Relações Internacionais - Teoria e História - Módulo I

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  • MDULO I - CONCEITOS ELEMENTARES E CORRENTES

    TERICAS DAS RELAES INTERNACIONAIS

    Unidade 1 - As Relaes Internacionais no Mundo Contemporneo: Dilemas e

    Perspectivas

    Unidade 2 - Conceitos Fundamentais

    Unidade 3 - Correntes Tericas das Relaes Internacionais

    Unidade 4 - O Realismo

  • Unidade 1 - As Relaes Internacionais no Mundo

    Contemporneo: Dilemas e Perspectivas

    Ao final desta Unidade inicial, o aluno dever estar apto a:

    identificar os principais pontos da agenda de relaes internacionais

    contemporneas;

    estabelecer o conceito e as caractersticas da Globalizao;

    estabelecer a importncia das relaes internacionais para o Brasil;

    assinalar a evoluo histrica e a importncia de Relaes Internacionais

    como disciplina acadmica.

    Em um curso de educao a distncia por meio da Internet, o estudante tem

    um papel central no estabelecimento de uma relao de qualidade com o

    contedo proposto. Portanto, procure organizar-se para ter o melhor

    aproveitamento possvel do curso.

  • Pg. 2 - As Relaes Internacionais no mundo contemporneo

    Antes de iniciar os estudos desta unidade, assista ao primeiro vdeo

    educacional da srie: Conexo Mundo ("Aldeia Global - Mundo Digital"),

    disponvel na pgina do ILB.

    Conexo Mundo uma srie de 20 programas sobre relaes internacionais

    que oferece informaes necessrias compreenso dos novos processos de

    intercmbio entre as naes. Os programas enfocam toda a histria das

    relaes entre os povos, os tratados e polticas para a nova ordem

    internacional e procuram desvendar conceitos como o de globalizao,

    blocos econmicos etc.

    As ltimas dcadas do sculo XX foram marcadas pela intensificao das

    relaes entre os povos, de uma maneira como nunca experimentada

    anteriormente. Cada vez mais, as distncias esto menores, tempo e espao

    perdem o significado que tinham para nossos pais e avs, e as pessoas de

    diferentes locais do globo tomam conscincia de que a menor distncia entre

    dois pontos uma tecla.

    O sculo XXI chegou trazendo grandes conquistas: o mundo est menor,

    globalizado, interligado fsica e eletronicamente; pode-se tomar caf em Londres

    e almoar em Washington; as fronteiras perdem sua importncia; o sistema

    internacional v-se cada vez mais integrado; a tecnologia alcana milhes de

    pessoas, e no h limite ao conhecimento humano. O ltimo sculo do segundo

    milnio presenciou uma evoluo tecnolgica inimaginvel!

  • Pg. 3 - O Processo de Globalizao

    O termo globalizao pode ser entendido como fenmeno de acelerao e

    intensificao de mecanismos, processos e atividades, com vista promoo de

    uma interdependncia global e, em ltima escala, integrao econmica e

    poltica em mbito mundial. Trata-se de conceito revolucionrio, envolvendo

    aspectos sociais, econmicos, culturais e polticos. Registre-se, ademais, que

    essa apenas uma das vrias conceituaes do fenmeno, o qual no recente,

    mas se acelerou a partir da segunda metade do sculo XX.

    Um dos aspectos mais importantes da globalizao envolve a ideia crescente do

    mundo sem fronteiras. Isso perceptvel em termos como aldeia global e

    economia global. Poucos lugares do mundo esto a mais de dez dias de

    viagem, e a comunicao atravs das fronteiras praticamente instantnea.

    Em nossos dias, com as economias interligadas, blocos se formam, com

    consequncias que ultrapassam os benefcios econmicos, pois as conquistas

    sociais e polticas de um membro do bloco logo devero chegar aos territrios

    de todos os outros. Princpios como a democracia e a prevalncia dos direitos

    humanos podem ser defendidos e argudos em troca de benefcios econmicos.

    Cite-se, por exemplo, o caso de pases como Grcia, Portugal e Espanha, que,

    para serem aceitos na ento Comunidade Europeia, tiveram que promover

    importantes mudanas econmicas, sociais e polticas. O mesmo se aplica

    Turquia, que aspira a tornar-se parte da moderna Europa.

    No caso do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), h a chamada "clusula

    democrtica", a qual estabelece que apenas pases sob regimes democrticos

    podem participar do bloco. Essa clusula evita as alternativas autoritrias em

    alguns pases do Mercosul, em momentos de crise institucional.

  • Assim, o atual processo de globalizao envolve a integrao econmica

    mundial em diversos nveis, com a reduo das distncias em virtude do

    desenvolvimento de mecanismos de produo e distribuio de bens em escala

    global, e do fortalecimento dos meios de comunicao. Nesse contexto, novos

    atores, como as organizaes no governamentais, as empresas transnacionais,

    a opinio pblica e a mdia, ganham destaque ao influenciarem a conduta dos

    Estados.

    Uma leitura essencial sobre o tema o artigo de Paulo Roberto de Almeida,

    Contra a Antiglobalizao.

    Pg. 4 - Dilemas da Globalizao

    Entretanto, a globalizao tambm marcada por problemas em escala mundial.

    Nesse sentido, h a criminalidade, que ultrapassa as fronteiras dos Estados, com

    organizaes criminosas exercendo suas atividades ilcitas no mbito

    internacional. Crimes como o narcotrfico, o trfico de armas, o trfico de

    pessoas e de animais e a pirataria, todos esses h muito no so problemas

    exclusivos de um ou outro pas, mas questes globais que devem ser encaradas

    sistemicamente. E a base do crime organizado a lavagem de dinheiro, que

    movimenta cerca de um trilho de dlares por ano no mundo, ou 4% do Produto

    Interno Bruto (PIB) mundial, segundo a Organizao das Naes Unidas (ONU).

  • Assim, ao lado das grandes conquistas, h novos e grandes desafios: parte

    significativa da populao mundial ainda permanece no sculo XIX. Naes ricas

    e prsperas convivem com Estados que comportam milhes de miserveis.

    Alguns locais do globo ainda no saram da Idade Mdia! Novas e antigas

    doenas afligem milhes. Cite-se, ainda, a parte significativa da raa humana

    que sofre com a fome, a pobreza, as guerras. A sociedade internacional

    presencia crises econmicas, polticas, culturais e sociais. E o destino da

    humanidade permanece uma grande incgnita.

    Pg. 5 - Meio Ambiente, Direitos Humanos, Conflitos Internacionacionais

    Outro importante tema de relaes internacionais neste mundo globalizado

    envolve os problemas ambientais. Cada vez mais a humanidade toma

    conscincia de que o meio ambiente no pode ser tratado como assunto interno

    dos Estados e que os danos ambientais ultrapassam as fronteiras. A terra um

    corpo nico e seus recursos so patrimnio de todos os seres humanos e das

    futuras geraes. Da que os males causados ao meio ambiente afetam toda a

    humanidade.

    Convm registrar que, para Relaes Internacionais como disciplina acadmica

    ou rea do conhecimento, empregaremos iniciais maisculas, enquanto que,

    quando nos referirmos ao objeto de estudo, usaremos o termo em minsculas.

    No ltimo quartel do sculo XX, a proteo ao meio ambiente passou a ser uma

    das grandes preocupaes da comunidade internacional, no s na esfera de

    governo, mas tambm entre todos os habitantes do planeta. A Conferncia do

  • Rio de Janeiro de 1992 exerceu essa salutar influncia, e multiplicaram-se nas

    ltimas dcadas os tratados sobre todos os aspectos ambientais, tanto assim

    que se calcula em mais de mil os tratados internacionais assinados sobre o tema.

    Tambm a proteo aos direitos humanos um assunto em voga, sobretudo

    quando notcias de violaes a esses direitos nos chegam de todas as partes do

    planeta. No moderno sistema internacional, agresses contra uma pessoa

    devem ser consideradas crimes contra toda a raa humana. O intenso trabalho

    das cortes internacionais de direitos humanos na Europa e no continente

    americano refletem essa nova realidade.

    Ademais, medida que nos aproximamos uns dos outros, surgem tambm os

    conflitos, outro componente marcante da agenda internacional desde sempre. E

    no extremo dos conflitos, temos a guerra, sob suas diferentes formas. Nesse

    sentido, o sculo XX foi marcado por uma grande quantidade de guerras por todo

    o globo, inclusive com dois conflitos que envolveram praticamente toda a

    sociedade internacional.

    De fato, uma das grandes certezas do sculo XXI que nele ainda

    presenciaremos o fenmeno da guerra. Entretanto, alguns cogitam mesmo que

    a guerra, neste sculo, no ser mais entre pases, mas entre civilizaes

    (HUNTINGTON, 1998).

  • Pg. 6 - Importncia do conhecimento de Relaes Internacionais

    Eis, portanto, o grande paradoxo global: ao lado de grandes conquistas, grandes

    desafios! E nesse contexto que se percebe a necessidade de conhecimento

    das relaes internacionais. Atualmente, quem no estiver informado sobre o

    que ocorre no mundo poder ver-se bastante limitado, pessoal e

    profissionalmente.

    Hoje, a sociedade internacional est to interligada, to integrada em um

    processo de globalizao, que situaes ocorridas na China podem afetar a ns,

    brasileiros, do outro lado do planeta. Da que o problema do outro passa a ser

    tambm um problema nosso, e o bem-estar de cada homem passa a significar o

    bem-estar de toda a humanidade. Nesse contexto, se voc no parte da

    soluo, parte do problema!

    Assista aula proferida pelo Professor Doutor Joanisval Brito Gonalves, por

    ocasio de curso presencial ministrado no ILB. Aqui

    Aumente o som de seu equipamento e bons estudos!

  • O Brasil e as Relaes Internacionacionais

    Como quinto maior pas do globo em populao e dimenso territorial, e estando

    entre as maiores economias do planeta, com condies e pretenses de se

    tornar uma grande potncia, o Brasil no pode se furtar a ter um papel de

    destaque nas relaes internacionais. As transformaes e acontecimentos no

    mundo globalizado faro cada vez mais parte de nosso dia a dia, em uma

    tendncia praticamente irreversvel.

    Estamos estrategicamente localizados, temos fronteiras com praticamente todos

    os pases sul-americanos, e com o Atlntico, principal via para a Europa e a

    frica. Ademais, somos uma nao tida como pacfica e respeitadora do direito

    internacional e com incontestveis atributos de liderana regional. Finalmente,

    no devemos desconsiderar nossas maiores riquezas: os recursos naturais e um

    povo multitnico, empreendedor e, nos dizeres de Gilberto Freyre, com suas

    peculiares caractersticas antropofgicas.

    Pouco significativa diante de suas potencialidades a atuao brasileira no

    cenrio internacional. Apenas nas ltimas dcadas do sculo XX que o Brasil

    comeou a se fazer mais presente. Isso coincide com o surgimento e o

    desenvolvimento dos primeiros cursos de Relaes Internacionais no Pas e com

    o aumento do interesse nas questes internacionais por parte de diversos

    setores da nossa sociedade.

    premente a necessidade de que os brasileiros tenham algum conhecimento de

    Relaes Internacionais. Na Administrao Pblica, essa demanda mais

    evidente. No Poder Legislativo, fundamental que aqueles que assessoram os

    legisladores conheam as principais linhas da poltica internacional to bem

    quanto conhecem a poltica interna brasileira. Afinal, poltica interna e poltica

  • externa esto estreitamente relacionadas: as aes daquela afetaro e sero

    afetadas por esta e vice-versa.

    Um stio interessante para o estudante e o profissional de Relaes

    Internacionais o Inforel, que traz cobertura atualizada das questes gerais da

    rea e tambm de defesa nacional, alm de artigos com anlises interessantes.

  • Pg. 7 - As Relaes Internacionais e a Constituio Brasileira

    A importncia das relaes internacionais tambm pode ser percebida na

    maneira como o tema tratado na Constituio Federal. A Carta Magna, j em

    seu Ttulo I, referente aos Princpios Fundamentais, estabelece, no art. 4, os

    princpios que regem as relaes internacionais do Brasil:

    independncia nacional;

    prevalncia dos direitos humanos;

    autodeterminao dos povos;

    no interveno;

    igualdade entre os Estados;

    defesa da paz;

    soluo pacfica dos conflitos;

    repdio ao terrorismo e ao racismo;

    cooperao entre os povos para o progresso da humanidade;

    concesso de asilo poltico.

    Ainda no que concerne Lei Maior, tambm os direitos e garantias fundamentais

    esto intimamente relacionados s experincias vivenciadas pela comunidade

    das naes ao longo de sua histria. Foi graas s revolues em pases como

    a Inglaterra, a Frana, os EUA e a Rssia, e difuso desses princpios para

    alm de suas fronteiras, que o mundo moldou uma cultura de direitos

    fundamentais que hoje so inquestionveis em todo o planeta. E a violao a

    esses direitos gera repulsa da comunidade internacional.

  • A Constituio de 1988 inovou ao elencar, de forma sistemtica, os princpios

    que regem nossas relaes internacionais. Para maior aprofundamento,

    sugerimos a leitura do artigo 'Os princpios das relaes internacionais e os 25

    anos da Constituio Federal', do Professor Alexandre Pereira da Silva,

    disponvel na Biblioteca deste curso, em 'Textos complementares'.

    Vereshchetin (1996), por exemplo, v no que chama de fator direitos humanos

    um dos principais meios de retomada de uma cultura mnima de proteo

    internacional no ps-Guerra. O relacionamento entre Estado e indivduo, que

    tradicionalmente foi objeto de preocupao de leis internas, no mais pode ser

    considerado uma questo puramente domstica dos pases.

    A Constituio da Rssia de 1993, por exemplo, trouxe como princpio a

    incorporao das normas internacionais ao sistema jurdico interno e a

    prevalncia dos acordos internacionais dos quais a Federao Russa faa parte,

    caso estes estabeleam regras que difiram daquelas estipuladas em lei interna.

    Isso tem se mostrado uma tendncia constitucional em vrios pases. Quando

    no h dispositivos legais expressos, as cortes constitucionais tm dado o rumo

    da interpretao.

    Na dcada de 1990, as cortes constitucionais da Hungria e da Polnia, por

    exemplo, decidiram que a Constituio e as normas internas deveriam ser

    interpretadas de tal forma que as normas internacionais geralmente aceitas

    tivessem fora efetiva.

    H, portanto, em todo o planeta, sinais de uma crescente interdependncia at

    mesmo no campo jurdico, e o Tribunal Penal Internacional nada mais que uma

    expresso e consequncia disso.

  • Pg. 8 - O Poder Legislativo e as Relaes Internacionais

    As relaes internacionais do Brasil passam efetivamente pelo Poder Legislativo.

    Em nosso sistema jurdico-poltico, quaisquer tratados que o Brasil celebre com

    outras naes ou com organizaes internacionais devem necessariamente

    passar pelo aval do Congresso Nacional antes de serem ratificados.

    O art. 49 da Constituio Federal de 1988 claro ao estabelecer, logo nos dois

    primeiros incisos, as competncias exclusivas do Congresso Nacional:

    Art. 49. da competncia exclusiva do Congresso Nacional:

    I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que

    acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimnio nacional;

    II - autorizar o Presidente da Repblica a declarar guerra, a celebrar a paz, a

    permitir que foras estrangeiras transitem pelo territrio nacional ou nele

    permaneam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei

    complementar;

    (...)

    E o Senado Federal, por sua vez, tem atribuies mais especficas, pois a Casa

    Legislativa que avalia e aprova nossos embaixadores, autoridades mximas das

    misses diplomticas brasileiras, designados para representar o Pas no

  • Exterior. Compete tambm ao Senado autorizar as operaes externas de

    natureza financeira dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios.

    Cada Casa Legislativa possui comisses encarregadas dos temas de relaes

    exteriores e defesa nacional. No Senado Federal, por exemplo, a Comisso de

    Relaes Exteriores e Defesa Nacional (CRE), composta por 19 membros

    titulares e 19 suplentes, competente para tratar das questes que envolvam as

    relaes internacionais do Pas.

    A legislao brasileira evidencia a importncia do Poder Legislativo nos destinos

    das relaes internacionais. E quanto mais o Brasil busque integrar-se na

    comunidade das naes e ocupar o seu devido papel de destaque, mais

    importante se faz o conhecimento, na esfera do Legislativo, dos principais temas

    da rea.

    Pg. 9 - O Estudo das Relaes Internacionais

    Antes de concluirmos a primeira Unidade, convm apresentar algumas

    consideraes gerais sobre o estudo das relaes internacionais como

    disciplina, as reas de atuao do profissional da rea e a realidade brasileira.

    O estudo de Relaes Internacionais envolve conhecimentos gerais de Direito,

    Economia, Administrao, Histria, Filosofia, Sociologia, Antropologia,

    Estatstica e, sobretudo, de questes internacionais contemporneas.

  • O interesse por temas de relaes internacionais aumentou mais ainda aps os

    atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Ao assistirmos queles

    dramticos acontecimentos em tempo real, alguns vus foram retirados, e aos

    poucos tomamos conscincia de que as distncias fsicas se estreitavam ao

    mesmo tempo em que as distncias culturais e sociais aumentavam. O

    terrorismo passa tambm a ser uma questo global, que afeta pases nos

    hemisfrios Norte e Sul, no Ocidente e no Oriente.

    No campo profissional, as relaes internacionais so aplicveis em diversas

    reas. No Brasil, h profissionais dessa rea atuando em vrios setores da

    Administrao Pblica e da iniciativa privada.

    Em termos de carreira, uma das mais conhecidas a diplomacia. O diplomata

    o legtimo representante do Governo e da nao junto a outros povos e

    organizaes internacionais. Para se tornar um diplomata no Brasil, necessrio

    o ingresso na carreira por meio de concurso pblico, promovido pelo Instituto Rio

    Branco (IRBr) do Ministrio das Relaes Exteriores. Aprovado no concurso, e,

    submetido a um perodo de treinamento no IRBr, o diplomata inicia uma carreira

    como Terceiro Secretrio, podendo chegar a Embaixador.

    Palcio do Itamaraty

    Fonte:www.inforel.org

    No servio pblico, alm da Chancelaria, o profissional de relaes

    internacionais tem diante si alternativas de trabalho nos vrios rgos da

    Administrao Federal, Estadual e Municipal. Afinal, sempre h uma assessoria

    internacional em cada ministrio, secretaria, autarquia e empresas pblicas. E

    o perfil do internacionalista se destaca. Constata-se a presena de profissionais

    de relaes internacionais nas principais carreiras de Estado.

  • Na iniciativa privada, outro leque de alternativas se abre aos que possuem

    formao na rea. Alm das grandes corporaes multinacionais e

    transnacionais, as empresas brasileiras de mdio e grande porte j percebem a

    necessidade de atuarem em uma economia globalizada. Assim, em um mundo

    cada vez mais integrado econmica e financeiramente, as empresas precisam

    de profissionais que as auxiliem a se integrarem e a permanecerem no sistema

    internacional. Aquelas que desconsideram essa percepo frequentemente

    acabam por sucumbir.

    Alm disso, h a possibilidade de trabalho nas centenas de Organizaes

    Internacionais e Organizaes No Governamentais que atuam no globo: ONU,

    OEA, OIT, OMC, OPEP, UNESCO, FAO, Greenpeace, WWF e outras. Braslia

    tem representao da maior parte dos organismos internacionais dos quais o

    Brasil membro e, com isso, o mercado do profissional de relaes

    internacionais se amplia na capital federal.

    Pg. 10 - Relaes Internacionais como disciplina independente

    At o incio do sculo XX, as relaes internacionais no eram estudadas como

    disciplina independente. O estudo do tema estava sempre sob o manto de outras

    cincias, como o Direito, a Economia, a Sociologia e a Cincia Poltica.

    medida que a sociedade internacional tornava-se mais complexa e as relaes

    entre os Estados mais diversificadas, relaes estas que envolviam conflito e

    cooperao, e que muitas vezes culminavam em situaes que interferiam

  • diretamente no cotidiano das pessoas e na poltica interna das naes,

    percebeu-se a crescente necessidade de teorias que explicassem a conduta dos

    atores em um cenrio internacional. Essas teorias e seu estudo deveriam

    constituir uma nova rea do conhecimento, independente e com autonomia para

    gerar suas prprias percepes da realidade. Da o aparecimento das primeiras

    ctedras de Relaes Internacionais pelo mundo.

    Os cursos de Relaes Internacionais surgiram na primeira metade do sculo

    XX, nas principais universidades europeias e norte-americanas. Foram

    constitudos com o objetivo de produzir conhecimento que explicasse como se

    desenvolviam as relaes entre os Estados. Naquele contexto, as perguntas que

    impulsionariam o estudo estavam intimamente relacionadas ao grande trauma

    da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), conflito sem precedentes at ento,

    que envolvera diversas naes do globo e causara pesadas perdas, sobretudo

    no territrio europeu. Assim, os temas centrais eram:

    O que havia conduzido o mundo a uma situao de conflito to drstica?

    O que leva os Estados guerra?

    possvel se evitar o conflito entre os povos?

    Como agem os atores internacionais e quais foras que interferem na

    conduta desses entes?

    Claro que, no decorrer do sculo XX, o estudo de Relaes Internacionais

    diversificava-se medida que os laos entre os povos tornavam-se mais

    complexos e novos temas, como cooperao, desenvolvimento, integrao, paz,

    direitos humanos e globalizao, vinham baila. Atualmente, a disciplina

    ampla e alcana as mais diferentes reas de estudo, e evolui medida que

    tambm evolui a complexidade da sociedade internacional. De fato, hoje h

  • cursos de Relaes Internacionais nas principais universidades do mundo e

    profissionais da rea atuando nos mais variados segmentos dos setores pblico

    e privado.

    O primeiro curso de Relaes Internacionais no Brasil foi institudo na

    Universidade de Braslia, na dcada de 1970, fazendo da capital da Repblica o

    referencial brasileiro em estudos internacionais. At meados da dcada de 1990,

    havia apenas dois cursos de Relaes Internacionais no Brasil na Universidade

    de Braslia e na Universidade Estcio de S (Rio de Janeiro). Hoje, so dezenas

    de instituies que oferecem a graduao em Relaes Internacionais por todo

    o Pas. Trata-se, portanto, de carreira de grata expanso. Mesmo assim, a

    contribuio brasileira para as relaes internacionais ainda muito incipiente,

    sobretudo para um pas que tem potencial para se tornar uma grande potncia

    entre seus pares.

    Feitas essas primeiras consideraes acerca do tema de nosso curso, realize as

    atividades propostas e, em seguida, passemos s teorias e aos principais

    conceitos utilizados pelos profissionais e estudiosos das Relaes

    Internacionais.

  • Unidade 2 - Conceitos Fundamentais

    Ao final desta unidade, o aluno dever ser capaz de identificar e definir os

    seguintes conceitos fundamentais de relaes internacionais:

    Sociedade Internacional;

    Atores;

    Foras Profundas;

    Sistema Internacional;

    Potncia;

    Hegemonia.

    Lembre-se sempre dos objetivos estabelecidos, que devem servir de guias

    para o estudo do contedo e para a autoavaliao do cursista. Tenha um bom

    aproveitamento!

  • Pg. 2 - Conceitos Fundamentais

    Essencial para o desenvolvimento de nosso curso a compreenso de conceitos

    fundamentais de Relaes Internacionais. Nesse sentido, seria complicado

    tentar iniciar qualquer anlise de Relaes Internacionais sem as noes desses

    conceitos. Dentre eles ressaltamos:

    Sociedade Internacional;

    Atores;

    Foras Profundas;

    Sistema Internacional;

    Potncia;

    Hegemonia.

    Antes de iniciar o estudo desta unidade, sugerimos que assista atentamente

    aos dois vdeos seguintes do Conexo Mundo,

    Conceitos Fundamentais de Relaes Internacionais, disponveis no stio do

    ILB.

    A seguir, vamos procurar identificar os elementos mais importantes desses

    conceitos.

  • Sociedade Internacional

    Um dos primeiros aspectos com o qual se depara aquele que inicia o estudo de

    Relaes Internacionais refere-se temtica que envolve a Sociedade

    Internacional.

    Como definir Sociedade Internacional? Quais os elementos constitutivos desse

    conceito?

    A ideia de Sociedade Internacional termo cunhado por Hugo Grcio no sculo

    XVII permite direcionar a ateno para a atuao padronizada dos Estados.

    Apesar da ausncia de uma autoridade central no cenrio internacional, os

    Estados exibem padres de atuao que esto sujeitos a, e constitudos por,

    restries de diversas naturezas histricas, sistmicas, legais e morais, entre

    outras.

    Num primeiro momento, podemos relacionar Sociedade Internacional evoluo

    histrica das relaes entre os grupos, povos e, mais tarde, Estados-naes

    organizados em mbito espacial determinado. Podemos identificar a evoluo

    da Sociedade Internacional a partir das relaes entre os grupos primitivos da

    Antiguidade, passando pelos reinos e imprios e chegando Idade

    Contempornea, com a ascenso do Estado nacional e soberano nos sculos

    XVIII e XIX e o seu declnio, no sculo XX, frente a um sistema cada vez mais

    globalizado e interdependente.

  • Pg. 3 - Sociedade Internacional

    Podemos falar em Sociedade Internacional antes mesmo da formao dos

    Estados nacionais, que s se deu, nos moldes como os concebemos hoje

    (compostos de povo, territrio e soberania), h dois sculos. Mesmo que no

    houvesse conscincia dos povos a esse respeito, no h como negar a

    existncia de fato de uma Sociedade Internacional na Antiguidade. Afinal, a

    partir do momento em que surgem os primeiros grupos independentes e

    diferenciados, exercendo relaes polticas, culturais ou comerciais entre si, tem-

    se uma Sociedade Internacional embrionria. Das tribos passaram-se aos

    reinos, s cidades-estados e aos imprios, e estes, vistos em um contexto macro

    e nas relaes entre si, formavam a Sociedade Internacional do mundo antigo.

    Claro que o primeiro modelo de Sociedade Internacional, inserido em um

    Sistema Internacional da Antiguidade, refletia mais um conjunto de sociedades

    regionais localizadas, muitas vezes sem qualquer contato entre si e at sem

    conscincia da existncia umas das outras. Era uma poca em que as foras

    naturais limitavam a comunicao entre Oriente e Ocidente, e a Sociedade

    Internacional do sistema grego mantinha pouco contato com a Sociedade

    Internacional do extremo oriente na qual o imprio dinstico chins era o

    principal ator.

    Somente com as grandes navegaes e o expansionismo europeu pelo planeta

    que se estrutura uma Sociedade Internacional global. Assim, desde o sculo

    XVI, o mundo vai-se tornando cada vez mais integrado, seja pela fora da

    economia e do comrcio, seja pela fora dos canhes e das conquistas coloniais

    europeias. Paul Kennedy, em sua obra j clssica Ascenso e Queda das

    Grandes Potncias, analisa, com clareza, como o extremo oeste do continente

    euro-asitico, conhecido como Europa, com uma diversidade de povos e reinos

    autnomos e marcado por conflitos regionais e fratricidas, consegue expandir-

    se pelo mundo e, em pouco mais de dois sculos, tornar-se o centro de uma

  • sociedade global, subjugando foras tradicionais como a China e o Imprio

    Otomano.

    O termo internacional foi utilizado pela primeira vez em 1780, pelo filsofo

    ingls Jeremias Bentham, em sua obra Princpios de Moral e Legislao. Essa

    a poca do apogeu dos Estados nacionais, com o incio do declnio do

    absolutismo no continente europeu. Era um perodo em que a ideia de nao

    ainda estava muito ligada figura do soberano. A Sociedade Internacional

    representava, para os europeus, a Cristandade, com seus paradigmas e

    princpios seculares. O Estado soberano era o principal ator internacional.

    Foi com a Revoluo Francesa que o conceito de nao deixou de ter carter

    puramente simblico e passou a relacionar-se diretamente questo da

    soberania. Esta passou a residir essencialmente na nao, onde o sdito tornou-

    se cidado e as relaes entre os Estados, at ento simbolizados e conduzidos

    pelos monarcas, estenderam-se s relaes entre os povos. O sculo XX

    esclarece essa nova perspectiva: as relaes entre naes no so

    necessariamente relaes entre os Estados, muito pelo contrrio.

  • Pg. 4 - Sociedade Internacional

    No h dvida de que essa Sociedade Internacional dinmica e tem sua

    evoluo diretamente relacionada evoluo dos grupos, povos, reinos,

    Estados, Imprios e naes, enfim, de todos os atores que a compem ou a

    compuseram e das foras que influenciam a sua atuao.

    Qual , ento, o conceito de sociedade internacional?

    A resposta para essa pergunta percebida de maneira diferenciada pelos

    tericos das Relaes Internacionais, que podem ser reunidos em trs grandes

    grupos (CERVERA, 1991).

    Para os tericos do primeiro grupo, simplesmente impossvel definir Sociedade

    Internacional. Limitam-se, assim, ao estudo dos componentes da Sociedade

    Internacional e evoluo das relaes entre eles.

    Os tericos do segundo grupo dedicam-se a analisar a Sociedade Internacional

    em contraposio a outros grupos sociais. Por essa tica, a pergunta que se

    busca responder Como a Sociedade Internacional? irrelevante, portanto,

    para esses autores, a formulao de um conceito terico para Sociedade

    Internacional. De qualquer maneira, eles no deixam de apresentar sua definio

    de Sociedade Internacional, mas apenas para instrumentalizar suas explicaes,

    como veremos adiante.

    O terceiro grupo, majoritrio, afirma no s ser possvel, mas tambm

    necessrio, proceder definio do termo Sociedade Internacional, para que

    se possa tratar com mais propriedade o estudo dos fenmenos internacionais e

    das relaes que se desenvolvem em seu meio. Uma vez que concordamos com

  • essa percepo, apresentaremos nosso conceito de Sociedade Internacional.

    Antes, porm, vejamos alguns conceitos de autores renomados.

    Colliard (1978) afirma que Sociedade Internacional o conjunto de seres

    humanos que vivem sobre a terra. Percebemos uma definio genrica e

    abrangente, que pe completamente de lado as estruturas em que os seres

    humanos esto agrupados, como as naes ou os Estados nacionais. Para o

    autor, o conceito de Sociedade Internacional confunde-se com o de

    humanidade. Chega-se a perceber mesmo uma concepo idealista, pois a

    Sociedade Internacional teria em primeiro plano o indivduo, independentemente

    de suas origens e do grupo ou povo a que pertence.

    Hedley Bull (2002), com base em uma anlise sistmica, definiu Sociedade

    Internacional como um grupo de comunidades polticas independentes que no

    formam um sistema simples.

    Juan Carlos Pereira (2001) apresenta uma definio mais precisa e completa:

    um mbito espacial e global em que se desenvolve um amplo conjunto de

    relaes entre grupos humanos diferenciados, territorialmente ou

    geograficamente organizados e com poder de deciso. O autor acredita que a

    Sociedade Internacional estaria evoluindo para uma Comunidade Internacional.

    Rafael Calduch Cervera (1991) define Sociedade Internacional como aquela

    sociedade global (macrossociedade) que compreende os grupos com um poder

    social autnomo, entre os quais se destacam os Estados, que mantm entre si

    relaes recprocas, intensas, duradouras e desiguais sobre as quais

    assentada certa ordem comum.

    Por fim, cabe apresentar nossa prpria conceituao de Sociedade

    Internacional, que baseada na corrente historiogrfica, pela qual buscamos

  • reunir elementos que consideramos essenciais para a compreenso do termo e

    de sua evoluo desde a Antiguidade. A nosso ver, Sociedade Internacional

    pode ser definida como o conjunto de entes que interagem de maneira sistmica

    em uma esfera internacional sob a influncia de foras profundas.

    Desmembremos esse conceito para melhor compreenso.

    Pg. 5 - Ator Internacional

    A primeira parte de nosso conceito de Sociedade Internacional trata de um

    conjunto de entes. Esses entes nada mais so do que os Atores internacionais.

    Ator internacional toda autoridade, organizao, grupo ou pessoa que

    representa ou pode vir a representar um papel de destaque na Sociedade

    Internacional. A percepo desses atores varia conforme o tempo e a corrente

    terica que os identifica, mas podemos destacar aqueles que, na atualidade,

    podem ser considerados os mais importantes: os Estados nacionais, os atores

    governamentais interestatais (as organizaes internacionais), os atores no

    governamentais interestatais (i.e., organizaes no governamentais e

    empresas multi- e transnacionais, entre outros) e os indivduos.

    No so todas as pessoas, grupos ou organizaes que podem ser identificados

    como Ator Internacional. Para nossa classificao, necessrio que a atuao

    desses entes tenha destaque em escala global. Por exemplo, uma associao

    estabelecida dentro de determinado pas e voltada em suas atividades e

  • interesses prioritariamente ao mbito interno daquele pas no um Ator

    internacional.

    No obstante, qualquer grupo, organizao ou indivduo pode vir a tornar-se Ator

    internacional. Grandes empresas transnacionais de hoje foram, no passado,

    pequenas organizaes comerciais, algumas de natureza familiar, que atuavam

    exclusivamente no interior de seu pas de origem, no sendo poca Atores

    internacionais. medida que essas empresas cresceram, expandiram-se para

    alm das fronteiras de seus Estados de origem e comearam a atuar e influir na

    Sociedade Internacional, tornaram-se Atores internacionais.

    Pg. 6 - Sistema Internacional

    O segundo aspecto de nosso conceito de Sociedade Internacional refere-se

    atuao sistmica na esfera internacional. Adotamos uma abordagem sistmica,

    em que o aspecto relacional importante. Sistema pode ser conceituado como

    conjunto de elementos e instituies entre os quais se possa encontrar alguma

    relao ou, ainda, conjunto ordenado de meios de ao ou de ideias, tendente

    a um resultado. A abordagem sistmica em relaes internacionais v o

    conjunto de inter-relaes entre os Atores internacionais como sujeito a padres

    e normas enfim, a foras profundas , que remetem ao conjunto mais amplo,

    o sistema internacional como um todo.

    As primeiras consideraes a respeito do modelo sistmico para explicar as

    Relaes Internacionais tomaram por base referncias da Biologia e da Qumica.

    Nesse sentido, pode-se associar a noo de sistema ao corpo humano, no qual

    vrios subsistemas circulatrio, nervoso etc. so compostos de rgos que

    se relacionam e dependem uns dos outros. A ideia de sistema, portanto, est

  • relacionada a um ordenamento nas relaes entre componentes e

    interdependncia entre esses componentes.

    Raymond Aron, em sua obra clssica Paz e Guerra entre as Naes, recorreu

    ao conceito de sistema para evocar a dinmica das relaes internacionais.

    Assim, a Sociedade Internacional tem caractersticas suficientemente estveis

    para que possamos perceb-la como um sistema onde os Atores conduzem suas

    relaes dentro de certos padres.

    Cabe aqui, tambm, apresentar um conceito de Sistema Internacional, de acordo

    com Frederic S. Pearson e J. Martin Rochester (2000, p. 641):

    Sistema Internacional. Conjunto de relaes em mbito mundial nas reas

    poltica, econmica, social e tecnolgica, em torno do qual ocorrem as relaes

    internacionais em um dado momento.

    H ainda autores que separam as noes de Sociedade Internacional e de

    Sistema Internacional para identificar certos perodos histricos. Por exemplo,

    Sociedade Internacional teria como substrato a ideia de concerto e harmonia

    internacional, que alguns defendem corresponder, por exemplo, Europa do

    ps-1815. Em contrapartida, Sistema Internacional traduziria a existncia de

    vrios polos de poder que interagem entre si e no necessariamente se

    harmonizam no todo, o que alguns autores defendem corresponder ao mundo

    ps-1945.

  • Pg. 7 - Foras Profundas

    Finalmente, de acordo com a nossa concepo de Sociedade Internacional, o

    terceiro elemento fundamental so as foras profundas. A ideia de foras

    profundas origina-se da corrente historiogrfica das Relaes Internacionais

    cujos principais expoentes foram Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle. De

    acordo com esses historiadores, as foras profundas nada mais seriam que

    determinados fatores que influenciariam as aes das coletividades.

    As condies geogrficas, os movimentos demogrficos, os interesses

    econmicos e financeiros, os traos da mentalidade coletiva, as grandes

    correntes sentimentais todas essas foras profundas formaram o quadro das

    relaes entre os grupos humanos e, em grande parte, lhes determinaram o

    carter. O homem de Estado, nas suas decises ou nos seus projetos, no pode

    negligenci-las; sofre-lhes a influncia e obrigado a constatar os limites que

    elas impem sua ao. Todavia, quando ele possui quer dons intelectuais, quer

    firmeza de carter, quer temperamento que o levam a transpor aqueles limites,

    pode tentar modificar o jogo de semelhantes foras e utiliz-las para seus

    prprios fins.

    Juan Carlos Pereira denomina tais foras profundas de fatores condicionantes

    (PEREIRA, 2001, p. 44). Identifica alguns desses fatores: fator geogrfico, fator

    demogrfico, fator econmico, fator tecnolgico, fator ideolgico/sistema de

    valores, fator poltico-jurdico e fator militar-estratgico.

    Portanto, a Sociedade Internacional composta de entes Estados,

    organizaes internacionais, organizaes no governamentais, empresas

    transnacionais, indivduos, entre outros que so influenciados pelas foras

    profundas fatores geogrficos, demogrficos, migratrios, polticos,

  • econmicos e financeiros, ideolgicos, religiosos, tecnolgicos etc. em suas

    aes sistmicas na esfera internacional.

    Uma leitura complementar recomendada a do texto sobre Rio Branco e as

    Foras Profundas, de Arno Wehling:

    Viso de Rio Branco o homem de estado e os fundamentos de sua poltica.

    Alm do clssico Histoire des Rlations Internationales, obra-mestra da

    historiografia francesa das relaes internacionais, caberia destacar dois livros

    de

    Renouvin e Duroselle j traduzidos para o portugus: Introduo Histria das

    Relaes Internacionais publicada em 1967 pela Difuso Europeia do Livro,

    de

    So Paulo e Todo Imprio Perecer um dos ltimos grandes trabalhos de

    Duroselle, lanado no Brasil em 2000.

  • Pg. 8 - Potncia

    Alm dos conceitos j tratados, cabem, neste curso introdutrio, algumas

    observaes ainda que sem aprofundamento a respeito de outros conceitos

    essenciais para viabilizar nosso entendimento dos temas tratados no decorrer

    das prximas unidades. Passemos a eles.

    Potncia

    O Sistema Internacional composto por uma diversidade de atores. Nesse

    contexto, o Estado ocupa papel de destaque, mas existem diferenas marcantes

    entre os Estados na esfera internacional e o grau de influncia (poder) que eles

    exercem. Assim, importante para a compreenso das relaes internacionais

    a ideia de Potncia e das diferentes gradaes dessa classificao.

    H inmeras definies para Potncia.

    Segundo Martin Wight (2002), Potncia um Estado moderno e soberano em

    seu aspecto externo, e quase pode ser definido como a lealdade mxima em

    defesa da qual os homens hoje iro lutar.

    Rafael Calduch Cervera (1991), por sua vez, cita o conceito de Potncia

    Internacional segundo C. M. Smouts, ou seja, como aquele Estado mais ou

    menos poderoso segundo sua capacidade de controlar as regras do jogo em um

    ou mais mbitos-chaves da disputa internacional e segundo sua habilidade de

    relacionar tais mbitos para alcanar uma vantagem.

  • Ao tratar da capacidade dos Estados de influenciarem a Sociedade

    Internacional, Martin Wight relaciona Potncias Dominantes, Grandes Potncias,

    Potncias Mundiais e Potncias Menores. Potncias Dominantes e Potncias

    Mundiais seriam subdivises do gnero Grande Potncia, uma vez que ambas

    as categorias se referem a Estados com interesses globais e capacidade de

    influncia significativa no Sistema Internacional. Em ltima anlise, a

    diferenciao poderia ser restringida a Grandes Potncias e Potncias Menores.

    Wight define Potncia Dominante como aquela capaz de medir foras contra

    todos os rivais juntos. E cita exemplos ao longo dos sculos, como Atenas,

    poca das Guerras do Peloponeso, o Imprio Romano, a Espanha de Carlos V

    e de Filipe II, a Frana de Lus XIV, a Gr-Bretanha no sculo XIX e os EUA no

    sculo XX.

    Outro termo muito utilizado e cujas caractersticas vo alm da Potncia

    Dominante, conforme definida por Wight, o de Superpotncia. Esse termo,

    cunhado com o advento da Guerra Fria, designava exclusivamente URSS e

    EUA. Esses pases, em virtude de suas capacidades nucleares com poder de

    destruio global , inmeras vezes associadas ao poderio militar convencional

    e influncia poltico-ideolgica mundial, tinham status nico na comunidade

    das naes.

    Gounelle (1992) indica quatro caractersticas das Superpotncias:

    tm capacidade de intervir em qualquer parte do globo;

    dispem de amplo arsenal, capaz de causar danos diferenciados dos

    armamentos convencionais e composto tanto de armas nucleares quanto de

    outros meios de destruio em massa;

  • assumem a liderana de uma aliana militar (os EUA da OTAN e a URSS do

    Pacto de Varsvia);

    pretendem oferecer um modelo universal de sociedade.

    Convm lembrar que a ideia de Superpotncia ultrapassa em muito o poderio

    exclusivamente militar. De fato, a capacidade de destruio massiva do planeta

    o elemento central do conceito de Superpotncia, mas o aspecto de liderana

    de um bloco de naes e de pretenses de estabelecimento de uma sociedade

    universal em seus moldes poltico-econmico-ideolgico-sociais no pode ser

    desconsiderado.

    Pg. 9 - Potncia

    Atualmente, com o colapso da URSS, restou, no planeta, apenas uma

    Superpotncia: os EUA. Alguns autores vislumbram a possibilidade de a China

    vir a ocupar, na segunda metade do sculo XXI, o lugar da URSS. Entretanto,

    ainda no h que se falar na China como Superpotncia, uma vez que esta, alm

    de no dispor de arsenais nucleares capazes de fazer frente ao poderio de

    Estados como EUA e Rssia, no tem pretenses nem condies de projetar

    um modelo scio-poltico-cultural-ideolgico seu para o mundo. A Rssia, por

    sua vez, apesar de dispor de arsenais nucleares com capacidade de destruio

    massiva do planeta, no pode ser chamada de Superpotncia, exatamente

    porque tambm no tem condies de aspirar a qualquer pretenso hegemnica

  • no sistema internacional, como fazia a URSS. Assim, os EUA, considerados os

    vencedores da Guerra Fria, so hoje o nico Estado com as caractersticas

    bsicas da superpotncia, e, de fato, essa nao tem-se tornado to poderosa

    que j se cunha o conceito de Hiperpotncia, algo sem precedentes na Histria.

    A Hiperpotncia dispe de um aparato blico superior ao das demais Potncias

    juntas. Esse aparato no se resume ao acervo das armas de destruio em

    massa, mas inclui armamento convencional significativo e capacidade de

    operao militar em mais de um teatro no globo. Ademais, trata-se de uma

    Economia de peso diante do sistema, sua influncia na poltica internacional

    marcante e, ainda, consegue projetar seu modelo scio-cultural e poltico para

    outras regies do planeta.

    Assim, os EUA no encontram, no incio do sculo XXI, adversrios militares

    altura, e so a Grande Potncia econmica e a liderana mundial. Do ponto de

    vista econmico, por exemplo, apenas a coalizo das grandes economias

    europeias pode fazer frente aos EUA, o mesmo se podendo dizer das economias

    asiticas. A projeo de poder dos norte-americanos no mundo no encontra

    precedentes, e alguns analistas j comeam a analisar a poltica externa

    estadunidense como uma poltica de imprio. De qualquer maneira, o conceito

    de Hiperpotncia ainda encontra-se em desenvolvimento.

    O conceito de Wight para Potncia Dominante tem grande proximidade com a

    ideia de hegemon, ou seja, uma potncia to poderosa que seria necessria uma

    coalizo de todas as demais naes para cont-la. A concepo de hegemon

    ultrapassa a esfera exclusivamente poltico-militar, de modo que o Estado que

    detm esse ttulo influencia a Sociedade Internacional em esferas diversas,

    como a cultura, a estrutura social interna, a Economia e at o Direito. Alm disso,

    essa influncia do hegemon no ocorre necessariamente de maneira impositiva.

    De fato, a hegemonia, como veremos a seguir, envolve um misto de coero e

  • consenso. Finalmente, convm lembrar que o hegemon continua influenciando

    a Sociedade Internacional mesmo aps perder esse status.

    Interessante observar que a hegemonia dos EUA hoje mantida mais por outros

    meios o que alguns autores chamam de soft power (poder suave) , como a

    presena marcante na compilao e divulgao de notcias e diverses, na

    produo de bens de consumo, nas inmeras formas de cultura popular e sua

    identificao com a liberdade poltica e de mercado, do que propriamente por

    meio do hard power (poder militar).

    Alm da potncia hegemnica, h outros atores estatais com capacidade

    significativa de influncia na Sociedade Internacional. Esses so as Grandes

    Potncias, as quais, inclusive, disputam a hegemonia entre si e aspiram tornar-

    se a potncia dominante, chegando, muitas vezes, a alcanar esse objetivo. De

    fato, as relaes internacionais seriam um grande tabuleiro onde essas

    Potncias disputariam poder em um jogo de influncia. Como exemplos atuais

    de Grandes Potncias teramos China, Frana, Rssia, Alemanha, Japo e Gr-

    Bretanha.

    As potncias menores constituem a maioria. Seu grau de influncia no sistema

    varia significativamente. Nesse grupo, poderiam ser relacionadas desde as

    Potncias Mundiais menores como Espanha e ndia at as Potncias

    Regionais Argentina e Egito, por exemplo. Vale destacar que uma Potncia

    Menor hoje pode vir a tornar-se uma Grande Potncia e at a Potncia

    Dominante. Os EUA so um bom exemplo disso.

  • Pg. 10 - Potncia

    Max Gounelle (1992) comenta que, medida que dispe de capacidade de

    influenciar de maneira significativa os outros entes da Sociedade Internacional

    em prol de seus interesses particulares, um Estado pode ser classificado como

    Microestado, Potncia Local, Potncia Mdia, Grande Potncia ou

    Superpotncia.

    Os microestados so aquelas pequenas soberanias que persistem em nossos

    dias e que, em sua maioria, tiveram origem na formao histrica dos Estados

    nacionais europeus ou no processo de descolonizao. Encontram-se

    constantemente sob amplo grau de dependncia frente a uma Potncia e

    integram-se a grupos de Estados organizados no seio de organizaes

    internacionais. Conviria exemplificar nessa categoria pases como o Principado

    de Mnaco e a Repblica de San Marino, diversos Estados-arquiplagos no

    Pacfico ou at algumas Repblicas da Amrica Central e Caribe. Apesar de

    minimamente influentes na Sociedade Internacional, esses entes ganham fora

    quando se associam e se fazem representar em organismos internacionais onde

    tenham poder de voto igual ao de outros Estados.

    As Potncias Locais so as mais numerosas. Participantes das atividades

    comuns da vida internacional, esses entes tm como objetivos principais sua

    prpria sobrevivncia e a defesa de sua soberania territorial. De maneira geral,

    no tm grandes pretenses internacionais de projeo de poder e acabam

    tambm associados s Grandes Potncias ou a Potncias Regionais. Como

    exemplos para essa categoria, temos pases como Bolvia, Paraguai, Camboja,

    Albnia e Moambique.

  • So classificados como Potncia Regional ou Potncia Mdia aqueles Estados

    aptos a representarem certo papel de destaque em grandes reas geopolticas.

    Egito, Sria, Nigria, Brasil, Argentina e Ir so exemplos de Potncias Regionais

    ou Mdias. Esses pases exercem influncia em virtude de suas aptides de

    liderana sob certos limites geogrficos, fundadas em seus potenciais materiais

    ou demogrficos, sua envergadura ideolgicas ou seu peso militar, econmico e

    at social.

    Gounelle, no entanto, diferencia Potncias Regionais de Potncias Mdias ao

    afirmar que estas ltimas tm ambies mundiais restritas s suas prprias

    capacidades. Tais pretenses poderiam ser limitadas a domnios especficos

    (nuclear, cultural, econmico, diplomtico). A Frana, a Alemanha, a China e o

    Japo estariam nessa categoria. De fato, o que Gounelle relaciona como

    Potncias Mdias seria o que se costuma chamar mais apropriadamente de

    Grandes Potncias, ou seja, Potncias com interesses globais e capacidade de

    influenciar a Sociedade Internacional em diferentes domnios. Ao chamar

    Potncias como China e Gr-Bretanha de Potncias Mdias, Gounelle o faz

    comparando-as s Superpotncias poca, URSS e EUA.

    Pg. 11 - Hegemonia

    Tomamos como base para o conceito de Hegemonia a obra International

    Relations: the Key Concepts, de Martin Griffiths e Terry OCallaghan (London:

    Routledge, 2002).

  • Hegemonia, em grego, significa liderana. Em sentido amplo, portanto, em

    Relaes Internacionais, o hegemon o lder ou o Estado lder de um grupo

    de naes.

    Para que os conceitos de hegemonia e de hegemon sejam aplicveis, presume-

    se que haja uma certa ordem na Sociedade Internacional. Da que, apesar de

    ser o Estado mais poderoso no cenrio internacional, o hegemon s pode

    exercer sua liderana (hegemonia) se houver relaes de poder entre entes em

    um meio internacional.

    Hegemonia consiste, ento, no exerccio de uma liderana ou comando em uma

    sociedade, com base em recursos de poder. Esses recursos fundamentam-se

    em dois aspectos: coero e consenso. Assim, toda relao de poder tem por

    base os graus de coero e consenso exercidos por um ente ou mais de um

    sobre os demais. medida que alterada essa relao, muda tambm a

    liderana no grupo.

    Para o exerccio da hegemonia, o hegemon deve ter capacidade de atuar nas

    esferas de consenso e coero. Uma relao que se baseie apenas na coero

    por meio de recursos de fora militar ou econmica no pode ser

    verdadeiramente hegemnica, da mesma maneira que impossvel a liderana

    da comunidade internacional com fulcro apenas no consenso dos demais atores.

    As relaes internacionais tm sido marcadas pela disputa, por parte das

    Potncias, da hegemonia na Sociedade Internacional. Essa hegemonia, alm de

    poltica, pode ser militar, econmica, cultural ou ideolgica. Pode ser regional ou

    global. Um Estado que seja a Potncia hegemnica em uma dessas reas muito

    provavelmente o ser na maioria das outras. claro que tal liderana pode ter

    diferentes gradaes e que uma grande Potncia econmica em nossos dias

    pode no ter o mesmo poder de influncia cultural ou at militar no cenrio

    internacional.

  • A Sociedade Internacional ser sempre marcada por um hegemon, cujo

    interesse manter o status quo do sistema, diante de outras Potncias que no

    pouparo esforos para se tornar o hegemon. De acordo com a teoria da

    estabilidade hegemnica, o hegemon tem que ter capacidade de garantir a

    ordem do sistema, ordem que deve ser percebida pelos demais entes da

    comunidade como positiva a seus interesses. Para isso, o hegemon deveria

    dispor de alguns atributos: liderana em um setor econmico ou tecnolgico e

    poder poltico baseado no poder militar. Podemos acrescentar a esses atributos

    a capacidade de obter consenso sobre sua liderana.

    Pg. 12 - Hegemonia

    Para Robert Gilpin, a estabilidade internacional depende da existncia de uma

    hegemonia, que tenha tanto capacidade quanto vontade de fornecer bens

    pblicos internacionais, como lei, ordem e moeda estvel. Conforme didtica

    explicao de Griffiths (2004, p. 26-27):

    (...) os mercados no podem crescer em produo e distribuio de bens e

    servios se no houver um Estado que fornea certos pr-requisitos. Por

    definio, os mercados dependem da transferncia, por meio de um mecanismo

    de preo eficiente, de bens e servios que possam ser comprados e vendidos

    entre os principais agentes particulares que permutam direitos de posse. Mas os

    mercados dependem do Estado para lhes dar, por coero, regulamentos, taxas

    e certos bens pblicos que eles sozinhos no podem gerar. Isto inclui uma

    infraestrutura legal de direitos e leis de propriedade para fazer contratos, uma

    infraestrutura coerciva que assegure a obedincia lei, alm de um meio de

    permuta estvel (dinheiro) que assegure um padro de avaliao dos bens e

    servios. Dentro das fronteiras territoriais do Estado, os governos fornecem tais

    bens. claro que, internacionalmente, no existe Estado no mundo capaz de

  • multiplicar sua proviso em escala global. Baseando-se na obra de Charles

    Kindleberger e na anlise de E. H. Carr sobre o papel da Gr-Bretanha na

    economia internacional no sculo XIX, Gilpin argumenta que a estabilidade e a

    liberalizao da permuta internacional dependem da existncia de uma

    hegemonia, que tenha tanto capacidade quanto vontade de fornecer bens

    pblicos internacionais, como lei, ordem e uma moeda estvel para o comrcio

    financeiro.

    Em termos gerais, essa a Teoria da Estabilidade Hegemnica.

    uma teoria importante e voltaremos a ela na Unidade 4, ao tratarmos do

    debate terico travado entre neorrealistas e neoliberais.

    As Potncias hegemnicas so as Grandes Potncias na concepo de Wight,

    e o hegemon nada mais que a Potncia Dominante. A hegemonia poltico-

    ideolgica no planeta, por exemplo, era disputada pelas Superpotncias no

    contexto da Guerra Fria, mas a URSS dificilmente poderia ser caracterizada

    como ameaa hegemonia econmica dos EUA.

    Deve-se esclarecer, todavia, que, durante a maior parte da Guerra Fria,

    imaginava-se que a Unio Sovitica se tornaria uma grande potncia

    econmica.

    Isso especialmente vlido para os anos 30: enquanto as economias

    ocidentais agonizavam por causa da crise de 1929, a economia sovitica

    crescia a taxas espantosamente altas.

  • Pg. 13 - Hegemonia

    Complementando os estudos sobre o conceito de Hegemonia, atente para

    esta aula do Professor Joanisval. Aqui .

    Essas observaes introdutrias so suficientes e fundamentais para a

    compreenso das unidades seguintes e para a discusso dos temas tratados

    neste curso.

    Artigo interessante para concluir os estudos desta Unidade o texto de Joo

    Marques de Almeida, sobre Hegemonia Americana e Multilateralismo.

  • Unidade 3 - Correntes tericas das Relaes Internacionais

    Ao final da unidade, o aluno dever ser capaz de:

    indicar e caracterizar as principais correntes tericas das Relaes

    Internacionais no Sculo XX;

    identificar os principais debates tericos da disciplina

  • Pg. 2 - Teorias de Relaes Internacionais

    O objeto material de qualquer cincia se define pela parcela de realidade que se

    pretende conhecer mediante a formao de teorias e a utilizao de um mtodo

    cientfico (CERVERA, 1991). A teorizao sobre as Relaes Internacionais

    surgiu quando se buscou explicar a existncia e as condutas dos entes

    internacionais. na Grcia Antiga, com a obra de Tucdides, Histria da Guerra

    do Peloponeso, que se tem a primeira manifestao embrionria de uma teoria

    de Relaes Internacionais.

    H algo que as cincias naturais e as cincias sociais, conforme Karl Popper,

    certamente tm em comum: a necessidade da teoria para se desenvolverem.

    Nas palavras de Tomassini (1989, p. 55):

    "A cincia exige algo mais do que fatos e descries de fatos. Exige uma

    explicao de por que ocorreram, que efeitos causaram e algumas predies

    (ou, no caso das cincias sociais, conjecturas) sobre seu comportamento

    provvel no futuro, uma mescla de causalidade, teleologia e prospeco. No

    campo das cincias sociais, como em outras cincias, a teoria chamada a

    ministrar essas explicaes, pondo ordem ao mundo heterogneo e muitas

    vezes incompreensvel dos fatos isolados, e a arriscar algumas predies."

    A Teoria do Equilbrio de Poder

    Comeamos por essa teoria por uma razo simples: para muitos estudiosos da

    poltica internacional, a Teoria do Equilbrio de Poder, tambm conhecida como

  • Teoria do Balano de Poder, o que mais prximo existe de uma teoria poltica

    das relaes internacionais. Arnold Toynbee, conhecido historiador, chegou

    mesmo a dizer que tal teoria constitua uma lei da Histria.

    Na era moderna, com o surgimento e desenvolvimento do Estado-nao,

    multiplicaram-se tambm as teorizaes a respeito das relaes internacionais.

    Em um contexto de anarquia internacional e de conflito entre os Estados, as

    prticas dos agentes e dos atores na Sociedade Internacional levaram

    formulao de uma teoria que pode ser considerada a precursora da anlise

    convencional realista das relaes internacionais, a Teoria do Equilbrio de

    Poder.

    A Teoria do Equilbrio de Poder percebe o cenrio internacional em uma situao

    de equilbrio, no qual o poder distribudo entre os diversos Estados. Quando

    um Estado comea a se destacar e a buscar aumentar seu poder frente aos

    demais, h uma perturbao no equilbrio, e faz-se necessria uma coalizo das

    Potncias para conter o Estado pretensioso e restaurar a ordem. Assim,

    pressupondo o Estado como um ator racional, a teoria defende que o balano ou

    o equilbrio de poder a escolha prefervel e, portanto, a tendncia do sistema

    internacional. A Teoria orientou as relaes internacionais nos quatro sculos

    compreendidos entre a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e a Primeira Guerra

    Mundial (1914-1918). Foi til para justificar as condutas dos Estados e aes de

    governantes em um contexto anrquico e conflituoso, como ser visto nas

    Unidades 2 e 3 do mdulo seguinte deste nosso curso.

    Alguns autores distinguem entre o equilbrio de poder como uma poltica (esforo

    deliberado para prevenir predominncia, hegemonia) e como um padro da

    poltica internacional (em que a interao entre os Estados tende a limitar ou

    frear a busca por hegemonia e, como resultado, resulta num equilbrio geral).

  • Com o fim da Primeira Guerra Mundial e as consequentes mudanas no cenrio

    internacional e no equilbrio de foras, em virtude dos traumas causados pelo

    conflito e do desenvolvimento do discurso pacifista junto opinio pblica

    internacional, a Teoria do Equilbrio de Poder foi questionada. Sob o argumento

    de que essa doutrina no poderia perdurar em um sistema em que a guerra

    deveria ser evitada a qualquer custo, o imediato ps-guerra foi marcado por

    novas concepes sobre as relaes internacionais, baseadas em uma nova

    corrente terica, a qual se fundamentava no Direito Internacional, na soluo

    pacfica das controvrsias e na busca de uma estrutura supranacional que

    garantisse a paz: o Idealismo das Relaes Internacionais.

    Foi, portanto, na primeira metade do sculo XX que os primeiros tericos de

    Relaes Internacionais comearam a desenvolver suas explicaes sobre o

    tema em um contexto de disciplina autnoma. Claro que, em virtude de um objeto

    de estudo to complexo, diversas foram as correntes tericas institudas nas

    ltimas dcadas. Como no este um curso de teoria, pretendemos apresentar

    apenas as linhas gerais das correntes mais reconhecidas.

    Pg. 3 - A fase idealista

    O Idealismo, como ficou conhecida a primeira grande corrente terica de

    Relaes Internacionais, surge em um contexto do final de um conflito muito

    marcante, a Primeira Guerra Mundial, e reflete a crescente preocupao

    daqueles que ento comeavam a teorizar sobre as relaes internacionais:

    Como se poderia buscar a paz na Sociedade Internacional, ou melhor,

    como evitar o conflito, sobretudo blico, entre os Estados?

  • No que se refere ao contexto internacional, lembra Arenal (1984), o clima nunca

    poderia ter sido mais favorvel ao Idealismo. A Grande Guerra havia

    demonstrado a fragilidade da tradicional diplomacia europeia como meio para

    assegurar a ordem e a paz internacional. As enormes perdas humanas e

    materiais produzidas pelo conflito foram responsveis, tambm, pelo advento de

    uma opinio comum universal segundo a qual a guerra deveria ser erradicada

    como instrumento de poltica dos Estados. Pregava-se, ademais, o

    estabelecimento de um modelo de segurana coletiva capaz de evitar novas

    contendas.

    Assim, sob os auspcios do discurso idealista e moralizante do presidente

    estadunidense Woodrow Wilson, foi criada a Sociedade (ou Liga) das Naes

    (SDN), com o objetivo de ser a organizao central de um sistema de segurana

    coletiva e um frum em que os Estados pudessem resolver suas contendas de

    maneira pacfica. A SDN, portanto, contribua para acentuar o otimismo frente ao

    futuro da Sociedade Internacional e estabelecia os fundamentos de um sistema

    dirigido para preservar a paz. Nesse contexto, a teoria internacional dominante

    se orientava pelos caminhos do Idealismo, dos projetos de organizao

    internacional, do estabelecimento de mecanismos tendentes soluo pacfica

    e de propostas de desarmamento. Importncia significativa foi dada pelos

    idealistas ao Direito Internacional e s instituies jurdico-normativas que

    garantissem a ordem nas relaes entre os Estados: ganhava fora o

    institucionalismo nas relaes internacionais.

    Anarquia internacional no significa desordem, mas, sim, ausncia de um

    governo central superior aos Estados (que so soberanos e s prestam contas

    a si mesmos e a outros Atores do sistema). Anarquia , portanto, ausncia de

    governo.

  • O Idealismo partia do princpio de que as relaes internacionais encontram-se

    em estado de natureza, ou seja, de anarquia internacional. As naes devem

    buscar, destarte, superar essa anarquia e estabelecer um contrato social em

    mbito internacional que ordene as relaes entre os povos. Os Estados,

    acreditavam os idealistas, deveriam portar-se de acordo com os mesmos

    princpios morais que guiam a conduta do indivduo. Para estimular ou obrigar

    esses Estados a seguir tais princpios, seria fundamental que se

    institucionalizasse, em escala mundial, o interesse comum de todos os povos em

    alcanar a paz e a prosperidade. O estudo de Relaes Internacionais, como

    disciplina autnoma, mostrou-se como uma cincia da paz.

    Pg. 4 - A fase idealista

    O Realismo e o Idealismo encerram, na verdade, duas vises de mundo opostas,

    em que o ponto de partida a dicotomia anarquia x ordem. Apesar de Tucdides,

    com Histria da Guerra do Peloponeso, antes mesmo de surgirem os conceitos

    de soberania e a tese do estado de natureza, j ter iniciado a moldar uma

    concepo anrquica do mundo, com Thomas Hobbes, em Leviat, e, em

    seguida, com John Locke, em O Estado de Guerra (Captulo III da obra Segundo

    Tratado do Governo Civil), em que se explora, pela primeira vez, o estado de

    natureza anrquico a respeito das relaes internacionais.

    Segundo Lijphart (1982), as noes de soberania e de anarquia internacional

    inspiraram trs teorias interligadas: a do governo mundial, a do equilbrio de

    poder (ou balano do poder) e a da segurana coletiva.

  • Segundo a teoria do governo mundial, dado que a anarquia responsvel pela

    tenso internacional, necessrio celebrar um contrato social internacional para

    instituir um governo mundial soberano e nico, para pr fim anarquia.

    A teoria do equilbrio de poder, ao contrrio, defende que a luta pelo poder entre

    os Estados soberanos tende a gerar um equilbrio, o qual no alimenta uma

    tenso perptua, mas cria uma ordem internacional.

    Para a teoria da segurana coletiva, o melhor seria que os Estados se

    empenhassem em tomar medidas coletivas contra todo agressor, o que acabaria

    atenuando a anarquia internacional.

    Todas essas teorias aceitam a tese de que a anarquia reina entre os Estados

    soberanos. Segundo Inis L. Claude, citado por Lijphart, essas trs teorias

    correspondem a estgios sucessivos de uma progresso em direo a uma

    centralizao cada vez mais repleta de autoridade e poder (no sentido balano

    de poder > segurana coletiva > governo mundial). O mundo nunca passou do

    segundo estgio, o qual foi, na verdade, o foco da maior parte dos autores

    idealistas.

    Historicamente, no desenvolvimento do sistema de Estados da Europa,

    soberania normalmente associada aos trabalhos de Jean Bodin e Thomas

    Hobbes, nos quais significava o direito de exercer poder irrestrito. Todavia, a

    histria do sistema de Estados modernos, do sculo XVII em diante, uma

    tentativa de se distanciar da rigidez dessa concepo original em busca da ideia

    de igualdade formal.

  • Para as Relaes Internacionais, particularmente importante a viso

    construda por Hugo Grcio sobre a sociedade internacional a partir da teoria do

    contrato. Grcio, considerado o pai do Direito Internacional, defendeu ser o

    direito um conjunto de normas ditadas pela razo e sugeridas pelo appetitus

    societatis. A base da doutrina de Grcio a solidariedade, ou potencial

    solidariedade, entre os Estados em relao aplicao da lei internacional, e

    procura estabelecer uma ordem mundial restringindo os direitos dos Estados de

    irem para a guerra por motivaes polticas e promover a ideia de que a fora s

    pode ser legitimamente usada em nome dos objetivos e anseios da comunidade

    internacional como um todo.

    Grcio, como se observa, apresenta uma hiptese inversa do equilbrio de

    poder. Para ele, existe um fundamento comum de normas morais e jurdicas, e

    o mundo uma sociedade composta de Estados onde reina um consenso

    normativo suficientemente amplo e intimidador para que a noo de estado de

    natureza e de anarquia internacional no seja aplicvel. A tese de Grcio parte

    da noo de anarquia, mas a minimiza para efeitos de teorizao,

    desconsiderando a relao necessria entre anarquia e guerra, relao esta

    reduzida a mera hiptese (e no a um dado ou premissa, como fazem os

    realistas).

  • Pg. 5 - A fase idealista

    A teoria e a prtica das relaes internacionais desde a Primeira Guerra Mundial,

    principalmente com o Pacto da Liga das Naes (o Pacto de Paris), a Carta da

    Organizao das Naes Unidas (ONU) e a Carta do Tribunal Internacional de

    Nuremberg, derivam da frmula grociana, que concebe a sociedade

    internacional de forma ordenada, fruto da analogia com a alegoria da sociedade

    domstica usada pelos tericos do contrato social dos sculos XVII e XVIII.

    Edward Hallett Carr, autor do clssico Vinte Anos de Crise: 1919-1939, cuja

    primeira edio foi lanada logo aps o desencadeamento da Segunda Guerra

    Mundial, em 1939, analisa a dicotomia entre uma perspectiva utpica e a prtica

    realista dos Estados e ilustra bem a maneira como os idealistas viam as relaes

    internacionais e os argumentos que utilizavam ao tratarem das interaes entre

    os povos:

    O aspecto teleolgico da cincia da poltica internacional tem estado evidente

    desde o princpio. Surgiu de uma grande e desastrosa guerra; e o objetivo-

    mestre que inspirou os pioneiros da nova cincia foi o de evitar a recidiva dessa

    doena do corpo internacional. O desejo passional de evitar a guerra determinou

    todo o curso e direo iniciais do estudo. Como outras cincias na infncia, a

    cincia poltica internacional tem sido marcada e francamente utpica. Ela se

    encontra no estgio inicial, no qual o desejo prevalece sobre o pensamento, a

    generalizao sobre a observao, e poucas tentativas so efetuadas de uma

    anlise crtica dos fatos existentes e dos meios disponveis. Neste estgio, a

    ateno est concentrada quase exclusivamente no fim a ser alcanado.

    Carr cita, ainda, o discurso do Presidente Wilson que refletia o pensamento

    idealista geral e que continha a resposta de Wilson: se no funcionar, teremos

    que faz-lo funcionar!, quando indagado se aquele modelo moralizante e

    pacifista funcionaria e esclarece:

  • "O advogado de um plano para uma fora de polcia internacional, ou para a

    segurana coletiva, ou de algum outro projeto para uma ordem internacional,

    geralmente responde crtica, no com um argumento destinado a mostrar como

    e por que ele pensa que seu plano funcionaria, mas sim, ou com uma declarao

    de que ele tem que ser posto a funcionar porque as consequncias de sua

    ausncia de funcionamento seriam desastrosas, ou com a demanda por alguma

    panaceia alternativa."

    Aps a Primeira Guerra Mundial, a Liga das Naes foi um esforo especfico da

    poltica internacional de substituir o princpio do equilbrio de poder pelo princpio

    da segurana coletiva. Tal princpio, que sustentou a criao daquela

    Organizao, foi elaborado para remover a necessidade de equilbrio ou

    balano. Para os realistas, essa sua remoo no perodo entreguerras teria sido

    justamente a causa da Segunda Guerra Mundial. Como resultado, o sistema

    internacional ps-1945 deixou de ser explicado em termos do princpio idealista

    da segurana coletiva, e noes de bipolaridade e multipolaridade, tpicas das

    anlises de balano de poder, o substituram. Chegou-se mesmo, nos perodos

    mais quentes da Guerra Fria, em se falar de balano de terror.

    Para reforar e ilustrar os conceitos acima, assista ao vdeo.

  • Pg. 6 - A fase realista

    A dcada de 1930, entretanto, caracterizada por uma crescente instabilidade

    internacional, consequncia de comoes polticas, econmicas e ideolgicas,

    internas e internacionais, e pelo fracasso do sistema da Sociedade das Naes

    e da poltica de apaziguamento das democracias europeias, marca a decadncia

    da perspectiva idealista para a teoria das Relaes Internacionais. Nesse

    perodo, tem-se o debate entre o Idealismo e uma nova corrente que ganhava

    fora, o Realismo Poltico.

    Os acontecimentos internacionais novamente foram essenciais para a mudana

    no aporte terico. O Realismo representou, em um primeiro momento, a reao

    dos especialistas s insuficincias tericas e prticas dos idealistas, no contexto

    de convulses internacionais dos anos trinta e da prpria Segunda Guerra

    Mundial. Para os realistas, o apelo opinio pblica e razo humanista,

    preconizada pelos idealistas, mostrou-se incapaz de prevenir a guerra, fazendo-

    se necessrio retomar as ideias de segurana nacional e de fora militar como

    suportes da diplomacia. Apenas por meio de um poder efetivo, acreditavam, os

    Estados poderiam assegurar a paz internacional e a soluo pacfica das

    controvrsias. Carr assinalava que o significado ltimo da crise internacional era

    "o colapso da total estrutura do utopismo baseado no conceito de harmonia de

    interesses".

    A pragmtica nova gerao de estudiosos do ps-Segunda Guerra Mundial

    baseava-se no pensamento clssico maquiavlico e hobbesiano e via na defesa

    dos interesses nacionais, em relao a poder, o grande eixo da conduta dos

    Estados soberanos no meio internacional. O Realismo encontrou maior respaldo

    nos EUA. Desse pas, a doutrina realista difundiu-se pelo globo, tornando-se a

    corrente terica mais relevante para explicar as Relaes Internacionais.

  • Abordaremos essa corrente com mais detalhes a seguir e tambm em unidade

    prpria.

    Atualmente, cerca de 90% da produo acadmica dos EUA em Relaes

    Internacionais tm por fundamento a corrente realista.

    Pg. 7 - Behavioristas e ps-behavioristas

    A terceira fase da Teoria das Relaes Internacionais desenvolveu-se tambm

    nos EUA como resposta aos excessos do Realismo. Trata-se de uma

    aproximao com a vertente behaviorista da Sociologia. Essa corrente ficou

    conhecida como behaviorista ou cientfica. Para Arenal (1984, p.82):

    No incio dos anos cinquenta, alguns especialistas norte-americanos em poltica

    de segurana nacional repensam os postulados do realismo poltico, com base

    no carter impreciso e intuitivo dos mesmos para a anlise da realidade

    internacional, e buscam um enfoque de carter cientfico capaz de dar resposta

    complexidade das Relaes Internacionais. O impacto dos mtodos de

    pesquisa e os modelos das cincias fsico-naturais so notados com fora nas

    pesquisas que comeam a pr em marcha. A partir desse momento, uma onda

    de cientificismo, que trata de desenvolver uma cincia das Relaes

    Internacionais, com base na aplicao de mtodos quantitativo-matemticos,

  • invade as Relaes Internacionais, impondo-se o que se denominou perspectiva

    behaviorista ou conducista.

    Para os behavioristas, o objetivo das Relaes Internacionais o

    comportamento dos atores. O estudo desse objeto deve atentar para parmetros

    que envolvam fases como a coleta e a elaborao de dados, o tratamento

    quantitativo desses dados e, finalmente, a produo de modelos dentro do rigor

    cientfico das cincias exatas. Para os behavioristas, os estudos devem estar

    sempre voltados para os casos concretos, a partir dos quais uma linguagem

    cientfica das cincias sociais deve ser elaborada com base em dados empricos,

    rejeitando-se anlises provenientes do Direito, da Histria ou da Filosofia. Entre

    os vrios enfoques da corrente behaviorista, convm destacar a Teoria da

    Tomada de Decises, a Teoria Sistmica das Relaes Internacionais e a Teoria

    dos Jogos. Os autores cientficos mais renomados so Morton Kaplan, David

    Singer e G. T. Allison.

    O desenvolvimento da corrente cientfica gerou um grande debate nos anos

    sessenta entre os tradicionalistas filosfico-intuitivos (idealistas e realistas) e os

    cientficos (behavioristas).

    Finalmente, Arenal identifica uma quarta fase, motivada pelo que David Easton

    (1969) chamou de nova revoluo da cincia poltica, e que se convencionou

    chamar de ps-behaviorismo. Essa nova revoluo ter-se-ia produzido devido a

    uma profunda insatisfao com a pesquisa poltica e os ensinamentos

    behavioristas, sobretudo por quererem converter o estudo da poltica em uma

    cincia segundo o modelo fsico-natural. As bandeiras levantadas pelos ps-

    behavioristas so ao e relevncia. O novo movimento, sem abandonar o

    enfoque cientfico do behaviorismo, dirige sua ateno conduta humana

    enquanto tal e aos problemas reais do mundo, s motivaes e aos valores

    subjacentes a toda conduta. Busca-se uma pesquisa com nfase ao caso

  • concreto, dando ateno a um objeto de anlise que difere dos objetos das

    cincias exatas. O ps-behaviorismo constituiu, portanto, a sntese do debate

    entre as concepes tradicionalistas e as cientficas.

    Pg. 8 - Realismo, Pluralismo e Globalismo

    Atualmente, a doutrina reconhece trs grandes correntes tericas das Relaes

    Internacionais: o Realismo, o Pluralismo e o Globalismo. So tambm chamados

    de paradigmas tericos, dado que as variadas teorias que existem na disciplina

    podem ser encaixadas em uma dessas trs correntes. O Realismo trabalha mais

    com os conceitos de poder e equilbrio de poder, o Globalismo com dependncia,

    e o Pluralismo, por sua vez, com os conceitos de processo de tomada de deciso

    e transnacionalismo.

    Vamos abord-las brevemente a seguir.

    Assistindo ao vdeo abaixo, ainda com o Professor Joanisval, um dos

    conteudistas deste curso, voc ter uma viso introdutria do surgimento do

    Realismo. Aqui.

  • Realismo

    O Realismo tem algumas proposies bsicas.

    Primeiro, o Estado o ator principal no meio internacional, e o estudo das

    relaes internacionais foca essa unidade poltica. Atores no estatais, como as

    empresas multinacionais, so menos relevantes para a anlise, e as

    organizaes internacionais, como a ONU ou a OTAN, no possuem existncia

    autnoma ou independente, porque so compostas de Estados, as verdadeiras

    unidades soberanas, independentes e autnomas, que determinam o

    comportamento dessas organizaes internacionais.

    O Conselho de Segurana da ONU, por exemplo, que era uma forma de

    gerncia do poder na viso realista, foi paralisado, durante a Guerra Fria, pelo

    veto os interesses de poder da URSS e dos EUA iam em sentidos opostos e,

    por consequncia, impediam a organizao de funcionar. No ps-Guerra Fria,

    apesar da superao das rivalidades dentro do Conselho, a Organizao ainda

    no funcionava automaticamente, dependendo, em cada circunstncia, do

    interesse dos Estados para atuar. Realistas citam, por exemplo, o contraste

    entre a ao rpida na Guerra do Golfo e a inrcia diante da crise iugoslava.

    Segundo, os Estados so atores unitrios. So unitrios porque quaisquer

    diferenas de viso entre os lderes polticos ou burocracias dentro do Estado

    so, no final das contas, resolvidas, para que o Estado fale uma s voz.

    Terceiro, os Estados so atores racionais. Isso porque, dados certos objetivos,

    trabalham com alternativas viveis para alcan-los, luz de suas capacidades,

    por meio de uma anlise de custo-benefcio. Os realistas reconhecem a

  • existncia de problemas como falta ou rudo de informao, incerteza, pr-

    julgamento e erros de percepo, mas, contudo, pressupem que os tomadores

    de deciso no medem esforos para alcanar a melhor deciso possvel.

    Finalmente, para os realistas, a segurana nacional a questo de maior

    importncia para a agenda de poltica exterior de qualquer Estado. Questes

    polticas e militares dominam a agenda e so chamadas de alta poltica (high

    politics). Os Estados atuam para maximizar o interesse nacional. Em outras

    palavras, os Estados tentam maximizar a probabilidade de atingirem qualquer

    objetivo que tenham estabelecido, o que inclui preocupaes de alta poltica

    relativas sobrevivncia do Estado (segurana) assim como os objetivos de

    baixa poltica ligados a esse campo, como comrcio, finanas, cmbio e bem-

    estar.

    A guerra responsiva dos EUA contra o Afeganisto, aps os ataques terroristas

    de 11 de setembro de 2001, e sua guerra preventiva contra o Iraque, em 2003,

    evidenciam o conflito alta poltica x baixa poltica, pois, durante os quatro anos

    do Governo Bush, os democratas o criticaram constantemente por ter

    abandonado as questes de economia domstica em nome da segurana

    nacional. At mesmo o direito interno foi suspenso nos EUA: vm sendo negados

    a vrios suspeitos, estrangeiros e nacionais, direitos garantidos

    constitucionalmente, em ampla afronta ao princpio do devido processo legal

    (due process of law), conquista de mais de dois sculos da sociedade norte-

    americana.

  • Pg. 9 - Pluralismo

    Assista aula introdutria, gravada no curso presencial no ILB, sobre

    Pluralismo. Vamos l!

    Os anos de 1980 e 1990 deram fora corrente terica conhecida como

    Pluralismo, que veio para desafiar as proposies do Realismo. Nessa corrente

    normalmente se enquadram os neoliberais.

    O Pluralismo baseado em quatro proposies bsicas.

    Primeiro, atores no estatais so importantes na poltica internacional.

    Organizaes internacionais, por exemplo, podem tornar-se, em algumas

    questes, atores independentes, ao contrrio do que defendem os realistas. Elas

    so mais do que simples fruns em que Estados competem e cooperam uns com

    os outros. O corpo de funcionrios de uma organizao internacional pode reter

    um grau expressivo de poder ao determinar os termos de uma agenda, assim

    como ao fornecer informaes sobre em quais representantes de Estado

    baseiam suas demandas (como acontece com o FMI em relao aos pases que

    pedem emprstimos alm de suas cotas, e, por consequncia, precisam seguir

    o receiturio do consenso de Washington).

    Similarmente, organizaes no governamentais, como a WWF, e corporaes

    multinacionais, como a Petrobras, a IBM, a Sony, a General Motors, a Exxon, o

  • Citicorp, entre vrias outras, tambm desempenham papis importantes na

    poltica mundial. Atualmente, lembram os pluralistas, at mesmo na rea

    comercial as ONGs tm sido chamadas a atuar.

    Para os pluralistas, tambm no se poderia negar o impacto de atores no

    estatais, como grupos terroristas (como a Al Qaeda), comerciantes de armas da

    mfia russa, movimentos guerrilheiros, como as FARC colombianas etc.

    Segundo, para os pluralistas, o Estado no um ator unitrio. O Estado

    composto de indivduos, grupos de interesse e burocracias que competem entre

    si. Apesar de as decises serem noticiadas como decises de tal pas,

    geralmente mais correto se falar em deciso feita por uma coalizo

    governamental particular, uma agncia burocrtica do Executivo ou mesmo um

    nico indivduo. A deciso no tomada por uma entidade abstrata chamada

    Brasil, China ou EUA, mas por uma combinao de atores por trs da

    definio da poltica externa.

    Diferentes organizaes podem apresentar perspectivas distintas em

    determinada questo de poltica externa. Competio, formao de coalizes e

    compromissos eventualmente resultaro numa deciso que ser anunciada

    como uma deciso do pas. Essa deciso estatal pode ser o resultado de

    lobbies levado a efeito por atores no governamentais (como o lobby dos

    fazendeiros norte-americanos contra o fim dos subsdios agrcolas, das

    empresas multinacionais, de grupos de interesse, ou mesmo de um ente amorfo,

    a opinio pblica). Assim, para os pluralistas, o Estado no pode ser visto como

    um ator unitrio, uma vez que tal rtulo perderia de vista a multiplicidade de

    atores que formam e compem a entidade chamada de Estado-nao.

    Terceiro, os pluralistas desafiam a suposio realista de que o Estado um ator

    racional. Dada a viso pluralista e fragmentada do Estado, pressupe-se, ao

  • contrrio, o choque de interesses, a barganha e a necessidade de compromisso

    que nem sempre levam a um processo de tomada de deciso racional.

    Por fim, para os pluralistas, a agenda da poltica internacional extensa. Embora

    a segurana nacional seja importante, os pluralistas tambm se preocupam com

    um nmero variado de questes econmicas, sociais, energticas e ecolgicas

    que tm surgido com o aumento da interdependncia entre os pases e as

    sociedades nos sculos XX e XXI. Alguns pluralistas, por exemplo, enfatizam o

    comrcio e as questes monetrias e energticas, as quais estariam no topo da

    agenda internacional. Outros dedicam-se soluo do problema demogrfico e

    da fome no Terceiro Mundo. Outros, ainda, focam a poluio e a degradao do

    meio ambiente. Nesse sentido, os pluralistas rejeitam a dicotomia entre alta

    poltica (high politics) e baixa poltica (low politics) dos realistas.

  • Pg. 10 - Globalismo

    Para introduzir o conceito de Globalismo, assista ao vdeo e, em seguida, leia

    atentamente o texto que se segue!

    Historicamente, o Globalismo se relaciona com o surgimento do Terceiro Mundo

    na poltica mundial. Nesse sentido, representa uma viso ignorada e

    desprestigiada da realidade internacional. Para eles, a hierarquia, como uma

    caracterstica chave, mais importante do que a anarquia, dada a desigualdade

    na distribuio do poder dentro do sistema.

    Vimos que os realistas organizam seus estudos em torno da questo bsica de

    como a estabilidade pode ser mantida num macroambiente anrquico. Os

    pluralistas se perguntam como mudanas pacficas podem ser promovidas num

    mundo que crescentemente interdependente poltica, militar, social e

    economicamente. Os globalistas, por sua vez, se concentram na questo de por

    que tantos pases do Terceiro Mundo na Amrica Latina, na frica e na sia no

    tm conseguido se desenvolver. Para muitos globalistas, mais ligados linha

    marxista, essa questo faz parte de um campo maior de anlise: o

    desenvolvimento do capitalismo no mundo.

    Os globalistas so guiados por quatro proposies.

    Primeiro, necessrio entender o contexto global em que Estados e outros

    atores interagem. Os globalistas argumentam que para explicar o

    comportamento em qualquer nvel de anlise o individual, o burocrtico, o

    societrio e o estatal , necessrio, antes, entender a estrutura geral do

  • sistema global no qual esses comportamentos se manifestam. Assim como os

    realistas, globalistas acreditam que o ponto de partida da anlise o sistema

    internacional. Numa extenso mais larga, o comportamento de atores individuais

    explicado por um sistema que fornece limitaes e oportunidades.

    Segundo, os globalistas realam a importncia da anlise histrica na

    compreenso do sistema internacional. Apenas rastreando a evoluo histrica

    do sistema possvel entender sua e