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Reflexes sobre a judicializao de polticas pblicas

Alice Gonzalez Borges

Palavras-chave: Polticas pblicas. Judicializao. Ativismo judicial. Reserva do possvel. Direitos sociais. Direito sade.Sumrio: 1 Introduo - 2 Judicializao. Polticas pblicas. Ativismo judicial - 3 Posies doutrinrias e jurisprudenciais a respeito da matria - 4 A natureza dos direitos sociais fundamentais - 5 A proteo ao mnimo existencial no Estado Social de Direito - 6 A dignidade da pessoa humana - 7 A doutrina da reserva do possvel - 8 Posio mais recente da jurisprudncia brasileira - 9 Formas de controle judicial das polticas pblicas - 10 O problema do direito sade - 11 Cautelas necessrias para o controle de polticas pblicas - 12 Concluso - Referncias1 IntroduoUltimamente, vem entrando em crise a concepo constitucional da independncia e harmonia entre os Poderes da Repblica (art. 2 - CF), quanto ao desempenho das funes que lhes so prprias.Vemos, de um lado, o Executivo enveredando pelo exerccio abusivo da funo legislativa, atravs de uma enxurrada incontrolvel de medidas provisrias, que praticamente tumultuam e inviabilizam o funcionamento regular do Legislativo.De outro lado, vemos um Legislativo inoperante e omisso no exerccio das funes que lhe so prprias, submisso ou acomodado ante as investidas invasivas do Executivo. enorme o nmero de matrias de grande interesse pblico que exigem constitucionalmente seu disciplinamento por lei para que produzam os efeitos desejados, mas que esbarram na inrcia parlamentar.Cite-se, a propsito, o exemplo emblemtico da omisso legislativa na regulao da greve dos servidores pblicos, prevista no artigo 37, inciso VII da Constituio.Em tais condies, um grande debate mobiliza atualmente os meios jurdicos nacionais: estar o Judicirio brasileiro, como acusam alguns, enveredando indevidamente pela invaso da funo legislativa, atravs de excessos na judicializao de polticas pblicas e no ativismo judicial, no somente pela execuo de medidas concretas, mas, tambm, por certas incurses na prpria rea normativa?Ou estar o Judicirio finalmente, com tais procedimentos, saindo da cmoda posio de autoconteno judicial, aps vinte anos de Constituio, e exercendo de maneira ativa a nobre funo de guardio que a Carta lhe conferiu, para suprir as omisses legislativas que tanto martirizam os cidados brasileiros sedentos de justia, e para dar concreo efetiva a seus direitos constitucionalmente assegurados?A verdade que, em nossa histria, nunca as decises do Judicirio, sobretudo atravs dos tribunais superiores, alcanaram importncia e projeo to grandes na opinio pblica, para a soluo dos complexos problemas jurdicos de nossa poca.Neste trabalho, abordaremos apenas um aspecto da questo, que diz respeito muito de perto seara do direito administrativo, qual seja o da judicializao das polticas pblicas.

2 Judicializao. Polticas pblicas. Ativismo judicialInicialmente, cumpre situar o que judicializao e o que poltica pblica.Na concepo de Lus Roberto Barroso, judicializao significa que algumas questes de larga repercusso poltica ou social esto sendo decididas por rgos do Poder Judicirio, e no pelas instncias polticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo... Como intuitivo, a judicializao envolve uma transferncia de poder para juzes e tribunais, com alteraes significativas na linguagem, na argumentao e no modo de participao da sociedade.1Como bem salienta o mesmo autor, o fenmeno tem causas mltiplas, algumas delas refletindo uma tendncia verdadeiramente mundial. Entre ns, aponta a redemocratizao do Pas operada pela Carta de 1988, levando ao fortalecimento e expanso do Judicirio e aumentando a demanda da sociedade brasileira por justia; a constitucionalizao abrangente de nosso ordenamento, que trouxe para o mbito constitucional inmeras matrias antes deixadas para o processo poltico majoritrio e para a legislao ordinria; o sistema brasileiro de controle da constitucionalidade, que o autor situa entre "os mais abrangentes do mundo", absorvendo as experincias dos modelos americano e europeu.Observa, a respeito, que na medida em que uma questo seja de direito individual, uma prestao estatal ou um fim pblico, disciplinada por uma norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretenso jurdica, que pode ser formulada sob a forma de uma ao judicial.2H que distinguir entre a judicializao e o ativismo judicial. Na judicializao, o Judicirio decide, porque o que lhe cabe fazer: na medida em que uma norma constitucional permite que dela se extraia uma pretenso subjetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matria. o dever que lhe impe o art. 4 da Lei de Introduo ao cdigo Civil.Com o ativismo judicial, o julgador vai mais alm. Instalando-se em situaes de retrao do Poder Legislativo, "... o ativismo judicial est associado a uma participao mais ampla e intensa do Judicirio na concretizao dos valores e fins constitucionais, com maior interferncia no espao de atuao dos outros dois Poderes".3Entre as formas de ativismo judicial, referido autor aponta, a seguir, "a imposio de condutas ou de abstenes do Poder Pblico, notadamente em matria de polticas pblicas".Mas, que se entende por polticas pblicas?Em notvel monografia, Maria Paula Dallari Bucci as define como "programas de ao governamental visando a coordenar os meios disposio do Estado e as atividades privadas, para a realizao de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados".4Esse programa de ao governamental consiste em uma atividade, isto , um conjunto organizado de atos e normas, conjugados para a realizao de um objetivo determinado.Ora, tal objetivo alcanado mediante o dispndio de recursos pblicos. Atravs das polticas pblicas que o Estado pode realizar os fins determinados pela Constituio.Toda e qualquer ao estatal envolve gastos de dinheiro pblico. Nem se diga que tal ocorre apenas com os direitos fundamentais sociais, ditos prestacionais, que exigem uma atuao direta do Estado, com investimento e previso oramentria. Tambm os direitos fundamentais chamados negativos, ou de defesa, necessitam de recursos para serem efetivados. Tal necessrio para a manuteno do aparelhamento estatal, instalaes fsicas e remunerao de pessoal, destinados a sua proteo.Oramento pblico. Polticas pblicas. O princpio da legalidade oramentria. Conflitualidade com a judicializao das polticas pblicas.Como observa Fernando Borges Manica, sob a gide do Estado Social e Democrtico de Direito e a partir da Constituio de 1988, o oramento pblico passou a desempenhar entre ns um novo e importante papel em relao s polticas pblicas. Com a definio constitucional de objetivos, metas e programas, abandonou a tradicional neutralidade e passou a transformar-se em instrumento da Administrao Pblica, diretamente relacionado com a adoo de polticas pblicas que materializem aqueles objetivos, metas e programas: "No Estado Social e Democrtico de Direito o oramento instrumentaliza as polticas pblicas e define o grau de concretizao dos valores fundamentais constantes do Texto Constitucional. Dele depende a concretizao dos direitos fundamentais".5Com efeito, a Constituio de 1988 estabeleceu um sistema de planejamento, que encadeia trs leis que se sucedem e se complementam: a Lei do Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Oramentrias e a Lei Oramentria Anual.Todos os planos e programas governamentais devem estar definidos no Plano Plurianual, nos termos do art. 165, 4, e a Lei de Diretrizes Oramentrias dever estar em harmonia com o Plano Plurianual (art. 166, 4), bem como a Lei Oramentria Anual.Ora, o artigo 85, inciso VI, da Constituio consagra o princpio da legalidade da despesa pblica: sob pena de responsabilidade, vedado ao administrador realizar qualquer despesa sem previso oramentria, nos termos do art. 167.Por sua vez, o legislador no tem liberdade total e completa para a elaborao do oramento e para a disposio dos recursos pblicos a seu bel-prazer. H que obedecer, nesse sistema de planejamento, aos princpios constitucionais que presidem receita (legalidade tributria, anterioridade, irretroatividade tributria, capacidade contributiva e outros) e aos limites formais e materiais da despesa, entendidos, estes ltimos, como aqueles respeitantes aos valores, objetivos e programas condensados, sobretudo, no artigo 3 da Constituio.6No se discute o poder que tem o Judicirio para controlar a obedincia das despesas oramentrias aos limites formais, j taxativamente estabelecidos no texto constitucional em vrios dos seus dispositivos.O mesmo no ocorre, porm, quanto aos da poltica oramentria, na medida em que os limites materiais dizem respeito, como vimos, concretizao dos valores, objetivos e programas definidos pela Constituio, que tm no Judicirio o seu guardio mximo.Pem-se a, exatamente, vrias questes modulares pertinentes justiciabilidade das polticas pblicas, que empolgam os debates atuais, na doutrina e na jurisprudncia:- podem os cidados em geral, bem como o Ministrio Pblico, exigir judicialmente a execuo concreta de polticas pblicas, mesmo no expressamente previstas nas leis oramentrias, na medida em que digam respeito aos princpios, objetivos e valores constitucionais?- se e como o Judicirio pode provocar a execuo de tais polticas?- no existiria uma evidente conflitualidade entre o princpio constitucional da legalidade oramentria e a interveno do Judicirio para a concretizao de determinadas polticas pblicas que eventualmente no estejam previstas no oramento pblico?- cabendo o planejamento e a execuo das polticas pblicas, precipuamente, ao Legislativo e ao Poder Executivo, ditos majoritrios porque eleitos pelo povo, seria legtima tal interveno do Judicirio, que no eleito pelo povo? Isto no configuraria uma quebra da regra constitucional da independncia entre os Poderes da Repblica?- sendo, como notrio, inmeras e cada vez mais crescentes as necessidades dos administrados, e relativamente escassos os recursos pblicos para atender adequadamente a todas elas, pode o Judicirio, em nome da concretizao dos direitos fundamentais, interferir na discricionariedade administrativa para determinar quais desses interesses devero ter atendimento prioritrio, e, consequentemente, manejar a aplicao dos recursos pblicos nessa direo?A matria altamente polmica, na doutrina e na jurisprudncia, no somente no nosso Pas como em muitos outros, sendo de destacar-se a respeito as lies de Alexy, Haberle e Canotilho, bem como certas decises do Tribunal Federal da Alemanha, frequentemente citadas.Como muito bem resume Fernando Scaff,7 Robert Alexy, na obra intitulada Teoria de los Derechos Fundamentales (Madrid: Centro de Estudios Polticos y Constitucionales, 2001. p. 488), sustenta que a liberdade jurdica para fazer ou deixar de fazer algo, sem a existncia de liberdade ftica ou real, carece de qualquer valor, invocando deciso do Tribunal Constitucional Alemo, no sentido de que "o direito de liberdade no teria valor algum sem os pressupostos fticos para poder fazer uso dele". Argui, mais, que a liberdade ftica de um sem-nmero de titulares de direitos fundamentais no encontra seu substrato material em seu meio, mas depende essencialmente de atividades estatais.Ocorre que sua discusso particularmente oportuna para a realidade de nosso Pas, tendo em vista suas caractersticas especiais, que vale destacar:- definio expressa, no texto constitucional, dos princpios e objetivos fundamentais, cuja concretizao se impe, sobretudo pelo disposto no artigo 5, 1 e 2;- atribuio ao Judicirio de papel muito importante, como guardio desses princpios e objetivos, inclusive com os instrumentos poderosos de controle de constitucionalidade que lhe so conferidos;- a realidade devastadora do descaso e descumprimento das polticas pblicas j estabelecidas e das que so impostas pelos princpios constitucionais, atravs da descontinuidade administrativa, da inpcia dos governantes, da omisso dos Legislativos e de uma corrupo generalizada.3 Posies doutrinrias e jurisprudenciais a respeito da matriaPodem distinguir-se, atualmente, algumas correntes bem definidas pela doutrina, bem como pela jurisprudncia nacional, no trato de matria to relevante:- a da extrema impossibilidade de interveno do Judicirio no cumprimento das polticas pblicas, salvo para fins de controle de legalidade dos atos administrativos, tendo em vista a regra da independncia entre os Poderes e a do respeito discricionariedade administrativa no campo prprio da atuao do Executivo;- a da ampla possibilidade de interveno do Judicirio nas polticas pblicas, sempre que houver violao de um direito fundamental;- a da possibilidade de interveno do Judicirio nas polticas pblicas para assegurar a concretizao de um direito fundamental, porm condicionada efetiva disponibilidade de recursos oramentrios suficientes (RESERVA DO POSSVEL);- a da possibilidade de interveno do Judicirio nas polticas pblicas, sempre que envolvam a necessidade de prestaes positivas do Estado em casos extremos.Antes que prossigamos na anlise do tema, cumpre sejam deslindados alguns aspectos doutrinrios bsicos e essenciais, quais sejam:- os direitos fundamentais de segunda dimenso, tambm denominados de direitos prestacionais, ensejam a invocao de direito pblico subjetivo para sua proteo, ou no passam de formulaes programticas, sempre a depender de lei para sua efetiva concretizao?- nosso ordenamento constitucional, como caracterizador do Estado Social de Direito, assegura aos seus cidados a proteo do chamado mnimo existencial;- nosso ordenamento jurdico-constitucional consagra expressamente, como fundamento do Estado Democrtico de Direito, a dignidade da pessoa humana;- vem sendo invocada, em nosso direito, a teoria da reserva do possvel, para que o Judicirio se escuse de dar concretizao ao cumprimento de certos direitos fundamentais, tendo em vista a escassez de recursos pblicos para atender a todas as necessidades. da vida social, cada vez mais crescentes.4 A natureza dos direitos sociais fundamentaisA doutrina distingue os direitos fundamentais de primeira dimenso, ou gerao, dos direitos fundamentais de segunda dimenso, ou gerao.Os chamados direitos fundamentais de primeira dimenso correspondem, essencialmente, ao pensamento liberal-burgus do sculo XVIII, de cunho fortemente individualista, consubstanciado na Declarao de Direitos do Povo da Virginia e na Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado de 1789, as quais serviram de base para as primeiras Constituies escritas do mundo ocidental. Surgem e afirmam-se, basicamente, como direitos do indivduo perante o Estado, dirigidos a uma absteno dos poderes pblicos perante sua esfera de autonomia individual. So em princpio considerados direitos negativos ou de defesa, "de resistncia ou de oposio perante o Estado", na concepo de Paulo Bonavides, que os inclui entre os direitos civis e polticos.8 Tais so os direitos vida, liberdade, propriedade e igualdade, desdobrados nas liberdades de expresso coletiva (de expresso, imprensa, manifestao, reunio, associao e outros), nos direitos de participao poltica (voto e capacidade eleitoral passiva), nas garantias processuais do devido processo legal, do uso dos remdios hericos, do direito de petio e outros.9J o que caracteriza os chamados direitos de segunda dimenso, que muitos chamam de "direitos prestacionais", o seu carter predominantemente positivo, atravs da exigncia de comportamentos ativos do Estado na realizao da justia social, da outorga ao indivduo de direitos a prestaes sociais estatais, tais como assistncia social, sade, educao, trabalho, moradia, etc. So as liberdades-prestao a que sempre aludiu George Burdeau, prestaes concretas que asseguram ao indivduo condies para o exerccio das suas liberdades, na moderna concepo do Estado Social de Direito.Alm disso, os direitos de segunda dimenso englobam ainda as liberdades sociais (sindicalizao, greve) e os direitos fundamentais dos trabalhadores previstos no art. 7 CF (frias, repouso remunerado, salrio mnimo, jornada de trabalho, etc.). E mais outros direitos espalhados pelo texto constitucional, como o direito cultura.Est hoje pacificado na doutrina nacional e no direito comparado o carter fundamental dos direitos sociais, por muito tempo objeto de polmica.Em nosso ordenamento constitucional tal se torna evidente. Isto porque os artigos 6 e 7 da Constituio esto includos no mesmo Ttulo II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais; o artigo 5, 1, dispe que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais (sem distinguir quais) tm aplicao imediata; o art. 5, 2, adota uma concepo aberta dos direitos fundamentais, na medida em que inclui entre estes, alm dos expressos no texto constitucional, outros, implcitos, decorrentes do regime e dos princpios por ele adotados, bem como dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte.O que se pe como objeto de acendradas controvrsias na doutrina e na jurisprudncia diz respeito ao carter predominantemente positivo, material, das prestaes dos direitos sociais e dos graus de sua exigibilidade pelos cidados, de modo a ensejar, ou no, a invocao de direitos subjetivos.Decerto, pois, para a determinao dessa exigibilidade h uma gama diversificada dos direitos sociais.Temos aqueles que emanam de enunciados do texto constitucional que apenas fixam determinadas diretrizes a seguir, mas demandam toda uma implementao e execuo de polticas pblicas na esfera socioeconmica. o caso do art. 215 da Constituio, que assegura a garantia do pleno exerccio dos direitos culturais e o acesso s fontes da cultura nacional.Temos aqueles que j expressamente se referem a sua concretizao futura por lei, como o caso, exemplificado por Ingo Sarlet, do art. 7, inciso XI participao dos trabalhadores nos lucros e na gesto da empresa.Temos, ainda, o numeroso elenco dos direitos sociais j plenamente assegurados e disciplinados por normas infraconstitucionais, e cuja violao assegura aos cidados o direito de defesa na via judicial, em nome da ofensa ao direito de igualdade, por injustificada discriminao. o caso do direito de acesso a instituies pblicas de ensino, como escolas e universidades, e do direito de utilizao de bens e instituies, tais como teatros e estdios esportivos. (A esse respeito, a matria foi recentemente discutida em So Paulo, com pronunciamento oficial da OAB, no caso do pretendido condicionamento do ingresso em estdios de futebol a um prvio "cadastramento oficial" de torcedores, com exigncia de um carto especfico. A generalizao dos protestos da opinio pblica levou a um recuo da Administrao).Temos, por fim, o difcil, delicado e polmico terreno daqueles direitos sociais, assegurados pela Constituio, que no dependem de lei futura para sua concretizao, no foram ainda regulados por lei, mas que se discute possam ser objeto de ao do administrado para exigir o cumprimento direto de sua prestao atravs de determinadas polticas pblicas, em nome dos princpios, valores e objetivos constitucionais.5 A proteo ao mnimo existencial no Estado Social de DireitoNossa Constituio, dentro do modelo do Estado Social de Direito, que indiscutivelmente adotou no enunciado do artigo 3, assegura amplamente, no conjunto de suas disposies espalhadas por todo o Texto, sobretudo no que diz com as imunidades tributrias, a proteo ao chamado mnimo existencial. A concepo do mnimo existencial, frequentemente invocada por decises do Judicirio, corresponde ao direito s condies mnimas de existncia digna, sem as quais cessa a possibilidade de sobrevivncia do homem, bem como de desfrutar as liberdades que o ordenamento jurdico abstratamente lhe assegura.No dizer de Ricardo Lobo Torres, "a dignidade humana e as condies materiais de existncia no podem retroceder aqum de um mnimo, do qual nem os prisioneiros, os doentes mentais e os indigentes podem ser privados".10O reconhecimento da existncia de um padro mnimo na esfera dos direitos sociais, que no pode ser desrespeitado sem ofensa prpria dignidade da pessoa humana, leva, em certas condies, necessidade de admitirem-se direitos subjetivos a prestaes, diretamente exigveis na via judicial, aplicveis independentemente da existncia de norma legislativa concreta a respeito da matria, bem como de sua previso oramentria.Fernando Scaff11 observa, com muita propriedade, que h uma estreita vinculao entre o mnimo existencial e os direitos fundamentais sociais, nos pases perifricos com grandes desigualdades socioeconmicas, como o Brasil. O atendimento de necessidades bsicas, como educao, sade, moradia, saneamento bsico e outras, h de ser feito sobretudo pelo Estado, porque o sistema de mercado atende a quem tem dinheiro para adquirir mercadorias e servios, mas insuficiente para servir a quem no possui os recursos necessrios para tanto:Para assegurar o "mnimo existencial" no mbito positivo (status positivus libertatis), imperioso garantir o status de direito fundamental aos direitos sociais. Sem isso, os direitos fundamentais sero letra morta, pois se configuraro em liberdades jurdicas, sem possibilidade ftica de exerccio por grande parte da sociedade. Grande parte da sociedade ser excluda da comunidade jurdica, pois no poder exercer seus direitos, mas ser compelida a cumprir seus deveres para com o Estado e as demais parcelas da sociedade.O direito s condies mnimas de existncia digna est implcito na proclamao dos princpios do Estado Social de Direito e no respeito dignidade da pessoa humana.Nesse sentido, Isensee12 subordina o mnimo existencial dignidade humana, "que no apenas um direito fundamental, mas o fundamento dos direitos fundamentais".6 A dignidade da pessoa humanaEm nosso pas, o ordenamento jurdico-constitucional expressamente entronizou a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrtico de Direito (art. 1, inciso III), do qual emanam todos os outros direitos sociais fundamentais. Bem assim, como finalidade precpua da ordem econmica (art. 170, caput). Tambm aparecem expressas menes ao respeito da dignidade da pessoa humana no captulo respeitante ordem social (arts. 226, 6 e art. 227, caput).Nem todos os pases integrantes da comunidade internacional inseriram expressamente, como o nosso, o princpio da dignidade da pessoa humana em seus textos constitucionais. o caso, sobretudo, da Constituio Federal da Alemanha (art. 1, inc. I), Espanha (prembulo e art. 10.1), Irlanda (prembulo), Grcia (art. 2, inc. I), Portugal (art. 1), Paraguai (prembulo), Cuba (art. 8) e Venezuela (prembulo).13A insero expressa do princpio como fundamento na Constituio brasileira se reveste de especial importncia para a orientao de nossa doutrina e jurisprudncia na soluo de casos concretos. Nem sempre pode servir-lhe de parmetro a invocao do direito comparado que no segue igual orientao.Em nosso direito, a preservao da dignidade humana , ao mesmo tempo, limite e dever de ao dos poderes estatais.Como bem resume Ingo Wolfgang Sarlet,14 a respeito do contedo do princpio, o que se percebe, em ltima anlise, que onde no houver respeito pela vida e pela integridade fsica do ser humano, onde as condies mnimas para uma existncia digna no forem asseguradas, onde a intimidade e identidade do indivduo forem objeto de ingerncias indevidas, onde sua igualdade relativamente aos demais no for garantida, bem como onde no houver limitao de poder, no haver espao para a dignidade da pessoa humana, e esta no passar de mero objeto de arbtrio e injustias. A concepo do homem-objeto, como visto, constitui justamente a anttese da noo da dignidade humana.7 A doutrina da reserva do possvelA mais moderna tendncia de nossa doutrina e jurisprudncia a de garantir a interveno do Judicirio na execuo das polticas pblicas, nos casos em que se discute a aplicao efetiva dos direitos fundamentais sociais, bem como a preservao de um mnimo existencial e a obedincia ao fundamento da dignidade da pessoa humana.Contra essa orientao, entretanto, tem-se invocado entre ns a teoria da reserva do (financeiramente) possvel. A interveno do Judicirio na execuo das polticas pblicas, ainda quando apoiada na prevalncia dos direitos fundamentais e dos princpios constitucionais, esbarraria no bice da falta de recursos financeiros do Estado disponveis para atender a necessidades cada vez mais crescentes.A teoria da reserva do possvel Vorbehalt des Mglichen surgiu, na dcada de 70, atravs de um julgamento da Corte Constitucional Alem. Examinando-se a invocao do direito de acesso s vagas em estabelecimentos oficiais de ensino superior, firmou aquela Corte o entendimento de que a construo de direitos subjetivos s prestaes positivas do Estado dever estar condicionada reserva do possvel, no sentido da disponibilidade de recursos, isto , daquilo que razoavelmente o indivduo pode esperar da sociedade.A teoria alem da reserva do racionalmente possvel assumiu entre ns, ante as peculiaridades das condies socioeconmicas do Pas, o carter de reserva do financeiramente possvel, e nesse aspecto que frequentemente vem sendo invocada perante os tribunais. Segundo observa Fernando Scaff,15Esta teoria somente pode ser arguida quando for comprovado que os recursos pblicos esto sendo utilizados de forma proporcional aos problemas enfrentados pela parcela da populao que no puder exercer sua liberdade jurdica, e de modo progressivo no tempo, em face de no conseguir a liberdade real necessria para tanto (Robert Alexy), ou no puder exercer suas capacidades para exercer tais liberdades (Amartya Sen).A jurisprudncia tem exigido, entretanto, a efetiva comprovao da real inexistncia, ou da exausto de recursos financeiros, no bastando para isso uma simples alegao genrica, pautada freqentemente pela inteno, de certas administraes, de simplesmente escusarem-se ao cumprimento dos direitos prestacionais assegurados pela Constituio.Neste sentido, cabe invocar recente deciso do Superior Tribunal de Justia:RECURSO ESPECIAL AO CIVIL PBLICAARTIGOS 54 E 208 DO ESTATUTO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE MATRCULA E FREQUNCIA DE MENORES DE ZERO A SEIS ANOS E CRECHE DA REDE PBLICA MUNICIPAL.1. O Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n 8.069/90) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educao (Lei n 9.394/96, artigo 4, IV) asseguram o atendimento de crianas de zero a seis anos em creches e pr-escolas da rede pblica.2. Compete Administrao Pblica propiciar s crianas de zero a seis anos acesso ao atendimento pblico educacional e a freqncia em creches, de forma que, estando jungida ao princpio da legalidade, seu dever assegurar que tais servios sejam prestados mediante rede prpria.3. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ngulo, o direito subjetivo da criana. Consectariamente, em funo do princpio da inafastabilidade da jurisdio consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ao que o assegura, sendo certo que todas as crianas, nas condies estipuladas pela lei, encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juzo. (REsp. n 575.280-SP, relator para o acrdo Ministro Luiz Fux, DJ de 25.10.2004)4. A considerao de superlotao nas creches e de descumprimento da Lei Oramentria Municipal deve ser comprovada pelos Municpios para que seja possvel ao rgo julgador proferir deciso equilibrada na busca da conciliao entre o dever de prestar do ente pblico, suas reais possibilidades e as necessidades sempre crescentes da populao na demanda por vagas no ensino pr-escolar.5. No caso especfico dos autos, no obstante tenha a municipalidade alegado falta de vagas e aplicao in totum dos recursos oramentrios destinados ao ensino fundamental, nada provou; a questo manteve-se no campo das possibilidades. Por certo que se tratando de caso concreto no qual esto envolvidas apenas duas crianas, no haver superlotao de nenhuma creche.6. Recurso especial provido. (Acrdo da Segunda Turma do STJ de 17 de abril de 2007, Relator Ministro Joo Oliveira de Noronha, publ. no DJ 6.11.2008, In: Selees Jurdicas ADV, p. 49-54, fev. 2009)A esse propsito, lapidar a colocao doutrinria de Alexy, ao preconizar a necessidade de um modelo que leve em conta, para os devidos juzos de ponderao, todos os argumentos favorveis e contrrios aos direitos sociais:Considerando os argumentos contrrios e favorveis aos direitos fundamentais sociais, fica claro que ambos os lados dispem de argumentos de peso. A soluo consiste em um modelo que leve em considerao tanto os argumentos a favor quantos os argumentos contrrios. Esse modelo a expresso da idia-guia formal apresentada anteriormente, segundo a qual os direitos fundamentais da Constituio alem so posies que, do ponto de vista do direito constitucional, so to importantes que a deciso sobre garanti-las ou no garanti-las no pode ser simplesmente deixada para a maioria parlamentar. (...) De acordo com essa frmula, a questo acerca de quais direitos fundamentais sociais o indivduo definitivamente tem uma questo de sopesamento entre princpios. De um lado est, sobretudo, o princpio da liberdade ftica. Do outro lado esto os princpios formais da competncia decisria do legislador democraticamente legitimado e o princpio da separao de poderes, alm de princpios materiais, que dizem respeito, sobretudo, liberdade jurdica de terceiros, mas tambm a outros direitos fundamentais sociais e a interesses coletivos.168 Posio mais recente da jurisprudncia brasileiraA jurisprudncia brasileira, inicialmente, colocava-se contra qualquer interferncia do Judicirio no controle das polticas pblicas, em nome da separao de poderes e da discricionariedade administrativa para dispor a respeito.Nesse sentido, entre outros, emblemtico o acrdo unnime da 2 Turma do STJ, relatado pelo Ministro Franciulli Neto, nos autos de RESP 208893-PR pub. no DJ de 22.03.04, relativo postulao, em ao civil Pblica interposta pelo MP do Paran, da construo, pelo Municpio de Cambar-PR, de um abrigo para menores carentes, com recursos humanos materiais e essenciais, e elaborao de programas de proteo s crianas e aos adolescentes em regime de abrigo. Diz referido acrdo, baseado na lio de Hely Meirelles de que "S os rgos executivos que esto, em muitos casos, em condies de sentir e decidir administrativamente o que convm e o que no convm ao interesse pblico":... dessa forma, com fulcro no princpio da discricionariedade, as Municipalidade tm liberdade para, com a finalidade de assegurar o interesse pblico, escolher onde devem ser aplicadas as verbas oramentrias e em quais obras deve investir. No cabe, assim, ao Poder Judicirio interferir nas prioridades oramentrias do Municpio e determinar a construo da obra especificada.Mas os tempos so outros. Ultimamente a jurisprudncia do prprio STJ, atravs de decises firmadas por alguns dos mesmos signatrios do acrdo supra referido, tem evoludo no sentido de no considerar como indevida tal interferncia, tendo em vista a misso constitucional do Poder Judicirio de zelar pela efetiva aplicao e concretizao dos direitos fundamentais.Constitui o leading case do Supremo Tribunal Federal, a respeito da nova tendncia, o multicitado acrdo do Pleno nos autos de Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental n 45-9, do Distrito Federal, de 29.04.2004, Relator Ministro Celso de Mello, publicado no DJ de 04.05.2004, p. 00012, que vem sendo repetidamente invocado por vrias decises judiciais posteriores, e que tem a seguinte ementa:ARGIO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENO DO PODER JUDICIRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAO DE POLTICAS PBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSO POLTICA DA JURISDIO CONSTITUCIONAL ATRIBUDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBTRIO ESTATAL EFETIVAO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONMICOS E CULTURAIS. CARTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAO DO LEGISLADOR. CONSIDERAES EM TORNO DA CLUSULA DA "RESERVA DO POSSVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAO, EM FAVOR DOS INDIVDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGIO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAO).Diz mais o Relator, no texto do referido Acrdo, em verdadeira lio sobre o assunto:No posso deixar de reconhecer que a ao constitucional em referncia, considerado o contexto em exame, qualifica-se como instrumento idneo e apto a viabilizar a concretizao de polticas pblicas, quando, previstas no texto da Carta Poltica, tal como sucede no caso (EC 29/2000), venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas instncias governamentais destinatrias do comando inscrito na prpria Constituio da Repblica. Essa eminente atribuio conferida ao Supremo Tribunal Federal pe em evidncia, de modo particularmente expressivo, a dimenso poltica da jurisdio constitucional conferida a esta Corte, que no pode demitir-se do gravssimo encargo de tornar efetivos os direitos econmicos, sociais e culturais que se identificam, enquanto direitos de segunda gerao, com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO), sob pena de o Poder Pblico, por violao positiva ou negativa da Constituio, comprometer, de modo inaceitvel, a integridade da prpria ordem constitucional. certo que no se inclui, ordinariamente, no mbito das funes institucionais do Poder Judicirio e nas desta Suprema Corte, em especial a atribuio de formular e de implementar polticas pblicas (JOS CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituio Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domnio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbncia, no entanto, embora em bases excepcionais, poder atribuir-se ao Poder Judicirio, se e quando os rgos estatais competentes, por descumprirem os encargos poltico-jurdicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficcia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de clusulas revestidas de contedo programtico. Cabe assinalar, presente esse contexto consoante j proclamou esta Suprema Corte que o carter programtico das regras inscritas no texto da Carta Poltica "no pode converter-se em promessa constitucional inconseqente, sob pena de o Poder Pblico, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegtima, o cumprimento de seu impostergvel dever, por um gesto irresponsvel de infidelidade governamental ao que determina a prpria Lei Fundamental do Estado. (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO). No deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente "reserva do possvel" (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, "The Cost of Rights", 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivao e implementao (sempre onerosas) dos direitos de segunda gerao (direitos econmicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Pblico, impe e exige, deste, prestaes estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas. que a realizao dos direitos econmicos, sociais e culturais alm de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretizao depende, em grande medida, de um inescapvel vnculo financeiro subordinado s possibilidades oramentrias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econmico-financeira da pessoa estatal, desta no se poder razoavelmente exigir, considerada a limitao material referida, a imediata efetivao do comando fundado no texto da Carta Poltica. No se mostrar lcito, no entanto, ao Poder Pblico, em tal hiptese mediante indevida manipulao de sua atividade financeira e/ou poltico-administrativa criar obstculo artificial que revele o ilegtimo, arbitrrio e censurvel propsito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservao, em favor da pessoa e dos cidados, de condies materiais mnimas de existncia. Cumpre advertir, desse modo, que a clusula da "reserva do possvel" ressalvada a ocorrncia de justo motivo objetivamente afervel no pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigaes constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificao ou, at mesmo, aniquilao de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.Anotamos, entre outras, algumas recentes decises do Supremo Tribunal Federal a respeito da matria, que invocam e seguem a orientao do citado leading case:ADI 3768 / DF DISTRITO FEDERALAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADERelator(a): Min. CRMEN LCIAJulgamento: 19.09.2007rgo Julgador: Tribunal PlenoEMENTA: AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 39 DA LEI N. 10.741, DE 1 DE OUTUBRO DE 2003 (ESTATUTO DO IDOSO), QUE ASSEGURA GRATUIDADE DOS TRANSPORTES PBLICOS URBANOS E SEMI-URBANOS AOS QUE TM MAIS DE 65 (SESSENTA E CINCO) ANOS. DIREITO CONSTITUCIONAL. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICCIA PLENA E APLICABILIDADE IMEDIATA. NORMA LEGAL QUE REPETE A NORMA CONSTITUCIONAL GARANTIDORA DO DIREITO. IMPROCEDNCIA DA AO. 1. O art. 39 da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) apenas repete o que dispe o 2 do art. 230 da Constituio do Brasil. A norma constitucional de eficcia plena e aplicabilidade imediata, pelo que no h eiva de invalidade jurdica na norma legal que repete os seus termos e determina que se concretize o quanto constitucionalmente disposto. 2. Ao direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.STA 245 / RS RIO GRANDE DO SULSUSPENSO DE TUTELA ANTECIPADARelator(a): Min. PRESIDENTE GILMAR MENDESJulgamento: 22.10.2008Publicao DJe-204 DIVULG 28.10.2008Na hiptese dos autos, o medicamento requerido, por ter um custo muito elevado, no se enquadra dentro dos limites de valores para tratamento quimioterpico transferidos pelo SUS para as instituies conveniadas. Em razo disso, a autora ajuizou ao ordinria buscando a condenao da Unio, do Estado do Rio Grande do Sul e do Municpio de Pelotas ao fornecimento do medicamento Mabthera (Rituximabe). No vislumbro na deciso impugnada risco de grave leso ordem pblica, uma vez considerados os seguintes dados fticos: o medicamento Mabthera est registrado na ANVISA, o que atesta sua segurana para o consumo; o laudo de fl. 18 atesta que a paciente portadora de Linfoma no-hodgkin folicular (CID C 82.7), necessitando com urgncia do tratamento quimioterpico de oito ciclos consecutivos com Mabthera 500Mg (fl. 20); a requerente declara no possuir condies de arcar com o custo do tratamento, orado em R$ 111.608,27 (cento e onze mil, seiscentos e oito reais e vinte e sete centavos); e o alto custo do medicamento no , por si s, motivo para o seu no fornecimento, visto que a Poltica de Dispensao de Medicamentos excepcionais e a Poltica Nacional de Ateno Oncolgica visam contemplar justamente o acesso da populao acometida por neoplasias aos tratamentos disponveis. O Municpio de Pelotas, apesar de alegar leso economia pblica, no comprova a ocorrncia da leso, limitando-se a sustentar que o medicamento no consta das listas do SUS. Assim, inocorrentes os pressupostos contidos no art. 4 da Lei n 8.437/1992, verifico que a ausncia do medicamento solicitado poder ocasionar graves e irreparveis danos sade e vida da paciente. Ressalte-se, ainda, que a alegao de violao separao dos Poderes no justifica a inrcia do Poder Executivo em cumprir seu dever constitucional de garantia do direito sade (art. 196), legalmente estabelecido pelas normas que regem o Sistema nico de Sade. Quanto possibilidade de interveno do Poder Judicirio, destaco a ementa da deciso proferida na ADPF-MC 45/DF, relator Celso de Mello, DJ 29.4.2004.RE-AgR 410715 / SP SO PAULOAG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINRIORelator(a): Min. CELSO DE MELLOJulgamento: 22.11.2005. rgo Julgador - Segunda TurmaPublicao DJ 03.02.2006 PP-00076EMENTA: RECURSO EXTRAORDINRIO CRIANA DE AT SEIS ANOS DE IDADE ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PR-ESCOLA EDUCAO INFANTIL DIREITO ASSEGURADO PELO PRPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) COMPREENSO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL EDUCAO DEVER JURDICO CUJA EXECUO SE IMPE AO PODER PBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICPIO (CF, ART. 211, 2) - RECURSO IMPROVIDO. A educao infantil representa prerrogativa constitucional indisponvel, que, deferida s crianas, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educao bsica, o atendimento em creche e o acesso pr-escola (CF, art. 208, IV). Essa prerrogativa jurdica, em conseqncia, impe, ao Estado, por efeito da alta significao social de que se reveste a educao infantil, a obrigao constitucional de criar condies objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das "crianas de zero a seis anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pr-escola, sob pena de configurar-se inaceitvel omisso governamental, apta a frustrar, injustamente, por inrcia, o integral adimplemento, pelo Poder Pblico, de prestao estatal que lhe imps o prprio texto da Constituio Federal. A educao infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criana, no se expe, em seu processo de concretizao, a avaliaes meramente discricionrias da Administrao Pblica, nem se subordina a razes de puro pragmatismo governamental. Os Municpios que atuaro, prioritariamente, no ensino fundamental e na educao infantil (CF, art. 211, 2) - no podero demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da Repblica, e que representa fator de limitao da discricionariedade poltico-administrativa dos entes municipais, cujas opes, tratando-se do atendimento das crianas em creche (CF, art. 208, IV), no podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juzo de simples convenincia ou de mera oportunidade, a eficcia desse direito bsico de ndole social. Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar polticas pblicas, revela-se possvel, no entanto, ao Poder Judicirio, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipteses de polticas pblicas definidas pela prpria Constituio, sejam estas implementadas pelos rgos estatais inadimplentes, cuja omisso por importar em descumprimento dos encargos poltico-jurdicos que sobre eles incidem em carter mandatrio mostra-se apta a comprometer a eficcia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questo pertinente "reserva do possvel". Doutrina.A matria foi objeto de importante e recente Deciso Monocrtica de 14.10.2008, da lavra do Ministro Presidente Gilmar Mendes, em Suspenso de Liminar n 228/CE, requerida pela Unio.Aps erudito exame doutrinrio da espcie, respaldado no precedente do acrdo de Celso de Mello nos autos da ADPF-MC 45/DF, bem como nos ensinamentos doutrinrios de Alexy e Canotilho, conclui que embora os direitos sociais, assim como os direitos e liberdades individuais, impliquem tanto direitos a prestaes em sentido estrito (positivos), quanto direitos de defesa (negativos), e ambas as dimenses demandem o emprego de recursos pblicos para a sua garantia, a dimenso prestacional (positiva) dos direitos sociais o principal argumento contrrio sua judicializao. A dependncia de recursos econmicos para a efetivao dos direitos de carter social leva parte da doutrina a defender que as normas que consagram tais direitos assumem a feio de normas programticas, dependentes, portanto, da formulao de polticas pblicas para se tornarem exigveis. Nesse sentido, tambm se defende que a interveno do Poder Judicirio, ante a omisso estatal quanto construo satisfatria dessas polticas, violaria o princpio da separao dos poderes e o princpio da reserva do financeiramente possvel. Em relao aos direitos sociais, preciso levar em considerao que a prestao devida pelo Estado varia de acordo com a necessidade especfica de cada cidado. Assim, enquanto o Estado tem que dispor de um valor determinado para arcar com o aparato capaz de garantir a liberdade dos cidados universalmente, no caso de um direito social como a sade, por outro lado, deve dispor de valores variveis em funo das necessidades individuais de cada cidado. Gastar mais recursos com uns do que com outros envolve, portanto, a adoo de critrios distributivos para esses recursos. Assim, em razo da inexistncia de suportes financeiros suficientes para a satisfao de todas as necessidades sociais, enfatiza-se que a formulao das polticas sociais e econmicas voltadas implementao dos direitos sociais implicaria, invariavelmente, escolhas alocativas. Tais escolhas seguiriam critrios de justia distributiva (o quanto disponibilizar e a quem atender), configurando-se como tpicas opes polticas, as quais pressupem "escolhas trgicas" pautadas por critrios de macro-justia. dizer, a escolha da destinao de recursos para uma poltica e no para outra leva em considerao fatores como o nmero de cidados atingidos pela poltica eleita, a efetividade e eficcia do servio a ser prestado, a maximizao dos resultados, etc. Nessa linha de anlise, argumenta-se que o Poder Judicirio, o qual estaria vocacionado a concretizar a justia do caso concreto (micro-justia), muitas vezes no teria condies de, ao examinar determinada pretenso prestao de um direito social, analisar as conseqncias globais da destinao de recursos pblicos em benefcio da parte com invarivel prejuzo para o todo (AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha. Renovar: Rio de Janeiro, 2001). Por outro lado, defensores da atuao do Poder Judicirio na concretizao dos direitos sociais, em especial do direito sade, argumentam que tais direitos so indispensveis para a realizao da dignidade da pessoa humana. Assim, ao menos o "mnimo existencial" de cada um dos direitos, exigncia lgica do princpio da dignidade da pessoa humana, no poderia deixar de ser objeto de apreciao judicial. O fato que o denominado problema da "judicializao do direito sade" ganhou tamanha importncia terica e prtica que envolve no apenas os operadores do direito, mas tambm os gestores pblicos, os profissionais da rea de sade e a sociedade civil como um todo. Se, por um lado, a atuao do Poder Judicirio fundamental para o exerccio efetivo da cidadania, por outro, as decises judiciais tm significado um forte ponto de tenso perante os elaboradores e executores das polticas pblicas, que se vem compelidos a garantir prestaes de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a poltica estabelecida pelos governos para a rea de sade e alm das possibilidades oramentrias. De toda forma, parece sensato concluir que, ao fim e ao cabo, problemas concretos devero ser resolvidos levando-se em considerao todas as perspectivas que a questo dos direitos sociais envolve. Juzos de ponderao so inevitveis nesse contexto prenhe de complexas relaes conflituosas entre princpios e diretrizes polticas ou, em outros termos, entre direitos individuais e bens coletivos. Alexy segue linha semelhante de concluso ao constatar a necessidade de um modelo que leve em conta todos os argumentos favorveis e contra os direitos sociais. (Grifos nossos)Passando a aplicar tais juzos de ponderao, examina minuciosamente as disposies constitucionais e legais aplicveis ao Sistema nico de Sade. A seguir, examina, com rigor, os abundantes dados fticos juntados aos autos, comprovando o descumprimento, no caso, dos parmetros legalmente exigveis, em face da Poltica Nacional de Sade, levando a uma situao catica no municpio de Sobral-CE.Observa ainda que:O estudo do direito sade no Brasil leva a concluir que os problemas de eficcia social desse direito fundamental devem-se muito mais a questes ligadas implementao e manuteno das polticas pblicas de sade j existentes o que implica tambm a composio dos oramentos dos entes da federao do que falta de legislao especfica. Em outros termos, o problema no de inexistncia, mas de execuo (administrativa) das polticas pblicas pelos entes federados. Nessa perspectiva, talvez seja necessrio redimensionar a questo da judicializao dos direitos sociais no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a interveno judicial no ocorre tendo em vista uma omisso (legislativa) absoluta em matria de polticas pblicas voltadas proteo do direito sade, mas em razo de uma necessria determinao judicial para o cumprimento de polticas j estabelecidas. Portanto, no se cogita do problema da interferncia judicial em mbitos de livre apreciao ou de ampla discricionariedade de outros poderes quanto formulao de polticas pblicas. Esse dado pode ser importante para a construo de um critrio ou parmetro para a deciso em casos como este, no qual se discute, primordialmente, o problema da interferncia do Poder Judicirio na esfera dos outros Poderes. O primeiro dado a ser considerado a existncia, ou no, de poltica estatal que abranja a prestao de sade pleiteada pela parte no processo. Ao deferir uma prestao de sade includa entre as polticas sociais e econmicas formuladas pelo Sistema nico de Sade, o judicirio no est criando poltica pblica, mas apenas determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existncia de um direito subjetivo pblico a determinada poltica pblica de sade parece ser evidente. Se a prestao de sade pleiteada no for abrangida pelas polticas do SUS, imprescindvel distinguir se a no-prestao decorre de uma omisso legislativa ou administrativa, ou de uma deciso administrativa de no fornecer. Nesses casos, a ponderao dos princpios em conflito dar a resposta ao caso concreto. Importante, no entanto, que os critrios de justia comutativa que orientam a deciso judicial sejam compatibilizados com os critrios das justias distributiva e social que determinam a elaborao de polticas pblicas. Em outras palavras, ao determinar o fornecimento de um servio de sade (internao hospitalar, cirurgia, medicamentos, etc.), o julgador precisa assegurar-se de que o Sistema de Sade possui condies de arcar no s com as despesas da parte, mas tambm com as despesas de todos os outros cidados que se encontrem em situao idntica. Essas consideraes j so suficientes para a anlise do pedido. O argumento central apontado pela Unio reside na violao ao princpio da separao de poderes (art. 2, CF/88), formulado em sentido forte, que veda intromisso do Poder Judicirio no mbito de discricionariedade do Poder Executivo. No caso, entendo inexistente a ocorrncia de grave leso ordem pblica, por violao ao art. 2 da Constituio. A alegao de violao separao dos Poderes no justifica a inrcia do Poder Executivo em cumprir seu dever constitucional de garantia do direito sade de todos (art. 196), com a absoluta prioridade para o atendimento das crianas e adolescentes (art. 227), legalmente estabelecido pelas normas que regem o Sistema nico de Sade, e tecnicamente especificado pelas Portarias do Ministrio da Sade. No se pode conceber grave leso economia da Unio, diante de determinao constitucional expressa de primazia na formulao de polticas sociais e econmicas nesta rea, bem como na alta prioridade de destinao oramentria respectiva. A Constituio indica de forma clara os valores a serem priorizados, corroborada pelo disposto nas Leis Federais 8.080/90 e 8.142/90. Tais determinaes devem ser seriamente consideradas quando da formulao oramentria, pois representam comandos vinculativos para o poder pblico. Ademais, a deciso impugnada est em consonncia com a jurisprudncia desta Corte, a qual firmou entendimento, em casos como o presente, de que se impe ao Estado a obrigao constitucional de criar condies objetivas que possibilitem, de maneira concreta, a efetiva proteo de direitos constitucionalmente assegurados.Conclui mantendo a deciso liminar impugnada:Inocorrentes os pressupostos contidos no art. 4 da Lei no 8.437/1992, verifico que a suspenso da deciso atacada poder ocasionar graves e irreparveis danos sade e vida da populao abrangida pela macro-regio do Municpio de Sobral. luz do exposto e de tudo o mais que dos autos consta, concedo a liminar na forma como pleiteada (art. 12, Lei n 7.347/85), pelo que determino, sob pena de multa diria individualizada (art. 11, LACP) para cada um dos rus, na hiptese de descumprimento de quaisquer dos comandos da deciso, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais): i.) ao MUNICPIO DE SOBRAL que providencie, imediatamente, a transferncia de todos os pacientes que se encontram ou que venham a se encontrar necessitando de atendimento em Unidades de Tratamento Intensivo UTI, para hospitais pblicos ou particulares detentores de tais unidades de tratamento, que devero ser contratados para esse fim, competindo UNIO e ao ESTADO DO CEAR, conjunta ou separadamente atravs do SUS, a adoo dos meios necessrios para auxiliar o MUNICPIO DE SOBRAL no cumprimento das medidas acima especificadas. ii.) que atravs dos seus rgos de gesto e execuo, no mbito de suas respectivas competncias, a UNIO, o ESTADO DO CEAR e o MUNICPIO DE SOBRAL, iniciem, no prazo mximo de 90 (noventa) dias, as aes tendentes instalao e ao funcionamento de pelo menos 10 (dez) novos leitos de UTIs adulta, 10 (dez) leitos de UTI neonatal e 10 (dez) leitos de UTI peditrica;Idntica a mais moderna orientao do Superior Tribunal de Justia. Embora, em regra, ressalve que a matria, por sua sede constitucional, da competncia do Supremo Tribunal Federal, no tem deixado de manifestar-se sobre a espcie, naquilo que lhe compete. Vale citar, a respeito, o pronunciamento recente do Ministro Luiz Fux:REsp 811608 / RS - RECURSO ESPECIAL 2006/0012352-8Relator(a): Min. LUIZ FUX (1122)rgo Julgador: T1 PRIMEIRA TURMAData do Julgamento: 15.05.2007Data da Publicao/Fonte: DJ 04.06.2007 p. 314Ementa: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AO CIVIL PBLICA PROPOSTA PELO MINISTRIO PBLICO FEDERAL. IMPLEMENTAO DE POLTICAS PBLICAS CONCRETAS. DIREITO SADE (ARTS. 6 E 196 DA CF/88).EFICCIA IMEDIATA. MNIMO EXISTENCIAL. RESERVA DO POSSVEL. ACRDO RECORRIDO QUE DECIDIU A CONTROVRSIA LUZ DE INTERPRETAO CONSTITUCIONAL. COMPETNCIA DO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. VIOLAO DO ART. 535, I e II, DO CPC. NO CONFIGURADA.2. A questo debatida nos autos implementao do Modelo de Assistncia Sade do ndio e instalao material dos servios de sade populao indgena situada em rea no Rio Grande do Sul foi solucionada pelo Tribunal a quo luz de preceitos constitucionais, conforme se infere do voto condutor do acrdo recorrido.Os direitos fundamentais, consoante a moderna diretriz da interpretao constitucional, so dotados de eficcia imediata. A Lei Maior, no que diz com os direitos fundamentais, deixa de ser mero repositrio de promessas, carta de intenes ou recomendaes; houve a conferncia de direitos subjetivos ao cidado e coletividade, que se vem amparados juridicamente a obter a sua efetividade, a realizao em concreto da prescrio constitucional.O princpio da aplicabilidade imediata e da plena eficcia dos direitos fundamentais est encartado no 1, do art. 5, da CF/88. As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata. Muito se polemizou, e ainda se debate, sem que se tenha ocorrida a pacificao de posies acerca do significado e alcance exato da indigitada norma constitucional. Porm, crescente e significativa a moderna idia de que os direitos fundamentais, inclusive aqueles prestacionais, tm eficcia tout court, cabendo, apenas, delimitar-se em que extenso. Superou-se, assim, entendimento que os enquadrava como regras de contedo programtico a serem concretizadas mediante interveno legislativa ordinria.Desapegou-se, assim, da negativa de obrigao estatal a ser cumprida com espeque nos direitos fundamentais, o que tinha como conseqncia a impossibilidade de categoriz-los como direitos subjetivos, at mesmo quando em pauta a omisso do Estado no fornecimento do mnimo existencial. Consoante os novos rumos interpretativos, a par de dar-se eficcia imediata aos direitos fundamentais, atribuiu-se ao intrprete a misso de desvendar o grau dessa aplicabilidade, porquanto mesmo que se pretenda dar mxima elasticidade premissa, nem sempre se estar infenso a uma interpositio legislatoris, o que no ocorre, vale afirmar, na poro do direito que trata do mnimo existencial. (...)Merece lembrana, ainda, que a atuao estatal na concretizao da sua misso constitucional deve orientar-se pelo Princpio da Mxima Efetividade da Constituio, de sorte que "a uma norma constitucional deve ser atribudo o sentido que maior eficcia lhe d. um princpio operativo em relao a todos e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada tese da actualidade das normas pragmticas (Thoma), hoje sobretudo invocado no mbito dos direitos fundamentais (no caso de dvidas deve preferir-se a interpretao que reconhea maior eficcia aos direitos fundamentais)." (JOS JOAQUIM GOMES CANOTILHO, in Direito Constitucional, 5 edio, Coimbra, Portugal, Livraria Almedina, p. 1208).Incumbe ao administrador, pois, empreender esforos para mxima consecuo da promessa constitucional, em especial aos direitos e garantias fundamentais. Desgarra deste compromisso a conduta que se escuda na idia de que o preceito constitucional constitui lex imperfecta, reclamando complementao ordinria, porquanto olvida-se que, ao menos, emana da norma eficcia que propende ao reconhecimento do direito subjetivo ao mnimo existencial; casos h, inclusive, que a disciplina constitucional foi alm na delineao dos elementos normativos, alcanando, ento, patamar de eficcia superior que o mnimo concilivel com a fundamentalidade do direito.A escassez de recursos pblicos, em oposio gama de responsabilidades estatais a serem atendidas, tem servido de justificativa ausncia de concretizao do dever-ser normativo, fomentando a edificao do conceito da "reserva do possvel". Porm, tal escudo no imuniza o administrador de adimplir promessas que tais, vinculadas aos direitos fundamentais prestacionais, quanto mais considerando a notria destinao de preciosos recursos pblicos para reas que, embora tambm inseridas na zona de ao pblica, so menos prioritrias e de relevncia muito inferior aos valores bsicos da sociedade, representados pelos direitos fundamentais. O Ministro CELSO DE MELLO discorreu de modo lcido e adequado acerca do conflito entre deficincia oramentria e concretizao dos direitos fundamentais. Precedente desta Corte: RESP 658.859/RS, publicado no DJ de 09.05.2005.179 Formas de controle judicial das polticas pblicasDe vrias formas tem-se verificado o controle do Judicirio sobre as polticas pblicas, no sentido de garantir-se o cumprimento efetivo dos direitos fundamentais prestacionais, tendo-se em vista as peculiaridades de cada caso:- interveno concreta, atravs da determinao de um facere de aplicao imediata;- determinao ao poder competente para que faa incluir, no prximo oramento, a verba necessria para o atendimento da prestao em causa;- determinao do seqestro de verbas pblicas para o imediato cumprimento da prestao.18A ao judicial, em regra, pleiteada em carter individual, ou, em carter coletivo, pelo Ministrio Pblico, atravs, sobretudo, de aes civis pblicas. de destacar-se o especial denodo com que o Parquet vem atuando nesse sentido, em todo o Pas, como advogado da sociedade, procurando dar efetividade a direitos fundamentais contra abusos e descasos, ou simplesmente inrcia ou omisso das autoridades pblicas.Em regra, como assinalou Gilmar Mendes na Deciso Monocrtica citada, a interveno judicial tem ocorrido, na realidade, muito mais para garantir-se o efetivo cumprimento de polticas pblicas j existentes, ou para assegurar o direito de quem se v injustamente excludo da aplicao prtica de tais polticas.Aspecto delicado, do ponto de vista jurdico, se verifica quando se questionam as prprias polticas pblicas j existentes, porm mal orientadas e, em ltima anlise, violadoras dos princpios constitucionais. Como adverte Fabio Konder Komparato, o juzo de constitucionalidade, nessa matria, tem por objeto no s as finalidades, expressas ou implcitas, de uma poltica pblica, mas os meios empregados para atingirem-se esses fins.19A interveno do Judicirio, no caso, no invade a competncia do Legislativo ou do Executivo, mas simplesmente faz cumprir a Constituio. o caso, por exemplo, que lemos nos jornais, de municpio que destina em seu oramento anual vultosa verba para a construo da esttua do fundador da cidade (por coincidncia progenitor do Prefeito), mas alega falta de recursos disponveis para, em atendimento a uma ao civil pblica do Ministrio Pblico local, construir uma escola de ensino mdio, j que inexistente uma sequer no municpio, a qual teria, segundo se apurou, custo equivalente ao do referido monumento. ainda o caso do estado que, alegando falta de recursos financeiros, deixa de fornecer medicamentos gratuitos a doentes portadores de doena grave, mas destina, no oramento do mesmo ano, considerveis verbas de representao para o gabinete do Governador.20Recentemente, na comarca de Santo Antonio de Jesus, do estado da Bahia, o Ministrio Pblico ingressou em juzo com uma ao publica contra o Municpio, para a imediata construo de uma "casa de passagem" para crianas e adolescentes em situao de risco social. Tratava-se de necessidade premente da coletividade, j que no existia nenhuma no Municpio, "sendo significativo", como denunciou a imprensa local, 21"o nmero de crianas abandonadas ou em situao de risco, seja por falta, omisso ou por abuso dos pais ou responsveis, da sociedade e do Estado". No caso concreto do processo, uma adolescente doente mental perambulava pelas ruas, sem qualquer assistncia, sem nenhum estabelecimento apropriado para acolh-la. Contrariamente s alegaes, pelo Municpio, de falta de recursos financeiros, comprovou o Ministrio Pblico, em diligncias suscitadas no processo, a efetiva existncia de verbas suficientes para tanto, no s no prprio oramento municipal, como atravs da utilizao de parte dos recursos do Fundo da Infncia e Adolescncia. O Municpio firmou com o Ministrio Pblico estadual um Termo de Ajustamento de Conduta, comprometendo-se construo da referida casa de passagem.10 O problema do direito sadeGrande o nmero de aes, em todo o Pas, no somente individuais como interpostas atravs de aes cveis pblicas, objetivando o cumprimento de polticas pblicas para garantirem-se os direitos sociais sade, moradia, educao, assistncia social.Entre essas aes, avultam, atualmente, por nmero e importncia, aquelas que objetivam a garantia do direito sade, tendo em vista certos aspectos de extrema urgncia.Ingo Sarlet faz candentes colocaes a respeito:22Por mais que os poderes pblicos, como destinatrios precpuos de um direito sade, venham a opor alm da j clssica alegao de que o direito sade (a exemplo dos direitos sociais prestacionais em geral) foi positivado como norma de eficcia limitada os habituais argumentos da ausncia de recursos e da incompetncia dos rgos judicirios para decidirem sobre a alocao e destinao de recursos pblicos, no nos parece que esta soluo possa prevalecer, ainda mais nas hipteses em que est em jogo a preservao do bem maior da vida humana. No nos esqueamos de que a mesma Constituio que consagrou o direito sade estabeleceu evidenciando, assim, o lugar de destaque outorgado ao direito vida uma vedao praticamente absoluta (salvo em caso de guerra regularmente declarada) no sentido da aplicao da pena de morte (art. 5, inc. XLVII, alnea a).Cumpre relembrar, mais uma vez, que a denegao dos servios essenciais de sade acaba como si acontecer por se equiparar aplicao de uma pena de morte para algum cujo nico crime foi o de no ter condies de obter com seus prprios recursos o atendimento necessrio, tudo isto, habitualmente, sem qualquer processo e, na maioria das vezes, sem possibilidade de defesa, isto sem falar na virtual ausncia de responsabilizao dos algozes, abrigados pelo anonimato dos poderes pblicos. O que se pretende realar, por hora, que, principalmente no caso do direito sade, o reconhecimento de um direito originrio a prestaes, no sentido de um direito subjetivo individual a prestaes materiais (ainda que limitadas ao estritamente necessrio para a proteo da vida humana) diretamente deduzido da Constituio, constitui exigncia inarredvel de qualquer Estado (social ou no) que inclua nos seus valores essenciais a humanidade e a justia.A propsito, vale mais uma vez citar recente deciso do STF, relatada pelo Ministro Celso de Mello:RE-AgR 393175 / RS - RIO GRANDE DO SULAG. REG. NO RECURSO EXTRAORDINRIORelator(a): Min. CELSO DE MELLOJulgamento: 12.12.2006 - rgo Julgador: Segunda TurmaPublicao DJ 02.02.2007 PP-00140EMENTA: PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANIDE E DOENA MANACO-DEPRESSIVA CRNICA, COM EPISDIOS DE TENTATIVA DE SUICDIO PESSOAS DESTITUDAS DE RECURSOS FINANCEIROS DIREITO VIDA E SADE NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZES DE CARTER TICO-JURDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5, "CAPUT", E 196) PRECEDENTES (STF) ABUSO DO DIREITO DE RECORRER IMPOSIO DE MULTA RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO SADE REPRESENTA CONSEQNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIVEL DO DIREITO VIDA. O direito pblico subjetivo sade representa prerrogativa jurdica indisponvel assegurada generalidade das pessoas pela prpria Constituio da Repblica (art. 196). Traduz bem jurdico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsvel, o Poder Pblico, a quem incumbe formular e implementar polticas sociais e econmicas idneas que visem a garantir, aos cidados, o acesso universal e igualitrio assistncia farmacutica e mdico-hospitalar. O direito sade alm de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas representa conseqncia constitucional indissocivel do direito vida. O Poder Pblico, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuao no plano da organizao federativa brasileira, no pode mostrar-se indiferente ao problema da sade da populao, sob pena de incidir, ainda que por censurvel omisso, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAO DA NORMA PROGRAMTICA NO PODE TRANSFORM-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQUENTE. O carter programtico da regra inscrita no art. 196 da Carta Poltica que tem por destinatrios todos os entes polticos que compem, no plano institucional, a organizao federativa do Estado brasileiro no pode converter-se em promessa constitucional inconseqente, sob pena de o Poder Pblico, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegtima, o cumprimento de seu impostergvel dever, por um gesto irresponsvel de infidelidade governamental ao que determina a prpria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS PRESERVAO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SADE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NO PODE DEIXAR DE CUMPRIR. O reconhecimento judicial da validade jurdica de programas de distribuio gratuita de medicamentos a pessoas carentes d efetividade a preceitos fundamentais da Constituio da Repblica (arts. 5, "caput", e 196) e representa, na concreo do seu alcance, um gesto reverente e solidrio de apreo vida e sade das pessoas, especialmente daquelas que nada tm e nada possuem, a no ser a conscincia de sua prpria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.Ora, justamente no setor do direito sade, notadamente no que diz respeito a fornecimento de medicamentos de custo elevado e de tratamentos mdicos especializados, sobretudo no exterior, que, dado o grande nmero de ocorrncias, vem-se alegando ocorrer, na prtica, um excesso de ativismo judicial com decises judiciais que, algumas vezes, emocionais ou precipitadas, no foram devidamente aliceradas no exame criterioso dos fatos, como aquele efetuado pelas decises paradigmticas dos Tribunais superiores que trouxemos colao.No Estado da Bahia, conforme relatou a Promotora Itana Viana em recente pronunciamento pblico,23 ocorrem frequentemente solicitaes de medicamentos carssimos, deferidos pelos juzes vista de simples receitas mdicas que os indicam, sem nenhum laudo pericial fundamentado que comprove que aquele medicamento efetivamente o adequado para seu tratamento. Como exemplo, citou o caso de deferimento liminar de fornecimento, para um paciente em risco de vida, de medicamento cujos mltiplos efeitos colaterais o tornavam contraindicado pelos meios cientficos internacionais.A esse respeito, Lus Roberto Barroso desenvolveu recentemente minucioso estudo para a Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, centrado na temtica do fornecimento judicial gratuito de m24 em que argumenta:- as decises judiciais em matria de medicamentos em favor de indivduos isolados prejudicaria a programao e o planejamento da Administrao Pblica, desatendendo a um paciente que j o recebe regularmente. para entrega-lo a um litigante vitorioso;- a jurisprudncia brasileira sobre concesso de medicamentos se apoiaria numa abordagem individualista das polticas sociais, em prejuzo de uma gesto eficiente dos escassos recursos pblicos;- quando o Judicirio assume o papel de protagonista na implementao das polticas pblicas, em vez de reduzir as desigualdades econmicas e sociais privilegiam aqueles que tm acesso qualificado Justia, por conhecerem seus direitos e poderem arcar com os custos do processo judicial;- o Judicirio, mesmo quando instrudo por laudos tcnicos, no domina o conhecimento necessrio para avaliar e instituir polticas pblicas de sade.Prope, ento, os seguintes parmetros a serem seguidos para racionalizar e uniformizar a atuao judicial no trato do tema:- no mbito de aes individuais, ater-se a dispensar os medicamentos j constantes das listas elaboradas pelos entes federativos;- em relao s aes coletivas, a alterao das listas poder ser objeto de discusso mais tecnicamente aprofundada, podendo produzir efeitos erga omnes;- o Judicirio dever preferir a incluso, na lista, dos medicamentos de eficcia comprovada, excluindo-se os objetos de experimentos e os alternativos;- o Judicirio dever optar, em regra, por substncias disponveis no Brasil e por fornecedores situados no territrio nacional; por medicamentos genricos, de menor custo; e por medicamentos indispensveis para a manuteno da vida.No obstante o profundo respeito que dedicamos sempre aos pronunciamentos do ilustre publicista, parece-nos que suas colocaes, neste caso, devero ser colocadas em termos, cum grano salis.Em primeiro lugar, como observa oportunamente Marcos Cesar Botelho, 25 quando o Judicirio decide sobre pretenses individuais de fornecimernto de medicamentos, no est executando polticas pblicas, e sim apreciando uma situao concreta, para tutelar ameaa ao direito subjetivo fundamental sade, que decorre do direito vida, no exerccio da jurisdio que lhe confere o Texto Maior.Em ateno a tudo quanto j se exps, e tendo em vista a triste realidade deste Pas, no nos parece que, em dadas circunstncias em que esteja em jogo o direito vida de um paciente, reclamando providncias urgentes, se possa opor, a seu direito individual, que esteja comprometendo a integridade das polticas pblicas de sade j existentes, bem como o direito de outros cidados. Sabemos como se mostram falhas tais polticas, na realidade prtica, como funcionam mal seus atendimentos. Mesmo onde existem polticas pblicas de sade estruturadas, na prtica a realidade outra. Vemos, no noticirio dirio dos jornais, freqentes casos de pacientes que morrem sem conseguirem sequer ser atendidos nos hospitais. Nem sempre a vida de um cidado pode esperar pela realizao das polticas pblicas j existentes. Em face de uma situao que ponha em risco a vida de um cidado, perfeitamente legtimo que, revelia das polticas pblicas organizadas, seja o seu direito reconhecido individualmente pela Justia. Lembramos, a propsito, que, como escrevemos recentemente.26Bem pode dar-se o caso e isto freqentemente ocorre de que o verdadeiro interesse pblico s possa encontrar adequada realizao atravs da realizao do interesse de um nico indivduo. Pois, como doutrina Lus Roberto Barroso, "o interesse pblico se realiza quando o Estado cumpre satisfatoriamente o seu papel, mesmo que em relao a um nico particular".Prova demais o argumento de que o reconhecimento dos direitos sociais fundamentais em prol de um indivduo privilegia aqueles que podem conhecer seus direitos e enfrentar os custos de aes judiciais. Em nosso ordenamento jurdico, mesmo os mais pobres e desvalidos podem ter acesso gratuito justia, atravs dos rgos de assistncia judiciria e das defensorias pblicas. Quanto a conhecerem seus direitos, tambm mesmo os mais pobres e desvalidos tm acesso aos meios de comunicao, que frequentemente noticiam casos semelhantes.Quanto ao argumento de que o julgador no rene os conhecimentos tcnicos necessrios para decidir a respeito, pode e deve sempre socorrer-se da opinio especializada, como, alis, cedio na prtica processual. Do contrrio, o julgador deixaria de decidir sempre que a matria do processo requeresse pronunciamentos tcnicos.Seria ideal se as listas elaboradas pelos tcnicos do Sistema nico de Sade fossem completamente atualizadas de acordo com os progressos da medicina. Isto no ocorre na prtica. No caso que referimos anteriormente, objeto da Deciso Monocrtica n STA 245/RS, relatada pelo Ministro Gilmar Mendes, o Municpio de Pelotas se escusava de fornecer o medicamento Mabthera para uma paciente portadora de linfoma impossibilitada de arcar com as pesadas despesas de sua aquisio, alegando que o mesmo no constava das listas do SUS. A deciso recente, de 2008. Causa espcie que no pudesse o poder pblico fornecer tal medicamento, devidamente registrado pela ANVISA, porque o mesmo no constasse da lista do SUS, quando se trata de medicamento amplamente conhecido nos meios cientficos como indicado para o linfoma no hodgkin folicular CID 82.7, e que est servindo de base, como anunciam os jornais, para o tratamento da Ministra Dilma Russef, infelizmente acometida do mesmo mal.11 Cautelas necessrias para o controle de polticas pblicasSem dvida, as decises judiciais no campo das polticas pblicas ho de revestir-se das necessrias cautelas, atravs do exame cuidadoso dos aspectos concretos da realidade ftica, para evitarem-se abusos, e, at mesmo, infelizmente, por incrvel que parea, as investidas da corrupo.Recentemente, por exemplo, Procuradores do Estado de So Paulo (regional de Marlia) atuaram para o desmascaramento e punio de uma quadrilha organizada para aplicar o "golpe dos remdios", composta de mdicos, advogados, funcionrios de ONGS e de importantes laboratrios farmacuticos.27Conforme as lies de Alexy, j citadas, as decises judiciais, nessa difcil e delicada tarefa de ingerncia e interveno nas polticas pblicas, ho de pautar-se, no somente pela adequada informao da autoridade julgadora, mas tambm por uma cuidadosa ponderao de princpios, que h de ser efetuada em cada caso concreto, guiada pela razoabilidade e proporcionalidade, esta entendida, na melhor doutrina, em atendimento s seguintes regras:So trs as mximas parciais do princpio da proporcionalidade: a adequao, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito... "h de perquirir-se, na aplicao do princpio da proporcionalidade, se, em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto , apto para produzir o resultado desejado), necessrio isto , insubstituvel por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relao ponderada entre o grau de restrio de um princpio e o grau de realizao do princpio contraposto)".28 (Grifos do autor)Por isso mesmo, considerando indispensvel, no caso, o sopesamento de princpios, a que alude Alexy, em face do exame de cada caso concreto, que no consideramos adequada a adoo da PSV 4, ora em curso no STF, a qual prope, segundo anuncia a imprensa,29 a edio dos seguintes dois enunciados:- "responsabilidade solidria dos estados e do Distrito Federal quanto ao fornecimento de medicamentos e tratamento mdico";- "possibilidade de bloqueio de verbas pblicas para o fornecimento de remdios e de tratamento mdico para quem no pode arcar com os custos".Dependendo a matria do adequado exame de situaes concretas e diversificadas, caso a caso, como aconselha a doutrina e deve proceder a jurisprudncia sob pena de excessos e abusos, no nos parece poder ser a mesma objeto de smula vinculante de nossa Suprema Corte, pelo menos nos termos originalmente propostos.Mas o STF acaba de promover, nos dias 27 de abril a 7 de maio deste ano, concorrida audincia pblica em torno do tema, com 49 participantes especialistas do Executivo, do Judicirio e da sociedade civil, e oito autoridades pblicas, entre as quais, com posies visceralmente discordantes a respeito da judicializao de polticas pblicas, o Procurador-Geral da Repblica, Antonio Fernandes de Souza, e o Advogado Geral da Unio, Antonio Dias Toffoli.Foi destacada, na referida audincia, a participao do Dr. Adib Jatene, com aprofundado estudo da realidade ftica no setor de polticas pblicas de sade. Entre outras medidas, props que seja expedida pelo STF uma smula vinculante, no sentido de que "todo pleito de solicitao de liminar para fornecimento de medicamentos, produtos, insumos ou procedimentos, venha acompanhada de prova da recusa da autoridade em atender ao pedido". Segundo ele, essa medida poder diminuir o nmero de aes, evitar fraudes e trazer decises mais adequadas.Certamente, ante os resultados da referida Audincia Pblica, o Supremo Tribunal Federal ir pronunciar-se, brevemente, adotando uma posio oficial do Judicirio em torno da questo.12 ConclusoAtualmente, ganha relevo, no direito ptrio e no direito comparado, o exame da possibilidade de que o Judicirio, ao acolher pretenses individuais ou coletivas concretas, possa intervir nas polticas pblicas de competncia precpua do Legislativo e do Executivo para obter a realizao concreta dos direitos fundamentais assegurados na Constituio, inclusive dos chamados direitos prestacionais.A abordagem da questo ganha aspectos especiais no direito brasileiro, devendo ser estudada tendo-se em vista certas peculiaridades de nosso ordenamento jurdico-constitucional em face do direito comparado, quais sejam:a) a consagrao, no texto constitucional, da fundamentalidade dos direitos sociais;b) a previso expressa, no Texto Maior, dos fundamentos, objetivos e princpios que constituem o arcabouo constitucional de onde emanam todos os demais direitos dos cidados, e que no podem ser ignorados pelos julgadores no exame das pretenses jurdicas individuais ou coletivas, ainda que falta de normas concretas;c) a misso conferida ao Judicirio por nosso ordenamento, como supremo guardio das normas, bem como dos valores e dos princpios constitucionais;d) a estruturao do Estado brasileiro como Estado Social e Democrtico de Direito, garantidor de um mnimo existencial necessrio preservao da dignidade da pessoa humana, assegurada esta como fundamento de toda a ordem constitucional;e) o dever do juiz brasileiro, consagrado na Lei de Introduo ao Cdigo Civil Brasileiro, de no deixar sem exame nem deciso as pretenses que lhe sejam apresentadas no exame de situaes jurdicas subjetivas, dever, este, que emana do direito fundamental ao acesso justia.f) a consagrao expressa, na Constituio, do princpio da legalidade oramentria;g) a competncia precpua do Poder Legislativo, para definio, e do Executivo, para execuo das polticas pblicas.Mas frequentemente o atendimento pelo Judicirio de tais preceitos entra em conflitualidade com outros princpios e valores igualmente assegurados pelo nosso ordenamento jurdico-constitucional. Tais so, por exemplo, o princpio da legalidade oramentria e o princpio da independncia entre os Poderes da Repblica. Isto, na medida em que as polticas pblicas so, na previso constitucional, definidas e estruturadas pelo Poder Legislativo, executadas pelo Poder Executivo e instrumentalizadas atravs do oramento pblico.Partindo da realidade inarredvel de que, no mundo atual, so cada vez mais crescentes as necessidades de interesse pblico e igualmente crescente a insuficincia de recursos para o atendimento adequado, pelo Poder Pblico, a todas essas necessidades, pe-se frequentemente a questo de que a concretizao, por decises judiciais, dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados, h que ser relativizada pela chamada reserva do (financeiramente) possvel, Mas a orientao predominante, na doutrina e na jurisprudncia, a de que a insuficincia e at mesmo a exausto de recursos pblicos ho de ser rigorosamente comprovadas, no podendo sua simples e genrica alegao servir de base para escusarem-se as autoridades pblicas do cumprimento de suas obrigaes constitucionais, quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar a aniquilao de direitos constitucionais fundamentais.No acertado dizer de Ana Paula de Barcellos,30 "o mnimo existencial, como se v, associado ao estabelecimento de prioridades oramentrias, capaz de conviver produtivamente com a reserva do possvel".Avulta em importncia em nosso Pas, hodiernamente, o nmero de aes judiciais que se baseiam na defesa do direito sade, na medida em que afeta o prprio direito vida, concretizado no exame de casos extremos e urgentes.Tem-se alegado, ultimamente, a presena de um excesso de ativismo judicial, no deferimento de pretenses individuais nesse setor, no estritamente aliceradas na comprovao da necessidade e da urgncia de atendimento excepcional, e, at mesmo, fruto de fraudes.A ocorrncia cada vez mais freqente de tais postulaes, nem sempre procedentes, conduz necessidade de que se redobrem as cautelas das autoridades judicirias no seu exame, luz dos princpios constitucionais e das realidades fticas pertinentes.A moderna doutrina ptria, com base nas lies do direito comparado, e a mais recente orientao de nossa jurisprudncia, sobretudo dos tribunais superiores, tm defendido, ante tais impasses, a necessidade da ponderao de princpios, com respeito razoabilidade e proporcionalidade, a partir do exame concreto de cada caso, bem como do exame criterioso das condies da realidade ftica.Aguarda-se, presentemente, a partir da recente realizao de uma audincia pblica pelo STF, bem como das postulaes para edio de smulas vinculantes a respeito, que a Suprema Corte adote uma orientao uniforme para a atuao do Judicirio no enfrentamento do problema.RefernciasALEXY, Robert. 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So Paulo: Saraiva, 2002. p. 241.5 Teoria da reserva do possvel: direitos fundamentais a prestaes e a interveno do Poder Judicirio na implementao de polticas pblicas. Boletim de Direito Administrativo da Editora NDJ, n. 10, p. 1123- 1134, 2008.6 Cf. SCAFF. Reserva do possvel, mnimo existencial e direitos humanos. Revista Interesse Pblico, v. 32, p. 213-226.7 Ob. cit., p. 218.8 Curso de direito constitucional, p. 517. Apud SARLET. A eficcia dos direitos fundamentais. 5. ed., p. 55.9 SARLET, ob. cit., p. 55.10 TORRES. O mnimo existencial e os direitos fundamentais. Revista de Direito Administrativo da Fundao Getulio Vargas, v. 177, p. 30, citando em seu apoio a jurisprudncia da Suprema Corte dos Estados Unidos.11 SCAFF. Reserva do possvel, mnimo existencial e direitos humanos. Revista Interesse Pblico, v. 32, p. 214 et seq.12 ISENSEE, J. Der Staat, 191: 371, 1980. Apud Ricardo Lobo Torres, ob. cit.13 Ver mais a respeito in SARLET, ob. cit., p. 112.14 Ob.cit., p. 120. 15 Ob.cit., p. 226. 16 ALEXY. Teoria dos direitos fundamentais, p. 511-512, apud deciso monocrtica do Ministro Gilmar Mendes nos autos de Suspenso de Tutela Antecipada n 245- RS, de 22.10.08, publ. no DJ, 29 out. 08.17 Com idntica orientao, vide acrdos do STJ 2 T.,REsp 784241/RS de 8.04.08. rel. Mim. Eliana Calmon, pub. no DJ de 23.04.2008; 2 T., REsp 510598/SP de 17.04.2007, Rel.Min. Joo Otavio de Noronha. Pub. no DJ de 13.02.08; 1 T, REsp 753565, de 27.03.07, Rel. Min. Luiz Fux, pub. no DJ de 28.05.07; 2 T, REsp 8575021/RS, de 17.10.06, Rel. Humberto Martins, pub. no DJ de 30.10.06; 2 T, RESP 790/75 SP, de 5.12.06- Rel.Min. Jos Delgado, pub. no DJ de 12.02.07.18 A respeito, o Ministro Humberto Martins, relatando o acrdo da 2 Turma do STJ, nos autos de Recurso Especial n 874630 - RS, de 21.09.06, destacou que "o bloqueio da conta bancria da Fazenda Pblica possui caractersticas semelhantes ao seqestro e encontra respaldo no art. 461, 5, do CPC, posto tratar-se no de norma taxativa,mas exemplificativa, autorizando o juiz, de ofcio ou a requerimento da parte, a determinar as medidas assecuratrias para o cumprimento da tutela especfica".19 KOMPARATO. Ensaio sobre o juzo de constitucionalidade de polticas pblicas. Revista de Informao Legislativa, n. 138, p. 46.20 Cf. BARCELLOS. Constitucionalizao das polticas pblicas em matria de direitos fundamentais: o controle poltico-social e o controle jurdico no espao democrtico. Revista de Direito do Estado, n. 3, p. 20-21.21 Jornal "A Tarde", p. B1, 18 jan. 09.22 SARLET, ob. cit., p. 328-329.23 Exposio durante sesso de debates promovida pelo Instituto de Direito Administrativo da Bahia no dia 31.03.09, em Salvador, sobre o tema "Judicializao de Polticas Pblicas."24 BARROSO. Da falta de efetividade judicializao excessiva: direito sade, fornecimento gratuito de medicamentos e parmetros para atuao judicial. Revista Interesse Pblico, v. 46, p. 31-61.25 BOTELHO. O fornecimento de medicamentos pelo Estado: consideraes luz do pensamento de Klaus Gnther. Boletim de Direito Administrativo da Editora NDJ, n. 5, p. 56.26 BORGES. Supremacia do Interesse Pblico: desconstruo ou reconstruo?. Revista Brasileira de Direito Pblico, ano 4, n. 14, p. 72.27 REVISTA DA ANAPE - Associao Nacional de Procuradores, p. 34-35, 2008.28 MENDES, Gilmar. Voto de Relator designado no acrdo do Pleno do Supremo Tribunal Federal na Interveno Federal no 2915/SP, de 3.02.2003.29 Noticirio eletrnico da Governet Editora Ltda., 9-13 mar. 2009.30 BARCELLOS. A eficcia jurdica dos princpios constitucionais, p. 245-246.

Como citar este contedo na verso digital:Conforme a NBR 6023:2002 da Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT), este texto cientfico publicado em peridico eletrnico deve ser citado da seguinte forma:

BORGES, Alice Gonzalez. Reflexes sob