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A Cabeça Bem-feita: Repensar a Reforma Reformar o Pensamento - Edgar Morin No prefácio da obra "A cabeça bem-feita: repensar a reforma reformar o pensamento" de Edgar Morin (2006), o autor explica que o amadurecimento da ideia para o livro levou em torno de 10 anos. Ele sentia e verificava cada vez mais a necessidade de uma reforma no pensamento, que no ponto de vista dele só seria/será possível a partir de uma reforma no ensino. Durante este amadurecimento, um dos conceitos chaves para Morin é o da complexidade, e além disto, um dos pontos mais marcantes no pensamento de Edgar é de que só através da educação, aquela que vai além da mera transmissão de conceitos, mas que também nos ajuda a compreender a nossa condição, somente através dela é que alcançaremos a felicidade, ou como ele diz, "viver a parte poética de nossas vidas." (p. 11). Verifica-se que toda a discussão de Edgar Morin, seja no livro "Cabeça bem-feita" ou no "Os Sete saberes necessários à educação do futuro" (MORIN, 2006) é em torno da reforma do ensino para a educação do século XXI e além disso, fica claro que esta educação está baseada numa necessidade da hominização do ser humano, ou seja, a educação do futuro necessita sim resgatar o que é o ser humano e quais a qualidades, características, ações que lhes confere esta condição. No primeiro capítulo do livro denominado "Os desafios", o autor coloca a questão da hiperespecialização que segundo ele, "impede de ver o global (...) bem como o essencial (...)" (p. 13) uma vez que com a hiperespecialização os problemas são estudados cada vez mais isolados, mais específicos e particulares. Assim deixamos de analisar as influências que estes problemas sofrem exteriormente, ou quais são as relações que foram deixadas de lado com a particularização do mesmo. Deste modo, o problema fica isolado, mas não solucionado, não alisado corretamente. E aqui entra a tal da complexidade que Edgar Morin considera tal importante, aliás, a falta dela na análise dos problemas estudados tão particularmente. Com os especialistas deixamos de ver o todo e as relações existentes neste todo, assim a visão e a razão que fomos desenvolvendo tornou-se fragmentada, como ele mesmo diz, criou-se verdades ilusórias, não reais. Precisamos voltar-nos para a complexidade, entendermos os sistemas, ou melhor, ter um olhar sistêmico do nosso mundo, e o que seria isto, cada sistema é formado por subsistemas que interagem e se inter- relacionam. Se não for dessa maneira, se continuarmos com nossos olhares especialistas, Edgar Morin coloca que: (...) quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, maior a incapacidade de pensar sua multidimensionalidade; quanto mais a crise progride mais progride a incapacidade de pensar a crise; quanto mais planetários tornam-se os problemas, mais impensáveis eles se tornam (p. 15). Ainda, para o autor, a contextualização é uma importante ferramenta no aumento do conhecimento, pois a partir do momento em que todos os campos dos saberes estão relacionados podemos ver diferentes faces do mesmo problema, e que todas estas faces interagem e têm suas parcelas de culpa na geração do problema ou são nelas que os problemas atuam. Edgar Morin afirma: Devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, os efeitos cada vez mais graves da compartimentação dos saberes e da incapacidade de articulá-los, uns aos outros; por outro lado, considerando a aptidão para contextualizar e integrar é uma qualidade fundamental da mente humana, que precisa ser desenvolvida, e não atrofiada ". (p. 16). Um dos pontos principais do livro está em torno da questão do que é a CABEÇA BEM-FEITA. Para o autor, uma cabeça bem-feita é aquela em "vez de acumular o saber precisa dispor ao mesmo tempo de: - uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas; - princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido". (p. 21).

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A Cabeça Bem-feita: Repensar a Reforma Reformar o Pensamento - Edgar Morin

No prefácio da obra "A cabeça bem-feita: repensar a reforma reformar o pensamento" de Edgar Morin (2006), o autor explica que o amadurecimento da ideia para o livro levou em torno de 10 anos. Ele sentia e verificava cada vez mais a necessidade de uma reforma no

pensamento, que no ponto de vista dele só seria/será possível a partir de uma reforma no ensino. Durante este amadurecimento, um dos conceitos chaves para Morin é o da complexidade, e além disto, um dos pontos mais marcantes no pensamento de Edgar é de que só através da educação, aquela que vai além da mera transmissão de conceitos, mas que também nos ajuda a compreender a nossa condição, somente através dela é que alcançaremos a felicidade, ou como ele diz, "viver a parte poética de nossas vidas." (p. 11).Verifica-se que toda a discussão de Edgar Morin, seja no livro "Cabeça bem-feita" ou no "Os Sete saberes necessários à educação do futuro" (MORIN, 2006) é em torno da reforma do ensino para a educação do século XXI e além disso, fica claro que esta educação está baseada numa necessidade da  hominização do ser humano, ou seja, a educação do futuro necessita sim resgatar o que é o ser humano e quais a qualidades, características, ações que lhes confere esta condição.No primeiro capítulo do livro denominado "Os desafios", o autor coloca a questão da hiperespecialização que segundo ele, "impede de ver o global (...) bem como o essencial (...)" (p. 13) uma vez que com a hiperespecialização os problemas são estudados cada vez mais isolados, mais específicos e particulares. Assim deixamos de analisar as influências que estes problemas sofrem exteriormente, ou quais são as relações que foram deixadas de lado com a particularização do mesmo. Deste modo, o problema fica isolado, mas não solucionado, não alisado corretamente. E aqui entra a tal da complexidade que Edgar Morin considera tal importante, aliás, a falta dela na análise dos problemas estudados tão particularmente.Com os especialistas deixamos de ver o todo e as relações existentes neste todo, assim a visão e a razão que fomos desenvolvendo tornou-se fragmentada, como ele mesmo diz, criou-se verdades ilusórias, não reais. Precisamos voltar-nos para a complexidade, entendermos os sistemas, ou melhor, ter um olhar sistêmico do nosso mundo, e o que seria isto, cada sistema é formado por subsistemas que interagem e se inter-relacionam. Se não for dessa maneira, se continuarmos com nossos olhares especialistas, Edgar Morin coloca que:

(...) quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, maior a incapacidade de pensar sua multidimensionalidade; quanto mais a crise progride mais progride a incapacidade de pensar a crise; quanto mais planetários tornam-se os problemas, mais impensáveis eles se tornam (p. 15).Ainda, para o autor, a contextualização é uma importante ferramenta no aumento do conhecimento, pois a partir do momento em que todos os campos dos saberes estão relacionados podemos ver diferentes faces do mesmo problema, e que todas estas faces interagem e têm suas parcelas de culpa na geração do problema ou são nelas que os problemas atuam.Edgar Morin afirma: Devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, os efeitos cada vez mais graves da compartimentação dos saberes e da incapacidade de articulá-los, uns aos outros; por outro lado, considerando a aptidão para contextualizar e integrar é uma qualidade fundamental da mente humana, que precisa ser desenvolvida, e não atrofiada ". (p. 16). Um dos pontos principais do livro está em torno da questão do que é a CABEÇA BEM-FEITA. Para o autor, uma cabeça bem-feita é aquela em "vez de acumular o  saber precisa dispor ao mesmo tempo de: - uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas; - princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido". (p. 21).No terceiro capítulo do livro denominado de "A condição  humana" o autor enfatiza a importância de sabermos, enquanto seres terrestres, a nossa verdadeira condição, de onde viemos, qual é o nosso local no universo, como foi o surgimento da vida, para onde vamos, o que podemos enfrentar no futuro, etc. Morin ainda aponta a Cosmologia, Ciências da Terra, Biologia, Ecologia como as ciências capazes de "situar a dupla condição humana: natural e metanautral." (p. 37). E é claro, sempre reforçando o fato da grande complexidade que é o ser humano, totalmente biológico e totalmente cultural. No capítulo seguinte "Aprender a viver", Morin coloca a ética como a questão mais relevante. A ética da compreensão humana. Morin nos mostra o cenário muito triste em que vivemos atualmente, onde há uma incompreensão generalizada entre todas as esferas da sociedade, entre estranhos e entre conhecidos, entre pais e filhos, entre  professores e alunos, etc. Para a solução deste grave problema o autor propõe estudos interdisciplinares que aliassem a pedagogia, filosofia, psicologia, sociologia, historia, que segundo ele serviriam para trazer a lucidez e a compreensão de que todos somos humanos e assim também temos mecanismos de egocentrismos e de auto justificação, através da

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percepção disto seria mais fácil trabalhar contra o ódio e o racismo, por exemplo.No capítulo cinco "Enfrentar a incerteza"... primeiro ponto e o mais importante, precisamos aceitar o destino incerto de cada um e de toda humanidade. Edgar Morin vai além e aponta três princípios de incerteza no conhecimento: O primeiro é cerebral: o conhecimento nunca é reflexo do real, mas sempre tradução e construção, isto é, comporta o risco de erro; - o segundo é físico: o conhecimento dos fatos é sempre tributário da interpretação; - o terceiro é epistemológico: decorre da crise dos fundamentos da certeza, em filosofia (a partir de Nietzsche), depois em ciência (a partir de Bachelard e Popper). (p. 59).Assim, ele deixa claro que precisamos viver com a incerteza em todos os momentos de nossas vidas, mas, a meu ver isso não significa que não podemos fazer nada diante dos fatos (negativos) com que nos deparamos no dia-a-dia. Devemos sempre pensar para o bem e ao mesmo tempo tentar não enganarmos de alguma forma diante dos fatos. Além disso, precisamos estar atentos ao que ele denominou de "ecologia da ação", ou seja, "toda a ação, uma vez iniciada, entra num jogo de interações e retroações no  meio em que é efetuada, que podem desviá-la de seus fins e até levar a um resultado contrário do esperado (...)" (p. 61).No capítulo seis, "A aprendizagem cidadã", Edgar volta a confirmar a minha ideia de que na atualidade, ou melhor, o mais importante para a educação nos dias atuais é a importância que ela está assumindo no sentido de estar formando cidadãos no sentido mais amplo da palavra. Refiro-me as questões relacionadas ao comportamento humano, há uma imperiosidade de que o homem volte a praticar os atos que lhe conferem o "grau" de ser um humano. O autor menciona a necessidade de atitudes como responsabilidade e solidariedade com a pátria, entretanto está pátria é formada por um Estado, consequentemente por uma sociedade/comunidade que também são formadas por seres humanos. Neste contexto, outros dois autores que comentam sobre a crise em que vivemos atualmente é Oliveira (1993, p. 42) quando ele coloca que "... perde-se cada vez mais a dimensão comunitária do ser humano". Segundo ele, este é um dos principais fatores pelo qual a nossa sociedade passa por tal crise. Já Rouanet (1993) afirma que no Brasil e no mundo, o projeto civilizatório da modernidade entrou em  colapso. Estamos vivendo, literalmente, num vácuo civilizatório. Há um nome para isso: barbárie. Ou seja, diante deste cenário fica fácil entender a proposta de Edgar quando ele fala em "Aprendizagem cidadã", verifica-se a urgência de que o homem volte a humanizar-se,

precisa resgatar atitudes de responsabilidade e solidariedade não só com sua pátria mas principalmente com seus semelhantes.No sétimo capítulo Edgar explica como seria a Educação de acordo com as propostas mencionadas por ele nos capítulos anteriores do livro, para os três graus de ensino, primário, secundário e Universidade. No primário seria estimulado o questionamento, que nesta época do desenvolvimento do ser humano é natural e, além disso, no meu entendimento, o autor coloca a necessidade de ensinar a importância da contextualização (grifos meus) em todos os sentidos. De onde viemos, para onde vamos, qual foi a trajetória do desenvolvimento do Homo sapiens até os dias atuais e este estudo seria realizado de maneira interdisciplinar, levando em conta psicologia, sociologia, física, química, biologia... No secundário, deveria ser o momento da aprendizagem do que deve ser a verdadeira cultura e é claro, entender a cultura que realmente existe. No ensino universitário, ao contrário do que imaginávamos, Edgar propõe que a Universidade continue com seu papel de conservação, transmissão e enriquecimento do patrimônio cultural, mas o ponto fundamental é que o conteúdo a ser conservado/transmitido seria outro, seria um conhecimento adequado e adaptado às reais necessidades da sociedade, um conhecimento interdisciplinar.Por fim, nos capítulos seguintes, o autor, explica que a "Reforma do pensamento" não é uma ideia que está surgindo somente agora com seu livro, mas que já tem suas bases na "cultura das humanidades, na literatura e na filosofia, e é preparada nas  ciências" (p. 89).E de que modo seria este pensamento? Para Edgar há necessidade de um pensamento: - que compreenda que o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e que o conhecimento e que o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes; - que reconheça e examine os fenômenos multidimensionais, em vez de isolar, de maneira mutiladora, cada uma de suas dimensões; - que reconheça e trate as realidades, que são, concomitantemente solidárias e conflituosas (como a própria democracia, sistema que se alimenta de antagonismos e ao mesmo tempo os regula); - que respeite a diferença, enquanto reconhece a unicidade; (p. 88-89).A partir deste ponto, a discussão mais interessante que o autor faz é a respeito da inter-poli-transdisciplinariedade. Edgar enfatiza que a interdisciplinaridade não é meramente a união de disciplinas mas cada uma discutindo o "objeto" separadamente. A palavra interdisciplinaridade propõe troca, cooperação que, diga-se de passagem são duas atitudes que também estão ausentes nos seres humanos nos dias atuais. Ou seja, a interdisciplinaridade na verdade propõe uma nova posição/atitude por parte do ser humano, uma atitude

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humanizada. E aqui voltamos para aquela necessidade da volta ao "o que é ser humano", já discutido anteriormente.Como considerações finais, identificamos dois pontos  fundamentais no pensamento de Morin: a urgência da humanização do homem e a interdisciplinaridade que a meu ver ao mesmo tempo é caminho e fim para se atingir a humanização do homem e a reforma do pensamento. Fica claro que interdisciplinaridade traz em seu bojo os quatro preceitos que Morin menciona sobre o quê é e como seria este novo  pensamento, a questão da complexidade e da contextualização. Nela não existe lugar para pré-conceitos, para a descontextualização, para a falta de discussão, para o egocentrismo. E aqui está o grande problema, ou o grande desafio a ser superado, deixarmos o "eu" um pouco de lado e passarmos a utilizar e a viver um pouco mais o "nós" em nossas vidas, na escola, na universidade, no seio de nossas famílias...

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Corpo, gênero e sexualidade: discussões - LOURO, Guacira Lopes; NECKEL, Jane Felipe; GOELLNER, Silvana Vilodre (Orgs.). Petrópolis: Vozes, 2003. 191 p.

Essa obra, composta por 13 capítulos, é de autoria de pesquisadores participantes de dois grupos de estudos, a saber: Geerge (Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero, ligado ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Grecco (Grupo de Estudos sobre Cultura e Corpo, ligado ao Programa de Pós-graduação em Ciências do Movimento Humano da Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Tendo como ponto de partida (e de chegada!) um artigo de jornal que estabelece relações entre o aumento do número de mulheres que trabalham fora do âmbito doméstico e o crescimento da obesidade na população norte-americana, Dagmar Estermann Meyer defende, no primeiro capítulo, o conceito de gênero como instrumento teórico e político para o estranhamento das desigualdades sociais, bem como um recurso para os educadores na medida em que possibilita a desnaturalização das verdades (incluindo as produzidas pelo discurso científico). Para sustentar esses argumentos, Meyer retoma o conceito de gênero sob o enfoque do feminismo pós-estruturalista, que compreende a linguagem como, para além de representação, produção de corpos femininos e masculinos. Nessa perspectiva, gênero é ferramenta para a desnaturalização, apontando para a polissemia de masculinidades e feminilidades que se articulam a muitas 'marcas' sociais como classe, etnia, entre outras. Finalmente, a autora exercita esse olhar tecendo questões no âmbito educativo, para então retornar à notícia com que abre seu texto, destacando como as pedagogias culturais podem, ao veicular determinadas 'descobertas científicas', mascarar suas condições de produção, reproduzindo representações de gênero em vez de fomentar reflexões que as concebam como historicamente constituídas.

No segundo capítulo, Silvana Vilodre Goellner, tendo como referência os Estudos Culturais e a História do Corpo, igualmente defende que a linguagem constrói o corpo (sendo este não apenas organismo, mas também os adereços e gestos que o formatam), conferindo-lhe marcas de feiura ou beleza, anormalidade ou normalidade. Se por um lado a autora atesta a historicidade do corpo, ressalta também que a classificação é sempre política, já que implica exclusão de uns corpos e

aceitação de outros. Goellner aponta, ainda, que atualmente o corpo ocupa lugar central na definição do sujeito: criar um corpo esbelto, sarado, é marcar uma identidade. Além disso, o cuidado para tornar o corpo saudável – tal como prescrito pelas pedagogias culturais – é dever, tarefa que, se não cumprida, revela 'desleixo'. Goellner historiciza as práticas sociais de cuidado com o corpo; lembra que se nos séculos XVI e XVII os banhos eram considerados como danosos à pele, e que a partir do século XVIII o asseio é visto como fator fundamental para a conservação do corpo – um corpo que, tal como as máquinas a vapor desse período, foi objeto da ciência para que se tornasse limpo, produtivo, trabalhando sem desperdício de energia. Convergiam para esse fim medidas educativas que condicionavam os gestos; a ginástica dava forma ao físico, aos sentimentos e ao caráter. O escrutínio médico hierarquizava sujeitos de acordo com pistas biológicas: cor de pele, sexo anatômico, formato do crânio. A autora sinaliza que ainda hoje estamos sujeitos a alguns desses valores, enquanto outros se perderam. Alerta que próteses, implantes, vitaminas oferecem restrições e liberdade, pois ampliam funções e expressões corporais, sendo também formas de disciplina e controle.

Guacira Lopes Louro, no terceiro capítulo, inicia reconhecendo a imprevisibilidade e a metamorfose constante como marcadores, desde a década de 1960, para nosso tempo. “Refutando o imobilismo que pode resultar de um retorno ao passado, propõe que educadoras e educadores assumam essas mutações que os confrontam, como mola propulsora para discutir ideias como a de ‘tolerância’ e ‘aceitação da diferença”, com o intuito de refletir sobre os currículos e a prática pedagógica. A autora salienta que as novas identidades culturais (que se distinguem do modelo central de homem branco ocidental, classe média e heterossexual), mais do que revelar múltiplas posições de sujeito, não devem ser tomadas como novo centro, pois tal movimento corresponderia simplesmente à inversão dos polos margem e núcleo. Por outro lado, não se pode desconsiderar o caráter referencial – ainda que da ordem da ficção – que o padrão central assume na construção dos currículos: ser homem, por exemplo, acaba sendo naturalizado na medida em que se consolida como a norma, em relação à qual se estabelece, como excêntrico, alternativo, "o dia da mulher". A tolerância, logo, é assimétrica. Louro propõe uma mudança epistemológica: que sejam questionados os discursos de 'aceitação' das diferenças, em prol de uma reflexão acerca das condições de produção dessas diferenças, dos modos pelos quais elas são construídas; que as identidades culturais que parecem estranhas em sala de aula sejam apreendidas na sua transitoriedade e complexidade, e possibilitem a educadoras e

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educadores reconhecer o caráter igualmente inventivo, produzido historicamente, de suas próprias 'figuras'.

Partindo dos Estudos Culturais e das contribuições de Michel Foucault para os Estudos Feministas, Jane Felipe Neckel se propõe, no quarto capítulo, a discutir a erotização das imagens femininas, especialmente no que se refere às meninas. Mesmo as pequenas se deparam com a construção cultural de um corpo pela mídia que, através de sacrifícios e múltiplas formatações, seria a materialização de uma beleza inerente ao feminino, naturalmente fútil e fetichizada. A autora retoma Shirley Steinberg1 para localizar na década de 1950 o direcionamento de produtos específicos para o cuidado com o corpo das/para as crianças. Ao consumo são associadas imagens que articulam infância e desejo, o que Tatiana Landini2 explicita como a existência de uma "erótica infantil". Assim sendo, Neckel aponta uma contradição, pois, ao mesmo tempo em que se condenam veementemente atos sexuais que envolvam crianças e adultos, cria-se uma esfera comercializável na qual as crianças e a sedução se entrelaçam, em um tipo de 'pedofilização' generalizada. Partindo desse ponto, Neckel historiciza a pedofilia, passando pelos conceitos dicionarizados e por práticas sexuais com crianças em diferentes tempos e culturas. A autora rompe com noções estereotipadas e naturalizantes, afirmando que a eleição do alvo sexual é construída historicamente por um determinado coletivo. As imagens que povoam nosso cotidiano, portanto, devem levar a um questionamento acerca dos processos de constituição das identidades de gênero de adultos e crianças.

Jimena Furlani, no quinto capítulo, busca discutir a educação sexual para crianças sob uma perspectiva em que a sexualidade constitui o sujeito em todas as etapas de sua existência, o que requer da escola uma dedicação continuada a essa temática, e não apenas em atividades localizadas. Esta proposta tem como norte a desconstrução de padrões acerca da sexualidade; partindo da linguagem com a qual educadoras e educadores introduzem as discussões em sala de aula, Furlani enfatiza que a escola não apenas reproduz modelos de normalidade, mas também os engendra. Para a autora, a escolha do vocabulário que se utiliza está atravessada pelas relações de poder. O uso do 'homem', enquanto genérico, para tratar da espécie humana é criticado por Furlani, que o localiza em um momento histórico anterior ao movimento feminista. De modo semelhante, a frase "meninos têm pênis, meninas têm vagina" pontua na menina um órgão que não é visível, o que traz mais confusão do que explicação sobre as diferenças anatômicas. Por outro lado, esse modo de associar a sexualidade à reprodução implica

manter a heterossexualidade como modelo, bem como menosprezar o prazer e outras práticas sexuais que não a penetração vaginal. Seguindo a autora, a ênfase no 'aparelho reprodutor' desconsidera que a sexualidade está presente em crianças e idosos, favorecendo a cristalização de preconceitos.

No sexto capítulo, Rosimeri Aquino da Silva e Rosângela Soares pretendem discutir as relações entre a escola e as concepções de juventude produzidas pela mídia, através de exemplos da emissora MTV e dados coletados em uma pesquisa realizada em uma escola pública de Porto Alegre. O artigo busca problematizar as falas de professoras e professores que focalizam a influência da mídia sobre a juventude e advogam que os interesses dos jovens estariam predominantemente fora dos muros da escola. Por um lado, as autoras destacam que as relações entre mídia, juventude e escola são complexas; se a tendência escolar é sustentar algumas normas, concordando com Guacira Louro3

que os currículos podem fixar, por exemplo, um modelo de heterossexualidade, a televisão pode explorar outras possibilidades, como a homossexualidade. De outra parte, a escola não se resume à esfera cognitiva, potencializando espaços sociais de encontros e exercício da sexualidade para os jovens. Dessa feita, as autoras retomam Louro:4 é preciso que se atente para aquilo que a escola nega e produz, para identidades sociais marcadas por etnia, classe, geração e gênero que ali se constituem.

Alex Branco Fraga, no sétimo capítulo, parte de uma matéria publicada pela revista Veja que traz uma entrevista com João Paulo Diniz sobre um acidente de helicóptero por ele vivenciado, que culminou com a morte de sua namorada, a modelo Fernanda Vogel. O autor não visa a investigar outro possível desfecho para o acidente, tampouco identificar supostos culpados, mas sim atentar 'ao texto'. Fraga enfoca a sutil contraposição entre o estilo de vida de João, calcado em uma rigorosa e intensa rotina de exercícios, e o de Fernanda, que aparece caracterizado pelo pedido do namorado para que deixe de fumar. Para o autor, esse discurso sintetiza de certa forma algo disseminado na contemporaneidade, a saber, a valorização de um estilo de vida no qual o sujeito investe em si mesmo por meio da 'boa forma'. Esse discurso hoje vem tomando um rumo um tanto 'mórbido', responsabilizando o sedentário pelo próprio destino infeliz. Assim, a despeito da imagem de top model estampada nas revistas, Fernanda perdeu pela fraqueza na corrida pela saúde. Fraga destaca esse episódio na medida em que põe em relevo, de um lado, o modelo hegemônico de masculinidade e, de

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outro, a repetição de um padrão que recita que a mulher, 'por ter menos fôlego', submerge.

O oitavo capítulo, de Sandra dos Santos Andrade, inicia pela análise de uma seção da revista Boa Forma intitulada "Desafio de verão". O referido segmento revela exercícios de poder, dado o caráter disciplinador e prescritivo assumido pela revista. O controle do corpo feminino, materializado nas rotinas de atividades físicas e restrições alimentares, incitam a um determinado tipo de consumismo, pois não seria o ascetismo o caminho para o corpo ideal, mas o consumo de produtos específicos que adquirem o rótulo de 'saudáveis'. Aliás, Andrade destaca que continuamente o modelo de beleza se funde ao de saúde. A autora salienta ainda que, embora as palavras enfatizem que para seguir adiante em uma dieta basta força de vontade e autocontrole, as imagens de alimentos veiculadas pela revista são manipuladas cuidadosamente para mobilizar o desejo. Andrade localiza a importância de refletir sobre esses aspectos na medida em que o corpo, não sendo separado da mente, está implicado nesses processos educativos das pedagogias culturais.

No nono capítulo, Márcia Luiza Machado Figueira propõe abordar a revista Capricho no que se refere à constituição do corpo adolescente feminino na contemporaneidade. Isso porque, se ao tratar das atividades físicas, dicas de moda e embelezamento o corpo editorial da revista se coloca como orientador da adolescente para que se produza como um sujeito singular, Figueira considera que se 'produzem' saberes que 'criam' um determinado modelo de corpo, de menina de classe média, branca e heterossexual. As top models são tomadas como norte, 'glamourizando' um estilo de vida no qual a vigilância constante da própria aparência surge como naturalmente feminina. A autora enfatiza que a revista educa não apenas pelo que afirma, mas ainda pelo que nega: o corpo obeso, ameaça vislumbrada que sustenta o autocontrole, não é retratado nas páginas da revista. Figueira aponta também que a revista classifica como 'defeitos' aspectos que constituem o humano no corpo da grande maioria das mulheres: estrias, celulite, rugas ou espinhas são apresentadas como 'anomalias' que precisam ser urgentemente extirpadas.

Rosângela Soares, autora do décimo capítulo, discute, através da análise da versão gay do programa Fica comigo da MTV, a dimensão política da sexualidade, já que relacionada à normatização e jogos de poder que a sustentam. A autora destaca as medidas cautelosas tomadas pela emissora para a realização do programa, como escolha minuciosa dos

participantes (tanto os protagonistas como a platéia) e abordagem prévia da temática da homossexualidade em outros programas da grade. Essas condições, de acordo com Soares, engendraram um paradoxo, pois, ao mesmo tempo que marcaram a diferença do episódio gay em relação aos demais, maquiaram uma semelhança com os programas em que os casais eram heterossexuais. Assim, 'criou-se' um homossexual próximo da normalidade, em uma tolerância que negou outras formas de viver a homossexualidade, mantendo o ponto de vista da heterossexualidade como padrão regulatório.

Ruth Sabat, no décimo primeiro capítulo, reflete acerca da publicidade, naquilo que ela representa enquanto modelos hegemônicos de masculinidade e feminilidade. Ainda que apareçam sob a égide do prazer e da descontração, informes publicitários educam: partem de concepções existentes na sociedade, fixando-as, de modo que o público possa compreendê-las e tomá-las como parâmetros reguladores da vida social. Assim, a unidade entre imagem e palavra da publicidade delimita significações, embora isso não garanta que o público não possa estranhar e estabelecer outras relações e formas de compreender o que está sendo transmitido.

A autora do décimo segundo capítulo, Claudia Cordeiro Rael, utiliza três desenhos animados da Disney a fim de discutir de que forma os discursos de gênero são veiculados, construindo um modo (ideal) de feminilidade. Rael afirma que tais desenhos se valem de diversos recursos simbólicos, como por exemplo o uso de cores claras e traços finos e suaves para representar as heroínas e cores escuras e linhas grossas conformando o grotesco para designar as vilãs e os vilões. As heroínas são consideradas como diferentes pelo coletivo, e esse coletivo é porta-voz do discurso que define o que é ser mulher, discurso esse que parte do binarismo masculino/ feminino, no qual a mulher aparece como aquela que ocupa o espaço doméstico, embelezando-o, e responsabiliza-se pela educação e cuidado do marido. A autora reconhece aí a reprodução de padrões dominantes de sexualidade e a produção de identidades.

Edvaldo Souza Couto, autor do décimo terceiro capítulo, explicita o debate sobre as intervenções tecnológicas não apenas na atividade humana, mas também nos corpos. Dada a complexidade da atualidade, alguns autores defendem que seria necessário um novo corpo, mesclado à cibernética, para a sobrevivência. Couto traz à tona a reflexão filosófica sobre o que definiria o ser humano nessa perspectiva. O autor apresenta práticas de modificação das microestruturas corporais, bem

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como discursos que preconizam a presença de nano-robôs reguladores dos processos de alimentação e funcionamento interno do corpo, redimensionando o papel dos próprios órgãos. As cirurgias estéticas reparadoras, então, seriam superadas pelas cirurgias transgressoras. O autor destaca como concepções de saúde e doenças metamorfoseiam-se nesse contexto pós-humano e pós-biológico.

Finda a leitura da obra, penso que o fio condutor (apesar das dissonâncias entre autores) é uma concepção do corpo como social e historicamente construído em discursos, atravessado pelas relações de poder. As pedagogias culturais e suas implicações na constituição das identidades de gênero, de modos de experienciar, configurando a corporeidade, foram igualmente uma constante. A linguagem é questionada como mero reflexo especular do real, sendo concebida como processo que normatiza e constitui sujeitos.

Recortes de jornal e revista, desenhos animados... todos são reconhecidos como produtos e produtores de saberes, sendo, portanto, importantes objetos de investigação. Fundamental essa perspectiva, na medida em que nos incita ao estranhamento: fecho o livro, coloco-o na estante e ligo a televisão. Em uma emissora, uma propaganda de desodorante mostra homens com vestidos vermelhos dançando e pessoas em uma arquibancada tampando os narizes, e aparece a mensagem (escrita): "Por que os homens não são líderes de torcida? Por que transpiram mais que as mulheres". Penso... Trata-se então, simplesmente, de uma questão biológica, de odor e suor, o que designa às mulheres de vestidinhos justos e movimentos sensuais, que ocupam o centro da quadra para entreter o público enquanto o (verdadeiro?) jogo não começa? Aciono o controle remoto, outra emissora; em um comercial de novela, o ator José Mayer pergunta a Susana Vieira: "O que te faz ter tanta certeza que tua filha está por perto?" "Meu coração de mãe". Penso no poder desse (suposto) instinto materno, que 'naturalmente' transpõe todas as barreiras e infalivelmente identifica, pelo sentimento, um filho perdido... Sorrio e desligo a televisão.

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Macedo, Lino de. (2005). Ensaios pedagógicos: Como construir umaescola para todos?

Resenhado por Margarita Victoria GómezEste livro apresenta-se a modo de ensaio, propondo uma estratégia e forma de aprendizagem com a finalidade de expor teoricamente elementos que buscam valorizar e orientar um estudo aprofundado sobre a inclusão escolar. Inscreve-se m num projeto de extensão, resultado de palestras proferidas pelo Brasil e a expectativa é restituir ou devolver, de maneira sistematizada, os conhecimentos e experiências dos professores do ensino fundamental que dão sustento às ditas palestras. O autor situa epistemologicamente a temática no contexto da escola atual, da pedagogia seletiva e tradicional e do professor do ensino fundamental que nela trabalha, porém, partindo de uma perspectiva Piagetiana, busca propor uma pedagogia diferenciada.O autor, Lino de Macedo, educador brasileiro, professor de psicologia, pesquisa o desenvolvimento humano, a psicopedagogia e, com forte influência de Piaget, aprofunda neste livro os fundamentos da educação inclusiva, da diversidade, da reflexão e das competências docentes. Ao professor atento, oferece elementos para o planejamento de um projeto curricular de uma escola inclusiva.Desde uma posição sociocultural e pedagógica, apresenta duas dimensões pelas quais procede a escola: a seletiva e a inclusiva, sendo a primeira entendida como aquela que procede por semelhanças excluindo as diferenças, e a outra, como a que procede pela diferença para incluí-la no processo de aprendizagem. Assim, ele procura situar o leitor frente a sua obra no seu caráter de autor “autorizado” pela sua experiência. Na sua visão de formação procura incentivar os professores a assumirem a autoria das experiências deles. A tomada de consciência das ações permitiria a renovação dos compromissos e as responsabilidades como professores.O autor enfatiza alguns eixos fundamentais sobre os quais seria necessário refletir e se basear no momento de elaborar um projeto curricular: 1. crítica à escola fundamental; 2. a possibilidade de construir uma escola inclusiva; 3.os desafios para a prática docente; 4. como devem aprender os professores e quais as competências requeridas para contribuir com essa formação; 5. que elementos novos devem ser destacados no planejamento escolar; 6. a perspectiva construtivista para superar problemas de aprendizagem;

7. formas de avaliação na escola; 8. o cotidiano na sala de aula; 9. a disciplina no processo educacional; e, 10. Aspectos para elaborar um projeto curricular. E não são menos importantes as referencias bibliográfica que abrem janelas para continuar aprendendo sobre a temática.A crítica à atual escola fundamental construída sobre a cultura das semelhanças e no nível do “devem” ainda impregna o raciocínio e discurso docente, ainda que o debate na sociedade seja por uma escola sustentada na cultura das diferenças. Para contribuir com esse debate é necessário saber como os educadores aprendem ou aprenderam e é, também, fundamental entender que os professores estão interessados nesse conhecimento e em entender como opera a escola tradicional vigente, especialmente, a progressão continuada. Hoje, os professores querem aprender e não só ensinar, pois não entendem esses momentos em separado. Indagando sobre essa questão, o autor considera importante o espaço onde eles aprendem: a sala de aula, que o professor deve vivenciar também como aluno, aberto ao desconhecido e com a consciência de que não sabe tudo e que necessita formação pessoal e profissional permanente. Nessa proposta, considera-se o contexto onde o professor aprende, seja a sala de aulas, um projeto institucional de formação continuada, a relação com os colegas, com os pais, a comunidade escolar, a participação em palestras, cursos, seminários e/ou congressos. As atividades de aprendizagem assumidas pelos professores são interdependentes e envolvem desafios para os quais eles devem estar preparados. Assim a observação e reflexão sobre suas ações, a análise do modo de regular as trocas sociais e culturais com colegas e alunos, as escolhas e o modo de atuação, o contexto no qual aprendem, seus conhecimentos prévios e pesquisas realizadas por eles e por outros, tudo isso contribui para a sua formação. É na formação que o professor adquire as competências e habilidades para trabalhar na escola.São consideradas três formas de competências: a) com relação a si mesmo, portanto, se realiza em qualquer contexto ou situação. Este tipo de competência favorece a cultura das semelhanças com quem as possui e a da exclusão com quem não as possui. Representa a competência adquirida e também a perdida. b) com relação a um objeto, desde uma visão construtivista, considerando-se que os objetos representam um recurso que contribui na construção do conhecimento em certo contexto pessoal e sociocultural de uso para uma certa realização. Esse recurso se manifesta em função do uso que o aluno ou professor possa dar quanto ao que ele assimilou do máximo que ele oferece (um exemplo atual pode ser o computador) e, c) do sujeito em

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termos relacionais que se expressa nas mais variadas situações da vida cotidiana e escolar. Permite articular elementos conhecidos e outros inesperados que só acontecem em contextos interativos como resultado de produções coletivas.Em situações práticas, é fácil confundir competência com habilidade e o autor chama a atenção para essa diferença: a competência é uma habilidade de ordem geral, enquanto a habilidade é uma competência de ordem particular, específica (p. 71). Na perspectiva relacional há a necessidade da habilidade tanto quanto da competência. Uma contribuição importante do livro de Lino de Macedo é a sistematização do que entende por competência relacional. Segundo ele, é aquela que, como qualidade geral coordena, estrutura, e articula a multiplicidade de concorrência, a convergência com a unicidade expressa na competição que, por sua vez, requer que o professor saiba lidar, num determinado espaço de tempo, com diferentes fatores, em diferentes níveis,. Assim, lhe seria permitido mobilizar-se e mobilizar a outros para a aprendizagem no contexto da pedagogia diferenciada, que acolhe crianças ricas e pobres, com ou sem problemas de aprendizagem, com cores, raças e condições físicas diversas. As estratégias utilizadas para o trabalho na escola diferenciada envolvem, entre outros: situações de aprendizagem, situações problema, jogos com oficinas ou com tutorias. A autonomia, o envolvimento e a cooperação entre professores e a comunidade escolar, com as diferenças e singularidades existentes, é fundamental.Tomar essa decisão de inovar por parte do professor, entre outras, é um fator importante no processo e influencia o eixo da pedagogia diferenciada porque, além de mobilizar recursos, ativa esquemas de conhecimento e de reconhecimento pessoal e institucional que, por sua vez, fortaleceriam a autoestima pessoal e a identidade institucional. Tomar uma decisão em contexto de incerteza, concorrência, confronto, conflito, ou oposição implica correr riscos, e assumir os medos, seja nas atividades em sala de aula ou a nível institucional. Nessa visão, ser competente, é ter criatividade, inventividade, criticidade, mobilidade, e fazer uso de esquemas que permitam organizar o pensamento, as ações e condutas que possibilitem experiências físicas, sociais e lógico-matemáticas. Saber o “como” e o “porquê” do agir do professor que orientem as atividades racionalmente.No dia-a-dia da escola, acredita-se que o professor deva administrar bem o tempo e espaço escolar, o ritmo, as narrativas, os imprevistos, os obstáculos, selecionar bem os objetivos e tarefas escolares, dosar os conteúdos, construir a convivência (considerando também os que contribuem a partir do aspecto negativo de uma situação), a avaliação e assim fazer uso da competência relacional. Para isso, desde uma

perspectiva construtivista, o autor mostra-se preocupado com a articulação das diferenças numa proposta curricular diferenciada para o qual é necessária uma comunicação eficaz e significativa na sala de aula.O fazer em sala de aula envolve antecipação, regulação e observação, procedimentos necessários para o planejamento do semestre e ano letivos. Durante um tempo estipulado, os professores, coordenadores, diretores, secretários de educação e todos os que foram convocados reúnem-se para, a partir da reflexão sobre a cultura da escola, as experiências habituais e a situação social e política da educação fundamental, começar a construir uma proposta de escola inclusiva. Assim, reconhecendo os mecanismos de exclusão existentes, o autor propõe um constante planejamento escolar que considere os conteúdos, disciplinas e os alunos com suas características cognitivas, físicas e sociais.O autor considera o planejamento como uma prática reflexiva que se vale da antecipação para fazer uma regulação no presente que oriente um trabalho futuro com os alunos e que permita as transformações queridas. O(s) responsável(eis) pela regulação cuidará(ão) da complexidade do cotidiano escolar, do ir e vir, do refazer, de propor alternativas, de corrigir os erros, aceitar as críticas. Com uma visão interdependente, promove o diálogo, a reescrita, a crítica e a reformulação de um projeto pedagógico. Nesse processo, o autor, ainda considera importante a observação do andamento do projeto pedagógico que viria a ser uma avaliação. Observação, regulação e avaliação são elementos do sistema de planejamento por ele proposto.Na sua proposta, o autor, considera, ainda, as dificuldades de aprendizagem da criança, entendida esta como o sujeito epistêmico que constrói conhecimentos a partir da coordenação de esquemas de ações, de noções e/ou operações lógicas (classificar, ordenar, fazer inferências, etc.) e matemáticas (quantificar, somar, subtrair, etc.) a partir de entendê-las como proporcionadas pela aprendizagem em certa cultura ou sociedade na qual considera-se a herança genética, de saúde orgânica e mental. O “sujeito epistêmico”, segundo Piaget, tem problemas a resolver, procedimentos a construir, compreensões a formular. Nos sucessivos estágios de desenvolvimento, a criança vai progredindo, o que não acontece com crianças com problemas de aprendizagem, frustradas na sua expectativa e desejo de aprender.A psicopedagogia reflete as necessidades interdisciplinares do processo de aprendizagem onde a dialética sujeito e objeto é irredutível, complementar e indissociável.Numa perspectiva construtivista, o autor apresenta duas visões dos problemas de aprendizagem: a primeira, como a dificuldade, o desafio

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para aprender (numa relação de interdependência) e a segunda, como queixa ou frustração (numa relação de independência/dependência). O primeiro numa dimensão interna, de desenvolvimento do sujeito, e a segunda, vista como alguma questão externa, conhecida ou desejável para os outros.Assim, o psicopedagogo, reconhecendo esses enquadramentos, pode pensar as dificuldades de aprendizagem da criança e adotar os procedimentos de intervenção –pedagógicos ou terapêuticos – mais adequados. O autor utiliza a metáfora da viagem, do labirinto para analisar o processo de aprendizagem na criança.No momento da avaliação, o autor apresenta seis formas, com a finalidade de provocar no professor uma reflexão sobre a questão. Considera importante saber sobre os desejos, valores e sentidos dados pelos participantes à aprendizagem. Avaliar, por intermédio de inferências possibilitadas por indicadores, permite uma mudança de atitude. As funções da avaliação são: selecionar, diagnosticar, antecipar, orientar, certificar e regular um processo de desenvolvimento do conhecimento, da aprendizagem por parte da criança. Estas funções realizam-se de maneira complementar e indissociável e permitem orientar as tensões durante a aprendizagem.Segundo o autor, o cotidiano de sala de aula exige lidar com as práticas concretas e com outras não muito visíveis que produzem indisciplina, dispersão, desorganização, problemas no planejamento, bem como desperdício de tempo, espaço e dinheiro. Para isso, os registros, observações, reflexões, consultas com colegas, queixas etc. são bem-vindas como elementos que podem promover ações favoráveis ao trabalho docente e à aprendizagem na interdependência tempo, espaço, objetos e relações escolares. Assim, o espaço, ou seja, o lugar para guardar os objetos, para realizar os encontros, para devolver um objeto a seu lugar, para dispor/selecionar ou para esquecer tal objeto, é condição importante, pois ajuda a pensar e organizar o processo de aprendizagem. Assim, também é importante o tempo que permite agendar compromissos, estimar a duração, antecipar ações no contexto de um projeto, priorizar tarefas e lembrar ações inter-relacionadas com outras. No cotidiano escolar, os objetos usados pelo professor e o aluno na sala de aula são fundamentais junto ao desenvolvimento de competências específicas para o seu uso. Torna-se importante neste contexto o relacionamento sujeito e objeto além da relação docente e aluno, a interação entre as crianças e com as tarefas. Por isso, o relacionamento implica envolver-se, responsabilizar-se, cooperar, cuidar e conviver com outros, gerando autonomia no desenvolvimento da criança durante a aprendizagem.

Nesta proposta de escola inclusiva, o autor considera relevante a disciplina no processo educacional. Após analisar, refletir e enumerar definições sobre a proposta de disciplina na escola, permite-se propor uma (disciplina) com relação ao tempo, ao espaço, aos objetos e aos relacionamentos de modo inter-relacional no processo de conhecimento. A sua função seria de mediadora no processo de conhecimento, estaria a serviço dos sentimentos e valores envolvidos e assim possibilitaria o encontro subjetivo entre o que se é e o que se pretende ser.Portanto, a formação da disciplina na criança envolve a norma, a atitude e o valor na realização de atividades no cotidiano escolar.No seu livro, o autor se propõe a contribuir com reflexões que desafiam o professor a continuar indagando e pesquisando a possibilidade da escola inclusiva no Brasil.

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CASTORINA, J.A et ALI - Piaget Vigostsky Novas Contribuições para o Debate

CAPÍTULO I O DEBATE PIAGET-VYGOTSKY A BUSCA DE UM CRITÉRIO PARA SUA AVALIAÇÃOJosé Antônio Castorina

A discussão sobre as idéias de Piaget e de Vygotsky adquiriu uma notável atualidade no mundo latino-americano. O principal motivo de tal debate reside nas conseqüências divergentes que parecem resultar das teorias na apreciação e orientação da prática educacional.

É necessário dizer, afirma Castorina, "que, para muitos teóricos e profissionais da educação tornam-se evidentes o conflito irredutível e a necessidade de optar entre as mesmas. Tal versão baseada em leituras superficiais, em alguns casos dogmáticas e em outros simplesmente errôneas, dos textos clássicos e das pesquisas mais recentes, impede uma autêntica confrontação, que inclua um exame da natureza das perspectivas e problemas propostos pelos nossos autores. Além disso, dessa forma, evita-se a realização de indagações conjuntas entre piagetianos e vygotskiano: que possam contribuir para a nossa compreensão da prática educativa. "

Para boa parte dos psicólogos do desenvolvimento, psicólogos educacionais e mesmo pedagogos do mundo europeu e também latino-americano, as teorias de Piaget e Vygotsky são duas versões opostas sobre o desenvolvimento intelectual e os processos de aprendizagem.

Reconhece-se que ambas as teorias assemelham-se porque apresentam alguns traços comuns: um estruturalismo fraco, no sentido de que Vygotsky defendeu um estudo inter-relacionado e não reducionista das funções e processos psicológicos, e Piaget insistiu na constituição de sistemas estruturais como a chave do desenvolvimento da inteligência; um enfoque genético partilhado na medida em que as funções psicológicas em Vygotsky e os sistemas de conhecimento em Piaget podem ser estudados apenas em seu processo de formação; e o fato de que tanto Vygotsky quanto Piaget enfatizaram a atividade do sujeito na aquisição do conhecimento e o caráter quantitativo das mudanças no desenvolvimento (Garcia Madruga, 1991).

No entanto, argumenta o autor "para esta versão, as diferenças são mais relevantes do que as semelhanças”. Em Vygotsky, a interação social e o instrumento lingüístico são decisivos para compreender o desenvolvimento cognitivo, enquanto em Piaget, este último é interpretado a partir da experiência com o meio físico, deixando aqueles fatores em um lugar subordinado. Além do mais, o processo de desenvolvimento intelectual, explicado em Piaget pelo mecanismo de equilíbrio das ações sobre o mundo, precede e coloca limites aos

aprendizados, sem que estes possam influir sobre aquele.Ao contrário, para Vygotsky, “a aprendizagem interage com o

desenvolvimento, produzindo sua abertura nas zonas de desenvolvimento proximal, nas quais as interações sociais e o contexto sociocultural são centrais”.

Em linhas gerais, continua Castorina, a teoria piagetiana é apresentada como uma versão de desenvolvimento cognitivo nos termos de um processo de construção de estruturas lógicas, explicada por mecanismos endógenos, e para a qual a intervenção social externa só pode ser "facilitadora” ou “obstaculizadora”. Em poucas palavras, uma teoria universalista e individualista do desenvolvimento, capaz de oferecer um sujeito ativo, porém abstrato (“epistêmico”), e que faz da aprendizagem um derivado do próprio desenvolvimento.

A teoria de Vygotsky aparece como uma teoria histórico-social do desenvolvimento que, pela primeira vez, propõe uma visão da formação das funções psíquicas superiores como internalização mediada da cultura e, portanto, postula um sujeito social que não é apenas ativo mas sobretudo interativo.

Castorina afirma que a comparação padrão está formulada a partir das seguintes suposições:

1) As teorias em debate são respostas a uma série de problemas comuns levantados pelo desenvolvimento cognitivo: o dos "fatores determinantes do desenvolvimento", o da "formação da linguagem e sua intervenção no pensamento", ou o levantado pela "relação entre o individual e o social no desenvolvimento", ou a "redução, dualidade ou interação entre desenvolvimento e aprendizagem".

2) Com relação a tais problemas, são estabelecidas teses mais ou menos opostas, mais ou menos diferentes: uma seqüência universal de formas de pensamento em face de um processo contextualizado de apropriação da cultura; a linguagem do grupo cultural dirigindo a formação dos conceitos em face de uma história de reestruturação lógico-matemática que utiliza a linguagem unicamente como significante; a constituição dos conhecimentos explicada por "Internalização” da cultura em face de uma explicação por equilíbrio dos sistemas de conhecimento; o ator dos conhecimentos como sujeito social em face de um sujeito universal e individual; o aprendizado como orientador do desenvolvimento cognitivo em face dos processos de desenvolvimento dirigindo as aprendizagens, etc.

3) O resultado dessa comparação coloca professores e pedagogos diante da opção entre suas teorias do desenvolvimento intelectual e da aprendizagem, bem como diante de duas maneiras de conceber à prática educacional.

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Explica Castorina que o esforço de Vygotsky foi mostrar que, além dos mecanismos biológicos apoiados na evolução filogenética e que estavam na origem das funções "naturais”, existe um lugar crucial para a intervenção dos sistemas de signos na constituição da subjetividade! A tese é que os sistemas de signos produzidos na cultura na qual vivem as crianças não são “‘facilitadores da atividade psicológica, mas seus formadores”. "Na perspectiva adotada para problematizar o desenvolvimento psicológico e particularmente o cognitivo, a transição de uma influência social externa sobre o indivíduo para uma influência social interna encontra-se no centro da pesquisa (Vygotsky, 1979)”.

Mas tanto essa tese, garante o autor, da origem social e não natural do psiquismo superior do interpsicológico ao intrapsicológico, quanto a adoção de uma análise genética da transição estão articuladas e dependem conceitualmente da pressuposição da existência dos sistemas de signos.

A afirmação de que a presença de estímulos criados, junto aos estímulos dados, é a característica diferencial da psicologia humana (Vygotsky, 1979) implica que o estudo genético ocupa-se da aquisição de sistemas de mediação e que o controle consciente da própria atividade depende da utilização daquelas ferramentas psicológicas.

O enfoque construtivista para interpretar o desenvolvimento dos conhecimentos, salienta Castorina, é uma tentativa de superar o dualismo entre o sujeito e o objeto de conhecimento. O sujeito aparece construindo seu mundo de significados ao transformar sua relação com o real, penetrando cada vez mais profundamente neste último e em sua própria maneira de pensar. Desta forma, quando ocorre cada progresso que aproxima o sujeito do conhecimento do objeto, este recua.

Os modelos sucessivos do sujeito permanecem na categoria de aproximações que não podem atingir este limite constituído pelo objeto em suas propriedades ainda desconhecidas (Piaget, 1980).

Para o autor, o empreendimento epistemológico e a tese construtivista são o contexto no qual Piaget avançou na explicitação dos mecanismos e processos psicológicos dos últimos anos da sua obra, tais como as abstrações e generalizações, os conflitos cognitivos, a tomada de consciência ou a criação de possibilidades. Esses mecanismos e processos adquirem seu significado se os situarmos com respeito à posição assumida sobre a relação entre o sujeito e o objeto de conhe-cimento. Eles associaram-se à hipótese nuclear do programa piagetiano: o mecanismo de equilibração entre a assimilação e a acomodação que pretende dar conta do modo pelo qual objeto e sujeito interagem.

Com relação ao desenvolvimento, o projeto piagetiano visou reconstruir as transições entre as formas "de poder fazer" com o mundo, esclarecendo que cada uma está vinculada aos problemas que as

crianças possam resolver ao interrogar a realidade - física ou social- ou ao tornar seu o que outros Ihes colocaram. E o processo de transição exprime as reorganizações do "ponto de vista" infantil, da sua forma de significar os objetos de conhecimento.

Vygotsky contrapôs sua perspectiva sobre as relações entre a aprendizagem e o desenvolvimento à apoiada por Piaget.

Segundo ele, os processos de desenvolvimento são independentes da aprendizagem. E mais, os processos de desenvolvimento são condição prévia para a realização de um aprendizado, porém não são alterados por ele.

Ao contrário, explica o autor, para Vygotsky, ambos os processos estão intimamente inter-relacionados, porque a aquisição de qualquer habilidade infantil envolve a instrução proveniente dos adultos, antes ou durante à prática escolar. A própria noção de "aprendizagem" significa processo de ensino-aprendizagem, justamente para incluir quem aprende, quem ensina e a relação; social entre eles, de modo coerente com a perspectiva sócio-histórico (Oliveira, 1993). Assim, a aprendizagem, salienta Castorina, consiste na internalização progressiva dos instrumentos mediadores e é uma aplicação do princípio antes mencionado - todo processo psicológico superior vai do âmbito externo para o interno, das interações sociais para as ações internas, psicológicas.

A atenção de Vygotsky aos processos de aprendizagem deve-se ao fato de os mesmos obrigarem ao processo de mediação e potencializá-lo, de forma que o desenvolvimento cultural da criança equivale à sua aquisição dos sistemas sociais de mediação-representação (Alvarez & Del Rio, 1990).

Vygotsky produz a hipótese da "zona de desenvolvimento proximal", que evidencia o caráter orientador da aprendizagem com relação ao desenvolvimento cognitivo. Isto é, a afirmação da distancia entre "o nível de desenvolvimento real da criança, tal e como pode ser determinado a partir da resolução independente de problemas, e o nível potencial, determinado pela resolução de problemas sob a direção de um adulto ou em colaboração com um colega mais capaz" (Vygotsky, 1979) Trata-se de um "espaço" dinâmico, no qual aquilo que uma criança só puder fazer com a ajuda de outro, no futuro poderá fazer sozinha.

Dessa forma, explica Castorina, "o desenvolvimento do indivíduo e a ulterior consolidação das funções psicológicas estão "precedidos" pela aprendizagem. Nesta, a intervenção de professores ou outros adultos contribui para orientar o desenvolvimento rumo à apropriação dos instrumentos de mediação cultural."

O autor comenta o alcance das indagações de Piaget e da sua

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escola sobre a aprendizagem.Em primeiro lugar, cabe ressaltar que os primeiros estudos tiveram

um propósito declaradamente epistemológico: por um lado estabelecer se a percepção era uma leitura direta da experiência e, por outro, se podia haver seqüências de aprendizagem unicamente em função da experiência (Gréco, 1959).

Depois, continua Castorina, os estudos sobre a aprendizagem de estruturas lógicas pretenderam determinar se os reforços empíricos modificavam os conteúdos conceituais ou a forma de inferência. E as conclusões também assumiram um significado epistemológico: para utilizar os resultados da experiência, é preciso que os mesmos sejam assimilados a sistemas prévios de conhecimento.

Concluindo, os estudos de Inhelder e sua equipe (1975) não se ocuparam tanto em defender as teses construtivistas quanto em precisar os mecanismos da modificação estrutural, tentando-se responder a pergunta: é possível produzir uma modificação do nível estrutural do sujeito que apele ao mecanismo espontâneo do funcionamento intelectual?

Os resultados das indagações parecem mostrar que os progressos deveram-se às tomadas de consciência dos conflitos e a uma coordenação gradual de esquemas de conhecimento.

Há de se frisar, diz Castorina, que no caso da aprendizagem e do desenvolvimento, as indagações situam-se em planos diferentes, e, por isso, as versões também são distintas. Quando Vygotsky postula o caráter orientador da aprendizagem com relação ao desenvolvimento, está formulando a tese crucial segundo a qual a aquisição dos instrumentos de mediação cultural, isto é, a atividade educacional, é constitutiva do curso do desenvolvimento. Quando Piaget postula a continuidade, salienta o autor, entre desenvolvimento e aprendizagem está pensando nos mecanismos que dirigem a mudança do "ponto de vista do sujeito Isto é, seja qual for o modo pelo qual lhe são apresentados os problemas ou os objetos a serem conhecidos, entra em funcionamento um processo de reinvenção ou redescoberta devido à sua atividade estruturadora.

Ao citarmos a relação entre aprendizagem e desenvolvimento no contexto da internalização dos sistemas de mediação, o autor diz compreender a afirmação de Vygotsky, segundo a qual "a aprendizagem organizada converte-se em desenvolvimento mental e coloca em funcionamento uma série de processos evolutivos que nunca poderiam ocorrer à margem do aprendizado"

Segundo Castorina, "os estudos experimentais da equipe de Inhelder sobre as aprendizagens estruturais contribuíram para esclarecer certos aspectos do mecanismo central da equilibração, como

os conflitos entre esquemas de ação".Compreende-se que esses estudos sobre as aprendizagens não

tenham modificado o curso do desenvolvimento dos sistemas de categorias, no sentido de que a aceleração não implicou que os sujeitos saltassem níveis nem deixassem de superar os mesmos obstáculos cognitivos que teriam enfrentado sem a situação experimental; ou que os aprendizes tivessem se beneficiado mais com as incitações do meio segundo a estruturação dos seus esquemas.

A educação é vista como um desafio para o programa de Piaget. Para ele, os alunos conseguem adquirir as noções científicas não

explicitadas nos materiais de aprendizagem, pela sua atividade de exploração e pesquisa.

Para Vygotsky, o processo de aprendizagem está centrado na internalização de instrumentos culturais, permitindo que a criança avance rumo aos sistemas conceituais.

Para Castorina, a admissão da "zona de desenvolvimento proximal" implica aceitar um controle do desenvolvimento pela aprendizagem, quanto ao poder que os saberes escolares exercem sobre a aquisição.

Entretanto, isso não significa que os mecanismos de conhecimento sejam controláveis: é preciso assumir que eles funcionam contextualmente nas condições do ensino e da interação com os professores, porém sua intimidade permanece fora da consciência do próprio aprendiz. Para um Piagetiano, seria indispensável admitir a existência desse mecanismo para enfrentar os desafios supostos pela zona proposta por Vygotsky.Castorina salienta que “admitindo as diferentes raízes das perguntas, e das perspectivas, não existe incompatibilidade entre o construtivismo e a aquisição de conhecimentos na zona de desenvolvimento proximal”.

Mas é necessária a realização de indagações que mostrem efetivamente o desenvolvimento dos mecanismos os universais de apropriação no interior daquela interação com os saberes escolares e um avanço na reconstrução psicogenética das idéias prévias que correspondem aos conteúdos curriculares em diferentes domínios.

O autor recorda estudos de orientação Piagetiana que evidenciam aquisições fora da escola, no desenvolvimento psicogenético como a linguagem e as idéias sobre as instituições sociais i que as crianças não poderiam adquirir sozinhas.

Isto é, cada vez que as crianças deparam-se com objetos simbólicos que exigem "Interpretantes, quer se trate do sistema vocálico na aquisição inicial da linguagem (Sinclair et La, 1985), quer do sistema de representação escrita (Ferreiro, 1986), quer ainda das ordens ou gestos de uma autoridade escolar (Castorina & Gil Antón, 1994), o conhecimento desses objetos só pode ocorrer durante uma complexa

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interação social.A internalização da interação interpsicológica, para Vygotsky é o

principal mecanismo que explica o desenvolvimento psicológico humano, tendo sido originalmente examinada no contexto da emergência das funções psicológicas guiadas pelas sugestões de outros.

Muitos educadores interpretaram a internalização segundo os termos de uma transferência da ação externa para um plano interno. Uma versão que recorda as teses comportamentais da "cópia interna" dos modelos de ação externa, e na qual as crianças são recipientes passivos da socialização.

Pelo contrário, diz Castorina, "os textos de Vygotsky (1977) e dos seus discípulos parecem mostrar que não se trata de uma transmissão, mas de uma transformação. Isto é, de uma modificação da compreensão individual dos instrumentos de mediação cultural como a linguagem, e portanto "não é uma transferência de uma atividade externa para um preexistente 'plano de consciência' interno: é o processo no qual este plano interno forma-se" (Leontiev, 1981).

A internalização, para Vygotsky, envolve uma série de transformações: por um lado, toda atividade externa deve ser modificada para tornar-se uma atividade interna, "a internalização trans-forma o próprio processo e modifica sua estrutura e funções" (Vygotsky, 1979); por outro, é uma atividade interpessoal que se converte em intrapessoal."

Grande polêmica entre Piaget e Vygotsky surgiu com relação a formação de conceitos científicos .

Segundo Castorina, "o pensamento de Vygotsky sobre a formação de conceitos é uma concretização da sua hipótese básica: as formas culturais internalizam-se ao longo do desenvolvimento dos indivíduos e constituem-se no material simbólico que medeia sua relação com os objetos de conhecimento."

Devido a isso, seu problema central com respeito à formação dos conceitos é a dos “meios’ que o tornam possível”. E da sua perspectiva, a interação dos indivíduos com os objetos do mundo está orientada pelas palavras que representam categorias culturais e que se transformam em instrumentos para formar os conceitos.

Dessa forma, a palavra funciona primeiro em seu papel de meio e depois no de símbolo do conceito (Vygotsky, 1977).

Castorina ressalta que a formação de conceitos cotidianos, desde os conjuntos "sincréticos" até os "pseudo conceitos", é tratada em boa medida por Vygotsky a partir da psicologia individual. Assim, na mesma intervêm processos intrapsicológicos como as associações de propriedades e as abstrações a partir dos objetos. Mas, de qualquer maneira, tais processos seriam insuficientes para formar os conceitos se

ao mesmo tempo não interviesse o uso da palavra (Vygotsky, 1977).No exame da formação dos conceitos científicos, argumenta

Castorina, Vygotsky coloca-se na perspectiva da sua emergência no contexto da atividade escolar, ocupando-se em indagar como esta oferece um marco discursivo (o sistema científico) para tal de envolvimento (Wertsch, 1992). Neste caso, Vygotsky enfoca sua análise nos termos da relação de ensino-aprendizagem como formadora dos processos intrapsicológicos.

Embora os adultos, portadores dos significados sociais desempenhem um papel na constituição dos conceitos cotidianos, no caso da formação dos conceitos científicos os professores introduzem-nos explicitamente na escola.

Tais conceitos se sobrepõem ou são identificados com os ensinados na escola e são apresentados como um sistema inter-relacionado de idéias.

O autor resume alguns traços específicos da sua formação: basicamente, aquela apresentação sistemática obriga uma atitude metacognitiva dos alunos, isto é, a um domínio e controle consciente do sistema conceitual, bem como a uso deliberado das suas próprias operações mentais; além disso, só os processos de ensino-aprendizagem permitem acesso dos aprendizes aos conhecimentos estabelecidos das ciências; também, diferentemente dos conceitos cotidianos, pensamento sobre as idéias científicas não se refere diretamente aos objetos, mas ao conhecimento cotidiano, sobre qual faz "uma generalização de generalizações"; por último cabe ressaltar que tal reconstrução dos conceitos cotidiano à disposição envolve uma interação entre a formação de conceitos científicos e cotidianos (Vygotsky, 1977; Van der Veer Valsiner, 1991).

Por outro lado, continua Castorina, "no programa de Piaget, a pesquisa da constituição dos conceitos científicos também ocupava um lugar primordial, porém a partir de outras perguntas, que são as questões típicas da epistemologia genética: de que maneira a psicogênese das categorias que estão na base das ciências fornecem material empírico para as hipóteses epistemológicas”.

Dessa forma, a gênese dos conceitos de causalidade, das conservações físicas e lógico-matemáticas, das noções espaciais, em articulação com as análises histórico-críticas das ciências, permite a busca de mecanismos comuns de construção (Praget & Garcia, 1981).

Castorina ressalta que o termo "conceito" refere-se às grandes categorias que possibilitam a estruturação cognitiva e que não podem ser identificadas com os sistemas conceituais específicos de um domínio de conhecimento, e muito menos com a sua forma escolar.

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CAPÍTULO lI PENSAR A EDUCAÇÃO CONTRIBUIÇOES DE VYGOTSKYMarta Kohl de Oliveira

Para Kohl, existe uma situação complexa envolvendo as propostas teóricas e a prática pedagógica.

Segundo ela, "a questão da relação entre os processos de desenvolvimento e de aprendizagem é central no pensamento de Vygotsky. Sua posição é essencialmente genética: procura compreender a gênese, isto é, a origem e o desenvolvimento dos processos psicológicos. Sua abordagem genética desdobra-se nos níveis filogenético (desenvolvimento da espécie humana), sociogenético (história dos grupos sociais), ontogenético (desenvolvimento do indivíduo) e microgenétíco (desenvolvimento de aspectos específicos do repertório psicológico dos sujeitos), os quais interagem na construção dos processos psicológicos. Sua preocupação com o desenvolvimento é, pois, uma constante em seu trabalho) marcando claramente sua abordagem sobre os _ fenômenos psicológicos. Afirma Kohl que dada a importância que Vygotsky atribui à dimensão sócio-histórica do funcionamento psicológico e à interação social na construção do ser humano, o processo de aprendizagem é igualmente central em sua concepção sobre o homem.

Ou seja, ao lado da postura genética que fundamenta seu interesse pelo desenvolvimento sua abordagem específica sobre o desenvolvimento, que leva em conta a inserção do homem em um ambiente histórico e cultural, fundamenta a ênfase que dá à aprendizagem dentro de sua teoria.

Em se tratando de Vygotsky aprendizagem está relacionada ao desenvolvimento desde início da vida humana, sendo "um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas" (Vygotsky; 1984) .

O percurso de desenvolvimento do ser humano é, em parte, definido pelos processos de maturação do organismo individual, pertencente à espécie humana, mas é a aprendizagem que possibilita o despertar dos processos internos.

O conceito original de Vygotsky não se refere apenas à aprendizagem ou ao ensino, mas um processo global de relação interpessoaI que envolve alguém que aprende, alguém que ensine a própria relação ensino-aprendizagem.

São três as ideias básicas de' Vygotsky:1) desenvolvimento psicológico deve ser olhado de maneira

prospectiva, isto é, para além de momento atual, com referência ao que está por acontecer na trajetória do indivíduo. O conceito de zona de

desenvolvimento proximal, talvez o conceito específico de Vygotsky mais divulgado e reconhecido como típico de seu pensamento, está estreitamente ligado (postulação de que o desenvolvimento deve ser olhado prospectivamente: marca com mais importantes, no percurso de desenvolvimento, exatamente aqueles processos que estão embrionariamente presentes no indivíduo, mas ainda não se consolidaram. A zona de desenvolvimento proximal é, por excelência, o domínio psicológico da constante transformação. Em termos de atuação pedagógica, essa postulação traz consigo a idéia de que o papel explícito do professor de provocar nos alunos avanços que não ocorreriam espontaneamente consiste exatamente em uma interferência na zona de desenvolvimento proximal dos alunos. O único bom ensino, afirma Vygotsky, é aquele que se adianta ao desenvolvimento. .

2) os processos de aprendizado movimentam os processos de desenvolvimento. A relação entre os processos de desenvolvimento e de aprendizado é central no pensamento de Vygotsky: a trajetória do desenvolvimento humano se dá "de fora para dentro", por meio da internalização de processos Interpsicológicos. As metas e os processos de desenvolvimento do indivíduo humano, o qual jamais existe enquanto tal rara de um grupo cultura específico, são sempre definidos culturalmente. Um ser humano que passe toda a sua vida no interior de um grupo cultural ágrafo, por exemplo, jamais será alfabetizado. Mesmo possuindo todo o aparato físico da espécie que possibilita aos seus membros o aprendizado da leitura e da escrita.

3) finalmente, a importância da atuação dos outros membros do grupo social na mediação entre cultura e indivíduo e na promoção dos processos inter-psicológicos que serão posteriormente internalizados.

Outro ponto abordado por Kohl é a questão da alfabetização. Segundo ela, "é importante, no presente contexto, que se discuta

brevemente algumas questões referentes aos processos de aquisição da língua escrita. As idéias de Vygotsky, particularmente relevantes para a educação, subsidiam claramente sua concepção sobre o processo de alfabetização.”

A escrita continua, sistema simbólico que tem um papel mediador na relação entre sujeito e objeto de conhecimento, é um artefato cultural que funciona como suporte para certas ações psicológicas, isto é, como instrumento que possibilita a ampliação da capacidade humana de registro transmissão e recuperação de ideias, conceitos, informações.

Continuando Kohl, a escrita seria uma espécie de ferramenta externa, que estende a potencialidade do ser humano para fora de seu corpo: da mesma forma que ampliamos o alcance do braço com o uso de uma vara, com a "escrita ampliamos nossa capacidade de registro,

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de memória e de comunicação,Existe uma diferença significativa entre a concepção de Ferreiro e

a de' Vygotsky sobre alfabetização.Ferreiro centra na natureza interna da escrita enquanto sistema

Vygotsky e Luria centra-se nas funções desse sistema para seus usuários.

Kohl afirma que Luria trabalha com a criança da fase pré-silábica de Ferreiro, isto é, com a criança que ainda não percebeu que a escrita representa o som da fala.

Lúcia propõe uma sequência para o processo de aquisição da escrita pela criança, que se refere justamente ao domínio do modo de utilização do sistema de escrita e de sua função. Inicialmente, a criança passa por uma fase de imitação da escrita, do formato externo da escrita: faz rabiscos imitam fisicamente a escrita do adulto, sem nenhum valor instrumental. Isto é, quando a criança for solicitada, em um momento posterior, a lembrar-se do que escreveu, sua escrita não terá nenhuma utilidade, não a auxiliando na tarefa de recuperação da informação originalmente registrada.

Em uma segunda fase, a criança passa a utilizar o que Luria chama de "marcas topográficas” registros gráficos distribuídos pelo papel, cuja posição no espaço poderá auxiliar na “leitura” posterior dessa escrita. A criança procura associar o lugar onde fez as marcas com o conteúdo do registro, evidenciando, assim, maior compreensão da escrita como instrumento auxiliar da memória.

A seguir, a criança passa a produzir uma escrita claramente relacionada ao conteúdo da fala a ser registrada, fazendo diferenciações de acordo com o tamanho, a quantidade, a forma ou a cor do referente.

Assim, por exemplo, uma marca bem preta pode ser utilizada para representar a escuridão do céu; vários tracinhos podem indicar "muitas formigas” em oposição a uma formiga, representada por um tracinho isolado; um quadrado grande pode lembrar um cachorro, contrastado com um quadrado pequeno que é seu filhote.

Depois dessa fase, a criança será capaz de utilizar representações pictográficas como forma de escrita, produzindo desenhos simplificados para registrar diferentes conteúdos da fala, garantindo assim, a recuperação da informação em momentos posteriores.

Em segundo lugar, afirma Kohl, é fundamental que as duas interpretações sobre o processo de aquisição da escrita sejam confrontadas com dados de pesquisas contemporâneas, que contribuam para a recontextualização das teorias tendo em vista a condição dos diferentes grupos de crianças que enfrentam a tarefa de dominar o sistema de escrita. E interessante investigar, por exemplo, se a criança a urbana contemporânea passa ou não pelas fases propostas por Luria.

Ele desenvolveu seu trabalho com crianças russas do final da década de 1920, e é razoável supor que o contato que uma criança pequena tinha com a escrita nesse momento, nesse local, fosse muito diferente daquele possível em uma cidade como São Paulo, hoje.

Se, afirma Kohl, "do ponto de vista de Vygotsky, para haver desenvolvimento tem de haver aprendizagem e para haver aprendizagem, especialmente de funções psicológicas superiores em que a cultura é de fundamental importância, é necessário que haja intervenção, no que diz respeito à questão específica da alfabetização, por um lado o desenvolvimento das capacidades de leitura e escrita se apóia na imersão da criança em uma sociedade letrada, em sua participação em um mundo que utiliza a palavra escrita.

Por outro lado, esse desenvolvimento se apóia fortemente em processos de intervenção deliberada, que ocorrem tipicamente na escola, para que a criança possa dar o salto qualitativo necessário à apreensão do sistema completo, sua estrutura, usos e funções."

CAPíTULO III O ENSINO E O APRENDIZADO ESCOLARDelia Lerner

Muitos consideram Piaget e Vygotsky antagônicos.Lerner explica que a oposição é colocada nos seguintes termos:

- os piagetianos colocam em primeiro plano o desenvolvimento operatório ou o funcionamento cognitivo geral;

- os vygotskianos centram-se na transmissão dos conteúdos escolares, isto é, dos saberes culturais.

- os piagetianos enfatizam a produção individual do conhecimento

- os vygotskianos atribuem grande importância à construção social

- os piagetianos minimizam a.intervenção docente- os vygotskianos consideram esta intervvenção fundamental

para a aprendizagem.Segundo Lerner, "construir conhecimento novo no marco de uma

teoria científica é algo muito diferente de aplicar um dogma, é realizar um trabalho crítico permanente para detectar lacunas ou contradições, é apoiar-se no saber já elaborado para penetrar em domínios inexplorados. Assim o entenderam aqueles que, ao empreenderem a análise do fator social do desenvolvimento cognitivo, não só ressaltaram mecanismos que ainda não tinham sido revelados, mas também questionaram algumas propostas prévias e abriram o caminho para a sua superação”.

Em seguida, a autora analisa algumas afirmações:a) Ensinar é colocar problemas a partir dos quais seja possível

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reelaborar os conteúdos escolares. Segundo ela, duas condições são essenciais: deve ter sentido no campo de conhecimento dos alunos, porém não deve ser resolúvel só a partir dos conhecimentos que as crianças já possuem. Em outras palavras, uma situação problemática tem de permitir que os alunos ponham em prática os esquemas de assimilação que já construíram e interpretem-na a partir dos mesmos, porém estes conhecimentos prévios não devem ser suficien-tes para resolvê-la: a situação deve exigir a construção de novos conhecimentos ou de novas relações entre os já elaborados. Também é conveniente que o problema seja rico e aberto, que coloque os alunos diante da necessidade de tomar decisões, que Ihes permita escolher procedimentos ou caminhos diferentes (Douady, 1986; Inhelder, 1992).

b) Ensinar é fornecer toda a informação necessária para que as crianças possam avançar na reconstrução do conteúdo sobre o qual estão trabalhando. A informação, às vezes é oferecida diretamente e outras vezes recorrendo a material escrito; em alguns casos, pode assumir a forma de uma pergunta e, em outros, adota a de um contraexemplo destinado a questionar um excesso de generalização. Dessa maneira, em face de uma produção infantil que pretende ser uma notícia, porém omite o título, o professor pode frisar "temos que colocar um título porque todas as notícias o possuem", ou pode sugerir "olhe como começam as noticias que lemos estes dias e compare com o começo da sua, uma pergunta como "qual é a relação entre este parágrafo e o seguinte?" - por exemplo. Do nosso ponto de vista, continua Kohl, é indubitável que a função do professor é oferecer a informação necessária para as crianças avançarem na construção do conhecimento. A única informação que o professor não dará - precisamente porque se trata de os alunos construírem o conhecimento - é a que corre o risco de obstaculizar o processo construtivo, de impedir que as crianças elaborem suas próprias estratégias para resolver o problema colocado.

c) Ensinar é favorecer a discussão sobre os problemas formulados, é oferecer a oportunidade de coordenar diferentes pontos de vista, é orientar para a resolução dos problemas colocados. Para a autora, é evidente a importância que têm, para a formação de usuários competentes da língua escrita, as diferentes situações que o trabalho de grupo põe em jogo: não se trata apenas da confrontação entre diferentes hipóteses sobre a natureza do sistema de escrita, mas também das discussões vinculadas às distintas interpretações dos textos lidos, do intercâmbio de informações sobre diversos aspectos do sistema de escrita e da linguagem escrita, das conversações que levam a planejar o que será escrito, da coprodução de textos, da revisão conjunta dos textos produzidos, do trabalho conjunto para compreender

textos difíceis.d) Ensinar é incentivar a formulação de conceitualizações

necessárias para o progresso no domínio da língua escrita, é promover redefinições sucessivas até atingir um conhecimento próximo ao saber socialmente estabelecido. Segundo Kohl, em primeiro lugar, trata-se de sistematizar os conhecimentos sobre os quais foi realizado um trabalho em diferentes situações. Cada vez em que um texto é produzido ou revisado,- por exemplo, discutem-se entre muitas outras questões problemas referentes à ortografia literal, à acentuação, à pontuação. Esses problemas, que apareceram com o uso da língua escrita, originaram discussões e levaram à tomada de decisões específicas para questões também específicas: em certos casos, decidiu-se colocar um "ponto, na mesma linha" e, em outros, uma vírgula ou um "ponto e parágrafo", porque isso era exigido no contexto.

e) Ensinar é fazer com que as crianças coloquem novos problemas que não tenham sido levantados fora da escola. Segundo ela, além de devolver às crianças a possibilidade de elaborar respostas para os problemas colocados pelos outros-, devemos restituir-lhes o direito de formular novas perguntas. As novas interrogações surgem ao longo do processo. Ao tentar resolver o problema colocado pelo professor - escrever uma noticia, por exemplo - os alunos colocam-se subproblemas referentes a aspectos especificas (escrevo o título antes ou depois do resto? No corpo da notícia deve ser repetida a informação colocada na chamada?) ou perguntam-se sobre a relação entre este tipo de texto e outros (estou olhando o editorial, será que isso servirá? Será que as notícias e os editoriais são escritos da mesma maneira?); as informações proporcionadas pelo professor e as discussões com os colegas também originam o aparecimento de novos problemas; a sistematização dos conhecimentos que foram sendo elaborados nas situações de uso da lín-gua escrita, ao organizar o que se sabe e diferenciá-la daquilo que ainda não foi suficientemente compreendido, também constitui uma fonte de problemas, permite interrogar-se sobre possíveis relações que antes não tinham sido percebidas.

Por outro fado, conclui Kohl, "quando as perguntas dos alunos ocupam um lugar na sala de aula, eles costumam surpreender-nos com inquietações que abrem novos caminhos para a reconstrução dos conteúdos que estão sendo trabalhados."

CAPÍTULO IV SOBRE A NECESSÁRIA COORDENAÇÃO ENTRE SEMELHANÇAS E DIFERENÇASEmília Ferreiro

O objetivo do trabalho é esclarecer as semelhanças e a diferenças entre a visão do desenvolvimento da escrita na criança

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apresentada por Luria e Vygotsky e a visão desse mesmo desenvol-vimento resultante dos próprios trabalhos da autora.

Segundo ela, Luria realizou a pesquisa com crianças neste campo mas em menor medida, enquanto que a síntese apresentada por Vygotsky, que apóia os resultados e interpretações de Luria, inclui este desenvolvimento em um marco mais amplo.

Para Ferreiro "a difusão no Ocidente do texto de Luria sobre o desenvolvimento da escrita na criança” - texto de i 929 - suscitou um amplo movimento de admiração. Muitas de suas ideias coincidem com as de Ferreiro, especialmente no que se refere a história da escrita na criança que começa muito antes da primeira vez em que o professor coloca um lápis em sua mão e lhe mostra como formar letras.

Para a autora, “a comparação mais óbvia entre os achados de Luria e os nossos reside na consideração da quantidade de níveis evolutivos distinguidos e no modo de distingui-los”. Isto foi o que fizeram, no Brasil, Rocco (1990) e Setúbal (1993). Entretanto, no meu ponto de vista, o mais importante a ser comparado não reside ali.

As diferenças entre Luria (1929) e Ferreiro (1979) situam-se no nível das perguntas que guiam a experimentação- Ambos têm perguntas que Ilhes permitem ver "algo novo" nas produções infantis. Porém não são as mesmas perguntas.

Para Luria e Vygotsky, a escrita é uma técnica sociocultural importantíssima que, depois de aprendida, afeta as funções psíquicas superiores. Luria pergunta-se sobre os mecanismos de apropriação dessa técnica, criada pela humanidade para cumprir duas funções fundamentais: uma função mnemônica e uma função de comunicação.

Luria afirma: "Um adulto escreve algo se ele quiser lembrar-se dele ou transmiti-lo aos outros. As atitudes de grupo desenvolvem-se bastante tarde na criança; portanto esta segunda função daí escrita não aparece quando ela ainda se encontra em seus estágios embrionários”.

Luria cita para sustentar que a função comunicativa da escrita não pode aparecer "nos seus estágios embrionários” - Piaget em Linguagem e Pensamento.

Observe, comenta Ferreiro, "inclusive nas mãos de um leitor tão competente como Luria, Piaget começa a desempenhar um dos papéis mais contraproducentes, o papel que o Piaget pesquisador nunca tentou desempenhar, nem no terreno educacional nem no psicológico: o de criar "proibições", o de ressaltar "o que uma criança não pode fazer".

É claro, continua Ferreiro, que Piaget analisou com a maior atenção as limitações de certo nível de desenvolvimento, porém só depois de ter indicado seus êxitos com relação a um nível precedente. Obras como Nascimento da inteligência e A construção do real são exemplos deste duplo movimento com o qual é analisada cada nova aquisição: os êxitos

com relação à etapa precedente; as limitações no tocante à(s) subsequente(s).

Segundo Ferreiro, é importante observar que esse é precisamente, o modo de proceder de' Luria no caso da escrita: Luria esforça-se por ver cada nível distinguido como "positivo" e como "negativo" ao mesmo tempo.

Assim, no enfoque de Luria, a escrita possui duas funções: mnemônica e comunicativa. Dado que a função comunicativa não estaria ao alcance das crianças pequenas, cabe apenas estudar função mnemônica.

Mas observem bem, cita Ferreiro: Luria não trata de identificar que funções a escrita poderia cumprir do ponto de vista de um sujeito em desenvolvimento. Pelo contrário, trata de observar como a criança assume as funções que um adulto atribui à escrita. Em outros termos, como ela chega a utilizar apropriadamente a escrita, em contextos onde também os adultos a utilizariam, para garantir uma recordação exata de um enunciado linguisticamente codificado.

O funcional, portanto, está subordinado à ideia instrumental da escrita.

Ferreiro não coloca as mesmas perguntas. Não caracteriza a escrita como uma técnica, mas sim como um objeto, como um modo particular de existência no contexto sociocultural Quer saber que tipo de objeto é a escrita para uma criança em processo de desenvolvimento. Considera-a um objeto em si, apto para uma indagação epistemológica. Não pensa que seja, a priori, um instrumento ou uma mera técnica. Por isso não atribui apressadamente à escrita as funções que essa cumpre no adulto.

Além disso, comenta Ferreiro, como o objetivo manifesto da experimentação era "acelerar o processo" e fazer a criança passar dos grafismos indiferenciados a "uma atividade gráfica diferenciada", Luria descobre que a introdução de referências numéricas nas orações propostas para ser recordadas, bem como a menção de objetos que podiam ser desenhados facilmente, aceleravam a passagem à assim chamada "pictografia".

Aqui também existem diferenças sensíveis com Ferreiro (1979), que não tenta acelerar o processo - mal poderia nessa época tratar de acelerar um processo que desconhece, mas sim inferir, através das produções infantis, a maneira pela qual as crianças concebem a escrita.Ferreiro se questiona como poderia acelerar um processo desconhecido? Existem duas maneiras de fazer isso:

1) definir um nível ou estágio final que deve ser alcançado o quanto antes e independentemente das Interpretações infantis sobre o objeto desse aprendizado;

2) definir também as etapas desse processo em função de um

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modelo externo.Conforme essa última interpretação, “acelerar o processo” não

consiste em obter quanto antes o nível final, mas sim aqueles níveis definidos como '”superiores", em uma sequência evolutiva, pelo modelo externo.

Acreditamos que seja correto atribuir essa segunda interpretação ao pensamento de Luria (a primeira é mais próxima do comportamentalismo).

Luria observa que certas características do conteúdo das frases apresentadas para ser recordadas ajudam a passar dos rabiscos à assim chamada "pictografia": referências quantitativas e substantivos que podem ser desenhados facilmente.

Isso acelera o processo, se - e apenas se - considerarmos que a passagem de formas gráficas não icônicas para as formas gráficas icônicas é um passo necessário na aquisição da escrita. Naturalmente, Luria não nos dá nenhuma evidência psicológica de tal passo necessário.

De qualquer forma acaba nos deixando na mais absoluta escuridão no tocante à passagem do pictográfico para o alfabético. No texto de 1930, a passagem para esse último período é apresentada de maneira brusca, por intervenção de um novo agente cultural.

Uma marcante diferença entre Luria (1930) e Ferreiro (1979 e posteriores) situa-se neste ponto: para Luria o ingresso à instituição escolar criaria por si mesmo, uma ruptura com os conhecimentos prévios; para Ferreiro, o ingresso à instituição escolar interage com as concepções prévias das crianças, não determinando automaticamente uma passagem de nível conceitual. Ferreiro (1982, 1983) foi capaz de demonstrar isso; Luria nem sequer tentou indagar de que maneira as concepções prévias interagiam com o ensino escolar.

Outra diferença importante entre Luria (1929) e Ferreiro (1979 e seguintes) é esta: Luria falade duas etapas nas quais existe uma substituição de uma técnica por outra.

Isso é particularmente importante, afirma Ferreiro, porque a ideia de substituição parece totalmente oposta à de construção.

Ferreiro salienta que "em 1979, acreditávamos que a história da escrita na humanidade já "estava escrita", enquanto a história da escrita no desenvolvimento da criança estava "sendo escrita".

Atualmente, a situação mudou de maneira notável.A produção acadêmica sobre problemas de história da escrita

aumentou muito e também se diversificou com a contribuição de profissionais das mais variadas origens.

Por outro lado, o aumento das peças disponíveis a partir de escavações, bem como uma maior precisão nos instrumentos de datação das mesmas, obrigaram a revisar algumas das Interpretações

mais difundidas.Considero, diz Ferreiro, "que não é exagerado afirmar que estamos

assistindo ao surgimento de um campo multidisciplinar que ainda não tem nome nem localização clara dentro das disciplinas acadêmicas."

O único aspecto que considerarei por ser relevante para esta discussão é o referente à origem pictográfica da escrita.

Recentemente, enfatizou-se uma distinção que, após a sua enunciação, aparece como fundamental: não confundir a história das marcas gráficas com a história dos sistemas de marcas linguisticamente interpretados.

Os elementos com os quais um sistema notacional é construído podem ter a mais variada origem, pois o homem foi produtor de marcas antes de ser capaz de inventar sistemas de marcas. O aparecimento da escrita não suprime as marcas pictóricas, porque as mesmas serviram e continuam servindo para outras finalidades. O que dizer, então, sobre as histórias repetidas em todos os livros de divulgação que tratam da evolução da escrita e que nos apresentam, por exemplo, a evolução, do desenho da cabeça de boi, sua estilização e finalmente a letra grega alta, posteriormente convertida na nossa A?

A resposta é simples, garante Ferreiro: a história das grafias individuais é uma coisa, a dos sistemas de escrita é outra.

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FREITAS, Luiz Carlos de. Ciclos, Seriação e Avaliação: Confrontos de Lógicas, SP, Moderna, 2003.

1. A LDB no seu artigo 23 direciona a escolarização formal em ciclos:Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em séries anuais,

períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade,na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.

O autor expõe as experiências da prefeitura de Belo Horizonte e da Secretaria de Educação de São Paulo que em 94 iniciou o processo de progressão continuada: Tais experiências colocam os limites, as possibilidades e desacertos destas novas propostas bem como a política pública que norteia a implantação da nova organização escolar; a prática de avaliação adotada dentro da nova proposta gerou debates sobre a avaliação.Segundo o autor a diferenças entre estas duas experiências; ele diferencia a partir dos exemplos de BH e São Paulo duas formulações que são chamadas de ciclos mas, que no seu entender não deveriam sê-lo: trata-se da diferença entre a estratégia de organizar a escola por círculos de formação que se baseiem em experiências socialmente significativas para a idade do aluno e de agrupar series com o propósito de garantir a progressão continuada do aluno; a primeira exige uma proposta global de redefinição de tempos e espaços da escola , enquanto a segunda é instrumental – destina-se a viabilizar o fluxo e alunos e tentar melhorar suas aprendizagem com medidas de apoio ( reforço, recuperação).O autor apresenta no primeiro capitulo a discussão sobre a lógica da escola mostrando que a progressão continuada não investe em grandes avanços na significação educacional, mas continua a exclusão e a submissão; mostra a lógica da avaliação formal que pode levar o aluno a reprovação. Em seguida mostrar a importância da redefinição da escola em ciclosA lógica da escolaA escola atual usa várias terminologias para definir o processo educativo: ciclos, promoção automática, progressão continuada, etc.Para o autor o espaço mais importante da escola é a sala de aula e o tempo é da seriação das atividades dos anos escolares; segundo os liberais, a escola tem que ensinar tudo a todos igualmente (equidade).

Segundo a visão liberal a escola tem a sua eficácia na equidade., não levando em conta o nível socioeconômico todos devem aprender em um nível elevado. Já os socialistas, embora concordam com a aprendizagem aplicada em um nível elevado de domínio, tem um olhar critico e acreditam que a escola deve lutar pela eliminação dos desníveis sociais e culturais.De acordo com autor a escola brasileira está longe de ensinar tudo a todos porque a hierarquia econômica que existe fora dela, impede isso.; precisa-se saber o que é desejo e o que a realidade apresenta.A unificação do tempo de aprendizagem diferencia o desempenho dos alunos, pois os alunos têm ritmos diferentes de aprendizagem; quando se quer unificar aprendizagens é necessário alterar o tempo desta, pois é preciso o respeito pelo tempo que cada aluno leva para aprender; neste caso, o acompanhamento pedagógico também precisa ser diferenciado.A diferenciação entre progressão continuada e promoção automática, enfatizada nos textos oficiais é assim apresentada:- Na progressão a criança avança em seu percurso escolar em razão de ter se apropriado, pela ação da escola, de novas formas de pensar, sentir e agir.-Na promoção automática a criança permanece na unidade escolar, independentemente de progressos terem sidos alcançados.A escola do Estado de São Paulo baseou-se na progressão continuada, reunindo da 1ª à 4º série e um único módulo e da 5ª à 8º em outro módulo.Para o autor a escola eficaz seria aquela que ensina o conteúdo, prepara o estudante – cidadão para a autonomia e para a auto-organização para intervenção da sociedade com vistas a torná-la mais justa no sentido da eliminação da exploração do homem pelo homem. Tudo depende de que fins atribuiremos à ação da escola

2- A lógica da avaliação

No processo avaliativo devem estar intrínsecos três componentes:1- Institucional – é mais conhecido e propõe avaliar o domínio de

habilidades e conteúdos apresentados em provas2- Comportamento – é por este componente que se avalia se o professor

controla o aluno; na implantação dos ciclos se esquece do poder do professor de aprovar ou de reprovar, não se cria estruturas de poder na sala de aula; por isso muitas vezes o educador lança a mão de outras maneiras de controle.

3- Valores e atitudes - em que o aluno é exposto a repressões verbais e físicas, estabelecendo a lógica da submissão.

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Para o autor a avaliação ocorre em dois planos:a- avaliação formal – provas que levam a notasb- avaliação informal- juízos de valores, que não aparecem, mas

influenciam notas das avaliações finais; esse juízos se formam através da interação professor aluno

4- Alógica dos ciclos

Enquanto nova proposta, os ciclos procuram mudar a lógica e a avaliação da escola seriada; sem excluir a avaliação informal ou formal, procura redefinir seus propósitos, junto com o reforço e recuperação paralela.Partindo do conceito de ciclos é preciso que se incorporem na organização social novas exigências para o sucesso e a superação da lógica da exclusão e submissão.A experiência de BH e da Prefeitura municipal de São Paulo orienta o professor fornecendo-lhe parâmetros norteadores da prática pedagógica, sendo eles: As diferentes faces do desenvolvimento humano do aluno, as características de cada um e suas experiências socioculturais.Os ciclos de formação constituem uma nova concepção de escola para o ensino fundamental, na medida em que encara a aprendizagem como um direito da cidadania propõe o agrupamento dos estudantes onde crianças e adolescentes são reunidos por suas faces de formação: Infância ( 6 a 8 anos); pré-adolescência (9ª 11) e adolescência (12 a 14 ).Os educadores formam coletivos por ciclo, sendo que responsabilidade pela aprendizagem no ciclo é sempre compartilhada por um grupo de docentes e não de forma individual.O autor cita experiência russa em redefinir a escola, com temas como:a- Formação na atualidade o aluno deve interagir com a s contradições do seu tempo, aumentando gradualmente forças que o levará à superação da sociedade capitalista; os ciclos devem se estruturar para que as vivências sociais estejam ligadas a realidade social do seu tempob- auto-organização do estudante: Aprendizagem não pode ser baseada na subordinação e isso só pode ser possível quando o trabalho coletivo e a solidariedade são valorizados e colocados como alavancas da aprendizagem.É preciso que os ciclos alterem, além dos tempos e espaços, o poder que estão neles inseridos; os estudantes devem ter voz e voto.Os ciclos devem se abrir para a vida real e não se separa da realidade social vigente; a avaliação deve ser vista como resultado das relações entre professores e alunos, pais e dirigentes das escolas.

O currículo deve ser baseado em temas que são dinâmicos construídos pelos professores e cujo método deve ser uma grande inter-relação entre vida real da sociedade em que vive levando-se em consideração a idade e os interesses dos alunos.Par o autor os ciclos não podem constituir-se em mera solução pedagógica visando a seriação – são instrumentos de desenvolvimentos de soluções sociais de antagonismo com as relações sociais vigentes. Portanto, devem ser vistos como instrumentos de resistência professores, pais e estudantes; devem compreender adequadamente a função dos ciclos e deixar de velos de ângulo exclusivamente metodológico – pedagógico. Devem vê-los como instâncias políticas de resistência à escola convencional e que junto aos movimentos sociais avançados irá ajudar a confirmar uma nova sociedade, na qual homens não sejam exploradores de homens

A LÓGICA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Pais e professores precisam atuar juntos, a fim de garantir o sucesso dos ciclos.As políticas públicas que querem os ciclos ou a progressão continuada são importantes para a implantação dos novos processos e não podem ficar de fora. Existem políticas que querem o envolvimento dos professores e pais no processo, outros já atuam mais verticalmente.

PROGRESSÃO CONTINUADA CICLOS

Projeto histórico conservador de otimização da escola atual, imediatista e que visa ao alinhamento da escola às necessidades da reestruturação produtiva.

Projeto histórico transformador das bases de organização da escola e da sociedade de médio e longo prazo, que atua como resistência e fator de conscientização, articulação aos movimentos sociais.

Fragmentação curricular e metodológica que no máximo prevê a articulação artificial de disciplinas e série (temas transversais, por exemplo)

Novidade curricular e metodológica de estudos em torno p de aspectos da vida, respeitando as experiências significativas para a idade (ensino por complexos, por exemplo)

Conteúdo preferencialmente cognitivo e verbal

Desenvolvimento multilateral, baseado nas experiências de vida e na pratica social.

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Aponta para a alienação, individualismo do aluno, aprofundando relações de poder verticalizadas na escola.

Favorece a auto-organização do aluno, o trabalho coletivo e a cooperação no processo, criando mecanismos de horizontalização do poder na escola.

Treinamento do professor; preparação do pedagogo como especialista distinto do professor (e vice-versa), com o fortalecimento da separação entre o pensar e o fazer no processo educativo.

Formação do professor em educador

Uso de tecnologias para substituir o professor e/ou acelerar os tempos de estudo

Subordinação das tecnologias a professor, com a finalidade de aumentar o tempo destinado pela escola à formação crítica do aluno

Sistema excludente e/ou hierarquizador (auto exclusão pela inclusão física da escola)

Educação como direito de todos e obrigação do estado

De responsabilização da escola pelo ensino. Terceirização/privatização

Educação em tempo integral

Retirada da aprovação do âmbito profissional do professor, mantendo inalterada a avaliação informal com característica classificatória.

Ênfase na avaliação informal com finalidade formativa e ênfase no coletivo como condutor no processo educativo

“Avaliação formal” externa do aluno e do professor (de difícil utilização local) como controle

A avaliação compreensiva, coletiva e com utilização local

Avaliação referenciada em conteúdos instrutivos de disciplinas padronizados em habilidades e competências

Avaliação referenciada na formação e no próprio aluno, ante os objetivos da educação e a vida (formação mais instrução)

As políticas públicas que se formam verticalizadas oferecem informações que dificultam o uso local, pois usam padrões genéricos de qualidade que serão medidos por meios classificatórios centrais, não considerando as relações que existem entre os resultados que foram

atingidos com as condições oferecidas. É mito mais eficiente quando a escola tem um resultado real de sua posição, lutando dentro dela para chegar a um patamar superior, através da análise local dos resultados e condições que lhe foram oferecidas.

A nova organização denominada “ciclos” tem sido criticadas por ser avaliada como incapacitada de ensinar as disciplinas mais tradicionais. Tem-se dado a responsabilidade do processo, de manter crianças analfabetas na escola; realmente os ciclos mantêm o aluno com dificuldades na sala de aula; ele não é excluída dela, o educando fica na escola denunciando a qualidade do sistema e tendo a oportunidade de ser recuperado em séries posteriores.A repetência e a evasão sob a visão neoliberal geram gastos ao estado; conclui-se que não é apenas uma questão da qualidade do ensino, mas o lado econômico, custo beneficio., que está em questão; o lado humano, formativo fica em segundo plano.

O modo de i n te rp re ta r a i n te rd i sc ip l i na r idade cons t ró i -se a pa r t i r do modo como cada um vê o mundo, da sua vivência, do seu envolvimento, etc.O caminho in te rd i sc ip l i na r é amp lo no seu con tex to e nos reve la um quadro que precisa ser redefinido e ampliado. Tal constatação nos induza re f l e t i r sob re a necess idade de p ro fesso res e a lunos t raba lha rem unidos, se conhecerem e se entrosarem para, juntos, vivenciarem uma ação educativa mais produtiva.O papel do professor é fundamental no avanço construtivo do aluno. É ele, o professor, quem pode captar as necessidades do aluno e o que a educação lhe proporcionar. A interdisciplinaridade do professor pode envolver e modificar o aluno quando ele assim o permitir.Interdisciplinaridade como um projeto de envolvimento que parte do individual para o coletivo.

Capítulo 5 – Introduzindo a noção de interdisciplinaridadeSandra Lúcia FerreiraPossibilidades quanto à apreensão do termo, que, depois de entendido como a t i tude , se rv i rá de i ns t rumento pa ra as rea i s t rans fo rmações emancipatórias.Na construção do conhecimento a integração das muitas ciências não garante a sua perfeita execução. A interdisciplinaridade surge, assim, c o m o p o s s i b i l i d a d e d e e n r i q u e c e r e u l t r a p a s s a r a i n t e g r a ç ã o d o s elementos do conhecimento.

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A interdisciplinaridade perpassa todos os elementos do conhecimento, pressupondo a integração entre eles. Porém, é errado concluir que ela é s ó i s s o . A i n t e r d i s c i p l i n a r i d a d e e s t á m a r c a d a p o r u m m o v i m e n t o interrupto, criando ou recriando outros pontos para a discussão. Já na ideia de integração, apesar do seu valor, trabalha-se sempre com os mesmos pontos, sem a possibilidade de serem reinventados. Busca-se novas combinações e aprofundamento sempre dentro de um mesmo grupo de informações.Apesa r de não pos su i r de f i n i ção es t anque , a i n te rd i sc ip l i na r idade precisa ser compreendida para não haver desvio na sua prática. A ideia é n o r t e a d a p o r e i x o s b á s i c o s c o m o : a i n t e n ç ã o , a h u m i l d a d e , a to ta l i dade , o respe i to pe lo ou t ro , e t c . O que ca rac te r i za uma p rá t i ca i n t e rd i sc ip l i na r é o sen t imen to i n tenc iona l que e la ca r rega . Não há interdisciplinaridade se não há intenção consciente, clara e objetiva por parte daquelas que a praticam. Não havendo intenção de um projeto, podemos dialogar, inter-relacionar e integrar sem no entanto estamos trabalhando interdisciplinarmente.A ap reensão da a t i tude i n te rd i sc ip l i na r ga ran te , pa ra aque les que a p r a t i c a m , u m g r a u e l e v a d o d e m a t u r i d a d e . I s s o o c o r r e d e v i d o a o exercício de uma certa forma de encarar e pensar dos acontecimentos. Aprende-se com a interdisciplinaridade que um fato ou solução nunca é isolado, mas sim consequência da relação entre muitos outros.

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Ciclos, Seriação e Avaliação: confronto de lógicasFREITAS. Luiz Carlosde. SãoPaulo: Moderna, 2003. 96p.Eiana Nunes da Silva'

Neste livro o professor Luiz Carlos de Freitas discute, dentro da temática da avaliação, os modelos de seriação ou ciclos. Numa exposição clara e bastante didática, analisa em quatro breves capítulos a lógica da escola, a lógica da avaliação, a lógica dos ciclos e a lógica das políticas públicas, colocando o leitor a par dessa polêmica.Ao tratar, no primeiro capítulo, sobre a /lógica da escola, o autor inicia a discussão sobre como se organizam os tempos e os espaços da escola. Sua construção histórica determina a sala de aula como espaço mais importante da produção pedagógica, que se faz no tempo da seriação dos anos escolares. Recupera alguns ideais da educação moderna, como, por exemplo, a máxima liberal de que a escola deve ensinar tudo a todos, de modo que a desigualdade social deve ser compensada com os recursos pedagógicos da escola.Para Freitas, esse ideal, que prevalece até os dias de hoje, constitui o que ele chama de "perspectiva ingênua da equidade", pois a forma como a sociedade está organizada afeta o cumprimento desse papel da escola, o que requer um olhar para a necessidade de eliminação dos desníveis socioeconômicos e da distribuição do capital cultural/social entre os alunos.Ensinar tudo a todos "pode ser o nosso desejo, mas está longe de ser o compromisso social da escola na atual sociedade", diz o autor, pois "há uma hierarquia econômica fora da escola que afeta a constituição das hierarquias escolares - queiramos ou não, gostemos ou não". (p.18)Analisando em alguns autores os antecedentes da concepção de progressão continuada, apresenta o argumento de que "há que se diversificar o tempo de aprendizagem", ou seja, é preciso que cada um avance em seu ritmo, usando todo o tempo que lhe seja necessário. A progressão continuada, instituída no Estado de São Paulo em 1998, agrupou em um módulo as séries de Ia. a 4a. e, em outro módulo, as séries de 5a.a 8a. , sob os argumentos do respeito aos ritmos diferenciados de aprendizagem e da eficácia dos recursos escolares.Nesse ponto o autor problematiza as raízes da avaliação na escola e a própria lógica da escola capitalista. Explica que, na formação social capitalista e no desenvolvimento de suas forças produtivas, a função da escola é preparar rapidamente, em série, recursos humanos para alimentar a produção hierarquizada e fragmentada. Nesse aspecto nos deparamos, então, com os processos de aprendizagem artificiais, pois

ensinar de maneira tradicional (verbal e por série) é mais rápido que por métodos ativos (pesquisa).A forma atual da escola diz respeito às necessidades de preparação de mão de obra do capitalismo: o conhecimento foi partido em disciplinas e distribuído por anos. "Convencionou-se que uma certa quantidade de conhecimento devia ser dominada pelos alunos dentro de um determinado tempo" (p.27).No processo histórico de constituição escolar, a avaliação surge como um "motivador artificial" para a aprendizagem. “O sistema de avaliação resultante em notas tem o sentido de estimular o aluno para os estudos - prender para trocar por nota” (p.28).Conclui o autor que essa é a lógica da escola e que decretos não chegam a afetar a trama do processo educativo. “Não foi o professor quem inventou essa lógica: ela faz parte da própria gênese da escola’ (p.30)”. Para Freitas, a lógica da exclusão e a lógica da submissão se completam: caso as crianças não aprendam o conteúdo escolar, aprenderão a ser submissas, pela escola. "Deixadas ao acaso, sem resistências, essas lógicas usuais se cumprem" (p.39).No segundo capítulo, o autor apresenta a lógica avaliação como aquela que leva a "aprender para mostrar conhecimento ao professor", e não "aprender para intervir na realidade". Elabora três segmentos de avaliação do processo pedagógico que ocorre em sala de aula entre professor e alunos: 1º.) Instrucional: baseia-se na demonstração do domínio de conteúdos e habilidades pelo aluno, através de provas e trabalhos. 2°.) Comportamento: expressa o controle e o poder do professor sobre o comportamento do aluno, visando a obediências. 3°.) Valores e Atitudes: sua avaliação se revelamos momentos em que o professor critica os valores e atitudes do aluno, humilhando-o.Tal explicação evidencia o peso da avaliação informal no processo ensino aprendizagem, como uma categoria importante que desvela mecanismos de exclusão da escola, tão "eficientes" quanto àqueles expressos na falsa neutralidade da avaliação formal.O terceiro capítulo analisa a logicados ciclos, e Freitas afirma: "os ciclos procuram contrariar a lógica da escola seriada e sua avaliação". Só por isso, já devem ser apoiados. Não eliminam a avaliação formal, muito menos a informal, mas redefinem seu papel (...)" (p.5l).. O autor aborda de forma positiva as experiências lançadas pela SecretariaMunicipal de Educação de Belo Horizonte e de Porto Alegre, na implantação dos"ciclos de formação", subdivididos entre infância, pré-adolescência e adolescência.

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Orientando-se pelo tempo de formação do próprio desenvolvimento humano, os parâmetros a serem seguidos pelo professor baseiam-se nas características pessoais e nas vivências socioculturais.O autor acrescenta a essa visão a noção de que os ciclos devem planejar suas vivências, estabelecendo forte vínculo com a realidade social (no sentido de apontar suas contradições). Também se revela a noção do trabalho coletivo e da solidariedade como ancoragem da aprendizagem: "estudantes não 'exploram' o professor, professor não 'explora o estudante e estudante não pode 'explorar' estudante". (p.59). A diferença está no fato de o professor ser mais experiente do que o estudante. "Devolver essa relação à sua naturalidade é algo fundamental como princípio educativo". (p.59)Outra dimensão apontada pelo autor diz respeito à auto-organização dos estudantes. "Ao 're situarmos' a posição do aluno, seremos levados a discutir a posição de todos os atores no processo educativo (...) - a escola deve ser o palco dessa aprendizagem (...)" (p.62), tendo em vista que as relações devem ser horizontalizadas e não baseadas na aprendizagem da subordinação.No quarto capítulo, ao discutir a lógica das políticas públicas, o autor opina que os ciclos não devem ser implantados como política pública que determine sua adoção em massa - as escolas devem ter autonomia para fazer a opção pelos ciclos.Nesse aspecto, o autor critica a implantação da progressão continuada no Estado de São Paulo, pois, nesse sistema, a avaliação assume papel de controle e atua para implementar verticalmente uma política pública.O autor apresenta um quadro esquemático, estabelecendo diferenças entre os princípios e as concepções do sistema de Progressão Continuada (concepção conservadora e liberal) e aqueles dos Ciclos (propostas transformadoras e progressistas). A avaliação do desempenho da escola, em São Paulo, prepara-a para um quase mercado, através dos mecanismos de competição, punição, comparação e premiação.Essa é a visão de qualidade que informa as políticas públicas neoliberais (00')' para monitorar os resultados das escolas de forma quantitativa e genérica (...), criar competição (.00) e reduzir gastos - o modelo é amplamente conhecido e aplicado no campo empresarial. (p.80-8I)Conclui o autor que os ciclos devem ser vistos como um processo de mobilização E tomada de consciência dos reais impedimentos para que os estudantes aprendam, gerados por uma estrutura social injusta.Esta obra do professor Luiz Carlos de Freitas expressa seu valor pela atualidade da temática e pela profundidade das críticas que apresenta sobre a escola, marcada pela generosidade de não culpar

apressadamente o professor pelos problemas surgidos na realidade, sem, no entanto, iludi-lo pelo caminho da inovação alienante, tão presente nos discursos pedagógicos atuais.

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O JOGO DO CONTRÁRIO EM AVALIAÇÃO JUSSARA HOFFMANN, Editora Mediação, 2006 Por Rui Alencar, MILITANTE DA OPOSICÃO ALTERNATIVA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM

Quando ocorre o debate ou quando se levanta esse problema logo vêm à tona questões relacionadas principalmente sobre as precárias e/ou cruéis situações nas salas de aula de todo o país. Isso não é deixado de lado pela autora e não se pode deixar de levar em consideração os desabafos dos professores e também não deixar desconsiderá-los na proposta de reconstrução das práticas avaliativas. É levantado o problema de como se dedicar intensamente a aluno por aluno em situações de 35 a 40 estudantes falantes, barulhentos, curiosos, por vezes agressivos, desinteressados. Em muitas dessas situações acontece o problema da impossibilidade de observar e cuidar de cada um, o olhar vagueia pelo todo abarcando o grupo, na superfície do coletivo e dessa forma desiste-se do envolvimento com cada aluno, será possível avançarmos? Por onde começar? “Há muito a fazer pela aprendizagem de todas as crianças por conta da massificação do ensino, da desvalorização e da falta de formação dos educadores.”. O problema do instrucionismo, do dar conta dos conteúdos, das apostilas, dos inúmeros fazeres e dos compromissos nas escolas, os professores correm atrás do tempo e os estudantes correm atrás dos professores. As aprendizagens ficam para trás. Muitos alunos ficam esquecidos no meio do caminho. Por conta dessa escola preocupada com os conteúdos, com as apostilas, o professor chega onde quer ou onde a escola estabelece que deva chegar, sem ter como saber onde os alunos se encontram de fato, se aprenderem ou não até ali. Assim a escola acaba ficando impedida de buscar, para além da transmissão dos conteúdos. As formas do pensamento, do conhecimento, da percepção, do raciocínio, o exercício da investigação? É importante que se busque um olhar sereno, intenso e dedicado sobre histórias de vida dos alunos e de suas trajetórias individuais de aprendizagem no sentido essencial da mediação. É preciso fazer o exercício de “aprender a olhar” aluno por aluno, conhecendo seu espaço de vida, suas iniciativas, seu fazer de novo, seus afetos e desafetos, dissonâncias, seus piercings e tatuagens, o inusitado tantas vezes. Cada professor deve deixar marcas positivas nos estudantes com os quais interage. Esse é o primeiro ensinamento para iniciar o jogo do contrário. Pensar em cada aprendiz de uma sala de aula, acabando com os anonimatos, valorizando como sujeitos de sua própria história, assumindo o compromisso, como educadores, de

otimizar tempos e oportunidades de aprender. AVALIAÇÃO MEDIADORA EM TRÊS TEMPOS

1. TEMPO DE ADMIRAÇÃO DOS ALUNOS

2. TEMPO DE REFLEXÃO SOBRE SUAS TAREFAS E MANIFESTAÇÕES DE APRENDIZAGEM

3. TEMPO DE RECONSTRUÇÃO DAS PRÁTICAS AVALIATIVAS E/OU DE INVENÇÃO DE ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA PROMOVER MELHORES OPORTUNIDADES DE APRENDIZAGEM

TEMPO DE ADMIRAÇÃO O tempo de admiração não se inicia com o ano letivo, mas antes de o professor iniciar com os alunos, pesquisando nos arquivos das instituições, resgatando suas histórias de vida, a partir de entrevistas com eles, de conversas com seus professores de anos anteriores e familiares, da análise de tarefas e da leitura de registros de avaliação, não somente em relação à escola básica, mas em todas as experiências de vida de jovens e adultos do ensino médio e superior. É preciso que se criem espaços e tempos nas instituições de ensino para que se organizem informações sobre alunos para que os professores analisem e compartilhem suas observações, sem deixar para depois. Com relação às dificuldades dos professores é importante salientar que o caminho para resolvê-las é o diálogo. Porque não há educação sem diálogo, e o verdadeiro diálogo pressupõe retorno, interlocução, reconstrução conjunta das práticas avaliativas. É preciso ter clareza de que as aprendizagens dos alunos são de dimensões diferentes para se realizar um trabalho eticamente responsável. Agressividade, apatia, desinteresse, agitação, ausência, e muitas outras questões não explicam nem justificam problemas de aprendizagem na escola. Em muitos casos que acompanhamos, as condutas dos alunos melhoram sensivelmente à medida que eles avançaram na alfabetização, na escrita, na leitura, nas disciplinas nas quais estavam sendo orientados. O tempo de admirar em avaliação mediadora é o tempo da busca de outro olhar. Um olhar que duvida do próprio olhar, um olhar que duvida sempre da primeira impressão e que alcança o próprio aluno, dialoga com ele, com palavras e silenciosamente, observa à distância sua relação com os outros. Uma escola que não aprofunda o conhecimento sobre suas crianças e jovens, não lhes permite a autoria de pensamento, pois traça expectativas irreais e ilusórias, atribuindo-lhe responsabilidades, deveres em demasia ou aquém de suas potencialidades. O aluno no processo de aprendizagem tem que ter a consciência de se perceber aprendendo e

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de querer aprender mais. Portanto, ele não pode aprender para alguém ou para alguma coisa, mas aprender pelo prazer da curiosidade, da superação intelectual, aprender para si próprio e para a vida. CONSELHOS DE CLASSE: COMPREENDER PARA ENCAMINHAR?

Os conselhos de classe de hoje fazem o trabalho burocrático e de sentenciar os alunos. Deveriam ser espaços onde fossem compartilhadas as interpretações sobre as trajetórias de aprendizagens dos alunos durante o período escolar e assim definir, em consenso ações pedagógicas a serem desencadeadas. TEMPO DE REFLEXÃO O tempo de reflexão referente ao conjunto de ideias, sentimentos e possibilidades de ações futuras que afloram quando o professor para e pensa sobre como os alunos estão se manifestando às tarefas e situações de aprendizagens propostas. Essa reflexão acontece todo tempo em sala de aula: por trás de toda ação do professor há uma “intenção” pedagógica. Mas é importante que se faça conscientemente o “silêncio” que permite refletir. Tornando possível interpretar em termos didáticos, epistemológicos e relacionais as situações de aprendizagens vividas pelos estudantes, transformando as práticas avaliativas em mediadoras, no sentido de serem intencionalmente construídas na direção de seus diferentes interesses e necessidades. Em avaliação mediadora, interpreta-se para compreender e para cuidar que o aluno aprenda. O tempo da reflexão, assim não é o de olhar para trás, explicando o que o aluno não fez, não alcançou ou não sabe, mas o de projetar o futuro, tempo de prospecção. É preciso que na prática avaliativa mediadora no contexto da diversidade, é necessário ir muito além do dar aulas, corrigir tarefas e dar notas. Não se corrigem, nem se somam, mas se interpretam, exigindo, portanto, reflexão séria assegurando uma visão positiva e confiante sobre o aluno.

MEDIAR A MOBILIZAÇÃO?

Avaliar nesse momento é manter-se atento ao interesse de cada um dos alunos nas propostas pedagógicas em andamento, no sentido de refletir e provocar o seu desejo de aprender. A intenção de avaliar na etapa de mobilização não é de analisar se o aluno está aprendendo. Ele está aprendendo em todos os momentos da escola, mas não é essa a maior intenção de o professor estar atento nesse momento. Esse é o tempo de assegurar o interesse dele em aprender, pela organização e manutenção de um ambiente provocativo significativo e adequado às suas possibilidades. O aluno não pode estudar somente para a nota.

MEDIAR A EXPERIÊNCIA EDUCATIVA? Mediar a experiência educativa é acompanhar o aluno em processos simultâneos de apropriar-se de informações e de aprender a buscar novos conhecimentos, em ambientes interativos, de respeito e convívio humanos, refletindo e intervindo criticamente sobre sua postura de colega, de aluno e de aprendiz. O professor deve apontar avanços, devolvendo e comentando tarefas, conversando mediando conflitos. Também assegurar a interação. Se um aluno não se integra a um grupo de trabalho, é papel de o professor organizar outros, variar as turmas, variar os grupos, variar formas de trabalhar com os alunos e nesse sentido os trabalhos em grupo devem acontecer em horário escolar sob a atenção dos professores para que acompanhem a discussões e observemos alunos em interação. Trabalhos em grupo são momentos de argumentação e de troca de ideias, fundamentais à superação intelectual. Quando o estudante é curioso, faz uma série de perguntas ou tentativas para chegar a uma solução e tende a cometer mais erros em seus ensaios, caso esses erros forem dados como “prontos” pelo professor, tomados como resultados finais e o estudante for penalizado de alguma forma por isso, o que ele aprenderá na escola? Que não deve nunca experimentar, tentar, errar, nada. Passará então a ousar menos, a reproduzir mais para acertar mais. As práticas avaliativas tradicionais que se propõe ou recebe um grau ou uma nota classificatória não importando o que o aluno aprendeu o que valem são as notas que tiraram em cada semana de aula, sobre cuja soma total se calcula uma média. Duvidar não é erro. Processos não são resultados. Os instrumentos de avaliação, por si só, não dizem nada. Eles só tem sentido para aquele que os interpreta.

TEMPO DE RECONSTRUÇÃO AVALIAR PARA APROVAR E REPROVAR OU FORMAR PARA AVIDA?

O terceiro tempo da avaliação é o tempo da transformação, do compromisso com a criação, tempo de fazer diferença sobre a vida que desejamos para as futuras gerações. De acordo com Paulo Freire, acreditar nos caminhos da inovação educacional em nosso país, defendendo com seriedade, rigorosamente, mas também apaixonadamente, uma tese, uma posição, uma preferência, estimulando e respeitando, ao mesmo tempo, o direito ao discurso contrário.

AVALIAÇÃO FORMATIVA OU AVALIAÇÃO MEDIADORA?

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Ao avaliar efetiva-se um conjunto de procedimentos didáticos que se estendem sempre por um longo tempo e se dão em vários espaços escolares, procedimentos de caráter múltiplo e complexo tal como se delineia um processo. Dessa forma não se deve denominar por avaliação testes, provas ou exercícios (instrumentos de avaliação). Muito menos se deve nomear por avaliação boletins, fichas e relatórios. A avaliação da aprendizagem envolve e diz respeito diretamente a dois elementos do processo: educador/avaliador e educando/avaliando. Alguém (educando) que é avaliado por alguém (educador). Mesmo que ocorra o problema do número muito grande de alunos na sala de aula, a relação no processo avaliativo vai se estabelecer de forma diferente com cada um deles o professor estará afetando vidas e influenciando aprendizagens individuais e cada aluno irá estabelecer maiores ou menores vínculos intelectuais com cada professor. Todo processo avaliativo deve ter por intenção: Observar o aprendiz, Analisar e compreender suas estratégias de aprendizagem, e Tomar decisões pedagógicas favoráveis à continuidade do processo. É importante que aconteça a mediação no momento em que o educando for avaliado. O avaliador de deve conhecer, compreender, acolher os alunos em suas diferenças e estratégias próprias de aprendizagem para planejar e ajustar ações pedagógicas favorecedoras a cada um e ao grupo como um todo. A avaliação deve ser contínua e evolutiva, não podendo ocorrer por etapas delimitadas. Bimestres, trimestres, semestres, anos letivos, no que se refere aos registros escolares, não podem ser determinantes da sistemática de avaliação. Portanto aplicar vários testes ao longo de um bimestre, mas corrigir todos eles ao final, por exemplo, é um procedimento classificatório. Não apresentando dessa forma um processo de avaliação formativa cujo pressuposto básico é a continuidade do processo de aprendizagem e a intervenção pedagógica desafiadora. Muda-se o jeito de fazer algumas coisas mas não as concepções do professor. A essência da concepção formativa está no envolvimento do professor com os alunos e na tomada de consciência acerca do seu comprometimento com o progresso deles em termos de aprendizagens. A visão formativa parte do pressuposto de que, sem orientação de alguém que tenha maturidade para tal, sem desafios cognitivos adequados, é improvável que os alunos venham adquirir da maneira mais significativa possível os conhecimentos necessários ao seu desenvolvimento, isto é, sem que ocorra o processo de mediação. Para isso, é essencial que aconteça uma postura mediadora do professor que pode fazer toda a diferença em avaliação formativa. AS CONTRIBUIÇÕES DE PIAGET E VIGOTSKI Por fim, a autora destaca as contribuições de Piaget e Vigotski, sem destacar suas diferenças de concepção de mundo. Nesse caso, um complementando o disposto pelo outro.

Segundo os estudos da linha de trabalho de Piaget, se sugere situações educativas que privilegiem desafios cognitivos ao invés do “instrucionismo” que prevalece, hoje, nas salas de aula. O desafio está em propor atividades provocativas aos alunos, desde adequadas às suas possibilidades de desenvolvimento, o que lhes exige, então, um grande conhecimento aos educandos. Segundo os estudos de Vigotsky, o educador não deve levar em conta, como ponto de partida para a ação pedagógica apenas o que o aluno já conhece ou faz, mas, principalmente deve pensar nas potencialidades cognitivas dos educandos, fazendo outros desafios e mais exigentes no sentido de envolvê-los em novas situações de modo a provocá-los permanentemente, à superação cognitiva. Hoffman conclui com a ideia que norteia todo o desenvolvimento do seu livro, de que as escolas hoje agem de uma forma onde a avaliação é para se obter uma nota e sendo assim, o que acontece é que no final do bimestre o aluno recebe uma sentença e não uma avaliação que possibilite o seu processo de aprendizagem.

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PERRENOUD, Philippe . DEZ NOVAS COMPETÊNCIAS PARA ENSINAR – CONVITE À VIAGEM. Porto Alegre, Artmed, 2000.

Resumo: O ofício de professor deve consagrar temas como a prática educativa, a profissionalização docente, o trabalho em equipe, projetos, autonomia e responsabilidades crescentes, pedagogias diferenciadas, e propostas concretas.O autor toma como referencial de competência adotado em Genebra, 1996, para uma formação continua. O professor deve dominar saberes a ser ensinados, ser capaz de dar aulas, de administrar uma turma e de avaliar. Ressalta a urgência de novas competências, devido as transformações sociais existentes.. As tecnologias mudam, o trabalho, a comunicação, a vida cotidiana e mesmo o pensamento. A prática docência tem que refletir sobre o mundo. Os professores são os intelectuais e mediadores, interpretes ativos da cultura, dos valores e do saber em transformação. Se não se perceberem como depositários da tradição ou percursos do futuro, não serão desempenhar esse papel por si mesmos.O currículo deve ser orientado para se designar competências,, a capacidade de mobilizar diversos recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações, etc.) para enfrentar, solucionar uma serie de situações.Dez domínios de competências reconhecidas como prioritárias na formação contínua das professoras e dos professores do ensino fundamental.

1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem.• Conhecer, para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e sua tradução em objetivos de aprendizagem : nos estágios de planejamento didático, da analise posterior e da avaliação.• Trabalhar a partir das representações dos alunos: considerando o conhecimento do aluno, colocando-se no lugar do aprendiz, utilizando se de uma competência didática para dialogar com ele e fazer com que suas concepções se aproxime dos conhecimentos científicos;• Trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem: usando de uma situação-problema ara transposição didática, considerando o erro, como ferramenta para o ensino.• Construir e planejar dispositivos e sequências didáticas;• Envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de

conhecimento.

2. Administrar a progressão das aprendizagens.• Conceber e administrar situações-problema ajustadas ao nível e as possibilidades dos alunos: em torno da resolução de um obstáculo pela classe, propiciando reflexões, desafios, intelectuais, conflitos sócio cognitivos;• Adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino: dominar a formação do ciclo de aprendizagem, as fases do conhecimento e do desenvolvimento intelectual da criança e do adolescente, além do sentimento de responsabilidade do professor pleno conjunto da formação do ensino fundamental;• Estabelecer laços com as teorias subjacentes às atividades de aprendizagens;• Observar e avaliar os alunos em situações de aprendizagens;• Fazer balanços periódicos de competências e tomar decisões de progressão;• Rumar a ciclos de aprendizagem: interagir grupos de alunos e dispositivos de ensino-aprendizagem.

3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação.• Administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turma, com o propósito de grupos de necessidades, de projetos e não de homogeneidade;• Abrir, ampliar a gestão de classe para um espaço mais vasto, organizar para facilitar a cooperação e a geração de grupos multiidades.;• Fornecer apoio integrado, trabalhar com alunos portadores de grandes dificuldades, sem todavia transforma-se num psicoterapeuta;• Desenvolver a cooperação entre os alunos e certas formas simples de ensino mútuo, provocando aprendizagens através de ações coletivas, criando uma cultura de cooperação através de atitudes e da reflexão sobre a experiência.

4. Envolver os alunos em sua aprendizagem e em seu trabalho.• Suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com o saber, o sentido do trabalho escolar e desenvolver na criança a capacidade de auto avaliação. O professor deve ter em mente o que é ensinar, reforçar a decisão de aprender, estimular o desejo de saber, instituindo um conselho de alunos e negociar regras e contratos;• Oferecer atividades opcionais de formação, à lá carte;• Favorecer a definição de um projeto pessoal do aluno, valorizando-os e reforçando-os a incitar o aluno a realizar projetos pessoais, sem retornar isso um pré-requisito.

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5. Trabalhar em equipe.• Elaborar um projeto de equipe, representações comuns;• Dirigir um grupo de trabalho, conduzir reuniões;• Formar e renovar uma equipe pedagógica;• Enfrentar e analisar em conjunto situações complexas, práticas e problemas profissionais.• Administrar crises ou conflitos interpessoais.

6. Participar da administração da escola.• Elaborar, negociar um projeto da instituição;• Administrar os recursos da escola;• Coordenar, dirigir uma escola com todos os seus parceiros (serviços para escolares, bairro, associações de pais, professores de línguas e cultura de origem);• Organizar e fazer evoluir, no âmbito da escola, a participação dos alunos.

7. Informar e envolver os pais.

Dirigir reuniões de informação e de debate

Fazer entrevistas;

Envolver os pais na construção dos saberes.

Utilizar novas tecnologias.As novas tecnologias da informação e da comunicação transformam as maneiras de se comunicar, de trabalhar, de decidir e de pensar. O professor predica usar editores de textos, explorando didáticas e programas com objetivos educacionais.• Discutir a questão da informática na escola;

• Utilizar editores de texto;• Explorar as potencialidades didáticas dos programas em relação aos objetivos do ensino;• Comunicar-se à distância por meio da telemática;• Utilizar as ferramentas multimídia no ensino.Assim, quanto à oitava competência de Perrenoud, que trabalhos nessa pesquisa, a Informática na Educação, nos fez perceber que cada vez mais precisamos do computador, porque estamos na era da informatização e por isso é primordial que nós profissionais da educação

estejamos modernizados e acompanhando essa tendência, visto que assim como um simples pagamento no banco, utilizamos o computador , para estarmos atualizados necessitamos obter mais esta competência para se fazer uma docência de qualidade.

9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão.• Prevenir a violência na escola e fora dela;• Lutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociais;• Participar da criação de regras de vida comum referente á disciplina na escola, às sanções e à apreciação da conduta;• Analisar a relação pedagógica, a autoridade, a comunicação em aula;• Desenvolver o senso de responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justiça.

10. Administrar sua própria formação contínua.• Saber explicitar as próprias práticas;• Estabelecer seu próprio balanço de competência e seu programa pessoa de formação contínua;• Negociar um projeto de formação comum com os colegas (equipe, escola, rede);• Envolver-se em tarefas em escala de uma ordem de ensino ou do sistema educativo;• Acolher a formação dos colegas e participar dela.

Conclusão: Contribuir para o debate sobe a sua profissionalização, com responsabilidade numa formação continua.

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RESUMO DE LIVROS - HADJI, Charles. Avaliação desmistificada

1. Compreender que a avaliação formativa não passa de uma utopia promissoraAvaliação:-multidimensional;-tem por objetivos contribuir para o êxito da aprendizagem: avaliação formativa;-é o horizonte da prática avaliativa em terreno escolar.Avaliação distingue-se:-implícita: se revela por meio de seus efeitos;-espontânea: formula-se e é subjetiva;-instruída: operacionaliza-se por meio de instrumentação para produzir as informações sobre as quais se baseará o julgamento.Avaliação de referência normativa, avaliação de referência criteriadaNormativa: impõe normas de comportamento. A avaliação livre de normas é utopia, sem possibilidade lógica. A norma não é subjugante nem libertador, é um modelo valorizado pelo grupo. A avaliação normativa tem por objetivo situar os indivíduos com relação aos outros.Criteriada: aprecia determinado comportamento situando-o em relação a um alvo – critério ou objetivo a ser atingido.Se de um lado elas se opõem, por outro a normativa é em parte criteriada, porque situa alguns desempenhos com relação aos outros e refere-se a critérios de conteúdo. A criteriada pode levar a normativa, e ambas podem ser ou não formativas.Avaliação prognóstica, formativa e cumulativa

Prognóstica: precede a ação de formação, identificando no aprendiz seus pontos fortes e fracos;Cumulativa: feita depois da ação, ela e verifica se as aquisições, com vistas a expedir ou não, o “certificado” de formação;Formativa: situa-se no centro da formação, porque sua principal função é contribuir para uma regulação da atividade de ensino, de levantar informações úteis a regulação do processo ensino-aprendizagem.Toda avaliação tem uma dimensão cumulativa e prognóstica. O conteúdo e as formas de ensino deveriam e adaptar as características dos alunos reveladas pela avaliação (pedagogia diferenciada).Avaliação formativa como utopia promissoraIntenção do avaliador: tornar a avaliação formativa, modelo ideal.Perrenoud diz que é “formativa toda avaliação que auxilia o aluno a aprender e a se desenvolver, ou seja, que colabora para a regulação das aprendizagens e do desenvolvimento no sentido de u projeto educativo”.Na avaliação formativa:

-o professor será informado dos efeitos reais de seu trabalho e poderá regular sua ação; terá flexibilidade, vontade de adaptar-se, variabilidade didática.-o aluno saberá onde anda, tomará consciência de suas dificuldades, reconhecer e corrigir seus próprios erros.A avaliação é contínua, e as correções a serem feitas dizem respeito a ação de ensino do professor e a atividade de aprendizagem do aluno.Obstáculos a emergência da avaliação formativa1. existência de representações inibidoras na perspectivas administrativas e na pedagogia destinada a selecionar. A avaliação é a medida contínua e viva – notas - , e o professor deve contribuir com todas as forças pra o progresso dos alunos.2. a pobreza atual dos saberes necessários: no trabalho das interpretações coletadas e das interpretações que exige referencia teórica que dê conta dos múltiplos aspectos (cognitivos, afetivo e social).3. a preguiça ou medo dos professores: não imaginam mediações.Compreender que avaliar não é medir, mas confrontar em processo de negociaçãoAvaliação não é medida. A prova pela notaçãoO objeto ou o acontecimento não pode ser visto sob uma única dimensão. A medida é não pode ser objetiva. As variações de nota que se verificam entre um examinador e outro para o mesmo trabalho vão bem além da incerteza normal.A impossível reforma do instrumento avaliadorPara melhorar o instrumento, é preciso corrigir seus defeitos:-a subjetividade do corretor;-acreditar em possível neutralização.A melhoria implica melhor preparação da prova: designar o objeto de modo a estabelecer normas de competência dos candidatos.A avaliação é um ato que se inscreve no processo geral de comunicação / negociação. O avaliador é um ator na comunicação social, e avaliação é interação, troca entre o avaliador e o avaliado, o aluno desempenha através do resultado da interação professor, avaliador e situação social. A percepção do examinador ao desempenho é dependente do contexto social.A correção verifica-se as notas anteriores e a influencia do trabalho sobre o produtor, a avaliação é influenciada por informações a priori. Nela transparece a pregnância do que já foi socialmente julgado, traduzidos por arranjos de negociação entre professor e alunos, fruto de confronto com os julgamentos produzidos pelos outros; relação do corretor mantem a nota, do passado do aluno, e da relação com os alunos e do nível médio da turma.

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A avaliação escolar precisa para progredir de um “contrato Social” que determine e fixe as regras do jogo.Avaliação é ato de confronto entre uma situação real e expectativas referentes a essa situação. Não é operação científica. Ela só legitima no seio de determinada instituição. Ela expressa a adequação (ou não) entre a relação atual do aluno com o saber e do objeto de desejo institucional.Avaliação é operação de leitura da realidadeA leitura é sempre seletiva, não é medida. E a avaliação, como toda leitura, é orientada. Por sua essência, a avaliação não pode ser objetiva. O avaliador tem um pé no “deve ser”, que representa o conteúdo de uma expectativa especifica. Assim, avaliar implica dizer em que medida ele é adequado, ou não, ao desempenho que se podia esperar desse aluno. A relação de avaliação é de não-diferença com o objeto avaliado.A avaliação e a leitura da realidade se fazem pela construção critérios elaborados a partir de um sistema plural de expectativas (da comunidade), e a seleção obedecerá a um critério de prioridades.3. compreender que é possível responder a três questões pertinentes:a) Deve-se abandonar toda pretensão quantitativa?A avaliação não é neutra, expressa e traduz preferências, sempre discutíveis.A instrumentação quantificativa não é garantia de mais equidade e de justiça do que a objetividade. Os julgamentos dos professores são baseados em instituições globais. Não se deve levar a rejeição do qualitativo, mas recolocá-lo em seu lugar. Apreciar mais o êxito das aprendizagens do que o grau de conformidade com o modelo social dominante. Avaliar é fazer agir a descontinuidade dos valores, no sentido filosófico. Medir consiste em produzir um ‘descritivo organizado’ da realidade que se apreende e se encerra em cadeia quantitativa.b) deve-se recusar a julgar?Não se deve julgar o êxito do aluno, mas dar-lhe a informação de que precisa para compreender e corrigir seus erros. A avaliação descritiva é a única compatível com tal relação de ajuda. Toda relação de ajuda exclui o julgamento. Contribuir para tornar o aluno autor de sua aprendizagem.c) deve-se continuar a avaliar?A AUTO-AVALIAÇÃO torna-se a chave do sistema. É a preocupação de facilitar a aprendizagem que lhe dá sentido e coerência.Pistas para a ação – avaliação formativa:Objetivos: privilegiar a auto regulação, construir por meio do ensino, de maneira que o aluno perceba o “alvo” visado, aproprie-se dos critérios de realização e de êxito, e esteja em condições de julgar sua situação,

tornando-se o professor capaz de fundamentar as remediações feitas sobre o diagnóstico elaborados e de diversificar sua prática pedagógica.Modalidades: o professor não deve limitar sua criatividade e sua imaginação; deve ter a preocupação de falar correta e pertinentemente.Condições técnicas: relacionar o exercício de avaliação ao objeto avaliado; explicar os exercícios; especificar o sistema de expectativas e os critérios; ampliar o campo das observações; tornar a avaliação informativa.Deontologia do trabalho do avaliador: não se pronunciar levianamente; construir “contrato social”, fixando as regras do jogo, refletir e identificar o que julga poder esperar dos alunos; desconfiar de evidencias; denunciar valores em nome dos quais se tomam decisões; não se deixar levar pelo dever de reserva ou de retenção, desconfiar dos entusiasmos e dos abusos de poder.Proposta para uma avaliação com intenção formativa, para o professor:-desencadear comportamentos a observar;-interpretar os comportamentos observados;-comunicar os resultados da análise;-remediar as dificuldades analisados.4. Agir desencadeando de maneira adequadaAvaliar significa escolher provas e exercícios, construir uma avaliação e determinar condições. Dizer sobre o que será a avaliação, quando ocorrerá, o tempo que lhe será concedido, as tarefas que o aluno deverá realizar, que atuação será levado em conta, etc. Toda avaliação instituída exige dispositivo elaborado.A avaliação só é formativa se for informativa, tem por função preparar uma tomada de decisão de ordem didática. É essencial articular conteúdos sobre a aquisição dos quais há um questionamento com exercícios capazes de informar sobre essa aquisição.A tarefa como desencadeador privilegiadoO exercício –desencadeador deve obedecer a exigências e significância.Analisar a tarefa em torno:-do alvo (objetivo), resultado material da atividade desenvolvida;-os critérios de realização, procedimentos das tarefas e ações de cada tarefa especifica;-critérios de êxito aceitabilidade para resultados das operações;-condições de realização externos (tempo, documentos, trabalho individual, grupo) e internas (conhecimentos imobilizados).A tarefa é meio e não o fim.5. Agir observando/interpretando de maneira pertinenteOs exercícios –desencadeadores são instrumentos para a avaliação, resultado do trabalho do aluno deverá ser lido e exigirá interpretação. Avaliar requer observar e interpretar.

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Tensão sobre observável/inobservável

Análise de comportamento: centrada sobre os observáveis (factual e descritiva);Análise de conduta: necessário a interpretação onde raciocínio e representações (inobserváveis) do sujeito devem ser inferidos.O problema da análise dos errosO erro pode se expressar por dificuldades (de leitura, com os tempos dos verbos, com os advérbios, com as relações, com a análise) ou confusões entre a ordem de apresentação e a ordem cronológica. É essencial compreendê-lo para superá-lo, deve ser um meio para tornar a avaliação informativa.Facilitar o procedimento de auto avaliaçãoContar com a participação do aluno.Processo de construção da auto avaliação como habilidade:Autocontrole espontâneo ou regulação cognitiva implícita: autonotação – autobalanço – autocontrole crítico –regulação instrumentalizada e metacognitiva.6. Agir, comunicando de modo útilo professor deve tomar cuidado para que sua comunicação seja clara, preocupar-se em formular frases, designar objetivamente o que se quer descrever, esforçar-se para abrir diálogo com o aluno, sugerir sugestões para melhorar o seu desempenho.Comunicação, deontologia, éticaPara a avaliar é preciso ter a sensação do que as coisas valem, o que implica relação não indiferente com o mundo. O professor deve estabelecer bases de confiança no sentido ético, pois a avaliação formativa envolve afetividade. Com isso ele deve aceitar o principio da discussão e do questionamento e buscar imperativos válidos para se alcançar os objetivos, fazer o que for necessário e legitimo pela comunidade se fazer referência a pessoa humana

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Professores Reflexivos em uma Escola ReflexivaIsabel AlarcãoCortez, 2003.(Capítulos I, II e IV).

Isabel Alarcão refina o conceito de reflexividade, focando o professor e a escola que se pensam e se avaliam em seu projeto educativo, qualificando não apenas seus alunos, mas toda a comunidade educativa formada por autores em contexto, construtores de práticas sociais geradas pelo esforço de encontrar novas soluções para os problemas que vivenciam.Neste livro, a autora reafirma a necessidade do pensamento crítico e acentua a dimensão coletiva da atividade dos professores. Enuncia as características distintivas do conhecimento destes profissionais da educação que assume como quadro de referência para a sua formação e o seu desenvolvimento. Mas não esquece os alunos nem a sua posição, bem como a dos professores e a da escola, perante as exigências da sociedade e da informação, do conhecimento e da aprendizagem.No primeiro capítulo, intitulado “Alunos, professores e escola face à sociedade da informação” aborda a problemática das competências de acesso, avaliação e gestão da informação e o papel que, na sociedade do conhecimento e da aprendizagem, se espera dos alunos, dos professores e da escola.No segundo capítulo, “A formação do educador reflexivo” a autora explica as razões do fascínio pela abordagem reflexiva e a desilusão que, no Brasil, se faz sentir. Reafirma a necessidade da reflexão crítica; acentua a sua dimensão coletiva e apresenta um conjunto de estratégias de formação propiciadoras do desenvolvimento de educadores reflexivos.No quarto capítulo, “Gerir uma escola reflexiva” discute a organização da escola com o objetivo de criar condições de reflexibilidade individuais e coletivas e de requalificação profissional e institucional.

Capítulo I – Alunos, professores e escola face à sociedade da informação

Introdução

A sociedade da informação, como sociedade aberta e global, exige competências de acesso, avaliação e gestão da informação oferecida.De imediato se coloca uma questão: a das diferenças ao acesso à informação e da necessidade de providenciar igualdade de

oportunidades sob pena de desenvolvermos mais um fator de exclusão social: a info - exclusão.Como discernir sobre a informação válida e inválida, correta ou incorreta, pertinente ou supérflua? Como organizar o pensamento e a ação em função da informação, recebida ou procurada?

A sociedade da informação em que vivemos

O cidadão comum dificilmente consegue lidar com a avalanche de novas informações que o inundam e que se entrecruzam com novas ideias e problemas, novas oportunidades, desafios e ameaças.No tempo em que vivemos a mídia adquiriu um poder esmagador e a sua influência é multifacetada, podendo ser usada para o bem e para o mal. As mensagens passadas apresentam valores, uns positivos, outros negativos, de difícil discernimento para aqueles que, por razões várias, não desenvolveram grande espírito crítico, competência que inclui o hábito de se questionar perante o que lhe é oferecido.O mundo, marcado por tanta riqueza informativa, precisa urgentemente do poder clarificador do pensamento. Edgar Morin afirma que só o pensamento pode organizar o conhecimento. Para conhecer, é preciso pensar. E uma cabeça bem feita - ao invés de bem cheia – é a que é capaz de transformar a informação em conhecimento pertinente. Para o autor, o conhecimento pertinente é o conhecimento que é capaz de situar qualquer informação em seu contexto e, se possível, no conjunto em que está inscrita.(Morin, 2000) Inerente a esta concepção, emerge a relevância do sentido que se atribui às “coisas”. Assume-se como fundamental, a compreensão entendida como a capacidade de perceber os objetos, as pessoas, os acontecimentos e as relações que entre todos se estabelecem.Nesta era da informação e da comunicação, que se quer também a era do conhecimento, a escola não detém o monopólio do saber. O professor não é o único transmissor do saber e tem de aceitar situar-se nas suas novas circunstâncias que, por sinal, são bem mais exigentes. O aluno também já não é mais o receptáculo a deixar-se rechear de conteúdos. O seu papel impõe-lhe exigências acrescidas. Ele tem de aprender a gerir e a relacionar informações para as transformar no seu conhecimento e no seu saber. Também a escola tem de ser uma outra escola. A escola, como organização, tem de ser um sistema aberto, pensante e flexível. Sistema aberto sobre si mesmo, e aberto à comunidade em que se insere.Esta era começou por se chamar a sociedade da informação, mas rapidamente se passou a chamar sociedade da informação e do conhecimento a que, mais recentemente, se acrescentou a designação

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de sociedade da aprendizagem. Reconheceu-se que não há conhecimento sem aprendizagem. E que a informação, sendo uma condição necessária para o conhecimento, não é condição suficiente.A designação de sociedade do conhecimento e da aprendizagem traduz o reconhecimento das competências que são exigidas aos cidadãos hoje. Importa, assim, refletir sobre as novas competências.

As novas competências exigidas pela sociedade da informação e da comunicação, do conhecimento e da aprendizagem.

No início dos anos 90 reuniram-se na Europa conceituados industriais europeus e reitores das universidades europeias com o objetivo de pensarem o papel da educação no mundo atual. Deste encontro elaborou-se um relatório que ficou conhecido pelo modo como abordaram a noção de competência necessária a uma vivência na contemporaneidade.A noção de competência incluía não só conhecimentos (fatos, métodos, conceitos e princípios), mas capacidades (saber o que fazer e como), experiência (capacidades sociais, redes de contatos, influência), valores (vontade de agir, acreditar, empenhar-se, aceitar responsabilidades e poder (físico e energia mental) (Keen, citado em Cochineaux e Woot, 1995).Conceptualizações deste tipo apontam para uma formação holística e integrada da pessoa que não se limita à informação e ao conhecimento, mas vai além deles para atingir a sabedoria, característica que era tão querida aos nossos antepassados gregos.Será bom que nos perguntemos até onde é que a escola leva os alunos neste percurso. Para uma grande parte da população, a resposta será talvez frustrante. Ficar-se-ão alguns apenas pelos dados, dados que não conseguirão trabalhar ao nível, superior, da informação. Poucos atingirão a sabedoria. Um número maior desenvolverá a capacidade de visão. O grosso situar-se-á ao nível da informação e da compreensão. Não se deve atribuir só à escola a culpa por esta caracterização. Há que se ter em conta as capacidades individuais, mas também a desresponsabilização da sociedade que, impotente perante a resolução de tantos dos problemas que ela criou, coloca na escola expectativas demasiado elevadas sem muitas vezes a valorizar como devia.Um dos autores que mais tem trabalhado a questão das competências é Philipe Perrenoud. Para ele, ter competência é saber mobilizar os saberes. A competência não existe, portanto, sem os conhecimentos. Como consequência lógica não se pode afirmar que as competências estão contra os conhecimentos, mas sim com os conhecimentos. Elas reorganizam-nos e explicitam a sua dinâmica e valor fundamental.

Vejamos como exemplo a aprendizagem de uma língua estrangeira em contexto fora da escola. É possível saber-se bem a gramática de uma língua e ter até um bom domínio do vocabulário e contudo ficar imobilizado linguisticamente numa situação real de comunicação pela incapacidade de mobilizar adequadamente os conhecimentos necessários naquela situação concreta.Como afirma Perrenoud, “a abordagem por competências não pretende mais do que permitir a cada um aprender a utilizar os seus saberes para atuar” (2001:17).Relativamente à questão da subordinação da educação à economia no que respeita às competências, não se pense que a noção de competência tenha passado do mundo empresarial para o da educação. Antes pelo contrário. A noção de competências utilizada anteriormente sob a capa de outras designações como destrezas, saberes-fazeres, ou na apropriação do termo inglês skill, foi utilizada no mundo da educação antes de ser adotada pelo mundo empresarial.As empresas reconhecem hoje a realidade das competências. Mas mesmo no mundo dos negócios não se trata de competências simples, lineares, acabadas e imutáveis, mas de competências dinâmicas em que a compreensão do mundo e a sabedoria da vivência social são fundamentais.

A competência para lidar com a informação na sociedade da aprendizagem

Entre as competências necessárias à vida na sociedade moderna, destaca-se a capacidade de utilizar a informação de modo rápido e flexível, o que coloca problemas ao nível do acesso, da avaliação e da gestão das informações, mas também da organização e ativação dos conhecimentos. Estes processos implicam a capacidade para lidar com a informação e os meios que a tornam acessível.É preciso saber o que procurar e onde procurar. A informação, pela sua grande quantidade e pela multiplicidade de utilizações que potencialmente encerra, tem de ser reorganizada por quem a procura. O professor continua a ter o papel de mediador, mas é uma mediação orquestrada e não linear.É imprescindível que se criem condições, nas escolas e nas comunidades, que compensem a falta de acessibilidade a fontes de informação que possam existir no seio das famílias. Só isso não basta, porém. Impõe-se uma diferente organização do trabalho escolar, promovendo o trabalho colaborativo entre os alunos, reorganizando os horários de forma a que os alunos tenham tempo para pesquisas s criando verdadeiras comunidades de aprendizagem.

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Os alunos na sociedade da aprendizagem

Numa “sociedade que aprende e se desenvolve” , como a caracterizou Tavares (1996), ser aluno é ser aprendente. Mais do que isso: é aprender a ser aprendente ao longo da vida.Subjaz a este modelo uma abordagem pedagógica de caráter construtivista, sociocultural. A aprendizagem é um modo de gradualmente se ir compreendendo melhor o mundo em que vivemos e de sabermos melhor utilizar os nossos recursos para nele agirmos. Uma boa parte das competências hoje exigidas são dificilmente ensináveis. E contudo elas têm de ser desenvolvidas.Importa perguntar: qual o lugar da aprendizagem dentro e fora da sala de aula e, mais à frente, reconceitualizar o papel do professor.Para Demo (citado em Carreira, 2000), a sala de aula deixou de ser um espaço onde se transmitem conhecimentos, passando a ser um espaço onde se procura e onde se produz conhecimento. Uma conceptualização da escolarização neste sentido implica a utilização de estratégias de organização das aprendizagens que assentem no próprio aluno e promovam a sua capacidade de auto e hetero-aprendizagem. E que, por isso mesmo, lhe conferem poder, o responsabilizam e autonomizam e, de deste modo, contribuem para a tão desejada democratização.

Os professores na sociedade da aprendizagem

Colocando-se a ênfase no sujeito que aprende, pergunta-se então qual o papel dos professores. Criar, estruturar e dinamizar situações de aprendizagem e estimular a aprendizagem e a autoconfiança nas capacidades individuais para aprender são competências que o professor de hoje tem de desenvolver.Não há que declarar morte ao professor. Pelo contrário, na era da informação, ele é o timoneiro na viagem da aprendizagem em direção ao conhecimento. Os professores são estruturadores e animadores das aprendizagens e não apenas do ensino.Primeiro que tudo, os professores têm que repensar o seu papel. Se é certo que continuam a ser fontes de informação, têm de se conscientizar que são apenas uma fonte de informação, entre muitas outras. Deve, no entanto, salientar-se que o seu valor informativo tem níveis diferentes conforme o acesso que os seus alunos puderem ter a outras fontes de informação. É fundamental que os professores percebam esta diversidade.

O professor tem, também ele, de se considerar num constante processo de auto formação e identificação profissional. Tem de ser um professor reflexivo numa comunidade profissional reflexiva.

A escola na sociedade da aprendizagem

As escolas ainda não compreenderam que, também elas, têm de se repensar. Permanecem na atitude negativa de se sentirem defasadas, mal compreendidas e mal-amadas, ultrapassadas, talvez inúteis. Ficam à espera de alguém que as venha transformar. E não perceberam ainda que só elas podem transformar a si próprias. Por dentro. Com as pessoas que as constituem: professores, alunos, funcionários. Em interação com a comunidade circundante.As escolas que já perceberam o fenômeno, começaram a funcionar como comunidades autocríticas, aprendentes, reflexivas. Constituem a escola reflexiva, que pode ser definida como “organização que continuamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização, e se confronta com o desenrolar da sua atividade em um processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo”.A escola reflexiva não é telecomandada do exterior. É autogerida. Tem o seu projeto próprio, construído com a colaboração dos seus membros. Sabe para onde quer ir e avalia-se permanentemente na sua caminhada. Contextualiza-se na comunidade que serve e com esta interage. Acredita nos seus professores, cuja capacidade de pensamento e de ação sempre fomenta. Envolve os alunos na construção de uma escola cada vez melhor. Pensa-se e avalia-se. Constrói conhecimento sobre si própria.Uma escola reflexiva é uma comunidade de aprendizagem e é um local onde se produz conhecimento sobre educação.

Capítulo II - A formação do professor reflexivo

Introdução

Após o que poderíamos chamar de apoteótica recepção, assiste-se hoje, no Brasil, a uma crítica acesa contra a proposta do professor reflexivo (cf. por exemplo, Pimenta e Ghedin, 2002). Importa também tentar compreender se a expectativa foi demasiado elevada, se a proposta não foi totalmente entendida ou se ela é difícil de pôr em ação na prática quotidiana dos professores.

Em que se baseia a noção de professor reflexivo?

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A noção de professor reflexivo baseia-se na consciência da capacidade de pensamento e reflexão que caracteriza o ser humano como criativo e não como mero reprodutor de ideias e práticas que lhe são exteriores.

Como se explica o fascínio que atraiu?

O fascínio por esta nova conceptualização pode ser entendido se tivermos em consideração a crise de confiança na competência de alguns profissionais (que tendemos a generalizar), a reação perante a tecnocracia instalada, a relatividade inerente ao espírito pós-moderno, o valor hoje atribuído à epistemologia da prática, a fragilidade do papel que os professores normalmente assumem no desenvolvimento das reformas curriculares, o reconhecimento da complexidade dos problemas da nossa sociedade atual, a consciência de como é difícil formar bons profissionais, e amplas visões associadas a estas representações sociais.

Por que a atual desilusão?

As três hipóteses seguintes parecem ter, no seu conjunto, valor explicativo.- Colocaram-se as expectativas demasiado alto e pensou-se que esta conceptualização, tal como um pozinho mágico, resolveria todos os problemas de formação, de desenvolvimento e de valorização dos professores, incluindo a melhoria do seu prestígio social, das suas condições de trabalho e de remuneração;- O conceito de reflexão não foi compreendido na sua profundidade, podendo ter seguido a força dos modismos;- É necessário reconhecer as dificuldades pessoais e institucionais para pôr em ação, de uma forma sistemática e não apenas pontual, programas de formação (inicial e contínua) de natureza reflexiva.

Qual a relação entre o professor reflexivo e a escola reflexiva?

O professor não pode agir isoladamente na sua escola. É neste local, o seu local de trabalho, que ele, com os outros, seus colegas, constrói a profissionalidade docente. Mas se a vida dos professores tem o seu contexto próprio, a escola, esta tem de ser organizada de modo a criar condições de reflexividade individuais e coletivas, sendo ela própria, reflexiva.

Como formar professores reflexivos para e numa escola reflexiva?

Se a capacidade reflexiva é inata no ser humano, ela necessita de contextos de liberdade e de responsabilidade que favoreçam o seu desenvolvimento. Nestes contextos formativos com base na experiência, a expressão e o diálogo assumem um papel de enorme relevância. Um triplo diálogo: um diálogo consigo próprio, um diálogo com os outros incluindo os que antes de nós construíram conhecimentos que são referência e o diálogo com a própria situação.Este diálogo não pode ser meramente descritivo, pois seria extremamente pobre. Tem de atingir um nível explicativo e crítico que permita aos profissionais agir e falar com o poder da razão.A reflexão, para ser eficaz, precisa de ser sistemática nas suas interrogações e estruturante dos saberes dela resultantes. A metodologia de pesquisa-ação apresenta-se com potencialidades para servir a este objetivo.Nos últimos anos tem-se realçado o valor formativo da pesquisa-ação e a formação em contexto de trabalho, pelo que muitas vezes se usa o trinômio pesquisa-formação-ação. A pesquisa-ação é uma metodologia de intervenção social cientificamente apoiada e desenrola-se segundo ciclos de planificação, ação, observação, reflexão. Subjaz a esta abordagem a ideia de que a experiência profissional, se sobre ela se refletir e conceptualizar, tem um enorme valor formativo. Aceita-se também que a compreensão da realidade, elemento que constitui o cerne da aprendizagem, é produto dos sujeitos enquanto observadores participantes implicados. Reconhece-se também que o que mobiliza a formação dos profissionais adultos advém do desejo de resolver os problemas que encontram na sua prática quotidiana.

A pesquisa-ação, a abordagem reflexiva e a aprendizagem experiencial

Compreendido o problema, urge planificar a solução de ataque e pô-la em execução para, em seguida, se observar o que resulta da experiência, se conceptualizarem resultados e problemas emergentes, se planificar ou re-planificar, entrando assim num novo ciclo da espiral da pesquisa-ação.

A análise de casos

Os casos que os professores contam revelam o que eles ou os seus alunos fazem, sentem, pensam, conhecem. Shulman (1986) diz que os

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casos representam conhecimento teórico e assumem um valor explicativo que vai além da mera descrição. Para ele, “um acontecimento pode ser descrito; um caso tem de ser explicado, interpretado, discutido, dissecado e reconstruído”

As narrativas

Geralmente é difícil ganhar o hábito de escrever narrativas. Perante a folha de papel em branco, o professor normalmente pergunta-se sobre o que há de escrever. Algumas perguntas podem ajudar: O que aconteceu? Como? Onde? Por que? O que senti eu e / ou outras pessoas envolvidas? O que penso relativamente ao que aconteceu?

Narrativas e casos: que relação?

As narrativas estão na base dos casos, mas os casos implicam uma teorização. Os casos não são meras narrativas; eles encerram em si conhecimento sobre a vida.

Os portfólios

Portfólio: “um conjunto coerente de documentação refletidamente selecionada, significativamente comentada e sistematicamente organizada e contextualizada no tempo, reveladora do percurso profissional”.Existem, neste processo, duas características a salientar. Por um lado, o fato de o portfólio ser uma construção pessoal do seu autor, que seleciona os seus trabalhos, os organiza, os explica e lhes dá coerência. Por outro lado, o fato de o portfólio ter uma finalidade: dar-se a conhecer, revelar-se, aspirando a um reconhecimento do mérito. Idália Chaves utiliza a designação “portfólios reflexivos”.

As perguntas pedagógicas

Como atributo do ser humano, a capacidade de questionarmos e de nos questionarmos a nós próprios é um motor de desenvolvimento e de aprendizagem. Porém, as perguntas, para merecerem a designação de pedagógicas, têm de ter uma intencionalidade formativa e isso, independentemente de quem as faz, quer o próprio professor, quer um colega ou supervisor.

Capítulo 4 - Gerir uma escola reflexiva

Introdução

Se a vida dos professores tem o seu contexto próprio, a escola, esta tem de ser organizada de modo a criar condições de reflexividade individuais e coletivas.

Uma nota autobiográfica, enquadradora do tema

Neste trecho do livro, a autora mapeia a sua experiência como professora e como formadora de professores. Para ela, assume grande significado a teoria da aprendizagem experiencial de David Kolb (1984).Segundo Kolb, a aprendizagem implica um processo de compreensão da realidade que nos leva a passar do nível concreto da experiência ao nível abstrato da conceptualização a que se associa um processo de intriorização-exteriorização que, da reflexão, nos leva à ação. O ciclo de aprendizagem constituir-se-á, então, em quatro momentos fundamentais: experiência, observação reflexiva, conceptualização e generalização e, finalmente, experimentação na ação.Faz-se necessário ao educador abrir-se ao pensamento sobre a escola como uma comunidade socialmente organizada e dinamizada por um projeto próprio. A escola deve ser concebida como organismo vivo, também ela em desenvolvimento e em aprendizagem, norteada por uma finalidade (educar) que se concretiza num grande plano de ação: o projeto educativo.

Pensando sobre a essência da escola

A escola deve ser vista como uma comunidade. Comunidade em que participam vários atores sociais que nela desempenham papéis ativos, embora diversificados. Comunidade que tem uma missão: educar. Missão que não é exclusiva da escola, mas pertence também à família, à municipalidade, e à sociedade em geralA escola surge-nos como um todo e não como um ajuntamento de pessoas. Esse todo, para ser coeso e dinâmico, exige uma organização. Em resumo, a escola é uma comunidade social, organizada para exercer a função de educar e instruir.

A escola como eu gostaria que ela fosse.

A autora expressa o desejo de que a escola tivesse as seguintes características: uma escola que conceba, projete, atue e reflita em vez

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de uma escola que apenas executa o que os outros pensaram para ela; uma escola que tenha uma ambição estratégica por oposição a uma escola que não tenha visão e que não saiba olhar-se no futuro; uma escola que não lamente seus insucessos, mas que questione o insucesso nas suas causas para, relativamente a elas, traçar planos de ação; uma escola que analise, desconstrua e refaça as suas opções e a sua ação curricular; uma escola que saiba criar suas próprias regras, prestando contas de sua atuação, justificando seus resultados e auto avaliando-se para definir o seu desenvolvimento; uma escola que se alimente do saber, da produção e da reflexão dos seus profissionais; uma escola que conhece suas necessidades, cria os seus contextos de formação e integra a formação no seu desenvolvimento institucional.

Como cheguei ao conceito de escola reflexiva

A escola nunca está verdadeiramente feita. Encontra-se sempre em construção, em desenvolvimento. Deve-se entender a escola como uma construção social, dinâmica, mediada pela interação dos diferentes atores sociais que nela vivem e com ela convivem. Destacam-se as ideias de pensamento e de reflexão, organização e missão, avaliação e formação. Por detrás desta concepção é fácil reconhecer a ideia de professor reflexivo de Schön. Mas subjaz lhe também a noção de organização aprendente de Senge (1994), definida como uma: “organização que está continuamente expandindo a sua capacidade de criar o futuro” (1994:14)Em síntese, a escola tem uma missão: educar. Pensa-se e organiza-se para saber como desempenhar essa missão num dado contexto temporal e sociocultural. Quer saber se está no bom caminho e para isso investiga-se a si própria.

Escola, comunidade com projeto

Assume particular relevância o movimento em favor da autonomia das escolas e do projeto de escola de que tanto se tem falado.Um projeto de escola, de acordo com Macedo (1995:113), é “o cerne da política da escola – política distinta e original de cada comunidade educativa, definida na gestão de tensões positivas, princípios, normas nacionais e objetivos, necessidades, recursos e modos de funcionamento específicos de cada escola”.O projeto aparece assim na sua dimensão de processo e de produto, de preferência e de referência. Esta ideia de um produto que se assume como referência é muito importante para o âmago deste texto: gerir a escola reflexiva. Mas igualmente importante é perceber o processo que

dá lugar ao produto e que implica tomadas de decisão a que subjazem valorações e preferências.Uma outra ideia que urge considerar é a de que, tendo a escola por missão educar e instruir, o projeto se deve centrar no modo como a escola se organiza para criar as condições de aprendizagem e desenvolvimento inerentes ao currículo.

O currículo no centro do projeto de escola

O currículo deve ser entendido no seu sentido lato, ou seja, como conjunto de aprendizagens proporcionadas pela escola e consideradas socialmente necessárias num dado tempo e contexto. Como afirma Roldão, é “o currículo que legitima socialmente a escola, como instituição a quem a sociedade remete a ‘passagem’ sistemática (das) aprendizagens tidas como necessárias” (2000:17)Central ao currículo e à escola está a noção de educação e de aprendizagem, correlacionadas com a de ensino e de avaliação de onde decorrem as de organização de espaços, tempos e recursos. A escola tem há vários anos vindo a ser organizada em termos de quatro princípios que Roldão designou como “homogeneidade, segmentação, sequencialidade e conformidade” (2001:127) e de cuja operacionalização resulta a previsão de percursos iguais para todos, a organização dos alunos por turmas tanto quanto possível homogêneas e de composição estável, a existência de tempos e espaços previamente definidos e espartilhados em grades horárias, a progressiva segmentação disciplinar e a multidocência à medida que a informação ganha em profundidade e o conhecimento perde o significado de conjunto.As escola, os professores, os políticos e os pais começam a interrogar-se sobre se este paradigma organizacional de incrível uniformidade e o paradigma de educação e aprendizagem que lhe está subjacente (e que se baseia na ideia da transmissão linear do saber do professor para o aluno), se adequa à nova realidade caracterizada por: uma população escolar altamente heterogênea e massificada; acessibilidade da informação; exigência do conhecimento como bem social; requisitos da sociedade global relativamente aos saberes qualificados; necessidade de se explorarem as capacidades de trabalho individual e cooperativo para se transformar em conhecimento o saber que brota da assimilação das informações.No novo paradigma, a noção de grupo de aprendizagem, a reconstituir-se em função das necessidades ou dos objetivos, deveria substituir a de turma fixa, o que obviamente implica outras formas de organização da

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relação do aluno com os professores, com as fontes de informação e com o saber.Perrenoud, em 2001, idealizou uma nova organização do trabalho na escola, baseada em objetivos (e não tanto em programas), em ciclos de aprendizagem plurianuais (em vez de turmas imutáveis), em grupos flexíveis (em vez de turmas imutáveis), em módulos intensivos (em vez de grades horárias provisórias / fragmentárias), em projetos pluridisciplinares (em vez de capelinhas disciplinares), em tarefas escolares à base de problemas e de projetos (em vez dos exercícios clássicos).O próprio Perrenoud reconheceu as dificuldades de implementar estas novas formas de organização. No entanto, é necessário um afastamento progressivo do atual modelo que temos, se quisermos mudar a cara da escola. Só através da atenção dialogante com a própria realidade que lhe fala é que a escola será capaz de agir adequadamente, que o mesmo é dizer, agir em situação.A escola reflexiva tem a capacidade de pensar para se projetar e desenvolver. O projeto de escola, na sua dimensão de produto, é um documento. Mas esse projeto/documento resulta de um processo de pensamento sobre a missão da escola e o modo como ela se organiza para cumprir essa missão.O projeto deve basear-se numa visão prospectiva e estratégica do que se pretende para a escola, uma visão interpretativa da sua missão e alicerçada nos valores assumidos pelo coletivo dos atores sociais presentes na vida da escola. A construção do projeto é um processo de implicação das pessoas, de negociação de valores e percepções, de diálogo clarificador do pensamento e preparador de decisões.

Gerir uma escola reflexiva é gerir uma escola com projeto

Só um modelo democrático de gestão se coaduna com o conceito de escola reflexiva. O modelo democrático de gestão é aquele em que todos e cada um se sente pessoa. E ser pessoa é ter papel, ter voz, ser responsável. Um modelo em que cada um se considera efetivamente presente ou representado nos órgãos de decisão. E em que há capacidade real de negociação e de diálogo capaz de ultrapassar as dicotomias entre o eu e o nós.O projeto pode se transformar num documento inerte se não houver o envolvimento continuado das pessoas. São as pessoas que, na qualidade de atores sociais, dão vida aos projetos, desenvolvendo atividades várias, e mobilizando, nesse sentido, as estratégias que se lhes apresentam como conducentes à realidade das tarefas a executar.

Gerir uma escola reflexiva é transformar o projeto enunciado em projeto conseguido ou o projeto visão em projeto ação.Gerir uma escola reflexiva implica ter um pensamento e uma atuação sistêmica que permita integrar cada atividade no puzzle global e não deixar-se navegar ao sabor dos interesses individuais ou das influências de grupos instituídos.

A título de conclusão, gerir uma escola reflexiva é:- ser capaz de liderar e mobilizar pessoas;- saber agir em situação;- nortear-se pelo projeto de escola;- assegurar uma atuação sistêmica;- assegurar a participação democrática;- pensar e escutar antes de decidir;- saber avaliar e deixar-se avaliar;- ser consequente;- ser capaz de ultrapassar dicotomias paralisantes;- decidir;- acreditar que todos e a própria escola se encontram num processo de desenvolvimento e de aprendizagem.

O resultado de gerir uma escola reflexiva é ter a satisfação de saber que a sua instituição tem rosto próprio e é respeitada por isso mesmo: a sua identidade.

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KAHHALE, Edna M. Peters. A diversidade da Psicologia: uma construção teórica. São Paulo: Editora Cortez, 2002, 304 p

Entendemos que o homem se constitui historicamente enquanto homem porque se constitui em sociedade transformando a natureza para produção de sua existência. Neste processo produz bens materiais e espirituais, ou seja, produz objetos e ideias O conjunto de ideias produzidas inclui crenças, valores e conhecimento de toda ordem que refletem a realidade de um determinado momento histórico, ou seja, o pressuposto é de que a origem das ideias produzidas socialmente está na base material da sociedade. P 13

Ao desenvolver tal análise, refletiu-se sobre quais concepções epistemológicas poderiam estar implicadas nas diferentes linhas teóricas da Psicologia: idealismo versus materialismo e metafísica versus dialética. A concepção idealista concebe a existência do homem e do mundo a partir, e com preponderância, da ideia, do Pensar, sobre a matéria, ou Ser, concebendo que a ideia determina a existência e que as leis que regem o mundo são as leis do pensamento. A concepção materialista concebe a primazia do Ser, matéria, sobre o Pensar, ideia , postulando serem as relações materiais que constroem a realidade e o homem, ou seja, que a matéria determina a existência, estando esta e o mundo subordinados às leis da matéria. A concepção metafísica de pensar postula a existência de uma essência imutável, sendo que só é possível conhecer a aparência dos fenômenos e não sua essência, uma vez que esta não é acessível aos recursos que o homem dispõe para produzir conhecimento. Assim, as transformações ocorrem apenas na aparência através de mudanças lineares. (...). A concepção dialética de pensar afirma que o movimento e a transformação são a essência dos fenômenos, os quais possuem uma contradição interna, que os leva a mudanças qualitativas e quantitativas e que ocorre por saltos, complexificando cada vez mais os fenômenos; a verdade é absoluta e relativa, pois corresponde ao real num determinado momento histórico, mas se transforma ao longo do tempo. P 14

As novas forças produtivas e relações de produção no modo de reprodução capitalista são resultado do desenvolvimento do modo de produção feudal, isto é, o sistema feudal vai gerando contradições internas que o inviabilizam como sistema produtivo. P 18

A indústria moderna é incompatível com as relações feudais de produção porque exige necessariamente o atrelamento da produção do

campo à produção industrial, pois o campo fornece a matéria-prima à indústria; tem necessidade de um amplo mercado interno, que permita a distribuição de mercadorias e o recrutamento de trabalhadores, neste sentido “trabalhadores livres”; exige a especialização da mão-de-obra, ... p 18

...em busca de um conhecimento cada vez mais aprofundado da realidade; ou seja, de um conhecimento que responda cada vez mais satisfatória às necessidades trazidas pelo desenvolvimento histórico das sociedades humanas. Nesse sentido, tais necessidades decorrem, em primeiro lugar, das modificações operadas na produção de bens materiais. (...). Em segundo lugar, a reestruturação social e política, requerida pela nova organização da produção, tem implícita um debate ideológico: a visão de mundo do regime feudal deve ser combatida em todos os aspectos. P 26

O ponto central dessa nova produção de conhecimento tem sido chamado de “o aparecimento da ciência moderna”, que é identificado com a retomada e o grande desenvolvimento das ciências naturais – física, química, biologia, astronomia – e com a preocupação em sistematizar um método científico de conhecimento. P 26-27

Mas, se essa produção da ciência moderna for considerada na sua relação com pressupostos filosóficos e epistemológicos, vê-se que ela está imbricada com as mudanças na concepção de mundo, de homem e de conhecimento que representam o surgimento do novo homem e da nova sociedade, sob as condições do modo de produção capitalista. P 27

No centro do debate realizado no período está a crítica ao idealismo presente na religião e nas explicações sobre o homem e a realidade, a partir da teologia e da fé, já que a Igreja era a instituição responsável pela ideologia dominante do período anterior. O debate se concretizava de maneira marcante na busca de um novo método de conhecimento. P 28

...As explicações sobre o real prescindiam de observação dos fatos da realidade e só eram aceitos se admitissem ou não se chocassem com os dogmas religiosos. Esse conhecimento filosófico tinha como área mais desenvolvida a Metafísica, que, a partir dos pressupostos oficialmente aceitos, preocupava-se em explicar a finalidade do universo, sua causa primeira. P 28

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Esse conhecimento não respondia às necessidades de desenvolvimento das forças produtivas do novo modo de produção, cujas necessidades só seriam atendidas se fosse possível lidar com o real de uma forma nova, por meio da criação de uma nova ciência, com método próprio, independente da filosofia e da metafísica. P 28

Assim, a ciência seria formada por raciocínios onde as conclusões (necessariamente corretas) eram decorrência de encadeamentos lógicos de premissas que via dedutiva demonstrariam as conclusões. A ciência era construída, antes de tudo, pela via da demonstração, garantida pela aplicação rigorosa de raciocínios lógicos formais (Andery, Micheletto e Sério, 1996). P 29

...o sistema aristotélico é questionamento quanto à lógica, que embasava não só o conhecimento, mas também a maneira pela qual se produzia esse conhecimento. Até então, tudo era “certeza”. Nesse momento instituiu-se a dúvida e, para superá-la, só um novo método de conhecimento. Essa discussão inicia-se com Bacon e Descartes. P 30

Bacon elabora o método indutivo, aliando a observação ao raciocínio, ou seja, partindo-se dos fatos concretos, tais como se dão na experiência, ascende-se às formas gerais que constituem suas leis e causas. P 31

...Descartes (...). Com o desenvolvimento do método dedutivo, ele coloca a razão humana em primeiro plano e a possibilidade de se conhecer as leis do Universo. P 32

A crítica ao sistema aristotélico levou, até o momento, a duas possíveis respostas sobre um método de conhecimento, que embasam, a partir daí, duas vertentes: a partir de Bacon a preocupação com a experimentação – empirismo –e, a partir de Descartes, o conhecimento pela razão e fundamentado nas leis da matemática – racionalismo. P 33

John Locke (1632-1704) (...). Locke questiona a razão como fonte de conhecimento. Para ele, não há ideias inatas; todas as ideias provêm da experiência. A fim de fundamentar essa colocação, Locke apresenta como fontes das ideias a sensação e a reflexão, ou seja, as experiências possíveis são aquelas que, através dos sentidos, transmitem as qualidades do objeto à mente e aquelas que ocorrem no interior da própria mente, através do reconhecimento das operações que esta realiza. P 34A alma, para Locke, é, no momento do nascimento, uma “tabula rasa”, que será povoada de ideias vindas todas da experiência. Para ele,

partindo dos dados da experiência, o entendimento distingue, compara e combina, e esta é a origem das ideias que julgamos inatas. P 34

O conhecimento, para Locke, é possível através do estabelecimento de vínculos entre os vários tipos de ideia. Fundamentalmente, para se chegar à verdade, deve-se estabelecer a conveniência das ideias entre si e das ideias em relação à realidade. P 35

Berkeley nega que os objetos tenham qualidades próprias e independentes do homem que os percebe. Todas as qualidades dos objetos são a eles atribuídas pelas sensações. Por exemplo, vemos um objeto vermelho e temos a ilusão de que o objeto é vermelho, tem essa propriedade. Na verdade, um animal, que vê cores de uma outra forma, ou um daltônico, não veriam o objeto vermelho. Assim, o vermelho, bem como todas as outras qualidades do objeto, não estão nele, e sim nas sensações que o percebem. O conceito de existência, de Ser, para Berkeley, é, portanto, subordinado à percepção do sujeito que sente. Um objeto é “sentido” por um conjunto de sensações, dos vários níveis que o delimitam. P 36

A discussão de David Hume (1711-1776) se dá de outra forma, embora, também, ele tenha como ponto de partida o empirismo. Para Hume, o conhecimento vem da experiência, os sentidos fornecem impressões sobre os objetos. As ideias formam-se a partir das impressões; elas são, na realidade, cópias modificadas das impressões, com o auxílio da memória e da investigação. (...) Assim, se percebemos algum tipo de relação, ela é produto do hábito e é fundamentada na crença. (...). Assim, uma ideia para a qual não há nenhuma impressão só é possível pela crença. P 37

Na moral e na política , suas propostas tinham como parâmetro o conceito de utilidade. A moralidade seria apenas o conjunto de qualidades aprovadas pela generalidade das pessoas, em função de sua utilidade. P 38

Com suas propostas, Hume responde à questão da relação entre o Ser e o Pensar de uma forma nova: estabelece, a princípio, a primazia do Ser. Mas, ao colocar que as relações entre os fatos têm por base a crença, advinha dos hábitos, e que é impossível conhecer pela demonstração e pela prova as “leis” da realidade (leis que para ele não estão na realidade e sim no sujeito), acaba por negar essa primazia. Sua posição, em última análise reforça a visão de que é o sujeito pensante que

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constrói a realidade, já que, por exemplo, a realidade causal não existe, é algo que existe no espírito. P 38

Kant conclui que todo conhecimento é constituído por síntese dos dados ordenados pela intuição sensível espaço-temporal, mediante as categorias apriorísticas do entendimento. Isso tem como explicação que a razão apresenta limites para o conhecimento, uma vez que nem tudo pode passar pela intuição sensível. Nesses casos, privada de qualquer ponto de apoio na experiência, a razão perde-se em contradições insolúveis. P 45

A razão pura só pode apreender os fenômenos, a aparência, e não a coisa em si. Isso porque ela tem categorias a priori que ordenam os dados da experiência. Dessa forma, o objeto do conhecimento é construído pela razão e não pode afirmar nada sobre o mundo como ele é (coisa em si), mas sim sobre as propriedades que são apreendidas e organizadas pela razão (aparência). Para Kant, o mundo é um caos desordenado; cabe à razão pura, através das categorias apriorísticas, ordená-lo. P 45

A liberdade é, então, a coisa em si, inacessível ao conhecimento, mas, postulado da razão prática. Ou, em outras palavras, a essência de todas as coisas é ser livre, o que determina que a razão prática tem primazia sobre a razão pura. Portanto, a liberdade é um conceito que não é conhecido pela razão, é postulado da razão. P 46

Para Hegel, o empirismo tem valor porque admite que o que é verdade deve estar na realidade e conhece-se pela percepção; nesse sentido, o empirismo admite o princípio de liberdade, já que o homem pode conhecer por si só. Por outro lado, critica o empirismo por negar a possibilidade de conhecer o que está além do sensível. (...). A conclusão de Hegel é que a ideia só é verdadeira se ela aparece no ser, na realidade; ao mesmo tempo, o ser, a realidade só pode ser colocada a questão da verdade por meio da ideia, da razão. Ele quer com isso eliminar essa distinção que tradicionalmente fora feita entre a ideia e o real, pois ambos seriam facetas de uma mesma unidade. P 47

....ele analisa, por exemplo, a Revolução Francesa. Segundo sua análise, em 1789 a monarquia francesa havia se tornado tão irreal, isto é, tão destituída de necessidade, tão irracional, que foi varrida pela Revolução, o que é exaltada por Hegel. O racional encontrou uma nova forma de expressão no real. O irreal era a monarquia e real, a revolução. P 48-49

Nesse sentido, é possível dizer que o real não se confunde com o existente, pois o que existe, por vezes rompe a unidade e, portanto, não é real. A superação dessa situação é possível porque a contradição entre o ser (tese) e o não ser (antítese) resolve-se no vir a ser (síntese) e esse é um movimento.... p 49

....o surgimento de algo novo não é independente de algo velho, que já existia. O pensamento tradicional via o surgimento do novo como simples oposição à destruição do velho.... p 49

Com Hegel, o movimento passa a ser entendido como algo interno, próprio do ser, já que “O ser e o nada são uma e mesma coisa”. A mudança que ocorre é a transformação de algo que é, em algo novo, por meio da negação e da superação dessa negação, ou seja, é o vir a ser que se dá através de um processo infinito. P 50

Essa visão tem como implicação que os homens que fazem a história são aqueles que dominam a Ideia (filósofos e pensadores). Nesse mesmo sentido, o Estado representa a organização racional da sociedade, ou seja, é a organização necessária em um determinado momento histórico. Entretanto, nem todo Estado existente é o necessário: ele pode ser irracional e, portanto, deve ser alterado. (...). Por isso, em cada momento histórico, cada sociedade tem o Estado que merece. Essa conclusão só é possível porque aquilo que é necessário é determinado pelo racional. P 51

Ludwuig A. Feuerbach (1804-1872), (...), em sua obra, A Essência do Cristianismo, afirma que “a natureza existe independente de toda filosofia” e que os homens são produtos da natureza; fora dela e dos próprios homens, nada existe. P 52

Dessa forma, Feuerbach rompe com o sistema hegeliano. Nega a primazia da Ideia sobre o Ser, assim como a noção de movimento implícita nesse sistema. (...) Ao mesmo tempo, entretanto, Feuerbach parte do materialismo, mas não o considera uma concepção geral do mundo. O materialismo é utilizado para explicar a relação do homem com a natureza e a origem do pensamento. P 52

Por outro lado, a crítica que faz à religião tradicional é no sentido de reformulá-la. O homem cria um Deus, segundo ele, como extensão de sua própria essência. Nesse sentido, esse Deus é fantasia. O que importa é o homem e a natureza. P 52

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O surgimento do materialismo dialético e histórico deu-se no momento em que as ciências naturais haviam alcançado enormes êxitos e se desenvolviam num ritmo acelerado. A concepção científica havia desalojado o idealismo e a religião do terreno d s ciências naturais. P 54

A teoria evolucionista de Charles Darwin, naturalista inglês, publicada em 1859, deu uma explicação científica sobre a origem do homem e suas relações com seus antepassados animais. Darwin demonstrou que a natureza viva evolui, que o homem é um produto da natureza e o resultado de uma longa evolução da matéria viva. Suas investigações e conclusões representavam um rompimento com as doutrinas idealistas e metafísicas... p 54-55

Neste momento histórico as exigências de transformação da sociedade capitalista tornavam-se cada vez mais e as propostas de uma sociedade socialista ganhavam espaço. O Estado da Razão – fundamentado na Revolução Francesa – fracassara complemente; o contrato social de Rousseau tomara corpo na época do terror; a burguesia perdida a fé na sua habilidade política, refugiou-se, primeiro, na corrupção do Diretório e, por último, sob a tutela do despotismo napoleônico. (...). A consolidação da indústria sobre as bases capitalistas converteu a pobreza e a miséria das massas trabalhadoras em condição de vida da sociedade. P 55

Embora esses burgueses tivessem que se transformar numa espécie de funcionários públicos, de homens de confiança de toda a sociedade, sempre conservariam, frente aos operários e assalariados, uma posição autoritária e economicamente privilegiada. P 56

Os fundamentos econômicos, sociais e culturais que dão origem ao positivismo são os mesmos que geram o materialismo dialético. O momento histórico continuava sendo de grande ebulição, agora com novos ingredientes já que a burguesia tinha novas necessidades, próprias de uma classe que necessitava consolidar seu poder econômico e político e, ao mesmo tempo, combater o proletariado que já começava a ela se opor. P 57

No século XIX era necessário o aparecimento de uma ciência da sociedade, que pudesse, à semelhança das ciências naturais, ser eficaz garantindo ao mesmo tempo compreensão e controle da sociedade e

das pessoas que a compunham. (...). Augusto Comte (1789-1857) [...]. Propõe uma teoria positiva, daí o nome do seu sistema Positivismo, em que se dedica à investigação dos fatos, que permitam um conhecimento utilizável baseado no empírico que leve à organização e certeza. P 58-59

Comte admite a necessidade de se melhorar a situação das classes baixas mas, sem que se destrua as barreiras de classes e sem que se perturbe a ordem econômica. As dificuldades sociais são essencialmente morais e não políticas. A ordem social se erige sob leis eternas que ninguém pode transgredir sem punição. P 59

O positivismo fundamentou epistemologicamente todas as ciências naturais e sociais, unificando os critérios metodológicos – observação, experimentação, raciocínio hipotético-dedutivo e indutivo (lógica formal), replicabilidade, previsão e controle. No entanto, tem sofrido críticas e reformulações no sentido de adequar-se às novas descobertas da física e das ciências humanas, tais como de solucionar os problemas lógicos decorrentes da linguagem, os problemas de observação, verificabilidade e experimentação dos fenômenos humanos e sociais, bem como as interferências do cientista no seu objeto de estudo. Mas a essência de suas propostas não tem se modificado. P 61

A partir da área da Medicina e da Saúde, Freud (1856-1939) e Jung (1875-1961), apoiados em questões práticas de como reintegrar indivíduos com “doenças nervosas” à sociedade, passam a estudar os processos simbólicos e a linguagem, buscando possíveis alternativas de tratamento (...). Estes pensadores, ao contrário de Wundt, não se encontravam nas universidades e presos à pesquisa acadêmica, mas mantinham suas atividades voltadas para o contato direto com as pessoas na clínica ou nos hospitais. P 92

Ao analisarem a lógica interna da fala dos pacientes, eles notaram que nem sempre havia uma relação direta com a experiência vivida. Porém, o que era relevante para a teoria não dizia respeito à veracidade dos fatos, mas à coerência interna do discurso interno do paciente. Neste sentido, eles puderam verificar que o discurso pode se referir à experiência vivida na realidade concreta ou a um desejo de passar por estas experiências. Foi a utilização sistemática do método comparativo de análise do discurso dos pacientes que levou Freud e Jung a proporem outros objetos de estudo para a psicologia: o inconsciente e o simbolismo da vida psíquica. P 93

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Educação Inclusiva: do que estamos falando?--------------------------------------------------------------------------------Rosita Edler Carvalho.O texto reflete as principais questões que têm sido discutidas nacional e internacionalmente, quando se trata de educação inclusiva. Embora todos os educadores estejam de acordo quanto à necessidade de melhorarmos a qualidade das respostas educativas de nossas instituições de ensino-aprendizagem para todos os aprendizes: crianças, adolescentes, jovens e adultos, ainda não há consenso quanto à forma de levar o sistema gestor de políticas educacionais e nossas escolas a assumirem a orientação inclusiva. Alguns, mais radicais, ou defendem a permanência da educação especial no seu ‘modelo’ de serviços, ou, defendem o desmonte da educação especial; outros, mais moderados, entendem que a educação especial precisa rever seus princípios e seus procedimentos, evoluindo para o ‘modelo’ de suporte. Retomando trechos da Declaração de Salamanca, fica ressaltada que a proposta de educação inclusiva não é específica para alunos e alunas com necessidades educacionais especiais ou outro termo que se escolha. Como processo contínuo, dialético e complexo diz respeito a qualquer aluno que, por direito de cidadania, deve frequentar escolas de boa qualidade, onde aprenda a aprender, a fazer, a ser e onde participe, ativamente. Inúmeros desafios são identificados e precisam ser removidos; dentre eles o aspecto atitudinal se destaca, particularmente pelos preconceitos e estereótipos com que a diversidade biológica tem sido tratada e internalizada no imaginário coletivo.Palavras-chave: Educação Inclusiva. Melhoria da Qualidade das Respostas Educativas. AspectoAtitudinal. A inclusão educacional tem ocupado significativo espaço de reflexões em todo o mundo, particularmente a partir da década de 90. Deve ser entendida como princípio (um valor) e como processo contínuo e permanente. Não deve ser concebida como um preceito administrativo, dado a priori, que leva a estabelecer datas, a partir das quais as escolas passam a ter o estado de inclusivas, em obediência à hierarquia do poder ou a pressões ideológicas.Parafraseando Eric Plaisance em seu texto de 2004, a inclusão não depende de si mesma, “pois ela é um novo desafio que demanda a clarificação dos meios de ação que viabilizem a transformação das escolas e, particularmente, que viabilizem o acolhimento das crianças ‘diferentes’”

1 . Existem inúmeras e contraditórias formas de pensar e de agir, no que respeita à inclusão, particularmente no espaço escolar, face à polissemia da aplicação do termo, que tanto se diz respeito aos espaços onde ocorre (inclusão física, inclusão social, inclusão no mundo do trabalho, inclusão na escola...), quanto aos sujeitos aos quais se refere (minorias étnicas, religiosas, de grupos sociais em desvantagens, de pessoas que frequentam ou não a escola, que estejam ou não em situação de deficiência...).Precisamos, portanto, colocar os pingos nos “is”, o que significa, em linguagem figurada, deixar claras algumas ideias, nem sempre consensuais entre aqueles que se debruçam sobre o tema.Decidi valer-me dessa expressão, muito utilizada na linguagem popular, não só por ser sugestiva de análises críticas como e porque, curiosamente, na língua portuguesa, alguns vocábulos que devem compor nossas reflexões sobre inclusão, iniciam-se com a letra /i/... Este é o caso de integração, identificação, identidade, individualização, ideais democráticos e do próprio vocábulo /inclusiva/, que até tem dois “is” a serem assinalados!Baseando-me na contribuição de inúmeros autores, particularmente de Mel Ainscow, PHD em Educação na Universidade de Manchester, na Inglaterra e do já mencionado Eric Plaisance, Doutor em Ciências Sociais pela Universidade René Descartes, Paris, organizo este texto considerando alguns desafios com os quais se defronta a inclusão (em qualquer dos espaços de aplicação do termo ou dos sujeitos a que se refere):• A “invocação moral e abstrata em favor da inclusão que engendra formas dissimuladas de exclusão” (Plaisance, 2004, p. 5); e• As barreiras humanas, materiais, financeiras, político-pedagógicas e organizacionais existentes.A invocação moralEste aspecto, de caráter abrangente e nada trivial, é desenvolvido pelo Prof. Plaisance (2004, p. 5) quando analisa o que ele denomina de moralismo abstrato ou universalismo abstrato, tão presente em apelos sentimentais em prol da inclusão de todos com todos, pelos benefícios que traz, principalmente para os ditos normais, quando se trata da inclusão de pessoas em situação de deficiência nas turmas do ensino comum.Tais apelos aparecem traduzidos como manifestações de amor ao próximo, como solidariedade humana ou como vocação e missão dos professores, sem levar em conta as condições concretas em que trabalham e as inúmeras influências exercidas, na educação, pelos modelos econômicos que regem as políticas públicas.

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Concordo com o autor quando afirma que “essa invocação moral e abstrata em favor da inclusão que engendra formas dissimuladas de exclusão” Em minhas experiências pessoais, constato que esse discurso moralizante e apelativo tem produzido efeitos paradoxais. Muitos professores negam se a receber, em suas turmas comuns, determinados aprendizes, percebidos como “muito diferentes”e para os quais se sentem despreparados. Outros os aceitam, reunindo-os num grupo à parte, produzindo exclusão, na inclusão.Aliás, em uma palestra da querida e saudosa Prof. Dra. Lygia Assumpção Amaral aprendi, com base nas reflexões de José de Souza Martins, que exclusão não é o avesso de inclusão, pois esta pode se manifestar como inclusão marginal, na medida em que a sociedade capitalista desenraiza, exclui, para incluir de outro modo, segundo suas próprias regras, segundo sua própria lógica. Estão, neste caso, aqueles aprendizes em situação de deficiência que aparecem fisicamente presentes nas turmas do ensino comum, mas que não participam das mesmas atividades propostas aos demais colegas e que, em muitos casos, nem recebem apoio especializado.A presença física como justaposição, não garante que os aprendizes estejam integrados uns com os outros, aprendendo e participando de todas as atividades escolares. Além da inserção física, é indispensável que todos os estudantes sejam beneficiados com a inclusão na aprendizagem e com a inclusão social, exercitando e desenvolvendo a plena cidadania. Outro aspecto importante, ainda na esteira do apelo sentimental, refere-se ao respeito às diferenças. Ainda que, com o uso da expressão se pretenda estimular a ética, calcada nos direitos humanos (inclusive o de ser diferente...), as práticas narrativas sobre o respeito às diferenças precisam ser, criticamente, analisadas.De um lado, a expressão respeito à diferença, na medida em que focaliza o sujeito significativamente diferente, deixa de enfatizar as normas e as práticas educativas que criam, mantêm ou reforçam as diferenças. De outro lado, o respeito às diferenças traz um ranço conservador e determinista, na medida em que esse apelo pode influenciar a formação de um imaginário coletivo no qual as pessoas com diversidade biológica acentuada estão e serão como são, sem que lhes seja possível evoluir, restando-nos, portanto, respeitá-las, tolerando-as...A tolerância, quando é utilizada como forma de apelo para garantir a presença de aprendizes em situação de deficiência nas turmas comuns, pode ser considerada como mais um desdobramento da análise sobre o moralismo abstrato.Para produzir este texto, reli um excelente trabalho - Reflexões sobre a Tolerância - de autoria de

Rao V.B.J.Chelikani, publicado pela UNESCO BRASIL, em 1999. Com muita clareza o autor nos faz lembrar que, em determinadas situações, a tolerância pode equivaler à acomodação ao status quo, ao fatalismo, especialmente quando seu oposto, a intolerância, tem raízes coletivas ou institucionais geradas pela insegurança, por exemplo. E a insegurança não se resolve com tolerância e sim com a organização de sociedades verdadeiramente democráticas nas quais os cidadãos possam, indistintamente, usufruir os bens e serviços coletivos, sem que isso seja considerado filantropia ou caridade.Apesar de a tolerância ser uma virtude pessoal - que reflete o comportamento social de um indivíduo-, precisamos reconhecer que tem conotações que “remetem à capacidade fisiológica de suportar determinados remédios ou a uma decisão dos poderes públicos, tomados com base em considerações de ordem política, teológica ou jurídica” (p.23).No que tange às pessoas que apresentam necessidades especiais decorrentes de uma situação de deficiência ou não, penso que a tolerância - como uma espécie de favor, de gentileza em “aguentar” sua presença -, ao lado do respeito à diferença, como forma de aceitação passiva do Outro-, estão no conjunto de práticas de moralismo abstrato e utópico e na contramão da ética da inclusão.A igualdade de oportunidades é outra expressão que merece nossas reflexões, particularmente porque consta de mandamentos legais e dos documentos nacionais e internacionais que nos apontam diretrizes para a educação inclusiva.O princípio geral é o da igualdade de direitos a oportunidades isto é, ao direito igual de cada um de ingressar na escola e, nela, exercitar sua cidadania, aprendendo e participando.Na medida em que, atendendo a todos e a cada um, buscamos aprimorar as respostas educativas de nossas escolas, de modo que o direito de todos à educação não fique, apenas, como retórica e se efetive na prática, agimos em consonância com o princípio da igualdade de oportunidades. Mas, será que devemos entender ‘igualdade de oportunidades’ como sinônimo de ‘oportunidades iguais’(as mesmas), para todos? Penso ser esta uma provocação interessante para provocar debates.As barreiras existentesSob essa denominação cumpre-nos examinar aspectos mais objetivos, porque referidos aos sistemas educacionais, às escolas, aos recursos humanos e, principalmente, aos próprios sujeitos da inclusão.Quem são eles?

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De modo geral, a proposta de educação inclusiva está, equivocadamente, relacionada apenas às pessoas em situação de deficiência.Abrindo um parêntese, imagino que alguns leitores devem estar interrogando se estou adotando uma nova terminologia, na medida em que me refiro às pessoas em situação de deficiência.Na verdade, mais uma vez, estou me valendo dos ensinamentos do Professor Plaisance baseados numa nova classificação dos níveis de deficiência, publicada em 2001. Nesta, em vez da tradicional classificação da OMS de 1980 que se refere à deficiência, incapacidade e impedimento (desvantagem social), a nova classificação ressalta o funcionamento global das pessoas, relacionando-o, intimamente, com os fatores contextuais que a cercam.Assim, a expressão pessoa em situação de deficiência apresenta a vantagem de relacionar as influências do meio com as capacidades que as pessoas podem desenvolver e manifestar. Servem como exemplo, duas pessoas com a mesma deficiência e que, segundo a situação e as condições em que vivem, vão encontrar maiores ou menores barreiras para suas necessidades de ir e vir, de aprender e de participar, em termos de precocidade, qualidade e intensidade das ajudas e apoios especializados que receberam. As situações contextuais que as envolvem sendo diferentes, igualmente diferentes serão os níveis de autonomia e de participação que poderão desenvolver, bem como a qualidade de seu ‘ funcionamento’ pessoal, social e escolar.Embora considere que discutir termos e expressões nem sempre nos ajude a descobrir os caminhos da inclusão, reconheço sua importância, pois, como bem sabemos – desde Foucault com ‘AsPalavras e as Coisas’, as palavras são fundantes dos sujeitos e dos objetos de que falam.Fechando o longo parêntesis creio que, de modo geral, os sujeitos da inclusão devem ser identificados dentre aqueles que não têm acesso aos bens e serviços histórica e socialmente disponíveis. Infelizmente estamos nos referindo a uma considerável parcela de nossa população.Inúmeros alunos com dificuldades de aprendizagem podem ser considerados em situação de deficiência decorrente de condições sociais e econômicas adversas, bloqueadoras de seu pleno desenvolvimento, mesmo sem apresentarem perturbações no nível biológico como cegueira, surdez, retardo mental, paralisia cerebral, por exemplos.Creio que merecem citação, dentre outros, os aprendizes com manifestações de transtornos invasivos do desenvolvimento e aqueles com dislexias, cujas origens orgânicas são aceitas por muitos estudiosos, mas não por todos.

Constata-se que estes últimos não estão mencionados - com a necessária visibilidade – nas discussões e documentos de política sobre educação inclusiva.Essas afirmativas fizeram-me lembrar do interessante artigo de Lima e Ramos (2003) intitulado:Legislação em Educação Especial no Brasil: o Paradoxo da Exclusão da Inclusão e Inclusão daExclusão. As autoras, de modo sutil e agudo, fazem-nos pensar que nossas Políticas de Educação não têm sido são muito explícitas quanto à inclusão e que, atualmente, os espaços dialógicos têm sido mais ocupados com as práticas excludentes, porque discriminatórias.E o evento de Salamanca, em 1994, de certo modo ocorreu para evidenciar a exclusão da inclusão das necessidades educacionais especiais de tantos e tantos alunos que precisam, definitivamente, constar das políticas educacionais e das práticas pedagógicas de todas as escolas. Não por apelos sentimentais, por respeito às diferenças e muito menos por tolerância...Destaco que a ideia-força que orientou o texto de Salamanca é a da escola para todos e não apenas para as pessoas com deficiência, como muitos supõem ser o eixo vertebrador da Declaração, à qualse seguem as Linhas de Ação com diretrizes para a universalização da escola.Lendo o texto da Declaração, parece não haver dúvidas de que os sujeitos da inclusão são todos: os que nunca estiveram em escolas, os que lá estão e experimentam discriminações, os que não recebem as respostas educativas que atendam às suas necessidades, os que enfrentam barreiras paraa aprendizagem e para a participação, os que são vítimas das práticas elitistas e injustas de nossa sociedade, as que apresentam condutas típicas de síndromes neurológicas, psiquiátricas ou com quadros psicológicos graves, além das superdotadas/ com altas habilidades, os que se evadem precocemente e, obviamente, as pessoas em situação de deficiência, também.Considerando-se o “espírito” da Declaração e os pronunciamentos de Mel Ainscow, a discussão sobre educação inclusiva impõe reflexões acerca dos seguintes temas:• o futuro da educação especial, em consonância com a política mundial de educação para todos;• os desafios enfrentados pelas escolas regulares para que assumam e pratiquem a orientação inclusiva em suas culturas, políticas e práticas;• as estratégias de alavancagem para mover um sistema educacional numa direção inclusiva.

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Apresento algumas considerações pertinentes a cada um dos três tópicos acima, valendo-me das contribuições do Prof. Mel, das de outros autores e de minha própria experiência.- O futuro da educação especial tem sido motivo de muitas polêmicas. Os que são mais radicais nas orientações inclusivas propõem o desmonte de todos os serviços existentes. Consideram que, em vez de educação especial, devemos falar em atendimento educacional especializado a ser, exclusivamente, oferecido nas classes comuns das redes regulares de ensino. Segundo Fávero Pantoja e Montoan (2004), o atendimento educacional especializado é conceituado como: Pantoja e MontoanAquilo que é necessariamente diferente do ensino escolar para melhor atender às especificidades dos alunos com deficiência, o que inclui, principalmente, instrumentos necessários à eliminação das barreiras que as pessoas com deficiência têm para relacionar-se com o ambiente externo. Por exemplo: o ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras), do código Braille, uso de recursos da informática e outras ferramentas tecnológicas, além de linguagens que precisam estar disponíveis nas escolas comuns para que elas possam atender com qualidade aos alunos com e sem deficiência(p.8).Segundo este conceito, o atendimento educacional especializado traduz-se, principalmente, pelos recursos linguísticos diferenciados o que, a meu ver, é suscetível de problematização.‘Recursos’(instrumentos) específicos têm conotação bem diferente do sentido de ‘atendimento especializado’, na medida em que este pressupõe a relação entre pessoas, das quais uma é especializada, inclusive no uso dos ‘instrumentos’ necessários, segundo a natureza da deficiência ea especificidade das barreiras enfrentadas pelos sujeitos.Outros autores sugerem que as discussões sobre educação especial devam ocorrer no contexto de uma agenda mais ampla, com foco na educação para todos, o que implica, necessariamente, no desenvolvimento de escolas regulares de melhor qualidade. Sob essa ótica, a visão dicotômica que identifica um sistema comum e outro especial de educação - este voltado para pessoas com necessidades educacionais especiais-, é substituída pelo entendimento da educação especial como um processo geral e que se traduz, nas escolas, por culturas, políticas e práticas inclusivas.Trata-se de mudança nos conceitos e nas práticas. E, como mudanças não ocorrem no vácuo, nem de um dia para outro, precisamos analisar nossas próprias atitudes frente à diferença, pois as transformações devem se processar a partir de nós mesmos. Igualmente, precisamos

rever nosso entendimento sobre o papel das classes e das escolas especiais.Estudos realizados por alunos de Mestrado e Doutorado e que estão sumarizados por Mendes,Ferreira e Nunes (2003) mostram que as classes especiais não estão integradas no cotidiano das escolas, assim como há desarticulação entre o projeto pedagógico da escola e os trabalhos desenvolvidos nas referidas classes. Outras observações dignas de registro evidenciam que: (a) os professores das salas de recursos nem sempre organizam seus planos de trabalho juntamente com os professores das classes comuns e (b) que a passagem de alunos das classes especiais para as comuns, como reintegração, não se dá com facilidade nem para o aluno, nem para seu novo professor.Com essas e outras constatações temos que reconhecer que as classes especiais e as salas de recursos não têm cumprido seu papel, cabendo examinar as causas.Penso que tais evidências não implicam na eliminação dos serviços oferecidos como educação especial, embora precisem ser repensados. A própria Declaração de Salamanca adverte que as políticas educativas deverão levar em conta as diferenças individuais e as diversas situações, comoé o caso de alunos surdos e surdos-cegos para os quais é mais conveniente que a educação seja ministrada em escolas ou em classes especiais, nas escolas comuns.O que fazer com e nas classes e escolas especiais são questões em aberto a merecer nossas considerações, a começar pela identificação dos alunos que, realmente, necessitam dessas modalidades de atendimento educacional especializado. Talvez, uma boa pista esteja na tipologia dos apoios que devem ser oferecidos, segundo as diferenças individuais e as diversas situações dos alunos.Penso que, com uma visão mais ‘moderada’ da educação inclusiva, o destino da educação especial alarga seu leque de compromissos, não mais como um sistema paralelo e muito menos com a permanência de suas práticas. Estas precisam ser examinadas, com bom senso e sem os extremismos apaixonados que nos impedem de perceber falhas e aspectos que precisam ser, urgentemente, modificados.Sob a ótica da mudança, as ações da educação especial também devem ser resinificadas como um conjunto de serviços e de recursos de apoio, orientados para a educação regular, em benefício de todos os aprendizes.- Os desafios para as escolas regulares assumirem uma orientação inclusiva em suas culturas, políticas e práticas, não são pequenos. De modo geral, faz parte da cultura das escolas explicar as dificuldades

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escolares de muitos e muitos alunos como resultantes de suas limitações pessoais e do contexto social em que vivem.Estou me referindo ao modelo do déficit que responsabiliza o aprendiz e apenas ele pelas dificuldades que manifesta e enfrenta. Nossa forma tradicional de pensar tem-nos levado a procurar o que “falta” em nossos alunos para compensá-los, educacionalmente. Essa concepção tem gerado movimentos de segregação, não só dos alunos, que acabam sendo encaminhados para ambientes muito restritivos, como da exclusão deles em nosso imaginário...A inclusão educacional exige que expliquemos dificuldades escolares não só tendo os alunos como focos, mas considerando-se as limitações existentes em nossos sistemas de ensino e em nossas escolas. O desafio implica numa nova visão de necessidades educacionais especiais que, além dados alunos, traduzem-se por necessidades das escolas, dos professores e de todos os recursos humanos que nelas trabalham.Mas, o maior desafio está nas salas de aula onde o processo ensino-aprendizagem ocorre de forma sistemática e programada. A grande questão parece ser: como planejar e desenvolver práticas pedagógicas verdadeiramente inclusivas, de modo a atender a todos e a cada um, valorizando o trabalho na diversidade, entendida como um recurso e não como obstáculo? O que nos falta para desenvolver práticas pedagógicas com direção inclusiva?Este tema precisa ser objeto de nossas reflexões, a começar pela problematização de alguns aspectos que vão desde a arrumação da sala de aula, até o desenvolvimento da aprendizagem cooperativa, com ênfase para a cultura do pensar.Outro desafio que tem sido enfrentado pelas escolas regulares diz respeito à avaliação. Esse tema é tão complexo e importante que justificaria outro artigo. Sem nenhuma pretensão de me aprofundar no tema, mas para não deixá-lo ‘ em branco’, vou me ater a alguns aspectos, sugerindoque sejam aprofundados e ampliados pelos colegas que se disponham a discutir as ideias que apresento neste artigo.O primeiro dos aspectos diz respeito à avaliação diagnóstica, muito compatível com o modelo do déficit e que queremos substituir. Do ponto de vista clínico, com vistas a tratamento é importante diagnosticar, buscar as causas e fazer prognósticos terapêuticos. Do ponto de vista pedagógico, o diagnóstico clínico nem sempre oferece aos educadores as pistas do que devem fazer, no âmbito pedagógico. Sob esse aspecto, mais importante é avaliar os fatores que bloqueiam ou facilitam a aprendizagem, com vistas a identificar e operacionalizar as providências pedagógicas a serem adotadas pelos professores, em sala de aula.

Quanto ao aproveitamento na aprendizagem, tudo o que se tem criticado sobre a avaliação como aferição do rendimento escolar, aplica-se a qualquer aluno. A avaliação não deve ter o papel de prática rotuladora que estigmatiza e segrega, mas, necessariamente, o de sinalizar as mudanças que precisam ocorrer.Passemos, finalmente, ao último tópico proposto.- As estratégias de alavancagem para mover um sistema educacional numa direção inclusiva levam-nosa pensar nos princípios que embasam a política educacional adotada e nas formas de administração consideradas como eficazes.Os princípios e valores que embasam as políticas educacionais constituem a base axiológica que move os formuladores de política. Se democráticos e centrados na aprendizagem em vez do ensino, os princípios serão verdadeiras alavancas que fazem sair da retórica para a prática, na medida em que o que está previsto nos objetivos, passa a acontecer, de fato.De certo modo, quando problematizei o conceito de inclusão, de respeito às diferenças, de tolerância e de igualdade de oportunidades, estive no terreno dos princípios, isto é, dos valores. E papel da avaliação, também, pode ser traduzido em princípios, quando suas práticas servem para qualificar o progresso das escolas e dos alunos e não como “medição”. Em outras palavras, em vez de valorizar aquilo que medimos temos que aprender a avaliar aquilo que valorizamos!Penso que esses temas, dentre outros, precisam ser discutidos nas Secretarias de Educação, nas Escolas, nas Universidades, na Comunidade e por políticos voltados para o bem comum e não para seus interesses pessoais.O conceito de inclusão é, dentre eles, o mais sutil porque inclusão é processo e não um estado, porque a movimentação física de alunos para que estejam presentes nas classes comuns não garante que estejam integrados com seus colegas e aprendendo e participando. Podemos estar presentes e excluídos...Se chegarmos a alguns consensos, concluiremos pela necessidade de rever a natureza das práticas que temos adotado, seja nas classes comuns, seja nas classes e escolas especiais, ou nas salas de recursos e por serviços itinerantes.Quanto às formas de administração dos sistemas, merece ser desdobrada em suas instâncias hierárquicas desde os gestores a nível central (MEC, Secretarias de Educação de Estados, de Municípios ou do Distrito Federal), até os dirigentes das escolas.Em qualquer dos níveis de planejamento e administração de sistemas inclusivos, a discussão dos princípios deve alavancar as decisões a serem tomadas e as providências cabíveis para atingir objetivos.

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Mas, uma boa administração precisa de dados confiáveis sobre alunos, professores e gestores.Precisa “ouvir a voz das crianças”. Precisa ouvir a voz das próprias pessoas em situação de deficiência.Lembro-me, agora, de uma experiência muito interessante ocorrida em São Luiz, Maranhão, onde foi solicitado a todos os alunos que escrevessem para o Secretário Municipal de Educação. Segundo informações do próprio Secretário, os dados obtidos nas cartas foram muito mais significativos e propositivos de mudanças do que aqueles coletados nas estatísticas e relatórios disponíveis!As práticas dialógicas envolvendo os atores são muito recomendáveis no espírito da administração compartilhada em que todos são, também, autores. Sei que é mais fácil falar ou escrever, sendo bem mais difícil concretizar, na prática, particularmente se não forem removidas as justificáveis insatisfações que a quase totalidade dos educadores manifesta.Queixam-se das condições materiais em que trabalham, dos seus baixos salários, do número de alunos por turma, do despreparo decorrente de sua formação inicial e continuada, da falta de tempo para, nas escolas, estudarem juntos, discutirem práticas pedagógicas, trocando “figurinhas”...Certamente não estou me referindo a nada de novo, pois essas e outras justas reclamações dos nossos educadores são bem antigas.Sabendo que vontade política é um ingrediente indispensável na busca de soluções, permito-me questionar, parafraseando o Prof. Mel: temos, governo e educadores, realmente, vontade coletiva de tornar nossas escolas inclusivas?Esta, creio, é a principal de todas as alavancas.Movê-la não depende só dos educadores e das escolas. A articulação entre as políticas públicas para a remoção das barreiras existentes é tarefa de todos nós. Mas não dependem de boa-vontade e sim de efetivas ações que garantam o funcionamento de escolas de boa qualidade para todos e com todos.Comentários FinaisNão pretendo cair no risco do moralismo abstrato e nem da retórica política. O processo é complexo, lento e sofrido, mas é possível melhorar as escolas que temos. É possível reverter os quadros do fracasso escolar evidentes nas estatísticas educacionais brasileiras. É possível remover barreiras para a aprendizagem e para a participação de todos os alunos (inclusive dos que estão em situação de deficiência), desde que haja vontade política, gerenciamento e lideranças competentes e convencidas, além de professores qualificados em sua formação inicial e continuada.

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PRÁTICAS INTERDISCIPLINARES NA ESCOLAClementina Terezinha de Jesus Monfardini1FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (org.). Práticas Interdisciplinares na Escola. SãoPaulo: Cortez, 1993

O Livro Práticas Interdisciplinares na Escola de Ivani Catarina Arantes(Org.) apresenta uma coletânea de dezesseis textos de autores que estudaram, durante um ano, questões teóricas de interdisciplinaridade que foram modificadas por seus autores conforme o grupo considerou necessárias.Os autores foram alunos dos cursos sobre Interdisciplinaridade;Interdisciplinaridade e Prática Pedagógica; Currículo; Comunicação e Pesquisa; eEpistemologia, ministrados na PUC São Paulo pela professora Ivani C. A. Fazenda(coordenadora da obra).Esses autores, apesar da insegurança percebida e vivida durante todo otrabalho, produziram seus textos da forma mais subjetiva possível a partir de suaspráticas, com a coragem de falar sobre elas e ao mesmo tempo analisando-as sob oparadigma teórico interdisciplinar que foi sendo construído com a própria prática.Tiveram a oportunidade de viver e exercer a interdisciplinaridade coletiva na sala de aula no curso que freqüentavam, exercitando-se nas práticas do aprender a aprender, do aprender a ensinar e do aprender a estudar.Ivani Fazenda apresenta dois textos constituídos por ela, produzidos paraoutros eventos que foram lidos e discutidos pelo grupo. No primeiro capítulo, a obra aborda o tema: Interdisciplinaridade: definição, projeto, pesquisa, estabelece as relações entre um conhecimento interdisciplinar, enfatizando que os currículosorganizados pelas disciplinas levam o aluno ao acúmulo de informações. Ao contrário, o pensar interdisciplinar tenta, através do diálogo com outras formas deconhecimento, interpenetrar por elas. Considera importante o conhecimento do senso comum que, ampliado através do diálogo com o conhecimento científico, adquire uma dimensão libertadora, possibilitando enriquecimento da nossa relação com o outro e com o mundo.

O importante para a autora é ter em mente que um projeto interdisciplinar nãoé ensinado mas sim vivenciado; exige a responsabilidade individual e ao mesmotempo um envolvimento com o projeto propriamente dito, com as pessoas e com asinstituições que fazem parte desse projeto.É essa prática do diálogo com outras áreas do conhecimento que nos leva àsrelações e às conexões de idéias, fazendo-nos perceber, sentir e pensar de formainterdisciplinar, exigindo a necessidade de transpor barreiras e a ousadia para inovar,criar e principalmente passar da subjetividade para a intersubjetividade.No segundo capítulo: Ciência e Interdisciplinaridade, a autora Maria Elisade M. P.Ferreira aborda a visão holística de mundo como a constituinte da essência dainterdisciplinaridade. “Ser interdisciplinar é saber que o universo é um todo [...]”;interdisciplinaridade é uma atitude, isto é, a externalização de uma visão holística demundo. Apresenta o significado do vocábulo física (physis) traduzido hoje pornatureza, que designa a ciência que tem servido de suporte às demais e, ao mesmotempo, o próprio fato da existência. A autora ainda mostra a distorção do significadoda palavra grega physis na civilização latina, onde passou a ser traduzida por natureza(ente natural) fazendo nascer a metafísica, sendo a ciência multiplicada em filosofia,arte, religião, seguindo caminhos opostos e uma visão fragmentada do mundo.Hoje, a unidade e a totalidade do universo exigem o repensar da ciênciafragmentada e o significado de interdisciplinaridade, considerado o prefixo “inter”como “troca” e disciplina “ciência”: daí o ato de troca, de reciprocidade entre as áreasdo conhecimento.No terceiro capítulo: Interdisciplinaridade: uma tentativa decompreensão do fenômeno – o autor Ismael Assumpção apresenta como objetivo a

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necessidade de compreender a interdisciplinaridade em seus fundamentos, com aintenção de analisá-la a partir dos seus elementos constitutivos. O termo pode sercompreendido a partir de seu significado original, dando-nos a possibilidade de pensar em trans-disciplinaridade, ou seja, no caráter dinâmico da interdisciplinaridade, naação unificadora do conhecimento que é resgatada na dialética homem-mundo.No quarto capítulo: Aspectos da história desse livro, a autora DirceEncanación Tavares procura explicar como foi se formando o grupo de estudosdedicado à interdisciplinaridade, composto por 22 membros provenientes de diferentes localidades brasileiras, com profissões diversificadas, personalidades diferentes,porém, com um único objetivo: querer pesquisar e trocar.No quinto capítulo: Introduzindo a noção de interdisciplinaridade, deSandra Lúcia Ferreira. Para conceituar interdisciplinaridade, utiliza-se de umametáfora: o conhecimento é uma sinfonia. Para sua execução, muitos elementosdevem estar presentes como: os instrumentos, as partituras, os músicos, o maestro, o ambiente, a platéia etc; o projeto é a execução da música; a participação de todos é necessária para que a sinfonia aconteça; a integração é importante, mas não éfundamental; para sua execução é preciso harmonia do maestro e a expectativa dosque assistem.A interdisciplinaridade tem a idéia norteada por eixos básicos: a interação, a humildade, a totalidade, o respeito pelo outro e é também marcada pelo sentimento de intenção consciente, clara, objetiva e não apenas pela interação de todos os elementos do conhecimento.Do capítulo sexto ao décimo terceiro, cada autor relata experiências educativasinterdisciplinares, procurando demonstrar que a prática interdisciplinar é um processo construído coletivamente, embora cada um assuma a sua metodologia, conteúdos e estratégias de aprendizagem.O capítulo décimo quarto constitui outro texto apresentado pela autora, cujotítulo é O trabalho docente como síntese interdisciplinar, apresentado no V Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, UFMG, Belo Horizonte em outubro de 1989. Procura contradições que são enfrentadas no trabalho docente e como estas têm determinado uma

postura pedagógica que se encaminha de um prática empírica à construção de uma prática reflexiva.No capítulo seguinte: O questionamento da interdisciplinaridade e a produção do seu conhecimento na escola, a autora Regina Bochiniak se dispõe a refletir sobre interdisciplinaridade como elemento indispensável para se repensar o processo de educação na sociedade atual.Considera que a bibliografia específica sobre interdisciplinaridade apesar deincipiente e a citação da palavra interdisciplinaridade em produções científicasrecentes muito utilizada, deixará de ser citação exclusiva da área de educação .No décimo sexto capítulo, com o título: Ubaiatu, “canoa das águas aplaudentes”... um lugar para a interdisciplinaridade; surgem as ilustrações embranco e preto que mostram o “Ubaiatu”, ou seja, um espaço-teatro, projeto quepermite o uso de um espaço para o movimento das partes durante o espetáculo(espaço é o ato teatral e a platéia faz parte do cenário). A sua multiplicidade permite o uso interdisciplinar do espaço e o teatro se transforma em sala de aula, laboratório, espaço para projeções, concertos, observatório.Os autores, em quase todos os textos, referem-se à obra de Fritijof Capra,autor do livro “O ponto de Mutação”, que nos permite refletir sobre o exercício de um novo paradigma, isto é, uma nova concepção de mundo, numa visão holística e numateia inseparável de relações e probabilidades de conexões.Outros autores citados, como Paulo Freire, Moacyr Gadotti, Japiassu, Libâneo,deram o embasamento teórico necessário para que o grupo, através de uma reflexão epistemológica cuidadosa, tivesse a possibilidade de avanços, deixando de lado os conhecimentos tradicionalmente sistematizados e organizados para que, transpondo as barreiras da insegurança, ser capaz de ousar na busca, na pesquisa, na inovação, na construção do projeto interdisciplinar.Quanto ao conteúdo, os textos são contextualizados com depoimentos deprofessores que deixam transparecer uma tendência pedagógica crítico-libertadora.Questionam a realidade das relações do homem com a natureza e com os outros,

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numa postura dialógica e inovadora, ousando na busca de novos encontros do fazer educativo.Os textos levam ainda ao questionamento e ao aprofundamento das reflexõespara que o educador compreenda melhor a sua prática em sala de aula, que não deve ser olhada apenas disciplinarmente para não acarretar limitações que acabamempobrecendo e fragilizando a evolução da escola atual.Os textos não são longos, apresentando uma linguagem acessível, sendoalguns enriquecidos com poemas e introduzidos com pensamentos de Bertold Brecht, William Blake.Destacam-se os dizeres da autora: “Perceber-se interdisciplinar é o primeiromovimento em direção a um fazer interdisciplinar e a um pensar interdisciplinar”.Baseando-se nessa maneira de pensar interdisciplinaridade, a autora de umdos textos, Maria Elisa de M. P. Ferreira, fez a introdução através do poema:“Perceber-se interdisciplinar”: “Perceber-se interdisciplinar é juntar esforços naconstrução do mundo, Desintegrando-se no outro, para com ele, Reintegrar-se nonovo...” (pág. 11)Em síntese, o livro pode ser usado no Ensino Superior, no Curso de Pedagogia,pois aborda um tema complexo – a interdisciplinaridade, que exige ainda muito estudo e investigação. No entanto, cada autor procura conservar a linguagem simples e clara, visando a uma rápida comunicação ao abordar as questões de interdisciplinaridade nocotidiano escolar de forma mais compreensiva, deixando claro os seguintes princípios: no trabalho interdisciplinar não é possível a justaposição de disciplinas, é mais intensodo que a multidisciplinaridade ou a pluridisciplinaridade. É preciso uma posturainterdisciplinar, devendo existir imbricações dos diferentes campos do conhecimento. No entanto, é imprescindível que o professor conheça o conceito de cada disciplina envolvida, para que possa integrá-la.

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FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Integração e interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro: efetividade ou ideologia. 4. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1996(1979). 107 p.Untitled-1 copy

O habitar dos conceitos como fonte reveladora da inteirezadas pesquisas e propostas de ensino

Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro: efetividade ou ideologia, de Ivani Catarina Arantes Fazenda, publicado pelas Edições Loyola, em 1996 (1979), na sua 4ª edição, aborda a interdisciplinaridade como uma nova atitude a ser assumida perante a questão do conhecimento, substituindo a forma fragmentária pela unitária do ser humano. E, para isso, a autora destaca, de modo bastante simples, porém de tamanha grandeza a questão interdisciplinar ao enfatizar que esta “não se ensina, não se aprende, apenas vive-se”.Esse viver a interdisciplinaridade é por ela habitado, desde a atitude que mantém diante da questão do conhecimento, como o clareamento de determinados conceitos que cerceiam a prática interdisciplinar. Conceitos, dentre os quais se destacam disciplina, multidisciplina, pluridisciplina, interdisciplina, transdisciplina, integração e interação.Quando discute o conceito de integração, trata que integração estaria relacionada, de modo bastante formal, às disciplinas, dando uma visão parcial, não de totalidade sobre o conhecimento. Enquanto que “interação é condição “sine quan non” para a efetivação da interdisciplinaridade, pois une, de fato, os conhecimentos e contribui para com a transformação da realidade.Entretanto, para que se possa “interagir” de forma produtiva com o meio e com o conhecimento, é preciso manter um constante contato com as nossas dúvidas, com os nossos limites, pois deles acabam surgindo razões de força para novas pesquisas, novas facetas pessoais e sociais e diferentes formas e atitudes para lidar com o conhecimento.De acordo com Hilton Japiassú, que prefaciou o livro, é preciso que façamos a substituição da “Pedagogia da Certeza” pela “Pedagogia da Incerteza”, pois como ele – um dos muitos parceiros de Ivani – mesmo destaca, “o conhecimento nasce da dúvida”. Japiassú comunga com as ideias de Fazenda e aponta que essa incerteza/subjetividade que circunda a questão do conhecimento revitaliza a produção científica. Além disso, sensibiliza-nos como seres aprendentes, inacabados diante do saber.

Concomitante com essas reflexões acerca da integração/interação e objetividade/subjetividade, a autora percorre o caminho sobre a formação do conceito de interdisciplinaridade e percebe que este não possui um único sentido e uma estabilidade. Conforme a intenção de pesquisa – atitude esta primordial para a constituição da aprendizagem interdisciplinar, a interdisciplinaridade poderá vir a ser utilizada de diferentes formas e apresentar-se como o ponto de encontro e de renovação da atitude perante o conhecimento.Dessa maneira, discorre acerca da não separação do conhecimento para com a prática dos sujeitos e aponta algumas das utilidades e obstáculos que implicam a prática da interdisciplinaridade.Em relação às benécies da interdisciplinaridade, aspectos de uma melhor formação geral e profissional são apontados, bem como o seu incentivo à formação de novos pesquisadores e novas pesquisas. Logo, contribui para amenizar a relação dicotômica existente entre ensino e pesquisa, pois apresenta-se como forma de compreender e modificar o mundo com diferentes olhares; olhares estes, habitados pela atitude interdisciplinar.Desse modo, facilmente chega-se a presumir que a interdisciplinaridade é apontada como uma exigência interna das disciplinas para restabelecer o saber em sua unidade.Em contrapartida, revela os obstáculos de efetivação da interdisciplinaridade. Para tanto, destaca dificuldades epistemológicas, institucionais, psicossociológicas, culturais, metodológicas, materiais e relacionadas à formação dos professores.Essas possibilidades e não possibilidades para a concretização da interdisciplinaridade são subsidiadas pela análise legal que a autora estabelece com a legislação Federal, Estadual e Municipal (SP) para a efetivação do ensino de 1º e 2º Graus e Ensino Superior, classificados hoje, de Educação Básica, nos seus níveis Fundamental e Médio e Educação Superior.Essa análise é bastante interessante porque caminha entre e sobre a legislação, estabelecendo uma reflexão crítica da realidade, revelando as similaridades existentes entre as referidas leis, bem como no que se tem avançado – ou não, para que a aplicação de uma proposta de aprendizagem unificadora venha realmente processar-se.Convém, no entanto, destacar a reflexão que Ivani Fazenda tece acerca da não compreensão de alguns conceitos relacionados à atitude interdisciplinar e aos aspectos legais, aflorando a necessidade de nós, enquanto professores, sujeitos aprendentes e ensinantes, tomarmos ciência desses termos para poder agir de modo fidedigno às suas origens, significados e pregações, para contribuirmos com a materialização de uma educação verdadeiramente unificadora.

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Nessas condições, após habitar a construção de conceitos, o revelar das possibilidades e não possibilidades para a concretude da interdisciplinaridade, bem como estabelecendo um paralelo legal, a nível Federal, Estadual e Municipal (SP), deparamo-nos, novamente, com a incerteza sobre o fazer interdisciplinar e sobre as responsabilidades que são direcionadas aos pesquisadores que se propõe desvelar questões dessa natureza. Porém, ao mesmo tempo, embriaga-nos e revitaliza-nos pela e com a possibilidade se sentirmos impregnados em nosso ser o desejo da mudança, da pesquisa e da não conformidade, ou seja, da metamorfose que se revela uma constante na interdisciplinaridade.Assim, por muitas vezes, aparentemente ”encasulados”, somos novamente lançados à vida e a ela somos convidados e instigados a atribuir cores novas, tornando viva a nossa capacidade de viver.

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FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. (Org.). A virtude da força nas práticas interdisciplinares. Campinas, SP: Papirus, 1999. 174 p.

A força viva na vida dos pesquisadoresEis a manifestação do SER!

A professora Ivani Fazenda organiza nessa obra um conjunto de 14 textos, textos esses de seus alunos, reveladores da virtude da força nas práticas interdisciplinares. Essa produção tem o intuito de homenagear, postumamente, Georges Gusdorf – um dos pesquisadores precursores da teoria da interdisciplinaridade - e a todos os professores que contribuem para a formação de seres cada vez mais “humanos, livres e completos”. A presente obra é editada pela Papirus, em 1999 e cinge os saberes particulares de cada pesquisador, que muitas vezes se encontravam/encontram adormecidos/calados em virtude da formação disciplinar que tiveram/tem. Nesse meio, o livro habita os sonhos de uma educação transformadora, ao indicar que o ato inicial parte sempre do desejo de um sonho, que pode até parecer utópico, mas que desencadeia uma nova ação, um novo rumo e um olhar mais aprimorado em relação aos seres e a nós como profissionais da educação. Outra característica ressaltada por Fazenda é a presença viva do respeito, da humildade, da pesquisa, do desapego, da interdisciplinaridade, seja com todas as suas facetas e com todas as suas dificuldades. Na sua escrita, oferta-nos sensivelmente, uma citação de Gusdorf, do qual é discípula, ao conduzir-nos à reflexão sobre a raridade das “ilhas de alegria”, bem como a força presente nesses pequenos momentos. A sua profundidade e a sua força tem o poder de marcar e mudar para sempre as nossas vidas.Célia Linhares abre essa coletânea com o texto Memórias e projetos nos percursos interdisciplinares e transdisciplinares, em que a autora reflete sobre as relações entre esses conceitos que envolvem a memória e os projetos que sustentam esses processos. Apóia-se em um resgate histórico para conduzir os leitores a uma compreensão além daquela que está posta. Sob essa ótica, podemos até nos desvincular do momento histórico, por sermos sujeitos em transformação, viventes em uma sociedade metamórfica, mas não podemos perder o vínculo com a história, pois somos sujeitos históricos, portanto, fazemos história por pertencer a esse contexto, remete-nos ao conhecimento, que por sua

vez nos insere na pesquisa; premissa para validar os saberes. Esses saberes também se encontram em movimento, fazendo emergir o novo. Este, surge quando ressignificamos o velho e o tornamos novo. Todavia, isso exige reflexão, deserção, tempo, prática/ação e um olhar aprimorado sobre si e sobre o mundo. Nessa perspectiva, Linhares nos mostra que o percurso histórico nem sempre acontece com tamanha linearidade. Ele se encontra envolto em muitas e muitas interferências no seu processo, pois consolida-se e reconfigura-se sempre; e nós, sujeitos viventes e partícipes dessas transformações, carregamos conosco um pouco de todas as mudanças já vividas. Por isso, superar o esfacelamento do saber e das disciplinas, exige que nos desfaçamos de resquícios que estão impregnados em nosso ser – pessoal/profissional. Desse modo, para assumirmos uma atitude inter e transdisciplinar, é preciso partir para a ação e senti-las vivas em nossas vidas.Fabio Cascino, com o texto Interdisciplinaridade, vontade e força: exercício de afirmação de vida nos mostra que, ao encararmos a ousadia que a vida nos impõe, lidamos, automaticamente, com o medo do que não sabemos, do novo. Porém, negar toda essa ousadia, seria assumir uma postura hipócrita diante das relações humanas, pois quem de nós não ousou fazer o não feito? Quem de nós não ousou escrever o não escrito? O não pensado? Toda essa vontade de experimentar o não experimentado nos contata com o limite e este “[...] é a própria consciência da possibilidade”. Cascino nos diz que a força emana de nós, daquilo que é bom e belo, como também, do limite finito que a morte nos impõe. Essa, em toda a sua finitude, pode ser burlada quando a racionalizamos, pois aquilo que produzimos permanecerá e com isso, o espectro de nossa presença se vivifica. Dessa maneira, a interdisciplinaridade nos oferta possibilidades para tratarmos dessas questões no processo de formação dos sujeitos, buscando romper as fronteiras que se mostram com a habilidade de seu olhar ambíguo, forte e ousado.Jucimara Rojas e Paulo Roberto Haidamus Bastos expõem o texto A força do símbolo. A virtude da metáfora. Uma expressão do ser. Os autores destacam que a metáfora nos faz caminhar entre a objetividade e a subjetividade, ao utilizar-se de uma linguagem simbólica para dizer e este dizer nem sempre é dito de modo direto, fica a cargo dos leitores interpretá-los. Para sequenciar as suas reflexões, valem-se do riso, dos Palhaços Gira-Gira e Gira-Sonho, metáforas lindas, profundas e sensíveis que nos tocam em relação ao Ser Professor, esse ser “gostoso” que precisa de alimento, de vida e de riso. Rojas e Bastos nos conduzem ao encontro; encontro com o sentido da ação do mestre, percebido nos mais variados lugares e nas mais diferentes situações/ações. Revelam que somos nós que escrevemos a nossa história e que o “primeiro

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outro” é o próprio “eu”, o olhar que tenho sobre mim; é o “outro” que habita dentro de mim. Assim, compreendê-lo é fundamental para virmos a ser, um só sujeito, num só corpo. E mais, para fazermos rir – enquanto professores/mestres – é preciso antes, rirmos junto, muitas e muitas vezes. É preciso fazer parte do espetáculo!Wânia Clemente de Castro, em Metáfora do Anel de Möbius: Forças nas redes de aprendizagem on-line nos traz reflexões sobre essa metáfora. Seus apontamentos cerceiam as relações estabelecidas – interiores e exteriores – com os saberes e com a vida dos sujeitos, ao interconectar corpo e mente. Castro considera que essa metáfora indica a não linearidade e a relação ambígua pela qual a nossa vida/conhecimento/mundo se estrutura e que, cada um, pertencente a um grupo, constrói um símbolo de acordo com a sua identidade singular. A autora elabora um atrativo quadro analógico, relaciona as associações existentes entre o Anel de Möbius, a interdisciplinaridade e as redes de aprendizagem on-line e nos convida, enquanto professores, a repensarmos a nossa prática, pois “[...] quando tudo parece perdido, há uma dobra e nela uma atitude, uma alternativa, ou uma possível saída”.Maria Inês Diniz Gonçalves nos toca com o texto Música: a força virtuosa que falta à educação. Essa produção, literalmente, soa como música no momento da leitura, da reflexão e da pesquisa. Os benefícios da música, bem como a sua força no contexto educativo e na vida/formação dos sujeitos circundam todo o desenvolvimento da obra. Gonçalves destaca, também, que o nosso desejo de seres viventes em saciarmos e entrarmos em contato com o novo, com aquilo que ainda não sabemos nos acompanha, instiga e alimenta para perseguirmos, mesmo que seja de forma utópica, os saberes ainda não sabidos, os sonhos ainda não sonhados e a felicidade ainda não encontrada. Nessa busca, a força individual é somada com a virtuosa força coletiva. Entretanto, a unicidade de cada ser, dentro de seu coletivo, ali permanece. Assim, a autora diz que a música tem a força de desentranhar o mais íntimo dos sentimentos e de despertar os seres por inteiros para a vida – com vida.Valéria Sperduti Lima em A virtude da linguagem na construção do conhecimento, utiliza-se de seu olhar de bióloga e de professora para compreender a natureza humana. Convida-nos à reflexão quando apresenta um mito indígena que envolve arco-íris, cores, singularidades, pedaços... Existe aqui o desejo do entendimento sobre a inteireza e a incompletude dos seres. Lima revela que a comunicação mostra aos outros os nossos desejos, as nossas ações, o “eu”. Esse “eu” que se mostra “nu” aos outros, através da comunicação, faz com que ofertemos a outrem a singularidade que nos cabe e deles recebamos as suas contribuições, também únicas. Dessa maneira, crescem “eus” e “outros”, pois ambos utilizam o encontro, a troca, a parceria, a

contemplação, a confiança, o conhecimento, o consenso e a linguagem. É um constante aprender e um sentir-se parte do todo que está sempre vivo.Diva Spezia Ranghetti traz o texto A força do ato de perguntar na ação reflexiva. A autora atenta sobre a força da pergunta, volta-se à interioridade e à exterioridade dos seres, ao mostrar o quão importante é esse momento para historicizar os acontecimentos nos processos de formação e de pesquisa dos sujeitos. “Desvela”, dessa maneira, as benécies dos professores apreenderem a se conhecer dentro da sua incompletude, a rever-se, a refletir-se, a ouvir-se, a perguntar-se, a falar, a renascer e a transcender-se enquanto seres e profissionais da educação. Nessa perspectiva, conduz os seus leitores à reflexão – a todo tempo – pois vivifica o texto com perguntas que nos inquietam e nos desestabilizam. Ranghetti habita esse espaço porque seus estudos revelaram que “[...] a primeira pergunta é para o sujeito que pergunta”. Portanto, quando este o faz, a força se manifesta. Referenda, também, a importância da afetividade em sua vida, a partir da pesquisa realizada em seu Mestrado. “Diva”, Professora/Mestra e amiga, nos presenteia com uma investigação repleta de sensibilidade, profundidade e envolvimento, o que demonstra que esse contexto foi habitado na sua inteireza, com toda a sua força.Vitória Kachar, com Transformação no trajeto do professor/pesquisador: uma reflexão singular, evidencia uma experiência de mudança por ela sofrida como professora diante de um grupo da terceira idade e perante seu processo de formação como professora/pesquisadora, ao abordar o tema computador/informática. Toda essa “metamorfose” exigiu um lidar constante entre objetividade/subjetividade, velho/novo, estabilidade/instabilidade, heterogeneidade/homogeneidade, prática/teoria... Kachar enfatiza a beleza e as vantagens de assumir-se, ao mesmo tempo, professor e aluno/aprendiz, pois essa vivência lhe propicia uma reflexão acerca da prática, do planejamento e da teoria, que mesmo sendo, aparentemente, “nova”, precisou do “velho” para reviver. Por isso a autora nos diz que a reflexão é o ponto de partida para a mudança, já que a formação dos seres espectra o inevitável contato com o complexo e com o simples que cinge a vida dos sujeitos. Sob essa ótica, a mudança faz parte da gestação contínua dos seres em relação ao seu crescimento pessoal/intelectual, profissional e social, não possui, portanto, tempos e espaços pré-determinados. Humanar-se é um processo infindável.Cristina Maria Salvador apresenta o texto Coordenação Pedagógica: Virtude e força na constituição da parceria e traz a metáfora do “maestro” para significar o trabalho do Coordenador na escola. Maestro, porque, do mesmo modo em que este rege uma sinfonia – e para isso

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precisa conhecer as especificidades e os sons de cada instrumento da orquestra, o Coordenador Pedagógico circunda o ambiente escolar e, sobre este, lança um olhar desejoso, inquiridor (familiar/estranho) e parceiro para desenvolver um trabalho harmônico na escola. Nesse viés, relata uma experiência vivenciada no Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM), onde foi desenvolvido um trabalho de verdadeira “maestria”, cooperativo, parceiro e social. Salvador avulta o trabalho surgido com base no encontro, na parceria com os outros – também pares, pois diz que “[...] o outro me arranca pensamentos e idéias dos quais não me sabia possuidora. Eu lhe provoco pensamentos, ele me leva a pensar”. Essa relação virtuosa com os outros emana força através da parceria firmada com a família, com o grupo de amigos, com colegas, educadores, alunos, teóricos, com Deus. Uma relação de virtude e de força, à primeira vista, estranha, mas que depois de habitada, torna-se tão familiar que fica difícil nos percebermos sem os outros, pois “somos juntos” aquilo que sozinho não teríamos condições de ser.Célio Pinho, com A virtude da força na formação do professor tece reflexões sobre a necessidade da escola acompanhar as transformações, já que a escolarização é premissa para qualquer tipo de formação. Menciona que essas mudanças exigem muito mais que leis, decretos, alterações curriculares ou pacotes de ensino; implicam atitude, ousadia e reflexão acerca das experiências já vividas. Pinho ressalta que a formação dos sujeitos/professores necessita caminhar para a compreensão dos seres; para o (des)conhecido, que se apresenta, ambiguamente, novo e velho a cada dia e para uma perspectiva interdisciplinar, em que a inteireza das potencialidades dos seres possam ser desenvolvidas. Dessa forma, é preciso se desfazer das amarras que nos prendem, com o intuito de vislumbrar novas saídas e buscar inserir a humildade e a vivacidade da alegria como força propulsora na formação dos professores.Geralda Terezinha Ramos socializa a produção Mudança: virtude e força na reconstrução da prática docente. A autora reflete, primorosamente, sobre as vantagens que a revisita ao passado proporciona aos seres que se permitem fazê-la. Revela que, apesar de todas as transformações pelas quais passamos, as marcas do vivido se fazem presentes e nos constituem enquanto seres/professores. Nessa perspectiva, carregamos um pouco de tudo aquilo que já vivemos e isso se revela em nossas ações. Os resquícios do vivido estão impregnados em nosso ser, por isso, mudar nem sempre é fácil. Ramos destaca que faz parte da mudança a aceitação do novo, a ruptura com o velho, o lidar com o binômio fragilidade/força, com a instabilidade, com a inserção da subjetividade, da incerteza e da ambigüidade. Atitudes diferenciadas

para contextos diversos, ou seja, assumir um olhar que vê além do que está posto – interdisciplinar.Gilberto Dimenstein apresenta A virtude da força na construção da cidadania: por que educar para a cidadania ajuda a melhorar o país e aprimora a qualificação profissional. Nesse texto, o autor aborda os benefícios de uma educação para a cidadania, como sendo esta a ponte que conduz os sujeitos ao progresso individual/social/profissional, apesar de todos os desafios que cerceiam a sociedade. Utiliza-se de seu olhar de jornalista, colunista e escritor de livros para refletir sobre os aspectos educacionais, pois se sente incomodado com algumas situações, apresentando-as em forma de perguntas que cingem o texto. Incorpora em seus escritos a experiência vivida em Nova York/Brasil, vivência esta que o fez perceber que a aparente “segurança”, de segura, nada tinha. As discussões são aprofundadas e divididas em “Saberes e fazeres, Descobertas, Comunicação, Alavancas, Mau aluno, Rota segura, Escrever na areia, de Sócrates a Paulo Freire e na Faculdade”.Luiz Carlos Pereira de Souza finaliza com a Atitude interdisciplinar: virtude força nas realidades cotidianas. Souza ressalta que a interdisciplinaridade tem sido enaltecida por muitos, porém, habitada por alguns poucos. Falta comprometimento, atitude. Atitude esta que deve ser vivida, sentida, refletida, praticada e não camuflada para “ficar bem na fita”. Acerca desse “disfarce”, referenda casos reais por ele presenciado num restaurante às margens do Tietê e numa favela próxima à Avenida Celso Garcia. Souza é enfático ao dizer que a atitude interdisciplinar imprime (re)construção, (des)construção, um olhar ambíguo, que nos convida a ver além do visto, sentir além do sentido e pensar o ainda não pensado. Pressupõe força/desejo/demência, ou seja, a ousadia necessária que contata os homens com a sua realidade, para nela, posteriormente, perceberem a presença da possibilidade, ainda viva. Nesse momento, diz o autor, que “a virtude da força está nos recursos que o homem encontra em si mesmo quando tudo parece perdido, quando nada mais lhe resta. Ele dá a volta por cima com a vontade soberana de encontrar a saída”. Eis a força, a vida viva e o sentido da interdisciplinaridade!Ivani Fazenda, juntamente com os seus parceiros, brinda a todos os seus leitores com esta obra, pois nela se encontram inscritos A virtude da força; essa força que está presente em todos os seres, porém, nem todos sentem a sua presença viva em suas vidas. Força capaz de permitir o pensar do impensado, de fazer o não feito, de ver o não visto... De simplesmente SER. Ser na inteireza, na complexidade e na simplicidade do SER pessoa/professor/pesquisador vivente dessa sociedade que se metamorfoseia a cada momento. Virtude ao conscientizar-se da sua não completude, da necessidade dos outros para

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desenvolver-se como SER, parceria essa originada pelo encontro; parceria que me permitiu, enquanto leitor, reflexibilizar sobre o lido/vivido/pensado/praticado, que proporciona-me momentos de profundo gozo intelectual e reaviva em mim o desejo firme de sempre SER; parceria que concedeu a manifestação da força e da vida como virtude.

Resenha produzida por Leomar Kieckhoefel,

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Compreender e Transformar o EnsinoSACRISTÁN, J. Gimeno; GÓMEZ

Sem compreender o que se faz, a prática pedagógica é uma reprodução de hábitos e pressupostos dados, ou respostas que os professores dão a demandas ou ordens externas. Conhecer a realidade herdada, discutir os pressupostos de qualquer proposta e suas possíveis conseqüências é uma condição da prática docente ética e profissionalmente responsável. As teorias e o pensamento educativo se apresentam, em muitos casos, como legitimadores de realidades e projetos com uma autoridade técnica que oculta as dimensões éticas, sociais, pedagógicas e profissionais dos fatos e usos no sistema educativo. Em Compreender e Transformar o Ensino, os autores analisam os problemas e as práticas que foram e são essenciais para dar conteúdo e sentido à realidade do ensino. Os professores como planejadores Embora o professor não seja o único agente que elabora o currículo escolar, possui um papel importante ao traduzir para a prática qualquer diretriz ou seleção prévia dos conteúdos. Desta forma, além do professor auxiliar na elaboração dos currículos escolares, sua participação vai além, desempenhando atividades práticas como a elaboração de roteiros de conteúdos, preparo de atividades ou tarefas, previsão de materiais que serão utilizados, confecção ou seleção dos mesmos, acomodação do mobiliário em sala de aula, etc. A prática de planejamento de professores pode ser vista sob uma perspectiva gerencial, isto é, como um passo que faz parte do processo de desenvolvimento do currículo. Também pode ser encarada sob uma ótica fenomenológica, onde a programação dos professores são as operações que estes realizam quando planejam. Já sob uma perspectiva técnico-cientificista, os professores, ao programar ou planejar, desejam alcançar racionalidade em suas decisões. A perspectiva psicológica, por sua vez, entende que os processos de planejamento incluem as atividades mentais que os professores desenvolvem ao realizar seus projetos, assim como quando aplicam os planos à realidade, visto que planejar implica tomar decisões, considerar alternativas e resolver problemas. E um enfoque coerente com a

tradição acadêmica determina que o professor, como planejador, deve seguir a estrutura interna do conhecimento que leciona em diferentes áreas ou disciplinas. Finalmente, a perspectiva prática entende o plano curricular como função básica dos professores, que reflete em seu trabalho a sua profissionalização. O enfoque prático concede valor à habilidade dos professores em buscar a forma de aprendizagem mais adequada aos interesses dos alunos, partindo da premissa de que aprender é conseqüência de um envolvimento pessoal e de um processo de reflexão que não pode ser previsto desde o começo. Porém, ao lado dos pontos positivos há também fatores negativos, e a maior dificuldade desse enfoque reside no fato de se apoiar demasiadamente nas possibilidades do professor, mas não propor soluções, deixando o educador totalmente à mercê dos acontecimentos externos.

Configuração de um modelo prático para os professores Num enfoque prático o professor não atua seguindo modelos formais ou científicos, nem segue à risca modelos de ensino ou de aprendizagem. Isso não impede, porém, que o professor possa aproveitar idéias e teorias científicas, mas quando fizer isso deverá sempre dar seu toque pessoal às situações que surgirem. Em seu trabalho em sala de aula, o primeiro desafio do professor consiste em manter a cooperação dos estudantes nas atividades propostas. Conseguindo que seu trabalho flua e que dê bons resultados. Sendo assim, o professor deve-se levar em conta os desafios mais elementares que o ensino apresenta, e não subestimá-los. Conclui-se que o sucesso dos planos curriculares devem muito à habilidade prática do professor em controlar e sanar situações deficitárias em seu ambiente de trabalho. Também para um bom sucesso na implantação dos planos curriculares e um melhor esclarecimento daquilo que se pretende, é importantíssimo que os professores os elaborem com base em esquemas mentais, geralmente não explicitados, e que por sua vez baseiam-se em esboços escritos. E o mais importante de qualquer programação escrita é que ela

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seja um reflexo real dos esquemas mentais, não seguindo pura e simplesmente exigências burocráticas da escola. O plano curricular significa para os professores a oportunidade de repensar a prática, representando-a antes de concretizá-la. O desenvolvimento dessas atividades deve seguir um processo cíclico: pensar antes de decidir, observar ou registrar o que acontece enquanto se realiza o processo e aproveitar os resultados e anotações tomadas em relação ao processo seguido para se ter em mente como melhor proceder em uma nova oportunidade. Quando um professor planeja encontra-se perante o fato de que é preciso ensinar os seus alunos, isto é, desenvolver um currículo. Para tanto pode-se partir de três considerações: a) Condições da situação na qual se realiza: A prática institucionalizada é uma realidade, podem até ser propostas algumas reformas, mas nunca será algo totalmente novo. Porém, pelo menos em parte, o caráter de determinada situação poderá ser moldado pelo professor. Não ocorrem situações totalmente abertas, mas tampouco de todo fechadas; b) O currículo dado aos professores e aos materiais: É preciso que os professores ponham em prática ações concretas para desenvolver o currículo a eles incumbido. Assim, com o auxílio de guias curriculares, livros-textos, etc, precisam, através de processos ensino-aprendizagem, efetivamente cumprir o estipulado nos currículos escolares; c) Um grupo de alunos por possibilidades e necessidades concretas: Toda a aprendizagem surge da interação do novo com o existente, por isso é preciso levar em conta a vida pregressa e as necessidades individuais dos alunos. Ao contrário do que expunham os planos altamente estruturados, que buscavam um modelo universal válido para todos os educandos, os professores devem entender o ensino como um processo singular. Por outro lado, as soluções que o professor pode dar em relação aos problemas com os quais se depara podem ser: a) Os dilemas ou possibilidades de planejamento: O professor deve decidir se faz um plano para toda sua disciplina, para uma unidade concreta, para um conteúdo delimitado, etc, defronte a um rol de possibilidades bastante extenso;

b) Previsão global de metas: O professor deve sempre ficar atento quanto às metas que se propôs alcançar, e ter em mente uma certa visão do que servirá para os alunos os trabalhos que realiza com eles; c) Experiência prévia: Ao mesmo tempo que a experiência prévia dos professores mostra-se bastante útil na condução de situações delicadas surgidas no processo ensino-aprendizagem, revela seu lado negativo ao acomodar o professor, inibindo-o de buscar novas soluções para seus problemas; d) Materiais disponíveis: Os recursos que o professor dispõe, não apenas os livros-texto, e sua capacidade para aproveitar e buscar materiais fora das salas de aula, auxiliam-no a escolher as atividades que melhor se enquadrarem ao que pretende. A própria experiência que o educador possui o fará buscar materiais apropriados, mais variados e atrativos para os alunos.

A utilidade do plano para os professores A utilidade fundamental do plano curricular desenvolvido pelos professores está nas seguintes razões: a) Facilita o enriquecimento profissional, por ser uma atividade que leva o professor a refletir sobre a prática de ensino; b) O plano determina as linhas gerais das atividades que serão desenvolvidas, o que serve como referencial a ser seguido pelos professores; c) O plano aproxima os educadores de seus educandos, pois alia o pensamento e a teoria com a ação de educar; d) Os planos, sendo referenciais de ações, dão mais segurança ao professor no desenvolvimento de suas atividades; e) Os planos prévios forçam o professor a buscar materiais de trabalho para suas aulas, deixando de basear-se pura e simplesmente no livro-texto;

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f) Os planos do professor, uma vez conhecidos e discutidos com os alunos, mostram-se uma forma de criar laços de comprometimento entre educador e educando; g) Os planos dos professores, somados aos registros efetuados em um diário de classe, mostrando a forma como foi desenvolvida a atividade, revelam-se uma boa forma de compartilhar informações com colegas do magistério; h) Se, depois de experimentados, os planos mostrarem-se positivos, serão um bom recurso para avaliar processos educativos.

Dimensões de um modelo prático Quanto às dimensões de um modelo de planos, não há uma fórmula mágica a se apresentar: o seu sucesso dependerá da situação particular de cada caso. Porém pode-se dar algumas sugestões: a) Metas e objetivos: É necessário que o professor entenda perfeitamente quais são suas metas e objetivos antes de começar a elaborar o seu plano. Convém que reflita sobre suas finalidades e compare as conseqüências do que faz com os objetivos propostos; b) Decisão de conteúdos: Planejar um currículo exige que o professor domine a matéria que irá transmitir aos seus alunos, que conheça os seus conteúdos a fundo para poder escolher os que mais interessarem em determinado momento; c) Organização do conteúdo: Na organização dos conteúdos deve-se abordar dois tipos de opções: os pontos de referência em torno dos quais agrupar o conteúdo (temas, unidades didáticas, lições) e a seqüência ou ordem dos mesmos; d) Tarefas ou oportunidades de aprendizagem: Enquanto os objetivos e conteúdos estiverem somente no papel, mostram-se inúteis, sua utilidade aparecerá quando forem efetivamente praticados. É necessário uma interação entre o estudante com o conteúdo para que se processe de fato a aprendizagem. Assim, os professores, ao analisar e selecionar as atividades, devem levar em conta a coerência com os fins gerais da educação, a capacidade para extrair possibilidades educativas genuínas

de uma disciplina, ver o grau de motivação, globalidade e estruturação da atividade, etc; e) Apresentação do conteúdo e dos materiais: Grande parte dos conteúdos do currículo necessitam de um suporte sobre o qual os alunos irão desenvolver suas atividades. Esses suportes poderão ser gráficos, imagens fixas, filmes, etc. Grande importância deve-se dar ao livro-texto, porque em torno de seu uso será organizada boa parte das atividades dos alunos; f) Produção exigida ao aluno: Para um professor poder avaliar os seus alunos, precisa que estes desenvolvam uma série de atividades, tais como resumos de textos, provas orais e verbais, etc. Porém quanto maior for o número de meios empregados, maior será a probabilidade de uma boa avaliação; g) A consideração das diferenças individuais: A aprendizagem é um processo que varia de aluno para aluno, mas ante a esta verdade buscar métodos específicos para cada aluno ou adaptar materiais para as necessidades de alunos com carências especiais está fora do alcance da maioria das escolas e professores da atualidade. Porém em relação às diferenças individuais, os professores podem optar por uma organização flexível de seu trabalho, que permita a expressão das pecularidades e uma atenção diversificada aos estudantes dentro da sala de aula; h) A participação e o compromisso dos alunos: Uma preocupação básica dos professores é que o ensino flua com naturalidade, e para tanto é necessário um certo compromisso e comprometimento do aluno com as tarefas estipuladas. Para que isso aconteça o conteúdo e as atividades devem adequar-se às possibilidades dos alunos e representar desafios estimulantes. Desta forma a educação deve ser atrativa e produto de uma colaboração entre professores e alunos, união de fatores que só tende a trazer resultados positivos; i) Adequação ao cenário: A atividade de ensino realiza-se em um determinado espaço físico, e cabe aos professores ordenar o mobiliário e os recursos didáticos existentes, distribuindo-os na melhor forma possível na sala de aula; j) Avaliação: A avaliação é uma exigência formal e que causa muito impacto em todos os envolvidos no processo ensino-aprendizagem. Assim, cabe ao professor fazer com que seja o menos traumática

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possível, através da escolha de melhores técnicas, do momento certo de realizá-las, definindo o real objetivo das mesmas, etc.