Reforma Agrária

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27 Reforma agrÆria e globalizaçªo da economia: o caso do Brasil Carlos E. Guanziroli * 1. Introduçªo Desde que Lehmann escreveu The death of land reform, em 1978, e Alain de Janvry The agrarian question and reformism in Latin America, em 1981, muitas coisas tŒm acontecido, tanto no campo acadŒmico como no da agricultura, propriamente. Hoje em dia, com a integraçªo cada vez maior entre as economias dos países e com a globalizaçªo crescente das atividades econômicas, o debate a respeito da reforma agrÆria tem mudado. Insistir apenas nos argumentos clÆssicos tais como: as conseqüŒncias sªo positivas pela contribuiçªo à produçªo e ao emprego, o custo Ø baixo, etc. convence pouco. Para explicar porque alguns países, como o Brasil, continuam tentando realizar uma reforma agrÆria, deve-se averiguar atØ que ponto esta reforma enquadrar-se-ia nas tendŒncias socioeconômicas do momento, ou seja, qual Ø sua lógica ou racionalidade no processo de desenvolvimento vigente, ao nível nacional e mundial. Para contribuir com esta anÆlise, buscaremos algumas explicaçıes de ordem teórica e avançaremos algumas informaçıes de ordem conjuntural que podem ajudar a entender, segundo nos parece, a lógica atual da reforma agrÆria no Brasil. Faremos, finalmente, algumas sugestıes de agenda para o tema da reforma agrÆria e da agricultura familiar que podem ser estendidas tambØm para outros países, embora se apliquem mais à realidade brasileira. * Professor Adjunto da UFF; consultor da FAO/INCRA . Este texto Ø de janeiro de 1998. VO L N JUNHO

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    Reforma agrria e globalizao da economia:o caso do Brasil

    Carlos E. Guanziroli *

    1. Introduo

    Desde que Lehmann escreveu The death of land reform, em 1978, eAlain de Janvry The agrarian question and reformism in Latin America, em 1981,muitas coisas tm acontecido, tanto no campo acadmico como no daagricultura, propriamente.

    Hoje em dia, com a integrao cada vez maior entre as economiasdos pases e com a globalizao crescente das atividades econmicas, odebate a respeito da reforma agrria tem mudado. Insistir apenas nosargumentos clssicos tais como: as conseqncias so positivas pelacontribuio produo e ao emprego, o custo baixo, etc. convencepouco.

    Para explicar porque alguns pases, como o Brasil, continuamtentando realizar uma reforma agrria, deve-se averiguar at que pontoesta reforma enquadrar-se-ia nas tendncias socioeconmicas do momento,ou seja, qual sua lgica ou racionalidade no processo de desenvolvimentovigente, ao nvel nacional e mundial.

    Para contribuir com esta anlise, buscaremos algumas explicaesde ordem terica e avanaremos algumas informaes de ordem conjunturalque podem ajudar a entender, segundo nos parece, a lgica atual da reformaagrria no Brasil.

    Faremos, finalmente, algumas sugestes de agenda para o tema dareforma agrria e da agricultura familiar que podem ser estendidas tambmpara outros pases, embora se apliquem mais realidade brasileira.

    * Professor Adjunto da UFF; consultor da FAO/INCRA . Este texto de janeiro de 1998.

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    2. Reforma agrria e desenvolvimento econmico

    At pouco tempo atrs, era impossvel tratar do tema dodesenvolvimento econmico e no referir-se famosa parbola de Kuznets(1955), que mostrava a existncia de uma correlao no-linear entredesenvolvimento econmico e distribuio de renda: os pases muitoatrasados, sem nenhum sintoma de desenvolvimento, teriam um perfil dedistribuio de renda bastante eqitativo. Posteriormente, medida que ocrescimento econmico acontecesse, a iniqidade da distribuio da rendacomearia a aparecer, basicamente por causa das diferenas intersetoriaisde produtividade causadas pela introduo das novas tecnologias em algunssetores. Isto traria como conseqncia diferenas salariais significativas.

    Ao final do processo de desenvolvimento, os pases tenderiam,novamente, a equilibrar seu perfil de distribuio, em funo dos progressoseducacionais que permitem suavizar as diferenas de salrios e peladiminuio mesma do gap de produtividade, j que todos os setoresalcanariam altos ndices produtivos. Considera-se tambm, no marco destateoria, que na ltima fase haveria uma diminuio da proporo das rendasna economia (fossem elas fundirias ou de monoplio), o que contribuiriapara desconcentrar a renda em geral.

    Este processo pode ser ilustrado, aproximadamente, da seguinte forma:

    Reforma agrria e globalizao da economia : o caso do Brasil

    Figura 1 Comparao da distribuio de renda em pases com diferentes graus dedesenvolvimento

    % d e re nda dos 40 % m a is pobres

    *E sta dos U n idos

    *B ras il

    *Tuns ia

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    possvel supor que um pas como a Tunsia deva ter um perfilde distribuio relativamente eqitativo. O Brasil, por estar em plena fasede crescimento e, portanto, de crescimento da produtividade em algunssetores, estaria piorando sua distribuio da renda. Mas isto no deveria sermotivo de preocupao, j que esta concentrao sinnimo de crescimentoe, uma vez alcanado um nvel mais alto de desenvolvimento, como o dosEstados Unidos, voltaria a haver eqidade das rendas.

    No se trataria de propor, ento, nenhuma medida estimulante dadistribuio, como a reforma agrria, que seria cara e difcil de ser financiadapelos pases em desenvolvimento, prejudicaria a recuperao econmica e poriaem risco todo o esforo de estabilizao econmica. A soluo estaria, no nadistribuio, mas, basicamente, na produtividade intersetorial e na educao.

    Outros economistas como Chenery, Hollis (1974) e Fishlow (1995)j demostraram, no entanto, que h uma relao diferente entre o processode crescimento econmico e a distribuio de renda, vendo nesta ltima umacondio fundamental para que o crescimento ocorresse. Mais recentemente,dois americanos, Deininger e Squire (1997), compilaram informaes paraum nmero significativo de pases e correlacionaram a distribuio da terra(como proxis de renda) e o crescimento econmico. Os resultados obtidoscontradizem seriamente os argumentos de Kuznets. Nas palavras dos autores:

    [...] com base em nossos dados pode-se afirmar que distribuio inicialde renda desigual no um forte determinante de crescimento futuro.Ao contrrio, a desigualdade na propriedade de ativos, neste caso adistribuio da terra, tende a reduzir o crescimento no longo prazo.(Deininger e Squire, 1997, p. 13). (Traduo do autor).

    Concluses deste tipo, consubstanciadas em fortes evidnciasempricas, surgem agora pela primeira vez desde o tempo em que a parbolade Kuznets era vista como indiscutvel.1 Os motivos seriam a maiorcapacidade que os beneficiados com terra teriam para contratar emprstimospara a produo, a poupana gerada e o subseqente aumento dosinvestimentos nas reas onde tivesse havido redistribuio de terra.

    1. O trabalho de Birdsall e Sabot (1994) correlacionava o perfil de distribuio de renda com o crescimentoeconmico, demostrando, na linha de Chenery, que high inequality is likely to constrain the countrys growth in thelong run. Comparando a Coria com o Brasil, afirma que este, se tivesse tido um perfil de renda mais desconcentrado,poderia ter crescido em torno de 17,2% a mais nos ltimos 25 anos.

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    O mais importante a explicao final dada para este fenmeno:Interpretamos isto como uma indicao de que a evoluo da renda eda desigualdade muito mais uma conseqncia das condies iniciais edas polticas aplicadas do que produto de uma lei inamovvel. (Idem, p.3). (Traduo do autor)

    Ter-se-ia provado, assim, que polticas de distribuio de terra, seaplicadas a tempo, facilitam e aceleram o processo de desenvolvimento .

    No campo da discusso estritamente agrria, encontram-se algumaspistas interessantes de por que a concentrao da terra pode afetar odesenvolvimento econmico e a produo agrcola em particular. Biswanger(1994) demonstra que o impulso dado pela distribuio de terra estrelacionado com as vantagens da produo agrcola familiar sobre as grandesexploraes. Afirma que

    Tanto os pases comunistas, como muitas economias de mercado, tmpago um preo enorme por assumir sem evidncias empricassuficientes que as grandes exploraes so mais eficientes que aspequenas. As grandes exploraes so, freqentemente, bemadministradas e tecnicamente eficientes para produzir altos volumesde produo. No entanto seus custos de produo excedem,usualmente, os custos das unidades menores de produo, que sesustentam, principalmente, no trabalho familiar, tanto nos pases emdesenvolvimento como nos desenvolvidos. (Biswanger, 1994, p. 3)(Traduo do autor).

    Fica claro, tanto no trabalho de Biswanger quanto no de outrosautores Cline (1970), Alburquerque (1987), Guanziroli (1990) , que naagricultura, salvo raras excees, no existem economias de escala. Os grandesproprietrios tm algumas vantagens econmicas relacionadas com autilizao de alguns equipamentos indivisveis, que no servem para reaspequenas, e com as facilidades de crdito e de comercializao. Amecanizao, no entanto, pode ser feita tambm em lavouras pequenas,sendo as mquinas alugadas ou compradas pelos grupos comunitrios. Asgrandes empresas agrcolas tm, como desvantagem, os custos de supervisoe gesto da produo que na agricultura, diferena da indstria, soextremamente altos, quando se contrata um grande nmero de trabalhadores.

    Os agricultores familiares tm vantagens justamente nesta rea dagesto do trabalho, pelos motivos seguintes: os membros das famlias

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    participam nos lucros e por isso tm mais incentivo para trabalhar; no hbusca de trabalhadores e custo de contratao; ao participar tambm dosriscos, os membros da famlia assumem os prejuzos sem necessidade deaumentar os preos dos produtos. (Biswanger, 1989).

    A pouca incidncia de economias de escala pode ser ilustrada pelogrfico seguinte:

    Carlos E. Guanziroli

    P ouca te rra rea m d ia rea excess ivam entegrande (ha)

    M inifund ista A gricultores fam iliares G randes p roprie triose latifundi rios

    Figura 2 Incidncia de economias de escala em trs tipos diferentes de propriedades

    Outros autores (Lund & Hill, 1979) verificaram que em vrios setoresda atividade agropecuria os rendimentos da terra, como proxis de eficincia,ou a produtividade total dos fatores, tm uma relao semelhante apresentada no grfico acima. No intervalo de zero at um certo tamanhomnimo o das unidades muito pequenas haveria economias de escala,ou seja, medida que aumenta o tamanho melhoram os rendimentos porrea. Uma vez alcanado este limite abre-se um amplo espao de economiasconstantes de escala, ou seja, aumenta o tamanho mas os rendimentos noaumentam proporcionalmente, porque todas as inovaes tecnolgicas jforam incorporadas.2 Ao superar um tamanho mximo, as propriedadestornam-se improdutivas porque comeam a atuar des-economias de escala,basicamente os custos crescentes de gesto e superviso.

    As grandes exploraes tm, sem dvida, maior capacidade derentabilizar os segmentos de suporte, tais como transporte, processamento,comercializao das mercadorias e inputs, mas estas no so atividades porteiradentro, ou estritamente de produo agropecuria.

    2. Berry & Cline (1979) encontraram uma curva tipo S, j que os grandes estabelecimentos so os primeiros aintroduzir as inovaes tecnolgicas, sendo seguidos pelos pequenos, o que fixa o nvel para as economias de escalanum ponto mais alto da renda dos agricultores.

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    No havendo argumentos econmicos relevantes que expliquem aexistncia das grandes propriedades e das muito pequenas, sobra apenas oargumento das polticas pblicas, como j tinha sido demostrado porDeninger anteriormente. As polticas pblicas, sob o manto de todo tipode subsdios e facilidades dados aos grandes proprietrios, tm efetivamentecontribudo para alterar o formato ideal das propriedades e sua forma degesto na Amrica Latina

    As formas extensivas de produo agrcola, organizadas em grandesestabelecimentos, tm grandes dificuldades de operar a taxas de lucrocompatveis com o custo de oportunidade das atividades industriais oufinanceiras, principalmente por causa do risco advindo dos problemasclimticos e pragas (Vergopoulos, 1978) e, complementarmente, pelaexistncia de tempos ociosos na agricultura, derivados da sazonalidade damaior parte dos produtos (Mann & Dickinson, 1978).

    Os subsdios ao crdito e os incentivos fiscais, aliados aos baixossalrios, so os fatores que, ao compensar os riscos da natureza e a baixarentabilidade natural da agricultura, tm permitido a sobrevivncia e aexpanso das unidades patronais extensivas.

    Apesar das facilidades canalizadas no Brasil para os grandesprodutores por meio da poltica agrcola, o setor oposto, o dos agricultoresfamiliares, tem conseguido manter seu lugar na produo agropecuria ataxas bastante razoveis: contribui com 28% da produo total, mesmocontando com apenas 22% da terra e recebendo somente 11% do crditorural total (FAO/INCRA, 1996). Isto demonstra o que vnhamos afirmandoanteriormente: os agricultores familiares, com menos crdito e em menorsuperfcie, produzem mais que os grandes ou, em outras palavras, so maiseficientes no uso da terra e do capital. Essa vantagem est dada pelo usoabundante de mo-de-obra (o que gera muito emprego, porm de baixaprodutividade) e pelas caractersticas especiais do trabalho familiar.

    3. Liberalizao da economia, globalizao e agricultura familiar

    A existncia de subsdios sempre foi associada necessidade deproteger a agricultura de baixa renda, os pequenos produtores. Supunha-se, neste mesmo sentido, que o fim dos subsdios ao crdito e aos preos

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    traria grandes prejuzos agricultura familiar e, em conseqncia, afetaria aproduo agropecuria, j que estes produtores no suportariam uma polticabaseada em juros reais e positivos.

    A liberalizao das polticas agrcolas no Brasil comeou em 1984,tendo se aprofundado realmente no final da dcada de 1980 (Guanziroli,1990; Guimares, 1997). Chega-se assim dcada de 1990 com poucos casosde subsdios ao crdito ou via preos, excetuando os beneficirios da reformaagrria, que no so numerosos ao ponto de alterar o panorama: 200.000assentados sobre 5.800.000 exploraes agropecurias que existem no Brasil.

    Alm de serem retirados os subsdios,3 o volume de crdito disposio dos agricultores caiu sensivelmente, passando de R$ 20,03 bilhesem 1983 para R$ 7,09 bilhes em 1995.4 As tabelas que seguem mostramcomo evoluram as diferentes classes de produtores aps a diminuio dossubsdios aos juros e do valor total de emprstimos disposio do pblico:

    Tabela 1Participao percentual, segundo classificao do produtor, do valor dos

    financiamentos concedidos a produtores rurais. SNCR. 1987/1995

    Anos Pequenos Mdios Grandes Cooperativa Outros

    1987 21 24 42 9 31988 19 24 40 14 31989 17 23 49 8 31990 27 19 34 16 51991 32 23 31 11 31992 19 33 24 11 121993 19 38 20 8 151994 15 55 4 8 191995 29 46 1 8 16

    Fonte: IBGE. Anurio Estatstico do Brasil, vrios nmeros, citado por Guimares (1997).

    3. Os subsdios ao crdito rural j tinham sido reduzidos substancialmente na dcada de 1980. Em pocas deinflao alta, este subsdio era a conseqncia da no correo integral do capital devido, o que no permitia repor aperda inflacionria. Os juros cobrados tambm eram muito inferiores necessidade de correo monetria. Segundodados do IPEA (1987) a diferena entre a indexao (IGP) e os juros, que era de 72% nas zonas prioritrias do pasem 1980, passou a apenas 4,5% em 1986.

    4. A taxa de cmbio U$ Dlar /R$ , em fevereiro de 1998, estava a 1.10 Reais para 1 Dlar.

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    Conforme foi enunciado na parte terica deste artigo e emGuanziroli (1990), os pequenos e mdios agricultores (agricultura familiar)no se retiraram da produo, mas, pelo contrrio, aventuraram-se ademandar mais crdito, proporcionalmente ao conseguido pelos grandesprodutores (os pequenos mais os mdios passaram de 45% do valor totalde crdito, em 1987, para 75%, em 1995). Os grandes produtores, em faceda diminuio dos subsdios que lhes permitiam compensar o alto riscoprprio da atividade, ou retiraram-se diretamente do setor, ou decidiramusar mais recursos prprios. Os pequenos produtores, percebendo que aoferta de crdito aumenta proporcionalmente com a retirada dos grandesdo mercado de crdito, ampliam a captao de emprstimos oficiais eabandonam os contratos que faziam com bancos particulares ou com agiotaslocais (venda na folha), a juros muito maiores. 5

    A persistncia de uma poltica de juros positivos permite tambm acriao de poupanas verdes ou seja, capital formado por aqueles quepoupam no campo, atrados por juros mais altos ao invs de apostar eminvestimentos relacionados com a atividade urbana. A poupana rural posteriormente canalizada para os produtores na forma de crdito, comose pode verificar na tabela seguinte (a poupana rural aumentou de 20%para 36% em 1995).

    Tabela 2Participao percentual das fontes de recursos no valor dos contratos efinanciamentos concedidos aos produtores rurais. SNCR. 1990 - 1995

    Perodo Gov. Federal DepsitosPoupana Livre Constitucionais GovernosOutrasTesouro vista rural estaduais

    1990 26 27 20 20 4 0.1 11991 24 22 32 10 3 0.1 71992 23 19 45 7 3 0.1 31993 27 11 43 12 6 0.1 21994 27 12 35 16 5 0.3 5

    1995 20 13 36 16 9 0.4 5

    Fonte: IBGE. Anurio Estatstico do Brasil, vrios nmeros, citado por Guimares (1997).

    5. Os juros oficiais, embora altos, so muito menores do que os cobrados pelos financistas locais. Isto, no entanto,no deve ser interpretado como a soluo do problema. Ainda muito baixo o montante de recursos destinadosa este setor. O PRONAF, por exemplo, conseguiu atender 400.000 produtores familiares em 1997 sobre os cerca de4.300.000 agricultores familiares que existiam no pas.

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    Tabulaes especiais do Censo Agropecurio, a ser editado em breve,mostraro as causas deste aumento, mas a hiptese de que, em parte, estecrescimento da produo tenha sido o resultado de avanos produtivos nosetor da agricultura familiar no descartvel, uma vez que a participaodeste setor no crdito rural aumentou, conforme se viu anteriormente.

    Tabela 3ndices de desempenho dos cultivos.6 1980 - 1996

    Anos Produto real rea Anos Produto real rea

    1980 100 100 1989 138 1111981 112 98 1990 123 1011982 102 103 1991 124 1011983 107 91 1992 129 1011984 111 100 1993 127 931985 130 104 1994 136 1021986 115 108 1995 135 1011987 137 108 1996 134 981988 131 112

    Fonte: FGV. Agroanalysis v. 16, n. 8, ago. 1997.

    O aumento dos ndices de produo (de 107, no final da poca dossubsdios, para 134, em 1996, quando quase no havia mais subsdios eocorreu uma reduo de dois teros na oferta de crdito oficial) , no mnimo,sugestiva. Uma hiptese que os agricultores tenham encontrado maisfacilidade de acesso aos financiamentos outorgados por cooperativas,agroindstrias, ONGs e outras entidades que alcanaram um maioramadurecimento, sobretudo no sul do pas, no que se refere ao apoio asistemas produtivos eficientes.

    Observa-se no Brasil uma tendncia ao realinhamento da polticaagrcola com o pblico da agricultura familiar, em parte devido percepode que este pblico expressa mais claramente as macrovantagenscomparativas do pas, onde o escasso o capital e o abundante a terra e a

    Carlos E. Guanziroli

    interessante constatar, finalmente, que a produo agropecuriano caiu, como se esperava, em funo da elevao das taxas de juros.

    6. Algodo, amendoim, arroz, batata, cebola, feijo, milho, soja e trigo.

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    mo-de-obra, fatores esses que a agricultura familiar aproveita de formamais intensiva.

    Embora os benefcios aos grandes fazendeiros no tenham sidototalmente abandonados, cabe destacar que o governo, atravs do Ministrioda Agricultura (Secretaria de Desenvolvimento Rural-SDR), inaugurou em1996 um programa inteiramente dedicado ao fortalecimento da agriculturafamiliar (PRONAF). Este programa canalizou, na forma de crdito, em1997, R$ 1,5 bilho para 400.000 pequenos produtores familiares.

    O programa de assentamentos de reforma agrria tambm acelerouseu ritmo, passando, segundo dados do INCRA, de um nmero mdio de7.711 famlias assentadas por ano (entre 1964 e 1994) para alcanar a metade 82.000 famlias assentadas em 1997, como se pode apreciar na tabelaque segue.

    Tabela 4Evoluo dos assentamentos de reforma agrria no Brasil, originados por aes do

    governo federal: INCRA-MEPF

    Perodo Nmero de Nmero de Nmero mdio por reaassentamentos famlias ano de famlias desapropriada

    criados assentadas assentadas ou adquirida (ha)

    1927-1963 2 10.776 2991964-1984 43 65.993 3.2991985-1989 506 83.732 20.9331990-1992 229 45.137 22.5681993-1994 111 36.481 18.240 1.461.9921995-1996 745 104.956 52.478 3.286.4281997 610 82.000 82.000 1.820.077Entre 1964 e 1994 7.711Entre 1985 e 1994 18.732

    Fonte: INCRA, Diretoria de Assentamentos.

    Ao se comparar os primeiros nove anos de democracia, desde 1985 a1994, com o desempenho posterior (1995-1997) verifica-se que o ritmo decriao de assentamentos teve recentemente uma nova fase de acelerao.

    No existe, portanto, uma contradio insupervel entre a reformaagrria, vista como reforma da poltica agrcola e da terra, e o processo deliberalizao da economia e das polticas agrcolas. Haveria, sim, uma certacontradio com a poltica agrria especificamente, que est repleta desubsdios, tanto no crdito (PROCERA), como no financiamento da terra.

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    No entanto, o governo interpreta que esses subsdios so necessrios, jque se trata de transformar um trabalhador rural sem terra num agricultore esta transformao no aconteceria se fossem cobradas taxas de mercado.Mesmo assim, o governo comea a fazer estudos visando compatibilizar ocrdito aos assentados com as condies vigentes para os agricultoresfamiliares, hoje atendidos pelo PRONAF.

    Para completar a anlise deste tpico, faltaria encontrar alguma lgicaentre a globalizao da economia e a reforma agrria. Alguns pensam quea reforma agrria e, em particular, os assentados nada tm a colaborar como processo de globalizao da economia brasileira, j que seus produtosno seriam competitivos no mercado mundial (em funo de sua qualidadebaixa, pouca regularidade e preo). Embora isto no seja totalmente certo(h vrios assentamentos no Brasil que esto fazendo contratos de entregade produtos com empresas importantes como Coca-Cola, Carrefour,MAISA) verdade que no houve ainda uma penetrao importante nomercado mundial dos produtos fornecidos pelos assentados.

    A funcionalidade da reforma agrria, segundo este ponto de vista,estaria na sua capacidade de integrar excludos, ou seja, de gerar renda eemprego a baixo custo, numa conjuntura que se caracteriza pelo desempregocrescente, em funo do ajuste das economias subdesenvolvidas ao mercadomundial, isto , globalizao da economia.

    O Brasil teria, assim, uma vantagem comparativa enorme, do pontode vista social, em relao a outros pases que no possuem nenhumafronteira agrcola e que, portanto, tm que suportar o peso do desempregounicamente com o mercado de trabalho de seus centros urbanos. Ao mesmotempo, um dos poucos pases que, em funo do tamanho de sua reaagrcola, ainda pode promover uma redistribuio de terra sem prejudicaro segmento mais dinmico do setor agrcola, responsvel pelos excedentesexportveis do pas. Existiria a possibilidade, portanto, de avanar no sentidoda globalizao minimizando os atritos.

    4. A reforma agrria e os movimentos sociais.

    Temos descrito at agora o lado exclusivamente econmico daquesto o produtivista , o que pode levar concluso equivocada de que

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    basta deixar as leis do mercado atuarem, para que o preo da terra caia,provocando a desconcentrao fundiria. evidente que isto no vaisuceder, pelo menos no ritmo e extenso necessrios para atender urgnciasocial que estigmatiza o Brasil. O mercado no pode resolver o que elemesmo no criou. A extrema concentrao da terra e a excluso de milhesde brasileiros no conseqncia de uma suposta diferenciao social geradapelo mercado, mas foi produzida ao longo de cinco sculos de histriapelas mais variadas polticas agrcolas.

    Tanto a sociedade como o Estado so responsveis pelo perfilsocioeconmico da populao rural pobre. Albert Hirshmann (1961) foi oautor que, segundo nosso parecer, melhor teorizou a interao entre estestrs elementos: sociedade, Estado e mercado. O seguinte esquema revela aparte central de sua teoria:

    Figura 3 Foras determinantes do processo de desenvolvimento

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    E S TA D O : C F S M ercado: A D P

    FO R A S FO R A D O M E R C A D O :E fe itos induz idos, presses socia is

    Segundo Hirshmann, antes de se atribuir todas as responsabilidadesao Estado, dever-se-ia perguntar por que este seria capaz de realizar certasobras ou reformas de forma mais eficiente que o mercado. Odesenvolvimento econmico aconteceria ento pela interao permanenteentre CFS (capital fixo social do Estado), ADP (atividades diretamenteprodutivas: setor privado) e as foras sociais. Num primeiro momento, oEstado faz algum investimento de tipo CFS; a realizao desta obra induz,por um lado, o capital privado a realizar algum investimento produtivo(efeito indutor) e, ao mesmo tempo, deixa a descoberto alguma carncia,que antes no se notava, como falta de gua, luz, etc. O reconhecimentodesta carncia por algum grupo organizado da sociedade e o reclamo pelasua soluo parte fundamental do processo, dependendo do surgimento

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    ou no desses movimentos sociais o rumo que o processo dedesenvolvimento tomar. muito difcil que o Estado, atravs daplanificao de suas atividades, consiga lembrar que tal municpio oucomunidade precisa de alguma obra em particular. No h tal racionalidadena atuao do Estado. No momento de decidir entre prioridades, este atuarcom CFS nos lugares de onde provenham as maiores presses sociais, mesmoque venham de setores que no sejam muito prioritrios.

    O desenvolvimento socioeconmico de um pas tomar a forma eo rumo dado pela interao entre as trs foras j citadas e o resultadodepender da fora relativa de cada uma delas.

    Investim e n to : C F S C a rnc ias

    Induo aoA D P

    M ovim e ntosS o cia is

    Cremos que esta exposio do pensamento de Hirshmann, apesar deesquemtica, ajuda a compreender melhor o papel dos movimentos sociaisno tema da reforma agrria, tanto no que se refere reivindicao por umapoltica agrcola adequada quanto em relao s ocupaes de terra.

    No h dvidas de que no Brasil, sem a atuao do MST (Movimentodos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e a presso permanente da CONTAG(Confederao dos Trabalhadores Rurais na Agricultura) no se teriarecomeado a reforma agrria, como aconteceu em 1993, nem se haveriaaprofundado a demanda por uma poltica diferenciada em favor daagricultura familiar.

    A atuao do MST tem tambm a particularidade de ajudar a revertero processo migratrio, trazendo jovens que estavam a caminho de sair docampo de volta para a atividade agrcola. Isto desperta, sem dvida, umasinergia muito positiva para o desenvolvimento social de um pas, sobretudoquando se percebe que em muitos pases comea-se a notar o contrrio, ouseja, o envelhecimento da populao do campo (Abramovay, 1997).

    Figura 4 Dinmica do investimento produtivo e social

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    Ao mesmo tempo que a presso social induz realizao de uminvestimento por parte do Estado (a criao de um assentamento, porexemplo), deixa a descoberto outras carncias: falta de escolas, necessidadede comprar ferramentas, falta de estradas, etc., e assim inicia-se a novaproblemtica dos assentados, que agora so os com terra. Apesar dascrticas dirigidas permanentemente contra o governo pela no soluoplanejada e ex-ante de todos os problemas dos assentamentos, pareceque a realidade mais forte e acaba se impondo. Ou seja, o governo d obsico e mais caro, a terra, e logo depois vo aparecendo as presses e asdemandas; algumas so equacionadas pelo governo federal, e outrasnecessariamente sero canalizadas aos governos estaduais e municipais, quese encarregaro ou no de solucion-las.

    Hirshmann assumia o desenvolvimento com escassez como a melhormaneira de promover o desenvolvimento. Os investimentos iniciais geramnovos desequilbrios, caractersticos da escassez, e isto incentiva a busca desolues, tanto por parte do Estado como da prpria populao afetada,indicando-se assim por onde preciso avanar na busca das solues. Aabundncia em excesso das aes do Estado, ao contrrio, pode sufocar econformar a populao, que assim perderia impulso para participar eencontrar novas solues.

    importante reconhecer que nas regies onde se localizam as atuaisreas de reforma agrria, diferentemente da poca da colonizao amaznica,existe, em geral, uma matriz social que representa a sociedade organizada.Se esta sociedade no se encarrega da soluo dos problemas dosassentamentos, tampouco beneficiar-se- de seus produtos, o que imprimirum rumo especfico ao processo de desenvolvimento. Outrasmunicipalidades mostraro que possvel progredir mais fazendo as obrasbsicas, o que pode reanimar todo o processo ao nvel regional.Evidentemente, o embate precisa se dar nessa rea, j que nela que semanifestam mais fortemente as possibilidades de participao social.

    5- Reforma agrria na conjuntura atual

    Uma das condies bsicas para poder promover uma verdadeirareforma agrria no Brasil foi cumprida: a eliminao dos subsdios e

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    incentivos aos grandes proprietrios. Foram, desta forma, removidas quasetodas as causas que geravam distores no setor agropecurio. Ao mesmotempo, alguns intentos, por enquanto tmidos, mas reais, tm sido realizadosno sentido de implementar polticas agrcolas e agrrias que favoream aagricultura familiar. Estas polticas sustentam-se pela presso dosmovimentos sociais no campo.

    Alm dessa mudana estrutural, tm aparecido, nos ltimos anos,algumas condies favorveis para a implementao de uma poltica destetipo, a saber:

    1) A lei do Imposto de Renda (Cdula G) foi mudada de forma aimpedir que as empresas industriais descontem de seus lucros totais asperdas nas atividades agrcolas, o que leva diminuio do interesse emmanter terra somente para pagar menos impostos;

    2) A aprovao da lei do Imposto Territorial Rural (ITR) que pune,decisivamente, a apropriao de terra para fins especulativos;

    3) A diminuio dos subsdios ao crdito e o fim dos incentivosfiscais tm levado os grandes produtores a colocar suas terras disposiodo mercado ou a mudar de ramo;

    4) A crise do setor de empresas agropecurias que ocorre em algumasregies do pas abre espaos para a formulao de alternativas produtivasbaseadas na agricultura familiar. So exemplos da citada crise: a do setoraucareiro das regies da Mata nordestina e do litoral fluminense, devido eliminao do subsdio ao lcool; a dos megaprojetos de irrigao que nosustentam os custos fixos; a das grandes empresas fruticultoras do RioGrande do Norte que sofrem o peso da excessiva mo-de-obra contratada;a da pecuria na Amaznia que perdeu os incentivos fiscais; a da soja emMato Grosso que comea a sofrer com as pragas nematides (ver ProjetoUTF/BRA/036 - Informes Regionais, 1995-1996). Muitas destas empresasfazem ao INCRA propostas de desapropriao negociada, para viabilizarsistemas de terceirizao e/ou integrao entre as mesmas e os agricultoresassentados em suas terra.

    5) Existe uma demanda social por terra bastante grande causada,principalmente, pela saturao das possibilidades de emprego nas grandesregies metropolitanas. Isto estimula segmentos significativos da populaorural que antes migravam a buscar sua opo de trabalho em centros

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    urbanos menores, onde o emprego depende, fundamentalmente, da atividadeagrcola. Isto configura presso, s vezes conflitiva, sobre o campo, paragerar empregos.

    6) O fim do regime de alta inflao em 1994 reduziu a demanda deterra para ser usada como hedge antiinflacionrio ou ativo especulativo.

    Esse conjunto de fatores provocou a queda sistemtica dos preosda terra (ver tabela abaixo), fato acentuado nos dois ltimos anos, o queabre perspectivas novas de acesso terra para os sem-terra.

    Tabela 5Preo da terra de lavoura e de pastagem

    Anos Brasil (R$/ha) Regio Sul (R$/ha) Brasil (R$/ha) Pastagens*Lavouras* Lavouras* (1 semestre)

    1987 3.124 1.9671988 753 8831989 3.490 1.9731990 2.319 1.4131991 2.532 1.4121992 1.527 2.581 7961993 1.809 2.797 1.1631994 2.237 3.367 1.3051995 1.965 2.436 1.1511996 1.364 1.943 7041997 1.261 1.813 669

    * Em R$ constantes de outubro de 1996/ha. Valores do primeiro semestre de cada ano.Fontes: FGV. Agroanalysis. v. 17, n. 1, jan. 1997; banco de dados da FGV, 1997 (atualiza-o mensal).

    Conforme se pode observar, o preo da terra de lavouras diminuiuquase 50% entre 1994 (poca de alta inflao) e 1997. O preo da terra de pastagensdeclinou mais ainda, de R$ 1.305 para um valor mdio de R$ 669 em 1997.

    A queda vertiginosa dos preos da terra permite supor que a obtenode terras para reforma agrria deixou de ser um problema to grave e topolitizado como antigamente. O perigo pode ser o oposto, ou seja, que oINCRA acabe comprando terra em excesso ou a preos demasiado altos.

    Entretanto, a profundidade das distores acumuladas e a urgnciapor solues faz com que seja necessria a interveno do Estado,

    Reforma agrria e globalizao da economia : o caso do Brasil

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    basicamente para acelerar este processo, criando tambm condiessustentveis para o uso eficiente dos recursos produtivos no campo.

    6. Sistemas de produo nos assentamentos

    Nos assentamentos que se organizam em reas desapropriadas sedesenvolvem sistemas produtivos muito semelhantes aos da agriculturafamiliar do seu entorno. evidente que nem todos os assentados conseguemde imediato um alto desempenho e que alguns abandonam suas reas. Istoacontece muitas vezes por falhas na seleo dos beneficirios ou na seleoda terra onde se implantam os assentamentos.

    Apesar disto, pode-se supor que existam exemplos interessantes desistemas produtivos eficientes nos assentamentos. Para verificar esta hiptese,a equipe do Projeto FAO/INCRA (UTF/BRA/036) realizou vriasinvestigaes de campo nas cinco regies do pas durante os anos de 1995 e1996.

    A anlise dos dados foi feita com base na metodologia dediagnstico de sistemas agrrios.

    6.1. Justificativa da escolha das regies

    Procurou-se realizar o trabalho de pesquisa preferencialmente emreas onde houvesse forte concentrao de agricultores familiares e deassentamentos de reforma agrria. Ao mesmo tempo, foram selecionadasreas representativas dos principais ecossistemas do pas, bem diferenciadose distantes entre si, como a Floresta Tropical (Norte), Semi-rido Nordestino(NE), o bioma dos Cerrados (CO), o Planalto ondulado do Sul (S) e abacia do Paran (SE), como pode se observar no quadro seguinte.

    Alm da diversidade regional, o estudo analisa o desempenho deagricultores que dispem de solos em geral de fertilidade mdia ou baixa eclimas temperados com chuvas razoveis, excetuando o Nordeste, onde o clima seco. As limitaes em termos dos recursos naturais potencializam a relevnciade sistemas que se revelaram viveis, apesar do contexto desfavorvel.

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    Regio

    NorteAltamiraPacajMedicilndia

    NordesteValenteQueimadasSanta LuzArac

    Centro-OesteFormosaItapurangaOrizonaIra de Minas

    SudesteJalesFernandpolis

    SulQuilombo

    Sul de Gois e Oeste deMinas Gerais

    Oeste de So Paulo

    Localizao Zoneamento

    Quadro 1Localizao dos estudos de caso

    Regio de floresta tropicalPredomnio latossolos ama-relos com terras roxasestruturadas.Precipitao mdia anual:2.000 mm.

    Depresso Sertaneja do Semi-rido nordestinoSolos de massap e tabuleiroPrecipitao mdia anual:menos de 800 mm

    Regio dos CerradosLatossolos vermelho amare-lo e vermelho escuro.Precipitao mdia anual:1.200 mm

    Bacia do ParanLatossolos vermelho escuroe vermelho amarelo. Areno-sos de fertilidade mdia.Precipicitao mdia anual :1.200 mm

    Planalto onduladoSolos com predomnio delatossolo bruno intermedi-rio associado a cambissoloseutrficos.Precipitao mdia anual:2.200 mm

    Centro

    Noroeste da Bahia

    Oeste de Santa Catarina

    Fonte: FAO/INCRA. Estudos regionais dos sistemas de produo da agricultura familiar.1995-1996.

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    6.2. Resumo simplificado dos principais sistemas de produo

    A pesquisa de campo revelou a existncia de aproximadamentecinqenta tipos de sistemas de produo no mbito da agricultura familiardo pas. Estes sistemas podem ser melhor analisados nos relatrios regionais.O quadro que segue mostra as caratersticas principais de alguns dessessistemas nas diferentes regies:

    Tabela 6Principais sistemas de produo pesquisados. Brasil, 1995

    ___________________________________________________________Regio / Sistemas de produo Renda familiar rea (ha)Tipos lquida anual (R$)______________________________________________________________________NORTEConsolidado Cacau-pecuria 4.574 127Transio Pecuria-caf 4.288 156Perifrico Roa-pecuria 1.969 98

    NORDESTEConsolidadoTransio Sisal-criatrio 2.933 29Perifrico Criatrio-sisal 578 30

    CENTRO-OESTEConsolidado Soja-milho 31.231 227Transio Pecuria leiteira 5.179 126Perifrico Subsistncia 1.362 21

    SUDESTEConsolidado Fruticultores (uva) 23.200 67Transio Pecuria-fruticultor 6.600 68Perifrico Algodo-pecuria 2.700 11

    SULConsolidado Suno/milho+pecuria 11.284 39Transio Milho/feijo+leite 4.529 19Perifrico Milho-feijo 1.926 8

    Fonte: FAO/INCRA. Estudos regionais dos sistemas de produo da agricultura fami-liar, Pesquisa de campo, 1996-1996.

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    Reforma agrria e globalizao da economia : o caso do Brasil

    Pode-se perceber que os agricultores perifricos da pesquisa possuemreas muito inferiores aos de transio e consolidados em quase todas asregies do pas. Isto indica que o tamanho da rea um dos limitantes aomaior desenvolvimento econmico deste grupo. O grupo dos perifricos gera uma renda inferior aos patamares de reproduo

    simples (PRS) considerados para cada regio (R$ 2.300 no Centro-Oeste, R$ 2.500 no Sul, etc.). Este grupo apresenta poucas perspectivasde subsistncia e desenvolvimento no contexto das polticas agrcolas eagrrias passveis de serem implementadas no pas. Dependem, defato, de polticas sociais principalmente.

    O grupo de transio tem gerado uma renda que oscila entre R$ 2.933 noNordeste at R$ 6.600 no Sudeste, o que equivale a algo em torno de2,5 salrios mnimos at cinco salrios mnimos por ms e por famlia,dependendo da regio. Trata-se, como j foi demonstrado em pesquisaanterior (FAO/PNUD-MAARA, 1992) de uma renda semelhante renda mdia familiar no Brasil e superior aos salrios pagos aostrabalhadores temporrios no setor agrcola do Brasil. Ao superar opatamar mnimo de reproduo de cada regio os agricultores destegrupo apresentam potencialidades de crescimento econmico e,dependendo do tipo de polticas a serem aplicadas pelos programasoficiais, de se incorporar ao grupo dos consolidados.

    Os consolidados atingem rendas bastante altas (232 salrios mnimos porano no Sudeste) o que lhes permite sustentar seu prpriodesenvolvimento sem necessidade de maior apoio oficial. No entanto, amesma situao em termos de renda no se registra em todas as regiesdo pas. O caso analisado no Nordeste revela a impossibilidade deestruturar um setor consolidado nas condies de clima e solos doSemi-rido nordestino. Nenhum agricultor atingiu esse nvel, e a grandemaioria sobrevive em funo do apoio constante de algumas ONGs ede outras entidades. Isto no desqualifica o esforo efetivo dosagricultores e suas organizaes no sentido de estruturar sistemas deproduo com espcies adaptadas seca, de desenvolver a caprinoculturae de realizar obras de irrigao, etc. Conseguem, assim, coexistir com aseca e sobreviver s suas conseqncias mais nefastas. Mas os altos

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    custos e as dificuldades crnicas dos sistemas desse tipo no justificamuma poltica voltada para a expanso da agricultura familiar nessa regio,como pode ser o caso da reforma agrria.

    Uma das caractersticas dos sistemas de produo implementadospor estes tipos de produtores em geral a predominncia generalizada dossistemas que integram a produo agrcola com a animal. Isto acontecesempre no caso dos tipos de transio, a saber: pecuria-caf no Norte,sisal-criatrio caprino no Nordeste, pecuria leiteira no Centro-Oeste,pecuria-fruticultura no Sudeste e milho-feijo+leite no Sul. O grupo dosconsolidados tambm utiliza sistemas integrados pecuria-agricultura, exceo dos tipos mais especializados de soja-milho do Centro-Oeste efruticultura do Sudeste, que embora tambm tenham algo de produoanimal, no a hierarquizam da mesma forma.

    Os mais pobres, provavelmente por falta de recursos financeiros ede terra, no atingiram um grau importante de integrao, conformando-secom produes simplificadas do tipo milho-feijo no Sul, subsistncia noCentro-Oeste, etc.

    A pecuria leiteira apresenta-se como o sistema de produo animalmelhor adaptado para as finalidades de integrao com a agricultura noNorte, Centro-Oeste e Sudeste. J no Sul e Nordeste aptides especficasapontaram para os sunos num caso e para o criatrio caprino no segundo.O grfico seguinte ilustra uma situao de integrao agrcola-animalpertencente Regio Sul:

    Figura 5 Sistema de produo agrcola integrado com pecuria: renda agropecuriae rea por Unidade de Trabalho Familiar (2,5 UTf)

    Soja / av

    eiaM ilho / aveia

    Bovinos / caprinos / m ilho

    Aves / sunos / m ilho

    Autoconsum o

    Fe ijo2 .000

    1 .500

    1 .000

    500

    0

    (500)

    1 2 3 4 5 6 7 8

    ha / UT f

    R$

    / UT

    f

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    7. Concluso: uma nova agenda para a reforma agrria

    A presso social pela reforma agrria e o empenho do governo emremover os obstculos jurdicos, administrativos e polticos que dificultamsua acelerao colocam a sociedade brasileira diante de desafio crucial: comofazer com que o acesso terra represente mais do que alvio momentneode tenses localizadas uma forma de abrir o caminho da emancipaosocial a uma parcela importante da populao rural que vive em situaode pobreza ?

    A questo agrria no Brasil no pode nem deve ser visualizadaunilateral ou isoladamente. Para avanar nesse sentido, alguns pontos devem-se evidenciar desde o incio.

    A reforma agrria um meio para o fortalecimento da agriculturafamiliar: no uma finalidade em si mesma. Apia-se na premissa de queesta forma produtiva representa, para os beneficirios e para o pas, o melhorcaminho para a incorporao ao patrimnio produtivo nacional dassuperfcies agrcolas que se encontram subutilizadas.

    Uma verdadeira reforma agrria, ou reforma do setor agropecurio,colocar a agricultura familiar no centro de suas polticas, que no se limitaroao problema da posse da terra. Se os assentamentos forem privilegiadoscom o apoio pblico em detrimento do conjunto dos agricultores familiares,estimular-se- mecanismo perverso de realimentao de tenses e, no longoprazo, os efeitos benficos de uma ao deste tipo ficaro anulados pelafalta de uma poltica agrcola coerente

    O fortalecimento da agricultura familiar e a reforma agrriacaminham, portanto, na mesma direo, dando capacidade ao meio rural e agricultura de expandir sua contribuio para o desenvolvimento nacional.

    No entanto, as solues no so simples. Agricultores familiares eassentados constituem um pblico heterogneo, diversificado e complexo,o que exige solues diferenciadas. H os posseiros, os parceiros, osarrendatrios, os trabalhadores de tempo parcial, os bias frias, os assalariadospermanentes, os temporrios, os desempregados do campo, os filhos dospequenos proprietrios, os minifundistas, os prprios assentados da reformaagrria e os agricultores familiares consolidados. A proposta no pode serigual para todos. Alguns j possuem terra, como os minifundistas, porm

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    de tamanho reduzido, outros tm a posse precria, como os posseiros e osparceiros, outros precisam basicamente de infra-estrutura.

    A diversidade das agriculturas regionais obriga, tambm, a buscade formas variadas de interveno que respeitem as caractersticas locais.Exemplificando: os assentamentos sero diferentes na Amaznia, ondecabero os assentamentos extrativistas, enquanto em outras regies aindapersistem os assentamentos tradicionais. Nas reas de canaviais emdecadncia do Nordeste e do Norte Fluminense, deve haver soluesadequadas para os trabalhadores rurais; no Sul, deve haver formas de acesso terra especiais para os pequenos produtores minifundistas.

    Por este motivo e pela necessidade de executar obras de infra-estrutura adaptadas s necessidades locais, a participao das prefeiturasmunicipais e dos governos estaduais aparece como crucial: no se podepensar em reforma agrria como uma instncia de poltica unicamentefederal. Da necessidade de descentralizar e de garantir a participao dapopulao peri-urbana local muitos vivem nas cidades e de outras rendasrurais no agrcolas e dos assentados nas decises referentes ao seu prpriodestino.

    Tambm as formas da propriedade so variadas, compondo-se deterras devolutas, de reservas indgenas, de reservas florestais, de terrasprivadas, de terras pblicas, as concesses de uso, entre outras. No seriaracional conceber uma poltica fundiria homognea para uma agriculturato diversificada como a brasileira, tanto nas relaes sociais como nosseus ecossistemas naturais. O principal objetivo garantir o acesso terraao maior contingente de pessoas possvel, independentemente da formacomo isso seja alcanado.

    Isto exige inovao nos instrumentos de obteno e acesso terra.O governo est tratando de incluir em sua agenda um sistema de crditode terra, basicamente para apoiar os agricultores familiares cujos sistemasde produo exijam mais terra e, de forma complementar, para os sem-terra . O importante que se trata da criao de um instrumento a maispara fortalecer e expandir a agricultura familiar.

    A complexidade dos sistemas de produo no interior da agriculturafamiliar implica em utilizar mtodos educacionais e de assistncia tcnica

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    que considerem a necessidade da diversificao, da sustentabilidadeambiental e que respeitem a racionalidade do produtor.

    Optando-se pela agricultura familiar e pela reforma agrria, entoos mtodos de diagnstico e assistncia tcnica devem mudar radicalmente.At pouco tempo atrs a abordagem era por produto, ou seja, estudava-se e recomendava-se em funo de um determinado produto. Para aagricultura patronal este mtodo serve, porque se dedica basicamente apoucos produtos (monocultivo). Mas para os agricultores familiares extremamente ineficaz, pois leva a um grande desperdcio de recursosprodutivos e financeiros. Cada sistema de produo tem necessidadesdiferentes de crdito, em funo de suas demandas de terra especficas, deinverses em infra-estrutura para fortalecer o sistema etc., por este motivo necessrio enfocar-se o produtor como um sistema, ou seja, como umprodutor e no como um produto.

    Complementarmente a isto, surge a necessidade de entender a lgicado mercado, suas demandas, preos e infra-estrutura de comercializao,antes de recomendar qualquer tecnologia de produo. necessrio invertero mtodo de raciocnio, para no induzir os agricultores a alternativas erradasque depois no se validam no mercado.

    Finalmente, alguns temas, que at agora pareciam menores, comeam atomar importncia, como o da sustentabilidade ecolgica e o do gnero.

    Este ltimo est mais relacionado com o longo prazo, mas estintimamente ligado problemtica do desenvolvimento . J se verificahoje em dia, em alguns assentamentos e em muitas reas de agriculturafamiliar, a persistncia de padres de comportamento familiar complicados,como o maiorazgo e o impedimento participao das mulheres e dos jovensnas decises que se referem produo. Isto acaba tendo um efeito perniciosono desenvolvimento da comunidade. Os jovens que no participam migrammais rpido, o que traz como conseqncia o esvaziamento do campo, ou,em alguns casos, at o envelhecimento da populao rural.

    Se isto verdade se a populao jovem no pode reproduzir aagricultura familiar no longo prazo para que serviu todo o esfororealizado em termos de mudana de polticas agrrias?

    Reforma agrria e globalizao da economia : o caso do Brasil

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