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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano LI, número 42 (2.667) Cidade do Vaticano terça-feira 20 de outubro de 2020 NESTE NÚMERO Pág. 2: Menagem de Francisco à plenária da pontifícia Academia das ciências; pág. 3: Audiência geral de quarta-feira; pág. 4: Inter- venção do cardeal secretário de Estado Pietro Parolin sobre a liber- dade religiosa; pág. 5: Mensagem aos participantes no encontro di- gital “Countdown”; pág. 8: Audiência à Moneyval; pág. 9: Mensa- gem do Papa à Comissão feminina do pontifício Conselho para a cultura; pág. 10: Em Assis foi beatificado Carlos Acutis; pág. 11: In- formações; Credenciais do embaixador da Nicarágua: pág. 12: An- gelus; Foi apresentado o logótipo da JMJ de Lisboa em 2023. Todos irmãos, até aqueles “a mais” ANDREA MONDA O texto da carta encíclica Fratelli tutti, a terceira do Papa Francisco, publicada a 4 de outubro, susci- tou, como era previsível, uma série de reações diferentes, muito diver- sificadas. Há também uma notícia, que vem do além-mar, que não se pode definir “reação”, mas sobre- tudo sintoma de quanta necessida- de existe hoje de redescobrir o próprio significado de fraternida- de, até no seu sentido mais estrito e literal. Trata-se de uma campa- nha publicitária que neste período se mostra ao longo das ruas e nas paredes dos edifícios no Canadá e nos Estados Unidos, e que realça uma mentalidade, uma visão do mundo, marcada pelo fechamento gerado pelo medo da alteridade e pela falta de confiança, que o tex- to do Papa convida a superar com «um coração aberto ao mundo in- teiro», como reza o título do capí- tulo quatro de Fratelli tutti. O te- ma abordado pela campanha pro- movida pela associação OnePlane- tOneChild é precisamente o da fra- ternidade, visto em termos muito simples (de resto, é o objetivo da publicidade, impressionar com uma única mensagem). O cartaz em questão mostra um rosto, o de uma bonita criança negra com a boca e os grandes olhos bem aber- tos, e em baixo uma frase grande, clara e simples: «O maior dom de amor que podes dar ao teu pri- meiro filho é não teres outro». Não pode existir oposição mais forte do que esta: se o Papa diz «irmãos, “todos irmãos”», a associa- ção “Um-Planeta-de-Filhos-Úni- cos» responde com “nenhum ir- mão”, porque dois já é demais. Caim venceu. No número 19 da encíclica, o Papa afirma: «A falta de filhos, que provoca um envelhecimento da população, juntamente com o abandono dos idosos numa dolo- rosa solidão, exprimem implicita- mente que tudo acaba connosco, que só contam os nossos interesses individuais», citando depois uma amarga reflexão pronunciada no discurso ao Corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé, a 13 de janeiro de 2014: «Objeto de descarte não são apenas os alimen- tos ou os bens supérfluos, mas muitas vezes os próprios seres hu- manos». Portanto, existem os “fi- lhos descartados”, os que são dife- rentes e menos afortunados do que os “filhos programados”: ou- tro cartaz da mesma associação mostra um casal alegremente sen- tado no chão, encostado à parede CONTINUA NA PÁGINA 2 Um grupo de crianças na favela de Kibera, Nairobi (Quénia), a caminho da escola A disparidade de oportunidades es- colares, agravada pela pandemia, impõe «a adesão a um pacto educa- tivo global para e com as jovens ge- rações», destinado a contrastar a «dramática realidade» de uma ver- dadeira «catástrofe educativa». Me- diante este apelo urgente, o Papa Francisco relançou o “Global Com- pact on Education” do qual ele mesmo foi promotor em setembro de 2019, anunciando um encontro que deveria ter tido lugar a 14 de maio de 2020, mas foi adiado de- vido à Covid-19. Fê-lo através de uma mensagem de vídeo, transmiti- da na tarde de 15 de outubro, du- rante um encontro em streaming, promovido pela Congregação para a educação católica na Universida- de lateranense. «As plataformas educativas infor- máticas — explicou o Papa — de- monstraram que muitas crianças e adolescentes ficaram para trás no processo de desenvolvimento peda- gógico». «Cerca de dez milhões — observou — delas poderiam ser obri- gadas a abandonar a escola, por causa da crise económica gerada pe- lo coronavírus, aumentando uma disparidade já alarmante». E no Dia da alimentação o Papa voltou a propor a instituição de um fundo mundial para o desenvolvi- mento dos países mais pobres inter- vindo com uma mensagem em ví- deo na cerimónia realizada a 16 de outubro em Roma, na sede da Or- ganização das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura. PÁGINAS 6 E 7 Francisco relança o “Global Compact on Education”

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L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano LI, número 42 (2.667) Cidade do Vaticano terça-feira 20 de outubro de 2020

NESTE NÚMEROPág. 2: Menagem de Francisco à plenária da pontifícia Academiadas ciências; pág. 3: Audiência geral de quarta-feira; pág. 4: Inter-venção do cardeal secretário de Estado Pietro Parolin sobre a liber-dade religiosa; pág. 5: Mensagem aos participantes no encontro di-gital “Countdown”; pág. 8: Audiência à Moneyval; pág. 9: Mensa-gem do Papa à Comissão feminina do pontifício Conselho para acultura; pág. 10: Em Assis foi beatificado Carlos Acutis; pág. 11: In-formações; Credenciais do embaixador da Nicarágua: pág. 12: An-gelus; Foi apresentado o logótipo da JMJ de Lisboa em 2023.

Todos irmãos,até aqueles“a mais”

ANDREA MONDA

O texto da carta encíclica Fra t e l l itutti, a terceira do Papa Francisco,publicada a 4 de outubro, susci-tou, como era previsível, uma sériede reações diferentes, muito diver-sificadas. Há também uma notícia,que vem do além-mar, que não sepode definir “re a ç ã o ”, mas sobre-tudo sintoma de quanta necessida-de existe hoje de redescobrir opróprio significado de fraternida-de, até no seu sentido mais estritoe literal. Trata-se de uma campa-nha publicitária que neste períodose mostra ao longo das ruas e nasparedes dos edifícios no Canadá enos Estados Unidos, e que realçauma mentalidade, uma visão domundo, marcada pelo fechamentogerado pelo medo da alteridade epela falta de confiança, que o tex-to do Papa convida a superar com«um coração aberto ao mundo in-teiro», como reza o título do capí-tulo quatro de Fratelli tutti. O te-ma abordado pela campanha pro-movida pela associação OnePlane-tOneChild é precisamente o da fra-ternidade, visto em termos muitosimples (de resto, é o objetivo dapublicidade, impressionar comuma única mensagem). O cartazem questão mostra um rosto, o deuma bonita criança negra com aboca e os grandes olhos bem aber-tos, e em baixo uma frase grande,clara e simples: «O maior dom deamor que podes dar ao teu pri-meiro filho é não teres outro».Não pode existir oposição maisforte do que esta: se o Papa diz«irmãos, “todos irmãos”», a associa-ção “Um-Planeta-de-Filhos-Úni-cos» responde com “nenhum ir-mão”, porque dois já é demais.Caim venceu.

No número 19 da encíclica, oPapa afirma: «A falta de filhos,que provoca um envelhecimentoda população, juntamente com oabandono dos idosos numa dolo-rosa solidão, exprimem implicita-mente que tudo acaba connosco,que só contam os nossos interessesindividuais», citando depois umaamarga reflexão pronunciada nodiscurso ao Corpo diplomáticoacreditado junto da Santa Sé, a 13de janeiro de 2014: «Objeto dedescarte não são apenas os alimen-tos ou os bens supérfluos, masmuitas vezes os próprios seres hu-manos». Portanto, existem os “fi-lhos descartados”, os que são dife-rentes e menos afortunados doque os “filhos programados”: ou-tro cartaz da mesma associaçãomostra um casal alegremente sen-tado no chão, encostado à parede

CO N T I N UA NA PÁGINA 2

Um grupo de crianças na favela de Kibera, Nairobi (Quénia), a caminho da escola

A disparidade de oportunidades es-colares, agravada pela pandemia,impõe «a adesão a um pacto educa-tivo global para e com as jovens ge-rações», destinado a contrastar a«dramática realidade» de uma ver-dadeira «catástrofe educativa». Me-diante este apelo urgente, o PapaFrancisco relançou o “Global Com-

pact on Education” do qual elemesmo foi promotor em setembrode 2019, anunciando um encontroque deveria ter tido lugar a 14 demaio de 2020, mas foi adiado de-vido à Covid-19. Fê-lo através deuma mensagem de vídeo, transmiti-da na tarde de 15 de outubro, du-rante um encontro em streaming,

promovido pela Congregação paraa educação católica na Universida-de lateranense.

«As plataformas educativas infor-máticas — explicou o Papa — de-monstraram que muitas crianças eadolescentes ficaram para trás noprocesso de desenvolvimento peda-gógico». «Cerca de dez milhões —observou — delas poderiam ser obri-gadas a abandonar a escola, porcausa da crise económica gerada pe-lo coronavírus, aumentando umadisparidade já alarmante».

E no Dia da alimentação o Papavoltou a propor a instituição de umfundo mundial para o desenvolvi-mento dos países mais pobres inter-vindo com uma mensagem em ví-deo na cerimónia realizada a 16 deoutubro em Roma, na sede da Or-ganização das Nações Unidas paraa alimentação e a agricultura.

PÁGINAS 6 E 7

Francisco relançao “Global Compact on Education”

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 20 de outubro de 2020, número 42

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

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Menagem de Francisco à plenária da pontifícia Academia das ciências

Soluções justas e inclusivas para sair da crisePrioridade às necessidades dos pobres a uma conversão ecológica

Soluções justas e inclusivas para sairda crise, causada pela pandemia dacovid-19, foram desejados pelo PapaFrancisco numa mensagem enviada aosparticipantes na sessão plenária dapontifícia Academia das ciências, queteve lugar de 7 a 9 de outubro.

AOS DISTINTOS MEMBROSDA PONTIFÍCIA ACADEMIADAS CIÊNCIAS REUNID OS

EM SESSÃO PLENÁRIA

Apresento-vos as cordiais saudaçõese expresso a minha gratidão à Ponti-fícia Academia das Ciências por terdedicado a Sessão Plenária desteano à tarefa de colocar a pesquisacientífica básica ao serviço da saúdedo nosso planeta e dos seus habitan-tes, especialmente dos mais pobres edesfavorecidos. Saúdo igualmente osperitos e líderes convidados, todoscom importantes responsabilidadesinternacionais, e aguardo com expe-tativa a sua contribuição.

Antes de mais, expresso o meu in-centivo ao trabalho da Academia,ativamente promovido pelo seu Pre-sidente, Professor Joachim vonBraun, e pelo Conselho. Nestes dias,o meu interesse pelo vosso trabalhoé ainda maior, dado que dedicastes aSessão Plenária ao que é, justamen-te, um tema de profunda preocupa-ção para toda a humanidade. Con-centrais-vos sobre a noção de ciênciaao serviço das pessoas para a sobre-vivência da humanidade à luz dapandemia de Sars-CoV-2/Covid-19 ede outras questões globais. Comefeito, a pandemia trouxe à tona nãosó as nossas falsas certezas, mas tam-bém a incapacidade dos países domundo inteiro de trabalhar em con-junto. Apesar de toda a nossa hiper-conetividade, testemunhamos umafragmentação que tornou mais difícila resolução dos problemas que nos

atingem a todos (cf. Fratelli tutti, 7).Portanto, é significativo que estaSessão Plenária virtual da Academiareúna muitas disciplinas científicasdiferentes; neste sentido, oferece umexemplo do modo como deveriamser enfrentados os desafios da criseda Covid-19, através de esforços co-ordenados ao serviço de toda a famí-lia humana. Os vossos esforços estãoamplamente centrados no estudo denovas vias imunológicas e imunoquí-micas para ativar os próprios meca-nismos de defesa do organismo oupara impedir a proliferação de célu-las infetadas. Estudais também ou-tros tratamentos específicos, incluin-do vacinas que agora são clinica-mente testadas. Como sabemos, ovírus, que afeta a saúde das pessoas,atingiu também todo o tecido social,económico e espiritual da sociedade,paralisando as relações humanas, o

trabalho, a produção, o comércio eaté muitas atividades espirituais.Tem um enorme impacto sobre aeducação. Nalgumas partes do mun-do, muitas crianças não podem vol-tar à escola e esta situação acarreta orisco de aumento do trabalho infan-til, da exploração, do abuso e da su-balimentação. Em síntese, a incapa-cidade de ver o rosto de uma pessoae de considerar os outros como po-tenciais portadores do vírus é umaterrível metáfora de uma crise socialglobal que deve preocupar quantosse interessam pelo futuro da huma-nidade. A este respeito, nenhum denós pode deixar de se preocuparcom o impacto da crise sobre os po-bres do mundo. Para muitos deles,com efeito, é uma questão de sobre-vivência. Além da contribuição dasciências, as necessidades dos mem-bros mais pobres da nossa famíliahumana exigem soluções justas dosgovernos e de quantos têm poder dedecisão. Os sistemas de saúde, porexemplo, devem tornar-se muitomais inclusivos e acessíveis às pes-soas desfavorecidas e àquelas que vi-vem em países de baixo rendimento.Se for dada preferência a alguém,então que seja ao mais necessitado evulnerável entre nós. Da mesma for-ma, quando as vacinas estiverem dis-poníveis, deve ser garantido o acessojusto a elas, independentemente dosrecursos, começando sempre pelosúltimos. Os problemas globais queenfrentamos exigem respostas coo-perativas e multilaterais. Organiza-ções internacionais, como as NaçõesUnidas, a OMS, a FA O e outras, queforam criadas para promover a coo-peração e a coordenação global, de-vem ser respeitadas e apoiadas para

poderem alcançar os seus objetivosem benefício do bem comum univer-sal. O surto da pandemia, no con-texto mais vasto do aquecimentoglobal, da crise ecológica e da trági-ca perda de biodiversidade, é umapelo à nossa família humana parareconsiderar o seu curso, arrepender-se e empreender uma conversão eco-lógica (cf. Laudato si’, 216-221). Umaconversão que se inspire em todos osdons e talentos concedidos porDeus, a fim de promover uma “eco-logia humana” merecedora da nossadignidade inata e do nosso destinocomum. Esta é a esperança que ma-nifestei na minha recente EncíclicaFratelli tutti, sobre a fraternidade e aamizade social. «Como seria bomse, ao aumento das inovações cientí-ficas e tecnológicas, correspondessetambém uma equidade e uma inclu-são social cada vez maior! Como se-ria bom se, enquanto descobrimosnovos planetas longínquos, tambémdescobríssemos as necessidades doirmão e da irmã que orbitam ao nos-so redor!» (n. 31). As reflexões davossa Sessão Plenária sobre as ciên-cias e a sobrevivência da humanida-de levantam também a questão decenários semelhantes que poderiamter origem nos laboratórios maisavançados de física e biologia. Pode-mos manter a calma perante taisperspetivas? Por maior que seja aresponsabilidade dos políticos, elanão isenta os cientistas de reconhe-cer as suas responsabilidades éticasno esforço de impedir não só a pro-dução, posse e utilização de armasnucleares, mas também o desenvolvi-mento de armas biológicas, com oseu potencial para devastar civis ino-centes e, na verdade, povos inteiros.Caros amigos, agradeço-vos maisuma vez a vossa pesquisa e esforçospara enfrentar estas graves questõescom espírito de cooperação e res-ponsabilidade partilhada para o fu-turo das nossas sociedades. Nestesmeses, o mundo inteiro dependeu devós e dos vossos colegas para ofere-cer informações, inspirar esperançae, no caso de muitos profissionais dasaúde, para cuidar dos doentes e dequantos sofrem, muitas vezes pondoem risco a própria vida. Renovandoa minha gratidão e oferecendo osmeus votos orantes pelas delibera-ções da vossa Sessão Plenária, invo-co sobre vós, as vossas famílias e osvossos colegas as bênçãos divinas dasabedoria, força e paz. E peço-vos,por favor, que vos recordeis de mimnas vossas orações.

Roma, São João de Latrão,7 de outubro de 2020.

FRANCISCO

Vincent Van Gogh, «Os pobres e o dinheiro» (1882)

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

da casa, ainda com o traje da festa,e ao lado a escrita, em letras garra-fais, que reza: “We ’re planningONE!”, “Programamos UM”. O filhocomo produto de laboratório, se-gundo a lógica do “bom o primei-ro ! ”, que é também o último.

Trata-se de duas visões do ho-mem e da vida diametralmenteopostas, a do produto e a do dom,e ambas giram em volta do tema,neste ponto escorregadio, do amor,levantando a questão sobre qual éo maior amor. Para os criativos da

publicidade, a mensagem a trans-mitir é que o maior amor se mani-festa em termos negativos, em NÃOfazer algo, em não gerar (outra)criança, precisamente porque seria“outra” e, portanto, “a mais”. Paraos cristãos a verdade é o oposto, oamor é positivo, efusivo, inclusivoe generativo, e existe uma ligaçãoestreita com a vida, entendida nãocomo “risco” a evitar, mas a correr,impelido pela força de um dom ex-cedente a fazer circular: «Ninguémtem maior amor do que aquele quedá a vida pelos seus amigos» (Jo15, 13).

Todos irmãos, até aqueles “a mais”

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número 42, terça-feira 20 de outubro de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

O clamor do homemencontra sempre

a porta de Deus aberta

O Pontífice prosseguiu as reflexões sobre a oração

C AT E Q U E S E

«Mesmo que todas as portas humanas estivessem trancadas, a porta de Deusestará sempre aberta», para acolher o grito de dor que, na vida do crente,pode assumir «mil formas» e tem «o nome de doença, ódio, guerra,perseguição, desconfiança», explicou o Papa Francisco na audiência geral dequarta-feira, 14 de outubro, na sala Paulo VI, no respeito pelas novasmedidas de distanciamento destinadas a combater a pandemia, e todos os fiéispresentes usavam máscaras de proteção. Prosseguindo as catequeses sobre otema da oração, o Papa insistiu particularmente sobre os salmos, definindo-os«a palavra de Deus que nós, humanos, usamos para falar com Ele».

e incertezas. O salmista não contes-ta radicalmente este sofrimento: elesabe que pertence à vida. Contudo,nos salmos o sofrimento transfor-ma-se em i n t e r ro g a ç ã o . Do sofrer aop erguntar.

E entre as muitas perguntas, háuma que permanece suspensa, co-mo um brado incessante que per-corre todo o livro de um lado aooutro. Uma pergunta, que repeti-mos muitas vezes: “Até quando, Se-nhor? Até quando?”. Cada dor pedelibertação, cada lágrima invocaconsolação, cada ferida aguarda acura, cada calúnia, uma sentençade absolvição. “Até quando Senhortenho que sofrer isto? Ouve-me Se-nhor!”: quantas vezes rezamos as-sim com este “até quando?”, Se-nhor, chega!

Ao fazer constantemente taisperguntas, os salmos ensinam-nos anão nos habituarmos à dor e lem-bram-nos que a vida não se salva,se não for curada. A existência dohomem é um sopro, a sua históriaé fugaz, mas o orante sabe que éprecioso aos olhos de Deus, e porisso tem sentido bradar. Isto é im-portante. Quando rezamos, faze-mo-lo porque sabemos que somospreciosos aos olhos de Deus. É agraça do Espírito Santo que dedentro suscita em nós esta cons-ciência: de ser preciosos aos olhosde Deus. E por isso somos induzi-dos a rezar.

A oração dos salmos é o teste-munho deste grito: um brado múl-tiplo, porque na vida a dor assumemil formas, e tem o nome de doen-ça, ódio, guerra, perseguição, des-confiança... Até ao supremo “es-cândalo”, o da morte. A morte apa-rece no Saltério como o inimigomais irracional do homem: que cri-me merece um castigo tão cruel,que envolve a aniquilação e o fim?O orante dos salmos pede a Deusque intervenha onde todos os es-forços humanos são vãos. É por is-so que a oração, já em si mesma, éo caminho da salvação, o início dasalvação.

Neste mundo todos sofrem: queracreditemos em Deus quer o rejei-

temos. Mas no Saltério, a dor tor-na-se relação, relação: um grito deajuda à espera de encontrar um ou-vido que ouça. Não pode permane-cer sem sentido, sem propósito.Até as dores que sofremos não po-dem ser apenas casos específicos deuma lei universal: são sempre as“minhas” lágrimas. Pensai nisto: aslágrimas não são universais, são as“minhas” lágrimas. Cada um temas próprias. As “minhas” lágrimas ea “minha” dor impelem-me a conti-nuar com a oração. Sou as “mi-nhas” lágrimas que jamais ninguémderramou antes de mim. Sim, mui-tos choraram, muitos. Mas as “mi-nhas” lágrimas são as minhas, o“meu” sofrimento é meu, a minhador é minha.

Antes de entrar na Sala, encon-trei-me com os pais daquele sacer-dote da diocese de Como que foiassassinado; ele foi morto no seuserviço para ajudar. As lágrimas da-queles pais são “deles” e cada umdeles sabe quanto sofreu ao ver es-te filho que deu a sua vida ao ser-viço dos pobres. Quando queremosconsolar alguém, não encontramosas palavras. Porquê? Porque nãopodemos chegar à sua dor, porquea “sua” dor é sua, as “suas” lágri-mas são suas. O mesmo acontececonnosco: as lágrimas, “a minha”dor é minha, as lágrimas são “mi-nhas” e com estas lágrimas, comeste sofrimento, dirijo-me ao Se-n h o r.

Para Deus, todas as dores doshomens são sagradas. Assim reza oorante do salmo 56-55: «Vós conhe-ceis os caminhos do meu exílio,vós recolhestes as minhas lágrimasno vosso cantil; não está tudo es-crito no vosso livro?» (v. 9). Diantede Deus não somos desconhecidos,nem números. Somos rostos e cora-ções, conhecidos um por um, pelonome.

Nos salmos, o crente encontrauma resposta. Ele sabe que mesmose todas as portas humanas estive-rem trancadas, a porta de Deus es-tá aberta. Mesmo se o mundo in-teiro emitisse um veredito de con-denação, em Deus há salvação.

“O Senhor ouve”: às vezes naoração é suficiente saber isto. Osproblemas nem sempre se resol-vem. Quem reza não é um iludido:sabe que muitas questões da vidaterrena permanecem sem solução,sem saída; o sofrimento acompa-nhar-nos-á e, após uma batalha,haverá outras que nos esperam.Mas se formos ouvidos, tudo setorna mais suportável.

A pior coisa que pode aconteceré sofrer no abandono, sem ser re-cordado. É disto que a oração nossalva. Pois pode acontecer, e atéfrequentemente, que não compre-endamos os desígnios de Deus.Mas os nossos gritos não estagnamaqui na terra: elevam-se até Ele,que tem o coração de Pai e chorapor cada filho e filha que sofre emorre. Digo-vos uma coisa: faz-mebem, nos maus momentos, pensarno pranto de Jesus, quando chorouolhando para Jerusalém, quandochorou diante do túmulo de Láza-ro. Deus chorou por mim, Deuschora, chora pelas nossas dores.Porque Deus quis fazer-se homem,dizia um escritor espiritual, parapoder chorar. Pensar que Jesuschora comigo na dor é uma conso-lação: ajuda-nos a seguir em frente.Se nos mantivermos numa relaçãocom Ele, a vida não nos poupa ossofrimentos, mas abre-se a umgrande horizonte de bem e encami-nha-se para a sua realização. Cora-gem, em frente com a oração. Jesusestá sempre ao nosso lado.

No final da audiência, o SantoPadre saudou os vários grupospresentes, proferindo entre outras asseguintes expressões.

Dirijo uma cordial saudação aosfiéis de língua portuguesa. Amanhãcelebramos a festa de Santa Teresade Jesus: Mestra da vida espiritual,ensinava que a oração “outra coisanão é senão tratar de amizade, es-tando muitas vezes tratando a sóscom quem sabemos que nos ama”.Aprendei a crescer sempre maisnesta relação de amizade, usandoas palavras do Livro dos Salmos.Que Deus vos abençoe a vós e avossos entes queridos!

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!À medida que lemos a Bíblia, de-paramo-nos continuamente comorações de vários tipos. Mas tam-bém encontramos um livro com-posto apenas de preces, um livroque se tornou pátria, ginásio e casade incontáveis orantes. Trata-se doLivro dos Salmos. São 150 Salmospara recitar.

Faz parte dos livros sapienciais,porque comunica o “saber rezar”através da experiência do diálogocom Deus. Nos salmos encontra-mos todos os sentimentos huma-nos: alegrias, tristezas, dúvidas, es-peranças e amarguras que colorama nossa vida. O Catecismo afirmaque cada salmo «é de tal sobrieda-de que pode, com verdade, ser re-zado pelos homens de qualquercondição e de todos os tempos»(CIC, n. 2588). Ao ler e reler os sal-mos, aprendemos a linguagem daoração. Efetivamente, com o seuEspírito, Deus Pai inspirou-os nocoração do rei David e de outrosorantes, para ensinar cada homeme cada mulher a louvá-lo, a dar-lhegraças, a suplicá-lo, a invocá-lo naalegria e na tristeza, a narrar asmaravilhas das suas obras e da suaLei. Em síntese, os salmos são apalavra de Deus que nós, huma-nos, usamos para falar com Ele.

Neste livro não encontramospessoas etéreas nem abstratas, pes-soas que confundem a oração comuma experiência estética ou alie-nante. Os salmos não são textoscompostos de forma teórica, sãoinvocações, muitas vezes dramáti-cas, que nascem da experiência vi-va da existência. Para os recitarbasta ser quem somos. Não nos de-vemos esquecer que para rezar bemdevemos orar assim como somos,sem nos maquilharmos. Não é pre-ciso maquilhar a alma para rezar.“Senhor, sou assim”, ir diante doSenhor como somos, com as coisasboas e também com as más queninguém conhece, mas nós, dentro,conhecemos. Nos salmos ouvimosas vozes de orantes de carne e os-so, cuja vida, como a de todos, estárepleta de problemas, dificuldades

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 20 de outubro de 2020, número 42

Negar a liberdade religiosasignifica negar a natureza humana

Intervenção do cardeal secretário de Estado Pietro Parolin

O cardeal secretário de Estado PietroParolin tomou a palavra durante oSimpósio sobre o tema «Promover e de-fender a liberdade religiosa a nível in-ternacional através da diplomacia»,que teve lugar a 30 de setembro, na se-de da embaixada dos Estados Unidosda América junto da Santa Sé. Publi-camos em seguida as observações con-clusivas do purpurado.

Excelências, Senhoras e Senhores!Gostaria de agradecer à Embaixa-

dora Callista Gingrich e aos funcio-nários da Embaixada dos EstadosUnidos da América junto da SantaSé a organização deste importantesimpósio de um dia, durante o qualrefletimos sobre o tema «Promover edefender a liberdade religiosa inter-nacional através da diplomacia». Es-tou grato pelo convite a oferecer al-guns pontos de reflexão na conclu-são.

Caros amigos, a tutela e a promo-ção da liberdade religiosa é um traçocaraterístico da atividade diplomáti-ca da Santa Sé. Este direito humanofundamental, juntamente com o di-reito inviolável à vida, constitui ofundamento sólido e indispensávelde muitos outros direitos humanos.A violação desta liberdade compro-mete a fruição de todos os direitos eameaça a dignidade da pessoa hu-mana. Com efeito, em reconheci-mento da centralidade deste direitofundamental, a liberdade religiosa ésancionada pela legislação constitu-cional de muitas nações e é mencio-nada numa vasta gama de conven-ções internacionais, incluindo a De-claração Universal dos Direitos doHomem. O Concílio Vaticano II de-dicou um documento inteiro à liber-dade religiosa, espelhando a crescen-te consciência e importância de res-peitar esta liberdade fundamental.Na Dignitatis humanae lemos que es-ta liberdade significa que «todos oshomens devem estar livres de coa-ção, quer por parte dos indivíduos,quer dos grupos sociais ou qualquerautoridade humana; e de tal modoque, em matéria religiosa, ninguémseja forçado a agir contra a própriaconsciência, nem impedido de pro-ceder segundo a mesma, em privadoe em público, só ou associado a ou-tros, dentro dos devidos limites» (n.2).

No centro do exercício da liberda-de de professar e praticar uma deter-minada religião, ou não seguir ne-nhuma, se assim for escolhido, estáo exercício da liberdade de consciên-cia, o lugar interior sagrado da natu-reza transcendente do homem, onde«o homem descobre uma lei que nãose impôs a si mesmo, mas à qual de-ve obedecer; essa voz, que sempre oestá a chamar ao amor do bem e àfuga do mal, soa no momento opor-tuno, na intimidade do seu coração[...] O homem tem no coração umalei escrita pelo próprio Deus [...] Aconsciência é o centro mais secreto eo santuário do homem, no qual seencontra a sós com Deus, cuja vozse faz ouvir na intimidade do seuser» (Concílio Vaticano II, Gaudium

et spes, 16). A Igreja defendeu sem-pre a necessidade de respeitar o fó-rum interior da própria consciência,não só devido à sua ligação intrínse-ca à liberdade de religião, mas tam-bém porque é o lugar sagrado ínti-mo da pessoa humana. Infelizmente,assistimos a um número crescente deexemplos em que esta liberdade éviolada, até pela força, pelo direitocivil, o que na realidade equivale aum ataque à dignidade da pessoahumana.

Gostaria de sugerir que, pelo me-nos em parte, algumas das dificulda-des que experimentamos no que dizrespeito à violação da liberdade reli-giosa a nível global, derivam de umaincompreensão fundamental do sig-nificado de liberdade humana. Osataques à liberdade religiosa são fre-quentemente motivados pelo medo epela ideologia: por regimes totalitá-rios que utilizam o poder para im-por restrições draconianas, como seobserva, por exemplo, em países on-de a prática de certas tradições reli-giosas é proibida e as “minorias” sãoativamente perseguidas, mas tam-bém por vozes intolerantes do “p oli-ticamente correto”, que “silenciam” econdenam as crenças, tradições epráticas religiosas que contrastam asua ideologia progressista, rotulan-do-as como “o diosas” e “intoleran-tes”. É tempo de meditar mais pro-fundamente sobre as raízes da “into-lerância” em tais situações e, em par-ticular, sobre a redução do espaçopúblico de diálogo para e comquantos praticam abertamente a pró-pria fé. Com efeito, o nível de res-peito pela liberdade religiosa na es-fera pública é um claro indicador dasaúde de cada sociedade; por conse-guinte, é também um “teste decisi-vo” para o nível de respeito queexiste também por todos os outrosdireitos humanos fundamentais.

Não é nova a minha sugestão deque a liberdade religiosa está em cri-se, porque está em crise também anossa compreensão da verdade acer-ca da pessoa humana e da sua antro-pologia. Os Padres do Concílio Vati-cano II observaram que «os homens

de hoje se tornam cada vez maisconscientes da dignidade da pessoahumana e, cada vez em maior núme-ro, reivindicam a capacidade de agirsegundo a própria convicção e comliberdade responsável» (Dignitatishumanae, 1). «Assim, o sentido maisagudo da dignidade e da unicidadeda pessoa humana, bem como dorespeito devido ao caminho da cons-ciência, constitui certamente umaconquista positiva da cultura moder-na. Esta perceção, em si mesma au-têntica, encontrou múltiplas expres-sões, mais ou menos adequadas, al-gumas das quais, porém, se afastamda verdade do homem enquantocriatura e imagem de Deus, e reque-rem, portanto, ser corrigidas ou pu-rificadas à luz da fé» (Papa JoãoPaulo II, Veritatis splendor, 31). Infeli-zmente, a nossa crescente consciên-cia e afirmação da dignidade da pes-soa humana nem sempre foi acom-panhada de uma autêntica compre-ensão do dever moral e da responsa-bilidade decorrente do exercício daliberdade humana. Esta divergênciaentre dignidade e responsabilidadeinerente à liberdade tem um impactoprejudicial sobre o conceito de liber-dade religiosa e a sua fruição na so-ciedade moderna.

Este aspeto foi magistralmenteelaborado na reflexão aguda e pro-funda do Papa São João Paulo II, naCarta Encíclica Veritatis splendor, “es-plendor da verdade” onde, entre ou-tras coisas, realça a necessidade deuma correta compreensão da nature-za humana, especialmente da sua di-mensão transcendente, enraizada nopoder do intelecto e da vontade,exercida através do uso responsávelda liberdade em conjunto com a ver-dade sobre o bem. Embora atual-mente existam várias tendências queminam a perspetiva correta da liber-dade humana, São João Paulo IIdestaca duas principais. A primeirapoderia ser definida como “subjeti-vismo radical” ou exaltação da “li-berdade individual como um absolu-to”.

Ele explica-o da seguinte forma:«Nalgumas correntes do pensamento

moderno, chegou-se a exaltar a li-berdade a ponto de se tornar um ab-soluto, que seria a fonte dos valores.Nesta direção movem-se as doutri-nas que perderam o sentido datranscendência ou as que são explici-tamente ateias. Atribuíram-se à cons-ciência individual as prerrogativas deinstância suprema do juízo moral,que decide categórica e infalivelmen-te o bem e o mal. À afirmação dodever de seguir a própria consciênciafoi indevidamente acrescentadaaqueloutra, de que o juízo moral éverdadeiro pelo próprio facto deprovir da consciência. Deste modo,porém, a imprescindível exigência deverdade desapareceu em prol de umcritério de sinceridade, de autentici-dade, de “acordo consigo próprio”, aponto de se ter chegado a uma con-ceção radicalmente subjetivista dojuízo moral» (Veritatis splendor, 32).Nas sociedades contemporâneas, es-pecialmente no Ocidente, existe umaforte tendência a exagerar a liberda-de pessoal, para a separar delibera-damente da busca do bem ou, piorainda, para a tornar o único b em.Como resultado, o homem fecha-seem si mesmo, tornando-se autorrefe-rencial e o que é bem torna-se total-mente subjetivo. Daqui a que o ho-mem se torne uma ilha o passo ébreve, exercendo a sua liberdade, atélonge da justa razão. O “bem máxi-mo” torna-se agora a eliminação dequalquer obstáculo à “autonomia ra-dical”, tal como a lei moral naturalou divina. Também os outros direi-tos humanos fundamentais devemser abolidos, de modo a não impediro desejo da própria escolha.

Com efeito, outro equívoco mo-derno demasiado comum que inter-fere com uma conceção correta da li-berdade humana é a negação da ver-dade moral objetiva, conveniente-mente substituída pelo sentimentoou pela sensação pessoal do indiví-duo sobre o bem moral.

O santo polaco continua: «Perdi-da a ideia de uma verdade universalsobre o bem, cognoscível pela razão

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número 42, terça-feira 20 de outubro de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

Numa mensagem de vídeo o Papa definiu insustentável o atual sistema económico e realçou o dever moral de o reconsiderar

Cuidar da terra é um direitoPor ocasião do encontro digital“Countdown” sobre as alteraçõesclimáticas — promovido globalmentepor Ted, organização nascida há 25anos na Califórnia — o PapaFrancisco enviou aos participantes umamensagem de vídeo que foi transmitidapor volta das 22h15, hora de Roma,no sábado, 10 de outubro. Publicamosa seguir o texto, no qual o Pontíficesugere algumas soluções imediatas emresposta à crise ambiental.

Bom dia! Estamos a viver um mo-mento histórico marcado por desa-fios difíceis. O mundo está abaladodevido à crise causada pela pande-mia de Covid-19, o que evidenciaainda mais outro desafio global: acrise socioambiental.

Isto coloca-nos, todos, diante danecessidade de uma escolha.

A escolha entre o que é importan-te e o que não é. A escolha entrecontinuar a ignorar o sofrimento dosmais pobres e a maltratar a nossa ca-sa comum, a Terra, ou comprometer-nos a todos os níveis a fim de trans-formar o nosso modo de agir.

A ciência diz-nos, cada dia commais exatidão, que precisamos deagir urgentemente — e não estou aexagerar, é isto que a ciência nos diz— se quisermos ter alguma esperançade evitar mudanças climáticas radi-cais e catastróficas. Por isso temosque agir com urgência. Este é umfacto científico.

A nossa consciência diz-nos quenão podemos ficar indiferentes aosofrimento dos mais pobres, às cres-centes desigualdades económicas eàs injustiças sociais. E a própria eco-nomia não pode ser limitada à pro-dução e distribuição. Deve necessa-riamente considerar o seu impactosobre o meio ambiente e a dignidadeda pessoa. Poderíamos dizer que aeconomia deve ser criativa em simesma, nos seus métodos, no modocomo atua. Criatividade.

Gostaria de vos convidar a empre-ender juntos uma viagem. Uma via-gem de t ra n s f o r m a ç ã o e de ação. Fei-ta não só de palavras, mas sobretudode ações concretas e inadiáveis.

Chamo-lhe “viagem”, porque re-quer um “deslo camento”, uma mu-dança! Desta crise, nenhum de nósdeve sair igual — não podemos sairiguais: de uma crise, nunca saímosiguais — e será preciso tempo e es-forço para sair dela. Será necessárioir passo a passo, para ajudar os dé-beis, persuadir os duvidosos, imagi-nar novas soluções e comprometer-nos a dar-lhe continuidade.

Mas o objetivo é claro: construir,na próxima década, um mundo on-de possamos responder às necessida-des das gerações presentes, incluindotodos, sem comprometer as possibili-dades das gerações futuras.

Gostaria de convidar todas as pes-soas de fé, cristãs ou não, e todas aspessoas de boa vontade, a empreen-der esta viagem, [começando] pelasua fé ou, se não tiver fé, pela suavontade, pela própria boa vontade.Cada uma e cada um de nós, comoindivíduos e membros de grupos —famílias, comunidades de fé, empre-sas, associações, instituições — p o dedar um contributo significativo.

Há cinco anos escrevi a Carta en-cíclica Laudato si’, dedicada ao cui-dado da nossa casa comum. Propõeo conceito de “ecologia integral”,para responder em conjunto ao cla-mor da terra mas também ao bradodos pobres. A ecologia integral é umconvite a uma visão integral da vida,partindo da convicção de que tudono mundo está interligado e que, co-mo a pandemia nos recordou, somosinterdependentes uns dos outros, etambém dependentes da nossa mãeterra. Desta visão deriva a necessida-de de procurar outras formas decompreender o progresso e de o me-dir, sem nos limitarmos apenas àsdimensões económica, tecnológica,financeira e do produto bruto, masdando importância central às dimen-sões ético-social e educativa.

Gostaria de propor hoje três li-nhas de ação.

Como escrevi na Laudato si’, amudança e a orientação correta paraa viagem da ecologia integral exigem,antes de mais, um passo pedagógico(cf. n. 202). Portanto, a primeira

proposta é promover, a todos os ní-veis, uma educação para o cuidado dacasa comum, desenvolvendo a com-preensão de que os problemas am-bientais estão ligados às necessida-des humanas — temos de compreen-der isto desde o início: os problemasambientais estão ligados às necessi-dades humanas —; uma educaçãobaseada em dados científicos e umaabordagem ética. Isto é importante:ambos. Anima-me o facto de muitosjovens já terem uma nova sensibili-dade ecológica e social, e alguns de-les estão a lutar generosamente peladefesa ambiental e pela justiça.

Como segunda proposta, é precisodar ênfase à água e à alimentação. Oacesso à água potável e segura é umdireito humano essencial e universal.É imprescindível porque determina asobrevivência das pessoas e é, por-tanto, uma condição para o exercíciode todos os outros direitos e respon-sabilidades. Assegurar uma nutriçãoadequada a todos através de méto-dos agrícolas não destrutivos deveráentão tornar-se o objetivo funda-mental de todo o ciclo de produçãoe distribuição de alimentos.

A terceira proposta é a da t ra n s i -ção energética: uma substituição pro-gressiva, mas sem hesitações, doscombustíveis fósseis por fontes deenergia limpa. Temos apenas algunsanos, os cientistas calculam aproxi-madamente menos de trinta — temospoucos anos, menos de trinta — parareduzir drasticamente as emissões degases com efeito de estufa na atmos-fera. Esta transição não só deve serrápida e capaz de satisfazer as neces-sidades energéticas presentes e futu-ras, mas também estar atenta aos im-pactos sobre os pobres, as popula-ções locais e os que trabalham naprodução de energia.

Um modo de fomentar esta mu-dança é conduzir as empresas para anecessidade inevitável de se compro-meterem no cuidado integral da casacomum, excluindo do investimentoas empresas que não cumprem osparâmetros da ecologia integral e re-compensando aquelas que fazem es-forços concretos nesta fase de transi-ção para colocar no centro das suasatividades parâmetros como a sus-tentabilidade, a justiça social e a

promoção do bem comum. Muitasorganizações católicas e de outrascrenças já assumiram a responsabili-dade de trabalhar neste sentido. Defacto, a terra deve ser trabalhada ecuidada, cultivada e protegida; nãopodemos continuar a espremê-la co-mo uma laranja. E podemos dizerque isto, cuidar da terra, é um direi-to humano.

Estas três propostas devem ser en-tendidas como parte de um vastoconjunto de ações que devemos le-var por diante de forma integrada, afim de alcançar uma solução dura-doura para os problemas.

O atual sistema económico é in-sustentável. Estamos perante o im-perativo moral, e a urgência prática,de reconsiderar muitas coisas: comoproduzimos, como consumimos,pensando na nossa cultura do des-perdício, a visão a curto prazo, a ex-ploração dos pobres, a indiferençapara com eles, o aumento das desi-gualdades e a dependência de fontesde energia nocivas. Todos estes sãodesafios.

Temos de pensar nisto. A ecologiaintegral sugere uma nova compreen-são da relação entre nós e a nature-za.

Isto conduz a uma nova econo-mia, na qual a produção de riquezaé dirigida para o bem-estar integraldo ser humano e para a melhoria —não a destruição — da nossa casa co-mum. Significa também uma políti-ca renovada, concebida como umadas mais altas formas de caridade.Sim, o amor é interpessoal, mas oamor também é político. Envolve to-dos os povos e a natureza.

Portanto, convido-vos todas e to-dos a empreender esta viagem. Foiisto que propus na Laudato si’, etambém na nova Encíclica Fra t e l l itutti. Como sugere o termo “Count-down”, temos de agir com urgência.Cada um de nós pode desempenharum papel valioso se nos pusermostodos a caminho hoje. Não amanhã,mas hoje. Porque o futuro é cons-truído hoje, e não o construímos so-zinhos, mas em comunidade e emharmonia.

O brigado!

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número 42, terça-feira 20 de outubro de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 6/7

Numa mensagem de vídeo o Papa denunciou a desigualdade das oportunidades escolares agravadas pela pandemia

Um pacto global contra a catástrofe educativaE propôs alguns pontos de compromisso concreto para um “novo modelo cultural”

Publicamos o texto da mensagem de vídeo — transmitida na tarde de 15 deoutubro durante um encontro em streaming organizado pela Congregação para aEducação Católica na Pontifícia Universidade Lateranense — que o PapaFrancisco enviou aos participantes no Global Compact on Education. Já passoumais de um ano desde que, em setembro de 2019, o Pontífice propôs um PactoGlobal sobre a Educação anunciando um encontro que deveria ter tido lugar a14 de maio de 2020, mas que foi adiado devido à pandemia.

rências anteriores, terem sofridoatrasos no processo normal de de-senvolvimento pedagógico. Segun-do alguns dados recentes de agên-cias internacionais, fala-se de «ca-tástrofe educativa» — é talvez fortea expressão, mas fala-se de «catás-trofe educativa» — pois cerca dedez milhões de crianças poderiamser obrigadas a abandonar a escolapor causa da crise económica gera-da pelo coronavírus, agravandouma disparidade educativa já alar-mante (com mais de 250 milhõesde crianças, em idade escolar, ex-cluídas de toda e qualquer ativida-de formativa).

Perante realidade tão dramática,sabemos que as inevitáveis medidassanitárias se revelarão insuficientes,se não forem acompanhadas porum novo modelo cultural. Esta si-tuação fez crescer a consciência deque se deve imprimir uma viragemao modelo de desenvolvimento. Pa-ra que respeite e defenda a digni-dade da pessoa humana, tal mode-lo deverá partir das oportunidadesque a interdependência mundialoferece à comunidade e aos povos,cuidando da nossa casa comum etutelando a paz. A crise que atra-vessamos é uma crise geral, quenão se pode reduzir nem limitarapenas a uma única área ou setor.É geral. A Covid tornou possívelreconhecer, de forma global, queaquilo que está em crise é a nossaforma de compreender a realidadee de nos relacionarmos entre nós.

Neste contexto, vemos que nãobastam receitas simplistas nem vãosotimismos. Conhecemos o podertransformador da educação: educaré apostar e infundir no presente aesperança que rompe os determi-nismos e fatalismos com que mui-tas vezes o egoísmo do forte, oconformismo do vulnerável e aideologia do utopista se queremimpor como único caminho possí-vel (cf. M. de Certeau, Lo stranieroo l’unione nella differenza, Vita ePensiero, Milão 2010, 30).

Educar é sempre um ato de es-perança que convida à compartici-

pação transformando a lógica esté-ril e paralisadora da indiferençanuma lógica diferente, capaz deacolher a nossa pertença comum.Se hoje deixássemos os espaçoseducativos continuarem a reger-sepela lógica da substituição e repeti-ção, incapazes de gerar e mostrarnovos horizontes, onde a hospitali-dade, a solidariedade intergeracio-nal e o valor da transcendênciafundamentem uma nova cultura,não estaríamos porventura a falharo encontro com a História?

Temos consciência também deque um caminho de vida necessitada esperança fundada na solidarie-dade e que toda a mudança requerum percurso educativo para cons-truir novos paradigmas capazes deresponder aos desafios e emergên-cias do mundo atual, de compreen-der e encontrar as soluções para asexigências de cada geração e de fa-zer florir a humanidade de hoje ede amanhã.

Pensamos que a educação sejaum dos caminhos mais eficazes pa-ra humanizar o mundo e a história.A educação é sobretudo uma ques-tão de amor e responsabilidade quese transmite, ao longo do tempo,de geração em geração.

Por conseguinte, a educaçãoapresenta-se como o antídoto natu-ral à cultura individualista, que àsvezes degenera num verdadeiroculto do «ego» e no primado daindiferença. O nosso futuro nãopode ser a divisão, o empobreci-mento das faculdades de pensa-mento e imaginação, de escuta,diálogo e compreensão mútua. Onosso futuro não pode ser este!

Hoje temos necessidade de umarenovada estação de empenhamen-to educativo, que envolva todos oscomponentes da sociedade. Escute-mos o grito das novas gerações,que destaca a exigência e, ao mes-mo tempo, a oportunidade estimu-lante de um caminho educativo re-novado, que não volte o olhar parao outro lado, favorecendo gravesinjustiças sociais, violações dos di-reitos, pobrezas profundas e des-cartes humanos.

Trata-se de um percurso integral,no qual se enfrentem as situaçõesde solidão e desconfiança quantoao futuro que geram entre os jo-vens depressão, toxicodependên-cias, agressividade, ódio verbal, fe-nómenos de bullying. Um caminhopartilhado, no qual não se fique in-diferente ao flagelo das violências eabusos contra os menores, aos fe-nómenos das meninas-noivas e dascrianças-soldado, ao drama dosmenores vendidos e escravizados.A isto vem juntar-se a amargura

pelos «sofrimentos» do nosso pla-neta, causados por uma exploraçãosem cabeça nem coração, que ge-rou uma grave crise ambiental eclimática.

Na história, há momentos emque é preciso tomar decisões basi-lares que imprimam marcas na nos-sa forma de viver e principalmenteuma posição correta face aos possí-veis cenários futuros. Na situaçãoatual de crise sanitária — repleta dedesânimo e perplexidade — p ensa-mos que este seja o momento deaderir a um pacto educativo globalpara e com as gerações jovens, queempenhe as famílias, as comunida-des, as escolas e universidades, asinstituições, as religiões, os gover-nantes, a humanidade inteira naformação de pessoas maduras.

Hoje é-nos pedida a audácia ne-cessária para ultrapassar visões ex-trínsecas aos processos educativos,superar as excessivas simplificaçõescircunscritas à utilidade, ao resulta-do (padronizado), à funcionalidadee à burocracia, que confundemeducação com instrução e acabampor fragmentar as nossas culturas;em vez disso, somos solicitados aprocurar uma cultura integral, par-ticipativa e poliédrica. Precisamosde ter a coragem de gerar proces-sos que assumam, conscientemente,a fragmentação existente e os con-trastes que efetivamente carrega-mos connosco; a coragem de re-criar o tecido de relações em prolde uma humanidade capaz de falara linguagem da fraternidade. O va-lor das nossas práticas educativasnão será medido simplesmente pelasuperação de testes padronizados,mas pela capacidade de incidir nocoração de uma sociedade e fazernascer uma nova cultura. Ummundo diferente é possível e pedeque aprendamos a construí-lo, e is-to envolve toda a nossa humanida-de, tanto a nível pessoal como co-munitário.

Apelamos, em todas as partes domundo, de maneira particular aoshomens e mulheres da cultura, daciência e do desporto, aos artistas,aos operadores dos meios de co-municação social, para que adiram— também eles — a este pacto e,com o seu testemunho e trabalho,façam-se promotores dos valores dedesvelo, paz, justiça, bondade, be-leza, acolhimento do outro e frater-nidade.

«Não devemos esperar tudo da-queles que nos governam; seria in-fantil. Gozamos de um espaço decorresponsabilidade capaz de ini-ciar e gerar novos processos etransformações. Sejamos parte ativana reabilitação e apoio das socieda-

des feridas. Hoje temos à nossafrente a grande ocasião de expres-sar o nosso ser irmãos, de ser ou-tros bons samaritanos que tomamsobre si a dor dos fracassos, em vezde fomentar ódios e ressentimen-tos» (Enc. Fratelli tutti, 77). Umprocesso plural e poliédrico capazde nos envolver a todos em respos-tas significativas, onde as diferen-ças e as abordagens saibam harmo-nizar-se na busca do bem comum.Capacidade de criar harmonia: édisto que precisamos hoje.

Por estes motivos, compromete-mo-nos, pessoal e conjuntamente,a...

— Primeiro: colocar no centro decada processo educativo – formal einformal – a pessoa, o seu valor, asua dignidade para fazer emergir asua especificidade, a sua beleza, asua singularidade e, ao mesmotempo, a sua capacidade de estarem relação com os outros e com arealidade que a rodeia, rejeitandoos estilos de vida que favorecem adifusão da cultura do descarte;

— Segundo: ouvir a voz dascrianças, adolescentes e jovens aquem transmitimos valores e co-nhecimentos, para construir juntosum futuro de justiça e paz, uma vi-da digna para toda a pessoa;

— Terceiro: favorecer a plenaparticipação das meninas e jovensna instrução;

— Quarto: ver na família o pri-meiro e indispensável sujeito edu-cador;

— Quinto: educar e educarmo-nos para o acolhimento, abrindo-nos aos mais vulneráveis e margi-nalizados;

— Sexto: empenhar-nos no estu-do para encontrar outras formas decompreender a economia, a políti-ca, o crescimento e o progresso,para que estejam verdadeiramenteao serviço do homem e da famíliahumana inteira na perspetiva deuma ecologia integral;

— Sétimo: guardar e cultivar anossa casa comum, protegendo-a

da exploração dos seus recursos,adotando estilos de vida mais só-brios e apostando na utilização ex-clusiva de energias renováveis erespeitadoras do ambiente humanoe natural, segundo os princípios desubsidiariedade e solidariedade eda economia circulante.

Por fim, queridos irmãos e ir-mãs, queremos empenhar-nos cora-josamente a dar vida, nos nossospaíses de origem, a um projetoeducativo, investindo as nossas me-lhores energias e também iniciandoprocessos criativos e transformado-res em colaboração com a socieda-de civil. Neste processo, um pontode referimento é a doutrina socialque, inspirada nos ensinamentos daRevelação e no humanismo cristão,proporcione uma base sólida e umafonte viva para encontrar os cami-nhos a percorrer na situação atualde emergência.

Tal investimento formativo, ba-seado numa rede de relações hu-manas e abertas, deverá garantir atodos o acesso a uma educação dequalidade, à altura da dignidadeda pessoa humana e da sua voca-ção à fraternidade. É tempo deolhar em frente com coragem e es-perança. Que, para isso, nos sus-tente a convicção de que habita naeducação a semente da esperança:uma esperança de paz e justiça;uma esperança de beleza, de bon-dade; uma esperança de harmoniaso cial!

Lembremo-nos, irmãos e irmãs,de que as grandes transformaçõesnão se constroem à escrivaninha.Há uma «arquitetura» da paz emque intervêm as várias instituiçõese pessoas de uma sociedade, cadaqual segundo a sua competência,mas sem excluir ninguém (cf. ibid.,231). Por isso, devemos ir paradiante: todos juntos, cada um co-mo é, mas sempre olhando juntospara a frente, para a construção deuma civilização da harmonia, daunidade, onde não haja lugar paraesta pandemia ruim da cultura dodescarte. Obrigado!

No Dia da alimentação a denúncia do Pontífice

A fome é tragédia e vergonhapara a humanidade

Instituir um fundo mundial para o desenvolvimento

Queridos irmãos e irmãs!Quando vos convidei para iniciareste caminho de preparação, parti-cipação e lançamento dum pactoeducativo global, nunca me passoupela cabeça a situação em que ha-via de desenrolar-se; a Covid acele-rou e amplificou muitas das urgên-cias e emergências que sentíamos, erevelou outras. Às dificuldades sa-nitárias, seguiram-se as económicase sociais. Os sistemas educativosdo mundo inteiro sofreram com apandemia, tanto a nível escolar co-mo académico.

Procurou-se por todo o lado im-plementar uma resposta rápidaatravés de plataformas educativasinformáticas, que evidenciaram nãosó uma acentuada disparidade deoportunidades educacionais e tec-nológicas, mas também o facto demuitas crianças e adolescentes, de-vido ao confinamento e outras ca-

«Para a humanidade, a fome não éapenas uma tragédia, mas também umavergonha». A denúncia do Papa Franciscoressoou através da mensagem de vídeomediante a qual interveio na cerimóniarealizada a 16 de outubro em Roma, nasede da Organização das Nações Unidaspara a alimentação e agricultura (FAO),por ocasião do Dia mundial daalimentação. A seguir, as palavras doPontífice.

A Sua Excelênciao Senhor QU D ONGUYDiretor-Geral da FAO

No dia em que a FA O celebra o 75ºaniversário da sua criação, desejo sau-dá-lo, bem como todos os membrosque a compõem. A sua missão é nobree importante, porque trabalhais com oobjetivo de debelar a fome, a insegu-rança alimentar e a subalimentação.

É significativo o tema proposto esteano para o Dia Mundial da Alimenta-ção: «Cultivar, nutrir, preservar», e isto«Juntos. As nossas ações são o nossofuturo». Este tema realça a necessidadede agir em conjunto e com a firme von-tade de gerar iniciativas que melhoremo ambiente à nossa volta e promovam aesperança de muitas pessoas e povos.

Nos últimos 75 anos, a FA O a p re n d e uque não é suficiente produzir alimen-tos, mas que é também importante as-segurar que os sistemas alimentares se-jam sustentáveis e ofereçam dietas sau-dáveis e acessíveis a todos. Trata-se deadotar soluções inovadoras que possamtransformar o nosso modo de produzire consumir alimentos, para o bem-estardas nossas comunidades e do nossoplaneta, reforçando assim a capacidadede recuperação e a sustentabilidade alongo prazo.

Portanto, neste período de grandedificuldade, causada pela pandemia deCovid-19, é ainda mais importanteapoiar as iniciativas tomadas por orga-nizações como a FA O, o Programa Ali-mentar Mundial (PA M ) e o Fundo In-ternacional para o DesenvolvimentoAgrícola (I FA D ) para promover umaagricultura sustentável e diversificada,ajudar as pequenas comunidades agrí-colas e cooperar para o desenvolvimen-to rural dos países mais pobres.

Estamos conscientes de que é precisoenfrentar este desafio numa época re-pleta de contradições: por um lado, so-mos testemunhas de um progresso semprecedentes nos vários campos da ciên-cia; por outro, o mundo enfrenta múlti-plas crises humanitárias. Infelizmente,constatamos que, de acordo com as es-tatísticas mais recentes da FA O, apesardos esforços envidados nas últimas dé-cadas, aumenta o número de pessoasque lutam contra a fome e a inseguran-ça alimentar, e a atual pandemia incre-mentará ainda mais estes números.

Para a humanidade, a fome não éapenas uma tragédia, mas também umavergonha. É causada em grande medi-da por uma distribuição desigual dosfrutos da terra, ao que se acrescentam afalta de investimentos na agricultura, asconsequências das mudanças climáticase o aumento dos conflitos em várias re-giões do planeta. Além disso, descar-tam-se toneladas de alimentos. Diantedesta realidade, não podemos permane-cer insensíveis nem paralisados. Todosnós somos responsáveis!

A crise atual mostra-nos que precisa-mos de políticas e ações concretas paraerradicar a fome no mundo. Às vezesos debates dialéticos ou ideológicosafastam-nos da realização deste objetivoe permitimos que os nossos irmãos e ir-mãs continuem a morrer por falta dealimentos. Uma decisão corajosa seria aconstituição de um “Fundo mundial”com o dinheiro que se gasta em armase outras despesas militares, para podereliminar a fome e contribuir para o de-senvolvimento dos países mais pobres.Deste moto evitar-se-iam tantas guerrase a emigração de muitos dos nossos ir-mãos e das respetivas famílias, que sãoobrigados a abandonar a própria casa epaís, em busca de uma vida mais digna(cf. Fratelli tutti, nn. 189 e 262).

Senhor Diretor-Geral, enquanto ma-nifesto os meus votos de que a ativida-de da FA O seja cada vez mais incisiva efecunda, invoco a Bênção de Deus so-bre Vossa Excelência e sobre quantoscooperam para esta missão fundamen-tal de cultivar a terra, alimentar os fa-mintos e salvaguardar os recursos natu-rais, a fim de que todos nós possamosviver com dignidade, respeito e amor.O brigado!

Francisco relançou o “Global Compact on Education”

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página 8 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 20 de outubro de 2020, número 42

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 4

humana, mudou também inevitavel-mente a conceção da consciência:esta deixa de ser considerada nasua realidade original, ou seja, co-mo um ato da inteligência da pes-soa, a quem cabe aplicar o conheci-mento universal do bem numa de-terminada situação e exprimir assimum juízo sobre a conduta justa aeleger, aqui e agora; tende-se a con-ceder à consciência do indivíduo oprivilégio de estabelecer autonoma-mente os critérios do bem e domal, e de agir em consequência. Es-ta visão identifica-se com uma éticaindividualista, na qual cada um sevê confrontado com a sua verdade,diferente da verdade dos outros.Levado às últimas consequências, oindividualismo desemboca na nega-ção da ideia mesma de natureza hu-mana» (Veritatis splendor, 32).

Estas abordagens redutivas dobem e da consciência estão no cen-tro da maioria das correntes depensamento, e são a ideologia libe-ral predominante, que coloca a leimoral e a consciência, bem como anossa natureza humana e a nossa li-berdade, em nítido contraste. Estecontraste sentido tem consequênciasdevastadoras na obtenção de umacompreensão justa da liberdade hu-mana, incluindo a liberdade deconsciência e a liberdade religiosa.

Essencialmente, a decisão de en-raizar a liberdade do homem unica-mente no ego, sem qualquer refe-rência ao Criador, é inadequada.Conduz a uma compreensão limita-

da da liberdade religiosa e tem difi-culdade de gerar e manter o espaçonecessário para o pluralismo autên-tico e a busca da verdade objetiva,ou seja, para a verdade que nãoacaba em mim nem em ti. Emboratenhamos de repetir continuamenteque a liberdade religiosa comportaa capacidade de exercer, sem coer-ção nem ameaças de perseguição,as próprias convicções religiosas,tanto em privado como em público,isto é apenas uma parte da compre-ensão da liberdade religiosa. É aabordagem do caminho negativo, sequisermos, a qual simplesmenteafirma que não deve haver coerçãona prática da religião. Contudo,muitas vezes não conseguimos reco-nhecer que a liberdade religiosa é,ao mesmo tempo, a liberdade deprocurar a verdade. A liberdade re-ligiosa é também liberdade “para” afé. Em síntese, deve ser também en-tendida de modo afirmativo. Subli-nhar exclusivamente a expressão daliberdade religiosa como “lib erdadede coerção externa” sem abordaraquilo a que tal liberdade está jus-tamente ordenada, ou seja, a desco-berta da verdade última da própriaexistência, das próprias origens edo próprio destino, concedidos pe-lo Criador, é como dar a uma crian-ça um instrumento e dizer-lhe “nãoo deves usar para isto e aquilo”,sem nunca lhe explicar “para quefim tal instrumento deve servir”.

Se não me engano, existe umafamosa série de livretes de cateque-se publicada por um dos Conselhosde Baltimore, nos Estados Unidos.

Uma das perguntas iniciais daqueleabecedário da fé é: “Por que tecriou Deus?”; e a resposta correta adar é: “Deus criou-me para o co-nhecer, amar e servir neste mundo epara ser feliz com Ele eternamenteno mundo vindouro”. A simplicida-de disto não deve ofuscar a profun-didade desta verdade. Fomos cria-dos com um propósito. Recebemosuma natureza ordenada para umcerto fim, com os dons da inteli-gência e a vontade de conhecer eescolher o bem, cada um de acordocom a própria consciência. Sem es-te fim objetivo, um fim que existepara além do eu, nada mais pode-mos esperar do que encontrar umasociedade em crise, com cada umde nós incapaz de abraçar quemquer seja, a não ser a si próprio.

No nosso debate sobre a liberda-de religiosa, incluindo a sua promo-ção através da atividade diplomáti-ca, ainda é útil recordar não só oque esperamos defender e promo-ver, mas também as ameaças quedevemos enfrentar. Elas incluemcertamente a opressão física, a per-seguição e a imposição ideológica,mas também a negação da próprianatureza do homem. Espero ter aju-dado a esclarecer este aspeto hojeaqui convosco.

E, como sempre, faço votos deque iniciativas como o Simpósio dehoje continuem a dar impulso a ní-vel internacional para que este di-reito humano fundamental possaser usufruído por todos.

Obrigado pela vossa atenção!

Intervenção do cardeal secretário de Estado Pietro Parolin

Na audiência à Moneyval novo apelo do Papa a destinar ao desenvolvimento o que é gasto em armas

Não à idolatria do dinheiro e à ditadura da economiaUm novo apelo a destinar aodesenvolvimento dos países o que égasto em armas e a reagir contra aidolatria do dinheiro e a ditadura daeconomia, no discurso que o Papadirigiu à Comissão de Peritos doConselho da Europa (Moneyval),recebidos em audiência na Bibliotecaparticular na manhã de 8 de outubro.

Prezados irmãos e irmãs, dou-vos asboas-vindas por ocasião da vossa vi-sita, como peritos do Conselho daEuropa para a avaliação das medidascontra a lavagem de capitais e o fi-nanciamento do terrorismo. Agrade-ço ao Presidente da Autoridade deInformação Financeira as suas amá-veis palavras.

O trabalho que desempenhais emrelação a este duplo objetivo interes-sa-me de modo particular. Ele estáintimamente relacionado com a pro-teção da vida, a coexistência pacíficada humanidade na terra e as finan-ças que não oprimam os mais fracose os mais necessitados: tudo está in-terligado. Como escrevi na minhaExortação Apostólica Evangelii gau-dium, acho que é necessário repensara nossa relação com o dinheiro (cf.n. 55). Com efeito, em certos casos,parece que aceitamos a predominân-cia do dinheiro sobre o homem. Àsvezes, para acumular riquezas, nãose presta atenção à sua origem, às

atividades mais ou menos lícitas queas originaram e à lógica de explora-ção que lhes pode estar subjacente.Assim, acontece que nalguns âmbi-tos se toque o dinheiro e as mãos sesujem de sangue, com o sangue dosirmãos. Ou, ainda, pode acontecerque sejam destinados recursos finan-ceiros para semear o terror, para afir-mar a hegemonia dos mais fortes,dos mais prepotentes, daqueles quesem escrúpulos sacrificam a vida do

irmão para afirmar o seu poder. SãoPaulo VI propôs que, com o dinheirogasto em armas e noutras despesasmilitares, se constituísse um Fundomundial para ajudar os mais deser-dados (cf. Carta enc. Populorum pro-g re s s i o , 51). Retomei esta proposta naEncíclica Fratelli tutti pedindo que,em vez de investir no medo, naameaça nuclear, química ou biológi-ca, sejam utilizados recursos «paraacabar de vez com a fome e para o

desenvolvimento dos países mais po-bres, a fim de que os seus habitantesnão recorram a soluções violentas ouenganadoras, nem precisem de aban-donar os seus países à procura deuma vida mais digna» (n. 262). OMagistério social da Igreja realçou oerro do “dogma” neoliberal (cf. ibid.,168), segundo o qual a ordem eco-nómica e a ordem moral são tão di-ferentes e alheias uma à outra, que aprimeira não depende de forma al-guma da segunda (cf. Pio XI, Cartaenc. Quadragesimo anno, 190). Relen-do esta afirmação à luz dos temposatuais, nota-se que «a adoração doantigo bezerro de ouro (cf. Êx 32, 1-35) encontrou uma nova e cruel ver-são no fetichismo do dinheiro e naditadura de uma economia sem rostoe sem um objetivo verdadeiramentehumano» (Exort. ap. Evangelii gau-dium, 55). Com efeito, «a especula-ção financeira, tendo a ganância delucro fácil como objetivo fundamen-tal, continua a fazer estragos» (Cartaenc. Fratelli tutti, 168). As políticasde combate à lavagem de capitais eao terrorismo constituem um instru-mento de vigilância sobre os fluxosfinanceiros, permitindo a intervençãoonde surgirem tais atividades irregu-lares ou até criminosas. Jesus expul-sou os mercadores do templo (cf. Mt21, 12-13; Jo 2, 13-17) e ensinou que«não podeis servir a Deus e à rique-za» (Mt 6, 24).

Com efeito, quando a economiaperde o seu rosto humano, o dinhei-ro não nos serve, mas somos nós queo servimos. Isto é uma forma deidolatria contra a qual somos chama-dos a reagir, repropondo a ordem ra-cional das coisas que reconduz aobem comum (cf. S. Tomás de Aqui-no, Summa Theologiae, I-II, q. 90, a.),segundo a qual «o dinheiro deveservir e não governar!» (Exort. ap.Evangelii gaudium, 58; cf. Constitui-ção pastoral Gaudium et spes, 64;Carta enc. Laudato si’, 195). Ao im-plementar estes princípios, recente-mente o Ordenamento do Vaticanotomou também algumas medidas so-bre a transparência na gestão do di-nheiro e para contrastar a lavagemde capitais e o financiamento do ter-rorismo. A 1 de junho passado, foipromulgado um Motu Proprio parauma gestão mais eficaz dos recursose para promover a transparência, avigilância e a concorrência nos pro-cessos de adjudicação de contratospúblicos. Em 19 de agosto, uma por-taria do Presidente do Governatora-to submeteu as Organizações de vo-luntariado e Pessoas Jurídicas do Es-tado da Cidade do Vaticano à obri-gação de comunicar atividades sus-peitas à Autoridade de InformaçãoFinanceira.

Caros amigos, renovo a minhagratidão pelo serviço que prestais,considero-o assim: um serviço, eagradeço-vos. Com efeito, as insti-tuições sobre as quais vigiais desti-nam-se a tutelar “finanças limpas”,dentro das quais os “m e rc a d o re s ”são impedidos de especular naqueletemplo sagrado que é a humanidade,de acordo com o desígnio de amordo Criador. Mais uma vez obrigado,bom trabalho e não vos esqueçais derezar por mim!

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número 42, terça-feira 20 de outubro de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 9

Mulheres protagonistasde uma Igreja em saída

Mensagem do Papa à Comissão feminina do pontifício Conselho para a cultura

«Através da escuta e do cuidado quedemonstram para com as necessidadesdos outros, e com a marcadacapacidade de sustentar dinâmicas dejustiça num clima de “calor doméstico”,nos diferentes ambientes sociais em quese encontram», «as mulheres são asprotagonistas de uma Igreja emsaída», evidenciou o Papa Francisconuma mensagem às participantes noseminário online (“webinar”) realizadona tarde de 7 de outubro, poriniciativa da Comissão feminina dopontifício Conselho para a cultura.

Prezadas amigas!Sinto-me feliz por dirigir uma cor-dial saudação a vós que formais aComissão feminina do PontifícioConselho para a Cultura, por oca-sião do seminário “As mulheres leemo Papa Francisco: leitura, reflexão emúsica”, composto por uma série deencontros que desta vez começa como tema “Evangelii Gaudium”.

O vosso Congresso hodierno per-mite destacar também a bonita novi-dade que representais no âmbito daCúria Romana; pela primeira vez,um Dicastério envolve um grupo demulheres tornando-as protagonistasdos projetos e das linhas culturais

desenvolvidos e não apenas para seocupar de questões femininas. Avossa Comissão é composta por mu-lheres comprometidas em diferentesambientes da vida social e portado-ras de visões culturais e religiosas domundo que, embora sejam diferen-tes, convergem para o objetivo detrabalhar em conjunto no respeitomútuo. Para o vosso itinerário deleitura escolhestes três dos meus es-critos: a Exortação Evangelii gau-dium e, sucessivamente, a EncíclicaLaudato si’ e o Documento sobre afraternidade humana em prol da pazmundial e da convivência comum; es-critos dedicados, respetivamente, aostemas da evangelização, da criação eda fraternidade. São escolhas signifi-cativas nas quais se reflete o espíritoda Comissão, uma rica diversidadeque sabe trabalhar procurando nodiálogo pontos de acordo e de har-monia. É também relevante notarque o Congresso é colocado sob osinal de uma grande mulher, procla-mada Doutora da Igreja em 2012:Santa Hildegarda de Bingen. ComoSão Francisco de Assis, também elacompôs um hino harmonioso noqual canta e louva o Senhor da e nacriação. Hildegarda unifica o conhe-cimento científico e a espiritualida-

de; e há mil anos — como verdadeiramestra — lê, comenta e cria, ensinan-do mulheres e homens. Ela rompeuos esquemas do seu tempo, que im-pediam as mulheres de estudar e en-trar na biblioteca e, como abadessa,interveio também a favor das suas ir-mãs. Aprendeu a cantar e a compormúsica, o que para ela foi uma ondacapaz de a conduzir para Deus. Paraela, a música não era apenas arte ou

ciência, era também liturgia. Agora,com este encontro, pretendeis criarum diálogo entre intelecto e espiri-tualidade, entre unidade e diversida-de, entre música e liturgia, com umobjetivo fundamental, ou seja, aamizade e a confiança universais. Efazeis isto com voz feminina quequer ajudar a curar, num mundodo ente.

O vosso percurso de leitura pode-rá oferecer uma visão peculiar sobreo tema do confronto social e culturalcomo contributo para a paz, porqueas mulheres têm o dom de ofereceruma sabedoria que sabe curar feri-das, perdoar, reinventar e renovar.Na história da salvação é uma mu-lher que acolhe o Verbo; e são tam-bém as mulheres que guardam achama da fé na noite escura, que es-peram e proclamam a Ressurreição.A realização jubilosa e profunda damulher está centrada nestes doisatos: o acolhimento e o anúncio. Asmulheres são as protagonistas deuma Igreja em saída, através da es-cuta e do zelo que se manifestampelas necessidades dos outros, e comuma marcada capacidade de susten-tar dinâmicas de justiça num climade “calor doméstico”, nos diferentesambientes sociais em que se encon-tram. Escuta, meditação, ação amo-rosa: eis os elementos constitutivosde uma alegria que se renova e secomunica aos outros, através doolhar feminino, no cuidado da cria-ção, na gestação de um mundo maisjusto, na criação de um diálogo querespeita e valoriza as diferenças. For-mulo votos a fim de que sejais por-tadoras de paz e de renovação.

Que sejais uma presença que, comhumildade e coragem, saiba compre-ender e acolher a novidade e gerar aesperança de um mundo fundado nafraternidade. Acompanho-vos na mi-nha lembrança orante a Deus, e pe-ço-vos, por favor, que façais o mes-mo por mim. Obrigado!

Roma, São João de Latrão,1 de outubro de 2020

Memória de Santa Teresado Menino Jesus.

FRANCISCO

Na intenção de oração para o mês de outubro

Leigas em cargos de responsabilidade

«Alargar os espaços de uma presença feminina mais in-cisiva na Igreja»: eis a intenção do mês de outubrocontida no vídeo da Rede Mundial de Oração do Pa-pa.

«Ninguém foi batizado sacerdote ou bispo», começao Pontífice, explicando que «todos nós fomos batiza-dos como leigos». E a este respeito, assinala que «osleigos e as leigas são protagonistas da Igreja». Umapresença que, no entanto, deveria enfatizar mais «o as-peto feminino, porque em geral as mulheres são postasde lado». Foi a exortação do Papa Bergoglio a rezarpara que «em virtude do Batismo, os fiéis leigos, espe-cialmente as mulheres, participem mais nas instituiçõesde responsabilidade da Igreja, sem cair em clericalis-mos que anulam o carisma laical».

A curta-metragem inicia, portanto, com a imagem deduas mulheres que vão a um quiosque comprar “L’O s-servatore Romano”, jornal em que as mulheres encon-tram espaço e oferecem a sua contribuição para a refle-xão e o debate sobre questões da fé e do magistério,em diálogo com a sociedade. Por este motivo, o jornal

da Santa Sé — que desde 4 de outubro voltou à ediçãoem papel, renovado na gráfica e conteúdo — foi esco-lhido como “testimonial” para o vídeo que este mêstem como tema «Mulheres em cargos de responsabili-dade na Igreja».

Após a primeira cena, é possível ver os rostos, maisou menos conhecidos, das mulheres que trabalham noVaticano, com cópias do nosso jornal. O filme, de fac-to, foi produzido em colaboração com o Dicastério pa-ra os leigos, a família e a vida e nele participam mulhe-res que exercem funções de chefia na Santa Sé e porjornalistas da comunicação social do Vaticano. O vídeocontinua apresentando cenas dentro dos escritórios daCúria romana e conclui-se com o pedido de Franciscoa «promover a integração das mulheres nos locais ondesão tomadas decisões importantes».

Distribuído como habitualmente através do sitehttp://www.thepopevideo.org, o vídeo traduzido emnove línguas foi criado e produzido pela Rede Mun-dial de Oração do Papa em colaboração com a agênciaLa Machi e o Dicastério para a Comunicação.

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página 10 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 20 de outubro de 2020, número 42

Um jovem do nosso tempoconquistado por Cristo

Em Assis o cardeal Vallini presidiu à beatificação de Carlos Acutis em nome do Papa

«A beatificação de Carlos Acutis, fi-lho da Lombardia e apaixonado pelaterra de Francisco de Assis, é umaboa notícia, um forte anúncio deque um jovem do nosso tempo, umcomo muitos outros, foi conquistadopor Cristo, tornando-se um farol deluz para quantos quiserem conhecê-lo e seguir o seu exemplo. A sua vi-da é um modelo, especialmente paraos jovens, a encontrar gratificaçãonão somente nos sucessos efémeros,mas nos valores perenes que Jesussugere no Evangelho, nomeadamen-te: pôr Deus em primeiro lugar, nasgrandes e pequenas circunstânciasda vida, e servir os irmãos, particu-larmente os últimos»: eis as palavrasproferidas pelo cardeal AgostinoVallini, legado pontifício para as ba-sílicas de São Francisco e de SantaMaria dos Anjos em Assis, durante amissa de beatificação de Carlos Acu-tis (1991-2006), celebrada naquela ci-dade da Úmbria na tarde de 10 deo u t u b ro .

Na sua homilia, o purpurado tra-çou um retrato eficaz do jovem, quefaleceu com 15 anos de idade. A sua“força”, disse, consistia precisamenteem «ter uma relação pessoal, íntimae profunda com Jesus», e em «fazerda Eucaristia o momento mais altoda sua relação com Deus». Era «umrapaz normal, simples, espontâneo,simpático — basta olhar para a suafotografia — amava a natureza e osanimais, jogava futebol, tinha muitosamigos da sua idade, sentia-se atraí-do pelos modernos meios de comu-nicação social, apaixonado pela in-formática e, como autodidata, cons-truiu programas “para transmitir oEvangelho, para comunicar valores eb eleza”, como o Papa recordou naexortação apostólica Chistus vivit (n.105)». Tinha também «o dom daatração e era visto como um exem-plo», salientou o cardeal Vallini. E osegredo da sua via espiritual residiana constatação de que «desde crian-ça sentia a necessidade da fé e tinhao olhar voltado para Jesus. O amorpela Eucaristia — reiterou — fundavae mantinha viva a sua relação comDeus. Dizia frequentemente: “A Eu-caristia é a minha rodovia para océu”. Participava todos os dias naSanta Missa e permanecia durantemuito tempo em adoração diante doSantíssimo Sacramento. E dizia:“Vais diretamente para o Paraíso, sete aproximares todos os dias da Eu-caristia”. Para ele Jesus era Amigo,Mestre e Salvador, era a força da suavida e a finalidade de tudo o que fa-zia».

Interiormente fortalecido pela pre-sença do Senhor, Carlos tinha umdesejo ardente: «Atrair o maior nú-mero possível de pessoas para Jesus,proclamando o Evangelho antes demais mediante o exemplo de vida»,continuou o legado pontifício, assi-nalando que «foi precisamente o tes-temunho da sua fé que o impeliu aempreender com sucesso uma obrade evangelização assídua nos am-bientes que frequentava, tocando ocoração das pessoas que conhecia edespertando nelas o desejo de mu-

dar de vida e de se aproximar deDeus». E fazia-o com espontaneida-de, mostrando com o seu modo deser e de se comportar, o amor e abondade do Senhor. Com efeito, eraextraordinária — salientou ainda — asua capacidade de dar testemunhodos valores em que acreditava, inclu-sive à custa de enfrentar equívocos,obstáculos e às vezes até de ser ridi-cularizado. Carlos sentia a forte ne-cessidade de ajudar as pessoas a des-cobrir que Deus está próximo denós e que é bom estar com Ele parabeneficiar da sua amizade e graça».

Apesar da sua tenra idade, estavapreparado para comunicar o Evan-gelho, utilizando vários instrumen-tos, «também os modernos meios decomunicação social, que sabia usarmuito bem, especialmente a internet,que ele considerava um dom deDeus e um instrumento importantepara conhecer as pessoas e propagaros valores cristãos». Para o novobeato, a internet era «não só ummeio de evasão, mas um espaço dediálogo, conhecimento, partilha, res-peito mútuo, a utilizar de forma res-ponsável, sem se tornar seu escravoe rejeitando o bullying digital; no ili-mitado mundo virtual é preciso sa-ber distinguir o bem do mal». Nesta«ótica positiva — acrescentou o cele-brante — Carlos encorajava a utiliza-ção dos meios de comunicação comoinstrumentos ao serviço do Evange-lho, para alcançar o maior númeropossível de pessoas, levando-as a co-nhecer a beleza da amizade com oSenhor. Para tal finalidade, compro-meteu-se a organizar a exposiçãodos principais milagres eucarísticosocorridos no mundo, que usava tam-bém para fazer o catecismo às crian-ças».

Foi ainda recordada a sua grandedevoção mariana. Com efeito, recita-

va o Terço todos os dias, consagran-do-se várias vezes a Maria «para re-novar o seu afeto e suplicar o seuamparo». Assim, fortalecido pela Pa-lavra, pela Eucaristia, pela amizadecom Jesus, a quem servia com gran-de caridade no seu próximo, e peloamor filial à Virgem Maria, Carlos«viveu a doença que enfrentou comserenidade» até à sua morte, a 12 deoutubro de 2006, repetindo: «Querooferecer todos os meus sofrimentosao Senhor pelo Papa e pela Igreja.Não quero ir para o Purgatório;quero ir diretamente para o Paraí-so». Carlos «nunca se fechou em sipróprio, mas foi capaz de compreen-der as necessidades e exigências daspessoas, nas quais via a face de Cris-to. Portanto, uma vida luminosa, in-teiramente oferecida ao próximo, co-mo o pão eucarístico» salientou ocardeal. Referindo-se ao Evangelhoda videira e dos ramos, lido na sole-ne circunstância, o purpurado reite-rou que «Carlos foi e levou o frutoda santidade, mostrando-o comometa alcançável por todos e não co-mo algo abstrato e reservado a pou-cos. Testemunhou que a fé não nosafasta da vida, mas mergulha-nosmais profundamente nela, indican-do-nos a via concreta para viver aalegria do Evangelho».

O cardeal Vallini concelebrou como bispo de Assis — Nocera Umbra —Gualdo Tadino, arcebispo DomenicoSorrentino, com os outros membrosda Conferência episcopal da Úm-bria, entre os quais o cardeal Gual-tiero Bassetti, arcebispo de Perugia— Città della Pieve e presidente daConferência episcopal italiana, o bis-po auxiliar de Milão, Paolo Marti-nelli, os guardiões do sagrado Con-vento, padre Mauro Gambetti, e daBasílica de Santa Maria dos Anjos,

padre Massimo Travascio, algunsprovinciais das Famílias franciscanase muitos sacerdotes. Mais de três milperegrinos acompanharam a cerimó-nia, muitos deles através de grandesecrãs montados nas praças das basí-licas de São Francisco e de SantaMaria dos Anjos, de São Pedro e doSantuário do Despojamento.

Foi acompanhado com uma pro-longada salva de palmas o descerra-mento da tapeçaria com o retrato donovo beato, colocada na abside dabasílica superior de São Francisco,depois de o cardeal Vallini ter lido acarta apostólica com que o Pontíficeinscreveu o servo de Deus no álbumdos beatos. Então, os pais de Carloslevaram em procissão ao altar o reli-cário com o coração do filho, en-quanto o coro entoava o hino Oh,Beato Carlos, composto pelo padreGiuseppe Magrino.

No final da celebração, foi com aspalavras do Magnificat que o arcebis-po Sorrentino manifestou a sua gra-tidão e a da Igreja de Assis, antes detudo ao Senhor, «que fez maravilhasna vida breve mas intensa» do novobeato; depois ao Papa Francisco,«que ofereceu este dom à Igreja, re-conhecendo em Carlos um modelode santidade especialmente para osjovens»; em seguida, aos pais dobeato — Andrea e Antonia — «quereceberam este dom do alto, respei-tando e apoiando o seu caminho desantidade»; e enfim à Igreja de Mi-lão. Concluindo, D. Sorrentino dis-se: «Que mediante o exemplo deCarlos Jesus nos ajude a levar a fécada vez mais a sério. Que acima detudo os jovens possam encontrar ocaminho da verdadeira alegria, vi-vendo a beleza desta terra sem dei-xar de olhar para o Céu». (jean-bap-tiste sourou)

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número 42, terça-feira 20 de outubro de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

INFORMAÇÕES

AudiênciasO Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

No dia 8 de outubroO Senhor Cardeal Luis FranciscoLadaria Ferrer, Prefeito da Congre-gação para a Doutrina da Fé; D.Piergiorgio Bertoldi, Arcebispo Titu-lar de Hispellum, Núncio Apostóli-co em Moçambique; e D. GiuseppeSciacca, Bispo Titular de Fundi, Se-cretário do Supremo Tribunal da As-sinatura Apostólica.Sua Ex.cia o Senhor Nicolas Ch. Pa-takias, Embaixador da Grécia, emvisita de despedida.

No dia 9 de outubroD. Salvatore Fisichella, ArcebispoTitular de Voghenza, Presidente doPontifício Conselho para a Promo-ção da Nova Evangelização.Suas Ex.cias o Prof. Vincenzo Buono-mo, Magnífico Reitor da PontifíciaUniversidade Lateranense; e o Dr.Júlio César Caballero Moreno, Che-fe de Departamento na PontifíciaComissão para a América Latina.

No dia 10 de outubroO Senhor Cardeal Marc Ouellet,Prefeito da Congregação para osBisp os.Sua Ex.cia a Senhora Beatriz Gutiér-rez Müller, Esposa do Presidente daRepública do México.

No dia 12 de outubroSua Ex.cia o Senhor Francisco JavierBautista Lara, Embaixador da Nica-rágua, para a Apresentação das Car-tas Credenciais.D. Vito Rallo, Arcebispo Titular deAlba, Núncio Apostólico em Marro-cos; D. Heiner Wilmer, Bispo daDiocese de Hildesheim (Alemanha);e o Senhor Cardeal George Pell,Prefeito Emérito da Secretaria para aEconomia.

NomeaçõesO Santo Padre nomeou:

A 9 de outubroMembro Ordinário da PontifíciaAcademia das Ciências, o Prof. Ste-

fano Piccolo, Docente de BiologiaMolecular na Universidade de Estu-dos de Pádua (Itália).

A 10 de outubroO Senhor Cardeal Konrad Krajews-ki, Esmoler de Sua Santidade, En-viado Especial às celebrações docentenário da Arquidiocese de Łó dź(Polónia), que terão lugar no dia 12de dezembro.Auxiliar da Arquidiocese Metropoli-tana de Tucumán, na Argentina, oR e v. do Pe. Roberto Ferrari, do cleroda Diocese de Villa de la Concep-ción del Río Cuarto, até hoje Reitordo Seminário Maior “Jesús BuenPa s t o r ”, simultaneamente eleito Bis-po Titular de Pinhel.

D. Roberto Ferrari nasceu a 29 denovembro de 1965, em Ucacha, Diocesedi Villa de la Concepción del RíoCuarto (Argentina), e foi ordenadoPresbítero em 19 de setembro de 1993.

Auxiliar da Diocese de Zárate-Cam-pana (Argentina), o Rev.mo Mons.Justo Rodríguez Gallego, do cleroda Arquidiocese Metropolitana deToledo, na Espanha, até esta dataVigário-Geral da Diocese de Zárate-Campana (Argentina), simultanea-mente eleito Bispo Titular de No-mentum.

D. Justo Rodríguez Gallego nasceuno dia 29 de novembro de 1954, emDon Benito, Arquidiocese Metropolita-na de Mérida-Badajoz, (Espanha), erecebeu a Ordenação sacerdotal a 6 dejulho de 1980.

Membros da Pontifícia Comissão deArqueologia Sacra, Suas Ex.cias asProfessoras Rossana Martorelli eMaria Carla Somma.

A 12 de outubroArcebispo Metropolitano de Po-payán (Colômbia), D. Omar AlbertoSánchez Cubillos, O.P., até agoraBispo da Diocese de Tibú.Membro Ordinário da PontifíciaAcademia das Ciências, a ProfessoraMaryanne Wolf, Docente de Neuro-ciências na «University of Califor-nia» (Estados Unidos da América).

A 14 de outubroBispo da Diocese de Springfield inMassachusetts, nos Estados Unidosda América, o Rev.do Pe. William D.Byrne, do clero da Arquidiocese deWashington, D.C., até à presente da-ta Pároco da «Our Lady of MercyParish», em Potomac.

D. William D. Byrne nasceu a 26de setembro de 1964, em Washington,D.C. (EUA), e foi ordenado Presbíteroem 25 de junho de 1994.

Membro Ordinário da PontifíciaAcademia das Ciências, o ProfessorJosé Nelson Onuchic, Docente deBiofísica Molecular na “Rice Univer-sity of Houston”, nos Estados Uni-dos da América.

O Professor José Nelson Onuchicnasceu a 17 de janeiro de 1958, emSão Paulo (Brasil), em cuja Universi-dade obteve as licenciaturas em enge-nharia elétrica (1980), em engenhariafísica (1981) e em física aplicada(1982), doutorando-se em química no“California Institute of Technology”(EUA), em 1987. Após um breve perío-do de estudos de pós-doutoramento emSanta Bárbara, Califórnia, ensinou naUniversidade de São Paulo (Brasil) de1987 a 1990, ano em que regressouaos Estados Unidos, onde lecionou naUniversidade de San Diego, Califór-nia, até 2011. Em seguida, transferiu-se para a Universidade de Rice emHouston, Texas, para ensinar física eastronomia, química e biociência. Nestamesma Universidade é codiretor doCentro de física biológica teórica. Rece-beu vários reconhecimentos pelos seusestudos, incluindo o “Beckman Young

Investigators Award” (1992). Foimembro da “American Physical Society”(1995) e da “U.S. National Academyof Sciences” (2006), bem como daAcademia Brasileira de Ciências(2009). Ocupa-se de modo especial doestudo de métodos teóricos na fronteiraentre a física e a biologia, com efeitostambém sobre a biologia e a genómicahumana.

Início de Missãode Núncios Apostólicos

De D. Bernardito Auza, no Princi-pado de Andorra (7 de setembro).

De D. Gábor Pintér, em Honduras(18 de setembro).

De D. Mitja Leskovar, no Iraque (24de setembro).

O embaixador da Nicaráguaapresentou credenciais

Na manhã de 12 de outubro, o Papa Francisco recebeu em audiência Sua Excelênciao senhor Francisco Javier Bautista Lara, novo embaixador da Nicarágua, por ocasião

da apresentação das cartas com as quais foi acreditado junto da Santa Sé

O representante diplomático nas-ceu a 31 de maio de 1960 em Ma-nágua, é casado e tem quatro fi-lhos. Escritor, economista e espe-cialista em políticas macroeconómi-cas, tem um mestrado em adminis-tração e gestão de empresas pelaUniversidade Centro-Americana eparticipou no Programa de altagestão — Incae, na Costa Rica.

Especialista e consultor em segu-rança dos cidadãos e programas demodernização e desenvolvimento,completou os estudos especializa-dos em Polícia na Bulgária, Espa-nha, Taiwan, França e EstadosUnidos da América e em 1979 par-ticipou na fundação da “PolicíaNacional de Nicaragua”.

Ocupou os seguintes cargos: co-ordenador do primeiro programa

de modernização e desenvolvimen-to da “Policía Nacional de Nicara-gua” (1999-2005); vice-diretor-gerale comissário-geral da mesma “Poli-cía Nacional” (2001-2005); consul-tor de várias agências de coopera-ção internacional governamentais enão governamentais em matéria desegurança dos cidadãos e das refor-mas policiais na América Latina(desde 2005). Professor e conferen-cista em várias universidades daAmérica Central, é membro doCentro nicaraguense de escritores(Cne), do Fórum cultural do Insti-tuto nicaraguense de Cultura his-pânica (Inch) e do Centro de Estu-dos de Desenvolvimento “Migueld'Escoto Brockmann” da Universi-dade nacional autónoma da Nica-rágua.

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página 12 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 20 de outubro de 2020, número 42

Um futuro de pazpara a Líbia

Apelo a favor do país norte-africano

ANGELUS

«Chegou a hora de impedir todas as formas de hostilidade, favorecendo umdiálogo que leve à paz, à estabilidade e à unidade» na Líbia, auspiciou oPapa Francisco no final do Angelus de 18 de outubro, recitado com os fiéispresentes ao meio-dia na praça de São Pedro, no respeito pelas medidasadotadas para evitar o contágio de Covid-19. Precedentemente, o Pontíficemeditou sobre o tema da hipocrisia, sugerido pelo trecho evangélica do tributoa pagar a César (Mt 22, 15-21).

ou um “não”. Estavam à espera,precisamente porque com esta per-gunta esperavam pôr Jesus em difi-culdade e fazê-lo cair na armadi-lha. Mas Ele conhece a maldadedeles e liberta-se da cilada. Pede-lhes que lhe mostrem a moeda, amoeda dos impostos, a moeda dotributo, pega nela e pergunta dequem é a imagem gravada. Elesrespondem que é de César, ou seja,do imperador. Então Jesus respon-de: «Dai a César o que é de Césare a Deus o que é de Deus» (v. 21).

Com esta resposta, Jesus coloca-se acima da controvérsia. Jesus,sempre acima. Por um lado, reco-nhece que o tributo a César deveser pago — também por todos nós,os impostos devem ser pagos —porque a imagem na moeda é asua; mas acima de tudo, lembraque cada pessoa traz dentro de si

outra imagem — nós trazemo-lanos nossos corações, nas nossas al-mas —: a de Deus, e portanto é aEle, e só a Ele, que cada pessoadeve a sua existência, a sua vida.

Neste julgamento de Jesus en-contramos não só o critério da dis-tinção entre as esferas política e re-ligiosa, mas também diretrizes cla-ras para a missão dos crentes de to-dos os tempos, até para nós hoje.Pagar impostos é um dever dos ci-dadãos, assim como observar asjustas leis do Estado. Ao mesmotempo, é necessário afirmar a pri-mazia de Deus na vida humana ena história, respeitando o direitode Deus ao que Lhe pertence.

Eis a missão da Igreja e dos cris-tãos: falar de Deus e dar testemu-nho dele aos homens e mulheresdo seu tempo. Cada um de nós,pelo batismo, é chamado a ser pre-sença viva na sociedade, animando-a com o Evangelho e com a linfavital do Espírito Santo. É umaquestão de nos comprometermoshumildemente, e ao mesmo tempocom coragem, a dar a nossa pró-pria contribuição para a construçãoda civilização do amor, onde rei-nam a justiça e a fraternidade.

Que Maria Santíssima ajude to-dos a evitar qualquer hipocrisia e aserem cidadãos honestos e constru-tivos. E nos sustente, a nós discí-pulos de Cristo, na missão de tes-temunhar que Deus é o centro e osentido da vida.

No final da prece mariana, antes doapelo a favor da Líbia, o Pontíficefalou sobre o Dia missionáriomundial e, neste contexto, deu graçasa Deus pela libertação do padre PierLuigi Maccalli, raptado há dois anosno Níger. Depois, dirigiu umasaudação especial à comunidadeperuana, presente na praça com aimagem do “Señor de los Milagros”.

Queridos irmãos e irmãs!Hoje celebramos o Dia Mundialdas Missões, que tem como tema

“Eis-me aqui, envia-me. Tecedores def ra t e r n i d a d e ”. Esta palavra “tecedo-re s ” é bela: cada cristão é chamadoa ser um tecedor de fraternidade.São-no de modo especial os mis-sionários e as missionárias — sacer-dotes, consagrados e leigos — quesemeiam o Evangelho no grandecampo do mundo. Rezemos poreles e demos-lhes o nosso apoioconcreto. Neste contexto, queroagradecer a Deus pela tão esperadalibertação do Padre Pier LuigiMaccalli... — saudemo-lo com esteaplauso! — que foi raptado há doisanos no Níger. Também nos rego-zijamos porque três outros refénsforam libertados com ele. Conti-nuemos a rezar pelos missionáriose catequistas e também por aquelesque são perseguidos ou raptadosem várias partes do mundo.

Gostaria de dizer uma palavrade encorajamento e apoio aos pes-cadores detidos na Líbia há maisde um mês e às suas famílias. Re-comendando-se a Maria Estrela doMar, mantenham viva a esperançade que em breve poderão voltar aabraçar os seus entes queridos. Re-zo ainda para que os várias coló-quios que decorrem a nível interna-cional sejam relevantes para o futu-ro da Líbia. Irmãos e irmãs, che-gou o momento de acabar com to-das as formas de hostilidade, pro-movendo o diálogo que leve à paz,estabilidade e unidade do país. Re-zemos juntos pelos pescadores epela Líbia, em silêncio.

Saúdo-vos a todos, romanos eperegrinos de vários países. Emparticular, saúdo e abençoo comafeto a comunidade peruana deRoma, aqui reunida com a venera-da Imagem do Señor de los Mila-g ro s . Um aplauso para a comunida-de peruana! Saúdo também os vo-luntários da Entidade Italiana Tu-tela dos Animais e Legalidade.

E desejo a todos um bom do-mingo. Por favor, não vos esque-çais de rezar por mim. Bom almo-ço e até à vista!

Amados irmãos e irmãs, bom dia!O Evangelho deste Domingo (cf.Mt 22,15-21) mostra-nos Jesus a lu-tar contra a hipocrisia dos seus ad-versários. Fazem-lhe muitos elogios— no início, muitos elogios — masdepois dirigem-lhe uma perguntainsidiosa para o colocar em apurose o desacreditar perante o povo.Perguntam-lhe: «É lícito, ou não,pagar o tributo a César?» (v. 17),ou seja, pagar os impostos a César.Naquele tempo, na Palestina, o do-mínio do império romano era maltolerado — e é evidente que eraminvasores — também por motivosreligiosos. Para a população, o cul-to do imperador, frisado tambémpela sua imagem nas moedas, eraum insulto ao Deus de Israel. Osinterlocutores de Jesus estão con-vencidos de que não há alternativaao seu interrogatório: ou um “sim”

Foi apresentadoo logótipo da JMJ de Lisboa em 2023

Inspira-se no tema escolhido peloPapa o logótipo da Jornada mundialda juventude a realizar em Lisboaem 2023: «Maria levantou-se e par-tiu apressadamente (Lc 1, 39)». Oprincipal elemento da representação— apresentada significativamente nasexta-feira 16 de outubro, dia emque o Papa João Paulo II foi eleitohá 42 anos — é a Cruz. É atravessa-da por uma estrada onde o EspíritoSanto se destaca. Trata-se de umconvite dirigido aos jovens para quenão fiquem parados, mas para quese tornem protagonistas na constru-ção de um mundo mais justo e fra-terno. O logótipo — com a inscrição“Jmj Lisboa 2023” — parece animadopelo vento que move a simbólicabandeira portuguesa representadanas suas cores (verde, vermelho eamarelo). A representação estilizadado Rosário recorda a espiritualidadedo povo português e a grande devo-ção à Virgem de Fátima. O Rosárioé significativamente colocado numcaminho para recordar a experiência

da peregrinação. Ao lado está repre-sentada Maria, no meio da sua ju-ventude, no momento em que trazno ventre o Filho de Deus. A autorado logótipo — vencedora do concur-so lançado para a ocasião — é Bea-triz Roque Antunes, uma designerportuguesa de 24 anos.