psicologia escolar - práticas críticas

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Marisa Eugênia Melillo Meira e Mitsuko Aparecida Makino AntunesOrganizadoras

PSICOLOGIA ESCOLAR: PRÁTICAS CRÍTICASAUTORASAdriana Marcondes MachadoElenita de Rício TanamachiMarisa Eugênia Melillo MeiraMitsuko Aparecida Makino AntunesVeruska GaldiniWanda Maria Junqueira AguiarAssociação Unificada Pauiista de Ensino Roncvado Objeíjyo - ASSUPERODataN° de VdunioN° de Chamada vrv S'4PRegistrado por

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f,Casa do Psicólogo®

1© 2003 Casa do Psicólogo Livraria e Editora Ltda.É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, para qualquer finalidaisem autorização por escrito dos editores.Ia edição2003EditoresIngo Bemd Güntert e Silésia DelphinoProdução GráficaRenata Vieira NunesCapaWillian Eduardo NahmeRevisãoLeila MarcoEditoração EletrônicaValquíria KlossDados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)Psicologia escolar: Práticas críticas / Marisa Eugênia MelilloMeira e Mitsuko Aparecida Makino Antunes, organizadoras. — São Paulo: Casa do Psicólogo®, 2003.Vários autores.Bibliografia.ISBN 85-7396-282-81. Psicologia educacional I. Meira, Marisa Eugênia Melillo. II. Antunes, Mitsuko Aparecida Makino.03-6727CDD-370.15índices para catálogo sistemático:Psicologia escolar 370.15Impresso no Brasil Printed in BrazilReservados todos os direitos de publicação em Língua Portuguesa à^s£ Casa do Psicólogo® Livraria e Editora Ltda.g!^^ Rua Mourato Coelho, 1.059 - Vila Madalena - 05417-011 - São Paulo/SP - Brasil^fep Tel.: (11) 3034-3600 - E-mail: [email protected]^ Site: www.casadopsicologo.com.br

SUMÁRIOApresentação......................................................................................7Marisa Eugênia Melo Meira Mitsuko Aparecida Makino AntunesA Atuação do Psicólogo como Expressão do Pensamento Crítico em Psicologia e Educação........................................................... 11Elenitade RícioTanamachi Marisa Eugênia Melillo MeiraOs psicólogos trabalhando com a escola: intervenção a serviço do quê?.........................................................................................63Adriana Marcondes MachadoIntervenção junto a professores da rede pública: potencializando a produção de novos sentidos....................................................87VeruskaGaldiniWanda Maria Junqueira AguiarA Psicologia Escolar na implementação do Projeto Político-Pedagógico da Rede Municipal de Ensino de Guarulhos: construindo um trabalho coletivo..........................................105Mitsuko Aparecida Makino Antunes e colaboradoresSobre os autores.............................................................................129

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APRESENTAÇÃOA Psicologia da Educação constituiu-se, no início do século, como uma área de conhecimentos que se propunha a estudar questões importantes que interessavam à educação escolar, e, só na década de 1940, tornou-se uma prática profissional, o que propiciou o surgimento do psicólogo escolar, cuja função seria a de resolver problemas escolares.Desde então, a educação tem se constituído no campo profissional para uma parcela considerável de psicólogos e, de acordo com pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Psicologia em 1992, depois da clínica (37,2%) e organizacional (29,6%), ela já é a área de atuação no Brasil que mais absorve profissionais (24,4%).No entanto, isso não significa que já tenhamos reunido elementos teórico-metodológicos suficientes e adequados à consolidação de práticas profissionais competentes. Ao contrário, a análise da literatura disponível indica que no Brasil a maneira como se conduziu o processo de atuação e produção de conhecimentos na área tem sido alvo de sérias críticas que, principalmente a partir da década de 1980, têm se tornado, cada vez mais, contundentes.Todo esse movimento de crítica, gerado pela reflexão sobre a insuficiência das práticas desenvolvidas em nossos meios, bem como dos quadros conceituais sobre os quais elas vêm se sustentando historicamente, tem oferecido importantes subsídios tanto no sentido de desvelar os determinantes sociais e históricos que conformam o (des)encontro entre a Psicologia e a Educação quanto no sentido de reafirmar a possibilidade da construção de perspectivas mais adequadas.

8 MARIA EUGÊNIA MEI.ILLO MEIRA E MITSUKO APARECIDA MAKINO ANTUNES

A análise do conjunto das principais críticas dirigidas à Psicologia Escolar parece indicar que ela acabou por se reduzir a uma Psicologia do Escolar, descomprometida em relação às questões fur.i.-mentais da Educação e à necessidade de efetivação de um proce?>. de democratização educacional.Ao se distanciar desse objetivo, os psicólogos têm muitas ve se limitado a atuar em direção a questões secundárias que, na m£ lhor das hipóteses, são apenas algumas manifestações de probleraa»-escolares e sociais graves e complexos.O processo de culpabilização do aluno, pela via da patologiz dos problemas escolares, tem se fundamentado ao longo de n história em variadas abordagens teóricas, que por diferentes carrr-nhos, expressam a mesma desconsideração pelas múltiplas deterrc-nações da educação.Acreditamos ser fundamental a denúncia dos compromissos ideológicos da Psicologia Escolar que se expressa claramente em uir-tendência histórica de se colocar a serviço, das mais diferentes formas, da conservação tanto da estrutura tradicional da escola quão» da ordem social na qual ela está inserida.O trabalho que ora apresentamos constitui-se em mais uma tentativa na direção não apenas desta denúncia, mas ainda da construção de novas possibilidades de reflexão crítica que possam subsidia: os psicólogos escolares de forma que eles possam contribuir, de maneira decisiva, nos mais diferentes campos de atuação, para que sejam favorecidos os processos de humanização e reapropriação d* capacidade de pensamento crítico dos indivíduos.Os autores, docentes e pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP-Bauru), do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e da Faculdade de Psicologia e do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), buscam evidenciar e colocar em discussão algumas expressões possíveis de uma prática baseada numa concepção crítica de Psicologia Escolar, fundada em um novo compromisso social da Psicologia.

APRESENTAÇÃO

O trabalho de Marisa Eugênia Melillo Meira e Elenita de Rício, :as da Unesp-Bauru, aponta algumas possibilidades de interven-.'-'.. que se constituem em expressões concretas do pensamento crí--: já construído em Psicologia e Educação e indicam caminhos : _rá que os psicólogos escolares possam ajudar a escola a cumprir _.; função social de socialização do conhecimento historicamente — -mulado e contribuir para a formação ética e política dos sujeitos. Essas reflexões buscam situar o psicólogo escolar como mediador -.? processo de elaboração das condições necessárias para a trans-rormação das demandas de queixa escolar e daquelas provenientes ias instituições de ensino, discutindo o referencial teórico-filosófico e metodológico que embasa o trabalho desenvolvido em disciplinas teóricas, na supervisão de estágios e em inúmeros projetos de extensão. O texto ainda apresenta a sistemática de trabalho e as estratégias utilizadas na intervenção em casos de crianças encaminhadas para atendimento em função de queixas escolares e era projetos desenvolvidos em instituições de ensino.Wanda Maria Junqueira Aguiar e Veruska Galdini, da PUC-SP, enfocam a intervenção junto a professores da rede pública de ensino, analisando uma experiência realizada em São Paulo. Destaca os pressupostos teórico-metodológicos e as etapas do trabalho, evidenciando que a Psicologia sócio-histórica pode contribuir para a produção de novos sentidos ao trabalho docente, já que possibilita que os sujeitos se apropriem e articulem a dimensão histórica, social e institucional; a dimensão subjetiva de sua existência (ou seja, as determinações que os constituem) e as características específicas da realidade do professor. Esse é o movimento de potencialização para que o professor construa um projeto profissional criativo.O texto de Adriana Marcondes Machado, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP), analisa a intervenção do psicólogo junto à escola, buscando destacar como os saberes da psicologia podem estar a serviço de uma melhor qualidade de ensino e aprendizagem. Para a autora, focar essas políticas e essas práticas implica buscarmos o funcionamento das mesmas na singularidade de

1 O MARIA EUGÊNIA MELILLO MEIRA E MITSUKO APARECIDA MAKINO ANTUNES

cada história escolar, de cada aluno que fracassa, de cada quer apresentada por um professor. Trata-se de compreender o mov mento de um campo de forças no qual devemos nos colocar a serv" ço do fortalecimento da aprendizagem e da permanência da cri; na escola.Um outro trabalho, organizado por Mitsuko Aparecida Ma Antunes, docente da PUC-SP e assessora da Secretaria Munici de Educação de Guarulhos/SP, foi escrito, em verdade, por mui profissionais desta secretaria, que fizeram um esforço coletivo socializar sua prática. Com a finalidade de apresentar as possibili des de atuação da Psicologia Escolar na educação pública, esse tes to descreve as ações que têm sido implementadas no âmbito da cação infantil, fundamental, inclusiva de jovens e adultos, em que Psicologia é um dos fundamentos para a prática educacional e psicólogo participa coletivamente do processo de construção e ' plantação de um projeto político-pedagógico, cuja finalidade é fun mentalmente calcada numa concepção crítica, humanizadora transformadora da realidade escolar e social. A palavra-chave de trabalho é "coletividade": propõe uma ação coletiva para a transf mação da escola; crê que isso só ocorrerá como produto da ação coletividade escolar e foi escrito coletivamente.Consideramos que estes trabalhos oferecem contribuições construção de perspectivas teórico-práticas que se constituam elementos norteadores fundamentais, embora não suficientes, para adoção de um compromisso social com a cidadania, a ser concr zado em propostas de atuação orientadas por finalidad transformadoras.Marisa Eugênia Melillo Aíei Mitsuko Aparecida Makino Ant São Paulo, setembro de 2

A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO CRÍTICO EM PSICOLOGIA E EDUCAÇÃOElenita de Ricio Tanamachi Marisa Eugênia Melillo Meira

O objetivo deste texto é o de apontar algumas possibilidades de intervenção concretamente já elaboradas pelas autoras e que se constituem em expressões do pensamento crítico já construído em Psicologia e Educação.A Psicologia Escolar é aqui entendida:Como área de estudo da Psicologia e de atuação/ formação profissional do psicólogo, que tem no contexto educacional — escolar ou extra-escolar, mas a ele relacionado - o foco de sua atenção, e na revisão crítica dos conhecimentos acumulados pela Psicologia como ciência, pela Pedagogia e pela Filosofia da Educação, a possibilidade de contribuir para a superação das indefinições teórico-práticas que ainda se colocam nas relações entre a Psicologia e a Educação (Tanamachi, 2002, p. 85).Desta forma, o que define um psicólogo escolar não é o seu local de trabalho, mas o seu compromisso teórico e prático com as questões da escola. Defendemos que:O melhor lugar para o psicólogo escolar é o lugar possível, seja dentro ou fora de uma instituição, desde

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que ele se coloque dentro da educação e assuma um. compromisso teórico e prático com as questões da es Ia, já que independente do espaço profissional que poisa estar ocupando, ela deve se constituir no foco principal de sua reflexão, ou seja, é do trabalho que se desenvolve em seu interior que emergem as grandes questões para as quais deve buscar tanto os recurso: explicativos, quanto os recursos metodológicos que possam orientar sua ação (Meira, 2000, p. 36).Considerando a existência de distintas referências teórico-filo-sóficas e metodológicas iniciaremos o texto com a discussão de algumas das principais questões teórico-práticas da Psicologia na educação em uma perspectiva crítica.Para tanto, apresentaremos as questões mais propriamente tec -ricas da Psicologia na Educação, analisando as explicações tradick -nais sobre o fracasso escolar e as tendências atuais do pensamen-. crítico em Psicologia Escolar, defendendo que o momento atual exige uma revisão dos pressupostos teórico-filosóficos e metodologia - sobre o homem em geral, a formação do indivíduo, as concepções de Educação e de Psicologia - e a delimitação de um novo sentido para a Psicologia Escolar.Em seguida, apresentaremos algumas reflexões enfocando a> possibilidades teórico-críticas de intervenção do psicólogo junto à demanda de queixa escolar e em instituições de ensino.Discutiremos a atuação em Psicologia Escolar, anunciando um novo lugar para o psicólogo, buscando delimitar os elementos da avaliação e da intervenção, as estratégias mais utilizadas e os resultad possíveis.Embora considerando que tanto no caso da intervenção junto demanda de queixa escolar, quanto em instituições de ensino as qu toes teórico-práticas envolvidas e as etapas do trabalho sejam as m mas, em cada um desses momentos de apresentação no text retornamos a elas, ao mesmo tempo que destacamos as especificidad a eles pertinentes. Além disso, para permitir uma compreensão mais

A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO ... 13

ampla do que estamos considerando como atuação do psicólogo escolar em uma perspectiva crítica, enfocamos, principalmente na segunda parte, um exemplo de encaminhamento de ação junto à demanda de queixa escolar e, na terceira parte, a metodologia e a sistemática empregada no trabalho em instituições de ensino. Os fundamentos teóri-eo-filosóficos são retomados em ambas.1. PRINCIPAIS QUESTÕES TEÓRICO-PRÁTICAS DA

PSICOLOGIA NA EDUCAÇÃOPara apresentar as principais questões teórico-práticas da Psicologia na Educação, iniciamos com a análise das explicações tradicionais sobre o fracasso escolar, considerando tanto a realidade educacional brasileira quanto a história da Psicologia em relação ao movimento de constituição da sociedade, da Educação e da própria Psicologia como ciência.Análise crítica das abordagens tradicionais em Psicologia EscolarDados obtidos por pesquisas realizadas sobre o processo de escolarização no Brasil1 revelam ausência de escola para todos, evasão ou permanência sem nada aprender (expulsão/exclusão), índices altos de analfabetismo, mostrando que a impossibilidade de constituição da condição humana pela via da educação formal é ainda uma realidade em nosso País.Situando a história da Psicologia em relação ao movimento de constituição da sociedade, da Educação e da própria Psicologia como ciência, Maria Helena Patto (1990) aponta-nos como a Psicologia tem contribuído para justificar essa realidade educacional.1 IBGE (2001), Otaviano Helene (1997) e Alceu Ferraro (1999).

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A autora reporta-se ao século XIX para assinalar o mo qual a contradição vivida pela burguesia atinge o apogeu, i cando-se o abismo entre a acumulação de riquezas e as conquistas do proletariado que, segregado pela burguesia, : mais seu aliado. Buscar justificar tal abismo é também uma das ciências humanas que nascem e se oficializam nesse per -Conforme Patto (1990, p. 17), a burguesia traduz as reh ções das massas em termos assimiláveis pela ordem social e.v com o auxílio das ciências. Esse é o caminho mais eficaz para tir uma participação política, sem que tais reivindicações se ameaças incontroláveis.Desse modo, a Psicologia, para explicar os ajustes da social capitalista em função das exigências dos novos momen tóricos de sua recomposição, tem transitado entre teorias e gens que nada mais são do que recursos da Psicologia como c para a reordenação do status quo da própria sociedade, da Fil da Sociologia...Podemos concluir com a autora que, tendo surgido nesse do, a Psicologia mantém-se até o momento presente, he nicamente, reproduzindo essa condição, conforme o quadro a >■-permite visualizar2.Embora reconhecendo a forma extremamente simplificada apresentação dos dados contidos no quadro3, é possível ideni que a heterogeneidade por ele revelada é apenas aparente. Co ramos ser esta a expressão do pensamento de Patto (1990), q afirma que embora por caminhos teórico-práticos diferentes, a2 O quadro busca sistematizar, ainda que de modo bastante esquemático, algut» aspectos que caracterizam, principalmente, as relações entre o movimento político, a concepção teórica e a abordagem presente em cada um dos moment: movimento, os procedimentos, os tratamentos, os termos de referência e onc\ situada a origem do problema em cada caso. Embora simplificado e inac^r preferimos o quadro porque nos permite melhor visualizar o desenvolvimer:; Psicologia na Educação, em relação com o contexto de nossa sociedade.3 Os dados contidos no quadro foram obtidos por meio da leitura de textos de Níx Helena Souza Patto (1990), Newton Duarte (1996) e troca de idéias entre as auto-s Marilene Proenca.

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cologia em suas relações com a Educação tem sido conduzida por finalidades semelhantes. Referenda o status quo da Educação e da própria Psicologia como ciência, por meio da ênfase em aspectos particulares dos indivíduos, das famílias ou do meio sociocultural que caracterizam a maioria de suas explicações.Neste caso, a única pergunta possível ao psicólogo refere-se a "porque os indivíduos não aprendem", apontando para uma ausência de compromisso da Psicologia com a condição multideterminada das circunstâncias nas quais os indivíduos se humanizam.Tendências atuais do pensamento crítico em Psicologia EscolarA visão tradicional e hegemônica da Psicologia na Educação acima apresentada, passou a ser sistematicamente denunciada no Brasil, a partir da década de 1980, momento no qual se consolida uma postura crítica em relação à identidade e à função social do psicólogo escolar. Tendo como uma das principais referências o texto de Maria Helena Patto (1984), o movimento de crítica pauta-se, nesse momento, pela constatação e denúncia dos pressupostos teóri-co-práticos da Psicologia e da Educação e pelo diagnóstico e análise crítica da história da Psicologia na Educação, enfatizando concepções progressistas e o trabalho coletivo, entre outros.A década de 19904 assinala um período privilegiado desse movimento, marcado pela tentativa de descrever, explicitar, construir/ propor respostas que traduzem em ações as tendências apontadas na década anterior.Na atualidade, verificamos que, apesar de persistirem as tendências já assinaladas, têm ocorrido várias tentativas de retorno às4 Para uma análise das tendências atuais do pensamento crítico em Psicologia Escolar, pode-se consultar textos das autoras, publicados no ano de 2000 no livro Psicologia e Educação: desafios teórico-práticos, organizado em conjunto com as professoras Marilene Proença e Marisa Rocha.

■fáüà

IfcMovimento Concepção Abordagem Procedimentos Tratamento Termo de Origem do Por que a

teórico e teórica referência problema criança nao

político aprende?

Darwinismo Teoria do Psicomoteria Testes de Aptidão Educação Criança No indivíduo Hereditariedade

social Dom ou das e Personalidade Especial anormal (determinantes

(consolidação da Aptidões heredológicos)

sociedade Individuais

capitalista)

Movimento Ambienlalismo Clínica - Psicodiagnóstico Psicoterapia/ Criança - Ambiente Fatores

Higienista (Psicanálise x e (observação/ Orientação problema familiar emocionais(família Behaviorismo) Modificação entrevista/história Familiar e desajustado ou controle

idealizada) do Comporta- de vida) Escolar - Na criança e inadequado do

mento - Condicionarcomportamentosadequados eeliminar inadequados

seus relacionamentos (determinantes da personalidade)

comportamento

Movimento de Organicismo Organicista Exame Neurológico Medicação/ Criança com Disfunção Fatores

Saúde Escolar (alteração na e Terapias de distúrbio de cerebral orgânicos

ordem natural da aprendizagem por anormalidades neurais)

Eletroencefalograma reeducação aprendizagetr

(determinantes neuropsicológicos)

'**•m&

ivcvfêaU»Reivindicaçõesde minoriasraciais e étnicasnos EUA(acordos decooperaçãoBrasil x EUA)

Interacionismo Teoria da privação/ carência cultural

lestes de Aptidão e Personalidade, Psicodiagnóstico ou Modificação de Comportamento

LiducuçáoCompensatória(merenda/estimulaçãoprecoce/antecipação daescolaridade /programasespeciais paracriançascarentes)

Criançacarente/deficienteou diferente

1 >clei iiinmnlrssociais eculturais (nívelsócio-econômi-co)

AN|K'1 IO'.

socioculluiais

Mundiali/.ação (NeoliberalismoPÓN-Modemidiide)

Inatismo, Anibienlalisino, Inlrracionisnío/ ('onslrulivismo

Socioconslrutivista,Sociointcracionisla,SocioinleracionisinoConslnilivisla,CoiislnilivisinnIVlS PiilgCliilllO

- Aplicação deprovas para avaliar desenvolvimento/ capacidade da criança Avaliaçfio de condições do ambiente

- Aguardarmaturaçãofísica dasfunçõesintelectuaisPreparação deumhientefavorável àaprendizagem

Criança imatura

No processo dedesenvolvimentodo indivíduo emcontato com omeio adequado

- Não atingiu maturidadesuficiente- Ausência de ambientefacilitador

1 8 ELEXIT A DE Rício TAN AMACHI E MARIS A EUGÊNIA MELILLO MEIRA

concepções tradicionais, que acabam sendo incorporadas ao d" so das concepções defendidas pelo movimento de crítica, como ? o caso por exemplo das aproximações entre as teorias de Piage Vigotski, estudadas por Duarte (1996, 2000).Assim compreendidas, essas tendências atuais do pensa em Psicologia e Educação, podem reafirmar, neste início de séc movimento de recomposição das justificativas da ciência psicoló, e pedagógica para a manutenção da realidade educacional no texto da sociedade mais ampla, quadro semelhante ao já denunc por Patto (1984).Deixando de se posicionar diante das dimensões ontológi epistemológica e lógica do conhecimento, o retorno às explicaçê tradicionais, encoberto por meio de uma nova linguagem, prepara cenário ideológico propício às mudanças para adaptar o já existe ao novo momento histórico social, sem que seja necessário que;" nar as finalidades da organização social, da produção do conh mento e dos próprios indivíduos.Neste contexto, a tese aqui defendida refere-se ao rompinr com estas tendências, tanto por meio da explicitação de fundam tos teórico-filosóficos e metodológicos que permitam discutir fin dades histórico-sociais concretas, quanto pela ênfase em referen ainda pouco explorado como alternativo à superação dos conh mentos elaborados pela Psicologia em relação à Educação.Uma concepção crítica de Psicologia EscolarTomamos como referência teórico-filosófica e metodológica, o conjunto de elaborações da Psicologia, efetivados a partir do Ma-terialismo Histórico Dialético, enfocando as categorias que têm implicações imediatas para a compreensão do processo de humanizaçãc dos indivíduos no contexto sociohistórico atual.No nível da análise sobre o homem em geral desenvolvida por Marx, destacamos o trabalho como atividade vital por meio do qual o

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homem se relaciona com a natureza e com os outros homens, criando as condições para a produção e reprodução da humanidade; o caráter material e histórico do desenvolvimento humano que permite compreender as relações de produção como determinantes da forma e do conteúdo das relações entre os homens e, finalmente, a lógica dialética, cujas categorias centrais - contradição, totalidade, particularidade..., viabilizam o conhecimento e a interpretação da realidade, considerando a origem multideterminada e contraditória dos fenômenos, apreendendo-os em sua dinâmica horizontal (sua história de desenvolvimento) e vertical (articulação entre aparência e essência).Como a concepção Materialista Histórico Dialética foi gestada visando à análise crítica da sociedade capitalista, ela veicula, para além de um visão de homem e de sociedade, uma concepção ética. Implica a responsabilidade de se construir uma nova ordem social, capaz de assegurar a todos os homens um presente e um futuro dignos. Exige compromisso pessoal e com a construção de um conhecimento científico capaz de contribuir para que o homem se objetive de forma social e consciente, tornando-se, cada vez mais, livre e universal. A finalidade explícita é o compromisso ético-políti-co com a emancipação humana, estando, portanto, presentes as dimensões ontológica - formação do ser dentro de determinadas circunstâncias sociohistóricas, epistemológica - como se conhece esse processo e a dimensão lógica - lógica inerente a essa peculiaridade e que precisa ser apropriada.Nesse sentido, concordamos que a concepção científica sobre o homem em geral, na visão de Marx, pode dar sustentação aos estudos sobre a individualidade/subjetividade, uma tarefa para a Psicologia, assumida por Sève (1979), Vigotski (1996), Leontiev (1978), entre outros.No nível da formação da individualidade, enfocamos os fundamentos da concepção histórico-social do ser humano, tal como propõe Leontiev (1978), no texto "O homem e a cultura". Ao explicitar o momento de constituição da natureza social do homem, o autor

2 0 ELENTT A DE RÍCIO T ANAMACHI E MAEIS A EUGÊNIA MELTLLO MEIRA

explica como se dá o processo de apropriação das objetivações mano-genéricas que permite a objetivação do indivíduo, o lugar comunicação e da educação (em geral e escolar) nesse proces sem deixar de considerar que tudo isso ocorre em uma determin circunstância, no caso, a sociedade capitalista que tem a aliena, como uma de suas marcas. Como não há unidade no referido p cesso de apropriação, porque esta forma de organização social caracterizada por diferenças nas condições de vida (fruto da de-gualdade econômica, de classe e de relação com as aquisiçc sociohistóricas), a constituição da individualidade está condicion à superação do processo de alienação. "Discutindo a alienação econômica e cultural, o autor aponta e mentos progressistas e reacionários da cultura intelectual, ou seja. elementos que servem ao desenvolvimento da humanidade e aque que servem ao interesse das classes no poder. Explicita, finalmen a ruptura entre as gigantescas possibilidades desenvolvidas pelo nero humano e a pobreza e estreiteza que cabe aos homens indivi almente como a contradição que caracteriza a sociedade capitali Defende que essa situação não é eterna porque não o são as re ções socioeconômicas que lhes dão origem, colocando a superaç dessa realidade como uma possibilidade no contexto atual.Concluímos, a partir da análise do autor, que a superação alienação só se constitui uma possibilidade quando a compreen mos por contradição (porque o que os indivíduos precisam para d se libertar está no mesmo contexto que a provoca), quando consi ramos a historicidade dos fatos humanos e quando podemos ent der para transformar as circunstâncias. Além disso, é preciso con derar tanto um processo de educação para permitir a humaniza, (que implica compromisso com a superação da alienação), qu uma concepção de Psicologia que possa dar sustentação, no que ela compete como ciência, a esse processo de educação.Em relação à Educação, encontramos na Concepção Históri crítica de Saviani (2000) a explicitação de finalidades transformado para a Educação e para a Psicologia.

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Ao discutir as finalidades da educação escolar, destaca o caráter conservador e ao mesmo tempo contraditório do projeto burguês de escola, pensando por contradição tanto as relações da escola com a sociedade, quanto a função da escola e os temas relativos ao processo educativo (conteúdos, métodos, relação professor/aluno). Toma o processo de democratização da educação no sentido formal e substancial, defendendo a garantia de acesso e permanência na escola, como uma condição de humanização no sentido da "onilateralidade"5.O autor permite apresentar, como elementos que garantam a transformação da escola em instrumento de emancipação:• a natureza e a especificidade do trabalho da escola, enfatizando a seleção e organização dos conteúdos com base no saber universal (clássico/erudito), o movimento de continuidade (com aquilo que o aluno já sabe) e ruptura (quando o professor apresenta, introduz novos conhecimentos) e a discussão sobre as práticas diárias (o que/ como/para que fazer, a fim de garantir a transformação a partir da educação escolar);• a competência técnico-pedagógica do professor para selecionar os conteúdos e os procedimentos de ensino e o compromisso político com os pressupostos e as finalidades de emancipação;• o lugar do professor como coordenador da ação educativa e o trabalho coletivo;• a compreensão da escola como um local, ao mesmo tempo, conservador e revolucionário que difunde a cultura, que é ao mesmo tempo fictícia e verdadeira.As práticas pedagógicas imprescindíveis a uma educação escolar emancipatória, enfocadas por Giroux (1986), acrescentam aspectos importantes a respeito da natureza ativa da participação dos alunos e dos professores no espaço da educação escolar. Propondo o professor como mediador entre os alunos e o conhecimento e o conhecimento como mediação entre os que aprendem, o autor anuncia que as relações em sala de aula devem garantir a aprendizagem5 Para aprofundar essa discussão, ler Manacorda (1989).

2 2 ELENTTA DE RÍCIO TANAMACHI E MARISA EUGÊNIA MELILLO MEIRA

do pensamento crítico. Professores e alunos devem ir além do ocínio fragmentado, buscando a origem do conhecimento para : mitir a autoria dos próprios atos. Devem aprender porque certos lores são imprescindíveis à vida humana, indignando-se diante forças contrarias à qualidade da existência humana, despei paixão e otimismo em relação às possibilidades de um mundo lhor. Conforme Suchodolski (1984), o processo de formação gera. específica dos indivíduos deve levá-los aresponsabiüzar-se pela formação da realidade sociohistórica atual.Ainda discutindo o espaço específico - e possível nas circ tâncias atuais - da escola no processo de transformação da so ' de, Pucci (1995) sinaliza na direção da construção de uma comprometida com a transformação humana e social, destacan• a educação das consciências, para que os indivíduos pos~ tomar distância do material a ser interpretado, ao mesmo te apreendendo no hiato entre um presente e um futuro radicalm diferentes, as contradições a serem superadas por ação individ' e social;• a necessidade de romper com a autoconfiança e a auto-s; facão do senso comum para resistir/superar o estado estabele das coisas, indignando-se com a realidade;• o restabelecimento das condições de autonomia, liberdade consciência dos indivíduos, trabalhando com o conhecimento nec sário ao rompimento da consciência domesticada pela via da fo ção cultural;• a importância da conscientização dos mecanismos subjetiv da dominação e dos motivos que levam a ela, para que a submis" se torne insuportável e o desejo de viver melhor tome conta indivíduos.Neste contexto, consideramos juntamente com Sève (197 Duarte (1993) e Vigotski (1996) que cabe à Psicologia oferecer s sídios para o desenvolvimento de uma concepção científica do indiv duo, entendido como síntese da história social da humanidade, cujo desenvolvimento deve conscientemente participar para asseg

A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO ... 2 3

:ÍT sua emancipação. Trata-se de tomar como tarefa também da Psicologia o estabelecimento de mediações entre o desenvolvimento Mítórico-social da humanidade e a vida particular dos indivíduos.E se no momento atual as relações entre os homens têm favorecido a alienação, deve-se ressaltar que estas mediações teóricas não podem apenas explicar como e porque os indivíduos agem ou são de uma ou de outra maneira, mas deverão também buscar responder como e porque os indivíduos podem vir a agir ou tornarem-se seres emancipados.A concepção de Psicologia de Vigotski6 (1996,1998,2000,2001) enfrenta esse desafio, marcada por princípios que caracterizam a elaboração de estudos da Psicologia, desenvolvidos a partir do Ma-terialismo Histórico Dialético.Entendendo-a como ciência que se propõe a explicar como a partir do mundo objetivo (que é histórica e socialmente determinado) se constrói o mundo subjetivo do indivíduo, Vigotski e os demais autores citados acima explicitam tanto a concepção filosófico-metodológica que embasa as análises da Psicologia, quanto os procedimentos e as funções de tal conhecimento; não reduzem "o pensamento e a ação humana a determinações do psiquismo individual", não partem, portanto, "de um errôneo primado ontológico do indivíduo", mas das relações sociais para chegar à "biografia" do indivíduo e retornar ao social; não reduzem o conceito de indivíduo à descrição das características de indivíduos em geral (indivíduos empíricos)7.O projeto principal de Vigotski (1996) constituiu-se no estudo dos processos de transformação do desenvolvimento humano em6 Aqui fizemos um recorte no interior da Psicologia Soviética, para situar as contribuições de Vigotski, que estudou principalmente aqueles temas que nos permitem aproximar a Psicologia da Educação. Entre outros, poderíamos ainda buscar as contribuições de Alexander Romanovich Luria e de Alexei Nicolaevich Leontiev e de outros representantes da Psicologia Soviética, tais como Zinchenko, Petroviski, Davidov, Andréeva, conforme indicação de Marta Shuare (1990).7 Para análise dos princípios que caracterizam os estudos da Psicologia, desenvolvidos a partir do Materialismo Histórico Dialético, consultar as fontes utilizadas para as citações, além dos textos de Lucien Sève - Marxismo e a Teoria da Personalidade (1979) e do texto de Newton Duarte - A Individualidade para-si (1993).

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sua dimensão filogenética, histórico-social e ontongenética, do chegar até à dimensão micro-genética - formação e maniit ção de determinado processo psicológico. Priorizou as funçõeí cológicas superiores - controle consciente do comportamen ção/pensamento abstrato/capacidade de planejamento, as mu qualitativas do comportamento, a educação em geral e escolar seu papel no desenvolvimento. A finalidade de seu trabalhe redefinir o método de compreensão do fenômeno humano, para cobrir o meio pelo qual a natureza social se torna a psicológici indivíduos.Para tanto, destaca o cérebro como órgão material da ativi^ mental, que também se adapta às transformações no meio físi social; o processo de internalização que permite a apropriaç~ conceitos, valores e significados, a partir da atividade cognitiva consciência em relação à atividade externa; o conceito de medi , possível por meio dos sistemas simbólicos que representam a r dade (instrumentos e linguagem, que regulam as ações sobre os jetos e sobre o psiquismo respectivamente). Conclui que os pr sos de funcionamento mental do homem são fornecidos pela c (no plano social-interpsicológico), por meio de instrumentos psi gicos são internalizados (movimento intrapsicológico), produzin movimento de individuação (que é singular, mas socialm construído).Estudando principalmente a relação pensamento/linguage relação aprendizagem/desenvolvimento, a consciência e as emoç o autor supera as concepções inatistas, ambientalistas e interacioni que reforçam a idéia de determinismo prévio (inato ou adquiri defendendo a perspectiva sociohistórica ou histórico-cultural explicar tais temas relativos ao desenvolvimento humano.Toma o pensamento e a linguagem como processos de orige biopsicológica diferentes e desenvolvimento independente, mas q se relacionam para permitir o funcionamento psicológico superi A linguagem, impulsionada pela necessidade de comunicação, e pressa o pensamento e age como organizadora do mesmo e

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rrocesso de internalização, medeia a ação dos indivíduos. Portan-para o autor, a comunicação é fator de desenvolvimento. Deve >er clara, precisa, provocar dúvidas e o desejo de iniciar novos ::>cessos construtivos.No que se refere à relação aprendizagem/desenvolvimento, ex-r:ca que a aprendizagem (escolar e extra-escolar) possibilita e mo-menta o processo de desenvolvimento e que ele é dinâmico (não gradativo, nem de evolução progressiva ou de acumulação quanti-ütiva, como no caso das outras concepções), no qual estágios de relativa estabilidade sucedem períodos de mudanças radicais, com ênfase nos momentos de crise. De acordo com a perspectiva >ociohistórica, o desenvolvimento ocorre no nível real (aquilo que o mdivíduo já é capaz de fazer só) e por meio da Zona de Desenvolvimento Próximo - obtida pela diferença entre o que é capaz de fazer só e aquilo que faz com ajuda e que explica a possibilidade de novas aprendizagens.Nesse caso, a educação escolar deve produzir desenvolvimento - que segue a aprendizagem e cria a Zona de Desenvolvimento Próximo. O ensino deve estar voltado para novos conhecimentos. E a Psicologia deve estudar como os indivíduos elaboram conceitos, enfatizando as estratégias, os erros, o processo de generalização.A teoria de Vigotski lembra ainda que a formação da consciência individual envolve as relações entre pensamento/linguagem, desenvolvimento/aprendizagem, o significado das mesmas e os afetos e emoções que oferecem as condições para sua elaboração. Desse modo, para o autor, o pensamento tem origem na esfera motivacional (desejos, necessidades, interesses, afetos...) que explicam o porquê de sua existência.Os aspectos da teoria do autor aqui ressaltados permitem explicitar espaços muito bem delimitados para a Psicologia e para a Educação, no contexto da constituição histórico-social dos indivíduos. Em ambos os casos, a finalidade seria favorecer os processos de humanização e a reapropriação da capacidade de pensamento crítico.

2 6 ELENITA DE RÍCIO TANAMACHI E MARISA EUGÊNIA MELILLO MEIRA

No que se refere à educação, este objetivo concretiza-se por da valorização do papel da escola para trabalhar com o que ai está formado no aluno (adiantando-se ao seu desenvolvimento).«. controle das atividades, sempre privilegiando a autonomia, a criati\> a automotivação e a diferenciação. Ainda, a ênfase no papel d; fessor como mediador na dinâmica das relações interpessoais relação da criança com os objetos do conhecimento, ressalt lugar importante para a imitação e para o brinquedo.Em relação ao espaço da Psicologia, cabe um posicion diante das finalidades sociais da Educação e da própria Psi como ciência, sempre pautado na explicitação e conhecimento pressupostos teórico-filosóficos e metodológicos que funda' sua ação e reflexão; a redefinição do seu objeto de estudo, enf o modo como a atividade dos alunos é determinada pela Educ\ a descoberta das leis psicológicas que regem esse processo. C ainda, a consideração dos determinantes sociais e dos aspectos jetivos inerentes à organização escolar e à definição dos prob" de ensino-aprendizagem, visando a transformação do trab escola. A atuação do psicólogo deve visar uma multiplici ações, uma vez que a identidade profissional está nas finali serem atingidas por recursos teóricos e práticas diferenci pesquisa não pode se constituir em mera investigação científica, produzir efeitos, e permitir a participação de todos no proa transformação dos resultados em ações concretas para transfi a realidade.Podemos então concluir que o referencial aqui apresentado mite o reconhecimento de lugares específicos no interior do p so de humanização dos indivíduos, à Filosofia cabendo as finali (por que e para que tal processo); à Psicologia, a explicação de a aprendizagem e o desenvolvimento ocorrem e à Educação E a efetivação da educação/aprendizagem por meio de recursos gógicos concretamente organizados pelo professor.Se estamos considerando que a Educação é o principal cesso por meio do qual os indivíduos se objetivam como hu

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i?ropriando-se dos bens produzidos pelo conjunto dos homens. Que a Psicologia é a ciência que se propõe a explicar como a partir do mundo objetivo se constrói o mundo subjetivo do indiví-i-o. então os processos de subjetivação/objetivação do mundo >ocial pelos indivíduos são o seu objeto de estudo. E a Psicologia não pode desconsiderar a dimensão educativa em qualquer de suas áreas de estudo/atuação/formação. A Psicologia Escolar não pode ser compreendida como especialidade na formação do psicólogo, embora tenha especificidades. Necessariamente, há que <e rever a Psicologia na Educação, atribuindo-lhe um novo sentido, além de um outro lugar ao psicólogo.2. A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO JUNTO A DEMANDA DE QUEIXA ESCOLARSituamos o psicólogo como mediador no processo de elaboração das condições necessárias para a superação da queixa escolar, uma demanda freqüentemente presente em nosso trabalho.Para tanto, defendemos a aprendizagem dos conceitos cotidianos e científicos como a atividade principal da criança para garantir o seu processo de humanização, uma vez que ela possibilita e movimenta o processo de desenvolvimento do pensamento, tendo a linguagem, a consciência e as emoções como mediadoras desta ação. Assim, podemos tomar como objeto de estudo/intervenção da Psicologia na Educação, o modo como esta atividade da criança é determinada pela Educação em geral e/ou escolar, além da descoberta das leis psicológicas que regem este processo.No que compete à ação do psicólogo, propomos a descrição e análise da relação entre o processo de produção da queixa escolar e os processos de subjetivação/objetivação dos indivíduos nele envolvidos, como uma mediação necessária à superação das histórias de fracasso escolar.

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Herbert8 tinha dois anos de idade quando, em dições precárias de saúde e financeiras de sua fi. foi levado por sua madrinha para morar na casa O marido da madrinha e as filhas não queriam ção, mas esta foi feita à revelia de todos, inclusi' pais biológicos.Restabelecido, todas as vontades satisfeitas e do desde as primeiras artes e desobediências q poderia ser diferente mesmo, afinal seu futuro é s catador de papel como o pai biológico, chegou a de ir para a escola... a mesma na qual também es' seus irmãos biológicos.A mãe adotiva apressa-se em contar sua história a direção/coordenação e professores da escola, se de uma criança que inspira cuidados... A última que ele fez foi quando estava em consulta medi rotina. O médico, amigo da família, recomendou consultassem um neurologista porque o menino é nervoso. A ele foi prescrito calmante e antidepr que o fazem oscilar entre a apatia total e a. euforia, pendendo do medicamento tomado (dorme tarde, não sono na hora em que todos dormem; na escola fica trado ou bate, briga, não para quieto...).Logo ao fim do primeiro ano, a escola que já conversado semanalmente com a mãe adotiva, faz o caminhamento da "queixa " para o Centro de Psi gia, para a Psicologia Escolar.Nesse momento, Herbert encontra-se com 8 an:. agressivo, desobediente, não tem concentração na sa.s,8 As análises teórico-práticas da atuação do psicólogo serão acompanhadas, no do texto, de trechos retirados do relatório de um trabalho desenvolvido em 2002 pelas estagiárias Aline Luzia Pavan e Célia Regina da Silva do curso de gr em Psicologia da UNESP-Bauru, respectivamente e supervisionado por Ele Rício Tanamachi. Para evitar identificação, o nome do cliente foi substituído.

A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO ...29

aula e apesar de copiar muito bem quando quer, não sabe ler nada. Só vai passar de ano devido à progressão continuada..., afirma o encaminhamento feito pela escola.Entendemos a "queixa" como uma síntese de múltiplas de-:erminações - relações familiares, grupos de amigos, contexto social e escolar, portanto, consideramos que a superação das condições nas quais a "queixa" é apresentada depende da ação comprometida e consciente de todos aqueles com ela envolvidos, mediada pelo psicólogo.A escola diz que o ideal seria Herbert ir para uma classe especial, afinal ele tem "problemas " porque é adotivo. O médico confirma, receitando medicamentos considerados adequados para o caso. A mãe adotiva diz que sem os remédios não dá para "agüentá-lo", ele bate nela..., nos colegas da escola, não obedece, vai para a diretoria, não faz o que a professora pede... As irmãs adotivas dizem que é muito mimo, que ele tem tudo o que elas não tiveram. Junto com o pai adotivo elas acham que ele deve voltar a morar com os pais biológicos. A mãe adotiva e as professoras acham que tudo fica pior quando Herbert encontra com os irmãos e os pais biológicos... Quando ele vai brincar na casa dos amigos, ele briga e tem de voltar para casa. Os pais dos amigos não querem mais que os filhos brinquem com Herbert. Na escola, quando tem passeios, os pais já perguntam se o Herbert vai...Escola, professores, pais, amigos, a criança e o próprio psicólogo precisam compreender que a "queixa" é apenas a aparência, o nível imediato que se caracteriza como uma representação isenta de análise, cabendo ao psicólogo mediar a compreensão da essência do que foi apresentado como "queixa", por meio da investigação/explicação/ação conjunta.

3 O ELENITA DE RÍCIO TANAMACHI E MARIS A EUGÊNIA MELULO MEIRA

A professora disse que Herbert tem problemas aprender porque viveu em precárias condições até de vida. Noutro dia, disse que tem problema po adotado..., é traumatizado por se sentir aband pelos pais biológicos e é mimado pela mãe adotir tenta compensar as carências...Perguntamos sobre os conteúdos escolares, procuramos der como são trabalhados na sala de aula e investigamos com i cola (em conversa com professora/coordenadora/diretora e e servações na escola) o que acontece quando a professora en~' que ensina, quando os alunos aprendem, quando não aprend que ocorre que às vezes não dá vontade de ensinar, de apren„ que acontece quando os alunos fazem uma parte do que é solicii Quando o aluno é encaminhado ao médico, ao psicólogo?... 0 ocorre quando o professor pede ajuda?...A mãe adotiva disse que a professora não sabe nar, que a escola chama os pais toda semana para br ar que façam aquilo que é trabalho da escola... qu£ professora deveria ser mais enérgica. Em outro mo to disse que cobra demais... Ela também acha que o nino possui problemas por ser adotivo. 'Ele tem pr ma de cabeça, por isso não aprende", disse em um encontros com a psicóloga... :y ■■'■■■As irmãs adotivas e o pai culpam a mãe adotiva dar atenção demais ao menino. O pai já decretou, vai ser como os pais biológicos, não tem jeito.Fizemos, com a família adotiva, uma lista do que Herbert faz, destacar que a família só observa aquilo que considera errado, nega' E se pensamos nos afazeres domésticos já realizados, nas tarefas lares quando ele realiza, nos carinhos feitos a todos...? O que faz que a mãe adotiva o trate de modo diferente do que o faz com as de filhas? O que faz o pai adotivo achar que será igual aos pais biológi

A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO ...31

Herbert não quer falar, nem vivenciar qualquer situação que se assemelhe à escola. Quando os temas referem-se a outras situações de seu dia-a-dia, ele esbofeteia os bonecos, xinga a psicóloga, diz que ela não sabe de nada e que não vai fazer nada porque está com sono. Diz que não sabe ler nem escrever. Outras vezes diz que vai à escola para aprender...A psicóloga insiste para que ele faça um desenho, conte uma história, leia ou ouça a leitura de um livri-nho, escreva o seu nome ou alguma letra que conhece, brinque de escolinha.Embora irritado com esta condição insuportável que todos (pais, escola, a psicóloga e ele próprio, que não consegue ver sua realidade de outro modo, já que é impedido de vivenciá-la...) insistem como sendo a única possibilidade... (se conhecessem outras formas de análise talvez tivessem elementos para romper com essas já cristalizadas)... Herbert vai à aula, acredita que é lá que irá aprender, quando a professora passa atividades iguais as dos colegas, ele se empenha e participa ao menos. Quando a psicóloga diz que ele não precisa fazer a atividade, mas que ela vai realizá-la... e joga com os pais adotivos, ou lê e escreve... ele entra na atividade e mostra tudo o que já é capaz de fazer...Herbert adora encontrar os irmãos biológicos. Ele quer ir na casa deles... ver os pais biológicos... A escola e os pais adotivos não querem que isso ocorra..., mas não falam sobre isso... A mãe adotiva tem medo de perdê-lo... A professora acha que desconcentra... Os irmãos adotivos e o pai acham que tem de ir e ficar... A psicóloga não sabe a hora exata de suas intervenções. Como contar esta história a todos? Esquece-se que a história poderia ser elaborada por todos, desde que cada um deixasse de entender que esta é tarefa exclusiva dele...

32ELENTTA DE RÍCIO TAN AMACHI E MAÍOSA EUGÊNIA MELILLO MEIRA

Herbert, sem conhecer estas expectativas e anal" quer ficar com todos, quer desfrutar da riqueza sibilidades que sua condição de vida lhe permi dido, irrita-se... A professora desiste, a mãe es' da e não sabe mais o que fazer. O pai e as irm vas acham que deve voltar para a família biológiat dia a mãe adotiva viajou, ele quis bater numa de adotivas, ela ficou brava e ele fugiu e foi parar ;:-da família biológica...A avaliação e a intervenção não podem se pautar por que visem encontrar nos indivíduos a explicação para a " Não se trata de desfocar a criança, para culpabilizar a família^ escola. Mudamos a pergunta, em vez de nos dirigirmos a pes situações isoladas - o que tem efeito paralisador - busca circunstâncias, porque estas podem ser transformadas.Se consideramos que a subjetividade só se constitui a pa condições concretas de vida dos indivíduos, é a historicidade fatos apresentados como "queixa" que deverá ser investigacL ta-se de buscarmos, com todos os envolvidos, as ações, os aco mentos, as concepções que "produziram" a "queixa" e "motiv seu encaminhamento, conforme nos indica Machado (2000).A avaliação aqui adquire caráter investigativo e não cl catório, do que concluímos que a base de nossa avaliação é o rc histórico das situações concretas que permitiram a existência da' xa". Identificar as possibilidades concretamente existentes superação dessa condição, constitui-se no desafio da interven^Conforme Vigotski (Duarte, 2000, p. 87), devemos:- Saber descobrir sob o aspecto externo do processo conteúdo interno, sua natureza e sua origem. Toda a d: dade da análise científica radica no fato da essência objetos, isto é, sua autêntica e verdadeira correlação coincidir diretamente com a forma de suas manifes externas e por isso é preciso analisar os processos; é

A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO ...33

so descobrir por esse meio a verdadeira relação que subjaz nesses processos por detrás da forma exterior de suas manifestações. Desvelar essas relações é a missão que há de cumprir a análise.Para dar conta desse trabalho, Collares e Moysés (1997) sugerem que o psicólogo deve olhar não para o que a criança não tem e não sabe, mas para o que ela sabe e gosta de fazer. Assim como indica Meira (2000), o profissional deve articular o processo de avaliação/intervenção a partir daquilo que todos apresentam como dados concretos, já conhecidos, como entendem e agem nas situações apresentadas.Nesse caso, com a criança observamos nas atividades realizadas durante os encontros, os aspectos que estão relacionados com nossa investigação, elementos que revelam seu potencial de aprendizagem quando colocada diante de situações-problema, desafios. Com a família e a escola, investigamos as concepções, as hipóteses sobre a "queixa", o que fazem para superá-la e quais são suas expectativas. Avaliamos e mobilizamos, portanto, as objetivações, os significados, os sentidos atribuídos ou a serem atribuídos, visando preparar a apropriação de novas possibilidades.A intervenção tem dois eixos principais que não podem ser trabalhados em separado. O primeiro eixo refere-se à relação desenvolvimento/aprendizagem em Herbert e em todas as pessoas envolvidas, na perspectiva da constituição das condições de humanização pela via do conhecimento de conteúdos pertencentes tanto à educação escolar, quanto à Psicologia. O segundo eixo refere-se à elaboração de afetos/emoções como motivos compatíveis com a formação da consciência.Quando a professora desiste de ensinar Herbert, aprendizagem dele em relação a novos conhecimentos, fica defasada... Constata-se ausência de mediação da linguagem (verbal e escrita)... Ele não pede, empurra...

34ELENTTA DE RÍCIO TANAMACHI E MARIS A EUGÊNIA MELILLO MEKA

ele "manda " a psicóloga, ou a mãe e o pai escrev resultado dos jogos... Ele não utiliza a linguagem um recurso nas relações cotidianas ou mesmo res... As pessoas não conversam com ele, não exr o que está acontecendo... Ele também não quer es o que já sabe, precisa aprender que quem sabe parte, com ajuda, poderá saber o todo. Precisa ser. safiado a ouvir as explicações, precisa ser cobr Necessita entender-se dentro do processo de alfab ção, pode estabelecer uma outra relação com o seu cesso de aprender a ler, escrever, contar... Pela vi conhecimento, os motivos começam a ser compatíveis novas possibilidades de aprender...Um dia a psicóloga deixou o nome dos coleg Herbert e o dele próprio na lousa da sala de atendi to. Quando ele entrou, ela disse "vou apagar aqui; que será que deixaram a lousa assim?... o que será estavam fazendo? Me ajude aqui!" Ele diz "olha o nome aqui! Ta cheio de nome...", e reconheceu mais guns nomes. "Herbert, o que você está fazendo? " tou lendo nomes!" "Lembra quando você dizia que sabia ler? E agora?" "Agora eu já sei"... A psicól continua... "Quem sabe ler alguns nomes, pode ler tros, pode escrever também. É só ter alguém que ensi para isto existe a escola, professor, ninguém nasce bendo..." Avaliando o dia, pergunta: "o que aconte de bom hoje?" Herbert apressa-se...: "descobri que ler e que posso escrever" e a psicóloga diz "quem pn sa saber disso? Vamos pensar como contar e vamos fi tografar, desenhar este momento"... No mesmo dia, f uma reunião com a família adotiva, na qual Herbert c ta tudo o que ocorreu... Depois, as fotos e desenhos v para a escola... Todos precisam entender e analisar que aconteceu para incorporar o fato em sua relaç

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A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO ... 35com Herbert e em outras circunstâncias semelhantes... Ele quer contar tudo isso para a família biológica e pede à psicóloga "você vai comigo?"...Todos precisam também entender que a adoção não é limite, mas uma condição, assim não pode ser causa da não-aprendizagem, da agressividade, do mesmo modo que o trabalho do professor, da família e mesmo do psicólogo podem ser condições a serem preservadas ou superadas. Se tomados como limites, podem imobilizar.Quais são as possibilidades concretas existentes para a superação dessa história que já não é mais somente a história de Herbert? Mas, a dele em relação à da professora, dos pais, da psicóloga em formação... Do que efetivamente não dá para abrir mão?Herbert precisa por sua descoberta a serviço da aprendizagem de conhecimentos úteis a uma vida, cada vez mais, autônoma e participativa - ele vai fazer 10 anos e só pode sair de casa acompanhado, não pode ver os pais biológicos quando quer, não faz as atividades escolares como os colegas...A família adotiva precisa reconhecer a legitimidade da relação de Herbert com a família biológica e que o fato de ter duas famílias enriquece sua história. Ele não precisa escolher uma... Isso deixa todos mais seguros! Deve ainda entender que a adoção não é causadora de dificuldade para aprender... Convencer-se de que ele é capaz de aprender... que a escola pode/ deve ensinar...A escola, de posse daquilo que Herbert já é capaz de fazer, precisa desafiá-lo na direção do que ainda não sabe realizar só, solicitando-o, passando tarefas, cobrando sua realização, avaliando, oferecendo modelos, apresentando conceitos, ensinando...

3 6 ELENITA DE RÍCIO TANAMACHI E MARISA EUGÊNIA MELILLO MEIRA

O psicólogo, como mediador na efetivação de esses objetivos, deve superar a condição de "reso de problemas " — que espera a aprovação de Her fim do ano, a reconciliação entre as famílias, en nais felizes para encerrar "o caso ", para saber como as finalidades da Psicologia não são as da cação e nem as das famílias, essa atuação já pode encerrado...O retorno à especificidade da Psicologia, por da intervenção, constitui-se em mais uma etapa de trabalho.Falemos, ainda, sobre as principais estratégias utilizadas:• Temas/situações geradores9 de possibilidades de trabalho: dições necessárias para provocar, desafiar as pessoas envolv em busca da superação das condições postas no momento, por da "queixa"; geradores, enfim, da atividade principal da crian; condição de participação de pais, professores e crianças.Um dia Herbert entra na sala de atendimento em direção a um carrinho de bombeiros lá esque A psicóloga tinha planejado outro encaminhamento avaliar o conceito de número, mas sabendo de sua ção aos conteúdos escolares, substitui a atividade. tendo a finalidade prevista. Arremessou o quebra ça numérico ao chão, anunciando um incêndio e mando pelo bombeiro... que chegou prontamente, olhos brilhavam!... Estava preparada a situação . dor a de muitas possibilidades... Descobriu, junte9 Parte da fundamentação teórica utilizada para a organização dessa estra' apropriada do conjunto de elaborações desenvolvidas por Celestin Freinet c Freire.

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Herbert, motivos para aprender a trabalhar com números; depois puderam contar isto para os pais e para a professora...Cada peça do quebra-cabeça era uma casa destruída em parte pelo fogo, de modo que para reconstruí-la teria que utilizá-la adequadamente (conforme as regras do quebra-cabeça, adequadas para o trabalho com conceitos numéricos...).Herbert puxou um tapete com os números do quebra-cabeça, colocou-os em seqüência e, assim, numerou as casas a serem restauradas. Disse que as casas ficavam em uma rua... E como a cena montada não podia ficar na sala de atendimento, a psicóloga sugeriu que fosse construída com cartolina, para poder guardar... A maquete teria de ser completa e Herbert caprichou... fez placas, sinal de trânsito e escreveu "PAE" (pare), tem um posto e escreveu "POT"... e fez o convite para a reinauguração da rua, pediu o alfabeto móvel e começou a organizar o convite, escreveu tudo o que já sabia com ajuda da psicóloga, fez todo o convite. Indagado sobre o que faziam, disse "escrevemos". "Então, já sabe escrever? Vamos fotografar, registrar. O que vamos fazer? " O menino diz: "vou contar pro meu pai, minha mãe e minha professora". "Como?" "Mandando o convite de reinauguração da rua para eles ".• Jogos coletivos, como estratégias para a compreensão das contradições não explicitadas na "queixa" ou para evidenciá-las.A psicóloga marcou o encontro de Herbert junto com o de outra criança atendida por sua colega... e planejou um jogo...Herbert ensinou o menino a jogar, o menino ganhou o jogo e ele xingou o menino...

3 8 ELENTTA DE Rlcio TANAMACHI E MARIS A EUGÊNIA MELOLO

• Dinâmicas que permitam ultrapassar os limites locados pela "queixa". ;< %Em uma dinâmica envolvendo uma volta os pais adotivos contaram as suas histórias a psicóloga e para o Herbert e ele quis Si depois quis conversar com os pais biológicos• Leitura e discussão de textos e relatórios e plane' junto de atividades.A análise e discussão de um texto sobre gem/desenvolvimento, ajuda o pai adotivo e. Herbert não é igual ao pai biológico. "Ent" tudo definido quando nasce?"A leitura conjunta dos relatos dos encon, res e do planejamento do trabalho, após os encontros, permite a Herbert posicionar-se sa ir lá na escola, eu não vou mais porque mesmo! O pai falou que eu vou puxar carroç. e a mãe adotivos não querem marcar reunião mília biológica: "Pode tirar isso do planejaAo ver o relatório do encontro no qual o Hcr. e escreveu, a mãe adotiva disse ao pai: "Eu que ele esconde o jogo?"...A psicóloga muda o jeito de escrever... faz n nejamento... Redige texto para leitura e discus. -Em outro momento, estavam todos reunidos, dimento conjunto, família biológica, Herbert, a ga, organizando as etapas do trabalho, até o ria chegar a intervenção, qual o lugar de cada processo!• Grupo de crianças para privilegiar a relação que elas o que sabem, gostam, querem fazer, enfatizando os conh

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_e cada um no coletivo - tomado como o espaço de manifestação : :s diferentes níveis de conhecimento.Cada criança seleciona uma atividade que sabe fazer e que os demais não conhecem... planeja com o psicólogo os passos para ensinar os colegas e a cada encontro uma delas coordena com a psicóloga os trabalhos... Herbert fez a lista de material para ensinar a fazer pipa (escreveu o que já sabia e pediu ajuda em casa, na escola e para a psicóloga...), foram comprar e arrumar o material, pensou com a psicóloga como ensinar aos colegas. No dia da reunião, ele fez passo a passo, mostrando aos colegas... Olhava o trabalho de cada um... Um menino não conseguiu fazer, ele deixou a sua pipa e ajudou o menino até dar certo, depois voltou para a sua...Depois foram escrever o material para todos guardarem. Herbert põe na lousa... Quando pula letras nas palavras, outro colega vai lá e completa. A lista fica pronta... Na avaliação, todos disseram: "o Herbert ensinou a fazer certinho... as pipas subiram... ele sabe fazer..."• Grupo de pais: para discutir diferentes formas de ocupar seu espaço na educação escolar do filho e para se posicionarem em relação às questões da escola, da Psicologia, da medicalização e outras tantas que surgem no decorrer do trabalho.Em uma das reuniões mensais, a atividade inicial era ler um texto em alemão, para entender como os filhos podem sentir-se em situações variadas na escola ou em casa... quando exige-se a tarefa pronta, ' quando se pede para fazer o que já for possível...Na avaliação, um pai concluiu: "quando você sabe que pode fazer o que dá, descobre que já sabe muita coisa "...

4 O ELENTTA DE RÍCIO TANAMACHI E MARISA EUGÊNIA MELILLO MEIRA

Noutra reunião, a mãe conta que o filho não o remédio que o neurologista passou (ela descol ele jogava no lixo) e concluiu: "ele não podia este calmo por causa do comprimido (...). Eu não insisz para ele tomar".Outro dia, uma mãe disse à mãe de Herbert: casa eu falo: venha comer! e ponho o prato. Se nZ na hora, fica sem comer e ele não faz mais isso! ~S porque tem de ser diferente para o Herbert! Expe te fazer assim ".No primeiro encontro, as psicólogas contaram é o psicólogo, o que ele faz... Uma mãe disse: que eu ia antes não era assim, aqui é diferente... possível falar de formas diferentes de atuar e de dades para cada uma delas, discutindo as final do trabalho que fazemos.• Grupo de professores e reuniões na escola para c conhecimentos da Psicologia a serviço do trabalho pedagogiaEm atividade conjunta, a professora de Her lou para a psicóloga que "não chama ele na lousa. ele não passar vergonha... " A psicóloga per "quem quer vir à lousa?" Herbert foi o primeiro.. creve aí, Herbert... professora". Ele escreve po..., ma o colega e pede ajuda e escreve corretamente. lêem "professora"...Assim planejam e discutem inúmeras situações. _ cóloga prepara texto para explicar a lógica de tervenção... A professora pede para apresentar nião. Psicóloga e professora preparam e coon - reunião na escola...• Visitas domiciliares e ao bairro: para investigar e co a dinâmica familiar e as relações entre o bairro e a escola.

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Herbert queria ir à casa da família biológica. A psicóloga marca reunião na casa da família adotiva para discutir a visita. A mãe fala: "se for, tenho medo de que não volte"; as irmãs e o pai "é bom que fique";... Herbert fala: "eu só quero passar o dia com eles, eu gosto de vocês ". A mãe diz: "ele não sabe o caminho ". A psicóloga não aceita que a mãe explique, deixando que ele a conduza; chegam certinho.Conversam muito, ele brinca com os irmãos biológicos. Todos falam com muito respeito da família adotiva. Na volta, muita coisa para contar e analisar!• Eventos científicos para entender que todos os participantes do trabalho contribuem com a elaboração do sabei/fazer PsicologiaEscolar.Em um congresso na universidade, para fazer o painel do trabalho desenvolvido junto à demanda de "queixa escolar", tínhamos fotos dos grupos de crianças e de pais. Precisávamos de autorização para a exposição.Levamos o painel para os grupos de pais e crianças. Contamos sobre o evento, para que servia e que sem eles a formação dos psicólogos não se efetiva como julgamos que deva ser. Uma mãe disse: "anota aí, você esqueceu de contar aquele dia que eu descobri que minha filha não tinha nascido com problema, mas que se alguém tivesse ensinado antes ela teria aprendido, agora ela sabe". O pai adotivo de Herbert disse: "ele quer ir lá, posso levar? ".Na apresentação do painel, lá estava Herbert, o pai adotivo e a estagiária. Quando começaram a chegar os observadores, Herbert chamou um grupo de alunos de Psicologia e a supervisora do estágio: "vem cá ver a foto do meu grupo... este aqui sou eu! Sabe por que eu estou aqui?... " E contou a história do trabalho para todos, junto

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com a psicóloga e o pai. Nos detalhes dizia: "Em: foi o dia que eu descobri que sabia ler e escrever t que não preciso mais ir no CPA, falo com a psic carta ou por e-mail, quando dá saudade ".O envolvimento das pessoas relacionadas às si escolarização em questão, compreendendo-as e transfo é o resultado geral das investigações.Os professores apropriam-se de peculiaridades de seu e dos alunos que não haviam compreendido.Os pais descobrem capacidades e especificidades de. e de sua própria relação familiar.As crianças apropriam-se de suas possibilidades de .:O psicólogo define seu lugar nesse processo e organiza nhecimentos sobre a Psicologia na Educação, quando retornaConsideramos que este trabalho é a expressão co~ referencial anunciado, pois enfoca as diferentes relações criança participa, mobiliza todos os elementos presentes n ções e põe o psicólogo em condições de mediar, junto com sor, a construção do sentido pessoal e social do processo e de aprender de todos os participantes.3. A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO EM INSTITUIÇÕES DE ENSINOTomando como fundamento as categorias do pensam co e suas expressões nos pressupostos da Pedagogia rústica e da Psicologia sociohistórica, defendemos que o objeto logo em uma instituição de ensino - escolas de educação ensino fundamental e médio; creches; universidades; proi cacionais ligados a diferentes instituições públicas e privac lhos de educação popular, etc - é o encontro entre os su| educação e a finalidade central de seu trabalho deve ser a ur

A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO ...43buir para a construção de um processo educacional que seja capaz de socializar o conhecimento historicamente acumulado e de contribuir para a formação ética e política dos sujeitos.Assim, o principal critério para a delimitação das áreas de intervenção mais importantes relaciona-se diretamente com a definição do quanto a atuação da Psicologia pode contribuir para que a escola cumpra sua função social. Nesta perspectiva, o psicólogo não é um "resolvedor" de problemas, um mero divulgador de teorias e conhecimentos psicológicos, mas um profissional que dentro de seus limites e de sua especificidade, pode ajudar a escola a remover obstáculos que se interpõem entre os sujeitos e o conhecimento e a formar cidadãos por meio da construção de práticas educativas que favoreçam processos de humanização e reapropriação da capacidade de pensamento crítico.Para dar conta dessa tarefa, o psicólogo deve compreender de forma mais aprofundada tanto as maneiras pelas quais o trabalho educativo produz nos indivíduos singulares a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens (Saviani, 1991). desempenhando o papel de atividade mediadora entre a esfera da vida cotidiana a as esferas não-cotidianas de objetivação do gênero humano (Duarte, 1995), quanto as funções e a natureza social do desenvolvimento cognitivo, dos afetos e emoções no processo de humanização desses indivíduos pela via da apropriação da cultura.Esta fundamentação pode tornar o profissional capaz de contribuir para o processo de desvelamento ideológico de uma série de idéias e concepções cristalizadas e combater em diferentes instâncias as explicações psicologizantes que buscam re-situar os problemas educacionais como problemas dos próprios alunos.É evidente que cada instituição apresenta necessidades e particularidades que devem ser compreendidas, respeitadas e trabalhadas. No entanto, parece-nos oportuno apresentar neste texto alguns elementos que podem, em alguma medida, contribuir para o delinea-mento de propostas de intervenção fundadas em finalidades transformadoras.

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Para facilitar a exposição, apresentaremos estas ganizadas em três tópicos: fundamentos, metodologia e do trabalho em instituições de ensino.Principais fundamentos do trabalho em instituições deComo já evidenciamos anteriormente, independente social e da área de atuação que o psicólogo escolar esteja as bases filosóficas e teóricas nas quais assenta seu trabalb-mesmas, desde que elas lhe garantam a compreensão e a pos de intervenção crítica e competente em contextos educativo?Entretanto, é preciso destacar que o trabalho em i educacionais apresenta certas especificidades que exigem fissional o domínio mais aprofundado de algumas mediaçct cas, dentre as quais destacaremos três que nos pareceu mais importantes: a compreensão de possíveis articulaçor teorias de aprendizagem e práticas educativas; a análise cr" espaço social da sala de aula e a concepção de conhecimec: instrumento do vir a ser.Articulação entre teorias da aprendizagem e práticas pedagógicasConforme aponta Antunes (2000), ao longo de nossa Psicologia tornou-se parte constitutiva do pensamento edu brasileiro.Isso significa que é possível localizar com maior ou m: de clareza e importância diferentes contribuições da Psicolo venientes de variadas tendências teóricas, nos pr constitutivos dos ideários pedagógicos que fundamentam p propostas educacionais no Brasil.E, se é verdade que os conhecimentos psicológicos po tivamente contribuir para a elaboração de propostas mais co

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que resultem em melhorias do processo ensino aprendizagem, é ".".iamental que o psicólogo escolar compreenda e domine tanto os gerenciais da psicologia, quanto da educação.Existem múltiplas possibilidades de articulação entre teorias ie aprendizagem e práticas pedagógicas. Nesse texto, destacamos tema das relações entre desenvolvimento e aprendizagem em ama perspectiva sociohistórica.Um processo pedagógico qualitativamente superior pode ser -onstruído por meio de inúmeros caminhos e, neste sentido, não existe uma definição suficientemente ampla que possa dar conta de todas as possibilidades. No entanto, podemos afirmar de maneira geral e um tanto óbvia, que um bom ensino é aquele que garante uma aprendizagem efetiva. Neste sentido, um bom professor é aquele que dá conta de ensinar seus alunos.Mas, o que é preciso para que um professor ensine de fato? Poderíamos enumerar uma série de condições tais como: formação adequada, salários dignos, espaços de estudo e reflexão, valorização social e tantas outras mais. Embora estas sejam questões fundamentais, neste momento, vamos analisar de forma mais detida o valor e a importância de uma adequada compreensão do desenvolvimento humano e de suas articulações com a aprendizagem e as relações sociais, já que não se pode verdadeiramente ensinar se não se considerar como o aluno aprende, ou ainda, porque às vezes ele não aprende.Se a escola é a instância socializadora do conhecimento historicamente acumulado e se a finalidade da ação docente se concretiza na tarefa de ensinar e ensinar bem, é preciso que o professor selecione tanto os elementos culturais que precisam ser assimilados pelos alunos, quanto as formas mais adequadas para atingir este objetivo.De acordo com Saviani (1992), os educadores devem nortear sua ação a partir de três objetivos fundamentais: a identificação das formas mais desenvolvidas em que se exprime o saber objetivo socialmente produzido; a transformação deste saber objetivo em saber escolar que possa ser assimilado pelo conjunto dos alunos e a garan-

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tia das condições necessárias para que estes não apenas se ap em do conhecimento, mas ainda elevem seu nível de compr sobre a realidade.Mas a tarefa docente vai muito mais além, já que após ter nido os conteúdos e delimitado a metodologia e os recursos p gicos a serem utilizados, o professor ainda tem de enfrentar u desafio: o fato de que nem todos aprendem do mesmo m mesmo momento e ritmo. Além disso, alguns alunos parece plesmente não aprender nada.Dentre as várias explicações para o não aprender q freqüentemente utilizadas nos meios educacionais, a mais co~ é aquela que parte da idéia de que os alunos não aprendem não estão "prontos".Uma análise crítica desse tipo de abordagem deno maturacionista aponta para pelo menos duas questões pri Em primeiro lugar, a afirmação de imaturidade neurológica, lectual ou emocional da criança só é possível se tomarmos o como padrão, o que significa que essas explicações descons1 que o ser humano é histórico e está em um permanente p de construção. Conforme apontam Collares e Moysés (1 conceito de imaturidade colocado nesses termos não possui ma legitimidade científica, já que, desde o nascimento e ao Io toda a sua vida, o ser humano apresenta as características : emocionais e cognitivas adequadas e convenientes a cada m to determinado, ou seja, não podemos considerar a criança um ser imaturo pelo simples fato de diferenciar-se de um aInteressa-nos, outrossim, discutir de forma mais aprofu segunda questão, que se relaciona com o pressuposto mais g fundamenta essa forma de compreender as dificuldades de zagem dos alunos: a idéia de que ela depende diretamente do volvimento. Esta perspectiva considera que determinados apresentam dificuldades porque não atingiram o nível de dese mento psicointelectual necessário. Assim, o professor não p sinar porque estes alunos não têm condições de aprender,

4 6 ELENITA DE RÍCIO TANAMACHI E MARIS A EUGÊNIA MELILLO MEIRA

tia das condições necessárias para que estes não apenas se aprop"' em do conhecimento, mas ainda elevem seu nível de compreens' sobre a realidade.Mas a tarefa docente vai muito mais além, já que após ter definido os conteúdos e delimitado a metodologia e os recursos pedagógicos a serem utilizados, o professor ainda tem de enfrentar um novo desafio: o fato de que nem todos aprendem do mesmo modo, no mesmo momento e ritmo. Além disso, alguns alunos parecem simplesmente não aprender nada.Dentre as várias explicações para o não aprender que s freqüentemente utilizadas nos meios educacionais, a mais conheci é aquela que parte da idéia de que os alunos não aprendem porqu não estão "prontos".Uma análise crítica desse tipo de abordagem denomina maturacionisía aponta para pelo menos duas questões princip": Em primeiro lugar, a afirmação de imaturidade neurológica, i lectual ou emocional da criança só é possível se tomarmos o ad como padrão, o que significa que essas explicações desconside que o ser humano é histórico e está em um permanente procede construção. Conforme apontam Collares e Moysés (1996). conceito de imaturidade colocado nesses termos não possui ne ma legitimidade científica, já que, desde o nascimento e ao longo toda a sua vida, o ser humano apresenta as características físi emocionais e cognitivas adequadas e convenientes a cada mo to determinado, ou seja, não podemos considerar a criança um ser imaturo pelo simples fato de diferenciar-se de um aduLInteressa-nos, outrossim, discutir de forma mais aprofunda segunda questão, que se relaciona com o pressuposto mais ger fundamenta essa forma de compreender as dificuldades de ap zagem dos alunos: a idéia de que ela depende diretamente do volvimento. Esta perspectiva considera que determinados apresentam dificuldades porque não atingiram o nível de desen mento psicointelectual necessário. Assim, o professor não p sinar porque estes alunos não têm condições de aprender,

A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO ...47restando outra alternativa a não ser esperar que eles fiquem "maduros", para só então cumprir sua função social.Consideramos que para rompermos com o maturacionismo é preciso transformar a concepção de conhecimento e de como ele pode ser transmitido pelos professores e apropriado pelos alunos. Em outras palavras, é preciso compreender de uma nova forma as relações entre desenvolvimento e aprendizagem.Encontramos esse novo olhar nas contribuições de L. S. Vigotski, para quem o principal fato humano é a transmissão e assimilação da cultura. Assim, a aprendizagem é alçada a uma posição de extrema importância, na medida em que se constitui em condição fundamental para o desenvolvimento das características humanas não naturais, mas formadas historicamente.Vygotsky (1977) concorda que existe uma relação entre um determinado nível de desenvolvimento e a capacidade ou competência para a aprendizagem de certos conteúdos. No entanto, a grande inovação proposta por ele é a defesa de que não existe um único nível de desenvolvimento, mas sim dois: o nível de desenvolvimento atual e a zona de desenvolvimento próximo (no Brasil também são utilizadas as expressões potencial e proximal).O nível de desenvolvimento atual corresponde ao nível de desenvolvimento da criança que foi conseguido como resultado de um processo de desenvolvimento já realizado.O professor atento aos seus alunos pode perceber o nível de desenvolvimento efetivo de seu grupo observando o que cada um é capaz de realizar de maneira independente, ou seja, o que já é possível em função do desenvolvimento que foi efetivado até o momento. No entanto, essas expressões não são capazes de explicar completamente o processo de desenvolvimento das crianças. É necessário ainda que se busque apreender a zona de desenvolvimento próximo que corresponde ao que a criança é capaz de realizar com a ajuda de adultos ou companheiros mais experientes.Trazendo essa discussão para o universo da sala de aula, tais reflexões apontam que o fato dos alunos não conseguirem realizar

48ELENITA DE RÍCIO TANAMACHI E MARIS A EUGÊNIA MELIIXO MEIRA

sozinhos determinadas atividades não significa que eles não condições para tanto. Ocorre que, naquele momento, as c des cognitivas necessárias à realização das tarefas propostas tram-se em processo de formação, razão pela qual esses ai cessitam do auxílio do professor, que pode vir em forma de explicações, apoio afetivo, atividades diferenciadas, organ:_ trabalhos em grupo, jogos, brincadeiras, etc.Para Vigotski, o ensino não deve estar "a reboque"' senvolvimento. Ao contrário, um processo de aprendizag quadamente organizado é capaz de ativar processos de volvimento.É importante ressaltar que essa perspectiva aponta p gate do papel ativo do professor em relação aos processos de dizagem e desenvolvimento de todos os alunos, especialm queles que apresentam mais dificuldades.O professor que sabe que o desenvolvimento criapotenci mas que só a aprendizagem as concretiza, é aquele que se v o futuro, para dar condições para que todos os seus alunos se volvam e que, portanto, busca intervir ativamente nesse p não se limitando a esperar que as capacidades necessárias preensão de um determinado conceito algum dia "amadurEsse professor que sabe que seus alunos se desenv medida em que os ensina e os educa, que poderá contribu' reversão dos processos de produção do fracasso escolar.A sala de aula como local deformação social da menteA sala de aula é o lugar onde a educação de fato acon que é o espaço no qual professores e alunos se encontram e em o processo educativo. 'Assim, se a sala de aula constitui-se no espaço privile educação é preciso compreender que existe uma clara co dência entre a qualidade do trabalho pedagógico e as práticas cepções que lhes dão sustentação.

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As diferentes maneiras pelas quais se constrói o encontro entre professores e alunos trazem conseqüências importantes tanto no que se refere ao processo de transmissão e apropriação dos conhecimentos, quanto no que se refere a formação de atitudes e valores.Podemos afirmar, portanto, utilizando a expressão que dá título a uma das obras mais conhecidas de Vigotski, que a sala de aula é de fato um local de formação social da mente.Essa compreensão pode iluminar de diferentes maneiras a análise dos processos psicológicos e pedagógicos que se constróem e se tecem de forma articulada no cotidiano das escolas. Várias questões podem decorrer dessa concepção de sala de aula. Podemos destacar as seguintes:• A aprendizagem é um processo. Em função do momento de desenvolvimento no qual se encontra, o ser humano compreende e interpreta de diferentes maneiras os fenômenos com os quais se defronta, sejam eles de natureza física, social ou psicológica. Em outras palavras, quando a criança apresenta uma resposta diferente daquela esperada pelo adulto, não podemos afirmar que ela simplesmente cometeu um erro. Na verdade, ela apresentou a resposta que lhe foi possível para aquele momento. Por isso, é fundamental conhecer e respeitar o processo de pensamento infantil como ponto de partida do processo educativo;• A aprendizagem escolar requer articulação entre os conceitos cotidianos ou espontâneos - aqueles construídos pela experiência de vida - e os conceitos científicos - aqueles conhecimentos sistematizados que, para serem adquiridos, dependem diretamente do trabalho desenvolvido pela escola;• A atividade do indivíduo é condição fundamental para que a aprendizagem ocorra. Compreende-se, pois, que o educador não "deposita" o saber na cabeça do educando nos moldes da educação "bancária", denunciada por Paulo Freire; por outro lado, sabe também que não é deixando o educando sozinho que o conhecimento irá "brotar" de forma espontânea. Resgata-se, assim, o papel ativo do professor, pois é ele quem poderá garantir, pela

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organização intencional de uma proposta de trabalho as condições necessárias à aprendizagem e ao dese de seus alunos;• A aprendizagem depende da socialização. O c é construído, transmitido e apropriado necessariamente com outros. É fundamental que a escola favoreça o m*~ possível de oportunidades de vivência de relações soei" tivas. Acreditamos que um dos caminhos para garan' das condições necessárias para o estabelecimento desse relações no contexto de sala de aula é o trabalho em grur. ra a relação entre os alunos seja vista como secundária e . r elemento perturbador do andamento das aulas, as elabora ricas desenvolvidas por Vigotski indicam que a interaç= aluno é fundamental no processo de socialização e desenv to cognitivo;• A aprendizagem requer motivação. Só há atividade ra e com sentido se houver motivação. Na medida em que sível separar processos intelectuais e afetivos, para que a a gem ocorra, é preciso que se estabeleça um vínculo que possí o aluno a dirigir sua atenção para o objeto do conhecimento, fcí significa, em absoluto, criar situações artificiais que provoq; motivação de "fora para dentro". Trata-se de pensar em um so pedagógico que é motivador porque faz sentido para o aluno, uma resposta para sua necessidade de compreender melhor suã e a vida em sua sociedade;• A aprendizagem não se separa da individualidade. O volvimento é determinado pelas relações sociais, mas cada um sentido particular a essas vivências. Assim, é preciso estar ao mesmo tempo para as maneiras a partir das quais o desen~~ mento da espécie humana é determinado pelas condições soe' culturais que afetam todos os homens, mas também para o f. que esse processo também comporta uma dimensão de sing dade pessoal. Conforme aponta Sève (1989), as relações do mens com a natureza e entre si desenvolvem-se ao mesmo te

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r.uma formação social e numa formação individual específicas, ou .■ei a, embora a essência humana encontre-se no seio do mundo : ciai, a forma psicológica dessa essência só pode existir numa ." dividualidade concreta. Assim, a vida humana constitui-se de atos ressoais que são mediados em todos os níveis, até os mais íntimos, relo mundo social e, ao mesmo tempo, plenos de sentido dado pela riografia de cada indivíduo. Por isso, é imprescindível que o educador conheça de fato a realidade dos alunos. É a compreensão das representações e visões de mundo, dos interesses e valores dos alunos, que poderá indicar os pontos de articulação com o conhecimento que deve ser apropriado;• O conhecimento é também conscientização e instrumento de transformação social. Como ensinou tão bem Paulo Freire (1979), a educação é prática de liberdade, é aproximação crítica da realidade. A conscientização que o conhecimento possibilita implica necessariamente ultrapassar a esfera espontânea de apreensão da realidade e. por isso, ela pode colocai" os homens no lugar de sujeitos que fazem e refazem o mundo. Concordamos com Duarte (1995), que o trabalho desenvolvido na escola tem um papel fundamental no pro-.esso de formação da individualidade humana, já que as práticas pedagógicas podem enriquecer os indivíduos pela mediação das objetivações genéricas para-si.O conhecimento como instrumento do viraserPara pensarmos o conhecimento como instrumento do vir a ser, é preciso, antes de mais nada, rompermos com a idéia da existência de uma natureza humana fixa, imutável, natural, dada a priori.Conforme aponta Bock (2000, p.14), o homem tem sido pensado, tanto na ciência quanto no senso comum, a partir dessa idéia de natureza humana, sendo concebido como portador de uma essência natural e universal. Assim, se consolida a idéia de que haveria em nós uma semente de homem que vai desabrochando, conforme somos estimulados adequadamente pelo meio cultural e social.

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Para a autora, a Psicologia não tem sido capaz de falar do meno psicológico em sua articulação com a vida, as condições nômicas, sociais e culturais nas quais se inserem os homens. suas palavras:Fala-se da mãe e do pai sem falar da família ^ instituição social marcada historicamente pela apr~ ção dos sujeitos; fala-se da sexualidade sem falar dição judaico-cristã de repressão à sexualidade; f; da identidade das mulheres sem se falar das caract cas machistas de nossa cultura; fala-se do corpo sem seri-lo na cultura; fala-se de habilidades e aptidões de sujeito sem se falar das suas reais possibilidades de : so à cultura; fala-se do homem sem falar do trab fala-se do psicológico sem falar do cultural e do s Na verdade, não se fala de nada. Faz-se ideologia (B 2001, p. 25).Em uma perspectiva crítica, a visão sociohistórica alerta p o fato de que pensar o homem dessa forma significa naturali os fenômenos humanos e desconsiderar todo o processo histó-co que determina a constituição do ser humano. Por isso, a partir dessa concepção é preciso trabalhar com a idéia de condição humana, de construção social do psiquismo humano, que nos permita compreender a plasticidade do sistema psicológico humano. E a possibilidade permanente de múltiplas transformações do sujeito ao longo de seu processo de desenvolvimento, aponta, entre outras coisas, para a importância da intervenção educativa.Desta forma, podemos compreender o desenvolvimento de forma prospectiva, de modo a que possamos estar atentos para a emergência daquilo que é novo. Conforme ensinou Vigotski (1987), é preciso transformar a direção de nosso olhar para que possamos não apenas buscar colher os "frutos" do desenvolvimento, mas sobretudo saber reconhecer seus "brotos" ou "flores".

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Metodologia de trabalhoPartimos do pressuposto de que a educação transforma o mundo de forma mediada; por isso entendemos que os processos educacionais são, antes de mais nada, instrumentos de educação das consciências. É fundamental em todos os momentos possíveis contribuir para a constituição de sujeitos capazes de olhar para o seu cotidiano e relacioná-lo com a realidade num plano mais amplo, de se envolver com ações que tenham como horizonte a transformação social.Para que a Psicologia possa contribuir com a construção da cidadania no interior das práticas educativas, dentro e fora da escola, é preciso construir metodologias de trabalho fundadas em um movimento de ação/reflexão/ação, de tal forma que todos os envolvidos possam refletir sobre a própria prática social, buscar elementos teóricos que venham a iluminar essa prática de modo qualitativamente diferente e comprometer-se com o desenvolvimento de projetos que traduzam em ações concretas essa nova compreensão crítica sobre si mesmo e sobre a realidade social.Com isso, rompe-se com a idéia do psicólogo escolar como um técnico e se torna possível pensá-lo como um elemento mediador que - junto com educadores, alunos, funcionários, direção, famílias e comunidade - poderá avaliar criticamente os conteúdos, métodos de ensino e as escolhas didáticas que a escola faz como um todo. Assim, ele pode participar de um esforço coletivo voltado para a construção de um processo pedagógico qualitativamente superior, fundamentado em uma compreensão crítica do psiquismo, do desenvolvimento humano e de suas articulações com a aprendizagem e as relações sociais.Este trabalho de mediação só é possível se houver um investimento contínuo e sistemático na articulação de projetos coletivos que viabilizem, de diferentes maneiras, processos de efetiva participação social no campo da educação, dentro e fora da escola. Isso significa que os possíveis beneficiários dos serviços da Psicologia devem ser, antes de mais nada, sujeitos ativos e não apenas objetos passivos de ações sobre as quais não têm qualquer controle.

5 4ELENITA DE RÍCIO TANAMACM E MABISA EUGÊNIA MELILLO MEIRA

Embora existam diferenças mais ou menos significativas 112. ticulação dos passos metodológicos que caracterizam os pr de intervenção, podemos dizer que, em síntese, existem quatro mentos" principais:• Reflexão sobre a vida cotidiana da escola em suas mais rentes expressões;• Análise crítica dessa realidade a partir do recurso a elem teóricos disponíveis que permitam compreendê-la como const social historicamente datada, ou seja, como objeto possível da r-humana transformadora;• Reflexão e planejamento de ações que podem ser desenv das buscando as transformações desejadas;• Desenvolvimento de projetos que traduzam em ações contas o compromisso ético, político e profissional com a construção processos educacionais humanizadores.Sistemática de trabalhoEm linhas gerais, a sistemática de trabalho envolve quatro mentos principais: avaliação da realidade escolar e/ou instituci discussão dos resultados preliminares com todos os segmentos instituição educacional, elaboração e de execução do plano de tervenção.É evidente que na prática nem sempre esses momentos s dem-se da forma como estão sendo apresentados. No entant importante destacá-los separadamente para que se possa eviden o papel e a importância de cada um deles.O processo de avaliaçãoQuando um profissional não compreende adequadamente própria realidade de trabalho predominam atividades mais espor' cas e assistemáticas, que se limitam a demandas consider

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:~.ergenciais. Desta forma, os eixos de atuação acabam resultando -: :ma imposição externa da direção da instituição ou de uma deci-.".: pessoal do profissional, baseada naquilo que ele julga ser mais - cequado ou conveniente. Em qualquer uma das situações não se ":_nem as condições necessárias para a construção de uma propos-_ consistente que possa constituir-se na expressão de uma síntese .r: ativa e crítica entre os conhecimentos da Psicologia e as necessites e possibilidades de cada escola.Por tudo isso, uma avaliação adequada é a primeira condição para a articulação de um bom plano de ação, com objetivos, metas e estratégias definidas.Para que seja efetivo e realmente leve a uma compreensão adequada da realidade a ser trabalhada, o processo de avaliação deve envolver uma multiplicidade de fatores, trazendo pelo menos o seguinte conjunto de dados:• Relativos à organização da escola: número de turmas (total, por período e série); número de alunos (total, por período e série); número de professores (total e por série); número de funcionários e descrição de funções e atividades; serviços prestados aos alunos e à comunidade; esquema de reuniões (de direção e professores, de professores; de alunos, de funcionários, de pais, etc);• Relativos aos recursos físicos da escola: número e condições das salas de aula; laboratórios; biblioteca (quantidade, qualidade do acervo e condições de acesso); salas de reunião; salas de projetos; equipamentos e materiais disponíveis (televisão, computadores, impressoras, videocassete, filmadora, retro-projetores, máquina fotográfica, xerox, projetor de slides, filmes educativos, etc); quadras de esporte; jardins e áreas de lazer;• Informações sobre o corpo docente: formação dos professores (básica, graduação, pós-graduação); condições de estudo e reflexão; salário e condições de trabalho; tempo médio de permanência dos professores na escola; experiências educacionais anteriores;• O trabalho pedagógico: metodologia utilizada; recursos didáticos; relação entre professores e alunos; conteúdos trabalhados; tipo

5 6 ELENITA DE RÍCIO TANAMACHI E MARIS A EUGÊNIA MELILLO MEIRA

de rotina construída em sala de aula; critérios de organiz buição das classes; processos de avaliação;• A equipe que dirige a escola: formação, tempo de e e forma de escolha do diretor; número de coordenadores e vas funções;• Elementos quantitativos sobre a progressão escolar nos: índices de evasão (total, por série, professor e período f. de repetência (total, por série, professor e período);• Dados relativos ao nível de organização dos difere mentos da escola: Associação de pais e mestres; Conselho Ia; Grêmio estudantil; projetos em andamento; nível de p dos pais (nas organizações formais e não formais);• As condições socioeconômicas dos alunos: classe si pertence a maioria dos alunos; profissão e nível de instrução (geral, por série e período);• A história da escola: ano da fundação; circunstâncias terminaram sua criação;• O bairro no qual a escola está inserida: características c ria da localidade; recursos físicos, institucionais e de senão» sentes no bairro;• Dados relativos à compreensão que os diferentes seg escola e/ou instituição apresentam em relação a seus proble fundamentais. Neste campo é preciso responder a questões quais as "queixas" que se colocam? que tipos de demandas sentadas como possíveis objetos de intervenção do profissio• As expectativas dos diferentes segmentos da escola e/ou ção em relação ao trabalho do profissional da Psicologia: o que! sobre a função de um psicólogo na escola e/ou instituição esco seria seu papel em relação às demandas apresentadas?• As possibilidades e os limites que se apresentam em ao trabalho da Psicologia: qual o grau de abertura para o des mento de projetos de ação? quais os principais limites que sentam? quais seriam os parceiros potenciais para dar início trabalho coletivo e solidário?

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No que se refere aos procedimentos de avaliação, os dados podem ser coletados junto a documentos da escola - regimentos, regulamentos, atas de reunião, livros de ocorrência, dados estatísticos, fichas de inscrição, históricos escolares, etc-, direção e coordenação, professores, alunos, pais e funcionários.Dependendo das possibilidades e condições, os dados podem íer obtidos diretamente por meio de conversas ou da aplicação de questionários e/ou entrevistas dirigidas.O relatório de avaliaçãoO segundo momento do trabalho é a discussão dos resultados preliminares, de preferência com todos os segmentos organizados da instituição (professores, coordenadores, funcionários, pais, alunos, etc).Para subsidiar essa discussão é importante que o psicólogo prepare e apresente um relatório escrito contendo todos os dados obtidos no processo de avaliação. Esse relatório pode se constituir em um instrumento extremamente rico para estimular a reflexão sobre os problemas da realidade institucional, bem como a discussão sobre diferentes formas de enfrentamento dessas dificuldades.Dessa forma, o profissional coloca-se, desde o princípio, como um mediador que pode contribuir, nas questões que lhe são pertinentes, para a abertura de espaços de discussão e de resgate da capacidade de pensamento crítico, o que pode colocar todos os segmentos da escola no lugar de sujeitos ativos.A discussão do relatório permite que todos possam contribuir para uma compreensão mais aprofundada sobre sua própria realidade e se comprometerem, de alguma forma, com as transformações que se fizerem necessárias para a melhoria do trabalho desenvolvido pela escola.Não existe um modelo único de relatório e cada profissional pode elaborar aquele que lhe parecer mais adequado. Mas algumas questões importantes devem ser garantidas, tais como: síntese dos principais procedimentos utilizados; apresentação geral dos dados que aponte para uma compreensão globalizada da realidade; indicações sucintas

58ELENTTA DE RÍCIO TANAMACHI E MAEISA EUGÊNIA MELILLO MEIRA

e precisas das questões que devem ser trabalhadas e com.: deria ser feito.A elaboração do plano de intervençãoO terceiro momento do trabalho é a elaboração do intervenção.O plano de intervenção deve constituir-se em uma re-f às questões levantadas no processo de avaliação. Para tan:r-, vem ser indicados os segmentos que deverão ser envolvi reção, professores, funcionários, pais, famílias, comunidade* objetivos que se pretende atingir a curto, médio e longo com cada um deles, bem como algumas estratégias que utilizadas.Não existe um modelo único de plano de intervenção, guns itens não podem deixar de ser destacados: objetivo gerai trabalho; objetivos específicos dos projetos a serem realizado? cada um dos segmentos a curto, médio e longo prazos; prii estratégias a serem utilizadas; condições objetivas necessárias a realização da intervenção, tais como horários de reunião, ais de apoio e de consumo, recursos humanos, etc.O processo de intervençãoO quarto momento do trabalho é o processo de intervenção priamente dito.Na medida em que cada realidade é única, não se pode de priori uma forma de intervenção. No entanto, podemos afirmar o psicólogo escolar deve contribuir de diferentes formas para:• a construção de uma gestão escolar democrática, a p uma organização do trabalho coletiva e solidária;• a melhoria da situação docente e o resgate da autono papel dirigente e do valor social do professor;

A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO ... 5 9

• a construção de relações sociais que propiciem a formação de vínculos que garantam o máximo desenvolvimento possível das possibilidades humanas de todos os envolvidos;• o desenvolvimento de ações que contribuam para ampliar a participação popular na escola;• a definição de planejamentos e diretrizes educacionais que levem em conta o nível de desenvolvimento, os interesses e a realidade dos alunos;• a identificação e a remoção dos obstáculos que possam estar impedindo os alunos de se apropriarem dos conhecimentos:• a definição de conteúdos e métodos de ensino que não só garantam a apropriação do saber, mas que também expressem o objetivo de formação de um ser humano pleno de potencialidades e possibilidades;• a escolha de materiais didáticos que estimulem o pensamento crítico e criativo dos alunos.É evidente que todas estas questões a respeito do trabalho do psicólogo escolar em instituições educacionais não podem ser pensadas de forma desvinculada dos diferentes contextos nos quais ele se insere.As maneiras pelas quais os psicólogos constróem suas propostas de trabalho estão sujeitas a uma multiplicidade de fatores que se relacionam, por um lado, aos seus posicionamentos filosóficos, teóricos e metodológicos e, por outro, a política educacional das instituições e as expectativas construídas em relação à ação da Psicologia, que em geral se traduzem por solicitações de trabalho de diagnóstico e atendimento de casos individuais considerados problemáticos.No entanto, a participação em inúmeros trabalhos e projetos de extensão desenvolvidos nos últimos anos, permite-nos afirmar que é possível abrir espaços que podem diminuir os limites e ampliar nossas possibilidades de concretização de uma prática contextualizada e criticamente comprometida com a humanização.

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OS PSICÓLOGOS TRABALHANDO COM A ESCOLA: INTERVENÇÃO A SERVIÇO DO QUÊ?Adriana Marcondes Machado

Este artigo pretende apresentar um dos percursos traçados pelo Serviço de Psicologia eEscolar do Instituto de Psicologia da USP, em trabalhos realizados com escolas públicas de São Paulo, com o objetivo de problematizar a função estabelecida na relação entre psicólogos e escolas. O Serviço de Psicologia Escolar é composto por duas docentes e quatro psicólogas e tem como objetivos: o atendimento à comunidade, o apoio à formação em psicologia (com estágios supervisionados) e a pesquisa. A apresentação e reflexão a seguir, têm como referência uma experiência singular engendrada em um coletivo do qual fazem parte as produções dos vários colegas que atuam no Serviço e as práticas e políticas definidas pelas Secretarias de Educação e presentes no cotidiano escolar. Escrevendo na primeira pessoa, pretendo refletir uma prática constituída coletivamente.Trabalho nesse Serviço desde 1986 como psicóloga. Durante esse tempo realizei as pesquisas de mestrado e doutorado relacionadas aos nossos trabalhos com as escolas. Farei referências a alguns saberes contidos nessas pesquisas, pois a pergunta que as motivaram é o objeto de reflexão deste artigo: a serviço do quê trabalhamos nas escolas? Como estratégia para esta apresentação, intercalarei comentários sobre o contrato que fomos estabelecendo com as escolas e os saberes que fomos constituindo.Quando um psicólogo pisa no território escolar (e em outras instituições educativas), intensifica as expectativas e olhares clas-sificatórios e comparativos dos indivíduos tomados isoladamente.

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Educadores querem saber "o que as crianças têm", psicólogos < rem descobrir "porque elas agem da forma como agem". Ess dagações, em muitos trabalhos, têm motivado uma busca por i cações que, na maioria das vezes, tornam as características pn tes nas queixas escolares meros atributos individuais dos suje Como se, por exemplo, a agressão fosse apenas atributo do que passa a ser considerado "aluno agressivo".Maria Helena Souza Patto foi uma das criadoras do Serviço < Psicologia Escolar do IPUSP. Seus livros e aulas alimentaram no indagações (e indignações). Refazendo o percurso histórico, políti social, produtor das idéias que culpabilizam o sujeito, o aluno, pelo 1 casso, Patto denuncia a produção de saberes e práticas que isent; sistema político e social da responsabilidade pela produção da desig dade social. E, nesses saberes, a Psicologia ganha lugar de destaque i se voltar aos indivíduos pretendendo avaliá-los (Patto, 1984 e 1990). f

Essas formas de poder e de saber encontram-se enraizadas i relações de produção que caracterizam a sociedade capitalista. Co ceitos, técnicas, formas de sujeitos vão sendo engendrados nas r~' ticas sociais (Foucault,1996). Por isso, a necessidade de indagam"., sobre o que nossas práticas vão constituindo. Se em alguns momentos elas possibilitam romper com lugares cristalizados, em outros elas são capturadas de forma a aliviar tensões e contradições presentes nas práticas educativas, reforçando a idéia de que precisamos oferecer atendimentos e projetos para aqueles que "vão ficando para trás" ou que "vão se comportando inadequadamente", como se isso fos9e| um acidente que não deveria acontecer.Como veremos, ao discutir nossas montagens e objetivos no> trabalhos com as escolas públicas, existem mudanças nas demandas > e expectativas conforme as produções e diretrizes das políticas educacionais. Há dez anos, quando íamos às escolas, as demandas para nós, psicólogos, era, em sua maioria, de atendimento para os alunos. Hoje, além desse tipo de demanda, também se fazem presentes pedidos relacionados a uma concepção de trabalho que entende a necessidade de se pensar as práticas educativas.

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65Analisamos a demanda; como se entende a produção da mesma, de que sofrimento se fala, quais as expectativas, quais as hipóteses para o que acontece. Muitas vezes, os discursos que defendem a busca de igualdade, autonomia, respeito, apresentam contradições e armadilhas que devem ser consideradas, pois tornam mais invisível o processo de produção da desigualdade. Por :sso, reforça-se a necessidade de estabelecermos estratégias que possam dar visibilidade às tensões do cotidiano. Por exemplo, hoje, nos territórios escolares, fala-se da necessidade de lidarmos com as diferenças, com as crianças que apresentam diferenças, que a diversidade na sala de aula é algo positivo para que os alunos convivam com as diferenças. Esse discurso mudou em relação àquele que defendia a homogeneidade. Ao mesmo tempo, ampliando a lente que focaliza o cotidiano escolar, vemos nas práticas que, muitas vezes, a diferença é capturada pelos critérios que categorizam os comportamentos e as pessoas. O processo de diferenciação fica abortado quando defendemos, formalmente, que cada um é diferente do outro, como se o convívio com as diferenças não implicasse uma luta, não incomodasse, não exigisse embates e mudanças.A defesa das singularidades deve estar a serviço de diretrizes e princípios comuns. Às vezes aparecem nos grupos de educadores falas tais como: "cada professor faz de seu jeito, cada um é diferente do outro", como se a tarefa de ensinar e de aprender não fosse constituída coletivamente.As montagens iniciais: intervenção junto às crianças portadoras de queixas escolaresApresentarei a seguir a montagem (contrato, enquadre e objetivo) das intervenções que realizávamos na escolas eúblicas, no início de minha experiência como psicóloga do Serviço de Psicologia Escolar (1986), sempre trabalhando com estagiários do 3o ano do Cur-

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so de Psicologia (do Instituto de Psicologia da USP), matricul em uma disciplina optativa da grade curricular10.Muitas crianças eram encaminhadas como as famosas ças-problema. As queixas em relação a elas eram de proble aprendizagem e de comportamento. A maioria dessas queix em relação aos alunos das primeiras séries. Nessa época, o ín " repetência e evasão era elevado durante as séries iniciais.Conversávamos com a equipe técnica afirmando a possibí de realizar um trabalho na escola. As professoras nos eram ap tadas e a conversa girava em torno da seguinte questão: o que ríamos fazer para ajudar as crianças que "vão ficando para Hoje, outra pergunta se coloca: o que fazer com as "crianças vão para frente, sem estarem alfabetizadas?" .Propúnhamos encontros em grupos com essas crianças, c função de: ,;— conhecê-las melhor,— possibilitar espaços de produção que rompessem um 1" cronificado ocupado pelas crianças,— conversar com as professoras tentando introduzir con ções no discurso que justificava o encaminhamento.Esses encontros em grupo eram realizados pelos estagiários psicologia, cerca de oito vezes, com a participação de seis a alunos das escolas. Com as professoras, nos encontrávamos escolher quem seriam esses alunos, pois quando chegávamos às colas, era comum nos ser encaminhada uma lista com dezenas nomes. Tentávamos estabelecer prioridades, reforçando que a que aprendêssemos com alguns alunos poderia ajudar os profes a pensar em estratégias de trabalho para com outros.Conversávamos com as professoras que tinham crianças didas por nós no intuito de discutir os acontecimentos nas salas aula e, em alguns momentos, participávamos das reuniões gerais10 Durante um semestre, cada psicóloga do Serviço de Psicologia Escolar trabalha um grupo com cerca de seis estagiários do Curso de Graduação. Os estagiários semanalmente, três atividades de supervisão, com duração de duas horas cada delas: de aula teórica e de trabalho na instituição.

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67professores. Para nós, era fundamental o caráter optativo dessa mon-:agem tanto para as crianças como para as professoras. Às vezes, algumas das professoras que participavam dos encontros em grupo não tinham disponibilidade, muitas vezes, de tempo, para nos ver e, nesses casos, realizávamos o trabalho com essas crianças sem a participação de suas professoras na montagem.Conseguíamos movimentar algumas histórias - podemos dizer que algumas queixas eram retiradas, outras não. A expectativa em relação ao nosso trabalho era de que pudéssemos ajudar os alunos de forma isolada e, nossa montagem, embora criticasse isso, não produzia fissuras nessa expectativa e nesse modelo.O parecer das professoras relacionava-se à melhora ou não das crianças em relação às queixas que haviam sido apresentadas. Portanto, a expectativa de atendimento individual mantinha-se. Não conseguíamos intervir na produção das queixas escolares, no caráter coletivo das práticas educativas.Algumas mudanças nas crianças eram percebidas e apresentadas pelas educadoras. Sabemos que essas mudanças tinham relação com:- o fato de algumas crianças conseguirem estabelecer, nos grupos realizados dentro da escola, produções diferenciadas daquelas presentes nas queixas das professoras;- ao efeito do atendimento dos alunos nas professoras que ficavam mais aliviadas ao compartilharem suas responsabilidades.Nessa época, não definíamos nossos objetivos de forma escrita. Todo o processo do trabalho era realizado pelos encontros e conversas. Ora, sabemos que a comunicação entre os profissionais de uma escola (ou de qualquer instituição) não é apenas um aspecto técnico do funcionamento da mesma, mas deve ser considerado um indicador sobre como e a serviço do quê as relações são estabelecidas. Era comum chegarmos às escolas e alguma professora ou funcionária ter esquecido que iríamos realizar o trabalho naquele dia específico. Era comum não saberem bem o que estávamos fazendo lá e também não conseguirmos agir sobre esse "não saber" de forma a produzir alguma mudança em relação a ele.

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Era intensa a expectativa das educadoras de que ocupásser > a função de avaliadores das crianças. A famosa pergunta das p:.-fessoras: "o que ele tem?", associada à ilusão de que poderí responder a essa pergunta sem nos relacionarmos com o conte, no qual a criança estava inserida, fazia com que as educadoras e rassem, ao fim do processo estabelecido, que afirmássemos q alunos eram normais, quais não eram, quais precisariam de ate mento individual. Institucionalmente, o lugar histórico e prescrito psicólogos estava presente - éramos aqueles que poderiam ap as crianças que precisariam, por exemplo, ir para uma classe es ai para deficientes mentais leves. Como intervir nas deman expectativas em relação ao nosso trabalho?Ampliando os olhares com a ajuda das crianças de classe especialDurante o mestrado, desenvolvi um trabalho com crianças uma Classe Especial de uma escola estadual de São Paulo (V chado, 1994). Convém relatar que uma das cenas que motivou -meu trabalho, foi conhecer um menino, de 13 anos, chamaa. Genivaldo. Quando o conheci, em um dia que fui a uma escola estadual para conversar com a diretora da mesma, ele habilmente *: apresentou a mim e convenceu-me a pagar-lhe um sanduíche n. cantina. Entregue a seus argumentos - afinal ele me disse que pag^ ria essa dívida na semana seguinte - restou-me perguntar-lhe er que série estudava, ao que ele respondeu: "estudo na classe espec ai". Quando soube que era uma classe especial para deficiente mentais, concluí que, se Genivaldo era considerado deficiente met tal, eu então deveria ter um diagnóstico bastante comprometedor d: minhas capacidades intelectuais. Afinal, tudo o que ele quisera át mim, havia conseguido.Como o menino fora para essa classe? O que acontecia lá? que as crianças pensavam sobre tudo isso?

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69Com o objetivo de propor para as crianças um lugar diferente do lugar que ocupavam nas práticas institucionais, em que eram deficientes, realizamos encontros sistemáticos com elas cujas tarefas eram realizar atividades que fossem do interesse deles e refletir sobre a classe especial. Mas a cronicidade era intensa. Os encontros pareciam constituir um espaço fora que não se conectava com o dentro, com o instituído.Conhecendo essas crianças, conhecemos uma diversidade de situações:- Crianças normais (segundo padrões diagnósticos) que estavam freqüentando a classe especial e queriam sair de lá;- Crianças normais (segundo padrões diagnósticos) que estavam felizes por estar lá. Não gostavam da sala regular, da qual, por algum motivo, tinham sido encaminhados para a classe especial;- Crianças com comprometimentos físicos e mentais que se sentiam excluídas. Diferenças desiguais. Essas crianças, mergulhadas em suas dificuldades, lá ficavam;- Crianças com comprometimentos físicos e mentais que gostavam daquela sala, daquela professora. Sentiam-se mal fora da classe especial, pois eram tratados como loucos e esquisitos.Todas essas crianças tinham em comum viver uma prática escolar que lhes ensinava que elas poderiam freqüentar a escola somente nesse lugar - no lugar de crianças de classe especial; ensinava também que as crianças que estavam nas classes regulares não deveriam estar com as outras. Como se umas atrapalhassem as outras. Essas produções subjetivas circulavam nas falas das crianças, dos pais, dos professores: criança de classe especial, crianças de classe regular - uma geografia que nos fixa como normais e anormais. Como temos visto hoje nas escolas, elas têm sido chamadas de crianças de inclusão.Percebemos que os encontros em grupo que propúnhamos pouco interferiam nas práticas cotidianas da escola - isso quando não produziam o efeito inverso - de aliviar e isentar essas práticas da responsabilidade pela cristalização do estatuto de deficiente, na me-

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dida em que, de uma certa forma, essas crianças estav atendidas com um trabalho na escola, o que reforçava a idéi. elas é que precisavam mudar. Aquilo que pretendíamos, s se as práticas institucionais fossem alteradas.Diante dessas questões, a tarefa desses encontros nr pergunta inicial que motivava nossos encontros - sobre como crianças tinham ido parar na classe especial e o que pensavam esse lugar? - passou a ser outra: como fortalecer aquilo que sido destituído de suas vidas - a potência para pensar, ente participar das decisões sobre sua história? Estabelecemos, um procedimento para responder a uma pergunta que andava mecida no cotidiano do trabalho da classe especial: "a criança manecerá ou sairá da classe especial no ano seguinte?" Essa uma pergunta que motivava e estimulava o pensar.A estratégia era dar importância ao procedimento neces para responder a essa pergunta, respeitando as várias informa versões e sensações que precisariam ser consideradas. Para sar se, no ano seguinte, a criança permaneceria ou sairia da especial, era preciso analisar o que era a classe especial (q realidades e significações que produzia), como funcionava relações estabelecia), por que existia (qual a origem dela), malmente, a professora da classe especial decidia solitariame destino de seus alunos e, receosa com a discriminação que alunos pudessem viver em salas regulares, muitas vezes n~ encaminhava para elas. O receio das professoras das classe gulares precisava, portanto, ser considerado nesse processo c uma força que, se não trabalhada, agia na direção de impossitr a ida dessas crianças para as classes regulares. Esse receio, também da solidão na qual o professor da classe especial se vi seu trabalho com os alunos, depositava nas crianças a impossi dade de estar nas salas regulares.Fizemos um mapa em uma grande cartolina, no qual terí que preencher informações sobre as histórias escolares, o tempo escola, o nome das professoras. Essa passou a ser nossa tare

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71preencher esse mapa, que foi assim chamado, para assim desvendar qual seria o destino de cada uma delas para o ano seguinte. Pretendíamos obter informações perdidas, registrar uma história coletiva, dando importância ao tempo, ao espaço, às marcas. Na classe especial, o tempo era sempre o mesmo.Foi assim que conseguimos pensai- em cada história singular vivida pelas crianças, incluir as professoras das classes regulares nesse processo de cartografar a história e a produção escolar, considerar as idéias e falas dos pais dos alunos em relação a essa história. Algumas fissuras foram produzidas, algumas práticas foram alteradas. A pergunta sobre a manutenção ou saída das crianças das classes especiais não podia ser respondida apenas pela professora. Outros atores teriam que ser implicados. Era uma tarefa coletiva, que precisava ser coletivizada. Percebemos que, para muitos pais e mães, as perguntas colocadas sobre a classe especial não haviam sido pensadas até então. Havia mães que não sabiam que na classe especial não se passava de ano, havia alunos que não sabiam há quanto tempo estavam lá.Esse trabalho foi inspirado por muitos outros - trabalhos que revelam os processos de subjetivação constituídos em nossas práticas. Na cadeira dos réus, estava sendo colocada uma prática da psicologia que sempre foi cúmplice com essa geografia fragmentada - os trabalhos diagnósticos que desconsideram os processos de subjetivação e falam da criança como se ela fosse responsável individual por aquilo que expressa e revela.A nossa função foi sendo legitimada: intervir nas produções cotidianas, criando práticas, acontecimentos que permitissem movimentar aquilo que estava cristalizado, produzindo diferenciações. Derivar, apostando em uma deriva que estivesse a serviço de processos de subjetivação, e não de assujeitamento.Houve um momento neste trabalho com as crianças de classe especial que meu sentimento era de traição à psicologia, pois nada mais precisava ser desvendado. Minha formação em Psicologia havia ressaltado saberes que nos conduziam a pensar no inconsciente e

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no sujeito como dados, como a priori, como produto de estava no passado, como algo a ser desvendado. Talvez, fosse tão inovador, para mim, abandonar a busca por signi da maneira como eu a fazia, na qual pensava que existiria um que significava uma certa experiência desta ou daquela forma para conhecer essas significações, eu teria que pesquisar, desv esse sujeito. Portanto, pensava que haveria o sujeito, a experiC a significação.Passar do registro da causalidade, para o registro da prc das práticas e dos saberes, implica perceber que esse sujeito (e. tanto, eu) já é efeito, se engendra em um processo de produção tituído em diferentes campos de forças. O inconsciente desi próprio espaço de produção e, portanto, não é produto de algo rior (Naffah Neto, 1985).Enquanto estávamos no primeiro momento do trabalho, bemos que pesquisar como as crianças entendiam e se posicio frente à montagem das classes especiais e tentar, por meio do lho nos grupos, que elas produzissem novos saberes, intensifi mais e mais as impossibilidades das crianças no espaço soc: político da escola. Eu, juntamente com Denise e Dalva11 (e, po to, nós) íamos percebendo saberes, capacidades, jeitos de ser, neiras de pensar das crianças. Nós (coordenadoras) e elas (c ças) íamos constituindo algo que, a meu ver, era pouco e, além pouco, reforçava uma crença, como já foi dito, de que essas cri precisavam de trabalhos com psicólogas, que têm problemas pr zidos exclusivamente por questões individuais. Claro que várias nas nas quais as crianças traziam angústias, receios e discrimi ções permitiam que esses afetos circulassem de outra forma e r zassem novas produções. Mas da maneira como estava nossa tagem de atuação na escola antes de mudarmos nossa pergunta e criarmos estratégias como a do mapa, forças intensas na produ11 Denise e Dalva, psicólogas, coordenaram, juntamente comigo, os grupos com crianças.

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dos receios, das angústias e das discriminações ficavam longe de nosso alcance. E, como depois viemos a saber, era possível intervir nessa produção de forma mais efetiva, de agir nos processos de produção.Autores como Foucault e Deleuze foram fundamentais para que aquilo que chamei de traição pudesse se constituir em novos sabe-res, permitindo que percebêssemos o inconsciente como produção de realidade e não, como já dissemos, em produto de algo já vivido, dado e acabado. Agora, precisávamos nos implicar no que chamávamos de campo de forças, de espaço de produção, e agir. Agimos, fizemos o mapa. Constituímos saberes implicando professores, familiares, crianças. Houve ruptura.E, muito importante ressaltar, que aquilo que foi sendo definido para a vida escolar das crianças no ano seguinte - se permaneceriam na classe especial, se iriam para primeira, segunda ou terceira séries - ou melhor, aquilo que poderíamos dizer que era, inicialmente, o objetivo de nosso mapeamento, uma vez constituído, passou a ser apenas uma ação que exigia um projeto, um processo, para ser implementada. Cida passaria para a segunda série. Como iríamos implementar isso? Que forças estão em jogo para agirmos nesse processo? Qual a professora de classe regular que a terá como aluna? Como agir na discriminação que os alunos das classes regulares vivem em relação aos que estudaram nas classes especiais? Como a equipe técnica (diretoria) assume esse trabalho? Que espaços para reflexão dos acontecimentos podem existir na escola?Iniciava-se um questionamento sobre os trabalhos de vários psicólogos que terminam suas avaliações e intervenções redigindo em seus relatórios sugestões e encaminhamentos: "encaminhar a criança para a classe regular, encaminhar o jovem para terapia, orientar os professores a agirem de forma mais atenciosa com seus alunos, encaminhar os pais para orientação". Esses encaminhamentos e necessidades, convenhamos, são bastante perigosos, pois corre-se o risco de estarmos, com esses gestos, criando impotências e culpabilizando os usuários quando os mesmos

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não buscam aquilo que foi proposto. Diferentemente disso é um projeto que afete a produção do fracasso na história sin dos vários encaminhamentos.Voltemos às cenas de nossos trabalhos e contratos com as e* colas públicas. Como havíamos dito, conseguíamos movimentar . gumas histórias escolares, mas esses movimentos pouco mudava:" território no qual as queixas eram produzidas. Convém ressaltar esse termo "pouco" está relacionado ao fato de termos percebi-que poderíamos afetar mais, dependendo da forma que organizava mos nosso trabalho e nossa função.O contato com as crianças de classe especial nos ajudou a perceber que não tínhamos mais a função de conhecer melhor as crianças e de tentar romper algo nelas. Queríamos que elas participasse" de uma montagem que, essa sim, teria de afetar o território no o.-habitavam de forma cristalizada. Queríamos uma prática na qual casos, as histórias singulares, pudessem servir como inspiradores algo que não se localizava apenas na criança. Como constituir montagem capaz de afetai- esse território?Nosso contrato passou a incluir reuniões regulares com o gruj» de professores que encaminhava as crianças. Estabelecer uma re|t ção entre o que íamos conhecendo e o que acontecia no cotidiano sala de aula e da escola, era uma condição do trabalho. Estabel essa relação entre esses momentos só era possível nos encon com as educadoras. E esses encontros tinham como função refl a produção daquilo com o que trabalhávamos (a queixa escolar, demanda em relação ao serviço, as várias versões), considerando professores atores importantes dessa engrenagem.Conseguíamos estabelecer algumas relações - por exemp as professoras contavam da dificuldade que tinham para ter ace~ a algumas mães e pais e pensávamos, juntamente com elas, relação entre esse distanciamento e a forma e função das re ões de pais, nas quais muitas mães se sentiam julgadas e i tentes sobre o que fazer com as queixas escolares apresenta pelos professores.

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Sabemos que as práticas, da forma como são estabelecidas, efetuam concepções, paradigmas, princípios. Isso tudo está em jogo quando falamos de práticas. -Embora conseguíssemos estabelecer relações com as práticas cotidianas, havia um limite produzido por nossa montagem, pela forma como organizávamos o trabalho: a expectativa dos professores de que pudéssemos desvendar e alterar a mente e o comportamento das crianças continuava grande. O trabalho aceitava essa demanda, analisava a mesma e ficava, muitas vezes, buscando formas de driblá-la. Mas ela estava lá, presente, intensa e engendrando efeitos. E sabemos que driblar não tira o desejo do adversário em ter a bola. Pelo contrário.Embora estivéssemos indo às escolas deixando mais claro os objetivos de intervir nos condicionantes, no processo institucional de produção, esse discurso ainda estava distante de algumas práticas que estabelecíamos.Analisando a produção dos encaminhamentos: o desafio produzido pela avaliação psicológica.Durante os anos de 1994/1995, tivemos a oportunidade de sermos chamadas para realizar um trabalho com 139 alunos encaminhados para avaliação psicológica, por cerca de 22 escolas públicas estaduais (cada escola podia encaminhar cerca de seis crianças)12.Aceitar esse convite foi um grande desafio. Tínhamos cerca de oito meses para realizar as avaliações, que normalmente eram feitas em alguns dias por clínicas psicológicas contratadas com verba da Secretaria de Educação para esses fins. Montamos uma equipe de 15 pessoas.Como realizar um trabalho no qual se pretende analisar, avaliar, entender, o que acontece com cada uma das crianças encaminha-12 A prática criada para essa demanda e a reflexão em relação à mesma tornou-se o trabalho de minha tese de doutorado, intitulada "Reinventando a Avaliação Psicológica" (Machado, 1996).

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das? Qual o nosso objeto quando estamos frente a uma dem avaliação psicológica sobre um aluno? O que está sendo avali medida em que sabemos que os fenômenos psicológicos, os as atitudes, são efeitos engendrados em um campo de relações forças? Como produzir uma avaliação que aposte em um pi de mudança em relação a esses lugares constituídos na queixa lar? Esses eram os desafios.Deleuze, escrevendo sobre os estudos de Nietzsche, nome' o desafio que tínhamos: "Não encontraremos nunca o senti qualquer coisa (fenômeno humano, biológico ou mesmo físi não conhecermos qual é a força que se apropria da coisa, explora, que nela se exprime" (Deleuze, p. 8). Nesse texto, a idéia de coisa vai deixando de ser um substantivo singular, p ser plural - uma pluralidade de forças em ação. "A história de coisa, em geral, é a sucessão das forças que dela se apoderam, coexistência das forças que lutam para dela se apoderar" (ibid. p "A própria coisa não é neutra, e encontra-se mais ou menos afinidade com a força que atualmente dela se apodera" {ibid. p. "O próprio objeto é força, expressão de força"(ibid. p. 13).Portanto, aquilo que temos como objeto, por exenr agressividade presente em algumas crianças, é a aparição de força que domina. Convém lembrar que Foucault (1987b) po poder como uma ação sobre outra ação, como o conjunto de r; de forças que produz realidade. É a relação da força com a fTínhamos de estar atentos às forças que se apoderavam manda que pedia avaliações psicológicas de crianças encami pelas escolas públicas, como se as explicações para o fracasi esgotassem no indivíduo encaminhado para avaliação psicológi tanto, tínhamos de nos tornar forças que imprimiam outras d:

Fomos às escolas, entramos em contato com várias pr ras, com mães e pais, e com as crianças, pesquisamos os bas de cada encaminhamento, as várias versões sobre as histórias lares, problematizamos as expectativas dos profissionais das Ias. Colocamos a própria produção do encaminhamento e sua

Os PSICÓLOGOS TRABALHANDO COM A ESCOLA: INTERVENÇÃO A SERVIÇO DO QUÊ?

77ção com a queixa escolar, como nosso objeto, como processo a ser pesquisado. Queríamos saber como o encaminhamento havia sido constituído, saber o que as pessoas pensavam e falavam sobre o fato de a criança ter sido encaminhada. Entramos em contato com várias práticas e saberes do cotidiano escolar.Havia professores que nem sabiam que seus alunos haviam sido encaminhados; havia mães que acreditavam que qualquer iniciativa da escola é melhor do que ela poderia fazer; havia crianças que nos falavam que o mais importante para ir bem na escola, era ter "fé em Deus".Depois de cerca de quatro meses, tínhamos vários registros de conversas, observações, conhecimentos. Definimos que, em cada encaminhamento, tínhamos de desvendar aquelas práticas institucionais que estariam relacionadas à produção dos mesmos.Por exemplo, algumas crianças que freqüentavam as classes especiais faziam parte das crianças, já mencionadas anteriormente, cujas professoras achavam que elas estavam bem e que precisariam de um relatório psicológico que mostrasse que poderiam freqüentar as classes regulares, pois tinham receio que fossem discriminadas e queriam algo que "provasse" que elas teriam condições de estar nas salas regulares. Como dissemos, o desconhecimento das professoras das classes regulares com relação a essas crianças vindas das classes especiais e a solidão das educadoras das classes especiais, motivavam esses encaminhamentos. Ora, o receio de discriminação e a solidão são produções que impediam o acesso das crianças às salas regulares e que motivavam o pedido de avaliação psicológica. Como intervir nessas produções? Que práticas estabelecer para que as professoras das classes regulares pudessem conhecer as crianças que freqüentavam as classes especiais? O que fazer para que as professoras das classes especiais estivessem efetivamente inseridas no trabalho coletivo do ensino fundamental? Quando passamos a ter essas questões como desafio, a necessidade inicial das professoras de classe especial, de um relatório que avaliasse positivamente as crianças, perdeu o sentido. Pois, esse relatório de nada afetaria o

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receio, a solidão e outras questões que motivavam o encaminha:: r -to dessas crianças.Aprendemos a estar atentos para as práticas cotidianas que Ü: se revelando. Os encontros de professoras têm servido para discHE coletivamente os acontecimentos da escola? As reuniões de pais* propõem a ser um espaço de socialização das práticas escolares-Como é feita a avaliação do processo escolar das crianças?Esse movimento foi revelador. Os saberes a respeito das pi' cas institucionais que íamos conhecendo pelos encaminhamen permitiram-nos constituir perguntas e critérios importantes devem ser considerados quando um aluno é encaminhado um especialista. Por exemplo, a solidão das professoras que cavam o diagnóstico de especialistas como uma estratégia justificar o fracasso escolar de seus alunos constituiu quês sobre o funcionamento das reuniões de professoras. Questões só poderiam ser constituídas no interior do interesse pela prod daquilo que estávamos conhecendo. Conhecíamos a solidão, a fr de interlocução, a busca de intervenções individuais para quest que são coletivas. Interessava-nos saber como essas produções : práticas e de processos de subjetivação iam sendo engendrada Por isso, nem professores, nem alunos, nem a relação profes?: aluno estavam em nosso foco como causas individuais do fraca.-escolar e do encaminhamento. 'Com esse trabalho, definimos que aquilo que avaliamos não é funcionamento do sujeito encaminhado (afinal, criticávamos tanto e~ tipo de trabalho que centra seu foco em um indivíduo), mas sim e campo de forças, no qual se engendra o encaminhamento do ai para que um especialista realize a avaliação psicológica. Avaliar campo de forças é uma expressão que nos convida a pensar outro desenho para nossa inserção. Não mais "avaliar o sujeito"* "avaliar alguém". Como ficaria o desenho de nossa inserção ao a mos no campo de forças?"Avaliar um campo de forças" implica em conhecer essas for ças. Forças dão-se em movimento, podemos conhecê-las nos mov

Os PSICÓLOGOS TRABALHANDO COM A ESCOLA! INTERVENÇÃO A SERVIÇO DO QUÊ?

79mentos. Vejamos um exemplo para melhor podermos definir esse novo desenho para nossas inserções. Paulo, um menino, de 12 anos, que estava cursando a terceira série e se recusava a fazer as lições, nos foi encaminhado. Fomos, então, buscar informações sobre a produção desse encaminhamento perguntando a várias pessoas envolvidas na história de Paulo o que pensavam e quais eram suas hipóteses para esse encaminhamento. Foi assim que entramos em contato com muitas práticas, idéias e relações, tais como: um projeto de classe de aceleração, no qual professores eram formados para ensinar alunos com defasagem série-idade que depois voltavam para as salas regulares; professores, como já mencionamos, que não discutem formas de trabalhar com Paulo em suas reuniões; o encaminhamento para especialistas com a ilusão de que os mesmos poderiam dizer o que a criança verdadeiramente tem, independentemente do funcionamento das relações e das práticas; o pipoqueiro, que gostava de Paulo e contava com sua ajuda para vender pipocas; o cansaço e desânimo das professoras com relação às atitudes de Paulo, que sempre as agredia, etc.Estamos falando, portanto, de várias relações e personagens, que se constituem nesse campo. Utilizamos o reflexivo - constituir-se, engendrar-se -, em vez de constituir ou engendrar o campo, pois queremos mostrar que algo vai se constituindo na relação e no encontro das forças. Os projetos pedagógicos e seus efeitos, o encaminhamento para especialistas, a falta de discussões entre as professoras, o pipoqueiro que gostava de Paulo, o desânimo das professoras..., nada disso será entendido como causa do que vem depois. Mas como campo no qual se produzem as questões subjetivas.Esse campo não é uma causa externa daquilo que se produz. Pensar esse campo de forças é um grande passo em relação à visão que justifica os acontecimentos tendo como causa algo localizado apenas no corpo do sujeito, pois, pesquisando esse espaço de produção, temos acesso não mais a causas meramente individuais ou provenientes da relação professor-aluno, mas às várias práticas nas quais o encaminhamento fora engendrado. Passamos a falar da sensação

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de incapacidade da criança, da depositação do saber dos p res em especialistas, da aflição das mães, pois seus filhos não diam, da necessidade de um projeto pedagógico para os alunos comprometimentos, da montagem das classes, da atribuição de aos professores, do funcionamento do recreio, da rotina, da pação dos pais nos fóruns de poder da escola, das decisões p sobre a educação, etc.Precisamos esclarecer que a expressão "campo de forças aqui, sendo utilizada como espaços de produção de práticas processos de subjetivação. Os acontecimentos não são cau que vem depois, são engendrados nesse campo.Como diz Foucault: "Se a interpretação não pode nunca a isto quer simplesmente significar que não há nada a interpretar, há nada absolutamente primário a interpretar, porque, no fundo, é interpretação, cada símbolo é em si mesmo não a coisa q oferece à interpretação, mas a interpretação de outros sim1 (Foucault, 1987, p. 22).Aquilo que elegemos como uma questão a ser avaliada, sendo engendrada existente. Não vem depois dessas forças, constituído NELAS. Insistimos nessa discussão, pois ela foi mental para as mudanças que foram ocorrendo no rumo do traPensemos, portanto, em vários espaços cujas forças se Iam e se encontram - os campos de forças se cruzam e se afPoderíamos, como psicólogas, participar desse campo dia ticando as crianças. Isso, sem dúvida, imprimiria um movimen qual a patologização, a culpabilização das vítimas e a isenção práticas sociais na produção das desigualdades e dos sintomas, am intensificadas. Sabemos que nesses campos de forças está tensamente presente uma psicologia que avalia e diagnostica se a mesma estivesse fora do campo. Essa ilusão, de estar sustenta muitos diagnósticos e encaminhamentos.Voltemos, então, ao desenho de nossa inserção na escola.Se as forças, as ações, contêm nelas aquilo que se engendra, no encontro dessas forças produzem-se efeitos, então podemos

Os PSICÓLOGOS TRABALHANDO COM A ESCOLA: INTERVENÇÃO A SER\TÇO DO QUÊ?

81que "avaliar um campo de forças", "avaliar a produção do encaminhamento ou da queixa escolar", implica em afetarmos essas forças e, com isso, sabermos da possibilidade de alterar, ou não, seu rumo.Darei um exemplo. Uma professora de uma Escola Municipal de Ensino Infantil (EMEI) queria conversar sobre as dificuldades de uma certa criança, um menino de 5 anos, que sempre ficava fora das brincadeiras e comia sozinho. No parque, ele sentava e olhava o que as outras pessoas faziam, não participava das brincadeiras mesmo que viessem chamá-lo. Não desenhava, colocava o lápis na boca. Está há quatro meses na escola. Durante esse tempo, percebeu-se que ele tem circulado mais à vontade pela instituição e a professora conseguiu entender melhor algumas de suas colocações.A escola, inicialmente, queria um diagnóstico dele. Após uma conversa sobre as hipóteses que teriam para a necessidade de um diagnóstico, a demanda mudou - queriam ajuda para pensar como trabalhar com esse menino na sala de aula. Uma vez explicitada essa demanda, muitas professoras deram sugestões e a coordenadora resolveu participar um pouco da aula para ajudar a pensar como fazer. A demanda havia sido formulada com um conteúdo bastante tradicional, mas, o fato de eu e as professoras estarmos interessadas em pensar as produções dessa criança e as práticas educativas na EMEI possibilitou outros caminhos.Portanto, poderemos avaliar a possibilidade de alterar aquilo que aparece inicialmente como demanda, se intervier nesse campo. É nesse embate que se constituem nossos saberes.Para não cairmos na armadilha de apenas aumentarmos o espectro de causas em relação às questões que antes pareciam relacionadas apenas ao funcionamento individual do sujeito, temos de buscar o funcionamento das práticas nas quais o fracasso se engendra, dando nomes, produzindo marcas.Estamos falando de um trabalho que, ao entender e se inserir nesse campo de forças em movimento, busca conectar-se com o que pode romper a cristalização presente nos processos de ensino e de aprendizagem

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Neste trabalho com a avaliação psicológica, aprendemos a agir campo e a avaliar a possibilidade de movimento conforme nossas aç Alguns encaminhamentos de alunos referiam-se a situações que eíC2-vam bastante cronificadas a campos densos. Mas a maioria deles re»~ lou intensas mudanças, pois conseguíamos intervir no cotidiano esParticipando da luta e criando com as demandasPassamos a ir às escolas com um outro contrato. Em uma escolas que fomos durante o ano de 2001 e 2002, redigimos o sej objetivo: "Nosso trabalho em instituições educativas visa a melho~ atendimento a crianças e adolescentes. Para isso, problematizanr observações e preocupações trazidas pelos educadores em rei aos seus alunos e refletimos estratégias de ações que conside processo de produção das concepções e das práticas institucionEsse fazer - ter acesso à produção histórica das concepç' das práticas -, é efetuado buscando as possibilidades de ruptura o que está instituído.Interessa-nos que as ações e os saberes conquistados durante o so trabalho, possam ajudar os profissionais da instituição a criarem fr de agir na produção daquilo que trazem como sintoma isolado. A produção, que é coletiva, requer intervir no funcionamento institucio'Temos buscado as forças que estão presentes nas queixas muladas pelas professoras, por exemplo, com relação aos ai indisciplinados e aos seus pais e mães que, segundo as profess não ajudam da maneira como os profissionais da escola gostari Nós propomos, em relação a essas temáticas acima, discutir a dução do indisciplinar, pensar a relação escola-comunidade13.13 Essa temática, a justificativa de que a grande causa dos problemas da criança relacionada ao que acontece na família e em casa, tem sido bastante freqüente nossos trabalhos. Denunciar, criticar e orientar pais produz afastamento. Temos de forma a potencializar as possibilidades dos profissionais da escola para i crianças e com as mudanças das práticas institucionais. Muitas estratégias e ações problematizar essa temática têm sido desenvolvidas em um tipo de atendimen

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Indisciplinar, assujeitar, são forças. Os verbos no infinitivo, as ações, são forças. Como já dissemos, segundo Foucault, o poder é relação de força de uma ação sobre outra ação; portanto, temos agido naquilo que domina, criando dispositivos que recuperem a potência de forças e intensidades que estão submetidas às formas instituídas. Entender os gestos de alguns alunos, como atitudes de indisciplina que necessitam ser disciplinadas, é uma ação, uma força (já efeitos de outras forças, como vimos) que somente poderá ser afetada no embate.Vejamos um exemplo. Chegamos a uma escola e a grande queixa era a indisciplina da 4a série. Fomos conhecer as hipóteses em relação à produção da indisciplina, a história dessas classes, os projetos, os interesses dos alunos, a rotina, o funcionamento das horas de discussão pedagógica das professoras... Um tema sempre presente, mas nunca trabalhado com os alunos era o fato de a 4a série ser o último ano naquela escola.Convidamos os alunos interessados a participar de um grupo cujo tema seria a questão da despedida, problematizamos com alunos e professores o tema da indisciplina, reunimo-nos com pais para refletir esse momento tão intenso de ruptura. O trabalho deu-se pela produção de jornais, despedidas, curiosidades, lembranças.A pergunta que precisava ser convocada era - o que acontecia, nessa escola que algo que deveria estar previsto nos projetos da escola, não estava sendo realizado? Afinal, as professoras valorizam a necessidade de se criar formas para expressão do que ocorre com os alunos. Sabiam que esse não-dito, em relação à despedida, poderia interferir nas atitudes dos alunos. Mas as professoras delegavam a outros grupos (a nós) o trabalho de refletir com seus alunos os receios em relação ao processo de escolarização. Como fortalecer essa potência capturada, das educadoras, em intervir no cotidiano? Quais e como são os embates nesse coletivo?Serviço de Psicologia Escolar que denominamos "Plantão Institucional", no qual eu e Yara Sayão nos encontramos mensalmente com grupos de profissionais (educadores ou psicólogos que trabalham na educação) de uma mesma instituição e, conjuntamente, aprofundamos a reflexão sobre cada uma das situações trazidas pelos profissionais.

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Essa é nossa função: problematizar, junto aos profissio instituição, as concepções, as práticas e as políticas presen singularidade de cada caso, de cada história, de cada discurso, tanto, o trabalho se refere ao funcionamento institucional. As toes com as quais trabalhamos são engendradas no coletivo e gem a criação de redes. Por exemplo, a presença de crianças comprometimentos graves no cotidiano da instituição e, port construção de práticas inclusivas, necessitam da participação profissionais da área da saúde.A rede complexa na qual a demanda é formulada faz p nosso trabalho inspirando-nos a criar dispositivos, ações, para per, criar rupturas em processos que são nossos velhos conhec' processos que produzem os sujeitos como portadores de falta!Pelo contrário, vemos o excesso, o transbordamento de cc que não cabem na instituição da forma como ela está instituída. B ca-se esse alargamento, no embate.REFERÊNCIAS BILBLIOGRÁFICASDELEUZE, G. - Nietzsche e a Filosofia - Portugal, Editora RES.FOUCAULT, M. -A verdade e as formas jurídicas. Tradução de Roberto M. Machado e Eduardo J. Moraes, Rio de Janeiro, RJ, Ed. Nau, 1Ç------------. - Nietzsche, Freud e Marx - Theatrum Philosoficum. Tradude Jorge Lima Barreto, São Paulo, SP, Ed. Princípio, 1987------------. - Vigiar e PímzV.Tradução de Lígia Ponde Vassalo. Petrópolis»Ed. Vozes, 1987b.MACHADO, A. M. - Crianças de Classe Especial: efeitos do encontro d* saúde com a educação. São Paulo, SP, Ed. Casa do Psicólogo, 1994.------------. - Reinventando a Avaliação Psicológica. Tese de Doutorado,JPUSP, SP, 1996.

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INTERVENÇÃO JUNTO A PROFESSORES DA REDE PÚBLICA: POTENCIALIZANDO A PRODUÇÃO DE NOVOS SENTIDOSVeruska Galdini ' ' Wanda Maria Junqueira Aguiar

"Não, não tenho caminho novo.O que tenho de novoé o jeito de caminhar.Aprendi(o caminho me ensinou)a caminhar cantandocomo convém a mime aos que vão comigo.'■■/'. Pois já não vou mais sozinho".Trecho de "A vida verdadeira" Thiago de MelloO objetivo central deste artigo é apresentar algumas reflexões sobre o tema formação de professores. Para isso, tomamos como base nossa experiência em estágios realizados na área de psicologia educacional na Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.Iniciamos nossa discussão apresentando os pressupostos teóricos e metodológicos que fundamentam nosso fazer-agir em educação no trabalho junto a professores.

VERUSKA GALDINI E W AND A MARIA JUNQUEIRA AGUIAR

Ao escolhermos o tema formação de professores, não ] fazê-lo sem a clareza de que qualquer pratica que vise à , sobre a realidade escolar, implica uma profunda reflexão concepções de homem, escola, educação, assim como sobre i ções que constituem a trama institucional.Pretendemos desmistificar a idéia de que a discussão estratégias de formação, sejam elas quais forem (em serviç grupos, cursos, reciclagem, etc), possam, por si só, avançarei rar os impasses que temos encontrado nessa área, ou seja, < discussão sobre quais as melhores técnicas e estratégias de: ção, bastam para que promovamos um avanço qualidade da a dos professores.O debate sobre a opção da técnica a ser utilizada é releva entanto é parcialmente reducionista se não for precedido i reflexão sobre seus pressupostos teóricos e metodológicos.Assim, quando falamos em formação de professores, não ] nos esquecer, como primeiro pressuposto, que a escola, local onde^ dade docente acontece, é um espaço institucional e de mediação!A escola revela, nas suas formas de ser, relações sociais^ ticas, conteúdos de classe, valores, ideologia, serão constiturU práticas dos professores. Essas mesmas condições institucior na sua singularidade, constituídas também pela ação dos prof e outros profissionais que aí trabalham, convivem, se relaciouAs formas de relação, de produção de conhecimento, uti do espaço, etc. existentes numa instituição escolar são sem i únicas, resultado do entrelaçamento de um conjunto de fator numa realidade especifica adquirem forma própria, pela singu de e historicidade dos indivíduos que a compõe.Em outras palavras, apesar de cada escola ter sua unicid partir de singularidades que produzem seus próprios sentidos,« como elemento constitutivo a realidade social.Dessa forma, ao compreendermos a relação professor/inÉ» ção/sociedade dialeticamente, evitamos o perigo de olhar o p^fc sor como naturalmente bom ou mau, como a-histórico, rompei

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assim com explicações fundadas numa presumida e invariável "natureza humana". :''«-- ^•■:<-'''■"• .--■'"■<Por outro lado, também evitamos posições que não apreendam o caráter ativo, cheio de possibilidades do trabalho docente. Da mesma maneira que a escola é, ao mesmo tempo, conservadora e inovadora, que não é um oásis, nem é um beco sem saída, o professor, entendido como ser histórico e social, tem a possibilidade tanto de simplesmente reproduzir concepções e práticas, como de transformá-las.< Tendo como objetivo a intervenção junto a professores, é fundamental resgatarmos a possibilidade do seu papel ativo, capaz de produzir conhecimento, de refletir, de criar situações de aprendizagem, de ter uma práxis.Apontamos, assim, uma concepção de professor que não seja guiada pela racionalidade técnica, mas que indique a possibilidade desse profissional constituir-se como investigador dos fenômenos com os quais trabalha, refletindo criticamente sobre o ensino e o contexto social de sua realização.É necessária a clareza de que ele não pode ser reduzido a um "trabalhador braçal", deixando para os técnicos da escola o trabalho de pensar as situações de aprendizagem. Como bem aponta Ildeu Coelho (1983), o fato de se caracterizar os docentes como "simples" professores e não como especialistas em educação, vem reforçar sua subordinação à burocracia escolar, bem como a desqualificação de seu trabalho. Evidentemente não podemos ser ingênuos e acreditar que a fragmentação do trabalho é um fato meramente técnico. Aliás, a grande ênfase nos métodos e nas técnicas não é de modo algum inocente, não é natural, pelo contrário, é um fato eminentemente sociopolítico, inclusive necessário a dominação.Na perspectiva de considerar a condição de sujeito do professor, é urgente pensá-lo como totalidade, incluindo aí suas condições de vida, de trabalho, salário, etc.E evidencia-se, assim, o quanto pensar numa intervenção junto a professores significa pensar a totalidade institucional e, mais do que isso, refletir sobre a própria sociedade.

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Outra questão que não podemos deixar de lado é a clareza ..-. que tanto as propostas de trabalho junto a professores, como as praticas por eles exercidas, têm como elemento constitutivo concepções, nem sempre explicitadas, do que é educação, do que se es] da escola, do aluno. Concordamos com Vigotski quando afirma "(.-•) toda teoria da educação apresenta as suas próprias exigências ao mestre" (2001, p. 446).E importante deixar claro que partimos do princípio da necessidade de dar um novo sentido e função à escola, colocando-a a serviço <fe maioria da população, num trabalho crítico e transformador, impriminck novos rumos à prática educativa e, por que não, à coletividade escolar.Estamos indicandOo nosso rumo, nossa ética. Entendemos, co Vigotski, que "(•••) não se trata simplesmente de educação, mas refundição do homem" (2000, p. 458).Envolver-se efetivamente com essa perspectiva significa pressupor que as dimensões política e técnica são sempre mediadas pel: ética. Significa, como nos lembra Cortella "(•••) paixão peL inconformidade de as coisas serem como são, paixão pela derrota d_ desesperança, paixão pela idéia de, procurando tornar as pessoa? melhores, melhorar a si mesmos ou mesma, paixão em suma, pele futuro" (1998, p. 157).Nossa luta é pela busca de uma maior qualidade do trabalhe docente, entendendo-a como qualidade social e histórica. Então, nâe podemos jamais escamotear as relações entre educação e política, educação e poder, não podemos compreender a qualidade, a competência, como tendo um valor em si, universal, independentes das condições sociais que as produzem. Como nos lembra Nosella, "Competência ou incompetência são qualificações atribuídas no interior de uma visão de cultura historicamente determinada, pois existe o competente e o incompetente para certa concepção de cultura, como existe o competente e o incompetente para uma nova concepção de cultura" (1983, p. 92).Como gerar a crítica pretendida, a resistência às concepções mercantilizadas e burocratizadas do conhecimento, a problematização

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da gestão coletiva da vida escolar? Como potencializar o professor, entendido como elemento fundamental nesse processo, para ser sujeito dessas tarefas?Há aí uma questão a ser enfrentada, ou seja, a dificuldade de se realizar um trabalho de formação de professores, que realmente acarrete mudanças nas suas formas de agir/pensar e sentir, mudanças essas que, a nosso ver, só serão possíveis num contexto de ressignificação da totalidade Institucional, de apropriação de suas contradições e possibilidades de superação. A literatura mostra uma infinidade de experiências de cursos, reciclagens, etc, mas que acarretam poucas transformações efetivas nas práticas docentes. O que ocorre? O que leva ou não a transformação?Quando falamos em mudança e transformação é importante ficar claro que são múltiplos os aspectos determinantes, incluindo não só a história de vida e profissional do professor, como a realidade institucional escolar e social. Assim, as mudanças estão sendo pensadas como sendo gestadas num determinado espaço institucional, social, histórico, por sujeitos concretos.^ Diante disso, apontamos nosso objetivo que sem dúvida é um recorte, muito próprio da psicologia, que se constitui numa das múltiplas possibilidades de trabalho a ser realizado, ou seja, a realização de um trab^hojfeintoj/ençjío_que possibilite a reflexão, re-significa-ção e, assim, a produção de novos sentidos sobre a "vivência de ser professor".Os novos sentidos produzidos devem se constituir a partir de um esforço que rompa o cotidiano, desmistifique velhas concepções, aprofunde compreensões rasteiras, ultrapasse a aparência. Para isso, torna-se fundamental a reflexão sobre o cotidiano. Muitas vezes causa estranheza o fato de prevalecer nas práticas docentes uma certa imediaticidade. Os professores falam de ações realizadas que se contrapõem ao que havia sido planejado, ou ao discurso oficial, ou mesmo ao que dizem acreditar. O que se observa é um jogo cotidiano que se assemelha a um pulular de ações desconexas. É justamente nesse momento que temos de nos perguntar. O que o fazer (e o

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fazer-se) cotidiano do professor indica? Ele pode ser simplesmer.:-. negado? Será que ele não anuncia algo importante, sintomático, cc r traditório? Heller fala de um cotidiano alienado, que prima pela rep e tição, mas que ao mesmo tempo é espaço das contradições, "cale. de fervura para as sadias revoluções".No esforço de penetrar no cotidiano, de desvendar suas contrae -ções, suas determinações, é fundamental que o professor tenha clareza de que a luta pela competência não se dá somente no plano indh > dual, pela busca de técnicas milagrosas. Mas é fundamental compreender que a ação competente da escola é seu trabalho coletivo.Sabemos que essa é uma tarefa árdua. Como estabelecer u~ processo de interrogação explícita e ilimitada no espaço cotidiano trabalho docente? Como produzir novos sentidos? Como possibil: ao professor ser um investigador em aula? Como sair do lament partir para construção de um projeto que tenha como norte a ges coletiva do sentido escolar?Deve-se, pois, retomar o conceito de re-significação. Se simplista afirmarmos que, para atingirmos nosso objetivo, re-sign:. car, produzir novos sentidos bastaria que os professores se aprorr assem de suas determinações. Temos de considerar a dialética ob tividade/subjetividade. Como aponta Aguiar, "nesse processe objetivação/subjetivação - que é único, social e histórico - a reali de social encontra múltiplas formas de ser configurada, com a po-bilidade de que tal configuração ocorra sem desconstruir velhas c cepções e emoções calcadas em preconceitos, visões ideologizac fragmentadas, etc." (2000, p. 180). Aí se coloca nosso desafio. í bemos que muitas vezes, no seu cotidiano, o professor não se ap pria de suas experiências, não valoriza as nuances, os desafios. questionamentos colocados pelos alunos, pela própria realidade. : rece estar imune ao novo, aos choques. O que presenciamos é empobrecimento da experiência, é a prevalência da mesmice, a f de perspectivas, o " beco sem saída".As dificuldades são muitas, as condições sociais, instituciona» são dificultadoras da mudança, mas não podemos esquecer que a

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realidade é contraditória. Não podemos sucumbir à idéia de que o professor é " mensageiro de conteúdos vazios'', de que ele simplesmente ocupa um lugar na linha de montagem da escola. Não podemos decretar o fim das possibilidades de criação. As condições de alienação estão presentes no cotidiano, mas as condições de superação também. Assim, como afirma Vigotski, as possibilidades de imaginar, sonhar, criar, devem ser exploradas, estimuladas. / f— Pensamos numa intervenção que, alavancada nas contradições, ) possa supera-las, indicando novos caminhos, novas formas de apre-] ensão do mundo. Uma intervenção que considere o ser humano como | uma sentimentalidade inteligente, ser que é afetado e que afeta, que I se implica. Pensamos um professor que inevitavelmente deixe mar-I cas, que se veja como mais um dos determinantes constitutivos des-\ se aluno e vice-versa.E necessário que, na reflexão sobre a prática da atividade docente, o professor não se exclua, que olhe para a relação professor-aluno, entendendo-a como algo que jamais poderá ser compreendido, isolando cada um dos seus elementos (professor-aluno). Tal relação, nessa perspectiva, é constituída por um movimento no qual, apesar de professor- aluno, serem dois elementos distintos, um deve ser visto como constitutivo do outro, um não é sem o outro, só podendo ser entendidos nessa relação/E não só é importante a compreensão de que essa relação, professor x aluno, também medeia a realidade institucional e a própria realidade social-histórica. Só assim será possível a criação de um vínculo com o aluno concreto, qualificando a relação professor x aluno, de modo a permitir implicação, apropriação e produção por parte de ambos.Colocados os pressupostos orientadores de nosso trabalho, apresentaremos, a seguir, o desenvolvimento de nossa prática. Como forma de apresentação aglutinamos os encontros que tiveram objetivos semelhantes, passando a denominar tais agrupamentos de módulos. A divisão em módulos explicita uma ênfase dada em alguns objetivos em determinado momento; o que não impede que esses mesmos objetivos permeiem outros momentos do processo.

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Relataremos um exemplo do desenvolvimento de nossa pr em uma escola específica. Foram realizados dez encontros com < ração de uma hora cada um, com um grupo aberto que contou cc participação de 12 professores em média.O ESPAÇO INSTITUCIONALFalamos, anteriormente, que o primeiro pressuposto para > darmos da formação de professores refere-se à concepção de qu escola é o local onde a atividade docente acontece, onde são veie lados os pressupostos teóricos e metodológicos orientadores do ] sar e agir das pessoas que constróem o espaço institucional. A meira pergunta que levamos conosco na primeira visita foi: como esta escola, como é seu espaço físico, suas inter-relações e sua: sofia, qual é sua proposta pedagógica?Para responder as perguntas acima, elaboramos ações esti gicas, tais como, observação, entrevistas com professores, funcion rios em geral, coordenadores pedagógicos e diretores.Observamos o cotidiano da escola. Ficamos como turistas visitao-do uma cidade desconhecida: passeamos pelo pátio da escola no horário de recreio, pela secretaiia, conversamos despreocupadamente cora j as pessoas circulando por ali, olhamos os detalhes que compunham o ] ambiente: quadro de avisos, cadeiras, mesas, muros, grades, sirene.Vimos que essa escola possui uma grande área construída, com " as salas de secretaria e direção, as classes, o pátio e a cantina bas-1 tante espaçosos e iluminados, mesmo à noite. A escola é bem conservada, com paredes, carteiras e salas sempre limpas e em boa-condições de uso. Nas paredes, há placas com homenagens à escoL e o busto do fundador recepciona os visitantes, além do porteiro qv só permite a entrada de alunos uniformizados ou adultos devidamente autorizados,A porta de entrada é voltada para um parque arborizado, ma~ utiüzado para uso e tráfico de drogas, estupro, assaltos, etc. Grades e

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muros permeiam toda a escola, dentro e fora. A vigilância é permanente e feita por policiais femininas que recebem auxílio de viaturas policiais; a sensação é de um risco iminente e de uma tentativa desesperada de evitar que a violência adentre a escola. Também há grades nos corredores internos e em todos os espaços de circulação, além de trancas nas salas de aula.Os murais são utilizados para divulgar as regras da escola, cartazes sobre prevenção a doenças, promoção de saúde, preservação do meio ambiente e de concursos promovidos para professores. O mural, aparentemente, não é utilizado pelo aluno como espaço de divulgação.Nas entrevistas e conversas que fizemos, procuramos identificar como são as relações interpessoais na escola e para retratá-las aqui escolhemos algumas palavras que se repetem nos discursos, são elas: ordem, respeito, autoridade, medo, rigidez, disciplina, indisciplina, rigor, conteúdo, hierarquia.Investigamos também a proposta pedagógica da escola e pudemos sintetizar que os profissionais que compõem essa escola propõem a formação de cidadãos capazes de competir no mercado de trabalho e preparados para o vestibular por meio de padrões rígidos de ensino, da disciplina, da hierarquia e do respeito, bem como do conteúdo ensinado e da cobrança do aprendizado.Buscamos nas entrevistas e conversas informações sobre as famílias que matriculam seus filhos nessa escola: como elas pensam a educação? Segundo os educadores, elas concordam com a proposta pedagógica e procuram a escola exatamente por esse motivo. Como nos foi dito, os pais escolhem a escola por ser "forte", "puxada", "exigente nos conteúdos", "disciplinadora".Na opinião dos entrevistados, o único problema citado nas conversas e entrevistas foi a indisciplina, que tem como solução uma postura mais rigorosa e disciplinadora.Com as entrevistas e as conversas pudemos conhecer os pressupostos filosóficos, a ideologia, os valores que constituem as relações sociais e políticas vividas naquele espaço institucional. Conhe-

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cer e analisar o pensamento por trás da ação cotidiana é fundame: tal para podermos criar as estratégias de ação e as ações estratef-cas que utilizaremos, para sabermos como e quais são as transi.::-mações possíveis dentro daquele espaço institucional, que tem reações específicas, cotidiano singular, pensamentos, valores e confie.: .-mentos constituídos e que serão constitutivos do pensar e agir a.-professores dessa instituição.ACOLHIMENTO E RESPONSABILIDADENo primeiro momento do grupo com os professores, duas quQfr^ toes se destacaram para serem enfrentadas: a necessidade de lhimento e de responsabilização do professor.No que se refere à primeira questão, foi fundamentai que mostrássemos disponíveis para ouvi-los, não porque somos " bonzinhos". mas porque temos a clareza de que a realidade é complexa, que a atividade docente (especialmente nas escolas públicas) é atravessada por uma multiplicidade de fatores que marcam e constituem formas de ser/pensar e sentir dos professores. Sendo assim, para potencializarmos a ação do professor, precisamos escutar e conhecer o que esse ele sente, como explica os fatos que vive, quais são os pressupostos que orientam sua ação, para explicitarmos as contradições vividas e, então, construirmos juntos as alternativas possíveis.Os trabalhos realizados junto a professores mostram o quanto são múltiplos e contraditórios os sentimentos vividos por eles, ou seja, culpa, medo, raiva, impotência, desânimo são sentimentos que os acompanham no dia-a-dia. Precisamos então tocar nesses sentimentos para que sejam superados e para que outros ocupem seu lugar, como a criatividade, a paixão, a potência, a reflexão. Buscamos atingir esse objetivo criando um espaço de acolhimento dos limites, das dificuldades, do ruim, para conhecermos também o que os constitui, como esses aspectos surgem e se mantêm e, então, como transformá-los.

INTERVENÇÃO JUNTO A PROFESSORES DA REDE PÚBLICA...97O que pretendemos com o acolhimento é gerar movimentos no plano da subjetividade e isso requer um espaço propiciador de apropriação de si mesmo, de autoconhecimento para que o professor se veja implicado. Concordamos com Chaui que afirma que "Somente quando o desejo de pensar é vivido e sentido como um afeto que aumenta nosso ser e nosso agir é que podemos avaliar todo o mal que nos vem de não saber" (p. 1983, p. 57).Nesse processo, percebemos como interessante a realização de atividades nas quais eles possam se colocar, expressando suas necessidades, problemas, expectativas, percepção de si mesmo (coisas que gostariam que acontecesse na sua vida, tanto relativo a vida profissional, como de modo geral). Esse momento é muito propicio para conhecermos o grupo, para começarmos a criar um espaço acolhe-dor, espaço este que deve ser visto como possibilitador de manifestação de idéias e expressões de afetividade. Por isso. o acolhimento, sem nunca esquecer que ele, o professor, é responsável por seus atos. que ele é sujeito e que tem a possibilidade de interferir, atuar.Uma das estratégias utilizadas para atingir tal objetivo foi pedir aos professores que desenhassem uma árvore, representando como eles se vêem na vida, colocando nos galhos características pessoais positivas e nas raízes características que poderiam ser melhoradas, algo que ainda não é do jeito que gostariam. Pedimos uma segunda árvore, representando essas características, especificamente para a vida profissional.Nossa prática tem mostrado que, diante das dificuldades vividas (ser professor da escola pública), o educador, muitas vezes, se despotencializa, não se vê como sujeito capaz de interferir na realidade, não acreditando que deixa rastros na sua prática. Esse movimento acaba o levando a se excluir da relação professor/aluno, como se isso fosse possível! (questão abordada no próximo item). É necessário, incentivarmos o professor a fazer um movimento em busca dos motivos, dos nexos entre seu presente, seus motivos, desejos e necessidades, sua história de vida e a sociedade na qual está inserido. Para que, ao olhar para sua prática e para si, possa enxergar-se não como ser natural, mas como histórico e social.%)

9 8 VERUSKA GALDKI E WANDA MARIA JUNQUEIRA AGUIAR

É fundamental ao professor a apropriação dos determinan.r que o constitui, a clareza de que muitas vezes suas certezas sâe baseadas em dados da aparência, mas também é fundamental que produza a potência de agir, que reconheça seu poder de constituiçãi» de si mesmo, do aluno e do próprio espaço educativo.APROPRIAÇÃO DO ALUNO y IConsideramos fundamental estimular o professor a olhar paralP aluno concreto, de "carne e osso". Para isso, talvez seja necessánB recuperar suas histórias como alunos, a própria história da evoluçáp dos modos de vida, dos valores, da juventude. É muito comum # saudosismo em relação à formação moral que se tinha, à qualidai| do ensino, etc. Em última instância, estamos propondo que o proféF sor se torne um investigador das questões que constituem e atrav-, sam sua prática docente, participando desta forma, do processo produção de saberes sobre seu próprio trabalho.Essas questões devem ser tratadas de modo a favorecer ao p:: fessor uma reflexão que o leve a apropriar-se da dinâmica constituü -da realidade educacional atual, da realidade dos alunos e jovens de hoje. É necessário que o professor questione-se: quem é este jovem? Que escola é esta? Quais necessidades os motivam? Qual sua história? Quais suas percepções sobre si e sobre o mundo?E necessário fazer com o professor um exercício de reflexividade sobre o aluno da nossa cultura, do nosso momento, que vive outras necessidades, outros interesses e atribui sentidos diferentes a atitudes e objetos (o uso do famoso boné, por exemplo!).O professor precisa estar disposto a re-conhecer seus alun: para negociar seus desejos. Por exemplo, em uma das discussõer de casos trazidos pelos professores para o grupo, fica claro como a diferença de atitude da professora pode evitar o desgaste desnecessário no cotidiano. Uma professora comenta sobre um aluno que escuta walkman durante a aula. Segundo a professora, o al_-no ouvia um jogo de futebol, fazendo comentários em voz alta, prc -

INTERVENÇÃO JUNTO A PROFESSORES DA REDE PÚBLICA... 99

vocando dispersão nos outros alunos. Ela descreve essa situação como uma afronta pessoal, sentindo-se desafiada, pois ele negou-se a desligar o walkman e a sair da sala, como solicitado por ela. A professora contou que se sentiu desrespeitada, impotente e com medo do aluno, pois este "era um homem maior do que eu!". Sua atitude foi ignorá-lo. A proposta feita para o grupo de professores foi de discutir a situação considerando a multiplicidade de determinações (esse aluno e essa escola são construídos sociohisto-ricamente), o que nos fez reconsiderar a particularidade da situação e perceber a necessidade de aproximarmo-nos desse aluno e orientá-lo. No encontro seguinte, a professora relata que ao reviver uma situação semelhante com o mesmo aluno, procurou conversar com ele sobre o que estava escutando, mostrando interesse por aquilo que o interessava. Na avaliação final dos encontros, essa professora relata que a tentativa de aproximação permitiu que se estabelecesse amizade e respeito entre os dois e ela pôde conversar com o aluno como se sentia diante da situação e esse pode compreender o que significava para ela o uso do aparelho durante a aula. Durante vários encontros, os professores relataram diversos casos em que a demonstração de empatia interpessoal (construída no caso a partir de um conhecimento dos processos de constituição dos sujeitos envolvidos) produz transformações nas relações e nas pessoas.APROPRIAÇÃO DA DIALÉTICA PROFESSOR/ALUNOOutra questão a ser trabalhada com os professores é a necessidade de compreenderem a relação que estabelecem com os alunos como uma relação de mediação, na qual professor e aluno são constitutivos da relação. Não dá para imaginar um dos elementos com menor poder de interferência. Ele, professor, tem de se perceber como elemento constitutivo das práticas, percepções e sentimentos dos alunos.

100VERUSKA GAIDINI E W ANDA MARIA JUNQUEIRA AGUIAR

/~ A valorização do trabalho docente deve se dar aliada a dis*: _ são de seu papel, sua responsabilidade como sujeito que interfere m. constituição do aluno. Diante disso, é fundamental que se crie sir—-ções de reflexão sobre o significado de suas ações, sobre o pape'. : outro na constituição do sujeito, sobre o caráter social da consth-ção da subjetividade.Para que os professores se apropriassem dessa relação, pe^ mos para que eles trouxessem "casos" para discutirmos estratég._ de ação.Dessa forma, tomamos o cotidiano escolar e a ação do pro:z sor como ponto de partida para as reflexões, trabalhando com * práticas cotidianas.Entretanto, lembramos, mais uma vez, que não podemos ser ingênuos ao lidarmos com as ações rotineiras dos professores sem a mec.-ação teórica, dos princípios éticos, democráticos e críticos, caindo i.-sim na racionalidade técnica. Acreditamos que a teoria deva ss elucidada, resgatada, apropriada, na relação dialética com a prática.Isso posto, podemos afirmar que optamos por compreender o professor na sua realidade escolar, por meio de suas atitudes e comportamentos. Para isso, a estratégia de discutir "casos" é bastanlc interessante, pois é a oportunidade do professor não ficar enclausurad© no discurso instituído, repetitivo, para que, pela reflexão, ele possa romper com o cotidiano.Uma outra possibilidade quando trabalhamos com as discussões sobre casos é incentivar no professor a necessidade de estabelecer uma outra relação com o discurso do "outro", compreendendo que© desejo do outro é tão legítimo quanto o seu, que também é inacabada além de perceber que o outro é constitutivo da sua forma de ser,' a consciência da infriltração do outro", que ao compartilhar s ações, transforma o outro e é transformado por ele.Uma das estratégias utilizadas para a discussão dos casos sido a reflexão sobre eles em grupo. Pedimos para os professora? descreverem, inicialmente, em uma folha de papel, uma situação difícil enfrentada por eles no dia-a-dia e a seguir, cada professor d:

INTERVENÇÃO JUNTO A PROFESSORES DA REDE PÚBLICA...101grupo (sem se identificar) escrevia, para cada caso, uma solução que ele tentaria. Quando todos tivessem apontado suas sugestões de solução para os problemas, abríamos cada papel e discutíamos um a um, problema e solução. Essa atividade mostrou-se bastante interessante pelos debates que suscitou sobre o que cada professor achava possível realizar ou não, considerando os sujeitos envolvidos, as experiências relatadas e a própria identidade do professor.Com a discussão em grupo, eles puderam compartilhar e reconhecer que muitas dificuldades e sentimentos vividos são coletivos e, portanto, as soluções poderiam ser encontradas coletivamente. Outro saldo fundamental dessa discussão foi a oportunidade de refletirem sobre o próprio processo de produção das vivências e dificuldades.O professor, ao saber de estratégias que solucionaram o problema vivido por seu colega, ao experimentá-las e ao se rever, pode viver a transformação de suas ações, de sua autopercepção, como algo real e possível. Nesse espaço de discussão e reflexão com seus colegas de profissão, o professor tem a oportunidade de alterar significativamente o papel que desempenha, desconstruir posturas, rever ideologias. Nosso objetivo é que o professor possa reconfigurar sua subjetividade, olhar para si mesmo, sua história, suas necessidades, seus desejos, seus afetos, perceber o mundo em que vive, suas relações intersubjetivas, para desencadear mudanças em suas práticas.Finalizando nossas reflexões, podemos dizer que a potencialização das ações e a construção de projetos estiveram presentes em todo o subtexto de nossas intervenções, pois seu eixo central é o fortalecimento das condições necessárias para que os professores possam construir projetos que apontem caminhos, não só para melhores alternativas de atuação em sala, como para a escola como um todo. Com isso, afirmamos a necessidade de apontarem, nas suas trajetórias de trabalho, uma direção, uma intencionalidade à intervenção, intencionalidade esta que deverá consubstanciar-se na proposta de um projeto, sem dúvida, político, posicionado, que articule finalidade, objetivos, necessidades, valores, técnicas e instrumentos.

102VERUSKA GALDINI E WANDA MARIA JUNQUEIRA AGUIAR

Temos clareza da complexidade de tal proposta e de que a cor trução de projetos só se torna meta possível para os professores se um longo percurso for percorrido, sendo que, nesse breve relai: pudemos apresentar apenas algumas "dicas".É importante reafirmar que a potencialização do professor par. a ação planejada e crítica é algo que, sem dúvida, deve atravessar todos os momentos do trabalho. A problematização coletiva das questões escolares/educacionais, o questionamento daquilo que parece familiar, o rompimento com o império da mesmice, do instituído, devem estar impregnados em todas as atividades propostas, não permitindo a preponderância do lamento, da desarticulação, do desânimo que conserva, mas de modo a potencializar práticas e valores geradores de superação. >— Acreditamos que na intervenção com professores, a contribuição da Psicologia é conseguir que os sujeitos se apropriem e articu-j lem a dimensão histórica, social e institucional; a dimensão subjetiva ] de sua existência (ou seja, as determinações que os constituem) e as / características específicas da realidade do trabalho do professor (OB / seja, a dialética professor-aluno e o aluno concreto). Este é o movi-( mento de potencialização para que o professor construa um projeto V profissional criativo.REFERÊNCIAS BILBLIOGRÁFICASAGUIAR.W. M. J. - Professor e Educação: Realidades em Movimento. In: Psicologia e Educação - desafios teórico-práticos. Ed. Casa do Psicólogo, São Paulo, 2000.BOCK. A. M. B. e AGUIAR W. M. J. - Por uma prática promotora de saúde em Orientação Vocacional. In: A escolha profissional em questão. Ed. Casa do Psicólogo, São Paulo, 1995.

INTERVENÇÃO JUNTO A PROFESSORES DA REDE PÚBLICA...103CHARLOT, B. —A mistificação Pedagógica — realidades sociais eprocessos ideológicos na teoria da educação - Trad. Ruth R. Josef, Zahar Editores, 1979, Rio de Janeiro, 1979.CHAUÍ, M.S.-0 educador: Vida e Morte. Ed. Graal, Rio de Janeiro ,1998.CORTELLA, M.S.-A Escola e o Conhecimento. Ed. Cortez, 2a ed., 1998.DUARTE, N. - A individualidade para-si: contribuição a uma teoria his-tórico-social da formação do indivíduo - Ed.Autores Associados, 2a ed., 1999.HELLER, A.-O Cotidiano e a História. Ed. Paz e Terra, São Paulo, 1989.LOWY, M. - Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. Ed. Cortez, São Paulo, 14a Ed., 2000.PATTO, M. H. S. - A produção do fracasso escolar. Ed. T.Queiroz, São Paulo,1991.RODRIGUEZ, G. P. L. Metodologia de Ia investigación pedagógica y psicológica. Ed. Puebloy Educación, Habana,1989.VIGOTSKI, L. S. - Psicologia Pedagógica. Ed. Martins Fontes, 2001.___________. Linguagem e Pensamento. Ed. Martins Fontes, 1998.___________. Teoria e método em psicologia. Ed. Martins Fontes, 1996.

A PSICOLOGIA ESCOLAR NA IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE GUARULHOS: CONSTRUINDO UM TRABALHO COLETIVOMitsnko Aparecida Makino Antunes (org.) e colaboradores14

Muitas administrações municipais têm contado, já há algum tempo, com a presença de psicólogos nos quadros das Secretarias de Educação. A variedade de atuação nesse campo é muito grande, coexistindo ações fundamentadas numa ampla diversidade de concepções de homem, sociedade, Educação, Psicologia e, sobretudo, Psicologia Escolar. Não seria possível, hoje, arriscar-se a definir, de maneira generalizada, a atuação da Psicologia Escolar na escola pública, nem tampouco delimitar e caracterizar de forma unívoca esse campo de trabalho.Talvez a maioria dos psicólogos, nesse campo, continue respondendo às demandas mais tradicionais, atuando num modelo principalmente de natureza clímco-terapêutica. respondendo às solicitações das escolas como, em geral, se apresentam. Alguns têm atuado especificamente na assistência direta e específica aos alunos da Educação Especial e, numa perspectiva mais avançada e Tata, da Educação Inclusiva, embora voltada estritamente à assistência ao aluno. Outros psicólogos, talvez em menor número, estão atuando14 A organização final desse texto coube a Mitsuko Antunes, mas sua autoria é coletiva. Os responsáveis pela elaboração desse trabalho serão indicados nos respectivos itens por eles elaborados.

A PSICOLOGIA ESCOLAR NA IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO POLITICO^PEDAGÓGICO DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE GUARULHOS: CONSTRUINDO UM TRABALHO COLETIVOMitsuko Aparecida Makino Antunes (org.) e colaboradores14

Muitas administrações municipais têm contado, já há algum tempo, com a presença de psicólogos nos quadros das Secretarias de Educação. A variedade de atuação nesse campo é muito grande, coexistindo ações fundamentadas numa ampla diversidade de concepções de homem, sociedade, Educação, Psicologia e, sobretudo, Psicologia Escolar. Não seria possível, hoje, arriscar-se a definir, de maneira generalizada, a atuação da Psicologia Escolar na escola pública, nem tampouco delimitar e caracterizar de forma unívoca esse campo de trabalho.Talvez a maioria dos psicólogos, nesse campo, continue respondendo às demandas mais tradicionais, atuando num modelo principalmente de natureza clínico-terapêutica, respondendo às solicitações das escolas como, em geral, se apresentam. Alguns têm atuado especificamente na assistência direta e específica aos alunos da Educação Especial e, numa perspectiva mais avançada e rara, da Educação Inclusiva, embora voltada estritamente à assistência ao aluno. Outros psicólogos, talvez em menor número, estão atuando14 A organização final desse texto coube à Mitsuko Antunes, mas sua autoria é coletiva. Os responsáveis pela elaboração desse trabalho serão indicados nos respectivos itens por eles elaborados.

106MITSUKO APARECIDA MAKINO ANTUNES E COLABORADORES

numa perspectiva mais pedagógica, tendo como foco o proces» ensino-aprendizagem, contribuindo, com o domínio dos conhecinK»-tos psicológicos, para uma ação mais coletiva e integrada com cs demais profissionais da Educação.O presente texto tem como finalidade expor o trabalho que \ rir sendo realizado pela Psicologia Escolar na Rede Municipal de Ensino de Guarulhos, no Estado de São Paulo.Este texto foi escrito por muitas pessoas. Todos educadores. Entre eles psicólogos, pedagogos, fonoaudiólogos, terapeu:_.-ocupacionais. É um esforço coletivo para socializar um trabalho qae não está acabado, ainda que já tenha produzido muitos resultad: -pois está em processo de construção. E, em construção deverá e_; permanecer, se de fato a coerência com seus pressupostos e prin*::-pios for mantida. Logo, defendendo o trabalho coletivo e a construção contínua de uma ação educacional comprometida com a transformação da escola, esta iniciativa não poderia se apresentar de oi tra maneira, a não ser escrito por muitos profissionais e se expon como processo em construção.Procurar-se-á, neste trabalho, socializar, com todos aqueles que se interessam pela Educação, pela Psicologia e, particularmente, com a Psicologia Escolar, a experiência que vem sendo realizada, desde o início de 2001, pelo Departamento de Orientações Educacionais e Pedagógicas - DOEP, da Secretaria Municipal de Educação de Guarulhos.O Projeto Político-pedagógico é a expressão pedagógica e o elemento articulador concreto das diretrizes da Secretaria de Educação para esta gestão, pautando-se nos seguintes princípios: democratização do acesso e permanência do aluno em todos os níveis de ensino, qualidade de ensino, valorização dos profissionais da Educação e democratização da gestão.O referido projeto fundamenta-se no princípio de que todos têm direito à escolarização e que esta deve garantir efetivo acesso aos bens culturais produzidos historicamente pela humanidade. Como condição para concretizar esse objetivo, concebe-se o processo edu-

A PSICOLOGIA ESCOLAR NA IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO...107

cacional como instância fundamental para a promoção do desenvolvimento integral e pleno do educando, em suas dimensões sociais, culturais, cognitivas, afetivo-emocionais e físicas. Assim, o educando, considerado e respeitado como sujeito singular e único, também o é como sujeito coletivo, em seu processo de constituição e pelas múltiplas maneiras e expressões pelas quais se manifesta. Cabe à escola, portanto, prover as condições, naquilo que lhe cabe, para que esse processo se concretize. Para tal, entende-se o espaço escolar como lócus para que as múltiplas manifestações da cultura humana possam efetivamente se desenvolver, com base numa proposta curricular que, respeitando e partindo da realidade concreta de existência do aluno, propicie a articulação entre os conteúdos tradicionalmente reconhecidos como sendo de responsabilidade da escola e aqueles que fazem parte do processo de humanização e que, em geral, são tidos como "extra-escolares", como as diferentes expressões da cultura humana15.Esse Projeto Político-pedagógico só pode ser efetivado se alicerçado num processo sistemático e contínuo de formação dos educadores com ele envolvidos. É nesse campo, sobretudo, que se desenvolve o trabalho ora exposto.O Departamento de Orientações Educacionais e Pedagógicas -DOEP - é, no âmbito da estrutura da Secretaria da Educação, a instância responsável por implementar, acompanhar e a avaliar o Projeto Político-pedagógico da Rede Municipal de Ensino. Esse departamento é, atualmente, formado pela junção dos antigos Departamento de Normas Técnicas e Orientação Educacional - DNTOE -e o Departamento de Assistência Escolar - DAE.15 Fazem parte da proposta pedagógica os projetos relativos às Artes (Canto Coral Cênico, Iniciação Musical, Violinos na Escola, Narração de Histórias, Danças Brasileiras, Artes Plásticas, etc); às Línguas Estrangeiras (Italiano, Espanhol, Inglês e Francês) e à Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS. Vale destacar que, além da condição potencializadora do processo de desenvolvimento e aprendizagem propiciado pela aquisição de outra língua, está localizado no município de Guarulhos o maior aeroporto da América do Sul, para o qual há demanda contínua para pessoas que dominam línguas estrangeiras; há, além desses, também os projetos temáticos (Preservação do Meio Ambiente; Estudo do Meio, etc).

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O DNTOE era, até o início do ano de 2001, constituído pedagogos, professores-coordenadores de Programa de Ensino < supervisores de ensino. Eles desenvolviam os seguintes trabalhos:] acompanhamento pedagógico às unidades escolares; reuniões de p!:-nejamento com professores que prestavam serviço em núcle:i conveniados; capacitação para professores e diretores de escola: assessoria às oficinas pedagógicas; workshops; elaboração de coletânea de textos, visando à aproximação dos educadores com referenciais teóricos.O DAE era constituído essencialmente por psicólogos, contana. também com fonoaudiólogos, assistentes sociais, psicopedagogos, fisio-terapeutas, terapeutas ocupacionais e professores especializados. Havia três seções técnicas: (1) STAE (Seção Técnica de Assistência ao Excepcional), responsável pelos Núcleos de Atenção à Aprendizagem e ao Desenvolvimento - NAAD -, de Apoio Educacional Professora Alice Ribeiro - NAE - e de Estimulação Precoce (este, hoje, pertencente à Secretaria da Saúde); (2) STAPF (Seção Técnica de Assistência Psicológica e Fonoaudiológica); e (3) STOIC (Seção Técnica de Orientação e Integração Comunitária), responsáveis respectivamente pelo atendimento às escolas e aos alunos com deficiências (de escolas e classes especiais ou incluídos em classes regulares), pela assessoria às escolas de educação infantil e fundamental e pelo atendimento em orientação vocacional e sexual a educandos adolescentes.Assim, a implementação do novo Projeto Político-pedagógico demandou uma nova forma de organização, implicando a necessidade de junção dos dois departamentos, com a formação de núcleos de trabalho, responsáveis por cada um dos segmentos de ensino: Educação infantil, educação fundamental, educação de jovens e adultos e educação inclusiva. A organização do departamento em núcleos de trabalho permitiu que profissionais com diferentes formações, sobretudo psicólogos e pedagogos, passassem a trabalhar coletivamente, tendo, a partir de então, como foco a ação pedagógica relativa a cada segmento escolar, quebrando, de forma democrática, a separação entre profissionais e a estrutura hierarquizada que, emitguns mon encontro er. - _;leos. er. _r integraç." "i>gate daíiberes e h...mente J

AÍ:-: nica dos tr. zindo uma io conflito nento dos" ::ocesso âi . -_ aluno o:. . :DS olhare> :: ;:no-aprer_-Nesse 'Jio, alguns pree ; outras secre^-" psicólogo-"jabalhar_ Alguns pe:— ■*dessa m^ --quando :dos serram :noveespecifubalho cct>eiu> *

A PSICOLOGIA ESCOLAR NA IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO... 10 9

alguns momentos, emperrava o desenvolvimento dos trabalhos. O encontro entre os diversos profissionais deu-se, pela composição dos núcleos, em meados de junho de 2001; iniciou-se, então, o processo de integração das equipes a partir de reuniões que possibilitaram o resgate das trajetórias pessoais e profissionais de todos, revelando saberes e habilidades de cada um, visando à integração e ao fortalecimento dos vínculos.A proposta da atual administração provocou mudanças na dinâmica dos trabalhos, tanto de psicólogos quanto de pedagogos, produzindo uma certa desestabilização, sentida como desconforto, gerando conflitos e resistências, que foi sendo minimizada com o fortalecimento dos vínculos pessoais, profissionais e, sobretudo, pelo início do processo de construção de um plano coletivo de intervenção. Sendo o aluno o foco principal dessa nova proposta de trabalho, a integração dos olhares profissionais favoreceu a compreensão do processo en-sino-aprendizagem sob a ótica do desenvolvimento humano.Nesse momento, em conseqüência da reestruturação do trabalho, alguns profissionais deixaram a área educacional, integrando-se a outras secretarias do município. É importante registrar que muitos psicólogos e pedagogos, diversas vezes expressavam o desejo de trabalhar conjuntamente, de forma institucionalizada e formalizada. Alguns pedagogos e psicólogos já desenvolviam ações conjuntas; dessa maneira, a proposta veio ao encontro dessa demanda, porém, quando da efetivação dos núcleos, foi sentida uma desestruturação dos saberes e fazeres constituídos. Assim, aqueles que permaneceram foram aos poucos procurando compreender e se integrar a esse novo movimento. A atenção passaria a ser voltada para as questões especificamente pedagógicas e iniciar-se-ia a construção de um trabalho coletivo, com vários momentos de reflexão e discussão a respeito da atuação do grupo, constituído a partir de então16.16 Este histórico foi escrito a partir do texto original dos profissionais do Núcleo de Educação Fundamental, que o elaborou para expor seu processo de constituição e, por sua amplitude, foi aqui aproveitado para expor o processo de transformação do departamento como um todo.

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É possível que o relato dessa experiência possa contribuir com algumas pistas para a construção de uma modalidade de ação da Psicologi-Escolar que aponta para a possibilidade de concretização de um trabalh. coletivo, comprometido com a transformação da realidade educacional.Esse projeto não é algo acabado, encontrando-se em pleno prc-cesso de construção. Dúvidas, equívocos e resistências ainda fazer parte de seu cotidiano. Como também transformações, descoberta-e constatação do potencial da Psicologia Escolar para contribuir cor uma educação pública de qualidade, comprometida com as classe.-populares. Espera-se que este trabalho venha a dialogar com muitc-outros que vêm sendo realizados, contribuindo com a construção Cr ações mais efetivas para a transformação da realidade educacion^ brasileira, na direção da construção de uma escola democrática, igualitária, inclusiva e crítica, e, particularmente, das relações entre Psicologia e Educação, mais do que possíveis, certamente necessária-Serão expostos, a seguir, os relatos das ações desenvolvidas pelos profissionais que compõem os núcleos de educação infantil, educação fundamental, educação de jovens e adultos e educação inclusiva. É fundamental registrai-, desde já, que as realizações desse -núcleos não ocorrem de forma isolada, mas o intercâmbio é constante, sendo possível dizer que é na instância denominada Intemúcleo-, que se completa e concretiza o trabalho coletivo de implementaçãc do Projeto Político-pedagógico.1. PSICOLOGIA ESCOLAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL17

O Núcleo de Educação Infantil foi, como os demais, criado r ano de 2001, com a finalidade de organizar a formação continua^17 Este texto foi elaborado e escrito por: Cleide Regina CARDIM, Lílian Canôc:. LIMA. Luci Aparecida C. Soares ROCHA, Lucilene F. Zeitoun OGLOUYAN, Lue. Ribeiro de SOUZA, Maria Iraldina PIRES, Marisa Catarina DELORENZO, Prk PIRES, Roseli BEZERRA e Sandra SORIA. psicólogas e pedagogas do DOEP, e Rob-Jesus RUSHE, assessor do Núcleo de Educação Infantil.

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dos profissionais de educação infantil da Rede Municipal de Ensino de Guarulhos, como prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB 9493/96, bem como auxiliar na construção coletiva do Projeto Político Pedagógico dessa rede. Trabalha em integração com os núcleos de educação fundamental, inclusiva, administrativo, supervisão e de jovens e adultos.Composto por pedagogas e psicólogas, o núcleo tem como pressupostos de seu trabalho de formação:■=>a construção coletiva da proposta de educação infantil no diálogo constante com todos os profissionais envolvidos;i=>a formação interna dos profissionais do núcleo, que é de fundamental importância para a organização dos trabalhos da formação continuada.Pautados nas diretrizes da Secretaria de Educação, anteriormente descritas, foram elaborados os princípios filosóficos e educacionais que norteiam todas as ações e reflexões do núcleo, que se definem por:• Conhecer e respeitar as necessidades, interesses, objetivos de vida e as dimensões sociais, históricas, culturais, afetivo-emocionais e interacionais de educadores e educandos;• Compreender o educador como agente de seu processo de formação e a formação como um processo de construção coletiva e no qual são valorizadas práticas significativas dos educadores;• Enfatizar o vínculo educador/educando como fundamento do processo educativo;• Considerar a construção do conhecimento como produto da interação entre os seres humanos;• Conceber a escola como instância que deve promover a socialização e a integração da diversidade cultural;• Conceber o ser humano como ser inacabado, em processo constante de transformação e a educação, portanto, como um elemento fundamental no processo de construção contínua da identidade;• Considerar que a educação deve desenvolver a flexibilidade do pensamento, da afetividade e das relações humanas;

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• Afirmar que a educação deve enfatizar as potencialidades e as manifestações expressivas e criativas, não se atendo apenas ao cognitivo e aos conhecimentos acabados, mas ao desenvolvimento humano integral;• Conceber a criança como sujeito de todo processo educativo:• Reiterar que a educação deve prover condições para o desenvolvimento das diversas dimensões e potencialidades humanas: o corpo, a emoção, a afetividade, a memória, os sentidos, a cultura, a arte. os valores, o tempo, o espaço, o cognitivo, o prazer, a alegria, o imaginário, a sexualidade, a expressividade, o movimento, entre outros;• Respeitar o tempo de vida da infância e seus direitos;• Considerar que a educação comprometida com o desenvolvimento humano deve buscar permanentemente a formação integral da pessoa, não simplesmente das competências e das habilidades, mas se pautar nas potencialidades, nos valores, na construção das identidades, na ampliação das vivências, da cultura e do processo de humanização.Pelo diálogo constante do núcleo com todos os educadores da rede e com os profissionais dos projetos de arte, línguas e temáticos, pretende-se ampliar a construção coletiva da proposta político-peda-gógica para a educação infantil, consubstanciada no direito ao desenvolvimento integral em todos os aspectos e dimensões humanas.O núcleo constitui-se num lócus de integração dos saberes e das ações de psicólogos e pedagogos, na busca contínua por uma educação que respeite a infância do educando, que olhe para ele como criança com manifestações culturais diversas e identidades em construção, acolhendo as necessidades e interesses que apresenta e, principalmente, respeitando o direito à diversidade cultural, à arte, à criatividade, à cidadania, aos cuidados básicos, à brincadeira, à afetividade, à felicidade e à expressão de seus anseios, idéias, expectativas, desejos e esperanças. Uma educação que tenha na formação permanente de seus educadores a possibilidade contínua de revisão e transformação das práticas educativas. Uma educação na qual o corpo, a memória, os sentidos, a cultura, os valores, o tempo, o espaço, o cognitivo.

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o prazer e a alegria se integrem num contínuo processo de construção da identidade, da auto-estima e da auto-imagem de nossas crianças. Uma educação que se preocupe constantemente com a construção de uma sociedade melhor, mais justa e fraterna.Para tanto, foram estabelecidos alguns objetivos e metas para o trabalho:• Socializar, valorizar e sistematizar as experiências dos profissionais da rede municipal.• Aprimorar os diálogos e o trabalho coletivo da rede na construção do Projeto Político-pedagógico;• Ampliar a troca de vivências, conhecimentos e experiências educacionais;• Contribuir para a formação permanente de todos os educadores de crianças de zero a três anos;• Conhecer e divulgar as experiências significativas da rede na modalidade da educação infantil de zero a três anos;• Conhecer a infância concreta que é atendida e o ideário de infância que possuem os educadores da Rede.A estruturação do Núcleo não foi tão linear quanto parece ser, nem se pode considerá-la acabada. Em sua história coexistem conflitos, avanços, dificuldades, conquistas e contradições. Todo esse movimento representa um processo em construção, um diálogo permanente que se estabelece a partir da formação da identidade profissional de cada integrante na ação conjunta: uma busca contínua de sua constituição como grupo interdisciplinar de formação de educadores.Nesse movimento de interação cada um pode, a seu próprio tempo, constituir-se e redescobrir-se na sua identidade de educador e de formador, ressignificando suas identidades profissionais, tantas vezes construídas e reconstruídas na práxis de cada um.As contradições foram surgindo e se revelando em meio às dificuldades e incoerências do trabalho. As pessoas do grupo viram-se, muitas vezes, frente a questões semelhantes às enfrentadas com a formação de educadores: como trabalhar com a diversidade de conhecimentos e práticas, como respeitar o tempo de cada um, como

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conciliar esse difícil processo de constituição do grupo e das identidades com as demandas da formação de educadores, como integrar os saberes na discussão e na construção coletiva da proposta de educação infantil?Sabe-se que é antiga a contribuição da psicologia para a educação, principalmente no que diz respeito à busca de novos métodos de ensino e a compreensão dos processos de desenvolvimento e aprendizagem.O diálogo entre esses dois saberes, preocupados com a relação entre desenvolvimento e aprendizagem, há muito vem buscando respostas para os desafios do processo educativo. No entanto, na prática, quando se unem profissionais de campos específicos do saber o diálogo não se estabelece com a mesma facilidade. Quando se trata de defender seus campos de atuação, a relação entre esses se torna tensa. A integração torna-se possível quando ambos constatam que estão enfrentando o mesmo problema e passam a identificar as contribuições de cada um e de seus saberes na busca de soluções para os desafios. As amarras são afrouxadas e uma proposta interdisciplinar pode ser construída nesse processo.Em verdade, o que une de fato os vários profissionais é a responsabilidade social pela formação de uma sociedade melhor. Assim foi iniciado o processo de reflexão sobre os princípios e fundamentos para uma proposta de educação infantil, com as seguintes questões: que sociedade, ser humano e escola pretendemos ajudar a construir? Dessa forma, essa trajetória iniciou-se a partir da formação de uma linguagem comum, centrada na preocupação com o desenvolvimento humano integral: como podemos contribuir para o aprimoramento da relação entre desenvolvimento e aprendizagem das crianças que freqüentam as escolas de educação infantil de Guarulhos? Para isso. foi necessário um investimento amplo na formação interna dos integrantes do núcleo, uma reflexão contínua a respeito da relação entre psicólogos, pedagogos e professores.O trabalho foi realizado por grupos de profissionais, geralmente duplas, coletivizado nas reuniões de integração das ações do núcleo.

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Todas essas ações são de valorização humana e profissional, além de contribuir para a ampliação da qualidade do trabalho educacional das escolas. "A

Três são os aspectos centrais da construção da proposta em educação infantil:• A formação continuada;• O direito da criança ào desenvolvimento humano integral;• As dimensões da relação entre desenvolvimento e aprendizagem: o corpo, o movimento, a brincadeira, a emoção, a cultura e as artes.Essa é uma proposta em construção a partir dos diálogos formativos que se estabelecem em diversos espaços: reuniões pedagógicas, cursos para agentes de desenvolvimento infantil (ADIs), cursos de arte e educação (teatro, dança, canto coral, contador de histórias, artes plásticas, LIBRAS, estudo do meio, línguas estrangeiras, entre outros), trabalho de formação nas horas-atividade, reuniões com gestores das escolas que atendem crianças de zero a três anos de idade, reunião com professores coordenadores, participação na organização da Semana da educação, encontros integrados, todos estes em integração constante com os demais núcleos do departamento.A proposta é contribuir para a ressignificação das práticas educativas: ação-reflexão-ação. Esse trabalho, em verdade, já era realizado, mas de forma segmentada. A escola agendava dias diferentes com pedagogos e psicólogos. Poucas vezes discursos e ações estavam unidos. Não se planejavam nem se articulavam as práticas formativas. O que é de extrema relevância nessa nova experiência é que se está buscando integrar saberes, conhecimentos, ações e discursos: psicólogos e pedagogos trabalhando no mesmo lócus e com a mesma preocupação, ou seja, a formação permanente dos educadores. Em Psicologia Escolar estamos caminhando para a construção de um novo papel, mais coeso, mais flexível, com visão mais ampla e aprofundada sobre a educação, por meio de uma prática integrada, interdisciplinar, interativa e coletiva.

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Na visão da educação integral, preocupação central da referida proposta pedagógica, a ciência psicológica e o psicólogo escolar têm muito a contribuir, com seus conhecimentos sobre afetividade, emoção, cognição, socialização, linguagem, desenvolvimento em geral, atitudes e posturas nas relações humanas. Aqui talvez resida o cerne da participação do psicólogo na formação permanente de educadores. O pedagogo já há tempo assumiu o papel de formador, cabe ao psicólogo consolidar a incorporação desse elemento a sua identidade profissional. A integração de ambos, no trabalho coletivo, é propícia para essa transformação.Na educação infantil constata-se que, no trabalho de reelaborar e transformar as rotinas das escolas que atendem crianças de zero a três anos de idade, essa intersecção torna-se evidente. Planejamento, avaliação, desenvolvimento humano e relação entre o cuidar e o educar são eixos fundantes da concretização do processo de implementação da interdisciplinariedade que está se desenvolvendo nas práticas formativas dos educadores do município.2. PSICOLOGIA ESCOLAR NA EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL18

, "Temos o direito de ser iguais sempre que as diferenças nosinferiorizam, temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nosdescaracteriza". (Boaventura de S. Santos)Para descrever o trabalho atual do Núcleo de Educação Fundamental do DOEP, faz-se necessário recorrer à história da Psi-18 Este texto foi elaborado e escrito por: Cibeli BARBOSA, Claudia Simone Ferreira LUCENA, Clarice Simplicio de LACERDA, Cristina Pereira de OLIVEIRA. Elisabete Capelôa DOM PEDRO, Lúcia de Fátima COSTA, Maria Aparecida Albuquerque de ALMEIDA, Maria Aríete Bastos PEREIRA, Maria Teresa Vitor CÉSAR, Nereide VIBIANO, Reinaldo PASSIANOTO JR., Renata DALLMANN. Rita Aparecida Aguiar Luz GRIGOLETTO. Solange Rufino GOMES e Sueli Mariana de MEDEIROS, psicólogos e pedagogas do Núcleo de Educação Fundamental do DOEP. e por Maria Aparecida CONT1N, assessora desse núcleo.

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cologia Escolar na Secretaria Municipal de Educação de Guarulhos. ■O grupo de trabalho era composto por aproximadamente trinta psicólogos, duas fonoaudiólogas e duas assistentes sociais, pertencentes à Seção Técnica de Assistência Psicológica e Fonoaudiológica (STAPF), com histórico de ações significativas desenvolvidas na área da Psicologia Escolar junto às unidades escolares do município. Até então o foco do trabalho centrava-se, a priori, no aluno com "dificuldades de aprendizagem" e em sua família. Muitas intervenções foram realizadas com sucesso; todavia, o número de encaminhamentos feitos pela equipe escolar, para o profissional-psicólogo aumentava constantemente, o que levava ao questionamento sobre os hmites dessas ações.As intervenções junto aos professores aconteciam isoladamente, de maneira pontual e pouco formalizada, determinadas tanto por aspectos institucionais como por características da atuação pessoal dos profissionais.O grupo começou, gradativamente, a perceber a necessidade de avançar nas intervenções junto às unidades escolares, pensando o processo ensino-aprendizagem a partir da relação entre os sujeitos nele envolvidos.Movidos pelo sucesso de algumas ações que já consideravam a perspectiva relacionai no processo educativo e pelos conhecimentos acumulados na prática realizada junto à rede municipal de educação, iniciou-se, internamente, na STAPF, um intenso movimento de discussão e reflexão sobre as práticas vigentes. Foi-se em busca de sustentação teórica (Guirado, Bleger, entre outros), culminando com a elaboração de um programa denominado Assessoria Escolar. Esse programa foi apresentado aos diretores de escola, em 1999, e passou a ser eixo norteador das ações desse grupo da Psicologia a partir de então.Considerando o processo de escolarização e não apenas os problemas de aprendizagem, a Assessoria Escolar deslocou o eixo da análise do fracasso escolar do aluno para o conjunto das relações

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institucionais, históricas, psicológicas, pedagógicas e sociais que constituem o dia-a-dia escolar. Nesse formato, ampliou-se o público-alvo envolvido, abrangendo todos os integrantes da equipe escolar: diretores, professores, funcionários, alunos, pais e comunidade.Implantado o Programa de Assessoria, foi realizado, por dois anos, o acompanhamento às unidades escolares. Nesse período, a rotina de trabalho da STAPF foi reorganizada para favorecer encontros de estudos e discussões em subgrupos, considerando questões escolares e fundamentação teórica. Contou-se, também, com a supervisão institucional, oferecida pelo Instituto de Psicologia da USP, coordenada por Adriana Marcondes e Yara Sayão.Em 2001, com a mudança estrutural da secretaria, anteriormente descrita, foram criados os núcleos por modalidade de ensino: educação infantil, educação fundamental, educação de jovens e adultos e educação inclusiva. Em todos os núcleos constituiu-se a parceria da equipe de psicólogos com a equipe de pedagogos. Os novos grupos, agora constituídos, tinham, inicialmente, a proposta de atuação com as unidades escolares; a este núcleo caberia prioritariamente a ação na educação fundamental.No segundo ano de gestão, procurou-se implementar um Plano de Formação Permanente para os Educadores, contemplando as diretrizes, já mencionadas, da secretaria de educação.Assim, o Núcleo de Educação Fundamental centrou como foco de suas intervenções o suporte às unidades escolares por meio das reuniões pedagógicas, denominadas Espaços e Diálogos na Construção da Nossa Escola. Esses encontros têm sido realizados com o objetivo de aprofundar os pressupostos teóricos que fundamentam a proposta de Ciclos de Formação/ Tempos da Vida, a partir das práticas educativas dos professores da rede.Para a equipe do Núcleo de Educação Fundamental, era de extrema importância que esse movimento possibilitasse um "reencontro" do educador com sua prática pedagógica, com um olhar mais aprofundado e fundamentado teoricamente, para que ele pudesse dialogar com seu fazer pedagógico, ressignificando-o

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e favorecendo a diversidade e a formação do educando como ser integral, isto é, em suas dimensões biológicas, psicológicas, sociais, históricas e culturais.Para esse processo de formação permanente, voltado para os educadores da rede, adotou-se uma abordagem baseada no diálogo, na reflexão e na construção coletiva do Projeto Polítieo-pedagógico. Nesse espaço formativo, os conhecimentos e os saberes diversos poderiam circular e ganhar novas dimensões, em que o objetivo principal seria a relação entre a teoria e a prática.A proposta de realizar formação para toda a rede foi, inicialmente, desafiadora e instigante para o grupo de profissionais do Núcleo de Educação Fundamental. O início foi permeado por receios e inseguranças, com readaptação das rotinas, parcerias e estabelecimento de relações pessoais e profissionais mais próximas e sólidas. A partir dos eixos norteadores: trajetória, identidade e formação, a equipe, em reuniões, desenvolveu discussões produtivas e exaustivas, na tentativa de articular as solicitações e as necessidades dos educadores da rede e as diretrizes da secretaria de educação. O retorno que se obteve, a partir do grande número de inscrições recebidas, foi para a equipe uma grata surpresa e, ao mesmo tempo, desafio, responsabilidade, compromisso e ética para com todos os educadores.Posteriormente, houve evasão dos educadores, em torno de 40% dos inscritos. Como hipóteses para se tentar entender esse processo, destaca-se, entre outros fatores: formação fora do horário de trabalho, distância, horário incompatível com o próprio horário de serviço, oportunidade de muitos outros espaços formativos e a presença de uma "cultura", por parte dos educadores, em "receber um saber pronto" e não apenas um espaço, onde esse saber fosse construído, a partir de uma metodologia dialética, de reflexão-ação-reflexão. Isso não se refere a uma questão exclusiva dos educadores, porém, retrata o próprio movimento da sociedade em suas contradições, desafios e possibilidades para a promoção de mudanças significativas em nossas maneiras de ver, raciocinar, fazer, pensar, sentir e construir o mundo.

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Esse aspecto não foi difícil apenas para os participantes: a equipe sentiu-se insegura para lidar com o novo e com o que não era totalmente previsto e pré-definido. Ficou bem claro o desenvolvimento de todo o grupo no processo, assim como o delinea-mento do trabalho durante esse caminhar, firmando-se, nesse percurso que vem sendo marcado por momentos de indagações e transformações internas, com muitos impasses e incertezas, erros e acertos, que ganham novos significados e sentidos dentro do nosso próprio processo de formação, de nossa identidade e trajetória.Todo esse processo tem sido marcado pelo desafio em articular, na prática, os saberes da psicologia e da pedagogia. O foco do trabalho é a Educação: o pedagógico como "essência do trabalho"; portanto, é inevitável que venham à luz angústias e receios sobre nossa identidade. Esse é um processo de construção e de reconstrução de nossa identidade como educadores, sem perder de vista nossa trajetória e especificidade profissional.Para lidar com esses aspectos são necessárias muitas reflexões a respeito do papel do psicólogo como educador, no âmbito da secretaria de educação. Pode-se avançar na medida em que essas reflexões contribuam para marcar o lugar de nossas intervenções, como ocorrem e para que direção elas convergem. O ato de aprender e ensinar são marcados por desejos dos sujeitos nele envolvido, pelas teorias e práticas educativas referentes a esse ato, e é nas relações desses sujeitos com seus desejos e nas suas inter-relações, dadas a partir de um contexto social, em que ambos, psicólogos e pedagogos, podem debruçar-se como educadores.Além das reuniões pedagógicas, existem outras ações nas quais o Núcleo de Educação Fundamental, por meio de seus profissionais, está envolvido, como outros espaços formativos, dentre os quais a Formação de Gestores (diretor de escola, professor-coor-denador e professor-assistente de direção), o Acompanhamento Integrado do Trabalho Pedagógico nas escolas e alguns projetos em parceria com outras secretarias e instâncias governamentais.

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Todas as etapas desses espaços formativos: a elaboração, a execução, a avaliação e a sistematização são de responsabilidade da equipe do núcleo, desenvolvendo-se pela parceria psicólogo-pedagogo sob a coordenação da equipe de Assessoria dos núcleos, formada, por sua vez, também por psicólogos, pedagogas e uma terapeuta ocupacional19.Assim, fazer parte do processo de construção coletiva desse Projeto Político-pedagógico, movimento instigante e inusitado em nossa trajetória, que procura implementar os ciclos de formação sob a perspectiva dos Tempos da Vida, fundamentada no desenvolvimento humano e nas suas relações com o processo ensino-aprendizagem, nos remete a esse encontro entre o nosso fazer e a proposta da secretaria. Isso nos faz sentir presentes e inseridos num campo amplo de atuação, favorecendo o trabalho conjunto e rico, em que nossos olhares e nossas intervenções, de psicólogos e pedagogos, não aparecem de maneira fragmentada e sem relação, mas são complementares, inter-relacionados, contribuindo significativamente para uma educação de qualidade na realidade sobre a qual atuamos e com a qual somos comprometidos.3. PSICOLOGIA ESCOLAR NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E CADULTOS20

A gestão da política pública para a educação de jovens e adultos , no Município de Guarulhos está fundamentada nas diretrizes da secretaria, anteriormente descritas. Sua implementação é de respon-19 Celina Camargo Bartalotti, assessora do Núcleo de Educação Inclusiva, terapeuta ocupacional, com formação voltada à Psicologia e à Educação, por seu mestrado e doutorado (em curso) em Psicologia da Educação pela PUC-SP.20 Este texto foi elaborado e escrito por Sueli Romero POLILLO, Zenaide Theodoro de OLIVEIRA, Eliana Pivetti JALORETO, Margarete Elisabeth SHWAFATI, João Fausto de SOUZA, Márcia Alves PACHECO, Silvia Maria NOGUEIRA, Rosimeire Pereira Lopes BUENO, psicólogos e pedagogas do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos.

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sabilidade do Núcleo de Educação de Jovens e Adultos, constituído por profissionais das áreas de Pedagogia e Psicologia.Os psicólogos que escolheram compor esse grupo traziam em sua trajetória profissional a experiência do trabalho com a temática da adolescência e os aspectos da escolha profissional, da sexualidade, da relação com a família e com a escola. Aliada ao acúmulo de saberes produzidos por essa prática, junto aos diversos espaços comunitários, havia uma discussão sobre o papel da Psicologia numa secretaria de educação, em busca da superação de um modelo clínico historicamente construído. A transformação e a superação de determinadas práticas, que muitas vezes encontram-se cristalizadas, só ocorrem a partir do momento em que os sujeitos envolvidos se tornam capazes e se permitam refletir sobre suas concepções de homem e sociedade que, nesse caso, mobilizou o grupo a buscar estratégias que apontassem para outras possibilidades: aprofundamento teórico, supervisão institucional e participação em fóruns de discussão sobre políticas públicas.A vinda desses profissionais para compor o Núcleo de Educação de Jovens e Adultos encontrou uma significativa identificação com o momento de transição que ocorria com eles à época, ou seja, a transformação de um modelo de educação de adultos que propunha a suplência (suprir a falta da escolarização), para um modelo de educação integral, que considera os alunos jovens e adultos em seu tempo de vida, com suas experiências, vivências, emoções, culturas, valores e trajetórias, na relação com o mundo do trabalho e como sujeito capaz de transformar sua própria história e conseqüentemente o mundo em que vive.O desafio de implementar uma política de inclusão social, de propiciar uma formação cidadã e de fomentar discussões sobre a relação que pode ser estabelecida entre a educação básica e a educação profissional, exigiu da equipe dos psicólogos (e de pedagogos) a metamorfose de suas identidades profissionais, incorporando a identidade de educador à de psicólogo, sintetizando essas duas dimen-

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soes, sem perder as atribuições e os saberes específicos de suas formações e de suas práticas.A ciência da psicologia, quando posta a serviço de uma concepção que privilegia as possibilidades da transformação social a partir do sujeito, de que a análise da realidade deve considerar este mesmo sujeito que dela participa, contribui para uma educação libertadora, contrapondo-se à concepção de Psicologia que se propõe a "medir", "quantificar", "normalizar", "adaptar", etc.Caminhar junto com outros saberes na construção de um currículo que valoriza o conhecimento do outro, na busca da superação de atitudes que infantilizam o educando, no fortalecimento de sujei-tos-pesquisadores (professores, formadores, profissionais dos núcleos e educandos), vem possibilitando a revisão das concepções de educação, de sociedade, de mundo do trabalho, promovendo a mudança de paradigmas de atuação.O Núcleo de Educação de Jovens e Adultos tem focado sua atenção na formação de educadores (professores, formadores, diretores, assistentes de direção, professores-coordenadores), que privilegia a reflexão sobre o papel, a postura e as práticas educativas em seus constituintes sociopolítico-ideológicos, buscando valorizar a riqueza do trabalho com a diversidade cultural na construção da identidade do educando e, porque não dizer, também do educador.Assim, a atuação dos psicólogos desse núcleo não se reduz a identificar o aluno que não se adapta e para ele buscar soluções de integração à realidade escolar, mas assume o compromisso social com uma prática libertadora e transformadora do ser humano, podendo ser considerado um agente social e cultural e, conseqüentemente, de mudança.

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4. A PSICOLOGIA ESCOLAR NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA21

O Núcleo de Educação Inclusiva é formado por uma equipe interdisciplinar, que tem por objetivo implementar as Diretrizes da Educação Inclusiva da Secretaria Municipal de Educação de Guarulhos - Departamento de Orientações Educacionais e Pedagógicas (DOEP). Durante a sua constituição, procurou-se uma clareza maior quanto à concepção de educação inclusiva, aos princípios norteadores do trabalho, bem como em relação às suas competências como núcleo. Buscou-se, se podemos assim dizer, nossa identidade grupai, atrelada à política de formação de educadores implantada pela secretaria de educação, na gestão 2001/2004, que tem como eixo: Identidade, Trajetória, Currículo, Avaliação na perspectiva dos Tempos da Vida.Aos poucos, algumas questões foram sendo delineadas, como a incorporação dos serviços desenvolvidos pelo Núcleo de Atenção à Aprendizagem e Desenvolvimento (NAAD) e o Núcleo de Apoio Educacional Professora Alice Ribeiro (NAE).O NAE configura-se num espaço terapêutico-educacional, em que as atividades realizadas com as crianças proporcionam um trabalho de criação, de exploração de novas vias de expressão de sua singularidade, no qual suas manifestações (falas, comportamentos e afetos) possam ser trabalhadas, significadas, visando uma maior integração e organização da estruturação psíquica, além de ampliar também sua rede social. As atividades são desenvolvidas em ateliês, que propõem a participação das crianças nas produções culturais humanas, mediadas por música, arte, contos e histórias, jogos e brincadeiras. Os programas são desenvolvidos pela equipe interdisciplinar para alunos matriculados na rede municipal - com deficiências audi-21 Este texto foi elaborado e escrito por: Josefa de Jesus MOREIRA, Maria Cecília Ramos da Silva SANTOS, Maria Dália PINTO, Marli dos Santos SIQUEIRA, Rildo Francisco ROCHA e Zilma Silva dos Santos NASCIMENTO, psicólogos e pedagogos do Núcleo de Educação Inclusiva, com a colaboração do professor Marcelo Montes e de Celina Camargo Bartalotti, assessora do núcleo.

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e visual (que também contam com salas de recursos) e comrbios globais do desenvolvimento, para quem o trabalho é dirigi-sob a perspectiva de que "a escola é para a criança, nadernidade, o principal agente de inserção social", como afirma:fer. A organização dos atendimentos está pautada em atividadeslêuticas articuladas aos objetivos educacionais, que visam ao-csso e à permanência da criança na rede escolar; estabelece tam--n atividades que contemplem os eixos (escola-família-criança),forma a possibilitar um novo olhar sobre a criança com deficiên--. O trabalho junto às unidades escolares, além de possibilitar acussão da evolução dos atendimentos, tem se constituído num de-::o aos profissionais, na medida em que se busca construir umaa articulação entre os diferentes agentes envolvidos com a crian-.. repensando modelos de atuação e intervenção, propondo ações erílexões e, finalmente, pensando na criança como um sujeito que:erage em diferentes espaços.Caracterizado como espaço terapêutico-educacional dirigido aos _ anos matriculados na rede municipal de educação que apresentam queixa escolar" de ordem cognitiva, afetiva e/ou de socialização, que enham interferir em seu processo de escolarização, o Núcleo de Aten-.lo à Aprendizagem e Desenvolvimento (NAAD) tem como objetivo realizar intervenções e atendimentos dirigidos a todos os agentes implicados na produção dessa "queixa", que é produzida em suas inter-relações. O NAAD auxilia o educando em seu processo de inclusão escolar, evitando que um "mau começo" se cristalize, caracterizando-■e em "fracasso escolar", marcando, assim, significativamente seu iestino pessoal e educacional. A montagem dos trabalhos oferecidos faz-se a partir da avaliação das necessidades que o caso exige, podendo o educando beneficiar-se de atendimento interdisciplinar ludoterápico, psicopedagógico e fonoaudiológico (individual ou em grupo), além de grupo de leitura e escrita, de construção do brinquedo e do brincar, de pais, de espera e de ateliê de música. A intervenção com a equipe escolar em todos os espaços do Núcleo de Educação Inclusiva objetiva a mediação entre o coletivo escolar, o educando, a família e a co-

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munidade, com a perspectiva de reduzir o sofrimento psíquico e efetivar a inclusão escolar e social. : *Na construção do núcleo, o ir e vir de idéias estavam sempre presentes e os conflitos afloravam; eram as diferenças que possibilitavam exercitar a escuta e que permitiam avançar para a tomada de decisões. Surgiu, então, a necessidade de outros recursos para a implementação do processo de inclusão escolar. O núcleo elaborou e implantou o Projeto de Ampliação à Rede de Apoio à Inclusão — (salas de recursos, salas de apoio pedagógico e classes especiais descentralizadas).As salas de apoio pedagógico e as salas de recursos têm como objetivo desenvolver as habilidades básicas dos alunos que, por dificuldades decorrentes de alterações do desenvolvimento (prioritariamente as deficiências mentais e os distúrbios globais do desenvolvimento), apresentam dificuldades no processo de escolarização, que não podem ser trabalhadas, exclusivamente, na sala de aula regular. Dessa forma, é importante ressaltar que só são atendidos nas salas de apoio os alunos com dificuldades no processo de escolarização, se estas não forem decorrentes de fatores como planejamento, metodologia de ensino, organização curricular e relação professor-aluno; persistindo dúvidas quanto à pertinência de sua inserção no programa, é realizada uma avaliação pedagógica pelo professor da sala de apoio, que investigará a necessidade ou não de sua inserção na referida sala. Aos professores das salas de apoio, além do trabalho de intervenção pedagógico junto aos alunos encaminhados, compete o papel de articulador das relações escola-família-comunidade, com o objetivo de promover uma escuta que possibilite mudar o foco do problema da criança para suas relações. Assim, o trabalho se concretiza a partir do diálogo com os professores da sala regular, a família e profissionais que estão diretamente ligados às crianças. Uma vez por semana, o professor da sala de apoio tem o horário disponí-22 A rede de apoio é uma rede ampla de serviços, instituições e recursos comunitários. Não é uma rede fixa, pois apoios diversos são necessários para diferentes situações, sendo, portanto, construída a partir do cotidiano escolar.

A PSICOLOGIA ESCOLAR NA IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO... 127

t- para entrar em contato com a equipe das escolas adjacentes, -~ a vez que as salas de apoio estão regionalizadas.Nesse projeto há as escolas/classes especiais, que possibilitami nserção escolar de alunos que anteriormente não freqüentavam"^nhum espaço educacional. Elas têm como objetivo o caráter tran-:>rio de permanência, não se configurando, em hipótese alguma,r~ espaços de permanência e/ou manutenção de habilidades. O en-minhamento de alunos das escolas regulares para as classes espe-. :s ocorre após estudos aprofundados que comprovem a impossibi-ade da permanência desses na classe comum, respeitando-se asw-pecificidades de cada caso. Assim, a educação especial não ér~:endida como modalidade de ensino paralela a outras modalidades,~ ÍS como um serviço de apoio à inclusão escolar.O trabalho de formação de educadores enfoca valores, crenças,cntimentos, mitos, concepções, objetivando repensar a política deriucação especial nesse contexto. É importante ressaltar que, no:r?cesso de construção desse trabalho, idealizar, planejar, escrever:am apenas etapas e, certamente, não as mais difíceis. Questioná-jio-nos, a todo momento, se a escola estaria mobilizada a traba--r com a diversidade.Assim, o trabalho tem se desenvolvido em um contínuo movi-~ento do formar-se formando. Nessa perspectiva, o Núcleo de Edu--;ão Inclusiva vem atuando nos diversos espaços formativos e comdiferentes segmentos do coletivo escolar (gestores, professores-ordenadores, agentes de desenvolvimento infantil, equipe: .erdisciplinar e professores).O Núcleo de Educação Inclusiva pauta sua atuação em duas r andes frentes: o atendimento específico e a formação de educado-~ >. visando à sensibilização para uma mentalidade inclusivista. Tra-" áhar a inclusão, entendendo que esta perpassa pelas questões pes--: ais, significa antes de tudo trabalhar com mudança de valores e -peração de preconceitos. Caracterizado como tema transversal, a ..estão primordial tem sido organizar os serviços de forma que posem responder a essa singularidade.

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SOBRE OS AUTORESAdriana Marcondes Machado - É psicóloga, doutora em Psi--ogia Social pela Universidade de São Paulo (USP), membro da L: jipe Técnica do Serviço de Psicologia Escolar do Instituto de Psi-:ogiadaUSPElenita de Rício Tanamachi - É psicóloga, doutora em Edu--:ão pela Universidade Estadual Paulista (Unesp, campus de ■íirília), professora aposentada do Departamento de Psicologia da- lesp {campus de Bauru).Marisa Eugênia Melillo Meira - É psicóloga, doutora em : ecologia Escolar pela USP, professora do Departamento de Psico-áa da Unesp {campus de Bauru).Mitsuko Makino Antunes - E psicóloga, doutora em Psico-: gia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC--■?), professora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educa-■lo: Psicologia da Educação, da PUC-SP.Veruska Galdini - E psicóloga, mestre em Psicologia Social : a PUC-SP.Wanda Maria Junqueira Aguiar - É psicóloga, doutora em- icologia Social pela PUC-SP, professora do Programa de Estudos : :>s-Graduados em Educação: Psicologia da Educação da PUC-SP.

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