Porte de Arma Desmuniciada

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1. Introdução O Estatuto do Desarmamento - regulamentado pela Lei 10.826 que “Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), define crimes e dá outras providências” - foi aprovado em 22 de Dezembro de 2003 pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, sendo então fruto da condensação de dezenas de PLs que tramitavam juntas na Câmara dos Deputados e no Senado. Tal Estatuto passou a exigir um Certificado de Registro da Arma de Fogo; restringiu o porte para civis; penalizou a posse irregular, o porte ilegal, o disparo, o comércio ilegal e o tráfico internacional; proibiu a compra por menores de 25 anos; estabeleceu campanhas de anistia voluntária mediante indenização e definiu regras para a produção, comércio e transporte de armas em todo o território nacional. No presente artigo analisaremos especificamente o art. 14 desta lei, o qual criminaliza o porte de arma, estando disposto no caput as seguintes condutas típicas “portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. A escolha deste tema deve-se a imensa discussão sobre este delito abranger somente armas de fogo que causem

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1. Introduo O Estatuto do Desarmamento - regulamentado pela Lei 10.826 que Dispe sobre registro, posse e comercializao de armas de fogo e munio, sobre o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), define crimes e d outras providncias - foi aprovado em 22 de Dezembro de 2003 pelo presidente da Repblica Luiz Incio Lula da Silva, sendo ento fruto da condensao de dezenas de PLs que tramitavam juntas na Cmara dos Deputados e no Senado. Tal Estatuto passou a exigir um Certificado de Registro da Arma de Fogo; restringiu o porte para civis; penalizou a posse irregular, o porte ilegal, o disparo, o comrcio ilegal e o trfico internacional; proibiu a compra por menores de 25 anos; estabeleceu campanhas de anistia voluntria mediante indenizao e definiu regras para a produo, comrcio e transporte de armas em todo o territrio nacional.No presente artigo analisaremos especificamente o art. 14 desta lei, o qual criminaliza o porte de arma, estando disposto no caput as seguintes condutas tpicas portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depsito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessrio ou munio, de uso permitido, sem autorizao e em desacordo com determinao legal ou regulamentar.A escolha deste tema deve-se a imensa discusso sobre este delito abranger somente armas de fogo que causem perigo concreto e efetivo integridade fsica dos indivduos. A jurisprudncia majoritria do STJ defende que no existe potencialidade lesiva na arma ineficaz, desmuniciada ou de brinquedo no tem potencialidade lesiva capaz de justificar sano a quem a detm. J no STF, o entendimento dominante de que a arma pode ser usada como instrumento contundente, no servindo apenas para efetuar disparos. Nesse sentido, haveria presuno de perigo pelo simples porte da arma, ainda que desmuniciada, devendo a penalidade se estender tambm a estas hipteses.Desse modo, discorreremos um pouco mais sobre cada uma destas posies jurisprudenciais, analisando se o exame pericial da arma para a comprovao de sua eficcia prescindvel ou imprescindvel.2. Exposio a risco do bem jurdico tuteladoUm dos princpios norteadores do Direito Penal Brasileiro o da ofensividade. Segundo Csar Bittencourt (2012, p. 59), para que se tipique algum crime, em sentido material, indispensvel que haja, pelo o menos, um perigo concreto, real e efetivo de dano a um bem jurdico penalmente protegido. Assim, seria inconstitucional todos os chamados crimes de perigo abstrato, pois no mbito do Estado Democrtico de Direto, somente haveria infrao se o indivduo causasse um perigo de leso ao bem.Isto posto, tem-se que a arma desmuniciada ou ineficaz no provoca nenhuma ofensa ao bem jurdico protegido pela Lei de Armas, qual seja, a incolumidade pblica. Sobre este vis, trago a baila o entendimento de Luiz Flvio Gomes e William Terra de Oliveira (2001):Considerando que o bem jurdico protegido pela lei a incolumidade pblica, ou por outra, um certo nvel de segurana coletiva (j que impossvel ao Estado garantir a todos a plena segurana) somente teremos um delito se o agente obrar de maneira a afetar, imediata e significativamente (leia-se de forma relevante para o Direito Penal) ostatusdesse almejado grau de segurana coletiva. Ora, a arma que no est em seu pleno funcionamento no capaz de efetuar disparos e, portanto, seu porte no lesionaria nenhuma bem. A partir deste raciocnio, poderamos considerar que o exame pericial seria de extrema importncia para identificar se a conduta tpica do art. 14 da Lei 10.826 foi praticada. Assim, sendo constatada a ineficcia da arma, estaramos diante de um crime impossvel, na conceituao de Fernando Capez, "aquele que, pela ineficcia total do meio empregado ou pela impropriedade absoluta do objeto material impossvel de se consumar". (CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Volume 1: parte geral - 11 Edio revisada e atualizada - So Paulo: Saraiva, 2007, p. 256).Imperioso ressaltar que conforme o entendimento doutrinrio e jurisprudencial, para majorar o roubo (art. 157, 2, I, CP), necessrio analisar a presena de potencial lesivo efetivo, no bastando considerar a intimidao por si s inerente a arma. Inclusive, o STJ, em sua Smula 174, estabeleceu que a arma de brinquedo no aumentaria a pena do crime de roubo. Analogicamente, poderamos considerar que a arma desmuniciada no estaria abarcada pelo tipo previsto no art. 14, justamente no estar presente este critrio objetivo da existncia de perigo concreto.Lado outro, a corrente majoritria ope a esse entendimento, sustentando que se trata de crime de perigo abstrato, no qual se presume, de modo absoluto, o risco ao bem. Tal posicionamento corroborado pelo fato de o caput prever penalizao tambm nos casos de porte de munio, vez que a posse apenas do cartucho no meio idneo para efetuar disparos e lesar a incolumidade pblica. Partindo deste pressuposto, seria desnecessrio o exame pericial, sendo que a simples prova testemunhal do porte da arma seria motivao para a condenao pelo crime do dispositivo supracitado.Bom, embora o bem jurdico imediato seja a incolumidade pbica, em ltima anlise, a proteo seria vida e integridade fsica. Para tanto, o legislador buscou punir a conduta perigosa ainda em seu estgio embrionrio, proibindo o porte de arma de fogo para evitar que tais comportamentos possam se tornar efetivos ataques. Tomando isto como base, o ilustre doutrinador Fernando Capez criou uma corrente mista, a qual assevera que na hiptese da arma inapta, o fato ser atpico no porque no se logrou comprovar a efetiva exposio de algum a uma situao concreta de risco, mas porque a conduta jamais poder levar a integridade corporal de algum a um risco de leso.Desse modo, ainda segundo os ensinamentos deste doutrinador, o mais acertado seria considerar que o tipo se realizaria quando o agente trouxesse consigo a arma desmuniciada, mas possusse cartucho adequado prximo de si, viabilizando o municiamento e o eventual disparo. Por sua vez, quando a munio no existisse ou estivesse em lugar inacessvel de imediato, no haveria a imprescindvel disponibilidade da arma de fogo e, assim, esta no seria instrumento apto a efetuar disparos, no restando configurada a conduta delituosa. 3. Anlise da jurisprudncia dos Tribunais SuperioresHC 211.823, 6T, STJ; HC 107.112, 5T, STJ; HC 100.860, 2T, STF; HC 97.209, 1T, STF; HC 175.778, 6T, STJ; AgRg no AREsp 397.473, 5T, STJ; HC 96.650, 1T, STFHC 104.206, 1T, STFHC 96.072, 1T, STF(R)HC 91.553, 1T,STFHC 104.410, 2T, STFHC 102.087, 2T, STFHC 90.197, 2T, STFHC 96.759, 2T, STF

HC 178.320, 5T, STJHC 178.320, 5T, STJHC 177.232, 5T, STJHC 211.823, 6T, STJ