Reforçamento Positivo: Princípio, Aplicação e Efeitos ... · a “lei do efeito” descrita por...

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CAPITULO T_ ■ ■HÉiilMliiM lÉ h PiiiiPTiiihMilhilP jilPi P Reforçamento Positivo: Princípio, Aplicação e Efeitos Desejáveis M aria B eatriz B arbosa P inho M adi 1 “A terapia bem-sucedida constrói comportamentos fortes, removendo reforçadores negativos des- necessários e multiplicando os positivos. Inde- pendentemente de as pessoas que tiveram seus comportamentos fortalecidos dessa maneira vive- rem, ou não, mais que as outras, ao menos pode-se dizer que vivem bem” (Skinner, 1989, pág. 114). Essa afirmação expressa a importância que o terapeuta comportamental precisa atribuir às contingências de Refor- çamento Positivo ao definir os procedimentos terapêuticos para promover mudanças no repertório comportamental de seus clientes. Neste capítulo, pretende-se apresentar um breve histó- rico do princípio do Reforçamento Positivo, o processo comportamental pela descrição de possíveis efeitos das contingências de Reforçamento Positivo na instalação, no fortalecimento e na manutenção de repertórios compor- tamentais e aspectos relevantes do procedimento para sua aplicação como técnica terapêutica dentro do modelo de Terapia por Contingências (Guilhardi, 1997). A partir de experimentos realizados com animais, Skinner publicou seu primeiro livro, OComportamento dos Organismos, em 1938, no qual descreveu conceitos que definiramo condido- 1 Agradeço a Hélio José Guilhardi pelos comentários feitos durante a pre- paração do texto.

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Reforçamento Positivo: Princípio, Aplicação e

Efeitos Desejáveis

M aria B ea tr iz B arbosa P in h o M a d i1

“A terapia bem-sucedida constrói comportamentos fortes, removendo reforçadores negativos des­necessários e multiplicando os positivos. Inde­pendentemente de as pessoas que tiveram seus comportamentos fortalecidos dessa maneira vive­rem, ou não, mais que as outras, ao menos pode-se dizer que vivem bem” (Skinner, 1989, pág. 114).

Essa afirmação expressa a importância que o terapeuta comportamental precisa atribuir às contingências de Refor­çamento Positivo ao definir os procedimentos terapêuticos para promover mudanças no repertório comportamental de seus clientes.

Neste capítulo, pretende-se apresentar um breve histó­rico do princípio do Reforçamento Positivo, o processo comportamental pela descrição de possíveis efeitos das contingências de Reforçamento Positivo na instalação, no fortalecimento e na manutenção de repertórios compor­tamentais e aspectos relevantes do procedimento para sua aplicação como técnica terapêutica dentro do modelo de Terapia por Contingências (Guilhardi, 1997).

A partir de experimentos realizados com animais, Skinner publicou seu primeiro livro, O Comportamento dos Organismos, em 1938, no qual descreveu conceitos que definiram o condido-

1 Agradeço a Hélio José Guilhardi pelos comentários feitos durante a pre­paração do texto.

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namento operante como um tipo de aprendizagem que se contrapõe ao condiciona­mento clássico, no qual o comportamento é modificado por suas conseqüências.

Assim, os comportamentos que operam no ambiente geram conseqüências e são, por sua vez, modificados por elas e denominados comportamentos operantes.

As conseqüências podem alterar o comportamento de diferentes maneiras, es­tabelecendo relações específicas entre o comportamento emitido e o ambiente que o controla. Uma das relações observadas é descrita pelo princípio do reforçamento: “A força (do operante) aumenta se a ocorrência de um operante for acompanhada da apresentação de um estímulo reforçador” (Skinner, 1938).

Em Bjork (1993) encontra-se uma citação de Skinner justificando a origem da escolha do termo reforçamento:

“Eu adotei a palavra de Pavlov e sinto que ela tem uma vantagem clara sobre 'recom pen sa ' por iden tificar o efeito de um a conseqü ência do com portam ento no fortalecim ento do com portam ento, isto é, em tornar o comportamento mais provável de ocorrer novamente. A velha idéia de pra­zer e dor e os termos de Thorndike - \satisfação’ e \desconforto' - referem-se a sentimentos, o que na m inha opinião é um equívoco” (pág. 99).

Keller e Schoenfeld (1973), no clássico Princípios de Psicologia, descrevemhis- toricamente a diferenciação dos procedimentos desenvolvidos por Skinner desde a “lei do efeito” descrita por Thorndike até o princípio do reforçamento e a noção de comportamento operante.

Em Ciência e Comportamento Humano, Skinner (1970), afirma: “Os eventos que se verificam ser reforçadores são de dois tipos. Alguns reforços consistem na apresentação de estímulos, no acréscimo de alguma coisa... Esses são denomina­dos reforços positivos. Outros consistem na remoção de alguma coisa... Esses deno­minam-se reforços negativos. Em ambos os casos, o efeito do reforço é o mesmo: a probabilidade da resposta será aumentada” (pág. 49).

É importante salientar que, ao lado de termos como operante, os termos re­forço, reforçador e reforçamento são identificadores imediatos da proposta skinneriana que, muitas vezes, é conhecida como Teoria do Reforço.

Para Catania (1999), “o princípio é simples, mas à medida que evoluiu... trouxe consigo alguns problemas de linguagem lógica” (pág. 90). Ele propôs a terminolo­gia do reforço apresentada resumidamente abaixo:

Princípio do reforço O responder aumenta quando produz reforçadores.Reforçador (substantivo) Um estímulo.Reforçador (adjetivo) Uma propriedade de um estímulo.Reforço (substantivo) Como uma operação - apresentar conseqüências

quando uma resposta ocorre.Como um processo - o aumento das respostas que

resultam do reforço.Reforçar (verbo) Como uma operação - apresentar conseqüências

quando uma resposta ocorre: as respostas são re­forçadas, não organismos*

Como um processo - aumentar o responder me­diante a operação de reforço.

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“Esta term inologia ê adequ ada se e som ente se estiverem presentes três condições: (1) um a resposta produz algum a conseqüência, (2) a resposta ocorre com m ais freqüência do que quando não produz conseqüências e(3) o aum ento das respostas ocorre porque a resposta tem aqu ela conse­qü ên cia,} (pág. 90).

Catania (1999) afirma também que “Embora um reforçador seja uma espécie de estímulo, o reforço não é nem o estímulo, nem a resposta... a operação é efe­tuada sobre as respostas e, portanto, podemos falar tão somente de respostas re­forçadas, não de organismos reforçados” (pág. 90).

O uso adequado dos termos, que descrevem o evento comportamental de interesse, facilita a previsão e o controle do comportamento quer a relação estabelecida (comportamento-conseqüência) tenha sido programada para es­tudos em laboratório, quer tenha sido planejada em am bientes sociais estruturados como a situação clínica, ou seja, observada nos ambientes natu­rais da vida cotidiana.

PRINCIPIO DO REFORÇAMENTO POSITIVO NA TERAPIA

O princípio do Reforçamento Positivo pode ser considerado o mais funda­mental dos princípios básicos que caracterizam a Análise Aplicada do Com­portamento em clínica por estar presente em muitas técnicas e procedimentos comportamentais, como modelagem, modelação, reforçamento diferencial, para citar as mais comuns.

Está presente desde o início do processo terapêutico na formação do vínculo entre terapeuta e cliente: “O poder inicial do terapeuta como agente controlador se origina do fato de que a condição do paciente é aversiva e, portanto, qualquer promessa de alívio é positivamente reforçadora” (Skinner, 1970, pág. 208).

Para que o terapeuta exerça com sucesso a sua função reforçadora, é impor­tante que ele esteja atento para as variáveis relevantes que atuam na manutenção da relação face a face com o cliente durante as sessões terapêuticas. Porém, as histórias de contingências presentes na instalação e na manutenção dos compor- tamentos-problema que fizeram o cliente buscar ajuda é que devem ser alteradas para promover a modificação comportamental desejada.

“A qualidade da relação terapeuta-cliente é diretamente proporcional à com ­preensão conceituai que o terapeuta tem do seu cliente e da sua habilitação instrumental e pessoal para lidar com as dificuldades trazidas por ele. A compreensão conceituai permite ao terapeuta conhecer a problem ática do cliente num nível que vai alem do expresso pelo próprio cliente. Isso aprofunda o vínculo” (Guilhardi, 2002, pág. 141).

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Levando-se em conta essa afirmação, a partir do princípio do Reforçamento Positivo seguem algumas considerações sobre relações funcionais observadas na prática clínica, os procedimentos terapêuticos derivados e os possíveis correlatos teóricos.

QUANDO 0 REFORÇAMENTO OCORREOs critérios que especificam quando uma resposta produzirá reforçadores, quer

sejam programados ou observados, geram padrões comportamentais específicos.Se uma dada conseqüência seguir todas as ocorrências de uma dada resposta,

esse critério é conhecido como esquema de reforçamento contínuo.Esse arranjo entre comportamento e ambiente é particularmente possível em

ambientes controlados ou pode ocorrer quando há interesse específico em au­mentar a freqüência de uma resposta que está sendo instalada e oferece alto valor reforçador também para quem reforça.

Assim, na prática clínica, na relação face a face entre terapeuta e cliente, é desejável que o reforçamento ocorra, em especial, na aquisição de classes de res­postas emitidas durante a sessão, favorecendo o fortalecimento do vínculo e re­duzindo a probabilidade de contra-controle típico das contingências aversivas.

No entanto, a vantagem do uso do procedimento de reforçamento contínuo é restrita às condições iniciais de aprendizagem de um comportamento. É impor­tante salientar que os comportamentos tornam-se mais resistentes quando man­tidos em esquemas de reforçamento intermitente.

“O reforço de algumas respostas mas não de outras, cham ado de reforço in­termitente ou parcial, é uma característica geral do com portam ento.(...) Oreforço contínuo ou regular, que é o reforço de cada resposta dentro da classeoperante, é a exceção mais do que a regrat} (Catania, 1999, pág. 177).

O esquema de reforçamento intermitente especifica quando uma resposta será reforçada e quando o reforçador não estará disponível. Nesse caso, obser­va-se o reforçamento e a extinção, ou seja, não ocorrência do reforço em deter­minadas ocasiões.

Os esquemas de reforçamento intermitente mais comuns são:

Esquemas de razão: Determinado número de respostas constantes (FR)ou variáveis em torno de um valor médio (VR), deve ocorrer antes que a resposta seja reforçada. O respon­der no esquema FR gera pausa após reforço seguida de taxas relativamente altas e constantes e no VR as pausas são reduzidas ou eliminadas e o responder mantém-se em taxas altas e constantes.

Os esquemas de reforçamento em razão, geralmente, originam padrões de comportamento bem estabelecidos. Por exemplo, se o número médio de reforços nos esquemas de razão variável for favorável ao indivíduo, ou seja, a relação desem­

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penho-reforço gerar estados corporais agradáveis, poderá produzir padrões bem fortalecidos que se manterão por longos períodos.

Esquemas de intervalo: Determinado tempo mínimo constante (FI) ou variávelem torno de um valor médio (VI) deve transcorrer des­de a ultima resposta reforçada para, então, a resposta emitida ser reforçada. Em geral, o intervalo de tempo é medido a partir do reforçamento anterior. Nos esque­mas de FI, o desempenho típico é de pausa após reforçador seguida por uma aceleração gradual ou abrupta, atingindo uma taxa moderada de respostas. O desempenho em VI gera taxa de respostas relativamente constante entre os reforços.

O comportamento humano operante produz mais conseqüências nos esque­mas de reforçamento em razão que em esquemas de intervalo, no qual um único desempenho pode ser emitido para liberar o reforço.

Existem vários esquemas de reforçamento mais complexos que combinam cri­térios temporais e/ou número de desempenhos. Uma descrição detalhada de seus efeitos sobre o comportamento pode ser encontrada em Catania (1999) ou em Ferster, Culbertson e Perrot Boren (1982).

Em função da contingência, o comportamento, submetido a cada tipo de es­quema em vigor, varia de maneira significativa e característica. Para identificar o esquema vigente, o terapeuta precisa especificar o desempenho de interesse, o reforçador que o segue e o mantém e a relação funcional entre eles. Conhecer o padrão típico do desempenho em cada esquema facilita a tarefa.

Valores atribuídos pelo cliente ao seu próprio comportamento, por exemplo, dizer que algum desempenho é fácil, sugere reforçamento contínuo, ou difícil, indica reforçamento intermitente. Ambos oferecem pistas importantes para o le­vantamento de hipóteses explicativas e, conseqüentemente, para os procedimen­tos clínicos a serem adotados. O esquema de reforçamento vigente pode ser o principal determinante para a explicação de uma queixa.

Muitos sentimentos (“estados corporais” produzidos pelas contingências) re­latados pelos clientes estão relacionados com mudanças nos esquemas de Reforçamento Positivo em vigor.

A “perda de confiança” é um sentimento que aparece com freqüência na prá­tica clínica, e pode ser analisado como um estado corporal resultante da diminui­ção drástica do Reforçamento Positivo produzido anteriormente por um comportamento reforçado continuamente.

Skinner (1974) refere-se à “expectativa frustrada” como uma condição gerada quando o Reforçamento Positivo costumeiro deixa de ocorrer (extinção). A “sau­dade” é descrita como a ausência da ocasião apropriada para a emissão do com­portamento anteriormente reforçado. A “abulia” (falta de “força de vontade”) é proveniente de esquemas de razão fixa cuja relação entre resposta e reforço tenha sido alta demais, tornando-se desfavorável para o organismo que se apresenta inapto para reiniciar o responder ou seu desempenho ocorre em baixa freqüência e o indivíduo passa a relatar incapacidade de agir e de tomar decisões.

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Outro efeito que pode ser nocivo gerado por esquemas de reforçamento em razão é o comportamento de “jogar compulsivo” que se mantém a despeito da razão variável, altamente desfavorável, entre desempenho e reforço. O desem­penho se mantém em taxas altas, mesmo quando o reforçamento não é freqüente.

CONTINGÊNCIAS DE REFORÇAMENTO POSITIVOEm geral, os clientes buscam ajuda terapêutica em função de contingências

coercitivas presentes em sua vida e das dificuldades para eliminar, escapar ou evi­tar esses estímulos aversivos que geram sofrimento descritos, muitas vezes, como respostas emocionais. Desse modo, os sentimentos como medo, ansiedade, culpa e raiva indicam a presença de contingências aversivas na história de vida passada e/ou atual do cliente e suas dificuldades para lidar com elas.

As contingências de Reforçamento Positivo, por sua vez, aparecem nas quei­xas quando estão escassas nas relações do indivíduo com seu ambiente. Apare­cem nos relatos de sentimentos de angústia ou depressão, sugerindo diminuição ou perda de Reforçamento Positivo em processos de punição negativa (perda de agente reforçador, diminuição dos reforços etc.) ou extinção (comportamentos que deixam de produzir reforçadores).

E importante salientar que as contingências de Reforçamento Positivo são fun­damentais para promover sentimentos de auto-estima e de autoconfiança e faci­litar a instalação de repertório de auto-observação, um pré-requisito para tornar o cliente um agente de sua própria mudança.

Qualquer proposta terapêutica, em especial as embasadas no modelo de Te­rapia por Contingências (Guilhardi, 1997), precisa conter, entre seus principais objetivos, procedimentos que façam o cliente identificar contingências de Reforçamento Positivo operando em suas relações com o seu ambiente e promo­ver para si e para os outros reforçadores positivos genuínos.

IDENTIFICANDO AS CONTINGÊNCIAS“As pessoas usualmente procuram a terapêutica m édica ou comportamental em função daquilo que estão sentindo. O médico m uda o que elas sentem de m aneiras m édicas; os terapeutas com portam entais alteram as contingên­cias das quais os sentimentos são função” (Skinner, 1991, pág. 114).

O cliente, ao procurar a terapia, descreve sua queixa usando os termos insta­lados pela comunidade verbal presente enquanto vigoravam as contingências das quais seu comportamento é função.

uDiferentes com unidades geram tipos e quantidades diferentes de auto­conhecimento e diferentes maneiras de uma pessoa explicar-se a si mesma e aos outros” (Skinner, 1974, pág. 186).

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A tarefa inicial do terapeuta é alterar possíveis descrições incompletas ou im­precisas e instalar um novo repertório que gere descrições acuradas das contin­gências relevantes ao comportamento a ser modificado.

Embora pareça uma questão simples, isso requer muita atenção por tratar-se de desenvolver um repertório verbal que concorre com outros termos não técnicos, reforçados pela comunidade social leiga.

IDENTIFICANDO OS REFORÇADORES“A única m aneira de dizer se um dado evento é reforçador ou não para umdado organismo, sob dadas condições, é fazer um teste direto. Observamosa freqüência de uma resposta selecionada, depois tornamos um evento aela contingente e observam os qualquer m udança na freqüência” (Skinner, 1970, pág. 48).

O procedimento sugerido acima, para a classificação de um evento como reforçador, é possível quando a atuação acontece em ambiente planejado para o controle das variáveis relevantes. Em geral, são ambientes “de laboratório” onde o rigor experimental exigido é possível.

Na prática clínica, o terapeuta tem disponível apenas o relato verbal do clien­te sobre seus comportamentos-problema, uma pequena parcela das dificuldades, em geral os déficits comportamentais ou excessos emitidos durante a sessão e, principalmente, poucos reforçadores positivos, geralmente os eventos disponí­veis nos episódios verbais, provenientes do falante e/ou do ouvinte, ou seja, reforçadores sociais generalizados verbais tipo elogio e aprovação e não verbais na forma de gestos, atenção, carinho etc.

Para Skinner (1991) “aquilo que o cliente fa z na clínica não é a preocupação básica. O que lá acontece é uma preparação para um mundo que não está sob o controle do terapeuta. Em vez de arranjar contingências correntes de reforçamento, com o acontece no lar, na escola, no local de trabalho ou no hospital, os terapeutas dão conselhos. (...) Ele pode assumir a form a de uma ordem (...) ou pode descrever contingências de reforçam ento(...)” (pág. 111).

Assim, o terapeuta parte do relato do cliente sobre suas interações sociais, aju­dando-o a identificar as contingências de reforçamento, os reforçadores positivos efetivos ou potenciais para o seu próprio comportamento ou para o comporta­mento de outros relevantes na sua vida.

Existem muitos textos básicos disponíveis na literatura que classificam e des­crevem tipos de eventos que podem ter a função de reforçadores positivos.

Martin e Pear (1999) sugerem procedimentos para selecioná-los que são úteis para os analistas do comportamento que atuam em instituições, nas escolas, na área esportiva ou em clínica, diretamente com crianças ou orientação de pais.

No entanto, o procedimento mais apropriado é a observação das contingên­cias detalhadamente, buscando as relações funcionais entre o desempenho e os reforçadores que o mantém.

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Salienta-se que, sempre que for necessário utilizar como reforço um item ou evento que não esteja disponível no ambiente do cliente, é desejável partir de ope­rações estabelecedoras, considerando os interesses do cliente e não dos agentes ou das agências controladoras.

Reforçadores sociais generalizados tipo atenção, aprovação, gestos carinho­sos, demonstrações de afeto são exemplos relevantes nesse caso.

REFORÇAMENTO ARBITRÁRIO VERSUS NATURAL“O terapeuta do comportamento pode usar reforçadores arbitrários adequa­dam ente, como parte de uma estratégia terapêutica, mas esta estratégia es­tará condenada, a menos que haja um plano viável para que os reforçadores naturais possam substituir os arbitrários e mantenham os novos padrões de respostas” (Ferster, 1982, pág. 281).

A necessidade de se atentar para a distinção entre arbitrário e natural surge quando os princípios do comportamento passam a ser aplicados na situação clí­nica e aparecem as dificuldades para manter os comportamentos instalados na terapia, fora dela.

Diferentemente da prática clínica, as condições de controle necessárias e os critérios básicos exigidos para os estudos experimentais permitem, ao experi­mentador, utilizar reforçadores mais fáceis de manusear no laboratório, sem a necessidade de considerar se ocorrem em ambiente natural ou não. São chama­dos reforçadores arbitrários.

O terapeuta deve estar sensível a esta questão e selecionar, pela observação acurada feita por ele, em conjunto com o cliente, quando possível, reforçadores que ocorrem em conseqüência do comportamento no próprio ambiente natural. Agindo assim, terá o acesso aos reforçadores naturais.

Um dos aspectos mais importantes para a seleção de reforçadores naturais está relacionado à noção de controle que, muitas vezes, é o centro de críticas para a proposta comportamental. Ferster (1982) argumenta que os reforçadores natu­rais não dependem da intervenção arbitrária do terapeuta, não beneficiam o controlador (terapeuta) em detrimento do controlado (cliente). São usados para beneficiar o controlado, são úteis para manter os comportamentos imediatamente ou a longo prazo e podem garantir a emissão do comportamento aprendido em qualquer situação que gere reforçamento natural.

REFORÇAMENTO ACIDENTAL: ESTABELECENDO RELAÇÕES SUPERSTICIOSAS

"Quando se diz que o reforçamento é contingente à resposta, isso significa apenas que ele vem logo após a resposta. Pode vir após a resposta em vir­tude de uma conexão m ecânica ou devido à m ediação de outro organis­mo; mas presume-se que o condicionamento ocorre por causa da relação

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tem poral em termos da seqüência e da proxim idade da resposta e do reforçamento” (Skinner, 1948).

Considerando-se que o fenômeno é temporal, observa-se que qualquer refor­çador poderá aumentar a freqüência da resposta que o anteceda, mesmo que ela não o produza, quer seja um evento determinado por alguma agência controladora,por uma comunidade social ou apenas algo que ocorra imediatamente após.

O comportamento que resulta desse reforçamento, de tipo acidental, é cha­mado de comportamento supersticioso. Para Skinner, “no comportamento operante supersticioso(.. o processo de condicionamento malogrou" (1970, pág. 56). Sugere-se que a imediaticidade foi selecionada como uma vantagem impor­tante para a sobrevivência da espécie, mas, muitas vezes, traz prejuízos importan­tes para o indivíduo, dificultando a identificação de relações funcionais efetivas.

“Uma pessoa está bem consigo mesma quando sente um corpo positivamente reforçado. Os reforçadores positivos dão prazer. Dão prazer mesmo quando acidentais (feliz, antigamente, significava \sortudo’) ” (Skinner, 1989, pág. 114).

O conceito de comportamento supersticioso, na prática clínica, é de funda­mental relevância pois o cliente que descreve seu comportamento levando em conta as relações supersticiosas, em geral, apresenta um repertório de autoconhe­cimento pobre, fundamentado em eventos que terá dificuldade em reproduzir no futuro. Isso pode ser desanimador, levando-o mais freqüentemente a condições de extinção ou a novas buscas explicativas em condições de privação, que o tor­nam mais vulnerável para estabelecer outras relações supersticiosas. Além disso, ele terá dificuldades em estabelecer relações efetivas em seu ambiente social, pois estará vulnerável aos controles espúrios que não favorecem o seu domínio sobre o ambiente enquanto agente de sua própria história de vida.

“A terapia é freqüentemente um modo de destruir os efeitos reforçadores de conseqüências acidentais” (Skinner, 1991, pág. 107). O terapeuta, nesse caso, deve atuar como uma comunidade social que facilite a descrição de relações entre sen­timentos, os comportamentos e o ambiente, quer sejam passadas, presentes ou futuras, gerando um novo repertório de autoconhecimento e tornando o cliente mais conhecedor das conseqüências que de fato atuam sobre seus comportamentos.

ALÉM DOS EFEITOS DE FORTALECIMENTO E DE PRAZERSegundo Skinner o reforçamento tem dois efeitos: “o efeito de prazer e de fortale­

cimento. Eles ocorrem em diferentes momentos e são sentidos como coisas diferen­tes. Quando nós sentimos prazer, nós não estamos necessariamente sentindo uma maior inclinação para agir da mesma forma(...) Por outro lado, quando nós repeti­mos o comportamento que foi reforçado, nós não sentimos o efeito do prazer que nós tínhamos sentido no momento em que o reforçamento ocorreu” (1987, pág. 17).

Como o sentimento é o efeito que ocorre imediatamente, o que é sentido é mais facilmente identificado como efeito do procedimento, do que a tendência aumentada em se comportar da mesma maneira no futuro.

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Além disso, considerando-se novamente a imediaticidade como uma variável poderosa, ela pode dificultar a identificação das causas “reais” do comportamen­to a ser analisado. O ambiente social leigo, enquanto comunidade verbal e as prá­ticas terapêuticas mentalistas influenciadas pelo efeito do prazer, tendem a fortalecer explicações que levam o cliente ä relatar o que sente a partir da obser­vação de estados internos como as possíveis causas do seu comportamento.

O terapeuta, enquanto analista de comportamento, pode funcionar como facilitador para descrições que diferenciem os dois efeitos, ampliando com isto o repertório de auto-observação do cliente, ou seja, levando-o a relatar como senti­mentos diferentes o estado corporal gerado pelo reforçamento negativo, prazer do tipo alívio e o estado corporal de prazer típico das contingências de Reforça­mento Positivo, como alegria, felicidade ou contentamento. Com isso, ele estará também aumentando o repertório de autoconhecimento do cliente, em especial ao ensiná-lo a identificar e descrever o fortalecimento do desempenho que pro­duziu o reforçador, como o aumento da tendência em se comportar da mesma maneira no futuro, quando condições semelhantes estiverem presentes.

Os dois efeitos do reforçamento podem ocorrer como conseqüência de qual­quer comportamento que gere um reforçador, independente da adequacidade do comportamento que o antecedeu ou do tipo de reforçador produzido.

“O efeito reforçador de uma conseqüência particular pode ter se desenvolvido sob condições que já não vigoram. Por exemplo, a m aioria de nós é forte­mente reforçada por alimentos salgados ou doces, não porque grandes quan­tidades são atualmente boas para nós, mas porque alimentos salgados e doces foram escassos na história da espécie" (Skinner; 1991, pág. 105).

A sensibilidade alterada de um organismo para o reforçamento por eventos com alto valor evolucionário para a espécie humana pode facilitar a instalação e a ma­nutenção de excessos comportamentais com graves conseqüências para a sobrevi­vência do indivíduo. O comer excessivo, o comer compulsivo, distúrbios como diabetes, obesidade, hipertensão podem estar relacionados a essa questão.

uPor outro lado, há problemas que se originam do fato de alguns reforçadores nunca terem tido nenhuma vantagem evolucionáriaC..) os efeitos reforçadores do álcool, da heroína, da cocaína e de outras drogas são presumivelmente acidentaisC * J A necessidade intensa de que padecem os toxicômanos é um estado corporal devido a um reforçador anôm alo” (Skinner, 1991, pág. 106).

Nesse caso, o efeito de prazer imediato é gerado a partir do uso de uma droga e os efeitos nocivos podem aparecer somente após um determinado tempo, fun­cionando como uma conseqüência aversiva atrasada que, para controlar o com­portamento que a gerou, requer a mediação de uma regra.

Assim, as dificuldades comportamentais que evidenciam mais especificamente o efeito do prazer, podem ser modificadas partindo-se da construção de novas regras que descrevam contingências mais favoráveis ao indivíduo e com o uso de técnicas que promovam o autocontrole.

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Por outro lado, os excessos comportamentais que explicitam claramente o efei­to do fortalecimento, tais como padrões de comportamento bem estabelecidos que consomem muito tempo do indivíduo, podem ser modificados a partir de procedimentos que reforcem padrões incompatíveis e/ou ampliem as classes de comportamentos que possam promover Reforçamento Positivo.

QUANDO O REFORÇAMENTO POSITIVO PODE DIFICULTARGuilhardi (2002) afirma existir, pelo menos, três condições relacionadas às

contingências de Reforçamento Positivo que dificultam o processo de mudança do cliente:

1. Reforçamento Positivo muito freqüente. “Desenvolve um repertório fraco (os comportamentos entram facilmente em extinção, quando as condições atuais provêem poucos e esporádicos reforçadores positivos ou quando são aumentadas as exigências para obtenção dos reforços), muito sensível àfrus­tração (quando a densidade de reforços positivos cai, a pessoa apresenta reações emocionais perturbadoras para ela e para os que a cercam)(...)”

2. Reforçamento Positivo muito infreqüente. “Sob este sistema de contingên­cias, as pessoas têm alta tolerância à frustração. Às vezes, exageradamente alta. Tendem a se mobilizar pouco para a mudança, uma vez que se habitua­ram a suportar condições adversas extremas(...) Mantém os padrões de com­portamento praticamente inalterados, independente das conseqüências aversivas que produzem... Quando entram em contato com contingências reforçadoras significativas ou freqüentes, sentem-se culpadas(...)”

3. Reforçamento Positivo não contingente. “Nas relações não contingentes, o com­portamento e o evento que se segue são associados apenas seqüencialmente - primeiro um, depois o outro - e com proximidade temporal, um imediatamen­te após o outro. As relações não contingentes tendem a desenvolver padrões de resposta supersticiosa.(...) Buscam soluções mágicas para suas dificuldades e pouco se empenham em descobrir as possíveis relações entre seu próprio com­portamento e as reações do ambiente que a cercam(...)” (pág. 136).

Cada contingência de reforçamento anteriormente descrita requer um proce­dimento específico para alterar a história comportamental gerada e instalar re­pertórios alternativos que possam contrapor os efeitos indesejáveis dessas contingências anteriores. No entanto, a relação comportamento-conseqüência precisa ser alterada através da mudança gradual nos esquemas de reforçamento vigentes nas três condições citadas.

Quando o reforço positivo foi muito freqüente na história de vida do cliente, o procedimento indicado pode ser a mudança no esquema de reforçamento pas­sando-o de “quase” reforçamento contínuo para um esquema intermitente, inicia­do com uma densidade média de reforços bastante favorável para reduzir os possíveis efeitos aversivos imediatos, que possam gerar reações emocionais típi­cas de contingências de punição negativa (perda de reforços).

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Ferster afirma que “a adolescência é o momento em que os esquemas de reforçamento, que prevaleciam para o comportamento da criança, se alteram por­que as práticas da comunidade mudam” (pág. 454).

Na clínica, muitas das dificuldades observadas no repertório comportamental do adolescente são produtos do aumento das exigências para obtenção de refor­ços positivos. Além da transição para esquemas com menor densidade de reforços, mudanças repentinas ou drásticas dificultam o fortalecimento de repertórios alternativos.

A exposição a outras comunidades sociais além da família, tais como: mudan­ça de escola, novos colegas, convívio com novos parceiros conjugais dos pais se­parados, mudança de cidade etc., também podem enfraquecer a variabilidade comportamental e dificultar a seleção de comportamentos que possam repor os reforços positivos perdidos.

Contingências de Reforçamento Positivo pouco freqüentes podem gerar além de um repertório fraco em produzir reforçadores, sugerindo um déficit com­portamental social importante, pouca familiaridade com sentimentos mediados pelo comportamento de outras pessoas que acompanham os reforçadores do tipo afeto, carinho, aprovação, amor.

Por outro lado, o Reforçamento Positivo não contingente implica praticamen­te no estabelecimento de relações entre comportamento e conseqüência que não são produzidas naturalmente na vida cotidiana. Sendo assim, os repertórios são construídos partindo-se de relações de contigüidade e se manterão dependentes de um ambiente provedor.

As contingências de Reforçamento Positivo são poderosos instrumentos dispo­níveis para promover o bem-estar dos clientes, principalmente, em função da imediaticidade de seus efeitos, em especial daquele que é sentido (efeito do prazer).

Portanto, atentar apenas para esse efeito pode gerar repertórios pobres e fra­cos na produção de reforçadores genuinamente prazerosos e com alto valor de sobrevivência para o cliente.

Micheletto (1997), ao analisar o fazer humano do ponto de vista de Skinner, afirma: “O problema da busca exclusiva do prazer, por exemplo, é que ele ocorre quando pouca coisa é feita e um comportamento muito simples é reforçado. O fato de culturas ocidentais criarem oportunidade para privilegiar o efeito de pra­zer nas práticas culturais em detrimento do efeito de força tem levado a ‘corrosão das contingências de reforçamento’ (Skinner, 1986, pág. 569), uma vez que as pes­soas perdem a inclinação para agir” (pág. 123).

PROMOVENDO OS EFEITOS DESEJÁVEIS DAS CONTINGÊNCIAS DE REFORÇAMENTO POSITIVO

. .Nem todo problema pode ser resolvido mediante a aplicação de uma regra, sendo assim, os terapeutas precisam ir um passo à frente e ensinar a seus clien­tes como construir suas próprias regras. Isso significa ensinar-lhes algo sobre a análise do comportamento, uma tarefa usualmente mais fácil do que ensiná- los a alterar seus sentimentos ou estados da mente” (Skinner, 1991, pág. 112).

Reforçamento Positivo: Princípio, Apíicação e Efeitos Desejáveis ■ 53

Ensinar o cliente a identificar e produzir contingências de Reforçamento Posi­tivo para seu comportamento ou a reforçar positivamente o comportamento de outros, pode se tornar uma tarefa simples para o terapeuta comportamental cujo repertório tenha sido modelado por meio das conseqüências liberadas pelos seus clientes ao aplicarem suas orientações e, também, pela atualização conceituai ob­tida mediante leituras científicas, cursos, discussão de casos, supervisão, partici­pação em congressos etc.

Dessa forma, o terapeuta estará sob controle de comunidades diferentes que levam-no a atentar para questões teóricas que o ajudem a gerar procedi­mentos com descrições tecnológicas (Baer, Wolf e Risley, 1968), que permitam um leitor bem treinado replicar e reproduzir os mesmos resultados apenas pelaleitura da descrição.

Procedimentos cada vez mais efetivos do ponto de vista técnico-científico podem garantir a ocorrência do efeito do fortalecimento em suas melhores con­dições, quando incluem as preocupações descritas anteriormente. Garantir que a conseqüência tenha se revelado reforçadora por seus efeitos, imediata em sua aplicação, contingente ao comportamento de interesse e naturalmente produzi­da por ele.

As contingências de Reforçamento Positivo são fundamentais para garantir o fortalecimento de comportamentos, promover o aumento da variabilidade comportamental e produzir sentimentos de auto-estima e autoconfiança. Guilhardi (2002) apresenta procedimentos bem relatados para ensinar os pais a gerarem em seus filhos bons sentimentos de auto-estima, produto de contingências de Reforçamento Positivo de origem social e de autoconfiança, produto de contingên­cias de Reforçamento Positivo e negativo de origem não social.

Se o terapeuta tiver acesso direto aos agentes reforçadores (por exemplo, os pais) poderá orientá-los, fornecendo regras claras que descrevam contin­gências (e produzam as conseqüências nelas descritas), além de ensinar-lhes conceitos da análise do comportamento que facilitem a seleção das variações comportamentais para alterar as hipóteses explicativas.

Caso contrário, caberá ao terapeuta ensinar o cliente a identificar as conseqüên­cias que seu comportamento produziu no passado, identificar as produzidas atual­mente, buscar novas fontes de reforço positivo atentando para novos estímulos discriminativos ou instalar novos comportamentos que possam produzir em re­forços positivos ampliando a variabilidade comportamental.

A auto-observação promovida pelo terapeuta ao questionar o comportamen­to do cliente e o autoconhecimento (descrição das contingências identificadas) são comportamentos fundamentais a serem modelados e mantidos durante todo o processo terapêutico.

As contingências de Reforçamento Positivo estão disponíveis no ambiente natural, mas podem atingir sua função selecionadora mais acuradamente duran­te a terapia, quando seus efeitos de fortalecimento e de prazer forem atingidos em sua plenitude a partir da aplicação planejada e criteriosa.

“Ser reforçado pelo sucesso da nossa ação é especialm ente vantajoso na m edida em que nos faz essencialmente seres agentes em relação ao meio, agen­tes controlados pelo efeito de nossa própria ação" (Micheletto, 1997, pág. 118).

54 ■ Terapia Comportamental

R e f e r ê n c ia s

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SKINNER, B. F. Questões Recentes na Análise Comportamental. Campinas: Papirus, 1991 (Publicação original, 1989).

........... .................. ....................................CAPÍTULO

Reforçamento Negativo na Prática Clínica: Aplicações

e Implicações

M a ly D e l it t i ... Cássia R oberta da C unha Thomaz

As respostas são, decisivamente, influenciadas por suas conseqüências. Segundo Skinner (1967), as conseqüências de uma resposta podem retroagir sobre ela e, quando isso acontece, alteram a probabilidade de ocorrência futura des­sa resposta.

Os eventos que aumentam essa probabilidade são cha­mados de estímulos reforçadores e possuem duas caracte­rísticas definidoras; (a) Um estímulo reforçador deve seguir uma resposta; e (b) Fazer essa resposta ocorrer mais freqüentemente, isto é, ser mais provável no futuro.

Skinner (1967) afirma que os eventos reforçadores são de dois tipos. Os reforços que consistem na apresentação de um estímulo pela emissão da resposta são denominados positivos e aqueles que são removidos pela emissão da res­posta são chamados negativos. O termo reforçador, refere- se, então, aos estímulos e a expressão reforçamento faz referência a um processo ou uma operação de fortalecimen­to ou manutenção de uma resposta por um S.

O Reforçamento Positivo pode ser entendido como uma re­lação “se... então”, por exemplo: se resposta “X”, reforçador “Y”, se resposta “não X”, não reforçador “Y” Essa noção de contin­gência (seguir-se a...) é fundamental ao conceito de reforçador.

No Reforçamento Positivo, a resposta de uma pessoa aumenta de freqüência porque é seguida de um evento que não existia antes. Exemplificando, a resposta de um

56 ■ Terapia Comportamental

rato de pressionar a barra é seguida de água no bebedouro ou a resposta de es­tudar de um sujeito é seguida de aprendizagem e boas notas nas provas.

Entretanto, grande parte das respostas não é mantida por conseqüências po­sitivas. Encontram-se, também, respostas mantidas por Reforçamento Negativo. O termo Reforçamento Negativo é definido como um procedimento no qual há a retirada ou a evitação de um estímulo aversivo contingente a uma resposta, que aumenta de freqüência posteriormente.

Existem, basicamente, dois tipos de operações que se caracterizam como Reforçamento Negativo: fuga e esquiva. Respostas de fuga produzem o fim do con­tato com um estímulo aversivo e respostas de esquiva evitam o contato com esse estímulo. Se estas respostas aumentarem de freqüência no futuro, considera-se que foram reforçadas negativamente.

A idéia central a ser esclarecida é a de que o reforçamento sempre significa aumento de freqüência de resposta e que o termo negativo refere-se ao fato de uma resposta específica remover, ou eliminar, um evento aversivo.

Na vida, os estímulos aversivos são tão ubíquos quanto as respostas de fuga e esquiva que produzem. Sempre que houver um estímulo aversivo, potencialmen­te ocorrerá alguma resposta que lhe dará término ou o evitará.

Procurar a sombra para sair do calor do sol, tomar um remédio para aliviar ador, estudar muito para evitar bronca e punição dos pais e procurar um terapeutapara resolver um problema conjugal, são exemplos de respostas mantidas por Reforçamento Negativo.

Especificamente em relação à situação clínica, parece que, freqüentemente, o indivíduo procura um terapeuta porque encontra-se em alguma situação aversiva. Conforme afirma Sidman (1995), uma pessoa mantida principalmente por Reforçamento Negativo, ou seja, que escapa de estímulos aversivos e/ou os evita, acaba tendo suas interações com outras pessoas influenciadas por esse tipo de controle coercitivo, o que poderia alterar sua visão geral da vida. Nesse sentido, além de se observar o controle por Reforçamento Negativo como uma variável relevante da queixa da pessoa que procura a terapia, encontram-se, também, res­postas mantidas por Reforçamento Negativo na história de vida dela e na sua interação com o terapeuta.

De qualquer maneira, deve-se investigar o controle vigente em determinada situação pois, segundo Sidman (1995), algumas vezes é difícil dizer qual é o con­trole: Reforçamento Positivo, Negativo ou ambos. Em uma situação de laborató­rio, determinados procedimentos poderiam demonstrar o controle em vigor mas, fora desse ambiente, não é simples saber o que mantém a(s) resposta(s), apesar da importância de se descobrir isso.

Uma história de vida caracterizada por controle aversivo leva ao desenvolvi­mento de um repertório de fuga-esquiva e de respostas emocionais decorrentes da punição, como agressão, frustração e ansiedade.

Essas respostas emocionais são consideradas efeitos colaterais da punição e, segundo Sidman (1995), freqüentemente, têm significação comportamental con­siderável como os efeitos principais.

Um outro efeito colateral da punição é possibilitar, a qualquer sinal de puni­ção, a capacidade para punir por si mesmo. Isso acaba por aumentar, para uma

Reforçamento Negdtivo na Prática Clínica: Aplicações e Implicações ■ 57

pessoa, o número de eventos ambientais aversivos, o que tornaria a vida menos satisfatória, uma vez que a pessoa possivelmente irá se deparar com mais estí­mulos que os sinalizam e, por encontrar eventos aversivos com freqüência, aprenderá que é mais seguro ficar quieta e fazer o mínimo possível. Então, o Re-forçamento Negativo pode limitar o repertório comportamental, ao tornar o am­biente coercitivo.

Alguns efeitos da exposição a eventos aversivos, conceituados como formas de medo e de ansiedade, envolvem atos de esquiva desnecessários. Assim, o terapeuta não deve desviar a atenção dos eventos observáveis causadores dos es­tados internos e das respostas abertas.

Um exemplo característico de Reforçamento Negativo pode ocorrer na interação verbal entre o terapeuta e o cliente, durante a sessão. O terapeuta per­gunta sobre um determinado assunto, que é aversivo para o cliente e esse, ao invés de falar sobre o tema, muda de assunto. Nesse caso, poder-se-á supor que a res­posta do cliente, ao mudar de assunto, talvez tenha sido reforçada negativamente porque ela eliminou a estimulação aversiva de falar sobre aquele assunto. Isto é, se o terapeuta permite que cliente deixe de falar sobre o assunto supostamenteaversivo, a R “mudar de assunto” mudou este S supostamente aversivo e foi, por­tanto, reforçada negativamente.

O terapeuta, sabendo que a cessação da estimulação aversiva reforça negati­vamente a resposta, deveria descrever esse tipo de controle para o cliente e expli­car para ele a função da terapia que, nesse caso, não é a de repetir o padrão domundo frente a isso, mas a de, por exemplo, investigar e discutir as contingências consideradas aversivas.

Outro padrão de respostas do cliente que indicaria uma estimulação aversiva na relação terapeuta-cliente ocorre quando há faltas e/ou atrasos repetidos, indi­cando uma possível esquiva. Portanto, o terapeuta também deveria descrever a contingência e analisá-la, identificando o evento aversivo presente na terapia, con­forme descrito anteriormente. Em geral, não é a relação com o terapeuta (a interação) a variável aversiva (em ambos os casos), mas o assunto no qual a tera­pia chegou. Então, cabe ao terapeuta propor a análise desse tema na vida do cliente e as alternativas de respostas excluindo as de fuga-esquiva.

Uma outra situação clínica na qual aparece o Reforçamento Negativo seria,por exemplo, quando um cliente queixa-se que a situação presente é aversiva. Essase caracteriza quando o cliente, por exemplo, relata que a vida está aversiva, isto é,vários aspectos da vida, como relação com o marido, os filhos e o chefe, são aversivos.

Frente a esse tipo de situação, o terapeuta investigaria, em um primeiro momento, como ocorre a relação do sujeito com o mundo. O cliente poderia relatar, por exemplo, suas queixas constantes para o marido, que não dá atenção a ela. Caberia ao terapeuta mostrar que o marido pode não prestar aten­ção porque ela, freqüentemente, se queixa e, a resposta dele (de não ir para casa, por exemplo), pode ser negativamente reforçada pela eliminação do even­to aversivo “mulher reclamando’'. Além disso, poderia mostrar que a resposta de se queixar pode ser reforçada negativamente e que isso não produz uma mudança no mundo (reforçador positivo). Discutiria, então, quais os refor­

58 ■ Terapia Comportamental

çadores positivos disponíveis na vida da cliente pois, aparentemente, pode-se supor que não há muitos. A partir disso, o terapeuta deveria planejar contin­gências para a instalação de um novo repertório comportamental, fazendo com que as respostas incompatíveis com o “queixar-se” ocorram e produzam reforçamentos positivos.

Mais um exemplo de situação em que o Reforçamento Negativo aparece na prática clínica é quando o cliente relata uma história de vida com presença cons­tante de eventos aversivos. As descrições a seguir ilustram este caso.

C., um cliente de 28 anos, procurou por terapia queixando-se ser muito agres­sivo e possuir muito medo de ficar sem ninguém (amigos, namorada etc.), porque a namorada traiu-o com um homem que conheceu na Internet e ele não queria abandoná-la para não ficar sozinho, afirmando que ela cometeu a traição por causa da agressividade dele e, por isso, o relacionamento não estava bom.

Quando investigada a história de vida de C., descobriu-se que a mãe abando­nou o pai e levou C. (na época com 8 anos) e sua irmã menor para outra cidade. C. relata que gostava muito de ficar com o pai e sentiu a sua falta. Ele encontrou com o pai novamente quando tinha 16 anos e, até então, a mãe afirmava que o pai os tinha abandonado. Quando o pai encontrou-os (com a ajuda da justiça), tentou restabelecer um contato com os filhos, mas esses não aceitaram a volta dele por acreditarem na mãe. C. afirma que, somente por volta de 21 anos, voltou a falar com o pai e entendeu o que aconteceu, mas a sua relação atual com ele era distan­te graças a essa história.

Desde que passou a morar com a mãe e a irmã em outra cidade, ele disse que a mãe sempre foi mais próxima da irmã e lhe dava atenção quando fazia algo que ela considerava errado (como brincar com o vizinho, por exemplo). Aos 18 anos, mudou-se de estado para fazer faculdade e a mãe, em vez de lhe dar dinheiro para suas necessidades, pagava previamente suas contas (como república e alimenta­ção) e qualquer outra necessidade de C. deveria ser comunicada a ela. Dessa for­ma, a mãe o mantinha sob o seu controle econômico, sempre reclamando e criando punições quando ele pedia dinheiro extra.

Aos 22 anos, arrumou emprego em São Paulo e resolveu “cortar relações” com a mãe. Essa não aceitou a mudança do filho e o fez assinar notas promissórias de tudo o que ela já havia gasto com C. e ele assinou.

Até então, observa-se que as respostas de C. (mudar de Estado, sair de casa. assinar as notas) tinham como função eliminar um evento aversivo: a mãe.

Um ano depois, C. procurou pela mãe para resolver o problema e ela mandou o pastor da cidade dizer a C. que ele estava errado porque as mães nunca erram. Além disso, a mãe deu queixa na polícia (depois que C. saiu da cidade), dizendc que havia duas pessoas em determinado carro (da amiga que acompanha C.) que estavam traficando drogas na região, eles foram parados na estrada e foram para £ delegacia. Só saíram horas depois quando o acontecimento e a autora da queixa foram esclarecidos.

C. resolveu nunca mais procurar a mãe (provavelmente por conta da puniçê: dessa resposta) e foi morar com a namorada em São Paulo. Ele relatou que os dc: ̂se falavam pouco, que mantinham relações sexuais com pouca freqüência e qut ele trabalhava muito, estando sempre cansado.

Reforçamenio Negativo na Prática Clínica: Aplicações e Implicações ■ 59

Dentre os diversos aspectos que foram discutidos na terapia, mostrou-se a C. que na vida dele houve diversos eventos aversivos, como as punições da mãe na infância e na adolescência, as notas promissórias e a ausência do pai e que muitas de suas respostas tiveram a função de eliminar ou evitar estímulos semelhantes. O mesmo ocorreu com o seu namoro, no qual o que, aparentemente, mantinha a resposta de ficar casado era a possível evitação do estímulo aversivo “ficar sozi­nho”, caracterizando um Reforçamento Negativo. Ainda, responder para evitar e/ ou eliminar eventos aversivos prejudicava a aprendizagem de outros repertórios. Além disso, explicou-se que a agressividade é um provável produto da história da sua vida e que ele agiu, durante todo esse tempo, da maneira mais adequada para o momento, ou seja, isto foi o que ele pôde fazer para “continuar em frente”.

Outra questão discutida com C. foi o efeito da submissão a eventos aversivos independentemente da resposta do sujeito que seriam, além de sentimentos des­critos como ansiedade, a falha na aprendizagem das conseqüências como produ­tos de respostas das pessoas.

Pretendeu-se, então, discutir com C., dada a sua realidade, quais os repertórios comportamentais que deveriam ser aprendidos e quais respostas poderiam ser emitidas para que determinadas conseqüências reforçadoras fossem produzidas. Além disso, foi ensinado a ele um relaxamento e planejaram-se respostas incom­patíveis àquelas “agressivas” nas situações que provocavam agressividade.

Com o decorrer do processo terapêutico, C. foi morar sozinho, mudou de em­prego e foi trabalhar em algo que ele gostava (o salário também aumentou) e ini­ciou um outro relacionamento. Pode-se afirmar que o cliente começou a responder em função de reforçadores positivos.

M., uma cliente de 32 anos, procurou terapia queixando-se de timidez, de so­lidão e de rejeição por partes dos homens, dizendo “Me usavam para conseguir o que queriam e depois me abandonavam.” Ao fazer a análise da sua história de vida, o terapeuta encontrou inúmeros episódios de punição: sua mãe biológica a abandonara, a mãe adotiva a repreendia dizendo “Ninguém te quis, nem sua mãe de verdade. Seja boa, senão eu te ponho na rua.” Na escola, aos 6 anos, pediu para ir ao banheiro, a professora não permitiu, ela não conseguiu se controlar e urinou na calça. Foi punida pela professora e motivo de chacota para seus colegas. Na adolescência, passou a ser boazinha, correspondendo a tudo que as colegas pe­diam, fazendo suas lições, dando-lhes o seu lanche, parecia que ela adivinhava o que os outros queriam e sempre era agradável e solícita. Quando adulta, perce­beu que era uma profissional competente - secretária - e bem-aceita pelos cole­gas porque sempre estava à disposição deles, fazendo hora extra, oferecendo carona, ajudando-os no trabalho etc., mas que eles nunca a convidavam para sair ou tinham com ela uma relação de amizade. Era uma moça atraente e se envolveu sexualmente com vários rapazes, que, no entanto, nunca estabeleciam uma rela­ção mais duradoura com ela.

Na terapia, foi analisado como as suas respostas de submissão e disponibili­dade eram os padrões que ela desenvolveu para ser aceita nos grupos e não ser “jogada na rua”. Essa cliente aprendeu com a terapia que podia ser firme, colocar seus limites e necessidades de forma tranqüila e que podia emitir uma série de respostas assertivas e ser reforçada por isso. Seus colegas de trabalho, em princípio,

60 ■ Terapia Comportamental

estranharam sua mudança (o terapeuta já havia lhe advertido sobre esta possibi­lidade), mas depois estabeleceram com ela outro tipo de relacionamento, mais verdadeiro e não apenas de “uso”. Também com os rapazes começou a se colocar de forma mais firme e arrumou um namorado que a respeita como ela é. Sua tera­pia continua, porém, as suas mudanças são muito reforçadoras para ela e para a sua terapeuta.

Parece importante ressaltar que o Reforçamento Negativo não é uma técnica terapêutica, mas uma operação comportamental presente nas relações sujeito- ambiente. Eventos aversivos estão presentes no ambiente natural e têm efeitos sobre as respostas dos sujeitos. Frente a (ou a possibilidade de) um evento aversivo, o sujeito aprende a emitir determinada resposta que cessa ou evita a apresenta­ção dele e, assim, a resposta aumenta de freqüência graças ao seu efeito no mun­do. A função dessa resposta é um fato cotidiano e as pessoas as apresentam em virtude da adequação ao ambiente. Apresentar algumas dessas respostas é alta­mente adaptável e mantém a sobrevivência.

A função da terapia é, portanto, dar condições para o cliente analisar como e por que ele emite determinados padrões comportamentais (autoconhecimento) e, a partir desse conhecimento, eleger os que aumentem os reforçadores em sua vida cotidiana (autocontrole).

R e f e r ê n c ia s

SIDMAN, M. Coerção e suas Implicações. Campinas: Editorial Psy, 1995.SKINNER, B. F. Ciência e Comportamento Humano. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1967.

CAPÍTULO- z s z , z z z > .z í - / r > . X > r > z ; T J i ^ r < z „'■ « 3 k S s ^ - s = - “ = - . 5 \ Z j t . ^ . t s i * j ; ü : V Ï V ^ * ' .- V - . ^ ’ " J- I í T O í * ^ i V . ^ r - / y . ^ T ^ y , C V f ^ B , ^ . í V i W S « Í % ^ =

Positiva

R oberto A lves B anac o

A palavra punição tem sido definida como “qualquer forma de castigo que se impõe a alguém”, “pena determi­nada por um juiz a quem cometeu um crime” ou “algo pe­noso ou desagradável que alguém é obrigado a suportar” (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001) ou, sim­plesmente, como “castigo e pena” (Ferreira, 1999).

Como se pode notar nessas definições, há uma ação de alguém sobre outra pessoa, algumas vezes, deixando explicitado que a última emitiu algum comportamento. As definições encontradas nos dicionários dizem muito sobre a cultura na qual estamos inseridos. Quando fala­mos em punição da maneira que encontramos nos dicio­nários, portanto, estamos nos referindo ao controle sobre o comportamento de algumas pessoas que a cultura tenta exercer por meio de castigo, de pena, ou de algo desa­gradável.

No entanto, quando falamos em punição em uma lin­guagem técnica, especialmente em um contexto de terapia do comportamento, nos referimos a relações mais comple­xas. O tema desse capítulo é constituído dessas relações que caracterizaram a punição enquanto técnica e dos critérios para o uso dessa técnica.

PUNIÇÃO ENQUANTO OPERAÇÃOA punição tem sido um tema essencial de qualquer

livro de iniciação sobre Análise Experimental do Com­portamento, constando, enquanto item, de todos os su­mários das obras principais (como observado em Keller e

62 ■ Terapia Comportamental

Schoenfeld, 1950/19741; Skinner, 1953/1989; Lundin, 1961/1975; Millenson, 1967/ 1975; Ferster, Culbertson e Perrott-Boren 1968/1978; Malott, Whaley e Malott, 1997; Catania, 1998/1999). Além disso, tem sido tratada, se não diretamente como nas obras citadas anteriormente, dentro de capítulos sobre o controle aversivo do comportamento (Bandura, 1969/1979) ou, exclusivamente, em obras como Coerção e suas implicações (Sidman, 1989/1995).

Isso se deve ao fato da punição ser descrita mais que como uma técnica, uma operação básica passível de ser aplicada no controle do comportamento. Todas as obras citadas abordam a punição em termos de paradigmas e descrevem os efei­tos da sua utilização.

Esse panorama é suficiente para que se possa tratá-la como um capítulo à parte neste livro. No entanto, como será verificado em seguida, sua utilização é feita apenas em situações muito específicas e por um profissional extremamente habilitado, para que seus efeitos não causem mais problemas que soluções.

PRINCÍPIOSA punição é um tema bastante controverso, mesmo dentro da Análise do Com­

portamento. Em termos técnicos, é vista apenas como um procedimento (de acor­do com o que se observa nas definições encontradas nos dicionários: a aplicação de uma estimulação supostamente aversiva para o organismo que a recebe). Essa visão é bastante limitada e não utiliza uma grande ferramenta que um analista do comportamento possui para trabalhar - a análise de contingências. Somente ao observar um procedimento e seu efeito sobre o comportamento, tem-se certeza do que se utiliza em termos de operações. Aplicar uma estimulação supostamen­te aversiva, sem especificar as alterações comportamentais, não garante a utiliza­ção da operação de punição.

Portanto, para se falar de punição enquanto operação, deve-se entender sua definição como o conjunto de meios que se combinam para a obtenção de um certo resultado ou como componente de uma técnica (entendida, por sua vez, como um conjunto de processos com um objetivo específico).

Segundo Todorov (2001), não se encontra uma definição única para a puni­ção. Pela própria divisão observada no sumário deste livro, pode-se perceber que existem ao menos dois tipos de punição: a positiva e a negativa (essa última é tratada no capítulo seguinte).

Os termos “positiva” e “negativa” se referem às operações de estímulos. Se, na operação realizada, é apresentado ou pertimito o acesso a um estímulo, chama- se a operação de positiva. Quando na operação é retirado ou impedido o acesso a um estímulo já existente no ambiente, chama-se a operação de negativa (Baum, 1994/1999). Especialmente no caso da Punição Positiva pode-se dizer que uma

1 A primeira data refere-se ao ano de publicação do original e a segunda ao ano da obra consultada, a qual encontra-se na bibliografia. A adoção desse sistema tenta oferecer ao leitor o contexto de quando a obra foi produzida e quais as suas possibilidades de obtê-la em português.

Punição Positiva ■ 63

das definições mais aceitas pertece a Azrin e Holz (1966) e classificá-la enquanto uma operação pois define um estímulo e seu efeito: “uma redução na probabili­dade futura de uma resposta específica como resultado da apresentação imediata de um estímulo para aquela resposta”. Se tal relação for verificada, chama-se o estímulo de aversivo e a operação de Punição Positiva.

Mais recentemente, Catania (1998/2001) afirmou que “o efeito da punição é simplesmente o oposto do efeito do reforço” (pág. 109). Mais ainda, afirmou que “o reforço e a punição são simétricos: o primeiro aumenta o responder, enquanto a última diminui, mas seus efeitos continuam enquanto os procedimentos são mantidos e desaparecem depois que eles são interrompidos (o responder retorna aos níveis prévios à introdução da operação de reforço ou de punição)” (pág. 110).

Todorov (2001), no entanto, fez uma excelente análise das definições encon­tradas nas obras de iniciação em Análise do Comportamento citadas e alerta que é necessário diferenciar a punição de outros procedimentos que também redu­zem a freqüência de uma resposta (controle de estímulos, extinção, saciação e restrição física). Segundo esse autor, todos esses procedimentos diminuem o res­ponder, mas não obedecem a outras quatro características principais descritas por Azrin e Holz (1966) para a punição: ter efeito imediato na diminuição da fre­qüência da resposta, provocar a supressão completa da resposta, possuir efeito duradouro e ter efeito irreversível.

Nota-se que, enquanto alguns autores apóiam uma definição bastante estrita para a punição, outros a tornam bastante abrangente.

MÉTODOTodorov (2001) citou ainda as circunstâncias descritas por Azrin e Holz (1966)

necessárias para o processo de punição funcionar, levando para uma supressão completa do comportamento. Essas circunstâncias são ligadas pelas seguintes exigências:

1. Quanto à possibilidade de fuga e/ou esquiva: não pode haver resposta de fuga possível do estímulo punitivo;

2. Quanto à intensidade: o estímulo é tão intenso quanto possível, desde a primeira aplicação. Se a intensidade for baixa, os períodos para a liberação da punição devem ser curtos;

3. Quanto à freqüência e ao momento da liberação do estímulo aversivo: a apresentação do estímulo é tão freqüente quanto possível, imediatamen­te na subseqüencia da emissão da resposta;

4. Quanto às associações entre estímulos: o estímulo punitivo jamais é asso­ciado à apresentação de um estímulo reforçador positivo, evitando a aqui­sição de propriedades de estímulo discriminativo; a freqüência de reforço positivo para a resposta precisa ser diminuída; e a punição deve sinalizar um período de extinção para a resposta;

5. Quanto às possíveis operações de motivação: o grau de motivação para a resposta que se quer eliminar deve ser diminuído;

64 ■ Terapia Comportamental

6. Quanto às possibilidades para o organismo: uma resposta contrária à res­posta punida deve estar disponível para a obtenção do reforço que mante­nha a resposta a ser eliminada. Caso não haja essa possibilidade, o indivíduo deve ser conduzido para outra situação que possibilite a obtenção do reforçador positivo;

7. Quanto às alternativas de aplicação: se um aversivo primário não for ad­ministrado após a emissão da resposta, usa-se um estímulo aversivo con­dicionado; se isso não for possível, aplica-se timeout2 ou exige-se uma resposta mais custosa para a obtenção do reforço.

DESCRIÇÃOComo foi esclarecido até o momento, o efeito mais claro buscado na aplicação

da Punição Positiva é o de eliminar uma resposta imediata e completamente do repertório de um indivíduo. Também, como visto até esse ponto, é muito difícil, a partir dessa definição, discriminar qual o procedimento de punição pois outros procedimentos também teriam esse efeito. Talvez, enfim, seja nos “efeitos colaterais” da punição que encontram-se sua especificidade. Entende-se como efeito colateral àquele que não é previsto diretamente pela técnica, mas, que nem por isso, seja menos importante na análise de contingências, especialmente em situações clínicas.

Segundo Skinner (1953/1989) e Sidman (1989/1995), os efeitos colaterais da punição seriam:

• A punição, sozinha, não suspende a relação de contingência entre a respos­ta e a obtenção do estímulo reforçador que a mantém. Por essa característi­ca, ela só tem o efeito de suprimir a resposta enquanto o agente punidor estiver presente;

• Sua aversividade provoca efeitos emocionais aversivos que têm como con­seqüência respostas de fuga-esquiva que poderão ser reforçadas se dimi­nuírem, suspenderem, afastarem ou previnirem a estimulação aversiva;

• Uma tendência à agressão e à destruição, se possível dirigida à própria fon­te da estimulação aversiva. Se tal agressão ou destruição não for possível de ser dirigida à fonte de estimulação aversiva (em situações de autoridades, pessoas com mais poderes que o indivíduo submetido à punição ou de ele­mentos da natureza), ocorre uma tendência à agressão ou destruição de qualquer elemento (animado ou inanimado) que estiver por perto;

• Redução do repertório do organismo que sofre a punição: seja porque ne­nhuma resposta que emita é capaz de eliminar a aversividade da situação

2 Período aplicado definido como “uma suspensão discriminada da contingência de reforço” (Todorov, 1971) que pode ser aplicado, contingentemente, à ocorrência de uma resposta, ou seja, uma situação na qual a resposta a ser eliminada fique impedida de ocorrer por meio de contin­gências de reforço.

Punição Positiva ■ 65

ou porque a resposta de fuga-esquiva que elimina a aversividade tende a ser repetida. No primeiro caso, os efeitos observados em modelos de ansie­dade são de supressão condicionada (Estes e Skinner, 1941), ou seja, en­quanto esteja presente o sinal de que a punição é possível, há uma paralisação do comportamento operante em curso. Se essa condição for repetida inúmeras vezes, observa-se o “desamparo aprendido” (Seligman, 1975/1977), na qual o organismo simplesmente pára de responder na si­tuação original e torna-se incapaz de aprender novas respostas;

• E incompatível com a aprendizagem de novos repertórios (ensina apenas o que não deve ser feito, e não ensina novas respostas). Justamente pelo fato de restringir o repertório pelo reforçamento das respostas de fuga-esquiva, pela supressão de comportamento positivamente reforçado ou pela incom­patibilidade da aprendizagem de repertórios novos, a punição, adicionalmen­te, provoca a impossibilidade de responder sob o controle de estímulos pois os efeitos descritos comprometem o processo de discriminação. Pelo fato de também provocar respostas emocionais intensas (reflexas), a punição man­tém o controle do comportamento do indivíduo por seus próprios estados internos, pelo controle da estimulação do ambiente externo (como pode ser observado em pessoas com sintomas de transtornos de ansiedade).

Por essas razões, as técnicas ou procedimentos aversivos devem ser utilizados com extrema parcimônia e em casos nos quais nenhuma outra técnica não aversiva pudesse ser utilizada (Banaco, 2001). Em toda a descrição feita até o momento, os efeitos gerais da punição geram mais problemas adicionais do que solucionam o problema original.

DESCRIÇÃO DO USO DA TÉCNICA EM UM CASO CLÍNICOA técnica de Punição Positiva tem sido utilizada em casos clínicos sob condi­

ções estritas e, em geral, com populações que apresentam comportamentos cha­mados de “bizarros” (autolesão, comportamentos que provoquem algum dano para a saúde do indivíduo etc.) ou com populações que apresentem atrasos no desenvolvimento. Ainda assim, Piazza, Fisher, Roane e Hilker (1999) alertam que poucos procedimentos estão disponíveis para orientar os terapeutas na escolha de procedimentos efetivos de punição, Se o terapeuta avaliar que os benefícios poten­ciais do uso da punição excedem os riscos potenciais, o desenvolvimento de um método empírico de seleção de estímulos punidores apresenta várias vantagens:

“Primeiro, se o procedimento de punição for baseado em um método acurado para prever a efetividade do tratamento, então a probabilidade de rapidamente se suprimir o comportamento é aumentada. Assim, a ne­cessidade de que um indivíduo seja exposto repetidamente a uma série de procedimentos potencialmente incômodos, mas ineficazes, é eliminada. Uma supressão rápida do comportamento também pode ser importante em casos severos, nos quais o indivíduo esteja em perigo significativo para

66 ■ Terapia Comportamental

si próprio ou para outras pessoas (por exemplo, nos quais as autolesões continuadas possam causar cegueira). Segundo, com um método acurado de predição da efetividade do punidor pode diminuir a chance de que o procedimento venha a ter um efeito oposto ao pretendido. Por exemplo, restrição física contingente é por vezes selecionada como tratamento para comportamento autolesivo, mas pode funcionar como reforçador para este comportamento-problemaC..) Finalmente, a predição efetiva dos efeitos da punição pode resultar na seleção do procedimento menos intrusivo, mas mais efetivo reduzindo assim a probabilidade de que a resistência ao tratamento ou habituação (...) ocorram como resultado da exposição do cliente a procedimentos ineficazes}> (págs. 72-73).

Mais uma vez, pode-se notar que a aplicação da punição, se eleita como técnica de controle de comportamento, deve ser acompanhada pelo analista de compor­tamento, o qual monitora cuidadosamente seus resultados.

RELATO DE CASO COM BONS EFEITOS DA PUNIÇÃO POSITIVA

Malott, Whaley e Malott (1996) descrevem dois casos em que duas clientes classificadas como profundamente retardadas foram tratadas com punição para o tratamento de bruxismo: uma de 32 anos de idade, nascida surda e cega, e outra de 16 anos de idade, incapaz de andar. Ambas haviam destruído seus den­tes e, supostamente, sofriam de dores de cabeça pois apresentavam choro e irritabilidade durante os períodos em que rangiam os dentes, sendo incapazes de se comunicarem verbalmente. Isso fazia as pessoas envolvidas com elas (pais,cuidadores e professores) se esquivarem do contato social.

Depois de tentarem técnicas complexas de reforçamento para reduzir o comportamento de rilhar os dentes, os analistas do comportamento respon­sáveis pelo caso selecionaram uma punição leve3 para aplicarem ao compor­tamento: consistia em tocar a face das clientes com um cubo de gelo por poucos segundos todas as vezes que elas apresentavam o rilhar de dentes de forma que pudesse ser audível aos terapeutas. Os resultados apresentados apontam que, logo nos primeiros dias de aplicação do procedimento, o comportamento de rilhar os dentes das duas clientes decresceu em freqüência e dois meses depois elas pararam, quase completamente, de apresentar o comportamento (enquanto na linha de base observou-se que elas passavam em média 60% do tempo rilhando os dentes, depois da punição leve, essa porcentagem baixou para menos de 5% do tempo). Outros resultados positivos também foram notados: as clientes tornaram-se mais sociáveis (uma delas inclusive ria e

3 Observa-se que o procedimento de aplicação da punição nesses dois casos foi aprovado pela insti­tuição na qual as clientes estavam internadas e também pelos pais delas.

Punição Positiva ■ 67

brincava mais, possivelmente pela eliminação das dores de cabeça), mais coo­perativas e, por esta razão, aprenderam mais rapidamente. Esses resultados deixaram os pais, os cuidadores e os professores mais capazes de passarem mais tempo com elas.

DESCRIÇÃO DO USO INADVERTIDO DE PUNIÇÃO EM UM CASO CLÍNICO E SEUS EFEITOS

Fundamentados na proposta de Skinner (1953/1989) de que a terapia deveria se constituir de uma audiência não punitiva para que o comportamento original­mente punido no ambiente natural pudesse aparecer na sessão terapêutica para o devido tratamento, Baptistussi (2001) e Garcia (2001) analisaram, de formas di­ferentes, o mesmo conjunto de sessões terapêuticas observadas em um caso clí­nico. Enquanto Baptistussi concentrou seu trabalho na busca de comportamentos do terapeuta que facilitaram a ocorrência do comportamento problemático na sessão (conforme as propostas de Kohlenberg e Tsai, 1991/2001), Garcia identifi­cou as respostas de esquiva do cliente e a utilização pelo terapeuta da técnica de bloqueio da esquiva (Kohlenberg e Cordova, 1994). No caso analisado, a clienteapresentava comportamentos obsessivo-compulsivos e o terapeuta auto­denominava-se comportamental.

Segue a transcrição do trecho extraído de Baptistussi (2001, págs. 63-65) em uma sessão na qual aparentemente a cliente (C) tentou a fuga-esquiva de um as­sunto e a conseqüente tentativa do terapeuta (T) em bloquear a resposta de es­quiva (procedimento aversivo). A sessão transcorria sobre a escolha por C de uma possível profissão, inspirada na leitura de um material que descrevia várias profis­sões de grau universitário:

“T: (Acena positivamente com a cabeça. Pausa de 14 segundos.) - C, eu tô percebendo uma coisa. Seus critérios de exclusão são sempre a dificuldade. Que cê acha disso? (Introdução da estimulação aversiva, por sinalizar a esquiva.)

C: - Eu não sei o que eu acho (riso). (Indicativo de fuga-esquiva.)T: - Você acha que é o melhor critério de escolha?C: - Não.T: - Por que não?C: - Porque se for assim eu não vou fazer nada. Porque todos os que eu li têm

alguma coisa que eu não gosto.____

T: - E... todos eles são trabalho e têm o seu componente bom e o seu compo­nente ruim, né? O meu trabalho, por exemplo, eu adoro o que eu faço, C, mas, por exemplo, eu adoro dormir duas, três da manhã e acordar às dez, onze. Quando eu vou fazer isso? Nunca, né? Agora, num dia de trabalho, porque, porque eu começo às nove da manhã, às vezes às oito da manhã, né? Os meus clientes não vão pro meu consultório às duas da manhã, eles, por exemplo, (risos) têm o horário deles, né? É, outra coisa, eu acho é, por exemplo, esse trabalho de atendimento é... é muito gostoso na minha profissão, eu ver as pessoas melhorando, eu ver quando eu con­sigo no meu trabalho uma pessoa, ver que aquela pessoa está crescendo, está se

68 ■ Terapia Comportamental

desenvolvendo, né? Mas isso implica em às vezes não estar lá no meu melhor dia e ter que ir lá no meu consultório atender e ter que apresentar um... tem que ser profissional, né? Então, a minha profissão tem as coisas chatas e nem por isso ela deixa de ser uma profissão extremamente agradável. Eu gosto muito da minha profissão é... No entanto, eu vejo que quando você está escolhendo, a primeira coisa que você olha são os obstáculos. E o resto perde todo o valor.

C: (Latência de oito segundos) - É que eu não sei o que eu quero, é por isso.(.Resposta de esquiva.)

T: - Hummm.C: - Daí fica mais difícil de escolher (pausa de 11 segundos). (.Resposta indicativa

de fuga-esquiva.)T: - Então, eu tenho a impressão que não é. Acho que é realmente, cê não sabe

o que você quer. É natural na idade em que você está, neste momento, ficar em dúvida, mas eu acho que tem uma coisa anterior a isto que é: você frente a uma dificuldade parece que a tua, o teu movimento é recuar ao invés de tentar alterna­tivas, se perguntar ‘Como é que eu vou superar essa dificuldade?'. E aí a gente tem um problemão não só no trabalho... (pausa de 10 segundos) Você já notou, você tem outras coisas, outras áreas da tua vida que você percebe que isso acontece? (Terapeuta mantém e expande a estimulação aversiva.)

C: - Ah, tenho.T: - Por exemplo?C: - Assim, de confusão assim, de não saber o que eu faço? [Resposta indicativa

de fuga -esqui va.)T: - Não, disso que eu acabei de falar. De você, quando vê uma dificuldade,

você recuar, ao invés de conseguir ir em frente.C: -Às vezes, mas eu não sei explicar quando. Agora, esse negócio de confusão

na minha cabeça acontece em tudo.T: - Hummm.C: - Eu nunca sei o que eu vou fazer, o que que eu faço.T: - Sei... (pausa de 6 segundos) Eu vejo que você está procurando uma profis­

são ideal que nunca vai existir, né? Aquela profissão que pra você é o paraíso, né? Só tem coisa boa. (Terapeuta mantém estimulação aversiva.)

C: - É mais ou menos isso. É que eu queria uma coisa que eu não tivesse que irtodo dia.

T: - Hummm, sei.C: - Não sei se é porque agora eu tô com medo de andar de ônibus, essas coi­

sas. (Resposta indicativa de fuga-esquiva.)T: - Hummm.C: - Então, eu queria um negócio que eu não tivesse a obrigação de ir, quando

eu quisesse faltar.T: - Hummm, você não acha que é mais uma situação onde você recua na

dificuldade ao invés de pensar 'Bom, como é que eu vou fazer pra conseguir andar de ônibus?7 (Terapeuta bloqueia a esquiva.)

C: - É. (pausa de seis segundos).T: - Você pode viver assim. É uma escolha. Só que as conseqüências são você

ficar cada vez mais fechada em casa. Você provavelmente não terá uma profissão.

Punição Positiva ■ 69

Provavelmente não terá, e se tiver uma profissão não vai ter o emprego porque você não vai todo dia, né? (Sinaliza punição.)

C: - É.T: - Ou seja, você pode ser uma mulher dependente do marido que vai ficar

trancada dentro de casa lavando louça o dia inteiro, é uma alternativa. (Sinaliza punição.)

C: - Não gosto nem de lavar louça (risos de T e C).T: - Imagino que não seja a melhor alternativa.C: - É... (pausa de 11 segundos)T: - Vamos tentar olhar pra essas profissões que a gente acabou de ver e vamos

ver coisas positivas nela? (Tentativa de retirada de estimulação aversiva, mas man­tendo a cliente em uma situação de escolha, possivelmente aversiva.)

C: - Nessa aqui, eu gostei de computação gráfica. (Dada a imediaticidade da resposta, uma possível resposta de fuga da atividade.)

Todas as interpretações grifadas em itálico puderam ser levantadas pelos pesqui­sadores porque, em seguida a este episódio, a cliente relata estar tendo vertigens e pede para terminar a sessão mais cedo. O terapeuta atende ao pedido da cliente e ela falta na sessão seguinte. Esses dados sugerem que o uso da punição na sessão tera­pêutica pode provocar respostas de fuga-esquiva da própria sessão, efeito a ser evita­do pela contingência envolvida na terapia. Possivelmente, se o terapeuta insiste em manter a cliente sob a aversividade nesse momento, ela abandonaria a terapia.

COMENTÁRIOS FINAISApesar de tudo o que foi dito sobre a punição até o momento, é digno de

observá-la como um procedimento que permanece freqüentemente em uso na nossa cultura. Para entender isso, deve-se analisar as conseqüências para o com­portamento do punidor. Skinner (1953/1989) alertou que, especialmente na aná­lise de episódios sociais, observa-se o agente punidor utilizando-se da punição porque ela possui efeitos imediatos de supressão do comportamento do indiví­duo punido, comportamento esse que deve ser aversivo para o punidor. Sendo imediata, a supressão da aversividade para o punidor funciona como reforçador negativo para a resposta de punir. Isso explica o motivo pelo qual agências controladoras criadas pela vida em grupo (Governo, Religião, Educação e Econo­mia) utilizam-se tanto dessa forma de controle do comportamento dos indivíduos. Nessa análise, pode-se constatar que vários comportamentos observados na clí­nica advêm da utilização da punição: problemas emocionais (especialmente an­siedade e depressão), comportamentos de fuga-esquiva (abandono de religião, de escola etc.), comportamentos classificados como delinqüentes (agressão à fonte de estimulação aversiva ou a quem estiver por perto), problemas psiquiátricos (Sidman, 1989/1995). Esse é mais um motivo pelo qual a utilização de alternativas não aversivas seria mais adequada para o tratamento dos problemas apresenta­dos em terapia (Banaco, 2001) do que a utilização de punição ou qualquer outra técnica aversiva.

70 ■ Terapia Comportamental

No entanto, como apontaTodorov (2001), o estudo da punição e dos seus efei­tos deve ter continuidade. É necessária a explicação dos motivos do constante uso desse método, apesar dele trazer conseqüências ruins para o indivíduo e para a sociedade. Esse autor denuncia: “Dos anos 50 para cá, mesmo com o interesse científico pelo processo (da punição) diminuído, a punição como técnica de con­trole do comportamento parece ter aumentado. Nas Febem4 e nas prisões (ou se­rão a mesma coisa?), nas escolas, o que se lê na imprensa mostra que ainda é a técnica preferida para o controle do comportamento. Então, por que deixamos de fazer a análise experimental do processo de punição?” (pág. 40).

Talvez a resposta a essa questão não seja simples. Mas fica claro tanto pelas observações formais dos experimentos quanto pelas observações obtidas na prá­tica clínica que a utilização da técnica de punição, isoladamente, traz mais pro­blemas que soluções. Não custa repetir que sua utilização precisa ocorrer em situações muito restritas e, de preferência, em combinação com outras técnicas. É desnecessário ressaltar que deve ser usada por quem conhece profundamente a Análise do Comportamento.

R eferên cias

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C A P ÍT U L O

Punição Negativai

P atrícia P ia zzo n Q ueiroz

O Senhor Deus, por isso} o lançou fora do jardim do Éden, a fim de lavrar a terra

de que fora tomado (Gn, 3,23).

No presente capítulo será apresentado o conceito de Pu­nição Negativa, serão discutidas as vantagens e desvanta­gens do seu uso e serão oferecidos exemplos da aplicação do procedimento na atuação clínica.

Para se discutir o conceito de Punição Negativa, inicial­mente, é necessário definir o conceito de punição. Punição é um procedimento que envolve uma resposta, a qual pro­duz um estímulo aversivo conseqüente. É necessário que a resposta operante seja emitida e, contingente a ela, siga-se um estímulo aversivo. Appel (1969) sintetizou a concei­tuação de punição da seguinte maneira:

“A punição é um procedimento; não é um processo nem um estímulo. O procedimento especifica uma relação única entre dois eventos - a apresentação do aversivo (Sav) contingente à ocorrência de uma res­posta (R), a qual é funcionalm ente definível e, por­tanto, m ensurável Se uma dada resposta ocorre, então um estímulo aversivo ocorre; se aR não ocor­re, o Sav não é apresentado. Ainda que outros eventos

1 Agradeço a Ana Paula Basqueira e Maria Eloísa Bonavita Soares pelo trabalho de digitação e comentários e, em especial, a Hélio José Guilhardi pela orientação e revisão do capítulo.

Punição Negativa ■ 73

possam também estar envolvidos (por exemplo, o Sav pode se apresentar após cada qüinquagésima R na presença de um estímulo, como o som de uma cam painha) deve haver, por definição, uma R e um Sav, bem como uma rela­ção de contingência entre eles; assim, não é necessário qualquer outro evento ” (Ferster, Culbertson eBoren, 1978, pág. 225).

O procedimento de punição definido por Appel (1969) ressaltou a importân­cia da relação contingente entre a resposta emitida e a conseqüência funcional­mente aversiva. Nessa relação, o estímulo aversivo pode ser aplicado de duas maneiras. Na primeira, o procedimento de punição envolve a apresentação de um estímulo aversivo contingente a uma resposta, por exemplo: quando uma criança põe o dedo em uma tomada e leva um choque; quando a criança faz uma birra e a mãe lhe dá um tapa; ou quando a criança solta a mão da mãe, corre para o meio da rua e leva uma tremenda bronca. Nessas situações, choque, tapa, bronca são exem­plos de estímulos aversivos que foram apresentados contingentes às respostas emitidas. A relação de apresentação do estímulo aversivo produzido por uma de­terminada resposta é a chamada punição positiva. A palavra positiva não é usada com uma conotação valorativa, mas como termo matemático: adiciona-se o estí­mulo aversivo; ele é acrescentado. Na segunda maneira, o procedimento de puni­ção envolve a remoção de um estímulo reforçador positivo contingente à resposta emitida. Ou seja, ao emitir a resposta, o estímulo reforçador que estava disponí­vel, ou presente, é retirado, por exemplo: a criança está carregando uma bandeja com lanche e refrigerante, tropeça e os deixa cair; a criança responde ao pai com um palavrão, então, ele a proíbe de assistir ao desenho preferido; ou uma criança é proibida de brincar com o amigo por ter tirado nota baixa na escola. As três ocor­rências - perder o lanche e o refrigerante, não assistir ao desenho preferido e não brincar com o amigo - são exemplos de estímulos reforçadores positivos removi­dos contingentemente às respostas emitidas. Essas situações exemplificam o pro­cedimento de Punição Negativa, no qual a conseqüência reforçadora positiva é removida contingente à resposta. Cabe também ressaltar que a palavra negativavem do conceito matemático de subtrair, diminuir e não possui uma conotação valorativa.

Holland e Skinner (1975) assim definiram o procedimento de punição: "Na punição uma resposta é seguida pela remoção de um reforçador (positivo) ou pela apresentação de reforçador negativo" (pág. 246). Sidman (1995) propôs uma defi­nição semelhante: “Um tipo de punição confronta-nos com o término ou retirada de alguma coisa que comumente seria um reforçador positivo; outro tipo con­fronta-nos com a produção de algo que normalmente seria um reforçador nega­tivo'' (pág. 59). O uso do termo “reforço (ou reforçador) negativo", em substituição ao termo “estímulo aversivo”, promove um importante avanço na definição do procedimento de punição (positiva), pois o evento que segue à resposta passa a ser definido pelos efeitos que produz sobre o comportamento. Assim, reforço nega­tivo é aquele evento do ambiente que fortalece a resposta que o elimina. Desapa­rece a ambivalência gerada pelo uso de “aversivo”.

O Quadro 5.1 sintetiza os efeitos dos procedimentos sobre os comporta­mentos operantes.

74 ■ Terapia Comportamentai

Quadro 5.1 - P roced im entos o p eran tes básicos

R o produz R o remove

Estímulo Reforçador (Reforço positivo)

Estímulo Aversivo (Reforço negativo)

a. Reforçamento positivo

c. Punição positiva

b. Punição Negativa

d. Reforçamento negativo

A definição de punição não faz referência ao efeito do procedimento sobre o comportamento. Na definição de reforçamento, diz-se que um comportamento foi reforçado se uma conseqüência, que se seguiu a uma resposta, produz um au­mento na freqüência dela, por exemplo, uma criança põe o dedo na boca e a mãe segura o pulso da criança e lhe diz: “Que feio!” Se a criança continuar pondo o dedo na boca e o fizer mais vezes quando a mãe estiver por perto, diz-se que o comportamento da criança foi reforçado, o toque e a frase da mãe foram conse­qüências reforçadoras. Nesse sentido, Skinner (1967) escreveu:

“A única maneira de dizer se um dado evento é reforçador ou não para um dado organismo sob dadas condições é fazer um teste direto. Observamos a freqüência de uma resposta selecionada, depois tornamos um evento con­tingente a ela e observamos algum a m udança na freqüência, Se houver mudança (um aumento), classificamos o evento como reforçador para o organismo sob as condições existentes” (pág. 48).

Então, para definir um evento ou conseqüência como reforçador, precisa-se observar um aumento na resposta que o produziu. Holland e Skinner (1975) defi­niram: “O comportamento operante tem efeitos diretos sobre o ambiente. Uma determinada conseqüência do operante, que resulte em um aumento de freqüên­cia das respostas seguintes, pode ser chamada de reforço” (pág. 50). Sendo assim, na definição de reforçamento, o efeito sobre o comportamento produzido pela relação resposta-conseqüência é importante e só por meio dele se pode afirmar que a conseqüência foi reforçadora.

Para vários autores, a punição não deve ser definida pelos efeitos produzidos sobre o comportamento. Appel (1969) referiu-se, aos efeitos do procedimento de punição, da seguinte maneira: “As propriedades da punição não são bem entendi­das; primeiramente, porque os efeitos da punição são de fato complexos, no sen­tido de que a ocorrência de qualquer comportamento sujeito à punição é determinada por muitos fatores em adição da contingência de punição” (Ferster et al.y 1978, pág. 225). Para Holland e Skinner (1975), “os efeitos da punição só podem ser descobertos pela realização de um experimento. Diversamente do refor­çamento, a punição não foi definida em termos de um efeito determinado sobre o comportamento” (pág. 248). Sidman (1995) escreveu: “...definimos punição sem apelar para qualquer efeito comportamental; punição ocorre sempre que uma ação

h

seja seguida ou pela perda de reforçadores positivos ou pelo ganho de reforçadores negativos. Esta definição nada diz sobre o efeito de um punidor sobre a ação que o produz” (pág. 59). E, ainda, Appel (1969), referindo-se ao efeito da punição sobre o comportamento; ressaltou a dificuldade de prevê-lo, pois “o efeito de qualquer estímulo depende das condições em que ele é aplicado e da história do organis­mo. Não podemos, por isso, ter certeza de que, numa dada situação, em que ocor­re a punição, um determinado Sav, que selecionamos, reduzirá sempre a taxa de resposta” (em Ferster etaL, 1978, pág. 227).

Reafirmando a posição apresentada até esse ponto de que o reforçamento é defi­nido pelo aumento na freqüência de resposta, enquanto a punição, positiva ou nega­tiva, não é definida pelo efeito sobre o comportamento, Skinner (1967) escreveu:

“Devemos primeiro definir punição sem pressupor efeito algum . Isto pode parecer difícil. Ao definir um estímulo reforçador podem os evitar a especifi­cação de características físicas, apelando para o efeito que tem sobre a fre­qüência do comportamento. Define-se também uma conseqüência punidora sem referência às suas características físicas e, se não há efeito comparável para usar um critério, que caminho nos abre? A resposta vai em seguida, Primeiro definimos um reforçador positivo como qualquer estímulo que, quando apresentado, aumenta a freqüência do comportamento ao qual é contingente. Definimos um reforçador negativo (um estímulo aversivo) como qualquer estímulo que quando retirado aum enta a freqüência do com por­tamento. Ambos são reforçadores no sentido literal de reforçar ou aumentar a freqüência de uma resposta. Na m edida em que a definição científica cor­responde ao uso leigo, am bos são ‘recom pensasPara resolver o problem a da punição simplesmente inquirimos ‘Qual é o efeito da retirada de um reforçador positivo ou da apresentação de um negativo?' Um exemplo do primeiro seria tirar o doce de uma criança; um exemplo do último, castigá- la. Não usamos nenhum termo novo na colocação dessas questões e assim nada precisa ser definido. Ademais, até o ponto em que somos capazes de dar uma definição científica de um termo leigo, essas duas possibilidades parecem constituir o campo da punição. Não houve pressuposição de qual­quer efeito; simplesmente levantamos uma questão para ser respondida com experimentos adequados” (págs. 109-110).2

Millenson (1957), ao discutir a definição do procedimento de punição e seu efeito, revelou a dificuldade para essa definição diante da diversidade de variáveis relevantes nesse procedimento: “Os efeitos da punição dependem de muitos fato­res para podermos escrever um simples paradigma de procedimentos, processos e resultados. Os processos e resultados dos procedimentos de punição são variá­veis e condicionais ao tipo de comportamento que está sendo punido, assim como aos estados de muitas variáveis que operam no ambiente presente e passado do indivíduo punido” (pág. 402).

Pu nição Nega ti va ■ 75

2 Os grifos em itálico foram feitos pela autora do capítulo.

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Toda a discussão em torno dos efeitos da punição sobre o comportamento tem um denominador comum: a complexidade da interação das variáveis contro­ladoras do comportamento atuantes num determinado contexto, como:

1. As operações estabelecedoras: intensidade da privação presente, por exemplo;2. Parâmetros das variáveis que compõem as contingências de reforçamento

no momento em que o procedimento é aplicado: intensidade do estímulo aversivo empregado, amperagem do choque, por exemplo; esquema de reforçamento em operação; possibilidade ou impossibilidade de emissão de comportamentos de fuga; presença simultânea de outras contingências de reforçamento operando sobre outros comportamentos - incompatíveis ou não - com o comportamento que está sendo punido etc.

3. História de contingências de reforçamento: a qual tipo de contingências o organismo esteve previamente exposto.

Azrin e Holz (1966) propuseram uma definição que tem sido apresentada como uma referência na área e discutiram as interações das variáveis que influenciam os efeitos dos procedimentos de punição sobre o comportamento. Esses autores introduziram de maneira enfática a mudança comportamental produzida pelo procedimento como componente fundamental da definição. Observe a referida definição e os comentários feitos pelos autores a respeito dela:

“.. .seria preferível como um passo inicial olhar para o próprio comportamento para nossa definição mínima. Um aspecto inequívoco da punição parece ser que ela reduz um comportamento quando a punição é arranjada como uma conse­qüência daquele comportamento. Daí, nossa definição mínima será urna con­seq ü ên c ia de com portam en to qu e reduz a p ro b a b ilid a d e fu tu ra d aq u ele comportamento. Posto de maneira mais completa, punição é uma redução da pro­babilidade futura de uma resposta específica como um resultado da liberação im e­diata de um estímulo para aquela resposta. O estímulo é chamado de estímulo punitivo; o processo todo é chamado de punição ”

Vários aspectos desta definição requerem comentários. Primeiro, a definição não possui um sentimento subjetivo. Portanto, seria incorreto chamar um estí­mulo de estímulo punitivo, simplesmente, porque aquele estímulo resulta em um estado de infelicidade ou em um estado emocional. Segundo, um evento específi­co precisa ser produzido por uma resposta específica em seqüência, para ser con­siderado um estímulo punitivo. O simples decréscimo em responder não é uma razão suficiente para classificar o procedimento como punição. Saciação, extin­ção, drogas, doença, mudança de estímulo etc., também podem reduzir as res­postas. Estes procedimentos são claramente distintos da punição, pois eles não produzem uma redução da resposta, que possa ser atribuída à produção do estí­mulo específico (o punitivo) pela resposta. Só quando a redução de respostas ocorre porque a resposta produz um estímulo específico, chamado processo de punição.Um terceiro aspecto desta definição é que ela especifica a probabilidade futura de uma resposta. A redução em responder durante a apresentação atual de um es­tímulo não é indicativo de punição. Se um choque intenso é liberado na pata, após uma resposta, o choque pode produzir reações como pular que são fisicamente

Punição Negativa ■ 77

incompatíveis com a resposta; mas isso não é suficiente para categorizar o cho­que um estímulo punitivo. Similarmente, a liberação de comida resulta em com­portamento de consumir que é, usualmente, incompatível com a resposta. A mudança na freqüência da resposta subseqüente ao estímulo define as proprieda­des reforçadoras ou punitivas daquele estímulo. Por esta razão, nossa definição de punição é em termos de uma redução na probabilidade futura da resposta pu­nida. A presente definição considera punição como um processo primário, uma vez que (1) não requer nenhuma evidência independente de que o estímulo irá manter comportamento de fuga, e (2) a característica definidora de punição é di­retamente mensurada em termos da existência de redução da resposta... A pre­sente definição de um estímulo punitivo é idêntica à definição de um estímulo reforçador, uma vez que ela requer uma mudança na probabilidade futura de uma resposta como resultado da produção de um estímulo pela resposta. As definições diferem apenas com respeito à direção de mudança da probabilidade da resposta: um aumento de probabilidade, no caso do reforçamento positivo, um decrésci­mo, para a punição. Nenhum processo é secundário ao outro” (págs. 381-383).

Walley e Mallot (1980), Catania (1999) e Martin e Pear (2003) incorporaram explicitamente, na definição de punição, o efeito que as conseqüências têm sobre o comportamento. Martin e Pear (2003) usaram o termo princípio de punição (e não procedimento) e começaram definindo um punidor (punishef):

“É um evento que quando apresentado imediatamente após um com porta­mento, produz um decréscimo na freqüência do com portam ento... Asso­ciado com o conceito de punidor está o princípio de punição: se em uma dada situação, alguém faz alguma coisa que é imediatamente seguida por um punidor, então a pessoa tem menor probabilidade de fazer a mesma coisa outra vez, quando se encontrar em situação similar” (pág. 148).

Martin e Pear (2003) classificaram em quatro categorias os eventos que, quan­do liberados como conseqüências para o comportamento, atendem à definição de punidor: (a) punidores físicos; (b) repreensões; (c) timeout7 (d) custo da resposta” (pág. 149). Como se pode observar, os dois autores não separaram a punição posi­tiva da negativa de forma explícita. Em relação aos objetivos do presente capítulo importam as duas últimas categorias de Martin e Pear (2003):

'Timeout envolve transferir um indivíduo de uma situação mais reforçadora para outra menos reforçadora após um determinado comportamento. Pode ser visto como um tempo sem oportunidade para obter reforços” (pág. 150). “Custo da resposta envolve a remoção de uma amostra especificada de re­forço após um determinado comportamento. Exemplos de custo de resposta na rotina cotidiana são as multas por atrasos de pagamento. Custo de res­posta é diferente de timeout, pois não há mudanças nas contingências de reforçamento em operação quando ela é administrada. Custo de resposta também não deve ser confundido com extinção. No procedimento de extin­ção , um reforço não é apresentado após a emissão de uma determinada res­posta. No custo de resposta, um reforço que está de posse da pessoa é retirado após uma resposta inadequada” (págs. 150-151).

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Walley e Mallot (1980), ao definirem o conceito de punição, enfatizaram o efeito de redução da freqüência de resposta quando um estímulo reforçador é removido contingente a uma resposta. Ou seja, a resposta produz a remoção de um estímulo reforçador e a freqüência dessa resposta diminui após essa conseqüência. Então, Walley e Mallot (1980) afirmaram: “A remoção de um reforço (positivo) como conseqüência da emissão de uma resposta pode ser definida como um procedimento de punição. O resultado desse procedimento de punição é uma redução na freqüência da resposta em que ele está associado. Se como conseqüência da remoção do reforço se obtém uma redução, a remoção pode ser considerada como uma punição” (pág. 147). Ob­serve que nessa definição de punição, os autores estão descrevendo o procedimento de Punição Negativa (objetivo do nosso capítulo) ao considerar punição como a re­moção do estímulo reforçador, embora não empreguem tal terminologia (optarampor “punição produzida por remoção contingente de reforço positivo”).

Catania (1999) também discutiu a punição como um procedimento que altera a probabilidade futura de ocorrência da resposta. Ele ainda destacou que a remo­ção de uma conseqüência reforçadora pode ser considerada um procedimento de punição, diminuindo, assim, a probabilidade futura da resposta que produziu tal remoção ser novamente emitida. Assim, ele escreveu: “Existe uma outra relação, a punição em que as conseqüências do responder tornam o responder menos pro­vável. Além disso, um estímulo que reforça uma resposta, quando é produzido por ela, pode ter uma função diferente quando é removido por uma resposta: sua remoção pode punir o responder” (pág. 108).

Uma distinção teórica bastante oportuna envolve o procedimento de punição e a extinção. Como foi visto na punição, a resposta emitida produz o estímulo aversivo. O organismo que se comporta produz a conseqüência, sendo um agente ativo no processo. A extinção envolve o não-reforçamento de uma determinada resposta. Inevitavelmente, características aversivas estarão envolvidas na relação entre resposta e não-reforçamento. É importante destacar que na extinção, dife­rentemente da punição, o organismo não produz a conseqüência de não- reforçamento, não sendo o sujeito, assim, o ativo produtor da conseqüência. Nesse sentido encontra-se emFerster e t a l (1978):

“Na linguagem coloquial há, algumas vezes, uma tendência a descrever o comportamento do pai que não atende o choro da criança como punição. Embora o não reforçamento de um comportamento operante em curso pos­sa ser desagradável ou ter propriedades aversivas em algumas situações, é importante distinguir entre a punição de um desempenho, seguindo-o com um estímulo aversivo e a diminuição da freqüência de um desempenho pelasimples suspensão do reforçamento” (pág. 205).

Na extinção, a taxa de respostas diminui pois elas não possuem reforço (as respostas não produzem o estímulo reforçador). Na punição, a taxa de resposta diminui porque elas são seguidas de conseqüências aversivas (as respostas pro­duzem o estímulo aversivo).

Um importante ponto na aplicação da punição é citado por vários autores. O procedimento de punição, positiva ou negativa, suprime o comportamento

Punição Negativa * 79

operante ao qual a conseqüência aversiva se seguiu, A punição não elimina a res­posta punida do comportamen to do organismo, apenas suprime essa resposta, en­quanto a conseqüência aversiva está presente. Skinner (1967) discutiu essa problemática: “Mais recentemente, levantou-se também a suspeita de que a pu­nição não faz, de fato, aquilo que se supõe que faça. Um efeito imediato na redu­ção de uma tendência a se comportar é bastante claro, mas isso pode ser enganador. A redução na freqüência pode não ser permanente” (pág. 109). E ainda: “O fato de que a punição não reduz permanentemente uma tendência para responder, está de acordo com a descoberta de Freud sobre a atividade sobrevivente do que cha­mou de desejos reprimidos” (pág. 109). Ferster et a l (1978) também descreveram a punição como a supressão da resposta punida e não a eliminação dela: “O efeito da punição na redução da freqüência de um operante positivamente reforçado é mais corretamente descrito como a supressão temporária de um comportamento e não como a sua eliminação. A punição não pode ser considerada o oposto do reforçamento positivo” (pág. 191).

Appel (1969) também discutiu o efeito da punição como um efeito temporário produzido pelo estímulo aversivo, não alterando a probabilidade futura da ocor­rência da resposta. Ele, ainda, apontou outra questão: nenhuma agência punitiva conseguirá punir todas as emissões da resposta que deseja suprimir; ela conse­guirá punir algumas das respostas, mas não outras, podendo, com isso, fortalecer o padrão inadequado num esquema de reforçamento intermitente. Appel (1969) afirmou: “Então, o fato de que uma ação foi suprimida por punição não implica que a probabilidade de sua futura ocorrência tenha que ser significativamente di­minuída, mesmo que continuemos a punir. Na 'vida real' nenhuma agência puniti­va poderá punir todas as pequenas manifestações do comportamento cada vez que ocorrem e de modo severo e inevitável. Devemos, por isso, admitir que a pessoa que pune, espera, erradamente, que uma vez que o comportamento punido tenha sido suprimido, permanecerá suprimido” (Ferster et a í, 1978, págs. 230-231),

Ou seja, para que um comportamento permaneça suprimido é necessária a presença da conseqüência aversiva, porém é muito difícil para a agência controladora punir todas as ocorrências de uma determinada resposta. Nem o terapeuta, nem os pais, nem os professores poderão estar permanentemente ao lado do indivíduo conseqüenciando, eliminando cada emissão da resposta inade­quada. Esse fato pode tornar a utilização da técnica pouco prática, desde que, na ausência da agência punitiva, o comportamento volte a ocorrer na mesma fre­qüência anterior à aplicação. Porém, a punição é uma técnica importante para reduzir rapidamente a resposta inadequada e isso não deve ser ignorado. Às ve­zes, a ocorrência única da resposta inadequada pode ser muito danosa, por exem­plo, quando uma criança atravessa a rua sem esperar pela orientação do adulto, pula numa piscina sem saber nadar, puxa o cabo de uma panela quente no fogão, segura um ferro elétrico ligado etc. Nesses casos, a punição poderia ser útil se al­guém a aplicasse em tempo de interromper a cadeia de respostas, antes que os elos terminais pudessem ocorrer. Esses exemplos extremos (lamentavelmente, comuns) podem justificar o uso da punição (positiva), mas não devem ser usados como argumento para o uso generalizado da punição. Em situações, mais ame­nas, em que se use a punição, ela deve ser branda e é essencial a combinação da

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sua aplicação com outro procedimento que desenvolva um repertório durável mantido por reforçadores positivos. Esse destaque é muito importante para a prá­tica clínica; o terapeuta, ao usar a punição, deve estar ciente da supressão tempo­rária e ainda habilitado a utilizar outros procedimentos (modelagem, fading in, controle por regras etc.) para construir um repertório adequado permanente. Sidman (1995) sintetizou muito claramente essa posição:

“Comportamento inadequado persiste a despeito da punição porque é tam ­bém reforçado. A m aioria de nós, indiscutivelmente, preferiria reforçar ações alternativas em vez de utilizar punição para fazer com que os nossos filhos e os outros m udassem . Algumas vezes, entretanto , o com portam ento indesejado é tão forte que ele impede o indivíduo que se comporta inade­quadam ente de tentar qualquer outra coisa. O diálogo freqüentemente não os persuade a abandonar um curso de ação que já funciona. Podemos, en­tão, sentir que a punição é o único recurso. Se uma ocasião assim surge, podem os usar punição suave. A supressão temporária do ato punido nos dá uma oportunidade para ensinar ao indivíduo algo novo, alguma outra m a­neira de obter os mesmos reforçadores. Tendo parado momentaneamente um ato indesejável, punindo-o suavemente, podemos, então, substituí-lo por meio do reforçamento positivo de uma atividade mais desejável” (pág. 87).

E, nesse sentido, Martin e Pear (2003) escreveram: “Punição não estabelece nenhum comportamento; ela apenas suprime o velho comportamento. Em ou­tras palavras, punição não ensina o indivíduo o que fazer; na melhor hipótese, ela só ensina o que não fazer. Por exemplo, a principal característica de pessoas com déficit de desenvolvimento é a falta de comportamento que elas têm em comparação com a maioria das pessoas. A primeira ênfase para esses indivíduos, então, deveria ser o estabelecimento do novo comportamento em vez de mera­mente eliminar o velho comportamento. Reforçamento é necessário para reali­zar esta tarefa” (pág. 157),

Como foi enfatizado até aqui, a punição é aplicada contingente a um repertó­rio que esteja sendo considerado inadequado. Esse comportamento foi fortaleci­do e mantido por reforçadores, já que sua freqüência não desapareceu (não se extinguiu). Isso nos remete a uma outra discussão importante. A resposta operante, que se pretende eliminar com a punição, é mantida no repertório do indivíduo por reforçadores. Ao introduzir a punição (que apenas suprime a resposta tempo­rariamente), o valor do estímulo reforçador que mantinha tal comportamento não foi alterado. Ou seja, ao retirar a punição, a resposta, ao ser emitida, continua pro­duzindo o reforçador que a mantinha. Por exemplo, proibir a criança de brincar ou assistir ao desenho por um período do dia não altera o valor reforçador natural dessas atividades; assim que a punição for removida ou o agente se afastar a criança voltará a emitir essas respostas. Appel (1969) explicitou que ocorre uma interação entre os procedimentos de punição e de reforçamento:

uComo a punição é usada, freqüentemente, tanto no laboratório como em situações práticas para suprimir (ou eliminar) uma resposta, isto é, para

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reduzir sua taxa de ocorrência, a resposta deve existir no repertório do orga­nismo e, provavelmente, deve ocorrer em uma taxa que a pessoa que pune considera muito alta, antes da punição ser aplicada. Como o comportamento operante não ocorre a menos que seja, ou que já tenha sido reforçado (usual­mente por outro estímulo, Sr)> a resposta deve ter pelo menos um efeito (o d e ser reforçada) além de estar envolvida na punição; sua taxay por isso, será determinada pela força relativa de suas várias conseqüências, bem como por outros fatores” (pág. 226).

Completando a citação anterior, Ferster et a l (1978) escreveram: “A redução na freqüência de um desempenho pela punição é um processo complicado por­que a punição não altera o reforçador que mantém o comportamento” (pág. 216).

Em outra passagem Appel (1969) ressaltou a importância do estímulo reforçador para a reaquisição e manutenção do repertório suprimido:

“A punição é um procedimento operante que implica numa tentativa de eliminar o comportamento que afeta o am biente do organismo (isto ê, uma resposta operante). Tal comportamento é adquirido porque ele leva a certas mudanças no meio, mudanças essas que são necessárias por razões que po­dem ou não ser conhecidas. O comportamento pode ser desorganizado por uma grande variedade de estímulos ‘novos’ inclusive pela punição, mas per­sistirá, pela mesma razão pela qual fo i adquirido: o anim al ainda necessita aquilo que necessita e mesmo que tenha que trabalhar arduamente, ele o fa rá para obter o que necessita” (Ferster et al., 1979, pág. 231).

Nessa citação, Appel (1969) também sugeriu um outro efeito sobre o compor­tamento, que decorre da aplicação do procedimento da punição: o comportamento é am plam ente “desorganizado”. Ou seja, a punição suprime a resposta inadequa­da, porém ela também poderá produzir o mesmo efeito sobre outras respostas operantes que estiverem sendo emitidas no momento da punição. Por exemplo, uma criança está brincando e falando alto, quando um adulto a repreende. A criança pára de brincar, se afasta dos adultos, começa a falar mais baixo em outras situa­ções, a ponto de só ser ouvida com dificuldade, O repertório mais amplo da crian­ça, mesmo comportamentos que não foram diretamente punidos, ou seja, outras classes de respostas semelhantes (generalização de respostas) ou classes de res­postas equivalentes se enfraquecem em condições de estímulos semelhantes (ge­neralização de estímulos). Instala-se um amplo - e indesejado - repertório de fuga-esquiva. Ferster et ah (1978) escreveram sobre os efeitos da punição sobre o repertório operante:

“Se a intensidade dos estímulos aversivos puder condicionar e suprimir comportamentos operantes, geralmente esses estímulos desorganizarão ou suprimirão uma am pla gam a de comportamentos não relacionados, numa variedade de situações. Essa desorganização do comportamento operante do indivíduo, que estiver ocorrendo e que estava sendo reforçado positiva­mente, pode produzir um sério enfraquecimento no repertório com por­tam ental” (pág. 212).

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Além das alterações no repertório operante, também ocorrerão reações respondentes, como taquicardia, aceleração no ritmo respiratório; alterações na pressão arterial, transpiração etc., e estados corporais desagradáveis. A pessoa poderá relatar sentimentos de raiva, medo, insegurança, agressividade, entre outros; todos incluem componentes operantes e respondentes. Conclui-se que a punição pode produzir excessos comportamentais ao lado de supressões comportamentais, abrangendo o repertório global da pessoa num nível mui­to além do esperado e, certamente, produzindo alterações comportamentais não desejadas.

Uma possível explicação para o efeito imediato de redução da resposta puni­da é que o procedimento pode eliciar respostas respondentes incompatíveis com o comportamento. Skinner deu o exemplo de uma criança que leva um beliscão forte quando está rindo na igreja. O beliscão elicia respostas incompatíveis com o riso e assim o suprime. A resposta de rir pode ocorrer futuramente, mas basta um gesto ameaçador da mãe, que pode ter o efeito de estímulo condicionado aversivo eliciador, para a criança cessar o riso, via condicionamento respondente de res­postas incompatíveis. Um outro problema que decorre do procedimento de puni­ção envolve os estímulos presentes no momento da punição. Esses estímulos adquirem funções de estímulos condicionados. Os estímulos que acompanham a própria resposta punida ou que estiverem ocorrendo simultaneamente a ela são condicionados. Em situações futuras, nas quais algum desses estímulos condicio­nados estiver presente, todo o repertório do indivíduo pode ser alterado, ocorren­do uma desorganização dos comportamentos operante e respondente do sujeito. Eles adquirem, então, a função de estímulos pré-aversivos, ou seja, sinalizam quan­do a emissão da resposta pode ser seguida de estimulação aversiva. Ferster et ol. (1978) falam em perturbação generalizada no repertório (ansiedade):

“Os estímulos aversivos tendem a evocar reflexos que influenciam o estado do organismo. A mera ocorrência de um estímulo incondicionado ou con­dicionado pode influenciar e desorganizar potencialmente qualquer com ­portamento operante que esteja ocorrendo. Os estímulos que precedem o estímulo aversivo incondicionado podem ter efeitos muito mais pronuncia­dos do que o próprio evento. Por exemplo, o som que precede o choque elétri­co pode desorganizar virtualmente qualquer comportamento operante que esteja ocorrendo e reduz sua freqüência. O comportamento de pressionar a barra reforçado por com ida cessa, ou será substancialmente perturbado, durante o som que precede o choque (estímulo pré-choque), em bora o desempenho operante volte ao normal após o choque. Qualquer outro d e­sempenho operante que estivesse ocorrendo poderia ser igualmente desor­ganizado. O efeito do estímulo pré-choque sobre o comportamento do rato é, algumas vezes, cham ado ansiedade... Assim, torna-se mais próprio d e­signar este estado como uma conseqüência de um estímulo pré-aversivo} e não como uma resposta em ocional porque a primeira designação focaliza a atenção sobre o comportamento operante diretamente observável que é alterado, sem a implicação enganosa de que há mudanças no repertório operante que são eliciadas como no caso de um reflexo” (págs. 211 -212).

Punição Negativa ■ 83

Decorre, daí, um efeito comportamental importante: qualquer resposta emi­tida nesse contexto que afaste a estimulação aversiva adquire função no repertó­rio do indivíduo, pois é reforçada negativamente. Com isso, na presença deestímulos aversivos condicionados, o indivíduo tende a emitir respostas (de fuga-esquiva) que cessam a estimulação aversiva* Os estímulos aversivos condiciona­dos não apenas produzem estados corporais, operantes e respondentes, desagradáveis, como também aumentam a probabilidade de respostas de fuga- esquiva. Skinner (1967) descreveu: “Se uma dada resposta for seguida por um estí­mulo aversivo, qualquer estimulação que acompanhe a resposta, originando-se do próprio comportamento ou de circunstâncias concomitantes, será condicio­nada. Acabamos de apelar para esta fórmula ao explicar os reflexos e as predispo­sições condicionados emocionais, mas o mesmo processo também leva ao condicionamento dos estímulos aversivos que servem como reforçadores negati­vos. Qualquer comportamento que reduza essa estimulação aversiva condicionada será reforçado. No exemplo há pouco considerado, assim que o rato se aproxima da barra na qual suas últimas respostas foram punidas, poderosos estímulos aversivos condicionados são gerados pela proximidade cada vez maior da barra e pelo próprio comportamento de se aproximar em que o rato se empenha. Todo comportamento que reduza esses estímulos - voltar-se ou afastar-se, por exem­plo, - será reforçado. Tecnicamente, podemos dizer que é evitada a punição pos­terior” (pág. 112). Martin e Pear (2003) exemplificaram: “Punição pode fazer com que a situação e a pessoa associados com o estímulo aversivo se tornem punidores condicionados. Por exemplo, se você está tentando ensinar uma criança a ler e se você punir a criança quando ela errar, qualquer coisa associada com essa situação - como palavras impressas, livros, a pessoa que puniu, o tipo de quarto no qual a punição ocorreu - tenderá a se tornar punitivo. A criança pode tentar escapar ou evitar tais estímulos. Então, em vez de ajudar o indivíduo a aprender, a punição pode conduzi-la para longe de pessoas, objetos e eventos associados com a situa­ção de aprendizagem” (pág. 156).

A relevância dessa discussão é notável, pois, quando ocorre a punição, uma ampla gama de comportamentos é desorganizada; estados corporais, operantes e respondentes, desagradáveis são produzidos; os estímulos presentes na situação e no próprio corpo da pessoa são condicionados, adquirindo função pré-aversiva; diante dos estímulos pré-aversivos, o indivíduo tenderá a emitir respostas de fuga- esquiva - inclusive comportamentos de agressão - ou terá o repertório operante suprimido, mesmo os componentes não punidos. Um ponto ainda mais crítico advém da função de estímulo pré-aversivo adquirido pelas próprias respostas cor­porais: o indivíduo não será estimulado apenas pelo meio externo pois poderá ficar sob o controle da função aversiva provinda do próprio corpo. Os comporta­mentos de fuga-esquiva são muito fortes e pouco sensíveis à extinção, particular­mente o comportamento de esquiva. Se o organismo emite de forma eficaz o comportamento de esquiva, então ele não experimenta a conseqüência aversiva. Se tal condição aversiva for suspensa, não há como o organismo testar a mudança na contingência. Mesmo que a punição não esteja mais atuando, o indivíduo pode continuar se comportando como se ela estivesse presente (como se ela viesse a ocorrer). O comportamento está sendo reforçado negativamente, de forma su­persticiosa e, provavelmente, persistirá na presença dos estímulos pré-aversivos.

84 ■ Terapia Comportamental

A função que os estímulos adquirem na punição é importante na prática clíni­ca, porque ela pode estar operando - por generalização - mesmo quando o terapeuta não está usando procedimentos de punição. Suponha que a situação que o terapeuta maneja se assemelhe a uma condição em que ocorreu punição no passado: muitos padrões comportamentais emitidos na sessão podem estar ocor­rendo em função de estímulos presentes que foram condicionados como estímu­los pré-aversivos em outra situação. O terapeuta estaria, nesse caso, lidando com um repertório de comportamento já instalado* Por exemplo, o terapeuta pede para a criança escolher um jogo; a criança hesita e pede para a terapeuta escolher por ela. A criança não está, necessariamente, respondendo à relação com a terapeuta (supondo uma relação não punitiva), mas sim a uma história de contingências,nas quais “escolher” foi punido.

Um outro aspecto relevante para a prática clínica precisa ser destacado. Adul­tos são importantes modelos quanto aos modos de comportamento. Em brinca­deiras infantis ou na interação com outras crianças, freqüentemente, elas imitam comportamentos observados nos adultos com outros adultos ou de adultos com ela própria. Nesse sentido, ao aplicar o procedimento de punição, um modelo de atuação poderá estar sendo dado à criança; assim, ela poderá passar a usá-lo em outras relações. Martin e Pear (2003), embasados em estudos sobre a função que os comportamentos de modelos têm sobre o comportamento de crianças, afirmaram:

(<Criançasf freqüentemente, têm adultos como modelo e os imitam. Se os adultos aplicam punição em crianças, as crianças aprendem a fazer o m es­m o com os outros. Então, punindo a criança, nós podem os , inadver- tivamente, estar provendo um m odelo a ser seguido por elas, qual seja apresentar estímulos aversivos aos outros. Por exemplo, crianças que foram ensinadas a brincar com um jogo no qual elas eram multadas pelos com ­portamentos incorretos, multavam outras crianças para as quais elas ensi­navam o jogo" (pág. 157),

O comportamento agressivo de uma criança pode ser instalado por diferentes processos comportamentais: imitação, modelagem, reforçamento negativo etc. No entanto, o terapeuta, sem menosprezar essas informações, deve priorizar as contingências que prevalecem presentemente e que mantêm os comportamen­tos agressivos e até modelam repertórios mais elaborados e danosos de agressão. Porém, independentemente dos modelos comportamentais que são apresenta­dos, o próprio procedimento de punição pode produzir agressão. Azrin e Holtz (1966) listaram dois tipos de agressões: operante e eliciada. Na agressão operante, a contingência de punição é eliminada “destruindo ou imobilizando o estímulo punitivo. Chamá-la de agressão operante indica que esse tipo de agressão é man­tido pelas conseqüências potencialmente favoráveis da agressão” (pág. 440). A agressão eliciada ocorre quando estímulos dolorosos são aplicados em um orga­nismo na presença de outro. O primeiro ataca o segundo mesmo quando ele não é fonte da estimulação aversiva. “Este tipo de agressão não parece depender de qualquer conseqüência operante favorável para a sua existência” (pág. 440).

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Um novo aspecto deve ser ressaltado: o efeito do procedimento de punição sobre o comportamento do agente aplicador da punição. Quando a punição é efi­caz, há uma redução imediata da resposta indesejada. Esse efeito reforça (negati­vamente) o comportamento de quem aplicou a punição. Isso se torna um problema quando a pessoa que aplica a punição fica sob o controle do reforçador que seu comportamento produziu (diminuiu ou suprimiu a resposta inadequada) e se mantém aplicando a punição, a despeito de seus efeitos sobre o indivíduo punido . O procedimento é aplicado para o benefício imediato do agente controlador, quan­do o objetivo da utilização deve ser, exatamente, priorizar os benefícios para a pessoa punida. Nessa condição, o agente da punição não se preocupará em utili­zar procedimentos que instalam novos comportamentos, incompatíveis com os indesejados e instala-se um ciclo pernicioso: ocorre o comportamento, segue-se a punição, o comportamento é suprimido temporariamente, mas reaparece, sendo novamente punido (provavelmente, o agente punitivo será reforçado diferencial­mente para aplicar conseqüências com intensidades crescentes) e seguem-se os descaminhos discutidos.

Martin e Pear (2003) escreveram: “Uma vez que a punição resulta na rápida supressão de comportamento indesejável, pode ser tentador para quem a usa se utilizar dela prontamente e negligenciar o uso de reforçamento positivo para com­portamentos desejáveis. Entretanto, o comportamento indesejável pode voltar após uma supressão temporária ou algum outro comportamento indesejável pode ocorrer. A pessoa pode, então, recorrer, progressivamente, a doses cada vez mais intensas, criando um círculo vicioso com desastrosos efeitos colaterais” (pág. 157).

Ferster et al. (1978) também relataram: “Este controle instantâneo do com­portamento do indivíduo fornece um reforçamento muito grande para o controlador, e reforça sua disposição para continuar a usar o controle aversivo, a despeito de suas desvantagens óbvias a longo prazo: a necessidade de continuar o controle aversivo para manter o comportamento e a possibilidade de contra-con- trole pelo indivíduo que é punido, além dos estados emocionais gerados tanto no controlador quanto no controlado. Estes efeitos colaterais indesejáveis são, às ve­zes, retardados e, quando ocorrem depois que o comportamento do controlador foi reforçado por uma modificação imediata no desempenho do controlado, são freqüentemente ignorados” (pág. 215).

Skinner (1967) salientou o quanto a punição é amplamente utilizada na nossa sociedade:

“A técnica de controle mais comum da vida moderna é a punição. O padrão é fam iliar: se alguém não se comporta como você quer, castigue-o; se uma criança tem mau comportamento, espanque-a; se o povo de um país não se comporta bem, bombardeie-o. Os sistemas legais e policiais baseiam-se em punições como multas, açoitam ento, encarceramento e trabalhos forçados.O controle religioso é exercido pelas penitências, am eaças de excomunhão e consignação ao fogo do inferno. A educação não abandonou inteiramente a palmatória. No contato pessoal diário controlamos por meio de censuras, admoestações, desaprovações ou expulsões. Em resumo, o grau em que usa­mos punição como uma técnica de controle parece se limitar apenas ao grau

86 ■ Terapia Comportamental

em que podemos obter o poder necessário. Tudo isso é feito com a intençãode reduzir tendências de se comportar de certas maneiras. O reforço estabe­lece essas tendências; a punição destina-se a acabar com elas” (pág. 108).

Surge, então, um debate importante: a punição, por envolver estimulação aversiva, recebe freqüentes retaliações em sua aplicação. Sem dúvida, como foi demonstrado, a punição produz efeitos colaterais muito indesejáveis. É inegável que métodos punitivos foram usados, várias vezes, de forma abusiva em favor do opressor e sem preocupações com alterações sistemáticas e necessárias no reper­tório comportamental da pessoa punida. No entanto, o que se deve criticar é o uso inadequado, antiético da punição; não o procedimento em si. A punição exis­te, inclusive, no ambiente natural e pode ensinar como se comportar de modo a não se machucar ou se ferir gravemente. Skinner (1983) escreveu: “O castigo, mui­to comum na natureza, nos ensina muito. Uma criança se machuca quando corre desajeitadamente e cai; é picada quando toca uma abelha; e é mordida quando tenta tirar o osso de um cachorro. Em conseqüência, aprende a não fazer de novo” (pág. 51). Assim, a conseqüência aversiva tenderá a fazer o indivíduo não agir da mesma maneira, evitando, com isso, se ferir, sentir dor etc. Ironicamente, pode-se dizer que a punição acaba nos protegendo de danos maiores. Essa sensibilidade pela estimulação aversiva desenvolveu-se na evolução da espécie, é uma caracte­rística humana e, graças a ela, nossa espécie se perpetuou.

A sociedade, apesar de recriminar, utiliza amplamente a punição para contro­lar as pessoas. Muitas vezes, argumenta-se que a punição é usada para proteger seus membros, por exemplo, multando o excesso de velocidade, protege-se o motorista imprudente e outros passageiros na estrada, ou é aplicada para o bene­fício da comunidade como um todo, por exemplo, cobrando impostos que se re­vertem em escolas, saúde pública etc. Esses métodos de controle, definidos como necessários, poderiam, sob a influência de ideologias mais comunitárias e de um efetivo conhecimento da ciência do comportamento, ser substituídos por outros mais humanos, mais efetivos e com menos efeitos colaterais indesejáveis (leia-se Walden Two - Uma Sociedade do Futuro). Acrescenta-se que, em nossas críticas, os objetivos pelos quais essas práticas se justificam são, na realidade, deturpados.Isso sem falar em práticas tirânicas.

Catania (1999) escreveu: “Algumas pessoas argumentam contra qualquer tipo de modificação de comportamento, tanto envolvendo estímulos aversivos quan­to reforçadores positivos. Os que fazem uso de tal argumento deveriam reconhe­cer que o nosso comportamento é modificado a todo instante, tanto por contingências naturais como por contingências artificiais criadas pelos que estão em nossa volta. Negar isso não eliminará tais contingências e um contra-argu- mento é que nossa melhor defesa contra o mau uso das técnicas comportamentaisé aprender tanto quanto possível a respeito de como elas funcionam” (pág. 128). Concorda-se com Catania e não se adota a posição ingênua de que todos os tipos de controle aversivo podem ser evitados. O ideal seria que essa evitação pudesse ser possível. Na vida cotidiana há necessidade de limites para determinados compor­tamentos e, muitas vezes, o comportamento indesejado precisa ser enfraquecido diretamente. Os critérios para o uso da Punição Negativa são discutidos adiante.

Punição Negativa ■ 87

CONTROLE EM LABORATÓRIO DE CHUPAR O DEDOPELA REMOÇÃO E REAPRESENTAÇAO DE REFORÇO

Com esse título, a revista JEAB, a mais importante publicação de trabalhos experimentais em análise do comportamento, publicou um trabalho pioneiro de Baer (1962), em que foi usado o procedimento Punição Negativa para alterar o comportamento de chupar o dedo em três crianças de 5 anos. Pela importância histórica desse estudo, apresenta-se um resumo do experimento.

O bjetivo

“No presente estudo, a técnica de remoção (do reforçador positivo) é usada para produzir controle temporário sobre chupar o dedo em três crianças pequenas que, persistentemente} chupavam o dedo. Pretendeu-se dem ons­trar que a resposta de chupar o dedo pode ser m odificada pelo controle do am biente presente através do uso de conseqüências explícitas da resposta ”

Procedimentos

O experimentador demonstrou que os filmes de desenho animado tinham função reforçadora positiva para as crianças: ao assisti-los, elas riam, ficavam aten­tas, se divertiam, faziam comentários etc.

Inicialmente, uma criança assistiu por oito sessões, com intervalo de 2 ou 3 dias entre elas, desenhos animados sem nenhuma interrupção, durante 21 minu­tos. Nesse período ela ficou praticamente 100% do tempo chupando o dedo. A criança estava bem adaptada ao ambiente experimental quando foi introduzida na etapa seguinte do procedimento.

Uma mulher entrava com a criança e ficava sentava atrás dela em um canto. Os desenhos eram projetados na parede oposta à sala de controle e de observação do experimento. Nas oito sessões iniciais, três desenhos de 7 minutos eram mos­trados sem interrupção. Durante as três sessões experimentais, eram projetados, para a criança, os mesmos três desenhos duas vezes, sem intervalo entre eles, na seqüência A-B-C-A-B-C. O comportamento de chupar o dedo era marcado em um registrador Gerbrands de registro cumulativo, que anotava uma resposta para cada 3 segundos acumulados de chupar o dedo. O experimentador, observando atrás de um espelho, todas as vezes em que a criança punha o dedo na boca, pres­sionava um interruptor e o mantinha assim ligado enquanto ela estivesse chu­pando o dedo. O interruptor ligava um programador automático. O programador, por sua vez, acionava o registrador que marcava uma resposta a cada 3 segundos em que o interruptor estivesse pressionado. Nas situações de punição, o progra­mador desligava o projetor dos filmes e também o som, enquanto o interruptor continuasse pressionado. Quando a criança tirava o dedo da boca, o desenho e o som eram reapresentados.

88 ■ Terapia Comportamental

Durante as sessões experimentais, o desenho A foi apresentado sem punição; durante o desenho B, todas as respostas 'chupar o dedo’ foram punidas (um pe­ríodo de controle); no desenho C ocorreu um período de recuperação da resposta. Na segunda apresentação dos desenhos observou-se: em A, todas as respostas ‘chu­par o dedo' foram punidas (período de controle); B era o período de recuperaçãoe, em C, todas as respostas foram novamente punidas (período de controle).

R esultados e D iscussão

Nas três sessões, durante aprojeção do desenho A (nível operante), afreqüên- cia de chupar o dedo estava bem próxima do limite máximo. Nas apresentações com punição contingente (controle) a chupar o dedo, a freqüência de resposta diminuiu de forma uniforme e efetiva, com efeitos mais evidentes graças às su­cessivas repetições da condição experimental. Nas apresentações de recuperação, a freqüência da resposta de chupar o dedo foi comparável ao nível operante, com recuperação forte e rápida.

A criança não completou a terceira sessão, dizendo que já tinha visto o sufi­ciente. Isso pode ser resultado do procedimento de punição em andamento, como também poderia ser saciação, já que a criança assistiu ao desenho 13 vezes.

Os resultados podem ser analisados como uma discriminação dos componen­tes do esquema em funcionamento, uma vez que não houve uma supressão gene­ralizada de chupar o dedo pela punição.

O utro Procedim ento

Baer realizou um outro procedimento com duas crianças de 5 anos (SI e S2). Foram colocadas na mesma sala de projeção, porém com um divisor entre elas para que não se vissem. As duas crianças tiveram três sessões de 30 minutos de projeção dos desenhos até que a resposta de chupar o dedo estava próxima de 100% da fre­qüência. Então, seguiram-se duas sessões de experimento em dias sucessivos. Na primeira sessão, SI experimentava alternadamente 5 minutos de desenho contí­nuo e 5 minutos de retirada e reapresentação do desenho contingente à resposta de chupar o dedo. Enquanto S2, assistindo aos mesmos desenhos, experimentava as mesmas condições, exceto que a remoção e reapresentação dos desenhos era de­terminada pelo chupar o dedo de Sl, sendo, portanto, não contingente para S2. Nesse caso, essas operações apenas foram randomicamente contingentes ao comporta­mento de S2 de chupar o dedo. No dia seguinte, as crianças tiveram suas posições invertidas nas condições experimentais: Sl passava para a situação de remoção não contingente e S2 para a remoção e reapresentação contingente.

R esultados

Nas duas sessões, o sujeito que estava na condição de remoção e reapresen­tação contingente à resposta de chupar o dedo ficou rapidamente sob o controle

Punição Negativa ■ 89

dessa contingência. Simultaneamente, também nas duas sessões, o sujeito queestava na contingência de remoção e reapresentação do desenho (porém apenasrandomicamente associado ao comportamento de chupar o dedo) não mostrou efeitos óbvios.

A remoção do reforçador contingente à resposta e a sua reapresentação ao cessá-la enfraquecem o “chupar de dedo”. Porém, a remoção e a reapresentação do desenho não contingente à resposta não a afetam significativamente.

CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DOS PROCEDIMENTOS DE PUNIÇÃO NEGATIVA USADOS COM CRIANÇAS NA NOSSA PRÁTICA CLÍNICA

Em nosso Instituto, a prática clínica tem adotado a definição de Walley e Mallot (1980) e Catania (1999), as quais enfatizam o efeito da redução na freqüência da resposta punida. Do ponto de vista terapêutico, a aplicação de determinados pro­cedimentos tem objetivo explícito: manter comportamentos (desejados); m odifi­car comportamentos (aumentar a freqüência daqueles que são desejados, mas pouco freqüentes; reduzir a freqüência ou eliminar aqueles que são indesejados); colocar os comportamentos sob o controle apropriado de estímulos (determinar as condições sob as quais o comportamento pode ser emitido e sob as quais não deve); instalar novos comportamentos (ampliar o repertório global de comporta­mentos). Todos os objetivos devem ser atingidos até um nível de relevância social ou de relevância para o próprio indivíduo, o que funcionalmente significa que a ocorrência do comportamento alcançou um padrão que não produz estimulação aversiva nem para a própria pessoa que se comporta, nem para o grupo social significativo para ela e, ao mesmo tempo, produz conseqüências reforçadoras positivas para a pessoa e, desejavelmente, também para o grupo social ao qual pertence. Baer, Wolf e Risley (1968) propuseram que, como uma dimensão básica da Análise Aplicada do Comportamento, as mudanças comportamentais produ­zidas sejam socialmente significativas. É, exatamente, o aspecto destacado nas linhas anteriores. Quando se trata, como é o tópico desse capítulo, da utilização de procedimentos de Punição Negativa, é necessário que o seu uso produza alte­rações “socialmente significativas”, ou seja, que o cliente e a comunidade social em que ele está inserido tenham benefícios reais e significativos com essas transfor­mações. Por exemplo, se uma criança mordia coleguinhas de classe todos os dias, duas a três vezes, um procedimento que reduza a freqüência das mordidas para uma a duas vezes por semana revela-se eficaz. No entanto, a eficácia do procedi­mento não é socialmente significativa pois a freqüência menor de mordidas per­manece, ainda, como um problema comportamental sério, acarretando danosimportantes para a criança que morde, para as crianças que são mordidas por ela, para todos os pais e para a escola.

Em nossa prática, mesmo reconhecendo que o uso de timeout e de custo da resposta atendem à definição de Punição Negativa, nenhum desses procedimen­tos têm sido empregados. Tem-se optado pela retirada de atenção e de quaisquer outros reforçadores sociais generalizados, contingentes às respostas não deseja­

90 ■ Terapia Comportamental

das em associação com a reapresentação de atenção e outros reforçadores sociais generalizados, contingentes às respostas desejadas. (O uso da extinção também deve ser mencionado, uma vez que respostas indesejadas pouco freqüentes, pode- se dizer fracas no repertório do cliente, são eliminadas, simplesmente, ignoran­do-as. Porém, se a extinção não for suficiente, introduz-se a retirada contingente da atenção.) Eventualmente, usam-se reforços positivos materiais, mas com a cla­ra proposta de removê-los gradualmente [fadingoui), permanecendo apenas os reforçadores sociais generalizados, até a condição em que os comportamentos mantêm-se pelas conseqüências naturais da rotina cotidiana.

Outro aspecto dos procedimentos adotados é a aplicação da Punição Negati­va e do reforçamento positivo contingentes aos primeiros elos da cadeia de res­postas trabalhadas. É mais fácil enfraquecer um comportamento partindo-se das formas mais incipientes que apresenta. Ao mesmo tempo, são gerados menos efei­tos colaterais emocionais indesejados. Também é mais eficiente instalar um com­portamento (em geral, incompatível com o indesejado) a partir do reforçamento diferencial da ocorrência dos primeiros elos, os mais simples, do que esperar a emissão do comportamento com topografia terminal mais complexa (modelagem).

Outra característica dos procedimentos adotados são aplicação im ediata e diferenciada das conseqüências e descrição verbal (pelo menos na primeira ocor­rência do comportamento, desde o momento em que a contingência terapêutica passará a ser aplicada) dos procedimentos a serem aplicados. A imediaticidade é fundamental para que se estabeleça uma relação inconfundível de contingência entre o comportamento e a conseqüência e não uma relação de contigüidade temporal entre os eventos. A seqüência temporal íntima pode condicionar supersticiosamente o comportamento e, no caso da punição, enfraquecer, desne­cessariamente, o desempenho. Isso porque a conseqüência aversiva seleciona a resposta mais próxima da sua ocorrência, como aquela que a produziu. Por exem­plo, ao colocar o dedo na tomada, leva-se um choque. A proximidade entre os dois eventos determina claramente a resposta que produziu o choque, diminuindo, desse modo, a probabilidade futura de colocar o dedo na tomada. Quando não há uma proximidade temporal entre a resposta e a conseqüência aversiva, outra res­posta que tenha ocorrido nesse intervalo pode ser erroneamente selecionada e ter sua freqüência deduzida. Appel (1969) discutiu essa questão: “Se o estímulo aversivo é contíguo à resposta ou apresentado imediatamente após a resposta, os dois eventos estão, provavelmente, bem associados. Se, contudo, há uma demora entre a resposta crítica e o estímulo aversivo, qualquer comportamento que ocor­ra durante esse período de tempo pode ser condicionado ao estímulo aversivo, de acordo com o mesmo princípio de contigüidade” (pág. 226). No entanto, o atraso na apresentação da conseqüência aversiva, se necessária, pode ocorrer com os seres humanos, desde que ela seja mediada por comportamento verbal. Se a mãe diz, conseqüentemente ao comportamento inadequado do filho: “Quando seu pai chegar, decidiremos o que fazer com você", mesmo que o pai chegue à noite e a conseqüência seja aplicada só então, a criança relacionará a conseqüência aversiva ao comportamento que ela emitiu à tarde. No momento exato em que o pai e mãe lhe disseram: “Amanhã você não irá ao passeio porque, hoje à tarde, você..." ela estará engajada em um outro comportamento qualquer (vendo desenhos na TY

Punição Negativa ■ 91

por exemplo), não sendo esse, por certo, o comportamento punido. O uso da des­crição verbal das contingências, que são aplicadas, funciona como um SD verbal para o comportamento da criança, aumentando a probabilidade de emissão de comportamento que, se ocorrer, será reforçado como estímulo pré-aversivo e di­minuindo a probabilidade de emissão de comportamento que, se ocorrer, será punido. Cria-se, dessa maneira, contingências para o comportamento passar a ser governado por regras. O cliente tem, portanto, o comportamento governado pelas regras explicitadas pelo terapeuta (“Regras ou instruções descrevem con­tingências: se continuar por esta via acontecerá isto ou aquilo; se tomar uma via alternativa acontecerá outro aquilo.” Matos, 2001, pág. 52), bem como modelado pelas conseqüências, a partir do efetivo manejo de conseqüências diferenciais fei­tas pelo terapeuta em função dos comportamentos emitidos na presença dele. O cliente fica sob o controle de duas classes de contingências nas interações entre ele e o terapeuta.

Ainda mais, o terapeuta apresenta reforços sociais periódicos (elogios, afagos, comentários etc.) durante a sessão, sem atentar para contingências específicas (não importa que comportamento é, assim, conseqüenciado), exceto que esses refor­ços generalizados não devem vir após comportamentos indesejados. O objetivo desse procedimento é fortalecer, de forma intermitente, o repertório adequado abrangente do cliente e criar, na sessão, uma relação permeada com reforçadores positivos com a geração de sentimentos de satisfação, bem-estar etc. A condução de eventos reforçadores da maneira descrita pode ser considerada um modo de gerar uma operação estabelecedora, pois torna a relação terapêutica e o contexto terapêutico mais reforçadores que outros contextos de vida da criança.

Finalmente, os procedimentos testados com a eficácia demonstrada nas ses­sões são ensinados para os pais, a fim de que eles os usem na relação cotidiana com o filho. É uma maneira de promover a generalização dos ganhos compor­tamentais verificados nas sessões para outros contextos da vida da criança e na interação dela com outras pessoas. Assim, fundamentalmente, a única forma de punição adotada, quando se conclui que punição deve ser empregada, é a remo­ção contingente de reforços positivos - Punição Negativa manejando contin­gências amenas e sempre associadas às contingências de reforçamento positivo, contingentes a outros comportamentos e a comportamentos incompatíveis com aqueles que foram punidos. Dentro dos parâmetros empregados, os efeitos cola­terais indesejáveis, que decorrem do uso da punição, estão confiavelmente mini­mizados na nossa prática e os ganhos comportamentais e afetivos observados com o uso parcimonioso e criterioso dos procedimentos punitivos em associação com o uso abundante, mas também criterioso, dos procedimentos reforçadores positi­vos, encorajam a continuidade desse modelo de prática clínica com crianças. Con­tinuamente nós avaliamos nossos comportamentos com a convicção de que os procedimentos adotados devem produzir benefícios, prioritariamente, para o clien­te. As discussões de caso e as supervisões funcionam como contingências eficazes para modelar e manter os comportamentos do terapeuta em favor do desenvolvi­mento comportamental e afetivo do cliente. As orientações feitas para os pais e os profissionais das escolas pretendem colocá-los sob os mesmos controles aos quais o terapeuta responde na aplicação de procedimentos. A supervisão direta dos com-

92 * Terapia Comportamental

portamentos dos país e dos professores peio terapeuta visa produzir conseqüên­cias diretas e eficazes para manter esse objetivo. Não basta instruir os pais sobre a forma de proceder com os filhos; há necessidade de reforçar, diferencialmente, os comportamentos de interação entre eles e os filhos emitidos na presença do terapeuta, mantendo os comportamentos dos pais dentro dos mesmos critérios usados com os terapeutas. (O mesmo vale para os professores e demais profissio­nais da escola.)

Todos os procedimentos apontados caracterizam o modelo de ação terapêu­tica aplicado em crianças no IAAC3.

EXEMPLOS DE PROCEDIMENTOS ADOTADOS COM CRIANÇAS QUE APRESENTAVAM DISTINTOS COMPORTAMENTOS INADEQUADOS

M order

Alex, de 4 anos, freqüentemente mordia as crianças na sala de aula. A profes­sora por diversas vezes conversou com ele: “O que aconteceu para você fazer isso?”; “Vamos tentar conversar com os colegas?”; “Me conta o que aconteceu.”, ou seja, deu atenção contingente ao comportamento indesejado, explicando-lhe que o com­portamento era inadequado: “Isso é errado, você não deve agir assim.”; “Você machucou seu coleguinha. Doeu. Veja como ele está chorando.”, ou seja, deu aten­ção contingente ao comportamento indesejado, castigando-lhe: “Agora você sai da roda e fica no canto.” Mas ele, fora da roda, ainda provocava as crianças, então, a professora disse: “Você vai ficar do lado de fora da classe perto da porta, sentado, quieto e só voltará quando eu chamar.” Porém, funcionários passavam e interagiam com ele: “Você vai para outra sala pensar no que fez.” e no caminho conversa­vam com ele e depois de deixá-lo na outra sala, voltavam algumas vezes para per­guntar se estava pensando, ou seja, mesmo nas situações de castigo ele continuava recebendo atenção de colegas, funcionários e da própria professora. Questionada pela terapeuta, a professora não conseguia identificar os elos iniciais do encadea­mento que culminava com a mordida (a terapeuta buscava essa informação, a fim de orientá-la para intervir o mais cedo possível, de modo a evitar a ocorrência da mordida). A partir dos relatos da professora, ficou claro que a criança tinha um repertório operante forte de provocar os amigos (pegava os brinquedos deles, os beliscava, batia neles, os empurrava). Esses comportamentos foram observados, mas ignorados pela professora (ou seja, eram reforçados por conseqüências natu­rais), não sendo considerados relevantes, uma vez que havia um repertório operante mais aversivo em operação (o morder). A professora ficava, exclusi­vamente, sob o controle do morder. Mas, esses outros comportamentos inade­quados, não menos importantes, formavam elos da cadeia que se completava com

3 Instituto de Análise Aplicada de Comportamento.

Punição Negativa ■ 93

o morder. O comportamento de morder poderia ocorrer sob controle de qualquer comportamento dos colegas que não o agradasse (alguém estar na sua frente, ou esticar o braço diante dele, ter um brinquedo que ele quisesse). Alex não emitia respostas adequadas como pedir alguma coisa que desejasse, solicitar a ajuda da professora diante de alguma dificuldade; por outro lado, ele se recusava a entre­gar ou devolver um brinquedo para outra criança, mesmo que não fosse seu, ig­norava instruções da professora etc. As punições introduzidas pela professora para o comportamento de morder não foram eficazes, pois: (a) eram muito longas; (b) os reforçadores removidos eram fracos; (c) os procedimentos não eram siste­máticos de uma ocorrência para a outra; (d) os procedimentos não eram conceitualmente sistemáticos (intercalavam extinção com reforçamento); (e) ou­tros comportamentos inadequados, pertencentes ao encadeamento de morder, continuavam sendo reforçados; (f) a punição era intermitente (ora ocorria puni­ção, ora aconselhamento); (g) comportamentos incompatíveis com morder não foram sistematicamente modelados e fortalecidos.

O seguinte procedimento foi proposto:

a. A qualquer resposta inadequada (empurrar, puxar, cutucar etc.), um colegaseria conseqüenciado (não deveria ser esperada a ocorrência do elo final: morder);

b. Alex seria retirado da sala, imediatamente, e levado para outra sala sem nenhum reforçador disponível: nem material (lápis, jogos, brinquedos) e nem reforçadores generalizados sociais (provindos de funcionários, dire­tora etc.);

c. Ele permaneceria lá por um período curto de tempo (entre 2 e 3 minutos), quando, então, seu comportamento seria observado, sem que recebesse nenhum tipo de atenção (extinção). Se estivesse adequado, era trazido para a classe; se estivesse gritando, chorando, batendo na porta etc., continuava sendo ignorado e o tempo era prolongado até ficar adequado por pelo menos 30 segundos;

d. A professora não deveria ter nenhuma interação verbal com Alex, desde o momento da emissão do comportamento inadequado até a volta para a sala após o isolamento;

e. Quando voltasse à sala de aula, ele teria atenção natural da professora e colegas: ela ficaria, porém, um pouco mais atenta a ele, elogiando seus com­portamentos adequados e respondendo suas verbalizações com mais pron­tidão, com o objetivo de fortalecer - no início do procedimento - outros comportamentos, diferentes dos inadequados;

f. O procedimento se repetiria quantas vezes fosse necessário, sempre con­tingente a algum comportamento definido como inadequado.

No primeiro dia da introdução do procedimento, Alex foi retirado da sala de aula a cada comportamento inadequado emitido durante todo o dia. Uma vez calado na sala de isolamento, ele rapidamente passava a se comportar adequa­damente, ficando sentado e quieto. Assim, contingente a esses comportamentos adequados, retornava para a sala de aula (após poucas ocorrências, bastavam os 2

94 ■ Terapia Comportamental

minutos de isolamento). Novamente na sala de aula, recebia atenção da professora e colegas sem nenhum comentário sobre o episódio da retirada da sala. Nos dias subseqüentes, a freqüência dos comportamentos inadequados de provocar os colegas foi, gradualmente, reduzida, possibilitando a permanência dele na sala de aula em grande parte do tempo, enquanto se mantinha emitindo comportamentos adequados e obtendo, apenas dessa forma, a atenção da professora. Alex passou a se comportar mais adequadamente até que não saiu mais da sala de aula. Se qual­quer resposta inadequada de provocar os amigos voltasse a acontecer, o procedi­mento era reintroduzido. A aplicação do procedimento foi sistemática e rapidamente houve uma redução em todo o encadeamento de comportamentos inadequados de Alex na escola.

Os pais também foram orientados sobre como proceder diante dos compor­tamentos inadequados de Alex. Os itens (a) até (f) do procedimento utilizado na escola foram explicados a eles com a única alteração de que Alex seria retirado de qualquer lugar, independente de onde eles estivessem (shopping , loja etc.), caso ocorresse a resposta inadequada e só retornaria para o local após ficar en­tre 2 e 3 minutos em outro lugar sem reforçadores naturais ou arbitrários (mate­riais ou sociais) e estivesse se comportando adequadamente (estivesse quieto, sentado etc.). Os pais seguiram as orientações dadas pela terapeuta e utilizaram o procedimento no shopping , em uma loja e no supermercado. Num exemplo ocorrido, Alex foi retirado da loja e levado para fora do estabelecimento. Então, foi colocado sentado num banco do local. Os pais ficaram por perto, mas em silêncio. Bastaram os 2 minutos (dado que ele estava quieto, sentado), foi retirado do banco e retornou para o interior da loja. A prontidão com que se portou ade­quadamente, provavelmente, foi uma generalização do efeito do procedi­mento usado na escola.

Imitar

Um cliente de 10 anos (Carlos) estava em terapia há um bom tempo. A relação com a terapeuta era boa: falava bastante, estava sempre próximo, atendia ordens, sugeria atividades... Ele era agitado, ou seja, tinha uma freqüência alta de com­portamentos operantes na sala de espera: andava de um lado para o outro, senta­va-se por curtos períodos, ficava se mexendo no sofá, pulava etc. Na sala de atendimento, como a atenção da terapeuta era exclusivamente para ele, essa agi­tação diminuía e o mantinha sob o controle das atividades por períodos longos e raramente ele se levantava. A terapeuta fez, então, um procedimento diferencial na sala de espera: por um período deu atenção para ele de modo contínuo e, en­tão, observou que a freqüência dos comportamentos operantes diminuiu, ele fi­cava sentado por mais tempo, agitava-se menos no sofá, balançava menos a perna etc. Por outro lado, quando a terapeuta conversava alguns minutos com outra terapeuta ou com a secretária (ou seja, interrompia a atenção contínua), os com­portamentos operantes de Carlos aumentavam de freqüência, ele andava mais, agitava-se de um lado para o outro, pegava coisas fazendo barulho, batia na pare* de ou batia palmas etc. Pode-se dizer que a atenção da terapeuta tinha dupla fun-

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ção: era SD para emissão de comportamentos adequados e Sr+para a manutenção e modelagem de comportamentos desejáveis. Como tal, a remoção da atenção era a ocasião para a emissão das outras classes de comportamentos: aumentava a va­riabilidade comportamental, incluindo a emissão dos comportamentos inadequa­dos que eram fortes no repertório uma vez que, na história de contingências de Carlos, vinham sendo conseqüenciados por atenção. Quando a terapeuta voltava a interagir com ele, a freqüência dos comportamentos inadequados reduzia-se novamente. Embora possa parecer uma relação adequada (Carlos mantinha-se adequado quando recebia atenção), de fato, não o é. Ele controlava o comporta­mento das pessoas de dar-lhe atenção exclusiva conseqüenciando-as com bons comportamentos e as punia com maus comportamentos. Foi necessário inverter a relação de controle.

No final de uma sessão, ele começou a repetir as frases que a terapeuta falava. A terapeuta ignorou o comportamento (extinção) durante toda a sessão. Na sessão seguinte, Carlos começou a imitá-la novamente. A terapeuta disse-lhe que era um comportamento inadequado e lhe sugeriu uma possível função de fuga-esquiva para o comportamento, se a atividade ou assunto em que estavam envolvidos não lhe agradava, então, existiriam outras alternativas mais adequadas (outros com­portamentos de fuga-esquiva) a serem usados: poderia escolher outro assunto, fazer outra coisa etc. O comportamento de Carlos persistiu, demonstrando que ele estava sendo reforçado pela atenção da terapeuta. Então, uma nova instrução foi dada: “Se você continuar repetindo o que eu digo, vou parar de conversar com você.” Carlos continuou imitando a terapeuta, que então parou de falar com ele e se ocupou com outra atividade (começou a ler um livro). Ele permaneceu por um tempo quieto até que retomou a conversa com ela de maneira adequada. A terapeuta voltou a interagir naturalmente. Logo depois, Carlos reiniciou o com­portamento de imitá-la. Nova instrução foi dada: “Você voltou a se comportar ina­dequadamente. Você sabe que há alternativas, caso não queira falar sobre isto ou prefira outra atividade. Se você não mudar seu comportamento, eu encerrarei a sessão.” Carlos continuou repetindo as frases da terapeuta, então, ela encerrou a sessão. Ele imediatamente se desculpou, disse que não faria mais aquilo e pediu que a sessão não fosse interrompida. A terapeuta aceitou as desculpas (conse- qüenciou com atenção o comportamento de pedir desculpas), mas assim mesmo encerrou a sessão (removeu a atenção dela e, dessa maneira, não reforçou negati­vamente o comportamento de fuga-esquiva de se desculpar). O objetivo foi impe­dir a ocorrência de um encadeamento inadequado que seja: imitar a terapeuta (comportamento inadequado) —»remoção da atenção (Punição Negativa) —»des­culpar-se (comportamento adequado) -» atenção (reforço positivo) -» imitar a terapeuta e assim por diante. Dessa forma, concordar com a continuidade da ses­são poderia funcionar como uma conseqüência social que manteria a emissão de toda a cadeia de comportamentos. Carlos permaneceu o restante do tempo na sala de espera aguardando pela mãe, enquanto a secretária e demais profissionais da clínica foram orientados a não interagirem com ele naquele dia. Após a aplicação desse procedimento, Carlos não emitiu mais o comportamento inadequado de imitar a terapeuta nas sessões.

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B irra

A mãe de Daniel, de 4 anos, procurou atendimento pois não conseguia con­trolar o filho. Qualquer atividade rotineira como comer, escovar os dentes e obe­decer ordens era um problema pois ele não atendia aos chamados, mantendo-se na atividade que estava realizando (vendo desenho na TV, por exemplo) ou saía correndo (do alcance da mãe). Daniel não ficava sob o controle das solicitações ou dos limites impostos pelos pais: “Agora não é hora de desenho.” (não saía de frente da TV); “Vamos guardar seus brinquedos,” (largava tudo no chão); “Venha comer agora.” (recusava os alimentos); “Vamos dormir.” (continuava brincando). E quando os pais insistiam, ele tinha ataques de birra jogando-se no chão ou gri­tando. Na maioria das vezes, os pais desistiam e deixavam-no assistindo aos dese­nhos, guardavam os brinquedos por ele, os horários de comer e dormir eram atrasados e envoltos em muita conversa, pedidos, explicações etc.

O objetivo inicial foi colocar os comportamentos de Daniel na sessão sob o controle da terapeuta e desenvolver o repertório de atender ordens.

A terapeuta expôs uma variedade de brinquedos para o cliente na sala. Daniel entrou e começou a brincar. Na primeira sessão, a terapeuta permitiu que ele brin­casse com os brinquedos que quisesse. No final da sessão, o cliente não guardou os jogos, mesmo após solicitação da terapeuta e saiu correndo na frente da terapeuta, não atendendo a orientação de esperá-la. Nas sessões seguintes, os se­guintes procedimentos foram iniciados:

(a) Daniel escolhia a atividade que queria fazer e poderia manter-se nela o tempo que quisesse;

(b) Quando emitisse respostas na direção de outro brinquedo ou verbalizasse que não queria mais aquele, a terapeuta, antes de iniciar a nova atividade, lhe dizia: “Podemos mudar de jogo. Qual você quer agora?”; “Estou vendo que você cansou dessa atividade. O que você quer fazer agora?” O objetivo era colocar o comportamento de Daniel de mudar de atividades na ses­são sob o controle da terapeuta, evitando, assim, que se instalasse um pa­drão comportamental de mudar continuamente de atividades. Quando ele respondia, a terapeuta fazia-lhe uma solicitação com alta probabilidade de ser atendida, como: “Pegue o brinquedo e o coloque sobre a mesa. Va­mos brincar lá.”, “Sente-se nessa cadeira para começarmos.” etc. (Observe que a terapeuta, no início do procedimento, somente fez solicitações que tivessem alta probabilidade de serem atendidas). A atividade com o objeto escolhido era usada como uma conseqüência reforçadora positiva para os comportamentos de atender às solicitações feitas. Ao mesmo tempo, a nova atividade que Daniel desejava poderia ser considerada reforçadora positiva para ele naquele momento. Essa era uma dica importante para a terapeuta pois ela poderia usar o brinquedo escolhido (atividade com alta probabi­lidade) como a conseqüência a ser manejada (permitida ou impedida), caso Daniel não emitisse uma determinada resposta adequada desejada pelo terapeuta (atividade com baixa probabilidade). É um exemplo do uso do Princípio de Premack.

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Progressivamente a terapeuta foi aumentando o grau de exigências das solici­tações para mudar de atividade: “Você quer mudar de atividade. Que legal! Mas, para isso, precisamos guardar esse jogo para depois mudarmos. Sem guardar não tem outro jogo.” Se Daniel colaborasse guardando o jogo, mesmo que ainda fosse uma pequena colaboração, ele poderia jogar em seguida. O grau de exigência de ajuda, até Daniel guardar sozinho o brinquedo, foi sendo aumentado gradualmente. A terapeuta ia apresentando conseqüências sociais (“Muito bem.”, “Nossa, como você é organizado.”, “Gosto da sua ajuda.” etc.), modelando o repertório adequado de colaborar emitido pela criança. Passou também a introduzir solicitações durante a atividade (“Vá buscar o macaco na prateleira e traga até aqui para ele também brincar.”, por exemplo) que eram reforçadas com a continuidade da brincadeira. Uma eventual recusa era conseqüenciada com a interrupção da atividade: “Vou aguardar o macaco chegar para continuar o jogo.” Caso Daniel não aceitasse cola­borar, a terapeuta removia o brinquedo do alcance da criança e descrevia a con­tingência mais uma vez. Assim que Daniel começava a emitir a resposta adequada, a terapeuta reiniciava a brincadeira. Caso Daniel persistisse em não atender a soli­citação feita, a terapeuta mantinha o brinquedo fora do alcance e não dava mais atenção social: permanecia calada fazendo alguma atividade sem interagir com ele até o encerramento da sessão no horário habitual. Se Daniel começasse a emitir outras respostas inadequadas como bater, gritar etc., a terapeuta imediatamente encerrava a sessão. Assim, o procedimento consistiu em conseqüenciar imedia­tamente as respostas adequadas com reforçadores positivos naturais (atividades escolhidas pelo cliente) e arbitrários (verbalizações da terapeuta apresentadas como conseqüências diferenciadas) e punir com a retirada do brinquedo, inter­rupção da brincadeira ou remoção da atenção da terapeuta durante os compor­tamentos inadequados.

Outro procedimento foi utilizado para lidar com o comportamento inadequado de sair correndo da sala. Antes de sair da sala, no final da sessão, a terapeuta mos­trava possíveis reforçadores positivos arbitrários (doce confeitado, moeda de cho­colate, bala) para que Daniel escolhesse um. Ao escolher, ele recebia a seguinte instrução: “Se você sair comigo da sala e for andando até a sala de espera sem correr, então você ganhará esse presente (o reforçador arbitrário escolhido) quando encontrarmos sua mãe.”

Ao sair da sala, a terapeuta ia verbalizando: “Você está pertinho de mim.”; “Você está andando direitinho.” As verbalizações tinham dupla função: SDpara o com­portamento a ser emitido e Sr+pelo comportamento adequado que estava sendo emitido se ele:

(a) Estivesse adequado, a verbalização aumentaria a probabilidade de manter o comportamento até ser conseqüenciado com o reforçador arbitrário material e social (da terapeuta e da mãe);

(b) Estivesse começando a emitir uma resposta inadequada, ainda poderia al­terar seu comportamento e vir a ser conseqüenciado positivamente.

Se Daniel não emitisse a resposta adequada, não receberia a conseqüência arbitrária material e nem social. E a terapeuta descreveria para ele o compor­

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tamento que o levou à não-obtenção do reforçador. A eficácia do procedimento deveria ser continuamente avaliada nos seguintes itens: função do reforçador es­colhido (poderoso ou fraco); haveria outras formas de obtê-lo (pedindo para a mãe, por exemplo); clareza do SD verbal inicial; freqüência e contingência dos SD verbais durante o trajeto.

Os procedimentos aplicados às duas classes de comportamentos foram gra­dualmente retirados (fadingout) conforme as respostas adequadas foram se for­talecendo e ficando sob o controle das condições naturais dos contextos em que deveriam ocorrer. A criança guardava os jogos sem que a terapeuta solicitasse e a acompanhava até a sala sem correr na frente. As deixas verbais foram gradualmente passando para o controle de estímulos provindos das próprias atividades que ele escolhia (molhar as plantas, por exemplo), uma vez que estava instalado um reper­tório de pré-requisitos de cooperação, de atendimento de ordens e de cuidar dos objetos com os quais brincava (guardá-los, fechar a torneira etc.) sem ajuda da terapeuta. O reforçador arbitrário material foi eliminado e os comportamentos passaram a ser mantidos pelas conseqüências naturais provindas da própria ati­vidade. Quanto à saída da sessão sem correr, ficou sob o controle natural de en­contrar-se com a mãe.

L eitura de G ibi

Um menino de 8 anos (Fábio) sistematicamente ficava na sala de espera lendo gibi, acompanhado de sua mãe, enquanto esperava a terapeuta. Quando ela vinha chamá-lo para o atendimento, ele a ignorava e continuava a leitura. Imedia­tamente, sua mãe começava a chamá-lo e insistia que ele entrasse para o aten­dimento. Fábio permanecia lendo, ignorando a terapeuta e a mãe. Ele claramente recebia atenção de ambas nessa situação e, independentemente do que elas fa­lassem, ele as ignorava. O comportamento de entrar na sessão estava fora do controle delas; afinal, independentemente do que dissessem ou fizessem, ele em algum momento se levantava e ia para a sala. Na sala de atendimento ele tomava iniciativa de escolher as atividades (“Eu gosto desse jogo, posso jo ­gar?” “Hoje vamos desenhar?”); interagia com a terapeuta contando fatos (“Eu joguei futebol na escola”, “Vi TV até tarde ontem.”, “Minha mãe não deixou eu ir ao cinema naquele dia.”); respondia às perguntas (“O que faremos hoje?” “Quem está ganhando?”, “Você viu tal programa?”, “Você foi ao cinema.”). Geralmente, reclamava de interromper as atividades quando a sessão terminava. Ficava claro que as sessões de terapia e as atividades não lhe eram aversivas ou desagradá­veis pois não foram observadas respostas de fuga-esquiva das sessões e o clientemantinha as atividades propostas pela terapeuta ou escolhidas por ele. A terapeuta concluiu que o comportamento de ler gibi na sala de espera não era uma resposta de fuga-esquiva da sessão, mas estava sendo mantida por outros reforçadores. As verbalizações da mãe (“Entre filho, a terapeuta está chamando.”, “Chega de gibi.” etc.) e da terapeuta (“Vamos entrar, teremos muitas atividades hoje.” “Vamos, eu estou esperando.”) mantinham seu repertório de ignorá-las. Programou-se então o seguinte procedimento:

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(a) Quando a terapeuta aparecesse, a mãe não interagiria mais com Fábio. Ela poderia permanecer na sala lendo uma revista ou sair do ambiente, avi­sando a terapeuta em voz alta (“Vou à padaria e volto para buscá-lo.").

(b) A terapeuta o cumprimentaria se:1. Fábio respondesse adequadamente (olhasse para ela, respondesse

verbalmente, se levantasse ou sorrisse), interagiria com ele sem comen­tários específicos e entrariam para a sala de atendimento;

2. Fábio não respondesse, ela diria: “Eu estou lá dentro. Aguardo você lá." Na sala de atendimento, a terapeuta ficaria lendo uma revista ou fazendo algo até que ele entrasse. Quando ele viesse, não faria comentários sobre a demora, nem sobre a chegada, simplesmente passaria a interagir com ele normalmente propondo algumas atividades (“Vamos desenhar hoje?" “O que faremos hoje?"). Dessa maneira, em relação ao compor­tamento inadequado na sala de espera, o procedimento envolveu: (a) extinção do comportamento inadequado - mãe e terapeuta ignoravam o comportamento - e (b) Punição Negativa - retirada da terapeuta e da mãe da sala. Em relação ao comportamento adequado, envolveu reforçamento positivo social na sala de espera e na sessão. O atraso para entrar na sessão tinha como conseqüência a redução no tempo total de interação social, uma vez que o horário de término da sessão era mantido;

3. Caso o repertório inadequado de ignorar a terapeuta voltasse a ocorrer na sessão, ela imediatamente interrompia a atividade e lhe dizia: “Eu estou falando com você. Quando me responder, continuaremos a ati­vidade." Nesse momento, a terapeuta começava a ler um livro, remo­vendo sua atenção. O objeto da atividade em curso não era removido, uma vez que o comportamento na sessão era mantido pela interação com a terapeuta e não pelos objetos de jogos em si.

O procedimento foi introduzido. No primeiro dia, assim que a terapeuta apa­receu na sala de espera, a mãe se retirou dizendo: “Vou tomar um café e volto.” A terapeuta se despediu dela e chamou Fábio para entrar. Ele continuou lendo o gibi. Ela disse: “Estou indo para a sala. Quando você quiser, você entra.” Fábio continuou na sala de espera por mais alguns minutos e entrou. Na sala de aten­dimento, a terapeuta interagiu normalmente e iniciou uma atividade de desenho. Ele interagiu com a terapeuta na sessão adequadamente: tomou iniciativas (“Quero lápis de cor.") e contou situações cotidianas (“Fui ao cinema com a minha mãe."). Nas sessões seguintes, a mãe permaneceu na sala lendo revista e a terapeuta apenas dizia: “Já estou na sala." Fábio passou a entrar na sala de atendimento cada vez mais prontamente, chegando a entrar na sala imediatamente após a terapeuta. Ele continuava se comportando adequadamente na sessão, verbalizando situações, realizando as atividades, rindo etc. Porém, Fábio não emitia nenhum compor­tamento desejado (olhar, sorrir, levantar etc.) com a terapeuta na sala de espera. A terapeuta, então, programou a generalização do repertório de interagir com ela (olhar, sorrir, levantar, responder etc.) na sessão de terapia para a sala de aten­dimento. Inicialmente, ela passou a valorizar as interações adequadas que ocorriam na sessão: “Gosto de conversar com você como ocorreu hoje... nosso papo foi

100 ■ Terapia Comportamentai

numa boa.”, “Gosto de ouvi-lo quando conta coisas da sua vida.” “Quando você fala, dá um colorido para tudo que lhe acontece.” etc. Então, ela dava-lhe uma regra no final da sessão: “Na próxima sessão, vamos ver se você vai olhar para mim quando eu chegar na sala de espera. Se você se lembrar disso, você terá uma sur­presa. Só quero ver... ” A terapeuta optou por introduzir um reforçador arbitrário material (bala, doce confeitado, chocolates etc.) Na sessão seguinte, Fábio olhou para a terapeuta e se levantou quando ela chegou na sala de espera. Ela interagiu dizendo: “Nossa, que beleza. Gostei de ver você olhando para mim e se levantan­do. Vamos entrar que tenho uma surpresa.” Fábio a acompanhou e recebeu uma moeda de chocolate. No final da sessão, a terapeuta retomou a regra: “Vamos ver se você vai se lembrar na semana que vem de me receber tão bem como você me recebeu hoje. Daí, teremos outra surpresa.” Na sessão seguinte, Fábio, nova­mente, comportou-se adequadamente (levantou-se prontamente, olhou e sorriu para a terapeuta) na sala de espera e foi conseqüenciado com reforços arbitrários sociais (atenção da terapeuta: “Gostei de ver. Você não se esqueceu. Vamos lá para dentro.”) e material (bala). Então, a terapeuta deu uma nova regra no final da ses­são: “Na semana que vem, quero ver se consegue me contar lá na sala de espera a história que você estiver lendo. Vamos ver se você consegue ganhar outra surpre­sa.” No encontro seguinte, Fábio olhou para a terapeuta na sala de espera, mostrou- lhe o gibi e disse “Vou contar uma história.”. A terapeuta reagiu “Você não esqueceu. Que bom. Me conta, então.” A terapeuta sentou-se ao lado dele ali mesmo, en­quanto ouvia a história. Ao terminar disse: “Adorei, você contou com muita clareza... Vamos entrar e ganhar a surpresa.” No final dessa sessão, a terapeuta deu uma regra mais genérica: “Vamos ver como você vai me receber na semana que vem.” Fábio, ao vê-la na semana seguinte, levantou-se e respondeu ao cumprimento da terapeuta. Ela o conseqüenciou: “Nossa, que beleza! Vamos lá.” e deu-lhe uma bala quando chegaram na sala de atendimento. Dessa sessão em diante, ela não lhe deu mais regras no final da sessão sobre comportamentos na sala de espera, mas ele continuou adequado: olhando, conversando etc. A terapeuta manteve, no entanto, o reforçador arbitrário ao entrar na sala, porém sem explicitar verbalmente a contingência. Gradualmente, ela foi atrasando a entrega do reforço arbitrário ma­terial que passou a ser contingente a qualquer comportamento adequado que es­tivesse ocorrendo na sessão. Depois, atrasou a entrega do reforço arbitrário material para o fim da sessão, até removê-lo completamente. Durante o esvanecimento do reforçador arbitrário material, a terapeuta não deixou de emitir reforçadores so­ciais também arbitrários: “Gostei de como você me recebeu.”, “Estava gostoso nosso jogo.” “Você foi uma companhia legal.”, “Achei bonito seu desenho.”, “Gostei da ati­vidade que você escolheu.”, “Adoro ver esse seu sorriso.”, “Essa sua história hoje foi demais.” etc. O manejo de reforços sociais generalizados dessa classe tem três fi­nalidades: conseqüenciar classes de comportamentos desejados - colaborar, parti­cipar e manter-se nas atividades (função Sr + ); aumentar a probabilidade de ocorrência de classes de comportamentos desejáveis (função SD); e produzir es­tados corporais associados com conseqüências reforçadoras positivas, em geral, sentimentos agradáveis (operação estabelecedora, que torna a situação terapêu­tica mais reforçadora).

Punição Negativa ■ 101

O procedimento de Punição Negativa, como foi mostrado nos exemplos, deve sempre ser aplicado em associação com outra técnica. O uso desses procedimentos é uma parte do processo terapêutico, porém, a terapia não se restringe apenas à aplicação da técnica (Guilhardi, 2003), envolvendo um processo mais amplo.

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