Psicanálise e Mesmerismo

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PSICANÁLISE: MESMER E O MESMERISMO Luiz Alberto Machado Maceió/2015 INTRODUÇÃO A construção da Psicanálise por seu criador Sigmund Freud (1856-1939) foi um processo lento e laborioso, compreendendo uma pesquisa profunda e determinada para sua plenitude. Evidencia-se que essa construção recebeu inúmeras contribuições, entra elas os trabalhos e concepções O médico austríaco Franz Anton Mesmer (1734-1815) e de sua técnica denominada Mesmerismo, o qual o tornou precursor da hipnose, psicoterapia e do tratamento de doenças psicossomáticas, à época e até então taxado de charlatão, por causa do uso do magnetismo para curar. Justifica-se a realização do presente estudo em razão de se encontrar as bases teóricas que sedimentaram o processo de construção da Psicanálise e, por consequência, da necessidade de maior observância acerca das ideias de Mesmer e do Mesmerismo na contemporaneidade. Objetiva, portanto, tratar acerca das técnicas e métodos utilizados pelo médico austríaco Mesmer e o seu mesmerismo, observando-se a compreensão do trabalho e das suas ideias. A metodologia empregada no presente trabalho compreende uma pesquisa de natureza exploratória de natureza bibliográfica, resultado de uma revisão da literatura disposta em livros, artigos acadêmicos e publicações especializadas da Internet. MESMER: BREVE BIOGRAFIA E ASPECTOS HISTÓRICOS Franz Anton Mesmer nasceu na vila de Iznang, na Áustria, no dia 23 de maio de 1734, de uma família católica cujo pai era intendente e guarda de campo do bispo de Constança. Na idade escolar estudou em escola pública, sendo, posteriormente, transferido para um convento franciscano, para fazer o colégio entre os jesuítas. Em 1750, ingressa na Universidade de Dillingen, na Baviera, pertencente a Companhia de Jesus, onde estuda Filosofia e Direito por quatro anos, tendo acesso as obras de Galileu, Descartes, Leibniz, Kepler, Newton e outros, chegando ao Doutorado em Teologia. Em seguida, segundo Medeiros (2000), estudou medicina na Universidade de Viena, tendo recebido seu doutorado em 1766 com uma tese que já prenunciava a tônica dos seus trabalhos posteriores: “Sobre a Influência dos Planetas no Corpo Humano”, uma vez que nesta época já havia estudos oriundos das ideias cartesianas e dos questionamentos de Newton acerca dos fluidos invisíveis relativos ao mais sutil espírito que jaz escondido em todos os corpos. Nesses estudos ele defendia a teoria de que o homem está sujeito às influencias originadas no universo, entendendo que um fluido magnético e misterioso emana das estrelas, influenciando a vida das pessoas. Com isso, entendia que a doença era causada pela má distribuição desse fluido. Em 1768, ele casou-se com uma rica viúva mais velha dez anos que ele, Marie Ane von Posch, passando a morar nos arredores de Viena, onde instalou seu

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Trabalho realizado para a disciplina Psicanálise, sobre as influências do Mesmerismo para o pensamento de Freud.

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  • PSICANLISE: MESMER E O MESMERISMO

    Luiz Alberto Machado

    Macei/2015

    INTRODUO

    A construo da Psicanlise por seu criador Sigmund Freud (1856-1939) foi um processo lento e laborioso, compreendendo uma pesquisa profunda e determinada para sua plenitude. Evidencia-se que essa construo recebeu inmeras contribuies, entra elas os trabalhos e concepes O mdico austraco Franz Anton Mesmer (1734-1815) e de sua tcnica denominada Mesmerismo, o qual o tornou precursor da hipnose, psicoterapia e do tratamento de doenas psicossomticas, poca e at ento taxado de charlato, por causa do uso do magnetismo para curar. Justifica-se a realizao do presente estudo em razo de se encontrar as bases tericas que sedimentaram o processo de construo da Psicanlise e, por consequncia, da necessidade de maior observncia acerca das ideias de Mesmer e do Mesmerismo na contemporaneidade. Objetiva, portanto, tratar acerca das tcnicas e mtodos utilizados pelo mdico austraco Mesmer e o seu mesmerismo, observando-se a compreenso do trabalho e das suas ideias. A metodologia empregada no presente trabalho compreende uma pesquisa de natureza exploratria de natureza bibliogrfica, resultado de uma reviso da literatura disposta em livros, artigos acadmicos e publicaes especializadas da Internet.

    MESMER: BREVE BIOGRAFIA E ASPECTOS HISTRICOS Franz Anton Mesmer nasceu na vila de Iznang, na ustria, no dia 23 de maio de 1734, de uma famlia catlica cujo pai era intendente e guarda de campo do bispo de Constana. Na idade escolar estudou em escola pblica, sendo, posteriormente, transferido para um convento franciscano, para fazer o colgio entre os jesutas. Em 1750, ingressa na Universidade de Dillingen, na Baviera, pertencente a Companhia de Jesus, onde estuda Filosofia e Direito por quatro anos, tendo acesso as obras de Galileu, Descartes, Leibniz, Kepler, Newton e outros, chegando ao Doutorado em Teologia. Em seguida, segundo Medeiros (2000), estudou medicina na Universidade de Viena, tendo recebido seu doutorado em 1766 com uma tese que j prenunciava a tnica dos seus trabalhos posteriores: Sobre a Influncia dos Planetas no Corpo Humano, uma vez que nesta poca j havia estudos oriundos das ideias cartesianas e dos questionamentos de Newton acerca dos fluidos invisveis relativos ao mais sutil esprito que jaz escondido em todos os corpos. Nesses estudos ele defendia a teoria de que o homem est sujeito s influencias originadas no universo, entendendo que um fluido magntico e misterioso emana das estrelas, influenciando a vida das pessoas. Com isso, entendia que a doena era causada pela m distribuio desse fluido. Em 1768, ele casou-se com uma rica viva mais velha dez anos que ele, Marie Ane von Posch, passando a morar nos arredores de Viena, onde instalou seu

  • consultrio mdico. Apreciador de msica e participante de saraus, incentivava a cultura, o que proporcionou o incio de sua amizade com o ainda promissor adolescente Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) que, inclusive, fez sua estreia na manso dele aos 12 anos de idade, com a pera Bastien et Bastienne, encomendada pelo prprio Mesmer, ento professor da Universidade de Viena. H que se registrar que esta encomenda foi uma ajuda a Mozart, que havia sido expulso de Salzburgo, sua terra natal. Foi da que, conforme Darnton (1988), surgiu a amizade com o compositor e com o alquimista e maom Conde Alessandro Cagliostro, resultando na introduo tanto de Mozart como de Mesmer na Maonaria e numa fraternidade de ocultismo. Acrescenta, ainda, Zweig (1930), Neubern (2008) e Santos (2015), que esse trio atuava em numerosos problemas de sade e que juntos aperfeioaram um instrumento idealizado por Benjamim Franklin. Eles trabalharam em grupo que reuniam atividades mdicas e musicais na criao para fins curativos da glass harmnica, inclusive, existindo at hoje Viena um grupo conhecido com o nome de Duo Glassharmonica Vienner. Mesmer a partir disso buscou reconhecimento cientfico para as suas ideias do magnetismo animal, inspirado na obra do astrnomo jesuta Maximillian Hell (1720-1792), na teoria da gravitao animal do mdico ingls Richard Mead (1673-1754) e da Fsica do cientista ingls Isaac Newton (1643-1727), sugerindo a influncia do corpo pelo magnetismo. Assim sendo, entre os anos de 1768 e 1778, procurou Mesmer esforar-se por fazer propaganda dos seus sucessos curativos. Em 1773, segundo Figueiredo (2005) e Santos (2015), realizou-se o primeiro tratamento por meio do magnetismo animal, descobrindo que as mos das pessoas seriam canais para uma espcie de magnetismo presente em todos os seres vivos, inclusive nos animais. A mesma capacidade que o magnetismo mineral possua, o magnetismo animal detinha efeitos similares. Da derivou-se o termo magnetismo animal. Esse tratamento foi desenvolvido na paciente, Franziska Esterlina, uma senhorita de vinte e nove anos, bastante debilitada, era uma parenta da esposa de Mesmer e amiga da famlia Mozart A partir de ento, ele passou a ser conhecido por aplicar o que hoje em dia se chama de passes magnticos em pessoas enfermas, passando a receber duras crticas e intensa oposio de mdicos ortodoxos, chegando mesmo a ser banido da medicina. Tem-se registrado na literatura que ele realizou tratamento na famosa pianista Maria Teresa Paradis, que, aps as sesses se viu curada de sua cegueira, o que gerou muitas crticas, resultando no fato de que, em 1777, Mesmer foi envolvido numa polmica que levou a retirada da paciente com estardalhao, pelos pais dela, dos seus cuidados. Medeiros (2000) observa que seus mtodos e, sobretudo o sensacionalismo da publicidade com que cercava seus procedimentos curativos encontraram crescente hostilidade em Viena por parte da classe mdica tradicional, que sentia-se incomodada, terminando Mesmer por ser expulso da cidade pela polcia. Ele teve que se mudar para Paris em 1778, onde veio a causar grande sensao popular com as suas prticas e com o sensacionalismo com que as revestia, ganhou o apoio da imperatriz Maria Antonieta. Foi com isso que iniciou uma verdadeira campanha para ganhar o reconhecimento de suas prticas pela comunidade acadmica francesa.

  • Em fevereiro de 1778, divulga sua teoria do magnetismo animal, em Paris, apresentando as suas descobertas para os sbios e mdicos. Requisita, ento, aos comissrios da Sociedade Real de Medicina de Paris para fiscalizarem as curas, o que foi recusado. Publica, ento, em Paris um relato analtico da nova cincia: Memria sobre a descoberta do magnetismo animal, aps tentar, sem sucesso, em todas as Universidades, um exame de seu sistema. Expe a tese defendida at ento, ou seja, a existncia de um fluido que interpenetrava tudo o qual poderia ser utilizado na cura de doenas. Insistindo, publicou em 1779 a sua obra A Descoberta do Magnetismo Animal, na qual acreditava que as curas poderiam ser promovidas por meio do poder dos ims. Com a evoluo do magnetismo animal, Mesmer insistiu em experimentos e tratamentos com ims (magnetos), mas concluiu que o prprio corpo humano emanava foras mais poderosas que as do im, o qual poderia ser utilizado na cura de doenas. Teve boa aceitao, mas depois caiu em descrdito Em busca de reconhecimento cientfico para a sua descoberta, prope Faculdade de Medicina de Paris, um teste comparativo de seu mtodo com a medicina tradicional. Esses estudos acerca dos fludos magnticos encontrados na natureza, a seu ver, possuam propsitos teraputicos e possibilitaria a cura das pessoas. Numa Assembleia Geral, realizada em 18 de setembro de 1780 e, aps uma leitura e um discurso, d'Eslon, seu discpulo, foi excludo do quadro dos mdicos e as proposies de Mesmer foram rejeitadas com desdm e animosidade. ento que publica o que viria a ser a mais importante descrio histrica da cincia do magnetismo animal, intitulada Resumo histrico dos fatos relativos ao magnetismo animal. Em seguida ele abandona definitivamente o uso direto dos ims e passa a utilizar vrios outros objetos nas suas sesses, principalmente um tubo de vidro que se tornaria famoso a tina mesmrica -, mas que no passava de uma forma modificada de uma garrafa de Leyden, espcie de capacitor primitivo inventado por Peter van Mussenbroek na primeira metade do sculo XVIII. As garrafas de Leyden eram capazes de concentrar uma grande quantidade de cargas eltricas, podendo dispensar, desta forma, choques violentos. Segundo as teorias de fluidos eltricos vigentes poca a garrafa era vista como um condensador deste fluido. E Mesmer soube utilizar os efeitos produzidos por um tal instrumento com grande destreza sensacionalista, vinculando a crena cientfica no fluido eltrico ao seu construto de um fluido vital de natureza magntica. Ressalte-se que a crena na existncia de fluidos vitais era algo bem antiga e que persistia desde eras remotas, mas que encontrava grande receptividade poca. A crena de Mesmer, portanto, na existncia desse fluido eltrico ou magntico animal, no era um fato isolado, mas estava ligada a um conjunto de crenas vigentes quela poca. Esse pensamento exerceria grande influncia sobre alguns cientistas dos sculos XVIII e XIX, notadamente sobre Galvani e Aldini. Dentro deste quadro de mtuas influncias, Mesmer passou ento a defender, com vigor crescente, a ideia de que seu prprio corpo atuava como um tipo de im animal, reforando o fluido vital ou magntico nos corpos dos seus pacientes. Por esse prisma, a doena, dentro do paradigma do mesmerismo era vista assim como um obstculo ao fluxo dos fluidos vitais. Ele rompia esse obstculo produzindo uma crise, frequentemente assinalada por convulses, restaurando

  • assim a harmonia perdida. Nesse contexto, as ideias de Mesmer eram vistas como uma espcie de medicina natural dentre outras desenvolvidas poca. Mesmer, segundo Medeiros (2000) e Neubern (2008) no fornecia, porm, nenhuma pea de evidncia convincente, em termos que pudessem ser aceitos por uma comunidade cientfica que rejeitava, por motivos variados, a sua teoria. No fornecia, igualmente, nem mesmo quaisquer descries mais rigorosas dos seus experimentos que os tornassem reprodutveis por outros pesquisadores. Muito pelo contrrio, suas prticas eram crescentemente relacionadas com um certo ocultismo de tradio hermtica, com as formas de procedimento sendo transmitidas apenas aos seus seguidores tidos como iniciados. A grande polmica que se estabeleceu sobre as suas prticas, com claras acusaes de charlatanismo, no impediu, porm, que o estado de transe induzido, abrisse um debate sobre a possvel existncia de um campo da atividade mental que no parecia estar disponvel conscientemente, mas que poderia afetar os pensamentos e as aes dos indivduos. Estava iniciada a prtica que posteriormente seria chamada de hipnotismo. Em 1781, publicou o Sumrio Histrico dos Fatos Relativos ao Magnetismo Animal. Em seguida, em 1784, assinala Santos (2015) que Mesmer envia uma carta a Benjamin Franklin denunciando os equvocos da comisso nomeada para examinar seu discpulo d'Eslon, desautorizado para agir em seu nome, e a impropriedade do mtodo adotado. Por causa disso, o rei da Frana nomeia uma comisso de sbios da Academia de Cincias de Paris - Jean-Sylvain Bailly (1736-1793), Joseph-Ignace Guillotin (1738-1814), Benjamin Franklin (1706-1790), Antoine-Laurent Lavoiser (1743-1794) -, que em quatro meses conclui que as proposies de Mesmer no passavam de imaginao e autossugesto dos pacientes, redigindo tambm um relatrio secreto enviado polcia que alertava para o ambiente potencialmente licencioso das clnicas mesmeristas. Outra comisso formada por mdicos da Sociedade Real de Medicina tambm rejeita a existncia do magnetismo animal. Porm, um de seus membros, Jussieu, divergiu dos colegas e admitiu curas. Mesmo assim, as vinte e sete proposies de Mesmer foram analisadas por essa comisso designada pelo governo francs para averiguao da validade de suas curas, sendo assinaladas como releituras do alquimista Paracelso e de outros autores ligados ao Ocultismo. Vrios ataques surgiram contra Mesmer, tendo a comisso classificado que as curas obtidas pelo magnetismo animal seriam apenas efeito de sugesto. Todavia, conforma anotado por Darnton (1988), seus bigrafos afirmam que ele j praticava a arte da cura em sua terra natal, na fronteira entre Prssia, ustria e Sua, pois na poca em que chegara capital j trazia a fama de ser bom curador dos males da alma. Tambm registra Santos (2015) que suas ideias foram incompreendidas, resultando ser expulso das cidades de Viena e Paris. Todavia, em 1785, seus alunos publicaram os seus Aforismos. Logo depois, em 1787, Mesmer homenageado por Mozart, em sua pera Cos fan tutte, na qual, no final do primeiro ato, a personagem Despina, fantasiada de mdico, imita Mesmer e seu tratamento. Neste mesmo ano, a esposa de Mesmer falece de cncer no seio. Em seguida, ele preso pela polcia, ao retornar a Viena, pois estava sendo investigado por questes polticas, suspeito de ser favorvel aos jacobinos. Liberado, fica sob custdia at 5 de dezembro. Continuaria, porm, sendo observado pelas autoridades e retorna a Paris, depois se mudando para Versalhes.

  • Em 1799 lanou sua principal obra Memria de F. A. Mesmer, Doutor em Medicina, Sobre suas Descobertas, Por mais que persistisse os seus propsitos no encontraram repercusses significativas entre as instituies de pesquisas cientficas e mesmo rechaado pelas avaliaes do qumico francs Antoine Laurent de Lavoisier (1843-1794) e o cientista, inventor e diplomata estadunidense Benjamin Franklin (1706-1790), deu-se que outra comisso de cientistas formada anos depois veio demonstrar alguns dos erros da comisso de Franklin e Lavoisier, assumindo a veracidade das curas magnticas. Mesmo assim, conforme Santos (2015), Mesmer foi desqualificado pelos herdeiros da episteme clssica, no se reabilitando ao pensamento oitocentista nascente, a episteme moderna, no dizer de Foucault (2007). Apesar do esforo de Mesmer para ter o reconhecimento de seus pares e receber as honras das academias de cincia, sua teoria no passou pelo teste de Lavoisier e Franklin, a existncia do magnetismo animal no pode ser comprovada. Por essa razo, Mesmer fica extremamente contrariado e se retira da vida pblica, desaparecendo por alguns anos, s voltando sua terra natal, em silncio, para dar continuidade s suas prticas magnticas. Em 1815, com quase oitenta anos, Mesmer morreu.

    MESMERISMO: A TERAPUTICA DO MAGNETISMO ANIMAL E DA HIPNOSE

    O mesmerismo foi a denominao dada ao tratamento desenvolvido por Mesmer, reconhecido predecessor do hipnotismo e, de acordo com essa teoria, possvel irradiar o magnetismo animal no apenas para pessoas, mas tambm magnetizar objetos, como camas, gua e pratos. Para Santos (2015), trata-se das tcnicas de cura magntica que se utilizam das mos do operador para tratar casos de doenas fsicas. Assim, o princpio bsico do Mesmerismo diz que tanto os animais quanto os seres humanos seriam tambm possuidores de uma forma de magnetismo, tal como o magnetismo de um m.

    O MAGNETISMO ANIMAL E SEUS PRINCPIOS

    Mesmer iniciou suas pesquisas com o im e com a magnetizao de objetos. Depois descobriu que no apenas os minerais, mas tambm os animais e o homem eram possuidores de uma forma especial de magnetismo, a qual chamou de magnetismo animal. Todo o modelo terico desse magnetismo contido na sua obra pode ser entendido pelo excelente resumo dos vinte e sete pontos de suas proposies, que em resumo propunha: 1 Existe uma influncia mtua entre os corpos celestes, a terra e os corpos animados. 2 Um fluido universalmente propagado e contnuo, de modo a no sofrer qualquer vazio, cuja sutileza no permite comparaes, e que, por sua natureza suscetvel de receber, propagar e comunicar todas as impresses do movimento, o meio desta influencia. 3 Essa ao recproca est submetida a leis mecnicas desconhecidas at o presente.

  • 4 Resultam dessa ao efeitos alternativos que podem ser considerados como um fluxo e refluxo. 5 Este fluxo e refluxo mais ou menos geral, mais ou menos particular, mais ou menos composto, segundo a natureza das causas que o determinam. 6 por essa operao, a mais universal que a natureza nos oferece, que as relaes de atividade se exercem entre os corpos celestes, a Terra e suas partes constitutivas. 7 As propriedades da matria e dos corpos organizados dependem desta operao. 8 O corpo animal prova os efeitos alternativos deste agente, que ao se insinuar na estrutura dos nervos, afeta-os imediatamente. 9 Ele manifesta, especialmente no corpo humano, propriedades anlogas ao m. Distinguem-se polos igualmente diferentes e opostos, que podem ser comunicados, trocados, destrudos e reforados; o prprio fenmeno da inclinao tambm ai observado. 10 A propriedade do corpo animal que o torna suscetvel influncia dos corpos celestes e a ao recproca daqueles que o cercam, manifesta pela sua analogia com o m, determinou a chama-lo: Magnetismo Animal. 11 A ao e a virtude do Magnetismo Animal, assim caracterizados, podem ser comunicados a outros corpos animados e inanimados. Uns e outros, entretanto, so mais ou menos suscetveis. 12 Essa ao e essa virtude do Magnetismo Animal podem ser reforadas e prolongadas por esses mesmos corpos. 13 Observa-se, em experincias, o escoamento de uma matria, cuja sutileza penetra todos os corpos, sem perder praticamente sua atividade. 14 Sua ao realiza-se a distncia afastada, sem a interveno de qualquer corpo, intermedirio. 15 Ela aumentada e refletida pelos espelhos, tal como a luz. 16 Ela comunicada propagada e aumentada pelo som. 17 Essa virtude magntica pode ser acumulada, concentrada, transformada. 18 Disse que os corpos animados no so igualmente suscetveis; acontece mesmo, ainda que muito raramente, que tm uma propriedade to oposta que sua simples presena destri todos os efeitos desse magnetismo em outros corpos. 19 Essa virtude oposta tambm penetra todos os corpos; ela pode ser comunicada, propagada, acumulada e transformada, refletida por espelhos e propagada pelo som; o que constitui no apenas uma privao, mas uma virtude oposta: positiva. 20 O m, natural ou artificial, suscetvel ao magnetismo animal e virtude oposta, sem que sua ao sobre a agulha seja alternada; o princpio do magnetismo animal difere, portanto, do mineral. 21 Este sistema fornecer esclarecimentos sobre a natureza do fogo e da luz, bem como pela teoria da atrao, sobre o fluxo e o refluxo do m e da eletricidade. 22 Ele permitir saber que o m e a eletricidade artificial tem, em relao as doenas, apenas propriedades comuns a um grande nmero de outros agentes e que, se resultam alguns afeitos teis da administrao daqueles, isso se deve ao magnetismo animal. 23 Reconhecer-se-, por esses fatos, segundo as regras prticas que estabelecerei, que o princpio pode curar diretamente as doenas dos nervos e indiretamente as demais.

  • 24 Com sua ajuda, o mdico esclarecido sobre a utilizao dos medicamentos; aperfeioa sua ao, provoca e dirige as crises salutares, de modo a se tornar o senhor da situao. 25 Ao comunicar meu mtodo, demonstrarei por uma nova teoria das doenas, a unidade universal do princpio que lhe aponho. 26 Com este conhecimento, o mdico julgar seguramente a natureza e o progresso das doenas, mesmo das mais complicadas; ele impedir seu desenvolvimento e alcanar sua cura, sem jamais expor o doente a efeitos perigosos ou a resultados inoportunos, seja qual for a idade, o temperamento ou o sexo. As mulheres grvidas e por ocasio dos partos gozaro das mesmas vantagens. 27 Esta doutrina, enfim colocar o mdico em condies de julgar corretamente o grau de sade de cada indivduo e de preserva-lo das doenas s quais ele possa estar exposto. A arte de curar chegar sua maior perfeio. No dizer de Medeiros (2000), essas concepes foram desenvolvidas livremente sob a influncia da Fsica newtoniana e de Mead. De Newton provinha a ideia de que corpos como a Lua e o Sol podiam influenciar fenmenos terrestres como as mars parece ter exercido sobre ele um enorme fascnio; e de Mead a ideia da gravitao animal. Essas ideias ele associou medicina na defesa de que a sade era uma resultante harmnica entre os rgos do corpo e os planetas, acreditando, assim, haver uma conexo entre a gravitao universal newtoniana e o poder do corpo e da mente humana. Da, portanto, ele comeou a defender a sua ideia de magnetismo animal, utilizando-se de ims para efeitos medicinais. Por consequncia, advogava a ideia de que o corpo era anlogo ao im e que um fluido vital ou magntico escoava de acordo com as leis da atrao magntica, aplicando essas ideias ao tratamento mdico na cura da histeria, bem como de vmitos, convulses e paralisias.

    A TERAPIA DO MESMERISMO Mediante o exposto, assinala Santos (2015) que a terapia de Mesmer consistia, dessa maneira, em fazer fluir novamente o magnetismo animal. No havia a ingesto de remdios, a aplicao de sangrias ou banhos frios, tampouco a aplicao de choques. O mdico sentava-se em frente ao paciente e ia tocando em seus joelhos, mos e hipocndrio, olhando fixamente dentro de seus olhos. Em conformidade com o recolhido por Darnton (1988), Zweig (1930), Figueiredo (2005), Medeiros (2000) e Roudinesco e Plon (1998), as ideias e estudos de Mesmer levaram-no crena sobre a existncia de um fludo magntico que se encontrava na natureza e que o seu conhecimento possibilitaria a transmisso desse potencial para as pessoas sobre os propsitos teraputicos. O fludo magntico de Mesmer seria, dessa maneira, anlogo a um fludo eltrico. O magnetismo, no entanto, tinha uma caracterstica interessante: como j sinalizado anteriormente, ele estava especialmente relacionado com o que Mesmer chamou de sistema nervoso. Alm da denominao, o austraco chamava a ateno para as dificuldades que os mdicos contemporneos a ele encontravam para restabelecer a sade das pessoas adoecidas, especialmente daquelas que sofriam de males nervosos. Ele acreditava, ainda, que era necessrio reconhecer a insuficincia mdica no trato com tais doenas, pois somente assim poderia ocorrer uma melhoria na arte de curar os nervos. E mais: que apesar de todos os avanos realizados at aquele momento, os

  • mdicos continuavam ignorando o funcionamento do sistema nervoso, sua ordem natural.

    O BAQUET, A TINA MESMRICA OU CUBA MAGNTICA Como o nmero de seus clientes cresceu bastante durante sua morada em Paris, Mesmer idealizou uma forma de tratamento em grupo. Para tanto criou a chamada tina mesmrica o Barquet: uma espcie de reservatrio de gua que continha no fundo, limalha de ferro e cacos de vidro, alm de garrafas concentricamente dispostas. O fundo da tina composto de garrafas arranjadas entre si de maneira particular. Acima dessas garrafas, coloca-se gua at uma certa altura; varas de ferro, cujas extremidades tocam a gua, saem dessa tina; e a outra extremidade, terminada em ponta, se aplica sobre os doentes. Uma corda, em comunicao com o reservatrio magntico e o reservatrio comum, liga todos os doentes uns aos outros; de modo que existe uma circulao de fluido ou de movimento que serve para estabelecer o equilbrio entre eles. Tal reservatrio fora criado para atender a populao carente. E para tanto ele magnetizava rvores e pendurava cordas em seus galhos. Os que seguravam as cordas recebiam o fluido vital que precisavam. Essa tina e rvores mesmerisadas eram tidas por Mesmer como acessrios muitas vezes dispensveis utilizados apenas para que ele pudesse atender mais pessoas em menos tempo. Assim sendo, o Baquet consistia em uma espcie de tina ou barril de madeira onde eram colocados gua magnetizada e, eventualmente, outros elementos. Dele saiam pequenos cordes, seguros na extremidade pelos pacientes, que serviriam de condutores para o fluido. Expressa Santos (2015) que nas sesses coletivas realizadas em Paris, ele utilizava essa cuba magntica, aparato inspirado na recm descoberta garrafa de Leyden, que consistia em uma espcie de banheira redonda onde ficava contida a gua magnetizada. Nas bordas desse tanque havia uma poro de hastes de ferro, utilizadas pelos pacientes para tocar a regio do corpo onde o magnetismo animal estava concentrado, ou seja, a parte que doa. Depois os pacientes davam as mos, fechava-se o crculo e, com isso, o magnetismo circulava entre todos os presentes. O prprio Mesmer, ao final de cada sesso, tocava um instrumento chamado harmnica de vidro, cujo som etreo, semelhante vibrao de taas de vidro, facilitava a comunicao e propagao do magnetismo. No havia conversao durante as sesses. Os passes, as msicas, o ambiente teraputico repleto de espelhos eram os meios usados por Mesmer para aos poucos promover suas curas. Havia ainda, segundo Darnton (1988), um elemento fundamental para que o processo teraputico se efetivasse: a crise. Geralmente essa crise era uma intensificao do problema que vinha prejudicando a sade do paciente. Eram convulses, crises asmticas, vmitos, sncopes. Segundo Mesmer, tais crises deveriam ocorrer para que a doena se enfraquecesse at desaparecer. Nesse trajeto, tambm a intensidade das crises diminua, at que ela no incomodasse mais o doente.

    A HIPNOSE MESMRICA

  • Assinala Medeiros (2000) que Mesmer utiliza-se do tratamento das pessoas, deixando-as em transe para subordin-los inteiramente sua vontade e exercendo conscientemente o magnetismo animal. Conforme Zwieg (1930) e Foucault (2007), a hipnose era uma prtica antiga em culturas distantes no tempo, como sendo uma forma de cura e que era utilizada pelos sacerdotes. No era usada nos termos formais de hipnose, mas utilizava-se processos e procedimentos hipnticos para a cura de dores e doenas. Encontra-se registro dessa prtica no Egito antigo do sculo 1500 a.C., quando os sacerdotes induziam um certo tipo de estado hipntico com finalidade de cura, conforme escrito nos papiros de Ebers. Estes papiros continham uma coletnea de antigos escritos mdicos descrevendo como aliviar a dor e as doenas. Tambm na Grcia antiga dos templos Asclpia, se fazia o diagnstico e cura dos doentes por intermdio do sono divino ou terapia onrica. Neste estado anterior ao sono, chamado na poca estado hipnaggico, as imagens irrompiam automaticamente conscincia do doente e o sacerdote trabalhava simbolicamente sobre estas imagens, fornecendo sugestes hipnticas de cura. No sculo XI, Avicena - mdico iraniano, filsofo e sbio, acreditava que a imaginao era capaz de enfermar e curar as pessoas. No sculo XVI Paracelsus, alquimista e principal representante da medicina hermtica, acreditava na influncia magntica das estrelas na cura de pessoas doentes, vindo a confeccionar talisms com inscries planetrias e zodiacais. Observa-se, portanto, que a hipnose utilizada na antiguidade era impregnada de magia, misticismo e religiosidade com objetivos de cura atravs da imaginao, profecias, captao de ideias e mensagens dos deuses. Utilizava-se indues hipnticas individuais ou em grupos, atravs de danas, cantos, oraes, rituais e palavras. Foi Mesmer que passou a conduzir tal prtica nos seus tratamentos e na cura das doenas, realizando vrias cirurgias e anestesias sobre o sono mesmrico, desenvolvendo-se a partir da a expresso Mesmerismo. Foi somente no sculo XIX que o mdico ingls James Braid (1795-1859), assistindo a uma cirurgia efetuada por Mesmer com anestesia geral provocada pelo uso da hipnose, passou a estudar o processo vindo a reformular a teoria de Mesmer, definindo-a como o estado hipntico um estado particular de "sono do sistema nervoso", vindo a cunhar o termo hipnose, do grego Hypnos que simbolizava o Deus do sono na Mitologia Grega. Dessa forma, o termo hipnose ficou erroneamente associada a ideia de sono. Logo depois de haver cunhado este termo, James Braid se arrependeu pois percebeu que cientificamente a hipnose no poderia ser comparada ao sono, sendo um estado justamente oposto ao sono, de intensa atividade psquica e mental. Braid utilizava basicamente a hipnose como forma de se obter a anestesia cirrgica e para ensinar autohipnose aos pacientes, lembrando que o ter foi introduzido somente 1846 e o clorofrmio em 1847. Assim, durante muitos anos a hipnose foi esquecida e mal interpretada por no se compreender na poca a natureza e dinmica dos seus fenmenos. Ela foi resgatada na Frana por duas importantes escolas de pensamento que possuam vises muito distintas sob o fenmeno da hipnose: a escola de Salptrire, liderada por Jean-Martin Charcot (1835-1893) e a escola de Nancy, comandada por Auguste A. Liebeault (1823-1904) e Hipolyte Bernheim (1840-19191).

    CONSIDERAES ACERCA DO MESMERISMO

  • No dizer de Santos (2015), Mesmer foi um fruto de sua poca, era um filho do Iluminismo e estava inserido em crculos intelectuais de finais do sculo XVIII, e, ainda que influenciado pelo pensamento mgico-vitalista, tentava articular seu discurso nos termos do mecanicismo. Isso porque, segundo Darnton (1988), o mesmerismo tinha mais em comum com as teorias vitalistas que haviam se multiplicado desde a poca de Paracelso e que o seu sistema descendia diretamente dos sistemas tanto do alquimista, como de J. B. van Helmont, Robert Fludd e William Maxwell, que apresentavam a sade como um estado de harmonia entre o microcosmo individual e o macrocosmo celestial, envolvendo fluidos, magnetos humanos e influncias ocultas de toda espcie. Seguia, portanto, os princpios conhecidos da atrao universal, constatando por meio de observaes que os planetas se afetam mutuamente em suas rbitas, e que a Lua e o Sol causam e dirigem, no globo, o fluxo e o refluxo do mar, assim como o da atmosfera; avanando, essas esferas exercem tambm uma ao direta sobre todas as partes constitutivas dos corpos animados, particularmente sobre o sistema nervoso, por meio de um fluido que a tudo penetra. Ao constatar a ao pela intenso e remisso das propriedades da matria e dos corpos organizados, que so: a gravidade, a coeso, a elasticidade, a irritabilidade, a eletricidade. Portanto, a afetao mtua dos astros celestes, chamada por Mesmer de agente geral fazia movimentar um fluido muito sutil, universal, que agia diretamente nas propriedades da matria. Sendo o corpo humano constitudo de matria, o fluido tambm nele agia, passando, sobretudo, pelos nervos, os principais agentes das sensaes e do movimento. O magnetismo de Mesmer pode ser definido, portanto, como a reciprocidade estabelecida entre duas criaturas vivas atravs do fluido magntico. Esta cincia foi amplamente dominada durante a Era Antiga, particularmente no Egito, onde ela era utilizada nos rituais religiosos conhecidos como Mistrios, pois eram reservados apenas aos iniciados em seus conhecimentos. As perseguies e proibies dos mtodos utilizados por Mesmer, mesmo que ele tenha curado comprovadamente muita gente e aos poucos sua fama comeou a se espalhar e a clientela aumentou consideravelmente, tendo por principais adversrios dois conhecidos oftalmologistas de Viena, o professor Barth e dr. Shoerk, que haviam diagnosticado como incurvel a cegueira da pianista Maria Teresa Paradis, a mesma que foi curada por Mesmer, mas que sob nova intriga, fora retirada fora do tratamento dele. Viu-se, portanto, Mesmer sem apoio de seus colegas. Neubern (2008) destaca as ligaes perigosas na construo da marginalidade do sistema de Mesmer e seu parentesco com antigos sistemas renascentistas que uniam, numa mesma tentativa, os primeiros esboos da racionalidade cientfica e os antigos ensinos sobre a magia O mesmerismo, apesar de seu apelo quase desesperado de legitimao cientfica, compunha, aos olhos de muitos mdicos, o grosso e incmodo volume de terapias que preconizavam o uso de faculdades naturais dos indivduos e poderiam ser praticados por qualquer pessoa, mesmo que no possusse formao mdica. essa altura, no eram apenas os mdicos que se colocavam na defensiva e contribuam de forma substancial para uma oposio forte e organizada contra o mesmerismo, incluindo-se a Igreja Catlica. O mesmerismo trazia ainda, segundo Neubern (2008), uma perspectiva distinta enquanto tratamento teraputico. Saindo da frieza tpica e questionada dos ambientes mdicos e acadmicos, suas expresses comportavam um alto teor

  • catrtico, provocando a estranheza e a condenao por parte de instituies, autoridades e profissionais. possvel que o envolvimento relacional significativamente distinto entre o mdico e sua clientela, comportando uma troca emocional acentuada, somada ao carter teatral de muitos terapeutas, como o prprio Mesmer, promovessem possibilidades de expresso emocional pouco aceitas na sociedade da poca, inclusive devido a seu teor ertico. Essa dimenso foi um dos principais pilares da condenao do mesmerismo, posto que originou um relatrio secreto no qual as comisses sugeriam os perigos de seduo nele existente sobre as mulheres. Em suma, todo o teor ertico ou catrtico tpico dos pacientes em torno do baquet no consistiam, para os mdicos da poca, em elementos inerentes a um processo teraputico, mas na possibilidade de abuso dos pacientes, inclusive os femininos. Uma vez que se criava um tal contexto, quaisquer elementos referentes s relaes humanas no mesmerismo poderiam ser facilmente qualificado como uma perverso dos valores sexuais. Numerosos panfletos, annimos ou de autoria conhecida, foram escritos com acusaes contra Mesmer e seus seguidores, embora nenhuma denncia tenha sido feita ou nenhum fato tenha sido comprovado nesse sentido. Mesmer lembrado ainda como o percursor do hipnotismo e, segundo Zwieg (1930) e Figueiredo (2005), razo pela qual, em 1843, o primeiro sinal de apoio advindo da comunidade cientfica apareceu por parte dos trabalhos de James Braid que alegou haver conseguido separar o magnetismo animal daquilo que ele denominou o hipnotismo, um termo propositadamente introduzido com a finalidade de substituir o mesmerismo. Para Braid as curas obtidas por Mesmer no teriam sido devidas ao magnetismo animal alegado, mas ao poder da sugesto. Foi o desenvolvimento dessas tcnicas de sugesto que levou Braid ao hipnotismo. Anos depois, ainda no sculo XIX, Jean Marie Charcot viria a interpretar o hipnotismo como simples manifestaes de histeria, retornando s explicaes magnticas de Mesmer e classificando trs estados de transe: a letargia, a catalepsia e o sonambulismo. As polmicas de Charcot com os defensores do hipnotismo, principalmente os componentes do grupo de Nancy (Liebault e Bernheim) so um outro belo captulo das disputas interpretativas na histria da cincia.

    CONCLUSO A resistncia e perseguio aos mtodos de Mesmer se deve, inicialmente, sua filiao mstica e ao Ocultismo, fato este que encontra um rico arsenal de exemplos que consolidaram a injustia, inclusive com Paracelso s resgatado em pleno sc. XXI. A sua ligao com Mozart reconhecido apenas como compositor e com Cagliostro este carrega uma pecha de charlato at o presente momento, sendo revisto apenas com o advento do desenvolvimento da Neurocincia -, com a ordem manica e com o Ocultismo, tem-se revestido de fonte de incompreenses e mal entendidos a esse respeito. H que se salientar que Neubern (2008) por meio de uma releitura bibliogrfica enfocou uma srie de revises histricas que propem novas perspectivas de entendimento sobre os acontecimentos envolvendo Mesmer e sua proposta teraputica o magnetismo animal ou mesmerismo, embasado na reviso que se tem feito na atualidade ao que se entende por mstico e ocultismo. Tais estudos rompem com a ideia linear e por vezes parcial de que o mesmerismo tenha sido apenas inconsistente diante das exigncias metodolgicas que mais tarde poderiam finalmente serem satisfeitas por uma psicologia enfim cientfica.

  • Questionam a srie de erros existentes no processo de avaliao levado a cabo pelas comisses oficiais, como tambm apontam para uma diversidade de fatores do contexto social da poca que contriburam significativamente para a oposio sistemtica criada contra o mesmo: a subverso social que existia potencialmente em seus pressupostos e adeptos e os incmodos causados junto a instituies reguladoras da sociedade, como a Igreja, o Estado e a famlia. Tais estudos levam a conceber que existiram inmeros fatores que contriburam para a rejeio do mesmerismo e que, mais que isso, os processos de ordem social ocuparam um lugar privilegiado em meio a essas construes. H que se destacar as ressonncias de prticas sociais em determinados contextos que alimentaram a indisposio das instituies dominantes contra tal doutrina, no que concerne s questes gerais sobre a associao com doutrinas mgicas, os dilemas epistemolgicos, a associao com movimentos subversivos e algumas dificuldades das relaes entre Mesmer e as instituies cientficas. Por concluso, encontra-se ressonncia na reviso da literatura de que a construo da marginalidade do mesmerismo no se deu apenas em funo das incompatibilidades metodolgicas e epistemolgicas com a racionalidade dominante, mas foi tambm profundamente influenciada pelo contexto, prticas e instituies sociais da poca. A indisposio criada contra o mesmerismo era de ordem pessoal que o colocava como aliado das prticas subversivas, como a magia e o espiritualismo, a instituies suspeitas, como a maonaria, associava-se a noes indesejveis, como as renascentistas, e acabava questionando pontos centrais da ordem regulatria vigente, fosse em termos de uma epistemologia cartesiana, fosse em termos da prpria estratificao social ou da autoridade mdica. Dentro desse quadro, observa Medeiros (2000) que as influncias exercidas por Mesmer, a heterodoxia das suas prticas e o fundamento das suas crenas, so, entretanto, pontos importantes que podem testemunhar a importncia e contemporaneidade e que, pelos estudos ora realizados, chegou-se a concluso tratar-se Mesmer do precursor dos mtodos hipnticos que passaram a ser desenvolvidos a partir dele no sc. XIX pelo mdico escocs James Braid Mesmer (1795-1860), bem como da utilizao da tcnica teraputica preocupado com a cura das pessoas.

    REFERNCIAS DARNTON, Robert. O lado oculto da revoluo: Mesmer e o final do Iluminismo na Frana. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1988. FIGUEIREDO, Paulo Henrique. Mesmer, a cincia negada e os textos escondidos. Bragana Paulista (SP): Lachtre, 2005. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das cincias humanas. So Paulo: Martins Fontes, 2007. MEDEIROS, Alexandre. Mesmer a doutrina do magnetismo animal no sculo XVIII. I Simpsio Latino-Americano da Ioste. So Paulo, USP, fevereiro de 2000. NEUBERN, Maurcio. Sobre a construo da marginalidade no mesmerismo. Revista Psico, v. 39, n. 1, pp. 106-112, jan./mar. 2008. ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionrio de psicanlise. So Paulo: Zahar, 1998. SANTOS, Maria Siqueira. Elementos alqumicos na teoria magntica de F. A. Mesmer. Congresso de Histria das Cincias - Histria Social pela UEL.

  • Disponvel em http://www.sbhc.org.br/resources/anais/10/1345055132_ARQUIVO_MariaSiqueiraSantos_13CongressodeHistoriadasCiencias.pdf. Acesso em 16 fev 2015. ZWEIG, Stefan. A cura pelo esprito: Mesmer, Mary Baker-Eddy, Freud. Rio de Janeiro: Guanabara, 1930.