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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLVIII, número 3 (2.448) Cidade do Vaticano quinta-feira 19 de janeiro de 2017 y(7HB5G3*QLTKKS( +_!"!#!"!@! No documento preparatório para o próximo Sínodo Dificuldades de uma escolha definitiva CONTINUA NA PÁGINA 10 O Papa indicou aos jovens o horizonte do encontro sinodal de 2018 Rumo a uma nova terra O Santo Padre com os jovens da Jmj em Cracóvia (30 de julho de 2016) Globalização irresponsável Quando se ignora a miséria PÁGINA 7 Apelo do Pontífice no Angelus Em defesa dos menores migrantes Para a Igreja começou o caminho rumo ao sínodo dos bispos dedicado aos jovens, previsto para outubro de 2018. Um caminho que terá como «bússola» o documento preparatório apresentado no dia 13 de janeiro e acompanhado por uma carta em que o Papa Francisco se dirige direta- mente às novas gerações do mundo, convidando-os a olhar «para uma nova terra» e a tornar-se protagonis- tas de uma sociedade edificada sobre a justiça e a fraternidade. Enviado ao episcopado dos cinco continentes, à hierarquia das Igrejas orientais católicas, aos dicastérios da Cúria romana e aos superiores reli- giosos, o documento começa com uma análise sobre a atual condição juvenil, salientando os múltiplos de- safios que dizem respeito, em parti- cular, à cultura cientificista, à inse- gurança, ao desemprego, à corrup- ção, aos fluxos migratórios, às novas tecnologias e aos fenómenos do al- coolismo, do jogo e da toxicodepen- dência. Neste contexto «as antigas abordagens já não funcionam» e por isso tornam-se indispensáveis novos «instrumentos culturais, sociais e es- pirituais», capazes de «despertar a coragem e os impulsos do coração». A partir desta consciência, a se- gunda parte do texto sugere percur- sos de «discernimento vocacional» para acompanhar e orientar os jo- vens nas opções fundamentais da vi- da. O que significa para a Igreja «acompanhar os jovens a aceitar o convite à alegria do Evangelho, so- bretudo numa época marcada pela incerteza, pela precariedade e pela insegurança»? A esta pergunta responde a parte conclusiva do documento, com uma atenção específica aos protagonistas, aos lugares e aos instrumentos deste acompanhamento. Sublinha-se em especial que os jovens não são sim- ples «objetos» da pastoral e, portan- to, «a própria Igreja é chamada a aprender» deles. Também por isso, foi anunciado que a Secretaria geral do Sínodo dos bispos lançará, no próximo mês de março, a iniciativa de um site (www.sinodogiova- ni2018.va), aberto a todos para con- sultar os jovens sobre as suas expeta- tivas e a sua vida. PÁGINAS 8 E 9 LUCETTA SCARAFFIA Com a escolha do tema do próximo sínodo, centrado nos jovens e na sua opção de uma vocação de vida, o Papa Francisco, mais uma vez de- pois das assembleias sobre a famí- lia, demonstra saber compreender a necessidade do mundo no qual vive e ir ao encontro das dificuldades da sociedade com propostas inovado- ras. De facto, nunca como hoje, as novas gerações estão em dificuldade ao escolher a própria vida, também em contextos de bem-estar econó- mico e de liberdade; aliás, parece que estas duas condições são preci- samente fonte de desorientação e não de confiança no futuro e de vontade de deixar uma marca no próprio tempo. E justamente o documento pre- paratório do sínodo indica o núcleo desta dificuldade na incapacidade de decidir, afirmando que «não se pode permanecer infinitamente na indeterminação». Por conseguinte, quem está ao lado dos jovens tem sobretudo a tarefa de os ajudar a arriscar e a fazer escolhas corajosas para procurar manter-se fieis ao projeto de vida sonhado e iniciado. Nas raízes desta debilidade na escolha de uma vocação está, sem dúvida, o colapso do sistema esco- lar, que já se tornou evidente em todos os países ocidentais e que deixou de saber preparar os jovens para esforços prolongados em vista de objetivos a longo prazo. De fac- to, a possibilidade de ter tudo ime- diatamente, propagou-se em todos «Adotar todas as medidas possí- veis para garantir aos menores mi- grantes a proteção e a defesa, as- sim como a sua integração»: foi o apelo lançado pelo Papa no final do Angelus de domingo 15 de ja- neiro, dia mundial do migrante e do refugiado. Dedicada este ano precisamente aos «migrantes me- nores de idade, vulneráveis e sem voz», a iniciativa foi apoiada pelo Pontífice também nos dias prece- dentes através de uma série de tweets. Depois, Francisco saudou «as representações de várias co- munidades étnicas», desejan- do-lhes «que vivam serenamente nas localidades» de acolhimento «respeitando as suas leis e tradi- ções e, ao mesmo tempo, preser- vando os valores das culturas de origem». PÁGINA 5 Entrevista ao cardeal Turkson Dar voz às crianças desacompanhadas NICOLA GORI NA PÁGINA 4

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L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano XLVIII, número 3 (2.448) Cidade do Vaticano quinta-feira 19 de janeiro de 2017

y(7HB5G3*QLTKKS( +_!"!#!"!@!

No documento preparatório para o próximo Sínodo

Dificuldades de uma escolha definitiva

CO N T I N UA NA PÁGINA 10

O Papa indicou aos jovens o horizonte do encontro sinodal de 2018

Rumo a uma nova terra

O Santo Padre com os jovens da Jmj em Cracóvia (30 de julho de 2016)

Globalização irresponsável

Quando se ignora a miséria

PÁGINA 7

Apelo do Pontífice no Angelus

Em defesa dos menores migrantes

Para a Igreja começou o caminhorumo ao sínodo dos bispos dedicadoaos jovens, previsto para outubro de2018. Um caminho que terá como«bússola» o documento preparatórioapresentado no dia 13 de janeiro eacompanhado por uma carta em queo Papa Francisco se dirige direta-mente às novas gerações do mundo,convidando-os a olhar «para umanova terra» e a tornar-se protagonis-tas de uma sociedade edificada sobrea justiça e a fraternidade.

Enviado ao episcopado dos cincocontinentes, à hierarquia das Igrejasorientais católicas, aos dicastérios daCúria romana e aos superiores reli-giosos, o documento começa comuma análise sobre a atual condiçãojuvenil, salientando os múltiplos de-safios que dizem respeito, em parti-cular, à cultura cientificista, à inse-gurança, ao desemprego, à corrup-ção, aos fluxos migratórios, às novastecnologias e aos fenómenos do al-coolismo, do jogo e da toxicodepen-dência. Neste contexto «as antigasabordagens já não funcionam» e porisso tornam-se indispensáveis novos«instrumentos culturais, sociais e es-pirituais», capazes de «despertar acoragem e os impulsos do coração».

A partir desta consciência, a se-gunda parte do texto sugere percur-sos de «discernimento vocacional»para acompanhar e orientar os jo-vens nas opções fundamentais da vi-da. O que significa para a Igreja«acompanhar os jovens a aceitar oconvite à alegria do Evangelho, so-bretudo numa época marcada pelaincerteza, pela precariedade e pelainsegurança»?

A esta pergunta responde a parteconclusiva do documento, com umaatenção específica aos protagonistas,aos lugares e aos instrumentos desteacompanhamento. Sublinha-se emespecial que os jovens não são sim-ples «objetos» da pastoral e, portan-to, «a própria Igreja é chamada aaprender» deles. Também por isso,foi anunciado que a Secretaria geraldo Sínodo dos bispos lançará, nopróximo mês de março, a iniciativade um site (www.sinodogiova-ni2018.va), aberto a todos para con-sultar os jovens sobre as suas expeta-tivas e a sua vida.

PÁGINAS 8 E 9

LU C E T TA SCARAFFIA

Com a escolha do tema do próximosínodo, centrado nos jovens e nasua opção de uma vocação de vida,o Papa Francisco, mais uma vez de-

pois das assembleias sobre a famí-lia, demonstra saber compreender anecessidade do mundo no qual vivee ir ao encontro das dificuldades dasociedade com propostas inovado-ras. De facto, nunca como hoje, as

novas gerações estão em dificuldadeao escolher a própria vida, tambémem contextos de bem-estar econó-mico e de liberdade; aliás, pareceque estas duas condições são preci-samente fonte de desorientação enão de confiança no futuro e devontade de deixar uma marca nopróprio tempo.

E justamente o documento pre-paratório do sínodo indica o núcleodesta dificuldade na incapacidadede decidir, afirmando que «não sepode permanecer infinitamente naindeterminação». Por conseguinte,quem está ao lado dos jovens temsobretudo a tarefa de os ajudar aarriscar e a fazer escolhas corajosaspara procurar manter-se fieis aoprojeto de vida sonhado e iniciado.

Nas raízes desta debilidade naescolha de uma vocação está, semdúvida, o colapso do sistema esco-lar, que já se tornou evidente emtodos os países ocidentais e quedeixou de saber preparar os jovenspara esforços prolongados em vistade objetivos a longo prazo. De fac-to, a possibilidade de ter tudo ime-diatamente, propagou-se em todos

«Adotar todas as medidas possí-veis para garantir aos menores mi-grantes a proteção e a defesa, as-sim como a sua integração»: foi oapelo lançado pelo Papa no finaldo Angelus de domingo 15 de ja-neiro, dia mundial do migrante edo refugiado. Dedicada este anoprecisamente aos «migrantes me-nores de idade, vulneráveis e semvoz», a iniciativa foi apoiada peloPontífice também nos dias prece-

dentes através de uma série detweets. Depois, Francisco saudou«as representações de várias co-munidades étnicas», desejan-do-lhes «que vivam serenamentenas localidades» de acolhimento«respeitando as suas leis e tradi-ções e, ao mesmo tempo, preser-vando os valores das culturas deorigem».

PÁGINA 5

Entrevista ao cardeal Turkson

Dar voz às criançasdesacompanhadas

NICOLA GORI NA PÁGINA 4

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 19 de janeiro de 2017, número 3

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

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Na paróquia de Santa Maria em Setteville de Guidonia

Mente, coração e mãosMAU R I Z I O FO N TA N A

Construir «juntos» um «bairro de paz», rezando«uns pelos outros». Foi o conselho que no do-mingo 15 de janeiro o Papa Francisco deu aos ha-bitantes de Setteville de Guidonia. No final da vi-sita realizada à paróquia de Santa Maria, na escu-ridão da noite aclarada pelas luminárias instaladasna avenida que da praça central leva à igreja, oPontífice saudou os inúmeros fiéis que há horas oesperavam ao ar livre desafiando o rigor destesdias invernais: «Sentistes muito frio!». Pediu querezassem por ele e também «para que a paróquiae o bairro progridam, pelos doentes, para que sa-rem, pelas crianças, para que cresçam sadias, epor todos, uns pelos outros», porque «quando aspessoas rezam umas pelas outras, chegam coisasboas: não custa nada e faz tanto bem». De resto,este testemunho a ser vivido no dia a dia foi a pa-lavra que atravessou como um leit motiv toda atarde que o bispo de Roma passou na extremaperiferia oriental da sua diocese.

O Papa Francisco chegou a Setteville às 15h40e, antes de entrar na esplanada da igreja, mandouparar o carro para saudar as muitas pessoas que oesperavam nas ruas e nas varandas. O tempo dedar um beijo em dois recém-nascidos que o pes-soal da segurança lhe mostrou através da janeli-nha, e o Pontífice chegou ao presbitério onde oesperavam o cardeal vigário Agostino Vallini, obispo auxiliar do setor norte D. Guerino Di Tora,o pároco padre Luigi Tedoldi, o vice-pároco pa-dre Leonel Alejandro Torres Lara — que em segui-da celebraram com ele a missa dominical — e oregente da Casa pontifícia, monsenhor LeonardoSapienza.

A primeira visita a uma paróquia da sua dioce-se depois da interrupção devida aos compromis-sos do jubileu, teve para o Papa uma motivaçãoespecial: ir visitar um sacerdote gravemente doen-te. Deste modo, quando chegou, subiu ao aparta-mento onde vive o padre Giuseppe Berardino,que há dois anos sofre de uma grave forma de es-clerose lateral amiotrófica. «Sou o teu bispo» dis-se ao sacerdote antes de lhe dirigir algumas pala-vras de conforto e de lhe administrar o sacramen-to da unção dos enfermos.

Após muitos anos de testemunho ativo, duranteos quais o padre Giuseppe conquistou o afeto e oreconhecimento de todos os paroquianos, o dehoje foi com o coração e a oração, silenciosa masclaramente compreendida por uma comunidadeque o sente ainda próximo. Quem quer que sejainterpelado fala dele com um sentido de gratidãoinfinita. Ao sacerdote foi intitulado o oratório on-de se reúnem os jovens que ele acompanhou comtanto amor. «Recordo-me — disse-nos uma mãe —quando vinha à tarde a casa para assistir aos dese-nhos animados com os meus filhos pequenos, ouas conversas que mantinha com os adultos,,,».

Depois da visita ao sacerdote, o Pontífice deuinício ao percurso através das salas paroquiais nasquais se encontrou com as várias realidades pasto-rais. Começando por um grupo de doentes, cercade trinta, entre os quais inclusive algumas crian-ças pequenas. «Como te chamas?» perguntou auma delas. «Francisco, como o senhor» respon-deu a mãe que procurava acalmar o pequenino.«Não chores, és bom» disse o Papa, acariciando-o. Para cada um ofereceu uma palavra, um beijo,uma carícia. Para os pequeninos uma ternura amais: a um deles deixou que lhe mordesse o de-do, com outro deteve-se a brincar com as mãozi-nhas, de outro recebeu uma folha com a impres-

são das mãos: «Que bonito! Obrigado!», e deu-lhe um beijo no rosto. Depois, disse a todos, im-provisando: «Há situações que não podem ser ex-plicadas, mas sucedem, a vida é assim»; tambémpor isso «Jesus quis estar próximo de nós até coma sua dor, com a sua paixão, com os próprios so-frimentos, e Jesus está próximo de todos vós». Eacrescentou: «Sei que quando sofremos, quandohá problemas, é difícil entender, mas não se tratade entender, trata-se de sentir, sentir as carícias deJesus. Só isto. E isto consola».

Depois, a entrada no salão onde o Pontífice eraesperado por 160 jovens do pós-crisma e cerca desessenta representantes do grupo de escoteiro Set-teville I foi um banho de entusiasmo, feito decantos e de lenços esvoaçantes. Vencendo a timi-dez dos jovens e impelindo-os repetidamente a in-tervir e a fazer perguntas, o Papa instaurou comeles uma espécie de catequese «com perguntas erespostas», intercalada por anedotas e risadas.

Numa paróquia que conta muitas famílias nu-merosas, algumas até com seis ou sete filhos,Francisco saudou as que tiveram a alegria de cele-

tro um momento no qual possa ir jogar golfe, porexemplo, não, não». E confidenciou que quandotem tempo à disposição lê, escreve e ouve música:«Rock?», «Não, tango!».

Francisco — explicou — não tem a possibilidadede ver filmes, mas sobre este tema disse que«quando estava em Buenos Aires, às vezes usavaum filme para fazer a catequese. Assistia-se ao fil-me e depois refletia-se sobre ele. Na semana se-guinte fazia a catequese, assim tinha uma semanapara pensar no filme. Há filmes muito bons, eagora com a técnica podemos encontrar velhosfilmes bons, e também novos». Sugeriu, porexemplo, Rapsódia em agosto, de Akira Kurosawa(útil «para explicar o diálogo entre avós e netos»)e A festa de Babette, de Gabriel Axel (que ajuda aentender «como é a gratuidade cristã»).

Em seguida, respondendo a um missionário lei-go enviado à Áustria, continuou a falar sobre tes-temunho: «Ir em missão não é fácil. São necessá-rias coragem e chamada do Senhor. A Igreja cres-ceu com as missões».

brar um batismo no ano passado. Foram quarentae cinco. Após saudar cada um, como gosta de fa-zer nessas circunstâncias, o Pontífice ofereceu al-guns conselhos para a vida diária. O primeiro:«Que os vossos filhos nunca vos ouçam nem vosvejam discutir. Se quiserdes discutir, ide ao vossoquarto, fechai a porta e dizei tudo, discuti. É sa-dio; porque também desabafar é sadio. Mas queeles não vejam, porque as crianças sofrem, se sen-tem abandonadas, quando os pais discutem». Osegundo: «Se tivestes uma discussão, não termi-neis o dia sem fazer as pazes». Em seguida, reci-tou com os presentes uma Ave-Maria e concedeu-lhes a bênção.

O encontro final foi com os agentes pastorais,cerca de cem entre os mais estreitos colaboradoresdo pároco, desde os catequistas até a quantos seocupam da cozinha e da limpeza. «Ajudam de to-do o modo», explicou o padre Gino, e o Papa re-tomou um conceito que pouco antes tinha expli-cado aos jovens: somos testemunhas «com a men-te, com o coração e com as mãos». Também nestaocasião o Pontífice impeliu os presentes a formu-lar algumas perguntas. E a primeira suscitou umarisada rumorosa: «O Papa, quando não é Papa, oque faz?». «Devo ser o bispo de Roma o dia in-teiro», respondeu. E fez uma piada: «Não encon-

Depois de ter saudado cinco sacerdotes da pre-feitura que concelebraram com ele e os ministran-tes (entre eles, quatro seminaristas da paróquia; oquinto, cego, foi levado até ele durante o ofertó-rio), o Papa foi à sacristia para confessar quatrofiéis: um casal que juntamente com outros casaiscuidam do padre Giuseppe, um jovem do pós-crisma e o pai de uma criança doente. A seguircelebrou a missa para toda a comunidade. No fi-nal do rito — dirigido pelo mestre das celebraçõeslitúrgicas pontifícias, monsenhor Guido Marini,coadjuvado pelo mestre-de-cerimónias Ján Dubi-na — o pároco, padre Tedoldi, dirigiu uma brevesaudação ao Pontífice. Nos anos setenta, disse,«havia na cidade uma fonte chamada “dos po-b re s ”, para as casas que não tinham água». Hoje,disse ao apresentar todas as realidades ativas noterritório, «a fonte já não existe» mas temos «aparóquia, que se tornou uma verdadeira fonte es-piritual para todo o bairro». Depois, juntamentecom o vice-pároco, ofereceu um círio pascal deco-rado pelas religiosas beneditinas do mosteiro deSão Magno em Amélia.

No final da missa, Francisco saudou os presen-tes na igreja e dirigiu-se ao adro de onde conce-deu a bênção também aos fiéis que seguiram o ri-to através de grandes ecrãs.

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número 3, quinta-feira 19 de janeiro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Visita pastoral do Santo Padre

Pecadores mas testemunhas

Cara a cara com Francisco

O Evangelho apresenta-nos João[Batista] no momento em que dátestemunho de Jesus. Vendo que Je-sus se dirigia na sua direção, disse:«Eis o Cordeiro de Deus, que tira opecado do mundo! É este de quemeu disse: “Depois de mim virá umhomem que me é superior, porqueexiste antes de mim”» (Jo 1, 29-30).Trata-se do Messias. Dá testemunho!E ouvindo este testemunho, algunsdiscípulos — discípulos de João —seguiram Jesus; seguiram-no e senti-ram-se felizes: «Encontramos o Mes-sias!» (Jo 1, 41). Sentiram a presençade Jesus. Mas por que motivo elesencontraram Jesus? Porque houveuma testemunha, porque houve umhomem que deu testemunho de Je-sus.

É assim que acontece na nossa vi-da. Há numerosos cristãos que pro-fessam que Jesus é Deus; existemmuitos sacerdotes que professam queJesus é Deus; tantos bispos... Masdão todos testemunho de Jesus? Sercristão é como... é um modo de vi-ver como outros, como ser torcedorde uma seleção? «Mas sim, sou cris-tão...». Ou como seguir uma filoso-fia: «Observo estes mandamentos,sou cristão, devo fazer isto...». Sercristão, antes de tudo, é dar testemu-nho de Jesus. É a primeira coisa. Efoi isto que fizeram os Apóstolos: osApóstolos deram testemunho de Je-sus, e foi por isso que o cristianis-mos se propagou no mundo inteiro.Testemunho e martírio: é a mesmacoisa. Dá-se testemunho em peque-no, e alguns chegam ao grande, che-gam a dar a vida no martírio, comoos Apóstolos. Mas os Apóstolos nãotinham feito um curso para se tornartestemunhas de Jesus; não tinhamestudado, não foram à universidade.Tinham sentido o Espírito dentro desi e seguiram a inspiração do Espíri-to Santo; foram-lhe fiéis. Mas todoseram pecadores! Os Doze eram pe-cadores! «Não, Padre, só Judas!».

Não, coitado... Nós não sabemos oque aconteceu depois da sua morte,porque a misericórdia de Deus existeinclusive naquele momento. Mas to-dos eram pecadores, todos! Invejo-sos, havia ciúmes entre eles: «Não,eu devo ocupar o primeiro lugar etu o segundo»; e dois deles pedem àmãe que vá falar com Jesus, paraque Ele reserve o primeiro lugar aosseus filhos... Eram assim, com todosos pecados. E eram também pecado-res, porque quando Jesus foi captu-rado, todos fugiram, cheios de me-do; esconderam-se: tinham pavor. EPedro, consciente de que era o che-fe, sentiu a necessidade de se apro-

ximar um pouco para ver o queacontecia; e quando a empregadadoméstica do sacerdote disse: «Mastambém tu eras...», ele respondeu:«Não, não, não!». Renegou Jesus,traiu Jesus. Pedro! O primeiro Papatraiu Jesus! E estas são as testemu-nhas! Sim, porque eram testemunhas

da salvação trazida por Jesus, e poresta salvação todos se converteram,se deixaram salvar. É bonito quan-do, à margem do lago, Jesus fazaquele prodígio [a pesca milagrosa]e Pedro diz: «Afasta-te de mim, Se-nhor, porque sou um homem peca-dor» (Lc 5, 8). Ser testemunha nãosignifica ser santo, mas ser um ho-mem pobre, uma mulher pobre quediz: «Sim, eu sou um pecador, masJesus é o Senhor e eu dou testemu-nho dele, procurando praticar o bemtodos os dias, emendar a minha vi-da, ir pelo caminho certo».

Eu gostaria de vos transmitir umamensagem. Todos nós entendemosisto, aquilo que eu disse: testemu-nhas pecadoras. No entanto, lendo oEvangelho, não encontro um [certotipo de] pecado nos Apóstolos. Ha-via alguns violentos, que queriam in-cendiar um povoado porque não ostinham acolhido... Eles tinham mui-tos pecados: traidores, desleais...Mas não encontro um [particular]:não eram bisbilhoteiros, não falavammal dos outros, não falavam mal unsdos outros. Nisto eram bons. Não se«depenavam». Penso nas nossas co-munidades: quantas vezes se cometeo pecado de «tirar a pele uns aosoutros», de falar mal, de se julgarsuperior em relação ao outro e de fa-lar mal às escondidas! Isto, no Evan-gelho, eles não faziam. Fizeram coi-sas más, traíram o Senhor, mas istonão. Inclusive numa paróquia, numacomunidade onde se sabe... este de-fraudou, aquele fez isso... mas de-pois confessa-se, converte-se... So-mos todos pecadores. No entanto,

uma comunidade onde existembisbilhoteiras e bisbilhoteiros

é uma comunidade incapazde dar testemunho.

Direi apenas isto: dese-jais uma paróquia perfei-ta? Nada de mexericos,nada. Se tiveres algo con-tra alguém, fala diretamen-te com ele, com o pároco;mas não entre vós. Este éo sinal de que o EspíritoSanto está presente na pa-róquia. Quanto aos outrospecados, todos os temos.Existe uma coleção de pe-cados: um tem este, outrotem aquele, mas todos nóssomos pecadores. Todavia,o que destrói uma comuni-dade, como o caruncho,são as bisbilhotices pelascostas.

Gostaria que neste dia

«Cristãos papagaios» ou testemu-nhas autênticas «com a própria vi-da»? Direto e eficaz, Francisco en-volveu num diálogo vivo os jovensdo pós-crisma e do escotismo. Apósa saudação de um catequista e detrês jovens que explicaram como fo-ram ajudados na sua adolescência,o Papa frisou a importância destaescolha: «O Senhor concedeu-vos agraça de não fazer da Crisma o sa-cramento do “adeus”». Depois, co-meçou o seu tímido auditório: «Fa-lai, que vos quero ouvir!». Após ashesitações iniciais, rompidas porum menino de oito anos — «b em,continua assim», «sê corajoso» — oPapa procurou resumir o significa-do e a importância do «testemunhocristão», cujo segredo «é a alegria».

Não foi uma lição, mas um diá-logo. Em coro, os jovens repetiram:«O testemunho cristão faz-se com apalavra, o coração e as mãos!». Osjovens acrescentaram: «Doando-se», e ele: «Que significa esta pala-vra?»: «Abrir-se ao outro», «aceitaro próximo», «ouvir o outro».Quando o Pontífice perguntou:«Como se dá testemunho com asmãos?», os jovens responderam:

«Sendo humilde», «indo ao encon-tro das pessoas», embora «seja difí-cil pôr de lado o orgulho». Umajovem perguntou: «Como explicara quem não crê por que a fé é im-portante?». A resposta foi clara:«Não se deve explicar». Nada deproselitismo, disse o Papa, acrescen-tando: «Que fazer, se não posso ex-plicar? Viver de modo que ele ouela me pergunte: “Por que vives as-sim? Por que fizeste isto?”, e entãoexplicar. Entendeste?».

Quebrando o gelo, os jovens in-terrogaram Francisco sobre algunsaspetos pessoais: «Consegue per-doar sempre?», («Perdoar é difícil,mas possível», «o perdão não se fazpor decreto, é preciso um caminhointerior para perdoar. Não é fácil»).À pergunta: «Qual é o maior domque recebeu de Deus?», o Papacompartilhou uma recordação afe-tuosa: «O que sinto como um gran-de dom de Deus é a família: o pai,a mãe, cinco irmãos, a família intei-ra...». E aproveitou para confirmara importância de ouvir e falar comos avós: «São a memória e a sabe-doria da vida».

«Uma paróquia onde não há mexericos é uma paróquia perfeita; uma paróquiade pecadores, sim, mas de testemunhas». Inspirando-se no Evangelho do segundodomingo do tempo comum, o Papa Francisco indicou este ideal de comunidadeaos fiéis de Santa Maria em «Setteville» de Guidonia. O bispo de Roma foi aessa localidade na parte da tarde de domingo 15 de janeiro, retomando assim assuas visitas pastorais às paróquias da diocese, interrompidas durante o Ano santoextraordinário da misericórdia. Publicamos a seguir o texto da homiliaimprovisada na celebração da santa missa na igreja paroquial.

da minha visita esta comunidade fi-zesse o propósito de não mexericar.E quando tiveres a vontade de dizeruma bisbilhotice, morde a tua lín-gua: ela inchará, mas far-vos-á muitobem, porque no Evangelho estas tes-temunhas de Jesus — pecadores: atéchegaram a trair o Senhor! — nuncafalavam mal umas das outras. E istoé bom! Uma paróquia onde não hámexericos é uma paróquia perfeita;uma paróquia de pecadores, sim,mas de testemunhas. E era este otestemunho que davam os primeiroscristãos: «Como se amam, como seamam!». Amar-se pelo menos nisto.Começar com isto. O Senhor vosconceda esta dádiva, esta graça:nunca, nunca falar mal uns dos ou-tros. Obrigado!

Ainda mais comovedora foi a úl-tima pergunta de uma jovem: «Co-mo fez para não perder a fé entreos altos e baixos da vida?». O Pon-tífice evocou alguns momentos emque «a fé diminuiu tanto que eunão a encontrava, vivendo como senão a tivesse». E acrescentou: «Hádias muito escuros... Também eu ti-ve dias assim na minha vida». Massem «ter medo: é preciso rezar, terpaciência e depois o Senhor mos-tra-se, faz crescer a nossa fé e leva-nos em frente». E quando encon-tras uma pessoa que vacila na fépor um grande sofrimento, sugeriuà jovem, «respeita aquela escuridãoda alma. Depois o Senhor desperta-rá a sua fé. A fé é um dom do Se-nhor. Nós só o devemos preservar».

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 19 de janeiro de 2017, número 3

Entrevista ao cardeal presidente do novo dicastério para o Serviço do desenvolvimento humano integral

Dar voz às crianças desacompanhadasNICOLA GORI

Face à dramática «situação dos mi-grantes menores fechados nos cen-tros de detenção e nos campos depermanência obrigatórios, onde seencontram segregados, sem possibili-dade de frequentar normalmente aescola, e com o risco de ser recruta-dos pela criminalidade organizada, éurgente encontrar alternativas querespeitem a importância da unidadeda família». Foi o apelo lançado pe-lo cardeal Peter Kodwo AppiahTurkson, na vigília do Dia mundialdo migrante e do refugiado, dedica-do este ano precisamente aos «mi-grantes menores, vulneráveis e semvoz». Nesta entrevista ao nosso jor-nal o purpurado fala também do no-vo dicastério para o Serviço do de-senvolvimento humano integral, aoqual preside.

A 15 de janeiro corrente celebra-se o103º Dia mundial do migrante e dorefugiado. Não se corre o risco de cele-brar apenas aqueles que morreram nomar?

Certamente este dia tem entre assuas finalidades a recordação e a de-núncia dos acontecimentos do últi-mo ano. Com efeito, não podemosesquecer todos aqueles que, queren-do fugir da morte certa ou procuran-do um futuro melhor, perderam a vi-da ou sofrem penas indizíveis. Seconsiderarmos unicamente o contex-to mediterrâneo, as estatísticas falamde mais de cinco mil migrantes mor-tos no mar durante a viagem para aEuropa em 2016. Estamos diante dopior balanço anual nunca antes veri-ficado em termos de perdas de vidashumanas. E entre eles numerosassão, infelizmente, as crianças; recor-demos o caso do pequenino Aylanem setembro de 2015. A partir de en-tão morreram no mar mais de 400menores. Contudo, devemos esfor-çar-nos por alargar o olhar, e estarcientes das realidades que afligemtambém os outros continentes. Porexemplo, na América são muitas ascrianças que se veem obrigadas adeslocar-se de um país para outro.Segundo a Agência da Onu para osrefugiados (Unhcr), mais de metadedos refugiados no mundo têm umaidade inferior a 18 anos, e os dadosindicam também que, em 2015, o nú-mero de crianças não acompanhadasque procuraram refúgio alcançouquase 100.000. Por conseguinte, es-tamos diante de um problema atualurgente, que diz respeito a todo oplaneta e que requer a nossa atençãoe dedicação. Por isso, convidamostodos os cristãos a tomar consciênciado desafio social e pastoral que a si-tuação dos migrantes e refugiadosmenores representa. Mas este diamundial constitui também uma oca-sião para frisar tantos elementos po-sitivos. O movimento migratório emsi mesmo constitui uma riqueza: anível de recursos humanos; pelo be-nefício económico que dá; e na suaperspetiva cultural. E estes são ape-nas alguns dos aspetos positivos quea migração traz consigo. Depois, daparte de quem acolhe, não podemosesquecer todas aquelas respostas ge-

de ser recrutados pela criminalidadeorganizada. É urgente encontrar al-ternativas que respeitem a importân-cia da unidade da família. Além dis-so, como observa o Papa Francisco,é fundamental a criação de iniciati-vas de cooperação destinadas a re-duzir as causas da emigração. Norespeitante ao que foi dito, e em vis-ta da integração dos migrantes e re-fugiados menores de idade, logica-mente é fundamental ter uma legis-lação específica que vá ao encontrodas suas problemáticas específicas.Favorecer a reunificação familiar ou,caso não seja possível, promover oseu acolhimento da parte de famí-lias, evitando assim na medida dopossível os campos e outros centros,seria um bom início. Outro pontoimportante é também a integraçãoescolar no sistema educativo nacio-nal, oferecendo itinerários formativosespecíficos de integração adequadosàs suas existências, de maneira a ga-rantir a sua preparação e a dotá-losdas bases necessárias para uma inser-ção correta no novo mundo social,cultural e profissional. E não pode-mos esquecer a necessidade de que apassagem do país de partida para opaís de chegada seja segura, porexemplo através de corredores hu-manitários.

Este é o primeiro Dia mundial que secelebra depois da instituição do novoDicastério para a promoção do desen-volvimento humano integral, que ini-ciou as suas funções a 1 de janeiro.Quais foram as prioridades da vossaatividade nestas primeiras semanas?

O Dicastério está a ganhar forma,reunião após reunião, com a necessi-dade de conferir um perfil unitárioàs funções que estavam distribuídasem quatro Pontifícios conselhos:Justiça e paz, Pastoral dos migrantese itinerantes, Cor unum e Pastoralno campo da saúde. Desde o motuproprio Humanam progressionem (17de agosto de 2016) até à entrada emvigor do Dicastério (1 de janeiro de2017) tivemos pouco tempo para areorganização. Por isso pedimosuma prorrogação ao Papa, que no-laconcedeu, até à Páscoa. No novoDiscastério está prevista uma Repar-tição de pesquisa e estudo; outraque se ocupará da aplicação práticados projetos; e outra que se dedicaráde modo sistemático à comunicação,à relação com o mundo, para dialo-gar não só com os nossos habituaisinterlocutores, mas para ir ao encon-tro de todos e concretizar o desafiode promover o bem da sociedade. Otema migratório, hoje em dia, assu-miu uma importância cada vez maisgrave. A criação de uma Repartiçãopara os migrantes e refugiados de-monstra toda a atenção do Papa pa-ra a delicada questão do fenómenomigratório. Esta Repartição servir-se-á da colaboração de peritos na maté-ria e manterá contactos específicoscom os organismos internacionais doâmbito migratório. A Igreja, sob aguia do Papa, está cada vez maischamada a oferecer gestos concretosde proximidade e de humanidade,elementos essenciais daquele pro-gresso ao qual têm direito milhõesde crianças.

nerosas e criativas dadas tanto pelasociedade civil como pela Igreja.

Migrantes e refugiados menores e se-gundas gerações constituem um elemen-to importante do crescimento das nossassociedades. Que instrumentos temos pa-ra os integrar?

Bento XVI quis dedicar duas men-sagens aos jovens migrantes, em2008 e em 2010. Ele refletiu sobre osdesafios que os jovens devem enfren-tar nos lugares de chegada, e dirigiua sua atenção, de modo particular,ao apoio à família e à escola. Hoje,o Papa Francisco aprofunda essa re-flexão acentuando a solicitude daIgreja pelas «crianças que são trêsvezes indefesas por serem menores,estrangeiras e inermes, quando, porvárias razões, são forçadas a viverlonge da sua terra de origem e sepa-radas dos afetos familiares». A tutelados seus direitos com base na ordemjurídica internacional é de importân-cia fundamental. O princípio do in-teresse superior pela criança é san-cionado pelo artigo 3 da Convençãosobre os direitos da infância de 1989.

buem para criar um estado de vulne-rabilidade, como a falta dos meiosde sobrevivência, o baixo nível dealfabetização e o desconhecimentodas leis, da cultura e da língua.Muitas vezes se pretende respondercom políticas de imigração mais res-tritivas, controles mais severos nasfronteiras e lutando contra a crimi-nalidade organizada. Contudo é ne-cessário enfrentar as causas maisprofundas do fenómeno. O PapaFrancisco reafirma que também umacolaboração cada vez mais estreitaentre imigrantes e comunidades queos acolhem ajuda a solucionar o fe-nómeno. E muitas pessoas, recorde-mo-lo sempre, já se dedicam diaria-mente, pondo de maneira infatigávelas suas vidas ao serviço destas crian-ças.

Este aumento exponencial do númerode estrangeiros menores não acompa-nhados encontra o acolhimento necessá-rio?

Na sua mensagem, uma das qua-tro diretrizes indicadas pelo Pontífi-ce como resposta ao fenómeno da

Uma criança no campo de refugiados de Gevgelija na Macedônia (Reuters)

Por isso, as autoridades dos paísesque acolhem têm a obrigação de osg a r a n t i r.

Segundo as estatísticas, o número deestrangeiros menores não acompanhadosquase duplicou num ano. Nos últimostempos o Papa Francisco interveio vá-rias vezes sobre o drama das crianças,também migrantes, que têm que enfren-tar sozinhas abusos ou violência. O quese pode fazer para impedir este fenóme-no?

É verdade. As estatísticas eviden-ciam este triste incremento. Se, porexemplo, falarmos da situação italia-na, verificamos que os menores nãoacompanhados desembarcados nopaís aumentaram para o dobro, pas-sando de 12.360 para 25.772 em 2016.E estar sozinhos inevitavelmente ostorna mais vulneráveis, e faz comque sejam vítimas do tráfico para fi-nalidades indignas. Face a isto, oPontífice levanta continuamente asua voz para denunciar esta situaçãodramática, por exemplo, na recenteCarta aos bispos na Festa dos San-tos Inocentes e no discurso ao corpodiplomático do passado dia 9 de ja-neiro. Na mensagem de 2017, o Papaencoraja a proteção e a defesa dosmigrantes menores, partindo do co-nhecimento dos fatores que contri-

migração de menores é precisamentea necessidade de integração. Paramuitos, ela é um período de instabi-lidade, durante o qual deve ser feitauma transição da cultura e sociedadede origem para uma nova vida nopaís de chegada. Muitos vivem achamada «dificuldade da dúplicepertença». Por este motivo, o Paparecorda a necessidade da «adoção depolíticas adequadas de acolhimento,assistência e inclusão», e da «inser-ção social dos migrantes menores,ou programas de repatriação segurae assistida». O Canadá, em 1996, foio primeiro país que introduziu dire-trizes finalizadas aos menores reque-rentes de asilo, mas muitos outrosgovernos enfrentaram com dificulda-de a questão e as suas ações oscilamentre a adoção de medidas rígidasde controle e esforços destinados aseguir o artigo 22 da Convenção sobreos direitos da infância, o qual obrigaos países signatários a fornecer pro-teção e assistência adequadas àscrianças. Neste contexto, o Pontíficequis dirigir uma atenção particular àsituação dos migrantes menores fe-chados nos centros de detenção ecampos de permanência obrigató-rios, onde se encontram segregados,sem possibilidades de frequentarnormalmente a escola, e com o risco

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número 3, quinta-feira 19 de janeiro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Apelo do Papa no Angelus

Em defesados menores que migram

Francisco batizou treze crianças nascidas em Amatrice e Accumoli depois do sismo

Promessa mantida

«É necessário tomar todas as medidaspossíveis para garantir aos migrantesmenores a proteção e a defesa, mastambém a sua integração»: foi quantoauspiciou o Papa no final do Angelusde domingo 15 de janeiro, dia mundialdo migrante e do refugiado. Antes daoração com os fiéis presentes na praçade São Pedro o Pontífice comentou oEvangelho dominical.

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!No centro do Evangelho de hoje (Jo1, 29-34) está essa palavra de JoãoBatista: «Eis o Cordeiro de Deus, quetira o pecado do mundo!» (v. 29).Uma palavra acompanhada peloolhar e pelo gesto da mão que indi-cam Ele, Jesus.

Imaginemos a cena. Estamos namargem do rio Jordão. João está abatizar; há muita gente, homens emulheres de várias idades, que alichegaram, ao rio, para receber o ba-tismo das mãos daquele homem quea muitos recordava Elias, o grandeprofeta que nove séculos antes tinhapurificado os israelitas da idolatria,reconduzindo-os à verdadeira fé noDeus da aliança, o Deus de Abraão,de Isac e de Jacob.

João prega que o reino dos céusestá próximo, que o Messias está pa-ra se manifestar e é necessário prepa-rar-se, converter-se e comportar-secom justiça; e começa a batizar noJordão para dar ao povo um meioconcreto de penitência (cf. Mt 3, 1-6). Esta gente ia para se arrependerdos próprios pecados, para fazer pe-nitência, para recomeçar a vida. Elesabe, João sabe que o Messias, oConsagrado do Senhor já está próxi-

mo, e o sinal para o reconhecer seráquando sobre Ele se pousar o Espíri-to Santo; com efeito, Ele trará o ver-dadeiro batismo, o batismo no Espí-rito Santo (cf. Jo 1, 33).

Eis que o momento chega: Jesusapresenta-se à margem do rio, nomeio do povo, dos pecadores — co-mo todos nós. É o seu primeiro atopúblico, a primeira coisa que fazquando deixa a casa de Nazaré, comtrinta anos: desce à Judeia, vai aoJordão e deixa-se batizar por João.Sabemos que algo acontece — cele-brámo-lo no domingo passado: so-bre Jesus desce o Espírito Santo emforma de uma pomba e a voz do Paiproclama-o Filho predileto (cf. Mt 3,16-17). É o sinal que João esperava.É ele! Jesus é o Messias. João estádesconcertado, porque se manifestoude um modo inimaginável: no meiodos pecadores, batizado como eles,aliás, por eles. Mas o Espírito ilumi-na João e faz-lhe compreender quedeste modo se cumpre a justiça deDeus, se cumpre o seu desígnio desalvação: Jesus é o Messias, o Rei deIsrael, não com a poder deste mun-do, mas sim como Cordeiro de Deus,que assume sobre si e tira o pecado domundo.

Assim João indica-o ao povo e aosseus discípulos. Porque João tinhaum amplo círculo de discípulos, queo escolheram como guia espiritual, eprecisamente alguns deles se torna-ram os primeiros discípulos de Jesus.Conhecemos bem os seus nomes: Si-mão, depois chamado Pedro, seu ir-mão André, Tiago e seu irmão João.Todos pescadores; todos galileus, co-mo Jesus.

Queridos irmãos e irmãs, porquenos detemos prolongadamente sobreesta cena? Porque é decisiva! Não éuma anedota. É um facto históricodecisivo! Esta cena é determinantepara a nossa fé; e é crucial tambémpara a missão da Igreja. A Igreja,em todas as épocas, é chamada a fa-zer aquilo que fez João Batista, indi-car Jesus ao povo dizendo: «Eis oCordeiro de Deus, Aquele que tira opecado do mundo!». Ele é o únicoSalvador! Ele é o Senhor, humilde,no meio dos pecadores, mas é Ele,Ele: não é outro, poderoso, quevem; não, não, é Ele!

qual não se anuncia a si mesma. Ai,ai da Igreja quando se anuncia a simesma; perde a bússola, não sabe pa-ra onde vai! A Igreja anuncia Cristo;não se traz a si mesma, mas Cristo.Pois, é só Ele e unicamente Ele quesalva o seu povo do pecado, que o li-berta e o guia para a terra da verda-deira liberdade. Que a Virgem Maria,Mãe do Cordeiro de Deus, nos ajudea acreditar n’Ele e a segui-lo.

Após a recitação da oração mariana doAngelus, Francisco lançou o apelo afavor dos migrantes menores, saudouas comunidades étnicas presentes erecordou a figura de Santa FranciscaXavier Cabrini, no centenário damorte.

Queridos irmãos e irmãs!Hoje celebramos o Dia Mundial doMigrante e do Refugiado, dedicadoao tema «Migrantes menores de ida-de, vulneráveis e sem voz». Estesnossos pequenos irmãos, especial-mente se não acompanhados, estãoexpostos e muitos perigos. E digo-vos que são tantos! É necessário to-mar todas as medidas possíveis paragarantir aos migrantes menores aproteção e a defesa, mas também asua integração.

Dirijo uma saudação especial àsrepresentações de diversas comuni-dades étnicas aqui congregadas. Ca-ros amigos, faço votos para que pos-sais viver serenamente nas localida-des que vos acolherem, respeitandoas suas leis e tradições e, ao mesmotempo, preservando os valores dasvossas culturas de origem. O encon-tro entre várias culturas é sempre umenriquecimento para todos! Agrade-ço ao Secretariado para os Migran-tes da Diocese de Roma e a quantosse dedicam aos migrantes para osacolher e acompanhar nas suas difi-culdades, e encorajo-os a prosseguirnesta obra, recordando o exemplode Santa Francisca Xavier Cabrini,padroeira dos migrantes, cujo cente-nário da morte se comemora esteano. Esta irmã corajosa dedicou asua vida para levar o amor de Cristoa quantos estavam longe da pátria eda família. O seu testemunho nosajude a cuidar do irmão estrangeiro,no qual está presente Jesus, muitasvezes sofredor, rejeitado e humilha-do. Quantas vezes na Bíblia o Se-nhor nos pediu para acolher os mi-grantes e os forasteiros, recordando-nos que também nós somos forastei-ro s !

Saúdo com afeto todos vós, queri-dos irmãos provenientes de diversasparóquias da Itália e de outros paí-ses, assim como as associações e osvários grupos. Em particular, os es-tudantes do Instituto Meléndez Val-dés de Villafranca de los Barros, Es-panha.

A todos desejo bom domingo ebom almoço. E, por favor, não vosesqueçais de rezar por mim. Obriga-do.

Prometera-o a 4 de outubro, entre os destroços deAmatrice, a Fabiana Bizzoni, que tinha acabado de darà luz a uma criança. A mulher tinha-lhe pedido parabatizar a sua Giulia, «como sinal de esperança e de re-nascimento». E sábado 14 de janeiro Francisco manteveaquele compromisso, batizando treze pequeninos — oi-to meninos e cinco meninas, o mais pequenino comapenas cinco dias — nascidos depois do terramoto quea 24 de agosto devastou a Itália central.

Para o rito, em forma privada e num clima de gran-de simplicidade, o Papa escolheu a capela da CasaSanta Marta. As treze famílias — provenientes de Ama-trice, Accumoli e Cittareale — foram acompanhadas pe-lo bispo de Rieti, D. Domenico Pompili, o pároco deAmatrice, padre Savino D’Amelio, o pároco de Citta-reale, padre Fabio Gammarota, e o diretor da Cáritasde Rieti, padre Fabrizio Borrello. A maioria das crian-ças deveria ter recebido o batismo a 2 de outubro pas-sado, na igreja de Santo Agostinho em Amatrice, queficou gravemente danificada pelos tremores de terra. Eassim a surpresa e a alegria foram grandes quando, a30 de dezembro, D. Pompili, durante a visita ao hospi-tal San Camillo de Rieti, anunciou o desejo de Fran-cisco de batizar pessoalmente as crianças. Uma alegriaque durante a liturgia batismal foi expressa de formaparticular e vivaz pelos irmãos e pelas irmãs dos trezerecém-nascidos, que não deixaram de se abraçar alegre-mente à volta do Pontífice. E no final da liturgia o Pa-pa quis saudar todos, um por um, entregando tambémum seu dom às famílias.

Quem deu voz à gratidão dos presentes, mas tam-bém das comunidades que estão a viver a experiênciada precariedade por ter perdido tudo, foi Fabiana, amãe que com o seu pedido deu origem a esta iniciati-va. Naquele dia 4 de outubro estava com o filho maisvelho, Federico, de 4 anos, nas construções modularespré-fabricadas de Villa San Giuliano: «Pedi ao Papaque batizasse a minha filha e ele disse-me para falarcom o bispo». Juntamente com o pároco, Fabiana en-trou em contacto com as novas mães da zona. Este ba-tismo, explicou, «é a bênção de Francisco sobre a pos-sibilidade de renascer e dar um futuro aos nossos fi-lhos, auspiciando para eles o dom da coragem e da es-p erança».

A Sagrada Família vigiesobre todos os migrantes menores

e acompanhe aqueles mais vulneráveise sem voz em seu caminho

@M_RSecção(@Pontifex_pt)

E estas são as pala-vras que nós sacerdotesrepetimos todos osdias, durante a Missa,quando apresentamosao povo o pão e o vi-nho que se tornam oCorpo e o Sangue deCristo. Este gesto litúr-gico representa toda amissão da Igreja, a

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página 6 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 19 de janeiro de 2017, número 3

Para garantir todos os dias o acesso seguro aos peregrinos

Anjos da guardana praça de São Pedro

«Num certo sentido, vós sois os “anjosda guarda” da praça de São Pedro»:foi com estas expressões que o PapaFrancisco se dirigiu aos dirigentes eagentes da Inspetoria de segurançapública ao serviço do Vaticano,recebidos em audiência na manhã de13 de janeiro, na sala Clementina. Aseguir, publicamos as palavrasproferidas pelo Pontífice nessa ocasião.

Senhor Vice-Chefe Substitutoda PolíciaSenhor Prefeito BellesiniEstimados Funcionários e Agentes!Também este ano estou particular-mente feliz por me encontrar con-vosco, para a troca dos bons votosrecíprocos pelo ano há pouco inicia-do. Dirijo a todos a minha mais cor-dial saudação, de maneira especial àdoutora Maria Rosaria Maiorino, aquem agradeço as palavras de corte-sia. Saúdo os componentes da Inps-toria de Segurança Pública que estãoao serviço do Vaticano, assim comoos demais Dirigentes e Funcionáriosda Polícia de Estado e os Capelãeschefiados pelo Coordenador nacio-nal.

Desejo manifestar a cada um devós a minha estima e o meu profun-do reconhecimento pelo vosso servi-ço generoso, não isento de dificulda-des e de perigos. Bem sei que arris-cais! Num certo sentido, vós sois os

«anjos da guarda» da praça de SãoPedro. Efetivamente, presidis todosos dias a este singular centro da cris-tandade, bem como a outros lugaresde pertinência do Vaticano, comgrande solicitude, profissionalismo esentido de dever. E de forma espe-cial, nestes últimos tempos, tendesdemonstrado competência e intrepi-dez enfrentando os numerosos desa-fios e os vários perigos, comprome-tendo-vos com generosidade na pre-venção dos crimes. Deste modo tor-nastes seguro o acesso dos peregri-nos à Basílica, assim como aos en-contros com o Sucessor de Pedro.Estou-vos profundamente grato portudo isto! Agradeço-vos, e não setrata só de palavras, mas digo-o decoração: obrigado! Conheço a difi-culdade do vosso trabalho e os sacri-fícios que tendes de enfrentar no diaa dia. Deveis saber que vos apreciomuito e que penso frequentemente ecom reconhecimento sincero em vóse no vosso trabalho precioso.

O Jubileu Extraordinário da Mi-sericórdia, acontecimento de singularrelevância espiritual, viu afluir a Ro-ma, ao longo dos meses, numerososperegrinos provenientes de todas aspartes do mundo. Também vós fos-tes chamados a um maior compro-misso concreto, para fazer com queas celebrações e os encontros ligadosao Jubileu se pudessem realizar com

segurança e serenidade. Desta ma-neira a ordem exterior, sobre a qualvigiastes com grande diligência, es-mero atento e disponibilidade cons-tante, contribuiu para favorecer adisposição interior dos peregrinos,em busca de paz no encontro com amisericórdia do Senhor.

Há pouco concluímos o tempo deNatal, durante o qual pudemos diri-gir o nosso olhar para Belém, paraaquela terra e aquela Família que setornaram o lar de Jesus. O Natal le-vou-nos mais uma vez a medir-noscom a humildade do Filho de Deus,que quis tornar-se semelhante a nósem tudo, exceto no pecado, para nosfazer compreender com que amornos amou e nos ama. Este amor in-comensurável é um convite constan-

te a converter-nos à hospitalidade, àsolidariedade e ao perdão dos nossosirmãos. Assim, conseguiremos expe-rimentar dentro de nós aquela pazque os anjos em Belém anunciaramaos homens de boa vontade.

Caros irmãos e irmãs, o Senhorvos proteja no cumprimento da tare-fa que desempenhais em colabora-ção com as outras Forças de segu-rança da Itália e do Vaticano. E vosassista a Virgem Maria, terna Mãede Jesus e nossa. A Ela confio cadaum de vós e as vossas famílias. Aorenovar-vos o meu profundo apreçopelo vosso trabalho e pela tenacida-de e fidelidade com as quais o levaisa cabo, peço-vos por favor que oreispor mim e, de coração, concedo-vosa Bênção apostólica.

O Fórum católico-ortodoxo promovido pelo Conselho das conferências episcopais da Europa

A secularização é mais forte que o extremismode ParisCHARLES DE PECHPEYROU

Desde há alguns dias visitantes incomuns rondampelos corredores centenários da sede das Missõesestrangeiras em Paris, no próprio coração da capi-tal francesa. No lugar dos discretos seminaristas,figuras majestosas vestidas de preto caminham aolado de túnicas adornadas. Com efeito, foi aquique o Conselho das conferências episcopais daEuropa (Ccee) organizou o seu quinto fórum eu-ropeu católico-ortodoxo, para falar sobre o medosuscitado pela ameaça do terrorismo fundamenta-lista no velho continente.

No final dos trabalhos, na véspera da publica-ção da mensagem final, teve lugar uma celebraçãoconjunta na catedral de Notre-Dame, cujo mo-mento culminante foi a veneração excepcional dasanta Coroa de espinhos por parte dos participan-tes no fórum, na presença das autoridades dioce-sanas de Paris. No autocarro que os levou da sededas Missões estrangeiras à catedral, um dos maisilustres hospedes do encontro, o metropolita Hila-rion de Volokolamsk, em representação do pa-triarcado de Moscovo, deu uma conferência deimprensa improvisada diante de um pequeno gru-po de jornalistas.

À pergunta do nosso jornal sobre o modo emque as diversas confissões cristãs podem reagir aomedo do islamismo que se está a difundir na Eu-ropa, o prelado ortodoxo respondeu citando emprimeiro lugar o cardeal Kurt Koch, presidentedo Pontifício Conselho para a promoção da uni-dade dos cristãos. «Quando ele era bispo na Suí-ça, dizia que não se devia temer um islão forte,mas um cristianismo débil», recordou o metropo-lita de Volokolamsk. «Penso que, se nos mostrar-

mos fortes como cristãos, não haverá razão paratemer o islão, porque a nossa identidade cristãnos dará a força que vem diretamente de Deus».

Além disso, no seu parecer, «a secularizaçãodesenvolve-se nos países europeus onde a socieda-de é débil, onde não há valores pelos quais aspessoas estão prontas a dar a vida. Pois se não es-tivermos prontos a sacrificar a nossa vida pelosvalores secularizados, perderemos a batalha», ad-moestou Hilarion, convicto de que «só se reco-nhecermos de novo as nossas raízes e a nossaidentidade cristãs, seremos suficientemente fortespara enfrentar os desafios atuais».

«Não é negando Deus que se evitarão as ten-sões; pelo contrário, a secularização enfraquece avida social e dá origem a uma insegurança aindamaior», declarou alguns dias antes o cardeal PéterE rd ő, arcebispo de Esztergom-Budapest, e ex-pre-sidente da Ccee, na grande sala de reuniões dasmissões estrangeiras de Paris. O bispo de Cluj-Gherla, na Roménia, D. Florentin Crihălmeanu,por sua vez, alertou a Europa contra a «ilusão deencontrar no relativismo moral a chave de coabi-tação pacífica para uma sociedade dividida e des-provida de um projeto comum». De facto, na suaopinião, «a tendência de criticar e relativizar tudoleva a outros fundamentalismos». «Perante umafalsa neutralidade que procura marginalizar aIgreja e quer fazer da religião uma questão pura-mente privada, os cristãos devem promover umpluralismo autêntico, onde sejam aceites como in-terlocutores, além das Igrejas cristãs, também ohebraísmo e o islão», declarou por sua vez o me-tropolita Atenágoras da Bélgica. «O que devemostemer — acrescentou — é o próprio medo, não osterroristas. Uma sociedade edificada sobre o me-do, a suspeita e a desconfiança, está destinada aocolapso».

A capacidade de uma sociedade de resistir a es-ta espiral do ódio e do medo depende, em grandemedida, «do sangue frio demonstrado pelos res-ponsáveis políticos e religiosos», afirmou o car-deal André Vingt-Trois, arcebispo de Paris, pre-sente na abertura do Fórum. Para o purpurado,dado que «o pedido de proteção é uma manifes-tação do recurso à figura paterna da qual espera-mos segurança face ao perigo», as Igrejas cristãs,mais do que os outros organismos sociais, estãochamadas a tornar-se «exemplos pedagógicos nagestão do terror e do medo».

Durante a celebração que teve lugar na catedralde Notre-Dame, Paris

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número 3, quinta-feira 19 de janeiro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

Francisco convidou a curar os males causados por uma globalização irresponsável

Quando se ignora a misériaOs riscos temidos por João Paulo II verificaram-se amplamente

«Aqueles que causam ou permitem odescarte dos outros» tornam-se elesmesmos «máquinas sem alma,aceitando implicitamente o princípio deque também eles, mais cedo ou maistarde, serão descartados. É umbumerangue!». Falando a umadelegação da Global Foundation,recebida na manhã de 14 de janeirona sala Clementina, o Papa Franciscoalertou contra uma «sociedade quecolocou no centro o deus dinheiro»,convidando a utilizar a «inteligência»e os «recursos» para «curar os malesproduzidos por uma globalizaçãoirresponsável». Eis o discurso doPontífice.

Prezados Amigos

É com prazer que me encontro con-vosco nesta nova edição da «MesaRedonda» de Roma da Global Foun-dation, na qual vos reunis inspiradospelo lema da própria Fundação —«Juntos lutamos pelo bem comumglobal» («Together we strive for theglobal common good») — para encon-trar os caminhos certos, capazes delevar a uma globalização «cooperati-va», ou seja positiva, oposta à glo-balização da indiferença. A finalida-de consiste em assegurar que a co-munidade global, formada pelas ins-

tituições, pelas empresas e pelos re-presentantes da sociedade civil, pos-sa alcançar efetivamente as finalida-des e obrigações internacionais sole-nemente declaradas e assumidas, co-mo por exemplo as da Agenda 2030para o desenvolvimento sustentável eos Objetivos de Desenvolvimento Sus-tentável.

Antes de tudo, gostaria de reiterarque é inaceitável, porque desumano,um sistema económico mundial quedescarta homens, mulheres e crian-ças, porque parece que eles deixa-

to a não nascida como a abandona-da e descartada, fazendo ouvir a suavoz aos poderosos da terra, a fim deque reconhecessem os crimes da po-breza criada por eles mesmos (cf.Homilia para a canonização de MadreTeresa de Calcutá, 4 de setembro de2016).

Esta é a primeira atitude que po-de levar a uma globalização solidáriae cooperativa. Em primeiro lugar, énecessário que cada um, pessoal-mente, não seja indiferente às feridasdos pobres, mas aprenda a com-pa-decer com aqueles que sofrem devi-do às perseguições, à solidão e aodeslocamento forçado, ou então porcausa da separação das próprias fa-mílias; com quantos não têm acessoà assistência médica; e com aquelesque sofrem de fome, de frio ou dec a l o r.

Esta compaixão fará com que osagentes nos campos da economia eda política possam usar a sua inteli-gência e os seus recursos não apenaspara controlar e supervisionar os efei-tos da globalização, mas também pa-

ram de ser úteis segundo os critériosde rentabilidade das empresas ou deoutras organizações. Precisamenteeste descarte das pessoas constitui oregresso e a desumanização de qual-quer sistema político e económico:aqueles que causam ou permitem odescarte do próximo — re f u g i a d o s ,crianças abusadas ou escravizadas,pobres que morrem na rua quandofaz frio — tornam-se eles mesmos co-mo que máquinas sem alma, aceitan-do implicitamente o princípio deque também eles, mais cedo ou maistarde, serão descartados — isto é umbumerangue! Mas é verdade: maiscedo ou mais tarde, serão descarta-dos — quando já não forem úteis pa-ra uma sociedade que colocou nocentro o deus dinheiro.

Em 1991, diante da derrocada desistemas políticos opressivos e daprogressiva integração dos mercadosao qual habitualmente já chamamosglobalização, São João Paulo II p re -via o risco de que a ideologia capita-lista se propagasse por toda a parte.Essa teria comportado um descarteou a total indiferença pelos fenóme-nos da marginalização, da explora-ção e da alienação, humana, igno-rando as multidões que ainda vivemem condições de miséria material emoral, e confiando de modo fidedig-no a sua solução unicamente ao livredesenvolvimento das forças do mer-cado. Questionando-se se tal sistemaeconómico fosse o modelo a propora quantos procuravam o caminho doverdadeiro progresso económico esocial, o meu Predecessor chegou auma resposta claramente negativa.Não é este o caminho (cf. Centesimusannus, 42).

Infelizmente, os perigos temidospor São João Paulo II verificaram-seamplamente. No entanto, ao mesmotempo, desenvolveram-se e envida-ram-se muitos esforços de indivíduose de instituições para curar os malesproduzidos por uma globalização ir-responsável. Madre Teresa de Calcu-tá, que eu tive a alegria de procla-mar santa há alguns meses, e queconstitui um símbolo e um íconedos nossos tempos, de certa maneirarepresenta e resume tais esforços. Elainclinou-se sobre as pessoas extenua-das, deixadas a morrer à beira dasruas, reconhecendo em cada uma de-las a dignidade conferida por Deus.Ela acolheu cada vida humana, tan-

Audiência do Papa ao presidente Mahmoud Abbas

Pela pazno Médio Oriente

A 14 de janeiro, o Papa Francisco recebeu em audiência o presidente doEstado da Palestina, Sua Excelência o Senhor Mahmoud Abbas, o qualsucessivamente se encontrou com o cardeal Pietro Parolin, secretário deEstado, acompanhado pelo arcebispo Paul Gallagher, secretário para asRelações com os Estados. Durante os colóquios cordiais foram evidencia-das sobretudo as boas relações existentes entre a Santa Sé e a Palestina,seladas pelo Acordo global de 2015, que se refere a aspetos essenciais davida e da atividade da Igreja na sociedade palestiniana. Em tal contexto,foi recordado o importante contributo dos católicos a favor da promoçãoda dignidade humana e em ajuda dos mais necessitados, particularmentenos âmbitos da educação, da saúde e da assistência.

Depois, refletiram sobre o processo de paz no Médio Oriente, expres-sando a esperança de que se possam retomar as negociações diretas entreas partes para obter o fim da violência que causa inaceitáveis sofrimentosàs populações civis e uma solução justa e duradoura. Para tal finalidade,expressaram o desejo de que, com o apoio da comunidade internacional,se tomem medidas que favoreçam a confiança recíproca e contribuam pa-ra criar um clima que permita tomar decisões corajosas a favor da paz.Recordaram também a importância da salvaguarda do caráter sagradodos Lugares santos para os crentes das três religiões abraâmicas. Por fim,foi dedicada particular atenção aos outros conflitos que afligem a região.

ra ajudar os responsáveis nos váriosâmbitos políticos — regionais, nacio-nais e internacionais — a corregir asua orientação, todas as vezes que fornecessário. Efetivamente, a política ea economia deveriam incluir tambéma prática da virtude da prudência.

A Igreja está sempre confiante,porque conhece as grandes potencia-lidades da inteligência humana, quese deixa ajudar e orientar por Deus,mas também a boa vontade de pe-quenos e grandes, pobres e ricos,empresários e trabalhadores. Porconseguinte, encorajo-vos a assumiro vosso compromisso, sempre guia-dos pela Doutrina Social da Igreja,promovendo uma globalização queseja cooperativa, juntamente com to-dos os protagonistas envolvidos —sociedade civil, governos, organis-mos internacionais, comunidadesacadémicas e científicas, e outros —enquanto desejo todo o bom êxitoao vosso trabalho.

Agradeço-vos a vossa atenção easseguro-vos a minha oração; e pe-ço-vos que transmitais a minha sau-dação pessoal, juntamente com a mi-nha Bênção, às vossas famílias e aosvossos colaboradores. Obrigado!

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número 3, quinta-feira 19 de janeiro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 8/9

D iálogofranco e abertoFoi apresentado, e já enviado a todas asConferências episcopais, o documentopreparatório da décima quinta assembleiageral ordinária do Sínodo dos Bispos, queterá lugar em outubro de 2018 com o tema«Os jovens, a fé e o discernimentovo cacional».Conteúdos, perspetivas e projetos foramilustrados aos jornalistas na manhã de sexta-feira, 13 de janeiro, na sala de imprensa daSanta Sé.O encontro teve início com ospronunciamentos do cardeal LorenzoBaldisseri, secretário-geral do sínodo dosbispos, do subsecretário, D. Fabio Fabene ede dois jovens da paróquia romana de SãoTomás More, Elvis do Céu Nicolaia doRosário, vinte e um anos de origem cabo-verdiana, e Federica Ceci, vinte e quatroanos, formada em direito. Dois jovens,evidenciou-se, que representam todos os seuscoetâneos. Em particular os que serãoconvidados para o sínodo — explicou ocardeal Baldisseri, respondendo às perguntasdos jornalistas — no papel de «auditores» epoderão participar, embora sem o direito devoto, tanto nas assembleias plenárias comonos trabalhos dos círculos menores. Naescolha dos jovens convidados, esclareceu opurpurado, será considerada também apertença a movimentos e associaçõeseclesiais, além da representatividade de todasas vocações e proveniências geográficas.Objetivo irrenunciável, frisou-se, é a vontadedo sínodo de promover desde agora umdiálogo aberto, espontâneo, sem barreirasnem distinções, com todos os jovens. E umaatenção totalmente particular será reservadaaos distantes, os que vivem às margens daIgreja, nas periferias existências e a braçoscom os problemas diários que estão a tornara vida das novas gerações de todas aslatitudes cada vez mais complexa. Tanto queoutro ponto focal do próximo sínodo seráprecisamente a dimensão universal: a talpropósito o secretário-geral observou quecertamente não haverá «uma marcaocidental» nos trabalhos mas «uma aberturaàs culturas e expressões de todos». Comoestá patente no questionário proposto nodocumento preparatório. As respostas, quedeverão chegar até outubro, constituirão abase para dar ao sínodo um alcance deverasuniversal, evitando particularismos. AsConferências episcopais receberam hoje,através do correio eletrónico, o input pararecolher os seus contributos. Trata-se, nofundo, de uma troca entre centro e periferias,explicou o cardeal.Importantes indicações práticas, observou D.Fabene, chegarão certamente também atravésdo site www.sinodogiovani2018.va que está aser preparado e estará ativo em março. O siteé aberto a todos, não só aos crentes,esclareceu o subsecretário, e os jovensencontrarão ali perguntas diretas sobre a suavida. Durante a conferência de imprensarelevou-se ainda que a linguagem digital é acaracterística das novas gerações. Por estarazão, concluiu o cardeal Baldisseri, somoschamados a «modificar a nossa linguagemque às vezes é demasiado técnica, elevada epouco compreensível». Mas «faremos istocom a ajuda dos próprios jovens», anunciou,procurando também reconhecer juntos osaspetos positivos e menos positivos queexistem na comunicação com as novastecnologias.

Carta do Papa aos jovens

Rumo a uma nova terraUm convite a pôr-se a caminho«rumo a uma nova terra», paraconstruir «uma sociedade mais justae fraterna» foi dirigido pelo PapaFrancisco à juventude do mundointeiro, numa carta que lhes envioupor ocasião da apresentação doDocumento preparatório para oSínodo dos bispos que terá lugar emoutubro de 2018, sobre o tema «Osjovens, a fé e o discernimentovocacional».

Caríssimos jovens!É-me grato anunciar-vos que emoutubro de 2018 se celebrará o Sí-nodo dos Bispos sobre o tema «Osjovens, a fé e o discernimento voca-cional». Eu quis que vós estivésseisno centro da atenção, porque vostrago no coração. Exatamente hojeé apresentado o Documento prepa-ratório, que confio também a vóscomo «bússola» ao longo deste ca-minho.

Vêm-me à mente as palavras queDeus dirigiu a Abraão: «Sai da tuaterra, deixa a tua família e a casado teu pai, e vai para a terra queEu te mostrar!» (Gn 12, 1). Hoje es-tas palavras são dirigidas também avós: são palavras de um Pai que vosconvida a «sair» a fim de vos lan-çardes em direção de um futurodesconhecido, mas portador de rea-lizações seguras, ao encontro doqual Ele mesmo vos acompanha.Convido-vos a ouvir a voz de Deus

que ressoa nos vossos corações atra-vés do sopro do Espírito Santo.

Quando Deus disse a Abraão«Sai!», o que lhe queria dizer? Cer-tamente, não para fugir dos seus,nem do mundo. O seu foi um con-vite forte, uma provocação, a fimde que deixasse tudo e partisse parauma nova terra. Qual é para nóshoje esta nova terra, a não ser umasociedade mais justa e fraterna, àqual vós aspirais profundamente eque desejais construir até às perife-rias do mundo?

Mas hoje, infelizmente, o «Sai!»adquire inclusive um significado di-ferente. O da prevaricação, da in-justiça e da guerra. Muitos de vós,jovens, estão submetidos à chanta-gem da violência e são forçados afugir da sua terra natal. O seu cla-mor sobe até Deus, como aquele deIsrael, escravo da opressão do Fa-raó (cf. Êx 2, 23).

Desejo recordar-vos também aspalavras que certo dia Jesus dirigiuaos discípulos, que lhe pergunta-vam: «Rabi, onde moras?». Ele res-pondeu: «Vinde e vede!» (cf. Jo 1,38-39). Jesus dirige o seu olhar tam-bém a vós, convidando-vos a cami-nhar com Ele. Caríssimos jovens,encontrastes este olhar? Ouvistesesta voz? Sentistes este impulso apôr-vos a caminho? Estou convictode que, não obstante a confusão e oatordoamento deem a impressão dereinar no mundo, este apelo conti-nua a ressoar no vosso espírito parao abrir à alegria completa. Isto serápossível na medida em que, inclusi-ve através do acompanhamento deguias especializados, souberdes em-preender um itinerário de discerni-mento para descobrir o projeto deDeus na vossa vida. Mesmo quan-do o vosso caminho estiver marca-do pela precariedade e pela queda,Deus rico de misericórdia estende asua mão para vos erguer.

Na inauguração da última Jorna-da Mundial da Juventude, em Cra-cóvia, perguntei-vos várias vezes:

«As coisas podem mudar?». E jun-tos, vós gritastes um «Sim!» retum-bante. Aquele brado nasce do vossojovem coração, que não suporta ainjustiça e não pode submeter-se àcultura do descartável, nem ceder àglobalização da indiferença. Escutaiaquele clamor que provém do vossoíntimo! Mesmo quando sentirdes,como o profeta Jeremias, a inexpe-riência da vossa jovem idade, Deusencoraja-vos a ir para onde Ele vosenvia: «Não deves ter medo [...]porque Eu estarei contigo para telibertar» (cf. Jr 1, 8).

Um mundo melhor constrói-setambém graças a vós, ao vosso de-sejo de mudança e à vossa generosi-dade. Não tenhais medo de ouvir oEspírito que vos sugere escolhas au-dazes, não hesiteis quando a cons-ciência vos pedir que arrisqueis pa-ra seguir o Mestre. Também a Igre-ja deseja colocar-se à escuta da vos-sa voz, da vossa sensibilidade, davossa fé; até das vossas dúvidas edas vossas críticas. Fazei ouvir ovosso grito, deixai-o ressoar nas co-munidades e fazei-o chegar aos pas-tores. São Bento recomendava aosabades que, antes de cada decisãoimportante, consultassem tambémos jovens porque «muitas vezes éexatamente ao mais jovem que oSenhor revela a melhor solução»(Regra de São Bento III, 3).

Assim, inclusive através do cami-nho deste Sínodo, eu e os meus ir-mãos Bispos queremos, ainda mais,«contribuir para a vossa alegria» (2Cor 1, 24). Confio-vos a Maria deNazaré, uma jovem como vós, àqual Deus dirigiu o seu olhar amo-roso, a fim de que vos tome pelamão e vos guie para a alegria deum «Eis-me!» pleno e generoso (cf.Lc 1, 38).

Com afeto paterno,

Vaticano, 13 de janeiro de 2017

«A partida de Abraão para Caná»(Veneza, basílica de São Marcos

Apresentado o documento preparatório para a décima quinta assembleia geral ordinária do Sínodo dos bispos

Iniciada a consulta

De espetadores a protagonistas

LORENZO BALDISSERI

Sinto-me feliz por me dirigir aos se-nhores e às senhoras da imprensa e dosmeios de comunicação social, paraapresentar, após o anúncio do tema a 6de outubro passado, o documento pre-paratório, que o Sínodo dos bispos ofe-rece à Igreja e ao mundo, na perspetivada celebração da sua décima quinta as-sembleia geral ordinária, que terá lugarem outubro de 2018. O tema é: «Os jo-vens, a fé e o discernimento vocacio-nal».

Ao mesmo tempo, aliás em primeirolugar, tenho a honra de comunicar queprecisamente hoje o Santo Padre enviauma carta — que se torna pública — di-retamente aos jovens, como sinal dasua solicitude afetuosa por eles, porquecomo ele mesmo disse: «trago-vos nocoração».

Na sua missiva o Santo Padre exortaos jovens a participar ativamente no ca-minho sinodal, porque o sínodo é reali-zado para eles e porque toda a Igrejase põe à escuta da sua voz, da sua sen-sibilidade, da sua fé, assim como dassuas dúvidas e críticas. Além disso con-vida-os a «sair» seguindo o exemplo deAbraão, para se dirigir rumo à novaterra constituída «por uma sociedademais justa e fraterna» a ser construídaaté às periferias do mundo. Recorda-lhes Cracóvia na abertura da Jmj quan-do disse: «As situações podem ser mu-dadas? E vós, unidos, gritastes um es-trondoso sim». Este «sim» nasce de umcoração jovem que «não suporta a in-

justiça nem pode submeter-se à culturado descarte, nem ceder à globalizaçãoda indiferença». Convida-os a fazer es-colhas audazes e não se esquece daque-les jovens que «foram obrigados a fugir

do seu país natal» por causa «da pre-varicação, da injustiça e da guerra».

A fim de realizar de maneira jubilosae plena a sua vida, o Papa Francisco es-timula os jovens a «empreender um

percurso de discernimento para desco-brir o projeto de Deus» sobre a sua vi-da e confia-os a Maria de Nazaré,«uma jovem à qual Deus dirigiu o seuolhar amoroso».

Com as suas palavras o Papa desejaimprimir uma escultural motivação hu-mana e eclesial do próximo sínodo so-bre os jovens, incluídos nas faixas etá-rias entre 16 e 29 anos, ciente de que aidade juvenil exige uma adaptação àsdiferentes realidades locais, como foievidenciado pelo documento preparató-rio.

O documento foi enviado aos Conse-lhos dos hierarcas das Igrejas orientaiscatólicas, às Conferências episcopais,aos dicastérios da Cúria romana e àUnião dos superiores-gerais e «dá iní-cio à fase da consulta de todo o Povode Deus», com a finalidade de reunirinformações acerca da condição hodier-na dos jovens nos vários contextos emque vivem para a poder discernir ade-quadamente em vista da elaboração doInstrumentum laboris. Devemos ter pre-sente que ele é dirigido a todos os jo-vens do mundo na mais ampla dimen-são, compreensão e participação.

Ele põe-se em continuidade com ocaminho que a Igreja está a percorrersob a guia do magistério do Papa Fran-cisco. A centralidade da alegria e doamor, muitas vezes evidenciada no tex-to, remete claramente à Evangelii gau-dium e à Amoris laetitia. Não faltam re-ferências também à Laudato si’, à Lu-men fidei e ao ensinamento do Papa

Michele Del Campo, «Jovens» CO N T I N UA NA PÁGINA 10

ELV I S D O CÉU E FEDERICA CECI

Chamo-me Elvis, tenho 21 anos, sou de origem cabo-verdiana e estudo artes e ciências do espetáculo na fa-culdade de letras da universidade La Sapienza. Naminha paróquia, São Tomás More aqui em Roma,sou catequista de um grupo de jovens adolescentes,realidade entusiasmante que me permite ser «irmãomais velho» na fé de jovens que procuram Cristo,acompanhados por quem acredita e aposta nas poten-cialidades que tornam único o projeto de vida de ca-da um deles.

Sou Federica, tenho 24 anos, e estou prestes a ter-minar a graduação em Direito no mesmo ateneu.

Também estou empenhada na paróquia de São To-más More, que no próprio território engloba a sededa universidade La Sapienza, o maior ateneu da Eu-ropa. Isto encoraja a participação na vida paroquialde um grande número de jovens: não só estudantesuniversitários, muitos dos quais estrangeiros, mas in-clusive numerosos jovens trabalhadores ativos nestazona. Em particular, sou responsável da escola paro-quial de formação social e política que, precisamentenas pegadas de São Tomás More, padroeiro dos go-vernantes e dos políticos, envolve há mais de doisanos cerca de sessenta universitários. O nosso percur-so de crescimento, baseado na doutrina social daIgreja, tem como objetivo a formação de uma cons-ciência política que nos permita «sujar as mãos», vi-

giu no início deste novo caminho sinodal com a cartaaos jovens que hoje foi publicada e, mais em geral,agradecemos-lhe porque nos faz sentir constantemen-te no centro do corpo vivo da Igreja, acreditando emnós e confiando na nossa contribuição para a edifica-ção, por um lado, de uma comunidade cristã cadavez menos rígida e mais acolhedora e, por outro, deuma comunidade humana capaz de promover a buscado bem comum colocando no centro a pessoa.

No momento em que é entregue a todas as Igrejasno mundo o documento preparatório do próximo sí-nodo, estamos convictos de que os bispos poderãopôr-se à escuta dos jovens das suas dioceses, tambémde quantos vivem mais distantes do mundo eclesial,mas que são contudo fortemente desejosos de atençãoe de respostas sensatas. Temos a certeza de que sabe-rão «perder tempo» connosco, jovens, não só para fa-lar, mas também para escutar o que temos a dizer,com o objetivo de construir juntos uma Igreja mais«jovem e vigorosa», aberta ao confronto e ao encon-t ro .

Além disso, como jovens que somos, experimentan-do diariamente na nossa realidade a beleza e a liber-dade de ser cristãos, desejamos falar aos corações dosnossos coetâneos do mundo inteiro, convidando-os anão se fechar mas, ao contrário, a acolher as oportu-nidades que a Igreja nos oferece com a próxima as-sembleia sinodal.

Por fim, queremos lançar um apelo aos meios decomunicação: pedimos que dediquem maiores espa-ços ao mundo juvenil, realçando os muitos aspetospositivos e não só elementos de debilidade e de tur-bulência. Ajudai-nos também vós, com os instrumen-tos que estão ao vosso alcance, a tornar-nos protago-nistas não só de um futuro que ainda está por vir,mas também e sobretudo de um presente que noschama já hoje a construir a civilização do amor, tiran-do proveito dos nossos talentos nos lugares onde es-tamos chamados a viver.

vendo na sociedade não como es-petadores mas como protagonis-tas ativos e conscientes.

Em primeiro lugar, queremosagradecer de coração ao PapaFrancisco que, acolhendo as pro-postas dos bispos do mundo in-teiro, decidiu convocar a assem-bleia geral ordinária do Sínodosobre o tema dos jovens, especial-mente da sua fé e do seu discerni-mento vocacional. Já sentimoscom força a atenção dos bisposnas nossas famílias por ocasiãodos dois sínodos precedentes, eagora com maior razão alegramo-nos porque os nossos pastorestencionam falar diretamente a nósjovens, tornando-nos interlocuto-res privilegiados de uma Igrejaem saída e em diálogo com as no-vas gerações.

Estamos gratos pelas palavrasde encorajamento, confiança e es-tima que o Santo Padre nos diri-

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página 10 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 19 de janeiro de 2017, número 3

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 8

Bento XVI.Em particular a Amoris laetitia,

que repete 36 vezes a palavra «jo-vens», solicita a «encontrar as pala-vras, as motivações e os testemunhosque nos ajudem a tocar as cordasmais íntimas dos jovens, onde sãomais capazes de generosidade, decompromisso, de amor e até mesmode heroísmo» (n. 40).

O documento divide-se em trêspartes. Na primeira convida a pôr-seà escuta da realidade. A segundaevidencia a importância do discerni-mento à luz da fé para chegar a fa-zer escolhas de vida que correspon-dem realmente à vontade de Deus eao bem da pessoa. A terceira con-centra a sua atenção sobre a açãopastoral da comunidade eclesial.

O ícone evangélico do «discípuloamado» introduz às três partes comuma breve apresentação do cami-nho.

O primeiro capítulo, intitulado«Os jovens no mundo de hoje», ofe-rece elementos úteis para contextua-lizar a situação juvenil na realidadehodierna, tendo em consideraçãoque o quadro traçado pede para seradaptado às circunstâncias específi-cas de cada região. Nele têm-se pre-sentes «alguns resultados das pes-quisas em âmbito social úteis paraenfrentar o tema do discernimentovocacional», e também os múltiplosdesafios relativos à cultura «cientifi-cista», à insegurança, ao desempre-go, à corrupção e também aos fenó-menos do alcoolismo, do jogo e datoxico dep endência.

O segundo capítulo, centro dodocumento, é intitulado «Fé, discer-nimento, vocação». «A fé, enquantoparticipação no modo de ver de Je-sus, é a fonte do discernimento vo-cacional», através da qual «a pessoachega a fazer, em diálogo com o Se-nhor e na escuta da voz do Espírito,as escolhas fundamentais, a partirdaquela sobre o estado de vida». Só

um discernimento correto permitiráao jovem encontrar deveras a suapessoal, única e irrepetível «estradana vida». Este percurso é inspiradopelos três verbos já utilizados naEvangelii gaudium, n. 51: reconhecer(o que acontece no próprio mundointerior), interpretar (o que se reco-nhece) e decidir (através de um«exercício de autêntica liberdade hu-mana e de responsabilidade pes-soal»).

Devemos esclarecer que o termo«vocacional» deve ser entendido nosentido amplo e se refere a toda avasta gama de possibilidades de rea-lização concreta da própria vida naalegria do amor e na plenitude deri-vante do dom de si mesmo a Deus eaos outros. Trata-se de encontrar aforma concreta na qual esta realiza-ção plena pode ocorrer «através deuma série de escolhas, que incluemestado de vida (matrimónio, ministé-rio ordenado, vida consagrada, etc.),

profissão, modalidade de compro-misso social e político, estilo de vi-da, gestão do tempo e do dinheiro,etc.».

A escolha de vida verifica-se nosegredo da própria consciência. Alicada um ouve a voz de Deus, comele dialoga e no final decide. A aju-da de outras pessoas, por quanto ne-cessária, nunca pode substituir estediálogo íntimo e pessoal.

O terceiro capítulo, intitulado «Aação pastoral», evidencia o significa-do que tem para a Igreja «acompa-nhar os jovens a receber a alegria doEvangelho» numa época, como anossa, «marcada por incertezas, pre-cariedade e insegurança».

A atenção é dirigida aos sujeitos,lugares e instrumentos deste acom-panhamento.

Os sujeitos da ação pastoral sãoos próprios jovens, quer como prota-gonistas quer como recetores. AIgreja pede-lhes «para a ajudar a

identificar as modalidades mais efi-cazes hoje para anunciar a Boa No-va». Como referência precisamos depessoas: em primeiro lugar os pais,depois os pastores, os consagrados,os professores e outras figuras edu-cativas. Estas pessoas de referênciadevem ser «competentes, com claraidentidade humana, sólida pertençaeclesial, visível qualidade espiritual,vigorosa paixão educativa e profun-da capacidade de discernimento».Depois, a atenção sobre o papel e aresponsabilidade da inteira comuni-dade dos crentes.

Os lugares da ação pastoral são avida diária, as atividades para os jo-vens, as Jmj, os eventos diocesanos,as paróquias, os oratórios, as univer-sidades, as escolas católicas, o volun-tariado, as atividades sociais, os cen-tros de espiritualidade, as experiên-cias missionárias, as peregrinações, apiedade popular. Não falta umamenção ao «mundo digital», que seabre a oportunidades inéditas, mastambém a novos perigos.

Os intrumentos são as linguagens(privilegiando as mais expressivaspara os jovens), a educação, a ora-ção, o silêncio, a contemplação.

O questionário anexado é parteintegrante do documento, não umsimples apêndice.

Também ele se divide em três par-tes. A primeira refere-se à recolha dedados estatísticos. A segunda é com-posta por perguntas. A novidade éconstituída pelo facto de que às per-guntas gerais propostas a todos in-distintamente (15 ao todo), acrescen-taram-se outras 3 específicas para ca-da área geográfica, às quais devemresponder só os habitantes do conti-nente interessado. A terceira partetem como objeto a «partilha daspráticas», segundo as modalidadesque são claramente expostas. A fina-lidade desta parte, que é tambémuma novidade, é enriquecer toda aIgreja dando a conhecer as experiên-cias, com frequência de grande inte-resse, que se desenvolvem nas diver-sas regiões do mundo a fim de quepossam servir de ajuda a todos.

Os elementos que emergirem dasrespostas servirão para a redação doInstrumentum laboris, documento queserá entregue aos padres sinodais an-tes da assembleia.

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

os âmbitos da vida, acentuandouma atitude que tem muitos aspe-tos em comum com o consumismo.

Outro aspeto decididamente po-sitivo, e totalmente novo num do-cumento desta natureza, é a aten-ção constante à diferença entre mu-lheres e homens ao viver os mesmosfenómenos. Com efeito, por três ve-zes, frisa que os problemas das mu-lheres são sempre mais graves. «Pa-ra as mulheres jovens estes obstácu-los são normalmente ainda mais di-fíceis de superar» lê-se; depois,«muitas vezes as meninas, as ado-lescentes e as mulheres jovens de-vem fazer face a dificuldades aindamaiores em relação aos seus coetâ-neos»; e «por fim não podemos es-quecer a diferença entre o géneromasculino e feminino: por um ladoela determina uma sensibilidade di-versa, por outro está na origem deformas de domínio, exclusão e dis-criminação das quais todas as socie-dades têm que se libertar».

Observações pertinentes comonunca, porque quem paga o caropreço desta indeterminação em de-cidir o futuro são as jovens, pelomenos no respeitante à procriação.Com efeito, enquanto para elas orelógio biológico impõe escolhasnum tempo determinado e bastantelimitado — que não tem em consi-deração a dilatação da juventudeque as sociedades progredidas estãoa viver — o problema não se apre-senta para os jovens. Por conse-guinte, pelo menos neste aspeto,também a modernidade, em geraltão favorável à igualdade entre ossexos, provoca uma nova razão dedesigualdade em desvantagem dasmulheres, que encontram cada vezmais dificuldades para ter um filho.

Indicar como um dos principaisdesafios a enfrentar precisamenteesta dificuldade de fazer opções de-finitivas constitui, portanto, um dosgrandes méritos do documento.

Contudo é preciso recordar queum dos problemas mais graves queos jovens que se reconhecem naIgreja ou que se estão a aproximar

dela devem enfrentar é a forte dife-rença que existe entre a prática se-xual prevalecente e as regras damoral católica. Um jovem católicoarrisca, em muitas ocasiões, sentir-se deveras um «diverso» e encontramuitas dificuldades em explicaruma escolha que muitas vezes o co-loca à margem da comunidade doscoetâneos. Como nos sínodos sobrea família, também nesta ocasião aIgreja se deve confrontar com umaquestão — a sexual — que a põe emevidente contraste com a sociedademoderna. Certamente não é a pri-meira vez; e a riqueza da tradiçãocristã, juntamente com a realidadeque hoje revela uma profunda crisedo que resta da revolução sexual,podem tornar o confronto menosd u ro .

Mas sob a condição de que oproblema seja enfrentado, e não sódo ponto de vista teológico, masque seja feito sobretudo interpelan-do as mulheres, as quais já nãoaceitam que os homens falem noseu lugar.

Dificuldades de uma escolha definitiva

Documento preparatório para a assembleia geral ordinária do Sínodo

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número 3, quinta-feira 19 de janeiro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

Reflexões acerca da duração da vida

Sobre o sentido espiritualda longevidade

ANTOINE GUGGENHEIM

Uma descoberta recente dabiologia coincide com umameditação constante da filo-

sofia e das religiões: a bênção da vi-da, fenómeno surpreendente do nos-so universo físico, nasce com a feri-da da morte. É impossível definir avida sem a morte na experiência vi-

tas, pelo menos em linha de princí-pio, e ao mesmo tempo a sua eficá-cia na cura. Trata-se de passar deuma organização centrada na enfer-midade para relações ao serviço dasaúde.

Assim como se pode deplorar queo ministério da cultura seja acima detudo um ministério de belas-artes,também se pode deplorar que o mi-

ser deixada unicamente aos especia-listas em religião ou em saúde. É umbem da sociedade, um elemento fun-damental do respeito pela dignidadeda pessoa, uma tradução concreta dabênção da vida. Aumentar a expeta-tiva de vida só é um objetivo dignodo homem para quem considera ocorpo, a alma e a mente como trêsdimensões irredutíveis e inseparáveisda humanidade.

Portanto, o aprofundamento dainvestigação sobre a longevidade eda pesquisa nos campos da genéticae da epigenética confirmam que abênção da vida é uma questão de es-tilo de vida que põe em jogo a capa-cidade do homem como corpo, almae mente. Os anos suplementares sótêm sentido e valor através de umaação sobre o envelhecimento, quefaz deles incontáveis últimos anos devida.

Quem vive relacionamentos verda-deiros, amizades com pessoas maisidosas, no seu ambiente ou visitandoos hóspedes de uma casa de repou-so, ou pessoas em estado de grandedependência, conhece o profundodesespero que pode atingir os ho-mens e as mulheres que, com a ida-de, perdem as suas atitudes somáti-cas, psíquicas ou espirituais.

«Ouvi um médico dizer que a suaarte tinha prolongado a duração davida de dez anos. Não se deveriaenaltecer tanto», confessou Jacqueli-ne de Romilly, contudo infinitamen-te cheia de vida. O grito «gostariade morrer» não tem como causa úni-

protege. As formas de vulnerabilida-de, de incapacidade de adaptação,de deficiência do corpo, da alma ouda mente levam à dependência, ob-serva Philippe Pozzo di Borgo, masa dependência induz à feliz interde-pendência: «Acho também que omundo, que no entanto desde o iní-cio foi habitado por milhares de mi-lhões de indivíduos, já não é o mes-mo depois da passagem de um só denós. A única coisa que posso sentir,contudo no limiar da intuição, é quecom cada nascimento ou cada morteo mundo e a memória do mundo seinscrevem diversamente pela simplesexistência de um único indivíduo,que conserva o vestígio de todos».

A vulnerabilidade e a ferida inter-pelam o relacionamento e o cuidado,que levam a vida a sorrir para alémdo sofrimento.

A longevidade entendida como omáximo da vida de relacionamentos,não é apenas um projeto pessoal; étambém e sobretudo um apelo e umserviço aos outros. Um desafio davida à previsibilidade da morte. Aomemento mori estóico, o humanismode outros filósofos gosta de acres-centar o «recorda-te de viver». «Euponho diante de ti a vida e a morte(...) Escolhe, pois, a vida», rezava aLei de Moisés (Dt 30, 19). A vida ea sua ética da responsabilidade pelooutro (Levinas).

«A meditação do sábio é umaponderação da vida, não da morte»(Espinoza). «Recorda-te de viver»(Goethe). «Admitamos que diremossim a um único instante, e teremosdito sim não só a nós mesmos, masa toda a existência, porque nada estáisolado, nem em nós mesmos nemnas outras realidades. E se até umaúnica vez a felicidade fez vibrar eressoar a nossa alma como uma cor-da musical, todas as eternidades fo-ram necessárias para criar as condi-ções daquele Acontecimento Singu-lar, e toda a eternidade foi aprovada,resgatada, justificada e acolhida na-quele instante único em que disse-mos sim» (Nietzsche).

É nesta ótica que devemos ouvircom atenção o ensinamento do anti-go preceito: «Honra teu pai e tuamãe, para que os teus dias se pro-longuem sobre a terra que te dá oSenhor, teu Deus» (Êx 20, 12). Tra-ta-se do primeiro mandamento, aoqual está ligada uma promessa, ob-serva Paulo (cf. Ef 6, 1-3). A promes-sa da longevidade de uma geraçãoestá vinculada ao seu sentido de res-ponsabilidade pelos outros. A longe-vidade não pode ser vivida numaperspetiva de auto-idolatria, sem fa-zer violência às dádivas da terra e davida, que são os dons intergeracio-nais por excelência.

Na Assembleia nacionalPublicamos nesta página uma sinopse da alocuçãopronunciada por ocasião de um congressopromovido pela Société Française de Médecine etde Physiologie de la Longévité (SFMPL), que tevelugar na sede da Assembleia nacional francesa nofinal do ano passado sobre o seguinte tema: «Asnovas fronteiras da longevidade». A finalidade detal encontro, no qual interveio também o filósofoex-ministro da educação Luc Ferry, consistia emavaliar — a curto e a longo prazo — quais são osprincipais impactos do incremento da longevidadesobre a organização das nossas sociedades.

vida, como testemunham os dicioná-rios. Se as células dos nossos corposjá não morrerem, como naquelasmutações genéticas prévias à apari-ção dos tumores, somos nós quem o r re m o s .

Entrando assim no conhecimentodos elementos que nos constituemseres vivos e mortais, nós adquirimosnovos poderes de ação. Aprendemosa aceitar mais profundamente a bên-ção da vida.

Tanto para a medicina como paraa filosofia contemporâneas, o Ho-mem é um corpo, é uma alma e éuma mente. Estas três «essências»que representam o Homem não divi-dem o humano em três substânciasmetafísicas, mas exprimem três olha-res sobre a sua realidade una e com-plexa. O Homem corpo é relaciona-mento consigo mesmo e com o cos-mo; o Homem mente é relação como próximo e com os outros; o Ho-mem alma, ou coração, como quiser-mos, é relacionamento com aquiloque o descentraliza e habita, o mis-tério que lhe é interior e superior.

A autonomia relativa da fisiologiaem relação à física, do relógio bioló-gico em relação ao relógio cósmico,é uma revelação e uma revoluçãomédica, psíquica e social, que confir-ma a unidade do humano e a unida-de da humanidade na sua diversida-de e na sua complexidade. Nos pla-nos político e jurídico, a unidade dohomem e a unidade da humanidadeexprimem-se no conceito de digni-dade universal. Respeitar a dignida-de do Homem e, portanto, nunca le-sar a integridade física, psíquica ouespiritual das pessoas. A medicinaque aceita esta revelação consolida,desde modo as suas bases humanis-

«Esperança», ou expetativa, éuma palavra magnífica, porque ex-prime da melhor maneira a unidadecomplexa do humano, inteiramentecorpo, totalmente alma e completa-mente mente. É significativo que nainternet o termo «esperança» se en-contre de forma quase exclusiva emsites médicos ou religiosos. A expe-tativa de vida é algo sério demais,poderia ter dito Clémenceau, para

ca a diminuição das capacidades,mas também e principalmente a per-da de relações, o isolamento.

A vulnerabilidade humana é ex-pressa na Ilíada pelo destino deAquiles, que a mãe imerge no rioEstige, segurando-o pelo calcanhar,como esperança de imortalidade, eque morre precisamente atingido poruma seta no calcanhar. Aquiles évulnerável por causa do toque que o

a poluição do ar, da água, da comi-da e do som, as mudanças climáti-cas, assim como o debilitamento dosregimes de previdência social, ques-tões muito políticas, provocam a di-minuição da expetativa de vida e dalongevidade.

Tétis mergulha Aquiles no Rio Estige (A Ilíada)

nistério da saúdeseja sobretudo umministério da en-fermidade, e a eco-nomia da saúdeuma economia dado ença...

A questão da es-perança de vida eda longevidade éeminentemente po-lítica e social. Oaumento da expe-tativa de vida e dalongevidade tor-nou-se um fatorimportante docrescimento da po-pulação mundial,nalguns países atémais relevante doque os nascimen-tos. Pelo contrário,

Jan Lievens«Estudo de um homem velho» (1629 aprox.)

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página 12 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 19 de janeiro de 2017, número 3

Missas matutinas em Santa MartaQuinta-feira12 de janeiro

Sem replay«Hoje» e «coração» são as duas pa-lavras que o Papa Francisco indicoucomo base para um exame de cons-ciência do estado de saúde da pró-pria relação com Deus e com os ir-mãos. Para esta sua meditação, Fran-cisco partiu da primeira leitura, tira-da da carta de São Paulo aos He-breus (3, 7-14). «Há o Espírito Santoque nos fala» observou o Papa, rei-terando precisamente as primeiraspalavras do trecho litúrgico: «Ir-mãos, como diz o Espírito Santo».E «neste trecho da carta aos He-breus — explicou — há duas palavrasque o Espírito Santo repete: “hoje” e“coração”. Com efeito, escreve Pau-lo: «Hoje, se ouvirdes a sua voz, nãoendureçais os vossos corações». De-pois «no salmo do lecionário —acrescentou o Santo Padre citando osalmo 94 — pedimos esta graça: queo nosso coração não seja endurecido,não seja duro».

Por conseguinte, «hoje» é a pri-meira palavra. Mas «o hoje do qualo Espírito Santo fala — explicou oPontífice — é a nossa vida, é um ho-je, como diz o próprio Espírito,“cheio de dias”, mas é um hoje». É«um hoje depois do qual não haveráum replay, um amanhã: hoje». E o«ocaso será mais próximo ou maisdistante, mas é hoje, um hoje esco-lhido por Deus, um hoje no qualnão recebemos o amor de Deus, apromessa de Deus de o encontrar,de estar com ele; um hoje no qualtodos os dias deste hoje podemosrenovar a nossa aliança com a fideli-dade a Deus». Contudo é um «ho-je», porque «há somente um únicohoje na nossa vida».

Certamente, reconheceu Francisco,«há sempre a tentação de dizer:“sim, sim, deixo para amanhã”». É«a tentação do amanhã que não severificará, como o próprio Jesus nosexplicou na sua parábola das dezvirgens: as cinco insensatas foramcomprar o óleo que não tinham» di-

zendo umas às outras: «Sim, sim,depois, amanhã, depois vou, depoisvolto». Mas, afinal, «quando chega-ram, a porta estava fechada».

Portanto, insistiu o Papa, a vida«é hoje: um hoje que começa e umhoje que acaba; um hoje repleto dedias, mas é hoje». A este propósito oPontífice repropôs também a pará-bola que narra daquele homem «quefoi ter com o Senhor e batia à porta:“Senhor, abre-me, sou eu, não telembras? Comi contigo, estive conti-go”». Mas o Senhor responde-lhe:«Não te conheço, chegaste tarde».

«Digo-vos isto não para vos assus-tar — tranquilizou Francisco dirigin-do-se aos presentes — mas simples-mente para vos dizer que a nossa vi-da é um hoje: hoje ou nunca. Eupenso isto. O amanhã será o ama-nhã eterno, sem ocaso, com o Se-nhor, para sempre, se eu for fiel aeste hoje». E, prosseguiu, «a per-gunta que vos faço é a mesma doEspírito Santo: como vivo este ho-je?».

«A outra palavra» que se encontrano trecho da carta aos Hebreus pro-posto pela liturgia é «coração». Nós«com o coração conhecemos Deus,encontramos o Senhor». Mas «comoé o nosso coração?». São Paulo dáum conselho específico na carta:«Não endureçais os vossos cora-ções». Então é bom perguntar a nósmesmos se «o nosso coração é duro,fechado», talvez até «sem fé, perver-so, seduzido». De resto, «Jesus re-preendia muitas vezes» os homens«lentos de coração, lentos em com-preender». E é precisamente «nonosso coração» que «se joga o ho-je». Eis porque devemos questionar-nos se «o nosso coração está abertoao Senhor».

«Surpreendo-me sempre — confi-denciou Francisco — quando encon-tro uma pessoa idosa, muitas vezesum sacerdote ou uma pequena frei-ra, que me diz: “Padre, reze pela mi-nha perseverança final”». É naturalperguntar àquela pessoa se tem«medo», depois de ter vivido «bema sua vida, todos os dias» do seu«hoje ao serviço do Senhor». Masnão é certamente questão de medo,a ponto que aquelas pessoas respon-dem: «A minha vida ainda não che-

gou ao crepúsculo, gostaria de vivê-la plenamente, rezar para que o hojeseja cheio, cheio, com o coração fir-me na fé e não arruinado pelo peca-do, pelos vícios, pela corrupção».

Portanto, trata-se sobretudo de«duas palavras» que nos são propos-tas pelas liturgia e que o Papa convi-dou a fazer próprias. Em primeirolugar «hoje: este hoje cheio de dias,mas que não se repetirá; o hoje, osdias repetem-se enquanto o Senhornão disser “chega”». Mas «o hojenão se repete: a vida é esta». A se-gunda palavra é, exatamente, «cora-ção». E nós devemos ter sempre um«coração aberto ao Senhor, não fe-chado, não duro, não endurecido,não sem fé, não perverso, não sedu-zido pelos pecados». E «o Senhorencontrou muitos que tinham o co-ração fechado: os doutores da lei,toda esta gente que o perseguia,pondo-o à prova para o condenar, eno final conseguiram».

«Vamos para casa — concluiuFrancisco — unicamente com estasduas palavras», questionando-nos:«como é o meu hoje?». Sem nuncaesquecer que o «ocaso pode ser pre-cisamente hoje, este dia ou muitosdias depois». Mas é bom verificar«como está o meu hoje na presençado Senhor». E perguntar-nos tam-bém «como está o meu coração:aberto, firme na fé, deixa-se guiarpelo amor do Senhor?». E «com es-tas duas perguntas — sugeriu o Papa— peçamos ao Senhor a graça daqual cada um de nós necessita».

Sexta-feira13 de janeiro

Almas sentadas«Para seguir Jesus é preciso saberarriscar», sem receio de «parecer ri-dículos» e sem ser «demasiado edu-cados»; e nisto «as mulheres sãomais capazes que os homens». Oconvite «a não ficar sentados na vi-da, parados a ver», foi relançado pe-lo Papa na missa desta sexta-feira.

Para a sua reflexão, Francisco par-tiu do trecho evangélico de Marcos(2, 1-12) proposto pela liturgia, quenarra a chegada de Jesus a Cafar-naum: «Reuniu-se uma tal multidão,que não podiam encontrar lugarnem junto da porta». Mas pode-sepensar que «aquela gente segue Je-sus por interesse próprio, para obteralgo; talvez: a saúde, uma palavra deconforto». Talvez, acrescentou o Pa-pa, «a pureza de intenção não eratotal, não era perfeita, é sempre umamistura, também em nós». De resto,observou Francisco, «quantas vezesaté nós seguimos Jesus por alguminteresse, por alguma coisa, porque éconveniente». Com efeito «a purezade intenção é uma graça que se en-contra no caminho: o importante éseguir Jesus, caminhar atrás de Je-sus».

Por conseguinte, o Evangelhoconta-nos acerca «desta gente» que«ia atrás de Jesus, caminhava, pro-curava-o porque havia n’Ele algoque a atraía: aquela autoridade coma qual ele falava, as coisas que dizia

e como as dizia, fazia-se compreen-der». E além disso Jesus «curava emuitas pessoas seguiam-no para queele as curasse». A ponto que «algu-mas vezes Jesus reprovou, quando seapercebeu que o procuravam comtanto interesse material: por exem-plo, aquela vez que disse ao povo,depois da multiplicação dos pães:“Mas vós procurais-me não para ou-vir a palavra de Deus mas porquevos dei de comer!”». E dizia assim«para fazer notar a diferença».

Houve ocasiões, afirmou o Papa,nas quais «o povo o queria fazer rei,porque pensava: “Este é o políticoperfeito e com ele as coisas correrãobem, não haverá problemas”». Mas«o povo errava» ao pensar assim. E,com efeito, «Jesus foi embora, es-condeu-se». Mas também é verdadeque «Jesus deixava sempre que opovo o seguisse com esta pureza deintenção não total, imperfeita, por-que sabia que todos somos pecado-re s » .

Na realidade «o problema maior— insistiu Francisco — não eramaqueles que seguiam Jesus, mas osque ficavam parados», os homens«parados, que estavam, na margemdo caminho, olhavam, sentados».Marcos, no seu Evangelho, escreveprecisamente que «estavam ali senta-dos alguns escribas», os quais «nãoseguiam» Jesus mas «olhavam davaranda»; não caminhavam na pró-pria vida, «varandeavam» na vida;nunca arriscavam, só julgavam: eramos puros e não se intrometiam». Etambém as suas «opiniões eram ca-tegóricas». Marcos narra que ao ve-rem a multidão em volta de Jesus«pensavam consigo mesmos: “Quegente ignorante, que gente supersti-ciosa!”». Mas «quantas vezes — re -conheceu o Papa — também a nós,quando vemos a piedade das pes-soas simples, nos vem em menteaquele clericalismo que tanto mal fazà Igreja e julgamos as pessoas «sim-ples» pensando que são «supersti-ciosas».

Sem dúvida, «o povo é pecador,como eu sou pecador, todos o so-mos». Mas o povo «procura Jesus,procura algo, procura a salvação».Ao contrário, aquele «grupo» de ho-mens «parados estavam ali, na va-randa, a olhar e a julgar». E «há ou-tros “parados” na vida: pensemosnaquele que desde há trinta e oitoanos estava à beira do tanque, para-do, amargurado pela vida, sem espe-rança — “nada a fazer, assim não sep o de” — e digeria a própria amargu-ra» afirmou o Papa referindo-se àcura do paralítico no tanque Betesdaem Jerusalém, narrada por João noseu Evangelho (5, 1-9). Tambémaquele homem «era outro paradoque não seguia Jesus nem tinha es-p erança».

Ao contrário, «o povo que seguiaJesus arriscava», explicou o Pontífi-ce. Ele «arriscava para encontrar Je-sus, para encontrar o que queria».Basta pensar, prosseguiu, no episó-dio que Marcos narra no Evangelhode hoje: «não podendo apresentar-lho por causa da multidão, descobri-ram o teto por cima do lugar ondeJesus se achava e, por uma abertura,desceram o leito em que jazia o pa-ralítico». Deste modo, acrescentouFrancisco, «estes homens arriscaramWilliam Blake, «Parábola das dez virgens» (1822)

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número 3, quinta-feira 19 de janeiro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

quando fizeram o buraco no teto:arriscaram que o dono da casa lhesfizesse causa, os levasse ao tribunal eos obrigasse a pagar: arriscaram, masqueriam ir ao encontro de Jesus».

A este propósito o Papa repropostambém o testemunho da mulher,que sofria há tempos de hemorra-gias, «a qual arriscou quando às es-condidas queria tocar apenas a bai-nha do manto de Jesus: arriscou avergonha pública; arriscou» porque«queria a saúde, queria chegar a Je-sus». Além disso, acrescentou Fran-cisco referindo-se a outro episódioevangélico, «pensemos na mulhercananeia: arriscou ser chamada “ca-delinha”» mas disse a Jesus: «Sim,mas tu restituis a saúde à minha fi-lha!».

E ainda, prosseguiu, «pensemosna pecadora na casa de Simão: en-trou ali, desesperada, chorou, os ca-belos desleixados, com o perfume namão. E Simão olhou para ela e dis-se: “Desenvergonhada, se ele fosseum profeta e soubesse quem elaé!”». Também aquela mulher «arris-cou ser julgada». Assim como «a sa-maritana arriscou quando começou adiscutir com Jesus: sendo ela adúlte-ra, arriscou e encontrou a salvação».

Em síntese, são todas histórias demulheres. Será porque «as mulheresarriscam mais que os homens: é ver-dade, são mais corajosas e devemosreconhecer isto».

«Seguir Jesus não é fácil — p ro s s e -guiu o Pontífice — mas é bom e ar-risca-se sempre, e muitas vezes tor-namo-nos ridículos». Mas «encon-tra-se uma coisa importante: são-teperdoados os pecados». Porque«por detrás daquela graça que pedi-mos — a saúde ou a solução para umproblema ou para o que for — hávontade de sermos curados na alma,de sermos perdoados».

Na realidade, prosseguiu Francis-co, «todos sabemos que somos peca-dores e por isso seguimos Jesus paranos encontrarmos com ele». E «ar-riscamos» ao pensar: «Eu arrisco ousigo Jesus sempre segundo as regrasda companhia de seguros? Até aqui,não ser ridículo, não ser isto ouaquilo!». Mas não se segue Jesus«demasiado educadamente». Aliás,deste modo, «permanecemos senta-dos» como os escribas no Evangelho«que julgavam». Ao contrário «se-guir Jesus, porque precisamos de al-

go», e arriscando até pessoalmente,«significa seguir Jesus com fé: esta éa fé».

Em síntese, devemos recomendar-nos «a Jesus, confiar em Jesus»: pre-cisamente «com esta fé na sua pes-soa», repetiu Francisco voltando aotrecho evangélico, aqueles «homensfizeram o buraco no teto para descero leito» com o paralítico «diante deJesus, para que ele o pudesse cu-rar».

Em conclusão, o Pontífice sugeriuos tópicos para um exame de cons-ciência através de algumas perguntasessenciais: «Confio em Jesus, confioa minha vida a Jesus? Estou a cami-nho atrás de Jesus, mesmo se porvezes me torno ridículo? Ou estousentado, a ver como fazem os ou-tros, olhando para a vida? Ou estousentado com a alma “sentada”, diga-mos assim, com a alma fechada pelaamargura, pela falta de esperança?».E concluiu, «cada um de nós podedirigir-se hoje estas perguntas».

Jyoti Sahi«Jesus e a samaritana»

Te r ç a - f e i r a17 de janeiro

Proibido estacionarO cristão, ciente de que «Deus nãodesilude», deve sempre manter «ho-rizontes abertos» à esperança. Inclu-sive diante das adversidades não po-de permanecer «estacionado» nemser «preguiçoso», sem «vontade deir em frente». Contém um convitedecidido à «coragem» a meditaçãodesenvolvida pelo Papa Francisconesta homilia. A inspiração foi tiradada primeira leitura da liturgia dodia, na qual o autor da Carta aosHebreus (6, 10-20) adverte precisa-mente «a sermos corajosos». A pon-to que, disse o Pontífice, «se quisés-semos dar um título a este trechopoderíamos chamá-lo: “Sede corajo-sos”».

Portanto a coragem. Da qual sediz na Escritura: «Que cada um devós demonstre o zelo — isto é, disseo Papa, “a coragem de ir em frente”— este zelo levar-vos-á ao cumpri-mento, até ao fim». De resto, expli-cou Francisco, coragem «é uma pa-

lavra da qual São Paulo gosta mui-to». Assim, por exemplo, quando oapóstolo reflete sobre a atitude docristão em relação à vida «fala-nossobre o treinamento que fazem noestádio, no ginásio, aqueles que de-sejam vencer», e explica que é preci-so ter «coragem, ir em frente sem seenvergonhar». Porque, acrescentou oPontífice, «a vida do cristão é cora-josa».

Mas o apóstolo das nações escrevetambém outra coisa: «para que nãovos torneis preguiçosos». Refletetambém sobre a atitude «contrária: apreguiça, isto é, não ter coragem». Eo Papa traduziu o conceito com umaimagem concreta da vida diária: «vi-ver na geladeira, de forma que tudopermaneça igual». A referência des-tina-se aos «cristãos preguiçosos,àqueles que não têm vontade de irem frente, aos cristãos que não lu-tam para fazer com que as situaçõesmudem, coisas novas que nos fariambem se mudassem».

São, acrescentou utilizando outraimagem eficaz «os cristãos estaciona-dos», aqueles que «encontraram naIgreja um bom estacionamento. Equando digo cristãos digo leigos, sa-cerdotes, bispos... Todos». Infeliz-mente, «há muitos cristãos estacio-nados! Para eles a Igreja é um esta-cionamento que salvaguarda a vida evão em frente com todas as seguran-ças possíveis».

«Estes cristãos parados» recorda-ram ao Papa «algo que quando éra-mos crianças nos diziam os nossosavós: “Presta atenção que a água pa-rada, a que não escorre, é a prima acorromp er-se”». E quantos «não lu-tam», e «vivem na segurança quepensam lhes dê a religião», acabamprecisamente deste modo. Pelo con-trário, o convite do apóstolo e doPontífice é: «Sede corajosos!». Epor isso, lê-se no trecho bíblico,«Esta é a esperança à qual nos segu-ramos qual âncora da nossa alma,firme e sólida», que nos torna «cris-tãos corajosos e não preguiçosos».

O Papa explicou: «um cristão pre-guiçoso não tem esperança, é fecha-do, tem todas as vantagens, não pre-cisa lutar, está na reforma». Mas se éverdade que «depois de muitos anosde trabalho ir para a reforma é justoe até bom» também é verdade que«passar toda a vida na reforma é ter-

rível». E «os cristãos preguiçosossão assim. Por quê? Porque não têmesp erança».

Eis então a mensagem propostapela liturgia: «a esperança, aquelaesperança que não desilude, que vaialém». De facto, lê-se que ela é«uma âncora segura e sólida para anossa vida». Portanto «a esperançaé a âncora: lancemo-la e estejamosagarrados à corda». Mas não parapermanecermos parados: «A espe-rança é lutar, agarrados à corda, afim de chegarmos». E «na luta detodos os dias» a esperança «é umavirtude de horizontes, não de fecha-mento». Talvez, acrescentou Francis-co, a esperança «seja a virtude me-nos compreendida mas a mais forte»porque nos permite viver «sempre aolhar para a frente com coragem».

Alguém — disse o Papa — p o deriaobjetar: «Sim, padre, mas há mo-mentos maus, nos quais tudo pareceescuridão, o que devo fazer?». A res-posta é: «Agarra-te à corda e supor-ta». Com efeito, devemos estar cien-tes de que «a nenhum de nós a vidaé dada de presente, devemos lutarpara ganhar a vida ou suportar».Não é por acaso, frisou o Pontífice,«coragem» e «suportar» são doistermos que «Paulo usa muito nassuas cartas».

Os cristãos devem ser «corajo-sos», ter a «coragem para ir em fren-te». É verdade — acrescentou Fran-cisco — os «cristãos muitas vezes er-ram, mas quem nos prometeu quena vida nunca erraríamos? Todos er-ram. Erra quem vai em frente, quemcaminha, aquele que fica parado dáa impressão que não erra». Por con-seguinte, além da coragem serve acapacidade de suportar «no momen-to em que não se pode caminharporque está tudo escuro, fechado,devemos suportar». Trata-se daconstância através da qual, está es-crito, nos tornamos «herdeiros daspromessas». É a «constância nosmaus momentos».

Por isso o Pontífice convidou to-dos a fazer um exame de consciên-cia, perguntando-se: «Sou um cris-tão estacionado, preguiçoso ou cora-joso? Sou um cristão que deseja to-das as seguranças ou que arrisca?Sou um cristão fechado ou de hori-zontes, de esperança?». E também:«Como vai a minha esperança? Omeu coração está ancorado no hori-zonte, estou agarrado à corda e te-nho fé até nos maus momentos? Enos maus momentos sou capaz desuportar porque sei que Deus nãodesilude, sei que a esperança não de-silude?».

Trata-se, concluindo, de uma per-gunta mais profunda, isto é: «Comoestou? Como está a minha vida defé? É uma vida de horizontes, de es-perança, de coragem, de ir em fren-te, ou uma vida tíbia que nem sabesuportar os maus momentos?».

A prece ao Senhor, concluiu o Pa-pa retomando a oração litúrgica dacoleta do dia, é para que «nos con-ceda a graça de superar os nossosegoísmos porque os cristãos estacio-nados, os cristãos parados, sãoegoístas. Olham só para si mesmos,não sabem erguer a cabeça e verD eus».Edward Hopper, «Sunday» (1926)

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página 14 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 19 de janeiro de 2017, número 3

Tinha noventa e quatro anos

Faleceu o cardeal AgustoniA 13 de janeiro faleceu o cardeal suíço Gilberto Agustoni, prefeito emérito do Su-premo Tribunal da Assinatura Apostólica. Nascido a 26 de julho de 1922 emSchaffhausen, na diocese de Basileia, recebeu a ordenação sacerdotal no dia 20 deabril de 1946. Eleito arcebispo titular de Caorle a 18 de dezembro de 1986, foinomeado secretário da Congregação para o clero. No dia 6 de janeiro de 1987 re-cebeu a ordenação episcopal. Nomeado pró-prefeito do Supremo Tribunal da Assi-natura Apostólica a 2 de abril de 1992, no consistório de 26 de novembro de1994 João Paulo II criou-o e publicou-o cardeal diácono dos Santos Urbano eLourenço em «Prima Porta», diaconia depois elevada pro hac vice a título pres-biteral. Após ter recebido a púrpura tornou-se prefeito do Supremo Tribunal daAssinatura Apostólica, desempenhando o cargo até 5 de outubro de 1998.

nomeou secretário da Congregaçãopara o clero, conferindo-lhe depoispessoalmente a ordenação episcopala 6 de janeiro de 1987, na basílicavaticana. Escolheu como lema Chris-tus spes gloriae.

D. Agustoni desempenhou a suaatividade na Congregação para oclero num momento particularmentesignificativo devido a dois aconteci-

mentos de grande importância ecle-sial. Antes de tudo a preparação e acelebração, em 1990, da oitava As-sembleia geral ordinária do Sínododos bispos sobre a formação do cle-ro. E também a colaboração com acomissão para a redação do novoCatecismo da Igreja católica, insti-tuída por João Paulo II e presididapelo cardeal Joseph Ratzinger, pre-feito da Congregação para a doutri-na da fé. A Congregação para o cle-ro foi chamada a oferecer um conri-buto — recordava Agustoni — «p elasua competência específica, institu-cional no âmbito da catequese». Emparticular, precisamente ao secretáriodo Dicastério pediu-se para coorde-nar a colaboração com a comissão.Ainda no cargo de secretário daCongregação para o clero foi mem-bro de direito do Conselho interna-cional para a catequese.

Agustoni desempenhou tambémuma parte ativa na elaboração daConstituição apostólica Pastor bonussobre a Cúria romana (28 de junhode 1988) e do Regulamento geral daCúria romana, aprovado por JoãoPaulo II em fevereiro de 1992.

Em maio de 1991 foi nomeadomembro do Supremo Tribunal daAssinatura Apostólica. Um ano de-pois, a 2 de abril de 1992, tornou-sepró-prefeito, sucedendo ao cardealAchille Silvestrini; e como tal foi no-meado também pró-presidente doTribunal de Cassação da Cidade doVaticano. Recebendo a púrpura car-dinalícia, a 9 de novembro de 1994,tornou-se prefeito do Supremo tri-bunal, cargo que desempenhou até1998.

Participou em quatro assembleiasdo Sínodo dos bispos. Depois doencontro de 1990 interveio nos doissínodos de 1994: na primeira assem-bleia especial para a África — comum relatório sobre «a reta adminis-tração da justiça na Igreja» — e nanona assembleia geral ordinária, de-dicada à vida consagrada. Em 1997participou na assembleia especial pa-ra a América. Por diversas vezes foienviado especial do Papa e na Cúriaromana fez parte de vários Dicasté-rios.

Jurista insigne, ex-secretário do car-deal Alfredo Ottaviani, GilbertoAgustoni a partir de 1 de julho de1950 pôs a sua experiência ao serviçodireto da Santa Sé. Homem austero,traçou um perfil espiritual na refle-xão de 12 de novembro de 2000, naoração jubilar vespertina na Praça deSão Pedro, indicando como priorida-des as dimensões da humildade, doperdão e da penitência que levam àconversão, advertindo contra a buscado sucesso e do lucro que «antes deser um problema económico é umproblema da alma».

Do pai, funcionário estatal origi-nário do Ticino, e da mãe, nativa deuma pequena cidade às margens dolago de Constança, recebeu umaeducação cristã rigorosa, juntamentecom uma irmã e quatro irmãos, doisdos quais se tornaram presbíteros.Tendo o desejo de se tornar sacerdo-te, entrou muito jovem no semináriodiocesano de Lugano seguindo ospassos do irmão mais velho, Luigi.Quando terminou o liceu, o bispoAngelo Giuseppe Jelmini enviou-o aRoma para estudar filosofia na Pon-tifícia universidade S. Tomás deAquino. Por causa da guerra o bispochamou-o de volta à Suíça, ondeconcluiu o curso de teologia na Uni-versidade de Friburgo.

Foi ordenado Sacerdote em 1946,na catedral de Lugano, desempe-nhando imediatamente o cargo deassistente-geral da Ação católica,ocupando-se da formação dos estu-dantes nas várias sedes universitáriassuíças. Elaborou percursos formati-vos, sobretudo para os escoteiros.

Em 1950, em Roma, iniciou a co-laboração com D. Alfredo Ottaviani(1890-1979), que a partir de 1953 foipró-secretário da Congregação doSanto Ofício, e imediatamente apre-ciou a preparação teológica do jo-vem sacerdote e teve que insistircom D. Jelmini, que tinha outrosprojetos para ele, a fim de obter apermissão de o deixar em Roma co-mo seu secretário. O próprio Agus-toni recordava que Ottaviani pediu aPio XII «a licença de assumir um sa-cerdote com menos de trinta anosnum Dicastério com competênciasparticularmente graves e delicadas,sobretudo antes da reforma ocorridaapós o concílio Vaticano II». Depoiso cardeal Ottaviani seguiu com aten-ção o percurso de formação do seucolaborador: a fim de completar asua preparação nas ciências teológi-cas encorajou-o a empreender os es-tudos de direito na Pontifícia univer-sidade Lateranense.

Entretanto Agustoni continuava aprestar o seu serviço no Santo Ofí-cio, até se tornar chefe de departa-mento. Naquela época foi nomeadotambém comissário junto da Con-

gregação para a disciplina dos Sacra-mentos para o exame das causas ma-trimoniais. Logo após o concílio Va-ticano II tornou-se consultor doConsilium ad exsequendam Constitu-tionem de Sacra Liturgia, «servindoem tal função — como ele mesmo re-cordou — também como ligação en-tre os dois Dicastérios que estavammuito envolvidos no difícil e históri-co empreendimento da renovação li-túrgica pós-conciliar». Em seguidafoi nomeado consultor da Congrega-ção para o culto divino, instituídopor Paulo VI.

Em maio de 1970 tornou-se prela-do auditor do Tribunal da Rota Ro-mana. Cargo que desempenhou até18 de dezembro de 1986, quandoJoão Paulo II o elegeu arcebispo e

Pesar do Santo PadreAssim que recebeu a notícia da morte do cardeal Gilberto Agustoni, o SumoPontífice transmitiu os seus pêsames enviando um telegrama à senhoraLuisa Santandrea, sobrinha do purpurado suíço.

Ao receber a triste notícia do falecimento do seu amado tio, CardealGilberto Agustoni, desejo manifestar-lhe, bem como aos seus familia-res, a minha participação no luto que atinge quantos conheceram e es-timaram o saudoso purpurado, durante muitos anos um sincero e dili-gente colaborador da Santa Sé, de modo particular como prefeito doSupremo Tribunal da Assinatura Apostólica, oferecendo um testemu-nho de zelo sacerdotal e de fidelidade ao Evangelho. Enquanto elevoorações fervorosas ao Senhor Jesus a fim de que, por intercessão daVirgem Maria, queira conferir ao saudoso Cardeal a recompensa eter-na, prometida aos seus discípulos fiéis, concedo-lhe a Bênção apostóli-ca, assim como às religiosas filhas de Santa Maria de Leuca, que o as-sistiram, e a quantos choram a sua partida.

FRANCISCUS P P.

Oficiado o funeral na basílica de São Pedro

Com a lâmpada acesaO Papa Francisco presidiu, na ma-nhã de 17 de janeiro, no altar daCátedra da Basílica se São Pedro,ao rito da «ultima commendatio» eda «valedictio» no final das exé-quias do cardeal Gilberto Agusto-ni, prefeito emérito do Supremotribunal da Assinatura apostólica,falecido em Roma no passado dia13. A missa fúnebre foi celebradapelo cardeal decano. Concelebra-ram dezoito purpurados, entre osquais Pietro Parolin, secretário deEstado, e cinco prelados.

Os seus despojos serão sepulta-dos na capela das irmãs filhas deSanta Maria de Leuca no cemitérioromano de Prima Porta.

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número 3, quinta-feira 19 de janeiro de 2017 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

INFORMAÇÕESAudiências

O Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

A 12 de janeiroSuas Ex.cias o Senhor Nicola Zinga-retti, Presidente da Região do Lácio;e a Senhora Virginia Raggi, Presi-dente da Câmara Municipal de Ro-ma.D. Han Lim Moon, Bispo Auxiliarde San Martín (Argentina).Suas Ex.cias o Doutor Xavier Emma-nuelli, co-Fundador de «Médecinssans frontières» e Presidente de «Sa-musocial International»; e o SenhorDenis Fontes de Souza Pinto, Em-baixador do Brasil, em visita de des-p edida.

A 13 de janeiroO Senhor Cardeal Fernando Filoni,Prefeito da Congregação para aEvangelização dos Povos; D. LuigiPezzuto, Núncio Apostólico na Bós-nia e Herzegovina; e D. Bruno Mu-sarò, Núncio Apostólico na Repúbli-ca Árabe do Egito e Delegado daSanta Sé junto da Liga dos EstadosÁrab es.

A 14 de janeiroO Senhor Cardeal Marc Ouellet,Prefeito da Congregação para osBisp os.

A 16 de janeiroO Senhor Cardeal George Pell, Pre-feito da Secretaria para a Economia.Sua Ex.cia o Senhor Kenneth FrancisHackett, Embaixador dos EstadosUnidos da América, com a Ex.ma Es-posa, em visita de despedida.D. Filippo Santoro, Arcebispo deTaranto (Itália); e o Senhor CardealEdoardo Menichelli, Arcebispo deAncona-Osimo (Itália).

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

No dia 13 de janeiroDe D. Lucio Angelo Renna,O.C ARM., ao governo da Diocese deSan Severo (Itália).

No dia 18 de janeiroDe D. José Palmeira Lessa, ao go-verno pastoral da Arquidiocese deAracaju (Brasil).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

A 13 de janeiroBispo de San Severo (Itália), oR e v. mo Mons. Giovanni Checchina-to, do clero da Diocese de Latina-Terracina-Sezze-Priverno, até estadata Pároco e Diretor do Departa-mento Diocesano para a Pastoral Es-colar e Universitária e para o Ensinoda Religião Católica.

D. Giovanni Checchinato nasceu a20 de agosto de 1957 em Latina (Itá-

lia). Foi ordenado Sacerdote no dia 4de julho de 1981.

A 14 de janeiroMembro da Congregação para aDoutrina da Fé, o Senhor CardealSean Patrick O’Malley, Arcebispo deBoston (E UA ), Presidente da Pontifí-cia Comissão para a tutela dos me-n o re s .Membros da Pontifícia Comissãopara a América Latina, os SenhoresCardeais: Baltazar Enrique PorrasCardozo, Arcebispo de Mérida (Ve-nezuela); Sérgio da Rocha, Arcebis-po de Brasília (Brasil); e CarlosAguiar Retes, Arcebispo de Tlalne-pantla (México).Consultores da Congregação para oCulto Divino e a Disciplina dos Sa-cramentos: Mons. Giovanni Di Na-poli, Professor de Liturgia na Facul-dade Teológica da Itália Meridional,Secção São Luís de Nápoles, e noSeminário de Salerno, Secretário doCentro de Ação Litúrgica; ClaudioMagnoli, Professor de Liturgia naFaculdade Teológica da Itália Seten-trional, Responsável pelo Serviçopara a Pastoral Litúrgica da Arqui-diocese de Milão, Diretor do Ponti-fício Instituto Ambrosiano de Músi-ca Sacra; Mons. Vincenzo De Gre-gorio, Diretor do Pontifício Institutode Música Sacra; Mons. Massimo

Palombella, S.D.B., Maestro Diretorda Capela Musical Pontifícia; JoséLuis Gutiérrez Martín, da Prelaturado Opus Dei, Diretor do Institutode Liturgia da Pontifícia Universida-de da Santa Cruz em Roma; PadreMarko Rupnik, S.I., Professor de ar-te litúrgica no Pontifício InstitutoLitúrgico, Diretor do Centro Alettide Roma; Mons. Bruce EdwardHarbert, ex-Professor de Liturgia eTeologia Sacramentária, Pároco; Jau-me Gonzáles Padrós, Diretor do Ins-tituto Superior de Liturgia de Barce-lona; Padre Olivier-Marie Sarr,O.S.B., Professor no Pontifício Insti-tuto Litúrgico Santo Anselmo emRoma; Elias Frank, Professor de di-reito litúrgico na Pontifícia Universi-dade Urbaniana; Mons. PatrickChauvet, Professor de Teologia, Ar-cipreste da Catedral Notre Dame emParis; Padre Robert McCulloch,S.S.C.M.E., Procurador-Geral da So-ciedade de São Columbano para asMissões Estrangeiras; Padre Olivier-Thomas Venard, O.P., Vice-Diretorda «Ecole biblique et archéologiquefrançaise de Jérusalem»; Marc-Aeil-ko Aris, Professor na Ludwig-Maxi-milian-Universität em Munique;Professora Donna Lynn Orsuto, Do-cente no Instituto de Espiritualidadeda Pontifícia Universidade Gregoria-na, na Pontifícia Universidade S.Tomás de Aquino e no Instituto

João Paulo II para os Estudos sobreMatrimónio e Família, co-Fundadorae Diretora do «The Lay Centre alFoyer Unitas» em Roma; DoutoraValeria Trapani, Professora de Litur-gia na Faculdade Teológica da Sicí-lia São João Evangelista de Palermo,Membro da Comissão LitúrgicaDiocesana de Palermo; e DoutorAdelindo Giuliani, Adido junto doDepartamento Litúrgico do Vicariatode Roma.

A 17 de janeiroAuxiliar da Arquidiocese de Medel-lín (Colômbia), o Rev.do Pe. JoséMauricio Vélez García, do clero damesma Sede, até à presente data Vi-gário episcopal da zona ocidental ePároco da Paróquia «Nuestra Seño-ra de Belén», simultaneamente eleitoBispo Titular de Lapda.

D. José Mauricio Vélez García nas-ceu em Medellín (Colômbia), no dia 17de junho de 1964. Foi ordenado Sacer-dote a 15 de dezembro de 1992.

A 18 de janeiroArcebispo da Arquidiocese de Ara-caju (Brasil), D. João José da Costa,O.C ARM., até hoje Arcebispo Coad-jutor da mesma Sede.

Prelados falecidos

Adormeceram no Senhor:

No dia 9 de janeiroD. Patrick Fernández Flores, Arce-bispo Emériro de San Antonio(E UA ).

O saudoso Prelado nasceu em Ga-nado (EUA), no dia 26 de julho de1929. Recebeu a Ordenação sacerdotala 26 de maio de 1956. Foi ordenadoBispo em 5 de maio de 1970.

No dia 11 de janeiroD. Robert Sarrabère, Bispo Eméritode Aire et Dax (França).

O venerando Prelado nasceu no dia30 de agosto de 1926, em Argagnon(França). Foi ordenado Sacerdote a 29de junho de 1950. Recebeu a Ordena-ção episcopal em 5 de janeiro de 1975.

Início de Missãode Núncio Apostólico

D. Gábor Pintér, Arcebispo Titularde Velebusdo, na Bielo-Rússia (30de agosto de 2016)

Igrejas CatólicasO rientais

A 14 de janeiro, o Sínodo dos Bis-pos da Igreja Arquiepiscopal-MorSírio-Malabar, com o prévio consen-timento do Santo Padre, nomeouAuxiliar da Arquieparquia de Chan-ganacherry (Índia), o Rev.do Pe .Thomas (Tomy) Tharayil, simulta-neamente eleito Bispo Titular deAgrippias.

D. Thomas (Tomy) Tharayil nasceuem Changanacherry (Índia), a 2 defevereiro de 1972. Foi ordenado Sacer-dote no dia 1 de janeiro de 2000.

Audiência ao presidenteda República da Guiné

A 16 de janeiro o Papa Franciscorecebeu em audiência Alpha Con-dé, presidente da República daGuiné, o qual se encontrou suces-sivamente com o cardeal PietroParolin, secretário de Estado,acompanhado pelo arcebispoPaul Richard Gallagher, secretáriopara as Relações com os Estados.

Durante os colóquios cordiaisforam focalizadas as boas relaçõesexistentes entre a Santa Sé e aGuiné, destacando algumas ques-tões de interesse comum como odesenvolvimento integral da pes-soa, a preservação do meio am-biente, a luta contra a injustiça

social e a pobreza, e também oincremento de políticas adequa-das para enfrentar o problemamigratório. Em tal contexto, fo-ram realçados também o papel eo importante contributo oferecidoao país pelas instituições católi-cas, particularmente no âmbito daedução e da saúde, assim comona promoção do diálogo inter-re-ligioso com a comunidade muçul-mana. Focalizaram-se também asituação política e social da Re-gião, com referência especial aocompromisso concreto da Repú-blica da Guiné a contribuir para asua pacificação.

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página 16 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 19 de janeiro de 2017, número 3

Na audiência geral o Papa Francisco falou sobre o profeta Jonas

Mais oraçãomais esperança

«Quando a situação se torna obscura, é precisorezar mais! E haverá mais esperança»: eis alição tirada da releitura da vicissitude do profetaJonas, oferecida pelo Papa Francisco durante acatequese da audiência geral de quarta-feira, 18de janeiro, na sala Paulo VI.

Bom dia, caros irmãos e irmãs!Na Sagrada Escritura, entre os profetas de Is-rael sobressai uma figura um pouco singular,um profeta que procura subtrair-se à chamadado Senhor, rejeitando pôr-se ao serviço doplano divino de salvação. Trata-se do profetaJonas, cuja história se narra num livrinho deapenas quatro capítulos, uma espécie de pará-bola portadora de um grande ensinamento, oda misericórdia de Deus que perdoa.

Jonas é um profeta «em saída» e tambémum profeta em fuga! É um profeta em saída,que Deus envia «para a periferia», Nínive, pa-ra converter os habitantes daquela grande ci-dade. Mas para um israelita como Jonas, Ní-nive representava uma realidade insidiosa, oinimigo que punha em perigo a própria Jeru-salém, e portanto devia ser destruída, certa-mente não salva. Por isso, quando Deus enviaJonas a pregar naquela cidade, o profeta queconhece a bondade do Senhor e o seu desejode perdoar, procura subtrair-se à sua tarefa efoge.

Durante a sua fuga, o profeta entra em con-tacto com alguns pagãos, os marinheiros danau na qual tinha embarcado para se afastarde Deus e da sua missão. E foge para longe,porque Nínive estava situada na região doIraque e ele foge para a Espanha, foge a sério.E é exatamente o comportamento daqueleshomens pagãos, como depois será o dos habi-tantes de Nínive, que hoje nos permite refletirum pouco sobre a e s p e ra n ç a que, diante doperigo e da morte, se exprime na oração.

Com efeito, durante a travessia do mar,abate-se uma tremenda tempestade e Jonasdesce ao porão do navio, abandonando-se aosono. Os marinheiros, ao contrário, vendo-seperdidos, «puseram-se a invocar cada qual oseu deus»: eram pagãos (Jn 1, 5). O capitãodo navio acorda Jonas, dizendo-lhe: «O quefazes, dormes? Levanta-te e invoca o teuDeus, para ver se porventura Ele se lembra denós e nos livra da morte» (Jn 1, 6).

A reação daqueles «pagãos» é a reação jus-ta perante a morte, diante do perigo; porqueé então que o homem faz uma experiênciacompleta da sua fragilidade e da sua necessi-dade de salvação. O instintivo terror de mor-rer revela a necessidade de esperar no Deus davida. «Para ver se porventura Ele se lembra

de nós e nos livra da morte»: são as palavrasda esperança que se torna oração, aquela súplicacheia de angústia que se eleva dos lábios dohomem diante de um iminente perigo de mor-te.

Com muita facilidade desprezamos a súpli-ca a Deus na necessidade, como se fosse ape-nas uma oração interessada e por isso imper-feita. Mas Deus conhece a nossa debilidade,sabe que nos recordamos dele para pedir aju-da, e com o sorriso indulgente de um pai,Deus responde benignamente.

Quando Jonas, reconhecendo as suas res-ponsabilidades, se deixa lançar ao mar parasalvar os seus companheiros de viagem, a tem-pestade aplaca-se. A morte incumbente impe-liu aqueles homens pagãos à oração, fez comque o profeta, não obstante tudo, vivesse asua vocação ao serviço dos outros aceitandosacrificar-se por eles, e agora leva os sobrevi-ventes ao reconhecimento do verdadeiro Se-nhor e ao louvor. Os marinheiros que, toma-dos pelo medo, tinham rezado dirigindo-seaos próprios deuses, agora com sincero temordo Senhor reconhecem o verdadeiro Deus,oferecem sacrifícios e cumprem votos. A espe-rança que os tinha induzido a rezar para nãomorrer revela-se ainda mais poderosa e con-cretiza uma realidade que vai até além daquiloque eles esperavam: não só não perecem natempestade, mas abrem-se ao reconhecimentodo verdadeiro e único Senhor do céu e da ter-ra.

Sucessivamente, também os habitantes deNínive, diante da perspetiva de ser destruídos,rezarão impelidos pela esperança no perdão de

«Comunhão, reconciliação e unidade sãopossíveis», afirmou o Pontífice saudando como decostume os vários grupos de fiéis no final daaudiência geral de 18 de janeiro, dia em que teminício a semana anual dedicada à oração pelaunidade dos cristãos. Eis, entre outras, aspalavras de saudação do Papa nessa ocasião.

Recordo com emoção a prece ecuménica emLund, na Suécia, no dia 31 de outubro passa-do. No espírito daquela comemoração comumda Reforma, nós olhamos mais para o que nosune do que para quanto nos divide, e prosse-guimos o caminho juntos para aprofundar anossa comunhão e para lhe dar uma forma ca-da vez mais visível.

Na Europa esta fé comum em Cristo é co-mo um fio verde de esperança: pertencemosuns aos outros. Comunhão, reconciliação eunidade são possíveis! Como cristãos, temos aresponsabilidade desta mensagem e devemostestemunhá-la com a nossa vida. Deus aben-çoe esta vontade de união e preserve todas aspessoas que percorrem o caminho da unidade.

Com sentimentos de grata estima, vos saú-do, caríssimos peregrinos de língua portugue-sa, em particular a vós, jovens do grupo « Th eBrazilian Tropical Violins», lembrando a todosque hoje tem início o Oitavário de Oraçãopela Unidade dos Cristãos, um motivo maisde apelo à nossa comunhão de preces e de es-peranças. O movimento ecuménico vai frutifi-cando, com a graça de Deus. O Pai do Céucontinue a derramar as suas bênçãos sobre ospassos de todos os seus filhos. Irmãs e irmãosmuito amados, servi a causa da unidade e dapaz!

Deus. Farão penitência, invocarão o Senhor econverter-se-ão a Ele, a começar pelo rei que,como o capitão do navio, dá voz à esperançadizendo: «Talvez Deus se arrependa [...] enão nos deixe perecer!» (Jn 3, 9). Inclusivepara eles, assim como para a tripulação natempestade, ter enfrentado a morte e dela tersaído vivos guiou-os à verdade. Assim, sob amisericórdia divina, e ainda mais à luz domistério pascal, a morte pode tornar-se, comofoi para São Francisco de Assis, «nossa irmãmorte» e representar, para cada homem e paracada um de nós, a surpreendente ocasião deconhecer a esperança e de encontrar o Senhor.Que o Senhor nos leve a entender este víncu-lo entre oração e esperança. A oração leva-teem frente na esperança, e quando a situaçãose torna obscura, é preciso rezar mais! E have-rá mais esperança.

O brigado!

Dirijo as cordiais boas-vindas aos peregri-nos de língua árabe, em particular aos prove-nientes do Médio Oriente! Estimados irmãose irmãs, a oração é a chave que abre o Cora-ção misericordioso de Deus. É a maior forçada Igreja, que nunca devemos abandonar. Se-de «perseverantes e concordes na oração», co-mo o foram Nossa Senhora e os Apóstolos. OSenhor vos abençoe!

Finalmente, saúdo os jovens, os doentes eos recém-casados. Hoje tem início a Semanade oração pela unidade dos cristãos, que esteano nos leva a meditar sobre o amor de Cristoque impele rumo à reconciliação. Amados jo-vens, rezai a fim de que todos os cristãos vol-tem a ser uma única família; estimados doen-tes, oferecei os vossos sofrimentos pela causada unidade da Igreja; e vós, diletos recém-ca-sados, vivei a experiência do amor gratuito,como é o de Deus pela unidade.

Michelangelo, «O profeta Jonas»(1512, Capela Sistina)