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DA - 1 PROGRAMA DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA PÓS- COLHEITA DE PRODUTOS HORTOFRUTÍCOLAS Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e Unidade de Pós-colheita, CECA-ICETA/UP Secção Autónoma de Ciências Agrárias Campus Agrário de Vairão, 4485-661 Vairão, Tel. 252-660-400, Fax: 252-661-780 Domingos Paulo Ferreira de Almeida, Doutor em Horticultura. Email: [email protected] Maria Helena M. Teixeira Gomes, Mestre em Agricultura e Horticultura Sustentáveis Introdução O esforço para desenvolver a Ciência e Tecnologia Pós-colheita em Portugal justifica-se porque: a) Frutas e legumes são produtos facilmente perecíveis, de elevado valor acrescentado, de que os consumidores dependem para uma alimentação promotora da saúde b) Os produtores de produtos hortofrutícolas dependem do mercado e não de ajudas directas à produção c) A tecnologia, gestão e capacidade de inovação são fundamentais para sobreviver no mercado d) A adopção de Tecnologias Pós-colheita em Portugal é limitada dificultando a satisfação dos consumidores e a exploração de novos mercados e) Alterações na envolvente sócio-económica e tecnológica exigem re-estruturações na fileira hortofrutícola que passam pela utilização de Tecnologias Pós-colheita adequadas. O programa de investigação em Ciência e Tecnologia Pós-colheita da Secção Autónoma de Ciências Agrárias da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto tem dois objectivos de longo prazo: a) Esclarecer os mecanismos de senescência e depreciação da qualidade de órgãos vegetais facilmente perecíveis e b) Desenvolver e adaptar tecnologias para minimizar a depreciação da qualidade desses produtos no período que medeia entre a colheita e o consumo. De entre os trabalhos recentes, destacamos alguns aspectos, aqui referidos como exemplo da nossa abordagem aos problemas pós-colheita de produtos facilmente perecíveis, envolvendo um constante diálogo entre o conhecimento da fisiologia e bioquímica do amadurecimento e da senescência de órgãos vegetais e a utilização de tecnologias para retardar depreciação da qualidade. Referem-se alguns resultados que mostram que: a) Estudos de fisiologia do amadurecimento revelam aspectos curiosos do amadurecimento de tomate, com possíveis implicações para as aplicações de tecnologias pós-colheita, b) Inibição da acção do etileno com recurso ao 1-metilciclopropeno permite prolongar a longevidade de diversas frutas e hortaliças, c) Caracterização das condições pós-colheita em circuitos comerciais permite desenvolver recomendações adequadas a situações concretas. Aspectos inéditos da fisiologia do amadurecimento do fruto de tomate Recentemente verificámos que o fruto de tomate sofre um aumento transitório da pressão locular durante o amadurecimento (Almeida & Huber, 2001). Os frutos de tomate desenvolvem uma pressão manométrica positiva no seu interior no início do amadurecimento. A pressão acumula-se até ao estado de maturação designado por “rosa” ou “laranja” (pink) e dissipa-se no fruto completamente maduro (Figura 1).

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PROGRAMA DE INVESTIGAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA PÓS-COLHEITA DE PRODUTOS HORTOFRUTÍCOLAS

Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e Unidade de Pós-colheita, CECA-ICETA/UP Secção Autónoma de Ciências Agrárias Campus Agrário de Vairão, 4485-661 Vairão, Tel. 252-660-400, Fax: 252-661-780 Domingos Paulo Ferreira de Almeida, Doutor em Horticultura. Email: [email protected] Maria Helena M. Teixeira Gomes, Mestre em Agricultura e Horticultura Sustentáveis

Introdução

O esforço para desenvolver a Ciência e Tecnologia Pós-colheita em Portugal justifica-se porque:

a) Frutas e legumes são produtos facilmente perecíveis, de elevado valor acrescentado, de que os consumidores dependem para uma alimentação promotora da saúde

b) Os produtores de produtos hortofrutícolas dependem do mercado e não de ajudas directas à produção

c) A tecnologia, gestão e capacidade de inovação são fundamentais para sobreviver no mercado d) A adopção de Tecnologias Pós-colheita em Portugal é limitada dificultando a satisfação dos

consumidores e a exploração de novos mercados e) Alterações na envolvente sócio-económica e tecnológica exigem re-estruturações na fileira

hortofrutícola que passam pela utilização de Tecnologias Pós-colheita adequadas. O programa de investigação em Ciência e Tecnologia Pós-colheita da Secção Autónoma de Ciências Agrárias da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto tem dois objectivos de longo prazo:

a) Esclarecer os mecanismos de senescência e depreciação da qualidade de órgãos vegetais facilmente perecíveis e

b) Desenvolver e adaptar tecnologias para minimizar a depreciação da qualidade desses produtos no período que medeia entre a colheita e o consumo.

De entre os trabalhos recentes, destacamos alguns aspectos, aqui referidos como exemplo da nossa abordagem aos problemas pós-colheita de produtos facilmente perecíveis, envolvendo um constante diálogo entre o conhecimento da fisiologia e bioquímica do amadurecimento e da senescência de órgãos vegetais e a utilização de tecnologias para retardar depreciação da qualidade. Referem-se alguns resultados que mostram que:

a) Estudos de fisiologia do amadurecimento revelam aspectos curiosos do amadurecimento de tomate, com possíveis implicações para as aplicações de tecnologias pós-colheita,

b) Inibição da acção do etileno com recurso ao 1-metilciclopropeno permite prolongar a longevidade de diversas frutas e hortaliças,

c) Caracterização das condições pós-colheita em circuitos comerciais permite desenvolver recomendações adequadas a situações concretas.

Aspectos inéditos da fisiologia do amadurecimento do fruto de tomate

Recentemente verificámos que o fruto de tomate sofre um aumento transitório da pressão locular durante o amadurecimento (Almeida & Huber, 2001). Os frutos de tomate desenvolvem uma pressão manométrica positiva no seu interior no início do amadurecimento. A pressão acumula-se até ao estado de maturação designado por “rosa” ou “laranja” (pink) e dissipa-se no fruto completamente maduro (Figura 1).

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O mesmo estudo revelou que os frutos de tomate no final da fase de crescimento e antes do início do amadurecimento (estado verde maturo) possuem aberturas no endocarpo cuja oclusão ocorre durante o amadurecimento (Figura 2). A oclusão das aberturas endocárpicas está provavelmente na origem do desenvolvimento da pressão locular e poderá modificar a atmosfera interna do fruto. Estes fenómenos não parecem estar relacionados com a susceptibilidade ao fendilhamento, mas podem afectar o metabolismo respiratório no tecido locular e influenciar a resposta dos frutos ao armazenamento em atmosfera controlada.

Fig. 2. Superfície do endocarpo do fruto de tomate no estado verde-maturo (esquerda) e no fruto maduro (direita) (Almeida & Huber, 2001).

Utilizações pós-colheita do 1-metilciclopropeno

O 1-metilciclopropeno (MCP) é uma ciclo-olefina que funciona como um potente inibidor da acção do etileno. Este composto foi aprovado para utilização em maçãs nos EUA em 2002 e está em vias de ser homologado na União Europeia para utilização em produtos hortofrutícolas. Temos vindo a utilizar este composto, para estudar aspectos da fisiologia pós-colheita de produtos hortofrutícolas.

Num trabalho recente estudámos o efeito do MCP na senescência pós-colheita de brócolo armazenado a diferentes temperaturas (Vasconcelos & Almeida, 2002), tendo concluído que o tratamento é vantajoso quando se armazena brócolo refrigerado a temperaturas sub-óptimas (5 a 15 ºC). À temperatura de 1 ºC, próximo do óptimo para o armazenamento prolongado do brócolo, a vida pós-colheita útil é determinada, não pela senescência, mas pela incidência de fungos. A 20 ºC a taxa de

Fig. 1. Aumento transitório da pressão locular no fruto de tomate (Almeida & Huber, 2001).

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Fig. 3. Efeito da temperatura e do tratamento com 1-metilciclopropeno da longevidade pós-colheita de brócolo (Vasconcelos & Almeida, 2002).

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senescência é muito rápida e os efeitos práticos do MCP são reduzidos (Figura 3).

Em tomate, o tratamento com MCP permite abrandar ou mesmo parar as alterações fisiológicas associadas com o amadurecimento durante algum tempo (dependente da temperatura de armazenamento), com a vantagem de o fruto retomar o seu amadurecimento normal quando passa o efeito do tratamento.

Como se pode observar pela figura 4, os frutos não tratados amadurecem e sofrem de imediato o amolecimento associado ao amadurecimento; em contraste, os frutos tratados com 1-metilciclopropeno permanecem com a mesma firmeza durante 3 semanas, após as quais o amolecimento progride naturalmente à medida que o fruto amadurece.

Caracterização das condições pós-colheita em circuitos comerciais e desenvolvimento de recomendações

A bibliografia especializada resume as condições de temperatura, humidade e composição da atmosfera recomendadas para uma boa preservação da qualidade. No entanto, nos circuitos comerciais concretos nem sempre é possível – ou rentável – manter as condições ideais. Torna-se pois necessário optimizar a utilização das tecnologias pós-colheita para circuitos comerciais concretos. As nossas observações de circuitos comerciais revelam que as condições a que os produtos hortofrutícolas estão sujeitos são muitas vezes abusivas e seriam facilmente melhoradas de uma forma económica.

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Fig. 5. Perfil de temperatura de uma caixa de cereja desde a colheita até à chegada a um mercado abastecedor durante a campanha de 2002 (D. P. F. Almeida & A. Santos, não publicado).

As cerejas, por exemplo, são frutos altamente perecíveis que devem ser armazenadas entre –1 e 0 ºC e 90 a 95% de humidade relativa. Num estudo recentemente efectuado, obtivemos o registo da temperatura a que uma caixa de cerejas esteve sujeita desde a colheita até à chegada a um mercado abastecedor (Figura 5). Embora o circuito comercial seja reduzido – pouco mais de 24 h desde a colheita até ao mercado

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Fig. 4. Efeito do 1-metilciclopropeno (MCP) na evolução da textura do pericarpo de frutos de tomate colhidos no estado verde-maturo e armazenados a 15 ºC.

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grossista – as cerejas permaneceram sempre expostas a temperaturas superiores a 16,5 ºC, mesmo durante a noite, excepto durante um período de 90 min durante o transporte. Claramente, um melhor controlo da temperatura teria um efeito dramático na qualidade destas cerejas.

Referências seleccionadas

Vasconcelos, I. S. A. & Almeida, D. P. F. 2002. Treatment with 1-methylcyclopropene complements temperature management in maintaining postharvest quality of broccoli. Abstracts of the XXVIth International Horticultural Congress, Toronto, August 11-17, p. 240

Almeida, D. P. F. & Huber, D. J. 2001. Transient increase in locular pressure and occlusion of endocarpic apertures in ripening tomato fruit. Journal of Plant Physiology 158(2): 199-203.

Almeida, D. P. F. & Huber, D. J. 1999. Apoplastic pH and inorganic ion levels in tomato fruit: A potential means for regulation of cell wall metabolism during ripening. Physiologia Plantarum 105(3): 506 - 512.

Lugasi, A., Almeida, D. P. F. & Dworschák, E. 1999. Chlorogenic acid content and antioxidant properties of potato tubers as related to nitrogen fertilisation. Acta Alimentaria 28(2): 183-195.

Almeida, D. P. F. & Huber, D. J. 1999. Tomato fruit treated with 1-methylcyclopropene provide adequate non-ripening controls in low-temperature storage experiments. HortScience 34(3): 526 (Abstract).