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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano LI, número 16 (2.613) Cidade do Vaticano terça-feira 21 de abril de 2020 y(7HB5G3*QLTKKS( +"!"![!#!]! Missa do Pontífice na igreja de Santo Espírito “in Sassia” para a festa instituída por João Paulo II Contra o vírus do egoísmo A misericórdia salvação do mundo CONTINUA NA PÁGINA 0 ANDREA MONDA «A misericórdia não abando- na quem fica para trás», recordou o Papa na ho- milia de domingo, durante a missa celebrada na igreja do Espírito Santo “in Sassia”, Santuário da Divina Mi- sericórdia. Poder-se-ia acrescentar: a misericórdia é aquilo que nos torna humanos. Se num grupo de animais que migram um pára porque está cansado, doente, ferido, os outros não esperam por ele, não se impor- tam, abandonam-no. Ao contrário dos seres humanos. Naquele momen- to, quando alguém cai, irrompe algo na alma e nas ações que soa humano e ao mesmo tempo mais do que hu- mano, e que dá outra direção, outra dimensão à cadeia de eventos natu- rais. Acontece que paramos para es- perar pelo outro. Este “algo”, huma- no e mais do que humano, é a mise- ricórdia, que do homem mostra um rosto maior, um rosto divino. Nas narrações dos Evangelhos, pratica- mente em cada página, pode-se ver este semblante, que é a face de Cris- to, verdadeiro Deus e verdadeiro ho- mem, que mostra de que “massa” são feitos os homens, a sua, embora mui- tas vezes o esqueçam. No Evangelho Jesus caminha so- bretudo com um ritmo urgente e premente, move-se de cidade em ci- dade para pregar (a este respeito, é exemplar o filme de Pasolini, inspi- rado no texto de Mateus) e muitos procuram acompanhá-lo, mas não conseguem: coxeiam ou, pior ainda, procuram superá-lo, limitando-o nos seus pequenos projetos de poder. No início de Simone Bariona (“Si- mão, filho de Jonas”), a bonita his- tória dedicada às memórias de São Pedro idoso, o escritor italiano Fer- ruccio Parazzoli faz com que o pro- tagonista diga: «Mais um pouco de paciência, Senhor, bem sei que eu chegava sempre atrasado». Com efeito, o ritmo de Jesus é difícil de seguir, também porque é desnor- teante, paradoxal, e escapa sempre às tentações ideológicas, indo sem- pre “além”, como está escrito no iní- cio do Evangelho de Marcos; contu- do, quando vê que uma das suas ovelhas perde o seu caminho, pára sempre e volta para a salvar. É o que acontece nas narrações dos Evange- lhos do período da Páscoa, relacio- nadas com as aparições do Ressusci- tado. Com efeito, Jesus deu o passo mais longo de todos, venceu a mor- te, é verdadeiramente inalcançável e, no entanto, decide regressar para re- tomar os seus, os “irmãos” como lhes chama (e só depois da ressurrei- ção usa este termo), e vai ao encon- tro precisamente daqueles que al- guns dias antes o tinham abandona- do, negado, traído. Escolha surpre- endente! No mundo desportivo, as pessoas dizem muitas vezes “equipe que ganha não se troca”, mas Jesus, ao contrário, inverte a lógica: não se troca exatamente na equipe que per- de. É a esta equipe que se deve dar confiança, transmitir esperança. E assim volta precisamente aos seus, não os abandona. E se por acaso um só deles estiver ausente, regressa de propósito ao seu encontro, à última ovelha perdida, Tomé, a quem deixa tocar as feridas, “fendas de esperan- ça”, e é precisamente sua, recorda o Papa, «a mais simples e bonita pro- fissão de fé»: «Meu Senhor e meu Deus!». É graças a este cuidado atento do seu pastor, a este amor pa- ciente e misericordioso do Mestre, que depois os discípulos poderão fa- zer o que fizeram a partir do dia de Pentecostes: recomeçar com ímpeto e evangelizar o mundo com coragem e alegria invencíveis no coração. Eis o ponto essencial do cristianismo: o NESTE NÚMERO Pág. 2: Manifesto de líderes católicos da América Latina; Cam- panha de solidariedade da Igreja no Brasil; Cristo Redentor vestido de médico; pág. 3: Audiência geral de 15 de abril; pág. 4: Criados cinco grupos de trabalho pelo Dicastério para o Ser- viço do Desenvolvimento humano integral, por Massimo Meni- chetti; pág. 5: Carta do Papa aos participantes nos encontros mundiais dos Movimentos populares; págs. 6/7: Entrevistado por Austen Ivereigh, o Papa explicou como vive a emergência da Covid-19; pág. 8: A atualidade de «O homem que plantava árvores» de Jean Giono, por Sérgio Suchodolak; pág, 9: Em diálogo com o escritor Daniel Mendelsohn, por Andrea Mon- da; pág. 10: Comunicado da Congregação para a educação ca- tólica; pág. 11: Informações; Intenção de oração para abril; pág. 12: Missa do Pontífice na igreja de Santo Espírito “in Sassia”.

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L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano LI, número 16 (2.613) Cidade do Vaticano terça-feira 21 de abril de 2020

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Missa do Pontífice na igreja de Santo Espírito “in Sassia” para a festa instituída por João Paulo II

Contra o vírus do egoísmo

A misericórdiasalvação do mundo

CO N T I N UA NA PÁGINA 0

ANDREA MONDA

«A misericórdia não abando-na quem fica para trás»,recordou o Papa na ho-

milia de domingo, durante a missacelebrada na igreja do Espírito Santo“in Sassia”, Santuário da Divina Mi-sericórdia. Poder-se-ia acrescentar: amisericórdia é aquilo que nos tornahumanos. Se num grupo de animaisque migram um pára porque estácansado, doente, ferido, os outrosnão esperam por ele, não se impor-tam, abandonam-no. Ao contráriodos seres humanos. Naquele momen-to, quando alguém cai, irrompe algona alma e nas ações que soa humanoe ao mesmo tempo mais do que hu-mano, e que dá outra direção, outradimensão à cadeia de eventos natu-rais. Acontece que paramos para es-perar pelo outro. Este “algo”, huma-no e mais do que humano, é a mise-ricórdia, que do homem mostra umrosto maior, um rosto divino. Nasnarrações dos Evangelhos, pratica-mente em cada página, pode-se vereste semblante, que é a face de Cris-to, verdadeiro Deus e verdadeiro ho-mem, que mostra de que “massa” sãofeitos os homens, a sua, embora mui-tas vezes o esqueçam.

No Evangelho Jesus caminha so-bretudo com um ritmo urgente epremente, move-se de cidade em ci-dade para pregar (a este respeito, éexemplar o filme de Pasolini, inspi-rado no texto de Mateus) e muitosprocuram acompanhá-lo, mas nãoconseguem: coxeiam ou, pior ainda,procuram superá-lo, limitando-o nosseus pequenos projetos de poder.No início de Simone Bariona (“Si-mão, filho de Jonas”), a bonita his-tória dedicada às memórias de SãoPedro idoso, o escritor italiano Fer-ruccio Parazzoli faz com que o pro-tagonista diga: «Mais um pouco depaciência, Senhor, bem sei que euchegava sempre atrasado». Comefeito, o ritmo de Jesus é difícil deseguir, também porque é desnor-teante, paradoxal, e escapa sempreàs tentações ideológicas, indo sem-pre “além”, como está escrito no iní-cio do Evangelho de Marcos; contu-do, quando vê que uma das suasovelhas perde o seu caminho, párasempre e volta para a salvar. É o queacontece nas narrações dos Evange-lhos do período da Páscoa, relacio-nadas com as aparições do Ressusci-tado. Com efeito, Jesus deu o passomais longo de todos, venceu a mor-

te, é verdadeiramente inalcançável e,no entanto, decide regressar para re-tomar os seus, os “irmãos” comolhes chama (e só depois da ressurrei-ção usa este termo), e vai ao encon-

tro precisamente daqueles que al-guns dias antes o tinham abandona-do, negado, traído. Escolha surpre-endente! No mundo desportivo, aspessoas dizem muitas vezes “equip e

que ganha não se troca”, mas Jesus,ao contrário, inverte a lógica: não setroca exatamente na equipe que per-de. É a esta equipe que se deve darconfiança, transmitir esperança. Eassim volta precisamente aos seus,não os abandona. E se por acaso umsó deles estiver ausente, regressa depropósito ao seu encontro, à últimaovelha perdida, Tomé, a quem deixatocar as feridas, “fendas de esperan-ça”, e é precisamente sua, recorda oPapa, «a mais simples e bonita pro-fissão de fé»: «Meu Senhor e meuDeus!». É graças a este cuidadoatento do seu pastor, a este amor pa-ciente e misericordioso do Mestre,que depois os discípulos poderão fa-zer o que fizeram a partir do dia dePentecostes: recomeçar com ímpetoe evangelizar o mundo com corageme alegria invencíveis no coração. Eiso ponto essencial do cristianismo: o

NESTE NÚMERO

Pág. 2: Manifesto de líderes católicos da América Latina; Cam-panha de solidariedade da Igreja no Brasil; Cristo Redentorvestido de médico; pág. 3: Audiência geral de 15 de abril; pág.4: Criados cinco grupos de trabalho pelo Dicastério para o Ser-viço do Desenvolvimento humano integral, por Massimo Meni-chetti; pág. 5: Carta do Papa aos participantes nos encontrosmundiais dos Movimentos populares; págs. 6/7: Entrevistadopor Austen Ivereigh, o Papa explicou como vive a emergênciada Covid-19; pág. 8: A atualidade de «O homem que plantavaárvores» de Jean Giono, por Sérgio Suchodolak; pág, 9: Emdiálogo com o escritor Daniel Mendelsohn, por Andrea Mon-da; pág. 10: Comunicado da Congregação para a educação ca-tólica; pág. 11: Informações; Intenção de oração para abril; pág.12: Missa do Pontífice na igreja de Santo Espírito “in Sassia”.

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 21 de abril de 2020, número 16

L’OSSERVATORE ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suumEM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Cidade do Vaticanoredazione.p ortoghese.or@sp c.va

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Assinado por 170 personalidades, promove ações que têm como prioridade a proteção dos mais débeis e vulneráveis

Manifesto de líderes católicos da América LatinaEnfrentar a difícil realidade atual apartir de um ponto de vista cristãocomum e agir em conformidade comele, tendo sempre como prioridade aproteção dos mais débeis e vulnerá-veis, e promover uma maior coope-ração e integração numa base inter-nacional. Este é o apelo contido no“Manifesto dos católicos latino-ame-ricanos com responsabilidades políti-cas”, assinado por 170 personalida-des, incluindo três ex-chefes de Esta-do, um ex-secretário da Organizaçãodos Estados Americanos, um ex-di-retor do Fundo Monetário Interna-cional e vários parlamentares e ex-deputados. A iniciativa foi promovi-da pela Academia de Líderes católi-cos, nascida no Chile e atualmentepresente em vários países da Améri-ca Latina. É dirigido por um Conse-lho Latino-americano cujos membrossão o teólogo Rodrigo Guerra Ló-pez, o filósofo Rocco Buttiglione,Ignacio Sánchez, reitor da PontifíciaUniversidade Católica do Chile, apresidente da Confederação Latino-americana de Religiosos, LilianaFranco Echeverri, Guzmán Carriqui-ry, vice-presidente emérito da Ponti-fícia Comissão para a América Lati-na, e José Antonio Rosas, diretor-ge-ral da Academia.

«O nosso olhar — lê-se no Mani-festo — provém da dor daqueles quesofrem e sofrerão mais com esta pan-demia: os pobres, os sozinhos eabandonados, os mais débeis e vul-neráveis, os mais pobres e indefesos,aqueles que serão mais duramenteatingidos pela pandemia. Basta pen-sar no impacto dramático que teránas multidões de irmãos latino-ame-ricanos que sobrevivem apenas atra-vés do trabalho não declarado e, emgeral, do trabalho de rua, ou nastantas pessoas idosas abandonadas.São os pobres que têm de sair de ca-sa para ganhar o seu pão de cadadia e que muitas vezes não conse-guem observar as regras de isola-mento e quarentena». Uma leituraautêntica da realidade, continua odocumento, é ditada pelas escolhasfeitas a partir da escolha de CristoJesus: «Por conseguinte, todas asações e compromissos para enfrentara crise devem ser assumidos a partirdo ponto de vista do impacto sobreos mais vulneráveis».

Concretamente, de acordo com ossignatários do Manifesto, «a solida-riedade deve ser organizada entre di-ferentes áreas territoriais e entre dife-rentes países». A pandemia não atin-ge todo o território nacional comigual força; «os meios de comunica-ção social devem ser envolvidos ten-do em vista o bem comum, evitandoo sensacionalismo a fim de contri-buir para um clima consciente dorisco, mas sereno e auto-confiante»;«para além do acompanhamentopsicológico, o acompanhamento es-

piritual será também fundamental emuito saudável, razão pela qual énecessário envolver as igrejas noacompanhamento daqueles que vi-vem situações traumáticas ou estres-santes»; «a economia deve demons-trar a sua capacidade para enfrentaro desafio sem precedentes. Nem asideologias nem as ortodoxias tradi-cionais podem ter precedência sobrea realidade. É preciso criatividadepara resistir e depois superar a cri-se»; «os líderes políticos das diferen-tes nações da América Latina devemprocurar uma ação coordenada e

concertada. Não existe um “salve-sequem puder”, por conseguinte os or-ganismos multilaterais devem assu-mir a responsabilidade e a liderança.As igrejas devem ser portadoras e,na sua extensão, executoras destasmedidas».

É um momento fundamental,afirma ainda o Manifesto, para re-forçar os mecanismos de integração(Aliança do Pacífico, Mercosul, Sis-tema de Integração Centro-America-na) e as relações de cooperação en-tre países com as maiores popula-ções do continente (México, Colôm-

bia, Brasil e Argentina/Chile). Por-tanto, é muito importante «a coope-ração do Banco Mundial, do BancoInter-americano de Desenvolvimen-to e do Banco Latino-americano deDesenvolvimento». No mesmo sen-tido, a dívida externa dos países de-ve ser reestruturada e adiada a lon-go prazo com a solidariedade doscredores: estamos seguramente nu-ma situação muito grave no nossoplaneta, provavelmente o maior de-safio que nós, enquanto geração, vi-veremos na nossa história.

É tempo de cuidarCampanha de solidariedade da Igreja no Brasil

Agradecimento aos profissionais de saúde

Cristo Redentor vestido de médico

No domingo de Páscoa a estátua do Cristo Redentor, colocada no topoda colina do Corcovado com vista para o Rio de Janeiro, foi vestida —ou melhor, iluminada com a imagem — de um uniforme de médico como estetoscópio ao redor do pescoço. Na parte inferior, a palavra “O bri-gado” foi projetada em muitas línguas. Desta forma a Igreja brasileiraquis homenagear os médicos e os profissionais da saúde que trabalhamarduamente durante este período no combate ao contágio e no trata-mento dos doentes afetados pela Covid-19.

Sobre a estátua foram projetadas também mensagens de ação de gra-ças e de esperança em várias línguas, com as bandeiras dos países maisafetados, e imagens de muitos médicos e enfermeiros, para além doapelo aos cidadãos para ficar em casa. Segundo os boletins diários doministério da Saúde, o Brasil detém o triste recorde na América Latina,tanto no que diz respeito ao número de contágios como de mortes rela-cionadas com o coronavírus.

Com o lema “É tempo de cuidar”,começou a nível nacional a iniciati-va denominada “Ação solidáriae m e rg e n c i a l ”, promovida pela Con-ferência nacional dos bispos doBrasil e pela Cáritas para estimulara solidariedade, com a coleta de ali-mentos, e de produtos de higiene elimp eza.

Em sintonia com a Campanha defraternidade da quaresma de 2020,com o tema: “Fraternidade e vida:dom e compromisso”, a iniciativamantém a inspiração bíblica do

Evangelho de São Lucas (10, 33-34):«Viu, sentiu compaixão e cuidoudele». Além de incentivar a ajudamaterial às pessoas, a Ação solidá-ria emergencial visa promover tam-bém a assistência nos campos reli-gioso, humano e emocional. Destemodo, o Episcopado une-se a váriasiniciativas e projetos de solidarieda-de que já estão em curso em todo opaís.

Segundo o presidente da Confe-rência episcopal, D. Walmor Olivei-ra de Azevedo, arcebispo de Belo

Horizonte, neste momento particu-lar que o país vive, a solidariedade«é o selo de autenticidade da vidados verdadeiros cristãos, o compro-misso indispensável dos cidadãos, aprimeira tarefa dos governantes, aocasião para a conversão dos ricos,o único caminho novo para a paz eo equilíbrio, de que o planeta preci-sa urgentemente».

Devido à pandemia do coronaví-rus, grande parte da população bra-sileira, como os desabrigados, osmigrantes e refugiados, quantos vi-vem em habitações precárias, bemcomo os desempregados e os traba-lhadores informais, que atualmenteveem as suas fontes de rendimentogravemente afetadas, enfrentamuma realidade de extrema precarie-dade e vulnerabilidade. Portanto, aação promovida pela Igreja no Bra-sil quer multiplicar os gestos de so-lidariedade nas comunidades, na in-dústria, no comércio e nas famílias,a fim de que estas pessoas possamser assistidas e, por sua vez, consi-gam cuidar das suas próprias famí-lias.

A Cáritas do Brasil trabalha naorientação das dioceses, paróquias ecomunidades, sobre os protocolosde segurança a seguir, de modo queos donativos sejam recebidos e en-tregues de forma adequada às pes-soas e famílias necessitadas, duranteeste período de risco de contágio.«Vivemos um momento muito difí-cil no nosso país e no mundo — sa-lientou Carlos Humberto Campos,diretor da Cáritas do Brasil — ummomento de sofrimento. A Cáritastem como objetivo valorizar e sal-var a vida. É com este sentimentoque participamos na campanha deemergência, denominada “É tempode cuidar”. A ação solidária emer-gencial terá também mobilizaçãonas redes sociais.

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número 16, terça-feira 21 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

A paz deve ser procuradaa qualquer preço

O Papa retomou as catequeses sobre as bem-aventuranças

C AT E Q U E S E

«O amor é sempre criativo e procura a reconciliação a qualquer preço»; porisso «são chamados filhos de Deus aqueles que aprenderam a arte da paz e aexercem», sabendo «que não há reconciliação sem doar a própria vida, e quea paz deve ser procurada sempre e apesar de tudo», frisou o Papa naaudiência geral de quarta-feira, 15 de abril. Renovando o encontro semanal daBiblioteca do Palácio apostólico do Vaticano com os fiéis que o seguiam atravésda rádio, da televisão e da web — por causa das medidas impostas pelapandemia da Covid-19 — o Pontífice retomou as catequeses sobre o tema dasBem-aventuranças. E comentando o trecho bíblico tirado da carta de SãoPaulo aos Efésios (2, 14-16) analisou a sétima: «Bem-aventurados ospacificadores, porque serão chamados filhos de Deus» (Mt 5, 9).

conduzir à salvação. E nesse mo-mento parece que não temos paz,mas é o Senhor que nos colocaneste caminho para alcançarmos apaz que Ele próprio nos concederá.

Neste ponto devemos recordarque o Senhor entende a sua pazcomo diferente da humana, a domundo, quando diz: «Deixo-vos apaz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá» (Jo14, 27). A de Jesus é outra paz, di-ferente da paz mundana.

Perguntemo-nos: como dá omundo a paz? Se pensarmos nosconflitos bélicos, normalmente asguerras terminam de duas manei-ras: ou com a derrota de uma dasduas partes, ou com tratados depaz. Só podemos esperar e rezarpara que se siga sempre este segun-do caminho; mas temos de consi-derar que a história é uma série in-terminável de tratados de paz des-mentidos por guerras sucessivas,ou pela metamorfose destas mes-mas guerras em outras formas ounoutros lugares. Até no nosso tem-po, uma guerra “aos pedaços” étravada em vários cenários e de di-ferentes formas (cf. Homilia no Sa-crário Militar de Redipuglia, 13 desetembro de 2014; Homilia em Sa-

rajevo, 6 de junho de 2015; D i s c u rs oao Pontifício Conselho para os TextosLegislativos, 21 de fevereiro de2020). Devemos pelo menos sus-peitar que, no contexto de umaglobalização feita sobretudo de in-teresses económicos ou financeiros,a “paz” de uns corresponde à“guerra” de outros. E esta não é apaz de Cristo!

Ao contrário, como “dá” a suapaz o Senhor Jesus? Ouvimos SãoPaulo dizer que a paz de Cristo é“fazer de dois, um só” (cf. Ef 2, 14),anular a inimizade e reconciliar. Eo caminho para realizar esta obrade paz é o seu corpo. Com efeito,Ele reconcilia todas as coisas e fazas pazes com o sangue da sua cruz,como o mesmo Apóstolo diz nou-tro lugar (cf. Cl 1, 20).

E aqui interrogo-me: todos po-demos perguntar-nos: portanto,quem são os “p a c i f i c a d o re s ”? A sé-tima bem-aventurança é a mais ati-va, explicitamente operativa; a ex-pressão verbal é análoga àquelautilizada para a criação no primeiroversículo da Bíblia e indica iniciati-va e laboriosidade. O amor pelasua natureza é criativo — o amor ésempre criativo — e procura a re-conciliação custe o que custar. São

chamados filhos de Deus aquelesque aprenderam a arte da paz eque a praticam, sabem que não háreconciliação sem o dom da pró-pria vida, e que a paz deve ser pro-curada sempre e de todas as for-mas. Sempre e de todas as formas:não vos esqueçais disto! Deve serprocurada assim. Esta não é umaobra autónoma, fruto das própriascapacidades; é manifestação dagraça recebida de Cristo, que é anossa paz, que nos fez filhos deD eus.

O verdadeiro shalom e o autênti-co equilíbrio interior brotam dapaz de Cristo, que vem da suaCruz e gera uma nova humanida-de, encarnada numa infinita plêia-de de Santos e Santas, inventivos ecriativos, que conceberam formassempre novas de amar. Os Santos eas Santas que edificam a paz. Estavida de filhos de Deus, que pelosangue de Cristo procuram e reen-contram os seus irmãos, é a verda-deira felicidade. Bem-aventuradosaqueles que seguem este caminho.

E de novo Feliz Páscoa a todos,na paz de Cristo!

«Com confiança rezemos a JesusMisericordioso pela Igreja e por todaa humanidade, sobretudo por quantossofrem neste tempo difícil»: pediu oPapa no final da audiência geral —nas saudações aos vários gruposlinguísticos — recordando quedomingo se celebra a festa da Divinamisericórdia. A seguir, a saudação emlíngua portuguesa

Amados ouvintes de língua portu-guesa, «a paz do Senhor estejacom todos vós». Do túmulo ondeo fechamos, Cristo Jesus saiu paranós, para trazer a vida onde haviamorte. Ele ressuscitou para nós enão nos deixará faltar nada: apoia-dos nesta certeza, conseguiremossuperar todas as dificuldades. Denovo, a todos desejo uma Páscoafeliz, na paz de Cristo!

Bom dia, estimados irmãos eirmãs!A catequese de hoje é dedicada àsétima bem-aventurança, a dos “pa-c i f i c a d o re s ”, que são proclamadosfilhos de Deus. Regozijo-me porela se realizar imediatamente apósa Páscoa, porque a paz de Cristo éfruto da sua morte e ressurreição,como ouvimos na Leitura de SãoPaulo. Para compreender esta bem-aventurança, é preciso explicar osentido da palavra “paz”, que podeser mal entendido ou, às vezes, ba-nalizado.

Devemos orientar-nos entre duasideias de paz: a primeira é a bíbli-ca, onde aparece a maravilhosa pa-lavra shalom, que exprime abun-dância, prosperidade, bem-estar.Quando em hebraico se deseja sha-lom, deseja-se uma vida boa, plena,próspera, mas também de acordocom a verdade e a justiça, as quaisterão cumprimento no Messias,Príncipe da paz (cf. Is 9, 6; Mq 5,4-5).

Depois há o outro sentido, maisgeneralizado, em que a palavra“paz” é entendida como uma espé-cie de tranquilidade interior: estoutranquilo, estou em paz. Esta éuma ideia moderna, psicológica emais subjetiva. Pensa-se geralmenteque a paz é sossego, harmonia,equilíbrio interior. Este conceito dapalavra “paz” é incompleto e nãopode ser absolutizado, porque navida o desassossego pode ser umimportante momento de crescimen-to. Muitas vezes é o próprio Se-nhor que semeia a inquietação emnós para irmos ao seu encontro,para o encontrarmos. Neste senti-do, é um momento importante decrescimento; enquanto pode acon-tecer que a tranquilidade interiorcorresponda a uma consciência do-mesticada, e não a uma verdadeiraredenção espiritual. Muitas vezes oSenhor deve ser um “sinal de con-tradição” (cf. Lc 2, 34-35), abalandoas nossas falsas certezas para nos

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 21 de abril de 2020, número 16

Criados cinco grupos de trabalho pelo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento humano integral

O cardeal Turkson: pensarno depois para não estar impreparados

MASSIMO MENICHETTI

A Igreja está na primeira linha emtodo o mundo para enfrentar as con-sequências do coronavírus. Não sónecessidades de saúde, mas tambémeconómicas e sociais projetadas acurto e a longo prazo. Enquanto asvacinas e os tratamentos para erradi-car a Covid-19 continuam a ser testa-dos, as previsões do Fundo Monetá-rio Internacional para 2020 falam deuma queda de 3% do produto inter-no bruto mundial. A queda seriapior do que a “Grande depressão”dos anos 30. Neste cenário, o car-deal Peter Kodwo Appiah Turkson,prefeito do Dicastério para o serviçodo desenvolvimento humano inte-gral, frisou que «uma crise corre orisco de ser seguida por outra e de-pois por outras, num processo emque seremos obrigados a aprenderlenta e dolorosamente a cuidar danossa casa comum, como o PapaFrancisco tão profeticamente ensinana encíclica Laudato si’».

Eminência, o Papa recebeu-o em au-diência várias vezes para falar sobre aemergência do coronavírus. Qual foi apreocupação que ele lhe manifestou?

O Papa manifestou a sua preocu-pação pelo momento atual, pela cri-se mundial gerada pela Covid-19 epelos cenários dramáticos que seperfilam no horizonte. Disse-nos pa-ra não perdermos tempo, para come-çarmos a trabalhar imediatamente,porque somos o Dicastério de refe-rência. Devemos agir agora. E temosque pensar imediatamente no quevai acontecer a seguir.

Qual mandato foi conferido ao seu Di-castério e qual é a vossa missão?

O Santo Padre encarregou-nos deduas tarefas principais. A primeiradiz respeito ao hoje: a necessidadede oferecer prontamente, com solici-tude, com urgência, o sinal concretodo apoio do Santo Padre e da Igreja.Devemos dar o nosso contributo,neste momento de emergência. Éuma questão de pôr em prática açõesde apoio às Igrejas locais para salvarvidas, para ajudar os mais pobres. Asegunda refere-se ao depois, ao futu-ro, à mudança. O Papa está convictode que estamos num momento demudança, e está a refletir sobre oque virá depois da emergência, acer-ca das consequências económicas esociais da pandemia, sobre o que te-remos de enfrentar e, sobretudo, so-bre a forma como a Igreja se podeoferecer como ponto de referênciaseguro para o mundo desorientadoface a um acontecimento inesperado.Contribuir para a elaboração de umareflexão sobre este tema é a nossa se-gunda tarefa. O Papa pediu-nos con-cretização e criatividade, abordagemcientífica e imaginação, pensamentouniversal e capacidade de compreen-der as necessidades locais.

Como está a desenvolver esta ativida-de?

Criámos cinco grupos de trabalhoque já estão ativos. Tivemos duas

reuniões com o Santo Padre. Criá-mos um gabinete de direção, de or-ganização para coordenar as iniciati-vas que dizem respeito à ação dohoje e as relativas à preparação doamanhã. O nosso é um serviço emtermos de ação e pensamento. Preci-samos de ações concretas agora, eestamos a fazê-lo. E temos de olharpara além do que hoje se passa, paratraçar o rumo da difícil navegaçãoque nos espera. Se não pensarmosno amanhã, voltaremos a encontrar-nos despreparados. Tomar medidashoje e pensar no amanhã não sãouma alternativa. Não estamos peran-te um “aut aut” mas um “et et”. Anossa equipa já iniciou uma colabo-ração com a Secretaria de Estado,com o Dicastério para a Comunica-ção, com a Caritas Internationalis,com as Pontifícias academias dasCiências e para a Vida, com a Esmo-laria Apostólica, com a Congregaçãopara a Evangelização dos Povos ecom a Farmácia do Vaticano. Com onosso grupo criámos uma modalida-de de certo modo nova de colabora-ção entre os dicastérios e os diversosdepartamentos da Santa Sé. Umamodalidade de task force. Uma mo-dalidade ágil que testemunha a uni-dade e a capacidade de reação daI g re j a .

Como é composta a comissão que foicriada no dicastério e quais são assuas áreas de intervenção? Tambémparticipam personalidades ou estruturasexternas à Santa Sé?

A comissão é composta por cincogrupos de trabalho. O primeiro jáestá a trabalhar na emergência. Tra-balha com a Caritas Internacionalis.Criou mecanismos para ouvir asIgrejas locais a fim de identificar asnecessidades reais e ajudar no desen-volvimento de respostas eficazes eadequadas. Solicitou aos núncios eàs conferências episcopais que comu-nicassem as questões de saúde e hu-manitárias que exigem uma açãoimediata. É necessário um olhar am-plo. Ninguém deve ser esquecido:prisioneiros, grupos vulneráveis. Pre-cisamos de partilhar boas práticas.O segundo grupo tem a tarefa deperscrutar a noite, como a sentinela,

para ver o amanhecer. E para issoprecisamos de interligar as melhoresinteligências nas áreas da ecologia,da economia, da saúde e da previ-dência social. Precisamos da concre-tização da ciência e da profecia, dacriatividade. Devemos ir além. Estegrupo trabalhará em estreita colabo-ração com a Pontifícia Academia pa-ra a Vida, a Pontifícia Academia dasCiências e a Pontifícia Academia dasCiências Sociais. O terceiro grupotem a tarefa de comunicar o nossotrabalho, e de construir — através dacomunicação — uma nova consciên-cia, de chamar a um compromissorenovado por intermédio da comuni-cação. Uma secção do site do Hu-man Development será dedicada àcomunicação do nosso grupo. Oquarto grupo, coordenado pela Se-cretaria de Estado, tratará de todasas iniciativas possíveis em matéria derelações com os Estados ou multila-terais. Também aqui há necessidadede ação concreta e de profecia. Oquinto grupo será responsável porencontrar os fundos necessários deforma transparente, promovendouma circularidade virtuosa da rique-za. Estamos a dar os primeiros pas-sos. Sabemos que há muito a fazer.Empenhar-nos-emos com toda aenergia de que formos capazes. Esta-mos também a envolver instituiçõesque tradicionalmente têm colabora-do — e ainda colaboram — com o di-castério, tais como Georgetown Uni-versity, Universität Potsdam, Univer-sidade Católica do Sagrado Coraçãode Milão, World Resources Institu-te, e muitas outras.

Toda a Igreja está muito engajadanesta emergência: há as Caritas, ascongregações religiosas, as comunidades,os organismos e os movimentos católi-cos... Toda a rede de caridade e solida-riedade do mundo eclesial foi mobiliza-da. Que relações tereis com estas reali-dades?

A rede da Igreja em cada país éessencial. O trabalho que a Caritasfaz é extraordinário. Tudo o que fi-zermos será em comunhão entre nós,em Roma, e entre as Igrejas locais.A equipa está ao serviço do Papa edas Igrejas. A nossa missão não con-

siste em substituir a ação das Igrejaslocais, mas em ajudá-las e ser porelas ajudados. Estamos ao serviçouns dos outros. Não compreendería-mos o tempo em que vivemos se nãoo fizéssemos. Mas é sobretudo destaforma que se manifesta a universali-dade da Igreja.

Por que é importante pensar já hojenas perspetivas futuras?

Pensar imediatamente no que vema seguir é importante para não estar-mos despreparados. A crise da saúdedesencadeou uma crise económica. Ea crise económica, se não for enfren-tada imediatamente, corre o risco deprovocar uma crise social. A umacrise corre o risco de se seguir outrae depois outras, num processo emque seremos obrigados a aprenderlenta e dolorosamente a cuidar danossa casa comum, como o PapaFrancisco tão profeticamente ensinana encíclica Laudato si’. Há necessi-dade de coragem, de profecia. O Pa-pa deixou isto claro na sua mensa-gem Urbi et Orbi. Este não é o mo-mento para indiferenças, egoísmos,divisões; porque o mundo inteiro es-tá a sofrer e tem que se encontrarunido para enfrentar a pandemia.Ao contrário, é tempo de diminuiras sanções internacionais que inibema possibilidade de os países presta-rem um apoio adequado aos seus ci-dadãos. É tempo de permitir que to-dos os Estados satisfaçam as maioresnecessidades do momento. É tempode reduzir, ou até de perdoar, o pesoda dívida nos orçamentos dos Esta-dos mais pobres. Chegou o momen-to de recorrer a soluções inovadoras.É tempo de encontrar a coragem deaderir ao apelo a um cessar-fogoglobal imediato em todos os cantosdo mundo. Este não é o momentode continuar a fabricar e a traficararmas, gastando enormes quantiasde capital que deveriam ser utiliza-das para curar pessoas e salvar vi-das.

Como é chamado o homem de hoje aviver esta provação?

O homem redescobre hoje toda asua fragilidade. Redescobre, antes demais, que habitar a Terra como umacasa comum exige muito mais: re-quer solidariedade no acesso ao bemda criação como “bem comum”, esolidariedade na aplicação dos frutosda investigação e da tecnologia paratornar a nossa “Casa” mais saudávele habitável para todos. Nisto o ho-mem reencontra Deus, que lhe con-fiou esta vocação à solidariedade.Redescobre quanto o destino de ca-da um está interligado com o dosoutros. Redescobre o valor das coi-sas importantes e o não valor demuitas outras que considerávamosimportantes. Como disse o Papa a27 de março: «A tempestade desmas-cara a nossa vulnerabilidade e deixaa descoberto as falsas e supérfluasseguranças com que construímos osnossos programas, os nossos proje-tos, os nossos hábitos e priorida-des».

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número 16, terça-feira 21 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

O Pontífice lançou a proposta de um salário universal para os excluídos

Nenhum trabalhador sem direitos

O Papa com os movimentos populares em Santa Cruz de La Sierra, Bolívia (9 de julho de 2015)

«Talvez tenha chegado o momento de pensar num salário universal, quereconheça e dê dignidade aos trabalhos nobres e insubstituíveis que desempenhais;capaz de garantir e transformar em realidade esta palavra de ordem tão humana,tão cristã: nenhum trabalhador sem direitos», escreveu o Papa Francisco numacarta enviada na Páscoa aos participantes nos encontros mundiais dosMovimentos populares que tiveram lugar duas vezes no Vaticano (2014 e 2016)e outra em Santa Cruz de La Sierra, durante a sua viagem à Bolívia em 2015.A seguir, o texto da missiva pontifícia.

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

A misericórdia, salvação do mundo

Estimados amigos!Lembro-me muitas vezes dos nossosencontros: dois no Vaticano e umem Santa Cruz de La Sierra, e con-fesso-vos que esta “memória” me fazbem, me aproxima de vós, me leva arepensar em tantos diálogos que tivedurante aqueles encontros e em tan-tas esperanças que ali nasceram ecresceram, muitas das quais se torna-ram realidade. Agora, no meio destapandemia, volto a recordar-me devós de forma especial e desejo estarpróximo de vós.

Nestes dias de tanta angústia e di-ficuldade, muitos referiram-se commetáforas bélicas à pandemia queestamos a viver. Se a luta contra aCovid é uma guerra, vós sois umverdadeiro exército invisível que lutanas trincheiras mais perigosas. Umexercício que tem como única armaa solidariedade, a esperança e o sen-tido de comunidade que se revitalizanestes dias em que ninguém se salvasozinho. Como vos disse nos nossosencontros, para mim vós sois verda-deiros poetas sociais que, das perife-rias esquecidas, criais soluções dig-nas para os problemas mais urgentesdos excluídos.

Sei que muitas vezes isto não é re-conhecido como se deve, porque pa-ra este sistema vós sois verdadeira-mente invisíveis. Às periferias nãochegam as soluções de mercado e apresença protetora do Estado é es-cassa. E vós nem sequer dispondesdos meios para desempenhar a vossafunção. Sois vistos com desconfian-ça, porque ides além da mera filan-tropia através da organização comu-nitária e reivindicais os vossos direi-tos, em vez de vos resignardes, naexpetativa de ver cair algumas miga-lhas daqueles que detêm o podereconómico. Muitas vezes suportaisraiva e impotência ao ver as desi-gualdades que persistem, até nosmomentos em que já não existe des-culpa alguma para justificar privilé-gios. Mas não vos fechais na lamen-tação: arregaçais as mangas e conti-nuais a trabalhar pelas vossas famí-lias, pelos vossos bairros, pelo bemcomum. Esta vossa atitude ajuda-me, interroga-me e ensina-me muito.

Penso nas pessoas, sobretudo nasmulheres, que multiplicam o pãonos refeitórios comunitários cozi-nhando com duas cebolas e um pa-cote de arroz um delicioso guisadopara centenas de crianças; penso nosdoentes, penso nos idosos. Nuncaaparecem nos meios de comunicaçãosocial importantes. E nem sequer oscamponeses e pequenos agricultores,que continuam a lavrar a terra paraproduzir alimentos saudáveis semdestruir a natureza, sem os acumularnem especular as necessidades daspessoas. Sabei que o nosso Pai celes-tial vos vê, vos aprecia, vos reconhe-ce e vos fortalece na vossa opção.

Como é difícil ficar em casa paraaqueles que vivem em habitações pe-quenas e precárias, ou inclusive paraquem vive desabrigado. Como é di-fícil para os migrantes, para as pes-soas desprovidas da própria liberda-de e para quantos seguem um per-curso de recuperação de dependên-cias. Vós permaneceis ali, fisicamentepróximos deles, para tornar a situa-ção menos difícil, menos dolorosa.Congratulo-me convosco e agradeço-vos de coração. Espero que os go-vernos compreendam que os para-digmas tecnocráticos (quer sejam es-tadocêntricos, quer mercadocêntri-cos) não são suficientes para enfren-tar esta crise, nem sequer os outrosgrandes problemas da humanidade.Hoje mais do que nunca, são as pes-soas, as comunidades, os povos quedevem estar no centro, unidos paracuidar, assistir, compartilhar.

Sei que fostes excluídos dos bene-fícios da globalização. Não desfru-tais dos prazeres superficiais queanestesiam muitas consciências. Noentanto, deveis sofrer sempre os seusdanos. Os males que afligem todosatingem-vos duplamente. Muitos devós viveis de dia para dia, sem qual-quer tipo de tutela legal para vosproteger. Os vendedores ambulantes,os recicladores, os circenses, os pe-quenos agricultores, os operários, osalfaiates, quantos desempenham ati-vidades de assistência. Vós, trabalha-dores informais, independentes ouda economia popular, não tendesum salário estável para enfrentar omomento presente... E para vós asquarentenas são insustentáveis. Tal-vez tenha chegado o momento de

pensar num salário universal, que re-conheça e dê dignidade aos traba-lhos nobres e insubstituíveis que de-sempenhais; capaz de garantir etransformar em realidade esta pala-vra de ordem tão humana, tão cristã:nenhum trabalhador sem direitos.

Gostaria de vos convidar a pensartambém no “dep ois”, porque estatempestade vai acabar e as suas gra-ves consequências já se sentem. Nãosois insensatos, tendes a cultura, ametodologia, mas sobretudo a sabe-doria que se amassa com o fermentode sentir a dor do outro como vossa.Pensemos no projeto de desenvolvi-mento humano pelo qual aspiramos,centrado no protagonismo dos Po-vos em toda a sua diversidade e noacesso universal aos três T que de-fendeis: tierra, techo y trabajo, terra,teto e trabalho. Espero que este mo-mento de perigo nos separe do pilo-to automático, desperte as nossasconsciências adormecidas e permitauma conversão humanista e ecoló-gica que ponha fim à idolatria dodinheiro, colocando no centro adignidade e a vida. A nossa civiliza-ção, tão competitiva e individualis-ta, com os seus frenéticos ritmos de

produção e de consumo, os seus lu-xos excessivos e os lucros imensospara poucos, tem necessidade deabrandar, de repensar, de se regene-rar. Vós sois os construtores indis-pensáveis desta mudança inadiável;além disso, tendes uma voz influen-te para testemunhar que isto é pos-sível. Conheceis crises e privações...que, com pudor, dignidade, empe-nho, esforço e solidariedade, podeistransformar em promessa de vidapara as vossas famílias e as vossascomunidades.

Continuai a vossa luta e cuidaiuns dos outros como irmãos. Rezopor vós, rezo convosco e peço aDeus Pai que vos abençoe, que vosencha com o seu amor e vos defendaao longo do caminho, dando-vos aforça que nos mantém de pé e nãodesilude: a esperança. Por favor, oraipor mim porque também eu precisodisto.

Fr a t e r n a l m e n t e ,

FRANCISCO

Cidade do Vaticano, 12 de abril de2020, Domingo de Páscoa.

nexo inseparável entre o amor rece-bido e o amor dado, a correspon-dência entre as duas medidas, operdão das ofensas dos outros por-que as nossas foram perdoadas. Aimagem dos cristais, evocada peloPapa, é bonita e eficaz: «Frágeis esimultaneamente preciosos. E seformos transparentes diante d’Elecomo o cristal, a sua luz – a luz damisericórdia – brilhará em nós e,por nosso intermédio, no mundo».

Não se trata somente de uma be-la imagem, nem de uma história dehá vinte séculos, mas do que acon-tece hoje, todos os dias e, acima detudo, do que deverá acontecer ama-nhã. Se é verdade que «a misericór-dia não abandona quem fica paratrás», o Papa exorta-nos a viver demodo consequente: «Agora, en-quanto pensamos numa recupera-ção lenta e fadigosa da pandemia, é

precisamente este perigo que se in-sinua: esquecer quem ficou paratrás [...] Naquela comunidade, de-pois da ressurreição de Jesus, ape-nas um ficou para trás e os outrosesperaram por ele. Hoje, parecedar-se o contrário: uma pequenaparte da humanidade avançou, en-quanto a maioria ficou para trás».

A visão lúcida e profética do Pa-pa Francisco alerta para o maiorrisco que o mundo inteiro enfrentahoje, no momento em que se podecomeçar a imaginar uma recupera-ção da terrível emergência de saú-de: o risco de uma retomada a duasvelocidades. Mas voltar ao mundocomo era antes da pandemia, nãosó não é possível como não seriacorreto, aquele mundo não era jus-to. Com efeito, no mundo de on-tem prevaleceram muitas vezes os«interesses partidários» e isto po-luiu a política, aquela «forma altade caridade», segundo a expressão

de Paulo VI, citada pelo Papa nasintenções da missa desta manhã naCasa Santa Marta; agora, ao con-trário, os partidos políticos «procu-rem o bem do país e não o bem dopróprio partido». Hoje abre-sediante de nós o mundo de amanhãe então, exorta-nos o Papa, que sejaverdadeiramente «novo», um mun-do de ressurreição após a morte:«Aproveitemos esta provação comouma oportunidade para preparar oamanhã de todos. Porque, sem umavisão de conjunto, não haverá futu-ro para ninguém. Hoje, o amor de-sarmado e desarmante de Jesus res-suscita o coração do discípulo.Também nós, como o apóstolo To-mé, acolhamos a misericórdia, sal-vação do mundo. E usemos de mi-sericórdia para com os mais frágeis:só assim reconstruiremos um mun-do novo».

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número 16, terça-feira 21 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 6/7

Utilizar as raízes das tradiçõespara subir às montanhas

Entrevistado por Austen Ivereigh, o Papa explicou como vive a emergência da Covid-19

Como está a viver o Papa a crise provocada pelaCovid-19? E como se está a preparar para o quevier? Francisco respondeu à distância às perguntasdo jornalista e escritor britânico Austen Ivereigh,gravando alguns áudios. A entrevista foi publicadasimultaneamente em “The Tablet” (Londres) e“Commonweal” (Nova Iorque). “ABC” publicou otexto original em espanhol e “La Civiltà Cattolica”em italiano.

A primeira pergunta foi sobre a forma como ele está aviver a pandemia e o isolamento.

A Cúria continua a trabalhar, procura viver nor-malmente, organizando-se em turnos para que nun-ca haja demasiadas pessoas juntas. Algo bem pensa-do. Mantemos as medidas estabelecidas pelas auto-ridades médicas. Aqui na Casa Santa Marta foramestabelecidos dois turnos para o almoço, que aju-dam a reduzir o afluxo. Cada um trabalha no seuescritório ou em casa, com instrumentos digitais.Todos estão a trabalhar, ninguém está inativo.

Como o vivo espiritualmente? Rezo mais, porqueacho que o devo fazer, e penso nas pessoas. É issoque me preocupa: as pessoas. Pensar nas pessoasunge-me, faz-me bem, livra-me do egoísmo. Obvia-mente, tenho os meus egoísmos: às terças-feiras vemo confessor, e então ponho este tipo de coisas emordem. Penso nas minhas responsabilidades atuais eno que virá. Qual será o meu serviço como bispode Roma, como chefe da Igreja, depois da pande-mia? Este depois já começou a revelar-se trágico,doloroso, por isso convém pensar nisto agora. Atra-vés do Dicastério para o desenvolvimento humanointegral foi criada uma comissão para trabalhar nes-ta matéria, que se reúne comigo.

A minha maior preocupação — pelo menos, aque-la que sinto na oração — é como acompanhar o po-vo de Deus e estar mais próximo dele. Este é o sig-nificado da missa das sete horas da manhã ao vivo,seguida por muitos que se sentem acompanhados;assim como algumas das minhas intervenções e o ri-to de 27 de março na Praça de São Pedro. E de umtrabalho bastante intenso de presença, através daEsmolaria apostólica, para acompanhar situações defome e doença. Estou a viver este momento commuita incerteza. É um momento de muita inventivi-dade, de criatividade.

Na segunda pergunta, Austen Ivereigh referiu-se a OsNoivos de Alessandro Manzoni, ambientado na épocada peste em Milão, em 1630, onde são descritas as ati-tudes de vários eclesiásticos. E perguntou como vê oPapa a missão da Igreja neste momento.

O cardeal Federigo é um verdadeiro herói dapeste em Milão. Num capítulo, no entanto, diz-seque passava para saudar as pessoas, mas fechado naliteira, talvez por detrás da janela, para se proteger.As pessoas não gostavam. O povo de Deus tem ne-cessidade de que o pastor esteja ao seu lado, nãoque se proteja demasiado. Hoje o povo de Deusprecisa de ter o pastor muito próximo dele, com aabnegação dos capuchinhos, que faziam assim.

A criatividade do cristão deve manifestar-se naabertura de novos horizontes, na abertura de jane-las, na abertura da transcendência para Deus e paraos homens, e deve redimensionar-se em casa. Não éfácil estar fechado dentro de casa. Lembro-me deum verso da Eneida que, no contexto da derrota,dá o conselho de não baixar os braços. Preparai-vospara tempos melhores, porque, nesse momento, iráajudar-nos a recordar o que aconteceu agora. Cui-dai de vós para o futuro que virá. E quando essefuturo chegar, far-vos-á bem recordar o que aconte-ceu.

Cuidar do momento, mas para o amanhã. Tudoisto com criatividade. Uma criatividade simples queinventa algo todos os dias. Não é difícil descobri-laem família. Não se deve fugir, procurar fugas alie-nantes, que neste momento não são úteis.

A terceira pergunta dizia respeito às políticas dos Go-vernos em resposta à crise.

Alguns governos tomaram medidas exemplares,com prioridades claramente definidas, para defen-der a população. Mas estamos a aperceber-nos deque todo o nosso pensamento, quer queiramos quernão, está estruturado ao redor da economia. Pareceque, no mundo financeiro, sacrificar seja normal.Uma política da cultura do descarte. De cima parabaixo. Penso, por exemplo, na seletividade pré-na-tal. Hoje em dia é muito difícil encontrar pessoascom síndrome de Down na rua. Quando é vista naecografia, é enviada de volta ao remetente. Umacultura da eutanásia, legal ou oculta, em que a pes-soa idosa recebe medicamentos até um certo ponto.Penso na encíclica Humanae vitae do Papa Paulo VI.A grande questão em que os pastores se estavam aconcentrar na altura era a pílula. E não se deramconta do poder profético daquela encíclica, anteci-padora do neo-malthusianismo que se estava a pre-parar em todo o mundo. Foi uma advertência dePaulo VI sobre a onda de neo-malthusianismo quevemos hoje na seleção das pessoas segundo a possi-bilidade de produzir, de ser útil: a cultura do des-carte.

Os desabrigados continuam sem casa. Há dias viuma fotografia, de Las Vegas, onde foram postosem quarentena num estacionamento. E os hotéis es-tavam vazios. Mas um desabrigado não pode ir pa-ra um hotel. Nisto vê-se em ação a teoria do descar-te.

Na questão seguinte, Ivereigh perguntou se o impactoda crise poderia levar a uma revisão dos nossos estilosde vida, a uma conversão ecológica e a sociedades eeconomias mais humanas.

Um provérbio espanhol diz: “Deus perdoa sem-pre, nós às vezes, a natureza nunca”. Não demosouvidos às catástrofes parciais. Quem fala hoje dosincêndios na Austrália? E do facto que há um ano emeio um navio atravessou o Polo Norte, que se tor-nou navegável porque o gelo derreteu? Quem estáa falar das inundações? Não sei se é a vingança danatureza, mas essa é certamente a sua resposta.

Temos uma memória seletiva. Gostaria de insistirneste ponto. Fiquei impressionado com a celebra-ção do 70º aniversário do desembarque na Norman-dia. Havia figuras de destaque na política e culturainternacionais. Eles estavam a celebrar. É verdadeque foi o início do fim da ditadura, mas ninguémse lembrou dos 10.000 homens que morreram na-quela praia.

Quando fui a Redipuglia, no centenário do fimda primeira Guerra Mundial, podia-se ver um boni-to monumento e nomes inscritos na pedra, e nadamais. Chorei pensando em Bento XV (no “m a s s a c reinútil”), bem como em Anzio, no dia de finados, re-cordando todos os soldados norte-americanos alienterrados. Todos tinham uma família, no lugar decada um deles, poderia estar eu.

Hoje, na Europa, quando se começa a ouvir dis-cursos populistas ou decisões políticas de tipo sele-tivo, não é difícil recordar os discursos de Hitler em1933, mais ou menos como alguns políticos fazemhoje. Vem-me à mente outro verso de Virgílio: Me -minisce iuvabit. Será bom recuperar a memória, por-que ela nos ajudará. Hoje é o momento de recupe-rar a memória. Não é a primeira peste da humani-dade. As outras estão agora reduzidas a anedotas.

Temos de recuperar a memória das raízes, da tradi-ção, que é “memoriosa”. Nos Exercícios de SantoInácio, a primeira semana inteira e depois a con-templação para alcançar o amor na quarta semana,seguem totalmente o sinal da memória. É uma con-versão com memória.

Esta crise toca-nos a todos: ricos e pobres. É umapelo à atenção contra a hipocrisia. Preocupa-me ahipocrisia de certas figuras políticas que dizem que-rer enfrentar a crise, que falam da fome no mundoe que, enquanto falam dela, fabricam armas. Che-gou o momento de nos convertermos desta hipocri-sia em ação. Este é um momento de coerência. Ousomos coerentes ou perdemos tudo.

O senhor pergunta-me sobre a conversão. Cadacrise é um perigo, mas é também uma oportunida-de. E é uma oportunidade de sair do perigo. Hojepenso que devemos abrandar um certo ritmo deconsumo e de produção (Laudato si’, 191) e apren-der a compreender e a contemplar a natureza. E pa-ra nos reconectarmos com o nosso ambiente real.Esta é uma oportunidade para a conversão.

Sim, vejo sinais iniciais de conversão para umaeconomia menos líquida e mais humana. Mas nãodeveríamos perder a memória depois de termos su-perado a situação atual, não podemos arquivá-la evoltar ao ponto em que estávamos antes. Chegou ahora de dar o passo. Passar do uso e abuso da na-tureza à contemplação. Nós, humanos, perdemos adimensão da contemplação; chegou o momento dea recuperar.

E em relação à contemplação, gostaria de me de-ter num ponto: é tempo de ver os pobres. Jesusdiz-nos que “pobres, sempre os tereis convosco”. Eé verdade. É uma realidade, não o podemos negar.Estão escondidos, porque a pobreza se envergonha.Em Roma, em plena quarentena, um polícia disse aum homem: “Não podes estar na rua, tens de ir pa-ra casa”. A resposta foi: “Não tenho uma casa. Euvivo na rua”. Descobrir a quantidade de pessoasmarginalizadas... e dado que a pobreza é vergonho-sa, não a vemos. Estão lá, passamos ao lado delas,mas não as vemos. Elas fazem parte da paisagem,são coisas. Santa Teresa de Calcutá viu-as e decidiuempreender um caminho de conversão. Ver os po-bres significa restituir-lhes a humanidade. Não sãodescartes, não são descartáveis, são pessoas. Nãopodemos fazer uma política assistencialista, comoacontece com os animais abandonados. E muitasvezes os pobres são tratados como animais abando-nados. Não podemos fazer uma política assistencia-lista e parcial.

Gostaria de dar um conselho: é hora de descer aosubsolo. O romance Notas do Subsolo de Dostoievs-ki é famoso. E há outro mais breve, Cadernos daCasa Morta, em que os guardas de um hospital deuma prisão tratavam os pobres prisioneiros comoobjetos. E vendo como se comportavam com umdeles que acabava de morrer, outro prisioneiro ex-clamou: “Basta! Ele também tinha uma mãe”! Te-mos de o repetir muitas vezes: o pobre homem teveuma mãe que o criou com amor. Não sabemos oque aconteceu depois na vida. Mas ajuda pensar-mos no amor que recebeu, nas esperanças de umamãe. Nós humilhamos os pobres, não lhes damos odireito de sonhar com a sua mãe. Eles não sabem oque é o afeto, muitos vivem na toxicodependência.E vê-los pode ajudar-nos a descobrir a piedade,aquela pietas que é uma dimensão voltada paraDeus e para o próximo.

Descer ao subsolo, e passar da sociedade hiper-virtualizada e desencarnada para a carne sofredorados pobres, é uma conversão devida. E se não co-meçarmos por ela, a conversão não terá futuro. Pen-so nos santos da porta ao lado, neste momento difí-

cil. Eles são heróis! Médicos, voluntários, religiosos,sacerdotes, trabalhadores que desempenham as suasfunções para que esta sociedade funcione. Quantosmédicos e enfermeiros morreram! Quantos sacerdo-tes morreram! Quantas religiosas morreram! Emserviço, servindo.

Vem-me à mente uma frase contida em Os Noi-vos, do alfaiate, na minha opinião um dos persona-gens mais simples e coerentes. Ele dizia: “Eu nuncasoube que o Senhor começou um milagre sem oterminar bem”. Se reconhecermos este milagre dossantos ao nosso lado, destes heroicos homens e mu-lheres, se soubermos seguir os seus passos, este mi-lagre terminará bem, será para o bem de todos.Deus não deixa as coisas pela metade. Somos nósque as abandonamos e vamos embora. O que esta-mos a viver é um lugar de metanoia, de conversão,e temos a oportunidade de o fazer. Portanto, assu-mamos isto e vamos em frente.

Outra pergunta de Ivereigh dizia respeito à necessidade,nestes meses, de repensar a maneira de ser da Igreja:«talvez uma Igreja mais missionária, mais criativa,menos apegada às instituições. Estamos a viver a emer-

gência de uma “home Church”, de uma Igreja com basetambém em casa»?

Menos apegados às instituições? Eu diria aos es-quemas. De facto, a Igreja é uma instituição. Existea tentação de sonhar com uma Igreja desinstitucio-nalizada, por exemplo uma Igreja gnóstica, seminstituições, ou sujeita a instituições fixas, para seproteger, e é uma Igreja pelagiana. É o EspíritoSanto que faz da Igreja uma instituição. Que não égnóstico nem pelágico. É ele quem institucionalizaa Igreja. É uma dinâmica alternativa e complemen-tar, porque o Espírito Santo causa desordem comcarismas, mas nessa desordem ele cria harmonia.Igreja livre não significa uma Igreja anarquista, por-que a liberdade é um dom de Deus. Igreja institu-cionalizada significa Igreja institucionalizada peloEspírito Santo. Uma tensão entre desordem e har-monia: esta é a Igreja que deve sair da crise. Temosque aprender a viver numa Igreja em tensão entre adesordem e a harmonia causadas pelo Espírito San-to. Se me perguntar qual o livro de teologia quepossa ajudar a compreendê-lo, indico os Atos dosApóstolos. Nele encontra-se a forma como o Espíri-to Santo desinstitucionaliza o que já não é necessá-

rio e institucionaliza o futuro da Igreja. Esta é aIgreja que deve sair da crise.

Há algumas semanas, um bispo italiano telefo-nou-me. Angustiado, disse-me que ia de um hospi-tal para outro para dar a absolvição a todos os queestavam lá dentro, permanecendo na entrada. Masalguns canonistas que ele interpelou disseram-lheque não, que a absolvição só é permitida com con-tato direto. “Padre, o que me pode dizer?” p ergun-tou-me o bispo. Eu respondi-lhe: “Excelência, cum-pra o seu dever sacerdotal”. E o bispo retorquiu:“Obrigado, compreendi”. Soube depois que eleconcedeu a absolvição em todo o lado.

Por outras palavras, a Igreja é a liberdade do Es-pírito neste momento, perante uma crise, e não umaIgreja fechada em instituições. Isto não significaque o direito canónico seja inútil: serve, sim, ajudae, por favor, usemo-lo bem, porque nos faz bem.Mas o último cânone diz que toda a lei canónicatem significado para a salvação das almas, e é aquique se abre a porta para sairmos e levarmos a con-solação de Deus em tempos de dificuldade.

Perguntou-me sobre a «home Church». Temosde enfrentar a permanência em casa com toda anossa criatividade. Ou nos deprimimos, ou nos alie-namos — por exemplo, com meios de comunicaçãoque nos podem levar a fugir das realidades do mo-mento presente — ou criamos. Em casa precisamosde criatividade apostólica, criatividade purificada demuitas coisas inúteis, mas com um desejo de ex-pressar a nossa fé em comunidade e como povo deDeus. Ou seja: uma clausura forçada com nostalgia,para sairmos do nosso isolamento deve ajudar-nosessa memória que produz nostalgia e provoca espe-rança.

Por fim, o jornalista perguntou a Francisco como viveresta Quaresma e esta Páscoa tão extraordinárias, e pe-diu “uma mensagem especial para os idosos isolados,para os jovens encarcerados e para os empobrecidos pelacrise”.

O senhor fala-me de pessoas idosas isoladas. So-lidão e distância. Quantas pessoas idosas têm filhosque não os visitam em tempos normais! Lembro-meque em Buenos Aires, quando visitava as casas derepouso, perguntava aos residentes: como vai a fa-mília? “Ah, sim, tudo bem, tudo bem”. Eles vêm vi-sitar-vos? “Sim, sempre”. Depois, a enfermeira con-tava-me que tinham passado seis meses desde a últi-ma vez que os filhos visitaram os pais. A solidão eo abandono, a distância.

E, no entanto, os idosos continuam a ser as raí-zes. E devem falar com os jovens. Esta tensão entreidosos e jovens deve ser sempre resolvida no encon-tro. Pois os jovens são os rebentos, a folhagem, masprecisam da raiz; caso contrário, não podem darfrutos. O idoso é como a raiz. Aos idosos de hojegostaria de dizer: sei que sentis a morte próxima etendes medo, mas olhai para o outro lado, lembrai-vos dos vossos netos e não deixeis de sonhar. Isto éo que Deus vos pede: sonhar (Joel 3, 1). O que te-nho a dizer aos jovens? Tende a coragem de olharpara o futuro e de serdes profetas. Que o sonho dosmais velhos seja correspondido pela vossa profecia.Isto também se encontra em Joel 3, 1.

As pessoas empobrecidas pela crise são as defrau-dadas de hoje que se somam aos muitos despojadosde todos os tempos, homens e mulheres que no es-tado civil constam como “desp ojado”. Eles perde-ram tudo ou estão prestes a perder tudo. Que senti-do faz para mim hoje perder tudo à luz do Evange-lho? Entrar no mundo dos “desp ojados”, compreen-der que aqueles que antes tinham, agora já nãotêm. Peço que as pessoas se encarreguem dos idosose dos jovens. Tomem a seu cargo a história. Que seocupem da história. Que se ocupem das pessoasdefraudadas.

E vem-me à mente outro verso de Virgílio, quan-do Eneias, derrotado em Troia, tinha perdido tudoe restavam-lhe duas saídas: ficar ali a chorar e aca-bar com a sua vida, ou fazer o que tinha no seu co-ração, ir além, ir para as montanhas a fim de seafastar da guerra. É um verso magnífico: Cessi, etsublato montem genitore petivi. “Resignei-me e carre-gando o meu pai, dirigi-me para as montanhas”. Éisto que todos nós temos de fazer hoje: pegar nasraízes das nossas tradições e subir às montanhas.

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página 8 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 21 de abril de 2020, número 16

A atualidade de «O homem que plantava árvores» de Jean Giono

Contrastar com o bom sensoum mundo apático

«A natureza é sempre superior à tecnologiae o homem só pode ser salvoatravés do trabalho levado a caboem estreita harmonia com a terra»

o homem só pode ser salvo através do tra-balho levado a cabo em estreita harmoniacom a terra.

Esta comovedora e edificante parábolapastoral, que exalta com extrema simplicida-de a necessidade e a beleza da relação entreo homem e a natureza, contudo sem cair emfalsos mitos românticos nem em idealismosirracionais, levou muitos a reconhecer navoz do narrador um apelo urgente, comoum profundo sulco no chão, a ver na imen-sa obra que brotou das mãos e da alma da-quele homem sem meios técnicos, que «oshomens poderiam ser tão eficazes comoDeus em algo mais que a destruição». E foiassim que, ao longo dos anos, onde haviaum deserto germinou um jardim exuberantee em toda aquela região as aldeias e a pró-pria vida começaram a florescer novamente.

Se é verdade que na mente e nas mãos ohomem tem não só o poder de destruir, masantes de tudo de procurar construir a felici-dade, sua e dos outros, este escrito de Gio-no é mais atual e providencial do que nun-ca, ao mesmo tempo que nos exorta ao so-nho de poder viver hoje e amanhã num pla-neta mais respeitado, mais cuidado e maisamado, e por conseguinte à transformaçãodo sonho em esperança, e da esperança emrealidade. Parafraseando a descrição comque é frequentemente apresentado o patriar-ca Noé, protagonista exemplar da narraçãobíblica do dilúvio universal, às vezes “é sufi-ciente um homem bom para que haja espe-rança”. E não foi por acaso que, depois deter lido a pequena e comovente história des-te “homem bom” dos nossos tempos, o es-critor José Saramago não hesitou em intro-duzi-la com as seguintes palavras: «Sóquem cavou a terra para acomodar uma raizou a sua esperança poderia ter escrito estelivro. Estamos realmente à espera da chega-da de um grande número de Elzéard Bouf-fier reais. Antes que seja demasiado tardepara o mundo».Capa de uma edição em português (Editora Marcador)

SÉRGIO SUCHOD OLAK

Q uando Jean Giono decidiu narrar ahistória de um pastor invulgar que,numa desolada região dos Baixos Al-

pes franceses, tinha resolvido plantar tantassementes de árvores quantas fossem necessá-rias para dar nova vida à paisagem local,transformando-a radicalmente, talvez nuncativesse suspeitado que esta história simples,dócil e até inocente no seu estilo narrativo,pudesse obter um notável sucesso literário,impressionando de forma tão manifesta e in-cisiva o imaginário coletivo e tornando-semais relevante do que nunca até nos nossosdias — quase setenta anos após a sua reda-ção — entretanto profundamente alteradossob a ótica do clima e não só, chegando afazer-nos crer que estamos verdadeiramentenum ponto de não retorno.

A pobreza do solo de uma grande partedo departamento em questão e a sua altitu-de representavam as condições mais desfa-voráveis para o crescimento das aldeias lo-cais e até para o desenvolvimento normal davida humana, motivos pelos quais se encon-trava entre as regiões menos povoadas e me-nos ricas de todo o país transalpino onde,especialmente durante o inverno, a paisa-gem podia parecer quase fantasmagórica. Éneste cenário que tem lugar um dos diálo-gos mais significativos, simples e ao mesmotempo profundos entre o homem e a nature-za — originado da pena de um escritor e en-saísta prolífico, diversificado e muitas vezesmordaz, sensível, autodidata, dotado deuma cultura imensa e de uma curiosidadepraticamente universal, que o levará a lersozinho a Bíblia e Homero — que ressoa co-mo um veemente apelo a contrastar com obom senso e a poesia um mundo cada vezmais indiferente à salvaguarda do territórioe do meio ambiente. Na sua obra, às vezesGiono chega a ostentar uma espécie de mis-ticismo cósmico, mas desprovido de trans-cendência, talvez seguindo o sulco do pen-samento filosófico espinosiano que está nabase do Deus sive natura, o qual exalta umacerta identidade entre Deus e a natureza.

Naquelas terras desabitadas, pedregosas eáridas, onde a única vegetação que crescia

era a lavanda selvagem e onde «o vento so-prava com brutalidade insuportável», prati-camente esquecido pelo homem e por Deus,retirado do mundo e da companhia dos seussemelhantes, um humilde pastor vivia lenta-mente e em completa solidão — entendida,no entanto, mais como condição acidentaldo que como sentimento humano, uma vezque a seu ver não se sentia só — e aí passavaos longos dias com o seu cão, primeiro pro-tegendo o seu rebanho e anos mais tardecuidando das suas colmeias, abstraído da vi-da fora do seu universo e do horizonte quenecessariamente o delimitava. A históriapassa-se entre os dois terríveis conflitosmundiais.

O protagonista da narração, um certo El-zéard Bouffier, precisamente “O homem queplantava árvores” (L’homme qui plantait desa r b re s , 1953), sem visar qualquer lucro pes-soal e no anonimato mais absoluto, torna-segradualmente para o leitor a personificaçãode uma incomparável mensagem de amor ànatureza, que nasce do profundo respeitoque o ser humano é chamado a nutrir paracom a mãe terra e as belezas que a ador-nam. Além disso, percebe-se imediatamenteque, apesar da pobreza dos meios à sua dis-posição e da máxima sobriedade em quepassa os seus dias aparentemente tão monó-tonos, o pastor tem uma personalidade ver-dadeiramente extraordinária, uma vez quetodo o seu inspirado trabalho escondido serevela totalmente desprovido de qualquerforma de egoísmo, num clima de grandeagrestia que, pelo contrário, tenderia a exas-perar o individualismo.

De onde poderia ter derivado esta uniãoespecial entre a simplicidade da sua condutae a grandeza do seu espírito, a não ser exa-tamente da sua perspicaz intuição interiorem relação à natureza, como parte indispen-sável de si mesmo, sem a qual ele próprio ti-nha a impressão de não ser capaz de sentirnem sequer um pequeno vislumbre de felici-dade. Sim, a felicidade, pois no íntimo abusca deste particular estado de espírito nãopode ser negada a ninguém.

Assim, partindo de uma simples bolotade carvalho, de uma semente de faia ou debétula, com o desejo de reverdecer o seu

mundo, apoderou-se do pastor uma espéciede projeção ideal de reflorestação, a princí-pio dir-se-ia de maneira um pouco fantasio-sa mas em seguida cada vez mais realista, aponto de o impelir a ver naquelas plantas oúnico recurso real, capaz de redimir todaaquela área de uma degradação intolerávelque não cessava de a minar.

Nas mais diferentes culturas, a árvore foidesde sempre um símbolo de vida e sabedo-ria, e portanto não é exceção neste conto,descrito com grande perspicácia sensorialpor um escritor que já na vibrante “Cartaaos camponeses sobre a pobreza e a paz”(Lettre aux paysans sur la pauvreté et la paix,publicada em 1938, nas vésperas da segundaguerra mundial, para procurar evitar o can-celamento da cultura e da sensatez típicasdo mundo rural), deixava entrever de formalímpida e poética, um impetuoso pensamen-to moral, segundo o qual a natureza é sem-pre superior à tecnologia e, por conseguinte,

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número 16, terça-feira 21 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 9

Uma história é boa quando é verdadeiraEm diálogo com o escritor Daniel Mendelsohn

ANDREA MONDA

A palavra é uma ponte. Cada históriaque é contada cria ligação, comu-nhão. Este foi o aspeto da Mensagemdo Papa para o Dia Mundial das Co-municações Sociais que mais impres-sionou o escritor Daniel Mendelsohn,que encontramos na sua casa de cam-po: «Tal como os personagens doDecameron, o qual fala de pessoasque procuram viver no campo e as-sim sobreviver a uma grande catástro-fe, compartilhando histórias. Poisbem, como sabemos, não se trata dehistórias propriamente “re l i g i o s a s ”, aocontrário, muito profanas, mas o queBoccaccio quer dizer é que através danarração podemos reduzir a distânciaque nos separa e acho que hoje isto énecessário como nunca. Boccaccio in-tui esta verdade, precisamente comoo Papa».

Pela mensagem do Papa, o ro-mancista e ensaísta de Long Islandsente-se posto em causa como escri-tor. «Na minha opinião a mensagemdo Papa, que sublinha a importânciada partilha de histórias como meiode ligação humana, parece-me muitonecessária especialmente hoje, na cri-se em que o mundo inteiro se en-contra. E é uma mensagem muitointeressante e diria comovente paramim, como escritor, pois é obvia-mente o que nós, escritores, procura-mos fazer sempre. Com efeito, é pa-ra isto que serve a literatura: para li-gar todos os diferentes tipos de pes-soas, de credos e de backgroundsatravés de narrativas humanas. Refli-to muito sobre isto neste momentode terrível pandemia. Isto é válidopara o classicismo, mas é assim tam-bém no Evangelho, cujos textos ori-ginais foram escritos em grego: osEvangelistas compreenderam que anarração, as boas histórias, são a me-lhor forma de comunicar uma men-sagem importante; pensemos no usodas parábolas. Tanto no mundo pro-fano como no sagrado, os maiorespensadores compreenderam que anarração humana é a parte mais es-sencial de quem somos. Somos “cria-turas de narrativa” e é isto que nostorna humanos mais do que qual-quer outra coisa, a narração da nossaexperiência, quer ela seja uma expe-riência teológica, quer profana oumundana, independentemente daforma como a tivermos que narrar.Na minha opinião, há algo de iróni-co sobre a constatação de que estamensagem chega num momento emque as pessoas têm de ser separadasà força, uma vez que a mensagem

revela a natureza da narração de serponte, ou seja, capaz de unir as pes-soas. Esta possibilidade de umaponte narrativa é tudo o que nosresta hoje. Não podemos estar fisica-mente juntos, não podemos tocar-nos, abraçar-nos, não podemos veros nossos amigos: o que temos sãohistórias. Sim, julgo que a mensa-gem do Papa Francisco chegou nahora certa».

O Papa insiste que as histórias a nar-rar sejam boas, isto é, bonitas e verda-deiras, o que pensa sobre isto?

Este é um ponto muito importan-te. Porém, tudo depende do quequeremos dizer quando afirmamos:“uma boa história”. Duas respostassão possíveis. Antes de mais nada,há uma história que nos faz sentir

bem, felizes, ligados ao mundo e àvida de forma humana. Mas há ou-tro tipo de boa história, aquela quecapta e partilha a verdade com aspessoas, ainda que seja uma verdadedifícil. A meu ver, existe sempreuma responsabilidade maior pelaverdade. Neste nosso tempo há mui-tas histórias por aí; por isso, é aindamais fundamental a responsabilidadedo escritor (ou do jornalista, ou dosacerdote...) de narrar o que é verda-de. Especialmente num momento depânico, de ansiedade, é mais impor-tante comunicar a verdade às pes-soas, mesmo que a verdade seja difí-cil. Uma história verdadeira é tam-bém uma história bonita. Por isso,acho que o Papa tem razão: é im-portante compartilhar uma boa his-tória, para poder ajudar as pessoas;

não só com uma história feliz, massobretudo com uma história verda-deira, e é sobre isto que se baseia aresponsabilidade de ser verdadeiro.

Foi este sentido de responsabilidade queo impeliu a escrever o seu livro sobre oHolocausto, “The Lost”?

Sim, um escritor nunca deve falsi-ficar a realidade, mas encará-la, talcomo ela é. Algo que aprendi preci-samente escrevendo a narração daminha história familiar sobre o Ho-locausto: até nas histórias mais terrí-veis existem momentos de graça eeles devem ser procurados e narra-dos, pois é disto que as pessoas pre-cisam. Momentos de graça: querodizer, por exemplo, quando alguémdecide salvar outra pessoa, quandoalguém se agarra à própria humani-dade num tempo desumano... Pensoque é dever do escritor mostrar oquadro completo, e o quadro com-pleto pode incluir um momento degraça.

Portanto o senhor concorda que, comodiz o Papa, a narração de históriasboas, isto é, bonitas e verdadeiras, sal-va os homens do domínio da tagarelicee das fake news?

Sem dúvida, era o que eu dizia:no século XXI estamos circundados,sufocados pelos mexericos e hojemais do que nunca, no momento dacrise, é necessário lutar contra o ruí-do, a tagarelice, as notícias falsas. Éa Fama, o monstro de que fala omeu poeta preferido, Virgílio, noquarto canto da Eneida, ou seja, oboato, o terrível poder dos mexeri-cos, das notícias falsas. Como secombate este monstro? Com histó-rias verdadeiras, com a verdade: averdade científica, a verdade jorna-lística, a verdade médica, mas tam-bém a verdade espiritual, a verdadeemocional... é disto que precisamos.É como se a atmosfera estivessecheia de veneno e a verdade fosse oantídoto. E a difusão da verdadepassa através de uma história.

Segundo o Papa, a narração de histó-rias permite conhecer melhor também aprópria identidade...

É verdade. Todos os escritores de-vem entender que através do proces-so de criação e de narração da histó-ria se desenvolve um sentido maiselevado da verdade. A redação dahistória é o veículo para uma maior

Fascinante e poéticoNascido a 16 de Abril de 1960, Daniel Mendelsohn é escritor, crítico,tradutor e estudioso de literatura clássica. Completou os estudosclássicos na Universidade da Virgínia e depois em Princeton. Escrevesobre literatura, cinema e teatro na “New York Times Book Review”,“New Yorker” e “New York Review of Books”, e ensina Literatura noBard College. É o autor de The Elusive Embrace: Desire and the Riddleof Identity (1999) e de um estudo académico sobre a tragédia grega,Gender and the City in Euripides' Political Plays (2002). Em 2006publicou The Lost que se tornou um best seller. As suas publicaçõesincluem também ensaios, reflexões filosóficas e religiosas, diários euma edição crítica das obras de Kavafis. Em 2018, Einaudi publicou apoética e convincente Un’Odissea. Un padre, un figlio e un’epopea.

Diego Rivera, «A casa sobre a ponte» (1909)

CO N T I N UA NA PÁGINA 10

NARRAÇÃO - PA L AV R A D O ANO

«Desejo dedicar a Mensagem deste ano ao tema da narraçãopois penso que precisamos de respirar a verdade das histórias boas:histórias que edifiquem, e não as que destruam; históriasque ajudem a reencontrar as raízes e a força para prosseguirmos juntos»

(Papa Francisco para o Dia mundial das Comunicações de 2020)

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página 10 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 21 de abril de 2020, número 16

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 9

Em diálogo com o escritor Daniel Mendelsohn

Comunicado da Congregação para a educação católica

Garantir as atividades escolares e académicasatravés de modalidades telemáticas

Publicamos o texto do comunicado di-fundido na tarde de 7 de abril, pelaCongregação para a Educação católica— assinado pelo cardeal prefeito Giu-seppe Versaldi e pelo arcebispo secretá-rio Angelo Vincenzo Zani — no mo-mento da emergência do coronavírus.

O tempo que estamos a viver, devi-do à propagação da pandemia deCovid-19, é uma situação para a qualnão estávamos preparados. Sentimo-nos esmagados por um acontecimen-to traumático que veio de repente ecriou uma emergência extraordiná-ria. Há quem luta contra a morte,quem luta contra o medo, quem per-deu o emprego e até familiares ouamigos.

A dimensão do inesperado e doimprevisível tomou o lugar de todasas nossas certezas. Esta pandemiapôs em evidência as fragilidades e aschagas da sociedade: os pobres, osdesabrigados, os idosos, os presos,os desequilíbrios sociais, os egoísmosindividuais e nacionais.

E dentro deste black out, que pro-duziu uma profunda rutura na nossavida quotidiana e na sociedade doterceiro milénio, temos o dever devoltar a compreender mais profunda-mente o sentido da existência, de en-contrar uma forma de recomeçar a vi-ver, partindo de novas bases, mesmosabendo que não será como antes.

Uma indicação clara vem-nos daexperiência que o Papa Francisconos fez viver com a oração de sexta-feira, 27 de março passado em SãoPedro: precisamos de recordar a his-tória vivida por Deus com os ho-

mens e as mulheres, conservada pe-las tradições dos nossos povos, comoo Papa nos mostrou ao parar diantedo Crucifixo numa praça deserta fla-gelada pela chuva, para compreen-der que aquela morte nos salvou enos fez todos irmãos.

Deste ícone extraordinário, que fi-cará na história, brota a energia espi-ritual para responder à crise multifa-cetada que vivemos; sim, porque sãocrises pessoais, crises de relaciona-mento, para alguns também crises defé porque sentem o aparente afasta-mento de Deus, crises da comunida-de, de um povo e das suas institui-ções, crises da história e do mundo.

Perante esta crise e no espírito deuma Quaresma vivida de forma ex-cecional este ano, para o crente há aluz da Páscoa da Ressurreição. Amorte e a ressurreição de Jesus Cris-to abrem uma perspetiva de vidaque nunca terá fim e que nos permi-te olhar para o futuro com confiançae esperança bem fundamentada.

A Congregação para a EducaçãoCatólica deseja expressar a sua pro-ximidade e encorajamento a todas asescolas católicas, Faculdades Ecle-siásticas e Universidades Católicas;em particular, gostaria de agradeceraos Diretores, Reitores, Decanos,professores e pessoal administrativoe de serviço, que nestes meses estãoa gerir o sério esforço de garantir odesempenho das suas atividades es-colares e académicas através demeios telemáticos para garantir acontinuidade e a conclusão “re g u l a r ”do ano em curso, como foi indicadona Nota da Congregação, relativaaos exames e provas equivalentes dasInstituições Académicas Eclesiásticas(12 de março de 2020).

A Unesco, tendo em consideraçãonestes dias as intervenções necessá-rias para fazer face a situações gra-ves de emergência, referiu-se tam-bém a um dos objetivos da Agendada Educação para 2030, que preco-niza «a elaboração de sistemas edu-cativos mais resilientes e reativos aos

conflitos, à agitação social e aos ris-cos naturais, e a garantia de que aeducação continue a funcionar emsituações urgentes, durante os confli-tos e nos períodos que se lhes se-guem». Infelizmente, a imprevisibili-dade do evento não deu tempo parauma preparação adequada em todasas instituições, a fim de garantir acontinuidade das próprias aulas oude introduzir as necessárias transfor-mações do ensino à distância.

Além disso, a crise produzida pelapandemia criou uma emergência gra-ve não só para as instituições educa-tivas e académicas, mas envolveu di-retamente famílias que, no exercíciodas suas funções, têm de se adaptarà necessidade de acompanhar os fi-lhos que estudam em casa; e nem to-das estão equipadas com os instru-mentos informáticos pertinentes oupreparadas para enfrentar a presençacontínua dos filhos em casa.

Face a esta série de problemas, oprimeiro dos quais diz respeito àsaúde e a todas as precauções a to-mar para a preservar, é necessário,antes de mais, responder às necessi-dades imediatas para concluir esteano com regularidade. Ao mesmotempo, porém, é necessário conside-rar o facto de que a situação atualpode ser prolongada e termos quenos organizar para o futuro, sendocapazes de discernir as oportunida-des que esta crise nos oferece.

Ao mesmo tempo que exortamostodos a acompanharem o que os mi-nistérios responsáveis pelas escolas euniversidades dispõem para as insti-tuições educativas dos próprios paí-ses, exortamos todos a darem apoioe segurança às crianças e jovens e aenfrentarem este momento especialcom paciência e com uma colabora-ção inteligente e ativa durante otempo que for necessário.

À comunidade de Éfeso, São Pau-lo escreve: «Vede prudentemente co-mo andais [...] e remindo o tempo;porquanto os dias são maus [...].Enchei-vos do Espírito...; dandosempre graças por tudo a nossoDeus e Pai, em nome de nosso Se-nhor Jesus Cristo» (Ef 5, 15-20). Estacrise pode tornar-se uma oportuni-dade para que as instituições educa-tivas católicas de todo o mundo con-firmem o testemunho da sua identi-dade e missão como comunidade defé e caridade.

Com São Paulo, convidamos a re-novar a fé no Ressuscitado e a viver,desta vez, numa vigilância ativa, fa-zendo o melhor uso possível dosdons recebidos de Deus.

Os votos de Páscoa que dirigimosa todos são para renovar a nossa féno mistério-realidade da Ressurrei-ção do Filho de Deus, que dá senti-do e ilumina tudo. Isto exorta-nos aabrir os nossos corações e mentes aDeus e aos nossos irmãos com cora-gem e determinação, e a investir osnossos talentos neste “tempo presen-te”. Sim, pois ao crente não é pedi-do para viver uma espiritualidadedesencarnada e abstrata, mas aderen-te à realidade na qual devemos serluz, fraternidade, alegria e paz.

compreensão, tanto por parte doescritor como do leitor. Portanto, ahistória é um instrumento cogniti-vo, que permite a compreensão.

No entanto, a palavra da poesia pare-ce ambígua, incerta, em comparaçãocom a palavra da ciência, tão clara eunívoca.

Sou filho de um cientista e tenhogrande respeito pela ciência, masjulgo que podemos dizer que aciência pode afirmar uma verdadesobre o mundo, sobre o cosmo, en-quanto a literatura pode afirmaruma verdade sobre o espírito huma-no que a ciência nunca poderá ilu-minar definitivamente. Ambas pro-curam dizer uma verdade, mas tra-ta-se de verdades diferentes, portan-to ambas são necessárias: a ciênciafala sobre o modo como o mundo éfeito; a literatura, ao contrário, dizalgo inefável. Eis o objetivo da lite-ratura: procurar explicar o que na-da mais o pode fazer. Todos os quenarram, escrevem, procuram escre-ver a verdade: cientistas, poetas, ro-mancistas, jornalistas... quando pro-curam dizer a verdade, fazem parte

do mesmo projeto, mas trata-se deum projeto enorme que precisa demuitos tipos de histórias diferentespara o narrar. Precisamos tanto daliteratura como da ciência.

Nestas páginas Renzo Piano observouque todos os homens, até os cientistas,no seu caminho de investigação, devemparar diante de um limiar, de ummistério.

Concordo: no final, existe umponto para além do qual há uma es-pécie de mistério. Podemos chamar-lhe o inefável, o misterioso, o divi-no, mas acho que todos aqueles quesão honestos percebem que afinalexiste “algo” misterioso, que todosnós humanos temos em comum, masque é muito difícil de descrever. Po-demos defini-lo também “transcen-dente”, algo que se reconhece masque é muito difícil de descrever. Este“transcendente” é também o pontopara onde vamos, é a meta do cami-nho do homem, um horizonte queconhecemos mas não podemos dizerbem o que é, e por isso continua-mos a avançar incessantemente.

A poesia ocidental começa com as pa-lavras de Homero, que pede à musa

para ser inspirado. A arte é “techne”,uma habilidade sob o controle do ar-tista, ou é um dom recebido?

O facto de que tudo começa coma invocação da musa é um reconhe-cimento de que com a arte se vaialém do conhecimento humano,além da mera capacidade humanade fazer poesia. E, portanto, é ne-cessária a ajuda do divino. É umreconhecimento claro do limite dopoder humano: no fundo, o queHomero diz é que ele não pode fa-zer poesia sem a ajuda do divino.Todos os grandes artistas reconhe-cem que num certo ponto intervémo transcendente, quando há necessi-dade de uma espécie de talento so-bre-humano para fazer uma grandearte. É o início comum da Ilíada eda Odisseia: temos necessidade dosdeuses para narrar a nossa história.Nos nossos dias, nestes tempos desecularização, poder-se-ia falar, deforma mais laica, de “inspiração”,“talento”... mas acho que todas es-tas palavras são apenas um reco-nhecimento de que é necessária al-guma qualidade sobre-humana. Osgregos foram mais honestos: diziam“os deuses”.

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número 16, terça-feira 21 de abril de 2020 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

INFORMAÇÕES

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

A 14 de abrilDe D. Pierre-Antoine Paulo, O.M.I.,ao governo pastoral da Diocese dePort-de-Paix (Haiti).

A 15 de abril— De D. André De Witte, ao gover-no pastoral da Diocese de Ruy Bar-bosa (Brasil).— De D. Arthur J. Serratelli, ao go-verno pastoral da Diocese de Pater-son (Estados Unidos da América).— De D. José Luis del Palacio y Pé-rez-Medel, ao governo pastoral daDiocese de Callao (Peru).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

No dia 14 de abril— Bispo de Port-de-Paix (Haiti), oRev.do Pe. Charles Peters Barthélus,até agora Vice-Reitor do SeminárioMaior Notre-Dame d’Haïti.

D. Charles Peters Barthélus nasceua 14 de novembro de 1970 em Mar-chand-Dessaline (Haiti), e foi ordena-do Sacerdote a 25 de janeiro de 1998.

— Bispo de Fukuoka (Japão), D. Jo-sep Maria Abella Batlle, C.M.F., atéesta data Auxiliar da Arquidiocesede Osaka.

No dia 15 de abril— Bispo de Ruy Barbosa (Brasil), D.Estevam dos Santos Silva Filho, atéagora Auxiliar da Arquidiocese deSão Salvador da Bahia.— Bispo de Erexim (Brasil), oRev.do Pe. Adimir Antônio Mazali,até esta data Pároco da CatedralNossa Senhora Aparecida.

D. Adimir Antônio Mazali nasceu a16 de maio de 1966 em Corbélia(Brasil). Fez os estudos de filosofia naFaculdade de ciências humanas Arnal-do Busato em Toledo (1986-1988) eos de teologia no Studium Theologicumem Curitiba (1989-1992). Em segui-da, obteve a licenciatura em teologiapatrística em Roma, na Pontifícia uni-versidade Gregoriana (1999-2001). A

5 de maio de 1992 foi ordenado Sacer-dote para o clero da Arquidiocese deCascavel, onde foi diretor espiritual doseminário menor São José e promotorvocacional (1992-1999); vigário paro-quial do Imaculado Coração de Maria(1995-1996); administrador da paró-quia de Nossa Senhora de Caravaggio(1996-1999) e do santuário diocesanode Nossa Senhora da Salette em Bra-ganey; reitor do seminário maior deteologia (2002-2009); professor doCentro interdiocesano de teologia(2002-2004); diretor espiritual do se-minário propedêutico (2005-2006);professor (2005-2019) e diretor(2009-2019) na Faculdade missioneirado Paraná (Famipar); pároco de Nos-sa Senhora de Fátima (2009-2016);consultor da pastoral familiar a nívelarquidiocesano e do Regional Sul 2.Desde 2016 era pároco da catedral de-dicada a Nossa Senhora Aparecida.

— Bispo de Paterson (Estados Uni-dos da América), o Rev.do Pe. KevinJ. Sweeney, até agora Vigário Foren-se de “Brooklyn 8 Deanery” e Páro-co da “Saint Michael Parish” emBro oklyn.

D. Kevin J. Sweeney nasceu emElmhurst (E.U.A.), a 17 de janeiro de1970, e foi ordenado Sacerdote a 28 dejunho de 1997.

— Administrador Apostólico “sedevacante” da Diocese de Callao (Pe-ru), D. Robert Francis Prevost,O.S.A., atualmente Bispo de Chi-clayo.

No dia 16 de abrilBispo Auxiliar da Diocese de Siedl-ce (Polónia), o Rev.do Pe. GrzegorzSuchodolski, até esta data Pároco daCatedral e Decano em Siedlce, si-multaneamente eleito Bispo Titularde Mesarfelta.

D. Grzegorz Suchodolski nasceu a10 de novembro de 1963 em Łuków(Polónia), e foi ordenado Sacerdote a11 de junho de 1988.

Prelados falecidosAdormeceram no Senhor:

A 9 de abrilD. Clément-Joseph Hannouche, Bis-po do Cairo dos sírios, no Egito.

O saudoso Prelado nasceu no Cairo(Egito), a 27 de março de 1950. Rece-beu a Ordenação sacerdotal no dia 13de junho de 1976, e a Ordenação epis-copal a 19 de março de 1996.

A 10 de abrilD. Nicholas Marcus Fernando, Arce-bispo Emérito de Colombo, no SriLanka.

O venerando Prelado nasceu emMunnakkara (Sri Lanka), a 6 de de-zembro de 1932. Recebeu a Ordenaçãosacerdotal no dia 20 de dezembro de1959, e a Ordenação episcopal a 14 demaio de 1977.

A 11 de abril— D. Mariano De Nicolò, BispoEmérito de Rimini e São Marinho —Montefeltro, na Itália.

O saudoso Prelado nasceu em Cat-tolica (Itália), a 22 de janeiro de1932. Recebeu a Ordenação sacerdotal

a 9 de abril de 1955, e a Ordenaçãoepiscopal a 23 de setembro de 1989.

— D. Alojzij Uran, Arcebispo Eméri-to de Liubliana, na Eslovénia.

O ilustre Prelado nasceu em SpodnjeGameljne (Eslovénia), a 22 de janeirode 1945. Recebeu a Ordenação sacer-dotal a 29 de junho de 1970 e a Or-denação episcopal a 6 de janeiro de1933.

A 12 de abrilD. Camillo Ballin, Vigário Apostóli-co de Arabia do Norte na Arabia.

O saudoso Prelado nasceu em Fon-taniva (Itália), a 24 de junho de1944. Recebeu a Ordenação sacerdotala 30 de março de 1969 e a Ordenaçãoepiscopal a 2 de setembro de 2005.

A 14 de abrilD. Aldo di Cillo Pagotto, ArcebispoEmérito da Paraíba (Brasil).

O saudoso Prelado nasceu em SãoPaulo (Brasil), a 16 de setembro de1949. Recebeu a Ordenação sacerdotala 7 de dezembro de 1977, e a Ordena-ção episcopal a 31 de outubro de 1997.Renunciou ao governo pastoral da Ar-quidiocese no dia 6 de julho de 2016.

A 15 de abrilD. Gérard Mulumba Kalemba, Bis-po Emérito de Mweka, na RepúblicaDemocrática do Congo, por causada Covid-19.

O venerando Prelado nasceu a 8 dejulho de 1937 em Kananga (RepúblicaDemocrática do Congo). Recebeu aOrdenado sacerdotal a 20 de agosto de1967, e a Ordenação episcopal 9 de ju-lho de 1989.

Intenção de oração para o mês de abril

Ajudar e acompanhar as vítimas de vícios

É por «todas as pessoas sob a influência de vícios»,para que «possam ser bem ajudadas e acompanhadas»,a intenção que Francisco confia para o mês de abril àrede mundial de oração do Papa.

Difundida através do vídeo postado em http://www.thepopevideo.org a invocação do Pontí-fice é um apelo à libertação de antigas e novas formasde escravidão que capturam as almas e os corpos demulheres e homens de todas as idades — até muito jo-vens, infelizmente — e camadas sociais. «Certamente jáouvistes falar do drama dos vícios», começa o Papa,focado em primeiro plano.

«E... pensastes também no vício do jogo, da porno-grafia, da Internet e nos perigos do espaço virtual»,continua Francisco, enquanto o operador de câmara fo-caliza as imagens que procuram descrever o alcoolis-mo, a toxicodependência, a ludopatia e outras “do en-ças” que conduzem a um túnel do qual é difícil sair so-zinho: um homem que segura a cabeça entre as mãos,desesperado por ter perdido tudo na mesa do jogo, so-bre a qual, além de cartas e fichas, se veem notas dedinheiro e até as chaves do seu carro; ou um jovemque, na triste solidão diante do computador, navegaem sites para adultos; ou uma mulher que, na cama, aaltas horas da noite, olha obsessivamente para o seu telemóvel. Eis então o pedido do Pontífice para ajudaraqueles que se encontram presos nas cadeias da depen-dência. «Com base no “Evangelho da misericórdia” —assegura — podemos aliviar, cuidar e curar os muitossofrimentos ligados aos novos vícios». E mais uma vezo filme “s u g e re ” as formas concretas de ajuda: um ho-

mem, talvez um sacerdote, consola outro homem deses-perado, com a mão colocada no seu ombro em sinal deproteção enquanto fala com ele; um jovem, por terra, éajudado a levantar-se pela mão que alguém lhe esten-deu; algumas cenas de abraços num centro de apoio.

Preparado pela agência La Machi, que se ocupa daprodução e distribuição, em colaboração com VaticanMedia, que supervisionou a gravação, o vídeo — tradu-zido em nove línguas — foi publicado a 2 de abril, erelançado como é habitual nas contas sociais do Vatica-no. No Twitter apareceu imediatamente após o Diamundial de sensibilização para o autismo (Waad), ins-tituído em 2007 pela assembleia geral das Nações Uni-das: “#Rezemos juntos também pelas dificuldades quenestes dias encontram as famílias com filhos com #au-tismo — escreveu o Papa em @Pontifex — e todas aspessoas com deficiência”.

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página 12 L’OSSERVATORE ROMANO terça-feira 21 de abril de 2020, número 16

Missa do Pontífice na igreja de Santo Espírito “in Sassia” para a festa instituída por João Paulo II

A divina misericórida para derrotar o vírus do egoísmo«Agora, enquanto pensamos numarecuperação lenta e fadigosa dapandemia... o risco é que nos atinjaum vírus ainda pior: o da indiferençaegoísta», frisou o Papa Franciscocelebrando em forma particular – namanhã de 19 de abril, na igrejaromana de Santo Espírito “inSassia”— a missa no vigésimoaniversário da canonização da IrmãFaustina Kowalska e da instituição dodomingo da Divina misericórdia.

No domingo passado, celebramos aressurreição do Mestre, hoje assisti-mos à ressurreição do discípulo. Pas-sou uma semana; semana esta, queos discípulos, apesar de ter visto oRessuscitado, transcorreram cheiosde medo, mantendo «as portas fe-chadas» (Jo 20, 26), sem conseguirsequer convencer da ressurreição oúnico ausente, Tomé. Que faz Jesusperante esta incredulidade medrosa?Regressa, coloca-Se na mesma posi-ção, «no meio» dos discípulos, e re-pete a mesma saudação: «A paz es-teja convosco!» (Jo 20, 19.26). Co-meça de novo. A ressurreição do dis-cípulo começa daqui, desta misericór-dia fiel e paciente, da descoberta queDeus não Se cansa de estender-nos amão para nos levantar das nossasquedas. Quer que O vejamos assim:não como um patrão com quem de-vemos ajustar contas, mas como onosso Papá, que sempre nos levanta.Na vida, caminhamos tateando, co-mo uma criança que começa a an-dar, mas cai; dá alguns passos e cainovamente; cai e volta a cair, massempre o pai a levanta. A mão quenos levanta sempre é a misericórdia:Deus sabe que, sem misericórdia, fi-camos caídos no chão; ora, para ca-minhar, precisamos de ser postos dep é.

Podes objetar: «Mas, eu não paromais de cair»! O Senhor sabe disso,e está sempre pronto a levantar-te denovo. Não quer ver-nos a pensarcontinuamente nas nossas quedas,mas que olhemos para Ele, que, nasquedas, vê filhos a levantar; nas mi-sérias, vê filhos a amar com miseri-córdia. Hoje, nesta igreja que se tor-nou santuário da misericórdia emRoma, no domingo que São JoãoPaulo II dedicou à Misericórdia Di-vina há vinte anos, acolhamos con-fiadamente esta mensagem. A SantaFaustina, disse Jesus: «Eu sou oamor e a misericórdia em pessoa;não há miséria que possa superar aminha misericórdia» (Diário,14/IX/1937). Outra vez, quando aSanta confidenciava feliz a Jesus queLhe oferecera toda a sua vida, tudoo que tinha, ouviu d’Ele uma res-posta que a surpreendeu: «Não meofereceste aquilo que é verdadeira-

mente teu». Que teria então guarda-do para si a santa freira? Diz-lheamavelmente Jesus: «Filha, dá-me atua miséria» (Diário, 10/X/1937). Po-demos, também nós, interrogar-nos:«Dei a minha miséria ao Senhor?Mostrei-Lhe as minhas quedas, paraque me levante?» Ou há algo queconservo ainda dentro de mim? Umpecado, um remorso do passado,uma ferida que trago dentro, rancorcontra alguém, mágoa contra umapessoa em particular... O Senhor es-pera que Lhe levemos as nossas mi-sérias, para nos fazer descobrir a suam i s e r i c ó rd i a .

Voltemos aos discípulos… D uran-te a Paixão, tinham abandonado oSenhor e sentiam-se em culpa. MasJesus, ao encontrá-los, não lhes pre-ga um longo sermão. A eles, que es-tavam feridos dentro, mostra as suaschagas. Tomé pode tocá-las, e desco-bre o amor: descobre quanto Jesussofrera por ele, que O tinha abando-nado. Naquelas feridas, toca commão a terna proximidade de Deus.Tomé, que chegara atrasado, quandoabraça a misericórdia, ultrapassa osoutros discípulos: não acredita só naressurreição, mas também no amorsem limites de Deus. E faz a profis-são de fé mais simples e mais bela:«Meu Senhor e meu Deus!» (Jo 20,28). Eis a ressurreição do discípulo:realiza-se quando a sua humanidade,frágil e ferida, entra na de Jesus.Aqui dissolvem-se as dúvidas; aquiDeus torna-Se o meu Deus; aqui re-começa a aceitar-se a si mesmo e aamar a própria vida.

Queridos irmãos e irmãs, na pro-vação que estamos a atravessar, tam-bém nós, com os nossos medos e asnossas dúvidas como Tomé, nos re-conhecemos frágeis. Precisamos doSenhor, que, mais além das nossasfragilidades, vê em nós uma belezaindelével. Com Ele, descobrimo-nospreciosos nas nossas fragilidades.Descobrimos que somos como belís-simos cristais, simultaneamente frá-geis e preciosos. E se formos trans-parentes diante d’Ele como o cristal,a sua luz — a luz da misericórdia —brilhará em nós e, por nosso inter-médio, no mundo. Eis aqui o moti-vo para exultarmos «de alegria — co-mo diz a primeira Carta de Pedro —,se bem que, por algum tempo, [te-

nhamos] de andar aflitos por diver-sas provações» (1, 6).

Nesta festa da Divina Misericór-dia, o anúncio mais encantador che-ga através do discípulo mais atrasa-do. Só faltava ele, Tomé. Mas o Se-nhor esperou por ele. A misericórdianão abandona quem fica para trás.Agora, enquanto pensamos numa re-cuperação lenta e fadigosa da pan-demia, é precisamente este perigoque se insinua: esquecer quem ficoupara trás. O risco é que nos atinjaum vírus ainda pior: o da i n d i f e re n ç aegoísta. Transmite-se a partir da ideiaque a vida melhora se vai melhorpara mim, que tudo correrá bem secorrer bem para mim. Começandodaqui, chega-se a selecionar as pes-soas, a descartar os pobres, a imolarno altar do progresso quem fica paratrás. Esta pandemia, porém, lembra-nos que não há diferenças nem fron-teiras entre aqueles que sofrem. So-mos todos frágeis, todos iguais, to-dos preciosos. Oxalá mexa connoscodentro o que está a acontecer: é tem-po de remover as desigualdades, sa-nar a injustiça que mina pela raiz asaúde da humanidade inteira!Aprendamos com a comunidadecristã primitiva, que recebera miseri-córdia e vivia usando de misericór-dia, como descreve o livro dos Atosdos Apóstolos: os crentes «possuíamtudo em comum. Vendiam terras eoutros bens e distribuíam o dinheiropor todos, de acordo com as necessi-dades de cada um» (At 2, 44-45). Is-to não é ideologia; é cristianismo.

Naquela comunidade, depois daressurreição de Jesus, apenas um fi-cara para trás e os outros esperarampor ele. Hoje parece dar-se o contrá-rio: uma pequena parte da humani-dade avançou, enquanto a maioriaficou para trás. E alguém poderiadizer: «São problemas complexos,não cabe a mim cuidar dos necessi-tados; outros devem pensar neles».Depois de encontrar Jesus, SantaFaustina escreveu: «Numa alma so-fredora, devemos ver Jesus Crucifi-cado e não um parasita nem um far-do... [Senhor], dais-nos a possibili-dade de nos exercitarmos nas obrasde misericórdia, e nós exercitamo-nos nas murmurações» (Diário,06/IX/1937). Mas, um dia, ela pró-pria se lamentou com Jesus dizendoque, para ser misericordiosa, passavapor ingénua: «Senhor, muitas vezesabusam da minha bondade». E Je-sus retorquiu: «Não importa, minhafilha! Não te preocupes! Tu sê sem-pre misericordiosa para com todos»(Diário, 24/XII/1937). Para com to-dos: não pensemos só nos nossos in-teresses, nos interesses parciais.Aproveitemos esta prova como umaoportunidade para preparar o ama-nhã de todos, sem descartar nin-guém. De todos. Porque, sem umavisão de conjunto, não haverá futuropara ninguém.

Hoje, o amor desarmado e con-vincente de Jesus ressuscita o cora-ção do discípulo. Também nós, co-mo o apóstolo Tomé, acolhamos amisericórdia, que é a salvação domundo. E usemos de misericórdiapara com os mais frágeis: só assimreconstruiremos um mundo novo.

No Regina caeli recitado no final da celebração

Os votos de Páscoa às Igrejas do Oriente

No final da missa, antes de conceder a bênção conclusiva, o Santo Padreguiou a recitação do Regina caeli, introduzindo-a com as seguintes palavras.

Estimados irmãos e irmãs!Neste segundo Domingo de Páscoa, foi significativo celebrar a Eucaristiaaqui, na Igreja do Espírito Santo “in Sassia”, que São João Paulo II quiscomo Santuário da Divina Misericórdia. A resposta dos cristãos nas tem-pestades da vida e da história só pode ser a misericórdia: o amor compas-sivo entre nós e por todos, especialmente por aqueles que sofrem, porquantos mais lutam, pelos que estão mais abandonados... Não pietismo,não assistencialismo, mas compaixão, que vem do coração. E a misericór-dia divina vem do Coração de Cristo, de Cristo Ressuscitado. Brota daferida sempre aberta do seu lado, aberta para nós, que precisamos semprede perdão e de conforto. A misericórdia cristã inspire também a justapartilha entre as nações e as suas instituições, a fim de enfrentar a criseatual de maneira solidária.

Formulo os bons votos aos irmãos e às irmãs das Igrejas do Oriente,que hoje celebram a Festa da Páscoa. Juntos anunciemos: «Verdadeira-mente, o Senhor ressuscitou!» (Lc 24, 34). Sobretudo neste tempo de pro-vação, sintamos como é grande a dádiva da esperança que deriva do factode termos ressuscitado com Cristo! Em particular, regozijo-me com as co-munidades católicas orientais que, por motivos ecuménicos, celebram aPáscoa juntamente com as ortodoxas: que esta fraternidade sirva de umconforto onde os cristãos são uma pequena minoria!

Com alegria pascal dirijamo-nos agora para a Virgem Maria, Mãe deM i s e r i c ó rd i a !