“REMÉDIOS QUE CURAM” - Outros Tempos – Pesquisa em ... · 3 [...] Esses 28 estabelecimentos...
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“REMÉDIOS QUE CURAM”: uma leitura das propagandas e da utilização dos medicamentos pela sociedade ludovicense (1850-1900)
Carlúcio de Brito Baima
A ascensão do papel do médico, na sociedade, impulsionado pelas correntes
científicas que ganhavam força no século XIX, por exemplo, o positivismo, o evolucionismo e o
darwinismo social, passaram a encontrar nos costumes utilizados pela população (curandeirismo)
no combate a enfermidades um grande obstáculo para sua legitimação. Essas teorias difundidas
na Europa são apropriadas pela intelligentsia brasileira e têm como propósito implementar novos
parâmetros civilizacionais.
A tentativa de implementação desses parâmetros de civilidade e essas novas ideias
sobre higiene e saúde pública bastante difundidas na Capital Federal, podem ser percebidas em
diversos documentos, como, por exemplo, nos Códigos de Postura. Os Códigos de Postura eram
um conjunto de leis que tinha como propósito disciplinar o comportamento das pessoas para
instituir uma cidade moderna baseada em três princípios: embelezamento,
seguridade/comodidade, higiene e salubridade1.
É esse o panorama que escolhemos para trabalhar uma outra medida utilizada para o
combate a uma série de doenças: os medicamentos produzidos por farmacêuticos e indicados
pelos médicos, que são divulgados diariamente nos jornais como o Elixir de Carnaúba Composto
para combater a sífiles, as Pílulas de Feto Macho Vegetaes Assuearadas para o combate de
lombrigas, o Vinho João Victal usado no combate da febre intermitente, entre tantos outros.
Porém, de que forma esses medicamentos ganharam força principalmente na segunda
metade do século XIX? Quem são os responsáveis na difusão de remédios e de que forma a
população utiliza tais panaceias no seu dia-a-dia? Tentaremos responder a essas perguntas
mediante a análise das propagandas de medicamentos presentes nos periódicos, se as mesmas
1 Utilizamos somente os códigos de 1866 e 1892 por serem os únicos existentes no recorte temporal – 1850 a 1900 – estabelecido na pesquisa. Ainda que posturas avulsas fossem aprovadas, ao longo de tal período houve somente a publicação dos dois Códigos de Posturas supracitados. O primeiro Código de Postura da cidade de São Luís data de 1842, sendo imediatamente anterior ao recorte temporal proposto.
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influenciavam nos hábitos costumeiros da sociedade ludovicense e quanto à própria prática da
farmácia em São Luís.
Antes de iniciar essa discussão sobre as propagandas de medicamentos e sua ligação
com os hábitos costumeiros da população de São Luís, entendemos que seja necessário explanar
um pouco sobre a história da farmácia, não de modo a buscar sua origem, mas de que forma ela
alcançou tal visibilidade, ao ponto de se tornar um grande investimento, inclusive um dos
maiores nos dias atuais. Tal reconhecimento do campo farmacêutico foi adquirido
principalmente durante a segunda metade do Oitocentos e início do século XX. De qualquer
modo, as práticas farmacêuticas já eram realizadas a mais de 2600 anos no Oriente, na
Antiguidade Clássica, com Hipócrates e Galeno e também na África. Hipócrates foi precursor da
teoria humoral e defendia a idéia de que não existiam doenças, mas, sim, doentes. Objetivando
manter o equilíbrio da saúde e a harmonia do corpo, podemos perceber a continuidade da teoria
humoral até meados do século XVII. A arqueóloga Tânia Andrade Lima, em estudos feitos em
antigos depósitos de lixos domésticos do século XIX, constatou a permanência da teoria dos
quatro humores nos costumes de higiene da sociedade carioca
No Brasil, supõe-se que os princípios hipocráticos tenham sido introduzidos pela medicina portuguesa, na qual tiveram ampla penetração (cf. Crespo, 1990), bem como pelos médicos que acompanharam a colonização holandesa. Constantemente realimentadas nos séculos subseqüentes pelo fluxo de idéias em circulação na Europa, de onde provinham os médicos e os manuais que difundiam as regras de higiene e praticas curativas aqui adotadas, acabaram se sedimentando, e medidas como sangrias, purgas, vomitórios, suadouros, fumigações etc. foram intensamente praticadas, especialmente no século XIX (LIMA, 1996, p. 51).
No Maranhão, as práticas quanto às boticas e farmácias não diferiam do restante do
Brasil. A princípio, a figura do farmacêutico ou boticário se confundia com a do médico, ainda
que houvesse distinção quanto às obrigações deste. A farmácia só passaria a ser reconhecida de
fato como um campo científico a partir do século XIX, momento em que algumas faculdades no
mundo e no Brasil passaram a oferecer o curso de farmacologia, a exemplo da Faculdade de
Medicina da Bahia. Com isso, várias farmácias e drogarias passaram a funcionar na província,
como constatou Mário Meireles, mediante a observação de dados estatísticos elaborados por José
Ribeiro do Amaral
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[...] Esses 28 estabelecimentos estavam assim distribuídos. Em São Luís, a capital, apenas outro farmácias ou drogarias; em cada um das cidades de Barra do Corda, Brejo e Caxias e das vilas de Guimarães e São Bento, duas farmácias (10); e em cada uma das uma das cidades de Alcântara, Picos (Colinas), Grajaú e Viana e das vilas de Alto Parnaíba, Baixo Mearim (Vitória), Cururupu, Vargem Grande, Rosário, e Santo Antônio de Balsas, uma botica (10).” (MEIRELES, 1994, p. 185)
Poucos são os estudos que se aprofundam na discussão sobre a prática da farmácia
no Maranhão, e, em especial, em São Luís no recorte temporal do qual nos propomos a analisar.
Os teóricos que já escreveram sobre a temática e que tivemos contato com suas obras foram o
historiador Mário Meireles e o médico e também historiador César Augusto Marques.
Para a análise deste artigo, que não tem um caráter conclusivo, procuramos trabalhar
com uma documentação bastante variada, ainda que as propagandas presentes nos jornais do
século XIX sejam as principais. Utilizaremos os Códigos de Postura, o Regulamento Sanitário de
1894 para perceber o discurso presente na regulamentação da função do farmacêutico e das
questões higiênicas e estruturais do estabelecimento, os anúncios de jornais, que consistem no
principal veículo de comunicação e difusão de ideias no período, além, é claro, da literatura
científica afim.
Todo cuidado é pouco...
São Luís de forma alguma era uma cidade higiênica. As vias públicas se
assemelhavam aos depósitos de lixos, águas pútridas eram despejadas nas ruas, a falta de
conscientização dos populares, quanto às medidas básicas de higiene, eram recorrentes e o
descumprimento da legislação, quanto a uma série de cuidados simples que dificilmente eram
seguidos. Tais observações são bem perceptíveis em leituras anteriormente feitas em jornais da
época e, por conta dessas observações, achamos viável discorrer um pouco sobre o Regulamento
Sanitário do Maranhão de 1894. Consultamos este documento no Arquivo Público do Estado do
Maranhão, porém a data de aprovação do mesmo. Foi instituído pelo Dr. Casimiro Dias Vieira
Júnior, 1º Vice-Governador do Estado, usando a atribuição que lhe confere o artigo 2º da Lei nº.
71 de 20 de julho do mesmo ano. Será com a implementação desse documento que o serviço
sanitário do Estado será vistoriado e controlado.
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O documento é dividido em dez capítulos e contém um anexo com quatro tabelas,
onde podemos perceber a divisão das obrigações e os principais cuidados que deveriam ser
mantidos nos estabelecimentos (hospitais, fármacias, matadouros, fábricas, colégios, etc.), nas
residências e, é claro, na própria atribuição dos responsáveis por manter o funcionamento desses
serviços: os inspetores de higiene.
O Capítulo I é composto por quatro artigos, não possui títulos e comenta sobre as
obrigações gerais do serviço sanitário terrestre e do seu “órgão-mor”, as inspetorias municipais
de higiene. Só existiria tal orgão se no município também houvesse a presença de um médico
reconhecido legalmente. Raras as situações em que o cargo de inspetor de higiene era dado a
outro profissional. O Capítulo II, intitulado Das inspectorias municipais de hygiene, possui seis
artigos e comenta sobre a função do órgão: está ciente de todas as questões referentes à saúde do
estado, criar mecanismos de combate as mais diversas moléstias, principalmente nos períodos
epidêmicos, além de oferecer o serviço de vacinção e fiscalização do serviço médico e
farmacêutico. O Capítulo III, Dos Inspectores de Hygiene, trata sobre as obrigações deste cargo
que não diferem muito das citadas no capítulo anterior sendo um tanto quanto curioso que o
mesmo deveria tomar de conta das questões administrativas, para que dessa forma pudesse ser
garantida o bom funcionamento do órgão. O Capítulo IV, Dos Ajudantes, composto por seis
artigos, comenta sobre as responsabilidades deste cargo, muito semelhantes as dos inspetores de
higiene, já que para assumir esse cargo havia também a obrigatoriedade de ser médico. Os
ajudantes possuíam autonomia para multar aqueles que descumprissem as normas higiênicas,
elaboravam relatórios mensais quanto aos trabalhos realizados e ficavam responsáveis em
organizar um mapa sanitário de vacinação e um boletim de mortalidade com o máximo de
detalhes possíveis, que eram repassados ao inspetor trimensalmente. O Capítulo V, Dos
Secretários, e o Capítulo VI, Dos porteiros, abordam as funções quanto ao funcionamento do
órgão: arquivamento dos relatórios, limpeza e distruibuição das intimações e multas. O Capítulo
VII, Das Sessões das Inspectorias municipaes de Hygiene, só reforça todas as questões
administrativas e reuniões que deveriam ser realizadas para discussão do funcionamento do
órgão. O Capítulo VIII, Do exercício da medicina, da pharmacia, da obstetrícia e da arte
dentaria, possui trinta e sete artigos, sendo este o capítulo mais longo do documento. O Capítulo
IX, Da policia sanitária, contem 17 artigos e o Capítulo X, Disposições Geraes, composto por
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catorze artigos. Por fim, temos as tabelas, quatro ao todo, que compõe uma espécie de anexo do
documento.
A Tabela A descreve uma lista de substâncias que deveriam conter na farmácia e
poderiam ser vendidas sem a necessidade da apresentação da receita médica; a Tabela B, os
vasilhames indispensáveis que uma farmácia deveria ter, por exemplo, frascos de vidros de
diversas dimensões; a Tabela C descreve os utensílios indispensáveis: conta-gotas, balanças,
balões de vidro, etc. Por último, a Tabela D, que apresenta os livros de medicamentos e rótulos
em que deveriam constar as seguintes informações: nome do farmacêutico ou responsável pela
farmácia, informações do tipo “agite antes de beber”.
A partir da leitura dessas três sessões (capítulos VIII, IX e Tabelas) é que podemos
visualizar como o discurso científico e as práticas médicas incorporam-se nos cuidados com a
higiene e saúde pública, a distinção das obrigações entre farmacêuticos, médicos e demais
profissionais da área médica, as exigências quanto ao bom funcionamento de uma farmácia,
assim como o material necessário que a mesma deveria conter.
Breve leitura das imagens
Os periódicos do século XIX constituem uma gama de documentação
importantíssima para o historiador. Com uma breve leitura podemos perceber os principais
pontos discutidos diariamente nesses veículos de comunicação, por exemplo, costumes sociais,
informativos quanto às atividades do governo, noticiários críticos quanto ao estado sanitário da
cidade, divulgação de mercadorias, dentre outros assuntos. Utilizamos neste artigo os seguintes
jornais: O Publicador Maranhense de 1861, Diário do Maranhão de 1879 e a Campanha de 1903.
Digitalizamos as propagandas de cada um desses jornais de modo que pudéssemos fazer um
balanço da evolução propagandística dos medicamentos no recorte temporal aqui estabelecido.
Escolhemos tais jornais pela maior diversidade de imagens e menor repetição das mesmas. Era
comum, ao longo dos anos as propagandas se repetirem. Por conta disso, achamos mais viável
selecionarmos, em um acervo pessoal, as que menos se repetem.
A tiragem de jornais em circulação no Brasil intensifica-se por volta de 1850,
momento em que a Sociedade de Medicina ia ganhando força na legitimação da profissão do
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médico e no combate ao charlatanismo. Como as opções para divulgação de notícias voltadas à
cura tornaram-se maiores, várias pessoas passaram a utilizar os jornais da época para divulgarem
seus medicamentos, que normalmente recebiam represália dos órgãos da saúde ou mesmo da
Sociedade de Medicina (BUENO, 2008).
O escritor e jornalista Eduardo Bueno é o autor do livro Vendendo Saúde: a história
da propaganda de medicamentos no Brasil onde narra sobre os aspectos publicitários das
propagandas juntamente com o desenvolvimento dos medicamentos no país, desde 1825 até o
início do século XXI. Escolhemos tal autor para abordagem dessa discussão pela escassez de
referências que discutem com mais fôlego as ideias aqui explanadas. De forma bem dinâmica e
linguagem agradável, o escritor comenta como as farmácias serviriam como ponto de encontro
de intelectuais, políticos e demais celebridades da sociedade carioca, a exemplo das principais
farmácias do Rio de Janeiro: Casa Silva Araújo e Granado – esta, segundo o autor, fornecedora
oficial da família real
Em frente as prateleiras abarrotadas de frascos da Silva Araújo, professores e alunos da Faculdade de Medicina misturavam-se á intelectualidade efervescente. Entre esses personagens estavam aqueles que contrastavam em tudo com D. Pedro II. Altivos e ativos, com reluzentes barbas negras – em muitos casos realçadas por tinturas – eram jovens politicamente engajados que clamavam por uma mudança imediata de regime. Enquanto os doutores discutiam casos clínicos e encomendavam receitas, aqueles entusiásticos republicanos conspiravam abertamente contra o império (BUENO, 2008, p. 22).
Pioneiras nas propagandas de medicamentos no Brasil, a Casa Silva Araújo e a
Granado passaram também a brigar por espaço na sociedade carioca. A única forma de se
valorizar no mercado e chamar a atenção do público seriam através das estratégias de
publicidade. Vale destacar como era forte a incidência das práticas religiosas e do curandeirismo
no cotidiano da população local.2 Práticas como essas não eram aceitas pelos médicos, pela
imprensa e nem mesmo por parte das pessoas. De qualquer forma, era comum que os populares
2 Segundo Gabriela Reis Sampaio (2001), durante todo Império houve uma perseguição a todo tipo de prática
considerada ilegal, ou seja, que não fosse autorizada pelas faculdades de medicina. A medicina não era um campo homogêneo no final do século XIX. Era um campo de disputa que dava espaço a uma ampla aceitação do curandeirismo. A dificuldade encontrada pelos representantes da medicina em legitimar sua influência perante o governo era justamente pela grande incidência das práticas de curandeirismo, enraizadas e presentes nos diversos grupos sociais. Em conseqüência dessa forte presença é que as pessoas ainda recorriam a esses curandeiros.
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recorressem aos cuidados dos curandeiros para a prevenção e tratamento de todo tipo de doença.
Como já foi dito, isso era um obstáculo para afirmação da medicina e, é claro, da própria figura
do médico na sociedade.
As principais farmácias de São Luís no recorte temporal estabelecido são a Botica e
Drogaria da Casa Imperial de Marques & Filho (Figura 1), em seguida receberia o nome
Pharmacia e Drogaria de Augusto César Marques e a João Victal de Mattos & Irmão.
Figura 1. Anúncio da Marques & Filho no jornal O Publicador Maranhense de 1861.
Os anúncios de ambas as farmácias podem ser percebidas com muita freqüência nos
periódicos, como por exemplo, o Vinho João Victal – o grande febrifurgo
“Approvado pelo Instituto Sanitario Federal – Analysado pelo Laboratorio Nacional de Annlyses e experimentado com o mais completo êxito na clinica Particular do Rio de Janeiro.
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A febre intermitente é uma moléstia tão comum no nosso clima, que não há uma só pessoa que d’ella já não tenha sido acommetida. Tem por causa o fermento que se desenvolve nas águas estagnadas ou pântanos cuja exhalação produz a intoxicação palustre, que vulgarmente se dá o nome de – Sezões -. Febre periódica com intervallos mais ou menos certos e quasi sempre acompanhados de frios. Estes symptomas são as conseqüências das irritações e inflammações visceraes que por seu turno transmittem ao sangue o gérmen morbido. Sem que estes órgãos sejam convenientemente cuidados, jamais se conseguirá a cura da Febre. E’ahi, pois, que tem grande papel o – Vinho João Victal -. Introduzido no estomago penetra no sangue e nos intestinos impedindo a decomposição das matérias beliosas e a formação de gazes irritantes, sulforosos e ammoniacaes, sendo em seguida, por effeito purgativo, eliminados esses detrictos orgânicos em via de putrefação, já, porém sem cheiro. Feita essa antisepcia e desembaraçado o organismo dessas matérias nocivas e dada a perfeita confecção do nosso preparado, onde entram os mais poderosos tônicos, a febre cessará por completo e o doente não sentirá mais o gosto e o cheiro nauseoso da bílis e o appitite renascerá na franca convalescença” (A Campanha, 4 de julho de 1903).
Na propaganda acima podemos verificar alguns mecanismos de divulgação, em
especial, o fato de ter sido aprovado pelo Instituto Sanitario Federal – Analysado pelo
Laboratorio Nacional de Annlyses e experimentado com o mais completo êxito na clinica
Particular do Rio de Janeiro. Tal informação é essencial para garantir a validade do produto,
pois existiam órgãos sanitários incumbidos de realizarem testes quanto à eficiência do mesmo.
Além da divulgação dos medicamentos, encontramos também aprovações quanto à
eficácia dos rémedios, exemplo das Pílulas de Feto-Macho que pode ser percebida no
testemunho do
Illm. Sr. Anisio Palhano de Jesus Achando-se meu filho Panlino de 1 anno e nove mezes de idade, soffrendo de ataques que se repetiam amiudades vezes e há quase um mez fui a Pharmacia Jesus de sua propriedade e o Sr. Me aconselhou que desse as Piluluas de Feto-Macho de sua fabricação o q fiz obtendo com duas pílulas apenas a via de meu filho que julgava perdida. Com as duas pílulas que apliquei a criança botou grande quantidade de lombrigas e ficou completamente curado. Profundamente grato por tão grande beneficio, auctoriso-o a fazer d’este meu sincero agradecimento o uso que lhe approuver. Maranhão, 22 de março de 1903 Januario Ribeiro de Lima Testemunhas: João Florentino F. lima. – Virgilio Salustiano Pinho” (A Campanha, 5 de julho de 1903)
É evidente que os testemunhos faziam parte da estratégia de venda do produto.
Explanar a forma como o medicamento atuava no organismo era uma maneira de influenciar o
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consumidor a adquirir o de melhor qualidade, pois, como a maioria dos remédios e elixires
produzidos no período serviam para curar todo tipo de doença, era necessária uma propaganda
bem estruturada, se possível com imagens e depoimentos que validassem a eficiência do
remédio.
Será que tais medicamentos realmente solucionavam todos os problemas? É
recorrente encontrarmos remédios que curavam tudo, desde um incômodo estomacal até mesmo
problemas neurologicos (Figuras 2 e 3). Infelizmente nao foi possível, por enquanto, fazer uma
pesquisa mais minunciosa quanto à composição dos medicamentos e se as mesmas eram
suficientes para o tratamento de um determinado mal. Naturalmente, essa “cura para todo mal” é
uma contradição, e acreditamos que para uma parcela dessa sociedade, onde a incidência do
charlatanismo era muito forte, a sensação não seria diferente, porém essa desconfiança não era o
suficiente para se impedir que o consumo de tais panaceias fosse muito incisivo.
Lima (1995), por meio de escavações realizadas em lixos e depósitos domésticos,
percebeu a forte incidência de vidros purgantivos e depósitos com o mesma finalidade. Por meio
dessas observações e também com o auxílio dos jornais da época e de textos literários, a autora
descreve “as práticas rotineiras e anônimas da sociedade carioca do século XIX e o cuidado com
o corpo” (Figura 3), assim como, compreender as transformações dessas práticas e sua relação
com os aspectos sociais, econômicos e políticos. O diálogo da história com outros campos de
saber, em especial, a arqueologia histórica, possibilita novas formas de interpretação, e a cultura
material consiste em uma ferramenta de grande ajuda no entendimento dos objetos dos quais
estavam voltados para os cuidados com a higiene, saúde e também na manipulação dos
medicamentos.
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Figura 2. Propaganda do jornal Diário do Maranhão de 1879.
Figura 3. Propaganda do Jornal Diário do Maranhão de 1879
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Outras estratégias de propagandas que percebemos nas imagens são quanto à
divulgação de prêmios que o estabelecimento recebia como uma forma de reconhecimento pelo
serviço prestado. A João Victal de Mattos & Irmão, localizada na Rua do Quebra Costa, nº 11,
recebeu alguns prêmios que foram preponderantes para a valorização da farmácia, por exemplo,
a medalha de prata recebida na Grande Exposição Universal de São Luiz e a medalha de ouro na
Exposição Nacional do Rio de Janeiro.
Esse tipo de serviço começava a ser pensando com maior responsabilidade pelas
autoridades, já que possuía um caráter de utilidade pública e, isso pode ser percebido tanto no
Regulamento Sanitário quanto no Código de Postura de 1892. Neste fica bem claro como às
posturas voltadas para a prática da farmácia passam a ser mais numerosas do que as práticas da
medicina. O capítulo XII do código, intitulado Pharmacias e Drogarias, possui três artigos,
sendo que o último contém cinco incisos, enquanto o capítulo XIII, Exerciccio da medicina,
possui dois simples artigos que apenas reforçam a obrigatoriedade do diploma para o exercício
da medicina e o dever que o médico deveria ter em relação ao cumprimento do chamado da
intendência para trabalhar em casos de doenças contagiosas. Já as posturas voltadas para a
farmácia são mais variadas e procuram manter uma melhor organização do serviço e controle do
funcionamento do estabelecimento e a proibição da venda de remédios vencidos, sem receita
médica, exceto as substancias inofensivas3 e a ausência do lacre e selo da farmácia nas garrafas
comercializadas. O descumprimento de alguma dessas medidas estaria passível de penalização,
normalmente multa. Havia também a preocupação de se manter um atendimento a qualquer hora
do dia.
Considerações finais
Ainda que o objeto principal deste artigo sejam as propagandas presentes nos
periódicos, não desconsideramos algumas ferramentas de interpretação que nos auxiliaram no
entendimento da prática da Farmácia no Maranhão. Perceber o aparato burocrático desse
3 Como o Código de Postura é de 1892, o Regulamento Sanitário de 1894 irá reforçar muitas questões quanto ao funcionamento das farmácias e, é claro, ao próprio ofício do farmacêutico, médico, parteira e dentista. Um exemplo de como algumas medidas do código foram repensadas e aprimoradas é o artigo 43 do Regulamento Sanitário, onde fica claro quais são as substancias (água mineral) ou remédios (homeopáticos) que poderão ser vendidos sem a receita médica.
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estabelecimento, o corpo de funcionários, o que era vendido além dos remédios e a função social
da farmácia ou botica para a população foram pontos que de certa forma acabaram se tornando
preponderantes na análise deste estudo, pois são questões que de forma alguma puderam ser
desconsideradas ou colocadas em segundo plano, já que estão entrelaçadas nesta discussão.
A arqueologia histórica também pode ser utilizada como uma ferramenta
interpretativa. O diálogo com essa área possibilita uma aproximação curiosa quanto à cultura
material voltada para a higiene e saúde e, ao mesmo tempo nos permite discutir tais questões por
meio de outros procedimentos metodológicos: locais de escavações, principais tipos de práticas e
costumes quanto ao tratamento com o corpo, alimentação, utensílios, etc.
Ainda que o artigo não alcance grandes conclusões quanto à percepção e postura da
população ludovicense em relação à prática da farmácia e a interação com as panaceias, outras
questões puderam ser pensadas, como a necessidade de se manter um controle e uma vistoria
quanto ao oficio do farmacêutico, o que deveria conter nas farmácias, a discriminação do
medicamento que seria vendido, além de despertar o interesse para o aprofundamento das
questões descritas e debatidas no decorrer do texto. Se a pesquisa iniciou-se com uma
curiosidade, a forte presença de propagandas nas últimas folhas dos jornais da segunda metade
do século XIX, cabe agora um aprofundamento quanto à discussão dessa temática, tentando
pensar as particularidades do Maranhão, tendo como foco principal, a cidade de São Luís.
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Referências
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