Plantas que curam, mulheres que encantam

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano • nº1591 8 A vida de Dona Nelsina Vieira de Almeida sempre esteve ligada a terra e ao campo. Nascida na comunidade de Olho D´Água, no município de Rio de Contas – Bahia, logo cedo teve contato com a roça. Criada por seus avós desde os sete anos de idade, não pode frequentar a escola por escolha da avó – “Tinha uma escola no terreno da minha casa, mas na época de ir para a escola sempre me diziam que lugar de menina é ajudando na roça, e que aprender a ler e a escrever servia somente para trocar cartinhas com o namorado” – se recorda Dona Nelsina em tom bem humorado. Aos oito anos de idade, sempre observada de perto por seus avós, que de forma rígida, porém amorosa lhe ensinavam os atalhos da vida no campo, Nelsina passou a cuidar de seus primeiros canteiros à beira do rio. Assim desenvolveu paixão pelas coisas que mais valoriza até os dias de hoje, a terra, as plantas e a família. “Para mim as plantas são como as crianças, necessitam muito carinho e atenção”, nos explica ela com simplicidade e sabedoria. Ela sempre gostou de ver os frutos deste carinho brotarem fortes e cheios de vida em sua terra. Ainda nas primeiras horas do dia ela ia contente dar bom dia às plantinhas com seu regador e seu sorriso e retornava de novo à tarde. As dificuldades existiam e a água era escassa, porém sempre arranjava um jeito de cuidar de suas 'crianças', diariamente buscava água com baldes no rio mais próximo à sua casa. O tempo passou e Nelsina cresceu, com 19 anos casou-se com seu esposo e se mudou para a fazenda em que vive até os dias de hoje, na comunidade do Remanso. Quando os vizinhos perguntavam a ele o que sua esposa fazia tanto tempo ali no quintal, seu marido respondia: “dizem que é uma horta que ela está fazendo, não sei quem ensinou isto para ela...”. Na época, nos conta ela, ninguém fazia canteiros e hortas nas redondezas, ela foi a primeira a demonstrar este conhecimento adquirido com os avós. Aos poucos as famílias vizinhas foram se interessando ao ver os frutos colhidos do quintal de Nelsina e assim outros canteiros foram surgindo na região, ela lhes ensinava como cuidar da terra e das mudas, além de fornecer-lhes as sementes que colhia de sua roça. Mais tempo se passou e os filhos do casal nasceram, cinco se juntaram aos cinco do primeiro casamento do marido, a família era grande e feliz e o amor dedicado aos filhos foi o mesmo que era entregue às plantinhas. Plantas que curam, mulheres que encantam Rio de Contas Agosto/2014 Nelsina em seu vistoso quintal Nelsina e os frutos de sua horta

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História de vida da dona Nelsina Vieira de Almeida. Suas dificuldades, batalhas e vitórias.

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

A no • nº15918

A vida de Dona Nelsina Vieira de Almeida sempre esteve ligada a terra e ao campo. Nascida

na comunidade de Olho D´Água, no município de Rio de Contas – Bahia, logo cedo teve contato

com a roça.

Criada por seus avós desde os sete anos de idade, não pode frequentar a escola por escolha

da avó – “Tinha uma escola no terreno da minha casa, mas na época de ir para a escola sempre me

diziam que lugar de menina é ajudando na roça, e que aprender a ler e a escrever servia somente

para trocar cartinhas com o namorado” – se recorda Dona Nelsina em tom bem humorado.

Aos oito anos de idade, sempre observada de perto por seus

avós, que de forma rígida, porém amorosa lhe ensinavam os atalhos

da vida no campo, Nelsina passou a cuidar de seus primeiros

canteiros à beira do rio. Assim desenvolveu paixão pelas coisas que

mais valoriza até os dias de hoje, a terra, as plantas e a família.

“Para mim as plantas são como as crianças, necessitam muito

carinho e atenção”, nos explica ela com simplicidade e sabedoria.

Ela sempre gostou de ver os frutos deste carinho brotarem fortes e cheios de vida em sua

terra. Ainda nas primeiras horas do dia ela ia contente dar bom dia às plantinhas com seu regador e

seu sorriso e retornava de novo à tarde. As dificuldades existiam e a água era escassa, porém

sempre arranjava um jeito de cuidar de suas 'crianças', diariamente

buscava água com baldes no rio mais próximo à sua casa.

O tempo passou e Nelsina cresceu, com 19 anos casou-se

com seu esposo e se mudou para a fazenda em que vive até os dias

de hoje, na comunidade do Remanso. Quando os vizinhos

perguntavam a ele o que sua esposa fazia tanto tempo ali no

quintal, seu marido respondia: “dizem que é uma horta que ela está

fazendo, não sei quem ensinou isto para ela...”.

Na época, nos conta ela, ninguém fazia canteiros e hortas nas redondezas, ela foi a primeira

a demonstrar este conhecimento adquirido com os avós. Aos poucos as famílias vizinhas foram se

interessando ao ver os frutos colhidos do quintal de Nelsina e assim outros canteiros foram

surgindo na região, ela lhes ensinava como cuidar da terra e das mudas, além de fornecer-lhes as

sementes que colhia de sua roça.

Mais tempo se passou e os filhos do casal nasceram, cinco se juntaram aos cinco do primeiro

casamento do marido, a família era grande e feliz e o amor dedicado aos filhos foi o mesmo que era

entregue às plantinhas.

Plantas que curam, mulheres que encantam

Rio de Contas

Agosto/201 4

Nelsina em seu vistoso quintal

Nelsina e os frutos de sua horta

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Bahia

Em 2009 seu esposo faleceu vítima de Alzheimer, aos 80 anos, os meses que precederam

sua partida foram difíceis devido à natureza da doença, mas Nelsina permaneceu a seu lado

sempre muito amorosa e prestativa, “Eu comi a carne e vou roer o osso” brinca ela, se referindo à

atenção e carinho que o marido requeria em seus últimos dias de vida.

Foram tempos difíceis e a depressão abateu Nelsina por três meses, “Não tinha ânimo para

cuidar das minhas plantinhas e aos poucos elas foram murchando como eu, até que percebi que

não poderia continuar assim, nem fazer isto com elas... minha horta me curou”.

Aos poucos Nelsina se ergueu e tocou a vida para frente. Sempre participava e interessada,

passou a frequentar as reuniões da comissão de seu município. Em 2010 foi contemplada com a

cisterna de consumo através de Diocese de Livramento e em 2013 recebeu a cisterna-enxurrada

do programa “Mais Água”, da ASAMIL. A água extra e de melhor qualidade foi muito bem-vinda,

facilitando a vida da família e aumentando a produção de seus

canteiros, hoje aposentada e prestes a cumprir 61 anos, ela nos

mostra com orgulho seu quintal colorido e cheio de frutos por onde

correm e brincam seus netos com a mesma idade que ela tinha

quando começou a cuidar da terra.

Do auge de sua maturidade ela explica como utiliza de forma

inteligente sua água: “Nos meses em que a água do rio é abundante,

utilizo ela para todas as necessidades e guardo a água da cisterna, depois que o rio seca tenho a

água da cisterna para me manter... Se vizinhos ou amigos precisam, sempre comparto com eles,

seja para lavar roupas ou para aguarem suas hortas”.

Hoje ela divide seu tempo entre o cuidado com os netos e sua horta, os netos e filhos

ajudam a regar os canteiros e plantas e também com o trabalho mais pesado, mas Nelsina não tem

preguiça e não abre mão de seguir incrementando sua roça, recentemente ela mesma construiu e

rebocou mais três canteiros novinhos em folha.

Em seus canteiros ela faz o plantio de alho, cebola, alface, feijão catador, diversas

variedades de abóbora, maxixe, cenoura, coentro, açafrão, beterraba, pimentão, quiabo, milho,

andú e maçã; e nos mostra uma variedade igualmente farta de sementes que ela mesma colhe e

armazena, tudo sem a utilização de agrotóxicos. Há ainda uma pequena criação de porcos e

galinhas que ajuda complementar a dieta da familiar.

A colheita vai direto para a mesa da casa, onde comem de forma farta e saudável, o

excedente é vendido por seus filhos para as demais famílias da localidade, contribuindo muito na

renda familiar. Generosa, humilde e batalhadora, ela faz questão de compartir um pouco de seus

frutos com os vizinhos e amigos. “Não quero ser rica, eu quero é trabalhar para manter minha

família feliz e unida e não depender de ninguém, se eu ficar parada é pior para mim”, conclui

Nelsina.

Realização Apoio

ASAMILAssociação do Semi-Árido da Microrregião de Livramento

Os netos Geovani e Ana Júlia

Pequena criação de porcos Algumas sementes usadas no plantio Galinhas criadas no quintal