinha sua inspiração no modelo divino: a relação de

Deus com seu Filho Jesus Cristo, com as criaturas e, em particular, com a pessoa humana, chamada

à filiação de Deus. O educador é um instrumento nas mãos de Deus e deve ser sinal do amor de

Deus pelos jovens. Com efeito, a amabilidade do educador se inspira na caridade que se enraíza em

Deus e tem seu modelo na atitude de Cristo. Manifesta-se num amor que não é só de simpatia, mas

de percepção do valor do jovem aos olhos de Deus.

A razão está cheia de motivos religiosos. É assim que fala do sentido religioso do dever. A

boa educação sempre era motivada como maneira de praticar a caridade.

Religião e Sistema Preventivo Hoje167 Uma nova compreensão da religião possibilita uma

nova compreensão da tarefa educativa. Para isto, é necessário perceber as diferenças e as ligações

que existem entre religiosidade e religião, socialização e educação à fé.

• Com sua intuição dom Bosco conseguia desenvolver um processo educativo para o

amadurecimento dos jovens. Princípios que correspondem às dimensões de

amadurecimento da pessoa, já vistos.

• aceitar o jovem como ele é: encontrar o jovem na vitalidade natural de seu

desenvolvimento. Oferecer-lhe oportunidade de expressar-se em todo seu dinamismo e

criatividade. Não tolher a iniciativa do jovem, não cortar sua expansividade. Mas

também, positivamente, procurar criar oportunidades de participação, de expressão

através de múltiplas atividades: música, teatro, passeios, esportes, festas.

• Para isto contribuía a criação de um ambiente racional. A racionalidade do ambiente se

manifesta na sua simplicidade. As normas regulamentares reduzidas ao mínimo. Nada

de complicações, burocracia, formalismo. Muita espontaneidade, alegria diálogo cordial

167 SCARAMUSSA, Tarcísio. Sistema Preventivo de Dom Bosco. Belo Horizonte: CESAP (Centro Salesiano de Apoio Pastoral). 1993 – 1ª Parte, Capitulo IV – 2ª Seção.

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entre todos, sem distância e etiquetas. Em síntese, num ambiente de vida familiar, onde

todos se sintam à vontade, em casa.

• Crença na capacidade do jovem: o jovem tem “razão”. “Em todo jovem, mesmo no mais

rebelde, há sempre um ponto acessível ao bem e a primeira obrigação do educador é

buscar este ponto, esta corda sensível do coração e tirar bom proveito” (dom Bosco).

• jovem tem capacidade de compreensão e de decisão. Para isso era ajudado a

compreender a razão de ser das coisas e a assumir a tarefa de sua educação. Todo

ambiente educativo devia respirar uma atmosfera de empenho construtivo: mais

importante que fazer as coisas porque devem ser feitas, ou porque se deve obedecer a

um regulamento, mais importante é fazer por convicção, assumindo com

responsabilidade as exigências para o crescimento pessoal e para a convivência no

grupo.

• Mas para conseguir esse ideal, não basta dar alguns avisos ou normas. Essas devem ser

razoáveis ... mas é necessário, especialmente, a persuasão. A racionalidade deve ser

partilhada pelo educando, até tornar-se consciência de uma efetiva responsabilidade

pessoal, assumida com liberdade.

• Jovem é, portanto, protagonista de sua formação, no sentido de que deve ser agente e

sujeito de seu próprio crescimento e do grupo, e no sentido de que deve ser ouvido, ter

voz e vez, e ser tratado de fato como sujeito.

• Conquistar o coração: razão e paixão? O povo costuma falar; “O coração tem motivos

que a razão desconhece”. Seria um contra-senso falar em coração aqui onde se fala de

Razão? Dom Bosco fala do coração não apenas como órgão do amor, mas como parte

central do nosso ser. O coração quer, o coração deseja, compreende e entende, ouve o

que se lhe diz, se enche de amor, reflete, pensa, move-se.

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• Por isso, “o educador deve conquistar o coração dos educandos”. Duas coisas são então

importantes: um amor equilibrado, aberto, racional: “deixai-vos guiar sempre pela razão,

e não pela paixão. Um amor que se guia pela clareza das idéias e da verdade: não se

impõe pela força, pelo autoritarismo, outra forma de paixão.

Em síntese, formar um só coração. Isso é racional. Uma citação indicativa do próprio dom

Bosco: “não quero que me considerem como superior, mas como amigo. Por isso, não tenham

temor algum, nenhum medo de mim, mas muita confiança; é o que desejo, que peço, o que espero

de verdadeiros amigos. Eu lhes digo sinceramente: aborreço os castigos. Não gosto de dar aviso

ameaçando punir a quem erra – não é o meu sistema. Também, quando alguém erra, se posso

corrigi-lo com uma palavra acertada... e se reconheceu o erro e mudou, não exijo nada além. Se

porém devesse castigar a um de vocês, pior castigo seria para mim, pois eu sofreria demais. Não

que eu seja tolerante, especialmente se se tratasse de quem desse escândalo aos companheiros... Há

porém um meio de prevenir todo desgosto meu e de vocês: FORMEMOS UM SÓ CORAÇÃO.

Estou pronto para ajudá-los em toda circunstância. Tenham boa vontade. Sejam francos, sejam

sinceros como sou com vocês” (MB 7, 503).

A situação dos jovens, na alienação, na fuga, ou na acomodação diante das forças

interiores que suprimem a possibilidade de perceber a própria responsabilidade e a própria

culpa.

Ao mesmo tempo, percebe-se uma crescente aspiração por uma “libertação”, uma

necessidade de liberdade muito indefinida ainda, que os jovens não conseguem traduzir

operacionalmente, também porque ficam desnorteados pela exploração propagandística que a

sociedade capitalista faz desta aspiração. E ainda porque os adultos não os convencem da liberdade

através de seus atos.

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A educação libertadora, ou “educação como prática da liberdade” é hoje a única que serve à

causa da libertação necessária para a realidade dos países do “Terceiro Mundo”. A educação

libertadora “torna o educando SUJEITO de seu próprio desenvolvimento” (Puebla).

• Festa e alegria: retorno ao sagrado e reencantamento pelo outro

• “Se você quiser tornar-se bom, pratique somente três coisas e tudo correrá bem. [...]. São elas: Alegria, Estudo, Piedade. É

este o grande programa; se o praticares, poderás viver feliz e fazer muito bem à tua alma”. (São João Bosco). A sociedade

atual, industrializada e com um grande desenvolvimento econômico mediante o aumento de novas tecnologias, se vê

obrigada à exigência de reduções do horário de trabalho e, ao mesmo tempo, turnos de trabalhos em dias festivos.

É dentro deste contexto que se coloca o problema do “trabalho festivo”. Impõe-se dessa forma uma reflexão sobre o verdadeiro

significado do trabalho e da festa, em vista da salvação da dignidade da pessoa humana.

Deus criou o homem e a mulher para a festa, para “celebrar”, o amor, o nascimento, o crescimento, a vida e a morte. Na festa, o

homem e a mulher encontram-se com a sua dimensão existencial, no entusiasmo e na vitalidade, voltam às raízes profundas do “ser”,

esperança e felicidade. Na festa eles relaxam, conscientizam-se, elevam-se ao criador.

Fazer festa é algo próprio e interior à natureza humana. Não é algo extrínseco e sim uma forma de exprimir simbolicamente a

própria alegria. O ser humano para preservar a esperança e poder modificar o presente, não pode abster-se de sonhar, dançar, fazer a festa.

É a fantasia e o mito que os colocam em integração total do “ser”. Sem os ritos, os cantos e a criatividade, o espírito humano

torna-se árido, perde a leveza e fica inquieto. 168

O ser humano tem uma ação transformadora quando acredita que a sua única segurança está em Deus que nunca o jogará fora,

pois ele não é bem de consumo. Na sociedade atual, onde a diluição dos valores religiosos e das grandes festas, mostra declínio de algo

importante: a afirmação da gratuidade, da fantasia e da liberdade, enfim, do dia do homem e da mulher, é o descanso, é a festa do trabalho.

Celebrar a festa é muito mais do que fazer a festa. Celebrar é realizar um rito, fazer liturgia segundo a tradição antiga, significa

entrar em comunhão com Deus. Não se fazia festa sem culto. A festa era inconcebível sem a divindade. A festa nascia do culto. Esse é um

dado constante na história das religiões.

A festa tem a função de guardar as raízes da história da salvação, “fazer memória”, e lembrar que, se os homens e as mulheres

inventaram as coisas, foi Deus que os inventou, e que uma nova civilização não emerge do caos, a não ser pela repetição do ato criador.

“E Deus viu que havia feito, e tudo era muito bom”. (Gn 1, 1-2; 4ª)169

A festa, nesse sentido, é sinal eficaz do sagrado - os sacramentos - que gera a alegria, não uma alegria fácil mas uma alegria real.

Não se trata do gozo superficial da inconsciência, nem se trata da resignação, mas da alegria que nasce da convicção de que o sofrimento e os

maus-tratos injustos serão vencidos. Trata-se de libertar esse corpo das forças de morte, isso implica: caminhar sob o domínio do Espírito,

que é vida. Aqui Paulo Apóstolo é um guia insubstituível. Trata-se de uma alegria pascal que corresponde a um tempo de martírio.170 O

168 Cf. HUIZINGA, Johan, Homo Ludens. O jogo como elemento de cultura. 2001 p. 1 169 Grifo nosso 170 Cf. GUTIÉRREZ, Gustavo. Beber em seu próprio poço. 2000, p. 140

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mundo assim sendo renasce da festa. No contexto da Revelação, a festa é o memorial da intervenção salvífica histórica de Deus, que liberta o

ser humano de suas escravidões e faz alianças.171 Cada obra criadora é impulsionada pelo Espírito de Jesus.

A festa é fruto de um dom, e depende da iniciativa de Deus. No Novo Testamento, Cristo, a Aliança definitiva, coloca eternamente

“o dia que o Senhor fez.” Celebrar a festa significa reunir-se; estar juntos. “O mais profundo é estar contente com outras pessoas, consigo

mesmo, com Deus (ou como seja denominada a experiência transcendente). Isso pode ser chamado o ‘o bom humor do corpo e do

coração.”172

“Mesmo não carecendo de entretenimentos o mundo de hoje é esquálido o bom humor. Rodeia-nos muito “felicismo” oco e

superficial. A grande civilização planetária tem um sorriso falso, dentro dela se sente o vazio e a insatisfação; é uma civilização sustentada

em colonialismos de ontem e em injustiças de hoje. Sua contrapartida e a felicidade interior e coletiva, gerada cotidianamente. É a

espiritualidade da vida. Ela é que suscita o riso genuíno”.173

“A boa fé em Deus nasce da alegria e nos conduz a ela. Com ela transitamos por uma época problemática e a transformamos!”

Diego Irarrazaval, questiona-se: “Como Jesus foi jovial e como podemos sê-lo hoje? Tendo como base os relatos bíblicos, e no

sentido de fé que seu Espírito nos dá, buscamos respostas, e gozamos mais a presença do Senhor.”

E pergunta-se: com que alegria encarar as tristezas e violências que nos envolvem? A Bíblia nos conduz ao livro da criação e da

vida atual, faz-nos encarar as responsabilidades de hoje com simpatia e entusiasmo.”174

A primeira a celebrar a festa foi Maria, celebrar a festa da alegria, engrandecendo a obra de Deus nela realizada (Lc 1, 46-49).

João Batista celebra a festa “saltando de alegria” diante da presença do Cristo. (Lc 1, 41-44)

A mulher encurvada, curada no dia de sábado, glorifica o Senhor. (Lc 13, 12-13)

A cura dos dez leprosos, deveria iniciar uma festa, mas somente um soube celebrar. (Lc 17, 15-16)

Zaqueu abre seu coração em festa. “Hoje a Salvação entrou nesta casa” (Lc 19, 9-10)

A festa da volta do Filho Pródigo foi celebrada pelos que participavam do amor misericordioso e da alegria do Pai. (Lc 15, 25-32)

Quem quer celebrar a festa deve se reconciliar com Deus (2 Cor 5, 19). Nesse momento, homens e mulheres recuperam a sua

verdade. Cristo é a revelação de Deus, mas também é a revelação do homem e da mulher.175

A festa se conclui na vida e não só no rito. A vida torna-se festa, é a própria vida que faz culto a Deus.

Fazer festa é coisa dos sonhadores. Celebrar, porque somos herdeiros (as) do Reino de Deus, em Jesus Cristo. Quem celebra a

festa, faz a memória da alegria e é sempre lembrado (a).

A Igreja tem algo muito importante: é a capacidade de gerar esperança, que influi hoje na memória da festa. É a festa da

Encarnação e a festa da Ressurreição de Jesus Cristo, que carrega consigo o Mistério da Cruz, “centro da festa”. Celebra a morte de Jesus e

celebra a vitória sobre a morte; celebra a vida e o mistério da comunhão: sentido total da vida.

171 Cf. BERGAMINI, Augusto. Cristo Festa da Igreja. 1994, p. 110 172 Cf. IRARRAZAVAL, Diego. Um Jesus Jovial. 2003, p. 319 173 Cf. Idem. 2003, p. 320 174 Cf. Idem. 2003, p. 13 175 Cf. Constituição Pastoral Gaudium et Spes. Compêndio do Vaticano II. 7ª ed. São Paulo: Vozes. 1968, 22

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“A Ressurreição, a rigor foi a desmontagem da morte pela imagem da vida.”176 Essa imagem de esperança colocada dentro dos cristãos

pela vitória da vida sobre a morte, se contrapõe às estruturas de morte vigentes, os impele e lhes dá coragem em todas as épocas, de

partilhar, servir e dar a vida.177

E concluo, fazendo minhas as palavras de Leonardo Boff: “Não pode haver tristeza quando nasce a vida.” 178

CONCLUSÃO

Existe somente uma possibilidade de fundamentar uma educação humanista e libertadora, a

qual considera o educando como sujeito do seu próprio desenvolvimento é fundá-la no próprio ser

humano.

O ser humano caracteriza-se pela liberdade e pela

comunhão. É o único ser, no mundo capaz de agir por

si mesmo, dotado de liberdade, e que encontra, na

comunhão com os seus semelhantes, o caminho para a

plena realização.

O conhecimento que temos do mundo está

baseado na nossa experiência, desde que se considere

o conhecer como vivência, e que se considere que

176 Grifo nosso

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conhecer nos leva a entender o ato humano como tal,

isto é, o agir humano. Então podemos dizer como os

antigos: “o agir é espelho do ser”. É por intermédio do

agir, que os seres manifestam o que são.

A característica indiscutível do agir humano é a liberdade. O que caracteriza a ação humana

é a opção ou a escolha, então podemos afirmar que o livre arbítrio ou a liberdade de escolha é a

forma sob a qual se manifesta a liberdade, mas o que lhe está na raiz é algo muito mais profundo: a

liberdade, característica imanente ao agir humano. É a maneira única e original pela qual o ato

humano depende do homem ou da mulher, que o pratica.

A educação da liberdade valoriza a subjetividade aberta à transcendência, diferentemente da

educação liberal, e visa à realidade do ato voluntário livre, aqui e agora, diferentemente da

educação libertadora, pois considera primordialmente a raiz da liberdade, o seu foco, o que é a

liberdade na ação, que dignifica o ser humano.179

A abertura da liberdade, é, basicamente, uma abertura ao outro, desejado e amado (eros),

por cuja comunhão (agape, amizade) se aspira. É uma primeira expressão da transcendência, para a

qual está aberta a liberdade do ser humano.

A vida humana seria decepcionante e incompleta, justificando toda espécie de auto-

afirmação violenta ou de fuga, se não houvesse um Outro, capaz de preencher a infinidade do amor

humano (eros, agape).

177 Cf. BERGAMINI, Augusto. Cristo, festa da Igreja. 1994. p.128-138 178 Cf. BOFF, Leonardo. Encarnação. A humanidade e a jovialidade de Nosso Senhor. 179 Cf. CATÃO, Francisco. A educação no mundo pluralismo. 1993. p. 32-45

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É assim que a educação para a transcendência se articula com a liberdade e com a

comunhão e faz parte integrante da educação da liberdade. Portanto, considerar o educando como

sujeito do seu próprio desenvolvimento, é entender a educação como educação da liberdade, na

solidariedade, em vista da comunhão, isto é, na sociedade aberta à transcendência, que dá sentido

definitivo ao homem, à mulher, à vida e ao universo.

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CONCLUSÃO

Um legado, uma homenagem aos educadores!

A Esperança não pode morrer. Como dizia Freud: “quanto menos um homem

conhecer a respeito do passado e do presente mais inseguro terá de mostrar-se seu juízo sobre

o futuro... As pessoas experimentam seu presente de forma ingênua, sem serem capazes de

fazer uma estimativa sobre seu conteúdo têm que colocar certa distância dele: isto é, presente

tem que se torna passado para que possa produzir pontes de observação a partir dos quais eles

julguem o futuro”180

A Esperança – repita-se - não pode morrer. Como vimos, é a partir da experiência do

Deus do povo e do povo de Deus que nasce no ser humano a consciência de sua missão,

fazendo-o começar a gritar e denunciar. Essa é a pedagogia do profeta, que como apelo à

conversão passa por três caminhos: justiça, solidariedade e mística.

O ápice da pedagogia educacional é encontrado em Jesus. A espiritualidade do seu

seguimento é chamada de Discipulado, pois é ao mesmo tempo, conteúdo e método da

verdadeira Educação Libertadora.

Paulo foi talvez o seguidor de Jesus que melhor intuiu seus ensinamentos de liberdade.

A teologia paulina é uma reflexão sobre a missão e práxis de Jesus, como motivo de fé e

fundamento da nova práxis cristã. Para Paulo, a liberdade de Jesus Cristo é uma vocação

dinâmica, porque é uma tarefa a ser cumprida.

A força dos ensinamentos de Jesus e dos educadores citados neste trabalho não está

nas suas teorias, mas, sim, em terem insistido na idéia de que é possível um mundo novo pela

educação libertadora, que põe no centro dessa reflexão a dignidade da pessoa e o sentido que

ela dá à sua vida. Eles não só convenceram e estimularam tantas pessoas, em tantas partes do

mundo, por suas teorias e práticas, mas, também, por despertar nelas a capacidade de sonhar

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com uma realidade mais humana, muito mais bonita e justa. Eles foram guardiães da utopia.

Deixaram-na como legado. E isso serve tanto para os países pobres quanto para os ricos. Pois,

esse legado é, acima de tudo, um legado de esperança.

Na experiência histórica o ser humano percorre o seu processo de aprendizagem (que é

singular) na transmissão e planejamento de uma cultura. Não sendo o ser humano apenas

movido por seu passado, ele impõe ao presente os seus desejos e anseios. Assim sendo, é

agente de transformações, é formando e formador, é educador e educando. Cuida de novas

tradições, é responsável pelo seu tempo e atuante, é “presença no mundo”, responsável

também pelo que virá.

A História da Salvação pode ser apreendida como processo educativo, pelo qual Deus

prepara os homens e mulheres para a libertação, para viver em comunhão e fraternidade.

Observando pedagogicamente a ação de Deus na vida do seu povo percebemos o crescimento

desse povo em auto-consciência. Deus vai se revelando ao povo que O experimenta, como

Aquele que ouve o clamor do oprimido e que está ao seu lado. A Sagrada Escritura, no livro

do Deuteronômio, traz uma releitura do Êxodo no seu núcleo principal (Dt, 12 a 26), onde

coloca que esse evento é a libertação de um povo que pode “sonhar novamente”. E, assim

sendo, concretizar seu desejo de uma sociedade igualitária e solidária. É um conjunto de leis

que não têm um caráter jurídico e sim indicações para que todas (os) possam ter acesso à

liberdade e à vida.

O fundamento dessa lei é “vida”. O decálogo (cf. Dt 5, 1- 22) é a expressão da

“aliança”, da “Vida” na prática dos que vivem o Projeto do Reino como sendo o seu projeto.

No decorrer do livro do Deuteronômio: “são estes os estatutos e normas que vocês colocarão

em prática na terra cuja posse Javé, o Deus dos teus antepassados dará a vocês durante todos

os dias em que vocês viverem sobre a terra” (Dt 12,1). A saída da escravidão que gera

desigualdade é relembrada nessa memória, o povo revê a sua vida e projeta a sua história,

180 Cf. FREUD, Sigmund. Obras completas de Sigmund Freud. O Futuro de uma ilusão. 1927 p. 15

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transformando-se em protagonista da mesma, quando faz aliança com Deus. No livro do

Deuteronômio encontra-se constantemente um alerta, uma instrução: “Preste Atenção em si

mesmo... Cuidem de colocar em prática tudo o que ordeno a vocês” (Dt 12, 13ss)

A História da Educação nos ajudou responder a pergunta de como era a educação

antes da escola e sua continuidade na educação oriental, dando ênfase à educação judaica.

Refletimos sobre os principais aspectos da educação grega e da educação romana remontando

às origens da cultura ocidental em que se assenta toda a nossa tradição educacional.

A proposta deste trabalho é de uma reflexão sobre os aspectos teológicos da educação.

E, por este motivo, não basta uma reflexão puramente racional filosófica, pois a Teologia

pressupõe a fé e esse pressuposto transforma o todo. Assim sendo, para os cristãos o conceito

de educação não é incumbência só da Filosofia, mas, também, da Teologia. A educação é

vista como um processo de amadurecimento da pessoa como tal e sua abertura para a

transcendência. Portanto deve ser orientada para a salvação integral e para a santidade da

pessoa. Procuramos observar em documentos eclesiais a grande preocupação da Igreja com a

Educação. De acordo com a Lumen Gentium 17, a Igreja atrai os homens e as mulheres para

Cristo, que os liberta, e os encaminha assim à perfeição e a felicidade.

Muitos outros pensadores influenciaram o pensamento no que concerne à educação, e

hoje é preciso assumir uma postura histórica para podermos entender os problemas

educacionais. Não basta, entretanto, conhecer os fatos e idéias relacionadas com a educação

em cada época histórica. É necessário, além disso, investigar os aspectos sociais, econômicos

e políticos de cada país em cujo seio se desenvolve o fenômeno educativo que se quer

compreender. É a doutrina socrática que identifica o sábio e o homem virtuoso.

A educação tem como finalidade ajudar o ser humano a alcançar sua plenitude e sua

realização, a atualizar as forças que tem em potencial. Para Aristóteles, o que distingue o

homem do animal é a capacidade de pensar. Platão defini assim “a verdadeira educação ou

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paidéia e a educação na Aretê, que enche o homem de desejo e da ânsia de se tornar um

cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer sobre o fundamento da justiça ou ainda a

formação que desde a infância inspira o desejo apaixonado de se tornar um cidadão completo

e realizado”.

A necessidade de pensar a vida, de refletir sobre seus fatos de uma maneira inteligente,

pedagógica, educativa, faz com que o mundo renovado não tenha somente aparência de

“novo”, mas, que realmente seja “novo” a partir de uma nova atitude que venha do interior de

cada uma, de cada um, e de toda uma sociedade que tem o direito e o dever de “pensar”,

“sonhar” e “esperar” um “novo dia”!

É difícil mudar a cabeça de um povo escravizado, oprimido e de pessoas que não têm

consciência da escravidão. O objetivo da (o) educadora (r) é atrair para a libertação da

liberdade usando recursos que lhe são possíveis dentro de seu contexto histórico. Assim, fez

Paulo, o Apóstolo – como ele mesmo diz - usou o recurso da Cruz do Cristo para reler toda a

história do povo escolhido, que passa para a universalidade de que todas (os) são escolhidos

em Cristo Crucificado e Ressuscitado para viverem a passagem da escravidão para a

libertação.

A necessidade que se tem hoje na educação, na religiosidade que liberta, é

contemplada pela Teologia da Educação no que tange não somente a uma denominação

religiosa, mas, principalmente, ao fenômeno religioso. Tanto nas religiões reveladas –

Judaísmo, Cristianismo e Islamismo – como nas religiões animistas (que partem de uma

experiência humana de transcendência) existe um conhecimento religioso que já é um

componente comum do ser humano que precisa ser educado.

As relações comunitárias ou relações humanas estão na gênese de uma tendência à

eclesialidade do ser humano no seu procedimento ético, que dará sentido à vida humana e

tem seu início no relacionamento consigo mesmo, com a outra (o) e com Deus. Estabelece-se,

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dessa forma, um processo dialógico filial, confiante, participativo na vida da Trindade Santa e

nos desígnios dela sobre o mundo.181

Dom Bosco e seu sistema preventivo de Educação mereceram um capítulo inteiro.

Pois, foi através dele, que a paixão pela educação criou raízes, cresceu e floresceu em meu

ser. A sua alegria de ensinar e toda sua vida voltada para o engrandecimento da dignidade do

ser humano tornou-o muito mais que santo; mas, alguém que soube viver a prática de Jesus, e

à sua luz, reconhecer cada ovelha de seu rebanho e ir a seu encontro onde quer que estivesse,

com quem estivesse e de qualquer maneira que estivesse.

Para Dom Bosco a alegria é o elemento constitutivo do “sistema”, inseparável da

piedade, do estudo e do trabalho. A alegria é expressão da “amorevolezza”. Efetivamente, na

sua prática e na correlativa reflexão pedagógica, a alegria assume um significado religioso. A

mistura equilibrada de sagrado e profano, de graça e natureza, na alegria francamente humana

do jovem, feliz no estado de graça, revela-se em todas as expressões da vida cotidiana, tanto

no cumprimento do dever quanto na recreação e, atinge particular intensidade, nas muitas

festividades religiosas e profanas.

De acordo com o que diz um dos biógrafos de Dom Bosco, Giovanni Battista Lemoyne, “a

vida de Dom Bosco é uma trama de sonhos tão maravilhosos, que não se compreende sem

a assistência divina direta”.

Com Dom Bosco e Paulo Freire observa-se que transformar o mundo é humanizá-lo. No

entanto, para transformar é preciso conhecê-lo. É necessário que educando e educador

façam, juntos, uma leitura do mundo. Conhecer o mundo e sentir o seu gosto, que se

experimenta não apenas pelo paladar, mas, também, pela pesquisa e pela ação “eu sei o que

sei e o que não sei”. O trabalho transformador quem realiza é o docente junto ao seu

181 Como afirma o educador contemporâneo Paulo Freire, encontramos pontos em comum com os demais educadores quanto a ética, o relacionamento humano, quando nos coloca o amor na educação que é transformador. Amar é provocar a pessoa do educando, quando o professor é apaixonado e amoroso, ele tem uma coragem movida pelo coração e uma prudência guiada pela ética.

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educando. Percebe-se, nesse momento, a necessidade de uma formação continuada, não já

pronta e acabada.

Educar e aprender é uma proposta do próprio Deus que não obriga, mas faz aliança. A

experiência de Deus, por meio do conhecimento da educação mais aprofundada, calcada

muitas vezes em limitações e dificuldades, faz procurar com mais objetividade a felicidade,

que se encontra na liberdade de poder escolher.

Na raiz dessa responsabilidade está a liberdade do ser humano não tanto de escolher

entre fazer isso ou aquilo, mas, principalmente, de poder agir conforme sua consciência,

valores e objetivos, numa ação de realização plena. A educação está a serviço da liberdade, e

é libertadora no sentido de considerar o educando como sujeito do seu próprio

desenvolvimento (Medellin) em comunidade (Puebla), mas também visa à plena liberdade do

educando como pessoa.

Educar para ser livre, opção fundamental, opção feita de acordo consigo mesmo,

somente assim o ser humano assemelha-se a Deus. Ter a liberdade como mola propulsora da

vida, a mais profunda aspiração da alma humana. O direito de ter livre escolha, de ir e vir,

consagrado como direito básico da pessoa humana.

Hoje, o conceito de dignidade do ser humano procura privilegiar os valores das

relações sócio-afetivas, ao contrário do passado que valorizava a herança de bens e

patrimônio. Hoje, o que se prioriza no direito familiar é o bem estar, principalmente dos

filhos, porém a releitura do mundo em que se vive é uma necessidade para não se cair na

ingenuidade de tudo aceitar. Ela não é obrigatória, mas é um processo pedagógico para ser

assimilado no coração e na constante busca de ser protagonista numa sociedade justa,

igualitária e fraterna.

Porém esse projeto é percebido pelos que sabem ler à luz da experiência que se tem

com o amadurecimento dos que querem saborear o amor.

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Tendo em Deus: o princípio, o principal agente e o fim da educação. Os principais

agentes da educação são Deus e o educando (cf. 1 Cor 3, 6- 15; Fl 2, 13). O protagonismo do

educando não é concessão, é exigência do próprio Deus criador de pessoas livres. A educação,

enquanto ação de realização do ser é colaboração com o próprio Deus.

“Deus é o grande educador, o maior protagonista. Também a Igreja

deve considera-se a si mesma como realidade a serviço de Deus. Mas,

a primeira maneira de viver esse serviço é testemunhar que ela mesma

se deseja educar, que é dócil, atenta e obediente a Deus. Como Maria

com a mesma humildade, segurança e paz interior”.182

O dever da educadora (or) cristã (o) de ser testemunha de Deus é mais que dar bom

exemplo. É exigência ética, condição natural de quem quer ensinar aos outros. Ser testemunho

segundo a proposta do Novo Testamento é uma relação de ordem moral, com a pessoa de

Jesus Cristo. Dar testemunho cristão merece uma reflexão teológica.

Como diz maravilhosamente o teólogo brasileiro: “Os educadores

cristãos são sacramentos de salvação em e através da educação. Nunca

é demais insistir na necessidade do testemunho cotidiano dos

educadores, sobretudo os leigos, devem saber proclamar no seu estado

de vida e nas suas profissões e trabalho: este é o aspecto cristão

fundamental.

A contribuição original dos cristãos educadores, na missão da Igreja é

evangelizar enquanto educadores”.183

182 MARTINI, C. M. Dio educa il suo papel. Programa par tarale diocesano per il biennio 1987, p.89. In AHUMADA. Teologia de La Education. 2003, p. 114 183 SANDRINI, M. A vocação – missão do educador cristão, en Col. Estudos da CNBB. Educação: exigências cristãs. 1992. p.140ss

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O Sistema Preventivo de Dom Bosco não é apenas uma teoria. É um modo de vida,

que passa pelo coração do educando e do educador. É, na realidade, um jeito de viver.184 Para

Dom Bosco a alegria coincide com a santidade. Dom Bosco soube ver a função da alegria na

formação e na vida de santidade e quis que reinasse entre seus jovens a alegria e o bom

humor: Servite Domino in Laeticia podia ser chamado o décimo primeiro mandamento da

casa de Dom Bosco.

O contato fraterno e paterno do educador com os seus alunos não teria

valor nem efeito sem a eficácia da vida alegre, da alegria sobre o

espírito do jovem, que por ela se abre à influência do bem.

A alegria, antes de ser expediente metodológico, um meio para fazer

aceitar o que é “sério” em educação, é para Dom Bosco forma de

vida, que ele deriva de uma instintiva avaliação psicológica do jovem

e do espírito de família. Em um tempo geralmente austero na própria

educação familiar, Dom Bosco, mais do que qualquer outro, entende

que o menino é menino e permite, antes, quer que ele o seja; sabe que

a sua exigência mais profunda é a alegria, a liberdade, o jogo, “a

sociedade da alegria”. Além disso, homem de fé e padre, ele está

convencido de que o Cristianismo é a mais segura e duradoura fonte

de felicidade, porque é alegre anúncio, “Evangelho”: da religião do

amor, da salvação, da graça, não pode jorrar senão a alegria, o

otimismo. Entre jovens e vida cristã existe, portanto, uma singular

afinidade, quase um apelo recíproco. O jovem que se sente na graça de

Deus experimenta naturalmente a alegria, certo da posse de um bem

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que está todo em seu poder, e o estado de prazer se traduz para ele em

alegria.185

Vale lembrar que – na medida do possível - Dom Bosco deixava todo o resto para

encontrar-se no pátio com seus filhos (o pátio era o local de educar, para Dom Bosco). Assim,

conclui-se que sempre se educa, não há momentos em que não se eduque. A alegria, e,

portanto, não só o recreio, o divertimento, é a autêntica e insubstituível realidade pedagógica.

Daí se deduz uma carga pedagógica nas festas. Nos dias festivos a alegria encontra suas

expressões mais sensíveis e intensas, a expectativa de uma nova festa anima os corações e as

mentes dos educandos.

Estabelecida a confiança entre educando e educador, ambos poderão dar testemunho

em comum sem que com isso percam sua identidade, herança cultural e religiosa.

No novo clima histórico civil e eclesial comportaria perceber que o amor é preventivo.

Deus é preventivo, ele já ama antes da resposta, a gratuidade do amor de Deus: essa é a

preventividade. Só assim poderemos construir uma “nova educação”, criativa e fiel, voltada

para gerar homens e mulheres novos.

Aponto, aqui, algumas pistas para uma educação preventiva, alegre e producente,

fundamentada na Caridade Pastoral:

• Traçar projetos acessíveis e aceitar projetos que, com certeza, podem ser bem sucedidos

no mundo de hoje, tais como: a) priorizar a formação de agentes de pastoral,

principalmente com um olhar para o hoje e, assim, conseguir capacitação de olhar a

realidade do contexto em que vivem (país, estado, cidade, bairro); b) conhecimento

antropológico, sociológico, psicológico e religioso do contexto em que vive. Um

184 CAVIGLIA, A, Il Magone Michele, p. 149. In Braido Pietro, Prevenir, não reprimir, p. 296 185 Cf. BRAIDO, Pietro. Prevenir, não reprimir. 2004, p. 296

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conhecimento pessoal aprofundado. Creio que prepará-los não seria enfrentamento e, sim,

um reconhecimento que levasse à libertação e à alegria de ser agente de pastoral.

• Um trabalho na pastoral urbana deve contribuir na reflexão sobre o sentido da vida. A

necessidade que homens e mulheres têm do “outro” de ser “alguém”, de escutar e ser

ouvido, enfim, um ser em relação, pois a alteridade é a condição da liberdade, e a

liberdade pressupõe um livre modo de pensar e agir, pois não há pensamento igual entre

as pessoas. A relação exige respeito mútuo, aprendido na convivência com o diferente.

• A função própria da Teologia da Educação é fundamentar, motivar e orientar baseada no

Evangelho de Cristo a uma ação educativa.

• Conceber a educação não apenas como transmissão de conteúdos por parte do educador.

Pelo contrário. Estabelecer um diálogo. Pois, quem educa também aprende. Ele também

pode ser interpretado pelo seu gosto pela liberdade. Essa seria uma leitura libertária.

• A linguagem do educador precisa estar sintonizada com a situação concreta dos homens e

mulheres com quem ele fala. De outra forma, sua fala é um discurso a mais. Alienado e

alienante.

• A correção, na sua forma mais geral e comum, é da essência do Sistema Preventivo,

porque, se os meninos não errassem, salvo raras exceções, não seriam mais meninos, e

não precisariam mais de educação. Ela, pois, acompanha necessariamente todos os

momentos da ação educativa: palavra ao ouvido, avisos em particular e não em público,

boa dia, boa tarde, bilhetinhos, chamadas à atenção no estudo e à aula, na recreação e nos

passeios, na igreja e no dormitório, em toda a parte. As modalidades da “amorevolezza”,

da razão e da reserva: paciência, caridade e graça. Normalmente, não se faça correções ou

se dê castigos em público, mas, em particular, fazendo o jovem entender seu erro “com a

razão e com a religião; não corrigir por impulso mas calmamente, esperando

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eventualmente que se acalmem as paixões, sobretudo, fazer com que o jovem saia

“satisfeito e amigo”.

• “Respeitar a fama dos jovens”, “não repreendê-los sem estar certos das faltas”. Não agir

por impulso, mas examinar a coisa com “sangue–frio”. “É necessário que eles próprios

nos reconheçam superiores. Se nós quisermos humilhá-los com palavras porque somos

Superiores, cairemos no ridículo”. (regras de Dom Bosco)

• O educador deve estar sempre atento para assegurar a liberdade e o protagonismo do

jovem na ação educativa.

• O educador deve ver sempre além das qualidades - por vezes limitadas - do jovem. Essa é

a arte do educador, o jovem pode ser mais do que é. Pode ser melhor. A sua arte consiste,

portanto, em conduzir o jovem realmente ao que ele é. Torná-los “bons cristãos e honestos

cidadãos”. Santificar os jovens.

Percebe-se que a natureza não é devidamente respeitada e apreciada. Perdeu-se de

vista a afetividade, não se abraça... não se beija... não se ama... Tudo isso é cada vez mais

estranho para os homens e mulheres. (amorevolezza). É necessário que se assuma o que há de

comum em nós, a “humanidade”. É o que dizem as religiões: vencer as idolatrias e

dominações, não só as aparentes, mas as que estão escondidas nos sistemas e estruturas

injustas. No entanto, tanto o profeta quanto o educador, em sua práxis, comunicam que o

fundamental é o “amor”, porque amar é gerar, é criar e recriar, é a alegria e o prazer de ver

nascer. (Oséias). Sonhar é bom... (Dom Bosco). Fazer poesia é muito bom...

Concluímos que, quem viveu dentro de um Projeto Libertador, tem mais saúde física e

mental e sente-se protagonista da história. Hoje homens e mulheres almejam uma vida com

uma religiosidade, não de anjos que voam, mas de pessoas concretas e conscientes de suas

lutas por justiça, trabalho, educação e saúde, e que essa problemática possa ser levada a sério

nas Igrejas, na Educação. Não como um acessório para um bom discurso, mas algo pertinente

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ao seu estado de vida. Que lutas e desafios tenham vez na caminhada para a vida em

plenitude, que é o eixo central de todo texto sagrado e educacional, que é vida feliz,

sentimento para o qual toda humanidade foi criada.

E, finalmente, não esquecer jamais que a pedagogia de Jesus se consolidou plenamente

na Ressurreição. Foi por ela que Jesus revelou Deus como Vida Eterna, e a partir dela

conseguimos ler toda a Sagrada Escritura com outros olhos, com os olhos do Ressuscitado.

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8. TESE DAMAS, Luis Antonio Hunold de Oliveira. A preventividade na educação Salesiana gênese e desenvolvimento até sua consolidação no ensino superior. (Tese de doutorado em Educação) PUC-SP, 2002.