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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 1-496, 2011

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Revista do Tribunal Regional Federal 4. Região. – Vol. 1, n. 1 (jan./mar. 1990)- . – Porto Alegre: Tribunal Regional Federal da 4. Região, 1990- . v. ; 23 cm.

Semestral. Inicialmente trimestral. RepositórioOficialdoTRF4Região. ISSN 0103-6599

1. Direito – Periódicos. I. Título. II. Brasil. Tribunal Regional Federal. Região, 4ª.

CDU 34(051)

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL4ª Região

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300CEP 90.010-395 – Porto Alegre – RS

PABX: 0 XX 51-3213-3000e-mail: [email protected]: 850 exemplares

Os textos publicados nesta revista são revisados pela Escola da Magistraturado Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Ficha Técnica

Direção:Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

Assessoria:Isabel Cristina Lima Selau

Direção da Divisão de Publicações:Arlete Hartmann

Análise e Indexação:Giovana Torresan VieiraMarta Freitas Heemann

Revisão e Formatação:Carla Roberta Leon Abrão

Leonardo Schneider

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Luiz Fernando WoWk Penteadodes. Federal diretor da escola da Magistratura

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

JURISDIÇÃORio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná

COMPOSIÇÃOEm 6 de setembro de 2011

Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler – 09.12.1994 – PresidenteDes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – 17.09.1999 – Vice-Presidente

Des. Federal Tadaaqui Hirose – 08.11.1999 – Corregedor regionalDesa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb – 09.12.1994

Des. Federal Vilson Darós – 09.12.1994Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria – 09.12.1994Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – 09.12.1994

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère – 05.02.1997 – Coordenadora dos JeFsDes. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior – 15.06.1998

Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – 28.06.2001 – Coordenador-Geral do Sistema de ConciliaçãoDes. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – 28.06.2001 – diretor da emagis

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – 28.06.2001 – Conselheiro da emagisDes. Federal Néfi Cordeiro – 13.05.2002

Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – 03.02.2003Des. Federal João Batista Pinto Silveira – 06.02.2004

Des. Federal Celso Kipper – 29.03.2004Des. Federal Otávio Roberto Pamplona – 02.07.2004 – Conselheiro da emagis

Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira – 02.07.2004Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle – 27.04.2005

Des. Federal Joel Ilan Paciornik – 14.08.2006 – Vice-Corregedor regionalDes. Federal Rômulo Pizzolatti – 09.10.2006

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira – 11.12.2006Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch – 26.11.2007

Des. Federal Fernando Quadros da Silva – 23.11.2009Des. Federal Márcio Antônio Rocha – 26.04.2010

Des. Federal Rogério Favreto – 11.07.2011Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)Juiz Federal Jorge Antônio Maurique (convocado)

Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia (convocado)Juiz Federal Nivaldo Brunoni (convocado)

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CORTE ESPECIALEm 6 de setembro de 2011

Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler – PresidenteDesa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb

Des. Federal Vilson DarósDesa. Federal Maria Lúcia Luz LeiriaDes. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas LabarrèreDes. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior

Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – Vice-Presidente Des. Federal Tadaaqui Hirose – Corregedor regional

Des. Federal Paulo Afonso Brum VazDes.FederalNéfiCordeiro

Des. Federal Victor Luiz dos Santos LausDes. Federal João Batista Pinto Silveira

Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo AurvalleDes. Federal Celso Kipper

Suplentes:Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – diretor da emagis

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – Conselheiro da emagisDes. Federal Otávio Roberto Pamplona – Conselheiro da emagis

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃOEm 6 de setembro de 2011

Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler – PresidenteDes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – Vice-Presidente

Des. Federal Tadaaqui Hirose – Corregedor regionalDes. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus

Suplentes:Des. Federal João Batista Pinto SilveiraDes. Federal Fernando Quadros da Silva

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PRIMEIRA SEÇÃODes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – Presidente

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas LabarrèreDes. Federal Otávio Roberto Pamplona Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

Des. Federal Joel Ilan PaciornikDesa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch

Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

SEGUNDA SEÇÃODes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – Presidente

Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves GoraiebDes. Federal Vilson Darós

Desa. Federal Maria Lúcia Luz LeiriaDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Des. Federal Fernando Quadros da SilvaJuiz Federal Jorge Antônio Maurique (convocado)

TERCEIRA SEÇÃODes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – Presidente

Des. Federal João Batista Pinto SilveiraDes. Federal Celso Kipper

Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo AurvalleDes. Federal Rômulo Pizzolatti

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle PereiraDes. Federal Rogério Favreto

QUARTA SEÇÃODes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – Presidente

Des. Federal Élcio Pinheiro de CastroDes. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Des. Federal Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. Federal Néfi Cordeiro

Des. Federal Victor Luiz dos Santos LausDes. Federal Márcio Antônio Rocha

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PRIMEIRA TURMADes. Federal Joel Ilan Paciornik – Presidente

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas LabarrèreDes. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

SEGUNDA TURMADesa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch – Presidente

Des. Federal Otávio Roberto PamplonaJuíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

TERCEIRA TURMADes. Federal Fernando Quadros da Silva – Presidente

Desa. Federal Maria Lúcia Luz LeiriaDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

QUARTA TURMADesa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb – Presidente

Des. Federal Vilson DarósJuiz Federal Jorge Antônio Maurique (convocado)

QUINTA TURMADes. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira – Presidente

Des. Federal Rômulo PizzolattiDes. Federal Rogério Favreto

SEXTA TURMADes. Federal Celso Kipper – PresidenteDes. Federal João Batista Pinto Silveira

Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle

SÉTIMA TURMADes. Federal Néfi Cordeiro – Presidente

Des. Federal Élcio Pinheiro de CastroDes. Federal Márcio Antônio Rocha

OITAVA TURMADes. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – Presidente

Des. Federal Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. Federal Victor Luiz dos Santos Laus

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SUMÁRIO

DOUTRINA.........................................................................................13Parecer: Imunidade tributária das listas telefônicasCarlos thompson Flores..............................................................15As recomendações do Conselho Nacional de Justiça em face dasdemandas judiciais envolvendo a assistência à saúdeMarga inge Barth tessler.............................................................27Tutela jurisdicional da seguridade socialPaulo afonso Brum Vaz...............................................................53Constitucionalidade do art. 172 da Lei nº 8.112/90 – aspectos do processo administrativo disciplinarCarlos eduardo thompson Flores Lenz......................................81

DISCURSOS........................................................................................93Marga inge Barth tessler...............................................................95Vilson darós.................................................................................101Carlos eduardo thompson Flores Lenz......................................107João Carlos de Carvalho rocha...................................................115Claudio Lamachia........................................................................121tadaaqui Hirose...........................................................................129Leandro Cadenas Prado...............................................................133João Batista Pinto Silveira............................................................137rogerio Favreto.........................................................................147

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ACÓRDÃOS.......................................................................................159Direito Administrativo e Direito Civil..........................................161Direito Penal e Direito Processual Penal.......................................223Direito Previdenciário...............................................................277Direito Processual Civil............................................................309Direito Tributário.......................................................................359

ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE..........................377

SÚMULAS.........................................................................................459

RESUMO............................................................................................469

ÍNDICE NUMÉRICO.........................................................................473

ÍNDICE ANALÍTICO.........................................................................477

ÍNDICE LEGISLATIVO....................................................................491

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doutrina

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Parecer: Imunidade tributária das listas telefônicas*

Carlos thompson Flores**

Guias Telefônicas do Brasil Ltda., por intermédio de um de seus procuradores judiciais, o nobre Professor Ives Gandra da Silva Martins, consultou-me sobre a possibilidade de emitir parecer jurídico a respeito da questão constitucional debatida no RE nº 100.441-5, do RS, e ora em julgamento perante o Plenário do Eg. Supremo Tribunal Federal, qual seja, a imunidade tributária sustentada pela consulente como editora das conhecidas “Listas Telefônicas”, por meio do mandado de segurança preventivo que impetrou na comarca de Porto Alegre, ante a ameaça de cobrança do ISS exigida pelo respectivo Município.

Para tanto, encaminhou-me o ilustre causídico peças xerocopiadas pertinentes à demanda, inclusive pareceres de eminentes jurisconsultos, insertos aos autos, versando todos sobre o citado tema.

Examinei, cuidadosamente, o assunto, e, como me pareceu de abso-luta correção jurídica a pretensão da consulente, dispus-me a atendê-la, proporcionando-lhe este parecer.

É o que passo a fazer.

* Parecer lavrado em 21.10.1987.** Ministro aposentado e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal. Em 2011, comemora-se o centená-rio de nascimento do Min. Carlos Thompson Flores, falecido em 2001.

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I Os fatos

1. A consulente é concessionária para a prestação dos serviços públi-cos referentes à telefonia. Por força dessa concessão e da legislação que aregula,ficouobrigadaàediçãodasconhecidas“ListasTelefônicas”aserem distribuídas, gratuitamente, a seus assinantes, periodicamente, e somente a eles.

2. Cumprindo dito encargo, ou seja, editando ditas Listas, sentiu-se ameaçada por parte da Prefeitura de Porto Alegre pela cobrança do Im-posto sobre Serviços (ISS). Convicta de que goza de imunidade quanto à instituição de quaisquer impostos, no pertinente à referida atividade – edição de suas “Listas Telefônicas” –, tratou de prover a respeito, socorrendo-se do Poder Judiciário.

II O procedimento judicial

1. Assim, inconformada, ingressou perante uma das varas da Fazenda Pública Estadual com a ação de Mandado de Segurança preventivo.

1.1. Sustenta, em sua fundamentada petição inicial, gozar de absoluta imunidade com respeito a quaisquer impostos que, porventura, pudessem incidir sobre sua atividade, ao editar as tituladas “Listas Telefônicas”. Invoca, para tanto, o disposto no art. 19, III, d, da Constituição Federal vigente.

2. Mal sucedida em ambas as instâncias, manifestou recurso extraordi-nário. Argumenta que o acórdão impugnado, ao desatender sua pretensão, contrariou o citado art. 19, III, d, da CF, ao mesmo passo que divergiu de julgados de outros tribunais, dos quais fez os respectivos destaques e indicações.

3. Admitido o recurso em questão, e processado, alcançou parecer favorável da douta Procuradoria-Geral da República. Submetido o fei-to a julgamento perante o Plenário do Eg. Supremo Tribunal Federal, resultou ele interrompido, com o pedido de vista do eminente Ministro Oscar Corrêa. A essa altura da tramitação do procedimento é que me foi encaminhado o pedido de parecer.

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III Da controvérsia jurídica e do seu correto deslinde

A) Considerações necessárias1. O que interessa à consulente, no atual momento processual, é ver

conhecido e provido o seu recurso extraordinário e, consequentemente, concedido o mandamus.

2. Impende, assim, antes demais nada, verificar o cabimentodairresignação, ante as exigências regimentais.

3. O julgamento recorrido ocorreu em 02.12.82. Sobre ele incide, para o efeito do recurso extraordinário, o art. 325 do RI do Supremo Tribunal Federal de 15.10.80, na redação original. E porque se trata de mandado de segurança, no qual o Tribunal de Alçada apreciou o mérito, e não versa sobre quaisquer das matérias contempladas nos respectivos incisos IV e VII, já por aí inocorreria qualquer óbice ao apelo extremo, como dispõe o inciso VII do mesmo artigo. Mas outro fundamento, ainda, vem em seu socorro, o caput do dispositivo, primeira parte. É que o recurso tem, igualmente, por fundamento a violação do art. 19, III, d, da Constituição.

4. No mais, a petição recursal, no que tange a seus atributos formais, atende às exigências regimentais, inclusive as do art. 332 e seu parágrafo único.

B) Da controvérsia jurídica em si mesma1. Toda a controvérsia posta na presente demanda consiste em apurar

se a consulente, ao editar as nominadas “Listas Telefônicas”, está ou não coberta pela imunidade quanto a impostos, inclusive o ISS, compreendido na espécie pelo disposto na Constituição vigente, art. 19, III, d.

Diz ele:“Art. 19 – É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(...)III – instituir impostos sobre:(...)d) o livro, o jornal e os periódicos, assim como o papel destinado à sua impressão.”

2. Decidiram pela negativa as instâncias ordinárias, levadas pela interpretação restritiva da norma em menção. Bem expressiva se fez a ementa do acórdão recorrido, da Eg. 1ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada, tomada por maioria de votos. Diz ela:

“IMUNIDADE TRIBUTÁRIAEmpresa particular que presta serviço ao público editando catálogo telefônico no qual

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se insere publicidade e anúncios remunerados não se enquadra na imunidade tributária do art. 19, III, d, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional nº 1/69.

Presente o fato impossível, a hipótese de incidência tributária do ISSQN é manifesta-mente clara.

Negaram provimento, por maioria, à apelação interposta contra a segurança denegató-ria do mandado de segurança impetrado por Guias Telefônicos do Brasil Ltda., vencido o eminente Dr. Antônio Augusto Fernandes.”

3. Considero que não estiveram bem inspirados os honrados julgado-res,aodecidiremcomoofizeram.

4. Penso que impende, antes de enfrentar o alcance do texto consti-tucional, buscar-se a correta conceituação das “Listas Telefônicas” para os efeitos propugnados pela consulente. Pode ele ser extraído da própria legislação ordinária que disciplinou a sua edição.

4.1. Assim, dispõe a Lei nº 6874, de 03.12.80 (DO 04.12.80):“Art. 1º – A empresa exploradora de serviços públicos de telecomunicações é obrigada a

divulgar,periodicamente,arelaçãodeassinantes,nascondiçõesdefinidasemregulamento.§2º–Égratuitaeobrigatóriaafiguraçãodoassinante:a) na lista telefônica nomes de assinantes da Lista de Assinantes;b) na lista organizada por ordem de atividades ou produtos dos assinantes da respectiva

localidade–ListaClassificada;c) na lista organizada por ordem de endereços dos assinantes da respectiva localidade,

editada bienalmente, em função do número de habitantes – Lista de Endereços.”

E o Dec. nº 88.221, de 07.04.83 (D.O. 07.04.83), que a regulamentou:“Art. 1º – A edição de listas telefônicas se compreende no regime da exploração do

serviço público de telefonia, é inerente à prestação deste e se inclui na competência privativa da empresa exploradora desse serviço.

§ 1º – As listas telefônicas, sob qualquer forma ou denominação, se conceituam como publicações técnicas periódicas, destinadas à divulgação de informações sobre assinantes do serviço público de telefonia, em que o interesse preponderante seja a consulta do número do telefone.” (grifei)

5.Daídecorrequeaconcessionáriaficounãosomenteobrigadaaeditar as Listas em comentário, listas essas portadoras de requisitos es-pecíficos,masfazer,também,adistribuiçãogratuitaaseusassinantes,eemperíodosdefinidos,emregraanuais,mas,dequalquerforma,segundodeterminado pelo Ministério das Comunicações (Dec. citado, art. 4º, II).

6. É certo que o Decreto que regulamentou a Lei nº 6.874, e que em-prestou conceito legal às comentadas “Listas Telefônicas”, adveio após

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o ingresso da demanda em juízo.6.1. Tal circunstância, porém, em nada obsta o sentido que a elas

se poderia atribuir, seja pela legislação que precedeu à edição da Lei nº 6.874, seja pelas condições objetivas e subjetivas oferecidas pelas próprias Listas.

6.2. A propósito assinala o festejado administrativista Hely L. Mei-relles, em seus estudos e Pareceres de direito Público, Revista dos Tribunais, v. IV, 1981, p. 68, n. 35:

“A lista de assinantes é, primordialmente, relação nominal e gratuita de detentores de aparelhos telefônicos, para possibilitar a intercomunicação entre os usuários; só secunda-riamente é que pode conter destaques e anúncios remunerados. Portanto, sua destinação precípua e normal é relacionar gratuitamente os números ou códigos de assinantes; não é veicular publicidade comercial. A publicidade que se lhe adita é meramente acessória e visa, apenas, reduzir os custos operacionais do serviço e, consequentemente, baratear as tarifas telefônicas, em proveito dos próprios usuários.”

7. Dessarte, as publicações que a legislação denominou, expressamen-te, “Listas Telefônicas”, como poderia fazê-lo batizando-as de “Guias”, “Catálogos” ou “Livro”, e, bem assim, disciplinou, minuciosamente, seus requisitos e demais exigências, conceituou-as como “publicações técnicas periódicas”. São elas componentes indispensáveis do Serviço Telefônico, sem as quais seriam de todo inviáveis os serviços de telefo-nia, na alta relevância das comunicações modernas, imprescindíveis a todas as Comunidades.

7.1. Neste sentido, acentuou o mesmo mestre Hely, na sua obra antes citada, p. 59:

“Sem essa relação nominal e ordenada dos números dos telefones de uma localidade; sema listagem racional e perfeita desses códigos que tornam facilmente identificávelqualquer um dos milhares de aparelhos instalados nos terminais dos assinantes – repita-se –nãohánempodehaverserviçotelefônicoeficienteeconfiável,ouseja,serviçopúblicoadequado, na expressão-síntese do direito administrativo moderno. Daí por que a lista de assinantes também integra indissoluvelmente o serviço telefônico, como elemento com-ponentedatelefonia,nasuadefiniçãolegaldeprocessodetelecomunicaçãodestinadoàtransmissão da palavra falada do usuário entre um aparelho e outro (Código Brasileiro de Telecomunicações, art. 4º).”

8. Conceituadas, pois, as “Listas Telefônicas”, e examinados todos os seusatributosequalificativos,oquecabe,agora,éverificaroalcance

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do art. 19, III, d, da Constituição, permitindo concluir se cobre ele com a imunidade, relativamente a impostos, incluindo o ISS, exigido pelo Município, as Listas em questão.

9. Sempre considerei que o dispositivo em menção merecia compre-ensão ampla e extensiva, como meio de assegurar a imunidade revelada pela Carta Maior.

9.1. Assim me pronunciei ao votar perante o Plenário do Eg. Supremo Tribunal Federal, presidindo o julgamento proferido no RE nº 87.049, de São Paulo, ocorrido em 13.04.78; e nesse sentido se fez a decisão, contra os votos, apenas, dos eminentes Ministros Xavier de Albuquerque e Soares Munhoz (RTJ, v. 87, p. 608-12). Sua ementa dispõe:

“Jornais e periódicos – ISS – Imunidade Tributária (Exegese do art. 19, III, d, da Emenda nº 1/1969).

A imunidade estabelecida na Constituição é ampla, abrangendo os serviços prestados pela empresa jornalística na transmissão de anúncios e de propaganda.

Recurso extraordinário não conhecido.”

Pelo acerto de suas considerações, não me posso furtar de transcrever destaque expressivo do voto proferido pelo eminente Ministro Moreira Alves. Disse Sua Excelência:

“A Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional nº 1/69, ao ampliarem a imunidade constante na constituição de 1946 – e que se adstringia ao papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros –, quiseram, inequivocamente, facilitar e estimular os veículos de divulgação de ideias, conhecimentos e informações que são os livros, os jornais e os periódicos. Como acentua Baleeiro (Limitações Constitucionais ao Poder de tributar, 5. ed., p. 198), ‘a imunidade do art. 19, III, d, da Emenda 1/1969 traz endereço certoàproteçãodosmeiosdecomunicaçãodeideias,conhecimentoseinformações,enfimda impressão do pensamento como objetivo precípuo’.

Eessaproteçãosedá,nocampotributário,comaimunidadefiscalquesedestina,dire-tamente, a reduzir o custo de produção e comercialização dos livros, jornais e periódicos.

Ora, é notório que os jornais somente podem ser vendidos pelos preços por que o são, em virtude de terem a sua manutenção derivada, precipuamente, da propaganda estampada em suas folhas. Não fora isso, e mister seria o encarecimento sensível de seu preço de venda.

Daí a razão por que a propaganda divulgada pelos jornais – e isso a par da circunstância de que não deixa ela de ser uma informação aos leitores – se tornou atividade indispensá-vel a eles. Passou a ser serviço que lhes é ínsito, ao lado da comunicação das notícias e da divulgação de comentários, críticas e trabalhos culturais de toda ordem.

(omissis)Se o objetivo da norma constitucional é inequivocamente o de, com um meio de natu-

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reza econômica – a imunidade do imposto –, facilitar a circulação dos jornais, dentro nele se insere o da imunidade de tributo sobre prestação de serviço que integra a natureza desse meio de comunicação.”

9.2. No mesmo sentido votara eu anteriormente, ao presidir, na Eg. 2ª Turma, em 12.11.74, o julgamento do RE. nº 77.867, de São Paulo, acompanhando o fundamentado voto do eminente Relator, Min. Leitão deAbreu(RTJ72,p.189-94),quandoreconhecidoficouque“revistastécnicas” estavam, também, cobertas pela imunidade do art. 19, III, d, da Constituição. Sua ementa estatui:

“Imunidade tributária outorgada pelo art. 19, III, d, da Constituição Federal (Emenda nº 1). Revista técnica se inclui entre os periódicos, a que alude esse preceito constitucional. Interpretação razoável dessa norma da Carta Política em vigor.

Recurso extraordinário não conhecido.”

9.3. Coincidentemente com a tese discutida no primeiro dos recur-sos indicados, veio mais tarde a decidir a Eg. 1ª Turma, ao julgar o RE nº 91.662, de São Paulo, em 04.11.80, e do qual foi relator o eminente Ministro Décio Miranda (RTJ 98/802).

9.4. E, no rumo do segundo dos julgados indicados, cabe acrescentar, também, o de julgamento pela Cda. 2ª Turma, o RE nº 102.141, do Rio de Janeiro, apreciado em sessão de 18.10.85, e do qual se tornou relator o eminente Ministro Carlos Madeira (RTJ 116/267-73). Sua expressiva ementa consigna:

“Imunidade Tributária. Livro. Constituição, artigo 19, III, alínea d.Em se tratando de norma constitucional relativa às imunidades tributárias genéricas,

admite-se a interpretação ampla, de modo a transparecerem os princípios e postulados nela consagrados.

O livro, como objeto da imunidade tributária, não é apenas o produto acabado, mas o conjunto de serviços que o realiza, desde a redação, até a revisão da obra, sem restrição dos valores que o formam e que a Constituição protege.”

9.5.Emnadacompromete apacífica jurisprudênciaque se feznaCorte Suprema, interpretando, ampla e extensivamente, o art. 19, III, d, da Carta vigente, o julgamento pela Eg. 1ª Turma, em 05.12.67, do RMS nº 17.804, da Guanabara, do qual foi relator o eminente Ministro Djaci Falcão. Versava também sobre “Listas Telefônicas” e sua tributação (RTJ v. 47, p. 240-2).

É que não se discutiu aí qualquer tema constitucional, menos ainda

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imunidade tributária. A questão cingiu-se à isenção fiscal e com base, apenas, na Lei nº 351/48. Correta, assim, a interpretação restritiva. A circunstância de ter o eminente Min. Oswaldo Trigueiro conceituado as listas em referência como meros catálogos de interesse comercial, pelas divulgações que fazem, com a vênia devida, não procederia. É que a destinaçãoespecíficadaslistasconsisteemfacilitarascomunicações,de manifesto interesse social. A publicidade que nelas se insere, toda ela paga, apenas concorre para reduzir seus custos, uma vez que a sua distribuiçãoéobrigatóriaegratuita,refletindo-se,outrossim,nopreçodos serviços prestados, queficariamdiminuídos, e sabidamente sãocontrolados pelo Poder Concedente.

9.6. Igualmente, em nada afetou a exegese ampliativa já assentada pelo Plenário ao comentado texto constitucional a decisão que veio a tomar a Cda. 2ª Turma, ao julgar, em 15.12.78, o RE nº 87.663, de São Paulo, e do qual foi Relator o eminente Ministro Cordeiro Guerra (RTJ 89/278-81).

Versava o dissídio sobre a pretendida imunidade tributária pela edição de “Calendários Comerciais”.

Do decisório, cabe destacar expressivo fragmento, de todo decisivo, do voto do Relator, para mostrar que nada tem ele com a edição das “Listas Telefônicas”.

Diz, p. 280:“Os calendários comerciais, como as folhinhas e agendas, não são livros, jornais, revistas

ou periódicos, no sentido de veículos de manifestação do pensamento humano. Constituem uma simples mercadoria de consumo, periodicamente posta em circulação, mas não são periódicos no sentido legal e constitucional, de modo a autorizar a pretendida imunidade.”

10. Os julgados antes arrolados, todos do Eg. Supremo Tribunal Fe-deral, intérprete máximo da Constituição, foram inspirados nas melhores fontesdoutrinárias.E,bemaclaradospelosdestaquesquedelessefize-ram, a par dos comentários que à sua margem se realçaram, evidenciam que o critério correto de interpretar as imunidades tributárias, inclusive aquele que interessa à espécie, o art. 19, III, d, da Carta Maior, é o am-pliativo, compreendendo os métodos teleológico, sistemático e outros.

Enfatizando o valor de tais julgados, formando jurisprudência, acen-tuava o Mestre Baleeiro, no prefácio da 2ª edição de suas Limitações Constitucionais ao Poder de tributar, p. XIV:

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“Parodiando CHARLES HUGHES, quando, político ainda jovem, não sonhava atingir, namaturidade,apresidênciadaCorteSuprema,pode-seafirmarquehálimitaçõesconsti-tucionais ao poder de tributar, mas elas são aquilo que os ministros do Supremo Tribunal Federal querem limitar.”

E, em sintonia com esse pensamento, preleciona Maximiliano, em sua Hermenêutica e aplicação do direito, 9. ed., Forense, 1979, p. 314, nº 378, XV:

“Aplica-se à exegese constitucional o processo sistemático de Hermenêutica, e também o teleológico, assegurada ao último a preponderância. Nesse terreno consideram-se ainda de alta valia a jurisprudência, sobretudo a da Corte Suprema; os precedentes parlamentares; os fatores sociais; e a apreciação do resultado, a Werturteil, dos tedescos.”

Nesse sentido, ainda, os ensinamentos de J. Story, in Commentaries on the Constitution, Hilliard, Gray and Co., Boston, 1833, v. 1., p. 383-4, § 400; e Henry C. Black, in Construction and interpretation of the Laws, West Publishing Co., 1896, p. 15, n. 8.

10.1. E, fundados os decisórios em referência na lição de Baleeiro (obra citada, 5. ed., p. 189), reconheceram que a imunidade em questão “protegeobjetivamenteacoisaaptaaofim,semreferir-seàpessoaouentidade”. Acrescentou que a Constituição visa duplo objetivo ao esta-tuir essa imunidade: amparar e estimular a cultura por meio dos livros, periódicos e jornais; garantir a liberdade de manifestação de pensamento, o direito de crítica e a propaganda partidária.

Todavia,édereconhecer-sequeafinalidademencionadapelosaudosoMestreémeramenteexemplificativa.Compreendeanormaconstitucio-nal, na amplitude que os julgados a tem consagrado, alcances outros, além daqueles que livros, jornais e periódicos possam conter e que a realidade há de revelar no desenrolar das conquistas que, dia por dia, se fazem ou se aperfeiçoam.

11. A essa altura das considerações feitas, forçoso é concluir que as “Listas Telefônicas”, pelas características que lhes são impostas pela legislação que as disciplinam, e, notadamente, pela valia que emprestam ao serviço público das comunicações, sejam locais, sejam estaduais, nacionais ou internacionais, estão cobertas pela imunidade consagrada pelo art. 19, III, d, da Constituição, pois sem elas seriam, em verdade, de todo impraticáveis.

11.1.Sejamditaslistasqualificadascomolivros, segundo foram elas

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consideradas pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo, in Parecer do Prof. Ulhoa Canto inserto aos autos, sejam, mais preci-samente, como “livros técnicos”, como as conceituaram os Pareceres emitidos pelos eminentes Ministros Cordeiro Guerra e Cunha Peixoto, também ilustrando o feito e com os quais estou inteiramente de acordo, subscrevendo seus eruditos fundamentos, tenho-os como integrados neste parecer, não vendo como se lhes possa negar a imunidade quanto a impostos por sua edição.

Nesse sentido, assegurando imunidade quanto a impostos das listas em estudo, decidiram os Tribunais de Justiça de São Paulo, nas apela-ções cíveis nos 107.359-2 e 113.962-2, segundo acórdãos xerocopiados nos autos, p. 312-18 e 327-8, respectivamente; bem assim, os Estados de Goiás, Santa Catarina e Distrito Federal, conforme indicação no voto do eminente Min. Octavio Gallotti, in RDA, v. 166, p. 47.

11.2. A exegese teleológica atribuída ao preceito constitucional con-siderado seria limitativa se circunscrita aos arts. 153, §§ 8º e 36º, 176, 179 e 180, indicados por Baleeiro (ob. cit., p. 189). Note-se, porém, que o saudoso Mestre, à indicação mencionada, acrescentou a expressão e “outros do Estatuto Supremo”.

11.3. Se, quanto aos livros impressos, aos jornais e aos periódicos, não se fez qualquer restrição quanto ao conteúdo, menos ainda se há de fazer no pertinente às listas discutidas, renováveis periodicamente, distribuídas obrigatória e gratuitamente entre seus assinantes, tornando-se, pelo que representam, componente essencial e indispensável ao serviço público de comunicações e cuja relevância a própria Constituição consagrou, ao atribuir à União, e só a ela, a exploração de tais serviços, e é sabido que ela o faz em forma de monopólio; e, ainda, privativamente, o poder de sobre tal matéria legislar. É o que se lê no seu art. 8º, XV, a, e XVII, i, respectivamente. Com propriedade, sublinhou o eminente Min. Sydney Sanches, ao votar no RE 104.539-9, de São Paulo, in RDA 166/51, verbis:

“De resto, o propósito da norma constitucional é inquestionavelmente o de baratear a impressão e divulgação de livros, jornais e periódicos, não se podendo excluir destes as listas telefônicas, com sua imensa utilidade social, por seu caráter informativo sobre telefones de hospitais, pronto-socorro, repartições públicas de toda espécie (policiais, judiciárias, etc.), empresas de transportes ferroviário, rodoviário, aeroviário, comércio em geral e sobre os própriostelefonesdeparticulareseprofissionaisliberais.”

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11.4. Não fora assim, certamente não se tornariam credores da imuni-dade em comentário as relações que os jornais, em forma de separata, vendidos à parte, costumam publicar em dias próximos às eleições, con-tendo a nominata dos eleitores, com indicação das seções onde devem votar. Igualmente, os livros índice, em volumes distintos, e referentes a Tratados, a exemplo, como existe do Tratado de Direito Comercial Brasileiro, de Carvalho de Mendonça, ou do Tratado de Direito Privado, de Pontes de Miranda. E bem assim os livros contendo a tábua de loga-ritmos,ouosAtlasGeográficosepublicaçõesoutraseidênticasquesepoderiam declinar. Não contêm eles qualquer matéria que se compreende naexemplificaçãodeBaleeiro,nemmesmonaenumeraçãoprocedidapor Amilcar de Araújo Falcão no bem deduzido parecer que se encontra na RDA 66/368-9.

Ninguém, todavia, negará imunidade a qualquer das referidas publi-cações.

11.5. Por isso mesmo e com toda a propriedade, observou o eminente Min. Cordeiro Guerra em seu parecer já referido:

“47.Vivemosummomentodetransformaçõescientíficasedeprogressostecnológicosenão podemos excluir da imunidade constitucional as publicações que surgem do evolver da civilização técnica em que nos inserimos. As listas telefônicas são lidas e consultadas com frequência, pelas informações de relevância social que encerram e por isso, como refere Aliomar Baleeiro, são encontradiças nas bibliotecas americanas.

48. Finalmente, negada a imunidade no caso, onerar-se-iam os custos de produção dos livrostelefônicosdeformasignificativae,emconsequência,oeditorteriaquemajorarasua remuneração. Conforme o caso, poder-se-ia inclusive temer que as concessionárias ou tivessem de arcar com parte desse custo adicional ou repassá-lo aos usuários dos seus serviços, exatamente o que hoje se pretende evitar.”

Da mesma forma, acentuou o eminente Ministro Cunha Peixoto, em seuparecerjámencionado,fl.12:

“11 – A Constituição constitui a garantia da ordem, da paz e da tranquilidade, sem a qual não há progresso nem liberdade. Forçoso se lhe torne acompanhar a evolução, adaptar-se às circunstâncias imprevistas mas vitoriosas.

Ora, o telefone venceu em toda a linha; dominou o mundo; limitou as distâncias, a ponto do Código Civil considerar como presente a pessoa que contrata pelo telefone (art. 1.081, I), pouco importando, como observa Carvalho de Mendonça – J. X. –, que os aparelhos se achem na mesma praça, ou em lugares diversos (tratado de direito Comercial, v. VI, 1ª parte, p. 467, nº 552).

Todavia, torna-se ele uma máquina inútil, se desacompanhado da ‘Lista Telefônica’. É

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que o telefone, para ser acionado, necessita de uma linguagem própria, e o suporte fático dessalinguageméalistatelefônica.Constituiela,pois,omeiográficodeinformaçõese,consequentemente,temdeserclassificadacomolivroouperiódicodenaturezatécnica.”

12.Parafinalizar,resta,apenas,responderàsquestõespropostaspelaconsulente.

IV Respostas às questões formuladas

1ª. Quanto à primeira: sim. A consulente, com a edição de suas “Lis-tas Telefônicas”, goza da imunidade quanto à instituição de impostos, inclusive o ISS, nos termos do art. 19, III, d, da Constituição Federal.

2ª. Quanto à segunda: sim. Negando o acórdão recorrido a imunidade propugnada, contrariou o citado art. 19, III, d, daquele Estatuto, ao mes-mo passo que divergiu, quanto à sua aplicação, dos padrões indicados na petição recursal, do Eg. Supremo Tribunal Federal, no RE nº 86.026, bem como do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, proferido na Apelação nº 275.857;

3ª. Quanto à terceira: sim. Em face das respostas anteriores, o recur-so extraordinário há de merecer do Egrégio Supremo Tribunal Federal conhecimento e provimento para o efeito de deferir o mandado de se-gurança, nos termos do pedido.

É o parecer.Porto Alegre, 21 de outubro de 1987.

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As recomendações do Conselho Nacional de Justiça em face das demandas judiciais envolvendo a

assistência à saúde*

Marga inge Barth tessler**

Introdução

A consagração do direito à saúde deu-se de forma ampla apenas na Constituição Federal de 1988, que dispensou o merecido destaque aos direitos sociais, entre eles, o da saúde. A evolução da matéria até o atu-al patamar pode ser sintetizada pelo tratamento dispensado nos textos constitucionais.1 A Constituição de 1891 não dispôs sobre a saúde de forma expressa, deixou registrado apenas que a “aposentadoria poderia ser dada aos funcionários públicos em caso de invalidez nos serviços da Nação” (artigo 175). A Carta de 1934 elevou a saúde à condição de direito subjetivo do trabalhador no âmbito do sistema de seguridade social, com a criação dos diversos Institutos de Aposentadoria e Pensões. A Carta de 1937, no artigo 16, permaneceu com atenção voltada ao trabalhador,

* Texto-base para a apresentação no Seminário a Judicialização da Saúde Pública em uma Perspectiva Comparada Franco-Brasileira, 30 e 31 de agosto de 2010, Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense. O texto é capítulo de um estudo maior, sob o título “A Justiça e a efetividade na saúde pública”, apresentado à Fundação Getúlio Vargas, FGV-Direito Rio, como requisito para a obtenção do grau de Mestre doCursodeMestradoProfissionalizanteemPoderJudiciário,emagostode2010.** Desembargadora Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Mestre em Direito pela PUC/RS.1 BALERA, Wagner. A seguridade social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.

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trazendo cobertura de riscos sociais sem cogitar de benefícios sociais ge-rais e fontes de custeio. Permaneceu, na Constituição de 1946, a mesma situação de vínculo com o trabalhador, mas, no período, iniciaram-se as ações objetivando ampliar a proteção à saúde, destacando-se a criação do Ministério da Saúde em 1950. Em 1954, pela Lei nº 2.312, foram criadas asnormasgeraisdedefesaeproteçãodasaúde,nascendoentãoaafirma-tiva de tratar-se de “dever do Estado, bem como da família, defender e proteger a saúde do indivíduo”. O Código Nacional de Saúde é de 21 de janeiro de 1961. Note-se que o arcabouço legislativo vigorou até a edição da Lei nº 8.080/1990.

Por obra da Constituição de 1967 e das Emendas nos 1/1969, 2/1972 e 7/1977, a questão da saúde pelo artigo 8º, inciso XVII, alínea a, reserva à União a competência para expedir as normas gerais de “defesa e proteção da saúde”. O artigo 165, ao estabelecer sobre a Ordem Econômica e Social, assegurava aos “trabalhadores” a “assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva” e amparo previdenciário nos casos de “doença, velhice e inva-lidez”. Preocupou-se também com o custeio, dizendo da necessidade, para criação ou majoração de benefício, da necessária “fonte de custeio total”.

Observa-se a nítida preferência pela assistência médica curativa e individual, com supremacia dos serviços médico-hospitalares de caráter individual e supervisionado pelo extinto INPS. A doença era ainda vista como um risco individual.

Osprogramasdecarátercoletivo“ficavamacargodoMinistériodaSaúde e das Secretarias Estaduais”. A saúde percebida como sistema nacional foi instituída pela Lei nº 6.229/1975 e, em 1977, foi criado o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) para atender os trabalhadores com vínculos formais, isto é, que tivessem Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada.

Em lenta evolução, do modelo médico assistencial privatista de aten-ção à saúde passamos a um modelo que tendia à universalização – não conseguindo concretizar-se até a realização do 8º Congresso Nacional deSaúde,ocasiãoemquecriadooSistemaUnificadoeDescentralizadode Saúde (Suds), que representou a desconcentração das atividades do Inamps para as Secretarias Estaduais de Saúde. Passou-se a atender aos desempregados e rurícolas. Houve projetos de interiorização, projetos de reforma ensaiados pela 8ª Conferência Nacional de Saúde, com a descon-

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centração dos serviços. A Constituição Federal de 1988 recebeu e recolheu os elementos desse

movimento sanitarista, incorporou as propostas e criou o Sistema Único de Saúde (SUS), regulamentado pelas Leis nos 8.080/1990 e 8.142/1990. Dispôs sobre os direitos sociais, incluindo a saúde, no artigo 6º, e nos artigos 196 a 200, conjunto que é encimado pelo disposto no artigo 1º, inciso II, o respeito à dignidade humana.

Assim, a saúde é para a Constituição Federal de 1988 um bem funda-mental2 e um direito de todos. Procurou a Carta de 1988 e a legislação superveniente no campo ideal promover um ambiente sustentável de saúde. Efetuou uma combinação de ações, tentou conciliar os interesses econômicos com os propósitos de assegurar bem-estar, objetivou diminuir desigualdades, atendimento e tratamento com equidade, estimulando a par-ticipação da coletividade, a solidariedade e o fortalecimento da prevenção e da promoção da saúde. O valor que mais se destaca nos direitos sociais é a igualdade em vertente material ou fática. O ideal em alguns aspectos está sendo atingido, há reconhecimento internacional em prol de alguns serviços brasileiros, como a Fundação Oswaldo Cruz, do Ministério da Saúde, que, em 2006, foi eleita a melhor instituição de saúde pública do mundo, pela World Federation of Public Health associations.

Das formulações constitucionais e da Lei nº 8.080/1990 derivam os princípios em matéria sanitária que adiante abordaremos. A referida Lei nº 8.080/1990 regula em todo o território nacional as ações e serviços de saúde, prestados por pessoas de direito público ou privado. A Lei, no § 1º, informa que o dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e na execução de políticas econômicas e sociais e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos ser-viços de saúde. No artigo 7º estão elencados os princípios e as diretrizes do SUS de acordo com a Constituição Federal de 1988, artigo 198.

1 Os princípios em matéria sanitária3

Osprincípiosespecíficosdodireitosanitárioinspiramtodoosistema

2 direitos humanos são os direitos reconhecidos pelo direito positivo internacional a todas as gentes. direitos fundamentais sociais são os direitos reconhecidos pela Constituição.3 TESSLER, Marga Inge Barth. O juiz e a tutela jurisdicional sanitária. interesse Público, Sapucaia do Sul, n. 25, p. 27-58, maio/jun. 2004. Com acréscimos.

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e são preciosos elementos para guiar o intérprete.A teoria dos princípios foi desenvolvida por Ronald Dworkin,4 atri-

buindo normatividade aos princípios e evidenciando a distinção entre regras e princípios.5 Uma visão daqueles aplicáveis ao direito sanitário serveàcompreensãoeàjustificaçãodaatuaçãodoJudiciárionotema.Os princípios provocaram uma postura diferente do juiz, pois a formal legalidadeéinsuficienteparadaramedidadodireito.Estabelecemodeverdepromoverfins,daíumadificuldade,jáqueosfinssãomúltiplose colidentes. Os princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais que constituem todas as estruturações posteriores. São as vigas mestras ou os alicerces da ciência. Cretella Júnior, em lição clás-sica,osclassificaemprincípiosuniversais,plurivalentes,monovalentese setoriais, conforme possam ser comuns a todos os ramos do saber, co-muns a um grupo de ciências, referidos a um só campo de conhecimento e setoriais que informam apenas setores em que se divide determinada ciência. A essa lição se alinha Di Pietro6 ao enumerar os princípios infor-madores do Direito Administrativo, fazendo ver sua grande importância, pois permitem ao intérprete estabelecer o necessário equilíbrio entre os direitos dos administrados e as prerrogativas da Administração.7

Os princípios informadores da ação do gestor público previstos no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, quais sejam, a legalidade, aimpessoalidade,amoralidade,apublicidadeeaeficiência,aplicam--se, são informadores, de todo o direito sanitário e vinculantes para o gestor público. Os atos das autoridades públicas sanitárias desfrutam dos mesmos atributos dos atos administrativos em geral, quais sejam, a presunção de veracidade no que respeita aos fatos, a imperatividade, isto é, impõem-se a terceiros independentemente da concordância, e a autoexecutoriedade, isto é, podem ser executados pela própria adminis-tração quando se tratar de medida urgente que, caso não adotada, cause

4 DWORKIN, Ronald. o império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Idem. taking rights seriously. Massachusetts: Harvard University, 1978. Idem. A virtude soberana. São Paulo: Martins Fontes, 2005.5 As regras, segundo Dworkin, aplicam-se de modo tudo ou nada, e os princípios, por ponderação.6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001.7 Sobre o exame dos atos administrativos: STJ, REsp nº 493811/SP, 2ª Turma. Relatora: Ministra Eliana Calmon, julgado em 11.11.2003, DJU de 15.03.2004, p. 236; STJ, REsp nº 577836/SC, 1ª Turma. Relator: Ministro Luiz Fux, julgado em 21.10.204. DJU de 28.02.2005, p. 200.

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prejuízo ou risco maior, sinalando-se que, de regra, a autoexecutoriedade deve ter sido prevista na lei. Na questão da presunção de veracidade e da imperatividade, é de observar que há uma íntima correlação dos referidos princípios com o princípio da participação social. O controle social do SUS se dá por meio dos Conselhos de Saúde, que, entre as suas atribui-ções,têmadedeliberarefiscalizaraaplicaçãodoOrçamento,Planosde Saúde, Plano de Aplicação de Recursos, etc. Os Conselhos de Saúde funcionam nos âmbitos federal, estadual e municipal, junto ao Ministério da Saúde e às secretarias estaduais e municipais, podendo ser criados conselhos distritais. Os Conselhos de Saúde constituem assim a instância de resistência democrática da garantia dos princípios constitucionais e legais dos direitos do cidadão, devendo haver representantes usuários do SUS nos Conselhos.

1º) O princípio da proteção da dignidade da pessoa humana

Este princípio vem consagrado no inciso II do artigo 1º da Consti-tuição Federal de 1988, um dos fundamentos da República e do Estado Democrático e Social do Direito.

Segundo Sarlet,8 a origem do conceito moderno de dignidade da pes-soa humana parte da ideia kantiana de autonomia ética do ser humano, que residiria na vedação do homem ser tratado como objeto, inclusive por si próprio. A liberdade da vontade consiste na propriedade que tem de dar-se ela mesma a sua lei, essa liberdade que conduz à autonomia e quesituaatodosnomundodosfins,queconverteaspessoasemseresdignos e que não tem preço. Assim, quando uma coisa está acima de todo o preço e não permite equivalente, ela tem dignidade. A Declaração Uni-versal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, consagrou a dignidade da pessoa humana como fundamental na ordem jurídica.

Lembra Figueiredo9 que, segundo a doutrina alemã, citando Hofman, a dignidade estaria fundada no reconhecimento social, na valoração positiva de pretensão de respeito social. Assim, a dignidade só pode ser definidanarelaçãoenacomunicaçãocomooutro,retomandooaspectoda alteridade kantiana. Não se poderia pensar em dignidade desvinculada

8 SARLET, Ingo Wolfgang. dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 34.9 FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. direito Fundamental à Saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

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da comunidade. Segundo Aith,10 é o aludido princípio que proíbe a tortura, o trabalho escravo, pesquisas com cobaias humanas, a comercialização de órgãos humanos, tratamentos de choque em doentes mentais, etc. A Lei nº 8.080/1990 tem previsão de sua proteção no artigo 7º, inciso III. O princípio da dignidade humana se opõe à obstinação terapêutica, que é a situação de buscar só a tecnologia, e não o bom senso, é o uso abusivo de recursos terapêuticos.

2º) O princípio da saúde como direito11

Trata-se de um direito fundamental do ser humano, um direito in-cluídoentreosdireitossociais,esignificaparaoPoderPúblicoares-ponsabilidade de elaborar programas concretos para garantia da saúde da população. Para a população, o direito reconhecido confere direito subjetivo de exigir a prestação de serviços de saúde pelo Estado, indivi-dual ou coletivamente. Para o Poder Judiciário, como um dos Poderes do Estado, a responsabilidade de fazer implementar as ações e os serviços no sentido de promover e proteger a saúde da coletividade. Note-se que a Constituição Federal de 1988 reconheceu um direito ao acesso aos benefícios, não se trata de benefício contraprestacional nem de caridade assistencial. Durante as manifestações produzidas na Audiência Pública nº 4,12 não houve pronunciamento contrário ao referido princípio, embora possíveis limites fáticos, técnicos e orçamentários.

Oprincípioem tela significa,para todoseparacadaum,opoderde exigir individual ou coletivamente a consecução desse direito “me-diante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços”.13 Segundo Rezende e Trindade:

“Asprincipaisdificuldades,entreoutras,enfrentadasparaaimplementaçãodoSUS,são

10 AITH, Fernando. Curso de direito sanitário: a proteção do direito à saúde no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2007.11 DWORKIN, 1999, p. 433-435. Dworkin argumenta em torno do Princípio do Resgate: “A vida e a saúde sãoosbensmaisimportantes,todoorestotemmenorimportânciaedevesesacrificado[...].Étãoantigo[...]equasetotalmenteinútil[...].”Dizquedevemosgastartudooquepudermosatéquenãosejapossívelpagar nenhuma melhora na saúde. Nenhuma sociedade sadia tentaria alcançar esse padrão. 12 A realização da Audiência Pública nº 4 deu-se no Supremo Tribunal Federal por convocação do Ministro Gilmar Mendes, então Presidente da Corte, em maio/abril de 2009, e foi um dos marcos para a promoção do direito à saúde no Brasil. 13 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Artigo 196.

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amanutençãodasforçasconservadorasnasinstânciasdePoder;ofinanciamentodosetor;aculturadeclientelismo;amudançadopadrãoepidemiológicoedemográficodapopulação;os crescentes custos do processo de atenção; as formas de gerenciamento do sistema de saúde;ocorporativismodosprofissionaisdesaúde;entremuitosoutros.”14

3º) A saúde como um dever fundamental

O texto da Constituição Federal de 1988 expressa, além de um di-reito, também um dever fundamental.15 Trata-se de uma categoria jurí-dica autônoma, nos dizeres de Sarlet e Figueiredo,16 seriam os deveres expressão da soberania estatal, mas do Estado fundado na primazia das pessoas, dos cidadãos. Na saúde, especialmente, há referência expressa ao dever, embora sem referir exatamente que atividade deve ser tomada pelo Estado, mas é aquela atividade que permite ou favorece a todos a fruição do direito assegurado, ao menos no patamar mínimo. O indiví-duo, como ser livre e responsável, também em alguma dimensão tem deveres, uma parcela de responsabilidade para com a sua saúde e a da coletividade. Esse dever individual se prende à lenda de Cura, lembrada por Heidegger:17 “Ohomeméfilhodocuidadonoseupercursotemporalno mundo”. Os serviços de saúde são considerados de relevância públi-ca, quer sejam prestados pelo Estado, quer por particulares, segundo o disposto no artigo 197 da Constituição Federal de 1988. Consequência dessa disposição constitucional é a possibilidade de sujeição dos atos dos particulares à sindicabilidade do Ministério Público.

4º) O princípio da unicidade do sistema SUS

Princípio expresso no artigo 199 da Constituição Federal de 1988 e no art. 7º, inc. XIII, da Lei nº 8.080/1990.

Esse princípio inaugura um sistema diferente do vigente até 1988, pois antes as ações e serviços eram operados por uma grande quantidade

14 REZENDE, Conceição Aparecida Pereira; TRINDADE, Jorge. Manual de atuação jurídica em saúde pública. In: BRASIL. Ministério da Saúde. direito sanitário e saúde pública. Brasília: Ministério da Saúde, 2003. v. 2, p. 21-37.15 TESSLER, Marga Inge Barth. O direito à saúde: a saúde como direito e como dever na Constituição Federal de 1988. revista do tribunal regional Federal da 4ª região, Porto Alegre, v. 12, n. 40, p. 75-108, 2001.16 SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filtchtiner. Reserva do Possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Orgs.). direitos Fundamentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 11-53.17 HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.

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de órgãos. O artigo 198 da Constituição Federal de 1988, ao se referir a um “sistema único”, implantou a unicidade como princípio. Deve ser prestado de maneira indiferenciada para todos.

A unicidade como princípio organizador e estrutural do SUS leva à consequência de que os três entes da federação são responsáveis pelo funcionamento do sistema único. O ideário que inspirou a reforma sani-tária consistia na criação de um sistema único fundamentalmente estatal, não havendo espaço para ser prestado, de forma diferenciada para alguns, mediante pagamento ou privilégio. Não quer dizer que não possa haver uma política dirigida para portadores de doenças raras, ou idosos – Lei nº 10.791/2003 (dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências), de 1º de outubro de 2003; Portaria nº 2528 GM/MS (aprova a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa), de 19 de outubro de 2006 – ou para atendimento à criança – Lei nº 8.069/1990 (dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente).

5º) O princípio da universalidade

Extrai-se o princípio dos artigos 194, inciso I, e 196 da Constituição Federal de 1988 e do artigo 7º da Lei nº 8.080/1990, e a sua consequên-cia é a concretização da possibilidade de que todos tenham acesso igual aos serviços. Para cumprir o princípio, há necessidade do planejamento de ações realizando-se antes um diagnóstico da situação sanitária da comunidade. Os três primeiros princípios, em seu conjunto, formam um núcleode“ideias-forçaunificadorasetransformadoras”,fundamentaisno sentido da construção do SUS como patrimônio social. As políticas de saúde repercutem na estabilidade social, devendo haver coerência efirmeza de propósitos por parte dos gestores.O referido princípiotrouxe para o SUS a noção da cidadania como elemento norteador das políticas de saúde.18 A cidadania como condição exclusiva para o acesso fizeramdoSUSamaiorpolíticapúblicadesaúde,quebrandoalógicadoseguro-saúde. A universalidade está relacionada à gratuidade do aces-so aos serviços,19 e o objetivo de tal formulação é o fortalecimento da

18 FERRAZ, Octávio Luiz Motta; VIEIRA, Fabiola Sulpino. Direito à saúde, recursos escassos e equidade: os riscos da interpretação judicial dominante. revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 52, n. 1, p. 223-251, mar. 2009. 19 CARVALHO, Guido Ivan de; SANTOS, Lenir. Sistema Único de Saúde: Comentários à Lei Orgânica da

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coesão social, evitando a estigmatização do pobre, bem como a queda naqualidadedoserviço.Admitemedidasespecíficasaumgrupo,porexemplo, diabéticos, aidéticos. Não o limita aos pobres. A concessão de um medicamento ou tratamento deve ser universalizável.20 Nesse aspecto, entende-se desnecessária a perquirição sobre rendimentos dos beneficiáriosdosserviçosdoSUS.Nãopodesernegadoaquemtemrenda, pois tal pessoa só por isso não deixou de ter direitos sociais. A responsabilidade social e a solidariedade é que deveriam funcionar como autocontenção.

6º) O princípio da integralidade do atendimentoEstá expresso no artigo 198, inc. II, da Constituição Federal de 1988 e

no art. 7º, inc. II, da Lei nº 8.080/1990. A pessoa tem direito de ser atendida e assistida sempre que necessitar, utilizando ou não insumos, desde o aten-dimento básico (consulta) até a alta complexidade (tratamento oncológico). Oquedefineoatendimentodeveseranecessidadedapessoa.Significaquetodas as ações e serviços de saúde (promoção, proteção ou recuperação) são uma realidade una e inseparável. Não basta, pelo princípio, a compra de uma ambulância pela Prefeitura, é necessário, no mínimo, oferecer serviço de urgência e materno-infantil. No princípio da integralidade do atendimento há algumas questões intensamente debatidas, como o aborto e o direito da mulher em optar por fazê-lo, há a questão dos idosos e a dos portadores de doenças raras, a do atendimento especial aos menores e indí-genas, estes últimos bastante esquecidos em suas necessidades elementares. Constitui um ponto de tensão entre os gestores públicos e pacientes que demandam por medicamentos. A integralidade é a não fragmentação das políticas.21 Não quer dizer oferta de todo e qualquer medicamento, produto ouinsumo,masobastanteparaoatingimentodeseusfins.Aintegralidadeéatendidaquandopromovidoorazoávelatendimentodofim.22

Saúde (Lei nº 8080/90 e Lei nº 8142/90). 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1995.20 UIB, David. “Não há recursos para atender todos”. Folha de São Paulo, 29 maio 1998. Entrevista conce-dida a Lucia Martins. Cotidiano. O infectologista David Uib acha que o princípio da universalidade é um engano de retórica.21 BIEHL, João Guilherme. Pharmaceuticalization: AIDS treatment and global health politics. anthropological Quarterly, Baltimore, v. 80, n. 4, p. 1534-1518, 2007. A ênfase em medicamentos, isto é, a farmaceuticali-zação traz riscos de fragmentação. É nociva e dispendiosa, segundo Biehl.22 ÁVILA, Humberto Bergmann. teoria dos princípios:dadefiniçãoàaplicaçãodosprincípiosjurídicos.SãoPaulo:Malheiros,2003.“Ummeioéadequadoquandopromoveminimamenteofim.”

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7º) O princípio da preservação da autonomia das pessoas – art. 7º, inc. III, da Lei nº 8.080/1990

O paciente tem o direito de ser informado.É princípio ético e integra a trindade da Bioética junto com a Justiça

eaBeneficência.Otratamentodasaúdeeadefesadaintegridadefísicae moral não podem ser impostos, pelo contrário, as pessoas precisam ser conscientizadas e orientadas, está no art. 7º, inc. III, da Lei nº 8.080/1990. A autorização judicial para a realização de transfusão de sangue recusada pormotivosreligiososprocuraflexibilizaroaludidoprincípio.Oepisódioda Revolta da Vacina (1904) constitui exemplo histórico no Brasil. Em 31.10.1904, o Congresso aprovou lei que tornou obrigatória a vacina-ção contra a varíola, houve revolta no Rio de Janeiro. Não se teve na época a consciência do fato de que as pessoas precisam ser esclarecidas, situação bem diferente da que hoje desfrutamos, com as campanhas de vacinação do estilo “Zé Gotinha”, política pública exitosa, que motiva ospaisaprocuraropostodevacinaçãoemdiasespecíficos,utilizandoum boneco, personagem infantil – “o Zé Gotinha” –, só para tomar uma gotinha para se imunizar.

Exemplo de violação do princípio da autonomia da pessoa é a situ-ação na China, noticiada pelos jornais, em que as pessoas são presas paraseremesterilizadas,porviolaçãoàLeidoFilhoÚnico,dofimdadécadade70.Talpolíticasópermiteumfilhoporcasal.Umamulherquedesafiaaregrapodeserpresaeesterilizada.23 É importante dizer que se superou o modo Hipocrático de tratamento médico. O paciente tem o direito de ser informado sobre a sua doença e o prognóstico. Os valores do doente devem ser considerados, fazendo-se o que é do melhor interesse do paciente. O consentimento informado fundamenta e legitima o ato médico.Asordensde“nãoressuscitação”sãoumreflexodoprincípioda autonomia do paciente.

8º) O princípio do direito à informação às pessoas assistidas – art. 7º, inc. V

É o direito de informação sobre o diagnóstico, o tratamento e o prog-nóstico. Os pacientes devem ser esclarecidos sobre benefícios e riscos de

23 Jornal o Sul, Porto Alegre, 19 abr. 2010.

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todos os procedimentos. A manutenção e guarda de tais registros, com o consentimento informado do paciente, pode ser fundamental para a defesa do prestador do serviço em juízo e também para o próprio paciente. O prontuário há de ser, com as cautelas devidas, exibido em juízo, no caso de controvérsia sobre tratamentos. O gestor público deverá providenciar a guarda de tais registros. Pondera-se assim a necessidade do paciente procurar o serviço público de saúde antes de demandar judicialmente. Em princípio não há possibilidade de responsabilização do gestor públi-co por tratamentos prescritos no âmbito privado em caso de fatalidades ou equívocos. O princípio está intimamente ligado ao da autonomia da pessoa e se materializa pelo consentimento informado.

9º) O princípio da igualdade ou equidade

Os serviços de saúde devem ser prestados de maneira uniforme e indiferenciada a todos, sem privilégios ou preconceitos. O princípio foi estabelecido para sepultar a política de favores, ou a cultura do favor, ou a ideia de que quem não podia pagar seria tratado como indigente. Por outro lado, o princípio da igualdade não tolera distinção entre usuários pagantes e não pagantes. Era a chamada “diferença de classe”, isto é, a separação de ambientes, o oferecimento de melhores acomodações e refeições aos que podiam pagar. Tudo isso desprestigia o princípio da igualdadeenãocontribuiparaaprestaçãodeumserviçodignoeeficientepara todos. Por outro lado, a igualdade deve ser compreendida dentro da universalidade. Todos estão incluídos e são iguais em consideração e direitos. As pessoas não podem ser excluídas ou privilegiadas. A alocação de recursos será feita pelos indivíduos coletivamente considerados. O princípio da igualdade permite sem ofensa a construção de políticas para o atendimento de grupos como diabéticos, aidéticos, bem como a busca de um tratamento ou medicamento alternativo em face de intolerância aos padronizados pelo SUS, mediante perícia médica.

10º) O princípio da participação da comunidade

Esse princípio extrai-se do artigo 198, inc. III, da Constituição Federal de 1988 e do artigo 7º, inc. VIII, da Lei nº 8.080/90.

O direito sanitário é um direito solidário e democrático e a comunidade participa, deve participar, para que realmente se possa chegar ao serviço

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que a Constituição moldou nos dispositivos que comentamos e também segundo o preâmbulo da Constituição Federal de 1988 que estabelece que a República brasileira tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e objetiva promover o bem de todos. A saúde é um bem social e há a exigência ética, política e também econômica da disponibilidade dos serviçosdesaúdeparatodosdeformaeficiente,suficienteepadronizada.O Estado tem o poder-dever de intervir para assegurar a fruição do bem social no interesse de todos. É urgente a sensibilização dos detentores do Poder Político. O Poder Judiciário tem na jurisdição o seu modo qua-lificadodeparticiparparaconcretizaravontadedaConstituição,tendoa Audiência Pública nº 424 sido um veículo inovador para propiciar a participação da comunidade.

11º) Princípio da solidariedade no financiamento, ou da diversidade da base de financiamento

Diz o artigo 195 da Constituição Federal de 1988 que a seguridade socialseráfinanciadaportodaasociedadedeformadiretaeindireta,eemseguidaaConstituiçãopassaaelencarcomosedaráofinanciamento,com recursos orçamentários da União, dos Estados e dos Municípios e contribuiçõessociaisqueespecifica,eainda,arrematandooCapítuloIIdo Título VIII, há ampla possibilidade de instituir outras fontes desti-nadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social (art. 194, parágrafo único, inc. VI, da Constituição Federal de 1988). Essa vinculação e as possibilidades aqui abertas não podem ser esquecidas no momento de decidir causas tributárias e penais sempre defendidas por profissionaisextremamentebempreparados.Todaasociedadeéchamadaaofinanciamento,cuidando-separaqueosdispêndiostenhamamelhorutilização possível. O Pacto pela Saúde instituído pela Portaria nº 399/GM/2006 procura dar ênfase a este e outros princípios.

12º) Princípio da vinculação de recursos orçamentários

Princípio de alta importância que não há de ser diminuído ou esque-cido. A autoridade que na sua administração o descumprir se sujeita à responsabilidadefiscal(artigos198,§2º;35, inc.III;e198,§1º,da

24 A Audiência Pública nº 4 foi promovida pelo Supremo Tribunal Federal para elucidar as questões da saúde pública no Brasil.

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Constituição Federal de 1988) e Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar nº 101/2000. Não é horizonte ideal, mas contato com o real, o que se pode razoavelmente esperar. A Emenda nº 29/2000 esta-beleceu no artigo 198 da Constituição Federal de 1988 parâmetros con-cretos e objetivos em dois novos parágrafos, a propósito de destinação dos recursos do SUS.

A Emenda nº 29/2000 é autoaplicável, mas deixou espaços abertos que oferecem necessidade de conceitos operacionais, tendo sido edita-da a Resolução nº 316/2000 com parâmetros, e o Ministério da Saúde editou a Portaria nº 2.047/2002, estabelecendo diretrizes operacionais. O Sistema SIOPS, criado pela Portaria Interministerial nº 1.163/2000, é oparâmetroparafiscalização,sendoqueodescumprimentopelosantesobrigados na aplicação dos recursos pode e deve ser comunicado ao De-nasus – Departamento Nacional de Auditoria do SUS. A responsabilidade do gestor de recursos e a obrigação de prestar contas está imbricada com a indisponibilidade de recursos públicos.25

O que pode ser considerado como gastos com saúde (Res. nº 322 do CNS, PL nº 306)

O texto da Emenda Constitucional nº 29 não desce a minúcias sobre o que efetivamente é ou pode ser considerado como gasto em saúde, e o Projeto de Lei, PL 306/2008, está em tramitação desde o ano de 2000. O Legislativo não conseguiu ainda regulamentar a matéria. Existe muita controvérsia.

Objetivando preencher a lacuna, o Conselho Nacional de Saúde edi-tou a Resolução nº 322, de maio de 2003, aprovou diretrizes bastante razoáveisparaadefiniçãodosrecursosmínimosaseremaplicadosnasaúde.APrimeiraDiretrizdizcomadefiniçãodabasedecálculoparaadefiniçãoderecursosmínimos;aQuintaDiretriz,comoqueéconsi-derado como despesas com saúde; e a Sétima Diretriz, objeto da ADIn nº 2.999-1, sobre o que não pode ser considerado como despesas com serviços públicos de saúde. Destaco da 7ª Diretriz o pagamento de apo-

25 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Controle jurisdicional dos atos políticos e administrativos na saúde pública. interesse Público, Sapucaia do Sul, v. 14, n. 59, p. 120, jan./fev. 2010. Se a Administração Pública é responsávelpelaadministraçãodosgastosepelaeficáciamáximapossíveldaspolíticaspúblicas,oJudiciárionão deve viabilizar seja tecida uma confusa teia gerencial apta a comprometer o próprio equilíbrio social.

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sentadorias e pensões, a assistência à saúde que não atenda ao princípio da universalidade (clientela fechada), merenda escolar, saneamento básico realizado com recursos de taxas ou tarifas, limpeza urbana, remoção de resíduos sólidos, preservação do meio ambiente, ações de assistência social (bolsas-família, merenda escolar, vale-leite, etc.).

Em outubro de 2008, o Conselho Nacional de Saúde expediu a Re-solução CNS nº 30, com o objetivo de orientar os Conselhos Estaduais eMunicipaisdeSaúdenatarefadeacompanharefiscalizarosfundosde saúde. Embora os esforços, o que se constata é que os recursos da saúde não são aplicados corretamente, os Estados deixaram de aplicar R$ 3,6 bilhões em 2007. A verba teria sido utilizada para “almoço de preso,fardadepolicial,merendaescolar,financiamentodecasaprópria,ampliação de rádio estatal, bolsa-família, etc”.26

Inúmeros palestrantes na Audiência Pública nº 427 destacaram a importância da imediata normatização da questão. É uma situação que efetivamente só poderá ser alterada com a conscientização de todos e a aplicaçãodesançõesaogestorinfielnaaplicaçãoderecursos.Aquestãonão envolve apenas os operadores do direito, mas os gestores públicos eosprofissionaisdaáreamédica,easdecisõesjudiciais,conformefoireconhecido pelo Ministro Gilmar Mendes na condução da Audiência Pública nº 4,28 têmsignificadoumpontodetensãoperanteosgestoresdas políticas públicas.

13º) O princípio da ressarcibilidade ao SUS

O SUS deve ser ressarcido em caso de atendimento por doenças cau-sadas pelos agentes econômicos.29 É princípio que se impõe como dever aos gestores da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e se extrai do artigo 198, § 1º: “além de outras fontes”, e do artigo 32 da Lei

26 WESTIN, Ricardo. Verba da saúde paga almoço de preso e farda. Folha de São Paulo, São Paulo, 14 set. 2009. Cotidiano.27 A Audiência Pública nº 4 foi realizada pelo Supremo Tribunal Federal para elucidar as questões referentes à saúde pública.28 Idem.29 BASILE, Juliano. LDO prevê indenização ao SUS por indústria do tabaco. Valor econômico, Rio de Janeiro, 28 jun. 2010. A indústria do fumo está sendo apontada como causadora de males aos usuários. A previsão de ressarcimento consta da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). São bilhões de reais e a indústria do fumo diz ser medida inconstitucional.

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nº 9.656/1998. Consiste na obrigação das operadoras privadas de planos de saúde ressarcir ao SUS em caso de o sistema único prestar o atendi-mentoaoseguradooubeneficiáriodaoperadoraprivada.Decorrentedoprincípio há o dever das operadoras de prestar informações à ANS. Para fazer frente aos gastos com a saúde, há transferência de verbas federais que devem ser corretamente aplicadas pelos Estados e Municípios. O Ministério Público Federal tem atuado no sentido de corrigir distorções, v.g., Ação Civil Pública nº 2000.70.10.000456-0, TRF-4ª Região, DJU de 30.04.2003. Na ADI nº 1931/DF, Relator Ministro Marco Aurélio, se discute a constitucionalidade dos repasses de informações privadas ao SUS. A ressarcibilidade ao SUS sofre grande resistência por parte dos agentes econômicos, que não estão dispostos a assumir as externalidades sanitárias que se materializam, por exemplo, em acidentes de trabalho, doençasprofissionaiseacidentesdetrânsito.

14º) O princípio da prevenção e da precaução

São princípios que objetivam dar conta dos riscos na hipercomplexida-de. Na década de 40, a ideia de prevenção foi introduzida por Sigerist, que definiuasquatrotarefasprimordiaisdamedicina:apromoçãodasaúde,a prevenção da doença, a recuperação do enfermo e a reabilitação.30

Está estabelecida no artigo 196 e em todos os comandos à vigilância sanitária e epidemiológica. O artigo 200 está repleto de diretivas e prin-cípios de prevenção e precaução que são de fundamental importância. O postulado da razoabilidade tem aqui grande possibilidade de auxiliar no exame do caso concreto, demandando uma relação congruente entre a medidaadotadaeofimqueelapretendeatingir,ouverificaçãodeequi-valência entre direitos e sacrifícios exigidos. O princípio da prevenção está diretamente ligado à antecipada previsão de acontecimentos nega-tivos ou incerteza sobre consequências e acontecimentos. Já o princípio deprecauçãosignificaquesehádeagirantecipadamentefrenteaumaduplafonte,aincertezaqueéaausênciadeconhecimentocientíficoeo próprio perigo conhecido. Não é só exortação à tomada de cautela, massignificaanecessidadedepráticadeações,como,porexemplo,pesquisas ou até medidas extremas como barreiras alfandegárias ou a

30 LEAVELL, H.; CLARK, E. G. Medicina Preventiva. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1976.

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destruição de produtos diante de ameaça de danos sérios e irreversíveis. A prevenção está genericamente no art. 2º da Lei nº 6.939/1981, não é estática, atualiza-se constantemente. Prestigia-se a precaução quando não sepermitequeoSUSpropicietratamentosemcomprovaçãocientíficaestabelecida. A obrigatoriedade de registro e aprovação de medicamentos pela Anvisa é outro exemplo de aplicação do princípio. A saúde é um campo em que o risco é onipresente. Há comportamentos e estilos de vida arriscados. Os procedimentos médicos e terapias envolvem riscos e efeitos colaterais. O princípio da precaução tem como objetivo preservar osbenefíciosdodesenvolvimentocientífico,agindoantecipadamentenosentido de assegurar a saúde pública. A OMS estabeleceu, por exemplo, os termos do acordo Sanitário e Fitossanitário, com forte atuação do poder público.31 O exemplo mais dramático de falhas na aplicação da precau-ção na liberação de medicamento foi o que passou a ser denominado de Tragédia da Talidomida, que cinquenta anos após a ocorrência motivou a edição da Lei nº 12.140, de 13.01.2010, concedendo indenização por dano moral aos vitimados pela Síndrome da Talidomida.32 O remédio tambémeraeficientecontraenjoosdagravidez.Retiradaemquatrodiasapós o alerta de pesquisadores na Europa, levou quatro anos para ser retirado do mercado do Brasil. A Lei nº 7.070, de 20.12.1982, concedeu pensão especial às vítimas. A Lei nº 10.651/2003 controlou o seu uso.

15º) Princípios gerais

O artigo 200 da Constituição Federal de 1988 elenca extenso rol de competências atribuídas ao SUS. De simples leitura, extrai-se a impor-tância, a complexidade e a diversidade das tarefas.

Noquerespeitaaoprimeiroitem,odecontrolarefiscalizarprocedi-mentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderi-vados e outros insumos, há grande número de deveres a serem exercidos,

31 VENTURA, Deisy de Freitas Lima. Direito internacional. In: ARANHA, Márcio Iorio; TOJAL, Sebastião Botto de Barros (Orgs.). Curso de especialização a distância em direito Sanitário para membros do Minis-tério Público e da Magistratura Federal. Brasília-DF: Fiocruz, Universidade de Brasília, Escola Nacional de Saúde Pública, 2002. p. 479 et seq.32 A talidomida foi comercializada na Alemanha em 1957. Era considerada segura, medicamento para dormir. Utilizado por mulheres grávidas, causava focolemia (ausência ou má-formação dos membros). Nunca foi aprovada pelo FDA (Food and drug administration). No mundo, dez mil crianças foram afetadas.

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e saliente-se que (art. 2º da Lei nº 8.080/1990, § 2º) o dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. No artigo 6º da Lei nº 8.080/1990 está de forma mais detalhada o elenco de atribuições do SUS. Na questão principiológica, poderão ser extraídos princípios referentes aos serviços de saúde suplementar, campo de atuação da Agência ANS, artigo 24 da Lei nº 8.080/1990 e princípios referentes à vigilância sanitária, campo de atuação da Anvisa.

16º) O princípio da beneficência

Oprincípiodabeneficência,obonum facere, primum non nocere, fundamenta-senaregradaconfiança,segurançaeeficáciaeestá ins-crito no artigo 1º da Constituição Federal de 1988, entre os princípios fundamentaisdaRepública,noitemIV:“promoverobemdetodos[...]”sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Também no preâmbulo da Constituição Fede-ral de 1988, ao assegurar o “bem-estar”, abriga uma “meta horizonte”. Esse princípio põe temperamentos em todas as atividades relacionadas ao direito sanitário e é por isso de extrema importância, é outra “meta horizonte”. Difícil extrair o seu sentido, o sentido do que seria bom indi-vidual e coletivamente, mas pelo menos com certeza o princípio sugere anãomaleficência,o primum non nocere. Integra o princípio a trindade bioética, juntamente com a Autonomia e a Justiça.

17º) O princípio do não retrocesso

O direito à saúde é um “direito fundamental explícito”, segundo Sarlet. Não efetivado na medida em que garantido na Carta Política, isso não quer dizer que possa ser diminuído, diante do princípio do não retro-cesso. O aludido princípio se relaciona com a ideia de desenvolvimento sustentável, expressamente contemplado no preâmbulo e no artigo 3º da Constituição Federal de 1988, onde constam os objetivos fundamentais da República, bem como com o artigo 1º, inc. III, da Constituição Federal de 1988 – o princípio da dignidade humana. O sistema como estabele-cido dirige-se a prestigiar o não retrocesso em matéria sanitária. Não podemos ser levados a patamares inferiores ou piores aos ora existentes. Nessa linha, poderia se dizer que não poderiam ser reduzidos os recursos destinados à saúde, nem alterada a vinculação constitucional introduzida

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pelaEmendanº29quefixourecursosparaocusteiodosserviçosdesaúde. A não atualização das listas de medicamentos, com incorporação de novas terapias por longos períodos de tempo, como acabou aconte-cendo,significatambémumretrocessoadesafiaravedação,querequerimparcialidade e igualdade na distribuição de riscos e benefícios.

2 O direito fundamental à saúde: a saúde como direito de todos e dever do Estado

Um apertado resumo da doutrina sobre o direito fundamental à saúde não se percorre sem passagem pela obra de Alexy33 e de Sarlet,34 no sen-tidodeafirmarqueasaúdeconstituiumdireitohumanofundamentalaser tutelado pelo Estado. O núcleo central do proclamado direito liga-se à noção de “ausência de doenças” ou à de “qualidade de vida”.

Trata-se de um direito social que oferece dupla dimensão: um aspecto defensivo no sentido de não prejudicar a saúde de outros, e então tem dimensão negativa, determinando um dever de respeito à saúde; e uma dimensão prestacional imputando um dever, em geral ao Estado, de modo a oferecer medidas concretas para manter ou recuperar e proteger a saúde da população. É mais no aspecto prestacional que se pressupõe ativida-des pelo Estado no escopo de organização de serviços, procedimentos ou fornecimento de bens materiais. O aspecto prestacional faz com que os cidadãos se coloquem na posição de titulares de um direito subjeti-vo, credores de determinada prestação normativa ou material. Alexy35 insere os direitos sociais na categoria de direitos a prestação em sentido amplo, que demandam uma ação do Estado e poderiam ser divididos em: direitos à proteção, isto é, o Estado deve proteger o titular contra atos ou agressões à saúde por parte de terceiros; direito à organização e procedimento; e direito à prestação em sentido estrito. O direito à saúde comunga das três categorias.

Trata-se de um direito humano expressamente reconhecido pela De-claração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) e está intimamente ligado ao direito à vida e à integridade

33 ALEXY, Robert. teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.34 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advo-gado, 2005.35 ALEXY, op. cit.

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física. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a saúde é o completo bem-estar físico, mental e social. O conceito é vago, tratando-se, nos dizeres de Scliar,36 de “uma imagem horizonte”, aberta, a ser perseguida em direção da idealização, não um conceito fechado e acabado.

A universalidade dos direitos sociais, entre eles o direito à saúde, é também uma característica essencial, embora historicamente tenha sido relacionado à classe trabalhadora, como antes recordado. Na lição de Lopes,37 os direitos sociais se realizam coletivamente, embora possam em determinadas circunstâncias ser exigidos individualmente e judiciali-zados, mas de regra dependem para a sua exata conformação da atuação do Legislativo e do Executivo para conferir aspectos normativos e meios materiais e suporte para a sua fruição. Assim se dá em relação à segurança pública, ao ambiente sadio, à educação e à moradia. Os direitos sociais oferecemalgumadificuldadeparaajustar-seàideiadeindividualização.

Na Constituição de 1988, o direito à saúde é estabelecido no artigo 6º, caput, e minudenciado nos artigos 196 e seguintes, com nota de fun-damentalidade. Na lição de Sarlet,38 a fundamentalidade formal decorre da superior hierarquia axiológica normativa de que goza, pois norma constitucional de previsão de limites formais e materiais à reforma cons-titucional da vinculatividade aos poderes públicos e da aplicabilidade imediata pela norma do artigo 5º, § 1º, da Constituição Federal de 1988.

A fundamentalidade material encontra-se na relevância da saúde, como bem tutelado, por ser diretamente relacionado a direitos maiores, como o direito à vida e à dignidade humana. Encerra em si um direito doqualdefluiumdeverfundamental,comdizexpressamenteoartigo196:“AsaúdeédeverdoEstado”.Daísepodeafirmarqueodireitoàsaúde depende de procedimentos, suportes, estrutura, organização para que possa ser efetivado, necessitando ademais de normas organizadoras sobre os modos e a possibilidade de exercer a sua fruição.

36 SCLIAR, Moacir. do mágico ao social: a trajetória da saúde pública. Porto Alegre: L&PM, 1987.37 LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: o dilema do judiciário no Estado social de direito. In: FARIA, José Eduardo (Org.). direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 1994.38 SARLET, op. cit.

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3 As recomendações do Conselho Nacional de Justiça em face das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde

As Recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que após comentaremos, inserem-se na perspectiva assinalada pelo Ministro Gil-mar Mendes durante a Audiência Pública nº 4, destinada aos temas de saúde pública, no sentido de que o Poder Judiciário não poderia deixar sem resposta, sem projeto, sem política institucional a questão da efeti-vidade do direito à saúde.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criado em 31 de dezembro de 2004 e instalado em 14 de julho de 2005, foi instituído em obediência ao determinado na Constituição Federal, nos termos do artigo 103-B. Tem como missão institucional, mediante ações de planejamento, coordenação e controle administrativo, aperfeiçoar o serviço público de prestação da Justiça. A excessiva judicialização das questões envolvendo os serviços públicos de saúde e a importância de tais serviços para a população exigiram uma abordagem inovadora do Conselho Nacional de Justiça.

Em 5 de março de 2009, por iniciativa do Ministro Gilmar Mendes, Presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no biênio 2008/2010, foi convocada a Audiência Pública nº 4, cuja abertura ocorreu no dia 28deabrilde2009.Comprofundosignificadosimbólicoparaotemasaúde pública, constituiu um marco para a compreensão da prática das políticas públicas na saúde brasileira. Extraindo efeitos concretos dos elementos colhidos durante a sua realização, foi criado pela Portaria nº 650/2009 do CNJ um grupo de trabalho constituído por magistrados e professores especialistas em direito sanitário, com a incumbência de elaborar estudos e propor medidas concretas e normativas referentes às demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde.39

39 O grupo foi integrado pelos seguintes magistrados: Manoel Ricardo Calheiros D’Ávila, Juiz da 5ª Vara da Fazenda Pública do Estado da Bahia; Valéria Pachá Bichara, Juíza da 10ª Vara da Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro; Jorge André de Carvalho Mendonça, Juiz da 5ª Vara Federal de Pernambuco; Marga Inge Barth Tessler, Desembargadora do Tribunal Regional Federal da 4ª Região; e pela especialista em direito sanitário Professora Ana Paula Carvalhal. Ainda pelos especialistas Janaina Lima Penalva da Silva, Dr. Ricardo Augusto Dias da Silva e, pela OAB, o Conselheiro Federal Frederico Coelho de Souza, realizando os seus trabalhos sob a presidência do Conselheiro Milton Nobre, do Conselho Nacional de Justiça, da Comissão Permanente de Relacionamento Institucional e Comunicação, também integrado pelos Conselheiros Marcelo Nobre e Nelson Tomaz Braga.

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Tendo por referência os elementos reunidos durante a Audiência Pública nº 4, foi apresentado Relatório conclusivo após onze reuniões.

Dando prosseguimento, seguiu-se ato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que teve o escopo de melhor subsidiar os magistrados e demais operadores do direito no sentido de assegurar maior segurança e efetivi-dade na solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde.

A Recomendação nº 31/2010 afirma a relevância da matéria para a garantia de uma vida digna à população brasileira. Nesse aspecto, vincula-se ao princípio da dignidade humana e prestigiamento do cons-titucionalismo.40

Consideraasdificuldadesenfrentadaspelosmagistrados,especial-mente as carências sobre informações clínicas relativas aos demandantes.

Pondera que os medicamentos e outros insumos, para serem utiliza-dos no Brasil, necessitam de prévia aprovação pela Anvisa, na forma do artigo 12 da Lei nº 6.360/1973 c/c Lei nº 9.782/1999.

Reafirma a importância da oitiva dos gestores públicos, bem como sobre a necessidade de assegurar a sustentabilidade e o gerenciamento do SUS.

atenta para a necessidade de proteção dos doentes submetidos a pesquisas experimentais.

Assim, inspirada por tais considerações, recomenda:a) aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais que

celebrem convênios para assegurar apoio técnico, composto por médicos e farmacêuticos, com o objetivo de auxiliar os magistrados na formação de um juízo de valor sobre as questões clínicas apresentadas pelas partes. A recomendação assenta-se em experiência exitosa já em prática junto ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em que a ação de espécie, antes de chegar ao despacho inicial do magistrado, recebe parecer técnico sobre o medicamento solicitado, se consta ou não dos protocolos clínicos, se é disponibilizado, constando das listas públicas (Rename), etc.

Outra experiência interessante no trato damatéria foi identificada

40 NAÇÕES UNIDAS (ONU). Comentários aos princípios de Bangalore de conduta judicial. Traduzido por Marlon da Silva Maia e Ariane Emílio Kloth. Brasília: CJF, 2008, p. 76-77.

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em São Paulo, em que há um corpo técnico que examina as prescrições apresentadas ao gestor público antes do ingresso em juízo. No caso de haver parecer favorável pela aquisição, não há necessidade do ingresso da ação judicial. Há uma conciliação prévia. Isso é bastante oportuno considerar, pois o objetivo é reduzir demandas da espécie, e os doentes deveriam ser atendidos sem a necessidade de ação judicial. Trata-se de uma composição prévia.

Evidenciou-sequeboapartedasdificuldadesoferecidasnaapreciaçãodos pedidos reside na instrução precária das iniciais, muitas vezes sem os elementos necessários para uma boa compreensão da questão de fato, já que as peças processuais limitam-se a discorrer sobre as questões de direito.

Também na intenção de subsidiar os magistrados com informações, foi elaboradoumTermodeCooperaçãoTécnicanº108/2009,firmadopeloConselho Nacional de Justiça (CNJ) com diversas instituições públicas, com a criação de um banco de dados a ser alimentado pelo Ministério da Saúde e disponibilizado no portal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do qual o magistrado poderá receber informações rápidas sobre medicamentos e outras questões. Foi considerado que a operacionaliza-ção do sistema informativo deverá ser rápida, com objetividade sobre o medicamento, inclusão em lista, indicações, motivos de não inclusão, ou qualquer outra informação relevante.

Essas providências revelam-se necessárias, pois os magistrados não têm conhecimentos técnicos sobre questões médicas, sendo extrema-mente difícil decidir à beira do leito, ou em situação em que se alega risco de vida em caso de não deferimento administrativo da medida ou do medicamento. Conceder a medicação é a solução mais fácil, nem sempre a mais acertada. Neste passo, o Conselho Nacional de Justiça preocupou-se em construir e oferecer “organização e procedimentos”, no sentido de que os magistrados alcancem a melhor solução, atuando de acordo com o item 6.2 dos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, facilitando assim a execução das responsabilidades pelos magistrados.

b) aos magistrados que evitem autorizar o fornecimento de medi-camentos não registrados pela Anvisa, ou em fase experimental. É o

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princípio da precaução.Restou evidenciado durante a Audiência Pública nº 4 prática comer-

cial bastante agressiva por parte de alguns produtores de medicamentos que forçam sua aceitação pelos prescritores, sem se submeter ao prévio registro e exame pela Anvisa. Tal proceder, além de colocar em risco a vida dos pacientes, constitui afronta à lei que rege a matéria. Os medica-mentos e tratamentos utilizados no Brasil dependem de prévia aprovação pela Anvisa, na forma do artigo 12 da Lei nº 6.360/1977.

c) a oitiva, quando possível, preferencialmente por meio eletrônico, dos gestores antes da apreciação de medidas de urgência.

Resultou tal recomendação da constatação de que muitas ações pode-riam ser evitadas ou conciliadas por uma simples troca de informações. Os gestores públicos na saúde, de modo geral, ressentem-se e sentem--se desconsiderados em face das deliberações judiciais, que de surpresa impactam severamente em seus esforços gerenciais, colocando por terra a custosa e difícil organização dos serviços. A questão é crucial em caso defilasparatransplantes,leitosemUTI,etc.

A oitiva prévia do gestor, com a devida consideração dos esforços gerenciais, mesmo que após contrariados, faz homenagem ao postulado da presunção de legalidade e adequação dos seus atos. A prévia oitiva do gestor em certa medida auxilia na sustentabilidade do SUS e no seu gerenciamento. Alerte-se que os gestores mais solicitados ou demandados deverão manter possibilidade de acesso por contato eletrônico de forma rápida, designando pessoal capacitado para fornecer informações.

d)queosmagistradosverifiquemjuntoàComissãoNacionaldeÉticaemPesquisa(CONEP)seosautoresfazemoufizerampartedepesquisascom novos medicamentos; sendo este o caso, há obrigação ética e legal de os laboratórios atenderem os pacientes após a pesquisa, continuando a fornecer os medicamentos.

Pesquisas feitas no âmbito privado, para efeitos comerciais, não po-derãoserfinanciadaspeloSUS.

e) que, no momento de concessão de alguma providência (medicamen-tos, insumos, leitos) abrangida por política pública existente, seja determi-nadaainscriçãodobeneficiárionorespectivoprograma.Exemplifica-se

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com o caso dos diabéticos, o SUS disponibiliza todo um programa de apoio ao enfermo com educação alimentar, exercício, controle de peso, cuidados higiênicos, etc., e não apenas insulinas. O paciente do SUS deve submeter-se a todo o programa, pois só o medicamento não trará os benefícios esperados.

Porfim,asrecomendaçõesconstantesnasletrasc e d, sinalizam para ainclusãodatemáticadodireitoàsaúdecomopontoespecíficonoscon-cursos para a magistratura na relação mínima de disciplinas, Resolução nº 75/2009-CNJ.

A recomendação para que as escolas de magistratura oportunizem visitas dos magistrados aos Conselhos Municipais e Estaduais de Saú-de, dispensário de medicamentos e hospitais públicos tem o objetivo de melhor conhecer a realidade de tais serviços,41, 42 a exemplo do que ocorre com as visitas aos presídios. Mais do que oportuna a visita, pois a providência é reclamada pelos gestores.

Por último, há recomendação dirigida à Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e às escolas de magistratura no sentido da promoção de seminário de estudos, congregando, além dos magistrados, os gestores públicos, defensores, procuradores e usuários do Sistema SUS para um diálogo e melhor conhecimento das realidades enfrentadas,oquepoderáfavorecerumareduçãodosconflitos.Osdoisúltimos aspectos estão em sintonia com os Princípios de Bangalore de Conduta Judicial.43

Assim, observa-se que o Conselho Nacional de Justiça na sua missão institucional está a oferecer aproximação com os atores institucionais na área da saúde. Constrói gradativamente “organização e procedimentos”, que são um dever imposto às instituições públicas da área, no sentido de

41 GONZATTO, Marcelo. 30 horas em busca de saúde. zero Hora, Porto Alegre, 16 jun. 2009. 42 TREZZI, Humberto. Avião é fretado por falta de UTI. zero Hora, Porto Alegre, 26 maio 2010. “Menina teve de ser levada de Alvorada para Santa Maria, onde foi internada em hospital privado em vaga custeada pelo SUS”.43 COMENTÁRIOS..., op. cit. p. 132. “6.3 Um juiz deve tomar medidas sensatas para manter e aumentar o seu conhecimento, habilidade e qualidades pessoais necessárias para a execução apropriada dos deveres judiciais,tomandovantagem,paraessefim,detreinamentoseoutrosrecursosquepossamestardisponíveis,sob controle judicial, para os juízes.” No comentário, o conhecimento que é exigido pode-se estender não somente aos aspectos da lei substantiva e processual, mas igualmente ao impacto da vida real na lei e nas cortes.

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oferecer e tornar possível uma decisão segura pelo Juiz e a fruição por todos do direito assegurado.

No contato democrático com a sociedade, procurou recolher as múltiplas perspectivas em torno do assunto. Na área pública, procurou fazer com que o Estado tome consciência da relevância da matéria, todas iniciativas tendentes a resolver a excessiva judicialização. Construiu po-líticas públicas judiciárias, organização e procedimentos para dar plenas condiçõesparaomelhordesempenhodajurisdição.Pode-seafirmarqueas recomendações vertidas na Recomendação nº 31/2010 do Conselho Nacional de Justiça constituem política pública judicial para melhor com-posição dos litígios e maior efetividade do direito constitucional à saúde.

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Tutela jurisdicional da seguridade social

Paulo afonso Brum Vaz*

Sumário: Noções introdutórias. 1. Tutela jurisdicional da seguridade na crise do welfare state. 2. O princípio isonômico como instrumento de otimização da tutela jurisdicional da seguridade social. 3. A assimetria entre a teoria discursiva dos direitos fundamentais e a sua efetivação: o déficit de implementaçãodas políticas públicasdaseguridadesocial.4.Reflexosdaeficáciaimediatadosdireitosfundamentais sociais no processo civil. 5. A necessidade da busca incessante da verdade real e da superação do formalismo positivista no processo previdenciário. 5.1. Movimento pela superação do positivismo em busca da verdade real – necessidade de ativa participação do juiz na instrução do processo – poderes (e deveres) instrutórios do juiz em matéria de seguridade social. 5.2. O juiz previdenciário na aplicação do direito: o movimento pela superação do consequencialismo econômico utilitarista. Conclusões.

Noções introdutórias

Eucreioquedevainiciarabordando,aindaquesuperficialmenteeem sede introdutória, alguns aspectos conceituais, apenas para reavivar a memória e situar os leitores quanto ao alcance do tema central deste singelo escorço sobre “tutela jurisdicional da seguridade social”.

Começo recordando que a expressão “tutela jurisdicional” está rela-* Desembargador Federal, Coordenador do Sistema de Conciliações – Sistcon/Núcleo Permanente de MétodosConsensuaisdeSoluçãodeConflitosdoTribunalRegionalFederalda4ªRegião,MestreemPoderJudiciário pela FGV.

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cionada com a proteção judicial que o Estado, detentor do monopólio da função jurisdicional, deve oferecer aos cidadãos. É fácil ver, pois, que não se confundem “função” e “tutela” jurisdicional. Uma corresponde à atividade,aopoder-deverestataldesolucionarosconflitosdeinteresses(litígios), e a outra, ao resultado, ao produto dessa atividade, consubs-tanciado na concreta e efetiva oferta dos bens e situações jurídicas que favorecem o litigante vencedor na realidade da vida.

A função jurisdicional de solução dos conflitos de interesses de-senvolve-se de dois modos: pela via judicial adjudicatória, em que o Estado-Juiz substitui-se à vontade das partes, em regime de monopólio, decidindo por meio de sentença, e pela via da consensual estimulada, em que o Estado-Juiz utiliza-se de mecanismos de solução consensual (conciliação, mediação ou arbitragem), incentivando as partes a uma solução autocompositiva.

Cumpre lembrar que os apanágios principais que se exigem da “fun-ção jurisdicional” são de ordem adjetiva e substantiva. A “efetividade adjetiva” reside na predisposição dos meios adequados para que se al-cance a tutela, e a “efetividade substantiva”, no concernente à obtenção dos resultados que correspondam exatamente ao que foi prometido pelo preceito constitutivo do direito. A esses resultados, convencionou-se chamar Tutela Jurisdicional, nela compreendido, obviamente, o seu cabal exaurimento por parte do Estado-Juiz, o que somente ocorre quando é efetivamente satisfeita a pretensão resistida, com a entrega do bem da vida objeto da lide ao vitorioso.

Essa abordagem sobre “tutela jurisdicional da seguridade social” engloba tanto os meios processuais para a sua obtenção quanto a efetiva proteção do Estado-Juiz para o cabal exercício dos direitos da securidade social, vale dizer: saúde, previdência e assistência social, em face do Estado-Previdência.

Trocando em miúdos, o estudo é sobre a necessidade de otimização dos meios de “proteção judicial” dos direitos sociais (fundamentais e subjetivos) inerentes à seguridade social.

1 Tutela jurisdicional da seguridade na crise do welfare state

Bemfixadasessaspremissas,pode-seavançarumpoucoparaexa-minar a tutela jurisdicional da seguridade social em espécie, tomando

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como ponto de partida a análise da essência da formação das decisões judiciais – estas que aperfeiçoam a tutela aplicada aos casos concretos. Há uma gama de veredas que se poderia percorrer nesse desiderato de se examinar a racionalidade do processo formativo das decisões judiciais na seguridade social. Vou trilhar apenas alguns, que me parecem mais relevantes.

Na perspectiva do que a doutrina convencionou chamar de funda-mentos intrínsecos da sentença, gostaria de enfocar, brevemente, alguns aspectosqueinfluemnadecisãojudicialcomoapanágiosquesecolocama serviço da efetivação dos direitos sociais fundamentais vinculados à seguridade social e para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna.

Aessepropósito,devoreconheceraexistênciadeumcertodéficitde atenção para o cenário social (irresponsabilidade social) sobre o qual incidem os efeitos das decisões judiciais.1

Cada decisão proferida em matéria previdenciária e assistencial tem o potencial de interferir diretamente no plano da satisfação dos direitos sociais e, portanto, no contexto social, na medida em que permite a inclusão social e o atendimento dos ideais republicanos de erradicação da pobreza e das desigualdades sociais e da promoção do bem comum.

Por isso, impõe-se ao juiz previdenciarista, a menos que duvide do seu papel de agente de transformação social, encontrar o sentido da decisão que seja mais consentâneo com os valores que a Constituição consagra a título de direitos sociais, a que, subjetivamente, correspondem direitos fundamentais. Seu papel no constitucionalismo moderno é de lhes dar sensibilidade social, para que passem do plano do reconhecimento para o da efetivação e deixem de ser mera manifestação de propósitos sem consequências práticas no mundo fenomênico.

Sobretudo, é curial um olhar mais profundo para o contexto sociopolí-

1 Vide, sobre o tema, o excelente artigo de Vladimir Passos de Freitas, sob título Responsabilidade Social do Juiz e do Poder Judiciário (in revista CeJ – Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, n. 51, out./dez. 2010, p. 6-13), em que deixa assentado que “Juízes e Judiciário, como Poder de Estado, não podem ser insensíveis aos problemas sociais vividos por grande parte da população brasileira. No uso de suas atribuições constitucionais e legais, muito podem fazer para minimizar a situação grave que se atravessa. Assim, no exercício da jurisdição ou nas atividades administrativas, cumpre dar soluções que se vinculem sempre a uma ação social ativa e solidária”.

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tico que constitui o pano de fundo da intervenção jurisdicional no estado Social Constitucional de direito, que nada mais representa, diga-se de passagem, do que a vinculação do Estado ao compromisso de efetivação dos Direitos Sociais Fundamentais de sede constitucional.

E esse contexto sociopolítico nos revela um verdadeiro desastre social. O apogeu das ideologias neoliberais, baseadas no discurso que privilegiaoeconômicoemdetrimentodosocial.Oajustefiscalquevisaagarantirofimdainflaçãoeaestabilidadedamoedafaz-seàcustadaspolíticas de educação, de seguridade, de habitação, de saneamento, de cultura,enfim,dasprestaçõesdoEstadoqueuniversalizamosdireitosfundamentais constitucionalmente reconhecidos. Exemplo disso são os caóticos sistemas de saúde e de educação (ambos sucateados).

O neoliberalismo, que está a impregnar a nossa política socioeconômica,2 baseado na hegemonia das políticas monetaristas, pro-duzumaverdadeiraguerrasocialquecomprometeaeficáciadedireitossociais fundamentais, a começar pelo direito a um emprego formal que permita, depois, acesso aos direitos previdenciários. As técnicas recessi-vasdecombateàinflação,baseadasnaretiradademoedadecirculação,têm sido o fator mais importante no aumento dos índices de desemprego.

Nós sabemos que a maioria da massa trabalhadora brasileira não possui carteira de trabalho assinada. Temos perto de 11 milhões de pes-soas trabalhando na informalidade. Cerca de 50% das pessoas em idade economicamente ativa não possuem carteira assinada ou trabalham por conta própria.3 De cada 10 novos empregos gerados nos últimos 14 anos,

2 É lapidar a lição do professor Luís Roberto Barroso: “O discurso acerca do Estado atravessou, ao longo do século XX, três fases distintas: a pré-modernidade (ou Estado liberal), a modernidade (ou Estado social) e a pós-modernidade (ou Estado neoliberal). A constatação inevitável, desconcertante, é que o Brasil chega à pós-modernidade sem ter conseguido ser liberal nem moderno. Herdeiros de uma tradição autoritária e populista, elitizada e excludente, seletiva entre amigos e inimigos – e não entre certo e errado, justo ou injusto –, mansa com os ricos e dura com os pobres, chegamos ao terceiro milênio atrasados e com pressa” (BARROSO,LuísRoberto.FundamentosteóricosefilosóficosdonovoDireitoConstitucionalbrasileiro.Jus navigandi, Teresina, a. 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/3208>. Acesso em: 20 abr. 2011).3 Considera-se elevado o índice de informalidade, apesar de o percentual de mulheres no mercado de traba-lho formal (que têm carteira assinada, incluindo domésticas, militares e funcionárias públicas estatutárias, são empregadoras ou trabalhadoras por conta própria que contribuíam para a previdência social) ter subido de 41,5%, em 1999, para 48,8% em 2009. Entre os homens, houve um incremento de 45,9% para 53,2% (Fonte:InstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatística–Indicadoressociais2010<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1717&id_pagina=1>. Acesso em 22 jun. 2011).

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7 foram informais, de acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Pequenas e microempresas têm 12,5% de empregados informais; 10,9% dos empregadores são informais (Dados do SEBRAE, set. 2010).

A expectativa que se tinha do crescimento econômico era de distri-buição equânime de renda, de geração de mais empregos formais, de extensão das políticas sociais. O social, de rigor, deveria ser um des-dobramento do econômico. Mas nada disso ocorreu. A estabilidade, ao contrário, deu-se à custa do social.

Os avanços do welfare state – Estado do bem-estar, conquistados a ferro e fogo ao longo do século XX, consagrando direitos fundamentais ungidos pela vontade popular, estão, pouco a pouco, sendo limitados ou suprimidos. Passaram mesmo a ser tratados como “problemas” por pres-sões externas, pelos países ricos, pelo FMI, pelo Banco Mundial: geram déficitfiscal,causamdesemprego,quebramaprevidência,4 constituem paternalismo demagógico, alimentam a preguiça, criam óbices à livre concorrência e à competividade.

O welfare state, embora se reconheça que há uma tendência globaliza-da de redução do conjunto de benesses que os Estados oferecem conforme os seus programas sociais, tal como tem ocorrido inclusive nos países ricos da União Europeia, continua sendo imprescindível diante dos riscos, das incertezas e da falta de informações que tendem sempre a aumentar nas sociedades modernas, tornando essencial e indispensável a atuação estatal para atender a essas contingências. Não fosse por isso, o fato significativodemantereconomicamenteativaamaisamplamaioriadapopulação,porsisó,jáconstituiriamotivosuficienteparaamanutençãodos programas sociais que caracterizam o welfare social state.

Conquanto, do ponto de vista econômico, desde o último quartel do século passado, países como Alemanha, França, Itália, Suécia e Inglaterra tenham promovido importantes enxugamentos nos seus programas so-ciais, numa tentativa de adaptação às mudanças na conjuntura econômica mundial e aos tempos de recessão, parece manter-se intangível o espaço

4 Quando pela primeira vez, há mais de 30 anos, li um estudo sobre o assunto, lá estava estampado que a Previdência Social iria quebrar. É um discurso ameaçador que constrange e inibe o aplicador do direito, masquenãotemqualquerfundamento.Aocontrário,aPrevidênciaSocial,longedeserdeficitária,subsidiaoutros gastos públicos.

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reservado ao Estado do Bem-Estar Social.Assim que a questão é mesmo de adapting, como bem refere Nicholas

Barr: “in the face of all these changes, the word ‘adapting’ is key. to criticize the welfare state

as though it were set in tablets of stone is to make the same mistake as Marx’s critique of capitalism – it ignores the fact that both the market system and state institutions adapt. the welfare state faces problems; as a result, its institutions adapt; this does not mean that there is a crisis. the reasons why a welfare state is necessary will not go away; its institutions are robust and responsive; in forms that will continue to evolve, it remains a continuing twenty-first-century challenge.”5

O dado relevante me parece ser o abismo existente entre a seguridade social europeia – aliás um dos pilares do Estado Europeu – e a seguridade social dos países em desenvolvimento como o Brasil. Lá, existe espaço suficienteparalimitações–atéporqueemcertosaspectosalgumasbe-nesses concedidas pelo Estado constituem verdadeiras extravagâncias; aqui, o pouco que se conquistou e que a nossa situação econômica permite atender não admite qualquer retrocesso ou limitação.

Voltando ao tema, nesse contexto de limitação dos direitos sociais, parece que a aposta é mesmo de “entregar o social para uma grande seguradorafinanceira”ouparaochamadoTerceiroSetor.Quempuderpagar pelo seguro garante saúde e previdência. É a mercantilização dos direitos sociais. O Estado somente deve intervir para garantir direitos básicos – o que chamam de mínimo existencial – a quem comprove estar noumbraldamiserabilidade.Merafilantropia.

O Poder Judiciário, infelizmente, faz esse jogo de minimalismo social e aprendeu a medir o tamanho da miserabilidade com régua milimétrica, observando os critérios apertados que o neoliberalismo dita, sempre com tendência seletiva e excludente. O que importa hoje é a racionalidade econômica, somos homo economicus,precisamosficaratentosàscon-sequências econômicas das decisões judiciais, senão vamos quebrar a PrevidênciaSocial,vamosalimentarainflação.Cadabenefícioquesenegaédinheiropúblicoqueseestáaeconomizar,afinaloEstadopre-cisa comprar um submarino nuclear, ajudar banqueiros inescrupulosos oupaísesemdificuldade,ouaindainvestirpesadamentecomoagente

5 BARR, Nicholas. the Welfare State as Piggy Bank: Information, Risk, Uncertainty, at the Role of the State. Oxford/New York: Oxford University Press, 2003. p. 272.

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econômico, imiscuindo-se perigosamente na economia como se empre-endedor fosse (40% das riquezas que produzimos passam pelas mãos do Estado). O Estado está falido para o social, mas não para o econômico!

Diríamos: são efeitos da globalização econômica. Isso é inevitável.6 O próprio termo globalização é algo que não está bem explicado. Alguém que não recordo disse que vai da Internet até o hambúrguer, mas não passa de uma expressão empregada pelos países ricos para dissimular suas intervenções no sentido de assumir posições privilegiadas nas eco-nomias dos países pobres e em desenvolvimento.

A globalização econômica, de que fazem parte as medidas de ajuste da economia e desajuste do social, somente faz por exacerbar antigas situações de miséria e desigualdade a partir de uma nova pobreza causada pelo desemprego e pela generalização das situações de precariedade no trabalho, aumentando o contingente daqueles que se tornaram vulnerá-veis do ponto de vista social pela ausência dos mecanismos de proteção social; pelo desmanche ou desmonte das políticas sociais, substituídas por programas transitórios de combate à pobreza: fome zero, bolsa famí-lia etc, que visam a apenas minimizar os efeitos dos ajustes nas classes miseráveis.

Se é verdade que houve, nos últimos dez anos, uma sensível melho-ra da situação de pobreza, algo em torno de 50%, não menos verdade é que o quadro persiste sendo muito grave. Cerca de 16,2 milhões de brasileiros continuam sendo extremamente pobres, segundo o IBGE, o que representa 8,5% da população brasileira. Desses 16,2 milhões, 4,8 milhões não possuem nenhuma renda e 11,4 milhões têm rendimento per capita de R$ 1,00 a R$ 70,00.7

6Prefiroreconhecerquesãoosefeitosdachamada“globalizaçãonegativa”,assimdescritosporBeck:“La globalización, entendida en términos económicos, no sólo significa intercambio comercial y apertura de los mercados. ocasiona también una competencia más fuerte, un ritmo más acelerado, una maior presión innovadora; y, como consecuencia del imperativo de adaptación global, un mayor desmantelamiento de los derechos sociales y garantias de protección” (BECK, Ulrich; BECK-GERNSHEIM, Elisabeth. Generación Global[partedolivroGenerationGlobal,publicadooriginalmenteemalemão,em2007,porSuhrkamp].Tradução de Richard Gross. Barcelona: Paidós, 2008. p. 59).7 Fonte: IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2010. Dados disponíveis em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indica-doresminimos/sinteseindicsociais2010/SIS_2010.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2011.

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O Brasil, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desen-volvimento – PNUD, ocupava, em 2008, a 70ª colocação no Relatório de Desenvolvimento Humano em um renque de 179 países. O nosso coeficientedeGini,queéomedidordadesigualdadenadistribuiçãoderenda, está em 0,537 (quanto mais próximo de zero melhor será a distri-buição de renda).8 Há, pois, uma pobreza sistêmica que assola o Brasil, seja qual for o critério que se adote para medir a pobreza (< de 1 dólar dia – PNUD ou < de ¼ do salário mínimo – IBGE).

Um dos efeitos negativos da globalização neoliberal é o fenômeno da desfiliação, expressão cunhada por Castel,paraidentificar“a presença, aparentemente cada vez mais insistente, de indivíduos colocados em situação deflutuaçãonaestruturasocialequepovoamseusinterstíciossemencontraraíumlugardesignado. Silhuetas incertas, à margem do trabalho e nas fronteiras das formas de troca socialmente consagradas – desempregados por períodos longos, moradores dos subúrbios pobres,beneficiáriosdarendamínimadeinserção,vítimasdasreadaptaçõesindustriais,jovens à procura de emprego e que passam de estágio a estágio, de pequeno trabalho à ocupação provisória... – quem são eles, de onde vem, como chegaram ao ponto em que estão, o que vão se tornar?”9

É óbvio que essa perversa conjuntura precisa ser considerada quando se examinam direitos previdenciários e assistenciais. O rigorismo formal que não ausculta a origem das situações comprometedoras da sobrevi-vência e da dignidade das pessoas tende a impor ao Poder Judiciário uma certasubserviênciaaoneoliberalismoeconômico,desvirtuadoqueficaoprocesso da sua função de instrumento de inclusão social, de erradicação da pobreza e das desigualdades sociais, missões constitucionalmente conferidas ao Estado.10

Esseéoprimeirofiltroquepensodevanortearasdecisõesnasde-mandas de direito da seguridade social, é o requisito intrínseco da ra-zoabilidade diante de uma conjuntura socioeconômica tremendamente injusta e excludente. É a racionalidade que projeta uma decisão o quanto

8Umasociedadecomtotaligualdadeteriaumcoeficientede0,enquanto1representariaadesigualdadeabsoluta. Para ilustração, o Relatório de Desenvolvimento Humano 2009, das Nações Unidas, traz como indicadores mais recentes: 0,743 para a Namíbia e 0,247 para a Dinamarca.9 CASTEL, Robert. as metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1998. p. 23.10“Naaplicaçãodalei,ojuizatenderáaosfinssociaisaqueelasedirigeeàsexigênciasdobemcomum”(LICC, art. 5º).

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possível mais aderente à realidade social.É sob esse cenário que são os juízes chamados a atuar, em que pessoas

situadas nos umbrais da pobreza e da miserabilidade nos vêm mendigar por melhores condições de sobrevivência, porque nada mais lhes foi possível obter diante do Estado minimalista e miniaturizado. Esse é o dilema que os juízes previdenciaristas têm de solver todos os dias,

1–quandoprecisamdecidirse¼desaláriomínimoésuficienteparaa sobrevivência de uma pessoa em uma família que cuida de um inválido ou idoso, por exemplo, e que se superar em R$ 10,00 o limite legal não faz jus à assistência estatal (o inválido que não se enquadra na LOAS, não podendo trabalhar – não pode ser segurado –, está fadado à miséria);

2 – quando exigem prova da relação formal de trabalho, enquanto o neoliberalismo incentiva o informalismo, fomenta o desemprego e o aumento do número de pessoas que estão vivendo abaixo da linha da pobreza;

3 – quando decidem por devolver ao mercado de trabalho, com base em uma perícia às vezes incompleta, um indivíduo que é apenas relati-vamente incapaz, para competir com milhares de outros desempregados plenamente capazes, porque a conjuntura econômica não se compadece com ações paternalistas e é impiedosa com quem não pode pagar o seguro.

Hoje, a maioria dos processos tratando de seguridade social tramita nos Juizados Especiais Federais, que foram concebidos também para inverter a lógica positivista legalista de interpretar a norma sem a preocupação com o exame da sua legitimidade social e sua adaptação para a situação concreta da vida real que está sendo tratada. Almejou-se exatamente a concepção de um segmento do Poder Judiciário que estivesse vinculado diretamenteàefetivaçãodosfinsdaRepúblicadeerradicaçãodapobrezae das desigualdades sociais, e adredemente instrumentalizaram-se os juízes com o poder de julgar por equidade.

E equidade corresponde à mitigação da lei escrita por circunstâncias que ocorrem em relação às pessoas, às coisas, ao lugar ou aos temas. A equidade é o resultado de uma interpretação sociológica que atende cada vez mais às consequências prováveis de um modo de entender e aplicarumtextolegal;quantopossível,buscaumaconclusãobenéficaecompatívelàs ideiasmodernasdeproteçãoaoshipossuficientes,defraternidade e de solidariedade humana.

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2 O princípio isonômico como instrumento de otimização da tutela jurisdicional da seguridade social

Assentadoque o sistema legal precisa ser interpretado comfiltroconstitucional, é relevante o papel do princípio isonômico, um princí-pio que, ao lado da liberdade, situa-se como o mais relevante da ordem jurídica mundial. São, igualdade e liberdade, os valores fundamentais de qualquer democracia.

Falarei de igualdade enquanto princípio do Estado Social Constitucio-nal de Direito, ou seja, não apenas de tratamento igual perante a lei (típico do Estado Liberal), mas sim da igualdade que visa a proporcionar aos diferentes as mesmas oportunidades e, sobretudo, os mesmos resultados. É nessa perspectiva que a igualdade determina que haja sempre a prévia equiparação para que, depois, incida, no processo, a regra de justiça. Na tarefa da igualização, impende consultar as condições sociais, materiais emesmoahipossuficiênciadeinformações,quepermitamconsiderariguais as partes.

Quando se discute a incidência da igualdade no trato da questão previdenciária e assistencial, enquanto bem social relevante e critério de aplicação da justiça distributiva, não se pode olvidar que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regio-nais e promover o bem de todos sem qualquer forma de discriminação (incisos III e IV do art. 3º da CR). Esses objetivos fundamentais devem permear as atividades legislativas, executivas e judiciárias e, de rigor, também todas as relações sociais e individuais. No plano da efetivação dos direitos fundamentais, constituem “mandatos constitucionais de igualização” dos desiguais.

Desgraçadamente, o cenário social e político que caracteriza a nação brasileira é marcado por uma espécie de ética dos privilégios e desigual-dades. Como bem observa Luís Roberto Barroso,“Tais desvios envolvem, em primeiro lugar, a ideologia da desigualdade. desigualdade econômica, que se materializa no abismo entre os que têm e os que não têm, com a conse-quentedificuldadedeseestabelecerumprojetocomumdesociedade.desigualdade política, que faz com que importantes opções de políticas públicas atendam prioritariamente aos setores que detêm força eleitoral e parlamentar, mesmo quando já sejam os mais favorecidos. Desigualdade filosófica: o vício nacional de buscar o privilégio em vez do direito, aliado à

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incapacidade de perceber o outro, o próximo.”11

Como bem observa José Ricardo Cunha, a dramática situação da nossa desigualdade é caracterizada pelos seguintes aspectos:

“1. é praticamente impossível para quem está em estado de pobreza absoluta mudar a sua própria situação por vias lícitas;

2. a maior parte das pessoas que está em melhor situação de vida não consegue se colocar na situação daquelas que estão em piores condições e não possuem a mínima ideia do que é viver de forma totalmente degradante;

3. essa desigualdade radical não diz respeito apenas à renda e consumo, mas a todos os aspectos da vida social como acesso às belezas naturais ou produções culturais ou artísticas;

4. a desigualdade radical acarreta diferentes formas de violência que se manifestam difusamente na sociedade, mas que atingem com mais crueldade exatamente os mais em-pobrecidos que são duplamente penalizados.”12

A igualdade jurídica, a igualdade perante a lei e a igualdade dos direitos, formas tradicionais de reconhecimento do âmbito do princípio isonômico, embora inequivocamente imprescindíveis, não se revelam bastantes. Não assegura a igualdade almejada pela Constituição a mera forma de regulação geral e abstrata e de aplicação igualitária da lei.13 Outorgar o mesmo tratamento a todas as pessoas, sem observar as dis-tinções que a complexidade social e a realidade da vida lhes impõem, é também uma forma de violar o princípio da igualdade.

A igualdade, enquanto conceito relativo, exige análise e confronta-ção das diferentes situações em que se encontram os diversos sujeitos de direitos. Somente com a determinação das características essenciais de cada um é que se pode eleger soluções capazes de equiparar as dife-rentes situações, vale dizer, de corrigir as distorções e os desequilíbrios então existentes. Idêntico fundamento que impõe tratamento isonômico para os que estão em situações iguais exige que se dedique tratamento

11BARROSO,LuísRoberto.FundamentosteóricosefilosóficosdonovoDireitoConstitucionalbrasileiro.Jus navigandi, Teresina, a. 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/3208>. Acesso em: 20 abr. 2011.12 CUNHA, José Ricardo. A garantia dos direitos humanos na reconstrução do Estado de Direito: a luta contra a exclusão. In CUNHA, José Ricardo (org.). direitos Humanos e Poder Judiciário no Brasil. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, Centro de Justiça e Sociedade, 2009. p. 23. 13 Como bem refere Edgard de Moura Bittencourt, “o magistrado, doublé de sociólogo, deve antecipar-se sobre a reforma legislativa, que segue com passo coxo os progressos das ciências humanas, e fazer exaltar de sua sentença esta grande verdade: a uma desigualdade social deve corresponder uma desigual apreciação” (BITTENCOURT, Edgard de Moura. o juiz. São Paulo: EUD, 1982. p. 104).

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diferenciado aos que se encontram em situações desiguais, como que autorizando uma espécie de “discriminação inversa”, pressuposto da “igualdade de fato”.

A igualização (no sentido de corrigir desigualdades por meio de discriminações) é, pois, o pressuposto para que se tenha a igualdade de fato, vale dizer, predisposição de meios para o igualitário e efetivo gozo dos direitos fundamentais e quanto ao acesso aos bens materiais.

Rui Portanova enfoca o princípio da igualdade enquanto elemento ativo para promover a igualização dos destinatários da norma. Segundo esse autor gaúcho,“o princípio jurídico da igualdade ou da isonomia é um princípio dinâmico. Melhor se diria ao denominá-lo princípio igualizador. Ou seja, não se trata de uma determinação consti-tucional estática que se acomoda na fórmula abstrata ‘todos são iguais perante a lei’. Pelo contrário, a razão de existir de tal princípio é propiciar condições para que se busque realizar a igualização das condições desiguais. É que, havendo indiscutivelmente desigualdades, a lei abstrata e impessoal que incida em todos igualmente, levando em conta apenas a igual-dade dos indivíduos, e não a igualdade dos grupos, acaba por gerar mais desigualdades e propiciar injustiça.”14

Para arrematar este tema, trago à colação o escólio do ilustrado cole-ga Artur César de Souza quando considera a pobreza como a principal barreira externa (tendão de aquiles) da igualdade processual e do acesso à justiça:

“O sistema, na verdade, não funciona para ‘o homem comum’ (Gelsi Bidart). O cida-dão, em geral, ou bem tem uma justiça (sua defesa) de segunda categoria ou simplesmente não conta com possibilidade de acesso à jurisdição, nem a outras opções alternativas, se é que elas efetivamente existem. Qualquer tentativa de análise do tema, pragmaticamente, demonstra que um aspecto é a possibilidade de se valer do devido processo legal adjetivo para os ricos, e outra para aquele que, de fato, envolvido em sua pobreza, quer usar a vesti-menta de litigante. Tudo o mais não passa de simples retórica. É por isso que se exige para asoluçãodosconflitosumaurgenteedesesperadamudançafundamentalesuficiente,queváalémdoqueatualmentesevemoferecendo,afimdequeajurisdiçãosejaumaatividadeefetivamente igualitária.”25

14 PORTANOVA, Rui. Os Princípios Constitucionais do Processo Civil. revista da eSMeSC, n. 06, p. 63.15 SOUZA, Artur César de. a Parcialidade Positiva do Juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 214.

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3 A assimetria entre a teoria discursiva dos direitos fundamentais e a sua efetivação social: o déficit de implementação das políticas

públicas da seguridade social

Paraoalcancedopresenteexercício,vouficarcomduasposiçõescediças na dogmática jurídica.

A primeira, no sentido de que o Estado, para que possa ser considerado de Direito, precisa contar (1) com um conjunto de normas garantidoras de direitos fundamentais de natureza civil, política, econômica e social e (2) também com um sistema efetivo de promoção e garantia desses direitos que possibilite o seu pleno gozo pela população. O Estado de Direito não se realiza, pois, pela mera existência de um sistema formal de regras jurídicas e pela substituição da discricionariedade do governante pela discricionariedade da vontade do legislador.

A segunda, a ditar que, no Estado Social Constitucional de Direito, não é a vontade do legislador que deve prevalecer para conter o arbítrio do governante, mas sim a vontade da Constituição, que se deve sobrepor tanto ao legislador como ao governante. Aqui, a Constituição não se limita afixarosparâmetrosdeorganizaçãojurídicaepolíticadoEstadoevaimais longe para outorgar poder normativo vinculante aos valores que estruturam a ordem social. Mesmo quando válida, a norma que contrarie valores, princípios ou regras constitucionais perde o seu fundamento de legitimidade e torna-se inválida.

Há hoje um quase consenso no sentido de que os direitos sociais, antes de tudo direitos humanos, estão enquadrados na espécie dos di-reitos fundamentais, conferindo, portanto, a seus titulares um feixe de posições jurídicas subjetivas em face do Estado, cujo objeto, no caso, são os direitos da seguridade social. Natural consequência disso é atribuir-se a vários legitimados a possibilidade de demandarem judicialmente em defesa de seu direito subjetivo.16

O art. 6º da CR/88 dispõe que:“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

16 Cf. posição defendida, entre inúmeros outros constitucionalistas, por Gomes Canotilho, Ingo W. Sarlet, Paulo Bonavides, Gilmar Mendes, Daniel Sarmento, Dimitri Dimoulis e Jairo Schäfer.

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De rigor, é mais relevante do que o próprio reconhecimento dos direi-tos fundamentais a disposição constitucional que confere a esses aplica-bilidade imediata, dispensando interposição legislativa (§ 1º do art. 5º).

Os direitos humanos e, por conseguinte, os direitos fundamentais, ainda que não estivessem previstos na ordem jurídica nacional, poderiam ser hauridos de uma normatividade supranacional de caráter universal, que extrapola as ordens jurídicas dos Estados Sociais Democráticos de Direito. O reconhecimento dos direitos fundamentais coloca-se hoje como um dos pilares do que se convencionou chamar de Nova Ética Global, que não conhece limites, nem fronteiras, encontrando-se funda-da nos valores da Dignidade da Pessoa Humana, da Fraternidade e da Solidariedade intra e intergeracional, aperfeiçoando o estado de direito Supranacional. Uma terceira mudança de paradigma (Estado de Direito, Estado Constitucional de Direito e Estado Supranacional de Direito), que teria a pretensão de abranger a todos, inclusive aqueles que são excluídos no sistema de direitos dos Estados Nacionais.

Cito, à guisa ilustrativa, o art. 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

“Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice e outros casos de perda dos meios de subsistência em circuns-tâncias fora de seu controle.”

De rigor, todos os direitos radicados no princípio vetor da Dignidade da Pessoa Humana – fundamento da República, conforme dispõe o inciso III do art. 1º da CR –, sobretudo porque afetam a liberdade e a autonomia do indivíduo, ostentam a conformação de Direitos Fundamentais de cunho prestacional, e mais, têm sua perenidade assegurada pelo princípio da vedação de retrocessos.

Ao Direito da Seguridade Social cumpre a tarefa árdua da disciplina do reconhecimento e da efetivação de alguns dos direitos fundamentais sociais mais relevantes para a vida em sociedade: saúde, previdência e

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assistência social.17 O Estado (Constitucional de Direito),18 a partir da consagração dos direitos fundamentais no texto da Constituição, tem o dever de implementá-los pela via legislativa criando as políticas públicas necessárias.Na suaomissãoou insuficiência, amissãoé trespassadaao Poder Judiciário. Dessarte, mesmo à míngua de previsão legal in-fraconstitucional, não pode o Poder Judiciário demitir-se de seu papel constitucional de prestar a jurisdição (princípio da inafastabilidade do controle juridiscional), incumbindo-lhe possibilitar às pessoas a fruição efetiva dos referidos direitos.

O Poder Judiciário desempenha o relevante papel de protagonista ativo na efetivação dos direitos fundamentais, porque agora o problema não é mais de reconhecimento desses direitos, mas sim prático e de sua efetivação. A jurisdição tem o compromisso constitucional de propor-cionar sensibilidade social aos direitos fundamentais. Passamos, pois, da crise de reconhecimento dos direitos para a crise de efetividade; já não se buscamaisoreconhecimentoeajustificaçãodosdireitosdohomem,esimasuaproteção.Oproblemanãoémaisfilosófico,massimpolítico,como ensina Bobbio.19

Houve, no último quartel do século passado e nesse limiar do século XXI, um considerável avanço na teoria discursiva dos direitos funda-mentais. Podemos hoje contar com uma racionalidade teórica bem cons-truídaesuficienteparajustificarestarmosidentificadoscomoideáriodo estado Social Constitucional de direito. Dito avanço, todavia, não serefletiunocamposocial,naesferadarealidadepalpitantedavidadaspessoas. É, pois, paradoxal “a prodigalidade discursiva no campo do direito sem compromisso com o efeito transformador da base material da Constituição”.20

Como bem observa o professor Luiz Edson Fachin,

17 A seguridade social compreende, consoante dispõe o art. 194 da CR, um conjunto integrado de ações de iniciativas do poder público e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. 18 No Estado Constitucional de Direito não é a vontade do legislador que deve prevalecer para conter o arbítrio do governante, mas sim a vontade da Constituição que deve se sobrepor tanto ao legislador como ao governante. 19 BOBBIO, Norberto. a era dos direitos. Traduzido por Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 24.20 FACHIN, Luiz Edson. A Constituição nossa de cada dia. Jornal Carta Forense. Abr. 2011, p. 16.

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“Do descompasso entre o prodigioso discurso principiológico e a realização que o circunda, se extrai uma importante lição. Materializar a comunhão da teoria e da práxis na prospectiva efetivação de nossa Constituição é tarefa que ainda não se cumpriu.

Odesafioéareconstruçãodaidentidadedodiscursojurídicodiantedoreal,dascondi-ções materiais de vida, sem montagens efêmeras ou capengas. Poderá vir outra linguagem eoutrossignificantesdesdequeessanovagenéticasejarealmenteparaconstruir,enãoapenas para iludir.”21

Aspolíticaspúblicasnaáreadasaúde,porexemplo,sãodeficitárias.Não é preciso esforço para perceber-se que o nosso sistema de saúde está muito aquém do que se faz mister para a implementação do direito fundamental à saúde da comunidade. O atendimento é precário, não há hospitaisemnúmerosuficienteeofornecimentodemedicamentosnãoatende satisfatoriamente à demanda. No Sistema de Previdência, da mes-maforma,háumanítidatendênciadelimitaçãodedireitos.Porfim,nocampo da Assistência Social, são intermináveis as discussões judiciais sobre as mais diversas questões.

DanielMachadodaRocharesumecompropriedadeocaráterdefi-citário do modelo de seguridade social adotado pelo Brasil, in verbis:

“Em resumo, as peculiaridades do nosso modelo de seguridade social, ao contrário do modelo universalista, não permitem que todas as situações de necessidade social sejam amparadas. A estipulação dos condicionamentos genéricos na manutenção da qualidade de seguradoedacarênciafuncionamcomofiltrosdeseparaçãoentreassituaçõesdenecessi-dade social amparadas pelo regime previdenciário e as que não encontrarão cobertura.”22

Resultado disso é a corrida ao Poder Judiciário para que este supra as omissões do Estado, assegurando a efetiva implementação dos direitos fundamentais correspondentes. Tem-se, então, toda sorte de discussões em torno dos limites da atuação e sobre a legitimidade do Poder Judiciário para interferir no campo das Políticas Públicas e ainda quanto ao suposto discricionarismo da Administração na sua implementação.

Vale aqui lembrar que o Pretório Excelso, embora tenha reconhecido a excepcionalidade, culminou por reconhecer legitimidade ao Poder Judi-ciário para formular e implementar políticas públicas, quando os órgãos estataiscompetentesvieremacomprometeraeficáciaeaintegridadede

21 Idem, ibidem.22 Assistência Social como Direito Fundamental: uma análise da evolução da concretização judicial do benefício assistencial. revista da ajufergs, n. 01, mar. 2003, Porto Alegre. p. 111.

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direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de normas programáticas (ADPF nº 45).

O tema é deveras polêmico, mas eu gostaria de centrar essas singelas considerações,atítulomeramenteexemplificativo,naceleumaemtornodo benefício de prestação continuada assistencial.

É inequívoco que o legislador, ao estabelecer os pressupostos para a concessãodoreferidobenefícioassistencial,ofezdeformadeficitária.AmávontadedoPoderPúblicocomamparoaosnecessitadosficoupatentedesde o atraso na regulamentação do inciso V do art. 203 da CR/88. So-mente em 1993 veio a lume a LOAS (Lei 8.743/93). Depois, editada a lei, apenas com a edição do Decreto nº 1.744, de 08 de dezembro de 2005, é que a concessão do benefício restou possível. Mais adiante, nova via crucis, tanta era a renitência que uma situação verdadeiramente absurda ocorreu: nem o INSS, nem a União reconheciam sua legitimidade para responder na via judicial pela concessão do benefício. Isso perdurou por algum tempo, até que o STJ reconheceu a legitimidade do INSS.

No concernente aos requisitos, revelou-se, de plano, acintosa a renda mensal familiar máxima exigida para a concessão do benefício assisten-cial: 1/4 do salário mínimo por membro. A questão foi parar no STF, que, na ADIn nº 1.232-1/DF, por maioria de votos, julgando improcedente a ação, reconheceu a constitucionalidade do referido critério econômico (art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93). Resultado: as instâncias inferiores sole-nemente passaram a descumprir a decisão do STF e continuaram a julgar no sentido de que a situação de miserabilidade poderia ser comprovada de outras formas, afastado, portanto, o requisito econômico objetivo. Reclamações foram ajuizadas e o Pretório Excelso acabou mitigando sua decisão ao indeferir a maioria delas.23 Apesar de ser elogiável a posição do Pretório Excelso ao permitir que nova composição da Corte reexamine a matéria, surgiu um outro problema muito sério: a matéria encontra-se afetada à repercussão geral desde 08.02.2008, estando to-

23 Comentando a decisão do STF, Daniel Machado da Rocha assim se manifesta: “Sem medo de errar, pode-mosafirmarqueadecisãoemfocoémaisumexemplodosnocivosefeitosprovocadosporumadogmáticajurídica anacrônica que, por deixar de reconhecer as diferentes posições jurídicas negativas e positivas que podem resultar das normas de direitos fundamentais, sejam eles de primeira, segunda ou terceira dimensão, é incapaz de dialogar adequadamente com o sistema jurídico e com a realidade social por ele regulada” (Op. cit., p. 128).

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dos os processos em tramitação nas instâncias inferiores sobrestados. Imagine-se a prejudicialidade contida nessa paralisação. É o mesmo que congelar o direito fundamental à assistência social e engessar o Poder Judiciário. Com certeza, o STF, sensível a esse problema, em breve deverápacificaramatéria.

Porfim,cumpretocarnumpontorelevante.Háumagenerosaparcelade contribuição que se deve creditar à baixa participação social nos pro-cessos decisórios da seguridade social. Os chamados espaços públicos de controle e intervenção social, tais como previstos na Constituição de 1988, apesar do longo período de estabilidade democrática que atraves-samos, não foram ainda adequadamente ocupados. Por exemplo: no art. 194, VII, quanto à Seguridade Social, está previsto que ela será organi-zada de forma a observar o caráter democrático e descentralizado da administração, mediante participação dos trabalhadores, empregadores e aposentados; no art. 198, II, está prevista a abertura para a participação da comunidade como uma das diretrizes para a organização das ações e serviços relativos à Saúde; no art. 204, II, está prevista a participação da população por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis da assistência Social.

Apesar da regulamentação desses preceptivos constitucionais, os espaços democráticos não têm sido bem ocupados. Os Conselhos de Participação Popular, as Audiências e as Conferências Públicas neces-sitam alcançar o interesse de todos os cidadãos, e o diálogo democrático precisalivrar-sedasperversasinfluênciaseconômicasepolíticas.Épre-ciso, sobretudo, levar ao conhecimento das populações a existência de espaços reservados à sua atuação por meio de campanhas de difusão de uma nova cultura (educação popular para a democracia) de participação política e exercício da cidadania.

4 Reflexos da eficácia imediata dos direitos fundamentais sociais no processo civil

Consoantedispõeoparágrafo1ºdoart.5°daCR,asnormasdefinido-ras de direitos fundamentais têm aplicação imediata. Está, pois, assentado que os preceitos constitucionais e também as regras consagradoras de direitos fundamentais de natureza material e processual não carecem de interposição legislativa para serem implementados. Também já não se

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debate mais acerca da principal virtude das normas de direitos funda-mentais de constituírem diretivas e fontes materiais permanentes para a atuação tanto do legislador como dos aplicadores do direito, inclusos os governantes e o Poder Judiciário.

No processo, que sempre deve ser visto como um instrumento, um meio para a concretização dos direitos fundamentais, nunca um óbice, um entrave, a aplicação imediata desses direitos impõe aos juízes arredar osformalismosesuprirasdeficiênciaseomissõesporventuraexistentesna legislação processual para assegurar a maior efetividade possível no resultado a ser obtido. Se o legislador falha, o juiz precisa corrigir e adaptar o procedimento, se o legislador é omisso, cumpre ao juiz criar o procedimento adequado para possibilitar seja a tutela jurisdicional prestada no caso concreto. Esse comportamento não macula o devido processo legal.

Mais relevante ainda é o princípio do devido processo legal substan-tivo, este que se coloca nas decisões judiciais como imperativo de um julgamento justo, calcado na aplicação da lei segundo os valores elei-tos na Constituição, em favor da efetivação dos direitos fundamentais individuais e sociais (vida, saúde, previdência, assistência, liberdade, patrimônio, meio ambiente etc).

A doutrina moderna já trabalha com o conceito substitutivo de devi-do processo justo (acesso à ordem jurídica justa e solidária), querendo com isso dizer que a substância deve sempre se sobrepor à forma. Nessa perspectiva, ensina Arruda Alvim,“o que conta, em última análise, não é tanto a existência de uma normatividade completa e lógica, em que todos os direitos são protegidos pela letra da lei e pelo sistema, mas tão somente aparentemente funcional, pois, na verdade, normatividade jurídica, ainda que exaustiva,nãoésuficienteparasatisfazerasaspiraçõessociaisdossegmentosnumerica-mente predominantes e desprotegidos da sociedade.”24

É necessário averbar que o princípio constitucional da inafastabili-dade do controle jurisdicional e seu corolário, o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional, impõem ao juiz o dever de encontrar a técnica necessária e hábil para a proteção do direito material, suprindo, por assim dizer, eventual lacuna deixada pelo legislador, de quem não

24 ALVIM, Arruda. tratado de direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 33.

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se pode exigir uma previsibilidade completa e exauriente de técnicas processuais necessárias para atender às diversas situações de direito substancial.Assim,aojuiz,interpretandoanormaprocessualcomofil-tro do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional, incumbe arredarosóbicesformaisàefetivaeeficazsatisfaçãododireitoviolado,sem descurar, é evidente, da esfera de direitos do réu no que tange à sua ampla defesa.25

Aliás, os poderes-deveres judiciais de criação e adaptação procedimen-tais estão colocados como um imperativo que tem norteado as iniciativas de reforma do CPC capitaneadas pelo Ministro Luiz Fux. Segundo se de-preende de suas iniciativas, o processo civil precisa ser desburocratizado, racionalizadoeinformalizado.Nãodevesercompreendidocomoumfimemsimesmo,massempreeapenascomouminstrumentoqualificadoparaqueatutelajurisdicionalseconcretizeeficienteeeficazmente.Oformalismo sempre se coloca a serviço da negativa dos direitos funda-mentais.Constituiumaretóricaquevisaaapenasjustificaraintençãode não efetivar tais direitos.

O culto ao “legalismo formalista”, que corresponde a uma verdadeira ideologia contagiosa ainda com amplo espaço dentro do Poder Judiciário, deve-seaumacomplexidadedefatoresquecomeçamnainfluênciadeuma arraigada cultura sociofamiliar individualista e elitista, passando pela formação acadêmica anacrônica e culminando em uma espécie de “jurisprudência defensivista”, que se esforça por reduzir a demanda de processos a partir de teses processuais que ocupam indevida e ostensi-vamente o lugar dos julgamentos de mérito.

Gostaria aqui de trazer alguns exemplos de condutas judiciais que constituem entrave ao acesso à jurisdição. Práticas que burocratizam o ajuizamento das demandas criando exigências que não estão previstas no próprio CPC, tais como requisitos especiais para a petição inicial, para a procuração, para realização de perícias, para o recebimento do pagamento etc, contributos indesejáveis e obstativos da efetividade da tutela jurisdicional da seguridade social.

A Coordenação dos JEFs da 4a Região – Cojef constituiu, em parce-

25 Nesse sentido, MARINONI, Luiz Guilherme. A Legitimidade da atuação do juiz a partir do direito funda-mental à tutela jurisdicional efetiva. revista da escola nacional da Magistratura (aMB), a. 1, n. 1, abr. 2006.

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ria com a Corregedoria Regional, uma comissão de magistrados para a elaboração de estudos sobre a eliminação dos formalismos inúteis nos JEFs.26 O resultado do trabalho da referida comissão foi submetido à apreciação do Fórum Interinstitucional de Direito Previdenciário, que tive a honra de presidir nos Estados do RS, de SC e do PR. Foram, então, encampadas as propostas da comissão e aprovados os seguintes enunciados, que trago a lume a título ilustrativo:

“A comprovação documental do endereço do(a) autor(a) deve ser exigida somente quando houver indício fundado de inconsistência da informação constante na petição inicial ou mediante impugnação do réu.

A juntada de cópia integral do processo administrativo não constitui requisito indispen-sável ao ajuizamento da ação.

Nos pleitos de benefícios por incapacidade, não constituiu documento indispensável para o ajuizamento da ação o atestado médico atualizado, desde que a parte já tenha apresentado o documento contemporâneo ao requerimento administrativo para comprovar a necessidade de afastamento do trabalho.

Aoutorgadepoderesparaoforoemgeralepoderesespecíficospermiteaoadvogadodefender os interesses da parte em juízo, sendo desnecessário o minucioso detalhamento do objeto da demanda a ser ajuizada.

Não é exigível a apresentação de memória pormenorizada de cálculo das diferenças postuladas quando da propositura da ação.

A postergação da análise do pedido de antecipação de tutela e/ou medida cautelar não pode ser objeto de regulamentação por portaria.”

5 A necessidade da busca incessante da verdade real e da superação do formalismo positivista no processo previdenciário

Além da exegese sociológica, e exatamente para, a partir dela, garantir que decisão seja justa e aderente à realidade social (vida real), faz-se mister redobrada atenção para dois aspectos: (1) a busca da verdade real dos fatos (a cognição quanto às questões de fato) e (2) a busca da verdade real na aplicação do direito material (a correta aplicação do direito previdenciário).

Esse é o duplo aspecto que nos permite tocar em dois pontos cruciais do atual momento do direito da seguridade social, o primeiro dizendo respeito à instrução do processo, e o segundo guardando relação com a

26 Compuseram a comissão os juízes federais Vivian Josete Pantaleão, João Lazzari, José Savaris e Eduardo Picarelli.

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aplicação do direito material (o momento da decisão judicial).

5.1 Movimento pela superação do positivismo em busca da verdade real – necessidade de ativa participação do juiz na

instrução do processo – poderes (e deveres) instrutórios do juiz em matéria de seguridade social

Primeiro,convémaquiidentificarumpontoimportantenaatuaçãojurisdicional em matéria de direitos da seguridade social, uma ameaça muito séria: a busca pela celeridade, a ênfase no gerenciamento da vara e a obstinação pelos resultados podem conduzir a uma indesejada postura do juiz na condução do processo, qual seja, a que diminui as chances de se perseguir a verdade real. Uma postura voltada para a verdade formal, algo já inaceitável no processo civil moderno e quanto mais em sede de direito previdenciário (em que se maneja com o direito fundamental à subsistência digna de uma pessoa).

A conjuntura atual do Poder Judiciário impõe aos juízes uma carga de trabalho demasiadamente pesada. Cobra-lhes metas e resultados, planejamento minuto a minuto. Têm que produzir cada vez mais em menos tempo. São obrigados, então, a terceirizar atribuições que lhes são inerentes.

É claro que o processo de terceirização da jurisdição contribui (nega-tivamente) para que as decisões judiciais percam em qualidade. A busca do sentido humanista27 da decisão judicial é trabalho que não pode, com todo o respeito, ser integralmente delegado a um servidor, ainda que seja omaisqualificado.Sóojuiztem,oudeveriater,odomíniodosrequisitosimplícitos da decisão judicial. Quando o juiz se desinteressa pela sorte das partes no processo, seja ele de que espécie for, enxergando nele apenas um número que alimenta o banco de dados disponível em seu computador e que precisa ser eliminado com a maior brevidade, invariavelmente a solução desse processo, essencialmente frívolo, matemático e de mera “subsunção positivista”, constituirá uma porta aberta para a injustiça social. Ao conduzir os processos para um julgamento tão rápido o quanto possível, o juiz corre o risco de abrir mão de perseguir a verdade real,

27 Os princípios constitucionais humanistas manifestam a prevalência da pessoa e sua dignidade como centro de interpretação das normas constitucionais. Um sentido, portanto, antropocêntrico.

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satisfazendo-se com a verdade formal. Consequência disso é a tendência de escudar-se o juiz em dois mitos:

o da neutralidade e o da solução legal. O Juiz Federal José Savaris, um dos mais alentados pesquisadores do Direito Previdenciário, explica essa postura:

“O pensamento positivista defende a neutralidade do agente no processo de descobrimen-todaverdade.Ojuizpositivista(emtermosfilosóficos)tenderáaguiar-sepelaneutralidadenoexamedosfatose,deformaisentaeobjetiva,definiráaverdadedodireitoparaocasodosautos. A neutralidade no exame dos fatos é confundida muitas vezes com a inércia do juiz noquetocaàinstruçãoprobatória.Aobjetividadenoprocessodedefiniçãodadogmáticajurídica, forjada na serenidade do castelo imaginário do juiz positivista, é comparável à pureza de comportamento dos estudiosos das ciências naturais. Qualquer das duas verdades (de fato ou de direito) parece corresponder à única possível, à única verdade aceitável. Só que o juiz positivista, para demonstrar que de modo neutro e objetivo chegou ao resultado verdadeiro, buscando evidenciar a verdade descoberta, encobre suas dúvidas em páginas de retórica sob o manto da certeza que lhe autoriza dizer ‘isto posto’.

E aqui se percebe a desgraça do juiz positivista: no plano dos fatos ou do direito, exige certeza, tal como nas ciências da natureza; mas se mantém em uma postura conservado-ramente passiva, satisfazendo-se com o método também próprio das ciências naturais, admitindo como solução a verdade de fato que o processo formalmente lhe oferece e a verdade de direito que já é professada. Nada há de ser acrescentado, tão perfeito o método. Nadahádesermodificadonoobjeto,poiseleéumdadoperfeitamenteordenado,talcomoas leis naturais.

Esse é o juiz positivista previdenciário: um sujeito que condiciona o direito a um resultado impraticável(juízodecertezanasciênciashumanas),aumaprovainsofismável;avessoaemoções, repudia a dúvida e toda incerteza, as analogias, as presunções e tudo quanto seus olhos e sua realidade social não dominem. O princípio in dubio pro misero é fruto de uma tradição tão arcaica que sobre ela não se debruçou na academia e tampouco considerou em sua caminhada à magistratura. O grau de certeza que exige uma condenação criminal é a medidadecertezaaquecondicionaráaconcessãodasobrevivência. Insuficiente fosseadesgraça, esconde suas incertezas numa retórica que lhe distancia do humano que julga e lhe aproxima da imprudência.

Eis a desgraça do pobre: ao longo de sua vida, depender de ser explorado por todos os meios em sua capacidade de trabalho e, quando lhe falta a força produtiva, errar no caminho minado positivista rumo ao direito de proteção social.”28

Parece claro que a atividade judicial, para que possa estar consentânea com as aspirações sociais, precisa sempre buscar o justo, perdendo em

28 SAVARIS, José Antonio. direito Processual Previdenciário. Curitiba: Juruá, 2009. p. 40-41.

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legitimidade quando se satisfaz com a solução legal nem sempre justa. E a busca do justo demanda, quase que invariavelmente, a igualização substancial das partes. Equilibrar os ônus probatórios no processo previ-denciário é um caminho quase sempre a ser transposto e sem o qual não se chega a uma decisão justa. Mas, infelizmente, constata-se na matéria umaflagrantesubutilizaçãodospoderesinstrutóriosinerentesàfunçãojurisdicional.

Ainiciativaprobatóriaoficialcoloca-secomoumimperativoparaaigualização das partes no processo previdenciário. Esclarecer os fatos para encontrar a justa solução é dever do juiz, que precisa equilibrar as forçasdaspartesnoprocesso,especialmentediantedoprofissionalismodo INSS, que é hoje, longe, o maior litigante da Justiça Federal (parte passiva em 40% dos processos). O professor José Roberto dos Santos Bedaque enfrenta essa questão:

“Considerando que a parte ‘mais fraca’ não tem as mesmas possibilidade que a ‘mais forte’ de trazer, para os autos, as provas necessárias à demonstração de seu direito, a ausência de iniciativa probatória pelo juiz corresponde a alguém assistir passivamente a um duelo entre o lobo e o cordeiro. Evidentemente, não estará atendido o princípio da igualdade substantiva que, segundo a moderna ciência processual, deve prevalecer sobre a igualdade formal. E, em razão dessa passividade do julgador, provavelmente se chegará a um resultado diverso daquele pretendido pelo direito material. Ou seja, o objetivo do processo não será alcançado.”29

No que toca ao Direito Previdenciário, a postura do juiz é de suma importância. Um juiz apenas dogmático, preso às amarras de uma obri-gação única de “julgar conforme a lei”, sem a percepção de que, apesar disso, nada o impede de optar por uma interpretação mais sociológica e maisjustaeporumatomadadeposiçãomaiscrítica,podesignificarumabarreira intransponível para os jurisdicionados e para os compromissos estatais de efetivação de direitos fundamentais.

Como bem observa Dalmo de Abreu Dallari,“Porinfluênciadopositivismojurídicopassou-seaconsiderarquesóé‘direito’oqueestácontido na lei. E esta, no mundo atual, é feita segundo o jogo das forças políticas, sem qualquer consideração pela realidade social ou por aquilo que na linguagem de Montesquieu

29 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do Juiz. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 104.

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e dos teóricos do direito natural seria ‘a natureza das coisas’. De qualquer modo, o direito seria sempre político, mas, a partir da concepção do Poder Legislativo como um órgão ou conjunto de órgãos em que são produzidas as leis, essa politicidade passou a caminhar muito próxima da natureza político-partidária. Desse modo, foi estabelecida uma ambiguidade, pois a lei pode ser a expressão do direito autêntico, nascido das relações sociais básicas e expressando os valores de um grupo social, mas, geralmente, passou a expressar apenas a vontade do grupo que predomina em determinado momento da vida de um povo, sendo muitas vezes um instrumento de interesses individuais ou grupais contrários ao de todo o povo.”30

5.2 O juiz previdenciário na aplicação do direito: o movimento pela superação do consequencialismo econômico utilitarista

Esse segundo aspecto traduz uma análise crítica da jurisprudência previdenciária, isto é, da atuação do juiz enquanto aplicador do direito previdenciário. Aqui é indubitável a percepção de que algumas das principais decisões em matéria previdenciária negaram a proteção social porque os julgadores, em meio a uma séria e ameaçadora atmosfera de um suposto colapso na Previdência, orientaram suas decisões a partir dos efeitos que elas poderiam gerar nos orçamentos públicos.

ÉpossívelidentificaremalgumasdecisõesdoPoderJudiciárioumacerta ética utilitarista, assim compreendida, uma parte da ética que aprova determinada ação de acordo com suas consequências. Para o consequencialismo, não importa a ação em si. A justiça da decisão de agir é medida pelas consequências. No plano social, esse utilitarismo é regido pela máxima segundo a qual se deve buscar a maior felicidade para o maior número (Bentham). A ação social justa é aquela que trará como consequência a maximização da média de satisfação (ou felicida-de, ou utilidade) quanto aos seus resultados. É ponto comum que Rawls comprovou a desvalia da prevalência do utilitarismo, ao sustentar que o utilitarismo não leva a sério os direitos fundamentais dos indivíduos. Dworkin chegou a escrever o “levando os direitos a sério”. A crítica principal era a de que, na ótica do utilitarismo, determinada política pública seria moralmente aceita, ainda que violasse direitos fundamen-tais individuais, se a sociedade, como um todo, obtivesse, em média,

30 DALLARI, Dalmo de Abreu. o Poder dos Juízes. 3. ed. revista. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 59.

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um estado de coisas mais vantajoso. O que importa é a satisfação da maioria, em suma.

Pois bem. As reformas previdenciárias operadas nesses dez últimos anos têm, em minha maneira de ver, um forte cunho utilitarista. Não levaram em conta a segurança jurídica, reduziram o nível de proteção social dos indivíduos, apertaram os requisitos para a concessão de be-nefícios etc. O que se buscava era a proteção do maior número, isto é, partindo de uma premissa falaciosa de que a previdência social entraria em colapso, reduziu-se o nível de benefícios de seus titulares, em nome de toda a sociedade, isto é, em nome da preservação de um seguro co-letivo que é de interesse (útil) a todos desta geração e das próximas. A máxima satisfação para o maior número de pessoas.

Não consigo ver na efetivação de direitos fundamentais colisão entre interesses individuais e coletivos (da maioria, segundo o raciocínio uti-litarista), à míngua de um elemento de concretude. O interesse coletivo contido na contingência de recursos públicos (leia-se: economia de dinheiro público ou verbas orçamentárias) e todo o mais que inspira o raciocínio utilitarista da reserva do possível constituem presunção abs-trata e perspectiva, e não elemento concreto, dado real, e muitas vezes émesmoargumentodefinidoporumaconspiraçãofalaciosa,aexemplodo mito da quebra da Previdência, quando é cediço que o orçamento da seguridade social é superavitário, estando o desequilíbrio insistentemente alardeadonoorçamentofiscal,queconsomepartesubstancialdaquele.31

Conclusões

O que proponho? 1. Que a atuação judicial, ao tutelar os direitos da seguridade social, ob-

serve a variável socioeconômica do país, caracterizada pelo aumento das situações de riscos e incertezas decorrentes da pobreza, da precariedade e da informalidade nas relações de trabalho, enquanto consequências do neoliberalismo econômico, bem assim a inoportunidade dos movimentos de retirada do Estado do setor social (desmonte do welfare state).

31 Conforme Nota Técnica do Sindfisco Nacional,FinanciamentodaSeguridadeSocial:dodéficitdaPre-vidência ao superávit da Seguridade (Brasília-DF, Setembro de 2010, p. 16), “uma vez desfeita a lógica financeiraereestabelecidooequilíbriodaSeguridadeSocial,algumaspolíticaspúblicas,aindanãocolocadasem prática no Brasil, contribuiriam para maior sustentabilidade do Sistema de Seguridade Social”.

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2. Que os princípios humanitários constitucionais consagradores dos valores éticos e sociais relevantes para a sociedade se sobreponham às regraslimitadoraseconstituamfiltrohermenêuticoinafastávelquandosediscute sobre os alcances subjetivo e objetivo dos direitos fundamentais sociais.

3.Aigualdadedefatocomofimaserperseguido,demodoqueoprincípio igualitário seja tomado enquanto necessidade de igualização dosnecessitados,equeessapremissasereflitacomopressupostoparaaincidência da “regra de justiça”, possibilitando que as distorções possam ser corrigidas ou atenuadas por meio da atuação jurisdicional.

4. A superação do formalismo positivista, algo que se diz faz mais de 50 anos, mas que, na prática, ainda vigora, produto de uma formação ba-seada na tradição legalista que tivemos, ensinados a decorar textos de lei.

5.Que,notrabalhodeflexibilizaçãodosrequisitoslegaisenojuízode equidade, o juiz deve levar em conta as consequências que, uma vez alcançadas, reforçam os fundamentos axiológico-normativos do sistema constitucional da seguridade social, em suma: as consequências humanas para o indivíduo do problema concreto, não as consequências econômi-cas, de suposta utilidade para uma maioria.

Semeperguntaremaquecorrentedopensamentofilosóficomefilio,diria que ao pragmatismo jurídico, que é baseado no realismo jurídico americano, também conhecido como “jurisprudência sociológica”, cuja principal característica é o contextualismo, o que implica dizer que toda e qualquer proposição seja julgada de acordo com as necessidades huma-nas e sociais, e sobretudo, como diria o saudoso professor Luis Alberto Warat, com uma boa pitada de amor.

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Constitucionalidade do art. 172 da Lei nº 8.112/90 – aspectos do processo administrativo disciplinar

Carlos eduardo thompson Flores Lenz*

Realmente, o art. 231 da Lei nº 1.711/52 – art. 172 da Lei nº 8.112/90 – previa que o funcionário só poderia ser exonerado a pedido após a con-clusão do processo disciplinar a que respondesse e desde que reconhecida asuainocência,oquetinhaporfinalidadeimpedirque,pormeiodesseexpediente, viesse o funcionário a esquivar-se ao resultado do processo administrativo disciplinar contra ele em curso.

A aplicação desse dispositivo legal jamais suscitou controvérsias quanto à sua constitucionalidade, na lição de nossos administrativistas (J. GUIMARÃES MENEGALE, in o estatuto dos funcionários. Forense, 1962, v. II, p. 670, n. 604; THEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCAN-TI, in o funcionário público e o seu regime jurídico. Rio de Janeiro: Borsoi, 1958. Tomo II. p. 307).

No mesmo sentido, a lição de GUIDO ZANOBINI, in Corso di diritto amministrativo. 5ª ed. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1957. v. 3. p. 344-5, nº 7, “c”, verbis:

“1) Le demissioni sono sempre in facoltà dell’impiegato. esse devono essere presentate per iscritto e non hanno effetto se non in seguito all’accettazione dell’amministrazione: perciò i doveri dell’impiegato persistono finchè non sia a lui comunicata detta accettazione.

* Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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Quest’ultima può essere rifiutata o ritardata per motivi di servizio o quando sia in corso procedimento disciplinare nei riguardi dell’impiegato.”

Da mesma forma, ALAIN PLANTEY, in La fonction publique: traité général. Paris: Éditions Litec, 1991. p. 307, § 2, verbis:

“723 – Le pouvoir disciplinaire reste cependant libre d’agir à l’encontre de l’agent démissionnaire, pour des faits antérieurs à l’acceptation et révélés après elle (C.E. de Lestapis, 07.08.1945. rec. P. 771; v. loi du 09.01.1984, art. 87), par exemple s’il a cessé de remplir ses fonctions avant que l’autorité compétente ait accepté sa démission (C.e. Jan, 15.07.1932. Rec. P. 736).”

Dispõe o art. 172 da Lei nº 8.112/90, verbis:“Art. 172. O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a

pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada.

Parágrafo único. Ocorrida a exoneração de que trata o parágrafo único, inciso I, do art. 34, o ato será convertido em demissão, se for o caso.”

Ora, se a própria aposentadoria pode ser cassada em razão de re-sultado do processo administrativo (HELY LOPES MEIRELLES, in direito administrativo Brasileiro, 14. ed., RT, 1989, p. 387), não há que se cogitar de inconstitucionalidade do art. 172 da Lei nº 8.112/90, que configuraumamedidacautelarquevisaaresguardarosinteressesdaAdministração Pública.

Dessa forma, o mencionado dispositivo legal não fere qualquer dis-positivo da Carta de 1988, pelo contrário, tal norma, já tradicional no Direito Administrativo Brasileiro, é amparada no art. 37, caput, da CF.

A autoridade administrativa, ao proferir a sua decisão no processo administrativo disciplinar, dispõe, como não poderia deixar de ser, de certo poder discricionário no exame da prova e do próprio fato imputado ao servidor.

Nesse sentido, é tranquilo o entendimento da melhor doutrina, con-soante o magistério de Serge Salon, verbis:

“Il est de règle que le chef de service dispose, sous le contrôle du juge, de l’entière liberté d’apprécier si le comportement d’un subordonné est effectivement contraire à ses obligations et, s’il en est ainsi, de définir lui même l’incrimination.” (in délinquance et répression disciplinaires dans la fonction publique. Paris: Libr. Générale de Droit et de Jurisprudence, 1969. p. 47)

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Identicamente, entre outros, os seguintes autores: SANTI ROMA-NO, in Scritti Minori. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1950. v. II. p. 115, n. 22; ROGER BONNARD, in Précis elémentaire de droit administratif, Recueil Sirey, 1926, p. 138.

Por conseguinte, não é concebível – como muitas vezes se pretende – a substituição do critério adotado pela autoridade administrativa com-petente para julgar o processo disciplinar pelo do servidor investigado, uma vez que tal poder não dispõe sequer o Poder Judiciário ao apreciar, na via judicial, decisões proferidas em processos disciplinares, pois, caso contrário, estaria o magistrado investindo-se nas atribuições, seja da Comissão de Sindicância, seja do Administrador a quem compete o julgamento do processo disciplinar, em clara violação ao princípio da Separação dos Poderes, insculpido no art. 2º da Magna Carta.

A respeito, precioso o ensinamento de Carlos S. de Barros Jr., em conceituadamonografia,verbis:

“Essa discricionariedade do poder disciplinar, em tese de reconhecimento unânime pela doutrina, surge não só no que diz respeito à iniciativa e à atuação, como no que tange ao conceito da infração, sua apreciação e certa latitude na escolha da pena.” (in do poder disciplinar na administração pública. São Paulo: Rev. dos Tribs., 1972. p. 205, n. 109)

Por outro lado, sob pena de violação à garantia do art. 5º, LV, da CF, a instrução do processo administrativo disciplinar deve ser realizada no local onde está lotado o servidor.

Ao julgar o RE nº 87.152-PB, deliberou a Suprema Corte, verbis: “Funcionário autárquico estável. Demissão fundada em inquérito administrativo. Nu-

lidade consequente do manifesto cerceamento de defesa quando a Constituição impõe que seja ampla. Efeitos.

II. Realizado o inquérito fora da sede e em capital distante da repartição onde o servidor exercia sua atividade e cabia a coleta das provas, obstando que pudesse acompanhar todos os termos do procedimento, acarretando-lhe o cerceamento de sua defesa, invocado em vão, é certo que não pode prevalecer tal inquérito, que culminou com a aplicação da pena máxima.

III. RE conhecido pela manifesta contrariedade ao art. 189, II, da Constituição de 1946, mantido pela de 1967, no art. 103, II, e repetido na vigente, no art. 105, II, e provido.” (in RTJ 92/1.228)

Em seu voto, salientou o eminente Relator, o Ministro thompson Flores, verbis:

“(...) 5. Com efeito.

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São fatos certos que as ocorrências que motivaram o inquérito e serviram de base à demissão do recorrente se passaram todas na cidade de João Pessoa, na Delegacia Regional doIAA,chefiadaentãoporele.

Todavia, o inquérito foi instaurado na cidade do Recife, onde funcionou a respectiva Comissão,doprincípioaofim,colhendotodasasprovas.

Desde o primeiro instante reclamou o recorrente, além de faltas outras que apontou, comosevêdoprópriorelatóriodaComissão,fls.26-8,nãologrando,todavia,seratendido.

Tal proceder, como anotaram os próprios votos vencedores do aresto impugnado, im-portaria em virtual nulidade pela presunção de prejuízo que causaria.

Por ela não deram porque não testemunhado o mal que tivesse originado. Nãotenhoporfielditaconclusão,àgarantiaassegurada,deformaexpressa,portodasas

Constituições ao dispor, também, expressamente sobre a amplitude da defesa do indiciado. Oqualificativoqueaíseatribuiàdefesanãoseconciliacomaquepudesseserproduzida

pelo indiciado em outro Estado, distante da sede onde os fatos deveriam ser investigados, notadamente o servidor que por falta de recursos não dispôs de meios para acompanhar todas as provas produzidas, melhor instruindo seu defensor; (...)

Acho que não é preciso, num caso desses, demonstrar a efetividade do prejuízo. Este é evidente por si mesmo. São desses fatos que a própria experiência da vida está a demonstrar, o funcionário que reside, que praticou atos em João Pessoa, ter examinados os fatos de sua gestão com depoimentos e outras provas feitas em Recife, constitui forte detrimento de defesa.” (in RTJ 92/1.233)

Ademais,nacomposiçãodaComissãoDisciplinarnãopodefigurarservidor com posição hierárquica inferior à do servidor sindicado.

A matéria também já foi objeto de apreciação pelo Eg. Supremo Tri-bunal Federal, quando do julgamento do RE nº 75.159-BA, em que foi relator o eminente Ministro thompson Flores, in RTJ 68/491.

Em seu voto conclui o ilustre Ministro thompson Flores, após referir a tranquila jurisprudência a respeito da Suprema Corte, pela nulidade de processo administrativo do qual participaram servidores de inferior hierarquia à do acusado, independentemente de qualquer impugnação na via administrativa (in RTJ 68/493).

Ora, na ordem constitucional em vigor, a Administração Pública, nos termos do art. 37 da CF/88, submete-se ao princípio da legalidade, não lhe sendo permitido a prática de atos administrativos em manifesta vio-lação à letra e ao espírito da Magna Carta, incumbindo aos seus agentes a observância estrita dos ditames da Constituição.

Nesse sentido, a lição de Charles debbasch e Marcel Pinet, verbis:“L’obligation de respecter les lois comporte pour l’administration une double exigen-

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ce, l’une négative consiste à ne prendre aucune décision qui leur soit contraire, l’autre, positive, consiste à les appliquer, c’est-à-dire à prendre toutes les mesures réglementaires ou individuelles qu’implique nécessairement leur exécution.” (in Les grands textes admi-nistratifs. Paris: Sirey, 1970. p. 376)

Pertinente, ainda, o ensinamento de Paul roubier, verbis:“La non-observation des conditions de validité possées par la loi à la confection de cet

acte aura pour sanction une action de nullité ou de rescision, c’est-à-dire une action qui n’entrait aucunement dans les vues de l’auter (ou des auteurs) de l’acte juridique.

ici encore cette action n’est pas fondée sur la violation d’un droit antérieur, elle est fondée sur une infraction à un devoir, le devoir d’observer les conditions légales de validité de l’acte posées par la loi.” (in droits subjectifs et situations juridiques. Paris: Dalloz, 1963. p. 74-5)

Cabe ao Poder Judiciário o exame da alegada violação ao direito as-segurado pela Carta Magna, ou seja, o princípio da legalidade previsto no art. 37 da CF/88.

A respeito, leciona BERNARD SCHWARTZ, in Commentary on the Constitution of the united States: the rights of property. New York: The Macmillan Company, 1965. p. 2-3, verbis:

“the Constitution has been construed as a living instrument intended to vest in the nation whatever authority may be appropriate to meet the exigencies of almost two cen-turies of existence.

to regard the Constitution solely as a grant of governmental authority is, nevertheless, to obtain but a partial and distorted view. Just as important is its function as a limitation upon such authority. as already emphasized in section 1, the american conception of a constitution is one which is not confined to viewing such instrument as a charter from which government derives the powers which enable it to function effectively. instead, with us, the organic document is one under which governmental powers are both conferred and circumscribed.

the Constitution is thus more than a framework of government; it establishes and guarantees rights which it places beyond political abridgment. in this country, written constitutions were deemed essential to protect the rights and liberties of the people against the encroachments of governmental power.”

Da mesma forma, impõe-se recordar a velha mas sempre nova lição de John randolph tucker, em seu clássico comentário à Constituição norte-americana, verbis:

“all acts of every department of government, within the constitutional bounds of powers, are valid; all beyond bounds are ‘irritum et insane’ – null and void. Government, therefore,

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has no inherent authority, but only such as is delegated to it by its sovereign principal. Government may transcend the limits of this authority, but its act is none the less void. it cannot, by usurpation, jurally enlarge its powers, nor by construction stretch them beyond the prescribed limits.”

(in the Constitution of the united States. Chicago: Callaghan & Co., 1899. p. 66-7, § 54)

Outro não é o ensinamento de daniel Webster, verbis:“the Constitution, again, is founded on compromise, and the most perfect and absolute

good faith, in regard to every stipulation of this kind contained in it is indispensable to its preservation. every attempt to grasp that which is regarded as an immediate good, in violation of these stipulations, is full of danger to the whole Constitution.”

(in the works of daniel Webster. Boston: Little, Brown and Company, 1853. v. I. p. 331)

No regime do Estado de Direito não há lugar para o arbítrio por par-te dos agentes da Administração Pública, pois a sua conduta perante o cidadão é regida, única e exclusivamente, pelo princípio da legalidade, insculpido no art. 37 da Magna Carta.

Por conseguinte, somente a lei pode condicionar a conduta do cidadão frente ao poder do Estado, sendo nulo todo ato da autoridade adminis-trativa contrário ou extravasante da lei, e como tal deve ser declarado pelo Poder Judiciário quando lesivo ao direito individual.

Nesse sentido, também, a já citada lição de Charles debbasch e Marcel Pinet, verbis:

“L’obligation de respecter les lois comporte pour l’administration une double exigen-ce, l’une négative consiste à ne prendre aucune décision qui leur soit contraire, l’autre, positive, consiste à les appliquer, c’est-à-dire à prendre toutes les mesures réglementaires ou individuelles qu’implique nécessairement leur exécution.” (in Les grands textes admi-nistratifs. Paris: Sirey, 1970. p. 376)

in casu, trata-se de caso típico de exame da legalidade da ação da Administração pelo Poder Judiciário, ou seja, a existência ou não de nulidade do processo administrativo disciplinar.

A respeito, anota o saudoso Min. VICTOR NUNES LEAL, em sua obra Problemas de direito Público. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p. 264, verbis:

“A ‘legalidade’ do ato administrativo compreende não só a competência para a prática do ato e as suas formalidades extrínsecas, como também os seus requisitos substanciais, os seus motivos, os seus pressupostos de direito e de fato (desde que tais elementos estejam definidosemleicomovinculadoresdoatoadministrativo).Tantoéilegaloatoqueemane

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de autoridade incompetente, ou que não revista a forma determinada em lei, como o que se baseie num dado fato que, por lei, daria lugar a um ato diverso do que foi praticado. A inconformidade do ato com os fatos que a lei declara pressupostos dele constitui ilegalida-de, do mesmo modo que o constitui a forma inadequada que o ato porventura apresente.”

Impõe-se destacar, pela sua importância, expressivo voto proferido pelo eminente e saudoso Ministro Laudo de Camargo no julgamento da Apelação Cível nº 6.845, onde assinalou o ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, verbis:

“Não é isenta de censuras a proposição de que o juiz só tem a ver com a existência ou não do processo administrativo, sendo-lhe defeso perquirir do que vai por seu merecimento. Nãoéassim.Opreceitodeleinãopodeserdetalmodosacrificado.

Seria frustar a ação do judiciário. Cada poder tem vida autônoma, age com independência e se move em esfera própria.

Mas se o executivo pratica um ato, que é dado como irregular, ao interessado cabe recorrer à justiça e pedir a esta que o aprecie.

Na apreciação, o que se deve ter em vista é a legalidade ou não do ato incriminado.Terá ele de ser examinado pela forma com que se apresentar e pelos motivos que o

determinaram.Se houve processo e pelas provas dadas nada se concluir contra o acusado e, não obstante

isso, veio ele a padecer demissão, poderá assim dar a esta como legítima, só pelo fato de deparar com um processo?

Melhorforaentãoqueoatodemissionárionãoficassedependentedeprocessoalgum,se só pelo exterior fosse o ato julgado, contrariando o que ele contivesse.

O judiciário é chamado para dizer se há ou não algo ilícito, capaz de originar reparação.Como saber se o ato foi ou não lícito sem pesar os motivos que o determinaram, nem

apreciar os elementos colhidos?” (in revista Forense, v. 78, p. 494)

Ademais, na Sindicância impende ouvir o sindicado, sob pena de ser comprometido o seu direito de defesa e o próprio rumo a ser tomado pela investigação.

A respeito, pertinente o magistério do Prof. Marcel Waline acerca da importância da ouvida do servidor no processo administrativo disciplinar, bem como a sua presença na inquirição das testemunhas, verbis:

“G) La présence de l’inculpé ou de ses défenseurs n’est pas nécessaire lors de l’audition des témoins par l’enquêteur, pourvu que le compte rendu de cette audition lui soit commu-niqué en temps utile.

il est à remarquer que la solution contraire est imposée, si l’audition se fait devant le conseil de discipline lui-même, tant par le texte applicable au personnel hospitalier (arts. 43 et 45 du décret du 20 mai 1955; l’arrêt le rappelle expressément), que par la jurisprudence

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applicable à l’ensemble des fonctionnaires et agents publics (15 janvier 1943, Fortuné, p. 9; 30 novembre 1949, de Saint-thibault, p. 516; 2 juin 1954, Peyrethon, p. 325).

on peut se demander pourquoi le Conseil d’État n’exige pas, lorsque les témoignages sont produits devant un enquêteur unique (qui peut être, rappelons-le, l’instigateur de la poursuite lui-même), ce qu’il exige lorsque les témoins sont entendus par tout le conseil. Sans doute a-t-il pensé (la rédaction de l’arrêt le leisse clairement entendre) que cette présence n’est exigée par un texte que si les témoins sont entendus par le conseil et qu’il n’appartient pas à la jurisprudence d’étendre sans texte cette obligation. a l’objection que les droits de la défense risquent de ne pas être sauvegardés, il répond que le respect des droits de la défense exige seulement que le rapport analysant les déclarations des témoins soient communiqués à l’agent inculpé suffisamment tôt avant la réunion du conseil, pour qu’il puisse discuter le rapport.

Cette argumentation ne nous convainc pas. S’il est permis, pour une fois, au commen-tateur d’évoquer un souvenir personnel - pour la première fois dans une longue carrière d’annotateur – il nous a été donné, en 1945, de présider une commission d’épuration. En-tendant des témoignages accablants pour le agents poursuivis, nous avons régulièrement invité les témoins à renouveler leurs déclarations en présence de l’‘inculpé’. Le résultat était, dans la grande majorité des cas, une rétractation spontanée du témoignage. aussi pensons--nous que, bien plus que l’adage testis unus, testis nullus s’impose, dans toute procédure tendant à la recherche de la vérité sur des faits, la règle qu’un témoignage donné hors de la présence de l’inculpé est de bien peu de valeur, comparativement à un témoignage fait devant lui. Les juges d’instruction le savent bien, qui recourent presque régulièrement à des confrontations.

nous pensons donc que si rien n’obligeait strictement, en l’absence de textes, le Conseil d’État à étendre aux témoignages recueillis par l’enquêteur, la règle de l’audition en pré-sence de l’inculpé, que les textes n’exigent que devant le conseil de discipline lui-même, rien non plus ne l’empêchait de juger que ce caractère contradictoire de l’audition des témoins était seul susceptible de garantir efficacement les droits de la défense, et qu’il aurait été mieux inspiré en jugeant ainsi.

Cela nous paraît d’autant plus vrai, que la jurisprudence du présent arrêt va permettre de tourner facilement la règle posée par les articles 43 et 45: il suffira de renoncer systé-matiquement aux auditions de témoins par le conseil de discipline et de les renvoyer à une enquête. ainsi, la présence obligatoire de l’agent poursuivi se trouvera-t-elle ipso facto éludée. C’est pourquoi nous regrettons cette solution.” (in revue du droit Public et de la Science Politique, L.G.D.J., 1964, p. 443-4)

Da mesma forma, impõe-se a indicação na Portaria de instauração do processo disciplinar das infrações a serem averiguadas.

Não se trata de mera formalidade, mas de pressuposto essencial para a concretização da garantia da plena defesa do acusado, insculpida na Constituição (art. 153, § 15, da CF de 1969; art. 5º, LV, da CF de 1988).

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Impende, pois, que a Portaria descreva o ato ou atos a apurar, indicando--se as infrações a serem punidas.

Realmente,aofixaroalcancedoart.5º,LV,daCF,nãocabeaoin-térprete distinguir onde a lei não o faz (CARLOS MAXIMILIANO, in Hermenêutica e aplicação do direito. 6. ed. Freitas Bastos, 1957. p. 306, n. 300), notadamente quando se trata de interpretação constitucional.

A respeito, pertinente o magistério sempre autorizado de Pontes de Miranda, verbis:

“Na interpretação das regras jurídicas gerais da Constituição, deve-se procurar, de antemão,saberqualointeressequeotextotemporfitoproteger.Éopontomaisrijo,maissólido; é o conceito central, em que se há de apoiar a investigação exegética. Com isso não se proscreve a exploração lógica. Só se tem de adotar critério de interpretação restritiva quando haja, na própria regra jurídica ou noutra, outro interesse que passe à frente. Por isso, é erro dizer-se que as regras jurídicas constitucionais se interpretam sempre com restrição. De regra, o procedimento do intérprete obedece a outras sugestões, e é acertado que se formule do seguinte modo: se há mais de uma interpretação da mesma regra jurídica inserta naConstituição,temdepreferir-seaquelaquelheinsufleamaisamplaextensãojurídica;eo mesmo vale dizer-se quando há mais de uma interpretação de que sejam suscetíveis duas ou mais regras jurídicas consideradas em conjunto, ou de que seja suscetível proposição extraída, segundo os princípios, de duas ou mais regras. A restrição, portanto, é excepcional.” (in Comentários à Constituição de 1967 com emenda nº 1 de 1969. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. Tomo I. p. 302, n. 14)

Outra não é a lição de Henry Campbell Black, em obra clássica, verbis:“Where the meaning shown on the face of the words is definite and intelligible, the courts

are not at liberty to look for another meaning, even though it would seem more probable or natural, but they must assume that the constitution means just what it says.” (in Handbook of american Constitutional Law. 2. ed. St. Paul, Minn.: West Publishing Co., 1897. p. 68)

Ademais, recorde-se antigo aresto do saudoso Ministro Hannemann Guimarães ao julgar o RE nº 9.189, verbis:

“Não se deve, entretanto, na interpretação da lei, observar estritamente a sua letra. A melhor interpretação, a melhor forma de interpretar a lei não é, sem dúvida, a gramatical. Aleideveserinterpretadapeloseufim,pelasuafinalidade.Amelhorinterpretaçãodaleié,certamente,aquetememmiraofimdalei,éainterpretaçãoteleológica.”(in revista Forense, v. 127/397)

Ora, inobservada tal formalidade, resta comprometida a garantia constitucional prevista no art. 5º, LV, da CF/88.

Ademais, a jurisprudência doSupremoTribunal Federal é firme

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no sentido de que, sendo inconstitucional, a regra jurídica é nula, não produzindo qualquer efeito jurídico, sendo a declaração de inconstitu-cionalidade ex tunc (in RTJ 102/671; 143/859; 146/461 e 147/985-6).

A respeito, pronunciou-se o eminente Ministro thompson Flores, quando Presidente da Suprema Corte, ao votar no julgamento da Rp. nº 1.014-RJ, verbis:

“A lei ou o ato atingido, porque inconstitucionais, são nulos desde o nascedouro; são eles,comoafirmavaRuy,comosenuncativessemexistido;seuefeitodessarte,pelonossosistema, é sempre ex tunc. E esta é a jurisprudência indiscrepante e reiterada do Supremo Tribunal Federal.” (in RTJ 91/776)

Da mesma forma, manifesta-se a melhor doutrina, verbis:“The general rule is that an unconstitutional statute, though having the form and name

of law, is in reality no law, but is wholly void, and in legal contemplation is as inoperative as if it had never been passed. Since an unconstitutional law is void, it imposes no duties and confers no power or authority on any one; it affords protection to no one, and no one is bound to obey it, and no courts are bound to enforce it.

When a judgment of any court is based on an unconstitutional law, it has been said that it has no legitimate basis at all, and is not to be treated as a judgement of a competent tribunal, and courts of other states are not required to give to it the full faith and credit commanded by the provisions of the united States constitution as to the public acts recirds and judicial proceedings of other states.” (in Constitutional Law: Ruling Case Law. Ro-chester, N.Y.: The Lawyers Co-operative Publishing Company, 1915. v. 6. p. 117-8, n. 117)“an unconstitutional act is not a law. it confers no rights; it imposes no duties; it affords

no protection; it creates no office. It is, in legal contemplation, as inoperative as though it had never been passed.” (HENRY CAMPBELL BLACK, in Handbook of american Constitutional Law. 2. ed. St. Paul, Minn.: West Publishing Co., 1897. p. 66, n. 46)

A respeito, ainda, deliberou o Pretório Excelso que é nulo o processo administrativo disciplinar que omitir a substância de fato das acusações na portaria de sua instauração (RE nº 120.570-BA, rel. Min. Sepúlveda Pertence, in RTJ 138/658).

No mesmo sentido, inclina-se a doutrina, consoante o magistério de Cino Vitta, em obra clássica, verbis:

“La giurisprudenza ha ripetutamente affermato che l’imputato deve conoscere tutti i punti essenziali sui quali poggia l’accusa, e l’aver trascurato di notificargliene taluno è motivo di nullità del procedimento;” (CINO VITTA, in il potere disciplinare sugli impiegati pubblici. Milano: Società Editrice Libraria, 1913. p. 477)

Da mesma forma, entre outros, o ensinamento de MARCEL WALI-

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NE, in traité Élémentaire de droit administratif. 6ª edition. Paris: Sirey, 1952. p. 348, 4º, bem como o de HELY LOPES MEIRELLES, in direito administrativo Brasileiro. 14. ed. Rev. dos Tribunais, 1989. p. 591.

Concluindo,podemosafirmar,comfulcronamelhordoutrinaenajurisprudência: I) o art. 172 da Lei nº 8.112/90 – que corresponde ao art. 231 da Lei nº 1.711/52 – não viola qualquer dispositivo da Carta de 1988; II) para resguardar a garantia insculpida no art. 5º, LV, da CF, a portaria que instaurar o processo administrativo disciplinar deve conter todos os fatos pelos quais é investigado o servidor; III) na composição da ComissãodeSindicâncianãopodefigurarservidorcomposiçãohierár-quica inferior a do sindicado; IV) a instrução do processo administrativo disciplinar deve ser realizada no local onde está lotado o servidor; V) e, finalmente,enfatizaraimportânciadaouvidadoservidornoprocessoadministrativo disciplinar, bem como a sua presença na inquirição das testemunhas, consoante assinalado pelo Mestre Waline na lição antes transcrita. A respeito, ainda, é de todo pertinente recordar o magistério do saudoso Ministro Carlos thompson Flores acerca do direito de defesa no processo administrativo, expresso em palavras lapidares, verbis:

“9.2 É lamentável que a Egrégia Corte tenha procedido contra a lei, realizando o ato impugnado, deslembrada de assegurar o direito de defesa à concorrente, máxime nas cir-cunstâncias em que o fez. Dito direito é inato à criatura humana.

O próprio Deus, o mais sábio e justo dos juízes, assim o entendeu, apesar do seu poder total, desde o princípio do mundo. Externou-o ao ser cometido o primeiro homicídio ocorrido sobre a Terra, quando Caim, levado pela inveja, matou seu irmão Abel.

São palavras do Senhor, segundo a Bíblia Sagrada, Genesis, cap. 4, n. 9:‘E o Senhor disse a Caim: onde está teu irmão Abel? Ao que Caim respondeu: Eu não sei. Acaso sou eu guarda do meu irmão?’E consta do mesmo livro e capítulo, n. 10:‘Disse-lheoSenhor:Queéoquefizeste?Avozdosanguedeteuirmãoclamadesdeaterra até mim.’E, só então, o Senhor o puniu. Não se animou, o maior Juiz, a aplicar-lhe a sanção, como o fez, sem ouvi-lo para que se defendesse.

E assim seguiu-se na marcha das gerações.Entre nós, o direito de defesa jamais foi ignorado e deixou de ser reconhecido. Desde

o regime republicano, conforme a Constituição de 1891, resultou expresso, art. 72, § 16. Integrou ele as demais Constituições que àquela se seguiram: 1934, 1937, 1946, 1967 e Emenda nº 1/69, art. 153, § 15, em pleno vigor.

9.3 Por certo os fatos mais comuns ocorrem nos procedimentos criminais. Mas sempre se

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reconheceu a necessidade de observar-se o direito de defesa nos processos administrativos, quando do seu exame se imputa falta grave ao servidor. No presente procedimento, a toda evidência, ele é de aplicar-se, uma vez que trata de processo semelhante ao qual incidem normas decorrentes do Direito Administrativo.

9.4 Cabe assinalar que, mesmo no regime revolucionário instaurado no País em 1964, os Atos Institucionais, embora sobranceiros à própria Constituição, reconheceram o direito de defesa, deixando-o expresso. Assim ocorreu com o primeiro deles, AI nº 1/64, art. 7º, § 4º, com a regulamentação que lhe atribuiu o Decreto nº 53.897, de 27.04.1964, art. 5º (in R.F., v. 206/434), ao impor graves sanções.

No STF concorri com meu voto para anular diversas sanções impostas com base no citado art. 7º, § 4º. E o fundamento central das nulidades dos procedimentos referidos assentou na falta de audiência dos imputados, como o impunha a citada legislação. Destaco de tais jul-gamentos os primeiros deles, publicados na R.T.J., v. 47/211; v. 50/67; e v. 53, p. 120 e 379.

Inegavelmente o princípio em comentário, direito de defesa, aplica-se ao procedimento doconcursoquando,écerto,ocorreacusaçãosobreoconcorrentejáadmitidoemdefinitivo,depois de procedido o seu respectivo exame, discricionariamente, pelo Tribunal. Certo que ele não vem expresso, apesar dos detalhes introduzidos na regulamentação do concurso, seja no edital, seja em leis outras a ele referentes.

Dito direito, que o Padre Vieira acentuava em seus Sermões ser ‘sagrado’, está implícito na sua disciplinação, já que a Constituição sobre ele incide, projetando-se com toda a força e intensidade.” (in revista de direito administrativo, v. 225, p. 420-5)

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diSCurSoS

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Discurso*

Marga inge Barth tessler**

Excelentíssimo Senhor Marco Maia, Deputado Federal Presidente da Câmara dos Deputados, Excelentíssimo Senhor Carlos Henrique Kai-pper, Procurador-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, representando o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Excelentíssimo Senhor José Fortunati, Prefeito da Cidade de Porto Alegre, nas pessoas de quem saúdo todas as autoridades já nominadas.

ExcelentíssimaSenhoraMinistraEllenGracieNorthfleet,Ministrado Supremo Tribunal Federal, Excelentíssimos Senhores Ministros Ari Pargendler, Presidente do Superior Tribunal de Justiça, e Teori Albino Zavascki,nossasfigurasexemplares,nominando-ossaúdotodososMi-nistros, Desembargadores e Juízes aqui presentes.

Excelentíssimo Senhor Dr. Claudio Lamachia, eminente Presidente da OAB/RS, em nome de quem saúdo todos os advogados que nos hon-ram com o comparecimento e que são parceiros imprescindíveis para a realização de Justiça.

Excelentíssimo Senhor Dr. João Carlos de Carvalho Rocha, Procura-dor-Chefe da Procuradoria-Geral da República, nominando-o saúdo todos os Procuradores da República, Procuradores e Promotores presentes.

* Discurso de posse na Presidência do TRF da 4ª Região para o biênio 2011-2013, proferido na sessão solene de 20.06.2011.** Desembargadora Federal Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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Excelentíssimo Senhor General de Exército Carlos Bolivar Goellner, Comandante Militar do Sul, nomeando-o saúdo todas as autoridades militares presentes.

Dr. Rogério Welter, servidor do Tribunal Regional Federal da 4ª Re-gião, nominando-o saúdo todos os dedicados servidores do Judiciário Federal.

Aos representantes dos meios de comunicação, agradeço a presti-giosa presença, na certeza de sermos parceiros em prol da liberdade de imprensa.

Caros amigos, queridos familiares, a nossa escolta social em meio às águas turbulentas do mundo líquido, do efêmero, do “cada um por si”, nos confortam com a sua presença. Senhores e senhoras, são todos bem-vindos e nos honram com a prestigiosa presença.

Assumo a grande responsabilidade de presidir o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, acompanhada pelos eminentes Desembargadores Luiz Carlos de Castro Lugon, como Vice-Presidente, e Tadaaqui Hiro-se, no cargo de Corregedor. Nesta ocasião solene, que se repete a cada biênio, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região prestigia o princípio republicano da temporariedade dos mandatos.

Oferecemos também um modesto exemplo da convivência e da inte-gração de diferentes etnias para a construção da nacionalidade brasileira: oDesembargadorTadaaquiéfilhodeimigrantesjaponesesefoioprimei-ro nissei a assumir o cargo de Desembargador Federal; o Desembargador Lugon descende de imigrantes suíços trazidos ao Espírito Santo. Os meus bisavós vieram da Alemanha em 1852. Pobres todos, a história dessas famílias se fez com trabalho árduo na agricultura familiar, um passado de privações e disciplina, tudo feito aos poucos, produto de um esforço repetido, dia após dia, por gerações, trabalho, estudo e fé em Deus.

Não é tarefa pequena a administração do Tribunal, cuja jurisdição abrange três estados da federação, envolvendo 4.918 servidores, 179 varas federais, 356 juízes e um orçamento de R$ 1.289.275.197,00 (um bilhão, duzentos e oitenta e nove milhões, duzentos e setenta e cinco mil, cento e noventa e sete reais). Ninguém faz nada sozinho. Nesta missão tenho a felicidade de poder contar com a colaboração crítica dos demais Desembargadores e com servidores muito preparados, alguns me acompanham de longa data. Vejo a caminhada que ora se inicia muito

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facilitada pelos seguros rumos já traçados pelas administrações prece-dentes. Destaco a dos Desembargadores aqui presentes: Desembargador Federal Vilson Darós (junho/2009 a junho/2011), Desembargadora Fede-ral Silvia Goraieb (junho/2007 a junho/2009), Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria (maio/2006 a junho/2007), Desembargador Federal Nylson Paim de Abreu (junho/2005 a maio/2006 e 12/05/2003 a 23/06/2003), Desembargador Federal Vladimir Passos de Freitas (ju-nho/2003 a junho/2005), Ministro Teori Albino Zavascki (junho/2001 a maio/2003), Desembargador Federal Fábio Bittencourt da Rosa (ju-nho/1999ajunho/2001),MinistraEllenGracieNorthfleet(junho/1997a junho/1999), Desembargador Federal Pedro Máximo Paim Falcão (junho/1995 a junho/1997), Ministro Gilson Langaro Dipp (junho/1993 a junho/1995). Distingo o excelente trabalho realizado pelo estimado contemporâneo de Faculdade e colega do Banco Central, Desembargador Vilson Darós, e por sua equipe, no último biênio. Darei continuidade às rotas iniciadas, cumprindo e prestigiando a orientação da Resolução nº 70/2009 do Conselho Nacional de Justiça, que realçou a necessidade de dar continuidade administrativa aos tribunais. Agradeço ao estimado Desembargador Darós pela disponibilidade no encaminhamento da transição e registro o dinamismo de sua gestão.

Envidarei esforços para garantir à sociedade uma prestação jurisdi-cional rápida, acessível e efetiva, comprometida com a ética, a atenção ao ser humano, a transparência, o respeito ao bem comum e a inovação.

Há caminhos sem volta, não é mais possível em muitos aspectos retroceder.Comogestoradetãosignificativopatrimônioinstitucional,social e histórico, assumo o compromisso de prestigiar em minhas ações os princípios vetores da Constituição Federal de 1988 e os do artigo 37, quais sejam: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade eaeficiência,bemcomoodecumpriremanteralinhadaainstituiçãoàspolíticas judiciárias do Conselho Nacional de Justiça, com disponibili-dade para colaborar em todas as suas iniciativas.

Não é demasia ressaltar o trabalho inovador e moralizador já realizado pelo Conselho Nacional de Justiça por suas sucessivas presidências e corregedorias.Afirmoaimportânciadesemanterasuaatualconfigura-ção, sem alterações que o enfraqueçam ou deslegitimem.

Assumo o compromisso de trabalhar em prol da manutenção da ima-

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gem positiva desta Casa de Justiça, aprofundar esforços em direção da celeridade e da acessibilidade da prestação jurisdicional. Aperfeiçoar o que for possível e ajustar quando necessário. Administrar não é reformar, nem imprimir marcas personalíssimas a uma gestão. O Tribunal não é uma “donna mobile”, como pluma ao vento. O administrador da coisa pública não é estilista de moda com repulsa ao que foi realizado no biênio precedente. Deve inovar em alguns aspectos, introduzir os avan-ços tecnológicos. Esgota-se a possibilidade de fazer “mais do mesmo”, como já asseverou a Ministra Ellen, sendo que, com certeza, teremos que fazer “mais com menos”. Não é possível atribuir aos outros Poderes os problemas do Judiciário, mas assumir responsabilidade própria na busca de soluções.

Procurarei exercer gestão compartilhada e harmônica, estabelecendo relações cooperativas com os demais segmentos do Poder Judiciário, com as associações de classe, com os magistrados diretores de foro, juízes e advogados, certa de que todos compreendem a elevada missão que é administrar a Justiça.

Agradecemos os discursos estimuladores dos eminentes Dr. João Carlos de Carvalho Rocha e Dr. Claudio Lamachia.

Agradecemos as palavras elogiosas a nós dirigidas pelo Desembar-gador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Ressalto que neste ano de 2011 é festejado o centenário de nascimento do Ministro Carlos Thompson Flores, que tantas e exemplares lições legou à magis-tratura brasileira, exemplo de vida para todos os juízes. Segue o ilustre Desembargadorospassosdafiguraavoenga.Parafraseandoosversosde Rainer Maria Rilke, “Gesammelte geschichte”, “(...) porém, o neto é mais, é tudo aquilo que o avô foi e aquele que ele não foi faz-se grande nele, ele é o futuro e o retorno (...)”.

AJustiçaéconstruídacomconcórdiaeconfiança.Éaconfiançadopúblico na independência das cortes, na integridade de seus juízes e na imparcialidade e eficiência de seus processos que sustenta o sistemajudiciário de um país e a própria democracia.

Permitam-me concluir com a lembrança de que este momento e tambémobiêniodapresidênciasãofugazescomoasfloresqueornamesta mesa. Nada, nada será possível vencer sem o amor e o estímulo dos nossos cônjuges efilhos, da nossa família.Então,Maria Izabel,

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GuilhermeeLouise,esposaefilhosdoDesembargadorTadaaqui;ElianeMaria,Rogério,Antônio,LaireDora,esposaefilhosdoDesembargadorLugon; e o meu querido Breno, Débora, Daniel, Rubem e Ingrid, esposo, filhos,irmãoesobrinha;obrigadoporexistirememnossasvidasenosacompanharemnestesignificativomomento.

Agradeço a todos pela honrosa presença.

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Discurso*

Vilson darós**

Autoridades que compõem a mesa de honra, autoridades aqui presen-tes, Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, Presidentes dos Tribunais de Justiça, Presidentes dos Tribunais do Trabalho, eminentes Magistrados membros desta Corte, Magistrados, servidores, senhoras e senhores:

Cheguei a esta Corte de espírito aberto e amistoso, conduzido pelo voto dos insignes membros deste Plenário e solicitando o auxílio da experiência vivida pelos eminentes colegas que me precederam.

Com todos muito aprendi.Transcorridos dois anos, é chegado o momento de transmitir o cargo

à minha eminente sucessora, Desembargadora Marga Inge Barth Tessler.Ao longo da caminhada como Presidente, tive como foco a agilida-

de,aqualidadeeaeficiênciadaprestaçãojurisdicionalparaalcançaranecessária efetividade das decisões.

Para atingir tal propósito, busquei dar continuidade às ações positivas que já vinham sendo desenvolvidas no Tribunal, acrescentando outras, fixandometaseestabelecendoindicadores.Priorizeiainformatizaçãocom o desenvolvimento e a implantação dos processos eletrônicos ju-

* Discurso de despedida da Presidência do TRF da 4ª Região, proferido em 20.06.2011.** Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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dicial e administrativo em toda a 4ª Região, que restaram consolidados, tornando-se a marca da gestão que ora se encerra.

Os sistemas desenvolvidos foram denominados e-Proc v2 e SEI – Sistema Eletrônico de Informações – os quais estão em plena utilização em toda a 4ª Região, permitindo uma efetiva gestão do conhecimento, redundandoemdecisõesmaiságeisequalificadasdosadministradoresedos julgadores. Com a mudança oriunda dessa implantação, que se deu de forma rápida, muito se ganhou, não só em termos de organização e agilização dos processos judiciais e administrativos, mas, também, na preservação ambiental.

Devo registrar, ainda, que o sucesso da implantação desses sistemas inovadores deu-se por meio de muitas ações que foram concretizadas, envolvendo tarefas por vezes árduas, mas que sempre contaram com o comprometimento dos magistrados, dos servidores, dos operadores do Direito e de todas as unidades organizacionais.

Além da informatização, outros procedimentos colaboraram para agilizar a jurisdição, como a conciliação, que proporciona a resolução deconflitoseareduçãodopassivo,pormeiodarealizaçãodomaiornúmero de acordos no menor espaço de tempo e com o menor gasto de recursos públicos. Essa experiência exitosa foi levada ao interior com a instalaçãodosCentrosJudiciáriosdeSoluçãodeConflitoseCidadania.Acrescente-se, ainda, a realização, nas três Seções Judiciárias, de Fóruns Previdenciários,quetiveramporfinalidadeampliaradiscussãosobreo aperfeiçoamento de práticas e procedimentos nas demandas previ-denciárias da Justiça Federal da 4ª Região, facilitando a interlocução e fomentando a colaboração entre as partes envolvidas, com vista a uma maiságileeficienteprestaçãojurisdicional.

Implantou-se o Planejamento Estratégico da 4ª Região, alinhado ao da Justiça Federal e ao do próprio Judiciário Brasileiro, capitaneados pelo CJF e pelo CNJ, respectivamente.

Tivemos, ainda, a revitalização da Ouvidoria, que passou a ter um tratamento institucional único na 4ª Região, com controle estatístico das demandas formuladas, disponibilização dos dados em tempo real, informaçõesinterativasegeraçãodegráficos.

Foram instaladas sete novas Varas Federais, sendo a de Guaíra, no Paraná, e as de Capão da Canoa e Gravataí, no Rio Grande do Sul,

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em localidades onde não havia ainda Justiça Federal, e acrescentou-se em Porto Alegre e Canoas, no Rio Grande do Sul, em Foz do Iguaçu, no Paraná, e em Itajaí, em Santa Catarina, consolidando ainda mais a interiorização da Justiça Federal no âmbito da 4ª Região. Além disso, instalaram-se JEFAs em Ibaiti, Paraná, e em Ijuí, Rio Grande do Sul, e estão adiantadas as tratativas para implantar em São Borja, Alegrete, São Gabriel, Jaguarão, Soledade e Marau, com o objetivo de dar melhor e mais fácil acesso à Justiça, especialmente nas questões previdenciárias.

Os Juizados Especiais Federais mereceram uma atenção especial, privilegiando-se as Turmas Recursais, com a instalação de mais quatro, o que totalizou dez na Região, sendo quatro no Rio Grande do Sul, três em Santa Catarina e três no Paraná, além de lhes dar uma relativa es-trutura funcional.

Como ocorreu nas gestões anteriores, neste biênio deu-se ênfase ao aperfeiçoamento de magistrados e servidores, com inúmeras atividades desenvolvidas pela Escola da Magistratura – Emagis e pela Diretoria de Recursos Humanos, respectivamente, destacando o II Seminário Brasil – Alemanha e os projetos Gentileza gera Gentileza e Gestão em Tela.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao longo de sua história, não tem medido esforços para atingir suas metas e manter o alto conceito alcançado. A Administração que ora se despede procurou manter esse pa-tamar num trabalho conjunto, Tribunal e Seções Judiciárias, magistrados e servidores, e, para mim, foi muito honroso ter feito parte dessa história.

O momento, então, é de agradecer e a muitos tenho de fazê-lo. Em primeiro lugar, agradeço a Deus, por ter me dado vida, saúde

e vontade de fazer; agradeço, do fundo de meu coração, à Cláudia, às minhasfilhas,aosmeusnetosefamiliares,pelosuportequemederamao longo desse período que ensejou tantos afastamentos. Vocês foram o meu sustentáculo.

Agradeçoameusparespelaconfiança,peloapoio,pelosvaliososconselhos e pela contribuição na solução das questões que surgiram ao longo desses dois anos.

Ao Colendo Conselho de Administração, composto pelos Desem-bargadores Élcio Pinheiro de Castro, Vice-Presidente; Luiz Carlos de CastroLugon,CorregedorRegional;ThompsonFlores,NéfiCordeiroe os suplentes Otávio Roberto Pamplona e Joel Paciornik, parabenizo

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pela celeridade na solução das demandas apresentadas ao Colegiado, agradecendo também pelo convívio enriquecedor.

Ao Vice-Presidente, Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro, agradeço por ter sido um companheiro incansável, com quem pude contar em todas as horas, e por sua dedicação na condução da Comissão que elaborou o novo Regimento Interno deste Tribunal e pela disponibilidade nas minhas frequentes ausências.

Aos Desembargadores Luiz Carlos de Castro Lugon, Corregedor Re-gional; Paulo Afonso Brum Vaz, Coordenador da Cojef; Álvaro Eduardo Junqueira, Coordenador do Sistcon; Tadaaqui Hirose, Diretor da Emagis; e Otávio Roberto Pamplona, Ouvidor, agradeço pelas iniciativas, pelo trabalho realizado à testa desses importantes órgãos de nosso Tribunal.

Aos Diretores do Foro, Marcelo De Nardi, da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul; Alcides Vettorazzi, da Seção Judiciária de Santa Catarina; e Danilo Pereira Júnior, da Seção Judiciária do Paraná, meu agradecimento, pela competência, parceria, compreensão,fidelidade,companheirismo e sugestões.

Meu agradecimento a todos os magistrados da 4ª Região pela dedi-cação e pelo comprometimento que tiveram, mantendo o alto conceito que a Justiça Federal da 4ª Região adquiriu. Destaco aqui o empenho do Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia e de sua equipe no desen-volvimento e na implantação do e-Proc, e dos servidores Rosi Capelari, Patrícia Valentina Ribeiro Santanna Garcia e Mairon Guerra Bathaglini quanto ao SEI.

Agradeço aos servidores, estagiários e prestadores de serviço tercei-rizados desta Casa, o que faço na pessoa da Dra. Eloisa Agra Hassen, Diretora-Geral, e dos Diretores que compuseram minha equipe: Cristian Ramos Prange, Diretor de Informática; Eduardo Eidelvein, Diretor Judi-ciário; Elaine Villar, Diretora Administrativa; Myrian Jungblut, Diretora de Recursos Humanos; e Roberto Capeleti, Diretor Financeiro, pela dedicaçãoepelafidelidade.

Agradeço aos advogados privados e públicos, à OAB das três Seções, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, aos Procuradores Públicos, à Advocacia-Geral da União, ao Ministério Público Federal, à Defenso-ria Pública, à Polícia Federal, a todas as entidades públicas e privadas, pela parceria, pela solidariedade e por terem, de um modo ou de outro,

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colaborado com o sucesso das diversas ações intentadas pelo Tribunal nesta gestão e, em especial, no desenvolvimento e na implantação do processo eletrônico em toda a 4ª Região.

Agradeço,enfim,atodososamigos,servidoresemagistradosqueajudaramnestacaminhadaequeafizerammenosespinhosa.

ÀDesembargadoraMargaIngeBarthTessler–cujafibra,dedicaçãoe competência, entre tantos outros predicados que possui, que dispensam apresentação –, que assumirá a Presidência neste ato solene; ao Desem-bargador Luiz Carlos de Castro Lugon e ao Desembargador Tadaaqui Hirose, que assumirão a Vice-Presidência e a Corregedoria Regional, respectivamente;eàsuaqualificadaequipe,osvotosdeumprofícuodesempenho e de uma exitosa gestão voltada ao melhor para a Justiça Federalda4ªRegião.Efinalizoestasbrevespalavrasenfatizandoqueagestão que ora se despede priorizou a informatização e o planejamento estratégico, tendo administrado com os pés no chão e os olhos no futuro, inspirando-se em John Kennedy, que apregoou: “Mudanças são a lei da vida. e aqueles que olham apenas para o passado ou para o presente vão certamente deixar o futuro escapar”.

Obrigado.

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Discurso*

Carlos eduardo thompson Flores Lenz**

Senhora Presidente,Senhores Desembargadores,Dignas autoridades civis e militares,Senhoras e Senhores.A presente sessão solene destina-se à posse dos novos Presidente,

Vice-Presidente e Corregedor Regional do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, eleitos para o biênio 2011/2013.

Cabe-me a honrosa missão de, em nome da Corte, saudá-los por essa investidura.

Contudo, antes de fazê-lo, é de justiça que me dirija ao Presidente cujo mandato ora se encerra, o eminente Desembargador Federal Vilson Darós, para dizer-lhe do reconhecimento dos seus Colegas pelo muito que realizou pelo Tribunal no período em que o dirigiu.

Com efeito, ao longo de seu mandato, o Presidente Vilson Darós perseguiu ambiciosos propósitos de bem servir à Justiça, destacando-se a implantação, com invulgar êxito, do processo eletrônico, empenhando todos os seus esforços no aprimoramento da prestação jurisdicional.

Ajusta-se com propriedade ao seu pensamento aquela passagem de

* Discurso de saudação à nova gestão do TRF da 4ª Região (2011-2013), proferido na sessão solene de posse dos novos dirigentes do Tribunal, em 20.06.2011.** Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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Michel Debré, Ministro da Justiça do Presidente De Gaulle, a respeito da sua preocupação com o aperfeiçoamento e a modernização do Judiciário:

“Je suis de ces républicains qui rêvent d’une justice habile et prompte, sévère et humaine, condamnant ceux qui méritent de l’être, protégeant l’innocence, statuant avec équité en tous domaines. il me paraît que la valeur de la justice et le respect dont ses décisions sont entourées attestent du degré de civilisation qu’un peuple a atteint.”(1)

Com toda a tranquilidade, pode Vossa Excelência ter a consciência do dever cumprido, de haver diligenciado por exercer, com dignidade, os pesados encargos da Presidência.

Tal reconhecimento, inclusive, deu-se no ano passado quando o Ins-tituto dos Advogados do Rio Grande do Sul conferiu a Vossa Excelência aComendaHonorífica“MagistradoExemplar”,pelosserviçosque,aolongo de sua vitoriosa carreira, prestou ao Direito e à Justiça.

Senhores:É da tradição deste Tribunal, prevista em seu Regimento Interno,

convocar para dirigi-lo, sucessivamente, os magistrados que, por mais longos anos, lhe hajam prestado serviços.

A escolha de seus dirigentes pelos próprios membros dos Tribunais é corolário do princípio da Separação dos Poderes. Na primeira Consti-tuição Republicana, a de 1891, estava expresso em seu art. 58:

“Art. 58 – Os tribunais federais elegerão do seu seio os seus presidentes e organizarão as respectivas secretarias.”

As Constituições de 1934 e 37 não a reproduziram. A Carta de 46 a restabeleceu em termos mais amplos, uma vez que não se refere ex-clusivamente ao presidente, como a de 1891, mas, de forma genérica, a órgãos de direção, entre os quais se incluem os cargos de Vice-Presidente e de Corregedor.

Da mesma forma, a Constituição de 1967, com as alterações da Emenda Constitucional nº 7/77.

A Constituição em vigor dispõe, em seu art. 96, I, a, ao assegurar o princípio da competência dos Tribunais para eleger os seus dirigentes:

“Art. 96. Compete privativamente:I – aos tribunais:a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das

normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e

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o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;”

Ao completar esse dispositivo constitucional, a Lei Orgânica da Ma-gistratura Nacional estabeleceu, em seu art. 102, verbis:

“Art. 102 – Os Tribunais, pela maioria de seus membros efetivos, por votação secreta, elegerão dentre seus Juízes mais antigos, em número correspondente ao dos cargos de direção, os titulares destes, com mandato por dois anos, proibida a reeleição. Quem tiver exercidoquaisquercargosdedireçãoporquatroanos,ouodePresidente,nãofigurarámaisentre os elegíveis, até que se esgotem todos os nomes, na ordem de antiguidade. É obrigatória a aceitação do cargo, salvo recusa manifestada e aceita antes da eleição.”

O insigne Min. Rodrigues de Alckmin, um dos autores da Reforma Ju-diciária de 1977, ao discorrer sobre o assunto em conferência proferida na Escola Superior de Guerra, com a sua autoridade de um dos mais ilustres magistradosquepontificaramnoSupremoTribunalFederal,salientou:

“Outra medida proposta no projeto da Lei Orgânica da Magistratura, original, diz com a eleição dos dirigentes dos Tribunais.

Restringe-se a escolha a um reduzido número de candidatos e veda-se a reeleição do presidente.

Amedidavisa,aoquesemeafigura,reduziratritosedesavençasinternas,tãodanosasao prestígio do Poder Judiciário.”(2)

A objetividade do critério, porém, não desmerece, antes valoriza, o alto valor dos escolhidos.

E, no presente caso, a eleição da Presidente Marga Tessler, do Vice--Presidente Castro Lugon e do Corregedor Regional Tadaaqui Hirose, uma vez mais, o tempo conspirou no acerto da escolha com os nossos sufrágios.

É de se assinalar, ainda, a singular circunstância de apresentarem os empossados,noquedizcomassuascarreirasprofissionais,marcantesafinidades.

Vossas Excelências integram os quadros da magistratura federal de carreira, trilhando, sempre pelo critério nobilitante do merecimento, extensa jornada até a promoção a esta Corte.

Fizeram parte, nos respectivos Estados, da composição do Tribunal Regional Eleitoral.

Juristas forjados no exercício da magistratura federal, há, na seme-lhança das etapas vencidas, a exteriorização do mesmo espírito que anima o exercício da judicatura e das mesmas qualidades que adornam

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os melhores juízes.Desembargadora Marga Tessler:Ao assumir a Presidência desta Casa, transfere-se a Vossa Excelência

aChefiadoPoderJudiciárioFederalda4ªRegião.Relevantes e distintos serão, portanto, além daqueles concernentes ao

próprio Tribunal Regional Federal, as exigências a que Vossa Excelência, Senhora Presidente, terá de atender em prol do Judiciário Federal da 4ª Região, compreendendo as seções judiciárias dos Estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná.

As garantias de que elas serão satisfeitas encontram-se na brilhante trajetória já percorrida por Vossa Excelência.

Formada pela Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre, obteve a láurea acadêmica.

Após ser aprovada com destaque em concorrido concurso público, ingressou, primeiramente, na Procuradoria do Banco Central e, poste-riormente, em 1988, na magistratura federal.

Possui os mestrados em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre e em Administração da Justiça pela Fundação Getúlio Vargas, sendo autora de inúmeros artigos publicados em con-ceituadas revistas forenses.

nesta Corte, que integra desde 1994, já exerceu, entre outros, os cargos de diretora da escola da Magistratura e de Vice-Presidente.

alcança, agora, a Presidência do tribunal coroando brilhante car-reira na magistratura, na qual conquistou todas as dignidades que a judicatura pode proporcionar, revelando as qualidades de uma grande juíza para quem a Presidência da Corte parece naturalmente destinada.

na gestão do eminente desembargador Vilson darós foram dados passos decisivos no aprimoramento da prestação jurisdicional na Justiça Federal da 4ª região.

esperamos, com ânimo renovado e com a colaboração inestimável do Conselho da Justiça Federal e do Conselho Nacional de Justiça, prosseguir nesses trabalhos, visando a reduzir, ainda mais e dentro dos limites do razoável, o acúmulo de serviço, que constitui, em realidade, a grande deficiência doPoder Judiciário, com reflexos negativos nasegurança jurídica e na estabilidade social.

A respeito, acentuava, no já distante ano de 1901, o então Ministro

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da Justiça Epitácio Pessoa, verbis:“Diminuto,insignificante,quasenulo,entretanto,éoacréscimodedespesasqueele

custa, 30:000$ talvez para os cofres da União, comparado com o resultado que é destinado aproduzirdiretamentenaordemjudiciáriae indiretamentenaordemfinanceira,poisésabidoqueacertezadejustiçaprontavivificaaatividadedasrelaçõescomerciaisecivis,cujo desenvolvimento não se opera sem proveito para os cofres públicos.

Encaramoproblemasomenteporumafaceosqueemnomedasdificuldadesdasituaçãofinanceiraimpugnammedidasdeutilidadequeimportampequenosacrifício,porqueointe-resse público, uno e idêntico como é em sua vasta complexidade, não pode ser considerado isoladamente em cada um dos seus diferentes aspectos.

Boasfinançasdependemdeumbomestadosocial,enãoháestadosocialsatisfatórioondenãohájustiçapronta,boaeeficaz,munidadeórgãosbastantesparaatendersemde-moraatodasassolicitaçõesdodireito,queoconflitodosinteressesedaspaixõeshumanaspossa determinar.

Nada é mais triste do que o curso de uma demanda, que se prolonga três, quatro e mais anossemsoluçãofinal,comonãorarosucedeentrenós,ouporqueopessoaldajustiçaéinsuficienteparadarimpulsoatodososprocessos,ouporqueoaparelhodajustiçaédefei-tuoso e perro em seu funcionamento.

Quem sofre os incômodos de semelhantes delongas ou os conhece pela observação dos fatosdificilmenteseaventuraapromoverjudicialmenteareparaçãodoseudireito,porqueépreferívelperdê-loaperdercomeleaconfiançanostribunais,etaléosentimentoquesevai generalizando, com manifesto prejuízo do prestígio moral que deve fortalecer as grandes instituições destinadas especialmente à garantia dos direitos individuais.”(3)

A Reforma Judiciária promovida pela Emenda Constitucional nº 45/04 pouco fez para resolver o verdadeiro problema do Poder Judiciário, que é a demora na prestação jurisdicional.

Lamentavelmente, dita reforma iniciou-se sem a indispensável elaboração, por parte dos órgãos competentes, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, dos necessários estudos preliminares, com a feitura de um verdadeiro “Diagnóstico da Justiça”, após a colheita dos dados imprescindíveis à confecção desse importante documento.

Nesse sentido, colha-se a advertência do notável magistrado Arthur Vanderbilt, em sua clássica obra Minimum Standards of Judicial admi-nistration, verbis:

“Most judicial reforms fail, or are disappointing, because they are not based on adequate study of the particular conditions in which they are expected to operate or because they are adopted without adequate comparison with the experience with similar attempts, of finally because they lack the support of the moral force of the community.”(4)

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Ademais, outras providências objetivas precisam ser adotadas no âmbito da União com o propósito de descongestionar a Justiça, sobre-tudoatãoreclamadasimplificaçãodasleisprocessuais,conferindo-seefetividade às decisões judiciais para que sejam cumpridas sem delongas, em especial aquelas que envolvam o Poder Público.

Em exaustivo estudo solicitado pelo Ministério da Justiça da França, conclui, nesse tópico, o Magistrado Jean-Marie Coulon, verbis:

“L’effectivité des decisions de justice est la condition du respect de l’autorité judiciaire et de la sécurité juridique. une bonne et prompte exécution des jugements (qui représentent 86% des décisions judiciaires) constitue le fondement de la crédibilité de la justice.”(5)

O aumento da litigiosidade na esfera cível envolvendo o Poder Público tende a aumentar, motivo pelo qual precisam ser adotadas, com urgência, medidas legislativas que permitam às pessoas lesadas em seu direito a pronta execução do julgado, agora com mais razão considerando-se o disposto no art. 5º, LXXVIII, da CF/88, na redação da Emenda Consti-tucional nº 45/04.

Nofinaldosanossessenta,talfenômenojáeradetectadonosEsta-dos Unidos, ocasionando o congestionamento das Cortes Federais de Apelação.

É o que informa Paul Carrington, Professor da Michigan Law School, em artigo publicado na prestigiada Harvard Law review, verbis:

“it seems quite likely that the united States will become involved in more civil disputes in the future. this prognosis rests not merely on a prediction that the Government will be involved in more and larger programs involving a larger number of potential adversaries, but also on a prediction about the attitude of those potential litigants toward litigation.

a modern trend has favored subsidy over regulation for new programs. to an increasing degree, such programs are regarded less as acts of grace by a benevolent government, and more as a source of proprietary rights that are suitable subjects of litigation, and it seems not unlikely that challenges will receive a hospitable hearing in the federal courts.”(6)

Por outro lado, impõe-se, também, o aprimoramento do sistema de recrutamento de juízes.

Nesse passo, papel relevante poderá ser desempenhado pelo Conselho Nacional de Justiça, podendo o futuro Estatuto da Magistratura criar junto a esse órgão um Centro Nacional de Estudos Judiciários que forneceria propostas de aperfeiçoamento do modelo de ingresso na magistratura.

Proposições fundamentais – repetindo Wolfgang Röd(7) – não são

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apodícticas, mas sim proposições problemáticas; existem alternativas para elas, tratando-se de se escolher, em cada ocasião, a alternativa mais produtiva.

Émister,frenteaosnovostempos,enfrentarosdesafiosqueseapre-sentam promovendo todos os esforços para proporcionar uma pronta distribuição da Justiça.

Ponhamos ao dispor dos juízes instrumentos hábeis para que, libertos deumaprocessualísticacomplexaeinadequada,dificultandoatramita-çãodosprocessos,possamdistribuirumaeficienteerápidasoluçãodoslitígios, como o exige a Constituição.

Senhora Presidente:Vossa Excelência possui os predicados necessários para enfrentar os

desafiosqueselheapresentam.A seu lado, compartilhando a direção do Tribunal, como Vice-Pre-

sidente, conta Vossa Excelência com o Desembargador Castro Lugon, magistrado que todos admiram e respeitam.

À frente da Corregedoria, contará com a experiência e o tirocínio do Desembargador Tadaaqui Hirose.

A administração desta Corte está entregue a mãos exemplares.São elas dignas do prestígio e do respeito que este Tribunal, desde a

sua instalação, tem desfrutado no seio da Nação brasileira.Muito obrigado.

Notas1 in DEBRÉ, Michel. trois républiques pour une France: Mémoires.

Paris: Albin Michel, 1988. Tomo II. p. 333.2 in ALCKMIN, José G. Rodrigues de. Conjuntura Política nacional:

O Poder Judiciário. Conferência publicada pelo Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra, 1978, p. 22.

3 in obras Completas de epitácio Pessoa: No Ministério da Justiça. Rio de Janeiro: MEC, 1959. Tomo V. p. 364.

4 in VANDERBILT, Arthur T. Minimum Standards of Judicial admin-istration. Published by the Law Center of New York University, 1949. p. 65.

5 in COULON, Jean-Marie. Réflexions et Propositions sur la Procédure Civile. Paris: La Documentation Française, 1997. p. 106.

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6 in CARRINGTON, Paul D. Crowded Dockets and The Courts of Appe-als: The Threat to the Function of Review and the National Law. in Harvard Law review (1968-9). v. 82. p. 548-9.

7 in RÖD, Wolfgang. der Weg der Philosophie. München: Verlag C. H. Beck, 1996. Tomo 2. p. 549.

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Discurso*

João Carlos de Carvalho rocha**

Excelentíssima Senhora Presidente, Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler, na pessoa de quem saúdo todos os Magistrados aqui presentes e em especial os nobres integrantes desta Corte; Excelen-tíssimos Membros do Ministério Público Federal e dos Estados aqui presentes; Excelentíssimo Deputado Federal Marco Maia, Presidente da Câmara dos Deputados, na pessoa de quem cumprimento todos os integrantes do Poder Legislativo nas três esferas da Federação; Excelen-tíssimo Advogado-Geral da União, Ministro Luís Inácio Lucena Adams, na pessoa de quem cumprimento todos os representantes do Poder Exe-cutivo nas três esferas da Federação; estimado Doutor Claudio Pacheco Prates Lamachia, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Rio Grande do Sul, na pessoa de quem saúdo todos os advogados presentes; senhoras e senhores:

A cidadania encontra-se em festa e vem a esta Corte participar deste momento de júbilo. Repetindo rito periódico e republicano, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região renova o seu quadro de dirigentes. Como Procurador-Chefe da Procuradoria Regional da República da 4ª Região, acompanhei com proximidade o muito que foi feito no último biênio e

* Discurso de saudação à nova gestão do TRF da 4ª Região (2011-2013), proferido na sessão solene de 20.06.2011.** Procurador-Chefe da Procuradoria Regional da República da 4ª Região.

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honra-me poder saudar os dias que estão por vir.Dirijo minha mensagem inicial ao Desembargador Federal Vilson

Darós, que hoje passa o comando desta Corte à Presidente Marga Tess-ler. Desembargador Darós, fui testemunha do seu trabalho diuturno em prol do contínuo aperfeiçoamento da prestação jurisdicional em segunda instância, com o vigor infatigável de quem não esmorece pela magnitude dosdesafios.Revestidodefirmezaobstinada,quenuncarecuoudiantedos percalços, mas deles soube tirar proveito para melhor executar os projetos aos quais se lançara.

Recordo que nos últimos anos, com a crise econômica mundial atin-gindo mais os países desenvolvidos do que os emergentes, com a nova conformação geopolítica que fez surgir os BRICs, tornou-se comum dizer que o Brasil não é mais o país do futuro, porque o futuro, outrora sempre anunciado e reiteradamente adiado, tornou-se o nosso tempo presente. Aqui não é o momento nem o lugar para analisar a verdade dessa assertiva em todos os setores nacionais.

Mas não resta dúvida de que na Justiça brasileira o TRF da 4ª Região tem feito do futuro o tempo comum no qual vivemos.

E para esse mister contribuiu decididamente o biênio no qual a Cor-te esteve sob a presidência do Desembargador Vilson Darós. Nenhum outroTribunalatendecommaisempenhoeeficiênciaàsmetastraçadaspelo Conselho Nacional de Justiça. Nenhum outro Tribunal implantou em período tão célere o processo eletrônico, nem de forma tão radical. Digo radical porque aqui, na porção meridional desta grande República brasileira, o processo eletrônico foi concebido na sua acepção verdadeira e estrita, como processo inteiramente virtual, que substitui e sucede ao antigo procedimento da palavra impressa em papel.

Todo esse labor foi realizado ouvindo e colhendo o aprendizado ob-tido com os parceiros deste Tribunal, notadamente o Ministério Público, a advocacia pública e privada, a Polícia Federal e os órgãos da União. A esses marcos de gestão e aperfeiçoamento tecnológico, associa-se a sensibilidade social que marcou este último biênio, evidenciada na bem sucedida realocação da Vila Chocolatão, projeto no qual o TRF 4ª Região e o Ministério Público Federal estiveram e estão juntos, assegu-rando moradia digna e condições de vida e educação para mais de duas centenas de famílias.

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Durante esse biênio, a presidência da Corte certamente contou com a colaboração de todos os seus integrantes, mas destaco notadamente o empenho incessante do Vice-Presidente Élcio Pinheiro de Castro, magistrado em tempo integral, exemplo de sabedoria e virtude, sempre preocupado com a jurisdição e a boa prestação da justiça. Vossa Excelên-ciabemsouberesponderaodesafioqueseavizinhavaem2009,comasinovações legislativas a respeito do instituto da repercussão geral, bem como quanto ao contínuo aperfeiçoamento do regimento interno da Corte.

Saúdo também o Corregedor Regional Castro Lugon, que hoje assume a Vice-Presidência. Vossa Excelência ostenta, com modéstia e orgulho, as virtudes dos vossos antepassados helvéticos, ciosos da liberdade, da justiça e da autenticidade. Durante dois anos esteve ao seu encargo o difícil mister de exercer a disciplina sobre os juízes. Corrigir, antes de punir,significaprevereensinar,mastambémapartaresancionar,sempreque necessário. Vossa Excelência soube exercer a correição de forma simultaneamente generosa e severa, mantendo a higidez do corpo da Justiça Federal da 4ª Região, para que permaneça a Instituição saudável e respeitada, merecedora do reconhecimento nacional.

Nesta tarde Vossa Excelência passa a exercer a Vice-Presidência da Corte, e, além do papel de colaborador direto da nova Presidente, caberá a Vossa Excelência o exame de admissibilidade dos recursos, justamente no Tribunal com menor índice de congestionamento processual entre os cinco Tribunais Regionais Federais, e com reconhecida capacidade de inovação e vanguarda. Esse mister haverá de ser exercido com o equilí-brioentreorespeitoaotermodosconflitoseaautoridadedosjulgados,e, de outro lado, com o zelo pela correta aplicação da Constituição e das Leis frente à realidade complexa da sociedade brasileira, a merecer apacificaçãoda jurisprudência doSuperiorTribunal de Justiça e doSupremo Tribunal Federal.

Na Corregedoria Regional assume o Desembargador Tadaaqui Hirose. Nascido paulista de Guaimbê, cidade construída pela determinação da colonizaçãonipônica,masfilhodaterraparanaensedesdeosseuspri-meiros anos, tendo passado toda a vida naquele Estado, desde a sua tenra infância até a posse como desembargador federal em novembro de 1999. Todos os que atuam perante a Justiça Federal da 4ª Região reconhecem e admiram o vosso conhecimento jurídico, o zelo pela correta aplicação

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do Direito e vossa capacidade de trabalho e senso de disciplina. Todas essas qualidades haverão de brilhar mais uma vez, com luz ainda mais intensa,nosdesafiosqueaguardamnaCorregedoriaRegional.

Por último, e com ainda maior relevo, saúdo a nova Presidente, De-sembargadora Marga Tessler. Vossa Excelência oferece a esta Corte, para o biênio 2011-2013, o generoso acúmulo de conhecimento e sabedoria, forjadas no compromisso ético com a realização do Direito. O TRF 4ª Região tem muitas razões para felicitar-se por estar sob vosso seguro comando.

Aolongodevossatrajetóriaprofissionaleacadêmica,sempresepre-ocupou com a efetividade dos princípios mais caros ao Direito, com a justiça, a ética, a probidade, a moralidade, a busca da verdade, a reparação doatoinjustoeapromoçãodapaz.Manteve,simultaneamente,areflexãointelectual em torno dos temas jurídicos de vanguarda, notadamente nas áreas do direito constitucional, ambiental, sanitário, direitos humanos e administração da justiça, com contribuições das mais relevantes para a doutrina nacional.

Osdesafiosqueseavizinhamsãomuitos.Acadadiahánovasformasde criminalidade, de violação da intimidade, de manipulação de verdades outrorafactuais,defraudesaoconsumidoreàsfinançaspúblicasepriva-das, de impactos socioambientais, a demandarem a atuação do Judiciário.

Entretanto, a mesma ciência e a mesma tecnologia que trazem esses novos reptos instrumentalizam o Judiciário a enfrentá-los e superá-los, medianteoplanejamento,adefiniçãodeprioridades,aqualificaçãodosmagistrados e o uso instrumental dos novos saberes em prol da agilidade, daeficáciaedaeconomicidadejudicial.Astecnologiasdeinformaçãotêmum papel central nesse processo, mas não podemos esquecer que atrás de toda TI há a dimensão humana, a mesma dimensão humana que deve ser objeto da atenção e do respeito de toda e qualquer inovação tecnológica.

Neste sentido o processo eletrônico é um marco histórico, como aqui járessaltado,masnãoéumfimemsimesmo.Legitima-sepelosbonsfrutos que traz à sociedade, e não por sua inerente condição transitória de novidade.

Se a sociedade brasileira espera, cada vez mais, uma Justiça ágil, efetiva e próxima, deseja também que essa Justiça seja leve, pois o aparatojudicialnãoéumfimemsimesmo,eoprotagonismosocialda

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Magistratura, reconhecido que o Direito não coincide necessariamente comavontadeestatal,deveseharmonizarcomolivrefluirdaprópriasociedade pluralista e democraticamente organizada.

Abuscapelaconciliação,avalorizaçãodasoluçãodosconflitosdi-fusos mediante processos coletivos, a política constitucional da Corte, construída a partir do exercício da cláusula de reserva de plenário, são vetores para uma Justiça ao mesmo tempo leve e próxima da cidadania. Vale, a respeito, a lição de Gustavo Zagrebelsky, segundo o qual é “(...) a política constitucional, que deriva das adesões e dos abandonos do pluralismo, e não a Constituição, que poderá determinar os resultados constitucionais históricos concretos”.1

Nãoobstanteadificuldadedosdesafiosqueseapresentam,muitasvezes francamente contraditórios, o ideal de uma Justiça ágil nas suas decisões,acessívelatodaapopulaçãoesemdéficitdequalidade,valedizer, de uma “Justiça para uma sociedade justa”, correspondente ao nosso mundo complexo e multifacetado, nunca esteve tão próximo. Inda-gado a respeito do que entendia por sociedade justa, Zygmunt Bauman, testemunhaoculardetantasutopiasmalogradas,assimadefiniu:“Uma‘sociedade justa’ é aquela que pensa não ser justa o bastante, que questio-naasuficiênciadosníveisdejustiçaalcançados,sejamelesquaisforem,e considera que a justiça está sempre pelo menos um passo adiante”.2

Senhora Presidente, senhores dirigentes, Vossas Excelências atende-ram à gloriosa convocação para a persecução desse horizonte, a cada dia deste novo biênio, e assim nos biênios seguintes, construindo o TRF 4ª Região o legado de uma Justiça que seja, de fato e por princípio, solidária e intergeracional. Nesse mister a Corte sempre contará com a colaboração ativa do Ministério Público Federal e dos seus Procuradores da República.

Esta é uma tarde de júbilo. Esta Corte está de parabéns! Contudo, mais além deste Plenário, estão de parabéns o povo catarinense, gaúcho e paranaense, que podem contar com o trabalho e a dedicação dos novos dirigentes da Justiça Federal na 4ª Região. Saúdo todos na aurora da renovação!

Muito obrigado.

1 el derecho dúctil, 2003, p. 14, tradução livre.2 Bauman sobre Bauman – diálogos com keith tester, 2011, p. 75, destaque é do original.

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Discurso*

Claudio Lamachia**

Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler, Digníssima Presidente deste Tribunal;

Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Vilson Darós, Dig-níssimo Presidente deste Tribunal;

Excelentíssimo Senhor Dr. Tarso Genro, Digníssimo Governador do Estado;

Excelentíssimo Senhor Deputado Adão Villaverde, Digníssimo Pre-sidente da Assembleia Legislativa do Estado;

Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro, Digníssimo Vice-Presidente do TRF4;

Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Digníssimo Corregedor Regional da Justiça Federal, ora empos-sado na Vice-Presidência;

Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Tadaaqui Hirose, ora empossado Corregedor Regional da Justiça Federal;

Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral de Justiça, Dr. Eduardo de Lima Veiga;

Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral do Estado, Dr. Carlos Hen-

* Discurso de saudação à nova gestão do TRF da 4ª Região (2011-2013), proferido na sessão solene de 20.06.2011.** Presidente da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB/RS).

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rique Kaipper;Excelentíssima Senhora Defensora Pública-Geral do Estado, Dra.

Jussara Maria Barbosa Acosta;Excelentíssimos Senhores Desembargadores;Excelentíssimos Senhores Juízes;Excelentíssimas autoridades já nominadas pelo cerimonial;distintos colegas advogados e advogadas aqui presentes;minhas senhoras e meus senhores:Peço licença a Vossas Excelências para render inicialmente uma

homenagem de reconhecimento da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio Grande do Sul – ao ilustre sempre Presidente desta corte, Desembargador Vilson Darós, e a todos os desembargadores que integraram a Direção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região pelo exemplar trabalho de leal cooperação e profícua integração com a ad-vocacia, o que vem assegurando a continuidade da acentuada melhoria da prestação jurisdicional que nos orgulha e envaidece. É imperioso reconhecer que nunca nos faltou a convicção de que a excelente relação institucionalqueconstruímosteriasignificativosepromissoresavanços.

excelentíssimo Senhor desembargador Vilson darós – estimado amigo:

Saúdo calorosamente Vossa Excelência, como o permanente estimu-lador de iniciativas recíprocas, que resultaram na realidade da melhoria do atendimento aos advogados, na agilização dos procedimentos, em mudanças necessárias e oportunas, como na implantação do Processo Eletrônico, em fase de consolidação e aprimoramento.

OProcessoEletrônicoágil,seguro,confiável,frutododiálogoexaus-tivocomadvogados,juízeseservidores,incluindoprofissionaisdaáreada informática e da eletrônica, deverá se tornar realidade indispensável, desdequesepossaalcançaraunificaçãodosdiversossistemas,facilitandodessa forma o dia a dia dos advogados.

Mas o que preciso e desejo registrar nesta hora, por um imperativo de justiça, são a permanente e louvável atenção e a disponibilidade que me foram dispensadas, o atendimento pessoal de todas as Subseções da Ordem que acorreram ao Tribunal, ora liderando suas comunidades no encaminhamento de suas justas reivindicações, ora pleiteando atenção para as Varas e Postos da Justiça Federal de seus municípios. Foram

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tantas essas oportunidades e tão vivas estão na minha memória as ma-nifestações dos colegas Presidentes das Subseções, que não tenho receio emafirmarquetodas,incluindoatémesmoaquelasqueaindanãoforamcontempladas em seus pedidos, todas, repito,proclamamamagníficarecepção e acolhida que Vossa Excelência, desembargadores e juízes do TRF4 proporcionaram às suas delegações.

Para a ordem, que prioriza as relações institucionais como funda-mentais para a conquista de objetivos, da melhoria dos serviços, da satisfação dos interesses maiores dos cidadãos, para a manutenção da harmonia e da integração indispensável, suas atitudes, seusfidalgosgestos e seu exemplo marcam indelevelmente sua trajetória brilhante de magistrado íntegro, Presidente muitas vezes precursor, realizador, afável e respeitoso, e merecidamente respeitado amigo dos advogados. Nosso reconhecimento pela sua harmoniosa e exitosa gestão.

Senhora Presidente: A Ordem dos Advogados do Brasil – pelo seu Conselho Federal e

pelas Seccionais dos Estados do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, aqui está presente. Coube-me a honra e o privilégio de falar em nome do Presidente do Conselho Federal, Ophir Cavalcante, e dos Presidentes Paulo Borba e José Lucio Glomb neste solene momento que, pela sua magnitude, é motivo de júbilo e satisfação para os milhares de advogados que aqui representamos.

desembargadora Marga inge Barth tessler, Vossa Excelência assume a Presidência deste Tribunal, mercê de

suas incontestáveisvirtudesedasuanotóriacapacidadeprofissional.Sua invejável trajetória é penhor de segurança para a continuidade da vida profícua e exemplar deste Egrégio Tribunal que honra sobremodo a magistratura federal do nosso País.

Nesta belíssima solenidade, repete-se o sempre festejado ritual da democracia. Não é simplesmente um ato formal. É a posse de magistra-dos de escol, preparados para substituírem condignamente destacados membros da magistratura federal, o Desembargador Vilson darós, o Desembargador Élcio Pinheiro de Castro e o Desembargador Luiz Car-los de Castro Lugon, nesta solenidade empossado Vice-Presidente deste Tribunal, aos quais prestamos nossas efusivas homenagens.

No simbolismo deste solene ato, destaca-se, mais uma vez, não só

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a investidura de novos dirigentes, mas o encerramento de uma etapa extraordináriade realizações,deaudaciosos,firmese segurospassosno campo da modernidade processual, próprias da sabedoria de pessoas predestinadas a marcarem seu tempo nas instituições pelas quais passaram com notável desempenho.

A Ordem aqui vem participar deste momento, plena de júbilo e de reconhecimento.

Tão fortes, sinceras e transparentes foram as atitudes, os gestos de fidalguiaedistinção,afranquezaealealdadeemtodososmomentos,atémesmo naqueles em que houve divergência, que a referência se impõe. É preciso que todos os que participam deste distinto e seleto plenário tomem conhecimento dessa importante circunstância que testemunhei e vivi aqui, nestes últimos quatro anos e meio de mandato como Presiden-te da Seccional e que certamente haverá de ter continuidade. Expresso meu reconhecimento ainda a todos os sempre presidentes desta corte, nas pessoas da Desa. Maria Lúcia Luz Leiria e da Desa. Silvia Maria Gonçalves Goraieb, com as quais privei ao longo destes quatro anos e meio que tenho a honra de estar presidindo a OAB/RS.

Opovobrasileiro,comodizemaspesquisas,sempreconfiouecon-tinuaaconfiarnaJustiça.Eelatraduzequilíbrio,equidadeeharmonia,quando conta efetivamente para a sua realização com a participação de Advogados, Juízes, membros do Ministério Público e servidores de Tribunais com tradição, como a do nosso querido e respeitado Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Senhora Presidente, Senhoras e Senhores:EsteimportantemomentoparaaAdvocaciaGaúchamepermitereafir-

marque,noexercícioprofissional,lapideiminhaformaçãojurídicacomoespíritonareflexãoesentiafundamental necessidade da existência de íntima colaboração da Magistratura e da Advocacia na distribuição da Justiça.

Reconheci, desde cedo, o papel fundamental do Advogado na reali-zação da justiça, apontando os fundamentos do direito em que repousa a causa de seu cliente. Pela ação colaboradora do Advogado, o juiz terá sua atençãoatraídaparaopontofundamentaldademanda,afimdedecidir,cuidadosa e criteriosamente, produzindo uma sentença justa. A advocacia é, sem sombra de dúvidas, verdadeiro múnus público, sendo indispen-

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sávelàadministraçãodajustiça.OEstadoconfiaaoJuizadireçãoeadisciplina do Processo. Natural é, então, a ação conjunta do Advogado e do Juiz, para que ocorra a segura solução do pleito. O Advogado deve preservar, contra tudo e contra todos, o cunho liberal e humanista da suaprofissão,estafundadanaliberdadedeconvicção,porquantotenhacomofundamentoadignidadedapessoahumanaealivreafirmaçãodasinfinitastendênciaseinclinaçõesdohomem.

Cumpro, portanto, o honroso e indeclinável dever de cumprimentar efusivamente Vossa Excelência, em nome da advocacia, desejando-lhe muitoêxitoeplenarealizaçãodanobremissãoquelhefoiconfiada.

Senhora Presidente:Sabe Vossa excelência o quanto a Constituição cidadã ampliou

as possibilidades de litigiosidade. Como também sabe que o cidadão passou a ver, no Judiciário, o estuário natural de suas reivindicações. Tenho convicção de que Vossa Excelência, a exemplo do que foi feito pelos sempre presidentes desta corte, saberá enfrentar com coragem e determinação a dura realidade da prestação jurisdicional que precisa ser modificada,aprimorada,comoesforçodetodosnós.

Vossa Excelência, desde o primeiro momento, quando foi à OAB nos convidar para esta solenidade, já afirmou sua determinação demultiplicar suas tarefas e suas atribuições, abrindo seu gabinete para a sociedade, estimulando o diálogo e o debate com a Ordem, o Ministério Público, a Defensoria Pública e os servidores, evidenciando interesse e uma vontade incomum de realizar o melhor possível diante das notórias limitações. Aqui podemos sentir o progresso, o avanço, e reconhecer a féeaconfiançanumfuturomelhor,justamentequandoaNação,aindacom lamentável frequência, se mostra perplexa e traumatizada pela onda de corrupção que invadiu, nos últimos anos, nunca imaginados setores indispensáveis à vida nacional.

Saibam que os frutos da boa semente que plantamos com este Egrégio Tribunal serão certamente colhidos pela sociedade.

A Ordem dos Advogados do Brasil, que Vossas Excelências, Presi-dente Darós e Presidente Marga, honraram no exercício da Advocacia, continuará a capitanear, com as Associações de Magistrados, com as Associações do Ministério Público, com as Associações dos Defensores Públicos, com as Associações de Advogados Públicos e uma imensa rela-

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ção de entidades que bem representam o povo gaúcho, campanhas como o Agora Chega! – contra a violência e a corrupção de todos os matizes.

A ordem nunca transigirá com a impunidade e a corrupção. Manterá firmesualutacontraessaverdadeiraepidemiaquechegaatornarbanalo saque ao erário público, a propina descarada e os subornos de muitos que detêm mandatos populares.

A OAB/RS tem certeza de que Vossa Excelência, como todos os Magistrados que integram este Egrégio Tribunal, haverá de responder positivamente aos anseios de justiça plena que brotam do seio de nossa gente.

Sabemos nós que uma Nação não tem propósitos momentâneos, tran-sitórios. Ela deve ter suas bases assentadas em valores perenes, sobre os quais as gerações futuras devem espelhar-se para assegurar nossa grandeza e prosperidade.

A ordemtemconsciênciadequedeveagircomfirmedeterminaçãona busca desse objetivo e que, nesse contexto, por vezes alarmante, ainda há um refúgio sagrado onde viceja o ideal de servir, de cumprir o dever e deobedeceràlei.Refiro-meatribunais como este que hoje nos recebe.

Portudoisso,nestemomentodegala,solene,deluzedeflores,esteEgrégio Tribunal interrompe sua labuta cotidiana para realizar, mais uma vez, o sempre festejado e aplaudido ritual da democracia.

Confesso-lhes que experimento, sempre que aqui venho, a emo-ção que invade a alma do advogado que sou, no honroso exercício da Presidência da Seccional gaúcha. Aqui, onde o cidadão deposita seus anseios de justiça, é o lugar no qual o advogado exercita por inteiro seu importante e elevado ofício. Aqui, onde o Ministério Público exerce sua nobre missão, o juiz cumpre sua relevante tarefa: proclamar a palavra do direito, augusta, humana, justa e necessária. É daqui que emanam as decisões que a sociedade almeja e requer, com fé e respeito; que o cidadãorecolheoaltruísticosentimentodeconfiançanaexistênciadoEstado Democrático de Direito.

É aqui que se promove o debate, se busca a aplicação da lei, se requer o amparodoPoderquetemaatribuiçãodejulgaroshomenseosconflitos,dirimir as dúvidas, afastar as angústias, fortalecer e consagrar a ordem jurídica. É aqui, neste augusto recinto, que se administra e se faz Justiça.

Vem daí a respeitosa consideração dos que labutam neste Tribunal e

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dos que nele depositam suas esperanças na prevalência da equidade na hegemonia da liberdade, na supremacia do direito e no reinado da Justiça.

Tenho para mim que o povo que vive no sul do Brasil deposita toda asuaconfiançanaJustiçaFederale,porisso,bateàsportasdesteTribu-nal, pedindo ao seu Presidente a instalação de uma Vara nos municípios mais distantes desta Capital. Creio que esta é a mais autêntica prova de reconhecimento do seu importante trabalho.

Assim, a ordem, que sempre se destacou na vanguarda da luta pelo restabelecimento pleno do estado democrático de direito em nosso país, querreafirmarnestemomentosuadisposiçãodenãoesmorecerjamaisna luta pela consolidação da democracia e na perseguição das metas que assegurem progresso, bem-estar e paz social para o povo brasileiro.

A par de nossas sabidas responsabilidades de zelar de forma intran-sigentepelasprerrogativasprofissionais,fiscalizaraatuaçãodetodosos seus inscritos, em consonância com os preceitos contidos em nosso Estatuto, no Código de Ética e Disciplina e na legislação pátria, segui-remos implacáveis no combate à impunidade e à corrupção. É o que espera de nós a sociedade brasileira e particularmente as entidades civis que ombreiam com a ordem, principalmente ao longo dos últimos anos.

Senhora Presidente,Vivemos as inquietudes de um ciclo histórico que se cumpriu e outro

que já iniciou sua vigência. Cabe-nos encontrar os caminhos que possam servir ao desenvolvi-

mento, mas que se priorize a educação e a Justiça. A primeira, por ser fundamental para o crescimento racional não apenas produtivo, mas capaz de satisfazer necessidades fundamentais para uma vida digna da população. De dignidade lhes falo e, portanto, nada mais próximo da dignidade do que o conceito verdadeiro de Justiça.

Advogados que somos, comprometidos com a sociedade, diante da expressa determinação constitucional, queremos, sim, continuar a ser participantes ativos e indispensáveis para a administração da Justiça no âmbito de jurisdição deste Egrégio Tribunal. E, assim como estivemos até a presente data irmanados pelo espírito fraterno de cooperação e des-prendimento, desejamos prosseguir aliados aos esforços da Digníssima Presidente e dos demais membros da sua Diretoria.

desembargadora Marga Barth tessler:

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Desde sua colação de grau no Curso de Direito da PUCRS, onde foi aluna laureada, Vossa Excelência palmilhou os caminhos do êxito, dofecundolaboredaacentuadadistinçãoprofissional.Seucurrículoéadmirável e extraordinárias são suas experiências acumuladas ao longo davidaprofissional,comoProcuradoraEstadual,ProcuradoraFederale, motivo de orgulho para a ordem, brilhante advogada.

Ao seu lado, para o cumprimento de importantes atribuições, estará o eminente desembargador Luiz Carlos de Castro Lugon, igualmente advogado demarcante atuação profissional, ex-Procurador-Chefe doIapas, Consultor Jurídico do Inamps, com destacada folha de serviços prestados.

Exemplar no exercício de suas funções, deixa a marca de profunda sen-sibilidade e compreensão no trato das questões pertinentes à advocacia.

Para o seu lugar, como Corregedor Regional, recebe o TRF4 o vigo-roso impulso proveniente da experiência e da consagrada competência do Desembargador tadaaqui Hirose.

Em nome da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio Grande do Sul, transmito a Vossas Excelências meus respeitosos e efu-sivos cumprimentos e a Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, desejamos êxito na gestão que ora se inicia e felicidade constante.

Muito obrigado.

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Discurso*

tadaaqui Hirose**

Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Vilson Darós, Pre-sidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em nome de quem saúdo as demais autoridades presentes.

Prezados Juízes Federais Substitutos hoje empossados: é com gran-de prazer e imensa honra que, a partir de agora, posso chamar Vossas Excelências de colegas.

A Justiça Federal da 4ª Região está de parabéns por reforçar seu já qualificadoquadrodejulgadorescomprofissionaistãocompetentes.Ossenhores comprovaram a sua capacitação e o seu conhecimento jurídico aovencer,degraupordegrau,cadadesafioimpostoporestequeéumdos mais concorridos concursos para a magistratura no Brasil. Entre 2.861 candidatos inscritos, os 25 aprovados representam apenas 0,87%.

É uma conquista de dimensão incalculável. Essa distinção, porém, a par de ser motivo de justo orgulho para os senhores e para seus fa-miliares e amigos, é também o momento em que lhes é outorgada uma árdua e perpétua responsabilidade: a nobilíssima missão de julgar, de interpretar o direito para fazer justiça – sem nunca esquecer que, atrás de cada calhamaço dos antigos autos de papel ou de cada página virtual no

* Discurso proferido em saudação aos 20 Juízes Federais Substitutos empossados em Sessão Solene realizada no TRF da 4ª Região em 06.06.2011.** Desembargador Federal, então Diretor da Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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moderno processo eletrônico, há vidas de pessoas de verdade que vêm às portas do Judiciário buscar amparo contra violações de toda ordem.

O disputado certame, que chega a seu ponto culminante na presente sessão solene de posse, atinge esse ápice no ano em que a Escola da Magistratura do TRF completa uma década de destacada atuação. No decorrer desse decênio, ao longo das sucessivas gestões, a jovem Emagis tornou-se conhecida e reconhecida em todo o país.

Integrando a programação comemorativa ao 10º aniversário, a partir de amanhã a Escola realizará o Curso de Formação Inicial na Carreira daMagistratura.Atéofinaldapróximasemana,asatividadespretendemfamiliarizar os novos juízes com os principais aspectos da rotina judici-ária e do funcionamento da Justiça Federal da 4ª Região. Os conteúdos programados estão em sintonia com as diretrizes traçadas pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Como Diretor da Emagis e Presidente da Comissão Examinadora do 14º Concurso Público para Provimento de Cargo de Juiz Federal Subs-tituto, aproveito para agradecer de público ao inestimável trabalho dos demais componentes da banca: Desembargadores Federais Luiz Fernando Wowk Penteado, Joel Ilan Paciornik, Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle e Ricardo Teixeira do Valle Pereira; Doutores Luiz Felipe Lima de Ma-galhães e Raimar Rodrigues Machado; e Professores Roberto Catalano Botelho Ferraz e Sérgio Cruz Arenhart. Com desprendimento, dedicação e saber jurídico excepcional, prestaram valiosíssima contribuição para que o certame tivesse sucesso e chegasse a este bom termo.

Agradeço ainda ao Presidente do Tribunal, pelo apoio permanente à Comissão Examinadora; e aos servidores da Emagis, em especial à Assessora Isabel Cristina Lima Selau, que secretariou o concurso. Sem oauxílioqualificadodessecorpofuncional,restabemclaroqueseriainviável a própria Corte organizar um processo seletivo de tamanho vulto e tão grande complexidade.

Dito isso, é imperioso que eu retome o tema mais importante desta tarde e de todas as suas jornadas de agora em diante: a divina e humana responsabilidade de julgar, essa missão que é fardo e bênção a um só tempo.

Bênçãoporquenãohá incumbênciamaisgratificantedoqueade

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buscar justiça. Muito mais importante do que o poder do cargo é a opor-tunidade de cumprirmos nossa função social. Aliás, esse é o objetivo dasnossasprerrogativas.Essepodernãoéumfimemsimesmo,masummeioparaprestarmosumserviçodigno,eficienteeimprescindívelàsociedade e ao país. Somos agentes do Poder Judiciário, sim. Mas temos que ter, cada vez mais, a consciência de que somos também servidores públicos – e que isso muito deve nos honrar.

Ao mesmo tempo, é um fardo. E, aqui, essa palavra não tem nenhuma conotação negativa. Trata-se do dever que temos de dar a devida atenção aotamanhodenossaresponsabilidade.Semdesmereceroperfildequematuou no passado, em outros contextos históricos, a Justiça brasileira, acompanhando a evolução, mudou nas últimas duas décadas. Está mais democrática,aprimorou-separafazerfrenteaosdesafiosdoaumentodedemandaverificadoapartirdaConstituiçãode1988.

Os juízes estão mais modernos, mais próximos da população, tra-balham com novas tecnologias, despacham em processos eletrônicos, flexibilizamasrotinasjudiciárias,adotamasimplificaçãoeainformali-dade nos juizados especiais, propõem acordos, atuam com transparência, comunicam-se com os jurisdicionados inclusive por meio da imprensa.

Tudoissoébenéfico,masnãosepodeconfundiresseavançocomomissão,negligênciaouflexibilizaçãodelimiteséticos.Omagistradonão deve ser autoritário, mas tem que manter sua autoridade e sua integri-dade moral, seja na vida privada, seja na pública; é melhor que não seja austero e distante, mas essa mudança de postura não retira a seriedade do seu encargo.

Claro que, por nossa natureza humana, podem ocorrer falhas, mas nunca por falta de empenho, foco ou precaução. Como Charles Chaplin dissenofamosodiscursodofilmeo grande ditador, “Não sois máquinas, homens é que sois”. Não somos máquinas nem deuses. Somos pessoas. E essa dimensão humana, se nos torna falíveis, também é fundamental para julgarmos com razão e sensibilidade.

Nobres novos colegas: antes de concluir esta breve saudação, desejo aos senhores não apenas uma boa celebração por esta conquista tão relevante, mas uma profícua e exitosa carreira. A sociedade brasileira conta com seu talento, sua sabedoria, seu bom senso e sua dedicação.

E, para encerrar, quero compartilhar com Vossas Excelências um “so-

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neto jurídico” cujos versos foram compostos e cantados por um homem de grande talento nas Letras e no Direito: Luiz Carlos de Castro Lugon, Desembargador desta Casa de Justiça. Nestas estrofes inspiradas que agoracito,ficaparaosnovosjuízesumabelaliçãodopoetamagistradosobre o que de fato importa na concretização de seu elevado mister:

“Direito, meu amigo, é como o vinho que tramita no bojo do processo fluidoqueé,nãopodeandarsozinho e à mesa do conviva ter acesso Encontrarás, das lides no caminho, intérpretes de pose e de sucesso, que, atados aos grilhões do pergaminho, um passo a mais não dão pelo progresso Presos assim à letra tanto, tanto, cultuam mais o barro do que o santo esse legem habemus não aceito Quem a má exegese não descarta cuida demais que o vidro não se parta derrama e perde a essência do direito”1

Muito obrigado!

1 LUGON, Luiz Carlos de Castro. In: SEMINÁRIO sobre reforma do CPC começa no TRF com poesia e cultura jurídica. Portal da Justiça Federal da 4ª Região – Notícias, Porto Alegre, 4 ago. 2005. Disponível em: <http://www.trf4.jus.br/trf4/noticias/noticia_detalhes.php?id=4739> Acesso em: 3 jun. 2011.

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Discurso*

Leandro Cadenas Prado**

Exmo. Sr. Desembargador Federal Vilson Darós, Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na pessoa de quem peço vênia para saudar todas as autoridades presentes e já nominadas; amada Margarita Aquilina Cadenas, minha mãe, na pessoa de quem saúdo a todos os familiares, amigos e presentes. Era verão de 1993. Tinha completado recentemente 20 anos de idade e caminhava, ainda com bermudas e tênis, pelo centro de Curitiba. Ao passar em frente a uma agência dos Correios, vi um cartaz divulgando o concurso para os cargos de técnico, atendente e auxiliar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Nessa ocasião, eu sequer sabia o que era um TRF, ou a diferença entre STF e STJ. Lembro-me, aliás, de ter decorado, para o concurso, adiferençaentrecartaprecatóriaecartarogatória!Mesmoassim,fizainscrição e resolvi estudar até a data da prova. Fui aprovado e comecei a trabalhar como atendente, cargo que hoje foi renomeado para técnico judiciário. Minha lotação inicial foi na 1ª Vara de Execuções Fiscais, cujotitulareraohojeDes.FederalNéfiCordeiro,sendoqueoDiretorde

* Discurso proferido em nome dos 20 Juízes Federais Substitutos empossados em Sessão Solene realizada no TRF da 4ª Região em 06.06.2011.** Primeiro colocado no XIV Concurso Púbico para Provimento de Cargo de Juiz Federal Substituto da 4ª Região.

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Secretaria era o Dr. Marcos Hideo Hamasaki, hoje Juiz Federal e Diretor do Foro da Subseção Judiciária de Joinville. Naquela ocasião, o Diretor do Foro da Seção Judiciária do PR era o Des. Federal Tadaaqui Hirose, presidente da comissão deste concurso. Foi um ótimo período da minha vida. Aí comecei a entender o que era a JF e a tomar gosto pelo Direito. Em 1997 me formei em engenharia elétricaeem2000fuiaprovadonoconcursoparaauditor-fiscaldaReceitaFederal, cargo ocupado até ontem. Na despedida do cargo de técnico, lembro-me também de ter comentado com os colegas que eu iria para a Receita, mas voltaria à JF ocupando o cargo de juiz!! Como havia gostado muito da atividade, decidi, já naquela ocasião, investir meu tempo e meus estudos na realização desse sonho.E assim foi. Na mesma semana da posse como auditor, pesquisei dentre as faculdades da localidade aquela onde poderia cursar Direito e iniciei o curso no mês seguinte. Longos anos se passaram e, após uma centena de livros lidos, dezenas de canetas consumidas e milhares de páginas escritas, aqui estou, finalmente,realizandoosonhodamagistratura! Importante ressaltar que hoje já sei o que é um TRF, e também a diferença entre STF, STJ, carta precatória e carta rogatória!! Não tenho dúvidas de que essa minha história, em muitos aspectos, se assemelha à dos colegas que hoje tomam posse neste que é um dos cargos mais importantes da República, o que faz avultar nossa responsabilidade a partir de agora. O Poder Judiciário já não é mais um mero espectador relegado a segundo plano. No passado, tanto o Legislativo quanto o Executivo já estiveram em posição de destaque. Hodiernamente penso que esse posto cabe ao Judiciário, com o óbvio respeito que os demais Poderes merecem em um Estado de Direito. O constitucionalismo, a judicialização de políticas públicas, a garantia da dignidade humana e do bem-estar social, o efeito vinculante das decisões da Suprema Corte, o constante crescimento da busca por soluções judiciais, mormente após o advento dos juizados especiais, bem demonstram tal grau de relevância. E nesse ponto o papel do magistrado é crucial. Não detemos, e

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hoje já posso me incluir como tal, legitimação popular, já que não somos eleitos. O magistrado, em regra, ascende ao cargo por meio do concurso público, em um sistema tipicamente meritocrático. Isso busca dar a isençãonecessáriaparabemcumprirnossatarefa,pacificandoconflitosà luz da Constituição Federal. Ante a diretriz do amplo acesso ao Judiciário albergada pela atual Carta Magna, como se disse, o volume de demandas vem crescendo exponencialmente, restando quase inviabilizada a tarefa do antigo juiz, em face da quantidade assombrosa de feitos. O Judiciário em muito tem evoluído, tanto sob o aspecto legislativo quanto sob o pessoal e o administrativo. Citem-se inovações como as súmulas vinculantes, a abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, a exigência de repercussão geral nos recursos extraordinários, as regras dos recursos repetitivos, das ações coletivas e causas multitudinárias. Agregue-se a isso o nascimento do processo eletrônico, realidade que faz deste egrégio TRF exemplo nacional. Não se pode olvidar a recente criação de centenas de novas varas federais, algumas das quais geraram vagas ora preenchidas. Um dos objetivos foi o de levar para o interior a JF, fato que também destaca este TRF no cenário pátrio, já que a excelência das administrações que aqui se sucederam é facilmente percebida observando-se a interiorização na Região. Ademais, também importa lembrar a relevância da justiça itinerante e das turmas descentralizadas dos Tribunais, conforme previsto pela EC 45 de 2004. Nessecontexto,20novosjuízeshojesãoempossados.Odesafiodechegaratéaquifoigrande.Contudo,apartirdehoje,osnovosdesafiosserão ainda maiores e diferentes, no dia a dia da judicatura. Até ontem a relevância era pessoal. A partir de hoje, social! Além do conhecimento técnico, exige-se do novo juiz uma postura humana,paciente,tranquilae,aomesmotempo,seguraefirme. Acrescento que o novo juiz também deve ser um bom administrador. Não lidaremos apenas com leis e processos frios e sem rosto, mas também com pessoas e suas histórias. Igualmente teremos que administrar estoque de processos, prazos,

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estatísticas.Buscarformasdedarmaioreficiênciaaonossotrabalhoetambém tornar mais frutífero e produtivo o ambiente interpessoal e seus múltiplos relacionamentos. Enfim,sãomuitososdesafios.Masestoucertodequedispomosde todo instrumental para superá-los e, acimade tudo, e afirmo issocom convicção, em nome de todos, dispomos do desejo íntimo de poder distribuir a verdadeira Justiça a quantos dela necessitem. Porfim,gostariadefazeralgunsagradecimentos: Primeiramente a Deus, como quer que cada um dos senhores o conceba, pelo dom da vida. À Presidência deste egrégio TRF e à banca do concurso, que tão bemoconduziu,sempremostrando-serespeitosa,profissionaleisentaem todas as suas fases. Aos familiares e amigos que, cada qual à sua maneira, incentivaram, auxiliaram ou simplesmente torceram pela nossa aprovação. Nosso sucesso é também de vocês, obrigado! Que Deus nos abençoe.

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Discurso*

João Batista Pinto Silveira**

Eminente Desembargadora Marga Inge Barth Tessler, Presidente desta Corte, em nome de quem saúdo todas as autoridades presentes, caros colegas, magistrados, advogados, integrantes do Ministério Público, da Defensoria Pública, servidores desta Casa, familiares do empossado, senhoras e senhores, Desembargador Rogerio Favreto.

Inicialmente, agradeço a grande honra a mim conferida em momento tão solene e importante como a posse de um novo integrante desta Corte.

Serei o mais breve possível em minhas palavras. Curvo-me às carac-terísticas deste terceiro milênio. O mundo atualmente não comporta mais longos e eruditos discursos. Vivemos a era da necessidade de otimização do tempo, da informática, da comunicação visual, das redes sociais, do reconhecimento dos direitos das minorias. O mundo está mudando em velocidade talvez nunca antes detectada.

Entretanto,abrevidadepossívelaquemerefironãosignificasuperfi-cialidade, apenas representa uma busca pela essência fundamental daquilo quedeveserditoerefletidoemummomentocomoeste.

Mas, mesmo imbuído desse espírito de brevidade, pela riqueza da experiência de vida do Desembargador Rogerio Favreto e pelo seu ex-

* Discurso de saudação ao Desembargador Federal Rogerio Favreto quando da sua posse no TRF da 4ª Região, em 11.07.2011.** Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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tensocurrículoprofissionaleacadêmico,jáantecipoqueseráumadifíciltarefa. Prometo esforçar-me.

Inicialmente, cumpre ressaltar que o Dr. Rogerio Favreto vem integrar este Tribunal Regional Federal pelo quinto constitucional, havendo obtido o 1º lugar na Seccional da OAB/RS, bem como no Conselho Federal da OAB, com votação histórica na qual obteve indicação de 27 entre as 28 bancadas, integradas, cada uma, por 3 conselheiros federais votantes, o que vem a demonstrar, ainda mais, a legitimidade de sua representação. Tal fato espelha, sem sombra de dúvida, sua liderança junto à nobre classe dos advogados que representa, classe esta que também tenho o orgulho de representar neste Tribunal.

Neste tópico, não posso deixar de ressaltar e enaltecer a profícua e honrosa contribuição à Justiça prestada pelo Desembargador Federal Valdemar Capeletti, que durante mais de 10 anos exerceu a jurisdição nesteTribunal,semprefielàssuasorigensdeadvogadoecomprometidocom uma jurisdição célere e efetiva.

Sua Excelência, além da competência técnica, marcou sua atuação nesta Corte sempre com um espírito alegre, gentil com os colegas e aces-sível aos jurisdicionados na sua maior concepção, aliás, acessibilidade esta que se espera de quem presta tão relevante serviço à sociedade.

Para a vaga do Desembargador Capeletti, decorrente de sua mereci-da aposentadoria, foi escolhido, e hoje toma posse, o Desembargador Rogerio Favreto.

NascidonomunicípiodeTapejara/RS,em02.03.1966,únicofilhohomem de pais agricultores, atuou no apoio das atividades de agricultura familiar com o pai orlando, já falecido, e a mãe elidia Favreto desde a infância.

Com a companheira Marli Luzzaépaidaúnicafilha,isadora Luzza Favreto, nascida em 1º de abril de 1996.

Durante o ensino de 1º e 2º graus, estudou no turno da manhã e à tarde trabalhava na lavoura, restando a noite para as tarefas escolares e a preparação para as provas.

Osfinaisdesemanaeramparajogarfutebolcomosamigosevizi-nhos, brincadeiras nos rios e campinhos no interior de Tapejara/RS, afora eventuais bailes e matinês nos clubes paroquiais.

Seu gosto pelo futebol permanece até hoje. É fervoroso torcedor do

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Sport Club Internacional, sendo integrante do seu Conselho Deliberativo.Sabedor das dificuldades dos pais prescindiremde tempo integral

paraaslidesdalavoura,jáqueúnicofilhohomem,tevemuitadedicaçãoaos estudos pela valorização do esforço dos genitores na busca de outra formaçãoprofissional,afimderetribuirdepoisàfamília.

À época tinha a companhia da irmã Silvana, hoje dedicada e batalha-dora professora pública. Depois vieram a outras irmãs: Catia, enfermeira, e Fabiana, então colega advogada.

Mercê dessa situação, foi aluno esforçado em todo o curso primário e no secundário, logrando sempre aprovação antecipada e por média (comosedizianaépoca),mastudocommuitasdificuldadespessoaisefinanceiras.

Depois veio o ingresso na faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, tomando uma opção atípica para o seu meio social. Na escolha do curso de Direito à noite, pesou a necessidade de conciliar o trabalho e os estudos.

Ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo no segundo semestre de 1984. Foi um período de muitas descobertas e de muito esforço. As viagens diárias de 50 km para ir e 50 km para voltar eram difíceis, seja pelo tempo, seja pelo pó e pelo barro da maior parte do caminho sem asfalto. Mas tudo valia a pena pela esperança de que a graduação trouxesse um futuro melhor à família.

Logose identificoucomocurso,apaixonando-sepelas letras jurí-dicas, tempo que lhe despertou o interesse pela política estudantil, já ensaiada nas turmas de jovens rurais da Igreja Católica. Foi um período de descoberta vocacional, porém de muita austeridade em razão do alto custo da faculdade particular, quase incompatível com os recursos de que a família dispunha.

Osestudosforamdesafiadores,masavontadeearesponsabilidadeforam dando formato ao futuro advogado, forjando sua visão do direito como instrumento de justiça e transformação social.

Concluiu regularmente a faculdade de direito em 5 anos, com dis-tinção da melhor avaliação e obtendo o 1º lugar entre os formandos da Turma de 1989.

Ao mesmo tempo em que se preparou para a faculdade, o Dr. Favre-to fez concurso público, sendo aprovado em uma das três vagas para ocargodefiscaldaPrefeituradeTapejara,assumindoemjaneirode

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1985, ocasião em que deixou a família no interior para iniciar sua vida profissionalnacidade.

Mesmoassim,nuncadeixoudeiraoencontrodospaisnosfinaisdesemana, para auxiliá-los nas atividades da agricultura familiar, como retribuição a todo apoio recebido.

Logo no segundo ano do novo emprego, por questões políticas típicas da época, foi transferido provisoriamente para o Cartório Eleitoral da Comarca de Tapejara, para apoio no recadastramento eleitoral de 1986.

Desempenhou essa função de 1986 a 1989, o que lhe permitiu conciliar as lições teóricas com a prática forense, já que, além das atividades da Justiça Eleitoral, atuava no cartório judicial, em suas variadas rotinas, e, o que mais gostava, datilografando as sentenças manuscritas pelos magistrados que por lá atuaram. Dessa forma, aproveitava para estudar todooprocessoejápensarnaatuaçãodasonhadaprofissãodeadvogado.

Concluiu o curso em julho de 1989 e, já preparado para inaugurar sua atividade advocatícia, veio a notícia de que havia sido premiado com uma bolsa de estudos para a Escola Superior do Ministério Público em Porto Alegre, por ter obtido o primeiro lugar entre os formandos.

A partir daí, iniciou-se uma fase de adaptação com a vida da capital, seja pela ansiedade e pela necessidade de trabalhar para seu sustento, seja pela saudade da família. Entretanto, as coisas foram mais rápidas do que imaginava o jovem advogado: em dois meses já estava atuando na advocacia particular. Iniciou na área cível, trabalhista e de consultoria sindical, em um escritório estruturado em parceria com o então Depu-tado Estadual José Fortunati, hoje Prefeito de nossa Capital; o então vereador de Porto Alegre João Motta; e o ainda acadêmico de direito Ricardo Giuliani.

Foram cerca de 6 anos de advocacia privada, conciliados em parte com convites para assessoria jurídica e política. A primeira experiência foi a assessoria jurídica nas Câmaras dos Vereadores de Porto Alegre e Cachoeirinha, para elaboração das Leis Orgânicas Municipais. A partir dessas experiências e contatos surgiu o convite para a assessoria jurídica na Procuradoria do Município de Porto Alegre, o que o levou a despertar para a advocacia pública.

O interesse pela advocacia pública o fez retomar os estudos para os concursos públicos. Apesar da dura rotina de trabalho, obteve aprovação

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em dois concursos públicos no Município de Porto Alegre: Assessor para Assuntos Jurídicos e Procurador Municipal.

Teve rápida ascensão profissional noMunicípio dePortoAlegre.Em 1996 ocupou o cargo de Assessor Jurídico do Prefeito Municipal – funçãoequivalenteàsubchefiajurídica,comaatribuiçãodeassessorardiretamente o então Prefeito Tarso Genro, hoje Governador de nosso Estado,cujapresençatrazumsignificadotodoespecialaestasolenidade.

Na sua gestão de dirigente da Procuradoria-Geral do Município de Porto Alegre, inovou na política proativa do advogado público, com destaque para o papel preventivo na esfera jurídica e a aproximação do operador do direito com a viabilização de políticas municipais. Com isso buscou superar a posição defensiva e predominantemente legalista stricto sensu, por uma visão informada pelos princípios constitucionais da Administração Pública, mormente o interesse público, a razoabilida-de,amotivaçãoeaeficáciadamáquinaestatal,combinadacomumaatuação do procurador público integrada com as demais áreas técnicas, emespecialasáreasfinalísticasdeprestaçãodoserviçoàpopulação.

Nessa linha, entre tantos, destaca-se o projeto instalado na PGM denominado “Junta Administrativa de Indenizações – JAI”, que fun-ciona como um juizado especial interno da Fazenda Pública Municipal, permitindo ao cidadão buscar a reparação de direitos violados ou danos ocasionados pelo poder público na via administrativa.

Dando continuidade a sua trajetória, agora no âmbito federal, foi As-sessorEspecialdaSubchefiaJurídicadaCasaCivil.ChefiouaConsultoriaJurídica do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Chefiou, também, a assessoria especial daSecretaria deRelaçõesInstitucionais da Presidência da República. Foi Secretário Nacional de Reforma do Judiciário, no Ministério da Justiça, período em que teve des-tacada participação na coordenação do II Pacto Republicano de Reformas Normativas, no combate à morosidade do Judiciário, no fortalecimento e na valorização da advocacia.

Destaco que o eminente Des. Federal Rogerio Favreto deu fundamen-tal contribuição na elaboração da lei que criou 230 varas federais e no projeto de fortalecimento da mediação e da conciliação, que foi gestado nesta Corte e difundido posteriormente em todo Brasil.

Não poderia deixar de referir, ainda, mesmo que de forma sucinta, o

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currículo do novo Desembargador no que diz respeito à sua vida aca-dêmicaeàsuavastaproduçãocientífica,igualmentericaseprofícuas,bem como na área do magistério superior.

Graduado como bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Univer-sidade de Passo Fundo, mestrando em Direito pela Unisinos, na área de Instituições de Direito do Estado, sua excelência teve 5 livros publicados. Entre outras atividades, foi (1) membro do Conselho Superior do Prêmio Innovare; (2) membro da Comissão de Direitos Humanos da seccional daOAB/RS;(3)membrodoConselhoCientíficodoObservatóriodaJustiça Brasileira, Presidente da Comissão de Alto Nível sobre Direitos do Trabalho; (4) Presidente da Comissão do III Diagnóstico da Defensoria Pública; (5) Membro Titular do Grupo de Trabalho Interministerial sobre Arbitragem; (6) Membro Titular e Coordenador do Grupo de Trabalho Interministerial sobre os Serviços Notariais e de Registro; (7) Coorde-nador do Comitê Interinstitucional de Gestão do II Pacto de Estado; (8) Presidente da Comissão de Acompanhamento do Curso de Capacitação de Magistrados e Servidores em Técnicas de Mediação.

Integrou representações internacionais do governo brasileiro, tais como: (1) representante do Brasil no Conselho de Direção de Consór-cios EUROsocial/Justiça – comissão europeia. Paris/França 2007/2010; (2) Coordenador Nacional junto à Conferência de Ministros de Justiça dos Países Ibero-Americanos – COMJIB, Madrid/Espanha 2007/2010; (3) participante da Iber Rede – Rede Latino-Americana de Cooperação Jurídica Internacional. Punta del Este/Uruguai 15 e 16/11 de 2007; (4) membro da Delegação Brasileira na 9ª Conferência Bienal “Igualdade e Justiça para Todos”, da Associação Internacional das Mulheres Juízas (IAWJ), Cidade do Panamá, 25 a 26 de março 2008; (5) Secretário--Geral Adjunto da Conferência dos Ministros da Justiça dos Países Ibero-Americanos.

Sua excelência também participou, a partir do ano de 2006, como conferencista e palestrante em cerca de 37 eventos internacionais da mais alta relevância, bem como de 82 eventos nacionais.

Cumpre-me destacar a sua coautoria em diversos livros jurídicos e projetos de lei, dentre os quais menciono os estudos e comentários à lei que criou o instituto das Ações Civis Públicas, instrumento de funda-mental importância em momento de tão excessiva carga de litigância

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envolvendo grupos e questões coletivas e homogêneas. Também foi autor de mais de 25 livros jurídicos, havendo prefaciado e apresentado em torno de 20 livros e publicações.

Exerceu o magistério na Escola Superior de Direito Municipal, no Curso de Especialização em Advocacia Municipal (Ufrgs), no Curso de Pós-Graduação em Direito Municipal (Centro de Ensino Superior de Santa Catarina – Cesusc) e no Curso de Pós-Graduação em Administração Pública (Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc).

Em continuidade, dirijo-me ao nobre colega para dizer que Vossa Ex-celência tem um longo futuro em nosso Tribunal. Esta Corte representa a união de esforços entre servidores, magistrados, advogados, procuradores federais, defensores públicos, da advocacia da Caixa Econômica Federal, membros da Advocacia Geral da União e tantos outros trabalhadores que, de forma direta e indireta, auxiliam na construção da boa e célere prestação jurisdicional que a sociedade tanto necessita e almeja.

É preciso reconhecer o trabalho contínuo e determinado, e quase sempre anônimo, da grande maioria dos juízes que, com idealismo e independência, realizam a Justiça cotidianamente.

Repasso-lhe neste momento, caro colega, o ensinamento que me foi generosamente ofertado pela atual Presidente desta Corte, Desembarga-dora Marga Inge Barth Tessler, por ocasião de minha investidura como Desembargador Federal, e que me tem sido de grande valia:

“Não vacile, Desembargador Favreto, em pedir auxílio para a tarefa que se inicia. Vossa Excelência recebe um Gabinete com excelentes servidores. Na dúvida, peça vista, passe os seus olhos pela questão, que veem melhor do que os olhos dos outros, pela singela razão de que se trata de seu olhar.”

Olhar este, acrescento eu, que vem a somar, a agregar e, por vezes, demonstrar outras perspectivas e nuances na complexa tarefa de julgar e decidir acerca de direitos alheios.

A função de julgar é tão antiga como a própria sociedade. Em todo aglomerado humano, por primitivo que seja, o choque de paixões e in-teresses provoca desavenças que hão de ser dirimidas por alguém. Esse alguém será o juiz.

A propósito, relata o jurista italiano Mauro Cappelletti:“Sob a ponte da Justiça passam todas as dores, todas as misérias, todas as aberrações,

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todas as opiniões políticas, todos os interesses sociais. Justiça é compreensão, isto é, tomar em conjunto e adaptar interesses opostos: a sociedade de hoje e a esperança de amanhã.”

Evidentemente que não há de ser somente o Poder Judiciário que irá arredar todas asmazelas sociais e econômicasque afligemnossasociedade, até porque lhe falece competência constitucional para tarefa tão ansiada, mas há de ser a justiça que, com seu permanente exemplo de independência e sensibilidade, seguirá a mostrar, por meio de suas justas e sábias decisões, o caminho para a construção de uma ordem social alicerçada nos princípios constitucionais, com a prevalência dos direitos humanos, defesa da paz, defesa da vida, numa sociedade mais livre, mais solidária, com menos pobreza e desigualdades sociais.

O Poder Judiciário tem um compromisso histórico e moral com a pre-servação dos valores fundamentais que protegem a dignidade da pessoa humana. Os juízes, em sua atuação institucional, não podem desconhecer a realidade insuprível dos direitos essenciais da pessoa, trate-se de direitos de primeira, de segunda ou de terceira gerações.

E a Justiça Federal teve e tem especial protagonismo nesta caminha-da de nossa pátria, na transformação da antiga colônia em país livre e soberano.

Muito embora tenha sido posto a dormitar latente durante certo período, o Judiciário Federal retomou sua existência e muito cresceu, especialmente nos últimos 20 anos. E não poderia ser diferente, tendo-se em conta os referenciais gigantescos do País, projetados a todas as áreas de sua intrínseca expressão enquanto Nação.

Gostaria, também, com a liberdade que nossa amizade permite, de relembrar ao mais novo integrante deste Colegiado as palavras que proferi ao assumir perante esta Corte e a sociedade o compromisso de contribuir para a melhor prestação jurisdicional possível: nunca tenha dúvidas, quando em choque uma pretensão individual frente ao legítimo interesse público, em optar pelos princípios que conduzem ao bem-estar social.

Nunca se pode perder de vista que a almejada ânsia pela distribuição plena e adequada da justiça somente será efetivada se esta for tempes-tiva. A plenitude, a integralidade, a correção da decisão, pouco ou nada representarão se ela não chegar a tempo.

Meu caro Desembargador Rogerio Favreto, Vossa Excelência agora passa a integrar o TRF da 4ª Região, que o recebe como uma das le-

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gítimas partes que compõem este todo, resultante da convergência de entendimentos, sempre na busca de cumprir sua missão de bem prestar a melhor jurisdição.

Encerro reportando-me ao mestre italiano Piero Calamandrei, que em suasreflexõescaracterizacomímparpropriedadearesponsabilidadedoato de julgar:

“Conheci um químico que, quando no seu laboratório destilava venenos, acordava às noites em sobressalto, recordando com pavor que um miligrama daquela substância bastava para matar um homem. Como poderá dormir tranquilamente o juiz que sabe possuir, num alambique secreto, aquele tóxico subtil que se chama injustiça e do qual uma ligeira fuga pode bastar, não só para tirar a vida, mas, o que é mais horrível, para dar a uma vida inteira indelével sabor amargo, que doçura alguma jamais poderá consolar?”

Caro colega e amigo, Desembargador Rogerio Favreto, seja bem--vindo,continuesuatrajetóriaprofissionaldesucessoe,principalmente,continue a ser feliz.

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Discurso*

rogerio Favreto**

– Exma. Desembargadora Federal Dra. Marga inge Barth tessler, Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região;

– Exmo. Ministro teori zavascki, representando a Presidência do Superior Tribunal de Justiça;

– Exma. Ministra rosa Maria Weber Candiota da rosa, representando a Presidência do Tribunal Superior do Trabalho;

Em nome de Vossas Excelências, saúdo todas as autoridades e mem-bros do Poder Judiciário.

– Em nome do Governador do Estado do RS, Dr. tarso Genro, e do Prefeito Municipal de Porto Alegre, Dr. José Fortunati, saúdo todas as autoridades do Poder Executivo;

– Exmo. Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Dep. Federal Marco Maia;

Em seu nome e do Presidente da Assembleia Legislativa do RS, Dep. Estadual adão Villaverde, saúdo todas as autoridades e representantes do Poder Legislativo;

– Em nome da Procuradora-Chefe Substituta da Procuradoria Re-gional da República da 4ª Região, Dra. Maria emilia Correa da Costa e do ex-Procurador-Geral da República, aqui presente, Dr. antonio

* Discurso de posse como Desembargador Federal do TRF da 4ª Região, em 11.07.2011.** Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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Fernando Barros e Silva, saúdo todos os representantes do Ministério Público Federal e Estadual,

– Exma. Conselheira taís Schilling Ferraz, representando o Conselho Nacional do Ministério Público;

– Exmo. Dr. Bruno dantas, hoje nomeado para o Conselho Nacional de Justiça;

– Em nome do Presidente da OAB Gáucha, Dr. Claudio Lamachia, saúdo todos os advogados, em especial os presidentes das subseções do RS, das seccionais do Brasil, os Conselheiros Federais e estaduais aqui presentes!

– Em nome do Presidente da Associação Nacional dos Procuradores Municipais, Dr. evandro Bastos, uma saudação especial a todos os co-legas Procuradores Municipais aqui presentes.

– Eminentes Desembargadores Federais deste Tribunal que ora passo a integrar;

Demais autoridades citadas pelo cerimonial;Servidores deste Tribunal;Dirigentes e representantes de entidades da sociedade civil;Profissionaisdaimprensa;Familiares e amigos presentes!Inicialmente gostaria de agradecer as palavras de boas-vindas e estí-

mulo do amigo e colega João Batista Silveira.Muito obrigado, não só por isso, mas por ter sido um dos principais

construtores desta vitoriosa caminhada. Espero continuar seguindo seus conselhos e honrar a nossa parceria. Somente amigos como você podem exagerar nos elogios e eventuais méritos do empossando. Conte sempre comigo!

Hoje é um dia de muita felicidade, não só para mim, minha família, mas para todos aqueles que compartilham da minha vida, cabendo ini-cialmente agradecer a deus por mais esta oportunidade e estar vivendo um momento de grande alegria e júbilo.

Mas como dizer o que sinto neste momento?Pensoqueamelhorformaédescreverumpoucodatrajetóriaprofis-

sional e de vida, para, acima de tudo, agradeceràspessoasquefizerame fazem parte dela e muito contribuíram para este momento de fortíssima emoção e grande felicidade, como também em outras conquistas.

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Procuro viver e curtir intensamente cada momento. Não faço planos de longo prazo. Acredito que isso decorre da minha origem humilde!

Para um guri da roça que tinha que conciliar a enxada com os cader-nos, para continuar estudando além do tradicional ensino fundamental – comume aceitável parafilhos de agricultores daminha região –,inicialmente queria apenas não ser mais um sem-terra, até porque, des-cendente de numerosa família italiana do interior de Tapejara – 15 tios –, meu pai ainda sequer tinha sua terra e trabalhava como arrendatário de uma pequena propriedade rural.

Mas isso somente foi possível pela bondade e pelo esforço dos meus pais,naexpectativadeoferecerumfuturomelhoraosseusfilhos.

Desde já, quero agradecer os ensinamentos da minha Professora do ensino primário, isolda Bertollo Giacomin, que me prestigia com sua presença. Muito obrigado pelas lições iniciais que servem até hoje de base para a minha vida. Aproveito o momento de saudosismo para agradecer a numerosa comitiva tapejarense que enfrentou os 350 km que separam Tapejara de Porto Alegre.

O faço nas pessoas do Prefeito Municipal de Tapejara, meu amigo e contemporâneo da Universidade de Passo Fundo, Seger Luiz Menegaz; e do ex-Prefeito e hoje Deputado Estadual Gilmar Sossella.

Obrigado pela presença de vocês e de cada um dos meus conterrâneos e amigos.

Sempre tive o sonho da faculdade, mas cursar o quê?Confesso que o curso de direito foi uma misto entre a fuga dos servi-

ços da lavoura praticados desde os cinco anos – na época não se falava em trabalho infantil – e a necessidade de estudar à noite para trabalhar durante o dia e pagar os estudos.

Mas o direito logo me cativou, combinado com curiosidade e mili-tância no movimento estudantil.

Foram cinco anos de intensas experiências e ansiedade de me ver advogado, para poder defender as causas e direitos dos cidadãos, em especial os mais excluídos.

Sempre sonhei e busquei trabalhar pela inclusão social e pela dimi-nuição das injustiças.

A conclusão da Faculdade trouxe um alívio e a expectativa de logo praticar a advocacia, mas também uma encruzilhada de difícil escolha.

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Pedi demissão da Prefeitura Municipal de Tapejara da função de fiscalqueexerciaporconcursopúblicodesde1985.Atéalugueiumapequena sala para o futuro escritório, no mesmo prédio do Fórum da Comarca de Tapejara, local onde atuei por mais de três anos como ser-vidor municipal cedido ao Cartório Eleitoral. Acho que imaginava captar os clientes desprovidos de defensores, mas em cidade pequena tudo e todos se conhecem...

Oportuno agradecer aos colegas de trabalho, em especial os magis-trados de então daquela Comarca, o que faço na pessoa da Dra. Maria isabel Pereira da Costa e dos promotores, hoje procuradores de Justiça, delmar Pacheco da Luz e Magali Manhart, que muito me apoiaram nos estudos e, em especial, na prática forense.

Mas, como disse, ao mesmo tempo em que estava muito ansioso para advogar, recebi no início de agosto de 1989 a notícia da premiação de uma bolsa de estudos para cursar a Escola Superior do Ministério Público em Porto Alegre.

Vibração e dúvidas sobre qual caminho seguir. Mas o incentivo dos familiares e amigos auxiliaram na opção de continuar os estudos.

Aí veio o novo desafio: encarar a cidade grande, a capital. Continuar estudando estava muito bom, mas precisava trabalhar para sobreviver.

Daí surgiu o convite para a arrojada proposta do meu primeiro escri-tório de advocacia e consultoria sindical, numa parceria com os colegas José Fortunati, hoje Prefeito de Porto Alegre, o amigo João Motta, hoje Secretário de Planejamento do Estado do RS, e o combativo advogado ricardo Giuliani.

Serei eternamente grato por essa oportunidade de trabalho e aprendiza-do,emespecialpelosignificadoprofissionalepelomomentodeamparo.

Gostei tanto da minha Porto alegre que, depois de uma experiência na assessoria legislativa da Câmara Municipal de Porto Alegre e na Procuradoria-Geral doMunicípio, fiz concurso paraProcurador do Município.

Na Prefeitura, especialmente na Procuradoria, tive minhas maiores realizaçõesprofissionaisdaadvocacia.

Aadvocaciapúblicamunicipaloportunizou-meodesafiodeconferirviabilidade jurídica às políticas públicas, sentindo de perto a efetividade dos benefícios à sociedade, ao mesmo tempo da permanente responsabi-

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lidadedeeficiênciaeboagestãodosrecursospúblicos.Aindamaisaquiem Porto Alegre, onde a cidadania é vigilante e participativa.

Agradeço a presença dos colegas e amigos da advocacia pública federal, estadual e municipal, o fazendo na pessoa dos amigos e cole-gas evandro Bastos e Cristiane nery, Presidente e Vice da Associação Nacional dos Procuradores Municipais.

Saúdo com muita emoção também os inúmeros colegas procuradores municipais, em especial os ex e atuais Procuradores-Gerais das capitais aqui presentes: de Curitiba, Fortaleza, Vitória, Recife, Salvador e Ara-caju – que possa não ter localizado. Somente a amizade e o saudosismo danossaconfrariadoFórumfizeramvocêsatravessaroBrasilparamedar um abraço.

O mais importante que levamos para a vida são as amizades, e vocês são verdadeiros amigos!

Caros colegas Procuradores Municipais, nossa luta continua pela constitucionalização da carreira de procurador municipal, a única ainda pendente deste valor expresso na Constituição. Contem sempre comigo! Certamente o Presidente Marco Maia vai conseguir uma brecha na pauta da Câmara dos Deputados para votar este ano a PEC 153.

Agradeço a presença massiva dos colegas da minha Procuradoria e servidores do Município de Porto Alegre, o que faço na pessoa do Presidente em exercício da APMPA – Associação dos Procuradores do Município, Dr. eduardo tedesco. Amigo e Prefeito Fortunati: na semana que passou tive que fazer um pedido simples que me foi muito difícil – o requerimento de exoneração. Inicialmente, não entendia por que demorei tanto para fazer singelo requerimento, mas era meu inconsciente que resistia ao desligamento da Prefeitura.

Foram mais de 21 anos de trabalho, participação em muitos projetos da nossa cidade e grandes amizades construídas e conquistadas.

MinhahistóriadevidaseconfundecomavidaprofissionalnoMuni-cípio. Colegas e amigos da Prefeitura: estarei de alma e espírito ainda presente nessa que até hoje foi minha segunda casa.

Aprendi muito na Procuradoria e fui honrado com o cargo de Procu-rador-Geralporoitoanos,porconviteeconfiançadetrêsPrefeitosdacapital, algo que inicialmente sequer imaginava.

Agradeço a confiança e os ensinamentos republicanos que recebi

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dos Prefeitos da capital, grandes gestores públicos, homens probos e comprometidos com as causas sociais e o fortalecimento da democracia.

Obrigado, ex-Prefeito João Verle, pela permanente transmissão da tranquilidade e pela orientação precisa, típica de alguém preparado e reconhecido desde a atuação no Tribunal de Contas do Estado.

Meu agradecimento ao ex-Prefeito e hoje Deputado Estadual raul Pont, pelos constantes ensinamentos de retidão e rigidez na aplicação dos recursos públicos. Seu prestígio é até hoje reconhecido pela população nos continuados mandatos populares no legislativo gaúcho.

Minha gratidão também ao ex-Prefeito, hoje Governador do Estado do RS, tarso Genropelospermanentesdesafiosdereflexãopolíticaejurídica,sempredesafiadorespeloseuadiantadoconhecimentoteóricoe pela visão transformadora do Estado.

Ex-Governador olivio dutra, embora não tenha lhe assessorado di-retamente, foi na sua gestão da Prefeitura que iniciei minha advocacia pública. Por isso, a honra pela sua presença e admiração pelo seu exemplo de homem público comprometido com as causas sociais.

Obrigado, meus sempre Prefeitos, pelas oportunidades, pela con-fiançaepelaapostanocrescimentoprofissional.Esperotercontribuídoparaaafirmaçãodademocraciaparticipativaeaboagestãopúblicadanossa Porto Alegre, há muito tempo reconhecida no cenário nacional e internacional.

Ao Governador e amigo tarso Genro, reforço o agradecimento por mais duas missões que recebi na sua passagem exitosa no Governo Federal.

Primeiro, na assessoria da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República e, por último, no comando da Secretaria Na-cional de Reforma do Judiciário no Ministério da Justiça.

Não foram somente postos nobres e de grande responsabilidade, mas compartilharcotidianamentedesuasreflexõessobreoaperfeiçoamentodoEstado,dademocraciaedaJustiçabrasileiramuitomedesafiaramefizeramcrescerprofissionalmente.

Espero que tenha atendido, pelomenos emparte, os desafios dereinvenção do Estado de Direito democrático, para compatibilizá-lo às transformações sociais e econômicas, como tarefa não só dos teóricos da democracia, mas também dos juristas conscientes da necessidade de

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efetivação dos direitos fundamentais e erradicação da pobreza.Momento de agradecer meus colegas e colaboradores do Ministério

da Justiça, em particular da Secretaria de Reforma do Judiciário, onde atuei por três anos e meio, o que faço em nome do meu amigo Marcelo Vieira de Campos, que tive a honra de ter como colaborador direto e chefe de gabinete e hoje me sucede na direção da Secretaria de Reforma do Judiciário.

OMinistériodaJustiçaconferiu-meosmaisdesafiadoresprojetosda minha vida, como a luta pela universalização do acesso à Justiça que construímos numa parceria estreita com as defensorias públicas de todo o Brasil.

O acesso à Justiça é mais que acesso à Jurisdição: é acesso aos direitos básicosdacidadania,eissodependemuitodaqualificaçãoedofortale-cimento da Defensoria Pública para bem representar as pessoas carentes.

Uma revolução democrática do direito e da Justiça só faz verdadeira-mente sentido no âmbito de uma transformação mais ampla, que inclua a democratização do Estado e da sociedade, como nos ensina o sociólogo português Boaventura de Souza Santos.

Quero assim agradecer o apoio e a presença dos defensores públicos estaduais e federais aqui presentes, em nome da minha amiga Franci-lene Gomes de Brito, Presidente do Conselho Nacional dos Defensores Públicos-Gerais e Defensora Pública-Geral do Estado do Ceará.

A missão mais delicada e de maior responsabilidade que recebi no Ministério da Justiça foi a formatação e a execução do ii Pacto repu-blicano de reforma da Justiça.

Governador tarso Genro: sob sua orientação no Ministério da Justiça, foram oito meses de negociação com os Presidentes do Supremo Tribunal Federal,daCâmaradosDeputadosedoSenadoFederal,paradefinirostemas prioritários da pauta das reformas do Sistema de Justiça.

Em parceria com as instituições e entidades representativas do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Advocacia, priorizamos a concre-tização dos direitos humanos e fundamentais; a agilidade e a efetividade da prestação jurisdicional; e a democratização do acesso à justiça.

Em pouco mais de um ano de execução do ii Pacto republicano, apro-vamos 14 leis e duas emendas constitucionais, que conferiram mais acesso, efetividade e agilidade à Justiça, além de inúmeros projetos em adiantada fase

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de tramitação legislativa, cabendo um agradecimento especial ao Congresso Nacional, que faço hoje em nome do atual Presidente da Câmara dos Deputa-dos, Deputado Federal Marco Maia, que muito me honra com sua presença.

Essesdesafioseoutrosoportunizaramumaestreitaecotidianarelaçãocomtodos os setores da Justiça, uma vez que conferimos à Secretaria de Reforma do Judiciário o papel de órgão de articulação e mediação entre os poderes e as instituições da Justiça.

Certamente isso despertou e animou a minha participação no processo de disputa desta vaga do quinto constitucional neste importante Tribunal.

O trabalho de reformas e execução de políticas públicas de efetivação de direitos somente foi possível pelo debate e pelas contribuições de todas as entidades da magistratura, do Ministério Público, da defensoria e da advocacia, que agradeço em nome das inúmeras entidades representadas nesta solenidade.

É momento também de agradecer o convívio e a parceria com os Tribunais Superiores, reiterando meu agradecimento pela presença do Ministro teori zavascki, exemplo de magistrado, também oriundo do quinto constitucional, meu mestre e incentivador em alguns ensaios acadêmicos, bem como aos amigos e Ministros do STJ aqui presentes, Benedito Gonçalves e antonio Carlos Ferreira.

Obrigado, mais uma vez, pela sua presença, Ministra rosa Maria Weber Candiota da rosa, do Tribunal Superior do Trabalho, com quem tive a honra de compartilhar e muito aprender na Comissão de Juristas de reforma do Direito do trabalho, onde desenvolvemos diversos projetos de inclusão dos trabalhadores no mercado formal e garantia dos seus direitos. Alguns já foram transformados em leis e outros ainda estão em gestação. Leve meu abraço ao Presidente do TST, o gaúcho João oreste dallazen, e aos demais amigos daquela Corte.

Aproveito para registrar o carinho pela presença do Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal José neri da Silveira.

Neste momento de posse sempre vem o questionamento: o que um advo-gado militante, com mais de 21 anos de advocacia, pretende na carreira da magistratura?

Sou advogado por vocação, mas hoje inicio uma nova missão de integrar a magistratura federal, esperando, com minha trajetória na advocacia pública e privada, somada às experiências de gestão pública, emprestar o esforço para bem honrar e responder às expectativas de tantos colegas e amigos incentivadores des-te projeto, na contínua busca da melhor prestação da Justiça aos jurisdicionados.

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Seestouaquinestemomento,depoisdelongoequalificadoprocessose-letivo, que disputei com nobres e competentes colegas, foi mais pelo apoio e pelo incentivo dos amigos do que por eventual merecimento meu.

Assumoessedesafiocomacompreensãoearesponsabilidadequenosensinou ruy Barbosa: “o Poder Judiciário deve ser o baluarte das nossas liberdades civis, o guarda da Constituição, o arbitrador dos limites da ação administrativa, o defensor da moralidade pública e o protetor supremo da nossa vida, honra, dignidade e igualdade perante a lei.”

Para tanto, entendo o direito como instrumento de justiça e transformação social, sempre aproximado da realidade contemporânea. Quando as instituições políticas do Estado falharem em seu dever de respeitar a Constituição e de observar as leis, o direito deve ser reposto e jamais prevalecer pela vontade de uma só pessoa, de um só estamento, de um só grupo ou, ainda, de uma só instituição.

Os direitos básicos do cidadão, na concepção de todas as declarações dos direitos do homem, compreendem, “além dos direitos individuais tradicionais, que consistem em liberdades, também os chamados direitos sociais, que con-sistem em poderes”. Mas “a realização integral de uns impede a realização integral de outros. Quanto mais aumentam os poderes dos indivíduos, tanto mais diminuem as liberdades dos mesmos indivíduos”, como nos ensina norberto Bobbio, na indispensável leitura da A Era dos Direitos.

Porissoqueodescomunalvolumedeprocessosnãosóremeteaodesafiodeagilizar a prestação jurisdicional, mas exige do magistrado uma dupla função: julgar rápido e julgar bem, porque por trás de cada processo existem pessoas humanas, famílias e vidas em jogo.

Daí a necessidade de sempre enfatizar que o Poder Judiciário tem um compromisso histórico e moral com a luta pelas liberdades e, nos dias de hoje, odesafiodepromovereefetivarosdireitosfundamentaisdaatualidade,quedevem proteger a essencial dignidade da pessoa humana. Por isso, exige-se a necessária sensibilidade do julgador, integrado com a sociedade e com o universo das reais causas que permeiam as pretensões judiciais.

Mais que distribuir Justiça, hoje os magistrados têm a missão de serem gestores da ação e dos processos, porque a plenitude e a correção de direitos pelas decisões pouco ou nada representam se não chegarem a tempo.

Por isso, é preciso construir a cidadania a partir do reconhecimento de que toda pessoa tem direito a ter direitos. Mas, para tanto, devemos dar efetividade

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àsregrasconstitucionaisebemaparelharequalificarosórgãosdeJustiça.Nessa seara, tive a honra de atuar em importante projeto de interiorização

da Justiça Federal, seja na priorização pelo Poder Executivo, seja na negocia-ção e na aprovação da Lei nº 12.011, de 2009, que permitiu a criação de 230 novas varas federais e a estruturação das turmas recursais federais, já em fase de implantação.

Outro tema que me aproximou ainda mais da Justiça Federal, em especial deste Tribunal, foi o programa de fortalecimento da conciliação, desenvolvido em parceria com o Ministério da Justiça, por meio de cursos de técnicas de mediaçãoecomposiçãodeconflitos,cujoprojetopilotofoiexecutadonoTRFda 4ª Região e depois expandido para outros tribunais, auxiliando também o programa Conciliar é Legal do CNJ.

Entendoquedevemostrabalharpelasuperaçãodaculturadoconflitoforjadapelo bacharelismo, centrado na lógica da guerra, e não da paz, buscando meios alternativosdedesjudicializaçãoemaiorcomposiçãodeconflitos,semprenodesafiodeconstruirumnovoparadigmavoltadoàpacificaçãosocial.

Na escolha de meu nome, trago a responsabilidade de bem representar o quinto constitucional, emprestando ao Judiciário a formação e a experiência adquirida na advocacia.

Agradeço a distinção da OAB gaúcha pela indicação em lista sêxtupla, em nome do Presidente Claudio Lamachia e dos Conselheiros Federais Cleia Carpi da rocha, Luiz Carlos Levenzon, renato da Costa Figueira, Gilmar Stelo e Luiz Felipe Magalhães, extensivo a todos os conselheiros estaduais, muitos aqui presentes.

Presidente Lamachia, depois faço a entrega da minha carteira, mas deixe reservado pelo menos o número 26.867, porque um dia posso precisar nova-mente.

Minha responsabilidade aumenta porque passo a representar a advocacia dos três Estados integrantes deste Tribunal: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Mas quero registrar especial agradecimento ao Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. ophir Cavalcante Junior, que, por imprevisto de última hora, não pode estar presente e hoje cedo me comunicou e felicitou.

Participei de muitas parcerias com a OAB, e conquistamos importantes avanços para a advocacia, desde as reformas legais pontuais até a lei da in-violabilidade do direito de defesa.

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Fica o agradecimento a toda direção e aos Conselheiros Federais de todos osEstados,muitosaquipresentes.Enfim,minhagratidãoatodaaclassedosadvogados.

Oportuno também manifestar a gratidão pela acolhida que recebi dos de-sembargadores federais deste tribunal, não só no processo de escolha da lista tríplice, como no estímulo e no apoio.

Faço-o em nome do ex-Presidente, Des. Federal Vilson darós, que magis-tralmente conduziu o processo de escolha e recentemente deixou o comando desta Corte.

Meu agradecimento também à Presidenta dilma rousseff pela escolha e pela nomeação para tão nobre missão.

Ocuparei vaga do nobre Desembargador Federal Valdemar Capeletti, já ocupada antes pelo Ministro do STJ Gilson dipp,oqueaumentameudesafioe minha responsabilidade.

Integro-me a esta casa em prol do cidadão e para trabalhar em favor da Justiça, do bem e da verdade e, acima de tudo, integro este Tribunal, cuja ad-miração já nutria como advogado, não só para trabalhar com muita humildade e dedicação, mas também para manter a harmonia e o prestígio que representa o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Para chegar até este honrado cargo de Desembargador Federal, num dos tribunais mais respeitados do Brasil, aprendi muito e conquistei novos amigos e assim espero continuar, porque do passado colhemos admiráveis lições para o amanhã.

Incorporo-me a este Tribunal com espírito coletivo e muita prudência – ain-da mais um tribunal regional, com atribuição nos três Estados do sul do país.

Mas o homem prudente, em determinadas situações, é o que ousa caminhos desabrigados.

Porfim,umagradecimento muito particular a minha família.Aos meus pais orlando e elidia pela visão de oportunizar os estudos e

porsempremeapoiarem,mesmocomosacrifíciofinanceiroeasobrecargade trabalho.

Sei que meu pai, pela precoce convocação divina, não pode estar vivendo esta alegria, mas sinto sua presença espiritual que sempre me guiou nessa caminhada.

À minha mãe elidia, pessoa de coração enorme em cujo vocabulário não existe a palavra não. Sempre lutou à frente da nossa família. Saiba, mãe, que os ensinamentos de humildade e trabalho são as coisas mais valiosas que carrego

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na vida, esperando poder retribuir seu esforço com dignidade e felicidade. obrigado pelo exemplo de caráter e amor que dedica a todos!

Às minhas irmãs, o carinho e o amor pela permanente parceria e pelo apoio, suportando minhas chatices e tensões. Mais que isso:

– à professora Silvana, sempre atenta e disponível para corrigir os meus textos jurídicos;

– à enfermeira Catia, também pelas consultas e cuidados médicos ao atribulado irmão;

– à colega advogada Fabiana pelas lições de economia e possibilidade dos debates jurídicos.

Enfim,obrigado pelo carinho, pelo amor e pelos conselhos ao Mano, mesmo sempre chegando atrasado para os almoços familiares.

Um abraço aos cunhados tiago e Carlos alberto.À Marli, companheira de muitas jornadas, a gratidão eterna pela permanente

parceria, pelo apoio e pelo carinho, inclusive nos momentos de afastamento, pois sempre foi compreensiva e, nas minhas ausências, no tempo em que residi em Brasília ou dediquei-me exageradamente ao trabalho, cumpriu o papel duplodemãeepaicomanossafilhaisadora. Sem teu apoio e tua orientação, não teria chegado até aqui.

isadora, minha princesa! Você, além de torcer e orar muito por mais esta conquista, expressando

mais uma vez a sua precoce maturidade, sempre entendeu minhas ausências, emprestando seu talento de me confortar e acalmar nas horas difíceis.

Filha, a saudade nos últimos anos foi difícil, mas agora estamos perto e juntos todos os dias. Não só para curtir a alegria deste momento, mas para poder compartilhar mais do cotidiano dos teus estudos e de tantas alegrias que vibramos juntos, como as fortes emoções do Beira-Rio, esperando novos títulos do nosso inter campeão de tudo!

te amo muito, minha pequena inspiradora!Que Deus continue me iluminando nessa nova missão.Fico extremamente honrado com tantos amigos reunidos num momento

especial da minha vida. Muito obrigado pela presença de todos.

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aCÓrdÃoS

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direito adMiniStratiVo e direito CiViL

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000933-26.2008.404.7119/RS

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

apelante: União Federaladvogado: Procuradoria Regional da União

apelante: Robispierre Giuliani da Silvaadvogado: Dr. Ronaldo Audis Cella

apelados: Os mesmos

eMenta

Direito autoral. Fotografia. Obra intelectual. Divulgação em revista sem a identificação da autoria. Violação dos arts. 24 e 108 da Lei nº 9.610/98 e dos arts. 5º, XXViii, e 37, § 6º, da CF/88. Cabimento da indenização por danos morais. doutrina e jurisprudência.

1. Com efeito, consoante bem assinalado na r. sentença, o dever de indenizar os danos morais decorre da violação dos arts. 24 e 108 da Lei nº 9.610/98, bem como do art. 5º, XXVIII, da CF/88.

No caso em exame, o ato ilícito foi reconhecido pela União, uma vez queapublicaçãodafotografiaemrevistadecirculaçãonacionalsemconstar o nome do autor da imagem, inegavelmente, violou o direito do autor, assegurando-lhe a necessidade da reparação.

Nesse sentido, confira-se a doutrina:HenriDesbois, in Le Droit D’Auteur. Paris: Dalloz, 1950, p. 129, n. 106; A. Lucas et H. J. Lucas, in Traité de La Propriété Littéraire et Artistique. Paris: Litec, 1994, p. 136, n. 128.

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A propósito, leciona Henri Desbois, na obra citada, p. 628, nº 606, verbis: “Le droit moral préexiste au contrat, puisqu’il est opposable à tous; de plus, il échappe à toute convention, inaliénable de nature comme les droits de la personnallité”.

Por conseguinte, considerando-se que o ato ilícito por parte da União foi reconhecido, ausente excludente de responsabilidade, impõe-se o dever de indenizar, pois presente a violação do direito moral do autor.

2. Precedentes do STF (RE nº 75.267-Guanabara, rel. Ministro Thomp-son Flores, in RTJ 67/837-842).

3. Apelações a que se nega provimento.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do rela-tório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresente julgado.

Porto Alegre, 06 de julho de 2010.Des. Federal Carlos eduardo thompson Flores Lenz, Relator.

reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal Carlos eduardo thompson Flores Lenz: É esteoteordar.sentençarecorrida,fls.117-125, verbis:

“Vistos e analisados estes autos.ROBISPIERRE GIULIANI DA SILVA ajuizou a presente ação ordinária contra a UNIÃO

FEDERAL, objetivando a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, em virtude de publicação de foto de sua autoria em revista de circulação nacional, cujos créditos autorais foram conferidos a terceiros.

Alegou,emsíntese,serfotógrafoprofissionalháváriosanos,atuando,emespecial,junto a jornais e revistas relacionados ao setor primário. Aduziu que em fevereiro de 2008 foisurpreendidopelapublicaçãodeumadesuasfotografiasnacapadaRevistaPolíticaAgrícola, tendo sido os créditos da mesma conferidos a Luis Carlos Vissoci e Thais Loren-zini. Relatou que em contato com a equipe da referida revista recebeu a informação de que afototeriasidocopiadadeum‘bancodeimagens’.Afirmouqueacondutadarequeridafere os preceitos insertos na Lei nº 9.610/98, que trata dos Direitos Autorais, bem como o artigo 5º, inciso XVII, da Constituição Federal. Juntou documentos.

Aparte-autorapromoveuemendaàinicial(fl.34).

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Citada,aUniãoapresentoucontestação(fls.37-67).Requereu,preliminarmente,suaexclusão do polo passivo, por ilegitimidade ou, subsidiariamente, o direcionamento do feitotambémcontraaEditoraGazetaSul,órgãodecomunicaçãoquecedeuafotografiaobjeto da lide ao Ministério da Agricultura, sem a indicação do autor da imagem. No mérito,afirmousetratarderesponsabilidadesubjetivaporpartedoEstado,jáquesetratade conduta omissiva da União. Discorreu acerca dos elementos da responsabilidade extra-contratual subjetiva. Alegou não haver dano material a ser ressarcido ao autor, porquanto estehaviavendidoafotografiaàEditoraGazetaSul.Referiunãoteroautorcarreadoaosautos provas concretas acerca dos dissabores sofridos em virtude do ocorrido. Requereu a total improcedência da ação.

Intimadasaspartes,oautorapresentouréplica,àsfls.55-61,nadainovandoquantoaomérito, apenas refutando os argumentos expendidos na peça contestatória.

AUniãorequereuarealizaçãodeprovatestemunhal(fl.63),oquerestoudeferido,àfl.64. Na mesma oportunidade, foi rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela ré, bem como a denunciação à lide aduzida pela mesma em relação à Editora Gazeta Sul.

Irresignada,aUniãointerpôsagravoretido,àfl.66.Realizadaaoitivadastestemunhasarroladaspelaré(depoimentosàsfls.94-96e107-

108).AUniãoapresentoumemoriais(fls.114-116),enquantoaparte-autorarestousilente

(certidãodafl.110-v).Vieram-me os autos conclusos para sentença.É o breve relatório. Decido.

I. MÉRITOPretende a parte-autora a condenação da União ao pagamento de indenização por danos

moraisemateriaisemvirtudededivulgaçãodefotografiaemrevistadecirculaçãonacionalsem a anotação do nome do autor da imagem.

Paraodeslindedacontrovérsia,impõe-se,inicialmente,identificaraespéciederes-ponsabilidade civil aplicável ao caso. Em tal sentido, alega a União Federal que seria o presente feito caso de responsabilidade subjetiva, uma vez que se trata de conduta omissiva intentada pela mesma.

Arespeitodotema,adoutrinaeajurisprudênciabrasileirasaindanãosepacificaram,havendo sobre o assunto duas posições. A primeira, que defende que a responsabilidade do Estado por conduta omissiva tem natureza subjetiva, com base legal no artigo 15 do antigo Código Civil. A segunda defende a teoria da responsabilidade objetiva tanto para a conduta comissiva como para a omissiva, aplicando-se, para ambos, a norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

No caso em tela, entretanto, não vejo necessidade de adentrar na aludida contenda, porquanto constato ter a parte-ré agido comissivamente, já que, além de não informar o nome do demandante como autor da imagem, atribuiu a terceiros os créditos por ocasião dapublicaçãodafotografianaRevistaPolíticaAgrícola,conformeseverificaàpágina01doencarteacostadoàfl.30dosautos.

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Sendo assim, para a caracterização do direito à indenização, segundo a doutrina da responsabilidade civil objetiva do Estado, devem estar presentes as seguintes condições: (a) efetividade do dano; (b) nexo causal; e (c) ausência de causas excludentes.

Em suma, o Estado será objetivamente responsável pelo dano causado ao administrado, sendo indispensável, é claro, que as provas encerrem elementos objetivos e, se possível, inequívocos acerca do objeto da lide, incumbindo aos litigantes o ônus de produzir as provas de suas alegações, nos moldes do art. 333, I e II, do CPC.

Do dano moral e material

Nos termos do acima exposto, resta caracterizado o primeiro requisito da responsabilidade civil, qual seja, a conduta (comissiva ou omissiva) da ré.

Passo, portanto, à análise da ocorrência do dano.Inicialmente, impende analisar a posição ocupada pelo dano moral no ordenamento ju-

rídicobrasileiro,afimde,logoemseguida,verificaraefetivaocorrênciadomesmonocasoconcreto e o direito do autor à eventual indenização.

Para o professor Yussef Said Cahali, dano moral

‘é a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, aintegridadefísica,ahonraeosdemaissagradosafetos,classificando-sedessemodo,emdano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.).’

Na verdade, a aceitação da doutrina que defende a indenização por dano moral repousava numa interpretação sistemática de nosso direito, abrangendo o próprio artigo 159 do Código Civilde1916(oqualrestoumodificadocomaintroduçãodonovoCódigoCivil)que,aoaludirà ‘violação de um direito’, não estava limitado à reparação ao caso de dano material apenas.

Antes da Constituição Federal de 1988, o dano moral não estava normatizado em nenhum diploma legal, o que levava ao entendimento de que não era um direito legalmente reconhecido.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, essa matéria passou a adquirir relevância em face do registro feito nos incisos V e X do art. 5º, que enumerou, entre os direitos e garan-tias fundamentais – consideradas como cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, CF/88) –, ‘o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem’ e declarou serem invioláveis ‘a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’.

A matéria ganhou maior relevância com a edição da Lei nº 10.406/2002, a qual instituiu o novo Código Civil Brasileiro, tendo em vista o que dispõe o artigo 186 do novel estatuto legal, in verbis:

‘Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,

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violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral , comete ato ilícito.’

Assim sendo, tendo em vista que, atualmente, não há mais discussão quanto à possibi-lidade de indenização por danos morais, ressalto que, para que o demandante faça jus ao ressarcimento, deve preencher aos pressupostos exigidos pelo nosso ordenamento jurídico, antes referidos.

Acerca da prova do dano moral, escreve o renomado jurista Sérgio Cavalieri Filho (Programa de responsabilidade Civil, 2005, p. 108):

‘(...) por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita por meio dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma dema-sia, algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou humilhação por meio de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar descrédito, o repúdio ou o desprestígio por meio dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.

Neste ponto, a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de re-percussão,porsisójustificaaconcessãodeumasatisfaçãodeordempecuniáriaaolesado.Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti que decorre das regras daexperiênciacomum.Assim,porexemplo,provadaaperdadeumfilho,docônjugeoude outro ente querido, não há que se exigir a prova do sofrimento, porque isso decorre do próprio fato de acordo com as regras de experiência comum; provado que a vítima teve o seu nome aviltado, ou a imagem vilipendiada, nada mais ser-lhe-á exigido do que provar, por isso o dano moral está in re ipsa; decorre inexoravelmente da gravidade do próprio fato ofensivo de sorte que, provado o fato, provado está o dano moral.’

Nessa esteira, refere a Constituição Federal, no seu artigo 5º, XXVIII, que ‘aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras’.

ALeideDireitosAutorais(Lei9.610/98),porsuavez,emseuartigo24,especificaosdireitos morais do autor, merecendo destaque os que seguem: ‘o de reinvidicar a autoria da obra a qualquer tempo; o de ter o seu nome indicado ou anunciado na utilização da obra; odeasseguraraintegridadedaobra,opondo-seaquaisquermodificações;odemodificara obra e o de retirá-la de circulação’ (grifei).

Depreende-se, por conseguinte, que os direitos morais do autor consubstanciam-se, basi-camente, na paternidade da obra e na sua integralidade, e têm por principais características a pessoalidade e a perpetualidade, pois a lei diz que são direitos inalienáveis e irrenunciáveis (art. 27 da Lei 9.610/98). Segundo o ilustre Prof. Dr. Sergio Cavalieri Filho, ‘esse direito, embora a lei o atribua com exclusividade ao autor (art. 28 da Lei 9.610/98), pode ser por eletransferidoaterceiros,totalouparcialmente,temporáriaoudefinitivamente,pormeiode autorização, concessão, cessão e outros meios jurídicos (arts. 49 e 50 da Lei 9.610/98).

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Cede-se a obra, ou a sua exploração econômica, mas a autoria nunca’ (vide: http://www.focusfoto.com.br/direito.autoral.fotografia.htm).

Feitas essas colocações, julgo que o dever de indenizar por danos morais decorre da simples violação de qualquer um daqueles direitos do autor enunciados no artigo 24 da lei autoral, ainda que a violação não exponha o autor a nenhum sentimento de dor, vexame, sofrimento ou humilhação.

Oartigo108daLei9.610/98confirmatalentendimento:

‘Art. 108. Quem, na utilização, por qualquer modalidade, de obra intelectual, deixar de indicar ou de anunciar, como tal, o nome, o pseudônimo ou sinal convencional do autor e do intérprete, além de responder por danos morais, está obrigado a divulgar-lhes a identidade da seguinte forma:

I. Tratando de empresa de radiodifusão, no mesmo horário em que tiver ocorrido a infração, por três dias consecutivos;

II.Tratando-sedepublicaçãográficaoufonográfica,medianteinclusãodeerratanosexemplares ainda não distribuídos, sem prejuízo de comunicação, com destaque, por três vezes consecutivas em jornal de grande circulação, dos domicílios do autor, do intérprete e do editor ou produtor;

III. Tratando-se de outra forma de utilização, por intermédio da imprensa, na forma a que se refere o inciso anterior.’ (grifei)

Outrossim,ajurisprudênciapátria,àqualmefilio,tementendidoqueapublicaçãodefotografiadeveráindicar,deformalegível,onomedoseuautor,nostermosdosdispositivoslegaisantesmencionados.Colaciono,atítuloexemplificativo,osseguintesprecedentes:

‘DIREITOS AUTORAIS. PUBLICAÇÃO DE FOTO SEM A IDENTIFICAÇÃO DA AUTORIA.‘Afotografia,quandodivulgada,indicarádeformalegívelonomedoseuautor’(Lei nº 5.988/73, art. 82, § 1º); o descumprimento dessa norma legal rende direito à indeni-zação por danos morais. Recurso especial não conhecido.’ (REsp 132896/MG, RECURSO ESPECIAL 1997/0035428-8, Ministro ARI PARGENDLER (1104), T3 – TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento: 17.08.2006, Data da Publicação/Fonte DJ 04.12.2006, p. 292, RNDJ, v. 88, p. 7) (grifei)

‘APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE INDE-NIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. OBRA FOTOGRÁFICA. FOTOGRA-FIA EM CARTÕES TELEFÔNICOS SEM A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO ARTISTA. DEVER DA PARTE-RÉ DE INDENIZAR O AUTOR POR PREJUÍZOS DE NATUREZA MORAL. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DESTE TRIBUNAL. AUSÊNCIA DE DANOMATERIALINDENIZÁVEL.Asobrasfotográficaseasproduzidasporprocessoanálogoaodafotografiasãoconsideradasobrasintelectuais,estandoprotegidaspelaLeidos Direitos Autorais. Inteligência do artigo 7º, inciso VII, da Lei nº 9.610/98. Assim, na espécie, autilizaçãode fotografiadoautor emcartões telefônicos confeccionadospelaempresa-ré, e distribuídos por todo o Estado do Rio Grande do Sul, sem a prévia autorização do demandante, enseja a reparação de dano moral. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. RESPON-

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011168

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SABILIDADE DO MUNICÍPIO RÉU. A responsabilidade do Município réu decorre da celebração de Termo de Cessão de Direitos de Uso de Imagem realizado com a empresa-ré, semadevidaautorizaçãodoautordafotografiaobjetodediscussãonapresentedemanda.QuantuM INDENIZATÓRIO. MAJORAÇÃO DO VALOR FIXADO PELO JUÍZO a Quo.SENTENÇAMODIFICADA.Nafixaçãodareparaçãododanomoral,inexistindocritérios objetivos para seu arbitramento, incumbe ao Julgador a tarefa de delimitar a quantia que venha a compensar aquele prejuízo de natureza moral. Assim, na hipótese dos autos, aplicando-se critérios de aferição subjetiva e juízo de equidade, aliando-se as particularidades do caso concreto, a majoração do montante indenizatório é medida que se impõe. PEDIDO DE PUBLICAÇÃO DE DESAGRAVO PÚBLICO. VIABILIDADE. Deve ser mantida a determinação do Juízo a quo para publicação, na imprensa do Município e do Estado, da verdadeiraautoriadaobrafotográficapertenceaodemandante.JUROSMORATÓRIOS.Modificaçãodasentençaquantoao termoinicialda incidênciados jurosmoratóriosnopercentual de 12% ao ano. APELAÇÃO DA RÉ BRASIL TELECOM PARCIALMENTE PROVIDA, APELO DO MUNICÍPIO RÉU DESPROVIDO E RECURSO ADESIVO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO.’ (Apelação Cível Nº 70024753964, Vigésima Câ-mara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 22.04.2009, COMARCA DE ORIGEM: São Borja, SEÇÃO: CÍVEL, PUBLICAÇÃO: Diário da Justiça do dia 18.06.2009, TIPO DE DECISÃO: Acórdão) (grifei)

Assim, considerando que o ato ilícito por parte da ré já foi devidamente reconhecido, e não tendo sido apontada pela União nenhuma causa excludente da responsabilidade, resta devidamente caracterizado o abalo moral sofrido pelo autor, não havendo, por conseguinte, qualquer dúvida acerca do nexo de causalidade entre a conduta da ré e o dano experimen-tado pela demandante.

Noqueserefere,porfim,àpretensãodereparaçãodedanosmateriais,julgoquenãomerece acolhida. Isso porque tal só teria cabimento se o causador do dano tivesse obtido algum proveito econômico com a exploração da obra do autor sem a sua autorização ou participação, o que não se apresenta no caso dos autos. Ademais, em tendo o autor vendido afotografiaobjetodalideàEditoraGazetaSul,nadaressalvandoarespeitodeposteriorcedência da imagem a terceiros, não há que se falar em prejuízo econômico sofrido pelo mesmoemdecorrênciadapublicaçãodafotografianaRevistadePolíticaAgrícola.

Nesse sentido:

‘EMENTA: DIREITO AUTORAL. FOTOGRAFIA. OBRA INTELECTUAL. AU-SÊNCIA DE MENÇÃO AOS CRÉDITOS DA OBRA. FOTOGRAFIAS EM CARTÕES TELEFÔNICOS. PUBLICAÇÃO COM SUPRESSÃO DO NOME DO AUTOR DA OBRA. DANO MORAL. PRESUNÇÃO SISTEMÁTICA (LEI 9.609/98). NEXO CAU-SAL CONFIGURADO. COMPENSAÇÃO. QuantuM. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. DANO MATERIAL INEXISTENTE. 1 Ação em que a parte busca a reparação por dano moraldecorrentedaveiculaçãodefotografias,cujaautoriarestousuprimidanoscréditos.2Cessãodeusodasfotografias,comaressalvadesercreditadaaautoria.Descumprimentodocontratado.Danomoralconfigurado.Oveiculardeobraartística,eafotografiaéuma

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 169

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obraartística,semanomeaçãoeidentificaçãoclaradeseuautoragrideoíntimodapessoa.Ausênciadedanomaterial indenizável.Nexocausal configuradoaensejar a reparaçãodo dano moral. 3 Do quantum.Omontanteindenizatórioquedeveserfixadosegundooprincípio da razoabilidade, analisadas as circunstâncias do caso concreto. Montante redu-zido para tornar-se consentâneo com a realidade dos fatos, bem como com os parâmetros adotados pela Câmara. 4 Juros legais. Incidência de 12% ao ano, desde a citação. Incidência do novo Código Civil. Responsabilidade derivada de descumprimento contratual. Apelos parcialmente providos.’ (Apelação Cível Nº 70015249816, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 31.08.2006)

Resta,pois,fixaroquantum da indenização por danos morais.A reparação do dano moral representa para a vítima apenas uma compensação, capaz

de minorar ou neutralizar a dor ocasionada pelo ato ilícito. Não há, portanto, ressarcimento propriamente, apenas uma compensação, pois a dor não se paga, compensa-se.

Comonãoexistemnaleiparâmetrosobjetivosparaasuafixação,aquantificaçãododano moral, segundo critérios propostos pela doutrina e jurisprudência pátria, deve levar em consideração as circunstâncias e peculiaridades do caso, as condições econômicas das partes, o grau de reprovação da conduta, as consequências do ato ilícito e eventual contribuição da vítimaparaaconfiguraçãodoeventodanoso.Ainda,ganharelevânciaocaráterpedagógicodacondenação,devendoamesmaserfixadaempatamarquerepresenteefetivapuniçãoao ofensor, visando a desestimular a prática de condutas semelhantes, sem representar, por outro lado, enriquecimento fácil ao ofendido.

Sopesando tais critérios e a situação concreta, na qual a parte-autora não fez nenhuma prova dos incômodos que alega ter sofrido, resumindo-se a ofensa ao dano moral puro, e a capacidadeeconômicadaspartes,julgoprudentefixaroquantum indenizatório no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

II. DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, extinguindo a demanda com resolução do mérito, nos termos do inciso I do artigo 269 do Código de Processo Civil, para o efeito de condenar a União Federal ao pagamento de indenização pordanosmoraisaoautor,osquaisfixoemR$10.000,00(dezmilreais),valorcorrigidomonetariamente pelo INPC a partir desta data (Súmula n° 362 do STJ) e acrescido, ainda, de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar da data do evento danoso (publicação na Revista de Política Agrícola, em janeiro de 2007), nos termos da Súmula n° 54 do STJ.

Condeno a União ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios ao procuradordaparteadversa,osquaisfixoem10%(dezporcento)dovalordacondenação,considerandoanaturezadademandaeotrabalhodesenvolvidopeloprofissional,naformado art. 20, § 3º, do CPC (Súmula 326 do STJ).

Interposto recurso pela parte interessada, uma vez cumpridos os pressupostos recursais, determino seja recebido no duplo efeito, ofertando-se vista à parte adversa para contrarra-zões.Porfim,remetam-seosautosaoEgrégioTribunalRegionalFederalda4ªRegião.”

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Em grau de apelação postula a União a reforma do julgado, reprodu-zindo os argumentos da contestação.

A parte-autora recorre requerendo a total procedência da ação.Foram apresentadas contrarrazões.É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal Carlos thompson Flores Lenz: in casu, afiguram-se-meirrefutáveisasconsideraçõesdesenvolvidaspeloilustreMagistrado,Dr.LeandrodaSilvaJacinto,fls.118-124,cujosargumentosadoto como razões de decidir, verbis:

“Pretende a parte-autora a condenação da União ao pagamento de indenização por danos moraisemateriaisemvirtudededivulgaçãodefotografiaemrevistadecirculaçãonacionalsem a anotação do nome do autor da imagem.

Paraodeslindedacontrovérsia,impõe-se,inicialmente,identificaraespéciederes-ponsabilidade civil aplicável ao caso. Em tal sentido, alega a União Federal que seria o presente feito caso de responsabilidade subjetiva, uma vez que se trata de conduta omissiva intentada pela mesma.

Arespeitodotema,adoutrinaeajurisprudênciabrasileirasaindanãosepacificaram,havendo sobre o assunto duas posições. A primeira, que defende que a responsabilidade do Estado por conduta omissiva tem natureza subjetiva, com base legal no artigo 15 do antigo Código Civil. A segunda defende a teoria da responsabilidade objetiva tanto para a conduta comissiva como para a omissiva, aplicando-se, para ambos, a norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

No caso em tela, entretanto, não vejo necessidade de adentrar na aludida contenda, porquanto constato ter a parte-ré agido comissivamente, já que, além de não informar o nome do demandante como autor da imagem, atribuiu a terceiros os créditos por ocasião dapublicaçãodafotografianaRevistaPolíticaAgrícola,conformeseverificaàpágina01doencarteacostadoàfl.30dosautos.

Sendo assim, para a caracterização do direito à indenização, segundo a doutrina da responsabilidade civil objetiva do Estado, devem estar presentes as seguintes condições: (a) efetividade do dano; (b) nexo causal; e (c) ausência de causas excludentes.

Em suma, o Estado será objetivamente responsável pelo dano causado ao administrado, sendo indispensável, é claro, que as provas encerrem elementos objetivos e, se possível, inequívocos acerca do objeto da lide, incumbindo aos litigantes o ônus de produzir as provas de suas alegações, nos moldes do art. 333, I e II, do CPC.

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Do dano moral e material

Nos termos do acima exposto, resta caracterizado o primeiro requisito da responsabi-lidade civil, qual seja, a conduta (comissiva ou omissiva) da ré.

Passo, portanto, à análise da ocorrência do dano.Inicialmente, impende analisar a posição ocupada pelo dano moral no ordenamento

jurídicobrasileiro,afimde,logoemseguida,verificaraefetivaocorrênciadomesmonocaso concreto e o direito do autor à eventual indenização.

Para o professor Yussef Said Cahali, dano moral

‘é a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, ahonraeosdemais sagradosafetos, classificando-sedessemodo,em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.).’

Na verdade, a aceitação da doutrina que defende a indenização por dano moral repou-sava numa interpretação sistemática de nosso direito, abrangendo o próprio artigo 159 do CódigoCivilde1916(oqualrestoumodificadocomaintroduçãodonovoCódigoCivil)que, ao aludir à ‘violação de um direito’, não estava limitado à reparação ao caso de dano material apenas.

Antes da Constituição Federal de 1988, o dano moral não estava normatizado em ne-nhum diploma legal, o que levava ao entendimento de que não era um direito legalmente reconhecido.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, essa matéria passou a adquirir relevân-cia em face do registro feito nos incisos V e X do art. 5º, que enumerou, entre os direitos e garantias fundamentais – consideradas como cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, CF/88) –, ‘o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem’ e declarou serem invioláveis ‘a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’.

A matéria ganhou maior relevância com a edição da Lei nº 10.406/2002, a qual instituiu o novo Código Civil Brasileiro, tendo em vista o que dispõe o artigo 186 do novel estatuto legal, in verbis:

‘Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral , comete ato ilícito.’

Assim sendo, tendo em vista que, atualmente, não há mais discussão quanto à possibi-lidade de indenização por danos morais, ressalto que, para que o demandante faça jus ao ressarcimento, deve preencher aos pressupostos exigidos pelo nosso ordenamento jurídico, antes referidos.

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Acerca da prova do dano moral, escreve o renomado jurista Sérgio Cavalieri Filho (Programa de responsabilidade Civil, 2005, p. 108):

‘(...) por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita por meio dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma dema-sia, algo até impossível, exigir que a vítima comprove a dor, a tristeza ou humilhação por meio de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar descrédito, o repúdio ou o desprestígio por meio dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.

Neste ponto, a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de re-percussão,porsisójustificaaconcessãodeumasatisfaçãodeordempecuniáriaaolesado.Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti que decorre das regras daexperiênciacomum.Assim,porexemplo,provadaaperdadeumfilho,docônjugeoude outro ente querido, não há que se exigir a prova do sofrimento, porque isso decorre do próprio fato de acordo com as regras de experiência comum; provado que a vítima teve o seu nome aviltado, ou a imagem vilipendiada, nada mais ser-lhe-á exigido do que provar, por isso o dano moral está in re ipsa; decorre inexoravelmente da gravidade do próprio fato ofensivo de sorte que, provado o fato, provado está o dano moral.’

Nessa esteira, refere a Constituição Federal, no seu artigo 5º, XXVIII, que ‘aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras’.

ALeideDireitosAutorais(Lei9.610/98),porsuavez,emseuartigo24,especificaosdireitos morais do autor, merecendo destaque os que seguem: ‘o de reinvidicar a autoria da obra a qualquer tempo; o de ter o seu nome indicado ou anunciado na utilização da obra; odeasseguraraintegridadedaobra,opondo-seaquaisquermodificações;odemodificara obra e o de retirá-la de circulação’ (grifei).

Depreende-se, por conseguinte, que os direitos morais do autor consubstanciam-se, basi-camente, na paternidade da obra e na sua integralidade, e têm por principais características a pessoalidade e a perpetualidade, pois a lei diz que são direitos inalienáveis e irrenunciáveis (art. 27 da Lei 9.610/98). Segundo o ilustre Prof. Dr. Sergio Cavalieri Filho, ‘esse direito, embora a lei o atribua com exclusividade ao autor (art. 28 da Lei 9.610/98), pode ser por eletransferidoaterceiros,totalouparcialmente,temporáriaoudefinitivamente,pormeiode autorização, concessão, cessão e outros meios jurídicos (arts. 49 e 50 da Lei 9.610/98). Cede-se a obra, ou a sua exploração econômica, mas a autoria nunca’ (vide: http://www.focusfoto.com.br/direito.autoral.fotografia.htm).

Feitas essas colocações, julgo que o dever de indenizar por danos morais decorre da simples violação de qualquer um daqueles direitos do autor enunciados no artigo 24 da lei autoral, ainda que a violação não exponha o autor a nenhum sentimento de dor, vexame, sofrimento ou humilhação.

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Oartigo108daLei9.610/98confirmatalentendimento:

‘Art. 108. Quem, na utilização, por qualquer modalidade, de obra intelectual, deixar de indicar ou de anunciar, como tal, o nome, o pseudônimo ou sinal convencional do autor e do intérprete, além de responder por danos morais, está obrigado a divulgar-lhes a identidade da seguinte forma:

I. Tratando de empresa de radiodifusão, no mesmo horário em que tiver ocorrido a infração, por três dias consecutivos;

II.Tratando-sedepublicaçãográficaoufonográfica,medianteinclusãodeerratanosexemplares ainda não distribuídos, sem prejuízo de comunicação, com destaque, por três vezes consecutivas em jornal de grande circulação, dos domicílios do autor, do intérprete e do editor ou produtor;

III. Tratando-se de outra forma de utilização, por intermédio da imprensa, na forma a que se refere o inciso anterior.’ (grifei)

Outrossim,ajurisprudênciapátria,àqualmefilio,tementendidoqueapublicaçãodefotografiadeveráindicar,deformalegível,onomedoseuautor,nostermosdosdispositivoslegaisantesmencionados.Colaciono,atítuloexemplificativo,osseguintesprecedentes:

‘DIREITOS AUTORAIS. PUBLICAÇÃO DE FOTO SEM A IDENTIFICAÇÃO DA AUTORIA.‘Afotografia,quandodivulgada,indicarádeformalegívelonomedoseuautor’(Lei nº 5.988/73, art. 82, § 1º); o descumprimento dessa norma legal rende direito à indeni-zação por danos morais. Recurso especial não conhecido.’ (REsp 132896/MG RECURSO ESPECIAL 1997/0035428-8, Ministro ARI PARGENDLER (1104), T3 – TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento: 17.08.2006, Data da Publicação/Fonte DJ 04.12.2006, p. 292, RNDJ, v. 88, p. 7) (grifei)

‘APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE INDE-NIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. OBRA FOTOGRÁDFICA. FOTOGRA-FIA EM CARTÕES TELEFÔNICOS SEM A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO ARTISTA. DEVER DA PARTE-RÉ DE INDENIZAR O AUTOR POR PREJUÍZOS DE NATUREZA MORAL. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DESTE TRIBUNAL. AUSÊNCIA DE DANOMATERIALINDENIZÁVEL.Asobrasfotográficaseasproduzidasporprocessoanálogoaodafotografiasãoconsideradasobrasintelectuais,estandoprotegidaspelaLeidos Direitos Autorais. Inteligência do artigo 7º, inciso VII, da Lei nº 9.610/98. Assim, na espécie, autilizaçãode fotografiadoautor emcartões telefônicos confeccionadospelaempresa-ré, e distribuídos por todo o Estado do Rio Grande do Sul, sem a prévia autorização do demandante, enseja a reparação de dano moral. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. RESPON-SABILIDADE DO MUNICÍPIO RÉU. A responsabilidade do Município réu decorre da celebração de Termo de Cessão de Direitos de Uso de Imagem realizado com a empresa ré, semadevidaautorizaçãodoautordafotografiaobjetodediscussãonapresentedemanda.QuantuM INDENIZATÓRIO. MAJORAÇÃO DO VALOR FIXADO PELO JUÍZO a Quo.SENTENÇAMODIFICADA.Nafixaçãodareparaçãododanomoral,inexistindocritérios objetivos para seu arbitramento, incumbe ao Julgador a tarefa de delimitar a quantia

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011174

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que venha a compensar aquele prejuízo de natureza moral. Assim, na hipótese dos autos, aplicando-se critérios de aferição subjetiva e juízo de equidade, aliando-se as particularidades do caso concreto, a majoração do montante indenizatório é medida que se impõe. PEDIDO DE PUBLICAÇÃO DE DESAGRAVO PÚBLICO. VIABILIDADE. Deve ser mantida a determinação do Juízo a quo para publicação, na imprensa do Município e do Estado, da verdadeiraautoriadaobrafotográficapertenceaodemandante.JUROSMORATÓRIOS.Modificaçãodasentençaquantoao termoinicialda incidênciados jurosmoratóriosnopercentual de 12% ao ano. APELAÇÃO DA RÉ BRASIL TELECOM PARCIALMENTE PROVIDA, APELO DO MUNICÍPIO RÉU DESPROVIDO E RECURSO ADESIVO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO.’ (Apelação Cível Nº 70024753964, Vigésima Câ-mara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 22.04.2009, COMARCA DE ORIGEM: São Borja, SEÇÃO: CÍVEL, PUBLICAÇÃO: Diário da Justiça do dia 18.06.2009, TIPO DE DECISÃO: Acórdão) (grifei)

Assim, considerando que o ato ilícito por parte da ré já foi devidamente reconhecido, e não tendo sido apontada pela União nenhuma causa excludente da responsabilidade, resta devidamente caracterizado o abalo moral sofrido pelo autor, não havendo, por conseguinte, qualquer dúvida acerca do nexo de causalidade entre a conduta da ré e o dano experimen-tado pela demandante.

Noqueserefere,porfim,àpretensãodereparaçãodedanosmateriais,julgoquenãomerece acolhida. Isso porque tal só teria cabimento se o causador do dano tivesse obtido algum proveito econômico com a exploração da obra do autor sem a sua autorização ou participação, o que não se apresenta no caso dos autos. Ademais, em tendo o autor vendido afotografiaobjetodalideàEditoraGazetaSul,nadaressalvandoarespeitodeposteriorcedência da imagem a terceiros, não há que se falar em prejuízo econômico sofrido pelo mesmoemdecorrênciadapublicaçãodafotografianaRevistadePolíticaAgrícola.

Nesse sentido:

‘EMENTA: DIREITO AUTORAL. FOTOGRAFIA. OBRA INTELECTUAL. AU-SÊNCIA DE MENÇÃO AOS CRÉDITOS DA OBRA. FOTOGRAFIAS EM CARTÕES TELEFÔNICOS. PUBLICAÇÃO COM SUPRESSÃO DO NOME DO AUTOR DA OBRA. DANO MORAL. PRESUNÇÃO SISTEMÁTICA (LEI 9.609/98). NEXO CAU-SAL CONFIGURADO. COMPENSAÇÃO. QuantuM. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. DANO MATERIAL INEXISTENTE. 1 Ação em que a parte busca a reparação por dano moraldecorrentedaveiculaçãodefotografias,cujaautoriarestousuprimidanoscréditos.2Cessãodeusodasfotografias,comaressalvadesercreditadaaautoria.Descumprimentodocontratado.Danomoralconfigurado.Oveiculardeobraartística,eafotografiaéumaobraartística,semanomeaçãoeidentificaçãoclaradeseuautoragrideoíntimodapessoa.Ausênciadedanomaterial indenizável.Nexocausal configuradoaensejar a reparaçãodo dano moral. 3 Do quantum.Omontanteindenizatórioquedeveserfixadosegundooprincípio da razoabilidade, analisadas as circunstâncias do caso concreto. Montante redu-zido para tornar-se consentâneo com a realidade dos fatos, bem como com os parâmetros adotados pela Câmara. 4 Juros legais. Incidência de 12% ao ano, desde a citação. Incidência

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 175

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do novo Código Civil. Responsabilidade derivada de descumprimento contratual. Apelos parcialmente providos.’ (Apelação Cível Nº 70015249816, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 31.08.2006)

Resta,pois,fixaroquantum da indenização por danos morais.A reparação do dano moral representa para a vítima apenas uma compensação, capaz

de minorar ou neutralizar a dor ocasionada pelo ato ilícito. Não há, portanto, ressarcimento propriamente, apenas uma compensação, pois a dor não se paga, compensa-se.

Comonãoexistemnaleiparâmetrosobjetivosparaasuafixação,aquantificaçãododano moral, segundo critérios propostos pela doutrina e jurisprudência pátria, deve levar em consideração as circunstâncias e peculiaridades do caso, as condições econômicas das partes, o grau de reprovação da conduta, as consequências do ato ilícito e eventual contribuição da vítimaparaaconfiguraçãodoeventodanoso.Ainda,ganharelevânciaocaráterpedagógicodacondenação,devendoamesmaserfixadaempatamarquerepresenteefetivapuniçãoao ofensor, visando a desestimular a prática de condutas semelhantes, sem representar, por outro lado, enriquecimento fácil ao ofendido.

Sopesando tais critérios e a situação concreta, na qual a parte-autora não fez nenhuma prova dos incômodos que alega ter sofrido, resumindo-se a ofensa ao dano moral puro, e a capacidadeeconômicadaspartes,julgoprudentefixaroquantum indenizatório no montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais).”

Correto o decisum.Nesse sentido, precedentes dos Tribunais, verbis:“DIREITOS AUTORAIS. PUBLICAÇÃO DE FOTO SEM A IDENTIFICAÇÃO DA

AUTORIA.‘Afotografia,quandodivulgada,indicarádeformalegívelonomedoseuautor’(Lei nº 5.988/73, art. 82, § 1º); o descumprimento dessa norma legal rende direito à indeni-zação por danos morais. Recurso especial não conhecido.” (REsp 132896/MG RECURSO ESPECIAL 1997/0035428-8, Ministro ARI PARGENDLER (1104), T3 – TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento: 17.08.2006 Data da Publicação/Fonte DJ 04.12.2006, p. 292, RNDJ, v. 88, p. 7)

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE INDE-NIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. OBRA FOTOGRÁFICA. FOTOGRA-FIA EM CARTÕES TELEFÔNICOS SEM A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO ARTISTA. DEVER DA PARTE-RÉ DE INDENIZAR O AUTOR POR PREJUÍZOS DE NATUREZA MORAL. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DESTE TRIBUNAL. AUSÊNCIA DE DANOMATERIALINDENIZÁVEL.Asobrasfotográficaseasproduzidasporprocessoanálogoaodafotografiasãoconsideradasobrasintelectuais,estandoprotegidaspelaLeidos Direitos Autorais. Inteligência do artigo 7º, inciso VII, da Lei nº 9.610/98. Assim, na espécie, autilizaçãode fotografiadoautor emcartões telefônicos confeccionadospelaempresa-ré, e distribuídos por todo o Estado do Rio Grande do Sul, sem a prévia autorização do demandante, enseja a reparação de dano moral. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. RESPON-SABILIDADE DO MUNICÍPIO RÉU. A responsabilidade do Município réu decorre da

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celebração de Termo de Cessão de Direitos de Uso de Imagem realizado com a empresa ré, semadevidaautorizaçãodoautordafotografiaobjetodediscussãonapresentedemanda.QuantuM INDENIZATÓRIO. MAJORAÇÃO DO VALOR FIXADO PELO JUÍZO a Quo.SENTENÇAMODIFICADA.Nafixaçãodareparaçãododanomoral,inexistindocritérios objetivos para seu arbitramento, incumbe ao Julgador a tarefa de delimitar a quantia que venha a compensar aquele prejuízo de natureza moral. Assim, na hipótese dos autos, aplicando-se critérios de aferição subjetiva e juízo de equidade, aliando-se as particularidades do caso concreto, a majoração do montante indenizatório é medida que se impõe. PEDIDO DE PUBLICAÇÃO DE DESAGRAVO PÚBLICO. VIABILIDADE. Deve ser mantida a determinação do Juízo a quo para publicação, na imprensa do Município e do Estado, da verdadeiraautoriadaobrafotográficapertenceaodemandante.JUROSMORATÓRIOS.Modificaçãodasentençaquantoao termoinicialda incidênciados jurosmoratóriosnopercentual de 12% ao ano. APELAÇÃO DA RÉ BRASIL TELECOM PARCIALMENTE PROVIDA, APELO DO MUNICÍPIO RÉU DESPROVIDO E RECURSO ADESIVO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO.” (Apelação Cível Nº 70024753964, Vigésima Câ-mara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Glênio José Wasserstein Hekman, Julgado em 22.04.2009, COMARCA DE ORIGEM: São Borja, SEÇÃO: CÍVEL, PUBLICAÇÃO: Diário da Justiça do dia 18.06.2009, TIPO DE DECISÃO: Acórdão)

Quando do julgamento do RE nº 75.267/Guanabara, em que foi relator o saudoso Ministro Carlos Thompson Flores, deliberou o Eg. STF, em caso idêntico ao dos autos, verbis:

“FOTOGRAFIA. DIVULGAÇÃO EM REVISTA. USURPAÇÃO DO NOME DE SEU AUTOR. AUTOR DE PERDAS E DANOS.

II. SENDO FATO CERTO QUE A FOTOGRAFIA ERA DE AUTORIA DO DEMAN-DANTE E FOI DIVULGADA NA REVISTA DA RÉ, COMO DE AUTOR OUTRO, CABE-LHE A INDENIZAÇÃO A QUE SE REFERE O ART. 667, § 1º, DO CÓD. CIVIL.

III. A APURAÇÃO DE SEU QuantuM, ATENDIDAS TODAS AS CIRCUNSTAN-CIAS, DEVE SER APURADA EM EXECUÇÃO.

IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.” (STF, RE 75.267/Guanabara, in RTJ 67, p. 837-842)

Em seu voto, anotou o ilustre Ministro Carlos Thompson Flores, verbis:

“O Sr. Ministro Thompson Flores (Relator): – Conheço do recurso e lhe dou provimento, pararestabeleceroacórdãodaeg.1ªCâmaraCíveldasfls.210-11-v.

2. O acórdão recorrido, proferido na via dos embargos infringentes, recebendo-os, res-tabeleceu a sentença, a qual considerava que, sem prova do dano, descabia sua reparação.

Paraassimconcluir,sefundamentouoacórdãoemquestãodaseguintemaneira,fls.22-31:

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‘Certa a conclusão a que chegou o ilustre prolator do voto vencido, que deu margem aos presentes embargos, visto que não há, nestes autos, prova da existência de qualquer dano indenizável, uma vez que o embargado não alegou, nem provou qualquer prejuízo em con-creto,anãoserumpretensodanomoralresultantedofatodapublicaçãodeumafotografiadesuaautoria,dadacomofeitaporoutroprofissional,seucompanheironarevistaManchete,de propriedade do embargante.

Aliás,istomesmoreconheceov.acórdãoquandoafirmaescaparaapreciaçãododanopatrimonial, por se tratar de questão trabalhista, existindo, a seu ver, apenas, para sua apre-ciação,odanomoralqueconsistiunapublicaçãodafotografiadafl.95,quefoiatribuídacomo sendo de Richard Sasso, quando na verdade era ela da autoria do embargado, fato esse que, no entender da maioria, constituía ato ilícito que deve ser reparado.

Com referência a reparação por dano moral, conforme muito bem salienta Agostinho Alvim:

‘O nosso legislador não inseriu no Código uma regra sobre dano moral, nem mesmo, como certos Códigos, para conceder indenização em casos previstos. Não existe nenhuma norma de caráter geral.

Apenas, no art. 1.543, prevê-se um caso, outros dispositivos há, de caráter casuístico, melhor direi discutíveis. Mas, mesmo que se enxerguem casos de indenizações por dano moral em várias disposições, nenhuma generalização é possível, donde, o mais que se pode concederéqueoCódigosefiliouàdoutrinadoscasosprevistosemlei.’(da inexecução das obrigações, p. 246-7)

Assim é que, no entendimento desse ilustre jurista, o caso previsto no art. 1.543 do CC, é caso típico de dano moral puro, assim, toda a recomposição do patrimônio se opera pela restituição do equivalente. Logo, a que se dá a mais, é uma reparação moral, uma satisfa-ção aos sentimentos afetivos. Os demais casos, que se pretende atribuir como dano moral, são realmente danos patrimoniais, embora, em muitos deles, sucede que o dano moral e odanopatrimonial de tal forma semisturamquedificilmentepodemser consideradosseparadamente.

Donde se conclui que, somente haverá indenização por dano moral, em nosso direito, nos casos expressamente previstos em lei.

No caso dos autos, não existe nenhuma prova de que o embargado tivesse sofrido qual-quer dano moral. É completa a ausência de comprovação de que tenha ele sido ofendido em sua honra, ou que fosse ofendido em seu sentimento afetivo, em sua liberdade, casos em que poderia ocorrer o pretendido dano moral.

Assim,osimplesfatodoembarganteterpublicadoafotografiacomnomedeoutrem,não é, ao ver do Grupo, motivo para o reconhecimento de um dano moral, máxime, não teve o aludido fato qualquer repercussão no patrimônio do embargado.

Acresce ainda que o dano puramente moral é insuscetível de reparação. Tanto na dou-trina como na jurisprudência o princípio que tem dominado até hoje é que, no sistema do Código Civil Brasileiro, o dano puramente moral não é indenizável, pelo menos em tese.

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Somente como exceção, o Código admite a possibilidade dessa indenização nas hipóteses expressamente previstas em lei.

Nesse sentido, já decidiram os 1º, 2º, 3º e 4º Grupos de Câmaras Cíveis, nos Recursos de Revista 1.779, 2.610 e 5.394, cujos acórdãos estão publicados no D.J. de 07.10.54 e de 28.04.55 e na Rev. de Juris. 8/72-4; Apelação Cível 48.441 da 3ª Câmara Cível in Rev. Juris., vol. 18; e Recurso de Revista 7.003, in Rev. Juris. 17/226 – hipóteses estas previstas nos arts. 1.543, 1.547, 1.548 e 1.549, todos do C. Civil.

Daí concluir-se que só é indenizável o dano moral com repercussão econômica. Assim muito bem salienta o nosso ilustre colega Desembargador Perez de Lima que,

como relator, ao decidir sobre a tese em tela, declarou:

‘Afastando-se da orientação dominante na matéria, o projeto do Código de obrigações cuida, explicitamente, da reparação do dano moral, ao dispor que o dano simplesmente moral será também ressarcido (art. 856), o que vem ainda mais reforçar o acerto daqueles que se opõem à doutrina consagrada pela sentença, absolutamente, insustentável, em face do atual sistema legal.’ (in Rev. Juris., 18-312)

3. Em princípio, cabe afastar a pretendida aplicação da L. 5.250-67.

Desprovido pela eg. Câmara o agravo processual que dela cogitou, sem que dessa decisãofosseinterpostorecursoextraordináriopeloprejudicado,otemaficousepultadopela preclusão.

4. Resta a questão principal: o dano moral. Desatendendo como o fez o acórdão ora impugnado, penso que, a toda evidência, negou

vigência ao art. 667, § 1º, do CC, tal como o considerou o parecer da douta Procuradoria--GeraldaRepública,emseuparecerantestranscrito,comoosignificouestaCorte,naprecisaementa a julgado proferido nº RE 70.451, verbis: ‘Nega vigência à lei a decisão que recusa o que ela concede inequivocamente, ou que concede o que ela, também inequivocamente, recusa’ (RTJ, 55/648).

Sua aplicação se impunha, e pelas razões constantes da bem deduzida petição recursal, quandodaquelepreceitocuidou,fl.237eseguintes.

Com efeito. ÉfatocertoqueoautordafotografiapublicadacomduplodestaquepelarevistaManche-

te, na capa da edição de 20.07.68 e à p. 111 (folhas 40 e 95 dos autos), era o ora recorrente, quando a ré os fez apresentar como se fosse seu fotógrafo Richard Sasso, p. 110 do semanário.

Aprópriarecorridaoreconheceedispunha-seafazeraretificação,aqualjamaispro-cedeu.

Ocorreu, assim, o ilícito da forma incontestada, a que se refere o artigo 667, § 1º, men-cionado, o qual, expressamente, proporciona indenização, por ‘perdas e danos’.

Negá-los, como procedeu o decisório impugnado, sob pretexto de que não provou o autor os prejuízos sofridos e suscetíveis de reparação, seria denegar aplicação àquele preceito.

Trata-se de reparação do dano moral, e, por isso, perseverou o recorrente em insistir na aplicação do art. 56 da L. 5.250/67, o qual admitiu a cisão das duas ações para a reparação

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do dano moral e do material. in casu, poderiam existir ambas, mas o que quer o recorrente é a que se refere ao moral. Não há como ignorá-la, desde que se vincule a publicação das fotos nas condições em

que teve lugar e como de autoria de outrem, e os fatos que precederam, a começar pela correspondência dirigida ao demandante, e a consequente rescisão do contrato de trabalho, comaperdadotrabalhonaempresademandada,cujosefeitos,émanifesto,refletiram-senasuavidaprofissional,emseudesfavor.

Por isso, com propriedade invocou o recorrente o acórdão do eg. Tribunal de Justiça do então Distrito Federal, de 14.08.44, in R.F. 110/428-9, do qual cabe destacar:

‘Em verdade, o parágrafo único do art. 667, cit., não exige a efetividade de dano mate-rial para impor ao usurpador o dever de indenizar, mas apenas a efetividade da usurpação. Deve-se mesmo admitir possam ser até simplesmente de ordem moral os danos ali manda-dos indenizar, porque decorrente da ofensa ao direito moral do escritor. E, na espécie em exame, a usurpação ali prevista, não há negar, houve, porquanto bastava para realizá-la, a nova omissão do nome do apelado na nova publicação de sua tradução; não era imprescin-dível a substituição dele pelo de outrem; a substituição constitui apenas uma das formas de usurpação. Consequentemente, deve o valor desse dano, causado pela apelante ao apelado, ser arbitrado na execução, como determinou a sentença e prescrevem os arts. 906 e 909, I, do C. Pr. Civil. Além dessa indenização, estaria o usurpador obrigado, em face do § 2º do citado artigo 667, a inserir nos exemplares da tradução publicada o nome do tradutor, mas a esse respeito foi omissa a inicial. (CPC, arts. 4º, 154 e 157).’

Essa foi, outrossim, a orientação tomada pelo aresto da eg. 1ª Câmara, ora restabelecido. É o meu voto.”

Com efeito, consoante bem assinalado na r. sentença, o dever de indenizar os danos morais decorre da violação dos arts. 24 e 108 da Lei nº 9.610/98, bem como do art. 5º, XXVIII, da CF/88.

No caso em exame, o ato ilícito foi reconhecido pela União, uma vez queapublicaçãodafotografiaemrevistadecirculaçãonacionalsemconstar o nome do autor da imagem, inegavelmente, violou o direito do autor, assegurando-lhe a necessidade da reparação.

Nesse sentido, confira-se a doutrina:HenriDesbois, in Le droit d’auteur. Paris: Dalloz, 1950, p. 129, n. 106; A. Lucas et H. J. Lucas, in traité de La Propriété Littéraire et artistique. Paris: Litec, 1994, p. 136, n. 128.

A propósito, leciona Henri Desbois, na obra citada, p. 628, n. 606, verbis: “Le droit moral préexiste au contrat, puisqu’il est opposable à tous; de plus, il échappe à toute convention, inaliénable de nature comme les droits de la personnallité”.

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Por conseguinte, considerando-se que o ato ilícito por parte da União foi reconhecido, ausente excludente de responsabilidade, impõe-se o dever de indenizar, pois presente a violação ao direito moral do autor.

A partir de 1946, adotou-se, no Brasil, no que concerne às entidades de direito público, a responsabilidade objetiva, com fulcro na teoria do risco administrativo, sem, no entanto, adotar a posição extremada dos adeptos do risco integral, em que a Fazenda Pública responderia sempre, mesmo presentes as excludentes da obrigação de indenizar (CF de 1946, art. 194 e seu parágrafo único; CF de 1967, art. 105 e seu parágrafo único; CF de 1969, art. 107 e seu parágrafo único, e CF de 1988, art. 37, § 6º).

ASupremaCorte,emmaisdeumaoportunidade,fixouoexatoalcancedo comentado dispositivo constitucional. Assim o fez no RE nº 68.107-SP, julgado pela 2ª Turma, verbis:

“(...)

II. A responsabilidade objetiva, insculpida no art. 194 e seu parágrafo único, da CF de 1946, cujo texto foi repetido pelas Cartas de 1967 e 1969, arts. 105-7, respectivamente, não importa no reconhecimento do risco integral, mas temperado.

(...)” (in RTJ 55/50)Em seu voto, o relator, o eminente Ministro thompson Flores, ex-

-Presidente da Excelsa Corte, salientou, verbis:“(...) embora tenha a Constituição admitido a responsabilidade objetiva, aceitando

mesmo a teoria do risco administrativo, fê-lo com temperamentos, para prevenir excessos e a própria injustiça.

Nãoobrigou,écerto,àvitimaeaosseusbeneficiários,emcasodemorte,aprovadeculpa ou dolo do funcionário para alcançar indenização. Não privou, todavia, o Estado dopropósitodeeximir-sedareparação,queodanodefluíradocomportamentodolosoouculposo da vítima.

Ao contrário senso, seria admitir a teoria do risco integral, forma radical que obrigaria a Administração a indenizar sempre, e que, pelo absurdo, levaria Jean Defroidmont (La Science du droit Positif, p. 339) a cognominar de brutal. (...)” (in RTJ 55/52-3)

Outro não foi o entendimento adotado por um dos mais conceituados administrativistas do país, o eminente e saudoso Ministro themístocles Cavalcanti, ao votar no julgamento do RE nº 61.387-SP, verbis:

“(...) PartindodateoriadaigualdadedosencargosedasfinalidadesessenciaisdoEstado,o

clássicoTirardchegavaàresponsabilidadedoEstadopelafaltaverificadanoserviço(de

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la responsabilité du service publique, 1906). Nesta particular, a variedade na aplicação dos casos é muito grande. Principalmente a

jurisprudência francesa se detém no exame das hipóteses. É assim que são mencionados casos de responsabilidade, ou por não se ter evitado um perigo por meio de obras neces-sárias, como a construção de um parapeito na estrada; de não se ter impedido a circulação em um trecho perigoso; de não se ter retirado um obstáculo em um rio canalizado etc. ou por omissão material, por falta de sinalização, de abandono de trecho da estrada, abertura de trincheira em uma estrada etc.

Essateorianãoétalvezsuficienteparaprevertodasashipótesesderesponsabilidadedo Estado, mas a sua aplicação deve ser casuística para não envolver a responsabilidade do Estadoemtodososcasosemqueagedentrodesuafinalidadeprópria.

Assim,nemsempreseverificaessaresponsabilidade,deacordocomaboadoutrina,quando há escassez de abastecimento de água, interrupção de energia elétrica, o mal cal-çamento de uma estrada. Depende sempre das circunstâncias.

(...)” (in RTJ 47/381. No mesmo sentido, RTJ 71/99, bem como julgado do extinto Tribunal Federal de Recursos no julgamento da Ap. Cív. nº 33.552, rel. Ministro CARLOS MÁRIO VELLOSO, in RDA 137/233)

Na doutrina nacional, a jurisprudência do Pretório Excelso é respal-dada,comoseverifica,entreoutros,dosseguintesautores:Hely Lopes Meirelles, in direito administrativo Brasileiro. 14. ed., Rev. dos Tribs., 1989. p. 551; Caio Mário da Silva Pereira, in responsabilidade Civil. Forense, 1989. p. 143. n. 105.

Da mesma forma, a idêntica solução é adotada na França, como leciona o clássico Laubadère, verbis:

“La jurisprudence a consacré, au-delá de la responsabilitè pour faute, une responsa-bilitè de l’administration pour risque; elle admet que, dans certains cas, les collectivités publiques sont tenues de réparer les dommages entrainés par leur activité même non fautive. La responsabilité pour risque est, rappelons-le, celle qui est engagée dès lors qu’est établie une relation de cause a effet entre l’activité de l’auteur du dommage et ce dommage lui même.” (in ANDRÉ DE LAUBADÈRE, traité Élémentaire de droit administratif. Paris: Libr. Générale, 1953. p. 490, n. 892. Igualmente, JEAN RIVERO, in droit administratif. 8. ed., Paris: Dalloz, 1977. p. 274, n. 284)

Assim, como restou demonstrado, a teoria do risco administrativo, adotada pelas Constituições brasileiras, a partir de 1946, não implica o reconhecimento de que a Administração Pública tenha que indenizar sempre, mesmo quando presentes as excludentes dessa responsabilidade.

in casu,ar.sentençarecorridademonstrouconfiguradosospressu-postos do art. 37, § 6º, da CF/88.

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No que concerne ao dano moral, o Juízo a quofixou-ocommoderação,atento às peculiaridades do caso concreto.

Em precioso estudo, intitulado “Il Danno Morale (Contributo alla teoria del danno extracontrattuale)”, publicado na rivista di diritto Civile, a. III, 1957, parte prima, CEDAM, p. 332-3, assinalou Renato Scognamiglio, acerca dos critérios de indenização do dano extrapatri-monial, verbis:

“L’altra soluzione – che è stata anche di recente esplicitamente difesa [Knöpfel, op. cit. p. 152 ss. (anche per gli argomenti successivi in favore della teoria)] – appare senza dubbio meglio rispondente alla idea del risarcimento. Si assume in proposito che tra le circostanze del caso, cui la valutazione equitativa fa capo, sicuramente rientra qui la colpa del reo: in particolare la violazione della personalità umana (e quella connessa del sentimento di giustizia) – che nell’ipotesi si consuma – risulterebbe tanto piú grave, quanto maggiore sarà l’entità della colpa. né varrebbe l’agevole obiezione che il moderno diritto civile non tiene alcun conto, ai fini della responsabilità, del grado della colpa, poiché questo principio potrebbe applicarsi in pieno soltanto al risarcimento vero e proprio. Ma deve replicarsi: quest’ultima considerazione non appare solidamente fondata se si riflette che il nostro legislatore fa menzione anche qui del risarcimento e dunque sono da applicare all’intera materia gli stessi principî generali. in ogni caso poi il criterio suggerito non sembra rispondente alla natura del nostro istituto: se difatti si tratta di risarcimento e non di pena – come senz’altro si ammette – non si spiega perché debba tenersi conto, ai fini del risarcimento, essenzialmente della gravità della colpa. Vi potrà essere senza dubbio una coincidenza in tal senso perché, a colpa piú grave potrà corrispondere un torto piú grave e maggior dolore, ma non piú di questo. L’unico criterio, in definitiva, che possa con sufficiente sicurezza adottarsi è quello – soltanto fondato sulla ratio del nostro istituto – che fa capo alla intensità del dolore sofferto. Posto che tale è il danno che viene preso in considerazione – e si tratta di attribuire alla vittima adeguate soddisfazioni compensative (non di punire il reo) – agevolmente si spiega che debba aversi riguardo essenzialmente alla entità delle sofferenze psichiche, quale può desumersi, tra l’altro, dalle circostanze princi-pali del caso. La obiezione che cosí si rischia di cadere in un pericoloso sentimentalismo, per la eceessiva considerazione della sensibilità di ciascun soggetto, non va sopravalutata [Contro questo pericolo ammonisce di recente Cass., 30 giugno 1954, n. 2261, in Resp. civ., 1954, p. 450.]. il pericolo non sussiste perché, per la ben nota impossibilità di misurare il dolore, si rimane sempre nel campo della valutazione equitativa, che è 1’oggetto dell’attuale indagine. il riferimento al dolore subito opera cosí come criterio di base dell’apprezzamento del giudice, il quale, nel pronunziarsi in definitiva secondo il suo prudente arbitrio, non mancherà di tener presente – per meglio contemperare fra l’altro le opposte esigenze – sopratutto quella che può essere, nella fattispecie, la sensibilità al dolore dell’uomo medio. Soluzione che consente tra l’altro – a quanto ci sembra – di realizzare risultati abbastanza costanti, evitando il pericolo di eccessive fluttuazioni della giurisprudenza. Ed appare poi di

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agevole applicazione pratica: poiché già l’accertamento, che in ogni caso deve farsi, della ricorrenza del danno morale fornirà un criterio abbastanza approssimativo di orientamento circa l’entità del dolore.”

Nesse sentido, ainda, o magistério de Antonio Jeová Santos, em sua obra dano Moral indenizável, 4. ed., Revista dos Tribunais, 2003, p. 151-2, verbis:

“Ao contrário do Direito Penal, que a cada crime corresponde o tamanho da pena, o grau mínimo e o máximo que deve ser aplicado ao criminoso, quantidade que é sempre embasada na gravidade do delito praticado, em tema de dano moral esse critério é impossível. Repudiado o tarifamento da indenização do dano moral, resta mesmo ao julgador percorrer o pantanoso caminho do nada para encontrar o quantum indenizatório.Essadificuldadeconspiraparaaausênciadeacordos,fazcomquenenhumadaspartesfiquesatisfeitaquandoojuizprolataa sentença e encontra o valor da indenização, tanto que raras vezes autor e réu não recorrem simultaneamente; o autor, por entender que a quantia que lhe foi outorgada é mínima, e o réu, porque o juiz foi generoso e arbitrou importância excessiva. Difícil o caso em que não existamdoisrecursosquandoademandaéacolhidaeojuizestabeleceaindenização,enfim,adificuldadenãopodeservirdeempeçoaoestudodotema,nemaqueoestudiosododireitoesteja sempre a procurar a melhor forma de indenizar o padecimento espiritual que alguém sofreu. Fugindo das indenizações simbólicas ou daquelas que, pelo montante, possam causar o enriquecimento indevido da vítima, nesse largo espaço, entre um extremo e outro, o advogado e o juiz haverão de trabalhar de forma incansável até encontrar o justo valor da indenização.

Uma postura de humildade haverá de revestir essa atividade. Nenhum critério existe. Fórmulasmatemáticassempredeverãoserafastadas.Procurardeformacientíficaoquantoaser indenizado, não conduzirá a lugar algum. Vale a ponderação de Ortega y Gasset: ‘Minha alegria é minha; a tristeza é minha e ninguém mais que eu pode tê-las’. O sofrimento humano é insuscetível de ser avaliado por terceiros. Sobretudo se a avaliação deve ser feita em dinhei-ro.Afinal,umfatodanosorepercutenoânimodaspessoasemgrausdiferentes.Umémaisintimorato; o outro tem uma personalidade mais suscetível à intimidação, de sorte que não sepodeauscultaroespíritohumanoparaverificaraextensãododano.Essaconstatação,desi mesma inarredável, impede a existência de termos e critérios quantitativamente exatos, o queébuscadopelooperadordodireito,maspelocaráterfluidoefugidiodotemaoraversado,jamais será encontrado, para desespero daqueles que estão acostumados com o alto grau de desenvolvimento do dano patrimonial em que basta a existência de um dano para saber-se exatamente quanto será necessário para satisfazer a vítima sem nenhum grau de impossibili-dade ou de injustiça quanto a deixá-la indene.

O arbitramento certo da indenização do dano moral, além de não existir pauta quanti-tativamenteexata, reduz-seaumaoperação insuscetíveldeserfixada, tomando-secomoembasamentoconceitosquesirvamdevalidezgeral.Afluidezeocaráternebulosoerelativoda subjetividade, do sofrimento anímico, impede a existência de pautas que gozem de validez universal ou, ao menos, em determinado ordenamento jurídico de dado país.

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29. O PRUDENTE ARBÍTRIO DO JUIZ Faltando critério de validez geral, faz-se um apelo a critério sumamente subjetivo. O

prudentearbítriodojuizpassaaseraúnicaformadesuperaçãodadificuldadedaindeni-zaçãododanomoral.Confia-senosjuízesnessatarefa,issoécerto.”

Nocasoemexame,oilustreMagistrado,considerandoasdificuldadese peculiaridades do caso concreto, estipulou o valor da indenização em quantia compatível com o dano sofrido pela parte-autora, impondo-se, pois, a manutenção da sentença no ponto.

No que concerne aos consectários, a r. sentença observou o disposto nas Súmulas nos 54, 326 e 362, todas do Eg. STJ.

Oshonoráriosadvocatícios restaramfixadosobservando-seascir-cunstâncias do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.

Por esses motivos, voto por negar provimento às apelações.É o meu voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.70.00.028452-5/PR

relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler

apelantes: Mapfre Vera Cruz Seguradora S/A e outrosadvogados: Drs. Fabricio Nedel Scalzilli e outros

Dra. Angela Carla Zandona UbialliDra. Vanessa Cristina Pasqualini

Dr.AlessandroSerafinOctavianiLuisDr. Angelino Luiz Ramalho Tagliari

apelante: União Federaladvogado: Procuradoria Regional da União

apelados: Os mesmos

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eMenta

direito administrativo e Processual Civil. agravo retido. Perícia. Capacidade técnica. responsabilidade objetiva do estado. acidente aéreo. Seguro aeronáutico. ação regressiva. Companhia seguradora. nexo causal ausente. Falha do serviço público. inocorrência.

1. Correto o indeferimento do pedido de realização de nova perícia, uma vez que não evidenciada incapacidade técnica do perito nomeado.

2. A responsabilidade objetiva da União Federal independe da compro-vaçãodeculpaoudolo,bastandorestarconfiguradaaexistênciadodano,da ação e do nexo de causalidade entre ambos. Já a responsabilização por falha do serviço não prescinde da comprovação da culpa do ente estatal, cumprindo ser averiguada a existência ou não de causas excludentes.

3. No caso concreto, restou demonstrado que o piloto da aeronave foi causador do sinistro objeto da causa, aliado às más condições mete-orológicas, não tendo a conduta dos agentes públicos sido determinante para a ocorrência.

4. Não há como reconhecer a responsabilidade do Estado, visto que ausente nexo de causalidade entre o ato da Administração e o evento danoso, não sendo pois devido o ressarcimento postulado na inicial.

5. Mantida a sentença de improcedência da demanda, bem como a fixaçãodaverbahonorária.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e às apelações, nos termosdorelatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrante do presente julgado.

Porto Alegre, 01 de dezembro de 2010.Desa. Federal Marga inge Barth tessler, Relatora.

reLatÓrio

a exma. Sra. desa. Federal Marga inge Barth tessler: Trata-se de apelações interpostas em face da sentença que julgou improcedente ação de ressarcimento movida por Vera Cruz Seguradora S/A, Itaú Seguros

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S/A, Real Previdência e Seguros S/A, Saoex Seguradora e Previdência Privada S/A e Golden Cross Seguradora S/A contra a União Federal, em virtude de acidente com aeronave ocorrido no aeroporto de Bacacheri, em Curitiba/PR, em 13 de setembro de 1996. Outrossim, condenou a parte-autoraaopagamentodehonoráriosadvocatíciosàUnião,fixadosem 10% do valor da causa.

Os fatos que deram origem à controvérsia foram assim relatados pelo MM. Julgador de primeiro grau:

“VERA CRUZ SEGURADORA S/A, ITAÚ SEGUROS S/A, REAL PREVIDÊNCIA E SEGUROS S/A, SAOEX S/A SEGURADORA E PREVIDÊNCIA PRIVADA e GOLDEN CROSS SEGURADORA S/A ingressaram em 13 de setembro de 2001 com a presente ação indenizatória contra a UNIÃO FEDERAL.

Os autores são legítimos a ingressarem com ação de indenização contra quem deu causa no dano, nos termos da Súmula 188 do STF, bem como pelos artigos 985 e 988 do Código Civil.

Aduzem ter ocorrido um acidente aéreo e, na qualidade de seguradoras, cumpriram com o contrato de seguro com o pagamento a empresa MATEL Matadouro Industrial Ltda., do valor de R$ 476.330,44, em dezembro de 1996.

Alega que a responsabilidade pelo acidente aéreo ocorreu por atos dos agentes do Ministério da Aeronáutica de Curitiba e São José dos Pinhais, portanto legítima a União Federal como requerida.

No dia 13 de setembro de 1996, por volta das 19h30min horas, a aeronave BARON 58, série TH-1511, de propriedade da MATEL – MATADOURO INDUSTRIAL LTDA., decolou do Aeroporto do Bacacheri, em Curitiba, com destino a Campo Grande-MS, sob o comando do piloto Milton Juvenal de Queiroz.

Como as condições meteorológicas que se apresentaram naquela ocasião não permi-tiam que fosse efetuado voo com orientação visual, o piloto necessitava de orientação por instrumentos da Torre de Comando, iniciando a subida como ERON 2, afastando-se do aeroporto de Bacacheri.

Aduz que, logo após a decolagem, a torre de controle do aeroporto do Bacacheri, inadvertidamente, autorizou uma outra aeronave, de porte e potência muito maiores que o primeiro, pertencente à companhia ‘Passaredo’, a decolar com destino à cidade de São José dos Campos-SP.

A aeronave Passaredo logo alcançou o pequeno Baron 58 e, por determinação dos controladores do aeroporto de Curitiba, pois a aeronave Passaredo igualmente realizou um vôo por instrumentos, ao receber a informação que estava em rota de colisão, realizou uma manobra de emergência, utilizando toda a força de seus motores para ascender. Ocorre que tal atitude causou uma perturbação na coluna de ar, chamada de ‘esteira’ ou ‘onda’, consequentemente retirando toda a sustentação do Baron 58 no ar, causando sua queda.

Narram os autores tratar-se de um voo noturno a ser realizado pela Baron 58, com más

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condições de tempo e visibilidade, sendo essencial as instruções de voo. Fundamentam que as instruções jamais foram prestadas, sendo que as torres da região não contavam mais com o radar primário, somente contando com o radar secundário, que, por sua vez, não estava funcionando de modo a proporcionar a maior segurança possível.

Portanto, seja pela ausência do radar primário e por não terem realizado as instruções pelo padrão ‘não radar’, seja pela permissão de decolagem entre aeronaves com intervalo de cinco minutos, a ausência de correta instrução dos agentes das torres de comando foi a causa do acidente.

Salienta que o APP/CT, em São José dos Pinhais, é o responsável pelo controle aéreo de toda a região de Curitiba, devendo monitorar e guiar todas as aeronaves que se aproximam e se afastam da região, enquanto a torre de controle do Aeroporto de Bacacheri orienta os aviões que decolam e pousam neste aeroporto, em conformidade com as informações que recebem daquele mesmo APP/CT. O controle APP/CT não cumpriu sua principal missão, de evitar o acidente aéreo.

Narra que a investigação própria do Ministério da Aeronáutica é descabida por tratar-se da ‘raposa sobre o galinheiro’. Diz que ‘...o mesmo órgão que causou o dano por meio do ato ilícito de seus agentes é o órgão incumbido de investigar e apresentar as causas do acidente’.

Sustenta a ‘coincidência’ do arquivamento de inquérito civil público sobre o aeroporto doBacacheriesuasdeficiências,exatamenteapósoacidentecausadapresentelide.

Fundamenta seu pedido na responsabilidade civil extracontratual do Estado pela falha do serviço.

Pede,aofinal,inaudita altera parte,aapresentaçãodasfitasdegravaçãodocontrolede tráfego aéreo da região de Curitiba, durante o período compreendido entre as 18h e as 24h do dia 13.09.1996, a relação de todas as aeronaves (e horários em) que pousaram e decolaram no Aeroporto de Bacacheri durante o período compreendido entre as 18h e as 24hdodia13.09.1996,aqualificaçãodosoficiaisquerespondiampelocontroledetráfegoaéreo na torre de controle do Aeroporto de Bacacheri e no controle de aproximação da regiãodeCuritibanodia13.09.1996,citaçãodaUniãoFederalefinalcondenaçãodestano pagamento de R$ 601.947,50 pelos danos ocorridos, com produção de todas as provas permitidas em direito. (...)”

Regularmenteinstruídoofeito,sobreveiosentença(fls.1516-1522)que julgou improcedente a demanda. Condenou a parte-autora ao paga-mentodasdespesasprocessuaisedehonoráriosadvocatíciosfixadosem10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa (R$ 601.947,50, na data de 28.06.2001) atualizado monetariamente pelo IPCA-E.

Opostosembargosdedeclaração,foramrejeitados(fls.1530-1531).Inconformada,recorreaparte-autora.Nasrazões(fls.1534-1592),

pleiteia a apreciação do agravo retido interposto contra a decisão que indeferiu a realização de nova prova pericial. Sustenta que deve ser reco-nhecida a responsabilidade objetiva da União no evento, bem como por

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falha no serviço do controle de tráfego aéreo, que ocasionou o acidente com graves consequências. Alega que a prova dos autos não foi corre-tamente analisada, argumentando que a causa determinante do acidente foi a esteira de turbulência ocasionada por aeronave de maior porte, afetando gravemente a estabilidade da aeronave sinistrada. Assevera não ter sido observado o regulamento que determina a separação de cinco minutosentreadecolagemdosaviões.Afirmaque,nãofosseaatuaçãoequivocada dos controladores de voo, poderia ter sido evitada a rota de colisão.Apontavíciosnaperíciaoficial,reportando-seaolaudodoas-sistente técnico. Anexa planilhas de cálculo em abono a sua tese. Requer a conversão do feito em diligência para a realização de outra perícia ou a reforma da sentença para julgar integralmente procedente o pedido.

Em seu apelo, pretende a União a majoração da condenação em ho-noráriosadvocatícios(fls.1597-1601).

Apresentadas contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.É o relatório.

Voto

a exma. Sra. desa. Federal Marga inge Barth tessler: Preliminar-mente, quanto ao exame do agravo retido, tenho que merece ser mantida porseusprópriosfundamentosadecisãodasfls.1.196/97,nosseguintestermos:

“Manifestam-seasRequerentesaduzindo,emsuma:a)insuficiênciatécnicadoperito;b)necessidadedarealizaçãodecálculos;c)embasamentoequivocadonatranscriçãodasfitasrelativas ao acidente; d) desnecessidade de copiloto para o voo discutido; e) suspeição de ‘qualquerprofissionaldeaviaçãoparanaense’;f)necessidadedanomeaçãodeoutroperito.

(...)Quanto às alegações das requerentes, cumpre dizer o seguinte: processualmente, a im-

pugnação do perito resta preclusa, já que o prazo para tal expira em cinco dias da ciência danomeação.Ademais,emanálisesumáriadolaudo,nãoverificoqualquermáculaquepossa ensejar nulidade (arts. 243 e segs., do CPC).

A perícia atendeu aos pedidos postulados na exordial de que o perito fosse desvinculado de qualquer órgão privado ou público da aeronáutica e, do mesmo modo, contemplou os quesitos estipulados pelas partes de forma eminentemente técnica, respondendo com clareza aos quesitos formulados.

Eventualdescontentamentocomosresultadosobtidosnãofiguracomorazãolegalparaimpugnaraperícia,peloqueindefiroanomeaçãodeoutroperito.”

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Efetivamente, no momento oportuno, as autoras não solicitaram esclarecimentos com relação ao trabalho do expert, deixando de for-mular quesitos complementares ou de impugnar a técnica utilizada na elaboração do laudo. A circunstância de não ter o perito respondido satisfatoriamente a apenas um quesito, versando sobre cálculo de pro-babilidades, dentro de um universo de sessenta quesitos, não evidencia sua incapacidade técnica para análise da matéria discutida nos autos, até porqueoreferidoprofissionalsomentefoiimpugnadoapósafeituradolaudo desfavorável à parte.

Assim,comobemreferidonasentença(fl.1520),nãoháfalaremfaltade técnica do perito, tendo respondido aos quesitos necessários, motivo pelo qual é despicienda a realização de nova prova pericial.

Portanto, impõe-se a rejeição do agravo retido interposto.No mérito, a controvérsia cinge-se a determinar se existe obrigação

regressiva da União quanto ao ressarcimento do dano arcado pelas seguradoras, supostamente em razão de falhas da Torre de Controle do Aeroporto de Curitiba.

O magistrado a quo entendeu versar a hipótese sub judice sobre a responsabilidade objetiva do Estado, conforme o disposto no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, enquanto o pedido formulado na inicial restou embasado no mau funcionamento do serviço público relativo ao controle do tráfego aéreo.

Se aplicada a responsabilidade objetiva do Estado, com base na teoria do risco administrativo, esta independe da comprovação de culpa. Sobre a referida norma constitucional, leciona Hely Lopes Meirelles:

“O § 6º do art. 37 da CF seguiu a linha traçada nas Constituições anteriores e, abando-nando a privatística teoria subjetiva da culpa, orientou-se pela doutrina do Direito Público e manteve a responsabilidade civil objetiva da Administração, sob a modalidade do risco administrativo.

(...) O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades

estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. Firmou, assim, o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegados.

(...) Na teoria da culpa administrativa exige-se a falta do serviço; na teoria do risco admi-

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nistrativo exige-se, apenas, o fato do serviço. Naquela, a culpa é presumida da falta admi-nistrativa; nesta, é inferida do fato lesivo da Administração. Aqui não se cogita da culpa da Administração ou de seus agentes, bastando que a vítima demonstre o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do Poder Público.

(...)Advirta-se, contudo, que a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da

culpa da Administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Isso porque o risco administrativo não se confunde com oriscointegral.OriscoadministrativonãosignificaqueaAdministraçãodevaindenizarsempreeemqualquercasoodanosuportadopeloparticular;significa,apenasetãosomente,queavítimaficadispensadadaprovadaculpadaAdministração,masestapoderádemons-trar culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da indenização.” (in direito administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, p. 561-565)

Entretanto,qualquerquesejaofundamentoinvocado,parafinsderesponsabilidade estatal é indispensável haver um nexo causal entre a conduta (comissiva ou omissiva) dos agentes do Estado e o evento da-noso. Por outras palavras, constitui pressuposto da determinação daquela responsabilidade a existência da relação de causalidade entre a atuação ou omissão do ente público e o dano reclamado, elementos cujo ônus da prova compete à parte-autora.

in casu,conformebemdecidiuasentença,nãoficoucomprovadoorespectivo nexo causal entre os atos do serviço público e a ocorrência do acidente. Segundo ensina, com precisão, Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

“Sendo a existência do nexo de causalidade o fundamento da responsabilidade civil do Estado, esta deixará de existir ou incidirá de forma atenuada quando o serviço público não for a causa do dano ou quando estiver aliado a outras circunstâncias, ou seja, quando não for a causa única.” (in direito administrativo. São Paulo: Atlas, p. 518)

Por outro lado, além da suposta prática de uma conduta objetiva, discute-se nos autos também uma omissão, qual seja, o descumprimento da obrigação de segurança no controle de tráfego aéreo.

Nessa hipótese, sendo o prejuízo decorrente da alegada falha do ser-viço, é necessária a demonstração da culpa dos agentes públicos. Deve haver uma norma legal ou regulamento que não tenha sido observado durante as atividades da torre de controle de voos do Aeroporto do Baca-cheri, ou mesmo um comportamento inerte dos respectivos funcionários.

Em se tratando de responsabilidade civil do Estado por omissão, há

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que ser aplicada a teoria da responsabilidade subjetiva, que não prescinde da comprovação da culpa do ente estatal.

Aliás, cumpre esclarecer que, na linha dos precedentes da Turma, os requisitos para a caracterização dessa responsabilidade são: 1. a omissão do Estado; 2. a comprovação da culpa do ente estatal; 3. o dano; 4. o nexo de causalidade entre a omissão e o dano ocorrido; 5. a inexistência de causas excludentes da responsabilidade (p. ex., culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior, culpa exclusiva de terceiro etc.).

Todavia, à luz da prova coligida, não há como imputar qualquer dessas hipóteses à União, e assim é incabível responsabilizá-la pelo acidente. Nocaso,éimpossívelafirmarquenãoocorreriaodanomesmoqueoserviçoalegadamentedeficientetivessesidoregularmenteprestado.

Elide a responsabilidade do Estado a culpa da vítima ou de terceiro, como parece ter acontecido na espécie. Consoante se observa do exame dos autos, a alegada existência de falha ou mau funcionamento do serviço público não constituiu fator determinante para ocasionar o acidente, o qual se deveu principalmente à atuação do próprio piloto, até mesmo por força das condições meteorológicas adversas, ou ainda por motivo fortuito, imponderável.

Segundo as Normas do Sistema do Comando da Aeronáutica, dis-poníveis no site do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – Cenipa, conceitua-se como acidente aeronáutico “toda ocorrência relacionada com a operação de uma aeronave, havida entre o momento em que uma pessoa nela embarca com a intenção de realizar um voo, até o momento em que todas as pessoas tenham dela desembarcado e, durante o qual, pelo menos uma das situações abaixo ocorra: uma pessoa sofra lesão grave ou morra, a aeronave sofra dano ou falha estrutural e a aeronave seja considerada desaparecida ou completamente inacessível.”

Nocasodosautos,valetranscrevertrechodoRelatórioFinal(fls.199-208) do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – Sipaer, vinculado ao Cenipa, do Ministério da Aeronáutica, in verbis:

“HISTÓRICO DO ACIDENTE

A aeronave decolou do Aeroporto de Bacacheri, em Curitiba, com destino a Campo Gran-de.Apósadecolagemdapista17,naexecuçãodoperfildasubidaEROM2,ocontroladordo APP-CT observou, por meio de apresentação no radar secundário, que a aeronave estava realizando curva à direita, quando o previsto seria uma curva à esquerda para interceptar a radial 005 do VOR CTB. Questionado do seu procedimento, o piloto informou estar na

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radial 004 e cruzando a proa 150º, sendo esta a sua última transmissão.A aeronave foi encontrada a 5 Km do aeroporto, tendo colidido verticalmente com o

solo. Houve perda total e os ocupantes faleceram no local. (...)

Informações meteorológicas

A aeronave estava em condições de voo por instrumentos noturno, dentro de uma ca-mada de nuvens, com chuva e provável turbulência leve. Segundo SPECI das 22:15 UTC, 13 minutos antes do acidente, o aeródromo do Bacacheri operava abaixo dos mínimos para voos por instrumentos, devido a uma camada a 400 ft (OVC 004). Conforme previsto na IMA 100-12, “Regras do Ar e Serviço de Tráfego Aéreo, a Torre de Controle é o órgão credenciado para avaliar as condições meteorológicas nos setores de aproximação e deco-lagem. Uma vez que os setores de pouso e decolagem se apresentavam com visibilidade e teto acima dos mínimos IFR, a Torre de Controle do Aeroporto do Bacacheri manteve o aeródromo aberto para operação IFR. O vento era de 090/10 e a visibilidade de 4.000m devido a chuvisco. (...)

Informações sobre o impacto e os destroços

O impacto da aeronave com o solo foi com uma atitude de cerca de 90º. Os destroços ficaramconcentradosealgumaspartesenterradasaumaprofundidadedecercadecincometros. Devido ao alto grau de destruição da aeronave, foi impossível reconhecer qualquer posição ou indicação dos comandos e controles. Não há indícios de que possa ter ocorrido uma falha estrutural em voo.

(...)

Aspectos operacionais

No dia do acidente o piloto havia voado de Campo Grande para São Paulo e após para Curitiba, onde iria pegar quatro passageiros e transportá-los para Campo Grande. Nesse dia, ele saiu de casa às 06h e disse que deveria retornar por volta das 23h.

Na hora de preencher o plano de voo em Bacacheri, o piloto pediu a uma outra pessoa que o preenchesse, tendo alegado a essa pessoa que estava muito cansado para fazê-lo. O plano previa o voo por instrumentos de Curitiba direto para Campo Grande, no FL 100, com tempo estimado de 02h15min de voo.

Como o piloto não compareceu à sala AIS para preencher o plano de voo, é provável que não tenha tomado conhecimento das condições meteorológicas do local, da rota e do destino.

O acionamento dos motores foi às 22h09min. Antes de ser autorizada a decolagem, o piloto teve que aguardar 15 minutos no ponto de espera da pista, devido a duas aeronaves que realizavam procedimento de descida por instrumento.

A decolagem ocorreu às 22h28min UTC, e o piloto foi instruído a realizar curva à esquerda após a decolagem e prosseguir na subida EROM 2 (RD 005 do VOR CTB) e subir até o FL070.

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Aproximadamente três minutos após a decolagem, o controlador do APP-CT questio-nou o piloto quanto à sua altitude e à sua distância, tendo este informado que estava a oito milhas, mas não respondeu qual era a altitude.

Foiinstruídoentãoquereportassea15NM,subindoparaoFL070emantendooperfilda subida EROM 2.

O controlador do APP, mesmo estando com o sistema operando no modo convencional, observou por meio de informação do radar secundário que estava funcionando intermiten-temente, que a aeronave estava curvando à direita e abandonando a radial 005 com proa Sudeste. Nessa condição, a trajetória de voo passou a interferir com a de outra aeronave que havia decolado e estava realizando outra subida.

Nesse momento, o APP-CT questionou novamente o procedimento do piloto e este reportou que estava mantendo a radial 004 e a proa 150º: ‘Tá desviando, proa cento e cin-quenta agora’, quando na realidade deveria estar se afastando com a proa N/NE.

Comoaaeronavecontinuavaemcurvaàdireita,comumaproadepossívelconflitocom outro tráfego, o controlador instruiu a mesma a fazer curva à direita e interceptar a Radial 005 do VOR CTB. Entretanto, nesse momento já não tinha mais visualização radar da aeronave e também não obteve mais resposta do piloto às suas mensagens. (...)

Fator Humano

Os fatos, quando relacionados com o acidente, mostram que o piloto estava com um nível elevado de fadiga. Junto a isso, as condições adversas durante o voo (período noturno, chuva e condições IFR) podem ter levado o piloto a uma situação de desorientação espacial. (...)

Fator Operacional

Da análise das informações operacionais, das condições do impacto com o solo, da disposiçãodosdestroçosedorelatodastestemunhas,verifica-seclaramentequehouveuma perda de controle em voo. Resta portanto saber os motivos que possam ter provocado esta perda de controle.

PeloRelatóriodoAPP-CT,verificou-sequeaaeronavenãoexecutoucorretamenteoprocedimento de subida EROM 2. O fato de o piloto reportar que a proa estava ‘derivando’ e que estava cruzando a proa 150º, quando deveria estar mantendo uma proa próxima a 005º, denota que o mesmo possivelmente estava desorientado quanto à altitude da aeronave e à sua posição.

Esse dado mostra um primeiro indício de uma perda de consciência situacional. No entanto, o piloto poderia já estar em um processo de desorientação sem ter-se dado conta da situação. Dessa forma, poderia ter iniciado a curva de maneira errada para o lado direito, ou ter-se equivocado na execução do procedimento de subida. Por esse motivo, a desorien-taçãopodeterocorridomesmoantesdocontatofinalcomoAPP-CT,vistoteradecolagemde Bacacheri sido realizada em condições IFR, com um teto de 500 ft. Presume-se, no entanto, que a perda de controle tenha ocorrido após o último contato rádio, pois dos fatos investigadosverificou-sequeotempodecorridoentreessecontatoeoimpactocomosolo

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foi um pouco maior ou igual a três minutos.As condições de noite escura, o teto e a visibilidade reduzidos contribuíram para que o

pilotoficassenacompletadependênciadosinstrumentosdevooparamanterourecuperaras condições normais. A inexistência de referências externas contribuiu decisivamente para aperdadecontroleeaimpossibilidadederecuperação.”(fls.199-205)

Em conclusão, o referido relatório apontou como fatores que con-tribuíram para causar o acidente controvertido: o Fator Humano, con-sistentenosaspectosfisiológicoepsicológicodopiloto;alémdoFatorOperacional, a saber: condições meteorológicas adversas, planejamento deficientedovooejulgamentodeficientedopilotoquantoàscondiçõesverificadas(fls.206-207).

Idênticas foram as conclusões da prova pericial, conforme o laudo técnicojuntadoàsfls.1033-1082,oqualanalisoudetalhadamenteedeforma incensurável os quesitos apresentados pela partes. Apontou como causa da queda o procedimento do piloto do Baron naquela ocasião, aliado a um conjunto dinâmico de fatores.

Buscam as Apelantes fazer prevalecer a tese de que a causa determi-nante do acidente foi a esteira de turbulência ocasionada por aeronave de maior porte, afetando gravemente a estabilidade da aeronave sinistrada. Assevera não ter sido observada a necessária separação de cinco minutos entreadecolagemdosaviões.Afirmaque,senãofosseaatuaçãoequivo-cada dos controladores de voo, poderia ter sido evitada a rota de colisão.

Contudo, razão não lhes assiste.No contexto descrito nos autos, é forçoso reconhecer que houve no

caso um acidente que pode ter decorrido de vários fatores (mau tempo, baixa visibilidade, deslocamento de ar, desorientação espacial, falha do piloto, etc.) sem que se possa direcionar à Torre de Controle do Aeroporto de Bacacheri a certeza da responsabilidade pelo evento.

Cumpre notar que a realização do voo apenas por instrumentos, em pequenas aeronaves, é atividade de natureza arriscada, sendo inviável afirmartaxativamentequeaturbulênciaforacausadapelooutroaviãoem decolagem.

Assim, mesmo que alguma falha técnica pudesse ser imputada aos controladoresdevoo,fatoquenãoficoucomprovado,issonãoresultariapor si só em fator determinante para a ocorrência do acidente que, como visto, foi ocasionado por circunstâncias diversas.

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Diante desse quadro, em que pesem as alegações das Apelantes, não elidiram os fundamentos da r. sentença, que ora transcrevo e também adoto como razões de decidir, litteris:

“Sustenta a parte-autora a responsabilidade do réu por falha do serviço.Paraaconfiguraçãodaresponsabilidadecivil,genericamente,éindispensávelacon-

figuraçãodosseguintesrequisitos:a)atoouomissãodoagente;b)ilegalidadedacondutaou negligência da parte (culpa); c) nexo de causalidade entre o ato e o dano sofrido; e d) a configuraçãododano.

Nostermosdoart.37,§6º,daConstituiçãoFederal,noentanto,paraaconfiguraçãoda responsabilidade do Estado, prescinde-se da demonstração da culpa do agente, basta a demonstração do nexo de causalidade entre o ato e o dano sofrido.

Tal opção constitucional (que distingue o tratamento dado ao Estado e aos particulares, já que em relação a estes é indispensável a prova da culpa) tem como fundamento o princípio da igualdade, o qual decorre do risco da atividade.

A responsabilidade objetiva do Estado tem fundamento no princípio da isonomia. Ou seja, quando o Estado, agindo de forma lícita, causa danos ao particular, o princípio da igualdade impõe que esse particular, que teve sua esfera atingida em razão de um bem realizado em favor da coletividade, divida o ônus sofrido com essa mesma coletividade, no caso, por meio da indenização que será suportada mediatamente por todos e imediatamente pelo Estado.

Neste sentido é a lição de Celso Antonio Bandeira de Mello:

‘No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese de danos ligados à situação criada pelo Poder Público – mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso –, entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime reparti-ção dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito.’ (Curso de direito administrativo, 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 789) Grifado.

No mesmo sentido a lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro:

‘Sem abandonar essa teoria, o Conselho de Estado francês passou a adotar, em determi-nadas hipóteses, a teoria do risco, que serve de fundamento para a responsabilidade objetiva do Estado. Essa doutrina baseia-se no princípio da igualdade dos ônus ou encargos sociais: assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também o prejuízo sofrido por alguns membros da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior que o suportado pelos demais, rompe-se o equilíbrio que necessaria-mente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário público.’ (direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 504)

A opção pela responsabilidade objetiva tem fundamento também na teoria do risco

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administrativo, a qual parte da ideia de que a atuação estatal envolve um risco de dano que lhe é inerente.

Assim, garante-se aos que sofrem danos à sua esfera juridicamente protegida, o direito de serem indenizados. A presença do risco faz presumir a culpa.

Fixadas,portanto,aspremissasdaresponsabilidadeobjetiva,oqueseverificaéqueestão ambas, princípio da igualdade e risco da atividade, presentes no caso em apreço.

Independentemente da vítima, possível a caracterização da responsabilidade objetiva. Nesse sentido, é a lição da jurisprudência:

‘CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AGENTE E VÍTIMA: SERVIDORES PÚBLICOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: CF, art. 37, § 6º. I. – O entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que descabe ao intérprete fazer distinções quanto ao vocábulo ‘terceiro’ contido no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, devendo o Estado responder pelos danos causados por seus agentes qualquer que seja a vítima, servidor público ou não. Precedente. II. – Agravo não provido.’ (STF, AI-AgR 473381, Rel. Carlos Velloso, DJ 28.10.2005)

Daí decorre, portanto, a aplicação do art. 37, § 6º da Constituição Federal, na hipótese de existência dos requisitos da responsabilidade objetiva.

Também é imprescindível, porém, uma análise quanto à alegação da União Federal de que teria havido culpa exclusiva da vítima, já que tal circunstância exclui o nexo de causalidade entre o ato do Estado e o dano sofrido.

Passo à análise das provas.Sustentam os autores que a causa do acidente aéreo foi o erro do controle de torre

de comando ao permitir a decolagem em menos de cinco minutos de outra aeronave, no caso um avião Brasília-Passaredo, após a decolagem do avião BARON 58, ocasionando uma turbulência denominada ‘esteira’ ou ‘onda’ de turbulência, a retirar a sustentação da aeronave menor.

A perícia judicial narra em resposta aos quesitos a não ocorrência da referida ‘turbulência’ comocausadoacidente,fl.1042:

‘O regime de separação mínima entre as aeronaves que saem: ‘as disposições seguintes sãocomplementaresaosmínimosdeseparaçãolongitudinalespecificadosnocapítulo8.(...)Cinco minutos de separação, no momento de cruzamento do nível de cruzeiro, se a aeronave que parte cruzar o nível de outra que tenha partido antes e ambas seguirem a mesma rota’. Está correto. (Pequena correção no enunciado: se a aeronave que parte cruzará...)

Não conseguindo estabelecer a separação lateral e sabendo-se que haverá o cruzamento de nível, é obtida a separação longitudinal de 5 minutos no momento do cruzamento de nível.

Resposta: Neste caso, não se aplica a separação mínima de 5 minutos (enunciado da pergunta 13) porque a aeronave que parte (Passaredo) não cruzaria o ‘nível de cruzeiro’ – fl.100–daoutra(Baron)quetenhapartidoantes.PodemosobservarnaIMAafiguraqueilustra o que determina a letra ‘c’. A aeronave que partiu encontra-se estabilizada no nível de cruzeiro (FL 60). B. Ambas aeronaves não seguiram a ‘mesma rota’. A mesma rota, neste

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caso, quer dizer: ambas com destino a Campo Grande ou São José dos Pinhais.’

O argumento da causa do acidente, erro do controle da torre de comando, a ocasionar a ‘turbulência’, pela prova pericial evidencia-se que não ocorreu.

Portanto, não se comprova o nexo causal entre os comandos da torre de controle e o acidente.

AfitaemCD,queacompanhaosautos,demonstraclaramentequeopilotodaBARON58nãoseguiuarotacorretadedecolagemdoaeroportodoBacacheri,verificando-sesuainstabilidade quanto a evidentes manobras incompatíveis com a decolagem correta.

A conclusão da culpa do piloto quanto ao acidente é a única plausível, aliás mesma conclusão da Cenipa, constante dos autos.

Nada mais resta a não ser julgar a presente lide improcedente.Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação, nos termos da fundamen-

taçãosupra.”(fls.1516-1522)

Nessas condições, inexistindo nexo causal em relação ao serviço pú-blico, não há como imputar à União qualquer responsabilidade pelo fato.

A possibilidade da ocorrência do sinistro é um dos elementos do contrato de seguro, cujos riscos são previsíveis e estão expressamente previstos na cobertura securitária, mormente em se tratando de aviação civil.

Portanto, não encontra amparo jurídico a tentativa de transferir à União o prejuízo suportado pelas seguradoras no exercício de sua atividade.

Logo, deve ser mantida a decisão de improcedência do pedido.Porfim,tenhoqueafixaçãodaverbaadvocatíciadasucumbênciafoi

feita em observância ao disposto no artigo 20, §§ 3º e 4º, do CPC, bem como em atenção aos precedentes da Turma, não merecendo reparos.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo retido e aos recursos de apelação.

É o voto.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.72.16.004049-5/SC

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Fernando Quadros da Silva

apelante: Imobiliária Cerrados Ltda.advogado: Dr. Jamil Felippe

apelado: Ministério Público Federalinteressada: Fundação de Amparo ao Meio Ambiente – Fatma

advogados: Drs. Geraldo Stelio Martins e outros

eMenta

Constitucional, administrativo e ambiental. ação Civil Pública. dano ambiental. eia/rima. Área de preservação permanente. Loteamento Praia da ilhota. Balneário Santa Marta Pequeno. Município de Laguna. Manutenção da sentença. apelo desprovido.

1. Hipótese de manutenção da sentença que: a) determinou a suspensão de toda e qualquer obra dentro do loteamento Praia da Ilhota, em Balneá-rio Santa Marta Pequeno (Praia Ilhota), Município de Laguna/SC; b) con-denou a requerida a apresentar o EIA/Rima relativo ao Loteamento Praia da Ilhota, em Balneário Santa Marta Pequeno (Praia Ilhota), Município de Laguna/SC, no prazo de 6 meses, custeando as reparações ambientais que se mostrarem necessárias, segundo as orientações do próprio estudo de impacto ambiental; c) proibiu a alienação dos imóveis cuja outorga de uso foi cancelada pela Secretaria do Patrimônio da União, conforme fl.655eplantajuntadaàfl.680doVolumeIIIdosanexos;d)condenoua recorrente ao pagamento de indenização no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), os quais reverterão em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos previstos nas Leis nos 7.789/89 e 7.347/85.

2. Apelação desprovida.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresentejulgado.

Porto Alegre, 03 de maio de 2011.Des. Federal Fernando Quadros da Silva, Relator.

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reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal Fernando Quadros da Silva: Trata-se de ação civil pública, ajuizada em 30 de agosto de 2005, pelo Procurador da República Celso Antônio Três, com objetivo de condenar a Imobiliária Cerrados Ltda. e a Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Ca-tarina – Fatma a realizar EIA/Rima para delimitar as áreas de preservação permanente, impróprias às construções, bem como para excluir as terras de marinha das áreas autorizadas a construir no Loteamento Praia da Ilhota, em Balneário Santa Marta Pequeno, Praia da Ilhota, Município deLaguna/SC,everificaraextensãodoimpactoambientaldecorrentedo empreendimento em questão.

Comopartedorelatório,adotoaquelevertidonar.sentençadasfls.202-210, da lavra da MM. Juíza Federal Daniela Tocchetto Cavalheiro:

“Objeto da ação: O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra Imobi-liária Cerrados Ltda. e Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina – Fatma, objetivando a realização de EIA/Rima para delimitar as áreas de preservação permanente, impróprias às construções, bem como para excluir as terras de marinha das áreas autoriza-das a construir no Loteamento Praia da Ilhota, em Balneário Santa Marta Pequeno, Praia daIlhota,MunicípiodeLaguna,everificaraextensãodoimpactoambientaldecorrentedo empreendimento.

Inicial:AfirmouqueapresenteACPoriginou-sederepresentaçãoformuladaporOr-lando Felipe da Conceição, que se disse lesado por ter adquirido lotes no Loteamento Praia da Ilhota, pertencentes à União, com a conivência do Registro de Imóveis e da Prefeitura Municipal de Laguna.

O empreendimento, cuja área total era de 640.000,00m², com área destinada aos lotes de 352.842,00m², teve início com a Imobiliária Ypuã, a qual, em 11.12.1990, transferiu para a Imobiliária Cerrados por meio do instrumento particular de cessão de direitos e outras avenças, os direitos, obrigações, ações e exceções referentes ao loteamento.

Informou o Parque que a área loteada possuía inscrição de ocupação na Secretaria do Patrimônio da União – SPU, em nome de Arnaldo da Conceição e Orlando C. Filho, con-tudo, tal inscrição restou cancelada pela própria SPU, em 1992, ao constatar que se tratava de área de preservação permanente.

Asseverou que a Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina – Fatma teria concedido Licença de Instalação, em 29.07.1993, e Licença Ambiental de Operação, sem exigir a apresentação de Estudo de Impacto Ambiental. E, após várias vistorias realizadas pelo Ibama e pela SPU, o empreendimento teria sido readequado, oportunidade em que fora emitida nova Licença Ambiental de Operação pela Fatma, em junho de 1997, restando uma área de lotes de 228.749,38m². Porém, ainda assim não teriam sido excluídas todas as

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áreas de preservação permanente. Requereu a concessão de liminar para que fossem sequestrados os imóveis inseridos

em terreno de marinha e acrescidos, cuja outorga de uso tenha sido cancelada pela SPU, vedando sua alienação, bem como determinada a realização de EIA/Rima do Loteamento Praia da Ilhota, atestando as áreas impróprias às construções, determinando-se à Fatma a suspensão do licenciamento ambiental até a homologação do referido estudo.

Porfim,pleiteouaprocedênciadopedidoparacondenararé,ImobiliáriaCerrados,aimplantar todas as medidas constantes do EIA/Rima, a excluir todas as áreas de marinha do loteamento, cancelando-se as respectivas matrículas, e a pagar indenização pelo dano material perpetrado, revertendo os valores em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos. Quanto à Fatma, pugnou pela determinação da obrigação de fazer, consistente na exigência de EIA/Rima ao licenciamento ambiental.

Andamento: À analise da liminar foi determinada a intimação da Fatma para que pres-tasse informações, bem como a intimação da União para se manifestar sobre interesse no feito–fl.21.Todavia,arélimitou-seainformarque,deimediato,seriasuspensaalicençae requereu a concessão de prazo para a revisão administrativa do processo em questão.

Medida Liminar: A liminar foi concedida parcialmente, sendo determinada a vedação da alienação dos imóveis do Loteamento Praia da Ilhota, inseridos em terreno de marinha e acrescidos, cuja outorga de uso foi cancelada pela Secretaria de Patrimônio da União, e a suspensão do licenciamento ambiental e, consequentemente, a suspensão de toda e qualquer obradentrodoloteamento–fls.33-38.

Contestação: Citados os réus, a Imobiliária Cerrados apresentou contestação, aduzindo inexistir terras de marinha ou da União dentro do Loteamento Praia da Ilhota.

Asseverou que o loteamento em questão já estaria implantado havia anos, tendo sido comercializados diversos lotes pela proprietária antecessora, Imobiliária Ypuã, a qual per-tence a Orlando da Conceição e Arnaldo da Conceição, pai e tio do denunciante.

Argumentou que fora interposto recurso de revista administrativamente contra o em-bargo da obra realizado pelo Ibama, o qual foi julgado procedente pelo Ministro do Meio Ambiente, em fevereiro de 2000, perdendo relevância os pareceres da Autarquia Federal firmadosem01/86e23/07,umavezqueafastadospelainstânciasuperioradministrativa.

Informou que, à época da implantação do loteamento (1973), foram cumpridas todas as exigências legais, inexistindo nenhuma conivência do poder público municipal ou do cartório de registro imobiliário, e que a área em comento teria origem em títulos da Diretoria de Terras e Colonização de Santa Catarina, substituída pelo Irasc.

Alegou que a determinação para realização de EIA/Rima vai de encontro ao despacho do Ministro do Meio Ambiente, o qual autorizou o desembargo total da área do empre-endimento Loteamento Praia da Ilhota, e que a liminar, no ponto que veda a realização de toda e qualquer obra dentro do empreendimento, estaria atingindo direito de terceiros, pois impede que os proprietários dos diversos lotes comercializados possam construir suas residências.Requereu,aofinal,sejadefinidoaquemfoidirigidaasuspensãodeterminadana decisão liminar, bem como seja liberada a alienação dos terrenos que não estejam dentro de terras de marinha.

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Contestação Fatma: A Fatma, por sua vez, informou que, após ter revisado o processo de licenciamento do empreendimento, concluiu que a readequação feita efetivamente não foisuficienteparapreservarasAPPseecossistemasfrágeis,sendonecessáriaarealizaçãode EIA/Rima para a delimitação da área em exame, pelo que requereu seu afastamento do polo passivo da demanda, passando a atuar no ativo, juntamente com o MPF.

O MPF manifestou-se contrário à pretensão da Fatma. As partes não requereram a produção de provas. AUniãoingressounalide,àfl.195,nacondiçãodeassistente,nãopretendendopro-

duzir provas. Vieram-me os autos conclusos.”

O MM. Juízo a quo lavrou o dispositivo sentencial nos seguintes termos:

“Ante o exposto, EXTINGO O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO em relação à Fatma, no que tange à condenação à obrigação de fazer pleiteada na inicial, haja vista já tê-la cumprido, suspendendo as licenças ambientais anteriormente concedidas, logo que citada nesta demanda, forte no artigo 267, VI, do CPC, e, no mérito:

JULGOPROCEDENTEopedidoinicial,confirmandoaliminarconcedidapara:a) determinar a suspensão de toda e qualquer obra dentro do loteamento Praia da Ilhota,

em Balneário Santa Marta Pequeno (Praia Ilhota), Município de Laguna/SC; b) condenar a requerida a apresentar o EIA/Rima relativo ao Loteamento Praia da Ilhota,

em Balneário Santa Marta Pequeno (Praia Ilhota), Município de Laguna/SC, no prazo de 6 meses, custeando as reparações ambientais que se mostrarem necessárias, segundo as orientações do próprio estudo de impacto ambiental;

c) determinar seja proibida a alienação dos imóveis cuja outorga de uso foi cancelada pelaSecretariadoPatrimôniodaUnião,conformefl.655eplanta juntadaàfl.680doVolume III dos anexos;

c) condenar a pagar indenização no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), os quais reverterão em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos previstos nas Leis nos 7.789/89 e 7.347/85, conforme dito na fundamentação.

Oficie-seaoRegistroImobiliário.P.R.I. Após o trânsito em julgado, arquive-se.”

A Imobiliária Cerrados Ltda. interpôs recurso de apelação, pos-tulando, preliminarmente, que seja desentranhada a manifestação de Orlando Felipe da Conceição, pois é parte estranha à lide e desprovido decapacidadepostulatória(engenheiro).Nomais,perfilhouconsidera-ções genéricas no sentido de que o MM. Juízo a quo nada falou acerca daaçãoderevisãocontratualdafl.182,bemcomooqueconstadafl.186, e também não levou em consideração que o loteamento já havia

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sido aprovado pela Municipalidade de Laguna, com lotes vendidos a muitos adquirentes, pois já haviam passado 24 anos da sua aprovação. Asseverou que o loteamento em questão está a 147 metros da faixa de areia coberta e descoberta pelo mar e que a apelante se compromete a pagar dois milhões de reais caso a MM. Juíza a quo entregue os 842 loteslivresdeônus.AfirmouqueosatuaisproprietáriosdaImobiliáriaCerrados Ltda. não alienaram nenhuma gleba de terras no loteamento em questão porque nunca tiveram autorização judicial para tanto. Sus-tentou que, com relação ao pagamento de R$ 1.000.000,00 decorrente da sentença, não há possibilidade de o recorrente efetuar seu pagamento, porque não cometeu nenhuma infração ambiental. Repisou o argumento de que “estamos falando do início da década de 1970, quando tudo era dirigido,fiscalizadoeautorizadopelamunicipalidadelocal!!”.Pugnouassimpelamodificação/anulaçãodasentença(fls.214-234).

Com contrarrazões subiram os autos a esta e. Corte.O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso.Pelapetiçãodasfls.262-283,váriosproprietáriosdelotesnasáreas

emlitígiopostularamanulidade/ineficáciadasentençaporausênciadelitisconsórcios passivos necessários, com pedido de antecipação de tutela para: a) permitir que a Celesc regularize a distribuição de energia elétrica paraascasasexistentesnoloteamento;b)determinarqueoOficialdoCartório de Registro de Imóveis de Laguna cumpra a sentença realizando o registro de alienação dos lotes que não estão na área de marinha; c) declarar a nulidade/inexistência da sentença e demais atos viciados do processo, tendo em vista a existência de litisconsórcio passivo necessário não citado nos autos, permitindo que os proprietários realizem sua defesa antes de terem seu direito de propriedade maculado. Juntaram aos autos farta documentação, como instrumentos particulares de procuração, escrituras de compra e venda de imóveis, cópias de matrículas, entre outroselementos(fls.284-765).

É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal Fernando Quadros da Silva: Inicialmente, verificoaimpossibilidadedeatendimentodasolicitaçãocontidanoOfícionº 4745146, de 01.10.2010, oriundo da 1ª Vara de Execuções Fiscais de

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Curitiba, juntado aos presentes autos, tendo em vista que a controvérsia envolvendo os imóveis em questão encontra-se sub judice.

Quantoàpetiçãodasfls.262-283,determinooseudesentranhamen-to dos autos, pois formulada por pessoas estranhas à presente relação processual.Seojulgamentodestademandatrará,ounão,reflexosparaa esfera patrimonial de eventuais particulares, a presente via processual não se mostra adequada à discussão de tais interesses, que poderá ser tratada em âmbito extrajudicial pelos possíveis interessados ou até mesmo judicialmente, em ação própria para o caso.

No mérito, é sabido que a Carta Republicana atual preocupou-se sobremaneira com a temática em questão, iniciando o seu Capítulo VI (do Meio ambiente) com a seguinte imposição ao Poder Público e à coletividade:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à co-letividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (grifei)

No caso concreto, como razões de decidir e com base nos princípios da celeridade e da economia processual, adoto os fundamentos vertidos nar.sentençadasfls.202-210,dalavradaMM.JuízaFederalDanielaTocchetto Cavalheiro, cuja cognição exauriente deverá ser prestigiada por este e. Tribunal por ocasião do presente julgado, uma vez que, com maestria e profundidade, a referida magistrada esgotou a análise da matéria posta nos autos, verbis:

“(omissis)

II – FUNDAMENTAÇÃO: Trata-se de ACP em que o Ministério Público Federal busca a condenação da Imo-

biliáriaCerradosLtda.a,antesdeimplantaremdefinitivooLoteamentoPraiadaIlhota,localizado no Balneário Santa Marta Pequeno, Praia da Ilhota, Município de Laguna, apresentarEIA/Rima,afimdeseverificaraextensãodoimpactoambientaldecorrentedoempreendimento, bem como para, uma vez atestada sua viabilidade, delimitar as áreas de preservação permanente impróprias às construções, além de excluir as terras de marinha das áreas autorizadas à construção.

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado foi erigido a preceito consti-tucional com a Constituição Federal de 1988, sendo dever do Poder Público, assim como tambémdetodaasociedade,zelarpelaintegridadeambiental,afimdepreservá-loparaapresente e as futuras gerações.

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Para tanto, segundo disposições do § 1º do artigo 225 da CF, incumbe ao Poder Pú-blico,entreoutros,definir,emtodasasunidadesdaFederação,espaçosterritoriaiseseuscomponentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente por meio de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributosquejustifiquemsuaproteção,bemcomoexigir,naformadalei,parainstalaçãodeobraouatividadepotencialmentecausadoradesignificativadegradaçãodomeioambiente,estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade.

Preceitua o artigo 3º da Resolução 237/97 do Conama, que regulamenta o sistema nacional de licenciamento ambiental:

‘Art. 3º – A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva oupotencialmentecausadorasdesignificativadegradaçãodomeiodependerádeprévioestudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/Rima), ao qual se dará publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.’

No caso, trata-se de loteamento que, inicialmente, previa a área de 640.000,00m², sendo destinada aos lotes área de 352.842,00m² que, após readequação feita em junho de 1997, resultou em 228.749,38m². Inegável, portanto, que se trata de empreendimento de grande porte a ser implementado em local próximo à praia da Ilhota e, quando digo próximo à praia, entenda-se próximo à faixa de areia periodicamente coberta e descoberta pelo mar.

Alocalizaçãodoempreendimento,porsisó,ésuficienteparaensejarquestionamentosacercadesuaviabilidade.Oacervofotográficoconstantedosautosevidenciaquepelomenos boa parte do loteamento está inserida sobre dunas e vegetação características de área de preservação permanente.

O loteamento foi aprovado pela Prefeitura Municipal de Laguna em 1973, tendo-lhe sido concedida Licença de Instalação pela Fatma em 1991; contudo, tal licença foi dada ao arrepio da atual Carta Magna, pois deixou de exigir o necessário estudo de impacto ambiental.

Depreende-se dos autos, ainda, que, por conta da existência de terras de marinha e áreas de preservação ambiental no loteamento, o empreendimento teve cancelada sua inscrição deocupaçãoem1992–fl.655doanexoIII.

De lá para cá, sofreu diversas vistorias, realizadas ora pelo Ibama, ora pela Fatma e pela SPU. Todas foram unânimes em atestar o grande porte do empreendimento e a presença de áreas insuscetíveis de construção. Até mesmo a Fatma, que a priori tinha concedido licença ambiental, voltou atrás e, em 1997, condicionou a concessão da licença ao cumprimento de algumas exigências, as quais, todavia, não foram obedecidas pela ré.

O relatório de vistoria realizado pelo Ibama, em 18.04.1997, concluiu que:

‘O empreendimento está localizado em área situada imediatamente após a faixa de praia, assim entendida como a faixa periodicamente coberta e descoberta pelas águas, acrescida da faixa subsequente de material detrítico como areia, cascalho, lixos e pedregulhos até o limite onde se inicia a vegetação natural ou, em sua ausência, onde comece outro ecossistema.

[...]Aáreaédepreservaçãopermanente,ondeseverificaoiníciodesuadescaracteri-

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zação,devendoserobjetoderecuperaçãoenãodetotalocupação’–fl.696doanexoIII.

Em consonância com o citado laudo do Ibama, extrai-se da revisão administrativa feita pela Fatma, datada de 07.12.2005, que a equipe revisora

‘entende que o embargo à área deve ser mantido, não devendo ser autorizada qualquer construção no local, mesmo nos lotes que permanecem no projeto após a proposta de readequação. B) A equipe revisora avalia que o porte e a localização do empreendimento obrigamàsolicitaçãodeEIA/Rimaparaumadequadoencaminhamentodaquestão[...]’–fl.117destesautos.

Ressalte-se que a decisão administrativa no âmbito do Ministério do Meio Ambiente foi amparada por vícios formais do auto de infração que originou o referido embargo. Contudo, não se observa naquele decisum qualquer menção ao mérito da causa, isto é, não foi exami-nadaaquestãodeserounãoaáreapassíveldeconstrução(fls.1055-1060doanexoIV).

Nesse passo, tal decisão refere-se, tão somente, à regularidade do auto de infração, sendo insuficienteparaafastaroslaudosambientaisposteriormenterealizados.

Cumpredestacar,ainda,ofatodeque,emboraarétenhaafirmado,categoricamente,inexistirem terras de marinha no loteamento, não requereu a produção de qualquer prova afimdeampararsuasalegações,asquaiscaemnovaziodiantedoacervodocumentalconstante nos volumes em anexo.

Quanto ao argumento de que o empreendimento estaria de acordo com o regramento vigente à época de sua aprovação e totalmente implantado desde 1973, não se mostra con-sentâneo com a realidade, uma vez que, embora aprovado na Prefeitura em 1973, somente em1993obteveaLicençaAmbientaldeImplantação–LAI(fls.66-67,volumeI),licençaesta que, como já explicitado acima, deixou de cumprir a determinação constitucional relativa à exigência da apresentação do EIA/Rima.

Ademais, em se tratando da aplicação da legislação ambiental no tempo, como bem ponderado por Édis Milaré, em sua obra direito do ambiente,

‘[...]asnormaseditadascomoescopodedefenderomeioambiente,porseremdeordempública, têm aplicação imediata, vale dizer, aplicam-se não apenas aos fatos ocorridos sob sua vigência, como também às consequências e aos efeitos dos fatos ocorridos sob a égide da lei anterior (facta pendentia). Essas normas só não atingirão os fatos ou relações jurídicas jádefinitivamenteexauridosantesdesuaedição(facta praeterita).[...]Destarte,escreveMichel Prieur, as autorizações concedidas não constituem atos individuais intangíveis, prolongando-se seus efeitos no tempo. Certamente poderão ser retiradas se forem ilegais enoprazodorecurso;todaviaissonãoimpedequesejammodificadaserecusadas,nãosomente segundo o direito aplicável à época de sua edição, mas também segundo o direito novoeventualmenteaplicávelàépocadesuamodificação.Avalidadedasautorizaçõespar-ticulares está ligada de forma indissolúvel e permanente à regulamentação geral relativa à autorização.Semretroatividadeeofensaaodireitoadquiridoépossívelmodificarautorizaçãoexistente, devendo o poluidor submeter-se sempre à nova regra, que deverá, em princípio, dar maior proteção ao meio ambiente.’ (4. ed. SP: Revista dos Tribunais, 2005. 219 p.).

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Assim, a defesa do meio ambiente, erigida a preceito constitucional, sobrepõe-se aos interesses preponderantemente econômicos e privados.

Nesse contexto, diante do porte do empreendimento e em obediência ao princípio da precaução, que norteia o Direito Ambiental, mostra-se imprescindível a realização de EIA/Rima,paraaverificaçãodoimpactoqueoempreendimentocausaráaomeioambientelocal,além de delimitar, de uma vez por todas, quais as áreas passíveis de serem comercializadas e construídas, bem como a forma de viabilizar a ocupação com a menor agressão possível ao ambiente.

Nesse ponto, muito bem examinada a questão pela Juíza Federal que me antecedeu na instrução do feito, ao proferir a medida liminar no ponto que determina a suspensão de ‘toda e qualquer obra dentro do loteamento, até que seja regularizada a situação’.

No que tange ao pedido indenizatório, este se mostra totalmente pertinente, porquanto o dano potencial suportado pelo meio ambiente (presunção fática) em decorrência do em-preendimento é indenizável, inclusive em atenção ao princípio da precaução.

A moderna doutrina ambiental consagra a teoria das presunções fáticas quanto à ocorrên-cia do dano. Francisco José Marques Sampaio, em sua obra ‘Evolução da Responsabilidade Civil e Reparação de Danos Ambientais’, muito bem preceitua o tema:

‘Tratando-se de danos ao meio ambiente, o aprimoramento da dogmática do instituto é fundamental para assegurar a continuação e a qualidade de vida, bem como a dignidade da pessoa humana. Por isso, estuda-se a possibilidade de adoção de presunções fáticas da ocorrência de danos ambientais, como meio de substituir a necessidade de efetuar prova cabal da ocorrência dos referidos danos em casos nos quais, de acordo com livre e prudente critério do julgador, essa prova constitua obstáculo processual excessivamente oneroso a quem deva suportá-lo.’

Assim, apesar do dano ambiental mostrar feição diversa de um dano comum, não sig-nificaquenãoensejearespectivaindenização.

Os laudos de vistoria realizados pelos diversos órgãos públicos atestam a irregularidade do loteamento, o qual ocupou áreas de preservação permanente.

Frise-se que, mesmo após a readequação do loteamento, que reduziu o número de lotes de 1.147 para 842, não foram excluídas as APPs, mantendo-se a utilização inadequada da área.

A Imobiliária requerida foi alertada pela Fatma sobre a necessidade de reformular o projeto do empreendimento em 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001, todavia manteve-se inerte, resultando, inclusive, no Auto de Infração nº 4171, o qual também não foi atendido, conforme seinferedaCI2005defls.105-106edorelatóriodevistoriadefls.112-116.

Ora, a Imobiliária Cerrados, ciente dos vícios que maculam o projeto do loteamento, insistiu em não cumprir as exigências dos órgãos ambientais, tentando manter inalterado o empreendimento em prejuízo ao meio ambiente, mostrando total desrespeito às normas ambientais.

Assim,verificadaairregularidadedoloteamento,bemcomoamagnitudedoempre-endimento, que, mesmo reduzido em 1996, compõe-se de 842 lotes, os quais, valorados

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no mínimo em R$ 10.000,00 cada, importariam em um total de R$ 8.420.000,00, tem-se evidenciada a capacidade econômica do empreendedor.

Logo, sopesadas todas as circunstâncias que envolvem o caso, inclusive o fato de que não houve a efetiva comercialização da totalidade dos lotes referidos, e forte no princípio da precau-ção, entendo que o valor justo para compor o gravame potencialmente perpetrado contra o meio ambiente corresponde a R$ 1.000.000,00(um milhão de reais), devendo tal verba reverter em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos previstos nas Leis nos 7.797/89 e 7.347/85.

III – DISPOSITIVO:

Ante o exposto, EXTINGO O PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO em relação à Fatma, no que tange a condenação à obrigação de fazer pleiteada na inicial, haja vista já tê-la cumprido, suspendendo as licenças ambientais anteriormente concedidas, logo que citada nesta demanda, forte no artigo 267, VI, do CPC, e, no mérito:

JULGOPROCEDENTEopedidoinicial,confirmandoaliminarconcedidapara:a) determinar a suspensão de toda e qualquer obra dentro do loteamento Praia da Ilhota, em

Balneário Santa Marta Pequeno (Praia Ilhota), Município de Laguna/SC; b) condenar a requerida a apresentar o EIA/Rima relativo ao Loteamento Praia da Ilhota, em

Balneário Santa Marta Pequeno (Praia Ilhota), Município de Laguna/SC, no prazo de 6 meses, custeando as reparações ambientais que se mostrarem necessárias, segundo as orientações do próprio estudo de impacto ambiental;

c) determinar seja proibida a alienação dos imóveis cuja outorga de uso foi cancelada pela SecretariadoPatrimôniodaUnião,conformefl.655eplantajuntadaàfl.680doVolumeIIIdos anexos;

c) condenar a pagar indenização no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), os quais reverterão em favor do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos previstos nas Leis nos 7.789/89 e 7.347/85, conforme dito na fundamentação.

Oficie-seaoRegistroImobiliário.P.R.I. Após o trânsito em julgado, arquive-se. Laguna, 11 de dezembro de 2007.”

Compulsandoosautos,verificoquemesmocientedasirregularidadesapontadaspelosórgãosdefiscalizaçãoambiental,nosentidodaedificaçãoem área de preservação permanente, a apelante ignorou as recomendações e proibições, dando continuidade ao projeto imobiliário em questão, com a comercialização dos referidos lotes.

No ponto, para não incorrer em tautologia, transcrevo excertos dos prin-cipais fundamentos da r. decisão singular recorrida onde foi demonstrada minudentemente a reiteração das condutas infracionais levadas a cabo pela ora recorrente, veja-se:

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“(omissis) os laudos de vistoria realizados pelos diversos órgãos públicos atestam a irregularidade

do loteamento, o qual ocupou áreas de preservação permanente. Frise-se que, mesmo após a readequação do loteamento, que reduziu o número de lotes de

1.147 para 842, não foram excluídas as aPPs, mantendo-se a utilização inadequada da área. a imobiliária requerida foi alertada pela Fatma sobre a necessidade de reformular o

projeto do empreendimento em 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001, todavia manteve-se inerte, resultando, inclusive, no auto de infração nº 4171, o qual também não foi atendido, conforme se infere da CI 2005 de fls. 105-106 e do relatório de vistoria de fls. 112-116.

ora, a imobiliária Cerrados, ciente dos vícios que maculam o projeto do loteamento, insistiu em não cumprir as exigências dos órgãos ambientais, tentando manter inalterado o empreendimento em prejuízo ao meio ambiente, mostrando total desrespeito às normas ambientais.

Assim, verificada a irregularidade do loteamento, bem como a magnitude do empre-endimento, que, mesmo reduzido em 1996, compõe-se de 842 lotes, os quais, valorados no mínimo em r$ 10.000,00 cada, importariam em um total de r$ 8.420.000,00, tem-se evidenciada a capacidade econômica do empreendedor.

Logo, sopesadas todas as circunstâncias que envolvem o caso, inclusive o fato de que não houve a efetiva comercialização da totalidade dos lotes referidos, e forte no princípio da precaução, entendo que o valor justo para compor o gravame potencialmente perpetrado contra o meio ambiente corresponde a r$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), devendo tal verba reverter em favor do Fundo de defesa de direitos difusos, nos termos previstos nas Leis nos 7.797/89 e 7.347/85.

(omissis)”

Portanto, não procedem as alegações genéricas vertidas na apelação dasfls.214-234,devendosermantidaar.sentençadasfls.202-210porseus próprios fundamentos.

Oficie-seaoMM.Juízoda1ªVaradeExecuçõesFiscaisdeCuritiba,informando-o da impossibilidade de atendimento da solicitação conti-da no Ofício nº 4745146, de 01.10.2010, juntado aos presentes autos, tendo em vista que a controvérsia envolvendo os imóveis em questão encontra-se sub judice, bem como comunicando-o sobre o julgamento do presente recurso.

Desentranhe-seapetiçãodasfls.262-283,juntando-se-aporlinha.ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação.

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EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2007.71.00.012546-4/RS

relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Guilherme Beltrami

embargante: Arnaldo Campos da Cunhaadvogados: Drs. Landromar Oviedo Ribeiro e outro

embargada: União Federaladvogado: Procuradoria Regional da União

eMenta

embargos infringentes. Constitucional e administrativo. Perseguido polí-tico durante o regime militar. danos morais e materiais. indenização. Valor.

– O conjunto probatório dos autos demonstra ter o autor sofrido danos materiais e morais em razão de atos de perseguição política empreendidos pelo regime militar.

–OvalordeR$80.000,00,definidonasentença,afigura-secomorazoável para a compensação dos prejuízos sofridos pelo autor, uma vez que esses se estenderam por sete anos, somados ao impacto inicial da apreensão de livros de seu estabelecimento comercial.

– No que tange ao pedido de indenização por danos morais, a senten-ça, ao deferir o valor de R$ 150.000,00, fez justiça às peculiaridades do caso, estando de acordo com a Jurisprudência.

– Não há que se falar em afronta à limitação do art. 4º da Lei 10.559/02, haja vista que a reparação econômica de que trata tal lei não se confunde com a indenização por danos morais (prevista no art. 5º, V e X, da CF/88, art. 159 do CC/1916, e art. 186 do CC/2002), não havendo óbice a sua percepção conjunta.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedo presente julgado.

Porto Alegre, 10 de fevereiro de 2011.Juiz Federal Guilherme Beltrami, Relator.

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reLatÓrio

o exmo. Sr. Juiz Federal Guilherme Beltrami: Trata-se de embargos infringentes interpostos contra o v. acórdão da 3ª Turma desta Corte que, por maioria de votos, nos autos da Apelação Cível Nº 2007.71.00.012546-4/RS, fez prevalecer o entendimento do Eminente Des. Federal Fernando Quadros da Silva, restando assim ementado:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PRESO POLÍTICO DURANTE O REGIME MILITAR. DANOS MORAIS E MATERIAIS. IMPRESCRITIBILIDADE. INDENIZAÇÃO. LEI 10.559/2002. CONSECTÁRIOS LEGAIS.

1. A superveniência da Lei 10.559/2002, que regulamentou o disposto no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, constitui renúncia tácita à prescri-ção, porquanto passou a reconhecer, por meio de um regime próprio, direito à reparação econômica de caráter indenizatório aos anistiados políticos.

2. O conjunto probatório que demonstra que o autor, anistiado político, sofreu perse-guição devido ao seu engajamento político, por vários anos, dá ensejo ao pagamento de indenização a título de danos morais, assim como a demonstração de prejuízo econômico deve ser reparada por meio de indenização a título de danos materiais.

3. A limitação do quantumindenizatóriofixadotemprevisãolegalnoart.4ºda10.559/02.4. É devida correção monetária (Súmula 562 do STF), pelo INPC, nos termos da MP

1.415/1996 e da Lei 9.711/1998, desde a data do prejuízo, conforme a Súmula 43 do STJ. Em se tratando de indenização por danos morais, o termo inicial da correção monetária é a data do arbitramento (Súmula 362/STJ).

5.Osjurosmoratóriosfluemapartirdoeventodanoso,emcasoderesponsabilidadeextracontratual, conforme a Súmula 54 do STJ, no percentual de 0,5% ao mês até 10.01.2003 e, a partir daí, na taxa de 1% ao mês.

6. Mantida a condenação da União ao pagamento da verba honorária no percentual de 10% sobre o valor da condenação, porquanto em consonância com os critérios legais e jurisprudenciais.”

Postula a parte embargante, alicerçada no voto vencido de lavra da E. Desa.FederalMariaLúciaLuzLeiria,amanutençãodosvaloresdefi-nidosnasentençaparafinsdeindenizaçãodedanosmateriaisemorais(R$ 80.000,00 e R$ 150.000,00, respectivamente) sofridos em razão de perseguição política na época do regime militar.

Regularmente intimada a parte embargada, vieram os autos conclusos, com impugnação.

É o relatório.

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Voto

o exmo. Sr. Juiz Federal Guilherme Beltrami: No presente caso, te-nho por acompanhar a posição divergente, com a devida vênia dos que optaram pela majoritária.

Cabe ressaltar que não está mais em debate, nessa esfera, o fato de ter o autor sofrido danos materiais e morais devidos a atos de perseguição política empreendidos pelo regime militar, tais como prisão, interro-gatórios, fechamento e posteriores entraves ao funcionamento de seu estabelecimento comercial (livraria), entre eles a apreensão de livros. Nesse ponto o julgamento foi unânime, a divergência está adstrita ao quantum indenizatório devido.

Entendeu o voto condutor ser excessivo o valor de R$ 80.000,00 parafinsdecompensaçãomaterial,hajavistanãohaveraparte-autoralogrado provar, efetivamente, quantos livros foram apreendidos de seu estabelecimento, sendo seu tal ônus, a teor do art. 333, I, do CPC. Tenho que tal raciocínio e enquadramento legal seriam inquestionáveis se aqui lidássemos com uma apreensão regular de mercadoria feita pela Receita Federal, com auto discriminado e via do contribuinte devidamente en-tregue. Bem sabemos que não era assim o procedimento. A prova dos autos foi a única possível, qual seja, certidão emitida pela Justiça Militar Federal remetendo a registros sobre a operação de busca e apreensão realizada em 26.06.1964, pelo DOPS/SSP/RS, na Livraria Vitória, de propriedade do autor, ocasião em que foram apreendidos “vários livros comtemasdecunhoesquerdistaeatémesmosubversivo”(fl.24).

Questiono, então, a adequação de se onerar a parte-autora por debi-lidade de uma prova que, em última análise, se deve aos atos da própria parte-ré. Tenho, portanto, que o fato não deve ser mensurado apenas em termos de ônus probatório.

Com isso em mente, passo à análise das alegações da parte-autora. Seria razoável se supor que uma livraria trabalhasse com estoque de 10.000 livros? Perfeitamente, e nem ao menos seria uma livraria de grande porte. E que metade desse estoque houvesse sido objeto de apre-ensão? Considerando-se a perspectiva que o regime militar tinha da parte requerente, expressa na denúncia da Procuradoria da Justiça Militar de cópianasfls.31-3(a títuloexemplificativo–“...transformaramaex-

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-livraria Vitória em autêntica célula viva do extinto Partido Comunista, proporcionando o funcionamento clandestino deste...”), seria cogitável até mesmo ter sido integral a apreensão, sendo assim absolutamente plausível a alegação.

Porfim, o valor por unidade consideradoparafins de cálculo doprejuízo imediato – R$ 20,00 – é módico e compatível com a realidade do mercado livreiro atual. A soma de todos esses fatores, por si só, já seriasuficienteparajustificarovalorindenizatóriodeferidonasentença.

Mas o prejuízo enfrentado pelo autor não se limitou à mera apreensão de mercadorias. A leitura dos autos não deixa qualquer dúvida de que foram impostas à parte-autora, no período entre 1964 e 1971, data de sua absolvição pela Justiça Militar, sérias limitações às vidas privada e profissional/comercial.Retornandoaocampodaplausibilidade,entendocomo plenamente válido o questionamento contido na petição inicial, qual seja, “(...) quantos clientes foram perdidos pelas pressões, quantos livros deixaram de ser vendidos, quantos empreendimentos foram abortados, quantos caminhos se fecharam nesse período cruciante da sua vida e da vida nacional?”.

Sobessaótica,ovalordeR$80.000,00definidonasentençaseafiguracomo razoável para a compensação dos prejuízos sofridos pelo autor, uma vez que esses se estenderam por sete anos, somados ao impacto inicial da apreensão de livros. Assim sendo, voto pelo provimento dos embargos infringentes, quanto ao ponto.

No que tange ao pedido de indenização por danos morais, entendo que a sentença, ao deferir o valor de R$ 150.000,00, fez justiça às pecu-liaridadesdocaso,jásuficientementedescritas.Ésempredifícilatarefade medir o sofrimento humano em termos de numerário, mas o seguinte precedente do E. STJ oferece um parâmetro:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DITADURA MILITAR. SARGENTO EXPULSO DO EXÉRCITO, PRESO ARBITRARIAMENTE E ENCONTRADO MORTO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMU-LA 284/STF. VALOR DA INDENIZAÇÃO E DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVISÃO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. JUROS COMPOSTOS. DESCABIMENTO. SÚMULA 186/STJ. JUROS MORATÓRIOS.

(...)3. O Juízo de 1º grau proferiu sentença em 11.12.2000. O pedido foi julgado parcialmente

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procedente, e a União condenada a pagar: a) pensão mensal vitalícia com base nos arts. 1.537, 1.539 e 1.540 do Código Civil revogado, desde 13.08.1966 e no valor da remuneração integral que a vítima recebia, compensados os valores já pagos a título de pensão militar; b) despesas de funeral, viagem e luto familiar; e c) indenização por danos morais no montante de r$ 222.720,00 (duzentos e vinte e dois mil, setecentos e vinte reais).

O Tribunal Regional Federal desproveu a Apelação e a Remessa Necessária.4. Não se conhece de Recurso Especial em relação à ofensa ao art. 535 do CPC quando

a parte não aponta, de forma clara, o vício em que teria incorrido o acórdão impugnado. Aplicação, por analogia, da Súmula 284/STF.

5. A interpretação ampla ao pedido de indenização pelos prejuízos causados, de modo a incluir na condenação os danos morais provados nos autos, não viola os arts. 128 e 460 do CPC. Precedentes do STJ.

6. Ainda que tenha sido paga a indenização estabelecida na Lei 9.140/1995, subsiste interesse processual em pleitear reparação por danos morais e materiais em maior extensão. Precedentes do STJ.

7. a indenização por danos morais foi feita com base em extensa e minuciosa análise dos elementos probatórios da dor que afligiu a recorrida com a prisão e a morte do cônjuge na época da ditadura militar. a redução do valor, que não se mostra excessivo, esbarra no óbice da Súmula 7/StJ.

8. ‘Nas indenizações por ato ilícito, os juros compostos somente são devidos por aquele que praticou o crime’ (Súmula 186/STJ), sendo descabida a sua imposição à União.

9. Durante a vigência do Código Civil de 1916, os juros de mora devem incidir em 0,5% ao mês, nos termos do seu art. 1.062.

Precedentes do STJ.10. A revisão da verba honorária implica reexame da matéria fático-probatória, o que

é vedado em Recurso Especial (Súmula 7/STJ). Excepciona-se apenas a hipótese de valor irrisórioouexorbitante,oquenãoseconfiguranestecaso.

11. Recurso Especial parcialmente provido para afastar a incidência de juros compostos e reduzir o percentual dos juros de mora para 0,5% ao mês durante o período de vigência do Código Civil anterior.” (REsp 900.380/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda turma, julgado em 01.09.2009, DJe 08.09.2009)

Na forma dos trechos em destaque, vemos que, embora não tenha adentrado no mérito da redução do valor por força da Súmula nº 7/STJ, oarestofazclarojuízodevaloraodefinircomonãoexcessiva,parafinsde reparação de dano moral de vítima do regime militar, quantia superior à ora debatida.

Aponto que, na forma da alegação da parte-autora, não se trata de reparação por morte ou torturas físicas. Porém, pelo que dos autos consta, foi a parte-autora submetida a reiteradas prisões e ameaças de tortura física, o que constitui intenso sofrimento psicológico, sendo que

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os constrangimentos impostos ao autor se estenderam por vários anos.E,ainda,noquedizcomaquantificaçãodedanosmorais,écertaa

dificuldadeemtalmensuração,daí,tirantesituaçõesaberrantes,tenhoque cabe prestigiar a pretensão da parte que, sabedora de sua própria realidade,indicaumaquantificaçãoqueentendesersuficienteàcom-pensação de seus padecimentos.

No caso, então, em face de todas essas ponderações, tenho por ade-quadoovalorfixadoemsentençaeacolhidopelovotovencido.

Porfim,nãoháquesefalaremafrontaàlimitaçãodoart.4ºdaLei10.559/02, haja vista que, nos termos do que decide o E. STJ, a repara-ção econômica de que trata tal lei não se confunde com indenização por danos morais (prevista no art. 5º, V e X, da CF/88, art. 159 do CC/1916, e art. 186 do CC/2002), não havendo óbice à sua percepção conjunta:

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ANISTIA (LEI 9.140/95). ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 535, I E II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/32. ACUMULAÇÃO DE REPARAÇÃO ECONÔMICA COM INDE-NIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 16 DA LEI 10.559/2002. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.

(...) 4. Não há vedação para a acumulação da reparação econômica com indenização por

danosmorais,porquantosetratamdeverbasindenizatóriascomfundamentosefinalidadesdiversas: aquela visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), ao passo que esta tem por escopo a tutela da integridade moral, expressão dos direitos da personalidade. Aplicação da orientação consolidada na Súmula 37/STJ.

5. Os direitos dos anistiados políticos, expressos na Lei 10.559/2002 (art. 1º, I a V), não excluem outros conferidos por outras normas legais ou constitucionais. Insere-se, aqui, o direito fundamental à reparação por danos morais (CF/88, art. 5º, V e X; CC/1916, art. 159; CC/2002, art. 186), que não pode ser suprimido nem cerceado por ato normativo infracons-titucional, tampouco pela interpretação da regra jurídica, sob pena de inconstitucionalidade.

6. Recurso especial desprovido.” (REsp 890.930/RJ, Rel. Ministra denise arruda, Primeira turma, julgado em 17.05.2007, DJ 14.06.2007, p. 267)

Ante o exposto, voto por dar provimento aos embargos infringentes, nos termos da fundamentação.

É o voto.

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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5001470-20.2010.404.7004/PR

relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

apelantes: União – Advocacia-Geral da UniãoEstado do Paraná

apelado: Ministério Público FederalMPF: Ministério Público Federal

interessado: Município de Umuarama

eMenta

administrativo e Constitucional. Serviço de terapia renal Substitu-tiva. ação Civil Pública. Legitimidade ativa do MPF. entes políticos – responsabilidade solidária. Valor pago por serviço – cabível intervenção do Judiciário quando o caso pode ocasionar morte de pacientes.

1.ApreliminarsuscitadaématériajápacificadanoâmbitodoSuperiorTribunal de Justiça, que entende pela legitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor ação civil pública visando à tutela de direitos individuais indisponíveis.

2. A União, os Estados-Membros e os Municípios têm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas causas que versam sobre rece-bimento de serviço médico.

3. O Judiciário poderá determinar que a Administração Pública re-passe valor maior que o estipulado em tabela quando o serviço médico a ser pago, caso seja interrompido, ocasionará a limitação ao direito à vida de um número considerável de cidadãos, como é o caso da Terapia Renal Substitutiva.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, porunanimidade,negarprovimentoàsapelaçõeseàremessaoficial,nostermosdorelatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrante do presente julgado.

Porto Alegre, 12 de abril de 2011.Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.

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reLatÓrio

a exma. Sra. desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de ape-lações e reexame necessário contra sentença que julgou procedente a ação civil pública e ordenou ao Estado do Paraná, à União e ao Município de Umuarama o pagamento da integralidade do custo dos serviços de Terapia Renal Substitutiva que forem efetivamente prestados aos pacientes do SUS domiciliados no âmbito da 12ª Regional Estadual de Saúde, inde-pendentementedetetoglobalfinanceirofixadoemnormativoinfralegal.

A União aduz a ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal, bem como que não cabe ao judiciário determinar acerca das dotações orçamentárias e do programa de prioridades traçado pelos governantes acerca da saúde.

O Estado do Paraná alega sua ilegitimidade passiva e também que o princípio da reserva do possível restou violado, pois não cabe ao Judi-ciário a escolha de como aplicar o dinheiro público. Sustenta ainda que a determinação da sentença ofendeu os princípios da legalidade e da proporcionalidade.

Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal, onde o Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento das apelações.

É o relatório.

Voto

a exma. Sra. desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: A legitimidade do MPFématériajápacificadanoâmbitodoSuperiorTribunaldeJustiça,que entende pela legitimidade para propor ação civil pública visando à tutela de direitos individuais indisponíveis, a saber:

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRELIMINARES DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ESPECIAL AFASTADAS. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA VISANDO AO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO A GRUPO DE PORTADORES DE INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.” (AgRg no Ag 981.163/RJ, Rel. Ministro teori albino zavascki, Primeira turma, julgado em 24.03.2009, DJe 01.04.2009)

“RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. PESSOA IDO-SA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

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1.EsteTribunalSuperiorpossuientendimentopacíficonosentidodequeoMinistérioPúblico é parte legítima para propor ação civil pública, com o objetivo de tutelar direitos individuais indisponíveis.

2. O direito à vida e à saúde são direitos individuais indisponíveis, motivo pelo qual o Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação civil pública visando ao fornecimento de medicamentos de uso contínuo para pessoas idosas (q.v., verbi gratia, EREsp 718.393/RS, Rel. Ministra Denise Arruda, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ 15.10.2007).

3. Recurso especial não provido.” (REsp 927.818/RS, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias (Juiz Convocado do trF 1ª região), Segunda turma, julgado em 01.04.2008, DJe 17.04.2008)

Sendo assim, não há falar em ilegitimidade ativa do MPF para propor ação civil pública visando à cobertura de atendimento médico.

O direito fundamental à saúde encontra-se garantido na Constitui-ção, descabendo as alegações de mera norma programática, de forma a nãolhedareficácia.Ainterpretaçãodanormaconstitucionalhádeterem conta a unidade da Constituição, máxima efetividade dos direitos fundamentais e a concordância prática, que impede, como solução, o sacrifício cabal de um dos direitos em relação aos outros. Em se tratando de fornecimento de medicamentos, tenho adotado determinados parâme-tros: a) eventual concessão da liminar não pode causar danos e prejuízos relevantes ao funcionamento do serviço público de saúde; b) o direito de um paciente individualmente não pode, a priori, prevalecer sobre o direito de outros cidadãos igualmente tutelados pelo direito à saúde; c) o direito à saúde não pode ser reconhecido apenas pela via estreita do fornecimento de medicamentos; d) havendo disponíveis no mercado, deve ser dada preferência aos medicamentos genéricos, porque comprovada sua bioequivalência, resultados práticos idênticos e custo reduzido; e) o fornecimento de medicamentos deve, em regra, observar os protocolos clínicos e a “medicina das evidências”, devendo eventual prova pericial, afastado“conflitodeinteresses”emrelaçãoaomédico,demonstrarquetais não se aplicam ao caso concreto; f) medicamentos ainda em fase de experimentação, não enquadrados nas listagens ou protocolos clínicos, devemserobjetodeespecialatençãoeverificação,pormeiodeperíciaespecífica,paracomprovaçãodeeficáciaemsereshumanoseaplicaçãoao caso concreto como alternativa viável.

Tenho que, quanto à alegada ilegitimidade passiva da União, em que pese não desconhecer recente posição do STJ a respeito da competên-

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cia para julgar e decidir sobre a execução de programas de saúde e da distribuição de medicamentos, no sentido de excluir a União dos feitos (REsp 873196/RS, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 24.05.2007, p. 328), mantenho a posição esposada pela Exma. Ministra Ellen Gracie (SS 3205, Informativo 470-STF), no sentido de que “a discussão em relação à competência para a execução de programas de saúde e de dis-tribuição de medicamentos não pode se sobrepor ao direito à saúde, assegurado pelo art. 196 da Constituição da República, que obriga todas as esferas de Governo a atuarem de forma solidária.”

Prescreve o artigo 196 da Constituição Federal que é obrigação do Estado (União, Estados e Municípios) assegurar a todos o acesso à saúde:

“a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Portanto, está evidente a legitimidade passiva dos réus, bem como sua solidariedade no caso.

No caso presente, evidente a multiplicidade de direitos e princípios postos em questão: a reserva do possível, a competência orçamentária do legislador, a eficiênciada atividade administrativa, a preservaçãodo direito à vida e o direito à saúde. Na concretização das normas em face da realidade social e diante dos interesses, princípios e direitos em conflito,estásubjacentea ideiade“igualvalordosbensconstitucio-nais” e que a concordância prática impede, “como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens” (p. 1225).

Disso decorre, portanto, a observação de determinados pressupostos básicos, quais sejam: a) que eventual concessão de liminar ou tutela an-tecipada não pode causar danos e prejuízos relevantes ao funcionamento doserviçopúblicodesaúde,oqueimplicaria,aofinal,prejuízoaodireitode saúde de todos os cidadãos; b) “o direito de um paciente individual-mente considerado não pode, a priori e em termos abstratos, ser sempre preferente ao direito de outro(s) cidadão(s), igualmente tutelado(s) pelo direito à saúde ou por políticas sociais diversas, mas também essenciais” (FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. direito fundamental à saúde. Por-to Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 212), e, simultaneamente,

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prevalecendo, desproporcionalmente, aos princípios de competência orçamentária e das atribuições administrativas do Poder Executivo, no encaminhamento das políticas públicas; c) que o direito à saúde não pode ser reconhecido apenas pela via estreita do fornecimento de medi-camentos, porque envolve políticas públicas de maior abrangência, em especial ações preventivas e promocionais, sem predominância de ações curativas.Necessário,pois,fixardeterminadosparâmetrosdeformaacompatibilizar os direitos e princípios envolvidos no caso sub judice.

A presente ação é singular em seu pedido, motivo pelo qual me re-porto à sentença de primeiro grau do juiz Daniel Luis Speglorin, cujos fundamentos tomo como razão de decidir (Evento 1, SENT50):

“No que tange ao caso concreto, recentemente, em 23.04.2009, o Ministro de Estado da Saúde expediu a Portaria nº 807(fls.109-114e125-130dosautos),aqual‘redefineoslimitesfinanceirosdestinadosaocusteiodaTerapiaRenalSubstitutivadosEstados,doDistrito Federal e dos Municípios’, determinando, no art. 2º, que os recursos para pagamento desse procedimento terapêutico de alta complexidade devem correr por conta do orçamento do Ministério da Saúde.

Por essa portaria, conclui-se facilmente que a responsabilidade direta pelo custeio dos procedimentos de Terapia Renal Substitutiva está a cargo da UNIÃO, que, portanto, deve arcar com a totalidade dos recursos necessários, ainda que, indiretamente, a responsabilidade pela promoção do direito à saúde seja solidária.

Segundo a relação que consta do anexo desse normativo infralegal ao MUNICÍPIO DE UMUARAMA, que tem a gestão plena do Sistema Público de Saúde do âmbito da 12ª Regional de Saúde do Paraná, é prevista a destinação do montante de R$ 215.986,92 (duzentos e quinze mil, novecentos e oitenta e seis reais e noventa e dois centavos).

Essevalor,consoanteseinferedosautos(fls.47,71,86-87,90-91,97e106-108),temsidohámuitoinsuficienteparaopagamentodafaturamensalapresentadapeloprestadordo serviço de TRS na 12ª Regional de Umuarama.

É verdade que, na média, o montante repassado mensalmente pelo Ministério da Saúde corresponde a mais de 90% do custo total do serviço prestado pela empresa INSTITUTO DORIMDEUMUARAMA.Nãoobstante,comoodéficittemocorrido,mesmoqueempercentual baixo, regularmente, forçoso reconhecer que a situação é deveras preocupante, porquanto pode chegar um momento em que o prestador citado, para não comprometer a higidez de sua atividade empresarial, terá de limitar o número de atendimento ao teto financeiro estabelecido pelo normativo citado acima e começar a recusar pacientes, os quais, vale ressaltar, poderão ingressar em juízo individualmente para que o Estado (lato sensu) seja compelido a prestar-lhe o serviço de saúde de que tanto necessitam.

Contudo, isso não pode ser admitido, haja vista que ocasionará a limitação ao direito à vida de um número considerável de cidadãos que, infelizmente, são dependentes, para

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ter uma vida saudável e digna, como asseverado pelo autor, do serviço de Terapia Renal Substitutiva.

Arelaçãodasfls.98-101demonstraque,nomêsdeagostode2009,oINSTITUTODORIM DE UMUARAMA prestou atendimento a 109 (cento e nove) pacientes domiciliados em 17 (dezessete) municípios da região. Nesse documento consta, ainda, que são realiza-das, em média, 1.360 sessões de hemodiálise por mês, cuja conta tem alcançado o valor aproximadodeR$225.000,00.Noentanto,emvistadotetofinanceiroestabelecidopeloMinistério da Saúde, tem sido pago o valor aproximado de R$ 215.000,00.

(...)aliás, o fato de o prestador do serviço terapêutico alhures citado continuar a atender

atodosospacientes,apesardodéficitconstante,nãoretiraointeressedeagirdaparte--autora, nem torna menos importantes as alegações ventiladas na inicial, considerando que o INSTITUTO DO RIM DE UMUARAMA, embora preste serviço público por delegação, exerce atividade empresarial visando ao lucro, não estando obrigado, em tese, a prestar serviço sem a respectiva contrapartida financeira estatal.

Dessa forma, há evidente risco de que a aludida empresa deixe de prestar o serviço de Terapia Renal Substitutiva ou que, pelo menos, comece a restringir o número de pacientes a serem atendidos pelo serviço de saúde prestado, o que não é desejado.

(...)Não se olvida a vedação ao Poder Judiciário de ingerir no mérito administrativo, usur-

pando as funções do Executivo na valoração da oportunidade e da conveniência da prática de atos administrativos discricionários. Também não se nega o fato de que as necessidades sociaissãopraticamenteinfinitasequeosrecursosfinanceirossãoescassos.Noentanto,é cediço que o Judiciário poderá efetuar o controle da legalidade/constitucionalidade do ato administrativo, inclusive no que atine aos seus elementos ou pressupostos (v.g. motivo, motivação,finalidade,objeto,competência),bemcomoquantoàrazoabilidadeeàpropor-cionalidade; mesmo que se trate de ato administrativo discricionário.

Com efeito, no caso, a omissão estatal em seu dever constitucional de prestar o serviço de Terapia Renal Substitutiva a todos indistintamente, independentemente de teto global financeiro,configurainegávelinconstitucionalidade/ilegalidade.Veja-seoseguinteprece-dente do Colendo Supremo Tribunal Federal:

‘DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO – MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. – O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. – Se o estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto

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constitucional. desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.’ (STF – ADIn nº 1439. Pleno. Rel. Min. Celso de Mello. J. 22.05.96. DJ 30.05.03. RTJ 185/794-796 – sem destaque no original)

Na situação em análise, fazendo-se a ponderação dos interesses em jogo, há de prevalecer odireitoàsaúdedospacientesportadoresdeinsuficiênciarenalcrônica.Quantoàquestãoorçamentária, calha observar que ordinariamente já há previsão de verbas e de mecanismos governamentaisparaprestaçãodeTerapiaRenalSubstitutiva.Todavia,alimitaçãofinanceirados gastos com essa espécie de terapia não se mostra razoável.

Não se está diante de um simples procedimento terapêutico, nem do fornecimento de medicamentos não essenciais, mas, sim, pretende-se garantir a prestação de serviço de saúde – Terapia Renal Substitutiva – imprescindível para manutenção da vida dos doentes renais crônicos.

Verificadaainsuficiênciaorçamentária,cabeaoEstadorealocarasverbasnecessáriaspara manutenção dessa espécie de serviço de saúde, pois, caso contrário, poderá haver o perecimento de vidas humanas, em detrimento do direito constitucional à saúde e ofensa aoprincípiodaisonomia,àmedidaquesomentealgunspoderiambeneficiar-sedaTerapiaRenal Substitutiva prestada no âmbito da 12ª Regional de Saúde do Paraná, caso fosse mantidooinformadotetoglobalfinanceiroimpostopeloPoderPúblico.”

Portanto, merece ser mantida a sentença, tal como prolatada.Quanto ao prequestionamento, não há necessidade do julgador

mencionar os dispositivos legais e constitucionais em que fundamenta sua decisão, tampouco os citados pelas partes, pois o enfrentamento da matériapormeiodojulgamentofeitopeloTribunaljustificaoconheci-mento de eventual recurso pelos Tribunais Superiores (STJ, EREsp nº 155.621-SP, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13.09.99).

ante o exposto, voto por negar provimento às apelações e à remessa oficial.

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direito PenaL e ProCeSSuaL PenaL

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HABEAS CORPUS Nº 0001530-07.2011.404.0000/RS

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

impetrante: Dr. Clark Tadeu ZordanPaciente: M.L.M.

impetrado: Juízo Federal da VF e JEF Criminal de Lajeado

eMenta

Habeas Corpus. Suspensão condicional do processo. Condenação anterior. transcorridos mais de cinco anos. desconsideração.

– Se para a reincidência o legislador previu um prazo para que essa circunstância, que agrava a pena e a situação processual do réu, desa-parecesse, não se mostra adequado que para a concessão da suspensão condicional do processo a existência de condenação anterior constitua óbice que permaneça por tempo indeterminado (precedentes do Supremo Tribunal Federal).

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do relatório, votosenotastaquigráficasqueficamfazendopartedopresentejulgado.

Porto Alegre, 10 de março de 2011.Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.

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reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Trata-se de habeas corpus, com pedido de provimento liminar, objetivando a suspensão do processo nº 2007.71.14.001233-2 e a remessa do feito ao Ministério Público para que, afastado o óbice do caput do artigo 89 da Lei nº 9.099/95, seja apreciada a presença dos demais requisitos para concessão do sursis processual.

Consta nos autos que o paciente está respondendo processo criminal por suposta prática do delito previsto no artigo 334 do Código Penal. Ainda, que teve duas condenações anteriores, com extinção da punibi-lidadeemnovembro/97(certidõesdasfls.43e45),equetevedeferida,emmarço/99,suareabilitação(fls.80-82,90e91).Também,quenãofoioferecida proposta de suspensão condicional do processo, prosseguindo o feito.

O impetrante sustenta, em síntese, que a suspensão condicional do processo apresenta-se como um direito subjetivo do acusado. Refere, ainda, que “as condenações anteriores, cuja pena já fora extinta há mais de cinco anos, não podem ser consideradas para efeito de reincidência, não obstando, portanto, o direito ao benefício do sursis processual”.

A tutela de urgência pleiteada foi deferida, “em parte, para suspender o feito originário até julgamento do mérito do presente writ”.

Prestadas informações, o Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem.

É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Dispõe o artigo 89 da Lei nº 9.099/95:

“Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).”

Com efeito, evidencia-se que a norma em questão prevê, como óbice para concessão do sursis processual, a inexistência de condenação por outro crime, deixando de referir acerca de tempo, como ocorre, por

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exemplo, com a reincidência, que não mais prevalece quando transcor-ridos mais de cinco (05) anos entre a extinção da punibilidade e a nova infração (artigo 64, inciso I, do Código Penal).

Contudo, como para a reincidência o legislador previu um prazo para que essa circunstância, que agrava a pena e a situação processual do réu, desaparecesse, não é justo que para a concessão daquele benefício, que apenas suspende o processo, a existência de condenação anterior constitua óbice que permaneça por tempo indeterminado.

Caso contrário, a suspensão condicional do processo somente bene-ficiariaoagentequejamaisfoicondenado,nãopodendoserconcedidapara aquele que já sofreu alguma condenação, mesmo passados 10 anos do cumprimento de pena que lhe foi imposta.

Mesmo entendimento foi exarado pelo Ministério Público Federal no parecer juntado aos autos:

“Já no tocante ao segundo requisito, não estar sendo processado ou não tiver sido condenadoporoutrocrime,verifica-sequeopacientenãoestásendoprocessado,masjáfoi condenado anteriormente por crime doloso. Entretanto, no que concerne à condenação anterior, tem-se que deve ser observado o prazo expurgador da reincidência, na forma do artigo 64, inciso I, do Código Penal.

Não é outro o entendimento do Fórum Nacional dos Juizados Especiais – Fonaje, que editou seu Enunciado 16, no seguinte teor:

‘enunciado 16 – Nas hipóteses em que a condenação anterior não gerar reincidência, é cabível a suspensão condicional do processo.’

Sabe-se que a condenação anterior que não gera reincidência pode ser considerada como maus antecedentes, o que inviabilizaria a proposta de suspensão do processo porque não estariam preenchidos os requisitos do artigo 77 do Código Penal. No presente caso, contudo, com a devida vênia das respeitáveis opiniões divergentes, parece não ser coerente que as condenações anteriores, não gerando mais reincidência ao paciente ‘tecnicamente primário’, passassem a ser consideradas para sempre como impeditivas a uma proposta de suspensão condicional do processo. Essa, a nosso sentir, em face do disposto no artigo 5º, inciso XLVII, alínea b, da Constituição Federal, que proíbe penas de caráter perpétuo, é a solução mais justa a ser adotada.”

Confiram-sejulgadosdoSupremoTribunalFederalacercadamatéria:“EMENTA: HaBeaS CorPuS. CRIME DE ABORTO. SUSPENSÃO CONDICIONAL

DO PROCESSO (ART. 89 DA LEI Nº 9.099/95). CONDENAÇÃO ANTERIOR PELO CRIME DE RECEPTAÇÃO. PENA EXTINTA HÁ MAIS DE CINCO ANOS. APLICA-ÇÃO DO INCISO I DO ART. 64 DO CP À LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS. O silêncio

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da Lei dos Juizados Especiais, no ponto, não afasta o imperativo da interpretação sistêmica das normas de direito penal. Pelo que a exigência do artigo 89 da Lei nº 9.099/95 – de ine-xistênciadecondenaçãoporoutrocrime,parafinsdeobtençãodasuspensãocondicionaldo feito – é de ser conjugada com a norma do inciso I do art. 64 do CP. Norma que ‘apaga’ a ‘pecha’ de uma anterior condenação criminal, partindo da presunção constitucional da regenerabilidade de todo indivíduo. A melhor interpretação do art. 89 da Lei nº 9.099/95 é aquela que faz associar a esse diploma normativo a regra do inciso I do art. 64 do Código Penal, de modo a viabilizar a concessão da suspensão condicional do processo a todos aqueles acusados que, mesmo já condenados em feito criminal anterior, não podem mais ser havidos como reincidentes, dada a consumação do lapso de cinco anos do cumprimento darespectivapena.Ordemconcedidaparafinsdeanulaçãodoprocesso-crimedesdeadatada audiência, determinando-se a remessa do feito ao Ministério Público para que, afastado o óbice do caput do art. 89 da Lei nº 9.099/95, seja analisada a presença, ou não, dos demais requisitos da concessão do sursis processual.” (HC nº 88.157/SP, 1ª Turma, rel. Min. Carlos Britto, DJ de 30.03.2007)“EMENTA: PROCESSO CRIMINAL. Suspensão condicional. Transação penal. Admissi-

bilidade. Maus antecedentes. Descaracterização. Reincidência. Condenação anterior. Pena cumprida há mais de 5 (cinco) anos. Impedimento inexistente. HC deferido. Inteligência dos arts. 76, § 2º, III, e 89 da Lei nº 9.099/95. Aplicação analógica do art. 64, I, do CP. O limite temporal de cinco anos, previsto no art. 64, I, do Código Penal, aplica-se, por analogia, aos requisitos da transação penal e da suspensão condicional do processo.” (HC nº 86.646/SP, 1ª Turma, rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 09.06.2006)

Decorrentemente, impõe-se afastar o óbice apontado pelo Ministério Público Federal, devendo o processo em questão retornar ao respectivo órgão para que examine a eventual presença dos demais requisitos para o oferecimento da suspensão condicional do processo.

ante o exposto, concedo a ordem de habeas corpus.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0014044-37.2008.404.7100/RS

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

apelante: Ministério Público Federalapelado: J.E.C.

advogados: Drs. Humberto Lauro Ramos e outroDra. Maria do Carmo Passos Azambuja Ramos

eMenta

Penal. apelação Criminal. Crime contra o Sistema Financeiro nacio-nal. artigo 20 da Lei 7.492/86. Princípio da ofensividade ou lesividade. Ínfimo prejuízo à instituição financeira. Insuficiência. Necessidade de abalo ao Sistema Financeiro Nacional. Desclassificação para o crime do artigo 315 do CP. extinção da punibilidade pela prescrição.

1. O princípio da ofensividade (ou lesividade) coloca-se como uma das mais relevantes garantias do Direito Penal, ocupando lugar de des-taque não apenas na constituição do ilícito e nos limites de atuação do Direito Penal e das Políticas Criminais do Estado, mas também na seara da aplicação prática das normas penais pelo Poder Judiciário.

2. Conquanto não se discuta mais sobre o imperativo constitucional de lesividade(concretaouabstrata)enquantocritériodefinidordaincrimi-naçãoabstratanoâmbitodoDireitoPenalEconômico,éprecisorefletirmelhor a questão da ofensividade ao bem jurídico tutelado na apreciação judicial dos casos concretos que têm como objeto os crimes contra o SFN. Impõe-se refutar a confusão comum entre o bem jurídico tutelado de natureza transindividual e coletiva e o bem jurídico patrimonial que caracterizaopatrimôniodasinstituiçõesfinanceirasedosinvestidores.

3.Atipificaçãodeditosdelitostutelaahigidezdosistemafinanceiroem seu funcionamento harmônico e equilibrado, em sua credibilidade dianteda sociedade, e apenas reflexamenteos interesses individuali-zados. Embora secundariamente a cada delito corresponda um bem jurídicoespecífico(comosãoapolíticacambial,naevasãodedivisas,as políticas públicas de subsídio e incentivo a algumas atividades, no desviodefinanciamento,eoprópriopatrimôniodasinstituiçõesfinan-ceiras e dos investidores, nas gestões fraudulenta e temerária), não se podedesvincularessebemjurídicoespecíficodointeressemaiorqueé

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a proteção do SFN como um todo. Quando a afetação ao bem jurídico específicorevela-seincapazdeproduzirriscoouefetivalesividadeaobem jurídico geral e primário, não há como reconhecer a existência de crime contra o SFN.

4. Hipótese em que o órgão acusatório imputou ao réu o desvio de finalidadedefinanciamentonovalordeR$69.688,00(sessentaenovemil, seiscentos e oitenta e oito reais) obtido junto ao BNDES, o que legitima a competência da Justiça Federal para examinar a acusação formulada pelo MPF, visto que tal conduta subsume-se ao tipo penal do artigo 315 do CP. Contudo, diante da pena máxima prevista para esse delito (três meses), deve ser reconhecido, de ofício, o transcurso do prazo prescricional de dois anos entre a data dos fatos (08.03.2007) e a do recebimento da denúncia (18.12.2009), nos termos dos artigos 107, IV,e109,VI,doCP,ficandoprejudicadooexamedoapeloministerial.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pormaioria,desclassificar,deofício,acondutaimputadaaorecorridopara o tipo penal do artigo 315 do CP, declarando extinta a punibilidade pela prescrição, e julgar prejudicado o recurso ministerial, nos termos do relatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedo presente julgado.

Porto Alegre, 06 de abril de 2011.Des. Federal Paulo afonso Brum Vaz, Relator.

reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal Paulo afonso Brum Vaz: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra J.E.C. pela prática do delito previstonoartigo20daLeinº7.492/86.Aexordialacusatória(fls.02-06), subscrita pelo Dr. Adriano Augusto Silvestrin Guedes, recebida em 18.12.2009(fls.09-09v.),assimnarrouosfatoscriminosos:

“1.1. O denunciado J.E.C., (dados omitidos por segredo de justiça),obtevefinanciamentono valor de (omitido), recursos estes oriundos do BNDES (Banco nacional de Desenvolvi-mentoEconômicoeSocial)erepassadospelainstituiçãofinanceiraBANSICREDI–Bancodo Sistema de Crédito Cooperativo (omitido), no âmbito do Programa de Incentivo à Irri-

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gaçãoeàArmazenagemMODERINFRA,comafinalidadedeampliaçãoemodernizaçãode uma unidade armazenadora de grãos (omitido), sendo que posteriormente, (omitido), foiconstatadoqueaplicou,emfinalidadediversadaprevistaemcontrato,osrecursospro-venientesdestefinanciamento(fl.163).

[...]1.3.Ocorre que o denunciado J.E.C. não logrou comprovarfinanceiramente, até a

presente data, a efetiva utilização da totalidade do referido valor liberado pelo BNDES, nafinalidadeprevistaeexpressanaNotadeCréditoRural(omitido)(fls.123-125),pois,conforme concluído pela Cooperativa de Crédito Sul Riograndense – SICREDI Metrópolis (fl.163),nãosepodeafirmarqueaampliaçãoemodernizaçãodaunidadearmazenadoradegrãosdodenunciadofoiconstruídacomosrecursosoriundosdoreferidofinanciamento,oque motivou o desenquadramento da operação de crédito e a quitação antecipada por parte do BANSICREDI (omitido)(fl.11-12efl.21).

[...]2.1. Assim agindo, J.E.C. praticou o delito previsto no artigo 20 da Lei nº 7.492/86,

em face do que requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL o recebimento da denúncia, paraquesejainstauradoodevidoprocessolegal,afimdequeodenunciadosejacitadoeintimado, para que apresente a defesa preliminar, e se veja processar e julgar como incurso nas penas do artigo supra,atéfinalsentençacondenatória.”

Oréufoicitado(fl.18)eapresentoudefesapreliminar(fls.21-38).Processado o feito regularmente, sobreveio, em 17.08.2010(fl.166),

sentença(fls.162-165v.),julgandoimprocedenteadenúnciaparaabsolvero acusado, nos termos do artigo 386, III, do CPP.

Irresignado,oMPFinterpôsapelação(fl.168),sustentando,emsín-tese(fls.178-181),queasentençadeveserreformada,porquantoficoucomprovadaanãoaplicaçãodofinanciamentonafinalidadecontratada,pois o contrato pactuado com o BNDES previa uma prestação de contas pormenorizada. Logo, não pode ser aceito como prova do cumprimento do mútuo o recibo único, apresentado em nome da empresa (omitido), dois anos após a conclusão da obra.

Apósascontrarrazões(fls.193-206),aProcuradoriaRegionaldaRe-pública da 4ª Região, em parecer lavrado pelo dr. Maurício Gotardo Ge-rum,manifestou-sepeloprovimentodoapeloministerial(fls.233-235).

Osautosvieramconclusosparajulgamentoem18.02.2011(fl.236).É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal Paulo afonso Brum Vaz: O princípio da

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ofensividade (ou lesividade) coloca-se como uma das mais relevantes garantias do Direito Penal, ocupando um lugar de destaque não apenas na constituição do ilícito e nos limites de atuação do Direito Penal e das Políticas Criminais do Estado, mas também na seara da aplicação prática das normas penais pelo Poder Judiciário. Ou seja, “nãosóolegisladordeveater-seàexigênciadeofensividadenaproposiçãodenovasfigurasdelitivas que, na sua interação com outros princípios penais, leva-lo-á a priorizar sempre as formas de ofensa mais intensas, como na aplicação da norma penal exigirá do intérprete uma hermenêutica atenta à sua efetiva existência. O que é o mesmo que dizer que todas asdeficiênciaslegislativasdeverãosercorrigidasapartirdeumfiltrohermenêuticoque,muitas vezes, poderá restringir o âmbito de aplicação do ilícito-típico, em um processo de correção e recuperação do ilícito, quando, por certo, o tipo penal permitir tal correção, e, outras vezes, pela total incapacidade de adequação à noção de ofensividade, deverá levar ine-vitavelmente ao reconhecimento de sua inconstitucionalidade.” (D’AVILA, Fabio Roberto. O modelo de crime como ofensa ao bem jurídico. Elementos para a legitimação do direito penal secundário. In: ______. Limites materiais do direito Penal ambiental. Porto Alegre: TRF – 4ª Região, 2008 (Currículo Permanente. Caderno de Direito Penal, módulo 4). p. 23)

Embora não se discuta mais sobre o imperativo constitucional de lesividade(concretaouabstrata)enquantocritériodefinidordaincrimi-naçãoabstratanoâmbitodoDireitoPenalEconômico,éprecisorefletirmelhor a questão da ofensividade ao bem jurídico tutelado na apreciação judicial dos casos concretos que têm como objeto os crimes contra o SFN. Impõe-se refutar a confusão comum entre o bem jurídico tutelado de natureza transindividual e coletiva e o bem jurídico patrimonial que caracterizaopatrimôniodasinstituiçõesfinanceirasedosinvestidores.Atipificaçãodeditosdelitostutelaahigidezdosistemafinanceiroemseufuncionamento harmônico e equilibrado, em sua credibilidade diante da sociedade,eapenasreflexamenteosinteressesindividualizados.Emborasecundariamenteacadadelitocorrespondaumbemjurídicoespecífico(como são a política cambial, na evasão de divisas, as políticas públicas desubsídioeincentivoaalgumasatividades,nodesviodefinanciamento,eoprópriopatrimôniodasinstituiçõesfinanceirasedosinvestidores,nas gestões fraudulenta e temerária), não se pode desvincular esse bem jurídicoespecíficodointeressemaiorqueéaproteçãodoSFNcomoumtodo.Quandoaafetaçãoaobemjurídicoespecíficorevela-seincapazdeproduzir risco ou efetiva lesividade ao bem jurídico geral e primário, não há como reconhecer a existência de crime contra o SFN.

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Casos há em que sequer é possível intuir ou presumir que dita lesivi-dade possa se materializar. Condutas são enquadradas como lesivas ao SFN, quando nem de longe ameaçam o bem jurídico tutelado, fazendo com que haja uma espécie de esvaziamento deste.

Veja-se,porexemplo,ocasodofinanciamentofraudulento(art.19daLei dos Crimes contra o SFN), em que, considerado o alcance econômico dofinanciamentoobtido,nomaisdasvezes,nãosetemalgomaisrele-vante do que um pequeno estelionato. Uma solução a partir do princípio daespecialidadesugeremesmoaaplicaçãodanormaespecífica,masisso seria possível mesmo quando não há a ofensividade ao patrimônio da instituiçãofinanceira, tampoucoriscoà regular implementaçãodepolíticaeconômicapública(bensjurídicosespecíficos)?

Nesses casos, a resposta penal mais gravosa para condutas de menor ofensividade, comparativamente àquelas previstas para o delito de este-lionato, atenta contra o princípio da proporcionalidade no viés que veda reaçõespenaisinjustificadamentediscrepantesparasituaçõesiguais.

Instrumento de garantia do Estado Democrático de Direito, tem o prin-cípio da proporcionalidade como função primordial evitar que direitos e garantias fundamentais sofram lesões, seja em decorrência da ação ou da omissão do Estado, seja de parte de particulares (por condutas indeseja-das). Materializa-se por meio das regras da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. A adequação vai examinar seaatividadeestataldesencadeadarevela-seidôneaparaatingirofimalmejado,ouseja,uminteressepúblicoidentificadonaproteçãodeumbem jurídico penalmente tutelado. A necessidade indica se a medida eleita constituiomeiomenosgravoso,dentreosdisponíveiseeficazes,paraaconcretizaçãodofimdesejado(tuteladobemjurídicoprotegido).Aproporcionalidade em sentido estrito coloca-se como raciocínio destinado a evitar o excesso, ditando a justa medida e as desvantagens dos meios emrelaçãoaosfins.Cuida,derigor,paraqueodireitofundamentalquesofre a restrição em razão da medida penal não tenha o seu núcleo es-sencial aniquilado. Conquanto tenha seu enunciado preponderantemente voltado a ditar os contornos da atividade legislativa, não é o princípio da proporcionalidade incompatível com a atividade jurisdicional. Há uma vertente do princípio da proporcionalidade que trata da vedação doexcesso.Essacorrente,recebendooinfluxotransversaldoprincípio

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isonômico, impõe haja um nivelamento da resposta penal ditado pela intensidade da ameaça ou real ofensividade que se lhe impõe o agente.

Verificar-sequeacondutanãooferecequalquerriscooudanoefetivoao bem jurídico tutelado pela norma penal incriminadora e, mesmo assim, prosseguirnapersecuçãopenalinfligindosançãoaoagenteéfazertábularasadoprincípiodaofensividade,éinterferirsemrelevantejustificativano campo sagrado das garantias e liberdades fundamentais, na medida em que a incriminação constitui o resultado da ponderação de valores na qual o direito fundamental à liberdade cede em favor da conservação de outros valores fundamentais para a sociedade.

O crime do art. 19 da Lei dos Crimes contra o SFN é de dano, “con-suma-se somente com o advento do resultado material, isto é, com a efetiva lesão do bem jurídico tutelado”, conforme ensinam Bitencourt e Breda (BITENCOURT, Cezar Roberto; BREDA, Juliano. Crimes contra o sistema financeiro & contra o mercado de capitais. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010. p. 219), mas mesmo o fato de se estar diante de crime de perigo abstrato não desautoriza a exigência da lesividade, que deve ser buscada, em cada caso concreto, no perigo que o desvalor da conduta impõe ao bem jurídico tutelado.

O problema é que não se pode também afastar, abstratamente, essas condutas do domínio penal, tampouco exigir do legislador a precisão cirúrgica na definição do ilícito.Teríamos, então, dois caminhos aseguir: ou se absolve o agente por atipicidade da conduta (lesividade insignificanteou socialmente irrelevante),ou–e estanosparece seramelhorsolução–opera-seadesclassificaçãododelitocontraoSFNpara o de estelionato, hipótese em que, dependendo da natureza jurídica dainstituiçãofinanceiralesada,acompetênciadeixarádeserdaJusti-ça Federal, conforme preconiza o artigo 109, I, da CF. Nesse sentido, destaca-se o recentíssimo precedente do TRF da 4ª Região (ACR nº 00383974920054047100, Oitava Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, j. 02.03.2011).

Dessarte, a premissa para uma nova tutela penal do Sistema Financeiro reside, inevitavelmente, na compreensão do bem jurídico a ser efetiva-mentetutelado.Etaldefiniçãonãopodedesconsiderarospressupostosjá delineados na Constituição da república, pois o legislador penal não deve criminalizar condutas ao arrepio da vontade do constituinte, uma

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vez que, consoante o magistério de Prado (PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico-penal e Constituição. São Paulo: RT, 2003. p. 100), a Constitui-ção há de ser o ponto jurídico-político de referência primeiro em tema deinjustopenal,bemcomoafirmaçãodoindispensávelliamematerialentre o bem jurídico e os valores constitucionais.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 40/2003, a disciplina constitucional do Sistema Financeiro Nacional cinge-se ao caput do art. 192 da Constituição:

“Art.192.Osistemafinanceironacional,estruturadodeformaapromoverodesenvol-vimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram.”

A Carta Política, como se vê, determina que o SFN “sirva aos inte-resses da coletividade”, dando, dessa forma, o norte a ser adotado pelo legislador na tutela dos crimes perpetrados contra tal bem jurídico.

Isso se deve ao fato de que, segundo o escólio de Feldens (FELDENS, Luciano. a Constituição Penal – A dupla face da proporcionalidade na proteção das normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 58-59), “lesões indesejadas a bens jurídicos tradicionais – como a vida, a saúde, a dignidade humana, etc. – podem decorrer de ataques que não necessariamente lhe sejam diretos, mas que nem por isso deixam de atingi-los severamente”.

Ora, diante da magnitude do bem jurídico a ser protegido, notadamen-te quando os efeitos de sua destruição pelas forças livres dos mercados financeiros tornaram-se absolutamente inquestionáveis após ocrash de 2008, ressaltamos, em concordância com a assertiva de Paschoal (PASCHOAL, Janaina Conceição. Constituição, criminalização e direito penal mínimo. São Paulo: RT, 2003. p. 134), que não pode “haver uma obrigatoriedade incondicional de criminalização, mas sim uma possibi-lidade de criminalização, na medida do necessário, mesmo nos casos de ‘determinações’ constitucionais expressas”.

Portanto,acriminalidadefinanceirasomentesejustifica,sobapers-pectiva constitucional, diante da ocorrência de uma lesão contrária aos interesses da coletividade. Isso porque o bem jurídico salvaguardado pelo ordenamentojurídiconãoéopatrimôniodainstituiçãofinanceira,mas

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a confiança daqueles que disponibilizam as suas economias à adminis-tração dessas instituições, que, a seu turno, devem ofertar recursos aos diversos setores produtivos da economia para propiciar o tão almejado desenvolvimento sócioeconômico, segundo o magistério de Prado:

“Em termos gerais, o bem jurídico tutelado nesse diploma é, fundamentalmente, o sistemafinanceironacional,consistentenoconjuntodeinstituições(monetária,bancáriasesociedadesporações)edomercadofinanceiro(decapitaisevaloresmobiliários).Tempor objetivo gerar e intermediar crédito (e empregos), estimular investimentos, aperfeiçoar mecanismosdefinanciamentoempresarial,garantirapoupançapopulareopatrimôniodosinvestidores, compatibilizar crescimento com estabilidade econômica e reduzir desigualda-des,assegurandoumaboagestãodapolíticaeconômico-financeiradoEstado,comvistasaodesenvolvimento equilibrado do País. Trata-se de bem jurídico de natureza macrossocial ou transindividual, de cunho institucional ou coletivo, salvo exceções.” (PRADO, Luiz Regis. direito Penal econômico. São Paulo: RT, 2004. p. 212)

Sendo assim, a falência dos mecanismos administrativos de supervi-são e regulaçãodasinstituiçõesfinanceiras–verificadaaolongodestaturbulênciaenfrentadapelosistemafinanceiro internacional–enseja,indubitavelmente, uma revisão dos tipos penais previstos na legislação vigente,afimdeaprimorarocontrolesocialexercidopeloDireitoPenalnessa área, porque, conforme vaticina Fischer (FISCHER, Douglas. delinquência econômica e estado social e democrático de direito: uma teoria à luz da Constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2006. p. 142), “os delinquentes econômicos devem ser considerados, em determinadas circunstâncias, tão ou mais perigosos que o infrator comum (que atenta contra bens individuais)”.

Contudo, não é possível seguir penalizando condutas que deixem de ameaçar, efetivamente, a higidez do Sistema Financeiro Nacional ou que estejam protegidas por outras normas penais previstas no Código Penal (estelionato, apropriação indébita, peculato, desvio de verbas públicas) e na legislação extravagante (Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária, Código de Defesa do Consumidor, Lei Antitruste e Lei do Sigilo Bancá-rio), enquanto os genuínoscrimesfinanceirosficamdesprovidosdeumatutela penal adequada, inviabilizando, por conseguinte, uma resposta célereeeficienteporpartedoPoderJudiciário.Portanto,deacordocoma lição de Cervini, “as tendências à descriminalização e criminalização, bem entendidas e fora de todo o

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esquematismo, podem fazer-se atuar simultaneamente como instrumentos de um mesmo processo renovador, impondo-se descriminalizar de forma paulatina os ‘delitos de recheio’ e, simultaneamente, criminalizando, quando não há outro recurso, aquelas condutas que são autenticamente nocivas para a sociedade, de qualquer maneira, com prévia avaliação dos custos individuais e sociais destas normas incriminadoras.” (CERVINI, Raúl. os processos de descriminalização. São Paulo: RT, 2002. p. 217, grifei)

Masquaisseriamosautênticosdelitosfinanceirosquejustificariamuma intervenção penal, isto é, quais os crimes capazes de desencadear um nefasto risco sistêmico, aqui entendido, segundo a conceitualização de turczyn (TURCZYN, Sidnei. o Sistema Financeiro nacional e a regulação Bancária. São Paulo: RT, 2005. p. 379), como sendo aquele que pode “potencialmente propagar-se pelo Sistema desestabilizando-o, pela possibilidade de con-tágio e potencialização dos riscos próprios da atividade bancária (especialmente o risco de liquidez), levando à situação de insolvência de instituições sãs.”

A resposta a essa indagação pressupõe, antes de tudo, o conhecimento sistemáticosobreasrazõespelasquaisasinstituiçõesfinanceirasvãoàbancarrota. Muito embora haja uma literatura econômica abundante so-bre esse tema tão complexo, recorre-se à síntese elaborada por oliveira:

“a) má gestão de ativos, observada nos elevados índices de inadimplência ou no péssimo desempenho da carteira de empréstimos; b) novos produtos cujos riscos não são inteiramente conhecidos; c) controles internos inadequados; d) instinto de manada (opção por determinado investimento só porque a maioria vem direcionando suas aplicações em talopçãofinanceira);ee)fraude.”(OLIVEIRA,MarcosCavalcantede.Moeda, juros e instituições financeiras – regime jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 97)

Como se pode observar, muitas dessas circunstâncias mencionadas não seriam, em princípio, consideradas crime, porque, tradicionalmente, vêm associadas a uma incompetência de gestão ou fiscalizaçãodeficiente,sejadaprópriainstituiçãofinanceira,sejadosórgãosresponsáveispelafiscalização(v.g. Bacen,CVM,Susep,SPC).Todavia,acrisefinanceirainternacional atual mostra que os excessos gerenciais perpetrados no mane-jo de vultosas quantias de terceiros possuem um efeito devastador sobre a economia e, portanto, potencialidade lesiva para toda a coletividade. Esse é o caso dos novos produtos, como são os chamados CDS (Credit-default Swaps), ou do efeito de manada, como foi o massivo número de transações financeirasrealizadascomashipotecassubprime nos EUA.

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Aliçãoqueficaéque,emsituaçõesdessagravidade,nãohácomojogar a responsabilidade (civil, administrativa ou penal) só nas costas dosfinancistasqueseesmeramaomáximoparamultiplicaroslucrosexigidos pela cultura capitalista, máxime quando há uma clara omissão porpartedosórgãosdefiscalização,istoé,daquelesquetêmodeverdezelarpeloequilíbriodosistema.Definitivamente,inexisteexageroalgumna afirmação deSaramago (SARAMAGO, José. Crise é um “crimefinanceirocontraahumanidade”.revista Época negócios, São Paulo, 16 dez. 2008. Disponível em: <http://epocanegocios.globo.com/Revista/Epocanegocios>. Acesso em: 21 mar. 2008) de que esta crise representa“umcrimefinanceirocontraahumanidade”, na medida em que quantias inimagináveis de recursos foram alocadas para conter o pânico disseminadopelo sistemafinanceiro global após a quebra desólidainstituiçãofinanceiradosEUA.

Poroutrolado,adimensãodessacatástrofefinanceirainternacionalestáademonstrarqueumaparcelasignificativadoscrimespraticadoscontraosistemafinanceirodentrodoterritórionacionalnãoterialesio-nado o bem jurídico da maneira como se imaginava, isto é, não parece ter ocorrido, em muitos dos fatos criminosos analisados pela jurisdição criminal federal brasileira, um mínimo comprometimento dos alicerces daengrenagemeconômico-financeira.Nãosetratadeevocarascorren-tes que insistem em desprezar os efeitos nocivos dos chamados crimes do colarinho-branco, mas apenas de mostrar que tais violações não se coadunam com a diretriz emanada da Constituição da república, isto é, proteger o Sistema Financeiro Nacional dos riscos que o impedem de servir aos interesses da coletividade.

Nessalinhadeideias,pontificatasse que a lesão ao Sistema Finan-ceiro Nacional ocorre quando o “agente passa a colocar em risco a cre-dibilidade de que deve ser detentor o Estado, no que tange ao especial aspectodegestãofinanceira,produzindorealameaçaparaobem-estarfinanceirodasociedadebrasileira” (TASSE, Adel El. Crimes contra o SistemaFinanceiroNacional:obemjurídicoespecíficonecessárioparaa incidência da Lei 7.492/86 à determinada conduta. In: PRADO, Luiz Regis (coord.). direito Penal Contemporâneo: Estudos em homenagem ao Prof. José Cerezo Mir. São Paulo: RT, 2007. p. 339 e 341).

Sendo assim, não obstante as considerações esposadas pelo Parquet,

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é forçoso reconhecer que, no caso em tela, a denúncia transcrita no re-latório não descreve qual o prejuízo ao sistemafinanceirocausadopelascondutas perpetradas pelo acusado.

Muito embora a Constituição da república atribua à União toda a responsabilidade pelo funcionamento do Sistema Financeiro Nacional (art. 21, VIII; art. 22, VI e VII; e art. 109, VI), é forçoso reconhecer que a competência penal delineada no art. 109, VI, é expressa:

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:[...]VI – os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra

o sistema financeiroeaordemeconômico-financeira;”(Grifei)

Como se vê, o constituinte atribuiu à Justiça Federal a competência paraprocessar especificamentedelitosperpetrados emdetrimentodoSistema Financeiro nacional,cujadefiniçãopodeserdeduzidadoart.192 da CF, conforme a EC nº 40/2003, alhures transcrito.

Dessemodo,nãoé todoequalquercrimefinanceiroouquetenharepercussõesfinanceiras quedeverá ser processadoperante a JustiçaFederal,massomenteaquelesdefinidosnalegislaçãoprópria,aLeinº7.492/86, que pressupõe ação delitiva capaz de ameaçar a estrutura e a higidez do Sistema Financeiro Nacional como um todo. Ou seja, a Carta Política determina que a Justiça Federal processe e julgue somente os crimesfinanceirosdenaturezadifusa,compotencialidadedecompro-meter os alicerces da economia do país estabelecidos na estruturação do Sistema Financeiro Nacional.

Nessa exata linha de conta, leciona o eminente Juiz Federal Artur César de Souza no voto-vista proferido no paradigmático julgamento da ACR nº 2003.72.00.017341-8/SC, ocorrido no dia 1º de dezembro de 2010:

“A Constituição Federal, em seu artigo art. 109, inciso VI, estabelece que aos juízes federais compete processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinadosporlei,contraosistemafinanceiroeaordemeconômico-financeira.

Deve-seobservarqueotextoconstitucionalinserecomobemjurídicoosistemafinan-ceiro,enãoainstituiçãofinanceira.Portanto,alegislaçãotemporpressupostoaestruturado sistema no seu todo, e não partes componentes e isoladas desse sistema.

Essa diferenciação é bem nítida pelo conteúdo normativo do art. 192 da Constituição Federal, que assim prescreve: O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a pro-mover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por

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leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003)

Assim,pelaleituradoartigo192,asinstituiçõesfinanceirasintegramosistemafinan-ceiro, razão maior para não se confundir os dois institutos jurídicos.

Porsuavez,aLei7.492/86éumalegislaçãoquedefineoscrimescontraoSISTEMAFINANCEIRO, e não contra a INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.

Sobre sistema e estrutura no direito, anota Mario G. Losano: ‘No grego clássico, o termo‘sistema’temdoissignificadostécnicos(namétricaenamúsica)edoissignificadosatécnicos.Osignificadomaisgenéricoindicaqualquerformadeagregação:éum‘sistema’tambémacorporaçãodeapicultores.Ooutrosignificado,atécnico,masmenosimpreciso,é referido à ordem do mundo social e natural: o cosmos distingue-se do caos porque é um conjunto. Um problema de fundo, debatido mas não resolvido, é se o cosmos deva ser visto como ordenado por leis em analogia com a sociedade, ou se a ordem da sociedade se modela sobre a do cosmos: nos dois casos, o pensamento grego recorre à noção de sistema. Esse termoabstratofoirecebidonãosemdificuldadesemlatim.Línguapropensaaoconcreto,o latim tendia a substituir por um verbo o ‘sistema’ dos textos gregos, ou também extraía metáforasdaarquitetura:‘construere’,‘structura’sãotermosqueadquirirãosignificadostécnicos somente nos séculos posteriores’. (Sistemas e estruturas no direito. vol. 1, Trad. Carlo Aberto Dastoli. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 3).

Assim, percebe-se que o termo sistema jamais teve uma conotação atomista, uma vez que,sejanoseusignificadotécnicoouatécnico,elerepresentaumconjuntodeelementoenvolvido em uma estrutura uniforme e homogênea.

A palavra sistema, em latim, será representada por: ‘systema, copages, compago, col-lectio, compositio, concretio, congregatio, caterva, coetus, conturbernium, factio, globus, manus militum, turma, congruere, congruitas, struere, construere, stracutura, concinnatus’ Em italiano, ‘sistema, sistematica, sistematicità, sistemazione, sistematizzazione, tutto, unità, unitarietà, modello, modellizzazione, universalismo’ (Idem, ibidem).

Portanto, o entrelaçamento do termo ‘sistema’ nas diversas línguas sempre representará uma conotação de constituição no sentido de estrutura.

Assim, conforme já observara Lambert, todo sistema é composto dos seguintes ele-mentos: a) partes, b) forças conectivas, c) nexo comum, d) escopo (Idem, ibidem, p. 115).

Por isso, entendo que assiste razão ao Eminente Desembargador Federal Luiz Fernando Penteado quando, ao avaliar os fatos, não chega a uma conclusão de que houve risco ao SISTEMA FINANCEIRO como um todo.

Na verdade, a conduta praticada pelo réu gerou potencial prejuízo à Instituição Finan-ceira, no caso, o Banco do Estado de Santa Catarina, razão pela qual a competência para o seujulgamentonãoédaJustiçaFederal,mas,sim,daJustiçaEstadual[...].”

Confira-se,ainda,excertodoacórdãolavradonoaludidojulgamentopelo eminente Des. Federal Luiz Fernando W. Penteado, publicado re-centemente (23.02.2011):

“PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. BEM JURÍDI-

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CO TUTELADO. AUSÊNCIA DE POTENCIALIDADE LESIVA DA CONDUTA. CRIME DE GESTÃO FRAUDULENTA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. – A Lei nº 7.492/86temcomoobjetivoprimárioaproteçãodosistemafinanceironacional,tutelandoapenassecundariamenteainstituiçãofinanceira.não é, contudo, qualquer prejuízo cau-sado pela conduta do administrador que autoriza a incidência dos ditames desse diploma legal, mas somente aquele cuja monta seja tamanha a desestabilizar o sistema financeiro. [...]–Hipótesenaqualacondutaperpetradanãopermiteconcluirpelaexistênciaderiscoaosistemafinanceirocomoumtodo,mas,sim,pelaocorrênciadecrimedeestelionatocontra instituição estadual, circunstância que afasta a competência da Justiça Federal para o processamento da ação penal.” (Grifei)

Portanto,deveserconsiderada,emmatériadosdelitosfinanceiros,a mesma orientação dada pelo Pretório Excelso em relação aos crimes contra a organização do trabalho: somente serão da competência da Jus-tiça Federal os delitos que ofendem o sistema de órgãos e instituições financeiras destinadas a preservar coletivamente o trabalho (v.g. RE 588332, Relatora Ministra ellen Gracie, Segunda Turma, RT v. 98, n. 886, 2009, p. 525-530).

Pois bem. No caso concreto, ao que se pode depreender da exordial acusatória, teriahavidoumdesviodefinalidadedeummútuodeR$69.688,00 (sessenta e nove mil, seiscentos e oitenta e oito reais). Ora, emboranãosejaocasodefalareminsignificânciadessacondutalesiva,não há a menor dúvida de que o Sistema Financeiro nacional não restou minimamente abalado com suposto comportamento do acusado, de modo ajustificaraimputaçãoreiteradanoapeloministerial.

Contudo, considerando que no caso em apreço a vítima seria o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), subsiste a competên-cia da Justiça Federal para examinar a acusação formulada pelo Parquet, que, a meu ver, subsume-se ao tipo penal do artigo 315 do CP (emprego irregular de verbas ou rendas públicas):

“Art. 315. Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei.Pena – Detenção de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.”

Nesse sentido, vaticina o eminente jurista Paulo José da Costa Júnior (Comentários ao Código Penal. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 998) que “a conduta é comum na administração pública. Por isso, não são poucos os que condenam erigir semelhante conduta à categoria de delito, mormente diante da moderna tendência de descriminalização. Outros chegam a alertar, a propósito: ‘Não acreditem muito na punição desse crime...’. Inexiste para o Estado qualquer dano patrimonial: nem subtração, nem

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apropriação de dinheiro público. Sucede apenas que verbas ou rendas públicas são aplicadas diversamente do critério estabelecido em lei ou no orçamento. (...) Visa-se a tutelar a boa ordem e a regularidade administrativa.”

Pois bem. No caso em tela, diante da pena máxima prevista para o tipo penal do artigo 315 do CP (três meses), deve ser reconhecido, de ofício, o transcurso do prazo prescricional de dois anos entre a data dos fatos (08.03.2007) e a do recebimento da denúncia (18.12.2009), nos termos dosartigos107,IV,e109,VI,doCP,razãopelaqualficaprejudicadooexame do apelo ministerial.

Ante o exposto, voto por desclassificar, de ofício, a conduta imputada ao recorrido para o tipo penal do artigo 315 do CP, declarando extinta a punibilidade pela prescrição, e julgar prejudicado o recurso ministerial.

REVISÃO CRIMINAL Nº 0035721-15.2010.404.0000/SC

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Márcio Antônio Rocha

requerente: A.B. – réu presoadvogado: Dr. Osorio Ferrari

requerido: Ministério Público Federal

eMenta

revisão Criminal. Sequestro. Prescrição da pretensão punitiva. re-dução da pena. Falta de interesse. Extorsão qualificada pelo resultado morte. Desclassificação para participação em extorsão simples. Rea-preciação de prova. incabimento. Pena privativa de liberdade. Cálculo. Causas de aumento genéricas. inadmissibilidade.

1. Declarada extinta a pretensão punitiva pela ocorrência de prescrição em relação ao crime de sequestro, carece o réu de interesse jurídico para oajuizamentoderevisãocriminalcomafinalidadedeobteraredução

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da pena aplicada.2. A revisão criminal não se presta à reapreciação das provas já ana-

lisadas e sopesadas na ação penal.3. Se a tese acerca da previsibilidade ou não do resultado morte quan-

do da prática do crime de extorsão foi fundamentadamente examinada na sentença e no julgamento do recurso interposto pela defesa, não se verificadecisãocontráriaàevidênciadosautos,mas,sim,manifestaçãolivre e fundamentada do convencimento do julgador.

4. Não se enquadrando nas hipóteses em que é admitida a revisão criminal, o pedido é improcedente.

5. Estando o delito capitulado no parágrafo segundo do art. 158 do CódigoPenal(rouboqualificadopeloresultadomorte),nãoincidemascausas de aumento previstas no § 1º do art. 158 do CP (cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma).

6. Impondo-se maior punibilidade ao crime, em decorrência da maior gravidade do resultado (lesão corporal grave ou morte), não cabe a apli-cação das agravantes genéricas previstas no § 1º do art. 158 do CP, sob pena de bis in idem. Precedentes do STF.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, julgar improcedente a revisão criminal e, de ofício, reduzir a pena imposta ao requerente, excluindo o aumento de 1/3 (um terço), aplicado com base no § 1º do art. 158 do Código Penal, estendendo-se os efeitos da presente decisão ao corréu V.C.S., nos termos do relatório, votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopre-sente julgado.

Porto Alegre, 18 de abril de 2011.Des. Federal Márcio antônio rocha, Relator.

reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal Márcio antônio rocha: Trata-se de Revisão Criminal requerida por A.B., objetivando, em síntese, a redução da pena desequestroeadesclassificaçãodocrimedeextorsãoparaparticipaçãoem extorsão simples.

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Referequefoicondenadoapenaprivativadeliberdadefixadaem26(vinte e seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e multa de 13 dias-multa no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente na data dos fatos, por infração aos artigos 148 c/c 71 e 158, §§ 1º e 2º, c/c 69, todos do CódigoPenal.Emapelação,estaCorteconfirmouasentença,transitandoem julgado o acórdão para a acusação em 30.07.07 e para a defesa em 13.03.09.

Argumenta, de início, que houve uma tendência de generalização das condutas dos envolvidos.

Quanto ao delito de sequestro em continuidade delitiva, aduz que a pena foi aumentada em patamar máximo de forma irregular, uma vez que o requerente tem bons antecedentes, sem dados que desabonem sua conduta. Postula, assim, a redução do patamar da continuidade delitiva para 1/6 (um sexto). Ainda em relação ao delito de sequestro, argumenta que a pena deve ser reduzida, tendo em vista a participação de menor importância do requerente.

Noqueconcerneaocrimedeextorsão,afirmaqueorequerenteapenasauxiliou na conduta do cacique V.C.S.; que o resultado morte não era previsível ao grupo que o auxiliava, pois não imaginavam que a polícia os surpreenderia; que a morte não estava inserida no dolo dos agentes. Requeradesclassificaçãododelitoparaparticipaçãoemextorsãosimples,pela incidência do art. 29, § 2º, 1ª parte, do Código Penal, ou subsidia-riamente a aplicação da 2ª parte do mesmo dispositivo.

Os autos foram remetidos ao Ministério Público Federal, que se ma-nifestou pelo não conhecimento da revisão criminal e, no mérito, pela suaimprocedência(fls.84-90).

É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal Márcio antônio rocha:Ésabidoqueafina-lidade da revisão criminal é corrigir erros de fato ou de direito ocorridos emprocessosfindos,quandoseencontremprovasdainocênciaoudecircunstânciaquedevesseterinfluídonoandamentodareprimenda.Ashipóteses de seu cabimento são taxativas, de modo que a contrariedade ao texto expresso da lei penal e à evidência dos autos deve ser frontal, e a posterior descoberta de provas novas da inocência do acusado ou de

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causa de diminuição especial de pena deve ser inequívoca, verbis:“CPP.Art.621.Arevisãodosprocessosfindosseráadmitida:I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à

evidência dos autos;II – quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos

comprovadamente falsos;III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado

ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.”

Nocaso dos documentos acostados em apenso, verifica-se que orequerentefoicondenadoàpenadefinitivade26 (vinte e seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e multa de 13 dias-multa no valor unitário de 1/30 do salário mínimo vigente na data dos fatos, pela prática do crime deextorsãoqualificadopeloresultado–morte–art.158,§§1ºe2º,c/c art. 69 do Código Penal. Observo que o acórdão da 8ª Turma desta Corte declarou, de ofício, quanto ao crime de sequestro, a extinção da punibilidadedosréuspelaprescrição(fls.64-65).

Portanto,quantoaospedidosdereduçãodapenafixadaparaocrimede sequestro não há interesse jurídico para o ajuizamento de revisão criminal, uma vez que extinta a sua punibilidade.

Quantoaocrimedeextorsãoqualificadopeloresultadomorte,sus-tentaorequerentequedevehaverdesclassificaçãoparaodelitodeex-torsão simples (art. 158, § 1º, do CP), pois a participação do requerente limitava-se à extorsão.

A denúncia assim narrou os fatos:“(...) Durante o mês de março de 1999 o denunciado V.C.S. passou a ameaçar gravemente

a vítima Reny César Mendes de que, se este não cedesse 35% (trinta e cinco por cento) da sua plantação de soja que era cultivada dentro da área indígena situada no município de Ipuaçu, o mesmo e seu bando iriam matá-lo, bem como a sua família.

Na data de 23 de março de 1999, em horário que a instrução poderá apurar, na área indígena situada no município de Ipuaçu/SC, nesta Comarca, o denunciado V.C.S. deu mais um ultimato para a vítima Reny de que, caso não desse 35% (trinta e cinco por cento) da produção de soja cultivada nas áreas da reserva indígena, iriam ‘invadir sua propriedade e queimar os maquinários’.

Diantedetantasameaças,comevidenteintençãodeobtençãodevantagemfinanceiraindevida por parte do denunciado V.C.S., a vítima Reny César Mendes resolveu pedir auxílio para a Polícia Militar, uma vez que temia pela sua segurança e de seus familiares, diante das insistentes ameaças que sofria por parte de V.C.S. e demais indígenas que integram o

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que chamam de ‘seguranças’ do cacique, ora denunciados.Como se encontrava pendente de cumprimento um mandado de prisão preventiva contra

V.C.S., expedido pela Justiça Federal de Chapecó/SC, a Polícia Militar deslocou alguns homenscomandadospeloMajorPMSCLuizRobertodeQuadros,paraquefizessemle-vantamento da área para futuro cumprimento da ordem judicial.

Por volta das 21 horas, na residência da vítima, situada na localidade de Pinhalzinho, município de Ipuaçu/SC, mais uma vez o denunciado V.C.S. efetuou um telefonema exigindo o pagamento de parte da produção de soja de Reny César Mendes.

Como a vítima Reny César Mendes resistia às ameaças do denunciado V.C.S., o mesmo, com intenção de dar exaurimento a sua exigência de parte da produção de soja da vítima, ainda com intenção de atemorizá-la, reuniu os seus ‘seguranças’, todos os demais denun-ciados, no Posto Indígena Xapecó, cidade de Ipuaçu/SC, para que, armados com revólveres e espingardas, fossem até a residência da vítima para receber a parcela da produção de soja que exigia ser-lhe entregue.

Saíram todos os nove denunciados em direção à localidade de Pinhalzinho, área indí-gena, município de Ipuaçu/SC, nesta Comarca, onde residia a vítima Reny César Mendes.

Antes de dirigirem-se até a casa da vítima, com intenção de realizar maior pressão na mesma, para que entregasse a vantagem exigida para o denunciado V.C.S. e os demais denunciados, por volta das 21h30min, na localidade de Pinhalzinho, Ipuaçu/SC, por deter-minação de V.C.S., os denunciados J.N., V. “de tal” (cunhado de D.X.S.), que estavam no interior de uma Toyota, de propriedade da Funai, foram até a residência de Rildo Mendes e o obrigaram, mediante violência e ameaça, uma vez que se encontravam armados, a entrar no veículo para irem até a residência de Reny César Mendes exigir o pagamento indevido de parte da produção da soja.

Da mesma forma, logo em seguida, os mesmos denunciados e V.C.S. obrigaram a vítima Julieta Zorzi Mendes a entrar no veículo Toyota para irem até a residência de Reny César Mendes para acertar o pagamento da exigência de V.C.S. e seus ‘seguranças’.

Com tal conduta, Rildo Mendes e Julieta Zorzi Mendes foram retirados de suas residên-cias pelos denunciados V.C.S., J.N., J.N., V.B., A.B. e V. ‘de tal’, mediante ameaças com emprego de armas de fogo, sendo obrigados a entrarem em um veículo Toyota, pelo que foram privados de sua liberdade de locomoção pela conduta violenta de todos os denun-ciados, pois todos se faziam presentes no local distribuídos em um veículo Corcel, Ford, cor marrom, e num veículo VW gol.

Após fazerem seus reféns, todos os denunciados, em união de esforços e desígnios pre-ordenados, nos três veículos acima aludidos, dirigiram-se até a residência da vítima Reny César Mendes, todos sob o comando do denunciado V.C.S., para receberem a vantagem indevida exigida daquela vítima, utilizando-se das pessoas que levavam consigo, uma sendo mãe do mesmo e o outro, irmão.

Ao chegarem na residência da vítima Reny César Mendes, os denunciados desembarca-ram dos automóveis, sendo que ordenaram, novamente mediante ameaças, que Rildo Mendes e Julieta Zorzi Mendes fossem na frente do grupo, constituído por todos os denunciados, pois caso ocorresse resistência os mesmos seriam usados como escudos pelos denunciados.

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Ao chegar na frente da residência de Reny César Mendes, Julieta Zorzi Mendes, mãe do mesmo, gritou dizendo ‘é o V.C.S. veio para acertar contigo a parte da produção de soja’.

Quando Reny César Mendes abriu uma janela de sua residência para olhar o que acon-tecia do lado de fora foi efetuado um disparo de arma de fogo contra sua residência, tudo com evidente intenção de amedrontá-lo para obter-se a vantagem indevida, o que deu início a um tiroteio que perdurou por alguns minutos.

Otiroteioteveinícioporpartedosdenunciados,nãosepodendoidentificarsuaautoria,mas por certo tinha como objetivo obter a vantagem exigida da vítima, sendo que de tal violência resultou a morte de Abel Mendes, irmão de Reny, que se encontrava na residência deste, tendo como causa morte ferimento perfurocontundente, por projétil de arma de fogo, queprovocoutraumadecrânioesuamorte,consoanteautodeexamecadavérico(fl.128).

Também veio a óbito J.N., que acompanhava o grupo liderado por V.C.S., em decor-rência de ferimentos provocados por projéteis de arma de fogo, consoante se infere do auto deexamecadavérico(fl.118).

Após o tiroteio travado com os Policiais Militares que se encontravam na residência da vítima no momento dos fatos, bem como da morte das pessoas acima descritas, além das lesõessofridaspeloPolicialTulioBoenodescritasnafl.134,osdenunciadosevadiram-sedo local.

OsdenunciadosintegramgrupolideradopelodenunciadoV.C.S.,quetemcomofina-lidade atemorizar os indígenas que vivem no interior da área indígena de Ipuaçu/SC, para assim perpetrarem diversas condutas criminosas, sempre contando com a impunidade que o medo de suas condutas violentas inspira na pacata população indígena.

Através de tais condutas violentas perpetradas pelos chamados ‘seguranças’ ou ‘ca-pangas’ do cacique V.C.S., como a dos presentes autos, o mesmo conseguiu manter-se na liderança da população indígena local, sempre empregando armas de fogo nas atividades criminosas. (...)”

A 8ª Turma desta Corte, ao examinar a apelação do réus, destacou que as pessoas que praticam crimes à mão armada assumem os riscos provenientes dessa ação criminosa, inserindo-se perfeitamente no des-dobramento causal da ação delitiva com resultado morte. Concluiu que era previsível o resultado, uma vez que os acusados, ainda que nem todos, portavam arma de fogo (fato comprovado nos autos) e, portanto, assumiram o risco de atentarem contra a vida das vítimas, o que permite suascondenaçõescomocoautoresdodelitodeextorsãoqualificadapeloresultado morte. Transcrevo trecho do voto lavrado pela Exma. Juíza Federal Eloy Bernst Justo no que toca à autoria, verbis:

“3.2 autoriaAautoriaressaiinduvidosa,umavezqueosréusconfirmaramemjuízoqueseencon-

travamnolocaldosfatos(V.C.S.–fl.27,V.–fl.276,A.B.–fl.279,A.–fl.281,D.X.S.

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–fl.284,J.N.–fl.287,D.B.–fl.289,todasdaACRnº2003.72.02.004104-0/SC,eJ.–fl.572 da ACR nº 2003.72.02.004103-9/SC), sendo que V.B., D.B. e J.N. foram presos em flagrantedelito(fls.10-19).OcorréuD.B.,inclusive,refere-seaogrupocomoa‘liderançareuniu-se’, ao mencionar a fatídica ida à residência de Reny Mendes.

Todos eles tinham conhecimento da indevida exigência de comissão sobre o plantio de soja por parte do cacique V.C.S. e, por livre e espontânea vontade, e em comunhão de esforços, a ele se juntaram para acompanhá-lo até a casa da vítima com o propósito de exigirdelatalquantia.Aparticipaçãodosacusadosficaaindamaisevidenteporestaremfortemente armados naquela ocasião. A defesa nega o porte de armas. Pergunta-se, então: de onde partiu o tiro que vitimou Abel, irmão de Reny? Teriam os próprios policiais atirado contra uma das pessoas que se encontrava junto da vítima Reny? E mais, Rildo Mendes (irmãodeReny)afirmatersidoodenunciadoV.oautordoprimeirodisparoquedesenca-deou o tiroteio com a polícia. Já Julieta Zorzi Mendes (progenitora de Reny), por sua vez, contaqueV.C.S.,A.B.,V.eA.efetuaramdisparosdearmadefogo,enquantoV.M.(fl.503)referiu que, pela quantidade de tiros desferidos pelos indígenas, todos estavam armados. No mais, o testemunho dos demais policiais corrobora a versão. Inclusive, o policial Claudir SchmidtdeclarouemjuízoqueoréuValdofoioautordotiroquevitimouAbelMendes(fl.504). Sem sombra de dúvidas, o tiroteio com a polícia foi desencadeado pelos denunciados.

Ainda que assim não se entendesse, a alegação de que alguns réus não portavam arma de fogo na ocasião dos fatos é irrelevante, porquanto, assim como ocorre no roubo praticado com emprego de arma de fogo, responde pelo resultado morte não somente quem desferiu os tiros, mas também quem auxiliou na execução da conduta.

De fato,

‘no roubo praticado com o emprego de arma de fogo, do qual resulte a morte da vítima ou de terceiro, é coautor do latrocínio tanto aquele que somente se apoderou da res quanto o comparsa que desferiu tiros contra a pessoa para assegurar a posse da res ou a impunidade do crime. Os agentes, ao participar do roubo à mão armada, assumem os riscos provenientes dessa ação criminosa, de modo que está inserida perfeitamente no desdobramento causal da ação delitiva a produção do evento morte por ocasião da subtração. É que, em se tra-tandodecrimequalificadopeloresultado,incidearegradoart.19doCódigoPenal:‘peloresultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente’. Esse, inclusive, é o posicionamento adotado pelo STJ. Não importa saber qual dos coautores do latrocínio desferiu os tiros, pois todos respondem pelo mesmo fato. É óbvio que eles devem ter conhecimento de que um comparsa traz consigo arma de fogo.’ (CAPEZ, Fernando. Curso de direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 2, p. 413)

Na hipótese dos autos, independentemente de alguns réus não estarem armados, era previsível o resultado, uma vez que outros acusados portavam arma de fogo (fato compro-vado nos autos), e, portanto, aqueles assumiram o risco de os comparsas atentarem contra a vida das vítimas, o que permite suas condenações como coautores do delito de extorsão qualificadapeloresultadomorte.

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Os acusados alegam, ainda, que os fatos somente se desencadearam da forma como descritosnadenúnciaemrazãodoflagrantepreparadopelapolíciamilitarcomoauxílioda vítima.

Primeiramente,cabereferirquenãosetratadeflagrantepreparado,umavezqueospoliciais lá se encontravam a pedido da vítima Reny, que temia por sua segurança diante das ameaças sofridas por parte do acusado V.C.S. (...)”

Como se vê, a questão suscitada na presente revisão criminal, acerca da previsibilidade do resultado morte, foi expressamente analisada no voto condutor do aresto. Os réus dirigiram-se até a residência da vítima, fortemente armados, com intuito de ameaçá-la, bem como a sua família, e por meio da intimidação pelo uso de armas de fogo obter vantagem ilícita.

Descabida, igualmente, a tese de que deve ser aplicado o § 2º do art. 29 do Código Penal, pois o requerente quis participar de crime menos grave. Segundo se depreende da sentença e do acórdão proferidos, restou evidenciado nos autos que todos os réus atuavam com unidade de desígnios para a prática do delito. Destacou a sentença que todos os réus, em conjunto, um apoiando o outro, concorrem de modo igual para odelito,determinandooconluiodevontadeseacoautoria(fls.30-31).

Ademais, “a vontade de participar de crime menos grave, em regra, é excepcional, reclamando prova efetiva por parte de quem alega, que há de ser examinada e cotejada com todos os elementos do conjunto da prova” (HC 31.169/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, 6ª Turma, DJ 06.02.2006). Tal análise já foi feita quando da prolação da sentença e do acórdão em grau recursal.

Portanto, as alegações feitas em sede de revisão criminal foram fundamentadamente afastadas no recurso da defesa interposto perante o TRF. Assim, percebe-se que a pretensão do requerente não encontra guarida em nenhuma das hipóteses de cabimento da Revisão Criminal, sendo sua intenção apenas reabrir a discussão acerca de matérias exaus-tivamente tratadas na Ação Penal respectiva. Isto é, as teses defendidas pelo requerente demandaram valoração das provas contidas nos autos, o que, independentemente da conclusão, já foi exaustivamente realizado.

No caso, como se vê dos trechos da sentença e do acórdão já trans-critos, não houve decisão contrária à evidência dos autos, mas, senão, a manifestação livre e devidamente fundamentada do convencimento do julgador, não havendo falar em ocorrência de erro judiciário na espécie.

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Não procede, assim, a revisão criminal no ponto.Entretanto,doexamedadosimetriadapenaimpostaaosréus,verifica-

-se a existência de constrangimento ilegal, que deve ser corrigida, inclu-sive,deofício.Aorientaçãofirmadanajurisprudênciaénosentidodequesomentenashipótesesdeerroouilegalidadeprontamenteverificávelna dosimetria pode-se reexaminar o decisum.

A sentença condenatória e o acórdão ao proceder ao cálculo da pena fizeramincidir,quantoaocrimedeextorsãoqualificadopeloresultadomorte (art. 158, § 2º do Código Penal), a causa de aumento do parágrafo 1º – crime cometido por duas ou mais pessoas ou com uso de arma de fogo (art. 158, § 1º, do CP). A dosimetria da pena foi assim fundamentada no voto condutor do aresto:

“4.3 réu a.B.O Juízo a quo, acertadamente, considerou favoráveis ao réu todas as circunstâncias

judiciaisdoart.59doCP,fixandoapena-basenomínimolegal,ouseja,20(vinte)anosde reclusão.

Corretamente majorada a pena em 1/3 (um terço) por força da causa de aumento prevista no § 1º do art. 158 do CP (crime cometido por duas ou mais pessoas ou com uso dearmadefogo),ficandoapenaprivativadeliberdadedefinitivamentearbitradaem26(vinte e seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão, já que ausentes outras causas de aumento ou diminuição de pena.

Por guardar simetria com a pena privativa de liberdade e encontrar-se adequada às condições econômicas do réu, mantenho a pena de multa em 13 (treze) dias-multa, à razão unitária de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos.”

Comtalmecânicaapenaficoufixadaparaoréu,orarequerente,em26 (vinte e seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e para o corréu V.C.S. em 31 (trinta e um) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, superando as balizas do art. 157, § 3º, do Código Penal.

Ocorre que, estando o delito capitulado no § 2º do art. 158 do Código Penal(rouboqualificadopeloresultadomorte),nãoincidemascausasde aumento previstas no parágrafo 1º do art. 158 do CP (“cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma”).

O art. 158 do Código Penal assim prevê:“extorsãoArt. 158 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito

de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa:

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Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.§ 1º - Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma,

aumenta-se a pena de um terço até metade.§ 2º – Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do artigo

anterior. § 3º – Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição

é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente.”

O referido art. 157 do mesmo diploma, por sua vez, dispõe:“rouboArt. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça

ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.§ 1º – Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência

contrapessoaougraveameaça,afimdeasseguraraimpunidadedocrimeouadetençãoda coisa para si ou para terceiro.

§ 2º – A pena aumenta-se de um terço até metade:I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;II – se há o concurso de duas ou mais pessoas;III – se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal cir-

cunstância.IV – se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro

Estado ou para o exterior; V – se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. § 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze

anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.”

ConsoanteliçãodeNelsonHungria,acercadaextorsãoqualificadapeloresultado,damesmaformaquenoroubo,“aextorsãoéqualificada(cominando-se-lhe exacerbadas penas autônomas, tal e qual no roubo qualificadopeloresultado)quandodaviolênciaresultalesãocorporalgrave ou morte (§ 2º do art. 158) (Comentários ao Código Penal, v. VII, 4. ed., Forense, 1980, p. 72).

Examinado caso análogo ao dos autos, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou que, nos casos de condenação pelo crime de latrocínio, a incidência das causas de aumento genéricas, previstas no § 2º do art.

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157, implica bis in idem, haja vista que o delito do § 3º, em razão das suas consequências, já é apenado de forma mais grave:

“EXECUÇÃO PENAL. Pena privativa de liberdade. Prisão. Cálculo. delito de latrocínio (art. 157, § 3º, do CP). Causas de aumento por concurso de pessoas e emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º, i e ii). aplicação. inadmissibilidade. Bis in idem. Maior gravidade já considerada na cominação da pena base. HC não conhecido. ordem concedida de ofício. Precedentes. Não se aplicam as majorantes previstas no § 2º do art. 157 do Código Penal àpenabasepelodelitotipificadono§3º.”(HC94994,Rel.Min.Cezar Peluso, Segunda Turma, julgado em 16.09.2008, DJe 07.11.2008) (grifei)

Como destacou o Exmo. Min. Cezar Peluso, no corpo do voto, são inaplicáveis as majorantes do § 2º do art. 157 do CP ao crime de latro-cínio, cuja pena-base traz em si a consideração da maior gravidade do resultado, por implicar bis in idem. Dos precedentes indicados no voto condutor, transcrevo trecho do voto proferido no RE nº 93.754, Rel. Min. Leitão de abreu, DJ 26.06.1981:

“(...) quando o delito se capitula no § 3º do art. 157, não há aplicar-se o aumento da pena a que se refere o § 2º da mesma regra legal. No § 3º, consoante Nelson Hungria, cuida-se ‘de condição de maior punibilidade, em razão da maior gravidade do resultado’ (Comentários, v. VII, 1967, Forense, p. 59). Impondo-se maior punibilidade, em decorrência de maior gravidade do resultado (se resulta lesão corporal de natureza grave ou se resulta morte), não cabe a aplicação das agravantes genéricas do citado § 2º, porquanto a proceder-se de tal arte incorrer-se-ia em verdadeiro bis in idem. (...)”

No mesmo sentido, ensinam também Fernando Capez e Stela Prado, em seu Código Penal Comentado: “As causas de aumento do § 2º não incidemsobreasformasqualificadasdo§3º,mastãosomentesobreoroubo na sua forma simples. Nesse sentido: Damásio E. de Jesus, Códi-go anotado, cit., p. 561, e Julio Fabbrini Mirabete, Manual, cit., v. 2, p. 242” ( Verbo Jurídico, 2007, p. 323).

O Superior Tribunal de Justiça já manifestou igual posicionamento:“HaBeaS CorPuS. LATROCÍNIO. PENA AUMENTADA NOS TERMOS DO ART.

157, § 2º, I E II, DO CÓDIGO PENAL. INAPLICABILIDADE.1. As causas especiais de aumento de pena previstas no §2º do artigo 157 do Código

Penal não são aplicáveis ao crime de latrocínio.2. Ordem concedida.” (HC 28625/SP, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta turma, julgado

em 09.08.2005, DJ 19.12.2005, p. 471)

O entendimento se aplica da mesma forma ao crime de extorsão qua-

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lificadopeloresultadomorteprevistono§2ºdoart.158,CP:“Aplica-seà extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do artigo ante-rior.”Dessarte,setemnaextorsãoqualificadatambémaimpossibilidadede aplicação das causas especiais de aumento previstas no § 1º do art. 158 do CP, acerca do cometimento do crime por duas ou mais pessoas ou com emprego de arma, previstas igualmente como causas de aumento no 2º, I e II, do art. 157 do Código Penal, sob pena de bis in idem. É a mesma situação em que, impondo-se maior punibilidade em razão da maior gravidade pelo resultado (lesão corporal grave ou morte), não é cabível a aplicação das agravantes genéricas do parágrafo anterior, que narram condições que viabilizam o resultado especialmente apenado.

É o caso, portanto, de excluir-se o aumento de 1/3 (um terço), aplicado com base no parágrafo 1º, do art. 158, do Código Penal, mantida a pena de 20anosdereclusão,fixadadeacordocomo§2ºdomesmodispositivo.

Porfim,excluídooaumentode1/3járeferidoeverificando-sequeocorréu na ação penal V.C.S. encontra-se em situação desfavorável, cum-pre, de ofício, estender-lhe os efeitos da presente decisão, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal. Anoto que, com relação aos demais corréus, considerando que todos, à exceção de V.C.S., ingressaram com pedidos independentes de revisão criminal, a questão será examinada individualmente na revisão respectiva.

ante o exposto, voto por julgar improcedente a revisão criminal e, de ofício, reduzir a pena imposta ao requerente, excluindo o aumento de 1/3 (um terço), aplicado com base no parágrafo 1º do art. 158 do Código Penal, estendendo-se os efeitos da presente decisão ao corréu V.C.S.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2002.71.00.002628-2/RS

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose

apelante: Ministério Público Federalapelante: A.C.M.

adv. (dt): Dr. Jorge Reinerio Schmidtapelante: A.X.O.T.

advogado: Defensoria Pública da Uniãoapelados: Os mesmos

eMenta

Penal e Processo Penal. Preliminares de nulidade de perícia grafo-técnica e de cerceamento de defesa. Prejuízo não evidenciado. Fraude à licitação. artigo 90 da Lei 8.666/98. Confecção de uniformes para uso de funcionários de conselho federal. Contratação direta com posterior simulação de certame licitatório. dispensabilidade da licitação em razão do pequeno valor. Vontade de obtenção de vantagem ilícita. não demonstração. Fato atípico.

1. Não há falar em nulidade da perícia grafotécnica, por ofensa ao princípio constitucional da não autoincriminação, quando os acusados, tendo comparecido perante a autoridade policial, fornecem o material gráficodeprópriopunhosemapontarqualquertipodecoaçãooumesmode impugnação em momento processual anterior à decisão de mérito.

2. “É relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória para inquirição de testemunha.” (Súmula nº 155 do STF).

3. “Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se des-necessária intimação da data da audiência no juízo deprecado.” (Súmula do STJ nº 273).

4. “No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, masasuadeficiênciasóoanularásehouverprovadeprejuízoparaoréu” (Súmula nº 523 do STF).

5. A conduta típica prevista no artigo 90 da Lei de Licitações pres-supõe a existência do processo licitatório, visando, assim, coibir a frustração ou fraude de seu caráter competitivo. Dessa forma, sendo a licitação dispensável em razão do baixo valor da compra (art. 24, II, da

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Lei 8.666/93), a posterior simulação do procedimento licitatório – com o objetivo apenas de conferir lisura às aquisições realizadas direta e in-formalmente – embora ofenda os princípios norteadores das licitações em geral (em especial os da impessoalidade, moralidade e probidade administrativa – artigo 3º da Lei 8.666/93) não tem o condão de frustrar o caráter competitivo a que alude o tipo penal em questão.

6.Ademais,paraacaracterizaçãodocrimedefinidonoart.90daLeide Licitações, deve restar demonstrada a vontade livre e consciente de fraudar o caráter competitivo do certame e, além disso, que o agir fraudu-lentosedeucomofimespecialdeobter,parasiouparaoutrem,qualquervantagem – seja ela pecuniária, seja social, política etc. – decorrente da adjudicação do objeto da licitação, o que não ocorreu na espécie.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar provimento às apelações interpostas pelas defesas de A.C.M. e A.X.O.T., para absolver os acusados da prática do crime previsto no artigo 90 da Lei 8.666/93, na forma do artigo 386, III, do CPP, prejudicado o exame do apelo ministerial, nos termos do relatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedo presente julgado.

Porto Alegre, 03 de maio de 2011.Des. Federal tadaaqui Hirose, Relator.

reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal tadaaqui Hirose: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de A.C.M., A.X.O.T., M.S. e W.M., pela potencial prática do crime previsto no artigo 90 da Lei 8.666/93, c/c os artigos 29 e 69, ambos do Código Penal, no seguintes termos:

“[...]Os denunciados A.X.O.T., M.S. e W.M. – integrantes da Comissão de Licitação da

autarquiafederalCore/RS–eA.C.M.,acimaqualificados,emcomunhãodeesforçoseunidade de desígnios, na cidade de Porto Alegre/RS, fraudaram mediante prévia combina-ção, encetada esta entre os meses de março e julho do ano de 1999, o caráter competitivo dos procedimentos licitatórios previstos, respectivamente, nas Cartas Convites 002/99 e

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009/99 – originárias do Conselho Regional dos Representantes Comerciais do Rio Grande doSul–Core/RS,comointuitodeobterparaA.C.M.vantagem(financeira)decorrentedaadjudicação dos objetos das licitações.

Ocorre que os denunciados referidos, em conluio prévio, ressaltando-se, por oportuno, que A.C.M. – participante de ambos os certames é irmão de W.M., presidente da Comissão de Licitação (a qual realizou os procedimentos licitatórios acima referidos), simularam a participação de duas empresas em ambos os certames licitatórios, quais sejam: Armazém dos Uniformes Indústria e Comércio de Confecções Ltda. e Arco Aventais Ltda.

[...]Ainda,tem-seque,doexamedaCertidãoEspecifica,oriundadaJuntaComercialdo

Estado do Rio Grande do Sul – Jucergs, restou comprovada inexistência de registros refe-rentesàempresaGoldenOfficeComérciodeConfecçõesLtda.

[...]”

Adenúnciafoirecebidaem04.10.2004(fl.586).Devidamente instruídoo feito, sobreveio sentença (fls. 1.120-37),

publicadaem09.07.2008(fl.1.138),para:a) declarar extinta a punibilidade do réu W.M., com base nos artigos

nos artigos 107, inciso IV, 109, inciso IV, e 115, todos do Código Penal;b) condenar os acusados A.C.M. e A.X.O.T., por incursos nas sanções

do art. 90 da Lei nº 8.666/93 c/c art. 29 do Código Penal, às penas de 02 (dois) anos e 03 (três) meses de detenção, a serem cumpridas em regime inicialmente aberto, além de multa de 15 (quinze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo à época do último fato;

c) condenar o acusado M.S., por incurso nas sanções do art. 90 da Lei nº 8.666/93 c/c art. 29 do Código Penal, às penas de 02 (dois) anos de detenção, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, além de multa de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo à época do último fato.

As penas privativas de liberdade restaram substituídas por duas res-tritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou entidade pública e prestação pecuniária no valor de 10 (dez) salários mínimos para os réus A.C.M. e A.X.O.T. e de 08 (oito) salários mínimos para o acusado M.S.

Irresignado, oMPFapelou (fl. 1.140), sustentando, em síntese, oreconhecimento do concurso material de crimes, porquanto evidenciada a fraude em dois procedimentos licitatórios distintos (Cartas-convite 002/99e009/99)(fls.1.143-7).

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Apelam, também, as defesas de A.X.O.T., M.S. e A.M. 1.167O acusado A.C.M. aduz, preliminarmente, a nulidade do laudo docu-

mentoscópico produzido em sede policial, por afronta ao princípio que veda a autoincriminação. No mérito, sustenta a inexistência de provas suficientementeaptasàsuacondenação,bemcomoaausênciadedolo.Busca,ainda,oreconhecimentodatesedainsignificânciaouaincidênciadodispostonoartigo17doCP(crimeimpossível),porqueínfimososvaloresenvolvendoaconfecçãodosuniformes,aconfigurarhipótesede dispensabilidade de licitação. Caso mantida a condenação, requer o afastamento do vetor negativo atinente à personalidade, porque ausente prova hábil à aferição de que o acusado escolheu o crime como modo devida(fls.1.179-1.215).

Já a defesa de A.C.M. sustenta, preliminarmente, as teses do crime impossíveledoprincípiodainsignificância,alémdepostularanulidadedo processo por cerceamento de defesa, diante da ausência de intimação pessoal do defensor dativo em vários atos do processo. No mérito, diz queoacusadonãoagiucomdolo,nãoseverificando,ademais,“qualquerdanoaoerário”(fls.1.233-7).

Contrarrazõesdefls.1.152-1.161,1.237e1.240-4.Enquanto processados os recursos, sobreveio decisão, no autos do

HC nº 2008.04.00.041680-0, concedendo a ordem para extinguir a pu-nibilidade do acusado M.S., em face do reconhecimento da prescrição dapretensãopunitivadoEstado(fls.1.246-7).

Após, subiram os autos a este Tribunal, sendo o parecer da Procu-radoria Regional da República no sentido de que sejam desprovidos os apelosdefensivoseprovidoorecursoministerial(fls.1.257-1.264).

É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal tadaaqui Hirose: Trata-se de recursos interpostos pelas defesas de A.C.M. e A.X.O.T., bem como pelo Minis-tério Público Federal, contra sentença que julgou procedente a denúncia para condenar os acusados por incursos nas sanções do artigo 90 da Lei 8.666/93.

Segundo narra a denúncia, os acusados A.X.O.T., integrante da Comis-são de Licitação da autarquia federal Core/RS (Conselho Regional dos

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Representantes Comerciais do Rio Grande do Sul), e A.C.M., conselheiro e diretor da Câmara de Registro do referido Conselho, fraudaram o caráter competitivo de procedimento licitatório ao ajustarem informalmente a confecção de uniformes para funcionários e estagiários do Core. Após, visando conferir aparente lisura à negociação, simularam cartas-convite (inclusivecomafalsificaçãodeassinaturasdesupostosparticipantesdocertame),tudonointuitodeobteremvantagemfinanceiraemfavordeA.C.M., proprietário da “empresa vencedora”, que foi quem confeccio-nou os uniformes.

Em seu apelo, busca o MPF a aplicação do concurso material de crimes, tendo em vista a evidência de fraude em dois procedimentos licitatórios distintos.

Já as defesas aduzem, em preliminar, a nulidade da perícia grafotéc-nica – e, por derivação, dos demais elementos de prova –, visto que os acusados teriam sido compelidos pela autoridade policial a fornecerem materialgráficodeprópriopunho,aviolaroprincípioconstitucionalda não autoincriminação (art. 5°, inc. LXIII, da CF/88). Argúem, ainda, a nulidade do processo por cerceamento de defesa em relação ao réu A.C.M., por ausência de intimação pessoal de seu defensor dativo em vários atos do processo. No mérito, sustentam, em síntese, a atipicidade da conduta, uma vez que o procedimento licitatório era dispensável na espécie, inexistindo, outrossim, dano patrimonial ao Erário. Alegam, no mais,ainexistênciadeprovassuficientementeaptasàscondenaçõeseaausência de dolo. Em assim não sendo entendido, a defesa de Antônio requer o afastamento do vetor negativo atinente à personalidade, dada a ausência de prova hábil à aferição de que o acusado escolheu o crime como modo de vida.

Passando-se à preliminar de nulidade da perícia grafotécnica, produzi-da em sede de inquérito policial, e, por derivação, dos demais elementos de prova, tenho que restou fundamentadamente afastada pela sentença, a qual bem anotou terem sido os réus intimados a comparecer “e, sem que seobservassequalquertipodecoação,fornecerammaterialgráficodeprópriopunho”(fl.1.125),nãosendoolaudoobjetodeimpugnaçãoemnenhum momento processual anterior à decisão de mérito. Demais disso, vê-se que a condenação está baseada em outros elementos de prova não relacionados às conclusões do exame documentoscópico em questão,

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não havendo falar, portanto, em nulidade daí decorrente.O mesmo se diga quanto à preliminar de cerceamento de defesa.De fato, nada obstante tenha o defensor dativo de A.C.M. apresenta-

dodefesaprévia(fls.662-3),comparecidonasaudiênciasdeinquiriçãodas testemunhas (fls. 769, 803, 833 e 872) e apresentado as devidasmanifestaçõesnosprazosdosartigos499e500doCP(fl.997e1.090-6),verifica-sequenãofoiintimadopessoalmenteparaaaudiênciadeinquirição da testemunha arrolada pela defesa de A.X.O.T., ouvida por precatória.

Ocorrequeodativofoicientificado,emaudiência,daexpediçãodaaludidacartaprecatória(fl.803),sendoque,nostermosdaSúmula273do STJ, intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária a intimação da data da audiência no juízo deprecado.

Nesse sentido:“HaBeaS CorPuS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ROUBO COM CAUSA DE

AUMENTO DE PENA. DATA DA AUDIÊNCIA DE OITIVA DE TESTEMUNHA FORA DA TERRA. DEFENSOR PÚBLICO. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE. REGIME INICIAL DE PENA. GRAVIDADE ABSTRATA DO CRIME. FUNDAMEN-TAÇÃO. INSUFICIÊNCIA.

1. O artigo 222 do Código de Processo Penal, que determina a intimação das partes da expedição da carta precatória de oitiva de testemunha fora da terra, aplica-se também à defensoria pública ou dativa, excluindo, por lógica consequência, a sua intimação da data da realização da prova no juízo deprecado, de conhecimento submetido, por força da lei, à só diligência da defesa.

2. ‘É relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de precatória para inquirição de testemunha’ (Súmula do STF, Enunciado nº 155).

3. ‘Intimada a defesa da expedição da carta precatória, torna-se desnecessária intimação da data da audiência no juízo deprecado’ (Súmula do STJ, Enunciado nº 273).

4. ‘A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui moti-vação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada’ (Súmula do STF, Enunciado nº 718).

5. ‘A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea’ (Súmula do STF, Enunciado nº 719).

6. Ordem parcialmente concedida.” (HC 34.080/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta turma, julgado em 02.08.2005, DJ 05.09.2005, p. 491)

Além disso, conquanto assente a necessidade de intimação pessoal do defensor dativo, sob pena de nulidade, esta não deve ser declarada sem a efetiva demonstração de prejuízo para a parte que a alega. É o que se

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extrai do teor da Súmula nº 523 do STF: “No processo penal, a falta de defesaconstituinulidadeabsoluta,masasuadeficiênciasóoanularásehouver prova de prejuízo para o réu”. E, na hipótese, observa-se que o depoimentodatestemunhaouvidaporprecatóriaemnadainfluenciounos fundamentos da condenação.

Por derradeiro, gize-se ter havido manifestação expressa do defensor dativo quanto à ausência de sua intimação pessoal para o prazo do art. 499doCPeparaajuntadadasalegaçõesfinais(fls.991-2),tantoquelheforarestituídooprazo,comodemonstramosdespachosdasfls.994e 1.081. Portanto, embora lhe fosse possível apontar a falta de intimação para a oitiva realizada por precatória nessa mesma oportunidade, quedou--se silente, vindo a se manifestar somente por ocasião do apelo, o que, nalinhadosprecedentesdoSuperiorTribunaldeJustiça,nãoconfiguracerceamento de defesa:

“HaBeaS CorPuS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. AUSÊNCIA DE IN-TIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR DATIVO DA PAUTA DE JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO. NULIDADE SUSCITADA MAIS DE 1 ANO APÓS A IN-TIMAÇÃO PESSOAL DO RESULTADO DO ACÓRDÃO. PRECLUSÃO. A AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXCEPCIONAL NÃO CONFIGURA CERCEA-MENTO DE DEFESA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VOLUNTARIEDADE DOS RECURSOS. PRECEDENTE DO STJ. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO Writ. ORDEM DENEGADA.

1. Não se desconhece que, a teor dos arts. 5º, § 5º, da Lei 1.060/50 (acrescido pela Lei 7.871/89), 370, § 4º, do CPP e 128 da LC 80/94, é prerrogativa da Defensoria Pública, ou de quem lhe faça as vezes, a intimação pessoal para todos os atos do processo, sob pena de nulidade por cerceamento de defesa.

2.Todavia,consoantejurisprudênciapacíficadesteSTJedoPretórioExcelso,considera--se convalidada a nulidade pelo instituto da preclusão quando o Defensor Dativo silencia-se por mais de 1 ano acerca da ausência de intimação pessoal da pauta de julgamento.

3. A não interposição de recursos na esfera extraordinária pelo Defensor Dativo não configuracerceamentodedefesa,mormentequandojáassegurado,comonahipótese,oduplo grau de jurisdição.

Aplicação do Princípio da Voluntariedade dos Recursos. Precedente.4. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial.” (HC 101.703/SP,

Rel. Ministro napoleão nunes Maia Filho, Quinta turma, julgado em 19.11.2009, DJe 15.12.2009)

“HaBeaS CorPuS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DEFENSOR DATIVO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. PRECLUSÃO.

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1. É prerrogativa do defensor dativo e do defensor público, ou de quem exerça cargo equivalente, a intimação pessoal de todos os atos e termos do processo, sob pena de nulidade (artigo 5º, § 5º, da Lei 1.060/50, com a redação dada pela Lei nº 7.871/89, e artigo 370, § 4º, do Código de Processo Penal, acrescentado pela Lei nº 9.271, de 17 de abril de 1996).

2. A subsequente interposição de recurso de apelação, contra a decisão condenatória do TribunaldoJúri,julgado,aofim,emdesfavordopacienteesemalegaçãoespecíficaqual-quer, torna preclusa a falta de intimação do defensor dativo para a sessão de julgamento do recurso em sentido estrito, interposto da pronúncia (artigos 564, inciso III, alínea e, última parte, e 572 do Código de Processo Penal).

3. Ordem denegada.” (HC 38.156/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta turma, julgado em 24.02.2005, DJ 09.05.2005, p. 478)

Superadas as preliminares, passo ao exame do mérito.Consoante a prova produzida, A.C.M. – que também era irmão do

outrora acusado W.M., presidente da comissão de licitações e tesoureiro do Conselho Regional dos Representantes Comerciais do Rio Grande do Sul (Core/RS) – tinha uma pequena fábrica de confecção, a A.C. Miola. Em razão disso, e já que costumava vender camisetas de sua própria pro-dução nas dependências do Conselho, foi procurado por Fernando Onofre Batista da Costa e A.X.O.T., ambos integrantes da diretoria executiva do Core, que o questionaram sobre a possibilidade de produzir uniformes destinados a funcionários e estagiários do Órgão.

A tarefa foi aceita por A.C.M., que confeccionou, digamos, o primeiro lote de uniformes (15 peças femininas, 15 masculinas e mais 2 uniformes femininos próprios para serviços de limpeza), os quais foram entregues e pagos com cheque, no valor de R$ 874,00, “sem problema nenhum”, comoafirmouopróprioréuemseuinterrogatório.Deseregistrarqueo cheque emitido para tal pagamento teve seu destino ignorado, não havendoprovasdaefetivacompensação(fl.608).

Já no que diz respeito ao que seria o segundo lote (23 uniformes femininos, compostos de calça e blazer, destinados às funcionárias e estagiáriasdoCore,novalordeR$1.656,00),A.C.M.afirmouqueaspeças foram igualmente por ele confeccionadas; porém, ao comunicar tal fato ao acusado A.X.O.T., este alegou “que a partir daquele momento eles nãopodiamrecebernotadenenhumconselheiro[...]porqueoTribunalde Contas tava em cima deles”. Eis o relato do diálogo mencionado por A.C.M.emseuinterrogatório(fls.691-2):

“[...]ôT.[A.X.O.T.],eutôcomuniformepronto.Eosenhorsabecomoéqueéuniforme?

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P, M, G e GG. Foi feito grandes, tirado medidas das pessoas, das mulheres e de homens, blá, blá, foi tirado tudo com, tudo certinho pra entrega. Eu tô com o uniforme pronto. Eu tenho que entregá o uniforme. E o que que eu vou fazê? Vou entupi com isso aí? Diz, não, nós precisamo fazê o, acertá essas licitações aqui dentro, que o tribunal tá em cima, é só pra regularizá.Digo,olha,T.,eunãoquerosabê,euquerorecebê.Eufizmeu,meutrabalho,euquero recebê. Diz, não, nós vamo fazê isso aqui, tu traz teus uniforme aqui, nós vamo fazê, acertamos, nós acertamos, olha, pra mim não tem problema nenhum, eu quero recebê, o meu negócioérecebêosuniformes.Issoécomvocês.Aíelemandoutrazerosuniformes.[...]”

Comefeito, tal comoafirmadopelo corréuM.S., a aquisiçãodosuniformes se deu por compra direta, posteriormente “regularizada” pela simulaçãodedoiscertames(fls.759-760):

a) o primeiro, em 10.03.99, denominado “Carta Convite nº 002/99”, compreendendo o que seria o “primeiro lote” mencionado por A.C.M. (fls.26e29-31);

b) e o segundo, em 13.03-99, sob a denominação “Carta Convite nº 009/99”,correspondendo,naspalavrasdeA.C.M.,ao“segundo[lotede]uniforme”(fls.62-5).

Assim, no intuito de conferir lisura às aquisições realizadas direta e informalmente, tem-se que A.X.O.T. simulou as propostas apresentadas pelas licitantes Armazém dos Uniformes e Arco Aventais, inclusive fal-sificandoasassinaturasdosrepresentantesdessasempresas(cf.laudodocumentoscópicodefls.29-49),osquaisafirmaramquenuncapartici-param de qualquer procedimento licitatório envolvendo o Core.

Demaisdisso,aoqueconsta,apessoajurídicaGoldenOfficeComérciodeConfecções(fl.57),empresavencedorada“CartaConvitenº09/1999”(fl.62),jamaisexistiu,tendosidocriadaparalegitimaropagamentodos23 uniformes a A.C.M., consoante se infere do cheque, no valor de R$ 1.656,00, nominal à empresa Golden, mas depositado na conta-corrente deA.C.M.(fl.408).Este,contudo,afirmouquenuncalhemandaramcarta-convite para participar de licitação ou para comunicar que havia vencidoocertame,“porquenãohouvelicitação”(fl.192).

Em resumo, os procedimentos licitatórios 002/99 e 009/99 foram simulados para chancelar o total de R$ 2.530,00, valor pago ao corréu A.C.M. em contraprestação aos uniformes por ele confeccionados, cuja compra se deu por contratação direta.

Saliente-se, por oportuno, que conforme o depoimento da testemunha

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Yedda Jane de Almeida Centena, funcionária do setor de recadastramento das Câmaras de Registro e Fiscalização do Core à época dos fatos, os uniformes eram de boa qualidade, tendo sido devidamente utilizados pelosfuncionários(fl.808).

Pois bem.O crime previsto no artigo 90 da Lei de Licitações assim dispõe:“Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente,

o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:

Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.”

Nas lições de Diógenes Gasparini (Crimes na Licitação. 2. ed. São Paulo: NDJ, 2001) e de André Guilherme Tavares de Freitas (Crimes na Lei de licitações. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007), o tipo incriminador constante no artigo 90 da Lei 8.666/93 tem como um dos verbos-núcleo do tipo o ato de “fraudar”, vale dizer: burlar, enganar, iludir o caráter competitivo da licitação, de modo a “acarretar a ausência de concorrentes (licitação deserta) ou a pouca quantidade destes, abrindo espaço, por con-seguinte, à adjudicação direta do objeto ao único participante do certame” (TAVARES DE FREITAS, op. cit., p. 107-8). Ainda, para Marçal Justen Filho (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 13. ed.SãoPaulo:Dialética,2009,p.860),o“[...]fraudarenvolveoardilpeloqualosujeitoimpedeaeficáciadacompetição”.

A competitividade, pois, é atributo essencial a todo e qualquer cer-tame licitatório. Por isso, uma vez maculado esse princípio – por força do ato fraudulento –, não mais subsiste a licitação. Como anota Jessé Torres Pereira Júnior (Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. 6. ed. Rio de janeiro: Renovar, 2003. p. 843):

“[...]Equivaleriaaum‘jogodecartasmarcadas’,cujodesfechojáestariapreviamenteestabelecido em favor de um dos jogadores. Assim os demais licitantes estariam concorrendo apenas por concorrer (cientes ou não de tal circunstância), pois que o objeto do certame já estará previamente adjudicado a um deles.”

Por outro lado, na referência de Marcelo Leonardo (Crimes de respon-sabilidade fiscal: crimescontraasfinançaspúblicas;crimesnaslicitações;crimes de responsabilidade de prefeitos. Belo Horizonte: Del Rey, 2001), se a fraude ferir outro aspecto da licitação que não o caráter competitivo,

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poderá ocorrer outra infração, mas não a disposta no artigo 90.Feita essa análise, embora evidente a afronta aos princípios nortea-

dores das licitações em geral – em especial, os da impessoalidade, da moralidade e da probidade administrativa (artigo 3º da Lei 8.666/93)–, tenho não restar caracterizado o crime de fraude à licitação na hipótese.

Explico.Os valores despendidos com os uniformes totalizavam, à época, R$

2.530,00, inserindo-se, pois, no disposto no artigo 24, II, da Lei 8.666/93, que autoriza a dispensa de licitação para serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea a, do inciso II do artigo 23 da mesma Lei, percentual que representa o valor de R$ 8.000,00.

Entretanto, a regra, na aquisição de bens e serviços, diz com o dever de a Administração realizar o procedimento licitatório cabível, dada a necessidade imperativa de se obter a proposta mais vantajosa para o ente público. Quer-se dizer, com isso, que “a Administração não está livre para estabelecer quando um determinado caso concreto se enquadra nas hipóteses de dispensa ou de inexigibilidade de licitação” (cf. Edgar Her-melino Leite Júnior. Dispensa e inexigibilidade de licitação, in Licitações e Contratos administrativos. ARRUDA ALVIM, Eduardo; TAVOLARO, Luiz Antônio. (Coords.) Curitiba: Juruá, 2007. p. 267-249). Ou seja, não basta que o caso concreto esteja subsumido às hipóteses previstas no artigo 24 da Lei de Licitações, mas, senão, que também ocorra a con-junção “da comprovada conveniência administrativa com o comprovado interessepúblicoespecífico,naadoçãodetalinstrumentoadministrativo”(cf. Celso Antônio Bandeira de Mello. revista de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, out./dez. 1995, v. 202, p. 366-7).

Trata-se, portanto, de faculdade legal concedida ao administrador, o qual,verificandoapossibilidadededispensadalicitação,deveadotaroprocedimento administrativo formal que conduza a tal declaração, para, somente após, realizar a contratação direta. Como assevera Marçal Justen Filho (op. cit., p. 228), “ausência de licitação não equivale a contratação informal, realizada com quem a Administração bem entender, sem cau-telas nem documentação”. E prossegue o doutrinador:

“[...]acontrataçãodiretaexigeumprocedimentoprévio,emqueaobservânciadeetapaseformalidadeséimprescindível.[...]Nasetapasinternasiniciais,aatividadeadministrativaserá idêntica, seja ou não a futura contratação antecedida de licitação. Em um momento

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inicial,aAdministraçãoverificaráaexistênciadeumanecessidadeaseratendida.Deverádiagnosticar omeiomais adequadopara atender ao reclamo.Definirá umobjeto a sercontratado, inclusive adotando providências acerca da elaboração de projetos, apuração da compatibilidade entre a contratação e as previsões orçamentárias. Tudo isso estará do-cumentado em procedimento administrativo, externando-se em documentação constante dos respectivos autos.

Adiferençaresidiráemque,nomomentodedefinirasfórmulasparaacontratação,aAdministração constatará a inaplicabilidade das regras acerca de licitação. Assim, em vez de elaborar o ato convocatório da licitação e instaurar fase externa apropriada, a atividade administrativa interna desembocará na contratação direta. Ainda assim, não se admitirá que aAdministraçãosimplesmentecontrate,semobservânciadeoutrasformalidades.Definidoo cabimento da contratação direta, a Administração deverá pesquisar a melhor solução, tendo em vista os princípios da isonomia e da supremacia e indisponibilidade dos valores atribuídosàtutelaestatal.[...].”

Tais formalidades não foram realizadas no caso dos autos, visto que o acusado A.C.M., após ser procurado por F.O. e por A.X.O.T., ambos integrantes da diretoria executiva do Core, confeccionou, entregou e recebeu parte do pagamento dos uniformes, tudo informalmente. Frente a esse contexto, não tenho dúvidas de que a seriedade imposta por Lei ao gestor da coisa pública foi, sim, desrespeitada, de modo a acarretar consequênciascapazesderefletirnassearascivile/ouadministrativa,mas não na esfera penal.

É que, não obstante a contratação direta tenha se realizado de forma irregular, o fato é que a adoção do procedimento licitatório não era indis-pensável, dada a faculdade legal acerca do pequeno valor a ser contratado. Assim, embora em tese viável a competição entre os eventuais partici-pantes,arealizaçãodalicitação,naespécie,afigurava-se“objetivamenteinconveniente com os valores norteadores da atividade administrativa” (JUSTEN FILHO, op. cit., p. 233), não sendo, pois, imprescindível.

Logo, em sendo possível prescindir da licitação, a simulação do certame comofimprecípuode regularizar o processode compra jáperfectibilizado não tem o condão de frustrar o caráter competitivo do instituto. Note-se que a conduta típica prevista no artigo 90 da Lei de Licitações pressupõe a existência do processo licitatório, visando, assim, coibir a frustração ou fraude de seu caráter competitivo. Dessa forma, se a compra ou serviço já se perfectibilizou, o que vem depois nada mais é que a simulação de um procedimento que sequer era legalmente exigido,

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não o crime de fraude à licitação.De outra parte, para a caracterização delitiva deve restar demonstrada

a vontade livre e consciente de fraudar o caráter competitivo do certame e,alémdisso,queoagirfraudulentosedeucomofimespecialdeobter,para si ou para outrem, qualquer vantagem – seja ela pecuniária, seja social, política etc. – decorrente da adjudicação do objeto da licitação (cf. TAVARES DE FREITAS, op. cit., p. 109).

Naespécie,asimulaçãosedeunointuitodejustificar,peranteoTri-bunal de Contas da União, os mais de R$ 2.500,00 pagos diretamente ao conselheiro do Core que confeccionou os uniformes, o que não pode ser caracterizado como obtenção de vantagem. Tais valores, em verdade, representam a contraprestação pelos serviços de confecção de unifor-mes, os quais foram efetivamente realizados e não pagos. O pagamento, portanto, era devido a A.C.M.

Emoutraspalavras,nãoestáconfiguradoodoloespecífico,consis-tente na vontade livre e consciente de fraudar o caráter competitivo de procedimentolicitatóriocomofimprecípuodeobtervantagem.

De sorte que, não se evidenciando que a contratação direta, embora irregular, tenha conferido alguma vantagem aos agentes, não há falar em conduta típica.

ante o exposto, voto por dar provimento às apelações interpostas pelas defesas de a.C.M. e a.X.o.t., para absolver os acusados da prática do crime previsto no artigo 90, da Lei 8.666/93, na forma do artigo 386, iii, do CPP, prejudicado o exame do apelo ministerial.

Voto diVerGente

o exmo. Sr. des. Federal Márcio antônio rocha: Acompanho o voto do Exmo. Relator quanto ao afastamento das preliminares arguidas.

Afastoaalegaçãorecursalpelaaplicaçãodoprincípiodainsignificân-cia, porquanto se trata de delito praticado em detrimento da Administra-ção Pública, cujo valor não é irrisório (R$ 2.530,00 em 1999).

No mérito, peço vênia para divergir, pois a dispensa da licitação, no caso, não afasta o dever da Administração buscar o melhor fornecedor, por meio de carta-convite. Outrossim, o pagamento direto, anterior-mente efetuado, não pode ser visto como um “processo de compra já perfectibilizado”, pois por compra pelo ente público deve-se interpretar

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a transferência lícita de bens pelo fornecedor ao ente público. No caso, a licitude dessa transferência somente viria com a formalização da carta--convite a mais de uma empresa, o que foi feito na sequência do iter criminis, mediante procedimento completamente viciado e, notadamente, sem qualquer competição.

Assim sendo, mantenho integralmente a sentença, pelos seus próprios fundamentos.

ante o exposto, voto por negar provimento a ambas as apelações.

HABEAS CORPUS Nº 5008493-77.2010.404.0000/RS

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus

impetrante/Paciente: M.E.advogado: Dr. Felipe Dreyer de Avila Pozzebon

impetrado: Juízo Subs.1ª VF Criminal SFN de Porto AlegreMPF: Ministério Público Federal

eMenta

Processual Penal. Habeas Corpus. notícia de crimes contra o sistema financeiro, ordem tributária e lavagem de dinheiro. Quebra de sigilo bancário de contas mantidas no exterior. Formulário de “Solicitação de Assistência Judiciária em Matéria Penal”. Convenção de Palermo (artigo 18). Portaria Conjunta MJ nº 1, de 27.10.2005. Pretensão de que a referência à ocultação de capitais seja omitida do pedido de cooperação internacional. Plausibilidade da investigação em curso. denegação da ordem.

1. Conforme tantas vezes já decidiu esta Turma, é vedado ao Judiciá-rio interferir, direcionar ou limitar a atuação ministerial na formação de sua opinio delicti. Todavia, situações bem diferentes são aquelas que se

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revelam quando o agir persecutório mostra-se destituído de um suporte indiciário mínimo, ou, se existente, pretextando um enquadramento divorciado, absolutamente, das evidências que orbitam o fato, em tese, criminoso, hipóteses não imunes ao controle do Estado-Juiz.

2. No caso concreto, consoante se depreende dos documentos que aportaram à plataforma digital, bem assim da descrição dos fatos contida no pedido de colaboração ao Principado de Liechtenstein, há plausibili-dade na apuração da prática, em tese, do crime de lavagem de dinheiro, umavezquese temnotíciadeumainstituiçãofinanceiraclandestinagerindo, em tempo pretérito, recursos de terceiros em larga escala, a partir de contas mantidas no exterior, e transferências desses mesmos ativos, em momento posterior, para contas de titularidade dos investi-gados, tudo sem conhecimento das autoridades brasileiras. Desse modo, como esta Corte vem reconhecendo, em regra, a existência de concurso material entre as condutas de evadir divisas (artigo 22, parágrafo úni-co, segunda parte) e ocultar capitais (artigo 1º da Lei 9.613/98) – ACR 2005.70.00.034205-1, 8ª Turma, Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, D.E. 11.03.2010 e ACR 2003.72.00.010174-2, 7ª Turma, Relator para acórdão Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, D.E. 18.06.2009 – não há qualquer excesso na alusão à investigação do delito em comento, e,nocontraponto,justificativaparaseomitirdopedidodecooperaçãointernacional a existência dessa suspeita.

3. Ademais, como a efetividade da solicitação de cooperação depende, tambémemgrandemedida,daclarezacomqueexpostoopedido,afimde que o Estado requerido possa compreender o que lhe foi demandado, não há razão para acolher-se a pretendida glosa ao quanto consignado no respectivo formulário, revelando-se contraproducente, porque prematuro, odebatesobretipificaçãonestemomento.

4.Inexistemnaredaçãododocumento,afirmaçõesquepossamcausarconstrangimento ao paciente ou que tragam informações inverídicas sobre as diligências policiais em andamento. A intenção é voltada ao estrito aprofundamento das investigações acerca das noticiadas condutas criminosas que teriam sido desenvolvidas por aquele. Não há imputação de crime, devendo ser mantidos os termos em que encaminhada a “So-licitação de Assistência Judiciária em Matéria Penal”.

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aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresentejulgado.

Porto Alegre, 12 de janeiro de 2011. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, Relator.

reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Trata-se de habeas corpus, com pedido de provimento liminar, impetrado em favor de M.E., contra decisão do Juízo Federal Substituto da 1ª Vara Federal Criminal SFN de Porto Alegre/RS, que indeferiu o pedido de correção no formulário de Assistência Judiciária em Matéria Penal dirigido às autoridades do Principado de Liechtenstein.

Asseverou o impetrante que o paciente está sendo investigado pela suposta prática do crime do artigo 22, parágrafo único, da Lei 7.492/1986, razão pela qual a Polícia Federal representou pela expedição de formulá-rio de cooperação jurídica internacional ao Principado de Liechtenstein afimdequefossedecretadaaquebradesigilobancárioeosequestrode valores mantidos junto ao LGT Bank em Liechtenstein em nome do paciente, relativamente à conta 0027.973.

Aduziu que a autoridade coatora deferiu o pedido de quebra de sigi-lo, determinou a expedição de formulário de Assistência Judiciária em Matéria Penal e indeferiu o pleito de constrição do dinheiro depositado em conta bancária no exterior.

Referiu que, na sequência, o Ministério Público Federal encami-nhou, através do Ofício Criminal/PR/RS/nº 3958/2010, a Solicitação de Assistência Judiciária em Matéria Penal ao Coordenador do Centro de Cooperação Jurídica Internacional para que fosse realizada a tradução para o idioma alemão e, após, os documentos fossem remetidos ao Depar-tamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional – DRCI, junto ao Ministério da Justiça do Brasil, para posterior remessa ao Governo de Liechtenstein.

Afirmouque,aotomarconhecimentodopedido,adefesadopaciente

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requereu à autoridade coatora a correção dos termos em que redigido o formulário para suprimir as menções à suposta prática do crime de lavagem de dinheiro do referido texto, bem como o trecho “(...) garan-tindo efetividade a uma eventual condenação e assegurando ao erário a possibilidade de reparação dos danos sofridos com a prática das condutas criminosas” (evento 21 do processo originário – pedido de quebra de sigilo de dados e/ou telefônico 5006010-17.2010.7100).

Disse que o juízo competente indeferiu o pleito, nos seguintes termos (evento 32 daqueles autos virtuais):

“M.E.requeraretificaçãodasolicitaçãodeAssistênciaJudiciáriaemMatériaPenal(e. 14) para suprimir a imputação quanto à prática do crime de Lavagem de Dinheiro, bem como retirar o seguinte trecho: ‘(...) garantindo efetividade a uma eventual condenação e assegurando ao erário a possibilidade de reparação dos danos sofridos com a prática das condutas criminosas’. Sustenta a inexistência de elementos probatórios mínimos que indi-quem a prática do crime de Lavagem de Dinheiro.

O Ministério Público manifesta-se pelo indeferimento, por ora, do pedido, tendo em vista que referida solicitação já foi enviada ao Governo de Liechtenstein. Acrescenta que após análise da resposta, se for o caso, encaminhará solicitação complementar com as alterações necessárias. (e. 21)

A suspeita acerca de eventual lavagem de dinheiro é fundada, sendo cabível o aprofun-damento da investigação por intermédio da quebra de sigilo da conta bancária no exterior. Ainda que até o momento não existam maiores elementos sobre tal crime, a manutenção de valores no exterior, sem declaração, é indicativa de que tais valores tenham origem não declarável.

Uma das funções da investigação criminal é provar a própria existência do crime. Na presençademovimentaçõesfinanceirasatípicas,amençãoàpossívellavagemdedinheirono formulário do pedido de assistência judiciária internacional não é de todo equivocada - muito embora talvez fosse recomendável maior cautela quanto à informação transmitida à autoridade estrangeira.

Quanto ao trecho referente à garantia em caso de condenação, sua inclusão não traz maiores consequências, visto que o sequestro foi indeferido.

Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de correção da Solicitação de Assistência Judi-ciária em Matéria Penal.”

Contra essa decisão, insurgiu-se o impetrante. Argumentou que o paciente não está sendo investigado pela suposta prática do crime de lavagem de dinheiro, inexistindo nos autos indícios do delito. Sustentou que, mesmo se os valores mantidos no exterior fossem oriundos de crime contra a ordem tributária, por não ser delito precedente para a lavagem de

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dinheiro, o investigado não estaria incurso nas sanções da Lei 9.613/1998.Acrescentou, também,

“que a denúncia oferecida nos autos da Ação Penal 2005.51.01.503145-3 (‘Operação N.’ que deu origem à investigação contra o Paciente) contra C.P., C.M. e I.M.M.L. não imputa a prática de crime de lavagem de dinheiro. Ora, se os supostos mentores da dita ‘Organização Criminosa’ não estão sendo acusados da prática do referido crime, não há que se falar em tal imputação aos supostos ‘clientes’ desse banco paralelo, no caso o Paciente.”

Discorreu sobre os eventuais constrangimentos que informações incorretas prestadas à autoridade estrangeira podem causar ao paciente.

Requereu provimento liminar para que fosse expedido ofício à autori-dade do Principado de Liechtenstein, informando-lhe não existir indício ou prova na investigação no tocante ao delito de lavagem de dinheiro, bem como que os elementos colhidos no exterior não visam a garantir a reparação dos danos sofridos com a prática de eventual conduta criminosa e que tais informações foram equivocadamente mencionadas no formulá-rioanteriormenteenviado.Nomérito,postulouaconfirmaçãodaordem.

Indeferido o provimento cautelar (evento 05), sobrevieram informa-ções da autoridade dita coatora (evento 08).

Ato contínuo, o órgão ministerial opinou pela denegação da ordem (evento 12).

É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: A impetração veicula pedido de correção dos termos em que redigido o formulário de “Solicitação de Assistência Judiciária em Matéria Penal”, dirigido às autoridades do Principado de Liechtenstein, na forma do que prevê o artigo 18 da Convenção de Palermo, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo 231, de 29.05.2003, e promulgada pelo Decreto 5.015, de 12.03.2004, e segundo a disciplina operacional estabelecida pela Portaria Conjunta MJ nº 1, de 27.10.2005.

Liminarmente, a matéria foi objeto do seguinte exame (evento 05):“Peloqueverificodadocumentaçãoacostadanaimpetração,aSolicitaçãodeAssistência

Judiciária em Matéria Penal (evento 15 do processo originário – pedido de quebra de sigilo de dados e/ou telefônico 5006010-17.2010.7100) discorreu sobre as investigações realizadas pela Polícia Federal e solicitou informações referentes às contas bancárias mantidas por

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M.E. e M.E. no LGT Bank em Liechtenstein.Apropósito,transcrevotrechosdopedido(fls.11-16do‘ANEXOSPET3’doevento01):

‘6.) Sumário: Trata-se de pedido de Assistência Judiciária objetivando o acesso às informa-çõesbancárias(taiscomoidentificaçãodostitulares,cópiadosdocumentosutilizadosparaaaberturadascontas,extratos, identificaçãodosdepositantes/destinatáriosdosrecursosdebitados/creditados) das contas 0027.713 e 0027.973 do LGT Bank de Liechtenstein, relativamente a M.E. e M.E.

Os irmãos E. são investigados nos autos do inquérito policial nº 2009.71.00.028878-7 pelos crimes de internalização irregular de valores no território nacional e evasão de divisas (arts. 21, parágrafo único, e 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86), lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei nº 9.613/98) e contra a ordem tributária (art. 1º da Lei nº 8.137/90), tendo o sigilo de dados bancários – em relação às contas 0027.713 e 0027.973 do LGT Bank em Liechtenstein – sido afastado no procedimento nº 5006010-17.2010.404.7100/RS, por de-cisão proferida em 13.05.2010 (evento 7) pelo Juízo da 1ª Vara Federal Criminal de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.

as informações requeridas visam a comprovar os indícios de autoria e materialidade dos crimes investigados no inquérito policial nº 2009.71.00.028878-7, bem como subsidiar a instauração da ação penal cabível, garantindo efetividade a uma eventual condenação e assegurando ao erário a possibilidade de reparação dos danos sofridos com a prática das condutas criminosas.

7.) Fatos: Os fatos que fundamentam o presente pedido de Assistência Judiciária são decorrência dos dados colhidos nos autos do Inquérito Policial nº 2009.71.00.028878-7 e do Processo nº 2007.51.01.809024-6.

ApolíciafederaldoRiodeJaneirodeflagrou,nosautosdoprocessonº2007.51.01.809024-6, a denominada Operação N., que desarticulou estrutura montada por N.M. e C.P. para a práticadecrimescontraosistemafinanceironacional.Cumpreanotarque,alémdocasal(os mentores da quadrilha), o esquema delituoso contava, ainda, com a participação das filhasdeN.:C.M.eI.M.M.L.

Oreferidogrupoatuavacomoverdadeira instituiçãofinanceiraclandestina,gerindorecursos de terceiros em larga escala e desenvolvendo atividades de captação, intermediação e aplicação de divisas pertencentes a seus clientes a partir de contas mantidas no exterior, notadamente no LGT Bank em Liechtenstein e no UBS Bank da Suíça. Embora o esquema tenha sido arquitetado com o know how de N.M., suíço e ex-funcionário do banco UBS Bank, sua companheira C.P. passou à frente do mesmo nos últimos anos, em razão da avançada idade e dos problemas de saúde enfrentados por N.

Oesquemaeratípicodeumainstituiçãofinanceira,sendoqueogrupofuncionavacomouma espécie de central bancária paralela, realizando operações para seus clientes (cons-tituídos majoritariamente de pessoas físicas residentes no Brasil), tais como de abertura, controle e movimentação de contas, transferência de valores entre contas, câmbio de moe-das, aplicação de investimentos, entrega de numerários e solicitação de serviços bancários (como pedido de cartões de crédito, por exemplo).

A partir de medidas cautelares de monitoramento telefônico e telemático (procedimento

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nº 2005.51.01.503175-1) e de busca e apreensão (procedimento nº 2006.51.01.538314-3), foipossívelidentificarcomprecisãoesegurançaacarteiradeclientesdobancoinformal,instaurando-se, dessa forma, inquéritos policiais individualizados para apuração dos deli-tos eventualmente perpetrados por esses clientes. Nesse sentido é que foram inaugurados apuratórios em relação às seguintes pessoas: M.F., M.E., M.E., S.E., S.C.B. e N.N.F.N.

S.E. era a responsável pela M.F., que mantinha a conta 172.619 no LGT Bank de Lie-chtenstein.ApósofalecimentodeS.E.,M.E.eM.E.,dizendo-sebeneficiáriosdareferidapessoa jurídica, ordenaram ao banco paralelo que transferissem valores da conta da M.F. para contas pessoais suas – contas 0027.713 (em nome de Marcelo) e 0027.0973 (em nome de M.E.) –, também mantidas no banco LGT Bank de Liechtenstein. Consta nos autos, ainda ainformaçãodequeM.E.seutilizariadosserviçosdainstituiçãofinanceiramarginalpararealizar resgates de valores.

Conforme informação prestada pelo Banco Central do Brasil e pela Receita Federal do Brasil, M.E. e M.E. não possuem declaração de bens, valores ou contas bancárias no estran-geiro, fortalecendo, dessa forma, os indícios de que os depósitos mantidos pelos investigados junto ao LGT Bank de Liechtenstein eram clandestinos em relação às autoridades brasileiras.

Assim, consoante exposto, as informações e documentos que se pretendem alcançar com este pedido de Assistência Judiciária constituem-se em prova da materialidade dos delitos imputados a M.E. e M.E., investigados nos autos do inquérito policial nº 2009.71.00.028878-7, uma vez que são hábeis para comprovar a prática dos crimes contra a ordem tributária, contraosistemafinanceironacionaledelavagemdecapitaisprovenientesdapráticadeilícitos.’ (grifei)A decisão vergastada, anteriormente transcrita na íntegra, pronunciou-se no sentido de indeferiropedidodadefesaderetificaçãodasolicitaçãodecooperaçãojurídicainterna-cional, tendo em conta que ‘a suspeita acerca de eventual lavagem de dinheiro é fundada, sendo cabível o aprofunda-mento da investigação por intermédio da quebra de sigilo da conta bancária no exterior. Ainda que até o momento não existam maiores elementos sobre tal crime, a manutenção de valores no exterior, sem declaração, é indicativa de que tais valores tenham origem não declarável. Uma das funções da investigação criminal é provar a própria existência do crime.Napresençademovimentaçõesfinanceirasatípicas,amençãoàpossívellavagemde dinheiro no formulário do pedido de assistência judiciária internacional não é de todo equivocada - muito embora talvez fosse recomendável maior cautela quanto à informação transmitida à autoridade estrangeira. Quanto ao trecho referente à garantia em caso de con-denação, sua inclusão não traz maiores consequências, visto que o sequestro foi indeferido.’Nesses termos e pelos elementos constantes nos autos – tendo em vista que não vieram ao feito cópias de peças do inquérito policial 2009.71.00.028878-7 – não vejo, em princípio, na redaçãododocumento–SolicitaçãodeAssistênciaJudiciáriaemMatériaPenal–afirmaçõesque possam causar o alegado constrangimento ou que tragam informações inverídicas sobre as diligências policiais em andamento. Pelo contrário, da leitura da solicitação, extraio a intenção voltada ao estrito aprofundamento das investigações acerca das supostas condutas criminosas que teriam sido desenvolvidas pelo paciente e seu irmão. Não há, em momento

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algum, a imputação de crime aos mesmos, mas menções às investigações que estão sendo realizadas na esfera extrajudicial.

Referentemente ao trecho que se remete à garantia da efetividade em eventual condena-ção,ficouomesmoprejudicadonomomentoemquehouveoindeferimentodosequestrode valores, de modo que, na linha do pronunciamento judicial primevo, não é possível extrair alguma mácula a ensejar a necessária supressão e/ou alteração dos termos lançados no petitório.

Assim, ao menos nesse exame prefacial, não visualizo concreto motivo a respaldar a tutela urgencial requestada.

Pelo exposto, indefiro a liminar.”

Não vejo motivo para alterar essa compreensão.Com efeito, conforme tantas vezes já decidiu esta Turma, é vedado

ao Judiciário interferir, direcionar ou limitar a atuação ministerial na formação de sua opinio delicti.

Todavia, situações bem diferentes são aquelas que se revelam quando o agir persecutório mostra-se destituído de um suporte indiciário mínimo, ou, se existente, pretextando um enquadramento divorciado, absoluta-mente, das evidências que orbitam o fato, em tese, criminoso, hipóteses não imunes ao controle do Estado-Juiz.

No entanto, consoante se depreende dos documentos que aportaram à plataforma digital, bem assim da descrição dos fatos contida no pedido de colaboração ao Principado de Liechtenstein, há plausibilidade na apuração da prática, em tese, do crime de lavagem de dinheiro, uma vez quesetemnotíciadeumainstituiçãofinanceiraclandestinagerindo,emtempo pretérito, recursos de terceiros em larga escala, a partir de contas mantidas no exterior, e transferências desses mesmos ativos, em mo-mento posterior, para contas de titularidade dos investigados, tudo sem conhecimento das autoridades brasileiras. Desse modo, como esta Corte vem reconhecendo, em regra, a existência de concurso material entre as condutas de evadir divisas (artigo 22, parágrafo único, segunda parte) e ocultar capitais (artigo 1º da Lei 9.613/98) – ACR 2005.70.00.034205-1, 8ª Turma, Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, D.E. 11-3-2010 e ACR 2003.72.00.010174-2, 7ª Turma, Relator para acórdão Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, D.E. 18.06.2009 – não há qualquer excesso naalusãoàinvestigaçãododelitoemcomento,e,nocontraponto,justifi-cativa para se omitir do pedido de cooperação internacional a existência dessa suspeita.

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Não conspira contra tal raciocínio a existência de denúncia oferecida em desfavor de membros de suposto grupo criminoso, na qual a acusação versou sobre tipo penal gizado pela Lei 7.492/86, haja vista que o próprio autor do libelo esclareceu que o fato delituoso deixou de ser investigado maisprofundamente,emfacededificuldadesnaobtençãodasprovas.

Ademais, como a efetividade da solicitação de cooperação depende, tambémemgrandemedida,daclarezacomqueexpostoopedido,afimde que o Estado requerido possa compreender o que lhe foi demandado, não há razão para acolher-se a pretendida glosa ao quanto consignado no respectivo formulário, revelando-se contraproducente, porque prematuro, odebatesobretipificaçãonestemomento.

Consigne-se,finalmente,que inexistemnaredaçãododocumento,afirmaçõesquepossamcausarconstrangimentoaopacienteouquetragaminformações inverídicas sobre as diligências policiais em andamento. A intenção é voltada ao estrito aprofundamento das investigações acerca das noticiadas condutas criminosas que teriam sido desenvolvidas por aquele. Não há imputação de crime, devendo ser mantidos os termos em que encaminhada a “Solicitação de Assistência Judiciária em Matéria Penal”.

Pelo exposto, nos termos do provimento liminar, voto no sentido de denegar a ordem.

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direito PreVidenCiÁrio

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000343-48.2009.404.7205/SC

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira

apelante: Joana Bairros de Borbaadvogado: Dr. André Luiz Pinto

apelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSadvogado: Procuradoria Regional Federal da 4ª Região

apelado: Município de Blumenauadvogada: Dra. Marli Zieker Bento

eMenta

Constitucional, Previdenciário e Processual Civil. reenquadramento de servidor celetista admitido sem concurso público como integrante do regime estatutário de município. inconstitucionalidade declarada pelo tribunal de Justiça estadual. Pedido de pensão pelo regime estatutário, pelo qual já estava aposentado o instituidor. ato inexistente. impossibi-lidade de produção de efeitos válidos.

1. Os dispositivos das Leis Complementares nos 01 e 02/90 do Municí-pio de Blumenau/SC que reenquadravam servidores celetistas admitidos sem concurso público como integrantes do regime estatutário efetivo foram julgados inconstitucionais pelo Tribunal de Justiça Estadual e, por isso, mesmo que o servidor já estivesse “aposentado” por aquele regime, a correspondente pensão está vinculada ao Regime Geral da Previdência Social.

2. A declaração de inconstitucionalidade caracteriza o respectivo ato

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como inexistente e, logo, incapaz de produzir efeitos válidos, tornando descabida a perquirição de boa ou má-fé, preclusão ou decadência.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relató-rio,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresente julgado.

Porto Alegre, 04 de maio de 2011.Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Relator.

reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal João Batista Pinto Silveira: Joana Bairros de Borba ajuizou ação contra o INSS – Instituto Nacional do Seguro Social – e o Município de Blumenau/SC, pretendendo a concessão de pensão por morte de seu falecido cônjuge.

Subsidiariamente,postulouacondenaçãodoINSSaretificarocálculoda RMI da pensão por morte, na forma do art. 75 da Lei 8.213/91.

Asseverou que seu falecido esposo ingressou no serviço público municipal em 13.04.1981, pelo regime celetista; que, posteriormente, em 14.12.93, foi-lhe concedido o benefício por tempo de contribuição integral, pelo regime estatutário municipal.

Referiu que o Tribunal de Contas Estadual concluiu pela legalidade da concessão do benefício; que foi indevido o indeferimento da pensão, requerida por ocasião do falecimento, em 28.10.2008. Postulou que o INSS restitua ao Município de Blumenau/SC as contribuições previden-ciáriasdeseufinadoesposo.

O MM. Juízo, sentenciando, reconheceu, preliminarmente, a ilegitimi-dade passiva do INSS em relação ao pedido de restituição ao Município de contribuições previdenciárias e, no mérito, julgou improcedentes os pedidos de pensão por morte pelo regime estatutário (com proventos equivalentes ao que o falecido recebia em vida como aposentado), as-simcomoaretificaçãodocálculodaRMIdapensãodeferidaàautora.Condenou, ainda, a autora ao pagamento de honorários advocatícios de 10% do valor da causa, observada a concessão de AJG. Custas “na

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forma da lei”.Inconformada,aautorainterpôsrecursodeapelação.Afirma,preli-

minarmente, que incide a decadência quinquenal (Lei nº 9.784/99, art. 54) do direito da Administração Municipal rever o ato concessório da aposentadoria do de cujus e que não atua em contrário a suscitada in-constitucionalidade da lei local. No mérito, pugna pelo acolhimento do pedido subsidiário e por assim fazer a pensão corresponder a 100% da aposentadoria por invalidez percebida pelo falecido. Cita precedentes.

ApresentadascontrarrazõesunicamentepeloINSS,oqualreafirmasuailegitimidade passiva em relação a um dos pedidos e a inaplicabilidade da Lei nº 9.784/99 ao Município demandado. Na eventualidade de vir a ser acolhida a inicial, pede que sejam descontados os valores percebidos a título de pensão pelo regime geral, bem como, em relação ao pedido subsidiário, que seja reconhecida a falta de interesse de agir da autora por inexistência de prévio requerimento administrativo.

O parecer do Ministério Público Federal é pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal João Batista Pinto Silveira: Preliminarmen-te, observo que as questões relativas à compensação entre os diversos regimes previdenciários, decadência e mesmo ao prévio requerimento administrativo confundem-se com o próprio mérito da demanda e com ele serão analisadas.

Assimfixado,prossigo.O instituidor da pensão foi contratado pelo regime celetista, sem

concursopúblico,peloMunicípiodeBlumenau/SC(fls.34a47),vindoa ser enquadrado como estatutário com base nas respectivas Leis Com-plementares de nos 01 e 02, ambas de 1990, a partir de 01.10.90, sendo aposentadosobigualregimeem14.12.1993(fl.305).Oóbitoocorreuem15.10.2008(fls.24)eaautoraobtevebenefíciodepensãopormortepelo Regime Geral.

No que interessa, dispunha a Lei Complementar nº 01/1990:“Art. 271. Os empregos e/ou funções públicas ocupados pelos servidores incluídos no

regimejurídicoúnicoorainstituídoficamtransformadosemcargos,nadatadavigência

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desta lei.§ 1º A transformação de que trata o caput deste artigo, nos órgãos do Poder Executivo,

dar-se-á pelo enquadramento automático dos servidores celetistas, observada a equivalência e atribuições dos cargos integrantes do Plano de Carreira.

§ 2º Os Quadros de Pessoal das Autarquias e Fundações Públicas instituídas e mantidas pelo Município, cujos empregos e/ou funções são transformados em cargos, permanecerão estruturados na forma vigente, até a adoção de Plano de Carreira próprios.

(...)Art. 273. Os servidores públicos municipais abrangidos pelo enquadramento automá-

tico passarão a ocupar os cargos instituídos no Plano de Carreira, mediante transposição e reenquadramento, desde que:

(...)II–possuamadevidacapacitaçãoprofissional,naformadoManualdeOcupações.§ 1º Para efeitos de transposição e reenquadramento do Plano de Carreira, considerar-

-se-á o tempo de serviço no Município, suas Autarquias e Fundações Públicas instituídas e mantidas, ininterrupto ou não.”

Assim também a Lei Complementar 02/1990:“Art. 7º O parágrafo 1º do artigo 217 da Lei Complementar nº 1, que instituiu o Regime

Jurídico Único no Município, passa a vigorar com a seguinte redação:§ 1º A transformação de que trata o caput deste artigo, nos órgãos do Poder Executivo,

dar-se-á pelo enquadramento automático dos servidores celetistas.Art. 8º Para o servidor público municipal não alcançado pelo disposto no artigo 19 do

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a contagem do tempo de serviço para efeitos de declamação da estabilidade terá início com seu reenquadramento.”

Ocorre que tais dispositivos foram julgados inconstitucionais, em conformidade com a seguinte ementa:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS COMPLEMENTARES 01/90 E 02/90, DO MUNICÍPIO DE BLUMENAU. REGIME ÚNICO. INDECLINABI-LIDADE DO CONCURSO.

Os artigos 271, §§ 1° e 2°, e 273, II e § 1°, da LC nº 1/90 – que instituiu o regime úni-co – e os artigos 7° e 8°, da LC nº 2/90, do Município de Blumenau, criaram mecanismos de integração de servidores celetistas ao quadro de pessoal daquela unidade, ao arrepio da exigência de concurso público, padecendo do vício de inconstitucionalidade, à luz do art. 21, I, da CE e do art. 37, II, da CF.

EFETIVIDADE E ESTABILIDADE.Estabilidade é no serviço público; efetividade diz respeito ao cargo público, sendo, assim,

institutos inconfundíveis.” (ADIn nº 107, TJSC, Pleno, Rel. Wilson Eder Graf, j. 20.09.95)

Por isso, comacerto, considerou av. sentençaque se configura a

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inexistência do direito que fundamenta o pedido – é dizer, do próprio ato de reenquadramento do servidor da Prefeitura –, certo que de ato in-constitucional não se admite produção de efeitos. Logo, não se perquire da aplicação dos institutos da boa ou má-fé, da preclusão, da decadência. Nem há falar, com propriedade, em “anulação do ato administrativo”: o ato é inexistente. Tampouco atua em sentido contrário, por consequência, a homologação do ato de alteração de regime pelo respectivo Tribunal de Contas estadual, em 2001, tanto mais porque a correspondente declaração de inconstitucionalidade lhe é antecedente.

Como tinha antecipado e agora se vê, o exame da matéria sob tal pers-pectiva torna prejudicado o exame das questões relativas à compensação entre os diversos regimes previdenciários e à decadência.

Observo, por oportuno, que já foi decidido pelo Egrégio STF (ADI–MC 2311/MS) que a mera instituição do regime previdenciário próprio com a criação de benefícios pelo ente público municipal não tem o condão de desonerá-lo de recolhimento de contribuições previdenciárias ao RGPS se não há disposição legal de forma de custeio dos benefícios criados. Ou seja, não basta a legislação dispor sobre os benefícios previdenci-ários, é necessário que seja regulamentado o custeio do novo regime, sob pena do servidor permanecer vinculado ao INSS. Nesta hipótese, o réu seria considerado servidor do regime geral e a aposentadoria seria devida uma vez que eventual não recolhimento das contribuições seria de responsabilidade do município empregador.

Sobreotema,aCorteConstitucionalfirmouconvicçãodequeaLeinº 9.717/98 – que dispôs sobre regras gerais para a organização e o fun-cionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal –, em seu art. 5º, esta-beleceu, dentre outras regras, que os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos não poderão conceder benefícios distintos dos previstos no Regime Geral de Previdência Social, de que trata a Lei 8.213/91, e que qualquer extensão dos benefícios já existentes não poderá ser feita sem que exista previsão de correspondente fonte de custeio. Nessa linha de raciocínio, o STF entendeu que “a competência concor-rente dos Estados e Municípios em matéria previdenciária não autoriza se desatendam os fundamentos básicos do sistema previdenciário, de

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origem constitucional”, dentre os quais destaca-se o § 5º do art. 195 da Constituição Federal:

“§ 5º – Nenhum benefício ou serviço de seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.”

Poroutrolado,especificamenteemrelaçãoàcompensaçãofinanceiraentre regimes previdenciários diversos, impende acrescer que há previsão constitucional no sentido (CF/88, art. 202, § 2º); também, que somente dela se cuidaria na eventualidade de acolhimento do correspondente pedido; que independente de intervenção judicial; e, ainda, que, mesmo não sendo promovida pelo Município, inexistiria prejuízo à eventual acolhida do pedido da promovente.

No que diz com o pedido de reajuste do benefício percebido pelo Regime Geral, o mesmo não tem o seu conhecimento impedido por au-sênciadepréviorequerimentoadministrativo,poisfiguraapenascomopedido subsidiário do principal nesta ação.

Entretanto, não cabe ser acolhido porque está escorado exclusivamen-te na previsão genérica do artigo 75 da Lei 8.213/91 e na circunstância de haver diferença entre o valor do benefício que recebe a promovente (RMIdeR$519,00,emoutubrode2008,fl.18)eoqueeraauferidopelofalecidoatítulodeaposentadoria(R$1.244,91,emigualdata,fl.13).

Não bastasse, trata-se de regimes previdenciários distintos, como visto antes, com normas e procedimentos diversos, sendo enquadrados o instituidor e sua pensionista no Regime Geral.

Valem ainda as seguintes considerações da v. sentença :“(...)

Observa-se que, em conformidade com o artigo 201 da CRFB, os benefícios concedidos noRGPSdevemobservar,alémdafiliaçãoobrigatória,ocarátercontributivoeoequilíbriofinanceiroeatuarial.

Diantedisso,verifica-sequeaapuraçãodobenefíciodepensãopormorteconcedidoàautora observou necessariamente a integralidade das contribuições previdenciárias efetuadas pelo de cujus(contratosdetrabalhoconsignadasnasCTPSdefls.34-47);equecertamentedifeririam do benefício idêntico, concedido pelo regime estatutário municipal.”

Em igual sentido:“PENSÃO POR MORTE. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL.

REGIME JURÍDICO ÚNICO. QUALIDADE DE SEGURADO. REGIME GERAL DE

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PREVIDÊNCIA SOCIAL. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.1. Declarada a inconstitucionalidade de lei municipal que havia enquadrado o falecido,

funcionário não concursado e contratado sob regime celetista, no regime jurídico único da Prefeitura Municipal de Blumenau, manteve-se a vinculação do trabalhador ao regime geral de Previdência Social.

2. É devida a pensão por morte à viúva do trabalhador que, por manter a qualidade de segurado do Regime Geral de Previdência Social, tinha direito à concessão de aposentadoria por invalidez.” (APELREEX nº 2003.72.05.004106-6, Rel. Rômulo Pizzolatti, 5ª Turma, DJU 24.11.08)“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. ADIN. INCONSTITUCIONALIDADE DE

ARTIGOS DE LEI MUNICIPAL. REGIME JURÍDICO ÚNICO. ENQUADRAMENTO AUTOMÁTICO DE CELETISTA AO REGIME ESTATUTÁRIO. LEGITIMIDADE PAS-SIVA DO INSS. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORATIVA TOTAL E PERMANENTE.

1. Restando declarada a inconstitucionalidade dos artigos da Lei Municipal que enqua-dram os servidores dos órgãos do Poder Executivo automaticamente no regime jurídico único, o demandante continua vinculado ao Regime Geral da Previdência Social, sendo oINSSpartelegítimanademanda.2.Comprovadopelaperíciaoficial,emcotejocomorestante conjunto probatório, que o segurado padece de moléstia, que o incapacita total e permanentemente para o exercício de qualquer atividade laborativa, é de ser mantida a deci-são que determinou a outorga de aposentadoria por invalidez.” (AC nº 2001.04.01.025480-1, Rel. Tadaaqui Hirose, 6ª Turma, DJU 03.10.01)

É caso, pois, de se manter a v. sentença de improcedência.Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0027542-06.2008.404.7100/RS

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper

apelante: Nicolau Borges Lutz Nettoadvogada: Dra. Elisandra Barros

apelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSadvogado: Procuradoria Regional da PFE–INSS

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eMenta

Previdenciário. indícios de irregularidade ou fraude na concessão do benefício. Suspensão. devido processo legal. Contraditório. ampla defesa. observância. esgotamento da via administrativa. desnecessi-dade. recurso administrativo. efeitos. art. 308 do decreto nº 3.048/99. inaplicabilidade. Lei nº 9.784/99. aplicação subsidiária.

1. Dispõe a legislação previdenciária (Lei nº 8.212/91, art. 69; Lei nº 10.666/03, art. 11; Decreto nº 3.048/99, art. 179) que a suspensão e o cancelamento de benefício previdenciário, em havendo indícios de irregularidadenasuaconcessão,deveráserprecedidadenotificaçãodobeneficiárioparaapresentardefesa.

2. Jurisprudência consolidada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (v.g. REsp. nº 737815/DF DJ de 17.10.2005; RMS nº 20577/RO, DJ de 07.05.2007; REsp nº 709516/RJ, DJ de 27.06.2005; REsp nº 591660/RJ, DJ de 13.09.2004; REsp. nº 514251/RJ , DJ de 27.03.2006 e REsp. 509340/RJ, DJ de 22.09.2003) no sentido de que a invalidação deatoadministrativoclassificadocomoampliativodedireitosdependede processo administrativo prévio, com observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

3. O Supremo Tribunal Federal, a quem incumbe a guarda da Consti-tuição (art. 102, caput), tem proclamado a essencialidade da observância irrestrita do princípio do contraditório e da ampla defesa, não só no plano jurisdicional, mas também nos procedimentos administrativos em geral, notadamente nas hipóteses em que o ato administrativo repercute no cam-po de interesses individuais (v.g. RE nº 158.543-9/RS, DJ de 06.10.1995; AI-AgR nº 241.201/SC, DJ de 20.09.2002; AI-AgR nº 501.805/PI, DJe de 23.05.2008; RE-AgR nº 425.406/RN, DJe de 11.10.2007).

4. A Lei nº 9.784, de 29.01.1999, que regula o processo administra-tivo no âmbito da Administração Pública Federal, aplica-se de forma subsidiáriaaosprocessosadministrativosespecíficos.

5. No âmbito previdenciário, das decisões do INSS nos processos administrativos de interesse dos beneficiários e dos contribuintes daSeguridade Social cabe recurso para o Conselho de Recursos da Pre-vidência Social, conforme dispuser o Regulamento (art. 126 da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997), que prevê

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o recebimento no duplo efeito dos recursos tempestivos contra decisões das Juntas de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social, apenas, inexistindo previsão de recebimento no efeito suspensivo dos recursos interpostos de decisões monocráticas proferidas nos procedimen-tos administrativos que repercutam no âmbito dos interesses individuais dos segurados.

6.Inexistindoprevisãonaleiespecíficaacercadotema,incideodis-posto no art. 61 da Lei nº 9.784/99 – de aplicação subsidiária –, segundo o qual, salvo disposição legal em contrário, o recurso administrativo não tem efeito suspensivo. Precedentes do STF, do STJ e desta Corte.

7. A suspensão do benefício anteriormente ao esgotamento da via ad-ministrativa não malfere os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

8. No caso concreto, tem-se hipótese em que, de um lado, a lei espe-cíficanãoprevêaatribuiçãodeefeitosuspensivoaorecursoe,deoutro,há disposição expressa, da legislação aplicável de forma subsidiária, no sentido de que, inexistindo expressa disposição legal em contrário – e, no caso, inexiste –, o recurso não tem efeito suspensivo.

9. Ademais, o Impetrante não logrou demonstrar documentalmente o efetivo exercício de atividades urbanas no período impugnado pela AutarquiaPrevidenciária,cujaanálisedefinitivadaquestãodemandadilação probatória, para a qual a via do mandado de segurança não é a adequada.

10. Indemonstrada qualquer ilegalidade no ato administrativo im-pugnado, nega-se provimento ao apelo, mantendo-se a sentença que denegou a segurança.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopre-sente julgado.

Porto Alegre, 15 de dezembro de 2010.Des. Federal Celso kipper, Relator.

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reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal Celso kipper: nicolau Borges Lutz netto, nascido em 02.01.1950, impetrou mandado de segurança, com pedido de medida liminar, objetivando o restabelecimento de sua aposentadoria por tempo de contribuição, por força do efeito suspensivo do recurso administrativo que interpôs contra a decisão de cancelamento de seu benefício.

A apreciação da medida liminar foi postergada para o momento pos-terior à prestação das informações.

O Gerente Executivo do INSS em Porto Alegre sustentou a legalidade do ato administrativo de suspensão do benefício do impetrante.

Àsfls.456-457,foiindeferidoopedidodemedidaliminar,decisãocontra a qual foi interposto agravo de instrumento, que restou provido (AI nº 2008.04.00.044851-4/RS, rel. Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz, 6ª Turma, unânime, julgado em 04.03.2009), ao argumento de que se aplicaria ao caso o disposto no art. 308 do Decreto nº 3.048/99.

O Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da se-gurança.

Na sentença (01.07.2009), o magistrado a quo denegou a ordem, tor-nando sem efeito a liminar deferida por ocasião do julgamento do agravo de instrumento. Sem condenação em custas e honorários advocatícios.

Em suas razões de apelação, o impetrante sustentou, em síntese, que o art. 308 do Decreto nº 3.048/99 atribui aos recursos administrativos efeito suspensivo. Assim, o INSS não poderia ter suspendido o pagamento de seu benefício, já que interposto, tempestivamente, recurso administrativo contra a decisão que considerou irregular a concessão da aposentadoria.

Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte para julgamento.Colhido parecer ministerial pelo provimento da apelação.É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal Celso kipper: Trata-se de apelo contra sen-tença denegatória em mandado de segurança, desacolhendo o pedido de restabelecimento de benefício de aposentadoria por tempo de contribui-ção, cancelado administrativamente em razão de supostas irregularidades

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no ato de concessão.A sentença impugnada pelo Impetrante, no que tem de essencial, foi

assim redigida:“(...).

Compulsandoosautos,verificoqueairresignaçãodoimpetrantesebaseiaemumúnicoargumento de ordem formal: a violação ao disposto no art. 308 do Decreto nº 3.048/99, em face de a autoridade coatora ter suspenso o pagamento de seus proventos antes da análise deseurecursoadministrativo,protocoladoem24.09.08(fl.3).

(...).No ponto, tenho que razão não assiste ao autor.Primeiro, porque, nos termos do art. 61, caput, da Lei nº 9.784/99, que regula o processo

administrativo no âmbito da administração pública federal, somente a lei poderia atribuir efeito suspensivo ao recurso interposto pelo impetrante. O decreto n° 3.048/99 (assim como o decreto nº 5.699/06, que alterou seu art. 308), data venia, não é lei, não podendo fundamentar o restabelecimento de sua aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.

Segundo, porque o § 3º do art. 11 da Lei nº 10.666/03 – norma de hierarquia superior àquela invocada pelo impetrante – determina o imediato cancelamento do benefício do seguradodoRGPScasosuadefesa sejaconsiderada improcedenteou insuficiente,nãocondicionandotalatoaojulgamentodefinitivodeeventualrecursoadministrativoporeleinterposto.

Isso posto, com fulcro na Súmula nº 405 do STF, torno sem efeito a liminar deferida àsfls.476-9eDENEGOaordemrequeridanainicial,resolvendoomérito,nostermosdoart.269,inc.I,doCódigodeProcessoCivil.”(fls.481-482)

O Impetrante refere que, por ocasião do recurso administrativo apresentado contra a decisão do INSS que considerou improcedente/insuficienteadefesadeduzida,requereu,comfundamentonoart.308do Decreto 3.048/99, fosse recebido também no efeito suspensivo. No entanto, até a data da impetração (27.10.2008), “o recurso sequer tramitou, ao mesmo tempo em que o benefício do impetrante não foi restabelecido (...)”.

Aduz que “(...) a partir do momento em que foi interposto um Re-curso Administrativo, tempestivo, em face da decisão que autorizou o cancelamento do benefício, e a Lei nº 10.666/03 nada dispõe a respeito, tem-se por correto aplicar a disposição do art. 308 do Decreto nº 3.048/99, conferindo ao Recurso Administrativo efeitos suspensivo e devolutivo” (fl.485,últimoparágrafo).

Passo a analisar as alegações da impetração.

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1 dos princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa

A jurisprudência recente do STJ tem indicado a necessidade de ob-servância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa nos procedimentos administrativos, notadamente naqueles que culmi-nam na suspensão ou no cancelamento de benefícios previdenciários, por repercutir no âmbito dos interesses individuais do segurado, verbis:

“ADMINISTRAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. EBTU. ANISTIA. ANULAÇÃO DE ATO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES. LEI NOS 8.878/94. PORTARIAS MINISTERIAIS 698/94 E 69/99. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ANULAÇÃO DE ATO AMPLIATIVO DE DIREITO. NECESSIDADE DE SER ASSEGURADO AO SERVIDOR EM PROCESSO ADMINISTRATIVO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.

1. omissis;.2.AjurisprudênciadestaCortetemfirmadooentendimentodequeainvalidaçãode

ato administrativo classificado comoampliativodedireito dependedeprévioprocessoadministrativo, em que sejam assegurados ao interessado o contraditório e a ampla defesa. Precedentes.

3. Recurso especial provido.” (REsp.737815/DF, Rel. Min. Paulo Medina, SEXTA TURMA, DJ 17.10.2005, p. 359)

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. EFEITOS PATRIMONIAIS DO MandaMuS CONTADOS DA IM-PETRAÇÃO. SÚMULA 271/STF. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. SEGURANÇA CONCEDIDA EM PARTE.

1.OSuperiorTribunaldeJustiçafirmoucompreensãosegundoaqual,emtemadesuspensão ou cancelamento de benefício previdenciário por suspeita de fraude ou irregula-ridade, por repercutir no âmbito dos interesses individuais do segurado, impõe-se a prévia observância dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

2. omissis;3. omissis.” (RMS nº 20577/RO, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJ de

07.05.2007, p. 336)“RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO DE APO-

SENTADORIA. SUSPENSÃO POR SUSPEITA DE FRAUDE. AUSÊNCIA DE PROCE-DIMENTO ADMINISTRATIVO. PRECEDENTES DESTA CORTE. SÚMULA Nº 83/STF.

A suspeita de fraude não enseja o cancelamento do benefício previdenciário de plano, dependendo sua apuração de processo administrativo, assegurados os direitos do contra-ditório e da ampla defesa.

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Precedentes (Recursos Especiais nos 172.869-SP e 279.369-SP).Recurso desprovido.” (REsp nº 709516/RJ, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 5ª

Turma, DJ 27.06.2005, p. 442)“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA.

SUSPENSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SUSPEITA DE FRAUDE. COMPRO-VAÇÃO. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. INAPLICÁVEL. NECESSIDADE DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA Nº 7 DO STJ.

1. É garantida à Administração a revisão de benefício previdenciário na hipótese de constatação de fraude em seu ato concessório, não se aplicando o prazo prescricional quin-quenal previsto no art. 207 do Decreto-Lei 89.312/84.

2. A suspensão de benefício previdenciário por suspeição de fraude deve ser precedida de instauração de processo administrativo regular, assegurados os princípios do contradi-tório e da ampla defesa.

3. Não há como rever a conclusão da Corte a quo,firmadanosentidodequeomodus operandi adotado pelo INSS na suspensão do pagamento obedeceu ao procedimento admi-nistrativo devidamente traçado na lei, porquanto haveria necessidade de incursão ao campo fático-probatório dos autos, o que não se coaduna com a via eleita, por força do comando da Súmula nº 7 do STJ.

4. Recurso não conhecido.” (REsp nº 591660/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, DJ 13.09.2004, p. 281)

“RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. LI-QUIDEZ E CERTEZA. SÚMULA Nº 7/STJ. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. BENEFÍCIO. SUSPENSÃO. GARANTIA DE AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO.

1. omissis;2. omissis;3. Em tema de suspensão ou cancelamento de benefício previdenciário devido à suspeita

de ocorrência de fraude, esta Corte consolidou o entendimento segundo o qual não pode a autarquia adotar a medida extrema sem ouvir o interessado.

4. Precedentes.5. Recurso a que se dá provimento.” (REsp. nº 514251/RJ, Rel. Min. Paulo Gallotti, 6ª

Turma, DJ 27.03.2006, p. 356)“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. FRAUDE. SUSPENSÃO.

PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. SÚMULA 07/STJ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MULTA. ART. 557, § 2º, DO CPC.

I – A suspensão ou o cancelamento de benefício previdenciário concedido mediante fraude pressupõe, necessariamente, prévio e regular procedimento administrativo, no qual sejaasseguradoaobeneficiárioodireitoàdefesa,aocontraditórioeaodevidoprocessolegal.

II – Tendo o e. Tribunal a quo constatado, com base no conjunto fático-probatório, a

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inexistência de correto procedimento administrativo apto a ocasionar suspensão do bene-fício, não cabe o conhecimento do recurso especial, por implicar em reexame de prova. Súmula 07/STJ.

III – omissis;IV – omissis.” (REsp. 509340/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, DJ 22.09.2003,

p. 369)

A doutrina, de modo geral, tem observado que “Prevalece – torren-cial – a orientação de julgados, em todos os tribunais, segundo a qual a suspensão de vencimentos ou de benefícios previdenciários exige a prévia instauração do devido processo legal, com os apanágios do contraditó-rio e da ampla defesa” (FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros, 2. ed., 2007. p. 56 e 60).

No mesmo sentido, entendo que o poder-dever da Administração de revisão do ato ilegal (Súmulas 346 e 473 do STF) há de ser exercido, atualmente, à luz da processualização da atividade administrativa, com a observância das garantias constitucionais previstas nos incisos LIV e LV do art. 5º da CF, verbis:

“LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral

são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

O Supremo Tribunal Federal, a quem incumbe a guarda da Constitui-ção (art. 102, caput), tem proclamado a essencialidade da observância irrestrita do princípio do contraditório e da ampla defesa, não só no plano jurisdicional, mas também nos procedimentos administrativos em geral, notadamente nas hipóteses em que o ato administrativo repercute no campo de interesses individuais, como se pode ver dos precedentes abaixo relacionados:

“ATO ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÕES. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDA-DE. SITUAÇÃO CONSTITUÍDA. INTERESSES CONTRAPOSTOS. ANULAÇÃO. CONTRADITÓRIO. Tratando-se da anulação de ato administrativo cuja formalização haja repercutido no campo de interesses individuais, a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administrativo que enseje a audição daquelesque terãomodificadasituação jáalcançada.Presunçãode legitimidadedoatoadministrativo praticado, que não pode ser afastada unilateralmente, porque é comum à Administração e ao particular.” (RE nº 158.543-9/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 06.10.1995)

“PROCESSO ADMINISTRATIVO. RESTRIÇÃO DE DIREITOS. OBSERVÂNCIA

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NECESSÁRIA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO due ProCeSS oF LaW (CF, ART. 5º, LV). REEXAME DE FATOS E PROVAS, EM SEDE RECURSAL EXTRAOR-DINÁRIA. INADMISSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. RESTRIÇÃO DE DI-REITOS E GARANTIA DO due ProCeSS oF LaW. – O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal – que importe em punição discipli-nar ou em limitação de direitos – exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo(CF,art.5º,LV),afielobservânciadoprincípiododevidoprocessolegal.AjurisprudênciadoSupremoTribunalFederaltemreafirmadoaessencialidadedesseprincípio,nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina. NÃO CABE REEXAME DE FATOS E DE PROVAS EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. – Não cabe recurso extraordinário, quando interposto com o objetivo de discutir questões de fato ou de examinar matéria de caráter probatório, mesmo que o apelo extremo tenha sido deduzido em sede processual penal.” (AI-AgR nº 241.201/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 20.09.2002)

“AGRAVO REGIMENTAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SUSPENSÃO. NE-CESSIDADE DE EXAURIMENTO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. DIREITO À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO.

omissis;Por outro lado, ainda que se entenda possível o exame da questão em julgamento, há

decisões desta Turma no sentido da necessidade de observância do princípio da ampla defesa no processo administrativo que resulta na suspensão de benefício previdenciário.

Precedentes de ambas as Turmas.Agravo Regimental a que se nega provimento.” (AI-AgR nº 501.805/PI, 2ª Turma, Rel.

Min. Joaquim Barbosa, DJe De 23.05.2008)“Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Restabelecimento de benefício previ-

denciário pelo tribunal de origem, sob o fundamento de inobservância do contraditório e da ampladefesaquandodoprocedimentoadministrativoqueosuspendera.Violaçãoverificada.A garantia do direito de defesa contempla, no seu âmbito de proteção, todos os processos judiciais ou administrativos. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE-AgR nº 425.406/RN, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 11.10.2007)

Desse último precedente, destaco o seguinte excerto do voto:“Sobre o direito de defesa, tenho enfatizado que a Constituição de 1988 (art. 5º, LV)

ampliou a referida garantia, assegurando aos litigantes, em processo judicial ou adminis-trativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

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Como já escrevi em outra oportunidade, as dúvidas porventura existentes na doutrina e na jurisprudência sobre a dimensão do direito de defesa foram afastadas de plano, sendo inequívoco que essa garantia contempla, no seu âmbito de proteção, todos os processos judiciais ou administrativos.

Assinale-se, por outro lado, que há muito vem a doutrina constitucional enfatizando que o direito de defesa não se resume a um simples direito de manifestação no processo. Efeti-vamente, o que o constituinte pretende assegurar – como bem anota Pontes de Miranda – é uma pretensão à tutela jurídica (Comentários à Constituição de 1967/69, Tomo V, p. 234).

(...)Daíafirmar-se,correntemente,queapretensãoàtutelajurídica,quecorrespondeexa-

tamente à garantia consagrada no art. 5º, LV, da Constituição, contém os seguintes direitos:1) direito de informação (recht auf information), que obriga o órgão julgador a infor-

mar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes;2) direito de manifestação (recht auf ausserung), que assegura ao defendente a pos-

sibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo;

3) direito de ver seus argumentos considerados (recht auf Berücksichtigung), que exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo (aufnahmefähigkeit und aufnahmebereitschaft) para contemplar as razões apresentadas (Cf. Pieroth e Schlink, Grundrechte-Staatsrech ii, Heidelberg, 1988, p. 281; Bettis e Gusy, einführung in das Sta-atsrecht, Heidelberg, 1991, p. 363-364; Ver, também, düring/assmann, in: Maunz-düring, Grundgesetz-kommentar, Art. 103, vol. IV, nº 85-99).

(...).Assim, o direito ao contraditório e à ampla defesa, com os recursos a ele inerentes, tem

âmbito de proteção de caráter normativo, o que, de um lado impõe ao legislador o dever de conferir densidade adequada a essa garantia e, de outro, permite-lhe alguma liberdade de conformação.” (destaque ausente no original)

Nessa perspectiva, a Lei nº 9.784, de 29.01.1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, determinou expressamente (art. 2º) que a Administração Pública obe-decerá aos princípios da ampla defesa e do contraditório, estabelecendo (parágrafo único) que nos processos administrativos serão atendidos, dentre outros, os critérios de “observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados” (inciso VIII) e de “garantia dos direitos à comunicação (inciso X). Estipulou, ainda (art. 3º), que o administrado tem, perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados, o direito de ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer

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as decisões proferidas (inciso II) e de formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente (inciso III), e que os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos (art. 50, caput), quando, dentre outras situações, neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses (inciso I), ou importem anulação, revogação, sus-pensão ou convalidação de ato administrativo (VIII).

No âmbito da Previdência Social, a Lei nº 8.212/91, ao disciplinar, em seu art. 69, o procedimento administrativo de revisão de benefício, referiu, verbis:

“Art. 69. O Ministério da Previdência e Assistência Social e o Instituto Nacional do Se-guro Social–INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dosbenefíciosdaPrevidênciaSocial,afimdeapurarirregularidadesefalhasexistentes

§ 1º Havendo indício de irregularidade na concessão ou na manutenção de benefício, a PrevidênciaSocialnotificaráobeneficiárioparaapresentardefesa,provasoudocumentosde que dispuser, no prazo de trinta dias.

§2ºAnotificaçãoaqueserefereoparágrafoanteriorfar-se-áporviapostalcomavisoderecebimentoe,nãocomparecendoobeneficiárionemapresentandodefesa,serásuspensoobenefício,comnotificaçãoaobeneficiárioporeditalresumidopublicadoumavezemjornal de circulação na localidade.

§3ºDecorridooprazoconcedidopelanotificaçãopostaloupeloedital,semquetenhahavidoresposta,oucasosejaconsideradapelaPrevidênciaSocialcomoinsuficienteouimprocedente a defesa apresentada, o benefício será cancelado, dando-se conhecimento dadecisãoaobeneficiário.

§ 4º Para efeito do disposto no caput deste artigo, o Ministério da Previdência Social e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS procederão, no mínimo a cada 5 (cinco) anos, ao recenseamento previdenciário, abrangendo todos os aposentados e pensionistas do regime geral de previdência social.”

A Lei nº 10.666/03, embora tenha alterado o prazo para o recurso do segurado, manteve o mesmo procedimento do artigo recém-citado, litteris:

“Art. 11. O Ministério da Previdência Social e o INSS manterão programa permanente derevisãodaconcessãoedamanutençãodosbenefíciosdaPrevidênciaSocial,afimdeapurar irregularidades e falhas existentes.

§ 1º Havendo indício de irregularidade na concessão ou na manutenção de benefício, a PrevidênciaSocialnotificaráobeneficiárioparaapresentardefesa,provasoudocumentosde que dispuser, no prazo de dez dias.

§2ºAnotificaçãoaqueserefereo§1ºfar-se-áporviapostalcomavisoderecebimento

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e,nãocomparecendoobeneficiárionemapresentandodefesa,serásuspensoobenefício,comnotificaçãoaobeneficiário.

§3ºDecorridooprazoconcedidopelanotificaçãopostal,semquetenhahavidoresposta,oucasosejaconsideradapelaPrevidênciaSocialcomoinsuficienteouimprocedenteadefesaapresentada,obenefícioserácancelado,dando-seconhecimentodadecisãoaobeneficiário.”

E o art. 179 do Decreto nº 3.048/99 tem a seguinte redação:“Art. 179. O Ministério da Previdência e Assistência Social e o Instituto Nacional do

Seguro Social manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dosbenefíciosdaprevidênciasocial,afimdeapurarirregularidadesefalhasexistentes.

§ 1º Havendo indício de irregularidade na concessão ou na manutenção do benefício ou, ainda,ocorrendoahipóteseprevistano§4º,aprevidênciasocialnotificaráobeneficiáriopara apresentar defesa, provas ou documentos de que dispuser, no prazo de dez dias.

§2ºAnotificaçãoaqueserefereo§1ºfar-se-áporviapostalcomavisoderecebimentoe,nãocomparecendoobeneficiárionemapresentandodefesa,serásuspensoobenefício,comnotificaçãoaobeneficiário.

§3ºDecorridooprazoconcedidopelanotificaçãopostal,semquetenhahavidoresposta,oucasosejaconsideradapelaprevidênciasocialcomoinsuficienteouimprocedenteadefesaapresentada,obenefícioserácancelado,dando-seconhecimentodadecisãoaobeneficiário.

§ 4º O recenseamento previdenciário relativo ao pagamento dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social de que tratam o § 4º do art. 69 e o caput do art. 60 da Lei nº 8.212, de 1991, deverá ser realizado pelo menos uma vez a cada quatro anos.

§ 5º A coleta e transmissão de dados cadastrais de titulares de benefícios, com o objetivo de cumprir o disposto no § 4º, serão realizados por meio da rede bancária contratada para osfinsdoart.60daLeinº8.212,de1991.

§6ºNaimpossibilidadedenotificaçãodobeneficiárioounafaltadeatendimentoàconvocaçãoporedital,opagamentoserásuspensoatéocomparecimentodobeneficiárioe a regularização dos dados cadastrais ou será adotado procedimento previsto no § 1º.”

Portanto, o arcabouço jurídico pátrio exige a observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa nos procedimentos administrativos, notadamente naqueles que culminam na suspensão ou no cancelamento de benefícios previdenciários, por repercutir no âmbito dos interesses individuais.

2 dos efeitos do recurso administrativo

Sustenta o Impetrante que a Autarquia Previdenciária, ao não atribuir efeito suspensivo ao recurso administrativo interposto, praticou ato ilegal, uma vez que a atribuição de efeito suspensivo ao referido recurso encon-tra respaldo legal, segundo entende, no art. 308 do Decreto nº 3.048/99.

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Passo a analisar tal alegação.A Lei nº 9.784, de 29.01.1999, que regula o processo administrativo

no âmbito da Administração Pública Federal, dispõe em seu art. 69 que osprocessosadministrativosespecíficoscontinuarãoareger-seporleiprópria, aplicando-se apenas subsidiariamente, portanto, seus preceitos.

No âmbito Previdenciário, o art. 126 da Lei nº 8.213/91, na redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997, estabelece que “Das decisões do INSSnosprocessosdeinteressedosbeneficiáriosedoscontribuintesda Seguridade Social caberá recurso para o Conselho de Recursos da Previdência Social, conforme dispuser o regulamento”. (grifei)

O Regulamento da Previdência Social, por sua vez, na redação dada pelo Decreto nº 5.699, de 13.02.2006, dispõe em seu art. 308, verbis:

“Art. 308 – Os recursos tempestivos contra decisões das Juntas de recursos do Conselho de recursos da Previdência Social têm efeito suspensivo e devolutivo.

§1.º–Parafinsdodispostonesteartigo,nãoseconsiderarecursoopedidoderevisãode acórdão endereçado às Juntas de Recurso e Câmaras de Julgamento.

§ 2.º – É vedado ao INSS e à Secretaria da Receita Previdenciária escusarem-se de cumprir as diligências solicitadas pelo Conselho de Recursos da Previdência Social, bem comodeixardedar cumprimento àsdecisõesdefinitivasdaquele colegiado, reduzirouampliar o seu alcance ou executá-las de modo que contrarie ou prejudique seu evidente sentido.” (grifei)

Da simples leitura dos artigos 126 (da Lei de Benefícios) e 308 (do respectivo Decreto Regulamentador), chega-se à conclusão de que ine-xisteprevisão,nalegislaçãoespecífica,derecebimentonoefeitosuspen-sivo dos recursos interpostos de decisões monocráticas proferidas nos procedimentos administrativos que repercutam no âmbito dos interesses individuais dos segurados, como no caso dos autos.

O que prevê o referido art. 308 do Decreto nº 3.048/1999, invocado pelo Impetrante, é o recebimento no duplo efeito dos recursos tempes-tivos contra decisões das Juntas de recursos do Conselho de recursos da Previdência Social, apenas, não dispensando o mesmo tratamento às decisões monocráticas primevas que, por assim dizer, resolvem o mérito do processo administrativo, como na hipótese dos autos.

Inexistindoprevisãonaleiespecíficaacercadotema,cumpreperquirirda sua existência na Lei nº 9.784/99 – de aplicação subsidiária, como acima visto –, que no art. 61 dispõe:

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“Art. 61 – Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo.Parágrafo único. Havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação de-

corrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso.”(grifei)

Como se depreende da leitura conjugada dos dispositivos legais até aqui transcritos, no caso concreto, tem-se hipótese em que, de um lado, aleiespecíficanãoprevêaatribuiçãodeefeitosuspensivoaorecurso,e,de outro, disposição expressa da legislação aplicável de forma subsidiária no sentido de que, inexistindo expressa disposição legal em contrário – e, no caso, inexiste –, o recurso não tem efeito suspensivo.

É bem verdade que o parágrafo único do art. 61 da Lei nº 9.784/99 dispõe que, “havendo justo receio de prejuízo de difícil ou incerta repa-ração decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido, dar efeito suspensivo ao recurso”.

E é verdade, também, que o Impetrante, por ocasião da interposição dorecursoadministrativo,em24.09.2008(fl.147),requereufosseesterecebido também no efeito suspensivo. O fez, no entanto, com supedâneo nas disposições do art. 308 do Decreto 3.048/99, inaplicáveis à hipótese dos autos, como antes visto, uma vez que não se trata de recurso contra decisão de Junta de Recursos do Conselho de Recursos da Previdência Social.

Nesse contexto, inviável seria a atribuição de efeito suspensivo ao recurso administrativo, tendo aplicação a norma segundo a qual, em regra, os recursos administrativos são recebidos apenas no efeito devolutivo, sendo desnecessário o esgotamento da via administrativa.

Nesse sentido, o Supremo tribunal Federal já se manifestou: (a) pela inviabilidade de concessão, por mandado de segurança, de efeito suspensivo a Recurso de Revisão destituído de tal efeito, no âmbito do Tribunal de Contas (Ag.Rg. no MS nº 27.443-0/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 29.10.2009); (b) pela inexistência de efeito suspensivo a recurso administrativo em desapropriação, inexistindo im-pedimento à edição de decreto expropriatório na pendência de julgamento do recurso administrativo (MS nº 24487/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, DJe de 27.11.2009; MS nº 24449/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 25.04.2008; MS nº 24163/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 19.09.2003).

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O Colendo Superior Tribunal de Justiça, igualmente, vem se manifes-tando no sentido de que os recursos administrativos, em regra, são dotados apenas de efeito devolutivo, como são representativos os julgados cujas ementas, na parte em que interessa, abaixo transcrevo:

“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMI-NISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. RECURSO ADMINISTRATIVO. EFEITO SUSPENSIVO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. DECISÃO DE ABSOLVIÇÃO PROFERIDA PELO JUÍZO CRIMINAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. HIPÓTESE QUE NÃO VINCULA A ESFERA ADMINISTRATIVA. COMISSÃO PERMANENTE COMPOSTA POR 3 MEMBROS. LEI DISTRITAL 3.642/2005 POSTERIOR À SUA CONSTITUIÇÃO. APLICAÇÃO IMEDIATA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. omissis;2. no processo administrativo, os recursos, em regra, são dotados de efeito devolutivo,

que admite o reexame das questões de fato e de direito, salvo expressa determinação legal; por outro lado, em relação ao efeito suspensivo, a regra se inverte, de sorte que apenas excepcionalmente o recurso pode ser recebido com tal efeito.” (RMS nº 25952/DF, Quinta Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 08.09.2008)(grifei)

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. OFICIAIS DE JUSTIÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. REGIMENTO INTERNO REVOGADO. APLICAÇÃO AOS RECURSOS INTERPOSTOS NA SUA VIGÊNCIA. teMPuS reGit aCtuM. RECURSO ADMINISTRATIVO. DIREITO DO ADMINIS-TRADO. RECLAMAÇÃO NÃO CONHECIDA. ILEGALIDADE. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. OFENSA. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. APLICAÇÃO. EFEITO SUSPENSIVO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I a IV– omissis;V – na ausência de expressa previsão legal, não existe direito líquido e certo a que seja

conferido efeito suspensivo a recursoadministrativo.VI – Recurso ordinário parcialmente provido.” (RMS nº 19.452/MG, Quinta Turma,

Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 01.08.2006) (grifei)“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO.

PENA DE SUSPENSÃO. RECURSO ADMINISTRATIVO. RECEBIMENTO NO EFEI-TO DEVOLUTIVO, EM REGRA. CUMPRIMENTO IMEDIATO DA PENALIDADE. POSSIBILIDADE. SEGURANÇA DENEGADA.

1. a administração – após regular processo disciplinar e diante dos atributos do ato administrativo de presunção de veracidade, de imperatividade e de autoexecutoriedade – pode aplicar a penalidade a servidor público independentemente do julgamento de recurso interposto na esfera administrativa que, em regra, é recebido apenas no efeito devolutivo, nos termos do art. 109 da Lei 8.112/90. Precedentes.

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2. Segurança denegada.” (MS n. 10.759/DF, Terceira Seção, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 22.05.2006) (grifei)

“RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR DO PO-DER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. DEMISSÃO PRECEDIDA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. RECURSO ADMINISTRATIVO. NÃO CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO. LEGALIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO IMPROVIDO.

I – É incabível a alegação de cerceamento de defesa, por supressão do direito ao recurso na via administrativa, se, tão logo tomou conhecimento do ato demissório, o impetrante ingressou com pedido de reconsideração, em regular trâmite na Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça.

ii – os recursos administrativos são recebidos, em regra, apenas no efeito devolutivo, podendo ser recebidos no efeito suspensivo.

III – Recurso desprovido.” (RMS 17.652/MG, Quinta Turma, Felix Fischer, DJ de 14.11.2005) (grifei)

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROMOTOR DE JUSTIÇA. DISPONIBILIDADE CAUTELAR. RECURSO ADMINIS-TRATIVO. EFEITO SUSPENSIVO. CONCESSÃO. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊN-CIA DE RAZÕES JUSTIFICADORAS. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

1 – não há como conceder efeito suspensivo ao recurso administrativo interposto pelo ora recorrente, Promotor de Justiça no estado de Minas Gerais, contra decisão que decretou a sua disponibilidade cautelar. Isso porque o ato impugnado foi devidamente fundamentado, inexistiramdefeitodeforma,ofensaàsegurançadosatosjurídicosedesviodefinalidade,nãoconstandonosautosrazõescapazesdejustificaroalmejadoefeitosuspensivo.Assim,o recorrente não possui direito líquido e certo de permanecer no exercício de suas funções até o julgamento do referido recurso pela Câmara de Procuradores de Justiça do Estado, já que está dentro das atribuições do Procurador-Geral o afastamento preventivo do membro ministerial. Ausência de liquidez e certeza a amparar a pretensão.

2 – Recurso conhecido, porém, desprovido.” (RMS nº 15.902/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 26.04.2004) (grifei)“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TESE DE NULIDADE

DO ACÓRDÃO POR VÍCIO eXtra Petita. NULIDADE INEXISTENTE. PRELIMI-NAR REJEITADA. PLEITO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ADMINISTRATIVO HIERÁRQUICO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. EXCEP-CIONALIDADE NÃO VERIFICADA NA ESPÉCIE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO EVIDENCIADO.

1. omissis;2. este Superior tribunal de Justiça tem sido parcimonioso, mesmo em sede de medida

cautelar – o que não é o caso dos autos -, no que se refere à concessão de efeito suspensivo a recurso que, de regra, não o possui, estando sempre adstrito a circunstâncias absoluta-mente excepcionais, o que também não se verifica.

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3. O fato de tratar-se de verba de caráter alimentar não se mostra suficiente, por si só, para impingir ao recurso o pretendido efeito suspensivo, sobretudo, em razão do disposto no art. 264 da Lei estadual n.º 6.174/70 – que não lhe atribui esse efeito (suspensivo) – e ainda tendo em vista a via eleita – mandado de segurança – que, como é consabido, não se presta a tal fim. Precedentes.”

Logo, a inexistência de efeito suspensivo para os recursos adminis-trativos não fere os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Ademais, sendo a regra geral no procedimento administrativo a não atribuição de efeito suspensivo ao recurso, não há necessidade do esgotamento da via administrativa para a cessação de benefícios previdenciários.

3 do caso concreto

Nocasodosautos,segundoconstadorelatóriofinaldoprocedimentoadministrativoqueculminounacassaçãodobenefício(fls.143-145),osprocedimentos de auditagem iniciaram-se em 25.06.2004, apontando irregularidades na concessão do benefício.

Em 14.06.2004, foi diligenciado junto à Prefeitura Municipal de Porto Alegreafimdeconfirmaraveracidadedasinformaçõescontidasemdiversas certidões e alvarás que embasaram a concessão do benefício do Impetrante.

Posteriormente,concluiu-sepelaimpossibilidadedeconfirmaçãodacontemporaneidade dos alvarás, tampouco a veracidade das informações contidas na certidão de nº 482/97, emitida pela Secretaria de Indústria e Comércio do Município de Porto Alegre, no sentido de que o ora impetrante teria trabalhado como autônomo (feirante) no período de 01.02.1965 a 02.01.1967 (01 ano, 11 meses e 02 dias).

Além disso, da análise da situação funcional do Sr. Bartolomeu Felis-berto Brasil Berutti – cuja assinatura consta do Alvará n. 2023, com data de início em 01.02.1965, e que teria dado origem à certidão questionada pela Autarquia Previdenciária – consta que o referido servidor teria fa-lecido em 27.09.1963, conforme cópia da certidão de óbito, e que desde 19.05.1961 exercia a atividade de Coletor, função cujas atribuições não lhe exigia, tampouco autorizava, a assinatura de alvarás.

Assim, na data da entrada do requerimento (08.10.1997), o ora impe-trante não contava 30 anos, 02 meses e 05 dias de tempo de serviço, mas

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apenas 28 anos, 03 meses e 03 dias, razão pela qual o segurado foi inti-mado das irregularidades, sendo-lhe concedido o prazo de dez (10) dias paraaapresentaçãodedocumentosedefesa(fls.26e27).Apresentadadefesaescritaem05.09.2005(fls.31-40),foiconsideradainsubsistente,uma vez que não foram apresentados documentos contemporâneos que comprovassem o exercício de atividade como autônomo, em desacordo com o art. 60 do Decreto nº 2.172/97, vigente à época do requerimento dobenefício(fls.130-132),razãopelaqualfoisuspensoopagamentoem 18.08.2008, com data de cessação do benefício em 01.09.2008, tendo sido apurado o débito (corrigido até a competência de setembro de 2008) no valor de R$ 207.232,75.

Em 24.09.2008, o ora Impetrante apresentou Recurso Administrativo (fl.147),eem27.10.2008(33diasapós)impetrouopresenteMandadode Segurança, alegando que até a referida data o recurso administrativo sequer havia tramitado.

Como se extrai da resenha acima, a autarquia Previdenciária, no procedimento administrativo que culminou com o cancelamento do be-nefício, observou os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF/88), segundo a conformação legal antes transcrita.

Por outro lado, há fortes indícios de que é produto de fraude a certidão nº 482/97, emitida pela Secretaria de Indústria e Comércio do Município de Porto Alegre, no sentido de que o Impetrante teria trabalhado como autônomo (feirante) no período de 01.02.1965 a 02.01.1967, uma vez que se baseou em informações contidas no Alvará nº 2023 da Secretaria MunicipaldaFazendadoMunicípiodePortoAlegre(fl.22).EsseAlvarádá conta da alegada atividade do Impetrante no período de 01.02.1965 a02.01.1967,tendosidofirmadoporBartolomeuFelisbertoBrasilBe-rutti. Ocorre, no entanto, que o referido servidor municipal falecera em 27.09.1963,conformecópiadacertidãodeóbitodafl.30.Alémdisso,apurou-se que desde 19.05.1961 exercia a atividade de Coletor, função cujas atribuições não lhe exigia, tampouco autorizava, a assinatura de alvarás.

Considerando esses indícios de fraude, não vislumbro ilegalidade no ato de cancelamento do benefício – após regular procedimento administrativo, com observância dos princípios constitucionais do de-

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vido processo legal, do contraditório e da ampla defesa –, até porque o Impetrante não fez juntar documentos comprobatórios do efetivo exercício de atividades urbanas no período impugnado pela Autarquia Previdenciária (01.02.1965 a 02.01.1967). Veja-se que vieram aos autos apenasaprópriacertidãoeoalvaráimpugnados(fls.11e22),cópiasdeCTPSdeirmãosdoImpetrante(fls.41-47),cópiasdepeçasdaaçãopenalcontraoImpetrante(fls.64a124)ecópiadocertificadodereservistadoImpetrante, dando conta de sua incorporação em 15.01.1968 e dispensa em20.11.1968,emperíodoposterioraoimpugnado,portanto(fls.10e 314). De ressaltar, ainda, que todos esses documentos já constavam do procedimento administrativo, presumindo-se analisados pelo INSS.

Ademais, tampouco elide os indícios de fraude acima referidos a absolvição do ora impetrante, por ausência de provas, da acusação de estelionato contra a Autarquia Previdenciária (art. 171, caput e § 3º, c/c art. 29, ambos do CPB), conforme sentença da ação penal nº 2004.71.00.046962-0, cuja juntada aos presentes autos ora determino, seja pela independência das instâncias cível e criminal, seja porque a existência da fraude, demonstrada na sentença absolutória do ora im-petrante, serviu, inclusive, de fundamento para a condenação do corréu Antonio Carlos Medeiros.

Dequalquersorte,aanálisedefinitivadetalquestãodemandadilaçãoprobatória, para a qual a via do mandado de segurança não é a adequada.

em conclusão, no caso dos autos, no procedimento administrativo levado a efeito pelo INSS e que culminou na suspensão do benefício previdenciário do ora impetrante: a) foram observados os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, não os maculando a circunstância de o benefício ter sido suspenso anteriormente ao exaurimento da via administrativa; b) não era o caso de atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto pelo segurado, ora impetrante, com base no art. 308 do Decreto nº 3.048/99, uma vez que o que prevê o referido art. 308 do Decreto nº 3.048/1999 é o recebimento no duplo efeito dos recursos tempestivos contra decisões das Juntas de recursos do Conselho de recursos da Previdência Social, apenas, não dispensando o mesmo tratamento às decisões monocráticas que resolvem o mérito do processo administrativo, como ocorreu na hipótese; c) con-sequentemente, inexiste ilegalidade no ato de cancelamento do benefício

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do ora impetrante a ser corrigida pela via do mandamus.Assim, conjuntamente consideradas as circunstâncias do caso concre-

to, tenho por indemonstrada qualquer ilegalidade no ato administrativo impugnado, de forma que deve ser negada a segurança pleiteada.

Sem condenação em honorários advocatícios (Súmulas 105 do STJ e 502 do STF).

Custas pelo impetrante, suspensa a satisfação respectiva em face da AJG que ora concedo, em face da declaração e do pedido formulados àfl.04.

ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2009.70.99.000222-0/PR

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti

apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSadvogado: Procuradoria Regional da PFE–INSS

apelada: Olga Ribeiroadvogado: Dr. Giovani Miguel Lopes

eMenta

Pensão por morte. Companheira. Cuidadora.É indevida a pensão por morte à alegada companheira quando o

conjunto da prova dos autos evidencia que ela era na verdade cuidadora do falecido segurado, caso em que não há dependência previdenciária.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento àapelaçãoeàremessaoficial, tida

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por interposta, e tornar sem efeito a antecipação da tutela, nos termos do relatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedo presente julgado.

Porto Alegre, 25 de janeiro de 2011.Des. Federal rômulo Pizzolatti, Relator.

reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal rômulo Pizzolatti: Trata-se de remessa oficial,tidaporinterposta,edeapelaçãodoInstitutoNacionaldoSeguroSocial (INSS) contra sentença que, concedendo antecipação da tutela, julgou procedente ação de restabelecimento de pensão por morte, ajuizada por Olga Ribeiro, na qualidade de companheira do segurado Severino Machado Fernandes, falecido em 29.06.2005, aos 77 anos de idade.

Alega o apelante, nas razões recursais, que o benefício foi concedido e depois revisto, em processo administrativo, porque se apurou que a autoraviviamaritalmentecomoutrohomem,comquemtevetrêsfilhos,sendo na verdade cuidadora do falecido segurado.

Com resposta da apelada, vieram os autos a este tribunal.É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal rômulo Pizzolatti: Pelo que se vê dos autos, a autora obteve pensão por morte do idoso Severino Machado Fernandes, naqualidadedecompanheira,sendo,porforçadedenúnciaescrita(fls.29), instaurado processo de revisão, no qual apurado que a pensionista não eracompanheiradofalecidoidoso(fls.35).

Bem examinada a prova dos autos, colhe-se um conjunto exuberante de indícios e circunstâncias que evidenciam ter sido a autora sempre cui-dadora do idoso segurado, e não companheira, como alega: a) a autora, por ocasião do óbito (29.06.2005), tinha 35 anos de idade (nasceu em 30.06.1969), enquanto o idoso tinha 77 anos (nasceu em 02.04.1928); b) quando conheceu a autora, o idoso já era inválido e portador de câncer depróstata(depoimentojudicialdaautora,fl.150),fatoqueinviabilizauma união duradoura e estável, mormente com uma mulher ainda jovem;

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c) a autora conheceu o idoso ao ser contratada como cuidadora dele (de-poimentojudicialdaautora,fls.150);d)aautoraconviveumaritalmentecomoutrohomem,comquemteve3filhos(depoimentojudicial,fl.150);e)emboratenhaarroladotestemunhasparaconfirmargenericamentequeera companheira do falecido, a autora não comprovou que o denuncian-teMarcolinoVorpagel (fl.29)eas informantesnomeadasnapesquisaadministrativa(fl.35)tivessemmotivoparanãodizeraverdadeouparaprejudicar a autora; f) a escritura pública declaratória de convivência por exatos 5 anos com indicação da autora como pensionista perante o INSS (fl.19),lavradacercadeumanoantesdoóbito,portãoexataeartificiosa,não disfarça a intenção oculta de servir de prova perfeita de uma situação inexistente (a convivência como marido e mulher por precisos cinco anos).

Acresce que as testemunhas arroladas pela autora prestaram depoimento obsequioso, com o nítido propósito de favorecê-la sem comprometer-se, o que é evidenciado pelo fato de saberem muito sobre a alegada convi-vência em união estável e nada ou pouco sobre fatos relevantes da vida da autora, que deviam necessariamente ser conhecidos por elas. Assim é que a testemunha Liomar Mendes de Souza, perguntada se sabia que a autora conviveu maritalmente com Antonio, respondeu “que o declarante desco-nhece se a requerente conviveu com Antonio, apenas sabe que a requerente eAntoniopossuemtrêsfilhos”(fl.149).Poroutrolado,emborasejanotórioqueaautoratemtrêsfilhos,atestemunhaAdolfoKrackdeclarou“queodeclarantedesconhecesearequerentepossuifilhos”(fl.151).

Por seu turno, o depoimento da testemunha Lurdes Gonzatti da Costa (fl.152)abalaacredibilidadeda“escriturapúblicadeclaratória”deuniãoestávelporcincoanos(fl.19),umavezquenoticiaqueaconvivênciaentrea autora e o segurado iniciou-se “quatro ou cinco anos antes de Severino falecer”, enquanto a escritura indica exatos cinco (5) anos de união e foi lavrada mais de um ano antes do óbito.

Na verdade, a prova dos autos leva à conclusão de que a autora foi sem-pre e apenas cuidadora do falecido segurado, o qual, não tendo condições financeirasdepagar-lhesaláriodigno,massendoidoso,muitodoenteebeneficiáriodeaposentadoriaporinvalidezsemdependentes,concordouem declará-la como sua companheira para viabilizar o recebimento de pensãopormorte,oquefoiconcretizadopelaartificiosaescrituradecla-ratóriadafl.19.

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Impõe-se, pois, julgar improcedente a demanda, condenada a autora ao pagamento das custas do processo e dos honorários advocatícios, arbitrados equitativamente em R$ 510,00, observado o disposto no art. 12 da Lei nº 1.060,de1950,porserbeneficiáriadagratuidadedejustiça(fl.61).

Ante o exposto, voto por dar provimento àapelaçãoeàremessaoficial,tida por interposta, e tornar sem efeito a antecipação da tutela.

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direito ProCeSSuaL CiViL

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AGRAVO (INOMINADO, LEGAL) EM SELNº 0000570-51.2011.404.0000/SC

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós

agravante: Ministério Público Federalagravada: Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

advogado: Procuradoria Regional Federal da 4ª Regiãoagravado: Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Joinville

interessados: Município de Joinville/SCEstado de Santa Catarina

interessado: Coml. Sinuelo Ltda.advogado: Dr. Silvio Orzechowski

interessado: Esperança Administradora de Bens Ltda.advogado: Dr. Romeo Piazera Junior

interessado: Milton Mebsadvogado: Dr. Edilson Neilon Gonçalves

interessados: Vandir BeckerMaria Rubia Becker

advogado: Dr. Renato Marconinteressado: Vicente Ruon

advogado: Dr. Silvio Orzechowskiinteressada: Osmarina Ruon

advogado: Dr. Josué Eugenio Wernerinteressada: Marli de Andrade

interessado: João Franco de Andrade

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advogado: Dr. Josué Eugenio Wernerinteressado: Marco Antonio Tebaldi

interessados: Ademiro Palmerio CustodioDivaldo Marcon

advogada: Dra. Olga Regina Melchiors Emeriminteressado: Alceu Valdo Juliani

advogado: Dr. Pedro Victor de Melo Machado Lopesinteressados: Ubiraci José da Silva

Helcio Daquinoadvogada: Dra. Olga Regina Melchiors Emerim

interessado: Fábio Luiz Tavaresadvogado: Dr. Damiano Flenik

interessado: Perci Mulleradvogada: Dra. Olga Regina Melchiors Emerim

eMenta

agravo regimental. Pedido de suspensão de liminar ou sentença. recursos. Prazo em dobro. art. 188 do CPC. inaplicabilidade. tem-pestividade. Conflito entre lei ordinária e lei complementar. Questão constitucional. aplicabilidade dos precedentes do StF.

A necessidade de aplicação do entendimento do STF acerca da inci-dência do art. 188 do CPC nos pedidos de suspensão faz-se necessária poisaquestãoperpassapelaanálisedeaparenteconflitodecompetêncialegislativa constitucional entre Lei Complementar (Lei Complementar nº 75/93) e Lei Ordinária (Lei nº 8.437/1992). Desse modo, se é na Constituição Federal que se deve buscar o que será legislado via Lei Complementar, impõe-se a adoção do entendimento do STF que afasta o prazo em dobro para o MPF agravar (recorrer) no âmbito do pedido de suspensão.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termosdorelatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrante do presente julgado.

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Porto Alegre, 26 de maio de 2011.Des. Federal Vilson darós, Relator.

reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal Vilson darós: Trata-se de agravo regimental (fls.213-20)interpostopeloMinistério Público Federal contra decisão (fls.208-10)quenegouseguimentoaoagravointerpostoàsfls.198-205dos autos.

A decisão monocrática reconheceu a intempestividade do agravo ao entendimento de que, em sede de pedido de suspensão de liminar ou de antecipação de tutela, não incide o artigo 188 do CPC, dispositivo que prevê o prazo em dobro para o Ministério Público recorrer.

Em seu recurso, o Ministério Público Federal argumenta não estar presentesituaçãoexcepcionalquejustifiqueoafastamentodaaplicaçãodo art. 188 do CPC. Defende que a decisão pautou-se tão somente pela jurisprudência do STF, que é contrária ao entendimento vigente no STJ. Com isso, alega que ao caso concreto deveria ser aplicado o posiciona-mento deste último, pois não se está diante de questão constitucional, esimdeconflitoentreleisfederais,oque,segundoconsta,deveriaserdirimido pela competência do STJ de uniformizar a interpretação do di-reito federal comum. Sustenta, outrossim, que a prerrogativa do prazo em dobro para o MPF recorrer também está prevista na Lei Complementar nº 75/93, hierarquicamente superior à Lei Ordinária nº 8.437/92, que estabelece o prazo de cinco dias do agravo da suspensão de liminar.

Aofinal,pugnapeloprovimentodesteagravoregimentalparaquesejarecebidooagravodefls.198-205.

É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal Vilson darós: Trata-se de agravo regimen-tal interposto pelo Ministério Público Federal em face de decisão que considerou intempestivo agravo manejado contra decisão monocrática desta Presidência que deferiu em parte pedido para suspender decisão liminar(cópianafl.26destesautos)proferidanaaçãocivilpúblicanº2009.72.01.001980-5/SC.

A decisão hostilizada foi posta nos seguintes termos:

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“deCiSÃo Trata-se de agravo interposto peloMinistérioPúblicoFederal (fls. 198-205) contra

decisãodasfls.188-91quedeferiuopedidodesuspensãodosefeitosdaliminarproferidanos autos da Ação Civil Pública nº 2009.72.01.001980-5 pelo Juízo Federal da 2ª Vara Federal de Joinville/SC.

Objetivando a reforma da decisão monocrática, o agravante pugna pelo recebimento do recurso e pela reforma da decisão para restabelecer os efeitos do item c do dispositivo da liminar.

É o relatório. decido. Conforme o disposto no § 3º do artigo 4º da Lei nº 8.437/1992, do despacho que con-

ceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.

Com relação ao prazo para a interposição de agravo contra a decisão proferida pelo Pre-sidente de Tribunal em sede de pedido de suspensão de tutela antecipada, restou assentado no âmbito do Supremo Tribunal Federal que tal prazo não admite o benefício da contagem em dobro prevista no artigo 188 do Código de Processo Civil.

Nesse sentido, verbis: ‘Suspensão de Tutela Antecipada. Agravo Regimental contra decisão que negou segui-

mento a agravo regimental em virtude de sua intempestividade. Tentativa de dar trânsito a recurso interposto no décimo dia após a intimação, ao fundamento de aplicar-se à espécie o disposto no art. 188 do CPC. Entendimento assentado neste Tribunal de que o preceito do artigo 4º, § 3º, da Lei 8437/92 é taxativo ao assentar o prazo de cinco dias tanto para o agravo regimental a ser interposto pelo ente público, em razão do indeferimento do pedido de suspensão, quanto para o recurso do interessado que tivesse suspensa a decisão que lhe era favorável. Agravo regimental a que se nega provimento.’ (STA 46 AgR-AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno, julgado em 22.04.2010, DJe-091 DIVULG 20.05.2010 PUBLIC 21.05.2010 EMENT VOL-02402-01 PP-00009)

‘AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGI-MENTAL NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. PRAZO RECURSAL. ARTIGO 188 DO CPC. PRAZO EM DOBRO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Lei 4348/64 e superveniência da Lei 8437/92. Conciliação de sistemas legais pertinentes à possibilidade de suspensão de medida liminar e de tutela antecipada. Desfazimento de aparente assimetria processual então existente entre as ações de mandado de segurança e os demais procedimentos de contracautela. Precedente do Tribunal Pleno. 2. Agravo regimental. Cabimento do recurso contra a decisão que defere ou indefere o pedido de suspensão de liminar ou de tutela ante-cipada, no prazo de cinco dias. Contagem em dobro do prazo para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público. Inaplicabilidade do artigo 188 do Código de Processo Civil à espécie, tendo em vista o disposto no artigo 4º, § 3º, da Lei 8437/92. Agravo regimental não conhecido.’ (SS 2198 AgR-AgR, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 03.03.2004, DJ 02.04.2004 PP-00010 EMENT VOL-02146-02 PP-00341)

No mesmo sentido, recente decisão proferida pela Corte Especial deste Tribunal, in verbis:

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‘AGRAVO REGIMENTAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR OU SENTEN-ÇA. RECURSOS. PRAZO EM DOBRO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ART. 188 DO CPC. INAPLICABILIDADE. TEMPESTIVIDADE. PRECEDENTE DO STF – SL 172 AgR-ED. A inaplicabilidade do art. 188 do CPC (prazo em dobro para a fazenda pública e o ministério público recorrerem) abrange qualquer recurso interposto em face da decisão proferida pelo Presidente do Tribunal em pedidos de suspensão de liminar ou de sentença. Precedente do STF, SL 172 AgR-ED.’ (TRF4, AGRAVO (INOMINADO, LEGAL) EM SEL Nº 0025867-94.2010.404.0000, Presidente, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, D.E. 03.03.2011)

Cumpre também registrar que, muito embora os arts. 18, inc. II, h, da LC 75/93 e 41, inc.IV,daLei8.625/93confiramprerrogativaaosmembrosdoMinistérioPúblicodeseremintimados pessoalmente dos atos processuais, compartilho do entendimento de que, havendo a indicação da data de recebimento dos autos no setor responsável daquele órgão, conta-se a partir daí o prazo para a prática dos atos processuais.

Nesse sentido, vale citar os seguintes precedentes desta Corte: ‘EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PRAZO RECURSAL

EM DOBRO. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO PESSOAL. INICÍO DA CONTAGEM. INTEMPESTIVIDADE.

Conforme disposição do artigo 536 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração serão opostos no prazo de cinco dias, em petição dirigida ao juiz ou relator, contando-se o prazo da data da intimação da sentença ou do acórdão embargado. Os prazos para recorrer serão contados em dobro, contudo, quando a parte for o Ministério Público, a teor do art. 188 do Código de Processo Civil.

embora os artigos 18, inc. ii, h, da LC 75/93 e 41, inc. IV, da Lei 8.625/93 confiram a prerrogativa aos membros do Ministério Público de serem intimados pessoalmente, havendo setor responsável pelo recebimento dos autos, conta-se a partir daí o prazo para a prática dos atos processuais.

São intempestivos os embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal após decorrido o prazo de dez dias contados do recebimento dos autos naquele órgão.’ (TRF4, EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA Nº 2009.04.00.017735-3, Presidente, Des. Federal VILSON DARÓS, POR UNANIMIDADE, D.E. 10.12.2009) (grifei)

‘PROCESSO PENAL. INTIMAÇÃO PESSOAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONTAGEM DOS PRAZOS A PARTIR DO RECEBIMENTO NO RESPEC-TIVO ÓRGÃO. 1. Não obstante tratar-se de uma prerrogativa legítima e indispensável, a exigência de intimação pessoal dos membros do Ministério Público (Lei Complementar nº 75/93eLeinº8.625/93)nãoésuficienteparaconferir-lhestotalcontrolesobreosprazosprocessuais, em odiosa desigualdade processual entre as partes. 2. Conforme precedente da Turma, não há norma legal estabelecendo o ‘ciente’ aposto pelo Procurador da República como o ato capaz de perfazer a referida determinação. 3. Se há certeza quanto à data na qual os autos foram recebidos pela Procuradoria Regional da República, em vista de marcação assinalada pelo setor responsável por tais atos, é sensato concluir que a imposição tenha

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sido satisfeita, contando-se a partir daí os prazos processuais.’ (TRF4, EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RCCR Nº 2001.70.01.002433-0, OITAVA TURMA, Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, D.J.U. 11.06.2003)

‘PROCESSUAL PENAL. PRAZO RECURSAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO PESSOAL. VISTA DOS AUTOS. INTEMPESTIVIDADE DO APELO. 1. O termo a quo do prazo recursal, para o Parquet, se dá a contar do recebimento do processo, com abertura de vista, no setor administrativo do órgão acusador. 2. A intimação pessoal não exige o lançamento de ciência nos autos por parte do agente ministerial, uma vez que tal procedimento permitiria ao Ministério Público manipular os prazos processuais, bemcomofixarotermoinicialparaainterposiçãoderecurso,oqueviolariaosprincípiosdo processo penal e da isonomia. 3. Precedentes desta Corte e dos Tribunais Superiores. 4. Recurso não conhecido, por intempestivo.’ (TRF4, QUESTÃO DE ORDEM NA ACR Nº 2002.71.00.008972-3, 7ª Turma, Des. Federal TADAAQUI HIROSE, D.J.U. 05.10.2005)

Poisbem,nocasoemtela,acertidãodefl.196indicaqueospresentesautosforamremetidos ao Ministério Público Federal na data de 05 de abril de 2011. À mesma folha, observa-se que o MPF apôs seu carimbo de recebimento no dia 07 de abril (quinta-feira) do corrente ano.

Iniciado o prazo para recorrer em 08 de abril, o último dia para a interposição do recurso seria dia 12 de abril (terça-feira). Ocorre que o agravo em questão somente foi apresentado nodia14deabrilde2011,conformeregistrodeprotocolodepetiçãodefl.198.Valedizer,o presente agravo foi manejado após ter escoado o prazo de cinco dias para recorrer.

Ante o exposto, nego seguimento ao agravo, com fulcro no artigo 557, caput, do Código de Processo Civil.

Intime-se. Publique-se. Oportunamente, dê-se baixa. Porto Alegre, 18 de abril de 2011. Desembargador Federal VILSON DARÓS Presidente”

Embora os argumentos trazidos pelo agravante, mantenho o posicio-namento esposado no momento em que proferi a decisão monocrática que reconheceu a intempestividade do agravo. Explico.

Em primeiro lugar, o agravante evoca a competência do STJ, de uni-ficarainterpretaçãododireitofederal,paradesqualificarautilizaçãodajurisprudência do STF pela decisão agravada.

Contudo, não se pode olvidar que ambos os tribunais superiores não estão limitados às competências referidas pela agravante. Uma das principais competências do STF é a guarda da Constituição via controle concentrado (Adin) ou difuso (Recurso Extraordinário), mas também pode analisar questão de interpretação de lei federal quando recebe re-

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curso ordinário de ações originárias de outros tribunais superiores (inciso II do art. 102 da CF/88). Nesse caso, havendo decisão do STJ em ação originária recorrível via recurso ordinário ao STF, eventual pedido de suspensãodeveráserdirecionadoaoSTF,quenãoficarálimitadoemapontar ofensa à Constituição.

Ademais, a agravante alega que não poderia ser afastada a Lei Com-plementar nº 75/93 (que ao seu entendimento confere a prerrogativa do art. 188 do CPC ao MPF) por norma contida em Lei Ordinária (§ 3º do artigo 4º da Lei nº 8.437/1992), dada a hierarquia superior do primeiro diploma legal.

Entretanto, mesmo considerando a jurisprudência já consolidada do STF no sentido da inexistência de ordem hierárquica entre Lei Comple-mentar e Lei Ordinária, e sim de uma competência legislativa material constitucionalmente resguardada à primeira espécie, não se pode olvidar que tal questão é eminentemente constitucional.

Assim, pelos próprios fundamentos apresentados nas razões do re-curso do MPF, evidencia-se a necessidade de aplicação do entendimento do StF acerca da incidência do art. 188 do CPC, pois se trata também dedirimirconflitodecompetêncialegislativaconstitucional entre Lei Complementar e Lei Ordinária. Em outras palavras, é na própria Cons-tituição Federal que está estabelecido o que deve ser legislado via Lei Complementar, consagrando a competência do STF para análise do tema e, consequentemente, a adoção do seu entendimento de afastar o prazo em dobro para o MPF recorrer no âmbito do pedido de suspensão.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo regimental.É o voto.

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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 0000978-42.2011.404.0000/RS

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle

impetrante: Rogério Schutz Goedertadvogados: Drs. Bento Ademir Vogel e outro

impetrado: Desembargador Federal Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

interessada: União Federal (Fazenda Nacional)advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional

eMenta

Mandado de Segurança contra ato judicial. recurso especial ad-mitido por um dos fundamentos. agravo interposto. recebimento como pedido de reconsideração. ausência de interesse processual para o mandamus. inadmissão parcial do recurso especial não obsta o exame integral pelo StJ. inteligência das Súmulas 292 e 528 do StF.

1. Admite-se Mandado de Segurança contra ato judicial, desde que ausente previsão de recurso para atacá-lo.

2. Tendo o Recurso Especial sido admitido por um de seus fundamen-tos, desnecessária a interposição de agravo, o qual fora recebido como Pedido de Reconsideração.

3. A inadmissão parcial do Recurso Especial não obsta o exame in-tegral do recurso pelo STJ, conforme preceituam as Súmulas 292 e 528 do STF.

4. Ausência de interesse processual para o mandamus.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, indeferir a inicial, extinguindo a ação man-damental,nostermosdorelatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 28 de abril de 2011.Des. Federal Luís alberto d’azevedo aurvalle, Relator.

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reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal Luís alberto d’azevedo aurvalle: Trata-se de mandado de segurança impetrado por rogério Schutz Goedert contra decisão proferida pelo e. Desembargador Vice-Presidente desta Corte, que negou provimento ao agravo inominado interposto da decisão que admitiu parcialmente o Recurso Especial interposto.

Ematençãoaodespachodafl.61,aUnião(FazendaNacional)in-gressounofeito(fls.69-70),requerendo,preliminarmente,aextinçãodo processo sem julgamento de mérito ou, vencida a preliminar, pugnou pela denegação da segurança.

Aautoridadeimpetradaprestouasinformações(fls.73-74).O Ministério Público Federal opinou pela extinção do mandamus,

empreliminar,e,nomérito,peladenegaçãodasegurança(fls.76-78v.).É o Relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal Luís alberto d’azevedo aurvalle: Ainda que a jurisprudência pátria admita o manejo do Mandado de Segurança em face de decisão judicial contra a qual não haja previsão de recurso, tenho que o presente mandamus não deve ter prosseguimento.

Constitui truísmo vulgar, na teoria geral do Direito, o reconhecimento de que o espírito se sobrepõe à letra da lei. Por analogia, o nomen juris emprestado pelos operadores do Direito aos institutos jurídicos não representa necessariamente sua natureza. Levando tais lições básicas ao campo do direito processual, sobressai a constatação de que o nome dado ao remédio jurídico escolhido pela parte nem sempre se amolda à sua pretensão. Interessa, sim, indagar sobre o “bem da vida” perseguido pelo titular do direito de ação, para saber se o veículo escolhido é-lhe compatível.

No presente mandado de segurança, o Impetrante busca a nulidade da decisão proferida pela E. Vice-Presidência desta Corte que, recebendo seu agravo como pedido de reconsideração do despacho de admissibilidade do recurso especial, o indeferiu.

Paratanto,afirmouque“nãoeradadoàDoutaAutoridadeCoatorareexaminar o conteúdo da decisão e proferir novo julgamento, porque

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lhe incumbe, por força do art. 544 do CPC, dar vista à parte adversa e encaminharocadernojudiciárioaoSuperiorTribunaldeJustiça”(fl.6).

data venia, tal pretensão possui nítida natureza reclamatória, por ter havido alegada usurpação de competência originária do Col. STJ, a teor do disposto no art. 105, I, f, da Constituição Federal: “Compete ao STJ processar e julgar originariamente a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões”. Por essa razão, não compete a este Eg. Regional – e muito menos a este Relator – manifestar-se sobre ter havido ou não usurpação da competência do Col. STJ. Sendo o juízo de admissibilidade do recurso especial, feito por parte da Eg. Vice-Presidência da Corte Regional, fruto de competência delegada diretamente pelo Col. STJ, a inconformidade quanto a tal juízo somente pode ser apreciada pelo Tribunal Superior delegante.

Por essa razão, o agravo previsto no art. 544 do CPC é dirigido ao Tribunal Superior, e não ao Regional. Assim, não pode o presente man-dado de segurança – e nem o agravo interposto no processo originário – ser aqui conhecido, por absoluta incompetência, pois não pode a ação mandamental ser sucedânea de pedido reclamatório.

Alternativamente, mesmo que vencida fosse a barreira objetiva do exame dos pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo – o que se admite apenas por apego à argumentação –, melhor sorte não sorriria ao Impetrante, no que respeita às condições da ação, por lhe falecer interesse processual.

Sucede que, ainda que parcialmente, o recurso especial foi admitido pela decisão anterior à ora atacada. Sendo ele composto por três capítulos, mesmo tendo sido negado trânsito a dois deles, quanto ao cabimento ou não de honorários advocatícios foi-lhe dado seguimento, o que possibi-lita que o Tribunal Superior aprecie todos os três fundamentos arguidos pelo recorrente.

Assim, repisa-se, uma vez admitido o Recurso Especial, mesmo que parcialmente, pelo Tribunal de origem, não impede que a Corte Superior o aprecie sob todos os fundamentos interpostos, conforme precedente do STJ, verbis:

“PROCESSO PENAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INADMISSÃO PARCIAL DO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. SÚMULAS 292/STF E 528/STF. AGRAVO NÃO CONHECIDO.” (decisão monocrática proferida no AI

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nº 1.089.394-RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, publicada no DJe 10.02.2009)

No corpo da decisão, a Ministra Relatora sublinha que a mesma atende à orientação objeto das súmulas 292 e 528 do Supremo Tribunal Federal, assim ementadas:

Enunciado nº 292: “Interposto o recurso extraordinário por mais de um dos fundamentos indicados no art. 101, III, da Constituição, a admissão apenas por um deles não prejudica o seu conhecimento por qualquer dos outros.”

Enunciado nº 528: “Se a decisão contiver partes autônomas, a admissão parcial, pelo presidente do tribunal a quo, de recurso extraordinário que, sobre qualquer delas se manifestar, não limitará a apreciação de todas pelo Supremo Tribunal Federal, independentemente de interposição de agravo de instrumento.”

Nomais,verifica-sequeoimpetrantedeixoudejuntarprocuração,oqueensejaria, a rigor, a suspensão do processo para a regularização da representação processual, conforme julgados abaixo transcritos. Entretanto, pelos argumentos acima, tal medida resta inócua.

“PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PETIÇÃO INICIAL. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. CONSEQUÊNCIAS. ART-13 DO CPC. PAGAMENTO DAS CUSTAS INICIAIS. PRAZO. ART-257 DO CPC-73.

1. A ausência de procuração com a inicial não enseja a extinção do processo, mas a sua suspensão e a intimação da parte para regularizar a representação processual, nos termos do art-13 do CPC-73.

2. (...)” (AMS nº 93.04.11348-2, Relatora Desa. Marga Inge Barth Tessler, Terceira Turma do TRF4, em 11.12.1997)

“MANDADO DE SEGURANÇA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. PROCURAÇÃO. RE-GULARIZAÇÃO NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA.

1. (...)2. Nas instâncias ordinárias a ausência de procuração do advogado é vício sanável, cabendo

ao magistrado abrir prazo para que a parte regularize a representação. Precedentes.3. (...)” (RMS nº 8163/MT, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma

do STJ, DJ 24.08.1998, p. 68).“RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EFEITO SUSPENSIVO. AGRAVO

DE INSTRUMENTO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. ADVOGADO DA IMPETRANTE. VÍCIO SANÁVEL. ART. 13 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRECEDENTES.

Tendo em vista princípios como o da economia processual, a jurisprudência desta Corte, na exegese do artigo 13 do Código de Processo Civil, consolidou entendimento no sentido de que o magistrado deve assegurar prazo razoável para que a parte possa suprir eventual omissão ou deficiênciarelativaàincapacidadepostulatória.

Recurso ordinário provido.” (RMS nº 6274/AM, Relator Ministro Castro Filho, Terceira Turma do STJ, DJ 23.09.2002, p. 349)

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Ante o exposto, voto por indeferir a inicial, extinguindo a presente ação mandamental, sem resolução de mérito, com fundamento nos arts. 267, inciso I, e 295, inciso III, do CPC, c/c os arts. 1º e 10 da Lei 12.016/2009 e 37, § 1º, inciso II, do Regimento Interno desta Corte, com a determinação de baixa e arquivamento dos autos e devidas cautelas legais.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0003389-58.2011.404.0000/RS

relatora: A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida

agravante: Cooperativa Vitivinícola Aliança Ltda.advogados: Drs. Juliana Sarmento Cardoso e outros

agravada: Centrais Elétricas Brasileiras S/A – Eletrobrásadvogados: Drs. Maria Ester Antunes Klin e outros

Drs. Sérgio Eduardo Rodrigues da Silva Martinez e outrosagravada: União Federal (Fazenda Nacional)

advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional

eMenta

Fase de execução. agravo de instrumento. tributário. empréstimo compulsório sobre energia elétrica. não apresentação das faturas. Comprovação dos valores recolhidos. Ônus da prova.

1. Na fase de execução, todos os documentos devem ser apresentados. Há necessidade de se chegar a um valor certo. As partes devem convergir na produção da prova necessária. Entretanto, assim como na fase de co-nhecimento, não basta que a (agora) exequente requeira inaudita altera parte a juntada forçada dos documentos.

2. A empresa-executante deve demonstrar que houve resistência prévia e extra-autos da Eletrobrás, antes de requerer a ordem judicial.

3. Não se está a negar jurisdição com esse entendimento. Pelo contrá-

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rio, está-se preservando a segurança da jurisdição, a intervenção mínima do judiciário e a ampla defesa. E, mesmo que admitida uma distribui-ção dinâmica do ônus da prova, não vejo no caso concreto elementos suficientesparainverteroônusdaproduçãodaprovadocumentaldorecolhimento do tributo.

4. Assim, é da parte exequente o ônus probatório de juntar toda a prova documental (cópia de faturas de energia elétrica em que conste o recolhimentodoempréstimocompulsório)oujustificaressaimpossibi-lidade mediante negativa prévia da empresa concessionária responsável pelo fornecimento de energia elétrica no seu domicílio.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do relatório, votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopre-sente julgado.

Porto Alegre, 10 de maio de 2011.Juíza Federal Vânia Hack de almeida, Relatora.

reLatÓrio

a exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de almeida: Cooperativa Vitivinícola aliança Ltda., autora na ação de rito ordinário (fase de execu-ção) que move contra as Centrais elétricas Brasileiras S/a – eletrobrás e a união, interpôs o presente agravo contra decisão do juiz singular que não obrigou a eletrobrás a informar e carrear ao processo as provas referentes ao Cice apontado pela empresa.

O despacho teve o seguinte conteúdo:“Indefiroopedidodafl.691,hajavistaqueéônusdapartedemandanteprovidenciara

juntada da documentação necessária à liquidação do julgado, no caso, solicitando-a direta-mente à fonte pagadora de seus rendimentos, não havendo necessidade de intervenção do juízoparatalfim,ressalvando-seahipótesedeinjustificadaresistêncianaviaadministrativa,o que deverá ser comprovado documentalmente. Uma vez que pendem de julgamento os recursos especiais interpostos pelas partes, bem como o agravo de instrumento interposto de decisão que inadmitiu o recurso extraordinário, esclareça a parte-autora se pretende a execução provisória do julgado ou aguarda o trânsito em julgado. Prazo de 10 (dez) dias. Ressalto, desde já, que os incidentes, dependentes ou conexos, bem como as execuções e

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cumprimentos de sentenças, de ações que tramitam em meio físico, devem ser ajuizados no sistema de processamento eletrônico/e-Proc, regulado pela Lei nº 11.419/06 e pela Resolução nº 17, de 26 de março de 2010, da Presidência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Assim, deverá a demandante, quando da proposição eletrônica da execução, digitalizar e anexar ao processo eletrônico cópia da decisão transitada em julgado nesta ação originária, da procuração, bem como de quaisquer outros documentos necessários à execução do julgado. Intime-se. Nada sendo requerido, aguarde-se o julgamento dos recursos excepcionais interpostos.”

Não houve pedido de efeito suspensivo ativo (antecipação de tutela).Após as contrarrazões, voltaram os autos para julgamento.É o relatório.

Voto

a exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de almeida: Ausente o direito invocado pela agravante.

Oprocessodeconhecimentovisaàafirmaçãododireitodebatido,cujaprova, se decorrer de documento, limita-se a demonstrar a existência do direitoouainfirmarapretensãodoautor.Osdocumentosnecessáriosnesta fase judicial, portanto, não precisam esgotar a comprovação do quantum debeatur.

Tratando-se de empréstimo compulsório, a jurisprudência vem afas-tando a necessidade de apresentação de todas as guias comprobatórias com a inicial do feito cognitivo, sendo perfeitamente viável que isso ocorra na fase de liquidação de sentença. A propósito:

“TRIBUTÁRIO E PROCESSO CIVIL. FINSOCIAL. DESNECESSIDADE DA APRE-SENTAÇÃO DAS GUIAS DE RECOLHIMENTO DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. 1. No processo de conhecimento é dispensável a apresentação das guias de recolhimento de Finsocial, uma vez que o interesse das pessoas jurídicas é de que seja declarada a incons-titucionalidade do referido tributo e que seja declarado o direito de repetição de indébito. 2. A compensação propriamente dita efetivar-se-á em fase de execução de sentença, com as devidas comprovações do pagamento do tributo. (...)” (AC 96.04.35842-1/RS, Primeira Turma, Relator Juiz Fernando Quadros da Silva, unânime, DJU 10.03.1999)

“TRIBUTÁRIO. INSS E INCRA. LEGITIMIDADE PASSIVA – LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. PRESCRIÇÃO. CONTRIBUIÇÃO AO FUNRURAL. LEGALIDADE. EXTINÇÃO PELA LEI Nº 7.787/89. IMPOSTO DESTINADO AO INCRA. NÃO RE-CEPÇÃO. RESTITUIÇÃO. OPORTUNIDADE DE JUNTADA DE DOCUMENTOS. 1 a 4: omissis.5.Oprocessodeconhecimentoobjetiva,precipuamente,aafirmaçãododireitodebatido, cuja prova, se decorrer de documento, limita-se a demonstrar a existência do

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direito,ouainfirmarapretensãodoautor.Osdocumentosnecessáriosnestafasejudicialnão precisam, portanto, esgotar a comprovação do quantum debeatur. Assim, nada impede a juntada de documentos comprobatórios de pagamentos de tributos na fase de liquidação/execução da sentença. Observa-se, com tal possibilidade, os princípios da efetividade e da economia processual.” (TRF da 4ª Região, AC 200370000825107/PR, Segunda Turma, Rel. Des. Dirceu de Almeida Soares, publ. no DJU de 18.01.2006, p. 608)

Todavia,háprecedentesdestaTurmaafirmandoqueéinsuficienteasimples indicação do Cice. Eis a ementa do julgado, cujo voto-condutor foi de minha lavra:

“TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. NÃO APRESENTAÇÃO DAS FATURAS. COMPROVAÇÃO DOS VALORES RECO-LHIDOS. ÔNUS DA PROVA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. 1. A parte-autora não se desincumbiu do ônus probatório (prova documental juntada in limine), tampouco comprovou haver tentado obter tais informações junto à em-presa concessionária responsável pelo fornecimento de energia elétrica no seu domicílio, ouqueestatenhacriadodificuldadesalémdorazoável.2.Processoextintosemanálisedemérito. Precedentes deste Regional. 3. Sentença mantida.” (TRF4, AC 2007.71.15.001738-7, Segunda Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 13.01.2010)

Já na fase de execução, todos os documentos devem ser apresentados. Há necessidade de se chegar a um valor certo. As partes devem con-vergir na produção da prova necessária. Entretanto, assim como na fase de conhecimento, não basta que a (agora) exequente requeira inaudita altera parte a juntada forçada dos documentos.

A empresa-executante deve demonstrar que houve resistência prévia e fora dos autos, antes de requerer a ordem judicial.

Veja-se, não se está a negar jurisdição com esse entendimento. Pelo contrário, está-se preservando a segurança da jurisdição, a intervenção mínima do Judiciário e a ampla defesa.

E, mesmo que admitida uma distribuição dinâmica do ônus da prova, nãovejonocasoconcretoelementossuficientesparainverteroônusdaprodução da prova documental do recolhimento do tributo.

ParaoprofessorLuizGuilhermeMarinoni,amodificaçãodoônusdaprova só deve ocorrer quando “ao autor é impossível, ou muito difícil, provar o fato constitutivo, mas ao réu é viável, ou muito mais fácil, provar a sua inexistência” (Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo as peculiaridades de caso concreto. Disponível em: <http://www.professormarinoni.com.br/artigos.php>. Acesso em: 26.01.07).

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Na espécie dos autos, ressalto que tinha a parte-autora boa possibili-dade material da produção dos aludidos documentos. Com efeito, ela po-deria ter diligenciado junto à Eletrobrás. Outrossim, deve ser prestigiada a presunção de ser a exequente uma empresa organizada e contabilmente estruturada para manter registro necessário e até de estimativa econômica para futuro ressarcimento de tal tributo.

Porfim,ressaltoqueajurisprudênciadesteTribunalestátomandoumalinha mais rígida quanto ao ônus da prova, em se tratando de empréstimo compulsório. Nesse sentido, mutatis mutandi:

“PROCESSUAL CIVIL. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉ-TRICA. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. EXIBIÇÃO DE DOCUMEN-TOS PELA ELETROBRÁS. 1. A eletrobrás não está obrigada a apresentar os extratos informativos dos recolhimentos feitos pelas apelantes, visto que o ônus da prova dos fatos constitutivos do direito pertence às autoras. Somente fosse provada a impossibilidade de obter esses documentos, em razão da negativa da empresa, caberia a aplicação do art. 355 do CPC. 2. Não se destinando a instruir o feito, a juntada de todos os comprovantes de pagamento do empréstimo compulsório não é útil nem necessária na fase de conhecimen-to, devendo ser requerida na fase de liquidação de sentença. 3. Versando sobre matéria exclusivamente de direito, basta que as autoras comprovem ser consumidoras de energia elétrica no período reclamado, porquanto o empréstimo compulsório era cobrado das empresas industriais, nos termos do DL nº 1.512/76. Desincumbiram-se desse ônus as em-presas Fundição Hércules, Cerâmica Heinig e Engenho de Arroz São Roque, mas a autora Cerealista Jonk não apresentou qualquer documento que possa evidenciar o pagamento do compulsório.” (TRF4, AC 2004.72.05.004039-0, Primeira Turma, Relator Wellington Mendes de Almeida, DJ 20.07.2005)

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. NÃO APRESENTAÇÃO DAS FATURAS. COMPRO-VAÇÃO DOS VALORES RECOLHIDOS. 1. A eletrobrás não é responsável pela emissão das faturas de energia elétrica, mas a concessionária local, que repassa, anualmente, os dados relativos às contribuições do empréstimo compulsório recebidas dos consumidores, no ano anterior, acompanhada dos respectivos nomes e endereços. 2. A parte-autora não desimcumbiu-se do ônus probatório, tampouco comprovou haver tentado obter tais infor-mações junto à empresa concessionária responsável pelo fornecimento de energia elétrica noseudomicílio,ouqueestatenhacriadodificuldadesalémdorazoável.3.Agravoim-provido.” (TRF4, AG 2005.04.01.017912-2, Segunda Turma, Relator Dirceu de Almeida Soares, DJ 17.08.2005)

Dessarte, correta a decisão agravada.ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0010735-94.2010.404.0000/PR

relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Jorge Antonio Maurique relatora p/ acórdão: A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Goraieb

agravante: Wandscheer Construções Ltda.advogados: Dr. Auracyr Azevedo de Moura Cordeiro

Dra. Thaila Andressa Nakadomariagravante: Auracyr Azevedo de Moura Cordeiro

advogado: Dr. Auracyr Azevedo de Moura Cordeiroagravada: Caixa Econômica Federal – CEF

advogados: Drs. Marcos Luciano Gomes e outros

eMenta

agravo de instrumento. Cumprimento de sentença. depósito judicial. Pressuposto processual. ausência de interrupção da mora. atualização. Possibilidade. Prevalência dos critérios definidos no título executivo.

. O depósito judicial prévio à oposição de embargos à execução ou à impugnação ao cumprimento de sentença é mero pressuposto proces-sual de admissibilidade e não tem, por si só, o condão de interromper a mora. Hipótese em que sobre os respectivos valores depositados em conta judicial incidem correção monetária e juros determinados no título executivo judicial.

.Somenteoefetivopagamento,assimdefinidocomoarealdispo-nibilidade econômica do crédito pelo exequente, cessa a aplicação dos critérios determinados no título executivo, ainda que exista penhora no rosto dos autos para satisfazer futura compensação de crédito.

. O depósito judicial efetuado como condição prévia à impugnação é atualizado exclusivamente pela remuneração básica da poupança, segun-doasdefiniçõescontidasnoart.11,§1º,daLeinº9.289/96enoart.7º,caput, da Lei nº 8.660/93, cabendo ao executado a sua complementação até o efetivo pagamento.

.Quandofixadosempercentualsobreacondenaçãoenãocessandoa mora com o depósito judicial, os honorários advocatícios devem ser recalculados na mesma medida e proporção que o principal, sob pena de representar afronta ao título executivo judicial.

. Prequestionamento estabelecido pelas razões de decidir.

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. Agravo de instrumento provido.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o Relator, dar provimento ao agravo de instrumento, nostermosdorelatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 30 de março de 2011.Desa. Federal Silvia Goraieb, Relatora para o acórdão.

reLatÓrio

o exmo. Sr. Juiz Federal Jorge antonio Maurique: Trata-se de agravo deinstrumentointerpostocontradecisão(fl.356)que,emsededefasedecumprimento de sentença lançada em ação ordinária movida contra a CEF (emqueébuscadaindenizaçãoporquebradecontratoemfinanciamentode empreendimento imobiliário), determinou fossem transferidos todos os valores penhorados nos autos em favor de ação movida pela Emgea contra os agravantes (penhora no rosto dos autos), o abatimento dos rendimentos dos valores depositados e ainda acolheu os cálculos elabo-rados pela Contadoria Judicial com juros de 1% apenas após a perícia.

Em prol de sua pretensão, alega o agravante: impossibilidade da transferência da totalidade dos valores, como determinado, pois parte deles se referem à verba honorária, diversa e autônoma em relação à agravante, pertencendo ao advogado e não podendo sofrer penhora; impossibilidade do abatimento dos valores decorrentes da remuneração da conta em que foi realizado o depósito, pois esses rendimentos perten-ceriam ao agravante, uma vez que são frutos do depósito efetuado pela agravada; os cálculos da contadoria estariam incorretos, haja vista que fizeramincidirosjurosnopercentualde1%apenasapósarealizaçãodaperícia, quando deveria ter sido considerada a vigência do novel Código Civil (janeiro/2003).

Inicialmente deferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo, foi taldecisãoreconsiderada(fl.416).Regularmenteprocessadoorecurso,com resposta da parte agravada, vieram os autos para julgamento.

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Voto

o exmo. Sr. Juiz Federal Jorge antonio Maurique: Em sede de cog-nição sumária, tive oportunidade de manifestar o seguinte entendimento, quando da análise do pedido de atribuição de efeito suspensivo:

“Trata-sedeagravodeinstrumentointerpostocontradecisão(fl.356)que,emsedede fase de cumprimento de sentença lançada em ação ordinária movida contra a CEF (em queébuscadaindenizaçãoporquebradecontratoemfinanciamentodeempreendimentoimobiliário), determinou fossem transferidos todos os valores penhorados nos autos em favor de ação movida pela Emgea contra os agravantes (penhora no rosto dos autos), o abatimento dos rendimentos dos valores depositados e ainda acolheu os cálculos elaborados pela Contadoria Judicial com juros de 1% apenas após a perícia.

Deferida a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, requer a CEF seja reconsiderada taldecisão(fls.402-14).

É o relatório. Decido.Em Juízo de retratação, tenho como relevantes os argumentos apresentados pela CEF

emseurequerimentodasfls.102-14.Com efeito, ao contrário do veiculado pela agravante em suas razões, não se lida na

espécie com depósito aos moldes do art. 629 do CC, mas com depósito judicial, com re-gramento próprio, com correção monetária mas sem outro tipo de remuneração. Quanto aos honorários, não há prejuízo ao patrono, uma vez que já teria sacado os valores deposi-tados pela CEF e, diante do novo cálculo, o Juízo Substituto já teria encaminhado ao Juízo Titular o pedido de devolução do valor correspondente. O restante da decisão do Juízo a quo é mérito da execução/cumprimento de sentença e deve ser solvido em tais autos, não cabendo a revisão em sede de cognição sumária, não havendo, outrossim, risco de dano irreparável em sua manutenção.

Assimsendo,reconsideroadecisãodafl.399e,anteaausênciadeverossimilhançadasalegaçõesdaparteagravante,bemcomoderiscodedanoirreparável,indefiroopedidodeatribuição de efeito suspensivo ao agravo de instrumento.”

Mesmo com análise mais detida do fato-objeto trazido a julgamento, não vejo motivo para alterar tal entendimento.

Com efeito, ao contrário do veiculado pela agravante em suas razões, não lidamos no presente caso com depósito aos moldes do art. 629 do Código Civil, mas com depósito judicial, com regramento próprio, com correção monetária, mas sem outro tipo de remuneração. Não há que se falar, portanto, em abatimento dos rendimentos de tal conta.

No que tange aos honorários, não há prejuízo ao patrono, restando sem objeto o pedido, uma vez que já teria sacado os valores depositados pela CEF e, diante do novo cálculo, o Juízo Substituto já teria encaminhado

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ao Juízo Titular o pedido de devolução do valor correspondente. O restante da decisão do Juízo a quo é mérito da execução/cumpri-

mento de sentença. Assim, cabe o entendimento de que, em sede de execução/cumprimento de sentença, a conta de liquidação deve ser ela-borada em escorreita consonância com a condenação imposta no decisum exequendo, não violando o princípio da busca da verdade real a decisão que adota, como fundamento, parecer da contadoria do Juízo. Mantida a decisão inquinada, portanto, uma vez que os cálculos da Contadoria foramfeitosemconformidadecomoscritériosdadecisãodasfls.308-9,irrecorrida e preclusa.

Os próprios fundamentos dessa decisão, bem como a análise da legis-laçãopertinenteàespécie,jásãosuficientesparaoprequestionamentoda matéria junto às Instâncias Superiores, evitando-se a necessidade de oposiçãodeembargosdedeclaraçãotãosomenteparaessefim,oquenitidamenteevidenciariaafinalidadeprocrastinatóriadorecurso,passívelde cominação de multa, nos moldes do contido no parágrafo único do art. 538 do Código de Processo Civil.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos da fundamentação.

É o voto.

Voto-ViSta

a exma. Sra. desa. Federal Silvia Goraieb: Pedi vista dos autos para aprofundar o exame sobre a matéria objeto da lide. Os elementos analisados me levam a pedir permissão para divergir do entendimento registrado pelo e. Relator.

Merece acolhida a pretensão da agravante.A questão de fundo orbita em torno da incidência ou não dos juros

determinados no título judicial a contar do depósito.O depósito do valor executado pelo devedor é mero pressuposto

processual de admissibilidade dos embargos ou da impugnação, em particularporqueamodificaçãodaLeiProcessualCivilno tocanteàexecução buscou emprestar maior celeridade na satisfação do crédito e, sob essa ótica, nenhuma valia teria no caso de haver o depósito judicial sem possibilidade de levantamento.

Muito embora a executada tenha efetuado o depósito do principal em

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agosto/2008,comoafirmaecomprova,nãohouveliberaçãoaotitulardorespectivo montante, motivo pelo qual não cessa a incidência dos juros moratórios, tendo em conta que a obrigação não foi adimplida.

Quando o título judicial refere a incidência de juros, assim o faz certamente considerando que a compensação pela mora ocorra até a data do efetivo pagamento, o que não se confunde, à evidência, com o depósito judicial.

Ante o não levantamento da importância depositada, persiste a mora por parte do devedor, que por ela deverá responder até que haja o efetivo pagamento. Somente no caso de saque – parcial ou total – interrompe--se a mora incidente sobre o montante respectivo, mas prevalece sobre eventual parcela controvertida. Assim, o pagamento deve ser entendido comoomomentodadisponibilidadedocréditoemfavordeseubenefi-ciário,circunstânciaessanãoverificadacomosimplesdepósitojudicialcomo pressuposto processual.

Vale registrar, nesse passo, ao contrário do defendido pela agravada napetiçãodasfls.373-93,queodepósitonãofoifeitocomafinalidadede pagamento, mas sim como requisito para impugnar a pretensão da exequente. Tanto é que, até hoje, a Caixa persiste na discussão da dívida sem o efetivo pagamento. Não se discute que a impugnação é direito do devedor e os abusos, se existirem, devem ser tratados pelo juízo com as cominações processuais. Mas tal direito de recorrer não traz a satisfação do crédito do exequente. Ao contrário, justamente em razão da ausência de pagamento efetivo, o depósito judicial não possui aptidão para purgar a mora.

Ofatodeovalorencontrar-sebloqueadopeloJuízonãomodificatalcontexto, seja em razão de ausência de caução idônea – como registrado nadecisãodafl.196destesautos–,sejaemvirtudedepenhorarealizadano rosto dos autos. O motivo não é relevante, mas sim a inexistência de pagamento.

Tampouco merece prosperar a alegação de que os depósitos judiciais regem-sepornormasinternasdoTribunal.Ora,aafirmaçãoépordemaisequivocada.AmatériaencontraregêncianaLeinº9.289/96.Confira-seo que prescreve o seu art. 11, § 1º, verbis:

“Art. 11. Os depósitos de pedras e metais preciosos e de quantias em dinheiro e a amortização ou liquidação de dívida ativa serão recolhidos, sob responsabilidade da parte,

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diretamente na Caixa Econômica Federal, ou, na sua inexistência no local, em outro banco oficial,osquaismanterãoguiasprópriasparatalfinalidade.

§ 1º os depósitos efetuados em dinheiro observarão as mesmas regras das cadernetas de poupança, no que se refere à remuneração básica e ao prazo.” (Grifei)

Por sua vez, a Lei nº 8.660/93 dá o conceito de remuneração básica, nos seguintes termos:

“art. 7º os depósitos de poupança têm como remuneração básica a taxa referencial – tr relativa à respectiva data de aniversário.

§ 1º O disposto neste artigo aplica-se ao crédito de rendimento realizado a partir do mês de maio de 1993.” (Grifo nosso)

Emnenhummomentoasnormasimpõemaoagentefinanceirodepo-sitário o dever de fazer incidir juros moratórios na forma determinada pelo título executivo, e de outra forma não poderia ser, em se tratando de pessoa estranha à lide. A lei sequer prevê a incidência dos mesmos juros constitucionais atribuídos à poupança, limitando-se ao cômputo da remuneração básica pela taxa referencial. A situação especial dos pre-sentes autos, sendo depositária e ré a mesma pessoa jurídica, nenhuma influênciatemparaojulgamentodacausa.

Insta recordar que o título judicial assegura a incidência de juros moratórios, sendo 0,5% ao mês até o novo Código Civil e, após, 1%, cujo equivalente em espécie não se encontra contemplado no depósito judicial, cabendo ao devedor a sua complementação.

Nessesentido,aliás,éfartaajurisprudênciadesteTribunal.Confira-se:“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CÁLCULO DE ATUALI-

ZAÇÃO. CÔMPUTO DE JUROS MORATÓRIOS. CRITÉRIOS.. O depósito judicial prévio à oposição de embargos à execução é pressuposto proces-

sual de sua admissibilidade e não tem, por si só, o condão de interromper a incidência de correção monetária e juros determinados no título executivo judicial.

.Incidemjurosmoratóriosemtodooperíodonoqualocredorvieraficarprivadodasatisfação integral do crédito a que faz jus.

. Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir.

. Agravo de instrumento provido.” (TRF4, agravo de instrumento nº 0018795-56.2010.404.0000, 4ª Turma, Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb)

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. GARANTIA. O depósito judicial realizado com o intuito de garantir oJuízoparafinsdeoferecimentodeembargosàexecuçãonãotemocondãodeelidiramora. Se o titulo judicial em execução determina expressamente que os juros de mora e a

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correçãomonetárianelefixadadevemserintegraisatéadatadopagamentodoefetivodadívida, o depósito judicial realizado como pressuposto processual realizado para discussão de excesso de execução não tem, por si só, a capacidade de sustar os efeitos da decisão.” (TRF4, agravo de instrumento nº 0022923-22.2010.404.0000, 3ª Turma, Des. Federal Fernando Quadros da Silva, por unanimidade, D.E. 09.12.2010)

“PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. APADECO. ATUA-LIZAÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. DATA DO EFETIVO PAGAMENTO. 1. As duas Turmas que integram a 2ª Seção deste Tribunal têm o entendimento de que o depósitojudicialrealizadocomointuitodegarantiroJuízoparafinsdeoferecimentodeembargos à execução não tem o condão de elidir a mora. Se o titulo judicial em execução determinaexpressamentequeosjurosdemoraeacorreçãomonetárianelefixadadevemser integrais até a data do pagamento do efetivo da dívida, o depósito judicial realizado como pressuposto processual realizado para discussão de excesso de execução não tem, porsisó,acapacidadedesustarosefeitosdadecisão.2.Odepósitoefetuadoparafinsinterposição de embargos de execução, por não se tratar de pagamento, não purga a mora nos termos do disposto no artigo 401 do Código Civil Brasileiro de 2002.” (TRF4, agravo de instrumento nº 2009.04.00.041940-3, 4ª Turma, Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, por unanimidade, D.E. 23.02.2010)

Para melhor esclarecer o caso, é importante ter presente que o título exequendo não veda a incidência de juros moratórios após a realização da perícia. Ao contrário, o voto proferido pelo e. Relator, Desembargador Federal Edgard Lippmann Jr., deixa claro, ipsis litteris: “Melhor sorte assiste à construtora quanto à sua irresignação quanto ao percentual de juros, que quer majorado a 1% após a vigência do novo código civil, pois a jurisprudência unívoca do STJ é no sentido do seu pleito...”.

Para não passar in albis, acrescento que tais parâmetros também se aplicam ao fator de atualização monetária. Até que haja o efetivo pa-gamento,adívidadevesercorrigidapeloindexadordefinidonotítuloexecutivo, neste caso uma composição de índices que se encerra com o INPC. Se assim não fosse, o devedor, ainda que não tenha satisfeito integralmente o débito, ver-se-ia favorecido com a incidência somente daremuneraçãopelaTR,emflagranteviolaçãoàdeterminaçãodotítulojudicial.

Ademais, não é crível, como extraído da informação da Contadoria da fl.395,queoexequente,semquenenhumsaquetenharealizadoduranteos vários anos de tramitação do feito, passe de credor a devedor, como afirmaosetortécnico,in verbis:

“Verificou-se,assim,que,emago/2008,o depósito efetuado pela CeF superou o valor

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devido ao exequente em r$ 798.862,39. Tal importância foi atualizada com base na TR (índice que remunera as contas de depósitos judiciais) até a presente data. resultou, assim, em r$ 811.920,40.” (Destaques no original)

Mesmo critério se aplica à complementação dos honorários advocatí-cios. Da leitura do dispositivo da sentença proferida na ação ordinária nº 95.101.0826-0, percebe-se claramente que os honorários foram arbitrados em “15% (quinze por cento) do valor da condenação”, ou seja, incidente sobre todo o principal devido ao autor.

Desse modo, não se mostra razoável que, mesmo se já sacados pelos patronos do autor em determinado estágio da execução, os honorários permaneçam inalterados enquanto o saldo da liquidação de sentença apresentaumcomportamentocrescente.Significadizerque,aumentandoo valor devido pela Caixa em decorrência da complementação originária dos critérios acima esclarecidos, os honorários de igual modo deverão receber o proporcional incremento, até porque o representante ainda permanece atuando nos autos, em especial em virtude da impugnação.

Parafinalizar,éimportantesinalarqueigualmentenãosesustentaaafirmaçãodaagravadanosentidodequeosvaloresjáforamrepassadosaoutrojuízoafimdecompensardívidasdaconstrutoraperanteela.

Ora, a compensação a que se refere a agravada é mero encontro de contas, mas acabou por tornar indisponíveis os valores depositados em juízo. Assim, como já dito, as questões processuais procedimentais em nada contribuem para o cálculo do remanescente, pois são estranhos a esta execução e desbordam dos limites da coisa julgada.

Por todas essas razões, pedindo novamente licença ao e. Relator, deve ser provido o recurso para que seja realizado novo cálculo de remanes-cente, na forma da fundamentação.

Prequestionamento

Oprequestionamentoquantoàlegislaçãoinvocadaficaestabelecidopelasrazões de decidir, o que dispensa considerações a respeito, uma vez que deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado, considerando-se aqui transcritos todos os artigos da Constituição e/ou de lei referidos pelas partes.

em face do exposto, dou provimento ao agravo de instrumento. É como voto.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0032018-76.2010.404.0000/PR

relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Jorge Antonio Maurique

agravante: União Federaladvogado: Procuradoria Regional da União

agravados: Jeanne Mathilde Esquier Dalcanale – Espólio – e outrosLuiz Alberto Dalcanale

advogados: Drs. Silvio Martins Vianna e outrosDr. Artur Pereira Alves Junior

agravada: Zorah Maria Athayde Dalcanaleadvogados: Dr. Silvio Martins Vianna

Dr. Artur Pereira Alves Junioragravados: Roger DalcanaleCecilia Marques DalcanaleIvete Therezinha DalcanalePaulo Konder Bornhausen

Catharina Labourdette Dalcanale – Sucessãoadvogados: Drs. Silvio Martins Vianna e outros

Dr. Artur Pereira Alves Junioragravado: Cezar Ribas Ruas

advogados: Drs. Artur Pereira Alves Junior e outrosagravados: Simão Leite Ruas

Norma Denise Ribas Ruasadvogados: Drs. Jaceguay Feuerschuette de Laurindo Ribas e outros

agravada: Ana Carolina Dalcanaleadvogada: Dra. Ana Carolina Dalcanale

eMenta

Agravo de Instrumento. Decisão que fixou parâmetros a serem ado-tados nos futuros cálculos do montante da dívida. Planilha elaborada pelo contador judicial. resumo de cálculos mais complexos. Valor inicial do débito sub judice.

O cálculo a ser utilizado para apuração do valor total devido na ação não pode tomar por base planilha elaborada pelo contador judicial re-sumindo cálculos mais complexos. Deve, sim, conter a indicação dos índices utilizados e a base de cálculo da incidência dos juros de mora

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computadosediscriminarosbeneficiáriosdasquantiasapuradas,entreoutros elementos técnicos que devem compor a análise matemática, devendo, ainda, do resultado ser dada vista às partes para manifestação.

Importa sobremaneira à solução da questão estar o valor inicial do débito sub judiceatéojulgamentofinaldaACPnº2005.70.000.18228-0 (em que a União e o MPF buscam ver declarada a inexistência/nulidade/ineficáciadadecisão judicial transitada em julgadona açãonº 00.00.60174-8, o erro material quanto à adoção de laudo pericial equivocadorelativoaosvaloresdevidos,anecessidadederetificação/refazimentodaliquidaçãoe,aofinal,noinsucessoquantoaospedidos,a relativização dos efeitos e do alcance da coisa julgada, para que seja fixadaindenizaçãosegundoovalorrealdospinheirosadultosaotempodo laudo pericial – fevereiro de 1985).

Parcial provimento ao agravo de instrumento, exclusivamente para que nãosejaadotadoocálculoobjetodorecursocomodefinitivoàapuraçãodo valor devido na execução da sentença.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar parcial provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedo presente julgado.

Porto Alegre, 11 de maio de 2011.Juiz Federal Jorge antonio Maurique, Relator.

reLatÓrio

o exmo. Sr. Juiz Federal Jorge antonio Maurique: Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União, contra decisão proferida em ação de execução autuada sob nº 00.00.60174-8, que, dando cumprimento à determinação contida no julgamento do Agravo Regimental em Suspen-sãodeLiminarnº172,fixouparâmetrosaseremadotadosnosfuturoscálculos da dívida e determinou a liberação de valores depositados em Juízo aos exequentes, apresentando planilha de cálculo elaborada pelo Contador Judicial acerca da apuração e atualização do remanescente.

Irresigna-se a agravante quanto à negativa de exclusão da correção

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monetária integral para o mês de fevereiro de 1985 e à dos juros que ha-viam sido aplicados no período constitucional de formação e pagamento dos precatórios já quitados na ação de execução.

Na ausência de pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso, foi o mesmo regularmente processado, vindo os autos a julgamento.

É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. Juiz Federal Jorge antonio Maurique: Quando da inter-posição do presente recurso, a ação de execução de sentença (nº 601748) encontrava-se suspensa, aguardando consulta encaminhada ao e. STF, acerca da decisão de lá emanada no julgamento do AgReg. em SL nº 172.

Ao que me parece, o MM. Juízo a quo,afimdedarcumprimentoimediato à decisão do Pretório Excelso, acima referida, proferiu a decisão agravada abordando os dois aspectos apreciados pelo Supremo Tribu-nal Federal: a) a liberação do montante individualizado a ser levantado mediante alvará, do total depositado em Juízo, relativo ao pagamento do 3º precatório expedido na execução, e b) os parâmetros à busca do total ainda devido na lide.

Quanto ao primeiro aspecto não há insurgência da agravante.No entanto, no que concerne ao segundo tópico, irresigna-se a União,

preliminarmente, quanto à nulidade da decisão; e, no mérito, no que respeita à correção monetária integral para o mês de fevereiro de 1985 e à incidência de juros de mora sobre os valores já adimplidos, cor-respondentes ao período constitucional de formação e pagamento dos precatórios antes expedidos e quitados.

Após muito compulsar estes autos e consultar diversas outras mani-festações judiciais acerca da controvérsia aqui tratada, constatei que o MM. Juízo a quo proferiu decisão publicada no D.E. de 04.03.2011, cujo excerto que importa a este recurso transcrevo a seguir:

“Comefeito,emrespostaaoofíciodafl.4294,recebioexpedientedasfls.4403-4404(Ofício nº 512/GP), em que o Exmo. Ministro Cezar Peluso manifesta-se nos seguintes termos(videfl.4404):

‘A realização da perícia judicial é, portanto, faculdade conferida ao juízo de primeiro grau,comafinalidadedesubsidiar,casoentendanecessáriaasuarealização,aapuraçãodos valores devidos aos embargados, a título de parte incontroversa, devendo este saldo, se

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existir, não ser superior a 50% (cinquenta por cento) do valor do precatório antes suspenso, no valor de R$ 300.734.178,37 (trezentos milhões, setecentos e trinta e quatro mil, cento e setenta e oito reais e trinta e sete centavos) – valor avaliado em outubro de 2002.’

Pois bem, resta clara a orientação no sentido de que a realização da perícia é faculdade conferida a este juízo, exclusivamente para o caso de apuração dos valores incontroversos.

assim, há que se ponderar que tais valores já restaram estabelecidos pela decisão das fls. 3846-3850, tendo sido devidamente atualizados com o auxílio da Contadoria Judicial, não havendo necessidade de novos cálculos para apuração do montante tido como incon-troverso nestes autos.

Não obstante ambas as partes tenham apresentado suas insurgências quanto aos critérios adotados para o cálculo, através de agravos de instrumento que ora aguardam julgamento peloe.TRFda4ªRegião,nestaquadraprocessual,nãoseverificaanecessidadedecálculossubsidiários por meio de perícia.” (Execução de Sentença nº 601748) (grifei)

Diante de tal fato, concluo que, no concernente à apuração do valor ainda devido nos autos da execução em comento, assiste parcial razão à agravante.

Isso porque o cálculo capaz de estabelecer, por derradeiro, o valor total devido na ação não pode tomar por base a planilha elaborada pela contadoriajudicial(anexadaàsfls.656-7desteAI),aparentementeumresumo de cálculos mais complexos, sem indicação dos índices utiliza-dos, sem comentário acerca da base de cálculo à incidência dos juros demoracomputados,semdiscriminaçãodosbeneficiáriosdasquantiasapuradas, sem abertura de prazo para manifestação das partes e, o que reputo de maior importância, desconsiderando que o valor inicial do débito encontra-se sub judice, até o julgamentofinal daAçãoCivilPública nº 2005.70.000.18228-0 (em que a União e o MPF buscam ver declaradaainexistência/nulidade/ineficáciadadecisãojudicialtransitadaem julgado nos autos da ação de conhecimento sob nº 00.00.60174-8, o reconhecimento de erro material na referida decisão quanto à adoção de laudo equivocado relativamente aos valores apontados, e, via de conse-quência,anecessidadederetificaçãoouderefazimentodaliquidaçãoe,aofinal,noinsucessoquantoaospedidos,arelativizaçãodosefeitosedo alcance da coisa julgada existente nos autos de nº 00.00.60174-8, para quesejafixadaindenizaçãosegundoovalorrealdospinheirosadultosao tempo do laudo pericial – fevereiro de 1985).

Assim, considerando que na referida ACP foi proferida sentença de procedência “dos pedidos de relativização da coisa julgada, com base

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nos precedentes do e. STJ, reconhecendo o erro material na r. decisão transitada no que concerne à adoção do laudo imprestável, suprimindo-se, para corrigi-lo, a parte liquidatória contida na decisão, mantida a sentença, nosdemaisaspectosnãoimpugnadosnainicial,parafinsderetificaçãoou de refazimento da liquidação, conforme a situação e os parâmetros verdadeiramente existentes ao tempo do laudo original (fevereiro de 1985),paraquesejafixadanovaindenizaçãosegundoovalorrealdospinheiros adultos ao tempo do laudo pericial (fevereiro de 1985)”, bem como considerando que a mesma sentença determinou que “o valor da real indenização e do excesso será apurado mediante perícia judicial, a ser realizada após o trânsito em julgado da presente decisão”, tenho que é de ser acolhida parcialmente a tese trazida pela agravante, tão só para determinarquenãosetomeocálculoemcomentocomodefinitivoparaapurar o valor incontroverso devido na execução da sentença.

Por derradeiro, transcrevo trecho do voto complementar proferido pelo Relator do agravo de instrumento interposto contra a decisão que antecipou efeitos da tutela na já citada ACP e do decidido pelo Colendo STF relativamente ao Agravo Regimental interposto na Suspensão de Liminar nº 172:

“Com efeito, me parece prudente que, em situação como a versada nestes autos, seja aplicadooprincípiodaproporcionalidade,afimdesesalvaguardaremasgarantiaspro-cessuais. De um lado a garantia constitucional da coisa julgada, decorrência da segurança jurídica que devem desfrutar as decisões judiciais, e de outro, o erário em decorrência da plausibilidade da alegação de possível erro material nos cálculos, conforme detalhadamente examinado no multicitado voto-vista.

Dessa forma, conjugados os fundamentos já expostos no voto apresentado quando do início do julgamento deste recurso com aqueles aduzidos pelo ilustre Juiz Federal Márcio Rocha,bemcomoaquelesconstantesdasnotastaquigráficasanexadasàsfls.546-7.Assim,retificoapartedispositivadovoto,oquefaçopara,também,darparcialprovimentoaore-curso,paraofimdeautorizarosAgravantesaefetuaremolevantamentode50%(cinquentapor cento) dos valores globais dos precatórios suspensos, permanecendo o restante atrelado ao resultado da ação civil pública em andamento.” (TRF4, AI Nº 2005.04.01.033302-0, 4ª T, Rel. EDGARD A. LIPPMANN JUNIOR, D.E. 15.05.07, unânime)

“Agravo Regimental em Suspensão de Liminar. Decisão agravada que constatou à época grave lesão à ordem e à economia públicas, diante da temeridade de levantamento de vultosa quantia dos cofres públicos e da plausibilidade da tese de esse valor ser inde-vido. Pedido de reforma e de restauração dos efeitos da decisão do TRF da 4ª Região, nos autos de agravo de instrumento em ação civil pública, que permitiu o levantamento de

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50% dos valores de precatórios antes suspensos, decorrentes de condenação da União ao pagamento de indenização de 200.000 pinheiros adultos. Processo principal que discute a possibilidade de relativização da coisa julgada. Surgimento de fato novo. Superveniência de sentença em ação civil pública que mantém a condenação (coisa julgada) em todos seus termos, à exceção do quantum debeatur. Necessidade de nova perícia. Novo contexto fático-jurídico. Constatação da potencialidade de ocorrência de dano inverso, em termos de economia pública e de segurança jurídica, caso não se pague qualquer valor devido aos agravantes. Reforma parcial da decisão agravada para estabelecer uma fórmula judicial provisória apta a proteger o Erário e a limitar o pagamento dos precatórios, em montante que assegure aos agravantes os efeitos da coisa julgada nos limites explicitados nos autos do processo originário.” (STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, em 18.12.09 por maioria, DJE nº 18, divulgado em 29.01.2010)

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao agravo de ins-trumento, exclusivamente para que não se adote o cálculo objeto deste recurso comodefinitivo à apuraçãodovalor devidona execução dasentença.

É como voto.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.72.01.004261-2/SC

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik

apelante: União Federal (Fazenda Nacional)advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional

apelado: Edinei Abelinoadvogado: Dr. Luiz Carlos de Carvalho Silva

interessados: Amambaí Ind. Com. e Transportes de Madeiras Ltda. e outros

eMenta

Processual Civil. tributário. art. 185 do Ctn. Fraude à execução. natureza jurídica. Presunção relativa. objeto da prova. embargos de terceiro. Boa-fé do adquirente. Ônus da prova. Veículos. ausência de restrição no detran.

1. Para o reconhecimento de fraude à execução com base na presunção firmadapeloart.185doCTN,hádoismarcostemporais.AntesdaLCnº118/2005,avendadeveriaserposterioràcitaçãonoexecutivofiscal;após a LC nº 118, ulterior à inscrição do crédito tributário em dívida ativa.

2. A fraude à execução possui a natureza de instituto processual, uma vez que, além de afetar o interesse do credor, abala a efetividade da ati-vidade jurisdicional, à medida que frustra os meios executórios. Não se perquire o dano efetivo, o concerto entre as partes ou a insolvência do devedor; a mera litispendência faz presumir a fraude à execução.

3.Oatoemfraudeàexecuçãoésuscetíveldedeclaraçãodeineficáciano bojo do processo executivo, permanecendo o bem alienado ou one-rado de forma fraudulenta sujeito ao processo executivo, como se ainda pertencesse ao patrimônio do devedor, conquanto o negócio jurídico continue válido entre as partes.

4. As normas atinentes à fraude contra a execução instituem presunção relativa, porquanto regem o objeto da prova (e não o ônus da prova), não impondoumanormadecondutaàspartes.Emboraadoutrinaqualifiquecomo absoluta a presunção de fraude quando a penhora está registrada, constata-se que o cerne da questão é meramente probatório. Na verdade, o registro da penhora consiste justamente na prova da fraude de qualquer transação posterior, diante da publicidade erga omnes da constrição

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judicial.Apresunçãoqueseafirmaserabsolutadizrespeitoaofato–afraude –, e não ao teor de norma de direito material.

5.Deacordocomoart.185doCTN,afraudeestáconfiguradatãosomente pelo ato do devedor alienar ou onerar bens ou rendas após a inscrição do crédito tributário em dívida ativa, sem reservar outros bens ou rendas suficientes ao total pagamentodadívida,presumindo-seointuito de lesar o interesse da Fazenda Pública e de frustrar os meios executórios. Assim, não compete à exequente comprovar a inexistência de outros bens penhoráveis, tomando-se como certa a incapacidade de pagamento pela falta de bens livres para nomear a penhora.

7. A regra do art. 185 do CTN dispensa qualquer questionamento acer-ca do conluio entre os que participaram do ato negocial com o propósito de frustrar o pagamento da dívida (consilium fraudis), pois a alienação jáésuficienteparatornarpresumidaafraude.Ofatodeanormanãoimpor tal investigação, todavia, não permite a ilação no sentido de que o ânimo fraudulento é presumido de forma absoluta. Trata-se de presunção relativa, uma vez que a fraude decorre de um fato desconhecido, cuja ocorrência é exteriormente manifestada pela alienação ou oneração de bens ou rendas. O fato presuntivo, que deve ser provado pela Fazenda Pública, evidencia a fraude, mas o seu efetivo acontecimento é incerto, razão pela qual a prova em contrário é plenamente admissível.

8. A questão atinente ao consilium fraudis pode ser aventada pela parte prejudicada, por meio da ação de embargos de terceiro. Cabe ao adquirente do bem demonstrar que agiu de boa-fé, porquanto não era possível ou não era necessário saber da existência da execução ou da inscrição em dívida ativa.

9. A propriedade de veículos se transfere pela simples tradição, e a formalização do negócio de compra e venda requer a apresentação de do-cumento fornecido pelo Detran, que indica a eventual existência de ônus ou restrições pendentes sobre o veículo. Essa é a cautela de praxe que o homem médio toma ao adquirir um veículo, não integrando o modo usual dosatosnegociaisapesquisaquantoàexistênciadeexecuçõesfiscaisouaapresentaçãodecertidõesnegativasdedébito.Issosignificaque,nãoobstante haja penhora do bem móvel, se não constar qualquer restrição no registro do veículo no Detran, torna-se patente a boa-fé do terceiro.

10. No processo executivo, prevalece a presunção de fraude, cabendo

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aojuízodeclararaineficáciadonegóciojurídico,desdequesejamcom-provados os requisitos do art. 185 do CTN. A discussão sobre a boa-fé do adquirente deve ser travada em embargos de terceiro, competindo o ônus da prova exclusivamente ao autor, já que se trata de fato constitutivo do seu pedido. Em suma, a presunção de fraude, por ser relativa, pode ser objeto de controvérsia em ação própria.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopre-sente julgado.

Porto Alegre, 06 de abril de 2011.Des. Federal Joel ilan Paciornik, Relator.

reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal Joel ilan Paciornik: Trata-se de embargos de terceiro, com valor da causa de R$ 10.000,00, julgados procedentes pelo MM. Juízo a quo (fls. 61-63), paradesconstituir a penhoraquerecaiu sobre o veículo Fiat Uno, ano/modelo 1994, placas BOR 9589, Renavam 619832800. O Magistrado condenou a União ao pagamento doshonoráriosadvocatícios,fixadosem10%dovalordacausa.

Apelou a Fazenda Nacional, postulando a reforma do decisum. Adu-ziu que o executado alienou bem de sua propriedade durante o curso daexecuçãofiscal,oquecaracterizafraudeàexecução,nostermosdoart. 185 do CTN. Defendeu a manutenção da constrição sobre o bem penhorado(fls.66-74).

Presentesascontrarrazões(fls.79-85),subiramosautosaesteTri-bunal.

É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal Joel ilan Paciornik: O art. 185 do CTN ins-tituiumagarantiainerenteaoscréditostributários,jáquetornaineficazes,perante a Fazenda Pública, os atos do devedor que afetam a sua solvabi-

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lidade. Eis a redação do art. 185 do CTN, com a redação dada pela Lei Complementar nº 118 (cujos efeitos ocorreram a partir de 09.06.2005):

“Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido re-servados,pelodevedor,bensourendassuficientesaototalpagamentodadívidainscrita.”

Na redação anterior à LC nº 118/2005, a presunção de fraude operava apartirdaproposituradaexecuçãofiscal.Apesardemuitosdefenderemainterpretaçãoliteraldanorma,pacificou-seajurisprudêncianosentidode que somente após a citação do devedor no processo executivo atuava a presunção de alienação fraudulenta.

A celeuma restou superada após a edição da LC nº 118, bastando haver a alienação de bens ou rendas após a inscrição em dívida ativa, para que se presuma a fraude.

Verifica-se,então,aexistênciadedoismarcostemporaisparaoreco-nhecimento de fraude à execução com base em presunção. Antes da LC nº118/2005,avendadeveriaserposterioràcitaçãonoexecutivofiscal(de acordo com a jurisprudência dominante); após a LC nº 118, ulterior à inscrição do crédito tributário em dívida ativa.

Esse entendimento é prestigiado pelo STJ, que proferiu o seguinte julgado, submetido ao regime dos recursos repetitivos, previsto no art. 543-C do CPC:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTRO-VÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO DE BEM POSTERIOR À CITAÇÃO DO DEVEDOR. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO NO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO – DETRAN. INEFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. ARTIGO 185 DO CTN, COM A REDAÇÃO DADA PELA LC Nº 118/2005. SÚMULA 375/STJ. INAPLICABILIDADE.

1. A lei especial prevalece sobre a lei geral (lex specialis derrogat lex generalis), por issoqueaSúmulanº375doEgrégioSTJnãoseaplicaàsexecuçõesfiscais.

2. O artigo 185 do Código Tributário Nacional – CTN, assentando a presunção de fraude à execução, na sua redação primitiva, dispunha que:

‘Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução.

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Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reser-vadospelodevedorbensourendassuficientesaototalpagamentodadívidaemfasedeexecução.’

3. A Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, alterou o artigo 185 do CTN, que passou a ostentar o seguinte teor:

‘Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido re-servados,pelodevedor,bensourendassuficientesaototalpagamentodadívidainscrita.’

4. Consectariamente, a alienação efetivada antes da entrada em vigor da LC nº 118/2005 (09.06.2005) presumia-se em fraude à execução se o negócio jurídico sucedesse a citação válida do devedor; posteriormente a 09.06.2005, consideram-se fraudulentas as alienações efetuadaspelodevedorfiscalapósainscriçãodocréditotributárionadívidaativa.

5.Adiferençadetratamentoentreafraudecivileafraudefiscaljustifica-sepelofatodeque, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas.

6. É que, consoante a doutrina do tema, a fraude de execução, diversamente da fraude contra credores, opera-se in re ipsa, vale dizer, tem caráter absoluto, objetivo, dispensando o concilium fraudis (FUX, Luiz. o novo processo de execução: o cumprimento da sentença e a execução extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 95-96 / DINAMARCO, Cân-dido Rangel. execução civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 278-282 / MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 210-211 / AMARO, Luciano. direito tributário Brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 472-473 / BALEEIRO, Aliomar. direito tributário Brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 604).

7. A jurisprudência hodierna da Corte preconiza referido entendimento consoante se colhe abaixo:

‘O acórdão embargado, considerando que não é possível aplicar a nova redação do art. 185 do CTN (LC 118/05) à hipótese em apreço (tempus regit actum), respaldou-se na interpretação da redação original desse dispositivo legal adotada pela jurisprudência do STJ’. (EDcl no AgRg no Ag 1.019.882/PR, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 06.10.2009, DJe 14.10.2009)

‘Ressalva do ponto de vista do relator que tem a seguinte compreensão sobre o tema: [...]b)Naredaçãoatualdoart.185doCTN,exige-seapenasainscriçãoemdívidaativaprévia à alienação para caracterizar a presunção relativa de fraude à execução em que incor-rem o alienante e o adquirente (regra aplicável às alienações ocorridas após 09.06.2005);’. (REsp 726.323/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 04.08.2009, DJe 17.08.2009)

‘Ocorrida a alienação do bem antes da citação do devedor, incabível falar em fraude à execução no regime anterior à nova redação do art. 185 do CTN pela LC 118/2005’. (AgRg no Ag 1.048.510/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.08.2008,

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DJe 06.10.2008) ‘A jurisprudência do STJ, interpretando o art. 185 do CTN, até o advento da LC 118/2005,

pacificou-se,porentendimentodaPrimeiraSeção(EREsp40.224/SP),nosentidodesóser possível presumir-se em fraude à execução a alienação de bem de devedor já citado em execuçãofiscal’.(REsp810.489/RS,Rel.MinistraElianaCalmon,SegundaTurma,julgadoem 23.06.2009, DJe 06.08.2009)

8. A inaplicação do art. 185 do CTN implica violação da Cláusula de Reserva de Ple-nário e enseja reclamação por infringência da Súmula Vinculante nº 10, verbis: ‘Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.’

9. Conclusivamente: (a) a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito, gere presunção absoluta (jure et de jure) de fraude à execução (lei especial que se sobrepõe ao regime do direito processual civil); (b) a alienação engendrada até 08.06.2005 exige que tenha havido prévia citação no processo judicial para caracterizar a fraude de execução; se o ato transla-tivo foi praticado a partir de 09.06.2005, data de início da vigência da Lei Complementar nº118/2005,bastaaefetivaçãodainscriçãoemdívidaativaparaaconfiguraçãodafigurada fraude; (c) a fraude de execução prevista no artigo 185 do CTN encerra presunção jure et de jure, conquanto componente do elenco das ‘garantias do crédito tributário’; (d) a inaplicação do artigo 185 do CTN, dispositivo que não condiciona a ocorrência de fraude a qualquer registro público, importa violação da Cláusula Reserva de Plenário e afronta à Súmula Vinculante nº 10 do STF.

10. in casu, o negócio jurídico em tela aperfeiçoou-se em 27.10.2005, data posterior à entrada em vigor da LC 118/2005, sendo certo que a inscrição em dívida ativa deu-se anteriormente à revenda do veículo ao recorrido, porquanto, consoante dessume-se dos autos, a citação foi efetuada em data anterior à alienação, restando inequívoca a prova dos autosquantoàocorrênciadefraudeàexecuçãofiscal.

11. Recurso especial conhecido e provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução STJ nº 08/2008.” (REsp 1141990/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 10.11.2010, DJe 19.11.2010)

Não obstante o lapidar pronunciamento do STJ, a questão atinente ao alcance e à natureza da presunção de fraude à execução reclama investigação sob diversos aspectos, a começar pelas diferenças entre a fraude contra credores e a fraude à execução. Há de se ressaltar que o art. 185 do CTN conserva a essência do instituto da fraude à execução, acrescentando-lhe, porém, notas próprias.

A fraude contra credores consiste em um defeito do negócio jurídico, caracterizado pelo resultado antijurídico da declaração de vontade. O seu

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reconhecimento depende da prova do dano efetivo (eventus damni), da insolvência do devedor e do concerto realizado entre as partes do negócio jurídico acerca do estado de insolvência (consilium fraudis).

Já a fraude à execução possui a natureza de instituto processual, uma vez que, além de afetar o interesse do credor, abala a efetividade da atividade jurisdicional, à medida que frustra os meios executórios. NoregimedoCPC,restaconfiguradatãosomentepelalitispendência,operando-se a presunção do intuito fraudatório do ato de alienação ou oneração. Assim, não se perquire o dano efetivo, o concerto entre as partes ou a insolvência do devedor; a mera litispendência faz presumir a fraude à execução. Essa é a distinção fundamental entre os dois institutos, assinalada por Araken de Assis:

“Assim, a aquisição despida de vício pressupõe a ausência de vontade (consilium frau-dis), para excluir a ocorrência de fraude contra credores, e de litispendência, para tolher a fraude à execução. Se, contudo, o ato recair sobre o patrimônio do obrigado na constância de algum processo, observada a necessária publicidade e a tipicidade, não há dúvida que ocorre fraude.

(...)A ideia de frustração dos meios executórios substitui, à luz do art. 593, a de insolvência,

que,nafraudecontracredores,seafiguraconsequência jurídicadonegóciosuspeito.Éque,nestaespéciedefraude,impendeverificaraexistênciadodano.no âmbito da fraude contra a execução, ao invés, dispensável se revela a investigação do estado deficitário do patrimônio, bastando a inexistência de bens penhoráveis. daí a noção mais adequada de frustração dos meios executórios.” (Manual da execução. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006/2007. p. 249) (grifei)

O negócio jurídico realizado em fraude contra credores é anulável me-diante ação própria do prejudicado, enquanto o ato em fraude à execução ésuscetíveldedeclaraçãodeineficácianobojodoprocessoexecutivo.Em outras palavras, o negócio continua válido entre as partes, mas o bem alienado ou onerado de forma fraudulenta permanece sujeito ao processo executivo, como se ainda pertencesse ao patrimônio do devedor.

A ideia corrente de que o regramento legal da fraude à execução institui uma presunção absoluta, não admitindo prova em contrário, mostra-se equivocada. Entendo que a expressão in re ipsa,empregadaparadefinirafraudeàexecução,significaapenasqueafraudeédemonstradapelopróprio ato de alienação, afastando-se qualquer cogitação a respeito dos

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requisitos próprios da fraude contra credores. Conquanto a noção básica de fraude – manobra engendrada com o objetivo de prejudicar credor – inspire os dois institutos, a semelhança se esgota aí. A natureza jurídica e os pressupostos legais são diversos, cabendo assinalar que a fraude contra credores exige a prova desses requisitos, ao passo que a fraude contraaexecuçãofirma-secombaseempresunção.

As presunções constituem técnicas normativas, que ora se relacionam com a formulação de regras de direito material (presunção absoluta), ora condizem com questões probatórias (presunções relativas e simples). A rigor, a presunção absoluta consiste em uma norma de direito material que faz remissão a outra norma. Leonardo Sperb de Paola, em obra fun-damental sobre a matéria, elucida o conceito dessa espécie de presunção:

“Hodiernamente, a doutrina é unânime ao conferir caráter substancial às presunções legais absolutas, isto é, ao considerá-las como verdadeiras regras de fundo, que, assim como as demais, dispõem sobre a conduta humana. recusa-se-lhes caráter probatório. a ideia de presunção, na forma exposta no tópico anterior, repita-se, restringe-se às razões da edição da norma. (...)

Encaradas sob o prisma normativo, as presunções absolutas são regras não autônomas remissivas e, mais raramente, restritivas. Em face de uma norma completa, cria-se outra, cuja hipótese vincula-se ao mandamento da primeira. A norma remissiva não tem uma exis-tência jurídica independente, ou seja, ela só adquire sentido jurídico uma vez ‘incorporada’ à norma à qual fez remissão, ou melhor, aplicada em conjunto com ela. (...)

Por todo o exposto, percebe-se como é errôneo afirmar-se que as presunções legais absolutas diferenciam-se das relativas, porque aquelas, ao contrário destas, não admitem prova em contrário. ora, as presunções legais absolutas nada têm a ver com matéria pro-batória. Trazem regras de Direito material. Não se busca, por intermédio delas, provar-se, através de um indício, a existência de um fato desconhecido, como se dá com as presunções legais relativas.” (Presunções e ficções no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 61-62) (grifei)

Dadas essas premissas, depreende-se que as normas de regência da fraude à execução instituem presunção relativa, diante do seu evidente caráter probatório. Elas não impõem uma conduta às partes, mas esta-belecem “um critério de julgamento sobre a existência de determinados fatos. É nesse sentido – de nãohaverumacondutaprescritaàspartes–,esomentenele,queseafirmaqueumadasespecificidadesdapresunçãorelativaestánofatodelatercomodestinatárioprincipalomagistrado.” (obra citada, p. 69)

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O art. 593 do CTN, ao estabelecer que a fraude resta demonstrada pela ocorrência dos fatos descritos nos seus três incisos (pendência de ação fundada em direito real, ajuizamento de demanda contra o devedor capaz de reduzi-lo à insolvência e demais casos expressos em lei), versa sobre o objeto da prova (e não sobre o ônus da prova). Embora a doutrina qualifiquecomoabsolutaapresunçãodefraudequandoapenhoraestáregistrada, constata-se que o cerne da questão é meramente probatório. Na verdade, o registro da penhora consiste justamente na prova da fraude de qualquer transação posterior, diante da publicidade erga omnes da constriçãojudicial.Apresunçãoqueseafirmaserabsolutadizrespeitoao fato – a fraude –, e não ao teor de norma de direito material.

Outrossim, a estrutura normativa das regras que dispõem sobre a presunção relativa é distinta daquela anteriormente referida acerca da presunção absoluta, segundo o escólio de Leonardo Sperb de Paola:

“Conforme já foi assentado, as presunções legais absolutas enquadram-se como normas substanciais. Em regra, como normas de remissão, compõem a estrutura de normas de conduta. Dá-se o mesmo com as presunções legais relativas? Não. Essas presunções não ampliam nem restringem o âmbito de aplicação de um regime jurídico traçado em outra norma, não se caracterizando, portanto, nem como normas remissivas nem como normas restritivas. A norma que institui uma presunção legal relativa fornece ao magistrado um critérioparaverificarseocorreu,ounão,opressupostodeincidênciadeumaoutranorma.Há, dessa forma, uma norma de estrutura hipotética (dado X, deve ser Y) e outra norma que estabelece, salvo prova em contrário, um índice, um signo, que permite aferir a existência de X. Por conta de tal norma, e à falta de prova em contrário, o magistrado, demonstrada a existência de Z (o signo), deverá considerar provada a existência de X.

Como se percebe, a presunção legal relativa não impõe nenhum dever para as partes litigantes.QuemdelasebeneficiatemoônusdeprovaraexistênciadeZ,tambémpodendoprovar diretamente, sem recurso à presunção, a existência de X. À parte contrária, carac-terizado o pressuposto da presunção, cabe demonstrar, com outras provas, que, no caso concreto, Z não leva a X.

O próprio magistrado, nos limites de seus poderes instrutórios, poderá constatar que, mesmo caracterizado o pressuposto da presunção, há provas em contrário mais fortes quea infirmamnocasoconcreto.Emoutraspalavras,elemesmopodedestruiraforçade convicção gerada pela presunção. Mas, quando tal não ocorrer nem a parte interessada apresentar provas em sentido contrário ao apontado pela presunção, deverá ele, ao julgar a causa, admitir, por força da norma presuntiva, a existência do fato desconhecido que está descrito na hipótese da norma substancial.” (obra citada, p. 67-68)

Postas, em breves palavras, as bases teóricas da presunção relativa,

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passo a comentar os preceitos do art. 185 do CTN e expor a casuística sobre a matéria. De acordo com o dispositivo legal, a fraude está con-figurada tão somentepelo ato dodevedor alienar ouonerar bens ourendas após a inscrição do crédito tributário em dívida ativa (caput), semreservaroutrosbensourendassuficientesaototalpagamentodadívida (parágrafo único), presumindo-se o intuito de lesar o interesse da Fazenda Pública e de frustrar os meios executórios. Assim, não com-pete à exequente comprovar a inexistência de outros bens penhoráveis, tomando-se como certa a incapacidade de pagamento pela falta de bens livres para nomear à penhora. Obviamente que, pretendendo o executado livrarobemalienadodadeclaraçãodeineficáciadonegóciojurídico,oônus da prova lhe compete.

A regra do art. 185 do CTN dispensa qualquer questionamento acerca do conluio entre os que participaram do ato negocial com o propósito de frustrar o pagamento da dívida (consilium fraudis), pois a alienação jáésuficienteparatornarpresumidaafraude.Éabsolutamentecorretoafirmarqueoconsilium fraudis é irrelevante na fraude contra a execução, diferentemente do que pressupõe a fraude contra credores; todavia, o fato de a norma não impor tal investigação não permite a ilação no sentido de que o ânimo fraudulento é presumido de forma absoluta. Com a vênia das opiniões em contrário, não resta dúvida de que a presunção em tela é relativa, uma vez que a fraude decorre de um fato desconhecido, cuja ocorrência é exteriormente manifestada pela alienação ou oneração de bens ou rendas. O fato presuntivo, que deve ser provado pela Fazenda Pública, evidencia a fraude, mas o seu efetivo acontecimento é incerto, razão pela qual a prova em contrário é plenamente admissível. A doutrina de Araken de Assis converge para esse entendimento:

“No entanto, a questão recebeu solução diversa por meio da nova redação do art. 185 do CTN, derivada da LC 118, de 09.02.2005, segundo o qual se presumirá fraudulenta a alienação ou a oneração de bens ou rendas ‘por crédito regularmente inscrito como dívida ativa’, ressalva feita à inexistência de insolvência (art. 185, parágrafo único, do CTN). Por conseguinte, neste caso particular, à diferença do regime geral, opera a presunção, obviamente relativa, desde a inscrição, prescindindo-se do ajuizamento da demanda e, a fortiori, da citação do devedor para o negócio dispositivo se revelar ineficaz perante a Fazenda Pública.” (obra citada, p. 259) (grifei)

Nessa senda, a questão atinente ao consilium fraudis pode ser aventada

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pela parte prejudicada, por meio da ação de embargos de terceiro. Cabe ao adquirente do bem demonstrar que agiu de boa-fé, porquanto não era possível ou não era necessário saber da existência da execução ou dainscriçãoemdívidaativa.Note-sequehájulgadosafirmando,aparda presunção juris et de jure do art. 185 do CTN, a atenuação da regra nos casos em que deve ser protegida a boa-fé do terceiro. Ora, aceitar que o terceiro adquirente alegue a ausência de ajuste fraudulento entre as partes nada mais é do que admitir a prova em contrário da fraude à execução. Há de se frisar, contudo, que a alegação de boa-fé somente é admissível se não houver averbação ou registro da penhora; a partir do momento em que se dá a publicidade da constrição judicial, é inegável que o adquirente agiu de má-fé.

Em se cuidando de bens imóveis, a escritura pública sinaliza que o negócio observou as formalidades legais, já que, desde a vigência da Leinº7.433/1985,aspartesprecisamapresentarascertidõesfiscais,defeitos ajuizados e de ônus reais, prescindindo-se a transcrição do seu teor, embora o tabelião seja obrigado a manter, em cartório, o original ou a cópia das referidas certidões. Todavia, se as partes declararam, por ocasião da lavratura da escritura, que dispensam a apresentação de certidõesfiscaisedefeitosajuizados,oadquirentedoimóveldevepro-var que tomou as precauções necessárias para a realização do negócio, demonstrando a impossibilidade de ter conhecimento da pendência de execuçãofiscal(antesdaLCnº118/2005)oudainscriçãoemdívidaativa (após a LC nº 118).

Pode-se considerar de boa-fé, objetivamente, o comprador que adotou as mínimas cautelas para a segurança jurídica da sua aquisição. Quando o negócio de compra e venda ocorreu entre o devedor e o terceiro, a prova deve ser contundente, mormente se não houver escritura pública. A situação é peculiar, porém, na hipótese de sucessivas alienações do imóvel mediante compromissos de compra e venda, em que se mostra desarrazoado exigir que o adquirente tenha conhecimento da pendência deexecuçãofiscaloudívidaativaemnomedequemnãofezpartedonegócio. O ato fraudulento deve ser realizado pelo próprio executado, jamais por terceiro relativamente ao processo, cuja boa-fé deve ser tute-lada. Cabe acrescentar, ainda, que o registro do compromisso de compra e venda de imóvel não é requisito para a ação de embargos de terceiro,

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consoante a Súmula nº 84 do STJ.Por sua vez, a alienação de veículos envolve circunstâncias jurídicas

e negociais diversas. A propriedade se transfere pela simples tradição e a formalização do negócio de compra e venda requer a apresentação de documento fornecido pelo Detran, que indica a eventual existência de ônus ou restrições pendentes sobre o veículo. Essa é a cautela de praxe que o homem médio toma ao adquirir um veículo, não integrando o modo usual dos atos negociais a pesquisa quanto à existência de execuções fiscaisouaapresentaçãodecertidõesnegativasdedébito.Issosignificaque, não obstante haja penhora do bem móvel, se não constar qualquer restrição no registro do veículo no Detran, torna-se patente a boa-fé do terceiro.

Porfim,impenderessaltarque,no processo executivo, prevalece a presunção de fraude, cabendo ao juízo declarar a ineficácia do negócio jurídico, desde que sejam comprovados os requisitos do art. 185 do Ctn. O disposto na Súmula 375 (“O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”) deve ser interpretado cum grano salis, admitindo--sesuaaplicaçãoemembargosdeterceiro,masnãonoexecutivofiscal.Como antes explicitado, à Fazenda Pública basta provar a alienação ou oneração do bem após a citação ou a inscrição em dívida ativa para que se caraterize a fraude à execução. a discussão sobre a boa-fé do adqui-rente deve ser travada em embargos de terceiro, competindo o ônus da prova exclusivamente ao autor, já que se trata de fato constitutivo do seu pedido. Evidentemente que a embargada pode afastar a boa-fé do terceiro, apresentandoprovas de fatos impeditivos,modificativos ouextintivos do direito do autor. Em suma, a presunção de fraude, por ser relativa, pode ser objeto de controvérsia em ação própria.

Colho, na jurisprudência do STJ, precedentes corroborando a posição expendida neste julgado:

“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO FISCAL. FRAUDE À EXECUÇÃO. ALIENAÇÃO POSTERIOR À CITAÇÃO DO EXECUTADO, MAS ANTERIOR AO REGISTRO DA PENHORA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO ConSiLiuM FraudiS.

1.AjurisprudênciadoSTJ,interpretandooart.185doCTN,pacificou-se,porentendi-mento da Primeira Seção (EREsp 40.224/SP), no sentido de só ser possível presumir-se em

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fraudeàexecuçãoaalienaçãodebemdedevedorjácitadoemexecuçãofiscal.2. Ficou superado o entendimento de que a alienação ou oneração patrimonial do devedor

daFazendaPúblicaapósadistribuiçãodaexecuçãofiscaleraobastanteparacaracterizarfraude, em presunção jure et de jure.

3. Afastada a presunção, cabe ao credor comprovar que houve conluio entre alienante e adquirente para fraudar a ação de cobrança.

4. No caso de alienação de bens imóveis, na forma da legislação processual civil (art. 659, § 4º, do CPC, desde a redação da Lei 8.953/94), apenas a inscrição da penhora no competente cartório torna absoluta a assertiva de que a constrição é conhecida por terceiros e invalida a alegação de boa-fé do adquirente da propriedade.

5. Ausente o registro da penhora efetuada sobre o imóvel, não se pode supor que as partes contratantes agiram em consilium fraudis. Para tanto, é necessária a demonstração, por parte do credor, de que o comprador tinha conhecimento da existência de execução fiscalcontraoalienanteouagiuemconluiocomodevedor-vendedor,sendoinsuficienteoargumento de que a venda foi realizada após a citação do executado.

6. Assim, em relação ao terceiro, somente se presume fraudulenta a alienação de bem imóvel realizada posteriormente ao registro da penhora.

7. Recurso especial provido.” (REsp 625843/RS, Rel. Ministra eliana Calmon, Segunda turma, julgado em 23.05.2006, DJ 28.06.2006, p. 238)

“EXECUÇÃO. FRAUDE. CPC 593, II. Para que se tenha como presente a fraude de execução, necessário que já tenha ocorrido

a citação.BEM PENHORADO. ALIENAÇÃO. REGISTRO DA PENHORA.Aindaqueseadmitaineficazaalienaçãodebempenhorado,mesmonãoregistradaa

penhora, o mesmo não sucede quando feita por terceiro, que não o executado. Necessidade de amparar aquele que, não tendo adquirido o bem do devedor, agiu de boa-fé.” (REsp 2653/MS, Rel. Ministro eduardo ribeiro, terceira turma, julgado em 18.09.1990, DJ 19.11.1990, p. 13258)

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO DE ADJUDICAÇÃO FEITA EM AUTOS DE EXECUÇÃO FISCAL PROPOSTA PELO FISCO CONTRA O PROPRIETÁRIO ANTERIOR. AQUISIÇÃO DO IMÓVEL PELOS AUTORES ANTES DO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO. ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA LAVRADA. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ DOS TERCEIROS ADQUIRENTES. ACÓRDÃO QUE FIRMOU POSICIONAMENTO SOBRE MATERIAL FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 07/STJ. ART. 535 DO CPC. AU-SÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA 284/STF.

1. Ação de nulidade de ato jurídico proposta por Guedes Martins de Oliveira e cônjuge contra a Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais em que se pleiteia o afastamento da adjudicação de imóvel pertencente aos autores, mas sem o registro no cartório imobiliário competente. Sentença julgou improcedentes os pedidos sob o fundamento de que inexiste vício apto a anular o ato, além de faltar a assinatura do vendedor varão na promessa de compra e venda. Interposta apelação pelos autores, o TJMG deu-lhe provimento por entender

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que restou comprovada a aquisição do imóvel, inexistindo, somente, a prova do domínio e que, à época da compra, não havia sido ajuizada a execução. Recurso especial da Fazenda Pública alegando violação dos arts. 535 do CPC, 147 e 185 do CTN, 530 e 533 do Código Civil de 1916 e 171 e 1.245 do Código Civil vigente, em razão de a escritura de aditamento serposterioraoajuizamentodaexecuçãofiscal.Aduz,ainda,queoart.185doCTNtratade fraude à execução com presunção absoluta, sendo irrelevante a boa-fé do adquirente e quenãohávícioquejustifiqueaanulaçãodaadjudicação.Contrarrazõesnãoapresentadas.

2. A mera indicação de violação do teor do art. 535 do CPC, desprovida das razões para que seja anulado o acórdão a quo,éinsuficienteparaemprestarseguimentoaorecursoespe-cial. Há necessidade de que a parte fundamente o seu pedido, discorrendo motivadamente sobreainfringênciaaopreceitofederal,apontandoespecificamentequalovícioexistente(omissão, obscuridade ou contradição) a macular o julgado proferido. Nesse aspecto, o recurso não merece ser conhecido.

3. A conclusão adotada pelo Tribunal a quo de que não restou caracterizada fraude à execução, sendo válida a transação efetuada, resultou do exame dos fatos e provas coligidas aosautos,esócomoseureexamepoderia-sealcançaracertojudicialdiverso,finalidadeaque não se destina o recurso especial, a teor da Súmula 07/STJ.

4. Recurso especial a que se nega seguimento.” (REsp 737.496/MG, Rel. Ministro José delgado, Primeira turma, julgado em 21.06.2005, DJ 08.08.2005, p. 203)

“PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO. NÃO CONHECIMENTO. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. FRAUDE À EXECUÇÃO. BEM ALIENADO APÓS A CITAÇÃO VÁLIDA E ANTES DO REGISTRO DA PENHO-RA. HIPÓTESES DE CARACTERIZAÇÃO DE FRAUDE À EXECUÇÃO. OCORRÊN-CIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 185 DO CTN E LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005.

1. A mera colagem de ementas não supre a demonstração do dissídio jurisprudencial. Nas razões de recurso especial, a alegada divergência deverá ser demonstrada nos moldes exigidos pelo artigo 255 e §§ do RI/STJ.

2. Na redação anterior do art. 185 do CTN, exigia-se apenas a citação válida em pro-cessodeexecuçãofiscalpréviaàalienaçãoparacaracterizarapresunçãorelativadefraudeà execução em que incorriam o alienante e o adquirente (regra aplicável às alienações ocorridas até 08.06.2005).

3. Na redação atual do art. 185 do CTN, exige-se apenas a inscrição em dívida ativa prévia à alienação para caracterizar a presunção relativa de fraude à execução em que in-correm o alienante e o adquirente (regra aplicável às alienações ocorridas após 09.06.2005).

4. A averbação no registro próprio da certidão de inscrição em dívida ativa, ou da certidão comprobatória do ajuizamento da execução, ou da penhora cria a presunção absoluta de que a alienação posterior se dá em fraude à execução em que incorrem o alienante e o adquirente.

5. A presunção relativa de fraude à execução pode ser invertida pelo adquirente se de-monstrar que agiu com boa-fé na aquisição do bem, apresentando as certidões de tributos federais e aquelas pertinentes ao local onde registrado o bem e onde tinha residência o alienante ao tempo da alienação, em analogia às certidões exigidas pela Lei n. 7.433/85, e demonstrando que, mesmo de posse de tais certidões, não lhe era possível ter conhecimento

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daexistênciadaexecuçãofiscal (caso de alienação ocorrida até 08.06.2005), ou da inscrição em dívida ativa (caso de alienação ocorrida após 09.06.2005).

6. Invertida a presunção relativa de fraude à execução, cabe ao credor demonstrar o consilium fraudis, a culpa ou a má-fé.

7. A incidência da norma de fraude à execução pode ser afastada pelo devedor ou pelo adquirentesedemonstradoqueforamreservadospelodevedorbensourendassuficientesao total pagamento da dívida, ou que a citação não foi válida (para alienações ocorridas até 08.06.2005), ou que a alienação se deu antes da citação (para alienações ocorridas até 08.06.2005), ou que a alienação se deu antes da inscrição em dívida ativa (para alienações posteriores a 09.06.2005).

8. Hipótese em que a alienação se deu antes de 09.06.2005 e após a citação válida, presumindo-se a ocorrência de fraude à execução.

9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 751.481/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda turma, julgado em 25.11.2008, DJe 17.12.2008)

“PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE TER-CEIRO. BOA-FÉ DO ADQUIRENTE. FRAUDE À EXECUÇÃO. NÃO CONFIGURA-ÇÃO. ARTS. 185 DO CTN E 593, II, DO CPC.

1.Paraseconfigurarafraudeàexecuçãoénecessárioqueaalienaçãodobemocorraapós a citação válida do devedor e o conluio entre devedor/alienante e adquirente do bem.

2. A alienação em fraude à execução não pode ser oposta a terceiro de boa-fé.3. Presume-se de boa-fé o adquirente de veículo automotor objeto de sucessivas vendas

após a iniciada pelo executado, sem que haja qualquer indicação da ocorrência de conluio fraudulento.

4. Recurso especial provido.” (REsp 604118/MG, Rel. Ministro João otávio de noronha, Segunda turma, julgado em 13.02.2007, DJ 08.03.2007, p. 183)

No caso vertente, a venda do veículo penhorado ocorreu em 05.10.2004. Disso resulta que a redação do art. 185 do CTN aplicável ao caso é a anterior à edição da LC nº118/2005, que presume a fraude à execução quando a alienação ocorre após a citação do executado.

Oexamedasprovascoligidasnosautosinfirmaapresunçãodefraude.Oembargantefirmou,em05.10.2004,contratodefinanciamentocom

ABN–Amro,oferecendocomogarantiaoveículopenhorado(fls.14-16).Porsuavez,oCertificadodeRegistrodoVeículo,emitidoem21.03.2005,nãoapresentanenhumarestriçãoalémdessaalienaçãofiduciária(fl.09).

No momento da aquisição do bem e da transferência da propriedade não existia qualquer restrição averbada junto ao Departamento de Trânsito (fl.10).Dessarte,nãoobstanteaalienaçãotenhaocorridoapósacitaçãodosócioexecutado,configura-seaboa-fédoterceiroadquirente,visto

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que a compra e venda dessa espécie de bem normalmente não comporta ainvestigaçãosobrearegularidadefiscaldovendedor.Nãosemostrarazoável exigir que o adquirente devesse saber que havia execução proposta contra o vendedor, mormente porque parte dos recursos para a aquisiçãodobemfoiobtidajuntoàinstituiçãofinanceira,quepactuoucontrato com alienação em garantia, o que certamente dá ao negócio a aparência de segurança jurídica.

Por sua vez, a prova testemunhal corrobora o argumento do embar-gante de desconhecimento da existência de ação de execução contra Paulo Sérgio Fernandes e da intenção do devedor de se desfazer de seu patrimônio de modo a fraudar a execução. O veículo automotor foi adquirido em uma revendedora de automóveis e os funcionários da em-presaafirmaramqueoembargantenãoconheciaoanteriorproprietáriodobem(fls.57-60).

Constatando que a boa-fé do embargante não foi elidida, seja pela efetivação da penhora quando o bem móvel já integrava o seu patrimô-nio, seja pela ausência de comprovação pela Fazenda de sua atuação em conluio com o devedor com vistas à frustração da execução, é de ser mantida a sentença.

Neste sentido, ainda, os julgados desta Corte:“EMBARGOS DE TERCEIRO. ALIENAÇÃO DE BEM PERTENCENTE AO

EXECUTADO. FRAUDE À EXECUÇÃO. AUSÊNCIA. BOA-FÉ DO ADQUIRENTE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1 – Em se tratando de bem móvel, não é praxe os compradores pesquisarem junto a cartó-riosdedistribuiçãoeprotestoparaverificarsecontraovendedorpesaalgumadívidaouação.

2–Nãoseconfigurafraudeàexecuçãose,àépocadacompraevenda,inexistiarestriçãono Detran sobre o veículo alienado. Mesmo com a citação do devedor, prévia à alienação do bem, seria necessário que o credor provasse a ciência do adquirente acerca da execução fiscalpropostacontraalienanteparaqueconfigurasseafraude.

3 – O embargado que oferece resistência à pretensão do embargante de ser liberado da constrição o bem deve arcar com o pagamento dos honorários advocatícios, se sucumbente na demanda.” (TRF4, AC 2007.72.00.011271-0, Segunda Turma, Relatora Luciane Amaral Corrêa Münch, D.E. 18.03.2009)

“EMBARGOS DE TERCEIRO. VEÍCULO AUTOMOTOR ALIENADO A TERCEIRO APÓS A CITAÇÃO DE EXECUTADO. INOCORRÊNCIA DE FRAUDE À EXECUÇÃO.

1. O argumento de que a citação de executado, por conta do redirecionamento do feito, deu-se em data anterior ao registro da transferência do veículo automotor não tem a facul-dade, por si só, de caracterizar a ocorrência de fraude à execução, à medida que as peças

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carreadas aos autos indicam que o embargante sequer conhecia pessoalmente o executado. 2. Não é razoável exigir-se que o embargante, além de requerer certidão do automóvel

almejado junto ao Detran/RS, ainda tenha de recorrer às Justiças Estadual e Federal, com o intuito de obter negativas do vendedor, de eventuais empresas das quais o mesmo seja sócio,visandoaprecaver-sedesupostosredirecionamentosdeexecuçãofiscal;bemcomocertificar-sejuntoaosdiversoscartóriosimobiliáriosacercadaexistênciadependênciassobre o bem a ser adquirido.” (TRF4, AC 2005.71.18.000638-3, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, D.E. 15.04.2008)

Prequestionamento

Em arremate, consigno que o enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientesparaprequestionarjuntoàsinstânciassuperioresosdispo-sitivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargosdedeclaraçãotãosomenteparaessefim,oqueevidenciariafinalidadeprocrastinatóriadorecurso,passíveldecominaçãodemulta(artigo 538 do CPC).

ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação.

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direito triButÁrio

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.70.08.001033-4/PR

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona

apelante: União Federal (Fazenda Nacional)advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional

apelados: Higiban Ind. Com. Imp. e Exp. de Metais Ltda. e outroadvogado: Dr. Ricardo Alipio da Costa

eMenta

aduaneiro e tributário. importação. Parametrização. Canais verde e vermelho. Mercadorias. Conferência física. Contêineres. troca de con-teúdo. Erro do exportador. Pedido espontâneo de retificação. Boa-fé do importador. Falha humana que não resulta na supressão de tributos. art. 112 do Ctn. Pena de perdimento. art. 618, Xii, do decreto nº 4.543/02. desproporcionalidade.

1. As falhas humanas porventura existentes na operação de importação podem ou não resultar na supressão de tributos, pelo que, nos termos do art.112doCTN,aleiquedefineinfraçõesoucominapenalidadedeveser interpretada de maneira mais favorável ao acusado quanto à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão de seus efeitos.

2. Caso sui generisnoqual,porerro justificadodoexportador,osconteúdos de dois contêineres foram trocados, tendo a carga de um deles sido parametrizada para o canal vermelho de conferência aduaneira; em face da troca, porém, os produtos a serem efetivamente conferidos pela

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fiscalizaçãojáhaviamsidodesembaraçadosautomaticamentenocanalverde,impossibilitandosuaverificaçãofísica.

3. Tendo em vista a boa-fé do importador, inequivocamente demons-tradanosautosequeemnenhummomentofoiquestionadapelofisco,resta afastada a pena de perdimento prevista no art. 618, XII, do Decreto 4.543/02, ante a desproporcionalidade da referida pena. Precedentes desta Corte.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade,negarprovimentoaoapeloeàremessaoficialconsideradainterposta,nostermosdorelatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 26 de julho de 2011.Des. Federal otávio roberto Pamplona, Relator.

reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal otávio roberto Pamplona: Trata-se de ação ordinária buscando a liberação de mercadoria importada da China por duas empresas nacionais, Higiban Com. imp. e exp. de Materiais para Construção Ltda. – ePP e Flex ind. Com. imp. e exp. de Metais Sanitários Ltda. – ePP. Segundo relato da sentença, as autoras alegam que “as mercadorias contidas no contêiner destinado à Higiban, que foram liberadas automaticamente pela autoridade aduaneira em virtu-de da parametrização para o canal verde de conferência, na realidade destinavam-se à Flex. Por sua vez, as mercadorias remetidas para essa empresa, ainda retidasnazonaaduaneiraprimáriaparaaverificaçãofísica, pois parametrizadas para o canal vermelho de conferência, na realidade foram encomendadas pela Higiban. (...) O pedido principal é dedeclaraçãododireitodasautorasde‘retificaçãodoerrocometidopeloexportador através da Carta de Correção apresentada, a possibilidade de troca das mercadorias confundidas pelo exportador, a nulidade da pena de perdimento almejada, bem como a legalidade das operações comerciais travadas pelos autores’.”

A antecipação de tutela foi concedida em parte, e a sentença julgou

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parcialmenteprocedenteaação,paraosfinsdereconhecerodireitoàretificaçãonosdespachos aduaneiros e afastar a penadeperdimento“das mercadorias importadas por meio das DIs nos 07/0683399-0 e 07/0683376-1, pelas descrições incorretas nas DIs decorrentes da troca pelo exportador”. Reconheceu a sucumbência recíproca não equivalente, fixandooshonoráriosadvocatíciosemR$15.000,00,devendoaUniãoarcar com 2/3 do referido valor, pois restou vencida em maior parte.

ApelaaUnião,afirmandoque“oconteúdodosdoiscontêineresfoiinvertido, e uma das Autoras desembaraçou o contêiner que continha as mercadorias da outra”, demonstrando ter prestado declaração falsa quanto à mercadoria importada. Alega que “o primeiro contêiner, que fora retirado, encerrava justamente as mercadorias cuja DI foi parametrizada para o canal vermelho, e a devolução representava condição inicial inde-clinável”, o que não foi providenciado pela autora. Logo, tendo a autora se omitido no tocante à obrigação de promover o necessário retorno da carga (indevidamente liberada) ao Porto de Paranaguá, “a apresentação da ‘carta de correção’ não redundava em nenhuma utilidade (...) visto que não se tratava de incorreção na carga, mas sim de troca, situação em que a apreciação do suposto erro não prescindiria do exame das duas cargas, simultaneamente”. Sustenta que as consequências do erro do exportador eleito pela autora não devem ser toleradas pela Administração Aduaneira. Aduz que, por haver declarado mercadoria diversa da que estava no contêiner e não haver disponibilizado as mercadorias indevi-damente desembaraçadas à Receita Federal, não pode ser reconhecido emfavordaautoraodireitoàretificaçãodedocumentoalgum.Alegaque a responsabilidade dos protagonistas do comércio exterior, perante o fisco,éobjetiva,nostermosdoart.,136doCTN,bemcomoserdevidaa pena de perdimento da mercadoria, consoante previsão expressa do art. 105, XII, do Decreto nº 37/66. Insurge-se contra o reconhecimento dadesproporcionalidadedapenaimposta,afirmandoqueoperdimentonão recairá sobre o patrimônio do importador, porquanto “está garantido juridicamente à parte-autora o direito de regresso em face do fornece-dor internacional, que não cumpriu devidamente as obrigações que lhe competiam na forma de remessa da carga”. Caso mantida a sentença recorrida, postula a inversão dos encargos sucumbenciais, atribuindo-se à autora o pagamento dos 2/3 do montante devido a título de custas e

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honorários advocatícios.Contra-arrazoado o recurso, sobem os autos.É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal otávio roberto Pamplona: Preliminarmente, cabe destacar que, nos termos do disposto no § 2º do art. 475 do CPC, não caberáremessaoficialsemprequeacondenação,ouodireitocontrover-tido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos.

Assim, tendo em vista que à demanda foi atribuído, na inicial, o valor de R$ 266.000,00 (compatível com o valor das mercadorias apreendidas), considerointerpostaaremessaoficial.

Cinge-seacontrovérsiaàlegitimidadedoatoderetenção,parafinsdeaplicação da pena de perdimento, das mercadorias importadas pela autora.

Inicialmente, afasto a alegação da apelante no sentido de que a autora teria prestado declaração falsa quanto à mercadoria importada, porquanto, segundo expressamente reconhecido pela própria recorrente, o erro in casu foi cometido pelo exportador.

De fato, segundo a carta de correção com tradução juramentada anexa-daàsfls.86-90,ovendedorestrangeiro–China ningbo Cixi importação e exportação – informa que:

“(...) enviamos dois containers para o Brasil no dia 3 de Abril, com conhecimento marítimo número NNGB07040025 (Container número SUDU1937392, Selo numero 1117213863CTNS) para a empresa denominada FLEX Indústria & Comércio de Importação e Exportação de Metais Sanitários Ltda., e conhecimento marítimo número NNGB07040027 (container number SUDU1801127, selo número 11211291158CTNS), para a empresa Hi-giban Comércio e Importação e Exportação de Materiais para Construção Ltda.

No entanto, infelizmente houve um erro no sentido de que a mercadoria dos containers foi trocada. Ou seja, os produtos para a Higiban estão em nome da Flex, e os produtos para a Flex estão em nome da Higiban. Por esse motivo, enviamos esta carta de correção e esperamos que possa ajudá-los a receber a mercadoria em seu porto marítimo.

Atenciosamente,Assinado pelo representante de China Ningbo Cixi Imp. & Exp. Corp.Constadoinstrumentooriginal,emapenso,certificaçãodequeoselodaempresaemis-

soradacartaéoriginal.ConstaaindanoversodoinstrumentooriginalassinaturadoOficialresponsável pelo Departamento de Negócios Estrangeiros da Província de Zhejiang. Consta ainda o reconhecimento desta assinatura por Fernando Mota de Almeida, Vice-Cônsul do Brasil em Xangai, no dia 13 de Junho de 2007.”

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Trata-se, portanto, de documento idôneo – cuja idoneidade, ademais, em nenhum momento foi questionada pela União.

Logo, houve efetiva irregularidade no embarque das mercadorias no exterior, fazendo com que aquelas destinadas à Higiban (elencadas na DI nº 07/0683376-1) viessem no contêiner acompanhado da documen-tação que representava a negociação do exportador com a Flex (DI nº 07/0683399-0), e vice-versa.

Ocorre que a carga adquirida pela Flex – que, na realidade, em face do erro do exportador, encontrava-se amparada pela DI, pela fatura e pelo conhecimento de embarque das mercadorias destinadas à Higiban – foi parametrizada para o canal vermelho de conferência aduaneira, comexigênciadeverificaçãofísicacomocondiçãoindispensávelaoseudesembaraçoaduaneiro(fls.65-77).

Todavia, em razão de os produtos efetivamente importados pela Flex terem sido carregados no contêiner destinado à Higiban – cuja docu-mentação foi imediatamente liberada pelo canal verde de conferência aduaneira –, a aduana não teve acesso físico à carga parametrizada para o canal vermelho, haja vista seu pronto desembaraço e retirada pelo importador de direito, Higiban.

Antetalirregularidade,aautoridadefiscalreteveasmercadoriasdaHigiban, que se encontravam no contêiner formalmente (via documen-tal) destinado à Flex. O fundamento para tanto, constante no Termo de Retençãodefl.99,équeasmercadoriasrelativasàDInº07/0683399-0,“durante procedimento de conferência física, não conferem com o de-clarado”. Consta ainda, no mencionado termo, que “Os 1158 volumes permanecerão retidos até que sejam tomadas as providências cabíveis, observando o disposto no art. 618, inciso XII, do Decreto nº 4.543/02” (pena de perdimento de mercadoria chegada ao país com falsa declaração de conteúdo).

No concernente, cabe salientar, conforme bem observado na decisão liminar, que, “antes mesmo das autoridades alfandegárias iniciarem a conferência física das mercadorias objeto da DI nº 07/0683399-0, parametrizadas ao canal vermelho, a autora Higiban – Com. Imp. e Exp. de Materiais para Construção Ltda. informou à Receita Federal os equívocos cometidos pelo exportador, demonstrando, com isso, aparente boa-fé.”

Com efeito, ambas as DIs (07/0683399-0 e 07/0683376-1) foram R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 365

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registradasem28.05.2007(fls.53e65).Após o desembaraço automático da DI nº 07/0683376-1, o contêiner

liberado foi transportado até a sede da Higiban, onde constatou-se que as mercadorias correspondiam, na verdade, àquelas adquiridas, junto ao exportador, pela Flex (DI nº 07/0683399-0).

Ciente da referida troca, a autora encaminhou à Delegacia da Receita FederalemParanaguá,em04.06.2007(fl.84),termodefieldepositáriodas mercadorias pertencentes à Flex (parametrizadas para o canal ver-melho), juntamente com solicitação de liberação das mercadorias que lhe pertenciam (as quais, embora estivessem acondicionadas no contêiner destinado à Flex, se tratavam, na realidade dos fatos, da carga que fora automaticamente desembaraçada, descrita na DI nº 07/0683376-1).

Na referida solicitação de liberação, o equívoco do exportador foi suficientementeesclarecidopelaautora,emversãoverossímilecoerente(fls.92-95).

Gize-se que tais informações foram prestadas, de forma espontânea pela autora, em 04.06.2007, sendo que somente em 29.06.2007 foi lavrado otermoderetenção(fl.99).

Verifica-se,dessarte,queoimportadoringressoucompedidoespon-tâneoderetificaçãodoerrocometidopeloexportador,apósodesem-baraço automático das mercadorias e recolhimento dos tributos devidos na operação.

Opedidoderetificaçãorealizadoantesdequalqueriniciativadaau-toridadefiscaltemosmesmosefeitosdeumacartadecorreção(art.44do Decreto 4.543/02) – a qual, ademais, foi efetivamente providenciada juntoaoexportadorem08.06.2007(fl.87),maisdevintediasantesdaverificaçãofísicarealizadapelofisco.

No concernente, ainda, além de inexistir qualquer outro vício ca-paz de macular a operação de importação, cabe relevar que as falhas humanas, porventura existentes nos complexos processos do comércio internacional, podem ou não resultar na supressão de tributos. Outrossim, nostermosdoart.112doCTN,aleiquedefineinfraçõesoucominapenalidade deve ser interpretada de maneira mais favorável ao acusado quanto à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão de seus efeitos, verbis:

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“Art.112Aleitributáriaquedefineinfrações,oulhecominapenalidades,interpreta-seda maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:

I – à capitulação legal do fato;II – à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos

seus efeitos;III – à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;IV – à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.”

Assim, e levando em conta a severidade da pena de perdimento de toda a carga adquirida pelo importador (consistente de produtos lícitos que guardam relação com seu objeto social – válvulas, torneiras, registros de gaveta, etc.), a incidência da penalidade deverá ocorrer nas hipóteses em queasempresasbuscamintencionalmentefurtar-seàatuaçãodofisco,bemcomoquandooequívocoproduzconsequênciasfiscais,oquenãoéocasodosautos–noqualnãoficoudemonstradaaatuaçãodolosadocontribuinte,nemhouveconsequênciafiscalnotocanteaorecolhimentode tributos.

Dito isso, mostra-se irreparável o entendimento de ser desproporcional a aplicação da pena de perdimento, quando o equívoco do exportador, plenamente justificadopela importadora, não revela a intençãodestaúltima de prejudicar a atuação das autoridades fazendárias.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região registra precedentes afas-tando a pena de perdimento em situações semelhantes, veja-se:

“IMPORTAÇÃO. PERDIMENTO. DOCUMENTAÇÃO. CORREÇÃO X FALSIFICA-ÇÃO OU ADULTERAÇÃO. INOCORRÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. A clara correção de documento relativo à importação, de modo a fazê-lo conforme a operação efetivamente realizada,aindaqueinobservadooprocedimentoadequado,nãoconfigurafalsificaçãoouadulteração em seu sentido legal. Não sendo vislumbrada manobra no sentido de afastar a exigência de tributo que seria devido ou de ensejar o ingresso irregular de mercadoria, não se configuradanoaoerário.Ausenteahipóteseprevistanoart.105,VI,doDL37/66c/coart.23, IV, e parágrafo único, do DL 1.455/76, descabida a aplicação da pena de perdimento.” (TRF4, AC 19980401014288-8, Primeira turma, julgado em 25.04.2002, DJ 05.06.2002, Relator Leandro Paulsen)

“TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ERRO NO PREENCHIMENTO DE MANIFESTO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. INTENÇÃO DE LESAR O FISCO NÃO CONFIGURADA. 1. A aplicação do art. 618 do Decreto nº 4.543/02 pres-supõe a existência de dano ao erário público. 2. A equivocada incorreção no preenchimento do manifesto não pode resultar na aplicação de pena tão gravosa ao contribuinte, como é a característicadapenadeperdimentodemercadoria.3.Apelaçãoeremessaoficialimpro-

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vidas.” (TRF4, AMS 2004.70.02.008155-4-PR, Primeira turma, julgamento 28.02.2007, DJ 20.03.2007, Relator Joel ilan Paciornik)

“MANDADO DE SEGURANÇA. ERRO NO PREENCHIMENTO DO MANIFESTO. APREENSÃO DAS MERCADORIAS IMPORTADAS. PENA DE PERDIMENTO. 1. Afigura-seexcessivaapenadeperdimentoaplicadapeloFiscosobofundamentodequeparte das mercadorias estavam desacompanhadas de qualquer documentação, haja vista ter o importador comprovado que o equívoco deu-se por erro no preenchimento do manifesto, documento em que constou, inicialmente, mercadorias a menor em relação às efetivamente importadas,situaçãoque,retificada,nãocausouqualquerdanoaoeráriopúblico.2.Aplau-sibilidade da tese da importadora encontra guarida não só nos elementos probatórios, como também na correção dos demais atos que compõem o processo de importação.” (TRF4, REO 2001.72.08.002753-1, Primeira turma, julgamento 04.08.2004, DJ 01.09.2004, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria)

“PENA DE PERDIMENTO DE VEÍCULO. RASURA NO PREENCHIMENTO DO CONHECIMENTO DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERNACIONAL. – Em que pese tenha havido alteração manual da data constante no Conhecimento de Transporte InternacionalporRodovia–CTR,àvistadacartadecorreçãoapresentadaàfiscalizaçãoedosdemaiselementosprobatórioscarreadosaosautosafigura-seplausívelaalegaçãodaapelante de que na verdade houve equívoco no preenchimento, não havendo intenção de ludibriarofisco,razãopelaqualapenadeperdimentodoveículomostra-sesançãopordemais gravosa e desproporcional, considerando-se, sobretudo, que da situação nenhum prejuízo adveio ao erário público.” (TRF4, AC 200004010313813/RS, Primeira turma, julgamento 14.04.2004, DJ 12.05.2004, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria)

“MANDADO DE SEGURANÇA. LIBERAÇÃO DE MERCADORIA. UNIDADE DE CARGA INDICADA ERRONEAMENTE. CORREÇÃO VOLUNTÁRIA DO CON-TRIBUINTE. BOA-FÉ. (...) 4. Mero rigor formal não pode penalizar demasiadamente o contribuinte, cuja boa-fé é patente.” (TRF4, AG 20060400313879/SC, Segunda turma, julgamento 05.12.2006, D.E 19.12.2006, Relator dirceu de almeida Soares)

“DESEMBARAÇO ADUANEIRO. CARTA DE CORREÇÃO. PRAZO DO ART. 49, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DECRETO Nº 91.030/85. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 25/86 DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. – A apresentação de carta de corre-ção do conhecimento de carga após 30 dias da chegada do navio transportador (IN/SRF nº 25/86)configuramerairregularidadeformal,seodocumentofoiemitidoantesdachegadado navio ao porto, nos termos do art. 49, parágrafo único, do Regulamento Aduaneiro, e senãoimpedeoudificultaafiscalizaçãoaduaneira.Nessascircunstâncias,nãoérazoávela retenção da mercadoria e, menos ainda, a aplicação de pena de perdimento, inexistente qualquer indíciodefraudeouintençãodefraudarafiscalizaçãoaduaneiraporpartedoimportador,devendoprosseguirodesembaraçodosbensatéostrâmitesfinais.–Remessaoficial desprovida.” (TRF4,REO200272010033959/SC,Segunda turma, julgamento 27.05.2003, DJ 09.09.2004, Relator João Surreaux Chagas).

Observo,porfim,que,noaspectoreferenteànecessidadedeverifica-

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ção física da mercadoria que se encontra na sede da Higiban, a decisão foi favorável à apelante, inexistindo recurso da parte-autora.

No mais, os bem-lançados fundamentos da sentença de lavra do MM. Juiz Federal Substituto Carlos Felipe Komorowski, os quais me permito adotar,somadosaosjáexpostos,comorazõesdedecidir(fls.295-299v.):

“OextratodoSISCOMEXàfl.63comprovaaparametrizaçãoparaocanalverdedeconferência aduaneira e o desembaraço, em 28.05.2007, da mercadoria importada pela Higiban por meio da DI n° 07/0683376-1.

Já a as mercadorias da DI n° 07/0683399-0, registrada pela Flex, deveriam ser subme-tidasàverificaçãofísica,poisselecionadasparaocanalvermelhoemjunho/2007(fl.77).

Acartadoexportadorchinêsde13.06.2007(fl.90)afirmaqueasmercadoriasforamtrocadas.

Em 04.06.2007, as empresas apresentaram requerimento à Aduana da Receita Federal doBrasil informandooocorrido(fls.92-94),ouseja,antes mesmo da verificação pela autoridade aduaneira das mercadorias no contêiner da Flex.

Não obstante, em 29.06.2007, foi lavrado o termo de retenção das mercadorias, porque nãocorrespondiamàdescriçãonaDI(fl.99).

O relato dos fatos evidencia a boa-fé das autoras, não se identificando a intenção de fraudarem o controle do comércio exterior.

Apesardasafirmativasnainicial,houve prejuízo a esse controle, pois o conteúdo no contêiner desembaraçado à Higiban não correspondia à descrição na DI, que foi importante para a seleção do canal de conferência verde. Uma vez que esse contêiner foi aberto pela empresa,nãosepodeafirmarqualeraoseurealconteúdo,assimficoutotalmentepreju-dicadaaverificaçãofísicadocontêinerdaFlex,afinalasmercadoriasqueneledeveriamestar já haviam sido retiradas do porto pela Higiban.

(...)E é prevista a pena de perdimento na situação discutida:‘Art.105 – Aplica-se a pena de perda da mercadoria:(...)XII – estrangeira, chegada ao país com falsa declaração de conteúdo;’Em situações especiais, contudo, é possível levar em conta a ausência de intenção de

ludibriar as autoridades envolvidas no comércio exterior se o erro for escusável e extre-mamente onerosa a penalidade.

Nopresentecasoconfiguraram-seessashipóteses,poisos sóciosdasempresas sãoligados por laços de parentesco, dando a entender que promovem negociações conjuntas com os exportadores. Como realizaram importações concomitantes, é crível a versão de erro do exportador, inclusive reconhecida por ele por escrito, ao acondicionar as mercadorias nos contêineres e trocar os nomes dos importadores-destinatários.

A penalidade é o perdimento das mercadorias, a mais grave prevista na legislação.Assim, pode-se aplicar o princípio da proporcionalidade, conforme a lição de Celso

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Antônio Bandeira de Mello, afastando-se a pena de perdimento:‘Este princípio enuncia a ideia – (...) – de que as competências administrativas só podem

ser validamente exercidas na extensão e na intensidade proporcionais ao que seja realmente demandadoparacumprimentodafinalidadedeinteressepúblicoaqueestãoatreladas.(...)

Sobremodo quando a Administração restringe situação jurídica dos administrados além doquecaberia,porimprimiràsmedidastomadasumaintensidadeouextensãosupérfluas,prescindendas, ressalta a ilegalidade de sua conduta. É que ninguém deve estar obrigado a suportar constrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam indispensáveis à satisfação do interesse público.

Logo, o plus, o excesso acaso existente, não milita em benefício de ninguém. (...) Ora, já seviuqueinadequaçãoàfinalidadedaleiéinadequaçãoàpróprialei.Donde,atosdespro-porcionais são ilegais e, por isso, fulmináveis pelo Poder Judiciário, que, sendo provocado, deverá invalidá-los quando impossível anular unicamente a demasia, o excesso detectado.’ (Curso de direito administrativo, Malheiros, 17. ed., 2004, p. 141)

Naaplicaçãodaspenalidadeséprecisosopesarascircunstânciasdocasoconcreto,afimde permitir a adequação da norma aos fatos e, como exposto acima, o fato em referência nãorevelagravidadesuficienteparaapenacapital.Alegislaçãonãoprevêagraduaçãodapena conforme a culpabilidade do agente ou a gravidade da infração, mas seria desejável quecontemplassetaistemperamentos,afimdeevitarinjustiças,porofensaaoprincípioconstitucional da proporcionalidade.”

Mantenho o reconhecimento da sucumbência recíproca não equivalen-te e o dever da União de arcar com 2/3 das custas processuais e honorários advocatícios, nos termos da sentença, sob pena de reformatio in pejus.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo e à remessa oficial considerada interposta.

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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5014246-64.2010.404.7000/PR

relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch

apelante: Receita Federal do Brasilapelado: Jackson Reis de Souza

advogado: Dr. Leonardo Adolfo Bonatto CordouroMPF: Ministério Público Federal

interessada: União – Fazenda Nacional

eMenta

tributário. imunidade. impostos. importação de equipamento. Leitor de livro digital, denominado Kindle. CF/88. art. 150, Vi, alínea d.

O Supremo Tribunal Federal, em que pese ter entendimento restritivo quanto à concessão da imunidade tributária no tocante a “livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão”, vem autorizando a extensão desse benefício tributário aos “materiais que se mostrem as-similáveis ao papel, abrangendo, em consequência, para esse efeito, os filmesepapéisfotográficos”(RE495385AgR,RelatorMin.eros Grau, Segunda Turma, julgado em 29.09.2009).

Portanto, considerando que o equipamento em questão, leitor de livros digitais, denominado “Kindle”,temafunçãoespecíficade,comvêniada redundância, permitir a leitura dos livros digitais, esse equipamento equipara-sea“materiaisassimiláveis”aopapel,paraofimdaconcessãoda imunidade tributária (CF/88, 150, VI, d), a teor da jurisprudência do STF.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, porunanimidade,negarprovimentoàapelaçãoeàremessaoficial,nostermosdorelatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrante do presente julgado.

Porto Alegre, 05 de julho de 2011.Desa. Federal Luciane amaral Corrêa Münch, Relatora.

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 159-376, 2011 371

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reLatÓrio

a exma. Sra. desa. Federal Luciane amaral Corrêa Münch: Trata--se de apelação de sentença que concedeu mandado de segurança, para reconhecer “a extensão da imunidade do art. 150, VI, d, da Constituição sobre os livros digitais ‘kindle’ e afastar a incidência de impostos na importação dos mesmos pelo impetrante, conforme espelho de pedido juntado (evento 6)”. Destacou o juízo “que a imunidade somente se re-fere ao livro ou leitor digital, não abrangendo o estojo também contido na compra”.

Inconformada, a União sustenta em sua apelação, em síntese, que o dispositivo eletrônico de leitura de livros digitais não se enquadra no conceito constitucional de livro, sendo incabível a concessão do bene-fíciofiscaldaimunidadetributária.Aduzquenoconceitodelivronãose levam em conta os meios com os quais as ideias são disponibilizadas para leitura. Refere que os e-books são dispositivos eletrônicos, e não livros no conceito constitucional.

Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação.Causasujeitaàremessaoficial.É o relatório.

Voto

a exma. Sra. desa. Federal Luciane amaral Corrêa Münch: Controverte-se acerca da extensão da imunidade do art. 150, VI, d, da Constituição sobre os livros digitais ‘kindle’.

A parte impetrante referiu na inicial que “pretende importar, dos Estados Unidos, o aparelho denominado comercialmente de ‘kindle’, produzido pela empresa norte-americana Amazon.com”, buscando com a presente demanda desobrigar-se do “pagamento de quaisquer tributos aduaneiros, em razão da imunidade tributária”.

A imunidade tributária está assim estabelecida na Constituição Fe-deral:

“CF, art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à união, aos estados, ao distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

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II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equi-valente,proibidaqualquerdistinçãoemrazãodeocupaçãoprofissionaloufunçãoporelesexercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

III – cobrar tributos:a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver

instituído ou aumentado;b)nomesmoexercíciofinanceiroemquehajasidopublicadaaleiqueosinstituiuou

aumentou;c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os

instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitu-cional nº 42, de 19.12.2003)

IV–utilizartributocomefeitodeconfisco;V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos inte-

restaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;

VI – instituir impostos sobre:a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;b) templos de qualquer culto;c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das

entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, semfinslucrativos,atendidososrequisitosdalei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.”

O Supremo Tribunal Federal, em que pese ter entendimento restritivo quanto à concessão da imunidade tributária no tocante a “livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão”, vem autorizando a extensão desse benefício tributário aos “materiais que se mostrem as-similáveis ao papel, abrangendo, em consequência, para esse efeito, os filmesepapéisfotográficos”(RE495385AgR,RelatorMin.ErosGrau,Segunda Turma, julgado em 29.09.2009, DJe-200 Divulg 22.10.2009 Public 23.10.2009).

Nesse sentido reproduzo precedentes do STF:“TRIBUTÁRIO. ISS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 150, VI, d, DA CF. SER-

VIÇOS DE DISTRIBUIÇÃO, TRANSPORTE OU ENTREGA DE LIVROS, JORNAIS, PERIÓDICOS E DO PAPEL DESTINADO À SUA IMPRESSÃO. ABRANGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. AGRAVO IMPROVIDO.

I – A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, d, da Constituição Federal não abrange os serviços prestados por empresas que fazem a distribuição, o transporte ou a entrega de livros, jornais, periódicos e do papel destinado à sua impressão. Precedentes.

ii – o Supremo tribunal Federal possui entendimento no sentido de que a imunidade

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em discussão deve ser interpretada restritivamente.III – Agravo regimental improvido.” (RE 530121 AgR, Relator(a): Min. ricardo

Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 09.11.2010, DJe-058 Divulg 28.03.2011 Public 29.03.2011 Ement Vol-02491-02 PP-00279)

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS. CREDITAMENTO. INSUMOS UTILIZADOS NA CONFECÇÃO DE JORNAIS, LIVROS E PERIÓDICOS. AGRAVO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

1. em se tratando de insumos destinados à impressão de livros, jornais e periódicos, a imunidade tributária abrange, exclusivamente, materiais assimiláveis ao papel.

2. Impossibilidade do reexame de provas: incidência da Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal.” (RE 372645 AgR, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 20.10.2009, DJe-213 Divulg 12.11.2009 Public 13.11.2009 Ement Vol-02382- 03 PP-00461 LEXSTF v. 31, n. 372, 2009, p. 187-191)

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IMUNIDADE. IMPOSTOS. LIVROS, JORNAIS E PERIÓDICOS. ART. 150, VI, d, DA CONSTITUI-ÇÃO DO BRASIL. INSUMOS.

OSupremoTribunalFederalfixouentendimentonosentidodequeagarantiacons-titucional da imunidade tributária inserta no art. 150, VI, d, da Constituição do Brasil estende-se, exclusivamente – tratando-se de insumos destinados à impressão de livros, jornais e periódicos – a materiais que se mostrem assimiláveis ao papel, abrangendo, em consequência, para esse efeito, os filmes e papéis fotográficos.

Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 495385 AgR, Relator(a): Min. eros Grau, Segunda Turma, julgado em 29.09.2009, DJe-200 Divulg 22.10.2009 Public 23.10.2009 Ement Vol-02379- 07 PP-01514 RT v. 99, n. 891, 2010, p. 226-229)

“Imunidade tributária (CF, art. 150, VI, d):filmesdestinadosàproduçãodecapasdelivros.

É da jurisprudência do Supremo tribunal que a imunidade prevista no art. 150, Vi, d, da Constituição alcança o produto de que se cuida na espécie (Filme Bopp). Precedentes.” (AI 597746 AgR, Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 14.11.2006, DJ 07-12-2006 PP-00045 Ement Vol-02259-07 PP-01298 RTJ Vol-00201-01 PP-00395 RT v. 96, n. 859, 2007, p. 177-178 RDDT n. 138, 2007, p. 152-154)

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INSUMOS DESTINADOS À IMPRESSÃO DE LIVROS, JORNAIS E PERIÓDICOS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. LIMITAÇÃO CONS-TITUCIONAL AO PODER DE TRIBUTAR QUE TAMBÉM SE ESTENDE A MATERIAIS ASSIMILÁVEIS AO PAPEL. RECURSO DO ESTADO DE SÃO PAULO IMPROVIDO. PROVIMENTO DO RECURSO DEDUZIDO PELA EMPRESA JORNALÍSTICA.

– o Supremo tribunal Federal, ao interpretar, restritivamente, o alcance da cláusula inscrita no art. 150, Vi, d, da Constituição da República, firmou entendimento no sentido de que a garantia constitucional da imunidade tributária, tratando-se de insumos destinados à impressão de livros, jornais e periódicos, estende-se, apenas, a materiais que se mostrem assimiláveis ao papel, abrangendo, em consequência, para esse efeito, os filmes e papéis

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fotográficos. Precedentes.– Posição do Relator sobre o tema: o Relator, Ministro CELSO DE MELLO, embora

reconhecendo a possibilidade de interpretação extensiva do postulado da imunidade tributária (CF, art. 150, VI, d), ajusta o seu entendimento (pessoal e vencido) à orientação prevalecente no Plenário da Corte (RE 203.859/SP), em respeito ao princípio da colegialidade.

– Considerações em torno da imunidade tributária, notadamente daquela estabelecida em favor de livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão. Significado e teleologia da cláusula fundada no art. 150, Vi, d, da Constituição da república: proteção do exercício da liberdade de expressão intelectual e do direito de informação.” (RE 327414 AgR, Relator(a): Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 07.03.2006, DJe-027 Divulg 11.02.2010 Public 12.02.2010 Ement Vol-02389- 03 PP-00635)

Portanto, considerando que o leitor de livros digitais em questão, denomi-nado kindle,temafunçãoespecíficade,comvêniadaredundância,permitira leitura dos livros digitais, reconheço que esse equipamento equipara-se a “materiais assimiláveis” ao papel, para o fim da concessão da imunidade tributária (CF/88, 150, Vi, d), a teor da jurisprudência do StF.

Nesse sentido é o parecer do representante do Ministério Público Federal, o qual esclarece:

“inútil é o livro digital sem o aplicativo leitor, como seria inútil o livro sem suas páginas de papel em que impressas as palavras para leitura. A impressão e a consequente leitura de livros rogam pelo aplicativo adquirido pelo impetrante. o leitor é exclusivo para a leitura de livro digital. Com ele, o texto digitalizado encontra sua forma de leitura.

Defato,nãopoderiaolegisladorordináriolimitaradefiniçãodelivroapenasparaolivrodigitaldeusoexclusivoporpessoascomdeficiênciavisual:

‘Lei nº 10.753, de 30 de outubro de 2003, que institui a Política Nacional do Livro(...)CAPÍTULO IIDO LIVROArt. 2º Considera-se livro, para efeitos desta Lei, a publicação de textos escritos em fichas

ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e acabamento.

Parágrafo único. São equiparados a livro:I – fascículos, publicações de qualquer natureza que representem parte de livro;II – materiais avulsos relacionados com o livro, impressos em papel ou em material similar;III – roteiros de leitura para controle e estudo de literatura ou de obras didáticas;IV – álbuns para colorir, pintar, recortar ou armar;V–atlasgeográficos,históricos,anatômicos,mapasecartogramas;VI – textos derivados de livro ou originais, produzidos por editores, mediante contrato de

edição celebrado com o autor, com a utilização de qualquer suporte;Vii – livros em meio digital, magnético e ótico, para uso exclusivo de pessoas com de-

ficiência visual;

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VIII – livros impressos no Sistema Braille.Art. 3º É livro brasileiro o publicado por editora sediada no Brasil, em qualquer idioma,

bemcomooimpressooufixadoemqualquersuportenoexteriorporeditorsediadonoBrasil.Art. 4º É permitida a entrada no País de livros em língua estrangeira ou portuguesa, imunes

de impostos nos termos do art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição, e, nos termos do regu-lamento, de tarifas alfandegárias prévias, sem prejuízo dos controles aduaneiros e de suas taxas.’

O livro digital é livro alcançado pela imunidade constitucional, que também encerra seu leitor/aplicativo digital.”

Anteoexposto,votopornegarprovimentoàapelaçãoeàremessaoficial.

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arGuiÇÕeS de inConStituCionaLidade

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ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 0035351-13.2009.404.7100/RS

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós relatora p/ acórdão: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

interessado: União Federal (Fazenda Nacional)advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional

interessado: Vinicio Sonciniadvogado: Dr. Ricardo Barbosa Alfonsin

Suscitante: 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

eMenta

arguição de inconstitucionalidade. artigo 8º da Lei nº 11.775/08. Princípio da isonomia não violado.

As medidas adotadas pelo artigo 8º da Lei nº 11.775/08 para estimular a liquidação ou a renegociação de dívidas originárias de operações de créditoruralsãoplenamentejustificadasenãomaculamoprincípiodaisonomia.

Incidente de inconstitucionalidade rejeitado.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, rejeitar a arguição de inconstitucionalidade do artigo 8º da Lei nº 11.775/2008, nos termos do relatório, votos e notas

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taquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresentejulgado.Porto Alegre, 30 de junho de 2011.Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora para o acórdão.

reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal Vilson darós: Trata-se de incidente de arguição de inconstitucionalidade suscitado por unanimidade pela 4ª Turma desta Corte por ocasião do exame do recurso de apelação inter-posto nos autos.

O incidente foi suscitado quanto ao artigo 8º da Lei nº 11.775/2008.A demanda em exame versa sobre possibilidade de renegociação de

dívida relativa a crédito rural, de acordo com os critérios estabelecidos no art. 1º da Lei nº 11.775/2008, afastadas as restrições impostas pelo art. 8º do mesmo diploma legal.

A Turma fundamentou a suscitação do incidente em virtude da viola-ção à regra inscrita no artigo 5º, caput, e artigo 150, II, da CF/88. Ofende os princípios da igualdade e da isonomia a diferenciação efetuada entre os débitos inscritos em dívida ativa ou não, privilegiando-se os últimos com melhores condições de renegociação. Tanto um quanto outro estão na mesma situação substancial, a de devedores do Fisco.

O representante do Ministério Público Federal opinou pelo desprovi-mentodorecursoedoreexamenecessário(fls.102e103).

É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal Vilson darós: A presente arguição de inconstitucionalidade parte da premissa da existência de incompatibili-dade vertical entre o enunciado do artigo 5º, caput, e artigo 150, II, da Constituição Federal e o disposto no artigo 8º da Lei nº 11.775/2008.

Os dispositivos mencionados são dotados das seguintes redações, verbis:

“Constituição Federal – Art. 5º todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à

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União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(...)II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equi-

valente,proibidaqualquerdistinçãoemrazãodeocupaçãoprofissionaloufunçãoporelesexercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”

“Lei nº 11.775/2008Art. 1º Fica autorizada a adoção das seguintes medidas de estímulo à liquidação ou

regularização de dívidas originárias de operações de crédito rural, renegociadas com base no § 3º do art. 5º da Lei nº 9.138, de 29 de novembro de 1995, e repactuadas nos termos da Lei nº 10.437, de 25 de abril de 2002, ou do art. 4º da Lei nº 11.322, de 13 de julho de 2006:

‘I – para a liquidação em 2008, 2009 ou 2010 de operações adimplidas, concessão de descontos conforme quadro constante do Anexo I desta Lei, observado que:

a) para efeito de enquadramento nas faixas de desconto para liquidação da operação até 30 de dezembro de 2008, deverá ser considerado o saldo devedor em 31 de março de 2008, apurado sem a correção pela variação do preço mínimo, de que tratam os §§ 3º e 5º do art. 1º da Lei nº 10.437, de 25 de abril de 2002, e os incisos III, V e VI do caput do art. 4º da Lei nº 11.322, de 13 de julho de 2006;

b) para efeito de enquadramento nas faixas de desconto para liquidação da operação em 2009 ou 2010, deverá ser considerado o saldo devedor em 1º de janeiro de 2009 ou em 1º de janeiro de 2010, respectivamente, apurado sem a correção pela variação do preço mínimo a que se refere a alínea a deste inciso;

c) os descontos e bônus de adimplemento devem ser aplicados na seguinte ordem: 1. bônus de adimplemento contratual sobre o saldo devedor; 2. desconto percentual adicional sobre o valor apurado nos termos do item 1 desta alínea; 3.descontodevalorfixosobreovalorapuradonostermosdoitem2destaalínea;II – para a renegociação de operações adimplidas: a) permissão ao mutuário, mediante formalização de aditivo contratual, da repactua-

ção para que sejam suprimidas, a partir da formalização da renegociação, a correção pela variação do preço mínimo e a opção pela entrega do produto em pagamento da dívida, de que tratam o inciso IV do § 5º do art. 5º da Lei nº 9.138, de 29 de novembro de 1995, os §§ 3º e 5º do art. 1º da Lei nº 10.437, de 25 de abril de 2002, e os incisos III, V e VI do caput do art. 4º da Lei nº 11.322, de 13 de julho de 2006;

b) manutenção dos prazos contratuais de amortização ou seu reescalonamento até o vencimentofinalem31deoutubrode2025;

III – para a liquidação, até 2009, de operações inadimplidas: (Redação dada pela Lei nº 12.058, de 2009)

a) dispensa da correção pela variação do preço mínimo, de que tratam os §§ 3º e 5º do art. 1º da Lei nº 10.437, de 25 de abril de 2002, e os incisos III, V e VI do caput do art. 4º da Lei nº 11.322, de 13 de julho de 2006, referente às parcelas vencidas; b) ajuste do saldo devedor vencido, retirando-se os encargos por inadimplemento e corrigindo-se o saldo de cada parcela pelos encargos de normalidade até a data do respectivo vencimento contratual, e aplicação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, divulgado pela Fundação

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InstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatística–IBGE,mais6%(seisporcento)aoanopro rata die, calculados a partir da data de vencimento contratual de cada parcela, até a data da liquidação;

c) apuração do saldo devedor vincendo sem a correção pela variação do preço mínimo, de que tratam os §§ 3º e 5º do art. 1º da Lei nº 10.437, de 25 de abril de 2002, e os incisos III, V e VI do caput do art. 4º da Lei nº 11.322, de 13 de julho de 2006;

d) aplicação ao saldo devedor total apurado dos descontos previstos no quadro cons-tante do Anexo I desta Lei, observando-se a ordem de que trata a alínea c do inciso I do caput deste artigo e considerando-se a data da liquidação para efeito de enquadramento nas faixas de desconto;

IV – para a renegociação de operações inadimplidas: a) a exigência do pagamento integral da parcela com vencimento em 2009, com inci-

dência do bônus contratual se paga até a data de seu vencimento, ou, em caso de pagamento ainda em 2009, após o vencimento, com ajuste nos termos das alíneas a e b do inciso III do caput deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 12.058, de 2009)

b) exigência de amortização mínima de 2% (dois por cento) do saldo devedor vencido, ajustado nos termos das alíneas a e b do inciso III do caput deste artigo, e distribuição entre as parcelas vincendas do valor remanescente, mantendo-se os prazos contratuais de reembolsooureescalonando-osatéovencimentofinalem31deoutubrode2025;

c) aplicação do disposto na alínea a do inciso II do caput deste artigo para as operações renegociadas nas condições de que trata este inciso;

d) aplicação das mesmas condições e descontos estabelecidos nas alíneas b e c do inciso I do caput deste artigo, no caso de liquidação da operação em 2009 ou 2010.

§ 1º Somente fará jus às medidas de que tratam os incisos I a IV do caput deste artigo a operação que tiver sido adquirida e desonerada do risco pela União, na forma do art. 2º da Medida Provisória nº 2.196-3, de 24 de agosto de 2001, ou esteja lastreada em recursos e com risco dos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte – FNO, do Nordeste – FNE ou do Centro-Oeste – FCO, de acordo com o art. 13 da mesma Medida Provisória, ou do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira – Funcafé.

§ 2º Nas operações repactuadas segundo as condições estabelecidas pelo art. 4º da Lei nº 11.322, de 13 de julho de 2006, os descontos previstos para liquidação antecipada até 2009 devem ser substituídos pelos descontos de que trata o inciso I do caput deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 12.058, de 2009)

§3ºParaaliquidaçãodeoperaçõesemqueosvaloresfinanciadosforamaplicadosematividades desenvolvidas na área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste–Sudene,excetoemMunicípioslocalizadosemáreadecerrado,aseremdefinidospelos Ministros de Estado da Integração Nacional, da Fazenda e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o correspondente desconto percentual previsto no quadro constante do Anexo I desta Lei será acrescido de 10 (dez) pontos percentuais.

§ 4º Os custos decorrentes do ajuste do saldo devedor vencido, dos descontos e dos bônus concedidos nos termos deste artigo serão imputados ao Tesouro Nacional, quando as opera-ções tiverem risco da União, aos Fundos Constitucionais de Financiamento, nas operações

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lastreadas em seus recursos, e ao Funcafé, no caso de operações com seus recursos e risco. § 5º Para as operações renegociadas nos termos deste artigo, admite-se, até o ano de

2010, a amortização antecipada de parcelas com aplicação dos respectivos descontos para liquidação estabelecidos no inciso I do caputdesteartigo,excetoodescontodevalorfixo,queserádefinidonaformado§6ºdesteartigo,desdequeaoperaçãoseencontreadimplidana data da antecipação das prestações e que estas sejam amortizadas na ordem inversa da prevista no cronograma de reembolso.

§6ºParadefiniçãododescontodevalorfixonasamortizaçõesantecipadasdecadaparceladequetratao§5ºdesteartigo,deve-seconsiderarovalordodescontofixoparaas respectivas faixas de saldo estabelecido no inciso I do caput deste artigo, sendo que:

I–parapagamentodeparcelasem2008,ovalordodescontofixodeveserdivididopor 17 (dezessete) e multiplicado pelo número de parcelas anuais amortizadas nesse ano;

II–parapagamentodeparcelasem2009,ovalordodescontofixodeveserdivididopor 16 (dezesseis) e multiplicado pelo número de parcelas anuais amortizadas nesse ano;

III–parapagamentodeparcelasem2010,ovalordodescontofixodeveserdivididopor 15 (quinze) e multiplicado pelo número de parcelas anuais amortizadas nesse ano.

(...)Art. 8º É autorizada a adoção das seguintes medidas de estímulo à liquidação ou à

renegociação de dívidas originárias de operações de crédito rural inscritas na DAU ou que venham a ser incluídas até 31 de outubro de 2010: (Redação dada pela Lei nº 12.249, de 2010)

I – concessão de descontos, conforme quadro constante do Anexo IX desta Lei, para a liquidação da dívida até 30 de junho de 2011, devendo incidir o desconto percentual sobre a soma dos saldos devedores por mutuário na data da renegociação, observado o disposto no§10desteartigo,e,emseguida,seraplicadoorespectivodescontodevalorfixoporfaixa de saldo devedor; (Redação dada pela Lei nº 12.380, 2011)

II – permissão da renegociação do total dos saldos devedores das operações até 30 de junho de 2011, mantendo-as na DAU, observadas as seguintes condições: (Redação dada pela Lei nº 12.380, 2011)

a) prazo de reembolso: 10 (dez) anos, com amortizações em parcelas semestrais ou anuais,deacordocomofluxodereceitasdomutuário;

b) (VETADO);c) concessão de desconto percentual sobre as parcelas da dívida pagas até a data do

vencimento renegociado, conforme quadro constante do Anexo X desta Lei, aplicando-se, emseguida,umafraçãodorespectivodescontodevalorfixoporfaixadesaldodevedor;

d)afraçãododescontodevalorfixoaqueserefereaalíneac deste inciso será aquela resultantedadivisãodorespectivodescontodevalorfixoprevistonoquadroconstantedoAnexo X desta Lei pelo número de parcelas renegociadas conforme a alínea a deste inciso;

e) o total dos saldos devedores será considerado na data da renegociação, para efeito de enquadramento nas faixas de desconto;

f) pagamento da primeira parcela no ato da negociação.§ 1º Fica a União, por intermédio da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, autorizada

acontratar,comdispensadelicitação,instituiçõesfinanceirasintegrantesdaAdministração

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Pública Federal, para adotar as providências necessárias no sentido de facilitar o processo de liquidação ou renegociação de dívidas rurais inscritas em Dívida Ativa da União – DAU, nos termos desta Lei.

§2ºParaaliquidaçãodasoperaçõesdequetrataesteartigo,osmutuáriosquefinancia-ram atividades na área de atuação da Sudene, exceto em Municípios localizados em área de cerrado,aseremdefinidospelosMinistrosdeEstadodaIntegraçãoNacional,daFazendae da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, farão jus a desconto adicional de 10 (dez) pontos percentuais, a ser somado aos descontos percentuais previstos no quadro constante do Anexo IX desta Lei.

§3ºFicamsuspensosaté30dejunhode2011asexecuçõesfiscaiseosrespectivosprazos processuais, cujo objeto seja a cobrança de crédito rural de que trata este artigo. (Redação dada pela Lei nº 12.380, 2011)

§ 4º A adesão à renegociação de que trata este artigo importa em autorização à Procura-doria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN para promover a suspensão das ações e execuções judiciais para cobrança da dívida até o efetivo cumprimento do ajuste, devendo prosseguir em caso de descumprimento.

§5ºOprazodeprescriçãodasdívidasdecrédito ruraldeque trataesteartigoficasuspenso a partir da data de publicação desta Lei até 30 de junho de 2011. (Redação dada pela Lei nº 12.380, 2011)

§ 6º O descumprimento do parcelamento resultará na perda dos benefícios, retornando o valor do débito à situação anterior, deduzido o valor integral referente às parcelas pagas.

§ 7º As dívidas oriundas de operações de crédito rural ao amparo do Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento dos Cerrados – Prodecer – Fase II, inscritas na Dívida Ativa da União até 31 de outubro de 2010, que forem liquidadas ou renegociadas até 30 de junho de 2011, farão jus a um desconto adicional de 10 (dez) pontos percentuais, a ser somado aos descontos percentuais previstos nos quadros constantes dos Anexos IX e X desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.380, 2011)

§ 8º As condições estabelecidas neste artigo serão estendidas às dívidas originárias de operações do Prodecer – Fase II, do Programa de Financiamento de Equipamentos de Irri-gação – PROFIR e do Programa Nacional de Valorização e Utilização de Várzeas Irrigáveis – Provárzeas, contratadas com o extinto Banco Nacional de Crédito Cooperativo, cujos ativos foram transferidos para o Tesouro Nacional. (Redação dada pela Lei nº 12.058, de 2009)

§ 9º Para as operações do Prodecer – Fase II de que tratam os §§ 7º e 8º deste artigo, e mediantesolicitaçãodomutuário,ficaoMinistériodaFazendaautorizadoadefinirdescontosadicionais a serem aplicados para liquidação ou renegociação dessas operações, com base na revisão de garantias efetuada conjuntamente pelos Ministérios da Fazenda e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da seguinte forma: (Redação dada pela Lei nº 12.058, de 2009)

I – no caso de liquidação, mediante avaliação do valor atual das garantias e dos bens financiados;(IncluídopelaLeinº12.058,de2009)

II – no caso de renegociação, com base no valor da receita líquida média por hectare para as atividades desenvolvidas na área do Programa, apurada pela Companhia Nacional de Abastecimento – Conab. (Incluído pela Lei nº 12.058, de 2009)

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§ 10. Às dívidas originárias de crédito rural inscritas na DAU ou que vierem a ser inscritas a partir da publicação desta Lei não será acrescida a taxa de 20% (vinte por cento) a título do encargo legal previsto no Decreto-Lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969, devendo os valores já imputados ser deduzidos dos respectivos saldos devedores.

§ 11. A renegociação de que trata este artigo será regulamentada por ato do Procurador--Geral da Fazenda Nacional.’”

No que diz respeito à alegada incompatibilidade entre o enunciado no artigo 150, II, da Constituição Federal e o disposto no artigo 8º da Lei nº 11.775/2008, esclareço que, no caso, deve ser afastada a aplicação do art. 150 da Constituição, já que não se trata de tributo.

Resta claro, contudo, analisando os dispositivos acima, a inconstitu-cionalidade da distinção prevista no art. 8º da Lei nº 11.775/2008, por afronta ao princípio da isonomia.

A inscrição ou não de dívida em Débito Ativo da União é situação que decorre tão somente de ato de escolha da Administração Pública, não dependendo de qualquer ato do devedor. Assim, a ambas as dívidas – as inscritas em Débito Ativo da União e as não inscritas – deve ser dispensado o mesmo tratamento, devendo-se afastar a incidência do art. 8º da Lei nº 11.775/2008.

Ofende os princípios da igualdade e isonomia a diferenciação efetu-ada entre os débitos inscritos em dívida ativa ou não, privilegiando-se os últimos com melhores condições de renegociação. Tanto um quanto outro estão na mesma situação substancial, a de devedores do Fisco. Es-tabelecer distinção à simples inscrição em dívida ativa, ato administrativo sobreoqualodevedornãotemqualqueringerência,significaatribuiràentidade fazendária o momento a partir do qual o devedor possa ou não gozar das prerrogativas estabelecidas no texto legal para a renegociação de seus débitos.

Dessa forma, está sendo ferida a premissa constitucional de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, consagrada pelo caput do art. 5º da Carta Magna, pois observamos as condições mais benéficasdenegociaçãodoartigo1ºemrelaçãoaoartigo8ºdomesmodiploma para dívidas idênticas.

No caso dos artigos 1º e 8º da Lei nº 11.775/2008, temos devedores em situação idêntica, pois correspondem a um grupo de produtores rurais que aderiram ao mesmo programa de alongamento de débitos, que possuíam

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juntoàmesmainstituiçãofinanceira,nosmoldesprevistospelaLeinº9.138/95 e Resolução do CMN/Bacen, e que não puderam cumprir, de uma forma ou outra, as obrigações assumidas.

Assim, não há razoabilidade na discriminação daqueles que tiveram os débitos inscritos em dívida ativa, sendo também inadequada e despro-porcional a diferenciação jurídica dos casos, estampada na onerosidade da renegociação nos termos do art. 8º.

Configuradaaafrontaaosprincípiosconstitucionaisdaigualdadeeda isonomia, deve ser afastada a regra do artigo 8º e determinada a ex-tensão dos benefícios do art. 1º da Lei nº 11.775/2008, ao contrato que está inscrito em DAU.

Ante o exposto, voto por declarar a inconstitucionalidade do artigo 8º da Lei nº 11.775/2008.

É o voto.

Voto diVerGente

a exma. Sra. desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria (relatora para acórdão) – notas taquigráficas: Sra. Presidente:

Vou cumprimentar o eminente Des. Darós que foi, antes de ser Presi-dente, um tributarista de escol, em que pese aqui não se tratar de problema tributárioespecífico;cumprimentotambémambososProcuradorespelosbem-lançados fundamentos nas suas sustentações orais.

A declaração de inconstitucionalidade que vou rejeitar foi feita pelo eminente Relator com fundamento no caput do art. 5º da nossa Cons-tituição Federal, ou seja, por mácula ao princípio da isonomia. As leis, quando nascem, nascem presumivelmente constitucionais, portanto, o exame da constitucionalidade, principalmente em controle difuso, deve ser feito com muita cautela. Eu estava quase convencida disso, mas fui examinar o conteúdo do que seja o princípio da isonomia. Entendo que o que se exige para o atendimento do princípio da isonomia é a exis-tência de um elo de correlação lógica entre a característica diferencial utilizada e a distinção de tratamento em função dela conferida, ou seja, se aquele discrímen é proibido pela Constituição, não pode ser utilizado, se efetivamente as situações têm de ter um tratamento idêntico, se se está usando de poder arbitrário ou daquele poder discriminatório que o legislador tem.

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Celso Antônio Bandeira de Mello diz que, no que tange ao reconhe-cimento das distinções que não podem ser procedidas sem afronta ao preceito econômico, há que se analisá-las sob três aspectos, que são os seguintes: o primeiro, concernente ao elemento relacionado como fator de desigualação; o segundo, atinente ao nexo lógico, abstrato, existente entre o fator erigido como critério distintivo e a disparidade estabelecida notratamentojurídicodiversificado;e,porfim,aconsonânciadessacone-xão lógica com os interesses salvaguardados pelo sistema constitucional.

Não vejo, de forma nenhuma, que esse discrímen, ou seja, essa distin-ção entre os grupos de mutuários tratados pelos incisos I, III e IV, de um lado, e pelo art. 8º, de outro, feita pela Lei nº 11.775/08, tenha alcançado essa capacidade de macular o princípio da isonomia. Acho, aliás, que ela semostraplenamente justificada, essadiferençadispensada, essediscrímen levado em conta pelo legislador, e a disciplina distinta prevista pelo próprio legislador tem uma correlação lógica. Naquele tempo, quem estivesse sob tal situação recebia tal benefício; aqueles outros que deixa-ram passar o tempo e não se inscreveram, se tornaram inadimplentes, não teriam tal benefício. Até lembro, não sei se posso fazer essa correlação, a versão do Supremo que diz que nenhum de nós tem direito a um regime jurídicoantecipado,ouseja,quefiqueimóvelnotempo,tantoéquenãocontribuíamos para a Previdência Social e passamos a contribuir. Então, no meu entendimento, a diferença de tratamento feita pelos artigos 1º e 8º, em função desses fundamentos doutrinários de Celso Antônio e do que entendoporprincípioisonômico,nãoconfiguradiscriminaçãoarbitrária.Elanãoestádespidaderazoabilidadeetemumajustificativaracional.Naquele tempo, era aquele benefício que se queria deferir.

Então, peço redobrada vênia ao eminente procurador – já decidi este tipo de processo em que S. Exa. era procurador, na última sessão em que eu estive presente votei contra o meu eminente Presidente –, então Presidente o Des. Lenz –, pela suspensão de um processo que o Presi-dente trazia em função desse incidente, por entender que não se podia julgar enquanto a Corte Especial não tivesse exercido o seu direito de reserva de Plenário.

Com essa síntese, e trazendo também como fundamento, vi anotado aquipeloDes.FederalNéfiCordeiroumprecedentenessemesmosentido,peço desculpas de trazê-lo também, incorporá-lo ao meu voto, e também

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um precedente que acho que é do Des. Federal Otávio Pamplona, em um incidente de inconstitucionalidade do encargo legal, é o julgamento do processo de nº 20047008001295/PR, é sim do Des. Federal Otávio Pamplona, está anotado como vejo nos memoriais. Com tais fundamen-tos eu não vejo a inconstitucionalidade no tratamento efetuado, porque esse discrímen era efetivamente possível, era constitucional, estava dentro dos atributos do Poder Legislativo, é que estou, pedindo vênia ao eminente Relator pelo seu bem-lançado voto, rejeitando o incidente de inconstitucionalidade.

É como voto, Sra. Presidente.Peçotaquigráficas.

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADENº 1995.71.00.003491-0/RS

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik

interessada: União Federal (Fazenda Nacional)advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacionalinteressado: Banco do Estado do Rio Grande do Sul S/A

advogados: Drs. Claudio Monroe Massetti e outrosSuscitante: 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

eMenta

arguição de inconstitucionalidade. tributário. Pasep. entidade controlada, direta ou indiretamente, pelo poder público. inconstitucio-nalidade formal do art. 14, inciso Vi, do dL nº 2.052/1983.

1. O art. 14 do Decreto-Lei nº 2.052/1983 alterou o rol de contribuintes do Pasep, incluindo, no inciso VI, quaisquer outras entidades controladas, direta ou indiretamente, pelo Poder Público.

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2. Entre a Emenda Constitucional nº 08/1977 e a Constituição de 1988, as contribuições ao PIS e ao Pasep foram destituídas de natureza tributária, consoante a jurisprudência consolidada do STF.

3.Oart.55daConstituiçãode1969previareservaqualificadaàsmatériasquepoderiamserreguladaspormeiodedecreto-lei(finançaspúblicas, inclusive normas tributárias). À medida que a contribuição ao Pasep não constituía tributo nem receita pública, há inconstitucionalidade formal na sua regulamentação mediante decreto-lei.

4. Declara-se a inconstitucionalidade formal do inciso VI do artigo 14 do Decreto-Lei nº 2052/1983.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, acolher o incidente, declarando a inconstitu-cionalidade do inciso VI do artigo 14 do Decreto-Lei nº 2052/1983, nos termosdorelatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrante do presente julgado.

Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2011.Des. Federal Joel ilan Paciornik, Relator.

reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal Joel ilan Paciornik: A Primeira Turma desta Corte, no julgamento da Apelação Cível nº 1995.71.00.003491-0/RS, considerou inconstitucional o inciso VI do art. 14 do Decreto-Lei nº 2.052/1983,porafrontaaoart.55daConstituiçãode1969(fls.263-272).

Considerando que a Turma não possui competência para afastar a aplicação de dispositivo de lei por ofensa à Constituição Federal, foi suscitado este incidente de arguição de inconstitucionalidade perante a Corte Especial.

O Ministério Público Federal opina pelo provimento do incidente (fls.275-276).

É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal Joel ilan Paciornik: A Lei Complementar

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 389

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nº 08/1970 instituiu o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – Pasep, elencando como contribuintes a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e os Territórios, assim como as suas au-tarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações.

O art. 14 do Decreto-Lei nº 2.052/1983 alterou o rol de contribuintes do Pasep, incluindo, no inciso VI, quaisquer outras entidades controladas, direta ou indiretamente, pelo Poder Público.

Não há dúvida de que a Divergs, criada para administrar a dívida mobiliária do Estado do Rio Grande do Sul, enquadra-se na hipótese do inciso VI, porquanto era controlada por esse Estado. Convém mencionar que a empresa foi liquidada em fevereiro de 1991, sendo transferida a administração do Fundo de Liquidez da Dívida Mobiliária do Estado para o Banrisul – Banco do Estado do Rio Grande do Sul S/A.

O disposto no inciso VI do art. 14 do DL nº 2.052/1983, porém, não pode ser aplicado, por ressentir-se de inconstitucionalidade formal. A presente controvérsia é muito semelhante à discussão que resultou no reconhecimento da inconstitucionalidade dos Decretos-Leis nos 2.445 e 2.449/1988. Entre a Emenda Constitucional nº 08/1977 e a Constituição de 1988, as contribuições ao PIS e ao Pasep foram destituídas de natu-reza tributária, consoante a jurisprudência consolidada do STF. O art. 55daConstituiçãode1969previareservaqualificadaàsmatériasquepoderiamserreguladaspormeiodedecreto-lei(segurançanacional,fi-nanças públicas, inclusive normas tributárias e criação de cargos públicos efixaçãodevencimentos).ÀmedidaqueacontribuiçãoaoPasepnãoconstituía tributo nem receita pública, há inconstitucionalidade formal na sua regulamentação mediante decreto-lei.

A questão está sub judice no STF, em recurso extraordinário interposto contra acórdão desta Corte que reconheceu o enquadramento de outra empresa como contribuinte do Pasep. O julgamento do RE nº 379.154/RS iniciou-se em 21.09.2005, sob relatoria do Ministro Carlos Velloso, que conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário, para declarar a inconstitucionalidade do inciso VI do art. 14 do DL nº 2.052/1983. Acompanharam o Relator os Ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa e Carlos Britto. No entanto, o julgamento foi interrompido em razão de pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes e até hoje não foi retomado. Veja-se o teor da notícia publicada no Informativo nº 402 do STF:

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011390

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“O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute, em face da Constituição pretérita (CF/67, com a EC 1/69, art. 55, II), a constitucionalidade do art. 14, VI, do Decreto-Lei 2.052/83, que incluiu, como contribuintes do Pasep, ‘quaisquer outras entidades controladas, direta ou indiretamente, pelo Poder Público’. Trata-se, na espécie, de recurso interposto por companhia de seguros contra acórdão do TRF da 4ª Região que decidira pelo enquadramento da recorrente como contribuinte do Pasep, por ser ela con-trolada pelo Poder Público. O Min. Carlos Velloso, relator, conheceu e deu provimento ao recurso para declarar a inconstitucionalidade do art. 14, VI, do referido Decreto-Lei. embora ressalvando seu entendimento pessoal a respeito do tema, o relator aplicou ao caso, mutatis mutandis, a orientação fixada pelo Supremo no julgamento do RE 148754/RJ (dJu de 04.03.94) no sentido de que o PiS – da mesma forma o Pasep –, por ter perdido a natureza tributária a partir da EC 8/77 e por não se inserir no âmbito das finanças pú-blicas, não poderia ser alterado por decreto-lei. Após os votos dos Ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa e Carlos Britto, acompanhando o voto do relator, pediu vista dos autos o Min. Gilmar Mendes.” (RE 379154/RS, rel. Min. Carlos Velloso, 21.09.2005) (grifei)

Não obstante os votos colhidos até este momento no STF constituam forte indicativo de que será reconhecida a inconstitucionalidade do inciso VI do art. 14 do DL nº 2.052/1983, é necessário, nesta Corte, submeter a questão à Corte Especial, sob pena de ofensa ao art. 97 da Constituição.

Calha sublinhar que não é mais possível aguardar a decisão do STF, já que a apelação neste processo foi distribuída em 14.02.2006, enqua-drando-se entre os julgamentos prioritários, segundo a Meta 2 de 2010, estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça.

Ante o exposto, voto no sentido de acolher o incidente, declarando a inconstitucionalidade do inciso VI do artigo 14 do Decreto-Lei nº 2052/1983.

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ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADENº 2002.71.04.002979-8/RS

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

interessado: Ministério Público Federalinteressado: Carlos Alberto Romeroadvogado: Ralfe Oliveira Romero

Suscitante: 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

eMenta

arguição de inconstitucionalidade. direito Penal. art. 168-a, § 1º, ii, do CP. distinção em relação aos demais casos de apropriação indébita previ-denciária. Súmula nº 65. não incidência. Prisão civil por dívida. natureza. inconstitucionalidade. art. 5º, LXVii, da CF. Pacto de São José da Costa rica. Malferimento reconhecido.

1. O art. 168-A, § 1º, II, do CP incrimina o não recolhimento de parcelas devidas pela empresa, a título de obrigação própria, de forma que não se confunde com os demais delitos de apropriação indébita previdenciária (caput e incisos I e III do § 1º do artigo 168-A), que tutelam também interesse de terceiros, agredido pela conduta do agente que, valendo-se de sua posição de arrecadador/responsável tributário, toma para si numerário que não lhe pertence.

2. Análise dos julgados que serviram de precedentes para a formulação da Súmula nº 65 deste Tribunal revela que todos versavam sobre condutas enquadradas no art. 95, alínea d, da Lei nº 8.212/91 (cujas disposições, pos-teriormente, restaram transpostas para o art. 168-A, § 1º, inc. I, do Código Penal), afastando a tese de que se trataria de prisão por dívida sob o escor-reito argumento de que a norma não incriminava a mera existência de débito previdenciário, mas, sim, a inobservância da obrigação legal de recolher as contribuições já descontadas da folha de pagamento dos funcionários.

3. A pretexto de restringir a tutela penal decorrente do simples inadim-plemento, o legislador pátrio, no art. 168-A, § 1º, inc. II, do CP, criou dois elementos normativos irrelevantes (“ter integrado despesas contábeis” ou “ter integrado custos relativos à venda de produtos ou à prestação de ser-viços”), pois retratam comportamentos que devem ser de regra observados pelo cumpridor da lei e pertinentes à praxe comercial.

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011392

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4. Na hipótese em questão, o preceito não pressupõe qualquer espécie de fraude(oque,emtese,conduziriaaumadesclassificaçãoparaoartigo337-A do Código Penal), incriminando, na realidade, o simples inadimplemento da obrigação principal tributária própria.

5. Não há como acolher a tese de que o Poder Constituinte vedou a “prisão civil por dívida”, mas não a prisão de natureza penal decorrente apenas (frise--se) da existência de dívida civil, pois, nesse caso, haveria uma teratológica dicotomia, na qual a Constituição Federal veda o menos gravoso (prisão sujeita à disciplina da regras de processo civil), mas autoriza, sem quaisquer restrições, a sujeição do devedor à sanção penal (enquanto resposta estatal a mais gravosa de todas), tão só em virtude da inadimplência, sem que tenha o agente perpetrado qualquer espécie de artifício fraudulento. Essa inter-pretação, ademais, faria tábula rasa da proteção constitucional, porquanto o legislador ordinário poderia com facilidade burlar tal barreira atribuindo à norma punitiva a natureza criminal para que não se cogitasse de qualquer inconstitucionalidade.

6. Portanto, o dispositivo criminal sub examen refleteviolaçãoàgarantiaprevista no artigo 5º, LXVII, da Constituição, preceptivo que veda o en-carceramento decorrente de dívida civil, impedindo, como corolário, que o legislador pátrio erija o simples inadimplemento da contribuição patronal (obrigação tributária própria) à condição de ilícito penal.

7. Da mesma forma, vulnera o disposto no artigo 7º, item 7, da Conven-ção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), norma supranacional incorporada ao nosso sistema jurídico e cuja inobser-vância pelo legislador pátrio acarreta a reprovabilidade internacional perante compromisso expressamente assumido junto a outras nações soberanas.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, declarar a inconstitucionalidade do artigo 168-A, § 1º, inc. III, do Código Penal, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresentejulgado.

Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2011.Des. Federal Paulo afonso Brum Vaz, Relator.

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 393

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reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal Paulo afonso Brum Vaz: Trata-se de arguição de inconstitucionalidade do art. 168-A, § 1º, inciso II, do Código Penal, que assim estabelece:

“Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de: (...)ii – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas

contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;” (grifei)

Segundo o voto divergente de minha lavra, proferido nos autos da correspondente apelação criminal e que deu ensejo à presente argui-ção, o dispositivo retrotranscrito vulnera os arts. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal e 7º, alínea 7ª, do anexo do Decreto nº 678/92, que introduziu a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) no ordenamento jurídico pátrio.

Em face da divergência e tratando-se de matéria constitucional, en-tendeu por bem a Oitava Turma deste Sodalício submeter a questão à Corte Especial do Tribunal, em cumprimento à Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal e ao disposto no artigo 150 do RITRF4.

O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo despro-vimento do incidente.

É o relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal Paulo afonso Brum Vaz:

1) os fundamentos do voto divergente

No voto divergente que ensejou a presente arguição, pronunciei-me sobre o art. 168-A, § 1º, inc. II, do CP nos seguintes termos:

“A meu ver, contudo, o preceito em questão penaliza simples ilícito civil, vulnerando, assim, o disposto nos artigos 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal e 7º, alínea 7ª, do anexo do Decreto nº 678/92, que introduziu a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) no ordenamento jurídico pátrio.

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011394

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de início, vale frisar que o dispositivo em comento não se confunde com os demais delitos de apropriação indébita previdenciária (caput e incisos i e iii do § 1º do artigo 168-a), que tutelam o patrimônio de terceiros (de segurado empregado ou individual, ou do próprio inSS no caso do inciso iii), agredido pela conduta do agente que, valendo-se de sua posição de arrecadador/pagador, toma para si algo que não lhe pertence. Com relação as essas infrações, há, inclusive, súmula da Corte, que se encontra assim redigida:

‘Súmula 65 – a pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias não constitui prisão por dívida.’

em se tratando do ilícito previsto no inciso ii, a questão é diversa. nesse caso, a sanção incrimina o não recolhimento de parcelas devidas pela própria empresa, a título de obrigação própria. Confere, assim, tratamento penal a simples ilícito civil tributário.

Além do ato de ‘deixar de recolher contribuições devidas à previdência social’, o preceito traz consigo dois elementos normativos: ‘ter integrado despesas contábeis’ ou ‘ter integrado custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços’. Nesse ponto, destaco o seguinte trecho da sentença combatida, que assim pontuou:

‘Ressalto que o fato de as contribuições inadimplidas terem ‘integrado despesas con-tábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços’ em nada altera a conclusão acima.

Vejamos. A primeira circunstância que aparentemente restringiria a incidência da lei penal – integrar despesas contábeis – é absolutamente irrelevante, porque a própria lei determina que a despesa tributária incorrida seja registrada nos demonstrativos contábeis, independentemente de sua realização.

Explico. Há dois conceitos básicos de contabilidade, para a realização das anotações nos livroscontábeisefiscais:oderegimedecompetênciaeoderegimedecaixa.Entende-sepor regime de competência a contabilização de receitas, custos e despesas em determinado período, ‘independentemente de sua realização em moeda’ (http://www.sebraesp.com.br). Já por regime de caixa tem-se ‘o reconhecimento das receitas, custos e despesas, pela entrada e saída efetiva da moeda’ (http://www.sebraesp.com.br).

O regime de competência, ‘universalmente adotado, aceito e recomendado pela Teoria da Contabilidade e pelo Imposto de Renda’, portanto, é aquele que ‘evidencia o resultado da empresa (lucro ou prejuízo)’ contabilizando a receita e a despesa no momento em que foram geradas ou incorridas, independentemente do efetivo pagamento ou recebimento do valor (cfme. José Carlos Marion, Contabilidade Básica, 7. ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 78-79).

No caso presente, a legislação da época de parte dos fatos – Decreto nº 3048, de 06 de maio de 1999 – estabelece, em seu artigo 225, § 13, que ‘os lançamentos de que trata o inciso II do caput, devidamente escriturados nos livros Diário e Razão, serão exigidos pela fiscalizaçãoapósnoventadiascontadosdaocorrênciadosfatosgeradoresdascontribui-ções’, indicando, já no primeiro inciso, que se deve, obrigatoriamente, ‘atender ao princípio contábil do regime de competência’.

A referência ao inciso II da cabeça do artigo indica a obrigação da empresa de ‘lançar mensalmente em títulos próprios de sua contabilidade, de forma discriminada, os fatos geradores de todas as contribuições, o montante das quantias descontadas, as contribuições

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da empresa e os totais recolhidos’.Igualmente a legislação que disciplina a apuração do lucro real das pessoas jurídicas

dispõe expressamente: ‘os tributos e contribuições são dedutíveis, na determinação do lucro real, segundo o regime de competência’ (art. 41 da Lei nº 8.981/95). Tais normas são repetidas no Regulamento do Imposto de Renda (art. 344 do Decreto nº 3.000/99), no qual, diga-se de passagem, constam inúmeras disposições relativas à observância do regime de competência para o lançamento de despesas contábeis.’

ou seja, conclui-se que o fato de o débito relativo à contribuição previdenciária ter sido lançado como despesa contábil da empresa decorre do simples atendimento de determina-ção legal, que impõe a estrita escrituração dos débitos de qualquer origem, contabilmente orçados mediante a observância de regime de competência. assim, a pretexto de restringir a tutela penal decorrente do simples inadimplemento tributário, o legislador pátrio criou dois elementos normativos irrelevantes (‘ter integrado despesas contábeis’ ou ‘ter inte-grado custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços’), tratando-se de comportamentos que devem ser de regra observados pelo cumpridor da lei e pertinentes à praxe comercial (no caso do repasse dos custos). Vale frisar que, na hipótese em questão, o preceito não pressupõe qualquer espécie de fraude (o que, em tese, conduziria a uma desclassificação para o artigo 337-A do Código Penal). Incrimina, na realidade, o simples inadimplemento da obrigação principal tributária própria (de regra, contribuição incidente sobre a folha de salários).

(...)Àluzdoexposto,tenhoqueotipopenalemtelarefleteviolaçãoàgarantiaprevista

no artigo 5º, LXVII, da Constituição, uma vez que tal dispositivo veda o encarceramento decorrente de dívidas civis, o que impede, como consequência, que o legislador pátrio erija o simples inadimplemento da contribuição patronal (obrigação tributária própria) à condição de ilícito penal. Da mesma forma, vulnera o disposto no artigo 7º, item 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que determina que ‘ninguém deve ser detido por dívida’.” (fls. 891/894)

Complementando a ratio decidendi retrotranscrita, passo a tecer al-gumas considerações a respeito tanto da norma constitucional que serve de paradigma para a presente arguição como do dispositivo questionado.

2) o art. 5º, inciso LXVii, da Constituição Federal

O preceito constitucional que serve de paradigma à presente quaestio assim dispõe:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo--se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

‘(...)LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento

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voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;’”

Essa proibição estabelecida pelo poder constituinte tem por objetivo manter afastado de nosso ordenamento o odioso instituto originário da manus iniectio do direito romano – espécie de obrigação acessória de um débito por meio da qual o devedor plebeu inadimplente era submetido ao cárcere privado imposto pelo credor patrício. Conforme é consabido, a prisão civil por dívida era prevista pelas Ordenações Filipinas que, pelo Decreto nº 20/1823, foram acolhidas em nosso sistema até o advento do Código Civil de 1916, quando então essa hipótese foi suprimida. Entretanto, no âmbito constitucional, apenas a partir da Carta de 1934 restou expressamente eliminada a possibilidade de o legislador ordinário estabelecer qualquer caso de privação do status libertatis de alguém em virtude tão só da inadimplência. Tal disposição, em que pese ausente no texto de 1937, foi repetida em 1946 e 1967, tornando-se cláusula pétrea com o advento da Constituição de 1988.

E foi justo durante a vigência da atual ordem constitucional que so-breveio o Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, recepcionando a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica –, cujo art. 7º, alínea 7ª, assim dispõe: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autorida-de judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.

Assim, hodiernamente, a vedação à prisão civil encontra suporte le-gislativo tanto no plano constitucional, por meio do art. 5º, inc. LXVII, da CF, quanto na legislação ordinária, pelo anexo do Decreto retrocitado – cuja posterior inobservância pelo poder legiferante, é necessário não olvidar, resulta na reprovabilidade internacional diante do descumpri-mento de um compromisso formalmente assumido perante outras nações.

A respeito dessa dupla proibição, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343-1/SP (STF, Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, acórdão publ. no DJE em 05.06.2009), o Exmo. Ministro Celso de Mello assim ressaltou a situação diante da qual se encontra o Poder Judiciário, nesse caso:

“O juiz, no plano de nossa organização institucional, representa o órgão estatal in-cumbido de concretizar as liberdades públicas proclamadas pela declaração constitucional de direitos e reconhecidas pelos atos e convenções internacionais fundados no direito

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das gentes. Assiste, desse modo, ao Magistrado, o dever de atuar como instrumento da Constituição – e garante de sua supremacia – na defesa incondicional e na garantia real das liberdades fundamentais da pessoa humana, conferindo, ainda, efetividade aos direitos fundados em tratados internacionais de que o Brasil seja parte. Essa é a missão socialmente mais importante e politicamente mais sensível que se impõe aos magistrados, em geral, e a esta Suprema Corte, em particular.

É dever dos órgãos do Poder Público – e notadamente dos juízes e tribunais – respeitar e promover a efetivação dos direitos garantidos pelas Constituições dos estados nacionais e assegurados pelas declarações internacionais, em ordem a permitir a prática de um constitucionalismo democrático aberto ao processo de crescente internacionalização dos direitos básicos da pessoa humana.

O respeito e a observância das liberdades públicas impõe-se ao Estado como obriga-çãoindeclinável,quesejustificapelanecessáriasubmissãodoPoderPúblicoaosdireitosfundamentais da pessoa humana.” (grifei)

Logo, os operadores do Direito encarregados de prestar a tutela juris-dicional não podem deixar de considerar, além da necessária obediência ao próprio texto expresso na Constituição Federal, também a posição de nosso ordenamento jurídico em relação às liberdades fundamentais cuja estrita observância foi objeto de pacto expresso perante outros Estados soberanos.

Retornando propriamente à norma questionada na presente arguição, em seu parecer argumenta a ilustre Procuradora Regional da República que o art. 168-A, inc. III, do Código Penal não traz prisão por dívida como sanção, mas, sim, comina reprimenda de índole eminentemente penal. Acrescenta, também, que “da Carta Política não se pode extrair o enten-dimentodequeaexistênciadedívidasfiscais,objetodesonegação,trazumsalvo-condutoàprisãodenaturezacriminal”(fl.902).

Ora, se fosse vedada a “prisão civil por dívida,” mas não a prisão de natureza penal decorrente apenas (frise-se) da existência de dívida civil, estaríamos diante de uma teratológica dicotomia, na qual a Constituição Federal veda o menos gravoso (prisão disciplinada pelas normas e princí-pios do processo civil) mas autoriza, sem quaisquer restrições, a sujeição do devedor às mais pesadas consequências impostas pelo Estado, tão só pelo fato de estar inadimplente. Essa interpretação, a toda evidência, faria tabula rasa da proteção constitucional, porquanto o legislador ordinário poderia com facilidade burlar a barreira estabelecida pelo Poder Constituinte, na medida em que bastaria atribuir natureza de sanção criminal à norma para

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que não se cogitasse de qualquer ofensa à cláusula pétrea em análise.Sobre o tema, é oportuno colacionar o artigo do ilustre Juiz Federal

Eduardo Gomes Philippsen publicado na edição nº 33 da “Revista de Dou-trina” deste Tribunal (sob o título “Apropriação indébita previdenciária: a inconstitucionalidade do crime estabelecido no art. 168-A, parágrafo 1º, inciso II, do Código Penal”), verbis:

“Poderia se arguir, então, que a proibição constitucional somente restringiria a prisão civil por dívida, não impedindo que a pura e simples inadimplência fosse alçada à condição de crime. Essa argumentação decorreria de uma interpretação literal da garantia constitucional.

não é essa a melhor interpretação, pois tornaria letra morta a proibição de prisão por dívida; bastaria ao legislador, então, no intuito de burlar a Constituição, erigir como crime o simples fato de inadimplir a dívida, para após alegar que a prisão, aí, não seria civil, mas criminal... na verdade, a essência da garantia em questão parece ser a de que ‘não haverá prisão por dívida civil’: o qualificativo civil deve se referir à natureza da dívida.” (grifei)

Na verdade, o que caracteriza como sendo “civil” a prisão não é o qua-lificativoquealegislaçãoinfraconstitucionalatribuiaessamedidapriva-tiva de liberdade (com os seus consectários na seara do processo civil ou penal), mas, sim, a natureza civil da dívida. E a dívida é assim considerada quando o fato punível é tão só a existência do débito, desacompanhado de qualqueroutracondutaqueserevistadeantijuridicidadecapazdejustificara persecução penal do Estado. Dito de outra forma, a inadimplência tem natureza não só de ilícito civil, mas também de ilícito criminal, quando a práticatipificadaenvolvealgumoutroatoqueserevistadealtareprova-bilidade, tal como, verbi gratia, o uso de fraude, ardil ou outra espécie de artifício com o qual o devedor tenta furtar-se à obrigação pecuniária. Esse é o melhor e exato entendimento constitucional da expressão “prisão civil por dívida”: toda forma de privação da liberdade do cidadão que decorra tão só da mera existência de um débito.

3) O art. 168-A, § 1º, inc. II, do CP e suas especificidades

Por seu turno, o dispositivo cuja constitucionalidade ora se examina assim dispõe:

“Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

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(...)II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas

contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;”

Consoante já salientei no voto divergente supracitado, mostra-se es-sencial para o deslinde da matéria deixar claro que em nada a norma em comento se assemelha aos incisos I e II do mesmo artigo. Tal ressalva faz-semisterafimdeafastaratesedequeestaCortejáteriapacificadoseu posicionamento a respeito, com a edição da Súmula 65.

De fato, se analisarmos os julgados que serviram de prece-dentes para a edição do referido enunciado sumular (processos nos 2000.04.01.089096-8, 1998.04.01.024713-3, 97.04.73462-0, 96.04.51747-3 e 1998.04.01.074479-7), constataremos que todos diziam respeito a condutas enquadradas no art. 95, alínea d, da Lei nº 8.212/91, cujo teor era o seguinte:

“Art. 95. Constitui crime:(...)d) deixar de recolher, na época própria, contribuição ou outra importância devida à

Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público;”

Conforme é cediço, esse dispositivo foi revogado pela Lei nº 9.983/2000, que transpôs a norma incriminadora para o art. 168-A, § 1º, inc. I, do Código Penal, com essa redação:

“Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência

social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arre-cadada do público;”

Em ambos os casos (antigo art. 95, alínea d, da Lei nº 8.212/91 e atual art. 168-A, § 1º, inc. I, do Código Penal), trata-se do mesmo fato delitivo, no qual o agente, encarregado pela legislação de descontar, do pagamento efetuado ao contribuinte, a exação por esse devida à seguridade social, deixa de, ato contínuo, repassar tal valor aos cofres públicos. Não é por outro motivo que o nomen iuris do ilícito é “apropriação indébita previ-denciária”, porquanto há verdadeira inversão na posse, na medida em que o empresário incorpora no patrimônio da pessoa jurídica a quantia debitada

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da sua folha de salários.Aliás, nos precedentes que serviram de apoio à edição da Súmula nº

65, o fundamento para esta Corte afastar a tese de inconstitucionalidade consistiu justamente no fato de que o tipo penal não incriminava a mera existência de dívida previdenciária, mas, sim, a obrigação legal de reco-lher as contribuições já descontadas dos salários dos empregados. Como exemplo, cito a ratio decidendi proferida pelo Exmo. Des. Vilson Darós, por ocasião do julgamento da Apelação Criminal nº 1998.04.01.074479-7:

“O art. 95, d, da Lei 8.212/91 é constitucional, pois a prisão não decorre de dívida pre-videnciária, mas do inadimplemento de uma obrigação legal – recolhimento das contribui-ções descontadas dos salários dos empregados no prazo da lei (art. 30, I, da Lei 8.212/91).

Não há, dessarte, ofensa ‘à Constituição Federal ou ao Pacto de São José da Costa Rica, que tratam de situação diversa, ou seja, proíbem prisão por dívida’ (AC 96.04.51.747-3/SC, rel. Juiz Vladimir de Freitas, DJ 11.09.98, p. 421), e, tampouco, derrogação da Lei 8.212/91.” (grifei)

Assim, no caso do inciso I do art. 168-A do Código Penal, não há falar em ofensa ao inciso LXVII do art. 5º da CF, porquanto a conduta incriminada não é a existência de um débito para com a seguridade so-cial, mas a inobservância do dever legal de, após efetuar o desconto na folha de pagamento, recolher os valores aos cofres públicos. O mesmo ocorre na hipótese do inciso III, em que o contribuinte deixa de “pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social”.

Caso diverso é o da norma que a presente arguição submete ao exame de inconstitucionalidade. Nessa hipótese, o agente furtou-se ao recolhi-mento das exações devidas por ele próprio, na posição de contribuinte, à seguridade social, e que integravam “despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços”. Trata-se, a toda evidência, de incriminação pelo tão só fato de haver um débito pendente para com o Erário, sem que o polo passivo da relação tributária tenha praticado qualquer outra ilegalidade, tal como o uso de falsidade ou artifício fraudulento. Assim, estamos claramente diante de restrição do status libertatis apenas por haver uma dívida impaga.

No que pertine à última parte do tipo penal, poder-se-ia argumentar que o fato de a contribuição ter integrado despesas contábeis ou custos vinculados à comercialização de produtos ou serviços descaracterizaria

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anaturezadacondutatipificadacomosendopuroesimplesinadimple-mento, por restringir a hipótese somente àqueles casos em que um desses qualificativosdemonstraria umparticular graude reprovabilidadenaconduta. Entretanto, essa tese mostra-se falaciosa, consoante salientado no voto divergente retrotranscrito, pois, “a pretexto de restringir a tutela penal decorrente do simples inadimplemento tributário, o legislador pátrio criou dois elementos normativos irrelevantes (‘ter integrado despesas contábeis’ ou ‘ter integrado custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços’), tratando-se de comportamentos que devem ser de regra observados pelo cumpridor da lei e pertinentes à praxe comercial (nocasodorepassedoscustos)”(fl.892,verso).

Não é outra a lição de Andréas Eisele sobre o tema, verbis:“Odispositivodoart.168-A,§1º,II,doCPtipificaacondutadeinadimplênciade

contribuições ‘que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços’.

Porém, essa descrição típica não foi elaborada conforme o princípio da taxatividade, pois seu âmbito de abrangência inclui todos os custos de produção ou despesas contábeis da atividade empresarial, uma vez que todos estes levam em consideração os reflexos econômicos da carga tributária.

dessa forma, a hipótese típica consiste em ‘deixar de recolher contribuição social’ (qualquer uma, exceto a devida pelo empregador doméstico – art. 24 da Lei nº 8.212/91).

Ocorre que uma contextualização sistemática da norma veiculada por esse tipo com a veiculada no caput do dispositivo permite a conclusão de que essa acepção ampla do âmbito normativo instala uma contradição teleológica com o conteúdo estrito descrito no caput do dispositivo, já que acarreta sua inutilidade, decorrente de sua redundância.” (Crimes contra a ordem tributária, 2. ed., Dialética, 2002, p. 216-217 – grifei)

A toda evidência, “a Constituição Federal”, como salientado por Ricar-do Perlingeiro Mendes da Silva, “ao vedar a prisão por dívida, deseja que inexista sanção de prisão pela falta de pagamento de dívida, oriunda de negócio jurídico ou dever legal” (apropriação indébita tributária? Dis-ponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/20181/apropriacao_indebita.pdf?sequence=1>. Acesso em: 16 dez. 2010). “Em última análise”, prossegue o aludido magistrado federal, “deseja a Carta Magna que a norma infraconstitucional não contenha instrumentos de coação, com limitação ao direito de liberdade, para o pagamento de dívidas. Porém, de nada adiantaria tal proibição, se fosse permitido ao legislador penal aplicar a pena de prisão em situação fática idêntica,

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de modo que a mencionada vedação deve valer tanto para a prisão civil quanto para a penal”. Não assiste razão ao parquet, pois, ao tentar desvincular, na hipótese, a prisão de índole civil da sancionatória de natureza criminal. O que a Carta da República veda, a toda evidência, é a prisão decorrente de mero inadimplemento de dívidas.

Em última análise, não há qualquer restrição efetiva na segunda parte do dispositivo em comento e que seja apta a afastar a conclusão de que a conduta incriminada corresponde, simplesmente, à existência de uma dívida de valor não adimplida pelo contribuinte em momento oportuno.

Assim, o que se depreende do exposto acima é que, embora o art. 168-A, inc. III, do Código Penal seja considerado uma forma de “apropriação indébita previdenciária”, não existe, na verdade, qualquer semelhança entre essa espécie de conduta e aquelas em que o agente se apropria irregularmente de valor com o qual possui apenas a relação de respon-sável tributário indireto – ou seja, de mero “repassador de tributo” –, descontando-o do salário de seu empregado para, em seguida, recolhê-lo aos cofres públicos. Tem-se, claramente, a possibilidade de prisão decor-rente da simples existência de uma dívida, sem ao menos se acrescentar, ao elemento objetivo do tipo, alguma prática que caracterize fraude, falsidade ou outra espécie de artifício pelo qual o agente teria iludido o Fisco quanto ao pagamento da exação ou à existência do débito. Pela leitura do dispositivo em análise, basta apenas o inadimplemento para que o contribuinte seja incriminado.

Ademais, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade reclamam que a produção normativa por parte do Poder Legislativo obedeça não apenas ao devido processo legal em sua acepção formal (ou seja, que resulte do trâmite legislativo previsto na Constituição), mas também material, de forma que o produto interpretativo do texto seja dotado de conteúdo sensato. Examinando o tipo penal em alusão, todavia, visualiza-se manifesta ofensa a tais parâmetros, porquanto nitidamente abarca somente o empresário que possui regularmente escriturada a sua contabilidade, não se sujeitando às suas penas aquele que, no exercício da mercancia, pratica uma série de fraudes destinadas a acobertar os registros de suas operações comerciais. A propósito, veja-se o vaticínio de Luiz Flávio Gomes acerca da norma incriminadora (Crimes Previ-denciários. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 38):

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“Vários são os requisitos normativos do tipo: ‘contribuições devidas à ´previdência social’ (v. Lei 8.212/91, art. 11), que tenham ‘integrado despesas contábeis ou custos’ (refere--se à contabilidade da empresa ou ao sistema de registros de dados da empresa); relativos à ‘venda de produtos ou prestação de serviços’. Se o contribuinte não mantém contabilidade regular ou registros de suas operações, não poderá cometer o delito em questão.”

Não é concebível que alguém que mantém devidamente escrituradas as suas negociações e simplesmente não procede ao recolhimento das contribuições devidas à previdência social venha a receber tratamento jurídico mais gravoso do que o dispensado àqueles que perpetram uma sériedeardiscomafinalidadedeencenarumasituaçãoregular,masca-rando a sua inadimplência.

Ante o exposto, voto por declarar a inconstitucionalidade do art. 168-a, § 1º, inc. ii, do Código Penal.

Voto diVerGente

O Exmo. Sr. Des. Federal Néfi Cordeiro: Do bem-lançado voto do eminente Relator, respeitosamente divirjo.

O tipo penal de apropriação indébita previdenciária traz como conduta adicional à sonegação a gravosa condição de ter o agente posse legal do numerário provindo de terceiros – empregados, segurados ou público emgeral.Daíaadmissibilidadedafigurapenal,queextrapolasimplesinadimplementofiscalparatornar-sepelaapropriaçãotãogravosacon-duta que socialmente a ela se impôs o caráter de crime.

No detalhamento trazido pelo inciso II do § 1º do art. 168 do CP (“deixar de [...] recolher contribuições devidas à previdência socialque tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços”), essa situação foi lembrada na hipóteseemqueasdespesasoucustosintegramopreçofinaldoprodutoou serviço vendido, assim apropriando-se o empresário com o pagamento dos bens/serviços daqueles valores de contribuições incidentes nas etapas de custo absorvidas.

Desse modo, prevendo o art. 168, § 1º, II, do CP hipótese de apro-priação de contribuições inseridas no pagamento de bens ou serviços, tenho como constitucional a incriminação da conduta.

Não me parece que a hipótese de mero registro contábil das despesas, produtos ou serviços esteja compreendida como inserida no art. 168, §

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1º,II,doCP,masissoédoexamecasuísticoasereventualmenteaofimenfrentado pela Turma.

O que não me parece adequado é o reconhecimento de inconstitucio-nalidadedeprisãoporsimplesinadimplementofiscalquandonãoéessaafigurapenaltipificadaediscutidanesteincidente.

Aofim,reforçoserhádécadasconsideradaconstitucionalafigurada apropriação indébita previdenciária (Súmula 65/TRF4: “A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições pre-videnciárias não constitui prisão por dívida”), contida no art. 168, § 1º, II, do CP, mas já antes disposta na Lei nº 8212/91, onde seu art. 95, alínea e, previa: “deixar de recolher contribuições devidas à Seguridade Social que tenham integrado custos ou despesas contábeis relativos a produtos ou serviços vendidos”).

Em precedentes:“PENAL E CONSTITUCIONAL. ART. 168-A, § 1º, II, DO CÓDIGO PENAL. MATE-

RIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PENAS EXACERBADAS. PROVIMENTO PARCIAL. I – Comete o crime previsto no art. 168-a, § 1º, ii, do Código Penal aquele que deixa de recolher contribuições da parte patronal devidas à Seguridade Social, as quais te-nham integrado os custos ou despesas contábeis relativos aos produtos e serviços prestados pela empresa representada pelo acusado (...)” (TRF1, ACR 200232000045010, Relator Juiz Federal Cesar Jatahy Fonseca (conv.), terceira turma, por maioria, e-DJF1, Data:12.03.2010, Página: 213)

“(...) 7. Não há dúvidas de que, com relação à sonegação do imposto de renda, a conduta encontra-setipificadanoartigo1°,incisoIII,daLein°8.137/90,contudo,nãorestoucom-provada nos autos a segunda conduta imputada ao réu na denúncia, qual seja, a de ‘deixarem de recolher, na época própria, entre junho de 1992 e junho de 1994, contribuições devidas à Seguridade Social que tenham integrado custos relativos a serviços vendidos’, anteriormente tipificadanoartigo95,alíneae, da Lei n° 8.212/91, e atualmente no artigo 168-A, § 1º, inciso II, do Código Penal. 8. Para que ocorra o crime do 168-A, § 1º, inciso II, do Código Penal, é necessário que as contribuições não recolhidas tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços, e não é o que ocorreu no caso dos autos, em que o réu sonegou o recolhimento da contribuição previdenciária, me-diante o emprego de nota calçada. Portanto, a conduta do réu, com relação à contribuição previdenciária, também enquadra-se no artigo 1°, inciso III, da Lei n° 8.137/90, que fala em supressãooureduçãodetributooucontribuiçãosocial,mediantefalsificaçãooualteraçãodenotafiscal.”(TRF3,ACR199961810036031,RelatorJuíza Vesna kolmar, Primeira turma, DJF3, DATA: 02.06.2008)

Também pela rejeição da inconstitucionalidade manifestou-se o Minis-

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tério Público Federal, por parecer lançado pela Procuradora Regional da RepúblicaMariaEmíliaCorrêadaCosta(fls.901-903):

“Respeitante à alegada inconstitucionalidade da prisão por dívida, algumas considerações. A prisão por dívida, pena de natureza civil e processual, em nada se confunde com a pena

estabelecida para o crime contra a Previdência Social previsto no art. 168-A do Código Penal, que se traduz em pena privativa de liberdade – reclusão – de caráter penal. A prisão por dívida visa essencialmente ao ressarcimento, sendo uma penalidade estabelecida para compelir à reparação do dano, enquanto a prisão penal objetiva a prevenção e a repressão. Tanto é assim que uma não exclui a aplicação da outra, consoante o princípio da independência das esferas penal, civil e administrativa.

Portanto, o crime em voga não traz a prisão civil por dívida como sanção, mas sim a prisão penal, sendo que da Carta Política não se pode extrair o entendimento de que a existência de dívidasfiscais,objetodesonegação,trazsalvo-condutoàprisãodenaturezacriminal.

Aforanãosetratardeprisãocivil,acondutaimputadaaospacientestambémnãoconfigurauma dívida propriamente dita. Na verdade, são quantias que deveriam ser repassadas por quem as arrecadou e assim não fez. É produto do crime a que alude o art. 91, alínea b, do Código Penal. Conclui-se, portanto, que a obrigação imposta ao empresário de arrecadar e repassar contribuiçõesprevidenciáriasdeseusempregadosestálongedeconfigurarumaobrigaçãomeramente pecuniária, não havendo qualquer inconstitucionalidade no dispositivo legal que pune penalmente o descumprimento dessa obrigação.

Nesse diapasão, é a jurisprudência da Corte Suprema:‘EMENTA: HaBeaS CorPuS, APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA.

CONDUTA PREVISTA COMO CRIME. INCONSTITUCIONALIDADE INEXISTENTE. VALORES NÃO RECOLHIDOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILI-DADE AO CASO CONCRETO. ORDEM DENEGADA.

1. a norma penal incriminadora da omissão no recolhimento de contribuição previdenciá-ria – art. 168-a do Código Penal – é perfeitamente válida. aquele que o pratica não é submetido à prisão civil por dívida, mas sim responde pela prática do delito em questão. Precedentes.

2. Os pacientes deixaram de recolher contribuições previdenciárias em valores muito superiores àquele previsto no art. 4º da Portaria MPAS 4910/99, invocada pelo impetrante. O mero fato de a denúncia contemplar apenas um dos débitos não possibilita a aplicação do art. 168-A, § 3º, II, do Código Penal, tendo em vista o valor restante dos débitos a executar, inclusive objeto de outra ação penal.

3. Ordem denegada.’ (STF, HC 91704/PR, Rel. Joaquim Barbosa, DJU 20.06.2008).Portanto, demonstrada a tipicidade do delito previsto no art. 168-A do Código Penal que se pretende trancar.

Sobreotema,aamplamaioriadadoutrinaedajurisprudênciapátriasafirmamqueodispositivo não ofende a Constituição Federal ou o Pacto de São José da Costa Rica, ‘pois a prisão não decorre da dívida previdenciária, mas do inadimplemento de uma obrigação legal – recolhimento de contribuições descontadas dos salários dos empregados no prazo da lei (art. 30, I, da Lei 8.212/91)’.

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A questão já foi, inclusive, sumulada por essa Corte Regional: ‘A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias não constitui prisão por dívida’ (Súmula nº 65).

Por tais razões, não merecem acolhida os argumentos, devendo ser mantido o normal trâmi-te da Ação Penal na qual foi réu pela prática do crime de apropriação indébita previdenciária.”

Ante o exposto, voto por julgar improcedente o incidente de inconsti-tucionalidade do art. 168-A, § 1º, inc. II, do Código Penal.

É o voto.

Voto diVerGente

o exmo. Sr. des. Federal Luís alberto d’azevedo aurvalle: Peço vê-nia para divergir do bem elaborado voto do E. Relator, por três motivos.

Primeiramente, por entender ser prerrogativa do legislador, segundo um juízo político, a escolha das condutas que devam receber sanção penal, tendo em vista o gravame que causam à sociedade:

“Até MERKEL mostrar que há unidade do ilícito como violação culposa da lei, acreditou--se existir diferença substancial entre o ilícito civil e o penal. Esse autor provou, porém, que a sanção penal tem apenas caráter subsidiário: é meio mais enérgico que intervém quando outromeioéinsuficiente.Dejus constituto, é que se distingue, por esse critério formal, a natureza do ilícito. Seria arbitrário e errôneo, diz ABEL DE ANDRADE, determinar a priori os fatos que se devem considerar ilícito penal ou ilícito civil. ao estado é que cumpre diversificá-los,pormeiodalei,adotandodiretrizesconsentâneasàtradição,aoscostumeseàs condições particulares dos lugares e dos povos. Uma vez que – como explica NÉLSON HUNGRIA – a ação antijurídica não seja de molde a provocar a intranquilidade pública ou suscitar o alarme coletivo, o legislador contenta-se com o aplicar a mera sanção civil, recorrendo à pena quando a conservação da ordem jurídica não se possa obter com outros meios de reação, isto é, os meios próprios do direito civil.” (FREDERICO MARQUES, José. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1954. v. 1. p. 8-9 – grifos nossos)

ObviamentequecompeteaoPoderJudiciárioverificarseavontadelegislativa é consentânea aos princípios constitucionais e, justamente, por entendê-la, no caso concreto, contrária à proibição de prisão civil por dívida (CR, art. 5º, LXVII) é que o E. Relator detectou a jaça de inconstitucionalidade.

Entretanto – e aqui reside o segundo argumento –, não consigo vislumbrar na conduta descrita no art. 168-A, § 1º, II, do CP mero inadimplementodedívidafiscal,mas,aorevés,intençãodefraudare,consequentemente, enfraquecer um sistema público do qual dependem

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milharesdecidadãoshipossuficientes,comoinconfundívelescopodelocupletamento pecuniário. Daí decorre, data venia, a gravidade da conduta que está a merecer o colorido do direito sancionatório penal. Conforme bem lembrado por José Paulo Baltazar Junior, “o próprio STF jáafirmouqueotipopenalemquestão‘tutelaasubsistênciafinanceirada previdência social’ (HC76.978-1-RS, 2ª T., DJ 19.02.99)” (Crimes federais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 21).

Porfim,examinadaacondutaporseuresultado,poucoimportaaoscofres da Previdência se a sonegação de recursos de custeio adveio da falta de repasse de contribuições recolhidas de contribuintes (caput) ou da falta de recolhimento de contribuições que tenham integrado despe-sas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou prestações de serviços (§ 1º, ii) para que o prejuízo se concretize.

ante o exposto, voto por desacolher a arguição de inconstituciona-lidade.

Voto diVerGente

o exmo. Sr. des. Federal Celso kipper: Também divirjo do eminente Relator.

De modo geral, a doutrina sobre o tema não considera que o referido tipopenalmalfiraodispostonoart.5º,LXVII,daCF/88, tampoucoao disposto no art. 7º, item 7, da Convenção Americana sobre direitos Humanos, que determina que “ninguém deve ser detido por dívida”.

Segundo Luiz Regis Prado (Curso de direito Penal Brasileiro. v. 2. São Paulo: RT, 2004. p. 512),

“A conduta incriminadora não se refere ao fato de o agente deixar de recolher contri-buições deduzidas de pagamentos efetuados a outras pessoas, mas sim aquelas que foram aglutinadas tanto às despesas contabilizadas como embutidas em custos atinentes à venda de produtos ou à prestação de serviços.

Assim,senopreçofinaldoprodutooudoserviçoprestadofoiembutidoovalordacontribuição social devida, mas que não foi recolhida ao órgão previdenciário, caracteriza--se o delito em exame.”

Ainda, para Damásio de Jesus (Código Penal anotado. São Paulo: Saraiva,2010.p.660),“Atuandoocontribuintecomoconsumidorfinal,nãosejustificaqueapessoaquenãosaiuoneradadarelaçãoeconômicadeixe de recolher a contribuição”.

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Porfim,omagistériodeLuizFlávioGomes,citadoporPauloDariva(o delito de apropriação indébita Previdenciária: Crime de Omissão Material? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 51-54), para quem “já não se trata, agora, de deixar de recolher aquilo que se descontou de outras pessoas, senão de deixar de recolher o que ‘tenha integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços.’ A ratio legiséaseguinte:nopreçofinaldo produto ou do serviço já está embutido (ou poderia estar) o valor das contribuições devidas. Sendo assim, se são contabilizadas e depois não são repassadas para o INSS, há a apropriação desse ‘custo’.”

Vê-se, pois, que o tipo penal em questão não incrimina a simples falta de pagamento de contribuições previdenciárias devidas pelo agente, mas o não pagamento de contribuições que integraram o custo das mercadorias vendidas e/ou dos serviços prestados. Em outras palavras: o consumidor final,aopagaroprodutoadquiridoe/ouoserviçocontratado,alcançouao agente valor devido à Previdência Social. O não recolhimento desse valor(que,repita-se,compôsopreçopagopeloconsumidorfinal)éaconduta reveladora da apropriação indébita previdenciária, sancionada pelo tipo penal ora em análise.

Nesse contexto, não vislumbro a alegada inconstitucionalidade do art. 168-A, § 1º, II, do Código Penal Brasileiro.

ante o exposto, com a vênia do eminente relator, voto por desacolher a arguição de inconstitucionalidade.

Voto-ViSta

o exmo. Sr. des. Federal Vilson darós: Pedi vista para melhor apre-ciação da questão em debate e tenho por acompanhar o voto lançado pelo eminente Relator.

Cuida-se de arguição de inconstitucionalidade do inciso II do § 1º do art. 168-A do Código Penal que, supostamente, violaria o inciso LXVII do art. 5º da CF/88 e o art. 7º, alínea 7ª, do Anexo ao Decreto nº 678/92, que internalizou o Pacto de São José da Costa Rica.

Os dispositivos citados assim prescrevem:

Código Penal:

“Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos

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contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de: (...) II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas

contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;” (grifei)

Constituição:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo--se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...) LXVII – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento

voluntárioeinescusáveldeobrigaçãoalimentíciaeadodepositárioinfiel;(...)”

anexo ao decreto nº 678/92:

“Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autorida-de judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.”

Pois bem, o voto divergente de lavra do eminente Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz que oportunizou este incidente de inconstitucionalida-de, quando da análise da apelação, individualizou com extrema precisão o dispositivo que prevê o tipo penal no inciso II do § 1º do art. 168-A do Código Penal. Veja-se:

“De início, vale frisar que o dispositivo em comento não se confunde com os demais delitos de apropriação indébita previdenciária (caput e incisos I e III do § 1º do artigo 168-A), que tutela o patrimônio de terceiros (de segurado empregado ou individual, ou do próprio INSS no caso do inciso III), agredido pela conduta do agente que, valendo-se de sua posição de arrecadador/pagador, toma para si algo que não lhe pertence. Com relação as essas infrações, há, inclusive, súmula da Corte, que se encontra assim redigida:

‘Súmula 65 – A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias não constitui prisão por dívida.’

Em se tratando do ilícito previsto no inciso II, a questão é diversa. Nesse caso, a sanção incrimina o não recolhimento de parcelas devidas pela própria empresa, a título de obrigação própria. Confere, assim, tratamento penal a simples ilícito civil tributário.”

Realmente, o dispositivo em análise termina por criminalizar o não pagamento de débito da própria empresa, indo de encontro à vedação

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constitucional acima referida.A tese que defende a constitucionalidade do tipo, escorada no fato

dequeovalordacontribuiçãoérepassadaaoconsumidorfinal(ditocontribuinte de fato pela doutrina tributária) e a empresa seria mera contribuinte de direito, ao meu entender, não deve prevalecer. Entendo que o legislador, ao editar a norma penal em comento, adentrou em seara estranha às Ciências Jurídicas e acabou por criar dispositivo de tormentosa aplicação prática. Explico.

Em tese, toda empresa, seja prestadora de serviço, seja manufatureira, repassa os custos ao consumidor. Soma-se a isso, ainda, o lucro que é inerente à atividade comercial.

Contudo,essacomposiçãodopreçofinaldecadaprodutoobedecealeis outras que são estranhas ao Direito, leis de cujo estudo se ocupam as Ciências Econômicas. Assim, por exemplo, como é cediço, além do custo, o preço de um produto pode variar conforme a oferta e a procura em determinado período, bem como a ocorrência de eventos em que à empresa interessa vendê-lo abaixo do custo para quebrar a concorrência ou supervalorizá-lo quando se coloca com exclusividade no mercado.

Por essa razão, não comungo com a tese que considera crime de apropriação indébita o não recolhimento do tributo, presumindo que o seucustointegrouopreçofinaldoprodutopagopeloconsumidorfinal.Ora, no momento em que o consumidor adquire o produto, paga o preço. Há nesse negócio jurídico uma transmissão (propriedade do produto) ou uma disponibilização de um serviço, ao tempo em que, em regra, ao menos juridicamente, a totalidade do numerário pago transfere-se para o caixa da empresa. Não é proibido aventar-se que parcela do preço vai para o Estado, a título de tributo, outra para os fornecedores de insumos, etc. Contudo, trata-se de fato irrelevante para o mundo jurídico, pois a empresa, quando paga um fornecedor, em regra, não está repassando dinheirode terceiro (consumidorfinal),e simvaloresseus, frutosdavenda de seus produtos ou serviços. Essa lógica aplica-se ao pagamento dos tributos.

Na sessão em que pedi vista dos autos (17.12.2010), o eminente Des. Federal Otávio Pamplona proferiu voto oral, analisando a questão com precisão cirúrgica ao trazer, além de outras considerações, o exemplo do IPTU. Imagine-se uma empresa com sede em determinado prédio na

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zona urbana. Inevitavelmente será contribuinte de IPTU e provavelmente essecustocomporáaplanilhadecálculodeseuprodutofinal.Contudo,o administrador ou diretor dessa mesma empresa, mesmo repassando o custo do imposto municipal ao consumidor, caso não recolha o tributo, poderá ser preso por isso? Se a resposta é não, o mesmo raciocínio deve ser aplicado quando da análise do inciso II do § 1º do art. 168-A do Código Penal.

E mais, utilizando ainda os argumentos esposados pelo Des. Pamplona, o legislador, ou ao menos quem defende a tese de que há a apropriação indébita, busca dar legitimidade ao tipo penal em comento com base na diferenciação, cunhada pela doutrina tributária, entre o contribuinte de direito e o contribuinte de fato. Isso porque, em algumas situações, o Código Tributário impõe consequências jurídicas a essa distinção, so-bretudo na repetição do indébito, exigindo a prova do não repasse – art. 166 do CTN.

Contudo, assevero que tal diferenciação e restrição à repetição do indébito, além de ser de constitucionalidade duvidosa no âmbito tribu-tário, com mais razão não poderia alicerçar a criminalização de um fato que a própria Constituição Federal põe expressamente fora do alcance da capitulação penal.

Em resumo, embora sob o ponto de vista econômico possa se conceber o repasse do tributo ao consumidor, juridicamente não é dessa forma que o ordenamento jurídico pátrio disciplina a questão.

Porfim,tragoapontamentododoutrinadorLuizFlávioGomes,emCrimes Previdenciários,RevistadosTribunais,2001,fls.38-9,queevi-denciaainconstitucionalidadeeadificuldadedeaplicaçãodotipopenalprevisto no inciso II do § 1º do art. 168-A do Código Penal:

“Vários são os requisitos normativos do tipo: ‘contribuições devidas à previdência social’ (v. Lei 8.212/91, art. 11); que tenham ‘integrado despesas contábeis ou custos’ (refere-se à contabilidade da empresa ou ao sistema de registros de dados da empresa); relativos à ‘venda de produtos ou à prestação de serviços’. Se o contribuinte não mantém contabilidade regular ou registros das suas operações, não poderá cometer o delito em questão. Pode con-figurarodelitodesonegaçãodecontribuiçãoprevidenciária,previstonoart.337-AdoCP.

Se os valores apropriados estão todos escriturados, convém com muita cautela examinar a questão do dolo do agente. De outro lado, caberia aqui uma eventual discussão sobre a constitucionalidade do diploma legal, porque, no fundo, o que está criminalizado é uma espéciedeprisãopordívida(confessadaeescriturada);seofiscocontatodososdadosaptos

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para a cobrança da dívida, seria proporcional o uso do castigo penal? Ademais: quem não mantém nenhuma escrituração poderá cometer o delito de sonegação

de contribuição previdenciária (art. 337-A). E, nesse caso, extingue-se a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e confessa as contribuições, importâncias e valores e presta as informações devidas à previdência social (§ 1º do art. 337-A). Ora, quem escriturou tudo corretamente e apenas não recolhe o que é devido está na mesma ou até mesmo em melhor situação que aquele que não escriturou e só depois confessou. Teria o inciso II, ora emdiscussão,contempladoumfatotípicoqueseidentificacomumacausadeextinçãodapunibilidade?”

Com isso, tenho que se trata de tipo penal que criminaliza mera dívida, própria da empresa, indo de encontro à vedação constitucional.

Ante o exposto, voto por declarar a inconstitucionalidade do inciso ii do §1º do artigo 168-a do Código Penal.

É o voto.

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA AC Nº 2008.70.16.000444-6/PR

relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

apelante: Associação Nacional de Defesa dos Agricultores Pecuaristas e Produtores da Terra – Andaterra

advogados: Drs. Felisberto Odilon Cordova e outroDr. Jeferson da Rocha

apelante: União Federal (Fazenda Nacional)advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional

apelados: Os mesmos

eMenta

tributário. ação ordinária. Funrural. empregador rural pessoa física. art. 25 da Lei nº 8.212/91. Leis 8.540/92 e 9.528/97 declaradas

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inconstitucionais pelo StF. eC nº 20/98. Lei nº 10.256/2001. inconstitucio-nalidade parcial.

1. O Supremo Tribunal Federal, no RE nº 363.852/MG, representativo da controvérsia da repercussão geral, declarou a inconstitucionalidade das Leis nos 8.540/92 e 9.528/97, que deram nova redação aos arts. 12, V e VII, 25, I e II, e 30, IV, da Lei nº 8.212/91, até que legislação nova, arrimada na EC nº 20/98, institua a contribuição, desobrigando a retenção e o recolhimento da contribuição social ou o recolhimento por sub-rogação sobre a “receita bruta proveniente da comercialização da produção rural” de empregadores, pessoas naturais.

2. Reconhecida pelo STF a existência de repercussão geral da matéria relativa à contribuição social do empregador rural pessoa física incidente sobre comercialização da produção rural, no julgamento do RE nº 596177/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, em 17.09.2009.

3. Uma vez rejeitado o pedido de modulação cronológica dos efeitos do RE nº 363.852/MG, inverossímil solução jurídica diversa no RE nº 596177/RS, pendente de julgamento e tratando de matéria símil, tornando despicienda qualquer manifestação da Corte Especial deste Tribunal Regional a respeito da inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.540/92, a genetizar novel redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação imprimida pela Lei nº 9.528/97.

4. Receita e faturamento não são sinônimos, segundo o STF no julgamento dos REs nos 346084, 358273, 357950 e 390840, em 09.11.2005.

5. Evidenciada a necessidade de lei complementar à instituição da nova fonte de custeio em data pretérita à Emenda Constitucional nº 20/98.

6. A EC nº 20/98 acrescentou o vocábulo “receita” no art. 195, inciso I, b, da CF/88, e, a partir da previsão constitucional da fonte de custeio, a exação pode ser instituída por lei ordinária, conforme RREEs 146733 e 138284.

7. O STF não fez menção à Lei nº 10.256/2001, porque se tratava de recurso em Mandado de Segurança ajuizado em 1999, mas declarou incons-titucional o art. 25 da Lei nº 8.212/91, com a redação dada por essa lei, em razãodadeficitáriaalteraçãoporelapromovida.

8. Afastada a redação das Leis nos 8.540/92 e 9.528/97, a Lei nº 10.256/2001,napartequemodificouocaput do art. 25 da Lei nº 8.212/91, não tem arrimo na EC nº 20/98, pois termina em dois pontos e não estipulou o binômiobasedecálculo/fatogerador,nemdefiniualíquota.Nasceucapenga,

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natimorta, pois somente à lei cabe eleger estes elementos dimensionantes do tributo, conforme arts. 9º, I, do CTN, 150, I, e 195, caput, ambos da CF/88.

9. A declaração do STF, enquadrada em regras exegéticas, foi com redução de texto, embora não expressa, haja vista a presunção de legitimidade da lei, em conciliação com os arts. 194, I, e 195, caput, da CF/88, dada a univer-salidadedacobertura,oatendimentoeaobrigatoriedadedofinanciamentoda Seguridade Social por toda a sociedade, induzindo à imprescindibilidade do custeio também pelo segurado especial.

10. Declarada inconstitucional a Lei nº 10.256/2001, com redução de texto, para abstrair do caput do art. 25 da Lei nº 8.212/91 as expressões “con-tribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22”, e “na alínea adoincisoV”,ficamantida a contribuição do segurado especial, na forma prevista nos incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.212/91.

11. Exigível a contribuição do empregador rural pessoa física sobre a folha de salários, com base no art. 22 da Lei nº 8.212/91, equiparado a empresa pelo parágrafo único do art. 15 da mesma lei, porque revogado o seu § 5º pelo art. 6º da Lei nº 10.256/2001, que vedava a exigibilidade.

12. Tem direito o empregador rural pessoa física à restituição ou compen-sação da diferença da contribuição recolhida com base na comercialização da produção rural e a incidente sobre a folha de salários.

13. Acolhido parcialmente o incidente de arguição de inconstitucionali-dade do art. 1º da Lei nº 10.256/2001, com redução de texto, na parte que modificaocaput do artigo 25 da Lei nº 8212/91, por afronta à princípios insculpidos na Constituição Federal.

aCÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, acolher parcialmente o incidente de arguição de inconstitucionalidade,nostermosdorelatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresentejulgado.

Porto Alegre, 30 de junho de 2011.Des. Federal Álvaro eduardo Junqueira, Relator.

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 415

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reLatÓrio

o exmo. Sr. des. Federal Álvaro eduardo Junqueira: Trata-se de incidente de arguição de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 10.256/2001,naparteemquemodificaoart.25,caput, da Lei nº 8.212/91.

A Primeira Turma deste Tribunal Regional, na sessão de 05 de no-vembro de 2010, por maioria, vencida a relatora, Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, decidiu suscitar o incidente de arguição de inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 10.256/2001, na parte que modificaocaput do art. 25 da Lei nº 8.212/91, por afronta aos arts. 9º, inciso I, e 97, incisos III e IV, do CTN e aos arts. 150, inciso I, e 195, caput e inciso I, b,daConstituiçãoFederal,afimdemanteraexigibi-lidade da contribuição previdenciária na redação original do art. 25 da Lei de Custeio.

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do incidente de inconstitucionalidade.

É o sucinto relatório.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal Álvaro eduardo Junqueira: A Associação Nacional de Defesa dos Agricultores Pecuaristas e Produtores da Terra – Andaterra busca, desde a inicial, a declaração de inconstitucionalidade do art. 25 da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pelas Leis nos 8.540/92, 9.528/97 e 10.256/2001, por se tratar de nova fonte de custeio, em deso-bediência ao quorumqualificadodaleicomplementar.

Como visto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 363.852/MG, declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.540/92, que originou nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a estampa atualizada pela Lei nº 9.528/97, até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição, desobrigando os recorrentes da retenção e recolhimento da contribuição social ou do recolhimento por sub-rogação sobre a “receita bruta proveniente da comercialização da produção rural” de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate.

O RE nº 363.852/MG foi assim ementado:

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011416

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“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRESSUPOSTO ESPECÍFICO. VIOLÊNCIA À CONSTITUIÇÃO. ANÁLISE. CONCLUSÃO. Porque o Supremo, na análise da violência à Constituição, adota entendimento quanto à matéria de fundo do extraordinário, a conclusão a que chega deságua, conforme sempre sustentou a melhor doutrina – José Carlos Barbosa Moreira –, em provimento ou desprovimento do recurso, sendo impróprias as nomenclaturas conhecimento e não conhecimento. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. COMERCIALIZAÇÃO DE BOVINOS. PRODUTORES RURAIS PESSOAS NATURAIS. SUB-ROGAÇÃO. LEI Nº 8.212/91. ARTIGO 195, INCISO I, DA CARTA FEDERAL. PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98. UNICIDADE DE INCIDÊNCIA. EXCE-ÇÕES. COFINS E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. PRECEDENTE. INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. Ante o texto constitucional, não subsiste a obrigação tributária sub-rogada do adquirente, presente a venda de bovinos por produtores rurais, pessoas naturais, prevista nos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com as redações decorrentes das Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97. Aplicação de leis no tempo – considerações.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário para desobrigar os recorrentes da retenção e do recolhimento da contribuição social ou do seu recolhimento por sub-rogação sobre a ‘re-ceita bruta proveniente da comercialização da produção rural’ de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate, declarando a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97, até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição, tudo na forma do pedido inicial, invertidos os ônus da sucumbência. Em se-guida, o Relator apresentou petição da União no sentido de modular os efeitos da decisão, que foi rejeitada por maioria, vencida a Senhora Ministra Ellen Gracie. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, licenciado, o Senhor Ministro Celso de Mello e, neste julgamento, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa, com voto proferido na assentada anterior. Plenário, 03.02.2010.” (RE 363852/MG, Rel. Min. Marco aurélio, Tribunal Pleno, j. em 03.02.2010, unânime, DJe-071 de 23.04.2010)

Dessa decisão a União interpôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados por unanimidade pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, em 17.03.2011, conforme pesquisa no sítio daquele areópago superior.

Citando como fonte o Valor Econômico – 21.03.2011 – Legislação & tributos, o clipping desta Corte, de mesma data, veicula a notícia de que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional opôs os embargos declaratórios para obter declaração de que a Lei nº 10.256, de 2001, posterior às normas analisadas pelos ministros, teria regularizado a situação, buscando impedir os juízes federais de considerarem, também, inconstitucionais as normas posteriores à edição da Emenda Constitucional nº 20. Alega o Procurador R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 417

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da Fazenda Nacional que, nesse compasso, o contribuinte teria direito apenas aos recolhimentos efetuados entre 1992 e 2001 e “Agora, com a rejeição dos embargos, vamos esperar que o Supremo volte a analisar o tema por meio de um outro recurso”, acrescentando que, mesmo sem a possibilidade de recolhimento sobre o resultado da comercialização, voltaria a valer a folha de salários como base de cálculo. Acrescentou o Procurador: “Milhares de contribuintes ajuizaram ações e, infelizmente, entendimentos equivocados têm levado à proliferação de decisões que extrapolam em muito o que foi julgado pelo Supremo”.

Na notícia veiculada no clipping assegura, no entanto, o Ministro Marco Aurélio, ao analisar os embargos, que a decisão proferida no ano passado é clara e não precisa ser alterada. Para ele, o acórdão “é bastante elucidador das premissas que respaldaram a concessão da segurança, não se podendo cogitar de qualquer dos vícios que levam ao provimento dos embargos declaratórios”. O voto do Relator foi seguido pelos demais ministros. Também esclarece o sentido da decisão do Supremo. Os produtores rurais e empresas que adquirem a produção agrícola – principalmente osfrigoríficos–,responsáveisporretererepassarotributoaoInstitutoNacional do Seguro Social (INSS), iniciaram uma corrida à Justiça e uma disputa pelos bilhões de reais que foram recolhidos indevidamente. Para eles,oazitumeadotadopelosMinistros,nocasoenvolvendooFrigoríficoMataboi,decretouofimdacontribuição,somenteinstituívelnovamentepor outra lei. Tramita, inclusive, uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIn)ajuizadapelaAssociaçãoBrasileiradeFrigoríficos(Abrafrigo).

Trata-se da ADIn nº 4395, ajuizada em 19.03.2010, em face do art. 1º da Lei 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei 8.212/91, com redação atualizada até a Lei 11.718/2008, a qual aguarda apreciação do pedido de medida liminar.

Não obstante, cabe esclarecer que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral da matéria relativa à contribuição social do empregador rural pessoa física incidente sobre a comercialização da produção rural, no bojo do Recurso Extraordinário nº 596177/RS, de Relatoria do Excelentíssimo Ministro ricardo Lewandowski, em 17.09.2009, DJe de 08.10.2009, a saber:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PRE-VIDENCIÁRIA. EMPREGADOR RURAL PESSOA FÍSICA. INCIDÊNCIA SOBRE A

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011418

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COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO. ART. 25 DA LEI 8.212/91, NA REDAÇÃO DADA A PARTIR DA LEI 8.540/92. RE 363.852/MG, REL. MIN. MARCO AURÉLIO, QUE TRATA DA MESMA MATÉRIA E CUJO JULGAMENTO JÁ FOI INICIADO PELO PLENÁRIO. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

Decisão: O Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitu-cional suscitada. Não se manifestaram os Ministros Cármen Lúcia, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Menezes Direito. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI.”

Nessa esteira, a excelentíssima Ministra Cármen Lúcia decidiu mono-craticamente o RE nº 425330/MG, em 09.04.2010, e o RE nº 613433/RS, em 20.05.2010, a saber:

“DECISÃORECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO.

CONTRIBUIÇÃO AO FUNRURAL INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL: INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.

Relatório(...)4.Pordecisãodasfls.235-236,determinou-seadevoluçãodosautosàorigemparaque

fosse observado o art. 543-B do Código de Processo Civil em decorrência do reconhecimento de repercussão geral do tema no Recurso Extraordinário 596.177.

(...)6. Inicialmente, cumpre ressaltar que a decisão que determinou o retorno dos autos

àorigemfoipublicadaem04.02.2010(fl.237),nostermosdoart.543-BdoCódigodeProcessoCivil(fls.235-236).

O tema objeto do recurso extraordinário foi julgado na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal de 03.02.2010, no Recurso Extraordinário 363.852.

Assim, por estarem os autos no Supremo Tribunal Federal e por já ter sido julgado o tema constitucional contido no recurso extraordinário interposto, torno sem efeito a decisão dasfls.235-236epassoàanálisedasrazõesdorecursoextraordinário.

(...)Dessa orientação jurisprudencial divergiu o acórdão recorrido.8. Pelo exposto, dou provimento ao recurso extraordinário (art. 557, § 1º-A, do Código

de Processo Civil e art. 21, § 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal) para afastar a contribuição ao Funrural incidente sobre a comercialização da produção rural de empregadores pessoas naturais.

(...)” (RE 425330/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, decisão monocrática de 09.04.2010, DJe de 29.04.2010)

“DECISÃORECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. 1.

CONTRIBUIÇÃO AO FUNRURAL INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO

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DA PRODUÇÃO RURAL: INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTE. 2. COM-PENSAÇÃO E CORREÇÃO MONETÁRIA. MATÉRIAS INFRACONSTITUCIONAIS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO.

Relatório(...)2. Os Recorrentes alegam que o Tribunal a quo teria contrariado os arts. 146, 150, inc.

I, 154 e 195, inc. I, §§ 4º e 8º, da Constituição da República.(...)Requerem o provimento do recurso extraordinário, para reformar o acórdão recorrido

e declarar a inconstitucionalidade dos arts. 25, inc. I e II, da Lei 8.212/91, 3º e 6º da Lei 9.528/97,‘comasmodificaçõesdadaspelasLeis10.256/2001, 8.540/1992, 8.861/1994 e 9.528/1997’(fl.195).

(...)4. No julgamento do Recurso Extraordinário 363.852, Relator o Ministro Marco Auré-

lio, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao recurso para desobrigar os recorrentes da retenção e do recolhimento da contribuição social ou do seu recolhimento por sub-rogação sobre ‘a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural’ de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate.

Naquela assentada, foi declarada a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 8.540/92, que alterou os artigos 12, V e VII, 25, I e II, e 30, IV, da Lei 8.212/91, assim como as alterações feitas até a Lei 9.528/97, até que nova legislação, com base na Emenda Constitucional 20/98, venha a instituir a contribuição.

(...)Dessa orientação jurisprudencial divergiu o acórdão recorrido.(...)6. Pelo exposto, dou parcial provimento ao recurso extraordinário (art. 557, § 1º-A,

do Código de Processo Civil e art. 21, § 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal) para afastar a contribuição ao Funrural incidente sobre a comercialização da pro-dução rural de empregadores pessoas naturais, nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal.

(...).” (grifei) (RE 613433/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, decisão monocrática de 20.05.2010, DJe de 07.06.2010)

Posteriormente, em 18.06.2010, o Excelentíssimo Ministro ricardo Lewandowski deferiu o pedido liminar para dar efeito suspensivo, até julgamentofinal,aoRecursoExtraordinárionº596177/RS,pendentededecisão até os dias atuais.

De toda forma, uma vez rejeitado o pedido de modulação cronológica dos efeitos do RE nº 363.852/MG, inverossímil outra solução jurídica ao pedido formulado, pendente de julgamento e tratando de matéria símil, esposado no RE nº 596177.

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Portanto, despicienda qualquer manifestação da Corte Especial des-te Tribunal a respeito da inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.540/92, a genetizar novel redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação impri-mida pela Lei nº 9.528/97.

Sob outro enfoque, a tese da sinonímia entre os conceitos receita e faturamento foi categoricamente rechaçada pelo Supremo Tribunal Fe-deral por ocasião do julgamento do alargamento da base de cálculo do PISedaCofinspelaLeinº9.718/98,nojulgamentodosREsnº346084,358273, 357950 e 390840, sessão de 09.11.2005, Relator para o acórdão o excelentíssimo Ministro Marco Aurélio.

Nessa esteira, recentes julgados da Ministra Cármen Lúcia, em decisão monocrática nos REs nº 596958/RS e nº 597027/RS, a saber:

“DECISÃORECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. 1. CON-

TRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA. ART. 25, INC. I E II, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: INCONSTITUCIONALIDADE. 2. COMPENSAÇÃO E CORREÇÃO MO-NETÁRIA. MATÉRIAS INFRACONSTITUCIONAIS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO.

Relatório1. Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Consti-

tuição da República contra o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:‘TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO

DA PRODUÇÃO RURAL. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA EMPREGADOR. EXIGIBILIDADE. FATO GERADOR. BASE DE CÁLCULO. COFINS. BiS in ideM. INEXISTÊNCIA.

1. A Constituição de 1988 e a legislação posterior mantiveram a contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural, prevendo tratamento distinto entre o produtor rural que trabalha em regime de economia familiar, o produtor rural pessoa física empregador e o produtor rural pessoa jurídica.

2. Para o produtor rural pessoa física empregador, a contribuição sobre a comercializa-ção da produção rural é indevida apenas de 25 de julho de 1991 (extinção do Prorural) até 22 de março de 1993 (prazo nonagesimal da Lei nº 8.540/92, que recriou a contribuição), quando então era exigível a contribuição sobre a folha de salários.

3. O fato gerador da contribuição debatida é a comercialização da produção rural e ocorre com a venda ou a consignação da produção rural; a base de cálculo é a receita bruta proveniente da comercialização de tal produção, elementos da hipótese de incidência pre-vistos nas Leis nº 8.212/91 e nº 8.870/94.

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4.Abasedecálculo–receitabruta–éequivalente,paraefeitosfiscais,afaturamento,segundo precedentes do e. STF, e representada pela venda ou consignação de mercadorias, no caso, produtos rurais.

5. Ausência de bis in idem, pois o produtor rural pessoa física empregador, porque não atende aos requisitos do art. 1.º da LC 70/91 (ser equiparado a pessoa jurídica pela legis-laçãodoImpostodeRenda),nãoécontribuintedaCofins,inexistindosupostaindevidacumulaçãodecontribuições’(fl.1.063)

(...)Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO.3. Razão jurídica assiste aos Recorrentes.4. No julgamento do Recurso Extraordinário 363.852, Relator o Ministro Marco Auré-

lio, este Supremo Tribunal Federal apreciou tese idêntica à que se contém neste processo e declarou a inconstitucionalidade da contribuição social sobre a receita bruta proveniente da comercialização de produção rural, prevista no art. 25, inc. I e II, da Constituição:

‘O Tribunal deu provimento a recurso extraordinário para desobrigar os recorrentes da retenção e do recolhimento da contribuição social ou do seu recolhimento por sub-rogação sobre a ‘receita bruta proveniente da comercialização da produção rural’ de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate, declarando a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, V e VII, 25, I e II, e 30, IV, da Lei 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei 9.528/97, até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional 20/98, venha a instituir a contribuição. Na espécie, os recorrentes, empresas adquirentes de bovinos de produtores rurais, impugnavam acórdão do TRF da 1ª Região que, com base na referida legislação, reputara válida a incidência da citada contribuição. Sustentavam ofensa aos artigos 146, III; 154, I; e 195, I, e §§ 4º e 8º, da CF – v. Informativos 409 e 450. entendeu-se ter havido bitributação, ofensa ao princípio da isonomia e criação de nova fonte de custeio sem lei complementar. Considerando as exceções à unicidade de incidência de contribuição previstas nos artigos 239 e 240 das disposições Constitucionais Gerais, concluiu-se que se estaria exigindo do empregador rural, pessoa natural, a contribuição social sobre a folha de salários, como também, tendo em conta o faturamento, da Cofins, e sobre o valor comercializado de produtos rurais (Lei 8.212/91, art. 25), quando o produtor rural, sem empregados, que exerça atividades em regime de economia familiar, só contribui, por força do disposto no art. 195, § 8º, da CF, sobre o resultado da comercialização da produção. além disso, reputou-se que a incidência da contribuição sobre a receita bruta proveniente da comercialização pelo empregador rural, pessoa natural, constituiria nova fonte de custeio criada sem observância do art. 195, § 4º, da CF, uma vez que referida base de cálculo difere do conceito de faturamento e do de receita. O relator, nesta assentada, apresentou petição da União no sentido de modular osefeitosdadecisão,quefoirejeitadapormaioria,ficandovencida,noponto,aMin.EllenGracie’ (DJe 23.04.2010).

Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido.(...)6. Pelo exposto, dou parcial provimento ao recurso extraordinário (art. 557, § 1º-A,

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do Código de Processo Civil e art. 21, § 2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal) para afastar a contribuição ao Funrural incidente sobre a comercialização da pro-dução rural de empregadores pessoas naturais, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

(...)” (grifos nossos) (RE 596958/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 16.11.2010, DJe de 29.11.2010)

“DECISÃO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CON-TRIBUIÇÃO À SEGURIDADE SOCIAL. BASE DE CÁLCULO NÃO PREVISTA NO ART. 195 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: NECESSIDADE DE LEI COMPLE-MENTAR. JULGADO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

Relatório1. Recurso extraordinário, interposto com base no art. 102, inc. III, alínea b, da Consti-

tuição da República, contra o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:‘TRIBUTÁRIO. ART. 25, INCISOS I E II E § 1º, DA LEI Nº 8.870/94. CONTRIBUI-

ÇÃO À SEGURIDADE SOCIAL SOBRE A PRODUÇÃO RURAL. CONTRIBUINTE PESSOA JURÍDICA. INCONSTITUCIONALIDADE.

(...)2. A Egrégia Corte Especial deste Tribunal, no julgamento do incidente de inconstitu-

cionalidade na AMS nº 1999.71.00.021280-5/RS (Relator Des. Álvaro Eduardo Junqueira, pub. no DE em 06.12.2006), reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 25, caput, incisos I e II e § 1º, da Lei nº 8.870/94.’

Tem-se no voto condutor do julgado recorrido:‘A base econômica da referida exação, segundo o dispositivo supratranscrito, consiste

na receita bruta resultante da comercialização da produção rural. A ratio juris de tal artigo consiste no fato de que as empresas destinadas a tal atividade contam com reduzido quadro de empregados, de forma que a contribuição incidente sobre a folha de salários traria pouco retornoaofinanciamentodaSeguridadeSocial.

Entretanto, ao elaborar tal diploma normativo infraconstitucional, o legislador pátrio olvidou que o produtor rural pessoa jurídica se equipara à empresa, enquanto sua receita bruta resultante da comercialização da produção rural se equipara ao faturamento. Em outras palavras, o produtor rural pessoa jurídica já se encontra onerado com uma contri-buição social incidente sobre o faturamento, qual seja, a COFINS, prevista no art. 195, inc. I, alínea b, da CF.

Ocorre que a COFINS esgotou a possibilidade constitucional de instituição de contri-buição incidente sobre o faturamento. Com efeito, cumpre lembrar que o art. 195 da Cons-tituição Federal elenca, conforme é cediço, as espécies de contribuições para a seguridade social, tendo em vista as bases imponíveis (...).

Ora, o art. 195, § 4º, da Constituição Federal, ao determinar a observância do art. 154,

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I,proíbequesejainstituídamaisdeumacontribuiçãosobreomesmofatogerador’(fls.476-477 v., grifos nossos).

2. A Recorrente alega:(...)3. Razão jurídica não assiste à Recorrente.4. Este Supremo Tribunal assentou que a receita bruta proveniente da comercialização

da produção rural não se confunde com as bases de cálculo previstas no art. 195, inc. i, da Constituição da república, razão pela qual somente por lei complementar se poderia validamente exigir de produtores rurais pessoas jurídicas Contribuição à Seguridade Social incidente sobre aquela base.

Nesse sentido:‘AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTRIBUIÇÃO DEVIDA À

SEGURIDADE SOCIAL POR EMPREGADOR, PESSOA JURÍDICA, QUE SE DEDICA À PRODUÇÃO AGROINDUSTRIAL (§ 2º DO ART. 25 DA LEI Nº 8.870, DE 15.04.94, QUE ALTEROU O ART. 22 DA LEI Nº 8.212, DE 24.07.91): CRIAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO QUANTO À PARTE AGRÍCOLA DA EMPRESA, TENDO POR BASE DE CÁLCULO O VALOR ESTIMADO DA PRODUÇÃO AGRÍCOLA PRÓPRIA, CONSIDERADO O SEU PREÇO DE MERCADO. DUPLA INCONSTITUCIONALIDADE (CF, ART. 195, I E SEU § 4º). PRELIMINAR: PERTINÊNCIA TEMÁTICA.

1. Preliminar: ação direta conhecida em parte, quanto ao § 2º do art. 25 da Lei nº 8.870/94; não conhecida quanto ao caput do mesmo artigo, por falta de pertinência temática entre os objetivos da requerente e a matéria impugnada.

2. Mérito. O art. 195, I, da Constituição prevê a cobrança de contribuição social dos empregadores, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; dessa forma, quando o § 2º do art. 25 da Lei nº 8.870/94 cria contribuição social sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerado o seu preço de mercado, é ele inconstitucional porque usa uma base de cálculo não prevista na Lei Maior.

3. O § 4º do art. 195 da Constituição prevê que a lei complementar pode instituir outras fontes de receita para a seguridade social; dessa forma, quando a Lei nº 8.870/94 serve--se de outras fontes, criando contribuição nova, além das expressamente previstas, é ela inconstitucional, porque é lei ordinária, insuscetível de veicular tal matéria.

4. Ação direta julgada procedente, por maioria, para declarar a inconstitucionalidade do § 2º da Lei nº 8.870/94.’ (ADI 1.103, Redator para o acórdão o Ministro Maurício Correa, Tribunal Pleno, DJ 25.4.1997, grifos nossos)

‘CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. COMERCIALIZAÇÃO DE BOVINOS. PRODUTORES RURAIS PESSOAS NATURAIS. SUB-ROGAÇÃO. LEI Nº 8.212/91. ARTIGO 195, INCI-SO I, DA CARTA FEDERAL. PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98. UNICIDADE DE INCIDÊNCIA. EXCEÇÕES. COFINS E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. PRECEDENTE. INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. Ante o texto constitucional, não subsiste a obrigação tributária sub-rogada do adquirente, presente a venda de bovinos por produtores rurais, pessoas naturais, prevista nos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com as redações decorrentes das

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Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97. Aplicação de leis no tempo – considerações.’ (RE 363.852, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe 23.04.2010)

‘PIS E COFINS. LEI Nº 9.718/98. ENQUADRAMENTO NO INCISO I DO ARTIGO 195 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO PRIMITIVA. Enquadrado o tributo no inciso I do artigo 195 da Constituição Federal, é dispensável a disciplina mediante lei complementar. RECEITA BRUTA E FATURAMENTO – A sinonímia dos vocábulos – Ação Declaratória nº 1, Pleno, relator Ministro Moreira Alves – conduz à exclusão de aportes financeirosestranhosàatividadedesenvolvida–RecursoExtraordinárionº357.950-9/RS,Pleno, de minha relatoria.’ (RE 527.602, Redator para o acórdão o Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe 13.11.2009)

‘CONSTITUCIONAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 15, LEI 9.424/96. SALÁRIO-EDUCAÇÃO. CONTRIBUIÇÕES PARA O FUNDO DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO. DECISÕES JUDICIAIS CONTROVERTIDAS. ALEGAÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. FORMAL: LEI COMPLEMENTAR. DESNECESSIDADE. NATUREZA DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. § 5º, DO ART. 212 DA CF QUE REMETE SÓ À LEI (...). INCONSTITUCIO-NALIDADE MATERIAL: BASE DE CÁLCULO. VEDAÇÃO DO ART. 154, I, DA CF QUE NÃO ATINGE ESTA CONTRIBUIÇÃO, SOMENTE IMPOSTOS. NÃO SE TRATA DE OUTRA FONTE PARA A SEGURIDADE SOCIAL.’ (ADC 3, Rel. Min. Nelson Jobim, Tribunal Pleno, DJ 09.05.2003)

‘CONFORME JÁ ASSENTOU O STF (RREE 146733 E 138284), AS CONTRI-BUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL PODEM SER INSTITUÍDAS POR LEI ORDINÁRIA, QUANDO COMPREENDIDAS NAS HIPÓTESES DO ART. 195, I, CF, SÓ SE EXIGINDO LEI COMPLEMENTAR, QUANDO SE CUIDA DE CRIAR NOVAS FONTES DE FINANCIAMENTO DO SISTEMA (CF, ART. 195, PAR. 4º).’ (RE 150.755, Redator para o acórdão o Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, DJ 20.08.1993)

‘As contribuições do art. 195, I, II, III, da Constituição não exigem, para a sua institui-ção, lei complementar. Apenas a contribuição do § 4º do mesmo art. 195 é que exige, para a sua instituição, lei complementar, dado que essa instituição deverá observar a técnica da competência residual da União (CF, art. 195, § 4º; CF, art. 154, I).’ (RE 138.284, Rel. Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, DJ 28.08.1992)

Dessa orientação jurisprudencial não divergiu o julgado recorrido.5. Pelo exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (art. 557, caput, do Código

de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).(...)” (RE 597027/RS, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 02.12.2010, DJe-024 de 04.02.2011)

Nessatoada,ficouevidenteanecessidadedeleicomplementarcomquórumqualificadoàinstituiçãodanovafontedecusteioemdatapre-térita à Emenda Constitucional nº 20/98.

Contudo,aEmendaConstitucionalnº20/98modificouoart.195,

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inciso I, b, da Constituição Federal para acrescentar o vocábulo “receita”, passando a constar nessa alínea “a receita ou o faturamento”, ampliando, assim, a base econômica para permitir a instituição de contribuições à Seguridade Social sobre “receita ou faturamento”. Ficou patente, então, que receita e faturamento são conceitos distintos.

Em decorrência, passou-se a entender que seria desnecessária a insti-tuição da exação em comento por lei complementar, em razão da previsão constitucional da fonte de custeio (art. 195, I e § 8º), somente exigível a instituição de contribuição para a Seguridade Social por meio de tal ins-trumentonormativoparaonascimentodenovasfontesdefinanciamentoda Seguridade Social, consoante o disposto no artigo 195, § 4º, orientação embutida no RE nº 150755-PE, DJ 20.08.93. Portanto, a instituição de contribuição incidente sobre a “receita bruta proveniente da comercia-lização da produção rural” não estaria condicionada à observância da técnica da competência legislativa residual da União (art. 154, I).

Assim, em face do permissivo constitucional, passou a ser admitida a edição de lei ordinária para dispor sobre a contribuição incidente sobre a receita, conforme já assentou o STF nos REs 146733 e 138284.

Contudo, é de observar, o ajuste feito pelo constituinte derivado não é extensível ao tema concreto, assistindo razão ao eminente Ministro Marco Aurélio (STF) quando diz, calcado nos ensinamentos de Hugo de Brito Machado, em seu voto lançado no RE nº 363852/MG:

“(...)Assentou o Plenário que o § 2º do artigo 25 da Lei nº 8.870/94 fulminado ensejara fonte de

custeio sem observância do § 4º do artigo 195 da Constituição Federal, ou seja, sem a vinda à balha de lei complementar. O enfoque serve, sob o ângulo da exigência desta última, no tocante à disposição do artigo 25 da Lei nº 8.212/91. É que, mediante lei ordinária, versou--se a incidência da contribuição sobre a proveniente da comercialização pelo empregador rural, pessoa natural. Ora, como salientado no artigo de Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo, houvesse confusão, houvesse sinonímia entre o faturamento e o resultado da comercialização da produção, não haveria razão para a norma do § 8º do artigo 195 da Constituição Federal relativa ao produtor que não conta com empregados e exerça atividades em regime de economia familiar. Já estava ele alcançado pela previsão imediatamente anterior – do inciso I do art. 195 da Constituição. Também sob esse prisma, procede a irresignação, entendendo-se que comercialização da produção é algo diverso de faturamento e este não se confunde com receita, tanto assim que a Emenda Constitucional nº 20/98 inseriu, ao lado do vocábulo ‘faturamento’, no inciso I do artigo 195, o vocábulo ‘receita’. Então, não há como deixar de assentar que a nova fonte deveria estar estabelecida

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em lei complementar. O mesmo enfoque serve a rechaçar a óptica daqueles que vislumbram, no artigo 25, incisos I e II, da Lei nº 8.212/91, a majoração da alíquota alusiva à citada contribuição que está prevista na Lei Complementar nº 70/91.

(...)”

A discussão aqui travada, a respeito do alcance da decisão do egrégio Supremo Tribunal Federal no RE nº 363.852/MG, surge em decorrência daausênciademençãoexpressadasmodificaçõesintroduzidaspelaLeinº 10.256/2001 no art. 25 da Lei nº 8.212/91.

E não fez menção, porque se trata de Recurso Extraordinário oposto a acórdão do Tribunal Regional Federal de Brasília – 1ª Região –, prolatado na Apelação em Mandado de Segurança nº 1999.01.00.111378-2/MG. Esse recurso foi autuado no STF e distribuído inicialmente ao Excelen-tíssimo Min. Maurício Corrêa, em 26.11.2002, tendo por recorrente o FrigoríficoMataboiS/AerecorridaaUnião.Comovisto,aAssociaçãoautora ajuizou a ação em 1999 e não poderia projetar ou alegar inconsti-tucionalidadedeleieditadadoisanosapós.Justifica-se,pois,aausênciade pronunciamento do Supremo Tribunal Federal a respeito da Lei nº 10.256/2001, porque a inicial do mandamus postulava a inconstituciona-lidade do art. 25 da Lei nº 8.212/91, com a redação dada por legislação ulterior e vigente até a data do ajuizamento.

Todavia,vislumbrandoadeficitáriaredaçãodaLeinº10.256/2001ealimitação temporal do pedido inicial, a excelsa Corte, com o costumeiro acerto, no julgamento do RE nº 363.852/MG, declarou a inconstitu-cionalidadedamodificaçãodoart.25daLeinº8.212/91pelasLeisnº8.540/92 e 9.528/97, até que lei nova arrimada na Emenda Constitucional nº20/98 instituaacontribuiçãooumodifiquevalidamenteo referidodispositivo legal.

Apesar de já ter me pronunciado no sentido de que a Lei nº 10.256, de 10.07.2001, que deu nova redação ao art. 25 da Lei nº 8.212/91, estava arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98 e não continha nenhum vício de inconstitucionalidade – a exemplo da posição vergastada na AMS nº 2008.71.03.001569-0/RS –, revejo meu posicionamento sobre a matéria em face da rejeição pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, capitaneado pelo voto do excelentíssimo Ministro Marco Aurélio, Re-lator do RE nº 363.852/MG, do pedido da União de modular os efeitos temporais da decisão a ser exarada nesse julgado, por maioria, vencida

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a Ministra Ellen Grace.Reproduzo, por pertinente, o debate mantido entre o Relator do RE

nº 363.852/MG, Ministro Marco Aurélio, com o Ministro Sepúlveda Pertence,àsfls.15-16deseuvoto,arespeitodoalcancedesuadecisão,a saber:

“(...)O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – O que está previsto no

art. 25 da Lei nº 8.212/91, nesses dispositivos a que aludi:Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição

de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectiva-mente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:

I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;(...)O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – Não há dúvida de que Vossa

Excelência está declarando a norma inconstitucional.O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Sim.(...).”

Ocorre que a composição literal do art. 25 da Lei nº 8.212/91, de-clarada inconstitucional pelo excelentíssimo Ministro Marco Aurélio, é aquela dada justamente pela Lei nº 10.256/2001, que operou metamorfose profunda somente no caput e nada referiu a respeito dos incisos I e II desse dispositivo legal, acrescentados pelas Leis nos 8.540/92 e 9.528/97. Também cabe registrar que o Ministro Cesar Peluso fez expressa menção aessaleinanotaderodapénº2deseuvoto,àfl.736.

Portanto,pensoeu,salvomelhorjuízo,adecisãofinaldojulgamen-to do RE nº 363.852/MG considerou, implícita e desenganadamente, a redação dada pela Lei nº 10.256/2001 ao art. 25 da Lei nº 8.212/91, sinalizando a antinomia com princípios constitucionais explícitos – iso-nomia e o repúdio à bitributação – apesar de não fazer a ela expressa menção, pelos motivos acima sublinhados, até porque, no cogitado apelo extremo, a ruptura constitucional declarada foi radical. A lei natimorta foi expulsa do ordenamento jurídico na integralidade, inclusive pelo desuso da técnica de redução de texto.

Vejo o desfecho do voto externado pelo Ministro Relator:“Ante esses aspectos, conheço e provejo o recurso interposto para desobrigar os recor-

rentes da retenção e do recolhimento da contribuição social ou do seu recolhimento por

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sub-rogação sobre a ‘receita bruta proveniente da comercialização da produção rural’ de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate, declarando a inconsti-tucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com redação atualizada até Lei nº 9.528/97, até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição, tudo na forma do pedido inicial, invertidos os ônus da sucumbência (folha 600).”

Realço em especial a ofensa expressamente declarada ao art. 25, I e II, da Lei nº 8.212/91, na berlinda, no caso concreto, extirpados do mundo jurídico, pois genetizados em desacerto com a Carta Política.

De conseguinte, fosse desiderato do exegeta constitucional último limitar o espectro da ofensa à Constituição, usaria da técnica prefalada, declarando parcial a violação da espinha dorsal do ordenamento jurídico e abstrairia do texto legal a parcela literal maculada, aparando o excesso cometido pelo legislador ordinário, inclusive no tocante ao art. 12, V, da Lei nº 8.212/91.

Vejamos a evolução legislativa, para melhor esclarecimento.A Lei de Custeio da Previdência Social regulamentou o art. 195, §

8º, da Constituição Federal, por meio do art. 25, cuja redação original tem o seguinte teor:

“Art. 25. Contribui com 3% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção o segurado especial referido no inciso VII do art. 12.”

Anoto, de substancial, neste limiar legiferante, a sujeição passiva se direcionavaúnicaeexclusivamenteaoseguradoespecialdefinidonoinciso VII do art. 12 da Lei nº 8.212/91, por força do art. 195, § 8º, da CF/88, ou seja, o produtor individual, em regime de economia familiar, sem empregados.

ALeinº8.540/92modificouaredaçãooriginaldocaput desse dis-positivo legal para também eleger como contribuinte dessa exação o segurado obrigatório, contribuinte individual, com empregado, elencado na alínea a do inciso V do art. 12 e acrescentou-lhe os incisos I e II. Em compensação, ante a previsão de maior arrecadação pela inclusão de mais um contribuinte reduziu a alíquota de 3% para 2%. O art. 25 da Lei nº 8.212/91 passou, então, a ostentar o seguinte teor:

“Art. 25. A contribuição da pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamen-te, na alínea a do inc. V e no inc. VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:

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I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;II – um décimo por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua pro-

duçãoparafinanciamentodecomplementaçãodasprestaçõesporacidentedetrabalho.”

Novamente o art. 25 da Lei nº 8.212/91 foi alterado pela Lei nº 9.528/97, para esclarecer que a pessoa física contribuinte antes referida era o produtor rural pessoa física, nas seguintes letras:

“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física e do segurado especial re-feridos, respectivamente, na alínea a do inc. V e no inc. VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:

I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;II–0,1%dareceitabrutaprovenientedacomercializaçãodasuaproduçãoparafinan-

ciamento das prestações por acidente de trabalho.” (grifei)

O caput do dispositivo legal em comento também foi alterado pela Lei nº 10.256, de 09 de julho de 2001, apenas para esclarecer que a contribuição sobre a produção rural substituía a contribuição sobre a folha de salários, prevista no art. 22, I e II, da Lei de Custeio, posto que as duas últimas alterações legislativas não esclareciam que se tratava de substituição,enãodecumulação,eassimficouredigido:

“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à con-tribuição de que tratam os incisos i e ii do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:

I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;II–0,1%dareceitabrutaprovenientedacomercializaçãodasuaproduçãoparafinan-

ciamento das prestações por acidente de trabalho.” (grifei)

Uma vez afastada, em relação ao empregador rural pessoa física, por inconstitucionalidade,amodificaçãodadapelasLeis8.540/92e9.528/97ao art. 25 da Lei nº 8.212/91, a redação original desse dispositivo legal passa a contar apenas com a redação eleita pela Lei nº 10.256/2001, que modificaapenasocaput, uma vez que os incisos I e II foram acrescen-tados pela Lei nº 8.540/92 e devem ser riscados em razão da declaração de inconstitucionalidade, após Resolução do Senado Federal.

A se manter a redação dada pela Lei nº 10.256/2001 ao art. 25 da Lei nº8.212/91,diferentementedaredaçãooriginal,nãoficadefinidaabasede cálculo (receita bruta), o fato gerador (comercialização da produção rural) e a alíquota (2%, originalmente estipulada em 3%). Ou seja, não

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dimensiona ou mensura o tributo a ser recolhido, limitando-se a indicar a sujeição passiva e o caráter substitutivo.

É fácil perceber, assim, que o art. 25 da Lei de Custeio passa a contar apenas com o caput, que termina em dois pontos e necessita de inso-fismável complementaçãopara estipular, validamente, a contribuiçãoguerreada, que constituem conditio sine qua nonàeficáciadeincidênciada exceção, porquanto elementos dimensionantes, alíquota, fato gerador do tributo e base econômica (signo de riqueza), trinômio básico à inci-dência válida, pena inviabilidade do recolhimento diante da ignorância do quantumaserpago,ficandocomaseguinteredaçãotruncada:

“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à con-tribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: (...)”

Nesse caso, a arrecadação tributária da União será duplamente atin-gida, pois não terá nem mesmo base legal para continuar exigindo a contribuição previdenciária dos segurados especiais pessoas naturais que exercem suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, apontados no inciso VII do art. 12 da Lei de Custeio.

Debaixodeângulodiverso,oprodutorruralpessoafísica,identificadocomo contribuinte individual no art. 12, V, a, da Lei nº 8.212/91, quando empregador, é equiparado a empresa pelo parágrafo único do art. 15 da mesma lei, e sua contribuição teria por base a folha de salários, na forma prevista no art. 22, I e II, da Lei de Custeio, e eventual subsistên-cia da norma afetada pela mácula geraria a possibilidade de incidência dupla sobre a mesma base econômica, ignorando por completo zona de incompetência do Estado a incidir sobre os Membros da Federação, as denominadas limitações ao poder tributante, a saber, bitributação e isonomia tributária.

Confira-se, a propósito, parte dovotodo excelentíssimoMinistroMarco Aurélio, no RE nº 363.852/MG, esclarecendo que o produtor rural pessoa física empregador é equiparado a empresa e, nessa condi-ção,estásujeito,aoalvedriodaUnião,aorecolhimentodaCofinseacontribuição sobre a folha de salários, migrada inconstitucionalmente à produção rural, encerrando injusta, repiso, bitributação sobre a mesma base de cálculo – a comercialização da produção rural –, também fere o R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011 431

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princípio da isonomia:“A regra, dada a previsão da alínea b do inciso I do referido artigo 195, é a incidência

dacontribuiçãosocialsobreofaturamento,parafinanciaraseguridadesocialinstituídapelaLei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, a obrigar não só as pessoas jurídicas, como também aquelas a ela equiparadas pela legislação do imposto sobre a renda – artigo 1º da citada lei complementar. Já aqui surge duplicidade contrária à Carta da república, no que, conforme o artigo 25, incisos i e ii, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, o produtor rural passou a estar compelido a duplo recolhimento, com a mesma destinação, ou seja, o financiamento da seguridade social – recolhe, a partir do disposto no artigo 195, inciso I, alínea b,aCofinseacontribuiçãoprevistanoreferidoartigo25.Valefrisarque,no artigo 195, tem-se contemplada situação única em que o produtor rural contribui para a seguridade social mediante a aplicação de alíquota sobre o resultado de comercialização da produção, ante o disposto no § 8º do citado artigo 195 – a revelar que, em se tratando de produtor, parceiro, meeiro e arrendatários rurais e pescador artesanal, bem como dos respectivos cônjuges que exerçam atividades em regime de economia familiar, sem em-pregados permanentes, dá-se a contribuição para a seguridade social por meio de aplicação de alíquota sobre o resultado da comercialização da produção. A razão do preceito é única: não se ter, quanto aos nele referidos, a base para a contribuição estabelecida na alínea a do inciso I do artigo 195 da Carta, isto é, a folha de salários. Daí a cláusula contida no § 8º em análise ‘(...) sem empregados permanentes (...)’.

Forçoso é concluir que, no caso de produtor rural, embora pessoa natural, que tenha empregados, incide a previsão relativa ao recolhimento sobre o valor da folha de salários. ÉderessaltarqueaLeinº8.212/91defineempresacomoafirmaindividualousociedadequeassumeoriscodeatividadeeconômicaurbanaourural,comfinslucrativos,ounão,bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional – inciso I do artigo 15. Então, o produtor rural, pessoa natural, fica compelido a satisfazer, de um lado, a contribuição sobre a folha de salários e, de outro, a Cofins, não havendo lugar para ter-se novo ônus, relativamente ao financiamento da seguridade social, isso a partir de valor alusivo à venda de bovinos. Cumpre ter presente, até mesmo, a regra do inciso II do artigo 150 da Constituição Federal, no que veda instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. De acordo com o artigo 195, §8º,doDiplomaMaior,seoprodutornãopossuiempregados,ficacompelido,inexistentea base de incidência da contribuição – a folha de salários – a recolher percentual sobre o resultado da comercialização da produção. Se, ao contrário, conta com empregados, estará obrigado não só ao recolhimento sobre a folha de salários, como também, levando em conta o faturamento, da Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social – CoFinS e da prevista – tomada a mesma base de incidência, o valor comercializado – no artigo 25 da Lei nº 8.212/91.Assim,nãofossesuficienteaduplicidade,consideradoofaturamento,tem-se, ainda, a quebra da isonomia.” (grifo nosso)

Nesse percorrer, a declaração de inconstitucionalidade proclamada

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no RE nº 363.852/MG, salvo melhor juízo, aparentemente foi integral, incluindo os incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.212/91, inseridos pela Lei nº 8.540/92, com a redação atualizada pela Lei nº 9.528/97. Não ocorreu a declaração parcial com supressão de texto – empregador rural pessoa física –, levando a crer que o guardião constitucional afastou de todo, do mundo jurídico, o dispositivo legal, caput e incisos, na redação dada por essas duas leis.

Com efeito, a Lei nº 10.256/2001 não elegeu ou estipulou o binômio base de cálculo/fato gerador, nemdefiniu alíquota.Nasceu capenga,natimorta, pois somente à lei válida perante a Constituição, rígida que é a Carta de 1988, cabe eleger esses elementos dimensionantes do tributo, no caso lei ordinária, conforme art. 9º, I, e 97, III e IV, ambos do CTN, art. 150, I, e 195, caput e inciso I, b, ambos da Carta Política.

E não há como ressuscitar ou dar sobrevida a dispositivo infraconstitu-cional declarado inválido, porque contraria a ordem natural da hierarquia constitucional (ordem natural das coisas no mundo jurídico), contrariando a rigidez da Carta Magna, pena de transmutação por ato legislativo infe-rior. E, por ocasião do édito nº 10.256/2001, as Leis 8.540/92 e 9.528/97 eraminconstitucionaisfrenteaosfiliadosdaAssociaçãoautora.

As alterações introduzidas em data posterior à vigência da Lei nº 10.256/2001 no inciso VII do art. 12 da Lei nº 8.212/91 não serão men-cionadas porque desimportam ao deslinde da controvérsia judicial posta nestes autos, motivo pelo qual deixo de formular juízo de valor a respeito das alterações promovidas pelo art. 9º da Lei nº 11.718/2008 no art. 12, incisos V e VII, da Lei nº 8.212/91.

Cabe esclarecer que o § 8º do art. 195 da Constituição Federal encontra razão de existir justamente porque o produtor rural pessoa física, sem empregados permanentes, em regime de economia familiar, não elabora folha de salários, mas há a necessidade de incluí-lo como contribuinte para o custeio da Seguridade Social, cuja redação é a seguinte:

“§ 8º – O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro e o pesca-dor artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.”

A Emenda Constitucional nº 20/98 alterou a redação do § 8º do art. 195

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da Constituição, tão somente para excluir a expressão “garimpeiro”, na esteira da Lei nº 8.398/92, mantendo, no mais, a mesma redação, a saber:

“§ 8º – O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.”

Derradeiramente, de curial importância, cabe lembrar que o art. 1º da Lei nº 10.256/2001 introduziu na Lei de Custeio o art. 22A, que de-terminou a substituição da contribuição social sobre a folha de salários da agroindústria pela comercialização da produção rural, cujo incidente de inconstitucionalidade foi rejeitado, por maioria, na ARGINC nº 2006.70.11.000309-7, de minha relatoria, Relatora para o acórdão a emi-nente Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler; o art. 22B, que substituiu, nosmesmosmoldes,acontribuiçãodevidapeloconsórciosimplificadodeprodutoresrurais;oart.25A,queequiparouoconsórciosimplifica-dodeprodutoresruraisaempregadorruralpessoafísica;modificouoart. 25 da Lei nº 8.870/94, também para operar idêntica substituição na contribuição social devida pelo empregador rural pessoa jurídica, cuja inconstitucionalidade foi declarada pela Corte Especial desta Casa, por maioria, na ARGINC nº 1999.71.00.021280-5/RS, de minha relatoria.

De outras bandas, é mister trazer à tona o norte da sujeição passi-va da relação jurígeno-tributária englobada nos precedentes da Corte Constitucional, porquanto, denoto da própria conclusão do voto do Ministro Marco Aurélio, em cotejo com o acórdão prolatado no RE nº 363852/MG, a decisão é direcionada expressamente aos empregadores pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate. Porém, repriso, a declaração proclamada na via difusa, indireta, foi sem redução de texto, pairando dúvida sobre a perenização da contribuição com referência ao segurado especial.

Segundo Ives Gandra Martins e Gilmar Ferreira Mendes – Controle Concentrado de Constitucionalidade, 3. ed., p. 452 e ss:

“A doutrina e a jurisprudência brasileiras admitem plenamente a teoria da divisibili-dade da lei, de modo que, tal como assente, o Tribunal somente deve proferir a nulidade daquelas normas viciadas, não devendo estender o juízo de censura às outras partes da lei, salvoseelasnãopuderemsubsistirdeformaautônoma.Faz-semister,portanto,verificar

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se estão presentes as condições objetivas de divisibilidade. Para isso, impõe-se aferir o grau de dependência entre os dispositivos, isto é, examinar se as disposições estão em re-laçãodevinculaçãoqueimpediriaasuadivisibilidade.Nãoseafigurasuficiente,todavia,aexistênciadessascondiçõesobjetivasdedivisibilidade.Impõe-severificar,igualmente,se a norma que há de subsistir após a declaração de nulidade parcial corresponderia à von-tade do legislador. Portanto, devem ser investigadas não só a existência de uma relação de dependência (unilateral ou recíproca), mas também a possibilidade de intervenção no âmbito da vontade do legislador.

No exame sobre a vontade do legislador assume peculiar relevo a dimensão e o signi-ficadodaintervençãoqueresultarádadeclaraçãodenulidade.Seadeclaraçãodenulidadetiver como consequência a criação de uma nova lei que não corresponda às concepções queinspiraramolegislador,afigura-seinevitáveladeclaraçãodenulidadedetodaalei.”

E mais adiante:“Jáem1949identificaraLucioBittencourtoscasosdeinconstitucionalidadedaaplicação

a determinado grupo de pessoas ou situações como hipótese de nulidade parcial.Nesse sentido ensinava o emérito constitucionalista:‘Ainda no que tange à constitucionalidade parcial, vale considerar a situação paralela

em que uma lei pode ser válida em relação a certo número de casos ou pessoas e inválida em relação a outros. É a hipótese, verbi gratia, de certos diplomas redigidos em linguagem ampla e que se consideram inaplicáveis a fatos pretéritos, embora perfeitamente válidos em relação às situações futuras. Da mesma forma, a lei que estabelece, entre nós, sem qualquer distinção, a obrigatoriedade do pagamento de imposto de renda, incluindo na incidência deste os proventos de qualquer natureza, seria inconstitucional no que tange à remuneração dos jornalistas e professores’.”

Adentro a esse aspecto para extrair do cotejo entre o teor do voto e do acórdão do Ministro Marco Aurélio e da doutrina precitada a in-transponível dúvida gerada por zona nebulosa de índole interpretativa. Será que o Supremo Tribunal Federal implicitamente teria declarado a inconstitucionalidade com redução de texto para extirpar, do caput do art.25daLeinº8.212/91,afiguradoprodutorruralpessoafísica–em-pregador ou não? Inclusive, trago este dado para debate neste Plenário.

Enquadrado em regras exegéticas, creio que a declaração foi com redução de texto, embora não expressa, haja vista a presunção de legiti-midade da lei e em conciliação com o artigo 194, inciso I, e 195, caput, da Constituição Federal, pois não há que se olvidar da universalidade dacoberturaedoatendimentoedaobrigatoriedadedofinanciamentoda Seguridade Social por todos os cidadãos possuidores de signo de riquezaparaproveroscofresespecíficos.Princípiosgenéricoseabs-

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tratos, pinçados a partir da simples leitura da Carta Política induzindo a imprescindibilidade da Seguridade Social ser custeada também pelo segurado especial.

Por esse prisma, tenho que a contribuição remanesce com rela-ção ao segurado especial, tão somente nos termos inscritos na Lei nº 10.256/2001, e a presente declaração de inconstitucionalidade é feita com redução de texto para abstrair a seguinte parte do art. 25 da Lei nº 8.212/91 (empregador rural pessoa física em substituição de que tratam os incisos i e ii do art. 22 e a da alínea a do inciso V), perenizado o seguinte texto:

“Art. 25. A contribuição do segurado especial referido, respectivamente, no inciso VII do art. 12 desta lei, destinada à seguridade social é de:

I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;II–0,1%dareceitabrutaprovenientedacomercializaçãodasuaproduçãoparaofinan-

ciamento de complementação das prestações por acidente de trabalho.”

De bom alvitre consignar, nesta situação, não há bitributação com relação ao segurado especial, subsistindo a violação à isonomia tributária e à vedação à bitributação com relação à autora.

Derradeiramente,esclareço,ficocircunscritoao temanarradosemdesbordar dos limites objetivos traçados na arguição de inconstitucio-nalidade “sub ocullis”.

ante o exposto, voto por acolher parcialmente a arguição e declarar a inconstitucionalidade parcial do artigo 1º da Lei nº 10.256/2001, com redução de texto, na parte que modifica o caput do artigo 25 da Lei nº 8.212/91, por afronta à princípios insculpidos na Constituição Federal.

Voto

o exmo. Sr. des. Federal Luís alberto d’azevedo aurvalle: Confor-me bem salientado pelo E. Relator, é incontroverso que “o Plenário do Supremo Tribunal Federal (RE 363.852/MG) declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova reda-ção aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada pela Lei nº 9.528/97, até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição, desobrigando os recorrentes da retenção e do recolhimento da contribuição social ou do recolhimento por sub-rogação

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sobre a ‘receita bruta proveniente da comercialização da produção rural’ de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate”.

Tendoocorridoamodificaçãodocaput do art. 25 da Lei n° 8.212, por intermédio da Lei nº 10.256 – posterior, portanto, à Emenda nº 20/98 –, poder-se-ia, em princípio, admitir a reintrodução de tal contribuição no ordenamento jurídico, sem qualquer jaça de inconstitucionalidade. Entretanto, para tanto, seria preciso admitir a possibilidade jurídica da constitucionalidade superveniente, a qual é igualmente rechaçada pelo Pretório Excelso. Nascida inconstitucional a lei, não pode ela ressuscitar, por força de lei superveniente, no berço da constitucionalidade:

“CONSTITUIÇÃO. LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE. REVOGAÇÃO. IN-CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE. IMPOSSIBILIDADE. 1. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é cons-titucionalquandofielàConstituição; inconstitucionalnamedidaemqueadesrespeita,dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leisanteriorescomelaconflitantes: revoga-as.Pelofatodesersuperior,aConstituiçãonão deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que aleiordinária.2.ReafirmaçãodaantigajurisprudênciadoSTF,maisquecinquentenária.3. Ação direta de que se não conhece por impossibilidade jurídica do pedido.” (Rel. Min. Paulo Brossard, DJ 21.11.97)

A este respeito, claríssimas as palavras de Fellipe Vasques:“Sendoassim, se aLei8.540desafiavaaConstituiçãovigentenomomentode sua

promulgação, essa lei é e sempre será inconstitucional. Efeito disso é que suas disposições são nulas e devem ser consideradas como se nunca tivessem existido. Nesse sentido, é in-sustentável o argumento de que, com a alteração promovida pela Lei 10.256 na cabeça do artigo 25 da Lei 8.212, os incisos desse artigo devem ser considerados novos com redações coincidentes, porque, uma vez que a redação foi dada por uma lei inconstitucional, essa redação não existe. Entender de modo diverso implica admitir a coincidência de coisas inexistentes. Releva destacar que a redação não existia antes da Lei 10.256 e continuou a não existir após o advento dessa lei, já que ela nada dispôs sobre os incisos. Portanto, por nada ter disposto acerca de base de cálculo e alíquota, a Lei 10.256 perdeu oportunidade de impor uma contribuição a cargo do produtor rural pessoa física em consonância com a Constituição Federal de 1988.” (Mudança do Funrural não impôs nova contribuição, in Consultor Jurídico, 10.09.2010)

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Assim, cumprimentando o E. Relator pela excelência do voto lançado, acompanho-o integralmente.

ante o exposto, voto por acolher parcialmente a arguição e declarar a inconstitucionalidade parcial do art. 1º da Lei nº 10.256/01, com redução de texto, na parte que modifica o caput do art. 25 da Lei nº 8.212/91.

Voto-ViSta

o exmo. Sr. des. Federal rômulo Pizzolatti: Em sua redação original, o texto do art. 25 da Lei nº 8.212, de 1991 (LCPS), estabelecia apenas a contribuição social devida à Seguridade Social pelo segurado especial, na alíquota de 3% sobre a comercialização da sua produção, tudo com fundamento no § 8º do art. 195 da Constituição Federal:

“O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais (...), que exerçam suas ativi-dades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.”

A Lei nº 8.540, de 1992, por seu artigo 1º, alterou a redação do art. 25 da LCPS para incluir novo sujeito passivo dessa contribuição, ao lado do segurado especial, ou seja, o empregador rural pessoa física, talcomodefinidopelamesmalei,quemodificoutambémoart.12daLCPS, passando esses dispositivos a ter a seguinte redação:

“art. 12 (...)V – (...)a) a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade agropecuária ou pesqueira,

em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos e com auxílio de empregados, utilizados a qualquer título, ainda que de forma não contínua.”“art. 25. A contribuição da pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente,

na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta lei, destinada à Seguridade Social, é de:i – dois por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;ii – um décimo por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua pro-

duçãoparafinanciamentodecomplementaçãodasprestaçõesporacidentedetrabalho.”

No julgamento do recurso extraordinário (re) nº 363.852-MG, in-terpostoporFrigoríficoMataboiS/AcontraaUnião,oSupremoTribunalFederal (STF), em controle difuso de constitucionalidade, reconheceu a inconstitucionalidade do “art. 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº

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8.212/91, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97”, para efeito de “desobrigar o recorrente da retenção e do recolhimento da contribuição so-cial ou do recolhimento por sub-rogação sobre a ‘receita bruta proveniente da comercialização da produção rural’ de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate” (julgamento iniciado em 17.11.2005, retomado em 30.11.2006 e concluído em 03.02.2010).

O fundamento da declaração de inconstitucionalidade da obrigação ins-tituída pela Lei nº 8.540, de 1992, para o empregador rural pessoa física foi que mera lei ordinária, sob a vigência do texto constitucional anterior à Emenda Constitucional (EC) nº 20, de 1998, não o sujeitava a uma contribui-ção social à Seguridade Social incidente sobre a receita, base imponível que só veio a ser prevista no texto da Constituição com a EC nº 20, de 1998 (art. 195, I, b), demandando-se, antes disso, lei complementar. Por essa razão, do acórdãoconstouqueficavaaparterecorrentedesobrigadadacontribuiçãosocial a que submetida pelo art. 1º da Lei nº 8.540, de 1992, com a atualiza-ção da Lei nº 9.528, de 1997, “até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição”.

Ocorre que, depois de ajuizada a demanda na qual interposto o RE nº 363.852-MG, veio a União, por meio da Lei nº 10.256, de 2001, já sob a vigência da eC nº 20, de 1998, a alterar novamente o art. 25 da LCPS, que passou a ter a seguinte redação:

“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à con-tribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:

(...)”

Como visto, a Lei nº 10.256, de 2001, não tocou no texto dos incisos I e II do artigo 25 da LCPS, na redação da Lei 8.540, de 1992, atualiza-dapelaLeinº9.528,de1997,razãopelaqualficoumantidaabasedecálculo e a alíquota da contribuição.

Desse modo, tem-se que, a partir da publicação da Lei nº 10.256, de 2001, o empregador rural pessoa física passou, por força do caput do art. 25 da mesma lei, e com base no art. 195, I, b, da Constituição Fede-ral[“art. 195.Aseguridadesocialseráfinanciada(...),edasseguintescontribuições sociais: i – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e

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demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita e o faturamento; c)olucro(...)”],acontribuirparaaSeguridadeSocial pela receita bruta da comercialização de sua produção, tal como o segurado especial, satisfeita, pois, a condição indicada no acórdão do re nº 363.852-MG para sua exigência.

Com a nova lei, o empregador rural pessoa física praticamente foi equiparado ao contribuinte rural posicionado em nível inferior na pirâ-mide econômica, isto é, o produtor rural que trabalha individualmente ou com o auxílio da família, sem empregados (segurado especial). Ambos contribuem com a mesma alíquota sobre a comercialização da produção rural, com a diferença de que o primeiro deve ainda contribuir, obriga-toriamente, na qualidade de “contribuinte individual”, no montante de 20% sobre o salário de contribuição declarado, enquanto o segundo está dispensado de tal recolhimento, mas, em compensação, não receberá benefício previdenciário superior a um salário mínimo, a não ser que contribua facultativamente, como contribuinte individual.

Como se vê, a Lei nº 10.256, de 2001, antes favoreceu do que pre-judicou o empregador rural pessoa física, visto que foi desobrigado da contribuição sobre a folha de salários e passou a contribuir, como o segurado especial, sobre a comercialização da produção rural.

Não procede, a meu ver, a objeção à constitucionalidade da contri-buição do empregador rural pessoa física, instituída pela Lei nº 10.256, de 2001, a pretexto de que o STF declarou a inconstitucionalidade dos incisos I e II do art. 25 da Lei LCPS, na redação da Lei nº 8.540, de 1992, atualizada pela Lei nº 9.528, de 1997, de modo que faltaria base de cálculo e alíquota à nova contribuição, por não constarem da nova redação do caput do art. 25 da LCPS, dada pela Lei nº 10.256, de 2001.

É que a declaração de inconstitucionalidade no julgamento do RE 363.852-MG:

(a) não atingiu o texto mesmo dos incisos I e II do art. 25 da LCPS, com a redação da Lei nº 8.540, de 1992, mas apenas a norma dirigida ao empregador rural pessoa física antes da eC nº 20, de 1998, sem afetar a norma dirigida ao segurado especial, ou seja, houve somente decla-ração de inconstitucionalidade parcial da Lei nº 8.540, de 1992, mais exatamente de parte do caput do art. 25 da LCPS, com a redação da Lei

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nº 8.540, de 1992, de sorte que os referidos incisos não foram retirados do ordenamento jurídico; e

(b) tratou-se de declaração no âmbito do controle difuso da constitucio-nalidade,quenãotemeficáciageralsenãomedianteresoluçãosuspensivada execução da lei pelo Senado Federal (Const. Federal, art. 52, X).

A entender-se que o STF, no julgamento do RE nº 363.856-MG, de-clarou a inconstitucionalidade do próprio texto dos incisos I e II do art. 25daLCPS,comeficáciaerga omnes, ter-se-ia a consequência ilógica de ficardesobrigadodecontribuiçãoàSeguridadeSocialoprópriosegurado especial, o que nem sequer constituiu objeto do julgamento, limitado que foi à obrigação do empregador rural pessoa física.

Parece-me que o eminente relator deste incidente de inconstitucionali-dade(vejam-seasfls.13e14doseuvoto),paraentenderdiferentementedo que vem de ser exposto, foi induzido em equívoco pela menção inde-vida do texto do art. 25 da LCPS, alterado pela Lei nº 10.256, de 2001, no debate travado entre o relator do RE nº 363.856-MG, Min. Marco Aurélio,eoMin.SepúlvedaPertence(fl.750doREnº363.852-1-MG).Nãohádúvidadequefoiequivocadaessamenção,porque,nafl.6doseuvoto(fl.708doREnº363.852-1-MG),oMin.MarcoAuréliotranscrevefielmenteanormaimpugnada,ouseja,oart.25daLCPS,alteradopelaLei nº 8.540, de 1992.

Em síntese, o que fez a Lei nº 10.256, de 2001, foi instituir contribuição social devida pelo empregador rural pessoa física idêntica à contribuição devida pelo segurado especial, tal como se tivesse simplesmente dito: “A partir de agora, o contribuinte empregador rural pessoa física é sujeito passivo de contribuição social idêntica à atualmente devida pelo segurado especial, conforme o art. 25 da Lei nº 8.212, de 1991”. Não o fez desse jeito, evidentemente, porque diferente é a técnica de redação das leis.

É certo que o novo contribuinte (empregador rural pessoa física), desonerado embora da antiga contribuição sobre a folha de salários, tampouco quer pagar a nova contribuição, sobre a comercialização de sua produção, e para tanto investe contra a Lei nº 10.256, de 2001, alegando queé“truncada”,“capenga”,“natimorta”,“cabeça-sem-corpo”,enfim,que não é lei clara quanto aos elementos da nova obrigação contributiva. Mas,comobemobservouojusfilósofoLuísAlbertoWarat,“La claridad linguística es la consecuencia de la coincidencia valorativa”, o que

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significadizerqueumtextodeleidificilmentepareceráclaroaosolhosdo intérprete cuja opinião ele contraria.

Ante o exposto, voto por rejeitar a arguição de inconstitucionalidade.

Voto-ViSta

o exmo. Sr. des. Federal Carlos eduardo thompson Flores Lenz: Sr. Presidente:

in casu,afiguram-se-meirrefutáveisasconsideraçõesdesenvolvidaspeloeminenteDes.FederalRômuloPizzolatti,àsfls.495-497,verbis:

“Em sua redação original, o texto do art. 25 da Lei nº 8.212, de 1991 (LCPS), estabe-lecia apenas a contribuição social devida à Seguridade Social pelo segurado especial, na alíquota de 3% sobre a comercialização da sua produção, tudo com fundamento no § 8º do art. 195 da Constituição Federal:

‘O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatários rurais (...), que exerçam suas ativi-dades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.’

A Lei nº 8.540, de 1992, por seu artigo 1º, alterou a redação do art. 25 da LCPS para incluir instituir novo sujeito passivo dessa contribuição, ao lado do segurado especial, ou seja, o empregador rural pessoa física,talcomodefinidopelamesmalei,quemodificoutambém o art. 12 da LCPS, passando esses dispositivos a ter a seguinte redação:

‘art. 12 (...)V – (...)a) a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade agropecuária ou pesqueira,

em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos e com auxílio de empregados, utilizados a qualquer título, ainda que de forma não contínua.’

‘art. 25. A contribuição da pessoa física e do segurado especial referidos, respectiva-mente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta lei, destinada à Seguridade Social, é de:

i – dois por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;ii – um décimo por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua pro-

duçãoparafinanciamentodecomplementaçãodasprestaçõesporacidentedetrabalho.’No julgamento do recurso extraordinário (re) nº 363.852-MG, interposto por Frigo-

ríficoMataboiS/AcontraaUnião,oSupremoTribunalFederal(STF),em controle difuso de constitucionalidade, reconheceu a inconstitucionalidade do ‘art. 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97’, para efeito de ‘desobrigar o recorrente da retenção e do recolhimento da contribuição social ou do recolhimento por sub-rogação sobre a ‘receita bruta proveniente da comercialização da produção rural’ de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate’ (julgamento iniciado

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em 17.11.2005, retomado em 30.11.2006 e concluído em 03.02.2010).O fundamento da declaração de inconstitucionalidade da obrigação instituída pela Lei

nº 8.540, de 1992, para o empregador rural pessoa física foi que mera lei ordinária, sob a vigência do texto constitucional anterior à Emenda Constitucional (EC) nº 20, de 1998, não o sujeitava a uma contribuição social à Seguridade Social incidente sobre a receita, base imponível que só veio a ser prevista no texto da Constituição com a EC nº 20, de 1998 (art. 195, I, b), demandando-se, antes disso, lei complementar. Por essa razão, do acórdão constou queficavaaparterecorrentedesobrigadadacontribuiçãosocialaquesubmetidapeloart.1º da Lei nº 8.540, de 1992, com a atualização da Lei nº 9.528, de 1997, ‘até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição’.

Ocorre que, depois de ajuizada a demanda na qual interposto o RE nº 363.852-MG, veio a União, por meio da Lei nº 10.256, de 2001, já sob a vigência da eC nº 20, de 1998, a alterar novamente o art. 25 da LCPS, que passou a ter a seguinte redação:

‘Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à con-tribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:

(...)’Como visto, a Lei nº 10.256, de 2001, não tocou no texto dos incisos I e II do artigo 25

da LCPS, na redação da Lei 8.540, de 1992, atualizada pela Lei nº 9.528, de 1997, razão pelaqualficoumantidaabasedecálculoeaalíquotadacontribuição.

Desse modo, tem-se que, a partir da publicação da Lei nº 10.256, de 2001, o emprega-dor rural pessoa física passou, por força do caput do art. 25 da mesma lei, e com base no art. 195, I, b,daConstituiçãoFederal[‘art. 195.Aseguridadesocialseráfinanciada(...),e das seguintes contribuições sociais: i – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita e o faturamento; c)olucro(...)’],acontribuirpara a Seguridade Social pela receita bruta da comercialização de sua produção, tal como o segurado especial, satisfeita, pois, a condição indicada no acórdão do re nº 363.852-MG para sua exigência.

Com a nova lei, o empregador rural pessoa física praticamente foi equiparado ao con-tribuinte rural posicionado em nível inferior na pirâmide econômica, isto é, o produtor rural que trabalha individualmente ou com o auxílio da família, sem empregados (segurado especial). Ambos contribuem com a mesma alíquota sobre a comercialização da produção rural, com a diferença de que o primeiro deve ainda contribuir, obrigatoriamente, na qua-lidade de ‘contribuinte individual’, no montante de 20% sobre o salário de contribuição declarado, enquanto o segundo está dispensado de tal recolhimento, mas, em compensação, não receberá benefício previdenciário superior a um salário mínimo, a não ser que contribua facultativamente, como contribuinte individual.

Como se vê, a Lei nº 10.256, de 2001, antes favoreceu do que prejudicou o empregador rural pessoa física, visto que foi desobrigado da contribuição sobre a folha de salários e

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passou a contribuir, como o segurado especial, sobre a comercialização da produção rural.Não procede, a meu ver, a objeção à constitucionalidade da contribuição do empregador

rural pessoa física, instituída pela Lei nº 10.256, de 2001, a pretexto de que o STF decla-rou a inconstitucionalidade dos incisos I e II do art. 25 da Lei LCPS, na redação da Lei nº 8.540, de 1992, atualizada pela Lei nº 9.528, de 1997, de modo que faltaria base de cálculo e alíquota à nova contribuição, por não constarem da nova redação do caput do art. 25 da LCPS, dada pela Lei nº 10.256, de 2001.

É que a declaração de inconstitucionalidade no julgamento do RE 363.852-MG:(a) não atingiu o texto mesmo dos incisos I e II do art. 25 da LCPS, com a redação da Lei

nº 8.540, de 1992, mas apenas a norma dirigida ao empregador rural pessoa física antes da eC nº 20, de 1998, sem afetar a norma dirigida ao segurado especial, ou seja, houve somente declaração de inconstitucionalidade parcial da Lei nº 8.540, de 1992, mais exatamente de parte do caput do art. 25 da LCPS, com a redação da Lei nº 8.540, de 1992, de sorte que os referidos incisos não foram retirados do ordenamento jurídico; e

(b) tratou-se de declaração no âmbito do controle difuso da constitucionalidade, que nãotemeficáciageralsenãomedianteresoluçãosuspensivadaexecuçãodaleipeloSenadoFederal (Const. Federal, art. 52, X).

A entender-se que o STF, no julgamento do RE nº 363.856-MG, declarou a inconstitu-cionalidadedoprópriotextodosincisosIeIIdoart.25daLCPS,comeficáciaerga omnes, ter-se-iaaconsequênciailógicadeficardesobrigadodecontribuiçãoàSeguridadeSocialo próprio segurado especial, o que nem sequer constituiu objeto do julgamento, limitado que foi à obrigação do empregador rural pessoa física.

Parece-me que o eminente relator deste incidente de inconstitucionalidade (vejam-se asfls.13e14doseuvoto),paraentenderdiferentementedoquevemdeserexposto,foiinduzido em equívoco pela menção indevida do texto do art. 25 da LCPS, alterado pela Lei nº 10.256, de 2001, no debate travado entre o relator do RE nº 363.856-MG, Min. Marco Aurélio,eoMin.SepúlvedaPertence(fl.750doREnº363.852-1-MG).Nãohádúvidadequefoiequivocadaessamenção,porque,nafl.6doseuvoto(fl.708doREnº363.852-1-MG),oMin.MarcoAuréliotranscrevefielmenteanormaimpugnada,ouseja,oart.25daLCPS, alterado pela Lei nº 8.540, de 1992.

Em síntese, o que fez a Lei nº 10.256, de 2001, foi instituir contribuição social devida pelo empregador rural pessoa física idêntica à contribuição devida pelo segurado especial, tal como se tivesse simplesmente dito: ‘A partir de agora, o contribuinte empregador rural pessoa física é sujeito passivo de contribuição social idêntica à atualmente devida pelo segurado especial, conforme o art. 25 da Lei nº 8.212, de 1991’. Não o fez desse jeito, evidentemente, porque diferente é a técnica de redação das leis.

É certo que o novo contribuinte (empregador rural pessoa física), desonerado embora da antiga contribuição sobre a folha de salários, tampouco quer pagar a nova contribuição, sobre a comercialização de sua produção, e para tanto investe contra a Lei nº 10.256, de 2001,alegandoqueé‘truncada’,‘capenga’,‘natimorta’,‘cabeça-sem-corpo’,enfim,quenão é lei clara quanto aos elementos da nova obrigação contributiva. Mas, como bem ob-servouojusfilósofoLuísAlbertoWarat,‘La claridad linguística es la consecuencia de la

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coincidencia valorativa’,oquesignificadizerqueumtextodeleidificilmentepareceráclaro aos olhos do intérprete cuja opinião ele contraria.

Ante o exposto, voto por rejeitar a arguição de inconstitucionalidade.”

Com efeito, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade da contribuição previdenciária prevista no art. 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos arts. 12, V e VII, 25, I e II, e 30, IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97, pois constituiu nova fonte de custeio da Previdência Social, sem a observância da obrigatoriedade de lei complementar para tanto, até que nova legislação venha a instituir a contribuição. Assim, o julgado do STF ressalvou expressamente a legislação posterior.

A Emenda Constitucional n° 20/1998 veio a satisfazer a exigência, ao inserir no artigo 195, I, b, da Constituição Federal a expressão “receita” em conjunto com o faturamento.

Após a edição da Emenda Constitucional nº 20/98, sobreveio a Lei n° 10.256/2001, que deu nova redação ao artigo 25 da Lei nº 8.212/91 e alcançou validamente as diversas receitas da pessoa física, ao contrá-rio das antecessoras, Leis nos 8.540/92 e 9.528/97, surgidas na redação original do art. 195, I, da CF/88 e inconstitucionais por extrapolarem a base econômica vigente.

Não cabe o argumento de que os incisos I e II foram declarados in-constitucionaise,portanto,inexisteafixaçãodealíquota,oquetornariaa previsão do caput “letra morta”. Na hipótese, não houve declaração de inconstitucionalidade integral da norma, mas apenas em relação ao fato geradorespecíficoeàampliaçãodoroldesujeitospassivos(contribuiçãosobre a receita bruta da comercialização da produção rural do empregador rural pessoa física), permanecendo válidos e constitucionais os incisos I e II do artigo 25 da norma legal ventilada quanto ao segurado especial. Assim,comamodificaçãodocaput pela Lei n° 10.256/2001, aplicam-se os incisos I e II também ao empregador rural pessoa física.

Nesse sentido, informa a jurisprudência do TRF3, verbis:“PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. APELAÇÃO CÍVEL. PRODUTOR RURAL

PESSOA FÍSICA COM EMPREGADOS. INSCRIÇÃO NO CNPJ. OBRIGATORIEDA-DE, NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DA SUA CONDIÇÃO. CONTRIBUIÇÃO. ARTS. 12, V e VII, 25, I e II, e 30, IV, da LEI 8.212/91. Lei n° 10.256/2001. eXiGiBiLidade. ConStituCionaLidade. 1. A inscrição do produtor rural pessoa física no CNPJ é uma

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obrigação imposta pela Receita Federal. 2. A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo baixou Portaria para que não pairem dúvidas para os seus servidores, explicitando catego-ricamente que a inscrição de produtor rural e da sociedade em comum de produtor rural no CNPJ não descaracteriza a sua condição de pessoa física. Superada tal questão, passo a analisar o pedido de suspensão da exigibilidade da contribuição sobre a produção rural de pessoa física, prevista nos artigos 25, I e II, da Lei n° 8.212/91, com a alteração legislativa pela Lei n° 8.540/92, bem assim evitar a retenção imposta pelo art. 30 da Lei n° 8.212/91. 3. Com a edição das Leis nos 8.212/91 – PCPS – Plano de Custeio da Previdência Social e 8.213/91 – PBPS – Plano de Benefícios da Previdência Social, a contribuição sobre a co-mercialização de produtos rurais teve incidência prevista apenas para os segurados especiais (produtor rural individual, sem empregados, ou que exerce a atividade rural em regime de economia familiar (Lei nº 8.212/91, art. 12, VII e CF/88, Art. 195, § 8º), à alíquota de 3%. O empregador rural pessoa física contribuía sobre a folha de salários, consoante a previsão do art. 22. 4. O art. 1º da Lei 8.540/92 deu nova redação aos arts. 12, V e VII, 25, I e II, e 30, IV, da Lei 8.212/91, cuidando da tributação da pessoa física e do segurado especial. A contribuição do empregador rural, antes sobre a folha de salários, foi substituída pelo percentual de 2% incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção rural para o pagamento dos benefícios gerais da Previdência Social, acrescido de 0,1%parafinanciamentodosbenefíciosdecorrentesdeacidentesdetrabalho.5.Quantoaossegurados especiais, a Lei nº 8.540/92 reduziu a sua contribuição de 3% para 2% incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção rural e instituiu a contribuição de 0,1% parafinanciamentodacomplementaçãodosbenefíciosdecorrentesdeacidentesdotrabalho,além de possibilitar a sua contribuição facultativa na forma dos segurados autônomos e equiparados de então. 6. O art. 30 impôs ao adquirente/consignatário/cooperativas o dever de proceder à retenção do tributo. 7. os ministros do Pleno do Supremo tribunal Federal, ao apreciarem o re 363.852, em 03.02.2010, decidiram que a alteração introduzida pelo art. 1º da Lei nº 8.540/92 infringiu o § 4º do art. 195 da Constituição na redação ante-rior à emenda 20/98, pois constituiu nova fonte de custeio da Previdência Social, sem a observância da obrigatoriedade de lei complementar para tanto. 8. a decisão do StF diz respeito apenas às previsões legais contidas nas Leis 8.540/92 e 9.528/97 e aborda somente as obrigações sub-rogadas da empresa adquirinte, consignatária ou consumidora e da cooperativa adquirente da produção do empregador rural pessoa física (no caso específico o ‘Frigorífico Mataboi S/A’). 9. O STF não tratou das legislações posteriores relativas à matéria, até porque o referido recurso extraordinário foi interposto na ação ordinária n° 1999.01.00.111.378-2, o que delimitou a análise da constitucionalidade da norma no controle difuso ali exarado. 10. o re 363.852 não afetou a contribuição devida pelo se-gurado especial quanto à redução de contribuição prevista pelos mesmos incisos i e ii do artigo 25 da Lei n° 8.212/91, com a redação da Lei n° 8.540/92, como retro mencionado. Portanto, não houve declaração de inconstitucionalidade integral da norma, mas apenas em relação ao fato gerador específico e à ampliação do rol de sujeitos passivos (contribuição sobre a receita bruta da comercialização da produção rural do empregador rural pessoa física), permanecendo válidos e constitucionais os incisos i e ii do artigo 25 da norma

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legal ventilada. 11. a emenda Constitucional nº 20/98 deu nova redação ao artigo 195 da CF/88 e permitiu a cobrança também sobre a receita de contribuição do empregador, empresa ou entidade a ela equiparada. 12. em face do permissivo constitucional (eC nº 20/98), a ‘receita’ passou a fazer parte do rol de fontes de custeio da Seguridade Social. a consequência direta dessa alteração é que, a partir de então, foi admitida a edição de lei ordinária para dispor acerca da exação em debate nesta lide, afastando definitivamente a exigência de lei complementar como previsto no disposto do artigo 195, § 4º, com a ob-servância da técnica da competência legislativa residual (art. 154, i). 13. editada após a emenda Constitucional n° 20/98, a Lei nº 10.256/2001 deu nova redação ao artigo 25 da Lei nº 8.212/91 e alcançou validamente as diversas receitas da pessoa física, ao contrário das antecessoras, Leis 8.540/92 e 9.528/97, surgidas na redação original do art. 195, i, da CF/88 e inconstitucionais por extrapolarem a base econômica vigente. 14. não cabe o argumento de que os incisos i e ii foram declarados inconstitucionais e, portanto, inexiste a fixação de alíquota, o que tornaria a previsão do caput ‘letra morta’. na hipótese, não houve declaração de inconstitucionalidade integral da norma, mas apenas em relação ao fato gerador específico e à ampliação do rol de sujeitos passivos (contribuição sobre a receita bruta da comercialização da produção rural do empregador rural pessoa física), permanecendo válidos e constitucionais os incisos i e ii do artigo 25 da norma legal venti-lada quanto ao segurado especial. 15. Com a modificação do caput pela Lei n° 10.256/2001, aplicam-se os incisos i e ii também ao empregador rural pessoa física. 16. O empregador rural pessoa física não se enquadra como sujeito passivo da COFINS, por não ser equiparado à pessoa jurídica pela legislação do imposto de renda (Nota Cosit n° 243, de 04.10.2010), não se podendo falar, assim, em bis in idem, mas apenas a tributação de uma das bases econômicas previstas no art. 195, I, da CF, sem qualquer sobreposição. 17. A contribuição previdenciária do produtor rural pessoa física, nos moldes do artigo 25 da Lei nº 8.212/91, vem em substituição à contribuição incidente sobre a folha de salários, a cujo pagamento estaria obrigado na condição de empregador, mas foi dispensado pela Lei n° 10.256/2001. 18. Nos termos do artigo 30, III, da Lei n° 8.212/91, com a redação da Lei n° 11.933/2009, cabe à empresa adquirinte, consumidora ou consignatária e à cooperativa a obrigação de recolher a contribuição de que trata o artigo 25 da Lei n° 8.212/91 até o dia 20 do mês subsequente ao da operação de venda ou consignação da produção. 19. São devidas as contribuições sociais incidentes sobre a receita bruta da comercialização de produtos pelo empregador rural pessoa física, a partir da entrada em vigor da Lei nº 10.256/01. 20. Apelação a que se nega provimento.” (TRF3; AC 201060000056319 – AC – apelação Cível – 1584084; Primeira turma; Relator Juiz José Lunardelli; DJF3 CJ1 DATA:13.05.2011, Página: 119)

“PROCESSUAL CIVIL, PREVIDENCIÁRIO E TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INS-TRUMENTO. LEI N° 8.540/1992. PeSSoa FÍSiCa QuaLiFiCada CoMo eMPreGa-dora ruraL. ContriBuiÇÃo PreVidenCiÁria inCidente SoBre a reCeita Bruta oriunda da CoMerCiaLizaÇÃo da ProduÇÃo ruraL. inConStitu-CionaLidade deCLarada PeLo SuPreMo triBunaL FederaL no reCurSo eXtraordinÁrio n° 363852. eMenda ConStituCionaL n° 20/1998. aMPLiaÇÃo da CoMPetÊnCia triButÁria. Lei n° 10.256/2001. inStituiÇÃo de ContriBui-

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ÇÃo idÊntiCa. SuPeraÇÃo doS VÍCioS aPontadoS na Lei n° 8.540/1992. I. As pessoasfísicasquesequalifiquemcomoempregadorasruraisestãosujeitasàscontribuiçõessobre a folha de rendimentos do trabalho, a receita ou o faturamento e o lucro. A estrutura de exploração do negócio – contratação de mão de obra alheia e obtenção de receitas, com metasderesultadospositivos–justificaoenquadramentojurídicodeempresa(artigo195,I, da Constituição Federal de 1988). II. Os produtores rurais que exercem as atividades em regime de economia familiar – segurado especial – receberam tratamento distinto no custeio da Previdência Social. A Constituição Federal, no artigo 195, § 8°, lhes atribuiu a obrigação de recolher contribuição previdenciária sobre os resultados da comercialização rural. III. A Lei n° 8.540/1992 deu o mesmo tratamento às pessoas físicas que se enquadras-sem como empregadoras rurais. o Supremo tribunal Federal, no recurso extraordinário n° 363852, de relatoria do Ministro Marco aurélio, declarou a inconstitucionalidade do artigo 1° da Lei n° 8.450/1992, sob o fundamento de que a incidência de contribuição sobre a comercialização agrícola não é compatível com a estrutura do negócio explorado pela pessoa física considerada empregadora rural e com o regime de custeio que lhe foi atribuído pela Constituição Federal. iV. Para que os empregadores rurais em geral pas-sassem a arrecadar contribuição sobre os resultados da venda de produtos agropecuários, era fundamental que se ampliasse o rol de fatos geradores e de bases de cálculo previstos para o exercício da competência tributária. a emenda Constitucional n° 20/1998 veio a satisfazer a exigência, ao inserir no artigo 195, i, b, da Constituição Federal a expressão ‘receita’ em conjunto com o faturamento. V. Sobreveio a Lei n° 10.256/2001, que atribuiu à pessoa física qualificada como empregadora rural a obrigação de recolher contribuição sobre a receita proveniente da comercialização da produção rural. assim, desde a data de vigência do novo texto normativo, o agravado está sujeito ao recolhimento de contri-buição incidente sobre os resultados da venda de produtos rurais. VI. Com a instituição da Súmula Vinculante (Lei n° 11.417/2006) e com as reformas do Código de Processo Civil – possibilidade de julgamento de recursos por decisão monocrática e de declaração de inexigibilidade de títulos executivos judiciais com base em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal –, o pronunciamento adotado no controle difuso de constitucionalidade acaba por ter abrangência semelhante à do concentrado. VII. Reformada parcialmente a decisão recorrida. Mantida a exigibilidade da contribuição incidente sobre a receita bruta oriunda da comercialização de produtos rurais desde a vigência da Lei n° 10.256/2001. VIII. Agravo de instrumento a que se dá parcial provimento.” (TRF3; AI 201003000217090 - AI – agravo de instrumento – 412682; Quinta turma; Relator Juiz antonio Cedenho; DJF3 CJ1, Data: 06.05.2011, Página: 1115)

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO LEGAL. ARTI-GO 557, CaPut E PARÁGRAFOS, DO CPC. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INCIDENTE SOBRE A RECEITA BRUTA PROVENIENTE DE COMERCIALIZAÇÃO RURAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI Nº 8.540/92, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AOS ARTS. 12, V E VII, 25, I E II, E 30, IV, DA LEI Nº 8.212/91. PRODUTOR RURAL EMPREGADOR. INEXIGIBILIDADE ATÉ O ADVENTO DA LEI Nº 10.256/2001. 1. No dia 03 de fevereiro de 2010, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal

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Federal reconheceu a inconstitucionalidade da contribuição previdenciária prevista no art. 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos arts. 12, V e VII, 25, I e II, e 30, IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97, até que nova legislação venha a instituir a contribuição (STF, Pleno, RE-363852, Informativo STF nº 573). 2. Somente o produtor rural que exerce atividade em regime de economia familiar deve estar sujeito à contribuição prevista no art. 25 da Lei 8.212/91. Isto, todavia, apenas até a égide da Lei nº 10.256,de2001,quenovamentemodificouaredaçãodoartigo25daLeinº8.212/1991.3. a nova redação impõe contribuição semelhante àquela tratada no julgamento do StF acima transcrito, todavia em substituição daquela que normalmente incidiria sobre a sua folha de pagamento, superando o fundamento pelo qual se controvertia acerca da consti-tucionalidade. aliás, o julgado daquela colenda Corte máxima ressalvou expressamente a legislação posterior. 4. Ao que tudo indica, o agravado explora a atividade agropecuária em geral e possui empregados. 5. Agravo a que se dá parcial provimento para restabelecer a exigibilidade da contribuição fundada no artigo 25 da Lei nº 8.212/1991 com a redação dada pela Lei nº 9.258/1997, em relação ao período posterior à vigência da Lei nº 10.256, de 2001, ante a ausência de qualquer inconstitucionalidade nesta exigência.” (TRF3; AI 201003000233071 – AI – agravo de instrumento – 414118; Segunda turma; Relator Juiz alessandro diaferia; DJF3 CJ1, Data: 14.12.2010, Página: 65)

Nesse sentido, ainda, exaustivo estudo doutrinário do Procurador da Fazenda Nacional, Dr. Fabrício Sarmanho de Albuquerque, publicado na revista da Procuradoria-Geral da Fazenda nacional, nº 1, verbis:

“I – INTRODUÇÃO A questão aqui abordada é, sem dúvida, de grande repercussão jurídica e econômica

paraodireitobrasileiro,emespecialportrazerreflexosimediatosnoequilíbriodosistemaprevidenciário.

A área rural durante muito tempo deixou de recolher contribuições sociais que eram recolhidas pelo setor urbano. Isso se deve a diversos motivos: política de incentivo do se-tor,dificuldadedefiscalização,informalidadedaatividadeefaltadeconsciênciaacercadasolidariedade do sistema e da necessidade de manutenção do equilíbrio atuarial.

Com a edição da Lei nº 8.212/91, todos os empregadores e empregados passaram a contribuir para a seguridade social, inclusive aqueles que atuam na área rural.

Diversos problemas práticos podem ser indicados em relação à contribuição previden-ciária rural. Primeiramente, a informalidade do setor acaba levando à inexistência de folha desalários.Emsegundolugar,asgrandesdistânciasaserempercorridasparasefiscalizarumpequenonúmerodeempregadoresfindampordificultarafiscalizaçãotributária.Porfim,aoperacionalizaçãodacobrançageraumaburocraciadifícildeserdominadapelosetor rural, muitas vezes desenvolvida por pessoas sem grande instrução formal ou acesso a serviços de apoio à empresa, como serviços contábeis ou de assessoramento tributário.

TodasessasdificuldadeslevaramoCongressoNacionalasubstituiracontribuiçãosobrea folha de salários pela contribuição em percentual bem inferior, incidente sobre a receita

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bruta proveniente da comercialização da produção. Essa contribuição é vulgarmente chamada de Funrural, em alusão ao tributo que anteriormente incidia sobre o setor.

A Lei nº 8.540/92 trouxe diversos benefícios: i)simplificouaformadecobrança;ii)viabilizouafiscalização,poiselapassouaconcentrar-senospontosdecomerciali-

zação,comoasempresasdebeneficiamento;iii) reduziu a carga tributária, substituindo a contribuição de 20% sobre a folha de salários

pela contribuição de 2% sobre a receita bruta. Com a inovação da Lei nº 8.540/92 e das supervenientes Leis 9.528/97 e 10.256/2001,

o art. 25 da Lei nº 8.212/91, que cuida do custeio da Seguridade Social, passou a ter a seguinte redação:

‘Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à con-tribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:

I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; II–0,1%dareceitabrutaprovenientedacomercializaçãodasuaproduçãoparafinan-

ciamento das prestações por acidente do trabalho.’No julgamento do Recurso Extraordinário nº 363.852/MG, mais conhecido como ‘Caso

Mataboi S/A’, foi discutida a constitucionalidade da nova sistemática de tributação dos empregadores rurais pessoas físicas. O Supremo Tribunal Federal entendeu por declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei 8.540/92, nos seguintes termos.

‘Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário para desobrigar os recorrentes da retenção e do recolhimento da contribuição social ou do seu recolhimento por sub-rogação sobre a ‘receita bruta proveniente da comercialização da produção rural’ de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate, declarando a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97, até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição, tudo na forma do pedido inicial, invertidos os ônus da sucumbência. Em se-guida, o Relator apresentou petição da União no sentido de modular os efeitos da decisão, que foi rejeitada por maioria, vencida a Senhora Ministra Ellen Gracie. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, licenciado, o Senhor Ministro Celso de Mello e, neste julgamento, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa, com voto proferido na assentada anterior. Plenário, 03.02.2010.’

O acórdão recebeu a seguinte ementa:‘RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRESSUPOSTO ESPECÍFICO. VIOLÊNCIA À

CONSTITUIÇÃO. ANÁLISE. CONCLUSÃO. Porque o Supremo, na análise da violência à Constituição, adota entendimento quanto à matéria de fundo do extraordinário, a conclusão a que chega deságua, conforme sempre sustentou a melhor doutrina – José Carlos Barbosa Moreira –, em provimento ou desprovimento do recurso, sendo impróprias as nomenclaturas

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conhecimento e não conhecimento. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. COMERCIALIZAÇÃO DE BOVINOS. PRODUTORES

RURAIS PESSOAS NATURAIS. SUB-ROGAÇÃO. LEI Nº 8.212/91. ARTIGO 195, INCI-SO I, DA CARTA FEDERAL. PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98. UNICIDADE DE INCIDÊNCIA. EXCEÇÕES. COFINS E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. PRECEDENTE. INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. Ante o texto constitucional, não subsiste a obrigação tributária sub-rogada do adquirente, presente a venda de bovinos por produtores rurais, pessoas naturais, prevista nos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com as redações decorrentes das Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97. Aplicação de leis no tempo – considerações.’

O acórdão supra não transitou em julgado, tendo em vista que foram opostos embargos de declaração pela União ainda não julgados até a data de elaboração deste estudo. De qualquer forma, diversas inconsistências podem ser facilmente apontadas no julgamento, talvez um dos mais recheados de inconsistências na história da Corte.

Cuidaremos neste estudo de apontar quais foram as falhas técnicas cometidas pela Suprema Corte ao julgar o caso em tela.

II – PRIMEIRA CRÍTICA: FALSA PREMISSA DE DUPLA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA O primeiro passo para se entender a tributação em estudo é saber diferenciar a con-

tribuição que se paga como segurado daquela que se paga como empregador. Também é importantelembrarquepessoasfísicasnãosãotributadaspelaCofins.

Uma das premissas adotadas no acórdão recorrido diz respeito à suposta dupla incidên-cia tributária sobre o contribuinte empregador rural pessoa física. Alega-se que não seria possível fazer incidir mais de um tributo sobre a mesma hipótese de incidência constante no art. 195 da Constituição Federal. Verbis:

‘Então, o produtor rural, pessoanatural, fica compelido a satisfazer, de um lado, acontribuiçãosobreafolhadesaláriose,deoutro,aCofins,nãohavendolugarparater-senovoônus,relativamenteaofinanciamentodaseguridadesocial.’(fl.1889doacórdão)

O Sr. Ministro Cezar Peluso incorre no mesmo equívoco, pois entende que o produtor rural seria punido quando, aumentando a produção, passa a ter empregados, pois começa a contribuir, além da folha de salários, sobre a comercialização da produção.

Não existe essa dupla incidência de contribuições sobre o art. 195, I, b, da Constituição Federal nem mesmo uma dupla cobrança de contribuições sobre o empregador rural. A uma, porque a contribuição sobre folha de salários dele não é recolhida, já que foi substituída pela contribuição sobre o resultado da comercialização (texto expresso do art. 25 da Lei nº 8.212/91).Aduas,porquenãoincideCofinssobrepessoasfísicas,quenãopossuemreceitanem faturamento.

Se é certo que os empregadores rurais pagam duas contribuições, mais certo ainda é que essas contribuições possuem fundamentos diversos. Uma é paga na condição de segurado (art. 12, V, a, da Lei nº 8.212/91) e outra é recolhida na condição de empregador (art. 25 da Lei nº 8.212/91).

‘Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: [...]V–comocontribuinteindividual:a)apessoafísica,proprietáriaounão,queexplora

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atividade agropecuária, a qualquer título, em caráter permanente ou temporário, em área superiora4(quatro)módulosfiscais;ou,quandoemáreaigualouinferiora4(quatro)módulosfiscaisouatividadepesqueira,comauxíliodeempregadosouporintermédiodeprepostos; ou ainda nas hipóteses dos §§ 10 e 11 deste artigo;’

A primeira, recolhida na condição de segurado, visa ao custeio de seu benefício pessoal de aposentadoria e a segunda, recolhida na condição de empregador, visa a fazer frente aos benefícios de seus empregados.

Outra premissa equivocada lançada no acórdão, como dito anteriormente, diz respeito à supostaincidênciadeCofinssobreamesmahipótesedeincidência.Emverdade,nãoháacobrança dessa contribuição sobre empregador rural, pessoa física. As pessoas naturais não possuem tributação sobre a receita bruta nem mesmo faturamento sob o aspecto contábil. A receita bruta da produção rural é equiparada à renda e, assim, apenas é contabilizada para efeito de imposto de renda.

As Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97 vieram à lume em medidas de desoneração da produção rural. As leis que foram declaradas inconstitucionais por esta Corte em verdade reduziam o valor efetivamente cobrado dos empregadores rurais pessoas naturais, posto que pelo regime até então vigente tais empregadores contribuíam sobre a sua folha de salários.

III – SEGUNDA CRÍTICA: INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA

Aponta o julgado para a existência de ofensa à isonomia, sob a alegação de que o empregador rural receberia tratamento diferenciado em relação ao empregador urbano.

Na verdade, se alguém poderia alegar ofensa à isonomia seria o empregador urbano, que paga um valor bem maior de contribuição. A norma visava trazer um tratamento desi-gual àqueles que sejam desiguais, tendo em vista as peculiaridades de alta informalidade do setor rural.

IV – TERCEIRA CRÍTICA: FALTA DE ESCLARECIMENTO DA RAZÃO DE DE-CIDIR DA CORTE

O julgamento objeto deste estudo não demonstrou qual das inúmeras teses levantadas em Plenário consistiu na razão de decidir do colegiado. Ademais, a ementa entra em choque com o extrato de ata.

Seria importante que o Supremo Tribunal Federal demonstrasse o que foi considerado causa de decidir e o que seria mero obter dictum, já que há diversos argumentos do Pleno que foram acolhidos por alguns Ministros, outros que simplesmente não foram analisados pelos demais Ministros e outros que foram refutados por determinados ministros, como no caso do Sr. Ministro Eros Grau, que refutou a suposta inconstitucionalidade por ofensa à isonomia.

O acórdão surge a partir de um consenso do Plenário, o que sempre fez com que essa Corte reconhecesse que fundamentos suscitados isoladamente conduzem à existência de mero obter dictum, e não a uma causa de decidir. E no presente caso há até mesmo um novo elemento difícil de superar, que consiste no fato de as inconstitucionalidades apontadas no pronunciamento do julgamento não coincidirem com a conclusão exarada na ementa.

Por exemplo, se a causa de decidir foi a ausência da EC nº 20/98, que separou em incisos

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as hipóteses de incidência constantes do art. 195 e fez inserir a possibilidade de cobrança sobre receita bruta, uma lei ordinária posterior, inclusive a Lei nº 10.256/2001, poderia regularizar a cobrança, como ressalta o voto do Sr. Ministro Relator (‘até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição, tudo na forma do pedido inicial, invertidos os ônus da sucumbência’).

Se, porém, se entender que mesmo com a edição da EC nº 20/98 a cobrança de contribui-ção sobre a comercialização da produção seria feita por meio de técnica residual, somente uma lei complementar poderia regularizar a cobrança. Essa é a tese do Sr. Ministro Cezar Peluso, que entendemos ter restado vencida, posto que não acolhida no pronunciamento do Relator nem dos demais ministros que se manifestaram expressamente.

Porfim,seinconstitucionalidadesmateriais isoladamentesuscitadas,comoaofensaao princípio da isonomia – que se assentaram em premissas falsas que somente não foram esclarecidas na tribuna porque não foram discutidas na origem –, também foram determi-nantes para a decisão do Plenário, nenhuma nova medida legislativa poderia ser adotada e se ressuscitaria, com a decisão da Suprema Corte, o quadro de sonegação generalizada existente antes da substituição da folha de salários pelo resultado da comercialização.

A supressão dessa omissão não apenas orientará os futuros passos do Congresso Nacional na sua missão legislativa, como orientará as instâncias de origem, que vêm recebendo milha-resdefeitosnosquaissediscuteacontribuiçãoemcomento.Enfim,servirádeorientaçãopara esta, que certamente é a causa que promete gerar maior repercussão na área tributária nos últimos tempos, evitando a multiplicação de discussões acerca da matéria.

V – QUARTA CRÍTICA: ACÓRDÃO QUE NÃO EXPLICITA O DIREITO APLICÁ-VEL À ESPÉCIE

Segundo o Enunciado 456 da Súmula do STF, ‘o Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie’. Esse entendimento ganha ainda mais força com o surgimento do rito da repercussão geral, que faz com que os feitos representativos de uma matéria sirvam de paradigma para todo o Poder Judiciário, algo que se denomina objetivação do controle difuso.

No julgamento do RE nº 566.621/RS, por exemplo, no qual se julgava a constitucio-nalidade dos arts. 3º e 4º da Lei Complementar nº 118/2005, a Sra. Ministra Relatora, Ellen Gracie, que se pronunciou pela inconstitucionalidade do dispositivo, aproveitou para determinar, caso fosse vencedora, qual seria a normatização aplicável. Essa é a verdadeira tarefa da Suprema Corte, a de solucionar as controvérsias constitucionais como um todo.

Cabe lembrar o caráter objetivo do controle difuso em feitos representativos de uma controvérsia jurídica, que vem destacando o papel do Supremo Tribunal Federal na real solução dos litígios, com uma atuação sempre voltada a impedir a proliferação de processos repetitivos nas instâncias de origem.

O acórdão em estudo não agiu dessa forma. Não explicitou qual seria a norma aplicável ao empregador rural pessoa física após a declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 8.540/92.

Após o pronunciamento da Suprema Corte acerca da inconstitucionalidade do ‘artigo 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97’,

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milhares de contribuintes ajuizaram as mais diversas ações e, infelizmente, entendimentos equivocados têm levado à proliferação de liminares que extrapolam muito o que fora julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

Osprincipaisequívocosresultamdaafirmaçãodeque:1) os empregadores rurais pessoas físicas não têm obrigação de contribuir com a

seguridade social, como se possuíssem alguma isenção que os diferenciasse dos demais empregadores;

2) os sub-rogados (empresas que apenas retêm o tributo pago pelo empregador para repassar ao órgão arrecadador) têm direito de não repassar qualquer contribuição previden-ciária sobre pessoas físicas, e não somente em relação aos empregadores pessoas físicas, mantendo-se a obrigação em relação aos segurados especiais, como seria correto.

3) os sub-rogados têm direito à repetição de indébito, sendo que sequer são contribuintes do tributo.

4) os contribuintes têm direito à repetição de indébito, e não a um recálculo segundo a base de cálculo correta após a inconstitucionalidade da Lei nº 8.540/92, que é a folha de salários.

5) é inconstitucional a contribuição sobre o total da produção até os dias atuais, sem considerar que a inconstitucionalidade foi suprida pela edição da Lei nº 10.256/2001.

Quanto ao equívoco nº 1, seria interessante que o Tribunal demonstrasse de forma expressa que o que se declarou foi apenas a inconstitucionalidade da nova técnica de cobrança, que incide sobre o total da contribuição. Sendo assim, os empregadores rurais pessoas naturais devem continuar a recolher sobre sua folha de salários. A correção dessa omissão levaria também à correção do equívoco nº 4.

Essa discussão chegou a ser levantada pelo Sr. Ministro Sepúlveda Pertence em seu pronunciamento, mas não chegou a ser resolvida quando do veredicto. Na discussão a Supre-ma Corte confundiu empregador pessoa física com segurado especial e com o sub-rogado, sendoqueaofinalnãoseexplicitouque,afastadaacontribuiçãosobreacomercialização,voltaria a incidir o tributo sobre a folha de salários.

Quanto ao equívoco nº 5, é importante lembrar que a previsão do acórdão (‘até que legis-lação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição’) já foi cumprida, tendo em vista a edição da Lei nº 10.256/01, que deu a atual redação do art. 25 da Lei nº 8.212/98. Vejamos, acerca do tema o recente posicionamento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região na APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.70.03.004958-9/PR, que declarou a constitucionalidade dessa norma e, consequentemente, a constitucionalidade da cobrança da contribuição rural após 2001:

‘TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA EMPREGADOR. LEGITIMIDADE ATIVA. COMPENSAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚ-MULAS 512 DO STF E 105 DO STJ.

1 – A jurisprudência é uníssona no sentido de reconhecer a legitimidade ativa ad causam da empresa adquirente/consumidora/consignatária e da cooperativa para discutir a legalidade da contribuição para o Funrural.

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2 – O substituto tributário carece de legitimidade para compensar ou repetir o indébito, porquantooônusfinanceironãoéporelesuportado.

3 – O STF, ao julgar o RE nº 363.852, declarou inconstitucionais as alterações trazidas pelo art. 1º da Lei nº 8.540/92, uma vez que instituíram nova fonte de custeio por meio de lei ordinária, sem observância da obrigatoriedade de lei complementar para tanto.

4 – Com o advento da EC nº 20/98, o art. 195, I, da CF/88 passou a ter nova redação, com o acréscimo do vocábulo ‘receita’.

5 – Em face do novo permissivo constitucional, o art. 25 da Lei 8.212/91, na redação dada pela Lei 10.256/01, ao prever a contribuição do empregador rural pessoa física como incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção, não se encontra eivado de inconstitucionalidade.’

Deveria a Suprema Corte deixar claro que as sub-rogadas não possuem direito a re-petição de indébito, já que não recolhem o tributo, servindo apenas de instrumento para o seu repasse. Além disso, é importante consignar que nunca deixaram de ser obrigadas a repassar o valor recolhido de segurados especiais, em relação aos quais a cobrança sobre o total da produção não possui qualquer vício. Essa explicitação evitaria os equívocos nos 2 e 3 de se perpetuarem.

VI – QUINTA CRÍTICA: ERRO NA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONA-LIDADE DA CONTRIBUIÇÃO EM RELAÇÃO AO SEGURADO ESPECIAL E DA DECLARAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE TOTAL DO ART. 25, I E II, DA LEI 8.212/91

Ao longode todoo julgamentoficou explicitadoque a instituiçãode contribuiçãosobre o total da produção somente seria constitucional em relação ao segurado especial, que atua em regime familiar, nos termos do art. 195, § 8º, da CF. Isso pode ser conferido nos seguintes trechos:

‘Vale frisar que, no artigo 195, tem-se contemplada situação única em que o produtor rural contribui para a seguridade social mediante a aplicação de alíquota sobre o resultado de comercialização de produção, ante o disposto no § 8º do citado artigo 195 – a revelar que, em se tratando de produtor, parceiro, meeiro e arrendatários rurais e pescador artesanal, bem como dos respectivos cônjuges que exerçam atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, dá-se a contribuição para a seguridade social por meio de aplicação de alíquota sobre o resultado da comercialização da produção. A razão do preceito é única, não se ter, quanto aos neles referidos, a base para a contribuição estabelecida na alínea a do inciso I do artigo 195 da Carta, isto é, a folha de salários. Daí a cláusula contida no§8ºemanálise‘(...)emempregadospermanentes(...).’(Min.MarcoAurélio,fl.1888)

‘De acordo com o artigo 195, § 8º, do Diploma Maior, se o produtor não possui em-pregados,ficacompelido, inexistenteabasede incidênciadacontribuição–a folhadesalários –, a recolher percentual sobre o resultado da comercialização da produção.’ (Min. MarcoAurélio,fl.1889)

‘Ora, a contribuição sobre o resultado da comercialização da produção rural do art. 195, § 8º, existe precisamente porque seu destinatário – o produtor rural sem empregados permanentes – não pode, é obvio, contribuir sobre folha de salários, faturamento ou recei-

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ta, já que não dispõe de empregados, nem é pessoa jurídica ou entidade a ela equiparada. Logo, é imediata a conclusão de que o sujeito passivo objeto pela parte inicial do art. 25

não se enquadra na exceção do art. 195, § 8º, reservada, em caráter exclusivo, ao segurado especial, que recebe proteção constitucional em vista de sua vulnerabilidade socioeconômica.

Não entrando na exceção do art. 195, § 8º, subsume-se o empregador rural pessoa física à regra geral do art. 195, I, que estabelece a contribuição social devida pelo empregador sobre diferentes bases de cálculo, notadamente a folha de salários – dentre as quais não se encontra, está claro, o ‘resultado’ ou a ‘receita bruta proveniente da comercialização de sua produção’.”(Min.CezarPeluso,fl.1914-1915)

Ocorre, porém, que o artigo 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97, foi declarado inconstitucional sem ressalvas, o que acaba por tornar nula a parte do dispositivo relativa aos segurados especiais, que também consta do art. 25, I e II, com a redação dada pela Lei nº 8.540/92. Transcreve-se a redação do dispositivo tido como inconstitucional:

‘Art. 25. A contribuição da pessoa física e do segurado especial referidos, respectiva-mente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta lei, destinada à Seguridade Social, é de:

I – dois por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; II – um décimo por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua pro-

duçãoparafinanciamentodecomplementaçãodasprestaçõesporacidentedetrabalho.’Poder-se-ia argumentar que a declaração da inconstitucionalidade, tal qual foi realizada,

levaria à repristinação da redação anterior, que já previa a contribuição do segurado especial, o que não geraria problemas. Ocorre, porém, que a redação anterior trazia uma contribuição mais elevada, o que prejudicaria, de forma indevida, esses contribuintes.

A redação desse mesmo art. 25, dada pela Lei nº 8.398/1992, que voltaria a vigorar se a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.540/92 for irrestrita, é a seguinte:

‘Art. 25. Contribui com 3% (três por cento) da receita bruta proveniente da comercia-lização da sua produção o segurado especial referido no inciso VII do art. 12.’

O Segurado especial, se não corrigido o entendimento da Suprema Corte, deixará, sem qualquer motivo constitucionalmente extraído, de contribuir em dois por cento para voltar a contribuir em 3%. Ou seja, terá um aumento de 50% na sua contribuição.

Por isso, com base nos argumentos vencedores pelo Plenário, o correto seria declarar a inconstitucionalidade parcial do art. 25 da Lei nº 8.212/91, apenas na parte que diz respeito aos empregadores rurais pessoas físicas, mantendo hígido o dispositivo em relação aos segurados especiais, que nada tem a ver com a inconstitucionalidade apontada.

O mesmo pode ser dito em relação ao artigo 30, IV, da referida lei, declarado inconsti-tucional e que recebeu da Lei nº 8.540/92 a seguinte redação:

‘Art. 30. (...) IV–oadquirente,oconsignatárioouacooperativaficamsub-rogadosnasobrigações

da pessoa física de que trata a alínea a do inciso V do art. 12 e do segurado especial pelo cumprimento das obrigações do art. 25 desta lei, exceto no caso do inciso X deste artigo,

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na forma estabelecida em regulamento;’Ora, a sub-rogação em relação ao segurado especial não possui nenhuma inconstitu-

cionalidade, motivo pelo qual seria interessante que esse dispositivo fosse mantido hígido em relação aos segurados especiais, já que seria contraproducente obrigá-los a contribuir individualmente, gerando ainda mais burocracia e gastos administrativos.

E nesse ponto, da sub-rogação, ainda há uma agravante. Com a edição de lei posterior à EC 20/98, que já foi inclusive considerada constitucional perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a contribuição sobre a produção dos empregadores rurais pessoas físicas foi retomada. Dessa forma, seria importante que fosse declarada a constitucionalidade da sub-rogação após a edição da lei nova a que se referiu o Relator em seu pronunciamento constante do acórdão.

Como é possível perceber da leitura do acórdão, a sub-rogação em si não possui nada de inconstitucional. Ela recebeu uma declaração de inconstitucionalidade por arrastamento, já que o Supremo Tribunal Federal entendeu ser desnecessário manter a sub-rogação se o tributo em si já não seria mais cobrado.

Ocorre que esse dispositivo não é desnecessário como se imagina. Muito pelo contrário, continua tendo utilidade prática em relação aos tributos recolhidos pelos segurados especiais e dos empregadores rurais depois da edição da Lei nº 10.256/2001, que adequou a técnica de tributação à nova redação constitucional.

Não havendo uma vírgula de argumento de inconstitucionalidade contra a fórmula da sub-rogação ao longo de todo o julgamento, não há razões para se declarar a inconstitucio-nalidade do art. 30, IV, da Lei nº 8.212/91.

Melhor seria que a Corte Suprema ao menos declarasse apenas a inconstitucionalidade parcial, sem redução do texto, para excluir a incidência da norma em relação aos empre-gadores rurais pessoas física, exclusivamente no período de regência das Leis 8.540/92 e 9.528/97.

VII – CONCLUSÃO Tendo em vista tratar-se de julgamento que ainda pode ser retocado pela Suprema

Corte, ousamos apresentar algumas sugestões para que as incoerências apresentadas sejam evitadas. Seria interessante, por exemplo, que o Plenário esclarecesse os seguintes pontos:

1. Como haveria uma dupla incidência tributária sobre os empregadores rurais pessoas naturais, bem como ofensa à isonomia tributária, se estes não recolhem sobre a folha de saláriosnemmesmorecolhemCofins,sujeitando-seexclusivamenteàtributaçãosobreacomercialização da produção?

2. Quais seriam, de fato, as razões de decidir e qual seria o veredicto da Corte, o divulgado no acórdão ou aquele constante da ementa? A partir dessas razões, pode-se dizer que uma legislação ordinária idêntica, posterior à EC nº 20/98, seria constitucional? Mesmo após a edição da referida lei seria necessária a aplicação da técnica da tributação residual, que imporia uma lei complementar para a espécie?

3.Seemtodososmomentosfoiafirmadoqueacontribuiçãodosseguradosespeciaiséaúnica forma de cobrança sobre o resultado da comercialização constitucionalmente assegurada, porque foi declarada a inconstitucionalidade TOTAL do art. 25 da Lei nº 8.212/91, que trata

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tanto do segurado empregador quanto do segurado especial? 4. Se a cobrança feita em relação aos segurados especiais é constitucional, nos termos do

art. 195, § 8º, da CF, porque foi reconhecido o direito de a recorrida não permanecer na con-dição de sub-rogada, ao invés de ser reconhecido apenas a inconstitucionalidade quando seja sub-rogada em relação aos empregadores rurais pessoas naturais, permanecendo a obrigação quando adquira bovinos de segurados especiais que atuam em regime de economia familiar?

5. Sendo inconstitucional a legislação editada antes da EC nº 20/98, seria constitucional a cobrança atualmente feita, com base na Lei nº 10.256/2001?

Um acórdão tecnicamente correto deveria, no nosso humilde ponto de vista, esclarecer que: a. nos termos da Súmula 456/STF, durante o período de regência das Leis 8.540/92 e

9.528/97, ante a sua inconstitucionalidade e consequentemente nulidade, ocorre a repristi-nação constitucional da redação original da Lei nº 8212/98, que remonta à tributação desses contribuintes sobre sua folha de salários;

b. o art. 25, incisos I e II, com a redação dada pela Lei nº 8.540/92, somente teve decla-rada sua inconstitucionalidade parcial, com redução do texto, no que tange às expressões ‘A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e’ e ‘respectivamente, na alínea a do inciso V e’, mantendo-se, assim, a contribuição relativa ao contribuinte especial;

c. o art. 30, IV, da Lei nº 8.212/91 somente deixa de ser aplicado nos limites da declaração de inconstitucionalidade;

d. a novel legislação ordinária, arrimada no art. 195 da Constituição Federal na redação dada pela EC nº 20/98, ajusta a exação à interpretação constitucional dada pela Suprema Corte.

O princípio do amplo acesso ao Poder Judiciário, inscrito no art. 5º, XXXV, da Constituição do Brasil, não resta observado pelo simples fato de se emitir pronunciamento de mérito sobre as questões apresentadas. A emissão de decisões judiciais claras e fundadas em premissas corretas sob a ótica da lógica formal também é essencial para que se legitime a atividade jurisdicional.

Por isso, esperamos que este estudo conceda subsídios à atuação de todos os operadores do Direito envolvidos com o tema. Caso seja mantida a decisão original, restará às instâncias ordinárias resolverem os problemas práticos que certamente surgirão e que certamente voltarão à Suprema Corte pela via extraordinária.”

Ante o exposto, voto por rejeitar a arguição de inconstitucionalidade.É o meu voto.

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 377-458, 2011458

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SÚMuLaS

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SÚMULA Nº 1“É inconstitucional a exigência do empréstimo compulsório instituído pelo artigo

10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986, na aquisição de veículos de passeio e utilitários.” (DJ 02.10.91, p. 24.184)

SÚMULA Nº 2“Para o cálculo da aposentadoria por idade ou por tempo de serviço, no regime

precedente à Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, corrigem-se os salários de contri-buição, anteriores aos doze últimos meses, pela variação nominal da ORTN/OTN.” (DJ 13.01.92, p. 241)

SÚMULA Nº 3“Os juros de mora, impostos a partir da citação, incidem também sobre a soma das

prestações previdenciárias vencidas.” (DJ 24.02.92, p. 3.665)

SÚMULA Nº 4“É constitucional a isenção prevista no art. 6° do Decreto-Lei n° 2.434, de 19.05.88.”

(DJ 22.04.92, p. 989)

SÚMULA Nº 5“A correção monetária incidente até a data do ajuizamento deve integrar o valor da

causa na ação de repetição de indébito.” (DJ 01.05.92, p. 12.081)

SÚMULA Nº 6“A autoridade administrativa não pode, com base na Instrução Normativa n° 54/81

– SRF, exigir a comprovação do recolhimento do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.” (DJ 20.05.92, p. 13.384)

SÚMULA Nº 7“É inconstitucional o art. 8° da Lei n° 7.689 de 15 de dezembro de 1988.” (DJ

20.05.92, p. 13.384)

SÚMULA Nº 8“Subsiste no novo texto constitucional a opção do segurado para ajuizar ações

contra a Previdência Social no foro estadual do seu domicílio ou no do Juízo Federal.” (DJ 20.05.92, p. 13.385)

SÚMULA Nº 9“Incide correção monetária sobre os valores pagos com atraso, na via administrativa,

a título de vencimento, remuneração, provento, soldo, pensão ou benefício previden-ciário, face à sua natureza alimentar.” (DJ 06.11.92, p. 35.897)

SÚMULA Nº 10“A impenhorabilidade da Lei n° 8.009/90 alcança o bem que, anteriormente ao seu

advento, tenha sido objeto de constrição judicial.” (DJ 20.05.93, p. 18.986)

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SÚMULA Nº 11“O desapropriante está desobrigado de garantir compensação pelo deságio que os

títulos da dívida agrária venham a sofrer, se levados ao mercado antecipadamente.” (DJ 20.05.93, p.18.986) (Rep. DJ 14.06.93, p. 22.907)

SÚMULA Nº 12“Na execução fiscal, quando a ciência da penhora for pessoal, o prazo para a

oposição dos embargos de devedor inicia no dia seguinte ao da intimação deste.” (DJ 20.05.93, p. 18.986)

SÚMULA Nº 13“É inconstitucional o empréstimo compulsório incidente sobre a compra de gaso-

lina e álcool, instituído pelo artigo 10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986.” (DJ 20.05.93, p. 18.987)

SÚMULA Nº 14 (*)“É constitucional o inciso I do artigo 3° da Lei 7.787, de 1989.” (DJ 20.05.93,

p. 18.987) (DJ 31.08.94, p. 47.563 (*)CANCELADA)

SÚMULA Nº 15“O reajuste dos benefícios de natureza previdenciária, na vigência do Decreto-Lei

n° 2.351, de 7 de agosto de 1987, vinculava-se ao salário mínimo de referência, e não ao piso nacional de salários.” (DJ 14.10.93, p. 43.516)

SÚMULA Nº 16“A apelação genérica, pela improcedência da ação, não devolve ao Tribunal o exame

da fixação dos honorários advocatícios, se esta deixou de ser atacada no recurso.” (DJ 29.10.93, p. 46.086)

SÚMULA Nº 17 (*)“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 70,28%

relativo à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 02.12.93, p. 52.558) (DJ 19.06.95, p. 38.484 (*)REVISADA)

SÚMULA Nº 18“O depósito judicial destinado a suspender a exigibilidade do crédito tributário

somente poderá ser levantado, ou convertido em renda, após o trânsito em julgado da sentença.” (DJ 02.12.93, p. 52.558)

SÚMULA Nº 19“É legítima a restrição imposta pela Portaria DECEX n° 8, de 13.05.91, no que

respeita à importação de bens usados, dentre os quais pneus e veículos.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)

SÚMULA Nº 20“O art. 8°, parágrafo 1°, da Lei 8.620/93 não isenta o INSS das custas judiciais,

quando demandado na Justiça Estadual.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)

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SÚMULA Nº 21“É constitucional a Contribuição Social criada pelo art. 1° da Lei Complementar

n° 70, de 1991.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)

SÚMULA Nº 22“É inconstitucional a cobrança da taxa ou do emolumento para licenciamento de

importação, de que trata o art. 10 da Lei 2.145/53, com a redação da Lei 7.690/88 e da Lei 8.387/91.” (DJ 05.05.94, p. 20.933)

SÚMULA Nº 23“É legítima a cobrança do empréstimo compulsório incidente sobre o consumo de

energia elétrica, instituído pela Lei 4.156/62, inclusive na vigência da Constituição Federal de 1988.” (DJ 05.05.94, p. 20.933)

SÚMULA Nº 24“São autoaplicáveis os parágrafos 5° e 6° do art. 201 da Constituição Federal de

1988.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 25“É cabível apelação da sentença que julga liquidação por cálculo, e agravo de

instrumento da decisão que, no curso da execução, aprecia atualização da conta.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 26“O valor dos benefícios previdenciários devidos no mês de junho de 1989 tem

por base o salário mínimo de NCz$ 120,00 (art. 1° da Lei 7.789/89).” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 27“A prescrição não pode ser acolhida no curso do processo de execução, salvo se su-

perveniente à sentença proferida no processo de conhecimento.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 28“São inconstitucionais as alterações introduzidas no Programa de Integração Social

(PIS) pelos Decretos-Leis 2.445/88 e 2.449/88.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 29“Não cabe a exigência de estágio profissionalizante para efeito de matrícula em

curso superior.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 30“A conversão do regime jurídico trabalhista para o estatutário não autoriza ao ser-

vidor o saque dos depósitos do FGTS.” (DJ 09.06.94, p. 30.113)

SÚMULA Nº 31“Na ação de repetição do indébito tributário, os juros de mora incidem a partir do

trânsito da sentença em julgado.” (DJ 29.05.95, p. 32.675)

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SÚMULA Nº 32 (*)“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 42,72% relativo

à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 19.06.95, p. 38.484 (*)REVISÃO DA SÚMULA 17)

SÚMULA Nº 33“A devolução do empréstimo compulsório sobre combustíveis (art. 10 do Decreto-

-Lein°2.288/86) independedaapresentaçãodasnotasfiscais.”(DJ08.09.95,p.58.814)

SÚMULA Nº 34“Os municípios são imunes ao pagamento de IOF sobre suas aplicações financeiras.”

(DJ 22.12.95, p. 89.171)

SÚMULA Nº 35“Inexiste direito adquirido a reajuste de vencimentos de servidores públicos federais

com base na variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p. 744)

SÚMULA Nº 36“Inexiste direito adquirido a reajuste de benefícios previdenciários com base na

variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p. 744)

SÚMULA Nº 37“Na liquidação de débito resultante de decisão judicial, incluem-se os índices relati-

vos ao IPC de março, abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991.” (DJ 14.03.96, p. 15.388)

SÚMULA Nº 38“São devidos os ônus sucumbenciais na ocorrência de perda do objeto por causa

superveniente ao ajuizamento da ação.” (DJ 15.07.96, p. 48.558)

SÚMULA Nº 39“Aplica-se o índice de variação do salário da categoria profissional do mutuário

para o cálculo do reajuste dos contratos de mútuo habitacional com cláusula PES, vinculados ao SFH.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)

SÚMULA Nº 40“Por falta de previsão legal, é incabível a equivalência entre o salário de contribuição

e o salário de benefício para o cálculo da renda mensal dos benefícios previdenciários.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)

SÚMULA Nº 41“É incabível o sequestro de valores ou bloqueio das contas bancárias do INSS para

garantir a satisfação de débitos judiciais.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)

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SÚMULA Nº 42 (*)“A União e suas autarquias estão sujeitas ao adiantamento das despesas do oficial de

justiça necessárias ao cumprimento de diligências por elas requeridas.” (DJ 16.04.97, p. 24.642-43) (DJ 19.05.97, p. 34.755 (*)REVISÃO)

SÚMULA Nº 43“As contribuições para o FGTS não têm natureza tributária, sujeitando-se ao prazo

prescricional de trinta anos.” (DJ 14.01.98, p. 329)

SÚMULA Nº 44“É inconstitucional a contribuição previdenciária sobre o pro labore dos admi-

nistradores, autônomos e avulsos, prevista nas Leis nos 7.787/89 e 8.212/91.” (DJ 14.01.98, p. 329)

SÚMULA Nº 45“Descabe a concessão de liminar ou de antecipação de tutela para a compensação

de tributos.” (DJ 14.01.98, p. 329)

SÚMULA Nº 46“É incabível a extinção do processo de execução fiscal pela falta de localização do

devedor ou inexistência de bens penhoráveis (art. 40 da Lei n° 6.830/80).” (DJ 14.01.98, p. 330) (Rep. DJ 11.02.98, p. 725)

SÚMULA Nº 47“Na correção monetária dos salários de contribuição integrantes do cálculo da renda

mensal inicial dos benefícios previdenciários, em relação ao período de março a agosto de 1991, não se aplica o índice de 230,40%.” (DJ 07.04.98, p. 381)

SÚMULA Nº 48“O abono previsto no artigo 9°, § 6°, letra b, da Lei n° 8178/91 está incluído no

índice de 147,06%, referente ao reajuste dos benefícios previdenciários em 1° de se-tembro de 1991.” (DJ 07.04.98, p. 381)

SÚMULA Nº 49“O critério de cálculo da aposentadoria proporcional estabelecido no artigo 53 da

Lei 8.213/91 não ofende o texto constitucional.” (DJ 07.04.98, p. 381)

SÚMULA Nº 50“Não há direito adquirido à contribuição previdenciária sobre o teto máximo de 20

salários mínimos após a entrada em vigor da Lei n° 7.787/89.” (DJ 07.04.98, p. 381)

SÚMULA Nº 51“Não se aplicam os critérios da Súmula n° 260 do extinto Tribunal Federal de

Recursos aos benefícios previdenciários concedidos após a Constituição Federal de 1988.” (DJ 07.04.98, p. 381)

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SÚMULA Nº 52 (*)“São devidos juros de mora na atualização da conta objeto de precatório comple-

mentar.” (DJ 07.04.98, p. 382) (DJ 07.10.2003, p. 202 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 53“A sentença que, independentemente de pedido, determina a correção monetária

do débito judicial não é ultra ou extra petita.” (DJ 07.04.98, p. 382)

SÚMULA Nº 54“Os valores recebidos a título de incentivo à demissão voluntária não se sujeitam

à incidência do imposto de renda.” (DJ 22.04.98, p. 386)

SÚMULA Nº 55“É constitucional a exigência de depósito prévio da multa para a interposição de

recurso administrativo, nas hipóteses previstas pelo art. 93 da Lei n° 8.212/91 – com a redação dada pela Lei n° 8.870/94 – e pelo art. 636, § 1°, da CLT.” (DJ 15.06.98, p. 584)

SÚMULA Nº 56“Somente a Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva nas ações que ob-

jetivam a correção monetária das contas vinculadas do FGTS.” (DJ 03.11.98, p. 298)

SÚMULA Nº 57“As ações de cobrança de correção monetária das contas vinculadas do FGTS

sujeitam-se ao prazo prescricional de trinta anos.” (DJ 03.11.98, p. 298)

SÚMULA Nº 58“A execução fiscal contra a Fazenda Pública rege-se pelo procedimento previsto

no art. 730 do Código de Processo Civil.” (DJ 18.11.98, p. 518)

SÚMULA Nº 59“A UFIR, como índice de correção monetária de débitos e créditos tributários,

passou a viger a partir de janeiro de 1992.” (DJ 18.11.98, p. 519)

SÚMULA Nº 60“Da decisão que não recebe ou que rejeita a denúncia cabe recurso em sentido

estrito.” (DJ 29.04.99, p. 339)

SÚMULA Nº 61 (*)“A União e o INSS são litisconsortes passivos necessários nas ações em que seja

postulado o benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, não sendo caso de delegação de jurisdição federal.” (DJ 27.05.99, p. 290) (DJ 07.07.2004, p. 240 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 62 (*)“Nas demandas que julgam procedente o pedido de diferença de correção monetária

sobre depósitos do FGTS, não são devidos juros de mora relativamente às contas não movimentadas.” (DJ 23.02.2000, p. 578) (DJ 08.10.2004, p. 586 (*) CANCELADA)

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SÚMULA Nº 63“Não é aplicável a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal nas ações rescisórias

versando matéria constitucional.” (DJ 09.05.2000, p. 657)

SÚMULA Nº 64“É dispensável o reconhecimento de firma nas procurações ad judicia, mesmo

para o exercício em juízo dos poderes especiais previstos no art. 38 do CPC.” (DJ 07.03.2001, p. 619)

SÚMULA Nº 65“A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previ-

denciárias não constitui prisão por dívida.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 66“A anistia prevista no art. 11 da Lei nº 9.639/98 é aplicável aos agentes políticos,

não aproveitando aos administradores de empresas privadas.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 67“A prova da materialidade nos crimes de omissão no recolhimento de contribui-

ções previdenciárias pode ser feita pela autuação e notificação da fiscalização, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 68“A prova de dificuldades financeiras, e consequente inexigibilidade de outra con-

duta, nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser feita através de documentos, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 69“A nova redação do art. 168-A do Código Penal não importa em descriminalização

da conduta prevista no art. 95, d, da Lei nº 8.212/91.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 70“São devidos honorários advocatícios em execução de título judicial, oriundo de

ação civil pública.” (DJ 06.10.2003, p. 459)

SÚMULA Nº 71“Os juros moratórios são devidos pelo gestor do FGTS e incidem a partir da citação

nas ações em que se reclamam diferenças de correção monetária, tenha havido ou não levantamento do saldo, parcial ou integralmente.” (DJ 08.10.2004, p. 586)

SÚMULA Nº 72“É possível cumular aposentadoria urbana e pensão rural.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 73“Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade

rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

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SÚMULA Nº 74“Extingue-se o direito à pensão previdenciária por morte do dependente que atinge

21 anos, ainda que estudante de curso superior.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 75“Os juros moratórios, nas ações previdenciárias, devem ser fixados em 12% ao ano,

a contar da citação.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 76“Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente

sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 77“O cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário concedido a partir

de março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%).” (DJ 08.02.2006, p. 290)

SÚMULA Nº 78“A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da persecução penal

concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90.” (DJ 22.03.2006, p. 434)

SÚMULA Nº 79“Cabível a denunciação da lide à Caixa Econômica Federal nas ações em que os

ex-procuradores do Banco Meridional buscam o pagamento de verba honorária rela-tivamente aos serviços prestados para a recuperação dos créditos cedidos no processo de privatização da instituição.” (DE 26.05.2009)

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reSuMo

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ResumoTrata-se de publicação oficial do Tribunal Regional Federal da 4ª

Região, com periodicidade trimestral e distribuição nacional. A Revista contém inteiros teores de acórdãos recentes selecionados pelos Excelen-tíssimos Desembargadores, abordando as matérias de sua competência. Traz, ainda, discursos oficiais, arguições de inconstitucionalidade e as súmulas editadas pelo Tribunal, além de artigos doutrinários nacionais e internacionais de renomados juristas e, principalmente, da lavra dos Desembargadores Federais integrantes desta Corte.

Summarythis is about an official trimestrial publication of tribunal regional

Federal da 4ª região (Federal regional Court of appeals of the 4th Cir-cuit) in Brazil, distributed nationally. the periodical contains the entire up-to-date judgments selected by the federal judges, concerning to the matters of the federal competence. it also brings the official speeches, the arguings unconstitutionality and the law summarized cases edited by the Court, as well as the national and the international doctrinal articles, written by renowned jurists and mainly those written by the Judges of this Court.

Resumenesta es una publicación oficial del tribunal regional de la 4ª región,

con periodicidad trimestral y distribución nacional. La revista contiene la íntegra de recientes decisiones, seleccionadas por Magistrados com-

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 469-472, 2011 471

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ponentes de esta Casa, abordando materias de su competencia, también discursos oficiales, cuestiones sobre control de constitucionalidad, sú-mulas editadas por el propio tribunal, artículos de doctrina nacional y internacional escritos por renombrados jurisconsultos y, principalmente, aquellos proferidos por Jueces que pertenecen a esta Corte.

SintesiSi tratta di pubblicazione ufficiale del tribunale regionale Federale

della Quarta regione, con periodicità trimestrale e distribuizione na-zionale. La rivista riproducce l’integra di sentenze recenti selezionate dai egregi Consiglieri della Corte d’appello Federale, relazionate alle materie della sua competenza. riproducce, ancora, pronunciamenti ufficiali, ricorsi di incostituzionalità, la giurisprudenza consolidata publicata dal tribunale e testi dottrinali scritti dai Consiglieri di questa Corte d’appello e da rinomati giuristi nazionali ed internazionali.

Résuméil s’agit d’une publication officielle du tribunal regional Federal

da 4ª Região (Tribunal Régional Fédéral de la 4ème Région), dont la périodicité est trimestrielle et la distribution nationale. Cette revue publie les textes complets des arrêts les plus récents, sélectionnés par les Juges Conseillers de la Cour d’Appel, concernant des matières de leur compétence. en plus ce périodique apporte aussi bien des discours officiels, des argumentations d’inconstitutionnalité, des arrêts édités par le tribunal, des articles doctrinaires, y compris des textes redigés par les Juges Conseillers de cette Cour de Justice et par des juristes nacionaux et internationaux renommés.

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ÍndiCe nuMÉriCo

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DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL0000933-26.2008.404.7119/RS (AC) Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz......1632001.70.00.028452-5/PR (AC) Rel. Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler.............................1852006.72.16.004049-5/SC (AC) Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva..........................1992007.71.00.012546-4/RS (EINF) Rel. Juiz Federal Guilherme Beltrami......................................2105001470-20.2010.404.7004/PR (APELREEX) Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria...............................216

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL0001530-07.2011.404.0000/RS (HC) Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado.....................2250014044-37.2008.404.7100/RS (ACR) Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz...............................2290035721-15.2010.404.0000/SC (RVCR) Rel. Des. Federal Márcio Antônio Rocha.................................2422002.71.00.002628-2/RS (ACR) Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose............................................2545008493-77.2010.404.0000/RS (HC) Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus........................267

DIREITO PREVIDENCIÁRIO0000343-48.2009.404.7205/SC (AC) Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira............................2790027542-06.2008.404.7100/RS (AC) Rel. Des. Federal Celso Kipper................................................2852009.70.99.000222-0/PR (AC) Rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti........................................304

DIREITO PROCESSUAL CIVIL0000570-51.2011.404.0000/SC (AGVSEL) Rel. Des. Federal Vilson Darós.................................................3110000978-42.2011.404.0000/RS (MS) Rel. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle................3180003389-58.2011.404.0000/RS (AG) Rel. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida...............................3220010735-94.2010.404.0000/PR (AG) Rel. Desa. Federal Silvia Goraieb.............................................3270032018-76.2010.404.0000/PR (AG) Rel. Juiz Federal Jorge Antonio Maurique...............................3352007.72.01.004261-2/SC (AC) Rel. Des. Federal Joel Ilan Paciornik........................................341

DIREITO TRIBUTÁRIO2007.70.08.001033-4/PR (AC) Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona...........................3615014246-64.2010.404.7000/PR (APELREEX) Rel. Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch.................371

ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE0035351-13.2009.404.7100/RS (ARGINC) Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria..............................3791995.71.00.003491-0/RS (ARGINC) Rel. Des. Federal Joel Ilan Paciornik.......................................3882002.71.04.002979-8/RS (ARGINC) Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz...............................3922008.70.16.000444-6/PR (ARGINC) Rel. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira...........................413

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ÍndiCe anaLÍtiCo

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A

AÇÃO CIVIL PÚBLICADireito indisponível – Vide SUS

Liminar – Vide PRAZO EM DOBRO

AÇÃO REGRESSIVAImprocedência. Seguradora, contra, União Federal, decorrência, acidente aeronáutico. Impossibilidade, reconhecimento, responsabilidade objetiva do Estado, hipótese, inexistência, nexo de causalidade, entre, ato administrativo, e, acidente aeronáutico. Nãoocorrência,irregularidade,prestação,serviçopúblico.Verificação,conduta,piloto,e, condição, tempo, motivo, acidente.Indeferimento, realização, nova, perícia, decorrência, não, comprovação, falta, capacidade técnica, perito...........................................................................................185

ACIDENTE AERONÁUTICOSeguradora – Vide AÇÃO REGRESSIVA

ADMISSIBILIDADEParcialidade – Vide RECURSO ESPECIAL

AGRAVO REGIMENTALMinistério Público Federal – Vide PRAZO EM DOBRO

APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIAInconstitucionalidade, parte, artigo, Código Penal, previsão, empresário, não recolhimento, contribuição previdenciária, relação, despesa contábil, ou, custo, referência, venda, produto, ou, prestação de serviço. Não caracterização, natureza penal. Verificação,ocorrência,inadimplemento,obrigaçãotributária,empresa.

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Violação, garantia constitucional, proibição, realização, prisão, por, dívida civil. Observância, Pacto de São José da Costa Rica.Arguição de inconstitucionalidade, procedência.......................................................392

ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTETerreno de marinha – Vide DANO AMBIENTAL

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADECódigo Penal – Vide APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

Lei ordinária – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

Rejeição – Vide CRÉDITO RURALB

BOA-FÉAdquirente – Vide FRAUDE À EXECUÇÃO

Importador – Vide PERDIMENTO DE BENS

C

CANCELAMENTO DE BENEFÍCIOLegalidade, decorrência, indício, fraude, concessão, benefício previdenciário. Verificação, segurado, não, implementação, tempo de serviço, para, obtenção, aposentadoria por tempo de contribuição. Procedimento administrativo, observância, contraditório, ampla defesa.Desnecessidade, encerramento, procedimento administrativo, para, suspensão, benefício previdenciário. Descabimento, aplicação, efeito suspensivo, recurso administrativo, hipótese, interposição, decorrência, decisão monocrática. Inexistência, previsão legal..............................................................................................................................285

CÓDIGO PENALArguição de inconstitucionalidade - Vide APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

CONDENAÇÃO ANTERIORVide SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

CONTRATAÇÃO DIRETAEmpresa – Vide FRUSTAR OU FRAUDAR O CARÁTER COMPETITIVO DE LICITAÇÃO

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CONTRIBUIÇÃO SOCIALDestinação, Funrural. Inconstitucionalidade, incidência, sobre, receita bruta, com, origem, comercialização, produção rural, referência, empregador rural, pessoa física. Cabimento, exigibilidade, contribuição social, sobre, folha de salários, decorrência, equiparação, com, empresa. Observância, princípio da isonomia.Arguição de inconstitucionalidade, lei ordinária, procedência em parte....................413

COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONALLegalidade, expedição, para, país estrangeiro, formulário, solicitação, assistência judiciária, matéria penal, objetivo, quebra de sigilo bancário, acusado, para, investigação, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, crime contra a ordem tributária. Informação, preenchimento, documento, não caracterização, constrangimento, acusado.........................................................................................................................267

CORREÇÃO MONETÁRIAJuros de mora – Vide DEPÓSITO JUDICIAL

CRÉDITO RURALConstitucionalidade, previsão legal, possibilidade, renegociação, dívida, com, diferença, referência, existência, ou, não, inscrição da dívida ativa. Cabimento, concessão, privilégio, para, débito, sem, inscrição da dívida ativa. Inexistência, violação, princípio da isonomia. Rejeição, arguição de inconstitucionalidade..............................................................379

CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIROAtipicidade.Autordocrime,desviodefinalidade,financiamento,obtenção,pelo,BNDES.Inexistência,prejuízo,sistemafinanceironacional.Pequenaquantidade,dano,apenas,instituiçãofinanceira.Desclassificaçãodocrime,para,empregoirregulardeverbaspúblicas. Extinção da punibilidade, decorrência, prescrição.........................................229

D

DANO AMBIENTALTerreno de marinha, e, área de preservação permanente. Suspensão, obra civil, em, loteamento. Necessidade, apresentação, relatório de impacto ambiental, prazo, seis meses. Condenação, imobiliária, reparação de danos, meio ambiente, em, observância, orientação, estudo de impacto ambiental, e, pagamento, valor, relevância, indenização, para, Fundo de Defesa de Direitos Difusos.Proibição, alienação, imóvel, decorrência, Serviço do Patrimônio da União, cancelamento, outorga, uso.Fundação, meio ambiente, estado, Santa Catarina, suspensão, licença de instalação, e, licença de operação, loteamento, após, citação, ação civil pública..........................199

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DANO MATERIALIndenização – Vide DANO MORAL

DANO MORALDano material, indenização, pelo, prejuízo, vida privada, comerciante, entre, 1964, e, 1971, ano, absolvição, Justiça Militar.Razoabilidade, valor, indenização. Perseguição política, durante, regime militar. Prisão, interrogatório, fechamento, e, posterior, prejuízo, estabelecimento comercial, pela, apreensão, metade, estoque, livro................................................................................210

Indenização, por, violação, direito autoral. Descabimento, indenização, por, dano material.ResponsabilidadeobjetivadoEstado.UniãoFederal,divulgação,fotografia,em,revista,com, atribuição, autoria, para, terceiro.Aplicação,súmula,STJ,para,fixação,correçãomonetária,jurosdemora...........................163

DECISÃO MONOCRÁTICAPresidência – Vide PRAZO EM DOBRO

DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADECaráter formal – Vide PASEP

DECRETO-LEIDeclaração de inconstitucionalidade – Vide PASEP

DEPÓSITO JUDICIALImpossibilidade, interrupção, mora. Até, pagamento, dívida, incidência, correção monetária, e, juros, em, observância, título executivo judicial. Mesmo, critério, para, complementação, honorários advocatícios.Título executivo judicial, não, proibição, incidência, juros de mora, após, realização, perícia.Manutenção, mora, decorrência, impossibilidade, levantamento, depósito judicial. Executado, realização, depósito judicial, apenas, com, objetivo, impugnação, pretensão, exequente....................................................................................................................327

DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIMEEmprego irregular de verbas públicas – Vide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO

DESCONSTITUIÇÃO DA PENHORAVeículo automotor – Vide FRAUDE À EXECUÇÃO

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DESPACHO ADUANEIRORetificação–VidePERDIMENTODEBENS

DIMINUIÇÃO DA PENASequestro – Vide REVISÃO CRIMINAL DIREITO INDISPONÍVELAção civil pública – Vide SUS

DÍVIDA CIVILPrisão – Vide APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

DOSIMETRIA DA PENACausa especial de aumento de pena – Vide REVISÃO CRIMINAL

E

EMPREGADOR RURALPessoa física – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

EMPREGO IRREGULAR DE VERBAS PÚBLICASDesclassificaçãodocrime–VideCRIMECONTRAOSISTEMAFINANCEIRO

EMPRESAContratação direta – Vide FRUSTAR OU FRAUDAR O CARÁTER COMPETITIVO DE LICITAÇÃO

EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIOEnergia elétrica – Vide ÔNUS DA PROVA

ERROExportador – Vide PERDIMENTO DE BENS

ESTABELECIMENTO COMERCIALPrejuízo – Vide DANO MORAL

EXECUÇÃO DE SENTENÇADescabimento,adoção,cálculo,elaboração,contadorjudicial,em,caráterdefinitivo,para, apuração, valor incontroverso, execução de sentença. Necessidade, indicação, índice, utilização, base de cálculo, incidência, juros de mora, e, discriminação, beneficiário,quantia,apuração.Exigibilidade,aberturadeprazo,para,manifestação,parte processual.Procedência, pedido, reconhecimento, erro material, decisão judicial, ação civil

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pública, com, trânsito em julgado, decorrência, adoção, laudo pericial, com, erro, sobre,valor,dívida,e,necessidade,retificação,cálculo, liquidação,para,fixação,indenização, pelo, valor real, árvore adulta, em, fevereiro, ano, 1985, tempo, laudo pericial...................................................................................................................335

EXPORTADORErro – Vide PERDIMENTO DE BENS

EXTORSÃO QUALIFICADADesclassificação–VideREVISÃOCRIMINAL

F

FOLHA DE SALÁRIOSEmpregador rural – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

FOTOGRAFIARevista – Vide DANO MORAL

FRAUDE À EXECUÇÃONão caracterização. Manutenção, desconstituição da penhora, sobre, veículo automotor, sem, restrição, Detran. Boa-fé, adquirente, aquisição, automóvel, revendedor, sem, conhecimento, anterior, proprietário. Alienação, após, citação, sócio, executado. Inobservância, princípio da razoabilidade, exigência, adquirente, veículo automotor, pesquisa,sobre,regularidadefiscal,alienante.Parte,valor,compra,origem,contrato,alienaçãofiduciária,aparência,segurançajurídica.Presunção relativa, fraude à execução, com, possibilidade, discussão, sobre, boa-fé, adquirente, em, embargos de terceiro.Fraude à execução, natureza jurídica, instituto, direito processual. Possibilidade, prejuízo, interesse, credor, e, efetividade, atividade, jurisdição, com, frustração, meio executório. Inexistência, questionamento, sobre, dano, e, consilium fraudis. Litispendência, indução, fraude à execução................................................................341

FRUSTRAR OU FRAUDAR O CARÁTER COMPETITIVO DE LICITAÇÃOAtipicidade. Contratação direta, empresa, objetivo, compra, uniforme, para, empregado, Core (Conselho Regional de Representantes Comerciais). Enquadramento, possibilidade, dispensa, licitação, decorrência, valor mínimo, mercadoria. Simulação, licitação, data, posterior, objetivo, apenas, regularização, compra. Não, comprovação, vontade, obtenção, vantagem ilícita.Inexistência, cerceamento de defesa, pela, falta, intimação, advogado dativo, data, audiência,juízodeprecado,hipótese,cientificação,expedição,cartaprecatória.Não ocorrência, nulidade, perícia grafotécnica..........................................................254

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FUNDO DE DEFESA DE DIREITOS DIFUSOSIndenização – Vide DANO AMBIENTAL

H

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOSComplementação – Vide DEPÓSITO JUDICIAL

I

IMOBILIÁRIAReparação de danos – Vide DANO AMBIENTAL

IMPORTADORBoa-fé – Vide PERDIMENTO DE BENS

IMUNIDADE TRIBUTÁRIAProduto importado, para, leitura, livro, produto eletrônico.STF, autorização, extensão, benefício, para, equipamento, equiparação, papel.............371

INAUDITA ALTERA PARTEExecução - Vide ÔNUS DA PROVA

INDENIZAÇÃODano material – Vide DANO MORAL

Fundo de Defesa de Direitos Difusos – Vide DANO AMBIENTAL

INSCRIÇÃO DA DÍVIDA ATIVADébito – Vide CRÉDITO RURAL

INTERPRETAÇÃO ANALÓGICAReincidência – Vide SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

L

LAVAGEM DE DINHEIROQuebra de sigilo bancário – Vide COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL

LEI COMPLEMENTAR MUNICIPALDeclaração de inconstitucionalidade – Vide PENSÃO POR MORTE

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LEI ORDINÁRIAArguição de inconstitucionalidade – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

LIVRO Produto eletrônico – Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

M

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALAgravo regimental – Vide PRAZO EM DOBRO

MORAVide DEPÓSITO JUDICIAL

ÔNUS DA PROVAEmpresa, exequente, apresentação, prova documental, sobre, recolhimento, empréstimo compulsório, ou, comprovação, impossibilidade, decorrência, recusa, anterior, concessionária, responsável, pelo, fornecimento, energia elétrica, domicílio.Descabimento, exequente, requerimento, juntada, documento, fase, execução, inaudita altera parte. Não ocorrência, negativa, jurisdição. Observância, intervenção mínima, Poder Judiciário, e, ampla defesa................................................................................322

P

PARCIALIDADEAdmissibilidade – Vide RECURSO ESPECIAL

PASEP Declaração de inconstitucionalidade, caráter formal, inciso, artigo, decreto-lei, ano, 1983.Definição,como,contribuinte,para,Pasep,entidade,com,controle,formadireta,ou, forma indireta, pelo, Poder Público.Jurisprudência pacífica, STF, entendimento, contribuição, para, Pasep, não caracterização, como, tributo, período, entre, Emenda Constitucional, ano, 1977, e, Constituição Federal, 1988.Constituição anterior, ano, 1969, previsão, adequação, decreto-lei, para, matéria tributária.......................................................................................................................388

PENSÃO POR MORTECompanheira – Vide RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO

Regime estatutário, descabimento. de cujus, contratação, pelo, regime celetista, sem, concurso público, com, posterior, enquadramento, regime estatutário, por, lei complementar municipal. Caracterização, ato inexistente, decorrência, Tribunal de

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Justiça, declaração de inconstitucionalidade, lei complementar municipal.Descabimento,reajuste,pensãopormorte,beneficiário,esposa,pelo,RGPS.................279

PERDIMENTO DE BENSDescabimento, decorrência, erro, exportador, remessa, mercadoria, com, troca, empresa importadora.Cabimento,retificação,despachoaduaneiro.Verificação, boa-fé, importador, realização, pedido espontâneo, retificação, após,desembaraço aduaneiro. Inexistência, dano ao Erário.Observância, desproporcionalidade, aplicação da pena.............................................361

PERSEGUIÇÃO POLÍTICARegime militar – Vide DANO MORAL

PODER JUDICIÁRIOIntervenção – Vide SUS

PRAZO EM DOBROImprovimento, agravo regimental, interposição, pelo, Ministério Público Federal, contra, decisão monocrática, presidência, TRF, negação, seguimento, agravo, decorrência, intempestividade.STF, entendimento, inaplicabilidade, prazo em dobro, previsão, Código de Processo Civil, para, Fazenda Pública, e, Ministério Público, interposição, agravo, contra, decisão monocrática, presidência, Tribunal, hipótese, pedido, suspensão, tutela antecipada. Deferimento, em, parte, pedido, suspensão, liminar, ação civil pública.....................311

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOHemodiálise – Vide SUS

PRINCÍPIO DA ISONOMIAPaciente – Vide SUS

Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

Vide CRÉDITO RURAL

PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADEVide FRAUDE À EXECUÇÃO

PRISÃODívida civil – Vide APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVOAmpla defesa – Vide CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO

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PRODUTO ELETRÔNICOLivro – Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

Q

QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIOLavagem de dinheiro – Vide COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL

R

RECEITA BRUTAEmpregador rural – Vide CONTRIBUIÇÃO SOCIAL

RECURSO ADMINISTRATIVOEfeito suspensivo – Vide CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO

RECURSO ESPECIALAdmissibilidade, parcialidade. Não, impedimento, apreciação, integralidade, conteúdo, pelo, STJ. Desnecessidade, interposição, agravo inominado.Mandado de segurança, extinção do processo sem resolução de mérito, pela, inexistência, interesse de agir..........................................................................................................318

REGIME ESTATUTÁRIOLei complementar municipal – Vide PENSÃO POR MORTE

REGIME MILITARPerseguição política – Vide DANO MORAL

REINCIDÊNCIAInterpretação analógica – Vide SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO

RENEGOCIAÇÃODívida – Vide CRÉDITO RURAL

RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADOAcidente aeronáutico – Vide AÇÃO REGRESSIVA

Vide DANO MORAL

RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIOPensão por morte, descabimento. Impossibilidade, enquadramento, como, companheira, pessoa física, responsável, auxílio, segurado, idoso. Inviabilidade, alegação, existência, uniãoestável,decorrência,verificação,apenas,atividadeprofissional,simultaneidade,convivência, outra, família..........................................................................................304

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REVISÃO CRIMINALDescabimento, relação, crime, sequestro, com, objetivo, diminuição da pena. Inexistência, interesse jurídico, réu, ajuizamento, decorrência, extinção da punibilidade, pela, prescrição.Inaplicabilidade,objetivo,desclassificação,crime,extorsãoqualificada,pelo,resultado,morte, para, participação, extorsão. Impossibilidade, nova, apreciação, prova. Sentença judicial, e, recurso judicial, interposição, pela, defesa, discussão, e, apreciação, previsão, resultado, morte.Dosimetria da pena. Diminuição da pena, ex officio, pela, impossibilidade, aplicação, causa especial de aumento de pena, decorrência, pena-base, consideração, gravidade, delito. Caracterização, bis in idem..............................................................................242

S

SEQUESTRODiminuição da pena – Vide REVISÃO CRIMINAL

SUSAdministração Pública, necessidade, aumento, repasse, verba pública, superior, previsão, tabela, objetivo, pagamento, prestação de serviço, hemodiálise, para, totalidade, paciente, SUS. Observância, princípio da isonomia. Cabimento, intervenção, Poder Judiciário, hipótese, possibilidade, ocorrência, morte, diversidade, paciente. Inconstitucionalidade, ilegalidade, comportamento, Poder Público, repasse, insuficiência, valor, para, pagamento, fatura,mês, prestador deserviço, hemodiálise. Responsabilidade solidária, União Federal, estado, município. Legitimidade ativa, Ministério Público Federal, para, ajuizamento, ação civil pública, com, objeto, defesa, direito individual, direito indisponível.........................................216

SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSODescabimento, manutenção, prazo indeterminado, como, impedimento, para, concessão, suspensão condicional do processo, hipótese, existência, condenação anterior, com, extinção da punibilidade. Aplicação, interpretação analógica, com, reincidência. Remessa, autos, para, Ministério Público Federal, apreciação, eventualidade, preenchimento, requisito, para, oferecimento, suspensão condicional do processo.......225

T

TERRENO DE MARINHAÁrea de preservação permanente – Vide DANO AMBIENTAL

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ÍndiCe LeGiSLatiVo

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Código Civil de 1916Artigo 159 .................................................................................................................210

Código CivilArtigo 186 .................................................................................................................210

Código de Processo CivilArtigo 188 ..................................................................................................................311Artigo 267 ...................................................................................................................318Artigo 295 ..................................................................................................................318

Código PenalArtigo 69 .....................................................................................................................242Artigo 71 ......................................................................................................................242Artigo 107 ..................................................................................................................229Artigo 109 ..................................................................................................................229Artigo 148 ....................................................................................................................242Artigo 157 ....................................................................................................................242Artigo 158 ....................................................................................................................242Artigo 168 ..................................................................................................................392Artigo 315 ..................................................................................................................229

Código Tributário Nacional Artigo 112 ..................................................................................................................361Artigo 185 ....................................................................................................................341

Constituição Federal/88Artigo 5º....................................................................................163/210/225/285/379/392Artigo 37 ...........................................................................................................163/185Artigo 150...........................................................................................................371/379Artigo 196 ................................................................................................................216Artigo 225 ..................................................................................................................199

Decreto nº 678/92, AnexoArtigo 7º.....................................................................................................................392

Decreto nº 3.048/99Artigo 174 ..................................................................................................................285Artigo 308 ..................................................................................................................285

Decreto nº 4.543/2002Artigo 618 ..................................................................................................................361

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Decreto nº 5.015/2004Artigo 18 ......................................................................................................................267

Decreto-Lei nº 2.052/83Artigo 14 ......................................................................................................................388

Emenda Constitucional nº 1/69Artigo 55 ...................................................................................................................388

Emenda Constitucional nº 08/77 .............................................................................388

Emenda Constitucional nº 20/98 .............................................................................413

Fórum Nacional dos Juizados Especiais (Fonaje)Enunciado 16 .............................................................................................................225

Lei nº 7.347/85 ............................................................................................................199

Lei nº 7.492/86Artigo 21 ....................................................................................................................267Artigo 22 ....................................................................................................................267

Lei nº 7.789/89 ............................................................................................................199

Lei nº 8.137/90Artigo 1º....................................................................................................................267

Lei nº 8.212/91Artigo 12 ....................................................................................................................413Artigo 15 ....................................................................................................................413Artigo 22 .....................................................................................................................413Artigo 25 ....................................................................................................................413Artigo 30 ....................................................................................................................413Artigo 69 ......................................................................................................................285

Lei nº 8.213/91Artigo 126 ....................................................................................................................285

Lei nº 8.540/92Artigo 1° .....................................................................................................................413

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 491-496, 2011494

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Lei nº 8.660/93Artigo 7º.....................................................................................................................327

Lei nº 8.666/93Artigo 24 ....................................................................................................................254Artigo 90 ....................................................................................................................254

Lei nº 9.099/95Artigo 89 ...................................................................................................................225

Lei nº 9.289/96Artigo 11 ...................................................................................................................327

Lei nº 9.528/97 ..........................................................................................................413

Lei nº 9.610/98Artigo 24 ....................................................................................................................163Artigo 108 .................................................................................................................163

Lei nº 9.613/98Artigo 1º......................................................................................................................267

Lei nº 9.784/99Artigo 2º.....................................................................................................................285Artigo 61 ...................................................................................................................285Artigo 69 ...................................................................................................................285

Lei nº 10.256/2001 .....................................................................................................413

Lei nº 10.559/2002 Artigo 4º ....................................................................................................................210

Lei nº 10.666/2003Artigo 11 .....................................................................................................................285

Lei nº 11.775/2008Artigo 1° ....................................................................................................................379Artigo 8° ...................................................................................................................379

Lei nº 12.016/2009Artigo 1º ....................................................................................................................318Artigo 10 ...................................................................................................................318

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Lei Complementar nº118/2005 ..................................................................................341

Regimento Interno do TRF4Artigo 37 ..................................................................................................................318

Resolução 237/97 (Conama)Artigo 3º......................................................................................................................199

Súmula do Supremo Tribunal FederalNº 292 ........................................................................................................................318Nº 528 ........................................................................................................................318

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 22, n. 79, p. 491-496, 2011496

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