Religião e Educação (Jung Mo Sung)_18130

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS DISCIPLINA: CULTURA RELIGIOSA PROF. DOUGLAS C. DANTAS RELIGIÃO E EDUCAÇÃO 1 Os seres humanos se diferenciam de outros animais pela ausência de uma estrutura desenvolvida de instintos. Os animais, devido à sua programação genética, ao nascerem já sabem o que fazer, como agir e reconhecer os membros de sua espécie. Nós, pelo contrário, somos seres “inacabados”. Não possuímos uma programação genética que nos direcione para um determinado modo de vida. Por causa desse “defeito de fabricação”, precisamos criar soluções e respostas para a nossa vida e para entender o que nos cerca. Sem essa criação de significados, não há um mundo humano, um mundo em que nos sintamos em casa. Somente construindo significados para os seres, o espaço e o tempo e, ao mesmo tempo, criando relações sociais estáveis, conseguimos sobreviver como seres humanos. Se uma criança recém-nascida fosse abandonada numa floresta e sobrevivesse no meio de lobos, certamente não se tornaria uma pessoa humana, no sentido que atribuímos a essa expressão. Seria alguém que não conseguiu desenvolver a potencialidade de se tornar um ser humano, e viveria como um “lobo diferente”. Por outro lado, esse “defeito” nos permite a liberdade de criação e, o que é muito importante, a capacidade de sonharmos e desejarmos realidades que ainda não existem e que até podem estar acima das nossas possibilidades humanas. Pela ausência de determinação genética, os grupos humanos resolvem de modos diferentes o desafio de construir seu mundo. Por isso, encontramos na história da humanidade tantos tipos diferentes de línguas, costumes, religiões, instrumentos de trabalho, relações de parentesco ... A diversidade das soluções não deve nos fazer esquecer de que há desafios comuns a todos os tipos. Qual é o sentido da existência humana? Como manter estáveis as relações sociais criadas? Como produzir os bens necessários para a reprodução da vida? Como 1 JUNG MO SUNG. Doutor em Ciências da Religião. Professor de Pós-graduação em Ciências da Religião no Instituto Metodista de Ensino Superior, em São Bernardo do Campo.

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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE MINAS GERAIS ARCOS

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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE MINAS GERAIS

DISCIPLINA: CULTURA RELIGIOSA

PROF. DOUGLAS C. DANTAS

RELIGIO E EDUCAO

Os seres humanos se diferenciam de outros animais pela ausncia de uma estrutura desenvolvida de instintos. Os animais, devido sua programao gentica, ao nascerem j sabem o que fazer, como agir e reconhecer os membros de sua espcie. Ns, pelo contrrio, somos seres inacabados. No possumos uma programao gentica que nos direcione para um determinado modo de vida. Por causa desse defeito de fabricao, precisamos criar solues e respostas para a nossa vida e para entender o que nos cerca. Sem essa criao de significados, no h um mundo humano, um mundo em que nos sintamos em casa.

Somente construindo significados para os seres, o espao e o tempo e, ao mesmo tempo, criando relaes sociais estveis, conseguimos sobreviver como seres humanos. Se uma criana recm-nascida fosse abandonada numa floresta e sobrevivesse no meio de lobos, certamente no se tornaria uma pessoa humana, no sentido que atribumos a essa expresso. Seria algum que no conseguiu desenvolver a potencialidade de se tornar um ser humano, e viveria como um lobo diferente.

Por outro lado, esse defeito nos permite a liberdade de criao e, o que muito importante, a capacidade de sonharmos e desejarmos realidades que ainda no existem e que at podem estar acima das nossas possibilidades humanas.

Pela ausncia de determinao gentica, os grupos humanos resolvem de modos diferentes o desafio de construir seu mundo. Por isso, encontramos na histria da humanidade tantos tipos diferentes de lnguas, costumes, religies, instrumentos de trabalho, relaes de parentesco ...

A diversidade das solues no deve nos fazer esquecer de que h desafios comuns a todos os tipos. Qual o sentido da existncia humana? Como manter estveis as relaes sociais criadas? Como produzir os bens necessrios para a reproduo da vida? Como explicar a morte? por causa desses desafios comuns que encontramos tantas semelhanas entre as mais diferentes culturas.

Entre inmeros pontos em comum, a existncia de religies em todas as sociedades bastante significativa. Desde os tempos mais remotos at as sociedades mais avanadas, encontramos a religio. claro que a intensidade e a importncia dela variou conforme o tempo e a cultura. Mas inegvel que ela nunca deixou de estar presente. Certamente porque a religio uma das formas mais importantes de dar sentido vida e morte.

A religio uma das criaes humanas mais importantes em toda a histria. A tal ponto que muitos consideram que a religiosidade faz parte constitutiva do ser humano. bom deixar claro que o fato de todas as culturas produzirem religies no prova necessariamente a existncia de Deus ou de outros seres sobrenaturais. Simplesmente prova que os seres humanos buscam encontrar significados e esperanas que melhor se expressam na religio. Nem os mais totalitrios sistemas anti-religiosos conseguiram acabar com ela.

Outro ponto comum a todos os grupos humanos a educao. Todas as sociedades precisam transmitir s novas geraes a cultura que a sustenta ideologicamente. Cada sociedade, em cada poca, encontrou o seu jeito de transmitir os conhecimentos acumulados e os valores que regem as relaes sociais. Com ou sem escolas formais, como as conhecemos hoje, todos os grupos sociais devem explicar s novas geraes o sentido da existncia, da vida, da morte e os valores compartilhados pelos membros do grupo.

Por esses fatos, a religio e o processo educativo estiveram juntos, articulados, na maior parte da histria da humanidade, at o advento do mundo moderno. No se pensava em processos educativos desvinculados dos sentidos da vida e, portanto, da religio. As tcnicas de produo econmica, as relaes polticas e familiares, o passado da comunidade e os valores morais no se separavam da religio do grupo.

A RELIGIO E O SENTIDO DA VIDA

Antes do advento e da divulgao das cincias modernas, cabia religio dominante na sociedade manter estvel a ordem social criada contra todas as ameaas de instabilidade e caos. Para isso, cumpria duas funes bsicas:

explicar os fenmenos da natureza e as relaes sociais estabelecidas;

ser o principal elemento de legitimao da ordem estabelecida e, portanto, de represso aos que no aceitavam as normas e os poderes institudos.

Na modernidade, as cincias ocuparam a funo de explicar os fenmenos naturais e as relaes sociais. E a legitimao da ordem estabelecida e as represses so exercidas em nome da legalidade jurdica e da ideologia dominante na sociedade, difundida atravs dos meios de comunicao de massa e de outros instrumentos.

As religies, na maioria dos lugares, se restringiram ao mbito privado, sem o poder explicativo e legitimador da sociedade. Mesmo assim, ainda existem muitos grupos religiosos que procuram manter as funes sociais que as religies exerciam no passado. Pases rabes fundamentalistas, como o Ir, e grupos fundamentalistas no Sul dos Estados Unidos so exemplos disso.

Isso explica, em parte, por que os jovens de hoje, com o conhecimento das explicaes cientficas sobre a natureza e a sociedade e com o desejo de liberdade, costumam se rebelar contra a religio. Em especial religies tradicionais impostas por autoridades familiares ou escolares.

Em muitos ambientes, a negao da religio vista como afirmao de independncia e maturidade dos jovens. Mas a negao da religio no suprime a necessidade humana de encontrar o sentido da vida e da morte. No apaga tambm os desejos e as esperanas, que esto alm dos nossos limites. Nem a iluso de que no temos limites o mito do querer poder nos protege de situaes em que nos defrontamos com limites intransponveis.

Temas importantes no processo de humanizao que sempre foram tratados pela religio esto se perdendo ou sendo mal trabalhados devido aos preconceitos contra a religio. Como diz o ditado: jogam a criana gua suja do banho.

Esse fato nos ajuda a entender um pouco melhor o crescimento de novos movimentos religiosos e esotricos. As pessoas continuam se defrontando com problemas existenciais-religiosos, ao mesmo tempo que renegam as religies tradicionais do seu grupo social ou da cultura dominante na sociedade. Uma das solues para esse impasse buscar nesses novos movimentos as respostas para seus problemas.

Para entendermos melhor essa relao entre religio e problemas existenciais, precisamos ter claro que a religio no trata somente das questes do outro mundo ou de seres sobrenaturais ou espirituais . Ela tem como objetivo central o significado das vidas humanas. Falar de Deus um modo de falar do ser humano. Quando digo que Deus Pai, afirmo que somos filhos dele, isto , que somos importantes e dignos. Deus, no fundo, o nome que damos ao sentido ltimo da nossa existncia. At mesmo o tema da vida ps-morte busca de sentido para nossa vida histrica. Nossa viso sobre essa vida muda muito se acreditamos ou no na vida ps-morte.

Todos os que se perguntam sobre o sentido da existncia ou buscam fundamentos para suas esperanas e seus desejos mais importantes esto lidando com temas tradicionalmente tratados pela religio. A filosofia tambm costuma tratar desses assuntos por isso tantos filsofos estudaram em seus escritos o tema de Deus. Dessa forma, Deus e a religio no so temas que se contrapem razo ou teoria, como muitos podem pensar.

RELIGIO NAS ESCOLAS

Para que serve Deus na vida de um jovem? Pergunta difcil! Principalmente se levarmos em conta que uma pergunta-tabu entre a maioria dos jovens, at mesmo daqueles que estudam nas escolas confessionais.

O fato de jovens no discutirem com seriedade esse tema no quer dizer que ele no seja importante em suas vidas, mesmo que inconscientemente. Sexualidade, por exemplo, outro desses temas-tabu, pouco discutido franca e seriamente, mas importante.

Um dos motivos pelo qual difcil conversar sobre Deus e a religio o fato de serem tratados de modo bastante dogmtico. As pessoas no aceitam discutir racionalmente, com bom senso, essas coisas. Geralmente so debates apaixonados ou debochados ou ento o mais raro ocorre uma simples troca de informaes, onde cada participante expe sua posio ou seu credo, e o outros respeitosamente no criticam ou debatem.

Sem um debate razovel, com abertura s diferentes posies muito difcil encontrar uma viso crtica e sensata. As pessoas tornam-se passveis de manipulaes religiosas daqueles que se aproveitam de momentos de crises existenciais. Ou ento com posies dogmticas pr-religio ou anti-religiosas que no enriquecem em nada a vida humana.

Para muitos, contraditrio falar em religio e em debate crtico, sensato e razovel A religio seria o campo do irracional e dogmtico. Haveria um abismo insupervel entre as cincias, a razo e a religio. Mas as experincias histricas mostram que isso no verdade. Existiram, e ainda existem, claro, grupos religiosos dogmticos e irracionais. Mas a histria mostra tambm muitas experincias de tolerncia, capacidade de dilogo e de racionalidade dentro das tradies religiosas.

H outros que mesmo aceitando a importncia e a necessidade de dialogarmos sobre a religio, acreditam que ela no deve ser discutida nas escolas. O debate sobre a religio e os temas religiosos deveria ocorrer somente nas igrejas ou em outros ambientes religiosos mas no nas escolas.

Essa posio tem, na minha opinio, dois problemas fundamentais. O primeiro consiste em reduzir o debate sobre a religio questo de confessionalidade, isto , de pertencer a uma igreja ou a uma religio. Debates em igrejas e outros ambientes religiosos pressupem - na maioria dos casos que os participantes j tenham realizado uma opo ou que estejam buscando uma. No quero desmerecer esse tipo de debate, muito menos a confessionalidade, a opo religiosa das pessoas. Mas no podemos esquecer que a religio, antes de mais nada, uma forma humana de encontrar significados para a prpria existncia e de expressar esperanas e desejos mais profundos.

A opo religiosa concreta por um determinado credo, caso isso venha a ocorrer, deve ser posterior a esse debate mais amplo e aberto. Essa experincia de debate plural uma rica experincia de tolerncia com outros que pensam diferente em temas existencialmente to importantes.

O segundo problema consiste na concepo de escola. Na verdade, nossas escolas reproduzem uma caracterstica fundamental das sociedades modernas: a reduo de todos os conhecimentos tcnica. A nossa moderna sociedade perdeu uma riqueza dos antigos: a capacidade de relacionar o sentido e a tica tcnica, a qualidade quantidade. Muitas de nossas escolas se preocupam pouco com a transmisso de valores ticos e com o sentido da existncia. Perdeu-se a viso da educao integral da pessoa humana e quase que se restringiu o processo educativo formao de profissionais, de tcnicos.

As escolas de ensino mdio que trabalham com jovens numa fase fundamental de suas vidas no podem ser reduzidas a meras treinadoras para os vestibulares. Nem as nossas universidades podem se reduzir a formar profissionais, sem se preocupar com outras dimenses fundamentais da vida pessoal e da sociedade. As escolas devem ser um espao tambm para encontrar o sentido da vida, um ideal pelo qual vale a pena viver.

Para que servem aulas sobre Cultura Religiosa? Se enxergarmos globalmente a educao e a pessoa humana, os estudos e debates sobre a religio ou a dimenso religiosa do ser humano tm um papel importante: ENCONTRAR UM SIGNIFICADO MAIS HUMANO PARA AS NOSSAS VIDAS E O NOSSO PROCESSO EDUCATIVO.

JUNG MO SUNG. Doutor em Cincias da Religio. Professor de Ps-graduao em Cincias da Religio no Instituto Metodista de Ensino Superior, em So Bernardo do Campo.