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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA
INSTITUTO DE LETRAS E LINGUSTICA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ESTUDOS LINGUSTICOS
A RELEVNCIA DOS EQUVOCOS DE ESCRITA PARA AS AULAS
DE LNGUA PORTUGUESA
DIOGO GOMES NOVAES
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DIOGO GOMES NOVAES
A RELEVNCIA DOS EQUVOCOS DE ESCRITA PARA AS AULAS
DE LNGUA PORTUGUESA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Estudos Lingusticos do
Instituto de Letras e Lingustica da
Universidade Federal de Uberlndia, como
requisito parcial para a obteno do ttulo de
mestre em Estudos Lingusticos.
rea de concentrao: Estudos em Lingustica
e Lingustica Aplicada.
Linha de Pesquisa: Linguagem, Texto e
Discurso.
Orientador: Prof. Dr. Ernesto Srgio Bertoldo.
UBERLNDIA, FEVEREIRO DE 2013
Pesquisa financiada pela FAPEMIG
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DIOGO GOMES NOVAES
A RELEVNCIA DOS EQUVOCOS DE ESCRITA PARA AS AULAS
DE LNGUA PORTUGUESA
Dissertao defendida e aprovada em 27 de Fevereiro de 2013 pela banca examinadora
constituda pelos professores abaixo assinados:
____________________________________________________
Prof. Dr. Ernesto Srgio Bertoldo - UFU Orientador
____________________________________________________
Profa. Dra. Carla Nunes Vieira Tavares - UFU
____________________________________________________
Profa. Dra. Claudete Moreno Ghiraldelo - ITA
Uberlndia, 27 de Fevereiro de 2013
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"Tudo que imaginrio tem, existe, .
Sabia? Que tudo que imaginrio existe, e tem? Estamira.
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Meus Agradecimentos
Ao Prof. Dr. Ernesto Bertoldo por sua tica na qual se destaca um corao
humano e compreensivo. A sua aposta foi uma das condies fundamentais para a
realizao desse trabalho e seus gestos de professor e orientador sero sempre um ponto
de referncia.
Ao Programa de Ps Graduao em Estudos Lingusticos do Instituto de Letras e
Lingustica da Universidade Federal de Uberlndia e s professoras Dra. Alice Cunha e
Dra. Dilma Melo, que coordenaram o PPGEL durante o meu perodo de mestrado.
FAPEMIG por financiar e viabilizar a produo do trabalho em questo.
Aos professores e colegas integrantes do GELP - Grupo de Estudos em
Linguagem e Psicanlise, GELS - Grupo de Estudos em Linguagem e Subjetividade
(sobretudo, Profa. Dra. Crmem Agustini) e ao GEPEC - Grupo de Estudos em
Psicanlise e Cultura (em especial, In Nascimento), bem como aos participantes do
GECLIPS Grupo de Estudos sobre a Criana (e sua linguagem) na Clnica Psicanaltica
(com nlevo Cirlana Rodrigues e Aline Accioli) pelas interlocues.
Gostaria de registrar minha gratido tambm Profa. Dra. Carla Tavares pelas
valiosas oportunidades de interlocuo, sempre acompanhadas de sua alegria,
generosidade e equilbrio. Tambm, agradeo imensamente Profa. Dra. Vilma
Botelho, sobretudo, por sua capacidade singular de ouvir e por seus gestos sempre
prontos a auxiliar e acolher.
Aos meus amigos, cujos laos dispensam explicaes: Nathlia Attux e famlia,
Daura Melo, Fernando Freitas e famlia, Carla Oliveira e famlia, Danilo Correa, Flvio
Santos, Aline Monteiro, Carla Blanco, Rogrio Ribeiro Cardoso, Rodrigo Ribeiro
Cardoso, Joana Darc Moura e famlia, Rita Campos, Mariana Canciano, Eudes e
famlia, Edvnia, Thalita Polom, Raquel Prado, Mariana Nascimento...
Aos meus avs, Gerson e Maria do Carmo pelos braos sempre abertos ao
abrao. tia Ana, meu anjo da guarda na forma mais humana possvel. Ao meu tio
Hlio e aos meus primos Luciano e Aline pelo carinho e presena que sempre foram
incondicionais. s minhas primas Amanda e Germana pelo carinho. Ao Lo, cuja
partida recente deixou um imenso vazio em minha vida.
Agradeo tambm aos meus tios Ney e Ktia e s minhas primas Natlia e
Marlia pelo carinho e apoio sincero e incondicional.
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Dedicatria
minha me, com saudade e gratido.
Mariana, com alegria!
Aos meus alunos, meus verdadeiros mestres.
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Resumo
A pesquisa em questo foi motivada por ocorrncias de sala de aula em que, por um
lado, meus alunos demonstravam ter aprendido contedos que integram a variante
padro da Lngua Portuguesa, mas, por outro, a despeito de tais indcios de
aprendizagem, esses conhecimentos no eram mobilizados na escrita. Essa hincia entre
aprender e supostamente aplicar se acirrava em situaes em que, ao serem
questionados sobre a prpria escrita, os prprios alunos assumiam as adequaes que
deveriam ser feitas no texto. Ocorrncias dessa natureza pareciam denunciar que a
aprendizagem no garante a aplicao de um contedo e em consequncia disso, um
equvoco de escrita no poderia ser confundido com um erro de escrita. A partir dessa
inquietao, esta dissertao ancora-se teoricamente em conceitos mobilizados tanto do
campo designado Ensino de Lngua Portuguesa quanto do mbito da Psicanlise
Lacaniana, tendo por hiptese que ao sustentar uma implicao com o aluno e seus
equvocos de escrita e proporcionar um espao para que este fale de seu texto, ao
contrrio de tratar tais equvocos como erros que prescindem exclusivamente de um
reforo de contedo escolar, o professor pode viabilizar um processo em que o prprio
aluno assume uma posio outra frente ao seu texto. Em decorrncia da inquietao e da
hiptese, os objetivos do trabalho so: Problematizar, via transcrio das gravaes de 3
intervenes, os indcios de mudana(s) de posio(es) enunciativa desses alunos
frente aos prprios equvocos de escrita a partir dos efeitos da minha interveno,
enquanto professor de tais alunos. Tambm, confrontar abordagens que defendem: que
o aluno usa a variante padro de modo consciente, que a utilizao de exerccios de
repetio fariam com que o aluno integrasse estrutura da lngua, as regras aprendidas
na escola, que h uma memria de trabalho que viabiliza a aplicao dos contedos
durante a escrita. Os principais resultados reforam a diferena entre erro e equivoco de
escrita e tambm a relevncia do gesto de interveno ante a relao singular do sujeito
com a escrita.
Palavras Chave: Escrita; Erro; Equvoco; Ensino de Lngua Portuguesa; Subjetividade.
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Rsum
La recherche en question a t motiv par les vnements dans la salle de classe dont,
d'une part, mes lves montraient avoir appris des contenus qu'intgrent la variante
standard de la langue portugaise, mais, de l'autre, en dpit de tels indices
d'apprentissage, ces connaissances ntaient pas mobilises dans lcriture. Cette bance entre apprendre et supposment appliquer sintensifiait dans des situations lorsque, interrogs sur leur criture, les tudiants eux-mmes avouaient les ajustements qui
devraient tre apports dans le texte. Des occurrences de cette nature semblaient
dnoncer que l'apprentissage ne garantit pas l'application dun contenu et, par consquent, une faute d'criture ne pourrait pas tre confondue avec une faute d'criture.
partir de cette inquitude, cette dissertation est ancre thoriquement des concepts
mobiliss la fois dans le domaine dsign comme lEnseignement de la langue portugaise et dans le contexte de la Psychanalyse Lacanienne, en ayant comme
hypothse que, en maintenant une implication avec l'lve et ses fautes dcriture et offrir un espace pour quil parle de son texte, au contraire de traiter telles fautes comme des erreurs qui renoncent exclusivement un renforcement des programmes scolaires,
l'enseignant peut faciliter un processus dans lequel l'lve lui-mme prend une autre
position face son texte. En raison de l'inquitude et de l'hypothse, les objectifs de la
recherche sont les suivants: Problmatiser, via la transcription des enregistrements de
trois interventions, les indices de changement de position nonciative de ces tudiants
face ses propres fautes d'criture partir des effets de mon intervention en tant
quenseignant. En outre, confronter des approches qui dfendent: que l'lve utilise consciemment la variante standard, que l'utilisation dexercices de rptition causerait l'tudiant d'intgrer la structure du langage les rgles apprises l'cole, qu'il y a une
mmoire de travail qui permet lapplication des contenus lors de l'criture. Les principaux rsultats soulignent la diffrence entre l'erreur et la faute de l'criture et
aussi l'importance du geste d'intervention face au rapport unique du sujet avec l'criture.
Mots-cls: criture ; erreur; faute; enseignement de la Langue Portugaise; subjectivit.
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Sumrio
I - Introduo
1.1 Um pouco de histria.................................................................................................01
1.2 Dimensionando a questo de pesquisa, delimitando o corpus..................................04
1.3 Do objetivo hiptese...............................................................................................06
1.4 Justificativas do trabalho e consideraes sobre a mobilizao da Psicanlise........07
1.5 Apresentando o primeiro captulo.............................................................................10
1.6 Apresentando o segundo captulo..............................................................................12
1.7 Apresentando o terceiro captulo...............................................................................14
II - Captulo I Sobre coisas que os professores de Lngua Portuguesa herdam
2.1 Legado terico e Ensino de Lngua Portuguesa........................................................15
2.2 A relevncia dos contedos.......................................................................................22
2.3 Quem tem competncia comunicativa?.....................................................................27
2.4 O mtodo estrutural quando repetir faz controlar...................................................23
2.5 Estariam nossos alunos com a memria desfragmentada?.......................................36
2.6 O erro.........................................................................................................................39
III - Captulo II Sobre o destino dado a uma herana recebida
3.1 Dimenses do sujeito em Psicanlise........................................................................49
3.2 O equvoco de escrita................................................................................................54
3.3 O grande Outro..........................................................................................................57
3.4 A alienao................................................................................................................61
3.5 Os quatro discursos....................................................................................................66
IV - Captulo III Sobre algumas das coisas que podemos fazer com o que sabemos
4.1 Metodologia...............................................................................................................71
4.2 Anlise.......................................................................................................................75
4.3 Tempo de concluir.................................................................................................94
V - Referncias Bibliograficas........................................................................................97
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1
I - Introduo
1.1 Um Pouco de Histria
O trabalho intitulado A Relevncia dos Equvocos de Escrita para as aulas de
Lngua Portuguesa resulta da tenso entre trs eixos principais, a saber: algumas
questes que integram meu percurso de formao em Letras, o afetamento entre
conceitos advindos do campo designado Ensino de Lngua Portuguesa e a Psicanlise e
por ltimo, o enfrentamento com o cotidiano de sala de aula no lugar de professor.
Tendo em vista a importncia dessa trade para o trabalho, creio que a melhor
forma de apresent-lo seja relembrar o ano de 2006, quando ingressei no curso de Letras
da Universidade Federal de Uberlndia, imbudo, de um lado, por uma certeza e de
outro, por uma esperana.
A certeza concernia esperana que eu tinha de aprender como a lngua
funcionava neurologicamente e a esperana sustentava-se na certeza de que os
professores da universidade, ao viabilizarem a produo e divulgao de teorias
cientficas, proporcionariam aos alunos em formao, conhecimentos aplicveis sobre
aquilo que, futuramente, integraria um possvel cotidiano de trabalho.
Foi com essa intencionalidade que comecei, no primeiro semestre de formao, a
disciplina Introduo aos Estudos Lingusticos e foi a partir da mesma disciplina que a
minha esperana e certeza, gradativamente, desmoronaram. Conforme uma das leis da
fsica, nenhum corpo entra em movimento em um dado espao e tempo sem que algo o
retire da condio de inrcia e para que esse desmoronamento fosse iniciado, precisei
(re)conhecer o gesto discrepante entre as teorias de Chomsky e Saussure sobre um
mesmo objeto, a saber, a lngua.
Essa discrepncia notada no modo com que a lngua teorizada agenciava outra
indagao, advinda da anterior: se no h consenso na universidade e se no h acordo
entre os pesquisadores sobre os objetos de estudo, de que valeria ento a cincia e a
universidade ao no ofertarem uma resposta que de fato no provasse, de modo
incontestvel, como a lngua funciona?
Espero que o leitor compreenda que no se trata aqui de dar relevo a uma
problemtica pessoal e sim de apontar os indcios de um percurso que demarca o
enfrentamento com limites epistemolgicos do campo no qual eu iniciava minha
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formao. Em outros termos, talvez surgisse, nesse perodo, o incio do entrecruzamento
dos aspectos que mencionei anteriormente.
Para acirrar essa tenso, fui convidado a participar do Grupo de Estudos em
Linguagem e Psicanlise GELP que, naquela poca, dedicava-se ao estudo da obra
O Amor da Lngua, escrita pelo linguista francs Jean Claude Milner, no perodo em
que ele estava imbudo em problematizar questes de linguagem pelo prisma de
algumas noes do campo freudo-lacaniano.
Eu no imaginava que encontraria, no curso de Letras, qualquer referncia
Psicanlise que j havia me interessado na poca do ensino mdio, a partir de vulgatas
sobre a obra de Freud que eu havia encontrado na biblioteca da escola que eu estudava e
lido sem jamais me esquecer da curiosidade suscitada acerca da primeira tpica
freudiana e de noes do inconsciente.
Com o passar do tempo, a obra O Amor da Lngua, bem como os demais textos e
discusses em torno da temtica da subjetividade passaram a integrar meu interesse e os
encontros e desencontros com as disciplinas do curso de Letras. Enquanto no campo dos
estudos lingusticos parecia imperar uma lgica em torno da descrio e tentativa de
controle dos fatos de lngua, as leituras dos textos psicanalticos apontavam para
questionamentos em relao metalinguagem e impossibilidade de controle de tais
fatos ante a considerao do inconsciente.
Assim, passei a nutrir um contentamento descontente pela Lingust ica e,
tambm, pela Psicanlise a partir do enfrentamento terico entre esses dois campos,
sobretudo, a partir do que diziam sobre as questes de linguagem e sujeito. Nesse
mesmo perodo, a condio de analisando me possibilitava inferir, mais ainda, sobre
inerncia entre sujeito e lngua a partir dos lapsos e chistes que eu produzia, sobretudo,
diante da minha analista. Em outros termos, estudar Morfologia e ser inquirido em
anlise quanto a uma formao chistosa parecia um tanto conflitante para um estudante
de Letras.
Esse contentamento descontente com a Lingustica inclua, por exemplo, o
modo com que a Morfologia e a Sintaxe eram postas pelo vis gerativo e a distncia
entre esse modo de teorizao e um falante real, existente no mundo e em escolarizao.
Questionamentos dessa espcie me faziam desconfiar do status de verdade que, ao
ingressar na universidade, eu depositava nas teorias e essa distncia entre tais teorias e o
falante me levavam a considerar, cada vez mais, a hiptese do inconsciente.
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A leitura da obra Os Chistes e sua Relao com o Inconsciente, escrita por
Sigmund Freud, fomentava um nmero crescente de questionamentos quanto aos
parmetros de formalizao das ocorrncias sintticas e morfolgicas da lngua e
tambm acerca das manifestaes inesperadas que rompiam com a estrutura mrfica de
algumas palavras e at mesmo com a linearidade sinttica esperada em algumas
oraes.
Alm disso, o seminrio R, S, I escrito pelo psicanalista Francs Jacques
Lacan, lido vrias vezes e relido com grande dificuldade inclusive em grupo, me
possibilitou, depois de alguns anos, a escolha terica de uma noo de sujeito para
mobilizar uma posio a respeito do confronto entre sujeito, lngua, teorizao e ensino.
A radicalidade de algumas noes sobre o sujeito lacaniano me convidou a
deixar o interesse por entender como a lngua funcionava neurologicamente de lado e a
pensar no sujeito que se constitui via linguagem e funciona sob os imperativos do
prprio desejo, sem furtar-se aos efeitos do Real.
Essa noo de sujeito possibilitou-me, tambm, pensar que o investimento
Imaginrio nas teorias um dos pontos de partida para que algo possa ser produzido.
Assim, reduziram-se, gradativamente, minhas inquietaes com relao s diferenas
marcadas pelo gerativismo e o estruturalismo, bem como prpria cincia, as
gramticas e as disciplinas lingusticas.
A admisso de conceitos que integram a noo de sujeito de Lacan foi
facilitadora de um olhar deslocado sob muitas das disciplinas da graduao que cursei e,
consequentemente, da minha entrada em sala de aula. Desse modo, considerar o sujeito
imbricado no dimensionamento das proposies tericas foi o nico modo de admitir a
verdade (do sujeito) no campo da universidade. Considerar que h singularidade foi
uma forma de fomentar a esperana (no sentido Imaginrio) de que as teorias sobre a
lngua e o ensino podem viabilizar desdobramentos, mas no podem oferecer solues
definitivas, como eu esperava ao entrar no curso.
Afastando-me do indivduo dimensionado pelas teorias da aprendizagem,
cognocente e consciente, distanciando-me de Piaget e Vigotsky, j que nem mesmo a
minha aprendizagem se dava do modo com que esses autores supunham, comecei a
desconfiar do modo com que as questes de ensino e de aprendizagem de Lngua
Portuguesa eram postas na Universidade.
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Creio que o fato de eu ter comeado a atuar como professor de Lngua
Portuguesa, antes mesmo de me formar, tenha acirrado tais questionamentos que,
sobretudo, me levaram a considerar, cada vez mais, o aluno enquanto sujeito singular.
Singularidade essa que se sobressaa a cada atividade com os alunos.
Assim, do mesmo modo que a filiao a campos como a Lingustica e o ensino
de Lngua Portuguesa, viabiliza um modo de conceber as coisas e tambm uma
cegueira, a Psicanlise, literalmente, me propicia(va) a iluso de delegar um
(no)sentido quilo que com relao lngua e seu ensino, fracassa, a despeito de
muitas tentativas. E na aposta de um afetamento entre Psicanlise e Ensino de Lngua
Portuguesa que esse trabalho se sustenta teoricamente.
Visando a continuidade desta apresentao, no tpico a seguir, sero anunciados
o corpus, o objetivo e a hiptese da dissertao, assim como o modo com que essa
questo de pesquisa foi acirrada a partir do percurso que acabei de apresentar.
1.2 Dimensionando a Questo de Pesquisa, Delimitando o Corpus
Foi no mbito da falha que incidia na escrita dos meus alunos, denunciando que
um conhecimento no garante uma aplicao do contedo aprendido, que surgiu no
mestrado, a inquietao motivadora do estudo em questo. Essa inquietao se
materializa a partir de ocorrncias observadas em aulas de Lngua Portuguesa, Redao
e Literatura que ministrei em uma escola regular da cidade de Uberlndia, Minas
Gerais.
Dentre as vrias questes instigantes que, normalmente, acontecem em sala de
aula, fui capturado por uma que se dava da seguinte forma: nas aulas em que os alunos
produziam textos em sala, ou que eu os corrigia junto aos mesmos, eu verificava
produes de escrita que destoavam daquilo que eu julgava que meus alunos j tivessem
aprendido, principalmente, no que se refere variante padro do portugus.
Em vrios casos, diante de um aluno que escrevia, por exemplo: os meninos foi,
cientistas teve, a menina estavam, eu pensava, a partir do que eu j supunha na condio
de professor sobre o conhecimento do aluno: mas esse aluno conhece que na variante
padro a concordncia convoca que se escreva, por exemplo, os meninos foram! Eu j
revisei esse contedo com os alunos, porque eu teria que explicar novamente algo que
eu sei que ele sabe? Como eu posso fazer para que ele retome o conhecimento que
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sucumbiu a uma ruptura, sem ter que repetir algo que eu suponho que ele tenha
condies de dizer1?
Durante toda a minha graduao em Letras, eu percebia pelos textos estudados e
a partir das disciplinas cursadas, um investimento terico na possibilidade de existir um
aluno capaz de aprender e aplicar conscientemente os conhecimentos aprendidos na
escola. Ora, se o aluno aprende e aplica o que aconteceria com essa aplicao em
situaes em que, por exemplo, o aluno deixa de aplicar aquilo que ele demonstra
conhecer?
Instigado por esses equvocos de escrita dos meus alunos eu no os tomava
como simples marcas de oralidade e julgava, em alguns casos, intil revisar contedos.
A partir disso, comecei a pensar sobre a diferena entre ouvir e escutar, para os
psicanalistas e, ao contrrio de apontar um erro textual, comecei a pedir que meus
alunos falassem sobre trechos de suas produes escritas nas quais eu supunha haver um
equvoco.
Assim, julguei que uma alternativa para lidar com essas situaes em que o
suposto conhecimento no aparecia na produo escrita, seria dirigir-me ao aluno e a ele
dar voz para que dissesse sobre sua prpria escrita, em outros termos, tentar fazer com
que algo do sujeito pudesse ser mobilizado, ao contrrio de reforar o contedo tendo
por premissa que o aluno no tivesse aprendido direito, no sendo, por sua vez, capaz de
aplicar esse contedo.
Instigado por esse possvel conhecimento que sucumbe durante a escrita eu
testava os alunos diante desses equvocos com perguntas sobre tais equvocos para
saber se eles, de fato, reconheciam o desvio da variante padro que em alguns casos at
interferiam nos fatores de textualidade. Nessa espcie de teste, eu queria saber se os
alunos conseguiam reconhecer ou explicar o problema de desvio da escrita padro a
partir do momento que eram questionados com perguntas como, por exemplo: qual o
problema de escrita nesse trecho?
Para minha surpresa, muitas foram as situaes em que, ao serem questionados
sobre produes que desviavam da variante padro, os alunos conseguiam reconhecer o
1 Ressalto que as aulas no so, de modo algum, centradas exclusivamente em questes
gramaticais, pois tambm incluem propostas da Lingustica Textual no que se refere aos gneros do discurso, sua produo, funo e estrutura. Alm disso, as questes de letramento,
sociolingustica e outras abordagens lingusticas tambm norteiam as atividades e aes em sala
de aula.
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equvoco e, em seguida, enunciar como deveriam ter escrito o trecho ou palavra
conforme a variante padro, sem que eu tivesse que explicar e revisar um contedo
novamente.
Essas ocorrncias sinalizam a seguinte lgica: se o aluno indicia que foi afetado
por um contedo escolar, se ele deu mostras expressas de que consegue responder sobre
um aspecto terico da escrita na variante padro e se a despeito desse conhecimento h
um fracasso na hora da escrita, no h como chamar tais manifestaes de erros, afinal,
o erro no pressupe a intermediao de um suposto conhecimento.
Desse modo, comecei a entender que o equvoco (quando o conhecimento
fracassa na escrita) no deveria ser confundido com o erro (quando conhecimento no
tem, sequer, chances de fracassar por no apresentar efeitos nem na fala nem na escrita
do sujeito).
1.3 Do Objetivo Hiptese
Dada a inquietao que motiva a produo da dissertao, interessa ressaltar que
o objeto de estudo desse trabalho se constitui a partir da transcrio da gravao de
algumas ocorrncias de sala de aula em que, na condio de professor, intervenho diante
dos supostos equvocos de escrita de 3 dos meus 17 alunos de oitavo ano, tentando
fazer com que os mesmos falem sobre suas produes equivocadas e se posicionem
sobre o(s) conhecimento(s) que sucumbiu(ram) ao equvoco.
Nesse gesto, considero que o aluno possa, durante a interveno, mudar de
posio enunciativa em relao ao(s) equvoco(s) de escrita que incidiu no momento da
produo textual. Tambm, creio que o gesto de evitar que uma resposta seja dada por
mim, enquanto professor fomente uma relao de desdobramento do aluno em torno de
sua prpria escrita que o encaminhe a uma produo frente a tal equvoco.
Em decorrncia da inquietao e do corpus, elegi como objetivos do trabalho:
1) Problematizar, via transcrio das gravaes de 3 intervenes feitas durante
aulas de Lngua Portuguesa, Literatura e Redao que ministrei a uma turma de oitavo
ano do ensino fundamental, o desenrolar de tais intervenes feitas diante dos equvocos
de escrita nos textos desses alunos, bem como os indcios de mudana(s) de
posio(es) enunciativa desses alunos frente aos prprios equvocos a partir dos efeitos
da minha interveno.
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2) Problematizar alguns aspectos de abordagens que defendem: Em primeiro
lugar, que o ensino propicia a formao de uma competncia comunicativa que torna o
aluno capaz de fazer uso da variante padro de modo controlado. Em segundo lugar, que
a utilizao de exerccios de repetio fariam com que o aluno integrasse estrutura da
lngua, as regras aprendidas na escola, para, posteriormente, delas fazer uso.
Esse contraponto mobilizado nesse trabalho por dois motivos principais: em
primeiro lugar, porque essas abordagens delegam aos professores em formao ou em
servio uma herana terica que fortalece o Imaginrio de que possvel controlar a
escrita e aplicar os contedos aprendidos conscientemente. Em segundo lugar, porque
salutar para um campo que algumas de suas propostas sejam desestabilizadas a partir de
um corpus que integre a prxis para a qual esse campo se enderea. Explicitando
melhor, uma pesquisa acadmica no tem como nico objetivo referendar teorias.
Esses objetivos esto vinculados hiptese de que ao sustentar uma implicao2
com o aluno e seus equvocos de escrita e proporcionar um espao para que este fale de
seu texto, ao contrrio de tratar tais equvocos como erros que prescindem
exclusivamente de um reforo de contedo escolar, o professor pode viabilizar, ao
convocar que o aluno responda por algumas questes de sua escrita, um processo em
que o prprio aluno assume algumas das alteraes que devem ser feitas em seu texto,
frente ao equvoco e a necessidade de adequao variante padro.
Talvez, esse endereamento ao aluno seja um gesto que pode agenciar uma
mudana de posio enunciativa do aluno frente ao prprio equvoco de escrita e,
consequentemente, abrir para a possibilidade de uma relao outra do aluno com a
lngua e com a variante padro.
Antes de passar apresentao dos captulos e dos tpicos que fundamentam a
discusso que ancora os objetivos e a hiptese apresentada, farei referncia, no prximo
item, s justificativas do trabalho.
1.4 Justificativas do Trabalho e Consideraes Sobre a Mobilizao da
Psicanlise.
2 No pretendo, de modo algum, defender que o professor precisa se implicar com o aluno. A
noo de implicao, em Lacan, refere-se, sobretudo, ao gozo de um sujeito frente a uma questo. Desse modo, o conceito de gozo em Lacan ajuda-nos a pensar que dado uma condio
de gozo do professor com relao a seu trabalho, essa condio pode ressoar e em alguns casos,
vir a beneficiar o aluno.
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Esse trabalho se justifica, principalmente, pelo fato de imperar, no campo do
ensino de Lngua Portuguesa, uma crena, referendada por teorias e abordagens que
estabelecem parmetros e metodologias para o ensino e a aprendizagem a partir dos
sucessos, e que negam, frequentemente, a incidncia de equvocos na escrita, incitando
aos professores, o engodo de que possvel controlar a lngua via aprendizagem e que a
ausncia de um controle seja indcio apenas da necessidade de reforar um contedo ou
ainda de insuficincias didticas, metodolgicas etc.
Ainda no sentido das justificativas, creio ser vlido remontar s ocorrncias de
sala de aula que viabilizam questionar algumas das abordagens que integram tanto o
cotidiano da formao de professores, quanto questes metodolgicas que so
frequentemente prescritas para as atividades com os alunos, seja em manuais diversos
ou em cursos de formao e formao continuada de professores.
Em meio a tantas discusses sobre os problemas de escrita enfrentados pelos
alunos, frequentemente, a visada dessas solues centra-se na tentativa de descobrir a
causa dessas dificuldades, como se fosse possvel um diagnstico pontual que
permitisse a extirpao desses impasses de escrita ou a localizao de um entrave que
seria solucionado pelo reforo de contedos.
A importncia de alguns dos autores que se tornaram referenciais para o ensino
de Lngua Portuguesa e de suas propostas sustenta um prtico imaginrio de verdade
sobre a escrita e seu ensino e aprendizagem que no condiz, em grande parte, com o
cotidiano de sala de aula.
Infelizmente, tais teorizaes s vezes priorizam tanto os aspectos tcnicos e
metodolgicos que acabam legando uma espcie de indiferena ao aluno e suas
manifestaes singulares de escrita. Essas manifestaes singulares apontam para os
limites tanto de mtodos quanto de tcnicas.
Na atualidade, os estudos advindos da Lingustica Textual, a meu ver, vm
sendo postos por alguns professores como sendo a soluo que faltava para que os
alunos escrevessem sem problemas. Em decorrncia disso, por vezes, gneros,
tipologias e posturas didticas acabam tornando-se to importantes a ponto de o aluno e
sua prpria escrita permanecerem margem.
Parte do mrito da Lingustica Textual centra-se em fomentar o Imaginrio de
alunos e professores no sentido de que possvel intervir e controlar o Simblico.
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Ademais, em tal abordagem, o Simblico s poderia ser considerado como sendo
constitudo de uma consistncia que no comportaria a possibilidade de furo.
Esse questionamento no feito com o objetivo de denegrir essas abordagens,
muito menos, de enderear a elas uma posio destrutiva e sim, de apontar que, a partir
da visada lacaniana, tais abordagens circunscrevem uma tentativa da ordem do
Imaginrio de intervir e controlar o Simblico.
Os conceitos advindos da Psicanlise lacaniana comparecem, na dissertao em
questo, por este ser um dentre os campos que permitem considerar a relao do sujeito
com a lngua pela via da subjetividade marcada pela singularidade e por ser o que
escolhi para professar. Tambm, ela me interessa por possibilitar, fora de um contexto
clnico, conceitos que propiciaro a tentativa de supor como, a partir da relao com o
outro, da alienao e dos laos que se estabelecem a partir dos discursos, o aluno pode
deslizar para uma direo outra com relao sua produo equivocada, abrindo
caminho para uma (re)criao do aluno em torno de alguns desse(s) equvoco(s).
Postas tais consideraes, em momento algum interessa dizer, com esse trabalho,
o que o professor pode ou no pode, deve ou no deve, precisa ou no precisa fazer.
Muito menos, estabelecer uma proposta metodolgica para abordar os equvocos de
escrita. Uma das coisas que pretendo com o trabalho em questo ressaltar, a partir de
elementos tericos que fazem referncia subjetividade que os equvocos ocorrem e
que eles no so a mesma coisa que erros e tambm, que possvel abord-los de
modo a tornarem-se produtivos para o aluno.
Estou ciente que os conceitos da Psicanlise que sero mobilizados ao longo do
trabalho foram propostos a partir do mbito clnico e no da sala de aula. Tambm, que
eles no seriam, supostamente, mobilizados por um psicanalista do mesmo modo que
sero operacionalizados na abordagem do corpus dessa dissertao. Entretanto, no me
furtarei ao fato de que, na prxis em sala de aula, alguns conceitos advindos do campo
da Psicanlise tm sido de grande valia para considerar a condio do aluno em uma
posio deslocada da crena na cognio e na aplicao.
A partir do dilogo com psicanalistas lacanianos e pesquisadores que mobilizam
conceitos desse campo sem serem a ele afiliados em termos clnicos, tenho observado
um cuidado muito grande, por parte dos mesmos, no sentido de que a mobilizao de
um conceito psicanaltico pode determinar a suposio da instaurao de um fator
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impossvel de ser confirmado o que, via de regra, pode abrir espao para interpretaes
exageradas que podem ser mais perigosas e fantasiosas que teis.
Em outros termos: Nada me garante, por exemplo, que o professor ocupe a
posio de outro (enquanto semelhante) ou de Outro (enquanto grande outro) para o
aluno. Isso no me parece to estranho, afinal, no h nada que garanta, tambm, que ao
fazer um exerccio estrutural o aluno no possa, posteriormente, cometer um equvoco
ou, romper com o que se possa chamar de competncia lingustica.
No h como provar ou garantir que houve um fator alienante do aluno em
relao a esse ou aquele contedo. Por esses e outros motivos, associo meu trabalho a
um ficcional possvel, a partir da problematizao do corpus que permite desestabilizar
questes postas no campo do ensino de Lngua Portuguesa. O olhar para o corpus indica
que possvel perceber uma espcie de contiguidade entre o olhar do aluno sob os
equvocos e o desenrolar de uma possvel produo do mesmo sobre esse equvoco a
partir das minhas intervenes.
Creio que essas justificativas ancorem a mobilizao feita nos objetivos e
tambm na hiptese para que, em seguida, sejam apresentados o primeiro, segundo e
terceiro captulos, bem como seus tpicos e objetivos centrais. Tambm espero que do
mesmo modo que as noes de competncia comunicativa, mtodo estrutural e memria
de trabalho induzem a uma prxis em sala de aula, afetando a relao do professor com
seu objeto de trabalho, a considerao da subjetividade e a possibilidade do aluno
produzir algo frente ao seu equvoco, tambm possam fomentar gestos, reinvenes e
desmoronamentos de posturas em sala de aula frente aos alunos.
1.5 Apresentando o Primeiro Captulo
No intento de articular a aposta empreendida no trabalho, circunscrita nos
objetivos e na hiptese, o mesmo foi dividido em trs captulos, sendo que, no primeiro
deles, intitulado Sobre Coisas que Os Professores de Lngua Portuguesa Herdam,
discutirei sobre como a histria do ensino de Lngua Portuguesa no Brasil indicia a
filiao desse campo a discursos que favorecem propostas para o ensino que
desconsideram, em grande parte, a dimenso subjetiva do aluno, necessria, no mbito
do presente trabalho, para abordar e admitir a existncia de equvocos de escrita.
A inteno de uma problematizao histrica preliminar, referente ao campo do
Ensino de Lngua Portuguesa sinalizar a herana terica macia que imputada aos
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professores na forma de conhecimento, pautada nas teorias da aprendizagem e em uma
noo de indivduo consciente, capaz de aplicar os contedos aprendidos e controlar a
escrita. Essa herana se ope ao caminho aberto pela noo de sujeito do inconsciente,
quanto sua condio de sujeito cindido, barrado, interditado ao controle da lngua e da
escrita.
No item 2.2, ressaltarei a preponderncia dada aos contedos, no campo de
ensino de Lngua Portuguesa como determinantes para uma possvel aposta na
aplicao advinda do ensino escolar, tendo por base a crena de que a aprendizagem
garante o conhecimento e o emprego das formas lingusticas na variante padro. No que
se refere aprendizagem dos contedos, tento chamar a ateno para a importncia do
ensino da norma padro nas escolas e, o modo com que, frequentemente, esse ensino e
seus fracassos so entendidos, quase sempre, sem considerar a hiptese de uma relao
entre sujeito e lngua que adentre a rbita do equvoco.
J no item 2.3, problematizarei a hiptese da aquisio de competncias
comunicativas, reverberada pelos ideais de uma aprendizagem do contedo que tornaria
o aluno um usurio competente dos aspectos gramaticais da Lngua Portuguesa, sendo
capaz de aplicar os conhecimentos, sobretudo, na escrita, a partir da aprendizagem.
Ou seja, ensinam-se os contedos e acredita-se que os mesmos sero automatizados e
acumulados, ano a ano no aluno, tornando-o, como bem dizem alguns manuais, capaz
de....
Alm da hiptese da aquisio de uma competncia comunicativa,
problematizarei o mtodo estrutural, no item 2.4 que, segundo seus proponentes, tem a
capacidade de fazer com que os alunos automatizem os contedos ensinados na escola.
Para essa corrente, no contexto de ensino e de aprendizagem de Lngua Portuguesa os
exerccios de repetio teriam o poder de fazer com que o aluno dominasse a norma
padro e a empregasse em sua escrita.
Ante a tentativa de clarear a relao entre objetivo e hiptese do trabalho, bem
como os conceitos mobilizados, ressalto que as abordagens j referidas e designadas
competncias comunicativas e exerccios estruturais serviro para contraponto no
trabalho no que se refere impossibilidade de abordar e considerar a ocorrncia dos
equvocos de escrita a partir das mesmas. Em outros termos, tentarei mostrar como a
aposta na possibilidade de controlar a lngua reverberada por metodologias prescritas
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para o contexto de ensino e como essas metodologias tendem a negar a existncia de
equvocos de escrita que, normalmente, so tratados como erros de escrita.
No item 2.5, problematizarei a hiptese da memria de trabalho para tentar
mostrar uma das proposies sobre como o contedo que foi aprendido na escola pode
ser aplicado pelo aluno durante a produo do texto, levando em considerao que, para
essa abordagem, h uma memria de trabalho que armazena e outra que resgata os
conhecimentos acumulados permitindo a aplicao dos mesmos. Nessa visada, no
existe equvoco de escrita, afinal, o conhecimento supostamente garantido por um
resgate mnmico que aciona a aplicao do contedo estudado pelo aluno.
Em 2.6, discutirei com base em alguns autores que sero referenciados no
tpico, como a noo de erro frequentemente entendida a partir de correntes que
consideram o aluno como consciente e capaz de controlar a lngua e aplicar os
conhecimentos escolares na escrita. Essas noes de erro nos ajudam a perceber que
por estarem centradas nas teorias da aprendizagem e conscincia, as mesmas no
possibilitam referncias aos equvocos de escrita.
Esse dimensionamento da noo de erro ser fundamental para esboar um
entendimento sobre porque, normalmente, os equvocos de escrita perdem a relevncia
no contexto de sala de aula e tambm sobre como, infelizmente, etiquetas como, por
exemplo, o esquecimento acaba mascarando, a alguns sculos de ensino de Lngua
Portuguesa no Brasil, as evidncias de que a relao do sujeito com a lngua no da
ordem da aplicao e do controle consciente.
1.6 Apresentando o Segundo Captulo
O segundo captulo, intitula-se Sobre o Destino dado a uma Herana recebida, e
tem como objetivo principal apresentar formulaes sobre o sujeito da Psicanlise e
sobre como a relao do aluno com os contedos pode ser suposta a partir dessa verso
de sujeito. O mesmo inicia-se com o item 3.1, designado Dimenses do Sujeito da
Psicanlise.
No item 3.2, intitulado o equvoco, proponho-me a definir equvoco de escrita,
contrapor essa definio a erro e tambm discutir sobre o que parece permitir, ao
menos em linhas gerais, diferenciar um e outro. Tambm, esse tpico tem como
objetivo ressaltar a existncia de ocorrncias, sobretudo, de escrita, que denunciam o
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hiato entre o que o aluno, supostamente aprende e o que normalmente comparece em
sua escrita.
Aps o item 3.2, trarei no item 3.3 o conceito de grande Outro, que prescinde, na
minha leitura, das relaes Imaginrias para que um Outro, tambm barrado seja
suposto como lugar de uma verdade, nesse caso, sobre a lngua e sua escrita. Esse
conceito deslocado do campo da Psicanlise nos permite supor que, para o aluno que,
inconscientemente, evoca na figura do professor esse lugar de Outro, esse professor tem
algo que lhe falta, uma espcie de verdade que pode lev-lo a escrever melhor ou, de
acordo com o que um outro grande Outro espera.
Essa noo de Outro tambm fundamental para o estabelecimento do lao que
pode fomentar a manuteno ou rotao dos discursos, possibilitando uma produo do
aluno sobre seu equvoco de escrita.
Em 3.4, o conceito de alienao ser convocado para a tentativa de delinear uma
discusso sobre como a aprendizagem, conforme a Psicanlise, no se configura no
controle e sim, no efeito. Desse modo, pretendo dar enlevo, de um lado, a hincia que
h entre a norma padro, advinda do Outro e aquilo que se configura como sendo da
ordem das ocorrncias singulares de escrita de um sujeito. Em outros termos: o que
resta da alienao no percurso de escolarizao so fragmentos que ora comparecem no
texto e ora se perdem, mas que no se configuram como uma apropriao do
conhecimento que viabilize uma aplicabilidade.
As noes de Imaginrio, Outro e Alienao ajudaro a introduzir o conceito de
discurso de Lacan, no item 3.5. Esse conceito nos auxiliar a problematizar, a partir da
considerao da verso de sujeito aventada por Lacan, os desdobramentos do aluno
frente aos prprios equvocos de escrita a partir da interveno do professor.
Esse conceito tambm ser o cerne da tentativa de hipotetizar que propiciar ao
aluno o espao para falar de seu texto e tentar induzir manejos a partir de sua fala que o
incite a direcionar o olhar para a prpria escrita e responder pelo equvoco, possa ser
uma alternativa viabilizadora de uma produo relevante para as aulas de Lngua
Portuguesa. Ao contrrio de, por exemplo, apenas indicar ao aluno o que ele deve
colocar onde para resolver um problema de escrita.
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1.7 Apresentando o Terceiro Captulo
Dando sequncia a essa discusso, no captulo III, apresentarei as consideraes
metodolgicas do trabalho e consideraes sobre como o corpus ser abordado no que
se convenciona, no discurso acadmico, chamar de anlise.
Posteriormente, em 4.2, apresentarei a anlise do corpus e finalmente, o tpico
designado tempo de concluir em que discuto aquilo que em uma dada localizao no
tempo e no espao se configura como minhas concluses.
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II Captulo I SOBRE COISAS QUE OS PROFESSORES DE LNGUA
PORTUGUESA HERDAM
2.1 Legados Tericos e Ensino de Lngua Portuguesa
Quanto mais o campo da educao querer se cientificizar e a
pedagogia invocar um estatuto de cincia, mais estaro expressando
um interesse em no pensar. (REIS, 2011, p. 246).
Em linhas gerais, o que diferencia um professor de Lngua Portuguesa de uma
pessoa que no docente na mesma disciplina a outorga concedida por um diploma
que hipoteticamente autoriza uma atuao no ensino que resulta da formao marcada
pela aquisio de conhecimentos especficos de um campo de atuao.
Essa formao, frequentemente, entendida enquanto um perodo de maturao
ou aquisio de habilidades que conferem a esse professor, capacidades de intervir
diante das questes de linguagem e por sua vez, de utilizar recursos didticos e
metodolgicos para fazer com que seus alunos tambm sejam capazes de... , conforme
postulam os currculos e seriaes que supostamente viriam a intervir nas questes de
linguagem do aluno.
Nesse ensejo de ter pessoas capazes de..., a histria do ensino de Lngua
Portuguesa no Brasil indicia, conforme a leitura de ngelo (2005), um percurso recente
em relao ao ensino de lngua materna em outros pases como, por exemplo, a
Inglaterra. O incio desse percurso recente no Brasil marcado, principalmente, pela
prevalncia do ensino de gramtica normativa, retrica e caligrafia, bem como por um
cenrio conturbado de formao de professores, educao popular e infraestrutura
educacional como um todo.
Por mais que o passado possa fomentar a pretensa iluso de superao no ensino,
ou, de etapas que so precedidas por outras mais evoludas, no falta de lucidez
admitir que esse percurso histrico seja to heterogneo quanto o que se pode
denominar de configurao atual do ensino do portugus.
Em outros termos: no h como dizer que, em algum momento, passado ou
atual, o ensino tenha sido considerado estvel e sem problemas de diversas ordens ou
alvo de consenso terico sobre suas diversas questes. Um exemplo disso a tenso
produzida entre o que pode ser considerado erro ou equvoco de escrita.
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Na dcada de 60, conforme o mesmo autor, os estudos lingusticos comearam a
angariar espao nos cursos de Letras das universidades brasileiras e, esse foi um passo
importante para o incio de pesquisas, eventos e outras atividades que visavam um
movimento de reviso e reestruturao do ensino da matria em questo, tanto em nvel
bsico e fundamental, quanto nos cursos de formao de professores, tendo por ponto de
partida os conhecimentos advindos do campo cientfico e como tentativa de ponto de
chegada, a soluo de problemas no ensino.
Em outras palavras, essa histria denuncia o agenciamento de um movimento
que aspira no apenas a uma metalinguagem acerca da Lngua Portuguesa, buscada com
respaldo da cincia, como tambm, que essa metalinguagem seja viabilizada no ensino
de modo que o conhecer configure-se como uma forma de poder diante do que alguns
autores preferem designar uso da lngua. Assim, dentre as principais hipteses para o
chamado uso insuficiente da lngua, seja na escrita ou na fala, merecem destaque: os
problemas de ensino e ou os problemas de aprendizagem do aluno mais raramente
questes que possam vincular-se existncia do inconsciente.
Antes dos anos 603, a preocupao com o ensino do portugus era quase que
exclusividade das disciplinas vinculadas pedagogia e, especificadamente, da
metodologia e didtica, ou seja, essa preocupao era centrada nos procedimentos de
ensino e na maneira com que os mesmos deveriam ocorrer, sem um maior
aprofundamento nas teorias da linguagem que, em outros pases, j subsidiavam, de
modo mais estvel, o ensino de lnguas4. Com o tempo, surgem algumas crticas: no
bastava que o professor de Lngua Portuguesa dominasse a didtica e a metodologia,
era preciso de algo, alm disso, e era preciso descobrir que algo era () esse.
As reformas no ensino superior, promulgadas no final da dcada de 605,
coadunaram com o espao adquirido pelos estudos lingusticos nos cursos de letras,
possibilitando, principalmente que o ensino do portugus, no Brasil, pudesse ser
discutido a partir de conhecimentos especficos do campo da linguagem e, no apenas
3 No ano de 1961, o Conselho Federal de Educao lanou uma resoluo recomendando a incluso da disciplina designada Lingustica nos aproximados 83 cursos de Letras existentes na
poca. A incluso dessa disciplina dava-se sob o imperativo de dar nfase cientifica aos estudos.
A resoluo no foi muito bem recebida, afinal, havia poucos professores com formao
suficiente para abordar as questes de lngua(gem) conforme a proposta do documento legal. 4 possvel perceber que esse contexto era, tambm, marcado por uma preocupao com a
alfabetizao e que as propostas em torno do letramento sequer eram esboadas no Brasil. 5 Os cursos de ps-graduao em estudos da linguagem surgiram entre o fim da dcada de 60 e o
comeo da dcada de 70.
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do mbito da pedagogia, viabilizando, assim, uma anlise do ensino que no se
dedicava apenas a propor questes didticas e metodolgicas, mas, tambm, a revisitar
esse ensino e redimension-lo como um todo, tendo por base teorias sobre a lngua,
coadunadas com teorias sobre o ensino e a sua aprendizagem.
A princpio, as obras inscritas no mbito da lingustica que nortearam o ensino
do portugus, vinculavam-se, principalmente, ao ensino de outras lnguas, como, por
exemplo, o ingls britnico. O livro As cincias Lingusticas e o ensino de Lnguas,
editado na dcada de 50 na Inglaterra, foi um dos grandes manuais norteadores tanto na
formao de professores, quanto no norteamento do ensino operado por tais professores.
Na dcada de 80, comeam a surgir alguns trabalhos cientficos oriundos do
campo da Lingustica, fazendo referncia crise do ensino de Lngua Portuguesa em
solo brasileiro e, sobretudo, propondo solues em nvel terico, metodolgico e
poltico, na tentativa de resolver suas deficincias, abrangendo, tanto o campo da
linguagem, como tambm, a Pedagogia no que se refere s teorias de ensino e
aprendizagem e proposio de materiais didticos que atendessem s especificidades
dos alunos brasileiros. Coforme Kato (1994, p. 7)
Na dcada de 80, v-se ento a proliferao de pesquisas empricas que procuravam determinar o que a criana j sabe sobre a escrita
quando entra para a escola e que estratgias ela usa para desenvolver
suas habilidades no novo cdigo.
Progressivamente, os estudos sobre o discurso, texto, pragmtica, enunciao e
sobre a importncia da leitura e da escrita comearam a influenciar muitas pesquisas
brasileiras e a fomentar, tanto as discusses em nvel de graduao (anteriormente,
vinculada a um apego meramente gramatical e ortogrfico) e tambm de ps-graduao
(anteriormente, inexistente no campo da Lingustica no Brasil).
Nas dcadas de 70 e 80, destaca-se tambm o reconhecimento da Lingustica
Aplicada que comeou a conquistar seu espao principalmente nos cursos de ps-
graduao em estudos da linguagem no Brasil. A disciplina em questo passou a ter um
papel preponderante para muitas pesquisas em solo brasileiro e tornou-se referncia no
que diz respeito s investigaes sobre ensino e a aprendizagem de lnguas, reforando,
em muitos casos, a noo de aplicao na relao do aluno com o contedo.
No que se refere aos estudos da Lingustica Aplicada ao ensino de lngua
materna, destaca-se que h, ainda, a tentativa de aliar teorias, principalmente, sobre a
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lngua noo de aplicao no ensino, sob a justificativa de viabilizar a aprendizagem
dos alunos. Trata-se de uma perspectiva no consensual entre Linguistas Aplicados
tanto no Brasil quanto no exterior que ainda fomenta alguns trabalhos.
Na dcada de 90, intensificam encontros entre linguistas pesquisadores das
universidades Brasileiras com professores de portugus que atuavam no ensino
fundamental e mdio. Tratava-se de uma tentativa de treinar os professores com a
inteno de que eles pudessem inovar o ensino, estando de posse de teorias e novas
abordagens que deveriam ser aplicadas, visando o alcance de resultados, como, por
exemplo, um nvel melhor de leitura, escrita e interpretao dos alunos.
O interesse desses pesquisadores em relao s dificuldades dos alunos se
justificava, dentre outros motivos, pelo baixo rendimento demonstrado pelos candidatos
aos cursos superiores, sobretudo, nas redaes do vestibular que indiciavam as
insuficincias no processo escolar e, tambm, reforavam a crtica no ensino centrado
na gramtica e suas regras, bem como a quase ausncia de hbito de leitura entre os
estudantes.
A condio de cincia dos estudos lingusticos, bem como seu subsidio terico
sobre a lngua, aliado aos mtodos e tcnicas de pesquisa, animaram estudiosos que
propuseram a primeira edio dos Parmetros Curriculares Nacionais PCNs. Os PCNs
pretendiam e pretendem, principalmente, manter a sequncia dos temas que integrariam
e norteariam cada srie do ensino, sob a justificativa de uma orientao na progresso
nos contedos do ensino e na aprendizagem dos mesmos enquanto facilitadora do
ensino6.
Esse pequeno prembulo nos permite visualizar, conforme a leitura de ngelo
(2005), trs questes relevantes para esse trabalho. Primeiramente, a entrada dos estudos
lingusticos nos cursos de Letras no Brasil. Em segundo lugar, o surgimento dos
programas de ps-graduao ligados aos estudos da linguagem, em terceiro plano, a
tendncia vinculao das correntes e teorias de estudo da lngua(gem) ao discurso
cientfico que outorga lingustica o ttulo de cincia e em quarto e ltimo plano, um
percurso que denota uma espcie de apagamento da hiptese da subjetividade na
abordagem de parte das questes de ensino e aprendizagem de Lngua Portuguesa.
6 Ao mesmo tempo em que os PCNs norteiam as aes de alguns professores, fomentando um
ideal da ordem do Imaginrio, essas aes no espao escolar no so garantidoras de que esses
contedos sero aplicados pelo aluno.
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Sobre a primeira questo posta e que se refere tendncia de uma aliana entre
os pesquisadores que se dedicam ao ensino de Lngua Portuguesa e o campo da cincia,
natural que enquanto espao de produo terica, a universidade esteja vinculada ao
discurso da cincia que, consequentemente, leva desconsiderao da subjetividade.
A crtica esboada no trabalho em questo e que se erige em uma traio a essa
aliana entre cincia e pesquisa Lingustica no sentido de sinalizar que a cincia
moderna est baseada nos ideais cartesianos sob os quais no parece haver espao para
o sujeito singular, muito menos, para uma configurao subjetiva que permitisse
abordar, dentre outras questes, uma relao entre sujeito e lngua que no fosse da
ordem do controle e de uma aprendizagem que no garantisse uma aplicao de
contedo ensinado pelos professores.
Desse modo, retomo a considerao em epgrafe7 no tpico em questo no
sentido de que a cientificizao convoca iguais onde possvel considerar a emergncia
de diferenas marcadas pelo sujeito nas questes de lngua e tambm nas relaes que
se configuram entre professor e aluno.
Sobre esse aspecto, a criao dos programas de ps-graduao vinculados aos
estudos cientficos da linguagem e, particularmente, s discusses sobre o ensino de
Lngua Portuguesa tenderiam a uma implicao com teorias que investem em uma
relao entre o aluno e a lngua que fosse mediada pela regularidade e pelo controle
consciente. Conforme Coracini (2009, p. 23),
Esse retorno ao sujeito cartesiano, centrado em si mesmo, cujo foco se encontra no funcionamento do crebro, da inteligncia, na organizao
da estrutura cognitiva, responsvel pela aquisio do conhecimento,
deixa de lado o inefvel, o inconsciente, tudo o que tem a ver com a subjetividade, j que condena este polo em favor da objetividade, do
conhecimento cientfico, da memria cognitiva.
Um exemplo notvel sobre essa vinculao ao discurso da cincia e a respeito do
que uma filiao terica nos induz a perceber e negar na escrita, seja nossa ou dos
alunos, o trabalho de Garcez (1998). Esse autor estava interessado em compreender
7 A ttulo de retomada, trata-se da epgrafe reproduzida a seguir: Quanto mais o campo da
educao querer se cientificizar e a pedagogia invocar um estatuto de cincia, mais estaro
expressando um interesse em no pensar. (REIS, 2011, p. 246).
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quais seriam as correntes que estariam empenhadas em conhecer mais sobre a escrita e a
produo de textos.
Segundo ele, h trs grandes grupos nessa empreitada. Creio que esses trs
grupos indiciam a produo de saberes ofertada pelos pesquisadores na forma de
conhecimentos aos professores que reforam a negao possibilidade de incidncia de
equvocos de escrita na materialidade textual. Vejamos as correntes sintetizadas por
Garcez (1998).
1) corrente experimental positivista: utiliza-se de experimentos cientficos
quantitativos e qualitativos para tentar compreender como o aluno mobiliza os recursos
aprendidos durante a produo do texto. Para essa corrente, descobrir como o aluno
mobiliza esses recursos pode ajudar no dimensionamento de novas propostas para o
ensino.
2) corrente cognitivista: tenta compreender, sobretudo, os procedimentos
sequenciais e os mecanismos que dificultam ou facilitam o processo de escrita.
Concebe a escrita como um ato cognitivo e consciente. O reconhecimento de aspectos
que dificultam a escrita induz descoberta do que pode elimin-los. Nessa perspectiva,
seria ento possvel eliminar os erros, consequentemente, impossvel considerar a
ocorrncia de equvocos.
3) corrente sociointeracionista: tem seu foco centrado, principalmente, sobre a
relao entre quem escreve e quem recebe o texto escrito. O reconhecimento dessa
relao permite considerar, principalmente, o que dificulta ou facilita a recepo do
texto.
Na viso desse autor, foram os estudos cognitivistas que mais se empenharam no
estranhamento dos erros de escrita. Esses estudos culminaram em uma metodologia a
ser aplicada pelo professor na erradicao dos erros de escrita do aluno. De modo breve,
essa metodologia, na viso de Garcez (1998), centra-se em seis processos:
1 O professor deve coletar os erros do aluno.
2 De posse dos erros do aluno, o professor precisa, para erradicar esses erros,
fazer um levantamento dos mesmos.
3 Aps o levantamento, esses erros devem ser catalogados por tipos. Exemplo:
concordncia, acentuao etc.
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4 O professor deve, em seguida, fazer o levantamento da frequncia desses
erros para saber se so significativos ou no. (a ttulo de observao, o autor no deixa
claro o que seria erro no significativo).
5 O professor deve mapear os erros mais graves.
6 O professor deve planejar o foco de ensino e reviso com base nos erros mais
graves da turma ou de cada aluno.
Creio j ser possvel retomar o ttulo dessa sesso: Sobre Coisas que os Professores
de Lngua Portuguesa Herdam para vincul-lo ao quarto aspecto mencionado
anteriormente, a saber, o indcio de uma grande incidncia de vistas grossas hiptese
de um sujeito que no controla o ato de escrita para reestabelecer a tenso entre a
proposta de Garcez (1998) e a hiptese de um sujeito cindido, que o campo psicanaltico
nos ajuda a retomar.
Essa herana imotivada, que deixa marcas em alguns professores, s vezes, quase
que na forma de uma revelao de quem conhece as verdades sobre a lngua, sua escrita
e ensino podem induzir a uma prxis ou tentativa de aplicao de um conjunto de
mtodos e tcnicas que no abrem espao para abordar a questo do equvoco e da
subjetividade que a esses mtodos e tcnicas no se curva de modo passivo.
Conforme a epgrafe desse tpico, o interesse em ignorar algumas das questes do
ensino pode referir-se tambm negao da subjetividade operada pelos pesquisadores
filiados ao campo cientfico e pela insistncia de que a relao em sala de aula seja de
aprendizagem de um contedo do qual se apropria e se manipula deliberada e
controladamente no ato da escrita. Admitir os equvocos de escrita induz, por um lado, a
assumir a insuficincia da cincia para tratar tais impasses pelo vis das irregularidades
da lngua.
Se h problemas de escrita que no so passveis de uma soluo que os erradique,
h problemas de escrita com os quais talvez seja vivel, conforme a demanda e a aposta
dos professores havermo-nos no no sentido da soluo e sim na direo de tentar dar a
eles um sentido outro ou, de levarem o aluno a uma nova produo.
Levando em conta que h uma herana terica delegada pelos formadores aos
professores em formao ou em servio e que essa herana acaba tendo efeito no modo
com que, normalmente, os professores de Lngua Portuguesa lidam com a escrita dos
alunos, apresentarei, no prximo tpico, algumas consideraes sobre como,
normalmente, o contedo para as aulas de Lngua Portuguesa apresentado aos
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professores em formao e sobre aquilo que se espera que esse contedo possa frutificar
na escrita.
2.2 A Relevncia dos Contedos
Portanto, nesse universo regularmente agenciado, a desordem algumas vezes aparece: quando na linguagem mesma, introduz-se uma
dessimetria qual nenhuma regra pode adornar. o instante pattico
onde um poeta se cala. evidente, ento, que ningum dir mais alm do que j foi dito. Aqui, o lingsta reencontra o limite do seu saber: a
lngua se mostra a ele de um ponto sobre o qual ele no tem
influncia, porque um ponto de falta irremedivel. (MILNER, 2002,
p. 138-139).
Os professores de portugus se formam, entram em contato com teorias e
abordagens que fazem referncia tanto lngua quanto ao ensino e, grande parte desses
professores, quando perpassam o tempo cronolgico que circunscreve sua formao,
adentram os espaos escolares munidos desses contedos. Dentre as disciplinas que
integram essa formao, os estudos advindos do campo da Sociolingustica so
convincentes no que se refere variao lingustica inerente fala.
Fora do campo sociolingustico, no que se refere escrita8, geralmente,
qualquer manifestao desviante com relao linguagem padro em um texto, pode
incitar crticas e, em alguns casos, at mesmo instaurar dvidas em relao
escolaridade de uma pessoa. Em outros termos, a escrita na variante padro est para a
etiqueta social, na mesma proporo que o exerccio de poder vinculado escrita est
para algumas situaes que exigem o uso da variante padro, dentro ou fora do mbito
acadmico.
Possenti (2010), ao defender a importncia de viabilizar o ensino da variante
padro, nos diz que a mesma pode possibilitar ao aluno, sobretudo de baixa renda,
condies de, inclusive, escrever e falar em um registro que esteja vinculado a
ideologias e camadas sociais dominantes. Dito de outro modo: se a variante padro tem
um lugar bem marcado em nossa cultura, preciso apostar na possibilidade de que
8 No pretendo aqui, de modo algum, propor uma relao entre desvios da norma padro em
texto escrito e Sociolingustica. Esse campo foi referido apenas para dar enlevo visibilidade
que d variao que no tem relaes diretas com o modo que a mesma concebida nesse
trabalho.
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nossos alunos possam de algum modo, aproximarem-se desse registro, ao menos, em
situaes sociais especficas que os beneficie, sobretudo, no exerccio de papeis sociais.
Desse modo, a possibilidade do aluno escrever conforme o que se espera de uma
escrita aproximada variante padro, dependeria, em tese, da aprendizagem dos
contedos que caracterizam essa modalidade de texto e que, consequentemente, o
colocaria diante da possibilidade de oscilar entre uma escrita no padro e uma escrita
padro, quando conveniente.
O ensino da variante padro seria um fator preponderante para introduzir ou
reforar, na viso de alguns autores como Possenti (2010), a relao do aluno com uma
escrita dita da variante padro.
A noo de escrita na variante padro tambm integra, na viso de alguns
autores como, por exemplo, Matncio (2003), o conceito de letramento que vincula
escrita a defesa de uma capacidade de dominar tal variante padro visando, em alguns
casos, o exerccio da integrao social em situaes que demandam a utilizao de uma
linguagem formal.
A aprendizagem da escrita e, sobretudo dos aspectos que integram sua produo
na modalidade padro, prescindiria de uma relao primria de ensino e de
aprendizagem, sendo que:
Pode-se considerar o ensino e a aprendizagem de Lngua Portuguesa
na escola como resultante da articulao de trs variveis: o aluno, a lngua e o ensino. O primeiro elemento dessa trade, o aluno, o
sujeito da ao de aprender, aquele que age sobre o objeto do
conhecimento. O segundo elemento, o objeto do conhecimento, a
Lngua Portuguesa, tal como se fala e se escreve fora da escola, a lngua que se fala em instncias pblicas e a que existe nos textos
escritos que circulam socialmente. E o terceiro elemento da trade, o
ensino, , nesse enfoque terico, concebido como a prtica educacional que organiza a mediao entre sujeito e objeto do
conhecimento. Para que essa mediao acontea, o professor dever
planejar, implementar e dirigir as atividades didticas, com o objetivo
de desencadear, apoiar e orientar o esforo de ao e reflexo do aluno. (PCN, 1997, p.29)
Desse modo, conforme possvel verificar, nos postulados dos Parmetros
Curriculares Nacionais, a mediao do professor seria fundamental para que o aluno, ao
receber a ao do professor, que ensinar, pudesse desdobrar sua relao com o
portugus, sendo capaz, aps essa ao, de refletir sobre os usos de linguagem e a
aplicar contedos aprendidos conforme fosse conveniente, dada sua capacidade
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adquirida, conforme o documento em questo, de agir sobre o que estudou via mediao
do professor.
A ao do professor, nesses termos, prescindiria dos conhecimentos advindos de
sua formao, tanto no que se refere a questes didticas e metodolgicas, como
tericas e em tese, essa ao possibilitaria, dentre outras coisas, a capacidade do aluno
dominar, inclusive, a prpria escrita.
A escrita na norma padro no seria ento um fator isolado no espao escolar,
afinal, desde o letramento (ou, em alguns casos, a alfabetizao), as crianas so
induzidas a escrever conforme a variante padro e os acordos ortogrficos ou
gramticais que a integram. Desse modo, na viso de Correa (2005, p. 90):
Aprender a ler e a escrever em uma ortografia alfabtica significa
apropriar-se de um sistema simblico e, portanto, de um novo objeto
do conhecimento. O seu domnio acontece de forma gradual, segundo seqncias de desenvolvimento na qual o aprendiz reconstri de
maneira dinmica as relaes entre os sistemas de representaes
fonolgicas e ortogrficas da lngua.
Do mesmo modo que a aprendizagem da escrita dependeria da suposta
apropriao dos smbolos, a aprendizagem tambm viabilizaria, na perspectiva que
defende o controle da escrita, a apropriao dos aspectos que permitiriam a escrita na
modalidade padro. Em outros termos, a noo de uso da variante padro prescinde da
aquisio de competncias que fariam com que ao escrever o aluno fosse capaz de
refletir conscientemente sobre os usos textuais e sua adequao ou no adequao
variante padro. Na viso de Correa (2005, p.96):
A escrita no uma aquisio espontnea para quase totalidade das
crianas que vivem em uma sociedade letrada. O domnio da escrita
decorre de um processo sistemtico de aprendizado onde necessrio que se tome a lngua no s como instrumento de comunicao, mas
tambm como objeto de aprendizado.
Alm da preocupao com o uso da variante padro devido s questes,
sobretudo sociais e gramaticais9, tambm fazem parte da preocupao de alguns
linguistas textuais, como, por exemplo, Marcuschi (2008) a importncia dessas questes
9 Refiro-me aqui s questes gramaticais sem uma distino extensa entre as gramticas
normativas, descritivas e prescritivas. Tendo em vista que o interesse central no tpico em questo a importncia da norma padro para a escrita, centrar-nos-emos nas propostas de
gramticas normativas e prescritivas dada a relao mais prxima das mesmas com o que se
pode conceber de norma padro.
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para a manuteno dos fatores de textualidade. Na viso do autor em questo, embora as
questes gramaticais no integrem a preocupao direta da Lingustica Textual,
preciso admitir que as mesmas acabem de modo direto ou indireto, interferindo na
estrutura de um gnero.
Desse modo, a estrutura de um texto que represente determinado gnero
especfico pode ser comprometida em seus fatores de textualidade por articulaes
gramaticais que desviam do que se espera nos padres, por exemplo, de concordncia.
Conforme Marcuschi (2008), os aspectos apresentados a seguir podem, em
muitos casos, comprometer a estrutura do texto e esse fato justifica a importncia de no
se excluir radicalmente o estudo de questes gramaticais no espao escolar, pois esse
estudo tambm levaria o aluno, supostamente, a usar tais recursos aprendidos no texto.
Os aspectos que mais interferem na textualidade, conforme Marcuschi (2008, p.
218) so:
(a) Questes gramaticais: aqui podem ser tratados, dentro dos mdulos, de forma sistemtica, o problema da organizao da frase, os tempos verbais, a coordenao e subordinao, a pontuao, a
paragrafao e assim por diante. Embora a sintaxe no se ligue ao
gnero, ela contribu para a construo do gnero e pode ser tratada com uma abordagem epilinguistica como o fazem, por exemplo, os PCNs.
(b) Questes de ortografia: os problemas de ortografia no so questes de gnero textual, mas podem ser tratados na produo
lingstica escrita sem dificuldade dentro dos mdulos e at na reviso
final do texto para a produo final. O trabalho da ortografia no deve
sobrepor-se ao trabalho efetivo com a produo textual, pois a ortografia um detalhe especfico que deve ser cuidado, mas com
outro tipo de ateno e exposio do aluno.
Espero j ter deixado claro o meu acordo com a importncia do ensino da
variante padro nas escolas, e, dos contedos que, via seriao, integram a abordagem
da mesma, a partir daquilo que, da ordem do Imaginrio, eles podem mobilizar entre
professor e aluno.
Se a aprendizagem da norma padro se configurasse como uma apropriao das
normas e regras que devem ser aplicadas na escrita de prestgio e se essa aprendizagem
pudesse ser compreendida como a possibilidade de controlar uma produo escrita, ns,
professores de Lngua Portuguesa, teramos plenas condies de no errar aquilo que
ns, alm de conhecermos, ensinamos. Peo permisso ao leitor para fazer tal assertiva
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devido minha observao no sentido de que, frequentemente, os professores tratam a
escrita dos seus alunos como se apenas esses apresentassem equvocos de escrita.
Retomando o tpico anterior, quando me referi ao que um professor de Lngua
Portuguesa, normalmente, herda durante a sua formao, podemos observar nos
Parmetros Curriculares Nacionais, que um documento direcionado, sobretudo, aos
professores, o quanto a ideia de um aluno reflexivo, capaz de aplicar o contedo
patente.
Nosso objetivo auxili-lo na execuo de seu trabalho,
compartilhando seu esforo dirio de fazer com que as crianas dominem os conhecimentos de que necessitam para crescerem como
cidados plenamente reconhecidos e conscientes de seu papel na nossa
sociedade. (PCN, 2007, p.4)
O que na epgrafe10
desse tpico Milner chama de universo regularmente
agenciado indicia o estabelecimento dos contedos a serem ensinados e a crena de
uma relao com a lngua que seja da ordem da aplicao, mas, ope-se s ocorrncias
em que, nem mesmo para o professor de Lngua Portuguesa, alguma regra possa
adornar frente quilo que, em sua escrita, irrompe.
Essa defesa no se refere a uma banalizao do contedo, muito menos do
ensino e da escrita e sim, da condio de negao frente aos equvocos de escrita e ao
reforo incidente da noo de erro. Reis (2011, p. 252) na revista Estilos da Clnica, nos
diz que:
Ns no queremos absolutamente saber, fugimos do saber por meio do
conhecer, porque o saber significa se dar conta da falta, da
impossibilidade do saber, de abandonar a ideia de uma significao completa frente falta de significao e de sentido. Ao perguntarmos
ao estudante che voui? O que voc quer?, ele responder: No saber.
Alm da aposta do professor no aluno, parece-me que, para que os equvocos de
escrita tornem-se caminho para uma produo em sala, imperioso admitir sua
10
A epgrafe referida e citada anteriormente encontra-se a seguir para facilitar o trabalho do
leitor. Portanto, nesse universo regularmente agenciado, a desordem algumas vezes aparece: quando na linguagem mesma, introduz-se uma dessimetria qual nenhuma regra pode adornar.
o instante pattico onde um poeta se cala. evidente, ento, que ningum dir mais alm do
que j foi dito. Aqui, o lingsta reencontra o limite do seu saber: a lngua se mostra a ele de um ponto sobre o qual ele no tem influncia, porque um ponto de falta irremedivel. (MILNER, 2002, p. 138-139).
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existncia e essa admisso prescinde, em parte, de uma releitura dessa noo de
aplicao e da aproximao da noo de aposta e interveno.
Tendo em vista as consideraes feitas no tpico em questo, veremos agora
como uma dessas heranas, a saber, a abordagem do desenvolvimento de uma
competncia comunicativa via aprendizagem, prope o modo pelo qual o aluno se
apropria do contedo aprendido na escola que, posterior e supostamente, o faria capaz
de aplicar esse contedo na escrita. Essa parte do trabalho vincula-se ao contraponto que
foi proposto nos objetivos do trabalho em questo e nos ajudar, assim espero, a
problematizar a frequente excluso das produes de equvoco na escrita.
2.3 Quem tem Competncia Comunicativa?
Reter de um ser falante em geral apenas o que o faz suporte de um
calculvel, pens-lo como um ponto sem diviso nem extenso, sem
passado e nem futuro, sem consciente e sem inconsciente, sem corpo e sem outro desejo a no ser o de enunciar. o anjo que, desde sempre, imaja o que o sujeito se torna quando s se retm dele a
dimenso de pura enunciao. (MILNER, 1987, p. 07)
Dentre os autores que na atualidade dedicam-se, de algum modo, a problematizar
questes concernentes ao ensino de Lngua Portuguesa, Oliveira (2011) defende que o
fato de uma pessoa ser falante da Lngua Portuguesa faz com que, naturalmente, essa
pessoa saiba falar o portugus, a despeito de, conforme o autor, muitos falantes
escolarizados ou no acreditarem no saber falar o portugus.
No que se refere aos falantes que acreditam no saber o portugus, o autor diz haver
uma confuso instaurada: primeiro porque, ser falante de uma lngua no significa
necessariamente, conforme o autor, dominar a lngua a partir do conhecimento e
emprego das normas, regras e da gramtica de uma lngua. Segundo, porque um falante
no precisa ir escola para ser capaz de falar uma lngua.
A defesa de um saber sobre a lngua, inerente ao falante, pode ser comprovada, na
viso desse autor, pelo fato de uma pessoa analfabeta ou pouco escolarizada, conseguir
se comunicar com uma pessoa letrada. O contraste entre essas duas falas revelar que,
um domina a variante formal e outro se aproxima da lngua na modalidade no padro.
Segundo ele:
Percebe-se, portanto, que todos os brasileiros, alfabetizados ou no, e
que no tem nenhum problema que especificamente interfira no desenvolvimento de sua faculdade de linguagem, sabem portugus.
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Saber portugus significa no apenas ter domnio inconsciente das
estruturas gramaticais, das regras que regem essas estruturas e do
lxico, mas tambm ter o domnio de normas socioculturais de comportamento que nos possibilitam interagir uns com os outros.
Saber portugus no a mesma coisa que dominar a nomeclatura
gramatical registrada pelas gramticas normativas nem saber explicar as construes gramaticais. Isso tem de ficar claro tanto para os
professores quanto para os estudantes. (OLIVEIRA, 2011, p. 40)
A escolarizao, na viso do autor, no tem relao alguma com o fato de
comearmos a falar uma lngua, afinal, com escola ou sem escola, naturalmente, h
crianas, com exceo das que enfrentam algumas deficincias, que se tornam falantes.
Isso porque, para Oliveira (2011), mentalmente e naturalmente construmos sentenas
complexas e simples porque h regras que coordenam a lngua em seu funcionamento
interno e mental.
As regras que regem essas sentenas, na viso desse autor e que comeam a
funcionar em nossa mente, naturalmente, a partir da nossa infncia, no se do da
mesma forma no processo de escrita, afinal, no falamos da mesma forma que
escrevemos e se ningum vai escola para aprender a falar, a grande parte das pessoas
que escrevem, aprenderam a escrita na escola, junto aos professores.
Em outros termos: para que a escrita se aproxime da variante padro ou para que
se aprenda a escrever preciso que o aluno aprenda, na viso desse autor, as regras que
regem tanto a escrita, quanto a sua modalidade padro. Assim, podemos perceber nas
consideraes desse autor que a aprendizagem condio para que os erros no
ocorram e no mbito das propostas dele, no h espao para supor a ocorrncia de
equvocos de escrita.
Desse modo, ao entrar na escola no nvel fundamental, o aluno j possuiria, na
viso de Oliveira (2011), um grau de competncia comunicativa para falar e relacionar-
se com as pessoas, afinal, esse aluno sabe o portugus e capaz, de algum modo, falar a
sua lngua materna. Mas, essa capacidade de falar no implicaria necessariamente que
ele conseguisse se comportar linguisticamente em qualquer situao, muito menos,
dominar a escrita em diferentes gneros, tornando-se proficiente na escrita. Para
Oliveira (2011, p. 43):
Ajudar o estudante a aprender a se comportar linguisticamente em
diversas situaes de interao social o objetivo principal das aulas de portugus, que no deveriam ter como foco principal o ensino da
gramtica normativa por meio da nomeclatura que a descreve de
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forma inconsistente. Ensina-se portugus aos brasileiros para ajud-los
a desenvolver sua competncia comunicativa.
A noo de competncia comunicativa vem sendo abordada por vrios autores,
como por exemplo, Corra (2005) que defende que a partir de 1970, diversos autores,
principalmente, influenciados pelas teorias de Chomsky, comearam a pesquisar sobre a
aquisio de capacidades de cunho metalingustico que permitiriam a conscincia e o
controle, bem como a manipulao intencional da organizao das sentenas em uma
frase escrita. Desse modo, para o autor, a aprendizagem uma condio fundamental
para que o aluno domine sua escrita e se torne um usurio competente da lngua.
Hymes (apud OLIVEIRA, 2011) afasta-se um pouco da noo de competncia
cunhada por Chomsky, e defende a noo de competncia comunicativa, segundo a qual
o falante pode desenvolver, via aprendizagem, uma capacidade de utilizar o que
aprendeu para acoplar esse conhecimento competncia. Dito de outro modo: a
competncia comunicativa seria a possibilidade de associar os contedos aprendidos ao
funcionamento da lngua.
Assim, esse seria o aspecto que poderia distinguir um falante da lngua que
adquiriu as competncias lingusticas fundamentais e aquele que no adquiriu, sendo
capaz de falar, mas tendo dificuldades em manipular as formas lingusticas e ser capaz
de usar esses conhecimentos em situaes comunicativas concretas (OLIVEIRA,
2011, p.44).
Oliveira (2011), ao citar em seu livro os autores Hymes (1980), Widdonson
(1991 [1987]), bem como Canale e Swain (1980), prope a necessidade de desenvolver
no aluno 09 competncias principais:
1) Competncia gramatical.
2) Competncia sociolingustica.
3) Competncia discursiva.
4) competncia estratgica.
5) Competncia da mxima quantidade.
6) Competncia da mxima da maneira
7) Competncia gramatical.
8) Competncia discursiva.
9) Competncia estratgica.
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Dentre essas competncias, a competncia gramatical, que ser problematizada
no presente trabalho, refere-se possibilidade e necessidade do professor fazer com que
seus alunos a adquiram e sejam capazes de aplicar em sua escrita, normas de
concordncia, pluralizao etc. Conforme essa viso, se um aluno escreve, por exemplo,
os meninos foi, podemos entender que ele no adquiriu a competncia gramatical
necessria para articular esse perodo na escrita.
Assim, a competncia gramatical comportaria, para Oliveira (2011), com base
nos autores anteriormente citados, as aes a seguir:
1) O professor deve tornar os alunos capazes de reconhecer o modo
heterogneo que o portugus se apresenta e conscientiz-los sobre o estigma
imputado a pessoas que usam a norma no padro da Lngua Portuguesa.
2) O professor precisa fazer com que os estudantes reconheam as influncias
da oralidade na escrita e o distanciamento da norma padro produzido por
essa influncia. A criao dessa competncia seria, para Oliveira (2011),
fundamental para que os alunos reduzissem a ocorrncia de marcas de
oralidade no texto escrito.
3) Fazer com que o aluno conhea o sistema convencionado de pontuao na
escrita em Lngua Portuguesa, principalmente, lembrando as ambiguidades e
problemas de sentido que, por exemplo, os problemas que o uso inadequado
das vrgulas pode acarretar para o sentido do texto.
4) Fazer com que os alunos ampliem o conhecimento sobre o vocabulrio da
Lngua Portuguesa e, tambm, tenham um conhecimento amplo sobre o
significado das palavras. Assim, deve-se informar os alunos sobre as
ambiguidades que podem surgir do uso inconveniente de algumas expresses
como, por exemplo, o jegue do meu vizinho morreu.
5) Fazer com que os alunos conheam os mecanismos de formao de palavras,
com nfase para os afixos, que os levaro a, principalmente, reconhecer
palavras a partir do contexto.
6) Fazer com que os alunos dominem a concordncia e admitir que esse um
dos aspectos que mais provocam preconceito lingustico no Brasil. O
domnio da concordncia verbal e nominal seria, ento, uma forma de fazer
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com que os alunos sejam capazes de usar a norma padro de modo
conveniente.
7) Fazer com que os alunos dominem os tempos verbais permite, inclusive que
os alunos distanciem-se do uso dos verbos, na escrita, de um modo diferente
do que frequente na oralidade.
Para Oliveira (2011), a despeito de todos os falantes da Lngua Portuguesa
saberem o portugus, o professor teria como sua principal funo fazer com que os
alunos tivessem condies de desenvolver suas competncias comunicativas. Segundo o
autor, a competncia gramatical depende das demais competncias, pois, em alguns
casos, seu emprego inadequado pode interferir nas demais, ou seja, as competncias no
devem ser ensinadas uma em detrimento da outra e sim, levando-se em considerao
que uma complementa a outra.
Na viso de Oliveira (2011), o contexto escolar o espao em que o aluno pode
e deve desenvolver essas competncias e tambm, outras. Mas, no entanto, isso
normalmente no ocorre devido a vrios problemas como, por exemplo: a m formao
dos professores, a precariedade do ensino, salas de aula lotadas, ausncia de
equipamentos e outros aparatos fundamentais para a ocorrncia de uma aula de
qualidade. Ou seja: as justificativas para os erros de escrita dos alunos estariam, nessa
perspectiva, ligados ao no desenvolvimento de competncias e tambm, a fatores
indiretos que interferem nesse desenvolvimento, mas no s possibilidades vinculadas
subjetividade.
Uma das funes do professor, para que o aluno se torne letrado, nessa
perspectiva, fazer com que os alunos percebam seus prprios erros para que possam
corrigi-los e, assim, resolverem os problemas que ainda persistem em suas
competncias comunicativas.
Como podemos observar, a posio de Oliveira (2011) corrobora, tambm, com
a viso dos Parmetros Curriculares Nacionais, que defendem o seguinte:
O domnio da lngua, oral e escrita, fundamental para a participao
social efetiva, pois por meio dela que o homem se comunica, tem acesso informao, expressa e defende pontos de vista, partilha e
constri vises de mundo, produz conhecimento. Por isso, ao ensin-
la, a escola tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes lingsticos, necessrios para o exerccio da
cidadania, direito inalienvel de todos. (PCN, 2000, p.11)
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Desse modo, percebemos a existncia de uma c