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Princípios de Direito Público Económico Políticas Públicas: as Privatizações (Uma Introdução) Sumário - As privatizações: (1) o ciclo do neomonetarismo (anos setenta a noventa); (2) as privatizações depois da queda das ditaduras nos anos 90 e (3) o ciclo pós Grande Crash de 2008. Nova redação da lei quadro das privatizações portuguesa como expressão do terceiro ciclo. Por Rui Teixeira Santos 1 Do ponto de vista conceptual o Estado moderno contrapõe à confusão entre a Igreja e o Estado, o contrato social. Uma afirmação laica do poder baseado no novo soberano: o povo. Consideramos como Nozick que a ideia de Estado surge de um processo de seleção e agregação de grupos orientados à defesa das populações, ou seja, é fruto da insegurança, o que define a missão básica do EstadoPolícia. Esta noção de Estado entrou em colapso no século XX por três razões. Em primeiro lugar, com a integração regional e coordenação de politicas ao nível das organizações internacionais. Neste particular, dois modelos se defrontam: o modelo da integração federal” onde os Estadosmembros são considerados como iguais e onde as transferências do centro para a periferia asseguram a coesão, e o “modelo imperial/colonial” onde o centro dita as regras e apoderase dos benefícios da integração, fazendo as periferias pagar com austeridade e desertificação, ou seja, à custa do empobrecimento dos restantes Estados membros. Em segundo lugar, porque na Ordem Internacional o “principio da guerra preventiva” para assegurar a democracia e o respeito dos direitos humanos derrogou o “principio da não ingerência na ordem interna”, diminuindo não só a capacidade dos Estados na ordem interna, como reconhecendo o “direito de intervenção internacional”. Finalmente e em terceiro lugar, apesar da globalização ser um discurso massificador de natureza ideológica que permitiu a atualização, na ordem interna, dos preços e novas regras de mobilidade, somos confrontados com o Market State, onde os mecanismos de mercado tem um papel central nas identidades e desidentidades contemporâneas, mesmo que a crise financeira a partir de 2007 tenha trazido de volta de volta um novo contexto de desglobalização neomercantilista. 1 Professor de Direito no Master in Public Adminitration do Instituto Superior de Gestão.

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Princípios  de  Direito  Público  Económico  Políticas  Públicas:  as  Privatizações  

(Uma  Introdução)      

Sumário - As privatizações: (1) o ciclo do neomonetarismo (anos setenta a noventa);

(2) as privatizações depois da queda das ditaduras nos anos 90 e (3) o ciclo pós

Grande Crash de 2008. Nova redação da lei quadro das privatizações portuguesa

como expressão do terceiro ciclo.

   Por  Rui  Teixeira  Santos1        Do  ponto  de  vista  conceptual  o  Estado  moderno  contrapõe  à  confusão  entre  a  Igreja  e  o  Estado,  o  contrato  social.  Uma  afirmação  laica  do  poder  baseado  no  novo  soberano:  o  povo.    Consideramos  como  Nozick  que  a  ideia  de  Estado  surge  de  um  processo  de  seleção  e  agregação  de  grupos  orientados  à  defesa  das  populações,  ou  seja,  é  fruto  da  insegurança,  o  que  define  a  missão  básica  do  Estado-­‐Polícia.  Esta  noção  de  Estado  entrou  em  colapso  no  século  XX  por  três  razões.  Em  primeiro  lugar,  com  a  integração  regional  e  coordenação  de  politicas  ao  nível  das  organizações  internacionais.  Neste  particular,  dois  modelos  se  defrontam:  o  “modelo  da  integração  federal”  onde  os  Estados-­‐membros  são  considerados  como  iguais  e  onde  as  transferências  do  centro  para    a  periferia  asseguram  a  coesão,  e  o  “modelo  imperial/colonial”  onde  o  centro  dita  as  regras  e  apodera-­‐se  dos  benefícios  da  integração,  fazendo  as  periferias  pagar  com  austeridade  e  desertificação,  ou  seja,  à  custa  do  empobrecimento  dos  restantes  Estados-­‐membros.    Em  segundo  lugar,  porque  na  Ordem  Internacional  o  “principio  da  guerra  preventiva”  para  assegurar  a  democracia  e  o  respeito  dos  direitos  humanos  derrogou  o  “principio  da  não  ingerência  na  ordem  interna”,  diminuindo  não  só  a  capacidade  dos  Estados  na  ordem  interna,  como  reconhecendo  o  “direito  de  intervenção  internacional”.      Finalmente  e  em  terceiro  lugar,  apesar  da  globalização  ser  um  discurso  massificador  de  natureza  ideológica  que  permitiu  a  atualização,  na  ordem  interna,  dos  preços  e  novas  regras  de  mobilidade,  somos  confrontados  com  o  Market  State,  onde  os  mecanismos  de  mercado  tem  um  papel  central  nas  identidades  e  desidentidades  contemporâneas,  mesmo  que  a  crise  financeira  a  partir  de  2007  tenha  trazido  de  volta  de  volta  um  novo  contexto  de  desglobalização  neo-­‐mercantilista.                                                                                                                  1  Professor  de  Direito  no  Master  in  Public  Adminitration  do  Instituto  Superior  de  Gestão.    

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O  Estado-­‐Nação  de  Vestefália  não  existe  desde  o  inicio  dos  anos  noventa  do  século  passado,  apesar  de  fazer  ainda  parte  do  discurso  ideológico  nacionalista  que  justifica  a  “captura”  dos  Estados,  sobretudo  “transicionais”,  por  parte  de  elites  corruptas  e/ou  intelectuais  utópicos,  sempre  agarrados  ao  protecionismo.  Mesmo  as  concepções  mais  contratualistas  do  Estado  Moderno  mostram  hoje  ser  absolutamente  incapazes  de  explicar  a  complexidade  das  instituições  no  espaço  político  contemporâneo  e  de  enquadrar  as  politicas  públicas,  por  exemplo,  da  União  Europeia,  onde  emergiu,  de  facto  e  à  margem  dos  tratados,  um  modelo  de  organização  política  de  tipo  imperial  -­‐  que  pode  paradoxalmente  despertar  o  mesmo  nacionalismo  que  tornou  obsoleto  e  ameaçar  a  paz  que  se  pretendia  garantir  –  caracterizado  já  não  pela  confusão  entre  a  Religião  e  o  Estado,  como  até  à  guerra  dos  trinta  anos,  mas  tipicamente  caraterizado  pela  intervenção  estatal  e  o  coletivismo,  numa  clara  confusão  entre  Estado  e  Economia.  A  Intervenção  pública  na  economia  classicamente  justificou-­‐se  pelas  falhas  do  mercado  e  teve  várias  formas  desde  o  reconhecimento  jurídico  do  Estado  Moderno.  Usamos  a  nossa  classificação2    1.  Estado  Policial  ou  Estado  Mínimo  com  funções  básicas  de  soberania  e  caracterizado  pelo  ato  e  regulamento  administrativo  impositório;      2.  Estado  Prestador  de  Serviços  Públicos  por  via  contratual  ou  o  Estado  dos  contratos  de  concessão;  Com  a  evolução  tecnologia  no  século  XIX  o  conceito  de  bens  públicos  alargou-­‐se  á  construção  de  Caminhos  de  Ferro,  ao  fornecimento  de  água,  saneamento,  correios,  telefones,  telégrafos  etc.    3.  Estado  Prestador  de  Serviços  Públicos  por  administração  direta  do  Estado  em  que  o  interesse  publico  é  substituído  pelo  interesse  geral  na  economia:  com  a  falência  de  algumas  concessionarias,  nomeadamente  de  estradas,  pontes  e  caminhos  de  ferro,  os  estados  foram  obrigados  a  nacionalizar  as  atividades  e  a  fornecerem  diretamente  os  serviços.  Este  modelo  serviria  ainda  como  inspiração  nos  estados  socialistas  com  a  apropriação  colectiva  dos  meios  de  produção  que  ganhou  legitimidade  com  as  revoluções  socialistas  do  século  XX,  depois  dos  excessos  do  capitalismo  industrial  do  século  anterior.    4.  Estado  Regulador  e  programador  ou  de  Fomento  e  Planeador:  o  Estado  social  nascido  da  contestação  ao  capitalismo  no  século  XIX,  haveria  de  ter  o  seu  apogeu  no  New  Deal,  mas  sobretudo  serviu  bem  como  instrumento  para  a  recuperação  dos  estados  falhados  da  Europa,  empobrecidos  pela  destruição  da  Segunda  Guerra  Mundial.  Ainda  hoje,  o  Estado  Social  e  a  intervenção  pública  é  o  mais  eficiente  mecanismo  para  a  recuperação  de  Estados  falhados.  Mas  com  a  estagflação  dos  anos  setenta,  o  Estado  social  de  Providencia  foi  à  falência,  quer  por  causa  dos  custos  da  divida  publica  quer  por  causa  do  pesos  na  despesa  dos  encargos  sociais  derivados  da  recessão.  Com  o  neomonetarismo  proposto  do  Hayek,  o  estado  vai  iniciar  o  processo  de  alienação  das  suas  principais  actividades  econoicas  de  prestaçãood  e  bens  públicos  voltando  a  modelo  do  estado  concessionário,  mas  de  elevado  nível  de  regulação,  sobretudo  para  controlar  o  preço  dos  bens  públicos  prestados  pelos  incumbentes.  O  Estado  

                                                                                                               2  Santos,  Rui  Teixeira  (2013),  Reprivatizações  em  Portugal  e  em  Angola,  Instituto  Superior  de  Gestão,  em  http://www.slideshare.net/Ruiteixeirasantos/privatizacoes-­‐em-­‐portugal-­‐prof-­‐doutor-­‐rui-­‐teixeira-­‐santos-­‐isg-­‐julho-­‐de-­‐2013    

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Regulador  apesar  de  defender  o  estado  mínimo,  tem  politicas  económicas  de  Fomento,  politicas  fiscais  e  orçamentais  –  onde  se  inscrevem  como  instrumentos  políticos  de  intervenção  publica  as  nacionalizações,  as  expropriações    e  as  privatizações,  para  além  do  investimento  público  direto  orientado  às  políticas  sociais  de  combate  à  pobreza.  O  Estado  Regulador  é  o  estado  pós-­‐keynesiano,  influenciado  pelas  politicas  de  privatizações.    5.  Finalmente,  o  Estado-­‐Garante  ou  Estado  Social  de  Garantia(depois  da  crise  de  2007/2008)  onde  a  atividade  típica  é  a  atividade  de  garantia  (garantia  dos  depósitos,  garantia  do  emprego,  etc.)  e  seguro  (Cheque-­‐estudante,  voucher-­‐estudante,  cheque-­‐funcionário,  cheque-­‐seguro,  cheque-­‐utente).  A  maior  preocupação  dos  Estados,  em  particular  da  Europa  foi  intervir  no  resgate  do  sistema  financeiro  (União  Bancária,  aprovada  no  Conselho  Europeu  de  21  de  Dezembro  de  2013)  para  que  ele  deixasse  de  estar  dependente  do  resgate  dos  Estados  quebrando  assim  o  circulo  vicioso  dos  Estados-­‐Garante  entre  Divida  Pública  e  falência  bancária.  Como  no  Estado  intervencionista  do  século  XX,  os  modernos  estados  do  século  XXI  ganharam  novas  competências  económicas  e  mesmo  onde  as  politicas  de  austeridade  e  as  privatizações  diminuíram  a  produção  direta  dos  estados  com  dividas  públicas  excessivas  ou  sistema  s  bancários  à  beira  do  colapso  e  resgatados  pela  ajuda  internacional,  nos  termos  do  Consenso  de  Washington,  estes  ganharam  novos  poderes  de  garantia,  acentuaram  as  medidas  de  controlo  fiscal  e  o  abuso  da  usurpação  da  propriedade  privada  para  fins  financeiros.  Os  estados  ganharam  mais  poderes  sobre  os  cidadãos  e  sobre  a  economia,  provocando  o  colapso  do  crescimento  económico  nos  países  mais  desenvolvidos,  onde  apenas  ganham  países  que  souberam  instituir  rendas  à  custa  do  empobrecimento  de  outros  ou  se  tornaram  competitivos  internalizando  custos  de  mão  de  obra  periférica  muito  mais  baratos,  numa  lógica  de  império  económico,  ou  por  efeito  da  especialização  que  sempre  acontece  nas  uniões  económicas  e  monetárias.  Mas  como  se  chegou  aqui,  a  esta  tão  grande  confusão  entre  o  público  e  o  económico?  Por  via  do  estado  social  e  das  ideias  keynesianas  certamente,  que  confundiram  finanças  publicas  com  economia,  provocando  a  guerra  atual  entre  os  estados  e  o  aumento  das  desigualdades  e  ineficiência3.  No  Estado  Moderno,  o  sector  público  desempenha  importantes  tarefas  de  afectação  e  de  redistribuição  de  recursos  na  sociedade.  Mas,  a  promoção  da  eficiência,  da  equidade  e  do  estímulo  ao  crescimento  e  à  estabilidade,  são  as  suas  grandes  linhas  gerais  de  orientação,  as  quais  se  alinham  para  a  produção  do  bem-­‐estar  dos  cidadãos.  A  razão  desta  situação  é  o  facto  da  política,  nas  democracias  ocidentais,  se  ter  transformado  num  verdadeiro  mercado  político  –  numa  economia  política  –  onde  verdadeiramente  não  é  o  eleitor  que  escolhe  o  eleito,  mas  aquele  que  quer  ser  eleito  que  tem  que  comprar  o  voto  do  eleitor,  mediante  uma  conjunto  de  expectativas  que  cria  –  daí  o  valor  da  confiança  em  

                                                                                                               3  Santos,  Rui  Teixeira  (2013),  Estado  Isonómico  e  o  declínio    das  Políticas  Públicas,  Plano,  BNOMICS,  Lisboa,  consultado  em  http://www.slideshare.net/Ruiteixeirasantos/o-­‐estado-­‐isonomico-­‐e-­‐o-­‐declnio-­‐das-­‐polticas-­‐pblicas-­‐rui-­‐teixeira-­‐santos      

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política  –  que  se  traduz  no  seu  programa  eleitoral  e  que,  uma  vez  sufragado,  se  converte  em  interesse  nacional.  Se  o  voto  do  eleitor  traduz  a  legitimidade  eleitoral  dada  ao  governo  para  executar  o  seu  programa  enquanto  interesse  nacional,  a  legitimidade  governativa  decorrer  exatamente  do  cumprimento  do  programa  propostos  e  sufragado,  ou  seja  o  respeito  pelo  interesse  nacional  traduzido  depois  em  programa  do  governo.  A  legitimidade  eleitoral  existe  com  a  eleição  (o  direito  de  executar  um  programa  eleitoral  ou  de  governo)  e  a  legitimidade  governamental  com  o  cumprimento  do  programa  do  governo.    É  no  contexto  do  programa  eleitoral  que,  do  ponto  de  visto  da  economia    política,  se  estabelece  o  contrato  social,  que  basicamente  vai  definir  no  contexto  da  modernidade  a  relação  entre  o  económico  e  o  político4.      Por  tal  facto,  grande  tem  sido  o  debate  que  se  tem  produzido,  ao  longo  dos  tempos,  sobre  as  formas  e  os  objectivos  da  intervenção  do  estado  na  economia  de  mercado.    Uma  das  razões  da  intervenção  pública  na  economia  de  mercado,  reside  no  facto  de  este  não  estar,  à  partida,  disponível  para  fornecer  bens  públicos  nem  tratar  das  externalidades  negativas,  o  que  produz  falhas  de  mercado.  Estas  poderão  ser  entendidas  como  comportamentos  tendentes  à  viciação  das  regras  de  jogo  de  mercado  que  violam  os  princípios  da  economia  competitiva,  o  que  vai  provocar  distúrbios  na  eficiência  do  mercado  (problema  económico),  quer  na  perspetiva  da  produção,  quer  na  da  distribuição,  facto  que  neutraliza  a  intensidade  do  bem-­‐estar  da  população  em  geral  (problema  moral  e  político5).  

                                                                                                               4  Nesse  contexto  chamamos  a  atenção  em  4  Santos,  Rui  Teixeira  (2013),  Estado  Isonómico  e  o  declínio    das  Políticas  Públicas,  Plano,  BNOMICS,  Lisboa,  para  o  Estado  Isonómico,  onde  a  captura  do  político  pelo  económico  que  caracteriza  o  contrato  social  deveria  ser  substituído  pelo  contrato  de  justiça.  5  O  problema  do  justo  e  do  justo  é  central  na  reflexão  política  desde  a  antiguidade.  Já  o  tratamos  anteriormente  e  transcrevo:  “Logo  em  Sócrates,  com  a  ideia  de  estabilidade  a  remeter-­‐nos  para  o  direito  positivo,  que  se  deverá  impor  ao  próprio  sentido  de  justiça  (ao  direito  natural)  e  que  conduzem  à  tragédia  da  própria  morte  do  filosofo,  mas  também  na  “República”  de  Platão  onde  a  realidade  da  diferença  se  esbate  pela  ação  da  política,  como  força  que  harmoniza  tensões  sociais  e  económicas.  No  debate  da  ordem  justa,  a  propósito  da  questão  sobre  se  a  justiça  é  melhor  que  a  injustiça  ou  se  o  homem  injusto  terá  uma  vida  mais  regalada  que  a  do  justo,  e  após  o  debate  prolongado  sobre  a  ordem  justa,  Platão  na  República  tem  a  resposta  conclusiva  de  que  a  justiça  é  preferível  à  corrupção.  As  politicas  publicas  de  Roma  para  além  das  de  soberania  e  de  direito  incluem  politicas  sociais  orientadas  à  saúde  publica  através  dos  bancos  públicos  e  da  cultura  física  de    entretenimento  (circo)  e  desporto  profissional  (gladiadores  e  Olimpíadas).  E  o  principio  na  República  é  o  de  que  a  justiça  é  o  que  permite  que  os  homens  vivam  em  sociedade.  Sem  uma  ideia  de  justiça  o  próprio  homem  não  se  realiza  individualmente.  No  livro  3  de  A  República  define-­‐se  como  objetivo  do  Estado,  o  estabelecimento  da  justiça  entre  as  pessoas.  Sem  relações  de  justiça  não  há  a  mínima  possibilidade  de  haver  harmonia  nem  Estado.  É  a  justiça  que  garante  a  participação  de  todos  no  processo  social  e  político  da  cidade.  

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 A  par  dos  problemas  económico  e  moral  da  intervenção  pública  temos  o  problema  institucional.  De  que  modo  se  faz  a  intervenção  económica  do  Estado?  A  resposta  tem  que  ser  estruturada  numa  perspetiva  histórica  e  configura  a  questão  constitucional  da  estrutura  do  poder.  O  Estado  Moderno  (pós-­‐Vestefália,  1648)  é  caracterizado  por  ser  um  Estado  Polícia.    O  fim  das  guerras  religiosas  (Guerra  dos  Trinta  Anos)como  o  fim  da  confusão  entre  religião  e  política,  veio  reconhecer  um  único  soberano  com  o  monopólio  da  força  sobre  um  determinado  território  e  sobre  uma  determinada  população.  Mas  a  principal  caraterística  do  Estado  moderno  é  a  confusão  entre  a  política  e  a  economia  traduzido  no  contrato  social,  e  por  isso,  as  guerras  desde  o  século  XVII  são  económicas,  enquanto  até  aí  eram  religiosas6.  E  como  escrevemos  antes,  e  se  coincide  com  o  capitalismo  esta  captura  do  Estado  pelos  interesses  económicos,  isso  não  decorre  da  natureza  burguesa  do  Estado,  como  queria  Karl  Marx,  mas  do  facto  do  Estado  politicamente  liberal  e  democrático  ter  um  vício  básico  de  populismo  eleitoralista,  legitimador  onde  antes  era  legitimador  o  medo  da  insegurança  ou  o  temor  a  Deus7.    

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             Sobre  a  participação  de  todos  no  bem  comum  é  necessário  frisar  que  a  concepção  platónica  não  fere  de  modo  algum  a  individualidade  dos  membros  da  sociedade,  pois  é  em  vista  do  bem  de  todos  que  cada  um  deve  colocar  o  seu  interesse  pessoal.  Se  o  indivíduo  não  renuncia  a  parte  de  sua  individualidade,  a  sociedade  pode  deixar  simplesmente  de  existir.  A  luta  pelo  bem  comum  não  é  a  luta  contra  o  bem  individual,  já  que  ela  permite  que  o  todo  prevaleça  e,  assim  sendo,  que  o  individual  também  tenha  seu  espaço  preservado.  Basicamente  o  Estado  é  logo  em  Platão  um  sacrifício  da  liberdade  segundo  a  ideia  de  justiça,  sendo  que  nesse  sentido  a  própria  consciência  de  humana  é  mais  uma  ideia  de  justiça  que  uma  afirmação  empírica  de  liberdade.  A  justiça  diz  respeito  a  uma  atividade  interna  do  homem,  aquilo  que  ele  verdadeiramente  é.  A  liberdade  tem  que  ver  com  a  atividade  externa  do  homem.  A  justiça  não  deve  permitir  que  qualquer  uma  das  partes  internas  da  alma  se  dedique  a  tarefas  alheias  nem  que  interfiram  umas  das  outras.  A  justiça  consiste  em  dispor,  de  acordo  com  a  natureza,  os  elementos  da  alma,  para  serem  dominados  ou  dominar  uns  aos  outros.    A  injustiça  é  resultado  de  uma  ação  livre  conduzida  pela  ignorância,  que  leva  à  ingerência,  à  sedição  dos  elementos  da  alma,  fazendo  os  elementos  da  alma  governar  uns  aos  outros  em  desacordo  com  a  sua  natureza”.  6  Para  Wolmer  (2006)  o  critério  do  "justo"  resulta  daquilo  que  os  grupos  comunitários  reconhecem  como  tal,  correspondendo  eficazmente  aos  padrões  da  vida  quotidiana  almejada  pelas  coletividades  submetidas  às  relações  de  dominação,  a  noção  de  Justiça  acaba  se  constituindo  numa  necessidade  por  liberdade,  igualdade  e  emancipação.  (Santos,  2013).  7  Citamos  o  nosso  artigo  (Santos,  2013):  “Adam  Smith  formula  duas  abordagens  na  sua  teoria  da  tributação  (Cap  V):  ora  encara  uma  sociedade  ideal  onde  há  a  harmonia  dos  interesses,  ora  descreve  a  sociedade  real  dividida  em  classes  e  com  interesses  divergentes.  E  é,  justamente,  nesta  visão  de  sociedade  real  que  o  papel  do  Estado  tem  relevância,  pois  sua  ação  deve  impedir  que  o  conflito  de  interesses  dificulte  e  emperre  o  funcionamento  da  sociedade  e  o  crescimento  econômico.  O  liberalismo  político,  que  Smith  acredita,  "reconhece  explicitamente  a  divisão  da  

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É  na  questão  da  legitimidade  do  poder  que  se  coloca  a  reflexão  da  ciência  política  sobre  a  natureza  do  Estado  economicista  ou  de  Finanças  Públicas  Intervencionistas8.  Se  todas  as  políticas  keenesianas  falharam  no  New  Deal,  numa  ilusão  intervencionista  que  apenas  socializou  os  prejuízos  dos  bancos  com  a  nacionalização  da  Fed,  criando  problemas  morais  ao  capitalismo  que  foram  bem  

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             sociedade  em  classes  e  que  estas  tem  interesses  diferentes,  até  opostos...  e  sempre  considerou  estes  interesses  possíveis  de  serem  conciliáveis,  contradição  irreconciliável  de  classes  é  uma  ideia  que  só  apareceu  mais  tarde,  com  alguns  socialistas  chamados  utópicos"  (Corazza,  1984.  pág.26  e  27).  Assim  o  liberalismo  político  poderia  ser  um  meio  para  que  a  sociedade  real  com  seus  conflitos  se  aproximasse  da  harmonia  social  vislumbrado  na  visão  de  sociedade  ideal  de  Smith.  O  ponto  central  que  sustenta  a  visão  otimista  de  funcionamento  da  sociedade  capitalista,  que  se  encontra  na  obra  de  Smith,  é  a  conciliação  entre  o  interesse  individual  e  coletivo.  No  plano  económico,  há  uma  exaltação  à  divisão  do  trabalho  entre  produtores  individuais  e  ao  comércio  e  uma  tendência  em  aceitar  que  a  ação  individual  movida  por  interesses  próprios  resultará  em  benefícios  para  toda  a  sociedade.  O  capitalista  movido  pelo  lucro  e  produzindo  valor  de  troca  (mercadorias)  é  dirigido,  via  mercado,  para  atender  ao  desejo  da  sociedade,  sua  acumulação  de  capital  é  encarada  como  geração  de  riqueza  para  a  nação.  Ao  atribuir  um  papel  socialmente  positivo  para  o  egoísmo,  Smith  está  justificando  racionalmente  uma  economia  movida  pelo  lucro,  daí  sua  importância  para  a  ideologia  capitalista.  "Os  planos  e  projetos  dos  investidor  de  capital  regulam  e  dirigem  todas  as  operações  mais  importantes  do  trabalho,  sendo  que  o  lucro  constitui  o  objetivo  e  propósito  visado  por  todos  esses  planos  e  projetos.  Entretanto,  a  taxa  de  lucro  não  aumenta  com  a  prosperidade  da  sociedade  e  não  diminui  com  seu  declínio  –  como  acontece  com  a  renda  da  terra  e  os  salários.  Ao  contrário,  essa  taxa  de  lucro  é  naturalmente  baixa  em  países  ricos  e  alta  em  países  pobres,  sendo  a  mais  alta,  invariavelmente,  nos  países  que  caminham  rapidamente  para  a  ruína.  Por  isso,  o  interesse  dessa  terceira  categoria  (os  capitalista)  não  tem  a  mesma  vinculação  com  o  interesse  da  sociedade  como  das  outras  duas  (donos  da  terra  e  trabalhadores)...  Ora,  o  interessados  negociantes,  em  qualquer  ramo  específico  de  comércio  ou  manufatura,  sempre  difere  sob  algum  aspecto  do  interesse  público,  e  até  se  lhe  opõe.  O  interesse  dos  empresários  é  sempre  ampliar  o  mercado  e  limitar  a  concorrência  ...  É  proposta  que  advém  de  uma  categoria  de  pessoas  cujo  interesse  jamais  coincide  exatamente  com  o  do  povo,  as  quais  geralmente  tem  interesse  em  enganá-­‐lo  e  mesmo  oprimi-­‐lo  e  que,  consequentemente,  tem  em  muitas  oportunidades  tanto  iludido  quando  oprimido  este  povo".  (Smith,  1983).    O  liberalismo  económico  revela  seu  caráter  principal  de  dar  liberdade  aos  capitalistas  individuais  no  seu  processo  de  acumulação.  Esta  visão  é  importante  quando  nos  preocupamos  em  entender  o  papel  do  Estado  na  concepção  liberal,  que  se  revela  não  uma  doutrina  de  não  intervenção  do  Estado  mas  um  apoio  do  Estado  a  expansão  da  ordem  capitalista  de  produção,  sendo  que  uma  forma  (  mas  não  a  única)  de  apoio  é  dar  liberdade  aos  capitalistas.”  (Santos,  2013)  8  Santos,  Rui  Teixeira  (2013),  Estado  Isonómico  e  o  declínio    das  Políticas  Públicas,  Plano,  BNOMICS,  Lisboa.  

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evidentes  na  segunda  década  dos  anos  trinta,  o  certo  é  que  partindo  do  problema  do  credit  crunch,  aliás  muito  parecido  com  o  que  existe  na  crise  atual  na  Europa,  a  respostas  que  a  europa  totalitária  (fascista  ou  socialista)  encontraram  foram  diferentes  das  resposta  americanas.    Tal  como  agora  é  critico  financiar  as  pequenas  e  medias  empresas  para  estabilizar  os  regimes  políticos  e  pacificar  a  europa,  nos  anos  de  1930,  o  crédito  à  habitação  ajudou  a  estabilizar  a  classe  média  e  os  regimes  políticos.  E  os  modelos  seguidos  ditaram  também  a  natureza  dos  regimes  e  as  formas  como  os  regimes  económicos  se  desenvolveram  depois    No  modelo  europeu  os  estados  construíram  as  habitações  e  arrendaram  os  imóveis  construídos  pelo  Estado  (caso  do  salazarismo,  numa  solução  totalitária  tardia,  com  a  utilização  dos  excedentes  da  Segurança  Social  para  a  construção  de  habitação  para  arrendamento  a  funcionários  e  à  classe  média);  e  no  modelo  americano  do  New  Deal  pelo  contrario  o  Estado  criou  instituições  publicas  para  contornar  o  bloqueio  provocado  pela  desconfiança  dos  banqueiros  e  deu  diretamente  crédito  crédito  hipotecário  para  as  classes  médias  (através  da  Fannie  Mae  e  do  Freddie  Mac).    Estes  são  os  dois  modelos  que  vão  permitir  alguns  resultados  no  regresso  da  estabilidade  e  confiança,  embora  verdadeiramente  a  economia  só  saia  da  recessão  com  a  segunda  Grande  Guerra  e  depois  com  a  reconstrução  da  Europa  (onde  os  EUA  ocuparam  mais  de  5  milhões  de  desempregados).    Nos  sistemas  totalitários  assente  nos  funcionários  públicos  que  podem  pagar  as  rendas  e  no  caso  americano  na  classe  media  empregada  que  pode  garantir  a  sustentabilidade  das  instituições  e  a  recuperação  do  crédito.  Mas  em  ambos  os  casos  o  sistema  financeiro  é  afastado  do  crédito  ao  fomento  da  habitação  própria  ou  arrendada,  assumindo  o  Estado  a  ligação  direta  aos  cidadãos.  Esgotado  o  alojamento  das  classes  médias,  o  Estado  Social  é  confrontado  com  as  novas  políticas  públicas  de  combate  à  pobreza.  Sobretudo  depois  da  falência  do  Estado  social  de  Providencia  havia  que  encontrar  mecanismo  para  a  nova  moda  do  combate  à  pobreza  (Rawls9),    eventualmente  usando  o  sistema  financeiro  e  a  inovação  financeira  permitida  pelo  neomonetarismo  de  Ronald  Reagan.  E  é  sobretudo  usando  essa  liberdade  criativa  das  instituições  financeiras  que  o  modelo  americano  e  europeu  da  Terceira  Via  (nascida  na  London  School  of  Economics,  pela  pena  do  seu  Dean)  vão  poder  realizar  o  sonho  (o  direito  constitucional  à  habitação)  de  dar  a  cada  cidadão  a  sua  casa,  mesmo  sem  ter  recursos  para  tal.    O  chamado  Socialismo  Liberal  vai  traduzir-­‐se  exatamente  pela  utilização  dos  mecanismos  de  crédito  do  capitalismo  para  a  realização  de  politicas  sociais  de  combate  à  pobreza  e  no  ciclo  pós  9/11  vamos  assistir  ao  culminar  dessas  politicas,  com  o  crédito  sem  documentos  contra  a  hipoteca  de  imóveis  realizados  pelas  agencias  federais  exatamente  cumprindo  os  programa  ideológicos  do  Governo.    Ora  é  este  mecanismo  financeiro  que  vai  levar,  em  2007,  à  crise  do  subprime  por  causa  da  utilização  destas  hipotecas  no  mercado  dos  derivados.  

                                                                                                               9  Visão  de  John  Rawls:  o  objectivo  da  política  pública  não  é  o  igualitarismo,  mas  o  combate  à  pobreza,  o  favorecimento  dos  mais  desprotegidos.  O  política  pública  deve  dar  ao  pobre  sem  tirar  ao  mais  favorecido  –  usando  antes  o  resultado  do  crescimento  económico.  

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 E  obviamente,  no  pós-­‐crise  9/11  e  no  ciclo  da  grande  depressão  do  final  de  primeira  década  do  século  XXI  vamos  observar  o  mesmo  credit  crunsh  e  alteração  de  objetivos  do  crédito  bancário,  como  aconteceu  na  crise  de  1929.    Note-­‐se  que  a  intervenção  pública  prolongou  a  crise  de  1929,  e  agravou  a  situação  de  tal  maneira  que  mergulhou  o  mundo  numa  segunda  recessão  em  1937.  O  mesmo  padrão,  aliás,  esteve  presente  com  a  política  de  austeridade  nesta  década.  Como  referimos  (Santos,  2013),  a  ideia  de  modernidade  associada  ao  Estado-­‐nação  e  ao  capitalismo  industrial  entra  em  crise  com  o  colapso  do  Estado  Social  de  Providencia  nos  anos  setenta  na  sequencia  do  choque  petrolífero  de  1973/4  e  da  necessidade  dos  estados  corrigirem  as  suas  trajetórias  de  endividamento.  Com  forte  predominância  na  Europa  de  governos  socialistas  e  sociais  democratas,  a  igualdade  assumiu-­‐se  então  como  a  característica  mais  promissora  dos  programas  dos  partidos  políticos  de  centro  esquerda  na  linha  Giddens  e  Rawls,  e  o  seu  melhor  slogan  eleitoral.    No  entanto,  durante  os  seus  governos  a  desigualdade  social  não  foi  reduzida.  Porém,  no  caso  português,  mas  também  espanhol  e  francês,  existe  uma  diferença  entre  os  efeitos  distributivos  da  social-­‐democracia  e  da  direita,  quando  se  analisa  os  seus  anos  de  governo.  Os  governos  de  direita  aumentam  o  fosso  entre  os  mais  ricos  e  os  mais  pobres,  em  nome  do  equilíbrio  orçamental  e  da  eficiência  das  politicas  de  sustentabilidade,  igualdade  e  combate  à  pobreza.  Os  governos  de  esquerda  atenuam  essa  desigualdade  social  com  recursos  financeiros  enormes,  embora  a  redução  seja  muito  inferior  ao  aumento  causado  pelos  governos  anteriores  de  direita.    Do  ponto  de  vista  da  observação  estatística,  na  avaliação  do  contrato  social,  é  claro  hoje  que  a  social-­‐democracia  redistribui  menos  do  que  aquilo  que  promete,  mas  seguramente  muito  mais  que  a  redistribuição  liberal.  Só  que  tem  um  preço:  o  colapso  das  Finanças  Públicas.  A  resposta  para  o  problema  da  desigualdade  (que  é  diferente  da  questão  da  discriminação)  continua  a  ser  o  maior  desafio  enfrentado  pela  social-­‐democracia  neste  ciclo  pós-­‐9/11,  porque  é  um  princípio  fundamental  da  esquerda,  que  a  esquerda  liga  ao  crescimento  económico.  A  social-­‐democracia  tem  fugido  às  mudanças  que  devem  ser  introduzidas  para  combater  a  desigualdade,  pois  isso  envolve  alterações  do  estado  de  bem-­‐estar  que  por  exemplo  .a  Terceira  Via  comprometeu,  ao  abusar  dos  instrumentos  financeiros  tradicionais  para  promover  as  suas  políticas  publicas.    É  na  crise  das  politicas  publicas  atuais  evidente  que  a  Igualdade  de  tratamento  não  tem  nem  o  mesmo  significado  nem  a  mesma  natureza  que  a  redistribuição.  A  influencia  duradoura  de  Keynes  na  política  monetária  dos  países  desenvolvidos  -­‐  com  base  na  ideia  errada  (largamente  refutada  no  século  XIX,  que  a  procura  agregada  (a  valor  constante  de  moeda,  isto  é,  sem  inflação)  está  relacionada  com  o  desemprego  e  que  as  politicas  públicas  podem  por  via  da  procura  pública  (criando  progressiva  desvalorização  da  moeda,  ou  seja,  inflação)  criar  emprego  (serviu  esta  teoria  apenas  como  política  destinada  a  combater  a  deflação  mas  já  não  servia  quando  a  inflação  era  uma  ameaça)  –  veio  acelerar  a  falência  do  modelo  do  Estado  Nação,  abrindo  a  porta  à  pós-­‐modernidade.  Por  outro  lado,  com  a  adopção  de  um  novo  modelo  de  capitalismo  na  economia  pós-­‐moderna  –  basicamente  a  transformação  do  “capitalismo  de  empresário”  no  “capitalismo  de  gestor”  -­‐  com  o  primeiro  ciclo  das  privatizações  e  as  aplicações  dos  recursos  dos  fundos  de  pensões  e  outros  fundos  institucionais  (nos  países  

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anglo-­‐saxónicos  na  sequencia  da  crise  petrolífera  e  da  subida  dos  juros  dos  anos  70)  para  além  da  disseminação  do  capital  pelas  classes  médias  pequenos  investidores,  veio  criar  condições  para  um  desalinhamento  nos  objetivos  da  gestão  privada,    coincidindo  com  as  necessidades  eleitorais  da  agenda  política  que  promoveu  politicas  públicas  de  incentivo  à  especulação  imobiliária  ,  o  que  favoreceu,  como  dissemos  antes,  a  crise  financeira  de  2007  (subprime)  e  o  aparecimento  daquilo  que  chamei10  finanças  pós-­‐modernas,  com  o  Pacto  Orçamental  de  2012,  e  que  vieram  colocar  em  causa  a  sustentabilidade  das  politicas  sociais  publicas.  A  própria  regulamentação  excessiva  do  mercado  de  trabalho  criou  inflexibilidade  desde  os  anos  setenta  e  acelerou  o  desemprego,  provocado  pelos  sindicatos  (como  Hayek  já  havia  observado)  mas  também  pelo  credit  crunsh  do  final  da  primeira  década  do  século  XXI.    Finalmente  o  próprio  desenvolvimento  do  “capitalismo  popular”  (com  F.  Hayek  e  o  neomonetarismo):  mais  do  que  a  ideia  política  de  globalização,  conseguiu  produzir  o  suficiente  para  alimentar  8  mil  milhões  de  pessoas,  graças  a  um  mecanismo  espontâneo  –  a  mão  invisível  -­‐  que  processa  muito  mais  informação,  que  um  Estado  centralizado  conseguiria  absorver  -­‐  como  observava  já  Ludwick  von  Mises  sobre  a  superioridade  das  economias  de  mercado  sobre  as  economias  planificadas.  O  que  a  teoria  da  complexidade  e  a  observação  da  realidade  vieram  demonstrar  é  que  a  nossa  sociedade  é  o  produto  de  crenças  simbólicas  que  não  têm  nenhum  fundamento  racional.  E  daí  que  toda  a  previsão  seja  um  desejo,  uma  construção  humana.  Fracasso  do  socialismo  parte  do  principio  impossível  que  todo  o  conhecimento  humano  –  de  milhões  de  pessoas  -­‐  pode  ser  superado  de  maneira  eficiente  por  uma  organização  centralizada,  por  um  comando  central  oligárquico.    A  simples  ideia  intervencionista  de  que  é  possível  mobilizar  enormes  recursos  para  produzir  bens  centralmente  para  a  sociedade  é  um  absurdo  e  os  resultado  da  intervenção  ficou  à  vista  com  o  colapso  do  Estado  Social  de  Providencia  e  a  moda  de  F.  Hayek  e  dos  neomonetaristas  que  com  enorme  arrogância  acreditaram  que  o  que  dita  a  cada  um  o  que  deve  produzir  para  a  sociedade  (pessoas  que  não  conhecemos)  é  o  lucro  e  que  o  mercado  mais  eficiente  é  o  de  concorrência.  Nos  extremos  das  duas  posições  está  um  também  um  problema  de  valores:  no  intervencionismo  prevalece  o  valor  da  justiça  distributiva,  enquanto  no  liberalismo  prevalece  a  liberdade  de  iniciativa.  E  se  parece  ser  simplesmente  impossível  distribuir  sem  conhecer  todos  os  factos,  sem  ter  toda  a  informação  também  é  ingénuo  acreditar  que  não  existem  falhas  de  mercado.  O  crescimento  do  Estado  já  observado  por  Locke  e  confirmado  pela  lei  de  Wagner,  tem  uma  história  no  século  XX:  

1.  O  Modelo  Totalitário-­‐Socialista:  baseado  numa  falsa  ideia  de  justiça  social  (sobre  a  qual  não  existe  unanimidade,  até  porque  as  categorias  morais  não  são  coletivas,  mas  pessoais)  imposta  pela  burocracia  dominante  (Critica  de  Mises  e  Keynes  –  o  erro  do  socialismo).  A  ideia  de  

                                                                                                               10  Santos,  Rui  Teixeira,  Curso  de  Finanças  Publicas  (2012)  em  http://www.slideshare.net/Ruiteixeirasantos/curso-­‐de-­‐finanas-­‐pblicas-­‐prof-­‐doutor-­‐rui-­‐teixeira-­‐santos    

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justiça  social  leva  a  alocar  recursos  de  modo  ineficiente  e  a  aumentar  a  presença  do  Estada  no  economia  por  via  do  aumento  da  despesa.  2.  O  Modelo  Democrático-­‐Keynesiano:  em  momentos  de  crises  utilizando  a  moeda/inflação  para  promover  o  crescimento/consumo  e  investimentos  públicos.  (Crítica  de  Hayek  –  trata-­‐se  de  um  erro.  Como  demonstrou  a  estagflação  dos  anos  setenta  do  século  XX).  Os  Estados  emitem  moeda  aumentando  as  assimetrias  entre  ricos  e  pobres,  3.  Modelo  Democrático-­‐Interesses  particulares  ou  Estado  Democrático  Quase-­‐mafioso:  o  Estado  é  capturado  pelos  lobbies  e  pequenos  grupos  de  interesses  muitas  vezes  ligados  aos  sectores  financeiro,  da  energia  (sobretudo  petróleo  e  gás)  e  da  construção  civil,  que  definem  os  subsídios  e  condicionam  as  políticas  publicas  e  definem  incentivos  públicos  subordinados  aos  seus  interesses,  provocando  o  crescimento  da  despesa  pública.  

É  este  último  modelo  que  acaba  por  sobreviver  depois  da  queda  do  “muro  de  Berlim”  (queda  do  socialismo  real  ou  do  capitalismo  de  Estado  em  1989)  e  do  colapso  financeiro  do  Estado  Intervencionista  (na  segunda  metade  dos  anos  setenta  do  século  XX,  mas  sobretudo  depois  Grande  Crash  de  2008,  com  o  fim  do  ciclo  político  do  11  de  Setembro),  com  maior  ou  menor  regulação.  Este  Estado  Democrático  Quase-­‐Mafioso  não  pode  ser  dissociado  aliás  do  colapso  dos  regimes  socialistas  nem  sequer  do  colapso  dos  regimes  democráticos  intervencionistas.    Porque  se  do  primeiro  (colapso  da  URSS  em  1991)  houve  uma  onda  de  recursos  desviados,  foi  graças  ao  segundo  ciclo  de  politicas  de  privatizações  (com  a    falência  do  Estado  Social  de  Providência  nas  democracias  continentais  como  em  França  e  Itália  que  não  dispunham  de  recursos    petrolíferos,  mas  sobretudo  nos  estados  democratizados  entre  a  década  de  70  e  90  –  antigas  ditaduras  fascistas  do  Sul  da  Europa  e  da  América  Latina,  bem  como  ex-­‐estados  socialistas  do  Pacto  de  Varsóvia)  que  se  “lavou  esse  dinheiro”,  integrando-­‐o  no  sistema  a  financeiro  internacional,  sobretudo,  no  caso  russo,  nos  sectores  energéticos  europeus.  O  que  não  era  dinheiro  lavado  era  crédito,  nascido  da  vontade  dos  governos  de  quererem  preservar  centros  de  decisão  nacionais  feitos  à  custa  de  crédito  a  grupos  e  empresários  descapitalizados  ou  sem  capacidade  financeira.  Foi  esta  a  maior  fragilidade  do  modelo,  que  foi  internalizado  na  China,  com  o  crédito  concedido  a  empresários  locais  nas  parcerias  industriais  com  grupos  estrangeiros  e  que  arrisca  ser  uma  das  mais  relevantes  ameaças  ao  sistema  bancário  chinês.    São  estes  grupos  nascidos  do  financiamento  bancário  que,  num  primeiro  momento,  beneficiam  de  spreads  usurários  protegidos  pela  cartelização  e  colaboração  pública  que,  num  segundo  momento  (normalmente  8  anos  depois),  passam  a  colocar  os  seus  homens  diretamente  no  aparelho  de  Estado,  com  recurso  ao  populismo.  No  ciclo  da  austeridade  que  levou  a  uma  nova  onda  de  privatizações,  como  verificamos  no  caso  português,  continuam  a  ser  as  empresas  energéticas  as  mais  atrativas,  agora  para  os  emergente  recursos  quase  ilimitados  da  China,  desfeito  que  foi  o  binómio  China-­‐América11  que  sustentou  os  20  anos  do  ciclo  da  

                                                                                                               11  Niall  Ferguson  (2009).  A  Ascensão  do  Dinheiro,  Uma  História  Financeira  do  Mundo,  Livraria  Civilização  Editora,  Lisboa.  

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globalização,  antes  da  reemergência  do  neomercantilismo  que  hoje,  ameaça  o  comércio  internacional.    Na  península  ibérica  a  captura  do  estados  pelos  interesses  económicos12  acabou  por  permitir  a  contratualização  de  rendas  em  determinados  sectores  através  da  manipulação  de  contratos  sendo  o  sector  energético  um  dos  casos,  com  a  criação  do  conceito  de  défice  tarifário13,  que  concorreu  para  o  maior  interesse  pelo  sector  neste  ciclo  de  privatizações.  O  Estado  moderno  deve  ser  neutro,  no  sentido  de  ser  uma  organização  da  sociedade  com  uma  hierarquia  de  leis  encimadas  modernamente  pelos  tratados  internacionais  e  pela  Constituição,  perante  a  qual  todos  são  iguais  .    A  ideia  de  neutralidade  do  guardião  constitucional  garante  a  unidade  política  do  Estado  -­‐  principio  ético  –  por  oposição  à  pluralidade  da  Economia,  onde  prevalece  o  principio  da  ação  moral14.  Historicamente  o  processo  de  privatizações  evoluiu  desde  um  pressuposto  ideológica  para  se  tornar  atualmente  depois  da  crise  de  2007/8  numa  verdadeira  política  publica.  No  colapso  do  Estado  social  de  providencia  no  final  dos  anos  70  do  século  passado,  com  Ronald  Reagan  e  de  Margareth  Thatcher,  a  afirmação  das  ideias  dos  economistas  da  escola  de  Viena  –  como  Frederich  Hayek  ou  Mises  –  era  mais  uma  opção  ideológica,  contra  a  intervenção  publica  e  o  socialismo,  que  propriamente  uma  solução  para  resolver  o  problema  da  falência  dos  Estados  e  sobretudo  da  ineficiência  do  produção  publica.    Verifica-­‐se  nomeadamente  nos  transportes  a  incapacidade  do  sector  privado  servir  os  cidadãos  com  o  mesmo  nível  de  segurança  e  eficiência  que  os  transportes  públicos  estatizados,  com  custos  menores.  Estas  primeiras  privatizações  como  vimos  aproveitaram  sobretudo  a  disponibilidade  de  fundos  

                                                                                                               12  Pacheco  Pereira  in  Quadratura  do  Circulo,  SIC,  em  Março,  5  2013  13  O  défice  tarifário  nasceu  do  facto  dos  governos  quererem  intervir  no  preço  da  energia  no  inicio  da  primeira  década  do  século  XXI  e  para  isso  terem  contratualizado  com  o  indústria  o  pagamento  do  diferencial  entre  o  preço  do  custo  e  o  preço  de  venda  aos  clientes  estabelecido  administrativamente.  Acontece  que  com  a  conivência  dos  reguladores  capturados  pelas  empresas  e  devido  à  enorme  promiscuidade  entre  os  aparelhos  partidários  e  as  companhias  elétricas,  nomeadamente  na  península  ibérica,  o  preço  de  custo  foi  estabelecido  pelo  custo  da  produção  de  pico  mais  elevada,  não  contando  com  o  facto  da  maioria  da  produção  ter  origem  em  equipamentos  já  amortizados  e  ser  produzida  em  horas  mortas,  de  tal  maneira  que  se  considera  como  provável  que  nesta  altura  empresas  como  a  EDP  possam  ser  devedoras  aos  cidadãos  em  mais  de  2  mil  milhões  de  euros  em  vez  de  credoras  de  3,5  mil  milhões  como  reivindicam.  14  Como  chamamos  a  atenção,  é  esta  ausência  de  separação  entre  Estado  e  Economia  que  gera  o  choque  do  século  XXI,  verdadeira  guerra  dos  trinta  anos,  ja  não  em  nome  de  lutas  religiosas  e  pelo  Estado  Laico,  mas  em  nome  das  lutas  económicas  pelo  Estado  Isonómico.  A  isonomia  que  quer  dizer  igualdade  carateriza  exatamente  o  estado  pós-­‐intervencionista,  no  sentido  em  que  recupera  as  funções  politicas  do  Estado  e  reduz  as  funções  públicas  ao  mandato  constitucional  estabelecido  pelos  fundadores  da  América,  na  Constituição  de  17  de  setembro  de  1787  (Santos  2013)  

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dos  baby  bommers  e  dos  seus  fundos  de  pensões.  E  foram  protagonistas  sobretudo  os  países  anglo-­‐saxónicos.  Os  estados  através  da  regulação  ou  de  golden  shares  continuavam  interferir  na  gestão  dos  incumbentes  mas  recebiam  recursos  valiosos  para  diminuir  a  dívida  pública.  O  certo  é  que  o  Estados  simultaneamente  liberalizaram  a  atividade  bancária  e  a  desregulamentação  ampliou  substancialmente  a  criação  e  dinheiro  e  modificou  em  definitivo  a  atividade  bancária  que  deixou  de  se  circunscrever  à  atividade  de  gestão  de  poupanças  e  crédito  à  economia,  passando  a  dedicar-­‐se  de  um  modo  mais  sofisticado  à  atividade  que  os  bancos  do  renascimento  tinham  descoberto:  o  do  financiamento  dos  estados  e  das  suas  guerras  (leia-­‐se  complexo  militar-­‐industrial).    O  boom  dos  anos  oitenta  só  interrompido  pelo  crach  de  1987  foi  a  maior  prova  do  sucesso  da  receita  ideológica  baseada  na  gestão  de  instrumentos  de  dívida  e  sua  securitização.    E  foi  como  superioridade  do  modelo  liberal  que  assistimos  na  segunda  metade  da  década  de  oitenta  e  começos  da  década  de  noventa  do  século  passado  aos  vastos  programas    de  privatizações  das  antigas  ditaduras  fascistas  na  europa  e  na  América  Latina,  que  vão  atrair,  já  apenas  os  recursos  dos  fundos  de  pensões,  mas    sobretudo  os  recursos  de  fundos  de  alto  risco  e  o  dinheiro  desviado  pelas  revoluções  liberais  a  leste  que  desde  1989,  depois  da  queda  do  muro  de  Berlim.  Portanto,  o  primeiro  ciclo  de  privatizações  depois  do  colapso  do  Estado  Social  de  Providencia  foi  sobretudo  financiado  por  investidores  de  baixo  risco  e  a  longo  prazo,  enquanto  as  privatizações  do  segundo  ciclo  foram  sobretudo  financiadas  por  junk  bonds  e  fundos  de  alto  risco  e  black  money.  O  caso  da  privatização  da  energia  e  dos  transportes  em  países  europeus  nomeadamente  Itália,  França  e  Espanha  estava  ligada  por  exemplo  a  interesses  russos  identificados  com  aplicações  dos  antigos  serviços  secretos  da  URSS.  Em  ambos  as  fases,  as  privatizações  deram  acesso  à  participação  dos  trabalhadores  em  condições  de  vantagem  contribuindo  para  o  capitalismo  popular  e  o  desenvolvimento  das  classes  médias,  o  que  neutralizou  a  luta  de  classes  ideológica.  Nesse  sentido  as  privatizações  foram  um  instrumento  ideológico  de  combate  ao  socialismo  e  de  redução  da  conflitualidade  social,  já  que  os  trabalhador  era  simultaneamente  dono  da  empresa  e  assalariado.  As  privatizações  começam  com  o  licenciamento  de  algumas  atividades  financeiras  por  influencia  da  IFC,  do  Banco  Mundial,  durante  do  programa  de  estabilização  acordado  com  o  FMI  em  1983.    As  privatizações,  decorrentes  da  revisão  constitucional  de  1989,  em  Portugal,  estão  assentadas  também  na  Lei  n.  11,  de  05/04/90.  Convém  ressaltar  que  entre  1987  e  1989  houve  a  segunda  revisão  da  Constituição  de  1976,  sendo  que  um  dos  temas  principais  teve  por  objeto  o  art.º  83º,  que  declarava  conquistas  irreversíveis  das  classes  trabalhadoras  todas  as  nacionalizações  efetuadas  depois  de  25  de  abril  de  1974,  apesar  de,  a  título  excepcional,  admitir  a  integração  no  sector  privado  das  pequenas  e  médias  empresas  indiretamente  nacionalizadas  fora  dos  sectores  básicos  da  Economia,  desde  que  os  trabalhadores  não  optassem  pelo  regime  de  autogestão  ou  de  cooperativa.  Os  órgãos  de  fiscalização  da  constitucionalidade,  por  diversas  vezes,  reconheceram  a  delimitação  dos  sectores  público  e  privado,  bem  como  a  transformação  de  empresas  públicas.    A  Constituição  portuguesa  não  se  circunscreveu  a  prever  uma  lei-­‐quadro;  estabelece  logo  o  conteúdo  da  lei,  no  art.º  296º,  com  cinco  princípios:  

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 1)  necessidade  de  as  privatizações  se  fazerem,  em  regra  e  preferencialmente,  mediante  concurso  público,  oferta  na  bolsa  de  valores  ou  subscrição  pública;    2)  afetação  das  receitas  obtidas  com  as  reprivatizações  à  amortização  da  dívida  pública  e  do  sector  empresarial  do  Estado,  ao  serviço  da  dívida  resultante  de  nacionalizações  ou  a  novas  aplicações  de  capital  no  sector  produtivo;    3)  conservação,  pelos  trabalhadores,  de  todos  os  direitos  e  obrigações  de  que  forem  titulares;    4)  direito  dos  trabalhadores  à  subscrição  preferencial  de  uma  percentagem  do  respectivo  capital  social;    5)  avaliação  prévia  dos  meios  de  produção  e  outros  bens  a  reprivatizar,  por  intermédio  de  mais  de  uma  entidade  independente.  Os  tribunais  constitucionais  têm  tratado  da  compreensão  dos  princípios  constitucionais,  com  afirmativa  de  que  o  legislador  deve  garantir  núcleo  essencial  de  tradução  legislativa  das  regras  constitucionais.  Quando  a  norma  constitucional  reclama  uma  nova  norma  legislativa,  a  cargo  dos  órgãos  representativos,  para  se  tornar  exequível,  a  falta  desta  configura  a  inconstitucionalidade  por  omissão.  O  legislador  ordinário,  além  de  não  contrariar  as  normas  constitucionais,  quando  estão  em  debate  as  normas  relativas  às  privatizações  e  tantas  outras  da  Constituição  económica  ou  do  domínio  dos  direitos  fundamentais,  tem  o  dever  de  as  complementar,  desenvolver  e  realizar.  Caso  contrário,  ocorrendo  o  desvio  do  Poder  Legislativo,  dando  seguimento  à  inconstitucionalidade  orgânica  de  atos  normativos,  pode  gerar  matérias  polêmicas.    As  privatizações  levam  a  estudos  sobre  questões  de  Direito  Privado,  surgindo  como  tema  interdisciplinar  às  indagações  sobre  as  consequências  das  nacionalizações,  como  um  fenómeno  jurídico,  político,  económico  e  social.    As  expropriações  têm  gerado  diversas  discussões  sobre  apropriação  coletiva  ou  coletivização,  nacionalização,  expropriação,  estatização  e  socialização,  conceitos  jurídicos  hoje  estabilizados  pela  doutrina.  Várias  questões  doutrinárias  surgiram  para  estudos  sobre  as  privatizações  em  decorrência  das  nacionalizações,  bem  como  a  eficácia  da  privatização  e  sua  natureza  jurídica.  Pela  Lei  n.  11/90,  de  Maio  de  2004,  em  Portugal,  surgiram  as  seguintes  fases  do  processo:    1)  transformação  em  sociedade  anónima;    2)  avaliação  prévia;    3)  escolha  do  processo  de  alienação;    4)  alienação;    5)  sequelas  transitórias  da  privatização.    Ao  lado  dessas  matérias,  foram  tratados  problemas  referentes  às  comissões  arbitrais,  indenizações  e  privatizações,  com  o  objetivo  de  estabelecer  estudos  sobre  o  estatuto  do  direito  de  propriedade  privada.    Nesses  estudos  aparecem  duvidas  sobre  direito  de  propriedade  privada,  como  direito  fundamental,  bem  como  em  concreto,  como  direito  fundamental  dos  cidadãos.    Várias  leis  trataram  da  proporcionalidade  e  da  proibição  de  excesso,  da  indenização  justa  ou  indenização  prévia  e  justa,  bem  como  da  indenização  imediata,  efetiva  e  adequada.  Essa  temática  levou  às  discussões  sobre  as  indenizações  e  as  privatizações,  como  institutos  jurídicos  financeiros.  

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Vamos  assistir  a  uma  lenta  transformação  legislativa  em  Portugal  que  vai  conformando  as  tendências  globais15:  

1977:  Lei  de  delimitação  de  sectores  (Lei  n.o  46/77,  de  8  de  julho);    1982:  Primeira  revisão  constitucional  não  altera  o         princípio  da  irreversibilidade  das  nacionalizações;    1983:  Alterada  a  lei  de  1977;    1988:  Privatização  até  49%  do  capital  das  empresas  públicas;    

    1989:  Segunda  revisão  constitucional;    1990:  Lei-­‐quadro  das  privatizações.(  Lei  nº  11/90,  de  5  de  abril)  1997:  Nova  Lei  da  delimitação  dos  sectores  económicos  (Lei     n.º  88‑A/97,  de  25  de  julho)  2011:  A  Lei  n.º  50/2011,  de  13.09  (por  via  da  qual  se  procede  à  segunda    

alteração  da  lei  quadro  das  privatizações,  Lei  nº  11/90,  de  5  de  abril)  aprova  o  regime  legal  a  que  se  sujeita  a  reprivatização  da  titularidade  ou  do  direito  de  exploração  dos  meios  de  produção  e  outros  bens  nacionalizados  após  1974.  De  referir  que  a  nova  redação  do  diploma  continua  a  referir-­‐se  apenas  aos  casos  de  regresso  ao  domínio  privado  de  bens  ou  direitos  aí  anteriormente  integrados  e  que  foram  nacionalizados  após  aquela  data;  A  nova  redação  do  diploma  restringiu  os  objectivos  das  operações  de  reprivatização,  sendo  agora,  e  apenas,  os  de  modernização  e  aumento  da  competitividade  das  empresas,  contribuindo  para  estratégias  de  reestruturação  sectorial  ou  empresarial;  de  promoção  da  redução  do  peso  do  Estado  da  economia;  e  de  promoção  da  redução  do  peso  da  dívida  pública  na  economia.  

    Fazem  assim  parte  do  passado  objectivos  como  os  de  contribuir  para  o  desenvolvimento  do  mercado  de  capitais,  ou  de  possibilitar  a  participação  dos  cidadãos  no  capital  das  empresas,  através  de  uma  adequada  dispersão  do  capital  e  a  participação  dos  trabalhadores  no  capital  das  empresas  privatizadas.  

2012:  alteração  da  Lei  que  regula  o  acesso  da  iniciativa  económica    privada  a  determinadas  atividades  económicas  pela  Lei    nº  17/2012,  de  26  de  abril,,  visando  a  privatização  dos  correios  e    serviços  postais;  

 2013:    Alteração  à  Lei  de  Delimitação  de  Sectores  e  republicada  pela     Lei    35/2013  de  11  de  Junho,  visando  a  reorganização  do  sector    de  abastecimento  de  água  e  saneamento  de  águas  residuais  e  recolha  e  tratamento  de  resíduos  sólidos.  

 2013/Novembro:  pedido  de  autorização  legislativa  para  a  lei  de  definição    dos  interesses  estratégicos  do  Estado    

Este  modelo  vai  contudo  ser  colocado  em  causa  com  a  revisão  da  lei  quadro  das  privatizações  em  2013.      Em  primeiro  ligar  o  governo  revê,  por  pressão  da  troika,  no  âmbito  do  Programa  de  Apoio  e  Estabilização  Financeira  o  lei  de  delimitações  de  sectores.  A  Lei  n.º  88‑A/97,  de  25  de  julho,  republicada  pela  Lei  35/2013  de  11  de  Junho  da  Assembleia  da  República  vai  considerar  que  “é  vedado  a  empresas  privadas  e  a  

                                                                                                               15  Santos  2013  em  http://www.slideshare.net/Ruiteixeirasantos/privatizacoes-­‐em-­‐portugal-­‐prof-­‐doutor-­‐rui-­‐teixeira-­‐santos-­‐isg-­‐julho-­‐de-­‐2013  

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outras  entidades  da  mesma  natureza  o  acesso  às  seguintes  atividades  económicas,  salvo  quando  concessionadas:  

 a)  Captação,  tratamento  e  distribuição  de  água  para  consumo  público,  recolha,  tratamento  e  rejeição  de  águas  residuais  urbanas,  em  ambos  os  casos  através  de  redes  fixas,  e  recolha  e  tratamento  de  resíduos  sólidos  urbanos,  no  caso  -­‐  de  sistemas  multimunicipais  e  municipais,    b)  (revogado  pela  Lei  n.º  17/2012,  de  26  de  abril);    c)  Transportes  ferroviários  explorados  em  regime  de  serviço  público;    d)  Exploração  de  portos  marítimos.”  

Fora  destes  sectores  o  Estado  vai  poder  privatizar  toda  a  sua  atividade  económica  sobre  a  forma  empresarial.  Mas  a  grande  inovação  para  além  da  redução  dos  sectores  cuja  atividade  é  restrita  ao  Estado  é  o  facto  de  ser  revogado  o  artigo  10º  da  Lei  Quadro  das  Privatizações  na  redação  da  Lei  n.º  50/2011,  de  13.09,  é  o  facto  de  entrarmos  num  terceiro  ciclo  de  privatizações  onde  já  não  existe  o  objectivo  ideológico  de  desenvolvimento  da  classe  média  nem  sequer  de  valorização  e  desenvolvimento  do  mercado  de  capitais.  Este  terceiro  ciclo  foi  iniciado  a  meio  da  ultima  década  do  século  XX,  mas  teve  especial  relevância  na  privatização  das  economias  de  leste  e  nas  empresas  publicas  dos  países  emergentes  e  nos  países  do  terceiro  mundo  e  sobretudo,  na  resposta  à  crise  bancária  e  industrial  de  2007/8  e  da  recessão  de  2009,  em  que  os  estados  resgataram  as  empresas  e  bancos  privados  privadas  e  posteriormente  as  reprivatizaram,  independentemente  do  posicionamento  ideológico.    Verdadeiramente,  neste  terceiro  ciclo,  no  qual  incluo  também  as  privatizações  do  leste  e  do  terceiro  mundo,  a  nacionalização  como  a  privatização  são  políticas  públicas  de  carácter  microeconómico  que  visam  salvar  sectores  ou  empresas  em  dificuldade  ou  cujo  efeito  sistémico  justifica  envolvimento  publico,  ou  seja  são  modos  específicos  de  intervenção  publica  na  economia  e  visam  os  objectivos  de  estabilização  e  a  manutenção  o  crescimento  económico,  para  além  da  natural  catação  de  recursos  para  fazer  face  à  crise  das  dívidas  soberanas.      Neste  ultimo  ciclo,  os  recursos  vêm  sobretudo  da  China,  que  deixou  de  financiar  apenas  o  tesouro  americano  e  com  estes  títulos  diversifica  as  aplicações  financeiras,  de  hedges  funds  e  do  endividamento  no  sentido  de  facilitar  a  constituição  de  grupos  nacionais  ou  globais  produtores  ou  fornecedores  de  serviços  ou  bens  públicos.    Lisboa,  23  de  Dezembro  de  2013  Prof.  Doutor  Rui  Teixeira  Santos