Privatizações em Portugal e em Angola, prof. doutor Rui Teixeira Santos (ISG, 20 julho de 2013)
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Princípios de Direito Público Económico Políticas Públicas: as Privatizações
(Uma Introdução)
Sumário - As privatizações: (1) o ciclo do neomonetarismo (anos setenta a noventa);
(2) as privatizações depois da queda das ditaduras nos anos 90 e (3) o ciclo pós
Grande Crash de 2008. Nova redação da lei quadro das privatizações portuguesa
como expressão do terceiro ciclo.
Por Rui Teixeira Santos1 Do ponto de vista conceptual o Estado moderno contrapõe à confusão entre a Igreja e o Estado, o contrato social. Uma afirmação laica do poder baseado no novo soberano: o povo. Consideramos como Nozick que a ideia de Estado surge de um processo de seleção e agregação de grupos orientados à defesa das populações, ou seja, é fruto da insegurança, o que define a missão básica do Estado-‐Polícia. Esta noção de Estado entrou em colapso no século XX por três razões. Em primeiro lugar, com a integração regional e coordenação de politicas ao nível das organizações internacionais. Neste particular, dois modelos se defrontam: o “modelo da integração federal” onde os Estados-‐membros são considerados como iguais e onde as transferências do centro para a periferia asseguram a coesão, e o “modelo imperial/colonial” onde o centro dita as regras e apodera-‐se dos benefícios da integração, fazendo as periferias pagar com austeridade e desertificação, ou seja, à custa do empobrecimento dos restantes Estados-‐membros. Em segundo lugar, porque na Ordem Internacional o “principio da guerra preventiva” para assegurar a democracia e o respeito dos direitos humanos derrogou o “principio da não ingerência na ordem interna”, diminuindo não só a capacidade dos Estados na ordem interna, como reconhecendo o “direito de intervenção internacional”. Finalmente e em terceiro lugar, apesar da globalização ser um discurso massificador de natureza ideológica que permitiu a atualização, na ordem interna, dos preços e novas regras de mobilidade, somos confrontados com o Market State, onde os mecanismos de mercado tem um papel central nas identidades e desidentidades contemporâneas, mesmo que a crise financeira a partir de 2007 tenha trazido de volta de volta um novo contexto de desglobalização neo-‐mercantilista. 1 Professor de Direito no Master in Public Adminitration do Instituto Superior de Gestão.
O Estado-‐Nação de Vestefália não existe desde o inicio dos anos noventa do século passado, apesar de fazer ainda parte do discurso ideológico nacionalista que justifica a “captura” dos Estados, sobretudo “transicionais”, por parte de elites corruptas e/ou intelectuais utópicos, sempre agarrados ao protecionismo. Mesmo as concepções mais contratualistas do Estado Moderno mostram hoje ser absolutamente incapazes de explicar a complexidade das instituições no espaço político contemporâneo e de enquadrar as politicas públicas, por exemplo, da União Europeia, onde emergiu, de facto e à margem dos tratados, um modelo de organização política de tipo imperial -‐ que pode paradoxalmente despertar o mesmo nacionalismo que tornou obsoleto e ameaçar a paz que se pretendia garantir – caracterizado já não pela confusão entre a Religião e o Estado, como até à guerra dos trinta anos, mas tipicamente caraterizado pela intervenção estatal e o coletivismo, numa clara confusão entre Estado e Economia. A Intervenção pública na economia classicamente justificou-‐se pelas falhas do mercado e teve várias formas desde o reconhecimento jurídico do Estado Moderno. Usamos a nossa classificação2 1. Estado Policial ou Estado Mínimo com funções básicas de soberania e caracterizado pelo ato e regulamento administrativo impositório; 2. Estado Prestador de Serviços Públicos por via contratual ou o Estado dos contratos de concessão; Com a evolução tecnologia no século XIX o conceito de bens públicos alargou-‐se á construção de Caminhos de Ferro, ao fornecimento de água, saneamento, correios, telefones, telégrafos etc. 3. Estado Prestador de Serviços Públicos por administração direta do Estado em que o interesse publico é substituído pelo interesse geral na economia: com a falência de algumas concessionarias, nomeadamente de estradas, pontes e caminhos de ferro, os estados foram obrigados a nacionalizar as atividades e a fornecerem diretamente os serviços. Este modelo serviria ainda como inspiração nos estados socialistas com a apropriação colectiva dos meios de produção que ganhou legitimidade com as revoluções socialistas do século XX, depois dos excessos do capitalismo industrial do século anterior. 4. Estado Regulador e programador ou de Fomento e Planeador: o Estado social nascido da contestação ao capitalismo no século XIX, haveria de ter o seu apogeu no New Deal, mas sobretudo serviu bem como instrumento para a recuperação dos estados falhados da Europa, empobrecidos pela destruição da Segunda Guerra Mundial. Ainda hoje, o Estado Social e a intervenção pública é o mais eficiente mecanismo para a recuperação de Estados falhados. Mas com a estagflação dos anos setenta, o Estado social de Providencia foi à falência, quer por causa dos custos da divida publica quer por causa do pesos na despesa dos encargos sociais derivados da recessão. Com o neomonetarismo proposto do Hayek, o estado vai iniciar o processo de alienação das suas principais actividades econoicas de prestaçãood e bens públicos voltando a modelo do estado concessionário, mas de elevado nível de regulação, sobretudo para controlar o preço dos bens públicos prestados pelos incumbentes. O Estado
2 Santos, Rui Teixeira (2013), Reprivatizações em Portugal e em Angola, Instituto Superior de Gestão, em http://www.slideshare.net/Ruiteixeirasantos/privatizacoes-‐em-‐portugal-‐prof-‐doutor-‐rui-‐teixeira-‐santos-‐isg-‐julho-‐de-‐2013
Regulador apesar de defender o estado mínimo, tem politicas económicas de Fomento, politicas fiscais e orçamentais – onde se inscrevem como instrumentos políticos de intervenção publica as nacionalizações, as expropriações e as privatizações, para além do investimento público direto orientado às políticas sociais de combate à pobreza. O Estado Regulador é o estado pós-‐keynesiano, influenciado pelas politicas de privatizações. 5. Finalmente, o Estado-‐Garante ou Estado Social de Garantia(depois da crise de 2007/2008) onde a atividade típica é a atividade de garantia (garantia dos depósitos, garantia do emprego, etc.) e seguro (Cheque-‐estudante, voucher-‐estudante, cheque-‐funcionário, cheque-‐seguro, cheque-‐utente). A maior preocupação dos Estados, em particular da Europa foi intervir no resgate do sistema financeiro (União Bancária, aprovada no Conselho Europeu de 21 de Dezembro de 2013) para que ele deixasse de estar dependente do resgate dos Estados quebrando assim o circulo vicioso dos Estados-‐Garante entre Divida Pública e falência bancária. Como no Estado intervencionista do século XX, os modernos estados do século XXI ganharam novas competências económicas e mesmo onde as politicas de austeridade e as privatizações diminuíram a produção direta dos estados com dividas públicas excessivas ou sistema s bancários à beira do colapso e resgatados pela ajuda internacional, nos termos do Consenso de Washington, estes ganharam novos poderes de garantia, acentuaram as medidas de controlo fiscal e o abuso da usurpação da propriedade privada para fins financeiros. Os estados ganharam mais poderes sobre os cidadãos e sobre a economia, provocando o colapso do crescimento económico nos países mais desenvolvidos, onde apenas ganham países que souberam instituir rendas à custa do empobrecimento de outros ou se tornaram competitivos internalizando custos de mão de obra periférica muito mais baratos, numa lógica de império económico, ou por efeito da especialização que sempre acontece nas uniões económicas e monetárias. Mas como se chegou aqui, a esta tão grande confusão entre o público e o económico? Por via do estado social e das ideias keynesianas certamente, que confundiram finanças publicas com economia, provocando a guerra atual entre os estados e o aumento das desigualdades e ineficiência3. No Estado Moderno, o sector público desempenha importantes tarefas de afectação e de redistribuição de recursos na sociedade. Mas, a promoção da eficiência, da equidade e do estímulo ao crescimento e à estabilidade, são as suas grandes linhas gerais de orientação, as quais se alinham para a produção do bem-‐estar dos cidadãos. A razão desta situação é o facto da política, nas democracias ocidentais, se ter transformado num verdadeiro mercado político – numa economia política – onde verdadeiramente não é o eleitor que escolhe o eleito, mas aquele que quer ser eleito que tem que comprar o voto do eleitor, mediante uma conjunto de expectativas que cria – daí o valor da confiança em
3 Santos, Rui Teixeira (2013), Estado Isonómico e o declínio das Políticas Públicas, Plano, BNOMICS, Lisboa, consultado em http://www.slideshare.net/Ruiteixeirasantos/o-‐estado-‐isonomico-‐e-‐o-‐declnio-‐das-‐polticas-‐pblicas-‐rui-‐teixeira-‐santos
política – que se traduz no seu programa eleitoral e que, uma vez sufragado, se converte em interesse nacional. Se o voto do eleitor traduz a legitimidade eleitoral dada ao governo para executar o seu programa enquanto interesse nacional, a legitimidade governativa decorrer exatamente do cumprimento do programa propostos e sufragado, ou seja o respeito pelo interesse nacional traduzido depois em programa do governo. A legitimidade eleitoral existe com a eleição (o direito de executar um programa eleitoral ou de governo) e a legitimidade governamental com o cumprimento do programa do governo. É no contexto do programa eleitoral que, do ponto de visto da economia política, se estabelece o contrato social, que basicamente vai definir no contexto da modernidade a relação entre o económico e o político4. Por tal facto, grande tem sido o debate que se tem produzido, ao longo dos tempos, sobre as formas e os objectivos da intervenção do estado na economia de mercado. Uma das razões da intervenção pública na economia de mercado, reside no facto de este não estar, à partida, disponível para fornecer bens públicos nem tratar das externalidades negativas, o que produz falhas de mercado. Estas poderão ser entendidas como comportamentos tendentes à viciação das regras de jogo de mercado que violam os princípios da economia competitiva, o que vai provocar distúrbios na eficiência do mercado (problema económico), quer na perspetiva da produção, quer na da distribuição, facto que neutraliza a intensidade do bem-‐estar da população em geral (problema moral e político5).
4 Nesse contexto chamamos a atenção em 4 Santos, Rui Teixeira (2013), Estado Isonómico e o declínio das Políticas Públicas, Plano, BNOMICS, Lisboa, para o Estado Isonómico, onde a captura do político pelo económico que caracteriza o contrato social deveria ser substituído pelo contrato de justiça. 5 O problema do justo e do justo é central na reflexão política desde a antiguidade. Já o tratamos anteriormente e transcrevo: “Logo em Sócrates, com a ideia de estabilidade a remeter-‐nos para o direito positivo, que se deverá impor ao próprio sentido de justiça (ao direito natural) e que conduzem à tragédia da própria morte do filosofo, mas também na “República” de Platão onde a realidade da diferença se esbate pela ação da política, como força que harmoniza tensões sociais e económicas. No debate da ordem justa, a propósito da questão sobre se a justiça é melhor que a injustiça ou se o homem injusto terá uma vida mais regalada que a do justo, e após o debate prolongado sobre a ordem justa, Platão na República tem a resposta conclusiva de que a justiça é preferível à corrupção. As politicas publicas de Roma para além das de soberania e de direito incluem politicas sociais orientadas à saúde publica através dos bancos públicos e da cultura física de entretenimento (circo) e desporto profissional (gladiadores e Olimpíadas). E o principio na República é o de que a justiça é o que permite que os homens vivam em sociedade. Sem uma ideia de justiça o próprio homem não se realiza individualmente. No livro 3 de A República define-‐se como objetivo do Estado, o estabelecimento da justiça entre as pessoas. Sem relações de justiça não há a mínima possibilidade de haver harmonia nem Estado. É a justiça que garante a participação de todos no processo social e político da cidade.
A par dos problemas económico e moral da intervenção pública temos o problema institucional. De que modo se faz a intervenção económica do Estado? A resposta tem que ser estruturada numa perspetiva histórica e configura a questão constitucional da estrutura do poder. O Estado Moderno (pós-‐Vestefália, 1648) é caracterizado por ser um Estado Polícia. O fim das guerras religiosas (Guerra dos Trinta Anos)como o fim da confusão entre religião e política, veio reconhecer um único soberano com o monopólio da força sobre um determinado território e sobre uma determinada população. Mas a principal caraterística do Estado moderno é a confusão entre a política e a economia traduzido no contrato social, e por isso, as guerras desde o século XVII são económicas, enquanto até aí eram religiosas6. E como escrevemos antes, e se coincide com o capitalismo esta captura do Estado pelos interesses económicos, isso não decorre da natureza burguesa do Estado, como queria Karl Marx, mas do facto do Estado politicamente liberal e democrático ter um vício básico de populismo eleitoralista, legitimador onde antes era legitimador o medo da insegurança ou o temor a Deus7.
Sobre a participação de todos no bem comum é necessário frisar que a concepção platónica não fere de modo algum a individualidade dos membros da sociedade, pois é em vista do bem de todos que cada um deve colocar o seu interesse pessoal. Se o indivíduo não renuncia a parte de sua individualidade, a sociedade pode deixar simplesmente de existir. A luta pelo bem comum não é a luta contra o bem individual, já que ela permite que o todo prevaleça e, assim sendo, que o individual também tenha seu espaço preservado. Basicamente o Estado é logo em Platão um sacrifício da liberdade segundo a ideia de justiça, sendo que nesse sentido a própria consciência de humana é mais uma ideia de justiça que uma afirmação empírica de liberdade. A justiça diz respeito a uma atividade interna do homem, aquilo que ele verdadeiramente é. A liberdade tem que ver com a atividade externa do homem. A justiça não deve permitir que qualquer uma das partes internas da alma se dedique a tarefas alheias nem que interfiram umas das outras. A justiça consiste em dispor, de acordo com a natureza, os elementos da alma, para serem dominados ou dominar uns aos outros. A injustiça é resultado de uma ação livre conduzida pela ignorância, que leva à ingerência, à sedição dos elementos da alma, fazendo os elementos da alma governar uns aos outros em desacordo com a sua natureza”. 6 Para Wolmer (2006) o critério do "justo" resulta daquilo que os grupos comunitários reconhecem como tal, correspondendo eficazmente aos padrões da vida quotidiana almejada pelas coletividades submetidas às relações de dominação, a noção de Justiça acaba se constituindo numa necessidade por liberdade, igualdade e emancipação. (Santos, 2013). 7 Citamos o nosso artigo (Santos, 2013): “Adam Smith formula duas abordagens na sua teoria da tributação (Cap V): ora encara uma sociedade ideal onde há a harmonia dos interesses, ora descreve a sociedade real dividida em classes e com interesses divergentes. E é, justamente, nesta visão de sociedade real que o papel do Estado tem relevância, pois sua ação deve impedir que o conflito de interesses dificulte e emperre o funcionamento da sociedade e o crescimento econômico. O liberalismo político, que Smith acredita, "reconhece explicitamente a divisão da
É na questão da legitimidade do poder que se coloca a reflexão da ciência política sobre a natureza do Estado economicista ou de Finanças Públicas Intervencionistas8. Se todas as políticas keenesianas falharam no New Deal, numa ilusão intervencionista que apenas socializou os prejuízos dos bancos com a nacionalização da Fed, criando problemas morais ao capitalismo que foram bem
sociedade em classes e que estas tem interesses diferentes, até opostos... e sempre considerou estes interesses possíveis de serem conciliáveis, contradição irreconciliável de classes é uma ideia que só apareceu mais tarde, com alguns socialistas chamados utópicos" (Corazza, 1984. pág.26 e 27). Assim o liberalismo político poderia ser um meio para que a sociedade real com seus conflitos se aproximasse da harmonia social vislumbrado na visão de sociedade ideal de Smith. O ponto central que sustenta a visão otimista de funcionamento da sociedade capitalista, que se encontra na obra de Smith, é a conciliação entre o interesse individual e coletivo. No plano económico, há uma exaltação à divisão do trabalho entre produtores individuais e ao comércio e uma tendência em aceitar que a ação individual movida por interesses próprios resultará em benefícios para toda a sociedade. O capitalista movido pelo lucro e produzindo valor de troca (mercadorias) é dirigido, via mercado, para atender ao desejo da sociedade, sua acumulação de capital é encarada como geração de riqueza para a nação. Ao atribuir um papel socialmente positivo para o egoísmo, Smith está justificando racionalmente uma economia movida pelo lucro, daí sua importância para a ideologia capitalista. "Os planos e projetos dos investidor de capital regulam e dirigem todas as operações mais importantes do trabalho, sendo que o lucro constitui o objetivo e propósito visado por todos esses planos e projetos. Entretanto, a taxa de lucro não aumenta com a prosperidade da sociedade e não diminui com seu declínio – como acontece com a renda da terra e os salários. Ao contrário, essa taxa de lucro é naturalmente baixa em países ricos e alta em países pobres, sendo a mais alta, invariavelmente, nos países que caminham rapidamente para a ruína. Por isso, o interesse dessa terceira categoria (os capitalista) não tem a mesma vinculação com o interesse da sociedade como das outras duas (donos da terra e trabalhadores)... Ora, o interessados negociantes, em qualquer ramo específico de comércio ou manufatura, sempre difere sob algum aspecto do interesse público, e até se lhe opõe. O interesse dos empresários é sempre ampliar o mercado e limitar a concorrência ... É proposta que advém de uma categoria de pessoas cujo interesse jamais coincide exatamente com o do povo, as quais geralmente tem interesse em enganá-‐lo e mesmo oprimi-‐lo e que, consequentemente, tem em muitas oportunidades tanto iludido quando oprimido este povo". (Smith, 1983). O liberalismo económico revela seu caráter principal de dar liberdade aos capitalistas individuais no seu processo de acumulação. Esta visão é importante quando nos preocupamos em entender o papel do Estado na concepção liberal, que se revela não uma doutrina de não intervenção do Estado mas um apoio do Estado a expansão da ordem capitalista de produção, sendo que uma forma ( mas não a única) de apoio é dar liberdade aos capitalistas.” (Santos, 2013) 8 Santos, Rui Teixeira (2013), Estado Isonómico e o declínio das Políticas Públicas, Plano, BNOMICS, Lisboa.
evidentes na segunda década dos anos trinta, o certo é que partindo do problema do credit crunch, aliás muito parecido com o que existe na crise atual na Europa, a respostas que a europa totalitária (fascista ou socialista) encontraram foram diferentes das resposta americanas. Tal como agora é critico financiar as pequenas e medias empresas para estabilizar os regimes políticos e pacificar a europa, nos anos de 1930, o crédito à habitação ajudou a estabilizar a classe média e os regimes políticos. E os modelos seguidos ditaram também a natureza dos regimes e as formas como os regimes económicos se desenvolveram depois No modelo europeu os estados construíram as habitações e arrendaram os imóveis construídos pelo Estado (caso do salazarismo, numa solução totalitária tardia, com a utilização dos excedentes da Segurança Social para a construção de habitação para arrendamento a funcionários e à classe média); e no modelo americano do New Deal pelo contrario o Estado criou instituições publicas para contornar o bloqueio provocado pela desconfiança dos banqueiros e deu diretamente crédito crédito hipotecário para as classes médias (através da Fannie Mae e do Freddie Mac). Estes são os dois modelos que vão permitir alguns resultados no regresso da estabilidade e confiança, embora verdadeiramente a economia só saia da recessão com a segunda Grande Guerra e depois com a reconstrução da Europa (onde os EUA ocuparam mais de 5 milhões de desempregados). Nos sistemas totalitários assente nos funcionários públicos que podem pagar as rendas e no caso americano na classe media empregada que pode garantir a sustentabilidade das instituições e a recuperação do crédito. Mas em ambos os casos o sistema financeiro é afastado do crédito ao fomento da habitação própria ou arrendada, assumindo o Estado a ligação direta aos cidadãos. Esgotado o alojamento das classes médias, o Estado Social é confrontado com as novas políticas públicas de combate à pobreza. Sobretudo depois da falência do Estado social de Providencia havia que encontrar mecanismo para a nova moda do combate à pobreza (Rawls9), eventualmente usando o sistema financeiro e a inovação financeira permitida pelo neomonetarismo de Ronald Reagan. E é sobretudo usando essa liberdade criativa das instituições financeiras que o modelo americano e europeu da Terceira Via (nascida na London School of Economics, pela pena do seu Dean) vão poder realizar o sonho (o direito constitucional à habitação) de dar a cada cidadão a sua casa, mesmo sem ter recursos para tal. O chamado Socialismo Liberal vai traduzir-‐se exatamente pela utilização dos mecanismos de crédito do capitalismo para a realização de politicas sociais de combate à pobreza e no ciclo pós 9/11 vamos assistir ao culminar dessas politicas, com o crédito sem documentos contra a hipoteca de imóveis realizados pelas agencias federais exatamente cumprindo os programa ideológicos do Governo. Ora é este mecanismo financeiro que vai levar, em 2007, à crise do subprime por causa da utilização destas hipotecas no mercado dos derivados.
9 Visão de John Rawls: o objectivo da política pública não é o igualitarismo, mas o combate à pobreza, o favorecimento dos mais desprotegidos. O política pública deve dar ao pobre sem tirar ao mais favorecido – usando antes o resultado do crescimento económico.
E obviamente, no pós-‐crise 9/11 e no ciclo da grande depressão do final de primeira década do século XXI vamos observar o mesmo credit crunsh e alteração de objetivos do crédito bancário, como aconteceu na crise de 1929. Note-‐se que a intervenção pública prolongou a crise de 1929, e agravou a situação de tal maneira que mergulhou o mundo numa segunda recessão em 1937. O mesmo padrão, aliás, esteve presente com a política de austeridade nesta década. Como referimos (Santos, 2013), a ideia de modernidade associada ao Estado-‐nação e ao capitalismo industrial entra em crise com o colapso do Estado Social de Providencia nos anos setenta na sequencia do choque petrolífero de 1973/4 e da necessidade dos estados corrigirem as suas trajetórias de endividamento. Com forte predominância na Europa de governos socialistas e sociais democratas, a igualdade assumiu-‐se então como a característica mais promissora dos programas dos partidos políticos de centro esquerda na linha Giddens e Rawls, e o seu melhor slogan eleitoral. No entanto, durante os seus governos a desigualdade social não foi reduzida. Porém, no caso português, mas também espanhol e francês, existe uma diferença entre os efeitos distributivos da social-‐democracia e da direita, quando se analisa os seus anos de governo. Os governos de direita aumentam o fosso entre os mais ricos e os mais pobres, em nome do equilíbrio orçamental e da eficiência das politicas de sustentabilidade, igualdade e combate à pobreza. Os governos de esquerda atenuam essa desigualdade social com recursos financeiros enormes, embora a redução seja muito inferior ao aumento causado pelos governos anteriores de direita. Do ponto de vista da observação estatística, na avaliação do contrato social, é claro hoje que a social-‐democracia redistribui menos do que aquilo que promete, mas seguramente muito mais que a redistribuição liberal. Só que tem um preço: o colapso das Finanças Públicas. A resposta para o problema da desigualdade (que é diferente da questão da discriminação) continua a ser o maior desafio enfrentado pela social-‐democracia neste ciclo pós-‐9/11, porque é um princípio fundamental da esquerda, que a esquerda liga ao crescimento económico. A social-‐democracia tem fugido às mudanças que devem ser introduzidas para combater a desigualdade, pois isso envolve alterações do estado de bem-‐estar que por exemplo .a Terceira Via comprometeu, ao abusar dos instrumentos financeiros tradicionais para promover as suas políticas publicas. É na crise das politicas publicas atuais evidente que a Igualdade de tratamento não tem nem o mesmo significado nem a mesma natureza que a redistribuição. A influencia duradoura de Keynes na política monetária dos países desenvolvidos -‐ com base na ideia errada (largamente refutada no século XIX, que a procura agregada (a valor constante de moeda, isto é, sem inflação) está relacionada com o desemprego e que as politicas públicas podem por via da procura pública (criando progressiva desvalorização da moeda, ou seja, inflação) criar emprego (serviu esta teoria apenas como política destinada a combater a deflação mas já não servia quando a inflação era uma ameaça) – veio acelerar a falência do modelo do Estado Nação, abrindo a porta à pós-‐modernidade. Por outro lado, com a adopção de um novo modelo de capitalismo na economia pós-‐moderna – basicamente a transformação do “capitalismo de empresário” no “capitalismo de gestor” -‐ com o primeiro ciclo das privatizações e as aplicações dos recursos dos fundos de pensões e outros fundos institucionais (nos países
anglo-‐saxónicos na sequencia da crise petrolífera e da subida dos juros dos anos 70) para além da disseminação do capital pelas classes médias pequenos investidores, veio criar condições para um desalinhamento nos objetivos da gestão privada, coincidindo com as necessidades eleitorais da agenda política que promoveu politicas públicas de incentivo à especulação imobiliária , o que favoreceu, como dissemos antes, a crise financeira de 2007 (subprime) e o aparecimento daquilo que chamei10 finanças pós-‐modernas, com o Pacto Orçamental de 2012, e que vieram colocar em causa a sustentabilidade das politicas sociais publicas. A própria regulamentação excessiva do mercado de trabalho criou inflexibilidade desde os anos setenta e acelerou o desemprego, provocado pelos sindicatos (como Hayek já havia observado) mas também pelo credit crunsh do final da primeira década do século XXI. Finalmente o próprio desenvolvimento do “capitalismo popular” (com F. Hayek e o neomonetarismo): mais do que a ideia política de globalização, conseguiu produzir o suficiente para alimentar 8 mil milhões de pessoas, graças a um mecanismo espontâneo – a mão invisível -‐ que processa muito mais informação, que um Estado centralizado conseguiria absorver -‐ como observava já Ludwick von Mises sobre a superioridade das economias de mercado sobre as economias planificadas. O que a teoria da complexidade e a observação da realidade vieram demonstrar é que a nossa sociedade é o produto de crenças simbólicas que não têm nenhum fundamento racional. E daí que toda a previsão seja um desejo, uma construção humana. Fracasso do socialismo parte do principio impossível que todo o conhecimento humano – de milhões de pessoas -‐ pode ser superado de maneira eficiente por uma organização centralizada, por um comando central oligárquico. A simples ideia intervencionista de que é possível mobilizar enormes recursos para produzir bens centralmente para a sociedade é um absurdo e os resultado da intervenção ficou à vista com o colapso do Estado Social de Providencia e a moda de F. Hayek e dos neomonetaristas que com enorme arrogância acreditaram que o que dita a cada um o que deve produzir para a sociedade (pessoas que não conhecemos) é o lucro e que o mercado mais eficiente é o de concorrência. Nos extremos das duas posições está um também um problema de valores: no intervencionismo prevalece o valor da justiça distributiva, enquanto no liberalismo prevalece a liberdade de iniciativa. E se parece ser simplesmente impossível distribuir sem conhecer todos os factos, sem ter toda a informação também é ingénuo acreditar que não existem falhas de mercado. O crescimento do Estado já observado por Locke e confirmado pela lei de Wagner, tem uma história no século XX:
1. O Modelo Totalitário-‐Socialista: baseado numa falsa ideia de justiça social (sobre a qual não existe unanimidade, até porque as categorias morais não são coletivas, mas pessoais) imposta pela burocracia dominante (Critica de Mises e Keynes – o erro do socialismo). A ideia de
10 Santos, Rui Teixeira, Curso de Finanças Publicas (2012) em http://www.slideshare.net/Ruiteixeirasantos/curso-‐de-‐finanas-‐pblicas-‐prof-‐doutor-‐rui-‐teixeira-‐santos
justiça social leva a alocar recursos de modo ineficiente e a aumentar a presença do Estada no economia por via do aumento da despesa. 2. O Modelo Democrático-‐Keynesiano: em momentos de crises utilizando a moeda/inflação para promover o crescimento/consumo e investimentos públicos. (Crítica de Hayek – trata-‐se de um erro. Como demonstrou a estagflação dos anos setenta do século XX). Os Estados emitem moeda aumentando as assimetrias entre ricos e pobres, 3. Modelo Democrático-‐Interesses particulares ou Estado Democrático Quase-‐mafioso: o Estado é capturado pelos lobbies e pequenos grupos de interesses muitas vezes ligados aos sectores financeiro, da energia (sobretudo petróleo e gás) e da construção civil, que definem os subsídios e condicionam as políticas publicas e definem incentivos públicos subordinados aos seus interesses, provocando o crescimento da despesa pública.
É este último modelo que acaba por sobreviver depois da queda do “muro de Berlim” (queda do socialismo real ou do capitalismo de Estado em 1989) e do colapso financeiro do Estado Intervencionista (na segunda metade dos anos setenta do século XX, mas sobretudo depois Grande Crash de 2008, com o fim do ciclo político do 11 de Setembro), com maior ou menor regulação. Este Estado Democrático Quase-‐Mafioso não pode ser dissociado aliás do colapso dos regimes socialistas nem sequer do colapso dos regimes democráticos intervencionistas. Porque se do primeiro (colapso da URSS em 1991) houve uma onda de recursos desviados, foi graças ao segundo ciclo de politicas de privatizações (com a falência do Estado Social de Providência nas democracias continentais como em França e Itália que não dispunham de recursos petrolíferos, mas sobretudo nos estados democratizados entre a década de 70 e 90 – antigas ditaduras fascistas do Sul da Europa e da América Latina, bem como ex-‐estados socialistas do Pacto de Varsóvia) que se “lavou esse dinheiro”, integrando-‐o no sistema a financeiro internacional, sobretudo, no caso russo, nos sectores energéticos europeus. O que não era dinheiro lavado era crédito, nascido da vontade dos governos de quererem preservar centros de decisão nacionais feitos à custa de crédito a grupos e empresários descapitalizados ou sem capacidade financeira. Foi esta a maior fragilidade do modelo, que foi internalizado na China, com o crédito concedido a empresários locais nas parcerias industriais com grupos estrangeiros e que arrisca ser uma das mais relevantes ameaças ao sistema bancário chinês. São estes grupos nascidos do financiamento bancário que, num primeiro momento, beneficiam de spreads usurários protegidos pela cartelização e colaboração pública que, num segundo momento (normalmente 8 anos depois), passam a colocar os seus homens diretamente no aparelho de Estado, com recurso ao populismo. No ciclo da austeridade que levou a uma nova onda de privatizações, como verificamos no caso português, continuam a ser as empresas energéticas as mais atrativas, agora para os emergente recursos quase ilimitados da China, desfeito que foi o binómio China-‐América11 que sustentou os 20 anos do ciclo da
11 Niall Ferguson (2009). A Ascensão do Dinheiro, Uma História Financeira do Mundo, Livraria Civilização Editora, Lisboa.
globalização, antes da reemergência do neomercantilismo que hoje, ameaça o comércio internacional. Na península ibérica a captura do estados pelos interesses económicos12 acabou por permitir a contratualização de rendas em determinados sectores através da manipulação de contratos sendo o sector energético um dos casos, com a criação do conceito de défice tarifário13, que concorreu para o maior interesse pelo sector neste ciclo de privatizações. O Estado moderno deve ser neutro, no sentido de ser uma organização da sociedade com uma hierarquia de leis encimadas modernamente pelos tratados internacionais e pela Constituição, perante a qual todos são iguais . A ideia de neutralidade do guardião constitucional garante a unidade política do Estado -‐ principio ético – por oposição à pluralidade da Economia, onde prevalece o principio da ação moral14. Historicamente o processo de privatizações evoluiu desde um pressuposto ideológica para se tornar atualmente depois da crise de 2007/8 numa verdadeira política publica. No colapso do Estado social de providencia no final dos anos 70 do século passado, com Ronald Reagan e de Margareth Thatcher, a afirmação das ideias dos economistas da escola de Viena – como Frederich Hayek ou Mises – era mais uma opção ideológica, contra a intervenção publica e o socialismo, que propriamente uma solução para resolver o problema da falência dos Estados e sobretudo da ineficiência do produção publica. Verifica-‐se nomeadamente nos transportes a incapacidade do sector privado servir os cidadãos com o mesmo nível de segurança e eficiência que os transportes públicos estatizados, com custos menores. Estas primeiras privatizações como vimos aproveitaram sobretudo a disponibilidade de fundos
12 Pacheco Pereira in Quadratura do Circulo, SIC, em Março, 5 2013 13 O défice tarifário nasceu do facto dos governos quererem intervir no preço da energia no inicio da primeira década do século XXI e para isso terem contratualizado com o indústria o pagamento do diferencial entre o preço do custo e o preço de venda aos clientes estabelecido administrativamente. Acontece que com a conivência dos reguladores capturados pelas empresas e devido à enorme promiscuidade entre os aparelhos partidários e as companhias elétricas, nomeadamente na península ibérica, o preço de custo foi estabelecido pelo custo da produção de pico mais elevada, não contando com o facto da maioria da produção ter origem em equipamentos já amortizados e ser produzida em horas mortas, de tal maneira que se considera como provável que nesta altura empresas como a EDP possam ser devedoras aos cidadãos em mais de 2 mil milhões de euros em vez de credoras de 3,5 mil milhões como reivindicam. 14 Como chamamos a atenção, é esta ausência de separação entre Estado e Economia que gera o choque do século XXI, verdadeira guerra dos trinta anos, ja não em nome de lutas religiosas e pelo Estado Laico, mas em nome das lutas económicas pelo Estado Isonómico. A isonomia que quer dizer igualdade carateriza exatamente o estado pós-‐intervencionista, no sentido em que recupera as funções politicas do Estado e reduz as funções públicas ao mandato constitucional estabelecido pelos fundadores da América, na Constituição de 17 de setembro de 1787 (Santos 2013)
dos baby bommers e dos seus fundos de pensões. E foram protagonistas sobretudo os países anglo-‐saxónicos. Os estados através da regulação ou de golden shares continuavam interferir na gestão dos incumbentes mas recebiam recursos valiosos para diminuir a dívida pública. O certo é que o Estados simultaneamente liberalizaram a atividade bancária e a desregulamentação ampliou substancialmente a criação e dinheiro e modificou em definitivo a atividade bancária que deixou de se circunscrever à atividade de gestão de poupanças e crédito à economia, passando a dedicar-‐se de um modo mais sofisticado à atividade que os bancos do renascimento tinham descoberto: o do financiamento dos estados e das suas guerras (leia-‐se complexo militar-‐industrial). O boom dos anos oitenta só interrompido pelo crach de 1987 foi a maior prova do sucesso da receita ideológica baseada na gestão de instrumentos de dívida e sua securitização. E foi como superioridade do modelo liberal que assistimos na segunda metade da década de oitenta e começos da década de noventa do século passado aos vastos programas de privatizações das antigas ditaduras fascistas na europa e na América Latina, que vão atrair, já apenas os recursos dos fundos de pensões, mas sobretudo os recursos de fundos de alto risco e o dinheiro desviado pelas revoluções liberais a leste que desde 1989, depois da queda do muro de Berlim. Portanto, o primeiro ciclo de privatizações depois do colapso do Estado Social de Providencia foi sobretudo financiado por investidores de baixo risco e a longo prazo, enquanto as privatizações do segundo ciclo foram sobretudo financiadas por junk bonds e fundos de alto risco e black money. O caso da privatização da energia e dos transportes em países europeus nomeadamente Itália, França e Espanha estava ligada por exemplo a interesses russos identificados com aplicações dos antigos serviços secretos da URSS. Em ambos as fases, as privatizações deram acesso à participação dos trabalhadores em condições de vantagem contribuindo para o capitalismo popular e o desenvolvimento das classes médias, o que neutralizou a luta de classes ideológica. Nesse sentido as privatizações foram um instrumento ideológico de combate ao socialismo e de redução da conflitualidade social, já que os trabalhador era simultaneamente dono da empresa e assalariado. As privatizações começam com o licenciamento de algumas atividades financeiras por influencia da IFC, do Banco Mundial, durante do programa de estabilização acordado com o FMI em 1983. As privatizações, decorrentes da revisão constitucional de 1989, em Portugal, estão assentadas também na Lei n. 11, de 05/04/90. Convém ressaltar que entre 1987 e 1989 houve a segunda revisão da Constituição de 1976, sendo que um dos temas principais teve por objeto o art.º 83º, que declarava conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras todas as nacionalizações efetuadas depois de 25 de abril de 1974, apesar de, a título excepcional, admitir a integração no sector privado das pequenas e médias empresas indiretamente nacionalizadas fora dos sectores básicos da Economia, desde que os trabalhadores não optassem pelo regime de autogestão ou de cooperativa. Os órgãos de fiscalização da constitucionalidade, por diversas vezes, reconheceram a delimitação dos sectores público e privado, bem como a transformação de empresas públicas. A Constituição portuguesa não se circunscreveu a prever uma lei-‐quadro; estabelece logo o conteúdo da lei, no art.º 296º, com cinco princípios:
1) necessidade de as privatizações se fazerem, em regra e preferencialmente, mediante concurso público, oferta na bolsa de valores ou subscrição pública; 2) afetação das receitas obtidas com as reprivatizações à amortização da dívida pública e do sector empresarial do Estado, ao serviço da dívida resultante de nacionalizações ou a novas aplicações de capital no sector produtivo; 3) conservação, pelos trabalhadores, de todos os direitos e obrigações de que forem titulares; 4) direito dos trabalhadores à subscrição preferencial de uma percentagem do respectivo capital social; 5) avaliação prévia dos meios de produção e outros bens a reprivatizar, por intermédio de mais de uma entidade independente. Os tribunais constitucionais têm tratado da compreensão dos princípios constitucionais, com afirmativa de que o legislador deve garantir núcleo essencial de tradução legislativa das regras constitucionais. Quando a norma constitucional reclama uma nova norma legislativa, a cargo dos órgãos representativos, para se tornar exequível, a falta desta configura a inconstitucionalidade por omissão. O legislador ordinário, além de não contrariar as normas constitucionais, quando estão em debate as normas relativas às privatizações e tantas outras da Constituição económica ou do domínio dos direitos fundamentais, tem o dever de as complementar, desenvolver e realizar. Caso contrário, ocorrendo o desvio do Poder Legislativo, dando seguimento à inconstitucionalidade orgânica de atos normativos, pode gerar matérias polêmicas. As privatizações levam a estudos sobre questões de Direito Privado, surgindo como tema interdisciplinar às indagações sobre as consequências das nacionalizações, como um fenómeno jurídico, político, económico e social. As expropriações têm gerado diversas discussões sobre apropriação coletiva ou coletivização, nacionalização, expropriação, estatização e socialização, conceitos jurídicos hoje estabilizados pela doutrina. Várias questões doutrinárias surgiram para estudos sobre as privatizações em decorrência das nacionalizações, bem como a eficácia da privatização e sua natureza jurídica. Pela Lei n. 11/90, de Maio de 2004, em Portugal, surgiram as seguintes fases do processo: 1) transformação em sociedade anónima; 2) avaliação prévia; 3) escolha do processo de alienação; 4) alienação; 5) sequelas transitórias da privatização. Ao lado dessas matérias, foram tratados problemas referentes às comissões arbitrais, indenizações e privatizações, com o objetivo de estabelecer estudos sobre o estatuto do direito de propriedade privada. Nesses estudos aparecem duvidas sobre direito de propriedade privada, como direito fundamental, bem como em concreto, como direito fundamental dos cidadãos. Várias leis trataram da proporcionalidade e da proibição de excesso, da indenização justa ou indenização prévia e justa, bem como da indenização imediata, efetiva e adequada. Essa temática levou às discussões sobre as indenizações e as privatizações, como institutos jurídicos financeiros.
Vamos assistir a uma lenta transformação legislativa em Portugal que vai conformando as tendências globais15:
1977: Lei de delimitação de sectores (Lei n.o 46/77, de 8 de julho); 1982: Primeira revisão constitucional não altera o princípio da irreversibilidade das nacionalizações; 1983: Alterada a lei de 1977; 1988: Privatização até 49% do capital das empresas públicas;
1989: Segunda revisão constitucional; 1990: Lei-‐quadro das privatizações.( Lei nº 11/90, de 5 de abril) 1997: Nova Lei da delimitação dos sectores económicos (Lei n.º 88‑A/97, de 25 de julho) 2011: A Lei n.º 50/2011, de 13.09 (por via da qual se procede à segunda
alteração da lei quadro das privatizações, Lei nº 11/90, de 5 de abril) aprova o regime legal a que se sujeita a reprivatização da titularidade ou do direito de exploração dos meios de produção e outros bens nacionalizados após 1974. De referir que a nova redação do diploma continua a referir-‐se apenas aos casos de regresso ao domínio privado de bens ou direitos aí anteriormente integrados e que foram nacionalizados após aquela data; A nova redação do diploma restringiu os objectivos das operações de reprivatização, sendo agora, e apenas, os de modernização e aumento da competitividade das empresas, contribuindo para estratégias de reestruturação sectorial ou empresarial; de promoção da redução do peso do Estado da economia; e de promoção da redução do peso da dívida pública na economia.
Fazem assim parte do passado objectivos como os de contribuir para o desenvolvimento do mercado de capitais, ou de possibilitar a participação dos cidadãos no capital das empresas, através de uma adequada dispersão do capital e a participação dos trabalhadores no capital das empresas privatizadas.
2012: alteração da Lei que regula o acesso da iniciativa económica privada a determinadas atividades económicas pela Lei nº 17/2012, de 26 de abril,, visando a privatização dos correios e serviços postais;
2013: Alteração à Lei de Delimitação de Sectores e republicada pela Lei 35/2013 de 11 de Junho, visando a reorganização do sector de abastecimento de água e saneamento de águas residuais e recolha e tratamento de resíduos sólidos.
2013/Novembro: pedido de autorização legislativa para a lei de definição dos interesses estratégicos do Estado
Este modelo vai contudo ser colocado em causa com a revisão da lei quadro das privatizações em 2013. Em primeiro ligar o governo revê, por pressão da troika, no âmbito do Programa de Apoio e Estabilização Financeira o lei de delimitações de sectores. A Lei n.º 88‑A/97, de 25 de julho, republicada pela Lei 35/2013 de 11 de Junho da Assembleia da República vai considerar que “é vedado a empresas privadas e a
15 Santos 2013 em http://www.slideshare.net/Ruiteixeirasantos/privatizacoes-‐em-‐portugal-‐prof-‐doutor-‐rui-‐teixeira-‐santos-‐isg-‐julho-‐de-‐2013
outras entidades da mesma natureza o acesso às seguintes atividades económicas, salvo quando concessionadas:
a) Captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, recolha, tratamento e rejeição de águas residuais urbanas, em ambos os casos através de redes fixas, e recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos, no caso -‐ de sistemas multimunicipais e municipais, b) (revogado pela Lei n.º 17/2012, de 26 de abril); c) Transportes ferroviários explorados em regime de serviço público; d) Exploração de portos marítimos.”
Fora destes sectores o Estado vai poder privatizar toda a sua atividade económica sobre a forma empresarial. Mas a grande inovação para além da redução dos sectores cuja atividade é restrita ao Estado é o facto de ser revogado o artigo 10º da Lei Quadro das Privatizações na redação da Lei n.º 50/2011, de 13.09, é o facto de entrarmos num terceiro ciclo de privatizações onde já não existe o objectivo ideológico de desenvolvimento da classe média nem sequer de valorização e desenvolvimento do mercado de capitais. Este terceiro ciclo foi iniciado a meio da ultima década do século XX, mas teve especial relevância na privatização das economias de leste e nas empresas publicas dos países emergentes e nos países do terceiro mundo e sobretudo, na resposta à crise bancária e industrial de 2007/8 e da recessão de 2009, em que os estados resgataram as empresas e bancos privados privadas e posteriormente as reprivatizaram, independentemente do posicionamento ideológico. Verdadeiramente, neste terceiro ciclo, no qual incluo também as privatizações do leste e do terceiro mundo, a nacionalização como a privatização são políticas públicas de carácter microeconómico que visam salvar sectores ou empresas em dificuldade ou cujo efeito sistémico justifica envolvimento publico, ou seja são modos específicos de intervenção publica na economia e visam os objectivos de estabilização e a manutenção o crescimento económico, para além da natural catação de recursos para fazer face à crise das dívidas soberanas. Neste ultimo ciclo, os recursos vêm sobretudo da China, que deixou de financiar apenas o tesouro americano e com estes títulos diversifica as aplicações financeiras, de hedges funds e do endividamento no sentido de facilitar a constituição de grupos nacionais ou globais produtores ou fornecedores de serviços ou bens públicos. Lisboa, 23 de Dezembro de 2013 Prof. Doutor Rui Teixeira Santos