Prousit!

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PROUSIT! liqüifonia em três copas “As pessoas querem aprender a nadar e ter um pé no chão ao mesmo tempo.” Marcel Proust(1871-1922) Prelúdio: A compositora da ópera, Fernet Ribeiro, trajando terno branco e camisa vermelha bebe uma dose de cachaça e derruba outra no chão saudando a Exu Veludo e Maria Padilha: Zaybaq! Àquele andrógino que vive a noite, que nos livre das emboscadas dos gêneros e dos gênios!” Sai do palco e a cantora, Anna Maria Kieffer, entra e canta as borras do chá que toma vestida em gala. Sobre o palco se projeta a arte visual de Alessandra Galasso e ao fundo projetado um vídeo previamente realizado com o seguinte texto. Primeira Copa: Após a morte de Celeste Aurabet, sua doce e sensível empregada doméstica, Macabéa Matamoros retornou ao quarto no qual a patroa passou seus últimos dias esquecendo e escrevendo, lembrando e apagando. Trouxe consigo as pratarias e louças do café como sempre fez, sem saber bem por quê mas mais pelo tato da bandeja. Lentamente serviu o café duas vezes fervido em uma

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Ópera em três copas dedicada a Marcel Proust

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PROUSIT! liqüifonia em três copas

“As pessoas querem aprender a nadare ter um pé no chão ao mesmo tempo.”

Marcel Proust(1871-1922)

Prelúdio:

A compositora da ópera, Fernet Ribeiro, trajando terno branco e camisa vermelha bebe uma dose de cachaça e derruba outra no chão saudando a Exu Veludo e Maria Padilha:

“Zaybaq! Àquele andrógino que vive a noite, que nos livre das emboscadas dos gêneros e dos gênios!”

Sai do palco e a cantora, Anna Maria Kieffer, entra e canta as borras do chá que toma vestida em gala. Sobre o palco se projeta a arte visual de Alessandra Galasso e ao fundo projetado um vídeo previamente realizado com o seguinte texto.

Primeira Copa:Após a morte de Celeste Aurabet, sua doce e

sensível empregada doméstica, Macabéa Matamoros retornou ao quarto no qual a patroa passou seus últimos dias esquecendo e escrevendo, lembrando e apagando. Trouxe consigo as pratarias e louças do café como sempre fez, sem saber bem por quê mas mais pelo tato da bandeja. Lentamente serviu o café duas vezes fervido em uma das xícaras brancas, nas quais nunca pôde beber antes, e seguindo o último pedido da Senhora Aurabet, misturou ao café suas

cinzas mortuárias. Macabéa então tomou o café e passou a observar os desenhos formados nas borras à xícara. Aos poucos, estes começaram a se mover e ela entrando em transe viu se formar na parede de cortiça uma platéia onde todos usavam máscaras com o rosto do Mounsieur Proust. E ela cantou:

“Celeste nome, bios rara tempo gota ao vento findaSea vox melikraton saccharomyces cerevisiaeGanimedes flui a escald’lux até o limite do corpórticoPhysis eidos ethos, tales los nepós de HýdorIt begins as a swann’s song for Lady Lake, Lethé Odile dried

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Pergunta o nome do barqueiro Mar Rio Peixoto sem respostaShall not drip and drain these classwar mind gamesComo é triste ser sozinho num ambiente competitivoWhy should I be affraid of dying? There’s no reason for it too, BloomPrometheos on the rocks, paixão primeira dos abutresAmbrósia além darca, a selva gema orvalho na pena e pomba Gira os pires de porcelana te recebendo ao masAh! A vida dos outros! Os sumos de Madalena e OdetteJá não há a espera, mas insone bruscaBrilho notívago das cortísis, há águas em mim que morrem de sedeCahier Noirs em mãos de fogo, asma, sibilante tronco de pulmaObscuro salta no salto da rede de moinhos no óleo da bocaTe oferece o espiral kýkeon à kundalini, kibombo a EupalinosDreamK! Clamam as bocantes viscosas de almas úmidasAs paredes do quarto estouram feito rolhasPodes ver o mar de máquinas moles, delírio pastoso de NunCarnaval ele mesmo, Aeon chupando KronosWho would stop from brandying? Who is on top the are aim?Onde estará? Ei! Vocês viram Marcel por aqui? Batizado a ünguento oliva das copas, veias das ramagensCheiro de rum, bebiam o cadáver da avó, bebeu tambémModeração ao vinho dos amores teóricos no banqueteUm primeiro gole de cicuta, depois galo abatido e sangriaJá percebeu o quanto de paixão os livros te roubaram, Gide?Yeshwa liberado do ofício de engarrafar vinho com hóstias, cambaleiaSedento pelo mar morto bebe em romanas lupitetas, a Javista riÁgua de beber! Água de beber, camará! É embriagado, engessado, torto e mal copiadoDesce a espinhosa videira e desperta entre suas estátuas de açúcarQuando o vinho avinagrou na boca do AreopagitaE a ig’rija invernante pôs seus dementes em hábitos a gozar no subsoloPara manter o Baphomet dançando em Daath sentado sobre os folesBebendo os suores áfogo de correntereza dos tao quimistasGestando a sauna divina do órgão [TOSSIR]A vaca indiana mugiu: sei, vá por ser... veja como transbordam as válvulas peitoraisNão há tinta para marcar as escrituras no Livro de ÁguaO álcool transpirado pelos poros do pai cheiravam aos gritos da mãeBarbitúricos nos vitríolos do nigredo, o polvo disse que com a fé se enévoaDerruba um pentáculo com o vitrúvio marcadoOnde se lê em roxo sobre amarelo “Ao falar sobre a águaApresente primeiro sua experiência, só depois sua reflexão”Ou ainda que sangue verde mal absinto dos cantos da gargulantaPotamos o fermentar metabólico dos tomos, Lautrec foi-se com elasO lagarto andou sobre as águas até a boca do crocodiloJabir Geber, cachoeira de aqua régia desde a cratera lunarDesthilo as cordas puxam os magnetes a fluir os eletrosEm busca do cálice ergueriam barragens chamadas estradas e portosCavalgariam cisnes fossem corcéus marinhosAté quando gotejarão os narcisos ecos de imagens? O quarto é uma piscina no meio do mar, um nariz assoa trens a vaporAlbertti perguntava à perspectiva de outro copo: Albedo?Hangover Beethoven and dig these klangfarbentanz in blueBenjamin coleciona fotos de Marcel, lírico em épocas de passagensPara compor uma Kulturgeschichte des Wassers, Monet preferia o lago

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Os canais da arcada lembram: Ei-lo hey low... Ah! Meu primeiro porre!O que sai não é o mesmo que entra, Bocca... Palavrômito! Quando OmarEnfim repleto de aquários, como distingüiremos a água do cristal? Vas!”

Segunda Copa:No momento exato da morte de Clara Nunes, a forte e impetuosa filósofa Catherine Clément retornou às cochias da casa de ópera e vestiu-se com um uniforme de laranja mecânica. Trouxe consigo librettos, fanzines e uma garrafa de moloko sem saber bem por que mas mais pelo cheiro do papel com leite. Ligou um projetor que passava uma encenação da primeira copa da liqüifonia Prousit! Abrindo o libretto da mesma ela cortou o dedo anular. O sangue de seu dedo escorreu até o copo se misturando ao moloko. Catherine então tomou o moloko e passou a observar as estruturas da casa de ópera desmontada, das

roldanas que seguram as cortinas no ângulo da abóbada às cadeiras sobre os tapetes passando pelos parapeitos e candelabros. Estes começaram a falar-lhe coisas e ela entrando num transe dançou suavemente pelo espaço esvaziado. E ela cantou:

“Ouves? Das vigas desta ópera berra Violante: Lasciatemi more rir!Menstruação de todas las Dianas, Ariadnes e demais tóuroxs de arenaQuero beber o veneno que sai de meus lábios enquanto rego as malasComo Cobain toma ômensêmem do chefe Seattle no meio da passeataSem outro curso que destroçar das paredes, arquitetura rui fluida nostalgiaLiebestod é a finalidade secreta de ópera, Tristão... O mar é ádeus e rasteloMinha tia Ophelia gostava dos líquidos fritos, silêncios e aves ribeirasE eu via no olho de peixe da jarra metálica suas mãos molhadas Olholvidos não são adequados ao perfume, heroínoHumilha-te a Grenouille e aprendei do gelo seco o que é a caipirinhaCarmem te trocou Don José, não mirando o toureiro mas à ciranda tourearE descontrolado a apunhala pelas costas sem nem ao menos beber da feridaLava as mãos, suja o falo de merda molhada de diarréia e sai de cenaPressentindo a violência do marido, Nedda tenta escaparMas é agarrada por Canio e é esfaqueada até a morteNa alcôva, a quintessência da aguardente de maçã ao sol é descobertaDesdêmona tem a fonte de seu canto torcida por Otello no bar do hotelEm câmera lenta! Marcel se contém na dinâmica da torção do pescoçoDescreve detalhadamente a dança dos tendões e foge do toque de novoAlguém tipo assim: Que goste de beber, falar... Syd Barrett e os Beats...Sob ordens de Herodes, os escudos da falange esmagam Salomé, bandejaQuando não matam, morrem por... Homens a mar! Rilke émar e coisas são fluxosSail away away, ripples never come back. Monk atira seixos verticais destilingüe vozTosca abisma o amar rio, perante o Holandês é Senta que voa, nau que éBorboleta traveste Camusífus na questão suicídio com a espada de seu paiDiz-lhe lâmina: Morrer com... para não viver na... Seja forte, Hugo...Gilda, diante de Sparafucile [TOSSIR]...Brünnhilde se amola na pira funerária de Siegffried, onde os anéis são derretidosQuantas fogueiras erigidas por poções mágicas? Quantas bruxas, Salem?Débeis como meninos, fracos como delicados serão também evaporados no aetherCzarevichs, corcundas, excessivos, gigantes, anões, negros, estrangeiros e loucosFronteira e torneira, chuveiros de gás, querem mudar-te o líquido e o co{r}poWomen and children first! I will swallow until I burst! I jumped in the river what did I see?

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Chama Sieggfried, só por intrigas líquidas envoltas à labaredaGarçon! Alguns bebem pra lembrar, outros pra esquecer!Giorgio Germont, Felipe II, Wotan... A Rainha da Noite os aguarda!Eau! Eau! Eu serei o leiteo de morte núpcia, flauta hidráulica vertebradaA grande dilúvia virá como estrela vácua, são as portas também os poçosSaberão pelo salivar do Tigre que enfim vem a eumatres, Filiarcado na PindaíbaPalco, derrota do vitorioso, desvio para o vermelhoNem mesmo Lapis sobrevive à gota contínua dum fundo que xxx, oraOuves os cálculos dos fins reais, soror? É catarata, Gaston, catarata...Ao ver-te pressentir a própria morte, CassandraConsumada a tragédia, a platéia aplaudeMarcel?! Marcel?! Estás bem Marcel?! [SOLUÇAR]Destino infeliz da água, queda por terraOu derrota ao fogo morrendo ambos no ventoVolta a ser Marcel criança em minha frenteMija sobre si como fonte de eterna juventudeShow me the way to the next whiskie barBaumann cambaleia pela porta do saloon, eu perdi o meu medo da chuvaGiram os caldeirões de cera de todas as ValburgasZosimos agora sente o fervor nos músculosA carne é triste e eu já devorei todas até o sangueSegure Marcelle, Cranach, seu velho imprestável!O chofre passa como Alexis entre os dois cavalos de ParmênidesMeu amado o conduz ao precipício entre ossatura e peleMounsieur Proust é portas e janelas que surgem no assento atrás do teuMas o alegre ruído de teu próprio sangue não deixar-te-á ouví-lo[TOSSIR]Os tubérculos de Mimi estão impregnados nas taças de ouroFumos decantados na essência do vês céuVampiros se escondem no iluminismo dos potes de contear goteirasEnchem seu barroco de sangue, pororoca do porreAround Turner every glass of MäelstormSolidões sobre a pia, as louças sempre estarão por lavarUn reloj és una taza para té que se pone a derretir-seGoethe perguntava a Dante: Que raios disse ela a Margarida?“A cada mil maldades de um homem uma de mulher, basta”Listenin to this Karldeck Marx takes another spiritSip sob and speak “There’s no substance hegelmony!”Da lei seca que o Álcool imPõem-lhe ficou a pharmako poiésis gnosis dynamisO Coelho tira o chapeleiro Cartola do bule junto ao boneco de neve à mesaEle lambe uma wassermusik em la mer, and thanks for the opened cagePoulenc vê Borboleta fazer quetzacrisálida de haikaiMadam Catterpillar sobre o cogumelo assiste à inundaçãoOxum e Obá brigam no inalador de BethâniaEsguicho ao peito de Kýpris, termina logo este atoTarde ensolarada no parque da água brancaEu preciso mijar, termina logo este atoSonha com Tietê, deusa da pureza”

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Terceira Copa:Ao saber da morte de Fernet Ribeiro,

compositora da liqüifonia Prousit!, a diva do canto Anna Maria Kieffer, vestida como Iemanjá, se reuniu com as amigas de ambas num boteco que freqüentaram juntas. Chovia. Trouxe consigo fotos do processo de composição e performance da liqüifonia Prousit! sem saber bem por que mas mais pelas cores das fotografias. De súbito se ergueu à cabeceira da mesa empunhando um copo americano com uma bebida transparente, que poderia ser tanto água quanto cachaça. Ligou um projetor que passava uma encenação da segunda copa da liqüifonia Prousit! e

chorou três lágrimas que cairam no seu copo. Bebeu o copo e reagiu à força da bebida numa tremedeira, depois passou a olhar as orelhas presentes que ela, entrando num transe, ouviu cantar. E ela cantou:

“Antes de sentarmo-nos à mesa, eu e tu, Vida. Te peço que, escuta!O arco-íris que passou da moringa ao copo americanoCanta a transparência da água, ardente ou nãoAs biles de todos matizes se igualariam à cor em ação?Filled with mingled cream and amber, polénicAté quando te apaixonarás por todas as belezas que te cruzam?Diamantes lânguidos dos remansos banhados em mirraAs intermitências das vís ceras encheem-nos os óleos d’águaPisco e bebo gota lácrima, o afeto é clepsidraZang Huan raises the water level of the fishpond, fugitiveNa superfície da profundeza, onde Jakces Cocteau nada, e mais nada[SOLUÇAR] Artime stand still... Queremos os girassóis em germinalOs salões de festa são mares no meio da piscina, li quorumSuch hilarious visions clamber... Os chapéus e batonsCuidado anônimos, pra bom bebedor, meia garrafa bastaSe o olhar das coisas fosse grave suavidade, MundanidadeQuem pensa no tempo também perde tempo. Quem beberia a melodia?Ao redor da roda de samba o Dodô dança o caminho de Guermantes e SwannMas o que raios Margarida respondeu? Bem me quer, mal me quer, bem...Entra o vesgo no café filosófico dos sonhos perdidos e já dá um talhoQuímica fotográfica que Braçaï extraíra da câmara clara, revelaçãoCopo meio cheio-vazio para Caspar Hauser Friederich que evaporaNem foi tempo perdido... Somos tão jovens numa espécie tão velha!Em cirrus stratus cumulus, as manchas da doçura no expressoNunca confiei em uma bebida que não humanizasseWhat care I how time advances? I am drinking ale todayHomem terno andando na onda, sonha com um pileque no TietêÉ claro que isto não vai chegar a lugar algum, Sirius, meu cão engarrafadoShannon, Sulis, Sarasvati, Peneus, Ylem, AmzoniaÁgua seca, fogo lento... Sink before a bigger splash!Vamos no Johann Sebastian Bar na rua Bergson pra um SchoppenhauerBeberemos todo petróleo de Gaia vomitando asfalto Assim chovendo ácida luz, quarta-fera de cinzasSabeor, se fosse sólido come-lo-ia... Bebo para tornar-vos interessanteNossos sangues de Dolly Cola, a alma vem do alambique e...Não sabes de onde viestes nem por quê, exalam as mandrágoras

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E se a ressaca precedesse a embriaguez da via manifesta?Não sabes por onde vais nem aonde, florescem as videsNão bebemos, simplesmente, tomamos um aproximar dos lábiosEnchemos o céu da boca e a costura de nós de estrelasEscorre à garganta e escorrega a temperatura dos estômagosSuave, doce, estagnada ou borbulhante... Ah! Vida! És crua e sedentaArroio, lavo as vigas dos ossos. És e liqüída!Tudo foi experienciado pra virar souvenir numa lojinha do museuRhyme is Phoney! For the times they are a’chainging!Mas que papo de boteco! [RIR SOLUÇANDO] Mas que bafo de boteco!Nadamos nas latrinas atrás da heróia e urinamos as calçadasArco líquido sobre um concerto de musgos, algo sob o caisPingamos nossa delicadeza ao destempo, ociamos pra lembrar do ofídcioSe você pensa, que cachaça! Sentir é água, fleumeRio de afetos em busca do mar da memóriaSolução, fórmula que mata e desejoNa vitória merecida, na derrota necessáriaEngole tua agenda junto, e deixa o pulso ser o relógioMensagem na garrafa que cai do céu no deserto: Dilúvio!Eis que finalmente te encontro, MarcelFazendo sopa de letrinhas para sua mamãezinha, Morte VerboNão aguenta, bebe letras! Um brinde em perdição do tempo encontradoProusit!”

"O que censuro aos jornais é fazer-nos prestar atenção todos os dias a coisas insignificantes, ao passo que lemos três ou quatro vezes

na vida os livros em que há coisas essenciais."Marcel Proust (1871-1922)