Princípio da Subsidiariedade

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Jorge Fulgêncio Silva Chaves Mestre em Direito Público e pós-graduação latu sensu em Controle Externo pelo TCEMG. Belo Horizonte, 21 de agosto de 2001.

O Princípio da Subsidiariedade “Como princípio jurídico de fomento à integração harmônica de

Estados em Desenvolvimento” Introdução

Nomenclaturas como blocos econômicos, globalização, aldeia

global, Direito de Integração, Direito Comunitário, gradativamente, vão se tornando parte do vocabulário jurídico desse novo milênio implicando na reformulação de conceitos clássicos do Direito Internacional.

Fausto de Quadros assevera que estas expressões tardaram a

entrar no vocabulário das comunidades européias, dada a ausência de uma doutrina de Direito Comunitário. 1

Não obstante, existe atualmente na Europa o desenvolvimento de

duas formas de direito que se pode chamar de Comunitário.

O primeiro é o Direito Comunitário original, advindo dos tratados que instituíram a CECA, CEE e a CEEA, isto é, as três comunidades existentes na Europa.

O segundo refere-se ao Direito Comunitário derivado dos atos jurídicos advindos dos órgãos comunitários, principalmente pela jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades.

Em face da globalização no cenário socio-político mundial

acentuou-se o fenômeno da integração sob forma de blocos supra-estatais. Entre os novos princípios desenvolvidos para dar sustentação a

essa reengenharia dos Estados e a superação dos conceitos clássicos que os orientavam, encontramos o Princípio da Subsidiariedade.2 1 QUADROS, Fausto de Direito das Comunidades Européias e Direito Internacional Público, Ed. Almedina. 2 Com efeito, o princípio da Subsidiariedade pode ser entendido segundo duas interpretações:

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A questão a ser indagada é sobre a origem, a causa do

surgimento e as características da “política de blocos”. Saber também, em que a influência do princípio da Subsidiariedade poderia contribuir na construção do MERCOSUL, bloco econômico composto por Estados subdesenvolvidos ou, em desenvolvimento.

1. A gênesis da política dos blocos econômicos

Deve-se compreender o fenômeno estudado como resultado de um processo de regionalização de interesses comuns. A política dos blocos tem sua origem na própria idéia de aliança militar, no projeto político medieval de uma Europa unificada e na colaboração econômica.

O sonho de uma Europa unificada sempre foi projeto militar

baseado na força. A criação de uma Europa unida, pela via consensual, é idéia quase inimaginável em período anterior ao século XX. Como exemplo desse paradigma de imposição, pode-se revisitar a história da Europa com destaque para as políticas expansionistas do Império Romano, da França napoleônica e da Alemanha nazista.

Pelo Tratado de Paris foi instituída, em 18 de abril de 1951, a

Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), tendo como signatários Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo e Países Baixos, que trouxe nova concepção aos fenômenos de integração.

Como marco visível histórico para estudo do surgimento da

política de blocos e conseqüentemente do direito comunitário, pode-se eleger a criação do Conselho da Europa, da Organização Européia de Cooperação Econômica (OECE) e da União Européia Ocidental (UEO).

Inicia-se aí, um processo que culmina na criação da União

Européia e na conseqüente corrida dos outros Estados, buscando alianças sob a forma de blocos econômicos, de acordo com os interesses econômicos das grandes corporações econômicas e financeiras mundiais.

Idéia do que é secundário, pelo que trata-se da qualidade do que é secundário; Idéia de supletividade, absorvendo dois significados: a) complementariedade: é o que se integra, que se complementa ou que se completa; ex.: pode-se haver convivência entre o direito público e o privado, sendo que as regras de um complementam as do outro. b) suplementariedade: é o que se acrescenta, amplia ou o que é adicional; ex.: a questão subsidiária é destinada suplementarmente para desempatar concorrentes. Na questão subsidiária ocorre a idéia de decidir. (BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Princípio da Subsidiariedade. Ed. UFMG, BH/MG).

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2. Postulados históricos do processo de integração As inúmeras guerras européias, ao longo da história ocidental e,

sintomaticamente, as duas guerras mundiais3, demonstraram a necessidade de análises relativas a esses conflitos como objeto de sério estudo e preocupação.

À luz do vasto material político existente, os europeus procuraram

as causas e soluções para que a história beligerante do velho mundo não ganhasse novos capítulos.

Nesse sentido, a necessidade de integração começou a ser

desenvolvida na década de cinqüenta. É certo que tal interação não gozou, a princípio, de estudos

sistematizados, com metodologia definida e uma abordagem sistemática em relação aos temas de integração.

Fausto de Quadros salienta que o âmago da questão de

integração, na sua fase inicial, foi a dificuldade de se explicar o elemento de subordinação presente nas relações jurídicas e políticas entre o Direito dos Estados e o Direito das Comunidades. 4

Não é difícil de se compreender a problemática uma vez que até

hoje existem os que acreditam no poder incontrastável do Estado, na perspectiva da summa potestas, e que, o princípio de tal poder explica-se pelo conceito de soberania absoluta forjado desde formulado pelos teólogos espanhóis dos Séculos XV e XVI, como Francisco Vitória, e reinterpretado com brilhantismo por Jean Bodin.

Na década de 60 assistiu-se a manutenção da controvérsia acerca

do tema comunitário, insuflada principalmente pelos casos Van Gend e Enel.5 Na década de 70, além dos desafios anteriores, levemente

mitigados, a questão da ampliação das comunidades impôs novos desafios políticos e jurídicos.

Para Fausto de Quadros, “exigia-se que se definissem os

contornos do adquirido comunitário (Tradução, à falta de melhor, de <<acquis

31ª Guerra Mundial de 1914/1918 e 2ª Guerra Mundial 1939/1945. 4 QUADROS, Fausto de.Direito das Comunidades Européias e Direito Internacional Público, Ed. Almedina, Lisboa –Portugal, 1991. 5 Nestes 02 casos o Bundesverfarssungsgerich (Corte Constitucional da Alemanha) decidiu questão relativa a aplicação ou não do direito comunitário no interior do Estado-nação. A Corte Constitucional alemã acabou por reconhecer a competência do órgão supranacional que multou empresas.

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commuautaire>>), como sendo o mínimo inegociável com os candidatos à adesão”.6

2.1 - O princípio da Subsidiariedade hodiernamente na Europa e a idéia diluição do poder através da descentralização

Com o Tratado de Maastrich7 a idéia de Subsidiariedade tomou novo realce, sendo introduzida como princípio no Corpo do documento, Art. 3º -B, in verbis:

A Comunidade actuará nos limites das atribuições que lhe

são conferidas e dos objectivos que lhe são cometidos pelo presente Tratado.

Nos domínios que não seja das suas atribuições

exclusivas, a Comunidade intervém apenas de acordo com o princípio da Subsidiariedade, se e na medida em que os objectivos da acção encarada não possam ser suficientemente realizados pelos Estados membros, e possam pois, ser melhor alcançados a nível comunitário.

A acção da Comunidade não deve exceder o necessário para atingir os objectivos do presente Tratado.”(grifei)8 “O princípio foi introduzido na Europa como de bom sens,

preocupando-se com a união de diversidades conforme ensina Baracho, infra.”9

“O princípio de Subsidiariedade pode ser aplicável nas relações entre órgãos centrais e locais, verificando-se, também, o grau de descentralização.

A descentralização é um domínio predileto de aplicação do princípio

de Subsidiariedade, sendo que a doutrina menciona as relações possíveis entre o centro e a periferia.

A compreensão do princípio da Subsidiariedade explica e justifica,

em muitas ocasiões, a política de descentralização. Assim, em certo sentido, procura saber como em uma organização

complexa pode-se dispor de competências e poderes.

6 QUADROS, Fausto de.Direito das Comunidades Européias e Direito Internacional Público, Ed. Almedina, Lisboa –Portugal, 1991. 7 O tratado funciona como uma Constituição européia, ou da Europa comunitária. 8 QUADROS, Fausto de Direito das Comunidades Européias e Direito Internacional Público, Ed. Almedina. 9 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Princípio da Subsidiariedade, Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG (Nova Fase), Belo Horizonte, 1995. Idem.

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Aceitá-lo é, para os governantes, admitir a idéia pela qual as autoridades locais devem dispor de certos poderes ao mesmo tempo em que não propõe a absorção de todos os poderes da autoridade central.”

Modificações de repartição de competência, na compreensão do

princípio, podem ocorrer com as reformas que propõem transferir competências do Estado para outras coletividades.

Por meio de sua aplicação, todas as competências que não são

imperativamente detidas pelo Estado, devem ser transferidas às coletividades. Estas coletividades podem compreender-se tanto como órgãos comunitários ou a entidades internas dos Estados membros.

Nem sempre o princípio da Subsidiariedade dá resposta precisa a

todas essas questões. Ele fixa apenas o essencial, quando visa a orientar uma reforma, uma política, indicando direção, inspirada na filosofia da descentralização.

A Subsidiariedade tem contornos em diversas épocas. Robespierre a

declarava, na Convenção.10 O princípio da Subsidiariedade, por fim, invocado por numerosos

textos pontifícios, resume-se em uma idéia simples: “As sociedades são subsidiárias em relação à pessoa, ao passo que

a esfera pública é subsidiária em relação à esfera privada. Como corolário, não se deve transferir a uma sociedade maior aquilo que pode ser realizado por uma sociedade menor. Tratando-se de coletividade intermediária, torna-se mais adequado determinar a natureza da autonomia, que deve ser consentida”.11

3. O bloco econômico do MERCOSUL

O primeiro passo para a criação deste bloco econômico foi dado em 26 de março de 1991 com o Tratado de Assunção. Os presidentes do Paraguai, Uruguai, Argentina e Brasil, e seus respectivos Ministros das Relações Exteriores, assinaram acordo que estabeleceu a integração econômica dos quatro países para seu desenvolvimento tecnológico e científico.

10 “Era preciso afastar da tendência dos antigos governantes de muito governar. Às comunidades deveria dar-se o poder de se regular por elas próprias seus negócios, em tudo o que não fosse essencialmente da administração da República. In Discours sur la Constitution. Convention Nationale, sessão de 10.05.1793, Moniteur Universal, 13.05.1793.” 11 “Fédéralisme et Subsidiarité, in Stéphane Rials, Destin du Féderalisme, Paris, Institut La Bóetie. Librairie Générale de Droit et Jurisprudence, 1986, pp. 22 e segs.

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Pelo Tratado ficou estabelecido:

a. Livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países eliminando-se os direitos alfandegários e tarifas (mudança que deveria ocorrer gradualmente, e não repentinamente);

b. Estabelecimento de uma tarifa externa comum;

c. Coordenação política macroeconômica e setorial entre os Estados membros - (de comércio exterior: agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais: de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras) - a fim de assegurar as condições para livre concorrência;

d. Compromisso dos Estados membros de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.

O MERCOSUL segue uma nova tendência no mundo moderno, que é a união de várias nações em grupos ou blocos. É importante ressaltar que o objetivo do MERCOSUL não é isolar os países membros do resto do mundo e mudar somente o comércio interno, mas sim fortalecê-los para melhor competir com os outros países e blocos econômicos.

Segundo Mário Lúcio Quintão Soares,“O MERCOSUL é resultado da conquista de maturidade dos Estados do Cone Sul, criando mecanismos pragmáticos para superação do subdesenvolvimento, através de processo de integração, matizado na justiça social (...)”1

O autor continua, nesse corolário lógico, com o qual concordamos apenas em parte, afirmando que o “O Tratado de Assunção e seus protocolos adicionais, instituidores do MERCOSUL, refletem a superação de conflitos políticos regionais, a emergência da questão econômica e a necessidade de integração democrática dos Estados do cone sul.”12

4. A “lex mercatoria” e o processo de integração

A discordância pontual, supra mencionada, em relação ao texto

Prof. Quintão e o MERCOSUL pode ser melhor entendida se se destacar um certo aspecto do processo latino americano de integração. Apesar de inúmeras bandeiras religiosas, étnicas, nobres dentre outras apresentadas foi quase sempre a “lex mercatoria”, isto é, o fator econômico, o “dinheiro”, quem deu o tom da discórdia na Europa e em todo o mundo.

1 SOARES, Mário Lúcio Quintão. MERCOSUL – Direitos Humanos, Globalização e Soberania, p. 86 12 SOARES, Mário Lúcio Quintão. Op. cit., p. 70

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A criação da CECA foi a maneira encontrada para superar o conflito em relação ao carvão e ao aço, materiais imprescindíveis para o desenvolvimento da indústria pesada franco-alemã. A Alsácia e a Lorena sempre foram regiões cobiçadas devido a sua riqueza mineral.

Todavia, houve na Europa uma evolução em relação aos aspectos

econômicos da política de blocos, entendendo os partícipes das comunidades que deveriam ampliar a temática da integração. Houve uma evolução em relação à idéia de associação para a de comunidade.13

Os empresários e políticos inseridos no MERCOSUL, e mesmo na

futura ALCA, ao contrário, enxergam na política de blocos apenas um mercado consumidor, isto é, para a satisfação de seus interesses econômicos.

Não se pensa aqui construir, como na Europa, uma comunidade.

No “Velho Mundo” a política de blocos segue linhas econômicas modernas, muitas delas com base no princípio da Subsidiariedade.

Consoante o Prof. José Alfredo de Oliveira Baracho, “As

cláusulas econômicas do moderno conceito de Constituição Formal (que abrange os conteúdos clássicos políticos e outros, como os de matéria econômica) elegem temas como: pluralismo econômico; economia social de mercado; propriedade privada vinculada ao fim social; regulação da iniciativa privada; intervenção na economia; Estado subsidiário e primazia da iniciativa privada; contratação, propriedade e livre empresa; aceitação ou eliminação da planificação; e sobredimensionamento do Estado (Compatibilização do bem particular da empresa com o bem comum público temporal nacional)”.14

“Princípio da Subsidiariedade aconselha a não estatizar, se o

serviço empresarial pode ser prestado idoneamente por particulares.”15

O que não se quer dizer Estado mínimo. A própria definição do princípio da Subsidiariedade compreende que a autoridade só deve fazer o que for preciso para alcançar o bem comum, mas, somente aquilo que os particulares não sabem não querem ou não podem fazer por si mesmos. 16.

13 A idéia de associação expressa um conjunto de pessoas (físicas ou jurídicas) que se unem para atingir determinado objetivo, principalmente empresas econômicas; já a de comunidade é mais ampla, seu foco está na decisão das pessoas em conviverem juntas. 14 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Princípio da Subsidiariedade, Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG (Nova Fase), Belo Horizonte, 1995. 15 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Princípio da Subsidiariedade, Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG (Nova Fase), Belo Horizonte, 1995. 16BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Princípio da Subsidiariedade, Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG (Nova Fase), Belo Horizonte, 1995.

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Muito menos que o Estado deva se ausentar na implementação da cláusula social (saúde, educação, moradia, etc.) numa leitura neoliberal do Princípio.

Há interferência estatal ou da comunidade superior toda vez que

os grupos inferiores não puderem fazer ou que precisem de auxílio para fazer melhor.

Noções como cidadania comunitária e instituições como o

Parlamento Europeu, Tribunal Europeu, dentre outros, mostram o avanço da idéia de comunidade diametralmente oposta a nossa concepção atrelada à “lex mercatoria”.

Os blocos econômicos americanos, tais como NAFTA e ALCA,

são “monstros sem alma”, “corpo sem espírito”. É necessário que os teóricos que arquitetam essa política intentem para a necessidade de se construir um projeto muito mais amplo.

Não se pode simplesmente construir um bloco econômico e se

esquecer que dentro dessa estrutura estão inseridos seres humanos, com projetos e sentimentos humanos, às vezes distantes e opostos da fria realidade comercial apresentada pelo modelo proposto.

5. A soberania e a globalização A evolução de conceitos como o de soberania, capitaneada pelo

processo de globalização, alterou substancialmente o de Estado tido, no âmbito da sociedade internacional, como pessoa jurídica e política dotada de poder de decidir definitivamente sobre suas questões internas e externas.

A soberania absoluta, “summa potestas”, consistia exatamente em

ter a faculdade de decidir respaldada nas próprias dimensões e poderes do Estado. Uma entidade soberana ao proferir um entendimento deveria ter condições de sustentá-lo mesmo contra pretensões de seus pares, também soberanos. 17

Porém, os Estados tentam diluir tal poder soberano e negociam,

incessantemente, tentando estabelecer diretrizes jurídicas capazes de dar respostas às novas questões suscitadas pela sociedade internacional surgidas em virtude de fenômenos como a globalização da economia, das telecomunicações e do comércio.

17 BOSON, Gerson de Brito Mello. Direito Internacional Público: Estado em direito das gentes/Gerson de Brito Mello Boson – Belo Horizonte: Del Rey, 1994.

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Atualmente, parte-se para um conceito de soberania divisível alicerçada no princípio da Subsidiariedade, na garantia dos direitos fundamentais (tidos como indivisíveis) e na harmonização dos elementos contraditório existentes na complexa atual sociedade internacional. 18

A intangibilidade dos desígnios das nações, fortes ou fracas,

deve ser buscada através de acordos, tratados e regras jurídicas internacionais. Assim, a soberania longe do Direito Internacional seria um mero exercício de força; antijurídica, anti-política, anti-humanitária e, por assim dizer, antipática.

6. O paradigma político europeu como substrato para o MERCOSUL

A política é o espaço de convivência dos homens e conseqüentemente entre nações. Deve ser esta entendida como lugar de convivência dos contrários, onde se aceita a pluralidade dos atores participantes e se fazem concessões recíprocas garantindo-se assim, direitos entre as próprias partes.

A política, na adversidade absoluta dos homens, organiza as

diversidades absolutas (tal como no conceito de Hobbes - guerra de todos contra todos) de acordo com uma igualdade relativa e em contrapartida às diferenças relativas.19

“Sendo assim, procede-se as alternativas da minoria à maioria, com os objetivos de renovação, o equilíbrio recíproco entre os diversos setores da sociedade, a alternativa democrática”20.

Não há de se falar em política quando se existe apenas imposição do forte ao fraco fazendo com que sua vontade passe a ser mera ficção.

A verdadeira política comunitária realiza-se desde que os seus

membros não sejam seres abstratos, mas concretos, podendo participar e exercer seus direitos.

A idéia do bem comum europeu não é passageira ou artificial.21

18 Kelsen em seu livro “A paz através do direito” afirma a necessidade de uma drástica limitação efetiva da soberania dos Estados por meio da introdução de garantias jurisdicionais contra as violações da paz, externamente, e dos direitos humanos, internamente. Tais pressupostos tentam sair do papel por intermédio da ONU. KELSEN, Hans. La pace attraverso il diritto, (1944), tradução italiana de L. Ciaurro, Giappichelli, Turim, 1990. 19 ARENDT, Hanna, O que é a política?.[Organização, Ursula Ludz], Tradução Reinaldo Guarany, Editora Bertrand Brasil, RJ/RJ, 1998. 20 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria Geral da Cidadania - A Plenitude da Cidadania e as Garantias Constitucionais e Processuais, Editora Saraiva, São Paulo, 1995 21 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Princípio da Subsidiariedade, Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG (Nova Fase), Belo Horizonte, 1995.

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A característica marcante da nova política européia de blocos é o

seu aspecto negocial e comunitário que norteia a participação de todas as nações, alicerçadas nos princípios da Subsidiariedade, da harmonização de interesses opostos, da legalidade, da efetivação dos direitos e garantias fundamentais, dentre outros.

Entre nós, a política de blocos contempla o MERCOSUL e, paulatinamente, o surgimento da ALCA. O principal problema a ser enfrentado por esses futuros blocos está no arcabouço teórico que constitui sua base de sustentação.

Tentamos copiar o modelo de blocos da Europa sem um estudo

aprofundado do tema. Não conseguimos ir além de pesquisas documentais e estudos acerca de princípios comunitários isolados. Os atores que tentam implantar a política de bloco nas Américas ainda não se aperceberam que há aqui uma visão segmentada no seu processo de construção.

7. O princípio da Subsidiariedade e sua possível contribuição para a jurisdição comunitária na Europa.

Outra característica da política de blocos esta assentada em torno

do direito que as rege.

“Sob o ponto de vista jurídico, a primeira dificuldade é a própria noção a ser compreendida, para a natureza intrínseca do princípio da Subsidiariedade.

Daí decorre o próprio entendimento sobre a sua colocação na

categoria dos princípios. É mais uma vez importante dizer que o princípio se difere da regra, na medida em que este decreta uma conduta e aquele que informa e baliza uma ou várias condutas.

A finalidade do Princípio é de regulação do sistema jurídico, visto que

função reguladora compreende a tarefa de organizar o direito. O princípio participa da Função Reguladora desde que comunica ao

legislador, ao julgador e ao administrador, um programa possível, ao dar forma a uma regra ou sistema.

O princípio é garantia contra arbitrariedade, uma vez que apregoa

que a autoridade no exercício de suas funções, judiciárias ou não, deve apontar os princípios que justificam suas decisões “22.

22 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Princípio da Subsidiariedade, Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG (Nova Fase), Belo Horizonte, 1995.

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Assim, o princípio da Subsidiariedade informa ao Direito Comunitário

o seu limite em relação à convivência entre os povos e entre o governo e a sociedade.

Em outra passagem, o Professor BARACHO, ensina que

Democracias de Poder aberto não podem aceitar o entendimento Schimitiano23 de que os interesses da sociedade colidem com os do Estado.24

O direito comunitário, orientado pelo da Subsidiariedade, informa ao

direito que o ordenamento jurídico comunitário deve conciliar os interesses do Estado e os da sociedade.

8. A solução de controvérsias no MERCOSUL

Há de se ressaltar, entre os objetivos principais do MERCOSUL, que consta a necessidade de criação de normas jurídicas com finalidade de se harmonizar as relações entre suas Altas-partes.

Não se pode negar a faceta preferencialmente comercial do MERCOSUL, fruto de uma visão segmentada sobre a construção de Blocos supranacionais, como expomos com maior precisão alhures. Contudo, a passos de tartaruga, desde o Tratado de Assunção tenta-se avançar rumo à criação de uma jurisdição comunitária latino-americana.

Para tanto, foram definidas algumas normas que seriam utilizadas para solucionar controvérsias entre os países membros.

Primeiramente, conforme informa o anexo III do Tratado de Assunção, estava previsto que os conflitos entre países membros resultantes da aplicação do Tratado seriam resolvidos mediante negociações diretas entre os mesmos.

O anexo III do referido Tratado havia fixado o prazo de cento e vinte dias, a contar da data em que o mesmo entrasse em vigor, para que os países membros apresentassem uma proposta de sistema de solução de controvérsias para o período considerado de transição, da entrada em vigor do Tratado até o dia 31/12/1994.

Ocorre que o Grupo Mercado Comum – GMC – criado pelo Protocolo de Ouro Preto, em reunião realizada em 1991, criou o Protocolo de Brasília de Solução de Controvérsias.

23 Relativo a Carl Schmit, jurista alemão. 24 BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Princípio da Subsidiariedade, Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG (Nova Fase), Belo Horizonte, 1995.

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Luis Fernando Franceschini da Rosa, esclarece que “O GMC, nesse processo exerce a tarefa de conciliação, contando, sempre que julgue necessário, com o assessoramento de especialistas escolhidos pelo Grupo ou, por votação entre os Estados.”25

Mário Lúcio Quintão Soares descreve a “Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM) criada pelo art. 15 do Tratado de Assunção. Sediada em Montevidéu, assessora o GMC nas tarefas técnicas, administrativas e organizacionais.

Compete-lhe, basicamente, servir como arquivo oficial da documentação do Mercosul, publicar e difundir as normas comunitárias emanadas do Mercosul (através de Boletim Oficial), organizar os aspectos logísticos das reuniões dos órgãos comunitários, e informar aos Estados-partes sobre medidas implementadas em cada Estado para recepcionar em seu ordenamento jurídico interno as normas oriundas das instituições do Mercosul.”26

Caso os países membros não aceitem as recomendações feitas pela GMC, as partes em discordância poderão ainda recorrer à arbitragem (arts. 7º ao 24, do Protocolo de Brasília), através de Tribunais arbitrais constituídos por regras procedimentais próprias que tem como sede a cidade de Assunção, no Paraguai.

Contudo, diante do Tribunal de Justiça das Comunidades, na Europa, criador do Direito Comunitário pela sua jurisprudência, estamos apenas “engatinhando”.

Um Tribunal, constituído no âmbito do MERCOSUL, guiado entre outros pelo princípio da Subsidiariedade, poderia aplicar regras de hermenêutica geral e Constitucional, criando o Direito Comunitário Latino Americano.

Ainda, segundo o Professor Baracho, “ao lado do sistema legal deve

destacar-se a interpretação mutativa das normas realizadas pelos juízes, legisladores, órgãos do executivo e outros centros do poder, que podem alterar o conteúdo das prescrições constitucionais (do ordenamento jurídico formal) substituindo a mensagem do legislador constituinte, por outra diretriz normativa, mesmo que o texto da cláusula constitucional permaneça aparentemente intacto”27.

25 ROSA, Luis Fernando Franceschini da – Mercosul e função judicial: realidade e superação, P. 93 26 SOARES, Mário Lúcio Quintão. Op. cit. , P.91 27 Baracho, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Forense, 1ª Ed., Rio de Janeiro, 1984.

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Assim, um tribunal poderia dinamizar, humanizar e garantir melhor aplicação das normas comunitárias sendo mais eficiente não só na dissolução de conflitos como na humanização das normas essencialmente comerciais, c pela leitura hermenêutica baseada em todo o direito internacional e seus pressupostos já fundados de Direitos Fundamentais.

9. Conclusão Em uma visão de perspectiva para o futuro há dois caminhos a

serem trilhados pelo MERCOSUL em busca de sua afirmação como bloco econômico.

O primeiro é o atual. O fantasma da ALCA. A criação pura e

simples de blocos econômicos, seguindo o modelo do NAFTA, apenas favorece os interesses de grandes corporações, com fito de se ampliar e explorar mercado.28

O segundo caminho é ampliar o MERCOSUL e integrar os povos

das Américas. Seria uma comunidade econômica, cultural, científica e social sem a participação do Canadá e dos Estados Unidos da América. Ou, com uma participação igualitária desses países o que, na prática, não acreditamos.

Tal projeto se assemelharia ao projeto da Europa unificada, que já

é um sucesso; mostrando ao mundo a evolução do povo europeu e o alto grau de civilização alcançado pelas nações européias.

Nesse sentido de comunidade integral o princípio da

Subsidiariedade seria de grande valia. José Saramago, em várias de suas obras, definiu o ser humano

como um projeto fracassado pelo fato incontrastável de que, apesar de termos alcançado um alto desenvolvimento tecnológico e científico, não conseguimos conviver com o nosso semelhante. Ou seja, não evoluímos como seres humanos em nossa humanidade, somos os mesmo bárbaros, assassinos, invejosos e egoístas de sempre, isto é, escravos da “lex mercatoria”.

A Comunidade Européia, como modelo para o MERCOSUL, deve

ser traduzido em toda sua forma e conteúdo, não apenas pela idéia da força comercial.

Neste sentido, a Europa lança uma remota esperança em relação

ao futuro da humanidade e um exemplo a ser seguido pelos outros povos do

28 O professor Mário Lúcio Quintão Soares em recente palestra nos brindou com uma pérola a respeito da ALCA. Segundo o autor, “a ALCA seria um grande Shopping Center no qual as empresas norte americanas, principalmente, seriam donas das grandes lojas de departamentos, dos hipermercados e dos grandes magazines; nos seriamos os donos da barraquinha de cachorro quente e do quiosque de sorvetes.”

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mundo, viver em paz e em comunidade e sob o pálio de um novo Estado de direito.

Referência Biliográfica _______ARENDT, Hanna. O que é a política?.[Organização, Ursula Ludz], Tradução Reinaldo Guarany, Editora Bertrand Brasil, RJ/RJ, 1998. _______BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Princípio da Subsidiariedade, Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG (Nova Fase), Belo Horizonte, 1995. ______Processo Constitucional. Forense, 1ª Ed., Rio de Janeiro, 1984. ______Teoria geral das comissões parlamentares – Comissões parlamentares de inquérito. 2ª Ed., Rio de Janeiro/RJ: Forense, 2001. ______Teoria Geral da Cidadania - A Plenitude da Cidadania e as Garantias Constitucionais e Processuais, Editora Saraiva, São Paulo, 1995. ______Teoria da Constituição, Editora Resenha Universitária, São Paulo, 1.979. ______Teoria Geral do Federalismo, Editora FUMARC/UCMG, Belo Horizonte, 1.982. ______BARBOSA, Rui. Teoria política - Clássicos Jackson, Vol. XXXVI, Gráfica Ed. Brasileira Ltda., SP/SP. 1952 _______BOSON, Gerson de Brito Mello. Direito Internacional Público: Estado em direito das gentes/Gerson de Brito Mello Boson – Belo Horizonte: Del Rey, 1994. ______CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional 6ª edição, Almedina, Coimbra, 1.995. ______GARCIA JÚNIOR, Armando Álvares. Mercosul: legislação fundamental específica. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1997, 1971p.

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