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Projeto urbano e seus condicionantes
Estabelecimento de objetivosA elaboração de projetos de parcelamento do solo urbano sob a forma de loteamento e desmem-
bramento deve ser precedida de uma série de cuidados para que o produto final seja de qualidade e possa garantir à população que residirá no local uma boa qualidade de vida. O parcelamento do solo apresenta ainda algumas peculiaridades quanto ao local de sua inserção, se urbano ou rural, quanto à sua legalidade, se legais ou ilegais (clandestinos ou irregulares), ou quanto à sua forma, se convencio-nais ou especiais (loteamentos fechados). No entanto, ainda continua sendo mais comum a presença de loteamentos na sua forma mais tradicional, ou seja, urbanos, convencionais e legais.
A Lei Federal 6.766 de 19 de dezembro de 1979 regulamenta o parcelamento do solo para fins ur-banos em zonas urbanas ou expansão urbana, assim definidas por lei municipal, e explicita os conceitos de loteamento e desmembramento em seu Capítulo I – Disposições Preliminares, artigo 2.o, parágrafos 1.o e 2.o:
Art.2.o - O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta lei e a das legislações estaduais e municipais pertinentes.
§1o - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.
§2o - Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolonga-mento, modificação ou ampliação dos já existentes.
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Essa lei federal, juntamente com os regulamentos municipais e as leis estaduais, veio disciplinar vários conflitos de interesses existentes entre usuários e habitantes da cidade e proprietários de lotea-mentos cujos objetivos são, por vezes, diferentes.
A primeira ação para o parcelamento do solo nasce do desejo do proprietário (público ou pri-vado) de uma gleba de terra existente dentro da área da cidade circunscrita pelo perímetro urbano, para transformá-la em um loteamento. Para tornar esse desejo em realidade entre outras providências legais, o proprietário deverá procurar um profissional ou um grupo deles que possua atribuições pro-fissionais para elaborar o projeto do loteamento e urbanização. Os profissionais com atribuições para realizar esse tipo de projeto são arquitetos, urbanistas e engenheiros civis, devidamente registrados no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA) de cada estado da federação. A relevância de um projeto de parcelamento do solo requer dos profissionais envolvidos uma grande responsabilidade para sua elaboração.
Os objetivos a serem estabelecidos para um projeto de loteamento são vários e dependem dos interesses das partes envolvidas, no caso o proprietário da gleba a ser parcelada, empresas loteadoras, construtoras ou cooperativas e a população representada pelo Poder Público. Segundo Barreiros (2007), os objetivos dessas partes se dividem em formais e informais e podem ser coincidentes ou conflitantes.
Os objetivos formais se referem à implantação de um projeto de parcelamento capaz de oferecer uma boa qualidade de vida à população, atendendo as expectativas dos clientes dentro das suas possi-bilidades econômicas. No entanto, os objetivos reais dos proprietários podem considerar aspectos mais específicos, tais como: garantir maior rentabilidade do investimento empregado, maior taxa de aprovei-tamento do terreno, garantir um retorno do capital no menor espaço de tempo possível, rápido início de vendas. Os objetivos reais dos clientes podem ser: pagar um menor preço pelo lote, possuir calçadas mais largas no loteamento, mais áreas verdes e institucionais, lotes com testada maior, entre outros. Os objetivos e os conflitos deles decorrentes variam de acordo com fatores como o local de inserção do parcelamento, o perfil dos clientes a quem se destina preferencialmente o produto, políticas públicas locais, entre outros. Outros agentes também fazem parte do processo de parcelamento do solo e são constituídos pelas empresas concessionárias de energia, gás, telefonia, água, transporte, iluminação, lixo, empresas de consultoria e projetos de parcelamentos, cartórios, bancos e agências de fomento. Todos esses agentes possuem interesses e objetivos diversos quando participam do processo e os mes-mos devem ser equacionados para que os objetivos formais sejam alcançados.
Metodologias e dados necessários para o processo de parcelamento do solo
A inserção de novas áreas urbanizadas na cidade traz diversos impactos que diminuem a quali-dade de vida dos habitantes e requer, cada vez mais, recursos públicos para a solução de intervenções inadequadas no meio ambiente. A responsabilidade socioambiental dos planejadores e empreende-dores torna-se fundamental para a obtenção de cidades melhores e mais habitáveis, com a prática do urbanismo sustentável.
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A compreensão do ambiente e seu funcionamento é um elemento básico para o projeto. O fun-cionamento da cidade, em que sistematicamente novos loteamentos são inseridos, pode ser compara-da a um organismo humano e, segundo Andrade e Romero (2007, p. 9), pode assim ser descrito
Explorando a cidade como um organismo vivo, Register (2002) faz uma analogia da anatomia da cidade com a ana-tomia humana. As ruas, redes de água, esgoto, drenagem e gás funcionam como o Sistema Circulatório, a arquitetura com seus elementos verticais funciona como apoio, similar ao Sistema Esquelético, os alimentos e os combustíveis funcionam como o Sistema Digestivo, que transformam a energia armazenada. Os sistemas de tratamento de água ou compostagem funcionam com um Sistema de Filtragem e Reciclagem e, os lixos incineradores e saídas de esgotos atuam como o Sistema de Excreção. Esse tratamento pode ser interessante para efeitos de educação ambiental da po-pulação, mas para o urbanismo o desempenho das atividades tem que estar associado à morfologia, no lugar ou sítio em que cada cidade está implantada.
A comparação com o organismo vivo ressalta a idéia de que é necessário um entendimento inter-disciplinar quando da elaboração de intervenções urbanas. Sabedores das condições atuais das cida-des, os planejadores e empreendedores devem encarar o projeto de um loteamento urbano sob a ótica do desenvolvimento sustentável e o mesmo deve ser capaz de se tornar um elemento de fomento para uma nova forma de habitar, como mencionado por Andrade e Romero (2007, p. 11):
[...] como espaço de propagação de pressupostos do desenvolvimento urbano sustentável para suas áreas de influên-cia, podendo exercer papel relevante nos processos de integração sócio-espacial da região. Propõe-se incentivar o sentido de vizinhança e alianças comunitárias, por meio de espaços que propiciem a interação social. Ainda que se reconheça que a configuração espacial não é determinante das relações sociais, entende-se que o espaço não é uma instância passiva e neutra.
Para que o projeto de parcelamento do solo consiga tais objetivos faz-se necessário considerar as metodologias de pesquisa, análise e diagnóstico ambiental e propostas de intervenção. A literatu-ra do desenvolvimento sustentável é farta em metodologias de compreensão e intervenção urbana, contudo serão exemplificadas as metodologias propostas por Andrade e Romero (2007) e por Souza, Tucci e Pompêo (2007). Os dados que o proponente do loteamento deverá dispor inicialmente podem ser traduzidos em plantas do terreno na escala 1:1 000 ou 1: 2 000, plantas topográficas contendo ele-mentos de destaque como recursos hídricos, áreas de preservação, entre outros aspectos. Deverão ser conhecidos os aspectos geológicos, de fauna e flora do local, da permeabilidade do solo, geotécnicos, cursos d’água, áreas alagadiças, mananciais, linha de transmissão de energia, linhas teleféricas, adutoras e demais indicações que caracterizam o imóvel. Outros dados que também devem ser conhecidos se referem a demarcação das áreas com declividade de 30%, arruamentos existentes nas áreas confron-tantes, abastecimento de água, redes de drenagem de águas pluviais, redes de esgoto etc. Devem ser conhecidas também as leis de sistema viário, Plano Diretor e zoneamento e parcelamento do solo do município, além das leis estaduais e federais que regem a matéria.
Para Andrade e Romero (2007) o projeto de parcelamento sustentável possui três etapas: a pri-meira constitui-se do diagnóstico ambiental da área de inserção, obtido com o Estudo de Impacto Am-biental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) e Estudo de Impacto de Vizinhança e Relatório de Impacto de Vizinhança (EIV-RIVI). Esses dois instrumentos são requeridos para a elaboração do projeto de parcelamento e constituem ótimas ferramentas para o projeto de um bom loteamento. A partir dos dados ambientais presentes nos estudos e relatórios, o diagnóstico ambiental pode ser realizado por meio da elaboração de tabelas que possibilitam uma análise dos conflitos ou problemas existentes nos meios físicos, bióticos e antrópicos e as diretrizes propositivas.
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Tabela 1 – Diagnóstico ambiental – (Tabela meio antrópico/Abastecimento de água)
Dados identificados
Qualificação dos dados
Informações e conseqüências
Conflitos e problemas
Observações e gráficos
Diretrizes propositivas
AN
DRA
DE;
RO
MER
O, 2
007.
Abastecimento
de água.
1. Abastecimen-
to pelo Sistema
Santa Maria/
Torto 1 260l/s
e 500l/s com
as respectivas
cotas de 1 072m
e 1 025m.
Através das ele-
vatórias próxi-
mas ao Ribeirão
do Torto vai para
ETA-Brasília.
1. Bacia de dre-
nagem dentro
do Parque Nacio-
nal de Brasília.
1. Erosões
causadas por
antigas casca-
lheiras.
1. Evitar o abaste-
cimento apenas
por esse sistema
que abastece 30%
do DF é reforçado
pelo sistema do
rio descoberto.
2. Invasão de
chácaras na
Unidade de
Conservação
do Parque Na-
cional.
2. Áreas já
ocupadas e
contaminação
de nascentes.
2. Retirar a ocu-
pação irregular
na unidade de
conservação e
fundos de vale nas
proximidades do
varjão.
3. Longas
tubulações.
3. Gastos com
elevatórias e
tubulações.
3. Criar soluções
alternativas para o
reaproveitamento
da água da chuva
e das águas resi-
duais para jardins,
lavagem de carros
e descargas de
vasos sanitários.
(Tecnologias
sustentáveis).
4. Reservatório
(RAP-LN1) loca-
lizado próximo
ao CA e redes
existentes.
Capacidade de
10 000m3 e
facilidade de
implantação de
rede no CA.
4. A utilização
do reservatório
sobrecarregará
o sistema Santa
Maria/Torto.
A segunda etapa deve ser constituída pelo estabelecimento de estratégias ecológicas baseadas em princípios ecológicos que visam favorecer a interdependência das áreas, maximizar a reciclagem em todos os subsistemas urbanos, pensar a energia solar e os aspectos bioclimáticos, favorecer as alianças entre moradores, implantar uma maior diversidade de usos, favorecer o equilíbrio dinâmico através de um bom projeto de funcionamento das vias e usos adequados. A tabela oriunda dessa etapa mostra os
25|Projeto urbano e seus condicionantes
recursos ambientais e as estratégias necessárias (concepção urbana) para que os princípios de susten-tabilidade sejam transformados em técnicas de desenho.
Tabela 2 - Princípios de sustentabilidade utilizados na aplicação do parcelamento urbano
Princípios de sustentabilidade Estratégias: concepção urbana Técnicas urbanas
AN
DRA
DE;
RO
MER
O, 2
007.
Mobilidade sustentável 1. Propiciar aos moradores, locais de
trabalho e lazer próximo as moradias
para reduzir necessidades de desloca-
mentos.
Ciclovias
Apenas vias locais de 6m para automó-
veis, separadas da rede de ciclovias e de
caminhos para pedestres com 2,5m de
largura. Vias iluminadas e sinalizadas.
Revitalização urbana e sentido de
vizinhança
1. Espaços Públicos que propiciem en-
contros, reuniões e trabalhos conjuntos.
2. Desenvolver um sentido de lugar.
3. Clube local com área de lazer.
4. Integrar o centro de atividades a
outra regiões.
Tratamento bioclimático
do espaço público:
Uso de pérgulas para sombreamento,
captação da água da chuva por meio de
espelhos d agua com climatizadores.
Predominância das tipologias na
orientação solar nordeste-sudoeste no
sentido da topografia – boa incidência
dos raios solares. As casas que estão no
sentido noroeste-sudeste receberão bri-
ses verticais e proteção com vegetação.
Adensamento urbano 1. Desenho urbano para um
melhor aproveitamento da área,
de 22,5hab/ha para 51hab/ha.
2. Conter a expansão desordenada
no entorno.
3. Tipologias mais densas localizadas
na cota mais alta.
Tipologias:
Casas geminadas – 22 x 233m2 – lote
de 264m2;
Geminadas Escalonadas – casa páteo-
térrea 268m2/outra sobreposta 220m2
com acessos independentes;
Geminadas de 2 pav. recuadas 2m
205m2 – lote de 225m2.
Proteção ecológica 1. Corredor ecológico – parque.
2. Conter a expansão desordenada no
entorno.
3. Tipologias mais densas localizadas
na cota mais alta.
Zoneamento permacultural:
zona 1 – hortas familiares: páteos e
coberturas;
zona 2 – paisagismo produtivo: arbo-
rização das ruas, estacionamentos,
praças;
zona 3 – abastecimento condominial:
área para produção agrícola intercala-
dos com espaços de lazer e pequenos
canais de escoamento;
zona 4 – parque ecológico: repovoa-
mento da flora e da fauna, viveiro, lazer.
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Princípios de sustentabilidade Estratégias: concepção urbana Técnicas urbanasDrenagem 1. Manter o ciclo hidrológico na Bacia
do Lago Paranoá.
2. Melhorar o microclima local e os
efeitos da seca.
Drenagem natural
O sistema é composto por dois subsiste-
mas: um que absorve as águas das vias
por meio de pavimentação permeável e
pequenas canaletas, e outro que recebe
as águas de grandes tempestades por
meio de uma bacia de contenção de
900m de extensão por 10m de largura e
30cm de profundidade.
A etapa posterior é constituída pelo desenho urbano propriamente dito, elaborada com o conhe-cimento das etapas anteriores. O equacionamento das características requeridas para cada subsistema presente no loteamento e suas respostas ambientais caberá ao profissional, por meio do seu conheci-mento e vocabulário técnico. Dessa forma, é primordial que os profissionais do desenho urbano conhe-çam todas as possibilidades que o meio técnico informacional dispõe para solução dos problemas.
Hierarquização do sistema viário urbanoO desenvolvimento do projeto de parcelamento se dá em quatro fases: conhecimento das
diretrizes emitidas pela Prefeitura, após o conhecimento dos dados iniciais; estudo preliminar, em que se delineia o plano urbanístico; projeto básico, em que se dá o detalhamento do sistema viário e a dimensão dos lotes; projeto executivo, em que as obras de infra-estrutura e detalhes construtivos são projetados.
As diretrizes fornecidas pela Prefeitura explicitam as vias ou estradas existentes ou projetadas, o zoneamento das áreas destinadas a uso público e institucionais, faixas “non aedificandi”1 ao longo dos cursos d´água, ferrovias, rodovias, o traçado do sistema viário principal, vias existentes nas áreas vizi-nhas, eventuais desapropriações, entre outras características. Unindo o conhecimento desses aspectos, das plantas topográficas e do conteúdo da análise ambiental é possível iniciar o estudo preliminar do parcelamento, o qual terá o sistema viário como ponto de partida.
O sistema viário desempenha vários papéis em um bairro: além de servir de acesso aos lotes e possibilitar a circulação, ele é ainda um elemento vital para a vida em sociedade, pois se constitui no espaço público mais abundante na cidade. As vias devem ser belas e funcionais, capazes de servir à ne-cessidade de deslocamento, mas também ao prazer de circular por elas, de encontrar pessoas, de sentir a cidade em sua dimensão pública. A rua se constitui em elemento vital para o organismo chamado cidade e, na visão de Andrade e Romero (2007, p. 9), pode assim ser definida
O desenho das ruas, ou mais precisamente, a morfologia urbana, é o elemento estruturador dessa anatomia. Entretan-to, se as ruas forem projetadas visando o máximo de aproveitamento da mobilidade humana, a morfologia torna-se menos importante, pois pedestres exigem menos infra-estrutura. Torna-se inevitável, porém, associar o layout às es-tratégias de redução de impacto dos sistemas de infra-estrutura, uma vez que esses sistemas constituem um meio de
1 Por áreas “non aedificandi” entende-se aquelas que, por motivos de ordem técnica ou legal, não podem servir a edificações, devendo ser deixadas livres, vinculando seu uso a uma servidão.
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ligação significativa (subterrânea) entre a cidade e o meio natural. Cabe ao projetista então uma série de estratégias ou princípios associados à morfologia para assegurar a sustentabilidade ambiental.
Dada a importância do sistema viário em um loteamento faz-se necessário tratá-lo de forma a se obter uma melhor qualidade espacial. Uma das características básicas de um sistema viário é a possibi-lidade de hierarquização das vias, ou seja, o estabelecimento de critérios diferentes para vias com fun-ções urbanas distintas. Essa hierarquização (fig. 1) traz diversas vantagens, proporcionando otimização dos custos de implantação e manutenção, melhor desempenho das funções e uma clara comunicação com os usuários.
Figura 1 – Hierarquia viária: 1 – via arterial, 2 – via coletora, 3 – via local
12
3
MO
RETT
I, 19
86.
As vias podem ser classificadas pelas funções que desempenham na malha urbana, sendo que a largura varia com o volume do tráfego que passa por ela. Segundo a SUPAM/SEPLAN (1984, p. 9) as vias podem ser classificadas como:
Vias coletoras (vias secundárias):: – possibilitam a circulação de veículos entre as vias arteriais e acesso às vias locais;
Vias arteriais (vias preferenciais):: – destinam-se à circulação de veículos entre áreas diferen-tes, com o acesso a áreas lindeiras devidamente controlado;
Vias locais:: – dão acesso direto aos lotes lindeiros e ao trânsito local;
Vias de pedestres:: – destinam-se ao trânsito exclusivo de pedestres;
Ciclovias:: – destinam-se ao trânsito exclusivo de veículos de duas rodas não-motorizados (bicicletas).
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A essas vias pode-se agregar a nomenclatura via estrutural, existentes em algumas cidades, para aquelas vias arteriais com uso do solo específico e grandes larguras, e ainda as vias expressas, que possi-bilitam mais velocidade e normalmente são caracterizadas pelas rodovias que dão acesso às cidades.
A hierarquização do sistema viário deve considerar a existência de malhas adjacentes já estabe-lecidas; contudo, na falta delas, deve-se estabelecer vias coletoras aproximadamente a cada 400m. O dimensionamento das larguras das vias depende do volume de tráfego, no entanto é possível supor um pré-dimensionamento para um grau de motorização da ordem de três a cinco habitantes por veículo. As calçadas possuem outros fatores que envolvem seu dimensionamento, pelo fato de se constituírem em locais de encontro de extrema necessidade para a vida coletiva. A partir dessas considerações pode-se supor alguns perfis viários, conforme a figura 2.
Figura 2 – Exemplos de perfis viários
Via estrutural
Via arterial
Via coletora
Via local
3,50 9,50 9,502,50 2,50 3,507,00Passeio Pista de rolamento Pista de rolamentoCanteiro Canteiro PasseioPista exclusiva Ônibus
37,00
3,50 9,50 9,505,00
30,00
3,50Passeio Pista de rolamento Pista de rolamentoCanteiro Passeio
2,50 7,00 7,002,00 2,50Passeio Pista de rolamento Pista de rolamentoCanteiro Passeio
2,00 8,00 2,00Passeio Pista de rolamento Canteiro
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Segundo Puppi (1981), o sistema viário urbano deve se amoldar à configuração topográfica a ser delineada tendo-se em vista:
Os deslocamentos fáceis e rápidos, obtidos com percursos os mais diretos possíveis, entre os ::locais de habitação e os de trabalho e de recreação, e com comunicações imediatas do centro com os bairros e destes entre si;
Propiciar melhores condições técnicas e econômicas para a implantação dos equipamentos ::necessários aos outros subsistemas de infra-estrutura urbana;
A constituição racional dos quarteirões, praças e logradouros públicos;::
A interligação sem conflitos ou interferências da circulação interna com o subsistema viário ::regional e interurbano; e
A limitação da superfície viária e seu desenvolvimento restrito ao mínimo realmente necessá-::rio, em ordem a se prevenir trechos supérfluos e se evitarem cruzamentos arteriais excessivos ou muito próximos.
Além disso, as vias, que constituem o subsistema viário, deverão conter as redes e equipamentos de infra-estrutura que compõem seus demais subsistemas, em menor ou maior escala.
Para Mascaró (1994), o sistema viário é composto de uma ou mais redes de circulação, de acordo com o tipo de espaço urbano (para receber veículos motorizados, bicicletas, pedestres, entre outros). O sistema é complementado pela drenagem de águas pluviais, que assegura ao viário o seu uso sob quaisquer condições climáticas. De todos os sistemas de infra-estrutura urbana, esse é o mais delicado, merecendo estudos cuidadosos porque:
é o mais caro dos sistemas, já que normalmente abrange mais de 50% do custo total de urba-::nização;
ocupa uma parcela importante do solo urbano (entre 20% e 25%);::
uma vez implantado, é o sistema que mais dificuldade apresenta para aumentar sua capaci-::dade pelo solo que ocupa, pelos custos que envolvem e pelas dificuldades operativas que cria sua alteração;
é o sistema que está mais vinculado aos usuários (os outros sistemas conduzem fluidos, e ::este, pessoas).
O desenho geométrico do sistema viário deve ter uma forma que possibilite deslocamentos com conforto e segurança, seja para usuários de veículos motorizados, pedestres ou ciclistas. Dessa forma, além do dimensionamento das larguras, os cuidados com declividades e raios de giros tornam-se indispensá-veis. A escolha do tipo de traçado a ser implantado deve considerar também a topografia da gleba.
Recomenda-se para as interseções de vias um desenho que possibilite uma melhor visibilidade, diminuindo o número possível de acidentes. Isso pode ser conseguido evitando-se cruzamentos de vias em ângulos agudos, dando preferência a ângulos entre 80o e 90o. Os raios horizontais de concordância entre as vias devem ser coerentes com o tráfego que elas podem receber (tabela 3).
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Tabela 3 – Raios de curvatura nos cruzamentos de vias
R = ...
Tipo de via Raio (m)
MA
SCA
RÓ, 1
994.
Local com local 2 a 3
Coletoras 5 a 7
Arteriais 8 a 10
O desenho de ruas sem saída, próprias de traçados urbanos do tipo árvore (fig. 3) e estaciona-mento, deve seguir as referências técnicas da boa forma urbana, com vista a conseguir um bom de-sempenho do sistema viário e menos conflitos, o que resultará em um menor número de acidentes de trânsito.
Figura 3 – Recomendações técnicas para ruas sem saída
PRIN
Z, 1
979.
O sistema viário pode assumir formas distintas conforme a imaginação do projetista, podendo ser em forma de retícula, radiocêntricas, em árvore ou uma mistura de todas elas. Contudo, o resultado
31|Projeto urbano e seus condicionantes
deve servir ao exercício da boa forma urbana e proporcionar qualidade de vida aos habitantes da cida-de. O sistema viário de uma cidade não pode ser encarado apenas sob o ponto de vista funcional, mas agregar a esse o caráter fundamental que a rua possui de proporcionar encontros e tornar-se palco de acontecimentos que marcarão a vida de todos.
Texto complementar
Espaços de uso público: ruas criadas e praças projetadas(COSTA, 2007)
Entre os elementos componentes dos projetos de parcelamento do solo pode-se dizer que es-tes se dividem em dois espaços: o privado e o público. Nos loteamentos este último constitui-se de ruas e praças, elementos que se destinam à sociabilidade e convivência. E os demais elementos citados e descritos anteriormente (lotes e quadras) constituem o espaço privado, destinado ao uso particular. No contexto da cidade, as ruas são caracterizadas como locais de passagem, onde as pes- soas podem se encontrar e as praças como locais de parada, e por essa razão os locais onde as pesso-as podem, além de se encontrar, conviver. Entretanto, também é verdade que as calçadas são espa-ços muitas vezes utilizados para a integração social. Os usos dos passeios públicos podem ocorrer de diferentes formas, variando de acordo com a cultura local, bem como da existência e a proximidade de locais que desempenhem essa função.
As ruas têm algumas de suas características como dimensão e largura asseguradas pela legisla-ção. Contudo, os perfis transversais apresentados nos projetos nem sempre correspondem ao que é previsto em lei. O artigo 25 da Lei Municipal 575, de 26/11/1957 fixa dimensões mínimas para as vias locais de menor circulação entre 10,00 e 12,00m. Nos loteamentos as vias locais correspondem às ruas criadas para deslocamento interno e estas podem ou não ter conexão com a malha externa. Esse artigo ainda remete-se à dimensão da superfície de rolamento, estabelecendo que esta não poderá exceder a dois terços (2/3) da superfície total.
Nos loteamentos analisados a largura das vias variava entre 6,00 e 24,00m. Às menores corres-pondem as vias locais e às maiores às vias primárias ou vias de acesso ao empreendimento, ou ain-da, prolongamento de uma via existente. A maior parte das vias apresenta largura total de 12,00m como previsto em lei, com pista de rolamento de 8,00m e faixas de 2,00m em ambos os lados desti-nados aos passeios públicos. O que se questiona é se essas configurações atendiam às funções que esses espaços podiam desempenhar, em especial as calçadas, nas quais não apenas a passagem de pedestre ocorre, mas também a parada e o convívio dos que as utilizam. Se a arborização era obriga-tória e a calçada tinha, por exemplo, 1,5m de largura, como conciliar as demais funções num espaço diminuto? Alguns autores dos projetos aprovados no período afirmam que a largura ideal para uma via é de 14,5m de pista, sendo esta composta por duas faixas de rolamento (3,5m cada) e uma faixa destinada a estacionamento (3,5m), e pelo menos 2m de calçadas.
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A importância dessas medidas não é olhada, neste trabalho, apenas sob o ângulo técnico, jul-gando o quanto de largura é necessário para o desempenho favorável do fluxo de veículos e de pe-destres, mas sim sob o aspecto social, o quanto desses espaços é oferecido à integração social e qual o verdadeiro papel desempenhado por esses espaços. Como a legislação assegurava a arborização dos logradouros, o espaço das calçadas poderia então ainda ser partilhado com os espaços de permanên-cia e de passagem, além dessa faixa destinada a equipamentos urbanos e vegetação (figura 2).
Figura 2 – Perfis transversais de vias públicas apresentados nos projetos de loteamento
Por isso enfatizamos também o quanto a vida social cotidiana interiorizou-se nos espaços confinados pelos muros das casas residenciais. Isso porque a rua, que por certo intervalo da histó-ria das cidades completava a casa, sendo uma extensão dela, onde as pessoas conviviam, passou a se contrapor a ela – “a casa tem a função de preservar a individualidade, reforçando o privado” (FANI, 1996). A razão de a rua se opor à casa pode ser explicada pelo aumento significativo do uso da televisão como instrumento de informação e divertimento, minimizando o contato com a vizinhança. Da mesma forma, o predomínio dos automóveis, que “tirou as cadeiras das calçadas” (FANI, 1996) é um dos agravantes no enfraquecimento da sociabilidade, uma vez que reduz as rela-ções de vizinhança. As atividades, antes realizadas nas ruas e nas calçadas dos bairros (quermesses, encontros nas esquinas, ensaio das escolas de samba – exemplos citados por Ana Fani no seu livro O lugar no/do mundo) atualmente acontecem em locais fechados. É como se aos poucos fossem desaparecendo os lugares, os pontos de encontro.
“... Mas de “lugar do estar” as ruas das metrópoles definitivamente se transformaram em lugar de passagem. Mas não perdeu para sempre o seu sentido de lugar do encontro, bem como de reunião, por mais que hoje se tenham tornado esporádicos. Quantos pés já não deixaram aí suas pegadas?” (FANI, 1996).
Além das ruas, as áreas destinadas à sociabilidade podem estar localizadas ao centro, como se a estas fosse empregada função de centralidade do loteamento. Em outros, esses espaços loca-lizam-se na periferia do terreno, como se objetivassem a beleza estética do loteamento. Indepen-dente de sua localização e de sua dimensão, os espaços de uso público podem ou não responder ao objetivo para os quais se destinam: promover a sociabilidade, a aproximação entre os moradores.
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Isso porque a realidade social e de convivência da localidade é capaz de fazer usos distintos de um mesmo espaço: tanto podem utilizá-lo para uma aproximação, quanto fazer deles o limite entre seus mundos privados.
A existência desses espaços nos loteamentos é percebida de forma muito reduzida – a maior parte dos projetos não apresenta as praças como elemento constituinte. A caracterização desses es-paços não segue uma uniformidade quanto ao tamanho e qualidade. Em alguns projetos as praças ou as áreas verdes correspondem a terrenos intersticiais, ou seja, terrenos que não têm caracterís-ticas físicas favoráveis à comercialização como lote. Alguns autores de projetos ainda afirmam que essas áreas deveriam ser projetadas para serem pontos centrais dos loteamentos e que para elas convergissem as demais ruas, funcionando como um grande centro verde. Contudo, essa realidade não é constatada nos projetos analisados: grande parte dos empreendimentos que apresentam áreas destinadas ao uso público destina para esse fim os espaços que sobram da divisão da gleba, normalmente na periferia do loteamento.
Alguns projetos, em especial os de maior dimensão, demonstram um maior cuidado na distri-buição dos elementos e configuração formal resultante – oferecimento de um lugar onde as pes-soas tenham a possibilidade de viver e se encontrar já que é na cidade onde se expressam as ne-cessidades mútuas de cada indivíduo e impele, na produção da vida urbana, “uma série de “atos” e “encontros” que ocorrem permanentemente e simultaneamente no espaço urbano” (GRAEFF apud CALIHMAN, 1975).
Isso pode ser observado na maior quantidade de cruzamentos, as esquinas, onde as pessoas se encontram, cruzam seus caminhos e, tomando a decisão por onde seguir, continuam seu trajeto. Como também na maior quantidade de espaços de uso público, refletida não apenas nas praças e áreas verdes, mas também nas áreas destinadas ao passeio público – as calçadas e vias. Entretanto, cada grupo, cada formação pessoal pode-se utilizar de forma diferente dessa realidade – entendê-la como uma possibilidade maior de se encontrar com o próximo, ou utilizá-la como fronteira entre os espaços privados.
Alguns loteamentos podem gerar também um espírito de cooperação entre os moradores, refletido na criação de associações que buscam, em união com todos os habitantes da localidade, primar pela qualidade do loteamento, e que normalmente concentram essa melhoria nos espaços que possam atender a todos de forma igualitária, e esses espaços são os espaços de uso público.
Nas pequenas glebas, onde justamente por acomodar um número menor de moradores pode-ria ser facilitada a sociabilidade entre eles, quase não são oferecidas áreas para uso público, apenas as ruas e calçadas. Talvez as calçadas sejam suficientes para estabelecer uma ligação entre os mora-dores pela pequena dimensão da via, o que faz com que eles estejam mais perto uns dos outros.
Cada projeto de parcelamento do solo, inserido, criado no seio citadino, pode fazer surgir uma nova forma de sociabilidade urbana, dando continuidade ou não ao que já existia.
Entretanto a existência de espaços que podem proporcionar a aproximação entre os mora-dores nem sempre é olhada sob ângulo positivo. O afastamento provocado pela maior e contínua distância entre os espaços públicos e privados pode ser traduzida como fronteira capaz de ser ultra-passada e obstáculo incapaz de ser quebrado.
34 | Parcelamento do Solo Urbano e suas Diversas Formas
Atividades1. O que você entendeu por loteamento e desmembramento?
2. Quando do estabelecimento de objetivos por parte dos agentes envolvidos no processo de par-celamento do solo, emergem conflitos que necessitam ser mediados. Quais são os instrumentos públicos de mediação desses conflitos?
3. O que você entendeu por hierarquização viária e como as vias podem ser classificadas?