QUARTA REGIÃO

531
QUARTA REGIÃO

Transcript of QUARTA REGIÃO

Page 1: QUARTA REGIÃO

QUARTA REGIÃO

Page 2: QUARTA REGIÃO
Page 3: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 1-532, 2006

QUARTA REGIÃO

Page 4: QUARTA REGIÃO

Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. – Vol. 1, n. 1

(jan./mar. 1990). – Porto Alegre: O Tribunal, 1990 – v. – Trimestral.

ISSN 0103-6599

1. Direito – Periódicos. 2. Direito – Jurisprudência. 1. Brasil.Tribunal Regional Federal 4ª Região.

CDU 34(051)34(094.9)

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL4ª Região

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300CEP 90.010-395 - Porto Alegre - RS

PABX: 0 XX 51-3213-3000e-mail: [email protected]: 850 exemplares

Ficha Técnica

Direção:Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Assessoria:Isabel Cristina Lima Selau

Análise e Indexação:Eliana Raffaelli

Giovana Torresan VieiraMarta Freitas Heemann

Revisão, Formatação e Layout:Leonardo Schneider

Maria Aparecida C. de Barros BertholdMaria de Fátima de Goes Lanziotti

Os textos publicados nesta revista são revisados pela Escola da Magistraturado Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Page 5: QUARTA REGIÃO

LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGONDes. Federal Diretor da Escola da Magistratura

QUARTA REGIÃO

Page 6: QUARTA REGIÃO
Page 7: QUARTA REGIÃO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

JURISDIÇÃORio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná

COMPOSIÇÃOEm junho de 2006

Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria – 09.12.1994 – PresidenteDes. Federal Amaury Chaves de Athayde – 05.02.1997 – Vice-Presidente

Des. Federal João Surreaux Chagas – 14.06.1996 – Corregedor-GeralDesa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb – 09.12.1994

Des. Federal Vilson Darós – 09.12.1994Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler – 09.12.1994

Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – 09.12.1994 – Vice-Corregedor-GeralDesa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère – 05.02.1997Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior – 15.06.1998

Des. Federal Valdemar Capeletti – 08.06.1999Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – 17.09.1999 – Diretor da

Escola da Magistratura Des. Federal Tadaaqui Hirose – 08.11.1999

Des. Federal Dirceu de Almeida Soares – 28.06.2001Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – 28.06.2001 – Conselheiro da Escola

da MagistraturaDes. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – 28.06.2001

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – 28.06.2001Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira – 06.12.2001 – Conselheiro

da Escola da MagistraturaDes. Federal Néfi Cordeiro – 13.05.2002

Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – 03.02.2003Des. Federal João Batista Pinto Silveira – 06.02.2004

Des. Federal Celso Kipper – 29.03.2004Des. Federal Otávio Roberto Pamplona – 02.07.2004Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira – 02.07.2004

Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle – 27.04.2005Juiz Federal Rômulo Pizzolatti (convocado) Juiz Federal Joel Ilan Paciornik (convocado)

Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch (convocada)

Page 8: QUARTA REGIÃO

Juiz Federal Márcio Antônio Rocha (convocado)Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira (convocado)

Juiz Federal Fernando Quadros da Silva (convocado)Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

Juiz Federal Luiz Antônio Bonat (convocado)Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz (convocado)

Page 9: QUARTA REGIÃO

PRIMEIRA SEÇÃODes. Federal Amaury Chaves de Athayde – Presidente

Des. Federal Vilson DarósDesa. Federal Marga Inge Barth Tessler Des. Federal Dirceu de Almeida Soares

Des. Federal Antônio Albino Ramos de OliveiraDes. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

Juiz Federal Joel Ilan Paciornik (convocado)

SEGUNDA SEÇÃODes. Federal Amaury Chaves de Athayde – Presidente

Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves GoraiebDes. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior

Des. Federal Valdemar CapelettiDes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores LenzJuiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira (convocado)

TERCEIRA SEÇÃODes. Federal Amaury Chaves de Athayde – Presidente

Des. Federal Victor Luiz dos Santos LausDes. Federal João Batista Pinto Silveira

Des. Federal Celso Kipper Des. Federal Otávio Roberto Pamplona

Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo AurvalleJuiz Federal Rômulo Pizzolatti (convocado)

QUARTA SEÇÃODes. Federal Amaury Chaves de Athayde – Presidente

Des. Federal Élcio Pinheiro de CastroDesa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère

Des. Federal Tadaaqui HiroseDes. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Des. Federal Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. Federal Néfi Cordeiro

Page 10: QUARTA REGIÃO

PRIMEIRA TURMADes. Federal Vilson Darós – PresidenteDes. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

Juiz Federal Joel Ilan Paciornik (convocado)

SEGUNDA TURMADesa. Federal Marga Inge Barth Tessler – Presidente

Des. Federal Dirceu de Almeida SoaresDes. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira

TERCEIRA TURMADesa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb – Presidente

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores LenzJuíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

QUARTA TURMADes. Federal Valdemar Capeletti – Presidente

Juiz Federal Márcio Antônio Rocha (convocado)Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira (convocado)

PRIMEIRA TURMA SUPLEMENTARDes. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior – Presidente

Des. Federal Luiz Carlos de Castro LugonJuiz Federal Fernando Quadros da Silva (convocado)

QUINTA TURMADes. Federal Celso Kipper – Presidente

Juiz Federal Rômulo Pizzolatti (convocado)Juiz Federal Luiz Antônio Bonat (convocado)

SEXTA TURMADes. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – Presidente

Des. Federal João Batista Pinto Silveira Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz (convocado)

SEGUNDA TURMA SUPLEMENTAR

Page 11: QUARTA REGIÃO

Des. Federal Otávio Roberto Pamplona – PresidenteDes. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle

Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch (convocada)

SÉTIMA TURMADesa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère – Presidente

Des. Federal Tadaaqui HiroseDes. Federal Néfi Cordeiro

OITAVA TURMADes. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente

Des. Federal Paulo Afonso Brum VazDes. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

Page 12: QUARTA REGIÃO
Page 13: QUARTA REGIÃO

SUMÁRIO

DOUTRINA ......................................................................................15 Momentos Maria Lúcia Luz Leiria...........................................................17 Miguel Reale e o Código Civil, “a Constituição do homem

comum” Homenagem da Escola da Magistratura do TRF4 .................21 A Parte Geral do Novo Código Civil Miguel Reale ...........................................................................27 Duas questões penais: a) a reparação do dano no Crime de

Apropriação Indébita; b) análise do art. 342 do CPB. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz .................................39

DISCURSOS......................................................................................43 Maria Lúcia Luz Leiria...........................................................45 Nylson Paim de Abreu ............................................................47 Maria Hilda Marsiaj Pinto .....................................................51 Luiz Carlos de Castro Lugon ..................................................53 Micheli Polippo ......................................................................57

ACÓRDÃOS......................................................................................63

Page 14: QUARTA REGIÃO

Direito Administrativo e Direito Civil ....................................65 Direito Penal e Direito Processual Penal ..............................183 Direito Previdenciário ...........................................................287 Direito Processual Civil ........................................................327 Direito Tributário ..................................................................387

ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ..........................469

SÚMULAS ......................................................................................485

ÍNDICE NUMÉRICO ......................................................................495

ÍNDICE ANALÍTICO .....................................................................499

ÍNDICE LEGISLATIVO .................................................................525

Page 15: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 485-494, 2006 15

DOUTRINA

Page 16: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 200616

Page 17: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 2006 17

Momentos Maria Lúcia Luz Leiria*

Contactada para escrever em espaço dedicado à Ministra Ellen Gracie Northfleet, senti-me honrada, orgulhosa e despreocupada. Honrada, por poder manifestar meu orgulho de ter sido colega dos bancos da academia e, ao depois, compor o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao lado da estimada Ministra. Despreocupada, porque a Ministra Ellen desnecessita de descrição ou esclarecimentos sobre quem é, como é e o que representa, para tanto basta que se leia qualquer parte de seu alentado currículo. Por isso, em homenagem a sua trajetória, escolhi momentos que demonstra-ram e que continuam a demonstrar a força, a determinação, a correção, o brilho e a simplicidade de nossa primeira mulher Presidente do STF.

Ellen Gracie, ao assumir a Presidência do TRF-4ª Região, a par de homenagear a sua origem no Ministério Público, disse:

“Inobstante os percalços, o Poder Judiciário se tem comportado com extraordiná-ria discrição, recebendo e absorvendo os golpes que lhe são desferidos, sem maiores contestações ou reação. Creio que isso se deve, ao menos em parte, a nossa falta de tempo e de disposição de alimentar polêmicas, porque imensa é a tarefa que nos toca.

A magistratura, porém, se tem debruçado numa fecunda autocrítica, buscando de-tectar as razões de suas deficiências e definir as estratégias que levem a sua superação. Sucedem-se os encontros, seminários e conferências em que se aprofunda a reflexão sobre o exercício do Poder Judiciário.

* Desa. Federal Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Page 18: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 200618

(...)Pode-se afirmar, e com base em dados concretos, que a Justiça brasileira é serviço

eficiente e de custo reduzidíssimo, que atende a uma demanda para a qual não foi di-mensionada e que só tem alcançado tal desempenho por força do devotado empenho de magistrados e servidores, que não medem sacrifícios para cumprir a nobre missão que a sociedade lhes atribuiu.”

Neste Tribunal, demonstrou, em inúmeros julgados, a sua convicção interior de prestar sempre serviços relevantes ao interesse público. Foi assim quando, inovadoramente, admitiu a utilização do fax para a prática de atos processuais, desde que a ratificação do ato sobreviesse oportuno tempore (Habeas Corpus nº 93.04.24738-1, Primeira Turma, publicado em 29.09.93), o que somente foi admitido, de forma expressa, com o advento da Lei nº 9.800/99 e, mesmo assim, não sem grandes re-sistências. Não é demais lembrar que, em artigo publicado (RT 728/125), já deixara explicitada sua posição:

“O apego ao formato-papel e às formas tradicionais de apresentação das petições e arrazoados não nos deve impedir de vislumbrar as potencialidades de emprego das novas tecnologias. No limiar do terceiro milênio devemos, também nós do Poder Judi-ciário, estar prontos para utilizar formas novas de transmissão e arquivamento de dados, muito diversas dos antigos cadernos processuais, recheados de carimbos, certidões e assinaturas, em nome de uma segurança que, embora desejável, não pode constituir obstáculo à celeridade e à eficiência. (...) Toda essa tecnologia já é disponível e ingressa na nossa vida diária para reduzir a repetição de esforços e tarefas rotineiros e permitir a utilização de nosso tempo em tarefas efetivamente criativas. Vista desta perspectiva, a discussão sobre o uso de uma máquina já quase obsoleta como é o fac-símile parece nem se justificar. Ela, todavia, serve para testar a nossa capacidade de adaptação ao novo, sem que percamos de vista o permanente anseio de fazer melhor justiça.”

Sempre buscando o enfrentamento de questões referentes aos direitos humanos, e em específico os da mulher, produziu texto que foi publicado na Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (volume 38):

“Mesmo agora, quando já ingressamos no terceiro milênio de história da huma-nidade, em muitas partes do mundo, as singelas alegrias que referi acima não são acessíveis à maior parte das mulheres. A liberdade de ir e vir é constrangida por toda sorte de barreiras. Algumas derivam de circunstâncias externas, tais como limitações econômicas. Outras, de proibições e total sujeição à vontade de outras pessoas, sejam elas pais, maridos ou filhos. Algumas outras, ainda, têm raiz em sentimentos internos de desvalia que tomam a forma de todo o tipo de temores. Destes, alguns são expli-cados pela falta de conhecimento em relação aos próprios desejos e preferências, pois

Page 19: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 2006 19

muitas mulheres nunca receberam qualquer incentivo para o autoconhecimento, sendo treinadas, desde tenra idade, a passarem seu tempo tentando agradar aos outros. Dessa maneira, olvidam-se de si mesmas.”

Recentemente, chamada para decidir, já no STF, a questão relativa à permissão (ou não) de aborto em casos de anencefalia e a correlação com os “direitos sexuais e reprodutivos”, salientou que “a sociedade brasileira precisa encarar com seriedade e consciência um problema de saúde pública que atinge principalmente as mulheres das classes menos favorecidas”. (Voto-Vista na Questão de Ordem na ADPF nº 54-8/DF, Rel. Min. Marco Aurélio)

Passo a passo, a trajetória exitosa e, tenho certeza, com grandes sacri-fícios pessoais foi sendo construída pela vontade inabalável de cumprir com as atribuições que se foram somando em sua carreira.

Saudada em discurso que proferi, ao término de sua administração nesta Casa, ficaram consignados agradecimentos:

“Obrigada, Juíza Ellen, pela obstinação nas medidas de agilização dos serviços da 4ª Região; obrigada pela paciência na busca da conciliação; obrigada pela firmeza nas determinações administrativas; obrigada pela ternura no trato com todos e com tudo.”

São estes alguns momentos da trajetória de vida da nossa homenageada. Agora, vencidas todas as fases de sua trajetória vitoriosa, culmina a

Eminente Ministra no cargo máximo do Judiciário brasileiro.Parabéns e oxalá a tão esperada concretização de igualdade de gênero

esteja agora sendo alcançada com a posse de Sua Excelência no cargo de Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Page 20: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 200620

Page 21: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 2006 21

Miguel Reale e o Código Civil, “a Constituição do homem comum”1

O professor Miguel Reale, um dos maiores juristas da história brasi-leira, faleceu em abril de 2006 e deixou uma legião de admiradores em todo o meio jurídico. Após transformar o modo como o Direito é ensi-nado e aplicado, serviu de vulto referencial a gerações de acadêmicos e profissionais da área. Ele foi, talvez, a personalidade mais marcante a compartilhar seus conhecimentos no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, em Porto Alegre. No dia 23 de maio de 2003, então com 92 anos de idade, o venerado doutrinador proferiu a conferência inaugural da jornada “O Novo Código Civil e a Justiça Federal” – promovida pela Escola da Magistratura (Emagis) da Corte –, abordando “A Parte Geral do Novo Código Civil”.

O indivíduo situado na sociedade

No Plenário do TRF, Reale, considerado o pai do novo Código Civil brasileiro, afirmou que um dos principais méritos desse trabalho é superar o individualismo do códice anterior, de 1916, no qual se valorizava o indi-víduo com seus próprios interesses. Agora, prevalece “o homem situado”, ressaltou. “O texto traz inovações fundamentais. Este não é o código do indivíduo isolado e do seu egoísmo personalista, mas da pessoa humana na correlação com os demais membros da coletividade.” 1 Texto publicado nesta edição como homenagem da Escola da Magistratura (EMAGIS) do Tribunal Regio-nal Federal da 4ª Região à memória do jurista Miguel Reale, falecido em 14 de abril de 2006, aos 95 anos.

Page 22: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 200622

O conferencista lembrou que a Parte Geral começou com um grande código, que é o Direito da Personalidade. “É a transcendência do conceito de direito subjetivo como ‘a grande vedete’ do sistema jurídico”, com a pessoa vista “no contexto de suas circunstâncias”, destacou. Revelou ainda que uma frase célebre do pensador espanhol Ortega y Gasset ins-pirou os membros da comissão que, presidida por ele, elaborou, a partir de 1969, o anteprojeto de lei destinado a atualizar o Código Civil: “Eu sou eu e minha circunstância”.2

Um banho de socialidade

O professor recordou alguns dos princípios básicos que orientaram a elaboração do texto: a socialidade, a eticidade e a operabilidade, o pragmatismo para aplicá-lo, com dois valores conexos, a sociologia da situação e a ética da situação. Deu-se grande projeção ao conceito de boa-fé, princípio fundante do dever moral, e ao dos usos do lugar, valorizando a cultura. Além da Parte Geral, apontou, a compreensão da boa-fé como matriz de toda a experiência jurídica repercute nas demais partes da codificação. “Deu-se um banho de socialidade e eticidade ao Código”, concluiu. Ele costumava dizer que esse texto representa a Constituição do homem comum, pois regula o dia-a-dia dos cidadãos ao dispor sobre sua vida desde antes do nascimento (com a proteção jurídica do feto humano) até depois da sua morte (com a destinação dos bens).

Reale lembrou que o autor do Código Civil de 1916, Clóvis Bevilác-qua, havia sido muito influenciado não só pela tradição do Direito luso--brasileiro, mas também pelas escolas da exegese e, em maior grau, do pandectismo – que, com grande rigorismo, dava aos problemas jurídicos soluções estritamente jurídicas, uma visão fechada do Direito, explicou. “Ao contrário, nós pensamos em um sistema aberto”, salientou. “O Có-digo atual caracteriza-se pelas suas cláusulas abertas, pelas normas que não são estrita e rigorosamente jurídicas.” Assim, prosseguiu, é valori-zado o papel do julgador, pois, para se dar uma solução plena e completa aos problemas, fica uma parte para a doutrina e para os juízes, com um espaço aberto na norma, “destinada à criação posterior do intérprete”. A

2“Yo soy yo y mi circunstancia y si no la salvo a ella no me salvo yo”. ORTEGA Y GASSET, José. Medita-ciones del Quijote. In: ________. Obras Completas. Madrid: Santillana, 2004. t. I, p. 745-825.

Page 23: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 2006 23

seu ver, a lei é apenas um esboço, que passa a ser melhor definido pela vivência. “A norma é a sua interpretação.”

De acordo com o conferencista, é preciso dar operacionalidade ao Direito, com o mínimo de custo e o máximo de resultado. Para elabo-rar o texto, preferiu-se “a linguagem coloquial dos advogados e dos juízes, uma fala espontânea e criadora, ao invés de uma linguagem rebuscada”, observou, apontando que não houve a intenção de se ter “um livro escrito para ensinar a Língua Portuguesa”.

“O Código não nasceu velho”

A lei que instituiu o novo conjunto de leis civis foi sancionada no início de 2002 e entrou em vigor em janeiro do ano seguinte, poucos meses antes de o professor falar sobre o tema em sua conferência no TRF. Reale rebateu as críticas de que o novo Código “já nasceu velho”, por ter tramitado no parlamento de 1975 até 2001. “Ele não ficou parado por 26 anos, o texto enviado ao Congresso Nacional em 1975 foi objeto de estudos e alterações contínuas. Na Câmara dos Deputados, recebeu mais de mil emendas, que ventilaram os mais diversos assuntos. No Senado, surgiram cerca de 400 emendas, além das introduzidas pelo relator-geral, o grande e saudoso jurista Josaphat Marinho [senador falecido em 2002]. O Código surge novo, tendo sido submetido a discussões variadas desde a publicação do primeiro anteprojeto, em 1972.”

Reale rechaçou a crítica referente à não-inclusão, na nova lei, de temas contemporâneos como a união estável entre homossexuais. “Não é matéria para o Código, mas para leis específicas sobre pessoas que se reúnem à margem do casamento”, avaliou. “Não se muda de Códi-go Civil como se muda de roupa”, declarou o professor. “A mudança houve pelo advento de novos paradigmas, quer pela evolução histó-rica da sociedade civil, quer pelo advento de soluções tecnológicas e científicas à altura da cultura de nosso tempo”, apontou. “Não tivemos a preocupação da novidade, mas da verificação de uma realidade que precisava ser levada a suas últimas conseqüências”, concluiu.

Apenas um professor

À época Diretora da Emagis, a Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria, atual Presidente do TRF, previu que a jornada seria um marco

Page 24: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 200624

na história da Escola, devido à excelência dos conferencistas. Ela citou uma frase do próprio Reale, segundo o qual a comissão que redigiu o anteprojeto do Código sempre procurou elaborar as normas jurídicas de maneira simples e segura, visando, a um só tempo, ao bem individual e ao bem comum. “E é isso o que a Escola da Magistratura quer”, com-parou. A Diretora agradeceu pelo apoio constante dos Conselheiros da Emagis naquela gestão, os Desembargadores Federais Maria de Fátima Labarrère e Luiz Carlos de Castro Lugon (atual Diretor da Escola), e dos servidores envolvidos no evento.

“Esta sala, que é usada para o Plenário, hoje transformou-se na ca-tedral da cultura”, declarou o então Presidente do Tribunal, Desembar-gador Federal Nylson Paim de Abreu. Ele destacou que os constituintes de 1988 utilizaram como fonte constante os ensinamentos do Professor Reale presentes no então projeto de Código Civil. “Isso contraria os que dizem que o Código já nasceu velho. O texto de Reale é a matriz da Constituição brasileira”, defendeu. “Foi um privilégio ter ouvido essa sábia lição de um mestre reconhecido não só dentro das fronteiras do Brasil, mas também no exterior, com obras traduzidas para vários idiomas”, disse Paim de Abreu, que agradeceu a Maria Lúcia pelo “feito extraordinário” de trazer o palestrante, “tão ilustre figura da filosofia e da cultura jurídica brasileiras”.

Humilde, Reale agradeceu pelos elogios, dizendo que as manifestações em relação a ele eram exageradas. “Tenho sido apenas um professor, é dessa qualidade que mais me orgulho, e que tem por si só a devida quali-ficação. Professor consciente da sua responsabilidade dupla de comunicar o saber e de formar as personalidades”, afirmou o célebre jurista.

A trajetória de um humanista3

Miguel Reale nasceu em São Bento do Sapucaí (SP) em 6 de novembro de 1910, filho do médico italiano Braz Reale e de Felicidade da Rosa Góes Chiarardia Reale. Ele presidiu a comissão que, a partir de 1969, elaborou o anteprojeto de lei destinado a atualizar o Código Civil, que

3 Tópico redigido com base em dados biográficos extraídos da página Professor Miguel Reale e do Portal da Academia Brasileira de Letras. Disponíveis em: <www.miguelreale.com.br> e <www.academia.org.br> Acesso em: 31 maio 2006.

Page 25: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 2006 25

era de 1916. O texto tramitou no Congresso Nacional de 1975 até 2001. A lei que instituiu o novo conjunto de leis civis foi sancionada no início de 2002 e entrou em vigor em janeiro de 2003. A comissão revisora e elaboradora era composta ainda pelos juristas Agostinho Alvim, José Carlos Moreira Alves, Clóvis do Couto e Silva, Silvio Marcondes, Tor-quato Castro e Ebert Chamoun.

O jurista formou-se em Direito em 1934, militando na advocacia desde então, e doutorou-se em 1941, quando se tornou professor de Filosofia do Direito da Universidade de São Paulo (USP), recebendo, em 1980, o título de Professor Emérito. Com sua tese “Fundamentos do Direito”, de 1940, lançou as bases de sua Teoria Tridimensional do Direito, que se tornaria mundialmente conhecida. Segundo essa doutrina, que revolucionou o magistério jurídico, o Direito deve ser visto não apenas sob o prisma das normas escritas, como ocorria quan-do imperava o pensamento positivista, mas também em outras duas dimensões, sendo interpretado ainda conforme os valores sociais e as características do momento histórico em que cada questão tem seu mérito analisado. Conforme suas próprias palavras:

“A minha originalidade, digamos assim, consistiu em mostrar que fato, valor e norma são elementos que se dialetizam. A minha formação dialética no campo da filosofia me ajudou a compreender que o Direito não é só norma legal, pois ela pressupõe a vida social concreta e as aspirações axiológicas, valorativas, que determinam exigências para o legislador e para o juiz. Aquilo que eu chamei de fato, valor e norma representa três aspectos de uma concreção que é unitária e dinâmica, daí chamar-se Teoria Tridi-mensional do Direito, que é uma tomada de posição contra compreensões unilaterais da experiência jurídica.”4

Reale foi secretário da Justiça do Estado de São Paulo em 1947 e em 1963 e reitor da USP em 1949 e de 1969 a 1973. Fundou o Instituto Brasileiro de Filosofia (do qual foi presidente) em 1949 e a Sociedade Interamericana de Filosofia (a qual presidiu duas vezes) em 1954. Em 1951, chefiou a delegação brasileira junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, fazendo prevalecer, na votação em plenário, o ponto de vista do Brasil sobre salário mínimo nas plantações. Foi ainda 4 REALE, Miguel. Um pensador voltado para a integralidade. Jornal da USP, São Paulo, a. XV, n. 523, 25 set.-01 out. 2000. Entrevista concedida a Roberto C. G. Castro. Disponível em: <http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2000/jusp523/manchet/rep_res/rep_int/univers1.html> Acesso em: 02 jun. 2006.

Page 26: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 200626

um dos principais elaboradores do tratado entre Brasil e Paraguai para a construção da hidrelétrica de Itaipu, dando-lhe a estrutura jurídica de empresa binacional.

Em 22 de maio de 2003, na véspera de sua conferência no TRF, havia recebido o título honorífico de Doutor honoris causa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Títulos acadêmicos idênticos ou similares lhe foram concedidos por outras 14 instituições de ensino superior, como as universidades de Gênova, de Coimbra, de Lisboa, do Chile e Kennedy de Buenos Aires. O seu pensamento filosófico, político e pedagógico foi objeto de debate no Colóquio Tobias Barreto, realizado nas cidades portuguesas do Porto e de Viana do Castelo em 1996, e no I Colóquio Luso-Brasileiro de Pesquisa Filosófica, promovido no Rio de Janeiro em 1999. Foi distinguido ainda com 30 prêmios e condecorações, tanto no Brasil (como as Grã-Cruzes das Ordens do Mérito Nacional e do Rio Branco) como na Itália, na França, no Japão, na Bolívia e na Costa do Marfim.

Em 1975, tornou-se “imortal” ao ser eleito para ocupar a Cadeira nº 14 da Academia Brasileira de Letras. Redigiu mais de 60 livros – mui-tos traduzidos para o italiano, o espanhol e o francês –, incluindo obras filosóficas, literárias e sobre direito positivo, política e teoria do Estado, filosofia do direito e outras áreas. Escrevia quinzenalmente para o jornal O Estado de S. Paulo como colaborador, abordando questões filosóficas, jurídicas e sociais. Nunca parou de produzir: publicou artigos até pouco antes de sua morte, sempre utilizando, com orgulho e humildade, o título de professor. Faleceu na cidade de São Paulo em 14 de abril de 2006.

Leia a seguir a íntegra da conferência proferida por Reale no Plenário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 2003.

A Parte Geral do Novo Código Civil1

Page 27: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 2006 27

Miguel Reale

Eminente Desembargador Federal Nylson Paim de Abreu, ilustre De-sembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria, ilustre Professora Judith Martins Costa, ilustres magistrados aqui presentes, desembargadores, advogados, caríssimos estudantes.

Em primeiro lugar, eu desejo agradecer de coração esta manifestação generosa do nosso Presidente Paim de Abreu, que se excedeu na referên-cia a minha pessoa. Tenho sido apenas um professor, é dessa qualidade que mais me orgulho, e que tem por si só a devida qualificação. Professor consciente da sua responsabilidade dupla de comunicar o saber e de for-mar as personalidades. Personalidades quer no sentido individual, quer no sentido do pesquisador e do cientista, a quem nos dirigimos sempre com a esperança de novas indagações e novas descobertas.

Com essas palavras quero também manifestar o grande prazer que tenho de falar deste Tribunal, porquanto o Rio Grande do Sul tem se revelado de uma forma extraordinária no campo do Direito, não apenas através de seus grandes mestres, como seria desnecessário lembrar, ta-manha é a consciência deles por parte dos rio-grandenses, mas também pela repercussão de seus ensinamentos, de um Armando Câmara, de um Cirne Lima, etc. Seria absurdo lembrar todos os nomes que devem ser,

1 Transcrição integral da conferência proferida em 23 de maio de 2003, na abertura da I Jornada de Direito Civil – “O Novo Código Civil e a Justiça Federal”, promovida pela Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região com apoio da Diretoria de Recursos Humanos do TRF4 e do Núcleo de Recursos Humanos da Seção Judiciária do RS.

Page 28: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 200628

como Carlos Maximiliano e Clóvis do Couto e Silva, tão oportunamente e necessariamente lembrados.

Cabe-me falar sobre a Parte Geral do novo Código Civil, e a simples escolha deste assunto revela a sabedoria dos organizadores desta I Jornada de Direito Civil, porquanto há toda uma história a contar relativamente à Parte Geral do Código Civil.

Como sabem os presentes, houve três tentativas de elaboração de um novo Código, ou melhor, de uma revisão e elaboração de um novo Código.

A que foi por mim presidida, na qualidade de Revisor da Comissão Re-visora e Elaboradora do Código Civil, foi a terceira. Ela foi precedida por duas outras. A primeira teve a idéia de destacar do Código Civil o Código das Obrigações, reduzindo, assim, o contexto do Código Civil de 1916. Não obstante a preeminência dos elaboradores dessa primeira tentativa, Philadelpho de Azevedo, Orozimbo Nonato, Hahnemann Guimarães, essa proposta não foi aceita porquanto havia um desmembramento do Código elaborado por Clóvis Bevilácqua, e que já era um patrimônio da cultura brasileira. Falhada a primeira tentativa, houve uma segunda, com uma pequena divergência, ou melhor, com uma pequena variação. Consistiu ela sempre na idéia persistente de se fazer um Código das Obrigações autônomo e um Código Civil mais restrito, dele eliminada a Parte Geral, tal como foi o Código preparado pelo grande jurista Orlando Gomes. E o Código das Obrigações coube a uma comissão presidida pelo ilustre jurista Caio Mário da Silva Pereira.

Também essa segunda proposta, sobretudo pela eliminação da Parte Geral, provocou uma reação por parte da elite jurídica nacional, que não concordou com essa proposta. E fez muito bem, data venia, fez muito bem a cultura jurídica nacional de não aceitar essas duas propostas. De maneira que, quando me coube a honra de elaborar ou de organizar uma revisão do Código Civil, a minha primeira preocupação, bem como de meus companheiros de trabalho, foi preservar o Código de 1916 o mais possível, a começar pela sua estrutura.

Na realidade, a estrutura do Código de 2002 é a estrutura do Código de 1916 com uma retificação fundamental determinada pelo avanço do tempo, pelas circunstâncias históricas. É a inserção de uma nova parte, intitulada Direito da Empresa.

É que, na realidade, houve uma profunda transformação, repercuti-

Page 29: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 2006 29

da em todo o mundo, daquilo que se chamava o Direito Comercial. O Direito Comercial, como sabem, é um Direito Corporativo, que surgiu nas matrizes das corporações medievais e depois se desenvolveu na época moderna, sempre tendo o comércio como a sua referência. Mas a era moderna viu aparecerem outras formas de produção e circulação da riqueza, muito além da própria atividade puramente mercantil, e tivemos o gigantismo da atividade industrial.

E não menor repercussão dos serviços sob todas as suas formas e, es-pecialmente, os serviços como cibernética, como informática, que chega ao ponto de se declarar que a nossa era é a era da informação, é a era da informática. E, então, o comércio não podia mais ser a linha dominante de uma codificação. Daí a idéia da empresa, empresa mercantil, empresa industrial, empresa de serviço, cujos princípios fundamentais são dados no Código Civil por ser este o Código matriz.

Nós não tivemos em vista, meus caros amigos, a elaboração de um direito privado unificado, o que seria absolutamente inadmissível. A nossa preocupação foi outra, a de fazer a unificação do Direito das Obrigações, dando consolidação àquilo que já era uma realidade nacional, porquanto, em virtude do obsoletismo do Código Comercial de 1850, os próprios comercialistas não mais se referiam ao Código de 1850, mas faziam refe-rência, ao contrário, ao Direito das Obrigações do Código Civil. E assim era a orientação da doutrina e a consagração pela jurisprudência nacional em todas as suas modalidades. De maneira que, como estão vendo, nós não tivemos a preocupação da novidade, mas, ao contrário, tivemos a preocupação da verificação de uma realidade que precisava ser levada às suas últimas conseqüências. Essa é a razão de ser do nosso Código.

Ora, foi conservada, por conseguinte, a Parte Geral. A Parte Geral está ligada à genialidade de Teixeira de Freitas, que, antes mesmo dos alemães e do Código Civil alemão, que entrou em vigor em 1900, antecipou a codificação do seu esboço genial relativamente a uma Parte Geral. Depois, ele simplificou, mas, de certa maneira, expressou a Consolidação das Leis Civis, que foi, durante muitos anos, o nosso próprio Código Civil.

Traduzido para o francês ou para o alemão, ele não foi traduzido como consolidação, mas como Código Civil Brasileiro. Porque, na realidade, o foi. E essa obra, bom, não vamos desviar o assunto, essa obra de Tei-xeira de Freitas era de fato uma codificação que permitiu a realização

Page 30: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 200630

do trabalho de Clóvis Bevilácqua.Nesse contexto, a Parte Geral adquire uma importância ainda maior do

que aquela que tinha no Código que chamaremos o Código Bevilácqua. É que, como sabem, Clóvis Bevilácqua foi altamente influenciado, ao elaborar o seu trabalho inicial, na última década do século XIX, notem bem, última década do século XIX, foi altamente influenciado não ape-nas pela tradição do direito luso-brasileiro, mas também pela escola da exegese e, em maior grau, pela escola dos pandectistas.

O pandectismo, que era uma espécie de idolatria do direito romano, tal como se expressavam as pandectas de Justiniano, essa escola pandec-tista se caracterizava pela preocupação de dar aos problemas jurídicos uma estrutura rigorosamente jurídica, ou seja, solucionar os problemas jurídicos com categorias do direito. Era, de certa maneira, uma siste-matização cerrada, fechada, na compreensão do direito. Ao contrário, nós, ao concebermos esta nova estrutura jurídica básica como matriz do Direito Privado, pensamos em um sistema aberto. O Código atual, a começar pela Parte Geral, caracteriza-se pelas suas cláusulas abertas, pelas normas que não são estrita e rigorosamente jurídicas no sentido de dar uma solução plena e completa aos problemas observados, mas que deixa sempre de forma tal que fique sendo uma parte para a doutrina e para os juízes.

A norma aberta é uma norma destinada à criação posterior do intér-prete, mesmo porque, eu tenho até talvez, de certa maneira, exagerado, não se compreende a norma sem a interpretação. E cheguei mesmo a dizer que a norma é a sua interpretação. Enquanto não objeto de uma hermenêutica apreciando seus resultados e desenvolvendo o que nela está implícito, a norma é apenas um esboço de um comando, que passa a atuar de maneira efetiva em razão da interpretação vivida pela doutrina e pela jurisprudência.

Há, portanto, uma visão global, uma visão totalizante, mais aberta daquilo que se pode chamar um sistema. Com esses dados elementares, sobre os quais haveria muito mais a dizer, lembro que a nova Parte Geral começa com um grande pórtico, que é o pórtico dos direitos da personalidade. Esse rigorismo jurídico pandectista não era efetivamente compatível com o enunciado do direito da personalidade.

O que significa esta colocação inicial do direito da personalidade?

Page 31: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 2006 31

Eu diria que é a ultrapassagem ou a transcendência do conceito de direito subjetivo como “a grande vedete” do sistema jurídico. Não mais o sujeito do direito como titular de regras coercitivas encerradas, mas, ao contrário, a pessoa humana. A personalidade aí está para indicar a presença da pessoa humana como autoconsciência do indivíduo em si mesmo e nas suas relações para com os outros. Direito de personalidade, visto o indivíduo no contexto de suas circunstâncias.

Então, nós podemos dizer que estamos diante de duas realidades conexas: uma sociologia da situação e uma ética da situação. São dois valores que estão presentes na feitura do Código: conceber o homem não isoladamente como um sujeito de direito, mas como um destinatário de uma norma que por si mesma leva em consideração o homem situado. O homem situado no conjunto de suas circunstâncias, o que implica, como disse, tanto a sociologia da situação como a ética da situação.

Essa colocação inicial põe à vista dois princípios básicos que orien-taram a elaboração do Código: o princípio da socialidade, vinculado à idéia de circunstância social em que se situa a pessoa humana; e a idéia de eticidade, que é o dever-ser, que surge em razão dessa situação mesma.

O terceiro princípio é o da operabilidade, que vem a dinamizar as soluções do ponto de vista prático. O pragmatismo, digamos assim, que tanta importância tem no plano da ação. E foi por esse espírito que nós resolvemos elaborar o Código. E, na Parte Geral, os senhores notam uma diferença bastante grande no que diz respeito aos enunciados dos princípios e das normas. É que se preferiu a linguagem coloquial dos advogados e dos juízes, é que se deu preferência a uma fala espontânea e criadora através do saber dos juristas e dos doutrinadores, ao invés de uma linguagem rebuscada num catecismo que remonta ao Padre Antônio Vieira.

Nós não temos a convicção de que o Código Civil seja um livro es-crito para ensinar a língua portuguesa. Não tivemos, portanto, vacilação alguma em mudar a linguagem do Código. Mudou-se muito, como aos poucos se vai verificando. Quando surgiu o novo Código, houve quem falasse em velhice antecipada da codificação pelo fato de ter demorado vinte e seis anos para ser ele elaborado. Na realidade, não foram vinte e seis anos, se nós descontarmos os dez anos em que ele ficou adormecido no Senado, a revelar a vocação real que parecem ter os nossos legisla-

Page 32: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 200632

dores, não na elaboração das normas jurídicas, mas na teatralidade das atitudes. Mas o importante é que, com essas modificações, vieram à luz esses dois princípios a que fiz referência e dos quais quero dar exemplo através de determinações jurídicas fundamentais.

Como disse, o Código de 1916 é adstrito a uma solução puramente jurídica, enquanto que nós reconhecemos a necessidade, a todo instante, de recorrermos a princípios éticos e princípios sociais. É o que se nota no art. 113, na Parte Geral, que eleva a boa-fé ao princípio diretor de todo o sistema. Judith Martins Costa chega a dizer que há uma revolução em função do princípio da boa-fé. E eu estou de acordo quanto à projeção desse conceito que aparece logo no art. 113, que diz: “Os negócios jurí-dicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. Eis o conceito e os dois princípios. Conforme a boa-fé é o princípio fundante do dever moral, e os usos do lugar determinam aquilo que é a situação do direito como um elemento estrutural da cultura.

E daí, desse conceito, surge uma nova visão de ato lícito e de ato ilícito. O nosso Código anterior não vacilava em estabelecer uma sino-nímia perigosa ao dizer: o ato jurídico é o ato lícito dos quais surgem conseqüências. Pois bem, essa sinonímia não é aceita absolutamente pelo novo Código. Desde Hans Kelsen houve uma ampliação podero-sa do normativo. Nós devemos olhar a escola pura do direito sob dois ângulos: em primeiro lugar, deve-se reconhecer a Hans Kelsen o mérito insuperável de ter nos mostrado que a norma não se reduz à norma legal, mas que a norma tem uma expansão maior, sendo norma jurisprudencial, sendo norma consuetudinária e sendo norma negocial.

A amplitude do conceito de norma foi inegavelmente a grande con-tribuição imortal de Hans Kelsen, sem dúvida o maior jurista do século, jurisconsulto filósofo do século passado. Pois bem, se elogiamos Kelsen por essa amplidão ou amplificação do normativo, dele discordamos quando pretendemos reduzir o direito apenas ao normativo, ainda que amplificado da forma como o fez. E se alguma coisa tenho como me-recedor, pelo menos, de atenção, é exatamente a crítica ao Kelsianismo e ao normativismo puro, no sentido de mostrar que no direito há algo mais que norma, porque existe a circunstancialidade factual ou fática e, acima de tudo, os imperativos axiológicos, a presença desse elemento, “o valor”, que acabaria, no século XIX, XX, se revelando como a nova

Page 33: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 2006 33

fonte inspiradora das ciências sociais e do direito em particular. E, en-tão, não há que se fazer sinonímia entre ato jurídico e ato lícito, mesmo porque está aí, à vista de todos, o Código Penal, que é o Código relativo ao ilícito e que, se fôssemos estabelecer sinonímia, ficaria sem sentido a codificação penal e processual penal toda vez que vem uma sanção delimitar e punir as conseqüências do ilícito. Mas há um novo conceito do ilícito: é o conceito do ilícito que brota do valor da eticidade. É o que está neste art. 187, que é tão novo na sua expressão que eu fiquei perplexo quando ouvi um professor dizer que o art. 187 nada traz de novo. O art. 187 assim se enuncia: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social ou pelos bons costumes”.

Essa compreensão do ilícito é muito importante, porquanto o sujeito de direito era considerado intocável no exercício das atribuições que lhe fossem conferidas. Ao contrário, nós reconhecemos que o titular de direitos não é um absoluto, não pode fazer o que bem entende, e que o direito próprio está subordinado ao direito de outrem, baseado naquela fórmula spenceriana ou mesmo, substancialmente, kantiana de que o direito vai até onde começa o direito de outrem. De maneira que o ato ilícito surge no exercício do direito próprio.

A novidade está aí: a ilicitude no exercício do próprio direito. Não há necessidade da invocação do direito de terceiros, ferido e lesado, para se caracterizar a ilicitude. A ilicitude surge da conduta mesmo do agente. O agente que, nos termos do art. 187, excede manifestamente os limites impostos pelo fim econômico ou social e pelos bons costumes. Estamos vendo, portanto, que a ilicitude está no âmago da experiência jurídica, a compreender-se que o direito, na realidade, efetivamente é uma reali-dade complexa que não se exaure na mera expressão lógico-formal do normativo.

Essa compreensão da boa-fé como matriz de toda a experiência jurídi-ca repercute no Código, nas partes especiais do Código, tanto no Direito das Obrigações como no Direito das Coisas, no Direito de Empresa e no Direito das Sucessões. Para dar apenas um exemplo, eu citarei aqui, em complemento natural ao art. 187, o art. 422 do Direito das Obrigações, que diz: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Page 34: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 200634

A esta altura, não posso deixar de observar a profunda diferença que há entre a codificação nova e a antiga. O Código de 1916 é limitado em demasia ao levar em consideração o princípio da boa-fé. Só se fala expressamente em posse de má-fé e posse de boa-fé. Como se a boa-fé estivesse apenas limitada a essas formulações do direito e não represen-tasse uma categorização universal de toda a juridicidade.

E, mesmo ao tratar da posse de boa-fé e da posse de má-fé, o Código traz uma novidade que é apreciar a posse sob seu aspecto social, ao es-tabelecer uma graduação muito mais severa, ou melhor, mais ampla da posse. Da posse, por exemplo, daquele que, não tendo nenhum imóvel, nenhuma propriedade, toma posse de uma área abandonada, até cinco alqueires, como prevêem o Código e o Estatuto da Terra, e nela realiza a projeção de seu trabalho e de seu poder criador, quer por nessa área estabelecer a sua morada, quer por nela estabelecer uma plantação. E aquele que, sem justo título e boa-fé, toma posse, o faz, quer por motivos jurídicos, quer por motivos econômicos e quer por motivos éticos.

Esta presença sempre da tríade da juridicidade, da economicidade e da socialidade e da eticidade, e tudo isso a compor o modo de agir do homem na nova compreensão atual do direito.

Ora, nessa compreensão ética da boa-fé, era natural que surgissem, do esquecimento em que se encontravam, dois institutos jurídicos fun-damentais. O Código não hesitou em albergar na sua estrutura as novas tendências científicas do direito. Mas não vacilou também em trazer para a plenitude da experiência jurídica contemporânea determinadas soluções do direito medieval, para não falar, mesmo, talvez, no direito romano. Eu me refiro aos artigos que restabeleceram o estado de perigo e o direito de lesão. O estado de perigo, que fora afastado do Código de 1916, renasce e ressurge, não como um abencerrage, como disse Pontes de Miranda.

Pontes de Miranda, por quem eu tenho uma extraordinária admiração, considerado um dos gênios da ciência jurídica nacional, quando se refere à boa-fé fala em abencerrage jurídico, o que está bem de acordo com seu positivismo estrito na compreensão do direito.

E, então, estado de perigo e lesão ressurgem. No art. 156, que es-tabelece: “Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa”.

Page 35: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 2006 35

É o reconhecimento de que as relações jurídicas são presididas por um equilíbrio ético-econômico e não apenas um equilíbrio econômico, uma equação financeira como exigência do contrato, mas o equilíbrio ético--econômico. Estão vendo, portanto, a necessidade do estado de perigo para completar o sentido real do direito, que não pode aceitar que, em virtude de novas situações, sobretudo se imprevisíveis, a obrigação de uma das partes se torne excessivamente onerosa. O Código verá, a seu tempo, no Direito das Obrigações, uma série de dispositivos exatamente sobre a onerosidade excessiva como condição de resolução do contrato que tenha violado o princípio fundamental do equilíbrio, a que fiz referência.

E passemos à outra afirmação, do problema da lesão. “Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência”, notem bem, o que há de novo aqui é a referência à inexperiência, do que o conceito antigo de lesão falava apenas na premente necessidade, “sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”.

Então, nós estamos vendo que foi dado um banho de socialidade e de eticidade ao Código anterior, implicando conseqüências múltiplas ao longo de toda a sua manifestação.

Ora, esta compreensão ético-econômica é completada pelo princípio da operabilidade, que nos dá, exatamente na Parte Geral, um exemplo magnífico. A operabilidade inspira-se não no pragmatismo norte-ameri-cano, mas no conceito de ação de Ihering. É exatamente aquele pragma-tismo porque, em sentido amplo, Ihering é o filósofo jurídico da ação e da experiência, como depois notaram sobretudo os grandes mestres italianos que vieram a tratar do direito como experiência, coisa que sempre me impressionou, a tal ponto que a minha obra jurídica fundamental não é Teoria Tridimensional do Direito. A minha obra fundamental se chama “O Direito como Experiência”.

A Teoria Tridimensional já é uma conseqüência, um resultado da pré-via compreensão do direito como experiência. Então, a operabilidade é aquela orientação técnica no sentido de dar soluções operacionais. Nós somos chamados de operadores do direito exatamente por dar soluções de operabilidade com um mínimo de custo e um máximo de resultado. E, então, vou dar um exemplo de uma solução determinada pela opera-bilidade. Os juristas que estão me ouvindo, e não apenas os estudantes,

Page 36: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 200636

hão de reconhecer a impossibilidade que sempre houve de fazer uma distinção que pacificasse a nossa consciência dogmática a respeito do que seja prescrição ou decadência. O que é prescrição, o que é decadência?

Uma das coisas que me impressionaram muito foi ter presenciado em São Paulo duas decisões de um tribunal, de dois tribunais distintos. Uma câmara de um tribunal, apreciando a mesma espécie jurídica, ne-gara provimento a uma ação, por entender que havia ocorrido prazo de prescrição, enquanto que em uma outra câmara chegava-se à solução contrária por considerar que a questão era de decadência.

Então, é preciso, ilustres magistrados, reconhecer que nós estávamos expostos a estes contrastes entre prescrição e decadência, em busca de uma conceituação pacificadora de nosso intelecto a respeito da matéria. E, então, ocorreu-nos uma solução prática e até certo ponto simples: vamos, na Parte Geral do Código, estabelecer o elenco dos casos de prescrição.

Prescrição, segundo a lição do direito alemão, é prescrição da preten-são. Não é prescrição da ação. É a prescrição da pretensão que dá lugar à ação. Barbosa Moreira, apreciando recentemente o artigo “A contribuição do Código Civil”, elogia exatamente essa colocação, essa vinculação do conceito de prescrição e de pretensão. E procura determinar, Barbosa Moreira, e com acerto, que quando se fala em pretensão significa poder de agir. Prescreve é o poder de agir como inerente à idéia mesma de pretensão. E, então, por que deixar em permanente atuação essa confu-são entre prescrição e decadência? Não há dúvida com o novo Código. Ou o caso se insere na enumeração numerus clausus sobre a matéria de prescrição ou se trata de decadência. Decadência de quê? Decadência do direito. E, então, a solução prática é a seguinte: tanto na Parte Geral, como no Direito das Obrigações, como na Parte Especial do Código, surgem casos de decadência do direito, por exemplo, a responsabilidade de um construtor pela obra que ele tenha construído. De um lado, estabelece a responsabilidade e, imediatamente, em conexão com a norma que trata do assunto, em conexão com ela e fazendo corpo com ela, estabelece o prazo de decadência.

O prazo de decadência, então, não é previsto genericamente e nu-mericamente, mas surge toda vez que a norma implica uma sanção, estabelecendo o equilíbrio jurídico necessário por um certo tempo. Es-

Page 37: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 2006 37

tamos vendo, portanto, que o problema de prescrição e decadência foi resolvido, não à luz dos princípios dogmáticos, lógico-dogmáticos, mas à luz da operabilidade do direito. Lembro esse fato para mostrar qual é o significado fundamental do que chamo de princípio de operabilidade.

Com tudo isso, com todos esses exemplos, o que se pode concluir é que o Código Civil obedece à concretude do direito. Tudo aquilo que foi objeto de análise, de estudo, pelos mestres do direito como experiência, ou do direito concreto, como Karl Englert, como Lorentz, como Emílio Betti e tantos outros, toda essa compreensão do direito como experiência repercute na nova codificação. Exame, portanto, de direito concreto, de concreção fundamental. É a mesma razão pela qual, pela razão da operabilidade, nós preferimos não disciplinar os fatos jurídicos da sua multiplicidade e variabilidade, mas uma instituição, uma visão institucional concreta.

A Parte Geral trata longa e especificamente dos negócios jurídicos. O negócio jurídico como expressão da vontade, é uma declaração de vontade, mas uma declaração de vontade feita na concreção do relacio-namento com outrem. O conceito de negócio jurídico, por conseguinte, é um conceito de concreção jurídica e não é uma mera expressão lógico--formal do comportamento de contratantes, ou de todos aqueles que entram em contato uns com os outros por motivos outros que não os da mera contratação.

Esta visão concreta, que corresponde, no fundo, e volto aqui ao ini-cial para encerrar esta palestra, para levar em conta o homem situado, inspirou-nos, sobretudo, nesta resposta normativa, a lição do grande pensador espanhol Ortega y Gasset, quando proclama: “Yo soy yo y mi circunstancia” – “Eu sou eu e minha circunstância”. A começar pela corporeidade de quem fala, e, então, este Código é o Código do homem situado e não do homem na sua abstração lógico-dogmática. Importante, portanto, é ter-se o espírito do Código. O que eu pretendi, nesta pales-tra, foi mostrar qual é o espírito do Código. Qual foi o espírito da nova codificação, porque quando se tem consciência deste espírito abrem-se as portas para uma nova hermenêutica.

Não se muda de Código Civil como se muda de roupa. A mudança houve pelo advento de novos paradigmas, de novos princípios determi-nados, quer pela evolução histórica da sociedade civil, quer pelo advento de soluções tecnológicas e científicas à altura da cultura de nosso tempo.

Page 38: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 200638

De maneira que, ao falar sobre o Código Civil, sinto-me profun-damente tomado por uma preocupação. É a preocupação de que possa esse novo Código, com seu espírito, ser interpretado com as categorias jurídicas do Código anterior.

“Nova norma, nova hermenêutica”, como disse Hans Gadamer, o maior tratador da teoria hermenêutica em nossos dias. Falecido, aliás, há pouco tempo, com 102 anos, e que, enquanto vivo, a meu ver, foi o maior filósofo contemporâneo. Compreensão de concretude que quer dizer compreensão humanística, o que estava implícito ao partir-se da fonte criadora que é a pessoa.

A pessoa que, no meu modo contínuo de dizer, é a fonte de todos os valores, é o ponto de partida de todos os valores. Este Código, em poucas palavras, não é o Código do indivíduo isolado e no seu egoísmo individualista, mas é o Código da pessoa humana na sua correlação transcendental da existência com os demais membros da coletividade.

Muito obrigado.

Page 39: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 2006 39

Duas questões penais: a) a reparação do dano no Crime de Apropriação

Indébita; b) análise do art. 342 do CPB.

Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz*

a) a reparação do dano no Crime de Apropriação Indébita; É pacífico na doutrina e na jurisprudência que a reparação, parcial ou

total, do dano não exclui o delito de apropriação indébita.A respeito, disse o então Desembargador Thompson Flores, pos-

teriormente Ministro do Supremo Tribunal Federal, ao relatar a Ap. Criminal nº 11.379-PA, quando Sua Excelência integrava o Eg. Tribunal de Justiça do Estado, verbis:

“(...)III – Improcede, porém, a argumentação do recorrente em prol da inconfiguração

da modalidade criminal, arrimado à reparação do dano, parte em moeda, parte em nota promissória que é dinheiro. Numa só hipótese prevê o Código a reparação do dano como meio de extinguir a punibilidade. É a do peculato culposo (CP, art. 108, inc. IX). – Trata-se de exceção e, por isso mesmo, confirmando a regra.

Em verdade, o delito é instantâneo. Consuma-se com o desvirtuamento da posse. (...)Se houve paga do prejuízo. Se houve acordo posterior entre o lesado e réu é assunto

que não afasta o cunho criminoso daquele gesto. É como se o ladrão restituísse a coisa

* Des. Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Page 40: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 200640

furtada. Trata-se de um post que nenhuma influência tem sobre o delito. É a lição de Angelotti (Le Appropriazioni Indebite, p. 259), confirmada por Ure. (El Delito de Apropriacion Indebida, págs. 137 e segs.)

Reflete-se, simplesmente, na graduação da pena.” (In: Revista Jurídica, 15/272-3)

Outro não é o entendimento da Suprema Corte, consoante se verifica do exame dos seguintes arestos: RE nº 70.635-SP, rel. Min. Eloy da Rocha, in RTJ 59/84; RHC nº 49.073-GB, rel. Min Barros Monteiro, in RTJ 61/37; RHC nº 49.445-GB, rel. Min. Barros Monteiro, in RTJ 62/33; RE nº 104.270-PR, rel. Min. Sydney Sanches, in RTJ 113/1.372; RHC nº 65.055-SP, rel. Min. Célio Borja, in RTJ 122/1.024.

Pertinente o magistério de Manzini, ao assinalar, verbis:“Il risarcimento del danno o la restituzione della cosa, quale fatto posteriore ao

momento consumativo, può essere considerato soltanto come circostanza attenuante, a norma dell’art. 62, n. 6, quando non determini l’inazione del titolare del diritto di querela, o la remissione, nei casi in cui il fatto è punible soltanto a querela.” (MANZINI, Vicenzo. In: Trattato di Diritto Penale Italiano. 5. ed. Torino: UTET, 1986, v. 9, p. 954)

No mesmo sentido: ANGELOTTI, Dante. In: Le Appropriazioni Indebite. 2. ed. Milano: Società Editrice Libraria, 1933, p. 258, n. 173; URE, Ernesto J. In: El Delito de Apropriacion Indebida. Buenos Aires: Editorial Ideas, 1943, p. 137-8.

b) análise do art. 342 do CPB Com efeito, a questão já restou dirimida, em várias oportunidades,

pela jurisprudência da Suprema Corte, no sentido de que o crime de falso testemunho se caracteriza pela simples potencialidade de dano para a administração da justiça, não ficando condicionado à decisão judicial condenatória no processo em que se verificou. (RHC nº 48.676-SP, rel. Min. Eloy da Rocha, in RTJ 57/397; RHC nº 53.330-RJ, rel. Min. Eloy da Rocha, in RTJ 79/782; RHC nº 58.039-SP, rel. Min. Rafael Mayer, in RTJ 95/573)

Nessa linha, o magistério de Vicenzo Manzini, verbis:“É anzitutto da avvertirsi che in nessun caso, per la così detta incriminazione d’un

testimonio, perito o interprete, è necessario stabilire l’influenza che la falsa testimo-nianza, perizia o interpretazione possa avere o abbia avuto nel procedimento in cui è avvenuta (...)”. (In: Trattato di Diritto Penale Italiano. 5. ed. Torino: UTET, 1986, v. 5, p. 936, n. 1.672, I, “a”)

Page 41: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 17-42, 2006 41

Ora, o crime de falso testemunho é instantâneo (MANZINI, op. cit., p. 912), consumando-se no momento em que a declaração falsa é profe-rida, razão pela qual a sua apuração em sede policial e, posteriormente, judicial não está condicionada ao término do processo ou ao exaurimento da possibilidade de retratação, pois esta não é elemento do crime, mas causa de extinção de punibilidade.

Page 42: QUARTA REGIÃO
Page 43: QUARTA REGIÃO

DISCURSOS

Page 44: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 200644

Page 45: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 2006 45

Discurso*Maria Lúcia Luz Leiria**

Eminentes e estimados colegas:Este é um momento que prefiro nominá-lo como um rito de passa-

gem, como a formalização necessária de uma das hipóteses previsíveis quando da eleição da Administração desta Casa, biênio 2005-2007. Tal previsibilidade não retira a solenidade desta sessão, ao contrário, agrega em minha vida a realidade temporal de nossas existências. O ser humano é finito em sua condição humana, mas infinito em seu intelecto. Este é momento do compromisso pessoal de continuar somando, agregando à Administração desta Casa, ao muito que foi realizado pelo Des. Nylson e por todos os anteriores presidentes deste Tribunal.

Há exatos 40 anos, reinstalou-se a Justiça Federal conforme a Lei nº 5.010, de 30.05.66.

Estava neste ano iniciando meu curso de direito na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

De lá para cá, muitos fatos e atos foram transformando a Justiça Federal deste país, com marcante alteração pela Constituição Federal de 1988, quando criados os Tribunais Regionais Federais, sucedendo o Tribunal Federal de Recursos, com a competência de Tribunais de Apelação da Justiça Federal.

* Discurso proferido na solenidade de posse da nova Administração do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.** Desa. Federal Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Page 46: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 200646

De lá para cá, trilhei meu caminho e hoje culmino com a Presidência desta Casa.

É, sem sombra de dúvida, a constatação de que o tempo é a medida de tudo. O tempo não só faz acrescentar experiências, mas também nos faz amealhar lembranças, assumir desafios e continuar sempre até que o nosso tempo o permita.

Declaro, sob a fé do meu grau, que trabalharei nos limites de mi-nha capacidade com vistas à manutenção da imagem desta Casa de Justiça, bem como ajustando rotas, incrementando setores para que cada vez mais a nossa prestação jurisdicional seja efetiva, tempestiva e de rápida concretização. Para tanto, tenho, no Plenário desta Casa, a vontade soberana que regulará os meus atos; nos colegas de 1º grau, o apoio necessário à continuação das alterações já efetuadas; e, no corpo competente dos servidores desta Casa, a força de trabalho capaz de efetivar os comandos assumidos.

Senhores, foram 346 dias em que tive a honra de comprovar o elevado espírito público do nosso Presidente, a sua incansável dedicação à causa da Justiça, a sua firme determinação de implementar novos parâmetros em todas as unidades desta Casa. Tudo com o fim último de bem prestar as funções que lhe foram entregues.

Por isso, minha responsabilidade aumenta na medida em que devo prosseguir com a mesma firmeza e com a mesma obstinação.

De outro lado, também vejo aumentar minha responsabilidade em face da realidade atual em que assumo a Presidência como a segunda mulher a fazê-lo neste Tribunal. A primeira é hoje Presidente do Poder Judiciário nacional, Min. Ellen Gracie, a quem reverencio.

Colegas, tenham a certeza de que buscarei, da melhor forma e no me-lhor tempo, as soluções para todas as demandas atribuídas à Presidência, conto com a vossa sabedoria e rogo sinalizarem as críticas e as soluções para todo e qualquer ponto sobre o qual deva exercer alguma decisão.

Obrigada pelo carinho, pela deferência e pelo sorriso fraterno nestes 346 dias, Des. Nylson.

Obrigada a todos.

Page 47: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 2006 47

Missão CumpridaNylson Paim de Abreu*

A última sexta-feira, por imperativo constitucional, marcou o encer-ramento da minha carreira de magistrado federal. Nela empenhei todos os meus esforços no sentido de bem servir à sociedade, inclusive abdi-cando do exercício do magistério superior e das horas de lazer familiar – estas, muitíssimas vezes –, dedicando todo o meu tempo disponível ao desempenho da prestação jurisdicional em favor de todos quantos bateram às portas dos órgãos do Poder Judiciário federal (Subseções Judiciárias de Passo Fundo e Santo Ângelo, Tribunal Regional Eleitoral do RS e Tribunal Regional Federal da 4ª Região) aos quais servi com a máxima dedicação.

Deixei a toga com o sentimento do dever cumprido. As eventuais falhas que possa ter cometido, na jornada que acabo de encerrar, são circunstâncias da minha própria condição humana. Contudo, tenho plena consciência de que envidei todo o empenho para executar com eficiência minhas tarefas profissionais, embora reconheça as minhas naturais limitações pessoais e intelectuais. Como é hora de despedida, também é hora de agradecimentos. E o faço com toda a sinceridade do meu coração. Agradeço, primeiramen-te, a Deus por ter-me permitido chegar ao mais alto posto da hierarquia da magistratura federal de primeiro e segundo graus. Em segundo lugar, agradeço, com todo penhor, à minha família, que sempre me apoiou em

* Ex-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Page 48: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 200648

todas as iniciativas que empreendi na busca do meu aperfeiçoamento profissional, não obstante as constantes ausências do convívio familiar.

Em terceiro lugar, quero agradecer a todos os meus colegas do Tribunal Regional Federal da 4ª Região pelo seu indispensável apoio às atividades administrativas executadas pela administração sob a minha presidência, com ênfase especial aos colegas que dela compartilharam – Desembar-gadores Federais Maria Lúcia Luz Leiria (então vice-presidente e agora presidente), João Surreaux Chagas (corregedor-geral), Edgard Antonio Lippmann Júnior (coordenador dos Juizados Especiais Federais), Ma-ria de Fátima Freitas Labarrère, Valdemar Capeletti e Tadaaqui Hirose (membros do Conselho de Administração).

De igual forma, quero registrar os meus agradecimentos aos distintos Juízes Federais diretores das Seções Judiciárias João Pedro Gebran Neto (PR), Eliana Paggiarin Marinho (SC) e Taís Schilling Ferraz (RS), pela sua excelente gestão administrativa em prol da eficiência da prestação jurisdicional no âmbito da 4ª Região.

Do mesmo modo, quero agradecer a todos os distintos magistrados federais e servidores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e das Seções Judiciárias do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, pela sua dedicada e zelosa atuação funcional em prol da sociedade.

Também agradeço, com ênfase especial, aos ilustres membros do Ministério Público Federal e à Ordem dos Advogados do Brasil e seus inscritos, pela maneira cordial e respeitosa com que sempre me distin-guiram ao longo de minha judicatura. Referência idêntica manifesto aos dedicados membros da Advocacia Pública e a todos os órgãos da Administração Pública Federal.

Também não poderia deixar de consignar os meus agradecimentos aos veículos de comunicação social da Região Sul, pela sua colaboração no esclarecimento da opinião pública sobre as matérias de relevância social apreciadas pela Justiça Federal de primeiro e segundo graus. Aproveito esta oportunidade, ainda, para desejar à minha sucessora, eminente Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria, muito êxito na continuidade da nossa filosofia administrativa, marcada pela solida-riedade compartilhada, que sempre teve a sua preocupação voltada para a agilização da prestação jurisdicional, não só eficiente na sua gestão, mas eficaz nos seus objetivos, já que o poder público deve prestar bom

Page 49: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 2006 49

serviço para o público, segundo a lição do saudoso Norberto Bobbio. Com essas considerações, despeço-me da judicatura com a consciência

tranqüila de haver cumprido com o meu dever de servidor público com-prometido com a causa pública e o bem comum, especialmente com as pessoas humildes e carentes de recursos econômicos e financeiros, tendo em vista o cumprimento do mandamento constitucional da promoção da dignidade da pessoa humana.

Por fim, embora desvestido da toga, quero reafirmar o meu desejo inabalável de continuar prestando serviços à causa da Justiça com o mesmo ímpeto de um bacharel recém-formado, cheio de idealismo e muita esperança para recomeçar tudo de novo em favor de uma ordem social mais justa, na qual o homem assuma a sua condição de verdadeiro sujeito da história.

Page 50: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 200650

Page 51: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 2006 51

Discurso*Maria Hilda Marsiaj Pinto**

Excelentíssimos Desembargadores Federais Maria Lúcia Luz Leiria, Amaury Chaves de Athayde e Nylson Paim de Abreu; senhores Desem-bargadores Federais membros desta Corte; senhores juízes federais, membros do Ministério Público, advogados; senhoras e senhores,

Fina sintonia percebe-se na elevação da Desembargadora Maria Lúcia Luz Leiria à Presidência desta Corte ao tempo em que a primeira mulher que ocupou tão honroso cargo, Ministra Ellen Gracie Northfleet, está à frente do Poder Judiciário nacional.

A simbologia que envolve a troca de comando de uma Corte da ex-pressão do TRF da 4ª Região ultrapassa seus limites para atingir dimensão nacional. Qual o significado da alternância no Poder? Que valores estão no substrato desse princípio democrático? As respostas a tais questões encer-ram verdades simples – lembrando, com Shakespeare, que os homens fo-gem das verdades simples, qualificando-as como simplificações. Voltando às origens, veremos que a ratio da temporalidade está na inversão radical abraçada pela Revolução Americana, que, como a Francesa, deslocou o poder do monarca para o povo. Em conseqüência, contrariamente ao que acontecia anteriormente, quando o povo era súdito, servidor do Rei, na ordem democrática o Povo é o soberano e o Poder emana dele e é em seu nome exercido. O mandato do servidor do povo precisa, então, * Discurso proferido durante a posse da nova Administração do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.** Procuradora-Chefe da Procuradoria Regional da República da 4ª Região.

Page 52: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 200652

ser limitado, tanto no conteúdo quanto no tempo, a fim de bem marcar a diferença entre a ordem anterior – absoluta e vitalícia – e a nova. Ou seja, eleito, o mandatário torna-se regente da res publica. Findo o perí-odo determinado, volta à qualidade suprema de povo. Essa era a visão primordial que perdura teoricamente – ou deveria perdurar – na essência até o presente.

Desafortunadamente, vivenciamos tempos em que servidores do povo traem seus mandatos e vilipendiam os princípios republicanos, usufruindo do poder em benefício próprio. Notícias de corrupção tornaram-se ba-nalizadas pela freqüência, a ponto de abalar profundamente os alicerces éticos da Nação.

Nesse contexto perturbador, é um forte alento olhar para o que hoje ocorre aqui, nesta Corte. A direção que se ora afasta, capitaneada pelo seu ilustre Presidente, Desembargador Nylson Paim de Abreu, honrou o Tribunal e os operadores do Direito vinculados a ele, bem como serviu aos jurisdicionados com dedicação e competência.

Os sucessores, Desembargadores Federais Maria Lúcia Luz Leiria e Amaury Chaves de Athayde, como o antecessor, demonstram compro-metimento inabalável com o mister de magistrados – que significa, em primeira e última instância, servir o povo, instituidor da ordem jurídica. Aliás, já disse Platão, na “República”, que cada um deve ocupar-se na cidade de uma única tarefa, aquela para a qual é melhor dotado por na-tureza. Como os cidadãos devotados à magistratura são, para Platão, os perfeitos guardiães da República, as biografias de Suas Excelências os qualificam largamente para o encargo que ora assumem.

No exercício das elevadas atribuições, temos convicção de que a nova Presidente aliará a luz que lhe é tão peculiar que se verteu em nome à característica energia firme de propósitos, levando esta Corte ainda mais além. Para tanto, contará com a parceria do Vice-Presidente, cujas credenciais referendam o antecipado sucesso da nova gestão.

Cumprimentos ao Desembargador Nylson Paim de Abreu, que encer-ra o período à frente do TRF4 com a felicidade de quem cumpriu com excelência sua missão.

À novel Direção, reiteramos o compromisso do Ministério Público de estreitar cada vez mais os laços que nos unem no serviço do Povo e do interesse público. Que a sabedoria os inspire e conduza.

Page 53: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 2006 53

Saudação aos Juízes Federais Substitutos empossados

Luiz Carlos de Castro Lugon*

Meus novos colegas de magistratura:Em um momento como este, de importância singularíssima na história

de vida de pessoas como vós, irmãos em ideais, ora iniciados confrades no culto da Justiça, deveria eu empreender todo esforço para perquirir dentre as jóias da retórica qual a de mais valoroso material e de mais fina arte de ourivesaria para enaltecer tão marcante conquista. Mas, além da míngua de engenho, há em mim uma forte resistência que não me permite mascarar a verdade com o brilho enganador de ouropéis, cujo encanto transitório deixa, logo em seguida, a fugidia impressão de precariedade e ausência frente à contundência de uma realidade de graníticas arestas. Em decorrência, cometo a heresia de abandonar Cícero, Vieira e Rui Barbosa para ir buscar num poeta popular nordestino a expressão que melhor traduz o que ora se está a viver aqui: Belchior, na voz inimitável de Elis Regina, a dizer que “o novo sempre vem.” Mas, o que é o novo?

Nazistas julgados por crimes de guerra repetiram sempre a mesma defesa, na qual, creio eu, nem mesmo eles acreditavam: cumpríamos as leis, obedecíamos a ordens. A história, no entanto, não os absolve; e nem os deveria a tal pretexto perdoar. É de toda obviedade que o cidadão interage dentro do meio em que é posto, sujeito a uma gama enorme de

* Des. Federal Diretor da Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Page 54: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 200654

condicionamentos, que deixa muito menos espaço para o livre arbítrio do que aquele que se nos aparenta facultado. Todavia, nenhuma justificativa se faz suficiente para o abandono de um posicionamento crítico, postando--se a pessoa como demissionária da vontade própria para servir ao Mal.

Dos juízes, não se há de esperar uma resposta de igual natureza; a alegação de que “apenas cumprimos as leis”. Também a nós condenar--nos-ia a história. É preciso perguntar: a que sistema servimos?

A menos que encastelada na torre mais alta da alienação mais abso-luta, nenhuma pessoa há que afirmar que vivemos em uma sociedade justa. As diferenças sociais são clamantes, e não se pode refugir a esta realidade: brancos e ricos estamos a julgar negros e pobres. E não se há que imaginar uma Têmis cega a desferir a esmo golpes de uma adaga descontrolada. O abismo entre as classes sociais, que se agiganta mais a cada dia em razão de políticas concentradoras de riquezas, torna absurda a figura de um juiz ideologicamente estéril, entronizado sobre um pedestal de alheamento. O juiz não pode ser apenas “la bouche de la loi”, nem um mero repetidor do direito posto. Cumpre-lhe o examinar as diretrizes finalísticas, para que se não faça instrumento de desideratos outros que não a realização da Justiça.

A moderna hermenêutica rompeu os grilhões da letra fria da lei. Já não mais se diz in claris cessat interpretatio; a lei deve sempre ser inter-pretada, em exercício de raciocínio em que não aparece ela como texto isolado, mas ínsita num sistema. Em tal atividade, há sempre de partir da premissa de que o legislador quis o melhor resultado, cumprindo--lhe a ele, juiz, produzir este melhor resultado, mesmo que afrontando a literalidade do texto. Equivocado o dura lex, sed lex. Errado produzir injustiça em nome da lei. As fronteiras entre o legal e o justo não mais se delineiam; a injustiça é ilegal. Se necessário, deve o juiz reescrever a lei; jamais, aplicá-la de modo avesso aos princípios que norteiam a verdadeira justiça.

Mas, retorno eu à pergunta: o que é o novo? O novo não é apenas quem chega, pois que o sistema em seus meios de autopreservação tende a reproduzir sempre o mesmo perfil de magistrado, estereotipado dentro do gabarito do que ele, o sistema, pretende de um juiz. O novo é quem difere do modelo, é quem enfrenta o sistema, é quem faz a história. O novo é quem melhora o universo em que habita, apondo-lhe marcas

Page 55: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 2006 55

decorrentes da própria cosmovisão.Hão que me desculpar os senhores, agora, se forçado sou a dividir

angústias, mas a função de julgar não é cômoda num cenário de tamanhas desigualdades. O saudoso Miguel Reale, a quem se deve toda homena-gem, registrou, dentre suas luminosas preleções:

“Estão vendo, por conseguinte, que julgar não é um ato tão simples como se pensa. Os juízes, apesar de todas as dificuldades materiais de sua vida, têm sem dúvida uma prerrogativa que os singulariza: a do ‘poder-dever’ de julgar. Muito poucos homens têm a oportunidade de enunciar um julgamento; e é exatamente porque professa e decide, formulando juízos sobre a conduta alheia, que ele deve ter ciência e consciência da eticidade radical de seu ato, por maiores que possam ser os conhecimentos jurídicos que condicionem sua decisão.

A bem ver, a responsabilidade do juiz é dramática, visto como a sentença não se reduz a um simples juízo lógico, porquanto – queiram-no ou não os partidários de uma objetividade isenta – um juízo valorativo, como é o da sentença, não pode deixar de empenhar o juiz como ser humano. Lembrar-se dessa contingência talvez seja o pri-meiro dever do magistrado, em sua real e legítima aspiração de atingir o eqüitativo e o justo.”(A Ética do Juiz na Cultura contemporânea. In: NALINI, José Renato (coord.). Uma Nova Ética para o Juiz. São Paulo: Editora RT, p. 130)

A receita para ser juiz está em jamais esquecer que por trás das fo-lhas de papel de cada processo existe gente; gente que espera, gente que anseia, gente que tem fome e sede de Justiça, gente que sofre, gente que suplica. Gente. E é gente que espera pelo novo.

O Poder Judiciário sofre cotidiana campanha buscando seu enfra-quecimento, porque representa empecilho para as ambições desmedidas de grandes interesses econômicos. Chega-se mesmo a afirmar que o Judiciário brasileiro deve tornar-se “previsível” para os investidores internacionais, o que implicaria, no sentir dos defensores de tal tera-tológica tese, um aumento significativo na percentagem do PIB. Ora, a possibilidade de vários juízes julgarem de maneira diferente, muito antes que revelar qualquer patologia, significa autonomia, liberdade de julgamento segundo a própria convicção. Para que se tenha segu-rança jurídica, imprescindível um Judiciário independente. Assim, se o investidor realmente pretende segurança jurídica, há que desejar juízes independentes. Mas, ao que parece, o que está por trás desse ar-gumento é o desejo de um Judiciário que assegure obediência absoluta ao princípio pacta sunt servanda, cerrando os olhos à natureza abusiva

Page 56: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 200656

das cláusulas impostas aos hipossuficientes; ou seja, a prevalência da lei do mais forte.

O novo está no cumprimento da Constituição, na realização dos direitos fundamentais. Já não se pode mais tolerar a hipocrisia de uma Carta Maior fundada em disposições “programáticas”, mera carta de intenções, veículo de promessas jamais cumpridas, pois que pendentes de regulamentação. O novo está na prioridade aos princípios, na inter-pretação sistêmica, na coragem de encontrar um “sim” que está além do “não” contido na frieza do texto isolado da lei.

Já, lamentavelmente, a ouvi em ocasião outra, a falácia de que “o juiz não deve fazer caridade com o dinheiro público”, que pode impressionar colegas menos avisados. Quem assim pensa não compreendeu ainda que a vida com dignidade não é um favor que a Constituição promete; é um direito garantido ao cidadão; não é uma esmola que se lhe outorga, mas um jus oponível ao Estado. A sociedade justa e solidária pretendida pela Constituição-cidadã há que ser perseguida com a imprescindível dose de assistencialismo; e as sentenças judiciais devem obediência à concreção da justiça e da solidariedade. Enquanto o pobre não for visto como cidadão, detentor de direitos, mas como mendigo, não se fará justiça neste país.

Que Vossas Excelências saibam constituir o novo. Que o Direito seja visto como um processo de evolução histórica, a que se insiram sem-pre novas marcas evolutivas, para que se aperfeiçoem as instituições, humanizando-se as relações sociais. Nos que ora chegam, deposita este Tribunal suas mais caras esperanças, na certeza de que a chama sagrada dos ideais comuns mudará de mãos, prosseguindo na sacrossanta jornada na direção da pira olímpica da Justiça.

Brevemente serei eu, como a Itabira de Drummond, “apenas um retrato na parede”. Mas de mim não se dirá que permaneci “em casa, guardado por Deus, contando vil metal”. Se “eles venceram”, se “o sinal está fechado pra nós”, conforta-me agora a certeza de que, mais sonante e mais repetido que seja o antigo discurso, o novo virá, o novo sempre virá, o novo nascerá de vós como a flor de Ferreira Goulart, a

Page 57: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 2006 57

Discurso*Micheli Polippo**

Saúdo na pessoa do Exmo. Sr. Presidente do Tribunal Regional Fede-ral, Des. Federal Nylson Paim de Abreu, as autoridades aqui presentes.

Exmos. Colegas Juízes Federais Substitutos que hoje tomam posse.Senhores e senhoras.Hoje tomam posse 37 novos magistrados federais aprovados no XII Con-

curso Público de provas e títulos do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.Em nome desses novos magistrados, recebi a incumbência de ser-lhes

a porta-voz, cumprindo a missão protocolar de proferir o discurso por oportunidade desta solene cerimônia.

Nestes momentos, corre-se sério risco de deixar falar a pura e sincera emoção que ora nos contagia. Mas, afastando sentimento de felicidade e a hipérbole da paixão, sem deixar de reconhecer que o momento é de verdadeira conquista, impõe-se falar do nosso novo compromisso, do compromisso do magistrado com o Estado Democrático que ele repre-senta e com a tutela dos interesses sociais.

Não há qualquer novidade na afirmação de que a sociedade contem-porânea é carente de valores éticos e morais. Convive-se numa sociedade consumista por excelência, onde as pessoas têm sido reconhecidas pelo que têm e não pelo que são. Uma sociedade em que uma pequena parcela

* Discurso proferido em nome dos 37 Juízes Federais Substitutos empossados durante sessão solene realizada no Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 8 de maio de 2006.** Juíza Federal Substituta.

Page 58: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 200658

tem acesso aos bens de consumo e outra vive em bolsões de miséria. O fenômeno desagregador faz com que o mundo, aos poucos, venha se de-sumanizando. O homem passa por um “processo de coisificação”, em que o próprio paradigma da modernidade e da utopia de uma sociedade justa, projetada a partir da liberdade, igualdade e fraternidade, está em crise.

O cenário nacional não é diferente. O país é marcado pela brutal desigualdade social, pela insegurança e pelo desvelamento recente de fatos graves que maculam a história do Parlamento.

A verdade é que este é o cenário que dará o entorno às nossas práticas judiciais diárias.

Por isso, hoje, a missão da Magistratura e o seu compromisso demo-crático assumem, indiscutivelmente, redobrada importância.

Isto porque a Magistratura pode – e deve (!) – ser um instrumento de transformação desta injusta realidade social que, ao longo da recente história do Brasil, vem impedindo a realização da efetividade do texto constitucional, pois a Constituição da República de 1988 queda, ainda e tristemente, sem efetividade plena.

A Magistratura tem o compromisso de zelar pela defesa da Consti-tuição, enquanto documento supremo do ordenamento jurídico pátrio, dando-lhe real cumprimento e tornando-a verdadeiramente efetiva.

Aqui, neste ato de posse, meus caros colegas Juízes Federais Subs-titutos, assumimos o múnus público que a sociedade nos outorga, de sermos os primeiros garantes da legalidade constitucional e, também, das leis infraconstitucionais, quando estas estiverem em sintonia com a lei maior, quando forem leis justas e representarem o pensamento huma-nista e democrático do nosso tempo – quando forem leis que sirvam de espelho do nosso viver e quando elas tiverem eco nos princípios básicos que projetam uma sociedade democrática que tem no seu núcleo essencial o direito do cidadão.

Reafirmamos, por juramento, a defesa do pacto democrático, forjado no catálogo dos direitos e garantias individuais e nas liberdades públicas.

Se é verdade que o juiz deve ser imparcial, também é verdade que assumimos em nossas práticas judiciais quotidianas a parcialidade na defesa intransigente dos direitos e garantias constitucionais, independen-temente de cor, raça, credo ou condição econômica do jurisdicionado.

Sempre, ao lado do órgão do Ministério Público e da classe dos Ad-

Page 59: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 2006 59

vogados, a Magistratura, no seu mister constitucional de administração e distribuição da Justiça, pode, e deve, fazer de sua missão um verdadeiro instrumento de alteração desta injusta realidade social. Não nos basta apenas estrutura, condições materiais, toga preta e o tratamento doutoral. Para que o nosso mister atenda aos interesses sociais, teremos que romper os muros do Judiciário, ir ao encontro dos jurisdicionados, possibilitando o mais amplo e irrestrito acesso à Justiça.

Nesse sentido, peço licença para citar as palavras proferidas pelo Exmo. Des. Nylson Paim de Abreu, por ocasião de sua posse na Presi-dência deste Egrégio Tribunal:“... a modernidade, na acepção corrente de erradicação da mentalidade e dos métodos arcaicos, só vai adquirir foros de cidadania no dia em que se puder assegurar a todos o acesso efetivo à justiça, expressão abrangente dos dois objetivos fundamentais do sistema jurídico, que Mauro Capelletti assim enuncia: ‘Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam indivi-dual e socialmente justos’. Contudo, embora tenhamos progredido consideravelmente no capítulo dos direitos individuais e sociais, a garantia desses direitos, entretanto, cai no vazio se faltarem aos seus titulares os mecanismos aptos a torná-los efetivos em razoável espaço de tempo. Nesse sentido, vale realçar que o Constituinte derivado inseriu no capítulo dos direitos e garantias fundamentais dispositivo expresso nos seguintes termos: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação (CF/88, art. 5º, LXXVIII).”

Enfim, não há como ter uma jurisdição efetiva sem adequação processual.

Com efeito, a Emenda Constitucional nº 45/2004, que trata da Reforma do Judiciário, preconizou a valorização dos precedentes judiciais, mediante a criação da súmula vinculante para as ações repetitivas, e estabeleceu o requisito da repercussão geral para o recurso extraordinário.

Nessa esteira, procedeu-se a recentes alterações no Código de Processo Civil, visando agilizar a tramitação de processos, racionalizar o sistema recursal, reformar o processo de execução, bem como desestimular a utilização da Justiça com fins meramente protelatórios.

Assim, as últimas reformas já implantadas e os projetos reformadores devem ser compreendidos a partir de duas normas constitucionais fun-damentais – acesso à Justiça, no sentido de uma prestação jurisdicional efetiva, e processo de duração razoável.

Page 60: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 200660

Sempre atento às necessidades dos jurisdicionados, o TRF já havia implementado o Eproc – processo eletrônico –, que dispensa, como o próprio nome diz, um processo de papel, agilizando o andamento dos feitos, já que totalmente virtual, sendo esta Corte, inclusive, pioneira na criação deste instrumento.

Demais disso, a Justiça Federal desta 4a Região tem se aproximado cada vez mais do cidadão por intermédio da interiorização dos Juizados Especiais Federais. Orientados pelos princípios da oralidade, da infor-malidade e da celeridade, entre outros, os Juizados Especiais Federais têm sido um bom exemplo de que é possível oferecer um tratamento ágil, efetivo e de qualidade ao jurisdicionado.

Todavia, de nada adiantarão todos esses instrumentos se o juiz não buscar o diálogo com seus pares, Ministério Público, advogados, polícia e sociedade em geral.

Descortina-se, agora, a importância de termos a consciência da res-ponsabilidade social da Magistratura na sociedade moderna.

É célebre a passagem de Calamandrei: “O Juiz que se habitua a fazer justiça é como sacerdote que se habitua a dizer mis-

sa. Feliz o velho pároco da província, que até o último dia sente, ao dirigir-se ao altar com vacilante passo senil, aquela perturbação que, jovem padre, sentiu-a quando de sua primeira missa. Feliz o magistrado que, até o dia que precede o limite de idade, sente, ao julgar, aquela consternação quase religiosa, que o fez tremer, cinqüenta anos atrás, quando, Juiz de terceira, teve de dar a sua primeira sentença.”

Não percamos essa consternação que faz tremer, de que nos falou Calamandrei. Não permitamos que a cotidianidade do ato de julgar o transforme em mera reprodução mecânica de decisões judiciais. Lembre-mos a célebre frase de Chaplin: “não sois máquinas, homens é que sois”!

Não nos esqueçamos de que cada processo repercute na vida das pessoas. E o que é a sociedade senão a busca da convivência harmônica das pessoas?

O homem é o fundamento de tudo, seja considerado em sua indivi-dualidade ou no convívio com os outros, mas, como se disse, o homem não vive só e nessa dimensão social é que avulta a importância da cola-boração entre os homens, porque o grupo acaba sendo maior do que a soma das individualidades. Do esforço conjunto, originado a partir de sentimentos maiores do que a necessidade de satisfação dos objetivos

Page 61: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 2006 61

individuais, resultam acontecimentos e obras de singular valor, tendo em vista a capacidade humana de realização e transformação.

Ademais, a fonte imediata do direito é a capacidade humana de jul-gar, como disse Tércio Sampaio Ferraz Jr. em belíssimo texto sobre a relação entre o Direito e a Arte:

E julgar, segundo ele, “não se trata de um ato frio e neutro, mas de uma capacidade que se relaciona com o sen-timento de injustiça, que transforma a dor muda e inarticulada em algo comunicativo, voltado para os outros. (...) Não se trata de mera transformação (do injusto em justo) ou uma espécie de pôr ordem nas coisas. Porque se refere a um modo de ser das relações humanas, é mais. Muito mais. É uma transfiguração, verdadeira metamorfose, algo pa-recido com o que diz Rilke da obra de arte: o curso da natureza requer que tudo queime até virar cinzas, mas na arte é como se isto fosse invertido, de modo que até as cinzas pudessem irromper em chamas. Numa paráfrase: o curso da vida humana faz com que tudo pereça, mas no justo julgamento é como se até a morte pudesse irromper em vida.”

Caríssimos colegas, a vida, segundo o imortal José Ortega y Gasset, é uma “emigração perpétua do eu vital para o não-eu”. Viver não é, pois, um acontecimento abstrato. Fazendo uma blague com o princípio or-teguiano – “eu sou eu e as minhas circunstâncias” –, agora cada um de nós, novos Juízes Federais Substitutos, tem uma nova circunstância, um novo compromisso.

Sigamos o destino e tomara que esse rumo nos leve ao encontro de uma Justiça célere, fiel e segura. Somente assim, com o nosso esforço e comprometimento, assumindo nesse ato o ônus público, o compromisso com a sociedade, poderemos, na expressão do poeta uruguaio Eduardo Galeano, encontrar novamente a Justiça e a Liberdade, irmãs siamesas que estão sendo condenadas a viver separadas, unidas, bem juntas, caminhando lado a lado, ombro contra ombro.

Por fim, não nos esqueçamos, caríssimos colegas, de que o fim último, a razão de ser do Direito, é a proteção da dignidade humana, caracte-rizada, nas belas palavras de Fábio Konder Comparato, como a nossa condição de único ser no mundo capaz de amar, descobrir a verdade e criar a beleza.

Muito obrigada.

Page 62: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 200662

Page 63: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 43-62, 2006 63

ACÓRDÃOS

Page 64: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200664

Page 65: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 65

DIREITO ADMINISTRATIVOE DIREITO CIVIL

Page 66: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200666

Page 67: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 67

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.04.01.106233-2/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Relator p/acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Apelantes: Nilda Ferreira e outrosAdvogados: Drs. Luiz Antônio Muller Marques e outros

Drs. Paulo Cezar Santos de Almeida e outrosDr. José Luís Wagner

Apelada: União FederalAdvogado: Dr. Luís Henrique Martins dos Anjos

EMENTA

Administrativo. Servidor público. Adicional de insalubridade. Art. 68 da Lei nº 8.112/90. Aposentadoria. Incorporação aos proventos.

1. O fato de o servidor não mais se expor aos agentes insalutíferos, por conta de sua inativação, não significa a impossibilidade de serem os respectivos valores agregados aos proventos; não leio na legislação em referência tal vedação.

2. A regulamentação legal que inibe a percepção de adicional em face da cessação ou eliminação das condições de risco (art. 68 da Lei nº 8.112/90) dialoga apenas com os servidores da ativa; ou seja, se o servidor segue desempenhando suas atividades públicas, porém desapareceram as condições especiais, estando preservada sua saúde e integridade física, por óbvio que não mais fará jus à compensação pecuniária.

Page 68: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200668

3. O servidor que percebeu os valores a título de Adicional de Insalu-bridade por vários anos, integrando-os aos seus rendimentos habituais, não pode ser punido pelo fato de vir a exercer seu direito à aposentação. Inevitável que a verba incorporou-se aos seus ganhos habituais, pautando despesas e comportamentos, sendo importante que neste momento de transição seja-lhe garantido o mesmo nível de receita quando da ativa.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 7 de novembro de 2005.Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator p/acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: É este o teor da r. sentença recorrida, a fls. 72/4, verbis:

“Trata-se de Ação Ordinária que os autores acima nominados e qualificados na inicial movem contra a União visando à incorporação e pagamento do adicional de periculosidade sobre os proventos da aposentadoria e, em conseqüência, sobre os va-lores da pensão que recebem. Afirma que o falecido ao se aposentar recebia adicional de insalubridade, vantagem que foi suprimida na inatividade. Alegam que a supressão é inconstitucional por ofensa aos arts. 37, inc. XV, 150, inc. II, e art. 40, § 4º, ambos da CF/88, bem como é ilegal por contrariar o art. 193 da CLT.

Citada, a União contestou. Argüiu preliminar de carência de ação, em face de não ter havido prévia postulação administrativa. Em relação ao mérito argumentou que não há direito adquirido ao recebimento porque o adicional é pago ao servidor enquanto perdurar a condição de risco e que a Lei 8.270/91 não regulou eventual incorporação dos adicionais à aposentadoria, inexistindo previsão legal nesse sentido. Sustentou que a parte autora não prova o recebimento do adicional de insalubridade. Pede a impro-cedência e condenação da parte autora nos ônus da sucumbência.

Houve réplica.Relatei. Decido. A preliminar de carência de ação não procede. É pacífico na jurisprudência o en-

tendimento de que não há necessidade de exaurimento da via administrativa ou até mesmo prévio requerimento administrativo para que só após possa ser buscada a tutela

Page 69: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 69

jurisdicional. De outro lado, com base na contestação da ré, na qual é refutada a pretensão dos

autores, vê-se, claramente, que o requerimento administrativo prévio seria mero for-malismo, pois a Administração rejeitaria o pleito dos autores.

Desta forma, não há carência de ação. Passo ao exame do mérito. Inicialmente cumpre registrar que os autores provam o recebimento do adicional

de insalubridade antes da aposentadoria (docs. das fls. 19/20). A parte Autora postula, em síntese, a incorporação aos proventos da aposentadoria

do adicional de insalubridade e o conseqüente reflexo na pensão que recebem. Improcede o pedido. A vantagem pretendida, segundo a classificação das vantagens realizada por Hely

Lopes Meirelles, se constitui em gratificação de serviço, paga em razão das condições anormais em que ocorre a prestação do serviço (propter laborem).

Em relação a esta espécie de vantagem, uma vez cessadas as condições anormais em que prestado o serviço, cessa, também, o direito ao pagamento da gratificação.

Assim, pela sua natureza, esta vantagem não é passível de incorporação aos ven-cimentos e em conseqüência ao próprio patrimônio do servidor.

Além de não ser passível a incorporação em razão de sua natureza, também a lei não prevê o direito à sua incorporação aos vencimentos ou proventos.

A Lei 8.112/90 regula a matéria no seu art. 68, § 2º, verbis: ‘Art. 68... § 2º O direito ao adicional de insalubridade ou de periculosidade cessa com a elimi-

nação das condições ou dos riscos que deram causa a sua concessão.’Também o art. 12, parágrafo 5º, da Lei 8.270/91 refere que os adicionais ou gratifi-

cações de insalubridade ou periculosidade pagos em limite superior ao fixado naquela lei seriam transformados em vantagem pessoal para os servidores que permanecessem expostos à situação de trabalho que tenha dado origem à referida vantagem.

Por conseguinte, não há previsão legal para que haja incorporação da vantagem, ao contrário, o que existe é previsão legal expressa de que tal incorporação não poderá ocorrer.

No caso, com a inatividade cessou a exposição às situações que ensejavam o pa-gamento do adicional porque deixou a parte autora de exercer as funções que deram causa à vantagem.

Não há violação ao § 4º do art. 40 da Constituição Federal, em sua redação vigente na época em que ocorreu a inativação, pois não se está a cogitar de revisão de provento ou de vencimentos, nem mesmo de extensão de vantagens ou benefícios.

Também não há violação ao princípio da irredutibilidade de vencimentos, devido ao caráter da gratificação que a parte autora percebia quando em atividade.

Assim, improcede o pedido uma vez que não há direito à incorporação, nem mesmo direito adquirido em receber a gratificação tendo em vista sua natureza que não permite incorporação ao patrimônio do servidor.

Isto posto, julgo improcedente a ação.

Page 70: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200670

Custas pelos autores. Condeno os autores no pagamento dos honorários advocatícios ao procurador da Ré, os quais arbitro no percentual de 10% sobre o valor atualizado da causa.”

Interposta a apelação, postulam os recorrentes a reforma do julgado.O MPF opinou pelo improvimento do recurso.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Para rejeitar o pedido, a fls. 73/4, anotou, com inteiro acerto, o eminente Juiz Federal, verbis:

“Inicialmente cumpre registrar que os autores provam o recebimento do adicional de insalubridade antes da aposentadoria (docs. das fls. 19/20).

A parte Autora postula, em síntese, a incorporação aos proventos da aposentadoria do adicional de insalubridade e o conseqüente reflexo na pensão que recebem.

Improcede o pedido. A vantagem pretendida, segundo a classificação das vantagens realizada por Hely

Lopes Meirelles, se constitui em gratificação de serviço, paga em razão das condições anormais em que ocorre a prestação do serviço (propter laborem).

Em relação a esta espécie de vantagem, uma vez cessadas as condições anormais em que prestado o serviço, cessa, também, o direito ao pagamento da gratificação.

Assim, pela sua natureza, esta vantagem não é passível de incorporação aos ven-cimentos e em conseqüência ao próprio patrimônio do servidor.

Além de não ser passível a incorporação em razão de sua natureza, também a lei não prevê o direito à sua incorporação aos vencimentos ou proventos.

A Lei 8.112/90 regula a matéria no seu art. 68, § 2º, verbis: ‘Art. 68... § 2º O direito ao adicional de insalubridade ou de periculosidade cessa com a eli-

minação das condições ou dos riscos que deram causa a sua concessão.’Também o art. 12, parágrafo 5º, da Lei 8.270/91 refere que os adicionais ou gratifi-

cações de insalubridade ou periculosidade pagos em limite superior ao fixado naquela lei seriam transformados em vantagem pessoal para os servidores que permanecessem expostos à situação de trabalho que tenha dado origem à referida vantagem.

Por conseguinte, não há previsão legal para que haja incorporação da vantagem, ao contrário, o que existe é previsão legal expressa de que tal incorporação não poderá ocorrer.

No caso, com a inatividade cessou a exposição às situações que ensejavam o pa-gamento do adicional porque deixou a parte autora de exercer as funções que deram causa à vantagem.

Page 71: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 71

Não há violação ao § 4º do art. 40 da Constituição Federal, em sua redação vigente na época em que ocorreu a inativação, pois não se está a cogitar de revisão de provento ou de vencimentos, nem mesmo de extensão de vantagens ou benefícios.

Também não há violação ao princípio da irredutibilidade de vencimentos, devido ao caráter da gratificação que a parte autora percebia quando em atividade.

Assim, improcede o pedido uma vez que não há direito à incorporação, nem mesmo direito adquirido em receber a gratificação tendo em vista sua natureza que não permite incorporação ao patrimônio do servidor.”

Nesse sentido, a jurisprudência da Corte, verbis:“SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO ADQUIRIDO. ADICIONAL DE INSALU-

BRIDADE. LEI 8.270/91. RETROATIVIDADE. PRINCÍPIO DA IGUALDADE JURÍDICA.

1. Os apelantes não têm direito adquirido a determinado índice da gratificação ou adicional de insalubridade, uma vez que o servidor público não pode opor direito adquirido contra a Lei. Enquanto estiver em atividade pode a Administração, unila-teralmente, alterar as condições de serviço e de pagamento, desde que o faça por lei.

2. A Lei 8.270 não retroagiu, tanto assim que não determinou a devolução de par-celas percebidas no regime vigente antes de sua edição.

3. Não houve lesão ao princípio da isonomia ou da igualdade, porque a Lei em referência atingiu a todos os servidores que se encontrassem nas mesmas condições.

4. As vantagens pessoais previstas pela Lei 8.270/91 têm caráter indenizatório e não se incorporam aos vencimentos do servidor, que as perderá quando deixar de prestar serviço insalubre. O parágrafo 5º do art. 12 da Lei 8.270/91 não é inconstitucional, motivo pelo qual deve ser aplicado.” (TRF-4ª, 3ª T., AC 1998.04.01.023305-5/RS, Rel. Desa. Luiza Dias Cassales, unânime, publ. DJ 09.06.99, p. 445)

Por esses motivos, conheço da apelação, negando-lhe provimento.É o meu voto.

VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Ouso, con-cessa maxima venia, divergir da solução emprestada por Sua Excelência ao caso dos autos, no sentido de confirmar a sentença que julgou impro-cedente o pedido, no sentido de incorporação dos valores atinentes ao Adicional de Insalubridade, recebidos por longos anos, aos proventos da aposentadoria do servidor público.

Aferra-se a linha do raciocínio que rejeita a proposição dos autores à circunstância de que, com a inativação, o servidor não mais se expõe às condições ou riscos especiais, razão por que estaria suprimida a cir-

Page 72: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200672

cunstância fática que pretextava a percepção da verba compensatória; o “adicional de insalubridade”, neste contexto, constitui, na clássica lição de Hely Lopes Meirelles, gratificação especial, devida em face das condições extraordinárias em que desenvolvidas as atividades rotineiras cometidas ao agente público. O i. Doutrinador, acerca das gratificações de serviço – propter laborem –, pontifica:

“É aquela que a Administração institui para recompensar riscos ou ônus decorrentes de trabalhos normais executados em condições anormais de perigo ou de encargos para o servidor, tais como os serviços realizados com risco de vida e saúde ou prestados fora do expediente, da sede ou das atribuições ordinárias do cargo. O que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua vinculação a um serviço comum, executado em condições excepcionais para o funcionário, ou a uma situação normal do serviço mas que acarreta despesas extraordinárias para o servidor. Nessa categoria de gratificações entram, dentre outras, as que a Administração paga pelos trabalhos realizados com risco de vida e saúde; pelos serviços extraordinários; pelo exercício do Magistério; pela representação de gabinete; pelo exercício em determinadas zonas ou locais; pela execução de trabalho técnico ou científico não decorrente do cargo; pela participação em banca examinadora ou comissão de estudo ou de concurso; pela transferência de sede (ajuda de custo); pela prestação de serviço fora da sede (diárias).” (Direito Admi-nistrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 411)

No plano do direito objetivo, o tema do “Adicional de Insalubridade” devido aos servidores públicos federais é regulado na Lei nº 8.112/90, nos seguintes termos:

“Art. 68. Os servidores que trabalhem com habitualidade em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas, radioativas ou com risco de vida, fazem jus a um adicional sobre o vencimento do cargo efetivo.

§ 1º O servidor que fizer jus aos adicionais de insalubridade e de periculosidade deverá optar por um deles.

§ 2º O direito ao adicional de insalubridade ou periculosidade cessa com a elimi-nação das condições ou dos riscos que deram causa a sua concessão.”

Porém, o fato de o servidor não mais se expor aos agentes insalutíferos, por conta de sua inativação, não significa a impossibilidade de serem os respectivos valores agregados aos proventos; não leio na legislação em referência tal vedação. A regulamentação legal que inibe a percepção de adicional em face da cessação ou eliminação das condições de risco, tenho para mim, dialoga apenas com os servidores da ativa; ou seja, se o servidor segue desempenhando suas atividades públicas, porém desapareceram as

Page 73: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 73

condições especiais, estando preservada sua saúde e integridade física, por óbvio que não mais fará jus à compensação pecuniária. Porém, o servidor que percebeu os valores a título de Adicional de Insalubridade por vários anos, integrando-os aos seus rendimentos habituais, não pode ser punido pelo fato de vir a exercer seu direito à aposentação. Inevitável que a verba se incorporou aos seus ganhos habituais, pautando despesas e comportamentos, sendo importante que neste momento de transição lhe seja garantido o mesmo nível de receita quando da ativa.

Comunga igual entendimento o i. representante do Parquet:“É certo que, cessada a convivência com os agentes insalutíferos, desaparece o direito

à percepção da aludida parcela remuneratória. Contudo, tal entendimento não pode se estender para as situações em que o servidor, quando de seu falecimento, percebia o alu-dido adicional. Dito de outra forma, não vale a regra quando o motivo da cessação não é a modificação das condições de trabalho mas o falecimento, por vezes inclusive em razão das precárias condições em que o labor é prestado. Nesse caso, em nome do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações consolidadas ao longo do tempo, somado ao direito à irredutibilidade e à paridade dos proventos/pensão e vencimentos, a pensão deve incluir o valor da gratificação (indenização) por insalubridade, não obstante o nome que se lhe atribua.” (fls. 109/110)

Voto, pois, no sentido de dar provimento ao apelo, para julgar proce-dente a ação, para determinar a incorporação dos valores do adicional de insalubridade aos proventos do servidor, com a condenação da União ao pagamento das parcelas vincendas e vencidas, estas acrescidas de correção monetária desde quando devida cada parcela e, ainda, inci-dência de juros moratórios à razão de 1%, por se tratarem de parcelas de cunho alimentar, a contar da citação.

Honorários advocatícios, pela União, fixados em 10% sobre o valor da condenação.

Page 74: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200674

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.71.01.003040-6/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde

Apelante: UniãoAdvogado: Dr. Luís Henrique Martins dos Anjos

Apelante: Alba Martinatto Gay Advogados: Drs. Rachel dos Reis Cardone e outro

Apelados: (os mesmos)Remetente: MM. Juízo da 1ª Vara Federal de Rio Grande/RS

EMENTA

Constitucional e Administrativo. Ex-combatente. Pensão especial. Art. 53 do ADCT/88. Alcance da Lei nº 5.315/67. Prescrição.

1. Conforme texto constitucional (ADCT, art. 53, II), imprescritível o fundo de direito à pensão especial. No entanto, o termo a quo do be-nefício deve ser contado a partir da protocolização do correspondente requerimento.

2. O art. 53 do ADCT da Constituição Federal de 1988 adotou conceito de ex-combatente contido na Lei nº 5.315/67, motivo pelo qual o benefício por ele concedido alcança militares que participaram de missões de vigi-lância e segurança do litoral do país e se deslocaram de suas sedes para o cumprimento dessas missões.

3. O lançamento dos registros nos assentamentos dos militares é atribuição exclusiva da Administração, a essa não aproveitando o ar-gumento de omissão ao fim de afastar o direito à pensão especial pelo requerente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da União e à remessa oficial e dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do rela-tório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 15 de dezembro de 2004.Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, Relator.

Page 75: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 75

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de ação ordinária proposta por Alba Martinatto Gay perante o MM. Juízo da 1ª Vara Federal de Rio Grande/RS, pela qual pleiteia pensão especial de que tratam o artigo 53, inciso II, do Ato das Disposições Constitucio-nais Transitórias - ADCT e as Leis nos 5.315/67 e 8.059/90, bem como pagamento das parcelas vencidas, desde o requerimento administrativo, acrescidas de juros e correção monetária, respeitada a prescrição qüin-qüenal. Assevera que é viúva de ex-combatente que serviu em operações bélicas de 1941 a 1943, pelo Segundo Batalhão de Carros de Combate, tendo sido indeferido o pedido administrativo em razão de não constar dos assentamentos militares a participação efetiva durante o período de 16.09.42 a 08.05.45.

Submetido o feito a regular tramitação, adveio v. sentença (fls. 92 a 98) que julgou procedente o pedido na exordial, condenando a União a conceder à autora o benefício postulado, a partir do requerimento administrativo. Sucumbência pela requerida, fixados os honorários ad-vocatícios em 10% sobre o valor atualizado da causa. Concedida tutela antecipada. (fls. 136 a 152)

Irresignadas, as partes apelam tempestivamente.A União (fls. 101 a 126) deduz razões pela reforma total do julgado.A parte autora (fls. 128 a 134) postula a majoração da verba honorária.Com contra-razões pela parte autora (fls. 171 a 174), vieram os autos

a este Tribunal, também por força de reexame necessário.É o relatório. Dispensada a revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde:

Preliminar Prescrição A Constituição, ao tratar da pensão especial em questão, estabelece

que ela poderá ser requerida a qualquer tempo (ADCT, art. 53, II). De aí, conclusão inafastável, o Estatuto está a dizer que o direito ao referido benefício é de fundo imprescritível.

Pelo igual fundamento, por outro lado, impende concluir que a mes-

Page 76: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200676

ma pensão, quando devida, sê-lo-á não com produção retroativa senão, apenas, a partir da pretensão exteriorizada pelo beneficiário. Nessa conformação, não se há de cogitar de prescrição qüinqüenal de parcelas do benefício de prestação continuada, ao que opera a Súmula nº 85 do egrégio Superior Tribunal de Justiça. O quadro, antes, faz concernir ao próprio termo inicial do direito ao benefício, esse estando a residir na data da protocolização do correspondente requerimento.

Mérito A prova trazida aos autos pela autora está bem constituída. Comprova

a condição de ex-combatente de seu falecido esposo, com participação efetiva em operações bélicas, sob a definição da Lei nº 5.315/67. A tanto labora a certidão acostada aos autos, passada por unidade do Exército, dizendo haver o ex-militar sido deslocado de sua sede para o cumprimento de missão de vigilância e segurança do litoral.

E não se diga o contrário, a pressuposto de que a ocorrência não estaria registrada no assentamento militar da parte requerente. Isso porque o lan-çamento de tal registro é atribuição exclusiva da Administração Militar, a essa não aproveitando o argumento da própria omissão. E mais, tendo sido a certidão expedida por órgão oficial, como é o órgão militar, não pode a União negar a fidelidade das mesmas.

Devidamente valorada a prova carreada aos autos, suficiente que se apresenta para demonstrar a realidade nela certificada, decorre daí o direito que, via de conseqüência, merece ser reconhecido. Confiro.

A Lei nº 5.315, de 12.09.67, regulamentando o artigo 178 da então vigente Constituição do Brasil, define a condição de ex-combatentes da 2ª Guerra Mundial e aponta os meios de prova de sua participação efetiva em operações bélicas. À arma do Exército, como interessa in casu, estabelece:

“Art. 1º Considera-se ex-combatente, para efeito de aplicação do artigo 178 da Constituição do Brasil, todo aquele que tenha participado efetivamente de operações bélicas, na Segunda Guerra Mundial, como integrante da Força do Exército, da Força Expedicionária Brasileira, da Força Aérea Brasileira, da Marinha de Guerra e da Ma-rinha Mercante, e que, no caso de militar, haja sido licenciado do serviço ativo e com isso retornado à vida civil definitivamente.

§ 1º A prova da participação efetiva em operações bélicas será fornecida ao inte-ressado pelos Ministérios Militares.

Page 77: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 77

§ 2º Além da fornecida pelos Ministros Militares, constituem, também, dados de informação para fazer prova de ter tomado parte efetiva em operações bélicas:

a) no Exército:I- (...)II- o certificado de que tenha participado efetivamente em missões de vigilância e

segurança do litoral, como integrante da guarnição de ilhas oceânicas ou de unidades que se deslocaram de suas sedes para o cumprimento daquelas missões.

(...)§ 3º A prova de ter servido em Zona de Guerra não autoriza o gôzo das vantagens

previstas nesta Lei, ressalvado o preceituado no artigo 177, § 1º, da Constituição do Brasil de 1967, e o disposto no § 2º do artigo 1º desta Lei. (...)”

Logo, havendo efetivamente participado de operações bélicas, sob a definição da Lei nº 5.315/67, na conformação alternativa de que cuida o seu artigo 1º, parágrafo 2º, inciso II, em face da qual não remanesce cam-po para discussão atinente ao que seja “efetiva participação em operações bélicas”, certo que na relação não se aplica o óbice ínsito no parágrafo 3º do mesmo artigo, haja vista a expressa ressalva que nesse preceito in fine se contém, e, em sendo o fato documentalmente comprovado por certidão expedida por unidade militar, é forte assentir que a autora im-plementa a condição necessária à percepção do benefício que reclama.

Impõe-se, pois, a condenação da requerida ao pagamento do benefício da pensão militar à autora.

De conseqüência

Correção monetária e juros moratórios A correção monetária é devida, sob indexadores oficiais, sendo válida

a fixação do termo a quo na data do vencimento de cada parcela.Concernentemente aos juros moratórios, ausente irresignação a res-

peito, mantenho o índice fixado na v. sentença.

Sucumbência Merece provimento o recurso da parte autora, eis que advindo contra

a requerida imposição pecuniária, os honorários restam arbitrados sobre o montante da sua condenação, fazendo-o na dimensão de 10 %. (CPC, art. 20, §§ 3º e 4º)

A requerida responde pelas custas processuais em reembolso. (Lei nº 9.289/96, art. 4º, § único)

Page 78: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200678

Tutela antecipadaInexiste óbice no regramento jurídico pátrio à concessão de tutela

antecipada no bojo da sentença, desde que preenchidos os requisitos legais a tanto.

O mérito pela procedência do pedido faz por atestar, em quadra de cognição plena, a existência dos requisitos para a concessão da tutela ante-cipada, quais sejam, primeiro a verossimilhança do direito alegado (CPC, art. 273, caput), existente, pois, haja vista a procedência do pedido da exordial, e o segundo dizendo com o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, demonstrado pelo caráter alimentar da causa. É esse o risco que pretende afastar o instituto previsto no Código de Processo Civil.

Ante o exposto, nego provimento à apelação da União e à remessa oficial.

Dou provimento à apelação da parte autora.É como voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.71.02.000277-5/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon

Apelante: Valtenis Luiz Gomes Advogada: Dra. Neiva Teresinha Fachinetto Kotlinski

Apelada: Caixa Econômica Federal - CEFAdvogados: Drs. Onira Mota Gonçalves e outros

EMENTA

Administrativo. SFH. Lei nº 10.150/2000. Liquidação antecipada. Desconto integral do saldo devedor. Parcelas vincendas. Dispensa de pagamento.

1. A liquidação antecipada dos contratos de mútuo habitacional,

Page 79: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 79

prevista no § 3º do art. 2º da Lei nº 10.150/2000, garante ao mutuário o desconto integral do saldo devedor posicionado na data do seu reajuste.

2. Desde a protocolização do pedido de liquidação antecipada junto ao agente financeiro, e comprovadamente atendidos os pressupostos da legislação de regência, o mutuário está desonerado do pagamento das parcelas vincendas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 8 de novembro de 2005.Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido da parte autora, para condenar a CEF a quitar o financiamento do imóvel mencionado na inicial com desconto de 100% do saldo devedor, na forma prevista na Lei 10.150/2000, após o pagamento de todas as prestações pela parte autora. Liquidado o financiamento, a CEF deverá providenciar os documentos necessários à liberação do respectivo gravame que incide sobre o imóvel. (fl. 137)

Sustenta a parte autora em seu apelo que deveria responder apenas pe-las prestações vencidas até dezembro/2000, quando do início da vigência da Lei nº 10.150. Injusta, assim, a decisão que determina o pagamento de todas as prestações contratadas para só então obter a quitação do resíduo do saldo devedor por conta da cobertura do FCVS.

Com contra-razões, vieram os autos a esta Corte.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon: É incontro-verso, até porque se trata de tópico irrecorrido da sentença, o direito da

Page 80: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200680

parte autora à cobertura do FCVS.A discussão devolvida diz com a obrigação consignada na sentença,

de que o mutuário, para obtenção da liquidação antecipada com desconto integral prevista no § 3º do art. 2º da Lei nº 10.150/2000, deve efetuar o pagamento de todas as parcelas remanescentes do contrato, e não apenas aquelas que estavam vencidas e impagas.

Fatores vários, contudo, fizerem com o FCVS, fundo de evidente caráter securitário, fosse sobrecarregado nas suas responsabilidades de amortizar o resíduo dos contratos de mútuo, a ponto de o seu passivo superar em inúmeras vezes o total dos depósitos efetivados pelas fontes de receita. O excessivo e imprevisto incremento da dívida do Fundo é cometido, principalmente, ao divórcio entre o critério de reajustamento do encargo mensal, que atendia às exigências da equivalência salarial, e aquele do saldo devedor do contrato, vinculado às regras do custo do dinheiro no âmbito do mercado financeiro. Isso porque tal descompasso suprime parte da força de amortização do saldo devedor, que muitas ve-zes não faz frente sequer à perda inflacionária, transferindo para o saldo devedor a absorção dos valores não atendidos pela prestação mensal.

Procurando estancar o crescente volume de valores debitados ao FCVS, os quais, como dito, superavam em muito seu ativo, as autori-dades públicas lançaram mão de instrumentos que viessem minimizar o déficit, notadamente o incentivo às liquidações antecipadas dos contratos, caracterizado por generosos descontos nos saldos devedores.

É nesse ambiente que a Lei nº 10.150/2000 vem a lume, convolando seqüência de medidas provisórias, a qual fornece amparo à pretensão do recorrente, notadamente no seu art. 2º, § 3º, de seguinte teor:

“Art. 2º Os saldos residuais de responsabilidade do FCVS, decorrentes das liqui-dações antecipadas previstas nos §§ 1º, 2º e 3º, em contratos firmados com mutuários finais do SFH, poderão ser novados antecipadamente pela União, nos termos desta Lei, e equiparadas às dívidas caracterizadas vencidas, de que trata o inciso I do § 1º do artigo anterior, independentemente da restrição imposta pelo § 8º do art. 1º.

§ 1º As dívidas de que trata o caput deste artigo poderão ser novadas por montante correspondente a trinta por cento do valor do saldo devedor posicionado na data do reajustamento do contrato, extinguindo-se a responsabilidade do FCVS sobre o saldo devedor remanescente, que será renegociado mediante acordo entre o agente financeiro e o mutuário.

§ 2º As dívidas relativas aos contratos cuja prestação total, em 31 de março de

Page 81: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 81

1998, era de até R$ 25,00 (vinte e cinco reais) poderão ser novadas por montante correspondente a setenta por cento do valor do saldo devedor, posicionado na data de reajustamento do contrato, extinguindo-se a responsabilidade do FCVS sobre o saldo devedor remanescente, que será renegociado mediante acordo entre o agente financeiro e o mutuário.

§ 3º As dívidas relativas aos contratos referidos no caput, assinados até 31 de dezembro de 1987, poderão ser novadas por montante correspondente a cem por cento do valor do saldo devedor, posicionado na data de reajustamento do contrato, extinguindo-se a responsabilidade do FCVS sob os citados contratos.

§ 4º O saldo que remanescer da aplicação do disposto nos §§ 1º e 2º deste artigo será objeto de novação entre a instituição financiadora e o mutuário, por meio de instrumento particular de aditamento contratual, com força de escritura pública, onde se estabelecerão novas condições financeiras relativas a prazo, taxa nominal de juros, sistema de amortização, plano de reajuste e apólice de seguro sem garantia de equilíbrio pelo FCVS, preservando-se, enquanto existir saldo devedor da operação, a prerrogativa de o mutuário utilizar os recursos de sua conta vinculada do FGTS nas modalidades previstas nos incisos V e VI do art. 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990.

§ 5º A formalização das disposições contidas no caput e nos §§ 1º, 2º, 3º e 4º deste artigo condiciona-se à prévia e expressa anuência do devedor.

§ 6º Na falta da anuência prévia e expressa do devedor, o FCVS poderá reconhecer a cobertura para os casos previstos nos §§ 1º, 2º e 3º deste artigo, condicionada à en-trega à Administradora do FCVS de termo de compromisso, mediante o qual o agente financeiro assume quaisquer ônus decorrentes das relações jurídicas entre mutuário e instituição financiadora e entre mutuário e seguradora, inclusive o ônus de ações judi-ciais envolvendo o contrato de financiamento e seus acessórios e a Apólice do Seguro Habitacional, desonerando expressamente o FCVS. (Incluído pela Lei 10.885, de 2004)

§ 7º (VETADO)§ 8º Fica dispensado de registro, averbação ou arquivamento no Registro de Imóveis

e no Registro de Títulos e Documentos o aditivo contratual decorrente da novação da dívida de que trata o caput deste artigo, mantendo-se a garantia hipotecária em favor do agente financeiro.”

O objetivo do diploma legal, como de outros que o sucederam, era anular de imediato o saldo devedor dos contratos de mútuo deficitários e cujo desenvolvimento só fazia engrossar a dívida que ao final deveria ser suportada pelo FCVS. Fomentou-se a liquidação do saldo devedor do contrato enquadrado nos requisitos prescritos, que, nos claros ter-mos da lei, far-se-ia de modo antecipado, vale dizer, antes do fim do prazo contratual. Libertava-se o mutuário desde já do pagamento das parcelas vincendas, mensalidade quase sempre incapaz de atender à amortização do saldo devedor programada e dos juros pactuados, e,

Page 82: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200682

em contrapartida, freava-se o incremento do resíduo do saldo devedor a ser suportado pelo FCVS.

O i. Julgador a quo, de modo, permissa venia, a meu sentir contraditó-rio, reconheceu que o contrato do recorrente estava amoldado à previsão normativa abstrata de liquidação antecipada, mas, contudo, determinou que a liquidação só se daria com o pagamento de todas as prestações faltantes. Tal modus operandi não traduz a idéia legal de liquidação antecipada, que deve operar, na dicção da Lei nº 10.150, sobre o saldo devedor posicionado na data de reajustamento do contrato, e não sobre o total da dívida existente ao final das parcelas pactuadas. O que se fez, apenas, foi reconhecer o direito à cobertura do resíduo do saldo devedor pelo FCVS e não garantir a liquidação antecipada do contrato, como previsto na legislação de regência.

Desde a protocolização do requerimento junto ao agente financeiro, então, estava o mutuário dispensado do pagamento das parcelas vincendas. Como, no caso, o autor não fez prova de ter diligenciado junto à CEF a ob-tenção do benefício de desconto integral do saldo devedor do seu contrato, elejo, em substituição desse marco, a data da propositura da presente ação, de modo que a partir de então ele está liberado de efetuar os pagamentos a título de prestação do mútuo habitacional.

Dou, pois, parcial provimento ao apelo.Mantém-se a verba sucumbencial prevista na sentença, ainda que

parcialmente provido o apelo, porquanto já adequadamente arbitrada ao fundamento de decaimento mínimo do autor.

É o voto.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2003.04.01.001304-1/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde

Page 83: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 83

Agravante: Olinir Borba PassosAdvogados: Drs. Valmir Pamplona Pinheiro e outro

Agravado: Ministério Público Federal

EMENTA

Constitucional e Ambiental. Terreno de marinha - Bem da União. Ausente autorização para ocupação. Edificação - Não autorizada pelo município por se tratar de zona de preservação permanente. Não comercialização do imóvel e corte de energia - Deferidos. Desnecessi-dade de critérios técnicos para defesa do meio ambiente. Princípios da precaução e prevenção.

A ocupação da área e a edificação nela pelo recorrente traspassaram normas legais e administrativas.

O corte de energia longe está a embaraçar a subsistência do recorrente. A construção da casa é recente, o agravante possui outra propriedade e não se admite valer-se, ele, da própria torpeza em detrimento de interesses públicos maiores.

A defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado prescinde da existência de dados científicos, técnicos, completos ou atualizados.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relató-rio, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 23 de novembro de 2005.Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de agravo de instrumento interposto da r. decisão (fls. 183/184) proferida em ação civil pública sob nº 2002.72.07.008761-4, proposta pelo Ministério Público Federal em face de Olinir Borba Passos, que se processa perante o MM. Juízo da Vara Federal de Tubarão/SC, visando à proteção do meio ambiente. A insurgência é posta contra a concessão do pleito liminar para

Page 84: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200684

o fim de “determinar que o réu se abstenha de ocupar o imóvel, bem como de realizar venda, promessa de venda, cessão, promessa de cessão ou qualquer forma de negociação do referido imóvel”, ao pressuposto da irregularidade do empreendimento.

Determinou o decisório agravado, ainda, que a Centrais Elétricas de Santa Catarina S/A - CELESC não procedesse à ligação do imóvel à rede elétrica ou, caso já implementada a medida, fosse providenciado o desligamento imediato.

Alegou o recorrente que a decisão combatida refugiu aos estreitos lindes do pedido autoral, bem como foi construída levando em conta o substrato fático inverídico desprovida de comprovação oficial e técnica, porquanto ausente homologação da Linha Preamar Média - LPM, bem assim perícia adequada a identificar ser a área ocupada como de preser-vação permanente.

O recurso foi processado com efeito suspensivo parcial da decisão recorrida. (fls. 478/480)

Instado, o Ministério Público Federal apresentou resposta. (fls. 484/487)

É o relatório. Sem revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Não merece acolhida a pretensão recursal.

Entre os bens da União estão os terrenos de marinha. (inciso VII, artigo 20 da Constituição Federal)

O artigo 225 da Constituição Federal consagra o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”. O parágrafo 4º do mesmo artigo diz ser a Zona Costeira patrimônio nacional, “e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”.

O agravante reconhece que erigiu em terreno de marinha (fl. 16), sem contudo possuir inscrição de ocupação, aforamento ou qualquer outra permissão.

Page 85: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 85

Ademais, a área é, prima facie, de preservação permanente, conforme se apura dos documentos acostados a fls. 191/194, 209/211, 221/223, ainda porque o projeto de construção da residência sequer foi deferido pelo Município sob o fundamento de que o local é zona de preservação permanente. (fls. 168/178, 235 e 242)

Não obstante isso, do que, demais, era cônscio, o agravante edificou no local. Inconcebível, doravante, o Poder Público e seus serviços sus-tentarem ou ratificarem esse escarro à ordem legal e administrativa, bem assim, abarcar a infundada alegação de que o corte de energia – como determinado no r. decisum a quo – lhe retiraria condições mínimas de sobrevivência, porquanto o próprio recorrente procedeu com dolo en-redando tal situação, aplicando-se, no caso, o brocardo nemo auditur propriam turpitudinem allegans, ou seja, ninguém pode ser ouvido alegando a própria torpeza ou malícia. Acresça-se, além disso, o fato de ele possuir residência no Município de São Leopoldo/RS, consoante os termos da procuração outorgada ao seu advogado (fl. 28), do que consta relatado no termo circunstanciado de ocorrência ambiental (fls. 191/192) e em seu requerimento de defesa dirigido à Fundação do Meio Ambiente – FATMA. (fls. 224/225)

Com efeito, do exame mais acurado, o Juízo a quo reteve-se aos lindes da exordial, assegurando, conforme lhe permite a lei processual, o resultado prático da cautela concedida.

É, pois, pela cognição dos elementos acostados nos autos deste agravo, à revelia de um conjunto probatório mais aprofundado da lide, a cons-trução da casa irregular, tanto pela ocupação de solo alheio quanto pela própria edificação da casa, pois ambas ocorreram sem prévia e devida autorização por quem competente.

O agravante levantou dúvidas quanto à área, na qual construiu, ser zona de preservação permanente, em razão de ausência de critérios téc-nicos de identificação.

Mesmo que assim se compreenda, cabe, então, até produção probatória robusta, a aplicação, no caso, do princípio da prevalência dos interesses da coletividade. A intervenção estatal na defesa do meio ambiente é obrigatória. Reconhece-se nela, de acordo com Édis Milaré, uma vin-culação com os princípios gerais de Direito Público da primazia e da indisponibilidade, vertendo-se, de aí, a superioridade, em caso de dúvida,

Page 86: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200686

do entendimento mais leal ao ambiente, isto é, in dubio pro natura.Atenta-se, ainda, à ausência de informações de que a área seja

servida com equipamentos de infra-estrutura como rede de captação e tratamento de esgoto e serviço de recolhimento de resíduos sólidos, o que, evidentemente, origina prejuízo ao meio ambiente local e ao inadmissível desrespeito aos princípios da prevenção e precaução, norteadores da preservação e manutenção do equilíbrio ecológico, e ao desenvolvimento sustentável.

A defesa do direito ao equilíbrio ecológico do meio ambiente pres-cinde à homologação da Linha Preamar Média, impõe-se, sim, adotar medidas eficazes para impedir ou minimizar a degradação, mesmo na falta de dados científicos completos e atualizados, como, aliás, consta do inciso X, artigo 5º, do Decreto nº 5.300/2004 regulamentador da Lei nº 7.661/88, a qual institui o Plano de Gerenciamento Costeiro.

Por derradeiro, reporto-me à decisão deste Tribunal Regional Federal, na apelação cível de nº 1999.04.01.011906-8/SC, determinando a Cen-trais Elétricas de Santa Catarina S/A - CELESC não proceder a ligações de energia elétrica em loteamentos clandestinos situados em áreas de preservação permanente. Embora o loteamento da área, ao que consta, não se possa afirmar clandestino, a construção da casa pelo agravante tecnicamente é, pois desprovida das prévias autorizações, ao arrepio da Constituição Federal e das leis pertinentes, havendo, ainda, elementos que denotam ser a área, em princípio, de preservação permanente.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso de agravo de instrumento, retirando-lhe o efeito suspensivo outrora concedido liminarmente (fls. 478/480), mantendo in totum a ordem judicial de 1ª instância, “para de-terminar que o réu se abstenha de ocupar o imóvel, bem como de realizar venda, promessa de venda, cessão, promessa de cessão ou qualquer forma de negociação do referido imóvel”, sob pena de multa diária no valor de quinhentos reais, e para que a CELESC de Laguna/SC providencie o desligamento imediato da rede elétrica no imóvel do agravante.

É como voto.

Page 87: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 87

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.70.00.046812-8/PR

Relatora: A Exma. Sra. Juíza Vânia Hack de AlmeidaRelator p/acórdão: O Exmo. Sr. Juiz Federal José Paulo Baltazar

Junior

Apelante: Aracaty Chaves Pilatti Advogados: Drs. Claudia Salles Vilela Vianna e outrosApelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogada: Dra. Solange Dias Campos Preussler

EMENTA

Administrativo. Certidão de tempo de contribuição. Indevida per-manência em serviço. Falha na prestação do serviço. Danos material e moral. Comprovação. Indenização.

É de ser reconhecido o direito à indenização pela demora indevida no fornecimento da certidão de tempo de serviço pelo INSS, causando prejuízo concreto à cidadã, na medida em que deixou de se aposentar ao completar o tempo de serviço legal, com fundamento na Constituição Federal, art. 5º, inciso LXXXVIII, somado aos princípios da eficiência e da moralidade administrativas. (art. 37)

Dano material comprovado por falha na prestação do serviço, devida a indenização equivalente a doze competências de seus proventos de aposentadoria.

Dano moral decorrente de diversos comparecimentos ao INSS, com longas permanências, comprovado pelos documentos que acom-panharam a inicial.

Sucumbência invertida, fixados os honorários em 10% sobre o valor da condenação.

Prequestionamento estabelecido pelas razões de decidir.Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencida a Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas

Page 88: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200688

que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.Porto Alegre, 6 de março de 2006.Juiz Federal José Paulo Baltazar Junior, Relator p/acórdão.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Juíza Vânia Hack de Almeida: Trata-se de ação inde-nizatória na qual postula a autora o ressarcimento por danos materiais e morais em decorrência da demora na concessão de certidão de tempo de contribuição, que requereu para fins de aposentadoria, o que a obrigou a permanecer no serviço, indevidamente, por um ano e sete meses. Pede o recebimento dos valores correspondentes ao benefício da aposentadoria por esse período, que montam a R$ 20.265,40 e, a título de danos morais, a quantia de R$ 25.000,00.

O INSS ofereceu contestação em que menciona as suas deficiências administrativas, a grande quantidade de postulações administrativas e que a demora foi justificada em razão de diligências no sentido de confirmar vínculo não registrado no sistema informatizado. Apontou a inexistência de danos moral e material.

Por impulso oficial, veio aos autos cópia do procedimento administrativo.Sobreveio sentença julgando improcedente o pedido e fixando a verba

honorária em R$ 1.500,00.Recorreu a demandante, aduzindo que a sentença reconheceu que não

há prestação do serviço público de forma eficiente, o que gera o dever de indenizar os danos resultantes, sendo por isso a decisão contraditó-ria. Disse, ainda, que não foi examinado tópico relativo ao fato de que a certidão quando emitida continha erros. Procura demonstrar a efetiva demora no atendimento de seu pedido na esfera administrativa em face de descaso, displicência e ineficiência do INSS, sendo indenizáveis os danos decorrentes. Também afirmou a inexistência de culpa concorrente como afirmada pela sentença recorrida.

Com contra-razões, os autos vieram a este Tribunal.Nesta instância, o Ministério Público Federal opinou pelo improvi-

mento do recurso.É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Juíza Vânia Hack de Almeida: Consoante anotou a

Page 89: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 89

sentença recorrida, “não se pode olvidar que o atraso se deu, em grande parte, porque houve necessidade de realização de pesquisas e de processamento de justificação administrativa, já que não havia cadastro no CNIS dos períodos cuja certidão fora requerida pela autora. Tais procedimentos do INSS são corretos e costumam ser levados a efeito em todos os ca-sos, visando a evitar fraudes. Portanto, houve somente dois períodos de atraso efetivo, em que o processo ficou parado no INSS: aquele entre o protocolo do requerimento e a solicitação da pesquisa e da apresentação dos documentos solicitados e a designação de data para a oitiva das testemunhas da autora (fl. 156). Tal atraso no procedimento do pedido da autora deu-se, segundo informado pelo INSS, em razão do acúmulo de serviço e da deficiência de estrutura. Essa justificativa pode ser aceita, porque as deficiências de estrutura do serviço público no Brasil constituem fato notório.”

Denota-se da prova vinda aos autos que a certidão pleiteada pela de-mandante exigiu a comprovação do tempo de serviço, desenvolvendo-se um processo administrativo moroso, que inclusive procedeu à colheita de prova testemunhal.

Em se tratando de falta de serviço ou o seu mau funcionamento, exige-se o elemento subjetivo culpa.

A Administração Pública é lenta. É fato notório. No entanto, enquanto esse for o sistema podemos e devemos criticá-lo, aspirando soluções administrativas, mas não podemos punir a Administração, a não ser que presente o dolo ou a culpa, inclusive a má-fé processual, ausentes no presente feito.

Em face do exposto, mantendo a sentença de improcedência, nego provimento ao recurso da autora.

É como voto.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Juiz Federal José Paulo Baltazar Junior: Com a devida vênia, apresento voto divergente, pelas razões que seguem.

A EC n° 45/2004 introduziu o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição, assegurando a todos, no âmbito judicial e no administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramita-ção. Embora o dispositivo seja posterior aos fatos, e portanto inaplicável a estes, é relevante por retratar a relevância do tema, contando-se aos milhares os casos de cidadãos que aguardam por anos a fio a solução de questões submetidas à administração ou ao Poder Judiciário.

Page 90: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200690

Já antes disso, porém, dos princípios da eficiência e da moralidade administrativas (CF, art. 37), poderiam ser extraídos um direito do ci-dadão à duração razoável do processo e um dever do administrador de não proceder a demoras injustificáveis.

Tanto é assim que a Lei nº 9.784/99, em vários dispositivos, fixa prazos para a atuação administrativa, como segue, no que interessa ao presente caso:

“Art. 24. Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou autoridade respon-sável pelo processo e dos administrados que dele participem devem ser praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força maior.

Art. 49. Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada.”

Não se nega que o fornecimento da certidão pleiteada demandava a realização das diligências realizadas, nem o fato notório da falta de recursos humanos e materiais da previdência social.

No entanto, se o serviço funcionou mal, por culpa do Estado, causan-do prejuízo concreto à cidadã, que permaneceu trabalhando por tempo superior ao devido, sendo evidente o nexo de causalidade, é devida indenização.

Resta verificar se, no caso concreto, houve demora indevida ou fa-lha no serviço prestado, uma vez que a apelante alega, além do atraso, equívoco no fornecimento da certidão.

Examinando o processo administrativo, verifica-se que, entre o proto-colo do requerimento (25.10.2000 – fl. 101) até a solicitação de pesquisa (17.04.01 – fl. 139) e entre o resultado da pesquisa (13.06.01 - fl. 140) e a oitiva de testemunhas na justificação administrativa (17.12.02), nada se fez, como evidencia o exame do processo administrativo, juntado na íntegra. Computa-se, então, no primeiro intervalo, um período de cinco meses e 22 dias de paralisação e, no segundo, dezoito meses e 4 dias. Realizada a justificação, a certidão foi fornecida em 24.02.03 (fl. 160), ou seja, mais de quatro meses depois de concluída a instrução.

No caso dos autos, então, verifica-se que a determinação para a realização de pesquisa, a decisão e designação de data para a justifica-ção administrativa e a decisão foram realizadas a destempo, ainda que computados os prazos em dobro, consideradas as notórias dificuldades

Page 91: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 91

administrativas da autarquia previdenciária e aplicando-se o parágrafo único do art. 24 da Lei 9.784/99.

Assim, tenho que, descontados os prazos concedidos à administração para despacho e decisão, computados os primeiros em dobro, pode ser elaborado o seguinte cronograma dos fatos:

a) 28.09.00 – protocolo administrativo do pedido de certidãob) 08.10.00 – término do prazo para despachoc) 17.04.01 – solicitação de pesquisa e providências da requerente

(fl. 124)d) 27.04.01 – prazo para realização da pesquisae) 13.06.01 – realização da pesquisaf) 18.06.01 – prazo para despachog) 27.06.01 – cumprimento da exigência (laudo pericial)h) 07.07.01 – prazo da administraçãoi) 17.12.02 – oitiva das testemunhasj) 17.01.03 – término do prazo para decisãok) 24.02.03 – fornecimento da certidãol) 23.04.03 – pedido de aposentadoriaDos períodos acima, somente aqueles entre as letras: c-d, d-e, h-i e j-k

podem ser considerados de atraso por parte da apelada, sendo, portanto, considerado de atraso injustificado um período de aproximadamente 2 anos.

Sustenta a apelante, além da demora, a falha na certidão fornecida, que deixou de considerar um total de 5 meses e 19 dias comprovados de atividade. Considerado esse período, entende que teria direito a se aposentar desde 28.09.01 e não somente em 23.04.03, motivo pelo qual entende fazer jus à indenização por danos materiais no equivalente às remunerações de tal período, ou seja, outubro de 2001 a abril de 2003.

Impõe-se, então, a verificação sobre a existência de erro na certidão fornecida, questionando a apelante três períodos de atividade, nas se-guintes instituições:

a) Faculdades Integradas Espíritas, de 01.08.74 a 31.12.75;b) Secretaria de Estado da Educação e Cultura, 01.03.76 a 31.12.76,

total de dez meses e um dia, segundo a autora, tendo o INSS reconhecido 10 meses, apenas;

c) Colégio Lins de Vasconcellos, 22.03.79 a 29.06.79, total de 3 meses

Page 92: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200692

e 8 dias, período não-reconhecido pelo INSS. (fl. 65)Quanto ao primeiro período, o INSS reconheceu o exercício da atividade

de 01.08.74 a 31.12.75, totalizando 1 ano e 5 meses de atividade. Sustenta a apelante que deve ser considerado o período até março de 1976, tal como reconhecido pelo perito por ela contratado, conforme laudo juntado às fls. 21-52. Sem razão a apelante, neste ponto, uma vez que, embora o perito tenha feito referência a dezenove meses de atividade, no corpo do laudo, afirmando que esta se deu até março de 1976, o exame dos documentos apresentados demonstra que dizem respeito apenas aos anos de 1974 e 1975, sendo, portanto, incensurável a decisão administrativa.

Quanto ao segundo ponto questionado, é irrelevante o dia de diferença apontado na contagem, que provavelmente é devido a uma diferença no critério de contagem, já que não há divergência sobre as datas de início e término da atividade.

Por fim, quanto ao terceiro item, o período não foi reconhecido pelo INSS porque, não havendo registro do contrato de trabalho no CNIS (fl. 125), determinou-se a realização de pesquisa, que resultou negativa, por não terem sido encontrados documentos da época (fl. 140), entendendo--se que o período não foi comprovado. (fl. 65)

A apelante apresenta cópia da CTPS (fl. 68), na qual figura o referido contrato, sustentando que não pode ser prejudicada por providências a cargo do empregador.

Também aqui tenho que não pode ser censurada a atuação adminis-trativa, pois o grande número de fraudes contra o INSS faz necessário o confronto das informações constantes da CTPS do segurado com outros elementos de prova. No caso dos autos, poder-se-ia, com maior dilação probatória, concluir-se pela comprovação daquele tempo de serviço, ouvindo testemunhas, por exemplo. Na falta de tal prova, não há, porém, como censurar a decisão da Administração.

Assim colocados os fatos, tenho por acertada a certidão fornecida, resumindo-se a ilicitude do proceder da administração à demora no for-necimento do documento.

Sendo assim, poderia a apelante ter se aposentado em fevereiro de 2002, e não setembro de 2001, como pretende. Como a certidão foi fornecida em fevereiro de 2003 (fl. 164), desde aí poderia a apelante ter solicitado a aposentadoria, não havendo responsabilidade do INSS pelo

Page 93: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 93

período transcorrido até o protocolo do pedido, em 11.03.03 (fl. 74), nem pela tramitação do processo junto à Prefeitura Municipal de Curitiba, culminando com a aposentadoria em 29.04.03. (fl. 75)

Ainda assim, houve dano material, na medida em que a apelante deixou de aposentar-se ao completar o tempo de serviço legal, período a partir do qual poderia passar a exercer outras atividades, até a data do forneci-mento da certidão, ou seja, no equivalente a doze meses. Do fato de que teria recebido idênticos valores não decorre a conclusão da inexistência de dano, uma vez que teria direito aos valores independentemente do exercício do trabalho, aí residindo o prejuízo.

O valor equivalente a doze competências de seus proventos de aposen-tadoria, a título de danos materiais, será acrescido de correção monetária e juros de mora na forma a seguir exposta.

Correção monetária As parcelas deverão ser corrigidas pelo INPC.A correção monetária não consubstancia acréscimo do valor do débito,

senão apenas uma forma de preservação do poder aquisitivo da moeda, em face do desgaste originado do processo inflacionário, motivo pelo qual deve ser computada desde que o credor foi privado da prestação pecuniária que lhe era devida.

Juros de mora Considerando-se que os juros de mora configuram direito material, sua

aplicação deve observar os critérios vigentes à data da citação, quando se constitui em mora o devedor. (art. 219, caput, do CPC)

O Código Civil de 1916, no artigo 1.062, determinava o percentual de 6% ao ano para os juros de mora.

Todavia, a partir de 10.01.2003 passou a vigorar a Lei nº 10.406/02, cujo artigo 406, revogando o art. 1.062 do antigo CCB, assim dispõe:

“Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa esti-pulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.”

A propósito, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em jornada realizada de 11 a 13.09.2002, aprovou o Enunciado nº 20, estabelecendo que “a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1%

Page 94: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200694

(um por cento) ao mês”.Portanto, efetivada a citação na vigência da Lei nº 10.406/02 deve ser

aplicada a taxa de 1% ao mês.O dano moral, decorrente dos diversos comparecimentos ao INSS,

com longas permanências, comprovados pelos documentos que acom-panharam a inicial, vai arbitrado em R$ 6.000,00 (seis mil reais), atu-alizáveis monetariamente pelo INPC a partir da data do ajuizamento e acrescidos de juros de mora na forma acima exposta.

Não vejo, na hipótese, culpa concorrente da apelante, que solicitou a certidão ao INSS quase um ano antes de completar o tempo suficiente para aposentadoria.

Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação, para condenar o INSS a pagar à apelante: a) valor equivalente a doze competências de seus proventos de aposentadoria, nas competências de março de 2002 a fevereiro de 2003; b) R$ 6.000,00 (seis mil reais) a título de danos morais; c) correção monetária e juros sobre as parcelas anteriores; d) honorários advocatícios no equivalente a 10% sobre o valor ao final apurado.

É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.72.00.018589-5/SC

Relatora: A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida

Apelante: Rosenir Maria da Costa Pereira Advogado: Dr. Altair da Silva Cascaes Sobrinho

Apelada: União FederalAdvogado: Dr. Luís Henrique Martins dos Anjos

EMENTA

Administrativo. Empregado. Transposição para o regime estatutário. Preliminar – Sentença ultra petita. Afastamento. Art. 243, Lei nº 8.112/90.

Page 95: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 95

Exigência de prévio concurso público. Improcedência.O princípio da congruência, expresso no art. 128 do Código de Pro-

cesso Civil, estabelece a adstrição do juiz ao pedido, mas não o vincula à fundamentação jurídica invocada, por decorrência do princípio do jura novit curia. Inexistência de sentença ultra petita.

O art. 243 da Lei nº 8.112/90 determina a submissão dos “servidores dos Poderes da União, dos ex-Territórios, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas” ao regime jurídico estatutário da Lei nº 8.112/90. Assim, cumpre delimitar o conteúdo da expressão “servidor” para definir se a autora, empregada do extinto INAMPS, teria direito à transposição de regimes, de acordo com as normas constitucio-nais atinentes à matéria.

O art. 19 do ADCT concedeu “estabilidade” àqueles que, não admiti-dos por concurso público, estavam há pelo menos cinco anos no serviço público. A “estabilidade” proíbe a perda do cargo do servidor, a não ser nas hipóteses previstas no art. 41, § 1º, CF, e não se confunde com a “efetividade”, relativa ao cargo. Na verdade, o dispositivo constitucional trouxe uma exceção, pois conferiu “estabilidade” aos servidores e em-pregados públicos que estabeleceram seu vínculo com a Administração sem a aprovação em concurso público.

A “efetividade”, por outro lado, exige, sempre, a investidura por meio de concurso público, uma vez que não há qualquer exceção constitucional a essa regra. Ao contrário, o § 1º do art. 19 do ADCT confirma tal enten-dimento quando fala em submissão “a concurso para fins de efetivação.”

Em entendimento oposto ao do ilustre Magistrado a quo, o art. 243 da Lei nº 8.112 não possui qualquer vício de constitucionalidade. Adotando-se a técnica da interpretação conforme a Constituição, constata-se que o art. 243 da Lei nº 8.112/90, ao instituir o regime jurídico único, conferiu “efe-tividade” apenas àqueles que haviam se submetido a concurso público.

No caso da autora, uma vez que não houve a prestação de concurso público, é reconhecida apenas a “estabilidade”, afastando-se a possibi-lidade de transposição de regime. Precedentes.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,

Page 96: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200696

por unanimidade, negar provimento à apelação da autora, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 17 de abril de 2006.Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida: Trata-se de ação ordinária ajuizada por Rosenir Maria da Costa Pereira contra a União em que busca seu ingresso no regime jurídico da Lei nº 8.112/90.

Sustentou a autora que foi reconhecido pela Justiça do Trabalho seu vínculo com a União, sob o regime da Consolidação das Leis do Tra-balho. Disse que deveria ter sido transportada para o regime jurídico único (Lei nº 8.112/90), instrumento legal criado para agasalhar todos os servidores e funcionários integrantes do quadro da administração direta e indireta, por força do seu art. 243. Alegou que o art. 39 da CF, antes da modificação da EC nº 18/98, impôs aos entes políticos a instituição de um regime jurídico único a todos aqueles que laboravam em seus quadros permanentes, fossem eles estatutários ou celetistas. Requereu sua transposição para o regime estatutário e o reconhecimento do seu direito a promoções ocorridas no período e diferenças salariais.

Sobreveio sentença julgando improcedente o pedido e condenando a autora ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa.

Apelou a autora argüindo, preliminarmente, a nulidade da sentença por julgamento ultra petita, uma vez que em momento algum alegou a inconstitucionalidade do art. 243 da Lei nº 8.112/90. No mérito, afirmou que a análise da estabilidade e da efetividade é desnecessária. Defendeu que a Constituição não pode ser aplicada de forma retroativa. Postulou a reforma da sentença e a procedência da ação.

Após a apresentação de contra-razões da União, vieram os autos con-clusos.

É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida:

Page 97: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 97

Preliminar – Sentença Ultra Petita Alegou a apelante o julgamento ultra petita, já que a sentença em

nenhum momento suscitou a inconstitucionalidade do art. 243 da Lei nº 8.112/90, acolhida, por fim, pelo Magistrado a quo.

Entretanto, o princípio da congruência, expresso no art. 128 do Código de Processo Civil, estabelece a adstrição do juiz ao pedido, mas não o vincula à fundamentação jurídica invocada, por decorrência do princípio do jura novit curia.

Isto posto, afasto a preliminar.

Mérito O pedido da autora tem por fundamento o art. 243 da Lei nº 8.112/90,

que assim dispõe:“Art. 243. Ficam submetidos ao regime jurídico instituído por esta lei, na qua-

lidade de servidores públicos, os servidores dos Poderes da União, dos ex-Terri-tórios, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas, regidos pela Lei n° 1.711, de 28 de outubro de 1952 – Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, ou pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943, exceto os contratados por prazo determinado, cujos contratos não poderão ser prorrogados após o vencimento do prazo de prorrogação.”

Como se vê, o dispositivo determina a submissão dos “servidores dos Poderes da União, dos ex-Territórios, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas” ao regime jurídico estatutário da Lei nº 8.112/90. Assim, cumpre delimitar o conteúdo da expressão “servidor” para definir se a autora, empregada do extinto INAMPS, teria direito à transposição de regimes.

Para tanto, imprescindível uma análise sistemática dos dispositivos constitucionais atinentes à matéria. Ao contrário do que menciona a ape-lante, não se trata de aplicação retroativa de dispositivos constitucionais. Na verdade, a Constituição, como Lei Maior, exige conformação ao seu conteúdo de todos os demais atos normativos, em face do princípio da supremacia constitucional.

Neste passo, estando a pretensão da autora embasada no art. 243 da Lei nº 8.112/90, cabe ao julgador conferir-lhe a interpretação que se encontra conforme ao texto da Carta Magna. Oportuno transcrever o art. 19 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias:

Page 98: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 200698

“Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data de promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continu-ados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

§ 1º. O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contido como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.

§ 2º. O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e em-pregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins do caput deste artigo, exceto se tratar de servidor.”

O dispositivo concedeu “estabilidade” àqueles que, não admitidos por concurso público, estavam há pelo menos cinco anos no serviço público.

O instituto da “estabilidade” está previsto no art. 41 da CF, que proíbe a perda do cargo do servidor, a não ser nas hipóteses ali previstas (sen-tença judicial transitada em julgado, processo administrativo e avaliação periódica de desempenho).

Abrange os ocupantes de cargo de provimento efetivo (Lei nº 8.112/90) e os empregados públicos (Súmula nº 390 do TST) da administração direta, autárquica e fundacional, que prestaram concurso público. (art. 37, II, CF)

Neste passo, verifica-se que a Constituição trouxe uma exceção a seu próprio texto, pois conferiu estabilidade aos servidores e empregados públicos que estabeleceram seu vínculo com a Administração sem a aprovação em concurso público.

Por outro lado, a “efetividade”, aqui buscada pela autora com fulcro no art. 243, diz respeito ao cargo. A Lei nº 8.112/90 fala em “cargos de provimento efetivo”, em oposição aos “cargos de provimento em comis-são”, de livre nomeação e exoneração. Portanto, a “efetividade” exige, sempre, a investidura por meio de concurso público, uma vez que não há qualquer exceção constitucional a essa regra.

Confirmando esse entendimento, o § 1º do art. 19 do ADCT dispõe acerca da submissão “a concurso para fins de efetivação.”

Essa distinção é importante, uma vez que a Lei nº 8.112/90 (art. 243) não poderia ter expandido o benefício constitucional do art. 19 do ADCT, sob pena de inconstitucionalidade.

Page 99: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 99

Com efeito, o vício de inconstitucionalidade é o mais grave em que pode incorrer uma norma jurídica, sujeitando-a, inclusive, à exclusão do ordenamento jurídico mediante controle do Poder Judiciário. Contudo, em muitos casos, o Supremo Tribunal Federal evita a declaração de inconstitucionalidade através da técnica da “interpretação conforme”, mantendo a integridade jurídica da norma, mas delimitando o alcance de sua aplicação.

A meu ver, a hipótese dos autos não destoa da técnica adotada da Corte Suprema. A Constituição atribuiu tão-somente “estabilidade” aos servi-dores que não se submeteram a concurso público, e não a “efetividade”. Conforme já referido, a “efetividade” é atributo restrito àqueles que pres-taram concurso público, em homenagem ao art. 37, II, da CF.

É bem verdade que, num primeiro momento, houve a sujeição dos servidores da Administração Direta, autárquica e fundacional ao regime jurídico único, estatutário. Mas nem por isso permitiu-se que qualquer pessoa vinculada ao Poder Público restasse automaticamente sujeita ao regime. A exigência de concurso público é corolário dos princípios da moralidade e igualdade, prevalecendo sobre qualquer elucubração jurídica tendente a burlá-lo.

Dessa forma, tenho que o art. 243 da Lei nº 8.112/90, ao instituir o regime jurídico único, conferiu “efetividade” apenas àqueles que haviam se submetido a concurso público. E, contrariando a tese do Magistrado a quo, entendo que não há inconstitucionalidade no art. 243 da Lei nº 8.112/90, motivo pelo qual é afastada a cláusula de reserva de Plenário nesta instância. (art. 97, CF)

No caso da autora, uma vez que não prestou concurso público, é reconhecida apenas a “estabilidade”, afastando-se a possibilidade de transposição de regime. Nesse sentido:

“ART. 535 DO CPC. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS - SERVIDOR ESTADU-AL - MAIS DE CINCO ANOS CONTÍNUOS DE SERVIÇO À ÉPOCA DA EDIÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - ESTABILIZADO PELO ART. 19 DO ADCT - NÃO EFETIVADO POR CONCURSO PÚBLICO - NÃO SUBMISSÃO À LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL Nº 68/92, O ESTATUTO DOS SERVIDORES DO ESTADO DE RONDÔNIA - APOSENTADORIA COM PROVENTOS INTE-GRAIS - IMPOSSIBILIDADE - PRECEDENTES - EMBARGOS REJEITADOS.

I- omissisII- Foram considerados estáveis no serviço público todos os servidores civis que já

Page 100: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006100

estavam em exercício há pelo menos cinco anos continuados, em 5 de outubro de 1988, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, inciso II, da Magna Carta.

III- Sem a efetividade no cargo público, que só pode ser imprimida ao servidor pela aprovação em concurso público, não se pode submeter o empregado público contratado pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho ao Estatuto dos Servidores do Estado para fins de aposentadoria. Os efeitos da estabilidade adquirida pelo art. 19 do ADCT limitam-se à impossibilidade de ser afastado do cargo, senão em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou de resultado do processo administrativo disciplinar, no qual lhe tenha sido assegurada ampla defesa, não transformando em estatutário aquele que entrou no serviço público sem o devido certame. Precedentes.

IV- A estabilidade conferida pelo art. 19 do ADCT não permitiu o alcance, também, da efetividade, que se dá única e exclusivamente através da aprovação prévia em con-curso público de provas ou de provas e títulos, conforme exigido pelo art. 37, inciso II, da Constituição Federal de 1988.

V- No caso dos autos, o impetrante foi contratado pelo regime celetista para ocupar cargo público estadual e alcançou estabilidade, tendo em vista contar com mais de cinco anos contínuos de exercício. Entretanto, não se submeteu a concurso público, não se efetivando no cargo por ele ocupado. Conseqüentemente, não faz jus à aposentadoria com proventos integrais, na forma do regime jurídico dos estatutários.

VI a VIII- omissis.” (STJ, EDcl no RMS 14806/RO, 5ª T., Min. Rel. Gilson Dipp, votação unânime, DJ 27.09.2004)

“DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. INGRESSO SEM CONCURSO. ART. 19 DO ADCT. ESTABILIDADE GARANTIDA POR EXERCÍ-CIO SUPERIOR A CINCO ANOS. TRANSPOSIÇÃO DE REGIME AFASTADA.

1. A Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, estabelece, no art. 37, inciso II, que ‘a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nome-ação e exoneração’.

2. Os servidores que não ingressaram no serviço público mediante a realização de concurso tornaram-se estáveis desde que estivessem em exercício há pelo menos cinco anos continuados. A garantia prevista no art. 19 do ADCT não se estende à transposição do servidor celetista para o regime jurídico único introduzido pela Lei 8.112/90.

3. A prorrogação do contrato das autoras que estavam em exercício há um prazo inferior a cinco anos, na data de promulgação da CF/88, é ato eivado de nulidade, porquanto inconstitucional.

(omissis) .” (TRF4, AC 1999.71.03.001142-5/RS, 4ª T., Rel. Juiz Sérgio Renato Tejada Garcia, DJU 25.06.2003)

“ESTABILIDADE. EFETIVIDADE. REGIME JURÍDICO ÚNICO. ENQUADRA-MENTO. JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

Page 101: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 101

- A transposição do servidor do regime de empregos para o regime de cargos mostra--se viável se o servidor tiver feito concurso público e, neste, for, além de aprovado, investido em cargo público, mediante nomeação.

- Impossibilidade de inclusão no regime de cargos daquele que teve o reconheci-mento de vínculo de emprego na justiça trabalhista.

- Juros moratórios devidos à razão de 1%, ao mês, a partir da citação praticada validamente.

- Condenação em honorários advocatícios fixada nos moldes do caput do art. 21 do CPC.” (TRF 4ª Região, AC 200304010299623, 4ª T., Rel. Des. Federal Edgard Lippmann. DJU 22.06.2005, p. 881)

Diante do exposto, nego provimento à apelação do autor.É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.71.11.002074-0/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de AthaydeRelator p/acórdão: O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha

Apelante: Caixa Econômica Federal - CEFAdvogados: Drs. Clovis Konflanz e outros

Apelados: Secundino Rosa Marques e outroAdvogada: Dra. Angela Maria Neumann

EMENTA

Administrativo. Levantamento do saldo do FGTS. Pagamento de parcelas de financiamento. Construcard. Aquisição de materiais de construção. Possibilidade. Previsão legal.

1. Havendo previsão legal, através de recente regulamentação do Conselho Monetário Nacional, para o financiamento de materiais de construção para reforma de habitações dentro do SFH, pode o trabalhador servir-se de seu patrimônio junto ao FGTS para efetuar o pagamento do financiamento para a reforma de seu imóvel, obtido

Page 102: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006102

anteriormente em linhas comerciais mais onerosas, qual seja, “Cons-trucard”.

2. Forte corrente alerta para o fato de que a norma inserta no artigo 20 da Lei nº 8.036/90 é exemplificativa. Precendentes do Superior Tribunal de Justiça.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 8 de março de 2006.Juiz Federal Márcio Antônio Rocha, Relator p/acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Trata-se de ação ordinária proposta por Secundino Rosa Marques e Sônia Maria Marques em face da Caixa Econômica Federal - CEF, processada perante o MM. Juízo da Vara Federal de Santa Cruz do Sul/RS, visando a parte autora à utilização de saldo existente em conta vinculada do FGTS aos fins de quitação de mútuo celebrado com a parte ré para aquisição de material de construção.

Submetido o feito a regular tramitação, sendo indeferido o pedido de antecipação de tutela (24/25 – decisão essa mantida por esta Turma em sede recursal, nos autos do AI nº 2004.04.01.029663-8), com contestação (fls. 49 a 54), adveio v. sentença (fls. 84 a 87) que julgou procedente o pedido. Honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa. Ausente disposição sobre custas.

Apela tempestivamente a CEF (fls. 92 a 97), pugnando pela total im-procedência do pedido ou, subsidiariamente, pela isenção do pagamento de honorários advocatícios.

Com contra-razões (fls. 102 a 107), vieram os autos a este Tribunal.É o relatório. Dispensada a revisão.

VOTO

Page 103: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 103

O Exmo. Sr. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde: Merece aco-lhida a pretensão recursal. Confiro.

Sob um primeiro aspecto, impõe-se realizar que o contrato sob enfoque (Construcard) está jungido a financiamento de aquisição de material de construção ou armários sob medida a serem utilizados em imóvel resi-dencial urbano de propriedade do tomador ou terceiro, com recursos da própria Instituição Financeira, inexistente, gizo, mínima vinculação com o Sistema Financeiro de Habitação.

Referido Sistema, como cediço, foi instituído para atender à população desprovida de imóvel próprio.

Na seqüência, verifica-se que a Lei nº 8.036/90 não contempla albergue à pretensão, como exsurge da literalidade do seu

“(...) Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:

I- despedida sem justa causa, inclusive a indireta, de culpa recíproca e de força maior, comprovada com pagamento dos valores de que trata o art. 18;

II- extinção total da empresa, fechamento de quaisquer de seus estabelecimentos, filiais ou agências, supressão de parte de suas atividades, ou ainda falecimento do empregador individual sempre que qualquer dessas ocorrências implique rescisão de contrato de trabalho, comprovada por declaração escrita da empresa, suprida, quando for o caso, por decisão judicial transitada em julgado;

III- aposentadoria concedida pela Previdência Social;IV- falecimento do trabalhador, sendo o saldo pago a seus dependentes, para

esse fim habilitados perante a Previdência Social, segundo o critério adotado para a concessão de pensões por morte. Na falta de dependentes, farão jus ao recebimento do saldo da conta vinculada os seus sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, expedido a requerimento do interessado, independente de inventário ou arrolamento;

V- pagamento de parte das prestações decorrentes de financiamento habitacional concedido no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação - SFH, desde que:

a) o mutuário conte com o mínimo de três anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou em empresas diferentes;

b) o valor bloqueado seja utilizado, no mínimo, durante o prazo de doze meses;c) o valor do abatimento atinja, no máximo, oitenta por cento do montante da

prestação;VI- liquidação ou amortização extraordinária do saldo devedor de financiamento

imobiliário, observadas as condições estabelecidas pelo Conselho Curador, dentre elas a de que o financiamento seja concedido no âmbito do SFH e haja interstício mínimo de dois anos para cada movimentação;

Page 104: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006104

VII- pagamento total ou parcial do preço da aquisição de moradia própria, obser-vadas as seguintes condições:

a) o mutuário deverá contar com o mínimo de três anos de trabalho sob o regime do FGTS, na mesma empresa ou empresas diferentes;

b) seja a operação financiável nas condições vigentes para o SFH;VIII- quando permanecer três anos ininterruptos, a partir da vigência desta lei, sem

crédito de depósitos;IX- extinção normal do contrato a termo, inclusive o dos trabalhadores temporários

regidos pela Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1979;X- suspensão total do trabalho avulso por período igual ou superior a noventa dias,

comprovada por declaração do sindicato representativo da categoria profissional.§ 1º A regulamentação das situações previstas nos incisos I e II assegurar que a

retirada a que faz jus o trabalhador corresponda aos depósitos efetuados na conta vinculada durante o período de vigência do último contrato de trabalho, acrescida de juros e atualização monetária, deduzidos os saques.

§ 2º O Conselho Curador disciplinará o disposto no inciso V, visando beneficiar os trabalhadores de baixa renda e preservar o equilíbrio financeiro do FGTS.

§ 3º O direito de adquirir moradia com recursos do FGTS, pelo trabalhador, só poderá ser exercido para um único imóvel.

§ 4º O imóvel objeto de utilização do FGTS somente poderá ser objeto de ou-tra transação com recursos do fundo, na forma que vier a ser regulamentada pelo Conselho Curador.

§ 5º O pagamento da retirada após o período previsto em regulamento, implicará atualização monetária dos valores devidos. (...)”

Na espécie, os próprios promoventes informam não preencher a hi-pótese do item b do inciso VII, incluso porque, como já visto antes, o SFH tem por finalidade o atendimento à parte da população desprovida de imóvel próprio.

O contrato cuja liquidação se pretende é vinculado à área comercial da Instituição Bancária.

Tenho resistência em modificar um tal posicionamento porque, a partir desse entendimento elastecido que se queira fazer para deferir a pretensão da parte promovente, estar-se-á, inclusive, potencializando situações de grande repercussão, podendo-se mencionar, por exemplo – ainda que o caso não esteja afeto às Turmas da 2ª Seção –, a questão do próprio Imposto de Renda. Sabemos que certas enfermidades determinantes da aposentadoria ensejam aos jubilados a isenção do Imposto de Renda. Entretanto, aquelas enfermidades são especificadas e não comportam elastecimento.

Page 105: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 105

Impõe-se a improcedência do pedido e o carregamento à parte autora dos ônus sucumbenciais, com atenção ao deferimento de assistência judiciária gratuita. (fls. 24/25)

Ante o exposto, dou provimento à apelação. Faço-o para julgar improcedente o pedido e impor aos autores o pagamento de custas e honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor da causa, suspensa a exigibilidade.

É como voto.

VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha: Pedi vista dos autos para melhor compreender a questão.

Cuida-se de apelação de sentença que julgou procedente pedido de liberação dos valores existentes em conta vinculada ao FGTS, para qui-tação de mútuo para aquisição de material de construção.

O eminente relator, ao fundamento de ausência de vínculo entre o contrato de mútuo e o SFH, bem como não ser chancelado o direito requerido na norma inserta no artigo 20 da Lei nº 8.036/90, reformou a sentença julgando improcedente o pedido.

Inicialmente, aclaro, nos termos do artigo 515 do CPC “a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”, sendo dever do Juiz levar em consideração os fatos modificativos verificados após a propositura da ação. (CPC art. 462)

A meu ver, as alegações da CEF não prosperam.No que tange à comprovação de não ser o autor proprietário de outro

imóvel, a Certidão de fl. 79, emitida pelo Registro de Imóveis da Comarca de Candelária/RS, informa não haver, naquele Município, registro de outra propriedade em nome do autor ou de sua esposa.

A objeção da CEF centra-se essencialmente no argumento de que a operação de compra de material para reforma não é financiável pelo SFH, razão por que não pode o FGTS ser utilizado.

A finalidade da Lei 8.036, publicada no distante ano de 1990, revelava preocupação social no sentido de que os recursos do FGTS fossem uti-lizados essencialmente para saneamento básico e para o financiamento habitacional de baixa renda.

A partir da Resolução 3.177 do Conselho Monetário Nacional, em seu

Page 106: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006106

artigo 1º, previu-se a dedução contábil de créditos novados pela União, referente ao FCVS, e, em conseqüência, passou o SFH contar com imensa sobra de recursos. Tais sobras foram bem expressas nas Resoluções 3.259 e 3.280, a ponto de se atribuir multiplicadores destinados a aumentar a rentabilidade dos bancos operadores do sistema, sob a justificativa de que a maior rentabilidade cruzada poderia contribuir para o rebaixamento dos juros aos mutuários e incentivar os Bancos a aplicarem todo o excesso de recursos. Explica-se: o efeito contábil do multiplicador é possibilitar o desvio de recursos da poupança, de regra orientados à habitação (SFH), para aplicação pelos bancos em operações comerciais livres e, assim, possibilitar um aumento da rentabilidade. (arts. 12, 13 e 14 da Res. 3.347)

Ocorre que o excesso de recursos na poupança impôs indiretamente, também, excesso de recursos no FGTS, dado que a habitação, quer seja de baixa renda (outrora financiada basicamente pelo FGTS), quer seja para classe média, depende essencialmente de novos empreendimentos. Sem novos empreendimentos todo o volume de recursos dessas fontes (poupança e FGTS) não pode ser utilizado pelos Bancos. E não se de-sejando para o mutuário o real rebaixamento de juros na habitação, na exata equivalência em que a rentabilidade cruzada capitaliza os bancos, relega-se o direito social da habitação a um plano inexistente. Aliás, essa opção de rentabilidade, e não de fomento da habitação, não está autorizada pelo texto constitucional, e poucos imaginam o tamanho dos prejuízos que se causa ao País. Quando se fala em habitação, o tema não se resume a paredes e teto para uma família. A sua falta induz à falta de empregos, desde o servente à cozinheira de marmitas e à costureira de cortinas. Induz à queda da qualidade urbanística das cidades através do crescimento horizontal desenfreado, impondo cidades desorganizadas, dependentes de custosas alocações, territorialmente cada vez mais distan-tes, de serviços públicos como luz, água, esgoto, transportes, hospitais. Induz à perda da qualidade de vida e de trabalho, em que o trabalhador – jogado para moradias precária e inacabadas, não raramente efetuadas em invasões de áreas particulares, públicas e inclusive reservas com ca-racterísticas ambientais – deve trabalhar suas oito horas diárias e perder outras quatro ou cinco horas apenas no transporte para o emprego. Tantos outros desdobramentos poderiam ser arrolados.

Sem se estancar esse o problema do desenvolvimento nacional,

Page 107: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 107

tentando-se conter a alta disponibilidade de recursos e o respectivo ex-cesso de liquidez, foram ampliados os limites de valor máximo do imóvel financiado perante o SFH, e junto ao FGTS foram liberados para finan-ciamento imóveis de até R$ 350.000,00 (que obviamente não se destinam a mutuários de baixa renda), liberando-se inclusive o financiamento de imóveis usados. Abrindo-se um parêntesis, os imóveis usados, tradicio-nalmente, não eram financiados pelo SFH, pois essa espécie de mútuo se trata de mera operação financeira, não geradora de empregabilidade através do ciclo produtivo da construção civil.

Portanto, os recursos de poupança ou do FGTS deixaram, na atualidade, de fomentar imóveis de valor e expressão comedidos, destinados apenas às classes menos favorecidas. O Conselho Monetário Nacional, na falta de uma imposição legal expressa de orientação de recursos à solução do problema social da habitação e extensão ao cidadão do exercício do direito constitu-cional de moradia, prioriza o enxugamento de tais recursos orientando-se pela ótica dos Bancos, através da liberação de financiamento de imóveis de alto valor, imóveis usados, multiplicadores e outras tantas rubricas contábeis tendentes ao aumento de rentabilidade das instituições financeiras.

Tão-somente por esse desvirtuamento das finalidades sociais do SFH e FGTS, poder-se-ia questionar, no caso, o porquê de não poderem os Apelantes se utilizar de seus recursos de FGTS para pagamento de uma reforma em sua casa. Poder-se-ia desfiar um elevado número de princí-pios constitucionais, jurídicos, indicando a impossibilidade de o sistema atuar nessas bases, em desprestígio do cidadão e do País. Espelhando esse problema social subjacente, leiam-se dos autos as palavras do mutuário, em carta encaminhada para o processo, em súplica que reflete o drama de toda uma população cuja Política Financeira e Habitacional lhe dá as costas e não se lhe destina verdadeiramente:

“Candelária, 02 de dezembro de 2005Estou novamente lhe escrevendo pela terceira vez, porque a nossa vida está nas

suas mãos, a nossa esperança está com o senhor.A Caixa Econômica hipotecou a nossa casinha por causa de 8.000 que tiramos

para mudar as tábuas que estavam podres, se o senhor votar a favor da caixa, vamos perder a nossa casinha.

Pedimos em nome de Deus que o senhor olhe por nós, que o senhor faça a justiça, ajude agente. Estamos pedindo para liberar um pouco do FGTS que temos para quitar as prestações e poder continuar vivendo, estamos com a minha mãe com câncer desde

Page 108: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006108

2003, conforme exames que estamos mandando. Por favor dê este presente de Natar a mim mãe. Libere este fundo para nós quitar a casa, sabemos que Deus é irá lhe ajudar e ajudar a sua família a ser feliz.” (sic)

De fato existem exames indicando, lamentavelmente, a moléstia na mãe dos apelantes. Por incrível, existe nos autos cópia da matrícula perante o registro de imóveis confirmando a averbação (fl. 19), no ano de 2002, de uma casinha de madeira como sendo a propriedade dos Apelantes, adquirida sem financiamento habitacional.

Aí o contra-senso, que vejo não desejado pela Lei 8.036/90, segundo o contexto histórico de quando editada. Por um lado, atualmente pessoas podem financiar imóveis com recursos do FGTS, a juros entre 6% a.a. até 8,16% a.a., e em somas que podem chegar até R$ 350.000,00, e por outro lado os Apelados devem manter seus recursos no fundo, fomentando essas novas e elevadas operações permitidas pelo Conselho Curador do FGTS, assumindo, heroicamente, um financiamento de R$ 8.000,00 a juros de 1,18% ao mês, atualizado pelo INPC, quando também precisam de recursos para morar com dignidade.

Não há como se exigir, sem razão, novos esforços justamente da população menos favorecida, como no caso destes autos, em que o FGTS da apelante rende próximo de 4% a.a., e, por ter contratado um financiamento para melhoria de sua habitação, porém limitada a uma reforma para troca de tábuas, deve remunerar a CEF com uma taxa equivalente próxima de 13,5% a.a. A Lei 8.036/90 não foi feita com essas bases histórica e financeira, e sua interpretação deve ser contextualizada ao momento atual, que, pelo antes exposto, indicaria a possibilidade de saque.

Nada obstante, o Conselho Monetário Nacional através de recente Resolução 3.347, de 08 de fevereiro de 2006, e respectivo regulamen-to, em seu artigo 2º, inciso V, prevê a possibilidade de financiamento de materiais de construção para reforma de habitações dentro do SFH, permitindo, verbis:

“V- os financiamentos para a aquisição de material para a construção ou ampliação de habitação em lote de propriedade do pretendente ao financiamento ou cuja posse regularizada seja por esse detida, nas condições do SFH.”

Ocorre que na medida em que a habitação é elevada à qualidade de

Page 109: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 109

Direito Social (artigo 6º da CF), e o sistema financeiro nacional por determinação constitucional deve “ser estruturado de forma a promo-ver o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade” (art. 192, CF) – embora a negativa dos agentes públicos em orientar o sistema jurídico em prol da generalidade da coletividade –, nada obstante, ao Poder Judiciário cumpre a interpretação das leis segundo os princípios imanentes da Constituição.

E assim, à vista do conteúdo programático das referidas disposições constitucionais, em tema de habitação não se tolera que o cidadão, tra-balhador e mutuário, veja-se forçado a arcar com operações financeiras eminentemente mercantis, comerciais, com juros mais elevados, devendo concomitantemente permanecer com recursos próprios, egressos de seu trabalho, enquanto o sistema financeiro, na existência de excesso de recursos, privilegia a rentabilidade das instituições financeiras. Sabe-se que o problema do financiamento habitacional é o custo para o mutuário, e não a rentabilidade da carteira de SFH dos bancos.

Por outro lado, a Ré Caixa Econômica Federal tem-se aproveitado dessa falta de rumo da política habitacional, embora pudesse, enquan-to empresa de propriedade da Nação, apontar melhores caminhos ao drama social da moradia. Poucos conhecem o problema habitacional como seus técnicos.

Importante ressaltar que, para realizar a operação mercantil aqui nominada de “Construcard”, a Caixa Econômica, a par de informar ao mutuário a inexistência de linhas de financiamentos em melhores condi-ções, tratou de hipotecar o imóvel, para garantir o retorno de sua operação mercantil. Vê-se a habitação tornada mera ferramenta das operações bancárias, na contramão de qualquer preceito de política habitacional. E o mutuário, desatendido pela política habitacional, vendo-se dependente do financiamento para melhoria das condições de habitabilidade do imóvel, sujeita-se às condições mais gravosas de juros e à garantia hipotecária em referência, afastando assim uma das maiores e únicas defesas legais do cidadão contra os excessos da política de juros: a impenhorabilidade do bem de família. Destarte, nos termos da Lei 8.009/90, art. 3º, inciso V, se os Autores antes do contrato eram proprietários de uma casa de madeira que ninguém lhes tiraria, após conhecerem a “carteira comercial” da ré passaram a correr o sério risco de perda do imóvel, muito embora

Page 110: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006110

detenham, como Trabalhadores, valores de FGTS suficientes a quitar a reforma realizada. Perde-se a casa, em função de um financiamento de R$ 8.000,00, mas não se libera o FGTS, pois este se destina a fomentar financiamentos de habitações de até R$ 350.000,00.

Assim, quer seja pela ótica constitucional, quer seja pela novel regu-lamentação do Conselho Monetário Nacional quanto às diretrizes das fontes de custeio do financiamento habitacional, o saque na situação dos autos é perfeitamente cabível, podendo o trabalhador servir-se de seu patrimônio junto ao FGTS para efetuar o pagamento do financiamento para a reforma de seu imóvel, obtido anteriormente em linhas comerciais mais onerosas.

De resto, a alegação de ausência de vínculo entre o contrato de mútuo e o SFH, a jurisprudência do STJ é no sentido de ser possível levantamento do saldo do FGTS para pagamento de contrato de mútuo celebrado com a finalidade de adquirir materiais para construção de moradia. Confira--se acórdão.

“ADMINISTRATIVO. FGTS. MOVIMENTAÇÃO DOS DEPÓSITOS. CONS-TRUÇÃO DE MORADIA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

1. A expressão ‘AQUISIÇÃO DE MORADIA’ não se restringe a compra do imóvel pronto e acabado. 2. Quem constrói em terreno próprio, com seus recursos e para seu uso, está, também, adquirindo moradia própria. Esta a interpretação que melhor atende a finalidade social do art. 20 da Lei 8.036/90 e do seu Regulamento (Dec. 99.684/90). 3. A concessão de uso prevista no art. 7 do DL. 271/67 institui um direito real, não se confundindo com a concessão, feita pelo estado a título precário, para utilização de bem público. 4. Recurso especial improvido.” (REsp 193324/DF, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, 2ª T., DJ 16.06.2003)

”LEVANTAMENTO DO FGTS. ENCHENTE. CASA PRÓPRIA. RECONSTRUÇÃO.A interpretação teleológica do Art. 20 da Lei 8.036/90 conduz ao entendimento

de que o FGTS pode ser movimentado, para a reconstrução da casa em que reside o cotista, destruída por enchente.” (REsp 380732/SC, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª T., DJ 28.10.2002)

Outrossim, forte corrente alerta para o fato de que a norma inserta no artigo 20 da Lei nº 8.036/90 é exemplificativa, segundo decisões do Superior Tribunal de Justiça:

“FGTS - LEVANTAMENTO DO SALDO - PAGAMENTO DE PARCELAS DE MÚTUO FIRMADO COM A CEF PARA AQUISIÇÃO DE MATERIAIS PARA CONSTRUÇÃO DE CASA PRÓPRIA - POSSIBILIDADE - PRECEDENTES.

Page 111: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 111

1. É tranqüila a jurisprudência do STJ no sentido de permitir o saque do FGTS, mesmo em situações não contempladas pelo art. 20 da Lei 8.036/90, tendo em vista a finalidade social da norma. 2. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, com assento no art. 1º, III, da CF/88, é fundamento do próprio Estado Democrático de Direito, que constitui a República Federativa do Brasil, e deve se materializar em todos os documentos legislativos voltados para fins sociais, como a lei que instituiu o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. 3. Precedentes da Corte. 4. Recurso especial improvido.” (REsp 707137/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJ 18.04.2005)

Diante do exposto, com a devida vênia do Eminente Relator, voto no sentido de negar provimento à apelação da CEF.

É o meu voto.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2005.04.01.015460-5/PR

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Goraieb

Agravante: União FederalAdvogado: Dr. Luís Henrique Martins dos Anjos

Agravados: Luís Sergio Galvão e outrosAdvogado: Dr. Antonio Roberto Moreira de Moura Ferro Junior

EMENTA

Administrativo. Diferenças salariais. Contribuição previdenciária. Retenção. Fato gerador e base de cálculo. Critérios para retenção.

O fato gerador da contribuição previdenciária é complexo, tendo ori-gem na relação laboral e se integralizando com o pagamento do salário.

O pagamento na via judicial de verbas salariais em atraso não constitui fato gerador da contribuição previdenciária, tendo somente o condão de integralizar a hipótese de incidência já desencadeada e não concluída e revelando-se, tão-só, um de seus elementos e não o conteúdo principal

Page 112: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006112

da definição legal.As diferenças salariais recebidas em juízo são complementações de

pagamento realizado em data pretérita.O reconhecimento do direito do servidor pela Justiça mostra apenas

que o pagamento já deveria ter sido realizado no passado.As verbas decorrentes de indenizações judiciais surgidas em virtude

de vínculo jurídico de ordem laboral estão sujeitas ao recolhimento da contribuição previdenciária.

A contribuição previdenciária não incide sobre os proventos de aposentadoria, quando as diferenças pagas na via judicial tiverem como referência competências anteriores à MP 167/2004, convertida na Lei nº 10.887/2004.

Prequestionamento estabelecido pelas razões de decidir.Agravo improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de janeiro de 2006.Desa. Federal Silvia Goraieb, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Goraieb: Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que em execução de sentença – reajuste de 28,86% – determinou o desconto da contribuição previden-ciária sobre as verbas indenizatórias, conforme cálculos apresentados pela executada.

Sustenta a agravante que a retenção da contribuição previdenciária vem autorizada pelo art. 40 da CF/88 e art. 4º, parágrafo único, I e II, da EC nº 41/2004; que a partir da EC em questão a contribuição previdenciária passou a incidir sobre a remuneração de funcionários ativos e sobre os proventos de aposentadoria; que a contribuição previdenciária incide sobre a disponibilização de valores pelo Tesouro Nacional.

Page 113: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 113

Indeferido o efeito suspensivo e devidamente processado o instru-mento, autos conclusos para julgamento.

É o relatório.VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Goraieb:

Fato gerador e regime aplicável às contribuições previdenciárias Apesar de pouco debatida nesta Casa, a matéria tem foro constante

nas causas trabalhistas, no âmbito das relações regidas pela CLT.Não obstante a diferenciação clara entre os regimes jurídicos e os

sistemas previdenciários, concernentes a estatutários e celetistas, não se pode abstrair completamente de determinadas circunstâncias de caráter geral, que, se bem analisadas, dão o exato contorno da questão e oferecem substrato à resolução da controvérsia.

Preliminarmente, impõe-se identificar de modo claro o efetivo fato gerador da contribuição em questão.

Não são poucos os autores que identificam o fato gerador no pagamen-to das remunerações devidas aos trabalhadores. Nota-se, nesta hipótese, consonância com “a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”, nos exatos termos do art. 114 do Código Tributário Nacional. Contudo, a adequação é apenas aparente. A interpretação e a aplicação literal da definição legal ao caso em concreto podem conduzir, como se verá, ao desacerto de conclusões dissonantes do contexto de instituição da própria contribuição.

Na verdade, não obstante entendimentos divergentes, parece pacífi-co na doutrina pátria que a contribuição previdenciária tem como fato gerador, em primeira análise, uma relação de trabalho. Se não aquela relação celetista, tradicionalmente conhecida, envolvendo empregado e empregador, em outra órbita, o vínculo jurídico que liga os servidores públicos ao Estado, mas com um ponto em comum àquela, uma contra-prestação laboral. Nem mesmo as relações que se mantêm ao arrepio das leis trabalhistas escapam de tal contexto; até mesmo porque a inexistên-cia de registros não descaracteriza a relação de emprego, se estiverem presentes os requisitos principais.

Por óbvio, o fato gerador da contribuição previdenciária não se resume à relação de emprego ou vínculo jurídico estatutário, no caso dos servi-

Page 114: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006114

dores públicos. Cuida-se, na verdade, da reunião de diversos elementos sem os quais não se consumará a obrigação de recolhimento. Significa dizer, em síntese, que o fato gerador da contribuição previdenciária será a relação onerosa de emprego que se integraliza com o pagamento da remuneração correspondente. Nesse mesmo sentido, ainda que não unâ-nime, tem apontado a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, como se observa:

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE O PAGAMENTO DE SALÁRIOS. FATO GERADOR. DATA DO RECOLHIMENTO.

I- O fato gerador da contribuição previdenciária não é o pagamento do salário, mas a relação laboral existente entre o empregador e o empregado, dessa forma o recolhimento da contribuição previdenciária deve ser efetuado a cada mês, após vencida a atividade laboral do período, independentemente da data do pagamento do salário.

II- Agravo regimental improvido. (STJ, AGA 618570/PR, 1ª T., Rel Min. Francisco Falcão, unânime, julg.em 02.12.2004, DJU 14.03.2005, p. 211)

TRIBUTÁRIO - CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA - PRAZO DE RE-COLHIMENTO.

1. O fato gerador da contribuição previdenciária é a relação laboral onerosa, da qual se origina a obrigação de pagar ao trabalhador (até o quinto dia subseqüente ao mês laborado) e a obrigação de recolher a contribuição previdenciária aos cofres da Previdência.

2. A folha de salário é a base de cálculo da exação, sendo irrelevante para o nasci-mento do fato gerador o pagamento.

3. Disposição expressa do art. 30, I, b, da Lei 8.212/91 prevendo o recolhimento da contribuição previdenciária até o segundo dia do mês seguinte ao da competência.

4. Recurso improvido.” (STJ, REsp 502670/SC, 2ª T., Rel. Min. Eliana Calmon, unânime, julg. em 16.12.2003, DJU 25.02.2004, p. 149)

Dessa forma, o pagamento dos salários ou atrasados pela via judicial somente terá o condão de integralizar a hipótese de incidência já desen-cadeada e não concluída, revelando-se, tão-só, um de seus elementos e não o conteúdo principal da definição legal.

Não é outro o entendimento de Társis Nametala Jorge. Ao bem analisar os elementos e a classificação de fatos geradores da contribuição previ-denciária, nas relações de cunho celetista, esclarece o autor fluminense, à guisa de conclusão, que “assim, será regra, ao nosso pensar, um fato gerador complexo para as contribuições previdenciárias, como se dá no caso dos empregados celetistas, empregados públicos, representantes

Page 115: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 115

comerciais, integrantes de cargos comissionados não exercentes de car-gos efetivos, nas administrações públicas, etc.”. (Elementos de Direito Previdenciário: de acordo com EC 41/03 e MP 222/04, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 56)

Observa-se com particular clareza que a gênese celetista ou estatutária do liame jurídico de ordem laboral pouco importa. Destaca-se, prima facie, princípios basilares que, uma vez compreendidos, oferecem a solução mais amoldada ao caso discutido nos autos.

Reforça-se tal entendimento na manifestação da Advocacia-Geral da União sobre o tema, na forma do Parecer nº AC-21, de 01 de setembro de 2004 (DOU 15.09.2004). Questionada a Consultoria-Geral da União acerca da destinação das contribuições previdenciárias vertidas em pro-cessos trabalhistas, cujos reclamantes deixaram a condição de celetistas com a edição Lei nº 8.112/90, entendeu aquele órgão que a competência tributária ativa, em tal hipótese, pertence ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, haja vista a impossível desvinculação da natureza das parcelas pagas do regime jurídico vigente à época em que a prestação deveria ter sido implementada.

O citado parecer é por demais elucidativo. Todavia, em homenagem à brevidade, não se faz pertinente citá-lo na íntegra, mas apenas juntá--lo em anexo e transcrever algumas passagens importantes, como, por exemplo, questão até o momento não enfrentada, acerca da natureza dos pagamentos judiciais decorrentes de revisão salarial.

O assunto pode ser bem compreendido diretamente da leitura de trecho da lavra da Consultora da União, nos seguintes termos, in verbis:

“Precatórios. Contribuição previdenciária a ser recolhida pela UFJF.I- o fato gerador não é a complementação salarial determinada em juízo, mas o

pagamento incompleto realizado em data pretérita.II- Ao INSS deve ser recolhido, pela UFJF, a contribuição previdenciária relativa

a precatórios em que são exeqüentes servidores públicos que, à época questionada em juízo, possuam vínculo celetista. (...) (Parecer nº AGUMF - 12/2002).

Em conclusão, pode-se afirmar:a) as diferenças salariais recebidas em juízo são complementações de pagamento

realizado em data anterior;b) o reconhecimento do direito do servidor, pela Justiça, mostra apenas que o pa-

gamento já deveria ter sido realizado no passado;c) o fato gerador, conseqüentemente, se deu no passado, quando o servidor, em

regime celetista, era contribuinte do Regime Geral de Previdência Social;

Page 116: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006116

d) ao INSS deve ser recolhido, pela UFJF, a contribuição previdenciária relativa a precatórios em que, à época questionada em juízo, possuíam vínculo celetista.”

Conclui-se, portanto, que as verbas decorrentes de indenizações judi-ciais surgidas em virtude de vínculo jurídico de ordem laboral (celetista ou estatutário) estão sujeitas ao recolhimento da contribuição previdenciária nos termos do regulamento vigente à época em que seriam devidas. Ou seja, quando deveriam ser pagas, apurando-se o respectivo valor, mês a mês, conforme a competência de cada pagamento.

Apenas para não passar in albis, é importante referir que essa é a essência que orienta os procedimentos administrativos adotados pela autarquia previdenciária. Vejam-se, por exemplo, artigos extraídos da Instrução Normativa INSS nº 100/2003, ipsis litteris:

“Art. 72. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador da obrigação previdenciária principal e existentes seus efeitos:

(...)§ 1° Considera-se creditada a remuneração na competência em que a empresa

ou a equiparada contratante for obrigada a reconhecer contabilmente a despesa ou o dispêndio.

Art. 141. Serão adotadas as competências dos meses em que foram prestados os serviços pelos quais a remuneração é devida, ou dos abrangidos pelo reconhecimento do vínculo empregatício, quando consignados nos cálculos de liquidação ou nos termos do acordo. (Eficácia suspensa pela Instrução Normativa nº 108/2004, somente enquanto pendentes de solução problemas operacionais)

§ 1º Quando, nos cálculos de liquidação de sentença ou nos termos do acordo, a base de cálculo das contribuições sociais não estiver relacionada, mês a mês, ao período espe-cífico da prestação de serviços geradora daquela remuneração, as parcelas remuneratórias serão rateadas, dividindo-se seu valor pelo número de meses do período indicado na sentença ou no acordo, ou, na falta desta indicação, do período indicado pelo reclamante na inicial, respeitados os termos inicial e final do vínculo empregatício anotado em CTPS ou judicialmente reconhecido na reclamatória trabalhista.

§ 2º Se o rateio mencionado no parágrafo anterior envolver competências anteriores a janeiro de 1995, para a obtenção do valor originário relativo a cada competência, o valor da fração obtida com o rateio deve ser dividido por 0,9108 (valor da UFIR vigente em 01.01.97, a ser utilizado nos termos do art. 29 da Lei nº 10.522, de 2002), dividindo-se em seguida o resultado dessa operação pelo Coeficiente em UFIR expresso na Tabela Prática Aplicada em Contribuições Previdenciárias elaborada pela Diretoria de Receita Previdenciária do INSS para aquela competência.

§ 3º Na hipótese de não-reconhecimento de vínculo, e quando não fizer parte do acordo homologado a indicação do período em que foram prestados os serviços aos

Page 117: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 117

quais se refere o valor pactuado, será adotada a competência referente à data da homo-logação do acordo, ou à data do pagamento, se este anteceder aquela.

Art. 142. Serão adotadas as alíquotas, critérios de atualização monetária, taxas de juros de mora e valores de multas vigentes à época das competências apuradas na forma do art. 141. (Eficácia suspensa pela Instrução Normativa nº 108/2004, somente enquanto pendentes de solução problemas operacionais)”

Importante anotar que tais critérios se aplicam indistintamente, in-clusive no que pertine ao percentual incidente sobre a base de cálculo.

É sabido que por muitos anos os servidores federais contribuíram com 6% ao mês de seus salários, não sendo justo que, agora, ao receber parcelas atrasadas deste mesmo período, tenham sua contribuição ma-jorada, em especial se considerarmos que o atraso na complementação do pagamento tem causa imputada exclusivamente à ré.

A mesma assertiva se aplica perfeitamente aos inativos e pensionis-tas, em particular no que se refere à contribuição de 11% instituída pela MP nº 167/2004 (convertida na Lei nº 10.887/2004), que não pode ser calculada sobre indenizações de períodos anteriores à lei de regência, o que significaria autorizar que seus efeitos retroajam, técnica expressa-mente proibida pela Constituição Federal quando se trata de criar novas obrigações.

Por esses fundamentos, a contribuição previdenciária não incide sobre os proventos de aposentadoria quando as diferenças pagas tiverem como referência competências anteriores à MP 167/2004, convertida na Lei nº 10.887/2004.

Prequestionamento O prequestionamento quanto à legislação invocada fica estabelecido

pelas razões de decidir, o que dispensa considerações a respeito, vez que deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronun-ciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado.

Em face do exposto, nego provimento ao agravo.É o voto.

Page 118: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006118

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2005.04.01.020976-0/PR

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal José Paulo Baltazar Junior

Agravante: União FederalAdvogado: Dr. Luís Henrique Martins dos Anjos

Agravante: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA

Procurador: Luís Gustavo WasilewskiAgravados: Alexandre Neiverth e outros

Advogada: Dra. Samanta Maria Pineda Stanischesk

EMENTA

Ambiental. Administrativo. Criação de unidades de conservação. Consulta pública. Estudos técnicos. Princípio da precaução. Mata Atlântica. Parque Nacional dos Campos Gerais. Reserva Biológica das Araucárias. Refúgio de vida silvestre do Rio Tibagi.

1. A Mata Atlântica foi declarada Patrimônio Nacional pela própria Constituição, sendo notória a necessidade de sua preservação, incluída a Floresta de Araucárias, que dela faz parte.

2. Em matéria ambiental, por aplicação do princípio da precaução, o risco milita a favor da proteção do meio ambiente, devendo prosseguir o procedimento de implantação das unidades de conservação, a fim de evitar o risco de continuação do desmatamento na área a ser protegida.

3. O interesse público na preservação do meio ambiente supera o direito dos proprietários das terras onde serão implantadas unidades de conservação, quando atendidos os requisitos legais.

4. Eventuais desacertos quanto a áreas indevidamente incluídas nas Unidades de Conservação poderão, no curso do procedimento adminis-trativo ou judicial, com a adequada dilação probatória, ser excluídos, sendo incabível, porém, a paralisação de todo o procedimento com base em alegações genéricas em tal sentido.

5. A participação popular no procedimento administrativo de criação das unidades de conservação (Lei nº 9.985/00, arts. 5º e 22, e D. 4.340/02, art. 5º), além de concretizar o princípio democrático, permite levar a efeito, da melhor forma possível, a atuação administrativa, atendendo, tanto quanto possível, aos vários interesses em conflito.

Page 119: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 119

6. Não há, porém, obrigatoriedade: a) da intimação pessoal de todos os proprietários atingidos; b) da realização de reuniões em todos os Mu-nicípios atingidos; c) da realização de reuniões públicas, desde que seja assegurada a oitiva da população e demais interessados. (D. 4.340/02, art. 5º, § 1º)

7. A realização de estudos técnicos prévios à implantação das Unida-des de Conservação (Lei nº 9.985/00, art. 22, § 2º) foi comprovada no caso concreto.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo regimental, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 20 de fevereiro de 2006.Juiz Federal José Paulo Baltazar Junior, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal José Paulo Baltazar Junior: Cuida-se de agravos regimentais interpostos pelo IBAMA (fls. 23-77) e pela União (fls. 771-88), em face da decisão da fl. 23, que concedeu a tutela recur-sal para suspender, até o julgamento do agravo de instrumento, todo e qualquer procedimento de criação das Unidades de Conservação da Re-gião dos Campos Gerais (Parque Nacional dos Campos Gerais, Reserva Biológica das Araucárias e Refúgio de Vida Silvestre do Rio Tibagi), acolhendo, assim, as alegações dos atuais proprietários das áreas onde serão criadas as referidas unidades de conservação.

As alegações dos proprietários-agravantes são as seguintes: a) por ocasião das consultas públicas, os limites da área já estavam definidos; b) os proprietários não foram convocados pessoalmente para as con-sultas públicas; c) os estudos técnicos não foram disponibilizados pelo IBAMA, apesar dos vários pedidos efetuados nesse sentido; d) foi falha a divulgação da consulta pública, tendo sido remetido ofício na data da realização do ato; e) os estudos técnicos limitaram-se a sobrevôos da área; f) não há recurso suficiente para os pagamentos das indenizações;

Page 120: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006120

g) a continuação do processo, nos moldes em que vem sendo conduzido, pode acarretar prejuízos ao Poder Público, pela necessidade de indeni-zação de áreas produtivas.

Relata o IBAMA que as unidades de conservação a ser criadas têm por fim a proteção de remanescentes da Mata Atlântica e da Floresta de Araucárias, incluindo sítios arqueológicos, nascentes de rios e espécies da fauna ameaçadas de extinção. Representam, ainda, a possibilidade de integração com outras unidades de conservação já instaladas, como o Parque Estadual de Vila Velha, a Área de Proteção Ambiental da Escarpa Devoniana e a Floresta Nacional de Irati.

Quanto ao processo de criação das unidades, relata que os estudos se iniciaram em 2001, com a criação do Grupo de Trabalho Araucárias do Sul (GT Araucárias), o qual definiu como ações prioritárias a criação de unidades de conservação.

Especificamente quanto aos estudos técnicos, relata que: a) foram proce-didos por equipe multidisciplinar integrada por técnicos renomados de 16 diferentes instituições, entre as quais as Universidades Federais do Paraná e de Santa Catarina; b) as medições foram efetuadas com fotos de satélites, além de softwares de última geração, sobrevôos de avião e helicóptero e 6 veículos tracionados para checagem dos postos em terra com aparelhos GPS; c) a área verde deixada de fora nos mapas é precisamente a APA da Escarpa Devoniana; d) houve a tentativa de preservar as áreas possíveis, respeitando os terrenos já antropizados, com a criação de mosaicos.

Quanto à consulta pública, relata o IBAMA que: a) em 20.03.03, realizou-se, em Curitiba, reunião com a presença da Ministra de Estado do Meio Ambiente, com a participação dos Secretários do Meio Am-biente do Paraná e de Santa Catarina, ONGs, Prefeitos, Universidades e Pesquisadores, conforme lista de presença anexada ao processo admi-nistrativo; b) em 12.06.03, foi realizada nova reunião para discussão da estratégia de proteção das araucárias; c) em 03.11.03, foi aberto prazo para apresentação de sugestões, por meio eletrônico, o que foi renovado em 29.03.05; d) em 18 e 19.04.05, foram realizadas consultas públicas, conforme portaria publicada no Diário Oficial, acompanhada de ampla divulgação do processo na imprensa, tanto é que nas consultas houve presença de grande número de interessados, de modo que o fato de a correspondência enviada a um sindicato ter sido postada no dia da

Page 121: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 121

reunião não compromete o procedimento como um todo, já que não haveria sequer obrigatoriedade de remessa do referido ofício-circular; e) as consultas públicas foram antecedidas de outras ações preliminares de esclarecimento da população e das autoridades, por meio de visitas aos Prefeitos e Secretários Municipais, reunião com ONGs e Universidades e publicações na imprensa, detalhadamente relatadas.

Sustenta o IBAMA que: a) o interesse público e difuso na criação da unidade de conservação supera o interesse individual dos proprietários, como resulta da própria Constituição Federal; b) o risco de dano am-biental, pela possível degradação das áreas, supera o eventual risco dos proprietários; c) em matéria ambiental, deve ser aplicado o princípio da precaução; d) a concessão da tutela recursal estimula a proliferação de ações assemelhadas, inviabilizando a implantação das unidades de conservação; e) é imperativa a proteção do bioma da Mata Atlântica, referido textualmente na Constituição, como determina o art. 225 da CF; f) a criação de unidades de conservação, além de preservar recursos ne-cessários à subsistência da população como um todo, permite a pesquisa científica e a exploração do turismo ecológico; g) não há obrigatoriedade da realização de consultas públicas em todos os municípios afetados pela criação da unidade de conservação e sequer há exigência legal de consulta pública para a criação de reserva biológica, o que, mesmo assim, foi feito; h) não há qualquer vício no procedimento adotado, tendo sido garantida a participação popular; i) é legal a desapropriação para fins de utilidade pública.

O IBAMA junta farta documentação.A UNIÃO requer, preliminarmente, a reconsideração da decisão, ou,

sucessivamente, a submissão do agravo regimental à Turma, aduzindo, em síntese, argumentos semelhantes aos invocados pelo IBAMA.

O Ministério do Meio Ambiente juntou cópia de ofício enviado aos Municípios atingidos pela criação das Unidades de Conservação, noti-ciando a realização de novas audiências públicas, bem como facultando a criação de Comissões Técnicas Municipais para o exame da matéria.

Em apenso, encontram-se cópias integrais da ação originária.É o relatório.

VOTO

Page 122: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006122

O Exmo. Sr. Juiz Federal José Paulo Baltazar Junior:

Princípio da PrecauçãoNão há dúvida sobre a necessidade de preservação da Mata Atlân-

tica, declarada patrimônio nacional, nos termos do § 4º do art. 225 da Constituição, devendo ser utilizada “dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente”. Em relação à Floresta de Araucárias, há também farta informação nos autos, nomeadamente estudos sobre a matéria em Santa Catarina (fls. 97-127) e no Paraná – Relatório PRO-BIO – Conservação das Araucárias no Paraná (fls. 128-180), este com detalhamento sobre as áreas de floresta existentes.

Em matéria ambiental, considerada a dificuldade, em muitos casos ver-dadeira impossibilidade de reparação, vigora o princípio da precaução, que não é meramente doutrinário, tendo sido incorporado à legislação brasileira, por conta do art. 3º, 3, da Conferência sobre Mudanças do Cli-ma, à qual o Brasil, aderiu, tendo sido ratificada pelo Congresso Nacional (D. Legislativo 1, de 03.02.94). Mesmo em outras questões ambientais, que não guardem relação direta com a matéria climática, importa antes prevenir do que reparar os danos, como adverte Edis Milaré:

“O princípio da prevenção é basilar em Direito Ambiental, concernindo à prioridade que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de atentados ao ambiente, de modo a reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar a sua qualidade. (...)

Sua atenção está voltada para momento anterior à consumação do dano – o do mero risco. Ou seja, diante da pouca valia da simples reparação, sempre incerta e, quando possível, excessivamente onerosa, a prevenção é a melhor, quando não a única, solu-ção. (...) Com efeito, muitos danos ambientais são compensáveis, mas, sob a ótica da ciência e da técnica, irreparáveis. (...)

De outra parte, essa ótica preventiva de tal forma se incorporou ao Direito Am-biental que a Conferência da Terra – ou ECO 92 – adotou em seu ideário o conhecido princípio da precaução, segundo o qual a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas efetivas visando a evitar a degradação do meio ambiente. Vale dizer, a incerteza científica milita em favor do ambiente, carregando-se ao interessado o ônus de provar que as intervenções pretendidas não trarão conseqüências indesejadas ao meio considerado.” (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. Doutrina - Jurisprudência - Glossário. 3. ed. São Paulo: RT, p. 144-145)

No âmbito em que se encontra o caso em exame, da antecipação de tutela, o risco milita em favor do meio ambiente, devendo, então, pros-

Page 123: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 123

seguir a implantação das unidades de conservação, a fim de evitar maior degradação do bioma constitucionalmente protegido.

Acrescento que sequer os autores da ação originária discutem a ade-quação da implantação das unidades de conservação, invocando apenas o descumprimento de normas administrativas procedimentais e prejuízo decorrente das desapropriações.

No curso da ação originária, os casos de eventuais proprietários pre-judicados poderão ser individualmente considerados, com a pertinente prova pericial, se necessário. Registro aliás, que isso vem sendo feito, como comprovam as notas técnicas para exclusão de áreas juntadas pelo IBAMA.

Não se justifica, porém, a paralisação total do processo de criação das unidades de conservação.

O mesmo vale para o argumento de prejuízo do Poder Público pela desapropriação indevida de áreas produtivas, o que poderá ser objeto de exame individualizado, ao longo da instrução.

Interesse PúblicoNos termos do art. 225 da Constituição: “Todos têm direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” A seu turno, o inciso XXIII do art. 5º da Constituição estabelece que “a propriedade atenderá a sua função social”, o que im-plica, entre outras restrições, aquelas necessárias à preservação do meio ambiente, como a desapropriação e a limitação do uso para criação de unidades de conservação. Como adverte Vladimir Freitas: “O grau de complexidade hoje alcançado pelo instituto da propriedade deriva indis-farçavelmente do grau de complexidade das relações sociais.” (FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a Efetividade das Normas Ambientais. São Paulo: RT, p. 130)

Bem por isso, assim dispõe o já citado art. 225 da Constituição:“§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:(...)III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus compo-

nentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos

Page 124: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006124

atributos que justifiquem sua proteção;”

Quer dizer, ao deflagrar e levar adiante o processo de implantação das referidas unidades de conservação, nada mais fez o Poder Público, por meio do IBAMA e do Ministério do Meio Ambiente, que dar cumpri-mento ao mandamento constitucional acima transcrito. As restrições ou limitações ao direito de propriedade daí decorrentes, desde que atendam aos requisitos legais, não ofendem, assim, o direito dos proprietários, que deverão ser adequadamente indenizados.

Não se pode, porém, de antemão, afirmar a insuficiência dos valores que serão despendidos a tal título, o que poderá ser objeto de discussão, administrativa e judicial, no tempo e no modo apropriados.

Procedimento Administrativo

Consultas Públicas De acordo com o art. 5° da Lei nº 9.985/00, o Sistema Nacional de

Unidades de conservação será regido por diretrizes que:“(...)II- assegurem os mecanismos e procedimentos necessários ao envolvimento da socie-

dade no estabelecimento e na revisão da política nacional de unidades de conservação;III - assegurem a participação efetiva das populações locais na criação, implantação

e gestão das unidades de conservação;IV- busquem o apoio e a cooperação de organizações não-governamentais, de

organizações privadas e pessoas físicas para o desenvolvimento de estudos, pesquisas científicas, práticas de educação ambiental, atividades de lazer e de turismo ecológico, monitoramento, manutenção e outras atividades de gestão das unidades de conservação;

V- incentivem as populações locais e as organizações privadas a estabelecerem e administrarem unidades de conservação dentro do sistema nacional;

(...)IX- considerem as condições e necessidades das populações locais no desenvol-

vimento e adaptação de métodos e técnicas de uso sustentável dos recursos naturais;X- garantam às populações tradicionais cuja subsistência dependa da utilização de

recursos naturais existentes no interior das unidades de conservação meios de subsis-tência alternativos ou a justa indenização pelos recursos perdidos;”

No art. 22 do mesmo diploma legal se lê:“§ 2º A criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos

técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade, conforme se dispuser em regulamento.

§ 3º No processo de consulta de que trata o § 2º, o Poder Público é obrigado a fornecer

Page 125: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 125

informações adequadas e inteligíveis à população local e a outras partes interessadas.”

A Lei é regulada pelo D. 4.340, de 22 de agosto de 2002, cujo art. 5º assim disciplina a consulta pública:

“Art. 5º A consulta pública para a criação de unidade de conservação tem a finali-dade de subsidiar a definição da localização, da dimensão e dos limites mais adequados para a unidade.

§ 1º A consulta consiste em reuniões públicas ou, a critério do órgão ambiental competente, outras formas de oitiva da população local e de outras partes interessadas.

§ 2º No processo de consulta pública, o órgão executor competente deve indicar, de modo claro e em linguagem acessível, as implicações para a população residente no interior e no entorno da unidade proposta.”

A participação da população, das Universidades locais, da sociedade civil organizada por meio de associações e ONGs, bem como das admi-nistrações estaduais e municipais, sobre ser concretização do princípio democrático e da democracia participativa, permite levar a efeito da melhor forma possível a implantação das unidades de conservação, atendendo, tanto quanto possível, aos vários interesses em conflito. O processo prévio tem também o positivo efeito conscientizador, evitando conflitos desnecessários, não raro decorrentes da falta de esclarecimento da população sobre as medidas em implantação. Quanto mais a sociedade estiver engajada na implantação da unidade de conservação, menores as resistências e maior a possibilidade de sucesso.

A participação prévia permite, também, evitar danos excessivos às populações, bem como permite a fomentação de projetos que garantam emprego e renda, nos mesmos moldes ou em outros, após a implemen-tação da unidade.

Não se pode, porém, negar que a implantação da unidade traz restrições à propriedade e, portanto, resistências e prejuízos. As primeiras devem ser, tanto quanto possível, objeto de composição. Não sendo possível, indeniza-se o prejuízo do particular, em prol da coletividade.

A participação popular não pode, no entanto, servir de óbice ao cum-primento do poder-dever da Administração de preservação do meio am-biente, imposto pelo art. 225 da Constituição. Embora exista um processo de consulta pública, esse não pode eternizar-se. Em algum momento é preciso tomar uma decisão.

No caso dos autos, a farta documentação juntada dá conta da ampla

Page 126: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006126

participação da sociedade desde o início do procedimento administrativo.Destaco, ainda, que o processo de consulta pública não pode constituir-

-se em ampla instância deliberativa, pois o detalhamento técnico de um projeto de tal magnitude não pode ser discutido em uma reunião com a presença de algumas dezenas ou centenas de pessoas. A natureza do tra-balho exige estudos prévios, de modo que a distribuição de uma cartilha pelo MMA, com a proposta de criação das Unidades de Conservação, não significa imposição, mas o cumprimento do disposto no § 2º do art. 22 da Lei nº 9.985/00, no sentido de que seja fornecida informação clara à população.

Por fim, ressalto que não foi comprovada a alegação dos proprietários de que o IBAMA e o MMA não forneceram as informações solicitadas.

Como já decidido por este Tribunal, não há obrigatoriedade da realiza-ção de audiências públicas em todos os Municípios atingidos, o que não é imposto pela lei. (Agravo na Suspensão de Execução 2004.04.01.041192-0/SC, Vladimir Freitas)

Quanto à divulgação do ato, foi comprovada a publicação no Diário Oficial (fl. 306), bem como na imprensa (fls. 311-23), além de ofícios a Prefeitos (fls. 307-10), abrindo a possibilidade de apresentação de suges-tões. A lei não exige, aliás, intimação pessoal de todos os proprietários atingidos, de modo que a circunstância de que uma correspondência dirigida a um sindicato tenha sido postada a destempo não invalida o procedimento.

Nas fls. 355-77, figura relatório da Consulta Pública realizada em Imbituva, dando conta da ampla divulgação do evento, incluindo faixas e carros de som, bem como lista de presenças.

Não compromete o procedimento, tampouco, o fato de que algumas das consultas públicas tenham sido tumultuadas, por falta de condições de segurança, como noticiado nas fls. 541-54 dos autos da ação origi-nária. Isso porque o § 1º do art. 5º do D. 4.340/02 dispõe que a consulta pública dar-se-á em reuniões públicas ou outras formas de oitiva da po-pulação e dos interessados, o que foi assegurado nas fases antecedentes do procedimento.

Destaco, por fim, que a nota técnica juntada pelo IBAMA demonstra que vários proprietários endereçaram, individualmente, ao Ministério do Meio Ambiente, pleitos de modificações das áreas das Unidades de

Page 127: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 127

Conservação. Tais requerimentos foram analisados e, em alguns casos, deferidos, o que compromete a alegação genérica lançada por ocasião da interposição do agravo de instrumento no sentido de que a localização das unidades foi imposta de modo unilateral pela administração.

Estudos TécnicosA realização de estudos técnicos, determinada pelo § 2º do art. 22 da

Lei nº 9.985/00, também é comprovada, satisfatoriamente, pelo IBAMA e pela União, como se vê dos seguintes documentos:

a) “Processo dos Estudos para Criação de Unidades de Conservação na Floresta com Araucárias”, no qual estão arrolados os nomes e órgãos dos técnicos integrantes das equipes, bem como as medidas tomadas, incluindo visitas de campo, infirmando a assertiva dos proprietários no sentido de que a área foi determinada somente com sobrevôos (fls. 81-89);

b) ata de reunião sobre a Preservação da Floresta de Araucárias, com participação de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como ONGs (fls. 181-192);

c) atas de reuniões do “GT Araucárias do Sul”, com ampla participa-ção (fls. 194- 216 e 219-237), com a elaboração do detalhado relatório das fls. 241-302;

d) ofícios das Federações das Indústrias do PR e SC (fls. 217-8);e) relatório de reuniões realizadas em Curitiba, Palmas, Guarapuava,

Abelardo Luz e Ponte Serrada (fls. 238-9);f) memoriais descritivos do Refúgio de Vida Silvestre do Rio Tibagi

(fls. 458-72); do Parque Nacional dos Campos Gerais (fls. 594-610);g) justificativa da criação do Parque Nacional dos Campos Gerais (fls.

544-584) e da Reserva Biológica das Araucárias. (fls. 638-59)Como se vê, não procede a assertiva da falta de estudos técnicos.Ante o exposto, dou provimento ao agravo regimental.É como voto.

Page 128: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006128

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2005.04.01.021094-3/PR

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Goraieb

Agravante: Caixa Econômica Federal - CEFAdvogados: Drs. Gilberto Domingos de Brito e outros

Agravada: Vilma Lima Carreiro Advogado: Dr. Edson Vieira Abdala

EMENTA

Constitucional. Competência. Ação de indenização por danos morais e materiais. Emenda Constitucional 45/2004.

A Emenda Constitucional 45, de 31.12.2004, que distribuiu as ju-risdições de modo diverso, retirando uma parcela da Justiça Federal e atribuindo-a à Justiça do Trabalho, não estabeleceu regras de transição para a sua implantação.

Os princípios de hermenêutica recomendam a integração das normas constitucionais, de modo a atender à coerência exigida, a bem de não se criar situações insustentáveis diante da ordem jurídica no seu todo.

Cuidando-se de feito já ajuizado e em tramitação na Justiça Federal, os autos devem ser encaminhados à Justiça do Trabalho, o que não ocorre relativamente às ações já julgadas, cujas sentenças devem ser submetidas ao Tribunal a que está vinculado o juiz federal.

Distinção de hipóteses que se impõe, na esteira de precedente do STF. (Conflito de Competência nº 7.204-1)

Decisão mantida para que os autos sejam remetidos à Justiça do Trabalho.

Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir.

Agravo improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Page 129: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 129

Porto Alegre, 3 de abril de 2006.Desa. Federal Silvia Goraieb, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Goraieb: Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que declarou a incompetência absoluta do Juízo e determinou a remessa dos autos à Justiça do Trabalho.

Sustenta a agravante, em síntese, a nulidade da decisão agravada, por violação literal ao disposto em lei federal, o CPC, que, em seu ar-tigo 87, adota o princípio do perpetuatio jurisdictionis, fixando que “a competência é determinada no momento em que a ação é proposta”, sendo irrelevantes modificações posteriores. Requer seja reconhecida a competência da Justiça Federal para julgamento da lide.

Em despacho liminar, foi deferido o efeito suspensivo apenas para que os autos não fossem enviados à Justiça do Trabalho de Curitiba até o julgamento do presente recurso.

Devidamente processado o instrumento, autos conclusos para julga-mento.

É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Goraieb: Gostaria de deixar con-signado que, para decidir sobre a competência, não posso afastar-me das regras de interpretação da Carta Política, especialmente as que dizem respeito às antinomias. Sobre elas, assim leciona Carlos Maximiliano:

“Sempre que se descobre uma contradição, deve o hermeneuta ‘desconfiar de si’; presumir que não compreendeu bem o sentido de cada um dos trechos ao parecer inconciliáveis, sobretudo se ambos se acham no mesmo repositório. Incumbe-lhe preliminarmente fazer tentativa para harmonizar os textos: a este esforço ou arte os Estatutos da Universidade de Coimbra, de 1772, denominavam Terapêutica Jurídica.

Se existe antinomia, prefere-se o trecho mais claro, lógico, verossímil, de maior utilidade prática e mais em harmonia com a lei em conjunto, os usos, o sistema do Direito vigente e as condições normais da coexistência humana. Sem embargo da dife-rença de data, origem e escopo, deve a legislação de um Estado ser considerada como um todo orgânico, exeqüível, útil, ligado por uma correlação natural.” (Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 134/135)

Cuidando-se de alterações advindas de Emenda Constitucional, que

Page 130: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006130

transportou para o âmbito da Justiça do Trabalho determinados feitos que até então estavam elencados como submetidos à Justiça Federal, entendo que não se pode interpretar o novo regramento sem conjugá-lo com aquele vigente até a data da modificação introduzida.

Se a Emenda Constitucional resolveu alterar a competência, retirando da Justiça Federal determinado segmento de matéria, e se, por impro-priedade técnica ou lamentável descuido de quem a idealizou, não foram previstas disposições transitórias para a implantação das novas regras, é certo que devemos distinguir situações, ou seja, verificar se há ou não sentença de mérito.

Passo ao exame das duas hipóteses:1) Cuidando-se de ação que já tramitou e foi julgada, não é possível

considerar tacitamente revogada a redação original que trata da compe-tência recursal.

Se na época em que julgada a ação a Justiça Federal era competente para julgar determinada matéria, só o Tribunal que a Constituição re-servou para julgar o recurso pode fazê-lo, não sendo possível uma regra nova sobre poderes jurisdicionais alterar a diretriz traçada na escala das competências recursais previstas pelo constituinte originário.

Com efeito, o art. 108 da Carta dispõe que são os Tribunais Regionais Federais que devem julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais.

Esta a regra basilar originária.Assim, se, quando da prolação da sentença, o juiz era competente,

não é possível determinar a remessa dos autos a outro Tribunal a que não está adstrito o magistrado segundo o art. 108, II, da Constituição.

Competente para reexaminar sentença de magistrado é o Tribunal a que está subordinado. Essa é a disposição que deve ser respeitada quando se faz emenda ao que os constituintes originários estabeleceram.

É evidente que a competência é fixada quando do ajuizamento da ação, segundo o regramento constitucional originário. Se a emenda constitucional veio a distribuir as jurisdições de modo diverso, retiran-do uma parcela da Justiça Federal e atribuindo-a à Justiça do Trabalho, ainda que inexistam regras de transição por razões não justificadas, é inviável pretender interpretar a Constituição partindo da emenda para o texto original, atropelando a hierarquia imposta inicialmente, na qual se

Page 131: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 131

estabeleceu que as decisões dos juízes federais estão sujeitas à apreciação de seu respectivo Tribunal Regional.

As regras de hermenêutica, aliás, estão sendo esquecidas ou sacri-ficadas em nome de interesses não-conhecidos e totalmente contrários à indispensável integração das normas constitucionais, que devem ser conjugadas atendida a coerência que se impõe, a bem de não se criar situações insustentáveis diante da ordem jurídica no seu todo.

De acordo com Maria Helena Diniz:“O sistema jurídico deverá, teoricamente, formar um todo coerente, devendo, por

isso, excluir qualquer contradição lógica nas asserções feitas pelo jurista elaborador do sistema, sobre as normas, para assegurar sua homogeneidade e garantir a segurança na aplicação do direito.

(...) A solução de antinomias é imprescindível para manter a coerência do sistema jurídi-

co, visto que, como nos ensina Paul Foriers, ‘a afirmação num sistema jurídico de duas normas contraditórias acarreta, necessariamente, a incoerência desse sistema e, portanto, o seu desaparecimento’.” (Conflito de normas, São Paulo: Saraiva, 1987, p. 16 e 18)

Por uma questão de coerência, sempre prevaleceu o entendimento de que o exame de recurso de sentença é atribuição do Tribunal a que está vinculado o juiz que a proferiu, nem que seja apenas para anulá-la por incompetência absoluta, antes da remessa dos autos à Justiça que a possui.

Quando da promulgação da atual Carta Política houve o cuidado, inclusive, de estabelecer regras de transição para evitar os conflitos que surgiriam com as mudanças efetuadas.

O só fato de tal precaução não ter sido tomada quando da edição da Emenda Constitucional nº 45, de 31.12.2004, não justifica a aplicação das novas regras sem harmonizá-las com aquelas previstas no art. 108 da Constituição, que são inerentes ao poder constituinte originário.

A melhor doutrina recomenda que:“A Constituição não deve ser interpretada em tiras, em pedaços ou porções isoladas

do todo. Isto porque o Direito Constitucional possui a índole integrativa, configurando um Direito Político ou Direito do Estado. É, portanto, um ‘Direito Síntese’ e cumpre ser observado em suas múltiplas conexões, em seus aspectos teleológicos e materiais, pois consigna expressão da vida, dos fatos concretos que circunscrevem a realidade da existência humana. (...) A Constituição deve ser vislumbrada como uma unidade de sentido.” (BULOS, Uadi Lammêgo. Manual de interpretação constitucional. SP: Saraiva, 1997, p. 47)

Page 132: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006132

Por isso, a competência para julgar recurso interposto contra sentença proferida por juiz federal é do Tribunal a que está vinculado. Em conse-qüência, para executá-la é do próprio juízo que a prolatou.

2) Cuidando-se de ação ajuizada e em tramitação, a situação é diversa.Como já referido, a competência quanto a determinadas matérias foi

alterada pela nova disposição constitucional. A partir da vigência dessas modificações, não é possível questionar sobre quem deve julgar. Pro-posta a ação perante a Justiça Federal e ainda não julgada, na ausência de disposições transitórias, os autos devem ser encaminhados à Justiça do Trabalho.

A propósito da diversidade de tratamento que deve ser dado às duas situações antes apontadas, o E. STF, no Conflito de Competência nº 7.204-1, afastou qualquer dúvida a respeito, como se vê da seguinte transcrição:

“CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JUDICANTE EM RAZÃO DA MATÉ-RIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS DE-CORRENTES DE ACIDENTE NO TRABALHO, PROPOSTA PELO EMPREGADO EM FACE DE SEU (EX-) EMPREGADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRA-BALHO. ART. 114 DA MAGNA CARTA. REDAÇÃO ANTERIOR E POSTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSOS EM CURSO NA JUSTIÇA COMUM DOS ESTADOS. IMPERATIVO DE POLÍTICA JUDICIÁRIA.

Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimo-niais decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-) empregador, eram da competência da Justiça comum dos Estados-Membros.

2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das Constituições anteriores.

3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária haja vista o significativo número de ações que já tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04. Emenda que explicitou a competência da Justiça Laboral na matéria em apreço.

4. A nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça comum estadual, desde que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC 45/04, lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto

Page 133: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 133

àqueles cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Tra-balho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe em razão das características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação.

5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto.

6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito 687, Sessão Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete.

7. Conflito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal Superior do Trabalho.”

Como a decisão em exame refere-se a ação não julgada, é certo que deve ser mantida para que os autos sejam remetidos à Justiça do Trabalho.

Prequestionamento O prequestionamento quanto à legislação invocada fica estabelecido

pelas razões de decidir, o que dispensa considerações a respeito, uma vez que deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado.

Em face do exposto, nego provimento ao agravo.É o voto.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AI Nº 2006.04.00.001762-2/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores

Page 134: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006134

Lenz

Embargante: Estado do ParanáAdvogados: Drs. Sergio Botto de Lacerda e outros

Interessados: Banco Banestado S/ABanco Itaú S/A

Advogados: Drs. Luiz Rodrigues Wambier e outrosInteressado: Banco do Brasil S/A

Interessada: Caixa Econômica Federal - CEFAdvogado: Dr. Fernando da S. Abs da Cruz

Embargado: Despacho de fls. 224/226

EMENTA

Constitucional e Administrativo. Contrato administrativo. Revogação. Súmula 473 do STF. Alcance. Art. 5º, inciso XXXVI, da CF. Efeitos.

1. No que concerne à falta de interesse processual, leciona o notável processualista italiano Liebman: “L’interesse ad agire sorge dalla ne-cessità di ottenere dal processo la protezione dell’interesse sostanziale; pressuppone perciò l’affeermazzione della lecione di questo interesse e idonietà del provvedimento domandato a proteggerllo e soddisfarlo. Sarebbe infantti inutile prendere in esame la domanda per concedere (o negare) il provvedimento chiestro, nel caso che nella situazione di fatto che viene prospettata non si rivenga affermata una lesione del diritto od interesse qui si vanta verso la contraparte, o se gli effeti giuridici che se attendono dal provvedimento siano comunque già acquisit, o se il provvedimento sia per se stresso inadeguato o inidoneo a rimuovere la lesione, od infine se il provvedimento domandato non può essere pro-nunciato, perchè non ammesso dalla legge.” (LIEBMAN, Manuale de Diritto Processuale Civile, 4. ed. Giuffrè, 1980, V, I, p. 134)

O vigente Estatuto Processual Civil brasileiro, como é sabido, inspi-rou-se nos Mestres italianos, sendo o seu autor, o eminente Min. Alfredo Buzaid, discípulo direto daquele jurista cuja citação referi. Dessa forma, o CPC, no que respeita à doutrina da ação, optou pelo magistério de Lie-bman; aceitou-a como direito abstrato, porém condicionado, entregando ao Juiz o dever de zelar pela regularidade da pretensão ao exercício da jurisdição. (arts. 267, § 3º, e 598 do CPC)

Page 135: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 135

Consoante reconheceu o Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Fede-ral, ao julgar a ACO 268 (AgRg), verbis: “O CPC adotou o princípio de que a verificação dos pressupostos processuais e das condições da ação fosse feita desde o despacho que aprecia a petição inicial e em qualquer momento posterior do processo civil, até o julgamento definitivo da lide, que exaure o ofício jurisdicional (CPC, art. 267, § 3º).” (In: RTJ 101/901). Nesse julgamento, em brilhante voto proferido, o relator, o ínclito Min. Alfredo Buzaid, indiscutivelmente o maior dos processualistas brasileiros, assinalou, verbis: “Adotou o CPC, pois, o princípio de que a verificação dos pressupostos processuais e das condições da ação fosse feita desde o despacho que aprecia a petição inicial e em qualquer momento posterior do processo civil, evitando-se assim, o seu diferimento para a ocasião do proferir a sentença definitiva, quando já todas as provas tenham sido produzidas, porque a falta de qualquer deles, longe de permitir a compo-sição do conflito de interesses, dará lugar à terminação do processo sem resolução da lide. Haveria apenas uma abolitio ad instantia. Tais ques-tões, por sua natureza, são prévias e se contrapõem à questão principal, que é a do mérito. A necessidade de dirimir as questões prévias antes do julgamento da lide foi, portanto, preocupação do legislador brasileiro.” (In: RTJ 101/906)

In casu, é manifesto o interesse processual da CEF e, conseqüente-mente, a competência da Justiça Federal.

Ora, se as providências pleiteadas na Medida Cautelar envolvem diretamente a CEF, visando a que ela apresente em juízo os documen-tos acerca das tratativas com o Estado do Paraná e, por isso mesmo, atuando diretamente em sua conduta, já que por força de liminar restou determinada a suspensão das negociações entabuladas e providências então adotadas para a transferência de valores, é mais do que evidente a legitimidade passiva da CEF no feito, pelo menos até o julgamento da Medida Cautelar.

Ademais, anuncia-se com o ajuizamento da presente Medida Caute-lar a propositura de ação principal, visando a resguardar os direitos dos agravantes.

Por conseguinte, se as partes envolvidas tanto na ação preparatória quanto na ação principal devem ser as mesmas, sob pena de violação dos princípios processuais pertinentes, é a CEF parte legítima no feito e

Page 136: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006136

competente a Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF/88.Por outro lado, não há que se falar em coisa julgada, eis que o manda-

mus impetrado pelos agravantes no Tribunal de Justiça insurge-se contra o Decreto Estadual, sendo, todavia, diversas as partes, bem como o objeto da presente Medida Cautelar, agora tendo a CEF como ré.

2. Da mesma forma, não se configura a alegada supressão de instância, uma vez que a liminar deferida reconheceu a presença dos requisitos necessários ao seu deferimento, notadamente o periculum in mora, con-soante consta de sua fundamentação, a fls. 224v/226, verbis:

“A fls. 23/7, anotam, com inteiro acerto, os ilustres procuradores dos agravantes, verbis:

‘Há aqui quatro elementos que merecem ser destacados e que eviden-ciam o fumus das alegações dos Agravantes:

Em primeiro lugar, e como descrito acima, em 2002, o Estado do Paraná e Banco Itaú decidiram prorrogar o contrato existente entre as partes por mais cinco anos, conforme facultado pelo edital de privati-zação do Banestado e nos limites estabelecidos pela MP 2.192-70/01, tendo o requerente pago R$ 80.000.000,00 (oitenta milhões de reais) por essa prorrogação, valores esses que, hoje, correspondem a cerca de R$ 200 milhões.

A prorrogação, vale lembrar, era uma faculdade das partes, consignada na lei, no edital e no próprio contrato. Essa possibilidade já estava prevista à época da privatização, integrando a equação econômico-financeira do negócio e tendo sido um fator de valorização do objeto licitado. Ade-mais, a própria lei de licitações admite esse tipo de prorrogação, por esse mesmo prazo, reconhecendo que a medida pode ser vantajosa para a Administração.

Naturalmente, a opção do Poder Público pela prorrogação estava atrelada a um juízo – essencialmente discricionário – sobre a presença de interesse público na medida. O critério posto pela lei era o ofereci-mento de uma vantagem ao Estado pelo contratante privado, o que de fato ocorreu.

Em segundo lugar, o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito do Banco Itaú aqui discutido ao deferir a medida liminar requerida na ADIn nº 3.075-DF. A ADIn foi movida pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro em face da Lei Estadual nº 14.235/2003, por meio

Page 137: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 137

da qual o Estado do Paraná pretendia revogar o contrato de exclusividade mantido com o Banco Itaú.

Nesse julgamento, o Plenário do Eg. STF acolheu o requerimento cautelar de suspensão da Lei Estadual nº 14.235/2003, reconhecendo expressamente que se impunha a manutenção da relação contratual até o julgamento final da ação direta em questão, por razões de se-gurança jurídica.

Confira-se trecho do voto do relator, Min. Gilmar Mendes: ‘De qual-quer sorte, quanto às alegações de violação aos princípios de proteção ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e do devido processo legal, penso, ao menos em um juízo cautelar, que a revogação contratual exi-gida pelo ato impugnado afigura-se ofensiva ao princípio da segurança jurídica. Meu voto, portanto, é no sentido de se deferir a liminar para que seja suspensa a vigência e a eficácia do ato impugnado’.

Note-se que, quando essa decisão foi proferida, já havia ocorrido a prorrogação do ajuste, sequer se podendo alegar a ocorrência de fato novo capaz de alterar a realidade fática. Dessa forma, a efetivação da transferência do objeto do contrato firmado pelo requerente para os se-gundo e terceiro requeridos não só viola o direito do requerente, como desrespeita o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a validade e legitimidade do contrato firmado entre o Estado do Paraná e o Banestado.

Em terceiro lugar, a despeito de suspender a eficácia dos arts. da MP nº 2.192-70/2001, o Supremo Tribunal Federal expressamente registrou que tal decisão era dotada de eficácia ex nunc, em razão da necessidade de preservar os diversos contratos similares já realizados, pelo menos até o julgamento final da ação direta. O Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, embora concedendo a liminar solicitada, expressamente consignou que, em relação às privatizações já concluídas, a manutenção dos ajustes sobre tais ativos integra a equação econômico-financeira dos contratos como elemento essencial, não podendo ser desfeita sem comprometer a base de validade de todo o negócio.

Confira-se trecho do seu voto: ‘É incontroverso que o manejo das contas públicas do Estado – não importa se explicitado ou não – é fator quiçá determinante na atração dos licitantes do controle societário da instituição, com peso significativo na formação do ágio acaso obtido

Page 138: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006138

sobre o preço mínimo.Desse modo, efetivado o leilão, a eventual concessão da medida cau-

telar suspensiva da transferência ao adquirente do respectivo contrato de prestação de serviços afetaria as bases do negócio e eventualmente a sua validade. (...)’

Em quarto e último lugar, o Banco Itaú pagou ao Estado do Paraná a quantia de R$ 80.000.000,00 (oitenta milhões de reais) para que o contrato entre eles firmado vigesse no seguinte período: de 27.10.2005 até 31.12.2010. A suposta transferência do objeto contratual aos 2° e 3° requeridos causará prejuízo de três ordens diferentes ao ora Agravante: (i) priva-o da gestão dos ativos que contratou; (ii) interrompe a exploração empresarial legítima das unidades bancárias instaladas em órgãos e entes públicos estaduais e (iii) não prevê – ao menos até onde o requerente sabe – sequer a devolução atualizada do valor pago por tais ativos!

5.B) PERICULUM IN MORADe acordo com as notícias veiculadas na imprensa e as declarações

do próprio Governador do Estado, as providências para a mencionada transferência já estão ocorrendo, de maneira que, ou essas providências são desde logo suspensas e os Agravantes têm acesso aos documentos respectivos para, com base neles, intentar ação com o fim de inibir a contratação (ou desfazê-la), ou a tutela jurisdicional específica a ser plei-teada pelos Agravantes poderá vir a ser inviabilizada ou extremamente dificultada em virtude do envolvimento de terceiros (os correntistas/servidores que já estão sendo constrangidos a abrirem contas nas Insti-tuições Públicas).

Além disso, o levantamento das disponibilidades de caixa estadual, a transferência dos serviços prestados e a restituição das unidades ban-cárias, por si só, e como é evidente, acarretariam prejuízos graves e de difícil quantificação e reparação ao Banestado e a seus acionistas, mesmo que posteriormente fossem revertidas.

Ademais, o desrespeito da autoridade pública pelo contrato regular-mente firmado com o Banestado teria efeito desastroso sobre o sistema financeiro, tendo em conta a existência de contratos semelhantes, há vários anos, firmados entre outros entes da Federação e instituições financeiras no contexto da privatização do setor. A rigor, outros Chefes do Executivo poderiam se sentir tentados a igualmente desrespeitar os

Page 139: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 139

ajustes ou ameaçar os contratantes com a ‘revogação’ do contrato, em troca de vantagens adicionais não pactuadas. Os danos ao equilíbrio do sistema financeiro seriam evidentes.

Dessa forma, a apresentação dos documentos e atos relacionados com a transferência dos serviços bancários aqui referidos para o se-gundo e terceiro Agravados é essencial para que os Agravantes possam proteger os seus interesses. E a suspensão de dita transferência, até que os Agravantes tenham acesso aos documentos pertinentes e possam tomar as medidas consideradas cabíveis, é a única forma de evitar um prejuízo irreversível.

De outro lado, ressalte-se que a concessão da liminar, como aqui pleiteada, nenhum prejuízo acarretará ao Estado e, especialmente, à po-pulação, pois a prestação dos serviços será mantida tal como, por meio do contrato e do aditamento respectivamente firmados em 26.10.2000 e 17.06.2002, vem sendo realizada pelos Agravantes.’

Com efeito, em face do disposto no art. 5º, XXXVI, da CF/88, é indubitável que o contrato válido entre as partes constitui ato jurídico perfeito, protegido pelo texto constitucional, dele irradiando, para uma ou para ambas as partes, direitos adquiridos, não podendo ser alcançado por lei superveniente à data da celebração do contrato, mesmo quanto aos efeitos futuros decorrentes do ajuste negocial.

Nesse sentido, é de referir-se o ensinamento clássico de Julien Bon-necase, ao atualizar a obra de Baudry-Lacantinerie, verbis: ‘Les droits dérivant d’une convention expresse ou légalement présumée constituent, dans le sens de notre matière, des droits acquis à l’abri de l’atteinte de toute loi nouvelle, alors même qu’ils ont pour objet de paiements à faire à des époques successives, qui ne viendraient à échéance que postérieu-rement à la promulgation de cette loi.’ (Baudry-Lacantinerie, In: Traité Théorique et Pratique de Droit Civil - Supplément par Julien Bonnecase, Paris, Librairie Recueil Sirey, 1925, t. 2, p. 123)

Nesse sentido, também, é a jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos ao julgar o 263 U.S. 125, verbis: ‘The integrity of con-tracts – matter of high public concern – is guaranteed against action like that here disclosed by section 10, art. 1, of the federal Constitution, ‘No state shall... pass any... law impairing the obligation of contracts.’ It was beyond the competency of the Legislature to substitute an ‘inde-

Page 140: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006140

terminate permit’ of rights acquired under a very clear contract.’ (In: The Supreme Court Reporter - November, 1923 - July, 1924, St. Paul, West Publishing Co., 1924, v. 44, p. 86)

Os fatos noticiados na peça recursal, que se encontra instruída de do-cumentos, demonstram o preenchimento dos pressupostos que autorizam a concessão do efeito suspensivo.

No caso em exame, pertinente o magistério de Antonino Coniglio, verbis: ‘La tutela cautelare è concessa per far sì che la reintegrazione del diritto ottenuta per via giurisdizionale giunga efficace e tempestiva, in modo da cogliere la situazione di fatto quale appare al momento di proposizione della domanda e provvedere re adhuc integra, per ovviare ai pericoli connessi al tempo occorrente per lo svolgimento delle attività indispensabili per arrivare all’accertamento e quindi all’attuazione co-attiva. C’è nei provvedimenti cautelari, continua il Calamandrei, più che lo scopo di attuare il diritto, lo scopo immediato di assicurare l’efficacia pratica del provvedimento definitivo che servirà a sua volta ad attuare il diritto. La tutela cautelare è, nei confronti del diritto sostanziale, una tutela mediata: più che a far giustizia serve a garantire l’efficace fun-zionamento della giustizia. Se tutti i provvedimenti giurisdizionali sono uno strumento del diritto sostanziale che attraverso essi si attua, nei provvedimenti cautelari si riscontra una strumentalità qualificata. ..., sono cioè in relazione alla finalità ultima della funzione giurisdizionale, strumenti dello strumento.’ (In: Il Sequestro Giudiziario e Conservativo, 3. ed., Milano, Dott. A. Giuffrè - Editore, 1949, p. 15/16, n. 12)

Por esses motivos, defiro o efeito suspensivo postulado a fls. 27/8, mantendo-se a CEF no feito e, via de conseqüência, a competência da Justiça Federal, a apresentação pelos agravados dos mencionados docu-mentos e a suspensão da transferência noticiada no presente recurso até o julgamento do agravo de instrumento.”

A respeito, recordo, por oportuno, o ensinamento do eminente e sau-doso Ministro Rodrigues Alckmin ao votar na Representação nº 933/RJ, verbis: “... acompanho o eminente Relator, entendendo que há um poder geral de acautelamento inerente ao próprio exercício da função jurisdicional: nenhum Juiz deve proferir uma sentença ou ser compelido a fazê-lo ciente de que esta não deva produzir seus efeitos ou, dificil-mente, venha a produzi-los. Daí esse poder acautelador e geral, que é

Page 141: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 141

inerente ao próprio exercício da função, e um dos tipos fundamentais de tutela jurídica, como a execução, como o processo de conhecimento.” (In: RTJ 76/349)

Nesse sentido, ainda, o princípio insculpido no art. 515, § 3º, do CPC, afastando-se, por completo, a alegação de supressão de instância.

3. Com efeito, em face do disposto no art. 5º, XXXVI, da CF/88, é indubitável que o contrato válido entre as partes constitui ato jurídico perfeito, protegido pelo texto constitucional, dele irradiando, para uma ou para ambas as partes, direitos adquiridos, não podendo ser alcançado por lei superveniente à data da celebração do contrato, mesmo quanto aos efeitos futuros decorrentes do ajuste negocial.

Nesse sentido, é de referir-se o ensinamento clássico de Julien Bon-necase, ao atualizar a obra de Baudry-Lacantinerie, verbis: “Les droits dérivant d’une convention expresse ou légalement présumée constituent, dans le sens de notre matière, des droits acquis à l’abri de l’atteinte de toute loi nouvelle, alors même qu’ils ont pour objet de paiements à faire à des époques successives, qui ne viendraient à échéance que postérieu-rement à la promulgation de cette loi.” (Baudry-Lacantinerie, in Traité Théorique et Pratique de Droit Civil - Supplément par Julien Bonnecase, Paris, Librairie Recueil Sirey, 1925, t. 2, p. 123)

Nesse sentido, também, é a jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos ao julgar o 263 U.S. 125, verbis: “The integrity of con-tracts – matter of high public concern – is guaranteed against action like that here disclosed by section 10, art. 1, of the federal Constitution, ‘No state shall... pass any... law impairing the obligation of contracts.’ It was beyond the competency of the Legislature to substitute an ‘inde-terminate permit’ of rights acquired under a very clear contract.” (In: The Supreme Court Reporter - November, 1923 - July, 1924, St. Paul, West Publishing Co., 1924, v. 44, p. 86)

Essa, também, é a lição clara e precisa do saudoso jurista Francis-co Campos, em seu Direito Administrativo, Livr. Freitas Bastos, Rio, 1958, v. 2, p. 11, verbis: “O que a Constituição assegura, portanto, ao determinar que o ato jurídico perfeito continuará a ser regido pela lei do tempo em que se consumou, é, precisamente, o efeito jurídico daquele ato, isto é, as transformações por ele operadas nas relações jurídicas que constituem o seu conteúdo, seja criando, seja modificando, transferindo

Page 142: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006142

ou extinguindo direito.O que resulta do ato jurídico perfeito é, precisamente, a aquisição de

um direito, ou a pretensão fundada a uma prestação, ou a modificação ou a extinção de direito anterior a determinada prestação.

O ato jurídico perfeito é subtraído ao império da lei posterior preci-samente para que não seja prejudicado pela sua aplicação o direito que emergiu daquele ato e que por seu intermédio se tornou adquirido ou se incorporou ao patrimônio do indivíduo.”

Ademais, a Lei Estadual nº 14.235/03, que “revogou” as cláusulas do contrato, teve a sua eficácia suspensa pelo Eg. STF quando do julgamento da ADIn nº 3.075-DF.

Em seu voto, o ilustre Ministro Gilmar Mendes, verbis: “De qualquer sorte, quanto às alegações de violação aos princípios de proteção ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e do devido processo legal, penso, ao menos em um juízo cautelar, que a revogação contratual exigida pelo ato impugnado afigura-se ofensiva ao princípio da segurança jurídica. Meu voto, portanto, é no sentido de se deferir a liminar para que seja suspensa a vigência e a eficácia do ato impugnado”.

Descumprindo tal decisão, o Chefe do Poder Executivo do Estado do Paraná edita o Decreto nº 5.434/05, que reproduz o comando do texto legal suspenso pelo Pretório Excelso, em clara violação ao princípio da Separação e Harmonia dos Poderes – art. 2º da CF/88 –, exorbitando o poder regulamentar que lhe confere a Lei Maior.

Pertinente, in casu, relembrar as sábias palavras proferidas pelo Jus-tice Louis Brandeis no julgamento do caso Myers v. United States pela Suprema Corte Americana, verbis: “The doctrine of the separation of powers was adopted by convention of 1787 not to promote efficiency but to preclude the exercise of arbitrary power. The purpose was not to avoid friction, but, by means of the inevitable friction incident to the distribution of the governmental powers among three departments, to save the people from autocracy.” (In: The Supreme Court Reporter, St. Paul, West Publishing Co., 1928, v. 47, p. 85)

A propósito do poder regulamentar, é sempre atual o magistério de Pimenta Bueno, o mais autorizado intérprete da Carta Imperial de 1824, que o considera abusivo nos seguintes casos, verbis: “1º) em criar direitos, ou obrigações novas, não estabelecidas pela lei, porquanto seria

Page 143: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 143

uma inovação exorbitante de suas atribuições, uma usurpação do poder legislativo, que só poderá ser tolerada por câmaras desmoralizadas. Se assim não fora poderia o governo criar impostos, penas, ou deveres, que a lei não estabeleceu, teríamos dois legisladores, e o sistema constitucional seria uma verdadeira ilusão;

2º) em ampliar, restringir ou modificar direitos ou obrigações, por-quanto a faculdade lhe foi dada para que fizesse observar fielmente a lei, e não para introduzir mudança ou alteração alguma nela, para manter os direitos e obrigações como foram estabelecidos, e não para acrescentá-los ou diminuí-los, para obedecer ao legislador, e não para sobrepor-se a ele;

3º) em ordenar, ou proibir o que ela não ordena, ou não proíbe, por-quanto dar-se-ia abuso igual ao que já notamos no antecedente número primeiro. E demais, o governo não tem autoridade alguma para suprir, por meio regulamentar, as lacunas da lei, e mormente do direito privado, pois que estas entidades não são simples detalhes, ou meios de execução. Se a matéria como princípio é objeto de lei, deve ser reservada ao legislador; se não é, então não há lacuna na lei, sim objeto de detalhe de execução;

4º) em facultar, ou proibir, diversamente do que a lei estabelece, porquanto deixaria esta de ser qual fora decretada, passaria a ser dife-rente, quando a obrigação do governo é de ser em tudo e por tudo fiel e submisso à lei;

5º) finalmente, em extinguir ou anular direitos ou obrigações, pois que um tal ato equivaleria à revogação da lei que os estabelecera ou reconhecera; seria um ato verdadeiramente atentatório.” (In: Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro, 1857, p. 237, nº 326)

E mais adiante, conclui o ilustre Mestre, verbis: “O governo não deve por título algum falsear a divisão dos poderes políticos, exceder suas próprias atribuições, ou usurpar o poder legislativo.

Toda e qualquer irrupção fora destes limites é fatal, tanto às liberdades públicas, como ao próprio poder.” (In: Op. Cit., p. 237)

Realmente, o ordenamento jurídico brasileiro atribui ao regulamento unicamente o papel de regulamentar a lei, esclarecendo o seu comando normativo, porém, sempre, observando-a, estritamente, não podendo inovar, ampliar ou restringir direitos, sob pena de ilegalidade.

Nesse sentido, orienta-se a melhor doutrina, verbis: “748. - Le

Page 144: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006144

règlement de police, parce qu’il est un règlement, est hiérarchiquement inférieur à la loi. Il ne peut aller, dans ses dispositions, à l’ encontre des prescriptions législatives, s’il en existe sur tel ou tel point perticulier.” (DUEZ, Paul; DEBEYRE, Guy. In: Traité de Droit Administratif, Paris, Librairie Dalloz, 1952, p. 514)

“LES LIMITES DU POUVOIR RÉGLEMENTAIREElles sont toutes l’expression de la subordination de l’ autorité règle-

mentaire au législateur. Ont peut les classer ainsi: 1º Obligation de respecter les lois dans leur lettre et dans leur esprit;2º Impossibilité d’interpréter la loi: ce pouvoir n’appartient qu’au

législateur et aux tribunnaux: CE (Sect.), 10 juin 1949, Baudouin.3º Impossibilité pour l’autorité administrative de prende l’initiative

de diminuer par um règlement la liberté des citoyens si le législateur n’a pas posé au mains le principe d’une telle limitation;

(...).” (WALINE, Marcel. In: Traité Élémentaire de Droit Adminis-tratif, 6. ed., Libr. Du Recueil Sirey, Paris, 1952, p. 41)

Essa é, igualmente, a jurisprudência da Suprema Corte, verbis: “Reso-lução nº 194/1970 do CONFEA – Exercício da Profissão de Engenharia, Agronomia e Arquitetura – Exigências ilegais.

Dada a inferioridade constitucional do regulamento em confronto com a lei, é evidente que aquele não pode alterar, seja ampliando, quer res-tringindo, os direitos e obrigações prescritos nesta. (...).” (RE nº 81.532/BA, Rel. Min. Cunha Peixoto, in RTJ 81/494)

A respeito, leciona Bernard Schwartz, in Commentary on the Cons-titution of the United States - The Rights of Property, New York, the Macmillan Company, 1965, p. 2/3, verbis: “The Constitution has been construed as a living instrument intended to vest in the nation whatever authority may be appropriate to meet the exigencies of almost two cen-turies of existence.

To regard the Constitution solely as a grant of governmental autho-rity is, nevertheless, to obtain but a partial and distorted view. Just as important is its function as a limitation upon such authority. As already emphasized in section 1, the American conception of a constitution is one which is not confined to viewing such instrument as a charter from which government derives the powers which enable it to function effectively. Instead, with us, the organic document is one under which governmental

Page 145: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 145

powers are both conferred and circumscribed.The Constitution is thus more than a framework of government;

it establishes and guarantees rights which it places beyond political abridgment. In this country, written constitutions were deemed essential to protect the rights and liberties of the people against the encroachments of governmental power.”

Da mesma forma, impõe-se recordar a velha mas sempre nova lição de John Randolph Tucker, em seu clássico comentário à Constituição norte-americana, verbis: “All acts of every department of government, within the constitutional bounds of powers, are valid; all beyond bounds are ‘irritum et insane’ – null and void. Government, therefore, has no inherent authority, but only such as is delegated to it by its sovereign principal. Government may transcend the limits of this authority, but its act is none the less void. It cannot, by usurpation, jurally enlarge its powers, nor by construction stretch them beyond the prescribed limits.” (In: The Constitution of the United States, Chicago, Callaghan & Co., 1899, p. 66/7, § 54)

Outro não é o ensinamento de Daniel Webster, verbis: “The Constitu-tion, again, is founded on compromise, and the most perfect and absolute good faith, in regard to every stipulation of this kind contained in it is indispensable to its preservation. Every attempt to grasp that which is regarded as an immediate good, in violation of these stipulations, is full of danger to the whole Constitution.” (In: The Works of Daniel Webster, Boston, Little, Brown and Company, 1853, v. 1, p. 331)

É manifesta, pois, a ilegalidade do Decreto Estadual nº 5.434/05, eis que descumpriu decisão proferida pelo Eg. STF e, a pretexto de revogar ato que entende ilegal, na forma da Súmula 473 daquela Corte, em rea-lidade violou a letra e o espírito desse enunciado, invadindo, no caso, a seara do Poder Judiciário.

A respeito, preciso o magistério de Francisco Campos, em seu Direito Administrativo, Imprensa Nacional, Rio, 1943, ao assinalar os limites da Administração Pública acerca da revogação dos atos administrativos, verbis: “Em princípio, os atos administrativos, particularmente aqueles de que resulta uma situação individual, não podem ser revogados pela própria administração. Este princípio se funda no fato de que a ativida-de administrativa é, igualmente, uma atividade jurídica, de que os seus

Page 146: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006146

atos não são atos quaisquer, mas atos juridicamente qualificados ou de relevância jurídica, sendo, como é, a administração uma das formas de execução do direito. Quando, portanto, o ato administrativo se resume em uma individuação da norma, a decisão do poder administrativo é assimilável à decisão do Poder Judiciário, adquirindo, assim, a força de ligar a administração ao seu próprio ato, o qual, em relação a ela, constitui uma res judicata. (...) Ora, não é da natureza da administração resolver contestações entre interesses que se opõem, havendo, como há, um de-partamento do governo especialmente designado, pela sua competência, para o exercício de tais funções. À administração, nos regimes em que não lhe cabe exercer funções contenciosas, falece competência para decidir sobre contestações emergentes da sua atividade, que se tem por completa e acabada com a emanação dos atos administrativos compreendidos na sua competência própria e específica.” (In: Op. Cit., p. 60/1)

Nesse sentido tem decidido a Suprema Corte dos Estados Unidos.Em Stone v. United States, tratava-se da venda de terras de domínio

público, tendo o Secretário do Interior, que era a autoridade competente para expedir os títulos de propriedade, alienado terras não incluídas entre aquelas cuja venda a lei autorizava. O seu sucessor na Secretaria do Interior promoveu a anulação da venda assim realizada. Instada a se pronunciar, a Suprema Corte deliberou que, embora nulo o ato, não caberia à administração rescindi-lo, eis que a rescisão constitui ato de natureza jurisdicional, que se inclui na competência do Poder Judiciário.

O princípio firmado nesse julgamento foi mantido no caso Beley et al. v. Naphtaly, julgado em 28 de fevereiro de 1898, oportunidade em que o Justice Peckham afirmou, verbis: “The case of U.S. v. Stone, 2 Wall. 525, has no bearing adverse to this proposition. In that case it was sta-ted that a patent is but evidence of a grant, and the officer who issues it acts ministerially, and not judicially; that, if he issues a patent for land reserved from sale for law, such patent is void for want of authority, but that one officer of the land office is not competent to cancel or annul the act of his predecessor; that is a judicial act, and requires the judgment of a Court.” (In: The Supreme Court Reporter, St. Paul, West Publishing Co., 1899, v. 18, p. 358)

Da mesma forma, decidiu aquela Alta Corte no caso Michigan Land & Lumber Co., Limited, v. Rust, julgado em 13 de dezembro de 1897.

Page 147: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 147

(In: Op. Cit., p. 208)Ora, no caso dos autos não há sequer falar na imprevisão contratual,

pois a teoria da imprevisão consiste no reconhecimento de que eventos novos, imprevistos e imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis, refletindo sobre a economia ou a execução do contrato, autorizam a sua revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes. Trata-se da apli-cação da cláusula rebus sic stantibus, elaborada pelos pós-glosadores, que esposa a idéia de que todos os contratos dependentes de prestações futuras incluíam cláusula tácita de resolução, se as condições vigentes se alterassem profundamente.

Tal idéia se inspirava num princípio de eqüidade, pois se o futuro trouxesse um agravamento excessivo da prestação de uma das partes, estabelecendo profunda desproporção com a prestação da outra parte, seria injusto manter-se a convenção, já que haveria indevido enrique-cimento de um e conseqüente empobrecimento do outro. (Cfe. sobre o tema os seguintes autores: TORRENTE, Andrea, Manuale Di Diritto Privato. 6. ed., Giuffrè Editore, 1965, p. 447-50, § 311; MADRAY, Gilbert, Des Contrats D’après la Récent Codification Privée Faite aux États-Unis - Étude Comparée de Droit Américain et de Droit Français, Paris, Libr. Générale, 1936, p. 194; RIPERT, Georges, La Règle Morale dans les Obligations Civiles, 4. ed., Paris, Libr. Générale, 1949, p. 143 e ss.; DURAND, Paul, Le Droit des Obligations dans les Jurisprudences Française et Belge, Paris, Libr. Du Recueil Sirey, 1929, p. 134 e ss.; VE-NIAMIN, Virgile, Essais sur les Donnes Economiques dans L’Obligation Civile, Paris, Libr. Générale, 1931, p. 373 e ss.; PLANIOL, Marcel, Traité Élémentaire de Droit Civil, 10. ed., Paris, Libr. Générale, 1926, t. II, n. 1.168, p. 414; SIDOU, Othon, A Revisão Judicial dos Contratos, 2. ed., Forense, 1984, p. 95; PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, 3. ed., RT, 1984, t. XXV, § 3.060, p. 218-20 e, do mesmo autor, Dez Anos de Pareceres, Rio, Livr. Francisco Alves, 1976, vs. 7/36-9 e 10/197-9; FONSECA, Arnoldo Medeiros da, Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão, 3. ed., Rio, Forense, 1958, p. 345-6, n. 242; CAMPOS, Francisco, Direito Civil - Pareceres, Livr. Freitas Bastos, 1956, p. 05-11)

Todos os autores acima referidos admitem, sob os mais variados fun-damentos doutrinários, a aplicação da teoria da imprevisão, mas apenas em circunstâncias excepcionais, ou seja, somente a álea econômica

Page 148: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006148

extraordinária e extracontratual, desequilibrando totalmente a equação econômica estabelecida pelos contraentes, justifica a revisão do contrato com base na cláusula rebus sic stantibus.

Outro não é o entendimento adotado pela jurisprudência uniforme da Suprema Corte, em todas as oportunidades em que se manifestou sobre a tormentosa questão, como reflete o aresto relatado pelo eminente e saudoso Ministro Aliomar Baleeiro, cuja cultura jurídica é por todos reconhecida, ao votar no RE nº 71.443-RJ, verbis: “Rebus sic stantibus – Pagamento total prévio. 1. A cláusula rebus sic stantibus tem sido ad-mitida como implícita somente em contratos com pagamentos periódicos sucessivos de ambas as partes ao longo de prazo dilatado, se ocorreu alteração profunda inteiramente imprevisível das circunstâncias exis-tentes ao tempo da celebração do negócio...” (In: RTJ 68/95. No mesmo sentido, RTJ: 35/597; 44/341; 46/133; 51/187; 55/92; 57/44; 60/774; 61/682; 63/551; 66/561; 96/667; 100/140; 109/153; 110/328 e 117/323)

No caso concreto, contudo, é de todo estranho aos princípios de justiça a aplicação da teoria da imprevisão, que deve ser aplicada com cautela pelo magistrado, evitando que este interfira diretamente nos contratos celebrados, substituindo a vontade das partes, livremente pactuada, pela sua. A respeito, doutrina Virgile Veniamin, em clássica monografia, verbis: “En limitand ainsi l’application de la théorie de l’imprévision au cas où elle apparait comme une exigence, de l’harmonieux développement de l’organisation économique, on restreint par là même consideráblement son étendue. En offrant au juge un critérium objectif, fondé sur les don-nés concrètes dégagées grâce à une méthode d’observation directe, à l’aide du matériel préparé par des experts idoines, on évite l’arbitraite auquel la recherche d’une intention malveillante, toujours devinatoire peut fournir l’occasion. En outre, le rapprochement que nous venons de faire dans le présent chapitre, entre la lésion et l’imprévision – toutes les deux ayant le même caractère et répondant aux mêmes nécessités de l’ordre économique – nous indique une limitation technique du pouvoir de juge. Dans les deux cas, ce n’est pas à la révision du contrat qu’on doit aboutir, mais simplement à sa rescision (1). Il n’appartient point au juge d’orienter l’activité humaine en s’immiscant dans la teneur du contrat. Sa mission est terminée, dès qu’en obéissant aux directives économiques, il empêche la ruine de l’individu et lui assure en même

Page 149: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 149

temps que sa sauvegarde personnelle, une participation efficace à la collaboration générale.” (In: Essais sur les Données Economiques dans L’Obligation Civile, Paris, Libr. Générale, 1931, p. 393-4)

Por outro lado, no que concerne ao alcance do art. 164, § 3º, da CF, decidiu o Eg. STF ao julgar o RE nº 444.056-MG, Relator o eminente Min. Carlos Velloso, verbis: “DJ nº 199 - 17.10.2005 - Ata nº 155 - Re-lação de Recursos - Despachos dos Relatores

RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 444056Proced.: Minas GeraisRelator: Min. Carlos VellosoRecte.(S): Ministério Público do Estado de Minas GeraisRecdo.(A/S): João Nogueira FanuchiAdv.(A/S): José Nilo de CastroRecdo.(A/S): Unibanco - União de Bancos Brasileiros S/AAdv.(A/S): Aristoteles Atheniense e outro (A/S)Adv.(A/S): Thiago Luiz Blundi Sturzenegger e outro (A/S)EMENTA: CONSTITUCIONAL. ESTADOS, DISTRITO FEDERAL

E MUNICÍPIOS: DISPONIBILIDADE DE CAIXA: DEPÓSITO EM INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS OFICIAIS. CF, ART. 164, § 3º. SER-VIDORES MUNICIPAIS: CRÉDITO DA FOLHA DE PAGAMENTO EM CONTA EM BANCO PRIVADO: INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO ART. 164, § 3º, CF. NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO RE.

DECISÃO: - Vistos. O acórdão recorrido, em ação civil pública, profe-rido pela Primeira Câmara Cível do Eg. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, está assim ementado: ‘AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA PREFEITO MUNICIPAL - CRÉDITO DA FOLHA DE PAGAMENTO DOS SERVIDORES MUNICIPAIS EM CONTA DE BANCO PARTI-CULAR - NÃO OFENSA AO ARTIGO 164, § 3º, DA CF/88.

Não caracteriza desacato ao parágrafo 3º do artigo 164 da CF/88, ao impor que ‘as disponibilidades de caixa dos Municípios serão deposita-dos em instituições financeiras oficiais’, o depósito líquido da folha de pagamento em Banco particular, sem custo para o Município, eis que tal crédito fica disponibilizado aos servidores, não ao Município.’ (fl. 324)

Daí o RE interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Ge-rais, fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, com alegação de ofensa ao art. 164, § 3º, da mesma Carta, sustentando, em síntese, o

Page 150: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006150

seguinte:a) o acórdão recorrido está em confronto com a jurisprudência do STF

(ADI 2.661-MC/MA e ADI 2.600-MC/ES) firmada no sentido de que as disponibilidades de caixa dos Estados-membros e dos Municípios devem ser depositadas em instituições financeiras oficiais;

b) a expressão ‘disponibilidade de caixa’ utilizada pela Constituição Federal e pela Lei de Responsabilidade Fiscal abarca toda a movimenta-ção financeira, decorrente de despesas e receitas, das entidades públicas;

c) a determinação contida no art. 164, § 3º, da CF tem a finalidade de garantir as finanças públicas e a preservação do patrimônio estatal contra o risco de quebra das instituições financeiras privadas, sendo certo, assim, que o valor necessário à quitação da folha de pagamento dos servidores do Município deve ser depositado em banco oficial.

Admitido o recurso, subiram os autos.A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pelo ilustre

Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos, opinou pelo não-provimento do recurso.

Autos conclusos em 21.09.2005.Decido.O Supremo Tribunal Federal tem decidido, reiteradamente, que as

disponibilidades de caixa dos Estados-membros serão depositadas em instituições financeiras oficiais, ressalvadas as hipóteses previstas em lei ordinária de feição nacional (CF, art. 164, § 3º). Assim decidiu o Supre-mo, por exemplo, nas ADIs 2.661-MC/MA, Ministro Celso de Mello, Plenário, 05.06.2002; 2.600-MC/ES, Ministra Ellen Gracie, Plenário, 24.04.2002; 3.578-MC/DF, Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, 14.09.2005, Informativo nº 401.

Aqui, entretanto, o caso é outro: trata-se de ‘depósito líquido da folha de pagamento em Banco particular, sem custo para o Município, eis que tal crédito fica disponibilizado aos servidores, não ao Município’. É o que consta do acórdão recorrido, fl. 324, da lavra do eminente Desem-bargador Orlando Carvalho.

Consta, mais, do acórdão:‘(...) Deste modo, os pagamentos realizados aos servidores muni-

cipais não são disponibilidades de caixa, pois tais recursos, uma vez postos à disposição dos servidores, têm caráter de despesa liquidada,

Page 151: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 151

pagamento feito, não estando disponíveis ao Município, pessoa jurí-dica de direito público interno, mas estão disponíveis aos servidores, credores particulares.

O Prefeito requerido-apelado buscou reduzir gastos exigidos pelo Banco do Brasil, que cobrava cerca de ‘R$ 17.000,00’ (ou R$ 15.610,00) anuais para proceder ao pagamento dos servidores municipais, como comprovam os documentos de fls. 30/32, sendo que, consoante as in-formações prestadas pelo Secretário da Fazenda Municipal, à fl. 32, ‘no período de outubro a dezembro de 2000 as tarifas bancárias pelo Banco do Brasil pelo pagamento da folha é de R$ 3.902,50’, o que eqüivale a R$ 15.610,00 em 12 (doze) meses.

Portanto, o pagamento da folha de pagamento através da Agência local do Unibanco S/A resultava em economia ao erário, o que desautoriza a procedência de ação civil pública, cujos pressupostos são a ilegalidade e a lesividade ao erário público. (...)’ (fls. 326-327)

O RE não tem condições, pois, de prosperar. É o que entende, também, o Ministério Público Federal, no parecer lavrado pelo ilustre Subprocu-rador-Geral, Dr. Paulo da Rocha Campos. Dele, destaco:

‘(...) 6. Direito não assiste ao recorrente.7. É que disponibilidade de caixa não se confunde com depósito ban-

cário de salário, vencimento ou remuneração de servidor público, sendo certo que, enquanto a disponibilidade de caixa se traduz nos valores pecuniários de propriedade do ente da federação, os aludidos depósitos constituem autênticos pagamentos de despesas, conforme previsto no artigo 13 da Lei 4.320/64.

8. Como se observa, as disponibilidades de caixa é que se encontram disciplinadas pelo artigo 164, § 3º, da Constituição Federal, que nada dispõe sobre a natureza jurídica, se pública ou não, da instituição finan-ceira em que as despesas estatais, dentre elas a de custeio com pessoal, deverão ser realizadas.

9. Destarte, nada obsta que o Estado desloque de sua disponibilidade de caixa, depositada em instituição oficial, ‘ressalvados os casos pre-vistos em lei’, valores para instituição financeira privada com o fim de satisfazer despesas com seu pessoal, como ocorrido no caso dos autos, desmerecendo reforma, portanto, o acórdão impugnado, vez que proferido na mesma linha desse entendimento.

Page 152: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006152

10. Em face do exposto, o parecer é pelo desprovimento do presente recurso.

(...).’ (fls. 429-430)O RE, está-se a ver, é inviável, motivo por que lhe nego seguimento.Publique-se.Brasília, 3 de outubro de 2005.Ministro Carlos Velloso, Relator.”4. Agravo Regimental da CEF não conhecido e improvimento dos

embargos de declaração do Estado do Paraná.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer do agravo regimental e negar provimento aos embargos de declaração, nos termos do relatório, voto e notas taqui-gráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 6 de março de 2006.Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Trata-se de embargos de declaração interpostos pelo Estado do Paraná contra o despacho de fls. 224/226v, em que, postulando expressamente efeitos infringentes, alega, em síntese, o seguinte: a) a ilegitimidade passiva da CEF para figurar no feito e, via de conseqüência, a incom-petência da Justiça Federal para o julgamento da ação; b) a supressão de instância pela decisão embargada, eis que o juízo de primeiro grau indeferiu a inicial em relação à CEF e determinou a remessa dos autos à Justiça Estadual, não tendo apreciado a medida liminar. Assim, a decisão que recebeu o recurso de agravo de instrumento deveria ter determinado ao juízo a quo que se manifestasse sobre o pleito liminar.

A decisão embargada, a fls. 224/226v, é do seguinte teor, verbis:“Vistos, etc.Trata-se de agravo de instrumento onde os requerentes, a fls. 27/8, postulam, verbis:‘Por todo o exposto, requer-se seja concedido efeito suspensivo ao presente recurso,

para o fim de sustar a decisão que determinou a remessa dos autos de origem à Justiça

Page 153: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 153

Estadual – pois, como se viu, a Caixa Econômica deve, necessariamente, integrar o pólo passivo da Medida Cautelar sub judice.

Requer-se, também diante da presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, seja concedido efeito ativo ao presente recurso, para o fim de se determinar, inaudita altera pars, (i) a apresentação, pelos Agravados, dos atos e documentos relacionados com a suposta transferência para os segundo e terceiro requeridos das contas e investi-mentos do Estado do Paraná, bem assim das áreas em que instalados os correspondentes postos de atendimento, e (ii) a suspensão da dita transferência, impedindo os Agravados de praticarem quaisquer atos que a ela digam respeito, até que os Agravantes tenham acesso aos documentos pertinentes e possam tomar as providências que lhes pareçam adequadas.

Por fim, espera-se que o presente Agravo de Instrumento seja provido, em sua integralidade, reconhecendo-se a legitimidade da Caixa Econômica para integrar o feito de origem (e, conseqüentemente, a competência da Justiça Federal), bem como confirmando-se a liminar concedida em favor dos Agravantes.’

É o relatório.Decido.A fls. 23/7, anotam, com inteiro acerto, os ilustres procuradores dos agravantes, verbis:‘Há aqui quatro elementos que merecem ser destacados e que evidenciam o fumus

das alegações dos Agravantes:Em primeiro lugar, e como descrito acima, em 2002, o Estado do Paraná e Banco

Itaú decidiram prorrogar o contrato existente entre as partes por mais cinco anos, conforme facultado pelo edital de privatização do Banestado e nos limites estabe-lecidos pela MP 2.192-70/01, tendo o requerente pago R$ 80.000.000,00 (oitenta milhões de reais) por essa prorrogação, valores esses que, hoje, correspondem a cerca de R$ 200 milhões.

A prorrogação, vale lembrar, era uma faculdade das partes, consignada na lei, no edital e no próprio contrato. Essa possibilidade já estava prevista à época da privatiza-ção, integrando a equação econômico-financeira do negócio e tendo sido um fator de valorização do objeto licitado. Ademais, a própria lei de licitações admite esse tipo de prorrogação, por esse mesmo prazo, reconhecendo que a medida pode ser vantajosa para a Administração.

Naturalmente, a opção do Poder Público pela prorrogação estava atrelada a um juízo – essencialmente discricionário – sobre a presença de interesse público na medida. O critério posto pela lei era o oferecimento de uma vantagem ao Estado pelo contratante privado, o que de fato ocorreu.

Em segundo lugar, o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito do Banco Itaú aqui discutido ao deferir a medida liminar requerida na ADIn nº 3.075-DF. A ADIn foi movida pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro em face da Lei Estadual nº 14.235/2003, por meio da qual o Estado do Paraná pretendia revogar o contrato de exclusividade mantido com o Banco Itaú.

Nesse julgamento, o Plenário do Eg. STF acolheu o requerimento cautelar de sus-

Page 154: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006154

pensão da Lei Estadual nº 14.235/2003, reconhecendo expressamente que se impunha a manutenção da relação contratual até o julgamento final da ação direta em questão, por razões de segurança jurídica.

Confira-se trecho do voto do relator, Min. Gilmar Mendes: ‘De qualquer sorte, quanto às alegações de violação aos princípios de proteção ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e do devido processo legal, penso, ao menos em um juízo cautelar, que a revogação contratual exigida pelo ato impugnado afigura-se ofensiva ao princípio da segurança jurídica. Meu voto, portanto, é no sentido de se deferir a liminar para que seja suspensa a vigência e a eficácia do ato impugnado’.

Note-se que, quando essa decisão foi proferida, já havia ocorrido a prorrogação do ajuste, sequer se podendo alegar a ocorrência de fato novo capaz de alterar a realidade fática. Dessa forma, a efetivação da transferência do objeto do contrato firmado pelo re-querente para os segundo e terceiro requeridos não só viola o direito do requerente, como desrespeita o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a validade e legitimidade do contrato firmado entre o Estado do Paraná e o Banestado.

Em terceiro lugar, a despeito de suspender a eficácia dos arts. da MP nº 2.192-70/2001, o Supremo Tribunal Federal expressamente registrou que tal decisão era dotada de eficácia ex nunc, em razão da necessidade de preservar os diversos contratos similares já realizados, pelo menos até o julgamento final da ação direta. O Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, embora concedendo a liminar solicitada, expressamente consignou que, em relação às privatizações já concluídas, a manutenção dos ajustes sobre tais ativos integra a equação econômico-financeira dos contratos como elemento essencial, não podendo ser desfeita sem comprometer a base de validade de todo o negócio.

Confira-se trecho do seu voto: ‘É incontroverso que o manejo das contas públicas do Estado – não importa se explicitado ou não – é fator quiçá determinante na atração dos licitantes do controle societário da instituição, com peso significativo na formação do ágio acaso obtido sobre o preço mínimo.

Desse modo, efetivado o leilão, a eventual concessão da medida cautelar suspensiva da transferência ao adquirente do respectivo contrato de prestação de serviços afetaria as bases do negócio e eventualmente a sua validade. (...)’

Em quarto e último lugar, o Banco Itaú pagou ao Estado do Paraná a quantia de R$ 80.000.000,00 (oitenta milhões de reais) para que o contrato entre eles firmado vigesse no seguinte período: de 27.10.2005 até 31.12.2010. A suposta transferência do objeto contratual aos 2° e 3° requeridos causará prejuízo de três ordens diferentes ao ora Agravante: (i) priva-o da gestão dos ativos que contratou; (ii) interrompe a exploração empresarial legítima das unidades bancárias instaladas em órgãos e entes públicos estaduais e (iii) não prevê – ao menos até onde o requerente sabe – sequer a devolução atualizada do valor pago por tais ativos!

5.B) PERICULUM IN MORADe acordo com as notícias veiculadas na imprensa e as declarações do próprio Go-

Page 155: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 155

vernador do Estado, as providências para a mencionada transferência já estão ocorrendo, de maneira que, ou essas providências são desde logo suspensas e os Agravantes têm acesso aos documentos respectivos para, com base neles, intentar ação com o fim de inibir a contratação (ou desfazê-la), ou a tutela jurisdicional específica a ser pleiteada pelos Agravantes poderá vir a ser inviabilizada ou extremamente dificultada em virtude do envolvimento de terceiros (os correntistas/servidores que já estão sendo constran-gidos a abrirem contas nas Instituições Públicas).

Além disso, o levantamento das disponibilidades de caixa estadual, a transferência dos serviços prestados e a restituição das unidades bancárias, por si só, e como é evi-dente, acarretariam prejuízos graves e de difícil quantificação e reparação ao Banestado e a seus acionistas, mesmo que posteriormente fossem revertidas.

Ademais, o desrespeito da autoridade pública pelo contrato regularmente firmado com o Banestado teria efeito desastroso sobre o sistema financeiro, tendo em conta a existência de contratos semelhantes, há vários anos, firmados entre outros entes da Federação e instituições financeiras no contexto da privatização do setor. A rigor, outros Chefes do Executivo poderiam se sentir tentados a igualmente desrespeitar os ajustes ou ameaçar os contratantes com a ‘revogação’ do contrato, em troca de vantagens adicionais não pactuadas. Os danos ao equilíbrio do sistema financeiro seriam evidentes.

Dessa forma, a apresentação dos documentos e atos relacionados com a transfe-rência dos serviços bancários aqui referidos para o segundo e terceiro Agravados é essencial para que os Agravantes possam proteger os seus interesses. E a suspensão de dita transferência, até que os Agravantes tenham acesso aos documentos pertinentes e possam tomar as medidas consideradas cabíveis, é a única forma de evitar um prejuízo irreversível.

De outro lado, ressalte-se que a concessão da liminar, como aqui pleiteada, nenhum prejuízo acarretará ao Estado e, especialmente, à população, pois a prestação dos ser-viços será mantida tal como, por meio do contrato e do aditamento respectivamente firmados em 26.10.2000 e 17.06.2002, vem sendo realizada pelos Agravantes.’

Com efeito, em face do disposto no art. 5º, XXXVI, da CF/88, é indubitável que o contrato válido entre as partes constitui ato jurídico perfeito, protegido pelo texto constitucional, dele irradiando, para uma ou para ambas as partes, direitos adquiridos, não podendo ser alcançado por lei superveniente à data da celebração do contrato, mesmo quanto aos efeitos futuros decorrentes do ajuste negocial.

Nesse sentido, é de referir-se o ensinamento clássico de Julien Bonnecase, ao atualizar a obra de Baudry-Lacantinerie, verbis: ‘Les droits dérivant d’une convention expresse ou légalement présumée constituent, dans le sens de notre matière, des droits acquis à l’abri de l’atteinte de toute loi nouvelle, alors même qu’ils ont pour objet de paiements à faire à des époques successives, qui ne viendraient à échéance que posté-rieurement à la promulgation de cette loi.’ (Baudry-Lacantinerie, in Traité Théorique et Pratique de Droit Civil - Supplément par Julien Bonnecase, Paris, Librairie Recueil

Page 156: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006156

Sirey, 1925, t. 2, p. 123)Nesse sentido, também, é a jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos

ao julgar o 263 U.S. 125, verbis: ‘The integrity of contracts – matter of high public concern – is guaranteed against

action like that here disclosed by section 10, art. 1, of the federal Constitution, ‘No state shall... pass any... law impairing the obligation of contracts.’ It was beyond the competency of the Legislature to substitute an ‘indeterminate permit’ of rights acquired under a very clear contract.’ (In: The Supreme Court Reporter - November, 1923 - July, 1924, St. Paul, West Publishing Co., 1924, v. 44, p. 86)

Os fatos noticiados na peça recursal, que se encontra instruída de documentos, demonstram o preenchimento dos pressupostos que autorizam a concessão do efeito suspensivo.

No caso em exame, pertinente o magistério de ANTONINO CONIGLIO, verbis:‘La tutela cautelare è concessa per far sì che la reintegrazione del diritto ottenuta

per via giurisdizionale giunga efficace e tempestiva, in modo da cogliere la situazione di fatto quale appare al momento di proposizione della domanda e provvedere re adhuc integra, per ovviare ai pericoli connessi al tempo occorrente per lo svolgimento delle attività indispensabili per arrivare all’accertamento e quindi all’attuazione coattiva. C’è nei provvedimenti cautelari, continua il Calamandrei, più che lo scopo di attuare il diritto, lo scopo immediato di assicurare l’efficacia pratica del provvedimento defi-nitivo che servirà a sua volta ad attuare il diritto. La tutela cautelare è, nei confronti del diritto sostanziale, una tutela mediata: più che a far giustizia serve a garantire l’efficace funzionamento della giustizia. Se tutti i provvedimenti giurisdizionali sono uno strumento del diritto sostanziale che attraverso essi si attua, nei provvedimenti cautelari si riscontra una strumentalità qualificata. ..., sono cioè in relazione alla finalità ultima della funzione giurisdizionale, strumenti dello strumento.’ (In: Il Sequestro Giudiziario e Conservativo, 3. ed., Milano, Dott. A. Giuffrè - Editore, 1949, p. 15/16, n. 12)

Por esses motivos, defiro o efeito suspensivo postulado a fls. 27/8, mantendo-se a CEF no feito e, via de conseqüência, a competência da Justiça Federal, a apresentação pelos agravados dos mencionados documentos e a suspensão da transferência noticiada no presente recurso até o julgamento do agravo de instrumento.

Intimem-se os agravados para a resposta.Oficie-se ao juiz a quo comunicando-o desta decisão.Após, dê-se vista ao MPF.Intime-se. Oficie-se. Dil. legais.”

A CEF, por sua vez, apresentou agravo regimental sustentando: a) a ilegitimidade passiva da CEF; b) a existência de coisa julgada, já que os agravantes ajuizaram mandado de segurança perante o Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, versando matéria idêntica a dos autos; c) a supressão de instância pela decisão impugnada.

Page 157: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 157

A fls. peticionam os agravantes, juntando documentos, noticiando o descumprimento da liminar pelo Estado do Paraná e requerendo providências.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Preliminarmente, não conheço do agravo regimental interposto pela CEF, pois com a entrada em vigor da Lei nº 11.187/05, não cabe recurso da decisão do relator que decide acerca da antecipação dos efeitos da tutela recursal ou a concessão de efeito suspensivo ao recurso.

Nesse sentido, a lição de Teresa Arruda Alvim Wambier em sua consagrada obra, Os Agravos no CPC Brasileiro, 4. ed., Revista dos Tribunais, p. 656/7, verbis:

“Com a finalidade de reduzir a quantidade excessiva de agravos de instrumento em trâmite nos tribunais, foi recentemente sancionada lei que, em síntese assim alterou a sistemática dos agravos (Lei 11.187/2005): a) torna, de modo expresso e explícito, regra o agravo retido, reservando o agravo de instrumento apenas para as decisões suscetíveis de causar à parte lesão grave e de difícil reparação; b) elimina o agravo interno contra as decisões do relator que determinem a conversão do agravo de instrumento em agravo retido e que decidam sobre a antecipação dos efeitos da tutela recursal ou a concessão de efeito suspensivo ao agravo. Afirma-se, na exposição de motivos, que ‘é interessante evitar a superposição, a reiteração de recursos, que ao fim e ao cabo importa maior retardamento processual, em prejuízo do litigante a quem assiste a razão’.

Pensamos que, a rigor, a alteração mais relevante é a que elimina os recursos contra as decisões do relator, nas hipóteses referidas, pois entendemos que, já pelo modelo anterior à referida Reforma, o agravo deveria ficar retido nos autos, salvo se se de-monstrasse risco de dano irreparável e de difícil reparação.”

Passo, a seguir, ao exame das questões suscitadas nos embargos de declaração interpostos pelo Estado do Paraná.

Ao deferir o efeito suspensivo, a fls. 224/226v, anotei, verbis:“Com efeito, em face do disposto no art. 5º, XXXVI, da CF/88, é indubitável que

o contrato válido entre as partes constitui ato jurídico perfeito, protegido pelo texto constitucional, dele irradiando, para uma ou para ambas as partes, direitos adquiridos, não podendo ser alcançado por lei superveniente à data da celebração do contrato, mesmo quanto aos efeitos futuros decorrentes do ajuste negocial.

Page 158: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006158

Nesse sentido, é de referir-se o ensinamento clássico de Julien Bonnecase, ao atu-alizar a obra de Baudry-Lacantinerie, verbis: ‘Les droits dérivant d’une convention expresse ou légalement présumée constituent, dans le sens de notre matière, des droits acquis à l’abri de l’atteinte de toute loi nouvelle, alors même qu’ils ont pour objet de paiements à faire à des époques successives, qui ne viendraient à échéance que posté-rieurement à la promulgation de cette loi.’ (Baudry-Lacantinerie, in Traité Théorique et Pratique de Droit Civil - Supplément par Julien Bonnecase, Paris, Librairie Recueil Sirey, 1925, t. 2, p. 123)

Nesse sentido, também, é a jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos ao julgar o 263 U.S. 125, verbis:

‘The integrity of contracts – matter of high public concern – is guaranteed against action like that here disclosed by section 10, art. 1, of the federal Constitution, ‘No state shall... pass any... law impairing the obligation of contracts.’ It was beyond the competency of the Legislature to substitute an ‘indeterminate permit’ of rights acquired under a very clear contract.’ (In: The Supreme Court Reporter - November, 1923 - July, 1924, St. Paul, West Publishing Co., 1924, v. 44, p. 86)”

No que concerne à falta de interesse processual, leciona o notável processualista italiano Liebman:

“L’interesse ad agire sorge dalla necessità di ottenere dal processo la protezione dell’interesse sostanziale; pressuppone perciò l’affeermazzione della lecione di questo interesse e idonietà del provvedimento domandato a proteggerllo e soddisfarlo. Sarebbe infantti inutile prendere in esame la domanda per concedere (o negare) il provvedimento chiestro, nel caso che nella situazione di fatto che viene prospettata non si rivenga affermata una lesione del diritto od interesse qui si vanta verso la contraparte, o se gli effeti giuridici che se attendono dal provvedimento siano comunque già acquisit, o se il provvedimento sia per se stresso inadeguato o inidoneo a rimuovere la lesione, od infine se il provvedimento domandato non può essere pronunciato, perchè non ammesso dalla legge.” (LIEBMAN, Manuale de Diritto Processuale Civile, 4. ed. Giuffrè, 1980, V, I, p. 134)

O vigente Estatuto Processual Civil brasileiro, como é sabido, inspi-rou-se nos Mestres italianos, sendo o seu autor, o eminente Min. Alfredo Buzaid, discípulo direto daquele jurista cuja citação referi. Dessa forma, o CPC, no que respeita à doutrina da ação, optou pelo magistério de Lie-bman; aceitou-a como direito abstrato, porém condicionado, entregando ao Juiz o dever de zelar pela regularidade da pretensão ao exercício da jurisdição. (arts. 267, § 3º, e 598 do CPC)

Consoante reconheceu o Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ACO 268 (AgRg), verbis:

Page 159: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 159

“O CPC adotou o princípio de que a verificação dos pressupostos processuais e das condições da ação fosse feita desde o despacho que aprecia a petição inicial e em qualquer momento posterior do processo civil, até o julgamento definitivo da lide, que exaure o ofício jurisdicional (CPC, art. 267, § 3º).” (In: RTJ 101/901)

Nesse julgamento, em brilhante voto proferido, o relator, o ínclito Min. Alfredo Buzaid, indiscutivelmente o maior dos processualistas brasileiros, assinalou, verbis:

“Adotou o CPC, pois, o princípio de que a verificação dos pressupostos processuais e das condições da ação fosse feita desde o despacho que aprecia a petição inicial e em qualquer momento posterior do processo civil, evitando-se assim, o seu diferimento para a ocasião do proferir a sentença definitiva, quando já todas as provas tenham sido produzidas, porque a falta de qualquer deles, longe de permitir a composição do conflito de interesses, dará lugar à terminação do processo sem resolução da lide. Haveria apenas uma abolitio ad instantia. Tais questões, por sua natureza, são prévias e se contrapõem à questão principal, que é a do mérito. A necessidade de dirimir as questões prévias antes do julgamento da lide foi, portanto, preocupação do legislador brasileiro.” (In: RTJ 101/906)

In casu, é manifesto o interesse processual da CEF e, conseqüente-mente, a competência da Justiça Federal.

Realmente, a fls. 15/9, assinalam os agravantes, verbis:“Inicialmente, há que se considerar que, ao contrário do afirmado na r. Decisão

agravada, os Agravantes apresentaram, com a inicial, expressiva prova acerca da trans-ferência das contas e investimentos do Governo do Estado para a Caixa Econômica Federal (e também para o Banco do Brasil).

Acompanharam a Medida Cautelar vários recortes de jornal comentando a dita transferência, dentre os quais destaca-se:

‘CONTA DO PARANÁ SERÁ TRANSFERIDA PARA BB E CAIXA.O governo do Paraná planeja transferir a conta-investimento do Estado para o

Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Depois de ter assinado, em setembro, decreto que anula a prorrogação da exclusividade de movimentação com o Banco Itaú, o governador Roberto Requião (PMDB) chegou a falar em licitação para escolher uma nova instituição financeira. Mas o procurador-geral do Estado, Sérgio Botto de Lacerda, informou na sexta-feira que os recursos estaduais deverão ir para dois bancos federais.

‘Já há pessoas no Banco do Brasil e da Caixa trabalhando nisso na Secretaria da Fazenda’, contou Lacerda.’ (Valor Econômico, 07.11.2005)

E ainda:‘CONTAS DO PARANÁ VÃO PARA BB E CAIXAO governador Roberto Requião (PMDB) determinou ontem ao Secretário da Fazen-

da, Heron Arzua, a transferência de todas as contas da administração pública estadual

Page 160: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006160

para o Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. (...)(...) Já a Caixa Econômica Federal irá cuidar das aplicações do governo estadual

que giram em torno de R$ 700 milhões por mês, dependendo do período.’ (O Estado do Paraná, 08.11.05)

Da mesma forma, foram trazidas aos autos várias declarações do próprio Governo do Estado do Paraná, admitindo a transferência das contas e investimentos estatais para a Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Confira-se:

‘A partir deste mês, as contas da administração estadual estão sendo transferidas para o Banco do Brasil e para a Caixa Econômica Federal. Por enquanto, o Banco do Brasil vai administrar os cerca de R$ 220 milhões mensais, referentes ao pagamento de pessoal de secretarias e órgãos públicos que têm a folha sob gestão da Secretaria da Administração. A Caixa Econômica Federal vai cuidar das aplicações do Governo Estadual, que giram em torno de R$ 700 milhões por mês, dependendo do período.

A exclusividade das contas estaduais estava com o Banco Itaú desde que a insti-tuição comprou o Banestado, em 2000. Em setembro deste ano, o governador anulou o termo aditivo do contrato que prorrogava a exclusividade do Banco Itaú sobre a conta-movimento do Governo até 2010.’ (Agência Estadual de Notícias - Governo do Paraná, 08.11.2005)

‘CONTAS DAS UNIVERSIDADES ESTADUAIS DO PARANÁ PASSAM PARA A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.

O titular da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), Aldair Rizzi, reitores das cinco universidades estaduais do Paraná e representantes da Caixa Econômica Federal assinaram hoje (13) convênios que transferem o pagamento dos vencimentos dos servidores para o banco estatal. As instituições de ensino superior também vão receber repasses que poderão ser investidos de acordo com as necessidades de cada uma delas. Os acordos foram firmados durante a reunião semanal da Escola de Governo.’ (Agência Estadual de Notícias - Governo do Paraná, 13.12.2005)

Nesta oportunidade, os Agravantes trazem aos autos nova declaração, prestada recentemente pelo Estado do Paraná, dando como certa a transferência, para a Caixa Econômica Federal, do pagamento dos aposentados do Estado. Na mencionada decla-ração, extraída da agência estadual de notícias, lê-se:

‘PAGAMENTO DE APOSENTADOS DO ESTADO VAI PARA A CAIXA ECONÔ-MICA FEDERAL

O pagamento das 90 mil aposentadorias e pensões de servidores do Estado do Pa-raná passará para a Caixa Econômica Federal (CEF) a partir de março. Convênio nesse sentido foi assinado, nesta terça-feira (10/01), pelo presidente do ParanáPrevidência, José Maria Correia, e pelo vice-presidente da Caixa, Bolívar Tarragô Moura Neto. Até fevereiro, os depósitos continuarão a ser feitos no Banco Itaú.’ (Agência Estadual de Notícias - Governo do Paraná, 11.01.2006)

Notícia deste mesmo teor foi veiculada na Gazeta do Povo, de 11.01.2006. A pri-meira página do jornal exibe a manchete: ‘Aposentado do Estado também receberá

Page 161: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 161

pela Caixa Econômica’. A reportagem consta em anexo.Mas não é só. O Banco Itaú (atual controlador do Banestado) já recebeu ofícios

da Universidade Estadual de Ponta Grossa, do Instituto de Saúde do Paraná e do Hos-pital Universitário do Oeste do Paraná, para desocupar os espaços de seus postos de atendimento naqueles órgãos, tendo em vista determinação do Governo do Estado.

No ofício encaminhado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, está expresso: (espaço 0,5 antes) ‘Ocorreu que o Decreto Estadual nº 5434/2005 declarou a nulidade

do aditamento ao Contrato maior celebrado entre o Estado do Paraná e o Banestado (adquirido pelo Banco Itaú), tornando-se a UEPG impedida de manter sua movimen-tação financeira junto ao Banco Itaú.

Sendo assim a Universidade deverá manter suas relações econômicas com a Caixa Econômica Federal, a partir de janeiro de 2006.’

Não se pode, portanto, concordar com o r. entendimento manifestado pelo MM. Juiz a quo, no sentido de que as provas reunidas pelos Agravantes, no que tange ao envolvimento da Caixa Econômica, seriam ‘tênues’.

Também, com base nesses documentos, não é razoável afirmar-se (como se fez na r. Decisão agravada) que ‘a Caixa Econômica será apenas virtual e eventual benefici-ária num futuro indeterminado de um ato que nem sequer se logrou provar que existe.’

Igualmente, não há como se concordar com entendimento expresso da r. Decisão agravada, no sentido de que caberia aos Autores trazer aos autos ‘ato administrativo, ou súmula de contrato – que devem ser publicados em Diário Oficial do Estado’, para respaldar a sua tese de que estaria havendo transferência das contas e investimentos do Estado para a Caixa Econômica Federal.

Nesse ponto, deve-se destacar que é justamente porque se desconhece (na medida em que o Governo do Estado se recusa a fornecê-la ou fazê-la publicar, como impõe a lei) qualquer ato administrativo e/ou súmula de contrato ou convênio que tenha sido firmado, que se está propondo esta Ação Cautelar.”

E, à fl. 19, acrescentam, verbis:“Conforme já se esclareceu, a Medida Cautelar inominada proposta pelos ora

Agravantes tem por objetivo (I) a exibição dos documentos relacionados com as ne-gociações travadas entre o Governo do Paraná e os Bancos Federais (Banco do Brasil e Caixa Econômica) para a transferência das contas e investimentos do Estado, bem como (II) suspender tais negociações ou pactos, até que os ora Agravantes possam deles tomar conhecimento.

Ou seja: as providências pleiteadas por meio da Medida Cautelar envolvem dire-tamente a Caixa Econômica (pois se pretende que ela apresente em juízo documentos a respeito das negociações realizadas com o Estado do Paraná), bem como interferem diretamente em sua conduta, vez que, por força da liminar, pretende-se seja determinada a suspensão das negociações que vêm sendo entabuladas, e das providências que já estão sendo adotadas para fins da transferência dos valores.

Page 162: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006162

Estando a Caixa Econômica Federal diretamente sujeita às providências que se pretende sejam determinadas na Medida Cautelar, deve ela necessariamente integrar seu pólo passivo.”

Ora, se as providências pleiteadas na Medida Cautelar envolvem diretamente a CEF, visando a que ela apresente em juízo os documen-tos acerca das tratativas com o Estado do Paraná e, por isso mesmo, atuando diretamente em sua conduta, já que por força de liminar restou determinada a suspensão das negociações entabuladas e providências então adotadas para a transferência de valores, é mais do que evidente a legitimidade passiva da CEF no feito, pelo menos até o julgamento da Medida Cautelar.

Ademais, anuncia-se com o ajuizamento da presente Medida Cau-telar a propositura de ação principal, visando a resguardar os direitos dos agravantes.

Por conseguinte, se as partes envolvidas tanto na ação preparatória quanto na ação principal devem ser as mesmas, sob pena de violação dos princípios processuais pertinentes, é a CEF parte legítima no feito e competente a Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF/88.

Por outro lado, não há que se falar em coisa julgada, eis que o manda-mus impetrado pelos agravantes no Tribunal de Justiça insurge-se contra o Decreto Estadual, sendo, todavia, diversas as partes, bem como o objeto da presente Medida Cautelar, agora tendo a CEF como ré.

Da mesma forma, não se configura a alegada supressão de instância, uma vez que a liminar deferida reconheceu a presença dos requisitos necessários ao seu deferimento, notadamente o periculum in mora, con-soante consta de sua fundamentação, a fls. 224v/226, verbis:

“A fls. 23/7, anotam, com inteiro acerto, os ilustres procuradores dos agravantes, verbis:‘Há aqui quatro elementos que merecem ser destacados e que evidenciam o fumus

das alegações dos Agravantes:Em primeiro lugar, e como descrito acima, em 2002, o Estado do Paraná e Banco

Itaú decidiram prorrogar o contrato existente entre as partes por mais cinco anos, conforme facultado pelo edital de privatização do Banestado e nos limites estabe-lecidos pela MP 2.192-70/01, tendo o requerente pago R$ 80.000.000,00 (oitenta milhões de reais) por essa prorrogação, valores esses que, hoje, correspondem a cerca de R$ 200 milhões.

A prorrogação, vale lembrar, era uma faculdade das partes, consignada na lei, no edital e no próprio contrato. Essa possibilidade já estava prevista à época da privatiza-

Page 163: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 163

ção, integrando a equação econômico-financeira do negócio e tendo sido um fator de valorização do objeto licitado. Ademais, a própria lei de licitações admite esse tipo de prorrogação, por esse mesmo prazo, reconhecendo que a medida pode ser vantajosa para a Administração.

Naturalmente, a opção do Poder Público pela prorrogação estava atrelada a um juízo – essencialmente discricionário – sobre a presença de interesse público na medida. O critério posto pela lei era o oferecimento de uma vantagem ao Estado pelo contratante privado, o que de fato ocorreu.

Em segundo lugar, o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito do Banco Itaú aqui discutido ao deferir a medida liminar requerida na ADIn nº 3.075-DF. A ADIn foi movida pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro em face da Lei Estadual nº 14.235/2003, por meio da qual o Estado do Paraná pretendia revogar o contrato de exclusividade mantido com o Banco Itaú.

Nesse julgamento, o Plenário do Eg. STF acolheu o requerimento cautelar de sus-pensão da Lei Estadual nº 14.235/2003, reconhecendo expressamente que se impunha a manutenção da relação contratual até o julgamento final da ação direta em questão, por razões de segurança jurídica.

Confira-se trecho do voto do relator, Min. Gilmar Mendes: ‘De qualquer sorte, quanto às alegações de violação aos princípios de proteção ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e do devido processo legal, penso, ao menos em um juízo cautelar, que a revogação contratual exigida pelo ato impugnado afigura-se ofensiva ao princípio da segurança jurídica. Meu voto, portanto, é no sentido de se deferir a liminar para que seja suspensa a vigência e a eficácia do ato impugnado’.

Note-se que, quando essa decisão foi proferida, já havia ocorrido a prorrogação do ajuste, sequer se podendo alegar a ocorrência de fato novo capaz de alterar a realidade fática. Dessa forma, a efetivação da transferência do objeto do contrato firmado pelo re-querente para os segundo e terceiro requeridos não só viola o direito do requerente, como desrespeita o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a validade e legitimidade do contrato firmado entre o Estado do Paraná e o Banestado.

Em terceiro lugar, a despeito de suspender a eficácia dos arts. da MP nº 2.192-70/2001, o Supremo Tribunal Federal expressamente registrou que tal decisão era dotada de eficácia ex nunc, em razão da necessidade de preservar os diversos contratos similares já realizados, pelo menos até o julgamento final da ação direta. O Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, embora concedendo a liminar solicitada, expressamente consignou que, em relação às privatizações já concluídas, a manutenção dos ajustes sobre tais ativos integra a equação econômico-financeira dos contratos como elemento essencial, não podendo ser desfeita sem comprometer a base de validade de todo o negócio.

Confira-se trecho do seu voto: ‘É incontroverso que o manejo das contas públicas do Estado – não importa se explicitado ou não – é fator quiçá determinante na atração dos licitantes do controle societário da instituição, com peso significativo na formação do ágio acaso obtido sobre o preço mínimo.

Page 164: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006164

Desse modo, efetivado o leilão, a eventual concessão da medida cautelar suspensiva da transferência ao adquirente do respectivo contrato de prestação de serviços afetaria as bases do negócio e eventualmente a sua validade. (...)’

Em quarto e último lugar, o Banco Itaú pagou ao Estado do Paraná a quantia de R$ 80.000.000,00 (oitenta milhões de reais) para que o contrato entre eles firmado vigesse no seguinte período: de 27.10.2005 até 31.12.2010. A suposta transferência do objeto contratual aos 2° e 3° requeridos causará prejuízo de três ordens diferentes ao ora Agravante: (i) priva-o da gestão dos ativos que contratou; (ii) interrompe a exploração empresarial legítima das unidades bancárias instaladas em órgãos e entes públicos estaduais e (iii) não prevê – ao menos até onde o requerente sabe – sequer a devolução atualizada do valor pago por tais ativos!

5.B) PERICULUM IN MORADe acordo com as notícias veiculadas na imprensa e as declarações do próprio Go-

vernador do Estado, as providências para a mencionada transferência já estão ocorrendo, de maneira que, ou essas providências são desde logo suspensas e os Agravantes têm acesso aos documentos respectivos para, com base neles, intentar ação com o fim de inibir a contratação (ou desfazê-la), ou a tutela jurisdicional específica a ser pleiteada pelos Agravantes poderá vir a ser inviabilizada ou extremamente dificultada em virtude do envolvimento de terceiros (os correntistas/servidores que já estão sendo constran-gidos a abrirem contas nas Instituições Públicas).

Além disso, o levantamento das disponibilidades de caixa estadual, a transferência dos serviços prestados e a restituição das unidades bancárias, por si só, e como é evi-dente, acarretariam prejuízos graves e de difícil quantificação e reparação ao Banestado e a seus acionistas, mesmo que posteriormente fossem revertidas.

Ademais, o desrespeito da autoridade pública pelo contrato regularmente firmado com o Banestado teria efeito desastroso sobre o sistema financeiro, tendo em conta a existência de contratos semelhantes, há vários anos, firmados entre outros entes da Federação e instituições financeiras no contexto da privatização do setor. A rigor, outros Chefes do Executivo poderiam se sentir tentados a igualmente desrespeitar os ajustes ou ameaçar os contratantes com a ‘revogação’ do contrato, em troca de vantagens adicionais não pactuadas. Os danos ao equilíbrio do sistema financeiro seriam evidentes.

Dessa forma, a apresentação dos documentos e atos relacionados com a transferência dos serviços bancários aqui referidos para o segundo e terceiro Agravados é essencial para que os Agravantes possam proteger os seus interesses. E a suspensão de dita transferência, até que os Agravantes tenham acesso aos documentos pertinentes e possam tomar as medidas consideradas cabíveis, é a única forma de evitar um prejuízo irreversível.

De outro lado, ressalte-se que a concessão da liminar, como aqui pleiteada, nenhum prejuízo acarretará ao Estado e, especialmente, à população, pois a prestação dos ser-viços será mantida tal como, por meio do contrato e do aditamento respectivamente firmados em 26.10.2000 e 17.06.2002, vem sendo realizada pelos Agravantes.’

Com efeito, em face do disposto no art. 5º, XXXVI, da CF/88, é indubitável que

Page 165: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 165

o contrato válido entre as partes constitui ato jurídico perfeito, protegido pelo texto constitucional, dele irradiando, para uma ou para ambas as partes, direitos adquiridos, não podendo ser alcançado por lei superveniente à data da celebração do contrato, mesmo quanto aos efeitos futuros decorrentes do ajuste negocial.

Nesse sentido, é de referir-se o ensinamento clássico de Julien Bonnecase, ao atualizar a obra de Baudry-Lacantinerie, verbis: ‘Les droits dérivant d’une convention expresse ou légalement présumée constituent, dans le sens de notre matière, des droits acquis à l’abri de l’atteinte de toute loi nouvelle, alors même qu’ils ont pour objet de paiements à faire à des époques successives, qui ne viendraient à échéance que posté-rieurement à la promulgation de cette loi.’ (Baudry-Lacantinerie, in Traité Théorique et Pratique de Droit Civil - Supplément par Julien Bonnecase, Paris, Librairie Recueil Sirey, 1925, t. 2, p. 123)

Nesse sentido, também, é a jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos ao julgar o 263 U.S. 125, verbis:

‘The integrity of contracts – matter of high public concern – is guaranteed against action like that here disclosed by section 10, art. 1, of the federal Constitution, “No state shall... pass any... law impairing the obligation of contracts.” It was beyond the competency of the Legislature to substitute an “indeterminate permit” of rights acquired under a very clear contract.’ (In: The Supreme Court Reporter - November, 1923 - July, 1924, West Publishing Co., St. Paul, 1924, v. 44, p. 86)

Os fatos noticiados na peça recursal, que se encontra instruída de documentos, demonstram o preenchimento dos pressupostos que autorizam a concessão do efeito suspensivo.

No caso em exame, pertinente o magistério de ANTONINO CONIGLIO, verbis:‘La tutela cautelare è concessa per far sì che la reintegrazione del diritto ottenuta

per via giurisdizionale giunga efficace e tempestiva, in modo da cogliere la situazione di fatto quale appare al momento di proposizione della domanda e provvedere re adhuc integra, per ovviare ai pericoli connessi al tempo occorrente per lo svolgimento delle attività indispensabili per arrivare all’accertamento e quindi all’attuazione coattiva. C’è nei provvedimenti cautelari, continua il Calamandrei, più che lo scopo di attuare il diritto, lo scopo immediato di assicurare l’efficacia pratica del provvedimento defi-nitivo che servirà a sua volta ad attuare il diritto. La tutela cautelare è, nei confronti del diritto sostanziale, una tutela mediata: più che a far giustizia serve a garantire l’efficace funzionamento della giustizia. Se tutti i provvedimenti giurisdizionali sono uno strumento del diritto sostanziale che attraverso essi si attua, nei provvedimenti cautelari si riscontra una strumentalità qualificata. ..., sono cioè in relazione alla finalità ultima della funzione giurisdizionale, strumenti dello strumento.’ (In: Il Sequestro Giudiziario e Conservativo, 3. ed., Milano, Dott. A. Giuffrè - Editore, 1949, p. 15/16, n. 12)

Por esses motivos, defiro o efeito suspensivo postulado a fls. 27/8, mantendo-se a CEF no feito e, via de conseqüência, a competência da Justiça Federal, a apresentação pelos agravados dos mencionados documentos e a suspensão da transferência noticiada

Page 166: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006166

no presente recurso até o julgamento do agravo de instrumento.”

A respeito, recordo, por oportuno, o ensinamento do eminente e saudoso Ministro Rodrigues Alckmin ao votar na Representação nº 933/RJ, verbis: “... acompanho o eminente Relator, entendendo que há um poder geral de acautelamento inerente ao próprio exercício da função jurisdicional: nenhum Juiz deve proferir uma sentença ou ser compelido a fazê-lo ciente de que esta não deva produzir seus efeitos ou, dificilmente, venha a produzi-los. Daí esse poder acautelador e geral, que é inerente ao próprio exercício da função, e um dos tipos fundamentais de tutela jurídica, como a execução, como o processo de conhecimento.” (In: RTJ 76/349)

Nesse sentido, ainda, o princípio insculpido no art. 515, § 3º, do CPC, afastando-se, por completo, a alegação de supressão de instância.

No que concerne ao mérito, inexiste, com a devida vênia, a omissão ou contradição a justificar a interposição de embargos de declaração.

Com efeito, para o correto deslinde do feito, impõe-se a rememoração dos fatos.

Consta do decisum embargado, a fls. 224v/225v, verbis:“Há aqui quatro elementos que merecem ser destacados e que evidenciam o fumus

das alegações dos Agravantes:Em primeiro lugar, e como descrito acima, em 2002, o Estado do Paraná e Banco Itaú

decidiram prorrogar o contrato existente entre as partes por mais cinco anos, conforme facultado pelo edital de privatização do Banestado e nos limites estabelecidos pela MP 2.192-70/01, tendo o requerente pago R$ 80.000.000,00 (oitenta milhões de reais) por essa prorrogação, valores esses que, hoje, correspondem a cerca de R$ 200 milhões.

A prorrogação, vale lembrar, era uma faculdade das partes, consignada na lei, no edital e no próprio contrato. Essa possibilidade já estava prevista à época da privatiza-ção, integrando a equação econômico-financeira do negócio e tendo sido um fator de valorização do objeto licitado. Ademais, a própria lei de licitações admite esse tipo de prorrogação, por esse mesmo prazo, reconhecendo que a medida pode ser vantajosa para a Administração.

Naturalmente, a opção do Poder Público pela prorrogação estava atrelada a um juízo – essencialmente discricionário – sobre a presença de interesse público na medida. O critério posto pela lei era o oferecimento de uma vantagem ao Estado pelo contratante privado, o que de fato ocorreu.

Em segundo lugar, o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito do Banco Itaú aqui discutido ao deferir a medida liminar requerida na ADIn nº 3.075-DF. A ADIn foi movida pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro em face da Lei Estadual nº 14.235/2003, por meio da qual o Estado do Paraná pretendia revogar o contrato de exclusividade mantido com o Banco Itaú.

Page 167: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 167

Nesse julgamento, o Plenário do Eg. STF acolheu o requerimento cautelar de sus-pensão da Lei Estadual nº 14.235/2003, reconhecendo expressamente que se impunha a manutenção da relação contratual até o julgamento final da ação direta em questão, por razões de segurança jurídica.

Confira-se trecho do voto do relator, Min. Gilmar Mendes: ‘De qualquer sorte, quanto às alegações de violação aos princípios de proteção ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e do devido processo legal, penso, ao menos em um juízo cautelar, que a revogação contratual exigida pelo ato impugnado afigura-se ofensiva ao princípio da segurança jurídica. Meu voto, portanto, é no sentido de se deferir a liminar para que seja suspensa a vigência e a eficácia do ato impugnado’.

Note-se que, quando essa decisão foi proferida, já havia ocorrido a prorrogação do ajuste, sequer se podendo alegar a ocorrência de fato novo capaz de alterar a realidade fática. Dessa forma, a efetivação da transferência do objeto do contrato firmado pelo re-querente para os segundo e terceiro requeridos não só viola o direito do requerente, como desrespeita o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a validade e legitimidade do contrato firmado entre o Estado do Paraná e o Banestado.

Em terceiro lugar, a despeito de suspender a eficácia dos arts. da MP nº 2.192-70/2001, o Supremo Tribunal Federal expressamente registrou que tal decisão era dotada de eficácia ex nunc, em razão da necessidade de preservar os diversos contratos similares já realizados, pelo menos até o julgamento final da ação direta. O Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, embora concedendo a liminar solicitada, expressamente consignou que, em relação às privatizações já concluídas, a manutenção dos ajustes sobre tais ativos integra a equação econômico-financeira dos contratos como elemento essencial, não podendo ser desfeita sem comprometer a base de validade de todo o negócio.

Confira-se trecho do seu voto: ‘É incontroverso que o manejo das contas públicas do Estado – não importa se explicitado ou não – é fator quiçá determinante na atração dos licitantes do controle societário da instituição, com peso significativo na formação do ágio acaso obtido sobre o preço mínimo.

Desse modo, efetivado o leilão, a eventual concessão da medida cautelar suspensiva da transferência ao adquirente do respectivo contrato de prestação de serviços afetaria as bases do negócio e eventualmente a sua validade. (...)’

Em quarto e último lugar, o Banco Itaú pagou ao Estado do Paraná a quantia de R$ 80.000.000,00 (oitenta milhões de reais) para que o contrato entre eles firmado vigesse no seguinte período: de 27.10.2005 até 31.12.2010. A suposta transferência do objeto contratual aos 2° e 3° requeridos causará prejuízo de três ordens diferentes ao ora Agravante: (i) priva-o da gestão dos ativos que contratou; (ii) interrompe a exploração empresarial legítima das unidades bancárias instaladas em órgãos e entes públicos estaduais e (iii) não prevê – ao menos até onde o requerente sabe – sequer a devolução atualizada do valor pago por tais ativos!

5.B) PERICULUM IN MORADe acordo com as notícias veiculadas na imprensa e as declarações do próprio Go-

Page 168: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006168

vernador do Estado, as providências para a mencionada transferência já estão ocorrendo, de maneira que, ou essas providências são desde logo suspensas e os Agravantes têm acesso aos documentos respectivos para, com base neles, intentar ação com o fim de inibir a contratação (ou desfazê-la), ou a tutela jurisdicional específica a ser pleiteada pelos Agravantes poderá vir a ser inviabilizada ou extremamente dificultada em virtude do envolvimento de terceiros (os correntistas/servidores que já estão sendo constran-gidos a abrirem contas nas Instituições Públicas).

Além disso, o levantamento das disponibilidades de caixa estadual, a transferência dos serviços prestados e a restituição das unidades bancárias, por si só, e como é evi-dente, acarretariam prejuízos graves e de difícil quantificação e reparação ao Banestado e a seus acionistas, mesmo que posteriormente fossem revertidas.

Ademais, o desrespeito da autoridade pública pelo contrato regularmente firmado com o Banestado teria efeito desastroso sobre o sistema financeiro, tendo em conta a existência de contratos semelhantes, há vários anos, firmados entre outros entes da Federação e instituições financeiras no contexto da privatização do setor. A rigor, outros Chefes do Executivo poderiam se sentir tentados a igualmente desrespeitar os ajustes ou ameaçar os contratantes com a ‘revogação’ do contrato, em troca de vantagens adicionais não pactuadas. Os danos ao equilíbrio do sistema financeiro seriam evidentes.

Dessa forma, a apresentação dos documentos e atos relacionados com a transferência dos serviços bancários aqui referidos para o segundo e terceiro Agravados é essencial para que os Agravantes possam proteger os seus interesses. E a suspensão de dita transferência, até que os Agravantes tenham acesso aos documentos pertinentes e possam tomar as medidas consideradas cabíveis, é a única forma de evitar um prejuízo irreversível.

De outro lado, ressalte-se que a concessão da liminar, como aqui pleiteada, nenhum prejuízo acarretará ao Estado e, especialmente, à população, pois a prestação dos ser-viços será mantida tal como, por meio do contrato e do aditamento respectivamente firmados em 26.10.2000 e 17.06.2002, vem sendo realizada pelos Agravantes.”

Com efeito, em face do disposto no art. 5º, XXXVI, da CF/88, é indubitável que o contrato válido entre as partes constitui ato jurídico perfeito, protegido pelo texto constitucional, dele irradiando, para uma ou para ambas as partes, direitos adquiridos, não podendo ser alcançado por lei superveniente à data da celebração do contrato, mesmo quanto aos efeitos futuros decorrentes do ajuste negocial.

Nesse sentido, é de referir-se o ensinamento clássico de Julien Bon-necase, ao atualizar a obra de Baudry-Lacantinerie, verbis:

“Les droits dérivant d’une convention expresse ou légalement présumée constituent, dans le sens de notre matière, des droits acquis à l’abri de l’atteinte de toute loi nou-velle, alors même qu’ils ont pour objet de paiements à faire à des époques successives, qui ne viendraient à échéance que postérieurement à la promulgation de cette loi.”

Page 169: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 169

(Baudry-Lacantinerie, in Traité Théorique et Pratique de Droit Civil - Supplément par Julien Bonnecase, Paris, Librairie Recueil Sirey, 1925, t. 2, p. 123)

Nesse sentido, também, é a jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos ao julgar o 263 U.S. 125, verbis:

“The integrity of contracts – matter of high public concern – is guaranteed against action like that here disclosed by section 10, art. 1, of the federal Constitution, ‘No state shall... pass any... law impairing the obligation of contracts.’ It was beyond the competency of the Legislature to substitute an ‘indeterminate permit’ of rights acquired under a very clear contract.” (In: The Supreme Court Reporter - November, 1923 - July, 1924, St. Paul, West Publishing Co., 1924, v. 44, p. 86)

Essa, também, é a lição clara e precisa do saudoso jurista Francisco Campos, em seu Direito Administrativo, Livr. Freitas Bastos, Rio, 1958, v. 2, p. 11, verbis:

“O que a Constituição assegura, portanto, ao determinar que o ato jurídico perfeito continuará a ser regido pela lei do tempo em que se consumou, é, precisamente, o efeito jurídico daquele ato, isto é, as transformações por ele operadas nas relações jurídicas que constituem o seu conteúdo, seja criando, seja modificando, transferindo ou extinguindo direito.

O que resulta do ato jurídico perfeito é, precisamente, a aquisição de um direito, ou a pretensão fundada a uma prestação, ou a modificação ou a extinção de direito anterior a determinada prestação.

O ato jurídico perfeito é subtraído ao império da lei posterior precisamente para que não seja prejudicado pela sua aplicação o direito que emergiu daquele ato e que por seu intermédio se tornou adquirido ou se incorporou ao patrimônio do indivíduo.”

Ademais, a Lei Estadual nº 14.235/03, que “revogou” as cláusulas do contrato, teve a sua eficácia suspensa pelo Eg. STF quando do julgamento da ADIn nº 3.075-DF.

Em seu voto, o ilustre Ministro Gilmar Mendes, verbis:“De qualquer sorte, quanto às alegações de violação aos princípios de proteção ao

ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e do devido processo legal, penso, ao menos em um juízo cautelar, que a revogação contratual exigida pelo ato impugnado afigura--se ofensiva ao princípio da segurança jurídica. Meu voto, portanto, é no sentido de se deferir a liminar para que seja suspensa a vigência e a eficácia do ato impugnado”.

Descumprindo tal decisão, o Chefe do Poder Executivo do Estado do Paraná edita o Decreto nº 5.434/05, que reproduz o comando do texto legal suspenso pelo Pretório Excelso, em clara violação ao princípio da Separação e Harmonia dos Poderes – art. 2º da CF/88 –, exorbitando o

Page 170: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006170

poder regulamentar que lhe confere a Lei Maior.Pertinente, in casu, relembrar as sábias palavras proferidas pelo Jus-

tice Louis Brandeis no julgamento do caso Myers v. United States pela Suprema Corte Americana, verbis:

“The doctrine of the separation of powers was adopted by convention of 1787 not to promote efficiency but to preclude the exercise of arbitrary power. The purpose was not to avoid friction, but, by means of the inevitable friction incident to the distribution of the governmental powers among three departments, to save the people from autocracy.” (In: The Supreme Court Reporter, St. Paul, West Publishing Co., 1928, v. 47, p. 85).

A propósito do poder regulamentar, é sempre atual o magistério de Pimenta Bueno, o mais autorizado intérprete da Carta Imperial de 1824, que o considera abusivo nos seguintes casos, verbis:

“1º) em criar direitos, ou obrigações novas, não estabelecidas pela lei, porquanto seria uma inovação exorbitante de suas atribuições, uma usurpação do poder legislati-vo, que só poderá ser tolerada por câmaras desmoralizadas. Se assim não fora poderia o governo criar impostos, penas, ou deveres, que a lei não estabeleceu, teríamos dois legisladores, e o sistema constitucional seria uma verdadeira ilusão;

2º) em ampliar, restringir ou modificar direitos ou obrigações, porquanto a fa-culdade lhe foi dada para que fizesse observar fielmente a lei, e não para introduzir mudança ou alteração alguma nela, para manter os direitos e obrigações como foram estabelecidos, e não para acrescentá-los ou diminuí-los, para obedecer ao legislador, e não para sobrepor-se a ele;

3º) em ordenar, ou proibir o que ela não ordena, ou não proíbe, porquanto dar-se-ia abuso igual ao que já notamos no antecedente número primeiro. E demais, o governo não tem autoridade alguma para suprir, por meio regulamentar, as lacunas da lei, e mormente do direito privado, pois que estas entidades não são simples detalhes, ou meios de execução. Se a matéria como princípio é objeto de lei, deve ser reservada ao legislador; se não é, então não há lacuna na lei, sim objeto de detalhe de execução;

4º) em facultar, ou proibir, diversamente do que a lei estabelece, porquanto deixaria esta de ser qual fora decretada, passaria a ser diferente, quando a obrigação do governo é de ser em tudo e por tudo fiel e submisso à lei;

5º) finalmente, em extinguir ou anular direitos ou obrigações, pois que um tal ato equivaleria à revogação da lei que os estabelecera ou reconhecera; seria um ato verda-deiramente atentatório.” (In: Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro, n. 326, p. 237, 1857)

E mais adiante, conclui o ilustre Mestre, verbis:“O governo não deve por título algum falsear a divisão dos poderes políticos, ex-

ceder suas próprias atribuições, ou usurpar o poder legislativo.

Page 171: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 171

Toda e qualquer irrupção fora destes limites é fatal, tanto às liberdades públicas, como ao próprio poder.” (In: Op. Cit., p. 237)

Realmente, o ordenamento jurídico brasileiro atribui ao regulamento unicamente o papel de regulamentar a lei, esclarecendo o seu comando normativo, porém, sempre, observando-a, estritamente, não podendo inovar, ampliar ou restringir direitos, sob pena de ilegalidade.

Nesse sentido, orienta-se a melhor doutrina, verbis:“748. - Le règlement de police, parce qu’il est un règlement, est hiérarchiquement

inférieur à la loi. Il ne peut aller, dans ses dispositions, à l’ encontre des prescriptions législatives, s’il en existe sur tel ou tel point perticulier.” (DUEZ, Paul; DEBEYRE, Guy. In: Traité de Droit Administratif, Paris, Librairie Dalloz, 1952, p. 514)

“LES LIMITES DU POUVOIR RÉGLEMENTAIREElles sont toutes l’expression de la subordination de l’ autorité règlementaire au

législateur. Ont peut les classer ainsi:1º Obligation de respecter les lois dans leur lettre et dans leur esprit;2º Impossibilité d’interpréter la loi: ce pouvoir n’appartient qu’au législateur et

aux tribunnaux: CE (Sect.), 10 juin 1949, Baudouin.3º Impossibilité pour l’autorité administrative de prende l’initiative de diminuer

par um règlement la liberté des citoyens si le législateur n’a pas posé au mains le principe d’une telle limitation;

(...).” (WALINE, Marcel. In: Traité Élémentaire de Droit Administratif, 6. ed., Paris, Libr. Du Recueil Sirey, 1952, p. 41)

Essa é, igualmente, a jurisprudência da Suprema Corte, verbis:“Resolução nº 194/1970 do CONFEA – Exercício da Profissão de Engenharia,

Agronomia e Arquitetura – Exigências ilegais.Dada a inferioridade constitucional do regulamento em confronto com a lei, é

evidente que aquele não pode alterar, seja ampliando, quer restringindo, os direitos e obrigações prescritos nesta. (...).” (RE nº 81.532/BA, Rel. Min. CUNHA PEIXOTO, in RTJ 81/494)

A respeito, leciona Bernard Schwartz, in Commentary on the Cons-titution of the United States - The Rights of Property, the Macmillan Company, New York, 1965, p. 2/3, verbis:

“The Constitution has been construed as a living instrument intended to vest in the nation whatever authority may be appropriate to meet the exigencies of almost two centuries of existence.

To regard the Constitution solely as a grant of governmental authority is, never-theless, to obtain but a partial and distorted view. Just as important is its function as a limitation upon such authority. As already emphasized in section 1, the American

Page 172: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006172

conception of a constitution is one which is not confined to viewing such instrument as a charter from which government derives the powers which enable it to function effectively. Instead, with us, the organic document is one under which governmental powers are both conferred and circumscribed.

The Constitution is thus more than a framework of government; it establishes and guarantees rights which it places beyond political abridgment. In this country, written constitutions were deemed essential to protect the rights and liberties of the people against the encroachments of governmental power.”

Da mesma forma, impõe-se recordar a velha mas sempre nova lição de John Randolph Tucker, em seu clássico comentário à Constituição norte-americana, verbis:

“All acts of every department of government, within the constitutional bounds of powers, are valid; all beyond bounds are ‘irritum et insane’ – null and void. Government, therefore, has no inherent authority, but only such as is delegated to it by its sovereign principal. Government may transcend the limits of this authority, but its act is none the less void. It cannot, by usurpation, jurally enlarge its powers, nor by construction stretch them beyond the prescribed limits.” (In: The Constitution of the United States, Chicago, Callaghan & Co., 1899, p. 66/7, § 54)

Outro não é o ensinamento de Daniel Webster, verbis:“The Constitution, again, is founded on compromise, and the most perfect and abso-

lute good faith, in regard to every stipulation of this kind contained in it is indispensable to its preservation. Every attempt to grasp that which is regarded as an imm ediate good, in violation of these stipulations, is full of danger to the whole Constitution.” (In: The Works of Daniel Webster, Boston, Little, Brown and Company, 1853, v. I, p. 331)

É manifesta, pois, a ilegalidade do Decreto Estadual nº 5.434/05, eis que descumpriu decisão proferida pelo Eg. STF e, a pretexto de revogar ato que entende ilegal, na forma da Súmula 473 daquela Corte, em rea-lidade violou a letra e o espírito desse enunciado, invadindo, no caso, a seara do Poder Judiciário.

A respeito, preciso o magistério de Francisco Campos, em seu Direito Administrativo, Imprensa Nacional, Rio, 1943, ao assinalar os limites da Administração Pública acerca da revogação dos atos administrativos, verbis:

“Em princípio, os atos administrativos, particularmente aqueles de que resulta uma situação individual, não podem ser revogados pela própria administração. Este prin-cípio se funda no fato de que a atividade administrativa é, igualmente, uma atividade jurídica, de que os seus atos não são atos quaisquer, mas atos juridicamente qualificados

Page 173: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 173

ou de relevância jurídica, sendo, como é, a administração uma das formas de execução do direito. Quando, portanto, o ato administrativo se resume em uma individuação da norma, a decisão do poder administrativo é assimilável à decisão do Poder Judiciário, adquirindo, assim, a força de ligar a administração ao seu próprio ato, o qual, em relação a ela, constitui uma res judicata. (...) Ora, não é da natureza da administração resolver contestações entre interesses que se opõem, havendo, como há, um departamento do governo especialmente designado, pela sua competência, para o exercício de tais fun-ções. À administração, nos regimes em que não lhe cabe exercer funções contenciosas, falece competência para decidir sobre contestações emergentes da sua atividade, que se tem por completa e acabada com a emanação dos atos administrativos compreendidos na sua competência própria e específica.” (In: Op. Cit., p. 60/1)

Nesse sentido tem decidido a Suprema Corte dos Estados Unidos.Em Stone v. United States, tratava-se da venda de terras de domínio

público, tendo o Secretário do Interior, que era a autoridade competente para expedir os títulos de propriedade, alienado terras não incluídas entre aquelas cuja venda a lei autorizava. O seu sucessor na Secretaria do Interior promoveu a anulação da venda assim realizada. Instada a se pronunciar, a Suprema Corte deliberou que, embora nulo o ato, não caberia à administração rescindi-lo, eis que a rescisão constitui ato de natureza jurisdicional, que se inclui na competência do Poder Judiciário.

O princípio firmado nesse julgamento foi mantido no caso Beley et al. v. Naphtaly, julgado em 28 de fevereiro de 1898, oportunidade em que o Justice Peckham afirmou, verbis:

“The case of U.S. v. Stone, 2 Wall. 525, has no bearing adverse to this proposition. In that case it was stated that a patent is but evidence of a grant, and the officer who issues it acts ministerially, and not judicially; that, if he issues a patent for land reser-ved from sale for law, such patent is void for want of authority, but that one officer of the land office is not competent to cancel or annul the act of his predecessor; that is a judicial act, and requires the judgment of a Court.” (In: The Supreme Court Reporter, St. Paul, West Publishing Co., 1899, v. 18, p. 358)

Da mesma forma, decidiu aquela Alta Corte no caso Michigan Land & Lumber Co., Limited, v. Rust, julgado em 13 de dezembro de 1897. (In: Op. Cit., p. 208)

Ora, no caso dos autos não há sequer falar na imprevisão contratual, pois a teoria da imprevisão consiste no reconhecimento de que eventos novos, imprevistos e imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis, refletindo sobre a economia ou a execução do contrato, autorizam a sua

Page 174: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006174

revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes. Trata-se da apli-cação da cláusula rebus sic stantibus, elaborada pelos pós-glosadores, que esposa a idéia de que todos os contratos dependentes de prestações futuras incluíam cláusula tácita de resolução, se as condições vigentes se alterassem profundamente.

Tal idéia se inspirava num princípio de eqüidade, pois se o futuro trouxesse um agravamento excessivo da prestação de uma das partes, estabelecendo profunda desproporção com a prestação da outra parte, seria injusto manter-se a convenção, já que haveria indevido enrique-cimento de um e conseqüente empobrecimento do outro. (Cfe. sobre o tema os seguintes autores: TORRENTE, Andréa, Manuale Di Diritto Privato, 6. ed., Giuffrè Editore, 1965, p. 447-50, § 311; MADRAY, Gilbert, Des Contrats D’après la Récent Codification Privée Faite aux États-Unis - Étude Comparée de Droit Américain et de Droit Français, Paris, Libr. Générale, 1936, p. 194; RIPERT, Georges, La Règle Morale dans les Obligations Civiles, 4. ed., Paris, Libr. Générale, 1949, p. 143 e ss.; DURAND, Paul, Le Droit des Obligations dans les Jurisprudences Française et Belge, Paris, Libr. Du Recueil Sirey, 1929, p. 134 e ss.; VE-NIAMIN, Virgile, Essais sur les Donnes Economiques dans L’Obligation Civile, Paris, Libr. Générale, 1931, p. 373 e ss.; PLANIOL, Marcel, Traité Élémentaire de Droit Civil, 10. ed., Paris, Libr. Générale, 1926, t. 2, n. 1.168, p. 414; SIDOU, Othon, A Revisão Judicial dos Contratos, 2. ed., Forense, 1984, p. 95; PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, 3. ed., RT, 1984, t. XXV, § 3.060, p. 218-20 e, do mesmo autor, Dez Anos de Pareceres, Livr. Francisco Alves, Rio, 1976, vs. 7/36-9 e 10/197-9; FONSECA, Arnoldo Medeiros da, Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão, 3. ed., Forense, Rio, 1958, p. 345-6, n. 242; CAMPOS, Francisco, Direito Civil - Pareceres, Livr. Freitas Bastos, 1956, p. 05-11.)

Todos os autores acima referidos admitem, sob os mais variados fun-damentos doutrinários, a aplicação da teoria da imprevisão, mas apenas em circunstâncias excepcionais, ou seja, somente a álea econômica extraordinária e extracontratual, desequilibrando totalmente a equação econômica estabelecida pelos contraentes, justifica a revisão do contrato com base na cláusula rebus sic stantibus.

Outro não é o entendimento adotado pela jurisprudência uniforme da Suprema Corte, em todas as oportunidades em que se manifestou sobre

Page 175: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 175

a tormentosa questão, como reflete o aresto relatado pelo eminente e saudoso Ministro Aliomar Baleeiro, cuja cultura jurídica é por todos reconhecida, ao votar no RE nº 71.443-RJ, verbis:

“Rebus sic stantibus – Pagamento total prévio. 1. A cláusula rebus sic stantibus tem sido admitida como implícita somente em contratos com pagamentos periódicos sucessivos de ambas as partes ao longo de prazo dilatado, se ocorreu alteração profunda inteiramente imprevisível das circunstâncias existentes ao tempo da celebração do negó-cio...” (In: RTJ 68/95. No mesmo sentido RTJ: 35/597; 44/341; 46/133; 51/187; 55/92; 57/44; 60/774; 61/682; 63/551; 66/561; 96/667; 100/140; 109/153; 110/328 e 117/323)

No caso concreto, contudo, é de todo estranho aos princípios de justiça a aplicação da teoria da imprevisão, que deve ser aplicada com cautela pelo magistrado, evitando que este interfira diretamente nos contratos ce-lebrados, substituindo a vontade das partes, livremente pactuada, pela sua. A respeito, doutrina Virgile Veniamin, em clássica monografia, verbis:

“En limitand ainsi l’application de la théorie de l’imprévision au cas où elle apparait comme une exigence, de l’harmonieux développement de l’organisation économique, on restreint par là même consideráblement son étendue. En offrant au juge un critérium objectif, fondé sur les donnés concrètes dégagées grâce à une méthode d’observation directe, à l’aide du matériel préparé par des experts idoines, on évite l’arbitraite auquel la recherche d’une intention malveillante, toujours devinatoire peut fournir l’occasion. En outre, le rapprochement que nous venons de faire dans le présent chapitre, entre la lésion et l’imprévision – toutes les deux ayant le même caractère et répondant aux mêmes nécessités de l’ordre économique – nous indique une limitation technique du pouvoir de juge. Dans les deux cas, ce n’est pas à la révision du contrat qu’on doit aboutir, mais simplement à sa rescision (1). Il n’appartient point au juge d’orienter l’activité humaine en s’immiscant dans la teneur du contrat. Sa mission est terminée, dès qu’en obéissant aux directives économiques, il empêche la ruine de l’individu et lui assure en même temps que sa sauvegarde personnelle, une participation efficace à la collaboration générale” (In: Essais sur les Données Economiques dans L’Obligation Civile, Paris, Libr. Générale, 1931, p. 393-4)

Por outro lado, no que concerne ao alcance do art. 164, § 3º, da CF, decidiu o Eg. STF ao julgar o RE nº 444.056-MG, Relator o eminente Min. Carlos Velloso, verbis:

“DJ nº 199 - 17.10.2005 - Ata nº 155 - Relação de Recursos - Despachos dos RelatoresRECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 444056PROCED.: MINAS GERAISRELATOR: MIN. CARLOS VELLOSORECTE.(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Page 176: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006176

RECDO.(A/S): JOÃO NOGUEIRA FANUCHIADV.(A/S): JOSÉ NILO DE CASTRORECDO.(A/S): UNIBANCO - UNIÃO DE BANCOS BRASILEIROS S/AADV.(A/S): ARISTOTELES ATHENIENSE E OUTRO(A/S)ADV.(A/S): THIAGO LUIZ BLUNDI STURZENEGGER E OUTRO(A/S)EMENTA: CONSTITUCIONAL. ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍ-

PIOS: DISPONIBILIDADE DE CAIXA: DEPÓSITO EM INSTITUIÇÕES FINAN-CEIRAS OFICIAIS. CF, ART. 164, § 3º. SERVIDORES MUNICIPAIS: CRÉDITO DA FOLHA DE PAGAMENTO EM CONTA EM BANCO PRIVADO: INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO ART. 164, § 3º, CF. NEGATIVA DE SEGUIMENTO AO RE.

DECISÃO: - Vistos. O acórdão recorrido, em ação civil pública, proferido pela Primeira Câmara Cível do Eg. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, está assim ementado:

‘AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA PREFEITO MUNICIPAL - CRÉDITO DA FOLHA DE PAGAMENTO DOS SERVIDORES MUNICIPAIS EM CONTA DE BANCO PARTICULAR - NÃO OFENSA AO ARTIGO 164, § 3º, DA CF/88.

Não caracteriza desacato ao parágrafo 3º do artigo 164 da CF/88, ao impor que ‘as disponibilidades de caixa dos Municípios serão depositados em instituições finan-ceiras oficiais’, o depósito líquido da folha de pagamento em Banco particular, sem custo para o Município, eis que tal crédito fica disponibilizado aos servidores, não ao Município.’ (fl. 324)

Daí o RE interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, com alegação de ofensa ao art. 164, § 3º, da mesma Carta, sustentando, em síntese, o seguinte:

a) o acórdão recorrido está em confronto com a jurisprudência do STF (ADI 2.661-MC/MA e ADI 2.600-MC/ES) firmada no sentido de que as disponibilidades de caixa dos Estados-membros e dos Municípios devem ser depositadas em institui-ções financeiras oficiais;

b) a expressão ‘disponibilidade de caixa’ utilizada pela Constituição Federal e pela Lei de Responsabilidade Fiscal abarca toda a movimentação financeira, decorrente de despesas e receitas, das entidades públicas;

c) a determinação contida no art. 164, § 3º, da CF tem a finalidade de garantir as finan-ças públicas e a preservação do patrimônio estatal contra o risco de quebra das instituições financeiras privadas, sendo certo, assim, que o valor necessário à quitação da folha de pagamento dos servidores do Município deve ser depositado em banco oficial.

Admitido o recurso, subiram os autos.A Procuradoria-Geral da República, em parecer lavrado pelo ilustre Subprocurador-

-Geral da República, Dr. Paulo da Rocha Campos, opinou pelo não-provimento do recurso.

Autos conclusos em 21.09.2005.Decido.O Supremo Tribunal Federal tem decidido, reiteradamente, que as disponibilidades

Page 177: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 177

de caixa dos Estados-membros serão depositadas em instituições financeiras oficiais, ressalvadas as hipóteses previstas em lei ordinária de feição nacional (CF, art. 164, § 3º). Assim decidiu o Supremo, por exemplo, nas ADIs 2.661-MC/MA, Ministro Celso de Mello, Plenário, 05.06.2002; 2.600-MC/ES, Ministra Ellen Gracie, Plená-rio, 24.04.2002; 3.578-MC/DF, Ministro Sepúlveda Pertence, Plenário, 14.09.2005, Informativo nº 401.

Aqui, entretanto, o caso é outro: trata-se de ‘depósito líquido da folha de pagamento em Banco particular, sem custo para o Município, eis que tal crédito fica disponibili-zado aos servidores, não ao Município’. É o que consta do acórdão recorrido, fl. 324, da lavra do eminente Desembargador Orlando Carvalho.

Consta, mais, do acórdão:‘(...) Deste modo, os pagamentos realizados aos servidores municipais não são

disponibilidades de caixa, pois tais recursos, uma vez postos à disposição dos ser-vidores, têm caráter de despesa liquidada, pagamento feito, não estando disponíveis ao Município, pessoa jurídica de direito público interno, mas estão disponíveis aos servidores, credores particulares.

O Prefeito requerido-apelado buscou reduzir gastos exigidos pelo BANCO DO BRASIL, que cobrava cerca de ‘R$ 17.000,00’ (ou R$ 15.610,00) anuais para pro-ceder ao pagamento dos servidores municipais, como comprovam os documentos de fls. 30/32, sendo que, consoante as informações prestadas pelo Secretário da Fazenda Municipal, às fls. 32, ‘no período de outubro a dezembro de 2000 as tarifas bancárias pelo Banco do Brasil pelo pagamento da folha é de R$ 3.902,50’, o que eqüivale a R$ 15.610,00 em 12 (doze) meses.

Portanto, o pagamento da folha de pagamento através da Agência local do UNI-BANCO S/A resultava em economia ao erário, o que desautoriza a procedência de ação civil pública, cujos pressupostos são a ilegalidade e a lesividade ao erário público. (...)’ (fls. 326-327)

O RE não tem condições, pois, de prosperar. É o que entende, também, o Ministério Público Federal, no parecer lavrado pelo ilustre Subprocurador-Geral, Dr. Paulo da Rocha Campos. Dele, destaco:

‘(...) 6. Direito não assiste ao recorrente.7. É que disponibilidade de caixa não se confunde com depósito bancário de

salário, vencimento ou remuneração de servidor público, sendo certo que, enquanto a disponibilidade de caixa se traduz nos valores pecuniários de propriedade do ente da federação, os aludidos depósitos constituem autênticos pagamentos de despesas, conforme previsto no artigo 13 da Lei 4.320/64.

8. Como se observa, as disponibilidades de caixa é que se encontram disciplinadas pelo artigo 164, § 3º da Constituição Federal, que nada dispõe sobre a natureza jurídica, se pública ou não, da instituição financeira em que as despesas estatais, dentre elas a de custeio com pessoal, deverão ser realizadas.

9. Destarte, nada obsta que o Estado desloque de sua disponibilidade de caixa,

Page 178: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006178

depositada em instituição oficial, ‘ressalvados os casos previstos em lei’, valores para instituição financeira privada com o fim de satisfazer despesas com seu pessoal, como ocorrido no caso dos autos, desmerecendo reforma, portanto, o acórdão impugnado, vez que proferido na mesma linha desse entendimento.

10. Em face do exposto, o parecer é pelo desprovimento do presente recurso.(...).’ (fls. 429-430)O RE, está-se a ver, é inviável, motivo por que lhe nego seguimento.Publique-se.Brasília, 03 de outubro de 2005.Ministro CARLOS VELLOSO, Relator.”

Com a devida vênia, insisto, não há omissão a ser sanada no aresto embargado.

Com efeito, consoante pacífico entendimento de doutrina e da juris-prudência, não precisa o Magistrado reportar-se a todos os argumentos trazidos pelas partes, pois, ao acolher um argumento bastante para a sua conclusão, não precisará dizer se os outros, que objetivam o mesmo fim, são procedentes ou não.

É o magistério clássico do saudoso Min. Mário Guimarães, em sua obra O Juiz e a Função Jurisdicional, Rio, Forense, 1958, p. 350.

Nesse sentido, ainda, a lição de Glasson, Morel e Tissier, verbis:“Mais il n’est pas nécessaire que tous les arguments invoqués par les parties soient

examinés par le tribunal; il suffit que les divers points du dispositif soient appuyés de motifs sérieux, dans lesquels le juge explique les raisons pour lesquelles il admet ou écarte telle demande ou telle défense ou telle exception.” (In: Traité Théorique et Pratique de Procédure Civile, 3. ed., Paris, Libr. du Recueil Sirey, 1929, t. 3, p.41)

Em voto que proferiu quando do julgamento do REsp nº 485.525/RS, assinalou o ilustre Min. José Delgado, verbis:

“O simples fato de que todos os argumentos apontados nas contra-razões de apelação não constaram expressamente do acórdão recorrido não possui o condão de macular o provimento jurisdicional, levando-se em conta que não se pode exigir do julgador que responda a toda e qualquer argumentação da parte se já encontrou motivo suficiente para fundamentar a tese abraçada.” (In: RSTJ 165/150-1)

Da mesma forma, doutrina René Morel, em obra clássica, verbis: “Le tribunal n’est pas obligé de répondre à chaque argument; cela est de jurisprudence constante.” (In: Traité Élementaire de Procédure Civile, Paris, Recueil Sirey, 1932, p. 586)

Ora, o decisum embargado é exaustivo no exame de todas as matérias

Page 179: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 179

pertinentes ao julgamento da causa.Em recente julgado, assinalou o ilustre Ministro Carlos Velloso, verbis

(In: RTJ 187/701):“A jurisprudência do Supremo Tribunal tem entendido que o que a Constituição

exige é que o juiz ou tribunal dê as razões do seu convencimento, não estando ele obrigado a responder a todas as alegações dos réus, mas tão-somente àquelas que julgar necessárias para fundamentar sua decisão. Assim, decidiu este Tribunal, pela sua 1ª Turma, no julgamento do AI 242.237-AgR/GO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, e do RE 181.039-AgR/SP, Rel. Ministra Ellen Gracie, recebendo os acórdãos as seguintes ementas:

‘Ementa - Ausência de violação ao art. 93, IX, CF, que não exige o exame pormeno-rizado de cada uma das alegações ou provas apresentadas pelas partes, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão; à garantia da ampla defesa, que não impede a livre análise e valoração da prova pelo órgão julgador; e ao princípio da universalidade da jurisdição, que foi prestada na espécie, ainda que em sentido contrário à pretensão do agravante.’ (AI 242.237-AgR/GO, DJ de 22.09.2000).”

Por conseguinte, não há omissão ou contradição a sanar.Ademais, pretende a parte embargante, em realidade, a modificação

do julgado proferido, com nítido conteúdo infringente.Ora, como sabido, os embargos prestam-se a esclarecer, se existentes,

obscuridades, omissões ou contradições no julgado, e não para que se adeqúe a decisão ao entendimento do embargante.

A respeito, observam Glasson, Morel e Tissier, verbis: “Mais il ne faut pas que, sous prétexte de rectification, le juge révise sa décision,

la modifie ou y ajoute. Les erreurs matérielles d’un jugement, a décidé la Cour de cassation, peuvent être rectifiées ‘à l’aide d’éléments fournis par cette décision même’. A plus forte raison, la rectification n’est-elle pas possible lorsqu’il s’agit non d’une erreur matérielle mais d’une erreur de droit.” (In: Traité Théorique et Pratique de Procédure Civile, 3. ed., Paris, Libr. du Recueil Sirey, 1929, t. 3, p. 86)

Pertinente, a respeito, o magistério do notável processualista por-tuguês, Alberto dos Reis, em seu Código de Processo Civil Anotado, reimpressão, Coimbra Editora, 1984, v. 5, p. 141, verbis: “O tribunal não está obrigado a analisar e apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as razões jurídicas produzidas pelas partes.”

Nesse sentido, é pacífico o entendimento do Supremo Tribunal Fe-deral, verbis:

“1. Embargos de Declaração. São admissíveis, quando no acórdão há obscuridade,

Page 180: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006180

dúvida, contradição ou omissão, que devam ser sanadas (RISTF, art. 337).2. São incabíveis embargos de declaração com função de embargos infringentes.3. Recurso a que se nega provimento.” (RE nº 95.321 (Edcl) - SP, Rel. Min. Alfredo

Buzaid, in RTJ 102/821)“1. Embargos de Declaração. A função do Tribunal, nos embargos de declaração,

não é responder a questionário sobre meros pontos de fato, mas sim de dirimir dúvidas, obscuridades, contradições ou omissões.

2. Não havendo no acórdão dúvidas ou contradições, nega-se provimento aos embargos de declaração.” (ERE nº 93.325 (Edcl) - RJ, Rel. Min. Alfredo Buzaid, in RTJ 103/269)

“Embargos de declaração - Caráter infringente - Inadmissibilidade - Inocorrência dos pressupostos de embargabilidade - Embargos rejeitados.

Os embargos de declaração destinam-se, precipuamente, a desfazer obscuridades, a afastar contradições e a suprir omissões que eventualmente se registrem no acórdão proferido pelo Tribunal. Revelam-se incabíveis os embargos de declaração, quando, inexistentes os vícios que caracterizam os pressupostos legais de embargabilidade (CPC, art. 535), vem tal recurso, com desvio de sua específica função jurídico-processual, a ser utilizado com a finalidade de instaurar, indevidamente, uma nova discussão sobre a controvérsia jurídica já apreciada pelo Tribunal. Precedentes.

O recurso de embargos de declaração não tem cabimento, quando, a pretexto de esclarecer uma inocorrente situação de obscuridade, contradição ou omissão no acórdão, vem a ser utilizado com o objetivo de infringir o julgado.” (Petição nº 1.812 (AgRg--Edcl) - PR, Rel. Min. Celso de Mello, in RTJ 173/29)

Nesse sentido, ainda, os arestos publicados na RTJ 174/631 e na 175/315.

Por outro lado, no que concerne ao prequestionamento, deliberou o Pretório Excelso, verbis:

“Recurso Extraordinário - Prequestionamento - Configuração. O prequestionamento prescinde da referência, no acórdão proferido, a número de artigos, parágrafos, incisos e alíneas. Diz-se prequestionado certo tema quando o órgão julgador haja adotado entendimento explícito a respeito.” (RE nº 170.204 - SP, Rel. Min. Marco Aurélio, in RTJ 173/239-240).

Impõe-se, ainda, apreciar o pedido relativo ao cumprimento da medida liminar, formulado pelos agravantes.

Defiro o pedido, pelos motivos constantes da fundamentação deste voto, determinando que se oficie à CEF e ao Estado do Paraná para que procedam ao imediato cumprimento da liminar deferida a fls. 224/226v, fixando desde já a multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), contados a partir de sua intimação, a cada um dos agravados, em caso de

Page 181: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 181

descumprimento da citada decisão judicial, agora reafirmada pelo Órgão Colegiado do TRF/4ª Região.

Por esses motivos, não conheço do agravo regimental interposto pela CEF e nego provimento aos embargos de declaração do Estado do Paraná.

Proceda-se à imediata intimação dos agravados, nos termos da fun-damentação supra.

É o meu voto.

Page 182: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006182

Page 183: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 183

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

Page 184: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006184

Page 185: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 185

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.70.00.011243-6/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose

Apelante: A. N. B.Advogados: Drs. Gláucio Antonio Pereira e outro

Apelado: Ministério Público Federal

EMENTA

Penal. Processual penal. Peculato em continuidade delitiva. Art. 312, caput, primeira e segunda figuras, c/c art. 71 do CP. Cerceamento de defesa não-configurado. Nulidade da sentença. Provas ilícitas. Ino-corrência. Quebra do sigilo bancário decretada judicialmente. Falta de fundamentação não-observada. Empregado da Caixa Econômica Federal. Funcionário público. Art. 327, § 1º, CP. Apropriação/desvio de valores relativos à correção monetária e CPMF em alvarás judiciais. Posse do numerário. Prejuízo comprovado. Materialidade e autoria determinadas.

1. Sendo o juiz livre para decidir que provas devem ser produzi-das, uma vez recusada fundamentadamente a produção de uma prova, não há falar em nulidade e, menos ainda, em hipótese de absolvição. 2. O fato de o magistrado singular ter se utilizado de dados da fase administrativa para embasar o decreto condenatório não importa em nulidade da sentença, especialmente, se, excluindo-se estes elementos, permanecem outros a sustentar a condenação, como na hipótese, em que o interrogatório do réu e os testemunhos coligidos, inclusive os de defesa, serviram de fundamento à decisão. 3. Não há, igualmente, dis-

Page 186: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006186

cutir quanto à quebra do sigilo bancário, pois decretada judicialmente, com respaldo legal. 4. Quanto à suposta falta de motivação da sentença, evidencia-se dos próprios argumentos apresentados pelo réu, que não se trata de irresignação quanto à sua falta, e sim de divergência quanto aos fundamentos trazidos pelo magistrado. Nulidade não verificada. 5. Para efeitos penais, o conceito de funcionário público é diverso do Direito Administrativo, entendendo-se como tal todos que, embora transitoria-mente ou sem remuneração, exercem cargo, emprego ou função pública, no que se incluem, por equiparação, aqueles que atuam em entidade paraestatal. 6. Tendo o acusado praticado o crime enquanto empregado da CEF, empresa pública federal, sua conduta deve, sim, ser enquadrada no art. 312 do CP, por estar equiparado a funcionário público para fins penais. 7. Atuando o réu como caixa-executivo da CEF, é indiscutível que tinha posse dos bens, contando com plena disponibilidade dos va-lores depositados nas contas dos clientes. 8. Tratando-se o peculato de crime contra a Administração Pública, a vítima imediata, no caso, é a Caixa Federal, visto que é a entidade pública empregadora do sujeito, e, mediata, os particulares beneficiários dos alvarás judiciais. 9. Peculato perfectibilizado nas duas modalidades descritas no caput do art. 312 do CP, eis que o acusado, em algumas oportunidades, apropriou-se de valores, sacando em espécie, e, em outras, desviou, realizando depósitos nas contas de familiares e/ou pagando contas pessoais. 10. Materialidade sobejamente comprovada pelos testemunhos coligidos, bem como pelo relatório da Comissão Sumária. 11. A responsabilidade do apelante encontra-se demonstrada, especialmente, pelos seguintes fatos: todas as irregularidades apuradas foram constatadas no terminal bancário operado pelo acusado, constando tudo das fitas e documentação do seu caixa; os valores foram depositados em parte nas contas-poupança de sua esposa e filhos menores e de parente daquela e, em parte, utilizados para quitação de contas pessoais ou sacados em espécie no seu guichê; era o responsável pelo controle da conta dos cheques administrativos da agência, onde se verificam créditos das importâncias relativas à CPMF, emissão de cheques sem correspondência nos arquivos e talonários; era o principal responsável pelo pagamento dos alvarás judiciais, nos quais, em muitos casos, não era paga a correção monetária devida, ficando resíduo na conta, que posteriormente era sacado, também no seu caixa.

Page 187: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 187

12. Além dessas questões objetivas, o réu não explicou diretamente, em nenhuma das oportunidades que teve (esferas administrativa, policial, judicial), qualquer das irregularidades verificadas; sua tese para a origem dos valores das contas-poupança revelou-se inconsistente, inclusive pelos testemunhos da defesa; a suposta inimizade com os colegas de agência, que geraria suspeição nos seus depoimentos, não foi comprovada e foi alegada, visivelmente, apenas para tentar impedir a inquirição e reduzir o valor probatório, como se observa da conduta da defesa nas oitivas; mesmo atacando o apuratório da CEF, em nenhum momento examinou sequer um dos fatos apontados para justificar seu inconformismo e com-provar a suposta farsa da instituição contra si. 13. Mister salientar que o depoimento de funcionários do órgão lesado, especialmente quando prestado sob a garantia do contraditório, reveste-se de inquestionável eficácia para a formação do convencimento do julgador. 14. O simples fato de a Caixa ser a vítima imediata do crime não comprova o interesse das funcionárias na condenação do acusado. 15. Os testemunhos de defe-sa não comprovam suficientemente a tese defensiva, antes ao contrário, trazem dúvidas sobre as atividades extras do réu. Manutenção do decreto condenatório. 16. Aumento da pena-base justificado, pois o requinte do procedimento adotado pelo acusado, bem como seu comportamento em todas as fases e o fato de ser o responsável pelo controle da conta dos che-ques administrativos da agência e substituto eventual da gerência, enfim, funcionário da confiança de todos, evidenciam a plena desfavorabilidade das vetoriais culpabilidade e circunstâncias, além das conseqüências, pelos reflexos em várias atividades da Caixa. 17. Embora o número de repetições da conduta seja menor do que o considerado na sentença é expressivo o bastante para autorizar a aplicação da majorante relativa à continuidade delitiva no percentual máximo. 18. Tendo sido o réu con-denado a pena privativa de liberdade superior a um ano pela prática de peculato, cabível o decreto de perda do cargo, nos moldes do art. 92, I, a, do CP, o que deve ser devidamente motivado, como ocorreu na hipótese. 19. Acertado, igualmente, o decreto de perdimento dos bens, porquanto restou demonstrado que os recursos apropriados/desviados foram, em parte, creditados nas contas-poupança dos seus familiares, não tendo sido satisfatoriamente demonstrado o exercício de outras atividades laborais, quer pelo réu, quer pela esposa. 20. Entretanto, o perdimento deve recair

Page 188: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006188

apenas sobre as quantias depositadas a partir da data do primeiro fato e os juros e correção incidentes sobre elas, por serem estas comprovadamente produto do crime, devolvendo-se o valor eventualmente remanescente aos titulares e mantida a destinação dada pelo Juiz a quo, medida que melhor atende aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, já que tais contas foram abertas antes dos fatos e não se pode presumir que os demais recursos creditados tiveram origem ilícita.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, dar parcial provimento ao apelo, tão-só para reduzir a ex-tensão do decreto de perdimento dos valores bloqueados, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 7 de março de 2006.Des. Federal Tadaaqui Hirose, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: O Ministério Público Federal denunciou A. N. B. pela prática do crime insculpido no art. 312 c/c art. 71, ambos do CP, assim narrando os fatos (fls. 02-22):

“O acusado, no período compreendido entre 12 de janeiro de 1998 e 15 de dezembro de 1999, nesta cidade de Curitiba, no posto de atendimento bancário da CEF da Jus-tiça Federal e na condição de funcionário desta empresa pública federal, apropriou-se indevidamente de dinheiro devido, por vezes aos cofres públicos da União, por vezes a particulares, de que detinha a posse em razão de sua função pública. Por vezes ao invés de apropriar-se pessoalmente destes valores, o acusado desviou-os em proveito de sua esposa, A. M. D. B., e de seu filho, R. D. B., creditando estas importâncias nas respectivas contas, mantidas junto à CEF, destes titulares. (...). Interrogado, o acusado negou a autoria dos fatos, reservando-se o direito de defender-se em juízo exclusiva-mente. Não obstante, fica claro que o acusado, valendo-se da condição de servidor da CEF, apropriou-se (ou desviou em proveito de seus familiares), por diversas vezes e de maneira continuada, valores pertencentes aos clientes daquela instituição bancária, de que tinha a posse em razão de sua função”.

A exordial foi recebida. (fl. 23)Apresentada resposta preliminar (fls. 38-52), nos termos do art. 514

Page 189: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 189

do CPP, o magistrado anulou a decisão anterior, recebendo, novamente, a denúncia em 14.02.2002. (fls. 54-59)

Procedeu-se ao interrogatório. (fls. 66-88)Na defesa prévia (fls. 89-90), o réu pleiteou a realização de perícia,

tendo o Juiz a quo determinado que esclarecesse o objeto e a especialida-de do perito a ser nomeado (fls. 91-92). A defesa respondeu (fls. 94-95). Considerando que não atendeu expressamente à determinação do juízo, o magistrado indeferiu o pedido (fl. 93), ressalvando a possibilidade de promover, por iniciativa própria, a juntada do requerido até a sentença final.

Inquiridas as testemunhas arroladas pelas partes (fls. 115-127, 127-131, 131-135, 136-138, 171-172, 173-174, 174-176 e 176-179), na fase do art. 499 do CPP, o acusado reiterou o pedido de perícia (fl. 182), no que não foi atendido. (fls. 184-186)

O Ministério Público apresentou alegações finais (fls. 213-237), re-querendo a condenação do denunciado nas sanções do art. 312, caput, c/c art. 71, ambos do CP, tendo em conta a reiteração do peculato por cinqüenta e sete vezes.

A defesa pleiteou dilação do prazo (fl. 239), no que foi atendida, tendo, então, apresentado suas alegações finais. (fls. 245-260)

Concluso o feito, sobreveio sentença, publicada em 24.07.2003, jul-gando procedente a denúncia para condenar o réu a 03 (três) anos e 10 (dez) meses de reclusão e multa de 30 (trinta) unidades diárias, no valor de 1 (um) salário mínimo vigente à data dos fatos, substituindo a pena privativa de liberdade por serviços à comunidade, pelo período de três anos, e prestação pecuniária consistente na doação mensal de um salário mínimo à entidade assistencial, pelo tempo da condenação. Houve, ainda, decreto de perda do cargo público, com base no art. 92, I, a, do CP, bem como dos valores bloqueados através da ação de n° 2000.70.00.003346-9 em favor da União, com apoio no art. 91, II, b, do CP. (fls. 262-275)

Inconformado, apelou o acusado (fl. 281). Nas suas razões (fls. 287-327), assim sintetiza os requerimentos:

“b) o acolhimento da primeira preliminar de cerceamento de defesa, por não ter sido dada oportunidade à defesa de apresentar a perícia requerida desde a defesa prévia (fls. 89/90), tornando o processo nulo de pleno direito; c) a decretação da nulidade da sentença de primeiro grau, em segunda preliminar, em face da convalidação posterior dos documentos anexados pela CEF, com o advento extemporâneo da juntada nos

Page 190: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006190

autos do Anexo VIII e do aproveitamento de prova emprestada não válida, com a sub-seqüente absolvição do apelante na forma do art. 386, I, do Código de Processo Penal; d) a decretação da nulidade da decisão vituperada porque as provas que ensejaram o procedimento foram consideradas ilícitas por esse e. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, reconhecendo-se a nulidade do processo ab ovo, em sede de terceira prelimi-nar; e) a decretação de nulidade da r. sentença a quo, em face da absoluta ausência de motivação, materializada com supedâneo na quarta preliminar; f) na hipótese de não acolhimento das preliminares antes deduzidas, requer-se, no mérito, seja o apelante absolvido das acusações pespegadas, quer porque não se comprovou tenha sido autor de qualquer ilícito penal; quer porque prova alguma existe que possa propiciar um decreto condenatório; quer porque o conjunto probatório verificado nos autos enseja flagrantes dúvidas de sorte a autorizar a sua absolvição; g) na remota hipótese de ven-cidas as preliminares e desacolhida a análise do mérito, que propugna pela absolvição, requer-se a revogação do decisum quanto à aplicação da pena, reduzindo-se-a para o mínimo legal, e, ainda, revogação da declaração de perdimento de bens e de cargo ou emprego público”. (fl. 325)

Com as contra-razões, juntadas às fls. 329-333, subiram os autos.A Procuradoria Regional da República, oficiando no feito, opinou

pelo improvimento do apelo. (fls. 346-350)É o relatório.À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: Trata-se de apelo do réu contra sentença que o condenou pela prática de peculato em continuidade delitiva. (art. 312, caput, c/c art. 71 do CP)

A defesa pleiteou, nas razões recursais, a remessa a esta Corte de todos os apensos deste feito, no que foi atendida pelo magistrado a quo, que revogou o item 57 da sentença, determinando a remessa integral dos autos (fl. 334), restando, assim, resolvida a questão.

Antes de adentrar no exame das teses apresentadas no recurso, devo registrar a improcedência de duas alegações feitas pelo apelante, que, embora não tenham sido objeto de requerimento específico, precedem a qualquer outra análise.

Quanto à suposta inépcia da denúncia e falta de justa causa, alegada à fl. 294, a jurisprudência pátria sedimentou entendimento de que esta argüição não pode ser feita após a prolação da sentença condenatória, pois, nessa hipótese, a impugnação deve dirigir-se contra esta e não em

Page 191: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 191

relação àquela, não cabendo discutir nesta fase.Do mesmo modo, inteiramente impertinente e temerária a alegação de

que “algo existe na relação entre os membros do Poder Judiciário Federal de Curitiba e os empregados da Caixa Econômica Federal nesta cidade, cujos indícios são aptos a gerar suspeição na conduta dos processos e julgamentos das causas que envolvem a Caixa Econômica Federal e/ou seus empregados” (fl. 291). Isso porque, além da defesa não ter manejado, oportunamente, o instrumento adequado para essa discussão (exceção de suspeição), limita-se, ao longo das razões, a fazer insinuações sobre a suposta parcialidade do juízo, questionando decisões que lhe foram desfavoráveis, sem apontar elementos concretos e sem formular reque-rimento a respeito.

Feitos esses esclarecimentos, passo a examinar as preliminares espe-cificamente deduzidas no apelo.

O réu sustenta que ocorreu cerceamento de defesa, “por não ter sido dada oportunidade à defesa de apresentar a perícia requerida” (fl. 296). Com base nisso, postula a absolvição ou o restabelecimento da instrução para que a prova pericial seja deferida e realizada.

Não merece atendimento.Com efeito, o juiz é livre para apreciar a prova, assim como para

decidir as que devem ser produzidas.Logo, desde que recusada fundamentadamente a produção da prova,

não há falar em nulidade e, menos ainda, em hipótese de absolvição.A propósito, veja-se a jurisprudência desta Turma:“PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI Nº 8.137/90. IN-

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. NULIDADES. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL E PERÍCIA. APLICAÇÃO DO ART. 383 DO CPP. RENDA PROVENIENTE DE ATOS ILÍCITOS. 1. Não há falar em incompetência deste juízo, porquanto a presente ação teria sido ajuizada em data anterior à instalação dos Juizados Especiais Federais, segundo art. 25 da Lei nº 10.259/2001. 2. Não se verifica nulidade quando o apelante foi intimado da expedição da carta precatória, bem como quando foi designado defensor especialmente para a realização da audiência (Súmula 273 do STJ). 3. A necessidade ou conveniência da prova fica submetida ao prudente arbítrio judicial, não implicando cerceamento de defesa seu indeferimento fundamentado. 4. É lícito ao Juiz dar ao fato definição jurídica diversa da capitulação procedida na denúncia ou queixa, pois o réu não se defende desta última, mas sim dos fatos narrados na inicial, conforme art. 383 do CPP. 5. A ilicitude da origem da renda não afasta a incidência tributária. 6. Apelação parcialmente provida.” (ACR 2002.04.01.013789-8/PR, 7ª T.,

Page 192: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006192

Rel. Des. JOSÉ GERMANO DA SILVA, DJU 14.01.2004, p. 463)

No caso vertente, foi formulado, na defesa prévia, pedido “de apre-sentação de perícia no curso da instrução criminal, requerendo vista integral dos autos e a fixação de prazo não inferior a 60 (sessenta) dias, de molde a permitir a sua realização”. (fl. 90)

O Juiz a quo, então, determinou vista à defesa para que informasse “qual o objeto da perícia pretendida, assim como a especialidade do perito para realizá-la (contador, funcionário do Banco Central, etc.)”. (fl. 91)

Após a manifestação da defesa (fls. 92 e 94-95), o magistrado indeferiu o pleito nos seguintes termos:

“Indefiro o pedido de perícia requerido pela defesa por ocasião da apresentação das razões preliminares (fl. 90), dado que oportunizada a sua manifestação no sentido de informar qual o objeto da perícia pretendida, assim como a especialidade do perito para realizá-la (fl. 91), não houve, no petitório que ora se determina a juntada, ma-nifestação expressa acerca da determinação deste juízo, restando precluso, portanto, tal requerimento.

Entretanto, concedo à defesa, com fulcro no art. 400 do CPP, a faculdade de, por iniciativa própria, promover a juntada, até a sentença final, da documentação colimada.

Consigno ainda a realização de tal diligência acaso este Juízo repute neces-sário para o fim de respaldar-se o livre convencimento racional, em momento oportuno.” (fl. 93)

Na fase do art. 499 do CPP, o acusado reiterou pedido de “realização de perícia contábil em todos os documentos anexados aos autos” (fl. 182), tendo o Juiz indeferido nestes termos:

“Vieram os autos conclusos para decisão quanto aos requerimentos formulados pelas partes na fase do artigo 499 do CPP. Passo a apreciá-los.

1. A Defesa requereu perícia contábil em todos os documentos anexados aos autos.Na fl. 90, a Defesa já havia apresentado requerimento da mesma espécie.Naquela oportunidade, o Juízo intimou o defensor para que ‘informe qual o objeto

da perícia pretendida, assim como a especialidade do perito para realizá-la (contador, funcionário do Banco Central, etc.)’. Diante da falta de esclarecimento o Juízo inde-feriu a prova (fl. 93).

Assim, na fase do artigo 499, a Defesa limitou-se a reiterar pedido anterior. Não se trata, portanto, como exigido no referido artigo de diligência ‘cuja necessidade ou conveniência se origine de circunstâncias ou de fatos apurados na instrução’.

Ademais, a reiteração do pedido padece do mesmo vício que o anterior, faltando qualquer esclarecimento da Defesa do objeto e da necessidade da prova. Como sabia da falha do pedido anterior, é até de se questionar a intenção na formulação de novo

Page 193: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 193

pedido genérico.A apuração extrajudicial realizada pela CEF e reunida no Apenso VII resumiu-se

ao exame dos créditos e débitos constantes na fita do caixa. A apuração está instruída com cópia das fitas do caixa assinadas pelo acusado e ainda com cópias de documentos relativos às transações. A impugnação às conclusões feitas pela apuração sumária pode ser feita, se for este o caso, com mera comparação com os documentos que a instruem, não sendo a princípio necessária perícia contábil para tanto.

Não pode este Juízo determinar a produção de uma prova, especialmente de uma perícia, usualmente custosa e demorada, sem saber a que ela se destina, especialmente quando não se vislumbra, prima facie, a sua pertinência.

Portanto, indefiro, pela falta de qualquer demonstração pela Defesa da pertinên-cia da prova e também por não vislumbrar a princípio a sua pertinência, a requerida perícia.” (fl. 184)

Como se vê, o Juiz a quo apreciou o pedido, em duas oportunida-des, expondo com vagar os fundamentos da sua decisão, nada havendo a reparar.

Além disso, saliento que a eventual discordância com a decisão indeferitória deveria ter sido atacada, oportunamente, no que não procedeu o acusado.

Ainda, convém lembrar que consta dos autos laudo pericial (fls. 196-201), elaborado na ação ordinária de reparação de danos que a esposa e os filhos menores do réu moveram contra a CEF (2000.70.00.009788-5), onde foi analisada a documentação do caixa que o réu operava.

Por fim, consigno que descabe converter o feito em diligência, pois, diante do conjunto probatório produzido, prescindível a realização de perícia para o deslinde da questão.

O apelante apresenta, como terceira preliminar, a suposta nulidade da sentença, por ter se baseado em prova ilícita, pleiteando o reconhecimento da “nulidade do processo ab ovo”.

Argumenta que todo o levantamento efetuado pela CEF louvou-se na produção de papéis obtidos de forma ilícita, porquanto o sigilo bancário das contas de poupança de sua esposa e filhos foi quebrado sem autoriza-ção judicial, o que teria sido reconhecido pelo juízo cível e confirmado por este Tribunal, e, reconhecida a ilegalidade, não haveria como emprestar validade de tudo que foi construído na instrução.

Sem razão, contudo.Em primeiro lugar, o fato de o magistrado singular ter se utilizado

Page 194: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006194

dos dados da fase administrativa para embasar o decreto condenatório não importa em nulidade da sentença, especialmente, se, excluindo-se estes elementos, permanecem outros a sustentar a condenação, como na hipótese, em que o interrogatório do réu e os testemunhos coligidos, inclusive os de defesa, serviram de fundamento à decisão.

Não é demais destacar que, em virtude do princípio do livre conven-cimento, o juiz firma sua convicção pela livre e isenta apreciação da prova constante dos autos, não ficando adstrito a critérios apriorísticos e valorativos. O que lhe é vedado é não fundamentar a decisão ou fun-damentá-la em elementos estranhos às provas produzidas. Todavia, não é o que ocorreu no caso, pois o magistrado apreciou as teses defensivas e apresentou os fundamentos de sua decisão.

Além disso, convém frisar que os eventuais vícios da fase extrajudicial (procedimento administrativo ou inquérito policial) não contaminam a ação penal que se desenvolveu regularmente, como é o caso.

De fato, num primeiro momento, não se percebe nenhuma ilegalidade no ato da CEF, que levantou os dados das contas para proceder à inves-tigação e comunicação de ilícito penal às autoridades.

E, num segundo momento, a quebra do sigilo bancário foi decretada judicialmente, também com respaldo legal, bem como bloqueadas as contas.

Neste ponto, destaco que a defesa confundiu as decisões relativas à quebra do sigilo e do bloqueio dos valores.

Na ação cautelar nº 2000.70.00.003346-9, perante a 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, a Caixa obteve, liminarmente, em 21.02.2000, antes, portanto, do início desta ação penal, a quebra do sigilo bancário e seqüestro dos valores depositados nas contas-poupança da esposa e dos filhos do acusado (fls. 31-33, PCD – apenso). A defesa recorreu. Entretanto, esta Turma manteve a decisão recorrida. (fls. 99-107 – PCD)

Já na ação cautelar nº 2000.70.00.000370-2, perante a 7ª Vara Federal, os familiares do réu obtiveram, liminarmente, o desbloqueio das contas. A CEF agravou dessa decisão, tendo a Quarta Turma mantido a liminar (AI 2000.04.01.045545-0). Entretanto, posteriormente, o juízo mono-crático julgou extinto o processo sem julgamento do mérito, revogando a liminar. (fls. 241-244)

Como se vê, ao contrário do que aduz a defesa, o juízo cível levantou

Page 195: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 195

apenas o seqüestro dos valores depositados nas mencionadas contas--poupança, o que, embora mantido inicialmente por este Tribunal, restou sem efeito com a sentença monocrática de extinção do processo.

Com relação à dita unilateralidade dos documentos provenientes da CEF, bem como à questão relativa ao sigilo, apreciou acertadamente o Juiz a quo:

“12. Os documentos foram produzidos de forma lícita. Qualquer instituição bancá-ria tem o dever de conduzir com probidade e regularidade as suas atividades, devendo fiscalizar a conduta de seus empregados e clientes, apurando e noticiando qualquer irregularidade relacionada ao sistema financeiro. O sigilo bancário não pode ser invo-cado contra as próprias instituições bancárias, tendo elas pleno acesso às informações e documentos no âmbito de suas atividades, sob pena de inviabilizá-las. Outrossim, iden-tificado crime, têm o dever de comunicá-lo às autoridades encarregadas da persecução. Há atualmente autorização expressa para o assim proceder dessas instituições (art. 1º, § 3º, IV, da Lei Complementar nº 105, de 10.01.2001). Mesmo não havendo disposição equivalente na Lei nº 4.595/64, esta também era a realidade normativa anterior sob a égide desta lei, o que era derivado da própria natureza das coisas. No aludido agravo de instrumento nº 2000.04.01.045545-0/PR, que foi interposto no âmbito da ação cautelar nº 2000.70.00.000370-2 (que, ao final, foi extinta sem julgamento de mérito), apenas foi concedida liminar para que a CEF não bloqueasse administrativamente valores constantes nas contas dos familiares dos acusados. Em nenhum momento, nem definitivamente, nem precariamente, foi decidido que a CEF não poderia ter acesso aos dados e documentos bancários do acusado ou de seus familiares. Mesmo a questão relativa ao bloqueio admi-nistrativo foi superada pela decisão de seqüestro judicial promovida no processo apenso nº 2000.70.00.003346-9.

13. Não assiste também razão à Defesa ao argumentar que as provas documentais seriam ilícitas porque produzidas unilateralmente. A garantia do contraditório em re-lação a esta espécie de prova é satisfeita pela sua ampla impugnabilidade em Juízo e que inclui a possibilidade de apresentação de contra-prova. Sobre o tema:

‘Os documentos são provas pré-constituídas formadas fora do processo e, portanto, apresentam-se como exceção à regra do contraditório na formação da prova. A ampli-tude com a qual pode ser usado o documento incide sobre um importante princípio do novo processo. Por outro lado, não se pode desmerecer a prova pré-constituída, caso se deseje obter acertamento do fato delituoso.’ (TONINI, Paolo. A prova no processo penal italiano. São Paulo: RT, 2002, p. 192)” (fls. 263-264)

Como se verifica, no caso dos autos, plenamente justificada a quebra do sigilo bancário, ainda que referente a contas de terceiros (familiares do réu), porquanto visava à apuração de crime contra a Administração Pública. (peculato – art. 312, CP)

Page 196: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006196

Ainda, tenho por pertinente a transcrição de excerto da sentença de impro-cedência proferida pelo MM. Juiz Federal Substituto da 7ª Vara Federal de Curitiba, na ação ordinária de reparação de danos nº 2000.70.00.009788-5, que a esposa do réu e seus filhos menores moviam contra a Caixa, pois bem colocou o tema em discussão. Veja-se (fls. 207-208):

“É essencialmente infundada a tese de violação ao sigilo bancário. Mediante tal instituto, as instituições financeiras estão impedidas de tornar públicas ou fornecer a terceiros, salvo hipóteses excepcionais, o conteúdo das informações que compõem a sua atividade. Não se pode pretender que o próprio banco, por seus agentes, afete desconhe-cer os negócios que leva a efeito ou as transações que operacionaliza. Caso contrário, os empregados de bancos teriam que trabalhar com os olhos vendados e os ouvidos tapados, a fim de nada perceberem a respeito dos dados bancários dos clientes da instituição a que se vinculam. Imagine-se que ocorra, por equívoco, um crédito milionário na conta de um cliente. Alertado por sistemas de acompanhamento gerencial (relatórios, etc.), o gerente da agência percebe o ocorrido. Ele então não poderia estornar ou ao menos bloquear o valor indevidamente creditado, tendo que solicitar ordem judicial para tan-to? Enquanto isso, o correntista poderia simplesmente dispor do dinheiro alheio, a seu bel prazer? Seria um rematado absurdo. Erros de terceiros não têm o condão de tornar alguém proprietário do que jamais lhe pertenceu. E não vejo razão para ser diferente na hipótese em tela. Em vez de erro, os elementos dos autos apontam para a atuação dolosa de um parente dos autores. Ocorre que isso não possui condão de aumentar-lhes o patrimônio de forma indevida. O fato de o dinheiro originar-se, em sua maior parte, da ausência de retenção de CPMF decorrente do pagamento de alvarás judiciais não elide o presente raciocínio. A Caixa Econômica Federal era responsável, depositária dos valores, tendo que por eles dar conta e lhe assistia o direito e o dever de velar pela sua integridade. A especificidade de ser público, num primeiro momento, o dinheiro, não torna menos grave o seu desvio, antes o oposto. A empresa pública não agiu de forma vingativa no intuito de prejudicar seu empregado e respectivos familiares, mas somente na defesa de seus direitos, com moderação e equilíbrio. Ela não promoveu qualquer apropriação do dinheiro, mas somente o bloqueou, como medida emergencial estritamente necessária, entrando na seqüência com pedido de arresto junto à 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, que decidirá sobre o destino dos valores.” (fls. 207-208)

Nesses termos, nada a questionar quanto ao sigilo, já que este Re-gional manteve a decisão que decretou a quebra, não havendo falar em provas ilícitas.

Do mesmo modo, desarrazoada a alegação de que as provas foram “fabricadas”. (fl. 299)

Quanto à tese de desrespeito às garantias constitucionais e processuais, por ter o magistrado determinado a autenticação de documentos juntados

Page 197: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 197

pela CEF já durante a instrução, igualmente sem razão o apelante.De fato, não se observa qualquer violação nesta medida, antes ao con-

trário, pois o Juiz tomou a medida para sanear o feito (fl. 139), conforme salientou a Procuradoria Regional da República. (fl. 349)

Da mesma forma, destaco que a falta de autenticação, por si, não constitui nulidade, tampouco o que a defesa convencionou chamar de “convalidação posterior”.

Com relação à juntada do Anexo VIII, também, não se verifica qual-quer irregularidade, porquanto traz cópias do procedimento administra-tivo (apuração sumária), que nada mais são do que documentos, os quais podem ser juntados em qualquer fase do processo. (art. 400 do CPP)

Impõe-se destacar que a alegação de que houve, neste aspecto, “ma-nobra do juiz” mostra-se dissociada da realidade dos autos.

Ainda, a alegação relativa à prova emprestada revela-se, igual-mente, impertinente, pois sequer apontou quais seriam e as razões da sua invalidade.

Assim, não há falar em nulidade e muito menos de absolvição na forma do art. 386, I, CPP, como quer a defesa.

Quanto à suposta falta de fundamentação na sentença, mais uma vez, sem razão a defesa.

O apelante aduz que o Juiz não fundamentou a decisão, porque baseou-se apenas no levantamento realizado pela CEF e no depoimento de testemunhas sem credibilidade, bem como por não esclarecer porme-norizadamente a conduta.

Como se vê dos próprios argumentos apresentados pelo réu, não se trata de irresignação quanto à falta de motivação e, sim, de divergência quantos aos fundamentos trazidos pelo magistrado.

Segundo Ada Pelligrini Grinover (Nulidades no Processo Penal), a falta de motivação pode consistir: “a) na omissão das razões do con-vencimento; b) em erro lógico-jurídico, de modo que as premissas de que se extraiu a decisão possam ser consideradas sicut non essent, ou as conclusões não decorram logicamente das premissas (carência de moti-vação intrínseca); c) na omissão de fato decisivo para o juízo (carência de motivação extrínseca)”.

Contudo, nenhuma dessas circunstâncias se evidencia no caso, pois, em que pese não ter enumerado todas as repetições do crime, o decisum

Page 198: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006198

encontra-se devidamente fundamentado.Nesse sentido, a mesma autora ainda leciona: “Diferente o caso de

fundamentação sucinta mas em que há análise dos elementos de prova, bem como a valoração e solução das questões de fato e de direito sus-citadas no processo”.

A jurisprudência distingue os casos de fundamentação sucinta e fal-tante. Veja-se:

“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. NULIDADE. FUNDAMENTAÇÃO. NÃO APRE-CIAÇÃO DA TESE DA DEFESA. INOCORRÊNCIA. Não há que se falar em nulidade da sentença, por deficiência em sua fundamentação, se há expressa menção aos funda-mentos de fato e de direito que deram ensejo ao decreto condenatório, acolhendo-se a tese da acusação, ainda que não se refira à da defesa. Precedentes. Recurso desprovido.” (RHC 9443/RJ, 5ª T., Rel. Min. Félix Fischer, DJ 09.10.2000, p. 00161)

Logo, não há falar em ofensa ao art. 93, IX, CF/88, inexistindo razão para anular a sentença.

Concluindo a análise das preliminares, destaco, ainda, que, ao contrá-rio do que alegou o apelante (fl. 291), não se observou qualquer ofensa às garantias constitucionais e processuais, tendo o feito se desenvolvido regularmente, em estrita observância da ampla defesa e do contraditório. Ainda, friso que:

a) a defesa não comprovou a alegação de que foi impedida várias vezes de retirar os autos;

b) não se verificou a alegada inobservância do princípio da presun-ção de inocência pela sentença, visto que debateu a prova colhida ao longo da instrução;

c) as alegações de que, na apuração sumária, não se deu oportunidade para o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, afastando o devido processo legal, deveriam ter sido deduzidas na via própria. De fato, os eventuais vícios, ou as alegadas “violências” verificadas na esfera administrativa, lá deveriam ter sido resolvidos. Além disso, pelo que se observa do exame do apenso VIII, o acusado, que estava assistido por advogado, foi notificado acerca do procedimento e teve acesso ao apuratório, havendo registro, em pelo menos duas oportunidades, de que extraiu cópias, de modo que infundada a alegação;

d) não se observou a alegada substituição do livre convencimento pela

Page 199: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 199

arbitrariedade, como insinua o apelante, sendo, ademais, extremamente vaga a alegação de que “juiz não respeitou os limites do livre convenci-mento – leis processuais”.

Por derradeiro, consigno que essas questões não foram enfrentadas junto às preliminares, porquanto a defesa não as vinculou a um pedido específico, limitando-se a repetir alegações ao longo das razões recursais, em meio à fundamentação de outras teses.

Superadas essas questões, passo ao exame do mérito.Segundo noticiado, o acusado, enquanto caixa-executivo do Posto de

Atendimento Bancário (PAB) da Caixa Econômica na Justiça Federal de Curitiba, apropriou-se de valores referentes à correção monetária, a serem pagos a favorecidos de alvarás judiciais, e à CPMF, devida ou não, relativas ao pagamento desses mesmos alvarás, desviando em parte as importâncias para contas-poupança da esposa e dos filhos menores. Veja-se excerto do relatório da Comissão de Apuração Sumária da CEF, que explicita o pro-cedimento adotado pelo réu. (fls. 1373-1374 - apenso VIII, 07/07)

“5.1. O empregado A. N. B. efetuava o pagamento de alvarás pelo valor neles constante, após o transcurso da data base de correção. Tal procedimento gerava um saldo residual correspondente à correção monetária devida e não paga. Algum tempo depois, o mesmo debitava tais contas, apropriando-se dos valores (...).

5.2. Em alguns casos, o valor relativo à CPMF, mesmo que não devida, era credi-tado na conta de cheques administrativos sendo estes posteriormente pagos no guichê do empregado A. N. B.

Em pelo menos uma ocasião há comprovantes que a segunda autenticação do aviso de crédito na conta de cheques administrativos foi descarregada (repique) em com-provante de retenção de CPMF a ser entregue ao cliente. Há casos em que o cheque administrativo foi emitido e liquidado no mesmo dia, sendo que alguns sequer foram confeccionados, pois que não consta o número, ou consta número que não obedece à ordem cronológica nem à numeração seqüencial constante no canhoto do talão de cheques administrativos. Nenhum dos cheques administrativos que se enquadram nesta situação foi localizado no devido local de arquivamento (grupo I). (...)

5.3 Quando do pagamento de alguns alvarás, o crédito aos favorecidos era feito pelo valor original do alvará sem a correção monetária devida. Durante o restante do expediente tais autenticações eram estornadas, sendo reautenticadas pelo valor correto (acrescido de correção monetária), gerando diferenças a menor que eram ou retiradas em espécie ou depositadas em contas tituladas pelo empregado A. N. B., sua esposa ou seus filhos, ou utilizadas para pagamento de contas pessoais. Note-se que nos alvarás que permanecem em arquivo no PAB consta apenas a segunda autenticação já com o valor corrigido, não havendo qualquer registro da primeira autenticação sem a correção

Page 200: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006200

monetária, a qual, acreditamos, conste apenas na cópia a ser entregue ao favorecido, o que nos leva a crer na premeditação da fraude. (...)

5.4. No pagamento de alguns alvarás, principalmente quando mais de um a um mesmo favorecido, do valor total a ser creditado era deduzida determinada importância (normalmente em números redondos ou o equivalente à correção monetária devida entre a data de expedição do alvará e seu efetivo cumprimento) que também seguia o mesmo destino constante no item 5.3.”

Exposta a situação fática, cumpre analisar quanto à adequação típica.O acusado sustenta que não é funcionário público, pois foi contratado

pela CEF pelo regime da CLT, não podendo assim responder pelo crime de peculato.

Sem razão, contudo.Para efeitos penais, o conceito de funcionário público é diverso do

Direito Administrativo.De fato, no Direito Penal, funcionários públicos são todos que, em-

bora transitoriamente ou sem remuneração, exercem cargo, emprego ou função pública, no que se incluem, por equiparação, aqueles que atuam em entidade paraestatal.

Essa é a disciplina do art. 327, caput e seu § 1º, do CP:“Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora

transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função

em entidade paraestatal. (Lei nº 6.799/80 - redação vigente à data do fato)”

Logo, tratando-se a CEF de empresa pública federal e possuindo o réu emprego nesta, sua conduta deve, sim, ser enquadrada no art. 312 do CP, por estar equiparado a funcionário público para fins penais.

Destaco, ainda, que, ao contrário do que sustenta o apelante, a juris-prudência não é divergente ou vacilante a respeito.

A propósito, observem-se ementas de julgados desta Corte, que ex-pressam o entendimento uníssono adotado por doutrina e jurisprudência:

“PENAL. PECULATO. DISTINÇÃO DE ESTELIONATO E DE APROPRIA-ÇÃO INDÉBITA. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. DIFICULDADES FINANCEIRAS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. INOCORRÊNCIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. REDUÇÃO DA PENA-BASE. REDIMENSIONAMENTO DAS PENAS. CONTINUIDADE DELITIVA.

1. Comete crime de peculato o funcionário público, assim entendido consoante o art. 327 do Código Penal, que se apropria, para uso pessoal, de valores de titulares de

Page 201: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 201

contas bancárias, cuja posse possui em razão do cargo. 2. Não há falar em apropriação indébita quando a apropriação é praticada por funcionário público, no exercício de suas funções. 3. No delito de peculato a posse lícita antecede o dolo, enquanto que no este-lionato, pelo fato de o agente não deter o bem, prepara ardil para obtê-lo ilicitamente. 4. O caixa executivo da Caixa Econômica Federal é equiparado a funcionário público para fins penais (art. 327 do CP) pois exerce atividade própria do Estado em entidade paraestatal. 5. Não configura a excludente de culpabilidade relativa à inexigibilidade de conduta diversa, em face de dificuldades financeiras, a simples circunstância de se estar precisando de dinheiro, caso contrário grande parte dos brasileiros estaria legiti-mada a cometer crimes patrimoniais impunemente, o que geraria graves repercussões na ordem social. 6. Para efeito da dita excludente, cabe ao réu o ônus de comprovar, indubitavelmente, mediante robusto conjunto probatório, essencialmente documental, que não poderia ter agido de outra maneira. 7. Diante da configuração de apenas duas circunstâncias desfavoráveis, de relevância mediana, cabe reduzir a pena-base aplicada na sentença e, conseqüentemente, redimensionar as sanções privativa de liberdade e reprimendas substitutivas, bem como a pena de multa. 8. Resta caracterizada a con-tinuidade delitiva, em face dos inúmeros saques indevidos das contas bancárias de clientes da CEF, praticados pelo acusado. (ACR 2001.71.05.001820-3/RS, 8ª T., Rel. Des. LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, DJU 16.03.2005, p. 893)

PENAL. PECULATO. FUNCIONÁRIO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. DESVIO DE VERBAS RELATIVAS À CORREÇÃO MONETÁRIA DE DEPÓSITOS JUDICIAIS. ART. 312, § 1º, DO CP. 1. Pratica o crime de peculato o agente que, valendo-se da condição de funcionário público da Caixa Econômica Federal - CEF, desvia ilicitamente valores relativos à correção monetária incidente sobre depósitos judiciais junto à instituição, no momento de convertê-los em renda da União. 2. Ma-terialidade e autoria devidamente comprovadas. 3. Recurso de apelação improvido.” (TRF-4, ACR 1999.04.01.129174-2/RS, 1ª T., Rel. Des. JOSÉ GERMANO DA SILVA, DJU 20.09.2000, p. 169)

Impõe-se ressaltar, ainda, que, mesmo que fosse admitida a tese de que o réu não é funcionário público, isso não levaria necessariamente à absolvição, como pretende graciosamente a defesa, mas apenas à mudan-ça de enquadramento legal, pois a conduta de assenhorar-se de valores pertencentes a terceiro continuaria sendo típica.

Segundo leciona Celso Delmanto, no peculato, a objetividade jurídica tutelada é a Administração Pública, em seu aspecto patrimonial e moral. (DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002)

Nessa linha, a vítima imediata do crime é o Estado, representado pela União, Estados-membros, Distrito Federal, municípios e demais pessoas

Page 202: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006202

mencionadas no art. 327, § 1º, do Código Penal, e, secundariamente, o particular eventualmente prejudicado.

De fato, o que se busca tutelar é não apenas o patrimônio público, mas essencialmente a probidade administrativa, de modo que, embora o tipo penal exija repercussão econômica, esta não necessariamente tem de ser suportada pela entidade pública.

Observe-se a redação do art. 312 do CP:“Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro

bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio.”

Como se vê, o objeto material pode ser público ou particular, sendo imprescindível, porém, que o agente, em razão do cargo, tenha a posse dele.

Na hipótese, o acusado alega que não tinha a posse antecedente de “bens de quem quer que seja” (fl. 305). Equivocado, todavia, pois como caixa-executivo é indiscutível que tinha posse dos bens, contando com plena disponibilidade dos valores.

Igualmente, sem razão o apelante ao sustentar que não restou deter-minado quem foram as vítimas e o prejuízo havido.

Com efeito, pelos esclarecimentos acima, tem-se que a vítima imediata é a Caixa Federal, visto que é a entidade pública empregadora do sujeito, e a mediata, os particulares beneficiários dos alvarás judiciais, nos casos de pagamento a menor e de cobrança de CPMF indevida.

Da mesma forma, evidencia-se que o dano à Caixa é inquestionável, porquanto houve violação dos deveres para com a instituição, que teve a credibilidade abalada pelo crime.

Também inegável a lesão patrimonial dos particulares, que deixa-ram de receber os valores referentes à correção monetária dos alvarás judiciais e/ou tiveram retidas quantias a título de CPMF que não eram devidas, e da própria CEF, enquanto substituta tributária perante o Fisco, naqueles eventos em que a referida contribuição era devida e não foi repassada.

No relatório da Apuração Sumária, a Caixa quantificou o prejuízo material em R$ 73.629,92, nestes termos:

“7.6. Considerando-se que a CAIXA é depositária dos recursos oriundos da Justiça Federal e responsável pela correta aplicação da legislação tributária perante a Receita

Page 203: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 203

Federal, a mesma sofreu dano na ordem de R$ 73.269,92, cuja responsabilidade civil deve ser imputada ao empregado A. N. B., relativa ao período apurado de JAN/98 e JAN/99 a DEZ/99. Neste montante, não estão incluídos os valores de R$ 887,93 refe-rente ao cheque administrativo 3871, emitido em 13 DEZ 99, e R$ 2.628,05 referente ao cheque administrativo 3880, emitido em 15 DEZ 99 não apresentados até 08 FEV 2000, e o valor de R$ 14.736,02, que originou a emissão do cheque administrativo 3806, em 21 OUT 99, posteriormente devolvido em 23 DEZ 99.” (fls. 1888-2889 - apenso VIII, 07/07)

Cumpre ressaltar, ainda, que o delito de peculato perfectibilizou-se nas duas modalidades descritas no caput do art. 312 do CP, eis que o acusado, em algumas oportunidades, apropriou-se dos valores, sacando em espécie, e, em outras, desviou, realizando depósitos nas contas de familiares e/ou pagando contas pessoais.

A materialidade encontra-se sobejamente comprovada pelos testemu-nhos coligidos, bem como pelo relatório da Comissão Sumária (fls. 1373-1889 - apenso VIII, 07/07), que relata a apropriação de R$ 73.269,92 relativos à correção monetária e/ou CPMF, devida ou não, referentes ao pagamento de alvarás judiciais. Esse relatório vem amparado nas cópias das fitas de caixa e dos documentos relativos às operações efetivadas no dia (alvarás judiciais, guias de depósitos, etc.), constantes do mesmo apenso. (01 a 07/07)

Nesse passo, diante da farta documentação juntada, a qual, a despeito das suas alegações, teve oportunidade de examinar, chega a ser atentatória à inteligência a tese de que não se pode atribuir “o conhecido (valores em conta de poupança de terceiros) ao desconhecido (apropriação - fato comissivo atribuível ao acusado)”.

De fato, não fossem todos os documentos juntados, que a defesa convenciona chamar de “papéis” apenas, há nos autos o laudo pericial realizado na ação ordinária de reparação de danos antes mencionada (fls. 196-201), que faz exatamente a correlação entre os valores apropriados e os depósitos nas contas-poupança, exame que foi feito em cima das fitas do caixa que o réu operava, não havendo falar em suposição quanto a isso.

Vejam-se excertos do referido laudo pericial (fls. 196-201), que examina os valores debitados e creditados pelo réu em 12.01.98 e entre 07.01.99 e 15.12.99, conforme fitas de caixa:

“(...) d) Pelo princípio contábil das partidas dobradas, a cada débito corresponde um crédito e vice-versa. Os valores desviados, já identificados pela comissão interna

Page 204: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006204

e totalmente validados pela perícia, após exame das fitas de caixa, além de admitidos pelo próprio Sr. A. N. B., são referentes a valores pagos a menor em alvarás - exclusão de correção monetária - e estornos de ‘CPMFs’, que se evidenciam no relatório da re-ferida comissão. As diferenças entre débitos e créditos são os desvios realizados pelo caixa, Sr. A. N. B. Portanto, sobejamente demonstrada a irregular conduta funcional do Sr. A. N. B., com riqueza de detalhes no relatório já apresentado e agora validado, em termos dos desvios, pela perícia.

e) Necessário ressaltar que, por questão de princípio constitucional (sigilo ban-cário), não se pode afirmar, por ora, que tais desvios foram depositados em contas bancárias ou de poupanças de parentes do caixa - A. N. B. Foram feitos depósitos em contas na agência, de valores coincidentes com os valores desviados. Porém a identificação dos titulares de tais contas, entende-se, só pode ser autorizada pelo Ju-ízo, para a comprovação, ou não, do encaminhamento do desvio para as respectivas contas bancárias. Identificaram-se como tais depósitos aqueles feitos nas seguintes contas numéricas: 650.013.00.203450-2; 650.013.00.203555-0; 650.013.00.205250-0; 650.001.00.200899-0; 650.001.00.200992-0;

f) A perícia exime-se de apresentar as razões da irregular conduta, adotada pelo caixa - Sr. A. N. B. Mas reafirma que as diferenças entre débitos e créditos apuradas são valores desviados que para ‘fechar seu caixa’ necessário seria registrá-los em alguma(s) conta(s) ou retirar fisicamente o valor do caixa. Sendo que alguns valores, pela coincidência até nos centavos (CPMF em 0,20% e 0,38%), teriam sido ‘fechados’ com emissão de cheques administrativos. O ilícito está demonstrado nas movimentações diárias da CEF, chanceladas pelo Sr. A. N. B.

A prática de estornar/repicar, valores já recebidos pelo caixa, causa uma sobra de valores no saldo do caixa, que deveria ser comunicado através do próprio documento diário, para não caracterizar a apropriação indevida pelo funcionário.

(...) 2.1. Informe o Sr. Perito de que maneira o ex-empregado A. N. B. efetivava depó-

sitos em cadernetas de poupança dos autores da ação e pagava contas pessoais em seu próprio caixa, se o mesmo (o caixa) iniciava e fechava sem numerário (saldo zero)?

R. A perícia pode informar que foram efetivados depósitos em contas na Agência em valores precisamente levantados para ‘fechamento’ do movimento diário do cai-xa. O confronto entre débitos e créditos, regidos pelo princípio contábil das partidas dobradas – a cada débito corresponde um crédito e vice-versa – gerava uma diferença que o caixa – Sr. A. N. B. destinava irregularmente.

2.2. Informe o Sr. Perito se há correlação entre esses depósitos e pagamentos, embora muitas vezes fracionados, com os valores de correção monetária devida no pagamento de alvarás ou CPMF pretensamente devida e não recolhida, diante do fato de que coincidiam até nos centavos?

R. Existe a total correlação entre os depósitos e pagamentos verificados nas fitas do caixa. O cuidado demonstrado em fechar o caixa chega às raias da exatidão até

Page 205: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 205

nos centavos, decorrente de estornos e reautenticações diversas, mas que, no final, matematicamente fechavam.

2.3. Com base nos questionamentos a seguir, informe o Sr. Perito qual o destino dos valores correspondentes a estornos de autenticações de alvarás e daqueles debitados na conta de cheques administrativos?

R. O destino dos valores correspondentes a estornos de autenticações de alvarás e débitos em conta de cheques administrativos, por ora, não se pode confirmar face ao sigilo bancário dos autores. Entretanto, se ficar confirmado que as contas referidas no item e, acima, pertencem aos autores, pode-se afirmar que os desvios, em parte, eram para lá destinados.

(...)2.4. De quais contas foi debitada a importância de R$ 15.000,00 correspondente

ao cheque administrativo nº 3806, emitido em 21.10.99, nominativo à autora A. M. D. B., depositado no Banco Real S/A?

R. Existem, em data de 21.10.99, parcelas irregularmente lançadas que perfazem o total de R$ 15.000,00. Tais parcelas têm origem em:

a) liquidação do cheque administrativo 3782 no valor de R$ 11.202,40 para Valfrido Vieira (0,38% de R$ 2.948.000,00 - emitido em 08.10.99);

b) também o valor de R$ 3.533,62 para Waldemiro Carazzai (0,38% de R$ 929.903,40=1.094.004,00-164.100,60) - doc. 3362;

c) pagamento de cheque no valor de R$ 50,00; d) recolhimento de numerário no valor de R$ 150,00;e) débito em c/c do caixa Sr. A. N. B. no valor de 63,98. Portanto, ‘fechando’ o caixa temos: R$ 11.202,40 (fl. 1198)3.533,62 (1198)50,00 (1198)63,98 (1198)150,00 (1200)TOTAL DO CHEQUE R$ 15.000,00OBS. Os cheques lançados não foram encontrados nos arquivos e suas numerações

não correspondem aos talões usados à época. O cheque administrativo demorou apro-ximadamente dois meses para ser apresentado.

2.5. Em alguns casos a soma dos créditos originados pelo pagamento de alvará(s) é menor que o total do alvará ou da soma dos mesmos. Informe o Sr. Perito qual o destino dado a essas diferenças?

R. O destino é para as contas numeradas no item e e/ou retiradas físicas de numerário do caixa. Para melhor ilustrar tal conduta, observe-se o lançamento na fita do caixa às fls.1258 no valor de 2.125,01 para a conta 650.001.00.200.899-0, que corresponde ao valor do alvará 326/99 às fls. 1269.

3. Em decorrência dos trabalhos periciais realizados, informe o Sr. Perito, de forma conclusiva, se os depósitos realizados nas contas de poupança dos Autores provieram

Page 206: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006206

das irregularidades objeto dos quesitos anteriores?R. Está evidenciado que foram realizados depósitos bancários nas contas

bancárias provenientes das irregularidades demonstradas e já mencionadas no item ‘e’ (650.013.00.203450-2; 650.013.00.203555-0; 650.013.00.205250-0; 650.001.00.200899-0; 650.001.00.200992-0), restando confirmar apenas (via Juízo) se tais contas pertencem aos Autores (fls. 197-198 e 200-201, autos principais).”

As contas mencionadas neste laudo, segundo informou a Caixa Federal, por determinação do juízo, são de titularidade de R. D. B., A. M. D. B., R. D. B., A. N. B. e/ou A. M. D. B. e G. D. (fl. 204), sendo o primeiro e o terceiro filhos do réu, A. M. D. B., a esposa, e o último, possivelmente, parente desta.

Logo, totalmente infundada a alegação de que “não há cadeia causal apta a estabelecer a vinculação entre o movimento corporal do agente e o resultado verificado”.

Do mesmo modo, o indício buscado pela defesa de que os valores indicados no levantamento da Caixa eram relativos a CPMFs (fl. 307) é justamente a quantia, sempre correspondente à alíquota da contribuição (0,20%, eventos de jan/99, e 0,38%, fatos posteriores). E a prova de que tais importâncias, ou parte delas, foram depositadas nas contas-poupança dos familiares do réu está nos lançamentos encontrados nas fitas do caixa que operava.

De outra parte, ressalto ser irrelevante para a configuração do crime se a CPMF era, ou não, devida, pois o funcionário reteve os valores correspondentes e não efetuou o repasse aos cofres públicos, compro-vadamente, apropriando-se das quantias.

Com efeito, conforme noticiado, creditava os valores correspondentes na conta dos cheques administrativos da agência, pagando-os posterior-mente no seu guichê, através da emissão irregular dessas cártulas, que não seguiam a numeração correta do talonário ou mesmo nem eram confeccionadas.

Aliás, um dos favorecidos que teve pagamento a menor de alvará judi-cial, Luiz Antonio Fabris, informou à CEF que o réu lhe disse que estava sendo descontada importância correspondente à CPMF, sem lhe entregar recibo disso, tendo, então, ele próprio (cliente) anotado no comprovante de depósito que lhe foi entregue este valor. (fl. 1385)

Com relação à perícia pretendida e alegação de que “requerimentos e mais requerimentos foram promovidos no sentido de comprovar a

Page 207: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 207

suspeição dos levantamentos (unilaterais) realizados pelos prepostos da Caixa Econômica Federal” (fl. 291, i. 14), veja-se que “excogitada perícia seria realizada por pessoa indicada pelo apelante”.

Nesses termos, a idoneidade seria a mesma do dito levantamento unilateral realizado pela Caixa. Poder-se-ia dizer que à defesa assistiria mesmo assim esse direito, em razão do princípio do contraditório, con-tudo, nisso não diligenciou quando teve oportunidade.

Para isso, ressalto, não necessitava, obrigatoriamente, da pretendida vista “por no mínimo sessenta dias”, pois poderia ter providenciado, se não uma perícia, pela sua análise dos eventos noticiados e documentados pela CEF, no prazo das alegações finais, por exemplo, que foi estendido a seu pedido. E, se fosse exíguo, poderia ter fotocopiado os documentos pertinentes, que, devo destacar, constam apenas dos sete anexos do apenso VIII, que totalizam 1474 páginas, aí incluídas cópias de convocações e despachos ordinários da comissão de apuração sumária e comunicação interna da CEF, não sendo, além disso, objeto dos demais 12 apensos, não obstante existam cópias desses em outro volumes.

Impõe-se mencionar, mais uma vez, que essa documentação comprova que as irregularidades ocorreram no guichê do acusado, estando as fitas de caixa e vários documentos relacionados por ele rubricados e havendo registro, nas datas destacadas, de depósitos, através de seu caixa, na conta dos familiares e na pessoal.

Ainda, quanto ao valor probatório dos documentos provenientes da Caixa e a desnecessidade da perícia requerida pelo acusado, peço vênia para transcrever excerto da sentença, que bem apreciou a questão:“(...) os demonstrativos e as conclusões da CEF podem ser avaliados com base nos do-cumentos que os instruem. A acusação fulcra-se em tais documentos, reputando correta a avaliação destes realizada pela CEF. Querendo, a Defesa poderia ter demonstrado o contrário, analisando tais documentos e verificando se os demonstrativos e conclusões da CEF são fiéis a eles. Admite-se que a tarefa é trabalhosa considerando o número considerável de irregularidades. Não obstante, não se faz necessária perícia para tanto. Basta algum esforço. Registre-se, por oportuno, que a Defesa teve amplo prazo para análise de tais documentos desde a citação inicial. Aliás, mesmo para alegações finais, permaneceu com o processo de 13.06.2003 a 01.07.2003, tempo mais do que suficiente para a análise dos documentos.

16. Sendo desnecessária a perícia para exame da documentação, não há que se falar em cerceamento de defesa, como alega o defensor. A ampla defesa, mesmo em processo

Page 208: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006208

penal, não vai ao ponto de impor ao Juízo o deferimento de provas impertinentes ao desfecho do processo (‘A decisão judicial que considera desnecessária a realização de determinada diligência probatória, desde que apoiada em outras provas e fundada em elementos de convicção resultantes do processo, não ofende a cláusula constitucional que assegura a plenitude de defesa’ - Agr. no Agravo de Instrumento nº 153.467-2/MG, 1. T. do STF, Rel. Min. Celso de Mello, un., DJU I de 14.05.2001, p. 171). Aliás, digno de nota é o fato de que a Defesa, apesar de requerer perícia em duas oportunidades, não logrou esclarecer o objeto ou necessidade da prova, em outras palavras, qual seria o propósito da perícia. Registre-se também que a Defesa foi mesmo intimada em uma oportunidade para prestar tais esclarecimentos, quedando-se porém silente, o que levou ao indeferimento da prova (fls. 90-93). A omissão da Defesa na oportunidade e a reite-ração de pedido genérico na fase final do processo (fl. 182) aparentam indicar interesse não de fato na referida prova, mas sim na criação de incidente processual, para invocar posteriormente cerceamento de defesa, o que é reprovável. Afigura-se oportuno, ainda em relação a esse tópico, destacar que, no processo cível nº 2000.70.00009788-5, foi realizada perícia judicial cujo resultado foi bastante desfavorável ao ora acusado. (fls. 196-201 dos autos)” (fl. 265)

Além disso, na já mencionada ação cível ordinária (nº 2000.70.00.009788-5), afirmaram os familiares do réu a desnecessida-de da perícia, que foi requerida pela CEF, não apresentaram quesitos e, coincidentemente, também questionaram a isenção do laudo. (fl. 204)

O MM. Juiz Federal Substituto da 7ª Vara Federal de Curitiba, ainda, registrou, na sentença, que os autores insurgiram-se “com veemência contra a pretensão de sindicar” a origem dos valores depositados nas contas-poupança bloqueadas e do montante que ensejou a emissão do cheque administrativo nº 003.806 (R$ 15.000,00)” (fl. 205), o que é um forte indício contra o acusado.

Superadas as questões relativas à existência do crime, cumpre fazer alguns esclarecimentos quanto à continuidade delitiva.

A denúncia narra 65 irregularidades (fls. 02-22), verificadas na data de 12.01.98 e de 07.01.99 a 15.12.99, seguindo o que foi enumerado no relatório da Apuração Sumária (fls. 1373-1889, apenso VIII, 07/07), porém nem todos esses eventos constituíram propriamente apropriação ou desvio.

Também não se mostra acertado o cômputo feito pelo Ministério Público, em alegações finais (fls. 213-237), quando elencou 57 desses fatos, sem referir por que excluiu alguns, e pelo sentenciante ao seguir essa linha, considerando que houve 57 repetições do crime.

De fato, analisando-se cada um dos episódios narrados, percebe-se

Page 209: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 209

que alguns, embora irregulares, constituíram apenas a preparação para a futura apropriação, tratando-se de depósitos dos valores na conta de cheques administrativos da agência e/ou emissão de cártulas, que só posteriormente foram pagas. Também houve duas hipóteses em que os cheques administrativos emitidos não chegaram a ser pagos, não podendo ser considerados como apropriação. (caso das ocorrências de 21.10 e 15.12.99)

Assim, excluídos os eventos das datas de 15.01.99, 28 e 30.06, 28 e 29.09, 06, 08, 21 e 27.10, 12.11 e 15.12.99 pelas razões expostas, é possível concluir que houve peculato-apropriação e/ou desvio em 54 oportunidades.

A autoria, consoante se pode observar do exposto até aqui, restou, igualmente, incontroversa.

Com efeito, há fatos incontestáveis que apontam para responsabilidade direta do réu, sendo especialmente: a) todas as irregularidades apuradas, que redundaram em 54 apropriações/desvio de valores pertencentes a terceiros ou ao Fisco, foram constatadas no terminal bancário operado pelo acusado, constando tudo das fitas e documentação do seu caixa; b) os valores referidos foram depositados em parte nas contas-poupança de sua esposa e seus filhos menores, além de na de G. D., e, em parte, utilizados para quitação de contas pessoais ou sacados em espécie no seu guichê; c) era o responsável pelo controle da conta dos cheques ad-ministrativos da agência, na qual se verificam créditos das importâncias relativas à CPMF, emissão de cheques sem correspondência nos arquivos e talonários; d) era o principal responsável pelo pagamento dos alvarás judiciais, nos quais, em muitos casos, não era paga a correção monetária devida, ficando resíduo na conta, que posteriormente era sacado, também no seu caixa.

Além dessas questões objetivas, a) não explicou diretamente, em nenhuma das oportunidades que teve (esferas administrativa, policial, judicial), nenhuma das irregularidades verificadas; b) sua tese para a origem dos valores das contas-poupança revelou-se inconsistente, inclusive pelos testemunhos da defesa; c) a suposta inimizade com os colegas de agência, que geraria suspeição nos seus depoimentos, não foi comprovada e foi alegada, visivelmente, apenas para tentar impedir a inquirição e reduzir o valor probatório, como se observa da conduta da

Page 210: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006210

defesa nas oitivas; d) mesmo atacando o apuratório da CEF, em nenhum momento examinou sequer um dos fatos apontados para justificar seu inconformismo e comprovar a suposta farsa da instituição contra si.

Quanto ao comportamento da defesa, aliás, cumpre consignar a ocorrência de alguns excessos, como as intervenções no interroga-tório, chegando a responder pelo acusado, sendo necessário que o Juiz interrompesse em mais de uma ocasião para lhe chamar atenção quanto aos excessos.

De outra parte, mostraram-se temerárias as alegações quanto à sus-peição do Juízo, de desrespeito à ampla defesa e ao contraditório nos procedimentos administrativo e judicial, sendo que, consoante observa-se dos autos, teve sempre acesso aos recursos pertinentes.

Por oportuno, friso, ainda, que os casos em que se poderia questionar sobre ofensa ao contraditório ocorreram justamente em favor da defesa, já que, sempre em nome da mais ampla defesa e do respeito às garantias constitucionais e processuais, o defensor exacerbou, obrigando-se o Juiz a tolerar, em homenagem a toda a principiologia do nosso sistema.

Feita essa breve exposição da verdade dos autos, passo a examinar alguns elementos de prova, confrontando com as teses defensivas.

Veja-se que, na apuração sumária promovida na esfera administrativa, o acusado deixou de comparecer para oitiva em duas oportunidades em que convocado. (apenso VIII, 07/07 – fls. 1335 e 1365)

Na primeira vez, deixou de comparecer no horário aprazado, tendo o presidente da Comissão lhe telefonado, 15min após, ocasião em que ale-gou esquecimento, dizendo que retornaria a ligação. Então, às 10h55min, ligou dizendo que estava à procura do advogado e que precisaria ter conhecimento prévio do processo. (fl. 1335)

Na segunda, na data aprazada pela Comissão, o advogado entrou com petição, apontando irregularidades na convocação e no apuratório, requerendo a nulidade (fls. 1359-1363), deixando de comparecer o fun-cionário. (fl. 1365)

Quando, finalmente, compareceu, declarou não recordar “de qualquer fato relevante relacionado ao processo apuratório” (fl. 1372) e, questio-nado sobre fatos específicos, disse apenas não lembrar.

No inquérito policial, reservou-se o direito de permanecer em silêncio. (fl. 61 - IPL, apenso)

Page 211: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 211

No interrogatório (fls. 66-88), respondeu sempre de forma vaga, mes-mo com a paciente insistência do magistrado na busca do esclarecimento dos fatos. Veja-se, por exemplo, quando responde acerca da origem dos valores depositados na conta dos familiares, observando-se, também, as intervenções do defensor na tentativa de dar consistência às teses e dificultando o curso do ato (I=interrogando; J=Juiz):

“J. (...) O senhor sabe me dizer a que se referem esses depósitos na conta de seu filho e de sua mulher?

I. Os depósitos que eu fiz com o meu dinheiro que eu recebi, depósitos que eu fiz.J. E o senhor recebeu esse dinheiro de onde?I. É particular, de serviços que eu tenho, de coisas de, função extrabanco.J. Que tipo de função é essa?I. Remuneração por venda de tecidos, produtos que eu trago do Paraguai, compu-

tador para o pessoal, vou acumulando e pego até dinheiro do pessoal pra fazer esse comércio aí. E outras fontes que eu recebo também.

J. Eu gostaria que o senhor me relacionasse essas fontes.I. Eu pego, por exemplo, tinha facilidade que eu conseguia por trabalhar no banco,

tinha muitas pessoas que eu conhecia, pessoas que forneciam, e eu ganhava comissão dessas vendas que eu, produtos que eu trazia para o pessoal e mais o particular que eu vendia pra eles, entende, então, pegava até, tudo que a gente faz de bico fora do banco, entende.

J. R$ 15.000,00?I. Não, não 15, você vai somando.J. O depósito foi de R$ 15.000,00.I. Ah, sim, aí nesse dia eu tinha o montante para depositar, não é só esse evento,

não é...J. A sua mulher trabalhava com o que na época?I. Ela, ela trabalhava com venda, venda de confecções.J. Mas trabalha em alguma empresa ou trabalha por conta?I. Trabalha por conta.J. E como é que ela faz essa venda?I. A gente pegava na confecção e levava para as lojas.J. Em que confecção que pegava?I. Pegava na, nas confecções do Boqueirão lá, que tinha um rapaz que, eles fabri-

cam, aí você pega e vende.J. E o nome da empresa é...I. ACR Malhas, uma delas. A outra a gente pegava em Jaraguá do Sul, trazia pra cá.J. E fazia a venda onde?I. Fazia venda nas lojas que nós distribuía, em particular também.J. Que lojas eram essas?I. As lojas no bairro mesmo, várias lojas assim.

Page 212: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006212

J. E a remuneração dela assim, o ganho dela mensal era quanto?I. Dava uns 2.000, 3.000 às vezes, às vezes caía bem menos, conforme os pedidos.(...) J. O senhor, o que que significa isso, saldo inicial zero e saldo atual 2.018?

Significa que sobrou?(...) I. É que quando você abre o caixa ele tá zerado, aí conforme você vai pegando

o dinheiro e movimentando ele vai fazendo saldo, daí no final do dia. J. Tá, e se uma pessoa quisesse sacar um dinheiro no seu caixa, como é que faria

se não tinha dinheiro?I. Eu teria dinheiro. É que você vai, pega dinheiro na tesouraria e fica na gaveta,

daí no final do dia você limpa e passa para o tesoureiro pra apurar.J. Mas esse dinheiro que entra na gaveta não é registrado?I. É registrado.J. Aí apareceria na fita ou não?I. Ou apareceria ou, às vezes sim, depende o que que você passa para o caixa. Por

exemplo, eu tenho um cheque seu de 5.000 que você trouxe para pagar alguma coisa, eu vou, troco o cheque com o caixa retaguarda, aí trago o dinheiro pra mim, daí não passa pelo caixa, ou se você tem, o senhor deixa, você me, o senhor pode trazer o dinheiro, deixa comigo e eu trabalho com aquele dinheiro daí, daí a sobra, se sobrar, devolve para o caixa, se não sobrar zerou.

J. Então esse depósito, que o senhor está me dizendo, foi feito em dinheiro?I. Foi feito em dinheiro.J. Em dinheiro? O senhor tinha 15.000 no bolso e fez o depósito?I. Exatamente.DEFESA: Excelência, aqui, só um esclarecimento, eu não sei se ele está atrapa-

lhado aí, mas na defesa preliminar constou que esse era um cheque administrativo.J. Mas por isso que eu estou perguntando se é em dinheiro.DEFESA: É, pois se ele comprou o cheque administrativo só pode ser em dinheiro.J. Ahã. Mas algum problema?I. O depósito é em dinheiro.J. Eu não entendi a intervenção do doutor.DEFESA: Não, doutor, o senhor disse que ele deveria ter contabilizado esses 15.000.J. Ahã.DEFESA: Mas ele tinha 15.000, foi no caixa e comprou o cheque administrativo,

esse é o raciocínio, não que ele tenha tirado da conta do caixa pra emitir o cheque administrativo, ele tinha o dinheiro e emitiu o cheque. Desculpe.

J. Não, não, eu sei, porque o senhor está acabando respondendo por ele. Sim, pode continuar.

I. Não, isso aí é, nesse caso aí não é o do cheque administrativo?J. É isso que eu ia falar, doutor, o cheque administrativo é numa outra data. I. É.DEFESA: Não, mas é que está arredondado aqui R$ 15.000,00 esse documento. I. Não, esse é bem por isso...

Page 213: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 213

J. O senhor me desculpe, mas uma intervenção do senhor, talvez fosse mais a questão da forma de perguntar, até admitiria, mas o senhor colocar fatos, os fatos são expostos pelo réu.

DEFESA: Não, mas é que tão no processo.J. E até digo ao senhor que o fato que se refere ao cheque administrativo é uma

outra operação.DEFESA: Certo. Mas é que está tudo relatado na defesa preliminar.J. Sim, claro, mas eu espero que o interrogatório seja exclusivo dele.DEFESA: Certo.” (fls. 74-77)

Observe-se, também, quando fala sobre a conferência da conta dos cheques administrativos e da suposta inimizade com os colegas de tra-balho, em que, novamente, conta-se com intervenções da defesa:

“I. Eu queria salientar, é realmente esse mesmo, esse realmente foi 15.000 que eu trouxe e pus no caixa, no caso, e trabalhei com esse dinheiro daí.

(...) J. Ahã, tá ok. Em relação à CPMF, como era feito o pagamento, como era a autenticação, se era feito no alvará ou se havia uma guia específica?

I. Havia uma guia específica. Então, vinha o alvará lá que a gerência determinava cobrar CPMF ou não cobrar CPMF, aí você preenchia uma guia, uma guia ficava com o cliente e a outra ia para a contabilidade da Caixa. E, sem contar que, vamos dizer, no dia seguinte tinha o supervisor que fiscalizava todas as fitas de caixas, que é o que assina junto, até para conferir estornos.

J. O que eu queria saber é isso, o senhor fala bastante nessa pessoa que faz esse controle, quantos alvarás eram descontados na Justiça Federal por dia?

I. Não lembro assim, tinha dia que eram 10, 12, tinha dia que eram 30, essa média.J. E essa pessoa que fazia essa conferência, o senhor chegou a fazer isso ou não? I. Fiz uma vez, duas vezes assim, quando eu não tava no caixa.J. Qual foi o procedimento do senhor para fazer essa conferência?(...) I. Ver se o alvará tinha a assinatura do juiz, olhava o saldo da conta, ver se tinha

saldo na conta pra ver se não tinha resíduo, conforme o valor a gerência mandava estor-nar esses valores, eram estornados, ou chamado o advogado pra receber esses valores.

J. E assinava algum documento dizendo: ‘conferi’?I. Depende do documento que fazia, que às vezes quando, às vezes.J. Não, esse documento, alvará assim, eu digo no dia-a-dia, a rotina da Caixa

Econômica.I. Às vezes autenticava só um valor de débito ou às vezes o advogado não assinava.J. Não, a pergunta não está bem feita. O senhor disse que tinha esse trabalho de

conferência posterior?I. Ah, sim.J. Esse funcionário da Caixa, que fazia essa conferência, no final assinava alguma

coisa: ‘conferido’ e assinava, ou não?I. Não, não assinava, não lembro.

Page 214: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006214

J. E qual era o controle de quem conferiu, ou não conferiu, como era feito isso?I. Não sei, não lembro, não tô recordado. Eles conferiam porque tinha que, a gerên-

cia pedia porque queria saber até valores expressivos, o que que era feito do dinheiro e pra ver se não dava, se não houve nenhum dano com o alvará, então tinha sempre um funcionário que a gerência designava. Então, o que que acontecia? Ele olhava, conferia os saldos, tudo e se assinava, ou não, ele passava para a gerência, eu não lembro se tinha um relatório, se dava um ok apenas, então, não lembro se tinha esse documento de conferido ou não.

DEFESA: Não, mas tinha assinatura.J. Doutor, eu ia pedir que não fizesse intervenção dessa ordem. DEFESA: A ampla defesa, Excelência.J. Ampla defesa, mas o ato de interrogatório é exclusivo do réu e do juiz, o ad-

vogado faz o acompanhamento.DEFESA: É o sistema processual vigente também.(...) J. Mas só trato desse, eu não trato do não-vigente ou o vigente alhures.DEFESA: Certo. Sistemática inquisitiva, em que o juiz tem esse momento de poder

ouvir as informações do acusado.J. Sim, claro.DEFESA: Mas isso não lhe retira o direito à ampla defesa.J. Eu não compreendi.DEFESA: Acho que a partir do momento que se estabeleceu como princípio funda-

mental, preconizado na Constituição da República, o do contraditório e da ampla defesa, eu acho que quem tem a prerrogativa técnica de orientá-lo na defesa é o advogado.

J. Sem dúvida, mas o que eu quero dizer é que existe, o doutor sabe muito bem que existe momento para isso. Imagina se agora entrasse uma testemunha, começasse falar e entra uma pessoa, isso vira uma bagunça, então por isso o processo é de uma tal maneira em que existe um momento em que há o contato do juiz com o réu, isso é exclusivo, não há interferência da defesa nesse sentido, pode haver uma interferência se eu estiver fazendo alguma pressão, se eu tiver fazendo, conduzindo o processo para algum, mas no sentido, e sempre se dirigindo a mim em relação à formalidade da condição do interrogatório.

DEFESA: Pois não, pois não, Excelência.J. Nunca apresentando respostas que o réu não apresentou.DEFESA: Mas não foi absolutamente minha intenção criar qualquer tumulto.J. Mas foi o que foi feito.DEFESA: Não foi.J. Não, foi feito no sentido de apresentar fatos que seriam exclusivos do réu.DEFESA: Eu estou tentando auxiliar só.J. Então eu dispenso, esse tipo de auxílio, doutor, eu peço desculpa, mas eu não quero.DEFESA: Pois não, pois não, Excelência.J. Porque os fatos eu espero que apenas o réu apresente.DEFESA: Eu estou devidamente esclarecido.

Page 215: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 215

I. Ressaltando, doutor, o senhor perguntou se tinha algum documento conferido, ou não. Independente desse documento tinha uma delegação que a gerência dava, vamos dizer, ela determinava e citava os funcionários que iriam conferir aquilo, que eram sempre funcionários fora da área de atuação, por exemplo, todo funcionário que conferia esses procedimentos não podiam estar envolvido com os caixas, então, já fazia parte até da função deles dentro da agência, delegado pelo gerente, dizer: ‘ó, você vai conferir os sal-dos e vai conferir o destino desse dinheiro’, por exemplo, então, já vinha uma delegação, então, não precisava, no caso, o funcionário todo final de tarde assinar, então já vinha dentro do, era delegado poderes pra ele pela gerência pra fazer isso.

J. O senhor conhece Edna Matilde?I. Funcionária da Caixa.J. Da Caixa. O senhor tem alguma coisa que poderia alegar contra essa pessoa?

Houve alguma briga interna?I. Sempre a gente teve uma rivalidade, teve uma antipatia mútua.J. Isso se devia a quê?I. Parte funcional principalmente.J. Mas em que sentido isso?I. Busca, vamos dizer, do poder, ela sempre queria, disputa de cargos dentro da

agência, então fazia o possível pra barrar, a gente tinha várias discussões às vezes.J. Alguma briga específica assim que ficou registrado, assim, registrado no sentido

de algumas pessoas sabendo disso?I. Não lembro, a gente discutia assim.J. Mas discutia verbalmente na frente das pessoas?I. Às vezes.J. E quais eram os motivos disso?I. A gente, tipo de ‘puxa-saco’, que se refere assim a divergência de, de momento

eu não lembro, mas a gente tinha.J. Teve algum fato assim que o senhor consegue se recordar que causou algum

entrevero? I. Tinha assim quando ela substituía o supervisor, que ela vinha brigar, cobrar dos

caixas, essas coisas, então, a gente, às vezes, discutia.J. Não, mas eu digo um fato específico, ocorreu um fato e houve uma discussão? I. Teve, eu não tô lembrado assim, quer dizer, teve vários fatos assim, mas que eu

relatasse nesse momento não, reservar, talvez até o final eu lembre e diga assim.(...) J. Não? Várias pessoas, na seqüência a Adriangela afirma que o senhor teria dito,

na mesma situação, questionando por que que tinha feito tal e tal coisa, ela afirma: ‘questionado que, se o dinheiro não lhe pertencia, este pertenceria à União ou ao cliente, e que isso era uma apropriação de valores alheios, ele concordou e disse ter feito uma grande besteira’ e que ‘não tinha intenção de prejudicar ninguém’. O senhor chegou a afirmar isso ou não?

(...) I. É, não conversei nada com ninguém, é invenção delas.” (fls. 77-81)

Page 216: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006216

Ainda, veja-se quando responde sobre a origem do cheque adminis-trativo emitido em favor da esposa, desta vez inovando ao relatar que era o pagamento de máquinas da confecção:

“J. Existe um cheque, folha 30 do apenso 6, no valor de R$ 15.000,00, um cheque administrativo, o senhor se recorda desse cheque ou não?

I. Sim.J. Esse cheque, qual foi a origem desse cheque, o senhor sabe me informar ou não? I. Aqueles mesmos 15.000 que tinham nas contas, e eu tinha outros saldos, daí eu

fiz um cheque administrativo.J. Desculpa, eu não entendi, assim, o senhor fez referência a algumas coisas, eu não.I. Não, era dinheiro que eu mesmo, era dinheiro meu que eu fiz esse cheque, que

a minha esposa precisava pagar a máquina na confecção, e ela tinha negociado as dívidas, que trabalhava.

J. Mas assim, o senhor tinha dinheiro na mão, qual era o interesse de emitir um cheque administrativo?

I. Não era em dinheiro, não tinha dinheiro na mão, porque você, eu tinha aquele, eu não ia pagar em dinheiro, em vivo, era uma negociação que eu tava fazendo, então, tava pagando em cheque administrativo para a pessoa, não ia levar em cheque. Não era nem eu que tava pagando, isso era uma coisa particular dela e eu tinha dinheiro. Mesma coisa assim, o senhor dizer assim: ‘eu quero que...’, digamos que esteja aqui, você diz: ‘vai lá, me traz um cheque pra mim de 15.000’, no caso os recursos eu tinha e fiz o cheque administrativo pra ela, que ela precisava pagar uma dívida dela, então, não podia ser em dinheiro.

J. E ela entregou, então, o cheque ao beneficiário?I. Ao beneficiário.J. Quem era essa pessoa?I. Era o dono da loja que a gente fazia as compras.J. Que loja era essa?I. É a ACR Malhas que eu, que eu, ela pega as confecções, as máquinas lá. J. E com quem tratou lá?I. Tratou com o próprio dono.J. O nome dele é?I. Alvacir.J. Alvacir. E esse cheque foi entregue na mão do Alvacir?I. Foi entregue pra ele.J. E ele fez, sabe dizer se ele fez o depósito ou se não?I. Ele, posteriormente, fez, porque nós tínhamos que fazer uma negociada lá, que

eu fazia em três pagamentos, então ele me deu um prazo de 60 dias, porque eu queria ver se reduzia a dívida ainda e ele queria uma garantia. Aí, depois, como eu não pude cobrir, ele depositou, mas o valor da dívida não era esse.

J. Folha 33 do inquérito aparece o mesmo cheque e no verso existe uma assinatura

Page 217: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 217

com o nome de sua esposa.I. Ahã.J. Por que apareceram duas assinaturas nesse cheque?I. Não sei.(...) J. No cheque a beneficiária era A. M. D. B.?I. A. M. D. B., ela passou para uma outra pessoa.J. E ela passou para uma pessoa. Era necessária aposição da assinatura dela no verso

para que essa pessoa fosse beneficiária do cheque.I. É, provavelmente, que depois ele foi cobrar a assinatura, porque ela não assinou,

ele depositou, na verdade, antes, sem a assinatura dela, provavelmente, ou no banco, não sei quem que fez essa outra assinatura no depósito. Aí, quando voltou, ele foi pe-gar a assinatura dela, eu falei: ‘pô, mas não era pra você ter depositado’, daí: ‘é, mas voltou’, daí ela pegou e assinou para não dar problema.” (fls. 82-84)

Por fim, observem-se as explicações sobre a origem dos recursos creditados nas poupanças, que, desta vez, afirma serem, em parte, de pessoas que deixavam o dinheiro sob sua guarda:

“J. Existe, no apenso 2, três extratos de contas da Caixa Econômica, um em nome de A. M. D. B., outro R. D. B., outro R. D. B., são seus filhos?

I. São meus filhos.J. Isso no dia 07 de janeiro de 2000. Um no valor de 16.000, outro no valor de

14.000, outro no valor de 18.000. Os recursos referentes a essas contas, a origem deles é do trabalho do senhor e da sua esposa?

I. É, e pessoas que, vamos dizer, deviam empréstimo, vendas que eu fiz, ou até dinheiro emprestado que eu tinha.

J. Como assim?I. É, vamos dizer a pessoa...J. Pedia dinheiro emprestado e depositava na conta, é isso? Eu não entendi. I. Não, pessoas que, vamos dizer, tinham recursos que, que não tinham, eu tenho

pessoas assim que tem renda e não movimenta em banco, coisa de pessoas do interior e esse dinheiro ficou a minha guarda, entende?

J. Sim. Essas pessoas quem eram?I. São pessoas particulares, que elas deram.J. Sim. E o nome dessas pessoas?I. São pessoas que convivem comigo e eu me reservo o direito de deixá-las em

segredo. J. Claro. Quem é que fazia o trabalho de controle dos cheques administrativos?I. O caixa retaguarda.J. E essa pessoa quem era?I. Era o caixa tesoureiro, no caso.J. Mas havia alguma pessoa, o nome dessa pessoa o senhor sabe dizer ou não?I. Tinha rotatividade, elas que trabalhavam no caixa, que ficavam lá atrás, que

Page 218: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006218

controlavam. De período em período todos os caixas ficavam de tesoureiro, por isso que são todos eles. (...)” (fls. 85-86)

Como se vê, quando questionado sobre a origem dos valores e a rotina dos procedimentos bancários, responde de forma vaga, e, sobre a animosidade com as colegas de agência, não relata nenhuma situação concreta, limitando-se a fazer insinuações quanto à conduta da gerente--geral Adriangela em determinado momento. (fl. 85)

Também é possível observar das transcrições do interrogatório a im-pertinência das intervenções da defesa e sua influência no curso do ato.

Embora o réu negue, algumas testemunhas da acusação e as do Juízo relataram que confessou os fatos perante elas, no dia seguinte à descoberta dos fatos (21.12.99), em reunião na agência bancária.

Importante destacar que a confissão do acusado diante das colegas ainda antes da apuração sumária não pode ser desconsiderada pela simples retratação ou pela simples alegação de inimizade (não comprovada nos autos), porquanto mostra-se uniforme e em consonância com o conjunto probatório.

Observe-se o que relatam as servidoras da Caixa:Adriangela Maria Ligeiro Montesano, gerente-geral do posto de aten-

dimento da Justiça Federal de Curitiba na época do crime (D=depoente; J=Juiz):

“D. E a primeira coisa, no dia seguinte, em torno de dez para meio-dia, meio-dia, que era o horário que o empregado chegava, eu o chamei, nesse dia, com a presença de duas empregadas, que eram caixas-executivas...

J. Quem eram essas pessoas?D. Lorete e Edna, se não me engano. Essas duas pessoas, que tinham um conheci-

mento melhor até, técnico, da fita, e... (incompreensível)(...) J. E desde o início da conversa estavam presentes as duas, essas duas

testemunhas?D. Estavam. Essas duas empregadas estavam junto, e perguntamos ao A. N. B. o que

que teria acontecido com aqueles débitos, e ele, a princípio, dizia que não lembrava, era uma fita de dias anteriores, e aí, continuando a conversa, perguntamos: ‘tudo bem, mas o débito pode ser que você se lembre, mas a origem do crédito na conta de seus filhos menores você deve lembrar’.

J. Sei.D. E aí, com isso, uma outra pessoa na agência localizou, também, nesse período,

uma... um documento que comprovava uma autenticação de crédito em conta, mas que o documento era de retenção de CPMF.

Page 219: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 219

J. Sei.D. Quando nós mostramos efetivamente esse documento...J. Mas esse documento, qual era a participação do A. N. B. nele?D. Era...J. Era ele que tinha feito o processamento?D. É, de uma... ele que tinha autenticado, no caixa dele, que estava inconsistente.

Quando nós apresentamos esse documento, o A. N. B. realmente confessou. Ele disse que ele realmente tinha feito esses créditos. Ele, por várias vezes, dizia que ele não tinha lesado ninguém, somente o Fisco.

J. A senhora lembra, assim, as exatas palavras dele? Mais ou menos?D. É, isso eu gravei bastante, porque ainda falei, falei assim: ‘gente, mas o Fisco é

alguém! O Fisco somos nós!’J. E quando ele declarou isso estavam presentes as testemunhas que a senhora

mencionou?D. Estavam.(...) J. E o que aconteceu então?D. Então, ele disse isso, que... apenas nós perguntamos por que ele tinha feito isso,

essas apropriações indevidas, e ele disse que era porque passava por momentos difíceis na família e coisas do tipo. Aí eu voltei a perguntar: ‘mas se uma pessoa que passa por problemas poupa?’ Porque o crédito estava numa poupança... Aí ele voltou a dizer que tinha sido uma besteira na vida dele, que não deveria ter feito isso, e até no final ainda disse pra ele: ‘vá pra casa, não precisa trabalhar hoje, que nós vamos ver o que que nós vamos... que atitude que nós temos que tomar’.

J. Sei.D. E até, na saída, ele ainda chamou a Kátia... e me chamou... e disse: ‘olha, a Kátia

não tem culpa nenhuma, eu estou nisso sozinho’, e falou alguma coisa nesse sentido, não me lembro as palavras exatas, mas dizendo, pedindo desculpas pra Kátia, que ele não tinha feito com intenção de lesar ninguém’ (fls.118-119).

‘(...) D. ...tem um outro controle, que é da..., dos cheques administrativos emitidos.J. Sei.D. E naquele período – é sempre um caixa-executivo... era, sempre, um caixa-exe-

cutivo o responsável – naquele período era o próprio A. N. B.... que era o responsável pelo controle dos..., das emissões de cheques administrativos.

(...) DEFESA: Se... é, existiam, provavelmente, outros caixas, se ela saberia declinar quantos outros caixas-executivos existiam, à época, no PAB?

J. A senhora pode responder.DEFESA: E se os mesmos tinham atribuição também de emitir cheques admi-

nistrativos?J. A senhora pode responder.D. É... Olha, a quantidade era de cinco a sete, pelo que eu estou me lembrando. Mas

a atribuição do caixa-executivo é emitir cheque administrativo, pagar alvará... O que que nós fazíamos, na época, era, para evitar um tempo maior, era... – o atendimento

Page 220: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006220

de alvará com o atendimento normal de uma conta corrente é muito diferente; o alvará requer uma atenção maior – então, esse atendimento era feito em mesas, e não em guichês. Então, essas pessoas ficavam nas mesas, atendendo alvarás, e outros caixas ficavam nos guichês.

J. Sei.D. Agora, a emissão de cheque administrativo era por qualquer caixa, e havia um

caixa responsável pelo controle.J. Sei.D. No final do dia, todos os créditos foram feitos? Quais foram os cheques emitidos?

E isso era o fechamento, que devia ser diário.J. Esse período das supostas fraudes coincide com o período que ele estava com

essa atribuição?D. Sim.” (fl. 126)

Kátia Simone Tomczack, gerente dos caixas da área de execução, na mesma agência, confirma o que Adriangela havia dito:

“D. É quando, é, vimos que tinham algumas irregularidades, a Adriangela, na época, chamou, quando eu lembro que ele chegou, a Adriangela já chamou ele juntamente com dois empregados para ter uma conversa.

(...) J. Quem que eram esses empregados?D. A Lorete e a Edna.(...) J. E depois a senhora chegou a ter algum contato com o A. N. B.?D. É, assim... depois que ele terminou essa reunião, eu vi que ele saiu bem trans-

tornado, ele veio para mim, pediu desculpas, até ele disse: ‘olha, você não tem nada com isso’, ele disse assim, que tinha feito algumas besteiras e estava bem transtornado.

(...) J. E quando ele falou isto para a senhora, estava só a senhora e ele ou tinha mais alguém?

D. A Adriangela estava presente.(...) J. E tinha algum controle em cima desses cheques administrativos?D. Olhe, na época, quem controlava os cheques era o próprio A. N. B., porque tem

que fazer a conciliação, verificar...J. Cheques dele e de outros ou só os cheques dele?D. Todos os cheques da conta de cheque administrativo, porque ela, ela é uma conta

da agência; então, qual é o controle que se faz? Todos os cheques que são emitidos, quando vêm, pela conta a gente dá baixa, este caiu, este caiu; então, todo mês tinha que se fazer essa conciliação.

J. E ele que fazia esse controle?D. A responsabilidade era dele.” (fls. 133-135)

Do mesmo modo, Ângela Marta Ávila da Silva confirma que o réu foi chamado pela gerente-geral, Adriangela, assim que descobertas as irregularidades, na presença das funcionárias Edna e Lorete (fl. 136),

Page 221: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 221

bem como que o réu era o responsável na agência pelo controle da conta de cheques administrativos. (fl. 137)

Veja-se, também, o que informaram as testemunhas do Juízo.Edna Matilde Koscianski Milan Miske, que participou da reunião

convocada pela gerente-geral, relata:“D. Dia 21 de dezembro, a gerente-geral Adriangela convocou a mim, Edna, e a

Lorete e o A. N. B. pra uma reunião.J. Certo.D. E disse que se tratava de uma coisa muito delicada e apresentou então um,

um, uma fita de caixa, uma fita de auditoria onde são registrados os lançamentos efetuados pelo caixa, que se tratava da fita do A. N. B. E ela queria saber, ali na fita apareciam depósitos feitos em caderneta de poupança dos dois filhos dele e na conta da esposa. E ela queria saber da onde tinha vindo esse dinheiro. Aí ele se mostrou muito nervoso, dizia, disse não saber do que se tratava. E ela falou assim: ‘Olha, A. N. B., eu fiz um batimento da tua fita, e como você iniciou o caixa, no dia, com saldo zero, pelo teu caixa não passa dinheiro. A única origem caracterizada aqui na fita de caixa pra esses depósitos é a autenticação de um cheque administrativo de aproximadamente R$ 8.000,00 (oito mil reais) e que corresponderia ao valor de CPMF de um alvará pago alguns meses atrás, no valor, mais ou menos, de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais)’.

J. E o que que foi dito então pelo A. N. B.?D. Aí ele ficou muito nervoso, disse que não sabia do que se tratava e tentou descon-

versar. Mas no final, é, a gente questionou o que que seria. Falei: ‘A. N. B., não tem outro motivo. Donde veio esse dinheiro, você não recolheu dinheiro nenhum pra retaguarda, tava caracterizado’. Aí ela falou: ‘olha, tá claro que aqui tava um desfalque, tá sendo retida CPMF e não tá sendo repassada, tá sendo em proveito seu’. Aí ele: ‘É, porque...’ Ficou envergonhado, pediu vergonha, pediu desculpas, que não tinha justificativa.

J. ...O que ele falou exatamente?D. Tá. É, que não sabia o que que era, tentou desconversar. Quando ela perguntou

se haviam outros, desvios de outros valores, ele num desabafo falou: ‘Só CPMF’.J. Ele chegou a falar ‘Só CPMF’?D. Só CPMF. E aí ela perguntou se havia mais pessoas envolvidas, se ele teria

nesses, nesses valores envolvido mais alguém. Disse que não, que não tinha envolvido nem colegas nem clientes e que não tinha mais ninguém envolvido na, nessa situação, né? E...

J. Falou mais alguma coisa?D. Não. Ele tentou justificar que seria por falta de dinheiro, por falta de aumento

que ele teria feito essas...J. Ele falou isso, que teria feito por conta, por falta de crédito financeiro?D. É, eu perguntei pra ele se teria um motivo. E ele: ‘Ah, falta de dinheiro, situação

Page 222: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006222

financeira, a gente tá sem aumento há muito tempo, que não tinha lesado ninguém’. Daí eu falei: ‘Não, A. N. B., você lesou, porque se você reteve CPMF e não me passou pra Receita, você lesou a Receita Federal’. Aí ele ficou assim, só a CPMF e tal.

J. E quem estava presente nesses momentos era a senhora...?D. Eu, a Lorete, a Adriangela e o A. N. B.(...) D. ...A Adriangela disse no início dessa reunião que ela havia convocado a mim

e a Lorete, porque eram as pessoas que conheciam os trabalhos de caixa, os procedi-mentos, de pagamento de alvará.” (fls. 165 e 167)

Lorete do Carmo Fabris, a outra funcionária convocada para partici-par da reunião, confirmou integralmente as declarações prestadas pelas demais. (fls. 168-170)

Como se evidencia, os depoimentos das funcionárias da CEF em juízo são bastante claros, além do que se mostraram uniformes em todas as fases em que ouvidas, relatando que o acusado, ainda antes da apuração sumária, admitiu os fatos.

C. J. A. Mittermaier já destacava que, em um caso especial, a con-fissão determina irresistivelmente a convicção, se os fatos relatados são demonstrados verdadeiros, amiúde quando as particularidades referidas só podem ser conhecidas pelos próprios agentes. Leciona ainda o mesmo autor que “é mister, em todos os casos, que para o juiz resulte certeza completa do exame dos motivos que o arrastaram a dar esse passo, de todo o seu procedimento, da concordância entre os fatos especiais compreendidos na confissão e nas outras provas dos autos, da verossimilhança da confissão, e da probabilidade do crime imputado ao acusado; so-mente nestas condições pode a confissão autorizar a condenação” (Tratado da Prova em Matéria Criminal. Jacintho Ribeiro Santos - editor proprietário, Rio de Janeiro,1917). Essa é a realidade dos autos.

Dessa forma, não tendo o réu comprovado que foi forçado a falar ou que as testemunhas mentiram por inimizade, mostra-se esta válida como prova.

Neste ponto, mister salientar que o depoimento de funcionários do órgão lesado, especialmente quando prestado sob a garantia do contra-ditório, reveste-se de inquestionável eficácia para a formação do con-vencimento do julgador. Não se poderia desqualificá-lo só pelo fato de emanar de empregados da instituição financeira.

O testemunho somente não poderia ser considerado caso se eviden-ciasse que esse servidor, por revelar interesse particular na investigação

Page 223: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 223

penal, age facciosamente. Também não pode ser levado em conta quando se demonstrar (tal como ocorre com as outras testemunhas) que as suas declarações não encontram suporte, nem se harmonizam com outras provas idôneas. Entretanto, esse não é o caso dos autos, pois o réu não logrou demonstrar que existia a suposta inimizade com as colegas e menos ainda que tinham interesse particular na apuração.

Com efeito, o simples fato de a Caixa ser a vítima imediata do crime não comprova o interesse das funcionárias na condenação do acusado.

A propósito, destacou acertadamente a sentença:“36. Sendo a confissão extrajudicial prova válida, deve ela ser avaliada pelo Juízo

juntamente com o conjunto probatório. Certamente, por si só, ela não ampararia uma condenação. No entanto, considerando que está amparada por outros elementos pro-batórios, que, aliás, por si só, amparariam a acusação, e que foi prestada na presença de três testemunhas, que proferiram depoimentos convergentes sobre o fato, constitui prova significativa da responsabilidade do acusado pelos fatos narrados na denúncia.

37. Se o acusado não é culpado pelos crimes a ele imputados, a única explicação para a confissão extrajudicial seria a de que as três testemunhas estariam faltando com a verdade. Se esse, porém, fosse o caso, faltaria encontrar um motivo para tal compor-tamento. O único apresentado pelo acusado e pela Defesa é a de que o primeiro estaria sendo vítima de alguma espécie de conspiração. Faltou, contudo, qualquer prova dessa conspiração, soando ela misteriosa e inacreditável. (fl. 272)”

Quanto ao fato de a apuração sumária recair somente sobre sua pes-soa, já foi ressaltado anteriormente que isso decorreu do fato de todas as irregularidades terem sido verificadas no seu caixa, bem como se explica pelos pedidos de desculpas feitos por ele a Kátia S. Tomczack, dizendo que ela não tinha culpa de nada, e das afirmações perante as demais servidoras de que era o único responsável.

Nesse sentido, a alegação de que, “desde o início, a defesa internalizou a idéia de possível participação de outros empregados da Caixa Econô-mica Federal”, sendo inadmissível que durante todo o período “tenham sido as irregularidades cometidas sem intervenção (ou participação) dos superiores hierárquicos” (fl. 291, i. 14), mostra-se infundada, vis-to que, como frisado antes, não apontou concretamente nenhum fato ou funcionário suspeito pelo crime, apenas usando repetidamente do recurso da insinuação.

Observe-se, ainda, a respeito, a resposta de Adriangela Maria Ligeiro Montesano à contradita, formulada com base no art. 207 do CPP, alegan-

Page 224: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006224

do estar-se diante de sigilo bancário, e na suposta inimizade existente entre ela e o réu:

“D. Eu declaro que não tenho inimizade nenhuma, não tenho nada contra o réu. Absolutamente.

J. Então, tá fe...DEFESA: Mas ele tem contra você.J. Tá certo, doutor, mas aí, também, todo mundo que o réu não gostar, então, daí

vai ser afastado do processo penal.DEFESA: De preferência.” (fl. 116)

Como se observa, isso demonstra no mínimo a unilateralidade do sentimento de rivalidade apontado pelo acusado.

Por outro lado, com razão o acusado ao sustentar que o fato de as testemunhas o apontarem não pode, por si só, ensejar condenação.

Todavia, há outros elementos que corroboram, como as informações da ação ordinária e os próprios testemunhos de defesa, que desmentem sua tese.

Mais uma questão a comprometer a negativa de autoria é o fato de que os funcionários ouvidos nas diferentes fases (administrativa e judicial) foram contestes ao afirmar que o réu era o responsável pelo controle da conta de cheques administrativos da agência na época. (fls. 1334 e 1348, apenso VIII, 07/07, e fls. 126 e 135, autos principais)

De todo o exposto, verifica-se que o apelante busca, em verdade, confundir e/ou convencer pela insistência, pela repetição.

Por outro lado, ressalto que não logrou demonstrar, como acredita, que exercia outras atividades remuneradas além do emprego na CEF, bem como que a esposa também trabalhava, de molde a justificar o montante de depósitos nas poupanças.

Observe-se como vai se revelando frágil a tese.No apuratório, declarou (fl. 1372, apenso VIII):“Além de empregado da Caixa, atua em outras atividades sem registro formal, não

querendo decliná-las. (...) Em relação ao cheque administrativo nº 3806, no valor de R$ 15.000,00, nominativo à A. M. D. B., o mesmo foi emitido com recursos decorrentes parte de saque em caderneta de poupança ou conta-corrente e parte em numerário. O referido cheque foi emitido com omissão do último sobrenome da favorecida a pedido da mesma”.

Na seqüência, vejam-se os testemunhos de defesa, que supostamente

Page 225: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 225

comprovariam suas outras fontes de rendas.Jocimar Gonçalves Morais, amigo desde a infância:“MPF. E se o depoente saberia se o denunciado exercia alguma atividade profissional

fora da Caixa Econômica? Ele ganhava dinheiro de outra forma além de ser inscrito na própria Caixa?

D. Não, não.J. O senhor não sabe ou ele não fazia?D. Não, que eu sei, não. Que eu sei a única coisa que ele dava uma mão pro pai

dele. O pai dele sim tinha, tinha uma lanchonete, barzinho, que ele sempre ajudava a família, né?

J. E a esposa dele tinha alguma atividade?D. A esposa dele, na época, trabalhava em uma empresa de materiais de constru-

ção, que eu me lembre.J. Como empregada ou...?D. Exatamente, como empregada.” (fls. 172-173)

Dorival Colaço, antigo vizinho:“DEFESA. Além dessa atividade na Caixa, ele, ele desenvolvia alguma outra

atividade?D. ...desde a adolescência que ele lutou muito na vida e sempre trabalhou em mais

de um emprego, né? Digamos assim, nas horas de folga, na hora de lazer, de final de semana, ele sempre fazia, como se diz, os trabalhinhos, os bicos dele, num outro em-prego pra aumentar um pouco mais a renda, né?

DEFESA. E a esposa dele trabalha?D. A esposa, a esposa dele não, não trabalha, não.DEFESA. Trabalhava na época?D. É, é, não trabalhava na época, hoje ela trabalha, né? Hoje ela trabalha. Na

época, trabalhou um pouco numa empresa e depois saiu. Ficou bastantes anos parada...MPF. Excelência, quanto à atividade extra da Caixa Econômica, ele exercia? Quais

eram os bicos do acusado A. N. B.?D. Olha, que eu tenho lembrança bem, que ele sempre gostava de, acostumado a

ir sempre no Paraguai, comprar mercadoria lá, vender com, assim né? Trabalho de venda, alguma coisa assim que...

MPF. Que tipo de mercadoria?D. É, as mercadorias normais que as pessoas mandam, né?J. Ele vendeu alguma coisa para o senhor?D. Ó, tem coisas pequenas, assim simples, né?J. Por exemplo?D. É, uma roupa assim, radinho pequeno, essas coisas.” (fls. 173-174)

E, especialmente, Alvacir Cubas Ribas, do ramo de confecções, com

Page 226: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006226

quem o acusado e a esposa negociariam:“J. O seu relacionamento com ele é profissional, amizade, qual a natureza?D. Já tenho amizade com ele há muitos anos. Já, acho, que uns vinte e cinco, trinta

anos já conheço o A. N. B., né?J. E negócios com ele? O senhor mantém algum negócio ou já teve algum negócio

com ele? D. É, alguma coisa assim negócio nós tinha, é, porque eu tenho comércio de tecidos.

Então, de vez em quando eu pegava lá o lote de confecção lá enquanto o cara não me pagava, ele comprava o tecido de mim confeccionado e não conseguia me pagar. Daí ele dava a confecção. Daí eu repassava alguma coisa lá pra esposa dele pra revender. Esse tipo assim que a gente tinha.

J. Como é que era a operação? O senhor pode me descrever de novo?D. É, a confecção que eu pegava em conta, o cara não me pagava, comprava a

malha lá e não me pagava. Daí ele pegava em confecção, só que confecção não é o meu negócio. Então, eu repassava pra A. M. D. B., que é a esposa do A. N. B., e daí ela vendia isso e me passava daí o dinheiro, né? Eu pagava uma parte dela e...

J. Quantas vezes isso ocorreu? Várias vezes, uma vez só?D. É, depende. Não, acho que algumas vezes. É, depende, porque se, quanto, tem

meses... É, tem meses que tem mercadoria. ... J. Que empresa que é do senhor?D. É ACR Malhas.J. E fica aonde?D. Lá no Boqueirão.J. E essa, o senhor entregava ela, pra ela em consignação? Alguma coisa assim?

Pra ela poder vender?D. Isso, tipo assim em consignação. É, eu dava, tipo assim, não, não só pra eles lá,

mais umas duas ou três pessoas que eu dava isso, né?J. Certo. E...D. Não é, não é sempre que tem isso, né? Tem mês que tem, tem mês que não tem. (...) J. E isso tinha alguma documentação relativamente a essas operações?D. É, a gente só fazia um controle, né? Porque já era mercadoria que já era devo-

lução, já pegado em, é, pegado em cobrança, né?J. Recibo, o senhor passava deles quando eles entregavam essa mercadoria?D. Tipo assim, antes não fazia porque, é, é uma pessoa conhecida já de vinte e

poucos anos, né.J. E esse controle que o senhor mencionou, como que, que controle que era? Que

espécie de controle? Fazia alguma anotação...?D. Fazia no pedidinho, assim, no pedido, fazia um pedidinho, né, e fazia pra eles. J. E tinha alguma anotação em livro do senhor alguma coisa especial, alguma

anotação? D. Não, isso não. Isso não porque é uma mercadoria já pegada em conta, né? Tanto

Page 227: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 227

que a gente nem mexia com confecção lá, entendeu? Não trabalho...J. Mas quando eles vendiam para outras pessoas, como é que eles faziam? Eles

davam nota?D. Daí isso eu não sei. Que daí ele, eu não sei como que ele fazia isso.J. Mas a mercadoria não era do senhor?D. Era.J. E o senhor não passava uma nota pro comprador, alguma coisa?D. Ãh?J. O senhor não passava uma nota fiscal?D. É, tipo assim, é que era uma mercadoria que eu pegava em conta. Então eu não

podia tirar porque era uma mercadoria que ele pegada em conta lá.J. Em conta de quem?D. De quem comprava tecido de mim. Então, vamos supor, você vai lá na minha

loja e compra tecido.J. Tá.D. Tá? Mas você não pode me pagar. Você me dá o cheque e voltou o cheque. Daí

você diz: ‘Ah, tem a confecção aqui’. Daí eu pegava essa confecção em conta pra me pagar. Entendeu como?

J. Mais ou menos. Mas ainda tinha uma nota fiscal da primeira operação? O senhor...D. Da venda tinha, da venda pro cliente tem. Só que eu não tenho, daí depois quan-

do ele devolvia, porque ele devolvia a mercadoria lá, ah, trinta camisetas, cinqüenta camisetas, entende?

J. E quando o senhor começou a fazer esse tipo de negócio com a esposa do A. N. B.?D. Acho que em 95, assim que tinha bastante devolução lá...J. Até quando o senhor fez?D. Ah...J. Aproximadamente.D. Até 9..., 98, 99, que daí depois eles pararam porque eles desanimaram lá, né?

Que daí ele tava ruim pra vender tal.J. 98 ou 99? O senhor saberia precisar?D. Precisar, é...J. Final de 98, final de 99, começo de 99, final de, começo de 98?D. Acho que em torno de 99 assim, não sei. Foi maio de 99, porque o mês que a

gente mais tinha devolução era sempre maio, né? Que é inverno.J. E isso assim era um volume grande de mercadoria? Dava um rendimento bom

pra eles fazerem isso?D. Ó, às vezes dava dois mil, às vezes chegava a dar dois mil em mercadoria. Daí

não sei por quanto eles vendiam, né? Isso eu não posso dizer quanto que eles ganhavam que eu não sei quanto que eles vendiam. Às vezes dava dois mil de mercadoria. ...

(...) MPF. Excelência, especificamente os anos de 98 e 99, quanto essa operação de venda de malha teria rendido à esposa do A. N. B.? Se ele poderia precisar.

Page 228: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006228

J. O senhor tem alguma idéia aproximada? Assim, quanto que dava num mês, em 99, ou quanto deu em 99, ou quanto deu em 98?

D. Valor assim?J. Isso.D. É porque eu não posso te dizer porque eu não sei por quanto que eles vendiam,

sabe?MPF. Quanto o senhor teria recebido da esposa dele como pagamento das malhas

que o senhor forneceu à ela?D. É, eu acho que foi, o ano todo, uns nove, dez mil, assim. J. Aonde? Em 99 ou 98? Ou antes?D. É, depois ele pegou, assim, de uns, em torno acho que, em torno ...J. A média era isso por ano?D. Por ano assim.J. Dez mil reais?D. É, nove mil por ano, assim.J. E o senhor não tem nenhum controle desses pagamentos que lhe eram feitos? D. Não, porque ele ia lá me, vamos supor, ele pegava lá chequinho de cliente lá que

ele vendia lá, me dava pendente lá cem reais, dava mais trezentos, mais quinhentos, ela ia lá, né?

J. Mas quando o senhor entregava as mercadorias pra ele, provavelmente o senhor tinha algum registro, claro.

D. É, a gente fazia lá um registro lá do que tinha. Daí quando ela batia, batia tudo lá, bateu..

J. E o senhor não tem essa documentação?D. Não tenho. É porque isso daí era uma coisa assim que, é, sabe, é, troço já que

você nem, troço que você..., era prejuízo já, né?J. Mais alguma questão?(...) MPF. E afora essa venda de malhas, o réu A. N. B., ele tinha alguma outra

atividade comercial além de ser empregado da Caixa Econômica?D. Que eu saiba, não.” (fls. 176-179)

Como se vê, tais depoimentos não comprovam suficientemente a tese defensiva, antes ao contrário, trazem dúvidas sobre as atividades extras do réu.

Veja-se que o testemunho de Alvacir Ribas, especificamente, não se revela de todo confiável, além de sua inconsistência, pelo fato de o MM. Juiz Federal Substituto da 7ª Vara Federal de Curitiba ter ob-servado, ao proferir sentença na ação cível alhures mencionada (nº 2000.70.00.009788-5), que essa pessoa teria prestado declaração que veio a ser desmentida. Observe-se o excerto pertinente da decisão:

Page 229: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 229

“Outrossim, na petição inicial afirma-se que o cheque administrativo foi endos-sado ao Sr. Alvacir Ribas para pagar uma dívida existente e que a sua devolução, em 22.12.1999, exauriu o dano experimentado pela Sra. A. M. D. B. (fls. 04/05). No intuito de comprovar tal afirmação, juntou-se aos autos declaração do Sr. Alvacir, afirmando a existência de débitos vencidos em 12.09.99, 12.10.99, 18.11.99 e 18.12.99 (fl. 48). Mas, em seu depoimento pessoal, a referida autora confessou a falsidade da assertiva, nos seguintes termos: ‘desconhece as dívidas/notas promissórias retratadas na declaração da fl. 48 dos autos, uma vez que nada devia a Alvacir Cubas Ribas; (...)’ (fl. 1746). Ela também reconheceu que uma das assinaturas lançadas no verso do documento não é sua. Ora, ante as fortíssimas evidências da origem irregular da verba retratada na cambial, o fato de ela haver sido emitida pelo próprio esposo da beneficiária, na função de caixa--executivo, com a estranhíssima omissão de seu último sobrenome (que a vinculava ao marido – A. N. B.) e a presença de assinatura (com o nome da Sra. A. M. D. B.) destoante da indicada no cartão de autógrafos mantida junto à instituição financeira, nada mais natural do que esta não realizasse o pagamento, quando menos a título de cautela, para elucidar a situação. Frise-se mais uma vez que a tão citada dívida, alegada na inicial, simplesmente não existia, conforme a própria autora confessou.” (fl. 208)

Quanto a isso, ainda, bem destacou o MM. Juiz a quo na sentença:“24. No que se refere aos créditos efetuados em sua conta e na de seus familiares,

foi alegado que seria produto de venda de mercadorias que traria do Paraguai (fls. 74-75). A alegação encontra apenas algum apoio no depoimento de Dorival Colaço, que confirmou genericamente que o acusado venderia produtos do Paraguai (fl. 174). A testemunha de defesa Alvacir Cubas Ribas ainda declarou que o acusado e sua esposa revendiam algumas de suas mercadorias (fls. 176-179). O valor estimado pela testemunha acerca da vendas foi de cerca de nove ou dez mil reais por ano, o que é bem distante do valor total apropriado pelo acusado. De todo modo, carece esta alegação do acusado de melhor prova. Embora atividade da espécie possa ser desenvolvida em ambiente de certa informalidade, seria de se esperar pelo menos algum registro documental de tal atividade, como, por exemplo, a própria compro-vação de viagens ao Paraguai ou mesmo o registro de cheques de terceiro recebidos pelo acusado na venda de mercadorias. Nada, porém, de substancial foi apresentado. Ademais, mesmo que provada esta atividade paralela, remanesceria a necessidade de demonstrar que os depósitos efetuados na conta do acusado e de seus familiares dela seriam provenientes.” (fls. 267-268)

De todo o exposto, observa-se que inexiste a alegada controvérsia entre os elementos de prova, não havendo falar em aplicação do princípio in dubio pro reo, a despeito dos respeitáveis ensinamentos transcritos dos doutrinadores nacionais e da literatura estrangeira citada, que, aliás, não se aplicam ao caso, no qual há robustez da prova.

Page 230: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006230

Assim, suficientemente comprovado que o acusado, enquanto caixa--executivo da CEF, pagou a menor alvarás judiciais, retendo valores de correção monetária e CPMF de que tinha a posse em razão do emprego público, apropriando-se e/ou desviando as quantias em proveito de seus familiares, por cinqüenta e quatro vezes, deve ser mantido o decreto condenatório.

Do mesmo modo, nada a modificar quanto às penas estabelecidas.O apelante sustentou que, ante as circunstâncias judiciais, a pena

deveria ser a mínima, pois é primário e sem antecedentes. Argumentou, também, que o Juiz não justificou o afastamento do mínimo legal e que as vetoriais desfavoráveis não são suficientes para justificar o aumento.

Não lhe assiste razão em nenhum aspecto.O Juiz a quo fixou a pena-base nos seguintes termos: “45. O acusado é primário, sem qualquer antecedente negativo. Não há notícia de

outros registros funcionais negativos. Seu contrato de trabalho com a CEF está suspenso em virtude dos fatos narrados nessa denúncia. Não há maiores informações acerca de sua atividade atual. Por outro lado, o montante desviado pelo acusado é significativo, alcançando o valor total de R$ 73.269,92 (item 7.6 da fl. 388 do apenso VIII). Não há registro de qualquer atitude do acusado no sentido de reparar o delito. Ao contrário, seus familiares, certamente com seu aval, ingressaram mesmo com ação judicial de nº 2000.70.00.009788-5, pretendendo a condenação da CEF à indenização por danos materiais e morais decorrentes do bloqueio administrativo do numerário constante em suas contas, que, cf. visto, é produto dos desvios cometidos pelo acusado (fls. 202-210 destes autos). Tal atitude revela que o acusado não demonstra qualquer arrependimento pelos seus atos, procurando, pelo contrário, obter reparação contra os atos tomados pela CEF para minorar os danos provocados pelo delito. É também digno de nota o fato de que a conduta delitiva estendeu-se por período considerável, o que revela um contínuo desapreço do acusado pela lei penal. Nada tendo mais de relevante a conside-rar, constato a concorrência de circunstâncias favoráveis e desfavoráveis ao acusado, sem que haja predominância de uma ou outra, motivo pelo qual reputo adequada pena privativa de liberdade um pouco acima do mínimo legal, de dois anos e quatro meses de reclusão.” (fl. 273)

Como se vê, se houvesse algo a reparar seria em prejuízo da defesa.De fato, o requinte do procedimento adotado pelo acusado, bem como

seu comportamento em todas as fases e o fato de ser o responsável pelo controle da conta dos cheques administrativos da agência e substituto eventual da gerência, enfim, funcionário da confiança de todos, eviden-ciam a plena desfavorabilidade das vetoriais culpabilidade e circuns-

Page 231: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 231

tâncias, além das conseqüências, pelos reflexos em várias atividades da Caixa, o que justificaria aumento da pena-base até maior do que o apli-cado, no que só não procedo em razão da ausência de recurso ministerial.

Dessa forma, mantenho a pena-base, bem como a provisória, pela falta de circunstâncias legais a considerar.

Na terceira fase, incidiu a majoração decorrente da continuidade delitiva, no percentual de 2/3 (dois terços).

Também neste aspecto, nada a reparar.Com efeito, embora tenha havido 54, e não 57, reiterações do crime,

como considerou o sentenciante, o número é igualmente expressivo, sendo apto a justificar a aplicação do percentual máximo de majoração.

Além disso, não trouxe o réu qualquer embasamento para sua alegação de que o “correto seria 1/6”.

Assim, mantenho a pena carcerária definitiva em 3 (três) anos e 10 (dez) meses de reclusão, a ser cumprida em regime aberto.

Quanto à multa, adoto entendimento segundo o qual todas as cir-cunstâncias que interferem na fixação da pena corporal devem se refletir também na da multa. Todavia, verificando que a adoção desse critério agravaria a situação do réu, que recorreu exclusivamente, mantenho consoante estabelecido em primeiro grau, ou seja, 30 (trinta) unidades diárias, no valor de um salário mínimo vigente à data do último fato, uma vez que a defesa, também, não se insurge a respeito.

Considerando preenchidos os requisitos do art. 44 do CP, não obs-tante a desfavorabilidade de algumas circunstâncias judiciais, mante-nho a substituição da sanção privativa de liberdade por restritivas de direitos, na forma fixada na sentença, dada a ausência de irresignação neste particular.

Entretanto, devo observar que incorreu em equívoco o magistrado ao estabelecer a prestação de serviços à comunidade apenas pelo prazo de 3 (três) anos, quando deveria ser pelo mesmo tempo da pena substituída (3 anos e 10 meses), já que, na forma do § 3º do art. 46 do CP, deve se dar à razão de uma hora por dia de condenação.

Feita a ressalva, mantenho consoante estabelecido em sentença, mais uma vez, pela ausência de recurso ministerial.

Cumpre examinar, ainda, quanto ao decreto de perda do cargo público, já que alega a defesa que decorre de excessivo rigor, constituindo “ver-

Page 232: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006232

dadeira dúplice sanção”, que deveria ser convenientemente motivada. (fl. 323)

Luiz Régis Prado, citado também pela defesa, leciona que: “Esse efeito – de natureza administrativa e política – não se encontra necessa-

riamente subordinado à prática de crime contra a Administração Pública (Título XI, Código Penal); ao contrário, pode decorrer de qualquer infração, desde que satisfeitos – alternativamente – os seguintes requisitos: a) aplicação de pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública (art. 92, I, a); b) aplicação de pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos (art. 92, I, b)”. (Curso de Direito Penal Brasileiro, - Parte Geral, 4. ed., São Paulo, 2004, v. 1)

Logo, tendo sido o réu condenado a pena privativa de liberdade su-perior a um ano pela prática de peculato, cabível o decreto de perda do cargo, nos moldes do art. 92, I, a, do CP, o que deve ser devidamente motivado, como ocorreu na hipótese.

De fato, a sentença traz os elementos de convicção do julgador, possibilitando o exercício da defesa, o que é suficiente para aferição de sua validade.

Os requisitos para tanto são a quantidade de pena e a violação de dever para com a Administração Pública, o que, indiscutivelmente, verifica-se nos autos, pois o acusado, funcionário da CEF, exercendo a atividade de caixa-executivo, apropriou-se e/ou desviou valores de que tinha posse, revelando sua conduta um requinte incompatível com a manutenção do emprego público. As várias manobras utilizadas para obtenção do resul-tado é que revelam mais concretamente essa incompatibilidade. Com o destaque de que o período em que ocorreram os fatos coincide justamente com aquele em que era o responsável pelo controle da conta dos cheques administrativos da agência, atuando, também, como substituto eventual da gerência, além de ser o principal agente no pagamento dos alvarás judiciais, exatamente as áreas onde ocorreram os crimes.

Assim, mesmo sendo primário o réu, a natureza do crime e sua rei-teração por cinqüenta e quatro vezes, sendo uma no ano de 1998 e as demais ao logo de 1999, demonstram a incompatibilidade com o exercício do emprego público, porquanto tudo ocorreu no exercício das funções próprias do agente.

Com efeito, comprovada a prática de delito funcional, falta idoneidade

Page 233: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 233

para continuar a exercer o emprego, pois não é possível atribuir-lhe dever que já descumpriu. Além disso, mantê-lo na atividade seria dar meios e estimular a reiteração da conduta.

Ainda, destaco a improcedência da alegação de que a manutenção do decreto de perda do cargo implicaria “bis in idem no reconhecimento da reprovabilidade”. (fl. 324)

Com efeito, a perda do cargo é efeito extrapenal da condenação, passível de ser decretada nas hipóteses elencadas nas alíneas do inciso I do art. 92 do CP.

Dessa forma, não há falar em duplicidade, pois é efeito da sentença previsto em lei, de aplicação motivada nos casos das alíneas do dispositi-vo mencionado e, na hipótese, a conduta do acusado preenche exatamente os requisitos da letra a, tendo o magistrado agido acertadamente.

Por fim, ressalto, ainda, que o fato de a Caixa Federal (empregadora) ter determinado a instauração de inquérito judicial na seara trabalhista para efetivar a demissão do réu não interfere no exame da aplicabilidade do efeito extrapenal em análise, dada a independência das esferas.

Logo, mantenho o decreto de perda do cargo exercido pelo apelante, pelas razões já expostas.

Cumpre examinar, também, quanto ao perdimento dos bens.O Juiz a quo decretou o perdimento, pelo acusado e por seus familiares,

dos valores bloqueados, através da ação nº 2000.70.00.003346-9, nas con-tas 0650.013.00205250-0, 0650.013.00203450-2 e 0650.013.00203555-0, até o limite do prejuízo adotado pela CEF, corrigido monetariamente pelo INPC a partir da data da constatação (10.05.2000), sendo o eventual saldo destinado ao pagamento da multa e das despesas processuais.

O acusado sustenta a inexistência de vínculo entre os depósitos nas poupanças e de nexo causal entre as irregularidades e sua conduta, tendo as testemunhas de defesa comprovado que desenvolvia outras atividades laborais.

Sem razão, todavia, conforme já exaustivamente examinado.De fato, a) restou demonstrado que os recursos apropriados foram,

em parte, creditados nas contas-poupança dos seus familiares (esposa e filhos menores); b) o exercício de outras atividades laborais, quer pelo réu, quer pela esposa, não restou satisfatoriamente demonstrado.

Dessa forma, não há razão para deixar de aplicar este efeito da

Page 234: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006234

condenação.Entretanto, tenho que o decreto de perdimento deve recair apenas sobre

as quantias depositadas a partir da data do primeiro fato (12.01.98) e os juros e correção incidentes sobre elas, por serem estas comprovadamente produto do crime, devolvendo-se o valor eventualmente remanescente aos titulares e mantida a destinação dada pelo Juiz a quo.

Essa medida melhor atende aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, já que tais contas foram abertas antes dos fatos e não se pode presumir que os demais recursos creditados tiveram origem ilícita.

A Caixa Econômica Federal deve proceder ao levantamento dos valores exatos e informar ao Juízo.

Pelo exposto, dou parcial provimento ao apelo, tão-só para re-duzir a extensão do decreto de perdimento dos valores bloqueados, conforme explicitado.

É o voto.

VOTO-REVISÃO

O Exmo. Sr. Des. Federal Néfi Cordeiro: Do bem-lançado voto do eminente Relator, trago parcial divergência.

Inicialmente divirjo do eminente Relator quando mantém entendi-mento fixado pelo juiz de primeiro grau de que o sigilo bancário não pode ser invocado contra as próprias instituições bancárias. Penso que em matéria criminal mesmo as instituições financeiras não podem utilizar de informações bancárias sem autorização do titular da conta ou de juiz criminal.

Admitir o contrário seria dar à instituição financeira prerrogativa que é a todos negada, note-se que mesmo frente aos relevantes interesses, por exemplo, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. A Constituição não estabeleceu tal exceção ao sigilo bancário.

Compreendo a idéia de que o agir administrativo da instituição é sobre movimentações bancárias, que assim claramente as examinariam, inclu-sive em proteção dos próprios correntistas e da credibilidade do sistema financeiro. Aí, porém, se trata de atividade administrativa e nesse limite deve ser mantida.

Ou seja, trazendo-se a compreensão para o fato em exame, poderia a CEF verificar se fechava o caixa do réu e o que teria provocado tais

Page 235: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 235

diferenças – o limite seria o exame das operações de seu caixa, seja no dia dos fatos, seja em dias anteriores –, mas jamais desenvolver investigação criminal fora dos sistemas operados pelo réu para identi-ficar movimentações novas das contas, como a favor de quem veio o réu posteriormente realizar depósitos e se estes desviaram os valores após para terceiros...

O exame das atividades do réu era necessário para a atividade gerencial-administrativa da CEF. A investigação dos beneficiados e mo-vimentações posteriores é função da polícia judiciária, sob a autorização judicial, sob pena de tornar inócua a constitucional proteção aos dados bancários – invadindo então não só o sigilo bancário do réu, mas dos terceiros beneficiados.

Note-se que o mencionado inciso IV do § 3º do art. 1º da LC nº 105/2001 autoriza tão somente o comunicado de crimes e ilícitos admi-nistrativos, não a busca de ofício das movimentações bancárias conse-qüentes, sob pena de não mais ser necessária a intervenção judicial para o desvelamento do sigilo bancário em crimes:

“Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

§ 3º Não constitui violação do dever de sigilo:IV- a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou

administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa;”

Ou seja, a instituição financeira gere o sistema bancário e aponta irregularidades, inclusive criminais, mas não investiga, não usa dos dados que possui para adiantar-se na descoberta das movimentações decorrentes. Exemplificando com o caso em exame, aponta erros do caixa (inclusive pelos pagamentos ou depósitos irregulares a terceiros), mas não busca verificar se em outros dias foi tal dinheiro utilizado para movimentações bancárias.

Ocorre que, embora rejeite o fundamento de que não há sigilo bancá-rio frente às instituições financeiras, verifico que do comunicado inicial de crime, pela CEF (fls. 5/16 do apenso), constam apenas exames das operações realizadas pelo réu (como caixa) e são apontados os erros ou inconformidades nelas verificados. Mesmo quando trata do pagamento de contas pessoais do réu e depósito em favor de familiares, faz o comunica-

Page 236: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006236

do clara indicação de que verificavam as indevidas operações realizadas pelo réu e constatadas na gestão administrativa. Não é apontada busca investigava posterior, tentando localizar o que fez em outros momentos o réu com o dinheiro apropriado.

Assim, ao que localizei do relatório inicial e documentos que o acom-panham, apenas cumpriu a CEF sua obrigação de comunicar a prática criminosa e os documentos pertinentes a essa constatação. Não fez de-senvolvimento de investigação para além, para verificar movimentações bancárias outras, afora aquelas diretamente examinadas na constatação do ato irregular.

Acrescento, ainda, que imediatamente após veio a ser autorizada judicialmente a quebra do sigilo bancário, em 21.02.2000.

Ademais, não se tratando de ilicitude de toda prova inicial, a conse-qüência do reconhecimento de eventual nulidade de parcela dos docu-mentos bancários não seria a nulidade dos atos probatórios seqüentes, porque então não estariam eles baseados exclusivamente em prova ilícita.

Do exposto, igualmente rejeito a alegação de invalidade da sentença porque baseada em prova ilícita, embora com parcial diferença nos fundamentos.

Também destaco do voto do Relator a dispensa da perícia, que me parece ter sido realmente bem enfrentada, especialmente porque deixou o réu de justificar a necessidade dessa prova, inclusive quedando-se silente quando para isso intimado. (fls. 90-93)

Quanto à dosagem da pena-base, embora desarrazoada a justificação para fixar a pena quatro meses acima do mínimo legal, pois inclusive sin-tetizou o juiz quanto à existência de maior peso e número de circunstân-cias judiciais desfavoráveis ou favoráveis: sem que haja predominância de uma ou outra, veio o Relator a bem fundamentar o aumento da pena.

Observo, primeiramente, que não há reformatio in pejus na revaloração dos fatos e seu enquadramento na dosimetria da pena pelo Tribunal, já que não é aumentada a pena fixada pelo julgador a quo. Apenas se refaz a fundamentação para o aumento de pena, que era sim devido.

Não cabe majoração pelas conseqüências negativas, porque o dano causado somente é de alto valor se considerada a somatória dos crimes perseguidos e a reunião dos crimes já merece o devido apenamento com a continuidade delitiva – sob pena de os vários crimes no tempo gerarem

Page 237: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 237

dupla majoração de pena. Mesmo o fato de o réu não ter reparado o dano não torna as conseqüências negativas; sua reparação é que seria relevante. Não cabe o aumento da pena-base, finalmente, pelos fundamentos do juiz de primeiro grau, que inclusive entendeu não haver prevalência de circunstâncias negativas.

Não obstante, bem apontou o Relator que são reprováveis as cir-cunstâncias do crime (realização das apropriações por meio de fraudes bancárias e medidas administrativas propositalmente errôneas) e a cul-pabilidade (por ser mais reprovável a conduta realizada justamente por quem tinha a responsabilidade de fiscalizar os cheques administrativos e era o substituto eventual da gerência). Essas circunstâncias judiciais negativas justificam o aumento da pena-base até para além dos quatro meses fixados pelo julgador a quo. Daí, com o correto aumento em 2/3 pela continuidade delitiva, considerado o número de infrações penais, a pena final seria de 3 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão. Tendo o juiz a quo, porém, fixado a pena em 3 anos e 10 meses de reclusão – o que não se pode ter como mero erro material, pois reiterado o quantum nos itens 47 e 49 da sentença –, acompanho o Relator ao manter a pena final nesse montante, sob pena da reformatio in pejus.

Finalmente, acompanho o Relator quanto à suficiente demonstração de que os valores bloqueados do réu e familiares (esposa e filhos meno-res) devem ser destinados à reposição dos prejuízos causados à vítima CEF, bem como ao pagamento da multa e despesas processuais, tendo como termo inicial os depósitos realizados a partir do primeiro evento delituoso (12.01.98). Ocorre que tal perda em favor da vítima não é perdimento – unicamente em favor da União, na forma do art. 91 CP –, mas seqüestro, do art. 126 CPP:

“Art. 91(CP) - São efeitos da condenação: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.07.84)

II- a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa--fé: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.07.84)

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.”

CPP:“Art. 125. Caberá o seqüestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os

proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro.

Page 238: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006238

Art. 126. Para a decretação do seqüestro, bastará a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens.

Art. 132. Proceder-se-á ao seqüestro dos bens móveis se, verificadas as condições previstas no art. 126, não for cabível a medida regulada no Capítulo XI do Título VII deste Livro.”

Assim, transitada em julgado a sentença condenatória, os valores já bloqueados serão destinados à apropriação pela CEF de seu prejuízo, bem como ao pagamento de multa e despesas processuais.

Voto, pois, para dar parcial provimento ao apelo, divergindo do eminente Relator quanto à parte da fundamentação e para classificar os valores bloqueados como sujeitos a seqüestro e não a perdimento.

É o voto.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2000.71.10.001780-4/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Apelantes: Ministério Público FederalJ. C. P. M.

Advogada (Dativa): Dra. Márcia de Oliveira AfonsoApelados: (os mesmos)

EMENTA

Penal. Art. 171, § 2º, III, do CP. Defraudação de penhor. Delito ca-racterizado. Apropriação. Inocorrência. Aplicação da causa de aumento do § 3º. Prejuízo da união. Dosimetria da pena. Prescrição.

1. O delito inscrito no artigo 171, § 2º, III, do CP consuma-se quando a garantia pignoratícia é esbulhada, não exigindo vantagem patrimonial do agente. O dolo consiste tão-somente na alienação do bem que o agente sabe ser objeto da garantia. 2. O conflito aparente de normas entre os

Page 239: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 239

crimes de defraudação de penhor e de apropriação indébita resolve-se pelo princípio da especialidade. Sendo o primeiro mais específico, prevalece no caso concreto. 3. Comprovado que o penhor defraudado constituía garantia de operações do crédito subsidiado pelo governo federal, incide a causa de aumento prevista no art. 171, § 3º, do CP, visto que há ofensa a interesse da União, atuando o Banco do Brasil, nesses casos, como mero agente executor da política agrícola nacional. Precedentes. 4. Tendo em conta a pena aplicada, declara-se extinta a punibilidade pela prescrição retroativa, em face do transcurso de mais de quatro anos entre a data do fato e o recebimento da denúncia. (art. 109, V, CP)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo do réu, dar parcial provimento ao recurso do MPF e, de ofício, declarar extinta a punibilidade, em face da prescrição, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que integram o presente julgado.

Porto Alegre, 30 de novembro de 2005.Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra J. C. P. M., imputando-lhe a prática do delito tipificado no artigo 171, parágrafos 2°, inciso III, e 3º do Código Penal. A exordial, recebida em 23.02.2001 (fl. 145) narrou os fatos nas seguintes letras:

“No mês de outubro de 1993, em data não precisada, J. C. P. M. defraudou, me-diante transferência não consentida pelo Banco do Brasil S/A, a garantia pignoratícia constituída sobre 141.900 Kg de arroz em casca da safra 92/93, de que tinha posse em razão do contrato celebrado através da cédula rural nº 92/01095-4 (fls. 52/3). O penhor foi dado pelo próprio denunciado como garantia de operação de crédito rural obtida junto ao Banco do Brasil S/A e vinculada à política de Garantia de Preços Mínimos do Governo Federal. O denunciado, ouvido (fl. 112) e interrogado (fl. 126), declarou que realmente utilizou parte dos recursos provenientes da venda das safras financiadas para o pagamento de outras pendências.”

Page 240: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006240

A proposta de suspensão condicional do processo foi aceita pelo acu-sado e homologada em juízo no dia 26.11.2001, consoante se depreende do termo às fls. 176/7.

Descumprida uma das condições do acordo (reparação do dano), o Ministério Público postulou a revogação do benefício, o que foi acolhido pelo eminente magistrado a quo em 13.03.2003, com fundamento no artigo 89, § 3°, da Lei 9.099/95. (fls. 296-7)

Regularmente instruído o feito, sobreveio sentença julgando parcial-mente procedente a pretensão punitiva do Estado para condenar J. C. P. M. a 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão, bem como ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa, à razão unitária de 1/4 (um quarto) do salário mínimo vigente na data do fato, pela prática do delito insculpido no art. 171, § 2º, inc. III, do Estatuto Repressivo.

A sanção privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, a saber, prestação de serviços à comunidade pelo tempo da condenação, além de pecuniária no valor de três salários mínimos, em favor de instituição de caridade.

Irresignado, apelou o Parquet, objetivando, em síntese, majoração da pena-base, por entender desfavoráveis as vetoriais do art. 59 do CP (culpabilidade, circunstâncias, motivos e conseqüências), bem como aplicação da causa de aumento prevista no art. 171, § 3º, do Codex, eis que verificado prejuízo à União Federal.

O denunciado também apresentou recurso. Nas razões, alega ter o Banco do Brasil assentido com a destinação diversa dada ao produto depositado, o qual foi utilizado para pagamento de outras dívidas exis-tentes com a própria instituição. Aduz que não assumiu o encargo de fiel depositário, condição imprescindível para restar configurado o ilícito penal em comento. Caso assim não seja entendido, sustenta tratar-se o delito de apropriação indébita e não defraudação de penhor. Por fim, afirma não estar comprovado o dolo, pois o desvio do arroz se deu em face de notórias dificuldades financeiras.

Com as contra-razões, subiram os autos a esta Corte. Oficiando no feito, a Procuradoria Regional da República opinou pelo parcial provimento do inconformismo ministerial e pelo desprovimento do apelo do acusado.

É o relatório. À revisão.

Page 241: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 241

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: A materialidade do delito encontra-se demonstrada pela Cédula Rural Pignoratícia n° 92/01095-4, cujo objeto é o custeio de lavoura de arroz, firmada pelo acusado com o Banco do Brasil S/A, sob amparo da Política de Garantia de Preços Mínimos (fls. 58-59), e pelo relatório do laudo de vistoria (fls. 68-69) atestando que o réu utilizou o produto da safra financiada para pagamento de obrigações diversas daquelas contratadas com a instituição financeira.

A autoria também restou comprovada, pois José Carlos confessou não ter usado os recursos para remitir a dívida, consoante contratado. Vejamos seus depoimentos em sede policial, bem como em Juízo:

“(...) utilizou a safra de arroz para quitar totalmente as cédulas pignoratícias re-ferentes às safras de milho, sorgo e soja, tendo o restante da produção de arroz sido utilizada para o pagamento de uma pequena parcela da cédula pignoratícia referente a esta safra (...)” (fl. 118)

“(...) No ano de 1992, tinha tomado em seu nome quatro financiamentos junto ao Banco do Brasil para custear a plantação de arroz, milho, soja e sorgo. A colheita de arroz foi feita normalmente. As lavouras de milho e soja, em virtude das chuvas ocorridas naquele ano, tiveram perdas em torno de 30 a 35%. Com relação ao sorgo, nem mesmo chegou a ser colhido, tendo havido perda total. Então fez um acerto com o Banco do Brasil pelo qual entregou toda sua produção, quitando os financiamentos tomados para a plantação de milho, soja e sorgo, bem como ficando em débito de mil e poucas sacas de arroz em relação ao financiamento deste último (...)” (fl. 315)

A testemunha Erny Santana Ness também confirma os fatos, nos seguintes termos (fl. 117):

“(...) Trabalhou no procedimento administrativo do Banco do Brasil em relação ao senhor J. C. P. M., onde foi apurado o desvio de produção agrícola, a qual servia de garantia como pagamento de financiamento agrícola; referente à safra 92/93 na quantidade de 141.900 Kg de arroz em casca, equivalente a 2.838 sacos (...) é praxe, primeiramente, o tomador de empréstimo pagar o banco e o que sobrar da produção fica disponível ao produtor (...).”

Cumpre observar que, contrariamente ao alegado pela defesa, o contrato assinado pelo denunciado é claro ao estipular sua condição de depositário: “os bens vinculados são os seguintes: em penhor cedular de primeiro grau e sem con-

Page 242: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006242

corrência de terceiros, colheita da lavoura do produto abaixo indicado, estimado em 456.000 Kg de arroz irrigado MEC-diesel, no período agrícola de julho/92 a abril/93 (...). A garantia constituída pela colheita da lavoura financiada se estende ao produto colhido, que será depositado limpo, seco e dentro dos padrões oficiais de classificação em quantidade suficiente que assegure a normal liquidação dessa dívida”. (fl. 59)

Dessa forma, restando induvidosa a operação efetuada pelo réu, bem como sua condição no contrato, mister analisar a figura penal a ele impu-tada. A defraudação de penhor, prevista no art. 171, § 2°, III, do Estatuto Repressivo, na dicção de Julio Fabbrini Mirabete, “é também tipo especial de estelionato o crime de quem defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado. Sujeito ativo nesse caso é o devedor que, conservando a posse da coisa em depósito, a aliena em prejuízo do credor que fica sem a garantia de seu crédito. (...) O objeto do crime é a coisa móvel, fungível ou infungível, que é dada em penhor, mas que fica em depósito com o devedor, como prevê a lei. Não se confunde com a coisa penhorada. (...) Consuma-se o crime quando a coisa é alienada, destruída etc, não se exigindo a vantagem patrimonial.” (Código Penal Interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, p. 1305/1307)

Na hipótese dos autos, mostra-se evidente que a utilização do arroz para o pagamento de outras obrigações ocorreu em prejuízo do credor – Banco do Brasil –, que ficou sem a garantia do seu crédito. A propósito, o tipo penal é caracterizado pelo ato de “defraudar, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado”. In casu, a obrigação do de-vedor, de conservar a posse do bem dado em garantia, foi descumprida, incorrendo no delito capitulado na denúncia. O tipo subjetivo do crime em comento consiste tão-somente em alienar o bem que sabe ser objeto da garantia. Assim, revela-se inconteste a presença de dolo na conduta.

Quanto ao eventual enquadramento no tipo penal de apropriação indébita, acertada a análise procedida pelo magistrado singular na bem--lançada sentença (fl. 413), verbis:

“(...) O conflito aparente de normas tem solução pela aplicação do princípio da especialidade. Embora em tese a conduta praticada pudesse configurar o crime de apropriação indébita, havendo norma específica que tipifica a alienação da garantia pignoratícia como crime, é esta que deve prevalecer, existindo entre as duas normas uma relação de especialidade, isto é, de gênero para espécie, em que a segunda, além de conter todos os elementos da primeira, possui outros que a distinguem”.

Page 243: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 243

Não merece trânsito a alegação de que a guerreada transferência foi autorizada verbalmente pela instituição financeira, a qual teria recebido o produto da lavoura como pagamento de outras dívidas. Ocorre que não foi carreado aos autos qualquer elemento de prova nesse sentido, o que competia à defesa, nos termos do art. 156 do CPP. Cabe destacar que o gerente do BB na época, ouvido em juízo (fl. 372) disse não se lembrar se houve alguma operação dessa natureza.

Assim, depreende-se do conjunto probatório que o réu, ao utilizar os grãos para outras finalidades sem o consentimento do credor, defraudou a garantia pignoratícia, desviando o objeto empenhado de que tinha a posse, razão pela qual deve ser mantida a condenação pela prática do delito tipificado no artigo 171, § 2º, III, do Codex.

No que tange à reprimenda, objeto do recurso ministerial, observa-se que o ilustre julgador a quo, entendendo favoráveis as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, fixou a pena-base pouco acima do mínimo legal, em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, considerando as con-seqüências do crime.

Sem razão o douto agente do Parquet ao sustentar que as demais vetoriais – culpabilidade, motivos e circunstâncias – devem ser valora-das negativamente, pois, in casu, tais elementos são inerentes à própria espécie delitiva. Com efeito, a reprovabilidade da conduta do réu e os motivos alegados não destoam da normalidade. Por outro lado, a ausên-cia de pagamento da dívida não pode ser considerada em desfavor do denunciado.

As graves conseqüências, entretanto, justificam a majoração em patamar superior ao fixado na sentença. O desvio foi de mais de 140 toneladas de arroz, resultando em severo prejuízo à instituição bancária, cujo valor atual é de aproximadamente R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), conforme apontado à fl. 182.

Desse modo, fixo a pena-base em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, que, na ausência de agravantes ou atenuantes, resta mantida.

Quanto à aplicação da causa de aumento prevista no § 3º do artigo 171 do CP, também procede a irresignação do Ministério Público, pois, segundo jurisprudência uníssona desta Corte, o ilícito de defraudação de penhor ofende interesse da União. Em tais hipóteses, o Banco do Brasil é mero agente financeiro executor da política agrícola do País.

Page 244: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006244

Nesse sentido, vejam-se os Acórdãos assim ementados:“PENAL. JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA. CÉDULA RURAL PIGNORA-

TÍCIA. POLÍTICA AGRÍCOLA. UNIÃO. MATERIALIDADE. AUTORIA. JUSTA CAUSA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. 1. A teor do art. 109, IV, da Constituição, a competência da Justiça Federal é firmada quando há interesse da União na demanda. 2. No caso concreto, a suposta defraudação de penhor (art. 171, III, § 3º, do CP) de-corrente de financiamento agrícola por meio de cédula rural pignoratícia, acordada entre os acusados e o Banco do Brasil, agrava, em tese, a Política de Garantia de Preços Mínimos e em conseqüência a Política Agrícola, de interesse claro e inequívoco da União, previsto na Lei nº 4.595/64 e no Decreto-Lei nº 79/66. Entendimento atual desta Corte. 3 e 4. omissis. (RSE nº 2002.71.03.003181-4/RS, 8ª T., Rel. Des. Luiz Fernando Wowk Penteado, publ. no DJU 07.05.2003)

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO. DEPOSITÁRIO INFIEL. SACAS DE ARROZ DESVIADAS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA REFORMADA. CONDENAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Se, do conjunto probatório, conclui-se que o réu era o de-positário das safras de arroz vinculadas a operações de AGF e EGF, com a CONAB e com o Banco do Brasil, e desviou parte do produto estocado em seus silos, deve responder criminalmente pelo delito tipificado no art. 171, § 2º, c/c o § 3º do mesmo artigo, ambos do Código Penal. 2. Ocorre defraudação de penhor quando é feita alienação do objeto empenhado (inc. III, § 2º, do art. 171 do CP) sem o consentimen-to do credor, independentemente da espécie de depósito, se regular ou irregular (art. 1280 do CCB), porque não há confundir a esfera cível e a penal, que são autônomas e independentes entre si. Interessa ao direito penal reprimir a conduta fraudulenta. 3. O tipo das condutas dos incisos do § 2º do art. 171 se perfectibiliza com a reunião dos elementos indicados em cada inciso, presumindo-se a vantagem indevida, o prejuízo e o erro. A natural fungibilidade do arroz não desnatura o depósito, sendo o produto contratualmente infungibilizado. A existência do tipo específico da disposição de coisa alheia como própria afasta o delito de apropriação indébita. Para caracterizar o dolo dos delitos de alienação de coisa alheia como própria e defraudação de penhor basta a vontade consciente de alienar o bem depositado ou penhorado. Cabe à defesa alegar e comprovar excludentes da ilicitude ou da punibilidade. 4 e 5. omissis. 6. Apelação criminal parcialmente provida. (ACR nº 2001.04.01.008509-2/RS, 7ª T., Rel. Des. José Germano da Silva, publ. no DJU de 26.09.2001, p. 1643)

DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR AGRÍCOLA. ART. 171, § 2º, III, DO CP. POLÍTICA AGRÍCOLA DO GOVERNO FEDERAL. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Há interesse da União na apuração do crime de defraudação de penhor, previsto no art. 171, § 2º, III, do Código Penal, quando o crédito rural concedido se encontra amparado pela Política de Garantia de Preços Mínimos adotada pelo Governo Federal, na forma do Decreto-Lei 79/66, sendo, portanto, competente a Justiça Federal para o julgamento da matéria, con-

Page 245: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 245

soante determina o art. 109, IV, da Constituição Federal. 2. Não há falar, no caso, em prejuízo apenas do Banco do Brasil S/A com a defraudação do penhor, pois esta instituição financeira atua como mero órgão executor da política agrícola nacional, sendo atingidos interesses da União (Governo Federal). 3. Recurso em sentido estrito provido.” (RSE 2000.71.03.000234-9/RS, 7ª T., Rel. Des. Fábio Bittencourt da Rosa, publ. no DJU 12.09.2001)

Portanto, comprovado que o penhor defraudado constituía garantia de operações do crédito agrícola mantido pelo Governo Federal (fl. 58), incide a causa de aumento estabelecida no § 3º do artigo 171 do CP, motivo por que a reprimenda é majorada em 1/3 (um terço), restando definitiva em 1 (um) ano, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão.

Entretanto, tendo em conta a pena ora concretizada, constata-se que a pretensão punitiva encontra-se fulminada pela prescrição, cir-cunstância que deve ser reconhecida de ofício, consoante o disposto no art. 61 do CPP.

De acordo como o artigo 109, V, do CP, se a sanção aplicada é igual a 01 (um) ano, ou, sendo superior, não excede a 2 (dois), a prescrição se dá em 04 (quatro) anos, lapso transcorrido entre a data dos fatos (outu-bro/93) e o recebimento da denúncia, em 23.02.2001.

Com essas considerações, nego provimento ao recurso do réu, dou parcial provimento ao apelo do MPF para majorar a reprimenda, po-rém, de ofício, declaro extinta a punibilidade de J. C. P. M., em face da prescrição retroativa, nos termos explicitados.

AÇÃO PENAL Nº 2001.04.01.071752-7/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Autor: Ministério Público FederalRéu: J. R.

Page 246: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006246

Advogados: Drs. Stefan Sandro Pupioski e outros

EMENTA

Penal. Ação penal originária. Direito de opinar. Garantia à não-dis-criminação e ao não-preconceito. Conflito. Manifestação de pensamento que desvela, em verdade, propósito de menoscabar determinada etnia. Lei nº 7.716/89, art. 20, § 2º. Discriminação étnica. Imprescritibilidade.

1. Distingue-se a injúria qualificada (art. 140, § 3º, do CP) do crime de racismo em razão do contexto fático em que perpetrada a conduta. Restringindo-se a ofender, de forma estrita, uma única vítima, resta perfectibilizado o delito previsto na regra geral. Se as expressões discri-minatórias, contudo, desvelarem preconceito em relação a determinada raça ou etnia, ainda que dirigidas a uma única pessoa, caracterizado estará o crime da lei especial.

2. Consistindo o bem jurídico tutelado pela infração penal definida no art. 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89 na “pretensão ao respeito inerente à personalidade humana, a própria dignidade da pessoa, considerada não só individualmente, como coletivamente” (TEJO, Célia Maria Ramos. Dos crimes de preconceito de raça ou de cor: comentários à Lei 7.716 de 5 de janeiro de 1989. 1. ed. Campina Grande: EDUEP, 1998. p. 23), sujeita-se às suas penas o agente que externa pensamentos pessoais de-sairosos e notoriamente etnocêntricos, imbuídos de aversão e menosprezo indistinto a determinado grupo social que apresenta homogeneidade cultural e lingüística.

3. A regra da imprescritibilidade prevista no art. 5º, XLII, da Carta Magna aplica-se ao crime de preconceito étnico perpetrado contra os índios. Exegese extraída de precedente do STF. (HC nº 82.424/RS)

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, julgar parcialmente procedente a ação penal, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de março de 2006.Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Relator.

Page 247: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 247

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Cuida-se de ação penal promovida pelo Ministério Público Federal contra J. R., denunciado pela prática, em tese, dos delitos capitulados nos artigos 19 usque 22 da Lei nº 5.250/67, combinados com o artigo 71 do Código Penal.

Segundo a peça acusatória (fls. 03/09), o acusado teria, em cinco oportunidades, no período compreendido entre janeiro e maio do ano de 1999, caluniado, difamado e injuriado as comunidades indígenas de Seara, Nonoai e Iraí, bem como, ao proferir, na qualidade de apresen-tador do programa “SBT Verdade”, palavras desonrosas e ofensivas à dignidade e reputação indígenas, teria incitado a prática de abuso de autoridade contra os índios por parte da polícia local.

Regularmente intimado (fl. 11/verso) para fins do artigo 43, § 1º, da Lei nº 5.250/67, o réu apresentou sua defesa prévia (fls. 12/13), tendo ainda, com fundamento no artigo 26 do mencionado diploma legal, pro-tocolizado “retratação ou retificação espontânea” (fl. 14). Contudo, em vista da ausência de divulgação da retratação realizada, o magistrado a quo teve a mesma por ineficaz. (fl. 27)

A denúncia foi recebida em 21 de junho de 2000 (fl. 27), tendo sido o réu devidamente citado (fl. 28/verso) e interrogado. (fls. 31/33)

Foram ouvidas as testemunhas arroladas pela acusação (fls. 46/54) e pela defesa. (fls. 55 e 85/86)

O parquet apresentou emenda ao libelo com a finalidade de capitular os fatos descritos na exordial acusatória também na infração penal pre-vista no § 2º do artigo 20 da Lei nº 7.716/89, com a redação dada pela Lei nº 9.459/97. (fls. 57/59)

O aditamento foi recebido em 18 de setembro de 2000 (fl. 63), sen-do determinado, na mesma oportunidade, o regular prosseguimento do feito. Todavia, em despacho proferido no dia 29 de novembro de 2000 (fl. 87), tal decisão restou reconsiderada quanto à continuidade do andamento da lide, porquanto entendeu o magistrado de primeira instância que da nova definição jurídica dos fatos poderia decorrer a aplicação de penalidade mais grave ao acusado, motivo pelo qual tornar-se-iam necessárias as providências prescritas pelo artigo 384 do Código de Processo Penal.

Page 248: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006248

A defesa, intimada para oferecer provas e arrolar testemunhas em relação ao aditamento, deixou fluir in albis o prazo que lhe foi assinalado. (fl. 88)

É, então, noticiada (fl. 87/verso) a concessão, por esta Corte, de ordem de habeas corpus em favor do acusado, restando extinta sua punibilida-de quanto aos delitos previstos nos artigos 20 a 22 (calúnia, difamação e injúria) da Lei nº 5.250/67, com fulcro no artigo 26, caput e § 1º, da referida lei. (retratação das fls. 14/16)

Em alegações finais (fls. 90/93), o parquet argumenta que a materia-lidade e a autoria delitivas, assim como a presença de dolo no agir do réu, restaram perfeitamente demonstradas através das provas coligidas, devendo o réu, por conseguinte, ser condenado como incurso nos crimes tipificados pelos artigos 19, caput, da Lei nº 5.250/67 e 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89.

O denunciado, a seu turno, também em alegações finais (fls. 94/96), referiu, quanto à imputação que lhe é feita de incitação, através dos meios de informação, à prática de abuso de autoridade, que não possuía poderes para instigar os agentes policiais ao cometimento de atos contra a incolumidade física dos índios. Em relação ao delito de racismo, argúi, em síntese, que “em nenhum momento houve incitação ao preconceito ou discriminação da raça indígena”, pois “apenas comentou os fatos, ou seja, as invasões de um aeroporto e de uma fazenda em dois municípios do Rio Grande do Sul”.

Às fls. 112/115, o Ministério Público postula a decretação da revelia do réu, uma vez o mesmo ter se quedado silente quanto à nova capitu-lação dada aos fatos.

Sobrevindo a informação do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Santa Catarina de que o acusado fora diplomado Prefeito Municipal de Pinhalzinho/SC (fl. 100), o julgador a quo determinou a remessa dos autos a este Regional. (fl. 101)

Levando em consideração que a instrução da lide encerrou-se antes da diplomação do acusado, inexistindo atos decisórios desde então, o eminente Relator a que inicialmente distribuída a presente ação penal, Desembargador Federal Volkmer de Castilho, reconheceu não haver atos a renovar ou validar (fl. 125), dando-se prosseguimento ao processo.

Incluído o feito em pauta, esta 4ª Seção, em 16 de outubro de 2002,

Page 249: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 249

por unanimidade de votos, julgou parcialmente procedente a ação pe-nal, absolvendo o réu do ilícito tipificado no artigo 19, caput, da Lei nº 5.250/67 e condenado-o pelo cometimento do crime previsto no artigo 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89, sendo-lhe infligidas as penas de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e multa de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 01 (um) salário mínimo. (fls. 143/152)

A pena privativa de liberdade foi substituída por duas sanções restri-tivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária (arbitrada esta em 01 salário mínimo mensal, a ser cumprida pelo mesmo prazo da reprimenda de reclusão).

Inconformado com o decreto condenatório, o réu opôs embargos de declaração (fls.165/187), sustentando, em síntese: a) a nulidade do aresto, por incompetência do juízo prolator, posto que proferido quando o acu-sado não mais detinha foro privilegiado; b) a ocorrência de cerceamento de defesa em razão da ausência de intimação pessoal do réu acerca da mutatio libelli; c) a deficiência da defesa apresentada pelo procurador inicialmente constituído pelo réu, em manifesta afronta ao princípio da ampla defesa e do devido processo legal; e d) a necessidade de reapre-ciação das provas produzidas na instrução processual.

O douto representante da Procuradoria Regional da República, mani-festando-se sobre os embargos declaratórios manejados, emitiu parecer pela anulação do julgamento, em vista da nulidade absoluta apontada pelo embargante. (fls. 223/225)

Ao apreciar os declaratórios interpostos, a Corte reconheceu a nulidade aventada e, na mesma sessão – considerando que o réu havia sido eleito Deputado Estadual, o que, novamente, conferia-lhe foro privilegiado –, re-novou a decisão para julgar procedente em parte a ação penal. (fls. 227/238)

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, apreciando habeas corpus impetrado pelo denunciado, anulou o julgamento proferido por este Co-legiado em sede de embargos de declaração, por ausência de intimação dos procuradores do réu da pauta de julgamento em que renovado o exame do mérito da ação penal, frustrando, desse modo, o exercício da ampla defesa. (fls. 326/330)

Às fls. 333/334, o acusado requer a remessa do feito ao Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, consoante, segundo seu entendi-mento, teria sido determinado pela Colenda 5ª Turma do STJ no writ

Page 250: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006250

acima referido.Reapreciando o apelo aclaratório, este Tribunal, reassentando a com-

petência da Justiça Federal para o processamento e julgamento da lide, deu provimento aos embargos de declaração para declarar a nulidade do aresto das fls. 143/152.

Irresignado quanto ao reconhecimento da competência deste Judici-ário para a apreciação do caso, o denunciado manejou recurso especial (fls. 361/367), inconformidade a que a Vice-Presidência deste Sodalício negou seguimento (fl. 378). Ainda inconformado, pretendendo a subida do mencionado recurso ao Tribunal Superior, o réu interpôs agravo de instrumento perante o STJ (certidão da fl. 379), não conhecido pelo eminente Relator, Ministro José Arnaldo da Fonseca. (Ag 635758/SC)

Com o trânsito em julgado do decisum exarado nos embargos decla-ratórios e a notícia do TRE/SC de que o acusado, apesar de cessado seu mandato de Deputado Estadual, elegeu-se Prefeito, para o quadriênio 2005/2008, da cidade de Chapecó/SC (fl. 398), retornaram os autos conclusos para nova apreciação do mérito da demanda.

É o relatório.À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Pretende o par-quet, nos presentes autos, a condenação de J. R. pela prática dos delitos capitulados nos artigos 19 da Lei nº 5.250/67 (incitação, através dos meios de informação, à prática de infração penal – abuso de autoridade) e 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 9.459/97 (discriminação e preconceito de raça e etnia), porquanto teria ele, em cinco oportunidades, no período compreendido entre os meses de janeiro e maio de 1999, proferido, na qualidade de apresentador do programa “SBT Verdade”, expressões preconceituosas em relação à etnia indígena. Segundo relata a denúncia, o réu seria responsável pelos seguintes dizeres (fls. 03/09, grifos no original):

“(...) Dia 27 de janeiro de 1999.‘(...) os índios tomaram conta do aeroporto, o aeroporto faz parte da área indígena,

os aviões não podem pousar, porque quando pousam a flecha come, ninguém é louco (...) A indiada meio que dificulta o processo lá, né, trabalhar muito pouco, não são

Page 251: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 251

chegado ao serviço (...) e a indiada tomou conta (...) eu vou descer de avião dentro do aeroporto de Iraí, e a indiada que se bote, eu vou levar o meu pau, um relho e nós vamos se atracar no laço (...)’ (fl. 16 - grifou-se).

Dia 29 de abril de 1999.‘(...) a indiada acham que são os donos (...) A proposta deles, olha a cara de traba-

lhador desse (...) é uma vontade desgraçada (...) eles fizeram a proposta, disseram para o dono da fazenda, pra ficar bom para os dois lados, nós vamos ficar com a metade do gado e o que tiver em cima é nosso, tá, e se contente, senão se contentar nós ficamos com tudo. Veja bem a situação (...). Veja bem a proposta dos loucos, né. Resumindo, esses caras estão malucos, eles querem tomar conta, já invadiram a propriedade (...) querem no futuro já dá o bote em cima do silo da Ceval que tem lá, depois eles vão dá o bote lá no CTG (...) laçada e flecha (...).

(...) a reserva do Toldo Pinhal, se não me falha a memória, em Seara, despejam 50 famílias de agricultores, com casa, com vaca, com boi, com tudo, são despejados, os índios assumem, vira um capão desgraçado no ato, não cultivam, e os agricultores, na sua grande maioria, morando embaixo de lona.

Agora, no Rio Grande do Sul, invadiram o aeroporto em Iraí, tem cabimento isso, moram em cima do asfalto, não plantam uma batata porque no asfalto não nasce, do lado não dá pra plantar porque é mato, e não pode ser derrubado, mas os índios estão lá, o aeroporto que poderia ser utilizado por aeronaves não pousa nem mosquito em cima, se pousar eles matam (...).

(...) daqui a pouco vão ser donos da cidade, se bobear vão invadir a sua casa, vão te arrancar de dentro (...), então a indiada vai continuar essa sangria desatada (...)’ (fls. 16-7 - grifou-se).

Dia 4 de maio de 1999.‘(...) é a indiada (...) eles tomaram conta daquele pedaço (...) os índios estavam

impedindo que o proprietário da área colhesse a sua lavoura de soja (...) os índios que estão aí, que invadiram essa área, acabaram impedindo o proprietário de fazer a colheita da sua lavoura (...) outro agrupamento dos invasores, dos índios que invadiram (...) temos índios que estavam colhendo (...) pegando ainda parte do feijão que havia sido colhido (...) olha de vadio (...) ali é tudo índio que invadiram a fazenda (...) eles invadiram uma fazenda plantada, no entanto olha aí a dos índios (...) o que vocês estão vendo plantado aí? Nada (...) o mato tomou conta, porque é uma cambada de vadio (...) é muito fácil você tomar uma propriedade de alguém que trabalhou, que conquistou através do suor de seu trabalho e dar para uma cambada que não plantou (...) o índio tem terra, mas não planta, é mais fácil roubar, tomar de alguém que plantou e se dizer dono, depois que colhe abandona toda a fazenda e vão invadir outra (...).’ (fls. 9-11 - grifou-se).

Dia 7 de maio de 1999.‘Tô recebendo as últimas informações, índios invadiram fazendas em Nonoai,

começaram a matar o gado, tão matando gado lá, tão carneando cabeça de rei, tão matando, mataram uma vaca a paulada ontem à tarde. Amanhã nós vamos trazer ima-

Page 252: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006252

gens onde os índios estavam roubando, roubando soja (...) Nós vamos trazer imagens da indiada roubando (...) senão aquela tropa de safados iam roubar a soja do homem lá (...)’ (fls. 17-8 - grifou-se).

No dia 6 de maio de 1999, na sede da transmissora do SBT desta cidade, o de-nunciado, também apresentando o programa denominado ‘SBT Verdade’, veiculado por volta do meio-dia naquela retransmissora, ‘incitou’ a prática da infração penal de ‘abuso de autoridade’ (...), incentivando que fosse atentado, por parte da polícia, contra a incolumidade física dos índios desta região (Seara, Nonoai e Iraí), mediante a veiculação das seguintes palavras:

‘(...) se num período de 20 dias os índios não desocuparem a área, evidentemente que será solicitado a força policial para que os mesmos saiam de lá na marra. Eu, par-ticularmente, torço para que eles não saiam por enquanto, aí vem a polícia e baixe o cangüi, mas desça-lhe o porrete (...) então, eu, por mim, tem que baixar o cangüi logo, dá um prazo de 20 e nos 15 vai lá e tira todo mundo de lá, entendeu (...)’ (grifou-se). (...)”

Inicialmente, não obstante consista em matéria inovada na lide em sede de memoriais apresentados pelo denunciado, tenho por bem enfrentar a alegada prejudicial da “análise meritória do crime de racismo” consis-tente na assertiva de que, uma vez reconhecida, pela Corte, a extinção da punibilidade do réu pela prática dos crimes definidos nos artigos 20, 21 e 22 da Lei nº 5.250/67 (HC nº 2000.04.01.125898-6/RS), não poderiam os mesmos fatos embasar o aditamento da denúncia pertinente ao delito do artigo 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89.

Cumpre destacar, a respeito, que, diversamente do que pretende fazer crer a defesa técnica do acusado, o libelo foi aditado anteriormente à impetração do mencionado writ, antecedendo, por conseguinte, a referida extinção da punibilidade.

Além disso, o precedente do Pretório Excelso invocado pelo réu (HC nº 84.253/RO) que, segundo seu entendimento, serviria de supedâneo à tese ora lançada, não possui a abrangência que o mesmo deseja empres-tar-lhe. Com efeito, diferentemente do ocorrido no invocado julgado paradigma, não houve, na espécie, declaração de atipicidade penal da conduta atribuída ao acusado, tampouco de extinção da punibilidade em relação aos fatos, cingindo-se o pronunciamento deste Regional ao reconhecimento da extinção da punibilidade dos crimes contra a honra imputados ao agente. Veja-se, a propósito, o dispositivo constante do voto do eminente Relator do mencionado mandamus, Desembargador Federal Vilson Darós:

Page 253: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 253

“(...) Isto posto, concedo parcialmente a ordem de habeas corpus, para decretar a extinção da punibilidade do paciente relativamente aos delitos previstos nos artigos 20 a 22 da Lei nº 5.250/67, com base no artigo 26, caput e parágrafo 1º, da referida lei, c/c o art. 107, inc. VI, do Código Penal, prosseguindo-se a persecução penal quanto aos tipos penais insertos no art. 19 da Lei nº 5.250/67 e no art. 20, par. 2º, da Lei nº 7.716/89.”

Não restando abrangidos, sequer implicitamente, por tal pronun-ciamento, os demais delitos em tese perpetrados em concurso formal, não há falar, no caso, na necessidade de surgimento de novos ele-mentos de prova para a viabilidade da persecução penal em relação ao crime de racismo.

Passo, assim, à análise das demais preliminares argüidas nos autos da ação penal.

Aduz o réu a ocorrência de cerceamento de defesa em razão da ausên-cia de sua intimação pessoal acerca da mutatio libelli. Todavia, “conforme é sabido e consabido, o réu defende-se dos fatos narrados na denúncia e não da sua classificação legal” (STJ, 5ª T., REsp nº 601786/PR, Rel. Min. Laurita Vaz; DJU 07.06.2004). A capitulação equivocada da infração supostamente perpetrada pelo acusado, assim, é irrelevante, visto que o mesmo se defende dos acontecimentos delituosos relatados no libelo. Na hipótese, observa-se que o aditamento oferecido pelo parquet à exordial acusatória limitou-se, única e exclusivamente, a explicitar o enquadra-mento dos fatos constantes da denúncia também no ilícito do artigo 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89, sendo completamente descabida, portanto, a alegação do réu de cerceamento de defesa em razão da ausência de sua intimação pessoal acerca da mutatio libelli, pois que inexistente a mesma.

Com efeito, a acusação, no caso, não foi modificada, mas tão-somente corrigida a definição jurídica dos fatos, o que poderia ser feito, inclusive, de ofício pelo magistrado no momento da prolação da sentença, consoante autorização contida no artigo 383 do Código de Processo Penal, que trata da emendatio libelli. Faz-se mister concluir, assim, que “não há, pois, nulidade decorrente da inobservância do mecanismo da mutatio libelli (art. 384 do CPP), se a exordial acusatória apresenta narrativa abrangente que admite outra adequação típica (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ)”. (STJ, 5ª T., REsp nº 702757, Rel. Min. Félix Fischer, DJU 20.06.2005)

Ademais, despiciendo apresenta-se, pelos mesmos fundamentos,

Page 254: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006254

o requerimento do agente ministerial de decretação da revelia do denunciado, com a conseqüente designação de defensor dativo para assistir-lhe, sobretudo em razão de o crime de racismo atribuído ao réu ter sido expressamente contestado por sua defesa técnica nas alegações finais apresentadas.

Melhor sorte não assiste ao acusado quanto à alegada nulidade da instrução criminal em decorrência da deficiência da defesa apresentada pelo procurador constituído no início da instrução criminal, uma vez que, sendo o sistema processual penal pátrio, nesse campo, regido pelo princípio pas de nullite sans grief, tal insuficiência somente anularia o processo se demonstrada, objetivamente, a existência de prejuízo para o acusado, inocorrente na espécie.

De fato, “no processo penal, a falta da defesa constitui nulidade abso-luta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu” (Súmula nº 523 do STF). Na hipótese, contudo, o dano ocasionado, segundo salientam os novos patronos do denunciado, restringir-se-ia ao fato de o mesmo ter sido “condenado pelo delito descrito no artigo 20, § 2º, da Lei nº 7.719/89, incluído na denúncia através do aditamento de fls., da qual o defensor não realizou qualquer defesa”. (fl. 182)

Ora, como já demonstrado acima, o procedimento previsto no artigo 384 da Lei Adjetiva Penal, apesar de oportunizado pelo juízo a quo, não se fazia necessário in casu, posto não terem sido aditados os fatos delituosos, mas apenas alterada a capitulação legal. Por conseguinte, tendo a defesa se manifestado no momento oportuno (qual seja, o das alegações finais) quanto ao crime de discriminação étnica, não há falar em sua deficiência, tampouco em prejuízo para o réu.

No que diz respeito ao mérito da ação penal, tendo em vista que a presente decisão substitui a anterior anulada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça em virtude de recurso exclusivo da defesa, o de-cisum a ser exarado, conforme remansosa jurisprudência, não pode ser prejudicial ao acusado em comparação com o outrora prolatado, sob pena de reformatio in pejus indireta. Desse modo, quanto ao cometi-mento do crime tipificado no artigo 19 da Lei nº 5.250/67, impõe-se seja preservada, por seus próprios e jurídicos fundamentos, a absolvição do acusado anteriormente proferida pela Corte. Na referida oportunidade, consignou o então Relator, Desembargador Federal Volkmer de Castilho,

Page 255: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 255

o que segue (fl. 147):“(...) Em sede de alegações finais, a defesa sustentou, basicamente, que, não pos-

suindo o réu autoridade para incitar a polícia militar à prática do abuso de autoridade, não há falar em incidência do art. 19 da L. 5.250/67, e que em seus comentários veiculados na imprensa apenas descreveram o que efetivamente ocorria na época dos fatos, ou seja, o impasse existente entre índios e agricultores da região, sem que em nenhum momento tenha havido ‘incitação ao preconceito ou discriminação da raça indígena’.

Tenho que assiste razão à defesa no ponto em que postula a absolvição do crime de incitação à prática de infração penal. Com efeito, não penso que as declarações do réu, apesar de extremadas, tivessem o condão de incitar a polícia militar a cometer o ilícito consistente no abuso de autoridade. E isso porque, se nem a desocupação pacífica das áreas ocupadas pelas comunidades indígenas poderia ser realizada sem a devida autorização judicial, não vejo como as opiniões do acusado pudessem provocar a ação violenta das autoridades policiais, que sequer possuiriam, na hi-pótese, a legitimação judicial necessária para promover a retirada lícita dos índios daqueles locais. Por outro lado, penso ser oportuno considerar que, na época das declarações, o réu não era ainda Prefeito da localidade – condição essa que poderia ensejar a interpretação errônea de que, sendo o declarante chefe do Poder Executivo municipal, suas declarações contivessem carga de autoridade apta a legitimar aquela ação policial. No entanto, como já dito, o acusado na época dos fatos não possuía nenhuma autoridade local. Diante dessas considerações, tenho por improcedente a acusação de que tenha ele cometido o crime de incitação à prática de infração penal (art. 19 da Lei nº 5.250/67), até porque a prática da infração, in casu, dependeria de um comando judicial de desocupação – que viesse a ser cumprido com abuso pela autoridade policial e, o que é mais importante, seria determinado ou não pelo Poder Judiciário, independentemente das idéias externadas pelo réu. (...)”

Prosseguir-se-á, então, com a análise quanto ao cometimento, pelo réu, através da mídia televisiva, do crime de preconceito étnico, tipificado pelo artigo 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89, nos seguintes termos:

“Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.(...)§ 2º. Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos

meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa”.

A materialidade delitiva está consubstanciada pela transcrição das reportagens veiculadas na mídia televisiva (constante nos autos do

Page 256: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006256

procedimento criminal em apenso). Também a autoria resta assaz de-monstrada, posto que o réu, ao ser interrogado em juízo, reconheceu “ter apresentado o programa SBT Verdade e ter utilizado os termos contidos na denúncia”. (fls. 32/33)

Quanto ao dolo, importa atentarmos aos ensinamentos de Chris-tiano Jorge Santos, que, procedendo ao escólio do referido tipo penal (especificamente em sua modalidade “praticar”) em conjunto com o delito de injúria qualificada (Código Penal, artigo 140, § 3º), apon-ta, percucientemente, a distinção entre as figuras penais em apreço, destacando, sobretudo, o elemento subjetivo necessário à perfecti-bilização do crime previsto no artigo 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89, senão vejamos (grifou-se):

“Praticar: configura figura típica qualquer ato caracterizador de preconceito ou discriminação penalmente puníveis. Como bem asseverado por Fábio Medina Osório e Jairo Gilberto Schäfer: ‘Praticar é o mais amplo dos verbos, porque reflete qualquer conduta discriminatória expressa. A ação de praticar possui forma livre, que abrange qualquer ato desde que idôneo a produzir a discriminação prevista no tipo incrimi-nador. A conduta pode ser direta ou indireta, consistente na produção propriamente dita do ato, ou então, também, na determinação de que se produza o comportamento discriminatório’.

Acresce-se ao conceito supra que praticar também vem a significar qualquer conduta capaz de exteriorizar o preconceito ou revelar a discriminação, englobando--se, por exemplo, os gestos, sinais, expressões, palavras faladas ou escritas ou atos físicos. (...)

Quando a ofensa limita-se estritamente a uma pessoa, como a referência a um ne-gro que se envolve num acidente banal de trânsito, como preto safado, por exemplo, estaremos diante de injúria qualificada do art. 140, § 3º, do Código Penal, em princípio, por somente estarmos a verificar ofensa à honra subjetiva da vítima.

Se, contudo, no mesmo contexto fático, diz-se: ‘Só podia ser coisa de preto, mes-mo!’, estaria caracterizada a figura típica do art. 20, caput, da Lei nº 7.716/89, porque, embora a frase seja dirigida a uma única pessoa, mesmo que seja num momentâneo desentendimento, está revelando inequivocamente um preconceito em relação à raça negra, ou aos que possuam a ‘cor preta’, pois a expressão utilizada contém o racio-cínio de que todo negro ou preto faz coisas erradas. (...)” (Crimes de preconceito e de discriminação: análise jurídico-penal da Lei nº 7.716/89 e aspectos correlatos. São Paulo: Max Limonad, 2001)

José Silva Júnior, a seu turno, acrescenta que preconceito é “o julga-mento negativo e prévio dos membros de uma raça, uma religião ou dos ocupantes de qualquer outro papel social significativo, e mantido apesar

Page 257: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 257

de fatos que o contradizem”. (FRANCO, Alberto Silva et ali. Lei Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. v. 2, p. 2646)

A respeito, insta ressaltar que “a norma penal incriminadora não está cerceando o chamado ‘direito constitu-cional de plena liberdade de informação’ (art. 220, § 1º, CF). A interpretação das normas constitucionais deve ser feita a partir da idéia sistêmica de direito, eis que inexistem contradições entre os dispositivos internos da Carta da República (...) Nesse passo, a liberdade de pensamento não pode desprezar outros direitos fundamentais, sendo primordial a tutela do interesse público prevalente. No caso em apreço, a própria Constituição da República Federativa do Brasil estabelece expressamente restrição às práticas discriminatórias ao princípio isonômico, proi-bindo os preconceitos de raça, cor, etnia, por motivos religiosos e de procedência nacional, traduzindo, sem dúvida, limitações ao chamado direito de opinião e suas formas de exteriorização. (...) A lei não busca suprir as eventuais e naturais diferenças entre os seres humanos, mas vedar que determinados fatores sirvam de suporte para a quebra, o desprezo, e o desrespeito relativamente ao princípio universal da igualdade de todos perante a lei e da proteção da dignidade humana. (...) Inviável, portanto, admitir manifestações públicas que, direta ou indireta-mente, a pretexto de exercício da liberdade de opinião, traduzem incentivo ao segregacionismo racial, disputa entre povos, o ódio religioso, diferenciações entre seres humanos vedadas em terreno penal”. (OSÓRIO, Fábio Medina e SCHÄFER, Jairo Gilberto. Dos Crimes de Discriminação e Preconceito. RT 714/329)

Dessa forma, confrontando-se o direito de opinar (titulado pelo acu-sado) e o direito à não-discriminação e ao não-preconceito, é forçoso convir que a regularidade no exercício do primeiro somente se verificaria, consoante observa José Silva Júnior (op. cit., p. 2670), “se as informa-ções fossem verdadeiras, conhecidamente verdadeiras, inevitáveis para passar as mensagens e desde que estas não afetassem a bens jurídicos tutelados”. No caso, contudo, o teor das notícias veiculadas pelo réu, segundo confirmado pelos testigos da acusação, eram sabidamente mendazes, não refletindo a realidade, tendo o nítido caráter, pois, de externar pensamentos pessoais desairosos sobre determinada etnia, e não divulgar fatos em que a mesma se viu envolvida (pois não é crível que o denunciado, enquanto formador de opiniões – já que detentor de espaço em meio de comunicação de massa –, divulgasse fatos sem, antecipa-damente, constatar a idoneidade das informações a serem propaladas).

A propósito, Irani Cunha da Silva, administradora regional da FUNAI,

Page 258: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006258

declarou em juízo ter assistido “dois dos programas mencionados na denúncia e que posteriormente viu as fitas e que os fatos referidos na denúncia foram apresentados no programa SBT Verdade. (...). Que a área indígena de Iraí/RS, onde está o aeroporto dessa cidade, é área indígena demarcada em favor daquela comunidade. Que a ocupação em Nonoai/RS, de uma fazenda do Sr. Dallastra, deu-se através de ordem judicial em favor dos indígenas daquela região. (...) Que a ocupação de uma área em Seara/SC, pertencente a cinqüenta (50) famílias de agricultores, obedeceu aos trâmites legais. A área foi reconhecida como indígena e as famílias de agricultores indenizadas (...)” (fls. 48/49)

No mesmo sentido, Alberto Capucci, representante do Conselho In-digenista Missionário, esclareceu que “o denunciado se manifestou sem conhecimento de causa, principalmente em relação à suposta invasão de terras em Iraí/RS (...) o aeroporto de Iraí fica dentro de uma re-serva indígena que foi demarcada há tempo. Atribui também à falta de conhecimento de causa em relação às famílias de agricultores que deixaram a área na localidade de Toldo Pinhal, em Seara/SC. Que os índios não invadiram esta área, mas que as famílias de agricultores foram indenizadas e reassentadas”. (fls. 46/47)

Assim sendo, faz-se mister concluir ter o réu, consciente e delibe-radamente, lesionado o objeto jurídico tutelado pelo crime de discri-minação étnica/racial, consistente na “pretensão ao respeito inerente à personalidade humana, a própria dignidade da pessoa, considerada não só individualmente, como coletivamente”. (TEJO, Célia Maria Ramos. Dos crimes de preconceito de raça ou de cor: comentários à Lei 7.716 de 5 de janeiro de 1989. 1. ed. Campina Grande: EDUEP, 1998. p. 23)

A “manifestação do pensamento” do acusado, efetivamente, desvela seu propósito de discriminar determinada etnia, muito embora disfarçada através de suposta crítica. Nada mais deflui das palavras do réu senão seu desprezo e preconceito em relação à população indígena.

O argumento da ausência de dolo não prospera, porquanto o intento de identificar um grupo social que apresenta homogeneidade cultural e lingüística, menoscabando-o, é manifesto, bastando atentar, para chegar-se a tal conclusão, às expressões utilizadas pelo réu, em cinco oportunidades distintas, no mencionado programa de televisão, no qual se referiu à co-munidade silvícola nos termos “indiada”, “tropa de safados”, “cambada de vadio” e “não são chegado ao serviço”, entre outros. (fls. 04/05)

Percorreu-se, desde a criminalização do preconceito racial no ordena-

Page 259: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 259

mento jurídico pátrio (operada pela Lei Afonso Arinos – Lei nº 1.390/51), um extenso e árduo caminho no sentido de efetivar os princípios da igual-dade e da preservação de uma vida livre de discriminação. Tal evolução, particularmente em relação aos índios, culminou com a edição da Carta Magna de 1988, que lhes assegura, em seu artigo 231, o direito à prote-ção da sua cultura, organização social, costumes, tradição e os direitos originários sobre a terra que tradicionalmente ocupam.

De tal forma, ao tecer considerações notoriamente etnocêntricas, im-buídas de aversão e menosprezo em relação aos indígenas, valorizando apenas a cultura, os valores e os costumes dos “brancos civilizados”, as afirmações do denunciado constituem evidente manifestação de discrimi-nação étnica, apontando que o índio (tão-somente em razão de ser índio) é um indivíduo naturalmente néscio e tunante. Todavia, o estilo de vida mais “primitivo” dos silvícolas (que se revela, sobretudo, pelo convívio com a natureza) não é necessariamente demonstração de matulagem ou de desinteresse pelo labor, possuindo, pelo contrário, meritório significado antropológico, digno de proteção.

Portanto, diante da prova colacionada aos autos, extrai-se que o acusado, pela conotação dos impropérios por ele proferidos, externou pronunciamento preconceituoso e indistinto à etnia indígena, precisa-mente demonstrada nas expressões acima destacadas. Dessarte, é de rigor sua condenação como incurso no delito previsto no artigo 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89, passando-se, a seguir, à dosimetria das reprimendas a lhe serem infligidas.

O grau de culpabilidade do denunciado, em vista à alta censurabilidade de seu ato, apresenta-se elevado. Com efeito, apesar de o réu exercer atividade de maior responsabilidade social (apresentador de programa em concessão pública – emissora de televisão –, detendo, pois, o munus de contribuição para a preservação da paz pública), ao desempenhá-la não a pautou nos valores éticos e morais, ofendendo de forma acentuada a moralidade média e o sentimento ético social comum.

O agente não possui maus antecedentes (fl. 79) e os motivos do crime não lhe são desfavoráveis.

No que tange às circunstâncias em que praticado o ilícito, cumpre destacar que o fato de o acusado ter se valido de meio de comunicação consiste em circunstância elementar do tipo penal, não podendo ser

Page 260: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006260

valorado em dois momentos, sob pena de bis in idem.Levando-se em consideração a extensão do dano ocasionado, tendo em

vista que o profundo e inaceitável sentimento de desprezo e inferioridade veiculado pelas expressões do réu não atingiu apenas uma pessoa, mas sim toda a população indígena, notadamente as Reservas Indígenas de Toldo Chimbangue, Toldo Pinhal, Xapecó e Condá (pesar este que se encontra atestado pelos depoimentos dos respectivos caciques às fls. 50, 52, 53 e 54), gravíssimas são as conseqüências decorrentes da infração penal perpetrada.

Não há, nos autos, nenhum elemento desabonador da conduta social do réu, tampouco que demonstre sua personalidade. Nada a revelar quanto à conduta das vítimas.

Desse modo, justificar-se-ia, no caso, a fixação da pena-base da reprimenda privativa de liberdade acima do mínimo previsto na legisla-ção de regência. Entrementes, encontrando-se a Corte jungida à sanção aplicada no acórdão anulado (02 anos), deve ser mantido o quantum do apenamento-base no mesmo infligido.

Ainda que presente a confissão espontânea do réu, a incidência de circunstâncias atenuantes, a teor da Súmula nº 231 do STJ, não pode re-duzir a pena aquém do mínimo legal. Assim, fica a pena provisoriamente arbitrada em 02 anos de reclusão.

Afigura-se aplicável ao caso, ainda, a causa de aumento do artigo 71 do Código Penal, tendo em vista o caráter continuado da conduta delitiva perpetrada pelo acusado. Logo, devendo-se atentar, para a fixação do patamar da continuidade, ao número das ocorrências criminosas (neste sentido: STJ, 5ª Turma, HC nº 25863/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU 25.08.2003), razoável, in casu, o incremento da sanção em 1/6 (conforme, inclusive, realizado na decisão anulada), tornando-se definitiva a pena de reclusão em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses, a ser cumprida em regime inicial aberto, nos moldes do artigo 33, § 2º, c, do Codex Criminal.

No que concerne à pena de multa, a fim de que a reprimenda pecu-niária guarde simetria com a pena corporal, faz-se mister sua fixação em 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1 (um) salário mínimo que vigorava à época dos acontecimentos delituosos, devidamente atualizado.

Presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal, impõe-se a

Page 261: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 261

substituição da pena de reclusão. As penas substitutivas que melhor atingem, no caso vertente, a finalidade da persecução criminal consistem na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e na prestação pecuniária. A primeira em razão de exigir do condenado um esforço no sentido de contribuir com o interesse público. A segunda, porque, ao contrário da multa que reverte sempre ao Estado, converte--se em prol da vítima, seus dependentes ou entidade pública ou privada com destinação social.

Fixa-se a pena de prestação pecuniária, em conta da situação socio-econômica do acusado, no valor de 01 (um) salário mínimo mensal (no valor vigente no momento de seu pagamento), pelo mesmo prazo da pena carcerária.

Por derradeiro, importa consignar que, não obstante transcorridos, no caso, mais de quatro anos (prazo prescricional definido no artigo 109, V, do Código Penal para a pena imposta ao réu – afastado o aumento da continuidade delitiva) entre o recebimento da denúncia e o presente decisum, não há falar em extinção do jus puniendi estatal quanto aos fatos descritos no libelo, tendo em vista o delito em apreço ser imprescritível, nos moldes do artigo 5º, XLII, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Realmente, o plenário do Supremo Tribunal Federal, ao analisar o HC nº 82.424/RS (em “julgamento impregnado de indiscutível transcendên-cia e revestido de irrecusável valor simbólico”, nos dizeres do Ministro Celso de Mello), interpretando a prática do racismo prevista no referido preceptivo constitucional, assentou que restringir o bem jurídico por ele tutelado ao conceito de raça equivaleria a transformar o delito em crime impossível, porquanto demonstrado pela ciência moderna que brancos, negros, mouros, judeus, índios, ciganos, ou quaisquer outros grupos, não formam raças distintas, sendo todos integrantes da raça humana. Vejam-se, a propósito, os termos em que proferido o voto do eminente Ministro Maurício Corrêa (destacou-se):

“(...) A questão (...) gira em torno da exegese do termo racismo inscrito na Consti-tuição como sendo inafiançável e imprescritível. Creio que não se lhe pode emprestar o significado usual de raça como expressão simplesmente biológica. Deve-se, na verdade, entendê-lo em harmonia com os demais preceitos com ele inter-relacionados, para daí mensurar o alcance de sua correta aplicação constitucional, sobretudo levando-se em conta a pluralidade de conceituações do termo, entendido não só à luz de seu sentido

Page 262: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006262

meramente vernacular, mas também do que resulta de sua valoração antropológica e de seus aspectos sociológicos.

(...) a divisão dos seres humanos em raças decorre de um processo político-social originado da intolerância dos homens. Disso resultou o preconceito racial. Não existindo base científica para a divisão do homem em raças, torna-se mais odiosa qualquer ação discriminatória da espécie. Como evidenciado cientificamente, todos os homens que habitam o planeta, sejam eles pobres, ricos, brancos, negros, amarelos, judeus ou muçul-manos, fazem parte de uma única raça, que é a espécie humana, ou a raça humana. (...)

Em conseqüência, apesar da diversidade de indivíduos e grupos segundo caracte-rísticas das mais diversas, os seres humanos pertencem a uma única espécie, não tendo base científica as teorias de que grupos raciais ou étnicos são superiores ou inferiores, pois na verdade são contrárias aos princípios morais e éticos da humanidade. Pode-se concluir, assim, que o vetusto conceito – agora cientificamente ultrapassado – não nos serve para a solução do caso. (...)

Assim esboçado o quadro, indiscutível que o racismo traduz valoração negativa de certo grupo humano, tendo como substrato características socialmente semelhantes, de modo a configurar uma raça distinta, à qual se deve dispensar um tratamento desigual da dominante. Materializa-se à medida que as qualidades humanas são determinadas pela raça ou grupo étnico a que pertencem, a justificar a supremacia de uns sobre os outros. (...)

A sociologia moderna identifica o racismo como tendência cultural, decorrente de construções ideológicas e programas políticos visando à dominação de uma parcela da sociedade sobre outra. Para George Fredrickson (Breve storia del razzismo, Roma, Universale Dolnzelli, trad. Analisa Merlino, 2002, p. 11 e 172), dá-se o racismo quan-do as diferenças étnicas e culturais são consideradas imutáveis, indeléveis, atuando na prática das instituições com base nessas diferenças, gerando a pretensão de impor uma ordem racial. (...)

Vem a propósito a lição de José Cretella Júnior (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Forense, p. 175) que, ao tratar do inciso VIII do artigo 4º da Constituição, entende ser racismo a ‘ideologia que defende a superioridade de um grupo étnico sobre outro (...)’, tendente a promover a discriminação ou até mesmo a eliminação de determinados grupos étnicos, como ciganos, judeus e escravos. Na mesma linha Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Saraiva, 3. ed., 2000, v. 1, p. 57) conclui que constitui racismo ‘propugnar a separação de etnias’. (...)

Não se pode perder de vista, na busca da verdadeira acepção do termo, segundo visualização harmônica da Carta da República, dois dogmas fundamentais inerentes ao verdadeiro Estado de Direito Democrático, que são exatamente a cidadania e a dig-nidade da pessoa humana (CF, artigo 1º, II e III). Pretende-se, com eles, que todos os seres humanos, sem distinção de qualquer natureza, tenham os mesmos direitos, para que de fato se cumpra na sua inteireza o ‘direito de ter direitos’. (...)

Com efeito, limitar o racismo a simples discriminação de raças, considerando

Page 263: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 263

apenas o sentido léxico ou comum do termo, implica a própria negação do princípio da igualdade, abrindo-se a possibilidade de discussão sobre a limitação de direitos a determinada parcela da sociedade, o que põe em xeque a própria natureza e prevalência dos direitos humanos. (...)”

Concluiu o Pretório Excelso, assim, em exegese sistemática ao artigo 5º, XLII, da Constituição, sobretudo em razão do princípio indisponível da dignidade da pessoa humana que informa nosso Estado Democrático de Direito, ser imprescritível não apenas a discriminação racial, mas a gama de condutas prevista na legislação ordinária que regulamentou a regra maior, ou seja, a Lei nº 7.716/89.

Sou, portanto, pela parcial procedência da ação penal, absolven-do o réu J. R. do delito capitulado no artigo 19 da Lei nº 5.250/67 e condenando-o, nos termos da fundamentação, pela prática da infração penal prevista no artigo 20, § 2º, da Lei nº 7.716/89.

Após o trânsito em julgado da decisão condenatória, deverá a Secre-taria processante, ainda, tomar as seguintes providências: a) lançar o nome do acusado no rol dos culpados (artigo 5º, LVII, da CF); b) oficiar ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Santa Catarina para os fins do artigo 15, III, da Carta Magna; c) comunicar ao Departamento da Polícia Federal para as devidas anotações; d) cumprir o disposto no artigo 809, § 3º, do Código de Processo Penal; e e) deprecar a realiza-ção da audiência admonitória e a fiscalização dos atos executórios ao juízo do domicílio do réu.

É o voto.

RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 2005.72.01.001241-6/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Page 264: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006264

Recorrentes: Ministério Público FederalR. T. B.

Advogados: Drs. Carlos Adauto Virmond Vieira e outroRecorridos: (os mesmos)

EMENTA

Recurso em sentido estrito. Crimes ambientais. Artigos 48 e 64 da Lei nº 9.605/98. Art. 69 do Código Penal. Inaplicabilidade. Concurso aparente de normas. Princípio da consunção.

1. A ré foi denunciada porque, em tese, destruiu vegetação local fi-xadora de dunas – art. 50 da Lei 9.605/98 –, a fim de promover aterro, construção de muro e cultivo de plantas exóticas (art. 64). Mantendo a construção no local, impediu a flora nativa de recuperar-se (art. 48). 2. Na hipótese, fica plenamente caracterizado o que a doutrina denomina como “progressão criminosa”, porquanto houve pluralidade de condutas, todas encadeadas em seqüência causal e submetidas ao mesmo contexto fático. 3. Em que pese o enquadramento do fato (impedimento à regene-ração) na descrição típica do art. 48, tal prática não pode ser punida de maneira autônoma, porquanto constitui mero exaurimento do primeiro fato típico (art. 64 – construção em solo não edificável) restando por ele absorvido. Evidente que a impossibilidade de recuperação da cobertura vegetal no local é conseqüência natural e necessária da edificação. 4. Aplicável o princípio da consunção, enquadrando-se o delito no art. 48 da Lei 9.605/98 absorvido pelo do art. 64 daquele diploma. 5. No caso concreto, o terreno que suportou a construção – área de mangue e restinga do Balneário de Capri – inclui-se no conceito de “solo não-edificável pelo seu relevante valor ecológico”, definido no Código Florestal (Lei nº 4.771/65) como área de preservação permanente, revelando-se aplicá-vel à espécie o art. 64. 6. Considerando que a soma das penas máximas abstratamente cominadas aos ilícitos imputados à acusada não é superior a 02 anos, a atribuição para processar e julgar o feito pertence ao JEC, nos termos do art. 2º da Lei 10.259/01. 7. Inexiste previsão na Lei dos Juizados Especiais Criminais de deslocamento da competência para as Varas Comuns em casos de complexidade probatória, pois, mesmo se tratando de procedimento mais célere, sua adoção não implica cercea-mento de defesa.

Page 265: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 265

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que integram o presente julgado.

Porto Alegre, 18 de janeiro de 2006.Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: Trata-se de re-curso em sentido estrito interposto por R. T. B. e pelo Ministério Público contra decisão proferida pelo MM. Juiz da 2ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Joinville/SC, determinando a remessa dos autos ao Juizado Especial Federal daquela Circunscrição Judiciária.

Segundo se depreende do caderno processual, em 8 de janeiro de 2003, a Polícia Ambiental lavrou Termo Circunstanciado de Ocorrência Ambiental em desfavor de R. T. B., imputando-lhe a prática delitiva insculpida no art. 50 da Lei nº 9.605/98. (fls. 48/53)

Originalmente, os autos foram distribuídos ao Juizado Especial Fe-deral de Joinville, uma vez que o Parquet entendeu tratar-se de infração de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 2º da Lei 10.259/01.

Foi oferecida proposta de transação penal. Contudo, a indiciada não aceitou o acordo.

Por conseguinte, o Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de R. T. B., lavrada nestas letras (fls. 02/05):

“No dia 08 de janeiro de 2003, uma guarnição da Polícia Ambiental dirigiu-se à Rua Blandina Steiner Bechauser, Balneário de Capri, no Município de São Francisco do Sul, constatando em toda a faixa entre a citada rua e o corpo lagunar, a ocupação ilegal de áreas não-edificáveis, seja pela presença de mangue e/ou restinga (área de preservação permanente, de acordo com o artigo 1º, § 2º, II, do Código Florestal) ou pela existência de pequenos trechos de praia (terreno de uso comum do povo, conso-ante artigo 10 da Lei nº 7.661/88). A Polícia Ambiental apurou que, especificamente a denunciada R. T. B., proprietária do imóvel constituído pelo nº 922 da Rua Blandina Steiner Bechauser, em data não precisamente especificada, suprimiu a vegetação de mangue e restinga existentes na área compreendida pela projeção das linhas laterais de seu imóvel em direção ao corpo lagunar do lado oposto da Rua Blandina Steiner Bechauser. Promoveu, outrossim, ocupação do terreno não edificável, pela deposição

Page 266: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006266

de aterro, plantação de grama e árvores exóticas, bem como pela construção de muro de concreto e cerca de arame. Ao suprimir a vegetação de mangue e restinga existentes no local, praticou o crime previsto no art. 50 da Lei nº 9.605/98. Ao construir sobre área de mangue e restinga, violou o preceito proibitivo previsto no art. 64 da Lei nº 9.605/98. (...) Resta provado, destarte, que R. T. B., de forma livre e consciente e sabedora de seu atuar ilícito, destruiu vegetação protetora de mangues considerada de especial preservação, além do que construiu em local não edificável, sem autorização dos órgãos ambientais responsáveis e, com ditas acessões, vem impedindo a regeneração natural da vegetação local. Desta forma, em sendo objetiva e subjetivamente típicas as reprováveis condutas de R. T. B., não havendo qualquer descriminante a justificá-las, está ela incursa nas penas cominadas nos arts. 48, 50 e 64 da Lei nº 9.605/98, tudo na forma do artigo 69 do Codex Penal.”

A exordial foi recebida em 12 de maio de 2004. (fls. 95/100)Nada obstante, em 24 de junho, o Magistrado a quo proferiu decisão

(fls. 125/127) declinando a competência para a Vara Federal de Joinville, sob o fundamento de que“o MPF tipificou as condutas perpetradas nos arts. 48, 50 e 64 da Lei nº 9.605/98, em concurso material, na forma do art. 69 do Código Penal. A soma das penas máximas cominadas aos delitos em questão excede a definição de crime de menor potencial ofensivo, afastando, dessa forma, a competência do Juizado Especial (art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/01).”

A ilustre Juíza Federal da 2ª Vara de Joinville, após análise dos autos, entendeu pela não-aplicação do art. 48 da Lei dos Crimes Ambientais, recebendo a denúncia somente em relação aos arts. 50 e 64. Tendo em vista que a pena máxima cominada para os crimes não ultrapassa dois anos, determinou a devolução dos autos ao Juizado Especial Federal daquela Circunscrição Judiciária.

Irresignado, o Parquet Federal interpôs o presente recurso (fls. 29/30). Em suas razões alega, em suma, que deve ser mantido o concurso ma-terial entre os delitos dos arts. 48, 50 e 64, porquanto no caso concreto mostra-se possível a regeneração natural da vegetação original da área atingida, de modo que a manutenção da obra, aterro e existência de plantas exóticas no local configura infração penal autônoma.

A acusada, por sua vez, recorreu, alegando a incompetência do Juizado Especial Federal devido à complexidade da matéria e às circunstâncias do caso. (fls. 134/143)

Apresentadas as contra-razões (fls. 146/148 e 154/164) e mantida a decisão recorrida (fl. 165), subiram os autos.

Page 267: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 267

Oficiando no feito, a douta Procuradoria da República opinou pelo desprovimento do recurso da ré, mostrando-se favorável à tese do Parquet.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: O Ministério Público ofereceu denúncia contra R. T. B., imputando-lhe a prática, em concurso material (art. 69 do CP) dos delitos insculpidos nos artigos 48, 50 e 64 da Lei nº 9.605/98. Confira-se a redação dos tipos penais em questão, verbis:

“Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação. Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.

Art. 50. Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação. Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Art. 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, históri-co, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida. Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.”

O Magistrado a quo, por ocasião do juízo de recebimento da denúncia, aplicou ao caso o princípio da consunção, entendendo que o delito previs-to no art. 48 constituiria pós-fato não punível em relação ao crime do art. 64 da Lei dos Crimes Ambientais. Nesse contexto, recebeu parcialmente a denúncia (apenas quanto aos arts. 50 e 64). A decisão hostilizada foi lavrada nas seguintes letras:

“No presente feito, o Ministério Público Federal ofereceu, inicialmente, proposta de transação penal em razão de, em 08 de janeiro de 2003, no Município de São Fran-cisco do Sul/SC, soldados da Polícia Ambiental terem constatado, na faixa entre a Rua Blandina Steiner Bechauser e o corpo lagunar, no local em que se encontra o imóvel de propriedade da acusada R. T. B., a supressão de vegetação de mangue e restinga, conforme termo circunstanciado de ocorrência nº 04.03.00928/03.02, da Companhia de Polícia de Proteção Ambiental em Joinville/SC, que apurou a prática, em tese, do crime previsto no art. 50 da Lei nº 9.605/98 (fl. 52). A transação penal restou inexitosa, tendo em vista a ausência de interesse da ré em realizá-la (fl. 103). Ato contínuo, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia, pela prática, em tese, dos crimes previstos nos

Page 268: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006268

arts. 48, 50, 64, todos da Lei nº 9.605/98, acrescentando aos fatos narrados no termo circunstanciado a construção de edificação sobre a área, manutenção de aterro, planta-ções exóticas e construções que impedem a regeneração da vegetação. A denúncia foi recebida pelo Juizado Especial Federal desta Subseção Judiciária em 12.05.2004 quando da realização da audiência de instrução e julgamento (fls. 134/139). (...) O presente feito foi redistribuído a este Juízo em razão do reconhecimento da incompetência do Juizado Especial Federal para processar e julgar os crimes apurados, considerando que a soma das penas máximas cominadas a cada um dos três delitos é superior a 2 (dois) anos (fls. 257/9). É o breve relato. Decido. Como oferecida, a denúncia deve ser apreciada, recebida ou rejeitada, no todo ou em parte, pelo Juízo Criminal de competência comum, visto que no Juizado Especial Federal Criminal só são processados crimes cuja pena máxima não seja superior a 2 (dois) anos. Não vislumbro, no entanto, a ocorrência do concurso material entre o tipo descrito no art. 48 da Lei nº 9.605/98 e o do art. 64 da mesma Lei, como indicado na denúncia. É que, ao promover construção em solo não edificável, assim considerado pelo seu valor ecológico, e sendo mantida a edificação, bem como a vegetação exótica transplantada e o aterro, naturalmente, não há como a vegetação nativa ser regenerada. Com efeito, o tipo previsto no art. 48 da Lei nº 9.605/98 é aberto, admitindo várias formas de realização da conduta, mas não é razoável atribuir à ré a conduta de impedir ou dificultar a regeneração da vegetação, sendo que a própria manutenção do prédio, bem como da vegetação exótica e do aterro, ou seja, os efeitos da consumação de outro delito, sequer permite o nascimento da vegetação que pu-desse se regenerar, isto porque ‘a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação efetua-se a partir de sementes oriundas de velhas árvores ali existentes. As sementes, por ação de vários fatores, como o vento, os animais, as aves, dispersam-se e germinam’ (FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra a Natureza, de acordo com a Lei nº 9.605/98. 7. ed. Ed. Revista dos Tribunais, p. 145). Admitir a imputação pretendida na denúncia poderia gerar espécie de concurso material compulsório, não permitido pela lei penal, todas as vezes que fosse mantida a construção e em conseqüência da qual eventualmente tivesse sido suprimida vegetação protegida pela lei ambiental. Por outro lado, originariamente, o art. 48 da Lei nº 9.605, de 1998, reprodução quase idêntica do revogado art. 26, alínea g, da Lei nº 4.771, de 1965, Código Florestal Brasileiro, tem como objetivo evitar que o adquirente de imóvel onde a vegetação tenha sido suprimida continue a explorar a área evitando sua regeneração e usando como escusa o fato de já estar desmatada quando da aquisição. Neste senti-do, Alberto Contar in Meio Ambiente dos Delitos e das Penas, Doutrina, Legislação, Jurisprudência, Editora Forense, 1ª Edição, 2004, p. 244: ‘Daí se pode extrair que o ilícito da alínea g se exaure necessariamente sem o abate de árvores. Em verdade, só pode ocorrer em áreas onde não existam matas, o que chega a ser intuitivo porque o legislador florestal, ao inserir no art. 26 a figura da regeneração natural, visou tutelar aquelas áreas da propriedade rural que, devendo por lei ter uma cobertura arbórea de espécies nativas, não a têm.’ Desse modo, tendo em vista que a denúncia já descreve,

Page 269: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 269

também, a conduta de destruir ou danificar vegetação (art. 50 da Lei 9.605/98), desne-cessário o acréscimo do crime de impedir ou dificultar a regeneração natural. Por fim, deve permanecer o art. 64 da Lei nº 9.605/98, para processar e julgar a ação penal, em aplicação do princípio da especialidade, por detalhar a forma de execução da conduta. Em face do exposto, deixo de ratificar o recebimento da denúncia realizado pelo Juízo incompetente e recebo a denúncia somente em relação aos delitos descritos nos arts. 50 e 64 da Lei nº 9.605 de 1998. Como conseqüência do recebimento da denúncia nos termos acima expostos e considerando que a pena máxima cominada para cada um dos delitos é de um ano, em concurso material, configura infração de menor potencial ofensivo, na forma do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259, de 2001. Tendo em vista que, de acordo com o art. 3º, § 3º, da Lei nº 10.259, de 2001, a competência da Vara do Juizado Especial é absoluta no foro onde estiver instalada, declaro, na forma do art. 109 do Código de Processo Penal, a incompetência deste Juízo Federal para processar e julgar a presente ação penal, determinando a devolução dos autos ao Juizado Especial Federal Previdenciário e Criminal de Joinville/SC.”

Contra esse decisum insurge-se o Ministério Público, postulando a aplicação da regra do concurso material, a fim de serem as condutas delituosas (capituladas nos tipos insculpidos nos arts. 48, 50 e 64 da Lei nº 9.605/98) consideradas de forma individualizada, porquanto consti-tuem crimes autônomos, e para que as respectivas penas sejam aplicadas cumulativamente (art. 69 do Estatuto Repressivo). Postula, ademais, a fixação da competência da Vara Federal Criminal de Joinville para pro-cessar e julgar o feito.

Não merece acolhida a irresignação. Caso a ação humana realize a descrição contida em mais de um tipo penal, há que se determinar se todos estes incidirão sobre os fatos, ou se apenas um se amolda de modo específico à situação. Incumbe ao operador do direito a responsabilidade de fazer a exegese correta.

Com efeito, quando duas ou mais normas, em tese, incidem sobre o mesmo acontecimento, configura-se o denominado “conflito aparente de normas”. Se o agente, por sua vez, pratica duas ou mais ações ilícitas, ocorre o chamado “concurso de crimes”, apresentando-se sob as moda-lidades de concurso material, formal e crime continuado.

Cumpre determinar se, no caso concreto, a agente praticou diferentes condutas delitivas (concurso real) ou se todos seus atos se direcionaram para uma única finalidade, caracterizando, na verdade, apenas um crime (concurso aparente).

Narra a denúncia que a acusada destruiu a vegetação local (de restinga/

Page 270: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006270

fixadora de dunas – art. 50 da Lei 9.605/98), a fim de promover aterro, construção de muro e cultivo de plantas exóticas (art. 64). Ademais, ao manter a construção no local, impediu a vegetação nativa de recuperar--se. (art. 48)

Exame perfunctório dos acontecimentos demonstra que a intenção da ré (ponto central para análise da tipicidade) voltava-se à construção e aterro do terreno situado no Balneário de Capri.

Em que pese o enquadramento do fato (impedimento à regeneração da flora) na descrição típica do art. 48, tal conduta não pode ser punida de maneira autônoma, porquanto constitui mero exaurimento do primeiro fato típico (construção em solo não edificável) restando por ele absorvido. Evidente que a impossibilidade de recuperação da cobertura vegetal no local é conseqüência natural e necessária da edificação.

Sobre o tema, confira-se a lição de Andrei Zenkner Schimidt (Con-curso Aparente de tipos penais e tipicidades, Revista da Ajuris, n. 77):

“Fala-se em concurso aparente de normas toda vez que uma conduta humana realizar a descrição contida em mais de um tipo penal, mas, não obstante, nem todos eles tenham incidência, seja em razão da inexistência abstrata de um plus em uma das normas, seja porque uma das normas foi concretizada conscientemente como meio para a realização de um outro fim, posterior ou anterior a ela. (...) A doutrina enumera alguns princípios capazes de solucionar o impasse, sem, contudo, estar de acordo acerca da quantidade, da terminologia e do conteúdo de cada um deles (...). No Brasil, a doutrina majoritária enumera três princípios: especialidade, subsidiariedade e consunção. (...) Princípio da consunção: Pode ocorrer que a conduta humana, em vez de realizar a descrição contida em diversos tipos penais que se excluem entre si, realize o conteúdo de mais de um tipo penal não excludente, mas, em virtude de uma conexão lógica e justa, um deve ser considerado absorvido pelo outro. (...) consunção (lex consumens derogat legi consuptae), pois, é o princípio aplicável nos casos em que o desiderato criminoso do agente é atingido através da realização voluntária e ontológica de mais de um tipo penal, que não necessariamente deve ser praticado na busca do fim alme-jado, mas por critérios de justiça deve restar absorvido. Sua verificação, ao contrário da especialidade, só pode ser analisada no caso concreto, e é uma relação de absorção, e não de exclusão. (...) O critério da consunção se refere à idéia de atividade que se desenvolve sucessivamente no tempo, de atividade complexa mas unitária sob o prisma social-valorativo, que, em seu envolver, viola pluralidade de normas na qual uma é contida perfeitamente em outra. Enquanto na hipótese da especialidade e da subsidiariedade a ação pode exaurir-se em um único momento e num só segundo, na consunção, ao contrário, achamo-nos necessariamente diante de ação que, embora única desde que julgada em seu complexo, é cindível nos vários atos que se realizam

Page 271: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 271

sucessivamente, cada um dos quais violando uma disposição penal. (...) A progressão criminosa ocorre quando uma figura típica, anteriormente realizada, ainda se concretiza através da realização sucessiva de outra figura típica em que já se encontra impli-cada. (...) Existem três formas de progressão criminosa (...) a) progressão criminosa em sentido estrito (...). b) antefato impunível: dá-se quando o crime anterior serve de meio para a prática de um crime mais grave, que é a principal finalidade do agente. Assim, por exemplo, o crime de falsidade ideológica resta absorvido pelo crime de bigamia; c) pós-fato impunível: nos casos em que o crime posterior incide na linha de atuação do fim que se propôs o agente ao cometer o primeiro crime. A destruição da coisa subtraída resta absorvida pelo crime de furto.”

No caso concreto, fica plenamente caracterizado o que a doutrina denomina de “progressão criminosa”, porquanto houve uma pluralida-de de condutas da acusada, todas estas encadeadas em uma seqüência causal e submetidas a um mesmo contexto fático, devendo ser aplicado o princípio da consunção, restando a conduta enquadrada no art. 48, absorvida pela do art. 64.

Considerando que a soma das penas máximas abstratamente comi-nadas aos artigos 50 (01 ano) e 64 (01 ano) não é superior a 02 anos, a atribuição para processar e julgar o feito pertence ao JEC, nos termos do art. 2º, § 2º, da Lei 10.259/01. Dessa forma, não merece trânsito o recurso ministerial, devendo ser mantida a decisão de fls. 128/131 nos seus exatos termos.

A par disso, insta referir que também entre os arts. 50 e 64 da Lei dos Crimes Ambientais pode-se observar a mesma configuração, qual seja, concurso aparente de normas. Com efeito, a ré, para atingir seu desiderato de construir sobre o solo não edificável, necessitou realizar o corte da vegetação que cobria o terreno. Assim, praticou, em tese, a destruição de espécies típicas (mangue/restinga). A conduta, em princípio, amolda-se à descrição típica contida no art. 50 da Lei nº 9.605/98. Nada obstante, não pode ser punida como crime autônomo, porque esse ato caracteriza--se como antefato impunível, ou seja, trata-se de conduta meio realizada tão-somente para a consecução do crime fim (art. 64) restando por este absorvida, pela aplicação do princípio da consunção.

Todavia, a questão extrapola os limites do presente recurso. Cumpre ao Magistrado a quo, quando da prolação da sentença, analisar a capi-tulação dos fatos narrados na denúncia e a solução, se assim entender, desse eventual conflito de normas.

Page 272: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006272

Em que pese não ser objeto do recurso, cumpre tecer análise sobre a aplicabilidade do art. 64 da Lei dos Crimes Ambientais à hipótese sub judice. Referido dispositivo da Lei dos Crimes Ambientais, encontra-se na Seção IV, Dos crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural, e possui a seguinte redação, verbis:

“Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida. Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.”

O artigo em comento (assim como vários outros dispositivos do re-ferido diploma) possui grande número de expressões abertas, elementos normativos que só irão adquirir sentido quando completados por juízo de valor preexistente em outras normas jurídicas ou ético-sociais. Essa característica entra em conflito com o postulado basilar do Direito Penal da lex certa que “diz com a clareza dos tipos que não devem deixar mar-gem a dúvidas nem abusar do emprego de normas muito gerais ou tipos incriminadores genéricos, vazios”. (TOLEDO, Francisco de Assis. Prin-cípios Básicos de Direito Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 29)

A aplicação do dispositivo em tela representa um desafio para o operador do Direito Penal. Sobre o tema, assim vem se manifestando a doutrina:

“(...) O direito penal ambiental se constitui num importante instrumento jurídico na tutela desses bens difusos, uma vez que os danos ao meio ambiente possuem uma elevada danosidade social, por colocar em risco não apenas a vida e a saúde dos indivíduos e a perpetuação da espécie humana, mas a própria natureza, que deve ser preservada pelo que representa para a presente e futuras gerações. Inobstante isso, podemos constatar que o direito penal clássico, elaborado a partir de um instrumental teórico marcadamente individualista, tem encontrado sérias dificuldades para fundamentar esse novo direito penal, que visa a proteção não mais de bens individuais, mas de bens coletivos. (...) Muito se tem discutido sobre a eficácia do direito penal na proteção de bens coletivos, já que ao sistema criminal caberia apenas a tutela, em ultima ratio, de bens e interesses individuais, como a vida, a saúde, a liberdade e o patrimônio. Por outro lado, vários autores, esquecendo a natureza difusa e interdisciplinar dos bens jurídicos ambientais e a necessidade de um caráter preventivo para a sua tutela, acusam a legislação penal do meio ambiente de ofender os princípios da legalidade e da taxatividade do tipo penal, por conter, em excesso, tipos penais abertos, normas penais em branco e elementos normativos do tipo. (...) Muitos autores alegam que a Lei de Crimes contra o Meio

Page 273: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 273

Ambiente fez tábula rasa do princípio da taxatividade do tipo penal, tendo em vista o excesso a) de elementos normativos do tipo, como nas expressões ‘obrigação de rele-vante interesse ambiental’, ‘valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental’; b) de normas penais em branco, que devem ser complementadas por outros dispositivos legais, inclusive de natureza extrapenal, como leis, regulamentos, normas, atos administrativos, decisões judiciais, permissões, licenças, autorizações, pareceres, registros, proibições; e c) de conceitos imprecisos e fluidos utilizados em expressões como ‘espécie rara’, ‘ato de abuso’, ‘recursos alternativos’, ‘dano indireto’, ‘especial preservação’, ‘níveis tais’, ‘destruição significativa’, ‘imprópria para ocupação humana’. (...) Muitas dessas críticas, porém, revelam as dificuldades que a doutrina tradicional tem encontrado para justificar o direito penal ambiental, ainda que não seja nenhuma novidade o sistema penal brasileiro contemplar tipos penais abertos, normas penais em branco ou conceitos jurídicos indeterminados (...).” (SANTANA, Heron José de. O Futuro do Direito Penal Ambiental: legalidade e tipicidade na Lei de Crimes Ambientais, Revista de Direito Ambiental, n. 34, p. 124)

Em que pesem tais dificuldades, insta observar o disposto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal (“a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), bem como o disposto no art. 126 do CPC, aplicável ao Processo Penal por força do art. 3º do Estatuto Penal Adjetivo (“o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide, caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”).

Efetivamente, o juiz precisa verificar qual o sentido exato da norma e se esta se amolda ao fato concreto. Para fim de determinar se há, em tese, possibilidade de subsunção dos eventos narrados na denúncia à norma, é necessário interpretá-la adequadamente, delimitando com clareza o alcance dos elementos integrantes do tipo penal. Passemos ao estudo analítico da norma prevista no art. 64 da Lei nº 9.605/98.

Comentando o motivo da inserção da regra mencionada na Lei que tutela o meio ambiente, veja-se comentário de José Eduardo Ramos Rodrigues (A evolução da proteção do patrimônio cultural - crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural, Revista de Direito Ambiental, n. 11, p. 25/43):

“Pode parecer estranho para alguns a inclusão de crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural na Lei 9.605 de 12.02.98, na medida em que esta trata, segundo seu preâmbulo, de ‘sanções penais e administrativas derivadas de condutas e

Page 274: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006274

atividades lesivas ao meio ambiente’. É voz corrente que meio ambiente diz respeito apenas à natureza, preferencialmente intocada, e os aglomerados urbanos seriam a sua negação, a sua destruição. Esta afirmação não tem cunho científico e, desde longa data, o direito positivo brasileiro tem conceituado o meio ambiente de forma bastante abrangente. Assim, pela Lei 6.938/81 (Lei da Política Nacional de Meio Ambiente), meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as formas (art. 3º, inc. I). Logo, (...) o meio ambiente inclui áreas naturais intocadas ou degradadas, mares e terras, áreas rurais e urbanas, pois em todos esses espaços encontramos formas de vida. (...) podemos afirmar que o patrimônio cultural brasileiro, ao contrário dos países mais desenvolvidos, nunca foi muito prestigiado pelas políticas públicas de nossos governantes, mais interessados na proteção de ecossistemas naturais (...). Exatamente por isso é que devemos saudar a inclusão de crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural nesta Lei nº 9.605/98 (arts. 62 a 65). Tal lembrança, do legislador, contribui em vários aspectos para o fortalecimento da proteção ao meio ambiente urbano, especialmente no que tange ao patrimônio cultural, cuja defesa é enfatizada nos quatro mencionados artigos.”

No mesmo sentido, a lição do mestre Édis Milaré (Direito do am-biente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005), verbis:

“A visão holística do meio ambiente leva-nos à consideração de seu caráter social, uma vez definido constitucionalmente como bem de uso comum do povo, caráter ao mesmo tempo histórico, porquanto o meio ambiente resulta das relações do ser humano com o mundo natural no decorrer do tempo. Esta visão faz-nos incluir no conceito de ambiente, além dos ecossitemas naturais, as sucessivas criações do espírito humano que se traduzem nas sua múltiplas obras. Por isso, as modernas políticas ambientais consideram relevante ocupar-se do patrimônio cultural, expresso em realizações sig-nificativas que caracterizam, de maneira particular, os assentamentos humanos e as paisagens do seu entorno.” (fl. 201)

O art. 64 insere-se na Seção IV. A objetividade jurídica dos dispositivos que a integram é a proteção do “patrimônio cultural”. Referido conceito pertence ao direito ambiental e pode ser assim descrito:

“Os arts. 215 e 216 da Constituição de 1988 trazem a proteção do meio ambiente cultural ao estabelecerem que ‘Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º O Estado protegerá as ma-nifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. § 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.

Page 275: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 275

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à iden-tidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I- as formas de expressão; II- os modos de criar, fazer e viver; III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas; V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.’ (...) Percebe-se que o caput do art. 216 identifica o patrimônio cultural brasileiro utilizando conceitos de valor histórico, sociológico e antropológico, pois que afirma ser patrimônio cultural brasileiro bens considerados individualmente ou em conjunto, desde que portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, não exigindo que eles sejam de valor excepcional. Outrossim, o texto constitucional, ao afirmar a preservação de valo-res imateriais e a aceitação de sua mutabilidade intrínseca, desautoriza a exigência de tombamento prévio para que um bem seja considerado patrimônio cultural brasileiro. (...) O inciso V inova, ao mencionar conjuntos urbanos sem fazer referência a valor excepcional, dando ênfase ao valor histórico-documental, malgrado ter esquecido de mencionar os conjuntos rurais e os imóveis individualizados. Inova, ainda, referido inciso V, ao prever a proteção, além do patrimônio arqueológico, do paleontológico e dos possuidores de valor ecológico. (...) Entendemos que o patrimônio natural possui intrínseca ligação com a cultura porquanto, além de influenciar na própria produção desta, o patrimônio natural guarda parte da nossa memória, preservando o passado evolucional humano com pinturas e outros registros rupestres, além de ser através de sua utilização que nos conhecemos melhor e colaboramos para solucionar questões referentes à formação e evolução de muitas espécies e ecossistemas. Assim, o art. 216 da Constituição Federal acentua constituir o patrimônio cultural brasileiro, dentre outros, os sítios de valor histórico, paisagístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico e, no seu art. 225, § 1º, revela que, para assegurar a todos o direito a um meio ambiente sadio, deve o Poder Público preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas (inc. I), preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético (inc. II) e definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente atra-vés de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. (...) A instituição de espaços especialmente protegidos tem sido, pois, prática mundial como forma de preservação do patrimônio natural e biodiversidade (...).”

Sobre o tema, confira-se mais uma vez o ensinamento do mestre Édis Milaré na obra citada anteriormente:

“O art. 216 da CF meramente exemplifica alguns tipos de bens culturais. Os incisos I e II remetem ao patrimônio cultural intangível; o inciso III diz com as criações científi-

Page 276: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006276

cas, artísticas e tecnológicas; o inciso IV trata de espaços onde ocorrem manifestações de cunho cultural e o inciso V contém a tipologia tradicional que vem desde a Constituição de 1934, inovando, porém, ao acrescer três valores de especial importância a serem protegidos: o paleontológico, o ecológico e o científico. (...) Destarte, não se discute mais se o patrimônio cultural constitui-se apenas dos bens de valor excepcional ou também daqueles de valor documental cotidiano; se inclui monumentos individualiza-dos ou também conjuntos; se dele faz parte tão-só a arte erudita ou também a popular; se contém apenas bens produzidos pela mão do homem ou também os naturais; se esses bens naturais envolvem somente aqueles de excepcional valor paisagístico ou, inclusive, ecossistemas; se abrange bens tangíveis e intangíveis: todos esses bens estão incluídos no patrimônio cultural brasileiro, desde que sejam portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da nacionalidade ou da sociedade brasileiras, nos exatos termos constitucionais.”

Logo, conclui-se que as áreas naturais especialmente protegidas in-tegram o conceito de “patrimônio cultural”.

O art. 64, regulamentando o dispositivo constitucional, preserva de maneira específica parcela desse patrimônio, qual seja, o “solo não edi-ficável e seu entorno em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artís-tico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental”. Sobre a aplicabilidade do referido dispositivo, confirma-se o magistério de Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas (Crime contra a Natureza. 6. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 205 e seguintes):

“O crime previsto no art. 64 é inovação autêntica da Lei 9.605/98. Com efeito, antes dela a construção irregular constituía apenas infração administrativa, passível de embargo ou demolição. (...) A inovação veio em boa hora. Os abusos são incon-táveis. Os grandes centros, em sua maioria, cresceram sem uma planificação mais séria, com reduzidas áreas verdes e total desprezo pelas conseqüências de tal conduta para o homem. As cidades litorâneas receberam, e ainda recebem em alguns casos, grandes edifícios sem a necessária estrutura e até mesmo sem sistema de esgoto. Cidades serranas vêem condomínios em total desacordo com o local. Tudo é feito em nome de um discutível progresso e com o inconfessado objetivo do lucro a qualquer custo. (...). Sujeitos: Sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, física ou jurídica. Sujeito passivo, a coletividade e, secundariamente, a pessoa detentora do domínio do solo não edificável. Objeto Jurídico: É a ampla proteção do meio ambiente, através dos locais de valor paisagístico (Dec-Lei 25/37, art. 1º, § 2º), ecológico (Lei 6.938/81, art. 18, espaços de proteção permanente criados pelo Código Florestal), artístico (Dec-Lei 25/37, art. 1º, caput) , turístico (Lei 6.513/77, art. 4º), histórico (Dec-Lei 25/37, art. 1º, caput), cultural (v.g., sítios com reminiscências dos quilombos, tombados pela CF,

Page 277: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 277

conforme art. 216, § 5º), religioso (museus, pinturas, objetos de arte ligados à prática da religião), arqueológico (CF, art. 216, inc. V, v.g., cemitérios indígenas, Lei 3.924/61, art. 2º), etnográfico (língua, raça, religião e cultura do povo) ou monumental (locais de beleza rara). O antigo Decreto-Lei 25/37, no seu art. 18, já dispunha que ‘sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico nacional não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilida-de, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso multa de cinqüenta por cento do valor do mesmo objeto.’ A razão é muito simples. Uma área poderá ficar totalmente desfigurada. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem criar por lei locais protegidos, nos termos do art. 23, inc. III, da CF. Objeto Material: É o solo não edificável e o seu entorno. O solo em que se situam os locais de interesse especial, evidentemente, não pode receber construções, exceto em situações excepcionais (v.g., moradia para o diretor de um parque nacional). Mesmo assim, a construção, o material, as cores, tudo será feito em harmonia com o local. O mesmo se dá com o entorno, ou seja, o espaço físico necessário à harmonização entre o local protegido e a área que o circunda. Assim, uma unidade de conservação terá na zona contígua um espaço de preservação da cobertura vegetal. Um local de interesse turístico terá, necessariamente, um espaço físico destinado ao acesso público. Um centro histórico terá uma área de abrangência maior do que os seus limites, evitando que possa vir a ser descaracterizado. Esses espaços constituem o chamado entorno e são protegidos pela lei penal.”

No caso concreto, o terreno que suportou a construção – área de mangue e restinga do Balneário de Capri – inclui-se no conceito de “solo não-edificável pelo seu relevante valor ecológico”, porquanto é definido no Código Florestal (Lei nº 4.771/65) como área de preservação permanente (“Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: (...) f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues.”).

Em face de tais ponderações, conclui-se pela aplicabilidade da norma referida no caso concreto.

Por fim, analiso a irresignação da acusada – R. T. B. Alega a recorrente incompetência do Juizado Especial Federal devido à complexidade da matéria e às circunstâncias do caso, porquanto a celeridade do procedi-mento poderá ocasionar cerceamento de defesa.

Não comporta agasalho a tese suscitada. Quanto a esse aspecto, peço vênia para reproduzir excerto do parecer da douta Procuradoria da Re-pública, onde a questão é adequadamente abordada:

Page 278: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006278

“O pedido não encontra fundamento legal. A Lei dos Juizados Especiais não prevê que em casos de complexidade probatória a competência para o julgamento do feito é de uma Vara Comum. A Lei nº 9.099/95, assim como a Lei nº 10.259/01, adota um critério objetivo para determinação da competência, qual seja, o do quantum da pena cominada em abstrato. Adequando-se os fatos a esse critério, não há que se falar em incompetência do Juizado Especial Criminal. Alega a defesa que existe previsão legal acerca da possibilidade da ‘providência de declaração de incompetência absoluta do Juizado Especial, com a necessidade de processamento, ab initio, dos autos no Juizado Penal Comum, para que se adote o rito do CPP, quando a complexidade ou circuns-tâncias do caso assim o recomendem’ (...). A ré fundamenta suas afirmações no § 3º do art. 77 da Lei nº 9.099/95. Entretanto, tal dispositivo legal trata de matéria diversa. Vejamos. ‘Art. 77: Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação da pena, pela ausência do autor do fato, ou pela não-ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta Lei, o Ministério Público oferecerá ao juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis. (...) § 3º: Na ação penal de iniciativa do ofendido poderá ser oferecida queixa oral, cabendo ao juiz verificar se a complexidade e as circunstâncias do caso determinam a adoção das providências previstas no parágrafo único do art. 66 desta Lei.’ Por sua vez, o art. 66 da mesma lei prevê que: ‘a citação será pessoal e far-se-á no próprio Juizado, sempre que possível, ou por mandado. Parágrafo único: Não encontrado o acusado para ser citado, o juiz encaminhará as peças existentes ao juízo comum para a adoção do procedimento previsto em lei.’ Percebe-se que o art. 66 trata da remessa dos autos ao Juízo Comum apenas nas hipóteses em que o réu não é encontrado para ser citado. Ademais, não há o alegado cerceamento de defesa pelo simples fato de correr a causa em um juizado especial. Como bem destacam Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes (Juizados Especiais Criminais: Comentários à Lei 9.099/95. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 177): ‘Apesar dessa maior concentração, não ficou restringido o direito de defesa, que, ao contrário, saiu mais protegido, pela possibilidade de oferecimento prévio de resposta à acusação, antes do recebimento da denúncia ou queixa, e também pelo fato de estar prevista a realização do interrogatório após a colheita da prova testemunhal (...). Por isso, ainda que se trate de um procedimento mais célere, sua adoção, nos casos em que se deveria seguir o procedimento sumário do CPP, não implicará prejuízo que autorize o reconhecimento de nulidade.’” (fls. 172/173)

Ante o exposto, nego provimento aos recursos, nos termos da funda-mentação.

Page 279: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 279

HABEAS CORPUS Nº 2006.04.00.001088-3/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose

Impetrantes: Douglas Haquim Filho e outroImpetrado: Juízo Federal da VF e JEF de Campo Mourão

Paciente: S. D. N. Réu preso

EMENTA

Processo penal. Habeas corpus. Cloreto de etila. Lança-perfume. Tráfico interno de entorpecentes. Lei nº 6.368/76. Competência. Crime cometido a bordo de aeronave. Art. 109, IX, da CF. Inexistência. Decli-nação para o juízo estadual.

1. Entendimento assente nesta Corte e no Superior Tribunal de Justiça de que o fato de a comercialização de substância entorpecente (cloreto de etila) em outro país (in casu, na Argentina) ser livre impede a configura-ção da internacionalidade da conduta quando o tóxico é introduzido no Brasil. 2. A análise da questão relativa à competência da Justiça Federal, nos termos do que dispõe o art. 109, inc. IX, da CF, deve ser feita com certa cautela, na medida em que se deve estabelecer uma distinção entre crime cometido a bordo de aeronave, para os casos em que o avião é utilizado como mero instrumento para a prática do delito. 3. Na hipótese, cuidando-se de tráfico interno e pelo fato de o crime não ter sido come-tido a bordo de aeronave, na medida em que serviu apenas como meio de transporte da substância entorpecente, revela-se a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito. 4. Declinação da competência para o juízo estadual, com a concessão da ordem para soltura do Paciente, preso por decisão de autoridade incompetente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª

Page 280: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006280

Região, por unanimidade, declinar da competência e conceder a ordem de Habeas Corpus, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 28 de março de 2006.Des. Federal Tadaaqui Hirose, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: Cuida-se de Habeas Cor-pus impetrado em favor de S. D. N., que se encontra preso em decorrência de flagrante delito, visto que surpreendido na posse da substância entor-pecente conhecida como lança-perfume (cloreto de etila). (fls. 70-71 e 81)

A ilustre Autoridade Policial comunicou a ocorrência do flagrante ao MM. Juiz Federal da Circunscrição Judiciária de Campo Mourão/PR, classificando a conduta nos artigos 12, 14 e 18, inciso I, todos da Lei nº 6.368/76. (fl. 128)

Requerida a liberdade provisória do ora Paciente, restou o pleito in-deferido porquanto, acolhendo manifestação oferecida pelo Ministério Público Federal (fls. 162-164), concluiu o douto magistrado pela confi-guração dos requisitos dispostos no artigo 312 do Código de Processo Penal, especialmente a necessidade de garantia da ordem pública. (fls. 167-169)

Em resumo, alega o Impetrante ter sido o ato praticado “(...) uma ma-nifestação isolada em sua vida. Não se trata de um criminoso contumaz, e sim de um trabalhador que, passando por dificuldades financeiras na família, caiu na tentação dos elevados valores oferecidos pelos ‘opera-dores’ do tráfico para a prestação de um serviço. (...)” (fl. 07)

Aponta ser o Paciente primário, com bons antecedentes, família constituída, endereço fixo e atividade profissional lícita. Afirma, ou-trossim, ter S. D. N. colaborado voluntariamente com as investigações, fato que deverá ser devidamente valorado, já que poderá, inclusive, isentá-lo de pena. Entende inexistirem motivos para a manutenção da prisão, não estando preenchidos os pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal.

Ainda, assevera o diligente defensor ser possível a concessão de liber-dade provisória inclusive quando é imputada prática de crime previsto na Lei nº 8.072/90. Aduz que a “(...) orientação pacífica dos Tribunais

Page 281: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 281

Superiores, inclusive desta Corte, no sentido de que o fato da acusação ser lastreada em crime hediondo ou equiparado, por si só, não constitui óbice para o indeferimento de pedido de liberdade. (...)” (fl. 08). Para tanto, alega que o indeferimento da liberdade provisória deve ser concre-tamente justificado conforme os termos dos artigos 310 e 312 do Código de Processo Penal. Traz à baila jurisprudência. Finalmente, lembra ser ilegal a custódia decretada com base em meras conjecturas e suposições.

A liminar restou indeferida. (fls. 171-173)A Autoridade apontada como Coatora prestou informações. (fls. 178-179)A Procuradoria Regional da República ofertou parecer pela denegação

da ordem. (fls. 185-190)É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: Cuida-se de Habeas Corpus impetrado em favor de S. D. N., que se encontra preso em decor-rência de flagrante delito, visto que surpreendido na posse da substância entorpecente conhecida como lança-perfume (cloreto de etila).

Todavia, antes de analisar o mérito da presente impetração, ressalto que, examinando detidamente os autos, não verifico o requisito da in-ternacionalidade, necessário para a incidência da majorante prevista no artigo 18, inciso I, da Lei nº 6.368/76.

Como se sabe, a posse do cloreto de etila pode caracterizar o delito insculpido no artigo 12 da Lei º 6.368/76. Todavia, é também enten-dimento assente nesta Corte e no Superior Tribunal de Justiça que o fato de a comercialização de substância entorpecente em outro país ser livre impede a configuração da internacionalidade da conduta quando o tóxico é introduzido no Brasil.

O exemplo mais notado é justamente a introdução do vulgarmente conhecido lança-perfume proveniente da Argentina, onde é utilizado como desodorizador de ambientes, bem o caso dos autos, como se vê:

“(...) Desta feita, identificamos a aeronave prefixo PT-NOG que, segundo denúncia recebida e parcialmente confirmada, estaria sendo preparada para o transporte, da Ar-gentina para o Brasil, de grande quantidade de substância entorpecente. (...)” (fl. 102)

“(...) Narra o Sr. Delegado da Polícia Federal que o órgão está mantendo vigilância em diversas aeronaves suspeitas de participação em tráfico internacional de entorpecen-

Page 282: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006282

tes, especialmente a de prefixo PT-NOG, a qual estaria sendo preparada para transportar, da Argentina para o Brasil, grande quantidade de substância estupefaciente. O itinerário provável será entre Eldorado, na Argentina, até o aeroporto de Birigui (SP) ou pista de pouso nas proximidades (...).” (fl. 116)

“(...) O tráfico internacional de “lança-perfume”, de que se suspeita, ocorre, via aérea, entre a Argentina e a cidade de Goiânia (GO) (...).” (fl. 126)

Logo, estaríamos, em tese, frente a uma hipótese de tráfico interno, o que afastaria a competência da Justiça Federal para o processo e julgamento do feito.

Entretanto, depreende-se dos fatos narrados e das informações presta-das pela autoridade apontada como coatora que “a competência da Justiça Federal para julgamento do processo está caracterizada pela ocorrência do crime a bordo de aeronave, conforme dispõe o art. 109, inciso IX, da Constituição Federal. (fl. 178)

Com efeito, o entendimento do juízo a quo encontra abrigo no Egrégio STF, conforme se vê do seguinte aresto que ora colaciono:

“I. Competência para o processo de crime de tráfico internacional de entorpecente apreendido no interior de aeronave que pousou em Município que não é sede de Vara da Justiça Federal: Alegada competência da Justiça estadual (art. 27 da L. 6.368/76): nulidade relativa: preclusão: Precedente. Conforme o decidido no HC 70.627, 1ª T., Sydney Sanches, DJ 18.11.94, é federal a jurisdição exercida por Juiz estadual na hipótese do art. 27 da L. 6.368/76. Corrobora a tese o disposto no art. 108, II, da Constituição, segundo o qual cabe aos Tribunais Regionais Federais ‘julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição’. É territorial, portanto, o critério para saber se ao Juiz federal ou estadual, na hipótese do art. 27 da L. 6.368/76, cabe o ‘exercício de competência federal’; e, por isso, se nulidade houvesse seria ela relativa, sanada à falta de argüição oportuna. II. Competência da Justiça Federal: crime praticado a bordo de navios ou aeronaves (art. 109, IX, da Constituição): Precedente (HC 80.730, Jobim, DJ 22.03.02). É da jurisprudência do STF que, para o fim de de-terminação de competência, a incidência do art. 109, IX, da Constituição, independe da espécie do crime cometido ‘a bordo de navios ou aeronaves’, cuja persecução, só por isso, incumbe por força da norma constitucional à Justiça Federal.” (grifei) (HC n.º 80059/MS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª T., DJ 29.04.2005)

Sem embargo, entendo que a análise da questão relativa à com-petência da Justiça Federal, nos termos do que dispõe o art. 109, inc. IX, da CF, deve ser feita com certa cautela, na medida em que

Page 283: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 283

se deve estabelecer uma distinção entre crime cometido a bordo de aeronave, para os casos, como o destes autos, em que o avião é utilizado como mero instrumento para a prática do delito, in casu, para efetuar o transporte do entorpecente.

O voto vencido proferido pelo eminente Min. Jorge Scartezzini, no julgamento feito pela Quinta Turma do STJ, do HC nº 14108/MS, trouxe fundamentos que reputo valiosos para a tese aqui defendida, razão pela qual peço vênia para transcrever excertos pertinentes e adotá-los como razões de decidir:

“O cerne da questão que mereceu destaque no voto proferido pelo Culto Relator cinge-se em saber acerca da competência para o processamento e julgamento do feito, ou seja, se a Comarca de Rio Verde, onde ocorreu a apreensão da droga, seria ou não competente para tanto, em razão do veículo utilizado para o delito (aeronave).

O eminente Relator, em seu pronunciamento, entendeu que, pelo fato de tratar--se de crime cometido ‘a bordo’ de aeronave, a competência para o processamento e julgamento de mencionada ação penal seria da Justiça Federal, portanto, absoluta, não sendo aplicável a norma contida no art. 27 da Lei 6.368/76, que prevê a possibilidade de julgamento de tais crimes pela Justiça Estadual, se o lugar em que houver sido praticado for município que não seja sede de vara da Justiça Federal.

Ora, o referido preceito legal trata de tráfico internacional de entorpecentes em Município que não possua Vara Federal, que é a hipótese dos autos. Neste diapasão, a singeleza da discussão resume-se ao fato de que a substância entorpecente foi apreendida no interior de uma aeronave pousada na Fazenda do Paciente. Esse fato (apreensão dentro do avião), ao meu sentir e pedindo venia ao ilustre Relator, não é suficiente a impossibilitar o processamento e julgamento deste feito, nos termos da Constituição Federal (art. 109, parág. 3º) e da lei especial (art. 27, Lei 6.368/76), por delegação, perante a Justiça Comum Estadual.

(...)Entendo que a norma inserida no inciso IX, do art. 109 da Constituição, qual seja,

de que ‘compete à justiça federal processar e julgar os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves’ não alcança esse tipo de delito, posto que o fato pode se consu-mar até antes do uso do meio de transporte e não a bordo deste. Vale dizer, o avião é apenas um instrumento, como qualquer outro veículo, para o transporte da droga. Na realidade, a consumação não ocorreu dentro da aeronave. Por tratar-se de crime de perigo abstrato, de caráter permanente, esta é efetivada com a mera detenção (posse) do tóxico pelo agente (...).

Assim, apenas exemplificando o que foi defendido, se o paciente fosse pego trans-portando a droga do avião para o interior da sua residência ou mesmo colocando-a na aeronave, não alteraria a ocorrência do delito, já que estava consumado, posto que havia posse da mesma. Registro que é caso totalmente diferente de um crime cometido

Page 284: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006284

durante o vôo, ou seja, a bordo da aeronave, v.g., o seqüestro de uma aeronave ou um homicídio a bordo desta.” (grifos no original).

Nesse sentido, aresto da Oitava Turma desta Corte, em que pese, no caso concreto, tenha sido mantida a competência da Justiça Federal, em razão do reconhecimento da continência. Eis a ementa:

“TRÁFICO INTERNACIONAL DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. DROGA LANÇADA DE INTERIOR DE AERONAVE EM TERRRITÓRIO DE MUNICÍPIO QUE NÃO É SEDE DA JUSTIÇA FEDERAL. DEMANDA PROPOSTA NA JUSTIÇA FEDERAL. CONTINÊNCIA. VIS ATRATIVA.

A regra do art. 109, IX, da Constituição Federal (‘Aos juízes federais compete processar e julgar os crimes cometidos a bordo de navios e aeronaves...’) deve ser interpretada, em casos de tráfico ilícito de entorpecentes (crime permanente), com algum grau de razoabilidade, sob pena de se chegar a situações absurdas, como seria, por exemplo, a possibilidade de um réu condenado na Justiça Estadual pretender, em sede de revisão criminal, a anulação do julgado, por incompetência absoluta do juiz, sob a alegação de que a droga esteve, em algum momento, no interior de um avião.

A competência fixada no art. 27 da Lei nº 6.368/76 é de natureza relativa (Pre-cedentes do STJ). Se, proposta a ação penal na Justiça Federal contra todos os réus, àquele eventualmente não citado não assiste o direito, quando comparece ao processo, de ver-se processado pela Justiça Estadual. Incidindo, na espécie, a regra do art. 77, I, do CPP, que cuida da continência, a competência federal já estaria fixada pela preven-ção. Ordem de habeas corpus denegada.” (HC nº 2004.04.01.005843-0/PR, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU 14.04.2004)

Consignou o ilustre Relator em seu voto que:

“Não se revela possível, para efeito de incidência da regra prevista no art. 109, IX, da Constituição Federal, considerar que o delito de tráfico de entorpecentes a que se refere a denúncia tenha sido praticado a bordo de aeronave. Certo que o crime em questão é de caráter permanente, e por isso sua consumação se protrai no tempo. Se é verdade que houve consumação durante o período em que a droga permaneceu no interior da aeronave, não se pode esquecer também que consumado estava o delito antes e depois de ter sido ela introduzida no avião. Incensurável parece, desse modo, a observação de que a aeronave serve, em casos como o presente, de veículo de transporte da substância entorpecente (...).”

Mais adiante, conclui: “Em se tratando de hipótese em que a ae-ronave é utilizada apenas como meio de transporte, no entanto, deve ser afastada a aplicação do art. 109, IX, da CF, ainda que se cuide de tráfico interno.”

Dessa forma, considerando-se que resta afastada a internacionalidade

Page 285: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 285

do tráfico, e de que o crime não teria sido cometido a bordo de aeronave, revela-se a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o presente feito.

Assim, declinando da competência, concedo a ordem de Habeas Corpus para a soltura do Paciente, preso por decisão de autoridade ju-dicial incompetente, determinando-se a remessa dos autos originários ao juízo estadual.

Comunique-se ao juízo impetrado, com a urgência necessária, para a expedição do alvará de soltura.

É como voto.

Page 286: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006286

Page 287: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 287

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

Page 288: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006288

Page 289: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 289

EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 1998.04.01.086669-6/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle

Embargante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogado: Dr. Luiz Cláudio Portinho Dias

Embargado: Romedi Luiz GroffAdvogada: Dra. Mara Denise Maggioni Cerbaro

EMENTA

Embargos infringentes. Atividade especial. Prova. Ruído. Poeira. Marceneiro. Formulário SB-40. Laudo técnico. Ausente. Ampla defesa.

1. Uma vez exercida atividade enquadrável como especial, sob a égide da legislação que a ampara, o segurado adquire o direito ao reconheci-mento como tal e ao acréscimo decorrente da sua conversão em tempo de serviço comum.

2. Ausente nos autos a prova necessária à demonstração do exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho, não há como reconhecer o respectivo tempo de serviço.

3. Sentença anulada, a fim de que outra seja proferida após realizada a prova pericial.

4. Embargos infringentes providos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,

Page 290: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006290

decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 9 de março de 2006.Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle: Trata-se de embargos infringentes opostos contra acórdão prolatado pela e. Quinta Turma desta Corte – em sua anterior composição – que, por maioria, deu parcial provimento ao recurso e à remessa oficial para adequar a verba honorária e conceder o benefício de aposentadoria de forma proporcional.

O Instituto-embargante requer a prevalência do voto vencido, proferi-do pela Desa. Federal Virgínia Scheibe, que, julgando prejudicado o apelo da autarquia, deu provimento à remessa oficial para anular a sentença, a fim de que, colhida adequadamente a prova com a realização da perícia técnica judicial, outra decisão seja proferida.

Sem impugnação, vieram os autos conclusos.É o sucinto relatório.À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle: Os em-bargos infringentes opostos pelo INSS objetivam a prevalência do voto minoritário que assim se pronunciou, verbis:

“(...) O Autor busca comprovar o exercício de atividade especial, havendo nos formulários SB-40 respectivos (fl. 42, relativo ao período de 01.09.93 a 30.01.94; fl. 43, relativo ao período de 01.02.94 a 31.08.97) a informação de que esteve exposto de maneira habitual e permanente aos agentes nocivos ruído e poeira. Efetivamente, o agente nocivo ruído permite o enquadramento no código 1.1.6 (exposição em jornada normal ou especial fixada em Lei com ruído acima de 80 decibéis) do Quadro anexo ao Decreto nº 53.831/64 e/ou no código 1.1.5 (trabalhos com exposição permanente a ruído acima de 90 db.) do Anexo I do Decreto nº 83.080/79. Todavia, para o enquadramento é necessário, no mínimo, o laudo de avaliação do ruído, havendo nos dois formulários SB-40 a informação de que a empresa não possui laudo pericial de avaliação do grau de intensidade do ruído, o que demonstra não ter havido qualquer medição e impossível a decisão acerca de ser o ambiente de trabalho insalubre pela exposição ao ruído acima

Page 291: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 291

dos níveis de tolerância admitidos na legislação previdenciária, porquanto se desco-nhece os níveis de ruído verificados no ambiente de trabalho do segurado. Do mesmo modo, a necessidade de tal perícia é cristalina porque o outro agente nocivo, poeira, é apenas citado, sem nada referir-se a respeito de sua intensidade e do próprio ambiente de trabalho do autor, limitando-se os formulários SB-40 respectivos (fls. 42-43) a in-formar que laborava no setor de lixação e que era auxiliar de marceneiro, atividade, inclusive, não incluída expressamente em qualquer dos Decretos Regulamentadores que estabelecem o rol das atividades consideradas especiais.

Assim, não sendo suficiente o formulário SB-40 para caracterização dos agentes nocivos e da atividade insalubre, mormente, na falta de laudo técnico oferecido pela empresa acerca do nível de ruído verificado no ambiente laboral do autor, impõe-se a realização de perícia técnica judicial, isenta e imparcial, a amparar com segurança uma decisão. (...)

Todavia, no caso dos autos, apesar do requerimento feito na inicial (fl. 4), para que se oportunizasse a realização de perícia, o Juízo singular silenciou sobre tal pedido, entendendo-a desnecessária com base no entendimento indevido, como se viu, de que o formulário SB-40 era suficiente para a concessão do benefício. (...)

Do exposto, conclui-se que a deficiência na instrução não pode prejudicar o direito do Autor de provar os fatos em que ampara a sua ação, ou mesmo o do réu de provar os fatos em que ampara sua defesa.

(...)Nesse contexto, julgando prejudicado o apelo da Autarquia, dou provimento à

remessa oficial para anular a sentença, a fim de que, colhida adequadamente a prova com a realização da perícia técnica judicial, outra decisão seja proferida.

É o voto.”(fls. 132-136) (grifei)

O voto vencedor, prolatado pela Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, traz argumentos em sentido oposto quanto à prova da atividade especial, in verbis (fls. 127-131):

“(...)Quanto à contagem do tempo de serviço laborado em condições especiais, a fina-

lidade do benefício de aposentadoria especial é de amparar o trabalhador que laborou em condições nocivas e perigosas à sua saúde, reduzindo o tempo de serviço para fins de aposentadoria. Tem, pois, como fundamento o trabalho desenvolvido em atividades ditas insalubres. Pela legislação de regência tenho que a condição, o pressuposto deter-minante do benefício está ligado à presença de agentes perigosos ou nocivos à saúde ou à integridade física do trabalhador, e não apenas àquelas atividades catalogadas em regulamento. Aliás era o que dispunha a Súmula nº 198 do extinto TFR, que reuniu a interpretação da época da sua edição.

Para concessão do benefício de aposentadoria especial, necessário o cumprimento dos requisitos disciplinados pela legislação vigente à época do requerimento adminis-

Page 292: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006292

trativo ou ajuizamento da ação – Lei nº 8.213/91, artigos 57 e 58, e Decreto nº 611/92, artigos 62 e seguintes.

A teor do que prevê o disposto no artigo 152 da citada Lei, a relação das atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador encontram-se disciplinadas no Decreto nº 53.831, de 25.03.64, e no Decreto nº 83.080, de 24.01.79.

Portanto, de acordo com o Regulamento dos Benefícios da Previdência Social (Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964), a parte autora faz parte dos trabalhadores incluídos no 1.1.6 do referido.

Objetivando comprovar o desempenho da atividade referida, juntou a parte autora o seguinte documento: SB-40 atestando que, nos períodos de 01.09.93 – 30.01.94; 01.02.94 – 31.08.97, como auxiliar de marceneiro, esteve exposto de maneira habitual e permanente a agentes agressivos, como ruídos e poeiras (fls. 42-43).

Efetivamente, há início de prova material razoável reforçado por prova testemunhal idônea a comprovar que a parte autora exerceu atividade laborativa rurícola, porque foram satisfeitas as exigências da legislação previdenciária (art. 11, inc. VII, § 1º; art. 48, art. 94, art. 106 da Lei nº 8.213/91; 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64, fazendo jus, portanto, à percepção do benefício de aposentadoria proporcional por tempo de serviço, cumulando o período rural (17.09.66 a 31.04.86), urbano (02.05.86 a 20.02.91) e especial (01.09.93 – 30.01.94; 01.02.94 – 31.08.97), que, somados, totalizam 30 anos, 3 dias. (...)”

Reitero que o objeto da divergência diz com a prova da atividade especial, nos períodos de 01.09.93 a 30.01.94 e de 01.02.94 a 31.08.97, quando o autor laborou na função de auxiliar de marceneiro na empresa Ilario Comunello-ME/Ind. de Móveis Comunello Ltda.

Com relação à atividade especial, é de ressaltar-se que o tempo de serviço é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à conta-gem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.

Nesse sentido, aliás, é a orientação adotada pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AGREsp nº 493.458/RS, Rel. Mi-nistro Gilson Dipp, 5ª T., DJU 23.06.2003, p. 429, e REsp nº 491.338/RS, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, 6ª T., DJU 23.06.2003, p. 457), a qual passou a ter previsão legislativa expressa com a edição do Decreto nº 4.827/2003, que introduziu o § 1º ao art. 70 do Decreto nº 3.048/99.

Feita essa consideração e tendo em vista a diversidade de diplomas

Page 293: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 293

legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário inicialmen-te definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.

Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:

a) no período de trabalho até 28.04.95, quando vigente a Lei nº 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, poste-riormente, a Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova (exceto para ruído, em que necessária sempre a aferição do nível de decibéis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desse agente);

b) a partir de 29.04.95, inclusive, foi definitivamente extinto o en-quadramento por categoria profissional, de modo que, no interregno compreendido entre essa data e 05.03.97, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, neces-sária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integri-dade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico;

c) no lapso temporal compreendido entre 06.03.97 e 28.05.98, em que vigente o Decreto nº 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória nº 1.523/96 (convertida na Lei nº 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica;

d) após 28.05.98, não é mais possível a conversão de tempo especial para comum. (art. 28 da MP 1.663/98, convertida na Lei 9.711/98)

Essas conclusões são suportadas por remansosa jurisprudência do

Page 294: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006294

Superior Tribunal de Justiça. (REsp nº 461.800/RS, 6ª T., Rel. Min. Ha-milton Carvalhido, DJU 25.02.2004, p. 225; REsp nº 513.832/PR, 5ª T., Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 04.08.2003, p. 419; REsp nº 397.207/RN, 5ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJU 01.03.2004, p. 189)

Para fins de enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos nos 53.831/64 (Quadro Anexo – 2ª parte) e 83.080/79 (Anexo II) até 28.04.95, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos nos 53.831/64 (Qua-dro Anexo – 1ª parte) e 83.080/79 (Anexo I) até 05.03.97 e o Decreto nº 2.172/97 (Anexo IV) no interregno compreendido entre 06.03.97 e 28.05.98. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica judicial, nos termos da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos. (STJ, AGREsp nº 228832/SC, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª T., DJU 30.06.2003, p. 320)

Quanto ao agente nocivo ruído, o Quadro Anexo do Decreto nº 53.831, de 25.03.64, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24.01.79, o Anexo IV do Decreto nº 2.172, de 05.03.97, e o Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 06.05.99, alterado pelo Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, consideram insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão so-nora superiores a 80, 85 e 90 decibéis, de acordo com os Códigos 1.1.6, 1.1.5, 2.0.1 e 2.0.1. Como referido no item “a” supra, necessária sempre a aferição do nível de decibéis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desse agente.

No caso, ausente o laudo técnico-pericial, sendo insuficiente para o reconhecimento da atividade especial, apenas, o formulário SB-40.

Tendo sido requerida a perícia técnica pelo autor e sendo esta impres-cindível para o reconhecimento da atividade especial, considerando que a deficiência na instrução não pode prejudicar o direito do autor de provar os fatos que amparam seu pedido, tenho que merecem provimento os embargos infringentes, nos termos do voto minoritário.

Isto posto, dou provimento aos embargos infringentes para anular a sentença, a fim de que outra seja proferida após realizada a prova pericial referentemente ao período em questão.

Page 295: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 295

É o voto.

EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 2001.04.01.038728-0/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle

Embargante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Mariana Gomes de Castilhos

Embargada: Inez Miozzo Barcaro Advogados: Drs. Silvio Luiz de Costa e outros

EMENTA

Embargos infringentes. Trabalho rural entre 12 e 14 anos. Averbação. Reavaliação. Provas. Impossibilidade. Fraude ou ilegalidade. Inexistência.

1. Os documentos apresentados em nome de terceiro são hábeis à comprovação do trabalho rural exercido pelos outros membros do grupo familiar, podendo vir a dar suporte para a sua admissão na via adminis-trativa se corroborados por prova testemunhal idônea e consistente.

2. É possível o cômputo da atividade rural entre 12 e 14 anos de idade, conforme pacífica jurisprudência deste Tribunal e dos EE. STJ e STF.

3. Não pode o INSS revalorar a prova e deixar de computar tempo de serviço rural anteriormente averbado em favor da autora sem que alegue a existência de fraude ou ilegalidade.

4.Embargos infringentes improvidos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte

Page 296: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006296

integrante do presente julgado.Porto Alegre, 16 de fevereiro de 2006.Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle: Trata--se de embargos infringentes opostos contra acórdão prolatado pela e. Quinta Turma desta Corte – em sua anterior composição – que, por maioria, negou provimento à apelação e à remessa oficial, mantendo a sentença apelanda no sentido de ser averbado e computado para fins de aposentadoria o tempo de serviço rural exercido no período de 03.02.71 (quando a parte autora completou 12 anos de idade) a 21.07.77.

O Instituto-embargante requer a prevalência do voto vencido, pro-ferido pelo Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, que deu parcial provimento ao apelo do INSS e à remessa oficial para excluir o período anterior a 03.02.73 (quando a autora completou 14 anos de idade).

Sem impugnação, vieram os autos conclusos.É o sucinto relatório.À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle: Os em-bargos infringentes opostos pelo INSS objetivam a prevalência do voto minoritário que assim se pronunciou, verbis:

“(...) Frise-se, nesse passo, que o fato de anterior Constituição permitir o trabalho desde os 12 anos não modifica o posicionamento aqui exposto. Isso porque estamos falando de segurado especial e não de idade mínima para o trabalho. E só detêm a condição de segurado especial os filhos maiores de 14 anos, conforme diz a Lei.

Nesse sentido a jurisprudência:‘PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. CON-

TAGEM RECÍPROCA TEMPO DE SERVIÇO RURAL URBANO E ESPECIAL. IDADE MÍNIMA PARA DECLARAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL.

Conforme artigo 11, inciso VII, da Lei 8.213/91, é de 14 (quatorze) anos a idade mínima para declaração de tempo de serviço rural.’ (AC nº 1998.04.01.092892-6/SC, TRF 4ª Região, Rel. Juíza Maria Lúcia Luz Leiria, DJU de 23.06.99)

Portanto, tendo a parte autora completado 14 anos de idade em 03.02.73, não é possível reconhecer como sendo de serviço prestado na agricultura em regime de

Page 297: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 297

economia familiar o período anterior a tal data.Tenho, portanto, por comprovado o exercício de atividades agrícolas em regime de

economia familiar pela parte autora no período de 03.02.73 a 21.07.77. (...)”

O voto vencedor, prolatado pelo Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, traz argumentos em sentido oposto quanto à possibilidade de se computar o trabalho rural anterior aos 14 anos de idade, in verbis (fls. 210-212):

“(...) In casu a demandante pretende o reconhecimento da atividade agrícola exer-cida no período de 03.02.71 a 21.07.77 e a conseqüente concessão da aposentadoria por tempo de serviço, pela soma das atividades rurais e urbanas.

O eminente Relator entendeu comprovado o período de 03.02.73 a 21.07.77, con-denando a Autarquia à concessão do benefício, a contar da DER.

Nesse aspecto, lamento, mas devo divergir.Compulsando os autos, verifico, à fl. 19, que o INSS já havia expedido Certidão

de Tempo de Serviço para o período de 03.02.71 a 21.07.77, precedida de regular pro-cedimento administrativo. Tal período, no entanto, foi desconsiderado por ocasião do requerimento de aposentadoria, em decorrência da aplicação do Subitem 8.1 da Ordem de Serviço INSS/DSS 590/97 (fl. 51).

Observe-se que a Autarquia não alegou a existência de fraude, tampouco a demons-trou. Assim, a par de se inquirir da legalidade do ato normativo em questão, importa ressaltar que se traduz por alteração da valoração administrativa anterior, e já nele se percebe a mácula de investir contra direito regularmente reconhecido, sem que seja caso de anulação ou hipótese de aceitável revogação, o que é vedado à Administração Pública, consoante o magistério de Helly Lopes Meirelles:

‘Observamos, neste ponto, que a mudança de interpretação da norma ou da orien-tação administrativa não autoriza a anulação dos atos anteriormente praticados, pois tal circunstância não caracteriza ilegalidade, mas simples alteração de critério da Admi-nistração, incapaz de invalidar situações jurídicas regularmente constituídas’ (grifei).

Tenho, então, que, uma vez averbado o tempo de serviço, a mudança de enten-dimento da Administração, ou mesmo apenas o intento de regularizar o processo administrativo, não autorizam a revogação do ato que acolhera o reconhecimento do tempo de serviço.

Nesse sentido, veja-se precedente desta Corte, de que é exemplo o acórdão proferido na AMS n º 955.04.16535-4-RS, 6ª T., Rel. Juiz Nylson Paim de Abreu, publ. no DJ 08.10.97, p.83.423, cuja ementa tem o seguinte teor:

‘JUSTIFICAÇÃO ADMINISTRATIVA HOMOLOGADA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO E POSTERIOR SUSPENSÃO. EXIGÊNCIA DE NOVAS PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA ADMINISTRATIVA.

1. O INSS não pode cancelar benefício de aposentadoria por tempo de serviço reconhecido por meio de justificação administrativa devidamente homologada, eis que isto consubstancia-se em tentativa de reavaliação de provas e afronta à coisa

Page 298: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006298

julgada administrativa.2. Ante as razões expostas, nego provimento ao recurso, para manter a decisão nos

termos em que proferida’ (grifei).(...) Tenho, portanto, que deve ser averbado e computado para fins de aposentadoria,

em favor da demandante, o tempo de serviço rural exercido no período de 03.02.71 a 21.07.77.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo e à remessa oficial, mantendo in totum a sentença apelanda, nos termos da fundamentação supra.

É o voto.”

Uma vez averbado o tempo de serviço, este só pode deixar de ser computado comprovadas ilegalidades ou fraudes, sob pena de flagrante ataque, pela autarquia previdenciária, a ato administrativo perfeito e acabado.

O TRF da 4ª R. pronunciou-se nesta linha:“PREVIDENCIÁRIO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. Não

pode o INSS revalorar a prova e deixar de computar tempo de serviço rural anteriormente averbado em favor da autora sem que alegue a existência de fraude ou ilegalidade.” (TRF 4ª R, AC289372/RS, Rel. Juíza Federal Ana Paula de Bortoli (conv.), 5ª T., un., DJ 06.06.2001)

E, referentemente à possibilidade do cômputo da atividade rural entre 12 e 14 anos de idade, a jurisprudência deste Tribunal e dos EE. STJ e STF é pacífica. (TRF4ªR - 3ª S., EI 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julg. em 12.03.2003; STJ - AgRg no REsp 419601/SC, 6ª T., Rel. Min. Paulo Medina, DJ 18.04.2005, p. 399, e REsp 541103/RS, 5ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 01.07.2004, p. 260; STF - AI 529694/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., julg. em 15.02.2005)

Assim, nego provimento aos embargos infringentes.É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.71.13.001694-0/RS

Page 299: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 299

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus

Apelante: Antonio Pedro Pavan Advogados: Drs. Hermes Buffon e outros

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Sibele Regina Luz Grecco

EMENTA

Previdenciário. Aposentadoria proporcional por tempo de serviço. Reconhecimento de tempo de serviço urbano. Autônomo. Contribuições previdenciárias. Recolhimento. Não-comprovação. Restabelecimento de benefício suspenso. Impossibilidade.

Para o reconhecimento de tempo de serviço prestado por segurado autônomo, faz-se necessário demonstrar, por ocasião da DER, que houve o escorreito recolhimento das contribuições previdenciárias atinentes a esse período, tarefa que está ao encargo do demandante, visto que ele próprio é o responsável tributário. Ausente essa prova, não faz jus ao cômputo do período pleiteado naquela condição. Inteligência dos artigos 30, II; 45, § 1º, da Lei 8.212/91; e 96, IV, da Lei 8.213/91.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica-das, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 23 de agosto de 2005.Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Trata-se de ação ordinária ajuizada contra a Autarquia Federal, objetivando o restabeleci-mento da aposentadoria por tempo de serviço, cessada em 11.12.93, sob a alegação de que os períodos de 01.01.59 a 31.12.66 e de 01.01.70 a 31.12.70, na condição de autônomo, não restaram comprovados. (fl. 385)

Sentenciando, o juiz a quo julgou improcedente a demanda, conde-nando o autor ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em

Page 300: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006300

10% sobre o valor da causa, ficando suspensa a exigibilidade em face da concessão da AJG.

Irresignada, a parte autora interpôs apelação, sustentando, em prelimi-nar, a ocorrência de decadência. Quanto ao mérito, aduziu que restaram demonstrados os lapsos laborados na qualidade de autônomo. Alegou a inexigibilidade do recolhimento das contribuições previdenciárias respectivas, na medida em que já teria comprovado a carência mínima necessária. Sustentou, ainda, que, no interstício do labor como autôno-mo, as exações tinham natureza tributária, incidindo os arts. 173 e 174 do CTN. Por fim, postula a antecipação dos efeitos da tutela. (fl. 517)

Com as contra-razões, vieram os autos a esta Egrégia Corte.É o relatório.À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Inicialmente, desassiste razão ao recorrente quanto à preliminar argüida.

Com efeito, todo segurado autônomo que não promove, na época pertinente, o recolhimento das contribuições previdenciárias fica obri-gado ao pagamento de indenização ao órgão previdenciário, para que possa contabilizar tempo de serviço, nos termos do art. 45, § 1º, da Lei 8.212/91, bem como do art. 96, inciso IV, da Lei 8.213/91.

Se o fato gerador da obrigação de contribuir para a Previdência Social, na condição de empresário, autônomo e equiparado, nasce quando da filiação do segurado, não há falar em inércia do ente ancilar, tendo em vista que as exações não recolhidas por aquele, no interstício almejado, eram impassíveis de lançamento de ofício, ante a ignorância da Previdência Social.

Logo, a decadência pressupõe a renitência da Administração que, podendo efetuar o lançamento (ato vinculado), deixa de fazê-lo, e não a omissão do segurado que, passados vários anos de labuta, na condição de autônomo, postula o reconhecimento da filiação naquele interlúdio temporal e a respectiva concessão do benefício pretendido, sem a retri-buição da quantia correspondente.

A referenciada indenização possui natureza compensatória, com regras específicas para tanto, devendo o segurado recolher os valores

Page 301: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 301

correspondentes de acordo com as regras estabelecidas na Lei de Custeio da Previdência Social acaso pretenda computar tempo de serviço preté-rito, cujas contribuições não tenham sido recolhidas na época própria. É irrelevante, portanto, segundo tal orientação, se a contribuição tinha natureza tributária ou não, admitindo-se apenas a legalidade da referida indenização na hipótese do segurado pretender contagem de tempo de serviço passado relativo a interregno em que não ocorreu o pagamento das contribuições pretéritas.

A propósito:“TRIBUTÁRIO. SEGURADO EMPRESÁRIO. AUTÔNOMO OU EQUIPARA-

DO. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS PARA EFEITO DE CÔMPUTO DE TEMPO DE SERVIÇO E CONCESSÃO DE APOSENTADORIA. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO. INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE CARÁTER TRIBUTÁRIO. BASE DE CÁLCULO. JUROS E MULTA.

1. O pressuposto para o cômputo do tempo de serviço em que o segurado exerceu atividade como empresário, autônomo ou equiparado, em face do caráter contributivo da Previdência Social, é o recolhimento das contribuições respectivas.

2. Não há falar em decadência do direito do INSS exigir o pagamento da contribuição para efeito de contagem de tempo de serviço, tratando-se de empresário, autônomo ou equiparado, categorias que têm a obrigação de se inscrever como segurados da Previdência e proceder ao recolhimento da sua contribuição, por iniciativa própria, bem como fazer prova do pagamento, pois, não tendo a autarquia conhecimento do exercício de atividade obrigatoriamente vinculada à Previdência, não poderia reclamar a contribuição, realizando o crédito tributário.

3. A legislação previdenciária ofereceu a possibilidade de, mediante a contrapres-tação pecuniária necessária ao custeio do benefício, aproveitar o tempo de serviço pretérito do segurado empresário, autônomo ou equiparado. O pagamento previsto no art. 96, IV, da Lei nº 8.213/91, possui natureza nitidamente indenizatória, não se revestindo de caráter de tributo, por lhe faltar o atributo essencial dessa prestação pecuniária: a compulsoriedade.

4. omissis5. omissis”. (TRF4, AC 2003.04.01.008602-0, 1ª T., Rel. Des. Federal Luiz Carlos

de Castro Lugon, DJU 18.02.2004)

Como não há nos autos prova do efetivo recolhimento, nem mesmo em atraso, não se pode reconhecer os períodos pleiteados para fins previdenciários.

Impende referir que, tendo o requerimento administrativo sido formulado em 29.10.92, o prazo de carência é de 60 meses, a teor

Page 302: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006302

do que dispõe a escala móvel contida na regra de transição prevista no art. 142 da Lei de Benefícios. Como o demandante comprovou o recolhimento das contribuições de 1988 a 1992 (fls. 314 e 315), sobrepujou os meses exigidos.

Todavia, contando o autor com o tempo de 26 anos, 9 meses e 29 dias (período reconhecido pela Autarquia – fl. 164), não faz jus ao res-tabelecimento da aposentadoria por tempo de serviço, o que inviabiliza, conseqüentemente, a antecipação almejada.

Nessas condições, nego provimento à apelação do autor, nos termos da fundamentação.

É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.72.08.002725-8/SC

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Solange Dias Campos Preussler

Apelada: Marilia Lunardi Vargas Matiotti Advogados: Drs. Adriano Soares Nogueira e outro

EMENTA

Previdenciário. Revisão de benefício. Majoração da cota familiar. Complemento positivo. Juros de mora.

1. As Leis nos 8.213/91 e 9.032/95 devem incidir imediatamente sobre todos os benefícios de pensão, independentemente da lei vigente à época em que foram concedidos, majorando o benefício para 80% e 100%, respectivamente. Entretanto, estes aumentos de percentuais não devem retroagir à época anterior à vigência das leis mencionadas, em virtude do princípio genérico da irretroatividade das leis.

Page 303: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 303

2. No caso das sentenças referentes a ações de concessão ou revisão de benefício previdenciário, em rigor o preceito condenatório abrange apenas as parcelas que tenham vencido até a data da prolação da sentença. Uma vez prolatada a sentença, as parcelas que se vencerem a partir de tal data não estão mais abrangidas pela condenação.

3. Há, a partir da data em que reconhecido o direito, um preceito mandamental decorrente não mais de uma obrigação de dar propriamen-te dita, mas sim de uma obrigação de fazer, que está, todavia, com sua eficácia submetida à condição suspensiva, representada pela necessidade de trânsito em julgado.

4. Desta forma, ocorrendo o trânsito em julgado, de modo que satisfeita a condição, a execução das parcelas posteriores à decisão concessiva não precisa seguir o rito da execução atinente às obriga-ções de dar, pois a obrigação é de fazer. Plenamente viável, destarte, a determinação para pagamento das parcelas posteriores à sentença mediante complemento positivo.

5. Entendimento afeiçoado à Súmula 111 do STJ e à adequada inter-pretação do § 3º do artigo 475 do CPC.

6. Os juros de mora devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322/87, aplicável analogicamente aos be-nefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar. Precedentes do STJ.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 1º de março de 2006.Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: Trata-se de remessa oficial e apelação interposta contra sentença que condenou o INSS a revisar o benefício de pensão por morte da parte autora, alterando-

Page 304: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006304

-se coeficiente para 100% do salário-de-benefício, a contar da data da entrada em vigor da Lei 9.032/95 (29.04.95), bem como a pagar à parte autora a diferença sobre as prestações vencidas respeitada a prescrição qüinqüenal, incidindo juros moratórios de 1% ao mês, não capitalizá-veis, a partir da citação, e pagar administrativamente, sob a forma de complemento positivo, as prestações vencidas posteriormente, desde a sentença até a data da implementação, observados os mesmos critérios de juros e correção monetária. Ainda o condenou a arcar com os honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa.

Em suas razões de apelação, a Autarquia postula a reforma da sen-tença, sustentando que o benefício foi concedido de acordo com lei vigente à época da concessão, razão pela qual não pode haver aplicação das regras contidas na Lei 9.032/95 para a revisão do benefício, por encontrar óbice na regra inserida no art. 5º, inciso XXXVI, da CF, que determina o princípio da irretroatividade das leis. Ainda, insurge-se quanto à determinação para pagamento sob forma de complemento positivo das prestações vencidas entre a data da sentença e a data da implantação da revisão. Quanto aos juros, requer sejam fixados em 6% ao ano a partir da citação.

Sem contra-razões, vieram os autos a este Tribunal.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: No regime anterior à Lei 8.213/91, o valor mensal da pensão por morte era equi-valente a 50 % (cinqüenta por cento) do salário-de-benefício, acrescido de 10 % (dez por cento) por dependente. (Lei 3.087/60, art. 37; Decreto 89.312/89, art. 48)

Com a entrada em vigor da Lei 8.213/91, o artigo 75 do referido Di-ploma estabeleceu que o valor mensal da pensão seria “constituído de uma parcela, relativa à família, de 80% (oitenta por cento) do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou a que teria direito, se estivesse aposentado na data do seu falecimento, mais tantas parcelas de 10% (dez por cento) do valor da mesma aposentadoria quantos forem os seus dependentes, até o máximo de 2 (duas)”.

Posteriormente, o mencionado art. 75 foi alterado pela Lei 9.032,

Page 305: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 305

de 28.04.95, de modo que o valor mensal da pensão passou a consistir numa renda mensal correspondente a 100% (cem por cento) do salário--de-benefício.

Por fim, a MP 1.523-9, de 27.06.97, reeditada até a conversão na Lei 9.528, de 10.12.97, determinou a atual redação do art. 75, verbis:

“Art. 75. O valor mensal da pensão por morte será de cem por cento do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposen-tado por invalidez na data de seu falecimento, observado o disposto no art. 33 desta lei.”

O cerne da questão debatida nestes autos diz respeito à possibilidade e obrigatoriedade da aplicação de lei nova a efeitos futuros de situações jurídicas constituídas no passado, ante a necessidade de respeito ao ato jurídico perfeito.

À luz de uma concepção objetiva da aplicação da lei no tempo, decidiram os Tribunais pátrios que as leis novas que alteraram para maior a forma de cálculo da renda mensal devem ser aplicadas a todas as pensões, independentemente da data de início ou do óbito do ins-tituidor, não se cogitando, na espécie, de retroatividade. Segundo se entendeu, retroatividade há somente quanto aos efeitos produzidos no passado (antes da vigência da lei nova); no tocante aos efeitos futuros dos atos e fatos perfectibilizados no passado, a lei nova a eles se aplica, incidindo imediatamente.

Nesse sentido, o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO. MAJORA-

ÇÃO DE COTA. ARTIGO 75 DA LEI 8.213/91, ALTERADO PELA LEI 9.032/95. POSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA IMEDIATA DA LEI NOVA.

I - O artigo 75 da Lei 8.213/91, na redação da Lei 9.032/95, deve ser aplicado em todos os casos, alcançando todos os benefícios previdenciários, independentemente da lei vigente à época em que foram concedidos. Precedentes.

II - Esta orientação, entretanto, não significa aplicação retroativa da lei nova, mas sua incidência imediata, pois qualquer aumento de percentual passa a ser devido a partir da sua vigência.

III - Embargos rejeitados.” (Embargos de Divergência em REsp nº 297.274-AL, Rel. Min. Gilson Dipp, julg. em 11.09.2002)

No mesmo sentido é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. (v.g. AC 2000.70.02.002374-3/PR, 5ª T., Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, DJU 30.04.2003, Seção II, p.842;

Page 306: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006306

e AC 2000.04.01.140844-3/RS, 6ª T., Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro, DJU 15.01.2003, Seção II, p.980)

O Supremo Tribunal Federal, ainda que por intermédio de somente uma de suas Turmas, também já se manifestou sobre a questão. Segue o precedente:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INSS. PENSÃO POR MORTE. LEI Nº 9.032/95. APLICAÇÃO RETROATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. EXTENSÃO DO AUMENTO A TODOS OS BENEFICIÁRIOS. PRINCÍPIO DA ISONOMIA.

1. O aumento da pensão por morte, previsto na Lei nº 9.032/95, aplica-se a todos os beneficiários, inclusive aos que já percebiam o benefício anteriormente à edição desse texto normativo.

2. Inexiste aplicação retroativa de lei nova para prejudicar ato jurídico perfeito ou suposto direito adquirido por parte da Administração Pública, mas sim de incidência imediata de nova norma para regular situação jurídica que, embora tenha se aperfeiçoado no passado, irradia efeitos jurídicos para o futuro.

3. O sistema público de previdência social é baseado no princípio da solidariedade (artigo 3º, inciso I, da CB/88), contribuindo os ativos para financiar os benefícios pagos aos inativos. Se todos, inclusive inativos e pensionistas, estão sujeitos ao pagamento das contribuições, bem como aos aumentos de suas alíquotas, seria flagrante a afronta ao princípio da isonomia se o legislador distinguisse, entre os beneficiários, alguns mais e outros menos privilegiados, eis que todos contribuem, conforme as mesmas regras, para financiar o sistema. Se as alterações na legislação sobre custeio atingem a todos, indiscriminadamente, já que as contribuições previdenciárias têm natureza tributária, não há que se estabelecer discriminação entre os beneficiários, sob pena de violação ao princípio constitucional da isonomia.” (STF. 1ª T. RE 414.796-3 AgR/SC, Rel. Min. Eros Roberto Grau, DJU 15.04.2005)

Registre-se que o entendimento sufragado pela jurisprudência não viola os artigos 5º, XXXVI, e 195, § 5º, da Constituição Federal. A aplicação de lei posterior mais benéfica não implica ofensa ao instituto constitucional do ato jurídico perfeito, mas apenas a sua adequação a uma nova situação jurídica, tendo em vista tratar-se de verba alimentar. De outro lado, descabe a alegação de inexistência de fonte de custeio para a revisão pleiteada, pois decorre ela das próprias contribuições vertidas na sua integralidade à Previdência Social pelo segurado instituidor do benefício de pensão. Ademais, considerando--se o caráter social das normas previdenciárias, as alterações legisla-tivas mais benéficas devem alcançar a todos os benefícios que a ela

Page 307: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 307

se amoldarem, sem distinção entre os amparos concedidos em épocas diferentes, antes ou depois da novel legislação.

No caso dos autos, a parte autora, titular de pensão com DIB em 04.08.86, faz jus à majoração da renda mensal de seu benefício, nos termos da legislação superveniente, com reflexos na renda mensal atual, sendo devidas as diferenças desde as alterações legislativas ocorridas, respeitada a prescrição qüinqüenal.

Insurge-se ainda o INSS contra a determinação para pagamento das parcelas vencidas entre a data da sentença e a data da efetiva implantação da revisão através de complemento positivo.

Tenho que o recurso não deve prosperar.Ao discorrer sobre a natureza da sentença concessiva de benefício

previdenciário, assim se manifestou em artigo doutrinário o Desembar-gador Federal Paulo Afonso Brum Vaz:

“Tenho sustentado, desde o advento da antecipação da tutela, que a sentença conces-sória de um benefício previdenciário, acidentário ou assistencial, de qualquer natureza, além de conter as eficácias declaratória, constitutiva e condenatória ínsitas às sentenças de mérito, é provida de cargas eficaciais mandamentais e executivas preponderantes (com forças 4 e 5 na tabela de Pontes de Miranda). Diria que se trata de um provimento judicial híbrido no que tange à eficácia: prevalentemente mandamental – isto porque a carga eficacial condenatória da obrigação de fazer é também forte – quanto ao comando de imediata implantação do benefício, e condenatório no que diz respeito ao pagamento das prestações vencidas desde a data fixada como marco inicial do benefício. A eficácia mandamental (4) estaria também acompanhada de importante carga executória (5), autorizando a dispensa da execução em outro processo”. (VAZ, Paulo Afonso Brum. Sentença concessiva de benefício: natureza mandamental e execução imediata. Síntese trabalhista, v. 129, p. 144 e segs., mar./2000)

No caso das sentenças referentes a ações de revisão, a situação não é diversa das ações de concessão. Em rigor o preceito condenatório abrange também apenas as parcelas que tenham vencido até a data da prolação da sentença. Uma vez prolatada a sentença de procedência, as parcelas que se vencerem a partir de tal data não estão mais abrangidas pela condenação. Há, a partir da data em que reconhecido o direito, um preceito mandamental, decorrente não mais de uma obrigação de dar propriamente dita, mas sim de uma obrigação de fazer, que está, todavia, com sua eficácia submetida à condição suspensiva. Dessa forma, ocorren-do o trânsito em julgado, de modo que satisfeita a condição, a execução

Page 308: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006308

das parcelas posteriores à decisão concessiva não precisa seguir o rito da execução atinente às obrigações de dar, pois a obrigação é de fazer.

O entendimento que se está expondo, a propósito, de certa forma está em consonância com a posição do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, ao tratar dos honorários advocatícios em matéria previdenciária, o referido Tribunal assentou na Súmula 111: “Súmula 111 - Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre prestações vincendas.”

Por outro lado, ao explicitar o alcance da referida Súmula, o Superior Tribunal de Justiça, de forma reiterada, já decidiu que as parcelas vin-cendas são aquelas que se vencerem a partir da data da sentença. Nesse sentido:

“PREVIDENCIÁRIO - RECURSO ESPECIAL - DIVERGÊNCIA JURISPRUDEN-CIAL - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - TERMO FINAL - SÚMULA 111 DO STJ.

Divergência jurisprudencial comprovada. Entendimento do art. 255 e parágrafos do Regimento Interno desta Corte.

Os honorários advocatícios devem ser fixados considerando apenas as parcelas vencidas até o momento da prolação da sentença. Incidência da Súmula 111 do STJ. Precedentes.

Recurso conhecido e provido. (STJ - REsp - 470857. Processo: 200201246132. UF: SP. Órgão Julgador: 5ª T. Rel. Min. Jorge Scartezzini)

PREVIDENCIÁRIO - REVISIONAL DE BENEFÍCIO - PRESERVAÇÃO DO VALOR REAL - CONVERSÃO EM URV - RESÍDUO DE 10% DO IRSM - MESES DE NOVEMBRO E DEZEMBRO/93 E JANEIRO E FEVEREIRO/94 - LEI 8.880/94 - VERBA HONORÁRIA - SÚMULA 111/STJ.

(...) Conforme interpretação conferida à Súmula 111/STJ, nas ações previdenciárias, a verba

honorária incide apenas sobre as parcelas vencidas, não podendo estender-se a qualquer espécie de débito vincendo, considerando-se como termo final a prolação da sentença mono-crática. – Precedentes desta Corte. – Recurso conhecido e provido.” (STJ, REsp - 429544. Processo: 200200461400. UF: PR. Órgão Julgador: 5ª T. Rel. Min. Jorge Scartezzini)

Isso posto, pode-se inferir que as parcelas que se vencerem a partir da data da sentença não se inserem, em rigor, no conceito de condenação. Em outras palavras, representam obrigação de fazer, sujeita, portanto, a regime diverso. A sentença concessiva de benefício ou de revisão, volta--se a dizer, representa o marco a partir do qual constituída a obrigação de fazer respectiva. Simplesmente, por força da sistemática processual, tal comando fica com a eficácia suspensa até o trânsito em julgado.

Page 309: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 309

Esse entendimento de certa forma é o mesmo que vem sendo adotado por esta Corte para a verificação do valor da condenação, a fim de decidir pela submissão da sentença, ou não, ao reexame necessário, haja vista a nova redação do artigo 475, § 2º, do CPC, o qual estabelece que não se aplica a regra do duplo grau de jurisdição obrigatório “sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos”. O que se tem entendido é que o va-lor da condenação é aquele representado pela expressão econômica da sentença na data da sua prolação. Assim, pode-se dizer que as parcelas que se vencerem a partir da data da prolação da sentença não se inserem no conceito de condenação. Representam, em verdade, expressão de comando mandamental, obrigação de fazer que está, como já salientado, com a eficácia suspensa.

Em apoio ao que foi exposto os seguintes precedentes:“PREVIDENCIÁRIO. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. EXECUÇÃO DE PAR-

CELAS VINCENDAS. IMPLANTAÇÃO DA NOVA RENDA MENSAL.1. A execução de título judicial relativa às parcelas vincendas se procede mediante

implantação da nova renda mensal do benefício de prestação continuada da Previdên-cia Social, e não mediante a execução prevista pelo art. 604 do CPC...” (TRF4, AC nº 95.04.19985-2/RS, Rel. Juíza Cláudia Cristina Cristofani, DJ 19.05.99)

”RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. IPERGS. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CUM-PRIMENTO DETERMINADO POR OFÍCIO. POSSIBILIDADE.

Considerando o caráter mandamental da decisão (obrigação de fazer, consubstan-ciada na implantação do novo valor da pensão em folha de pagamento), sua execução não depende de precatório, podendo ser determinada mediante ofício.

Precedente.Recurso desprovido.” (STJ, REsp nº 302.624/RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fon-

seca, 5ª T., Data publicação:21.10.2002, p.00383)“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO INFRIN-

GENTE. POSSIBILIDADE. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PAR-CELAS VINCENDAS. PRECATÓRIO. DESNECESSIDADE.

- Aos embargos de declaração é possível conferir efeito modificativo ou infringente, desde que para suprir omissão, contradição ou obscuridades no acórdão.

- Enquanto as prestações vencidas sujeitam-se a expedição de precatórios, as vin-cendas são transmitidas por meio de simples ofício.

- Embargos acolhidos. Recurso especial não conhecido.” (STJ, Embargos de De-claração no REsp 316.331/RS, DJ 04.03.2002, Rel. Min. Vicente Leal)

Page 310: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006310

Nos Juizados Especiais Federais, a propósito, a sistemática do com-plemento positivo tem sido utilizada desde a época de sua instalação, ao menos no âmbito da 4ª Região. Tal procedimento não tem gerado problemas e, ao que se sabe, o INSS tem cumprido adequadamente as decisões, pagando os valores diretamente aos segurados. Isso tem contribuído sobremaneira para efetividade do processo, mesmo porque se sabe que a execução é hoje, sem dúvida, um dos maiores entraves à solução definitiva dos litígios. Além de correta, pois, a sistemática se presta para agilizar a efetiva prestação jurisdicional, não havendo o que reformar quanto à determinação para pagamento das parcelas vincendas mediante complemento positivo.

Por fim, os juros de mora devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento do STJ (Embargos de Diver-gência em REsp nº 209.073-SE, 3ª S., Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 11.09.2000; REsp nº 503.907-MG, 5ª T., Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 15.12.2003; AgRg/AG nº 461.961-SC, 5ª T., DJ 19.12.2002; REsp nº 246.608-CE, 5ª T., Rel. Min. Félix Fischer, DJ 02.05.2000)

Honorários advocatícios mantidos no patamar estabelecido na sen-tença, ante a ausência de recurso da parte autora.

Assim, nego provimento ao apelo e à remessa oficial, nos termos da fundamentação.

É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.70.00.001922-7/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Page 311: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 311

Advogado: Dr. Mauro Luciano HauschildApelado: Virgilio Lopes de Souza

Advogados: Drs. Luciana Noto e outros

EMENTA

Previdenciário. Embargos à execução de sentença. Limitação da renda mensal ao teto de salário-de-contribuição. Forma de cálculo. Impossibilidade de recuperação de valores suprimidos, exceto a hipó-tese do § 3º do art. 21 da Lei 8.880/94 ou existência de título executivo judicial. Indevido reajuste automático da renda mensal na mesma pro-porção do aumento do teto do salário-de-contribuição. Custas judiciais. Verba honorária.

1. É possível recuperar valores que foram suprimidos pela limitação da renda mensal ao teto do salário-de-contribuição, seja no cálculo inicial ou posteriormente, em fase de execução, quando houver título executivo judi-cial, inexistente no caso ora sob apreciação, e na hipótese do § 3º do art. 21 da Lei 8.880/94, quando dispõe acerca de recuperação no primeiro reajuste até o novo patamar do salário-de-contribuição vigente nessa competência, ou ainda quando houver intenção cristalina da legislação constitucional ou infraconstitucional de aplicar, retroativamente, o novo teto às situações pretéritas já consumadas – o que não se verifica, igualmente, na hipótese da Emenda Constitucional nº 20/98 ou qualquer lei aplicável na espécie. Precedentes desta Corte.

2. Quando o legislador constitucional ou infraconstitucional faz reajus-tar o limite máximo do salário-de-contribuição, isso não implica que as prestações previdenciárias tenham direito ao reajuste pelo mesmo índice. Assim, é indevida qualquer reposição automática da renda mensal que já estava no patamar máximo anterior, de modo que acompanhe o novo ápice estipulado para o salário-de-contribuição. No caso, o aumento da contribuição visa repercutir seus efeitos em relação aos segurados que contribuirão em maior extensão e, por isso, terão direito a uma RMI maior, e não aos que tiveram uma base de custeio menor e estavam sujei-tos a outra realidade atuarial. O teto máximo do salário-de-contribuição, na forma prevista pela legislação previdenciária, é um limitador para a importância a ser paga a título de renda mensal, não se confundindo com o reajuste das prestações, este último dotado de regramento específico.

Page 312: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006312

3. É devido acrescentar-se no cálculo exeqüendo o valor atualizado das custas judiciais recolhidas pela parte exeqüente no processo de co-nhecimento, a ser reembolsado pelo INSS, parte sucumbente no referido processo, segundo comando do julgado monocrático ora em execução.

4. Em face da sucumbência mínima da parte embargante, a verba honorá-ria é de responsabilidade apenas da parte embargada e, conforme orientação desta Corte, quando vencida a parte exeqüente na ação de embargos, deve ser arbitrada à razão de 5% sobre o valor atualizado da execução.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 8 de novembro de 2005.Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Trata-se de embargos opostos pelo INSS à execução que lhe promove Virgilio Lopes de Souza. Alega o embargante, em síntese, que a parte exeqüente cal-culou o benefício, mediante a atualização dos salários-de-contribuição integrantes do PBC e anteriores a março/94, pela variação do IRSM apu-rada em fevereiro daquele ano (39,67%), porém, não respeitou o teto do salário-de-contribuição, a ser aplicado sobre o salário-de-benefício e na renda mensal, na medida em que aplicou a mudança do supracitado limite para R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), pela Emenda Constitucional 20, de 15.12.98, retroativamente, ou seja, inclusive para os benefícios concedidos antes da edição do referido ato normativo. Defende, também, tal alteração do topo máximo do valor dos benefícios não se confunde com reajuste das prestações, não podendo a parte embargada aumentar sua renda mensal na competência dezembro/98, conforme o cálculo exeqüendo – fls. 08-14 destes autos.

A parte embargada ofertou impugnação às fls. 25-27.Remetidos os autos à Contadoria do Juízo, a mesma apresentou cálculo

Page 313: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 313

(fls. 30-34) segundo parâmetros que entendeu adequados.O MM. Juízo a quo julgou parcialmente procedente (fls. 39-40) o

pedido, adotando a metodologia pretendida pela parte exeqüente no que tange à utilização do novo teto do salário-de-contribuição e seus efeitos sobre a renda mensal devida a esta mesma parte, determinando que a execução prossiga pelo valor de R$ 35.392,25 (trinta e cinco mil, tre-zentos e noventa e dois reais e vinte e cinco centavos), em setembro de 2004, conforme resumo de cálculo da fl. 34 destes autos, oferecido pela Contadoria. Em razão da sucumbência recíproca, restaram compensados os honorários advocatícios.

Inconformada, apelou a Autarquia tempestivamente (fls. 41-46), in-sistindo que a conta da contadoria judicial, que foi considerada correta pelo julgado monocrático, descumpriu o § 2º do art. 29 da Lei 8.213/91 e o art. 33 da Lei 8.213/91, ao argumento de que não há um valor bruto do benefício que supere o limite máximo do salário-de-contribuição, aguardando-se apenas o aumento desse limite, como sucedeu por força da Emenda Constitucional 20/98, para que tal excedente, submetido ao novo teto, seja incorporado como renda mensal líquida. Insiste, ainda, que a referida Emenda que alterou o topo do salário-de-contribuição não é forma de reajuste das prestações previdenciárias, não podendo o cálculo exeqüendo em questão ter aplicado o aumento, em junho de 1999, mediante a aplicação do índice oficial sobre o valor fixado como limite máximo para o benefício, em dezembro de 1998, o que eqüivale a conceder um reajustamento inexistente nesta competência, sujeito à incorporação naquela data.

Respondido o recurso (fls. 48-51), vieram os autos a esta Corte.É o relatório.Dispensada a revisão, forte no parágrafo único do art. 38 do

Regimento Interno desta Corte.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Discute-se, nestes autos, sobre o modo da limitação do salário-de-benefício e da renda mensal ao teto máximo do salário-de-contribuição, em razão de eventuais aumentos desse limite, especialmente os excepcionais, tais como os realizados pela Emenda Constitucional 20, de 15 de dezembro

Page 314: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006314

de 1998, e Emenda Constitucional 41, de 19 de dezembro de 2003.O cálculo da contadoria judicial (fls. 30-34) considerado adequado

pelo Juízo monocrático, após limitar o salário-de-benefício ao limite máximo do salário-de-contribuição vigente na data de início do bene-fício, igualmente fez com que a diferença percentual entre a média dos salários-de-contribuição que compõe o PBC e o referido limite fosse incorporada à prestação previdenciária, por ocasião do primeiro reajuste, não podendo resultar daí um valor de renda mensal superior ao teto em questão nessa competência.

Contudo, essa conta judicial (fls. 30-34) utilizou uma sistemática pela qual o montante do amparo que ultrapassa o teto do salário-de--contribuição não é devido imediatamente, mas continua sendo calculado até uma modificação do supracitado limite que permita transformar, novamente, essa renda bruta em renda líquida, o que sucedeu com a EC 20/98. Dessarte, a renda mensal devida, em junho de 1999, pela aludida sistemática, passa de R$ 1.081,50 (Um mil, oitenta e um reais e cinqüenta centavos) para R$ 1.255,32 (Um mil, duzentos e cinqüenta e cinco reais e trinta e dois centavos).

As normas atinentes à matéria assim dispõem:“Art. 29. da Lei 8.213/91. (....)§ 2º- O valor do salário-de-benefício não será inferior ao de um salário mí-

nimo, nem superior ao do limite máximo do salário-de-contribuição na data de início do benefício.”

“Art. 33 da Lei 8.213/91 - A renda mensal do benefício da prestação continuada que substituir o salário-de-contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado não terá valor inferior ao do salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário--de-contribuição, ressalvado o disposto no art. 45 desta Lei.”

“Art. 21 da Lei 8.880/94 - Nos benefícios concedidos com base na Lei 8.213/91, com data de início a partir de 1º.03.94, o salário-de-benefício será calculado nos termos do art. 29 da referida Lei, tomando-se os salários-de-contribuição expressos em URV.

§§ 1º , 2º- omissis. § 3º- Na hipótese da média apurada nos termos deste artigo resultar superior ao

limite máximo do salário-de-contribuição vigente no mês de início do benefício, a diferença percentual entre esta média e o referido limite será incorporada ao valor do benefício juntamente com o primeiro reajuste do mesmo após a concessão, observado que nenhum benefício assim reajustado poderá superar o limite máximo do salário-de--contribuição vigente na competência em que ocorrer o reajuste.”

“Emenda Constitucional 20/98

Page 315: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 315

Art. 14. O limite máximo para o valor dos benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201 da Constituição Federal é fixado em R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), devendo, a partir da data da publicação desta Emenda, ser reajustado de forma a preservar, em caráter permanente, seu valor real, atualizado pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.”

É de notar-se que a sistemática utilizada pela contadoria judicial para o cálculo exeqüendo, adotada pelo Juízo monocrático, não encontra fundamento na legislação supra-referida.

O § 3º do art. 21 da Lei 8.880/94 tão-somente autoriza que seja incorporada, por ocasião do primeiro reajuste, a diferença percentual do valor do salário-de-benefício que ultrapassou o limite máximo do salário-de-contribuição vigente na data de início do benefício. Contudo, essa recuperação da renda mensal está limitada ao teto do salário-de--contribuição na competência do referido reajustamento.

Desse modo, a renda mensal fica restringida ao teto supracitado em todos os aumentos posteriores. Imaginar-se um cálculo do amparo que continua a ocorrer na parte que desborda do topo do salário-de-contribui-ção, aguardando a opção política do legislador de aumentar tal patamar em percentual diferenciado ao incremento das rendas mensais, é ficção de utilização de valores numéricos que desapareceram por expressa previsão legal.

Não há permissão legal de ressuscitar os valores que superam o teto legal. Igualmente, quando o legislador constitucional ou infraconstitu-cional faz reajustar o limite máximo do salário-de-contribuição, isso não implica que as prestações previdenciárias tenham direito ao reajuste pelo mesmo índice. Assim, é indevida qualquer reposição automática da renda mensal que já estava no patamar máximo anterior, de modo que acompanhe o novo ápice estipulado para o salário-de-contribuição. No caso, o aumento da contribuição visa repercutir seus efeitos em relação aos segurados que contribuirão em maior extensão e, por isso, terão direito a uma RMI maior, e não aos que tiveram uma base de custeio menor e estavam sujeitos a outra realidade atuarial. O teto máximo do salário-de-contribuição, na forma prevista nos dispositivos supracitados, é um limitador para a importância a ser paga a título de renda mensal, não se confundindo com o reajuste das prestações, este último dotado de regramento específico.

Page 316: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006316

A propósito: “PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. CONVERSÃO DOS BE-

NEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS EM URV. ALTERAÇÃO DO TETO PELO ART. 14 DA EC 20/98. PRETENSÃO DE MANUTENÇÃO DO COEFICIENTE DE PRO-PORCIONALIDADE ENTRE A RENDA MENSAL E O TETO. IMPROCEDÊNCIA DAS PRETENSÕES.

1. Consoante novos precedentes desta Corte, seguindo decisão do Plenário do Egrégio STF, a utilização dos valores nominais na fórmula de conversão dos benefícios para URV não representa ofensa à garantia constitucional de preservação do valor real.

2. O limite máximo de salário-de-contribuição constitui igualmente o limite máximo para o salário-de-benefício (§ 2º do art. 29 da Lei 8.213/91) e para a renda mensal de benefício previdenciário (art. 33 da Lei 8.213/91). Por outro lado, por força do art. 28, § 5º, da Lei 8.212/91, o limite máximo do salário-de-contribuição deve ser reajustado na mesma época e com os mesmos índices que os do reajustamento dos benefícios de prestação continuada da Previdência Social. Há, em princípio, por força da sistemá-tica legal, uma simetria entre as alterações que se processam nas rendas mensais dos benefícios em manutenção e o limite do salário-de-contribuição (pois ele é, na prática, igual ao limite para o salário-de-benefício e para a renda mensal).

3. A paridade do teto de contribuição, no que toca ao salário-de-benefício, à renda mensal inicial e às rendas mensais reajustadas, todavia, tem por objetivo apenas evitar que a limitação do salário-de-contribuição, seja na concessão do benefício, seja por ocasião dos reajustamentos, implique redução indevida do benefício, de modo a arrostar a regra constitucional que determina a preservação do valor real dos benefícios. Assim, o limitador, ou seja, o teto do salário-de-benefício e, logo, do salário-de-contribuição, jamais pode ser reajustado em percentual inferior ao aplicado no reajustamento dos benefícios em manutenção.

4. Como se vê, para que reste observada a regra que determina a preservação do valor real dos benefícios, em rigor é o teto que está atrelado ao reajustamento dos benefícios em manutenção. A recíproca, todavia, não é necessariamente verdadeira. Será quando se tratar de simples recomposição para fazer frente ao fenômeno inflacionário. Isso em razão de que para a previdência, a despeito da distinção de índices inflacionários, um único índice deve ser observado. Contudo, quando o teto for alterado com base não no fenômeno inflacionário, mas sim em critérios políticos, atendendo à discrição de que dispõem o legislador e o administrador em sua ação normativa, não se pode pretender que a alteração reflita necessariamente nas rendas dos benefícios em manutenção. A alteração, neste caso, não terá a natureza de mero reajustamento (ou seja, resposta ao processo de desvalorização da moeda), mas sim de definição de novo limite.

5. O art. 14 da EC 20/98 determinou a modificação, e não o reajustamento do teto. Assim, não acarretou automático reajuste para os benefícios previdenciários. Reflexo somente haveria se a emenda assim tivesse determinado, mas tal não se deu. O que a parte pretende com a manutenção do coeficiente de proporcionalidade entre sua renda

Page 317: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 317

mensal e o teto, na prática, é a concessão de um reajuste que a Emenda Constitucional claramente não concedeu.” (AC 2000.71.00.033686-9/RS, 5ª T., Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJU 16.12.2003)

A mudança do teto, seja por emenda constitucional, seja por legis-lação ordinária, para possibilitar sua incidência em relação às rendas mensais que já foram limitadas, anteriormente, a patamares pretéritos que produziram seus efeitos, situação consumada, é aplicação retro-ativa da norma, a exigir que esta deixe claro tal propósito, o que não ocorreu na hipótese dos autos. Nesse sentido, é a valiosa lição de José Eduardo Martins Cardozo (Da Retroatividade da Lei, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 321-322):

“b) Tendo sido o princípio da irretroatividade da lei consagrado ao nível da legisla-ção ordinária, nada impede que outra lei, afastando especificamente a incidência deste, venha a prever para si própria ou para outro diploma legislativo a projeção de efeitos retroativos. A regra da não-retroatividade dos atos legislativos, portanto, não é absoluta, na medida em que pode admitir exceções previstas em lei. Em qualquer caso, porém, seja por via de sua ação pretérita, imediata ou futura, a lei nova não poderá prejudicar direitos adquiridos, atos jurídicos perfeitos ou a coisa julgada;

c) Considerando o seu caráter excepcional, a retroatividade de uma lei nova, para que seja admissível, deve estar expressamente consagrada no texto legislativo, seja caso de retroatividade ex-hipótese, ex-preceito ou de ambos. Inexiste, por conseguinte, entre nós, a denominada ‘retroatividade tácita’, como tem reiteradamente reconhecido o próprio Pretório Excelso. Evidentemente, com isso não se quer dizer que a palavra retroatividade deva literalmente constar de um texto legislativo, para que este possa ter liberada sua ação pretérita. Basta que a aplicação no passado fique induvidosamente explicitada em seus termos para que tal ocorra. Ou como bem ensina Washington de Barros Monteiro: ‘desde que o legislador manda aplicar a lei a casos pretéritos, existe retroatividade, pouco importando que a palavra seja usada, ou não. Vale como efeito retroativo’;”

Destarte, é possível recuperar valores que foram suprimidos pela limi-tação da renda mensal ao teto do salário-de-contribuição, seja no cálculo inicial ou posteriormente, em fase de execução, quando houver título executivo judicial, inexistente no caso ora sob apreciação, e na hipótese do § 3º do art. 21 da Lei 8.880/94, quando dispõe acerca de recupera-ção no primeiro reajuste até o novo patamar do salário-de-contribuição vigente nessa competência, ou ainda quando houver intenção cristalina da legislação constitucional ou infraconstitucional de aplicar, retroati-vamente, o novo teto às situações pretéritas já consumadas – o que não

Page 318: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006318

se verifica, igualmente, na hipótese da Emenda Constitucional nº 20/98 ou qualquer lei aplicável na espécie.

Esse entendimento, inclusive, é sufragado por esta Corte:“PREVIDENCIÁRIO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. REVISÃO DE BENEFÍCIO.

LIMITAÇÃO DA RENDA MENSAL AO TETO. RECUPERAÇÃO DA PARCELA LIMITADA. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL OU TÍTULO EXECUTIVO.

1. Não havendo previsão legal nem título executivo que determine a recuperação de parcela do salário-de-benefício limitada ao teto, os reajustes subseqüentes devem ser aplicados regularmente sobre a renda mensal, de acordo com os critérios legais aplicáveis à universalidade dos benefícios previdenciários pagos pela Previdência Social.

2. Agravo de Instrumento provido.” (AC 2004.04.01.011066-0/RS, 6ª T., Rel. Des. Federal Nylson Paim de Abreu, DJU 29.09.2004)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. MAJORAÇÃO DE VALOR MENSAL PARA ACOMPANHAR ELEVAÇÃO DA MUDANÇA DO TETO MÁXIMO EM DEZEMBRO/98. NÃO DETERMINAÇÃO NA SENTENÇA.

1. Não há previsão no título executivo quanto à manutenção do benefício sempre em equivalência com o teto máximo como também inexiste previsão legal que autorize tal prática e que redundou na apuração do valor mensal relativo ao mês de dezembro/98.

2. Quando do cálculo de concessão do benefício, o salário-de-benefício deve ser limitado ao teto máximo permitido, caso aquela média supere tal parâmetro, no momento da concessão e, uma vez obtida a RMI, o valor mensal deve observar os reajustes determinados na legislação de regência não havendo previsão legal para que seja mantido ou equiparado, sempre, ao valor máximo.

3. Assim, a decisão agravada, ao determinar seja observado o cálculo que inclui a majoração do valor do benefício de R$ 1.081,50 (em novembro/98) para R$ 1.200,00 (dezembro/98), determina execução de parcela não contemplada no título executivo e que não se constitui em reajuste legal a ser considerado como evolução lógica dos valores do benefício. (Precedente da Turma).” (AI 2004.04.01.040740-0/RS, 6ª T., Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU 31.08.2005)

Assim, deve ser admitida como correta a conta das fls. 16-21, ofe-recida pelo INSS, em que o cálculo da renda mensal do benefício sofre limitação pelo topo máximo do salário-de-contribuição, sendo que a parte excedente a tal patamar desaparece, definitivamente, não poden-do ser incorporada em caso de aumento posterior do referido teto em percentual superior ao reajuste das prestações previdenciárias, salvo a incidência da regra de recuperação prevista, expressamente, no § 3º do art. 21 da Lei 8.880/94. No entanto, cumpre acrescentar-se neste cálculo exeqüendo o valor atualizado das custas judiciais recolhidas

Page 319: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 319

pela parte exeqüente no processo de conhecimento, conforme fl. 19 dos autos apensos, a ser reembolsado pelo INSS, parte sucumbente no referido processo, segundo comando do julgado monocrático ora em execução – fl. 27 dos autos apensos.

Em face da sucumbência mínima da parte embargante, cumpre apenas à parte embargada arcar com a verba honorária, consoante o disposto no caput do art. 20 do CPC, que deve ser estipulada na ação de embargos, conforme orientação desta Turma, à razão de 5% sobre o valor atualizado da execução.

Nesse contexto, dou parcial provimento à apelação do INSS, para julgar parcialmente procedentes os embargos no sentido de determinar que seja adotada como correta a conta exeqüenda das fls. 16-21 destes autos, cujo valor remonta a R$ 17.274,27 (dezessete mil reais, duzen-tos e setenta e quatro reais e vinte e sete centavos), em agosto/2004, já inclusos os honorários advocatícios, acrescentando-se neste cálculo o valor atualizado das custas judiciais recolhidas pela parte exeqüente, conforme fl. 19 dos autos apensos. Condeno apenas a parte embargada ao pagamento da verba honorária, que arbitro à razão de 5% sobre o valor atualizado da execução.

É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.72.13.000615-8/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona

Apelante: Mario Morastoni

Page 320: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006320

Advogados: Drs. Claiton Luis Bork e outroApelante: Instituto Nacional do Seguro Social - INSS

Advogado: Solange Dias Campos PreusslerApelados: (os mesmos)

EMENTA

Previdenciário e Processual Civil. Apelações. Conhecimento em parte. Ausência de interesse recursal. Complemento positivo. Revisão de benefício. Aposentadoria por tempo de serviço. Proporcional para integral. Tempo de serviço rural anterior a 1991. 12 anos. Segurado especial. Regime de economia familiar. Dependência do chefe ou arrimo de família. Inexigência de indenização das contribuições previdenciá-rias. Ausência de prova testemunhal. Justificação administrativa. Termo inicial dos efeitos financeiros. Correção monetária.

1. Ausente o interesse recursal, não há de ser conhecida a apelação quanto à matéria impugnada.

2. Sendo mais favorável à parte autora o pagamento do crédito por meio de complemento positivo, não tem este interesse recursal na al-teração do provimento para que a execução das parcelas posteriores à sentença ocorra na via judicial. Quanto à verba honorária, também sem interesse, porque incidente tão-somente sobre as parcelas vencidas até a sentença, de forma que judicial a execução.

3. A jurisprudência desta Corte e dos Tribunais Superiores consolidou--se no sentido de possibilitar o cômputo da atividade rural desde os 12 anos de idade.

4. A Constituição Federal promulgada em 1988 assegura os direitos de todo trabalhador rural no seu art. 7º, caput, e, com o advento da Lei nº 8.213/91, foi-lhes estendida a possibilidade de obtenção de benefícios, inclusive a aposentadoria por tempo de serviço (arts. 52 e seguintes), além de ter sido ressalvado expressamente pelo legislador ordinário, no art. 55, § 2º, deste diploma, que o tempo de serviço do segurado traba-lhador rural, prestado anteriormente à data de início de vigência do novo regramento, pode ser computado independentemente do recolhimento das contribuições previdenciárias a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, sendo que, em se tratando de regime de economia familiar, aproveita tanto ao chefe ou arrimo de família como aos demais

Page 321: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 321

dependentes do grupo familiar que com ele laboram. Precedentes.5. A ausência de produção de prova oral em Juízo é suprida pelos de-

poimentos testemunhais colhidos em sede de justificação administrativa, desde que relativos ao período controverso judicialmente.

6. O termo inicial dos efeitos financeiros decorrentes da revisão judicial da aposentadoria proporcional da parte autora para integral é a data do requerimento administrativo de benefício, porque postulada a inclusão do tempo de serviço rural naquela época, ainda que parcial, mas já suficiente para a concessão da aposentação na sua integralidade.

7. A correção monetária deve ser calculada a partir da data do venci-mento de cada parcela, inclusive das anteriores ao ajuizamento da ação, nos termos dos Enunciados das Súmulas 43 e 148 do STJ.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, conhecer em parte da apelação do INSS e, nesse limite, negar-lhe provimento, e conhecer em parte da apelação da parte autora para, nesse limite, dar-lhe parcial provimento, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 1º de fevereiro de 2006.Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Trata-se de apelações interpostas contra sentença que julgou procedente o pedido aduzido na exordial, reconhecendo o labor rural do demandante nos pe-ríodos de 03.01.53 (12 anos) a 31.12.58, 01.01.60 a 31.12.62 e 01.01.69 a 31.12.72 e condenando o INSS a revisar-lhe a aposentadoria por tem-po de serviço proporcional para integral, majorando a respectiva renda mensal inicial a 100% do salário-de-benefício, a partir da data da citação (10.12.2004). A Autarquia foi condenada, ainda, ao pagamento das dife-renças em atraso, corrigidas monetariamente pelo INPC e acrescidas de juros moratórios de 1% ao mês, contados da citação, devendo adimplir, por meio de complemento positivo em sede administrativa, as parcelas

Page 322: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006322

compreendidas entre a sentença e a data da efetiva implementação. O INSS foi condenado também ao pagamento dos honorários advocatícios em 10% do valor da condenação, assim entendidas as parcelas vencidas até a data da sentença. Sem custas processuais.

Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação, postulando a reforma parcial da sentença para que os efeitos financeiros da revisão retroajam à data inicial do benefício (requerimento administrativo – 11.07.94), bem como para que o pagamento das prestações posteriores à sentença e dos honorários advocatícios seja efetuado exclusivamente na via judicial, e não administrativamente.

O INSS também recorreu. Preliminarmente, argüiu a impossibilidade jurídica do pedido, alegando a irretroatividade parcial de legislação mais benéfica, bem como a prescrição qüinqüenal. No mérito, defendeu a ina-plicabilidade da Lei nº 8.213/91 – lei nova mais benéfica – a benefícios concedidos antes de seu advento, sob pena de ofensa ao princípio tempus regit actum e aos arts. 5º, inciso XXXVI, e 195, § 5º, ambos da CF/88. Aduziu que o trabalho só é computável a partir dos 14 anos de idade e que o labor rurícola dos filhos do chefe de família, prestado em regime de economia familiar, passou a ser reconhecido somente após o advento da Lei nº 8.213/91, que regulamentou os novos preceitos constitucionais, ressalvada a hipótese de terem contribuído como segurados autônomos. Afirmou que a LC 11/71 somente previa a aposentadoria para o chefe ou arrimo de família. Sustentou que o período de atividade rural, em regime de economia familiar, não pode ser reconhecido porque a documentação apresentada, por si só, não é suficiente para provar o efetivo labor rural.

Apresentadas as contra-razões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.À revisão.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Inicialmente, deve ser registrado que, tendo sido a sentença prolatada em julho/2005 (fl. 90), é aplicável à hipótese a nova redação do art. 475 do CPC (na parte em que interessa a este julgamento) imprimida pela Lei nº 10.352/2001, publicada no DOU de 27.12.2001 e com vigência a partir de 27.03.2002,

Page 323: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 323

que preceitua que o duplo grau obrigatório a que estão sujeitas as sen-tenças proferidas contra as Autarquias Federais não terá lugar quando se puder, de pronto, apurar que a condenação ou a controvérsia jurídica for de valor não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos.

Sendo esse o caso, correto o Juízo monocrático ao não submeter o feito ao reexame necessário, uma vez que o montante devido, segundo o título judicial, decorrente da majoração da renda mensal da aposen-tadoria do autor de 70% para 100% do salário-de-benefício, cinge-se a 08 (oito) prestações, cujo cálculo total, tomando-se por base a carta de concessão do benefício da fl. 47 (diferença equivalente a R$ 43,38 em julho/94), mais as parcelas de gratificação natalina, tudo acrescido de juros moratórios e correção monetária, resulta quantia inferior ao aludido limite, considerando que o marco inicial de pagamento das diferenças vencidas, conforme determinado na decisão singular, data de 10.12.2004 (citação do INSS), e o marco final, de 08.07.2005 (sentença).

Passo, pois, à análise dos estritos termos dos recursos voluntários.Deixo de conhecer da apelação do INSS quanto à alegação de impossi-

bilidade jurídica do pedido porque desarrazoada, visto que sem qualquer fundamentação plausível e inteligível. Não conheço também do recurso do Instituto quanto à prescrição qüinqüenal, haja vista que ausente o interesse recursal por ter sido determinada, no decisum, a retroação dos efeitos financeiros apenas à data da citação, bem como porque expressamente ressalvada na exordial, de modo que nem sequer abarcadas no pedido as diferenças anteriores aos cinco anos que antecederam o ajuizamento da demanda. Da mesma forma, quanto à inaplicabilidade da Lei nº 8.213/91 a benefícios concedidos antes de seu advento, tendo em vista que tam-bém ausente o interesse recursal, porquanto o benefício de aposentadoria titularizado pela parte autora foi concedido em 1994 (carta de concessão à fl. 47) e, por conseguinte, já sob a égide do referido diploma legal.

Por outro lado, deixo igualmente de conhecer do recurso da parte auto-ra no tocante ao pagamento das parcelas posteriores à sentença por meio de complemento positivo, diante da falta de seu interesse recursal, haja vista ser mais benéfico esse provimento do que a execução judicial. Além disso, no que tange à verba honorária do seu procurador, em incidindo esta apenas sobre as parcelas vencidas até a sentença, será executada judicialmente, e não administrativamente como alegado.

Page 324: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006324

Superadas essas questões preliminares, ingresso no mérito pro-priamente dito.

Relativamente às alegações do INSS: na parte em que conhecido o recurso, tenho que totalmente descabidas.

Primeiro, no que se refere ao cômputo da atividade rural anterior aos 14 anos de idade, porquanto já pacificado o reconhecimento da prestação do labor desde os 12 anos na jurisprudência deste Tribunal e dos ee. STJ e STF. (TRF4ªR - 3ª S., EI 2001.04.01.025230-0/RS, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julg. em 12.03.2003; STJ - AgRg no REsp 419601/SC, 6ª T., Rel. Min. Paulo Medina, DJ 18.04.2005, p. 399, e REsp 541103/RS, 5ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 01.07.2004, p. 260; STF - AI 529694/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., julg. em 15.02.2005)

Segundo, quanto à impossibilidade de reconhecimento do tempo de serviço rural do autor por não possuir vínculo, como trabalhador rural em regime de economia familiar, com a Previdência Social até o advento da Lei nº 8.213/91, já que o regramento anterior apenas abarcava os direitos do chefe ou arrimo de família, não contemplando seus dependentes.

Isso porque, não obstante a Lei Complementar 11/71 tenha instituído o Programa da Assistência ao Trabalhador Rural, beneficiando, para fins de aposentadoria por velhice, apenas um componente da unidade familiar – o chefe ou arrimo de família (art. 4º, parágrafo único) –, a Constituição Federal promulgada em 1988 inovou as anteriores, assegurando os di-reitos de todo trabalhador rural no seu art. 7º, caput, e, por conseguinte, com o advento da Lei nº 8.213/91, foi-lhes estendida a possibilidade de obtenção de benefícios, inclusive a aposentadoria por tempo de serviço (arts. 52 e seguintes), além de ter sido ressalvado expressamente pelo legislador ordinário, no art. 55, § 2º, desse diploma, que o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, prestado anteriormente à data de início de vigência do novo regramento, pode ser computado indepen-dentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência.

Nesses termos, ficou resguardado, pela legislação previdenciária, o cômputo do tempo de serviço rural anterior a 1991, em regime de economia familiar, tanto do chefe de família como dos dependentes que com este laboraram, sem necessidade de indenização das contribuições

Page 325: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 325

(STJ - REsp 506.959/RS, Relatora Min. Laurita Vaz, julg. em 07.10.2003; REsp 603.202, Rel. Min. Jorge Scartezzini, decisão de 06.05.2004), e a conseqüente averbação junto ao Regime Geral de Previdência Social para fins de aposentadoria por tempo de serviço.

Trata-se, aliás, de matéria totalmente pacificada nos Tribunais Pátrios.Terceiro e último, com relação à impossibilidade de reconhecimento

da atividade rural do requerente, em regime de economia familiar, porque a documentação apresentada, por si só, não seria suficiente para provar o efetivo labor campesino.

Nesse tópico, o INSS não se irresignou quanto à não-apresentação de início de prova material, mas estritamente quanto à ausência da pro-dução de prova testemunhal, a dar suporte aos documentos trazidos aos autos, como exigem, a contrário senso, o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91 e a Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, bem como a pacífica Jurisprudência Pátria.

Todavia, a prova oral foi totalmente prescindível no caso concreto, porque a Autarquia já havia processado justificação administrativa, com ouvida de testemunhas que confirmaram o tempo de serviço rural do segurado desde tenra idade, já por ocasião do requerimento admi-nistrativo do benefício, em 1994, consoante depoimentos transcritos às fls. 149, 150 e 151. A designação de audiência para colheita da prova testemunhal, então, viria apenas a colidir com os princípios da instru-mentalidade, economicidade e celeridade processuais, assegurados constitucionalmente (art. 5º da CF/88, inciso LXXVIII, acrescido pela Emenda Constitucional nº 45/2004), protelando desnecessariamente a solução da lide posta em Juízo.

Desse modo, irretocável a decisão singular nos pontos examinados, de forma que merece ser mantido o reconhecimento do tempo de serviço rurícola do demandante, na condição de segurado especial, nos períodos de 03.01.53 (12 anos) a 31.12.58, 01.01.60 a 31.12.62 e 01.01.69 a 31.12.72.

Ademais, o próprio INSS reconheceu, na esfera administrativa, os interregnos de 01-01-59 a 30.12.59, 01.01.63 a 30.12.68 e 01.01.73 a 30.12.78 como laborados em atividade rural, conforme conclusão da justificação administrativa (fls. 34 e 152/154) e extrato das fls. 31/32, o que reforça o efetivo exercício dessa atividade também nos perí-odos intercalados, haja vista que há uma presunção de continuidade

Page 326: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006326

do trabalho campesino.Cabe, finalmente, a análise da apelação do autor na parte conhecida.No que tange ao termo inicial dos efeitos financeiros decorrentes

da revisão judicial, com razão o demandante, já que a inclusão do tempo de serviço rural, na condição de segurado especial, foi postu-lada em sede administrativa, por ocasião da justificação em abril/94, de acordo com o requerimento da fl. 127, ainda que parcialmente (de 1958 a 1978), mas já suficiente para a concessão da aposentação integral na época, caso o órgão previdenciário tivesse aceitado, além dos anos de 1959, 1963 a 1968 e 1973 a 1978, também os anos de 1958, 1960 a 1962 e 1969 a 1972 (total de 8 anos), devidamente comprovados conforme documentação anexa ao procedimento (fls. 128/146) e depoimentos testemunhais colhidos pelo agente admi-nistrativo. (fls. 149/151)

Reformo, portanto, a decisão singular para que os efeitos pecuniários retroajam à data inicial do benefício (data do requerimento adminis-trativo – 11.07.94), respeitadas as diferenças atingidas pela prescrição qüinqüenal, vencidas há mais de cinco anos do ajuizamento da demanda, como ressalvado na peça vestibular.

A atualização monetária das diferenças em atraso deverá ser feita desde a data dos vencimentos de cada uma delas, inclusive das anteriores ao ajuizamento da ação, em consonância com os Enunciados das Súmulas 43 e 148 do Superior Tribunal de Justiça, por meio do indexador fixado em sentença.

Diante do exposto, conheço em parte da apelação do INSS e, nesse limite, nego-lhe provimento e conheço em parte da apelação da parte autora e, nesse limite, dou-lhe parcial provimento para que os efeitos financeiros da revisão judicial retroajam à data inicial do benefício (11.07.94), respeitadas as diferenças atingidas pela prescrição qüinqüenal, conforme ressalvado na exordial. Esclareço que a correção monetária das parcelas em atraso incide desde o vencimento de cada uma delas.

É o voto.

Page 327: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 327

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Page 328: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006328

Page 329: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 329

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2002.04.01.036837-9/PRRelatora: A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida

Agravantes: Albert Pierrard e s/mAdvogados: Drs. José Carlos Cal Garcia Filho e outros

Agravados: Ministério Público FederalInstituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA

Advogados: Dr. Marcelo Ayres KurtzDr. João Carlos Bohler

Agravado: Estado do ParanáAdvogada: Dra. Márcia Carla Pereira Ribeiro

Interessados: Paulo Antonio Meneghel e outros

EMENTA

Agravo de instrumento em ação anulatória. Liminar que deferiu o levantamento de valores depositados em ação expropriatória. Incom-petência do juízo.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 463.762, originário de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, determinou o “imediato levantamento do saldo remanescente depositado na ação desapropriatória.”

Entretanto, a questão foi devidamente esclarecida pelo Min. Teori Al-bino Zavascki quando da apreciação dos embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal, no sentido de que o acórdão embargado acentuou a incompetência do juiz da ação civil pública para impedir o levantamento da indenização, confirmando que tal tema é reservado ao

Page 330: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006330

juiz da expropriação. Por outro lado, afastou a autorização para o imediato levantamento da indenização ao argumento de que: “Essa determinação final é manifestamente contraditória com o teor do acórdão e da própria conclusão, onde se assentou que quem deve decidir a respeito é o Juiz da ação de desapropriação. É naquela ação, portanto (e não aqui, na ação civil pública), que a matéria deve ser apreciada. Aliás, além de contradi-tória, a determinação constitui evidente reformatio in pejus, pois acaba modificando, sem recurso da parte e contra o interesse dos recorrentes, o acórdão da instância ordinária, que, de modo expresso, decidiu em sentido diferente” (EDcl no REsp nº 463.762. DJ de 18.10.2004)

O levantamento imediato da indenização complementar, bem como, em sentido contrário, a respectiva suspensão, constituem medidas extremas e violadoras do julgamento acima exposto. No entanto, sob pena de se esvaziar o provimento jurisdicional deste feito, cumpre ao juiz, com base no poder geral de cautela, tomar a medida que garanta a efetividade do processo.

Presentes os pressupostos autorizadores da efetivação da medida cautelar (fumus boni iuris e periculum in mora), tenho que a melhor decisão é determinar que os valores depositados na ação expropriatória fiquem à disposição do Juízo e vinculados à presente ação anulatória, para posterior deliberação no curso do feito a depender da orientação a ser adotada pelo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do REsp nº 654.517.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, acolher os embargos de declaração, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 6 de março de 2006.Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida: Trata-se de embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal contra o

Page 331: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 331

acórdão das fls. 530/539 que, por maioria, afastou a preliminar de conexão e, no mérito, deu provimento ao agravo de instrumento, à unanimidade.

Sustenta a embargante que, uma vez presentes os pressupostos para a concessão da liminar na forma do art. 12 da Lei nº 7.347/85, nada obsta ao conhecimento do pedido nesta via processual. Diz que a sumariza-ção da ação de desapropriação impede que seja decidido em seu âmbito questões diversas do valor do bem. Defende que a decisão proferida na ação dominial individual ou a ação civil pública não influi na ação de desapropriação em face dos limites objetivos diversos. Alega a omissão no acórdão e postula esclarecimento acerca do eventual impedimento de que a liminar proferida na ação civil pública produza efeitos na ação expropriatória. Aduz que o juízo da ação civil pública é o mesmo da desapropriação e que, em homenagem ao princípio da instrumentali-dade do processo, a decisão agravada produz efeitos no processo de desapropriação. Requer o provimento dos embargos, com a atribuição de efeitos modificativos.

Vieram os autos conclusos.É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida: Inicialmente, cumpre uma rápida digressão acerca dos atos processados neste feito tendo em vista a controvérsia da matéria, objeto de diversas ações, já apreciadas por esta Corte e pelos Tribunais Superiores.

O presente agravo de instrumento insurge-se contra decisão proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 2002.70.02.000009-0, que determinou a suspensão do levantamento de valores pendentes nos autos de ação de desapropriação (nº 2001.70.02.000142-9), até o julgamento final da ação (fl. 470). A ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público Federal em face do INCRA, do Estado do Paraná e de Albert Pierrard, buscando a nulidade dos títulos outorgados a non domino pelo Estado do Paraná, bem como dos registros imobiliários que fundamentam a ação expropriatória.

No julgamento do recurso, esta Turma deu provimento ao agravo de instrumento, na esteira do voto do Desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, para cassar a decisão. (fls. 530/539)

Page 332: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006332

Foi interposto recurso especial pelo INCRA. A ilustre Desa. Fede-ral Marga Barth Tessler atribuiu efeito suspensivo ao recurso especial até a prolação do juízo de admissibilidade, vedando o levantamento de qualquer valor nos autos da desapropriação nº 2001.70.02.000142-9, na forma da liminar concedida nos autos da Ação Civil Pública nº 2002.70.02.000009-0. (fls. 560/561)

Em seguida, tendo em vista a alegação de falta de intimação pessoal do Ministério Público Federal, foi reconhecida a nulidade do processo a partir da publicação do acórdão, restando pendentes os embargos de declaração do Parquet, que ora são apreciados.

Neste passo, inicio a análise dos fundamentos invocados no acórdão embargado, a fim de verificar a existência ou não dos requisitos enseja-dores dos declaratórios (omissão, obscuridade ou contradição).

Depreende-se do acórdão que o voto condutor proferido pelo Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon baseou-se na independência entre os juízos das ações expropriatória e declaratória para cassar a decisão liminar (fls. 530/539). Para tanto, trouxe à colação o entendimento firmado no REsp nº 463.762/PR que, em caso análogo, relativo à Ação Civil Pública nº 98.5010865-7, determinou o imediato levantamento do saldo remanescente depositado na ação expropriatória referente àquele processo.

Neste ponto, constato uma obscuridade no julgado, já que o paradigma invocado determinou o “imediato levantamento do saldo remanescente depositado na ação expropriatória”, e a conclusão do Relator, no acórdão embargado, limitou-se a cassar a decisão agravada, sem qualquer menção ao levantamento de valores.

A propósito, ressalto o esclarecimento prestado pelo Min. Teori Albino Zavascki quando do julgamento dos embargos de declaração opostos pelo Ministério Público Federal no próprio REsp 463.762/PR, que acabou por definir os limites do acórdão proferido por aquela Corte:

“(...) 4. Todavia, num aspecto têm razão os embargos declaratórios. Conforme se fez ver no relatório da causa, os recursos especiais foram interpostos para reformar acórdão do TRF da 4ª Região, que, ao julgar o agravo contra a decisão proferida na ação civil pública, proibindo o levantamento da indenização fixada na ação de desapropriação, teve três votos diferentes: o primeiro, mantendo a decisão agravada (fls. 857/860); o segundo, dando provimento ao agravo, para permitir o imediato levantamento do depó-

Page 333: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 333

sito; e o terceiro, que acabou prevalecendo por ser o voto médio, da Desembargadora Federal Marga Tessler, dando parcial provimento ao agravo, nos seguintes termos:

‘Assim, o meu voto alinha-se com a divergência, contudo o meu provimento é em menor extensão para submeter a questão dos levantamentos ao Juiz que preside a Ação de Desapropriação, artigo 34 da Lei 3.365/41 ...’ (fl. 870).

Daí ter constado na ementa do acórdão que ‘Cabe ao juiz da ação da desapropriação verificar se há dúvida sobre o domínio, conforme dispõe o artigo 34 da Lei nº 3.365/41. Não é apropriada a atitude, mesmo em sede de Ação Civil Pública, de dirigir o Juiz comandos destinados a produzir efeitos em outras ações, sob jurisdição de magistrados diversos.’ (fl. 871).

Instada a esclarecer o acórdão, inclusive em face de decisão do STF, que, em re-clamação, deferira liminar para ‘suspender o curso dos processos expropriatórios’ (fl. 929), a relatora observou:‘... no que se refere à solução dada a respeito do levantamento do valor indenizatório, inclinou-se a maioria por entender que a questão deve ser decidida pelo Juiz que preside a Ação de Desapropriação’ (fl. 937).

E acentuou, mais adiante:‘No que respeita à decisão na Reclamação 1.169-1 Paraná, o Eminente Ministro

Sepúlveda Pertence exarou o despacho em 18.10.99 e o julgamento que ora se preten-de esclarecer foi proferido em 16.09.99. Desta forma, à época do julgado não havia qualquer decisão a impedir o julgamento do agravo, não se podendo falar em direito superveniente. O acórdão não deferiu levantamento de valores, tendo remetido a questão ao juízo da expropriatória’ (fl. 938)

Ao final, dando parcial provimento aos embargos declaratórios do INCRA, obser-vou claramente:

‘Por derradeiro, esclareça-se que o provimento parcial, dado em menor extensão, remete a questão dos levantamentos ao Juiz da Ação de desapropriação (art. 34, Lei 3365/41), sem autorização para levantar qualquer valor’ (fl. 938).

Conforme resta evidenciado, o acórdão objeto do recurso especial não autorizou o levantamento da indenização. Pelo contrário, o que nele ficou assentado, fundamen-talmente, foi que: a) o juiz habilitado a decidir a respeito do levantamento de dinheiro objeto da ação de desapropriação é o juiz dessa ação, sendo incompetente, para tal, o juiz da ação civil pública; b) conseqüentemente, cabe submeter ao juiz da desapro-priação as questões supervenientes a respeito da matéria (tais como a da relevância da dúvida sobre a titularidade do domínio, suscitada na ação civil pública; a dos efeitos da decisão do STF na noticiada Reclamação; e assim por diante).

6. Pois bem, ao julgar o recurso especial, o acórdão embargado acentuou a incom-petência do juiz da ação civil pública para impedir o levantamento da indenização, confirmando que tal tema é reservado ao juiz da expropriação. Contudo, na conclusão do voto do relator, constou o seguinte acréscimo:

‘Posto isto, face à incompetência do Juiz monocrático que deferiu a medida limi-

Page 334: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006334

nar nos autos da ação civil pública nº 98.5010865-7, nego provimento aos recursos, determinando-se o imediato levantamento do saldo remanescente depositado na ação expropriatória.’ (fl. 1143)

Essa determinação final é manifestamente contraditória com o teor do acórdão e da própria conclusão, onde se assentou que quem deve decidir a respeito é o Juiz da ação de desapropriação. É naquela ação, portanto (e não aqui, na ação civil pública), que a matéria deve ser apreciada. Aliás, além de contraditória, a determinação constitui evidente reformatio in pejus, pois acaba modificando, sem recurso da parte e contra o interesse dos recorrentes, o acórdão da instância ordinária, que, de modo expresso, decidiu em sentido diferente.

7. Diante do exposto, acolho, em parte, os embargos de declaração para, afastando a apontada contradição, deixar claro que, ao negar provimento aos recursos especiais, o acórdão manteve íntegro o julgamento proferido na instância recorrida, nos termos e nos limites em que foi proferido.

É o voto.”

Dessa decisão, foram opostos novos embargos de declaração, que restaram rejeitados pelo Relator, tendo a decisão transitado em julgado em 28.04.2005. Assim, a decisão proferida no recurso especial daquela ação civil pública manteve, na íntegra, o julgamento proferido por esta Corte no sentido de que qualquer questão referente ao levantamento de valores deve ser apreciada pelo Juízo da expropriatória.

Nesse contexto, num primeiro momento, o acórdão ora embargado parece estar de acordo com precedente do próprio REsp nº 463.762/PR, apesar da omissão quanto ao levantamento, a interpretação restritiva da decisão permite concluir que apenas foi cassada a decisão agravada, sem autorizar a imediata liberação dos valores.

Por outro lado, nesta mesma linha argumentativa, isto é, de que ape-nas o Juízo da ação expropriatória poderia suspender o levantamento da indenização remanescente, penso que o acórdão embargado recaiu em contradição.

Com efeito, não há impedimento para que o Juízo processante da desapropriação determine a suspensão da execução e o levan-tamento dos valores quando existir dúvidas quanto ao domínio das terras expropriadas. Dispõe o art. 34 da Lei nº 3.365/41 (Lei Geral da Desapropriação) e o art. 6º, § 1º, da Lei Complementar nº 76/93:

“Art. 34. O levantamento do preço será deferido mediante prova de propriedade, de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem expropriado, e publicação de

Page 335: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 335

editais, com o prazo de 10 dias, para conhecimento de terceiros.Parágrafo único. Se o juiz verificar que há dúvida fundada sobre o domínio, o preço

ficará em depósito, ressalvada aos interessados a ação própria para disputá-lo.Art. 6º. (...)§ 1º Inexistindo dúvida acerca do domínio, ou de algum direito real sobre o bem, ou

sobre os direitos dos titulares do domínio útil, e do domínio direto, em caso de enfiteuse ou aforamento, ou, ainda, inexistindo divisão, hipótese em que o valor da indenização ficará depositado à disposição do juízo enquanto os interessados não resolverem seus conflitos em ações próprias, poderá o expropriando requerer o levantamento de oitenta por cento da indenização depositada, quitado os tributos e publicados os editais, para conhecimento de terceiros, a expensas do expropriante, duas vezes na imprensa local e uma na oficial, decorrido o prazo de trinta dias.”

Em resumo, existindo dúvida quanto ao domínio, apenas o juiz da desapropriação poderá determinar a suspensão do levantamento, enquanto as partes conflitantes não resolverem a questão em ação própria. Cumpre ressaltar que o texto legal fala em “ação própria”, entre as quais se inclui a ação civil pública em comento.

Todavia, no que se refere à competência exclusiva do juiz da desapro-priação, é preciso observar que, na hipótese sub judice, o juízo da ação civil pública é o mesmo da desapropriação. Conforme o Ministério Pú-blico Federal, a ação civil pública (processo nº 2002.70.02.000009-0) foi proposta perante a 1ª Vara Cível de Foz do Iguaçu/Paraná e distribuída por dependência à ação de desapropriação (processo nº 2001.70.02.000142-9). Além disso, alegou o embargante que o magistrado a quo, ao deferir a liminar atacada, determinou o traslado de cópias para a ação de desapro-priação, em homenagem ao princípio da instrumentalidade do processo.

Dessa forma, apesar de não atender à melhor técnica processual, não há como negar que a liminar foi proferida pelo próprio juiz da desapropria-ção, embora em autos diversos. Diante do traslado da decisão, exigir-se que o julgador repita a decisão da ação civil pública na desapropriação seria um contra-senso, desprovido de qualquer lógica jurídica e afrontoso ao princípio da economia processual, especialmente quando apensados os processos.

Por outro lado, deve-se observar que o STF vem cassando decisões que em ações expropriatórias determinam o pagamento de indeniza-ções e a expedição de precatórios quando pendente fundada dúvida sobre a titularidade do imóvel (Reclamações nº 1.991 e 2.020). Tais

Page 336: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006336

julgados evidenciam um nítido caráter acautelatório por parte da Corte Suprema, preocupada com a possibilidade de lesão grave e de difícil reparação aos cofres públicos, uma vez que, pagos os vultosos valores referentes à indenização, dificilmente a União conseguirá reavê-los em sua totalidade.

Transcrevo parte do voto do relator, Min. Hilma Galvão, na Rcl. n° 2.020/PR:

“De fato, nenhuma outra ação em nosso sistema jurídico processual se compara à expropriatória na virtude de ensejar, de imediato, a ocupação do imóvel rural pelo Poder Público – ainda que sabidamente integrante de seu patrimônio – para o fim da pronta eliminação de focos de tensão social.

No presente caso, conforme reconhecido pelo acórdão, existe em andamento ação civil pública por meio da qual se busca a declaração de que as terras onde situado o imóvel expropriado sempre foram de domínio público federal, qualidade que, na verdade, foi reconhecida por acórdão do Supremo Tribunal Federal (fl. 23), em razão do qual resultou cancelado, por mandado executório do MM Juiz da Comarca de Foz do Iguaçu, em 19.01.68 (fl. 47), o registro imobiliário de que se originaram os títulos aquisitivos dos expropriados, ambos datados de abril/72 (fls. 220 e 224), e, portanto, posteriores ao dito cancelamento.

Não sobra espaço, portanto, diante das circunstâncias apontadas, para a alegação de que a ação de desapropriação vale pelo reconhecimento do domínio dos reclamados sobre o imóvel que lhe serviu de objeto e, conseqüentemente, de seu direito sobre o valor fixado para a indenização.

Valesse o chamamento do expropriado ao processo da ação expropriatória pelo reconhecimento de sua titularidade sobre o imóvel expropriado – como sustentam os expropriados –, obviamente não teria sentido o condicionamento do pagamento da indenização a prova de inexistência de dúvida fundada sobre esse domínio estabelecido pelas diversas leis que tratam da matéria, como acima restou exposto.

Achando-se, neste caso, em curso ação ajuizada justamente como propósito de de-monstrar a inexistência de título válido dos expropriados sobre o imóvel questionado, é fora de dúvida que não há falar em pagamento de qualquer indenização, notadamente, quando tudo está a demonstrar que os imóveis foram por eles adquiridos quando havia sido declarada, pelo STF, a nulidade da transferência previamente feita pelo Estado do Paraná – da qual derivaram todos os registros imobiliários que se seguiram, inclusive os dos reclamados –, por ter tido por objeto terras do domínio público federal.” (Rcl nº 2020, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão. DJ 22.11.2002, p. 57)

A decisão atacada vai ao encontro da tese exposta pelo STF. Assim, a manutenção da liminar condiz com a melhor solução para este pleito, eis que o valor da indenização remanescente permanecerá à disposição do

Page 337: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 337

Juízo da ação expropriatória até que se resolva a dúvida existente sobre o domínio na ação civil pública.

Em face do exposto, acolhendo os embargos de declaração e atribuindo--lhe efeitos modificativos, nego provimento ao agravo de instrumento.

Oficie-se à Vice-Presidência deste Tribunal informando acerca da de-cisão da fl. 609, bem como acerca do conteúdo deste acórdão.

É o voto.

EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 2002.04.01.052476-6/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Nylson Paim de AbreuRelator p/acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto

Pamplona

Embargantes: Camilo Edison Vieira Leivas e outrosAdvogados: Drs. José Luis Wagner e outros

Embargado: Instituto Nacional do Seguro Social - INSSAdvogada: Dra. Solange Dias Campos Preussler

EMENTA

Previdenciário. Embargos infringentes. Certidão de tempo de serviço especial. Período celetista. Conversão. Contagem recíproca. Servidor público. Litisconsórcio passivo necessário entre o INSS e o ente público. Desnecessidade.

1. Incabível o litisconsórcio passivo necessário entre o INSS e o ente público ao qual está vinculado o servidor que postula a expedição de certidão de tempo de serviço em condições especiais, com acréscimo decorrente da respectiva conversão, relativamente ao período em que esteve vinculado ao Regime Geral da Previdência Social, para fins de contagem recíproca perante o regime estatutário.

Page 338: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006338

2. Embargos infringentes providos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o Relator, dar provimento aos embargos infrin-gentes, nos termos do voto do Des. Federal Otávio Roberto Pamplona e das notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 9 de março de 2006.Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, Relator p/acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Nylson Paim de Abreu: Trata-se de embar-gos infringentes opostos contra acórdão proferido em demanda em que a parte autora postula a expedição de certidão de tempo de serviço com a conversão dos períodos em atividades especiais, para fins de contagem recíproca junto a regime público de previdência (UFSM).

O acórdão recorrido, por maioria, anulou a sentença e determinou a inclusão da Universidade Federal de Santa Maria no pólo passivo da ação, em litisconsórcio necessário com o INSS, mediante decisum assim ementado:

“PREVIDENCIÁRIO. CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CON-TAGEM RECÍPROCA. SERVIDOR ESTATUTÁRIO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DA ENTIDADE A QUE PERTENCE.

No caso de ação que vise compelir o INSS à expedição de certidão de tempo de serviço em condições especiais, para fins de contagem recíproca, é necessária a inter-venção da entidade à qual está vinculado o servidor público, em face de seu interesse na solução da lide. Hipótese de litisconsórcio passivo necessário.” (fl. 348)

A parte embargante pretende a prevalência do voto vencido, que en-tendeu incabível o litisconsórcio passivo. (fls. 377-394)

Fluiu in albis o prazo para contra-razões.É o relatório.Dispensada a revisão. (artigo 37, IX, RITRF - 4ª Região)

VOTO

Page 339: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 339

O Exmo. Sr. Des. Federal Nylson Paim de Abreu: Tratando-se de embargos infringentes, a discussão deve limitar-se à matéria objeto da divergência, que, nos presentes autos, refere-se à formação de litiscon-sórcio passivo necessário entre o INSS e o ente público perante o qual a parte autora pretende averbar o tempo de serviço com acréscimo decor-rente da conversão em face da alegada exposição a agentes insalubres.

O voto vencedor, proferido pelo Eminente Relator, Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, tem o seguinte teor:

“Consoante relatado, cuida-se de ação declaratória na qual os autores, servidores públicos, pretendem compelir o INSS à emissão de Certidão de Tempo de Serviço, com a conversão das atividades especiais exercidas no RGPS, para fins de contagem recíproca.

Em casos como o dos autos, vinha entendendo que caberia exclusivamente ao INSS figurar no pólo passivo da lide, inexistindo necessidade de intervenção da entidade à qual estivesse o servidor vinculado.

Analisando melhor a questão, percebo a existência de interesse direto da Admi-nistração Pública no resultado da lide, uma vez que lhe caberá recepcionar, ou não, a Certidão de Tempo de Serviço expedida pelo INSS.

Da mesma forma, é evidente a pretensão dos autores de fazer uso desta certidão, eis que ninguém litiga visando provimento jurisdicional que não gere efeitos concretos, seja no mundo fático, seja no mundo jurídico, ou mesmo em ambos.

Não se alegue que o interesse da entidade em que será utilizada a certidão somente nasceria com eventual pedido de aposentadoria ou averbação.

No presente caso, não se está pura e simplesmente postulando uma certidão sobre fato, mas sim e principalmente a certificação com o afastamento dos óbices legais con-tidos na Lei nº 8.112/90, que disciplina o regime jurídico dos servidores públicos, com o propósito de averbação ou aposentadoria. Assim que nenhuma eficácia teria a emissão de uma certidão com ressalva de validade apenas no RGPS. Esta certidão constituiria um ‘nada’, porquanto, desprovida de eficácia em relação à entidade pública ausente na lide, não estaria a constituir prestação jurisdicional efetiva, mas sim a sua negação.

In casu, tal pretensão é ainda mais evidente, porquanto os autores requerem, ex-pressamente, a condenação da Autarquia na indenização dos prejuízos que tiverem em suas aposentadorias e pensões pelo atraso no fornecimento da Certidão de Tempo de Serviço (fl.20).

Nestas condições, resta clara a necessidade de estabelecimento de litisconsórcio passivo necessário, figurando no pólo passivo da lide o INSS e a Universidade Federal de Santa Maria (entidade ao qual os autores estão vinculados) para a adequada e eficaz prestação jurisdicional.

Sobre o litisconsórcio necessário, assim estabelece o art. 47 do CPC:‘Art. 47. Há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza

Page 340: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006340

da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo’.

Ante o exposto, voto por anular de ofício a sentença, determinando a remessa dos autos à origem para a promoção da citação da Universidade Federal de Santa Maria, julgando prejudicados o apelo e a remessa oficial.” (fls. 338-339)

O voto vencido, da lavra do Eminente Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, pautou-se nos seguintes termos:

“Penso que, se a ação é direcionada contra o INSS, a discussão deve se limitar à questão eminentemente ligada ao Regime Geral de Previdência Social. Já quanto à possibilidade de utilização ou não do tempo especial celetista para a obtenção de aposentadoria junto ao Regime Próprio de Previdência dos servidores, trata-se de matéria que somente pode ser discutida, se for o caso (até porque pressupõe o prévio requerimento administrativo), em ação direcionada contra a entidade à qual vinculado o servidor, por ostentar índole administrativa.

A verdade é que deve ser estabelecida uma distinção, uma vez que, em rigor, duas lides em tese se fazem presentes quando o servidor pretende averbar tempo especial sob regime celetista para efeito de obtenção de benefício estatutário: (I) uma entre o antigo segurado e o INSS, para que este reconheça o tempo de atividade anterior à conversão do regime como especial, à luz, obviamente, da legislação do Regime Geral de Previdência Social; (II) outra entre o servidor e a entidade à qual ele está vinculado profissionalmente, para que o tempo especial de serviço celetista eventualmente reconhecido junto ao INSS seja averbado, no regime estatutário, com contagem privilegiada.

Parece-me, outrossim, que não se pode afirmar a caracterização, in casu, de litis-consórcio passivo necessário. Litisconsórcio passivo necessário há quando uma mesma lide tenha que ser decidida de modo uniforme para todas as partes, seja por disposição de lei, seja pela natureza da relação jurídica (art. 47 do CPC).

No caso em apreço a eventual integração da pessoa jurídica à qual vinculado o servidor seria decorrência de uma lide diversa daquela que há entre ele e o INSS, como acima explicitado. Quanto à relação jurídica na qual se debate sobre a especialidade do tempo postulado e o direito à expedição de certidão, constata-se que o litígio se dá exclusivamente entre o segurado e o INSS.

É diferente a situação na qual há litisconsórcio necessário – uma vez que todas as pessoas que vão sentir os efeitos de uma decisão acerca de uma mesma lide – da situação na qual a parte autora eventualmente dirige duas pretensões contra uma determinada pessoa, sendo que para uma delas a demandada não tem legitimidade passiva. Nesta segunda hipótese, não se cogita de aplicação do artigo 47 do CPC, mas tão-somente de reconhecimento da ilegitimidade ou, sob outro enfoque, da impossibilidade de tal questão ser decidida no processo, por força dos limites subjetivos da coisa julgada.

Page 341: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 341

A verdade é que estabelecida a premissa de que dois litígios e, por conseqüência, dois pedidos, com respectivas causas de pedir, estão subjacentes no objetivo final de obter averbação de tempo especial celetista no regime estatutário, a hipótese jamais pode ser tratada como de litisconsórcio. Haverá, em verdade, cúmulo objetivo e, por expressa disposição legal, a cumulação de pedidos, em um único processo, é permi-tida contra o mesmo réu (art. 292 do CPC). Friso: a cumulação de pedidos somente é possível, num único processo, se o réu foi o mesmo. O cúmulo objetivo não pode ter o efeito de criar hipótese de cumulação subjetiva (ativa ou passiva) não autorizada pela lei processual, e, no caso dos autos, tal possibilidade não encontra apoio no artigo 46 do CPC. Com efeito, não existe comunhão de direitos quanto à Universidade Federal de Santa Maria em relação ao INSS. Ademais, os direitos e obrigações não derivam de fundamento idêntico ou muito menos se cogita de conexão pelo objeto ou pela causa de pedir (art. 103 do CPC), pois eles são manifestamente diversos.

Não fosse isso, calha observar que o litisconsórcio necessário não pode ser carac-terizado por situação condicional ou dependente de circunstância futura e aleatória. A aposentadoria às expensas da pessoa de direito público à qual vinculado o servidor atualmente é apenas uma possibilidade, ainda que factível. Note-se que podemos nos deparar com a situação de um segurado que, ligado ao regime geral, obtém uma certidão com o reconhecimento do tempo especial, seja administrativa, seja judicialmente. Se posteriormente ele prestar concurso público, obviamente que tal tempo poderá ser aver-bado junto à entidade, incumbindo a ela, de qualquer sorte, apreciar a certidão, no que toca ao tempo especial, da maneira que lhe aprouver. E será absolutamente irrelevante o fato de o INSS, anteriormente, não ter analisado a questão sob a ótica da contagem recíproca, ou não ter sido a entidade chamada para integrar a relação processual, no caso de o reconhecimento ter sido judicial.

Por fim, observo que, ainda que se admitisse a possibilidade de litisconsórcio passivo no caso em foco, ele somente poderia ser qualificado como facultativo. Nesta hipótese, o cúmulo subjetivo ficaria a critério do demandante e ele, como se vê, optou por opor a ação somente contra o INSS.

Ante o exposto, com a devida vênia do eminente Relator, não vejo razão para que seja citada Universidade Federal de Santa Maria.” (fls. 341-342)

Como se vê, o voto vencedor, em síntese, aduziu que há necessidade de o ente público (in casu, a UFSM) figurar no pólo passivo da demanda porque lhe incumbirá o ônus de computar o tempo de serviço com o acrés-cimo que a parte autora postula, o que configura o seu interesse na lide.

O voto vencido, por seu turno, asseverou que somente há litisconsórcio passivo necessário quando a questão controvertida deva ser decidida de modo uniforme para todas as partes, o que não seria o caso dos autos, em que poderia ocorrer, no máximo, litisconsórcio facultativo, cuja formação ficaria ao alvedrio da parte autora.

Page 342: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006342

Postos os limites da controvérsia, que se restringe à formação do litisconsórcio passivo necessário, cabe o seu exame nesta sede recursal.

Essa matéria tem sido objeto de julgamentos divergentes nas Turmas integrantes da Segunda e da Terceira Seção deste Tribunal, consoante demonstram as ementas a seguir reproduzidas.

Terceira Turma:“ADMINISTRATIVO. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. ART. 47 DO CPC. Nos feitos em que se busca a conversão do tempo de serviço exercido em condições

especiais, sob o regime celetista, para fins de aposentação junto ao RJU, é indesviável o interesse do INSS, bem como da Autarquia ou Fundação à qual o servidor é vinculado, em razão da repercussão direta sobre a esfera jurídico-patrimonial também desta enti-dade. Assim, face à natureza da relação jurídica travada, e considerando que a decisão proferida no incidente deverá ser uniforme, imperiosa é a formação de litisconsórcio passivo necessário, nos moldes previstos no art. 47 do CPC.” (AC nº 2003.71.01.004643-9/RS, Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU 15.12.2004, Seção II)

Quarta Turma:“MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. TEMPO DE SERVIÇO.

EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EM CONDIÇÕES INSALUBRES. CLT. DIREITO ADQUIRIDO.

Servidor, quando abarcado pelo regime celetista, antes de sua transposição ao regime estatutário, por ter exercido atividade laborativa em condições insalubres, tem direito líquido e certo à certidão de tempo de serviço, com a conversão do tempo de serviço especial em comum, com a devida majoração, já que a mudança de regime – de cele-tista para estatutário – não afeta a órbita do direito adquirido. Precedentes.” (AMS nº 2003.70.00.007077-7/PR, Rel. Des. Federal Valdemar Capeletti, julg. em 16.03.2005)

Nesse julgado, a questão do litisconsórcio, embora não ementada, foi decidida no voto do Relator nos seguintes termos:

“Analisando a preliminar de nulidade da sentença, no que toca à extinção do feito sem julgamento do mérito em relação à autoridade da UFPR, tenho que o recurso não merece acolhida. É que a demanda apresentada em face da autoridade universitária depende, inexoravelmente, da posse da certidão de tempo de serviço prestado em condições insalubres com o cômputo majorado (mormente na via estreita do manda-mus que exige prova pré-constituída, certeza e liquidez do direito postulado), que é, justamente, objeto da demanda com relação ao INSS. Assim, percebe-se que o real interesse de agir do impetrante se dá, em um primeiro momento, contra o Instituto réu que, acaso venha sucumbir no feito, deverá expedir a certidão com cômputo do tempo de serviço pretendido.

Page 343: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 343

Em se afigurando tal hipótese, poderá o impetrante valer-se de seu direito então reconhecido, pois, como já restou dito, embora os pedidos sejam logicamente conca-tenáveis, não há causa de pedir com relação à União. A pretensão com relação a esta depende da certidão almejada em face do INSS. Descabe reunir-se em um mesmo feito pretensões tão distintas e a réus distintos, ainda mais quando uma é precedente à outra. Consubstanciaria, a meu juízo, um atropelo processual não amparado juridicamente, entendimento que não esmorece sequer em face do princípio da economia processual, que não se afigura como lesionado.”

Sexta Turma:“PROCESSUAL CIVIL. AVERBAÇÃO DE LABOR ESPECIAL, PRESTADO

SOB O REGIME CELETISTA, PARA FINS DE AVERBAÇÃO PERANTE A ADMI-NISTRAÇÃO PÚBLICA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO.

Nas demandas em que se discute cômputo de tempo de serviço prestado, na siste-mática anterior à Lei 8.112/90, por servidor público sob regime celetista, para fins de averbação e posterior aposentação pelo regime estatutário, deve-se formar litisconsórcio passivo necessário entre o ente/órgão de lotação na Administração Pública e o INSS.” (QUOAC Nº 2002.71.10.001767-9/RS, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU 15.12.2004, Seção II)

E na Quinta Turma, a matéria foi decidida nestes autos nos seguintes termos:

“PREVIDENCIÁRIO. CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. CON-TAGEM RECÍPROCA. SERVIDOR ESTATUTÁRIO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DA ENTIDADE A QUE PERTENCE.

No caso de ação que vise compelir o INSS à expedição de certidão de tempo de serviço em condições especiais, para fins de contagem recíproca, é necessária a inter-venção da entidade à qual está vinculado o servidor público, em face de seu interesse na solução da lide. Hipótese de litisconsórcio passivo necessário.” (fl. 348)

Examinando as razões lançadas nos diferentes entendimentos espo-sados nos arestos acima elencados, evidencia-se que a razão está, de fato, com a maioria, tanto nos julgamentos das Turmas quanto nos votos proferidos na presente apelação cível.

O ente público que deverá computar o tempo de serviço certificado, com o acréscimo decorrente da conversão postulada, tem interesse na lide, porquanto suportará o ônus em face da aposentação do servidor.

Consoante bem assentou o Eminente Relator:“... não se está pura e simplesmente postulando uma certidão sobre fato, mas sim e principalmente a certificação com o afastamento dos óbices legais contidos na Lei nº

Page 344: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006344

8.112/90, que disciplina o regime jurídico dos servidores públicos, com o propósito de averbação ou aposentadoria. Assim que nenhuma eficácia teria a emissão de uma certidão com ressalva de validade apenas no RGPS. Esta certidão constituiria um ‘nada’, porquanto, desprovida de eficácia em relação à entidade pública ausente na lide, não estaria a constituir prestação jurisdicional efetiva, mas sim a sua negação.” (fl. 338)

Merecem ser transcritos também, em face da sua relevância e pertinên-cia, alguns fundamentos do judicioso voto-vista proferido pelo Eminente Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, verbis:

“O tempo de serviço certificado pelo INSS para contagem recíproca em outro regi-me gerará, para este, um ônus. Esse tempo se integrará ao patrimônio do segurado, no sistema público, e será considerado para a concessão dos respectivos benefícios, embora o gestor do sistema público não tenha percebido as correspondentes contribuições, que foram vertidas ao sistema geral. Daí a necessidade da correspondente compensação, que veio a ser normatizada pela Lei nº 9.796, de 05 de maio de 1999.

(...)Como a compensação não será feita com base no valor do benefício pago pelos

cofres do Regime Público, quanto maior o tempo de serviço do Regime Geral agre-gado ao patrimônio do servidor, tanto maior será o prejuízo do Regime Público, cuja compensação será apenas parcial.

(...)Na contagem recíproca de tempo de serviço, configura-se uma relação jurídica

complexa, já que o tempo prestado no Regime Geral irá acrescer o tempo prestado no Regime Público para aposentadoria neste (ou vice-versa). Dessa forma, a relação jurí-dica entre o segurado e o INSS passará a interferir na relação jurídica entre o segurado e o Sistema Previdenciário Público, e tanto é assim que o servidor público tem direito a exigir a integração, em seu acervo, daquele tempo de serviço privado, e seu cômputo para a percepção dos benefícios garantidos pelo Sistema Público.

Por outro lado, o fato de a própria lei haver trazido normas específicas para o côm-puto do tempo de serviço para a contagem recíproca (arts. 94 a 99 da Lei 8.213/91) está a demonstrar que não se trata de relação jurídica que interesse somente ao segurado e ao INSS. O ente público, em cujo âmbito será concedida a inativação, tem evidente interesse em que essas normas sejam estritamente observadas, pois sua observância ou inobservância terá reflexos em sua esfera de direitos, inclusive de natureza financeira.

5- Também não é de se acolher o argumento segundo o qual inexistiria litisconsórcio com o ente público porque a aposentadoria, em seu âmbito, seria ainda hipotética ou condicional. Mesmo quando ainda não aperfeiçoado o direito à aposentadoria, tem o servidor direito autônomo à averbação de seu tempo de serviço, inclusive do tempo de serviço que trouxe da área privada, e na ação que objetiva o respectivo reconhe-cimento deverá estar presente a pessoa jurídica de direito público que, futuramente,

Page 345: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 345

será responsável pela concessão do benefício, o que atrai o litisconsórcio necessário de todas as partes envolvidas, por indispensável decisão para todas uniforme (art. 47 do CPC).” (fls. 344-345)

Com efeito, o ente público tem interesse financeiro e jurídico na solução da controvérsia.

A questão controvertida deve, pois, ser decidida de modo uniforme para todas partes (os servidores, o INSS e o ente público responsável pela concessão das aposentadorias), razão pela qual decidiu com acerto a douta maioria.

Nessas condições, com a vênia do Eminente Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, voto no sentido de negar provimento aos em-bargos infringentes, mantendo a prevalência do voto vencedor.

VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Com o devido respeito ao voto do ilustre relator, bem como daqueles que o acompa-nharam, entendo que deva prevalecer o voto vencido, pois não verifico, na espécie, a existência de litisconsórcio passivo necessário.

Com efeito, como bem pontuado pelo Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, por ocasião do julgamento na Turma, duas são as rela-ções jurídicas, a existente entre os autores e o INSS e a que vincula os autores à UFSM.

No presente processo, a pretensão dos autores é a obtenção de Certidão de Tempo de Serviço, em que conste a devida conversão do tempo espe-cial em comum, relativamente ao período em que estiveram vinculados à UFSM pelo regime celetista, isto é, enquanto segurados do RGPS.

A expedição desta Certidão, não há dúvida, é de responsabilidade do INSS. Tanto que poderia ter sido fornecida sem a necessidade de qualquer provocação judicial. Aliás, essa é a regra. O segurado se dirige ao órgão e pede a certificação do seu tempo de serviço vinculado ao RGPS. O Judiciário só intervém quando o INSS se nega a fornecer o documento. E sua atuação, que é substitutiva das partes, deve se limitar a essa questão, conceder, se for o caso, aquilo que foi negado pelo INSS.

O direito à obtenção de certidão que retrate a situação do cidadão junto ao RGPS, por sua vez, é uma decorrência do disposto no art. 5º, inciso XXXIV, alínea b, da CF/88, que assegura a todos a obtenção de certidões em repartições públicas, para a defesa de direitos e esclareci-

Page 346: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006346

mento de situações de interesse pessoal. Para fazer valer esse direito, no caso específico de certidão de tempo de serviço, é irrelevante o fato do cidadão estar vinculado, no momento em que postula a certidão, ao próprio RGPS, a outro regime específico de previdência, ou não estar vinculado a qualquer regime. A pretensão é uma só: ver especificada em certidão a sua situação perante o INSS.

Se os autores irão utilizar a respectiva Certidão junto à UFSM – e tudo indica que isso ocorrerá – para postularem a aposentadoria junto ao regime próprio, esse fato, por si só, não implica necessidade de cha-mamento da UFSM ao feito.

Nesse particular, bem assinalou o voto vencido quando anotou o seguinte:“Não fosse isso, calha observar que o litisconsórcio necessário não pode ser carac-

terizado por situação condicional ou dependente de circunstância futura e aleatória. A aposentadoria às expensas da pessoa de direito público à qual vinculado o servidor atualmente é apenas uma possibilidade, ainda que factível. Note-se que podemos nos deparar com situação de um segurado que, ligado ao regime geral, obtém uma certidão com o reconhecimento do tempo especial, seja administrativa, seja judicialmente. Se posteriormente ele prestar concurso público, obviamente que tal tempo poderá ser aver-bado junto à entidade, incumbindo a ela, de qualquer sorte, apreciar a certidão, no que toca ao tempo especial, da maneira que lhe aprouver. E será absolutamente irrelevante o fato de o INSS, anteriormente, não ter analisado a questão sob a ótica da contagem recíproca, ou não ter sido a entidade chamada para integrar a relação processual, no caso de o reconhecimento ter sido judicial.”

Ao exemplo referido no voto vencido, pode-se acrescentar o do ci-dadão que foi filiado ao RGPS e, atualmente, está vinculado a regime próprio de um município qualquer, porém sem tempo para se inativar e que não pretende utilizar, no momento, a certidão, mas quer obtê-la, e o INSS se nega a fornecê-la. Na respectiva ação judicial haverá a ne-cessidade de intervenção do município, como litisconsorte? Parece-me que não, porquanto, como referido no voto vencido, o litisconsórcio não pode restar caracterizado por situação condicional ou dependente de circunstância futura e aleatória. E, se chamado o município como litisconsorte e for a certidão expedida por determinação judicial, porém, posteriormente, por ocasião da aposentadoria, o cidadão estiver vinculado a regime de previdência de um outro município, ou de um estado-membro ou da própria União, qual a utilidade de ter sido chamado no processo judicial o município ao qual estava primitivamente vinculado? Nenhuma.

Page 347: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 347

Caberá, na hipótese, como apontado pelo voto vencido, ao ente ao qual estiver vinculado o segurado apreciar a certidão, no que toca ao tempo especial, da maneira que lhe aprouver.

Assim, por entender que o direito à obtenção de certidão que especi-fique a situação dos autores junto ao INSS independe de qualquer con-dicionante, sendo um direito autônomo e que decorre da relação jurídica existente exclusivamente entre ambos, afigurando-se irrelevante o fato de serem, atualmente, servidores públicos vinculados a essa ou aquela instituição pública, ou mesmo de não serem segurados de qualquer re-gime de previdência, inexiste fundamento para se impor a formação do litisconsórcio passivo necessário na primeira hipótese.

Ante o exposto, com a devida vênia dos que entendem de maneira diversa, dou provimento aos embargos para que prevaleça, no ponto, o voto vencido.

RETIFICAÇÃO DE VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Malgrado tivesse na primeira sessão em que se iniciou este julgamento adiantado voto acompanhando o relator, porquanto convicto de que a pretensão inicial não se limitava à mera expedição da CTS com tempo majorado pela conversão, e isso em face dos fundamentos expendidos pelo voto vencedor na Turma reproduzidos por Sua Excelência, após ouvir a divergência inaugurada pelo Desembargador Federal Otávio Roberto Pamplona, dando conta da ausência desse plus no pedido vestibular, resolvi examinar os autos, uma vez ausente sua revisão (fl. 400), à conta de que, em princípio, tratar-se-ia apenas de questão predominantemente de direito.

Hoje, trago voto-vista alinhando-me à dissidência, tendo em vista parecer-me faltar razão jurídica para a formação de litisconsórcio neces-sário, com a conseqüente anulação do feito, já que o antevisto proveito tirado pelos embargantes em face do ente público, ainda que factível, por ora faz parte do terreno da conjectura.

No ponto, esclarece a exordial. (fl. 07)“Frise-se: o objeto da presente controvérsia restringe-se tão somente ao direito

dos Autores às certidões de tempo de serviço insalubre convertido, exercido em diferentes cargos junto à Universidade Federal de Santa Maria, nos períodos ali

Page 348: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006348

especificados.”

Rememorando o dissídio, permito-me transcrever excerto do voto vencido na origem, da lavra do Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira:

“Peço vênia para divergir do eminente relator no que toca à preliminar. Penso que se a ação é direcionada contra o INSS a discussão deve se limitar à

questão eminentemente ligada ao Regime Geral de Previdência Social. Já quanto à possibilidade de utilização ou não do tempo especial celetista para a obtenção de aposentadoria junto ao Regime Próprio de Previdência dos servidores, trata-se de matéria que somente pode ser discutida, se for o caso (até porque pressupõe o prévio requerimento administrativo), em ação direcionada contra a entidade à qual vinculado o servidor, por ostentar índole administrativa.

A verdade é que deve ser estabelecida uma distinção, uma vez que, em rigor, duas lides em tese se fazem presentes quando o servidor pretende averbar tempo especial sob regime celetista para efeito de obtenção de benefício estatutário: (I) uma entre o antigo segurado e o INSS, para que este reconheça o tempo de atividade anterior à conversão do regime como especial, à luz, obviamente, da legislação do Regime Geral de Previdência Social; (II) outra entre o servidor e a entidade à qual ele está vinculado profissionalmente, para que o tempo especial de serviço celetista eventualmente reconhecido junto ao INSS seja averbado, no regime estatutário, com contagem privilegiada.

Parece-me, outrossim, que não se pode afirmar a caracterização, in casu, de litis-consórcio passivo necessário. Litisconsórcio passivo necessário há quando uma mesma lide tenha que ser decidida de modo uniforme para todas as partes, seja por disposição de lei, seja pela natureza da relação jurídica (art. 47 do CPC).

No caso em apreço a eventual integração da pessoa jurídica à qual vinculado o servidor seria decorrência de uma lide diversa daquela que há entre ele e o INSS, como acima explicitado. Quanto à relação jurídica na qual se debate sobre a especialidade do tempo postulado e o direito à expedição de certidão, constata-se que o litígio se dá exclusivamente entre o segurado e o INSS.

É diferente a situação na qual há litisconsórcio necessário – uma vez que todas as pessoas que vão sentir os efeitos de uma decisão acerca de uma mesma lide – da situação na qual a parte autora eventualmente dirige duas pretensões contra uma determinada pessoa, sendo que para uma delas a demandada não tem legitimidade passiva. Nesta segunda hipótese, não se cogita de aplicação do artigo 47 do CPC, mas tão-somente de reconhecimento da ilegitimidade ou, sob outro enfoque, da impossibilidade de tal questão ser decidida no processo, por força dos limites subjetivos da coisa julgada.

A verdade é que estabelecida a premissa de que dois litígios e, por conseqüência, dois pedidos, com respectivas causas de pedir, estão subjacentes no objetivo final de obter averbação de tempo especial celetista no regime estatutário, a hipótese jamais

Page 349: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 349

pode ser tratada como de litisconsórcio. Haverá, em verdade, cúmulo objetivo e, por expressa disposição legal, a cumulação de pedidos, em um único processo, é permi-tida contra o mesmo réu (art. 292 do CPC). Friso: a cumulação de pedidos somente é possível, num único processo, se o réu foi o mesmo. O cúmulo objetivo não pode ter o efeito de criar hipótese de cumulação subjetiva (ativa ou passiva) não autorizada pela lei processual, e, no caso dos autos, tal possibilidade não encontra apoio no artigo 46 do CPC. Com efeito, não existe comunhão de direitos quanto à Universidade Federal de Santa Maria em relação ao INSS. Ademais, os direitos e obrigações não derivam de fundamento idêntico ou muito menos se cogita de conexão pelo objeto ou pela causa de pedir (art. 103 do CPC), pois eles são manifestamente diversos.

Não fosse isso, calha observar que o litisconsórcio necessário não pode ser carac-terizado por situação condicional ou dependente de circunstância futura e aleatória. A aposentadoria às expensas da pessoa de direito público à qual vinculado o servidor atualmente é apenas uma possibilidade, ainda que factível. Note-se que podemos nos deparar com a situação de um segurado que, ligado ao regime geral, obtém uma certidão com o reconhecimento do tempo especial, seja administrativa, seja judicialmente. Se posteriormente ele prestar concurso público, obviamente que tal tempo poderá ser aver-bado junto à entidade, incumbindo a ela, de qualquer sorte, apreciar a certidão, no que toca ao tempo especial, da maneira que lhe aprouver. E será absolutamente irrelevante o fato de o INSS, anteriormente, não ter analisado a questão sob a ótica da contagem recíproca, ou não ter sido a entidade chamada para integrar a relação processual, no caso de o reconhecimento ter sido judicial.

Por fim, observo que, ainda que se admitisse a possibilidade de litisconsórcio passivo no caso em foco, ele somente poderia ser qualificado como facultativo. Nesta hipótese, o cúmulo subjetivo ficaria a critério do demandante e ele, como se vê, optou por opor a ação somente contra o INSS.

Ante o exposto, com a devida vênia do eminente Relator, não vejo razão para que seja citada a Universidade Federal de Santa Maria.”

Transcrevo, ainda, parte do voto vencedor na Turma, subscrito pelo relator, Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz:

“Consoante relatado, cuida-se de ação declaratória na qual os autores, servidores públicos, pretendem compelir o INSS à emissão de Certidão de Tempo de Serviço, com a conversão das atividades especiais exercidas no RGPS, para fins de contagem recíproca.

Em casos como o dos autos, vinha entendendo que caberia exclusivamente ao INSS figurar no pólo passivo da lide, inexistindo necessidade de intervenção da entidade à qual estivesse o servidor vinculado.

Analisando melhor a questão, percebo a existência de interesse direto da Admi-nistração Pública no resultado da lide, uma vez que lhe caberá recepcionar, ou não, a Certidão de Tempo de Serviço expedida pelo INSS.

Page 350: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006350

Da mesma forma, é evidente a pretensão dos autores de fazer uso desta certidão, eis que ninguém litiga visando provimento jurisdicional que não gere efeitos concretos, seja no mundo fático, seja no mundo jurídico, ou mesmo em ambos.

Não se alegue que o interesse da entidade em que será utilizada a certidão somente nasceria com eventual pedido de aposentadoria ou averbação.

No presente caso, não se está pura e simplesmente postulando uma certidão sobre fato, mas sim e principalmente a certificação com o afastamento dos óbices legais contidos na Lei nº 8.112/90, que disciplina o regime jurídico dos servidores públicos, com o propósito de averbação ou aposentadoria. Assim que nenhuma eficácia teria a emissão de uma certidão com ressalva de validade apenas no RGPS. Esta certidão constituiria um ‘nada’, porquanto, desprovida de eficácia em relação à entidade pública ausente na lide, não estaria a constituir prestação jurisdicional efetiva, mas sim a sua negação.

In casu, tal pretensão é ainda mais evidente, porquanto os autores requerem, ex-pressamente, a condenação da Autarquia na indenização dos prejuízos que tiverem em suas aposentadorias e pensões pelo atraso no fornecimento da Certidão de Tempo de Serviço (fl.20).

Nestas condições, resta clara a necessidade de estabelecimento de litisconsórcio passivo necessário, figurando no pólo passivo da lide o INSS e a Universidade Federal de Santa Maria (entidade ao qual os autores estão vinculados) para a adequada e eficaz prestação jurisdicional.

Sobre o litisconsórcio necessário, assim estabelece o art. 47 do CPC:‘Art. 47. Há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza

da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo’.

Ante o exposto, voto por anular de ofício a sentença, determinando a remessa dos autos à origem para a promoção da citação da Universidade Federal de Santa Maria, julgando prejudicados o apelo e a remessa oficial.

É o voto.”

Dos trechos acima citados, constata-se que a dissidência naquele Colegiado limitou-se à obrigatoriedade, ou não, de estabelecimento de litisconsórcio passivo necessário, figurando no pólo passivo da lide o INSS e a Universidade Federal de Santa Maria.

Conforme visto alhures, cumpre referir que sequer foi postulado o pedido de aposentadoria perante o órgão estatutário (fl. 19):

“No encaminhamento de sua aposentação, os Autores irão requerer junto a Univer-sidade Federal de Santa Maria a soma de seu tempo líquido com o tempo de serviço convertido (objeto do presente feito), mais as licenças prêmios em dobro (6 meses), porque não gozadas, a que fazem jus, conforme artigo 87 do RJU, e outras vantagens

Page 351: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 351

adicionais. (grifei)(...)Frise-se que em caso deste Juízo entender como cabível a expedição imediata das

certidões pelo Réu, terão ainda os Autores de ajuizar outra ação judicial com vistas a obter o direito a averbação propriamente dita junto ao órgão empregador. (...)”

Logo, mesmo que se considerasse a possibilidade de também fi-gurar a UFSM no pólo passivo da demanda, não se pode olvidar que tal intervenção no processo dar-se-ia somente de modo circunstancial (os embargantes encontram-se hoje vinculados àquela), quadro fático esse que, amanhã, eventualmente, poderá alterar-se, v.g., caso venham os autores a ter êxito em certame que lhes altere a fonte pagadora, mas – e isso é o essencial – não porque a relação jurídica entre ambos seja comum ou, em outras palavras, os dois (INSS e UFSM) devam ser réus neste processo.

Ora, presente esse quadro de incerteza, conflita com a indispensável efetividade do processo anulá-lo ante a não-participação do ente público no feito, sabendo-se que o seu interesse, presente os termos em que foi deduzido o requerimento preambular, é apenas reflexo, o que autoriza sua entrada não como litisconsorte necessário.

Com efeito, essa última figura processual, de sua vez, reclamaria para sua configuração que contra o titular do direito fosse exigida uma prestação direta e efetiva, que afetasse a sua esfera jurídica, o que, como já salientado, não fez parte do pedido.

Nesse sentido:“(...) No que pese a autoridade dos julgados retrotranscritos, importa advertir que

o simples fato de a sentença ter a potencialidade de exercer a influência na situação jurídica de determinada pessoa não ensejará forçosamente seu ingresso como litiscon-sorte indispensável no âmbito da relação processual.

Bem o salientaram Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery: ‘Toda vez que se vislumbrar a possibilidade de a sentença atingir, diretamente, a esfera jurídica de outrem, a menos que a lei estabeleça a facultatividade litisconsorcial (v.g. CC, 1314, caput) deve ser este citado como litisconsorte necessário, a fim de que possa se defen-der em juízo. Neste sentido: STF-RT 594/248. Exemplo disso é o MS impetrado por concursado, objetivando nomeação em detrimento dos candidatos classificados à sua frente. Estes terão de ser citados necessariamente para integrarem o pólo passivo da ação de segurança. Se a sentença tiver potencialidade para atingir reflexamente direito de outrem, este poderá ingressar no processo como assistente simples (CPC 50), mas não será litisconsorte necessário’.

Page 352: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006352

Assim sendo, nada obsta a que os efeitos constitutivos da sentença venham a se operar ultra partes, atingindo de modo reflexo a esfera jurídica de outrem, mas sem que este tenha de ser citado como litisconsorte necessário.

Exemplificando: o sublocatário não é litisconsorte passivo necessário na ação de despejo proposta pelo locador contra o inquilino para retomada do imóvel, de vez que, conquanto possa vir a sofrer prejuízo de fato, sua esfera jurídica não será diretamente atingida pelos efeitos do decisum. Entretanto, nada impede que ele venha a intervir no processo na condição de assistente simples, mesmo porque a própria lei inquilinária confere-lhe expressamente a potestade em referência. (...)” (GODOY, Mario Henrique Holanda. Doutrina e Prática do Litisconsórcio. 1. ed. 2003, p. 157/158)

Outrossim, a jurisprudência dos órgãos fracionários desta Seção tem avalizado o entendimento de ser despicienda a formação do litisconsórcio necessário quando há pedido perante o INSS de emissão de certidão de tempo de serviço, in verbis:

“PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. PERÍODO ANTERIOR AO INGRESSO EM REGIME PRÓPRIO (ESTATUTÁRIO). CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. LEGITIMIDADE PASSIVA. REQUISITOS PARA O RECONHECIMENTO DA ESPECIALIDADE. LEI 8.213/91. DECRETOS 53.831/64 E 83.080/79.

1. Em se tratando de ação proposta contra o INSS, por servidor público submetido a regime próprio (estatutário), para postular o reconhecimento da especialidade de serviço prestado sob a égide do Regime Geral de Previdência Social, não se cogita de litisconsórcio passivo entre a referida autarquia federal e a pessoa jurídica de direito público à qual vinculado o servidor.(...)” (AMS 2003.70.09.001452-5/PR, 5ª T., Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJU 10.12.2003, grifei)

“PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. PERÍODO ANTERIOR AO INGRESSO NO REGIME ESTATUTÁRIO. LITISCON-SÓRCIO NECESSÁRIO NÃO-CARACTERIZADO.

Em se tratando de ação proposta contra o INSS por servidor público submetido ao regime estatutário visando ao reconhecimento da especialidade de serviço prestado sob a égide do Regime Geral de Previdência Social, não se cogita de litisconsórcio passivo entre a autarquia federal e a pessoa jurídica de direito público a que vinculado o servidor. Precedentes.” (AI 2004.04.01.007174-4/PR, 6ª T., Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU 23.11.2005, grifei)

Finalmente, dois outros aspectos, mas não menos importantes, de-vem ser abordados: primeiro, que o pleito de indenização alusivo aos prejuízos sofridos pelos embargantes com a não-expedição da CTS e a conseqüente não-fruição de vantagens perante a UFSM foi rejeitado em

Page 353: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 353

primeiro grau, pelo que seu reexame escapa a esta Instância; segundo, que a compensação financeira lembrada pelo voto-vista do Desembar-gador Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira como pressuposto do reconhecimento do interesse jurídico daquele ente e, nessa extensão, da uniformidade do provimento jurisdicional, data venia não perfaz razão suficiente para tanto, certo que a referida despesa, neste momento, como já tantas vezes visto, é hipotética.

A propósito:“PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE

CAMBIAL - LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO - INEXISTÊNCIA.I - Inexiste litisconsórcio passivo necessário se a decisão não tiver que ser unitária

para os réus e ausente comunhão de interesses entre eles.II - Recurso não conhecido.” (STJ, REsp 201685/ES, 3ª T., Rel. Min. Waldemar

Zveiter, DJU 09.04.2001)

Nessas condições, pedindo vênia ao Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, retifico meu voto proferido na primeira sessão em que se iniciou este julgamento para dar provimento aos embargos infringentes.

É o voto.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2004.70.02.000361-0/PR

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia GoraiebRelator p/acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo

Thompson Flores Lenz

Apelante: União Federal

Page 354: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006354

Advogado: Dr. Luís Henrique Martins dos AnjosApelante: Paulo Biskup de Aquino

Advogado: Drs. Claudia Symone Dias Roland e outroApelante: Ministério Público Federal

Apelados: (os mesmos)Remetente: Juízo Substituto da 1ª VF e JEF Cível de Foz do Iguaçu

EMENTA

Administrativo. Processo Civil. Interceptação telefônica. Ação penal. Crime contra a administração pública. Uso de prova emprestada em processo disciplinar. Autorização judicial. Precedentes do STJ.

1. No que tange à legitimidade das provas, cediço que a Constituição da República prevê que interceptação de comunicações telefônicas e conseqüente quebra de sigilo só podem ser autorizadas mediante ordem judicial quando tiver por finalidade investigação criminal ou instrução processual penal. É norma expressa do artigo 5°, inciso XII, da CF/88. Foi exatamente o que ocorreu neste caso, em que o juízo criminal tanto autorizou a escuta telefônica e seu uso para embasar ação penal pública quanto o fornecimento de informações dela decorrentes para instrução de procedimento administrativo-disciplinar. A utilização desses dados, obtidos de forma lícita e legítima com a quebra do sigilo na investigação criminal, em ação penal em que é réu agente público alvo de procedi-mento também na seara administrativa não se reveste de vício algum de inconstitucionalidade ou ilegalidade. Não há regra, constitucional ou infraconstitucional, que proíba a utilização de elementos coletados de forma legítima na interceptação como prova emprestada na esfera administrativa. O sigilo – que se objetiva proteger – já fora quebrado, lícita e legalmente, na persecução criminal.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, recentemente reconheceu que a interceptação telefônica pode ser utilizada em processo disciplinar, bastando apenas que tenha sido requerida nos termos da Lei nº 9.296/96 em anterior investigação criminal, neste lapidar aresto:

“MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA. POLICIAIS RODOVIÁRIOS FEDERAIS. DEMISSÃO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. INDEPEN-DÊNCIA DAS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. ATO DE

Page 355: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 355

COMPETÊNCIA DO MINISTRO DE ESTADO. DELEGAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. POSSIBILIDADE. MATERIALI-DADE. REVOLVIMENTO DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. DILI-GÊNCIA. NEGATIVA FUNDAMENTADA. ART. 156, § 1°, DA LEI Nº 8.112/90. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. REQUERIMENTO NOS TERMOS LEGAIS – PROCEDIMENTO CRIMINAL. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. É absolutamente pacífico o entendimento, tanto doutrinário quanto juris-prudencial, de que as esferas penal e administrativa são independentes. Possibilidade de o Presidente da República delegar aos Ministros de Estado a competência para demitir servidores de seus respectivos quadros – parágrafo único do art. 84, CF. A alegada ausência de materialidade importa em revolvimento de provas, o que é inviável nessa via sumária. O indeferimento das diligências requeridas pelos impetrantes foi devi-damente fundamentado, respeitando-se, dessa forma, o disposto no art. 156, § 1°, da Lei nº 8.112/90. A interceptação telefônica foi requerida nos exatos termos da Lei nº 9.296/96, uma vez que os impetrantes também respondem a processo criminal. Ordem denegada.’ (gizado).” (STJ, 3ª T., MS 7024/DF, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 28.03.01, DJ 04.06.01, p. 58, REPDJ 11.06.01, p. 90)

Também nesse diapasão julgou o TRF da 3ª Região:“HABEAS CORPUS COM OBJETIVO DE TRANCAR AÇÃO

PENAL. ART. 1°, INC. I, DA LEI 8.137/90. AFASTADA A INÉPCIA DA DENÚNCIA. O TÉRMINO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO--TRIBUTÁRIO NÃO É CONDIÇÃO PARA A AÇÃO PENAL. DESCA-BIDA A EXIGÊNCIA DE PRÉVIA PERÍCIA. ADMITE-SE A PROVA EMPRESTADA SE OBSERVADOS O PRINCÍPIO DO CONTRADI-TÓRIO E DEVIDO PROCESSO LEGAL. ENTREGA DE EXTRATOS BANCÁRIOS PELO PACIENTE. NÃO COMPROVADA A QUEBRA ILEGAL DE SIGILO. ORDEM DENEGADA.

Afasta-se a alegação de inépcia da denúncia, porquanto atende aos requisitos do art. 41 do CPP. Os impetrantes apegam-se ao fato de a paciente ter figurado como dependente na Declaração de Imposto de Renda de um dos acusados, na qualidade de esposa, que, no entender dos advogados, impossibilita a conduta omissiva descrita no art. 1°, inc. I, da Lei 8.137/90. Entretanto, a circunstância apontada não afeta a higi-

Page 356: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006356

dez formal da inicial acusatória. A paciente deve se defender dos fatos descritos na exordial acusatória e não da capitulação feita pelo órgão ministerial. A acusação é clara e possibilita a defesa.

A ausência de liame subjetivo entre os pacientes é matéria a ser objeto de prova durante a instrução criminal, porquanto a dilação probatória é incabível na via estreita do writ. Ademais, para o oferecimento da denúncia bastam indícios suficientes da autoria.

O término do processo administrativo-tributário não constitui condição de procedibilidade da ação penal, assim como decisão administrativa al-guma vincula o Poder Judiciário, porque há independência das instâncias. De outro lado, é atribuição do Ministério Público formar a opinio delicti para acusar publicamente. A CF, no seu art. 127, § 1º, apresenta como princípio institucional do Ministério Público a independência funcional, da qual se desdobra o entendimento de que seus membros não estão atrelados aos atos, decisões ou posicionamentos de quaisquer órgãos do Poder Executivo. Assim, também se deduz do art. 129, inc. I, da Lei Maior, que prevê ser privativo do Parquet promover a ação penal públi-ca, elaborar seu juízo acusatório sobre fatos criminosos e seus agentes.

O art. 34 da Lei 9.249/95 previu a extinção da punibilidade pelo paga-mento integral do tributo e acessórios antes do recebimento da denúncia, mas não criou hipótese impeditiva de sua aceitação pelo juízo.

Descabida a invocação da inexistência de exame pericial a impedir o recebimento da denúncia. Os arts. 158, 525 e 564, inciso II, alínea b, do CPP devem ser interpretados à luz da Constituição Federal, que veda somente as provas obtidas por meios ilícitos. A imposição da perícia como única prova aceita para delicta facti permanentis infringe o princípio da liberdade probatória e do livre convencimento motivado do juiz. A exigência é enfraquecida se o corpo de delito acompanha a inicial. Os documentos fiscais são os vestígios deixados na prática delituosa e podem ser apreciados de forma livre pelos magistrados.

Em relação às cópias de peças do procedimento administrativo que acompanham a denúncia, não há qualquer ilicitude. Admite-se a prova emprestada de outra ação penal para a condenação, se observados o princípio do contraditório e o devido processo legal.

Quanto à alegação de quebra ilegal do sigilo bancário, não tem arrimo em qualquer documentação constante dos autos. Não há elementos que

Page 357: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 357

permitam concluir que a autoridade fazendária a tenha decretado. O fato não pode ser inferido da entrega dos extratos feita pelo próprio paciente.

Ordem denegada.” (TRF3, HC 200203000489159, 5ª T., julg. em 11.02.2003, DJU 11.03.2003)

Respeitados, portanto, os pressupostos estabelecidos constitucional e legalmente para a interceptação telefônica, mormente alvará judicial em anterior investigação criminal e em regular instrução processual penal, não se pode constituir em intransponível óbice, a acoitar agentes públicos que se voltam contra o próprio desiderato institucional e lesam a sociedade a que deveriam servir, o uso também autorizado pelo juízo competente, de prova lícita e legítima colhida na persecutio criminis es-tatal, como prova emprestada, acerca de fatos criminosos que constituem a vida pública de servidor público federal.

2. Provimento da apelação da União, da remessa oficial e da apelação do MPF, negando-se provimento ao apelo do impetrante.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencida a Desa. Federal Silvia Goraieb, dar provimento à apelação da União, à remessa oficial e ao apelo do MPF e negar pro-vimento ao apelo do impetrante, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 16 de janeiro de 2006.Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator p/

acórdão.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Goraieb: Trata-se de mandado de segurança com pedido de liminar, contra ato da Comissão de Processo Administrativo Disciplinar, nos autos do processo nº 006/2003, Superin-tendência Regional da Polícia Federal no Paraná, que visa a determinar o arquivamento do processo administrativo em questão, em virtude da utilização de provas não autorizadas na esfera administrativa. Alterna-tivamente postula a suspensão da sindicância até o trânsito em julgado da ação penal de objeto semelhante.

Page 358: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006358

Sustenta o impetrante que a Comissão nomeada solicitou e recebeu, em diversas oportunidades, do MM. Juízo da 1ª Vara Criminal de Foz de Iguaçu, cópias de provas autorizadas e produzidas somente em prol da instrução judicial, entre estas, documentação referente a gravações de interceptações telefônicas, em processo que trata de denúncia ofe-recida contra si.

Alega, em síntese, que a utilização de tais gravações pela autoridade sindicante representa violação aos direitos e garantias insertos nos incisos X, XII, XXXIV, alínea a, XXXV, LV, LVI, LVII, LX e LXIX do art. 5º da Constituição Federal.

Deferida a medida liminar, sobreveio sentença de procedência, con-cedendo a segurança, nos seguintes termos:

“Diante do exposto, confirmo a liminar e concedo parcialmente a segurança, para manter a decisão que determinou a retirada, dos autos do processo administrativo dis-ciplinar nº 006/03, das cópias contendo informações obtidas por meio de interceptações de comunicações telefônicas.

Custas pela União. Honorários advocatícios incabíveis.Sentença sujeita à remessa oficial.”

Apela a União, argüindo, preliminarmente, a ilegitimidade passiva ad causam, tendo em vista que, no seu entender, deveria ser atacado o ato do MM. Juízo criminal que disponibilizou tais provas. No mérito, postulou a reforma da sentença com a denegação da segurança.

Recorreu o autor propugnando pela reforma da sentença, repisando os argumentos da impetração, a fim de que seja determinado o arquivamento do processo administrativo disciplinar ou a sua suspensão até o trânsito em julgado da ação penal correspondente.

Recorre, ainda, o Ministério Público, pela decretação de nulidade da sentença, haja vista a falta de condição da ação por ilegitimidade passi-va da comissão disciplinar, nos mesmos termos expendidos pela União Federal; no mérito, pela denegação da segurança.

O Ministério Público Federal, já na condição de custus legis, opina pelo provimento da remessa oficial e da apelação da União e pelo im-provimento do recurso do impetrante.

Com contra-razões, vieram os autos conclusos.É o relatório.

Page 359: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 359

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Goraieb:

Preliminarmente

Da legitimidade passiva da Comissão de Sindicância Alegam a União Federal e o órgão Ministerial que o impetrante

deveria ter direcionado a ação mandamental contra o ato do MM. Juízo da 1ª Vara Criminal de Foz do Iguaçu/PR, vez que este é que disponibilizou as provas colhidas por meio de escutas telefônicas, que instruíam a ação penal.

De fato, tramitando a Ação Penal nº 2002.70.02.001463-9 em segredo de justiça, como aliás alertado pela MM. julgadora, é defeso o forneci-mento de cópias e quaisquer outras informações, provas ou depoimentos para outros fins que não do interesse do juízo criminal.

No entanto, percebe-se que se trata de dois atos distintos, cada qual dentro de uma esfera de competência autônoma, carecendo, por isso, de análise em separado.

Há que se ter presente que o mandado de segurança deve ser ma-nejado contra a autoridade cujo ato reúna condições potenciais de causar prejuízo ao impetrante. Assim, descabido afirmar que o ato do juiz deve ser atacado, já que nenhuma mácula resultaria ao processo administrativo disciplinar se, porventura ilegítimas as provas para fins de utilização em outra esfera, estas não viessem a ser utilizadas pela comissão sindicante.

Este, aliás, é o momento último, recaindo sobre a comissão atacada o arbítrio de utilizar-se ou não das provas oferecidas pelo Juízo crimi-nal, de maneira que deve integrar o pólo passivo da ação mandamental a autoridade que tem competência de afastar o ato impugnado. Nesse sentido, veja-se entendimento desta Corte em situações análogas:

“TRIBUTÁRIO. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REFIS. AUTORIDADE COATORA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO DELEGADO DA RECEITA FEDERAL.

1. Autoridade que não tem competência para sustar a execução do ato impugnado não pode figurar no pólo passivo do mandado de segurança.

2. O Delegado da Receita Federal não possui atribuições relativas à operacio-nalização ou aplicação de penalidades pelo descumprimento das regras do REFIS.

Page 360: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006360

3. Apelo improvido.” (TRF4, AMS 2002.72.03.000628-7/SC, 1ª T., Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, maioria, DJU 22.10.2003, p. 339) Grifei

“ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS. AUDITORES FISCAIS DO TRABALHO.SUPRESSÃO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE CONCEDIDO COM BASE EM LAUDO TÉCNICO. INOBSERVÂNCIA DE PROCESSO ADMI-NISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. LEGITIMI-DADE PASSIVA. AUTORIDADE COATORA.

1. Autoridade coatora, para fins de mandado de segurança, é quem detém atribui-ção para a prática e para o desfazimento do ato impugnado. A decisão do Tribunal de Contas da União dirigida especificamente à determinada Delegacia Regional do Trabalho não é vinculante para as demais.

2. O ato de supressão de parcela dos vencimentos, ainda quando legítimo, requer prévio procedimento administrativo, no qual seja assegurado o contraditório e a ampla defesa ao servidor.

3. Apelação e remessa oficial improvidas.” (TRF4, AMS 2001.71.00.016899-0, 3ª T., Rel. Juíza Federal Maria Helena Rau de Souza, unânime, DJU 22.09.2004, p. 497) Grifei

Nesse compasso, é patente que, in casu, o ato que deve ser atacado pelo impetrante, por julgar-lhe potencialmente prejudicial, é a utilização nos autos do processo administrativo disciplinar das provas emprestadas da ação penal correspondente. Ademais, se resta alguma irregularidade no ato do MM. Juízo da ação criminal, tal apuração deve-se dar naquela esfera, restringindo-se àquela demanda os efeitos danosos do ato.

Pelo exposto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva.

Do mérito A comissão do Processo Administrativo-Disciplinar nº 006/2003

solicitou ao MM. Juízo Federal da 1ª Vara Federal Criminal de Foz do Iguaçu/PR cópias da denúncia e aditamentos dos interrogatórios que instruíram a Ação Penal nº 2003.70.02.001463-9, estendendo posterior-mente seu pedido para outras ações penais de mesmo objeto que tramitam naquele juízo. (fls. 28 e 35)

O pleito foi atendido e a feitura de cópias dos documentos de interesse da comissão foi autorizada, destacando o despacho permissivo que os documentos encontravam-se protegidos por segredo de justiça. Verifica--se, inclusive, que o ato judicial reserva espaço especial para destacar que as escutas telefônicas, autorizadas somente para fins de instrução de ação penal, não se prestavam à utilização na esfera administrativa.

Page 361: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 361

Ocorre que, em momento outro, o mesmo Juízo indeferiu pedido semelhante do Ministério Público Federal que pretendia, a despeito do caráter protegido das provas, utilizá-las para promoção de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, bem como para instrução de processo administrativo-disciplinar.

Contra essa decisão, o parquet impetrou Mandado de Segurança originário nº 2003.04.01.020230-5/PR, no qual a questão foi brilhan-temente analisada em voto conduzido pelo E. Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro, o qual peço vênia para transcrever:

“Ao apreciar a medida de urgência proferi decisão exarada nos seguintes termos (fls. 106/108):

‘Com efeito, a CF/88 no art. 5º, inciso XII, dispõe expressamente que as inter-ceptações telefônicas serão autorizadas para fins de investigação criminal e instrução processual penal, verbis: ‘É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal’. Da mesma forma, está escrito na Lei nº 9.296/96: Art. 1º. ‘A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça’. Art. 8º. ‘A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas’. Art. 10. ‘Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei’. A par disso, doutrina abalizada entende não ser possível a utilização do conteúdo das interceptações telefônicas em procedimento diverso daquele para o qual foi autorizada, ainda que penal, uma vez que a regra é o sigilo das comunicações (proteção à intimidade) como direito individual. Dentre outros, essa é a inteligência de Vicente Greco Filho, Luiz Francisco Torquato Avolio, Antônio Magalhães Gomes Filho e Luiz Flávio Gomes. A propósito, confira-se o pensamento deste último jurista: ‘Em conclusão, a prova colhida por interceptação telefônica no âmbito penal não pode ser ‘emprestada’ (ou utilizada) para qualquer outro processo vinculado a outros ramos do direito. O Min. Luiz V. Cernicchiaro vai mais longe: é uma prova imprestável para qualquer outro inquérito ou processo. Urge o respeito à vontade do constituinte (‘fins criminais’). Ao permitir a interceptação, como quebra que é do sigilo das comunicações, somente para ‘fins criminais’, já fazia uso da ponderação e da proporcionalidade, que agora não pode ser ampliada na prática. Impõe-se, por último, acrescentar: essa prova criminal deve permanecer em ‘segredo de Justiça’. É inconciliável o empréstimo de prova com o segredo de justiça assegurado no art. 1º’ (In: Interceptações Telefônicas,

Page 362: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006362

RT, 1997). Nesse contexto, como não se evidencia, de plano, a procedência da tese sus-tentada na inicial, resta prematuro – sem análise da quaestio pela Turma – o deferimento da medida de urgência. Ademais, o acatamento do pedido nesta quadra preambular, nos termos requeridos, tornaria satisfativa a medida pleiteada, o que levaria à inocuidade qualquer manifestação posterior por parte do Colegiado’.

Complementando esse decisum, cumpre frisar inexistir previsão legal acerca da utilização das interceptações além da esfera penal. Ademais, tratando-se o art. 5º, XII, da CF/88 de exceção à regra do segredo das comunicações (proteção à intimidade), há que ser interpretado restritivamente, sob pena de violação não autorizada à garantia individual.

A propósito, vejam-se os ensinamentos de Carlos Maximiliano em Hermenêutica e Aplicação do Direito, verbis:

‘(...) hoje as palavras extensiva e restritiva, ou, melhor, estrita, não mais indicam o critério fundamental da exegese, nem se referem a processos aconselháveis para des-cobrir o sentido e alcance de um preceito; exprimem o efeito conseguido, o resultado a que chegará o investigador empenhado em atingir o conteúdo verdadeiro e integral da norma (...). Em regra, é estrita a interpretação das leis excepcionais, das fiscais e das punitivas (...).’ (págs. 198 e 205).

Luiz Francisco Torquato Avolio (In: Provas Ilícitas - interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2. ed. RT, São Paulo, 1999) salienta que a utilização do resultado probatório em outro processo, além da esfera penal, tornaria igualmente sem sentido a previsão da necessidade de provimento motivado pelo juiz, o qual se traduziria numa espécie de ‘autorização em branco’. O citado doutrinador assevera:

‘A interceptação, ainda que autorizada judicialmente, limita-se à investigação criminal e instrução processual penal, nos casos e na forma que a lei atualmente disciplina (art. 5º, XII, da CF)’.

A propósito, a Desa. Federal Tania Terezinha Cardoso Escobar, em artigo publicado sobre o tema (Revista TRF - 4ª Região, a. 7, n. 25, p. 173/190), ponderou:

‘Observo, ainda, que em momento algum permite a lei utilização do resultado das diligências em outro processo, ou seja, só pode ser utilizada como prova no processo penal para o qual foi colhida’.

Luiz Flávio Gomes, com a costumeira autoridade, leciona no mesmo sentido. Veja-se:

‘O meio probatório que resulta da interceptação, entretanto, não pode ser utilizado em qualquer procedimento ou processo. A Lei 9.296/96, repetindo o texto constitu-cional, delimitou o uso desse meio probatório, que só vale para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. É discutível sua validade para fins outros, ainda que criminais. (...) No nosso ius positium, em suma, só se admite interceptação pós-delitual. E a finalidade última dessa medida cautelar tem que ser a investigação criminal (ou instrução penal). Não é possível, conseqüentemente, interceptação para fins civis, comerciais, industriais, administrativos, políticos, etc. Nem sequer para

Page 363: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 363

investigação que envolva direitos difusos (coletivos). Não cabe interceptação em ação civil pública, ação de enriquecimento ilícito, etc. E poderia a prova obtida dentro de uma investigação criminal ou instrução penal ser utilizada em outro processo (civil, administrativo, constitucional, etc.)? Pode haver prova emprestada nessa hipótese? Nelson Nery Junior responde afirmativamente. Nosso pensamento, no entanto, é diver-gente. O legislador constitucional ao delimitar a interceptação telefônica (criminal) já estava ponderando valores, sopesando interesses. Nisso reside também o princípio da proporcionalidade. Segundo a imagem do legislador, justifica-se sacrificar o direito à intimidade para uma investigação ou processo criminal, não civil. Isso tem por base valores envolvidos num e noutro processo. Não se pode esquecer que a proporcionali-dade está presente (deve estar, ao menos) na atividade do legislador (feitura da lei), do Juiz (determinação da medida) e do executor (que não pode abusar). Estando em jogo liberdades constitucionais (direito ao sigilo das comunicações frente a outros direitos ou interesses), procurou o constituinte, desde logo, demarcar o âmbito de prevalência de outro interesse (criminal), em detrimento daquele. Mesmo assim, não é qualquer crime que admite a interceptação. Essa escolha, fundada na proporcionalidade, não pode ser desviada na praxe forense’ (In: Interceptações Telefônicas, RT, 1997).

Por fim, peço vênia para transcrever excerto das informações prestadas, onde a MM. Juíza impetrada acertadamente registra que:

‘(...) o preceito constitucional, bem assim a disposição legal, permite tão-só o uso dessa prova na instrução processual penal, inexistindo menção acerca de procedimento administrativo. Desta feita, inexistindo referência à utilização desse elemento de prova no âmbito administrativo, pode-se concluir, a partir da interpretação restritiva, que o constituinte ao tratar dessa invasão na seara dos direitos fundamentais do cidadão o fez de modo excepcional, visando apenas à sua utilização para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Inequivocamente, trata-se de exceção à garan-tia fundamental que não comporta qualquer interpretação extensiva, razão pela qual entendo que o legislador não pretendeu o empréstimo dessa prova para instrução de processo disciplinar, mesmo quando produzida em consonância com as determinações legais. (...) Também não merece guarida a alegação de que se a prova foi produzida de acordo com a legislação pertinente, tratando-se de prova legítima e lícita, poderia ser emprestada para o âmbito administrativo, porquanto dos preceitos constitucionais e legais consta expressamente para quais fins a interceptação telefônica pode ser utilizada, o que, de modo inequívoco, elide a possibilidade de sua utilização na esfera adminis-trativa como prova emprestada. (...) É preciso destacar, nesse passo, que este Juízo, ao indeferir a utilização da prova em comento, apenas o fez em estrita observância ao preceito constitucional aplicável à espécie, utilizando-se, para tanto, do método restritivo de interpretação do texto constitucional insculpido no inciso XII do artigo 5º da Carta Política Brasileira. Na lição de Luís Roberto Barroso, em sua obra Interpretação e Aplicação da Constituição, 2. ed., Ed. Saraiva, 1998, p. 114, ‘nenhuma norma oferece fronteiras tão nítidas que eliminem a dificuldade de determinar se, na espécie, deve-se

Page 364: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006364

passar além ou ficar aquém do que as palavras parecem indicar’. Assim, cumpre ao operador do direito perquirir se o ‘legislador disse mais do queria dizer ou disse menos, quando queria dizer mais. No primeiro, impõe-se uma interpretação restritiva (ou estri-ta), onde a expressão literal da norma precisa ser limitada para exprimir seu verdadeiro sentido’. (ob. cit., p. 114). Segundo o insigne professor e sua respectiva obra outrora citados, ‘a doutrina, de forma casuística, procura catalogar as hipóteses de interpreta-ção restritiva e extensiva. Há certo consenso de que se interpretam restritivamente as normas que instituem as regras gerais, as que estabelecem benefícios, as punitivas em geral e as de natureza fiscal’ (ob. cit. p. 114/115). Feitas essas considerações, impende salientar que a norma estatuída no inciso XII do artigo 5º da Constituição da República de 1988 constitui verdadeira exceção à garantia do sigilo das comunicações telefônicas e, como tal, deve ser interpretada de forma restritiva, na forma expendida no decisório contra o qual pesa esse mandamus. Nesse sentido, é o escólio do Prof. José Afonso da Silva, in verbis: ‘Abriu-se excepcional possibilidade de interceptar comunicações telefônicas, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Vê-se que, mesmo na exceção, a Constituição ordenou regras estritas de garantias, para que não se a use para abusos’ (Curso de Direito Constitucional Positivo. 7. ed. São Paulo, Ed. RT, 1991, págs. 377-78). Assim, partindo da premissa que o constituinte excepcionou a regra insculpida no inciso supramencionado tão-só para admitir a violação do sigilo das comunicações telefônicas, mediante ordem judicial, para fins específicos e expressos – investigação criminal ou investigação processual penal, preferindo não deixar que a lei assim dis-pusesse, a exemplo do que permitiu em relação aos demais elementos que compõem a exceção, como as hipóteses e a forma da quebra desse sigilo, é de se concluir que a utilização emprestada da prova produzida com base nessa exceção, para fins diversos, feriria o preceito constitucional ao passo que representaria, inequivocamente, uma manobra pela qual se estaria desviando a própria exceção estabelecida pela Carta da República, sob o falível argumento do interesse público. Mister ressaltar que a falibilidade desse argumento do i. impetrante, nesse ponto, especificamente, repousa no fato de que a exceção constitucional aludida encontra seus fundamentos justamente no interesse público (ordem pública e persecução criminal) que, diante do princípio da proporcionalidade, sobrepõe-se ao direito individual de intimidade. Então, se o próprio constituinte regrou a exceção à inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, expressamente estabelecendo os únicos fins para os quais poderá ser decretada a quebra desse sigilo, é certo que entendeu que o interesse público somente tem o condão de embasar essas duas finalidades. Em outras palavras, o interesse público só autoriza a violação da regra constitucional para dois fins – investigação criminal ou instrução processual penal. Estender a aplicabilidade da norma em comento, para fazer uso das interceptações telefônicas (ainda que tenham sido autorizadas para os fins previstos na Carta Magna), como prova emprestada em outras searas do direito (que não a penal) sob o mascarado fundamento do interesse público, faria letra morta a própria

Page 365: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 365

exceção constitucional. A utilização da interceptação telefônica para os fins colimados pelo impetrante, na qualidade de prova emprestada, seria a exceção da exceção e, neste sentido, acertado é concluir que, aquilo que excepciona essa regra constitucional, cer-tamente contrai o vício da inconstitucionalidade, o qual esta Juíza, em seu decisório, procurou afastar’ (fls. 120/122).

Assim, considerando a ausência de previsão legal para uso das interceptações telefônicas em procedimento diverso do criminal para o qual foram autorizadas, bem como a impossibilidade de se lançar mão de interpretação extensiva em se tra-tando de restrição ao gozo de garantia individual, devem ser mantidas as decisões de primeiro grau.

Pelo exposto, denego a segurança.”

Para concluir, deve-se acrescentar que a utilização deste tipo de prova no processo administrativo viola os mais comezinhos princípios cons-titucionais, em especial do devido processo legal e da ampla defesa e do contraditório, porque produzidas unilateralmente em procedimento sigiloso, a respeito do qual o sindicado sequer foi comunicado.

Ora, se essa forma de obtenção de provas é admitida no processo penal, como de fato a Carta Política e a lei assim admitem, o mesmo não se pode afirmar quanto aos procedimentos administrativos, que se regem por princípios rígidos, de maneira que desvios dessa espécie acarretam violação grosseira à pedra fundamental do sistema jurídico.

Dessa forma, ainda que represente uma maior dificuldade na apuração dos fatos que conduziram ao ilícito administrativo, não há interesse públi-co ou poder de império que se sustente diante de tão descabida violação aos direitos e garantias constitucionais. Cabe, portanto, ao administrador público zelar pela legalidade de todo o procedimento, só podendo agir nos limites que a lei autoriza, sob pena de frustrar os objetivos da sindi-cância e do processo administrativo disciplinar.

Nesse aspecto, portanto, não merece reparos a sentença recorrida.Do pedido constante na impetração Sustenta o impetrante em suas razões de apelo que seu pedido, ex-

presso no sentido de arquivar a sindicância inquinada ou suspendê-la até o trânsito em julgado da ação penal correspondente, não foi analisado pelo MM. Juízo a quo.

Percebe-se da inicial mandamental que o impetrante postula o arqui-vamento definitivo da sindicância ou, alternativamente, a sua suspensão até o trânsito em julgado da ação penal que tem por objeto a apuração

Page 366: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006366

do delito praticado pelo servidor. Funda a sua pretensão na premissa de que as provas trazidas aos autos maculam por completo todo o procedi-mento administrativo disciplinar, não restando qualquer ato que possa ser resguardado da anulação.

O MM. determinou liminarmente que as provas (escutas telefônicas) obtidas de modo irregular devem ser excluídas pela comissão de sin-dicância processante, no que foi prontamente atendido, como pode-se verificar dos elementos contidos nos autos.

À fl. 69, por meio do ofício nº 015/2004, o Delegado Presidente da Comissão de Sindicância informa que os documentos em questão foram retirados dos autos. Posteriormente, em 16 de março de 2004, segundo ata constante da fl. 74 dos autos, a comissão de sindicância reúne-se e delibera no seguinte sentido:

“DETERMINAR o desentranhamento de todas as cópias de documentos, cons-tantes nos quatro processos administrativos em andamento, contendo referências ou resumos de conteúdos de diálogos ou conversações por telefone gravadas por ordem judicial;

DESCONSIDERAR todas as referências a conteúdos dos referidos diálogos ou conversações por telefone eventualmente feitas até o momento nos quatro processos em andamento, a não ser que o tenha sido pelo próprio acusado em favor de sua defesa, para atendimento do direito à ampla defesa;

NÃO REALIZAR nos próximos atos processuais quaisquer referências a respeito de conteúdo de diálogos ou conversações por telefone, a não ser que seja feita pelo próprio acusado em favor de sua defesa, para não ferir seu direito de ampla defesa;

NOTIFICAR todos os acusados e seus respectivos defensores a respeito do teor desta ata.”

Com efeito, em que pesem as providências determinadas em sede liminar pelo MM. Juízo a quo e acatadas in totum pela comissão proces-sante, as conseqüências do ato atacado devem ser analisadas com olhos para o sistema constitucional vigente que garante a todos, no âmbito do processo judicial e administrativo, o devido processo legal.

O que se deve ter como foco de análise é a possibilidade de o ato administrativo que deve ser afastado ter provocado efeitos nocivos irre-versíveis. Nesse ponto, é importante se fazer a correta distinção entre a norma que está sendo violada. Quando nos deparamos com uma situação na qual se encontra ofendida e em jogo norma de matiz constitucional, as conseqüências devem ser verificadas com relação a todos os atos,

Page 367: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 367

posteriores ou anteriores, que possam restar também maculados.O caso em espécie traduz grave violação às garantias constitucionais

do devido processo legal e do contraditório e da ampla defesa, de maneira que não basta que se estirpem as provas não admitidas e que o processo administrativo siga o seu curso natural para que a irregularidade reste sanada. Estamos diante de norma de direito público e, portanto, desne-cessária a comprovação pelo servidor de prejuízo à sua defesa, pois, na hipótese tratada nos autos, o prejuízo é presumido.

Trata-se de prova forte na qual se baseia a comissão sindicante e, ao que tudo indica, serviu de mote para deflagrar o processo administrativo. Não há dúvida de que, no caso, há uma perfeita adequação e aplicação da teoria dos frutos envenenados (The Fruits of the Poisonous Tree Theory), tendo em vista a estreita correlação entre a prova ilícita e os demais elementos de convicção.

Alerte-se, ainda, que a presunção de inocência do acusado poderá restar prejudicada, haja vista que os membros da comissão já tomaram conhecimento da prova afastada, podendo, inclusive, acerca dos fatos, terem formado seu juízo próprio de convicção.

Dessa forma, a fim de que não resulte nenhuma eiva de imparcialida-de, que poderá tornar nula uma possível punição, o mais adequado seria o encerramento do processo administrativo em questão e nomeação de nova comissão, que a respeito das escutas telefônicas não tenha tomado conhecimento.

No que pertine à suspensão do processo até o trânsito em julgado da ação penal, não se verifica suporte para tanto. É cediço que as esferas penal e administrativa, em regra, não se comunicam e são independentes, exceto diante da não-ocorrência do fato e negativa de autoria.

Nesse caminho vem se posicionando o Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - PROCESSO ADMINISTRATI-VO DISCIPLINAR - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - APLICABILIDADE DA LEGISLAÇÃO PENAL - PRECEDENTES - INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL - PRESCINDIBILIDADE DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA - RECURSO DESPROVIDO.

I- Consoante entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, havendo regular apuração criminal, deve ser aplicada a legislação penal para o cômputo da prescrição no processo administrativo. Precedentes.

Page 368: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006368

II- A sanção administrativa é aplicada para salvaguardar os interesses exclusiva-mente funcionais da Administração Pública, enquanto a sanção criminal destina-se à proteção da coletividade. Consoante entendimento desta Corte, a independência entre as instâncias penal, civil e administrativa, consagrada na doutrina e na juris-prudência, permite à Administração impor punição disciplinar ao servidor faltoso à revelia de anterior julgamento no âmbito criminal, ou em sede de ação civil, mesmo que a conduta imputada configure crime em tese. Ademais, a sentença penal somente produz efeitos na seara administrativa, caso o provimento reconheça a não ocorrência do fato ou a negativa da autoria.

III- Recurso conhecido e desprovido. (STJ, ROMS 18688, 5ª T., Rel. Min. Gilson Dipp, unânime, julg. em 07.12.2004, DOU 09.02.2005, p. 206). Grifei

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVI-DOR PÚBLICO MILITAR. EXCLUSÃO EX OFFICIO. AMPLA DEFESA. ESFERA PENAL. PROVAS INSUFICIENTES. ABSOLVIÇÃO. INDEPENDÊNCIA DA INS-TÂNCIA ADMINISTRATIVA.

I- Se a punição imposta ao militar foi baseada em prévio procedimento, no qual se abriu a possibilidade do acusado acompanhar todos os atos, bem como apresentar defesa escrita, não há nulidade por ofensa ao direito de ampla defesa ou contraditório.

II- O fato de o militar não ter sido condenado na esfera criminal não influi, em regra, sobre a punição disciplinar envolvendo os mesmos fatos, em face da independência entre as instâncias penal e administrativa, mormente quando absolvido por inexistência de provas (art. 386, VI, do CPP). Recurso desprovido.” (STJ, ROMS 17911, 5ª T., Rel Min. Félix Fischer, julg. em 26.10.2004, DOU 29.11.2004, p. 353)

Também no âmbito desta Turma já se decidiu, nos exatos termos:“ADMINISTRATIVO. MILITAR. PUNIÇÃO DISCIPLINAR. NULIDADE. PRES-

CRIÇÃO. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E PENAL.1. A pretensão relativa ao decreto de nulidade de ato administrativo punitivo prescreve

em cinco anos, a teor do artigo 1° do Decreto n° 20.910, de 6 de janeiro de 1932. Com o ato punitivo, dito nulo, configura-se a lesão de direito. Princípio da actio nata.

2. As instâncias penal e administrativa são, regra geral, independentes, não se impondo ao servidor a espera pelo desfecho do processo criminal instaurado com base nos mesmos fatos para insurgir-se contra a punição administrativa.

3. O requerimento administrativo somente dá ensejo à suspensão do prazo prescricio-nal (artigo 4°, § único, do Decreto n° 20.910) quando deduzido no curso daquele prazo.

4. Apelo improvido.” (TRF4R, AC 2002.70.05.001127-2, Rel. Juíza Maria Helena Rau de Souza, unânime, julg. em 10.08.2004, DOU 01.09.2004, p. 658). Grifei

Por esses fundamentos, a sentença deve ser reformada para conceder a segurança, declarando-se a nulidade do processo administrativo nº 006/2003-SR/DPF/PR.

Page 369: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 369

Prequestionamento O prequestionamento quanto à legislação invocada fica estabelecido

pelas razões de decidir, o que dispensa considerações a respeito, vez que deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronun-ciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado.

Em face do exposto, dou provimento à apelação do impetrante, nego provimento às apelações da União e do Ministério Público e à remessa oficial.

É o voto.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Em seu parecer, a fls. 192/6, anotou o douto MPF, verbis:

“Em mandado de segurança impetrado por PAULO BISKUP DE AQUINO, servidor público federal, foi concedida em parte a ordem para determinar a retirada de cópias de informações obtidas por meio de interceptação telefônica dos autos de processo administrativo-disciplinar n° 006/03 (fls. 76/78), tendo apelado: a) a UNIÃO (fls. 80/91), b) o impetrante (fls. 100/109) e c) o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 158/178). Ofereceram contra-razões o impetrante (fls. 144/152 e 180/190) e a UNIÃO (fls. 153/156 e 190 v).

Pleiteiam MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e UNIÃO, em síntese, a nulidade ou reforma da r. sentença sustentando: a) a ilegitimidade passiva de Comissão de Processo Administrativo Disciplinar, de vez que fora o juízo criminal o responsável pela concessão das cópias das informações obtidas em investigação criminal, ausente portanto uma das condições da ação, dela devendo reconhecer-se carecedor o impe-trante, ut arts. 267, inciso VI, e 301, inciso X, do CPC; b) a viabilidade de utilização dos resultados de escuta telefônica legalmente autorizada para fins penais como prova emprestada em outros processos, dado o princípio da razoabilidade; c) a inconstitucio-nalidade da restrição descrita na parte final do artigo 5°, inciso XII, da CF/88, aposto indevidamente pela Comissão de Redação o adjetivo ‘penal’, ante vício de competência e afronta ao processo legislativo; e d) tutelar inviolabilidade de correspondência e das comunicações (inciso XII), a liberdade pessoal, a intimidade, a vida privada (inciso X), não podendo-se erigir em apanágio a acoitar práticas lesivas de servidor público em detrimento dos princípios também constitucionais da legalidade, da transparência, da publicidade, da moralidade administrativas (art. 37 da CF/88) no trato da coisa pública, devendo prevalecer no caso o interesse público ante o privado, por aplicação harmônica do princípio da proporcionalidade.

PAULO BISKUP AQUINO, por seu turno, insiste no pedido de trancamento do processo administrativo disciplinar n° 00612003 da Polícia Federal de Foz do Iguaçu, PR.

II- Preliminarmente, ex officio e ab ovo deveria ter sido o feito extinto sem julga-

Page 370: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006370

mento do mérito, ut artigos 301, § 4°, combinado com o artigo 267, incisos I e VI e § 3°, 1ª parte, e inciso VI, do CPC, por ilegitimidade passiva, pois a concessão de cópias de documentos relativas à interceptação telefônica fora autorizada pela eminente Juíza da 1ª Vara Criminal Federal de Foz de Iguaçu, PR, prova emprestada de ação penal pública, na forma da Lei n° 9.296/96, tendo a autoridade administrativa meramente feito uso de transcrições específicas, que não invadem a esfera privada do impetrante, mas dizem respeito à sua conduta como servidor público.

A concessão deste pleito conflita com a prévia autorização do juízo criminal, ha-vendo duas decisões judiciais em sentido contrário.

Incorreta se mostra a atribuição de quebra de sigilo à autoridade impetrada (Comis-são de Processo Disciplinar), há que se vislumbrar hipótese de incompetência de juízo para apreciar este mandamus, de vez que a ordem tida por ilegal partiu de magistrado federal criminal.

Padecem de nulidade este feito e sentença vergastada por ilegitimidade passiva da Comissão Processante ou, no mínimo, por ausência do litisconsorte passivo necessário (juízo criminal), cabendo sua extinção sem julgamento de mérito, forte nos arts. 267, inc. VI, e 301, inc. X, ou art. 47, § único, todos do CPC.

III- No que tange à legitimidade das provas, cediço que a Constituição da República prevê que interceptação de comunicações telefônicas e conseqüente quebra de sigilo só podem ser autorizadas mediante ordem judicial quando tiver por finalidade investigação criminal ou instrução processual penal. É norma expressa do artigo 5°, inciso XII, da CF/88. Foi exatamente o que ocorreu neste caso, em que o juízo criminal tanto autorizou a escuta telefônica e seu uso para embasar ação penal pública quanto o fornecimento de informações dela decorrentes para instrução de procedimento administrativo-disciplinar. A utilização desses dados, obtidos de forma lícita e legítima com a quebra do sigilo na investigação criminal, em ação penal em que é réu agente público alvo de procedimento também na seara administrativa não se reveste de vício algum de inconstitucionalidade ou ilegalidade. Não há regra, constitucional ou infraconstitucional, que proíba a utiliza-ção de elementos coletados de forma legítima na interceptação como prova emprestada na esfera administrativa. O sigilo – que se objetiva proteger – já fora quebrado, lícita e legalmente, na persecução criminal.

O Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, recentemente reconheceu que a interceptação telefônica pode ser utilizada em processo disciplinar, bastando apenas que tenha sido requerida nos termos da Lei nº 9.296/96 em anterior investigação criminal, neste lapidar aresto:

‘MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. MINISTRO DE ESTA-DO DA JUSTIÇA. POLICIAIS RODOVIÁRIOS FEDERAIS. DEMISSÃO. PRO-CEDIMENTO ADMINISTRATIVO. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. ATO DE COMPETÊNCIA DO MINISTRO DE ESTADO. DELEGAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. POSSIBILIDADE. MATE-RIALIDADE. REVOLVIMENTO DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. DILIGÊNCIA.

Page 371: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 371

NEGATIVA FUNDAMENTADA. ART. 156, § 1°, DA LEI Nº 8.112/90. INTERCEP-TAÇÃO TELEFÔNICA. REQUERIMENTO NOS TERMOS LEGAIS – PROCEDI-MENTO CRIMINAL. OBEDIÊNCIA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. É absolutamente pacífico o entendimento, tanto doutrinário quanto jurisprudencial, de que as esferas penal e administrativa são independentes. Pos-sibilidade de o Presidente da República delegar aos Ministros de Estado a competência para demitir servidores de seus respectivos quadros – parágrafo único do art. 84, CF. A alegada ausência de materialidade importa em revolvimento de provas, o que é inviável nessa via sumária. O indeferimento das diligências requeridas pelos impetrantes foi devidamente fundamentado, respeitando-se, dessa forma, o disposto no art. 156, § 1°, da Lei nº 8.112/90. A interceptação telefônica foi requerida nos exatos termos da Lei nº 9.296/96, uma vez que os impetrantes também respondem a processo criminal. Ordem denegada.’ (gizado).’ (STJ, 3ª T., MS 7024/DF, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, 28.03.01, DJ 04.06.01, p. 58, REPDJ 11.06.01, p. 90).

Também nesse diapasão julgou o TRF da 3ª Região:‘HABEAS CORPUS COM OBJETIVO DE TRANCAR AÇÃO PENAL. ART. 1°,

INC. I, DA LEI 8.137/90. AFASTADA A INÉPCIA DA DENÚNCIA. O TÉRMINO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO-TRIBUTÁRIO NÃO É CONDIÇÃO PARA A AÇÃO PENAL. DESCABIDA A EXIGÊNCIA DE PRÉVIA PERÍCIA. ADMITE-SE A PROVA EMPRESTADA SE OBSERVADOS O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DEVIDO PROCESSO LEGAL. ENTREGA DE EXTRATOS BANCÁRIOS PELO PACIENTE. NÃO COMPROVADA A QUEBRA ILEGAL DE SIGILO. ORDEM DENEGADA.

Afasta-se a alegação de inépcia da denúncia, porquanto atende aos requisitos do art. 41 do CPP. Os impetrantes apegam-se ao fato de a paciente ter figurado como dependente na Declaração de Imposto de Renda de um dos acusados, na qualidade de esposa, que, no entender dos advogados, impossibilita a conduta omissiva descrita no art. 1°, inc. I, da Lei 8.137/90. Entretanto, a circunstância apontada não afeta a higidez formal da inicial acusatória. A paciente deve se defender dos fatos descritos na exordial acusatória e não da capitulação feita pelo órgão ministerial. A acusação é clara e possibilita a defesa.

A ausência de liame subjetivo entre os pacientes é matéria a ser objeto de prova durante a instrução criminal, porquanto a dilação probatória é incabível na via es-treita do writ. Ademais, para o oferecimento da denúncia bastam indícios suficientes da autoria.

O término do processo administrativo-tributário não constitui condição de proce-dibilidade da ação penal, assim como decisão administrativa alguma vincula o Poder Judiciário, porque há independência das instâncias. De outro lado, é atribuição do Ministério Público formar a opinio delicti para acusar publicamente. A CF, no seu art. 127, § 1º, apresenta como princípio institucional do Ministério Público a independência funcional, da qual se desdobra o entendimento de que seus membros não estão atrelados aos atos, decisões ou posicionamentos de quaisquer órgãos do Poder Executivo. Assim,

Page 372: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006372

também se deduz do art. 129, inc. I, da Lei Maior, que prevê ser privativo do Parquet promover a ação penal pública, elaborar seu juízo acusatório sobre fatos criminosos e seus agentes.

O art. 34 da Lei 9.249/95 previu a extinção da punibilidade pelo pagamento inte-gral do tributo e acessórios antes do recebimento da denúncia, mas não criou hipótese impeditiva de sua aceitação pelo juízo.

Descabida a invocação da inexistência de exame pericial a impedir o recebimento da denúncia. Os arts. 158, 525 e 564, inciso II, alínea b, do CPP devem ser interpre-tados à luz da Constituição Federal, que veda somente as provas obtidas por meios ilícitos. A imposição da perícia como única prova aceita para delicta facti permanentis infringe o princípio da liberdade probatória e do livre convencimento motivado do juiz. A exigência é enfraquecida se o corpo de delito acompanha a inicial. Os documentos fiscais são os vestígios deixados na prática delituosa e podem ser apreciados de forma livre pelos magistrados.

Em relação às cópias de peças do procedimento administrativo que acompanham a denúncia, não há qualquer ilicitude. Admite-se a prova emprestada de outra ação penal para a condenação, se observados o princípio do contraditório e o devido processo legal.

Quanto à alegação de quebra ilegal do sigilo bancário, não tem arrimo em qualquer documentação constante dos autos. Não há elementos que permitam concluir que a autoridade fazendária a tenha decretado. O fato não pode ser inferido da entrega dos extratos feita pelo próprio paciente.

Ordem denegada.’ (TRF3, 5ªT HC 200203000489159, julg. em 11.02.2003, DJU 11.03.2003)

Respeitados, portanto, os pressupostos estabelecidos constitucional e legalmente para a interceptação telefônica, mormente alvará judicial em anterior investigação criminal e em regular instrução processual penal, não se pode constituir em intrans-ponível óbice, a acoitar agentes públicos que se voltam contra o próprio desiderato institucional e lesam a sociedade a que deveriam servir, o uso, também autorizado pelo juízo competente, de prova lícita e legítima colhida na persecutio criminis estatal, como prova emprestada, acerca de fatos criminosos que constituem a vida pública de servidor público federal.

Nesse diapasão, desde logo se prequestiona matéria de ordem constitucional, qual seja vício formal absoluto de iniciativa de ominosa obliteração teleológica da permissão dada pelo legislador constituinte, ao proceder Comissão de Redação abusiva aposição de adjetivo inexistente na norma do artigo 3° da EC n° 26, pela Comissão de Redação, sem que tal acréscimo tivesse sequer sido votado (inclusão da palavra ‘penal’ ao final do texto, de modo a restringir abusivamente a finalidade a que serve a prova colhida com autorização judicial: em vez do texto original votado e aprovado, que possibi-litara o uso de prova obtida com quebra de sigilo judicialmente autorizada ‘para fins de investigação criminal ou instrução processual (lato sensu)’, restringiu-se apenas à instrução processual ‘penal’, com indevido e inconstitucional acréscimo. A melhor

Page 373: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 373

doutrina (colacionada no item 2 às fls. 162/165) e o senso cívico acerca do trato da coisa pública apontam para a única forma justa de avaliar tal excrescência: seu frontal repúdio! É o que se espera desta Corte de Justiça!

IV- Não merece provimento o recurso de Paulo Biskup de Aquino, por cediço extrapolar o lagos dei razonable de que fala Recaséns Siches a pretensão de coarctar de todo o procedimento administrativo-disciplinar que visa a apurar e responsabilizá--lo por sua conduta como servidor público federal, não sendo crível que se impeça o Estado de servir-se de provas legalmente colhidas em regular instrução de ação penal pública, entre as quais peças consideradas como de defesa (interrogatórios judiciais), para desincumbir-se de seu dever-poder de revisão e correção de atos e condutas ad-ministrativos, a bem de se estabelecer a supremacia do princípio da legalidade.

V- Ante o exposto o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL opina que Vossas Exce-lências dêem provimento às apelações oficiais e neguem-no ao recurso do particular.”

O processo administrativo não tem os rigores rituais dos procedi-mentos judiciais, bastando que, dentro do princípio do informalismo, atenda às normas pertinentes ao processo e à defesa do acusado. (MEIRELLES, Hely Lopes. In: Direito Administrativo Brasileiro. 14. ed. RT, 1989, p. 587)

É exatamente o que se verificou no caso em exame.Pertinente, ao caso, o magistério de Paul Duez e Guy Debeyre, em

sua obra clássica, verbis:“Toujours dans le même esprit le Conseil d’Etat a décidé que la communication

doit avoir un effet utile pour l’agent, c’est-à-dire lui permettre de se défendre. (...) Cette interprétation libérale n’est pas sans limites. La communication ne doit pas permettre au fonctionnaire de gêner, de retarder ou d’empêcher la marche de la procédure dis-ciplinaire ou des services publics. (...) Il ne doit pas aboutir à mettre l’Administration à la discrétion de l’agent; il suffit que le fonctionnaire ait été averti qu’une action disciplinaire est engagée contre lui pour qu’il ait à consulter son dossier; s’il néglige ou s’il refuse de le faire, on pourra passer outre et poursuivre la procédure.” (In: Traité de Droit Administratif. Paris: Libraire Dalloz, 1952, p. 682, n. 937)

Com efeito, a jurisprudência da Suprema Corte, desde épocas mais remotas, sempre se manifestou de forma reservada sobre o exame pelo Judiciário das decisões proferidas pela Administração Pública no âm-bito do processo administrativo-disciplinar, limitando-se o Judiciário a examinar a sua legalidade, apenas, e não a revisar ou discutir as provas colhidas pela Comissão Disciplinar, bem como a justiça ou injustiça da punição aplicada ao servidor público.

Page 374: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006374

A respeito, deliberou o Pretório Excelso, em vetusto aresto, cujo magistério permanece válido, verbis:

“No exame da legalidade do ato administrativo, o juiz, em verdade, tem uma fun-ção histórica: examina se o processo se instaurou para apurar uma falta atribuída ao funcionário; se obedeceu às formalidades legais; se a autoridade era competente; se o funcionário foi ouvido; e se lhe garantiu a mais ampla defesa. Mas, data venia, não pesa, não reexamina, não reaprecia a prova existente no processo administrativo, nem é lícito ao funcionário ilidir essa prova com outras mais tarde apresentadas, no Juízo Cível.” (In: RDA, v. 1, fasc. I, p. 200, jan. 1945)

No mesmo sentido, decidiu, novamente, a Suprema Corte, verbis:“(...) a função do Judiciário, no terreno dos fatos, deve ser comedida e discreta. Deve

inclinar-se antes a placitar a medida disciplinar do que a revogá-la, quando encontre razoáveis fundamentos no ato da administração.” (In: RDA 3/78)

Em aresto mais recente, o eminente Ministro Djaci Falcão, ex-Presi-dente do Supremo Tribunal Federal, ao votar no RE nº 100.750, reiterou a primitiva jurisprudência do Pretório Excelso, verbis:

“(...) Entrementes, não é dado ao juiz cotejar a prova para concluir, em última aná-lise, pela injustiça da pena disciplinar. Daí, a orientação jurisprudencial indicada pelo recorrente a fls. 62 a 63, bem expressa por Carvalho Mourão, in verbis: ‘No exame dos atos administrativos o Judiciário se limita a considerá-los sobre o estrito ponto de vista de sua legalidade, não de seu mérito intrínseco, ou seja, da sua justiça ou injustiça’. (...)” (In: RDA 155/75)

Outro não é o entendimento da doutrina: BONNARD, Roger. In: Précis Élémentaire de Droit Administratif, Paris: Recueil Sirey, 1926, p. 253, II, “a”; H. BERTHÉLEMY. In: Traité Élémentaire de Droit Admi-nistratif, 9. ed., Paris: Libr. Arthur Rousseau, 1920, p. 70; BARROS JR, Carlos S. de. In: Do Poder Disciplinar na Administração Pública, São Paulo: RT, 1972, p. 192; FAGUNDES, Seabra. In: O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, 6. ed., Saraiva, 1984, p. 126, n. 71; MEIRELLES, Hely Lopes. In: Op. cit., p. 587.

O notável jurista francês, Alain Plantey, em conceituada obra, assinala, verbis:

“917. - La répression disciplinaire peut pendre en compte un comportement pro-fessionnel général (C.E. Dardenne, 08.06.56. Rec. p. 239). Par extension, l’autorité administrative peut regarder comme disciplinaire une faute personelle ayant une

Page 375: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 375

incidence sur le service, incompatible avec l’exercice des fonctions (C.E. Athiel, 06.04.51. Rec. p. 758), la qualité de fonctionnaire (C.E. Magnin, 20.02.52. Rec. p. 117 - Boussard-Billier, 02.10.63. Rec. p. 470: homicide avec préméditation - Baillet, 26.02.82. Rec. p. 89: fraude) ou des devoirs élémentaires (C.E. Vrecord, 05.11.52. Rec. p. 487: refus de participer aux cérémonies du 11 novembre - Touré, 11.02.53. Rec. p. 709: propos diffamatoires - Tampucci, 10.05.57. Rec. p. 300: fausse déclaration de diplôme - Stora, 08.04.59. Rec. p. 213: fait entachant la proibité - Bourdelat, 16.07.43. Rec. p. 191: genre de vie - Ministre de l’Economie et des Finances. 13.12.68. Rec. p. 652: manquement à l’honneur professionnel.”

E, mais adiante, acrescenta, verbis:“920. - Très vaste est l’étendue du pouvoir d’appréciation de l’autorité administra-

tive, c’est-à-dire du chef de service où se trouve l’agent (C.E. Le Roy, 21.06.72. Rec. p. 462), qu’il s’agisse de la faute ou de la sanction, à condition que celle-ci soit prévue au statut (C.E. Ministre des Affaires Culturelles, 21.07.72. Rec. p. 559 - Ministre de l’Education Nationale, 05.01.73. Rec. p. 12).

921.- En principe, l’appréciation de la gravité de la faute par l’autorité hiérarchi-que, est discrétionnaire, sauf détournement de pouvir (C.E. Gicquel, 21.04.50. Rec. p. 225), erreur matérielle ou erreur manifeste d’appréciation (C.E. Kiener, 25.05.90. Rev. Adm. 1990. p. 517: disproportion de la sanction).” (In: La Fonction Publique: Traité Générale, Paris, Librairie de la Cour de Cassation, Litec, 1991, p. 383/384)

Com efeito, ao Judiciário é facultado o exame do aspecto formal das medidas tomadas pela apontada autoridade coatora, isto é, se tais medi-das foram determinadas pelo órgão competente e se os fatos que deram margem a tal procedimento realmente ocorreram.

Todavia, ao Poder Judiciário é vedado decidir da conveniência, da oportunidade ou mesmo da valoração dos fatos que originaram as me-didas punitivas por parte da Administração.

Nesse sentido, eis que semelhante ao caso dos autos, quanto às san-ções disciplinares aplicadas por entidades de classe, como menciona o insigne Gérard Viché, no seu livro La Sanction Professionnelle, Paris, 1948, p. 337, quando diz, verbis:

“Il a éte déjá constaté au cours de l’étude précédente de la faute et de la peine professionnelle, que l’autorité professionnelle bénéficie d’une large competence dis-cretionnaire dans le domaine de l’appréciation des faits. En conséquence, le contrôle juridictionnel est considérablement reduit par rapport au droit commun du contentieux de l’annulation”.

Ademais, em caso análogo de que fui relator, deliberou a Corte, verbis:

Page 376: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006376

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI COMPLEMENTAR Nº 105/01. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA. POSSIBILIDADE. INDÍCIOS DE CRIME DE SO-NEGAÇÃO FISCAL. ARTS. 5º, X E XII, DA CF/88 E 197, II, DO CTN. EFEITOS.

Com efeito, não há na hipótese dos autos direito líquido e certo do apelante de eximir-se de prestar as informações requeridas pela Receita Federal, em razão do disposto nos arts. 197, II, do CTN e do Decreto nº 3.724/01, que regulamentou a Lei Complementar nº 105/01, dispositivos legais esses que impõem às instituições financei-ras a obrigação de prestar à autoridade administrativa, nas hipóteses ali especificadas, todas as informações de que disponham.

Nesse sentido, manifesta-se a doutrina: ALIOMAR BALEEIRO, in: Direito Tribu-tário Brasileiro, 8. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1976, p. 565/6; BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, in: Compêndio de Direito Tributário, Forense, 1984, p. 746.

Essa, ademais, é a Jurisprudência da Suprema Corte (RMS nº 15.925-GB, Rel. Min. GONÇALVES DE OLIVEIRA, in: RTJ 37/373; RE nº 71.640-BA, Rel. Min. DJACI FALCÃO, in: RTJ 59/571 ).

Não há no caso quebra de sigilo bancário, porque ocorre simples transferência das informações guardadas pelo banco à autoridade fiscal que tem o dever legal de manter em sigilo as informações obtidas (art. 198 do CTN).

A própria Suprema Corte, em decisão relativamente recente, de que foi relator o eminente Ministro CARLOS VELLOSO, deliberou o ‘caráter não absoluto do segredo bancário, que constitui regra em direito comparado, no sentido de que deve ele ceder diante do interesse público’ (In: RTJ 148/367-8).

Em exaustivo estudo doutrinário, assinala PIERRE GULPHE, verbis:‘Pendant la première moitié du XIXe siècle, la faculté de procéder à des investiga-

tions dans les livres et documents d’un établissement bancaire n’a appartenu qu’aux officiers de police judiciaire sur comission rogatoire du juge d’instruction. Elle a été ensuite étendue aux agentes du fisc, sons la forme du droit de communication, a fin d’assurer la perception de certains impôts. (...) Depuis lors ce droit n’a cessé de s’étendre au fur et à mesure de l’acroissemment des difficultés financières de l’État. Il présente, en effet, l’avantage de permettre aux agentes du fisc de découvrir les fraudes des contribuables et de contrôler d’une manière efficace l’imposition de ceux-ciet le payement de leur impôts. (...) On peut dire, dans ces conditions, qu’en l’état actuel de notre droit, le secret des affaires de banque n’existe pratiquement plus à l’égard du fisc, en raison du pouvoir d’investigation particulièrement large dont disposent ses agentes.’

E, mais adiante, conclui o referido autor, verbis:‘C’est la raison pour laquelle, dans cette étude, on a reconnu au secret profession-

nel du banquier un caractère purement relatif, ce qui a permis de déterminer diverses hypothèses où il puvait valablement y déroger. De la sorte, cette obligation peut se concilier heureusement avec les exigences impérieuses du monde des affaires et celles de certains services publics.’ (Le Secret Professionnel du Banquier en Droit Français et en Droit Comparé, in: Revue Trimestrielle de Droit Commercial, a. 1948, t. I, p. 35, 38 e 54, respectivamente)

Page 377: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 377

2.Improvimento da apelação.” (TRF4R, 3ª T., AC nº 2001.72.08.002021-4/SC, Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, julg. em 11.02.03, p. 19.02.2003)

Por esses motivos, acolhendo o parecer do MPF, dou provimento à apelação da União, à remessa oficial e ao apelo do MPF, negando pro-vimento ao apelo do impetrante.

É o meu voto.

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2005.04.01.025735-2/RS

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler

Impetrante: Edison Freitas de Siqueira Advogados Associados S/SAdvogado: Dr. Edison Freitas de Siqueira

Impetrada: Desa. Federal Relatora da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

Interessada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

Interessada: Construtora Piccoli Cousandier Ltda.Advogado: Dr. Edison Freitas de Siqueira

EMENTA

Processual Civil. Mandado de segurança. Agravo manifestamente

Page 378: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006378

infundado. Multa. Condenação. Representante processual. Legalidade.1. A indicação equivocada acerca da autoridade coatora no mandado

de segurança enseja a correção da exordial mediante emenda, não a extinção pura e simples do feito.

2. Admissível o manejo da ação de mandado de segurança a despeito da existência de recurso cabível à espécie, quando, para a interposição desse, a parte estaria sujeita ao gravame que precisamente pretende discutir e afastar.

3. Acerto da decisão que condenou a representação processual da parte agravante, com suporte no § 2º do artigo 557 do CPC, ao pagamento de multa em razão da interposição de recurso de agravo manifestamente infundado, não havendo falar em mácula aos princípios do duplo grau de jurisdição e da legalidade.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, denegar a segurança, impedidos os Desembargadores Federais Maria Lúcia Leiria, Wellington de Almeida e Álvaro Junqueira, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 6 de abril de 2006.Desa. Federal Marga Barth Tessler, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: Trata-se de ação de mandado de segurança manejada em face de acórdão de lavra da 1ª Turma deste Regional, aresto que ao decidir o Agravo no Agravo de Instrumento nº 2005.04.01.008516-4/RS condenou a empresa agravante – Construtora Piccoli Cousandier Ltda. – ao pagamento da multa contemplada no § 2º, artigo 557, do CPC, arbitrada em 10% sobre o valor corrigido da causa, a ser suportada pelo patrono da referenciada agravante, ora impetrante.

Essa, constituída sob a forma de sociedade de advogados, pondera no sentido de que houve notável ofensa ao devido processo legal, ao duplo grau de jurisdição, à ampla defesa, ao contraditório e à legalidade.

Afirma que a decisão que foi objeto do recurso de agravo de instru-

Page 379: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 379

mento dispôs no sentido da negativa de penhora de debêntures havidas em face da Eletrobrás e que a interposição do recurso instrumentalizado e do sucessivo agravo legal constituem exercício regular constitucional-mente amparado, inexistindo previsão normativa para a fixação da multa impugnada com base na “reiteração de alegações constantes no agravo de instrumento”, tampouco para que o ônus da multa debatida recaia sobre o patrono da agravante.

Foi determinada a emenda da exordial para que o pólo passivo fosse inte-grado não apenas pela Desembargadora Relatora do recurso de agravo, mas também pelos demais Desembargadores integrantes da 1ª Turma, tendo a impetrante prontamente acorrido ao comando.

A medida liminar requerida foi indeferida por decisão posteriormente im-pugnada por agravo regimental, recurso que foi desprovido por esta 1ª Seção.

Nas informações prestadas pelos Desembargadores Federais inte-grantes da 1ª Turma, restou afirmada a inépcia da petição inicial ante a ausência de adequada indicação da autoridade coatora, o descabimento do manejo da ação de mandado de segurança em razão da existência de recurso adequado à espécie e o acerto na condenação ao pagamento da multa contemplada no § 2º do artigo 557 do CPC.

O representante do Ministério Público Federal ofertou parecer no sentido da denegação da segurança.

É o relatório.À revisão.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Barth Tessler: Inicialmente passo a considerar a respeito dos óbices opostos quando da apresentação das informações à pretensão mandamental ora examinada, consignando que a jurisprudência pátria tem atenuado o rigorismo com que inicialmente se portava a respeito da impossibilidade de emenda à exordial do man-dado de segurança, permitindo hodiernamente, em resguardo dos fins da referida ação constitucional, a adequação da petição inicial para a correção de eventuais deficiências, tais como a equivocada indicação da autoridade coatora, como bem ilustra o seguinte excerto, in verbis:

“A essência constitucional do Mandado de Segurança, como singular garantia, admite que o juiz, nas hipóteses de indicação errônea da autoridade impetrada,

Page 380: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006380

permita sua correção através de emenda à inicial ou, se não restar configurado erro grosseiro, proceder a pequenas correções de ofício, a fim de que o writ cumpra efe-tivamente seu escopo maior” (STJ, 1ª T., REsp. nº 685.567/BA, Rel. Min. Luiz Fux, DJU 26.09.2005, p. 225)

A propósito da alegada inadmissibilidade da ação de mandado de segu-rança para a hipótese dos autos, tendo em consideração que haveria recurso ao alcance da impetrante para fazer reverter o ato inquinado, anoto que, à vista do comando expresso no § 2º do artigo 557 do CPC e dos termos do acórdão impugnado, qualquer interposição recursal estaria condicionada ao depósito do valor da multa aplicada e ora discutida, circunstância que permite concluir pela razoabilidade da aceitação do manejo da ação man-damental no caso de que ora se trata, não se afigurando ponderável obrigar a parte à prática de ato que precisamente pretende questionar e afastar por meio da presente ação. Pensar em sentido contrário seria negar jurisdição quanto ao ponto debatido. Por essas razões parece evidente que o mandado de segurança é veículo próprio para a discussão acerca da obrigatoriedade do depósito e pagamento da multa imposta.

Adentrando o mérito da ação mandamental, principio rememorando que o direito ao recurso não representa regra absoluta, defluindo de tal assertiva que a restrição imposta no § 2º do artigo 557 do CPC, segundo a qual no caso de interposição de recurso de agravo com suporte no § 1º do mesmo preceptivo em hipótese de manifesta inadmissibilidade ou de ausência de fundamento deve haver condenação ao pagamento de multa, cujo depósito é condição para a apresentação de qualquer outro recurso, não representa mácula ao princípio que alberga a recorribilidade das decisões judiciais.

Aliás, insta assinalar, como se fez quando do exame do pleito limi-nar, que a regra mencionada atende, de outro tanto, à atual urgência no sentido da racionalização do manejo dos recursos, operando pela linha da limitação do uso das vias desnecessárias, buscando, entre outros de-sideratos, a efetivação do contido no novel inciso LXXVIII, artigo 5º, da Constituição Federal, redigido nos seguintes termos, in verbis: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Na análise do pormenor respeitante à decisão lançada nos autos do Agravo de Instrumento nº 2005.04.01.008516-4/RS, a qual acarretou a

Page 381: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 381

interposição do recurso de agravo contemplado no § 1º do artigo 557 do CPC, verifico que foi minudentemente evidenciada a inviabilidade da irresignação instrumentalizada, tendo a Desembargadora Relatora demonstrado claramente acerca do desacolhimento sistemático por parte do egrégio STJ quanto à tese recursal defendida (v.g. REsp. nº 701.336/RS, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, DJU 13.06.2005, p. 194, e AgRg no Ag nº 641.237/RS, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, DJU 30.05.2005, p. 229), essa consistente na aceitabilidade das debêntures da Eletrobrás para fins de garantia do Juízo da execução fiscal, o que faz por concluir pelo acerto da apreciação no sentido de que o recurso de agravo subseqüente representou expediente manifestamente infundado, atraindo de forma inexorável a incidência do § 2º do referenciado artigo, com a aplicação da multa nele prevista.

Cumpre registrar que a Desembargadora Relatora consignou ex-pressamente nos termos da decisão negativa de seguimento do recurso de agravo de instrumento que a reiteração de recurso poderia ensejar a aplicação de penalidade processual, advertência que foi cabalmente desatendida pela impetrante.

No tocante à apontada pecha consistente na quebra do princípio da legalidade, supostamente verificada ao ter a 1ª Turma desta Corte aplicado a multa contemplada no § 2º do artigo 557 do CPC com fundamento na “reiteração de alegações constantes no agravo de instrumento”, ao passo que tal hipótese não vem estampada no aludido preceptivo, mas apenas o fato de o agravo ser “manifestamente inadmissível ou infundado”, esclareço que não é difícil divisar na dicção da Desembargadora Rela-tora, acompanhada pelos demais integrantes daquele órgão fracionário, a ocorrência do suporte fático suficiente para a incidência da multa im-pugnada, considerando que em verdade houve a reiteração de alegações notadamente infundadas.

Por derradeiro, no que atine ao comando que decidiu no sentido de que a impetrante, na qualidade de representante judicial da agravante, deverá arcar com o pagamento do montante relativo à multa arbitrada, anoto que não visualizo a sustentada violação ao princípio da legalidade, já que, como bem restou salientado nas informações prestadas à fl. 154, a multa foi endereçada à agravante, consoante os termos do § 2º do artigo 557 do CPC, cumprindo à impetrante suportar o seu pagamento, na medida em

Page 382: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006382

que ela é responsável pela interposição recursal malfadada, tendo presente que detém o monopólio do conhecimento técnico-jurídico.

A jurisprudência das mais variadas Cortes pátrias dá notícia de casos em que houve a responsabilização processual dos procuradores a respeito dos danos processuais ocasionados, precedentes que confirmam o acerto do decidido pela 1ª Turma deste Regional, litteris:

“Litigância de má-fé dos advogados da empresa autora, que se omitiram em apontar a ocorrência do erro na primeira oportunidade em que se manifestaram nos autos após o julgamento, vindo a fazê-lo somente após o julgamento de diversos recursos, quando a decisão que iria prevalecer seria desfavorável à sua cliente. Imposição, aos advogados subscritores dos recursos, de multa de 1% do valor atualizado da causa, além de inde-nização ao recorrido de 5% do valor atualizado da causa.” (STJ, 2ª T., EDcl nos EDcl no AgRg no REsp. nº 494.021/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU 13.09.2004, p. 204)

“O advogado, assim como qualquer outro profissional, é responsável pelos danos que causar no exercício de sua profissão. Caso contrário, jamais seria ele punido por seus excessos, ficando a responsabilidade sempre para a parte que representa, o que não tem respaldo em nosso ordenamento jurídico, inclusive no próprio Estatuto da Ordem.” (STJ, 4ª T., REsp nº 163.221/ES, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 05.08.2002, p. 344)

“A deslealdade processual faz-se presente no cunho injurioso das expressões e conceitos relativos à julgadora, na intencionalidade da ofensa à capacidade técnica e à exação da julgadora, no proceder temerário do insultar sob o manto da legalidade do recurso (art. 14, IV, V, e parágrafo único, art. 15 e art. 17, V, do CPC). Assim, nos moldes do art. 18, caput e § 2º, do mesmo Diploma Legal, voto pela imposição, ao advogado da parte recorrente (e não à parte pessoalmente), da multa de 1% em prol do Estado e de indenização à parte adversa, no correspondente a 20% sobre o valor da causa atualizado desde o ajuizamento.” (2ª T. Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis do Estado do Rio Grande do Sul, Recurso Inominado nº 71000815506, Relatora a Juíza de Direito Mylene Maria Michel, julg. em 23.11.2005)

“O ajuizamento de lide temerária, alterando intencional e conscientemente a verdade dos fatos, caracteriza litigância de má-fé da parte autora e de seu procurador (arts. 14 e 17 do CPC).” (TRF-4ª, 6ª T., AC nº 2002.04.01.024666-3/RS, Rel. Des. Federal Nylson Paim de Abreu, DJU 09.03.2005, p. 617)

Ante o exposto, denego a segurança pleiteada, condenando a impe-trante ao pagamento das custas processuais.

É o voto.

Page 383: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 383

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2005.04.01.039162-7/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira

Agravante: Guarujá Alimentos S/AAdvogados: Drs. Rubio Eduardo Geissmann e outro

Agravada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

EMENTA

Execução de sentença. Legitimidade ativa ad causam. Matéria pre-clusa.

Incabível, em sede de embargos à execução, a discussão acerca da legitimidade ativa do exeqüente, pois essa questão deveria ter sido objeto de impugnação no processo de conhecimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos ter-mos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 14 de março de 2006.Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: Guarujá Alimentos S/A ajuizou, na qualidade de sucessora da empresa Frigorí-fico Apetito Ltda., ação ordinária contra a União, visando à restituição dos valores recolhidos a título de contribuição para o PIS com base nos Decretos-Leis nos 2.445/88 e 2.449/88.

A União apresentou contestação.Sobreveio sentença que julgou procedente a ação. A União apelou e

esta Turma, por maioria, deu parcial provimento à apelação e à remessa oficial. A autora interpôs embargos infringentes, que restaram despro-vidos. Interpôs, então, recurso especial, que foi provido pela 1ª Turma do STJ, que julgou procedente a ação. O acórdão transitou em julgado.

Page 384: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006384

Em momento algum, no processo de conhecimento, foi questionada a condição da autora de sucessora da empresa Frigorífico Apetito Ltda.

A autora propôs a execução. A União apresentou embargos, reque-rendo a intimação da exeqüente para que esta comprove cabalmente a sua condição de sucessora legal da empresa Frigorífico Apetito Ltda. Posteriormente, esse pedido foi renovado. Sobreveio a seguinte decisão:

“A legitimidade para receber os créditos reconhecidos no título executivo está condicionada à comprovação, pela empresa exeqüente, da efetiva incorporação da empresa Frigorífico Apetito Ltda. Desse modo, intime-se a exeqüente para comprovar, documentalmente, a sua condição de sucessora, no prazo de 15 dias.”

Inconformada, a exeqüente interpôs o presente agravo de ins-trumento. Alega que a sua condição de sucessora legal da empresa Frigorífico Apetito Ltda. “deveria ter sido objeto de impugnação e debate na fase de conhecimento, em que se discutia o reconhecimento do direito ao crédito daquilo que foi recolhido indevidamente”. Como isso não aconteceu, sustenta que a matéria está preclusa. Alega, ainda, que é a legítima sucessora da empresa Frigorífico Apetito Ltda.

A União apresentou resposta.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: Assis-te razão à agravante. Tendo ajuizado a ação ordinária na qualidade de sucessora da empresa Frigorífico Apetito Ltda., e assim reconhecido na sentença, não cabe abrir-se a discussão sobre sua legitimidade ativa na execução do julgado.

A legitimidade ativa ad causam é condição da ação e, por ser matéria de ordem pública, pode ser suscitada a qualquer tempo, ou conhecida de ofício, no transcorrer do processo de conhecimento. Na fase de execu-ção, essa questão não pode mais ser suscitada, porque isto importaria, por via oblíqua, na rescisão do julgado exeqüendo. Destaco o seguinte precedente do STJ:

“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE DÉBITO ORIUNDO DE CONTRATO DE FORNECIMENTO DE REFEIÇÕES AO EXTINTO TERRITÓRIO FEDERAL DE RORAIMA. TRANSFERÊNCIA DA RESPONSABILIDADE AO ES-

Page 385: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 385

TADO DE RORAIMA. ALEGADA AUSÊNCIA DE CITAÇÃO NO PROCESSO DE CONHECIMENTO E ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. INOCORRÊNCIA.

Mostra-se tardia, nos embargos à execução, a discussão acerca da existência de vício no título judicial por ausência de citação e ilegitimidade passiva, uma vez que deveriam ter sido objeto de impugnação no processo de conhecimento, sobretudo quando teve o recorrente oportunidade de se manifestar.

Se persistisse o inconformismo do sucumbente, devia ter interposto, após a prolação do acórdão da apelação, recurso especial para que fosse reapreciada a questão da sua ilegitimidade passiva por esta egrégia Corte, o que não se deu na espécie.

No tocante à alínea c, melhor sorte não assiste ao recurso, tendo em vista que os acórdãos confrontados não atribuíram solução jurídica diversa a idênticas situações de fato.

Recurso especial não conhecido.” (REsp 337015/RR, 2ª T., Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 19.12.2003, p. 398) (grifei)

Em face do exposto, dou provimento ao agravo de instrumento para cassar a decisão agravada.

É o voto.

Page 386: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006386

Page 387: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 387

DIREITO TRIBUTÁRIO

Page 388: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006388

Page 389: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 389

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2000.71.00.002624-8/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

Apelante: Paulo Roberto Falcão Advogados: Drs. Cristóvão Colombo dos Reis Miller e outros

Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

EMENTA

Tributário. Imposto de renda. Agravo retido. Cerceamento de defe-sa. Acordo bilateral Brasil-Japão. Residência. Bitributação. Ausência. Diferença de alíquota. Soberania.

1. A prova técnica aspirada destina-se ao convencimento do Magis-trado que pode até determiná-la de ofício. Convicto da suficiência dos elementos probatórios, habilitando-o ao julgamento, a produção de prova específica é despicienda e não há cerceamento de defesa.

2. Para deixar de ser tributado no País, o brasileiro não naturalizado deverá declarar expressamente não mais residir no Brasil, sujeitando-se aos tributos correntes até a saída definitiva.

3. Artigo 3º da Convenção Bilateral Brasil-Japão destinado a evitar a bitributação ou mitigá-la.

4. Princípio da universalidade, da titularidade, da tributariedade ili-mitada – worldwide income – rege a incidência de tributação sobre as pessoas físicas – art. 3º, § 4º, da Lei nº 7.713/88.

5. O elemento de conexão valorado dentro de juízo axiológico, ele-mento de previsão normativa que, determinando a localização no con-

Page 390: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006390

texto fático em certo ordenamento jurídico, tem por conseqüência atrair a incidência deste ordenamento à situação concreta, no caso concreto, é o domicílio do contribuinte para fins fiscais, sem subtrair a atenuação à universalização da tributação consubstanciada na outorga de crédito de imposto (imputação).

6. Art. 14 do acordo Brasil-Japão inaplicável à hipótese vertente, por-que se trata de competência exclusiva para tributar atribuída ao estado de domicílio fiscal, precipuamente averiguada em razão do curto interregno de afastamento ou permanência noutro estado contratante.

7. Art. 15 do acordo Brasil-Japão também irrelevante, pois o contri-buinte foi contratado como técnico de futebol.

8. Incidência de bitributação das leis japonesas e leis brasileiras, mi-tigadas pela imputação da carga tributária sofrida no Japão (fonte) sobre o rendimento pago a brasileiro aqui domiciliado, quando do ajuste na declaração de renda (IRPF).

9. Lei brasileira superveniente que com o tratado Brasil-Japão não colide, ao contrário, harmoniza-se.

10. Obrigatoriedade de recolhimento do IRPF pelo denominado “car-nê-leão” e posterior devolução do tributo pago no Japão em decorrência do ajuste anual, até o montante recolhido no exterior.

11. Apelação improvida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relató-rio, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 5 de outubro de 2005.Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira: Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedentes os pedidos e extin-guiu o processo, com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, I, do CPC, condenando o autor em honorários advocatícios de 10% sobre

Page 391: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 391

o valor da causa.Interpostos embargos de declaração, foram rejeitados. (fls. 380/381)O apelante requereu, preliminarmente, o conhecimento do agravo

retido em que alega cerceamento de defesa, por negativa de produção de prova pericial para demonstrar a residência e remuneração paga pelo Japão por mais de 183 dias. Afirma que o Parecer Normativo nº 3, de 01.09.95, do Coordenador-Geral do Sistema de Tributação da Secretaria da Receita Federal, de forma clara, estabelece competência exclusiva ao Estado de residência para tributar a renda, devendo ser tributada no Brasil somente se comprovados os três requisitos das alíneas a a c do § 2º do art. 14 da Convenção firmada entre o Brasil e o Japão. Afirma que o contrato celebrado com The Football Association of Japan comprova permanência no Japão por oito meses, como técnico de futebol, e remu-neração suportada por empregador domiciliado no Japão. Argumenta que o art. 8º da Lei nº 7.713/88 estabelece, de forma bem clara, que os rendimentos auferidos de fonte situada no exterior somente se sujeitarão à tabela progressiva do Imposto de Renda no Brasil se lá não tributados na fonte, a evidenciar a adoção pelo Brasil do sistema de incidência ex-clusiva. Afirma que a decisão recorrida desconhece também o art. 98 do CTN. Afirma que concorre para afastar a exação fiscal o disposto no art. 15 da citada Convenção. Critica, também, a utilização da Taxa SELIC como indexador monetário, pois, assim como a TR, é fator de remune-ração de capital. Pede a nulidade da decisão recorrida por ausência de enfrentamento de todas as questões suscitadas.

Com contra-razões, subiram os autos a esta Corte.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira:

Do Agravo RetidoInicialmente, nos termos do § 1º do art. 523 do CPC, conheço do

agravo retido interposto pelo autor (fls. 361/363), por requerida expres-samente sua apreciação nas razões de apelação.

Alega o agravante cerceamento de seu direito de defesa pelo indefe-rimento de prova pericial. Pretendia demonstrar a residência no Japão por mais de 183 dias, a remuneração paga por empregador com sede

Page 392: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006392

naquele País e o efetivo recolhimento do Imposto de Renda Retido na Fonte no exterior.

A prova técnica a ser produzida destina-se ao convencimento do ma-gistrado, ao qual cabe determinar sua realização, de ofício ou a requeri-mento da parte, e também indeferir as diligências inúteis, nos termos do artigo 130 do CPC. Estando o Juiz de 1º Grau convicto da suficiência das provas existentes para o julgamento do feito, o indeferimento da produção de prova pericial não configura cerceamento de defesa, nem implica violação ao art. 5º, LV, da Constituição Federal, pois se constitui num meio auxiliar do juiz e não das partes.

Nesse sentido, segue o seguinte julgado desta Turma, in verbis:“TRIBUTÁRIO. NULIDADE DA SENTENÇA. CONSELHO DOS REPRESEN-

TANTES COMERCIAIS. INSCRIÇÃO. NÃO EXERCÍCIO. 1. Tratando-se de matéria eminentemente do direito, a ausência de prova pericial

não caracteriza cerceamento de defesa para efeito de tornar nula a sentença. 2. O juiz, guiado pelo princípio do livre convencimento, insculpido no art. 131

do Código de Processo Civil, pode dispor das provas que entender necessárias para a solução da lide e, no caso em tela, a prova pericial, efetivamente não era necessária.

(...).” (AC nº 2002.71.00.039534-2/RS, Rel. Desa. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, julg. em 02.03.2005, unânime)

O Contrato firmado entre a The Football Association of Japan e Paulo Roberto Falcão, datado de 10 de março de 1994 (fls. 105/112) – “Art. 11. O presente contrato terá validade de oito meses, a partir de 10 de março a 9 de novembro de 1994” –, dá conta de que, efetivamente, o agravante permaneceu no Japão por mais de 183 dias, a sua remuneração foi su-portada pela associação com sede no Japão, da qual ficou retido a título de Imposto sobre a Renda o montante de ¥ 21.754.635,00, equivalente a 20% do valor total recebido.

Também confirma o asseverado o documento anexado à inicial, da lavra de Tradutor Público e Intérprete Comercial, nomeado pela Junta Comercial do Estado do Rio Grande do Sul, comprovando que a Associação Japonesa de Futebol pagou ao autor ¥ 108.791.178,00 e reteve Imposto de Renda na Fonte no valor de ¥ 21.754.635,00, equivalente a 20%. (fl. 24)

Ademais, todos esses aspectos fáticos são incontroversos.Portanto, despicienda a prova técnica para provar aquilo que já resta

Page 393: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 393

comprovado nos autos ou inexiste debate.Por essas razões, nego provimento ao agravo retido.Passo ao exame do recurso de apelação.

Da apelação No limiar deste voto é de bom alvitre salientar a inexistência de

sonegação da prestação jurisdicional. A juíza de primeiro grau se inclinou por tese antagônica à esposada pelo apelante, e os fundamen-tos sustentados, em meu ver, repelem substancialmente os caminhos jurídicos percorridos pelo contribuinte, abrangendo suficientemente o deduzido na proemial.

O Decreto nº 61.899, de 14 de dezembro de 1967, promulgou a Con-venção firmada entre os Estados Unidos do Brasil e o Japão, destinada a evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre rendimentos, assinada em Tóquio, em 24 de janeiro de 1967. (fls. 170/175)

Não está em discussão a ausência de recolhimento de imposto sobre a renda, uma vez que o Fisco reconhece, no Auto de Infração acostado às fls. 29/30, que o recorrente recebeu o valor bruto de ¥ 95.000.000,00 (noventa e cinco milhões de ienes), com retenção de ¥ 19.000.000,00 (dezenove milhões de ienes), a título de imposto sobre a renda, o equi-valente a 20% sobre o rendimento bruto.

A União alavanca a instauração de procedimento fiscal no Parecer Nor-mativo nº 3, do Coordenador-Geral do Sistema de Tributação da Secretaria da Receita Federal, item 4.1, de 01.09.95. Dito parecer mantém as pessoas físicas, que buscam oportunidade de trabalho fora do País, na condição de residentes durante os doze primeiros meses de ausência, submetendo os rendimentos recebidos de fonte estrangeira, transferidos ou não para o Brasil, ao recolhimento mensal (carnê-leão), nos termos da Lei nº 7.713/88 (art. 115 do RIR/94). Alerta que a compensação do imposto pago no Japão sobre os rendimentos submetidos à tributação no Brasil, na declaração de ajuste anual, está limitada ao disposto no art. 111 do RIR/94.

O apelante, por sua vez, defende que o referido Parecer Normativo nº 3/95, de forma clara, estabelece competência exclusiva ao Estado de residência para tributar a renda, devendo ser tributada no Brasil somente se comprovados os três requisitos das alíneas a a c do § 2º do art. 14 da Convenção firmada entre o Brasil e o Japão. Afirma que o contrato cele-brado com The Football Association of Japan comprova permanência no

Page 394: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006394

Japão por oito meses, como técnico de futebol, e remuneração suportada por empregador domiciliado no Japão.

De início, cabe definir, para efeito de tributação do imposto de renda, o conceito de residência e se o apelante era residente no País ou não à época dos fatos geradores da renda, pois o tratamento tributário é distinto para as duas espécies, inclusive para a correta aplicação da Convenção firmada entre o Brasil e o Japão.

O art. 31 do Código Civil revogado estabelece que o domicílio civil da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo. O art. 34 define que a mudança do domicílio ocorre com a transferência da residência com intenção manifesta de o mudar, mediante declaração do interessado. Nos contratos escritos, reza o art. 42 que os contraentes poderão especificar o domicílio onde exercitem suas atividades e cumpram os direitos e obrigações dele decorrentes. O art. 127, I, do CTN não destoa do disposto no Código Civil.

O Regulamento do Imposto de Renda - RIR/94, à época dos fatos (art. 1º da Lei nº 7.713/89 e art. 4º da Lei nº 8.383/91), diferencia o domicílio para efeitos fiscais de residência, justamente para abranger não só os nacionais, mas também os estrangeiros residentes no país, sem distinção de nacionalidade, como sujeitos passivos de obrigação tributária.

Para deixar de ser tributado no País, o brasileiro nato e o naturalizado devem declarar expressamente a intenção de não mais residir no Brasil, sujeitando-se à tributação incidente até a data da saída definitiva. Não ocorrendo essa declaração – e no caso concreto não houve, pois o autor firmou contrato como técnico de futebol para atuar no Japão por oito meses –, a pessoa física que deixar o País será considerado como resi-dente no Brasil e tributado durante os primeiros doze meses de ausência, mediante a utilização dos valores da tabela progressiva anual, conforme determinava o Decreto 1041, de 11.01.94, art. 14 e seguintes (RIR an-tigo), bem como o atual art. 86 do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto nº 3.000, de 26.03.99). Aplica-se a ele, portanto, as diretrizes do RIR anterior, cuja orientação não difere do vigente RIR:

“Art. 16. Os residentes ou domiciliados no Brasil que se retirarem em caráter definitivo do território nacional no curso de um ano-calendário, além da declaração correspondente aos rendimentos do ano-calendário anterior, ficam sujeitos à apresentação imediata da declaração de saída definitiva do País correspondente aos rendimentos e ganhos de ca-pital percebidos no período de 1º de janeiro até a data em que for requerida a certidão de

Page 395: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 395

quitação de tributos federais para os fins previstos no art. 879, I, observado o disposto no art. 855 (Lei nº 3.470, de 28 de novembro de 1958, art. 17).

§ 1º O imposto de renda devido será calculado mediante a utilização dos valores da tabela progressiva anual (art. 86), calculados proporcionalmente ao número de meses do período abrangido pela tributação no ano-calendário (Lei nº 9.250, de 1995, art. 15).

§ 2º Os rendimentos e ganhos de capital percebidos após o requerimento de certidão negativa para saída definitiva do País ficarão sujeitos à tributação exclusiva na fonte ou definitiva, na forma deste Livro, e, quando couber, na prevista no Livro III (Lei nº 3.470, de 1958, art. 17, § 3º, Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, art. 78, incisos I a III, e Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, art. 18).

§ 3º As pessoas físicas que se ausentarem do País sem requerer a certidão negativa para saída definitiva do País terão seus rendimentos tributados como residentes no Brasil, durante os primeiros doze meses de ausência, observado o disposto no § 1º, e, a partir do décimo terceiro mês, na forma dos arts. 682 e 684 (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 97, alínea b, e Lei nº 3.470, de 1958, art. 17).” (grifo nosso)

O documento anexado à inicial, traduzido para a língua portuguesa, da lavra de Tradutor Público e Intérprete Comercial, nomeado pela Junta Comercial do Estado do Rio Grande do Sul, comprova claramente a opção pelo domicílio e residência no Brasil, pois se intitula “Comprovante de pagamento a Pessoa Não Residente no Japão”, no qual ficou consignado como endereço do apelante o apto. 1101 da Rua Anita Garibaldi, Porto Alegre/RS. (fl. 24)

Realço, por mais importante, o art. 3º da Convenção Bilateral Brasil-Japão, destinado a evitar a bitributação, a expressão “resi-dente num Estado contratante” designa as pessoas que por virtude da legislação desse Estado estão aí sujeitas a imposto, devido a seu domicílio, à sua residência, à sede de sua direção ou qualquer outro critério de natureza análoga.

Não só isso leva à conclusão sobre a obrigação do apelante de recolher IRPF no Brasil com a conseqüente submissão às normas e competência tributante do país de origem. Na nossa tradição, o princípio da universa-lidade, da titularidade, da tributariedade ilimitada – worldwide income – rege a incidência de tributação sobre as pessoas físicas.

O antigo RIR, art. 21, ordenava a inclusão no cômputo do rendimen-to bruto, os rendimentos “recebidos no exterior, transferidos ou não ao Brasil, ainda que decorrentes de atividade desenvolvida ou de capital recebido no exterior, ...”.

Page 396: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006396

O princípio remanesceu na reforma abolicionista da tributação cedular, art. 3º, § 4º, da Lei nº 7.713/88, ao dispor que independe de denominação dos rendimentos, títulos ou direitos da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem dos bens produtores da renda e da forma de percepção das rendas ou proventos, bastando à incidência, a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica, por qualquer forma e título.

Assim, irrelevante o domicílio da fonte produtiva ou do pagamento da renda. O elemento de conexão valorado dentro de juízo axiológico, elemento de previsão normativa que, determinando a localização do contexto fático em certo ordenamento jurídico, tem por conseqüência atrair a incidência deste ordenamento à situação concreta, é o domicílio do contribuinte para fins fiscais.

Não posso subtrair do contexto deste trabalho a atenuação à uni-versalização da tributação consubstanciada na outorga de crédito de imposto, havendo reciprocidade, para fins compensatórios. Todavia, a imputação não pode extrapolar a diferença entre o IRPF calculado sem a exclusão dos rendimentos e o devido com a inclusão dos mesmos rendimentos.

Definidas a opção do apelante pela residência no Brasil e a com-petência cumulativa do Brasil para impor o tributo, passo a decidir sobre o adequado tratamento tributário a ser dispensado, conside-rando a Convenção firmada entre o Brasil e o Japão e a legislação interna superveniente.

Argumenta o apelante que os rendimentos auferidos de fontes situadas no exterior somente se sujeitam à tabela progressiva do Imposto sobre a Renda a que se refere o art. 25 da Lei nº 7.713/88 (RIR/94), caso não submetidos à tributação na fonte, como expresso em seu art. 8º, de forma bem clara, disposição essa cujo teor é o bastante para evidenciar que o Brasil, nesse caso, adotou o sistema de incidência exclusiva. Eis o teor do art. 8º da Lei nº 7.713/88:

“Art. 8º. Fica sujeita ao pagamento do Imposto sobre a Renda, calculado de acordo com o disposto no art. 25 desta Lei, a pessoa física que recebe de outra pessoa física, ou de fontes situadas no exterior, rendimentos e ganhos de capital que não tenham sido tributados na fonte, no País.”

O mesmo documento acima citado (fl. 24) comprova que a Associa-

Page 397: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 397

ção Japonesa de Futebol pagou ao autor ¥ 108.791.178,00 (cento e oito milhões setecentos e noventa e um mil cento e setenta e oito ienes) e reteve Imposto de Renda na Fonte no valor de ¥ 21.754.635,00 (vinte e um milhões setecentos e cinqüenta e quatro mil seiscentos e trinta e cinco ienes), equivalente a 20%.

O art. 14 da Convenção Internacional bilateral firmada entre o Brasil e o Japão aprovada pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo nº 43/67 e promulgada pelo Decreto nº 61.899/67, tem a seguinte redação:

“Artigo 14. 1) Com a ressalva do disposto nos artigos 18, 19 e 20, os salários, ordenados e outras

remunerações semelhantes que uma pessoa residente num Estado Contratante receber como empregado serão isentas do imposto no outro Estado Contratante, a não ser que o emprego seja exercido nesse outro Estado Contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes serão tributáveis nesse outro Estado Contratante.

2) Não obstante o disposto no parágrafo (1) as importâncias recebidas por uma pessoa residente num Estado Contratante a título de remuneração de um emprego exercido no outro Estado Contratante serão isentas do imposto nesse outro Estado Contratante, se

a) o beneficiário permanecer nesse outro Estado Contratante durante um período ou períodos que, no ano fiscal em causa, não exceda um total de 183 dias;

b) a remuneração for paga por um empregador ou em nome de um empregador que não seja residente nesse outro Estado Contratante;

c) o encargo da remuneração não for suportado por um estabelecimento permanente ou por uma instalação fixa que o empregador possuir nesse outro Estado Contratante.

3) Não obstante o disposto nos parágrafos (1) e (2), a remuneração de um emprego exercido a bordo de um navio ou aeronave em serviço no tráfego internacional explorado por uma empresa de um Estado Contratante será tributável nesse Estado Contratante”.

Os arts. 18, 19 e 20, estabelecendo competência exclusiva a um dos estados envolvidos, com a ressalva do art. 14, não são aplicáveis ao caso concreto, por tratarem de situações casuísticas e diversas da situação do autor. Resumidamente, as hipóteses ressalvadas são as seguintes: art. 18- a remuneração recebida por diretor de uma companhia brasileira, residente no Japão, é tributável no Brasil; art. 19- salários pagos pelo Governo do Brasil a um brasileiro, por serviços prestados ao Brasil, no exercício de função pública no Japão, somente é tributado no Brasil; art. 20- as pensões e anuidades vitalícias privadas pagas a residentes no Brasil somente serão tributadas no Brasil.

Por sua vez, o art. 14, parágrafo 2, estatui a não-incidência de

Page 398: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006398

imposto no estado de prestação de serviço (no caso o Japão), cum-pridos os requisitos das letras ali insertas, pois a expressão residente no estado contratante refere o sujeito passivo com domicílio fiscal no estado contratante outro que não o local onde foi prestado o serviço ou trabalho. Trata-se de competência exclusiva para tributar atribuída ao estado de domicílio fiscal, precipuamente averiguada em razão do curto interregno de afastamento.

O apelante também menciona o disposto no art. 15 da citada Con-venção como reforço argumentativo concorrente para afastar a exação fiscal no Brasil, cuja redação é a seguinte:

“Artigo 15.Não obstante o disposto nos artigos 13 e 14, os rendimentos obtidos pelos partici-

pantes em diversões públicas, tais como artistas de teatro, cinema, rádio ou televisão, e músicos, bem como por atletas, provenientes das suas atividades profissionais exercidas nessa qualidade, serão tributáveis no Estado Contratante em que as referidas atividades forem exercidas”.

A hipótese é de atletas e outras atividades incondizentes com a con-tratação do autor na qualidade de técnico. Creio que a hipótese não se subsume à proposição contida no bojo do Tratado Internacional.

Não obstante o disposto nos artigos 8º da Lei nº 7.713/88 (RIR/94), 14 e 15 do acordo bilateral, o artigo 22 dessa Convenção também prevê a possibilidade de tributação no Brasil dos rendimentos auferidos pelos residentes neste País, mesmo que o imposto tenha sido retido na fonte no Japão, pois a alíquota lá praticada é diferenciada da Brasileira, ressal-vando, porém, o direito à dedução até o limite do imposto pago naquele país, justamente para resguardar a renda da dupla tributação, ou mesmo mitigar os efeitos respectivos. Referido artigo tem a seguinte redação:

“Artigo 22. 1) Quando um residente no Brasil receber rendimentos que, de acordo com o disposto

nesta Convenção, sejam tributáveis no Japão, o Brasil considerará como dedução do imposto de renda daquela pessoa, um montante igual ao imposto de renda calculado antes de feita a dedução, e que seja apropriada à renda tributável no Japão. (...)”

Dessa maneira, a leitura que se faz do art. 14 é a seguinte: a remu-neração recebida pelo residente no Brasil como empregado não será objeto de tributação no Japão, mas, se o emprego for exercido naquele País por mais de 183 dias, nele será tributado. Todavia, essa interpreta-

Page 399: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 399

ção não leva à conclusão de que nada é devido no Brasil. A hipótese de não-incidência, repiso, é direcionada aos tributos japoneses, e não como quer o apelante, em face da confusão feita no conceito de “residente no Estado contratante”. Assim seria se o Tratado fosse composto apenas dos arts. 8º e 14, prevendo, tão-somente, a competência de um dos estados contratantes. Como não é, deve ser interpretado de forma sistêmica e harmônica com o cotejo de todas as normas nele inseridas. Pensar de forma diversa é menosprezar o conteúdo do art. 22, como se os arts. 8º e 14 sobre ele tivessem prevalência; inviabilizaria a hipótese de tribu-tação concorrente e tornaria letra morta a parte do acordo bilateral que possibilita a imputação do imposto pago no Japão.

Temos, portanto, o confronto aparente do disposto no artigo 8º da Lei nº 7.713/88 (RIR/94), isentando de tributação os rendimentos do residente neste País, se já tributados no Japão, com as disposições do art. 22 da Convenção, reconhecendo a competência cumulativa de ambos os Estados e, de conseguinte, a soberania estatal interna com atenuações, limitando o exercício da competência concorrente e até eliminando-a, evitando ou restringindo a bitributação.

Neste ponto é mister precisar qual dos dois ordenamentos públicos potencialmente incidentes ao fato imponível concreto – aquisição de disponibilidade econômica para fins de incidência do respectivo imposto (IRPF) – é apto a produzir efeitos (normas de colisão no âmbito espacial de aplicação das normas) ou declarar a competência cumulativa dos Es-tados para reconhecer e excluir competências ou reparti-las, dentro do preceituado nas fontes do direito tributário internacional. Temos no caso dois Estados soberanos pretendendo impor seu ordenamento jurídico. O Japão já impôs desconto na fonte de 20% do rendimento bruto, porque a fonte pagadora tem domicílio em seu território. O Brasil, de sua vez, também pretende a incidência da lei brasileira à mesma alíquota, de 20%, inferior à reinante à época, acrescida de consectários legais.

Ora, o art. 22 da convenção constitui “tertiva”, 3ª espécie de fonte nor-mativa tributária no cenário internacional, a circunscrever a competência dos estados potencialmente interessados, com o escopo de justamente solucionar o conflito real de normas de dois estados soberanos, atenuando os efeitos da tributação, imputando a carga tributária paga no exterior (fonte), do residente no Brasil, com possibilidade de eventual mitigação quantitativa de alíquota incidente no Estado-domicílio.

Page 400: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006400

Não se desconhece que o tratado firmado pelo Presidente da Repú-blica é fonte formal de direito positivo interno desde o momento de sua integração à legislação pátria pelo referendo do Congresso Nacional. (arts. 49, I, e 84, VIII, da Constituição Federal)

No âmbito internacional, o tratado rege-se por forma própria de criação e sua revogação ocorre somente pela denúncia, diferentemente das normas que atuam na ordem interna. A revogação das normas na-cionais ocorre com lei posterior dispondo diferentemente sobre a maté-ria (LICC, artigo 2º). Após integrada a convenção às normas internas, sua revogação se dará pelo mesmo processo de revogação das demais espécies normativas da ordem interna. Se somente fosse possível sua revogação pela denúncia, prestigiando a forma de revogação na ordem internacional, estar-se-ia dando à Convenção condição de superioridade às normas constitucionais. Em nossa Constituição Federal, é de ver, não existe dispositivo considerando irrevogável lei positiva pelo fato de ter sua origem em tratado internacional.

Nesse toar, para o deslinde da questão deve-se considerar que o acordo bilateral, por ser superveniente à Lei nº 7.713/88, revoga ou modifica a legis-lação tributária interna, a teor da primeira parte do art. 98 do CTN. Dispõe o dispositivo do Código Tributário Nacional, in verbis: “Art. 98- Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tri-butária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”.

Ao dispor que “os tratados e as convenções internacionais revo-gam ou modificam a legislação tributária interna”, o art. 98 do CTN reafirma o princípio lex posteriori derogat priori. Realmente, no mo-mento em que ocorre a recepção da norma do tratado ou convenção pelo direito interno, através do ato legislativo constitucionalmente previsto, opera-se fenômeno idêntico ao de edição de qualquer lei nova: revoga ou modifica as disposições anteriores com ela incompatíveis. Assim, o princípio contido no artigo 98 do CTN não está dando prevalência à norma internacional em relação ao direito nacional, como entendem alguns, mas posiciona-a em nível igual ao da norma interna, atribuindo--lhe idênticos efeitos.

No entanto, quanto à aplicação da segunda parte do art. 98 do CTN, ao dispor que a legislação tributária interna superveniente deve observar as disposições dos tratados e das convenções, o enfoque é bem outro e

Page 401: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 401

merece análise mais aprofundada, a menos que, desde logo, se opte pela sua flagrante inconstitucionalidade. Com efeito, uma apressada leitura desse preceito pode levar ao entendimento de que ele veda ao legislador a edição de normas contrárias a tratados e convenções. Interpretação nesse sentido levaria à inadequação constitucional da segunda parte desse dispositivo, pois daria aos tratados e convenções supremacia sobre as normas internas, impondo restrições e limitações ao exercício do Poder Legislativo, inclusive do próprio poder constituinte derivado, enfim, à própria soberania interna brasileira.

Assim, há que se afastar, de logo, o entendimento de que o art. 98 do CTN veda ao Poder Legislativo editar norma contrária a tratados e convenções. A parte final do citado normativo deverá ser interpretada e aplicada nos exatos limites em que o fez o Supremo Tribunal Federal, no acórdão aqui tantas vezes citado:

“‘Nem se diga estar a irrevogabilidade dos tratados e convenções por lei ordinária interna consagrado no direito positivo brasileiro, porque está expresso no art. 98 do Có-digo Tributário Nacional, verbis: ‘os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha’.

Como se verifica, o dispositivo refere-se a tratados e convenções. Isto porque os tratados podem ser normativos, ou contratuais. Os primeiros traçam regras sobre pontos de interesse geral, empenhando o futuro pela admissão de princípio abstrato, no dizer de Tito Fulgêncio. Contratuais são acordos entre governantes acerca de qualquer assunto. O contratual é, pois, título de direito subjetivo.

Daí o art. 98 declarar que tratado ou convenção não é revogado por lei tributária interna. É que se trata de um contrato, que deve ser respeitado pelas partes.

Encontra-se o mesmo princípio na órbita interna, no tocante à isenção, em que o art. 178 do Código Tributário Nacional proíbe sua revogação, quando concedida por tempo determinado. É que houve um contrato entre a entidade pública e o particular, que, transformado em direito subjetivo, deve ser respeitado naquele período’. (RTJ, 83/823-4, voto do Min. Cunha Peixoto).

‘Argumentou-se com o art. 98 do Código Tributário Nacional, para concluir pela irrevogabilidade dos tratados por legislação tributária interna que lhes sobrevenha. Mas como bem observou o ilustre Ministro Cunha Peixoto, sob pena de inconstitucionalida-de deve ser compreendido como limitado aos acordos contratuais de tarifas, durante a vigência destes’. (op. cit. pág. 829, voto do Min. Cordeiro Guerra).‘... essa norma do Código Tributário é aplicável aos tratados de natureza contratual, não quanto aos tratados-leis’ (op. cit., Min. Leitão de Abreu, p. 838)”. (RTRF- 4ª Região, v. 8, p. 264, 273)

Page 402: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006402

Ipso facto, a Convenção firmada entre o Brasil e o Japão não limita nem veda a edição de legislação superveniente dispondo sobre a matéria, sob pena de arranhar-se a soberania do Brasil, além de criar situação antiisonômica entre os nacionais residentes, se a modificação na ordem interna somente pudesse ser implementada após denúncia do acordo bilateral.

Considerando que a Convenção em análise é um conjunto de regras destinadas a evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre a renda, ou mesmo atenuá-la através de previsão de não-incidência ou imputação, não há dúvida do caráter normativo do acordo. Assim, caso admitíssemos que a referida avença, analisada isoladamente, confina o tratamento fiscal pretendido pela recorrente, ainda assim seria inviável sua aplicação, pois a segunda parte do art. 98 do CTN, que justificaria afastar a legislação interna superveniente, se aplica somente em face de tratados contratuais.

Cabe salientar, ainda, que o acordo Brasil-Japão, quando pretendeu contemplar em casos bem específicos e delineados a tributação exclusiva dos rendimentos de um nacional de um ou outro Estado Contratante, dispôs expressamente a cláusula may be taxed, como se pode observar no art. 19, parte final, in verbis:

“Artigo 19.Ordenados, salários e rendimentos semelhantes, bem como pensões ou benefícios

idênticos pagos por um Estado Contratante, uma sua subdivisão política ou governo municipal, ou com o produto de fundos constituídos com as contribuições feitas por um Estado Contratante, uma sua subdivisão política ou governo municipal, a uma pessoa física nacional daquele Estado Contratante por serviços prestados ao mesmo Estado Contratante, uma sua subdivisão política ou governo municipal, no exercício de funções governamentais, somente serão tributáveis naquele Estado Contratante.” (grifo nosso).

Em verdade, o art. 8º da Lei 7.713/88 sujeita o contribuinte ao de-nominado carnê-leão, acaso os rendimentos oriundos do exterior não sejam objeto de incidência na fonte, art. 7º. O termo País é direcionado aos descontos não efetuados na fonte aqui no Brasil, remetendo o con-tribuinte ao sistema do art. 25 da Lei 7.713, a exemplo dos serventuários da justiça e outros.

O art. 111 do Decreto 1.041/94 bem elucida a questão e merece ser reproduzido:

Page 403: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 403

“Art. 111. As pessoas físicas que declararem rendimentos provenientes de fontes situadas no exterior poderão deduzir do imposto apurado na forma do art. 94, o cobrado pela nação de origem daqueles rendimentos, desde que (Leis nos 4.862/65, art. 5°, e 5.172/66, art. 98):

I- em conformidade com o previsto no acordo ou convenção internacional fixado com o país de origem dos rendimentos, quando não houver sido restituído ou com-pensado naquele país; ou

II- haja reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no Brasil.

§ 1° A dedução a que se refere este artigo não poderá exceder a diferença entre o imposto calculado sem a inclusão daqueles rendimentos e o imposto devido com a inclusão dos mesmos rendimentos.

§ 2° Os rendimentos em moeda estrangeira e o respectivo imposto deverão ser convertidos em moeda nacional:

a) mediante a utilização da taxa de câmbio fixada para compra, vigente na data do recebimento, e transformados em quantidade de Ufir pelo valor desta no mês;

b) mediante a utilização da taxa de câmbio fixada para compra, vigente na data do pagamento do imposto, e transformado em quantidade de Ufir pelo valor desta no mês do pagamento desse imposto.”

A IN 02, de janeiro de 1993, no mesmo diapasão:“Art. 39. Havendo acordo ou convenção para evitar a dupla tributação de renda entre

o Brasil e o país de origem dos rendimentos e ganhos, ou tratamento de reciprocidade, o imposto de renda cobrado pelo país de origem pode ser compensado, por ocasião da apuração do imposto devido na declaração de ajuste anual desde que não passível de restituição ou compensação naquele país.

§ 1º A conversão do imposto, pago em moeda estrangeira para moeda nacional, far-se-á mediante a utilização da taxa de câmbio fixada para compra, vigorante na data do pagamento do imposto, e transformado em quantidade de UFIR pelo valor desta no mês do pagamento desse imposto.

§ 2º A compensação, na declaração de ajuste anual, não poderá exceder à diferença entre o imposto calculado antes da inclusão dos rendimentos produzidos no exterior e o imposto devido após a inclusão dos mesmos rendimentos.”

Diversa não poderia ser a solução, pena de aquebrantar a harmonia do sistema exegético que se impõe em se tratando de conciliar normas internacionais com normas internas de um país soberano. Ademais, a dicotomia entre os arts. 7º e 8º da Lei 7.713/88 é clara.

Este Tribunal já enfrentou problema com pontos de afinidade a este caso, gerado pela distribuição de lucros a sócios-quotistas domiciliados na Suécia, em razão da Convenção firmada entre o Brasil e aquele País,

Page 404: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006404

cuja solução não desbordou da aqui adotada, a saber: “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA FONTE. IRRF. DISTRIBUIÇÃO DE

LUCROS GERADOS ANTES DE 01.01.94 A QUOTISTAS DOMICILIADOS NO BRASIL E SUÉCIA. TRATAMENTO ANTIISONÔMICO INCONFIGURADO. ART 24 DA CONVENÇÃO PARA EVITAR DUPLA TRIBUTAÇÃO. DEC. 77.053/76. MALTRATO INDEMONSTRADO.

1. Em relação aos lucros apurados no período de 01.01.89 a 31.12.92, dispôs o RIR/94, aprovado pelo Decreto nº 1.041 de 11 de janeiro de 1994, em seu art. 723, que, tributados esses lucros na forma do art. 35 da Lei 7.713, quando distribuídos, não estarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, salvo quando pertencentes a residentes e domiciliados no exterior, caso em que incide imposto de renda na fonte, a teor do art. 725. Nesse toar, o art. 756 sujeita à incidência do imposto na fonte, à alíquota de quinze por cento, os lucros distribuídos por fonte localizada no País em benefício de pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior.

2. Não restam dúvidas que, prima facie, ressai tratamento fiscal brasileiro antiiso-nômico na medida em que os quinze por cento na fonte não recai sobre a distribuição feita a domiciliados no País, no que atina aos lucros apurados até 12/92. Em relação ao lucro gerado em 1993, não há o ILL (art. 75 da Lei 8.383) tampouco o imposto de renda na fonte, mas em relação aos domiciliados no exterior continuou a incidência do imposto de renda na fonte, agora em quinze por cento (art. 77 da Lei 8.383).

3. Ocorre que a distribuição de lucros, objeto desta demanda, foi deliberada em 21 de dezembro de 1994, quando já vigorava o comando do art. 2º da Lei 8.849, de 28 de janeiro de 1994 (DOU 29.01.94), que fazia incidir imposto na fonte também a benefici-ários domiciliados no País, posto haver revogado o art. 36, caput, da Lei 7.713/88 (art. 723, caput, do RIR/94), que garantia não-incidência de IRRF aos domiciliados no País.

4. Em conseqüência, não restou maltratado art. XXIV da Convenção para evitar a dupla tributação, firmada entre Brasil e Suécia, consubstanciada no Decreto n. 77.053, de 19 de janeiro de 1976 (DOU 20.01.76), prorrogada por dez anos a partir de 01.01.86 (DOU 03.01.86), artigo esse que firma o princípio da não-discriminação.

5. Apelação e remessa providas com inversão do ônus sucumbencial”. (AC 2000.04.01.136629-1/PR, 2ª T., Rel. Juiz Alcides Vetorazzi, julg. em 26.11.2002, unânime, DJU 12.02.2003, p. 606)

Dessa maneira, havendo antinomia entre o disposto na Convenção Internacional e a superveniente legislação interna, resolve-se, em nosso sistema, pela prevalência da lei nacional superveniente. Ocor-re, no caso em evidência, a ausência de colidência entre as normas. O que há é um concurso aparente de normas impositivas resolvidas conforme preceitos estabelecidos no tratado em questão, análogos aos arts. 23 A e 23 B do modelo OCDE, fixando o método de isenção (eu diria não-incidência) ou da imputação, esta última adotada no tratado

Page 405: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 405

Brasil-Japão ao imputar o crédito do imposto recolhido no Japão para futura compensação com o imposto (não base de cálculo) devido no Brasil, por ocasião do ajuste anual.

Nesse palmilhar vejo a Portaria MF 92, de 15.02.78.O Supremo Tribunal Federal abordou a antinomia existente entre

as convenções e tratados internacionais e as normas internas, no julga-mento do RE 80.004/SE, Tribunal Pleno, Rel. p/Acórdão Min. Cunha Peixoto, julgado em 01.06.77, publicado no DJU de 29.12.77, p. 9433, reafirmando a supremacia das leis do País à convenção de Genebra, que previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias com aplicabilidade no direito interno brasileiro, do qual destaco o seguinte trecho do voto do Min. Cunha Peixoto, por pertinente:

“Não existe, na Constituição, nenhum dispositivo que impeça ao membro do Con-gresso Nacional de apresentar projeto que revogue, tácita ou expressamente, uma lei que tenha sua origem em um tratado. Pode o Presidente da República vetar o projeto, se aprovado pelo Congresso, mas também seu veto pode ser recusado. A lei, provinda do Congresso, só pode ter sua vigência interrompida se ferir dispositivo da Constituição e, nesta, não há nenhum artigo que declare irrevogável uma lei positiva brasileira pelo fato de ter sua origem em um Tratado.

Do contrário, teríamos, então – e isto sim seria inconstitucional – uma lei que só poderia ser revogada pelo Chefe do Poder Executivo, através da denúncia do Tratado.

Portanto, ou o Tratado não se transforma, pela simples ratificação, em lei ordinária, no Brasil, ou então, poderá ser revogada ou modificada pelo Congresso, como qualquer outra lei.”

Mais recentemente, nossa Corte Constitucional, já sob as luzes da Constituição de 1988, reafirmou a prevalência da norma interna super-veniente à Convenção Internacional, no RHC 79785/RJ, julgado em 29.03.2000, cuja ementa possui o seguinte teor:

“EMENTA: I. Duplo grau de jurisdição no Direito brasileiro, à luz da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos.

1. omissis.2. omissis. 3. omissis.4. Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções

internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação.

II. A Constituição do Brasil e as convenções internacionais de proteção aos direitos

Page 406: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006406

humanos: prevalência da Constituição que afasta a aplicabilidade das cláusulas con-vencionais antinômicas.

1. Quando a questão – no estágio ainda primitivo de centralização e efetividade da ordem jurídica internacional – é de ser resolvida sob a perspectiva do juiz nacional – que, órgão do Estado, deriva da Constituição sua própria autoridade jurisdicional – não pode ele buscar, senão nessa Constituição mesma, o critério da solução de eventuais antinomias entre normas internas e normas internacionais; o que é bastante a firmar a supremacia sobre as últimas da Constituição, ainda quando esta eventualmente atribua aos tratados a prevalência no conflito: mesmo nessa hipótese, a primazia derivará da Constituição e não de uma apriorística força intrínseca da convenção internacional.

2. Assim como não o afirma em relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição e menos exigente que o das emendas a ela e aquele que, em conseqüência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados. (CF, art. 102, III, b)

3. Alinhar-se ao consenso em torno da estatura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos tratados a ela incorporados, não implica assumir compromisso de logo com o entendimento – majoritário em recente decisão do STF (ADInMC 1.480) – que, mesmo em relação às convenções internacionais de proteção de direitos fundamentais, preserva a jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às leis ordinárias.

4. Em relação ao ordenamento pátrio, de qualquer sorte, para dar a eficácia pre-tendida à cláusula do Pacto de São José, de garantia do duplo grau de jurisdição, não bastaria sequer lhe conceder o poder de aditar a Constituição, acrescentando-lhe limitação oponível à lei como é a tendência do relator: mais que isso, seria necessário emprestar à norma convencional força ab-rogante da Constituição mesma, quando não dinamitadoras do seu sistema, o que não é de admitir.

III. Competência originária dos Tribunais e duplo grau de jurisdição. 1. omissis. 2. omissis.3. omissis”. (RHC 79785/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,

julg. em 29.03.2000, maioria, DJU 22.11.2002, p. 57)

Considerando o exposto, bem assim a circunstância de que ao Judi-ciário compete aplicar o direito vigente na ordem interna, não há como deixar de concluir que, independentemente da revogação do tratado, pela denúncia, na ordem internacional, a norma interna posterior, incompa-tível com a do tratado, é de aplicação obrigatória pelos Tribunais. Mas, repiso, não vejo antítese entre os enunciados interno e internacional, e sim harmonia, de difícil averiguação em face da complexidade do caso concreto, em especial aos leigos.

Page 407: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 407

Também se insurge o apelante contra a utilização da Taxa SELIC como indexador monetário. Refere que, a exemplo da TR, é fator de remuneração de capital.

A capitalização e a aplicação dos juros de mora acima do limite cons-titucional de 12% ao ano, não viola os princípios da legalidade por não ser auto-aplicável o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, dispositivo que, até o advento da EC nº 40/2003, estava pendente de regulamentação conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Na esfera infraconstitucional, o Código Tributário Nacional, norma de caráter complementar, não proíbe a capitalização de juros nem limita a sua cobrança ao patamar de 1% ao mês, pois o art. 161, § 1º, desse diploma legal prevê que essa taxa de juros somente será aplicada “se a lei não dispuser de modo contrário”. Assim, não tendo o Código Tribu-tário Nacional determinado a necessidade de lei complementar, pode a lei ordinária fixar taxas de juros diversas daquela prevista no citado art. 161, § 1º, do CTN, donde se conclui que a incidência da SELIC sobre os créditos fiscais se dá por força de instrumento legislativo próprio (lei ordinária) sem importar qualquer afronta à Constituição Federal.

O inadimplemento do tributo sujeita o contribuinte a suportar deter-minada sanção em razão de seu comportamento omissivo. O artigo 84, caput e inciso I, da Lei nº 8.981/95 determina que os tributos arrecada-dos pela Secretaria da Receita Federal, com fatos geradores ocorridos a partir de 01.01.96 e pagos a destempo, serão acrescidos de juros de mora equivalente à taxa média mensal de captação do Tesouro Nacional relativo à Dívida Mobiliária Federal Interna.

Em momento posterior, sobreveio a Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995, a qual estabelece a aplicabilidade da SELIC:

“Art. 13 - A partir de 1º de abril de 1995, os juros de que tratam a alínea c do pará-grafo único do art. 14 da Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, com a redação dada pelo art. 6º da Lei nº 8.850, de 28 de janeiro de 1994, e pelo art. 90 da Lei nº 8.981, de 1995, o art. 84, inciso I, e o art. 91, parágrafo único, alínea a.2, da Lei nº 8.981, de 1995, serão equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente”.

A incidência da taxa SELIC pode se dar sobre fatos geradores an-teriores à sua instituição (Lei nº 9.065/95, artigo 13) por não estar se tratando de majoração de tributos e sim de atualização monetária e

Page 408: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006408

aplicação de juros.Deve-se destacar que a SELIC é composta de correção monetária

(correção dos valores a serem compensados ou restituídos nos moldes do artigo 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95) e juros (aplicada com fulcro no artigo 13 da Lei nº 9.065/95), sendo, portanto, indevida sua cumulação com qualquer outro indexador monetário e juros de mora, a partir do período previsto em lei para sua aplicação. Deve, assim, haver a exclu-são dos valores eventualmente cobrados a título de juros de mora após a vigência da Lei 9.065/95.

Nesse sentido, decidiu a 1ª Turma do STJ, cujo acórdão está assim ementado:

“TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. JUROS DE MORA. 1. (omissis) 2. A aplicação dos juros, tomando-se por base a taxa SELIC, afasta a cumulação

de qualquer índice de correção monetária. Este fator de atualização de moeda já se encontra considerado nos cálculos fixadores da referida taxa.

3. omissis”. (REsp nº 187.401/RS, Rel. Min. José Delgado, DJU 23.03.99, p. 82)

Tendo a sentença dado adequado tratamento a todas as questões postas na inicial, não prospera o pedido de nulidade da decisão recorrida por ausência de enfrentamento de todas as questões suscitadas.

Pede o postulante, na inicial, a limitação da multa em 10%. Rejeitado esse pedido pela sentença, que considerou correta a aplicação da multa de 75% ao caso concreto, não renovou o pedido em sede de apelação, conformando-se, por certo, com o decidido, motivo pelo qual deixo de apreciar a questão.

Frente ao exposto, nego provimento à apelação.É o voto.

EMBARGOS INFRINGENTES EM AC Nº 2001.71.03.001339-0/RS

Page 409: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 409

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida

Embargante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

Embargado: Vaucher e Cia. Ltda.Advogados: Dr. Carlos Eduardo Bravo Cassales

Dra. Luiza Dias Cassales

EMENTA

Tributário. Reserva de reavaliação de bens do ativo permanente. Lau-do de avaliação. Apuração do lucro real. Impossibilidade de aplicação retroativa da lei nova. RIR/94, art. 382. Lei nº 9.959/2000, art. 4º.

1. A reavaliação ajusta os ativos ao valor de mercado. Embora o correspondente aumento do valor do ativo constitua renda tributável, enquanto for mantido em reserva de reavaliação, não é incorporado à base de cálculo do lucro real.

2. A reavaliação apenas acarreta o diferimento da tributação, ou seja, quando houver a realização do ativo, mediante depreciação, amor-tização, exaustão ou baixa por alienação, o imposto continua devido da mesma forma, não sendo considerado o eventual ganho decorrente como parcela dedutível do lucro.

3. A exigência de laudo de avaliação, segundo o RIR/94, vigente à época dos fatos, constitui requisito de validade para que ocorra o diferimento da tributação. A desconsideração das listas de cotações de preços, fornecidas por revendas de veículos, não significa formalismo exacerbado, pois as prescrições a serem observadas na elaboração do laudo estão expressamente previstas na lei.

4. A retroação da lei nova, supostamente mais benéfica, não tem amparo no art. 106, II, alínea a, do CTN, visto que a adição ao lucro real do aumento do valor dos bens decorrente de reavaliação não consiste em penalidade pela não-apresentação do laudo, mas apenas regra de apuração do tributo, inerente ao regime contábil e fiscal de mensuração do resultado da atividade empresarial. Não incide a alínea b, também, porque o fato implicou a falta de pagamento de tributo.

ACÓRDÃO

Page 410: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006410

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 6 de outubro de 2005.Des. Federal Wellington Mendes de Almeida, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: Cuida-se de embargos infringentes opostos a acórdão da Segunda Turma desta Corte, lavrado nos seguintes termos:

“TRIBUTÁRIO. REALIZAÇÃO DE RESERVA DE REAVALIAÇÃO DE BENS DO ATIVO PERMANENTE. IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA E CON-TRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO. DERROGAÇÃO DA LEI. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI NOVA, DE Nº 9.959/2000. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DESCARACTERIZADA. ART. 17 DO CPC.

A possibilidade de reavaliação pelo Fisco dos bens da pessoa jurídica, prevista no art. 382, § 3º, do RIR/94, para efeito de tributação do imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido, foi derrogada pelo art. 4º da Lei 9.959/2000, sendo cabível a sua aplicação retroativa em favor do contribuinte, nos termos das letras a e b do inciso II do art. 106 do CTN, nos casos não definitivamente julgados, visto que a obrigação se revestia de nítido caráter de penalidade.

De acordo com a nova lei, a reavaliação de quaisquer bens da pessoa jurídica somente poderá ser computada em conta de resultado ou na determinação do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido quando ocorrer a efetiva realização do bem reavaliado, conforme previsto no art. 4º da Lei nº 9.959, de 27 de janeiro de 2000.

A caracterização da litigância de má-fé depende da análise de elemento subjetivo e da constatação do dolo ou culpa grave, necessários para afastar a presunção de boa-fé que norteia o comportamento das partes no desenvolvimento da relação processual.

Apelação provida.”

A União sustenta a procedência do voto vencido, visto que a embar-gada não atendeu ao requisito estabelecido no art. 382 do Regulamento do Imposto de Renda - RIR/94, aplicável na apuração da base de cálculo do período-base de 1996, não podendo fazer jus ao diferimento da tri-butação para o momento da realização, por não ter se baseado em laudo

Page 411: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 411

nos termos do art. 8º da Lei nº 6.404/76.Alega que o art. 4º da Lei nº 9.959/2000 não pode prevalecer, porque

o fato gerador discutido na ação ocorreu antes da vigência dessa Lei. Salienta que o inciso II do art. 106 do CTN não justifica a aplicação retroativa da Lei, pois a situação fática não se amolda à previsão da alínea a, não se tratando de infração, nem à da alínea b, tendo implicado a falta de pagamento de tributo (inciso II, b). Assevera que, ao tempo do fato, a reavaliação dos bens sem o atendimento dos requisitos legais acarretava a apuração do imposto com a adição do valor da reserva ao lucro líquido, o que constitui regra atinente à base de cálculo do tributo, e não penalidade.

Com contra-razões, vieram os autos conclusos para julgamento.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida: O auto de infração lavrado contra a empresa resulta da inobservância das dis-posições do art. 382 do RIR/94, uma vez que a embargada procedeu à reavaliação de sua frota de veículos e constituiu reserva de reavaliação, devidamente contabilizada, sem estar, contudo, respaldada em laudo de avaliação. A não-apresentação do laudo solicitado pela fiscalização acarretou a adição do montante da reserva de reavaliação ao lucro líqui-do, para efeito de determinação do lucro real. Eis o teor do mencionado dispositivo do RIR/94:

“Art. 382. A contrapartida do aumento de valor de bens do ativo permanente, em virtude de nova avaliação baseada em laudo nos termos do art. 8º da Lei nº 6.404, de 1976, não será computada no lucro real enquanto mantida em conta de reserva de reavaliação (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 35, e Decreto-Lei nº 1.730, de 1979, art. 1º, inciso VI).

§ 1º O laudo que servir de base ao registro de reavaliação de bens deve identificar os bens reavaliados pela conta em que estão escriturados e indicar as datas da aquisição e das modificações no seu custo original (Lei nº 7.799/89, art.12, § 2º).

§ 2º O contribuinte deverá discriminar na reserva de reavaliação os bens reavaliados que a tenham originado, em condições de permitir a determinação do valor realizado em cada período de apuração (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 35, § 2º).

§ 3º Se a reavaliação não satisfizer aos requisitos deste artigo, será adicionada ao lucro líquido do período de apuração, para efeito de determinar o lucro real (Decreto-

Page 412: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006412

-Lei nº 5.844, de 1943, art. 43, § 1º, alínea h, e Lei nº 154, de 1947, art. 1º).”

O voto majoritário houve por bem anular o auto de infração, em face do disposto no art. 4º da Lei nº 9.959/2000, que afastou, expressamente, a possibilidade da reavaliação de bens de pessoa jurídica ser computada, para efeito de tributação, antes de ocorrer a efetiva realização do bem avaliado. Embora os fatos que ocasionaram a autuação refiram-se ao ano-calendário de 1996, a lei nova foi aplicada retroativamente, com fulcro no art. 106, II, alíneas a e b, do CTN, ao entendimento de que “a antecipação da realização da reserva de reavaliação dos bens procedi-da pelo fisco em decorrência da deficiência dos laudos de reavaliação apresentados tem nítido caráter de penalidade ao contribuinte, que tem acrescido fictamente valores ao lucro tributável em contrapartida ao descumprimento da obrigação formal de apresentar os laudos. A não--apresentação dos laudos de reavaliação, após a lei nova, não importaria na majoração da base de cálculo do imposto.”

O desate da controvérsia perpassa, necessariamente, pela caracterização do pressuposto para que haja a aplicação retroativa do art. 4º da Lei nº 9.959/2000, ou seja, se a adição dos valores da reserva de reavaliação para compor a base de cálculo do lucro real, em decorrência da omissão quanto ao laudo, possui natureza punitiva. Para alcançar esse intento, cumpre investigar em que consiste a reserva de reavaliação, sua finalidade e as conseqüências contábeis e fiscais de sua constituição.

De regra, os ativos são avaliados por seu custo histórico, apenas atuali-zados monetariamente. A reavaliação ajusta os ativos ao valor de mercado, abandonando-se os valores antigos. Embora o correspondente aumento do valor do ativo constitua renda tributável, enquanto for mantido em conta de reserva de reavaliação, não é incorporado à base de cálculo do lucro real. O porquê de não haver tributação nesse momento deve-se aos pró-prios princípios contábeis, perfilhados pela legislação tributária. Veja-se o pertinente esclarecimento dado na obra Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações (Aplicável às demais Sociedades):

“Essa contrapartida do aumento de valor do ativo numa conta de Reserva deve-se ao fato de que, pelos princípios contábeis (especificamente o da Realização da Re-ceita), não se pode incluir como lucro um ganho não realizado, isto é, que não tenha sido efetivado mediante uma transação com terceiros e com isso originado dinheiro ou direito a recebê-lo (como regra geral). O fato de a empresa saber que seu ativo vale

Page 413: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 413

mais do que está contabilizado e que isso lhe proporcionou um lucro econômico não lhe permite registrá-lo como tal, pelo menos na forma de realizado, isto é, líquido e certo. Poderá fazê-lo apenas na forma de ‘lucro em potencial’, que é o verdadeiro significado da Reserva de Reavaliação.” (Sérgio de Iudícibus, Eliseu Martins e Ernesto Rubens Gelbcke, 6. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 317)

Sob o aspecto tributário, a reavaliação acarreta o diferimento da tri-butação; vale dizer, o imposto continua devido da mesma forma, quando houver a realização do ativo, não sendo considerado o eventual ganho decorrente como parcela dedutível do lucro. Reporto-me à lição colhida na obra supracitada:

“Se, por um lado, o fisco não tributa quando da Reavaliação, por outro também não a reconhece quando da realização dos ativos realizados. Já vimos que o valor das depreciações, amortizações, exaustões, baixas por alienação etc. será maior, o que diminuirá o lucro líquido do exercício e automaticamente o lucro real (tributável). Nessa hora, o fisco, todavia, tem um critério adicional: manda que se acrescente, para cálculo do lucro real, um valor exatamente igual ao que se transferiu da Reserva de Reavaliação para Lucros ou Prejuízos Acumulados, que tem de ser então tributado, como já mencionado. Dessa maneira, é como se não aceitasse a dedução da depreciação correspondente ao valor da reavaliação.” (p. 319)

A conclusão que se afigura plausível, a partir dessas premissas, é que o cômputo do aumento do valor de bens do ativo permanente na deter-minação do lucro real não tem caráter punitivo, sendo inerente ao regime contábil e fiscal de mensuração do resultado da atividade empresarial. A exigência de laudo de avaliação, segundo a legislação vigente à época dos fatos, constitui requisito de validade para que ocorra o diferimento da tributação. Somente se a avaliação envolvesse bens do ativo permanente, fosse feita com base em laudo nos termos do art. 8º da Lei nº 6.404/76 e creditada à conta de reserva de reavaliação, estaria preenchido o suporte fático da norma, consoante o caput do art. 382 do RIR/94. No tocante ao laudo, assim dispõe o art. 8º da Lei nº 6.404/76:

“Art. 8º A avaliação dos bens será feita por 3 (três) peritos ou por empresa espe-cializada, nomeados em assembléia-geral dos subscritores, convocada pela imprensa e presidida por um dos fundadores, instalando-se em primeira convocação com a presença de subscritores que representem metade, pelo menos, do capital social, e em segunda convocação com qualquer número.”

A desconsideração das listas de cotações de preços, fornecidas por revendas de veículos, não significa formalismo exacerbado, pois as pres-

Page 414: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006414

crições a serem observadas na elaboração do laudo estão expressamente previstas na lei. A Deliberação da Comissão de Valores Mobiliários nº 183/95 estabelece os procedimentos que devem ser cumpridos, exigindo--se, no mínimo, que o laudo contenha a descrição detalhada de cada bem avaliado e sua documentação respectiva, sua identificação contábil, cri-térios utilizados para avaliação e sua respectiva fundamentação técnica, vida útil remanescente do bem e data da avaliação.

Impende salientar que a previsão do § 3º do art. 382 é mero comple-mento do caput, porquanto simplesmente explicita o que ocorrerá caso não se configurem todos os elementos previstos abstratamente no dispo-sitivo legal. Essa conseqüência já estava implícita, pois se a reavaliação não satisfizer aos requisitos legais, não surtirá o efeito previsto, que é o diferimento da tributação.

Dessarte, a retroação do art. 4º da Lei nº 9.959/2000 não tem amparo no art. 106, II, alínea a, do CTN, visto que a adição ao lucro real da contrapartida do aumento do valor dos bens decorrente de reavaliação não consiste em penalidade pela não-apresentação do laudo, mas apenas regra de apuração do tributo. Não incide, outrossim, a alínea b do inciso II, porque o último requisito não restou caracterizado: que o fato não tenha implicado a falta de pagamento de tributo. Ao não somar o valor da reserva de reavaliação ao lucro líquido, para o fim de apurar o lucro real, o imposto pago pela empresa resultou menor do que o devido.

Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento aos embargos infringentes.

Page 415: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 415

EMBARGOS INFRINGENTES EM AR N° 2003.04.01.051743-2/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós

Embargante: Fundação Sanepar de Previdência e Assistência Social - FUSAN

Advogado: Dr. Sidnei Aparecido CardosoEmbargada: União Federal (Fazenda Nacional)

Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

EMENTA

Imunidade. Entidade de previdência privada. Contribuição dos participantes. Incidência de imposto de renda sobre os rendimentos de aplicações financeiras. Art. 150, VI, c, da Constituição Federal.

Apenas as entidades detentoras da imunidade tributária prevista no ar-tigo 150, inciso VI, alínea c, da Constituição Federal é que se beneficiam da declaração de inconstitucionalidade da exigência fiscal posta no § 1° do art. 12 da Lei n° 9.532/97 (STF, ADIn n° 1.802/DF), o que não é o caso da ora embargante.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, firmada sob o pálio da CF/67, é no sentido de que as entidades de previdência privada, por-que não são entidades de assistência social, não estão abrangidas pela imunidade tributária do art. 19, III, c, CF/67, ou art. 150, VI, c, CF/88. (RE 202.700 e AGRAG 360.404)

Da mesma forma, o Plenário daquela Corte assentou o entendimento de que a imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, c, da Cons-tituição apenas alcança as entidades fechadas de previdência privada em que não há a contribuição dos beneficiários, mas tão-somente a dos patrocinadores. (RE 259.756 e 235.003)

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia lª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o Desembargador Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, negar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante

Page 416: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006416

do presente julgado. Porto Alegre, 2 de março de 2006.Des. Federal Vilson Darós, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Fundação Sanepar de Pre-vidência e Assistência Social - FUSAN ajuizou os presentes embargos infringentes objetivando a prevalência do voto vencido no acórdão da Primeira Seção, que, por maioria, julgou procedente ação rescisória aforada pela Fazenda Nacional para o fim de ver reformado o julgado que reconheceu a imunidade do imposto de renda em relação às apli-cações financeiras da ora embargante. (acórdão prolatado na AMS n° 2000.04.01.032976-6)

O voto vencedor, proferido pelo Desembargador Federal Wellington Mendes de Almeida (fls. 497-498), foi no sentido da procedência da ação rescisória para rescindir o acórdão prolatado na AMS n° 2000.04.01.032976-6 e manter a sentença que denegou a segurança, ao fundamento, em síntese, de que “não basta, para embasar a procedência da demanda, a suspensão cautelar da eficácia do § 1º do art. 12 da Lei nº 9.532/97, em virtude da decisão do STF, na ADIn n° 1.802/DF. É imperioso que a instituição de-monstre ser beneficiária da imunidade constitucional prevista no art. 150, VI, alínea c, da Constituição Federal” (fl. 497, verso), o que não ocorreu. Acompanharam o relator os Desembargadores Federais Álvaro Eduardo Junqueira, Surreaux Chagas e Maria Lúcia Luz Leiria.

Restaram vencidos os Desembargadores Federais Dirceu de Almeida Soares e Antônio Albino Ramos de Oliveira, que votaram pela improce-dência da ação rescisória, ao fundamento de que o pedido da impetrante, ora embargante, no mandamus de origem, foi somente a declaração de inconstitucionalidade do § 1° do artigo 12 da Lei 9.532/97, não sendo a imunidade causa de pedir e não havendo sobre ela pronunciamento judicial no acórdão objeto da rescisória.

Admitidos os embargos infringentes e dada vista à embargada, esta apresentou impugnação. (fls. 569 a 575)

É o sucinto relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós:

Page 417: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 417

1. Da admissibilidadeNa dicção do artigo 530 do Código de Processo Civil, “Cabem em-

bargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência”.

No caso, a rescisória proposta pela União visando desconstituir acór-dão da egrégia 1ª Turma deste Tribunal foi julgada procedente por maio-ria. O voto condutor foi da lavra do eminente Desembargador Federal Wellington Mendes de Almeida, acompanhado pelos Desembargadores Federais Álvaro Eduardo Junqueira, Surreaux Chagas e Maria Lúcia Luz Leiria, restando vencidos os Desembargadores Federais Dirceu de Almeida Soares e Antônio Albino Ramos de Oliveira.

Cabível, portanto, o recurso interposto e, sendo tempestivo, dele conheço.

2. Da divergência A douta maioria, que deu pela procedência da rescisória, centrou

os seus fundamentos na tese da não-imunidade tributária da Fundação Sanepar de Previdência e Assistência Social - FUSAN, ora embargante, como fator determinante para rescindir o julgado e, via de conseqüência, denegar a segurança, afastando, assim, a alegada inexigibilidade do Im-posto de Renda sobre os rendimentos e ganhos de capital em aplicações financeiras de renda fixa ou variável.

Já a divergência firmou posição no sentido da inexistência de coisa julgada quanto à tese da imunidade tributária, de que trata o art. 150, VI, c, da Constituição da República, sustentando que a decisão rescindida fundou-se na inconstitucionalidade do parágrafo 1º do art. 12 da Lei n° 9.532/97. E, não tendo havido trânsito em julgado quanto à questão da imunidade, uma vez que o acórdão rescindido apenas tangenciara o tema, não se pode falar em violação à literal dispositivo legal, fundamento da rescisória. (CPC, art. 485, V)

3. Do mérito Para melhor apreciar a matéria posta em debate, válido um re-

trospecto dos fatos e teses em confronto. Para isso valho-me do voto divergente proferido pelo eminente Desembargador Federal Dirceu

Page 418: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006418

de Almeida Soares (fls. 530-531):“A Fundação Sanepar de Previdência e Assistência Social (Entidade de Previdência

Privada Fechada) impetrou ação mandamental (Processo nº 98.0002730-0) insurgindo--se contra a cobrança de imposto de renda retido na fonte, realizada com base no art. 12, § 1°, da Lei 9.532, de 10.12.97, sobre os rendimentos produzidos por aplicação financeira de renda fixa ou variável.

Alegou a inconstitucionalidade do mencionado § 1° do art. 12 da Lei 9.532. Es-clareceu, na oportunidade, ter a seu favor sentença (ainda não transitada em julgado, porque pendentes de julgamento embargos de declaração no RExt n° 161959) – que reconheceu sua imunidade tributária.

Vejamos o disposto na peça pórtica:‘[...] Não se trata de reconhecer a imunidade, pois esta já restou reconhecida.

Questiona-se, isto sim, a forma agressiva, ilegal e inconstitucional com que a Lei 9.532, através de seu artigo 12, vem obstar direito líquido e certo, impondo uma tributação já afastada pela via judicial e, inclusive distorcendo as regras insertas no art. 150 da CF, deturpando os princípios básicos da imunidade, os quais, dentre eles, desponta a não-tributação. [...]’ (fl. 26)

No primeiro grau a segurança foi denegada.Mediante apelação, a sentença foi reformada por acórdão de relatoria do eminente

Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon (AMS nº 2000.04.01.032976-6/PR), tendo sido acompanhado pelo Des. Federal Wellington Mendes de Almeida e pela Desa. Fe-deral Maria Lúcia Luz Leiria. No relatório de seu voto (17. 325), o insigne magistrado sintetizou o objeto do Mandado de Segurança, nos seguintes termos:

‘Trata-se de ação de mandado de segurança na qual a impetrante invoca a incons-titucionalidade do § 1º do art. 12 da Lei nº 9.532/97, buscando ordem para que seja restabelecida a inexigibilidade da retenção de imposto de renda sobre suas aplicações de renda fixa ou variável.’

Ao lançar o voto (fls. 326-328), expõe seu convencimento sobre o pedido, verbis:

‘Tenho para mim que a sentença sob controle, permissa venia de seu ilustre Prolator, ao investir sobre a análise de ser ou não a impetrante beneficiada pela imunidade tribu-tária alvitrada no art. 150, VI, c, da CF/88, foi além da marca. O objeto da impetração era a exigência da retenção de imposto de renda sobre as aplicações em renda fixa ou variável do ente fundacional, determinada no § 1 ° do art. 12 da Lei nº 9.532/97, de sorte que a discussão acerca da imunidade tributária desvia do foco do debate, ampliando a litigiosidade quanto o tema sequer foi aventado pela autoridade coatora em suas informações (fls. 73/79). O i. Julgador a quo deteve-se sobre situação jurídica localizada fora da lide, pondo o impetrante, aliás, em condição inferior àquela que ele ostentava ao início da demanda, porquanto não há notícia da existência de cizânia ou resistência acerca do gozo da imunidade indigitada. Claro que a imunidade tributária é questão conexa à incidência da Lei n° 9.532/97, porquanto o dispositivo legal fez

Page 419: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 419

reserva àquela figura isentiva; porém, se a fundamentação de previdência e assistência julga-se beneficiada pelo regime tributário especial, sem impugnação da autoridade fazendária, não se justifica deliberar-se ex officio acerca do tema. A lide tem contornos bem definidos e, mais uma vez afirmo, não avança sobre o favor tributário garantido constitucionalmente.

Aprecio a questão de fundo – constitucionalidade do § 1º do art. 12 da Lei 9.532/97 – uma vez que o i. julgador a quo firmou seu juízo acerca do tema, bem assim porque se trata de matéria exclusivamente de direito e as partes delinearam exaustivamente suas posições.’ – destaques meus.

Por fim, sacramenta:‘Frente ao vício formal apontado, manifesta a incompatibilidade constitucional do

§ 1°, art. 12, da Lei nº 9.532/97.’A União interpôs recurso extraordinário, sob o fundamento de que o acórdão

contrariou o art. 150, VI, c, da CF. Ele não foi admitido, porque ‘a questão referente a ser ou não a recorrida beneficiada pela imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, c, da CF não foi examinada pelo acórdão recorrido, o qual se limitou à análise da constitucionalidade do art. 12, § 1°, da Lei 9.532/97. O recurso não merece seguimento, porquanto abrange matéria distinta daquela sobre o qual versou o acórdão impugnado, restando insatisfeito, assim, o requisito do prequestionamento.

O acórdão rescindendo transitou em julgado no dia 23.10.2003.A autora moveu, então, a presente ação rescisória com base no inciso V do artigo

485 do CPC (violação à literal disposição de lei). Trouxe vários julgados do STF que referem não terem as entidades de previdência privada o direito à imunidade prevista no artigo 150, inciso VI, letra c, da CF/88.

Afirmou, subseqüentemente, que o acórdão deve ser rescindido, porque a base de sua valoração jurídica (imunidade da ré) tornou-se inválida com a posterior decisão do STF.

O voto do eminente relator Des. Wellington Mendes de Almeida acolhe as alega-ções da União. De fato, considera que a imunidade fazia parte do pedido e, portanto, era a premissa principal do silogismo do acórdão rescindendo, enquanto aplicação do princípio da demanda.”

E o douto prolator do voto divergente conclui por dizer (fl. 531):“Data maxima venia, divirjo dessa apreciação, porque entendo que o pedido da

autora (ora ré) foi somente a declaração de inconstitucionalidade do § 1º do artigo 12 da Lei 9.532/97. A imunidade não era causa de pedir e sobre ela não houve pro-nunciamento judicial no acórdão objeto desta rescisória.”

Arrematando (fl. 532):“Destarte, não se pode admitir a procedência de uma ação rescisória que desvirtua

totalmente o objeto da sentença rescindenda e não enfrenta seus fundamentos, autori-zando a conversão em renda, em favor do Erário, de valores depositados por força de

Page 420: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006420

legislação específica que foi declarada inconstitucional.”

Na mesma senda, trilhou o ilustrado Desembargador Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira ao referir, em seu voto-vista, que a discussão travada nesta ação está restrita à constitucionalidade do § 1° do art. 12 da Lei n° 9.532/97, que obrigava as entidades de assistência social a recolher na fonte os rendimentos sobre o ganho de capital auferidos em aplicações financeiras, sendo essa a causa de pedir do mandado de segu-rança de que se originou a presente rescisória. O writ fora ajuizado com a suposição de ser a FUSAN beneficiária da imunidade constitucional, tanto que esse tema não foi objeto de questionamento. Ademais, finaliza,“ainda que a imunidade houvesse figurado como motivo de decidir, não integraria a coisa julgada, como se depreende do art. 469, I, do CPC. O que foi decidido, e aí sim há coisa julgada, é que não pode ser exigido da FUSAN o imposto de renda sobre seus ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras com base no § 1º do art. 12 da Lei nº 9.532/97, dada sua inconstitucionalidade. Para ter sucesso na rescisória, a União deveria demonstrar o inverso: que é legítimo exigir da Fusan o imposto de renda com base no § 1 ° do art. 12 da Lei n° 9.532/97, demonstrando sua constitucionalidade. Disso sequer cogitou.” (fl. 536)

Outro, no entanto, foi o caminho percorrido pela ilustrada maioria, capitaneada pelo voto condutor do eminente Desembargador Federal Wellington Mendes de Almeida, verbis:

“Antes de adentrar na análise dos fundamentos da ação, é importante precisar com exatidão os contornos da lide, pois o âmbito de cognição da rescisória depende de tal definição. O acórdão rescindendo assegurou que a questão atinente à imunidade da parte ré não estava inserida no objeto da impetração...

(...)Não obstante a tentativa da ré de fazer prevalecer o entendimento do acórdão rescin-

dendo, firmo posição em sentido contrário. O dispositivo invocado como fundamento – art. 12, § 1°, da Lei nº 9.532/97 – trata da imunidade deferida pelo art. 150, inciso VI, alínea c, da Constituição, às instituições de educação ou de assistência social sem fins lucrativos que atendam às condições legais. Para argüir a inconstitucionalidade da ex-clusão dos rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou variável do beneficio imunitório, constitui pressuposto lógico estar enquadrada na categoria de entidade imune, nos termos do caput do referido dispositivo. Não há porque apartar esse requisito dos fundamentos do pedido encartado na inicial, como se fossem assuntos estranhos e díspares; aliás, existe evidente relação de continência entre a alegada inconstitucionalidade da exigência fiscal sobre os rendimentos de aplicações financeiras de entidades imunes e a própria questão da imunidade. Somente a entidade

Page 421: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 421

imune pode aduzir que a retenção do imposto de renda avança sobre o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as suas finalidades essenciais.

É sabido que o nosso sistema processual adotou a teoria da substanciação, valorizan-do os fatos expostos na inicial para que se compreenda a relação jurídica que embasa a pretensão. É corolário dessa concepção a desimportância dos fundamentos legais indicados pela parte; o que o autor deve demonstrar são as conseqüências jurídicas que se extraem dos fatos narrados. O julgador possui ampla esfera de liberdade para qualificar juridicamente os fatos, não estando adstrito ao que a parte apontou como fundamento jurídico. Disso resulta que, no caso em análise, a verificação procedida pelo MM. Juízo a quo relativamente ao efetivo gozo de imunidade tributária pela ré não desborda dos limites do mandado de segurança, sendo indispensável ao deslin-de da controvérsia. Os argumentos da ré, portanto, não resistem a uma análise mais aprofundada dos elementos da ação. Assim, não basta, para embasar a procedência da demanda, a suspensão cautelar da eficácia do § 1° do art. 12 da Lei n° 9.532/97, em virtude da decisão do STF, na ADIn n° 1.802/DF. É imperioso que a instituição demonstre ser benefaciária da imunidade constitucional prevista no art. 150, VI, alínea c, da Constituição Federal. (...)”

Tenho por prestigiar a douta maioria que, a meu ver, bem apreciou a questão e soube com maestria captar a sutileza da matéria trazida a julgamento.

Efetivamente, não há como separar, até porque é verdadeiro pressu-posto, estar no gozo da imunidade constitucional de que trata o art. 150, VI, c, da Constituição da República, com a pretensão de ver-se liberado da exigência tributária posta no § 1° do art. 12 da Lei n° 9.532/97. E isso transparece de maneira cristalina ao ler-se, não só o parágrafo 1º, mas iniciando- se com o caput do art. 12, a quem o parágrafo está ligado. Veja-se a dicção da lei:

“Art. 12- Para efeito do disposto no artigo 150, VI, alínea c, da Constituição, considera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que preste os serviços para as quais houver sido instituída e os coloque à disposição da população em geral, em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos.

§ 1º- Não estão abrangidos pela imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.”

Parece-me insofismável, é às entidades imunes constitucionalmente que a exigência fiscal é dirigida pelo § 1 ° do art. 12 da lei em comento. E é por isso que a Corte Maior de nosso País a afastou, suspendendo a sua vigência. (ADIn n° 1.802-3)

Há, porém, que precisar: apenas as entidades detentoras da imunida-

Page 422: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006422

de tributária (CF, art. 150, VI, c) é que se beneficiam da declaração de inconstitucionalidade da questionada exigência fiscal.

Não é o caso da ora embargante. A FUSAN é entidade de previ-dência privada e não de assistência social, não se beneficiando da imunidade constitucional.

A assistência social “não exige qualquer forma de participação no custeio, sendo prestada ‘a quem dela necessitar’, na dicção do art. 203. As entidades de previdência privada têm, naturalmente, caráter complementar à atividade essencialmente estatal, todavia, operam em ramo diverso da assistência social, destinando-se a oferecer programas previdenciários e assistenciais exclusivamente a seus participantes, que podem usufruir dos benefícios desde que recolham as contribuições exigidas, como, forma de participação no custeio. A interpretação a ser dada ao art. 150, VI, alínea c, portanto, deve ser informada pelo conceito de previdência e assistência social expresso nos referidos dispositivos constitucionais. Não existe um conceito de assistência social para fins tributários e outro para fins de seguridade social; pelo contrário, há de se buscar e preservar a harmonia do sistema.” (EAR n° 2003.04.01.051743-2, p. 498)

A jurisprudência pátria segue nessa linha:“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PREVIDÊNCIA PRI-

VADA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INEXISTÊNCIA.1. Entidade fechada de previdência privada. Concessão de benefícios aos filiados

mediante recolhimento das contribuições pactuadas. Imunidade tributária. Inexistên-cia, dada à ausência das características de universalidade e generalidade da prestação, próprias dos órgãos de assistência social.

2. As instituições de assistência social, que trazem ínsita em suas finalidades a ob-servância ao princípio da universalidade, da generalidade e concede benefícios a toda coletividade, independentemente de contraprestação, não se confundem e não podem ser comparadas com as entidades fechadas de previdência privada que, em decorrência da relação contratual firmada, apenas contempla uma categoria específica, ficando o gozo dos benefícios previstos em seu estatuto social dependente do recolhimento das contribuições avençadas, conditio sine qua non para a respectiva integração no sistema. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE 202700/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julg. em 08.11.2001, DJ 01.03.2002, p.00052, EMENT VOL-02059-03, p.00488, RTJ VOL-00180-02, p.00690)

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. IMUNIDADE TRI-BUTÁRIA: PREVIDÊNCIA PRIVADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. C.F., 1967, art. 19, III, c; C.F., 1988, art. 150, VI, c. I- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,

Page 423: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 423

firmada sob o pálio da CF/67, é no sentido de que as entidades de previdência privada, porque não são entidades de assistência social, não estão abrangidas pela imunidade tributária do art. 19, III, c, CF/67, ou art. 150, VI, c, CF/88.

II- Entendimento pessoal do relator deste, em sentido contrário, esclarecendo-se, entretanto, que tal entendimento não é sustentável sob o pálio da CF/88. É que esta, a CF/88, distingue previdência de assistência social (CF/88, art. 194). Ora, a imunidade do art. 150, VI, c, CF/88, é restrita às entidades de assistência social.

III- Precedente do STF: RE 202.700-DF, M. Corrêa, Plenário, 08.11.2001. IV- RE inadmitido. Agravo não provido.” (AGRAG 360.404/RJ, 2ª T., julg. em

05.02.2002, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 08.03.2002) Grifei.“EMENTA: As entidades de previdência privada que se mantenham com a con-

tribuição dos associados não são entidades de assistência social, razão por que não estão abrangidas pela imunidade prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal. Precedente: RE 202.700/DF, rel. Min. Maurício Corrêa. Recurso Extraordinário não conhecido.” (RE 208.348/RJ, Pleno, julg. em 01.02.2002, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/acórdão Min. Ellen Gracie, DJ 12.04.2002, p. 67)

No caso dos autos, como está fartamente provado e sequer negado pela embargante, constando inclusive de seu Estatuto, o plano de bene-fícios oferecidos pela fundação não são custeados exclusivamente pela patrocinadora, mas há outras contribuições, entre as quais dos próprios participantes e futuros beneficiários. Veja-se:

“Art. 20. O plano de benefícios será custeado pelas seguintes fontes:I- contribuição mensal e dotações das patrocinadoras;II- contribuição mensal dos participantes ativos e assistidos;III- jóia dos participantes ativos ou assistidos, determinadas atuarialmente, o regu-

lamento dos benefícios previdenciários tratará da jóia;IV- rendas de bens de qualquer natureza e as decorrentes dos investimentos

da Fusan;V- dotações iniciais das patrocinadoras a serem fixadas atuarialmente;VI- doações, legados, auxílios, subvenções e quaisquer outras contribuições de

pessoas físicas e jurídicas.”

E o Supremo Tribunal Federal firmou posição no sentido de que gozam da imunidade tributária constitucional somente as entidades fechadas de previdência privada em que não há contribuição dos participantes:

“Recurso extraordinário. Entidade fechada de previdência social. Imunidade tributária.

– O Plenário desta Corte, ao julgar o RE 259.756, firmou o entendimento de que a imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, c, da Constituição apenas alcança as en-

Page 424: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006424

tidades fechadas de previdência privada em que não há a contribuição dos beneficiários, mas tão-somente a dos patrocinadores, como ocorre com a recorrida (fl. 22). Recurso extraordinário não conhecido.” (RE 235003/SP, Relator(a)s Min. MOREIRA ALVES, julg. em 26.02.2002, 1ª T., DJ 12.04.2002, p.00066, EMENT VOL-02064-05, p.00907)

Nessas condições, tenho por prestigiar a douta maioria, com vênia da divergência.

Isso posto, nego provimento aos embargos infringentes, nos termos da fundamentação.

É o voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.71.00.038200-9/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Antonio Albino Ramos de Oliveira

Apelante: Target Com. Internacional Ltda.Advogados: Drs. José Messias Siqueira e outros

Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

Interessado: The Polo/Lauren Company LPAdvogados: Drs. Robson Jaime Dutra e outros

EMENTA

Pena de perdimento. Mercadorias. Contrafação não comprovada. Ausência de dano ao Erário.

1- O perdimento de mercadorias não pode se fundar em meras in-formações provindas dos titulares da marca, uma vez que não há como atribuir isenção absoluta à empresa, sendo ela a própria detentora dos interesses comerciais envolvidos na causa.

2- Impõe-se a conclusão do desembaraço aduaneiro se nenhuma medida judicial que pudesse ensejar a apreensão das mercadorias houver sido to-

Page 425: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 425

mada pelo detentor da marca e se não houver irregularidades na operação de importação, nos termos do art. 546 do Regulamento Aduaneiro.

3- Hipótese em que restou desatendido o princípio do contraditó-rio na medida em que a autoridade administrativa sequer examinou a defesa produzida pela autora depois de apresentadas as afirmações dos titulares da grife.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica-das, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 4 de abril de 2006.Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Antonio Albino Ramos de Oliveira: Target Com. Internacional Ltda. ajuizou ação ordinária contra a União, visando à desconstituição do auto de infração n° 1017600/00004/04, lavrado em razão da apreensão de mercadoria estrangeira importada pela autora que apresentava característica essencial falsificada, dificultando sua identifi-cação. A autora assim expôs os fatos e fundamentos do pedido:

“1- Corolário do exercício de sua atividade comercial, a Requerente procedeu com a importação das mercadorias vinculadas a Declaração de Importação n° 03/1112098-3, devidamente registrada em 17 de dezembro de 2003, sendo que, após serem descarrega-das aquelas mercadorias, foram submetidas ao procedimento de desembaraço aduaneiro.

2- Na oportunidade em que se deu o registro da Declaração de Importação, a Re-querente recolheu aos cofres PÚBLICOS todos os TRIBUTOS inerentes à presente operação, não havendo nenhum débito pendente ou que tenha a Autoridade Fiscal apontado qualquer divergência dos valores previamente recolhidos.

3- Em 23 de dezembro de 2003, durante a vistoria de carga, houve a coleta de amostras para a realização de laudo pericial de autenticidade a ser elaborado pelo titular da marca, cuja sede da matriz está localizada nos Estados Unidos da América.

4- Após a análise das amostras coletadas, o Representante legal da Marca POLO/RALPH LAUREN aqui no Brasil apresentou à Autoridade Fiscal os laudos que se constituem em MERAS MANIFESTAÇÕES DOS FUNCIONÁRIOS DA PRÓPRIA

Page 426: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006426

MARCA, cujas informações são UNILATERALMENTE por eles mesmos produzidas, para que isto, ao que chamou de laudo pericial, fossem acostados ao procedimento administrativo que amparou o Auto de Infração n° 11011.000123/2004-470.

5- Objetivando refutar as meras alegações lançadas nos documentos apresentados pelo Representante da Marca, a Requerente fez acostar aos autos inúmeros documentos e provas de que AS MERCADORIAS IMPORTADAS CORRESPONDEM FIELMEN-TE AOS MESMOS PRODUTOS CONFECCIONADOS E COMERCIALIZADOS NOS EUA.

6- Inobstante isto, a Autoridade Fiscal, exclusivamente com base no art. 25 do Decreto-Lei n° 1.445, de 1976, apreendeu as mercadorias em nome do Ministro de Estado da Fazenda, como medida acautelatória dos interesses da Fazenda Nacional, constando seu registro no Sistema de Mercadorias Apreendidas.

7- Ultrapassados 25 (vinte e cinco) dias, da ciência/intimação do Representante legal dos direitos da marca, isto é, em 19 de janeiro de 2004, SEM QUE HOUVESSE QUALQUER PRONUNCIAMENTO, a Requerente ingressou com um Mandado de Segurança, que foi distribuído para a 3ª Vara Federal de Porto Alegre (RS), que recebeu como número de processo nº 2004.71.00.002165-7, no qual objetivava a manifestação da Autoridade Fiscal acerca do prosseguimento e conclusão do desembaraço das suas mercadorias.

8- Ressalte-se que o único objetivo do Mandado de Segurança constituía-se no excesso de prazo para conclusão do desembaraço aduaneiro. Além do que, até a efetiva data do protocolo daquele remédio legal, a Requerente não havia sido informada pela Autoridade Fiscal sobre o que efetivamente seria aplicado contra suas mercadorias.

9- Como ressalta a própria Autoridade Fiscal em sua manifestação, somente em 04 de março de 2004 é que foi dada ciência à empresa Requerente sobre o conteúdo do Auto de Infração que se destinava a propor a aplicação da pena de perdimento das suas mercadorias.

10- No último dia 29 de julho de 2004, a Requerente, através de sua Representante Legal, foi INTIMADA do r. DESPACHO DECISÓRIO proferido pelo Ilustre Sr. Dr. INSPETOR DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL NA ALFÂNDEGA DO AEROPORTO SALGADO FILHO em Porto Alegre (RS), sobre a aplicação da pena de perdimento das mercadorias descritas na Declaração de Importação n° 03/1112098-3, relacionadas ao processo administrativo em foco.

11- A Autoridade Fiscal não fez aplicar o disposto na legislação pertinente, isto é, a Representante da Marca, intimada em 23 de dezembro de 2004, ainda não comprovou ter adotado e implementado os requisitos descritos e fixados e a seguir transcritos:

(...)12- Mesmo tendo esgotados os prazos para pronunciamento do Representante da

Marca, a Autoridade Fiscal insistiu em manter apreendidas as mercadorias importadas e de propriedade da Requerente, violando o disposto expressamente na norma legal supra referida.

13- Depreende-se também que a Autoridade Fiscal não faz menção ou referência

Page 427: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 427

ao disposto nos arts. 546 e 547, ambos do RA, pelo qual deveria o Representante da marca tomar as medidas judiciais cabíveis para apreensão judicial das mercadorias, o que não ocorreu.

(...)14- A legislação acima transcrita é clara, ao transferir o ônus quanto à necessidade

de tomar ou adotar as medidas judiciais cabíveis para a apreensão judicial das merca-dorias, e isto, em nenhum momento, a Autoridade Fiscal apresentou à Requerente ou justificou em seu r. DESPACHO DECISÓRIO.

(...)15- Da mesma forma NÃO merece SUBSISTIR O AUTO DE INFRAÇÃO, por-

que não fez constar em qual dispositivo legal ESTÁ PREVISTO ser passível de pena de perdimento o caso em que O DETENTOR DA MARCA NÃO SE PRONUNCIE.

16- Não descreve o Auto de Infração qual ou quais requisitos foram violados capaz de ensejar a pena de perdimento. Senão vejamos:

- Qual ou quais características essenciais das mercadorias foram adulteradas ou falsificadas?

- Em que ou como consistiu o impedimento ou dificuldade na identificação das mercadorias?

- Qual foi o dano ao Erário?17- Necessário mencionar, EMÉRITO JULGADOR!!! Que o Brasil é signatário do

ACORDO SOBRE ASPECTOS DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTU-AL RELACIONADOS AO COMÉRCIO, aprovado pelo Decreto Legislativo n° 30, de 1994, e promulgado pelo Decreto n° 1.355, de 1994.

18 - Assim, temos que o Auto de Infração deve manter relação e obediência, pelo Princípio da Estrita Legalidade, aos dispositivos legais incorporados ao Direito interno, através de Acordos Internacionais.

(...)19- Do exposto, levando-se em conta os PRINCÍPIOS DA TIPICIDADE e da

INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA, que regem as normas em geral, temos que a Pena de Perdimento só pode ser aplicada quando houver efetivamente sido comprovado o DANO AO ERÁRIO.

20- Assim sendo, É ATÍPICA a aplicação da pena de perdimento em questão, ferindo o Princípio da Tipicidade prevista na Carta Magna (art. 5°, inc. XXXIX), que é ínsito ao da Legalidade (art. 5°, inc. II, da mesma Carta Política), levando-se em consideração que em regra não foram cumpridos os dispositivos legais invocados.

PORTANTO, se o Representante da Marca não adotou as medidas cabíveis, nem tampouco pleiteou a apreensão judicial das mercadorias ou apresentou neste Auto de Infração o respectivo comprovante de ingresso perante um Juiz competente, ou ainda, que tenha tomado quaisquer providências para a permanência da malsinada apreensão, MERECE SER DESCONSTITUÍDA ESTA, por completa VIOLAÇÃO À EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL.”

Page 428: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006428

Concluiu enfatizando que da importação realizada não decorre nenhum dano ao erário e postula seja julgada procedente a ação, com a decretação de nulidade do auto de infração n° 1017600/00004/04.

A União contestou a ação. Transcreveu, na íntegra, o conteúdo do auto de infração e argumentou que: a) restou comprovado no processo administrativo que as mercadorias importadas são falsificadas; b) de acordo com o art. 106, VIII, do Decreto n° 37/66, regulamentado pelo art. 618, VIII, do Decreto n° 4.543/2002, aplica-se a pena de perdimen-to às mercadorias estrangeiras que apresentem característica essencial falsificada; e c) o art. 544 do Decreto n° 4.543/2002 autoriza a apreen-são de ofício de produtos assinalados com marca falsificada. Requer a improcedência do pedido.

Sobreveio sentença que julgou improcedente a ação. Condenou a autora ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa.

Apelou a autora, repisando os argumento da inicial.Com contra-razões, vieram os autos a este Tribunal.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Antonio Albino Ramos de Oliveira:1- A autora firmou contrato de importação com a empresa Sky

Blue Desing S.A., localizada na Zona Franca de Colón/Panamá, a fim de adquirir as mercadorias (artigos de vestuário) amparadas pelo conhecimento aéreo HAWB 04299387573/PTY975600.

A carga desembarcou na Alfândega do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em 27.11.2003, e, ao proceder à conferência aduaneira, a autoridade alfandegária constatou que todas as mercadorias estavam identificadas com a marca POLO/RALPH LAUREN, embora essa característica não constasse da fatura comercial. Em face disso, foi for-malizada exigência à importadora para que comprovasse a autorização do detentor da marca.

A fim de atender à requisição da União, a autora providenciou cópias dos documentos de constituição da empresa exportadora na República do Panamá (fls. 33/42), os Certificados de Origem n° 15149 e 15150 das mercadorias exportadas (fls. 50/54) e uma declaração do

Page 429: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 429

exportador de que se dedica a importação e exportação de mercado-rias da marca Polo Ralph Lauren (fl. 45), sem, contudo, comprovar a autorização do titular da marca.

Posteriormente, a importadora solicitou autorização para o registro da Declaração de Importação, que recebeu o número 03/1112098-3, e sugeriu à Receita Federal a retirada de amostras para que fossem examinadas pelo titular da marca, de modo a atestar a autenticidade das mercadorias importadas.

Após a vistoria da carga, efetuada na presença do representante legal da Polo/Ralph Lauren, do importador e da Receita Federal, foram cole-tadas 3 (três) amostras de 8 (oito) referências diferentes de mercadorias, conforme Termo de Coleta de Amostras lavrado em 23.12.2003 (fl. 77). As amostras foram distribuídas em 3 (três) caixas lacradas e rubricadas pelos representantes, ficando cada um deles com uma caixa, sendo a do representante da marca destinada a embasar o laudo pericial de auten-ticidade, a ser elaborado em sua matriz, localizada nos Estados Unidos da América.

Concluídos os laudos técnico-periciais, as mercadorias foram consi-deradas contrafeitas, entre outros, pelos seguintes motivos (fl. 45):

“a) Em 5 (cinco) amostras de 8 (oito) coletadas o país de origem das mercadorias é Honduras, e a empresa POLO Ralph Lauren não tem fábricas naquele país;

b) as etiquetas estão em desacordo com os padrões da empresa Polo Ralph Lauren;c) as referências nas peças estão em desacordo com os padrões da empresa.”

Essas circunstâncias ensejaram a lavratura de Auto de Infração e Ter-mo de Apreensão e Guarda Fiscal, que determinou a aplicação da pena de perdimento às mercadorias descritas na Declaração de Importação n° 03/1112098-3, consoante com o disposto na legislação de regência da matéria – art. 105, VIII, do Decreto-Lei n° 37/66, e art. 23, IV e parágrafo único, do Decreto-Lei n° 1.455/76, regulamentados pelo art. 618, VIII, do Decreto n° 4.543/02; arts. 94, 95, IV, e 96, II, do Decreto-Lei n° 37/66, e arts. 23, 25 e 27, do Decreto-Lei n° 1.455/76, regulamentados pelos arts. 602, 603, 604, II, 615, 616, 627 e 690, do Decreto n° 4.543/02; arts. 189, I, 190, I, 192 e 198, da Lei n° 9.279/96; art. 18, § 6°, II, da Lei n° 8.078/90; art. 7°, I, e art. 11 da Lei n° 8.137/90.

2- As operações que envolvem o comércio exterior sujeitam-se à ob-servância das limitações e exigências impostas pelo Fisco, a fim de que

Page 430: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006430

o órgão fiscalizador tenha o controle de todos os bens que adentram no território nacional. Essas medidas estão estritamente vinculadas à defesa do interesse público, uma vez que visam proteger o erário de prejuízos decorrentes da violação de bens jurídicos relevantes. Nessa conjuntura, a tutela da propriedade intelectual encontra suporte no art. 618, VIII, do Regulamento Aduaneiro, que dispõe:

“Art. 618. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário:

(...)VIII- estrangeira, que apresente característica essencial falsificada ou adulterada,

que impeça ou dificulte sua identificação, ainda que a falsificação ou a adulteração não influa no seu tratamento tributário ou cambial.”

A pena de perdimento, porém, caracteriza-se como a mais severa das penalidades patrimoniais, traduzindo em sua essência a intenção de compensar o erário pelo dano sofrido, a par de desestimular a prá-tica da conduta ilícita. Não é por outra razão que sua aplicação exige a certeza quanto à ocorrência da infração, não se podendo fundar em meras suspeitas ou presunções.

No caso, o laudo técnico elaborado por funcionários da Polo/Ralph Lauren, utilizado pelo Fisco como fundamento para a aplicação da pena de perdimento, concluiu pela falsidade das mercadorias fundando-se, ba-sicamente, em questões relativas ao local de fabricação, comercialização e à etiquetagem das peças.

A análise dos autos, entretanto, revela que, no processo administra-tivo, a autora questionou esses laudos, apontando incongruências, mas a autoridade administrativa sequer examinou as suas alegações. Não as examinou porque a apelante havia ingressado com mandado de segurança, pretendendo a liberação das mercadorias por excedido o prazo de sua retenção, e, em razão do ajuizamento desse mandado de segurança, do qual ela inclusive desistiu, entendeu a autoridade administrativa estar desobrigada de prosseguir no processamento porque, a seu ver, teria a autora, com esse ato, desistido do procedimento administrativo. Diante disso, proferiu, imediatamente, decisão decretando a perda das merca-dorias, sem examinar os argumentos expendidos pela autora no procedi-mento administrativo. E fundou-se a autoridade administrativa em que as mercadorias importadas teriam documentos falsificados, baseando-se

Page 431: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 431

exclusivamente nas afirmações feita por funcionários do titular da marca.Ocorre que as informações provindas da própria titular dos direitos de

fábrica não podem ser tomadas como laudo pericial. O laudo pericial é um documento elaborado por um perito isento, que não tenha qualquer envolvimento na causa. Nesse sentido, destaco o seguinte precedente deste Tribunal:

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIBERAÇÃO DE MERCA-DORIAS IMPORTADAS. ALEGAÇÃO DE FALSIFICAÇÃO DE MERCADORIA E VIOLAÇÃO DE DIREITO DE PATENTE.

1. A autoridade alfandegária, no desempenho do seu mister, deve utilizar-se de elementos que gozem de idoneidade e eficácia, indenes de dúvida, como aqueles pro-duzidos por agentes sem interesse na ação fiscal em curso. A prática, então, de buscar subsídios junto à empresa que alega titularizar os direitos industriais da mercadoria importada é de todo desaconselhável, porquanto atinge a presunção de impessoalidade do ato administrativo.

2. O art. 198 da Lei nº 9.279/96 atua na defesa do uso indevido da marca, prática ilícita não conformada na importação de produtos assemelhados ao produzido pela empresa que ofertou as informações que lastrearam a ação fiscal enfocada.

3. A similitude da mercadoria com produto produzido no território nacional não é suficiente para o preenchimento da indigitada tipificação legal, pois não se trata de mercadoria falsa, na medida em que não indica sequer a marca da empresa que alega-damente é titular da patente do produto internado.

4. Inexistente qualquer dano ao Erário, porquanto atendidas as obrigações tributária pertinentes à operação de importação, tem-se que a hipótese não está contida no âmbito tributário e, sim, na esfera civil, na qual deverá ser suscitada a afronta aos direitos industriais.” (AG 2003.04.01.000039-3/PR, 1ª T., Rel. Des. Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU 06.08.2003, p. 89)

Naquela oportunidade, bem destacou o Des. Lugon em seu voto:“Numa primeira aproximação, é clara a dependência da ação fiscal das informações

obtidas da empresa que alegadamente detém direitos autorais sobre a mercadoria im-portada. Só por isto, o ato administrativo já tem abalada sua legitimidade, pois não há como atribuir isenção absoluta à empresa (...) sendo ela titular de interesses comerciais que colidem frontalmente com aqueles da importadora-agravante.

(...)A prática, então, de buscar subsídios junto à empresa que alega titularizar os direi-

tos industriais da mercadoria importada é de todo desaconselhável, porquanto atinge a presunção de impessoalidade do ato administrativo. Deixe-se claro que não se está aqui acusando o agente aduaneiro de favoritismo, perseguição ou, ainda, lavratura de ato administrativo com desvio de finalidade, mas, apenas, constando falha no emba-

Page 432: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006432

samento do ato questionado.”

Tenho que a situação dos autos é em tudo idêntica, agravada ainda pelo fato de a autoridade ter desatendido ao princípio do contraditório, na medida em que sequer examinou a defesa produzida pela ora apelante depois de apresentados os supostos laudos da titular da marca.

Considero incabível a atitude da autoridade administrativa, porque a renúncia à via administrativa só pode decorrer da opção pela via judi-cial exauriente do mérito da questão demandada na via administrativa, e não por fatores formais paralelos (excedimento do prazo de retenção da mercadoria).

3- Não bastassem essas circunstâncias, que, por si só, afastam a legi-timidade dos procedimentos adotados pelo Fisco, o conjunto probatório coligido nos autos permite afirmar que há diversos equívocos nas ava-liações prestadas pelos funcionários da grife.

As peças foram adquiridas pela empresa PRL Enterprises S.A., lo-calizada na Zona Franca do Panamá, em uma loja da marca Polo/Ralph Lauren nos Estados Unidos (Polo Factory Store 2.796 – Tanger Way #213, Barstow, CA 92311). A adquirente possui licença para distribuir produtos da marca Polo/Ralph Lauren para os países da América Central, o que se confirma pela declaração autenticada e examinada pela Embaixada do Brasil no Panamá (fls. 38 a 40), além de estar devidamente registrada nesse país.

O exportador Sky Blue Desing S.A., localizado na Zona Franca de Colón/Panamá, em 19.02.2004, comprou as mercadorias da distribuidora, conforme comprovantes fiscais de aquisição de produtos que se encon-tram parcialmente reproduzidos através de scanner, com as respectivas etiquetas neles afixadas. Por não ter contrato de comercialização com a Polo, o exportador não incorreria em quebra de contrato, por exportar as mercadorias para países de outras regiões, que não a América Cen-tral, como se deu no caso da venda das peças para a autora. O Sr. José Martinez, representante legal da Sky Blue Desing S.A., além de declarar que a empresa opera com produtos originais (fl. 86), apresentou diversos documentos, também autenticados pela Embaixada Brasileira, a fim de comprovar a idoneidade com que atua, entre os quais: a) certificados da Zona Franca assinados pelo subgerente-geral que afirmavam a existência da empresa naquele local e que a mesma se dedicava a importar e exportar

Page 433: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 433

produtos originais da marca Polo Ralph Lauren (fl. 40); b) comprovantes de habilitação em operações comerciais com produtos da marca Polo; c) certificados de origem das mercadorias de nos 15.149 e 15.150, certifi-cando que as mesmas são originárias de Guatemala, Honduras, México, Estados Unidos e Salvador (fls. 91 a 95); e d) registro de constituição da empresa exportadora. (fls. 74 a 84)

Como se vê, todos esses elementos estão a evidenciar que a importação se deu de forma regular e que as mercadorias foram adquiridas direta-mente de uma loja da marca, por distribuidora devidamente autorizada. Essa conclusão vem a ser reforçada pelas informações prestadas pelo exportador, de que as empresas Wamaco e Cia. Americana são intermedi-árias entre as fábricas em Honduras e a Polo/Ralph Lauren, e que Katan Group é controladora de Industrial Embroidery e de Sitramacor, fábricas essas localizadas em Honduras que produzem para a marca, entre outras.

De se ressaltar, ainda, que, às fls. 175/203 do processo admi-nistrativo, a autora apresentou documentos emitidos pela Zona Franca de Colón, comprovando que o exportador adquiriu produtos originais na América Central, e telas impressas de sites da Internet que informam sobre fábricas e produtos da marca Polo Ralph Lauren, inclusive quanto aos seus preços.

4- A análise técnica menciona que as etiquetas fixadas nos produtos não se apresentam nos padrões utilizados pela marca. Nas traduções nos 4023/04 e 4024/04, é afirmado que as peças são consideradas falsi-ficadas devido ao “tamanho do papel e etiquetas de grife – as etiquetas Polo são tecidas”.

As supostas divergências são expostas de maneira extremamente in-certa e genérica, uma vez que não há menção objetiva às diferenças de padrão exigidas pela Polo ou às diferenças entre as etiquetas encontradas nas amostras e nos “produtos autênticos”, exportados pela marca para todo o mundo.

Não há, pois, falar em contrafação, se a declaração dos próprios funcionários da Polo/Ralph Lauren impossibilita a aferição de inauten-ticidade entre os produtos importados e aqueles comercializados pela marca em todo o mundo.

5- Por fim, ressalto que o Regulamento Aduaneiro, em seu art. 545, estabelece que o titular dos direitos da marca poderá promover denúncia,

Page 434: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006434

correspondente aos produtos assinalados com marcas falsificadas, alte-radas ou imitadas, ou que apresentem falsa indicação de procedência, e, então, solicitar a apreensão judicial das mercadorias, desde que apresente os elementos que apontem para a suspeita.

O art. 546, do mesmo diploma legal, por outro lado, prevê a possibi-lidade de desembaraço e conseqüente liberação das mercadorias no caso de inércia do titular da marca. Transcrevo:

“Art. 546. Se a autoridade aduaneira não tiver sido informada, no prazo a que se refere o art. 545, de que foram tomadas pelo titular da marca as medidas cabíveis para apreensão judicial das mercadorias, o despacho aduaneiro destas poderá ter prosseguimento, desde que cumpridas as demais condições para a importação ou exportação.”

Da leitura desse dispositivo fica muito claro que a autoridade ad-ministrativa não tem a palavra final sobre o problema da contrafação, ou da pirataria; ela tem que notificar o titular da marca, ao qual caberá ir a juízo para obter a apreensão, se for o caso, das mercadorias. E, no caso em exame, nenhuma medida judicial que pudesse ensejar a apreensão das mercadorias foi tomada pela Polo/Ralph Lauren. Des-se modo, e considerando que a aplicação da pena de perdimento na hipótese de contrafação visa, justamente, à proteção da propriedade intelectual, não subsiste razão para que seja decretada, ainda mais tendo o importador recolhido os tributos incidentes e cumprido, assim, todos os procedimentos inerentes à operação.

Em face do exposto, dou provimento à apelação para afastar a pena de perdimento aplicada sobre as mercadorias e determinar a sua liberação.

Condeno a União ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da causa.

É como voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.71.02.004100-5/RS

Page 435: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 435

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares

Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

Apelada: Angela Maria Giuliani e Cia. Ltda.Advogados: Drs. Rafael Hoher e outro

Dr. Michele Cioccari

EMENTA

Tributário. DCTF. Tributos sujeitos ao lançamento por homologação. DCTF. Denúncia espontânea. Inaplicabilidade.

1. A denúncia espontânea, capaz de afastar a imposição de penalidades, tal como configurada no Código Tributário Nacional, no art. 138, é aquela iniciada antes de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionada com a infração, tendo por pressuposto básico o total desconhecimento pelo Fisco acerca da existência do tributo de-nunciado. 2. Os débitos declarados em DCTF ou documento equivalente dispensam o procedimento formal do Fisco para serem exigidos. A pró-pria declaração do contribuinte constitui o crédito tributário, tornando dispensável o lançamento de ofício para que o tributo possa ser imedia-tamente exigido e inscrito em dívida ativa, acrescido de multa e juros moratórios, não havendo, pois, falar em desconhecimento pelo Fisco do crédito tributário confessado. 3. A mens legis da norma insculpida no art. 138 do CTN não tem a elasticidade pretendida, não visando deixar sem punição as infrações administrativas pelo cumprimento extemporâneo das obrigações tributárias, cujo crédito está devidamente constituído. 4. Confessado o débito em DCTF e recolhido o tributo com atraso, não pode o sujeito passivo alegar a denúncia espontânea, fulcrada no art. 138 do CTN, para se livrar da multa moratória.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo da União, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Page 436: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006436

Porto Alegre, 7 de março de 2006.Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Trata-se de apelação interposta pela União postulando a reforma integral da sentença que declarou a existência de denúncia espontânea, nos termos do art. 138 do CTN, e reconheceu o direito da empresa autora de compensar os valores recolhidos a título de multa moratória, com débitos vincendos, condenando a Fazenda Nacional ao pagamento dos honorários advocatí-cios, fixados em 10% sobre o valor da condenação, e a suportar as custas processuais adiantadas pela autora.

Sustentou a União, em síntese, que não se trata, no caso, de denúncia espontânea, mas de pagamento a destempo, não havendo falar em ex-clusão da multa moratória, porquanto não se deve premiar aquele que paga impontualmente suas obrigações tributárias, nos tributos afetos ao lançamento por homologação.

Com as contra-razões, vieram os autos a esta Corte para julgamento do recurso voluntário.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Inicialmente, observo a correção da sentença ao deixar de determinar o reexame ne-cessário, pois esta foi publicada em data posterior à vigência da Lei nº 10.352/01, que modificou o art. 475, § 2º, do CPC, e o direito contro-vertido é de valor inferior a sessenta salários mínimos (R$ 8.607,15).

Controverte-se nos autos acerca da incidência da multa moratória nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, informados em DCTF e recolhidos com atraso pelo sujeito passivo.

Antes de mais nada, há que se ter presente que a denúncia espontâ-nea, capaz de afastar a imposição de penalidades, tal como configurada no Código Tributário Nacional, no art. 138, é aquela iniciada antes de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionada com a infração, tendo por pressuposto básico o total des-conhecimento pelo Fisco acerca da existência do tributo denunciado.

Page 437: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 437

Dessa forma, para se aferir, no caso concreto, a ocorrência da denúncia espontânea, deve-se atentar à especificidade da forma de lançamento.

A constituição do crédito tributário pode se dar pelo lançamento de ofício pela Autoridade Fiscal, que detém a prerrogativa exclusiva para promover esse procedimento administrativo, nos termos do art. 142 do CTN.

Por outro lado, casos há em que a lei atribui ao sujeito passivo a inicia-tiva de verificar a ocorrência do fato gerador, apurar a matéria tributável e o montante devido, recolhendo o tributo, com efeito de extinção do crédito tributário, sob condição da ulterior homologação expressa ou tácita pelo Fisco, chamado de autolançamento.

Os débitos declarados em DCTF ou documento equivalente dispensam o procedimento formal do Fisco para serem exigidos. A própria decla-ração do contribuinte constitui o crédito tributário, tornando dispensá-vel qualquer procedimento administrativo para que o tributo possa ser imediatamente exigido e inscrito em dívida ativa, acrescido de multa e juros moratórios.

A propósito, o Decreto-Lei nº 2.124/84, no art. 5º, §§ 1º e 2º, assim dispõe:“§ 1º. O documento que formalizar o cumprimento de obrigação acessória, comu-

nicando a existência de crédito tributário, constituirá confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência do referido crédito. (...)

§ 2º. Não pago no prazo estabelecido pela legislação, o crédito, corrigido monetaria-mente e acrescido da multa de 20% (vinte por cento) e dos juros de mora devidos, poderá ser imediatamente inscrito em Dívida Ativa, para efeito de cobrança executiva, observado o disposto no § 2º do art. 7º do Decreto-Lei 2.065, de 26 de outubro de 1983.”

Nota-se que o legislador, expressamente, dispensou a formalidade do lançamento pela autoridade fiscal, autorizando que tal exigência seja suprida pelo sujeito passivo, através da declaração dos débitos. Nesses casos não há falar em desconhecimento pelo Fisco do crédito tributário, porquanto é decorrência lógica, dessa espécie de lançamento, a dispensa de procedimento formal para a exigência dos débitos confessados.

Dessa forma é que tenho entendido, na linha de farta jurisprudência desta Corte e do STJ, que o recolhimento em atraso de débitos informados em DCTF não configura denúncia espontânea.

Como muito bem assentado pelo Ministro Luiz Fux, no julgamento do REsp nº 738.397-RS (DJ de 08.08.2005): “quando se trata de um cumprimento de dever legal como há ser o lançamento pelo contribuinte,

Page 438: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006438

não é caso de denúncia espontânea, porquanto seria uma contradictio in terminis que o contribuinte estivesse fazendo algum favor ao Fisco”. E prossegue: “o contribuinte lançou e, portanto, o lançamento igualou-se à denúncia obrigatória e não à denúncia espontânea”.

Do voto do relator para o acórdão, Ministro Teori Albino Zavascki, extrai-se precisa delimitação do assunto: “A essa altura, a iniciativa do contribuinte de promover o recolhimento do tributo declarado nada mais representa que um pagamento em atraso. E não se pode confundir pagamento atrasado com denúncia espontânea.”

Nesse sentido, os seguintes precedentes jurisprudenciais: “TRIBUTÁRIO. TRIBUTOS DECLARADOS PELO CONTRIBUINTE E RE-

COLHIDOS FORA DE PRAZO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA (CTN, ART. 138). NÃO-CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DO INTEIRO TEOR DO ACÓRDÃO RECORRIDO. ART. 485 DO RITJSP. INTERPRETAÇÃO DE DIREITO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280/STF.

1. O art. 138 do CTN, que trata da denúncia espontânea, não eliminou a figura da multa de mora, a que o Código também faz referência (art. 134, par. único). É pres-suposto essencial da denúncia espontânea o total desconhecimento do Fisco quanto à existência do tributo denunciado (CTN, art. 138, par. único). Conseqüentemente, não há possibilidade lógica de haver denúncia espontânea de créditos tributários já constituídos e, portanto, líquidos, certos e exigíveis.

2. Segundo jurisprudência pacífica do STJ, a apresentação, pelo contribuinte, de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTF (instituída pela IN-SRF 129/86, atualmente regulada pela IN8 SRF 395/2004, editada com base no art. 5º do DL 2.124/84 e art. 16 da Lei 9.779/99) ou de Guia de Informação e Apuração do ICMS - GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de formalizar a existência (= constituir) do crédito tributário, dispensada, para esse efeito, qualquer outra providência por parte do Fisco.

3. A falta de recolhimento, no devido prazo, do valor correspondente ao crédito tributário assim regularmente constituído acarreta, entre outras conseqüências, as de (a) autorizar a sua inscrição em dívida ativa, (b) fixar o termo a quo do prazo de prescrição para a sua cobrança, (c) inibir a expedição de certidão negativa do débito e (d) afastar a possibilidade de denúncia espontânea.

4. Nesse entendimento, a 1ª Seção firmou jurisprudência no sentido de que o reco-lhimento a destempo, ainda que pelo valor integral, de tributo anteriormente declarado pelo contribuinte, não caracteriza denúncia espontânea para os fins do art. 138 do CTN.

5. A controvérsia relativa à juntada dos votos vencidos que compõem o acórdão recorrido demanda análise de direito local, pelo que tem aplicação, por analogia, a Súmula 280 do Supremo Tribunal Federal.

6. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ, 1ª T., unânime, AgRg no

Page 439: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 439

REsp 721878 / SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 27.06.2005, p. 281)

“TRIBUTÁRIO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. ART. 138 DO CTN. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. RECOLHIMEN-TO DO MONTANTE DEVIDO COM ATRASO. MULTA MORATÓRIA. ENTREGA COM ATRASO DE DECLARAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES E TRIBUTOS FEDE-RAIS (DCTF).

1. (...)2. Nas hipóteses em que o contribuinte declara e recolhe com atraso tributos sujeitos

a lançamento por homologação, não se aplica o benefício da denúncia espontânea e, por conseguinte, não se exclui a multa moratória.

3. A denúncia espontânea não tem o condão de afastar a multa decorrente do atraso na entrega da Declaração de Contribuições e Tributos Federais (DCTF).

4. As obrigações acessórias autônomas não têm relação alguma com o fato gerador do tributo, não estando alcançadas pelo art. 138 do CTN.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.” (STJ, 2ª T., unânime, REsp 611131/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 14.02.2005, p. 171)

“TRIBUTÁRIO - DÉBITOS DECLARADOS EM DCTFs - DENÚNCIA ESPON-TÂNEA - INOCORRÊNCIA.

- Não há denúncia espontânea quando o crédito tributário em favor da Fazenda Pública encontra-se devidamente constituído por autolançamento e é pago após o vencimento. Precedentes do STJ.” (TRF4, AMS 86895/PR, 2ª T., Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, DJU 30.06.2004, p. 653)

Em resumo: a mens legis da norma insculpida no art. 138 do CTN não tem a elasticidade pretendida, não visando deixar sem punição as infrações administrativas pelo cumprimento extemporâneo das obriga-ções tributárias, cujo crédito está devidamente constituído. Tal benefício somente caracterizar-se-ia quando o contribuinte leva ao conhecimento do Fisco a existência de fato gerador que ocorreu, porém, sem terem sido apurados os seus elementos quantitativos (base de cálculo, alíquota e total do tributo devido) por qualquer tipo de lançamento. Do contrário, estar-se-ia estimulando o recolhimento em atraso de crédito tributário regularmente constituído.

Em outras palavras, a denúncia espontânea configura-se quando o sujeito passivo leva ao conhecimento do Fisco situação que, caso per-manecesse desconhecida, provocaria o não-pagamento do tributo devido.

No caso dos autos, extrai-se da análise dos DARFs às fls. 13-33 que a autora recolheu o SIMPLES dos períodos de 06/2000 a 12/2000, 03/2001 a 12/2001 e 01/2002 a 07/2002 com atraso, sendo devida, portanto, a

Page 440: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006440

multa moratória, consoante a fundamentação supra.Face ao exposto, dou provimento ao apelo da União, condenando a

parte autora a arcar com o pagamento das custas e dos honorários advo-catícios, que arbitro em 10% do valor da causa (R$ 8.607,15).

É como voto.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA N° 2004.72.00.004798--3/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós

Apelante: Cineângio Centro de Cardiologia Invasiva S/C Ltda.Advogados: Drs. Rafael de Assis Horn e outros

Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

EMENTA

Imposto de renda e CSLL. Alíquota diferenciada. Lei n° 9.249/95. Serviços hospitalares. Abrangência. Clínica de cardiologia e hemodi-nâmica. Diagnósticos e exames.

Para o fim de se beneficiar da alíquota diferenciada de 8% para o Imposto de Renda e a de 12% para a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, não basta o enquadramento genérico da empresa no conceito de “serviços hospitalares”. O estabelecimento há de carac-terizar-se por atividades preponderantemente hospitalares, contendo uma estrutura complexa e organizada de tal modo que possibilite a internação do paciente.

Os estabelecimentos que prestam serviços médicos, especialmente atividades ligadas à hemodinâmica, seus métodos diagnósticos e terapêu-ticos complementares (exames, análises clínicas, consultas médicas, etc.)

Page 441: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 441

não desempenham atividades essencialmente hospitalares. Isso porque carecem de recursos materiais e humanos cujos custos possam justificar o tratamento tributário diferenciado da forma prevista nos arts. 15 e 20 da Lei n° 9.249/95, com redação dada pela Lei n° 10.684, de 2003.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 19 de outubro de 2005.Des. Federal Vilson Darós, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Cineângio - Centro de Cardiolo-gia Invasiva S/C Ltda. ingressou com mandado de segurança, com pedido liminar, insurgindo-se contra o ato praticado pelo Delegado da Receita Federal em Florianópolis/SC referente ao recolhimento do Imposto de Renda Pessoa Jurídica - IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL mediante aplicação da alíquota de 32% nos moldes da Lei n° 9.249, de 1995. Sustentou que, enquanto praticar atividades de “serviços hospitalares”, faz jus à aplicação das alíquotas diferenciadas para o IRPJ e a CSLL, com previsão nos arts. 15 e 20 da Lei n° 9.249/95, de 8% e de 12%, respectivamente. Alega que os requisitos determinados pelo ato normativo da Secretaria da Receita Federal – ADI n° 18, de 2003 –, não podem ser aplicados, porquanto somente ao legislador ordinário cabe criar novas exigências com relação à base de cálculo do imposto de renda. Informa que, inclusive, sua sede é localizada no interior de um Hospital. Por fim, postula a compensação dos valores.

O pedido liminar foi indeferido. (fls. 119/120)A autoridade coatora prestou informações (fls. 124/138), sustentando,

em síntese, que a tributação aplicada à impetrante não burla preceitos e princípios de ordem legal e constitucional. Aduziu que as atividades prestadas pela impetrante, embora de natureza médica, não se enquadram na categoria de “serviços hospitalares” para o fim de ser beneficiada pela

Page 442: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006442

alíquota diferenciada.O Ministério Público opinou pela denegação da segurança. (fls. 145/146)Sobreveio a sentença (fls. 148/152), na qual o juízo monocrático julgou

improcedente o pedido, denegando a segurança, porquanto a natureza das atividades prestadas pela impetrante não se classifica na categoria de “serviços hospitalares”.

Interpostos embargos declaratórios pela impetrante (fls. 157/161), os mesmos foram julgados improcedentes.

Apelou a impetrante (fls. 166/184), reiterando os argumentos apre-sentados na inicial, postulando a concessão da segurança.

Sem contra-razões, os autos subiram a esta Corte.Neste Tribunal, intimada, a Procuradoria Regional da República apre-

sentou parecer (fls. 221/224), opinando pelo improvimento da apelação.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Imposto de renda de pessoa jurídica e contribuição social sobre o

lucro líquido para atividades equiparadas a “serviços hospitalares”:O cerne da questão consiste em verificar se a atividade prestada pela

impetrante pode ser classificada como equiparada a “serviços hospita-lares”, de modo a ser aplicada a exceção das alíquotas reduzidas de 8% para a base de cálculo do IRPJ e de 12% para a CSLL, previstas no § 1° do art. 15 e no art. 20 da Lei n° 9.249/95, este último com a redação que lhe foi dada pela Lei n° 10.684, de 2003, abaixo transcritos:

“Lei 9.249/95:(...)Art. 15- A base de cálculo do imposto (IRPJ), em cada mês, será determinada mediante

a aplicação do percentual de oito por cento sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto nos arts. 30 a 35 da Lei 8.981, de 20 de janeiro de 1995.

§ 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de:(...)III - trinta e dois por cento, para as atividades de:a) prestação de serviços gerais, exceto a de serviços hospitalares. (grifei)(...)Art. 20- A base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido devida pelas

pessoas jurídicas que efetuarem o pagamento mensal a que se referem os arts. 27 e 29

Page 443: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 443

a 34 da Lei n° 8.981, de 20 de janeiro de 1995, e pelas pessoas jurídicas desobrigadas de escrituração contábil, corresponderá a doze por cento da receita bruta, na forma definida na legislação vigente, auferida em cada mês do ano calendário, exceto para as pessoas jurídicas que exerçam as atividades a que se refere o inciso III do § 1º do art. 15, cujo percentual corresponderá a trinta e dois por cento.”

Em inúmeras oportunidades, o STJ e esta Corte já se pronunciaram no sentido de que as pessoas jurídicas que desenvolvem atividades médico--hospitalares não devem ser tributadas como as prestadoras de serviço em geral. Nesse sentido:

“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SOCIEDADE CIVIL PRESTADORA DE SERVIÇOS MÉDICOS DE HEMODIÁLISE. IMPOSTO DE RENDA. BASE DE CÁLCULO. ALÍQUOTA DE 8%. LEI Nº 9.249/95. PRECEDENTE.

1. O STJ firmou o entendimento de que às sociedades civis prestadoras de serviços médico-hospitalares de hemodiálise aplica-se o percentual de 8% sobre a receita bruta mensal, para fins de apuração da base de cálculo do imposto de renda. Inteligência do art. 15, § lº, inciso III, letra a, da Lei nº 9.249/95.

2. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ, REsp n° 380087/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 07.06.2004, p. 181)

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO INCIDENTES SOBRE O LUCRO PRESUMIDO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS HOSPITALARES. INTELIGÊNCIA DO ART. 15, § 1º, III, ALÍNEA A, DA LEI 9.249/95, E DA IN SRF N° 306/2003.

1. Justifica-se a alíquota menor na apuração da base de cálculo do lucro presumido, para as atividades de serviços hospitalares, em razão da margem de lucro dos hospitais ser menor que a de outros estabelecimentos de saúde, por abarcar custos diversos e mais onerosos. As ações executadas por estabelecimentos hospitalares destinam-se a prestar atendimento global ao paciente, mediante internação e assistência médica integral.

2. O discrímen em relação às pessoas jurídicas prestadoras de serviços de clínica médica e ambulatorial, exames e análises clínicas, não afronta o princípio da isonomia ou da igualdade tributária, visto que se funda em situação fática dessemelhante, quanto à abrangência dos serviços prestados, aos custos e à margem de lucro da atividade.

3. Não é possível equiparar os serviços prestados na área de saúde, em geral, com os próprios de hospitais, porquanto os primeiros prescindem da organização e da estrutura hospitalar, justamente porque não prestam atendimento integral ao paciente. A alíquota menor, afim de estabelecer a base de cálculo do imposto de renda, atende aos ditames dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, haja vista os custos suporta-dos pelos prestadores de serviços hospitalares reduzirem sua capacidade econômica.

4. O escopo da Instrução Normativa n° 306/2003, bem como das que a sucederam, não é o de nortear a aplicação do art. 15, § 1º, III, a, da Lei n° 9.249/95, mas do art. 64 da Lei n° 9.430/96. A vinculação produzida por esses atos administrativos atinge somente

Page 444: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006444

os servidores da Receita Federal, quanto aos fins para os quais foram editados – dispor sobre a retenção de tributos e contribuições nos pagamentos efetuados a pessoas jurídi-cas por órgãos, autarquias e fundações da administração pública federal. Não escuda o pleito do contribuinte, que busca a declaração do direito de recolher o IRPJ de acordo com o regramento por ele expedido.” (TRF 4ª Região, AMS n° 2004.70.00.042311-3/PR, Rel. Des. Federal WELLINGTON MENDES DE ALMEIDA, julg. na sessão de 28 .09. 2005, aguardando publicação)

Dito isso, necessário aquilatar se efetivamente os serviços prestados pela impetrante são enquadráveis na expressão legal “serviços hospitala-res”. Se o forem, estará na exceção do item III do § 1° do art. 15 e do art. 20 da Lei n° 9.249/95 e se beneficiará das alíquotas de 8% e 12%, para o IRPJ e CSLL, respectivamente. Caso contrário, comporá a categoria genérica de prestadora de serviços com a alíquota de 32%.

A impetrante tem como objeto social a “prestação de serviços mé-dicos, especialmente atividades ligadas à hemodinâmica, seus métodos diagnósticos e terapêuticos complementares”. (contrato social - fl. 29)

Embora as atividades sejam de caráter médico, ao que se colhe dos autos, não parecem possuir natureza essencialmente hospitalar. É certo que a autora desenvolve, nos dizeres da inicial, algumas atividades que podem ser enquadradas genericamente como hospitalares. Contudo, prova não carreia aos autos de que efetivamente as pratica e, mesmo que tal houvesse, referidos serviços são próprios de “estabelecimentos assistenciais de saúde”, gênero que não se confunde com a espécie “serviços hospitalares”.

A lei benéfica e exceptiva deve ser interpretada restritivamente. Por essa razão não é de se admitir que a expressão “serviços hospitalares” tenha sido usada pelo legislador com um sentido amplo, genérico, abrangendo, dessa forma, as atividades da impetrante, tal qual previsto na Portaria GM/MS n° 1.884/94 e reproduzido no art. 23 da IN/SRF n° 306/2003. Primeiramente, porque uma breve leitura da alegada portaria leva à conclusão de que as atividades lá descritas (ações básicas de saú-de, ambulatório, atendimento imediato, internação, diagnóstico, terapia, apoio técnico, ensino e pesquisa, apoio administrativo, apoio logístico) dizem com “estabelecimentos assistenciais de saúde”, conceito maior e que não deve ser confundido com a espécie de “estabelecimento hospi-talar”. Tanto isso é verdade, que a própria Portaria n° 1.884/94 é clara,

Page 445: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 445

no seu preâmbulo, em esclarecer:“(...) A metodologia utilizada para a composição dos programas funcionais é a apre-

sentação da listagem, a mais extensa possível, do conjunto das atribuições e atividades dos EAS (Estabelecimentos Assistenciais de Saúde), aqui tratado genericamente, sem compromisso com soluções padronizadas, embora seja reconhecida uma família de tipologias tradicionais. O objetivo é apresentar aos projetistas e avaliadores de EAS um leque das diversas atividades e os ambientes respectivos em que elas ocorrem.

A listagem contém as atribuições e atividades, com a qual se pode montar o es-tabelecimento desejado, ou seja, reunindo-se determinado grupo de atribuições-fim, associadas às atribuições de apoio necessárias ao pleno desenvolvimento das primeiras, define-se um estabelecimento específico.

Para tanto deve-se selecionar as atribuições que participarão do programa de atividades do estabelecimento, de acordo com as necessidades da instituição, do Mu-nicípio, da Região e do Estado, baseadas na proposta assistencial a ser adotada. Desta forma a decisão de estabelecimento a ser implantado será dos gestores, dos técnicos e da comunidade envolvida, e não mais de acordo com os padrões pré-estabelecidos nacionalmente.”

Vale dizer, o fato de um estabelecimento desenvolver uma ou outra atividade enquadrável em determinado tipo não o qualifica como tal. É preciso, para que isso ocorra, a preponderância das atividades. Não se pode acolher o argumento de que a expressão “serviços hospitalares” que o legislador utilizou (Lei n° 9.249/95 – art. 15, III, a) encerre o conceito de “quaisquer serviços de saúde”.

Válido fazer menção à decisão monocrática proferida nos autos de processo análogo (2004.70.00.018374-6), em que essa questão foi en-frentada com muita propriedade:

“Embora seja certo que a linguagem legislativa não tenha a precisão semântica do discurso científico, é patente que, quando nos deparamos com uma expressão que recebe interpretações semelhantes quer científica, quer laica, deve-se a aplicação da norma convergir para essa interpretação. Igual procedimento deve ser adotado quando se trata de termo que não tem uma definição científica rígida, preferindo-se a interpretação mais próxima do conceito laico que outra, atingida por tortuosos caminhos hermenêuticos. Carlos Maximiliano asseverou:

‘Cumpre evitar, não só o demasiado apego à letra dos dispositivos, como também o excesso contrário, o de forçar a exegese e deste modo encaixar na regra escrita, graças à fantasia do hermeneuta, as teses pelas quais este se apaixonou, de sorte que se vislumbra no texto idéias apenas existentes no próprio cérebro, ou no sentir individual, desvairado por ojerizes e pendores, entusiasmos e preconceitos.’ (MAXIMILIANO, Carlos. Her-menêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 84/85)

Page 446: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006446

Seguindo essa trilha e buscando fazer uma interpretação sistemática do preceito legal, verifica-se que, em diversas oportunidades, nossa legislação diferencia o que seria um serviço de saúde – conceito mais amplo – do que seria serviço hospitalar, costumeiramente associado a esse último conceito a idéia de possibilidade de inter-nação do paciente. Com efeito, tais aspectos são sentidos nas Leis nos 8.080/90, art. 17, incisos IX, X e XI; 9.431/97, art. 1º, § 2°; 9.656/98, art. 5º, § 2°, art. 12 e art. 17; e 9.961/2000, arts. 4°, inciso XXVII, 19 e seu Anexo II. A Lei nº 9.656/98 chega a ser didática quanto ao tema:

‘Art. 10. É instituído o plano ou seguro-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria ou centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças relacionadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto:

(...)Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência de planos ou seguros

privados de assistência à saúde que contenham redução ou extensão da cobertura assistencial e do padrão de conforto de internação hospitalar, em relação ao plano referência definido no art. 10, desde que observadas as seguintes exigências mínimas:

I- quando incluir atendimento ambulatorial: (...)b) cobertura de serviços de apoio diagnóstico e tratamento e demais procedimentos

ambulatoriais, solicitados pelo médico assistente; II- quando incluir internação hospitalar: a) cobertura de internações hospitalares, vedada a limitação de prazo, em clínicas

básicas e especializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina, admitindo--se a exclusão dos procedimentos obstétricos;

b) cobertura de internações hospitalares em centro de terapia intensiva, ou similar, vedada a limitação de prazo, a critério do médico assistente;

(...)d) cobertura de exames complementares indispensáveis para o controle de evolu-

ção da doença e elucidação diagnóstico, fornecimento de medicamentos, anestésicos, oxigênio, transfusões e sessões de quimioterapia e radioterapia, conforme prescrição do médico assistente, realizados ou ministrados durante o período de internação hospitalar; (...)’

Não obstante se tratar de lei dirigida aos planos de assistência à saúde, fica eviden-te que há uma diferenciação legal entre o que seriam serviços ambulatoriais e o que seriam serviços hospitalares, assim como que o serviço de apoio a diagnóstico pode ser prestado tanto em um como em outro sistema.”

Fica claro, a meu sentir, que “serviços hospitalares” não prescindem

Page 447: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 447

do básico e fundamental, qual seja, a capacidade potencial do estabele-cimento de poder tratar a saúde de pacientes mediante sua internação. Serviços hospitalares, em suma, exigem que sejam prestados em insti-tuição de saúde com internação (hospitais gerais e especializados, sana-tórios, centros penitenciários, centros de medicina preventiva, hospitais de base militares), embora nem todas as atividades desenvolvidas em tais estabelecimentos possam ser assim enquadradas.

A impetrante, como nos dão conta os documentos acostados, não presta serviços de natureza hospitalar, mas sim de “prestação de serviços médicos, especialmente atividades ligadas à hemodinâmica, seus métodos diagnósticos e terapêuticos complementares” (contrato social – fl. 29), que não se confundem.

Oportuna, a propósito, a lição de Bernardo Ribeiro de Moraes, ao comentar a lista de serviços sujeitos à incidência do Imposto Sobre Serviços - ISS:

“Serviços de hospitais são os prestados por estabelecimentos devidamente apare-lhados, destinados a recolher os enfermos ou acidentados, para diagnóstico, assistência, tratamento e internação de pessoas, mediante paga. Os hospitais, também conhecidos como nosocômios, prestam serviços de assistência médica às pessoas naturais, através de profissionais e técnicos especializados. Tratam da vigilância, alimentação e higiene dos doentes internados além de ministrarem curativos e medicamentos.” (Doutrina e Prática do Imposto Sobre Serviços. São Paulo: Ed. RT, 1978, p. 181)

Não há dúvida, aqui aplicam-se tranqüilamente as conclusões a respei-to da Consulta SRRF/9° RF/DISIT n° 235, de 12 de dezembro de 2003, que transcrevo no que interessa ao caso em julgamento:

“9. Nesse sentido, a expressão ‘serviços hospitalares’ somente abrange os serviços prestados por estabelecimentos qualificados como ‘hospital’. Esse termo deriva do latim – hospitale – que significa hospedaria. Ou seja, hospital é o estabelecimento onde se hospedam, se internam doentes para tratamento. Nesse estabelecimento deve-se rea-lizar atividades essenciais, tais como: procedimentos médicos e cirúrgicos, serviços de radiologia, análises clínicas e laboratoriais, atividades farmacêuticas, etc.; bem como atividades classificadas como auxiliares: serviços de hotelaria, lavanderia, culinária, segurança, transporte de pacientes, etc.

10. Dessas atividades, tanto as essenciais quanto as auxiliares podem ser exercidas por outros estabelecimentos não caracterizados como hospitais. Há estabelecimentos com atividades de análises clínicas e radiológicas (laboratórios), de atendimento médico em consultório e ambulatório (de profissionais médicos autônomos ou sociedades civis de médicos), de hotelaria, de lavanderia, etc. Porém, nestes casos, as atividades são

Page 448: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006448

exercidas deforma isolada, não fazendo parte de uma estrutura organizada e coordenada sob a forma de empreendimento, nos termos das definições anteriormente referidas, e, por conseguinte, não se caracterizando com serviços hospitalares.

11. Com efeito, apenas a existência de uma estrutura organizada com instalações físicas, equipamentos e recursos humanos, com condições apropriadas para assistência e internação de pacientes, visando garantir-lhes um atendimento básico de diagnóstico e tratamento de saúde, com equipe de profissionais qualificados nas mais diversas áre-as e que funciona de forma ininterrupta, justificaria o recebimento de um tratamento tributário diferenciado.

12. Sob esse aspecto, deve-se ter em mente que os coeficientes de presunção do lucro são variáveis em função da margem de lucro obtida em cada tipo de atividade, levando-se em conta, deforma abstrata, os custos que, em geral, são suportados pelas empresas. O serviço hospitalar teve seu coeficiente fixado em patamares mais baixos do que o aplicável aos serviços meramente médicos, clínicos, laboratoriais, pelo fato de a lei ter levado em consideração os custos mais abrangentes que envolvem a primeira atividade. O serviço de internação hospitalar traz implícita a idéia não só dos custos dos profissionais especializados e materiais empregados no atendimento, como tam-bém aqueles relativos à ocupação predial (em geral maior), aos profissionais auxiliares (camareiros e cozinheiros), às refeições oferecidas, à lavanderia, e demais encargos necessários a fornecer a hospedagem.

13. Seguindo essa linha de raciocínio, pacificou-se no âmbito da administração tributária federal o entendimento de que serviços hospitalares são aqueles prestados em decorrência da internação e tratamento de doenças ou daqueles que necessitam de intervenções cirúrgicas em hospitais. Não se considerariam como tais, para os fins específicos da tributação pelo imposto de renda das pessoas jurídicas, mormente no regime do lucro presumido, os serviços ambulatoriais, os meros serviços de clínica médica, de exames clínicos, de análises clínicas (laboratoriais, radiológicas, ecográficas, de ressonância magnética, de tomografia computadorizada, etc.) que não necessitam de um complexo hospitalar, ou seja, dos recursos materiais e humanos próprios de um hospital, inclusive para promover a internação dos pacientes.”

Cumpre esclarecer que a autoridade fazendária, ao regular a questão no art. 23 da Instrução Normativa da SRF n° 306, de 12 de março de 2003, tomou por base a Portaria GM n° 1.884, de 11 de novembro de 1994, quando esta já se encontrava revogada.

Vejamos os dispositivos em debate:“IN-SRF nº 306/03:Art. 23. Para os fins previstos no art. 15, § 1º, inciso III, alínea a, da Lei n ° 9.249,

de 1995, poderão ser considerados serviços hospitalares aqueles prestados por pessoas jurídicas, diretamente ligadas à atenção e assistência à saúde, que possuam estrutura física condizente para execução de uma das atividades ou a combinação de uma ou

Page 449: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 449

mais das atribuições de que trata a Parte II, Capítulo 2, da Portaria GM n° 1.884, de 11 de novembro de 1994, do Ministério da Saúde, relacionadas nos incisos seguintes:

(...)V- prestação de atendimento de apoio ao diagnóstico e terapia, compreendendo as

seguintes atividades: a) patologia clínica;(...)f) realização de procedimentos cirúrgicos e endoscópios, tais como: recepcionar e transferir pacientes;assegurar a execução dos procedimentos pré-anestésicos e executar procedimentos

anestésicos nos pacientes;executar cirurgias e exames endoscópios em regime de rotina;emitir relatórios médicos e de enfermagem e registro das cirurgias e endoscopias

realizadas;proporcionar cuidados pré-anestésicos;garantir o apoio disgnóstico necessário; (...)”“Portaria n° 554/GM - em 19 de março de 2002.O Ministério de Estado da Saúde, no uso de suas atribuições legais, e conside-

rando o disposto no inciso III do artigo 2°, inciso III do artigo 7° e § 2° do artigo 8°, todos da Lei n° 9.782, de 26 de janeiro de 1999, que atribuem competência à Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde para estabelecer normas para as ações de vigilância sanitária a respeito de instalações e ambientes de serviços de saúde, resolve:

Art. 1°. Revogar a Portaria 1.884/GM, de 11 de novembro de 1994, do Ministério da Saúde, publicada no Diário Oficial da União de 15 de dezembro de 1994.

Art. 2°. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.”

Quer dizer, quando da edição da INSRF n° 306 e seu art. 23, a Por-taria n° 1.884/GM estava revogada expressamente pela Portaria n° 554/GM, ou seja, não possuía eficácia jurídica. Inexiste, portanto, violação ao princípio da legalidade ou da reserva legal.

Em setembro de 2003, na intenção de regulamentar ainda mais as ati-vidades que podem ser enquadradas como as de “serviços hospitalares”, a Secretaria da Receita Federal expediu o Ato Declaratório Interpreta-tivo – ADI nº 18/2003 – dispondo sobre a abrangência do conceito de serviços hospitalares na determinação da base de cálculo do IR e CSLL. Em seu art. 1°, determinou que são considerados serviços hospitalares os prestados pelos estabelecimentos assistenciais de saúde constituídos por empresários ou sociedades empresárias. No art. 2°, em contrapartida,

Page 450: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006450

acrescenta que “não serão considerados serviços hospitalares, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, quando forem prestados exclusivamente pelos sócios da empresa”.

No que tange à restrição imposta pelo ADI n° 18/2003, não há fa-lar na impossibilidade de ato normativo administrativo dispor sobre a matéria, porquanto o referido ato não visa à instituição ou majoração da base de cálculo dos tributos em questão, mas tão-somente regula-mentar e esclarecer sobre o conceito abstrato e genérico da expressão “serviços hospitalares”.

Ademais, a Instrução Normativa da SRF n° 480, de 31 de dezembro de 2004, alterada pela IN/SRF n° 539, de 25 de abril de 2005, teve por escopo especificar mais os requisitos para os estabelecimentos hospita-lares, trazendo o seguinte:

“IN nº 480/2004:Art. 27. Para os fins previstos nesta Instrução Normativa, são considerados serviços

hospitalares somente aqueles prestados por estabelecimentos hospitalares.§ 1º Para os efeitos deste artigo, consideram-se estabelecimentos hospitalares,

aqueles estabelecimentos com pelo menos 5 (cinco) leitos para internação de pacientes, que garantam um atendimento básico de diagnóstico e tratamento, com equipe clínica organizada e com prova de admissão e assistência permanente prestada por médicos, que possuam serviços de enfermagem e atendimento terapêutico direto ao paciente, durante 24 horas, com disponibilidade de serviços de laboratório e radiologia, serviços de cirurgia e/ou parto, bem como registros médicos organizados para a rápida obser-vação e acompanhamento dos casos.

§ 2° Para efeito de enquadramento do estabelecimento como hospitalar levar--se--á, ainda, em conta se o mesmo está compreendido na classificação fiscal do Cadastro Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), na classe 8511-1 - Atividades de Aten-dimento Hospitalar.

§ 3° São considerados pagamentos de serviços hospitalares, para os fins desta Instrução Normativa, aqueles efetuados às pessoas jurídicas:

I- prestadoras de serviços pré-hospitalares, na área de urgência, realizados por meio de UTI móvel, instaladas em ambulâncias de suporte avançado (Tipo ‘D’) ou em aeronave de suporte médico (Tipo ‘E’); e

II- prestadoras de serviços de emergências médicas, realizados por meio de UTI mó-vel, instaladas em ambulâncias classificadas nos Tipos ‘A’, ‘B’, ‘C’ e ‘F’, que possuam médicos e equipamentos que possibilitem oferecer ao paciente suporte avançado de vida

(...)Art. 36. Fica formalmente revogada, sem interrupção de sua força normativa, a

Instrução Normativa SRF nº 360, de 12 de março de 2003.”

Page 451: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 451

De todo o exposto, torna-se evidente que “serviços hospitalares”, para fins dos arts. 15, § 1°, inciso III, a, e 20 da Lei n° 9.249, de 1995, são os serviços de assistência à saúde prestados em ambientes que possuam estrutura física, pessoal e equipamentos condizentes com um complexo hospitalar, o que não restou caracterizado no caso vertente.

Não restou, por outra, ofendida a igualdade tributária, já que todas as pessoas jurídicas que estão na situação da empresa impetrante não são alcançadas pelo dispositivo legal em debate.

Por fim, há dizer que a opção pelo lucro presumido é faculdade do contribuinte. Assim, se a empresa entender que a modalidade não lhe é vantajosa, basta mudar e adotar outra sistemática autorizada pela legis-lação tributária e que, a seu juízo, lhe traz maiores benefícios.

Também não assiste razão à apelante relativamente à alegação de que não está em análise a natureza da prestação do serviço oferecido pela mesma. Pelo contrário, constitui requisito primordial a verificação do tipo de atividade prestada pela empresa, porquanto o pedido guarda estreita ligação com o enquadramento da natureza do serviço colocado à disposição. Inclusive, a própria impetrante entra em contradição neste aspecto, conforme se pode constatar à fl. 08 (última frase do primeiro parágrafo) e fl. 227 (segundo parágrafo, grifado), ao referir, respectiva-mente, que “Assim, cabe somente avaliar se a sociedade presta, ou não, serviços hospitalares, NADA MAIS!” (sic) e “...pois o determinante é a natureza dos serviços prestados (hospitalares), para efeito de aplicação das Leis nos 9.249/95 e 9.430/96...”.

Sendo assim, não há falar em nulidade da sentença recorrida, deven-do a mesma ser confirmada por esta Corte, para manter a denegação da segurança, sob o fundamento de que as atividades preponderantes da empresa não se enquadram na categoria de “serviços hospitalares”.

Considero prequestionados os arts. 128, 165, 193, 302 e 458 do CPC; arts. 15, III, a, e 20 da Lei n° 9.249/95; arts. 28 e 29 da Lei n° 9.430/96; arts. 97, 110 e 111 do CTN; art. 66 da Lei n° 8.383/91; e arts. 5° e 150, I, da CF.

Isso posto, voto no sentido de negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.

É o voto.

Page 452: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006452

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira: Trata-se de apelação em mandado de segurança interposta contra sentença que, ao denegar a segurança, não reconheceu a equiparação dos serviços pres-tados pela impetrante a serviços hospitalares para fins de aplicação da tributação diferenciada prevista na Lei nº 9.249/95.

O parecer da Procuradoria Regional da República é pelo improvimento da apelação.

Em bem-lançado voto o i. Desembargador Relator entendeu que “serviços hospitalares” são aqueles prestados em instituição da saúde com internação, tais como hospitais gerais, sanatórios, hospitais de base militares, e não no caso em tela, em que a impetrante presta serviços de assistência médica e medicina e segurança do trabalho. Com a devida vênia, tenho entendimento diverso.

Serviços hospitalares, alíquotas de IRPJ e CSLL incidentes.A Lei nº 9.249/95, ao estabelecer o regramento acerca do Imposto de

Renda, bem como da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido a que estão sujeitos os serviços hospitalares, define a aplicação de alíquotas de 8% e 12% sobre o rendimento bruto das prestadoras desses serviços na cobrança de IRPJ e CSLL, respectivamente. Em seus artigos 15, § 1º, III, e 20, assim estabelece a respeito das respectivas exações:

“Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês será determinada mediante a aplicação do percentual de 8% sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto nos arts. 30 a 35, da Lei nº 8.981/95. § 1º. Nas seguintes atividades, o per-centual de que trata este artigo será de:

(...)III - trinta e dois por cento, para atividades de:a) prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares; (...)”“Art. 20. A base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, devida pelas

pessoas jurídicas que efetuarem o pagamento mensal a que se referem os arts. 27 e 29 a 34 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, e pelas pessoas jurídicas desobrigadas de escrituração contábil, corresponderá a doze por cento da receita bruta, na forma definida na legislação vigente, auferida em cada mês do ano-calendário, exceto para as pessoas jurídicas que exerçam as atividades a que se refere o inciso III do § 1º do art. 15, cujo percentual corresponderá a trinta e dois por cento.

Parágrafo único. A pessoa jurídica submetida ao lucro presumido poderá,

Page 453: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 453

excepcionalmente, em relação ao quarto trimestre-calendário de 2003, optar pelo lucro real, sendo definitiva a tributação pelo lucro presumido relativa aos três primeiros trimestres.”

No entanto, não houve definição expressa do conceito de “serviços hospitalares”. Desse modo, a Secretaria da Receita Federal, ao editar a Instrução Normativa nº 306/03, elencou no art. 23 desse ato normativo quais serviços poderiam ser considerados como serviços hospitalares:

“Art. 23. Para fins do art. 15, § 1º, inc. II, alínea a, da Lei nº 9.249, de 1995, poderão ser considerados serviços hospitalares aqueles prestados por pessoas jurídicas, direta-mente ligadas à atenção e assistência à saúde, que possuam estrutura física condizente para a execução de uma das atividades ou a combinação de uma ou mais atribuições de que trata a Parte II, Capítulo 2, da Portaria GM nº 1.884, de 11 de novembro de 1994, do Ministério da Saúde, relacionadas nos incisos seguintes:

(...)II- prestação de atendimento eletivo de assistência à saúde em regime ambulatorial,

compreendemos as seguintes atividades:a) recepcionar, registrar e fazer marcação de consultas;b) realizar procedimentos de enfermagem;c) proceder a consulta médica, odontológica, psicológica, de assistência social, de

nutrição, de fisioterapia, de terapia ocupacional, de fonoaudiologia e de enfermagem;d) recepcionar, transferir e preparar pacientes;e) assegurar a execução de procedimentos pré-anestésicos e realizar procedimentos

anestésicos nos pacientes;f) executar cirurgias e exames endoscópicos em regime de rotina;g) emitir relatórios médico e de enfermagem e registro das cirurgias e endoscopias

realizadas;h) proporcionar cuidados pós-anestésicos;i) garantir o apoio diagnóstico necessário.III- prestação de atendimento imediato de assistência à saúde, compreendendo as

seguintes atividades:a) nos casos sem risco de vida (urgência de baixa e média complexidade):1. triagem para os atendimentos;2. prestar atendimento social ao paciente e/ou acompanhante;3. fazer higienização do paciente;4. realizar procedimentos de enfermagem;5. realizar atendimentos e procedimentos de urgência;6. prestar apoio diagnóstico e terapêutico por 24 hs;7. manter em observação o paciente por período de 24 horas.b) nos casos com risco de vida (emergência) e nos casos sem risco (urgência de

alta complexidade):

Page 454: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006454

1. prestar o primeiro atendimento ao paciente;2. prestar atendimento social ao paciente e/ou acompanhante;3. fazer higienização do paciente;4. realizar procedimentos de enfermagem;5. realizar atendimentos e procedimentos de urgência;6. prestar apoio diagnóstico e terapia por 24 horas;7. manter em observação o paciente por período de até 24 horas.IV- prestação de atendimento de assistência à saúde em regime de internação,

compreendendo as seguintes atividades:(...)V- prestação de atendimento de apoio ao diagnóstico e terapia, compreendendo as

seguintes atividades:a. patologia clínica;b. imagenologia;c. métodos gráficos;d. anatomia patológica;e. desenvolvimento de atividade de medicina nuclear;f. realização de procedimentos;g. realização de partos normais e cirúrgicos; (...)”

Àquela época, as dúvidas que surgiram a respeito da aplicabilidade da IN SRF nº 306/03, relativa à questão, foram dirimidas pela Coordenação--Geral de Tributação da Secretaria da Receita Federal (COSIT), através da Solução de Divergência nº 11, de 21 de julho de 2003, na qual restou assentado que a redução de alíquota para 8% também se estende às prestadoras de serviço que optem pela declaração de lucro presumido, implicando a mantença da exação tributária inferior, ao menos em relação à empresa optante por esse regime de tributação.

Posteriormente, a Instrução Normativa nº 480, de 15.12.2004, traçou em seu art. 27 o que se deve entender por serviços hospitalares, tendo, na forma de seu art. 36, revogado a Instrução Normativa nº 306/2003:

“Art. 27. Para os fins previstos nesta Instrução Normativa, são considerados serviços hospitalares somente aqueles prestados por estabelecimentos hospitalares.

§ 1º Para os efeitos deste artigo, consideram-se estabelecimentos hospitalares, aqueles estabelecimentos com pelo menos 5 (cinco) leitos para internação de pacientes, que garantam um atendimento básico de diagnóstico e tratamento, com equipe clínica organizada e com prova de admissão e assistência permanente prestada por médicos, que possuam serviços de enfermagem e atendimento terapêutico direto ao paciente, durante 24 horas, com disponibilidade de serviços de laboratório e radiologia, serviços de cirurgia e/ou parto, bem como registros médicos organizados para a rápida obser-

Page 455: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 455

vação e acompanhamento dos casos.§ 2º Para efeito de enquadramento do estabelecimento como hospitalar levar-se-á,

ainda, em conta se o mesmo está compreendido na classificação fiscal do Cadastro Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), na classe 8511-1 - Atividades de Aten-dimento Hospitalar.”

De acordo com o contrato social da empresa impetrante, fls. 21/46, nos termos de sua cláusula segunda, o objeto social dela é a “exploração do ramo de serviços médicos, especialmente as atividades ligadas à hemo-dinâmica, seus métodos diagnósticos e terapêuticos complementares”. Saliento que, independentemente do detalhamento acerca das atividades realizadas pelas Instruções Normativas, a aplicação dos percentuais de 12% e 8%, para formação das bases de cálculo da CSLL e do IRPJ, res-pectivamente, tem como parâmetro da atividade realizada pela prestadora a vinculação à saúde.

Na jurisprudência há precedentes bastantes, perfilhando a redução da alíquota de 32% para 8% para fins de apuração do lucro presumido em relação às sociedades civis prestadoras de serviços médico-hospitalares. O STJ e esta Corte já se pronunciaram nesse sentido:

“TRIBUTÁRIO. PESSOA JURÍDICA. SOCIEDADE CIVIL PRESTADORA DE SERVIÇOS MÉDICOS DE HEMODIÁLISE. IMPOSTO DE RENDA. ALÍQUOTA DE 8% SOBRE A RECEITA BRUTA MENSAL.

A base de cálculo do imposto de renda de sociedade civil prestadora de serviços médico-hospitalares de hemodiálise será determinada mediante a aplicação do percen-tual de 8% sobre a receita bruta aferida mensalmente, conforme prevista na legislação de regência (art. 15, parágrafo 1º, inciso III, letra a, da Lei nº 9.249/95).

Recurso improvido.” (REsp nº 380.116-RS , 1ª T., STJ, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 08.04.2002)

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA, ALÍQUOTA DE 8%. ART. 15, § 1º, III, A, DA LEI Nº 9.249/95. SERVIÇOS HOSPITALARES. ABRANGÊNCIA.

As empresas que prestam serviços de exames laboratoriais e análises clínicas têm direito de recolher o imposto de renda com alíquota de 8% (oito por cento).

Inteligência dos arts. 15, § 1º, III, letra a, da Lei nº 9.249/95 e 23 da IN/SRF nº 306/2003.” (TRF4, AMS nº 2002.72.00.014847-0/SC, 2ª T., Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, DJU 14.07.2004)

“TRIBUTÁRIO. SOCIEDADE CIVIL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EQUIPA-RADOS A HOSPITALARES. IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA.

1. É destinatária da alíquota reduzida de IRPJ a sociedade civil que desempenha atividade equiparada a serviço hospitalar.” (TRF4, AC 2000.70.07.001902-4/PR, 1ª T.,

Page 456: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006456

Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, DJU 25.08.2004)“MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIÇOS HOSPITALARES. RADIOLOGIA.

IN/SRF Nº 306/2003. ALÍQUOTA. IMPOSTO DE RENDA. 8%. 32%. DIREITO À COMPENSAÇÃO. SELIC.

1. A teor do artigo 15 da Lei nº 9.249/95, os prestadores de serviço em geral devem recolher imposto de renda sob a alíquota de 32%, enquanto os prestadores de serviços hospitalares o fazem sob a alíquota de 8%.

2. Os serviços de radiologia prestados pela impetrante são serviços hospitalares, nos termos do art. 23 da IN/SRF nº 306/2003, pelo que se impõe o reconhecimento do direito da impetrante compensar o tributo recolhido pela alíquota maior. Precedentes desta Corte e do STJ.

3. Somente é possível a compensação após o trânsito em julgado da decisão e deverá dar-se na forma prescrita pela Lei nº 10.637/2002, isto é: por iniciativa do contribuinte, entre quaisquer tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal e mediante entrega de declaração contendo as informações necessárias acerca dos créditos e dé-bitos utilizados.

4. No que diz respeito à atualização monetária, entendo que incide desde a data do pagamento indevido do tributo (Súmula 162-STJ), até a sua efetiva compensação. Para tanto, deve ser utilizada a taxa SELIC, a partir de 1º.01.96, instituída pelo artigo 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95.” (TRF4, AMS 2003.71.00.021612-9/RS, 2ª T., Rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, DJU 16.06.2004)

Tal entendimento é perfeitamente aplicável na presente hipótese, uma vez que o objeto social retrodescrito está intimamente ligado à prestação de serviços hospitalares. O fato de a impetrante funcionar em estabelecimento próprio (fora do hospital) não descaracteriza a natureza do serviço por ela prestado, qual seja, serviço vinculado à saúde humana.

Por sua vez, o Ato Declaratório Interpretativo nº 18, de 23.10.2003, da Secretaria da Receita Federal, que dispõe sobre a abrangência do conceito de serviços hospitalares para fins de determinação da base de cálculo do imposto de renda, colide com a atividade finalística da norma, mitigar o preço dos serviços prestados na área de saúde, e, de conse-guinte, vedada a sua adoção, pois distingue serviços médicos prestados por pessoas jurídicas daqueles fornecidos pelos próprios profissionais médicos envolvidos na atividade profissional. É verdadeiro absurdo a falta de sensibilidade por parte das autoridades fiscais. É desconhecer que a maioria dos serviços hospitalares é efetivada por profissionais da área, que serão excluídos do espectro de abrangência da norma legal,

Page 457: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 457

encarecendo o custo da saúde no país.Compensação com tributos administrados pela SRF – possibilidade Quanto à compensação, nos casos de extinção do crédito sob condição

resolutória embutida no processo de lançamento por homologação em que o controle, pelo Fisco, ocorre a posteriori, nos termos do art. 150, § 1º, do CTN, o art. 66 da Lei 8.383/91 autoriza o contribuinte a compensar os pagamentos indevidos ou a maior, com tributos e contribuições de mesma espécie, sem exigir seu prévio reconhecimento pela Secretaria da Fazenda Nacional, verbis:

“Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos e contribuições federais, inclusive previdenciárias, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revo-gação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a períodos subseqüentes.

§ 1° A compensação só poderá ser efetuada entre tributos e contribuições da mesma espécie.”

Foi editada, posteriormente, a Lei nº 9.430, de 27.12.96, restrita ao âmbito da Receita Federal. O art. 74 dessa lei estendeu o direito de compensação do crédito do contribuinte com quaisquer outros tributos ou contribuições administrados por esse órgão, através de requerimento submetido à autorização da administração. O art. 74 da Lei 9.430/96 tinha a seguinte redação:

“Art. 74. Observado o disposto no artigo anterior, a Secretaria da Receita Federal, atendendo a requerimento do contribuinte, poderá autorizar a utilização de créditos a serem a ele restituídos ou ressarcidos para quitação de quaisquer tributos e contribui-ções sob sua administração.”

Novamente o instituto da compensação foi alterado através da Lei nº 10.637/2002, dando nova redação ao art. 74 da Lei nº 9.430/96 e tornando possível a compensação por iniciativa do contribuinte, sem necessidade de requerimento à administração, criando-se uma típica hipótese de compensação “por homologação”. Com a alteração introduzida pelo art. 49 da Lei nº 10.637, de 30.12.02, a redação do art. 74 da Lei nº 9.430/96 passou a ser a seguinte:

“Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressar-cimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.

Page 458: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006458

§ 1º A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados.

§ 2º A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação.”

Portanto, sendo os tributos em discussão (IRPJ e CSLL) administra-dos pela Secretaria da Receita Federal, é possível a compensação com débitos relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal.

Advirta-se que, em qualquer das modalidades seguidas, o administrado procede à compensação do crédito por sua conta e risco, assumindo a responsabilidade de seu ato, e cabe ao Fisco lançar de ofício, se cons-tatar irregularidade, dentro do prazo legal, na forma determinada pelo art. 150, § 4º, do CTN.

O instituto da Compensação após a LC 104/01 A compensação de tributos, objeto de discussão judicial, não pode

mais ser operacionalizada antes do trânsito em julgado da decisão, após a introdução do art. 170-A no CTN, pela Lei Complementar nº 104, de 11 de janeiro de 2001, que vedou essa prática, mesmo diante de recurso sem efeito suspensivo.

No caso concreto, presente controvérsia judicial sobre a existência dos créditos, a compensação somente poderá ser efetivada após o seu trânsito em julgado.

Correção monetária e juros A correção monetária incide a partir do pagamento indevido (Súmula

nº 162 do STJ). A partir de 1º de janeiro de 1996, em virtude da regra insculpida no artigo 39, § 4º, da Lei 9.250/95, a compensação ou resti-tuição do crédito do contribuinte deve ser corrigida apenas pelos juros da taxa SELIC acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% no mês em que estiver sendo efetuada, excluindo-se qualquer indexador, porque a SELIC tem natureza mista, englobando correção monetária e juros.

Os juros moratórios incidiriam, em princípio, à taxa de 1% ao mês, a contar do trânsito em julgado da decisão que determinou a repetição

Page 459: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 459

do indébito (art. 167, parágrafo único, do CTN). No entanto, o § 4º do art. 39 da Lei nº 9.250/95 determinou que se aplicasse a Taxa SELIC, afastando a incidência de qualquer outro indexador. Por não estarem os juros enumerados no art. 146, III, da Constituição Federal, não se trata de matéria reservada à lei complementar e, portanto, plenamente legal a revogação pelo art. 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95, da regra do art. 167, § único, do CTN, que determinava a aplicação de juros de mora somente a partir do trânsito em julgado.

Custas processuais Quanto à devolução de custas, cumpre ressaltar que a existência de lei

federal determinando a isenção do pagamento pela União não se aplica às hipóteses de restituição de custas despendidas pela parte vencedora, as quais devem ser ressarcidas, integrando o quantum debeatur.

No mesmo sentido, confira-se julgado desta Corte no seguinte teor:“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO PELO

PAGAMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS. (...) 4. Embora a exis-tência de lei federal que determina a isenção de custas, tal comando não se aplica aos casos de devolução de custas despendidas pela parte vencedora, acaso existentes.” (AC Nº 97.04.61130-7/RS, Rel. Juíza Tania Cardoso Escobar, 2ª T., unânime, DJ 13.06.01)

Assim, condeno a União ao reembolso das custas processuais adian-tadas pela parte autora.

Frente ao exposto, dou provimento à apelação, invertendo a sucum-bência, nos termos da fundamentação.

É o voto.

APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇANº 2005.70.00.009972-7/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares

Page 460: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006460

Apelante: Gralha Azul Refrigeração Ltda.Advogados: Drs. Joel Ferreira Lima e outrosApelante: União Federal (Fazenda Nacional)

Advogada: Dra. Dolizete Fátima MichelinApelados: (os mesmos)

Remetente: Juízo Substituto da 2ª VF de Curitiba

EMENTA

Mandado de segurança. Compensação. Indeferimento. Manifestação de inconformidade.

1. Com o advento da Lei nº 10.637, de 30.12.2002, que alterou os artigos 73 e 74 da Lei nº 9.430/96, houve significativa modificação na compensação efetuada administrativamente, sendo introduzida a Decla-ração de Compensação (PER/DECOMP), de iniciativa do contribuinte, que deve informar os crédito utilizados e os respectivos débitos que pretende ter compensados. 2. Essa nova sistemática veio ao encontro do clamor dos administrados por uma modalidade mais prática e eficiente de compensação de débitos e créditos federais, buscando diluir o ônus do tempo do processo administrativo de compensação, notoriamente longo em razão do acúmulo de pedidos. Contudo, por óbvio, concomi-tantemente ao benefício concedido pelo legislador, cuidou este de impor algumas limitações, com vistas a afastar ou, ao menos, diminuir as possi-bilidades de fraudes nos procedimentos compensatórios. 3. Extrai-se da leitura sistemática da atual redação do artigo 74 da Lei nº 9.430/96 que existem três efeitos possíveis para o procedimento compensatório, via DECOMP: a) a compensação extingue o crédito tributário, sob condição de sua ulterior homologação, que pode ser expressa ou tácita (§ 2º); b) a compensação não é homologada pela autoridade fiscal, sendo garantida a possibilidade de manifestação de inconformidade, com suspensão da exigibilidade do crédito tributário (§§ 7º, 9º e 10º); c) a compensação é considerada não declarada, nas hipóteses do § 12, caso em que não é cabível a manifestação de inconformidade, nos termos do § 13. 4. No caso dos autos, tem-se que a compensação foi considerada não declarada pela autoridade administrativa, ao fundamento de que a interessada havia se utilizado de créditos de terceiro, incorrendo na vedação prevista no § 12, inciso II, a, do artigo 74 da Lei nº 9.430/96, hipótese em que não é

Page 461: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 461

cabível a manifestação de inconformidade, nos termos do § 13 do mesmo artigo. 5. As leis que impõem limitações à possibilidade de compensação são válidas, mas somente passam a produzir efeitos a partir da entrada em vigência da norma restritiva.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo da União e à remessa oficial e negar provimento ao apelo da impetrante, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 7 de março de 2006.Des. Federal Dirceu de Almeida Soares, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Cuida-se de mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, impetrado por Gralha Azul Refrigeração Ltda. contra ato do Delegado da Receita Federal em Curitiba, objetivando a instauração e a manutenção do proce-dimento administrativo tendente a apurar a homologação da Declaração de Compensação apresentada à Secretaria da Receita Federal, recebendo eventual manifestação de inconformidade.

Relatou a impetrante que adquiriu créditos de terceiros, mediante escritura pública de cessão de direitos, os quais passaram a integrar o seu ativo, tendo utilizado tais créditos para compensar débitos próprios perante a SRF. Aduziu que seu procedimento compensatório pode ser considerado não-declarado pela autoridade impetrada. Esclareceu que não está, nesta sede, buscando o reconhecimento do direito à compensação referida, mas tão-somente “o direito de tramitar o processo administrativo fiscal nos termos dos parágrafos 5 a 11 do art. 74 da Lei nº 9.430/96 e Decreto nº 70.235/72”.

A medida liminar foi indeferida por ausência de periculum in mora.Em suas informações, a autoridade impetrada aduziu que, de acordo

com a legislação aplicável, o pedido de restituição e a correspondente declaração de compensação deveriam atender, cumulativamente, aos seguintes requisitos: (1) versar sobre créditos de tributos e/ou contribui-

Page 462: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006462

ções administrados pela RF, (2) os créditos devem ter sido apurados pelo próprio contribuinte e (3) devem ser créditos passíveis de ser restituídos ou ressarcidos pela Receita Federal. A DECOMP apresentada pela impe-trante não atende ao segundo desses requisitos, havendo previsão legal para que a compensação seja considerada não-declarada nesses casos, hipótese em que não seria admitida manifestação de inconformidade, que teria efeito meramente protelatório.

O MM. Juízo a quo concedeu parcialmente a segurança, determinan-do ao impetrado que instaurasse procedimento administrativo tendente a apurar a homologação da Declaração de Compensação, recebendo eventual manifestação de inconformidade, a qual, no entanto, não deveria ter o efeito de suspender a exigibilidade do crédito tributário nos termos do art. 151, III, do CTN.

Ambas as partes apresentaram recurso.A impetrante postulou a reforma parcial da sentença, para que fosse

atribuído o efeito suspensivo da exigibilidade do crédito tributário en-quanto pendente de análise a manifestação de inconformidade e eventual recurso ao Conselho de Contribuintes.

Em seu recurso, a União sustentou, em síntese, que na hipótese de compensação não-declarada inexiste previsão para a apresentação de manifestação de inconformidade, inexistindo qualquer inconstituciona-lidade nesse dispositivo, porquanto a limitação à compensação decorre de lei, sendo que eventual discussão administrativa acerca da matéria teria efeito meramente protelatório.

Com as contra-razões da impetrante, vieram os autos a esta Corte para análise dos recursos voluntários e da remessa oficial.

O digno representante do Ministério Público Federal proferiu parecer pelo provimento do apelo da União.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares: Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de apresentação de manifestação de inconformidade contra decisão que considerou a compensação não--declarada, nos termos do § 12 do art. 74 da Lei nº 9.430/96, bem como se tal recurso teria o efeito de suspender a exigibilidade do crédito tributário.

Page 463: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 463

Embora a impetrante ressalte que não está querendo discutir a compen-sação por ela levada a efeito, mas tão-somente o direito ao procedimento administrativo nos termos do art. 74, §§ 5º a 11, da Lei nº 9.430/96 e do Decreto-Lei nº 70.235/72, entendo que a análise desse tema afigura-se imprescindível ao perfeito deslinde da questão.

Compensação do indébito tributário Antes de mais nada, cabe tecer um breve resumo acerca das diferentes

sistemáticas de compensação de tributos.Até a Lei nº 10.637/02, distinguiam-se perfeitamente duas modali-

dades de compensação tributária no âmbito dos tributos administrados pela Receita Federal:

a) a compensação de tributos da mesma espécie e destinação cons-titucional, prevista no artigo 66 da Lei nº 8.383/91 c/c art. 39 da Lei nº 9.250, realizada pela própria empresa na sua escrita contábil, devendo ser oportunamente comunicada à Administração Tributária pelos meios previstos na legislação de regência. Esse tipo de compensação não implicava extinção do crédito tributário, ficando sujeita à fiscalização, podendo o Fisco homologar ou não o procedimento do sujeito passivo.

b) a compensação disciplinada pelos artigos 73 e 74 da Lei nº 9.430/96, na sua redação originária, a qual podia versar sobre quaisquer tributos administrados pela Receita Federal, que exigia, contudo, o prévio re-querimento à Administração Tributária, cujo deferimento resultava na extinção do crédito compensado.

Contudo, como referido, com o advento da Lei nº 10.637, de 30.12.2002, que alterou os artigos 73 e 74 da Lei nº 9.430/96, houve significativa modificação na compensação efetuada administrativamente, aproximando muito as duas formas de compensação de tributos admi-nistrados pela SRF.

Pela novel legislação, foi introduzida a Declaração de Compensação (PER/DECOMP), cabendo ao contribuinte apresentá-la, informando os créditos utilizados e os respectivos débitos compensados. Segundo a dicção do novo artigo 74, a entrega da referida declaração à Secretaria da Receita Federal importa, desde logo, na extinção do crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação. (§§ 1º e 2º)

Essa nova sistemática veio ao encontro do clamor dos administrados

Page 464: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006464

por uma modalidade mais prática e eficiente de compensação de débitos e créditos federais, buscando diluir o ônus do tempo do processo admi-nistrativo de compensação, notoriamente longo em razão do acúmulo de pedidos. Contudo, por óbvio, concomitantemente ao benefício con-cedido pelo legislador, cuidou este de impor algumas limitações, com vistas a afastar ou, ao menos, diminuir as possibilidades de fraudes nos procedimentos compensatórios.

Assim, já no caput do artigo 74 da Lei nº 9.430/96, acrescentado pela Lei nº 10.637/02, foi limitada a possibilidade de compensação de créditos apurados pelo sujeito passivo, de tributos ou contribuições administra-dos pela SRF com débitos próprios. A contrario sensu, já estava desde então vedada a compensação com créditos de terceiros, única exceção feita expressamente no caso de débitos parcelados no REFIS, regidos por legislação específica.

Não bastasse a clara redação do caput do artigo 74 da Lei nº 9.430/96, outras modificações legislativas foram levadas a efeito com vistas a elucidar quaisquer dúvidas que ainda persistissem. Tiveram essa finali-dade as alterações promovidas pelas Leis nos 10.833/03 e 11.051/04, que acrescentaram novos parágrafos e incisos ao referido artigo 74.

Confira-se o texto atualizado do referido dispositivo legal:“Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito

em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. (Redação dada pela Lei nº 10.637, de 2002)

§ 1º A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)

§ 2º A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)

§ 3º Além das hipóteses previstas nas leis específicas de cada tributo ou contribui-ção, não poderão ser objeto de compensação mediante entrega, pelo sujeito passivo, da declaração referida no § 1º. (Redação dada pela Lei nº 10.833, de 2003)

I- o saldo a restituir apurado na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física; (Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)

II- os débitos relativos a tributos e contribuições devidos no registro da Declaração de Importação; (Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)

Page 465: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 465

III- os débitos relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal que já tenham sido encaminhados à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para inscrição em Dívida Ativa da União; (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)

IV- o débito consolidado em qualquer modalidade de parcelamento concedido pela Secretaria da Receita Federal - SRF; (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)

V- o débito que já tenha sido objeto de compensação não homologada, ainda que a compensação se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa; e (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)

VI- o valor objeto de pedido de restituição ou de ressarcimento já indeferido pela autoridade competente da Secretaria da Receita Federal - SRF, ainda que o pedido se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)

§ 4º Os pedidos de compensação pendentes de apreciação pela autoridade admi-nistrativa serão considerados declaração de compensação, desde o seu protocolo, para os efeitos previstos neste artigo. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 2002)

§ 5º O prazo para homologação da compensação declarada pelo sujeito passivo será de 5 (cinco) anos, contado da data da entrega da declaração de compensação. (Redação dada pela Lei nº 10.833, de 2003)

§ 6º A declaração de compensação constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência dos débitos indevidamente compensados. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)

§ 7º Não homologada a compensação, a autoridade administrativa deverá cientificar o sujeito passivo e intimá-lo a efetuar, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da ciência do ato que não a homologou, o pagamento dos débitos indevidamente compensados. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)

§ 8º Não efetuado o pagamento no prazo previsto no § 7º, o débito será encaminhado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para inscrição em Dívida Ativa da União, ressalvado o disposto no § 9º. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)

§ 9º É facultado ao sujeito passivo, no prazo referido no § 7º, apresentar manifes-tação de inconformidade contra a não-homologação da compensação. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)

§ 10. Da decisão que julgar improcedente a manifestação de inconformidade caberá recurso ao Conselho de Contribuintes. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)

§ 11. A manifestação de inconformidade e o recurso de que tratam os §§ 9º e 10 obedecerão ao rito processual do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, e enquadram-se no disposto no inciso III do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, relativamente ao débito objeto da compensação. (Incluído pela Lei nº 10.833, de 2003)

§ 12. Será considerada não declarada a compensação nas hipóteses: (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)

I - previstas no § 3º deste artigo; (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)II - em que o crédito: (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)

Page 466: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006466

a) seja de terceiros; (Incluída pela Lei nº 11.051, de 2004)b) refira-se a ‘crédito-prêmio’ instituído pelo art. 1º do Decreto-Lei nº 491, de 5 de

março de 1969; (Incluída pela Lei nº 11.051, de 2004)c) refira-se a título público; (Incluída pela Lei nº 11.051, de 2004)d) seja decorrente de decisão judicial não transitada em julgado; ou (Incluída pela

Lei nº 11.051, de 2004)e) não se refira a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita

Federal - SRF. (Incluída pela Lei nº 11.051, de 2004)§ 13. O disposto nos §§ 2º e 5º a 11 deste artigo não se aplica às hipóteses previstas

no § 12 deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)§ 14. A Secretaria da Receita Federal - SRF disciplinará o disposto neste artigo,

inclusive quanto à fixação de critérios de prioridade para apreciação de processos de restituição, de ressarcimento e de compensação. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)”

Extrai-se da leitura sistemática do dispositivo supratranscrito que existem três efeitos possíveis para o procedimento compensatório, via DECOMP: a) a compensação extingue o crédito tributário, sob condição de sua ulterior homologação, que pode ser expressa ou tácita (§ 2º); b) a compensação não é homologada pela autoridade fiscal, sendo garantida a possibilidade de manifestação de inconformidade, com suspensão da exigibilidade do crédito tributário (§§ 7º, 9º e 10º); c) a compensação é considerada não declarada, nas hipóteses do § 12, caso em que não é cabível a manifestação de inconformidade, nos termos do § 13.

Caso dos autos No caso dos autos, o mandado de segurança fora impetrado preventi-

vamente, tendo a impetrante manifestado desde o início o temor de que seu procedimento compensatório fosse considerado não-declarado, em razão de ter utilizado créditos adquiridos de terceiros (os quais chama de “créditos próprios havidos por cessão”), o que denota pleno conhe-cimento da legislação de regência.

Posteriormente noticiou que a ameaça a seu alegado direito líquido e certo havia se concretizado, tendo a autoridade impetrada proferido decisão que considerou a compensação não-declarada, nos termos do § 12 do artigo 74 da Lei nº 9.430/96, determinando a intimação e pros-seguimento da cobrança dos débitos confessados mediante DECOMP.

Consoante a fundamentação supra, entendo correto o procedimento adotado pela autoridade impetrada, visto que a compensação levada a

Page 467: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 467

termo pela impetrante foi contrária a expresso dispositivo legal.Com efeito, admitir a possibilidade de manifestação de inconformida-

de contra a decisão que considerou não-declarada a compensação e ainda atribuir a tal recurso efeito suspensivo, além de ferir dispositivo legal, afigura-se contrária ao princípio de que a ninguém é dado beneficiar-se com a própria torpeza, pois estar-se-ia legitimando conduta do contri-buinte, desde o início vedada por lei, e lhe concedendo a vantagem da suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

Ademais, deve-se buscar frear o impulso já arraigado entre alguns administrados de pretender apenas auferir as vantagens decorrentes dos benefícios instituídos pelo Poder Público, sem a cabível contrapartida, pertinente à sujeição às normas de regência e aos ônus correspondentes às benesses recebidas.

Por derradeiro, impende ressaltar que tenho entendido pela legalida-de das leis que imponham limitações à possibilidade de compensação, ressalvando, contudo, que somente passam a produzir efeitos a partir da entrada em vigência da norma restritiva.

No caso concreto, a DECOMP foi transmitida em 12.04.2005, sendo--lhe perfeitamente aplicáveis as limitações impostas pela Lei nº 9.430/96, com a redação dada pela Lei nº 11.051/2004.

Frente ao exposto, dou provimento ao apelo da União e à remessa oficial e nego provimento ao apelo da impetrante.

Page 468: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006468

Page 469: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 469

ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

Page 470: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 469-484, 2006470

Page 471: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 469-484, 2006 471

ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE EM AINº 2005.04.01.017909-2/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira

Agravante: União Federal (Fazenda Nacional)Advogada: Dra. Dolizete Fátima Michelin

Agravado: Inds. Micheletto S/AAdvogados: Drs. Igor Danilevicz e outro

EMENTA

Argüição de Inconstitucionalidade – Art. 19 da Lei nº 11.033/2004 – Violação ao art. 100 da Constituição, à garantia pétrea do respeito à coisa julgada e aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

1- O art. 19 da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, ao condi-cionar o levantamento de valores de precatório judicial, ou a autorização para seu depósito em conta bancária, à apresentação de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais e certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço--FGTS e a Dívida Ativa da União, padece de inconstitucionalidade por ofensa ao art. 100 da Constituição de 1988 e aos princípios do devido processo legal, da razoabilidade e da proporcionalidade.

2- O art. 100 da Constituição regula exaustivamente o pagamento por precatório, estabelecendo (§ 1º) a obrigatoriedade da inclusão da verba necessária no orçamento das entidades de direito público e sua consig-nação (§ 2º) diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente

Page 472: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 469-484, 2006472

do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, não restando espaço para que o legislador ordinário crie quaisquer restrições ao cumprimento dessa ordem. Tais restrições, em derradeira análise, acabam por violar a coisa julgada, cuja efetividade é protegida pelo art. 100 da Constituição.

3- As restrições criadas pelo art. 19 da Lei nº 11.033/2004 violam o princípio da proporcionalidade porque são desnecessárias ao atingimento de seus fins, uma vez que a Fazenda já detém suficientes instrumentos de garantia de seus créditos, entre os quais a compensação, o arresto e a penhora, o arrolamento de bens e a medida cautelar fiscal, além de ser desarrazoado exigir do credor que prove à Fazenda que nada lhe deve, através de certidões que devem ser expedidas pela própria Fazenda.

4- Fere o princípio do devido processo legal condicionar a realização do direito do credor, já consagrado por decisão judicial trânsita em julga-do, após o trâmite de processo em que foram observados o contraditório e a ampla defesa, a formalidades destinadas a proteger créditos fazendários não submetidos a igual procedimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, declarar a inconstitucionalidade do art. 19 da Lei nº 11.033, de 21 de novembro de 2004, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 23 de março de 2006.Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: Trata--se de argüição de inconstitucionalidade do art. 19 da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, que condicionou o pagamento dos precatórios à apresentação ao juízo, pelo credor, de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais e de certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS e a Dívida Ativa da União, depois de ouvida a Fazenda Pública. Aponta-se violação do art. 100 da Constituição de 1988, que regula o pagamento

Page 473: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 469-484, 2006 473

dos precatórios, e ofensa aos princípios do devido processo legal, da proporcionalidade e da razoabilidade.

Ouvida, a douta Procuradoria Regional da República ofertou parecer pela procedência do incidente, declarando-se inconstitucional o art. 19 daquela lei, por ofensa ao art. 100 da Constituição.

Registro ainda que, com o mesmo objetivo, pende de julgamento, no egrégio Supremo Tribunal Federal, a ADIn nº 3.453-7/600-DF, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, tendo na relatoria a eminente Ministra Ellen Gracie.

É o relatório.VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira: O dis-positivo questionado possui o seguinte teor:

“Art. 19. O levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial somente poderá ocorrer mediante a apre-sentação ao juízo de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Ga-rantia do Tempo de Serviço - FGTS e a Dívida Ativa da União, depois de ouvida a Fazenda Pública.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput deste artigo:I- aos créditos de natureza alimentar, inclusive honorários advocatícios;II- aos créditos de valor igual ou inferior ao disposto no art. 3º da Lei nº 10.259,

de 12 de julho de 2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.”

Como já afirmei no voto condutor da argüição de inconstituciona-lidade, tais exigências violam as regras do art. 100 da Constituição de 1988. Transcrevo-as:

“Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far--se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

Page 474: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 469-484, 2006474

§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previ-denciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.

§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exe-qüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.

§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

§ 4º São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor pago, bem como fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3º deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório.

§ 5º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público.

§ 6º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade.”

A Constituição, como visto, regulamenta rigorosamente o pagamento mediante precatório, que se autoriza para cumprir sentença trânsita em julgado e, portanto, não mais passível de modificação. O trânsito em julgado é uma garantia em favor da Fazenda, na medida em que não será forçada a pagar senão aqueles créditos que já se tornaram imutáveis; mas é também uma garantia para o credor, assegurando que seu direito, consagrado por decisão definitiva, será respeitado. Nesse passo, as regras que regulam o precatório refletem a cláusula pétrea do art. 5º, XXXVI, da Constituição de 1988: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. E, porque ali se cuida de dar efetividade à coisa julgada, é que o parágrafo 2º do art. 100 dispõe, de modo enfático, caber ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda “determinar o pagamento segundo as possibilidades do depó-sito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito”.

Parece claro o mandamento constitucional. Transitando em julgado a

Page 475: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 469-484, 2006 475

decisão judicial, cumpre-se, sem mais delongas. Portanto, condicionar esse pagamento à apresentação de certidões negativas federais, esta-duais, municipais e previdenciárias extrapola os limites postos pela própria Constituição ao legislador. Colocar obstáculos ao pagamento do precatório importa não só em violar o art. 100 da Constituição, mas também a garantia pétrea do respeito à coisa julgada.

Doutra parte, tal exigência configura uma ofensa frontal ao princípio do devido processo legal, na medida em que a realização do direito, já consagrado pela decisão judicial trânsita em julgado, após o trâmite de processo em que foram observados o contraditório e a ampla defesa, fica na dependência de formalidades destinadas a proteger interesses da Fazenda não submetidos a igual procedimento. Não é necessário ser vidente para prever o que ocorrerá a partir dessa inusitada exigência. Os credores da Fazenda que, por qualquer motivo, estiverem questionando suas exigências fiscais ficarão impossibilitados de receber os precatórios, porque lhes será negada a certidão posta pela lei como condição inafas-tável. Desse modo, o cidadão, que tem assegurado o direito de ver suas demandas apreciadas pelo Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF/88), ficará entre a cruz e a espada: se discutir o que lhe é exigido pela Fazenda, não poderá receber o que já lhe foi reconhecido por sentença trânsita em julgado e acabará muitas vezes forçado a, sem o devido processo legal, submeter-se às imposições fazendárias.

Mais ainda, cria-se, para o credor, o ônus de provar a inexistência de débitos fiscais, totalmente despropositado, em flagrante ofensa ao princípio da razoabilidade. Primeiro, porque a Fazenda, que está pagando, dispõe de todos os instrumentos para identificar os débitos que para com ela tenha seu credor. Não se concebe que o exeqüente tenha que provar à Fazenda, por certidão por ela mesma expedida, que nada lhe deve. Segundo, porque a Fazenda teve oportunidade para, dentro do processo, exercer qualquer direito que tivesse contra seu credor, inclusive a compensação.

Se o objetivo da lei, como afirma o agravante, é propiciar à Fazenda a compensação do que tem a pagar com aquilo que seu credor lhe deve, torna-se evidente:

a) que tal providência é extemporânea, pois qualquer compensação teria que ser argüida no processo de execução, e não no ato do pagamento;

Page 476: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 469-484, 2006476

b) que tal exigência não atende ao princípio da proporcionalidade, nem mesmo ao da razoabilidade, impondo ao exeqüente um encargo absolutamente desnecessário, uma vez que – repito – a própria Fazenda é depositária das informações que pretende que o exeqüente lhe preste por certidão que ela mesma deverá fornecer.

É impertinente invocar, em defesa da constitucionalidade dessa exi-gência, o parágrafo terceiro do art. 195 da Constituição, segundo o qual “a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”. O pagamento de precatórios não é nenhum benefício, nem incentivo fiscal ou creditício. É, isto sim, o cumprimento de uma obrigação reconhecida por sentença trânsita em julgado.

É oportuno transcrever parte do parecer exarado pelo então Procu-rador-Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles, na ADI nº 3453/SP, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que extraio do parecer lançado nestes autos pela douta Procuradoria Regional da República:

“11. O dispositivo legal questionado é, de fato, inconstitucional. E para chegar--se a essa conclusão bastaria analisar o art. 100 e seus parágrafos da Constituição da República.

12. Esse artigo da Carta Magna disciplina pormenorizadamente o regime dos pre-catórios judiciais. O que o constituinte quis regular a respeito dos precatórios o fez, e aquilo que entendeu necessário transferir à disciplina pelo legislador ordinário também o fez, e expressamente.

13. A Constituição, no tocante ao tema, somente transferiu ao regramento infra-constitucional a definição de obrigações de pequeno valor, que não obedecerão à ordem cronológica de apresentação dos precatórios, cujos pagamentos o erário deva fazer em virtude de sentença judicial trânsita (art. 100, § 3º, CF), e a fixação de valores distintos para elas, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público (art. 100, § 5º, CF).

14. Isso não quer dizer, obviamente, que o legislador infraconstitucional só poderá atuar quando a Carta Política o autorizar de forma expressa. Ocorre que, com relação a certas matérias e, no caso, aos pagamentos devidos pela Fazenda Pública, a Lei Maior estabelece minúcias, tornando-se incompatível com a atuação do legislador ordinário, a não ser que esta esteja expressamente prevista.

15. Mas não é só isso. O texto dos §§ 1º e 2º do art. 100 determina que o pagamento dos valores decorrentes de precatórios judiciais serão pagos, sem estabelecer exceção

Page 477: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 469-484, 2006 477

ou condição ao pagamento. Dispõem os citados parágrafos:‘§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de

verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados, monetariamente.

(...)§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente

ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a reque-rimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito’.

16. Tendo em vista a determinação dos parágrafos transcritos relativa ao pagamento de valores constantes de precatórios, é forçoso concluir que não é dado ao legislador infraconstitucional estabelecer condição que a possa desautorizar. Se o constituinte quisesse excepcionar algo, o teria feito.

17. Em seu parecer, acostado às fls. 67/82, o professor Kiyoshi Harada ensina e critica:

‘Como se vê do art. 100 e parágrafos, sucintamente analisados, a Carta Política traçou regras claras e severas de conformidade com o princípio federativo da indepen-dência e harmonia dos Poderes e em consonância com os princípios que regem a Ad-ministração Pública. Esgotou o procedimento para pagamento de precatórios judiciais nada deixando à colaboração do legislador infraconstitucional, exceto para definição de obrigações de pequeno valor e para distinguir esses valores segundo as diferentes capacidades dos entes políticos devedores (§§ 3º e 5º), com o manifesto propósito de favorecer os credores da Fazenda, jamais para prejudicá-los.

(...)Diante de regras tão claras, objetivas e severas não se sabe onde e como o legisla-

dor ordinário foi buscar fundamento constitucional para procrastinar o pagamento de precatório judicial, incorrendo em autêntico ato de improbidade legislativa. Bastará que um único credor não consiga apresentar a certidão negativa, para paralisar a fila do precatório judicial em benefício da Fazenda, que vem antecipando a realização da receita tributária e postergando o pagamento da despesa decorrente de condenação judicial, como é de conhecimento público’.”

Necessário ainda ressaltar a clara violação ao princípio da proporcio-nalidade que tem, na hipótese em exame, terreno propício para sua apli-cação. Cuida-se, à evidência, de medida restritiva de direitos do cidadão, empregada como meio para o atingimento de interesses fazendários. Tais restrições não atendem ao princípio da proporcionalidade, porque são desnecessários, uma vez que a Fazenda já detém suficientes instrumentos

Page 478: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 469-484, 2006478

para a garantia de seus créditos, entre os quais a compensação, que pode ser argüida no processo de execução; o arresto e a penhora, que podem incidir sobre os créditos pagos por via de precatório; o arrolamento de bens; e a medida cautelar fiscal.

Por esses fundamentos, voto declarando inconstitucional o caput do art. 19 da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, e assim também seu parágrafo único e respectivos incisos, estes por decorrência lógica, uma vez que, afastado o caput, perderão sua razão de ser.

É o voto.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Goraieb: Assim prescreve o art. 19 da Lei nº 10.033/04, ipsis litteris:

“Art. 19. O levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial somente poderá ocorrer mediante a apre-sentação ao juízo de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Ga-rantia do Tempo de Serviço - FGTS e a Dívida Ativa da União, depois de ouvida a Fazenda Pública.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput deste artigo:I - aos créditos de natureza alimentar, inclusive honorários advocatícios;II - aos créditos de valor igual ou inferior ao disposto no art. 3º da Lei nº 10.259,

de 12 de julho de 2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.”

O regime de processamento dos pagamentos a que a Fazenda Pública é obrigada a pagar em razão de condenação judicial, por sua vez, tem disciplina expressa na Constituição Federal, por conta das determinações do art. 100 e respectivos parágrafos, juntamente com o art. 78 do ADCT, nos seguintes termos:

“Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far--se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se

Page 479: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 469-484, 2006 479

o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado. (Incluído pela Emenda Consti-tucional nº 30, de 2000)

§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exe-qüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

§ 3° O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

§ 4º São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor pago, bem como fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3º deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

§ 5º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público. (Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000, e Renumerado pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

§ 6º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade. (Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000 e Renumerado pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)”

“Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuiza-das até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda

Page 480: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 469-484, 2006480

corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

§ 1º É permitida a decomposição de parcelas, a critério do credor. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

§ 2º As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

§ 3º O prazo referido no caput deste artigo fica reduzido para dois anos, nos casos de precatórios judiciais originários de desapropriação de imóvel residencial do credor, desde que comprovadamente único à época da imissão na posse. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

§ 4º O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o prazo ou em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao direito de precedência, a reque-rimento do credor, requisitar ou determinar o seqüestro de recursos financeiros da entidade executada, suficientes à satisfação da prestação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)”

O art. 19 da Lei nº 11.033/2004, ora em pauta, estabelece restrições à expedição de precatórios ou ao levantamento de valores já depositados, exigindo que o beneficiário do crédito a que foi condenada a Fazenda Pública apresente certidões negativas de tributos federais, estaduais e municipais. Vai além, exigindo, também, certidões atinentes à previ-dência social e ao FGTS.

A norma inicialmente inserida no ordenamento pátrio por Medida Provisória e posteriormente convertida em lei pelo processo legislativo regular não encontra sustentação no regime jurídico nacional. Não há nas disposições constitucionais, pois, qualquer restrição ou condição para satisfação do crédito do exeqüente.

Com efeito, a sistemática de pagamentos é rígida e tem matriz cons-titucional, de modo que qualquer exigência não incluída expressamente no Texto Maior deve ser afastada. Isso porque não se pode adotar inter-pretação mais alargada quando o próprio Poder Constituinte não o fez diretamente. Significa dizer que as normas constitucionais devem ser lidas com olhos voltados a emprestar-lhes a maior efetividade possível. O tema é objeto constante da análise dos mais conceituados constitu-cionalistas, sendo apropriadas as considerações de Alexandre de Moraes ao mencionar premissas básicas de interpretação, as quais permito-me referir em parte, verbis:

Page 481: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 469-484, 2006 481

“(...) do efeito integrador: na resolução dos problemas jurídico-constitucionais, deverá ser dada maior primazia aos critérios favorecedores da integração política e social, bem como ao reforço da unidade política;

da máxima efetividade ou da eficiência: a uma norma constitucional deve ser atri-buído o sentido que maior eficácia lhe conceda. Conseqüentemente, todas as normas constitucionais têm validade, não cabendo ao intérprete optar por umas em detrimento total do valor de outras;

da justeza ou da conformidade funcional: os órgãos encarregados da interpretação da norma constitucional não poderão chegar a uma posição que subverta, altere ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido pelo legislador constituinte originário;

da concordância prática ou da harmonização: exige-se a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito, de forma a evitar o sacrifício de uns em relação aos outros;

da força normativa da Constituição: entre as interpretações possíveis, deve ser adotada a que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas cons-titucionais.” (Direito Constitucional Administrativo: atualizada com as ECs nos 41/03 e 45/04, São Paulo: Atlas, 2005, p. 54-5)

Essa, aliás, é a meta buscada pelo processo moderno. A efetividade é uma das guias mestras da jurisdição. E efetividade implica dar a cada um o que tem direito, no menor tempo possível. Os novos tempos já não mais aceitam soluções simplórias e acomodadas. É imprescindível que as normas sejam interpretadas em perfeita adequação ao seu contexto jurídico, político e social, dando-lhe eficácia máxima. Somente assim se alcançará o acesso à justiça em sua plenitude. Há que se garantir o resultado final de forma satisfatória, pois só tem acesso à ordem jurí-dica justa quem recebe justiça. E para que se concretize, impõe-se que seja de forma rápida.

A perspectiva não é nova. O princípio de efetividade já encontrava guarida no direito de acesso ao judiciário (art. 5º, XXXV, CF/88). A EC nº 45/2004 apenas inseriu de forma expressa o que já estava consagrado, sepultando em definitivo quaisquer dúvidas geradas por uma análise mais superficial do sistema constitucional-processual. Assim assegu-rou o inciso LXXVIII acrescentado ao art. 5º pela novel modificação: “LXXVIII- a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Dessa forma, a restrição imposta pelo art. 19 da Lei nº 11.033/2004, por si só – não obstante o próprio método de pagamento por precatório posicionar-

Page 482: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 469-484, 2006482

-se na contramão do estado democrático e do processo moderno –, demonstra um excesso descabido de cristalina inconstitucionalidade.

Não fossem suficientes esses argumentos, o art. 19 analisado repre-senta tentativa despropositada de obrigar o Judiciário a fazer as funções de fiscalização da Fazenda Pública. A atividade de fiscalização é inerente ao Poder Executivo, e qualquer norma que imponha a outro Poder da União igual responsabilidade representa ofensa ao sistema tripartite e à autonomia consagrada no art. 2º, CF/88. Ademais, o Executivo possui mecanismos suficientes para fiscalização, controle e cobrança dos seus créditos, que não se confundem com atividade tipicamente jurisdicional, exceto quando o Judiciário for motivadamente provocado pelo processo que, nesta hipótese, deverá ser específico.

Refira-se, ainda, a inconstitucionalidade da norma legal quando em confronto com a coisa julgada e com o devido processo legal (art. 5º, XXXVI e LIV, respectivamente), ipsis litteris:

“XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

(...)LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”

A par da precária redação do art. 19 da Lei nº 11.033/2004, que con-diciona o crédito tão-somente à apresentação das certidões negativas de débitos das fazendas federal, estadual, municipal, para com a previdência social e sistema de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, não se pode abstrair da real intenção do legislador. Em princípio, a lei não deve conter disposições inúteis e, por essa premissa, chega-se à con-clusão de que, de fato, pretendeu o legislador autorizar a compensação dos créditos fazendários com a indenização a que faz jus o vencedor da demanda ou, senão, a tentativa de impor-lhe o pagamento como condição de recebimento da indenização devida.

Ora, a compensação é matéria a ser tratada no âmbito do processo judicial, devendo ser alegada anteriormente à sentença proferida na ação de conhecimento, a fim de que venha a integrar o título executivo judicial. Defeso, pois, ventilar qualquer pretensão nesse sentido já na fase executiva, pois representaria forma de execução fiscal oblíqua e à margem do ordenamento jurídico. (Lei nº 6.830/80)

Isso porque as prerrogativas de que dispõe a fazenda a remetem a

Page 483: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 469-484, 2006 483

juízo da execução fiscal, procedimento célere e próprio para tanto, que se funda na liquidez e certeza das dívidas inscritas. Essa presunção, ressalve-se, alcança efeitos no âmbito administrativo e no procedimento executivo fiscal, não encontrando espaço em outros processos, em que seria necessária a averiguação de tais requisitos.

Portanto, compensar os créditos a que fazem jus fazenda pública e exeqüente, reciprocamente, é matéria que desborda da esfera do processo de execução de sentença, em que tem lugar a expedição do precatório correspondente à indenização ou a liberação de valores já depositados e à disposição do juízo, contrapondo-se ao devido processo legal e à coisa julgada.

Vale anotar, por fim, que a constitucionalidade do dispositivo ora tratado já é objeto de controle concentrado, no corpo da ADIn nº 3.453-7/DF, que conta com parecer exarado pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles, favorável à declaração de incons-titucionalidade.

Em síntese, a exigência imposta pelo artigo sob exame é flagrante-mente inconstitucional, por ofensa ao art. 5º, incisos XXXVI, LIV e LXXVIII, assim como ao art. 100 e parágrafos, CF/88, motivo pelo qual deve ser declarada a sua inconstitucionalidade.

Em face do exposto, acompanho o E. Relator, acolhendo o incidente e declarando a inconstitucionalidade do art. 19 da Lei nº 11.033/2004.

É o voto.

Page 484: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006484

Page 485: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 63-468, 2006 485

SÚMULAS

Page 486: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n.60, p.485-494, 2006486

Page 487: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 485-494, 2006 487

SÚMULA Nº 1“É inconstitucional a exigência do empréstimo compulsório instituído pelo artigo

10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986, na aquisição de veículos de passeio e utilitários.” (DJ 02.10.91, p.24184)

SÚMULA Nº 2“Para o cálculo da aposentadoria por idade ou por tempo de serviço, no regime

precedente à Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, corrigem-se os salários-de-contri-buição, anteriores aos doze últimos meses, pela variação nominal da ORTN/OTN.” (DJ 13.01.92, p.241)

SÚMULA Nº 3“Os juros de mora, impostos a partir da citação, incidem também sobre a soma das

prestações previdenciárias vencidas.” (DJ 24.02.92, p.3665)

SÚMULA Nº 4“É constitucional a isenção prevista no art. 6° do Decreto-Lei n° 2.434, de 19.05.88.”

(DJ 22.04.92, p.989)

SÚMULA Nº 5“A correção monetária incidente até a data do ajuizamento deve integrar o valor da

causa na ação de repetição de indébito.” (DJ 01.05.92, p. 12081)

SÚMULA Nº 6“A autoridade administrativa não pode, com base na Instrução Normativa n° 54/81

- SRF, exigir a comprovação do recolhimento do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.” (DJ 20.05.92, p.13384)

SÚMULA Nº 7“É inconstitucional o art. 8° da Lei n° 7.689 de 15 de dezembro de 1988.” (DJ

20.05.92, p.13384)

SÚMULA Nº 8“Subsiste no novo texto constitucional a opção do segurado para ajuizar ações

contra a Previdência Social no foro estadual do seu domicílio ou no do Juízo Federal.” (DJ 20.05.92, p.13385)

SÚMULA Nº 9“Incide correção monetária sobre os valores pagos com atraso, na via administrativa,

a título de vencimento, remuneração, provento, soldo, pensão ou benefício previden-ciário, face à sua natureza alimentar.” (DJ 06.11.92, p.35897)

SÚMULA Nº 10“A impenhorabilidade da Lei n° 8.009/90 alcança o bem que, anteriormente ao seu

advento, tenha sido objeto de constrição judicial.” (DJ 20.05.93, p.18986)

Page 488: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n.60, p.485-494, 2006488

SÚMULA Nº 11“O desapropriante está desobrigado de garantir compensação pelo deságio que os

títulos da dívida agrária venham a sofrer, se levados ao mercado antecipadamente.” (DJ 20.05.93, p.18986) (Rep. DJ 14.06.93, p.22907)

SÚMULA Nº 12“Na execução fiscal, quando a ciência da penhora for pessoal, o prazo para a

oposição dos embargos de devedor inicia no dia seguinte ao da intimação deste.” (DJ 20.05.93, p.18986)

SÚMULA Nº 13“É inconstitucional o empréstimo compulsório incidente sobre a compra de gaso-

lina e álcool, instituído pelo artigo 10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986.” (DJ 20.05.93, p.18987)

SÚMULA Nº 14 (*)“É constitucional o inciso I do artigo 3° da Lei 7.787, de 1989.” (DJ 20.05.93,

p.18987) (DJ 31.08.94, p.47563 (*)CANCELADA)

SÚMULA Nº 15“O reajuste dos benefícios de natureza previdenciária, na vigência do Decreto-Lei

n° 2.351, de 7 de agosto de 1987, vinculava-se ao salário mínimo de referência e não ao piso nacional de salários.” (DJ 14.10.93, p.43516)

SÚMULA Nº 16“A apelação genérica, pela improcedência da ação, não devolve ao Tribunal o exame

da fixação dos honorários advocatícios, se esta deixou de ser atacada no recurso.” (DJ 29.10.93, p.46086)

SÚMULA Nº 17 (*)“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 70,28% relativo

à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 02.12.93, p.52558) (DJ 19.06.95, p. 38484 (*)REVISADA)

SÚMULA Nº 18“O depósito judicial destinado a suspender a exigibilidade do crédito tributário

somente poderá ser levantado, ou convertido em renda, após o trânsito em julgado da sentença.” (DJ 02.12.93, p.52558)

SÚMULA Nº 19“É legítima a restrição imposta pela Portaria DECEX n° 8, de 13.05.91, no que

respeita à importação de bens usados, dentre os quais pneus e veículos.” (DJ 15.12.93, p.55316)

SÚMULA Nº 20“O art. 8°, parágrafo 1°, da Lei 8.620/93 não isenta o INSS das custas judiciais,

quando demandado na Justiça Estadual.” (DJ 15.12.93, p.55316)

Page 489: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 485-494, 2006 489

SÚMULA Nº 21“É constitucional a Contribuição Social criada pelo art. 1° da Lei Complementar

n° 70, de 1991.” (DJ 15.12.93, p.55316)

SÚMULA Nº 22“É inconstitucional a cobrança da taxa ou do emolumento para licenciamento de

importação, de que trata o art. 10 da Lei 2.145/53, com a redação da Lei 7.690/88 e da Lei 8.387/91.” (DJ 05.05.94, p.20933)

SÚMULA Nº 23“É legítima a cobrança do empréstimo compulsório incidente sobre o consumo de

energia elétrica, instituído pela Lei 4.156/62, inclusive na vigência da Constituição Federal de 1988.” (DJ 05.05.94, p.20933)

SÚMULA Nº 24“São auto-aplicáveis os parágrafos 5° e 6° do art. 201 da Constituição Federal de

1988.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 25“É cabível apelação da sentença que julga liquidação por cálculo, e agravo de

instrumento da decisão que, no curso da execução, aprecia atualização da conta.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 26“O valor dos benefícios previdenciários devidos no mês de junho de 1989 tem por

base o salário mínimo de NCz$120,00 (art. 1° da Lei 7.789/89).” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 27“A prescrição não pode ser acolhida no curso do processo de execução, salvo se su-

perveniente à sentença proferida no processo de conhecimento.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 28“São inconstitucionais as alterações introduzidas no Programa de Integração Social

(PIS) pelos Decretos-Leis 2.445/88 e 2.449/88.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 29“Não cabe a exigência de estágio profissionalizante para efeito de matrícula em

curso superior.” (DJ 05.05.94, p.20934)

SÚMULA Nº 30“A conversão do regime jurídico trabalhista para o estatutário não autoriza ao ser-

vidor o saque dos depósitos do FGTS.” (DJ 09.06.94, p.30113)

SÚMULA Nº 31“Na ação de repetição do indébito tributário, os juros de mora incidem a partir do

trânsito da sentença em julgado.” (DJ 29.05.95, p.32675)

SÚMULA Nº 32 (*)

Page 490: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n.60, p.485-494, 2006490

“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 42,72% relativo à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 19.06.95, p.38484 (*)REVISÃO DA SÚMULA 17)

SÚMULA Nº 33“A devolução do empréstimo compulsório sobre combustíveis (art. 10 do Decreto-

-Lei n° 2.288/86) independe da apresentação das notas fiscais.” (DJ 08.09.95, p.58814)

SÚMULA Nº 34“Os municípios são imunes ao pagamento de IOF sobre suas aplicações financeiras.”

(DJ 22.12.95, p.89171)

SÚMULA Nº 35“Inexiste direito adquirido a reajuste de vencimentos de servidores públicos federais

com base na variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p.744)

SÚMULA Nº 36“Inexiste direito adquirido a reajuste de benefícios previdenciários com base na

variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p.744)

SÚMULA Nº 37“Na liquidação de débito resultante de decisão judicial, incluem-se os índices relati-

vos ao IPC de março, abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991.” (DJ 14.03.96, p.15388)

SÚMULA Nº 38“São devidos os ônus sucumbenciais na ocorrência de perda do objeto por causa

superveniente ao ajuizamento da ação.” (DJ 15.07.96, p.48558)

SÚMULA Nº 39“Aplica-se o índice de variação do salário da categoria profissional do mutuário

para o cálculo do reajuste dos contratos de mútuo habitacional com cláusula PES, vinculados ao SFH.” (DJ 28.10.96, p.81959)

SÚMULA Nº 40“Por falta de previsão legal, é incabível a equivalência entre o salário-de-contribuição

e o salário-de-benefício para o cálculo da renda mensal dos benefícios previdenciários.” (DJ 28.10.96, p.81959)

SÚMULA Nº 41“É incabível o seqüestro de valores ou bloqueio das contas bancárias do INSS para

garantir a satisfação de débitos judiciais.” (DJ 28.10.96, p.81959)

SÚMULA Nº 42 (*)“A União e suas autarquias estão sujeitas ao adiantamento das despesas do oficial de

justiça necessárias ao cumprimento de diligências por elas requeridas.” (DJ 16.04.97,

Page 491: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 485-494, 2006 491

p.24642-43) (DJ 19.05.97, p.34755 (*)REVISÃO)

SÚMULA Nº 43“As contribuições para o FGTS não têm natureza tributária, sujeitando-se ao prazo

prescricional de trinta anos.” (DJ 14.01.98, p.329)

SÚMULA Nº 44“É inconstitucional a contribuição previdenciária sobre o pro labore dos admi-

nistradores, autônomos e avulsos, prevista nas Leis nos 7.787/89 e 8.212/91.” (DJ 14.01.98, p.329)

SÚMULA Nº 45“Descabe a concessão de liminar ou de antecipação de tutela para a compensação

de tributos.” (DJ 14.01.98, p.329)

SÚMULA Nº 46“É incabível a extinção do processo de execução fiscal pela falta de localização do

devedor ou inexistência de bens penhoráveis (art. 40 da Lei n° 6.830/80).” (DJ 14.01.98, p.330) (Rep. DJ 11.02.98, p.725)

SÚMULA Nº 47“Na correção monetária dos salários-de-contribuição integrantes do cálculo da renda

mensal inicial dos benefícios previdenciários, em relação ao período de março a agosto de 1991, não se aplica o índice de 230,40%.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 48“O abono previsto no artigo 9°, § 6°, letra b, da Lei n° 8178/91 está incluído no

índice de 147,06%, referente ao reajuste dos benefícios previdenciários em 1° de se-tembro de 1991.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 49“O critério de cálculo da aposentadoria proporcional estabelecido no artigo 53 da

Lei 8.213/91 não ofende o texto constitucional.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 50“Não há direito adquirido à contribuição previdenciária sobre o teto máximo de 20

salários mínimos após a entrada em vigor da Lei n° 7.787/89.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 51“Não se aplicam os critérios da Súmula n° 260 do extinto Tribunal Federal de

Recursos aos benefícios previdenciários concedidos após a Constituição Federal de 1988.” (DJ 07.04.98, p.381)

SÚMULA Nº 52 (*)“São devidos juros de mora na atualização da conta objeto de precatório comple-

mentar.” (DJ 07.04.98, p.382) (DJ 07.10.2003, p.202 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 53

Page 492: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n.60, p.485-494, 2006492

“A sentença que, independentemente de pedido, determina a correção monetária do débito judicial não é ultra ou extra petita.” (DJ 07.04.98, p.382)

SÚMULA Nº 54“Os valores recebidos a título de incentivo à demissão voluntária não se sujeitam

à incidência do imposto de renda.” (DJ 22.04.98, p.386)

SÚMULA Nº 55“É constitucional a exigência de depósito prévio da multa para a interposição de

recurso administrativo, nas hipóteses previstas pelo art. 93 da Lei n° 8.212/91 - com a redação dada pela Lei n° 8.870/94 - e pelo art. 636, § 1°, da CLT.” (DJ 15.06.98, p. 584)

SÚMULA Nº 56“Somente a Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva nas ações que

objetivam a correção monetária das contas vinculadas do FGTS.” (DJ 03.11.98, p.298)

SÚMULA Nº 57“As ações de cobrança de correção monetária das contas vinculadas do FGTS

sujeitam-se ao prazo prescricional de trinta anos.” (DJ 03.11.98, p.298)

SÚMULA Nº 58“A execução fiscal contra a Fazenda Pública rege-se pelo procedimento previsto

no art. 730 do Código de Processo Civil.” (DJ 18.11.98, p.518)

SÚMULA Nº 59“A UFIR, como índice de correção monetária de débitos e créditos tributários,

passou a viger a partir de janeiro de 1992.” (DJ 18.11.98, p. 519)

SÚMULA Nº 60“Da decisão que não recebe ou que rejeita a denúncia cabe recurso em sentido

estrito.” (DJ 29.04.99, p.339)

SÚMULA Nº 61 (*)“A União e o INSS são litisconsortes passivos necessários nas ações em que seja

postulado o benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, não sendo caso de delegação de jurisdição federal.” (DJ 27.05.99, p.290) (DJ 07.07.2004, p.240 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 62 (*)“Nas demandas que julgam procedente o pedido de diferença de correção monetária

sobre depósitos do FGTS, não são devidos juros de mora relativamente às contas não movimentadas.” (DJ 23.02.2000, p.578) (DJ 08.10.2004, p.586 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 63“Não é aplicável a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal nas ações rescisórias

versando matéria constitucional.” (DJ 09.05.2000, p.657)

SÚMULA Nº 64

Page 493: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 485-494, 2006 493

“É dispensável o reconhecimento de firma nas procurações ad judicia, mesmo para o exercício em juízo dos poderes especiais previstos no art. 38 do CPC.” (DJ 07.03.2001, p.619)

SÚMULA Nº 65“A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previ-

denciárias não constitui prisão por dívida.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 66“A anistia prevista no art. 11 da Lei nº 9.639/98 é aplicável aos agentes políticos,

não aproveitando aos administradores de empresas privadas.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 67“A prova da materialidade nos crimes de omissão no recolhimento de contribui-

ções previdenciárias pode ser feita pela autuação e notificação da fiscalização, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 68“A prova de dificuldades financeiras, e conseqüente inexigibilidade de outra con-

duta, nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser feita através de documentos, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 69“A nova redação do art. 168-A do Código Penal não importa em descriminalização

da conduta prevista no art. 95, d, da Lei nº 8.212/91.” (DJ 03.10.2002, p.499)

SÚMULA Nº 70“São devidos honorários advocatícios em execução de título judicial, oriundo de

ação civil pública.” (DJ 06.10.2003, p.459)

SÚMULA Nº 71“Os juros moratórios são devidos pelo gestor do FGTS e incidem a partir da citação

nas ações em que se reclamam diferenças de correção monetária, tenha havido ou não levantamento do saldo, parcial ou integralmente.” (DJ 08.10.2004, p.586)

SÚMULA Nº 72“É possível cumular aposentadoria urbana e pensão rural.” (DJ 02.02.2006, p.524)

SÚMULA Nº 73“Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade

rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 74“Extingue-se o direito à pensão previdenciária por morte do dependente que atinge

21 anos, ainda que estudante de curso superior.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 75

Page 494: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n.60, p.485-494, 2006494

“Os juros moratórios, nas ações previdenciárias, devem ser fixados em 12% ao ano, a contar da citação.” (DJ 02.02.2006, p.524)

SÚMULA Nº 76“Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente

sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.” (DJ 02.02.2006, p.524)

SÚMULA Nº 77“O cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário concedido a partir

de março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%).” (DJ 08.02.2006, p.290)

SÚMULA Nº 78“A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da persecução penal

concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90.” (DJ 22.03.2006, p. 434)

Page 495: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 485-494, 2006 495

ÍNDICE NUMÉRICO

Page 496: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 495-498, 2006496

Page 497: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 495-498, 2006 497

DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL

2000.04.01.106233-2/RS. (AC) Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon ...........................672000.71.01.003040-6/RS. (AC) Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde ............................742002.71.02.000277-5/RS. (AC) Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon ...........................782003.04.01.001304-1/SC. (AG) Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde ............................832003.70.00.046812-8/PR. (AC) Rel. Juiz Federal José Paulo Baltazar Junior ...............................872003.72.00.018589-5/SC. (AC) Rel. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida ..................................942004.71.11.002074-0/RS. (AC) Rel. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha ...................................1012005.04.01.015460-5/PR. (AG) Rel. Desa. Federal Silvia Goraieb ..............................................1112005.04.01.020976-0/PR. (AG) Rel. Juiz Federal José Paulo Baltazar Junior .............................1182005.04.01.021094-3/PR. (AG) Rel. Desa. Federal Silvia Goraieb ..............................................1282006.04.00.001762-2/PR. (EDAI) Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz ..............134

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL

2000.70.00.011243-6/PR. (ACR) Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose ............................................1852000.71.10.001780-4/RS. (ACR) Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro ................................2392001.04.01.071752-7/SC. (APN) Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz ...............................2462005.72.01.001241-6/SC. (RSE) Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro ................................2642006.04.00.001088-3/PR. (HC) Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose ............................................280

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

1998.04.01.086669-6/RS. (EIAC) Rel. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle ..................2892001.04.01.038728-0/SC. (EIAC) Rel. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle ..................2952002.71.13.001694-0/RS. (AC) Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus ..........................2992004.72.08.002725-8/SC. (AC) Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira ...................3022005.70.00.001922-7/PR. (AC) Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus ..........................3112005.72.13.000615-8/SC. (AC) Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona .............................320

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

2002.04.01.036837-9/PR. (AG) Rel. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida ............................. 3292002.04.01.052476-6/RS. (EIAC) Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona .............................3372004.70.02.000361-0/PR. (AMS) Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz ........3542005.04.01.025735-2/RS. (MS) Rel. Desa. Federal Marga Barth Tessler .....................................3782005.04.01.039162-7/SC. (AG) Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira ...............383

Page 498: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 495-498, 2006498

DIREITO TRIBUTÁRIO

2000.71.00.002624-8/RS. (AC) Rel. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira ............................3892001.71.03.001339-0/RS. (EIAC) Rel. Des. Federal Wellington Mendes de Almeida ....................4092003.04.01.051743-2/PR. (EIAR) Rel. Des. Federal Vilson Darós ..................................................4152004.71.00.038200-9/RS. (AC) Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira ...............4242004.71.02.004100-5/RS. (AC) Rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares .............................4352004.72.00.004798-3/SC. (AMS) Rel. Des. Federal Vilson Darós ..................................................4402005.70.00.009972-7/PR. (AMS) Rel. Des. Federal Dirceu de Almeida Soares .............................460

ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

2005.04.01.017909-2/RS. (INAG) Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira ...............471

Page 499: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 495-498, 2006 499

ÍNDICE ANALÍTICO

Page 500: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006500

Page 501: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006 501

A

AÇÃO CIVIL PÚBLICALiminar – Vide LEVANTAMENTO DE DEPÓSITO

AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃOVide LEVANTAMENTO DE DEPÓSITO

ADCT (ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS)Interpretação conforme a Constituição - Vide REGIME JURÍDICO ÚNICO

ADICIONAL DE INSALUBRIDADEIncorporação de vantagem pessoal. Proventos. Servidor público. Manutenção. Apo-sentadoria. Pensão previdenciária.Correção monetária. Juros de mora. ......................................................................... 67

ADVOGADOHonorários – Vide DANO MATERIAL

Honorários – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

AERONAVESubstância tóxica – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

AGENTE FINANCEIRORequerimento - Vide SFH (SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO)

AGRAVOInadequação – Vide MULTAALVARÁ DE SOLTURA

Page 502: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006502

Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

AMPLA DEFESAVide PERDIMENTO DE BENS

APLICAÇÃO DA LEIDireito adquirido – Vide TEMPO DE SERVIÇO

APLICAÇÃO FINANCEIRAPrevidência privada fechada - Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

APOSENTADORIAAtraso no pagamento – Vide CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

Servidor público – Vide ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

APOSENTADORIA INTEGRALVide REVISÃO DE BENEFÍCIO

APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇOAverbação – Vide TEMPO DE SERVIÇO

Vide RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO

Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

APOSENTADORIA PROPORCIONALConversão – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTALConstrução civil – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

Criação. Unidade. Preservação. Mata Atlântica. Interesse público. Prevenção. Priori-dade. Direito ambiental.Localização. Ato unilateral. Administração pública. Inocorrência.Processo administrativo. Regularidade. Preenchimento de requisito. Prova documental. Publicação. Diário Oficial. Consulta. Cidadão. Participação. Interessado. Sociedade civil.Intimação pessoal. Integralidade. Proprietário. Desnecessidade.............................. 118

Vide TERRENO DE MARINHAARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADELei ordinária – Vide PRECATÓRIO

Page 503: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006 503

ASSISTÊNCIA HOSPITALAREquiparação – Vide IMPOSTO DE RENDA

ATIVIDADE INSALUBREConversão - Vide LITISCONSÓRCIO PASSIVO

Laudo pericial – Vide TEMPO DE SERVIÇO

ATIVIDADE RURALMenor de catorze anos – Vide TEMPO DE SERVIÇO

Tempo de serviço – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

ATIVIDADE URBANATempo de serviço – Vide RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO

ATIVO PERMANENTEReserva - Vide LUCRO REAL

ATO DISCRICIONÁRIOProrrogação – Vide CONTRATO ADMINISTRATIVO

ATO JURÍDICO PERFEITOVide CONTRATO ADMINISTRATIVO

Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

Vide TEMPO DE SERVIÇO

AUTORIAPeculato – Vide PERDIMENTO DE BENS

B

BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIOTermo inicial - Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

BENSReavaliação – Vide LUCRO REAL

C

Page 504: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006504

CARGO PÚBLICOPerda - Vide PERDIMENTO DE BENS

CASA PRÓPRIAReforma - Vide FGTS (FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO)

CAUSA DE AUMENTO DE PENAVide DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR

CEF (CAIXA ECONÔMICA FEDERAL)Legitimidade passiva – Vide CONTRATO ADMINISTRATIVO

CERTIDÃO NEGATIVAVide PRECATÓRIO

CLÍNICA PARTICULARExame médico - Vide IMPOSTO DE RENDA

COISA JULGADAVide PRECATÓRIO

COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIOCrédito. Terceiro. Manifestação. Discordância. Impossibilidade. Previsão legal.Suspensão do crédito tributário. Impossibilidade. ................................................... 460

COMPETÊNCIA JURISDICIONALJuizado Especial Criminal – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

Justiça do Trabalho – Vide CONFLITO DE COMPETÊNCIA

Justiça Estadual. Tráfico de entorpecente. Lança-perfume. Aeronave. Transporte. Substância tóxica.Entorpecente. Procedência. País estrangeiro. Comércio. Legalidade. Tráfico interna-cional. Inocorrência.Alvará de soltura. Paciente. Decorrência. Mandado de prisão. Autoridade incompeten-te.......................................................................................................... 280

Justiça Federal – Vide CONTRATO ADMINISTRATIVO

COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA CUMULATIVAVide IMPOSTO DE RENDACONFISSÃO ESPONTÂNEAVide RACISMO

Page 505: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006 505

CONFLITO APARENTE DE NORMASConvenção internacional - Vide IMPOSTO DE RENDA

Princípio da Consunção - Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

Vide DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR

CONFLITO DE COMPETÊNCIARemessa dos autos. Justiça do Trabalho. Decorrência. Emenda constitucional. Alteração. Competência jurisdicional.Ação judicial. Ajuizamento. Justiça Federal. Julgamento. Inocorrência...............................128

CONSTRUÇÃO CIVILÁrea de proteção ambiental – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

SFH (Sistema Financeiro da Habitação) – Vide FGTS (FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO)

CONTA BANCÁRIAExclusividade – Vide CONTRATO ADMINISTRATIVO

CONTAGEM RECÍPROCARegime estatutário – Vide LITISCONSÓRCIO PASSIVO

CONTRADIÇÃOEmbargos de declaração – Vide LEVANTAMENTO DE DEPÓSITO

CONTRADITÓRIOVide PERDIMENTO DE BENS

CONTRATO ADMINISTRATIVOExibição de documento. Prova. Utilização. Ação principal. Necessidade. Descumpri-mento de ordem judicial. Liminar. Medida cautelar. Multa diária. Aplicação.Embargos de declaração. Contradição. Omissão. Inocorrência. Efeito infringente. Descabimento.Contrato. Estado. Instituição financeira privada. Adquirente. Privatização. Exclusivi-dade. Conta bancária. Investimento financeiro. Prorrogação. Ato discricionário. Vanta-gem pecuniária. Interesse público. Ato jurídico perfeito. Direito adquirido. Legislação posterior. Inaplicabilidade.Competência jurisdicional. Justiça Federal. Interesse processual. Legitimidade passiva. CEF (Caixa Econômica Federal).

Page 506: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006506

Coisa julgada. Inexistência. Mandado de segurança. Impetração. Tribunal de Justiça. Diversidade. Partes. Objeto. Decreto. Estado.Supressão de instância. Inocorrência. Liminar. Deferimento. Efeito suspensivo. Agravo. Periculum in mora. Fumus boni juris.......................................................................134

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIABeneficiário - Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

Não-incidência tributária. Proventos. Aposentadoria. Atraso no pagamento. Via judicial.Medida provisória. Vigência. Posterioridade. Inaplicabilidade...............................111

Trabalhador autônomo – Vide RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO

CONTRIBUINTETrabalho no exterior - Vide IMPOSTO DE RENDA

CONVENÇÃO INTERNACIONALConflito aparente de normas - Vide IMPOSTO DE RENDA

CORREÇÃO MONETÁRIAVide ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

Vide DANO MATERIAL

Vide IMPOSTO DE RENDA

Vide PENSÃO ESPECIAL

Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

CRÉDITO RURALGarantia – Vide DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR

CRIME CONTINUADOPeculato – Vide PERDIMENTO DE BENS

Vide RACISMO

CRIME CONTRA A HONRAExtinção da punibilidade – Vide RACISMO

CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTETerreno não-edificado. Ocupação. Construção civil. Área de proteção ambiental. Flora.

Page 507: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006 507

Recuperação. Impossibilidade. Absorção de crime.Conflito aparente de normas. Princípio da Consunção. Aplicação.Concurso material. Inocorrência.Competência jurisdicional. Justiça Federal. Juizado Especial Criminal. .................264

CRIME IMPRESCRITÍVELDiscriminação – Vide RACISMO

CSLL (CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO)Redução de alíquota – Vide IMPOSTO DE RENDA

D

DANO MATERIALDano moral. Comprovação. Indenização. Cabimento.Serviço público. Prestação de serviço. Ineficácia. Princípio da Eficiência. Princípio da Moralidade. Violação.Tempo de contribuição. Certidão. Expedição. INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Atraso. Justificação. Inexistência. Prejuízo. Concessão. Aposentadoria.Correção monetária. Juros de mora.Honorários. Advogado. ........................................................................................... 87

DANO MORALIndenização - Vide DANO MATERIAL

DEFESA DO MEIO AMBIENTEVide TERRENO DE MARINHA

DEFRAUDAÇÃO DE PENHORCaracterização. Devedor. Alienação. Garantia. Crédito rural. Safra. Produto agrícola. Consentimento. Credor. Inexistência. Acréscimo patrimonial. Irrelevância.Conflito aparente de normas. Apropriação indébita. Inocorrência. Princípio da Espe-cialidade. Aplicação.Dosimetria da pena. Causa de aumento de pena. Incidência. Interesse. União Federal. Violação.Prescrição retroativa. Reconhecimento. Ex officio. Cabimento. Extinção dapunibilidade.............................................................................................................239

DENÚNCIA ESPONTÂNEADescaracterização – Vide NÃO-RECOLHIMENTO DE TRIBUTO NO PRAZO LEGALDEPÓSITO BANCÁRIOTermo inicial – Vide PERDIMENTO DE BENS

Page 508: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006508

DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIALMulta diária – Vide CONTRATO ADMINISTRATIVO

Multa diária – Vide TERRENO DE MARINHA

DEVIDO PROCESSO LEGALVide PERDIMENTO DE BENS

Vide PRECATÓRIO

DIREITO ADQUIRIDOAplicação da lei – Vide TEMPO DE SERVIÇO

Vide CONTRATO ADMINISTRATIVO

DIREITO AMBIENTALVide ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

DIREITO SOCIALHabitação – Vide FGTS (FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO)

DISCRIMINAÇÃOÍndio – Vide RACISMO

DOMICÍLIO FISCALRecolhimento de tributo - Vide IMPOSTO DE RENDA

DOSIMETRIA DA PENACausa de aumento da pena - Vide DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR

Vide RACISMO

E

EDIFICAÇÃOOcupação – Vide TERRENO DE MARINHA

EFEITO SUSPENSIVOAgravo - Vide CONTRATO ADMINISTRATIVOEMBARGOS À EXECUÇÃOVide LEGITIMIDADE ATIVA

Page 509: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006 509

EMBARGOS DE DECLARAÇÃOEfeito infringente – Vide LEVANTAMENTO DE DEPÓSITO

EMENDA CONSTITUCIONALIrretroatividade da lei – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

Vide CONFLITO DE COMPETÊNCIA

ENERGIA ELÉTRICASuspensão - Vide TERRENO DE MARINHA

ENTORPECENTEPaís estrangeiro – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

ESTABILIDADEServidor celetista - Vide REGIME JURÍDICO ÚNICO

EX-COMBATENTEPreenchimento de requisito – Vide PENSÃO ESPECIAL

EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOProva – Vide CONTRATO ADMINISTRATIVO

EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADERetratação do agente – Vide RACISMO

Vide DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR

F

FGTS (FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO)Saque. Utilização. Quitação. Mútuo. CEF (Caixa Econômica Federal). Objetivo. Reforma. Casa própria. Possibilidade. Aquisição. Insumo. Construção civil. Inclusão. SFH (Sistema Financeiro da Habitação). Previsão legal.Poder Judiciário. Interpretação da lei. Observância. Constituição Federal. Habitação. Direito social. .........................................................................................................101FUMUS BONI JURISLiminar – Vide LEVANTAMENTO DE DEPÓSITO

Vide CONTRATO ADMINISTRATIVO

Page 510: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006510

G

GANHO DE CAPITALPrevidência privada fechada - Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

H

HABITAÇÃODireito social - Vide FGTS (FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO)

HONORÁRIOSAdvogado – Vide DANO MATERIAL

Advogado – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

I

IMPORTADORRecolhimento de tributo – Vide PERDIMENTO DE BENS

IMPOSTO DE RENDACSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Redução de alíquota. Descabimen-to. Clínica particular. Exame médico. Diagnóstico. Tratamento médico. Equiparação. Assistência hospitalar. Impossibilidade. Lei mais benigna. Interpretação restritiva.Princípio da Legalidade. Princípio da Igualdade Tributária. Observância. .............440

Recolhimento de tributo. Carnê-leão. Exigibilidade. Domicílio fiscal. Residência. Brasil.Contribuinte. Trabalho no exterior. Cargo técnico. Período. Inferioridade. Um ano. Imposto de Renda retido na fonte. País estrangeiro. Bitributação. Inocorrência.Competência tributária cumulativa. Alíquota. Imposto. Diferença. Dedução. Declaração de Imposto de Renda. Possibilidade.Conflito aparente de normas. Convenção internacional. Legislação posterior. Lei bra-sileira. Prevalência.Cerceamento de defesa. Inocorrência. Prova pericial. Indeferimento. Princípio do Livre Convencimento.Correção monetária. Juros de mora. Taxa. SELIC (Sistema Especial de Liquidação e de Custódia). Aplicação............................................................................................389

IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTEPaís estrangeiro - Vide IMPOSTO DE RENDA

IMPRESCRITIBILIDADEVide PENSÃO ESPECIAL

Page 511: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006 511

IMUNIDADE TRIBUTÁRIAImposto de Renda. Ganho de capital. Rendimento. Aplicação financeira. Previdência privada fechada. Descabimento. Contribuição previdenciária. Beneficiário.Instituição de assistência social. Equiparação. Impossibilidade.............................415

INCITAÇÃO AO CRIMEAbsolvição – Vide RACISMO

INCORPORAÇÃO DE VANTAGEM PESSOALProventos – Vide ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

ÍNDIODiscriminação – Vide RACISMO

INSS (INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL)Certidão - Vide DANO MATERIAL

Universidade federal – Vide LITISCONSÓRCIO PASSIVO

INSTITUIÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIALPrevidência privada fechada - Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PRIVADAPrivatização – Vide CONTRATO ADMINISTRATIVO

INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICAQuebra de sigilo – Vide PROVA EMPRESTADA

INTERESSE PÚBLICOPrevenção – Vide ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

Vide CONTRATO ADMINISTRATIVO

INTIMAÇÃO PESSOALProprietário - Vide ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

IMPOSTO DE RENDAPrevidência privada fechada – Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

IRRETROATIVIDADE DA LEIEmenda constitucional – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

Page 512: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006512

J

JUIZADO ESPECIAL CRIMINALCompetência jurisdicional – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

JURA NOVIT CURIASentença ultra petita – Vide REGIME JURÍDICO ÚNICO

JUROS DE MORAVide ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

Vide DANO MATERIAL

Vide IMPOSTO DE RENDA

Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

JUSTIÇA DO TRABALHOCompetência jurisdicional – Vide CONFLITO DE COMPETÊNCIA

JUSTIÇA ESTADUALTráfico de entorpecente – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

L

LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃOTributo - Vide NÃO-RECOLHIMENTO DE TRIBUTO NO PRAZO LEGAL

LANÇA-PERFUMEAeronave - Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

LAUDO PERICIALAtividade insalubre – Vide TEMPO DE SERVIÇO

Vide PERDIMENTO DE BENSLEGITIMIDADE ATIVADiscussão. Embargos à execução. Descabimento. Preclusão. Processo de conhecimento. Impugnação. Inocorrência.Exeqüente. Sucessor. Empresa. Deferimento. Pedido. Restituição de tributo. PIS (Programa de Integração Social). ............................................................................383

Page 513: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006 513

LEGITIMIDADE PASSIVACEF (Caixa Econômica Federal) – Vide CONTRATO ADMINISTRATIVO

LEI MAIS BENIGNAEficácia imediata – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

Interpretação restritiva - Vide IMPOSTO DE RENDA

LEI ORDINÁRIAArgüição de inconstitucionalidade – Vide PRECATÓRIO

LEVANTAMENTO DE DEPÓSITOSuspensão. Poder geral de cautela. Liminar. Ação civil pública. Manutenção. Fumus boni juris. Periculum in mora.Ação de desapropriação. Depósito judicial. Permanência. Juízo. Vinculação. Ação anulatória. Objeto. Discussão. Domínio.Embargos de declaração. Efeito infringente. Obscuridade. Contradição. Acórdão recorrido.................................................................................................................329

LIQUIDAÇÃOMútuo – Vide SFH (SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO)

LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIOVide LITISCONSÓRCIO PASSIVO

LITISCONSÓRCIO PASSIVOLitisconsórcio necessário. INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Universidade federal. Descabimento. Certidão. Tempo de serviço. Atividade insalubre. Conversão. Período. Vinculação. RGPS (Regime Geral de Previdência Social). Possibilidade.Servidor público. Contagem recíproca. Regime estatutário. ..................................337

LUCRO REALApuração. Reavaliação. Bens. Ativo permanente. Reserva. Manutenção. Laudo de avaliação. Inexistência. Adiamento. Pagamento. Tributo. Impossibilidade.Retroatividade da lei. Lei nova. Inaplicabilidade....................................................409

M

MAIOR VALOR-TETOSalário-de-contribuição – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

MANDADO DE PRISÃOAutoridade incompetente - Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

Page 514: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006514

Petição inicial – Vide MULTA

MATERIALIDADEPeculato - Vide PERDIMENTO DE BENS

MEDIDA PROVISÓRIAVide CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

MENOR DE CATORZE ANOSAtividade rural – Vide TEMPO DE SERVIÇO

Trabalhador rural – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

MULTACondenação. Representante judicial. Agravante. Legalidade. Decorrência. Interposição. Inadequação. Agravo.Mandado de segurança. Erro. Indicação. Autoridade coatora. Emenda. Petição inicial. Possibilidade. Extinção do processo. Descabimento. .............................................378

MULTA DIÁRIADescumprimento de ordem judicial – Vide CONTRATO ADMINISTRATIVO

Descumprimento de ordem judicial – Vide TERRENO DE MARINHA

MULTA MORATÓRIAVide NÃO-RECOLHIMENTO DE TRIBUTO NO PRAZO LEGAL

MÚTUOCasa própria – Vide FGTS (FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO)

Liquidação – Vide SFH (SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO)N

NÃO-INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIAProventos – Vide CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

NÃO-RECOLHIMENTO DE TRIBUTO NO PRAZO LEGALMulta moratória. Aplicação. Denúncia espontânea. Descaracterização.Tributo. Lançamento por homologação. Declaração. Débito. Constituição do crédito

Page 515: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006 515

tributário. Atraso no pagamento. Penalidade pecuniária. .........................................435

O

OBSCURIDADEEmbargos de declaração - Vide LEVANTAMENTO DE DEPÓSITO

OCUPAÇÃOEdificação – Vide TERRENO DE MARINHA

P

PAÍS ESTRANGEIROEntorpecente – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

Imposto de Renda retido na fonte - Vide IMPOSTO DE RENDA

PECULATOCEF (Caixa Econômica Federal) – Vide PERDIMENTO DE BENS

PENA DE MULTAVide RACISMO

PENSÃO ESPECIALConcessão. Termo inicial. Data. Requerimento. Via administrativa. Imprescritibilidade. Prescrição qüinqüenal. Inocorrência.Ex-combatente. Preenchimento de requisito. Certidão. Serviço militar. Expedição. Exército.Tutela antecipada. Cabimento.Correção monetária..................................................................................................74

PENSÃO POR MORTERenda mensal – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

PENSÃO PREVIDENCIÁRIAIncorporação de vantagem pessoal – Vide ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

PERDIMENTO DE BENSDepósito bancário. Caderneta de poupança. Termo inicial. Data. Apropriação indébita. Princípio da Proporcionalidade. Princípio da Razoabilidade. Aplicação.Peculato. Crime continuado. Funcionário. CEF (Caixa Econômica Federal). Equipa-ração. Servidor público.

Page 516: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006516

Materialidade. Autoria. Comprovação.Quebra de sigilo bancário. Regularidade. Prova emprestada. Processo administrativo. Utilização. Processo judicial. Cabimento. Princípio do Livre Convencimento.Ampla defesa. Contraditório. Devido processo legal. Observância. Sentença. Funda-mentação.Cerceamento de defesa. Inocorrência. Prova pericial. Indeferimento. Possibilidade.Denúncia. Inépcia. Alegação. Posterioridade. Sentença condenatória. Descabimento.Dosimetria da pena. Substituição da pena. Manutenção. Perda. Cargo público..............185

Descabimento. Liberação de mercadoria. Contrafação. Prova. Inexistência. Laudo pericial. Necessidade.Importador. Recolhimento de tributo. Regularidade. Dano ao Erário. Inocorrência.Marca de indústria. Titular. Inércia. Ajuizamento. Ação judicial. Apreensão. Mercadoria.Autoridade administrativa. Princípio do Contraditório. Inobservância...................424

PERICULUM IN MORALiminar - Vide LEVANTAMENTO DE DEPÓSITO

Vide CONTRATO ADMINISTRATIVO

PETIÇÃO INICIALMandado de segurança - Vide MULTA

PIS (PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL)Restituição de tributo – Vide LEGITIMIDADE ATIVA

PODER GERAL DE CAUTELAVide LEVANTAMENTO DE DEPÓSITO

PRECATÓRIOVia judicial. Levantamento. Valor. Autorização. Depósito. Conta bancária. Condição. Apresentação. Juízo. Certidão negativa. Tributo federal. Tributo estadual. Tributo municipal. Certidão. Regularidade fiscal. Seguridade Social. FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Dívida ativa. União Federal. Manifestação. Fazenda Pública. Descabimento.Coisa julgada. Devido processo legal. Princípio da Razoabilidade. Princípio da Pro-porcionalidade. Violação.Lei ordinária. Argüição de inconstitucionalidade. Procedência. .............................471

Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

PRECLUSÃOProcesso de conhecimento – Vide LEGITIMIDADE ATIVA

Page 517: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006 517

Vide LEGITIMIDADE ATIVA

PRESCRIÇÃO RETROATIVAEx officio - Vide DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOIneficácia – Vide DANO MATERIAL

PRESTAÇÃO VENCIDAPrecatório – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

PRESTAÇÃO VINCENDAObrigação de fazer - Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

Pagamento – Vide SFH (SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO)

PREVIDÊNCIA PRIVADA FECHADAImposto de Renda – Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃOConflito aparente de normas - Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIAVide DANO MATERIAL

PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADEVide DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR

PRINCÍPIO DA IGUALDADE TRIBUTÁRIAVide IMPOSTO DE RENDA

PRINCÍPIO DA ISONOMIAVide REGIME JURÍDICO ÚNICO

PRINCÍPIO DA LEGALIDADEVide IMPOSTO DE RENDA

PRINCÍPIO DA MORALIDADEVide DANO MATERIAL

Vide REGIME JURÍDICO ÚNICO

PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Page 518: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006518

Vide PERDIMENTO DE BENS

Vide PRECATÓRIO

PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADEVide PERDIMENTO DE BENS

Vide PRECATÓRIO

Vide PROVA EMPRESTADA

PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIOVide PERDIMENTO DE BENS

PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTOProva pericial - Vide IMPOSTO DE RENDA

Vide PERDIMENTO DE BENS

PRIVATIZAÇÃOInstituição financeira privada – Vide CONTRATO ADMINISTRATIVO

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVOVide TEMPO DE SERVIÇO

PROCESSO ADMINISTRATIVOPreenchimento de requisito – Vide ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

PROCESSO ADMINISTRATIVO-DISCIPLINARInterceptação telefônica – Vide PROVA EMPRESTADA

PRODUTO AGRÍCOLAGarantia - Vide DEFRAUDAÇÃO DE PENHORPROGRAMA DE TELEVISÃOÍndio – Vide RACISMO

PROVAExibição de documento – Vide CONTRATO ADMINISTRATIVO

PROVA DOCUMENTALTerceiro – Vide TEMPO DE SERVIÇO

Vide ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

Page 519: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006 519

PROVA EMPRESTADAInterceptação telefônica. Quebra de sigilo. Anterioridade. Autorização. Juízo criminal. Utilização. Processo administrativo-disciplinar. Possibilidade. Princípio da Razoabi-lidade.Réu. Servidor público. ............................................................................................354

Processo administrativo – Vide PERDIMENTO DE BENS

PROVA MATERIALVide REVISÃO DE BENEFÍCIO

PROVA PERICIALPrincípio do Livre Convencimento - Vide IMPOSTO DE RENDA

Vide PERDIMENTO DE BENS

PROVA TESTEMUNHALVide REVISÃO DE BENEFÍCIO

Vide TEMPO DE SERVIÇO

PROVENTOSIncorporação de vantagem pessoal – Vide ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

Q

QUEBRA DE SIGILOAutorização – Vide PROVA EMPRESTADA

Regularidade – Vide PERDIMENTO DE BENS

R

RACISMOCaracterização. Discriminação. Raça. Índio. Programa de televisão. Crime impres-critível.Incitação ao crime. Absolvição. Crime contra a honra. Extinção da punibilidade. De-corrência. Retratação do agente.Cerceamento de defesa. Inocorrência. Revelia. Denunciado. Descabimento.Instrução criminal. Nulidade. Impossibilidade. Prejuízo. Réu. Comprovação. Inocor-rência.Dosimetria da pena. Pena privativa de liberdade. Substituição da pena. Pena restriti-

Page 520: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006520

va de direitos. Crime continuado. Pena de multa. Aplicação. Confissão espontânea. Irrelevância. ..........................................................................................................246

RECOLHIMENTO DE TRIBUTOImportador – Vide PERDIMENTO DE BENS

REDUÇÃO DE ALÍQUOTAVide IMPOSTO DE RENDA

REEXAME NECESSÁRIOLimite legal – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

REGIME DE ECONOMIA FAMILIARAtividade rural – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

REGIME ESTATUTÁRIOContagem recíproca – Vide LITISCONSÓRCIO PASSIVO

REGIME JURÍDICO ÚNICOTransposição. Descabimento. Princípio da Moralidade. Princípio da Isonomia.Servidor celetista. INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social). Cargo efetivo. Inexistência. Prestação. Concurso público. Inocorrência. Esta-bilidade. Reconhecimento. ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Interpretação conforme a Constituição.Sentença ultra petita. Inocorrência. Jura novit curia. ............................................94

REGULARIDADE FISCALCertidão - Vide PRECATÓRIO

RENDA MENSALPensão por morte – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

Reajuste – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

REPRESENTANTE JUDICIALVide MULTA

RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIOAposentadoria por tempo de serviço. Aposentadoria proporcional. Descabimento.Tempo de serviço. Atividade urbana. Trabalhador autônomo. Reconhecimento. Im-

Page 521: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006 521

possibilidade. Contribuição previdenciária. Recolhimento. Comprovação. Inocorrên-cia.............................................................................................................299

RESTITUIÇÃO DE TRIBUTOPIS (Programa de Integração Social) – Vide LEGITIMIDADE ATIVA

RETROATIVIDADE DA LEIVide LUCRO REAL

REVISÃO DE BENEFÍCIOAposentadoria por tempo de serviço. Aposentadoria proporcional. Conversão. Aposen-tadoria integral. Cabimento. RMI (Renda Mensal Inicial). Aumento.Tempo de serviço. Atividade rural. Regime de economia familiar. Anterioridade. Lei. Previdência Social. Reconhecimento. Contribuição previdenciária. Recolhimento. Inexigibilidade. Prova material. Suficiência. Prova testemunhal. Desnecessidade.Trabalhador rural. Menor de catorze anos. Contagem. Exercício. Atividade rural. Possibilidade.Benefício previdenciário. Termo inicial. Requerimento. Via administrativa.Correção monetária.Reexame necessário. Desnecessidade. Condenação. Inferioridade. Limite legal...........320

Pensão por morte. Aumento. Renda mensal. Lei nova. Lei mais benigna. Eficácia imediata.Prestação vencida. Obrigação de dar. Precatório. Necessidade.Sentença. Trânsito em julgado. Prestação vincenda. Obrigação de fazer. Implantação. Renda mensal. Execução. Ofício. Suficiência.Ato jurídico perfeito. Observância.Juros de mora. Atraso no pagamento. Benefício previdenciário. Natureza alimentar.........302Renda mensal. Salário-de-benefício. Limite. Maior valor-teto. Salário-de-contribuição. Cálculo. Valor. Superioridade. Recuperação. Cota adicional. Impossibilidade.Reajuste. Proporcionalidade. Aumento. Salário-de-contribuição. Descabimento.Emenda constitucional. Irretroatividade da lei. Aplicação.Honorários. Advogado..............................................................................................311

RGPS (REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL)Servidor público – Vide LITISCONSÓRCIO PASSIVO

RMI (RENDA MENSAL INICIAL)Aumento – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

Page 522: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006522

S

SALÁRIO-DE-BENEFÍCIOReajuste – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃOMaior valor-teto – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

SALDO DEVEDORDesconto – Vide SFH (SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO)

SENTENÇAFundamentação – Vide PERDIMENTO DE BENS

SENTENÇA ULTRA PETITAJura novit curia - Vide REGIME JURÍDICO ÚNICO

SERVIÇO MILITARCertidão - Vide PENSÃO ESPECIAL

SERVIÇO PÚBLICOIneficácia - Vide DANO MATERIAL

SERVIDOR CELETISTAEstabilidade - Vide REGIME JURÍDICO ÚNICOSERVIDOR PÚBLICOAposentadoria – Vide ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

Réu – Vide PROVA EMPRESTADA

RGPS (Regime Geral de Previdência Social) - Vide LITISCONSÓRCIO PASSIVO

SFH (SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO)Construção civil – Vide FGTS (FUNDO DE GARANTIA POR TEMPO DE SERVIÇO)

Mútuo. Liquidação. Desconto. Integralidade. Saldo devedor.Prestação vincenda. Pagamento. Dispensa. Posterioridade. Ajuizamento. Ação judicial.

Page 523: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006 523

Mutuário. Protocolo. Requerimento. Agente financeiro. Prova. Inexistência............78

SUBSTITUIÇÃO DA PENAVide PERDIMENTO DE BENS

Vide RACISMO

SUCESSOREmpresa – Vide LEGITIMIDADE ATIVA

T

TEMPO DE CONTRIBUIÇÃOCertidão – Vide DANO MATERIAL

TEMPO DE SERVIÇOAtividade insalubre. Laudo pericial. Exigibilidade. Aplicação da lei. Período. Prestação de serviço. Direito adquirido. Trabalhador.Anulação. Sentença. Instrução processual. Insuficiência. Perícia técnica. Inocorrên-cia............................................................................................................289

Atividade insalubre – Vide LITISCONSÓRCIO PASSIVO

Atividade rural. Menor de catorze anos. Reconhecimento. Procedimento administrativo. Anterioridade. Regularidade. Averbação. Objetivo. Aposentadoria por tempo de serviço.INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Revogação. Ato administrativo. Desca-bimento. Ato jurídico perfeito.Prova testemunhal. Prova documental. Nome. Terceiro. Admissibilidade. Reavalia-ção. Decorrência. Alteração. Interpretação. Norma jurídica. Impossibilidade. Fraude. Ilegalidade. Comprovação. Inexistência..................................................................295Atividade rural – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

Atividade urbana – Vide RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO

TERRENO DE MARINHAOcupação. Edificação. Autorização. Inexistência. Área de proteção ambiental.Utilização. Imóvel. Proibição. Descumprimento de ordem judicial. Multa diária. For-necimento. Energia elétrica. Suspensão.Defesa do meio ambiente. Prevalência. ...................................................................83

TRABALHADOR AUTÔNOMOAtividade urbana – Vide RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO

Page 524: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006524

TRABALHADOR RURALMenor de catorze anos – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

TRÁFICO DE ENTORPECENTEJustiça Estadual - Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

TUTELA ANTECIPADAVide PENSÃO ESPECIAL

U

UNIVERSIDADE FEDERALINSS (Instituto Nacional do Seguro Social) – Vide LITISCONSÓRCIO PASSIVO

Page 525: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 499-524, 2006 525

ÍNDICE LEGISLATIVO

Page 526: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 525-531, 2006526

Page 527: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 525-531, 2006 527

ADCTArtigo 19 ....................................................................................................................94Artigo 53 ....................................................................................................................74

Código Civil de 1916Artigo 31 ..................................................................................................................389Artigo 34 ..................................................................................................................389

Código de Processo CivilArtigo 20 ..................................................................................................................311Artigo 126 ................................................................................................................264Artigo 130 ................................................................................................................389Artigo 273 ..................................................................................................................74Artigo 475 ................................................................................................................320Artigo 515 ................................................................................................................134Artigo 557 ......................................................................................................................378..................................................................................................................................Código de Processo PenalArtigo 61 ..................................................................................................................239

Código PenalArtigo 44 ..................................................................................................................246Artigo 71 .......................................................................................................... 185/246Artigo 92 ..................................................................................................................185Artigo 109 ................................................................................................................239Artigo 171 ................................................................................................................239Artigo 312 ................................................................................................................185Artigo 327 ......................................................................................................................185..................................................................................................................................

Page 528: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 525-531, 2006528

Código Tributário NacionalArtigo 127 ......................................................................................................................389..................................................................................................................................Constituição Federal/88Artigo 5º ............................................................................... 134/246/264/337/354/471Artigo 6º ...................................................................................................................101Artigo 7º ...................................................................................................................320Artigo 37 ....................................................................................................................87Artigo 100 ................................................................................................................471Artigo 108 ................................................................................................................128Artigo 109 ................................................................................................................134Artigo 192 ................................................................................................................101Artigo 150 ................................................................................................................415Artigo 225 ......................................................................................................................83/118 .............................................................................................................................Decreto nº 61.899/67Artigo 3º ...................................................................................................................389Artigo 22 ..................................................................................................................389

Decreto nº 1.041/94Artigo 111 ................................................................................................................389

Decreto nº 3.000/99Artigo 16 ..................................................................................................................389Artigo 86 ........................................................................................................................389..................................................................................................................................Decreto nº 4.543/2002Artigo 546 ......................................................................................................................424..................................................................................................................................Decreto nº 5.300/2004Artigo 5º .........................................................................................................................83....................................................................................................................................Decreto-Lei nº 2.322/87Artigo 3º .........................................................................................................................302..................................................................................................................................Emenda Constitucional nº 20/98Artigo 14 ........................................................................................................................311 ..................................................................................................................................Emenda Constitucional nº 45/2004 ............................................................................128..................................................................................................................................Enunciado ao CC nº 20 do Conselho da Justiça Federal ....................................87

Page 529: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 525-531, 2006 529

Lei n° 4.771/65Artigo 2º .........................................................................................................................264..................................................................................................................................Lei nº 5.315/67Artigo 1º .....................................................................................................................74

Lei nº 6.404/76Artigo 8º ...................................................................................................................409

Lei nº 7.713/88Artigo 1º .........................................................................................................................389....................................................................................................................... Artigo 3º ....................................................................................................................................389..................................................................................................................................Lei nº 7.716/89Artigo 20 ..................................................................................................................246

Lei nº 8.212/91Artigo 45 ........................................................................................................................299..................................................................................................................................Lei nº 8.213/91Artigo 29 ..................................................................................................................311Artigo 33 ..................................................................................................................311Artigo 55 ..................................................................................................................320Artigo 75 ..................................................................................................................302Artigo 96 ........................................................................................................................299..................................................................................................................................Lei nº 8.383/91Artigo 4º ...................................................................................................................389

Lei nº 9.065/95Artigo 13 ..................................................................................................................389

Lei nº 9.430/96Artigo 74 ..................................................................................................................460

Lei nº 9.528/97 .......................................................................................................302

Lei nº 9.532/97Artigo 12 ..................................................................................................................415

Lei nº 9.605/98Artigo 50 ..................................................................................................................264Artigo 64 ..................................................................................................................264

Page 530: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 525-531, 2006530

Lei nº 9.784/99Artigo 24 ....................................................................................................................87Artigo 49 ....................................................................................................................87

Lei nº 9.985/2000Artigo 5º ...................................................................................................................118Artigo 22 ..................................................................................................................118

Lei nº 10.150/2000Artigo 2º .....................................................................................................................78

Lei nº 10.259/2001Artigo 2º ...................................................................................................................264

Lei nº 10.352/2001Artigo 1º ...................................................................................................................320

Lei nº 10.406/2002Artigo 406 ......................................................................................................................87....................................................................................................................................Lei nº 10.637/2002 .......................................................................................................460..................................................................................................................................Lei nº 11.033/2004Artigo 19 ..................................................................................................................471

Lei nº 11.187/2005 ..................................................................................................134

Regulamento da Resolução 3.347/2006 do Conselho Monetário NacionalArtigo 2º ...................................................................................................................101

Regulamento do Imposto de Renda (RIR/94)Artigo 382 ................................................................................................................409

Súmula do Superior Tribunal de JustiçaNº 43 ........................................................................................................................320Nº 85 ..........................................................................................................................74Nº 148 ......................................................................................................................320Nº 231 ............................................................................................................................246..................................................................................................................................Súmula do Supremo Tribunal FederalNº 473 ......................................................................................................................134

Page 531: QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 17, n. 60, p. 525-531, 2006 531

Súmula do Tribunal Federal de Recursos Nº 198 ............................................................................................................................289..................................................................................................................................