Relações precoces
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EU COM OS OUTROS
Relação precoce: relação recíproca que tem por base o conjunto de comportamentos (sorrir, chorar, vocalizar, agarrar, gatinhar) que nos primeiros tempos de vida permitem estabelecer a ligação afectiva entre a criança e quem dela cuida.
O ser humano nasce inacabado (neotenia), o que faz faz com que, após o nascimento, dependa durante muito tempo dos adultos para sobreviver.
Wilfred Bion (psicanalista britânico especialista em dinâmica de grupos, 1897-1979), face à ansiedade vivida pelo bebé, sugere três possibilidades da actuação por parte da mãe:
Interpretá-la como teatral: agrava a situação de ansiedade (mãe não-continente).
Ficar alarmada: passa para o bebé a sua própria ansiedade (mãe não-continente).
Acolhê-la para si: transforma a inquietação em segurança (mãe continente).
“As caras que ela faz para o bebé, a maneira como utiliza a fala, não só naquilo que diz, mas nos sons que emite, os movimentos da cabeça e do corpo, as coisas que faz com as mãos e os dedos, a posição que toma em relação ao bebé, e o tempo e o ritmo das suas reacções, tudo isto se torna diferente.”
STERN, D. Bebé-Mãe: Primeira relação humana, Moraes, 1980.
A 1ª teoria consistente sobre a vinculação precoce é proposta em 1969 por John Bowlby (1907-1990), psiquiatra e psicanalista inglês.
VINCULAÇÃO designa a necessidade inata, básica - e não dependente de outras necessidades como, por exemplo, a alimentação - de ligação do bebé à mãe e desta ao bebé, e que se expressa por um conjunto de comportamentos característicos da espécie.
Afirma que os fundamentos da personalidade do adulto são construídos a partir das ligações precoces e socioafectivas da criança e que estas ligações – vínculos –repousam sobre necessidades e fundamentos biológicos.
A base do desenvolvimento humano radica, assim, na sensação de confiança.
Confiança esta que apenas se desenvolve com base em ligações afectivas sólidas - vinculação(attachment) - construídas ao longo da infância.
A teoria da vinculaçãotrouxe novas perspectivas sobre a psicopatologia e desenvolvimento infantil, contribuindo quer para a alteração drástica de atitudes e comportamentos em relação à 1ª infância, quer ainda para a remodelação e humanização de instituições (creches, orfanatos, prisões, hospitais, etc.)
O comportamento de vinculação (reacção observável) destina-se a favorecer a proximidade e informa a mãe do desejo de interacção do bebé.
Incluem-se nos comportamentos de vinculação o sorriso, a vocalização, o agarrar, o gatinhar, mas também o choro.
O sorriso aparece prematuramente. É inicialmente um acto reflexo, automático.
Entre as 6 e as 12 semanas aparecem os primeiros sorrisos activos e intencionais, produto da comunicação entre o bebé e a figura de vinculação.
Aos 6 meses, o sorriso constitui já um acto social dirigido a figuras preferenciais.
O choro constitui um modo eficaz de atrair a atenção de quem cuida da criança.
Existem quatro tipos de motivação para o choro (dor, fome, aborrecimento e desconforto)
O choro provoca automaticamente nos adultos reacções de preocupação, de responsabilidade.
As vocalizações do bebé funcionam desde muito cedo como estímulo para as vocalizações dos adultos.
A troca depressa adquire a forma de conversação, servindo a interacção social e compensando os adultos pela atenção dispensada.
As emoções manifestam-se através de expressões faciais.
O psicólogo Carrol Izarddefendeu uma semelhança entre a expressão das emoções básicas do bebé e as do adulto (alegria, tristeza, medo, desejo, surpresa, raiva, repugnância).
As expressões faciais têm um valor comunicacional.
“A mãe é uma necessidade biológica; o pai um acidente social.”
Margaret Mead(antropóloga cultural norte americana-1901-1978)
Associado ao conceito de comportamento de vinculação está o de figura de vinculação, conceito que inicialmente, por uma questão de simplificação, se reportava exclusivamente à mãe, mas que, graças às progressivas definições, hoje conhece novas interpretações.
É conveniente que as crianças tenham várias figuras de vinculação (mãe, pai, irmãos mais velhos, avós, tios, educadoras, etc).
Apesar de hierarquias de preferência entre elas, a existência de diversas figuras facilita a aprendizagem por observação, a estimulação rica e variada.
O importante, mais do que a quantidade, é, porém, a qualidade da relação de vinculação.
Dos 0 aos 6 meses •Desenvolvem-se os processos de discriminação de figuras de vinculação, sendo particularmente sensível o período dos 4 aos 6 meses.•É importante a presença contínua de uma figura de vinculação.•As separações devem ser breves.
6 meses aos 3 anos •Entram em acção os esquemas de vinculação ligados ao objectivo principal: manter-se bastante próximo da figura de vinculação.•O sistema de vinculação está completamente estabelecido entre os 7 e os 9 meses.•Os bebés manifestam preferências pelas figuras de vinculação.•Os bebés revelam medo e, por vezes, rejeição total por certas figuras.
Após os 3 anos •A criança desenvolve vontade própria e compreende as acções do outro.•O desenvolvimento da linguagem e da sua capacidade de pensar em função do tempo e do espaço permite-lhe suportar o afastamento da figura de vinculação.
Estruturação da sexualidade: pode estar relacionada com as representações relacionais que se constroem durante a primeira infância.
Regulação emocional: está dependente de toda uma construção da afectividade que a vinculação permite.
Interacções sociais positivas: um vinculo seguro e confiante desenvolve sentimentos de segurança e confiança nos outros.
INDIVIDUAÇÃO: necessidade sentida pelo ser humano de criar a sua própria identidade, a sua individualidade, e de se distinguir dos outros que lhe são próximos.
Em articulação com o processo de vinculação desenvolve-se o processo de individuação.
O conceito de individuação diz respeito à necessidade primária do ser humano criar a sua própria identidade, a sua individualidade, de se distinguir daqueles com quem mantém laços de vinculação.
Na primeira infância a vinculação tem um papel importantíssimo, dominando as relações que a criança mantém com os outros, designadamente com os progenitores.
Na adolescência, que é uma etapa do ciclo vital que se caracteriza pela necessidade de autonomia, domina o processo de separação –individuação.
Durante a primeira metade do século 20, muitos psicólogos acreditavam que demonstrar afecto pelas crianças era apenas um gesto sentimental que não servia de nada.
O psicólogo Comportamental John B. Watson, uma vez chegou a alertar os pais, "Quando tiver vontade de acariciar o seu filho, lembre-se que o amor materno é um perigoso instrumento." De acordo com muitos pensadores da época, o carinho só espalharia doenças e levaria a problemas psicológicos no futuro.
Harlow(psicólogo norte-americano, 1905-1981), através das suas experiências com macacos Rhesus, vem provar que a necessidade de conforto e afecto cria um vinculo mais forte com a figura materna do que a satisfação das necessidades básicas de nutrição.
Harlow separou da mãe 8 macacos Rhesus pequenos e criou-os em jaulas, com duas mães substitutas.
Uma é um bloco de madeira, suavizado com esponja e coberto de pano.
A outra é feita de arame e está munida de um sistema de alimentação que termina numa tetina.
Verifica que os macacos passam a maior parte do seu tempo agarrados ao substituto coberto de pano.
Este laço mantém-se mesmo depois de longas separações.
Em situações estranhas agarravam-se à mãe de pano até se acalmarem.
Harlow concluiu que a necessidade de conforto afectuoso é inata e que é mais forte do que a necessidade de nutrição.
Foi Spitz (1887-1974, psiquiatra infantil e psicanalista) quem, pela primeira vez chamou a tenção para a Dor Psíquica (depressão) em fases precoces de desenvolvimento, resultante da privação afectiva.
A síndrome do Hospitalismoresulta da ruptura total e duradoura da relação afectiva precoce, durante os primeiros 18 meses de vida.
Caracteriza-se por um atraso global de desenvolvimento (psíquico, relacional, mas também físico e biológico).
No primeiro mês de separação, a criança abandonada chora e procura a proximidade e o conforto de outros seres humanos.
No segundo mês, o choro contínuo vai dando lugar ao lamento e ao gemido. A criança perde peso e o seu desenvolvimento psicomotor é interrompido.
No terceiro mês de separação, a criança evita o contacto humano e a actividade motora. Passa longas horas deitada (marasmo) e sofre de insónias.
Mary Ainsworth(psicóloga canadiana – 1913-1999) passou 3 anos no Uganda, mais precisamente de 1953 a 1956, onde realizou um estudo que desenvolveria anos mais tarde em Baltimore, EUA.
A metodologia assentava num procedimento para a avaliação da segurança da vinculação, denominadoSituação Estranha, aplicado em crianças entre os 12 e os 18 meses .
A Situação Estranha comporta diversos elementos geradores de insegurança na criança:
Um ambiente estranho, desconhecido;
Presença de pessoas estranhas;
Separação da mãe.
O procedimento pretende verificar se, e de que forma a criança consegue utilizar o apoio da mãe para manter/recuperar a segurança e a capacidade de explorar o ambiente.
A Situação Estranha é composta por 8 etapas:
A criança entra com a mãe para uma sala alcatifada, onde há brinquedos;
A criança é encorajada a ir para o chão e explorar os brinquedos, sem que a mãe interfira;
Uma mulher estranha entra, começa a conversar com a mãe, depois tenta interagir com o bebé;
A mãe sai, deixando o bebé com a estranha, que interage com ele;
A estranha sai, deixando o bebé sozinho na sala;
A mãe reentra.
Vinculação Segura - ± 65%
Procuram e mantêm activamente o contacto com a mãe após o reencontro;
Rapidamente se acalmam e retomam a exploração com a chegada da mãe.
Vinculação Evitante - ± 20%
Mostram-se aparentemente pouco perturbadas com a separação;
Evitam o contacto com as mães no reencontro (evitando o olhar e quando se encontram ao colo da mãe querem voltar para o chão).
Vinculação Resistente/Ambivalente - ± 15%
Reagem às separações com muita perturbação;
São difíceis de consolar na reunião;
Têm visível dificuldade em “sintonizar” com a mãe.
A resiliência é a capacidade de adaptação positiva a situações humanas ou naturais adversas.
Engloba dois conceitos fundamentais:
O risco – onde se incluem características da personalidade e/ou ambientais;
Factores de protecção – de ordem psicológica, familiar e ambiental, que permitem fazer face à situação de risco.
Não há possibilidade de resiliência se não existirem, ou se o sujeito não encontrar, factores alternativos de protecção.