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A EXPERIÊNCIA DO TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NO PARQUE NACIONAL DO CABO ORANGE (AMAPÁ): O PROJETO TARTARUGA IMBRICATA David Leonardo Bouças da SILVA – Mestre pelo CDS/UnB – Professor Turismo/Hotelaria da Universidade Federal do Maranhão (UFMA); Nádia Bandeira Sacenco KORNIJEZUK – Doutoranda – CDS/UnB; Caroline Jeanne DELELIS - Pesquisadora colaboradora do CDS / UnB - Embaixada da França. As informações contidas neste artigo, incluindo algumas referências, foram retiradas do plano de manejo do Parque Nacional do Cabo Orange, que se encontra em fase de elaboração, e de observações de campo feitas em dezembro de 2009. Agradecimentos: à equipe do ICMBio (PNCO e Brasília) Kelly Bonach, Denise Arantes de Carvalho e Ivan Machado de Vasconcelos pelo acompanhamento in loco e da escrita dos textos e relatórios, e dedicação no desenvolvimento do projeto TI; aos Professores do CDS/UnB José Augusto Drummond, José Luiz Franco e Elimar Pinheiro do Nascimento pela leitura crítica e valiosas recomendações feitas ao texto; e à empresa de turismo francesa Yatoutatou, às Comunidades de Vila Velha do Cassiporé e Primeiro do Cassiporé pela disponibilização de informações contidas neste texto e pela parceria no projeto TI. O Parque O Parque Nacional do Cabo Orange (PNCO), criado por meio do Decreto Federal nº 84.913, de 15 de julho de 1980, abrange uma área de 619.000 hectares, com um perímetro de 590 km. Está localizado no extremo norte do Estado do Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa, e na foz do rio Oiapoque. Compreende partes dos municípios de Calçoene e Oiapoque e tem uma faixa litorânea de cerca de 200 km de extensão, adentrando ao mar em 10 km. Entre a cidade do Oiapoque e o PNCO, as terras indígenas Juminã, Galibi e Uaçá formam uma zona contínua de áreas protegidas. O PNCO abrange ecossistemas variados, a exemplo de manguezais, campos naturais, florestas flúvio- marinhas, inundáveis e de terra firme, além de rica fauna. As belezas naturais, bastante conservadas e com evidente atratividade turística – caso dos rios Cassiporé, Cunani, Uaçá e Oiapoque – permitem passeios de barco, canoa, lancha e a prática de rafting. A vasta biodiversidade possibilita a visitação para contemplar espécies vegetais e animais, sobretudo aves, além de trabalhos de educação ambiental e pesquisa científica (objetivos precípuos dos parques nacionais). No tocante à ocupação humana, de modo geral, a população em torno do PNCO apresenta baixos escores de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Em 2000, a cidade de Oiapoque apresentou um escore de 0,738 e Calçoene de 0,688 (IBGE, 2009). Sendo assim, encontra-se um modus vivendi rural, com predominância de atividades de subsistência, a partir da utilização/extração de produtos naturais como cacau, mandioca, caça, pesca e frutas tropicais, em ambiente conservado no interior da Floresta Amazônica. Potencial para o Turismo de Base Comunitária A privilegiada situação geográfica e as características telúrico-culturais do PNCO propiciaram o desenvolvimento de um projeto de turismo que congrega os dois países (Brasil e Guiana Francesa). Trata-se do Projeto Tartaruga Imbricata (TI). Esse projeto enfrenta o desafio da criação de um produto turístico sustentável de fronteira, respeitando os objetivos dos parques nacionais brasileiros e garantindo a participação e inclusão das comunidades locais.

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A EXPERIÊNCIA DO TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA NO PARQUE NACIONAL DO CABO ORANGE (AMAPÁ): O

PROJETO TARTARUGA IMBRICATA

David Leonardo Bouças da SILVA – Mestre pelo CDS/UnB – Professor Turismo/Hotelaria da Universidade Federal do Maranhão (UFMA); Nádia Bandeira Sacenco KORNIJEZUK – Doutoranda – CDS/UnB; Caroline Jeanne DELELIS - Pesquisadora colaboradora

do CDS / UnB - Embaixada da França.

As informações contidas neste artigo, incluindo algumas referências, foram retiradas do plano de manejo do Parque Nacional do

Cabo Orange, que se encontra em fase de elaboração, e de observações de campo feitas em dezembro de 2009.

Agradecimentos: à equipe do ICMBio (PNCO e Brasília) Kelly Bonach, Denise Arantes de Carvalho e Ivan Machado de Vasconcelos

pelo acompanhamento in loco e da escrita dos textos e relatórios, e dedicação no desenvolvimento do projeto TI; aos Professores

do CDS/UnB José Augusto Drummond, José Luiz Franco e Elimar Pinheiro do Nascimento pela leitura crítica e valiosas

recomendações feitas ao texto; e à empresa de turismo francesa Yatoutatou, às Comunidades de Vila Velha do Cassiporé e

Primeiro do Cassiporé pela disponibilização de informações contidas neste texto e pela parceria no projeto TI.

O Parque

O Parque Nacional do Cabo Orange (PNCO), criado por meio do Decreto Federal nº 84.913, de 15 de julho de

1980, abrange uma área de 619.000 hectares, com um perímetro de 590 km. Está localizado no extremo norte do

Estado do Amapá, na fronteira com a Guiana Francesa, e na foz do rio Oiapoque. Compreende partes dos municípios

de Calçoene e Oiapoque e tem uma faixa litorânea de cerca de 200 km de extensão, adentrando ao mar em 10 km.

Entre a cidade do Oiapoque e o PNCO, as terras indígenas Juminã, Galibi e Uaçá formam uma zona contínua de áreas

protegidas.

O PNCO abrange ecossistemas variados, a exemplo de manguezais, campos naturais, florestas flúvio-

marinhas, inundáveis e de terra firme, além de rica fauna. As belezas naturais, bastante conservadas e com evidente

atratividade turística – caso dos rios Cassiporé, Cunani, Uaçá e Oiapoque – permitem passeios de barco, canoa,

lancha e a prática de rafting. A vasta biodiversidade possibilita a visitação para contemplar espécies vegetais e

animais, sobretudo aves, além de trabalhos de educação ambiental e pesquisa científica (objetivos precípuos dos

parques nacionais).

No tocante à ocupação humana, de modo geral, a população em torno do PNCO apresenta baixos escores de

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Em 2000, a cidade de Oiapoque apresentou um escore de 0,738 e

Calçoene de 0,688 (IBGE, 2009). Sendo assim, encontra-se um modus vivendi rural, com predominância de atividades

de subsistência, a partir da utilização/extração de produtos naturais como cacau, mandioca, caça, pesca e frutas

tropicais, em ambiente conservado no interior da Floresta Amazônica.

Potencial para o Turismo de Base Comunitária

A privilegiada situação geográfica e as características telúrico-culturais do PNCO propiciaram o

desenvolvimento de um projeto de turismo que congrega os dois países (Brasil e Guiana Francesa). Trata-se do

Projeto Tartaruga Imbricata (TI). Esse projeto enfrenta o desafio da criação de um produto turístico sustentável de

fronteira, respeitando os objetivos dos parques nacionais brasileiros e garantindo a participação e inclusão das

comunidades locais.

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A estratégia de preservação e conservação da biodiversidade por meio da criação de áreas protegidas

constitui uma ferramenta de comprovada eficácia em vários países. No rastro dessa realidade, instituiu-se no Brasil o

Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) – Lei 9.985/00 – que define parques nacionais

como unidades de proteção integral, cujo objetivo básico é:

Art. 11. O Parque Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de

grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o

desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato

com a natureza e de turismo ecológico.

Nesse sentido, ressaltam-se as perspectivas positivas geradas pelo uso público nos parques nacionais

brasileiros. Para o PNCO, reiteram-se as possibilidades de trabalhar de forma conjunta essas três atividades –

educação ambiental, ecoturismo e pesquisa científica – de modo a construir um roteiro turístico sustentável. Para

cumprir esta finalidade, o projeto assume a metodologia do turismo de base comunitária (TBC) – segmento turístico

que explora o potencial de manutenção da qualidade e atratividade dos recursos naturais e culturais associado ao

objetivo de proporcionar inclusão social e viabilidade econômica aos destinos1. O principal diferencial do TBC reside

na concepção do produto turístico, porquanto os hábitos tradicionais das comunidades, vivenciados pelos turistas,

constituem o grande foco da visitação, estimulando a manutenção e a valorização da sua identidade cultural.

O Projeto Tartaruga Imbricata (TI)2

O projeto TI, desde a sua concepção inicial3, foi formatado a

partir de diálogos com as populações do entorno do PNCO,

procurando contemplar características capazes de gerar

benefícios relevantes e duradouros para a região. Desse modo,

o projeto TI tem como objetivo experimentar uma rota de

turismo integrando Roura, na Guiana Francesa, ao PNCO, no

Brasil, via marítima e terrestre, dentro de um modelo de TBC, a

ser desenvolvido juntamente com as comunidades do entorno

do Parque, criando condições de conservação ambiental, de

melhoria econômica dessas populações e de fiscalização/inibição de atividades ilícitas na UC aludida. Ademais, o

projeto em questão enfrenta o desafio da consolidação das áreas protegidas na Amazônia.

Iniciado em maio de 2009, o projeto TI prevê experimentações ao longo de dois anos, ao fim dos quais será

avaliada a sua viabilidade. A parte física conta com o apoio de duas embarcações: uma lancha da Guiana Francesa

1 (WWF-INTERNATIONAL, 2001)

2 O nome do projeto Tartaruga Imbricata denota uma filosofia imbricata, palavra latina que significa "algo que se encontra

sobreposto parcialmente a outro adjacente", como os escudos do casco de uma tartaruga. No caso do projeto, integração de parceiros, sobreposição de benefícios para o parque, para as comunidades e para o turismo. 3 A concepção inicial do projeto partiu de iniciativas conjuntas, em 2004, entre uma empresa de turismo da Guiana Francesa

(Waiki Village/Yatoutatou) e o PNCO/ICMBio. Neste ano, a Waiki Village/Yatoutatou manifestou interesse em descobrir os atrativos turísticos do parque. Em 2007, alguns estudos voltados para o uso público da UC possibilitaram conhecer melhor as populações locais. A partir daí vêm sendo realizadas experimentações de turismo, com a intenção de checar as possibilidades de visitação no PNCO e às comunidades.

Figura 1 - Viagem preliminar às experimentações; grupo formado de comunitários de Vila Velha do Cassiporé, turistas franceses metropolitanos, parque e integrantes da empresa Yatoutatou; lancha Papijo - rio Cassiporé. Crédito: Audrey Dumeaux.

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(Yatoutatou) e o barco Peixe-Boi (ICMBio). A empresa de turismo Yatoutatou utiliza a lancha para conduzir grupos de

cidadãos franceses de Roura (Guiana Francesa) ao PNCO. Em águas brasileiras, a lancha conta com o apoio do barco

regional Peixe-Boi. A visitação contempla a foz do rio Oiapoque, a região de Taperebá e as comunidades de Primeiro

do Cassiporé, Vila Velha do Cassiporé e do Quilombo de Cunani. A execução do projeto vem sendo conduzida por

uma equipe mista (comunidades ribeirinhas, PNCO e Yatoutatou), apoiada por instituições parceiras brasileiras e

francesas – como a Universidade de Brasília (UnB) e a Embaixada da França –. Toda a experimentação é avaliada por

um conselho formado por especialistas de diversas áreas4.

Benefícios Comuns

A atuação do ICMBio no PNCO, na medida em que implica em restrições

quanto ao uso e ocupação da área protegida, gerou resistências de

algumas comunidades, sobretudo daquelas que se situam no interior da

UC. O enfoque adotado tem sido o de utilizar o potencial cultural

comunitário em conjugação com a atratividade das belezas naturais do

PNCO, sem sobrepor o apelo turístico da natureza, tão comum em

destinações brasileiras. Essa estratégia possibilitou uma melhoria na

relação da equipe do PNCO/ICMBio com as populações, traduzida no

desejo de desenvolver turisticamente as localidades e valorizar o próprio

trabalho das comunidades.

O discurso que envolve o TBC e o projeto TI despertou o interesse das

populações, especialmente porque, em sua essência, preocupa-se em:

a) reconhecer as atividades culturais da comunidade como atrativo

turístico, promovendo melhoria da qualidade de vida, integração às

atividades do parque e fortalecimento da cultura local;

b) contribuir para o transporte de algumas

mercadorias – escoamento da produção local

– por meio dos barcos envolvidos na

visitação, além de inibir atividades ilícitas na

área do PNCO. Fica evidente a importância do

projeto TI, já que a visitação torna mais eficaz o

4 Neste ensejo é que a equipe do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS/UnB) organizou uma

equipe interdisciplinar para avaliar a proposta do TBC no PNCO.

Figura 3 - Café da manhã tradicional da comunidade de Vila Velha do Cassiporé, a bordo do barco Peixe-boi, servido pelas cozinheiras da vila; 1ª experimentação (11/05/09). Crédito: Denise Carvalho.

Figura 2 - Cozinheiras de Vila Velha do Cassiporé e produtos por elas produzidos, para serem dados aos turistas (barras de cacau, doce de cacau, bombons de chocolate recheados com cupuaçu, doce de cupuaçu, pupunha); 1ª experimentação (11/05/09). Crédito: David Leonardo Bouças da Silva.

Figura 4 – Preparo da farinha de mandioca realizado por comunitários de Vila Velha. Crédito: David Leonardo Bouças da Silva.

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monitoramento da área e/ou a apuração de denúncias

sobre pesca ilegal;

c) assegurar ganhos econômicos às comunidades,

com distribuição eqüitativa dos benefícios entre

as suas populações; o turismo pode gerar renda

direta por meio da visitação e da compra de

produtos locais (chocolate, artesanato e etc.).

Entraves e Facilidades

Entre os problemas do PNCO, destacam-se a pesca predatória, principalmente de barcos advindos do Estado

do Pará, e as queimadas clandestinas direcionadas às monoculturas e criação de animais. No tocante aos aspectos

sociais, os elevados custos de transporte dos produtos das comunidades do entorno dificultam as possibilidades de

incremento de renda dessas populações. Isso ratifica a importância do projeto TI, que lança mão dos barcos

turísticos para escoamento de alguns produtos locais.

Outra problemática importante é a carência de recursos humanos e financeiros, comum em parques

nacionais e demais UCs, intensificando as dificuldades na articulação de projetos, propostas e trabalhos de manejo

(DRUMMOND, 2006; KINKER, 2002; ROCHSTAECHEL, 2006). Quanto ao desenvolvimento do turismo, os principais

desafios residem nas dificuldades de acesso e nas distâncias entre as comunidades, fatores que implicam em longas

viagens e logística complicada; na necessidade de capacitações voltadas ao setor turístico, para gerar qualidade na

prestação de serviços que envolvem hospitalidade, atendimento, higiene ou, até mesmo, gestão do projeto; na

precariedade da infraestrutura e no desconhecimento de idiomas estrangeiros, especialmente o francês.

É preciso mencionar também as facilidades para desenvolvimento do TBC no PNCO, quais sejam:

característica acolhedora e prestativa da comunidade; interesse crescente de um público europeu apoiado na

vivência cultural com comunidades rurais; interesse do empresariado guianense em aliar aspectos econômicos aos

socioambientais; interesse das populações do PNCO, expresso na participação das escolas, associações e membros

da comunidade e disposição crescente das comunidades para se envolver nas atividades de capacitação.

Existe uma tendência mundial de redirecionamento estratégico de parques nacionais em nível bottom-up,

para a adoção de estratégias de governança concertada (UICN, 2009). Os acordos e reuniões feitos em torno do

projeto têm determinado novos apoios ou restrições, o que também melhora a governança. O caso do PNCO conta

com uma vantagem: tanto os colaboradores do parque quanto os representantes da empresa Yatoutatou e os

comunitários querem o turismo de base comunitária e o apóiam.

Figura 5 - Casa regional na BR 156 pertencente a uma família parceira do projeto, a 120 km de Oiapoque; hospedagem de turistas da 1ª experimentação. Crédito: David Leonardo Bouças da Silva.

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Turismo e História Local

Irving (2002) defende que o turismo pode apoiar o resgate da história oral e a manutenção do patrimônio

imaterial de comunidades locais. Considerando-se que a cultura envolve todos os símbolos de uma população, as

atrações mostradas aos visitantes podem denotar a continuidade temporal e a especificidade das comunidades.

Como atesta Irandi Miranda, guarda-parque do PNCO:

(...) a área daqui é muito grande, muito bonita e não é divulgada, nunca foi filmada, nunca foi mostrada; temos um jeito antigo de fazer cacau, licor, chocolate, as barras de cacau... temos vários licores de bebidas, bebidas típicas aqui do Cassiporé, como licor de açaí, de jenipapo, e outras bebidas que as pessoas estão incentivando e oferecendo aos turistas que vêm visitar a gente, pra provarem e saírem com aquele gosto de “ah, tomei isso aqui só lá na Vila Velha do Cassiporé”.

Em 2007 foi realizado na Vila Velha do Cassiporé um levantamento sócio-cultural, coordenado pelos

professores João Batista Ramos Filho e Maria do Perpétuo Socorro Calado Pinheiro e apoiado pela diretora da Escola

Estadual Vila Velha Jocilene Silva. Esse esforço de valorização da história local resgata fatos e histórias que ilustram o

modo de viver do ribeirinho e a sua preciosa cultura de pesca e sobrevivência. “No Amapá, a História Local encontra-

se totalmente ausente das propostas curriculares do Estado, escamoteando todo o processo de formação social

marcado pela presença de várias etnias e povos” (RAMOS FILHO e PINHEIRO, 2007, p.1). Dizem ainda os autores:

Que Deus nosso pai proteja e inspire os filhos desta terra a continuarem contando a saga deste povo

e suas belas histórias, às vezes esquecidas pelo poder público, mas que com certeza não passarão

pela vida, serão imortalizadas através da História, contados por si próprios que sem dúvida são

capazes de contá-las às gerações futuras (RAMOS FILHO e PINHEIRO, 2007, p.2).

Figura 6 - Descida de caiaque no rio Primeiro do Cassiporé; turistas e grupo de comunitários da Vila Primeiro do Cassiporé Crédito: Denise Carvalho.

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No registro da cultura imaterial, professores e alunos da escola

estadual procuraram conhecer a origem, os primeiros habitantes e o

tempo de existência da comunidade, para tentar compreender as razões

que levaram as primeiras pessoas a fixarem residência em Vila Velha. No

registro da cultura material, foi reconhecida a importância dos sítios

arqueológicos como “documentos históricos essenciais para esclarecer o

passado de um povo, incentivando nos alunos o interesse pela

preservação de suas raízes históricas e culturais” (RAMOS FILHO e

PINHEIRO, 2007, p.6).

Conclusão

O projeto Tartaruga Imbricata justifica-se pelos seguintes aspectos: integração da rota turística entre a

Guiana Francesa e o Brasil, bem como por meio do intercâmbio dos recursos humanos, de técnicas e de materiais, e

pelo fortalecimento do turismo de base comunitária. A situação geográfica de fronteira internacional do PNCO, nas

proximidades da Guiana Francesa, permite, ainda, aproveitar um fluxo de turistas que já existe, alimentado pelos

vôos domésticos oriundos da França, em busca do “exotismo” do Brasil.

Mesmo diante das fortes potencialidades do turismo no PNCO e das facilidades para concretizar o projeto,

identificam-se, ainda, limitações a serem enfrentadas e necessariamente discutidas com apoio de todos os atores

envolvidos, a exemplo: os limites de uso turístico no parque, em face da legislação vigente, atendo-se aos possíveis e

preocupantes impactos sócio-ambientais; limitações de comunicação em um projeto com idiomas e culturas

diferentes; dificuldade de acesso às localidades visitadas e de transporte da logística envolvida na visitação;

experimentações realizadas com poucos recursos financeiros; e a necessidade de identificar a viabilidade econômica

do projeto, em virtude da demanda turística e dos gastos envolvidos.

Apesar dessas dificuldades, o forte potencial, os benefícios comuns, bem como a valorização sócio-cultural

do território na zona de fronteira, permitem afirmar que esse projeto representa uma inovação para os parques

nacionais da Amazônia. Ademais, o projeto TI pode constituir um incremento significativo na governança ambiental

do parque e das comunidades de seu entorno. Entende-se que o trabalho de discutir com as populações locais as

possibilidades de gerar renda e melhor qualidade de vida já trouxe resultados positivos, pois ocasionou uma

aceitação da atividade de turismo. Isto se deve ao fato de as comunidades envolvidas terem participação direta na

elaboração dos roteiros e no molde pretendido da atividade turística.

Figura 7 - Dono da fazenda, criador de búfalos, conduzindo um passeio de búfalo com a turista francesa. Crédito: Elaine Batista.

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REFERÊNCIAS

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Decreto nº 5.566, de 26 de outubro de 2005. Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC. Lei nº 9.985,

de 18 de julho de 2000. Brasília: MMA, 2006. 56 p.

DRUMMOND, José Augusto; FRANCO, José Luis e NINIS, Alessandra. O Estado das Áreas Protegidas no Brasil – 2005

http://www.unbcds.pro.br/conteudo_arquivo/150607_2F62A6.pdf. Brasília, 2006.

DRUMMOND, José Augusto. O Sistema Brasileiro de Parques Nacionais: análise dos resultados de uma política ambiental. –

Niterói: EDUFF, 1997.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Estados@. Disponível em: <http://www.ibge.com.br> Acesso em:

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INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS (IBAMA). Parque Nacional do Cabo

Orange. – Amapá: ICMBio, s.d.

IRVING, Marta. Participação: questão central na sustentabilidade de projetos de desenvolvimento. In p. 35-45. In: IRVING, M. A

AZEVEDO, J. Turismo: o desafio da sustentabilidade. São Paulo, Futura, 2002.

KINKER, Sônia. Ecoturismo e conservação da natureza em parques nacionais. – Campinas, SP: Papirus, 2002. Coleção Turismo.

RAMOS FILHO, João Batista e PINHEIRO, Maria do Perpétuo Socorro Calado. Levantamento sócio-cultural de Vila Velha do

Cassiporé: resgatando a cultura – um estudo introdutório. Vila Velha do Cassiporé, no prelo, 2007.

ROCKTAESCHEL, Benita Maria Monteiro Muller. Terceirização em Áreas Protegidas: estímulos ao ecoturismo no Brasil. – São

Paulo: SENAC, 2006.

União Internacional pela Conservação da Natureza (UICN / IUCN-INTERNATIONAL), outubro 2009. Advancing the National Park

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