Por Uma Identidade Natalense Para Além Do Turismo

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    Por uma identidade natalense para alm do turismo

    Tlio Madson Galvo1

    Como divulgado recentemente pela imprensa, Natal foi eleita por um dos maiores sites

    de viagem do pas como o segundo maior destino turstico do Brasil, ficando atrs

    apenas do Rio, cidade olmpica e maravilhosa. Desbancando outras capitais nordestinas

    com forte tradio turstica, como Fortaleza e Salvador.

    Natal beneficiada em relao s outras capitais nordestinas pela geografia de seu

    litoral, margeado por dunas e falsias, essa peculiaridade espacial manteve boa parte denossas praias intactas. Na ausncia de reas planas prximas ao litoral, a cidade cresceu

    alheia ao mar em duas vertentes: uma seguindo a linha da antiga estrada construda

    pelos americanos, na poca da Segunda Guerra, ligando a base de Parnamirim ao centro

    da cidade; e a outra buscando o territrio inexplorado do outro lado do rio, ambas longe

    do mar.

    A construo de Natal como cidade turstica comea j na dcada de 60, sobretudo com

    a construo do Hotel Internacional Reis Magos, de padro elevado, construdo e

    administrado pelo prprio governo do Estado, atravs da Emproturn, colocando a cidade

    na rota do crescente turismo s praias nordestinas.

    Na dcada seguinte, anos 70, houve uma tentativa de transformar Natal em uma cidade

    industrial, capitaneada pelos incentivos da SUDENE, em um contexto de

    desconcentrao industrial brasileira, promovido pelo regime militar. No entanto, tal

    processo no logrou xito na capital potiguar, sobretudo a partir da dcada de 80, com o

    fechamento de diversas plantas industriais.

    Aps a derrocada do projeto industrial tem-se incio a consolidao da cidade como

    polo turstico, principalmente com a construo da Via Costeira nos anos 80, que

    proporcionou a ligao da zona sul e leste da cidade, acelerando a urbanizao da praia

    de Ponta Negra, que outrora servia como praia de veraneio para a classe mdia

    natalense. Seguindo a Via surgiram inmeros empreendimentos hoteleiros de grande

    porte, todo o litoral que margeia a recm construda avenida torna-se uma imensa praia1E-mail: [email protected] Pgina: facebook.com/tulio.madson.galvao

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    privada, incrustrada bem no meio da cidade. A grande muralha de dunas protegidas

    legalmente pelo Parque das Dunas, separando a praia dos bairros residenciais, aliada

    carncia de linhas de transporte, alm da prpria falta de acesso praia, guarnecida pela

    linha de hotis, privaram a populao natalense do usufruto dessa extensa faixa de

    litoral. Estabelecendo assim as condies ideais para que os grandes projetos hoteleiros

    pudessem oferecer um ambiente higienizado para seus hspedes de alto padro.

    A segregao espacial intensifica-se na dcada de 70 e 80 atravs de polticas pblicas,

    principalmente as grandes obras de infraestrutura aliada s cooperativas habitacionais.

    Desse modo a INOCOOP-RN construa seus conjuntos habitacionais na zona sul da

    cidade, financiados pela Caixa Econmica, destinados geralmente a funcionrios

    pblicos e assalariados que podiam comprovar uma renda fixa razovel; tais conjuntosforam fortemente beneficiados por grandes investimentos pblicos em infraestrutura

    nessa zona da cidade, que alm da Via Costeira incluam o viaduto de Ponta Negra, a

    duplicao da pista que ia at a base de Parnamirim, o asfaltamento da Estrada de Ponta

    Negra (atual Av. Roberto Freire), a pavimentao em pista dupla da Av. Prudente de

    Morais, alm de outros investimentos privados que visavam atender esse novo mercado.

    J a COHAB-RN, na poca, construa os seus conjuntos habitacionais na Zona Norte da

    cidade, longe dos olhares dos turistas, destinados, geralmente, pessoas de baixa renda,

    com menor preo dos imveis e restries de crdito mais brandas. Dessa forma, a

    populao com maior poder aquisitivo fixou-se, nessa poca, principalmente na Zona

    Sul da cidade, em bairros como Nepolis, Mirassol, Cidade Satlite, Capim Macio,

    Ponta Negra e adjacncias, processo que se aprofundou com a crescente valorizao

    imobiliria dessa regio devido aos investimentos pblicos. J a Zona Norte, at ento

    longe do polo turstico, foi negligenciada por parte dos governantes, amargando um

    menor aporte de recursos pblicos em infraestrutura urbana. O que comea a mudar, apartir da construo da nova ponte e da transferncia do aeroporto de Parnamirim para o

    de So Gonalo.

    Natal desde ento passa a encarnar a simbologia sol/mar, converte-se em Cidade do Sol

    e se consolida como destino turstico no cenrio nacional, fortalecendo as polticas

    pblicas para dotar a capital com uma maior infraestrutura turstica nas reas mais

    requisitadas. Tendo como consequncia a segregao espacial da cidade. Surge a Natal

    espetculo, cidade vitrine, cidade exportao.

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    Assim, para atender a demanda turstica, Natal torna-se uma cidade higienizada,

    maquiada e espacialmente dividida. Tal processo de segregao no novo, j ocorrera

    antes com a criao da Cidade Nova (que engloba hoje os bairros Tirol e Petrpolis) no

    incio do sc. XX. Nos novos conjuntos habitacionais cresce uma classe mdia

    pasteurizada, globalizada, sem referncias locais, o fim do provincianismo. A Natal de

    Cmara Cascudo - que viveu a crise urbana na dcada de 20 - passa a existir apenas nos

    livros, os grupos folclricos que ainda persistem convertem-se em meras atraes

    tursticas.

    inegvel a importncia do turismo para a economia natalense, no se trata de nega-la,

    nem tampouco defender que devamos nos fechar para os visitantes; a questo proposta

    pensar qual a Natal que queremos, para ns, seus cidados. Toda identidade construda, nas trs ltimas dcadas o poder pblico e parte da iniciativa privada

    obtiveram xito em nos definir como uma cidade vitrine, voltada para fora, mas e ns?

    Quando olhamos para dentro, o que enxergamos?

    No se trata de revisitar a Natal provinciana, ruminar arcasmos histricos, mas de

    construir uma identidade que nos inclua, sem renegar a cidade cosmopolita que nos

    tornamos nas ltimas dcadas. Vejo uma pulso criativa nos jovens frutos dessa

    reorganizao espacial ocorrida nesse perodo, cujo principal ncleo irradiador parte de

    instituies de ensino como UFRN e IFRN, que precisa consolidar-se em uma

    alternativa ao projeto de cidade para gringo ver. Alm disso, h um anseio por mudana

    advindo desses jovens, que se refletiu na primavera natalense em 2011, quando

    ocuparam a Cmara Municipal e articularam o Revolta do Buso posteriormente,

    servindo de exemplo para Junho de 2013 no Brasil.

    Mas h uma luta maior, uma grande poltica, ela sobretudo cultural, esses jovens

    precisam ocupar os veculos culturais, construir o imaginrio da cidade que queremos,

    para alm da cidade exportao. Isso j vem ocorrendo em veculos como a Carta

    Potiguar, Substantivo Plural, Apartamento 702, alm da editora Jovens Escribas, entre

    outros. O que se faz necessrio uma maior articulao entre eles.

    Tambm na arte essa articulao se faz necessria, um movimento como foi o Armorial

    e o Manguebeat para Recife. H uma gerao talentosa de msicos, atrizes,

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    escritor(a)es, que produziriam excelentes resultados se articulados em um mesmo

    movimento de exaltao da cena local. No se trata meramente de criar um mercado

    consumidor local para nossos artistas o que fundamental, mas de criar uma cena

    cultural que desloque o nosso imaginrio para alm da vocao turstica.

    Desde a era do IRC, dos canais, dos ircontros, at a era do twitter, das hashtags, do

    #aumentono, #foramicarla, #revoltadobuso, possvel constatar a grande afinidade

    que os natalenses, especialmente os jovens, possuem com as redes sociais. Se uma

    articulao possvel, ela certamente se dar por intermdio das redes. Como j ocorreu

    antes.

    No podemos encarar a cidade apenas em seu aspecto natural, como mera atrao, nas

    nossas inegveis belezas naturais, nem tampouco na questo material ou comercial; para

    alm das convenincias particulares e comerciais, precisamos estabelecer um bem

    pblico, nossa alma. Ela reside nas ruas, nos botecos, da ponte pra l, nos rols, na fala,

    no jeito. Ela precisa no apenas ser captada, mas (re)inventada.

    Para alm da cidade que se mostra, precisamos antes de tudo criar a Natal que

    queremos.

    Publicado originalmente na Carta Potiguar em 24/05/2016

    http://www.cartapotiguar.com.br/2016/05/24/por-uma-identidade-natalense-para-alem-

    do-turismo/