Por que se pode dizer que são relativistas as propostas filosóficas de Thomas Kuhn e Paul...
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Universidade Federal da Bahia
Universidade Estadual de Feira de Santana
Programa de Pós-Graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências
Por que se pode dizer que são relativistas as propostas filosóficas de Thomas
Kuhn e Paul Feyerabend?
Jailson Alves dos Santos
Ensaio-resumo entregue ao Professor
Júlio Vasconcelos, como requisito parcial
para aprovação na disciplina de mestrado
FIS A03.
Salvador, Bahia
Junho de 2010
Por que se pode dizer que são relativistas as propostas filosóficas de Thomas
Kuhn e Paul Feyerabend?
Jailson Alves dos Santos1
Introdução
Antes de iniciarmos uma reflexão sobre os filósofos da ciência Thomas Kunh e Paul
Feyerabend e suas posições no quadro da Filosofia da Ciência, sobretudo, a crítica que
receberam pelo caráter relativista de suas obras, vamos definir em linhas gerais o que é o
Relativismo e como ele se enquadra na epistemologia e na filosofia da ciência. O Relativismo
“é qualquer concepção que concebe que juízos aparentemente conflitantes são iguais em algum aspecto
para as pessoas que dele se ocupam – igualmente arbitrários, igualmente razoáveis, igualmente úteis e
igualmente verdadeiros” (LONG, 2008, p. 377).
O Relativismo prega que todas as coisas são relativas a algo, a alguma posição, a algum ponto
de vista. Essa visão se opõe a uma visão absolutista. O Relativismo não é uma doutrina, mas
pontos de vistas comuns sobre alguns aspectos da experiência. Assim, pretende que as verdades
– não uma única verdade – sofrem alterações de acordo com os padrões vigentes em uma
época, em um lugar, em grupos sociais e entre os indivíduos de uma dada comunidade. Para Ian
Jarvie o Relativismo é a "postura segundo a qual toda avaliação é relativa a algum padrão, seja
qual for, e os padrões derivam de culturas." Assim, as diversas culturas humanas geram
diferentes padrões segundo os quais as avaliações são confrontadas. Dentro dessa concepção, o
Relativismo está em franca oposição ao etnocentrismo, pois este leva em consideração apenas
um ponto de vista em detrimento aos demais. O etnocentrismo tem sido combatido nas diversas
práticas científicas, amparadas tanto pela sociologia como pela antropologia, oriundas de
discussões nascidas no seio das ciências sociais mais fortemente que nas ciências naturais.
Os críticos do Relativismo acreditam que a sua aceitação torna impossível o avanço
científico nas ciências da cultura na medida em que coloca todos os tipos de análise,
estapafúrdias ou não, em igualdade epistêmica quanto ao status da verdade, já que para os seus
1 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências/UFBA-UEFS.
críticos, a ciência deveria nutrir-se da objetividade. Segundo Chalmers, há uma ideia
tradicional da objetividade na ciência, a qual defende que
“os méritos de uma teoria científica independem da classe, raça, sexo, e outras características das pessoas
ou grupos que a abraçam.” (CHALMERS, 1990).
Assim, o Relativismo estaria em oposição a essa concepção, que tem como princípio a
interrelação desses caracteres subjetivos com os caracteres do conhecimento representado em
uma teoria, repudiando qualquer verdade ou valor absoluto e aceitando todo ponto de vista
como epistemologicamente válido. Modernamente, se aceita como uma definição mais
avançada a de um "Relativismo cético", já que se aceita também a crença na impossibilidade se
alcançar uma verdade objetiva do mundo, ainda menos uma verdade absoluta, ao menos dentro
das comunidades científicas e de suas práticas.
Essa ideia de uma oposição entre objetividade e subjetividade, entre Relativismo e
Absolutismo é talvez tão antiga quanto a própria filosofia. Para Foucault “tudo é interpretação"
(ROUANET, 1987), o que tornaria o mundo e o pensar sobre ele relativo e toda a análise sobre
os seus aspectos mensuráveis ou observáveis, relativos ao mensurador ou observador. Já nos
primórdios da Filosofia, aparece uma concepção relativista do conhecimento, atribuída a
Protágoras, por ele ter afirmado que
"o homem é a medida de tudo, do que é que é, do que não é de que não é” (LONG, 2008, p. 378).
Desse ponto de vista, cada um de nós é pleno juiz daquilo que é e daquilo que não é. Sócrates
se opõe a essa forma radical de Relativismo subjetivista, tentando mostrar a sua incoerência
interna com o argumento derivado das suas posições de que se são verdadeiras todas as
opiniões mantidas por qualquer pessoa, então também é preciso reconhecer a verdade da
opinião do oponente de Protágoras, o que nos levaria a ter que considerar que o Relativismo é
falso. Ou seja, se o Relativismo é verdadeiro, então ele é falso (desde que alguém o considere
falso), portanto, seria uma contradição, já que ele não poderia ser verdadeiro e falso
simultaneamente.
O Relativismo epistemológico assume várias formas, entendendo-se como válidas e
justificáveis quaisquer considerações e idéias, a partir das regras de evidência, eliminando a
possibilidade de preferência de uma questão objetiva sobre outra ("igualitarismo cognitivo" ou
tese da "equipolência das razões"). No entanto, as críticas derivadas dessa posição são graves
ao Relativismo, pois, se toda regra de evidência é tão boa quanto qualquer outra, então para que
uma opinião qualquer seja tomada como justificada basta formular um conjunto apropriado de
regras em relação a qual ela está justificada. Talvez essa questão esteja esclarecida dentro da
posição de Bachelard, onde este filósofo da ciência indica haver perfis epistemológicos
diversos convivendo (ainda que não em harmonia), num mesmo indivíduo. Tal diversidade de
crenças é plenamente compatível com uma visão absolutista, ou seja, não fere a objetividade do
conhecimento.
Resumo da posição de Thomas S. Kuhn
Thomas S. Kuhn (1922-1996) era físico de formação e dedicou-se a pensar sobre a
prática da comunidade científica e da própria ciência, principalmente na maneira como é o
processo do desenvolvimento científico e como teorias científicas evoluem, saindo de uma
“ciência normal” para uma “revolução científica”. Sua posição pode ser mais facilmente
estudada em contraposição com o falseacionismo (ou falsificacionismo) de Karl Popper. Tanto
o positivismo lógico como o falsificacionismo são escolas que pensam o problema da Filosofia
da Ciência a partir da lógica interna da própria ciência, colocando o maior peso do problema no
método e no critério que deveria demarcar a ciência e explicar como ela progride. O
Relativismo Pragmático de T. S. Kuhn (chamado assim por alguns autores por falta de uma
opção melhor) procura mostrar que o peso maior do problema da Filosofia da Ciência não está
em estabelecer um método ou critério de progresso da ciência, mas em descrever e
compreender o processo pelo qual ocorre o progresso da ciência. Assim, a posição de Kuhn
também é internalista, por esse e por outros critérios. Kuhn acredita que para descrevermos e
compreendermos a atividade científica é preciso não restringir a questão à lógica, mas ampliar
esta explicação incluindo a história, a sociologia e a psicologia para solucionar o problema da
evolução e do progresso da ciência. Já aqui se delineia uma posição bastante criticada por
muitos dos filósofos da ciência, principalmente no que tange ao conceito de ciência, já que a
psicologia não é aceita por toda a comunidade científica como sendo uma ciência (e dentro do
critério de Popper, nenhuma de suas teorias seria falseável). A outra crítica, a qual voltaremos
mais adiante, é a do papel de uma teoria científica como um instrumento (adequado e cada
vez mais aprimorado) para se resolver quebra-cabeças. A idéia central de Kuhn é
determinar o progresso da ciência a partir de como a comunidade científica trabalha e não só
como a ciência opera em si mesma, ou seja, levando em conta situações extrametodológicas,
todas elas contrárias a uma ideia absolutista da ciência, já que para Kuhn, a ciência é uma
atividade feita por homens e estes são “carregados de crenças, ideologias, preconceitos, etc”, o
que teria uma indiscutível influência tantos nos caminhos traçados pela comunidade científica
(ou outra comunidade de prática qualquer) como nos resultados obtidos. Para Kuhn, devemos
compreender o progresso da ciência de modo retrospectivo – “avaliando comparativamente um
paradigma com seus predecessores” –, não como algo que tem um propósito preestabelecido
dirigido a um fim último e perfeito.
Resumo da posição de Feyerabend
Paul Feyerabend (1924-1994) é um dos autores mais importantes e mais controversos
da “nova filosofia das ciências”. Parece, ademais, que fora pouco compreendido, ou pelo
menos muito menos compreendido do que criticado, o que nos leva a supor que algumas de
suas críticas ou são infundadas ou partiram de pessoas que não compreenderam a essência de
sua obra. Uma das críticas mais recorrentes sofridas por ele era sobre o seu livro Contra o
método, donde se extrai, (apressadamente, muitas das vezes) a crítica ao seu princípio
metodológico considerando que ele postulasse um “vale tudo” ou fosse a completa eliminação
do método científico. Essas críticas foram fundadas mais em razão do título e subtítulo da obra
Contra o método, muito menos em função do que está contido nela. Os problemas centrais da
filosofia da ciência de Paul Feyerabend são postos aqui em perspectiva sob uma nova luz: a
crítica do fundacionalismo empirista (de que dados podem “derrotar uma teoria”), a teoria
pragmática da observação, a crítica do progresso por acumulação e a sua proposta de um
pluralismo metodológico, a tese da incomensurabilidade (utilizado o termo tanto por ele
como por Kuhn, hoje aceito como elaborado separada e simultaneamente), o problema do
Relativismo epistemológico. Para SILVA (2003), a posição de relativista epistemológico de
Feyerabend deriva da sua posição de relativista político, e mais adiante, na sua obra, ele
retorna à razão, considerando ser um realista por hipótese. A sua obra, junto com as de K.
Popper, T. Kuhn e Imre Lakatos (sua ideia de Comunidade de Pesquisa), fornece a base
indispensável para a compreensão da filosofia da cultura contemporânea e constitui uma
contribuição importante para a Filosofia da Ciência.
As filosofias de Thomas Kuhn e Paul Feyerabend e suas aproximações com o Relativismo
As formas de Relativismo que encontramos nas filosofias de Kuhn, Feyerabend
sugerem que as preferências por certos padrões de investigação, por certos objetivos cognitivos
variam com o tempo e dependem do contexto considerado. E mais do que isso, sua validade e
autoridade dependem da prática estabelecida no interior de uma comunidade. Eles questionam
as tentativas de codificar a racionalidade científica mediante um conjunto de regras
metodológicas que guiam a atividade científica; mas não apenas isso, questionam também a
tese de que a racionalidade científica permaneça em grande parte estável e invariante com o
passar do tempo, apesar das novas descobertas e das mudanças sociais e culturais. Eles
reconhecem que as normas do que conta como "boa ciência" também se transformam ao longo
da história e não devem ser consideradas como uma estrutura rígida que não sofre mudanças
substanciais.
Nas ciências naturais, eles reconhecem que as mudanças e as divergências envolvem
não apenas as teorias (não apenas afirmações fatuais), mas também os critérios e os valores
característicos da prática científica intrínsecas. A história das Ciências nos fornecem exemplos
e contra-exemplos no sentido de validar a posição tanto de Kuhn quanto de Feyerabenb com
relação ao Relativismo. Para Silva (1997), “é possível, em certas ocasiões, justificar uma teoria
T1 com respeito aos princípios e valores de um sistema S1 (por exemplo, que permite hipóteses
sobre inobserváveis) e ainda justificar uma teoria alternativa T2 (incompatível com T1,
portanto, incomensurável a T1, usando-se a terminologia de Kuhn e Feyerabend) com respeito
aos princípios e valores de outro sistema S2”, mesmo na ausência de uma fundamentação
independente que sem petição de princípio "favoreça inequivocamente" S1 ou S2”.
Desse modo, o papel do Relativismo é de recusa a um sistema absoluto de verdades
preconceituosa que tem na neutralidade e universalidade seus principais valores, sendo esse o
pano de fundo onde todas as crenças seriam colocadas em julgamento. Portanto, não há no
Relativismo um estatuto epistemológico superior que agracie a qualquer posição particular ou
ponto de vista especial “nem mesmo ao próprio Relativismo” (SILVA, 1997). Assim, “não há
nada que impeça logicamente que o absolutista sustente que o Relativismo é falso; mas ainda
assim é permitido ao relativista manter a preferência por sua posição o absolutista também não
tem como evitar que o relativista se mantenha relativista.” As tentativas de mostrar que o
Relativismo é inconsistente (ou se auto-refuta) baseiam-se na suposição de que o relativista
deva apresentar uma defesa em que sua posição se mostre, sem petição de princípio, melhor
que a de seu oponente e possa compeli-lo a optar pelo Relativismo. Mas o relativista
consistentemente admite que não é só o Relativismo que tem boas razões em seu favor;
também o absolutista pode ter suas boas razões para manter-se em tal posição, numa típica
situação de incomensurabilidade (SILVA, 1998).
Uma alternativa ao Relativismo
Dois importantes filósofos contemporâneos, Putnam (2002) e Laudan (1977), dizem que
“podemos encontrar uma alternativa ao Relativismo”. Putnam utiliza-se de uma proposta de
Peirce que consiste em caracterizar a verdade como o limite ideal de uma investigação
conduzida racionalmente. Ou seja, a verdade é o que se obtém com a aplicação sistemática dos
métodos racionais da ciência. Desenvolvida por Putnam em seu realismo interno, essa teoria da
verdade encerra duas ideias centrais:
"(1) a verdade é independente da justificação aqui e agora, mas não de toda justificação.
(2) presume-se que a verdade seja estável e "convergente".
Para Putnam (2002), a verdade é um ideal regulador em direção ao qual nossa investigação
racional deve convergir. Para a maioria dos enunciados, existem condições epistêmicas
melhores e piores, embora Putnam saliente que "não há uma simples regra geral ou método
universal para saber que condições são melhores ou piores para justificar um juízo empírico
arbitrário".
Conclusão
O papel do relativista é o de convencer alguém e “convertê-lo” ao seu ponto de vista,
sem tentar fundamentar absolutamente esse seu ponto de vista. Segundo SILVA (1998), “o que
ele diz é: „Veja como as pessoas naquela época tinham uma outra concepção de mundo. Se
você estivesse no lugar delas, não manteria suas crenças atuais‟”. O relativista não tem
obrigação de demonstrar que a partir de certas premissas segue-se inexoravelmente a verdade
do Relativismo. O paradoxal no Relativismo é ele poder ser mantido por uns e não por outros,
não é obrigatório aceitar todas as opiniões dos outros como sendo verdadeiras. “Por exemplo,
um relativista poderia acreditar que a Terra gira em torno de si mesma e que é falso que está
fixa, ao mesmo tempo em que está ciente de que alguém acredita que ela se mantenha fixa.” A
apresentação de “boas razões” nem sempre é decisiva na escolha entre alternativas de crenças
científicas. Mesmo que a mudança científica seja racional, isso não quer dizer que não seja
racional manter o sistema antigo em vez de optar pelo novo (afinal, eles não lidam com os
mesmos problemas, não adotam os mesmos critérios de adequação das respostas etc., ou seja,
são incomensuráveis).
Fontes
ABRAHÃO, L. H de C. Apontamentos sobre Thomas Kuhn e Paul Feyerabend: antagonismos,
aproximações e os Estudos Sociais da Ciência, no prelo.
CHALMERS, A. A Fabricação da Ciência, Editora Unesp, São Paulo, 1994.
FEYERABEND, P. Conta o Método, Editora Unesp, São Paulo, 1ª ed., 2007.
KUHN, T. S. A Estrutura das Revoluções Científicas, São Paulo, Ed. Perspectiva, 9ª ed., 2005.
LAUDAN, L. Progress and Its Problems, Univ. of California Press, Berkeley, 1977,
http://books.google.com/books?id=x9ZQEL_WP5gC&pg=PA247&hl=pt-
BR&source=gbs_toc_r&cad=4#v=onepage&q&f=false).
LONG, A. A. Primórdios da Filosofia Grega, Ideias e Letras, São Paulo, 2008.
PUTNAN, H. Realism and Reason. Philosophical Papers, vol. 3.Cambridge University Press,
Cambridge, 1983, (http://translate.google.com.br/ http://books.google.com/books/about/
_Philosophical_Papers_Volume_3_Realism_an.html).
ROUANET, S. P. As Razões do Iluminismo, Companhia das Letras, São Paulo, 1987.
SILVA, P. A Filosofia da Ciência de Paul Feyerabend, Instituto Piaget ,Lisboa, 1998.
________. Feyerabend: para uma compreensão do “Anarquismo Epistemológico” como síntese da
proposta feyerabendiana, (maquinadeturing.planetaclix.pt/filosofia_e_ciencia/pkf4.pdf), acesso em
19/06/2011.
Wikipédia, Relativismo, (http://pt.wikipedia.org/wiki/Relativismo), acesso em 17/06/2011.