Projetos urbanos

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C615p Claudio, Lorreine Agostinho

Projetos urbanos: sobre a inclusăo socioespacial. / Lorreine Agostinho Claudio – 2013.

208 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013. Bibliografia: f. 193-198.

1. Projeto urbano. 2. Inclusão social. 3. St. Jean. 4. Maas-tricht. 5. Bicocca. 6. Céramique. I. Título.

CDD 711.4

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BANCA ExAMINADORA

Qualificação de dissertação de mestrado em Arquitetura e Urbanismo apre-sentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Professor Dr. Abilio Guerra Instituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie.Julgamento:.....................................................Assinatura:.......................................................

Professor Dra. Eunice Helena AbascalInstituição: Universidade Presbiteriana Mackenzie.Julgamento:.....................................................Assinatura:.......................................................

Professor Dra. Mônica Junqueira de CamargoInstituição: Universidade São Paulo.Julgamento:...................................................Assinatura:.....................................................

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CRéDITOS

Capa: (de cima para baixo) 1. Croqui desenvolvido por Pierre Bonnet com o conceito detalhado do projeto de St. Jean. Fonte: Arquivo do arquiteto; 2. Cro-qui do projeto urbano Céramique. Fonte: Revista Óculum p.04/05; 3. Imagem pertencente do projeto vencedor de autoria de Gregotti, onde a Viale Sarca já aparece gradeada. Fonte: Arquivo Prelios.

arte da Capa: André Marques e Fernanda Critelli.projeto GráfiCo: Fernanda Critelli.fontes: Neutra Text Book e Bold (capítulo e título); Futura Md BT Bold (sub-

título); Futura Bk BT Book (corpo texto, nota de rodapé, bibliografia e lista de imagens); Neutra Text Light (legenda de imagens).

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RESUMO

A presente dissertação analisa três Projetos Urbanos – Céramique, na cidade de Maastricht, Holanda; St. Jean, na cidade de Genebra, Suíça; Bicocca, na ci-dade de Milão, Itália –, implantados em áreas com problemas de degradação decorrentes da obsolescência industrial e da presença de infraestrutura pesada de transporte.

Neste trabalho, entende-se como Projetos Urbanos as iniciativas de recuperação urbana concentradas em trechos específicos da cidade, com a par-ticipação do poder público, da iniciativa privada e dos usuários, com o intuito de maximizar e compatibilizar os esforços e investimentos que norteiam a implemen-tação integrada de ações e projetos a curto, médio e longo prazos.

As intervenções selecionadas foram examinadas não apenas em seus proje-tos urbanos e arquitetônicos, mas também em dois outros aspectos fundamentais: a) os processos de projeto e gestão, incluindo os aspectos legais e normativos, que tornaram possível sua implantação; b) a realidade atual pós-uso, consideran-do seus objetivos iniciais, verificando se eles conseguiram melhorar a qualidade não só do espaço, mas da vida dos seus habitantes.

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This dissertation analyzes three Urban Projects - Céramique in the city of Maastricht, Netherlands; St. Jean, in Geneva, Switzerland; Bicocca in Milan, Italy - deployed in areas with problems of degradation resulting from industrial obso-lescence and the presence of heavy transport infrastructure.

In this work, Urban Projects mean urban regeneration initiatives focused on specific parts of the city, with the participation of government, private sector and users, in order to maximize and harmonize efforts and investments that guide the implementation integrated projects and actions in the short, medium and long term.

The interventions examined were selected not only for their architectural and urban projects, but also in two other aspects: a) the processes of design and man-agement, including the legal and regulatory aspects, which made possible its implementation b) the current reality post -use, considering its initial objectives, checking checking if they accurately improved not only the quality of the urban space, but the lives of its inhabitants.

ABSTRACT

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SUMÁRIO

RESUMO

APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO: AS TRANSFORMAÇÕES DA CIDADE CONTEMPORÂNEA

Áreas em processo de obsolescência e vazios urbanos

Os grandes desafios: os limites e barreiras urbanas

Planejamento estratégico e Projetos Urbanos

CAPÍTULO 1: ST-JEAN DE GENEBRA - SUÍÇA (1992-2002)

Antecedentes e problemática urbana

Processo de Projeto e construção

Leis, viabilidade institucional e econômica, gestão, investidores e parcerias

Realidade atual pós-uso

Balanço

CAPÍTULO 2: MAASTRITCH - HOLANDA (1987-1998)

Antecedentes e problemática urbana

Processo de Projeto e construção

Leis, viabilidade institucional e econômica, gestão, investidores e parcerias

Realidade atual pós-uso

Balanço

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19243236 515761757782

859093114118128

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CAPÍTULO 3: BICOCCA DE MILÃO - ITÁLIA (1985-2000)

Antecedentes e problemática urbana

Processo de Projeto e construção

Leis, viabilidade institucional e econômica, gestão, investidores e parcerias

Realidade atual pós-uso

Balanço

CONSIDERAÇÕES FINAIS

BIBLIOGRAFIA

LISTA DE IMAGENS

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Durante os vinte anos vividos no bairro residencial do Pari, a 700 metros de uma ferrovia localizada no centro de São Paulo, senti na pele os resultados do processo de desindustrialização paulistana: abandono, instalações industriais desocupadas, ruas vazias e muitas vezes sem saída e por isso perigosas.

Este bairro, ilhado entre a ferrovia, o rio Tamanduateí e o rio Tietê, tem conta-das ruas de entrada e saída e, nestes pontos, antigamente havia frequentes con-gestionamentos. Ao mesmo tempo em que esta situação garantia certa preser-vação, também carregava a sensação de isolamento, pois, apesar de muito próximos do centro, estávamos sempre “do lado de lá”.

Como residente na cidade de Eindhoven na condição de aluna em intercâm-bio no período da graduação, eu conheci cidades na Holanda e em outros países europeus que, ao contrário de São Paulo, conseguiram através de projetos ur-banos enfrentar seus problemas de conexão e reinserir de formas diversas antigas áreas fabris às novas realidades e necessidades urbanas.

Exemplo disso é o caso de Roterdã, onde a antiga área portuária e industrial de Kop van Zuid foi regenerada e conectada ao tecido urbano do centro da ci-dade. Para isso foi vital a construção da ponte Erasmus que permitiu a automóveis, bondes, pedestres e ciclistas passassem sobre o rio. No caso, foi essencial uma forte presença do Estado na elaboração do projeto e no processo e gestão.

Aguçada a curiosidade, conclui minha formação universitária com a pesquisa que tinha como tema a revitalização de entornos ferroviários urbanos, que causou grandes discussões durante a banca final sobre o viver ou trabalhar ao lado da estrada de ferro.

Hoje, olhando retrospectivamente, entendo que esta vivência pessoal – no meu bairro, durante a infância e adolescência; no exterior, como jovem estudante – me motivou, como estudante de arquitetura e como arquiteta-urbanista, a bus-car no planejamento urbano as respostas para as questões dos vazios industriais e das barreiras urbanas, tanto no entendimento do que está em jogo no âmbito social, como nas respostas projetuais que a contemporaneidade tem dado em situações análogas.

APRESENTAÇÃO

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No mestrado me deparei com a possibilidade de me aprofundar no tema dos Projetos Urbanos, inicialmente motivada pela busca das razões dos fracassos no seu processo de implantação em São Paulo. A pesquisa mostrou-se complexa, difícil e, em alguma medida estéril, pois é muito difícil entender uma não implan-tação devido o número enorme de variáveis, que se estende desde o processo falho no âmbito público até a ação da iniciativa privada, em geral voltada para a produção de territórios que não passam de meros empreendimentos imobiliários. Assim, fui buscar repostas em projetos efetivamente implantados.

A existência de projetos urbanos emblemáticos me levou à Europa ocidental, região que abrigou importantes projetos urbanos desde o início de sua concei-tuação e experimentação. O critério principal da minha seleção de projetos a estudar era a efetiva melhoria da qualidade não só do espaço, mas da vida dos seus habitantes. Projetos que, no mesmo processo, conseguiram em alguma me-dida conter o processo de gentrificação e melhorar a qualidade socioambiental. A ideia seria entender como foi o processo e a gestão que tornou possível a im-plantação dos projetos e qual seria a realidade hoje nestes locais, dez, vinte ou trinta anos depois de implantados. Acredito que seja possível e necessário refletir sobre o que aconteceu depois que os responsáveis pelos famosos projetos ur-banos foram para suas casas.

É claro que o primeiro país a ser escrutinado tinha que ser a Holanda, onde aprendi durante o período de intercâmbio como a coletividade cultua a civilidade, a cidadania, o controle estético da cidade e demais aspectos ligados ao interesse social. Não me seria possível falar destes valores sem começar por este país. A escolha inicial da intervenção em Maastricht – o projeto Céramique, coordenado pelo arquiteto Jo Coenen – cumpre esta demanda pessoal, com o benefício de ser uma intervenção de porte considerável, tanto para o padrão holandês, como para o brasileiro.

Inspirada por uma das apresentações do Fórum de Debates da 5ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, escolhi o projeto de Pierre Bonnet para o bairro de St. Jean, em Genebra, onde uma cobertura sobre uma linha férrea reconectou dois bairros. A intervenção atendia a solicitação popular que, incomo-dada com o barulho do trem, solicitou ao governo uma solução. A opção neste caso foi pela criação de um parque com equipamentos e áreas de lazer voltadas para os moradores locais, sem projeto âncora ou grande divulgação.

Nas muitas conversas com meu orientador sobre a escolha dos projetos, ficou clara a importância de um terceiro projeto, permitindo uma comparação entre realidades distintas, em cidades e países distintos. O eleito para fechar a série

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foi a renovação urbana de Bicocca, em Milão, de autoria do arquiteto Vittorio Gregotti e um dos primeiros grandes projetos urbanos na Europa. Considerado uma referência na área, sua gestão foi conduzida pela iniciativa privada, o que seria um bom contraponto à forte gestão do Estado nos outros dois casos.

Selecionados os projetos, fui me encontrar com os arquitetos responsáveis: o holandês Jo Coenen, o suíço Pierre Bonnet e o italiano Vittorio Gregotti. E posso adiantar que foi uma canseira, mas valeu a pena! Foram demoradas conver-sações com os staffs dos escritórios ao longo de mais de seis meses: após vai e vem de e-mails, telefonemas, insistência e muita paciência, consegui estabelecer um contato frutífero com todos os escritórios, de alguns obtendo entrevistas por escrito, e de todos a promessa que os titulares me receberiam pessoalmente em seus escritórios.

E foi assim que viabilizei a viagem que enriqueceria minha pesquisa. E segui para a Europa em pleno mês de abril, uma vez que os próprios arquitetos me sugeriram que não fosse durante o inverno rigoroso, estação que não favoreceria seus projetos. E, realmente, a primavera melhora tudo!

Após diversos ajustes e algumas ligações para acertar o horário, a primeira entrevista aconteceu em uma manhã chuvosa na cidade de Maastricht. Em um animado mas barulhento café no coração de Céramique me encontrei com o arquiteto Jo Coenen. Teríamos disponível o tempo contado entre sua chegada de Amsterdam e a ida ao dentista. E depois não poderíamos nos encontrar, pois ele estava ansioso com a tão esperada inauguração do Museu Rijksmuseum, que de-pois de dez anos fechado abriria suas portas com um novo anexo, de sua autoria.

Mesmo assim, sua simpatia pessoal e paciência de docente experiente me deliciaram com explicações sobre o conceito do projeto e a cultura da cidade, seguidos pelas tão esperadas respostas às perguntas que me intrigavam e que me permitiram preencher algumas lacunas. A conversa seguiu enquanto cruzá-vamos a área de intervenção, com Coenen empurrando sua bicicleta até che-garmos ao escritório, situado em Céramique. Coenen se despediu e partiu, me deixando aos cuidados de uma solícita engenheira espanhola, que me mostrou o escritório-sede, que conta com filiais em diferentes cidades holandesas além de Alemanha, Suíça e Itália. Localizado em edifício de uso misto, o escritório ocupa boa parte do térreo que, com dois níveis, tem vista para uma das verdes praças triangulares. Fiquei sabendo que, após a crise ainda em voga na Europa, Coenen estava agora dividindo seu espaço com um pequeno escritório de um amigo.

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ENTREvISTA COM JO COENEN NO CAFé COFFELOvERS, EM CéRAMIqUE

Depois de uma inundação de novos conhecimentos e inspirada nas histórias de Jo Coenen, passei mais um dia no antigo centro histórico de Maastricht para conferir pessoalmente tudo que ele me explicou, em especial o valor simbólico das três tradicionais praças da cidade, a dinâmica da cidade antiga e os trechos preservados dos antigos muros medievais. Pude atravessar o rio Maas pela ponte antiga e pela nova, parte do projeto urbano de Coenen, passear pelas praças de chegada e saída e conhecer o parque Stadspark – antigo e tradicional parque da cidade voltado para o rio, ao lado do centro histórico – usado como inspiração para Coenen desenhar o Parque Charles Eyk, em Céramique.

Em outro dos dias de andança pela área, uma feliz coincidência me per-mitiu ver a finalização de montagem de uma exposição na biblioteca do Centre Céramique. A mostra era sobre a antiga fábrica e os utensílios que fabricava; assim pude ver as mais diferentes peças cerâmicas, de louças sanitárias a louças pintadas à mão. Com a guia, eu descobri uma série de curiosidade de sua história – por exemplo, o trabalho infantil em túneis subterrâneos durante a época onde a tubulação de gás da cidade era feita de cerâmica produzida pela fábrica.

Da Holanda segui para Genebra, Suíça, onde tinha uma reunião – com horário confirmado há mais de um mês – com Pierre Bonnet. Após uma caminha-da de quase 30 minutos por um bairro arborizado, me encontrei com o arquiteto em seu escritório. Como, segundo ele, seu inglês não era muito bom, contamos com a ajuda de seu assistente, também suíço, mas que falava um português in-crivelmente bom, melhor que a maioria dos brasileiros, e que nos ajudou com as perguntas em português e as respostas em francês. Com croquis e muita empatia a entrevista transcorreu tranquilamente no calmo escritório, que ocupa o térreo de um pequeno edifício comercial. Lá estão expostas maquetes e pranchas de vários outros projetos, que me foram cuidadosamente explicados em português sob o acompanhamento de Bonnet. Um dos projetos expostos - e que o arquiteto me sugeriu visitar após St. Jean – era uma de suas obras em fase de acabamento: um conjunto habitacional de interesse social subsidiado pelo governo, com singe-los apartamentos a partir de 80 m², que seriam entregues com áreas molhadas prontas, piso de madeiras nas demais áreas e paredes e caixilhos com proteção térmica e acústica. Simples na forma e muito bem projetados.

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Imagem 1 - Entrevista com Jo Coenen em Céramique. Em caminhada pela área, cafeteria Coffe Lovers e livro autografado. Fotos da autora em abril de 2013.

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ENTREvISTA COM PIERRE BONNET EM SEU ESCRITóRIO DE GENEBRA

Apesar de ter prometido me acompanhar na visita a St. Jean, isso não foi possível devido a uma queda de bicicleta sofrida por Bonnet na semana anterior. Sébastian – o solícito assistente-tradutor do arquiteto e que, coincidentemente, morava com a família a apenas um quarteirão de nossa área de estudo – foi meu guia e com ele pude tirar todas as dúvidas sobre a vizinhança, o uso dos espaços, a freqüência das pessoas e as alterações que ocorreram após a implantação, sempre guardadas as devidas diferenças culturais entre a Suíça e o Brasil, claro.

Sempre de olho nos e-mails, foi apenas em Genebra que eu consegui – de-pois de mais algumas solicitações e muita perseverança – confirmar a visita ao escritório Gregotti Associati. E lá fui eu rumo a Milão de trem, seguindo um lindo caminho contornando o lago suíço Léman, rumo à fronteira italiana.

O escritório – muito bem localizado no centro de Milão e extremamente si-lencioso – tinha suas paredes repletas de projetos e fotos de obras realizadas, em especial de Bicocca. Aparentemente, nada era muito novo. Com seus 86 anos, a conversa com Vittorio Gregotti foi bastante curiosa. Primeiro porque, mesmo após meses de e-mails com sua equipe, ele não sabia o motivo da minha visita. Depois de optarmos pelo inglês, após as cinco opções de línguas que ele me ofereceu para guiar a entrevista, o diálogo que começou atribulado foi se soltando aos pouco, surgindo respostas surpreendentes, em especial nas questões acerca do patrimônio histórico. Assim, logo após o primeiro ou segundo olhar direcionado por ele ao seu próprio relógio de pulso, concluí a entrevista muito agradecida por sua atenção e tempo.

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Imagem 2 - Entrevista com Pierre Bonnet em seu escritório de Genebra. Fotos da autora em abril de 2013.

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ENTREvISTA COM GREGOTTI, EM SEU ESCRITóRIO DE MILÃO

Após entrevistar Gregotti, parti para uma reunião em Bicocca, mais especifi-camente na empresa Prelios Property & Project Management S.p.A., incorpora-dora e gestora atual da área, antiga Pirelli Real State. Em uma sala de reunião para vinte pessoas, três executivos esperavam pela minha chegada: Livia Piperno, Head of Urban Planning and Building Permits, Michele Lodigiani e Paolo Micucci, ambos Sales Manager, como consta nos cartões de visita.

A reunião transcorreu animada e cheia de dúvidas de ambos os lados, minhas e deles. Pude entender o outro lado da moeda: questões sobre investimentos, ven-das, uso e ocupação do solo, implantação de linhas de transportes entre outros. Após a reunião, fui guiada em visita pela área pelos dois gerentes de vendas. Um longo dia percorrendo os quase 1.000.000 m² de Bicocca! Durante o passeio, em conversa mais informal, pude trocar ideias sobre o funcionamento do local, as sensações da população moradora e até de quem vai lá somente a trabalho, além da visão bastante crítica que os próprios italianos têm em relação à Bicocca.

No retorno ao Brasil, conferindo o material coletado – fotos, desenhos, de-poimentos etc. – e me recordando das conversas e visitas, constatei o quanto foi extremamente produtivo e interessante observar como as diferenças culturais produzem visões tão diferentes sobre o espaço construído. Da mesma forma, me dei conta de como as diferentes visões de mundo e o jeito de ser de cada um dos arquitetos se refletem claramente em seus projetos. Consequentemente, comecei a entender como antigas instalações fabris como Céramique e Bicocca podem se traduzir em projetos urbanos tão diferentes.

Para a análise destes projetos, foi essencial o suporte fornecido pelas estimulantes disciplinas cursadas no mestrado, onde gostaria de destacar Pro-jetos urbanos e desenvolvimento local, dirigida pelas professoras Angélica Alvim e Gilda Bruna que trouxe base para entender muitas das questões urbanas e sua gestão, Tópicos especiais em arquitetura e urbanismo com a professora Eu-nice Abascal que nos trouxe material para reflexões sobre projetos urbanos da atualidade dentro e fora do Brasil, Mutações urbanas do professor Carlos Leite de Souza onde tivemos grandes conversas em busca de uma cidade mais inteligente e democrática com novos enfoques à questão do meio urbano. E por último, mas não menos importante, O edifício e a cidade: produção, planejamento e projeto, coordenada pelos professores Abílio Guerra e Nádia Somekh, onde sua vasta ex-periência nos introduziu ao mundo de David Harvey e nos proporcionou uma rica

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Imagem 3 - Entrevista com Gregotti, em seu escritório de Milão. Fotos da autora em abril de 2013.

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troca de experiências entre professores e colegas. Aos mesmos, agradeço pelas rápidas conversas e pelo material essencial disponibilizado.

Também agradeço os comentários dos companheiros do grupo de pesqui-sa e, em especial, da professora Nádia Somekh, com intervenções precisas e sugestões fornecidas naquela oportunidade, que enriqueceram minha formação profissional e cultural.

O processo de qualificação tornou-se de grande importância na medida em que as críticas construtivas somadas às apuradas observações da banca examina-dora intermediária, formada pelas professoras Eunice Helena Abascal e Mônica Junqueira de Camargo, nortearam-me no desenvolvimento de um trabalho mais focado e preciso.

Permito-me neste momento agradecer ao orientador desta dissertação pelas enriquecedoras e preciosas horas de conversa – encaixadas em sua pequena e recheada agenda – que tanto me fizeram refletir, questionar e buscar respostas, tornando-me cada dia mais apaixonada pelo meu tema. Ao meu guia nesta em-preitada, os mais entusiásticos votos de agradecimento pelo apoio, admiração e apreço.

Assim se desenvolveu esta dissertação, em um processo árduo mas praze-roso, fruto de uma experiência com dados coletados direto nas fontes e cheias de informações de processos de projeto e gestão, de participação dos diversos agentes na construção do território, com diferentes graus de sucesso. Experiência à qual se somaram impressões pessoais que só uma visita ao local pode trazer, as interlocuções com professores e colegas da pós-graduação e a precisa interferên-cia dos professores convidados para minha banca de qualificação.

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INTRODUÇÃO

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AS TRANSFORMAÇÕES DA CIDADE CONTEMPORÂNEA

A crise de 1973 seguida pela reestruturação do capitalismo põe fim ao pro-cesso fordista, as estratégias desenvolvimentistas e ao Estado Keynesiano, que agia fortemente ao lado da política do bem-estar social. Neste momento, per-cebe-se a baixa do consumo, a queda da produtividade e o aumento da inter-nacionalização do capital produtivo através das multinacionais. Este processo, chamado genericamente de globalização, se materializa também com a flexi-bilização do mercado de trabalho ligado às altas taxas de desemprego geradas pela desindustrialização e à reestruturação política promovida pelo monetarismo e pelo neoliberalismo econômico.

Tal reestruturação do sistema capitalista é chamada por David Harvey como acumulação flexível do capital, que em oposição à rigidez do fordismo, se apoiaria na “flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos pro-dutos e padrões de consumo” e “caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços finan-ceiros, novos mercado e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional”.1

Este processo fundamentalmente econômico e social se reflete também nas estruturas urbanas de algumas cidades, que sofrem profundas mudanças. Com a chamada globalização assiste-se a uma progressiva abertura comercial e finan-ceira das economias nacionais, a intensificação dos fluxos de capitais e a reestru-turação dos processos produtivos. A onda de inovações tecnológicas, o aumento do custo da terra urbana e dos impostos implicam na realocação espacial de inúmeros setores industriais para a periferia – ou até mesmo para fora da cidade, para outros Estados ou para outros países, antigamente denominados de terceiro mundo e onde os custos gerais são mais baixos –, com consequente agravamen-to dos desequilíbrios urbanos. Apesar de geral, este processo se desenvolveu de forma específica em cada cidade.

1. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo, Loyola, 1992, p. 121.

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Com a desindustrialização nas grandes metrópoles do mundo inteiro, constata-se um processo de obsolescência de plantas industriais e de sistemas de infraestrutura; o conseqüente abandono destas áreas origina os vazios urbanos, processo econômico e urbano que se inicia nos centros mais desenvolvidos – em especial, nas grandes cidades industriais dos Estados Unidos, Canadá e Europa ocidental – e depois vai se espalhando pelos países periféricos, com uma de-calagem temporal de décadas em alguns casos. Estas grandes áreas obsoletas, resultantes dos processos de mudanças social e econômica das últimas décadas, não eram apenas antigas zonas industriais, mas também áreas ferroviárias e portuárias.

Nos portos, a alteração do sistema de transporte e armazenamento com o advento do contêiner vai transformar todos os portos do globo em obsoletos; a implantação de plataformas e gruas para deslocar os contêineres transforma cada antigo galpão em um estorvo.

No caso das ferrovias não temos uma uniformidade tão grande no processo, sendo particular em cada região. Na Europa, por exemplo, ela nasceu para car-regar passageiros enquanto no Brasil ela foi criada para o transporte de carga, o que consequentemente acarreta orlas com ocupações diferentes. Estradas de ferro destinadas a transportar cargas possuem em seu entorno mais galpões de armazenamento, assemelhando-se às áreas portuárias.

Neste processo internacional, a produção do espaço passa a ser um ele-mento estratégico para a acumulação do capital, processo que se iniciou com a mercantilização da terra, passa pelo seu parcelamento, pela verticalização e, no período contemporâneo, pela financeirização dos ativos imobiliários, em con-sonância com a própria financeirização da economia capitalista contemporânea, quase uma dependência do capitalismo em relação à produção e ao consumo do espaço. Segundo Henri Lefebvre,

“O capitalismo parece esgotar-se. Ele encontrou um novo alento na conquista do espaço, em termos triviais na especulação imobiliária, nas grandes obras (dentro e fora das cidades), na compra e venda do espaço. E isso à escala mundial. [...] A estratégia vai mais longe que a simples venda, pedaço por pedaço, do espaço. Ela não só faz o espaço entrar na produção

Imagem 4 - Ruína industriais em Montreal, Canadá.

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da mais-valia, ela visa uma reorganização completa da produção subordinada aos centros de informação e decisão”.2

O meio urbano torna-se assim o espaço chave para determinadas inter-venções, somada a necessidade de reconstruir trechos urbanos dilacerados: ora devastados por ataques entre nações (como no caso das cidades destruídas na durante a II Guerra), ora destruídos por desastres naturais, ora gerados pelo mencionado processo de obsolescência. As áreas destes últimos não são degra-dadas só urbanisticamente, mas também social e ambientalmente – como são os casos de zonas portuárias e ferroviárias (em processo descrito acima) e de áreas que passam por mecanismos de modernização da infraestrutura de transporte.

Nos Estados Unidos também aparecem processos de renovação devido ao seu crescimento econômico e populacional, uma vez que começaram a surgir e a se desenvolver novas áreas no subúrbio das cidades, com conseqüente processo de descentralização, como aconteceu em cidades como Boston, Baltimore e São Francisco.

Estes processos de mudança possibilitaram o aumento da acessibilidade a novas regiões e a exploração de espaços urbanos disponíveis a serem encarados como áreas de oportunidades e que, em geral, geram problemas de conexão, criando barreiras à circulação que, quando esvaziadas do uso original, acarre-tam grandes vazios urbanos impactantes para a cidade. Sendo encarada, a partir deste momento, como áreas propícias a urbanização nas grandes metrópoles mundiais.

2. LEFEBVRE, Henri. A revolução urbana. Belo Horizonte, UFMG, 1999, p. 142.

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Áreas em processo de obsolescência e vazios urbanos

Além dos aspectos socioeconômicos discutidos acima, a cidade, enquanto objeto urbanístico, pode ser compreendida também por sua morfologia urbana. A morfologia aqui tratada é entendida como instrumento de análise para estudar a forma do espaço urbano, o modo como passado e presente se fundem em de-terminado momento, revelando as possibilidades e os limites do uso do espaço por seus habitantes, conforme nos ensina Aldo Rossi.3

Irena Fialová, por sua vez, afirma que devemos entender o lugar, sua espe-cificidade cultural e as causas pelas quais determinadas zonas se convertem em terrains vagues, visto serem sempre consequência de sua história, memória e identidade que guarda uma relação com o passado.4

No âmbito internacional, o debate sobre os espaços vazios na cidade tem como referência o Congresso da União Internacional de Arquitetos, realizado em Barcelona, 1996, intitulado Presente y futuros: arquitectura em las ciudades. Acon-tecimento importante, que objetivou analisar a realidade urbana contemporânea e sua relação com a cultura arquitetônica, na justificativa de as cidades estarem constituídas por práticas fragmentadas, carentes de reflexão e de processo críti-co.5 Nesse congresso utilizou-se a expressão francesa terrain vague, como uma das cinco categorias fundamentais para abordar traços da nova realidade urba-na, ao lado dos conceitos mutações, fluxos, habitações e contenedores.

Nos anais do congresso, Joan Busquets destaca a importância dos vazios para a análise da situação, para os projetos urbanísticos e para a gestão urba-na contemporâneos. O autor comenta ainda o grande número de projetos em grande escala, de propostas de infill, de reciclagem e reabilitação destes espaços interseccionais.6

3. ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1995.4. FIALOVÁ, Irena. Terrain Vague: Um caso de memória. Presente y futuros. Arquitectura en las ciudades. In: Congreso de la unión internacional de arquitectos, 1996, Barcelona. Anales Barcelona: Collegi d’Arquitectes de Catalunya/Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, 1996.5. SOLÀ-MORALES RUBIÓ, Ignasi de. La arquitectura en las ciudades. Presente y futuros. Arquitectura en las ciudades. In: Congreso de la unión internacional de arquitectos, 1996, Barcelona. Anales Barcelona: Collegi d’Arquitectes de Catalunya/Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, p.10-23.6. BUSQUETS, Joan. Nuevos fenómenos urbanos y nuevo tipo de proyecto urbanístico. Presente y Futuros. Arquitectura en las ciudades. In: Congreso de la unión internacional de arquitectos, 1996, Barcelona. Anales Barcelona. Collegi d’Arquitectes de Catalunya/Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, 1996.

Imagem 5 - Degradação do bairro industrial do Raval em Barcelona, Espanha.

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Em sua tese de doutorado, Carlos Leite de Souza, ao comentar as característi-cas atuais e as possibilidades dos vazios urbanos na cidade de São Paulo, ele as descreve como sendo uma

“Área sem limites claros, sem uso atual, vaga, de difícil apreensão na percepção coletiva dos cidadãos, normalmente constituindo uma ruptura no tecido urbano. Fratura urbana. Mas também área disponível, cheia de expectativas, com forte memória urbana, a memória de seu uso anterior parece maior que a presença atual, potencialmente única, o espaço do possível, do futuro. A possibilidade do novo território metropolitano”.7

Os vazios urbanos são, dentro desta perspectiva operativa, caracterizados como espaços remanescentes, áreas ociosas, como oportunidades. Os terrain vague de Solá-Morales podem ser estruturadores do espaço urbano em forma de massa construída (como os edifícios) ou como um simples vazio de qualidade (praças, parques, quadras, espaços públicos ou as áreas de respiro), funcionan-do como um complemento dos espaços cheios, tendo um equilíbrio destas duas condições e criando assim o desenho da cidade. Podem até se caracterizar como espaços livres para receber atividades efêmeras ou temporárias como feiras, eventos, encontros, entre outros, atendendo à flexibilidade temporal necessária e trazendo para o território um valor não apenas como localização estratégica na cidade, mas sim dos fatos ocorridos ali.

Um espaço aberto e público que por si só é um potencializador da vida em cidadania. Nos vazios de qualidade – como as grandes piazzas italianas, os bule-vares parisienses ou squares londrinenses –, as áreas de respiro parecem essen-ciais. Ainda que façam parte de contextos diferentes, esses vazios configuram a malha urbana e agregam a população com seus usos diferenciados. O equilíbrio na ocupação entre os espaços cheios, os vazios qualitativos e os territórios de usos temporários acabam por evidenciar o espaço construído de forma significativa-mente coerente – pela repetição, densidade, percepção de escalas e proporções. São relações talvez indissociáveis.

7. SOUZA, Carlos Leite de. Fraturas urbanas e a possibilidade de construção de novas territorialidades metropolitanas: a orla ferroviária paulistana. Tese de doutorado. Orientador Gian Carlo Gasperini. São Paulo, FAU USP, 2002, p. 10.

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Assim, dentro desta perspectiva os antigos territórios em desuso terão que ser pensados como um ponto de partida para a resolução dos problemas, em especial os que dizem respeito à requalificação e revitalização de cada cidade. A ação não pode ser baseada na especulação imobiliária e econômica, mas sim em uma visão sustentável da urbe. Talvez o caso mais insólito da presença de vazios urbanos seja a cidade de Berlim com seus terrain vague que emergiram após a queda do muro, após a reunificação das duas Alemanhas em 1987. Ali ocorreu uma profusão de grandes projetos e de processos de intervenção e de ocupação desses vazios. No entanto, dentre vários exemplos na Europa, na Ásia e nas Américas, a cidade de Barcelona costuma ser tomada como o exemplo pre-cursor e paradigmático da boa intervenção.

Tomando como base as proposições de Joan Busquets, podemos identificar três principais áreas que passaram por processo de transformação e que geraram projetos urbanos com esboços similares dentro de cada bloco temático: a. As orlas ferroviárias e os antigos complexos desindustrializados; b. A transformação das antigas orlas portuárias; c. As estações ferroviárias e seus espaços de serviços.8

As OrlAs FerrOviáriAs e Os AntigOs COmplexOs DesinDustriAlizADOs

A partir da década de 1950 as orlas ferroviárias urbanas no mundo inteiro têm entrado – algumas mais, outras menos – em decadência. Paralelamente à desindustrialização iniciou-se a desativação de pátios ferroviários centrais, ramais industriais e estações de cargas nas regiões centrais de muitas metrópoles.

Em geral as cidades europeias, sendo mais concentradas e próximas, têm condições favoráveis para exploração de transporte de passageiros sobre trilhos. Mas, nesses casos, os equipamentos de manutenção, oficinas e pátios de mano-bra centrais têm sido sistematicamente transferidos para áreas periféricas, devido ao alto custo e potencial desses locais centrais.

Este processo de desindustrialização deixou para trás espaços vazios ociosos e degradados não só urbanisticamente como também social e ambientalmente. Tal processo de esvaziamento das zonas industriais se acentuou no hemisfério norte a partir dos anos 1970, verificando-se os casos mais agudos, em cidades industriais emblemáticas, Detroit, Pittsburgh, Lille e Bilbao (até a década de 1970 era considerada a região mais industrializada da Espanha9 e chamada de “ci-

8. BUSQUETS, Joan. Nuevos fenómenos urbanos y nuevo tipo de proyecto urbanístico. Presente y Futuros. Arquitectura en las ciudades. In: Congreso de La unión internacional de arquitectos, 1996, Barcelona. Anales Barcelona. Collegi d’Arquitectes de Catalunya/Centre de Cultura Contemporània de Barcelona, 1996.9. Dados obtidos em: www.pt.wikipedia.org/wiki/Bilbau.

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dade do ferro” devido às indústrias metalúrgicas). Além de centros de produção como o Lingotto, da Fiat, em Turim, o Boulogne-Billancourt, da Renault, em Paris ou a La Bicocca, da Pirelli, em Milão, são paradigmas de um processo mais geral, a recuperação destes enclaves em suas respectivas cidades significa su-perar a queda da obsolescência, porém também a possibilidade de recuperação da base econômica da cidade e de sua população. Mesmo com a desativação de áreas da orla, muitas vezes a linha férrea continua funcionando e sendo o eixo de transporte. Ou seja, ocorre apenas uma perda parcial da função anterior, que pode aproveitar, ou não, a infraestrutura pesada e as edificações locais, típicos da ferrovia.

Em paralelo, na década de 1970 observa-se também o incremento do transporte ferroviário de passageiros na Europa Ocidental devido ao cresci-mento populacional das cidades e da necessidade de transporte de massa. À necessária modernização das vias e da sinalização segue-se a implantação do trem de alta velocidade, inicialmente na França, depois na Espanha, espalhan-do-se depois para outras capitais.10 A própria instalação do TGV (Train à Grande Vitesse), primeiro trem rápido europeu, acarretou áreas de obsolescência devido à alteração do modal – para que o trem atinja alta velocidade, a via precisa atender necessidades específicas, como a baixa inclinação e curvas de raio muito grande, por exemplo. Segundo Orlando Nunes, somente a América Latina ain-da não se utiliza deste tipo de transporte.11 Ou seja, apesar da ociosidade das antigas orlas ferroviárias advinda da desindustrialização, assiste-se na Europa a investimentos maciços no sistema de transporte de passageiros.

No caso do Brasil desde a década de 1950 este sistema foi preterido em relação ao transporte rodoviário, deixando de receber investimentos públicos e privados. Sem a devida modernização e manutenção, teve muito de suas linhas desativadas e sucateadas.

A trAnsFOrmAçãO DAs AntigAs OrlAs pOrtuáriAs

A partir dos anos 1970, graças ao estágio globalizado da economia mundial, as áreas portuárias tornam-se obsoletas, em especial pelas novas tecnologias de transporte marítimo e armazenamento – a conteinerização –, realidade vivencia-da por todas as cidades portuárias do globo terrestre.

10. Dados encontrados em: www.portogente.com.br/portopedia/Transporte_Ferroviario.11. NUNES, Orlando Augusto. Transporte ferroviário. Disponível em: <www.artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_1761/artigo_sobre_transporte_ferroviario>.

Página anterior:Imagem 6 - Ruínas industriais na Barra Funda, São Paulo. Imagem 7 - Planta industrial abandonada na divisa de São Paulo e São Caetano do Sul.

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As antigas áreas portuárias surgiam então como uma grande oportunidade de ocupar uma área bem localizada, em geral próxima ao centro da cidade, expandir a urbanidade e a economia, além da oportunidade de retomar o water-front. Através de planos de renovação urbana, buscava-se restaurar a relação do centro com a água e estabelecer uma nova centralidade urbana.

As cidades que primeiro iniciaram os processos de recuperação serviram de exemplo para as demais que se seguiam, demonstrando que a globalização se dava também na forma do pensamento urbanístico contemporâneo. Baltimore e Boston foram as primeiras cidades a desenvolver planos para recuperação destas áreas ainda na década de 1970 e em Nova York toda a costa marítima nas duas margens do rio Hudson passou por renovações urbanas. Inspirado nas experiên-cias norte-americanas, em 1985 foi elaborado o plano urbano para o porto de Roterdã, o pioneiro deste tipo na Europa na Europa.12 Kop van Zuid, em relação ao centro, do outro lado do Rio Maas, sendo o lado menos desenvolvido do rio. Por isso o projeto previa a ampliação do centro na direção sul ultrapassando o rio e criando ali um anova centralidade, além de restabelecer uma relação mais harmônica entre o centro da cidade e o rio Maas.

Em seu processo de transformação, as antigas áreas portuárias passaram por reconversões de suas atividades com a implantação de novos usos urbanos e atividades do terciário – empreendimentos residenciais e corporativos, atividades culturais, comerciais etc. A integração de equipamentos de alto nível que visam reforçar a nova centralidade é um forte argumento nestas operações, pois não se trata apenas de integrar a respectiva quota de equipamentos de nível municipal, mas também de integrar equipamentos estratégicos na escala do município ou até da cidade ou região.13

Com o incremento de uma grande circulação de pessoas nestas áreas pode surgir problemas de acesso, como aconteceu nas Docklands de Londres e em Barcelona. Na opinião de Riek Bakker, paisagista que coordenou a requalificação portuária de Kop van Zuid em Roterdã, o projeto não teria sido tão bem-sucedido sem a construção da ponte Erasmus, que facilitou o acesso de pedestres, diminu-indo muito o percurso até a nova área urbanizada.

12. BAKKER, Riek. Kop van Zuid. O desenvolvimento de uma área portuária degradada. In GUERRA, Abilio (org.). Metrópole. Catálogo do Fórum de Debates 5ª Bienal de Arquitetura e Design de São Paulo. São Paulo, Romano Guerra/Fundação Bienal, 2003, p. 54-59.13. COELHO, Carlos Francisco Lucas Dias; COSTA, João Pedro Teixeira de Abreu. A renovação urbana de frentes de água: infraestrutura, espaço público e estratégia de cidade como dimensões urbanísticas de um território pós-industrial. Artitexto. Lisboa, CEFA/CIAUD, n. 2, set. 2006, p. 37-60.

Imagem 8 - Porto Madero antes da reciclagem de uso, Buenos Aires.

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A gestão das áreas portuárias também pode influenciar as suas transfor-mações. O modelo centralizador é mais comum na Europa, caso das distintas administrações nas Docklands de Londres, coordenada pela empresa pública London Docklands Development Corporation – LDDC, e da intervenção em Kop van Zuid de Roterdã, com forte presença do governo. A intervenção mais frag-mentada é mais comum nos Estados Unidos, onde há uma forte tendência de utilização intensiva do “velho porto” como espaços de festivais, mercados, mari-nas e restaurantes, como acontecem em cidades como Baltimore, Seattle, Boston, Manhattan e São Francisco.14

As estAções FerrOviáriAs e seus espAçOs De serviçOs

Existe ainda outro espaço de oportunidade a ser comentado: as áreas fer-roviárias internas às cidades, onde a estação deixa de ser o espaço apenas de chegada/saída e se converte em ponto de intercâmbio entre modos de transporte de âmbito e escalas diferentes. Nestes locais, desenvolve-se uma nova central-idade, como é o caso de Berlim. Após a queda do muro a cidade passou por uma fase de grande desenvolvimento urbano. O intuito era não só reunificar a capital alemã, mas reconstruir a cidade e sua imagem: concebeu-se um plano para que as fraturas do tecido urbano cicatrizassem rapidamente. Esta recon-strução fazia parte de um projeto muito ambicioso para transformar a cidade em um nó de transportes entre Europa ocidental e oriental e reconstruir a imagem da cidade, agora associada a um centro cultural e de negócios europeu. Além da recuperação do tecido urbano existente, também previa ocupação das áreas industriais abandonadas e orlas ferroviárias. Dentro deste espírito, Berlim pro-gramou três grandes projetos urbanos de intervenção em torno da linha férrea, na área de Gleisdreieck, Ostbahnhof e Lehrter Stadtkwartier, além de vários out-ros projetos menores.15

Em 2004 a companhia alemã de transportes Deutsche Bahn (DB), já registrava mais de 20 milhões m² de área de requalificação imobiliárias em orlas ferroviárias. Um exemplo já realizado é o Karlsruhe City Park, com uma área de 330.000 m².16 Entre os projetos há grande diversidade de morfologia, arquitetu-ra, uso do solo, futuro uso da ferrovia no local, questões de patrimônio e partici-

14. VAZ, Lilian Fessler; SILVEIRA, Carmen Beatriz. Áreas centrais, projetos urbanísticos e vazios urbanos. Revista Território, Rio de Janeiro, ano IV, n. 7, jul./dez. 1999, p. 51-66.15. NEFS, Merten. Re-qualificação de orlas ferroviárias – o caso de Berlim, 2004. Disponível em: <www.fec.unicamp.br/~parc/vol1/n1/parc01nefs.pdf>.16. Idem, ibidem.

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pação da comunidade nos planos.Na Europa, no inicio dos anos 1990, houve uma valorização do transporte

sobre trilhos, em especial dos trens interregionais de grande velocidade, como meio alternativo de mobilidade nos grandes centros. Berlim, por exemplo, é hoje o centro para conexões ferroviárias com todas as partes da Alemanha e Europa Central.

O resultado foi a valorização das terras em voltas das estações e do reconhecimento do potencial imobiliário para a instalação de comércio, escritórios e residências. Além do potencial construtivo, também os valores cultural, histórico, arquitetônico e ambiental estão sendo reconhecidos internacionalmente. Algumas estações pelo mundo já foram transformadas também em pontos turísticos e rece-beram museus importantes, como o Museu da Língua Portuguesa na Estação da Luz em São Paulo (que ainda funciona também como estação), o Museu D’Orsay na gare de mesmo nome em Paris, e o Museum für Gegenwart (Museu de Arte Contemporânea) na Hamburger Bahnhof (Estação de Trem Hamburguer) de Ber-lim.

Em alguns casos, como em Paris e Londres, as transformações nas estações vão além de se converterem em ponto de intercâmbio entre modos de transporte de âmbito e escalas diferentes; nelas desenvolve-se uma nova centralidade que tende a ser aproveitada pela criação de serviços e escritórios nos terrenos baldios liberados pelo antigo uso ferroviário. Trata-se de uma reestruturação funcional e as estações tornam-se novos objetos urbanos com a valorização dos novos espaços centrais. Dos muitos projetos que foram executados e que se tornaram novas centralidades adotando zonas de usos mistos – residenciais, comerciais, culturais e de lazer –, parques em geral, parques tecnológicos, parques temáticos, áreas de exposições e de eventos, entre outros, podem ser destacados como bem sucedidos os exemplos de Paris, em especial La Villette e Rive Gauche.17

As linhas férreas têm suas próprias peculiaridades. Em muitos dos projetos urbanos os trilhos continuam funcionando como barreiras urbanas (assim como era o Rio Maas para Roterdã), dividindo o território e dificultando a integração dos lados no tecido urbano existente, como é o caso também do centro de Berlim. Dificulta, mas não impede. Na capital da Alemanha estas áreas centrais são, em geral, bem valorizadas por serem ocupadas com uso misto e garantirem, graças à ferrovia, fácil acesso a todas as regiões da cidade. A decisão da cidade em in-

17. VAZ, Lilian Fessler; SILVEIRA, Carmen Beatriz. Áreas centrais, projetos urbanísticos e vazios urbanos. Revista Território, Rio de Janeiro, ano IV, n. 7, jul./dez. 1999, p. 51-66.

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vestir nestas áreas e transformá-las em espaços planejados e de qualidade para a população residente foi essencial para a viabilidade e o sucesso da requalificação da orla berlinense. Este fato prova que a cidade pode melhorar sem a necessidade de investimentos maciços focados na retirada ou enterramento da linha férrea.

Página anterior:Imagens 9 e 10 - Museu D’Orsay, Paris.

Imagens 11 e 12 - Museum für Gegenwart, Berlim.

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os Grandes desafios: os limites e barreiras urbanas

Assim como os vazios urbanos, as barreiras são resultados das transfor-mações das cidades. Originalmente elas determinam o sentido de expansão do espaço urbano, forçam contornos, fluxos e direção além de influenciar ações dos conflitos de classes que vão à busca das vantagens e desvantagens do espaço urbano. Estas barreiras podem ser entendidas como um bloqueador de expansão de crescimento, não podendo o tecido urbano se expandir para todos os lados.

Para compreensão do significado de barreiras no desenho urbano, utiliza-se de conceitos como os empregados por Flávio Villaça,18 que analisa como as bar-reiras urbanas caracterizam o crescimento de metrópoles, e por Kevin Lynch em seu já lendário livro de 1997.19 Com o intuito de explanar sobre a imagem das cidades em geral, Lynch analisa três cidades norte-americanas – Boston, Los An-geles e Jersey City – utilizando-se dos conceitos que cria: vias, limites, bairros, pontos nodais, marcos. Para o urbanista, limites são os elementos lineares que não são usados ou entendidos com via pelo observador. São as fronteiras entre duas faces, quebras de continuidade lineares como praias, margens de rios, la-gos, cortes de ferrovias, espaços em construção, muros e paredes. São referências laterais, mais que eixos coordenados. Esses limites podem ser barreiras mais ou menos penetráveis que separam uma região de outra, mas também podem ser costuras, linhas ao longo das quais duas regiões se relacionam e se encontram.

Quando se diz que um determinado local de uma cidade é uma barreira físi-ca para seu desenvolvimento, refere-se ao arranjo espacial do crescimento, não atribuindo a causa de um crescimento desordenado ao local em específico, e sim na organização espacial que a cidade seguiu a partir da locação deste espaço (seja ele um parque, uma via, uma ferrovia ou uma área de preservação).

No contexto do desenvolvimento das cidades, as barreiras apresentam em comum os aspectos relativos ao funcionamento do mercado imobiliário, por onde as classes sociais disputam as melhores localizações que são definidas por custos e tempos de deslocamentos ao centro da cidade distintos. Seguido pela atrativi-dade do sítio em si.20

18. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-Urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp, 1998.19. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Lisboa, Edições 70, 1960.20. VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-Urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel/Fapesp, 1998, p. 130.

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Imagem 4 - Vista aérea da Ponte Erasmus, ligando as 2 margens do rio Maas em Roterdã.

No caso de São Paulo, por exemplo, a barreira vale-rio-ferrovia que a define, tendo o centro da cidade como referência: o lado de lá (oposto ao centro) e o lado de cá (onde está o centro), divide o espaço urbano em duas partes distintas, que tem diferenciados custos e tempos de deslocamento ao centro, uma vez que restringem os fluxos de transporte apenas aos trajetos que se utilizam dos pontos de transposição da barreira. Define-se então, um lado do espaço urbano mais vantajoso que o outro, do ponto de vista da acessibilidade ao centro. Por essa razão, as áreas além das barreiras são rejeitadas pela classe de mais alta renda e seus terrenos consequentemente barateiam. Quando a cidade atinge dimensões metropolitanas esta divisão já não é tão clara e a valorização do território pode ter novas peculiaridades com a criação que pequenos centros, nas áreas além das barreiras, provocando também variações nos valores imobiliários.

Semelhante a São Paulo, em Roterdã, antes do projeto urbano de Kop van Zuid, o rio Maas dividia a cidade de forma assimétrica sob o ponto de vista de seu desenvolvimento. Nas palavras de Riek Bakker:

“O rio constitui o essencial da cidade. Mas também existe o inverso, como podemos observar nas cidades portuárias. O rio também separa a vida nas duas margens. O desenvolvimento em uma margem se dá mais rápido, enquanto a outra margem fica para trás. Essa separação pode ser vista em muitos aspectos – no sentido político e gerencial, no treinamento e educação de grupos da população e até mesmo na apreciação diversificada das pessoas”.21

As barreiras – seja ferrovia ou rio – que fazem parte dos estudos de casos do próximo capítulo demonstram que elas não precisam deixar de existir, desde que sejam bem costuradas no contexto da cidade.

Nos dias de hoje discute-se muito sobre o enterramento das ferrovias, pro-cesso caríssimo para as cidades. Porém, devemos refletir se vale mesmo a pena este investimentos ou se podemos recorrer a soluções alternativas que apenas suavizem a sensação das barreiras, como podemos ver em soluções encontradas com a Ponte Erasmus em Roterdã, no Hackeschef Markt e nas ferrovias do centro, ambos em Berlim, e no edifício do MIT, em Chicago, onde a solução dada por

21. BAKKER, Riek. Kop van Zuid. O desenvolvimento de uma área portuária degradada. In GUERRA, Abilio (org.). Metrópole. Catálogo do Fórum de Debates 5ª Bienal de Arquitetura e Design de São Paulo. São Paulo, Romano Guerra/Fundação Bienal, 2003, p. 55.

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Página seguinte:Imagem 15 - Vista aérea do Hackeschef Markt, em Berlim.Imagem 16 - Ocupação comercial sob a linha férrea próxima a Hackeschef, em Berlim.Imagem 17 - Edifício do MIT, em Chicago, construído integrando a linha férrea já existente.

Imagem 14 - Passagens sob a linha férrea próximo a Hackeschef, em Berlim.

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Rem Koolhaas é “abraçar” a linha férrea.Estes usos comerciais e de lazer se estendem também às áreas próximas

a Alexanderplatz, criando grandes eixos comerciais ligados à rua e ao passeio público. Apesar de áreas privadas, é quase sempre possível enxergar através de suas fachadas de vidro, tanto de dentro para fora como de fora para dentro, o que acontece do outro lado da ferrovia, abrindo visuais. A transparência visual, a diferenciação de usos e em diversos horários, mantém o território constantemente ativo.

A queda de uma barreira urbana pode significar uma faca de dois gumes. Se por um lado a retirada de uma barreira urbana pode significar a revitalização de um bairro abandonado reconectando-o com a cidade, por outro pode des-truir uma vizinhança. A segregação pode resguardar bairros tradicionalmente resguardados preservando-os por mais tempo. Neste caso a queda de uma im-portante barreira pode significar, em alguns casos, a morte de uma região ou de um bairro.

Um exemplo disso é o que está acontecendo no bairro da Pompeia, em São Paulo. Com o aumento da circulação no bairro as antigas construções passam a serem substituídas por grandes empreendimentos imobiliários, normalmente de maior custo agregado, o que vai valorizando a área e aos poucos expulsando os antigos moradores. Este processo de valorização está acontecendo também na Praça Roosevelt, em São Paulo, que após ser valorizada começa a expulsar os antigos teatros e os vizinhos indesejados e, com isso, valorizando novamente as empreiteiras e a iniciativa privada.

É parte integrante de um Projeto urbano pesar as diferentes interferências para a construção de um território comunitário de qualidade, preservando em alguns casos e inovando em outros.

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planejamento estratéGico e projetos urbanos

Na atuação urbanística contemporânea as mudanças ocorrem em uma ve-locidade sem controle, alterando tanto a forma de projetar como a gestão urba-na. É necessário compreender a cidade como um conjunto de dados e elementos urbanos que devem se articular com o tecido existente em uma cidade consoli-dada, revalorizando o locus e o patrimônio histórico, pois segundo Aldo Rossi “a própria cidade é a memória coletiva dos povos e como a memória está ligada a fatos e lugares, a cidade é o locus da memória coletiva”22 – conceito retoma-do na Itália pós-segunda guerra, num ambiente intelectual de nostalgia, como proposição de uma tipologia urbanística que poderia recuperar qualidades per-didas pelas cidades.

Integrador e abrangente, o modelo da revitalização distancia-se tanto dos projetos de renovação modernistas traumáticos de tábula-rasa quanto das ati-tudes exageradamente conservacionistas, mas incorpora e excede as práticas ur-banísticas anteriores na busca pelo renascimento econômico, social e cultural das áreas centrais esvaziadas, decadentes e subutilizadas.

A partir da década de 1980, como resposta aos impactos do processo de reestruturação produtiva e ao reencontro com a cidade existente com a neces-sidade de reconstruir os tecidos obsoletos, foram implantadas novas experiências através dos Projetos Urbanos, destinados a recuperar centros históricos, áreas industriais, ferroviárias e portuárias e outras centralidades vinculadas aos modos de produção ou transporte a serem atualizadas, para então transformá-los em novas centralidades, em sua maioria cultural ou tecnológica.

Para tanto, através de um planejamento estratégico entre poder público (via-bilizadores), poder privado (investidores) e comunidades (usuários), identifica-se planos e programas que maximizam e compatibilizam os esforços e investimentos e norteia-se a implementação integrada de ações e projetos a curto, médio e lon-go prazos. Os resultados positivos, por sua vez, realimentam o processo, atraindo novos investidores, novos moradores e novos consumidores e gerando o novo.

O planejamento estratégico funciona assim, como um instrumento que traz abordagens de atuação sobre o espaço urbano, baseado em gestão, partici-pação de diferentes fatores sociais e um projeto global de cidade, que passou a aparecer de forma proeminente entre as políticas urbanas empregadas por mu-

22. ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1995, p. 19.

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nicipalidades europeias.Sob a gestão da administração pública, a viabilidade destas transformações

se dá via investimentos provenientes da combinação de forças do poder público com a atuação da iniciativa privada para a criação de novas condições urbanas em um território específico, voltadas para a reconstrução física e social de partes da cidade, seguindo um plano urbanístico especifico e normas legais gerais e, em alguns casos, específicas para determinada área de intervenção.

Adotado em maior ou menor grau em diversas cidades no mundo, o movi-mento na direção deste novo modelo destacou-se a partir das experiências con-sideradas de forma geral como bem sucedidas, sob o ponto de vista de terem, com sua implantação, possibilitado a criação de novos territórios urbanos, es-paços públicos e uma nova imagem às antigas áreas degradadas. Entre as ci-dades pioneiras destacam-se: Boston, com a Harbourfront Project; Baltimore, com o Inner Harbour; Nova York, com o Battery Park. Ao lado destes exemplos norte-americanos podemos incluir a cidade de Londres, com as Docklands.

BAttery pArk, nOvA yOrk

O Battery Park é um empreendimento localizado na baixa Manhattan, em um aterro executado em 1972 sobre o rio Hudson, em uma área antigamente ocupada por docas de 37 hectares.

A partir dos anos 1960 foi desenvolvida pelo Departamento de Planejamento da Prefeitura de Nova York uma série de projetos para a reestruturação urbana da área, com a inclusão de múltiplas atividades. Dentre os muitos projetos propostos com o passar dos anos, quase nada foi construído.23

Porém, em face da crise fiscal nova-iorquina dos anos 1970 e a falta de interesse da iniciativa privada na participação do empreendimento, a saída en-contrada foi a abertura da iniciativa ao mercado. Sob a coordenação da Cor-poração de Desenvolvimento Urbano do Estado de Nova York um novo plano geral elaborado por Cooper & Eckstut foi adotado e, com a propriedade do solo, a BPC Authority adota o aproveitamento imobiliário concebido por Cesar Pelli. A construtora Olympia & York Properties, contratante do arquiteto argenti-no, ganhou a licitação para construção de todos os edifícios comerciais com a proposta de construí-los de uma só vez. Toda a infraestrutura foi bancada pelo

23. NOBRE, Eduardo Alberto Cusce. Renovação urbana em Battery Park City. Disponível em: <www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/e_nobre/battery_park.pdf>.Imagem 18 - Mapa geral de Battery Park.

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pode público e o restante pelos empreendedores.24

Hoje é deste local que partem as balsas que transportam os turistas para a Estátua da Liberdade.

Assim, construíram-se também complexos de torres corporativas e condomí-nios residenciais verticais, numa sequência de empreendimentos de alto nível ou high-profile. Além do World Financial Center, do Jardim Botânico e do Winter Garden, temos espaços públicos e promenades na orla do rio Hudson também sob a produção da O&Y.

A Olympia & York Properties25, também chamada de O&Y, foi a maior em-preendedora de prédios do mundo daquele período, com seu auge na década de 1980, período onde a empresa cresceu em mais de dez vezes. Nesta época foi contratada para a construção do Battery Park, projeto que se tornou o World Financial Center de Nova York, grande sucesso da empresa. Após uma séria de aquisições, a O&Y comprou a English Property Corp, uma das maiores incorpo-radoras britânicas, que atuou no desenvolvimento das propriedades do Canary Wharf, em Londres, parte do projeto geral de renovação das Docklands londrinas.

DOCklAnDs, lOnDres

Tendo como inspiração estas iniciativas nova-iorquinas, do outro lado do Atlântico se dá início à recuperação das antigas docas do porto de Londres, em especial na região de armazéns abandonados ou subutilizados, do outro lado do Tâmisa, bem em frente à City, na região leste da cidade, conhecida como East End.

As Docklands foram fechadas nos anos 1970 em função da conjugação de diversos fatores: diminuição de sua importância devido a ampliação do calado dos navios e da “conteinerização” dos portos, aprovação de legislação ambiental restritiva e construção do porto de Tilburg, 40 km rio abaixo. Nas docas londrinas, a perda de colocações de trabalho foi vertiginosa e, em poucos anos, as 30.000 vagas existentes em 1950 se reduziram para apenas 2.000 vagas em 1981.26

Nesta conjuntura surge uma série de planos que propunham a revitalização da área com o intuito de construir habitações, inclusive as preferencialmente subsidiadas, para pessoas de baixa renda, mas, por não estarem disponíveis os recursos necessários, o projeto não saiu do papel. As áreas de intervenção pos-

24. GORDON, David L. A. Financing waterfront regenaration. Jornal of American Planning Association, Chicago, v. 63, n. 2, primavera, p. 244-265.25. Dados obtidos em: www.en.wikipedia.org/wiki/Olympia_and_York.26. HALL, Peter. Cidades do amanhã. São Paulo, Perspectiva, 1995, p. 415-416.

Imagem 19 - Vista aérea de Battery Park.Imagem 20 - Promenade de Battery Park.

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suíam aproximadamente 2.200ha ao longo de 12 km rio abaixo, desde o centro de Londres. O plano dividia a área em 15 zonas.

Dada a grande escala da intervenção e do volume de recursos a ser aplica-do, o governo Thatcher entendeu ser essencial a parceria com o setor privado. A solução foi constituir uma agência com grande conhecimento do mercado imo-biliário e capacitada a atrair investimentos privados e que pudesse gerenciar, mais eficazmente que os órgãos locais, o empreendimento.27 Assim, nasceu em 1981 a London Docklands Development Corporation (LDDC), entidade autônoma que passou a dispor de poderes sobre o planejamento da região em detrimento dos governos locais. Como 80% da área pertencia a agentes públicos como a auto-ridade portuária, a autoridade metropolitana, as empresas de gás e eletricidade e a British Rail, houve uma maior facilidade para a implementação do projeto.28

Em 1982 a LDDC encomendou um plano para a área aos urbanistas Gordon Cullen e David Gosling. O plano elaborado previa a valorização das águas dos diques como componente paisagístico e para usos de lazer com ancoradouro para veleiros e a criação de um circuito público através da conexão dos principais nós da ilha, ligados ao monotrilho proposto pela LDDC. Porém, na reta final, o plano de Cullen foi descartado, pois a LDDC optou por não colocar nenhum em-pecilho aos empreendimentos futuros nas Docklands.29

A intervenção foi dividida em quatro grandes áreas. Por meio de uma impor-tante intervenção governamental posterior, foi acrescida ao plano a região da Isle of Dogs. Para os investidores, além das vantagens fiscais passou a ser oferecido um zoneamento flexível, diferente da City, tornando o investimento nas Docklands muito mais atrativos e impulsionando o progresso do plano.

Em 1987 a maior construtora comercial do mundo na época, a Olympia & York Properties (O&Y), apresentou uma proposta para a região de Canary Wharf, no extremo superior da Ilha, com projeto de implantação executado pelo famoso escritório norte-americano Skidmore, Owens & Merrill (SOM). Nesta área seriam ocupados 29 hectares do antigo cais através de um projeto que previa quase um milhão de metros quadrados de escritórios, divididos em nove blocos de oito

27. VILARINO, Maria do Carmo. Operação urbana: a inadequação do instrumento para a promoção de áreas em declínio. Tese de doutorado. Orientador Paulo Júlio Valentino Bruna. São Paulo, FAU USP, 2006.28. SOMEKH, Nadia. Reconversão industrial e projetos urbanos: a experiência internacional e o caso da área do Brás, em São Paulo. São Paulo, 2007. Disponível em: <www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FAU/Publicacoes/PDF_IIIForum_a/mack_III_forum_nadia_somekh.pdf>.29. NOBRE, Eduardo Alberto Cusce. O projeto das London Docklands. Disponível em: <www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/e_nobre/docklands.pdf>.

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pavimentos e uma torre de cinquenta andares, que seria o edifício mais alto de Londres, o One Canada Square. Com este projeto as Docklands se tornariam o segundo centro financeiro da cidade. O projeto da O&Y contrariava os pontos definidos por Cullen e Gosling, principalmente nos eixos visuais e espaços públi-cos, uma vez que criava obstáculos ao eixo visual proposto. O empreendimento ocuparia parte das águas do dique existente, além disso, os blocos fechavam-se sobre si mesmos, criando espaços internos, negando o contexto urbano exterior e principalmente o potencial paisagístico das águas.

Segundo Maria do Carmo Vilarino, o projeto da Canary Wharf foi fundamen-tal para finalmente dar início ao boom imobiliário nas Docklands, incentivando o uso terciário. Com o mesmo intuito, a LDDC propôs a criação de um aeroporto para uso doméstico que atendesse esta nova área financeira.30 O London City Airport, financiado pela própria LDDC, foi construído em 1985, desenvolvendo o setor menos privilegiado da operação.

30. VILARINO, Maria do Carmo. Operação urbana: a inadequação do instrumento para a promoção de áreas em declínio. Tese de doutorado. Orientador Paulo Júlio Valentino Bruna. São Paulo, FAU USP, 2006.p.162-163.

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Nas Docklands, mesmo que a intenção inicial fosse utilizar investimentos oriundos em sua maioria do setor privado, o governo precisou intervir posterior-mente, em especial na construção de infraestrutura de transportes de massa como metrô e trem.

Hoje o local da intervenção se caracteriza pelo centro empresarial, sede das grandes corporações e de boa parte da mídia, dos altos serviços e das habitações de altíssimo padrão, com direito a estações de metrô projetadas por grandes ar-quitetos como Norman Foster.

Dentre as críticas a este projeto destaca-se que, como resultado do neo-liberalismo, foi feito o loteamento da área em imensas glebas, entre diversos empreendedores, sem a implantação de um projeto unificado, resultando em um projeto fragmentado, com espaços privilegiados e que acabam gerando gentrifi-cação através de espaço altamente qualificado e diferenciado.31

Para Otília Arantes, esta falta de estratégia pública fez da LDDC um órgão que “não tinha por função senão impedir qualquer regulamentação restritiva ao mercado. O resultado é conhecido: especulação imobiliária desenfreada, toman-do o local um reduto de yuppies nos anos 1980, com os preços dos terrenos valorizados em até 2.000%”.32

Por outro lado, segundo Kenneth Powell33, a renovação das Docklands é considerada um sucesso pelos seus idealizadores, pois, mesmo com as críticas referentes ao volume de recursos públicos investido, a urbanização fragmentada e a gentrificação, a intervenção alcançou os objetivos propostos.

Battery Park e London Docklands, ambos do mesmo período histórico neoliberal das décadas de 1970 a 1990, apresentam grandes semelhanças no conceito de projeto e gestão que influenciaram o mundo todo. Nos dois casos houve um projeto inicial voltado para o uso do espaço público que não foi usa-do e a execução do plano urbano foi feita através de outro projeto com foco no aproveitamento do espaço pela iniciativa privada. Em ambos, com participação de arquitetos renomados, sob o comando da mesma construtora Olympia & York Properties. Não é coincidência, portanto, a construção de grandes complexos

31. NOBRE, Eduardo Alberto Cusce. O projeto das London Docklands. Disponível em: <www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/e_nobre/docklands.pdf>.32. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. São Paulo, Vozes, 2002, p. 35.33. POWELL, Kenneth. La transformación de la ciudad: 25 proyectos internacionales de arquitectura urbana a principios del siglo XXI. Buenos Aires, Blume, La Islã, 2000.Imagem 22 - Vista aérea das Docklands.

Página anterior:Imagem 21 - Mapa das Docklands.

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administrativos que, inspirada nas palavras de Susan Fainstein34, caracterizou es-tes trechos de ambas as cidades como cidades privadas bem planejadas.

A história épica da O&Y teve fim com sua falência, como muitas outras em-presas dentro do panorama de recessão da Grã-Bretanha e posterior quebra da Bolsa de Nova Iorque. Com o início da recessão na Grã-Bretanha, as empresas britânicas não estavam dispostas a mudar do centro financeiro para a nova área, ainda mais pelo fato da extensão da Linha Jubilee do metrô de Londres –promes-sa pessoal de Margaret Thatcher – ter sido adiada (a linha já em construção de-veria abrir no ano de 2000).

Assim, o espaço destinado aos escritórios em Canary Wharf permaneceu praticamente vazio e Olympia & York começou a ficar sem recursos. Ao mesmo tempo, o mercado imobiliário de Nova York começou uma recessão profunda e a Olympia & York, que agora era o detentor da maior propriedade em Manhattan, ressentiu-se dos problemas de fluxo de caixa, que afetaram profundamente a es-tratégia de financiamento adotada pelos irmãos Reichmann, fundadores da O&Y. Assim, em maio de 1992 – com uma dívida de mais de 20 milhões de dólares para vários bancos e investidores – a empresa pediu concordata.35

zACs, pAris

As chamadas ZACs (Zone d’Aménagement Concerte / Zona de Planejamento Negociado) são áreas onde o poder público define como possíveis de intervenção para a realização de melhorias. Porém em Paris, com um Estado forte, verifica-se que a esfera pública funciona efetivamente como a reguladora do projeto urbano.

Os recursos, provenientes das vendas dos projetos prontos, financiarão os próximos objetivos propostos pela operação. As ZACs constam do código de obras de Paris de 1967, também no código de Urbanismo de 1985 e funcionam da seguinte forma:

34. FAINSTEIN, Susan. Promoting Economic Development: Urban Planning in the United States and Great Britain. Journal of the American planning Association, v. 57 n. 1, inverno, p. 29.35. A empresa foi finalmente desmembrada em fevereiro de 1993 e os Reichmanns ficaram com apenas uma pequena parte, conhecida como Olympia & York Properties Corporation. A nova empresa cresceu novamente em vários bilhões de dólares, graças à retenção de uma grande participação do projeto agora próspero de Canary Wharf, bem como do First Canadian Place (outro grande projeto urbano da O&Y) em Toronto, Ontário. No entanto hoje eles não possuem grandes explorações na cidade de Nova York, pois muitas das propriedades que eram desta cidade estão agora com Brookfield Properties Corporation.

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“O Estado adquire as terras em áreas degradadas (por direito de preempção ou por simples desapropriação), faz as melhorias de infraestrutura e decide o uso para cada lote resultante de sua intervenção, realizando inclusive o projeto arquitetônico do edifício a ser construído no local, em alguns casos. Vende as áreas e os projetos destinados a equipamento públicos aos respectivos órgãos responsáveis (ministério da educação para escolas, da saúde para hospitais, setor de parque para praças, etc.) e as áreas destinadas a escritórios e outros estabelecimentos comerciais (também com os projetos prontos) à iniciativa privada. Cobrando desta última a plus-valia produzida pela valorização da intervenção. Consegue recursos para amortizar a operação como um todo e garantir a oferta de moradias”.36

Entre as ZACs mais conhecidas está a chamada Seine-Rive Gauche. Iniciada em 1977, trata-se de uma operação de 130ha em uma área de antiga ocupação industrial, entre a margem esquerda do rio Sena e a Ferrovia, sendo 26ha do território ocupado pela antiga linha férrea.37 Os projetos arquitetônicos erguidos na área foram realizados por reconhecidos arquitetos, com destaque para Domi-nique Perraut, autor da Biblioteca Nacional da França (Très Grande Bibliopthèque ou TGB), projeto que lhe valeu o Prêmio Mies van der Rohe de 1996. Excedendo o gabarito de altura padrão de Paris, a biblioteca foi a grande âncora de atração para investidores, pois, a partir da sua construção, foi possível viabilizar a exten-são do metrô e a construção das primeiras unidades habitacionais.38

Outros exemplos de empreendimentos realizados através das ZACs são o La Villette (onde a Cidade da Música servia como chamariz), o Parque Citroen, Les Halles e Bercy. Tais intervenções tiveram como antecedente o projeto urbano para o Bairro de Beaubourg, no 4º distrito de Paris, realizado em grande parte

36. MARICATO, Ermínia; FERREIRA, João Sette Whitaker. Operação Urbana Consorciada: diversificação urbanística participativa ou aprofundamento da desigualdade? In OSÓRIO, Letícia Marques (Org.), Estatuto da Cidade e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre/São Paulo, Sergio Antônio Fabris Editor, 2002, p. 5-6.37. DITTMAR, Adriana Cristina Corsico. Paisagem e morfologia de vazios urbanos. Análise das transformações dos espaços residuais e remanescentes urbanos ferroviários em Curitiba. Dissertação de mestrado. Orientadora Letícia Peret Antunes Hardt. Curitiba, PUC-PR, 2006.38. MALERONKA, Camila. Projeto e gestão na metrópole contemporânea: um estudo sobre as potencialidades do instrumento: operação urbana consorciada à luz da experiência paulistana. Tese de doutorado. Orientadora Marta Dora Grostein. São Paulo, FAU USP, 2010, p. 62.

Imagem 23 - Mapa Zac Seine Rive Gauche. Imagem 24 - Trecho Tolbiac da ZAC Seine Rive Gauche, copm a biblioteca Nacional da França.

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durante o governo de Georges Pompidou, e que teve como chamariz cultural a construção do Beaubourg – inaugurado em 1977 e batizado como Centre Pom-pidou em homenagem ao seu promotor. Projetado pelos arquitetos Renzo Piano e Richard Rogers, o centro cultural foi responsável pela regeneração de todo um distrito localizado junto ao primeiro anel da capital francesa. Com revalorização destas áreas centrais, assistiu-se a reocupação do espaço pelas camadas mais abastadas, ocupando coração da cidade.39

Diferente das intervenções urbanas de Battery Park e das Docklands, onde o chamariz é o enfoque nas áreas financeiras e de escritório, no caso de Paris fica claro que os projetos âncora baseiam-se em espaços voltados à cultura e ao lazer. Quando a cidade é conduzida por um Estado mais forte, que traz para si a fun-ção de regulador do plano urbano, parece ser possível, apesar da gentrificação, construir equipamentos e espaços públicos mais democráticos e, através deles melhorar a vida da comunidade, favorecer linhas de desenvolvimento sustentável, criar empregos, entre outras virtudes.

Cidades como Bilbao, Barcelona e até a capital da Alemanha unificada viriam a servir este modelo de desenvolvimento com a promoção de âncoras culturais.

CrítiCAs AO plAnejAmentO estrAtégiCO

Mesmo tendo viabilizado espaços atrativos que agregaram uma série de qualidades a estas novas áreas, o planejamento estratégico recebe duras críticas de diversos autores, como Otília Arantes, Ermínia Maricato e Peter Hall, entre outros. O ponto comum da objeção ao modelo é que, em geral, a intervenção acaba sendo focada na produção dos locais de sucesso para escoamento do excesso de capital, com o intuito de trazer novos negócios e oportunidades finan-ceiras. Os benefícios sociais, segundo estes autores, não entram na equação.

Peter Hall afirma que em muitos casos – Boston e Baltimore, em especial – as intervenções urbanas foram coordenadas por uma nova e radical elite financeira (proprietários imobiliários e seus derivados) que se apossa da cidade, lideran-do uma coalisão pró-crescimento e que astutamente combina fundos públicos e privados para promover uma urbanização em grande escala.40 Esta elite, formada por segmentos com acesso aos promotores das medidas urbanas, dá livre curso ao seu objetivo de expandir a economia local e aumentar a riqueza, sem grandes

39. Dados obtidos em: www.parisrivegauche.com/Projets-et-realisations/Le-secteur-Tolbiac/Equipements-publics40. HALL, Peter. Cidades do amanhã. São Paulo, Perspectiva, 1995, p. 413. Imagem 25 - Centro George Pompidou.

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preocupações sociais. Pode-se detectar também um aspecto simbólico no proces-so. A aspiração de projetar a cidade no novo mapa mundial é perseguida por hábeis gestores do city marketing, que fabricam também uma nova cidadania, um novo modo de ser e viver na cidade. Este processo é o que Fernanda Sanchez chama de cidade-espetáculo.41

Focados em atrair investidores, os gestores adotam uma postura competitiva e empresarial, fundamentalmente preocupada com a atração de investimentos via eventos e turismo, com a imagem urbana e com a inserção otimizada da cidade no panorama mundial. Os valores voltados para o bem-estar da população estão ausentes.42

Identificando o fenômeno como indissociavelmente vinculado à condição pós-moderna, David Harvey denomina este processo de empresariamento urba-no, onde as cidades passam a ser concebidas como mercadorias, ajustadas à nova ordem econômica mundial.43 O caso de Baltimore, com a espetacularização de Harbor Place, é um espelho deste processo.

Neste contexto surge o que Peter Hall chama de cidade-empreendimento, onde o planejamento urbano torna-se o alvo predileto da ofensiva liberal-conser-vadora sem controle. Segundo Peter Hall, escrevendo nos anos 1970:

“O planejamento convencional, a utilização de planos e regulamentos para guiar o uso do solo, pareciam cada vez mais desacreditados. Em vez disso o planejamento deixou de controlar o crescimento urbano e passou a encorajá-lo por todos os meios possíveis e inimagináveis. Cidades, a nova mensagem soou em alto e bom som, eram máquinas de produzir riqueza; o primeiro e principal objetivo do planejamento devia ser o de azeitar a máquina. O planejador foi se confundindo cada vez mais com o seu tradicional adversário, o empreendedor (manager); o guarda-caça transformava-se em caçador furtivo”.44

41. SANCHEZ, Fernanda. Arquitetura e urbanismo: espaços de representação na cidade contemporânea. Veredas, Rio de Janeiro, 1999, v. 41, p. 26-29.42. VAINER, Carlos Bernardo. Pátria, empresa e mercadoria: notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. Desmanchando consensos. Petrópolis, Vozes, 2000.43. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo, Loyola, 1992, p. 88-92.44. HALL, Peter. Cidades do amanhã. São Paulo, Perspectiva, 1995, p. 407.

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No intuito de trazer novos negócios e oportunidades financeiras são realiza-dos grandes eventos internacionais como a Baltimore City Fair – que nos anos 1980 promoveu diversas intervenções urbanas na área portuária da cidade – e as Olimpíadas de Barcelona em 1992. Nestes casos, a adoção do planejamento estratégico regido pelo conceito de city marketing, proporcionou imensas opor-tunidades de promoção das cidades, renovações e melhorias urbanas. A eficácia decorrente desse processo sob o ponto de vista da reestruturação econômica des-pertou o grande interesse, transformando estes tipos de intervenções em modelo que será seguido por eventos posteriores, como a Expo 98 de Lisboa, a 1º Bienal de Berlim de 1998 – que teve como tema a própria cidades de Berlim – e o Fórum Mundial das Culturas de 2004 em Barcelona, entre muitos outros.

O modelo disseminado tem como premissa sua execução em tecidos ur-banos centrais que se encontram – ou são assim denominados – como espaços degradados, sejam eles áreas portuárias, áreas industriais obsoletas ou áreas abandonadas que, em determinado momento são, ou se tornam, barreiras ao crescimento da área. O que se visa, porém, é o grande potencial de valorização gerado pela mudança da função original da área.

São diversas as estratégias utilizadas para estes fins, que podem ser clas-sificadas na sua nova vocação em dois grupos. O primeiro privilegia um mix de atividades e procedimentos, com implantação de sedes corporativas, parques tecnológicos, recuperação do patrimônio histórico. Há uma aposta em imaginar estas áreas como centro cultural urbano, priorizando o lazer e o consumo de alta renda, como aconteceu nas intervenções de Paris, Bilbao, Berlim e Barcelona. O segundo grupo aposta na produção de grandes centros financeiros, com ar-ranha-céus imponentes, sempre acompanhados de uma arquitetura de renome graças à contratação de um arquiteto do jet set internacional para alavancar e carimbar o local. Como exemplo, temos as Docklands em Londres e o Battery Park em Nova Iorque. Em ambos os casos temos um esvaziamento prévio desses núcleos e a migração habitacional para bairros residenciais sob o pretexto da “requalificação” do lugar.

Nas palavras de Otília Arantes:

“Aí o embrião de uma mudança emblemática: à medida que a cultura passava a ser o principal negócio das cidades em vias de gentrificação, ficava cada vez mais evidente para os agentes envolvidos na operação que era ela, a cultura, um dos mais

Imagem 26 - Complexo House of World Cultures. Construído para sediar, junto com outros dois edifícios, a 1º Bienal de Berlim. Foto de Christian Beirle González. Imagem 27 - Vista geral do zona central da EXPO’98.

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poderosos meios de controle urbano no atual momento de reestruturação da dominação mundial”.45

Tais transformações urbanas focadas na cultura traziam uma significativa mudança nas formas de uso e de usuários desses espaços: a gentrificação. Justi-fica-se a “revitalização” usando o mesmo discurso dos planejadores, que defende a recriação da vida social em um espaço onde aquela estaria ausente. Dessa forma, as dinâmicas transformadoras são ativadas e é encoberta a verdadeira intenção de expulsar incômodas formas de habitar o espaço, distantes do novo objetivo proposto para aquele local e “incompatíveis com a nova semântica dos espaços renovados”.46

O processo de gentrificação converge cultura e capital, o que Otília Arantes chama de culturalismo de mercado,47 onde o fator cultural funciona como chama-riz dentro de uma lógica mercadológica estruturadora das políticas de renovação do espaço urbano. Na semântica que lhe é particular, defende que o image-mak-ing reinventará a identidade da cidade, que será explorada pelo city marketing. O novo valor simbólico aportado nos espaços urbanos reestruturados acaba por in-fluenciar as novas avaliações que serão veiculadas pela mídia, valorizando cada vez mais o local, induzindo à especulação imobiliária. Intencional ou não, este é o ciclo criado pelo planejamento estratégico.

Como exemplos destas tramas estratégicas que geraram gentrificação, po-demos citar dois exemplos em Nova York: o Soho e, posteriormente, o Battery Park. No Soho, a partir dos anos 1970, iniciou-se o incentivo de reciclagem dos antigos lofts pela comunidade de artistas locais, convertendo-os em galerias, boutiques, residência de artistas, restaurantes sofisticados etc. A chegada de novos padrões de consumo trouxe também uma nova vanguarda da burguesia e consequente-mente a expulsão da antiga população moradora. Esta, que não conseguia mais arcar com o aumento de preços que acompanharam as melhorias, acabou se mudando para áreas periféricas menos valorizadas e menos beneficiadas.

Nesta linha, Otília Arantes afirma que o urbanismo não veio mais para corrigir, como acreditava ser possível os urbanistas modernos, mas “para in-crementar a proliferação urbana e aperfeiçoar a competitividade das cidades”.

45. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. São Paulo, Vozes, 2002, p. 33.46. SANCHEZ, Fernanda. Arquitetura e urbanismo: espaços de representação na cidade contemporânea. Rio de Janeiro, Veredas, 1999, p. 26-29.47. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. São Paulo, Vozes, 2002.

Imagem 28 - Capa do catálogo da 1º Bienal de Berlim.

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Neste contexto, teríamos “trocado a máquina de morar moderna pela máqui-na de crescimento atual”. E, abandonando o ideal do movimento moderno, os benefícios do que foi produzido já é – nem mesmo como retórica – destinados à maioria da população; afinal, não era essa a prioridade, o que acarreta um “impacto nulo sobre a pobreza e demais déficits sociais”.48

Nos quatro planos estudados, Seine-Rive Gauche, Battery Park, Soho e Lon-don Docklands pode-se verificar o de sempre: planos urbanos que privilegiam direta ou indiretamente a iniciativa privada; a presença de projeto arquitetônico assinado por arquiteto famoso, usado como chamariz; e, intencional ou não, a expulsão da antiga população para a criação de ilhas qualificadas que vão se expandindo por toda a cidade e promovendo sua fragmentação social. No caso de Seine-Rive Gauche, graças à forte regulação estatal, garantiu-se ao menos um maior retorno financeiro para o Estado, que foi reinvestido na própria área. Nestes casos acima descritos, planejamento estratégico ou a falta dele, pode ser confundido com uma gentrificação estratégica.

Dentre os muitos efeitos da globalização a espetacularização das cidades, considerada como bem sucedida pelos empreendedores, nasce da mesma fórmula que busca resultados rentáveis e resulta em cidades cada vez mais semelhantes, que muitas vezes desconsideram aspectos regionais de cada uma delas.

A estética urbana pós-moderna produz elementos como a fragmentação, a efemeridade, o ecletismo, a valorização da forma (contra o funcionalismo moderno) e o triunfo da imagem. Contudo, apesar do discurso ser contra a uni-formização pregada pela arquitetura moderna, é comum a criação de paisagens urbanas muito semelhantes, resultando na uniformização tão criticada. A arquite-tura pós-moderna, dessa vez uniformizada através das torres de vidro, busca por meio da imagem e monumentalidade apresentar o poder das grandes empresas que geralmente estão presentes nas cidades globais.

Segundo Arantes, há uma “falsa ruptura dos pós-modernos, cuja oposição de fachada mal escondia o seu vínculo com o formalismo do ciclo anterior”.49 Mantém-se a continuidade, inclusive no chamado novo planejamento estratégico. A chamada terceira geração urbanística não representa nenhuma ruptura maior de continuidade com a anterior. “Se há novidade, ela se resume ao gerenciamen-

48. ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Berlim e Barcelona: duas imagens estratégicas. São Paulo, Annalume, 2012, p. 15-17.49. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. São Paulo, Vozes, 2002, p. 11.

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to”, onde o planejamento estratégico é antes de tudo um empreendimento de comunicação e promoção.50

Apesar da oposição ampla e radical de Otília Arantes e outros teóricos, talvez seja possível verificar cidades onde os projetos urbanos acabaram resultando em situações que não se resumem à especulação imobiliária em detrimento dos interesses da comunidade local. O estudo dos três projetos urbanos a seguir – Céramique, em Maastricht, Holanda; St. Jean, em Genebra, Suíça; e Bicocca, em Milão, Itália – tentam verificar esta hipótese.

três prOjetOs urBAnOs em três pAíses eurOpeus

Apesar da oposição ampla e radical de Otília Arantes e outros teóricos, talvez seja possível verificar cidades onde os projetos urbanos acabaram resultando em situações que não se resumem à especulação imobiliária em detrimento dos interesses da comunidade local. O estudo dos três projetos urbanos a seguir – Céramique, em Maastricht, Holanda; St. Jean, em Genebra, Suíça; e Bicocca, em Milão, Itália – tentam verificar esta hipótese.

Nos três capítulos que se seguem serão apresentados estes três exemplos internacionais de projetos urbanos implantados que, total ou parcialmente, al-cançaram seus objetivos propostos através de qualidades diferenciadas, seja em projeto, seja em gestão. Para que possa se estabelecer comparações entre os pro-jetos e sejam possíveis algumas leituras e conclusões, foram estabelecidos alguns critérios de verificação dos projetos: a) antecedentes e problemática urbana; b) processo de projeto e construção; c) leis e regulamentações; d) viabilidade insti-tucional e econômica, gestão, investidores e parcerias; e) realidade atual pós-uso; f) balanço.

Em uma aproximação preliminar, é possível dizer que os três projetos selecio-nados reconectaram as áreas de intervenção aos tecidos urbanos circundantes e promoveram o desenvolvimento local com inclusão social: onde o espaço público é trabalhado de maneira central, preservam o patrimônio histórico e oferecem novas maneiras de trabalho e renda, em diferentes escalas de atuação.

É possível também adiantar, após o estudo sistemático de exemplos implan-tados em três países diferentes, que, do ponto de vista das formas de gestão, não existe uma única fórmula para a parceria público-privado. Ao contrário, são múltiplas as possibilidades, sendo que algumas delas garantem benefícios

50. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. São Paulo, Vozes, 2002, p. 11.

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mínimos para todos os protagonistas envolvidos, tendo como fim uma cidade mais democrática.

Apesar da evidente diferença econômica, social e principalmente territorial entre os países estudados com a realidade brasileira, estudamos estas intervenções por acreditar que o aprendizado com as experiências felizes nos traz subsídios para executarmos os nossos projetos urbanos de forma mais adequada nos seus fins de benefícios coletivos, indo além das práticas de especularizacão ao estilo anos 1980 e que influenciaram muito as formas praticadas em São Pau-lo (ou, ao menos, as que se tentou praticar em nossa cidade).

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capítulo 1

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Capa:Imagem 29 - Croqui desenvolvido por Pierre Bonnet com o conceito detalhado do projeto de St. Jean.

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coBERtuRa Da VIa FÉRREa EM ST-JEAN,GENEBRA, SuíÇa (1992-2002)

A Suíça é um país pequeno população de aproximadamente 7,8 milhões de habitantes e área de 41.285 km², dos quais cerca de dois terços são cobertos de florestas, montanhas e lagos. Faz fronteira com a Alemanha, França, Itália, Áustria e com o Principado de Liechtenstein. Razões históricas resultaram em um país constituído por quatro principais regiões linguísticas e culturais: alemão, francês, italiano e romanche. Neste sentido, os suíços não conformam uma nação no sentido de uma identidade comum étnica ou linguística.

De uma maneira geral, pode-se dividir a Suíça em três regiões geográficas: os Alpes, o planalto e o Jura. O planalto suíço, ocupa um terço da área do país e aí mora cerca de dois terços da população. Nesta área estão localizadas as maiores cidades do país. Entre elas estão seu maiores centros econômicos, suas duas cidades globais: Zurique e Genebra. A Suíça é um dos países mais ricos do mundo relativamente ao PIB per capita calculado em 75.835 de dólares ameri-canos em 2011.1

Genebra é a segunda mais populosa cidade suíça com uma população de 183.287 hab. (em janeiro de 2009) e densidade populacional de 11.710 hab./km².2 Em comparação, os bairros de São Paulo com densidade mais parecida são o Tatuapé, com 11.180 hab./km², e a Consolação, com 15.504 hab./km², segundo o IBGE de 2010.3

Genebra é, ao lado de Nova York, o centro mais importante da diplomacia e da cooperação internacional em razão da presença de inúmeras organizações internacionais, fazendo de Genebra sede de diversos departamentos e filiais das Nações Unidas, da Cruz Vermelha e da Unesco. A cidade é considerada um dos mais importantes centros financeiros do mundo, estando, segundo a financeira Global Index, em terceiro lugar na Europa, depois de Londres e Zurique. Um exame feito pela Consultoria de Investimentos Mercear em 2009 a classifica como a terceira cidade com maior qualidade de vida no mundo (e na Suíça, superada

1. Dados obtidos no website Wikipedia, verbete “Suíça”. Visitado em 25/10/2012.2. Dados obtidos no website www.citypopulation.de. Visitado em 25/10/2012.3. Dados obtidos no website da Prefeitura de São Paulo, no link www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/subprefeituras/dados_demograficos/index.php?p=12758. Visitado em 26/10/2012.

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Imagem 29 - Croqui desenvolvido por Pierre Bonnet com o conceito detalhado do projeto de St. Jean.

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somente por Zurique). Em 2011, foi considerada a quinta cidade mais cara para se viver no mundo. E é considerada pela pesquisa mundial de qualidade de vida a segunda melhor do planeta (atrás da também suíça Zurique) e subiu a uma posição, em relação ao ranking do ano passado em função do seu sistema esco-lar, considerado o melhor do mundo.4

A arquitetura o país tem grandes nomes, como Mario Botta, Luigi Snozzi, Aurelio Galfetti, Bernard Tschumi, Jacques Herzog e Pierre de Meuron, e Peter Zumthor (os dois últimos, a dupla Herzog & De Meuron e Zumthor ganharam o Prêmio Pritzker em 2001 e 2009) e entre outros grandes e expressivos arquitetos. Porém, sendo um país pequeno e muito limitado geograficamente por sua nature-za, em geral apresenta uma arquitetura de baixo impacto e sem grandes projetos urbanos ou intervenções de porte.

Neste contexto, o projeto urbano do arquiteto suíço Pierre Bonnet para o bairro de St. Jean, em Genebra, se destaca dos demais, com seus 800 metros de extensão. Mesmo se compararmos com São Paulo, não temos nenhum pro-jeto urbano efetivamente implantado com esta extensão ou qualidade em nossa cidade.5 Na Operação Urbana Faria Lima, por exemplo, foram reconstruídas apenas as duas extremidades da avenida.

O caso de St. Jean foi escolhido por ser uma experiência que consideramos bem sucedida por ter alcançado seus objetivos iniciais de priorizar a população local, sem o intuito direto de promoção da cidade e de atração de investidores através de um projeto âncora. Por ser um projeto inédito no desenvolvimento ur-bano da cidade, seu estudo torna-se ainda mais interessante.

4. Dados obtidos no website www.mercer.com/qualityofliving. Visitado em 26/10/2012.5. Segundo informação de Abilio Guerra, esta observação foi feita pelo arquiteto José Magalhães durante o debate que se seguiu à apresentação de Pierre Bonnet no Fórum de Debates da 5ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, em 2003.

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Antecedentes e problemáticA urbAnA

No fim dos anos 1980 foi iniciado em Genebra um programa de desenvolvi-mento urbano dentro da própria cidade, em oposição à urbanização difusa fora da área urbanizada ocorrida entre os anos de 1945 a 1970.

Desde os meados do século 19, o bairro de St. Jean se desenvolveu condicio-nado pelo traçado da linha férrea e seu crescimento se deu por sucessivas oper-ações, condicionadas pelas ideias hegemônicas nas diferentes épocas: quadras, casas isoladas, lâminas etc.

Com o crescimento da cidade em meados dos anos 1980, a passagem de trens se intensifica especialmente nesta região devido ao desvio do terminal da estação do centro para o aeroporto de Genebra. Assim, a ferrovia por onde circulam trens de carga e vagões de passageiros de alta velocidade passa a ser causa de incômodo, tanto como geradora de um barulho inconveniente como por se tratar de um obstáculo entre os bairros de St. Jean e Charmilles, que juntos já somavam uma população de 5.000 habitantes.

A iniciativa para o tamponamento da ferrovia partiu da população residente através de uma petição popular que posteriormente foi assumida pela adminis-tração pública. Desta forma “não se trata de uma operação especulativa, pois, devido a uma vontade popular dos habitantes, os poderes públicos instauraram uma operação de valorização destes bairros residenciais”.6

Assim, a cobertura sobre a linha férrea tinha como objetivo diminuir os distúr-bios sonoros oriundos da passagem dos trens e a religar dois bairros através de um espaço público com equipamentos socioculturais.

Antes de ser determinado o projeto ou os usos específicos deste platô, foram contratados engenheiros civis para conceber a cobertura com comprimento de 825m e uma largura de 25m, com duas pontes cruzando.7 Uma obra de arte da engenharia que se viabilizou sobre a antiga trincheira ferroviária.

O platô construído tem diversos níveis que variam de 0,50m a 1,60m defini-dos por critérios impositivos – gabarito do trem, altura estática dos pilares e passagem dos fluídos para as construções – o que posteriormente influenciará

6. BONNET, Pierre. Sob o condicionamento do solo. In GUERRA, Abilio (org.). Metrópole. Catálogo do Fórum de Debates 5ª Bienal de Arquitetura e Design de São Paulo. São Paulo, Romano Guerra/Fundação Bienal, 2003, p. 41.7. Em caso de dados conflitantes entre as bibliografias foram considerados os dados obtidos através de entrevista com o autor do projeto.

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também o projeto de arquitetura. As dificuldades técnicas eram muitas, como os polêmicos campos magnéticos e os riscos de incêndio dentro do túnel dos vagões que transportam combustível. Mesmo assim, a superfície total da cobertura construída somada aos antigos taludes resulta em aproximadamente 22.000m² e poderia receber construções de no máximo três níveis.8

Sobre o embasamento foi lançado pela Cidade de Genebra em 1991 o con-curso de arquitetura aberto e de âmbito internacional com o propósito de projetar o novo espaço adquirido sobre o corte da ferrovia. No escopo da competição o arquiteto ganhador deveria projetar além do projeto urbano dois edifícios. E, a infraestrutura de cobertura projetada por engenheiros sem definição funcional, seria concluída pelos ganhadores da concorrência, responsáveis pela forma ur-bana, e funcionamento do espaço público.

Como segundo passo, as regras do Plano Diretor foram estabelecidas pela equipe vencedora, a fim de permitir variações e com a participação de atores diferentes. Assim, em 1992, quando a concessão de contratos públicos ainda não existia, fica definido que o time vencedor tinha direito de projetar o espaço público e escolher antecipadamente os dois edifícios que projetaria. Os demais edifícios públicos seriam projetados por arquitetos diretamente escolhidos pela cidade de Genebra, enquanto os edifícios privados seriam desenvolvidos por ar-quitetos escolhidos diretamente pelos operadores privados, sob o controle geral da cidade de Genebra.

Diante da dificuldade de trabalhar com uma equipe tão heterogênea e aleatória de arquitetos dos demais edifícios, com diferentes graus de comprome-timento, Pierre Bonnet considera que “em termos de qualidade de arquitetura, a implementação ficou abaixo das expectativas”.9

Ainda em 1992, é declarado vencedor o projeto é de autoria do arquite-to Pierre Bonnet em colaboração com os arquitetos com Pierre Bosso e Alain Voucher que se destacou por evidenciar a morfologia criada pela plataforma, como se lembrando em “positivo” do traçado ferroviário. Enquanto as outras propostas visavam apagar a plasticidade do platô e buscando uma afinidade com edifícios que acercavam.

8. Dado obtido em entrevista com o arquiteto responsável. Em algumas bibliografias encontrou-se o dado de 30.000 m².9. Trecho da entrevista preliminar realizada via e-mail pela autora com o arquiteto Pierre Bonnet em 10/12/2012.

Página anterior:Imagem 30 - A linha férrea antes da intervenção.

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processo de projeto e construção

Não há nenhuma prescrição ou lei sobre a área de implantação do pro-jeto no âmbito do planejamento urbano, uma vez que a construção deste ter-ritório sobre uma via férrea é inédita. Assim, todas as normas a respeito de áreas edificadas e livres, uso público e privado, plantio de vegetação e etc. foram todos definidos pelo projeto através de um plano diretor implantado com base no pro-grama do concurso.

O PrOgrama

O programa de usos e atividades foi definido pela cidade de Genebra, na etapa de competição. O objetivo foi o de fornecer equipamentos e atividades (ofi-cinas socioculturais, clubes, escritórios de pequeno porte) que estavam faltando na área, além de um amplo espaço público voltado ao lazer. Graças à existência, ainda que minimizada, dos campos magnéticos emitidos pelos trens, não era possível a construção de edifícios residenciais e, uma vez que a intervenção era diretamente voltada para a população residente, não houve o desejo de pro-gramar uma grande unidade comercial.10

Durante o projeto foram conceituados edifícios de atividades públicas, como o centro de convivência do bairro, o mercado coberto, a biblioteca e os ateliês, sendo que nestes últimos os investidores são do setor privado. Uma creche e uma padaria estavam inicialmente previstas, mas acabaram não sendo realizadas. Por outro lado, o longo espaço público aberto e contínuo que foi concebido ofereceria um passeio pela nova paisagem e a livre circulação entre os bairros, promovendo uma imagem positiva que teve como efeito imediato a valorização do entorno.

Porém o grande desafio foi relacionado à superação das grandes limitações sobre o novo território criado, tanto técnicas – a estrutura da cobertura sobre a estrada férrea, devido ao peso, permitia a construção de apenas três andares – como legais – as leis nacionais não previam a construção sobre a ferrovia, regras que tiverem que ser criadas a partir deste projeto.

A população também participou efetivamente da definição do programa e das decisões importantes. Através de assembleias, os moradores locais conse-guiram inclusive que fossem mantidos antigos edifícios que faziam parte das bor-

10. Trecho da entrevista preliminar realizada via e-mail pela autora com o arquiteto Pierre Bonnet em 10/12/2012.

Imagens 32 a 34 - Croquis do arquiteto Pierre Bonnet realizados durante a entrevista feita pela autora.

Página anterior:Imagem 31 - Durante a construção do platô.

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das do antigo talude ferroviário, por consideram parte da histórica do bairro.11

O COnCeitO dO PrOjetO

Além dos obstáculos técnicos, projetar sobre a superfície plana desta con-figuração longitudinal foi um desafio para a equipe vencedora: “tivemos que apreender a partir da cobertura da casa redonda do arquiteto de Genebra Maurice Bailará, a paisagem ampla das vias em pleno canteiro, inquietos, frente à amplidão do vazio gerado pela intervenção”.12

O trabalho dos planejadores urbanos foi o de priorizar e possibilitar a criação de um espaço que intercambiasse sem hierarquia os dois bairros, o que nem sem-pre é fácil uma vez que os bairros possuíam certas diferenças sociais e econômi-cas – sendo um mais próximo ao centro, existiam diferenças tanto nos valores de imóveis como no poder econômico da população residente.

O conceito do projeto então se consolidou numa composição de “objetos flutuantes numa relação de alternância aleatória, colocados sobre a plataforma emergente”13, com duas estratégias bem definidas: a busca de uma continuidade espacial dos elementos construídos que valorizasse a fluidez do projeto e a im-plantação de conexões com o território por meio de uma sequencia de transver-sais de acesso de forma ritmada.

Na prática, esta intenção pode ser verificada com a criação de espaços vazios dilatados e comprimidos e pelo manuseio de diferentes volumes arquitetônicos ou massas de vegetação de forma intercalada enriquecendo a variedade espacial.

Logo no início do projeto ocorreu um período de transição de dois anos, onde área ficou acessível à população na condição de uma cobertura sem acabamen-to, somente com a marcação no solo da configuração dos edifícios e dos espaços a ser construído, o que possibilitou avaliar as escalas dos espaços. A platafor-ma cumprida e estreita resultante da antiga configuração ferroviária define uma nova paisagem urbana onde tudo é contaminado de linhas longitudinais e onde o desenho do piso, projetado em módulos de 4,95 x 0,66m, assume o papel de malha base para a modulação das demais construções.

Os acessos em escadas de cada lado das faixas foram concebidos para pro-porcionar um ritmo na parede de pedra e, ao mesmo tempo, subdividir o espaço

11. Dados obtidos em entrevista realizada pela autora com Pierre Bonnet em Genebra, em 15/04/2013.12. BONNET, Pierre. Sob o condicionamento do solo. In GUERRA, Abilio (org.). Metrópole. Catálogo do Fórum de Debates 5ª Bienal de Arquitetura e Design de São Paulo. São Paulo, Romano Guerra/Fundação Bienal, 2003, p. 42.13. Idem, ibidem, p. 43.

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Imagem 38 - O croqui-conceito de Pierre Bonnet usado no concurso.

Página anterior:Imagens 35 a 37 - Croquis do arquiteto Pierre Bonnet realizados durante a entrevista feita pela autora.

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Setor 2: passagem da ponte, biblioteca do bairro (outro arquiteto); saída da biblioteca; acesso; fonte; transição de escalas; piso plantado de “Devires d’Amérique”; piso de madeira repleto de jogos; passagem entre os ateliês; com-pressão, dilatação; centro de convivência do bairro e espaço coberto; jogos sob o espaço coberto; espetáculo de dança sob o espaço coberto.

Setor 3: passagem da ponte em espelho; espaço adolescente, street-ball; skate boate sobre as barreiras; jardim estendido; sala no jardim; mesa redonda; acesso ponte boras; na borda da plataforma; retorno ao talude.

Os esPaçOs PúbliCOs, O PaisagismO e a PreOCuPaçãO ambiental

O projeto paisagístico, desenvolvido em colaboração por designers e paisagistas urbanos, foi fortemente determinado pela natureza do terreno ar-tificial, que levanta problemas incomuns e requer experiências técnicas, por exemplo, devido à dupla exposição ao frio – acima e abaixo da laje que cobre das superfícies plantadas.

A escolha da espécie vegetativa e da sua localização dentro do projeto de-pendeu da sua capacidade de crescer em condições desfavoráveis. Entre outras espécies, touceiras de bambu, bem adequadas para esta situação, substituíram os volumes de construções cuja execução tinha sido cancelada. Após dez anos, o plantio todo evoluiu com sucesso, também devido às condições de boa ma-nutenção. A escolha da vegetação não é ornamental e sim funcional para uso como cobertura do solo, sombra e enquadramento.

O piso de todo o conjunto é levemente curvo em direção às bordas para facilitar o escoamento das águas das chuvas, porém questões sustentáveis como recolhimento de águas pluviais não foram considerados uma vez que “na década de 1990 as questões ambientais não eram tão relevantes como hoje”.14

Os edifíCiOs, O mObiliáriO urbanO e a manutençãO dOs esPaçOs

Devido às regras fixadas pelo plano diretor, com exceção do mercado cober-to e do centro de convivência do bairro que foram concebidos pelo escritório de Pierre Bonnet, os demais edifícios – a biblioteca e os ateliês – foram projetados por outros arquitetos, o que não foi feito sem aumento de custo.

14. Trecho da entrevista preliminar realizada via e-mail pela autora com o arquiteto Pierre Bonnet em 10/12/2012.

Página anterior:Imagem 39 - Durante o processo de implantação, com demarcação da novas construções. Imagem 40 - Implantação Geral setorizada.

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Imagens 42 e 43 - Equipamentos de lazer.

Página anterior:Imagem 41 - Vista aérea do projeto implantado.

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Imagens 44 e 45 - Equipamentos de lazer.

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Imagens 46 e 47 - Equipamentos de lazer.

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No intuito de valorização dos espaços públicos, a densidade das construções sobre a plataforma é pequena. As características técnicas desta mesma base ori-entaram também a escolha da localização de cada edifício. Uma série de regras para a construção de edifícios, entre elas de enquadramento, foram estabelecidas por Pierre Bonnet, sendo a mais importante a que regulamenta o gabarito pela in-solação: as edificações deveriam ter três pavimentos quando voltadas para norte e dois pavimentos quando voltadas para sul.

O uso da madeira usada em forma de réguas verticais, por exemplo, foi im-posto como um dos materiais de fachada pela equipe do projeto, visando uma unidade tectônica entre os edifícios projetados pelos diferentes arquitetos envolvi-dos. O cerne da regra era definir uma identidade sólida ao conjunto que fosse independente e contrastante com o aspecto maciço dos edifícios circundantes, graças aos materiais minerais que os caracterizam. Contudo, segundo Bonnet, a interpretação da regra resultou em diferentes graus de sucesso nos projetos que não eram de sua autoria, resultando em uma arquitetura pouco expressiva e em-prego de materiais de baixo padrão. No entendimento do arquiteto, como estes edifícios tinham projeto específico e custos gerenciados por gestores privados, os mesmo foram executados para terem baixo custo de construção na busca de um rápido retorno financeiro.

Os objetos de pequena escala – mobiliário urbano, iluminação, grades, piso de madeira etc. – foram inteiramente concebidos pelos designers urbanos da equipe de Pierre Bonnet, visando uma linguagem harmoniosa e contínua ao longo de 825m. Observa-se que a identidade visual é alcançada através da percepção unificada do local, reforçada pelo uso da cor azul acinzentado que demarcando objetos, muretas e outros elementos que reforçam a linearidade.

A dificuldade de manutenção de espaços costuma causar forte impac-to no decorrer do tempo. Esta preocupação aparece no projeto através da escolha dos materiais e medidas, pensados para que os espaços sejam acessíveis e trafegáveis por veículos de varredura. A prefeitura é o órgão responsável por esta manutenção e limpeza urbana.15

A escolha de um pavimento de concreto se relaciona com a tradição local das calçadas de concreto. O padrão de pavimento, o qual é desenhado no sentido longitudinal, foi pensado para relembrar a lógica formal dos trilhos e funciona como uma matriz para a estrutura global.

15. Dados obtidos através da entrevista, realizada em 10/12/2012.

Imagem 48 - Equipamentos de lazer. Imagem 49 - Mercado. Imagem 50 - Biblioteca.

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Imagem 51 - Vista entre os ateliers. Imagem 52 - Rampa de acessos para os ateliers. Mobiliário urbano desenhado por Pierre Bonnet.Imagem 53 - Placa informativa com com a atual ocupação dos ateliers.

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Imagens 54 e 55 - Integração entre a grande praça e o entorno.

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Imagens 56 e 57 - Sensação de continuidade.

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a exeCuçãO

O projeto foi pensado para permitir a execução independente de cada pro-grama ao longo do tempo, mas tudo acabou sendo construído de uma só vez pela cidade de Genebra e um único operador privado. Toda a plataforma e os edifícios públicos foram custeados pelo município e apenas os ateliês (edifícios revestidos de réguas de madeira vertical) foram custeados pelo investidor privado.

O programa inicial estabelecido pelo concurso evoluiu no decorrer do projeto e da construção, com algumas alterações quanto a usos dos espaços: o prédio destinado aos correios foi substituído por uma biblioteca, dois outros equipamen-tos foram abandonados por falta de recursos e substituídos por jardins. Desta-ca-se que estas decisões de não construção foram tomadas graças ao contexto específico da década de 1990, quando ocorreu uma crise econômica local. Seria “impensável hoje” a decisão “de perder uma oportunidade de construção”.16

aCessOs e transPOrtes COletivOs

Por estar localizada no centro de Genebra a área já era muito bem servida por linhas de ônibus e bondes (tram) antes mesmo da realização do projeto urba-no. A linha férrea coberta não atende a comunidade, uma vez que é voltada para transporte de carga e de passageiros com trens de alta velocidade, como o TGV. A estação de trem mais próxima é a Geneve SSA – estação central da cidade, que dá acesso ao aeroporto –, que dista cerca de 1,1 km do início da cobertura de St. Jean.

16. Trecho da entrevista preliminar realizada via e-mail pela autora com o arquiteto Pierre Bonnet em 10/12/2012.

Imagem 58 - Bambus substituiram os edifícios não construídos no croqui de Pierre Bonnet.

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leis, viAbilidAde institucionAl e econômicA, gestão, investidores e pArceriAs

Por se tratar de uma área inóspita, que não se destina a ocupação urbana, não havia leis ou regulamentações que pudessem ser parâmetros para o projeto urbano ou para a construção da obra sobre a estrada de ferro. A única imposição era o de não construção para uso residencial devido à existência, ainda que minimizada, dos campos magnéticos emitidos pelos trens. O Plano Diretor espe-cífico para a área, elaborado com base do projeto vencedor, é o único documento legislativo que regula a ocupação da área.

Também que não existiam leis que impusessem estudo de impacto de vizinhança ou ambiente, pois “o projeto é ele mesmo um melhoramento uma vez que reduz a poluição sonora, devido ao tráfego de trem”.17

Contudo, o projeto foi submetido aos mecanismos legais normais aos pro-jetos urbanos: para sua aprovação a prefeitura fez uma a análise funcional e estética da nova construção, e a fiscalização da obra ficou sob a tutela do Estado, como rege as leis de Genebra.18

A posse da terra é das Ferrovias Federais Suíças, que investiram uma quan-tidade muito pequena no projeto, o que correspondente praticamente apenas ao custo de barreiras antirruído. Foi a cidade de Genebra quem investiu na estrutura de cobertura, espaços, equipamentos e edifícios públicos. O investimento na in-fraestrutura foi de 70 milhões de francos suíços, o paisagismo e espaços públicos custaram 11 milhões, e os dois edifícios públicos custaram 5 milhões cada.19

Vale destacar que, em contrapartida, a cidade de Genebra, por sua vez, tem o direito sobre a superfície e atua como regulador sobre o operador privado, que investiu nos edifícios-oficina previstos pelo Plano Diretor. Por outro lado, o inves-tidor privado, financiou a construção dos ateliês e, em contrapartida, obteve a posse destes imóveis, hoje alugados para uso de pequenos escritórios e estúdios, sempre de uso corporativo.20

17. Trecho da entrevista preliminar realizada via e-mail pela autora com o arquiteto Pierre Bonnet em 10/12/2012.18. Dados obtidos em entrevista realizada com Pierre Bonnet pela autora em Genebra, em 15/04/2013.19. Trecho da entrevista preliminar realizada via e-mail pela autora com o arquiteto Pierre Bonnet em 10/12/2012.20. Dados obtidos em entrevista realizada com Pierre Bonnet pela autora em Genebra, em 15/04/2013.

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A população realmente participou no planejamento e implantação, tanto que um representante das associações de bairro foi membro do júri do concurso. Du-rante o projeto, os cidadãos opinavam sobre o que queriam que permanecesse da antiga ocupação da orla ferroviária e os limites territoriais do novo projeto – posição dos acessos de rampas e escadas e elementos que poderiam causar qualquer tipo de interferência com o entorno residencial existente –, o que gerou muitos impasses e adversidade para a equipe de Bonnet. Ao final da construção, um processo de participação foi realizado na forma de reuniões e discussões so-bre os requisitos adicionais, tais como acessibilidade e parque infantil.

Uma questão é muito importante no que diz respeito à finalidade principal do projeto. Quando questionado se qualquer equipamento ou aspecto do desenho urbano funcionou como um chamariz para a iniciativa privada, a resposta do ar-quiteto foi direta: “não houve necessidade de chamariz para os investidores pois o projeto não era obrigado a obter rentabilidade”.21

21. Trecho da entrevista preliminar realizada via e-mail pela autora com o arquiteto Pierre Bonnet em 10/12/2012.

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reAlidAde AtuAl pós-uso

O espírito geral da operação urbana foi alcançado, em especial na reconexão dos bairros e na diminuição do ruído, problemas presentes na reivin-dicação original dos moradores e enfrentados com excelente resultado por en-genheiros e arquitetos. Após décadas de implantação, os escritórios ou pequenos ateliês estão todos ocupados e o espaço público agora serve como área de estar, de lazer e opção de circulação para pedestres e bicicletas, permitidas nas bordas da grande praça.

A intervenção gerou uma valorização simbólica da localidade pelas comuni-dades vizinhas, que estão agora conectadas, mudando também a forma que elas se relacionam com os bairros lindeiros e, em especial, com este grande e quali-ficado espaço comunitário, que abriu as portas para a criação de novas relações humanas, colaborando para a tolerância entre as diferentes classes sociais. Nas palavras de Pierre Bonnet:

“Mesmo as pessoas mais críticas se transformam em bons usuários que se aproveitam do lugar! Vizinhos e casual transeuntes apreciam este ambiente incomum, as crianças se apropriam em muitos aspectos desta plataforma que é também protegida das ruas. Usos variados e inesperados surgem no espaço público e seus cantos, como rua do mercado, dança, reuniões espontâneas, casais e almas solitárias”.22

O estado de conservação em geral é bom, com algumas pichações pontu-ais que curiosamente são feitas mais nos elementos periféricos, quase sempre fora da grande praça. Em visita ao local é possível perceber, mesmo em dia de semana, o uso intensivo da área pela população, que se apropriou do espaço e colabora com a sua manutenção e vigilância. Também a implantação de uma cafeteria – pequeno restaurante, instalado no térreo de um dos edifícios-ateliê – com suas mesinhas ao ar livre e sempre cheia no almoço e fim do dia, colaborou para a animação do local.

22. Trecho da entrevista preliminar realizada via e-mail pela autora com o arquiteto Pierre Bonnet em 10/12/2012.

Imagens 59 e 60 - Com pequenos escritórios e comércios, a praça e o entorno se mesclam.

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Imagem 61 - Permeabilidade com o entorno e pixações.

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Graças às rígidas leis municipais de inquilinato, os aluguéis do entorno não sofreram grandes alterações quando comparados a outros bairros da cidade23, o que possibilitou a permanência da população original no local. Não há novas construções no entorno, mas o que mudou com o passar dos anos foi a valori-zação paulatina das fachadas e jardins que se voltavam para a linha férrea e que foram sendo restauradas24, aproveitando-se da nova vista gerada pela grande praça que cobre a antiga ferrovia.

A impressão que se tem hoje em visita ao local é a de um espaço totalmente ajustado a este trecho de cidade, como se ele estivesse lá desde sempre, quase como se ele fosse um quintal das construções do entorno. Os próprios jardins dos edifícios residenciais parecem dar continuidade à nova praça, podendo em alguns momentos ser difícil separar o que foi projeto urbano do que já existia, de tanto que permeiam um ao outro.

Segundo Pierre Bonnet, a prefeitura ainda tem planos para novas coberturas sobre a linha férrea a serem executadas no futuro, quando a economia melhorar. Enquanto isso os projetos urbanos têm sido mais pontuais.25

23. Dados obtidos em entrevista realizada com Pierre Bonnet pela autora em Genebra, em 15/04/2013.24. Dados obtidos em entrevista realizada com Pierre Bonnet pela autora em Genebra, em 15/04/2013.25. Dados obtidos em entrevista realizada com Pierre Bonnet pela autora em Genebra, em 15/04/2013.

Página seguinte:Imagem 62 - Novas construções sendo feitas na orla ferroviária.

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bAlAnço

Segundo Bonnet, o desenho do parque seguia a premissa de não apagar a linha do trem, por se tratar de uma importante fratura na cidade. Porém em visita esta percepção fica um pouco aquém do esperado. Acima tamponamento – que é total – nada nos faz perceber que ali embaixo passa uma linha férrea; e, quando se chega a qualquer uma das extremidades da praça, não existe uma área onde é possível sentar-se para ver o trem passar, como toda criança gosta de fazer (ao menos as crianças brasileiras...). Neste ponto a intenção do arquiteto não ficou tão clara na prática.

A implantação do projeto urbano não parou no decorrer de dez anos, mes-mo atravessando diferentes administrações públicas. O fato de a cidade de Genebra possuir dentro da prefeitura um órgão específico de planejamento fixo, que não muda de acordo com o governo, facilitou muito a continuidade de im-plementação do projeto. Para garantir a fidelidade de sua implantação, o ar-quiteto acompanhou todas as fases de obra, processo desgastante e igualmente gratificante, segundo Pierre Bonnet, que também participou das muitas discussões populares.

Fica claro que o projeto urbano de St. Jean foi estruturado com alta quali-dade técnica e estética. Concebido em detalhes e voltado verdadeiramente para atender às necessidades e demandas da população moradora, o projeto urbano não possui nenhum projeto ou programa chamariz e não foi alvo de grande publicidade ou política de transformá-lo em ponto turístico. Na visita realiza-da em abril de 2013, ao conversar com os moradores de Genebra foi possível constatar que a maioria sequer conhecia este parque, que ficava a pouco mais de 1 km do centro da cidade. É possível afirmar, portanto, que este é um exemplo de projeto urbano que não foi desenvolvido com o foco de produzir um local sucesso para escoamento do excesso de capital, não se ajustando às descrições de David Harvey.26

A prefeitura, forte gestora do processo, trabalhou defendendo o espaço e bem público sem a preocupação de atrair investidores, tendo apenas um parceiro privado. Fato que também não se ajusta à afirmação de Carlos Vainer, que en-tende que neste tipo de intervenção os gestores participam com uma postura com-

26. HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo, Loyola, 1992, p. 88-92.

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petitiva e empresarial, preocupada mais com a atração de investimentos através de eventos e turismo, com a imagem urbana e a reinserção otimizada de cada cidade no panorama mundial, do que com o benefício da população.27

O projeto costurou com eficiência dois bairros, criando caminhos alterna-tivos agradáveis longe dos automóveis e com agradáveis áreas de estar e de circulação. A eficência de sua integração com o entorno fica clara quando não se observa mais com clareza onde terminam os bairros e começa a praça, pois o passar dos anos promoveu uma permeabilidade que já os une de forma intrínse-ca: como se não existisse mais entorno e apenas continuidade.

A valorização espacial beneficiou a própria comunidade, que permaneceu no local após a implantação do projeto urbano, graças às protetoras leis de inqui-linato respeitadas pela prefeitura de Genebra. Não se vê ali a materialização do conceito de cidade-espetáculo proposto por Fernanda Sanchez28, muito menos o processo de gentrificação denunciado por Otília Arantes.29

Assim, vale lembrar que o projeto nasceu da vontade e solicitação popular, que participou dos processos de planejamento e implementação, garantindo es-paços sob medida para suas necessidades e anseios o que gera grande identifi-cação com o local e reforça a condição de cidadania, levantando a autoestima de seus habitantes, condições vitais para que se motive uma ação espontânea de defesa coletiva ao espaço projetado, além de irradiar melhorias para ambos os bairros, antes separados.

O projeto urbano de St. Jean é exemplar sob o ponto de vista da inclusão so-cial uma vez que valoriza os espaços públicos para convivência, apresenta formas de emprego e renda com os pequenos comércios e escritórios além de ter uma participação democrática da população em sua formulação.

27. VAINER, Carlos Bernardo. Pátria, empresa e mercadoria: Notas sobre a estratégia discursiva do planejamento estratégico urbano. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. Petrópolis, Vozes, 2000.28. SANCHEZ, Fernanda. Arquitetura e urbanismo: espaços de representação na cidade contemporânea. Veredas, Rio de Janeiro, 1999, v. 41, p. 26-29.29. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. São Paulo, Vozes, 2002.

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capítulo 2

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Capa:Imagem 63 - Croqui do projeto urbano Céramique.

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pRoJEto CÉRAMIQUE, MAASTRICHT, HolaNDa (1987-1998)

A Holanda é uma das nações mais respeitadas da Europa por sua sociedade homogênea e democrática. É também reconhecida a qualidade de vida de sua população, fator pelo qual possuí um dos melhores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo. Realidade conquistada em um período largo de tem-po, que se estende pelo menos até o século 19, e que constituiu uma forte política de assistência social e direitos considerados essenciais, como educação, saúde e segurança de qualidade, garantidos em nível máximo a seus habitantes.

Esta nação possui valores tradicionais e virtudes civis notórias. Entre os seus valores mais importantes, o trabalho é considerado uma potência que quando feita em conjunto configura aperfeiçoamento e recompensa à coletividade, o que justifica seu rápido desenvolvimento na área da engenharia mesmo antes do movimento moderno e a construção e manutenção de gigantescas estruturas como os diques.

É um país bem peculiar quanto se trata de território, pois cerca de 50% do ter-ritório foi construído através da drenagem de terras, possível com a implantação um audacioso e formidável sistema de diques e barragens a altos custos. Estas áreas que chegam a ficar a 6.76m abaixo do nível do mar são chamadas de pôl-deres e concentram 60% da população holandesa. Feitos que só foram possíveis graças à força de trabalho árduo, esmero na técnica, organização e união social que engloba todas as classes sociais, típicas do povo holandês.

Do ponto de vista da arquitetura e urbanismo, o país é reconhecido por sua paisagem urbana equilibrada, por políticas de arquitetura restritivas e uma práti-ca de controle estético que sempre leva em conta o interesse social1. Suas cidades, em conformação com suas virtudes, são simples sem grandes edifícios suntuosos, reconhecidas por serem confortáveis, contidas, feitas para e por um povo prático. As regras possibilitam um precioso controle de sua arquitetura e, na opinião de Jo Coenen é um grande valor: “Pensava que a Holanda deveria ter menos regras... era organizada demais. Mas quando volto à Holanda, reconheço as vantagens

1. GIMENEZ, Luiz Espallargas. O ocidente das cidades. Óculum, Campinas, n. 10-11, FAU PUC-Campinas, jun./nov. 1997.

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da ordenação rígida. A Holanda é um país pequeno. Precisa-se pensar bem an-tes de fazer qualquer intervenção. [...] Visto de longe, somos orgulhosos com o equilíbrio”.2 Mesmo assim o arquiteto considera que sempre existe lugar para novas ideias e conceitos.

O Estado exerce forte no controle sobre as cidades – em Amsterdã, por exem-plo, não existe propriedade privada do solo –, por isso raramente encontram-se empreendimentos de maior porte que tenham sido realizados exclusivamente pelo setor privado.3

Com 395hab./km² de área, a Holanda é um país populoso com quase 17 milhões de habitantes4, o que significa que os holandeses precisam ser criati-vos e cuidadosos para conciliar espaço para casas, infraestrutura e empregos. Desta forma, os arquitetos holandeses trabalham em diferentes escalas, tentando abranger a arquitetura e urbanismo ao mesmo tempo e ainda tentando cuidar de cada detalhe. Em qualquer cidade há criações arquitetônicas modernas ao lado de prédios históricos, integrando e adaptando as tendências internacionais às características de suas cidades, para planejá-las na sua condição contem-porânea. O velho e o novo existem em harmonia, como se verá também no projeto Céramique. Todas estas qualidades fazem do país o berço de uma ar-quitetura reconhecidamente inovadora, ousada e ao mesmo tempo familiar, que forma um grande time de importantes arquitetos como Jo Coenen, Rem Koohaas, Theo Teeken, Arn Meijs, Harry Gulikers, Wiel Arets, Hubert-Jan Henket, além de escritórios de renome internacional, como MVRDV e Mecanoo.

O projeto Céramique surge dentro desta atmosfera na pequena cidade de Maastricht localizada no sul do país, quase na fronteira da Alemanha e da Bél-gica. É uma das mais antigas cidades holandesas tendo apenas 120.000 ha-bitantes, com uma densidade baixa de 2.025 hab./km².5 Para estabelecer uma comparação, apenas no Bairro da Barra Funda em São Paulo se alcança uma densidade similar, com 2.568hab/km, segundo o IBGE de 2010.6

A cidade tem características marcantes e contrastantes que conformam sua identidade: é tida como jovial e, ao mesmo tempo, com fortes características me-

2. Trecho retirado da entrevista feita pela revista AU com o arquiteto Jo Coenen em 01/02/1998. Disponível também em: www.piniweb.com.br/construcao/noticias/alem-das-fronteiras-84663-1.asp.3. GIMENEZ, Luiz Espallargas. O ocidente das cidades. Óculum, Campinas, n. 10-11, FAU PUC-Campinas, jun./nov. 1997.4. Dados estatísticos e quantitativos obtidos no website: www.pt.wikipedia.org/wiki/Pa%C3%ADses_Baixos.5. Dados obtidos pelo site: www.pt.db-city.com/Holanda--Limburgo--Maastricht. Visitado em 05/10/2012.6. Dados obtidos no website da Prefeitura de São Paulo, no link: www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/subprefeituras/dados_demograficos/index.php?p=12758

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dievais, sendo a mais visível cidade histórica dos Países Baixos. Diferentemente de muitas cidades holandesas e europeias, Maastricht tem apresentado nas últimas décadas crescimento populacional e no número de oportunidades de empregos graças a numerosas organizações e instituições europeias que se estabeleceram na cidade, por suas qualidades, em especial por ser uma cidade atrativa sob o ponto de vista de sua favorável e crescente posição estratégica.7

A política de planejamento urbano tem se focado nestas qualidades preser-vando, explorando e reforçando-as com o slogan “Uma cidade compacta em uma paisagem espaçosa”8, visando também controlar fortemente o crescimento urbano para preservar da melhor forma possível as charmosas zonas rurais dos arredores. Assim, a expansão da cidade deve ocorrer dentro de suas próprias bordas e, apenas quando isso não for mais possível, começar a olhar para além da cidade, segundo Huun Smeets, chefe do departamento de Planejamento Ur-bano da cidade e do Departamento Imobiliário Municipal.9

A renovação urbana em Maastricht tem se focado nos últimos 30 anos na busca da qualidade, possibilitada pelo alto nível de continuidade tanto na Prefei-tura como nos altos escalões nos serviços públicos municipais. Cada novo projeto tem sido objeto de exigências estritas em matéria de arquitetura e planejamento urbano e cada operação de desenvolvimento urbano é obrigada a acrescentar algo que melhore sua identidade ou posição estratégica da cidade.10

Existiram outras renovações urbanas promovidas pela prefeitura da cidade, onde se destacam Stokstraat nos anos 1960 e Boshstrart nos anos 1980, mas, sem dúvida, Céramique foi a mais importante e marcante.

7. CÜSTERS, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 9.8. CÜSTERS, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 10.9. CÜSTERS, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 10.10. CÜSTERS, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 10.

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Antecedentes e problemáticA urbAnA

A cidade de Maastricht foi fundada pelos romanos e configurava-se como uma cidade murada compacta de características medievais. A partir de 1827 começam a aparecer no âmbito urbano traços industriais e em 1850 é fundada a Société Céramique (indústria cerâmica) que, com a queda das muralhas em 1870, obteve uma faixa de terra nas margens do Rio Maas e aonde após uma série de aquisições chegou a 23 hectares. Após quase 120 anos esta área já fazia parte do perímetro urbano, porém se configurava com uma grande ilha murada sem urbanização.11

Localizado no centro expandido de Maastricht, o antigo complexo fabril Sphinx-Céramique estava urbanisticamente margeado ao norte pelo rio Maas, cercado pelo centro histórico e por bairros de diferentes épocas e estilos ar-quitetônicos. Entre eles estão os bairros Wyck com características medievais e o bairro Randwyck com centro renovado bem ao estilo anos 1980 e a antiga ci-dade medieval. Assim, o complexo formava uma ilha “vazia” que interrompia a conexão entre os bairros.

Com a progressiva desativação da fábrica, em 1987 o terreno de posse par-ticular foi oferecido à prefeitura, que viu na aquisição da gleba uma grande opor-tunidade para controlar o desenvolvimento desta faixa da cidade através de um desenho urbano e arquitetônico de grande qualidade que abrigasse usos múlti-plos e funcionasse como uma extensão do centro histórico. Como este não tinha mais espaço para crescer, o desenvolvimento controlado para o outro lado do rio deveria gerar um processo de revitalização da ocupação central.

Como a Câmara Municipal não podia arcar sozinha com este investimento, surgiu a necessidade de um parceiro financeiro. Foi o início de uma Parceria Pú-blico-Privado (PPP) entre a prefeitura e ABP (Algemeen Burgerlijk Pensioenfonds), o maior fundo de pensão da Holanda e grande investidor do mercado imobiliário holandês. Justamente neste momento a ABP estava procurando uma maneira de investir progressivamente no setor imobiliário em algumas das melhores regiões da Holanda. Rapidamente os setores público e privado fecharam o acordo de parceria que naquela época ainda era pouco comum inclusive na Holanda.

11. GIMENEZ, Luiz Espallargas. O ocidente das cidades. Óculum, Campinas, n. 10-11, FAU PUC-Campinas, jun./nov. 1997. Imagem 64 - Vista aérea da antiga fábrica em 1988.

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A partir da assinatura da intenção de compra, o proprietário privado da an-tiga fábrica deu um prazo limite de apenas nove meses para fechar o negócio, período onde o município e a ABP tiveram que organizar todos os aspectos da venda, do financiamento e dos procedimentos para o novo empreendimento (dos estudos de demanda e levantamento de custos até o projeto urbano). Foi quan-do se deu a contratação do arquiteto e professor Jo Coenen, que se tornou o responsável pelo desenvolvimento do plano urbano, projetado em 1987. Numa posterior revisão do plano foram incluídos os edifícios que deveriam ser preser-vados.12

A contratação de Jo Coenen, que nesta época morava na cidade de Eind-hoven, ocorreu, entre outros motivos, graças à execução recente de projeto de sua autoria para uma nova área do Hospital Universitário de Maastricht. A edificação chamou atenção por seu desenho marcante, alto nível de flexibilidade e grande preocupação com o entorno, qualidades muito procuradas pelos investidores e pela cidade. No entanto, Coenen acredita que um detalhe foi determinante para sua escolha: o fato de ele ter nascido e crescido em Maastricht e, por conhecer a cidade a fundo, tornaria o processo mais fácil do que trazer outro arquiteto de fora.13

Neste curto período do tempo de nove meses todas as negociações e acordos foram feitos de forma muito sigilosa entre a prefeitura e a ABP para evitar o incre-mento dos preços do terreno e do entorno imediato, medida que visava preservar a população moradora no local, evitando a gentrificação. Segundo Jo Coenen, por esse motivo a execução do plano urbano ocorreu sem a execução prévia de sondagem do terreno ou qualquer outro levantamento que pudesse chamar a atenção da população.14 Ele continua: “Eu não sabia nem que a fortificação es-tava lá, pois as pessoas haviam construído por cima. Só descobri depois que uma parte da fábrica ficava dentro da antiga fortificação da cidade”.15

Segundo Huub Smeets, todo este processo só foi possível pois ocorreu em um momento histórico muito específico onde houve a convergência de diversos fa-tores: a cidade queria que fosse desenvolvido um novo uso ao local; a ABP estava procurando por uma progressiva e nova forma de investimento; e o governo que-ria encorajar a parceria público-privado. Além disso, todos os envolvidos foram

12. CÜSTERS, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 12.13. Dados obtidos em entrevista realizada com Jo Coenen pela autora em Maastricht, em 12/04/2013.14. Dados obtidos em entrevista realizada com Jo Coenen pela autora em Maastricht, em 12/04/2013.15. Dados obtidos em entrevista realizada com Jo Coenen pela autora em Maastricht, em 12/04/2013.

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notavelmente capazes de trabalhar uns com os outros.16

Jo Coenen acredita que ainda seja possível desenvolver grandes projetos ur-banos como este uma vez que os arquitetos ainda são totalmente capacitados e desejam as melhorias urbanas. Porém, como esta decisão não faz parte apenas do campo da arquitetura, ele considera difícil, não só por causa da crise que as-sola a Europa nos últimos anos, mas pelo fato de uma empreitada como esta ser intrinsicamente laboriosa e depender da extrema dedicação e organização políti-ca e administrativa. Segundo ele, é necessário muita dedicação, flexibilidade, honestidade e rapidez para achar soluções de um dia para outro. “Você precisa ser também um pouco gênio”.17

16. CÜSTERS, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 14.17. Dados obtidos em entrevista realizada com Jo Coenen pela autora em Maastricht, em 12/04/2013.

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processo de projeto e construção

Neste contexto, o principal objetivo do plano de urbanização do antigo terre-no Sphinx-Céramique era reconciliar este território com as diferentes característi-cas de cada parte do entorno considerando sua morfologia, usos e identidades específicas, ligar ao centro histórico o novo bairro através de pontes novas e existentes por cima do rio Maas, e conectar o viário interrompido garantindo con-tinuidade morfológica e assim uma expansão harmônica da cidade. Criando no antigo terreno da Société Céramique, diretamente oposto ao centro histórico me-dieval e às margens do rio Maas, um novo bairro com 23 hectares ou 230.000m² (dez vezes maior que a intervenção em St. Jean). A ambição de Coenen e demais envolvidos era a criação de um bairro coeso com o entorno e com ele próprio.18

Após a aprovação do plano urbano – que se desenvolveu através de muitas negociações entre os investidores público e privado – e sua divulgação, ficou acordado que Jo Coenen também seria o coordenador e supervisor dos projetos de arquitetura dos demais edifícios e de sua interface com o plano urbano já desenvolvido.

Desta forma, para os demais edifícios foram convidados os arquitetos locais de destaque – Arn Meijs, Bob van Reeth, Escritório Boosten, Bruno Albert, Harry Gulikers, Hubert-Jan Henket, Theo Teeken e Wiel Arets – e renomados arquitetos estrangeiros: Álvaro Siza, de Portugal; Aldo Rossi, da Itália; Aurelio Galfetti, Luigi Snozzi e Mario Botta, da região do Ticino, na Suíça italiana; Josep Maria Mar-torell, Oriol Bohigas e David Mackay, do escritório MBM de Barcelona, Espanha. Coenen optou por arquitetos estrangeiros de “países latinos”, com arquitetos de temperamento mais quente, para contrabalançar o temperamento nórdico dos arquitetos locais.19 Além disso, a opção de mesclar escritórios holandeses e inter-nacionais teve como objetivo produzir um espaço urbano rico em trocas profis-sionais e que traduzisse as diferentes experiências de cada integrante da equipe. Segundo Jo Coenen:

18. GIMENEZ, Luiz Espallargas. O ocidente das cidades. Óculum, Campinas, n. 10-11, FAU PUC-Campinas, jun./nov. 1997.19. Depoimento de Jo Coenen a Abilio Guerra, durante a 3ª Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, em 1997, quando o projeto Céramique foi apresentado em sala especial.

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“Nos projetos incorporados em outras cidades, trabalho com equipes que reúnem um estrangeiro e um escritório local. Além de conseguir a melhor qualidade possível, essa prática melhora a arquitetura na região, porque os estrangeiros têm um papel exemplar e motivador. [...]. Em projetos como o Céramique, em Maastricht, não quero seguidores que produzem cópias. Quero trabalhar com inventores das ideias, direto da fonte. A participação de arquitetos estrangeiros é boa, enquanto os tecidos locais e sociais do trabalho e da moradia são costurados nos projetos”.20

E, para executar monumental tarefa, o arquiteto e agora coordenador Jo Coenen consolidou seu escritório para Maastricht, onde está até hoje. Nascido e ainda morador de Maastricht, a cidade foi a sede de seu primeiro escritório, que hoje tem filiais em Amsterdam, Bern na Suíça, na cidade italiana de Milão e em Berlim.

Conforme eram finalizados, os projetos dos edifícios eram apresentados a uma comissão gerencial de Céramique e posteriormente ao Comitê Municipal de Edificações. Na Holanda cada cidade tem um Comitê Municipal de Edificações, organizado com uma equipe de 3 a 5 arquitetos que avalia a estética do projeto antes de serem concedidas as licenças de planejamento ou construções.21

O PrOgrama

O programa foi elaborado antes e no decorrer no projeto, enquanto foi re-alizada uma série de estudos de demanda de mercado e potencial do terreno.

O resultado do processo foi a construção de 1.600 unidades residenciais, 70.000 m² de terrenos voltados par escritório e instituições, 5.000 m² para lojas, restaurantes e serviços, 20.000 m² para hotéis, 20.000 m² de funções culturais e/ou públicas e 4.400 vagas de estacionamento subterrâneo.

As unidades habitacionais eram principalmente voltadas para “os setores com maior poder aquisitivo”22, sendo que dos 1.600 apartamentos não mais do que 90 são voltados para a baixa renda. Neste contexto é importante lembrar que neste país a diferença entre as classes sociais na Holanda é brutalmente menor

20. Trechos retirados da entrevista feita pela revista AU com o arquiteto Jo Coenen em 01/02/1998.21. SLANGEN, Joop; COENEN, Jo. O terreno Céramique em Maastricht. Óculum, Campinas, n. 10-11, FAU PUC-Campinas, jun./nov. 1997, p. 63. 22. CÜSTERS, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 25.

Página seguinte:Imagem 66 - Croqui para conjunto residencial na praça norte de Céramique, na busca de conceitos inovadores.

Imagem 65 - Equipe de arquitetos, liderados por Jo Coenen.

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do que no Brasil, assim como a diferença de renda. A opção por esta modalidade se dá por dois motivos principais: para ser mais rentável aos investidores privados e para prover uma demanda que ainda não havia sido atendida em Maastricht.

Focados neste novo mercado e para atender as ambições desta nova área foi investido na contratação de um time de importantes arquitetos, em espaços multifuncionais, espaços públicos de alta qualidade numa localização bastante exclusiva, um programa inédito em Maastricht, que até os anos 1980 se focava na construção de habitações de baixa renda, em especial no centro da cidade. Considerando o processo de envelhecimento da população em andamento, a ênfase do plano Céramique desde o começo era voltado para as pessoas mais velhas com maio poder aquisitivo, que não encontrava no centro habitações adequadas.23 Com o passar do tempo este bairro se tornou também atrativos para os mais novos, tendo muito de suas residências compradas por jovens casais com dupla-renda. Ou seja, as pessoas estavam pagando mais para morar em um bairro com mais qualidades e atrativos.

Os apartamentos são tradicionais no seu layout e na maioria apresentam dois dormitórios, sem muitas inovações. Apesar de novos conceitos de moradias terem sido propostos pelos arquitetos, eles foram vetados pelos investidores, que preferiram um produto mais voltado para o mercado.

Outro importante elemento base para Céramique foi a criação dos espaços de escritórios voltados para o setor de serviços, nicho de mercado pouco repre-sentativo na época. Hoje este setor é um dos principais focos da política econômi-ca da cidade, crescente com a expansão do MECC (The Maastricht Exhibition & Congress Centre), a proximidade com Liège e sua conexão com o TVG, a presença da universidade e com o fomento de filiais de instituições europeias na cidade.

A cidade e a ABP concordaram que o programa voltado para os edifícios cor-porativos envolveria certo nível de exclusividade, o que significa que a cidade não poderia construir novos centros de negócios com área maior de 500m² sem antes consultar a ABP, condição imposta devido ao risco que era investir neste nicho na época do projeto.

O terceiro principal atrativo do programa são os 20.000m² de funções públi-cas, onde se destacam o Bonnefanten Museum na borda sul e ao norte o Centre

23. Nas habitações Jo Coenen também preservou muito das tradições dos cidadãos de Maastricht, como os pequenos jardins privados na frente dos apartamentos térreos, voltados para o interior das quadras, elemento muito comum também no centro antigo.

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Céramique, que abriga a biblioteca e arquivos municipais, o Centro de Jornal-ismo Europeu e a Câmara Municipal. O complexo Centre Céramique recebe 600.000 visitantes ao ano. A borda Norte se transformou num polo cultural que recebeu também a importante companhia de teatro Vervolg, instalada do antigo galpão aproveitado da velha fábrica, o “Biscuit Work Building”, anexo ao Centre Céramique.

O COnCeitO dO PrOjetO

Dentre as prioridades o rio passa a ter papel de protagonista; ele será um dos principais elementos na criação de um novo cenário urbano, sem perder a ligação com o centro e a cidade histórica. A ideia não era criar uma segun-da centralidade, mas uma continuação, um complemento da cidade.24 No novo projeto urbano, as grandes áreas de uso público se voltam para o rio. Assim se desenvolve o plano, influenciado pelas teorias das cidades-jardim de Ebenezer Howard, já utilizada em projetos urbanos holandeses e com pitadas de conceitos modernos.

Para que esta nova área fosse bem recebida pela população e se tornasse efetivamente uma continuação da tradicional e antiga cidade, Jo Coenen procu-rou recuperar elementos da tradicional arquitetura da cidade e do modo de vida dos moradores, em um contexto renovado. Para isso, segundo o arquiteto:

“aqui, nós tivemos que inventar um novo contexto. De qualquer forma, eu não queria uma arquitetura moderna, como nós estamos acostumados a imaginar, uma mera imagem de progresso. Eu decidi olhar para um possível pano de fundo que auto contextualizasse o centro, estudando a estrutura de Maastricht e estendendo-a até o local do projeto. Isso significa entender a cidade e sua estrutura, a medieval e a cidade moderna”.25

Esta preocupação se reflete, dentre outras decisões de projeto, no uso inten-sivo do tijolo vermelho, típico da cidade e na recriação de pequenos jardins par-ticulares nas habitações do térreo, voltadas para o interior das quadras.

24. Dados obtidos em entrevista realizada com Jo Coenen pela autora em Maastricht, em 12/04/2013.25. COENEN, Jo; ALESSI, Alberto. Architettura condivisa/ shared architecture. Melfi, Libria, 2006, p.35.

Imagem 67 - Croqui do arquiteto Jo Coenen onde explica o conceito do projeto, realizado durante a entrevista feita pela autora.

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Página seguinte:Imagem 70 - Implantação do Projeto Urbano Céramique.Imagem 71 - A nova principal praça triangular de Céramique deveria ser a quarta praça da cidade e formaria um circuito com as demais.

Imagens 68 e 69 - Interior de quadra com jardins no térreo na cidade antiga.

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Os esPaçOs PúbliCOs, O PaisagismO e a PreOCuPaçãO ambiental

A configuração dos espaços públicos e do paisagismo foi elaborada em uma parceria entre Jo Coenen e o paisagista sueco Gunnar Martinson, que incluía calçamentos, iluminação, equipamentos urbanos, posicionamento de vegetação etc. Estes espaços que se estendem por todas as edificações, seguem a atmosfera de cada uma delas, ou seja, mais formal para o circus maior de Bruno Albert, mais informal para o circus menor do escritório MBM de Oriol Bohigas.26

O desenho urbano tinha como conceito recriar as situações presentes na ci-dade histórica e que fazem parte da cultura e história dos cidadãos de Maastricht. A cidade antiga se caracteriza por três grandes praças cheias de lojas, restau-rantes e edifícios públicos que servem de pontos de encontro dos moradores. Tendo eles como referência, Jo Coenen pensou caracterizar a nova Céramique com grandes praças, sempre com importantes prédios públicos.27 E, entre elas é desenhado um passeio público nas margens do rio Maas chamado de Parque Charles Eyk (surgido para refletir do outro lado do rio um parque exatamente neste alinhamento) valorizando percursos para pedestres, pontos privilegiados de encontro e animação pública devido à presença de importantes prédios de uso institucional e cultural.

As grandes praças triangulares são elementos marcantes do novo território. Em um desses espaços públicos – o anteriormente mencionado Parque Charles Eyk – encontram-se os grandes conjuntos habitacionais seriais, os “Stoa”, do ar-quiteto suíço Luigi Snozzi. Em outro, cercada de edifícios públicos de autoria de Arn Meijs e do próprio Jo Coenen (borda Norte), sai uma ponte exclusiva para pedestres e ciclistas que liga esta praça triangular ao centro histórico. Esta praça fica levemente elevada em relação ao entorno e se configura com a maior con-centração de serviços de Céramique. De ambas as praças é possível admirar o centro histórico do outro lado do rio.

Ainda na margem do rio, se configura outro importante espaço público junto ao Museu Bonnefanten, de Aldo Rossi. Ali se encontra praticamente a única área onde se encontra preservada uma parte da antiga configuração fabril.

Na diagonal Heugemerweg – borda Leste do projeto, onde Céramique faz divisa com o bairro de Akerpoot – foram preservadas partes do antigo muro

26. MARTINSSON, Gunnar; COENEN, Jo. Paisagismo e espaço público. Óculum, Campinas, n. 10-11, FAU PUC-Campinas, jun./nov. 1997.27. Dados obtidos em entrevista realizada com Jo Coenen pela autora em Maastricht, em 12/04/2013.

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Imagem 72 - Vista de uma da praças triangulares, onde se encontra a esquerda a biblioteca de Jo Coenen à direita, ao fundo edifício residencial e corporativo de Mario Botta e a esquerda o conjunto residencial de Aurelio Galfetti com lojas no térreo. Imagem 73 - Detalhe do cuidadoso trabalho em tijolos do Edifício La Fortezza, de Mario Botta.

Página seguinte:Imagem 74 - Vista do Parque Charles Eyk e a esquerda conjunto residencial Stoa, de Luigi Snozzi.

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Imagens 75 e 76 - Vista do Parque Charles Eyk.

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Imagem 77 - Vista do Parque Charles Eyk e sua relação com o Rio Maas. Ao fundo conjunto residencial Stoa de Luigi Snozzi e Museu Bonnefanten de Aldo Rossi. Imagem 78 - Vista do conjunto Stoa de Luigi Snozzi com o Museu Bonnefanten de Aldo Rossi ao fundo.

que, ora perfurado, ora rebaixado, guarda os vestígios sua antiga origem fabril. Através dele se acessa dois grandes jardins triangulares semipúblicos aber-tos para pedestres e bicicletas.

Os edifíCiOs, PreservaçãO dO PatrimôniO e O mObiliáriO urbanO

Para Jo Coenen o conjunto urbano criado é mais importante do que cada edifício em si. Por isso estabeleceu uma série de normas, formalizando um documento chamado Plano Visual, que foi acrescido ao Plano Diretor, garan-tindo a unidade visual do novo bairro com critérios e parâmetros baseados na tradição construtiva e tipológica holandesa. Afinal nas palavras dele, “nós esta-mos construindo a parte de uma cidade!”.28 Esta ênfase no vínculo com a tradição é corroborada pelas palavras de Luigi Snozzi, que ao falar sobre o trabalho de Jo Coenen, amigo de muitos anos, afirma que “quando ele trabalha na escala urbana ou regional, Jo é um ‘conservador’, no mais positivo significado do ter-mo, enquanto seu lado fantástico e inventivo surge em seus projetos para únicos edifícios”.29

No Plano Visual havia textos, croquis e imagens de referências nas áreas de arquitetura, urbanismo e paisagismo. Um verdadeiro guia para desenvolvimento dos edifícios, das áreas públicas e acessos, que deveria ser seguido por todos os arquitetos envolvidos no projeto, seja o geral, seja os específicos. As regras eram muito detalhadas, ao ponto de especificar os materiais de revestimento, como o uso intensivo do tijolo cerâmico, típico da cidade antiga, e o de pedras naturais no calçamento e embasamento de edifícios, entre outros temas.30 A recriação de pequenos jardins particulares nas habitações do térreo, voltadas para o interior das quadras, também fazia parte do receituário.

O tijolo cerâmico – em diversos tons de vermelho, além das variações do bege ao marrom – foi empregado em quase todos os edifícios novos. As exceções se resumem ao edifício de Álvaro Siza (que funciona como marco vertical do bairro), ao Centre Céramique (com biblioteca e teatro) de Jo Coenen, ao edifício sede da empresa Indigo Europe e ao conjunto habitacional Maas com habitações de 200m².

28. CÜSTERS, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 81.29. SNOZZI, Luigi. On Jo. In Architettura condivisa/ shared architecture. Melfi, Libria, 2006, p. 122.30. SLANGEN, Joop; COENEN, Jo. O terreno Céramique em Maastricht. Óculum, Campinas, n. 10-11, FAU PUC-Campinas, jun./nov. 1997, p. 60.

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Página anterior:Imagem 79 - Vista do antigo muro da fábrica, mostrando as antigas casas do entorno e o jardim triangular criado elas elas e os novos edifícios.

Imagem 80 - Vista do antigo muro da fábrica, mostrando as antigas casas do entorno e o jardim triangular criado elas elas e os novos edifícios.

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E, por uma questão prática, o sistema construtivo usado foi o padrão para as construções holandesas e caracterizado por grandes painéis de 6.30 x 11.00 metros, modulação usada tanto nos quarteirões como nos edifícios.31

Nas quadras e nas tipologias habitacionais verifica-se grande influência de conceitos modernistas, com a liberação do solo para uso coletivo que se reflete no máximo de permeabilidade e transparência visual nos térreos dos edifícios, como sonharam os modernos, mas com a mistura de usos e edifícios de uso misto.

A Avenida Céramique se estende da alameda existente do século dezenove na borda norte do projeto até a curva onde se conecta com Avenida Limburglaan, em Randwyck, borda sul do projeto. A avenida estruturadora do viário tem em no final de seu eixo um edifício vertical, símbolo do novo bairro, projetado por Álva-ro Siza. É neste novo eixo monumental, quase um boulevard, que estão locadas as circus, ou quadras perimetrais, que contém os principais edifícios públicos e privados, formando um conjunto harmonioso em dimensões, alinhamento, pro-porção e materiais empregados. Por possuírem seus térreos livres para passagem de pedestres, possibilitam sempre uma alternativa de novos caminhos.

Na borda norte, divisão com o bairro antigo de Wyck, configura-se o ponto forte do projeto Céramique, onde se encontram as grandes praças triangulares, circundadas por escritórios, conjuntos habitacionais, edifícios institucionais e liga-dos ao lazer, além da torre de Siza.

No decorrer do projeto foi escolhida uma série de elementos históricos a serem preservados com novas funções: uma fração dos galpões industriais Wiebenga, trechos do antigo muro que faz divisa com o bairro de Akerpoot, al-guns fragmentos da antiga fortificação da cidade medieval demolida em 1870 e descobertos nas escavações para o novo projeto urbano. Além disso, foram aproveitados a Villa Jaunez (antiga residência do diretor da fábrica) e o “Biscuit Working Building”, edifício onde eram feitas as pinturas e apliques das peças de porcelana antes da queima e que recebeu, em memória de sua atividade original, um painel concebido pelo artista Han van Wetering.

Para satisfazer ao plano diretor era necessário trazer um equipamento cultural para a borda sul do projeto, que servisse com âncora dentro do pla-no urbano. Com este intuito a província de Limburg e da cidade de Maastricht trabalharam juntas na identificação de um equipamento que pudesse ter alcance e significância suprarregional e a escolha caiu sobre o importante Museu Bonne-fanten que, final dos anos 1980, ficava em algum lugar da cidade e que agora

31. COENEN, Jo; ALESSI, Alberto. Architettura condivisa/ shared architecture. Melfi, Libria, 2006, p.37.

Página anterior:Imagem 81 - Vista do antigo muro da fábrica, mostrando as antigas casas do entorno e o jardim triangular criado elas elas e os novos edifícios.

Imagem 82 - Desenhos de referência para o Plano Visual. Imagen 83 e 84 - Detalhes dos calçamentos padronizados.

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Página anterior:Imagem 85 - Centre Céramique com bilblioteca, de Jo Coenen.

Imagem 86 - Vista interna do Centre Céramique com bilblioteca, de Jo Coenen. Imagem 87 - Térreos permeáveis entre os edifícios.

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Página seguinte:Imagem 90 - O Biscuit Working Building, com o muro da antiga fortificação antes da intervenção. Imagens 91 e 92 - O Biscuit Working Building, com o muro da antiga fortificação depois da intervenção.

Imagens 88 e 89 - Avenida Céramique: padronização revestimentos e acabamentos.

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teria um novo e expressivo espaço dentro do plano de Céramique. Com projeto de Aldo Rossi, o novo museu aproveitou uma pequena parte do que foi possível ser preservado do grande conjunto fabril Wiebenga, agora destinado a servir de anexo ao novo museu com sua peculiar torre em abóbada, bem nas margens do rio.32 O museu foi um dos primeiros prédios a ser construído em Céramique e foi publicado em importantes revistas especializadas em vários países.

a exeCuçãO

A idealização do Plano Diretor e do Plano Visual visava condicionar como de-veriam ser os edifícios, dentro do que poderia se chamado de partido arquitetôni-co, obtendo o máximo de coerência e equilíbrio ao projeto através de especifi-cações das dimensões gerais, acessos, gabaritos, relação com o entorno, usos e quantidades. Desta forma, a cidade como bem coletivo e execução coletiva ganha em espacialidade através de construções cujas relações estão sob controle desde o inicio.

Após a aprovação do Plano Diretor houve a contratação da equipe de ar-quitetos – tanto do coordenador Jo Coenen como dos demais arquitetos sele-cionados – e, em seguida, a partilha entre os profissionais dos edifícios a serem projetados.

As reuniões periódicas no decorrer de 21 anos33 – que reuniram toda a equi-pe formada por arquitetos de grande importância no contexto mundial, com o intuito de compatibilizar e conciliar seus projetos – fornecem uma ideia da rele-vância do projeto Céramique para os próprios envolvidos. E, para resultados tão satisfatórios, os conceitos dos projetos foram sendo discutidos e aprimorados por todos os arquitetos com a ajuda de uma maquete escala 1:200, facilitando em muito a visão do conjunto e suas interferências.34 Para Jo Coenen, as ambições dos participantes eram muito parecidas, por isso as discussões serviram para melhorar e atender da melhor forma a área e seus envolvidos.35

O longo período de implantação de Céramique tem, portanto, diversos mo-tivos: a metodologia de projeto baseada no diálogo, o tamanho da gleba, a complexidade dos edifícios e seus programas, a qualidade técnica e estética dos

32. SLANGEN, Joop; COENEN, Jo. O terreno Céramique em Maastricht. Óculum, Campinas, n. 10-11, FAU PUC-Campinas, jun./nov. 1997.33. Dados obtidos em entrevista realizada com Jo Coenen na cidade de Maastricht, em abril de 2013.34. SLANGEN, Joop; COENEN, Jo. O terreno Céramique em Maastricht. Óculum, Campinas, n. 10-11, FAU PUC-Campinas, jun./nov. 1997.35. Dados obtidos em entrevista realizada com Jo Coenen pela autora em Maastricht, em 12/04/2013.

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edifícios, além de problemas inesperados, como os ocorridos no começo dos anos 1990, quando houve atrasos na obra devido a necessidade de descontaminação do solo de resíduos industriais e demora na aprovação do plano de zoneamento.

aCessOs e transPOrte COletivO

Uma das premissas do plano urbano era conciliar a estrutura viária, ligan-do-a ao entorno, com soluções que atendessem tanto ao automóvel particular como aos pedestres e às bicicletas.

A criação da Avenida Céramique – novo eixo dorsal do viário, com largura expressiva mais para marcar sua importância do que por necessidade – se dá para conectar o viário principal no eixo norte-sul, conectando o bairro antigo Wyck localizado ao norte com Randwyck, o bairro estilo anos 1980 situado ao sul. Nesta via se concentram os principais edifícios públicos do projeto e por onde circulam linhas de ônibus. Por ser uma cidade pequena, Maastricht não possui linhas de metrô ou tram. E a 700 metros de Céramique se localiza a estação cen-tral de trem, que conecta a cidade com o restante do país.

Através da permeabilidade dos térreos dos edifícios e dos parques, pedestres e bicicletas circulam livremente, em rotas alternativas às dos automóveis, fator re-forçado pela nova ponte que transpõe o rio Maas que, além de ser exclusiva para pedestres e bicicletas, conta com elevadores nas duas extremidades, para atender às pessoas com maior dificuldade de locomoção – idosos, mães com carrinhos de bebê etc.

Ao sair de uma antiga praça do centro, cheias de restaurantes, e chegar a uma nova praça triangular cheia de lojas, mercado e serviços de Céramique, a nova ponte faz a extensão das atividades do centro histórico. Esta nova conexão, muito usada pela população, propiciou um rápido acesso a Céramique e foi es-sencial para o sucesso do plano.

Página seguinte:Imagem 94 - Vista da nova ponte de pedestres e bicicletas, iniciando na praça da Biblioteca.

Imagem 93 - Vista da nova ponte de pedestres e biciletas, iniciando na praça da Biblioteca.

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leis, viAbilidAde institucionAl e econômicA, gestão, investidores e pArceriAs

Desenvolvidos especificamente para a área de Céramique, o Plano Diretor e o Plano Visual foram elaborados com base no projeto urbano de Jo Coenen e for-mam um único documento legislativo que regula a ocupação específica da área.

Este projeto começou em uma época em que o governo holandês estava procurando novas formas de enfrentar a renovação urbana através de políticas que tinham dois objetivos principais: incrementar a economia e a vida nas cidades e executar projetos com investimentos de porte advindos da iniciativa privada, em parceria com o agente público. Para tanto o governo introduziu políticas e fundos para a criação de novas centralidades que reforçassem a economia de algu-mas cidades como em Maastricht e, como ponto focal, visava o desenvolvimento das antigas indústrias inseridas na malha urbana. Dessa forma, combatia o pro-cesso de degradação que nos anos 1980 assolava muitas cidades holandesas, como Maastricht e Heerlen. Segundo Huub Smeets, o governo estava preparado para dar um empurrão final, mas visava principalmente o financiamento do setor privado, não utilizada até então para este fim.36

Para manter o controle diante da parceria com o setor privado e garantir a qualidade desejada de projeto, a cidade estava disposta a conter as intervenções dos incorporadores. Para eles, por outro lado, ainda era uma grande vantagem, pois Céramique ficava em uma área muito central da cidade, defronte ao centro histórico e com grande potencial de construção e valorização da terra. E a in-tervenção planejada certamente seria um investimento com retorno garantido e seguro.37

Por parte da cidade, a apresentação de um plano de desenvolvimento com previsões orçamentárias foi necessária para a captação dos recursos junto ao governo central. Com estas ferramentas, que permitiam tecnicamente a definição de parâmetros econômicos confiáveis, a municipalidade se torna habilitada a estabelecer parcerias com o setor privado. Segundo Maria do Carmo Vilariño, “esta tradição possibilita a previsão mais acurada dos prazos aceitáveis para a realização dos projetos com os recursos previamente acordados, diminuindo a

36. CÜSTERS, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 14.37. CÜSTERS, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 17.

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dispersão de recursos por obras paradas ou inacabadas”.38

Na PPP entre a prefeitura e a ABP – o maior fundo de pensão da Holanda e grande investidor do mercado imobiliário holandês – ficou acordado que a enti-dade privada teria direito de adquirir novos sócios nos futuros empreendimentos, que a municipalidade não poderia produzir ao mesmo tempo planos urbanos que concorressem com Céramique e que o plano de uso do solo deveria ser flexível, ou seja, edifícios inicialmente pensados para uso habitacional poderiam ser re-vertidos para uso corporativo.39 Em contrapartida, os riscos financeiros recorrente da urbanização, relativamente planejados com antecedência, foram abraçados em grande parte pela ABP e seus parceiros privados, dentre eles três grandes investidores do projeto: Wilma Vastgoed, MBO-Ruyters e Bouwfonds Nederlands.

Em certo sentido, a cidade e a ABP tinham os mesmo objetivos: que Céramique fosse inserida à malha da cidade, que fosse multifuncional e de alta qualidade urbana, o suficiente para funcionar muito bem por mais de 20 anos, o que sig-nificaria que a ABP teria um alto retorno do investimento além de melhorar o fun-cionamento geral da cidade. Assim atender-se-ia a demanda para os investidores público e privado.

No acerto da parceria, coube à ABP comprar a terra da fábrica Sprinx e realizar todo o desenvolvimento do terreno, algo muito bem acordado com a municipalidade, após uma série de longas e objetivas conversações entre as par-tes. O valor desta etapa já chegava a 120 milhões40, sendo 54,5 milhões para a compra, 7 milhões para a descontaminação do solo, 40 milhões para a execução da infraestrutura e espaços públicos, 8,5 milhões para outros custos e 10 milhões para a cobertura do terreno.41

O projeto de Céramique foi o primeiro a dar corpo a este novo sistema de parceria público-privado na Holanda, onde o Ministério da Habitação, Ordena-mento do Território e Meio Ambiente (VROM) investiu 20 milhões, o Ministério da

38. VILARINO, Maria do Carmo. Operação urbana: a inadequação do instrumento para a promoção de áreas em declínio. Tese de doutorado. Orientador Paulo Júlio Valentino Bruna. São Paulo, FAU USP, 2006, p.172.39. GIMENEZ, Luiz Espallargas. O ocidente das cidades. Óculum, Campinas, n. 10-11, FAU PUC-Campinas, jun./nov. 1997.40. Valores descritos na antiga moeda holandesa NLG, obsoleta desde a implantação do EURO em 1999. Na época 1 EURO=2,20371 NLG.41. Nos planos de desenvolvimento da área foi considerada a soma de 7 milhões destinada a descontaminação do solo, muito comum em antigas áreas industrias, sendo que qualquer custo extra seria dividido entre a ABP e a cidade. Porém, com as restritas leis de meio ambiente e os altos custos de despejo do solo contaminado o valor chegaria a 20 ou 3o milhões. Depois de muitas negociações com a província de Limburg uma solução foi encontrada. A cidade recebeu permissão para usar o solo como uma camada de cobertura do aterro municipal em Belvédère. Desta forma os custos para desintoxicação ficaram dentro de limites aceitáveis.

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Economia mais 15 milhões e a cidade de Maastricht mais 19 milhões, somando 54 milhões. O investimento total foi em torno de 850 milhões.42 No dinheiro atual, este valor seria aproximadamente 386 milhões de Euros.

O subsídio adiantado do governo foi de suma importância no montante, pois possibilitou a criação um fundo que se tornaria essencial no decorrer da implan-tação do plano, uma vez que, após acordado os valores, nenhuma das partes estavam dispostas a gastar nada a mais. Segundo Huun Smeets, “o mercado, apesar do crescimento econômico, simplesmente não era forte o suficiente para que as partes envolvidas realmente começassem a construir. A perda de interesse ocorrida durante o desenvolvimento do terreno não deram à ABP o empurrão ini-cial esperado. Apesar do acordo das etapas do projeto, todos pisaram nos freios. E, portanto, acabou sendo necessário definir um termo de ‘demanda do merca-do’ onde ficasse mais claro quando a construção deve continuar ou pode parar. Isso foi feito em 1994, através de um protocolo.”43 Contudo, este protocolo nunca foi usado e a melhora do mercado foi razão suficiente para que os planejadores e a ABP começassem a construir. De qualquer forma, o protocolo foi substancial para o desenvolvimento de Céramique, visto que estava sempre lá, reservado caso ocorresse uma queda no mercado.

Apesar dos riscos de investimentos, o valor da terra foi fixado em 1990, com apenas um reajuste anual equivalente ao índice de preços ao consumidor. Desta forma, os investidores puderam comprar a terra pelo menor preço por lote de todo o país, em uma das melhores situações de mercado.44

Apesar de muitos lugares terem sido desenvolvidos sob a lei governamental chamada de “Quarto Memorando sobre Planejamento Físico” (VINEX), os inves-tidores de Céramique não tiverem voz ativa no começo do planejamento. Foi a municipalidade que dirigiu as decisões e foi responsável pelo desenvolvimen-to urbano e pelo desenho dos espaços públicos, conduzindo estas tarefas em estreita colaboração com Jo Coenen, responsável pelo projeto urbano e supervi-sor da implantação.

Em Céramique a forte presença da administração pública foi essencial para a implantação de um projeto de larga escala, garantindo benefícios à população

42. CÜSTERS, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 14.43. CÜSTERS, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 34.44.CÜSTERS, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 34.

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sem perder de vista os interesses dos diferentes agentes públicos e privados. Para Maria do Carmo Vilariño, isso significa “uma inusitada combinação entre as de-mandas populares, da iniciativa privada e dos futuros usuários, para compor um trecho de cidade de grande qualidade urbana”.45

Assim consolida-se a tradição holandesa nas PPPs, valorizando os interesses dos diferentes agentes no alcance de um consenso público para conseguir cenári-os aceitáveis e reconhecidos pela população para a implantação de seus planos de desenvolvimento, também chamados de Bestemmingsplan.

45. VILARINO, Maria do Carmo. Operação urbana: a inadequação do instrumento para a promoção de áreas em declínio. Tese de doutorado. Orientador Paulo Júlio Valentino Bruna. São Paulo, FAU USP, 2006, p.170.

Imagem 95 - Vista aérea do projeto Céramique implantado.

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reAlidAde AtuAl pós-uso

Após 15 anos da implantação do projeto, pode-se afirmar que ele atingiu os objetivos iniciais de conectar os bairros, respeitando as suas respectivas identi-dades, a recuperação do waterfront e a multifuncionalidade do espaço.

A reconexão com os bairros vizinhos não foi apenas viária, mas resolvida pela arquitetura e paisagismo de forma diferente em cada situação do entorno. A preocupação com estas costuras se materializa em algumas transições que realmente impressionam pela qualidade, como ocorre na borda norte, onde as casinhas geminadas da cidade antiga se encontram com o edifício de uso misto de Aurélio Galfetti e de Arn Meijs, que por sua vez dá acesso à grande praça triangular. As escalas da arquitetura vão aumentando à medida que a via vai se alargando, criando uma agradável área de mudança, reforçada pela continuação do mesmo piso de pedra, e o uso de revestimentos nos mesmos tons, passando, uma sensação de continuidade. Neste local foram plantadas novas árvores para ajudar a manter a escala humana. Após a implantação do projeto muitas das an-tigas casas foram sendo reformadas e enquanto novos pequenos negócios e pon-tos interessantes foram sendo abertos, atendendo a maior circulação de pessoas, que passam por aqui para acessar a ponte de pedestres e bicicletas. “E você não precisa falar, as pessoas percebem, sentem o cheiro [...]. Pra mim também ficou perfeito, eu mesmo digo! Você não sente diferença aqui entre as casas antigas e as novas, pois até as cores dos telhados são repetidas nas novas edificações.”46

Nesta área a prefeitura teve um interessante processo de negociação com um grupo de moradores de um conjunto residencial, onde ela ofereceu aos pro-prietários a seguinte proposta: eles abririam mão de parte do seu quintal (antes voltado para o muro da indústria) onde a prefeitura construiria uma nova fachada para cada uma das casas, com entrada por esta nova rua. Ou seja, eles ganha-ram uma nova área construída, que aumentou o valor de seus imóveis, enquanto a prefeitura ganhou novas fachadas e uma nova rua que fazem a transição ide-alizada pelos planejadores, entre o antigo e o novo. Todos os moradores con-cordaram.47

46. Trecho da entrevista realizada com Jo Coenen pela autora em Maastricht, em 12/04/2013.47. Dados obtidos em entrevista realizada com Jo Coenen pela autora em Maastricht, em 12/04/2013. Para efeitos comparativos e deixar claro a importância do acordo, após o término da Operação Urbana Faria Lima, em São Paulo, diversos dos fundos de casas ficaram desfigurados com a desapropriação de parte do terreno para o alargamento da via, situação que se mantém em diversos terrenos até hoje.

Imagem 96 - Fotos do Antes. Imagem 97 - Novas relações com o entorno.

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Imagem 98 - Fotos do Antes. Imagem 99 - Novas relações com o entorno.

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Página seguinte:Imagem 102 - Novas relações com o entorno.

Imagem 100 - Fotos do Antes. Imagem 101 - Novas relações com o entorno.

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Hoje as grandes praças funcionam como ponto de passagem e encontro, muitos planejados e outros não. Assim como aconteceu na Praça Roosevelt em São Paulo, também tiveram problemas pós-implantação devido à reunião de skatistas que começaram a danificar pequenas quinas de muretas, pingadeiras e soleiras. Para evitar mais danos e conter a reclamação dos moradores por causa do barulho, foram colocados pequenos pinos em locais estratégicos, inibindo o uso inadequado. Porém o futebol continua, a bicicleta e os patins continuam, pro-vas de que a população efetivamente se apropriou do espaço. Nestes casos, para Jo Coenen, “você tem que achar um jeito de lidar com isso senão você não pode fazer a cidade nova, você deve definir se o uso será público ou privado pois isso é importante no contexto social [...]; é mais fácil controlar do que proibir, senão você expulsa as pessoas também”.48

Na borda Leste, voltada para o rio Maas, recuperou-se a vista para o rio através do grande parque Charles Eyk, com bancos, playground e uma área bastante usada como área de lazer nos fins de semana e de agradável circulação para o dia-a-dia.

Na borda de Akerpoot, bairro construído no pós-guerra e onde foram man-tidos trechos do antigo muro da fábrica, a criação das duas grandes praças tri-angulares ofereceu áreas verdes aberta de livre acesso e que funciona como uma extensão das antigas casas. Além disso, o muro – que funciona mais como uma lembrança do que como uma barreira – deixa livre a passagem para os novos edifícios de Céramique e ambos, novo e antigo, são revestidos de tijolos. Nesta parte, diferente das demais, pode-se observar hoje algumas casas um pouco menos cuidadas e algumas até fechadas. Segundo Jo Coenen, esta área fazia parte de seus planos urbanos, porém a cidade preferiu deixar este trecho para uma segunda etapa devido ao tamanho da intervenção.49

Na borda sul, os edifícios de maior gabarito projetados por Wiel Ariets e de Arn Meijs compõem bem com os edifícios dos anos 1980 de Randwyck, bair-ro onde se encontram importantes equipamentos regionais, como a sede do Governo Provincial, o Centro de Exposições e Congressos de Maastricht (MECC), além do próprio Hospital Universitário de Maastricht, com projeto de ampliação realizado por Jo Coenen anos atrás.

48. Trecho da entrevista realizada com Jo Coenen pela autora em Maastricht, em 12/04/2013.49. Dados obtidos em entrevista realizada com Jo Coenen pela autora em Maastricht, em 12/04/2013.

Página anterior:Imagem 103 - Relação entre novas e antigas construções: as novas construções ocupam os antigos quintais.

Imagem 104 - Rua criada pela negociação entre a prefeitura e os moradores. Imagem 105 - A praça do Centre Céramique.

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um suCessO de vendas

A venda dos apartamentos, que visavam um público de renda mais alta, e dos escritórios voltados para o terceiro setor foi um sucesso sem precedentes, sendo ainda mais marcante saber que estas foram as residências mais caras ven-didas até hoje na cidade e as que venderam mais rápido. Segundo Huun Smeets, chefe do departamento de Planejamento Urbano da cidade e do Departamento Imobiliário Municipal, este fato se justifica pela alta qualidade das construções, a fantástica localização do centro expandido e ao grande e visível investimento focado para as áreas livres e públicas do projeto, que alcançaram resultados positivos imediatamente após a sua construção.50 Hoje Céramique não é uma nova centralidade, mas sim a continuação do centro, como se projetou.

De fato, o bairro de Céramique se consolidou rapidamente tanto no uso residencial quanto nas edificações voltadas para o uso de escritórios. A implan-tação de importantes empresas criou um polo de serviços voltados ao terceiro setor, que hoje é referência não só na Holanda, alcançando uma posição de lid-erança no mapa da Europa.51

Este resultado é, portanto, de mérito da demanda do mercado que prefere despender mais para ter melhor localização, com qualidade de arquitetura e de espaços públicos. No entorno deste centro incorporado também houve au-mento de preços em relação à cidade antiga, mas justifica-se pela qualidade da nova área. Mesmo assim, segundo Jo Coenen, ”não há diferença de quem mora dentro ou fora de Céramique, cada um ainda tem seu próprio quintal e todo mundo pode morar aqui do diretor ao faxineiro [...]; diferente do seu país, aqui a diferença social não é assim tão grande”.52 A comparação entre as duas reali-dades proposta por Coenen nos coloca diante da situação concreta que em São Paulo se paga tão ou mais caro do que em Maastricht pela localização e mesmo assim não significa que se ganha em qualidade de arquitetura e muito menos de espaço público.

De qualquer forma, o mais importante que se deve aprender com a experiên-cia em Céramique é que com acordos e regras claras as relações entre autori-dades e incorporadores são mais transparentes e tornam mais fácil guiar todo o processo. Assim, a eficiência na gestão compartilhada da PPP produz um território

50. CÜSTERS, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 57.51. CÜSTERS, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 10.52. Trecho da entrevista realizada com Jo Coenen pela autora em Maastricht, em 12/04/2013.

Página seguinte:Imagem 107 - Passagem de Céramique para o bairro de Randwyck.

Imagem 106 - O antigo muro integrado a cidade.

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mais democrático.Mesmo não se destinando prioritariamente à população de renda mais baixa,

o projeto Céramique é um modelo de projeto urbano sob o ponto de vista da in-clusão social, uma vez que valoriza os espaços públicos para convivência, preser-va o patrimônio histórico e moderniza a área com a criação de novas formas de emprego e renda, guiados por uma gestão compartilhada entre os agentes pú-blico e privado. Como não há qualquer tipo de barreira física – portarias, muros, cancelas, cercas ou catracas – ou normativa – crachás, adesivos ou documentos –, o acesso aos espaços e equipamentos públicos de Céramique é franqueado aos moradores dos bairros fronteiriços, que frequentam estes espaços no seu cotidiano ou o usam para acessar o centro histórico.

Página seguinte:Imagem 108 - Croqui de Joop Slangen.

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bAlAnço

“In case of Céramique, the project was not for the city, or just for someone. As it was a public project, that is everybody’s project, it was for the community, for the nostalgic as well as the future” Jo Coenen53

O projeto de Céramique pode ser considerado um caso bem sucedido, tanto no que diz respeito à qualidade do projeto urbano quanto do processo de gestão, que juntos promoveram inclusão social e espacial.

Na gestão das PPPs são claramente aplicados os tradicionais conceitos holan-deses de atendimento e respeito pelas demandas populacionais e da iniciativa privada através de um Estado forte, regulador do projeto. Os mecanismos legais e regras, como também acontece nas ZACs de Paris, impõem limites e garantem segurança para os investidores e empreendedores privados. Destaca-se que esta postura permite a realização de uma parceria público-privada sobre bases claras e confiáveis, assim como ganhos para todos os envolvidos, inibindo a especu-lação imobiliária descontrolada.

A presença de projetos-chamariz para a atração de investimentos, como é o caso do Museu Bonnefanten, não tinha a intenção de promover o turismo ou promover a cidade. Em visita ao local foi curioso descobrir que até na principal estação de trem do centro eles não possuem sequer um mapa da cidade, muito menos um turístico para venda ou distribuição gratuita, demonstrando a pequena preocupação da cidade com o turismo. Afinal, segundo Coenen, eles apenas construíram uma parte da cidade.54 Tal postura não se encaixa na teoria das cidades-espetáculo de Sanchez, onde a aspiração de projetar a cidade no novo mapa mundial é perseguida por hábeis gestores do city marketing.55 Aqui isso não acontece. Curioso, aliás, pensar em city marketing quando me lembro da di-ficuldade em achar bibliografia sobre este projeto no Brasil, onde foi encontrada apenas a Revista Óculum 10-11, incluída nesta bibliografia, dedicada exclusiva-

53. COENEN, Jo; ALESSI, Alberto. Architettura condivisa/ shared architecture. Melfi, Libria, 2006, p. 29.54. CÜSTERS, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 79.55. SANCHEZ, Fernanda. Arquitetura e urbanismo: espaços de representação na cidade contemporânea. Veredas, Rio de Janeiro, 1999, v. 41, p. 26-29.

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mente ao tema.56 Só é possível encontrar com facilidade uma bibliografia mais numerosa na própria cidade de Maastricht.

A tradição ampara a qualidade do projeto urbano e garante a existência dos espaços públicos significativos em harmonia com as expectativas do setor priva-do. Assim, foi possível atender ao escopo inicial de valorização do rio Maas, de respeito e porosidade impressionante do projeto com o entorno e de conexão da nova área sem perder sua ligação simbólica e física com o centro histórico. Como consequência, obtém-se a recíproca qualificação e valorização de Céramique e do próprio centro.

Apesar de Céramique ter se desenvolvido como um bairro mais caro em relação aos vizinhos, Jo Coenen acredita que não houve gentrificação do entor-no, já que a diferença social não é tão grande entre quem mora dentro e fora da nova área que justificasse a mudança. O que se assistiu foi, assim como aconte-ceu em St. Jean, uma melhoria das fachadas das construções vizinhas influencia-das pelo novo projeto urbano, onde antes considerado como área degradada.

A arquitetura de Céramique, onde se destaca a releitura das tradicionais construções da cidade antiga, integrou os bairros vizinhos e criou laços de fa-miliaridade da população com o local, assim como aconteceu na criação das grandes praças, característica típica de Maastricht. Promoveu-se desta forma a valorização espacial que beneficiou a própria comunidade, valorizando sua cul-tura e tradições. Fato que não corrobora as críticas de Otília Arantes a muitos projetos urbanos que, na busca da criação de uma nova imagem, resultam em localidades cada vez mais semelhantes, desconsiderando os aspectos regionais.57

No âmbito da preservação do patrimônio histórico, o projeto de Céramique conservou apenas dois edifícios (um edifício de pintura de cerâmica e o “Biscuit Work Building”, galpão projetado pelo arquiteto Jaap Bakema, um dos mestres do moderno holandês, e que viria a ser o anexo do Museu Bonnefanten), alguns trechos do antigo muro e resquícios da muralha. Bem pouco para uma área de 60ha da antiga fábrica, não restando quase nada da memória industrial.

56. Se o Museu Bonnefanten, projeto de Aldo Rossi, ganhou muito destaque nas revistas especializadas, o projeto urbano de Céramique passou um tanto desapercebido. Coube à revista Óculum a primazia, na edição monográfica n. 10-11 publicada em 1997, em destacar a importância do projeto. À edição brasileira, que contou com a responsabilidade editorial de Abilio Guerra, Paulo Meurs, Luis Espallargas Gimenez e Mauricio Masson, segui-se alguns anos depois um aporte de destaque feito pela revista italiana Abitare, que publicou um encarte especial sobre o projeto em 2002.57. ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Berlim e Barcelona: duas imagens estratégicas. São Paulo, Annalume, 2012.

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Por parte dos urbanistas destaca-se o intenso processo de produção e in-terlocução que duraram mais de uma década, com a participação de grandes nomes da arquitetura. A reunião deste time de renome internacional demonstra o tamanho do emprenho e comprometimento com o mesmo objetivo de constru-ir um novo trecho de cidade que se destacasse pela qualidade da diversidade. Tal postura é bem diferente da situação mais comum de apenas um arquiteto ou urbanista de renome projetar sozinho toda uma área da cidade. Dez vezes maior do que a realizada em St. Jean, esta intervenção também atravessou diver-sas administrações públicas, o que foi possível por Maastricht possuir dentro da prefeitura um departamento de arquitetura estável, que não se altera com a al-ternância de governos. Nos 21 anos entre projeto e implantação geral o escritório do arquiteto Jo Coenen acompanhou de perto cada mudança, em uma relação de total comprometimento com os clientes público e privado, colocando sempre os interesses da cidade e da sociedade na pauta e nas decisões.

A respeito deste projeto e sua gestão, é muito coerente o comentário de Luis Espallargas Gimenez:

“Ao lado de tantas outras cidades europeias, a pequena Maastricht representa a cidade ocidental distante do acaso e alheia ao discurso dos apóstolos do caos e da escuridão. Ensina que os valores coletivos, artísticos, territoriais e produtivos são diretamente proporcionais à importância que a cidade possa adquirir. Faz pensar se a tragédia e abandono de muitas cidades não estariam longe do imediato e gasto argumento da falta de recursos, para, na verdade, culpar a falta de expectativa social, a banalização da forma e do território e a empatia ao trabalho. Seja como for, faz desconfiar que a cidade retém, mais que qualquer outra coisa, a capacidade de sustentar e representar os diferentes indivíduos, agregando-os. Perdida esta referência grande, secular, apenas sobram: gangues, templos, tráfico, torcidas, condomínios...”58

58. GIMENEZ, Luiz Espallargas. O ocidente das cidades. Óculum, Campinas, n. 10-11, FAU PUC-Campinas, jun./nov. 1997, p.19.

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capítulo 3

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Capa:Imagem 109 - Croqui de Vittório Gregotti para Bicocca.

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pRoJEto BICOCCA, MILÃO, ItÁlIa (1985-2000)

Milão é a capital da região da Lombardia, a província mais industrializada da Itália, sendo que 40% das multinacionais italianas possuem sede e origem nesta área.

A região produz um PIB 35% maior que a média europeia e é considerada um dos quatro motores da Europa.1 Devido a sua excelente localização no norte da Itália, bem no coração da Europa e com fácil conexão entre o oriente e o oci-dente, constituiu-se desde o início do século vinte em um grande polo industrial, com grandes investimentos em rodovias e ferrovias, fatores que atraíram também grande contingente de imigrantes do sul e nordeste da Itália, em especial nas décadas de 1950 e 1960. Nas duas décadas seguintes foram os imigrantes es-trangeiros que incrementaram o crescimento demográfico.

Quase um quarto da produção de pesquisa italiana é realizado na província da Lombardia, que recebe cerca de 22% do total de investimento nacional em ensino e pesquisa, sendo a força motriz da inovação e desenvolvimento tecnológi-cos. E, em termos de despesas nacionais, o sistema universitário está em segundo lugar com 23%, perdendo apenas para a indústria, com 66%.2 Logo, apresenta uma infraestrutura de alto nível para investigação científica e inovação tecnológi-ca, que são desenvolvidas não só nas universidades (13 universidades, das quais 8 na província de Milão), mas também no sistema de centros de pesquisa públicos e privados, tais como os vinculados ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNR), ao Instituto de Física Nuclear (INFN) e ao Instituto de Pesquisa Farmacológica Mario Negri. Segundo Daniela Maria Eigenheer e Nadia Somekh, seu potencial baseia-se ainda em 24 centros de pesquisa nacionais, 4 laboratórios de ensaio, 2 institutos de física nuclear, 4 agências de desenvolvimento e 4 incubadoras, além de 8 centros de transferência de tecnologia e 3 consórcios de universidades e empresas.3 A região de Milão reúne assim cerca de 200 mil estudantes univer-

1. MILANO METROPOLI. La regione milanesa-un area urbana globale. 2011. Disponível em: <www.milanomet.it/it/territorio/unarea-urbana-globale.html>.2. MILANO METROPOLI. La cittá del sapere. 2011. Disponível em: <www.milanomet.it/it/universit-e-ricerca/la-citta-del-sapere.html>.3. EIGENHEER, Daniela Maria; SOMEKH, Nadia. Projeto Urbano e inclusão social: Milão-Pirelli La Bicocca. Óculum Ensaios, Campinas, n. 16, FAU PUC-Campinas, jul./dez. 2012, p. 18-27.

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sitários, com um número crescente de alunos provenientes de outras regiões da Itália e do exterior.

A malha urbana da província de Milão, a quinta maior da União Europeia, é densamente povoada, com 7.190 hab./km².4 Comparada a São Paulo, esta densidade seria equivalente ao bairro de Campo Belo, com seus 7.472 hab./km², segundo o IBGE de 2010.5

A cidade é conhecida como a capital do design e exerce influência mundial em vários âmbitos– comércio, indústria, música, literatura, arte e mídia –, sendo uma das principais cidades do mundo como referência da vida contemporânea. Hoje ela alia harmoniosamente suas casas e lojas de moda com um rico patrimô-nio cultural.

A área metropolitana de Milão é hoje o principal hub de fluxos econômicos nacionais e de produção.

Dentre suas obras de intervenção urbana, a de 1985 ocorrida em Bicocca – antiga sede da indústria Pirelli –, a apenas cinco quilômetros do centro de Milão, aparece como sendo a maior e mais significativa representante italiana das últi-mas décadas.

Segundo Fulvio Irace, o Projeto Bicocca foi o primeiro de requalificação ur-bana da cidade e, até hoje (o texto é 2010, mas a afirmação provavelmente continua valendo) ainda é considerada a intervenção com maior identidade já realizada no país, sem se restringir apenas a promoção de uma nova imagem do bairro ou da cidade. A área requalificada possui cerca de um milhão de metros quadrados de terreno6 e, localizada no coração da área metropolitana, reuniu importantes equipamentos de interesse público, como a Universidade de Milão Bicocca e o Teatro degli Arcimboldi.7

4. Dados obtidos pelo site: <www.pt.wikipedia.org/wiki/Mil%C3%A3o>.5. Dados obtidos em: <www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/subprefeituras/subprefeituras/dados_demograficos/index.php?p=12758>.6. O projeto da Bicocca é a maior intervenção urbana executadas em Milão e talvez na Europa, com uma área total de 70 ha que, somada a área de Ansaldo, adicionada numa segunda etapa, chega a 100 ha ou 1.000.00m².7. IRACE, Fulvio. The ethical principle of Biccoca. Domus, Milão, 16 out. 2010 <www.domusweb.it/en/architecture/the-ethical-principle-of-bicocca>.

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O nome Bicocca significa “casa abandonada” e o bairro recebeu a alcunha graças a uma antiga casa de campo do século 16 pertencente a tradicional família milanesa Arcimboldi, hoje restaurada como patrimônio histórico dentro do complexo da antiga Pirelli. Com o passar dos anos a Bicocca degli Arcimboldi foi sendo chamada apenas de Bicocca.8

8. BARDA, Marisa. A importância da arquitetura vernacular e dos traçados históricos para a cidade contemporânea. Dissertação de mestrado. Orientador Paulo Júlio Valentino Bruna. São Paulo, FAU USP, 2007.

Imagem 110 - Relação entre a área de Bicocca e a mancha urbana de Milão.

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Antecedentes e problemáticA urbAnA

Até 1976 a cidade de Milão possuía um planejamento urbano falho e descentralizado. Embora tenha sido aprovado um novo plano no início do ano de 1980, o mesmo foi logo descartado, pois a municipalidade preferiu um novo caminho para a renovação urbana de Milão, mais focada na produção de políticas pró-crescimento, orientadas para a substituição da imagem industrial de Milão e obtenção de um novo visual, baseado nas intervenções de desenvolvi-mento urbano das décadas de 1980 e 1990, que ganharia corpo a partir do projeto Bicocca-Pirelli.

Por meio de uma lei aprovada em 1977, a prefeitura de Milão e a in-dústria Pirelli fizeram acordos econômicos que determinavam quais edificações atenderiam as necessidades da cidade. Para que a empresa obtivesse concessões de construção, o acordo previa critérios de contrapartida e o pagamento de emoluentes para a prefeitura. Através de um grande acordo com grupos políticos foi possível definir diretrizes estratégicas para identificação de potenciais e de desenvolvimento para as áreas industriais.

O distrito Bicocca está localizado na borda norte da cidade de Milão, no coração do centro histórico industrial, bem próximo da divisa com o município vizinho de Sesto San Giovanni. Desde 1905 foi casa das indústrias Pirelli & C. Real Estate Project Management S.P.A., que fabricava pneus, cabos elétricos e outros bens de borracha, além de ser a casa histórica do grupo Ansaldo de Milão.

A Pirelli foi fundada pelo engenheiro Giovanni Battista Pirelli, com 24 anos de idade na época. Devido a sua excelente localização, próxima às principais ro-dovias de ligação com o restante da Europa, o exemplo da Pirelli foi seguido e a região foi rapidamente ocupada por indústrias e população trabalhadora.

A principal aquisição territorial da Pirelli se deu em 1908 e seu período de esplendor foi até 1946. Com o fim da segunda guerra e as transformações dos processos industriais, algumas das fábricas que ocupavam terrenos de proprie-dade da Pirelli começaram a deixar a região, criando um grande problema para o município de Milão. Entre os anos 1970 e início dos anos 1980 a Pirelli também foi reduzindo paulatinamente sua atividade até cessar grande parte de sua pro-dução no local devido à incapacidade da planta em se adaptar às necessidades de mudança dos processos industriais, deixando para trás um imenso terreno murado, subutilizado e lentamente degradado. Em 1973 a Pirelli transfere suas unidades de produção para uma nova fábrica a poucos quilômetros de distância,

Página seguinte:Imagens 112, 113 e 114 - Propagandas da antiga fábrica da Pirelli.

Imagem 111 - Propagandas da antiga fábrica da Pirelli.

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Página seguinte:Imagens 116 e 117 - Imagem das antigas indústrias Pirelli.

Imagem 115 - Imagem da antiga fábrica da Pirelli.

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em Bollate, absorvendo o que restou da planta industrial e dos trabalhadores de Bicocca.9

Neste momento as indústrias Pirelli possuíam uma área total de 714.035 m², dos quais 372.385 m² são cobertos e 598.778 m² funcionais.10

Ciente de tais dificuldades – mas decidida a manter nessa área suas ativi-dades de produção, laboratórios de pesquisa e serviços –, o grupo milanês Pirelli, que possuía a posse da terra, começou a desenvolver vários estudos para a re-modelação do espaço.

Assim, em 26 de abril de 1985, foi firmado um acordo preliminar com os diversos níveis da administração pública – o Município de Milão, a província de Milão e a Região da Lombardia – e os sindicatos. No acordo preliminar assinado fixavam-se critérios para definir as diretrizes do uso futuro da área com base nas regulamentações do plano diretor da cidade. A partir desta data iniciam-se as parcerias entre os âmbitos público e privado.

Neste momento, Silvio Soldini – jovem diretor da fábrica Pirelli – declara antes da chegada dos tratores:

“Bicocca não é apenas uma evidência física de um passado que desaparece, mas também um lugar onde muitas pessoas trabalharam durante anos por oito horas diárias, reuniram-se e entraram em confronto, em suma, viveram sua vida de trabalho”.11

O projeto alvo do concurso internacional que escolheria o urbanista para Bicocca tinha como escopo principal a criação de um polo tecnológico multifun-cional agrupando laboratórios, centros de pesquisa e desenvolvimento voltados para atividades industriais de tecnologia de ponta, centros de informática, de tecnologia da informação e telemática, centros de pesquisas públicas e privadas, institutos de formação profissional e universitária e ainda espaços de encontros e serviços para atender as necessidades dos usuários e moradores. Ou seja, uma reocupação voltada para educação, pesquisa e serviços, o que deveria evitar a

9. PIRELLI. 1985: nasce Progetto Bicocca. Disponível em: <ww.pirelli.com/corporate/it/company/history/architetture/progetto_biccoca/default.html>.10. PIRELLI. 1985: nasce Progetto Bicocca. Disponível em: <ww.pirelli.com/corporate/it/company/history/architetture/progetto_biccoca/default.html>.11. PIRELLI. 1985: nasce Progetto Bicocca. Disponível em: <ww.pirelli.com/corporate/it/company/history/architetture/progetto_biccoca/default.html>.

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Imagem 118 - A área Bicocca, em destaque na cor vermelha, mede cerca de 750 mil metros quadrados e a área Ansaldo, em destaque na cor azul, mede cerca de 250 mil metros quadrados.

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ocupação deste espaço pelo capital imobiliário.12 A transformação de Bicocca deveria transformá-lo em um novo centro urbano, com a criação de um polo tec-nológico integrado e multifuncional, reabilitado do ponto de vista da produção e com sua vasta área urbana voltada para atender as demandas da Grande Área Metropolitana de Milão.13

O concurso realizado 1984 contou com duas fases e a participação a partir de convites de vinte arquitetos/escritórios de renome. Além dos italianos – Gae Au-lenti, Carlo Aymonimo, Giancarlo De Carlo, Gregotti Associati, Renzo Piano, Aldo Rossi, Gabetti & Isola, Gino Valle –, foram convocados participantes de diversos outros países: o suíço Mario Botta; o franco-peruano Henri Ciriani, o canadense Frank O. Gehry, o brasileiro Joaquim Guedes, o holandês Herman Hertzberger, o norte-americano Richard Meier, o espanhol Rafael Moneo, o austríaco Gustav Peichl, o argentino Justo Solsona, o alemão Oswald Mathias Ungers, o escocês James Stirling e o japonês Tadao Ando. Os dois últimos acabaram abandonando o concurso durante o processo.

A organização técnica e disciplinar desta fase foi confiada à Universidade Politécnica de Milão, sendo Bernardo Secchi indicado como coordenador. Em uma primeira fase, o júri selecionou os três melhores projetos, que, a seguir, participariam da segunda fase da competição: os trabalhos entregues por Gino Valle, Gabetti & Isola e Gregotti e Associati.

Neste momento, o processo de planejamento da cidade ainda não tinha sido iniciado. As ideias presentes nos projetos participantes permitiram identificar os conteúdos técnicos e urbanísticos que caracterizariam, em um segundo momento, a alteração do regulamento urbanístico geral com a finalidade de modificar o uso industrial anterior da área.

A parceria resultante da colaboração entre a Câmara Municipal de Milão e a corporação Pirelli identificou os elementos específicos do Centro Tecnológico, enriquecidos com os conteúdos resultantes dos projetos (por exemplo, a necessi-dade de ter também propriedades residenciais) e as traduziu para as regras de planejamento da cidade com seus usos funcionais e quantidades.14

12. EIGENHEER, Daniela Maria; SOMEKH, Nadia. Projeto Urbano e inclusão social: Milão-Pirelli La Bicocca. Óculum Ensaios, Campinas, n. 16, FAU PUC-Campinas, jul./dez. 2012, p. 18-27.13. DELL’AGNESE, Elenna. La Bicocca e il suo territorio. Skira, Milano, Italy, 2005, p. 6.14. PIPERNO, Livia. The Bicocca Project In Milan. Milão, 2008. Trabalho apresentado no Colloquium Corporations and Cities, sediado na em Bruxelas, Bégica de 26 a 28 de maio de 2008 e organizado na Holanda pela Faculdade de Arquitetura da Delft University of Technology, dentro do Departamento de Imóveis e Habitação (Department of Real Estate & Housing). Hoje Livia Piperno ocupado o cargo de Head of Urban Planning and Building Permits na empresa PRELIOS.Imagens 119 e 120 - Antigas instalações da Pirelli.

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Além disso, a flexibilidade de usos foi introduzida pela primeira vez: ao ser definida com precisão a área de desenvolvimento urbano com o objetivo de fo-mentar o papel estratégico das transformações do eixo norte da cidade, foram es-tabelecidos cotas de áreas mínimas e máximas para a construção dos programas principais. Por exemplo, para uso residencial definiu-se uma quantidade mínima obrigatória a ser construída, enquanto para a atividade industrial leve e para as funções do Centro Tecnológico (pesquisa e produção, serviços para empresas e pessoas, ensino universitário) uma área máxima para uso e ocupação. Assim seria garantida uma proporção equilibrada para o uso multifuncional desejado.

Estas informações geraram um roteiro que, sem qualquer obrigação adicio-nal de desenho, tornou-se parte do briefing para os urbanistas que, em seguida, competiram na segunda fase. Nele também se previa: um plano geral da malha viária, a localização das principais funções e as relações de áreas e funções com o ambiente urbano circundante.

As regulamentações urbanísticas impostas foram baseadas em dois princípios: a garantia de um controle público focado através de mecanismos que permitiriam às autoridades municipais verificar, orientar e aprovar a abordagem geral sobre as obras e as fases de implementação; a garantia de elevada flexibilidade de usos.

Para satisfazer tais exigências, foi implementado um instrumento adicional chamado Piano di Inquadramento Operativo (PIO) ou Plano Operacional, uma ferramenta de gestão e planejamento com a tarefa de definir os métodos de trabalho e promulgação de instrumentos urbanísticos para as diversas partes do projeto.

O júri que escolheria o vencedor foi formado exclusivamente por membros de alto escalão gerencial do Grupo Pirelli, com um argumento bem explícito: um projeto que seria totalmente operado por uma entidade privada tinha de ser avaliada por critérios reais de viabilidade econômica e funcional. Lançada em 1986, a fase operacional do concurso foi gerenciada pelas Indústrias Pirelli e a seleção se deu apenas em 1988, após uma série de discussões e alterações solic-itada pela a Prefeitura, com a escolha de Vittorio Gregotti.

Imagem 121 - Antigas instalações da Pirelli.

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No final dos anos 90 o Grupo Pirelli adquiriu a área fronteiriça ao norte, a antiga fábrica Ansaldo, onde começou um processo de ampliação do chamado Progetto Bicocca: ao lado das plantas operacionais foram estabelecidos edifícios de produção da Pirelli com seus laboratórios de pesquisa, um edifício da univer-sidade, um centro de entretenimento com multiplex, restaurantes, um ginásio: o conjunto chamado de Bicocca Village. Além disso, um hangar desmobilizado, o chamado Hangar Bicocca, é hoje usado para sediar exposições de arte contem-porânea.

Imagem 122 - Roteiro de zoneamento proposto para a segunda fase do concurso.Imagem 123 - Roteiro plano geral da malha viária, a localização da principais funções e as as relações de espaço e função com o ambiente urbano circundante.

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Imagem 125 - Piano di Inquadramento Operativo (PIO) ou Plano Operacional.

Página anterior:Imagem 124 - Ocupação da antiga fábrica Ansaldo.

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processo de projeto e construção

O Progetto Bicocca foi uma oportunidade de, pelo menos parcialmente, oferecer um caminho novo e suprir a escassez de serviços adequados no plano urbano, no contexto do bairro e da região metropolitano.15 A expectativa era que em longo prazo Biccoca se transformasse em um centro da periferia norte de Milão, com sua reintegração ao tecido e à vida da cidade, gerando um modelo de intervenção urbana.

O projeto vencedor tinha dois objetivos: conferir à área transformada uma característica de nova centralidade urbana e identificar os recursos possíveis que representariam um centro tecnológico, não através de um projeto preestabelecido e rígido, mas através de uma proposta flexível, capaz de responder às mudanças e modificações solicitadas pelo tempo.16

Ao lado dessas considerações, houve também a intenção de criar um novo modelo de configuração urbana aberta para o espaço circundante e respeitando o layout original do terreno, onde o projeto de fato reconfirmasse a rede viária existente, enriquecendo-a com novas conexões.

O PrOgrama A ideia do Grupo Pirelli, bem representado pelo projeto vencedor, foi a

construção de uma nova centralidade para Milão, através da presença de funções bem específicas, somadas ao uso residencial, escritórios e comercial. A população prevista para a área passaria dos 10 mil residentes, com uma população diurna de 40 mil, o que geraria – e efetivamente gerou após a implantação – alterações no sistema de transporte milanês.

15. GREGOTTI, Vittório. Il Progetto Bicocca 1985-1998. Milão, Skira, 1999.16. PIPERNO, Livia. The Bicocca Project In Milan. Milão, 2008. Trabalho apresentado no Colloquium Corporations and Cities, sediado na em Bruxelas, Bégica de 26 a 28 de maio de 2008 e organizado na Holanda pela Faculdade de Arquitetura da Delft University of Technology, dentro do Departamento de Imóveis e Habitação.

Página seguinte:Imagem 126 - Térreos livres e permeáveis nos edifícios da univesidade.

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Em sua fase executiva, a área do local foi expandida para que o desenvolvi-mento abrigasse a implantação de unidades residenciais para até 5.000 habi-tantes. Além do Teatro Degli Arcimboldi foram implantados 50.000m² de praças e passarelas de pedestres, 110.000 m² de área para parque público e um sistema de caminhos e pontes para ligar a área com o Nord Parco e Bresso, regiões viz-inhas.17

Depois de muitos esforços por parte da Pirelli, a pesquisa – o tema funda-mental do Centro tecnológico – materializou-se com a criação da Seconda Uni-versità Statale di Milano, que se desenvolveu rapidamente atraindo cerca de 30 mil estudantes para a área. A função de pesquisa da universidade foi completada pela presença do CNR-Consiglio Nazionale delle Ricerche ou Conselho Nacional de Pesquisa, que em 1995 mudou parte de seus laboratórios para esta área.

Esta orientação para atividades de pesquisa, promovida pelo Grupo Pirelli, foi um precedente muito importante na prática de transformação de Bicocca de modo que hoje, 20 anos depois, em qualquer iniciativa de certa relevância, as au-toridades município defendem, quando não impõem, a conjetura de uma mistura funcional articuladas com a presença substancial de funções de interesse público, sendo a pesquisa uma das mais importantes.18

O COnCeitO dO PrOjetO

A principal contribuição para o desenvolvimento deste polo de tecnologia foi a pesquisa realizada pelo professor Umberto Colombo, que pretendia desen-volver fortes ligações e comunicações entre ensino, pesquisa e desenvolvimento industrial de alta tecnologia e certificação. Sua ideia era promover programas conjuntos entre a universidade, instituições de pesquisa públicas e privadas e em-presas inovadoras, para juntas desenvolverem pesquisas adequadas às exigên-cias de médias e pequenas empresas voltadas a alta tecnologia.

Apesar de ter sofrido grandes modificações por solicitação da prefeitura, o planejamento da área teve como objetivo principal a criação de uma nova cen-tralidade ao norte de Milão, uma referência além do centro, porém sem perder a identidade do local, tradicionalmente ligado a indústria.

17. DELL’AGNESE, Elenna. La Bicocca e il suo territorio. Milão, Skira, 2005.18. PIPERNO, Livia. The Bicocca Project In Milan. Milão, 2008. Trabalho apresentado no Colloquium Corporations and Cities, sediado na em Bruxelas, Bégica de 26 a 28 de maio de 2008 e organizado na Holanda pela Faculdade de Arquitetura da Delft University of Technology, dentro do Departamento de Imóveis e Habitação.

Página anterior:Imagem 127 - Térreos livres e permeáveis nos edifícios da univesidade.

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Desta forma, além do centro tecnológico voltado para o ensino e pesquisa, Gregotti projeta um polo multifuncional com a presença de residências, comércio e serviços em abundância, lotes de estacionamentos e instalações esportivas, lo-jas e áreas verdes, equipamentos culturais – todos eles elementos essenciais para melhorar a qualidade da vida urbana na visão dos promotores e do arquiteto. Com tais qualidades a intervenção deveria ter um caráter territorial para atender aos bairros e distritos vizinhos ao norte de Milão, incrementando a circulação de pessoas e tornando necessários os intercâmbios com outras partes da cidade.

Biccoca foi assim conceituada, diferente da clássica periferia. O arquiteto previa que Bicocca se transformaria em uma nova centralidade histórica e per-iférica, com população local socialmente mista – seja por tipo de atividade, poder econômico, origens ou idade. E se tornaria um modelo, a ser replicado em outras áreas periféricas da cidade.19

Os esPaçOs PúbliCOs, O PaisagismO e a PreOCuPaçãO ambiental

O layout consistiu em quatro blocos posicionados ao longo do eixo central que, cruzados internamente, determinam um conjunto articulado de espaços pú-blicos. Consequentemente, os espaços produtivos da Pirelli foram transformados em uma vizinhança com malha urbana aberta, decisão projetual que preservou a conexão com o passado industrial da área e, após 20 anos, apesar de diversos ajustes, o conceito ainda está preservado.

Como a trama original da antiga fábrica dava continuidade a malha urbana viária circundante, a mesma foi aproveitada. A partir daí se definiram os grandes quarteirões e seus grandes edifícios que possuem seus térreos parcialmente livres para a circulação de pedestres, principalmente no eixo norte-sul, onde se en-contram uma sequência de espaços públicos e grandes praças, que se tornaram elementos de destaque essenciais para todo o conjunto.

O resultado alcançado no projeto urbano e em seus edifícios demonstra a existência de um desenho forte e bem detalhado, e ao mesmo tempo simples e coeso, gerando espaços qualitativos. Demonstra também, de forma clara e har-moniosa, suas raízes fabris que, preservadas fortemente, retomam a identidade local e o patrimônio histórico aliando às novas necessidades e tecnologias de ponta do século 21. Estes espaços de uso comum foram essenciais para criar uma nova imagem à área. Projetos urbanos que têm os espaços públicos de qualidade

19. GUERRA, Abilio; MENDES, Tatiana Dolci. Intervenções em áreas degradadas: Bicocca, Milão, Itália. Relatório Interno de Pesquisa. Campinas, FAU PUC-Campinas, 2005.

Página seguinte:Imagem 128 - Praça rebaixada de uso misto.

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Imagem 129 - Praça rebaixada de uso misto. Imagem 130 - Praça rebaixada na área universitária.

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como ponto focal, se tornam inclusivos, pois, ao valorizar o convívio, estimulam a apropriação dos espaços pela população, resgatando o conceito de cidadania.

No caso de Bicocca, os espaços públicos criados retomam a qualidade das antigas piazzas italianas, criando áreas de respiro essenciais e onde o verde apa-rece por opção. Ainda que façam parte de contextos diferentes, esses vazios re-configuram a malha urbana e se portam como agregadores da população com seus usos diferenciados. Segundo Gregotti, “não tem quase usos privados, as ruas e o interior das quadras são públicos!”.20

Porém, o lindo desenho urbano que conformam estes pátios não foi suficiente para se tornarem espaços convidativos comercialmente. Devido ao rebaixo em dois lances de escada em relação à rua, as piazzas atraem as pessoas para o in-terior das quadras, esvaziando as ruas, gerando uma sensação de forte isolamen-to em alguns momentos do dia. E, além das ruas, no vazio interior das quadras comerciais, sente-se o mesmo isolamento.

Entre as praças, se destacam as praças rebaixadas, onde se concentram o comércio e serviços do bairro, como a praça diante do edifício U-7 da Univer-sidade de Bicocca, chamada Piazza Difesa Per le Donne, que sofreu necessárias alterações após sua inauguração, e a Piazza dell’Ateneo Nuovo, em frente da universidade de Bicocca.

Inaugurada em fevereiro de 2009, a Piazza Difesa Per le Donne foi muito criticada por estudantes e moradores locais, que pareciam evitá-la de todas as formas. Dentre as reclamações estava a falta de mobiliário urbano – a praça não tinha sequer um banco –, além de ser totalmente descoberta, o que gerava grande desconforto.

Além disso, por serem praças rebaixadas em dois grandes lances de escada, os pedestres preferiam contorna-la por sua periferia quando caminhavam para o refeitório ou para outros percursos cotidianos, tornando-a um ambiente sem vida, com prejuízo para o comércio local, que recebia muito pouco movimento. Dentre as críticas na época podemos destacar comentários como: “aqueles que querem passar algum tempo deve sentar-se diretamente sobre o solo”, “ninguém vai nessa praça, é triste e gelado inverno e no verão parece uma chapa para grelhar... nós cozinhamos” e “haveria também um elevador, mas está sempre fora de serviço”.21

20. Trecho da entrevista realizada pela autora com o arquiteto Vittório Gregotti em 18/04/2013 em seu escritório, no centro de Milão.21.L’assurda piazzetta dell’edificio U-7 in Bicocca. Milão, fevereiro de 2009. Disponível em: <www.02blog.it/galleria/lassurda-piazzetta-delledificio-u-7-in-bicocca/1>.

Imagens 131 e 132 - Piazza Difesa Per le Donne, enfrente ao edifício U7 da universidade antes mobiliário urbano.

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Assim, em outubro do mesmo ano de 2009 a praça foi equipada com ban-cos, mesas e pequenas tendas anexadas para abrigar do sol, além de vasos de plantas. Com isso, o lugar onde raramente se via alguém se transformou radical-mente, sendo ocupado por uma multidão de estudantes felizes em aproveitar os últimos resquícios de verão para estudar no exterior.22 Logo, nunca é tarde demais para transformar um espaço desértico e inóspito em simpático e animado.

A Piazza dell’Ateneo Nuovo é uma grande área de convivência dos estu-dantes da universidade e se configura através de uma praça elevada cerca de 1,15m. em relação a rua, destacando-se ainda por uma colunata que a separa em relação a rua Viale dell’Innovazione. Seus acessos se dão apenas por dentro da universidade e por duas escadarias relativamente estreitas nas ruas laterais, acesso bastante modesto em relação as dimensões da praça.

Em frente a mesma encontra-se o edifício U6 da universidade, um dos mais conhecidos edifícios de Bicocca – com suas passarelas que dominam a entra-da, as longas filas de grandes janelas com molduras brancas e as palavras em letras grandes Università degli Studi di Milano Bicocca – foi construído a partir dos edifícios históricos de 45 e 66 da antiga fábrica, que no passado funcionavam como Pirelli Pneumatici. Os edifícios naquela época não eram avermelhados, mas numa cor “amarelo pálido” e os vidros da passarelas, repletos de uma densa floresta de hera.

A proporção de áreas verdes, muito bem delimitadas, é proporcionalmente maior do que a encontrada na cidade de Milão. Nesta intervenção podemos destacar a rampa verde, a grande praça verde junto a Rua Viale Sarca e o morro que divide a nova a Bicocca de Gregotti com a vila operária do antigo distrito in-dustrial, que se transformou em um agradável mirante. A rampa verde, segundo o projeto original, deveria fazer a transposição da Viale Sarca, uma via expressa, para conectar Bicocca concluída com o antigo centro de esportes da Pirelli, man-tido na intervenção. Contudo, apenas o lado de Bicocca foi realizada e a rampa encontra-se até hoje incompleta.23

A encosta verde ao longo da Viale Sarca, que faz a borda de Bicocca com o entorno antigo, visto em foto de satélite tem um layout simétrico encantador. Porém, quando visto do ponto de vista de quem anda pela área, revela alguns

22. Finalmente razionalità in Bicocca: panchine nell’ex piazzetta meno accogliente del mondo. Milão, 11 de outubro de 2009. Disponível em: <www.02blog.it/post/5822/finalmente-razionalita-in-bicocca-panchine-nellex-piazzetta-meno-accogliente-del-mondo>. 23. Dados obtidos em entrevista realizada pela autora com o arquiteto Vittório Gregotti em 18/04/2013 em seu escritório, no centro de Milão.

Imagem 133 - Piazza Difesa Per le Donne, enfrente ao edifício U7 da universidade antes mobiliário urbano.Imagem 134 - Relação da praça com a Viale dell’Innovazione.

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Imagens 135 e 136- Escadaria de acesso e colunata.

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aspectos bastante discutíveis, como é o caso do gradeamento e da dupla calça-da – uma dentro de Bicocca, outra fora. Quando o Bicocca ainda era apenas um bairro industrial, havia uma parede de tijolos impenetrável próximo ao meio-fio na Viale Sarca. Agora, em uma reinterpretação branda do antigo obstáculo, existe uma grade de ferro que rodeia o perímetro do novo parque verde, para permitir seu fechamento à noite.24 O problema é que, na parte interior da cerca, corre uma nova calçada, parcialmente rebaixada e com um passeio muito mais agradável, decorado com árvores e bancos, em uma concorrência desleal com a antiga calçada da Viale Sarca, que não foi modificada desde sua criação, nem mesmo pelo projeto de Gregotti. Trata-se de um paradoxo se for considerado que o projeto vencedor de concurso foi escolhido na época por sua capacidade em conectar a nova área com o tecido urbano pré-existente. E, ao se observar os desenhos do concurso, pode se verificar que foi uma decisão de projeto.

Uma pergunta inevitável surge diante desta situação: não seria mais ade-quado mover o gradil um pouco mais para trás e criar uma nova, única, espaço-sa e agradável calçada? Por que não produzir um espaço de convívio entre os moradores da antiga e da nova área? Não seria uma ato de gentileza urbana adequado ao ideal original do projeto? Ao que tudo indica, este não era o obje-tivo real. Aqui parece que o ônus da urbanização tem sido realizado de forma a separar os moradores da nova Bicocca da triste realidade do velho bairro junto a Viale Sarca, área conhecida principalmente por prostituição transexual.25 As duas calçadas parecem querer enfatizar a transição entre dois mundos, que vivem lado a lado, mas não se misturam.

No interior de Bicocca, na parte mais alta do aclive do terreno, encontram-se os edifícios de uso residencial chamado Residenze Esplanade, destinados a mora-dores com maior poder aquisitivo. Curiosamente, são os únicos com entrada gradeada (também para permitir seu fechamento à noite) e com a presença de portaria ostensiva. O objetivo de segurança é extensivo às regras para visitantes: é o único lugar em Bicocca que não é permitido fotografar. O fato surpreendente para o local nos coloca diante de uma questão imediata: qualquer semelhança entre este bloco de edifícios e os condomínios fechado paulistanos seria mera coincidência?

24. Dados obtidos em visita guiada pelo Sr. Michele Lodigiani, gerente de vendas da Prelios em 17/04/2013.25. Assurdità in Bicocca parte 3: il parchetto zona-tampone di viale Sarca. Milão, 02 de julho de 2009. Disponível em: <www.02blog.it/post/5822/finalmente-razionalita-in-bicocca-panchine-nellex-piazzetta-meno-accogliente-del-mondo>.

Página seguinte:Imagem 139 - Vila operária com o morro de divisão ao fundo.

Imagem 137 - Vista aérea da rampa verde incompleta. Imagem 138 - Relação da colina com a vila operária.

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Imagem 140 - Escada de acesso ao mirante a partir da vila operária. Imagem 141 - Encosta junto a vila operária.

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Por fim, a sensação de segregação se confirma quando se visita o morro que divide a antiga vila operária e os novos edifícios em cor cinza implantados em Biccoca, que abrigam as instalações voltadas para escritórios. Este terreno – um grande morro artificial construído com entulho e dejetos vindos das velhas insta-lações industriais de Bicocca – comporta uma grande ambiguidade: por ser bem equipado com bancos e árvores, e poder ser acessado por ambos os lados, é um espaço de descompressão agradável, salientado por sua condição de mirante que permite a contemplação das duas áreas que separa; contudo, sua presença impede os olhares cruzados de quem se encontra em um dos lados, funcionando mais como um elemento paisagístico segregador do que integrador.

Os edifíCiOs, PreservaçãO dO PatrimôniO e O mObiliáriO urbanO

Para a execução dos edifícios, Gregotti se inspira em elementos tradicionais da cidade histórica industrial e operária do início do século vinte. Com o intuito de assumir a imagem de periferia milanesa historicamente industrial, a tipologia das construções têm características de solidez e simplicidade na volumetria, aliando tradições construtivas passadas às novas funções, atividades, programas e possi-bilidades de convivência.

É visível uma cuidadosa coerência entre o projeto urbano do complexo e as características dos edifícios, que mantém o mesmo padrão de altura usado na cidade e seu desenho em si: uma arquitetura de grande porte, mas com o mínimo de diversificação de materiais, criando detalhes e soluções contínuas entre os es-paços públicos, do terciário e do residencial, em diferentes escalas que totalizam vinte edificações, quase todas projetadas pelo escritório Vittorio Gregotti. Apenas um dos edifícios do complexo é de autoria do arquiteto Gino Valle, um dos três finalistas do concurso.

Para uma fácil identificação dos programas dos edifícios do conjunto, foram usadas cores: os blocos vermelhos abrigam as instalações das universidades, os beges e marrons foram destinados ao uso residencial e as variações de cinza claro ao grafite assinalam os conjuntos de escritórios e os centros de pesquisa.

Assim como aconteceu com a maioria dos edifícios, a Pirelli Real Estate construiu novos edifícios segundo suas necessidades funcionais e arrendou ou vendeu os espaços já construídos, que foram renovados. No caso da universi-dade, por exemplo, os edifícios foram arrendados e, em um segundo momen-to, quando já estavam alugados, suas propriedades foram transferidas para os fundos de pensão públicos. Os edifícios residenciais foram construídos também pela corporação Pirelli para atender a diferentes níveis de renda, que vão do

Imagem 142 - Relação da colina com os edifícios corporativos. Imagem 143 - A área verde gradeada da Viale Sarca.

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Página seguinte:Imagem 145 - Croqui de Vittório Gregotti para Bicocca.

Imagem 144 - Escada de acesso ao mirante a partir dos edifícios corporativos.

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Esplanade (residencial mais caro) até as moradias estudantis, subsidiadas pelo governo. A maioria destes imóveis estava voltada para a venda.

Todos os subsolos receberam áreas de estacionamento, assim como alguns comércios e serviços, localizados em especial na praça rebaixada e aberto ao público. Apesar de serem considerados centros de compras de interesse comer-cial, atualmente muitas das lojas estão vagas. Segundo Paolo Micucci, diretor de marketing e vendas da Prelios26, na prática os pontos comerciais abrem e fecham frequentemente, pois não possuem grande lucratividade, principalmente por estarem afastados das ruas. Micucci complementa a explicação, afirmando: “como não são áreas de passagem, muitos pedestres, em especial os que visi-tam a área apenas para trabalhar, nem sabem que elas existem [...], além disso, quem mais faz uso destes espaços são os estudantes, que também não gastam muito nestes serviços ou comércios”.27 E Michelle Michele Lodigiani, gerente de vendas da Prelios, completa: “e como todos estes possíveis locais de convívio estão sempre nos centros das quadras, as ruas ficam vazias e por isso ninguém gosta de andar por Bicocca, pois aqui nada acontece, nunca tem ninguém nas ruas, diferente de Milão onde você, de dentro do bar ou do restaurante, vê o movimento da rua”.28

De fato, em visita a área poucos serviços voltados para a calçada são en-contrados. E, quando questionados aonde eles almoçam, é possível ouvir uma resposta unânime dos transeuntes: nas universidades e empresas, que contam, em sua maioria, com seus próprios refeitórios. Desta forma, nem na hora do al-moço se vê pessoas circulando nas ruas. Estas, por sua vez, não são convidativas, afinal, independentemente de serem largas ou estreitas, suas calçadas ladeiam grandes e maciças construções, com pouquíssimas aberturas que permitam a passagem do exterior para o interior. Há uma forte sensação de se caminhar realmente dentro de uma fábrica. Se o conceito de Gregotti era a manutenção da memória industrial no distrito de Bicocca, podemos dizer que neste ponto espe-cífico ele conseguiu, mesmo que a custa de uma baixa qualidade urbana.

Em algumas calçadas, pode-se verificar no piso uma grelha metálica, usado para ventilação das garagens no subsolo. Segundo Michele Lodigiani, foi feito um acordo entre a Pirelli RE e a prefeitura, onde a empresa pagou e ainda paga

26. A empresa Prelios Property & Project Management S.p.A. é a incorporadora e gestora atual da área, antigamente chamada de Pirelli Real State.27. Trecho retirada da entrevista realizada com o Paolo Micucci, Diretor de Marketing and Vendas da PRELIOS, realizada na sede da Prelios, em Bicocca, em 17/04/2013.28. Dados obtidos em visita guiada pelo Sr. Michele Lodigiani, gerente de vendas da Prelios em 17/04/2013.

Página seguinte:Imagem 148 - Projeto Urbano de Gregotti implantado. À esquerda encontra-se o morro e a vila operária mantida.

Página anterior:Imagem 146 - Residenze Esplanade.

Imagem 147 - Edifício de Gino Valle.

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através dos impostos, taxas para uso destes espaços.29

As antigas instalações esportivas dos funcionários da fábrica foram mantidas e cedidas à Comune de Milano como área verde e esportiva de uso público. No-meado como Pro Patria Milano, a área e os equipamentos não fizeram parte da intervenção de Gregotti.30

Assim como as demais experiências contemporâneas, o projeto de Vittorio Gregotti para Bicocca alia as novas intervenções à preservação do patrimônio histórico. Assim, define-se um caráter novo a partir da identidade local. Esta seria uma maneira de manter as características da regionalidade apesar da globalização, conforme se observa nas palavras do próprio arquiteto:

“A arquitetura não nasceu do nada, faz parte de uma história em transformação, da vontade de seguir novas atividades, novas funções e novas possibilidades de vida, embora ainda prevaleçam as tradições do início do século passado, quando a região começava a ser a mais produtiva de Milão. Isto não pode ser esquecido e nós lembramos através da nossa arquitetura”.31

Da antiga indústria foram preservadas a torre de resfriamento, a Bicocca degli Arcimboldi e a antiga vila operária, exigências feitas pela Pirelli para manter a identidade da área. A antiga casa de Arcimboldi é o único edifício tombado pelo patrimônio histórico em Bicocca, ainda de propriedade da Pirelli se encontra num lindo jardim gradeado e fechado à visitação pública, somente usada pela diretoria para eventuais reuniões.

O aproveitamento da antiga torre de resfriamento da Pirelli era uma premissa importante sob o ponto de vista histórico, pois se avaliava que ela rememorava um tempo de glória da empresa. Aproveitando-se da forma ver-tical da torre, foi decidido desenvolver um edifício em torno dela, quase como uma estrutura arquitetônica que abraça e destaca sua estrutura escultural. O novo edifício é composto de três lados por escritórios com vista para o exterior e interior do edifício, onde se encontra a torre. No quarto lado, de frente para a Bicocca

29. Dados obtidos em visita guiada pelo sr. Michele Lodigiani, gerente de vendas da Prelios em 17/04/201330. PIPERNO, Livia. The Bicocca Project In Milan. Milão. 2008. Trabalho apresentado no Colloquium Corporations and Cities, sediado na em Bruxelas, Bélgica de 26 a 28 maio de 2008 e organizado na Holanda pela Faculdade de Arquitetura da Delft University of Technology, dentro do Departamento de Imóveis e Habitação.31. BARDA, Marisa. Vittorio Gregotti. Entrevista, São Paulo, n. 01.003.01, Vitruvius, jul. 2000 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/01.003/3350>.

Página anterior:Imagem 149 - Implantação com a localização dos principais edifícios. Imagem 150 - Calçamento com ventilação para o subsolo.

Imagem 151 - Edifício U6 da Universidade de Milão em Bicocca, em antigo prédio industrial reaproveitado. Imagem 152 - Vista aérea da antiga casa dos Arcimboldi, também chamada de Bicocca degli Arcimboldi.

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degli Arcimboldi, foi disposto um enorme plano de vidro, tornando-se visível torre a partir do exterior e mantendo o contraste entre as diferentes épocas. O piso térreo abriga uma sala de conferências com cerca de 400 assentos e elevadores que levam aos 10 andares de escritórios e à cobertura, onde foi instalado um heliporto. No interior, a própria torre foi dividida em quatro seções, equipadas com salas de reuniões e área de escritórios. Logo, o novo edifício continuará a simbolizar a antiga realidade industrial, otimizando a sintonia de convivência harmoniosa entre o velho e o novo. Hoje recebe a sede da Pirelli RE.

Os demais prédios industriais preservados foram reaproveitados para novas funções. Em entrevista, durante conversa sobre os parâmetros para o aproveita-mento dos antigos galpões, quando questionado se a preservação era motivada pelo valor histórico das construções, a resposta de Vittorio Gregotti foi simples e direta: “não existe valor histórico em nenhuma daquelas construções, apenas instalações industriais sem valor. O critério de aproveitamento foi o seguinte: está em boas condições? Cabe bem ao novo uso? Então vale aproveitar”.32 E assim foram aproveitados os edifícios antigos, dentre eles os ocupados hoje por parte da universidade.

A execuçãoO projeto Pirelli-Bicocca foi realizado prevendo a diversidade de faixas de

renda dos novos ocupantes, incluindo também empreendimentos imobiliári-os para as faixas de mais alta renda. Para atender a toda esta nova demanda foram feitos grandes investimentos em transporte, assegurando a acessibilidade necessária para se criar uma nova centralidade metropolitana. Devido a isto e à proximidade das rodovias de ligação com o resto da Europa, existem ainda hoje muitas pequenas indústrias nas proximidades, sendo a produção industrial atual equivalente a apenas 10% da existente antes da renovação urbana.33

Entre a aprovação do projeto urbano e o início das obras há uma lacuna de cinco anos, período necessário para que se fizesse a transferência das antigas indústrias e se resolvessem alguns problemas institucionais, entre outros motivos.

Segundo Gregotti, o processo de construção foi difícil e cansativo, em parte por causa da municipalidade de Milão, mas especialmente por conta da própria

32. Entrevista realizada pela autora com o arquiteto Vittório Gregotti em 18/04/2013 em seu escritório, no centro de Milão.33. SOMEKH, Nadia. Reconversão industrial e projetos urbanos: a experiência internacional e o caso da área do Brás, em São Paulo. São Paulo, 2007. Disponível em: <www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FAU/Publicacoes/PDF_IIIForum_a/mack_III_forum_nadia_somekh.pdf>.Imagem 154 - Bicocca degli Arcimboldi renovada.

Página anterior:Imagem 153 - Calçadas estreitas.

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Imagem 155 - Atual edifício de escritórios que engloba a antiga torre de resfriamento.

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postura não receptiva da população. Em entrevista à arquiteta Marisa Barda realizada no ano 2000 ele relata que:

“Tem uma série de impedimentos e tenho que confessar que as dificuldades são constantes. Por um lado, a população é muito surda, pouco interessada ao ambiente que está entorno, com as qualidades morfológica, física e formal. Ela está interessada que haja menos poluição, mas isto faz parte de outro aspecto. A população em geral é muito precavida em relação aos arquitetos e às suas ideias, e com certa razão, afinal já foram feitos muitos desastres nos últimos 50 anos. Isto representa um obstáculo, um freio, na realidade a população é muito conservadora e não quer que os valores e direitos adquiridos sejam alterados, mesmo que a mudança seja para melhor. Esta espécie de situação conservadora da opinião pública se reflete também nas instituições devido aos partidos políticos, que para angariar mais votos, não contradizem a população, criando dificuldades ulteriores. Tanto é verdade que nos últimos 15 anos, em Milão, as únicas obras construídas importantes foram a Feira e a Bicocca”.34

Dentre os resultados alcançados, destacam-se a construção de um grande bairro universitário, equipado com a Universidade Bicocca de Milão, o Teatro de-gli Arcimboldi (graças a uma capacidade muito parecida, foi utilizado enquanto o histórico Teatro La Scala foi restaurado), o edifício do CNR (Conselho Nacional de Pesquisa) e o Instituto Neurológico Besta, um grande hospital neurológico. Além disso, várias empresas já têm a sua sede em Bicocca de Milão incluindo a Sie-mens, Deutsche Bank, Reuters, Fastweb, Johnson & Johnson e Hachette-Rusconi, que entenderam ser ali um local excelente, pois além da localização estratégica da área, diversos outros fatores somados atestam a boa imagem do local. A Pirelli também permaneceu no local com a diretoria internacional, centro de pesquisa e sede administrativa.

O Teatro degli Arcimboldi é atualmente o maior teatro da Itália e é reconhe-cido por empregar a mais avançada solução tecnológica de qualidade acústica e sedenho de palco. Tem capacidade de 2.375 pessoas distribuídas em três an-

34. BARDA, Marisa. Vittorio Gregotti. Entrevista, São Paulo, n. 01.003.01, Vitruvius, jul. 2000 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/01.003/3350>.

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dares, sendo sua entrada voltada para uma grande praça com fácil acesso ao estacionamento público e às linhas de tram, trem e ônibus.

Em 2004, na área antigamente ocupada pela fábrica Ansaldo ocorreu uma ampliação do Progetto Bicocca, com a criação de laboratórios de pesquisa para a Pirelli e um novo edifício para a universidade. Além disso, com o intuito de atrair mais usuários para a área, em especial nos finais de semana, foram aber-tas novas instalações voltadas ao lazer, entre elas um Centro de Entretenimento chamado Bicocca Village com área de 30.000m² (inaugurado em 2005) e o es-paço de exposições Hangar Bicocca, equipado com ateliers e oficinas distribuídos em espaçosos lofts adaptáveis para diversas atividades. Configura-se em cerca de 65 unidades com 7 tipologias variáveis em características e dimensões, de 160 a 600m², dispostos em dois andares.

Em 2008, ainda com gestão da Prelios, mas com fundos de investimentos da Olinda Fondo Shops, foi desenvolvida a ampliação do Biccoca Village. Fun-cionando como um anexo e destinado a novos negócios, o Bicocca Village Gate foi inaugurado em 2011 com uma área total de 12.480 m² distribuídos em três níveis: estacionamento no subsolo; uma área comercial no térreo; e um piso de escritórios no primeiro andar. Do total da área, aproximadamente 3.000 m² são destinados espaços públicos e pontos de encontro.35

O novo centro de comércio e serviços foi construído visando os novos pro-jetos residenciais em desenvolvimento em paralelo com a Viale Sarca, perto do futuro Parco delle Magnolie, onde serão ligados ao centro do Bicocca Village com circuitos para pedestres e ciclovia.36 Porém, segundo Livia Piperno, apesar de estar em pleno funcionamento, o shopping permanece pouco frequentado e por isso o empreendimento não vai muito bem. Com a chegada do metrô a Prelios, espera-se uma mudança significativa que finalmente alavanque o número de usuários.37

Até hoje se encontra terrenos vazios dentro da área de Bicocca. Em frente ao HQ Pirelli, por exemplo, existe um terreno enorme onde foi planejada a construção de um hospital, que nunca saiu do papel. E agora, em projetos re-

35. Prelios Properties & Project Management. Disponível em: www.preliosproperty.com/eng/case-histories/sviluppo-gestione-centro-commerciale.asp36. LOMBARDINI VENITUDE. Bicocca Village Gate. Disponível em: <www.lombardini22.it/progetto-en/bicocca-village-gate-2?lang=en>.37. Dados obtidos em entrevista com a Sra. Livia Piperno, Diretora de Planejamento Urbano e licenças de construção na empresa Prelios, realizada na sede da empresa, em Bicocca em 17/04/2013.

Imagem 156 - Teatro degli Arcimboldi. Imagem 157 - Bicocca Village.

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centes já se discute a possibilidade da construção de torres de escritórios.38

aCessOs e transPOrte COletivO

A área metropolitana de Milão é um importante hub nacional de fluxos econômicos e de produção. Com o intuito de fortalecer seu apelo e atrativi-dade no contexto europeu, tem passado nos últimos anos por grandes transfor-mações infraestruturais, uma vez que a acessibilidade e a mobilidade são fatores essenciais. Por isso, a cidade e a região estão investindo constantemente em obras voltadas para a mobilidade e melhoria do transporte público local, assim como acontece em Bicocca.

A Estação de trem El Greco – que desde 1957 já havia sido batizada pela administração ferroviária como El Greco-Pirelli – já fazia a ligação desta área com o centro de Milão.39 Quando iniciado o projeto, essa ferrovia norte-sul era a única alternativa sobre trilhos às estradas para ligar Milão à região Norte. Além da modernização da estrada férrea já existente, o projeto urbanístico previa uma nova linha de metrô no sentido leste-oeste, transformando El Greco em importante nó conector.40 No âmbito local, para melhorar a circulação de pedestres, Gregotti desenhou a partir da estação El Grego uma passarela que cruzava a linha férrea tornando a área acessível para a população residente ou para as pessoas que tinham como destino o outro lado da ferrovia. No decorrer dos anos, durante o projeto e a construção da nova Bicocca, as ambições dos planos diminuíram e as duas intervenções não foram construídas até hoje. A nova linha de metrô sequer aparece no mapa de futuras ampliações do metrô milanês.

Com o projeto de renovação, a área frontal da estação El Grego foi redesenhada e transformada em uma praça que tem como eixo a Via Emanuelle. Esta é uma das principais vias de Bicocca, pois é por ela que transita a linha de tram que liga a estação ao centro de Milão e por onde se faz a conexão leste-oes-te com as principais rodovias que dão acesso ao norte da Europa.

Porém, além do trem, do tram e de algumas linhas de ônibus, o metrô é a grande aposta da Prelios para conectar rapidamente Bicocca a Milão. Com pelo menos um ano de atraso, a linha de metrô lilás – ou M5, que cruza com a

38. La Bicocca viene completata in puro stile Gregotti. Milão, 13 de outubro de 2008. Disponível em: <www.02blog.it/post/3536/la-bicocca-viene-completata-in-puro-stile-gregotti>.39. PIRELLI. 1985: nasce Progetto Bicocca. Disponível em: <www.pirelli.com/corporate/it/company/history/architetture/progetto_biccoca/default.html>.40. Dados obtidos em entrevista realizada pela autora com o arquiteto Vittório Gregotti em 18/04/2013 em seu escritório, no centro de Milão.

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amarela (M3) na estação Zara – foi inaugurada apenas em 2013 e é a primeira totalmente automática, sem condutor e com sistemas de ponta. A cidade investiu pesado em campanhas de divulgação onde os slogans propunham: “Give me 5” e “M5 é de vocês”, pois a intenção era incentivar os cidadãos a deixar seus carros em casa para utilizar a linha lilás.41 Levantamento realizado após três semanas de funcionamento constatou que Bicocca é a segunda estação mais movimentada da nova linha e, em relatório técnico emitido pela ATM42, foi promovida a top em pontualidade.43

41. ASCIONE, Adriana. Linea 5 della metropolitana, in arrivo il 20 gennaio il primo viaggio della ‘lilla’. Milão, 20 de janeiro de 2013. Disponível em: <www.02blog.it/post/16161/linea-5-della-metropolitana-in-arrivo-il-20-gennaio-il-primo-viaggio-della-lilla>.42. Fundada em 1931, Azienda Trasporti Milanesi é uma sociedade anónima de propriedade do Município Milan e é responsável pela administração do transporte público na capital Lombardia e em 51 cidades do interior, servindo uma área com uma população de 2,6 milhões de pessoas. Hoje ATM é uma empresa que projeta e gerencia serviços e sistemas de hi-tech para o transporte sustentável. Para otimizar a gestão dessas atividades e oferecer um serviço capaz de satisfazer as necessidades da comunidade, a empresa foi reestruturada como um grupo em 1 de Janeiro de 2007, com nove empresas liderado pela controladora SpA ATM.43. TRABUCCHI, Marco. Metro 5: Exame passada. Milão, 03 março de 2013. Disponível em: <www.02blog.it/post/20777/metro-5-esame-superato>.

Imagem 159 - Mapa de transporte sobre trilhos de Mião atualizado em 2013, onde se encontra a estação de trem El Greco e a linha lilás com a estação Bicocca.

Página anterior:Imagem 158 - Vittório Gregotti, explicando sobre as conexões propostas em projeto.

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Imagem 161 - Linha de TRAM. Imagem 162 - Estação de metrô da linha lilás.

Página anterior:Imagem 160 - Via Emanueli, com sua linha de TRAM.

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leis, viAbilidAde institucionAl e econômicA, gestão, investidores e pArceriAs

Para a obtenção de um novo visual baseado nas intervenções de desenvolvi-mento urbano a partir do projeto Bicocca-Pirelli, foi aprovada em 1977 uma nova lei onde se regulavam acordos econômicos entre a Pirelli e a prefeitura. Nestes acordos prevê-se o critério de contrapartida e o pagamento de emoluentes para a prefeitura na obtenção de concessões de construção, como foi o caso, por exemplo, das grelhas de ventilação dos subsolos, instaladas em algumas calçadas. Através de um grande acordo com grupos políticos foi possível definir diretrizes estratégicas de potencial e de desenvolvimento para esta área, seguidas pelo projeto de Gregotti.

Como é típico em operações urbanas em vários países, o Plano Diretor necessário para a criação da nova Bicocca não se submetia às mesmas leis, nor-mativas técnicas e critérios do planejamento urbano da cidade. Por isso foi criada a Zona Z4 Bicocca, que regulava a ocupação específica da área.44

Para a viabilização de Biccoca, em especial pela sua imensa área, foram imprescindíveis as parcerias entre o setor público e privado através de uma série de negociações ainda na fase de decisões de suas funções urbanas. Este trabalho em conjunto possibilitou uma área que beneficiou a todos os agentes econômicos e ainda abriu as portas para novos serviços e empregos no distrito requalificado.

O primeiro de muitos acordos, o chamado Quadro de Convenção45, foi assi-nado em 24 de janeiro de 1990 e regulava as relações entre o município e o in-corporador no que diz respeito à realização de obras públicas e privadas. Através dele a Pirelli assume a gestão de todo processo de conversão da área, garantin-do às autoridades do município a presença de apenas uma entidade na imple-mentação de todas as obras públicas. Entre outras coisas, a Convenção ratifica: a) a necessidade de contato e comunicação contínuos entre a companhia e os gabinetes técnicos municipais competentes para o desenvolvimento dos projetos de obras de urbanização primárias e secundárias (estradas, redes tecnológicas, serviços públicos, áreas verdes e equipamentos); b) a recuperação da terra pela empresa privada com seus próprios recursos, em simultâneo com o desman-

44. GUERRA, Abilio; MENDES, Tatiana M. Dolci. Intervenções em áreas degradadas: Bicocca, Milão, Itália. Relatório Interno de Pesquisa. Campinas: PUC-Campinas, 2005.45. No original: Framework Convention.

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telamento de plantas e da demolição de edifícios, constantemente monitorados pelos escritórios técnicos municipais; c) a colaboração entre a empresa privada e as entidades públicas responsáveis pelo desenvolvimento do projeto preliminar de meios de transporte público de superfície, que mais tarde foi implementado através do tram, construído por investidores privados com recursos próprios.

O concurso de arquitetura e urbanismo foi gerido diretamente pela Pirelli graças a esta primazia conquistada com o acordo. Como havia diversas empre-sas pertencentes ao Grupo Pirelli – Industrie Pirelli Spa., Pirelli Coordinamento Pneumatici etc. – com o título de propriedade da área, uma nova empresa foi criada desde o início: Progetto Bicocca, com controle exclusivo da corporação Grupo Pirelli.

A Pirelli tinha recebido de seus acionistas um mandato para a operação do projeto através de suas próprias estruturas de gestão de ativos e as empresas do grupo que prestavam serviços. A experiência adquirida ao longo do tempo com a experiência Bicocca permitiu a Pirelli, mais tarde, exportar esse modelo de negócio para outros empreendimentos imobiliários importantes na Itália e no exterior.

Contudo, com a crise de 1991, após fracassada aquisição do Grupo Conti-nental pela Pirelli, o Grupo Pirelli não tinha condições de investir sozinho em um projeto deste tamanho. Assim o projeto Gregotti foi dividido em vários blocos com funções homogêneas – cada bloco foi relacionado a um SPV (Special Purpose Ve-hicle), ou seja, a um objetivo específico – e foram convocados novos investidores, sendo a operação ainda controlada pela Pirelli RE como acionista minoritário. A empresa imobiliária do grupo, que já existia desde o início do século vinte e tinha exercido atividades imobiliárias modestas em relação aos imóveis de propriedade do grupo industrial, assumiu a gestão do Projeto Bicocca e, mais tarde, foi no-meada Pirelli & C Real Estate.

O empreendimento atraiu recursos da maioria das grandes empresas italia-nas e internacionais, somando um subsídio de 2,450 bilhões de euros até 2005, o que demandou em enorme esforço gerencial. A Agenzia Sviluppo Nord Milano ou Agencia de Desenvolvimento do Norte de Milão (ASNM) foi a responsável pela articulação entre os âmbitos público (o município de Milão) e privado (Grupo Pirelli).46

46. GUERRA, Abílio. ; MENDES, Tatiana Dolci. Intervenções em áreas degradadas: Bicocca, Milão, Itália. Relatório Interno de Pesquisa. Campinas: PUC-Campinas, 2005.

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Desde 1996 a ASMN foi a responsável pela reconversão industrial da área norte de Milão, essencial após o fechamento de muitas indústrias na década de 1990. Em 2005, ela foi incorporada pela Agencia de Desenvolvimento Mi-lano Metrópoli, uma organização de articulação regional criada pela Província de Milão, da Câmara de Comércio, juntamente com alguns municípios para melhorar e promover o desenvolvimento sustentável na região metropolitana, com ações de desenvolvimento econômico e social dentro de uma ótica de governança, unindo o capital público (principalmente) com o privado.47 Segundo Daniela Maria Eigenheer e Nadia Somekh, esta organização promove:

“ações de desenvolvimento territorial (ações de marketing territorial e de comunicação); suporte a setores econômicos estratégicos (traçar planos para apoiar negócios em diferentes setores importantes para a área e ações de re-industrialização, micro e pequenas empresas); projetos de desenvolvimento urbano para dar suporte às agências locais com seus planos de reconversão de instalações industriais abandonadas a fim de garantir os objetivos e a qualidade das intervenções”.48

Segundo dados da Prelios, até 2008 os investimentos privados nacio-nais e internacionais somados chegavam a 2,1 bilhões de euros e mais de 600 milhões eram estimados para sua conclusão. Esta foi uma iniciativa que sustentou enormes custos para a construção de obras públicas e de urbanização, com uma estimativa de custo de conclusão de 125 milhões de euros. O valor das obras já realizadas já ultrapassou o valor de 100 milhões de euros, dos quais 20 milhões apenas para a nova linha de bondes.49

47. MILANO METROPOLI. Agenzia di sviluppo. 2011. Disponível em: <www.milanomet.it/it/chi-siamo/milano-metropoli-agenzoa de sviluppo.html>.48. EIGENHEER, Daniela Maria; SOMEKH, Nadia. Projeto Urbano e inclusão social: Milão-Pirelli La Bicocca. Óculum Ensaios, Campinas, n. 16, FAU PUC-Campinas, jul./dez. 2012, p. 18-27.49. Informações obtidas através de entrevista junto a arquiteta Lívia Piperno, Chefe de Planejamento Urbano e licenças de construção da Prelios, realizada em 17/04/2013.

Imagem 163 - Nova linha de tram, com a antiga estação de trem ao fundo, ainda em funcionamento. Imagem 164 - Linha férrea murada no trecho de Bicocca.

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reAlidAde AtuAl pós-uso

Quinze anos após a chegada dos primeiros moradores já é possível fazer uma avaliação geral da realidade pós-uso do Projeto Bicocca. Com uma área de 960,000 m², é considerado o maior projeto de transformação urbana da história da Itália e o segundo na Europa, logo após o projeto de renovação de Berlim.50

A qualidade do projeto urbano e da arquitetura é de alto nível, que sur-preende ainda mais ao vivo do que nas publicações em artigos e livros. Com a criação de espaços públicos, novas áreas verdes, caminhos alternativos para pedestres e edifícios bem planejados, Gregotti aportou na área grande qualidade urbana, respeitando e enfatizando com sucesso a memória industrial e o patrimô-nio histórico de Bicocca.

Por outro lado, sua ocupação não atendeu às expectativas dos gestores privados. Passou por um processo de ocupação residencial lenta e até hoje não foram construídos todos os edifícios planejados no projeto original. Em 1997, quando Bicocca começa a ser habitada e a universidade já funcionava com 20.000 estudantes, Marisa Barda escreveu que mesmo com esta grande movi-mentação de pessoas, Bicocca continuava a ser um apêndice na cidade e mesmo do bairro onde se implantava, pois ainda não estava completa. Em sua opinião, a população de estudantes apenas substituiu os contingentes de operários que para lá se dirigiam para trabalhar nas indústrias da Pirelli.51

Em visita a área em reunião com a equipe da Prelios foi possível observar que, ainda hoje, Bicocca continua com terrenos vagos e não é considerada pelos próprios habitantes e usuários uma segunda centralidade da cidade de Milão. E, apesar de atrair uma grande população usuária com sucesso, em especial devido aos centros corporativos, de pesquisas e instalações universitárias, no que diz res-peito à habitação a área não é considerada atrativa ou convidativa. Por este mo-tivo, muitos usuários preferem ainda morar em Milão, embora residir em Bicocca seja bem mais barato que no centro e a distância seja de apenas 10 km. Desta foram, fora do horário de pico – onde a movimentação de pessoas, em especial executivos e estudantes, é intensa – as ruas ficam muito calmas e até inóspitas em alguns trechos.

50. Dados disponíveis pelo site: <www.en.wikipedia.org/wiki/Bicocca_(district_of_Milan) >.51. BARDA, Marisa. A importância da arquitetura vernacular e dos traçados históricos para a cidade contemporânea. Dissertação de mestrado. Orientador Paulo Júlio Valentino Bruna. São Paulo, FAU USP, 2007.

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Por se tratar de um bairro universitário era de se esperar que fosse comum encontrar espaços movimentados, com ruas, lojas, bares e cafés transbordando de estudantes. Não deixou de ser uma decepção pessoal ver uma área tão bem planejada e esteticamente agradável – tão acima do padrão brasileiro – pouco usada e, em alguns momentos, vazia. Ou seja, a qualidade do desenho urbano, mesmo quando implantado, não é suficiente para torná-lo um lar.

Também vale reiterar que, mesmo amparada por inúmeras qualidades pro-jetuais, Bicocca tem uma relação tênue com o entorno, onde grades e o grande morro estabelecem barreiras não convidativas ao intercâmbio. A aparente des-consideração com o entorno imediato teve como resultado a ausência de grandes melhorias para as localidades lindeiras, ao contrário do que aconteceu em Maas-tricht onde a própria população começou a melhorar suas fachadas graças à bem vinda valorização trazida pela implantação do projeto urbano. E a ferrovia, mesmo com esforços projetuais, permaneceu murada e sem nenhuma ligação com o lado oposto. Do ponto de vista de sua inserção urbana, Bicocca se porta como uma ilha de saber e tecnologia inserida em uma região ainda degradada, tanto social com ambientalmente.

Do ponto de vista corporativo, a equação é mais feliz, pois o Grupo Pirelli, empresa sediada em Bicocca desde a sua fundação, está decidido a manter sua sede nesta área, onde mantém também atividades de produção, laboratórios de pesquisa e serviços. Com isso, a empresa continua se expandindo com sucesso, com a construção de novos prédios voltados às novas demandas e necessidades. Com o aporte dado pela Pirelli, Bicocca se valorizou e atraiu outros investidores e, consequentemente, novas construções para seu interior e entorno próximo. Prédios relativamente novos e outros em construção são facilmente vistos em uma breve caminhada.

Faz sentido, portanto, que Marisa Barda tenha chamado Bicocca de apêndice. Trata-se de um território que não se costura com o restante, um anexo que, apesar de toda a transformação sofrida, continua – mesmo que agora de forma mais sutil – configurado como propriedade privada, como na época da antiga fábrica.

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bAlAnço

O Projeto Bicocca, apontado como uma referência na área de renovação de áreas deterioradas, é considerado bem sucedido tanto pela qualidade geral de seu projeto urbano como pelo processo geral de gestão que, diferente dos proje-tos de St. Jean e Céramique, foi completamente dirigido pela iniciativa privada, representada pela Pirelli, proprietária da área.

Como chamariz, associados ao Teatro Scala II e ao centro de tecnologia, está o projeto urbano assinado por Vittorio Gregotti. Este reserva muitas qualidades no desenho urbano e na arquitetura dos edifícios, formando um conjunto coeso e coerente com o conceito proposto e criando um trecho de cidade de forma geral muito agradável. Entretanto, é possível supor que a presença de um núme-ro maior e diversificado de profissionais participantes no desenho urbano e dos edifícios, favoreceria as trocas de experiências e minimizaria os problemas levan-tados e discutidos anteriormente.

Bicocca simboliza tanto a renovação como a tradição do Grupo Pirelli, mas é evidente que os interesses econômicos da corporação sempre prevaleceram. Se é certo que conservou parcela considerável do patrimônio histórico industrial, a decisão foi tomada mais por ser conveniente financeiramente aproveitar ao máxi-mo as construções existentes do que para preservar sua própria história. Também não foi uma decisão ancorada em desejos coletivos, pois os edifícios mantidos foram escolhidos em comum acordo entre a Pirelli e Gregotti Associati52, sem a participação da municipalidade ou da população.

Este foco essencialmente corporativo explica também porque as ruas ficar-am tão frias e pouco convidativas. É possível verificar que em depoimentos e na própria entrevista realizada que o arquiteto estava atento ao problema e fez algu-mas tentativas de conectar o entorno, como é o caso da transposição da ferrovia e da Viale Sarca, onde a rampa proposta ficou incompleta. Contudo, seu insucesso é visível quando se constata que Bicocca não permeia o entorno.

Não é difícil concluir que as solicitações do cliente se voltava para seus própri-os interesses. Trata-se de um projeto para uma área originalmente privada, con-tratado e dirigido 100% pelo mesmo gestor privado para mudar a imagem de uma região de sua propriedade, com o objetivo de transformar a localidade em

52. Dados obtidos em entrevista realizada pela autora com o arquiteto Vittório Gregotti em 18/04/2013 em seu escritório, no centro de Milão.

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um espaço atrativo, aumentando o valor da terra, que depois seria incorporada e vendida pela própria empresa! Temos evidente todo um esforço para induzir a valorização imobiliária, o que vem de encontro com a nova postura incorporado-ra da Pirelli.

Neste contexto, ao invés de se promover sua inclusão, o entorno permanece degradado. As barreiras que inibem as trocas entre as populações e o uso comum dos novos espaços somente acentua essa questão. Assim, a diferença social de quem mora dentro e fora de Bicocca parece se ampliar cada vez mais. A inclusão social e espacial, quando existiu, foi apenas parcial em relação ao seu potencial: por um lado, houve sim a preservação do patrimônio e a criação de trabalho e renda graças às novas empresas e laboratórios; por outro lado, ficou devendo na participação democrática da população em sua formulação e na inibição de um uso mais universal de seus belos espaços públicos.

O que se visa fundamentalmente com o esta intervenção é o grande po-tencial de valorização gerado pela mudança da função original da área para transformá-la em um parque tecnológico, com retorno financeiro direto para o setor privado que é ao mesmo tempo, proprietário e incorporador da área. Desta forma, é difícil concordar com a afirmação de Daniela Maria Eigenheer e Nádia Somekh de que “o Projeto Pirelli La Bicocca é um caso exemplar de inclusão”.53

Como muitas outras intervenções com esta configuração – que têm por obje-tivo a produção de um local de sucesso para escoamento do excesso de capital, com o intuito de trazer novos negócios e oportunidades financeiras – em Bicocca, os benefícios sociais não entraram profundamente na equação, confirmando di-versas das observações feitas por Otília Arantes, Peter Hall e Ermínia Maricato, discutidas na introdução desta dissertação. Seguindo o escopo do cliente, criou-se uma grande ilha qualificada, que continua se expandindo e promovendo frag-mentação social ou, como diria Otília Arantes, uma gentrificação estratégica.54

No que diz respeito aos âmbitos público e privado, a PPP – apesar das fortes pressões sofridas desde o início, que provocaram mudanças no escopo do con-curso e nas funções e usos do local – conseguiu executar o projeto urbano. Mesmo que todo o processo tenha funcionado de forma lenta na busca de um entendi-mento entre os agentes, a realização de um projeto coeso prova que, de alguma forma, o Estado cumpriu sua função de regulador.

53. EIGENHEER, Daniela Maria; SOMEKH, Nadia. Projeto Urbano e inclusão social: Milão-Pirelli La Bicocca. Óculum Ensaios, Campinas, n. 16, FAU PUC-Campinas, jul./dez. 2012, p. 18-27.54. ARANTES, Otília Beatriz Fiori. Berlim e Barcelona: duas imagens estratégicas. São Paulo, Annalume, 2012, p.11.

Página seguinte:Imagem 165 - Vista aérea de Bicocca com o entorno em 2008.

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Contudo, se for levado em consideração que um projeto deste porte, com a participação do poder público, deveria ter como objetivo maior o benefício cole-tivo e a melhoria da qualidade de vida da população, o balanço final não pode ser positivo. Para a Pirelli, Bicocca foi uma grande oportunidade de transformar sua antiga área obsoleta e dar início a um novo ramo de negócios voltado a incorporação que, mais tarde, se tornaria um modelo de negócio a ser aplicado em outros empreendimentos imobiliários importantes na Itália e no exterior. O que não deixou de ser uma grande jogada, pois se aproveitou do incentivo do município para renovar a atuação da empresa, agora também grande incorpo-radora. Contudo, para a municipalidade e para a população moradora poderia ter sido melhor.

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CONCLUSÃO

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os três projetos urbanos estudados, ladeados por outros exemplos euro-peus, fazem parte de um panorama histórico bem específico – de integração da União Europeia – onde, a partir de 1990, o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional passou a investir em projetos que solucionassem de forma inovadora os problemas de esvaziamentos urbanos, incluindo regenerações industriais e infraestruturas de transporte, com o objetivo de minimizar as diferenças econômi-cas e sociais entre os países, melhorar as condições ambientais e promover ativi-dades que gerassem inclusão social, emprego e renda nos países membros.

A análise de seus resultados é essencial para o desenvolvimento e sucesso dos projetos urbanos contemporâneos. Apesar de todos os casos estudados – em distintas realidades, cidades e países – serem considerados bem sucedidos por sua implantação efetiva, podemos encontrar diferentes graus de sucesso no que se refere ao desenvolvimento local em paralelo a uma maior inclusão so-cial. Nestes casos, o espaço público é tratado de forma prioritária, o patrimônio histórico merece a atenção preservacionista, as novas oportunidades incentivadas são a que promovem a geração de emprego e renda, a participação da popu-lação na formulação de ações e projetos é incentivada, e o item mais importante do projeto urbano é a reintegração do tecido antes dilacerado à cidade.

A valorização do espaço público é quase uma regra para os projetos urbanos que têm por objetivo mudar a imagem de um trecho de cidade, uma vez que, ao qualificá-lo, valorizam ao mesmo tempo o espaço privado. Este processo é evidente em Bicocca e Maastricht, onde se verificou uma ampla gama de praças, parques e áreas verdes, com térreos que são em sua maioria permeáveis para livre circulação; no caso de St. Jean, o projeto foi concebido quase em sua totali-dade como uma grande praça, promotora de encontros e trocas.

Segundo Nadia Somekh, “projetos urbanos que privilegiam espaços públicos de qualidade se tornam inclusivos na medida em que são priorizados e privile-giados”.1 Porém, em Bicocca não funciona bem desta forma: apesar de apresen-

1. EIGENHEER, Daniela Maria; SOMEKH, Nadia. Projeto Urbano e inclusão social: Milão-Pirelli La Bicocca. In Óculum Ensaios, Campinas, n. 16, FAU PUC-Campinas, jul./dez. 2012, p. 27.

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tar muitas áreas livres para a vivência coletiva, nem todas são inclusivas, como é o caso do mirante que separa Bicocca da vila operária e da área verde em frente a Viale Sarca, onde se situa o Residencial Esplanade – ambos nas bordas do projeto de Vittorio Gregotti.

A preocupação com o patrimônio histórico em Maastricht é sutil, mas pre-sente; os poucos edifícios preservados somados aos trechos da antiga muralha medieval e do muro da fábrica foram mantidos para relembrar uma parte da história da cidade. Por outro lado, em Bicocca assume-se uma postura conser-vadora mais forte, uma vez que guarda, mais do que a memória industrial, a lembrança de um tempo áureo da própria Pirelli que, ainda proprietária da terra, teve participação direta na escolha do que seria mantido.

Em todos os casos encontramos com sucesso a geração de emprego e renda com instalações que vão desde pequenos ateliês, como em St. Jean, até grandes multinacionais, como acontece em Maastricht e Bicocca.

A implementação de novas construções tem como denominador comum a implantação de áreas de uso misto e, nos casos de Maastricht e Bicocca, encon-tram-se complexos residenciais que abrigam diferentes faixas de renda, sendo uma porcentagem delas subsidiada pelo governo.

Em Maastricht e Genebra observa-se grande participação popular no pro-cesso de formulação dos projetos urbanos. Assim, nota-se que os habitantes, quando se sentem incluídos, abraçam os valores civis e valorizam o espaço tanto no decorrer como após a implantação, gerando boas condições de manutenção. Como consequência, em ambas as cidades assistimos à recuperação das facha-das do entorno, assim como o surgimento de pequenos negócios. Em contrapon-to, em Bicocca toda a formulação foi feita sem a consulta ou participação da população e da municipalidade, apenas gerida pela iniciativa privada represen-tada pela Pirelli, que era a proprietária da terra.

Desde a idealização do projeto urbano, a postura do gestor e seus objetivos constroem distintos processos de parcerias público-privado e, consequentemente, projetos urbanos completamente diferentes – como aconteceu em Céramique e Bicocca, ambos antigos pátios industriais. Assim, podemos destacar duas postu-ras distintas quando se está em questão o processo de gestão, uma tendo a frente o poder público, outra, a iniciativa privada.

Em Céramique, sob as fortes rédeas do gestor público, regras bem definidas foram acordadas na PPP durante o desenvolvimento do projeto urbano, o que gera confiança na parceria e segurança para todos atores envolvidos. Assim, o Estado passa aos investidores privados a necessária segurança para viabilizar

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o empreendimento e ao mesmo tempo garante os direitos da sociedade, com limites de ação do capital imobiliário. Processo parecido se deu em St. Jean, em uma proporção bem menor, devido a escala reduzida da intervenção. Neste modelo os projetos são locais e voltados para atender diretamente a própria população, sem grandes pretensões de atração de investimentos, publicidade ou turismo.

Quando existe uma boa PPP, como nos casos acima, fica amparada a quali-dade do projeto urbano, garantindo a existência dos espaços públicos significati-vos em harmonia com as expectativas do setor privado e melhorando a qualidade não apenas do espaço, mas da vida dos habitantes locais, através da inclusão social e ambiental.

Este panorama se traduz em um projeto minimamente democrático, tanto do ponto de vista do projeto, como do processo: preocupado e transparente com os diferentes atores participantes. Como consequência, obtém-se a renovação do entorno e, assim como em St. Jean, a valorização não apenas as ruas lindeiras, mas do novo bairro, atraindo benefícios radiais para toda a cidade. Alguns deles ocorrem por iniciativa espontânea da própria população que, envolvida no pro-cesso, renova e mantém as fachadas voltadas para a nova área.

Por outro lado, o projeto de Bicocca foi formulado e gerenciado dirigido pela iniciativa privada, que tinha como objetivo a renovação da área como um sím-bolo de renovação da própria Pirelli, agora dedicada também ao ramo da incor-poração. O projeto urbano, por sua vez, reflete os prioritariamente os interesses empresariais, sendo menores e difusos os benefícios para a população.

Ao contrário de Maastricht, em Bicocca a configuração da gleba privada nunca se perdeu, postura clara no desenho urbano de não se articular de forma orgânica com o entorno. Desta forma, enquanto em Céramique o antigo muro da fábrica é perfurado ou completamente vazado, em Bicocca encontramos um jardim gradeado que isola o entorno e inibe o convívio entre as pessoas que moram dentro e fora do Projeto Bicocca. Assim, podemos afirmar que, apesar da renovação do território, com a costura do tecido urbano inconclusa, não se promoveu ali a inclusão socioambiental.

De qualquer forma, todas estas intervenções só foram possíveis atravessando diversas administrações públicas, situação praticamente inexistente no Brasil no que diz respeito a projetos urbanos deste tipo.

Por fim, mesmo constatando a riqueza da qualidade dos projetos urbanos, é possível afirmar que a presença de uma equipe de diferentes profissionais en-riquece ainda mais o processo de criação. A elaboração de um território mais

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complexo e uma arquitetura mais rica na diversidade arquitetônica é mais factível quando resultante das trocas e aprendizado coletivos, como aconteceu em Maas-tricht. Apesar do trabalho em equipe ser mais demorado e difícil de gerenciar – inevitável diante da necessária síntese entre opiniões distintas –, os benefícios para o projeto e para todos arquitetos e demais profissionais envolvidos são notáveis. Este tipo de união possibilita também mais força na conquista dos ideais do pro-jeto e, quando necessário, pode ajudar a persuadir ou mudar a mentalidade de governos, políticos e empreiteiros. Afinal este é um dos papeis do arquiteto; não é fácil, mas compensa.

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Page 200: Projetos urbanos

199

LISTA DE IMAGENS

ApresentAção

1. Entrevista com Jo Coenen em Céramique. Em caminhada pela área, cafeteria Coffe Lovers e livro autografado. Fonte: Fotos da autora em abril de 2013.

2. Entrevista com Pierre Bonnet em seu escritório de Genebra. Fonte: Fotos da autora em abril de 2013.

3. Entrevista com Gregotti, em seu escritório de Milão. Fonte: Fotos da autora em abril de 2013.

Introdução

4. Ruína industriais em Montreal, Canadá. Fonte: Foto Maxe Fishe.5. Degradação do bairro industrial do Raval em Barcelona, Espanha. Fonte:

Foto Affonso Orciuoli.6. Ruínas industriais na Barra Funda, São Paulo. Fonte: Foto Nelson Kon.7. Planta industrial abandonada na divisa de São Paulo e São Caetano do

Sul. Fonte: Foto Nelson Kon.8. Porto Madero antes da reciclagem de uso, Buenos Aires. Fonte: Foto sem

autoria. Acervo Jorge Francisco Liernur.9. Museu D’Orsay, Paris. Fonte: www.turismo.culturamix.com/atracoes-turis-

ticas/museu-de-orsay10. Museu D’Orsay, Paris. Fonte: www.vistasimprevistas.blogspot.com.

br/2012/05/25-de-setembro-paris-museu-dorsay.html11. Museum für Gegenwart, Berlim. Fonte: www.stay.com/berlin/muse-

um/15228/museum-fur-gegenwart-hamburger-bahnhof/12. Museum für Gegenwart, Berlim. Fonte: www.artschoolvets.com/tag/mu-

seum-fur-gegenwart/13. Vista aérea da Ponte Erasmus, ligando as 2 margens do rio Maas em

Roterdã. Fonte: site www.nl.wikipedia.org/wiki/Bestand:Rotterdam_Erasmusbrug_Kop_van_Zuid_20050928_40201.JPG

Page 201: Projetos urbanos

200

14. Vista aérea do Hackeschef Markt, em Berlim. Fonte: ://apartmentber-lincentre.wordpress.com/2010/05/07/panorama-apartment-berlin-city-cen-tre-hackescher-markt-vacation-rentals-berlin-holiday-rentals-berlin-vaca-tion-home-berlin-holiday-home-berlin-holiday-accommodation-berlin/11-pan-oramic-view-from-the-24th-floor-of-the-tower-building-on-the-hackescher-markt-vacation-rental-berlin/ Visitada em 28/05/2012

15. Passagens sob a linha férrea próximo a Hackeschef, em Berlim. Fon-te: site Panorâmico/Fotógrafo: André TItze no site: ://apartmentberlincentre.wordpress.com/2010/05/07/panorama-apartment-berlin-city-centre-hacke-scher-markt-vacation-rentals-berlin-holiday-rentals-berlin-vacation-home-ber-lin-holiday-home-berlin-holiday-accommodation-berlin/11-panoramic-view-from-the-24th-floor-of-the-tower-building-on-the-hackescher-markt-vacation-rental-berlin/. Visitada em 28/05/2012.

16. Ocupação comercial sob a linha férrea próxima a Hackeschef, em Ber-lim. Fonte: Google Streetview - 143 Dircksenstraße, Berlin, Alemanha. Visitada em 18/04/2012

17. Edifício do MIT, em Chicago, construído integrando a linha férrea já ex-istente. Fonte: www.arcspace.com/architects/koolhaas/McCormick-Tribune/ Visit-ado em 20/05/2012

18. Mapa geral de Battery Park. Fonte: www.facebook.com/pages/Bat-tery-Park-City-Manhattan/138455282845680?nr

19. Vista aérea de Battery Park. Fonte: //www.thebattery.org/the-battery/20. Promenade de Battery Park. Fonte: www.levelgroup.com/neighborhoods/

battery-park-city-apartments21. Mapa das Docklands. Fonte: www.planetware.com/map/london-dock-

lands-map-eng-lndock_e.htm22. Mapa das Docklands. Fonte: www.cruises.about.com/od/seabournso-

journ/ig/Seabourn-Sojourn-Outdoors/Seabourn-Sojourn-in-London.htm23. Mapa Zac Seine Rive Gauche. Fonte: www.parisrivegauche.com/Pro-

jets-et-realisations24. Trecho Tolbiac da ZAC Seine Rive Gauche, copm a biblioteca Nacional da

França. Fonte: www.parisrivegauche.com/Projets-et-realisations/Le-secteur-Tolbi-ac

25. Centro George Pompidou. Fonte: www.fliparch.com/architect-richard-rog-ers/

Page 202: Projetos urbanos

201

26. Complexo House of World Cultures. Construído para sediar, junto com outros dois edifícios, a 1º Bienal de Berlim. Foto de Christian Beirle González. Fon-te: www.galerie.chip.de/k/architektur/architektur/haus_der_kulturen/623767/

27. Vista geral do zona central da EXPO’98. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Lisboa_-_Expo98_-_Vista_Geral.jpg

28. Capa do catálogo da 1º Bienal de Berlim. Fonte: http://www.berlinbien-nale.de

CApítulo 1: st-JeAn de GenebrA - suíçA (1992-2002)29. Croqui desenvolvido por Pierre Bonnet com o conceito detalhado do pro-

jeto de St. Jean. Fonte: Arquivo do arquiteto.30. A linha férrea antes da intervenção. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre

Bonnet.31. Durante a construção do platô. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre Bonnet.32. Croquis do arquiteto Pierre Bonnet realizados durante a entrevista feita

pela autora. 33. Croquis do arquiteto Pierre Bonnet realizados durante a entrevista feita

pela autora. 34. Croquis do arquiteto Pierre Bonnet realizados durante a entrevista feita

pela autora.35. Croquis do arquiteto Pierre Bonnet realizados durante a entrevista feita

pela autora.36. Croquis do arquiteto Pierre Bonnet realizados durante a entrevista feita

pela autora.37. Croquis do arquiteto Pierre Bonnet realizados durante a enttrevista feita

pela autora.38. O croqui-conceito de Pierre Bonnet usado no concurso. Fonte: Acervo do

arquiteto Pierre Bonnet.39. Durante o processo de implantação, com demarcação da novas con-

struções. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre Bonnet.40. Implantação Geral setorizada. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre Bonnet.41. Vista aérea do projeto implantado. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre Bon-

net.42. Equipamentos de lazer. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre Bonnet.43. Equipamentos de lazer. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre Bonnet.44. Equipamentos de lazer. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre Bonnet.45. Equipamentos de lazer. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre Bonnet.

Page 203: Projetos urbanos

202

46. Equipamentos de lazer. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre Bonnet.47. Equipamentos de lazer. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre Bonnet.48. Equipamentos de lazer. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre Bonnet.49. Mercado. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre Bonnet.50. Biblioteca. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre Bonnet.51. Vista entre os ateliers. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre Bonnet..52. Rampa de acessos para os ateliers. Mobiliário urbano desenhado por

Pierre Bonnet. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre Bonnet.53. Placa informativa com com a atual ocupação dos ateliers. Fonte: Foto da

autora em abril de 2013.54. Integração entre a grande praça e o entorno. Fonte: Acervo do arquiteto

Pierre Bonnet.55. Integração entre a grande praça e o entorno. Fonte: Foto da autora

realizada em abril de 2013.56. Sensação de continuidade. Fonte: Foto da autora realizada em abril de

2013.57. Sensação de continuidade. Fonte: Foto da autora realizada em abril de

2013.58. Bambus substituiram os edifícios não construídos no croqui de Pierre Bon-

net. Fonte: Acervo do arquiteto Pierre Bonnet.59. Com pequenos escritórios e comercios a praça e o entorno se mesclam.

Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.60. Com pequenos escritórios e comercios a praça e o entorno se mesclam.

Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.61. Permeabilidade com o entorno e pixações. Fonte: Foto da autora realiza-

da em abril de 2013.62. Novas construções sendo feitas na orla ferroviária. Fonte: Foto da autora

realizada em abril de 2013.

CApítulo 2: MAAstrItCh - holAndA (1987-1998)63. Croqui do projeto urbano Céramique. Fonte: Revista Óculum p.04/05.64. Vista aérea da antiga fábrica em 1988. Fonte: Revista Óculum pag. 4.65. Equipe de arquitetos, liderados por Jo Coenen. Fonte: Cüsters, John;

HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 52.

Page 204: Projetos urbanos

203

66. Croqui para conjunto residencial na praça norte de Céramique, na busca de conceitos inovadores. Fonte: Cüsters, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 29.

67. Croqui do arquiteto Jo Coenen onde explica o conceito do projeto, real-izado durante a entrevista feita pela autora.

68. Interior de quadra com jardins no térreo na cidade antiga. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

69. Interior de quadra com jardins no térreo em Céramique. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

70. Implantação do Projeto Urbano Céramique. Fonte: Revista Óculum pag. 69

71. A nova principal praça triangular de Céramique deveria ser a quarta praça da cidade e formaria um circuito com as demais. Fonte: Cüsters, John; HU-ISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maas-tricht Builds a Part of the City. Gemeente Maastricht, 1999, p. 80.

72. Vista de uma da praças triangulares, onde se encontra a esquerda a biblioteca de Jo Coenen à direita, ao fundo edifício residencial e corporativo de Mario Botta e a esquerda o conjunto residencial de Aurelio Galfetti com lojas no térreo. Foto de Roeljewel. Fonte: www.flickr.com/photos/roeljewel/4614691357/in/photostream/

73. Detalhe do cuidadoso trabalho em tijolos do Edifício La Fortezza, de Ma-rio Botta. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

74. Vista do Parque Charles Eyk e a esquerda conjunto residencial Stoa, de Luigi Snozzi. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

75. Vista do Parque Charles Eyk. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

76. Vista do Parque Charles Eyk. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

77. Vista do Parque Charles Eyk e sua relação com o Rio Maas. Ao fundo con-junto residencial Stoa de Luigi Snozzi e Museu Bonnefanten de Aldo Rossi. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

78. Vista do conjunto Stoa de Luigi Snozzi com o Museu Bonnefanten de Aldo Rossi ao fundo. Foto de Dieter Moller. Fonte: www.panoramio.com/pho-to/61082053

Page 205: Projetos urbanos

204

79. Vista do antigo muro da fábrica, mostrando as antigas casas do entorno e o jardim triangular criado elas elas e os novos edifícios. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

80. Vista do antigo muro da fábrica, mostrando as antigas casas do entorno e o jardim triangular criado elas elas e os novos edifícios. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

81. Vista do antigo muro da fábrica, mostrando as antigas casas do entorno e o jardim triangular criado elas elas e os novos edifícios. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

82. Desenhos de referência para o Plano Visual. Fonte: Revista Óculum p.60.83. Detalhes dos calçamentos padronizados. Fonte: Revista Óculum p.14284. Detalhes dos calçamentos padronizados. Fonte: Revista Óculum p.14285. Centre Céramique com bilblioteca, de Jo Coenen. Fonte: Foto da autora

realizada em abril de 2013.86. Vista interna do Centre Céramique com bilblioteca, de Jo Coenen. Fonte:

Foto da autora realizada em abril de 2013.87. Térreos permeáveis entre os edifícios. Fonte: Foto da autora realizada em

abril de 2013.88. Avenida Céramique: padronização revestimentos e acabamentos. Fonte:

Foto da autora realizada em abril de 2013.89. Avenida Céramique: padronização revestimentos e acabamentos. Fonte:

Foto da autora realizada em abril de 2013.90. O Biscuit Working Building, com o muro da antiga fortificação antes da

intervenção. Fonte: Revista Óculum. p. 50/51.91. O Biscuit Working Building, com o muro da antiga fortificação depois da

intervenção. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.92. O Biscuit Working Building, com o muro da antiga fortificação depois da

intervenção. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.93. Vista da nova ponte de pedestres e biciletas, iniciando na praça da Biblio-

teca. Foto de Ricardo Filho. Fonte: www.panoramio.com/photo/57018727.94. Vista da nova ponte de pedestres e bicicletas, iniciando na praça da Bib-

lioteca. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.95. Vista aérea do projeto Céramique implantado. Fonte: ://architectuurfo-

cus.ugent.be/default.aspx?ref=AEABAF&lang=EN96. Fotos do Antes. Fonte: Cüsters, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique

1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. p.13.

Page 206: Projetos urbanos

205

97. Novas relações com o entorno. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

98. Fotos do Antes. Fonte: Cüsters, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. p.11

99. Novas relações com o entorno. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

100. Fotos do Antes. Fonte: Cüsters, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. p.18.

101. Novas relações com o entorno. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

102. Novas relações com o entorno. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

103. Relação entre novas e antigas construções: as novas construções ocu-pam os antigos quintais. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

104. Rua criada pela negociação entre a prefeitura e os moradores. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

105. A praça do Centre Céramique. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

106. O antigo muro integrado a cidade. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

107. Passagem de Céramique para o bairro de Randwyck. Fonte: Foto da autora realizada em abril de 2013.

108. Croqui de Joop Slangen. Fonte: Cüsters, John; HUISMAN, Jaap. Cahiers Céramique 1+11: Maastricht Maakt een Stadsdeel. Maastricht Builds a Part of the City. p.170.

CApítulo 3: bICoCCA de MIlão - ItálIA (1985-2000)109. Imagem pertencente do projeto vencedor de autoria de Gregotti, onde

a Viale Sarca já aparece gradeada. Fonte: Arquivo Prelios.110. Relação entre a área de Bicocca e a mancha urbana de Milão. Fonte:

Arquivo Prelios.111. Propagandas da antiga fábrica da Pirelli. Fonte: www.pirelli.com/corpo-

rate/it/company/brand/advertising/default.html112. Propagandas da antiga fábrica da Pirelli. Fonte: www.pirelli.com/corpo-

rate/it/company/brand/advertising/default.html113. Propagandas da antiga fábrica da Pirelli. Fonte: www.pirelli.com/corpo-

rate/it/company/brand/advertising/default.html

Page 207: Projetos urbanos

206

114. Propagandas da antiga fábrica da Pirelli. Fonte: www.pirelli.com/corpo-rate/it/company/brand/advertising/default.html

115. Imagem da antiga fábrica da Pirelli. Fonte: Arquivo Pirelli. 116. Imagem das antigas indústrias Pirelli. Fonte: Arquivois Pirelli. Disponível

em: www.pirelli.com/corporate/it/company/history/architetture/progetto_bicco-ca/default.html

117. Imagem das antigas indústrias Pirelli. Fonte: Arquivois Pirelli. Disponível em www.pirelli.com/corporate/it/company/history/architetture/progetto_biccoca/default.html

118. A área Bicocca, em destaque na cor vermelha, mede cerca de 750 mil metros quadrados e a área Ansaldo, em destaque na cor azul, mede cerca de 250 mil metros quadrados. Fonte: Arquivo Prelios.

119. Antigas instalações da Pirelli. Fonte: Arquivo Pirelli.120. Antigas instalações da Pirelli. Fonte: Arquivo Pirelli.121. Antiga torre de resfriamento. Fonte: Arquivo Pirelli.122. Roteiro de zoneamento proposto para a segunda fase do concurso.

Fonte: Arquivo Prelios.123. Roteiro plano geral da malha viária, a localização da principais funções

e as as relações de espaço e função com o ambiente urbano circundante. Fonte: Arquivo Prelios.

124. Ocupação da antiga fábrica Ansaldo. Fonte: Arquivo Prelios125. Piano di Inquadramento Operativo (PIO) ou Plano Operacional. Fonte:

Arquivo Prelios126. Térreos livres e permeáveis nos edifícios da univesidade. Fonte: Foto da

autora em abril de 2013.127. Térreos livres e permeáveis nos edifícios corporativos. Fonte: Foto da

autora em abril de 2013.128. Praça rebaixadas de uso misto. Fonte: Foto da autora em abril de 2013.129. Praça rebaixadas de uso misto. Fonte: Foto da autora em abril de 2013.130. Praça rebaixada na área universitária. Fonte: Foto da autora em abril

de 2013.131. Piazza Difesa Per le Donne, enfrente ao edifício U7 da universidade an-

tes mobiliário urbano. Fonte: www.02blog.it/post/4594/assurdita-in-bicocca-par-te-2-la-piazzetta-meno-accogliente-del-mondo

132. Piazza Difesa Per le Donne, enfrente ao edifício U7 da universidade de-pois do mobiliário urbano. Fonte: www.02blog.it/post/5822/finalmente-razional-ita-in-bicocca-panchine-nellex-piazzetta-meno-accogliente-del-mondo

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133. Piazza Difesa Per le Donne, enfrente ao edifício U7 da universidade antes mobiliário urbano. Fonte: www.conosceremilano.it/aim/conoscere_milano/guide_bicocca/

134. Relação da praça com a Viale dell’Innovazione. Fonte: Google Street View. Foto de 12 de maio de 2012.

135. Escadaria de acesso e colunata. Fonte: Google Street View. Foto de 12 de maio de 2012.

136. Escadaria de acesso e colunata. Fonte: Google Street View. Foto de 12 de maio de 2012.

137. Vista aérea da rampa verde incompleta. Fonte: Google Earth. Foto de 12 de maio de 2012.

138. Relação da colina com a vila operária. Fonte: www.skyscrapercity.com/showthread.php?p=25974148

139. Vila operária com o morro de divisão ao fundo. Fonte: Foto da autora em abril de 2013.

140. Escada de acesso ao mirante a partir da vila operária. Fonte: www.sky-scrapercity.com/showthread.php?p=25974148

141. Encosta junto a vila operária. Fonte: www.skyscrapercity.com/show-thread.php?p=25974148

142. Relação da colina com os edifícios corporativos. Fonte: www.skyscraper-city.com/showthread.php?p=25974148

143. A área verde gradeada da Viale Sarca. Fonte: www.02blog.it/galleria/assurdita-in-bicocca-il-parchetto-dei-marciapiedi-paralleli/2

144. Escada de acesso ao mirante a partir dos edifícios corporativos. Fonte: www.skyscrapercity.com/showthread.php?p=25974148

145. Imagem pertencente do projeto vencedor de autoria de Gregotti, onde a Viale Sarca já aparece gradeada. Fonte: Arquivo Prelios.

146. Residenze Esplanade. Fonte: Fotos da autora em abril de 2013.147. Edifício de Gino Valle. Fonte: Arquivo Prelios.148. Projeto Urbano de Gregotti implantado. À esquerda encontra-se o mor-

ro e a vila operária mantida. Fonte: Arquivo Prelios.149. Implantação com a localização dos principais edifícios. Fonte: www.

conosceremilano.it/aim/conoscere_milano/guide_bicocca/150. Calçamento com ventilação para o subsolo. Fonte: Fotos da autora em

abril de 2013.151. Edifício U6 da Universidade de Milão em Bicocca, em antigo prédio in-

dustrial reaproveitado. Fonte: www.esdp-network.eu/IP-Milan-2007.php

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208

152. Vista aérea da antiga casa dos Arcimboldi, também chamada de Bicoc-ca degli Arcimboldi. Fonte: Arquivo Prelios.

153. Calçadas estreitas. Fonte: Fotos da autora em abril de 2013.154. Bicocca degli Arcimboldi renovada. Fonte: Fotos da autora em abril de

2013.155. Atual edifício de escritórios que engloba a antiga torre de resfriamento.

Fonte: www.domusweb.it/en/architecture/the-ethical-principle-of-bicocca/156. Teatro degli Arcimboldi. Fonte: www.esdp-network.eu/IP-Milan-2007.

php157. Bicocca Village. Fonte: www.itineranet.it/bicocca.php158. Vittório Gregotti, explicando sobre as conexões propostas em projeto.

Fonte: Fotos da autora em abril de 2013.159. Mapa de transporte sobre trilhos de Mião atualizado em 2013, onde se

encontra a estação de trem El Greco e a linha lilás com a estação Bicocca. Fonte: www.skyscrapercity.com/showthread.php?p=95120606

160. Via Emanueli, com sua linha de TRAM. Fonte: Fotos da autora em abril de 2013.

161. Linha de TRAM. Fonte: Arquivo Prelios.162. Estação de metrô da linha lilás. Fonte: www.02blog.it/post/20777/met-

ro-5-esame-superato163. Nova linha de tram, com a antiga estação de trem ao fundo, ainda em

funcionamento. Fonte: Arquivo Prelios.164. Linha férrea murada no trecho de Bicocca. Fonte: Arquivo Prelios.165. Vista aérea de Bicocca com o entorno. Fonte: Arquivo Prelios.