Repositório Institucional da Universidade de Brasília ... · A eficácia das psicoterapias se...

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Organizaccedilatildeo

Terezinha de Camargo Viana

Glaacuteucia Starling Diniz

Liana Fortunato Costa

Valeska Zanello

Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Psicologia Cliacutenica e Cultura

Universidade de Brasiacutelia

2012

Psicologia Cliacutenica e Cultura Contemporacircnea

Coleccedilatildeo Psicologia Cliacutenica e Cultura UnB - Volume I

330

Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

ValeskaZanello

FranciscoMartins

Segundo Laplantine (2004) cada cultura apresenta modelos etioloacutegicos de compreen-

satildeo da doenccedila e do adoecer os quais privilegiam por conseguinte determinadas formas

de tratamento As culturas em cada momento histoacuterico apresentam paradigmas espe-

ciacuteficos (muitas vezes multifacetados) que fornecem um enquadre interpretativo que daacute

sentido agraves experiecircncias humanas dentre as quais o adoecer eacute uma delas

A psicoterapia enquanto modelo terapecircutico especiacutefico da sociedade ocidental eacute relati-

vamente recente com menos de um seacuteculo Ela deve ser compreendida como mais um

artefato cultural No Brasil tornou-se profissatildeo reconhecida com exigecircncias de forma-

ccedilatildeo especiacuteficas como preacute-requisito para praticaacute-la haacute apenas 50 anos

No entanto a psicoterapia enquanto praacutetica cultural terapecircutica remete a outras formas

simboacutelicas de intervenccedilatildeo e cura Segundo Kleinman (1988) ela seria apenas uma for-

331Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

ma indiacutegena de cura simboacutelica isto eacute uma terapia baseada em palavras mitos e o uso

ritual de siacutembolos

Apesar das exigecircncias de formaccedilatildeo acadecircmica (e de curso de especializaccedilatildeo em alguns

paiacuteses) haacute uma grande discussatildeo acerca da especificidade (ou natildeo) da eficaacutecia da psico-

terapia em relaccedilatildeo agraves demais alternativas terapecircuticas disponiacuteveis atualmente no mer-

cado

Sampson (2001) destaca que natildeo existe criteacuterio algum para dizer o que seria uma te-

rapia ldquocientiacuteficardquo Ele aponta ldquoA diversidade das etnoterapias tanto as da antiguidade

como as contemporacircneas na sociedade moderna e nas preacute-modernas atuais eacute inegaacutevelrdquo

(retirado da web) Para o autor a atitude ideal seria natildeo repudiar as demais terapias

como preacute-cientiacuteficas visto que o marco para sua definiccedilatildeo natildeo eacute claro mas antes seria

razoaacutevel estudaacute-las para tentarmos explicitar sua loacutegica interna Elas podem e devem

se tornar objeto mesmo de pesquisa cientiacutefica por parte da psicologia cliacutenica O autor

aponta assim uma lista de pelo menos 300 terapias que foram listadas ateacute 1980

Krause (2011) sugere ao menos trecircs transformaccedilotildees necessaacuterias no campo das psicote-

rapias em geral ampliar nosso ponto de vista sobre a psicoterapia ampliar nossa visatildeo

de como se pode adquirir melhor conhecimento cientiacutefico sobre a psicoterapia e por

uacuteltimo ampliar o ponto de vista sobre os contextos humanos nos quais ocorre a psi-

coterapia Ou seja terapias nas quais encontramos fatores similares aos atuantes nas

psicoterapias

Mas como eacute definida a psicoterapia Segundo Cordiolli e Giglio (2008) as psicoterapias

seriam

Meacutetodos de tratamento realizados por profissionais treinados com o objetivo de reduzir ou remover um problema uma queixa ou um transtorno de um paciente ou cliente utilizando para tal fim meios psicoloacutegicos Satildeo realizados em um contexto primariamente interpessoal a relaccedilatildeo terapecircutica e utilizam a comunicaccedilatildeo verbal como principal recurso (Cordiolli amp Giglio 2008 p42)

A definiccedilatildeo de psicoterapia deve ser dada no plural pois mesmo o campo psicoterapecircu-

tico permeado pelas exigecircncias de formaccedilatildeo acima explicitada eacute marcado pela multi-

plicidade de paradigmas teacutecnicas e pressupostos epistemoloacutegicos No entanto a pro-

332

liferaccedilatildeo de abordagens e teorias nem sempre foi acompanhada pela preocupaccedilatildeo em

avaliar sua eficaacutecia e efetividade (Cordiolli2008) Isso levou alguns teoacutericos tais como

Eysenck em 1950 a afirmar que as mudanccedilas ocorridas durante uma psicoterapia eram

devidas a proacutepria passagem do tempo e natildeo agraves teacutecnicas utilizadas Em outras palavras

foi colocada em xeque a eficaacutecia terapecircutica da mesma

Isso acabou por se tornar um grande estiacutemulo agraves pesquisas acerca da eficaacuteciaefetivi-

dade das psicoterapias A eficaacutecia das psicoterapias se refere agrave avaliaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo

causal entre o tratamento e a resposta (Peuker AC Habigzang LF Koller SH amp

Araujo LB 2009) Visa agrave validade interna exigindo o delineamento de pesquisa ex-

perimental com controle do setting e com intervenccedilotildees bem definidas baseadas em

manuais Jaacute a efetividade das psicoterapias eacute a avaliaccedilatildeo da resposta ao tratamento em

um setting semelhante ao real Visa agrave validade externa e o delineamento da pesquisa eacute

quase experimental O setting eacute menos controlado e mais proacuteximo do natural (Peuker

AC Habigzang LF Koller SH amp Araujo LB 2009)

Em 1960 foi realizado o projeto Menninger o qual se utilizou de metanaacutelise para com-

provar a eficaacutecia das psicoterapias (Cordiolli 2008) Os dados foram surpreendentes

Comparando a eficaacutecia sobretudo na supressatildeo dos sintomas entre pacientes submeti-

dos a processos psicoteraacutepicos e outros em lista de espera para atendimento chegou-se

a um nuacutemero confirmado por inuacutemeras pesquisas posteriores de melhora em torno

de 80 Isto eacute pacientes em processo de psicoterapia melhoravam 80 mais do que

aqueles que simplesmente melhoravam com o simples decorrer do tempo (Cordioli amp

Giglio 2008) Aleacutem disso os efeitos mantiveram-se por mais tempo que aqueles efetu-

ados sem uma psicoterapia

Tais pesquisas comprovaram na contramatildeo da acusaccedilatildeo de Eysenck a eficaacutecia da psi-

coterapia Mas outro problema surgia no horizonte das discussotildees quais seriam os

fatores relacionados agrave melhora do sujeito Os investigadores estudaram inicialmente os

resultados da psicoterapia para evidenciar sua eficaacutecia somente depois eacute que se buscou

compreender e estudar os fatores a ela relacionados (Sales 2009)

Houve concordacircncia de que boa parte dos efeitos se dava ao uso de teacutecnicas especiacuteficas

proacuteprias a cada modelo e por outro lado a fatores comuns ou inespeciacuteficos presentes

em todas as abordagens Os fatores especiacuteficos seriam aqueles tiacutepicos e exclusivos a

333Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

cada abordagem por exemplo o manejo da transferecircncia na psicanaacutelise e a dessensibi-

lizaccedilatildeo sistemaacutetica na abordagem comportamental Jaacute os inespeciacuteficos abarcariam uma

seacuterie de fatores que apresentaremos a seguir

Cordioli e Giglio (2008) classificam os fatores inespeciacuteficos em 4 grandes grupos os

de natureza cognitiva os fatores comportamentais (aprendizagem) os fatores inerentes

agrave relaccedilatildeo terapecircutica (experiecircncia afetiva) e por uacuteltimo os fatores sociais grupais ou

sistecircmicos

Os fatores de natureza cognitiva dizem respeito agrave psicoeducaccedilatildeo agrave reestruturaccedilatildeo cog-

nitiva e agrave ocorrecircncia de insight Os fatores comportamentais referem-se ao processo

de aprendizagem impliacutecita em toda e qualquer terapia levando a mudanccedilas compor-

tamentais Os fatores inerentes agrave relaccedilatildeo terapecircutica apontam para a importacircncia do

viacutenculo afetivo (sendo este um importante preditor do sucesso terapecircutico) da alianccedila

de trabalho da identificaccedilatildeo com o terapeuta do apoio e da catarse E por uacuteltimo os

fatores sociais tangem agraves psicoterapias que incluem mais de um sujeito no setting va-

lorizando o contexto grupal como fator de mudanccedila

Nestes uacuteltimos principalmente nas terapias de grupo satildeo apontados onze fatores tera-

pecircuticos (Vinogradov S Cox PD amp Yalom DI 2003) Instilaccedilatildeo de esperanccedila (acre-

ditar que eacute possiacutevel superar os problemas) a universalidade do problema (perceber que

natildeo se eacute o uacutenico a ter estes problemas) compartilhamento de informaccedilotildees altruiacutesmo

(sentir-se ajudando aos demais) socializaccedilatildeo comportamento imitativo (pela observa-

ccedilatildeo do comportamento dos outros) catarse (ventilaccedilatildeo das emoccedilotildees) recapitulaccedilatildeo cor-

retiva (possibilidade de reverrecapitular no grupo comportamentos que apresenta com

seus familiares) fatores existenciais coesatildeo grupal e aprendizagem interpessoal

Segundo Frank (1982) os elementos comuns (inespeciacuteficos) a todas as psicoterapias

seriam estabelecimento e manutenccedilatildeo de uma relaccedilatildeo significativa confianccedila e espe-

ranccedila de aliviar o sofrimento obtenccedilatildeo de novas informaccedilotildees ativaccedilatildeo emocional de

certos fatos aumento da sensaccedilatildeo de domiacutenio e autoeficaacutecia

Para Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI

e Vergara PAM (2008) a literatura que discute os fatores inespeciacuteficos em psicote-

rapia os classificam ao redor de trecircs grandes eixos o paciente o terapeuta e a relaccedilatildeo

334

entre ambos Os fatores do paciente seriam variaacuteveis demograacuteficas (como por exemplo

gecircnero idade e niacutevel socioeconocircmico) diagnoacutestico cliacutenico tais como caracteriacutesticas de

personalidade tipo de transtorno e complexidade do sintoma crenccedila e expectativa de

melhora e disposiccedilatildeo pessoal As variaacuteveis do terapeuta seriam a atitude (acolhimento

aceitaccedilatildeo autenticidade congruecircncia) habilidades personalidade niacutevel de experiecircncia

e bem estar emocional As variaacuteveis da relaccedilatildeo satildeo apontadas como o aspecto mais

importante responsaacutevel por 45 do processo de mudanccedila Uma relaccedilatildeo terapecircutica de-

sejaacutevel deveria ser marcada pela confianccedila acolhimento e empatia O mesmo tem sido

apontado por Kleinman (1988)

A relaccedilatildeo paciente-terapeuta coloca em evidecircncia a necessidade da feacute do paciente no

terapeuta e o efeito placebo daiacute decorrente Como aponta Sampson (2001)

La psicoterapia es una manera de maximizar respuestas placebo un efecto no especiacutefico del tratamiento entonces tanto mejor que sea aprovechado un mecanismo terapeacuteutico subutilizado en la medicina en general Si durante los tratamientos psicoterapeacuteuticos se generan efectos psicofisioloacutegicos debido a la activacioacuten del sistema nervioso autoacutenomo y de los sistemas psiconeuro-inmunoloacutegico y endocrinoloacutegico como efectivamente parece ser el caso esto no tiene nada de ignominioso (Sampson 2001 retirado da web)

A diferenccedila talvez numa praacutetica dita cientiacutefica eacute que podemos estudar a importacircncia

os fatores envolvidos e o impacto do efeito placebo nos processos de cura Tal intento foi

efetivado por Wolberg (1988) o qual apontou alguns fatores envolvidos na melhora dos

pacientes em um processo terapecircutico De iniacutecio a ldquomelhorardquo do quadro apresentado

pelo paciente se deve segundo Wolberg agrave influecircncia do placebo agrave catarse emocional

ao relacionamento idealizado com o terapeuta agrave sugestatildeo e aos fatores de dinacircmica

grupal Todos estes fatores podem ser englobados no conjunto de fatores comuns ou

inespeciacuteficos presentes tambeacutem em quase todas as terapias em geral

Sampson (2001) aponta em relaccedilatildeo agrave discussatildeo de qual das abordagens seria a mais

eficaz que

Antes de precipitarnos a condenar o a reir deberiacuteamos preguntarnos si existe una pauta de evaluacioacuten que permita distinguir entre la paja - es el caso de decirlo - y el grano Las estadiacutesticas permiten de acuerdo con el criterio de la satisfaccioacuten del usuario afirmar que el mismo porcentaje de eacutexitos y de

335Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

fracasos puede ser atribuido a todas las formas de terapia actualmente en el mercado (Sampson 2001 retirado da web)

Trata-se segundo Sales (2009) da aplicaccedilatildeo do veredicto do paacutessaro Dodocirc em Alice

no Paiacutes das Maravilhas ldquoTodos ganharam e todos devem receber precircmiosrdquo Segundo

este autor estes resultados levaram a questionar o modo de realizaccedilatildeo destas pesquisas

pois de um lado ou a metodologia estava errada (e levava a pensar em equivalecircncias

inexistentes) ou o resultado era reflexo de fatores comuns agraves mudanccedilas terapecircuticas

Isto eacute os fatores inespeciacuteficos A hipoacutetese do problema metodoloacutegico foi o mais aceito

e desenvolvido Foi tentando ldquoconsertarrdquo esta falha metodoloacutegica que surgiram os tra-

tamentos com suporte empiacuterico ou seja que utilizavam manuais que detalhavam os

procedimentos terapecircuticos a serem utilizados

O uso de manuais detalhando os procedimentos terapecircuticos a serem adotados para garantir uma padronizaccedilatildeo miacutenima levantou e tem levantado muita polecircmica Argumenta-se que se cria uma distacircncia cada vez maior entre a pesquisa que repete modelos experimentais da realidade cliacutenica em si complexa e multifatorial ldquoA principal objeccedilatildeo levantada refere-se ao excesso de confianccedila na significacircncia estatiacutestica em detrimento da significacircncia cliacutenicardquo (Eneacuteas 2008 retirado da web)

Sales (2009) aponta que a preocupaccedilatildeo em investigar a eficaacutecia dos efeitos da psicote-

rapia levou a uma adoccedilatildeo do paradigma loacutegico-matemaacutetico da ciecircncia moderna com

ecircnfase no controle experimental e em dados quantitativos Os estudos tornaram-se ana-

loacutegicos pois reproduziam artificialmente a realidade cliacutenica Neste sentido abordagens

mais proacuteximas de um paradigma positivista poderiam ser mais bem avaliadas por se

ajustarem mais agraves metodologias (mais positivistas) utilizadas para avaliar a eficaacutecia

Estas criacuteticas trouxeram de volta ao centro das reflexotildees os estudos de caso uacutenico E

tambeacutem trouxeram agrave baila a discussatildeo entre os defensores de observaccedilotildees mais objeti-

vas e outros guiados mais pela teoria

Outro problema na discussatildeo sobre a especificidade e inespecificidade teacutecnica versus

eficaacutecia psicoterapecircutica diz respeito agrave inevitabilidade da utilizaccedilatildeo de estrateacutegias ainda

que de forma natildeo intencional tiacutepicas de outra abordagem (Cordiolli 2008) Como

por exemplo um psicanalista ao falar ldquohum humrdquo depois de um sonho relatado pelo

paciente pode estar depois de muito tempo em silecircncio na sessatildeo reforccedilando positi-

vamente o comportamento de relatar sonhos por parte do paciente Apesar de natildeo ser

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um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no

processo de mudanccedila terapecircutica

Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o

ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo

divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz

respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a

praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos

cliacutenicos

Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo

da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-

cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia

Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo

hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos

delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a

abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado

da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-

ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos

atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das

(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do

terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso

da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do

terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela

Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os

tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como

o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Alinguagemquandodizereacutefazer

O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-

tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove

accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O

337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo

deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-

tos sobre a mesma

Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer

coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-

gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como

funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-

nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-

genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e

a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O

proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem

formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o

que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu

entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica

Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-

zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo

saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras

ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras

Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo

relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem

(Wittgenstein 1991)

Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala

justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele

os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio

e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo

de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada

entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais

ou menos definidos)

Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por

exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os

preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-

338

tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)

eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar

Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo

sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um

importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios

a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente

resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-

duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem

estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim

certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a

accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos

ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada

pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-

cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo

terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia

Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos

com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo

linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de

uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas

condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin

(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-

riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-

vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela

com caracteriacutesticas de cada um deles

339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas

Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos

Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da

proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo

Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo

ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar

condicionadordquo (diz um paciente ao

psicoterapeuta)

Compromissivostem o propoacutesito de comprometer

o falante a alguma linha de accedilatildeo futura

ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo

Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico

ldquoSinto muito pelo atrasordquo

Declaraccedilotildees

o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito

existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria

ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico

Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato

de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase

em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria

as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-

tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos

(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do

que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e

convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao

pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a

mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc

estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-

recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se

da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes

340

Psicoterapiaseousodalinguagem

Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas

das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao

comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca

a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia

simboacutelicardquo

O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)

O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a

importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais

importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras

um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud

1905)

() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)

A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar

uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar

de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a

partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas

(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols

2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-

sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)

e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor

341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-

missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja

possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-

sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-

ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste

sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila

Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)

Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as

partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto

Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas

tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato

de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-

damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um

contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja

possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos

atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica

Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)

Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-

ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar

dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-

lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal

mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais

a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins

(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos

para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-

342

conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento

psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-

dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era

colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos

que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala

assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)

Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-

sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas

Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta

dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-

ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios

de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de

base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental

(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve

observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-

riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-

ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia

(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes

1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-

ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira

fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso

autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se

repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados

numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui

e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um

discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo

mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em

estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica

(Aristegui e cols 2004)

Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-

munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos

de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de

falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador

343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo

Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual

era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-

namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo

incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande

parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo

a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim

trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade

do processo terapecircutico neste grupo

Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp

Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-

tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos

Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma

capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas

analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos

de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos

atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto

o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se

sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo

o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do

problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator

terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem

como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-

gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros

fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a

recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas

que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema

(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos

atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem

como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp

Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)

Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos

de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

abordagens

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

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330

Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

ValeskaZanello

FranciscoMartins

Segundo Laplantine (2004) cada cultura apresenta modelos etioloacutegicos de compreen-

satildeo da doenccedila e do adoecer os quais privilegiam por conseguinte determinadas formas

de tratamento As culturas em cada momento histoacuterico apresentam paradigmas espe-

ciacuteficos (muitas vezes multifacetados) que fornecem um enquadre interpretativo que daacute

sentido agraves experiecircncias humanas dentre as quais o adoecer eacute uma delas

A psicoterapia enquanto modelo terapecircutico especiacutefico da sociedade ocidental eacute relati-

vamente recente com menos de um seacuteculo Ela deve ser compreendida como mais um

artefato cultural No Brasil tornou-se profissatildeo reconhecida com exigecircncias de forma-

ccedilatildeo especiacuteficas como preacute-requisito para praticaacute-la haacute apenas 50 anos

No entanto a psicoterapia enquanto praacutetica cultural terapecircutica remete a outras formas

simboacutelicas de intervenccedilatildeo e cura Segundo Kleinman (1988) ela seria apenas uma for-

331Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

ma indiacutegena de cura simboacutelica isto eacute uma terapia baseada em palavras mitos e o uso

ritual de siacutembolos

Apesar das exigecircncias de formaccedilatildeo acadecircmica (e de curso de especializaccedilatildeo em alguns

paiacuteses) haacute uma grande discussatildeo acerca da especificidade (ou natildeo) da eficaacutecia da psico-

terapia em relaccedilatildeo agraves demais alternativas terapecircuticas disponiacuteveis atualmente no mer-

cado

Sampson (2001) destaca que natildeo existe criteacuterio algum para dizer o que seria uma te-

rapia ldquocientiacuteficardquo Ele aponta ldquoA diversidade das etnoterapias tanto as da antiguidade

como as contemporacircneas na sociedade moderna e nas preacute-modernas atuais eacute inegaacutevelrdquo

(retirado da web) Para o autor a atitude ideal seria natildeo repudiar as demais terapias

como preacute-cientiacuteficas visto que o marco para sua definiccedilatildeo natildeo eacute claro mas antes seria

razoaacutevel estudaacute-las para tentarmos explicitar sua loacutegica interna Elas podem e devem

se tornar objeto mesmo de pesquisa cientiacutefica por parte da psicologia cliacutenica O autor

aponta assim uma lista de pelo menos 300 terapias que foram listadas ateacute 1980

Krause (2011) sugere ao menos trecircs transformaccedilotildees necessaacuterias no campo das psicote-

rapias em geral ampliar nosso ponto de vista sobre a psicoterapia ampliar nossa visatildeo

de como se pode adquirir melhor conhecimento cientiacutefico sobre a psicoterapia e por

uacuteltimo ampliar o ponto de vista sobre os contextos humanos nos quais ocorre a psi-

coterapia Ou seja terapias nas quais encontramos fatores similares aos atuantes nas

psicoterapias

Mas como eacute definida a psicoterapia Segundo Cordiolli e Giglio (2008) as psicoterapias

seriam

Meacutetodos de tratamento realizados por profissionais treinados com o objetivo de reduzir ou remover um problema uma queixa ou um transtorno de um paciente ou cliente utilizando para tal fim meios psicoloacutegicos Satildeo realizados em um contexto primariamente interpessoal a relaccedilatildeo terapecircutica e utilizam a comunicaccedilatildeo verbal como principal recurso (Cordiolli amp Giglio 2008 p42)

A definiccedilatildeo de psicoterapia deve ser dada no plural pois mesmo o campo psicoterapecircu-

tico permeado pelas exigecircncias de formaccedilatildeo acima explicitada eacute marcado pela multi-

plicidade de paradigmas teacutecnicas e pressupostos epistemoloacutegicos No entanto a pro-

332

liferaccedilatildeo de abordagens e teorias nem sempre foi acompanhada pela preocupaccedilatildeo em

avaliar sua eficaacutecia e efetividade (Cordiolli2008) Isso levou alguns teoacutericos tais como

Eysenck em 1950 a afirmar que as mudanccedilas ocorridas durante uma psicoterapia eram

devidas a proacutepria passagem do tempo e natildeo agraves teacutecnicas utilizadas Em outras palavras

foi colocada em xeque a eficaacutecia terapecircutica da mesma

Isso acabou por se tornar um grande estiacutemulo agraves pesquisas acerca da eficaacuteciaefetivi-

dade das psicoterapias A eficaacutecia das psicoterapias se refere agrave avaliaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo

causal entre o tratamento e a resposta (Peuker AC Habigzang LF Koller SH amp

Araujo LB 2009) Visa agrave validade interna exigindo o delineamento de pesquisa ex-

perimental com controle do setting e com intervenccedilotildees bem definidas baseadas em

manuais Jaacute a efetividade das psicoterapias eacute a avaliaccedilatildeo da resposta ao tratamento em

um setting semelhante ao real Visa agrave validade externa e o delineamento da pesquisa eacute

quase experimental O setting eacute menos controlado e mais proacuteximo do natural (Peuker

AC Habigzang LF Koller SH amp Araujo LB 2009)

Em 1960 foi realizado o projeto Menninger o qual se utilizou de metanaacutelise para com-

provar a eficaacutecia das psicoterapias (Cordiolli 2008) Os dados foram surpreendentes

Comparando a eficaacutecia sobretudo na supressatildeo dos sintomas entre pacientes submeti-

dos a processos psicoteraacutepicos e outros em lista de espera para atendimento chegou-se

a um nuacutemero confirmado por inuacutemeras pesquisas posteriores de melhora em torno

de 80 Isto eacute pacientes em processo de psicoterapia melhoravam 80 mais do que

aqueles que simplesmente melhoravam com o simples decorrer do tempo (Cordioli amp

Giglio 2008) Aleacutem disso os efeitos mantiveram-se por mais tempo que aqueles efetu-

ados sem uma psicoterapia

Tais pesquisas comprovaram na contramatildeo da acusaccedilatildeo de Eysenck a eficaacutecia da psi-

coterapia Mas outro problema surgia no horizonte das discussotildees quais seriam os

fatores relacionados agrave melhora do sujeito Os investigadores estudaram inicialmente os

resultados da psicoterapia para evidenciar sua eficaacutecia somente depois eacute que se buscou

compreender e estudar os fatores a ela relacionados (Sales 2009)

Houve concordacircncia de que boa parte dos efeitos se dava ao uso de teacutecnicas especiacuteficas

proacuteprias a cada modelo e por outro lado a fatores comuns ou inespeciacuteficos presentes

em todas as abordagens Os fatores especiacuteficos seriam aqueles tiacutepicos e exclusivos a

333Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

cada abordagem por exemplo o manejo da transferecircncia na psicanaacutelise e a dessensibi-

lizaccedilatildeo sistemaacutetica na abordagem comportamental Jaacute os inespeciacuteficos abarcariam uma

seacuterie de fatores que apresentaremos a seguir

Cordioli e Giglio (2008) classificam os fatores inespeciacuteficos em 4 grandes grupos os

de natureza cognitiva os fatores comportamentais (aprendizagem) os fatores inerentes

agrave relaccedilatildeo terapecircutica (experiecircncia afetiva) e por uacuteltimo os fatores sociais grupais ou

sistecircmicos

Os fatores de natureza cognitiva dizem respeito agrave psicoeducaccedilatildeo agrave reestruturaccedilatildeo cog-

nitiva e agrave ocorrecircncia de insight Os fatores comportamentais referem-se ao processo

de aprendizagem impliacutecita em toda e qualquer terapia levando a mudanccedilas compor-

tamentais Os fatores inerentes agrave relaccedilatildeo terapecircutica apontam para a importacircncia do

viacutenculo afetivo (sendo este um importante preditor do sucesso terapecircutico) da alianccedila

de trabalho da identificaccedilatildeo com o terapeuta do apoio e da catarse E por uacuteltimo os

fatores sociais tangem agraves psicoterapias que incluem mais de um sujeito no setting va-

lorizando o contexto grupal como fator de mudanccedila

Nestes uacuteltimos principalmente nas terapias de grupo satildeo apontados onze fatores tera-

pecircuticos (Vinogradov S Cox PD amp Yalom DI 2003) Instilaccedilatildeo de esperanccedila (acre-

ditar que eacute possiacutevel superar os problemas) a universalidade do problema (perceber que

natildeo se eacute o uacutenico a ter estes problemas) compartilhamento de informaccedilotildees altruiacutesmo

(sentir-se ajudando aos demais) socializaccedilatildeo comportamento imitativo (pela observa-

ccedilatildeo do comportamento dos outros) catarse (ventilaccedilatildeo das emoccedilotildees) recapitulaccedilatildeo cor-

retiva (possibilidade de reverrecapitular no grupo comportamentos que apresenta com

seus familiares) fatores existenciais coesatildeo grupal e aprendizagem interpessoal

Segundo Frank (1982) os elementos comuns (inespeciacuteficos) a todas as psicoterapias

seriam estabelecimento e manutenccedilatildeo de uma relaccedilatildeo significativa confianccedila e espe-

ranccedila de aliviar o sofrimento obtenccedilatildeo de novas informaccedilotildees ativaccedilatildeo emocional de

certos fatos aumento da sensaccedilatildeo de domiacutenio e autoeficaacutecia

Para Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI

e Vergara PAM (2008) a literatura que discute os fatores inespeciacuteficos em psicote-

rapia os classificam ao redor de trecircs grandes eixos o paciente o terapeuta e a relaccedilatildeo

334

entre ambos Os fatores do paciente seriam variaacuteveis demograacuteficas (como por exemplo

gecircnero idade e niacutevel socioeconocircmico) diagnoacutestico cliacutenico tais como caracteriacutesticas de

personalidade tipo de transtorno e complexidade do sintoma crenccedila e expectativa de

melhora e disposiccedilatildeo pessoal As variaacuteveis do terapeuta seriam a atitude (acolhimento

aceitaccedilatildeo autenticidade congruecircncia) habilidades personalidade niacutevel de experiecircncia

e bem estar emocional As variaacuteveis da relaccedilatildeo satildeo apontadas como o aspecto mais

importante responsaacutevel por 45 do processo de mudanccedila Uma relaccedilatildeo terapecircutica de-

sejaacutevel deveria ser marcada pela confianccedila acolhimento e empatia O mesmo tem sido

apontado por Kleinman (1988)

A relaccedilatildeo paciente-terapeuta coloca em evidecircncia a necessidade da feacute do paciente no

terapeuta e o efeito placebo daiacute decorrente Como aponta Sampson (2001)

La psicoterapia es una manera de maximizar respuestas placebo un efecto no especiacutefico del tratamiento entonces tanto mejor que sea aprovechado un mecanismo terapeacuteutico subutilizado en la medicina en general Si durante los tratamientos psicoterapeacuteuticos se generan efectos psicofisioloacutegicos debido a la activacioacuten del sistema nervioso autoacutenomo y de los sistemas psiconeuro-inmunoloacutegico y endocrinoloacutegico como efectivamente parece ser el caso esto no tiene nada de ignominioso (Sampson 2001 retirado da web)

A diferenccedila talvez numa praacutetica dita cientiacutefica eacute que podemos estudar a importacircncia

os fatores envolvidos e o impacto do efeito placebo nos processos de cura Tal intento foi

efetivado por Wolberg (1988) o qual apontou alguns fatores envolvidos na melhora dos

pacientes em um processo terapecircutico De iniacutecio a ldquomelhorardquo do quadro apresentado

pelo paciente se deve segundo Wolberg agrave influecircncia do placebo agrave catarse emocional

ao relacionamento idealizado com o terapeuta agrave sugestatildeo e aos fatores de dinacircmica

grupal Todos estes fatores podem ser englobados no conjunto de fatores comuns ou

inespeciacuteficos presentes tambeacutem em quase todas as terapias em geral

Sampson (2001) aponta em relaccedilatildeo agrave discussatildeo de qual das abordagens seria a mais

eficaz que

Antes de precipitarnos a condenar o a reir deberiacuteamos preguntarnos si existe una pauta de evaluacioacuten que permita distinguir entre la paja - es el caso de decirlo - y el grano Las estadiacutesticas permiten de acuerdo con el criterio de la satisfaccioacuten del usuario afirmar que el mismo porcentaje de eacutexitos y de

335Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

fracasos puede ser atribuido a todas las formas de terapia actualmente en el mercado (Sampson 2001 retirado da web)

Trata-se segundo Sales (2009) da aplicaccedilatildeo do veredicto do paacutessaro Dodocirc em Alice

no Paiacutes das Maravilhas ldquoTodos ganharam e todos devem receber precircmiosrdquo Segundo

este autor estes resultados levaram a questionar o modo de realizaccedilatildeo destas pesquisas

pois de um lado ou a metodologia estava errada (e levava a pensar em equivalecircncias

inexistentes) ou o resultado era reflexo de fatores comuns agraves mudanccedilas terapecircuticas

Isto eacute os fatores inespeciacuteficos A hipoacutetese do problema metodoloacutegico foi o mais aceito

e desenvolvido Foi tentando ldquoconsertarrdquo esta falha metodoloacutegica que surgiram os tra-

tamentos com suporte empiacuterico ou seja que utilizavam manuais que detalhavam os

procedimentos terapecircuticos a serem utilizados

O uso de manuais detalhando os procedimentos terapecircuticos a serem adotados para garantir uma padronizaccedilatildeo miacutenima levantou e tem levantado muita polecircmica Argumenta-se que se cria uma distacircncia cada vez maior entre a pesquisa que repete modelos experimentais da realidade cliacutenica em si complexa e multifatorial ldquoA principal objeccedilatildeo levantada refere-se ao excesso de confianccedila na significacircncia estatiacutestica em detrimento da significacircncia cliacutenicardquo (Eneacuteas 2008 retirado da web)

Sales (2009) aponta que a preocupaccedilatildeo em investigar a eficaacutecia dos efeitos da psicote-

rapia levou a uma adoccedilatildeo do paradigma loacutegico-matemaacutetico da ciecircncia moderna com

ecircnfase no controle experimental e em dados quantitativos Os estudos tornaram-se ana-

loacutegicos pois reproduziam artificialmente a realidade cliacutenica Neste sentido abordagens

mais proacuteximas de um paradigma positivista poderiam ser mais bem avaliadas por se

ajustarem mais agraves metodologias (mais positivistas) utilizadas para avaliar a eficaacutecia

Estas criacuteticas trouxeram de volta ao centro das reflexotildees os estudos de caso uacutenico E

tambeacutem trouxeram agrave baila a discussatildeo entre os defensores de observaccedilotildees mais objeti-

vas e outros guiados mais pela teoria

Outro problema na discussatildeo sobre a especificidade e inespecificidade teacutecnica versus

eficaacutecia psicoterapecircutica diz respeito agrave inevitabilidade da utilizaccedilatildeo de estrateacutegias ainda

que de forma natildeo intencional tiacutepicas de outra abordagem (Cordiolli 2008) Como

por exemplo um psicanalista ao falar ldquohum humrdquo depois de um sonho relatado pelo

paciente pode estar depois de muito tempo em silecircncio na sessatildeo reforccedilando positi-

vamente o comportamento de relatar sonhos por parte do paciente Apesar de natildeo ser

336

um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no

processo de mudanccedila terapecircutica

Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o

ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo

divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz

respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a

praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos

cliacutenicos

Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo

da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-

cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia

Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo

hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos

delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a

abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado

da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-

ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos

atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das

(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do

terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso

da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do

terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela

Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os

tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como

o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Alinguagemquandodizereacutefazer

O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-

tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove

accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O

337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo

deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-

tos sobre a mesma

Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer

coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-

gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como

funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-

nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-

genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e

a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O

proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem

formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o

que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu

entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica

Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-

zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo

saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras

ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras

Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo

relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem

(Wittgenstein 1991)

Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala

justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele

os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio

e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo

de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada

entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais

ou menos definidos)

Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por

exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os

preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-

338

tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)

eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar

Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo

sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um

importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios

a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente

resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-

duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem

estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim

certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a

accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos

ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada

pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-

cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo

terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia

Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos

com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo

linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de

uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas

condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin

(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-

riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-

vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela

com caracteriacutesticas de cada um deles

339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas

Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos

Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da

proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo

Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo

ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar

condicionadordquo (diz um paciente ao

psicoterapeuta)

Compromissivostem o propoacutesito de comprometer

o falante a alguma linha de accedilatildeo futura

ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo

Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico

ldquoSinto muito pelo atrasordquo

Declaraccedilotildees

o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito

existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria

ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico

Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato

de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase

em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria

as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-

tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos

(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do

que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e

convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao

pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a

mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc

estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-

recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se

da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes

340

Psicoterapiaseousodalinguagem

Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas

das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao

comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca

a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia

simboacutelicardquo

O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)

O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a

importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais

importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras

um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud

1905)

() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)

A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar

uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar

de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a

partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas

(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols

2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-

sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)

e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor

341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-

missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja

possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-

sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-

ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste

sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila

Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)

Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as

partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto

Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas

tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato

de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-

damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um

contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja

possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos

atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica

Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)

Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-

ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar

dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-

lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal

mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais

a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins

(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos

para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-

342

conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento

psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-

dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era

colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos

que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala

assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)

Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-

sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas

Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta

dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-

ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios

de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de

base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental

(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve

observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-

riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-

ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia

(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes

1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-

ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira

fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso

autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se

repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados

numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui

e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um

discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo

mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em

estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica

(Aristegui e cols 2004)

Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-

munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos

de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de

falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador

343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo

Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual

era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-

namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo

incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande

parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo

a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim

trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade

do processo terapecircutico neste grupo

Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp

Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-

tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos

Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma

capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas

analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos

de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos

atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto

o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se

sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo

o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do

problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator

terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem

como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-

gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros

fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a

recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas

que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema

(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos

atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem

como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp

Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)

Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos

de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

abordagens

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

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330

Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

ValeskaZanello

FranciscoMartins

Segundo Laplantine (2004) cada cultura apresenta modelos etioloacutegicos de compreen-

satildeo da doenccedila e do adoecer os quais privilegiam por conseguinte determinadas formas

de tratamento As culturas em cada momento histoacuterico apresentam paradigmas espe-

ciacuteficos (muitas vezes multifacetados) que fornecem um enquadre interpretativo que daacute

sentido agraves experiecircncias humanas dentre as quais o adoecer eacute uma delas

A psicoterapia enquanto modelo terapecircutico especiacutefico da sociedade ocidental eacute relati-

vamente recente com menos de um seacuteculo Ela deve ser compreendida como mais um

artefato cultural No Brasil tornou-se profissatildeo reconhecida com exigecircncias de forma-

ccedilatildeo especiacuteficas como preacute-requisito para praticaacute-la haacute apenas 50 anos

No entanto a psicoterapia enquanto praacutetica cultural terapecircutica remete a outras formas

simboacutelicas de intervenccedilatildeo e cura Segundo Kleinman (1988) ela seria apenas uma for-

331Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

ma indiacutegena de cura simboacutelica isto eacute uma terapia baseada em palavras mitos e o uso

ritual de siacutembolos

Apesar das exigecircncias de formaccedilatildeo acadecircmica (e de curso de especializaccedilatildeo em alguns

paiacuteses) haacute uma grande discussatildeo acerca da especificidade (ou natildeo) da eficaacutecia da psico-

terapia em relaccedilatildeo agraves demais alternativas terapecircuticas disponiacuteveis atualmente no mer-

cado

Sampson (2001) destaca que natildeo existe criteacuterio algum para dizer o que seria uma te-

rapia ldquocientiacuteficardquo Ele aponta ldquoA diversidade das etnoterapias tanto as da antiguidade

como as contemporacircneas na sociedade moderna e nas preacute-modernas atuais eacute inegaacutevelrdquo

(retirado da web) Para o autor a atitude ideal seria natildeo repudiar as demais terapias

como preacute-cientiacuteficas visto que o marco para sua definiccedilatildeo natildeo eacute claro mas antes seria

razoaacutevel estudaacute-las para tentarmos explicitar sua loacutegica interna Elas podem e devem

se tornar objeto mesmo de pesquisa cientiacutefica por parte da psicologia cliacutenica O autor

aponta assim uma lista de pelo menos 300 terapias que foram listadas ateacute 1980

Krause (2011) sugere ao menos trecircs transformaccedilotildees necessaacuterias no campo das psicote-

rapias em geral ampliar nosso ponto de vista sobre a psicoterapia ampliar nossa visatildeo

de como se pode adquirir melhor conhecimento cientiacutefico sobre a psicoterapia e por

uacuteltimo ampliar o ponto de vista sobre os contextos humanos nos quais ocorre a psi-

coterapia Ou seja terapias nas quais encontramos fatores similares aos atuantes nas

psicoterapias

Mas como eacute definida a psicoterapia Segundo Cordiolli e Giglio (2008) as psicoterapias

seriam

Meacutetodos de tratamento realizados por profissionais treinados com o objetivo de reduzir ou remover um problema uma queixa ou um transtorno de um paciente ou cliente utilizando para tal fim meios psicoloacutegicos Satildeo realizados em um contexto primariamente interpessoal a relaccedilatildeo terapecircutica e utilizam a comunicaccedilatildeo verbal como principal recurso (Cordiolli amp Giglio 2008 p42)

A definiccedilatildeo de psicoterapia deve ser dada no plural pois mesmo o campo psicoterapecircu-

tico permeado pelas exigecircncias de formaccedilatildeo acima explicitada eacute marcado pela multi-

plicidade de paradigmas teacutecnicas e pressupostos epistemoloacutegicos No entanto a pro-

332

liferaccedilatildeo de abordagens e teorias nem sempre foi acompanhada pela preocupaccedilatildeo em

avaliar sua eficaacutecia e efetividade (Cordiolli2008) Isso levou alguns teoacutericos tais como

Eysenck em 1950 a afirmar que as mudanccedilas ocorridas durante uma psicoterapia eram

devidas a proacutepria passagem do tempo e natildeo agraves teacutecnicas utilizadas Em outras palavras

foi colocada em xeque a eficaacutecia terapecircutica da mesma

Isso acabou por se tornar um grande estiacutemulo agraves pesquisas acerca da eficaacuteciaefetivi-

dade das psicoterapias A eficaacutecia das psicoterapias se refere agrave avaliaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo

causal entre o tratamento e a resposta (Peuker AC Habigzang LF Koller SH amp

Araujo LB 2009) Visa agrave validade interna exigindo o delineamento de pesquisa ex-

perimental com controle do setting e com intervenccedilotildees bem definidas baseadas em

manuais Jaacute a efetividade das psicoterapias eacute a avaliaccedilatildeo da resposta ao tratamento em

um setting semelhante ao real Visa agrave validade externa e o delineamento da pesquisa eacute

quase experimental O setting eacute menos controlado e mais proacuteximo do natural (Peuker

AC Habigzang LF Koller SH amp Araujo LB 2009)

Em 1960 foi realizado o projeto Menninger o qual se utilizou de metanaacutelise para com-

provar a eficaacutecia das psicoterapias (Cordiolli 2008) Os dados foram surpreendentes

Comparando a eficaacutecia sobretudo na supressatildeo dos sintomas entre pacientes submeti-

dos a processos psicoteraacutepicos e outros em lista de espera para atendimento chegou-se

a um nuacutemero confirmado por inuacutemeras pesquisas posteriores de melhora em torno

de 80 Isto eacute pacientes em processo de psicoterapia melhoravam 80 mais do que

aqueles que simplesmente melhoravam com o simples decorrer do tempo (Cordioli amp

Giglio 2008) Aleacutem disso os efeitos mantiveram-se por mais tempo que aqueles efetu-

ados sem uma psicoterapia

Tais pesquisas comprovaram na contramatildeo da acusaccedilatildeo de Eysenck a eficaacutecia da psi-

coterapia Mas outro problema surgia no horizonte das discussotildees quais seriam os

fatores relacionados agrave melhora do sujeito Os investigadores estudaram inicialmente os

resultados da psicoterapia para evidenciar sua eficaacutecia somente depois eacute que se buscou

compreender e estudar os fatores a ela relacionados (Sales 2009)

Houve concordacircncia de que boa parte dos efeitos se dava ao uso de teacutecnicas especiacuteficas

proacuteprias a cada modelo e por outro lado a fatores comuns ou inespeciacuteficos presentes

em todas as abordagens Os fatores especiacuteficos seriam aqueles tiacutepicos e exclusivos a

333Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

cada abordagem por exemplo o manejo da transferecircncia na psicanaacutelise e a dessensibi-

lizaccedilatildeo sistemaacutetica na abordagem comportamental Jaacute os inespeciacuteficos abarcariam uma

seacuterie de fatores que apresentaremos a seguir

Cordioli e Giglio (2008) classificam os fatores inespeciacuteficos em 4 grandes grupos os

de natureza cognitiva os fatores comportamentais (aprendizagem) os fatores inerentes

agrave relaccedilatildeo terapecircutica (experiecircncia afetiva) e por uacuteltimo os fatores sociais grupais ou

sistecircmicos

Os fatores de natureza cognitiva dizem respeito agrave psicoeducaccedilatildeo agrave reestruturaccedilatildeo cog-

nitiva e agrave ocorrecircncia de insight Os fatores comportamentais referem-se ao processo

de aprendizagem impliacutecita em toda e qualquer terapia levando a mudanccedilas compor-

tamentais Os fatores inerentes agrave relaccedilatildeo terapecircutica apontam para a importacircncia do

viacutenculo afetivo (sendo este um importante preditor do sucesso terapecircutico) da alianccedila

de trabalho da identificaccedilatildeo com o terapeuta do apoio e da catarse E por uacuteltimo os

fatores sociais tangem agraves psicoterapias que incluem mais de um sujeito no setting va-

lorizando o contexto grupal como fator de mudanccedila

Nestes uacuteltimos principalmente nas terapias de grupo satildeo apontados onze fatores tera-

pecircuticos (Vinogradov S Cox PD amp Yalom DI 2003) Instilaccedilatildeo de esperanccedila (acre-

ditar que eacute possiacutevel superar os problemas) a universalidade do problema (perceber que

natildeo se eacute o uacutenico a ter estes problemas) compartilhamento de informaccedilotildees altruiacutesmo

(sentir-se ajudando aos demais) socializaccedilatildeo comportamento imitativo (pela observa-

ccedilatildeo do comportamento dos outros) catarse (ventilaccedilatildeo das emoccedilotildees) recapitulaccedilatildeo cor-

retiva (possibilidade de reverrecapitular no grupo comportamentos que apresenta com

seus familiares) fatores existenciais coesatildeo grupal e aprendizagem interpessoal

Segundo Frank (1982) os elementos comuns (inespeciacuteficos) a todas as psicoterapias

seriam estabelecimento e manutenccedilatildeo de uma relaccedilatildeo significativa confianccedila e espe-

ranccedila de aliviar o sofrimento obtenccedilatildeo de novas informaccedilotildees ativaccedilatildeo emocional de

certos fatos aumento da sensaccedilatildeo de domiacutenio e autoeficaacutecia

Para Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI

e Vergara PAM (2008) a literatura que discute os fatores inespeciacuteficos em psicote-

rapia os classificam ao redor de trecircs grandes eixos o paciente o terapeuta e a relaccedilatildeo

334

entre ambos Os fatores do paciente seriam variaacuteveis demograacuteficas (como por exemplo

gecircnero idade e niacutevel socioeconocircmico) diagnoacutestico cliacutenico tais como caracteriacutesticas de

personalidade tipo de transtorno e complexidade do sintoma crenccedila e expectativa de

melhora e disposiccedilatildeo pessoal As variaacuteveis do terapeuta seriam a atitude (acolhimento

aceitaccedilatildeo autenticidade congruecircncia) habilidades personalidade niacutevel de experiecircncia

e bem estar emocional As variaacuteveis da relaccedilatildeo satildeo apontadas como o aspecto mais

importante responsaacutevel por 45 do processo de mudanccedila Uma relaccedilatildeo terapecircutica de-

sejaacutevel deveria ser marcada pela confianccedila acolhimento e empatia O mesmo tem sido

apontado por Kleinman (1988)

A relaccedilatildeo paciente-terapeuta coloca em evidecircncia a necessidade da feacute do paciente no

terapeuta e o efeito placebo daiacute decorrente Como aponta Sampson (2001)

La psicoterapia es una manera de maximizar respuestas placebo un efecto no especiacutefico del tratamiento entonces tanto mejor que sea aprovechado un mecanismo terapeacuteutico subutilizado en la medicina en general Si durante los tratamientos psicoterapeacuteuticos se generan efectos psicofisioloacutegicos debido a la activacioacuten del sistema nervioso autoacutenomo y de los sistemas psiconeuro-inmunoloacutegico y endocrinoloacutegico como efectivamente parece ser el caso esto no tiene nada de ignominioso (Sampson 2001 retirado da web)

A diferenccedila talvez numa praacutetica dita cientiacutefica eacute que podemos estudar a importacircncia

os fatores envolvidos e o impacto do efeito placebo nos processos de cura Tal intento foi

efetivado por Wolberg (1988) o qual apontou alguns fatores envolvidos na melhora dos

pacientes em um processo terapecircutico De iniacutecio a ldquomelhorardquo do quadro apresentado

pelo paciente se deve segundo Wolberg agrave influecircncia do placebo agrave catarse emocional

ao relacionamento idealizado com o terapeuta agrave sugestatildeo e aos fatores de dinacircmica

grupal Todos estes fatores podem ser englobados no conjunto de fatores comuns ou

inespeciacuteficos presentes tambeacutem em quase todas as terapias em geral

Sampson (2001) aponta em relaccedilatildeo agrave discussatildeo de qual das abordagens seria a mais

eficaz que

Antes de precipitarnos a condenar o a reir deberiacuteamos preguntarnos si existe una pauta de evaluacioacuten que permita distinguir entre la paja - es el caso de decirlo - y el grano Las estadiacutesticas permiten de acuerdo con el criterio de la satisfaccioacuten del usuario afirmar que el mismo porcentaje de eacutexitos y de

335Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

fracasos puede ser atribuido a todas las formas de terapia actualmente en el mercado (Sampson 2001 retirado da web)

Trata-se segundo Sales (2009) da aplicaccedilatildeo do veredicto do paacutessaro Dodocirc em Alice

no Paiacutes das Maravilhas ldquoTodos ganharam e todos devem receber precircmiosrdquo Segundo

este autor estes resultados levaram a questionar o modo de realizaccedilatildeo destas pesquisas

pois de um lado ou a metodologia estava errada (e levava a pensar em equivalecircncias

inexistentes) ou o resultado era reflexo de fatores comuns agraves mudanccedilas terapecircuticas

Isto eacute os fatores inespeciacuteficos A hipoacutetese do problema metodoloacutegico foi o mais aceito

e desenvolvido Foi tentando ldquoconsertarrdquo esta falha metodoloacutegica que surgiram os tra-

tamentos com suporte empiacuterico ou seja que utilizavam manuais que detalhavam os

procedimentos terapecircuticos a serem utilizados

O uso de manuais detalhando os procedimentos terapecircuticos a serem adotados para garantir uma padronizaccedilatildeo miacutenima levantou e tem levantado muita polecircmica Argumenta-se que se cria uma distacircncia cada vez maior entre a pesquisa que repete modelos experimentais da realidade cliacutenica em si complexa e multifatorial ldquoA principal objeccedilatildeo levantada refere-se ao excesso de confianccedila na significacircncia estatiacutestica em detrimento da significacircncia cliacutenicardquo (Eneacuteas 2008 retirado da web)

Sales (2009) aponta que a preocupaccedilatildeo em investigar a eficaacutecia dos efeitos da psicote-

rapia levou a uma adoccedilatildeo do paradigma loacutegico-matemaacutetico da ciecircncia moderna com

ecircnfase no controle experimental e em dados quantitativos Os estudos tornaram-se ana-

loacutegicos pois reproduziam artificialmente a realidade cliacutenica Neste sentido abordagens

mais proacuteximas de um paradigma positivista poderiam ser mais bem avaliadas por se

ajustarem mais agraves metodologias (mais positivistas) utilizadas para avaliar a eficaacutecia

Estas criacuteticas trouxeram de volta ao centro das reflexotildees os estudos de caso uacutenico E

tambeacutem trouxeram agrave baila a discussatildeo entre os defensores de observaccedilotildees mais objeti-

vas e outros guiados mais pela teoria

Outro problema na discussatildeo sobre a especificidade e inespecificidade teacutecnica versus

eficaacutecia psicoterapecircutica diz respeito agrave inevitabilidade da utilizaccedilatildeo de estrateacutegias ainda

que de forma natildeo intencional tiacutepicas de outra abordagem (Cordiolli 2008) Como

por exemplo um psicanalista ao falar ldquohum humrdquo depois de um sonho relatado pelo

paciente pode estar depois de muito tempo em silecircncio na sessatildeo reforccedilando positi-

vamente o comportamento de relatar sonhos por parte do paciente Apesar de natildeo ser

336

um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no

processo de mudanccedila terapecircutica

Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o

ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo

divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz

respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a

praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos

cliacutenicos

Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo

da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-

cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia

Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo

hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos

delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a

abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado

da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-

ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos

atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das

(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do

terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso

da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do

terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela

Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os

tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como

o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Alinguagemquandodizereacutefazer

O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-

tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove

accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O

337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo

deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-

tos sobre a mesma

Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer

coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-

gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como

funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-

nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-

genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e

a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O

proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem

formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o

que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu

entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica

Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-

zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo

saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras

ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras

Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo

relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem

(Wittgenstein 1991)

Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala

justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele

os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio

e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo

de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada

entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais

ou menos definidos)

Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por

exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os

preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-

338

tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)

eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar

Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo

sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um

importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios

a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente

resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-

duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem

estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim

certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a

accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos

ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada

pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-

cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo

terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia

Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos

com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo

linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de

uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas

condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin

(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-

riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-

vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela

com caracteriacutesticas de cada um deles

339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas

Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos

Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da

proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo

Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo

ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar

condicionadordquo (diz um paciente ao

psicoterapeuta)

Compromissivostem o propoacutesito de comprometer

o falante a alguma linha de accedilatildeo futura

ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo

Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico

ldquoSinto muito pelo atrasordquo

Declaraccedilotildees

o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito

existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria

ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico

Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato

de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase

em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria

as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-

tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos

(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do

que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e

convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao

pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a

mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc

estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-

recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se

da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes

340

Psicoterapiaseousodalinguagem

Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas

das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao

comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca

a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia

simboacutelicardquo

O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)

O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a

importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais

importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras

um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud

1905)

() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)

A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar

uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar

de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a

partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas

(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols

2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-

sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)

e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor

341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-

missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja

possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-

sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-

ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste

sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila

Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)

Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as

partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto

Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas

tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato

de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-

damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um

contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja

possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos

atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica

Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)

Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-

ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar

dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-

lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal

mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais

a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins

(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos

para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-

342

conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento

psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-

dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era

colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos

que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala

assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)

Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-

sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas

Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta

dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-

ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios

de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de

base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental

(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve

observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-

riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-

ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia

(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes

1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-

ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira

fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso

autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se

repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados

numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui

e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um

discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo

mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em

estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica

(Aristegui e cols 2004)

Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-

munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos

de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de

falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador

343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo

Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual

era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-

namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo

incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande

parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo

a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim

trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade

do processo terapecircutico neste grupo

Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp

Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-

tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos

Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma

capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas

analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos

de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos

atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto

o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se

sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo

o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do

problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator

terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem

como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-

gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros

fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a

recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas

que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema

(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos

atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem

como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp

Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)

Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos

de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

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345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

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331Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

ma indiacutegena de cura simboacutelica isto eacute uma terapia baseada em palavras mitos e o uso

ritual de siacutembolos

Apesar das exigecircncias de formaccedilatildeo acadecircmica (e de curso de especializaccedilatildeo em alguns

paiacuteses) haacute uma grande discussatildeo acerca da especificidade (ou natildeo) da eficaacutecia da psico-

terapia em relaccedilatildeo agraves demais alternativas terapecircuticas disponiacuteveis atualmente no mer-

cado

Sampson (2001) destaca que natildeo existe criteacuterio algum para dizer o que seria uma te-

rapia ldquocientiacuteficardquo Ele aponta ldquoA diversidade das etnoterapias tanto as da antiguidade

como as contemporacircneas na sociedade moderna e nas preacute-modernas atuais eacute inegaacutevelrdquo

(retirado da web) Para o autor a atitude ideal seria natildeo repudiar as demais terapias

como preacute-cientiacuteficas visto que o marco para sua definiccedilatildeo natildeo eacute claro mas antes seria

razoaacutevel estudaacute-las para tentarmos explicitar sua loacutegica interna Elas podem e devem

se tornar objeto mesmo de pesquisa cientiacutefica por parte da psicologia cliacutenica O autor

aponta assim uma lista de pelo menos 300 terapias que foram listadas ateacute 1980

Krause (2011) sugere ao menos trecircs transformaccedilotildees necessaacuterias no campo das psicote-

rapias em geral ampliar nosso ponto de vista sobre a psicoterapia ampliar nossa visatildeo

de como se pode adquirir melhor conhecimento cientiacutefico sobre a psicoterapia e por

uacuteltimo ampliar o ponto de vista sobre os contextos humanos nos quais ocorre a psi-

coterapia Ou seja terapias nas quais encontramos fatores similares aos atuantes nas

psicoterapias

Mas como eacute definida a psicoterapia Segundo Cordiolli e Giglio (2008) as psicoterapias

seriam

Meacutetodos de tratamento realizados por profissionais treinados com o objetivo de reduzir ou remover um problema uma queixa ou um transtorno de um paciente ou cliente utilizando para tal fim meios psicoloacutegicos Satildeo realizados em um contexto primariamente interpessoal a relaccedilatildeo terapecircutica e utilizam a comunicaccedilatildeo verbal como principal recurso (Cordiolli amp Giglio 2008 p42)

A definiccedilatildeo de psicoterapia deve ser dada no plural pois mesmo o campo psicoterapecircu-

tico permeado pelas exigecircncias de formaccedilatildeo acima explicitada eacute marcado pela multi-

plicidade de paradigmas teacutecnicas e pressupostos epistemoloacutegicos No entanto a pro-

332

liferaccedilatildeo de abordagens e teorias nem sempre foi acompanhada pela preocupaccedilatildeo em

avaliar sua eficaacutecia e efetividade (Cordiolli2008) Isso levou alguns teoacutericos tais como

Eysenck em 1950 a afirmar que as mudanccedilas ocorridas durante uma psicoterapia eram

devidas a proacutepria passagem do tempo e natildeo agraves teacutecnicas utilizadas Em outras palavras

foi colocada em xeque a eficaacutecia terapecircutica da mesma

Isso acabou por se tornar um grande estiacutemulo agraves pesquisas acerca da eficaacuteciaefetivi-

dade das psicoterapias A eficaacutecia das psicoterapias se refere agrave avaliaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo

causal entre o tratamento e a resposta (Peuker AC Habigzang LF Koller SH amp

Araujo LB 2009) Visa agrave validade interna exigindo o delineamento de pesquisa ex-

perimental com controle do setting e com intervenccedilotildees bem definidas baseadas em

manuais Jaacute a efetividade das psicoterapias eacute a avaliaccedilatildeo da resposta ao tratamento em

um setting semelhante ao real Visa agrave validade externa e o delineamento da pesquisa eacute

quase experimental O setting eacute menos controlado e mais proacuteximo do natural (Peuker

AC Habigzang LF Koller SH amp Araujo LB 2009)

Em 1960 foi realizado o projeto Menninger o qual se utilizou de metanaacutelise para com-

provar a eficaacutecia das psicoterapias (Cordiolli 2008) Os dados foram surpreendentes

Comparando a eficaacutecia sobretudo na supressatildeo dos sintomas entre pacientes submeti-

dos a processos psicoteraacutepicos e outros em lista de espera para atendimento chegou-se

a um nuacutemero confirmado por inuacutemeras pesquisas posteriores de melhora em torno

de 80 Isto eacute pacientes em processo de psicoterapia melhoravam 80 mais do que

aqueles que simplesmente melhoravam com o simples decorrer do tempo (Cordioli amp

Giglio 2008) Aleacutem disso os efeitos mantiveram-se por mais tempo que aqueles efetu-

ados sem uma psicoterapia

Tais pesquisas comprovaram na contramatildeo da acusaccedilatildeo de Eysenck a eficaacutecia da psi-

coterapia Mas outro problema surgia no horizonte das discussotildees quais seriam os

fatores relacionados agrave melhora do sujeito Os investigadores estudaram inicialmente os

resultados da psicoterapia para evidenciar sua eficaacutecia somente depois eacute que se buscou

compreender e estudar os fatores a ela relacionados (Sales 2009)

Houve concordacircncia de que boa parte dos efeitos se dava ao uso de teacutecnicas especiacuteficas

proacuteprias a cada modelo e por outro lado a fatores comuns ou inespeciacuteficos presentes

em todas as abordagens Os fatores especiacuteficos seriam aqueles tiacutepicos e exclusivos a

333Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

cada abordagem por exemplo o manejo da transferecircncia na psicanaacutelise e a dessensibi-

lizaccedilatildeo sistemaacutetica na abordagem comportamental Jaacute os inespeciacuteficos abarcariam uma

seacuterie de fatores que apresentaremos a seguir

Cordioli e Giglio (2008) classificam os fatores inespeciacuteficos em 4 grandes grupos os

de natureza cognitiva os fatores comportamentais (aprendizagem) os fatores inerentes

agrave relaccedilatildeo terapecircutica (experiecircncia afetiva) e por uacuteltimo os fatores sociais grupais ou

sistecircmicos

Os fatores de natureza cognitiva dizem respeito agrave psicoeducaccedilatildeo agrave reestruturaccedilatildeo cog-

nitiva e agrave ocorrecircncia de insight Os fatores comportamentais referem-se ao processo

de aprendizagem impliacutecita em toda e qualquer terapia levando a mudanccedilas compor-

tamentais Os fatores inerentes agrave relaccedilatildeo terapecircutica apontam para a importacircncia do

viacutenculo afetivo (sendo este um importante preditor do sucesso terapecircutico) da alianccedila

de trabalho da identificaccedilatildeo com o terapeuta do apoio e da catarse E por uacuteltimo os

fatores sociais tangem agraves psicoterapias que incluem mais de um sujeito no setting va-

lorizando o contexto grupal como fator de mudanccedila

Nestes uacuteltimos principalmente nas terapias de grupo satildeo apontados onze fatores tera-

pecircuticos (Vinogradov S Cox PD amp Yalom DI 2003) Instilaccedilatildeo de esperanccedila (acre-

ditar que eacute possiacutevel superar os problemas) a universalidade do problema (perceber que

natildeo se eacute o uacutenico a ter estes problemas) compartilhamento de informaccedilotildees altruiacutesmo

(sentir-se ajudando aos demais) socializaccedilatildeo comportamento imitativo (pela observa-

ccedilatildeo do comportamento dos outros) catarse (ventilaccedilatildeo das emoccedilotildees) recapitulaccedilatildeo cor-

retiva (possibilidade de reverrecapitular no grupo comportamentos que apresenta com

seus familiares) fatores existenciais coesatildeo grupal e aprendizagem interpessoal

Segundo Frank (1982) os elementos comuns (inespeciacuteficos) a todas as psicoterapias

seriam estabelecimento e manutenccedilatildeo de uma relaccedilatildeo significativa confianccedila e espe-

ranccedila de aliviar o sofrimento obtenccedilatildeo de novas informaccedilotildees ativaccedilatildeo emocional de

certos fatos aumento da sensaccedilatildeo de domiacutenio e autoeficaacutecia

Para Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI

e Vergara PAM (2008) a literatura que discute os fatores inespeciacuteficos em psicote-

rapia os classificam ao redor de trecircs grandes eixos o paciente o terapeuta e a relaccedilatildeo

334

entre ambos Os fatores do paciente seriam variaacuteveis demograacuteficas (como por exemplo

gecircnero idade e niacutevel socioeconocircmico) diagnoacutestico cliacutenico tais como caracteriacutesticas de

personalidade tipo de transtorno e complexidade do sintoma crenccedila e expectativa de

melhora e disposiccedilatildeo pessoal As variaacuteveis do terapeuta seriam a atitude (acolhimento

aceitaccedilatildeo autenticidade congruecircncia) habilidades personalidade niacutevel de experiecircncia

e bem estar emocional As variaacuteveis da relaccedilatildeo satildeo apontadas como o aspecto mais

importante responsaacutevel por 45 do processo de mudanccedila Uma relaccedilatildeo terapecircutica de-

sejaacutevel deveria ser marcada pela confianccedila acolhimento e empatia O mesmo tem sido

apontado por Kleinman (1988)

A relaccedilatildeo paciente-terapeuta coloca em evidecircncia a necessidade da feacute do paciente no

terapeuta e o efeito placebo daiacute decorrente Como aponta Sampson (2001)

La psicoterapia es una manera de maximizar respuestas placebo un efecto no especiacutefico del tratamiento entonces tanto mejor que sea aprovechado un mecanismo terapeacuteutico subutilizado en la medicina en general Si durante los tratamientos psicoterapeacuteuticos se generan efectos psicofisioloacutegicos debido a la activacioacuten del sistema nervioso autoacutenomo y de los sistemas psiconeuro-inmunoloacutegico y endocrinoloacutegico como efectivamente parece ser el caso esto no tiene nada de ignominioso (Sampson 2001 retirado da web)

A diferenccedila talvez numa praacutetica dita cientiacutefica eacute que podemos estudar a importacircncia

os fatores envolvidos e o impacto do efeito placebo nos processos de cura Tal intento foi

efetivado por Wolberg (1988) o qual apontou alguns fatores envolvidos na melhora dos

pacientes em um processo terapecircutico De iniacutecio a ldquomelhorardquo do quadro apresentado

pelo paciente se deve segundo Wolberg agrave influecircncia do placebo agrave catarse emocional

ao relacionamento idealizado com o terapeuta agrave sugestatildeo e aos fatores de dinacircmica

grupal Todos estes fatores podem ser englobados no conjunto de fatores comuns ou

inespeciacuteficos presentes tambeacutem em quase todas as terapias em geral

Sampson (2001) aponta em relaccedilatildeo agrave discussatildeo de qual das abordagens seria a mais

eficaz que

Antes de precipitarnos a condenar o a reir deberiacuteamos preguntarnos si existe una pauta de evaluacioacuten que permita distinguir entre la paja - es el caso de decirlo - y el grano Las estadiacutesticas permiten de acuerdo con el criterio de la satisfaccioacuten del usuario afirmar que el mismo porcentaje de eacutexitos y de

335Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

fracasos puede ser atribuido a todas las formas de terapia actualmente en el mercado (Sampson 2001 retirado da web)

Trata-se segundo Sales (2009) da aplicaccedilatildeo do veredicto do paacutessaro Dodocirc em Alice

no Paiacutes das Maravilhas ldquoTodos ganharam e todos devem receber precircmiosrdquo Segundo

este autor estes resultados levaram a questionar o modo de realizaccedilatildeo destas pesquisas

pois de um lado ou a metodologia estava errada (e levava a pensar em equivalecircncias

inexistentes) ou o resultado era reflexo de fatores comuns agraves mudanccedilas terapecircuticas

Isto eacute os fatores inespeciacuteficos A hipoacutetese do problema metodoloacutegico foi o mais aceito

e desenvolvido Foi tentando ldquoconsertarrdquo esta falha metodoloacutegica que surgiram os tra-

tamentos com suporte empiacuterico ou seja que utilizavam manuais que detalhavam os

procedimentos terapecircuticos a serem utilizados

O uso de manuais detalhando os procedimentos terapecircuticos a serem adotados para garantir uma padronizaccedilatildeo miacutenima levantou e tem levantado muita polecircmica Argumenta-se que se cria uma distacircncia cada vez maior entre a pesquisa que repete modelos experimentais da realidade cliacutenica em si complexa e multifatorial ldquoA principal objeccedilatildeo levantada refere-se ao excesso de confianccedila na significacircncia estatiacutestica em detrimento da significacircncia cliacutenicardquo (Eneacuteas 2008 retirado da web)

Sales (2009) aponta que a preocupaccedilatildeo em investigar a eficaacutecia dos efeitos da psicote-

rapia levou a uma adoccedilatildeo do paradigma loacutegico-matemaacutetico da ciecircncia moderna com

ecircnfase no controle experimental e em dados quantitativos Os estudos tornaram-se ana-

loacutegicos pois reproduziam artificialmente a realidade cliacutenica Neste sentido abordagens

mais proacuteximas de um paradigma positivista poderiam ser mais bem avaliadas por se

ajustarem mais agraves metodologias (mais positivistas) utilizadas para avaliar a eficaacutecia

Estas criacuteticas trouxeram de volta ao centro das reflexotildees os estudos de caso uacutenico E

tambeacutem trouxeram agrave baila a discussatildeo entre os defensores de observaccedilotildees mais objeti-

vas e outros guiados mais pela teoria

Outro problema na discussatildeo sobre a especificidade e inespecificidade teacutecnica versus

eficaacutecia psicoterapecircutica diz respeito agrave inevitabilidade da utilizaccedilatildeo de estrateacutegias ainda

que de forma natildeo intencional tiacutepicas de outra abordagem (Cordiolli 2008) Como

por exemplo um psicanalista ao falar ldquohum humrdquo depois de um sonho relatado pelo

paciente pode estar depois de muito tempo em silecircncio na sessatildeo reforccedilando positi-

vamente o comportamento de relatar sonhos por parte do paciente Apesar de natildeo ser

336

um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no

processo de mudanccedila terapecircutica

Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o

ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo

divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz

respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a

praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos

cliacutenicos

Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo

da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-

cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia

Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo

hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos

delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a

abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado

da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-

ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos

atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das

(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do

terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso

da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do

terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela

Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os

tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como

o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Alinguagemquandodizereacutefazer

O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-

tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove

accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O

337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo

deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-

tos sobre a mesma

Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer

coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-

gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como

funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-

nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-

genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e

a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O

proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem

formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o

que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu

entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica

Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-

zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo

saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras

ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras

Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo

relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem

(Wittgenstein 1991)

Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala

justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele

os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio

e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo

de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada

entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais

ou menos definidos)

Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por

exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os

preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-

338

tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)

eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar

Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo

sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um

importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios

a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente

resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-

duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem

estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim

certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a

accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos

ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada

pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-

cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo

terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia

Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos

com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo

linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de

uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas

condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin

(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-

riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-

vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela

com caracteriacutesticas de cada um deles

339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas

Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos

Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da

proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo

Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo

ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar

condicionadordquo (diz um paciente ao

psicoterapeuta)

Compromissivostem o propoacutesito de comprometer

o falante a alguma linha de accedilatildeo futura

ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo

Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico

ldquoSinto muito pelo atrasordquo

Declaraccedilotildees

o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito

existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria

ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico

Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato

de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase

em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria

as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-

tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos

(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do

que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e

convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao

pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a

mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc

estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-

recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se

da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes

340

Psicoterapiaseousodalinguagem

Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas

das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao

comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca

a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia

simboacutelicardquo

O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)

O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a

importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais

importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras

um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud

1905)

() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)

A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar

uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar

de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a

partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas

(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols

2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-

sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)

e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor

341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-

missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja

possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-

sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-

ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste

sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila

Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)

Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as

partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto

Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas

tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato

de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-

damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um

contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja

possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos

atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica

Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)

Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-

ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar

dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-

lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal

mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais

a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins

(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos

para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-

342

conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento

psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-

dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era

colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos

que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala

assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)

Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-

sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas

Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta

dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-

ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios

de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de

base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental

(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve

observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-

riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-

ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia

(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes

1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-

ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira

fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso

autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se

repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados

numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui

e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um

discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo

mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em

estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica

(Aristegui e cols 2004)

Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-

munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos

de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de

falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador

343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo

Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual

era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-

namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo

incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande

parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo

a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim

trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade

do processo terapecircutico neste grupo

Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp

Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-

tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos

Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma

capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas

analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos

de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos

atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto

o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se

sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo

o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do

problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator

terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem

como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-

gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros

fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a

recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas

que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema

(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos

atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem

como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp

Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)

Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos

de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

abordagens

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

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332

liferaccedilatildeo de abordagens e teorias nem sempre foi acompanhada pela preocupaccedilatildeo em

avaliar sua eficaacutecia e efetividade (Cordiolli2008) Isso levou alguns teoacutericos tais como

Eysenck em 1950 a afirmar que as mudanccedilas ocorridas durante uma psicoterapia eram

devidas a proacutepria passagem do tempo e natildeo agraves teacutecnicas utilizadas Em outras palavras

foi colocada em xeque a eficaacutecia terapecircutica da mesma

Isso acabou por se tornar um grande estiacutemulo agraves pesquisas acerca da eficaacuteciaefetivi-

dade das psicoterapias A eficaacutecia das psicoterapias se refere agrave avaliaccedilatildeo de uma relaccedilatildeo

causal entre o tratamento e a resposta (Peuker AC Habigzang LF Koller SH amp

Araujo LB 2009) Visa agrave validade interna exigindo o delineamento de pesquisa ex-

perimental com controle do setting e com intervenccedilotildees bem definidas baseadas em

manuais Jaacute a efetividade das psicoterapias eacute a avaliaccedilatildeo da resposta ao tratamento em

um setting semelhante ao real Visa agrave validade externa e o delineamento da pesquisa eacute

quase experimental O setting eacute menos controlado e mais proacuteximo do natural (Peuker

AC Habigzang LF Koller SH amp Araujo LB 2009)

Em 1960 foi realizado o projeto Menninger o qual se utilizou de metanaacutelise para com-

provar a eficaacutecia das psicoterapias (Cordiolli 2008) Os dados foram surpreendentes

Comparando a eficaacutecia sobretudo na supressatildeo dos sintomas entre pacientes submeti-

dos a processos psicoteraacutepicos e outros em lista de espera para atendimento chegou-se

a um nuacutemero confirmado por inuacutemeras pesquisas posteriores de melhora em torno

de 80 Isto eacute pacientes em processo de psicoterapia melhoravam 80 mais do que

aqueles que simplesmente melhoravam com o simples decorrer do tempo (Cordioli amp

Giglio 2008) Aleacutem disso os efeitos mantiveram-se por mais tempo que aqueles efetu-

ados sem uma psicoterapia

Tais pesquisas comprovaram na contramatildeo da acusaccedilatildeo de Eysenck a eficaacutecia da psi-

coterapia Mas outro problema surgia no horizonte das discussotildees quais seriam os

fatores relacionados agrave melhora do sujeito Os investigadores estudaram inicialmente os

resultados da psicoterapia para evidenciar sua eficaacutecia somente depois eacute que se buscou

compreender e estudar os fatores a ela relacionados (Sales 2009)

Houve concordacircncia de que boa parte dos efeitos se dava ao uso de teacutecnicas especiacuteficas

proacuteprias a cada modelo e por outro lado a fatores comuns ou inespeciacuteficos presentes

em todas as abordagens Os fatores especiacuteficos seriam aqueles tiacutepicos e exclusivos a

333Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

cada abordagem por exemplo o manejo da transferecircncia na psicanaacutelise e a dessensibi-

lizaccedilatildeo sistemaacutetica na abordagem comportamental Jaacute os inespeciacuteficos abarcariam uma

seacuterie de fatores que apresentaremos a seguir

Cordioli e Giglio (2008) classificam os fatores inespeciacuteficos em 4 grandes grupos os

de natureza cognitiva os fatores comportamentais (aprendizagem) os fatores inerentes

agrave relaccedilatildeo terapecircutica (experiecircncia afetiva) e por uacuteltimo os fatores sociais grupais ou

sistecircmicos

Os fatores de natureza cognitiva dizem respeito agrave psicoeducaccedilatildeo agrave reestruturaccedilatildeo cog-

nitiva e agrave ocorrecircncia de insight Os fatores comportamentais referem-se ao processo

de aprendizagem impliacutecita em toda e qualquer terapia levando a mudanccedilas compor-

tamentais Os fatores inerentes agrave relaccedilatildeo terapecircutica apontam para a importacircncia do

viacutenculo afetivo (sendo este um importante preditor do sucesso terapecircutico) da alianccedila

de trabalho da identificaccedilatildeo com o terapeuta do apoio e da catarse E por uacuteltimo os

fatores sociais tangem agraves psicoterapias que incluem mais de um sujeito no setting va-

lorizando o contexto grupal como fator de mudanccedila

Nestes uacuteltimos principalmente nas terapias de grupo satildeo apontados onze fatores tera-

pecircuticos (Vinogradov S Cox PD amp Yalom DI 2003) Instilaccedilatildeo de esperanccedila (acre-

ditar que eacute possiacutevel superar os problemas) a universalidade do problema (perceber que

natildeo se eacute o uacutenico a ter estes problemas) compartilhamento de informaccedilotildees altruiacutesmo

(sentir-se ajudando aos demais) socializaccedilatildeo comportamento imitativo (pela observa-

ccedilatildeo do comportamento dos outros) catarse (ventilaccedilatildeo das emoccedilotildees) recapitulaccedilatildeo cor-

retiva (possibilidade de reverrecapitular no grupo comportamentos que apresenta com

seus familiares) fatores existenciais coesatildeo grupal e aprendizagem interpessoal

Segundo Frank (1982) os elementos comuns (inespeciacuteficos) a todas as psicoterapias

seriam estabelecimento e manutenccedilatildeo de uma relaccedilatildeo significativa confianccedila e espe-

ranccedila de aliviar o sofrimento obtenccedilatildeo de novas informaccedilotildees ativaccedilatildeo emocional de

certos fatos aumento da sensaccedilatildeo de domiacutenio e autoeficaacutecia

Para Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI

e Vergara PAM (2008) a literatura que discute os fatores inespeciacuteficos em psicote-

rapia os classificam ao redor de trecircs grandes eixos o paciente o terapeuta e a relaccedilatildeo

334

entre ambos Os fatores do paciente seriam variaacuteveis demograacuteficas (como por exemplo

gecircnero idade e niacutevel socioeconocircmico) diagnoacutestico cliacutenico tais como caracteriacutesticas de

personalidade tipo de transtorno e complexidade do sintoma crenccedila e expectativa de

melhora e disposiccedilatildeo pessoal As variaacuteveis do terapeuta seriam a atitude (acolhimento

aceitaccedilatildeo autenticidade congruecircncia) habilidades personalidade niacutevel de experiecircncia

e bem estar emocional As variaacuteveis da relaccedilatildeo satildeo apontadas como o aspecto mais

importante responsaacutevel por 45 do processo de mudanccedila Uma relaccedilatildeo terapecircutica de-

sejaacutevel deveria ser marcada pela confianccedila acolhimento e empatia O mesmo tem sido

apontado por Kleinman (1988)

A relaccedilatildeo paciente-terapeuta coloca em evidecircncia a necessidade da feacute do paciente no

terapeuta e o efeito placebo daiacute decorrente Como aponta Sampson (2001)

La psicoterapia es una manera de maximizar respuestas placebo un efecto no especiacutefico del tratamiento entonces tanto mejor que sea aprovechado un mecanismo terapeacuteutico subutilizado en la medicina en general Si durante los tratamientos psicoterapeacuteuticos se generan efectos psicofisioloacutegicos debido a la activacioacuten del sistema nervioso autoacutenomo y de los sistemas psiconeuro-inmunoloacutegico y endocrinoloacutegico como efectivamente parece ser el caso esto no tiene nada de ignominioso (Sampson 2001 retirado da web)

A diferenccedila talvez numa praacutetica dita cientiacutefica eacute que podemos estudar a importacircncia

os fatores envolvidos e o impacto do efeito placebo nos processos de cura Tal intento foi

efetivado por Wolberg (1988) o qual apontou alguns fatores envolvidos na melhora dos

pacientes em um processo terapecircutico De iniacutecio a ldquomelhorardquo do quadro apresentado

pelo paciente se deve segundo Wolberg agrave influecircncia do placebo agrave catarse emocional

ao relacionamento idealizado com o terapeuta agrave sugestatildeo e aos fatores de dinacircmica

grupal Todos estes fatores podem ser englobados no conjunto de fatores comuns ou

inespeciacuteficos presentes tambeacutem em quase todas as terapias em geral

Sampson (2001) aponta em relaccedilatildeo agrave discussatildeo de qual das abordagens seria a mais

eficaz que

Antes de precipitarnos a condenar o a reir deberiacuteamos preguntarnos si existe una pauta de evaluacioacuten que permita distinguir entre la paja - es el caso de decirlo - y el grano Las estadiacutesticas permiten de acuerdo con el criterio de la satisfaccioacuten del usuario afirmar que el mismo porcentaje de eacutexitos y de

335Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

fracasos puede ser atribuido a todas las formas de terapia actualmente en el mercado (Sampson 2001 retirado da web)

Trata-se segundo Sales (2009) da aplicaccedilatildeo do veredicto do paacutessaro Dodocirc em Alice

no Paiacutes das Maravilhas ldquoTodos ganharam e todos devem receber precircmiosrdquo Segundo

este autor estes resultados levaram a questionar o modo de realizaccedilatildeo destas pesquisas

pois de um lado ou a metodologia estava errada (e levava a pensar em equivalecircncias

inexistentes) ou o resultado era reflexo de fatores comuns agraves mudanccedilas terapecircuticas

Isto eacute os fatores inespeciacuteficos A hipoacutetese do problema metodoloacutegico foi o mais aceito

e desenvolvido Foi tentando ldquoconsertarrdquo esta falha metodoloacutegica que surgiram os tra-

tamentos com suporte empiacuterico ou seja que utilizavam manuais que detalhavam os

procedimentos terapecircuticos a serem utilizados

O uso de manuais detalhando os procedimentos terapecircuticos a serem adotados para garantir uma padronizaccedilatildeo miacutenima levantou e tem levantado muita polecircmica Argumenta-se que se cria uma distacircncia cada vez maior entre a pesquisa que repete modelos experimentais da realidade cliacutenica em si complexa e multifatorial ldquoA principal objeccedilatildeo levantada refere-se ao excesso de confianccedila na significacircncia estatiacutestica em detrimento da significacircncia cliacutenicardquo (Eneacuteas 2008 retirado da web)

Sales (2009) aponta que a preocupaccedilatildeo em investigar a eficaacutecia dos efeitos da psicote-

rapia levou a uma adoccedilatildeo do paradigma loacutegico-matemaacutetico da ciecircncia moderna com

ecircnfase no controle experimental e em dados quantitativos Os estudos tornaram-se ana-

loacutegicos pois reproduziam artificialmente a realidade cliacutenica Neste sentido abordagens

mais proacuteximas de um paradigma positivista poderiam ser mais bem avaliadas por se

ajustarem mais agraves metodologias (mais positivistas) utilizadas para avaliar a eficaacutecia

Estas criacuteticas trouxeram de volta ao centro das reflexotildees os estudos de caso uacutenico E

tambeacutem trouxeram agrave baila a discussatildeo entre os defensores de observaccedilotildees mais objeti-

vas e outros guiados mais pela teoria

Outro problema na discussatildeo sobre a especificidade e inespecificidade teacutecnica versus

eficaacutecia psicoterapecircutica diz respeito agrave inevitabilidade da utilizaccedilatildeo de estrateacutegias ainda

que de forma natildeo intencional tiacutepicas de outra abordagem (Cordiolli 2008) Como

por exemplo um psicanalista ao falar ldquohum humrdquo depois de um sonho relatado pelo

paciente pode estar depois de muito tempo em silecircncio na sessatildeo reforccedilando positi-

vamente o comportamento de relatar sonhos por parte do paciente Apesar de natildeo ser

336

um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no

processo de mudanccedila terapecircutica

Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o

ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo

divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz

respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a

praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos

cliacutenicos

Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo

da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-

cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia

Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo

hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos

delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a

abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado

da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-

ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos

atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das

(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do

terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso

da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do

terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela

Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os

tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como

o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Alinguagemquandodizereacutefazer

O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-

tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove

accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O

337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo

deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-

tos sobre a mesma

Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer

coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-

gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como

funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-

nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-

genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e

a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O

proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem

formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o

que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu

entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica

Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-

zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo

saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras

ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras

Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo

relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem

(Wittgenstein 1991)

Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala

justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele

os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio

e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo

de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada

entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais

ou menos definidos)

Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por

exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os

preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-

338

tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)

eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar

Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo

sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um

importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios

a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente

resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-

duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem

estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim

certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a

accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos

ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada

pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-

cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo

terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia

Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos

com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo

linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de

uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas

condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin

(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-

riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-

vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela

com caracteriacutesticas de cada um deles

339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas

Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos

Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da

proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo

Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo

ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar

condicionadordquo (diz um paciente ao

psicoterapeuta)

Compromissivostem o propoacutesito de comprometer

o falante a alguma linha de accedilatildeo futura

ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo

Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico

ldquoSinto muito pelo atrasordquo

Declaraccedilotildees

o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito

existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria

ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico

Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato

de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase

em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria

as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-

tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos

(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do

que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e

convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao

pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a

mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc

estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-

recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se

da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes

340

Psicoterapiaseousodalinguagem

Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas

das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao

comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca

a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia

simboacutelicardquo

O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)

O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a

importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais

importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras

um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud

1905)

() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)

A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar

uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar

de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a

partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas

(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols

2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-

sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)

e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor

341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-

missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja

possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-

sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-

ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste

sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila

Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)

Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as

partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto

Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas

tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato

de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-

damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um

contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja

possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos

atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica

Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)

Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-

ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar

dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-

lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal

mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais

a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins

(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos

para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-

342

conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento

psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-

dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era

colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos

que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala

assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)

Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-

sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas

Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta

dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-

ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios

de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de

base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental

(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve

observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-

riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-

ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia

(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes

1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-

ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira

fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso

autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se

repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados

numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui

e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um

discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo

mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em

estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica

(Aristegui e cols 2004)

Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-

munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos

de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de

falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador

343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo

Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual

era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-

namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo

incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande

parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo

a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim

trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade

do processo terapecircutico neste grupo

Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp

Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-

tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos

Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma

capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas

analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos

de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos

atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto

o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se

sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo

o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do

problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator

terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem

como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-

gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros

fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a

recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas

que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema

(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos

atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem

como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp

Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)

Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos

de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

abordagens

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

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333Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

cada abordagem por exemplo o manejo da transferecircncia na psicanaacutelise e a dessensibi-

lizaccedilatildeo sistemaacutetica na abordagem comportamental Jaacute os inespeciacuteficos abarcariam uma

seacuterie de fatores que apresentaremos a seguir

Cordioli e Giglio (2008) classificam os fatores inespeciacuteficos em 4 grandes grupos os

de natureza cognitiva os fatores comportamentais (aprendizagem) os fatores inerentes

agrave relaccedilatildeo terapecircutica (experiecircncia afetiva) e por uacuteltimo os fatores sociais grupais ou

sistecircmicos

Os fatores de natureza cognitiva dizem respeito agrave psicoeducaccedilatildeo agrave reestruturaccedilatildeo cog-

nitiva e agrave ocorrecircncia de insight Os fatores comportamentais referem-se ao processo

de aprendizagem impliacutecita em toda e qualquer terapia levando a mudanccedilas compor-

tamentais Os fatores inerentes agrave relaccedilatildeo terapecircutica apontam para a importacircncia do

viacutenculo afetivo (sendo este um importante preditor do sucesso terapecircutico) da alianccedila

de trabalho da identificaccedilatildeo com o terapeuta do apoio e da catarse E por uacuteltimo os

fatores sociais tangem agraves psicoterapias que incluem mais de um sujeito no setting va-

lorizando o contexto grupal como fator de mudanccedila

Nestes uacuteltimos principalmente nas terapias de grupo satildeo apontados onze fatores tera-

pecircuticos (Vinogradov S Cox PD amp Yalom DI 2003) Instilaccedilatildeo de esperanccedila (acre-

ditar que eacute possiacutevel superar os problemas) a universalidade do problema (perceber que

natildeo se eacute o uacutenico a ter estes problemas) compartilhamento de informaccedilotildees altruiacutesmo

(sentir-se ajudando aos demais) socializaccedilatildeo comportamento imitativo (pela observa-

ccedilatildeo do comportamento dos outros) catarse (ventilaccedilatildeo das emoccedilotildees) recapitulaccedilatildeo cor-

retiva (possibilidade de reverrecapitular no grupo comportamentos que apresenta com

seus familiares) fatores existenciais coesatildeo grupal e aprendizagem interpessoal

Segundo Frank (1982) os elementos comuns (inespeciacuteficos) a todas as psicoterapias

seriam estabelecimento e manutenccedilatildeo de uma relaccedilatildeo significativa confianccedila e espe-

ranccedila de aliviar o sofrimento obtenccedilatildeo de novas informaccedilotildees ativaccedilatildeo emocional de

certos fatos aumento da sensaccedilatildeo de domiacutenio e autoeficaacutecia

Para Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI

e Vergara PAM (2008) a literatura que discute os fatores inespeciacuteficos em psicote-

rapia os classificam ao redor de trecircs grandes eixos o paciente o terapeuta e a relaccedilatildeo

334

entre ambos Os fatores do paciente seriam variaacuteveis demograacuteficas (como por exemplo

gecircnero idade e niacutevel socioeconocircmico) diagnoacutestico cliacutenico tais como caracteriacutesticas de

personalidade tipo de transtorno e complexidade do sintoma crenccedila e expectativa de

melhora e disposiccedilatildeo pessoal As variaacuteveis do terapeuta seriam a atitude (acolhimento

aceitaccedilatildeo autenticidade congruecircncia) habilidades personalidade niacutevel de experiecircncia

e bem estar emocional As variaacuteveis da relaccedilatildeo satildeo apontadas como o aspecto mais

importante responsaacutevel por 45 do processo de mudanccedila Uma relaccedilatildeo terapecircutica de-

sejaacutevel deveria ser marcada pela confianccedila acolhimento e empatia O mesmo tem sido

apontado por Kleinman (1988)

A relaccedilatildeo paciente-terapeuta coloca em evidecircncia a necessidade da feacute do paciente no

terapeuta e o efeito placebo daiacute decorrente Como aponta Sampson (2001)

La psicoterapia es una manera de maximizar respuestas placebo un efecto no especiacutefico del tratamiento entonces tanto mejor que sea aprovechado un mecanismo terapeacuteutico subutilizado en la medicina en general Si durante los tratamientos psicoterapeacuteuticos se generan efectos psicofisioloacutegicos debido a la activacioacuten del sistema nervioso autoacutenomo y de los sistemas psiconeuro-inmunoloacutegico y endocrinoloacutegico como efectivamente parece ser el caso esto no tiene nada de ignominioso (Sampson 2001 retirado da web)

A diferenccedila talvez numa praacutetica dita cientiacutefica eacute que podemos estudar a importacircncia

os fatores envolvidos e o impacto do efeito placebo nos processos de cura Tal intento foi

efetivado por Wolberg (1988) o qual apontou alguns fatores envolvidos na melhora dos

pacientes em um processo terapecircutico De iniacutecio a ldquomelhorardquo do quadro apresentado

pelo paciente se deve segundo Wolberg agrave influecircncia do placebo agrave catarse emocional

ao relacionamento idealizado com o terapeuta agrave sugestatildeo e aos fatores de dinacircmica

grupal Todos estes fatores podem ser englobados no conjunto de fatores comuns ou

inespeciacuteficos presentes tambeacutem em quase todas as terapias em geral

Sampson (2001) aponta em relaccedilatildeo agrave discussatildeo de qual das abordagens seria a mais

eficaz que

Antes de precipitarnos a condenar o a reir deberiacuteamos preguntarnos si existe una pauta de evaluacioacuten que permita distinguir entre la paja - es el caso de decirlo - y el grano Las estadiacutesticas permiten de acuerdo con el criterio de la satisfaccioacuten del usuario afirmar que el mismo porcentaje de eacutexitos y de

335Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

fracasos puede ser atribuido a todas las formas de terapia actualmente en el mercado (Sampson 2001 retirado da web)

Trata-se segundo Sales (2009) da aplicaccedilatildeo do veredicto do paacutessaro Dodocirc em Alice

no Paiacutes das Maravilhas ldquoTodos ganharam e todos devem receber precircmiosrdquo Segundo

este autor estes resultados levaram a questionar o modo de realizaccedilatildeo destas pesquisas

pois de um lado ou a metodologia estava errada (e levava a pensar em equivalecircncias

inexistentes) ou o resultado era reflexo de fatores comuns agraves mudanccedilas terapecircuticas

Isto eacute os fatores inespeciacuteficos A hipoacutetese do problema metodoloacutegico foi o mais aceito

e desenvolvido Foi tentando ldquoconsertarrdquo esta falha metodoloacutegica que surgiram os tra-

tamentos com suporte empiacuterico ou seja que utilizavam manuais que detalhavam os

procedimentos terapecircuticos a serem utilizados

O uso de manuais detalhando os procedimentos terapecircuticos a serem adotados para garantir uma padronizaccedilatildeo miacutenima levantou e tem levantado muita polecircmica Argumenta-se que se cria uma distacircncia cada vez maior entre a pesquisa que repete modelos experimentais da realidade cliacutenica em si complexa e multifatorial ldquoA principal objeccedilatildeo levantada refere-se ao excesso de confianccedila na significacircncia estatiacutestica em detrimento da significacircncia cliacutenicardquo (Eneacuteas 2008 retirado da web)

Sales (2009) aponta que a preocupaccedilatildeo em investigar a eficaacutecia dos efeitos da psicote-

rapia levou a uma adoccedilatildeo do paradigma loacutegico-matemaacutetico da ciecircncia moderna com

ecircnfase no controle experimental e em dados quantitativos Os estudos tornaram-se ana-

loacutegicos pois reproduziam artificialmente a realidade cliacutenica Neste sentido abordagens

mais proacuteximas de um paradigma positivista poderiam ser mais bem avaliadas por se

ajustarem mais agraves metodologias (mais positivistas) utilizadas para avaliar a eficaacutecia

Estas criacuteticas trouxeram de volta ao centro das reflexotildees os estudos de caso uacutenico E

tambeacutem trouxeram agrave baila a discussatildeo entre os defensores de observaccedilotildees mais objeti-

vas e outros guiados mais pela teoria

Outro problema na discussatildeo sobre a especificidade e inespecificidade teacutecnica versus

eficaacutecia psicoterapecircutica diz respeito agrave inevitabilidade da utilizaccedilatildeo de estrateacutegias ainda

que de forma natildeo intencional tiacutepicas de outra abordagem (Cordiolli 2008) Como

por exemplo um psicanalista ao falar ldquohum humrdquo depois de um sonho relatado pelo

paciente pode estar depois de muito tempo em silecircncio na sessatildeo reforccedilando positi-

vamente o comportamento de relatar sonhos por parte do paciente Apesar de natildeo ser

336

um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no

processo de mudanccedila terapecircutica

Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o

ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo

divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz

respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a

praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos

cliacutenicos

Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo

da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-

cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia

Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo

hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos

delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a

abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado

da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-

ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos

atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das

(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do

terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso

da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do

terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela

Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os

tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como

o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Alinguagemquandodizereacutefazer

O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-

tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove

accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O

337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo

deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-

tos sobre a mesma

Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer

coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-

gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como

funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-

nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-

genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e

a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O

proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem

formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o

que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu

entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica

Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-

zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo

saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras

ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras

Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo

relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem

(Wittgenstein 1991)

Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala

justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele

os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio

e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo

de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada

entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais

ou menos definidos)

Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por

exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os

preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-

338

tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)

eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar

Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo

sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um

importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios

a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente

resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-

duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem

estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim

certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a

accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos

ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada

pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-

cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo

terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia

Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos

com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo

linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de

uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas

condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin

(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-

riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-

vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela

com caracteriacutesticas de cada um deles

339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas

Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos

Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da

proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo

Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo

ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar

condicionadordquo (diz um paciente ao

psicoterapeuta)

Compromissivostem o propoacutesito de comprometer

o falante a alguma linha de accedilatildeo futura

ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo

Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico

ldquoSinto muito pelo atrasordquo

Declaraccedilotildees

o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito

existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria

ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico

Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato

de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase

em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria

as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-

tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos

(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do

que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e

convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao

pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a

mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc

estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-

recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se

da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes

340

Psicoterapiaseousodalinguagem

Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas

das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao

comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca

a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia

simboacutelicardquo

O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)

O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a

importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais

importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras

um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud

1905)

() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)

A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar

uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar

de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a

partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas

(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols

2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-

sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)

e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor

341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-

missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja

possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-

sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-

ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste

sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila

Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)

Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as

partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto

Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas

tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato

de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-

damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um

contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja

possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos

atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica

Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)

Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-

ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar

dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-

lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal

mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais

a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins

(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos

para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-

342

conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento

psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-

dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era

colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos

que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala

assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)

Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-

sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas

Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta

dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-

ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios

de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de

base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental

(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve

observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-

riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-

ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia

(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes

1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-

ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira

fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso

autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se

repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados

numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui

e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um

discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo

mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em

estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica

(Aristegui e cols 2004)

Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-

munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos

de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de

falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador

343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo

Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual

era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-

namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo

incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande

parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo

a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim

trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade

do processo terapecircutico neste grupo

Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp

Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-

tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos

Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma

capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas

analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos

de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos

atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto

o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se

sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo

o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do

problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator

terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem

como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-

gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros

fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a

recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas

que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema

(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos

atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem

como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp

Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)

Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos

de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

abordagens

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

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334

entre ambos Os fatores do paciente seriam variaacuteveis demograacuteficas (como por exemplo

gecircnero idade e niacutevel socioeconocircmico) diagnoacutestico cliacutenico tais como caracteriacutesticas de

personalidade tipo de transtorno e complexidade do sintoma crenccedila e expectativa de

melhora e disposiccedilatildeo pessoal As variaacuteveis do terapeuta seriam a atitude (acolhimento

aceitaccedilatildeo autenticidade congruecircncia) habilidades personalidade niacutevel de experiecircncia

e bem estar emocional As variaacuteveis da relaccedilatildeo satildeo apontadas como o aspecto mais

importante responsaacutevel por 45 do processo de mudanccedila Uma relaccedilatildeo terapecircutica de-

sejaacutevel deveria ser marcada pela confianccedila acolhimento e empatia O mesmo tem sido

apontado por Kleinman (1988)

A relaccedilatildeo paciente-terapeuta coloca em evidecircncia a necessidade da feacute do paciente no

terapeuta e o efeito placebo daiacute decorrente Como aponta Sampson (2001)

La psicoterapia es una manera de maximizar respuestas placebo un efecto no especiacutefico del tratamiento entonces tanto mejor que sea aprovechado un mecanismo terapeacuteutico subutilizado en la medicina en general Si durante los tratamientos psicoterapeacuteuticos se generan efectos psicofisioloacutegicos debido a la activacioacuten del sistema nervioso autoacutenomo y de los sistemas psiconeuro-inmunoloacutegico y endocrinoloacutegico como efectivamente parece ser el caso esto no tiene nada de ignominioso (Sampson 2001 retirado da web)

A diferenccedila talvez numa praacutetica dita cientiacutefica eacute que podemos estudar a importacircncia

os fatores envolvidos e o impacto do efeito placebo nos processos de cura Tal intento foi

efetivado por Wolberg (1988) o qual apontou alguns fatores envolvidos na melhora dos

pacientes em um processo terapecircutico De iniacutecio a ldquomelhorardquo do quadro apresentado

pelo paciente se deve segundo Wolberg agrave influecircncia do placebo agrave catarse emocional

ao relacionamento idealizado com o terapeuta agrave sugestatildeo e aos fatores de dinacircmica

grupal Todos estes fatores podem ser englobados no conjunto de fatores comuns ou

inespeciacuteficos presentes tambeacutem em quase todas as terapias em geral

Sampson (2001) aponta em relaccedilatildeo agrave discussatildeo de qual das abordagens seria a mais

eficaz que

Antes de precipitarnos a condenar o a reir deberiacuteamos preguntarnos si existe una pauta de evaluacioacuten que permita distinguir entre la paja - es el caso de decirlo - y el grano Las estadiacutesticas permiten de acuerdo con el criterio de la satisfaccioacuten del usuario afirmar que el mismo porcentaje de eacutexitos y de

335Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

fracasos puede ser atribuido a todas las formas de terapia actualmente en el mercado (Sampson 2001 retirado da web)

Trata-se segundo Sales (2009) da aplicaccedilatildeo do veredicto do paacutessaro Dodocirc em Alice

no Paiacutes das Maravilhas ldquoTodos ganharam e todos devem receber precircmiosrdquo Segundo

este autor estes resultados levaram a questionar o modo de realizaccedilatildeo destas pesquisas

pois de um lado ou a metodologia estava errada (e levava a pensar em equivalecircncias

inexistentes) ou o resultado era reflexo de fatores comuns agraves mudanccedilas terapecircuticas

Isto eacute os fatores inespeciacuteficos A hipoacutetese do problema metodoloacutegico foi o mais aceito

e desenvolvido Foi tentando ldquoconsertarrdquo esta falha metodoloacutegica que surgiram os tra-

tamentos com suporte empiacuterico ou seja que utilizavam manuais que detalhavam os

procedimentos terapecircuticos a serem utilizados

O uso de manuais detalhando os procedimentos terapecircuticos a serem adotados para garantir uma padronizaccedilatildeo miacutenima levantou e tem levantado muita polecircmica Argumenta-se que se cria uma distacircncia cada vez maior entre a pesquisa que repete modelos experimentais da realidade cliacutenica em si complexa e multifatorial ldquoA principal objeccedilatildeo levantada refere-se ao excesso de confianccedila na significacircncia estatiacutestica em detrimento da significacircncia cliacutenicardquo (Eneacuteas 2008 retirado da web)

Sales (2009) aponta que a preocupaccedilatildeo em investigar a eficaacutecia dos efeitos da psicote-

rapia levou a uma adoccedilatildeo do paradigma loacutegico-matemaacutetico da ciecircncia moderna com

ecircnfase no controle experimental e em dados quantitativos Os estudos tornaram-se ana-

loacutegicos pois reproduziam artificialmente a realidade cliacutenica Neste sentido abordagens

mais proacuteximas de um paradigma positivista poderiam ser mais bem avaliadas por se

ajustarem mais agraves metodologias (mais positivistas) utilizadas para avaliar a eficaacutecia

Estas criacuteticas trouxeram de volta ao centro das reflexotildees os estudos de caso uacutenico E

tambeacutem trouxeram agrave baila a discussatildeo entre os defensores de observaccedilotildees mais objeti-

vas e outros guiados mais pela teoria

Outro problema na discussatildeo sobre a especificidade e inespecificidade teacutecnica versus

eficaacutecia psicoterapecircutica diz respeito agrave inevitabilidade da utilizaccedilatildeo de estrateacutegias ainda

que de forma natildeo intencional tiacutepicas de outra abordagem (Cordiolli 2008) Como

por exemplo um psicanalista ao falar ldquohum humrdquo depois de um sonho relatado pelo

paciente pode estar depois de muito tempo em silecircncio na sessatildeo reforccedilando positi-

vamente o comportamento de relatar sonhos por parte do paciente Apesar de natildeo ser

336

um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no

processo de mudanccedila terapecircutica

Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o

ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo

divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz

respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a

praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos

cliacutenicos

Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo

da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-

cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia

Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo

hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos

delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a

abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado

da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-

ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos

atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das

(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do

terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso

da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do

terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela

Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os

tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como

o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Alinguagemquandodizereacutefazer

O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-

tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove

accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O

337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo

deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-

tos sobre a mesma

Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer

coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-

gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como

funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-

nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-

genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e

a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O

proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem

formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o

que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu

entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica

Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-

zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo

saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras

ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras

Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo

relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem

(Wittgenstein 1991)

Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala

justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele

os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio

e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo

de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada

entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais

ou menos definidos)

Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por

exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os

preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-

338

tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)

eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar

Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo

sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um

importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios

a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente

resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-

duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem

estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim

certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a

accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos

ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada

pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-

cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo

terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia

Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos

com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo

linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de

uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas

condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin

(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-

riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-

vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela

com caracteriacutesticas de cada um deles

339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas

Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos

Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da

proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo

Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo

ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar

condicionadordquo (diz um paciente ao

psicoterapeuta)

Compromissivostem o propoacutesito de comprometer

o falante a alguma linha de accedilatildeo futura

ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo

Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico

ldquoSinto muito pelo atrasordquo

Declaraccedilotildees

o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito

existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria

ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico

Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato

de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase

em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria

as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-

tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos

(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do

que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e

convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao

pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a

mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc

estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-

recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se

da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes

340

Psicoterapiaseousodalinguagem

Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas

das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao

comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca

a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia

simboacutelicardquo

O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)

O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a

importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais

importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras

um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud

1905)

() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)

A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar

uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar

de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a

partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas

(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols

2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-

sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)

e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor

341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-

missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja

possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-

sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-

ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste

sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila

Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)

Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as

partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto

Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas

tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato

de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-

damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um

contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja

possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos

atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica

Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)

Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-

ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar

dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-

lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal

mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais

a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins

(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos

para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-

342

conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento

psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-

dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era

colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos

que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala

assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)

Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-

sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas

Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta

dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-

ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios

de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de

base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental

(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve

observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-

riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-

ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia

(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes

1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-

ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira

fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso

autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se

repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados

numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui

e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um

discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo

mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em

estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica

(Aristegui e cols 2004)

Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-

munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos

de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de

falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador

343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo

Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual

era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-

namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo

incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande

parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo

a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim

trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade

do processo terapecircutico neste grupo

Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp

Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-

tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos

Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma

capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas

analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos

de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos

atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto

o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se

sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo

o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do

problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator

terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem

como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-

gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros

fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a

recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas

que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema

(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos

atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem

como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp

Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)

Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos

de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

abordagens

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

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335Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

fracasos puede ser atribuido a todas las formas de terapia actualmente en el mercado (Sampson 2001 retirado da web)

Trata-se segundo Sales (2009) da aplicaccedilatildeo do veredicto do paacutessaro Dodocirc em Alice

no Paiacutes das Maravilhas ldquoTodos ganharam e todos devem receber precircmiosrdquo Segundo

este autor estes resultados levaram a questionar o modo de realizaccedilatildeo destas pesquisas

pois de um lado ou a metodologia estava errada (e levava a pensar em equivalecircncias

inexistentes) ou o resultado era reflexo de fatores comuns agraves mudanccedilas terapecircuticas

Isto eacute os fatores inespeciacuteficos A hipoacutetese do problema metodoloacutegico foi o mais aceito

e desenvolvido Foi tentando ldquoconsertarrdquo esta falha metodoloacutegica que surgiram os tra-

tamentos com suporte empiacuterico ou seja que utilizavam manuais que detalhavam os

procedimentos terapecircuticos a serem utilizados

O uso de manuais detalhando os procedimentos terapecircuticos a serem adotados para garantir uma padronizaccedilatildeo miacutenima levantou e tem levantado muita polecircmica Argumenta-se que se cria uma distacircncia cada vez maior entre a pesquisa que repete modelos experimentais da realidade cliacutenica em si complexa e multifatorial ldquoA principal objeccedilatildeo levantada refere-se ao excesso de confianccedila na significacircncia estatiacutestica em detrimento da significacircncia cliacutenicardquo (Eneacuteas 2008 retirado da web)

Sales (2009) aponta que a preocupaccedilatildeo em investigar a eficaacutecia dos efeitos da psicote-

rapia levou a uma adoccedilatildeo do paradigma loacutegico-matemaacutetico da ciecircncia moderna com

ecircnfase no controle experimental e em dados quantitativos Os estudos tornaram-se ana-

loacutegicos pois reproduziam artificialmente a realidade cliacutenica Neste sentido abordagens

mais proacuteximas de um paradigma positivista poderiam ser mais bem avaliadas por se

ajustarem mais agraves metodologias (mais positivistas) utilizadas para avaliar a eficaacutecia

Estas criacuteticas trouxeram de volta ao centro das reflexotildees os estudos de caso uacutenico E

tambeacutem trouxeram agrave baila a discussatildeo entre os defensores de observaccedilotildees mais objeti-

vas e outros guiados mais pela teoria

Outro problema na discussatildeo sobre a especificidade e inespecificidade teacutecnica versus

eficaacutecia psicoterapecircutica diz respeito agrave inevitabilidade da utilizaccedilatildeo de estrateacutegias ainda

que de forma natildeo intencional tiacutepicas de outra abordagem (Cordiolli 2008) Como

por exemplo um psicanalista ao falar ldquohum humrdquo depois de um sonho relatado pelo

paciente pode estar depois de muito tempo em silecircncio na sessatildeo reforccedilando positi-

vamente o comportamento de relatar sonhos por parte do paciente Apesar de natildeo ser

336

um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no

processo de mudanccedila terapecircutica

Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o

ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo

divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz

respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a

praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos

cliacutenicos

Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo

da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-

cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia

Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo

hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos

delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a

abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado

da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-

ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos

atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das

(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do

terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso

da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do

terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela

Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os

tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como

o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Alinguagemquandodizereacutefazer

O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-

tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove

accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O

337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo

deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-

tos sobre a mesma

Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer

coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-

gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como

funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-

nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-

genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e

a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O

proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem

formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o

que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu

entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica

Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-

zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo

saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras

ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras

Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo

relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem

(Wittgenstein 1991)

Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala

justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele

os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio

e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo

de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada

entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais

ou menos definidos)

Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por

exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os

preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-

338

tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)

eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar

Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo

sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um

importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios

a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente

resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-

duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem

estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim

certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a

accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos

ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada

pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-

cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo

terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia

Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos

com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo

linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de

uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas

condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin

(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-

riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-

vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela

com caracteriacutesticas de cada um deles

339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas

Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos

Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da

proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo

Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo

ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar

condicionadordquo (diz um paciente ao

psicoterapeuta)

Compromissivostem o propoacutesito de comprometer

o falante a alguma linha de accedilatildeo futura

ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo

Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico

ldquoSinto muito pelo atrasordquo

Declaraccedilotildees

o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito

existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria

ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico

Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato

de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase

em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria

as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-

tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos

(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do

que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e

convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao

pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a

mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc

estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-

recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se

da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes

340

Psicoterapiaseousodalinguagem

Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas

das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao

comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca

a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia

simboacutelicardquo

O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)

O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a

importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais

importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras

um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud

1905)

() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)

A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar

uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar

de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a

partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas

(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols

2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-

sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)

e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor

341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-

missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja

possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-

sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-

ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste

sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila

Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)

Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as

partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto

Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas

tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato

de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-

damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um

contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja

possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos

atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica

Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)

Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-

ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar

dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-

lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal

mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais

a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins

(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos

para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-

342

conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento

psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-

dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era

colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos

que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala

assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)

Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-

sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas

Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta

dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-

ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios

de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de

base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental

(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve

observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-

riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-

ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia

(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes

1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-

ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira

fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso

autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se

repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados

numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui

e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um

discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo

mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em

estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica

(Aristegui e cols 2004)

Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-

munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos

de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de

falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador

343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo

Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual

era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-

namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo

incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande

parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo

a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim

trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade

do processo terapecircutico neste grupo

Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp

Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-

tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos

Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma

capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas

analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos

de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos

atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto

o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se

sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo

o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do

problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator

terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem

como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-

gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros

fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a

recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas

que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema

(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos

atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem

como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp

Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)

Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos

de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

abordagens

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

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um uso intencional do reforccedilo ele pode ter ocorrido e obviamente ter participaccedilatildeo no

processo de mudanccedila terapecircutica

Krause (2011) sublinha a necessidade de aproximarmos neste sentido a ciecircncia e o

ofiacutecio da psicoterapia pois segundo ela persiste ainda no campo cliacutenico um profundo

divoacutercio entre a praacutetica e a investigaccedilatildeo Para ela a razatildeo para tamanho afastamento diz

respeito aos dados produzidos pela investigaccedilatildeo os quais natildeo satildeo capazes de nutrir a

praacutetica de forma sistemaacutetica o que acabaria por levar a um desinteresse por parte dos

cliacutenicos

Espada (2003) destaca que na atualidade as pesquisas tecircm se focado mais no processo

da psicoterapia na efetividade e na ocorrecircncia dos vaacuterios fatores especiacuteficosinespeciacutefi-

cos do que apenas nos resultados e na eficaacutecia

Levando em consideraccedilatildeo que os aspectos mais importantes na discussatildeo do campo

hoje satildeo de um lado a busca de evidecircncia cientiacutefica que ldquoesbarra nas limitaccedilotildees dos

delineamentos de pesquisa e nos modelos estatiacutesticos existentes que natildeo se prestam a

abranger a complexidade da interaccedilatildeo das variaacuteveis do campordquo (Eneacuteas 2007 retirado

da web) e de outro lado a necessidade de articulaccedilatildeo entre a pesquisa e a praacutetica cliacuteni-

ca o presente artigo tem como escopo apontar algumas contribuiccedilotildees que a teoria dos

atos de fala tem dado e poderia dar para a compreensatildeo do trabalho e da efetividade das

(psico)terapias em geral Trata-se de retornar natildeo aos pressupostos epistemoloacutegicos do

terapeuta mas de verificar o que realmente se passa numa sessatildeo no que tange ao uso

da linguagem e interpretar posteriormente estes usos agrave luz teoacuterica da abordagem do

terapeuta Ou seja a partir da contribuiccedilatildeo do estudo dos atos de fala promovidos pela

Filosofia da Linguagem Ordinaacuteria faz-se mister perguntar pelos seus usos isto eacute se os

tipos de atos de fala e suas incidecircncias satildeo semelhantes nas diversas abordagens e como

o uso se relaciona com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Alinguagemquandodizereacutefazer

O uso da palavra como um pharmakon era conhecido desde os gregos tendo sido apon-

tada jaacute por Platatildeo (sd) em A Repuacuteblica Isto eacute Platatildeo percebia que a palavra promove

accedilotildees na alma do ouvinte podendo agir tanto como remeacutedio quanto como veneno O

337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo

deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-

tos sobre a mesma

Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer

coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-

gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como

funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-

nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-

genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e

a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O

proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem

formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o

que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu

entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica

Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-

zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo

saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras

ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras

Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo

relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem

(Wittgenstein 1991)

Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala

justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele

os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio

e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo

de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada

entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais

ou menos definidos)

Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por

exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os

preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-

338

tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)

eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar

Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo

sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um

importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios

a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente

resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-

duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem

estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim

certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a

accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos

ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada

pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-

cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo

terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia

Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos

com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo

linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de

uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas

condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin

(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-

riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-

vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela

com caracteriacutesticas de cada um deles

339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas

Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos

Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da

proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo

Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo

ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar

condicionadordquo (diz um paciente ao

psicoterapeuta)

Compromissivostem o propoacutesito de comprometer

o falante a alguma linha de accedilatildeo futura

ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo

Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico

ldquoSinto muito pelo atrasordquo

Declaraccedilotildees

o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito

existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria

ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico

Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato

de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase

em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria

as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-

tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos

(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do

que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e

convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao

pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a

mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc

estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-

recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se

da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes

340

Psicoterapiaseousodalinguagem

Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas

das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao

comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca

a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia

simboacutelicardquo

O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)

O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a

importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais

importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras

um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud

1905)

() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)

A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar

uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar

de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a

partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas

(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols

2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-

sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)

e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor

341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-

missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja

possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-

sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-

ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste

sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila

Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)

Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as

partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto

Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas

tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato

de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-

damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um

contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja

possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos

atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica

Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)

Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-

ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar

dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-

lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal

mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais

a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins

(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos

para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-

342

conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento

psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-

dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era

colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos

que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala

assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)

Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-

sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas

Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta

dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-

ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios

de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de

base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental

(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve

observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-

riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-

ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia

(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes

1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-

ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira

fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso

autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se

repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados

numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui

e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um

discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo

mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em

estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica

(Aristegui e cols 2004)

Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-

munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos

de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de

falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador

343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo

Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual

era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-

namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo

incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande

parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo

a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim

trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade

do processo terapecircutico neste grupo

Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp

Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-

tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos

Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma

capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas

analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos

de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos

atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto

o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se

sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo

o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do

problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator

terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem

como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-

gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros

fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a

recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas

que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema

(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos

atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem

como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp

Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)

Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos

de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

abordagens

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

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337Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

filoacutesofo defendia a ideia de que a palavra deveria ser bem usada e que seu ldquobom usordquo

deveria levar em consideraccedilatildeo o conhecimento da alma do ouvinte e dos possiacuteveis efei-

tos sobre a mesma

Apesar da ideia platocircnica retomada na Retoacuterica de Aristoacuteteles de que podemos fazer

coisas com as palavras vingou no Ocidente a compreensatildeo representativa da lingua-

gem isto eacute a ideia de que a linguagem servia como espelho da natureza tendo como

funccedilatildeo representar o mundo (Rorty 1994) Esta compreensatildeo da linguagem eacute denomi-

nada de enfoque semacircntico e teve como aacutepice o Tractatus Logico-Philosophicus de Witt-

genstein (1994) Nesta obra o filoacutesofo apresentou a noccedilatildeo de figuraccedilatildeo da proposiccedilatildeo e

a afirmaccedilatildeo de seu sentido como sendo anterior aos valores de verdade e de falsidade O

proacuteprio filoacutesofo se deparou no entanto com os limites de sua busca de uma linguagem

formal quando lidou com o problema das cores (Wittgenstein 1995) Ocorreu aqui o

que em filosofia eacute comumente denominado de ldquolinguistic turnrdquo Wittgenstein escreveu

entatildeo as Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) obra cuja ecircnfase eacute denominada de pragmaacutetica

Uma das grandes contribuiccedilotildees das Investigaccedilotildees Filosoacuteficas (1991) foi apontar que fa-

zemos vaacuterias coisas com a linguagem aleacutem de representar o mundo Para o filoacutesofo

saber como se joga um jogo de linguagem eacute ter interiorizado um conjunto de regras

ou seja falar uma liacutengua seria adotar uma forma de comportamento regida por regras

Para ele os jogos de linguagem seriam em nuacutemero infinito e natildeo haveria sentido fixo

relacionado agraves palavras pois a significaccedilatildeo de uma palavra seria seu uso na linguagem

(Wittgenstein 1991)

Austin (1990) seguidor das ideias de Wittgenstein propocircs a teoria dos atos de fala

justamente para nomear o uso da linguagem pelo qual realizamos coisas Segundo ele

os atos de fala satildeo constituiacutedos por 3 elementos o ato locucionaacuterio o ato ilocucionaacuterio

e o ato perlocucionaacuterio O ato locucionaacuterio seria composto pelo ato foneacutetico (produccedilatildeo

de ruiacutedos) ato faacutetico (proferimento de certos vocaacutebulos ou palavras numa determinada

entonaccedilatildeo) e ato reacutetico (ato de utilizar tais vocaacutebulos com certo sentido e referecircncia mais

ou menos definidos)

Jaacute o ilocucionaacuterio seria o proferimento da locuccedilatildeo que ao ser dita realiza um ato Por

exemplo o proferimento de ldquovocecircs estatildeo casadosrdquo feita por um padre e preenchidos os

preacute-requisitos para a felicidade desse ato (que os noivos natildeo sejam jaacute casados com ou-

338

tras pessoas que o padre natildeo seja um farsante simulando ser um padre dentre outros)

eacute a realizaccedilatildeo do proacuteprio ato de casar

Quanto aos perlocucionaacuterios Austin nos diz que poderiacuteamos traduzi-los ainda que natildeo

sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um

importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios

a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente

resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-

duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem

estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim

certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a

accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos

ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada

pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-

cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo

terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia

Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos

com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo

linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de

uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas

condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin

(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-

riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-

vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela

com caracteriacutesticas de cada um deles

339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas

Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos

Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da

proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo

Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo

ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar

condicionadordquo (diz um paciente ao

psicoterapeuta)

Compromissivostem o propoacutesito de comprometer

o falante a alguma linha de accedilatildeo futura

ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo

Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico

ldquoSinto muito pelo atrasordquo

Declaraccedilotildees

o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito

existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria

ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico

Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato

de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase

em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria

as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-

tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos

(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do

que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e

convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao

pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a

mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc

estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-

recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se

da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes

340

Psicoterapiaseousodalinguagem

Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas

das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao

comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca

a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia

simboacutelicardquo

O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)

O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a

importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais

importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras

um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud

1905)

() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)

A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar

uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar

de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a

partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas

(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols

2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-

sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)

e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor

341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-

missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja

possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-

sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-

ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste

sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila

Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)

Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as

partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto

Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas

tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato

de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-

damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um

contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja

possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos

atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica

Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)

Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-

ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar

dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-

lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal

mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais

a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins

(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos

para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-

342

conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento

psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-

dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era

colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos

que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala

assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)

Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-

sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas

Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta

dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-

ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios

de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de

base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental

(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve

observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-

riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-

ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia

(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes

1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-

ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira

fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso

autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se

repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados

numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui

e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um

discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo

mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em

estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica

(Aristegui e cols 2004)

Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-

munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos

de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de

falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador

343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo

Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual

era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-

namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo

incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande

parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo

a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim

trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade

do processo terapecircutico neste grupo

Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp

Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-

tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos

Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma

capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas

analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos

de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos

atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto

o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se

sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo

o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do

problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator

terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem

como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-

gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros

fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a

recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas

que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema

(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos

atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem

como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp

Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)

Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos

de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

abordagens

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

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sem algum problema pela frase ldquopor dizer algo fez tal coisardquo Austin aponta como um

importante elemento diferenciador entre os atos ilocucionaacuterios e os perlocucionaacuterios

a convencionalidade Para ele ldquoos efeitos consequentes das perlocuccedilotildees satildeo realmente

resultados que natildeo incluem efeitos convencionaisrdquo (Austin 1991 p 90) ou seja ldquopro-

duzimos porque dizemos algordquo (Austin 1991 p95) Jaacute os atos ilocucionaacuterios ldquopodem

estar ligados a convenccedilotildeesrdquo (Austin 1991 p 93) Os atos ilocucionaacuterios possuem assim

certa forccedila convencional Esta distinccedilatildeo visa segundo o proacuteprio Austin separar bem a

accedilatildeo que fazemos (no caso uma ilocuccedilatildeo) de sua consequecircncia Neste sentido os atos

ilocucionaacuterios se ligariam a efeitos diferentemente da produccedilatildeo de efeitos efetuada

pelos perlocucionaacuterios Como tratado em outro artigo (Zanello 2010) os atos perlo-

cucionaacuterios satildeo extremamente importantes sobretudo para a configuraccedilatildeo da relaccedilatildeo

terapecircutica ou em um vieacutes psicanaliacutetico para a transferecircncia

Searle (1984) seguiu os passos de Wittgenstein e Austin para pensar o que fazemos

com a linguagem ao pronunciarmos certas proposiccedilotildees Para ele toda comunicaccedilatildeo

linguumliacutestica envolve atos linguumliacutesticos sendo sua unidade miacutenima natildeo a ocorrecircncia de

uma mensagem mas a produccedilatildeo ou emissatildeo de uma ocorrecircncia de frase sob certas

condiccedilotildees isto eacute os atos de fala (Searle 1984) Retomando Wittgenstein via Austin

(1991) Searle tentou sistematizar os tipos de jogos de linguagem que para ele natildeo se-

riam infinitos mas de cinco tipos Os atos de fala se classificariam em compromissi-

vos assertivos declarativos diretivos e expressivos Apresentamos abaixo uma tabela

com caracteriacutesticas de cada um deles

339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas

Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos

Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da

proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo

Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo

ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar

condicionadordquo (diz um paciente ao

psicoterapeuta)

Compromissivostem o propoacutesito de comprometer

o falante a alguma linha de accedilatildeo futura

ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo

Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico

ldquoSinto muito pelo atrasordquo

Declaraccedilotildees

o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito

existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria

ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico

Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato

de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase

em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria

as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-

tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos

(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do

que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e

convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao

pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a

mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc

estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-

recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se

da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes

340

Psicoterapiaseousodalinguagem

Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas

das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao

comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca

a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia

simboacutelicardquo

O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)

O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a

importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais

importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras

um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud

1905)

() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)

A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar

uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar

de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a

partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas

(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols

2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-

sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)

e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor

341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-

missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja

possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-

sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-

ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste

sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila

Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)

Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as

partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto

Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas

tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato

de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-

damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um

contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja

possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos

atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica

Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)

Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-

ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar

dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-

lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal

mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais

a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins

(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos

para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-

342

conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento

psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-

dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era

colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos

que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala

assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)

Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-

sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas

Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta

dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-

ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios

de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de

base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental

(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve

observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-

riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-

ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia

(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes

1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-

ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira

fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso

autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se

repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados

numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui

e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um

discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo

mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em

estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica

(Aristegui e cols 2004)

Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-

munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos

de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de

falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador

343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo

Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual

era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-

namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo

incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande

parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo

a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim

trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade

do processo terapecircutico neste grupo

Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp

Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-

tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos

Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma

capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas

analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos

de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos

atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto

o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se

sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo

o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do

problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator

terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem

como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-

gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros

fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a

recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas

que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema

(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos

atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem

como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp

Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)

Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos

de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

abordagens

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

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339Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Tabela 1 - Os Atos de Fala de Searle (1995) e Suas Caracteriacutesticas

Atos de fala caracteriacutesticas Exemplos

Assertivostem o propoacutesito de comprometer o falante com o fato de algo ser verdadeiro com a verdade da

proposiccedilatildeo expressa pode ser verdadeiro ou falsoldquo(Afirmo que) vocecirc eacute capazrdquo

Diretivos tentativas (em graus variados) de levar o ouvinte a fazer algo

ldquoPor favor abaixe a temperatura do ar

condicionadordquo (diz um paciente ao

psicoterapeuta)

Compromissivostem o propoacutesito de comprometer

o falante a alguma linha de accedilatildeo futura

ldquoPrometo dizer tudo o que vier agrave minha cabeccedilardquo

Expressivos tem o propoacutesito de expressar um estado psicoloacutegico

ldquoSinto muito pelo atrasordquo

Declaraccedilotildees

o estado de coisas representado na proposiccedilatildeo eacute realizado ou feito

existir pelo dispositivo indicador de forccedila ilocucionaacuteria

ldquoA sessatildeo estaacute abertardquo diz um mediador de grupo terapecircutico

Searle (1995) natildeo descartou completamente uma semacircntica pois segundo ele o ato

de fala executado na enunciaccedilatildeo de uma frase seria a funccedilatildeo do significado da frase

em questatildeo Isto eacute natildeo haveria dois estudos semacircnticos distintos um que estudaria

as significaccedilotildees das frases e outro que estudaria as execuccedilotildees dos atos de fala mas an-

tes haveria um uacutenico domiacutenio que deveria estudar os atos de fala nestes dois aspectos

(Searle 1984) Neste sentido para Searle o que queremos dizer depende em parte do

que eacute dito havendo uma relaccedilatildeo profunda entre os aspectos intencionais do falante e

convencionais da liacutengua A Forccedila Ilocucionaacuteria (F) diz acerca do que o falante faz ao

pronunciar certa proposiccedilatildeo (p) Deste modo podemos fazer coisas diferentes com a

mesma proposiccedilatildeo dependendo da forccedila ilocucionaacuteria Por exemplo posso dizer ldquoVocecirc

estaacute aborrecidordquo (asserccedilatildeo pois eu afirmo que vocecirc estaacute aborrecido) ou ldquoVocecirc estaacute abor-

recidordquo (diretivo onde coloco o interlocutor em uma posiccedilatildeo de me responder) Trata-se

da mesma proposiccedilatildeo com forccedilas ilocucionaacuterias diferentes

340

Psicoterapiaseousodalinguagem

Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas

das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao

comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca

a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia

simboacutelicardquo

O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)

O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a

importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais

importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras

um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud

1905)

() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)

A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar

uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar

de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a

partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas

(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols

2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-

sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)

e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor

341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-

missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja

possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-

sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-

ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste

sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila

Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)

Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as

partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto

Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas

tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato

de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-

damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um

contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja

possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos

atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica

Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)

Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-

ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar

dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-

lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal

mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais

a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins

(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos

para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-

342

conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento

psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-

dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era

colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos

que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala

assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)

Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-

sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas

Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta

dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-

ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios

de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de

base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental

(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve

observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-

riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-

ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia

(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes

1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-

ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira

fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso

autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se

repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados

numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui

e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um

discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo

mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em

estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica

(Aristegui e cols 2004)

Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-

munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos

de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de

falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador

343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo

Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual

era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-

namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo

incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande

parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo

a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim

trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade

do processo terapecircutico neste grupo

Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp

Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-

tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos

Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma

capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas

analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos

de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos

atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto

o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se

sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo

o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do

problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator

terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem

como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-

gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros

fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a

recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas

que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema

(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos

atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem

como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp

Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)

Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos

de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

abordagens

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

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Psicoterapiaseousodalinguagem

Como vimos o uso terapecircutico da palavra foi apontado como fator essencial natildeo apenas

das psicoterapias mas das terapecircuticas em geral (etnoterapias) Leacutevi-strauss (1970) ao

comparar o que se passa em um processo analiacutetico e as praacuteticas xamaniacutesticas destaca

a importacircncia do processo de simbolizaccedilatildeo efetuado pela palavra Trata-se da ldquoeficaacutecia

simboacutelicardquo

O xamatilde oferece agrave sua doente uma linguagem na qual se podem exprimir imediatamente estados natildeo formulados de outro modo informulaacuteveis E eacute a passagem a esta expressatildeo verbal (que permite ao mesmo tempo viver sob uma forma ordenada e inteligiacutevel uma experiecircncia real mas sem isto anaacuterquica e inefaacutevel) que provoca o desbloqueio do processo fisioloacutegico isto eacute a reorganizaccedilatildeo num sentido favoraacutevel da sequecircncia cujo desenvolvimento a doente sofreu (Leacutevi-Strauss 1970 p228)

O pai da psicanaacutelise foi no campo psi um dos primeiros a formular com clareza a

importacircncia da palavra como praacutetica curativa Segundo ele as palavras seriam o mais

importante meio pelo qual um homem buscaria influenciar outro sendo as palavras

um bom meacutetodo de produzir mudanccedilas mentais na pessoa a quem satildeo dirigidas (Freud

1905)

() as palavras satildeo o instrumento essencial do tratamento mental Um leigo sem duacutevida acharaacute difiacutecil compreender de que forma os distuacuterbios patoloacutegicos do corpo e da mente podem ser eliminados por lsquomerasrsquo palavras Ele acharaacute que lhe estatildeo pedindo que acredite em maacutegica E natildeo estaraacute muito errado pois as palavras que usamos em nossa fala diaacuteria natildeo satildeo senatildeo uma maacutegica atenuada Mas teremos que seguir um desvio para explicar de que forma a ciecircncia se propotildee restituir agraves palavras pelo menos uma parte de seu antigo poder maacutegico (Freud 1905 p 306)

A partir da compreensatildeo da fala enquanto um fazer acreditamos ser possiacutevel realizar

uma leitura interpretativa do que ocorre em um setting (psico)terapecircutico no desenrolar

de uma ou vaacuterias sessotildees Ou seja eacute desde dentro que se procede a esta leitura e natildeo a

partir do que o cliacutenico ou paciente pensam que acontece Pesquisas tecircm sido realizadas

(Martins amp Zanello 2001 Miranda amp Martins 2004 Aristegui 2000 Aristegui amp cols

2004 Aristegui amp cols 2009 Montin amp Zanello 2008 Alfonso amp Zanello 2009 Ho-

sel amp Zanello 2009 Santos amp Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009 Zanello 2009)

e podem servir como exemplos esclarecedores do que este campo tem de promissor

341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-

missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja

possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-

sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-

ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste

sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila

Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)

Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as

partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto

Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas

tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato

de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-

damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um

contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja

possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos

atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica

Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)

Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-

ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar

dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-

lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal

mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais

a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins

(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos

para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-

342

conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento

psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-

dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era

colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos

que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala

assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)

Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-

sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas

Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta

dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-

ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios

de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de

base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental

(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve

observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-

riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-

ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia

(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes

1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-

ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira

fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso

autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se

repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados

numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui

e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um

discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo

mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em

estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica

(Aristegui e cols 2004)

Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-

munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos

de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de

falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador

343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo

Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual

era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-

namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo

incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande

parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo

a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim

trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade

do processo terapecircutico neste grupo

Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp

Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-

tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos

Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma

capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas

analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos

de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos

atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto

o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se

sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo

o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do

problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator

terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem

como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-

gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros

fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a

recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas

que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema

(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos

atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem

como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp

Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)

Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos

de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

abordagens

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Referecircncias

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341Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Martins e Zanello (2001) realizaram um estudo acerca do papel dos atos de fala compro-

missivos no iniacutecio de um processo psicanaliacutetico Segundo estes autores para que seja

possiacutevel o processo analiacutetico eacute necessaacuterio o comprometimento (atos de fala compromis-

sivos) por parte do paciente em relaccedilatildeo agrave regra fundamental da associaccedilatildeo livre ldquoProme-

ta-me com a mais absoluta sinceridade que vai associar livrementerdquo Prometer neste

sentido significa entrar no trabalho seguindo a regra de dizer tudo o que vem agrave cabeccedila

Fazemos um pacto um com o outro O ego enfermo nos promete a mais absoluta sinceridade isto eacute promete colocar agrave nossa disposiccedilatildeo que a sua autopercepccedilatildeo lhe fornece garantimos ao paciente a mais estrita discriccedilatildeo e colocamos a seu serviccedilo a nossa experiecircncia em interpretar material influenciado pelo inconsciente () Esse pacto constitui a situaccedilatildeo analiacutetica (Freud 1940[1938] p200)

Fazer um contrato implica assim em estabelecer uma convenccedilatildeo um acordo entre as

partes com atos compromissivos simultacircneos Os autores destacam assim o quanto

Freud eacute expliacutecito ao enfatizar a necessidade da fala para a ocorrecircncia da anaacutelise mas

tambeacutem a insuficiecircncia desta caso natildeo seja acompanhada da associaccedilatildeo livre O ato

de fala compromissivo (expliacutecito ou impliacutecito) por parte do paciente eacute um marco fun-

damental do iniacutecio do trabalho de anaacutelise apontando a existecircncia e submissatildeo a um

contrato estabelecido entre o analista e o paciente para que o processo de anaacutelise seja

possiacutevel Os autores deixam abertas outras possibilidades acerca do uso da teoria dos

atos de fala para estudar a cliacutenica psicanaliacutetica

Tanto o dinamismo como o trabalho nos parecem presentes na concepccedilatildeo de que a fala na psicanaacutelise consistem em atos que podem ser melhor estudados atraveacutes de uma teoria que forneccedila criteacuterios de anaacutelise e entendimento do funcionamento da situaccedilatildeo psicanaliacutetica tal como descreveu Freud (Martins amp Zanello 2001 p83)

Miranda e Martins (2004) investigaram uma dessas possibilidades Os autores realiza-

ram uma anaacutelise dos atos de fala presentes nos casos cliacutenicos de Freud no desenrolar

dos anos Sua anaacutelise levou os autores a apontar uma mudanccedila sistemaacutetica da preva-

lecircncia dos tipos de atos de fala utilizados por ele no decorrer de sua praacutetica cliacutenica Tal

mudanccedila deve ser compreendida em relaccedilatildeo direta agraves modificaccedilotildees teoacutericas pelas quais

a psicanaacutelise passou e sobretudo agraves mudanccedilas em relaccedilatildeo agrave teacutecnica Miranda e Martins

(2004) destacam neste sentido uma passagem da prevalecircncia de atos de fala diretivos

para os assertivos Tal modificaccedilatildeo da frequecircncia dos tipos de atos de fala deve-se ao re-

342

conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento

psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-

dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era

colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos

que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala

assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)

Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-

sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas

Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta

dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-

ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios

de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de

base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental

(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve

observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-

riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-

ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia

(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes

1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-

ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira

fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso

autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se

repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados

numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui

e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um

discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo

mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em

estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica

(Aristegui e cols 2004)

Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-

munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos

de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de

falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador

343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo

Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual

era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-

namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo

incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande

parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo

a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim

trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade

do processo terapecircutico neste grupo

Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp

Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-

tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos

Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma

capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas

analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos

de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos

atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto

o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se

sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo

o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do

problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator

terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem

como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-

gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros

fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a

recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas

que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema

(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos

atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem

como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp

Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)

Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos

de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

abordagens

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

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Eneacuteas MLE (2007) Pesquisas em psicoterapia seccedilotildees especiais de perioacutedico (1995

a 2005) Psicologia Teoria e Pesquisa Vol 23 No 3 pp333-340 Retirado em 8 de

abril de 2012 da base de dados SciELO

Espada AA (2003) Hacia donde va la psicoterapia Reflexiones sobre latildes tendecircncias

de evolucioacuten y los retos profesionales de la psicoterapia Revista Associacioacuten Espantildeola de

346

Neuropsiquiatria No 87 pp67-84 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados

SciELO

Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI amp

Vergara PAM(2008) Variables Inespeciacuteficas em Psicoterapia Terapia Psicoloacutegica v

26 No1 pp 89-98 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados SciELO

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Harvey M Parks (Orgs) Psychotherapy Research and Behavior Change Washington

APA

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293-316) Rio de Janeiro Imago

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151-222) Rio de Janeiro Imago

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Sociedade Brasileira de Psicologia Goiacircnia

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Colombiana de Psicologia v20 No1 pp89-98 Retirado em 8 de abril de 2012 da base

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Leacutevi-Strauss C(1970) A eficaacutecia simboacutelica Em Antropologia Estrutural (pp 215-236) Rio de

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linguagem no iniacutecio do tratamento psicanaliacutetico Pulsional Revista de Psicanaacutelise

XIII(140141) 81-97

Miranda F amp Martins F A(2004) Performatividade dos atos de fala no trabalho

cliacutenico de Freud Revista Psicologia Cliacutenica PUCRJ v 16 No 1 pp 25-42

347Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Montin R amp Zanello V (2008) Atos de fala e terapia comunitaacuteria na escola dos

diretivos ao auto-direcionamento In Anais da XXXVIII Reuniatildeo Anual da Sociedade

Brasileira de Psicologia Uberlacircndia

Peuker AC Habigzang LF Koller SH amp Araujo LB(2009) Avaliaccedilatildeo de

processo e resultado em psicoterapias uma revisatildeo Psicologia em estudo v 14 No 3

pp439-445 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados SciELO

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Rorty R(1994) A filosofia e o espelho da natureza Rio de Janeiro Relume Dumaraacute

Sales C (2009) Aspectos metodoloacutegicos de la investigacioacuten de la psicoterapia

Panorama histoacuterico Revista Asociacioacuten Espantildeola de Neuropsiquiatria v 29 n 2 pp

383-403 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados SciELO

Sampson A(2001) La psicoterapia como artefacto cultural Psychoterapy as a cultural

artifact Revista Colombiana de Psiquiatria v 30 n4 pp 359-368 Retirado em 8 de

abril de 2012 da base de dados SciELO

Santos MS Zanello V (2009) Soacute por hoje (prometo natildeo beber) atos de fala e

teacutecnica terapecircutica no AA In Anais da XXXIX Reuniatildeo Anual da Sociedade Brasileira de

Psicologia Goiacircnia

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Searle J(1995) Expressatildeo e Significado Estudo da teoria dos atos de fala Satildeo Paulo

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Soares L S B Zanello V (2009) A comida era uma anestesia e agora eu to

sentindo dor atos de fala e teacutecnica terapecircutica no grupo comedores compulsivos

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Vinogradov S Cox PD Yalom DI (2003) Group Therapy Em RE Hales amp

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348

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Cultural

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Wittgenstein L(1995) ldquoAlgumas Observaccedilotildees sobre Forma Loacutegicardquo Em Wittgenstein

Revista Manuscrito XVIII (2) 39-47

Wolberg L (1988) The Technique of Psychotherapy New York Grune amp Sttraton

Zanello V (2010) Filosofia da Linguagem e Psicanaacutelise Contribuiccedilotildees a partir dos

perlocucionaacuterios Em V Zanello C Carneiro amp N Mendes (Orgs) Fronteiras em

Psicanaacutelise (pp139-148) Guarapari Exlibris

342

conhecimento e agrave validaccedilatildeo da transferecircncia como pedra angular do proacuteprio tratamento

psicanaliacutetico Isto eacute se no iniacutecio Freud fazia perguntas ao paciente para fazer-lhe recor-

dar certas lembranccedilas ldquoesquecidasrdquo passou cada vez mais a ocupar o lugar onde era

colocado pela transferecircncia do paciente e a interpretar de forma assertiva os conteuacutedos

que aquele lhe trazia E mais ldquocriavardquo realidade a partir deste lugar usando atos de fala

assertivos como declarativos (Miranda e Martins 2004)

Aristegui e cols (2009) por sua vez utilizaram a teoria dos atos de fala para pesqui-

sar o processo de mudanccedila em psicoterapia baseado nos Indicadores de Mudanccedilas

Gerais comparando episoacutedios de mudanccedila com outros de estancamento A pergunta

dos autores eacute se havia algum padratildeo conversacional recorrente desde o ponto de vis-

ta da teoria dos atos de fala caracteriacutestico dos episoacutedios de mudanccedila e dos episoacutedios

de estancamento Foram escolhidos dois processos de psicoterapias completos um de

base psicodinacircmica (18 sessotildees) e outro mais breve de base cognitivo-comportamental

(6 sessotildees) Aleacutem da anaacutelise das transcriccedilotildees das sessotildees (e dos atos de fala) houve

observaccedilatildeo das mesmas com a presenccedila de pesquisadores experts e com larga expe-

riecircncia na cliacutenica As anaacutelises apontaram haver nos momentos de mudanccedila (signi-

ficativos) a adoccedilatildeo de uma estrutura linguumliacutestica performaacutetica e com auto-referecircncia

(auto-implicaccedilatildeo) por parte do paciente Isto eacute a presenccedila de trecircs passos importantes

1) uma fala do paciente 2) uma posiccedilatildeo de resposta do terapeuta 3) uma siacutentese do pa-

ciente como uma nova posiccedilatildeo do Eu ou uma resposta que voltava a recolocar a primeira

fala O episoacutedio de mudanccedila foi caracterizado como uma conversaccedilatildeo que leva ao uso

autorreferencial do discurso (autodialoacutegico) de maneira que o paciente se implica e se

repensa no que ele estaacute dizendo Trata-se de ldquopadrotildees linguiacutesticos ilocutivos orientados

numa direccedilatildeo performativa autorreferencial que articulam um diaacutelogo Eu-mim aqui

e agorardquo (retirado da web) Jaacute os episoacutedios de estancamento seriam marcados por um

discurso monoloacutegico sem levar a uma mudanccedila na relaccedilatildeo Eu-mim (do sujeito consigo

mesmo) As caracteriacutesticas dos episoacutedios de mudanccedila tambeacutem foram encontradas em

estudos anteriores na terapia gestaacuteltica (Aristegui 2000) e na terapia de base analiacutetica

(Aristegui e cols 2004)

Montin e Zanello (2008) fizeram um estudo longitudinal sobre atos de fala e terapia co-

munitaacuteria na escola o qual demonstrou haver mudanccedila na frequecircncia dos tipos de atos

de fala no decorrer do processo terapecircutico bem como da distribuiccedilatildeo percentual de

falas entre mediador e participantes Houve a diminuiccedilatildeo da participaccedilatildeo do mediador

343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo

Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual

era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-

namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo

incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande

parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo

a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim

trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade

do processo terapecircutico neste grupo

Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp

Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-

tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos

Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma

capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas

analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos

de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos

atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto

o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se

sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo

o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do

problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator

terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem

como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-

gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros

fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a

recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas

que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema

(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos

atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem

como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp

Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)

Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos

de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

abordagens

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Referecircncias

Alfonso L A Zanello V (2009) Soacute eu posso (mas natildeo posso sozinho) atos de fala

e teacutecnica terapecircutica no Narcoacuteticos Anocircnimos In Anais da XXXIX Reuniatildeo Anual da

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22 no 002 Sociedade Chilena de Psicologia Cliacutenica pp131-143

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Austin AL (1990) Quando dizer eacute fazer Palavras e accedilatildeo(Filho DMS Trad) Porto

Alegre Artes Meacutedicas Sul

Cordiolli AV(2008) As principais psicoterapias fundamentos teoacutericos teacutecnicas

indicaccedilotildees e contra-indicaccedilotildees In AV Cordioli e Cols (Orgs) Psicoterapias- Abordagens

Atuais Porto Alegre Artmed 2008 pp19-41

Cordiolli A V amp Giglio L (2008) Como atuam as psicoterapias os agentes de

mudanccedila e as principais estrateacutegias e intervenccedilotildees psicoteraacutepicas In AV Cordioli e

Cols (Orgs) Psicoterapias- Abordagens Atuais (pp42-57) Porto Alegre Artmed

Eneacuteas MLE (2008) Pesquisas em psicoterapia seccedilotildees especiais de perioacutedico (1981

a 1994) Psicologia Teoria e Pesquisa v 24 No 1 pp111-116 Retirado em 8 de abril de

2012 da base de dados SciELO

Eneacuteas MLE (2007) Pesquisas em psicoterapia seccedilotildees especiais de perioacutedico (1995

a 2005) Psicologia Teoria e Pesquisa Vol 23 No 3 pp333-340 Retirado em 8 de

abril de 2012 da base de dados SciELO

Espada AA (2003) Hacia donde va la psicoterapia Reflexiones sobre latildes tendecircncias

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Neuropsiquiatria No 87 pp67-84 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados

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151-222) Rio de Janeiro Imago

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Miranda F amp Martins F A(2004) Performatividade dos atos de fala no trabalho

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347Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Montin R amp Zanello V (2008) Atos de fala e terapia comunitaacuteria na escola dos

diretivos ao auto-direcionamento In Anais da XXXVIII Reuniatildeo Anual da Sociedade

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Peuker AC Habigzang LF Koller SH amp Araujo LB(2009) Avaliaccedilatildeo de

processo e resultado em psicoterapias uma revisatildeo Psicologia em estudo v 14 No 3

pp439-445 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados SciELO

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383-403 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados SciELO

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abril de 2012 da base de dados SciELO

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teacutecnica terapecircutica no AA In Anais da XXXIX Reuniatildeo Anual da Sociedade Brasileira de

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Martins Fontes

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sentindo dor atos de fala e teacutecnica terapecircutica no grupo comedores compulsivos

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Goiacircnia

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348

Wittgenstein L (1991) Investigaccedilotildees Filosoacuteficas Os Pensadores Satildeo Paulo Nova

Cultural

Wittgenstein L (1994) Tractatus Logico-Philosophicus Satildeo Paulo EdUSP

Wittgenstein L(1995) ldquoAlgumas Observaccedilotildees sobre Forma Loacutegicardquo Em Wittgenstein

Revista Manuscrito XVIII (2) 39-47

Wolberg L (1988) The Technique of Psychotherapy New York Grune amp Sttraton

Zanello V (2010) Filosofia da Linguagem e Psicanaacutelise Contribuiccedilotildees a partir dos

perlocucionaacuterios Em V Zanello C Carneiro amp N Mendes (Orgs) Fronteiras em

Psicanaacutelise (pp139-148) Guarapari Exlibris

343Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

(em nuacutemeros de atos de fala) e o crescimento da participaccedilatildeo dos integrantes do grupo

Aleacutem disso houve um aumento de atos de fala diretivos dentre os participantes o qual

era mais frequente no iniacutecio na fala do mediador Tal mudanccedila apontou para o funcio-

namento do grupo o qual nesta abordagem deve aprender a funcionar por si mesmo

incorporando certas habilidades que satildeo facilitadas no iniacutecio pelo mediador Grande

parte dos diretivos eram perguntas referidas a outro participantes no sentido de levaacute-lo

a explorar sua questatildeo a pensar alternativas ou a vecirc-la de outro ponto de vista e assim

trabalhar com seus proacuteprios recursos Esta mudanccedila parece apontar para a efetividade

do processo terapecircutico neste grupo

Alfonso amp Zanello (2009) Hosel amp Zanello (2009) Santos amp Zanello (2009) e Soares amp

Zanello (2009) realizaram um estudo sobre a frequecircnciatipos de atos de fala em qua-

tro grupos anocircnimos de auto-ajuda (Comedores Compulsivos Anocircnimos Narcoacuteticos

Anocircnimos Alcoacuteolicos Anocircnimos e Mulheres que Amam Demais Anocircnimas) em uma

capital brasileira Foram gravadas 4 reuniotildees de cada grupo e depois de transcritas

analisados todos os atos de fala que ocorreram (12250 no total) divididos entre atos

de fala do mediador e atos de fala dos participantes Ficou evidente o predomiacutenio dos

atos de fala assertivos tanto entre mediadores quanto entre participantes No entanto

o conteuacutedo proposicional mostrou-se bastante diferente entre mediadores tratava-se

sobretudo da afirmaccedilatildeo de certas regras sobre o funcionamento do grupo (por exemplo

o sigilo) enquanto entre participantes ocorreu a narraccedilatildeo da histoacuteria pessoal acerca do

problema-chave do grupo Tal dado apontou para a importacircncia da catarse como fator

terapecircutico inespeciacutefico fundamental no modo de funcionamento desses grupos bem

como da identificaccedilatildeo com a fala das outras pessoas (ao escutaacute-las narrando) confi-

gurando a denominada ldquoteacutecnica de espelhosrdquo Foram encontrados aleacutem disso outros

fatores inespeciacuteficos presentes tambeacutem nas psicoterapias grupais em geral a saber a

recapitulaccedilatildeo corretiva a instilaccedilatildeo de esperanccedila (ao ouvir a narrativa de outras pessoas

que superaram ou aprenderam a lidar com o problema) e a universalidade do problema

(ao perceber que natildeo se eacute o uacutenico a ter estas questotildees) Em suma a quantificaccedilatildeo dos

atos de fala forneceu indiacutecios do modo de funcionamento dos fatores inespeciacuteficos bem

como da teacutecnica adotada (Alfonso amp Zanello 2009 Hosel amp Zanello 2009 Santos amp

Zanello 2009 Soares amp Zanello 2009)

Apesar das pesquisas apresentadas partirem do mesmo cabedal teoacuterico (teoria dos atos

de fala) utilizaram-no em enfoques diferentes para refletir sobre o engajamento do

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

abordagens

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Referecircncias

Alfonso L A Zanello V (2009) Soacute eu posso (mas natildeo posso sozinho) atos de fala

e teacutecnica terapecircutica no Narcoacuteticos Anocircnimos In Anais da XXXIX Reuniatildeo Anual da

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Aristegui R (2000) Proyecto y performatividad em terapia guestaacuteltica Cinta de

Moebio no 7 Faculdade de Ciencias Sociales-Universidad de Chile

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22 no 002 Sociedade Chilena de Psicologia Cliacutenica pp131-143

Ariacutestegui R Gaete J Muntildeoz G Salazar J Krause M Vilches O Tomicic A amp

Ramiacuterez I (2009) Diaacutelogos y autorreferencia Procesos de cambio en psicoterapia

desde la perspectiva de los actos de habla Revista Latino Americana de Psicologia v 41

349-359 Retirado em 10 de fevereiro de maio de 2012 da base de dados SciELO

Aristoacuteteles (1999) Poeacutetica Os Pensadores Satildeo Paulo Abril

Austin AL (1990) Quando dizer eacute fazer Palavras e accedilatildeo(Filho DMS Trad) Porto

Alegre Artes Meacutedicas Sul

Cordiolli AV(2008) As principais psicoterapias fundamentos teoacutericos teacutecnicas

indicaccedilotildees e contra-indicaccedilotildees In AV Cordioli e Cols (Orgs) Psicoterapias- Abordagens

Atuais Porto Alegre Artmed 2008 pp19-41

Cordiolli A V amp Giglio L (2008) Como atuam as psicoterapias os agentes de

mudanccedila e as principais estrateacutegias e intervenccedilotildees psicoteraacutepicas In AV Cordioli e

Cols (Orgs) Psicoterapias- Abordagens Atuais (pp42-57) Porto Alegre Artmed

Eneacuteas MLE (2008) Pesquisas em psicoterapia seccedilotildees especiais de perioacutedico (1981

a 1994) Psicologia Teoria e Pesquisa v 24 No 1 pp111-116 Retirado em 8 de abril de

2012 da base de dados SciELO

Eneacuteas MLE (2007) Pesquisas em psicoterapia seccedilotildees especiais de perioacutedico (1995

a 2005) Psicologia Teoria e Pesquisa Vol 23 No 3 pp333-340 Retirado em 8 de

abril de 2012 da base de dados SciELO

Espada AA (2003) Hacia donde va la psicoterapia Reflexiones sobre latildes tendecircncias

de evolucioacuten y los retos profesionales de la psicoterapia Revista Associacioacuten Espantildeola de

346

Neuropsiquiatria No 87 pp67-84 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados

SciELO

Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI amp

Vergara PAM(2008) Variables Inespeciacuteficas em Psicoterapia Terapia Psicoloacutegica v

26 No1 pp 89-98 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados SciELO

Frank J (1982) Therapeutic Components Shared by all Psychotherapies Em J

Harvey M Parks (Orgs) Psychotherapy Research and Behavior Change Washington

APA

Freud S(1905) Tratamento psiacutequico (ou mental) Ediccedilotildees Standard Brasileira VII (pp

293-316) Rio de Janeiro Imago

Freud S (1940 [1938]) Esboccedilo de psicanaacutelise Ediccedilotildees Standard Brasileira XXIII (pp

151-222) Rio de Janeiro Imago

Houmlsel G Zanello V (2009) O tratamento se baseia em espelhos e natildeo em

conselhos atos de fala e teacutecnica terapecircutica In Anais da XXXIX Reuniatildeo Anual da

Sociedade Brasileira de Psicologia Goiacircnia

Kleinman A (1988) Rethinking Psychiatry New York The Free Press

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Colombiana de Psicologia v20 No1 pp89-98 Retirado em 8 de abril de 2012 da base

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linguagem no iniacutecio do tratamento psicanaliacutetico Pulsional Revista de Psicanaacutelise

XIII(140141) 81-97

Miranda F amp Martins F A(2004) Performatividade dos atos de fala no trabalho

cliacutenico de Freud Revista Psicologia Cliacutenica PUCRJ v 16 No 1 pp 25-42

347Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Montin R amp Zanello V (2008) Atos de fala e terapia comunitaacuteria na escola dos

diretivos ao auto-direcionamento In Anais da XXXVIII Reuniatildeo Anual da Sociedade

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Peuker AC Habigzang LF Koller SH amp Araujo LB(2009) Avaliaccedilatildeo de

processo e resultado em psicoterapias uma revisatildeo Psicologia em estudo v 14 No 3

pp439-445 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados SciELO

Platatildeo (1972) A Repuacuteblica (Pereira MHRTrad) Lisboa Portugal Fundaccedilatildeo

Calouste Gulbenkian

Rorty R(1994) A filosofia e o espelho da natureza Rio de Janeiro Relume Dumaraacute

Sales C (2009) Aspectos metodoloacutegicos de la investigacioacuten de la psicoterapia

Panorama histoacuterico Revista Asociacioacuten Espantildeola de Neuropsiquiatria v 29 n 2 pp

383-403 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados SciELO

Sampson A(2001) La psicoterapia como artefacto cultural Psychoterapy as a cultural

artifact Revista Colombiana de Psiquiatria v 30 n4 pp 359-368 Retirado em 8 de

abril de 2012 da base de dados SciELO

Santos MS Zanello V (2009) Soacute por hoje (prometo natildeo beber) atos de fala e

teacutecnica terapecircutica no AA In Anais da XXXIX Reuniatildeo Anual da Sociedade Brasileira de

Psicologia Goiacircnia

Searle J(1984) Os Actos de Fala Coimbra Almedina

Searle J(1995) Expressatildeo e Significado Estudo da teoria dos atos de fala Satildeo Paulo

Martins Fontes

Soares L S B Zanello V (2009) A comida era uma anestesia e agora eu to

sentindo dor atos de fala e teacutecnica terapecircutica no grupo comedores compulsivos

anocircnimos In Anais da XXXIX Reuniatildeo Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia

Goiacircnia

Vinogradov S Cox PD Yalom DI (2003) Group Therapy Em RE Hales amp

SC Yudofsky Textbook of Clinical Psychiatry (pp1333-1371) Washington American

Psychiatric Publishing

348

Wittgenstein L (1991) Investigaccedilotildees Filosoacuteficas Os Pensadores Satildeo Paulo Nova

Cultural

Wittgenstein L (1994) Tractatus Logico-Philosophicus Satildeo Paulo EdUSP

Wittgenstein L(1995) ldquoAlgumas Observaccedilotildees sobre Forma Loacutegicardquo Em Wittgenstein

Revista Manuscrito XVIII (2) 39-47

Wolberg L (1988) The Technique of Psychotherapy New York Grune amp Sttraton

Zanello V (2010) Filosofia da Linguagem e Psicanaacutelise Contribuiccedilotildees a partir dos

perlocucionaacuterios Em V Zanello C Carneiro amp N Mendes (Orgs) Fronteiras em

Psicanaacutelise (pp139-148) Guarapari Exlibris

344

paciente com seu proacuteprio tratamento para evidenciar a mudanccedila da prevalecircncia da

frequecircncia dos tipos de atos de fala na histoacuteria de uma abordagem teoacuterica e a relaccedilatildeo

com a mudanccedila da teacutecnica adotada para levantar os tipos de atos de fala implicados em

momentos de mudanccedila e de estancamento na psicoterapia em diferentes abordagens

para pesquisar a mudanccedila longitudinal dos atos de fala mais frequentes e sua distribui-

ccedilatildeo no decorrer de um processo (psico)teraacutepico e sua relaccedilatildeo com a efetividade para

mapear a frequecircncia dos tipos de atos de fala em grupos terapecircuticos de auto-ajuda e a

relaccedilatildeo da forccedila ilocucionaacuteria com o conteuacutedo proposicional relacionando-a aos fatores

inespeciacuteficos e agrave teacutecnica

Apesar da diversidade de possibilidades a utilizaccedilatildeo da teoria dos atos de fala ainda

eacute incipiente e parece estar longe de ter realizado sua contribuiccedilatildeo para uma melhor

compreensatildeo do que se faz com a fala no processo de (psico)terapia e suas muacuteltiplas

relaccedilotildees possiacuteveis com a teacutecnica com os fatores (in)especiacuteficos e com a efetividade

Conclusatildeo

Parece-nos evidente que o campo de conversaccedilatildeo aberto entre a filosofia da linguagem

ordinaacuteria e as (psico)terapias eacute bastante promissor Trata-se talvez de mais um instru-

mento que pode nos auxiliar a esclarecer o que ocorre de tatildeo maacutegico no uso das palavras

e na sua promoccedilatildeo do processo de cura nas (psico)terapias e sua possiacutevel relaccedilatildeo com a

teacutecnica com os fatores inespeciacuteficos e com a efetividade

Talvez sua contribuiccedilatildeo permita pensar cientificamente o ofiacutecio do cliacutenico partindo

da proacutepria praacutetica e natildeo como muitas vezes ocorre dos pressupostos epistemoloacutegicos

e das teacutecnicas supostamente utilizadas Seria interessante neste sentido a realizaccedilatildeo

de pesquisas que levassem em consideraccedilatildeo a anaacutelise dos atos de fala de atendimen-

tos (psico)teraacutepicos em diversas abordagens em estudos longitudinais e sua respectiva

comparaccedilatildeo

Em suma se a praacutetica eacute epistemologia em ato trata-se de qualificar natildeo apenas o que o

cliacutenico acredita que faz mas o que ele efetivamente faz Pensamos que a anaacutelise da fala

e de seus modos de uso constituem-se como uma boa alternativa para enriquecer ainda

mais a discussatildeo sobre a avaliaccedilatildeo do campo das (psico)terapias em suas mais diversas

abordagens

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Referecircncias

Alfonso L A Zanello V (2009) Soacute eu posso (mas natildeo posso sozinho) atos de fala

e teacutecnica terapecircutica no Narcoacuteticos Anocircnimos In Anais da XXXIX Reuniatildeo Anual da

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Aristegui R (2000) Proyecto y performatividad em terapia guestaacuteltica Cinta de

Moebio no 7 Faculdade de Ciencias Sociales-Universidad de Chile

Aristegui R Actos de habla em La conversacioacuten terapecircutica Terapia Psicoloacutegica vol

22 no 002 Sociedade Chilena de Psicologia Cliacutenica pp131-143

Ariacutestegui R Gaete J Muntildeoz G Salazar J Krause M Vilches O Tomicic A amp

Ramiacuterez I (2009) Diaacutelogos y autorreferencia Procesos de cambio en psicoterapia

desde la perspectiva de los actos de habla Revista Latino Americana de Psicologia v 41

349-359 Retirado em 10 de fevereiro de maio de 2012 da base de dados SciELO

Aristoacuteteles (1999) Poeacutetica Os Pensadores Satildeo Paulo Abril

Austin AL (1990) Quando dizer eacute fazer Palavras e accedilatildeo(Filho DMS Trad) Porto

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indicaccedilotildees e contra-indicaccedilotildees In AV Cordioli e Cols (Orgs) Psicoterapias- Abordagens

Atuais Porto Alegre Artmed 2008 pp19-41

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mudanccedila e as principais estrateacutegias e intervenccedilotildees psicoteraacutepicas In AV Cordioli e

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Eneacuteas MLE (2007) Pesquisas em psicoterapia seccedilotildees especiais de perioacutedico (1995

a 2005) Psicologia Teoria e Pesquisa Vol 23 No 3 pp333-340 Retirado em 8 de

abril de 2012 da base de dados SciELO

Espada AA (2003) Hacia donde va la psicoterapia Reflexiones sobre latildes tendecircncias

de evolucioacuten y los retos profesionales de la psicoterapia Revista Associacioacuten Espantildeola de

346

Neuropsiquiatria No 87 pp67-84 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados

SciELO

Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI amp

Vergara PAM(2008) Variables Inespeciacuteficas em Psicoterapia Terapia Psicoloacutegica v

26 No1 pp 89-98 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados SciELO

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293-316) Rio de Janeiro Imago

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151-222) Rio de Janeiro Imago

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conselhos atos de fala e teacutecnica terapecircutica In Anais da XXXIX Reuniatildeo Anual da

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linguagem no iniacutecio do tratamento psicanaliacutetico Pulsional Revista de Psicanaacutelise

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Miranda F amp Martins F A(2004) Performatividade dos atos de fala no trabalho

cliacutenico de Freud Revista Psicologia Cliacutenica PUCRJ v 16 No 1 pp 25-42

347Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Montin R amp Zanello V (2008) Atos de fala e terapia comunitaacuteria na escola dos

diretivos ao auto-direcionamento In Anais da XXXVIII Reuniatildeo Anual da Sociedade

Brasileira de Psicologia Uberlacircndia

Peuker AC Habigzang LF Koller SH amp Araujo LB(2009) Avaliaccedilatildeo de

processo e resultado em psicoterapias uma revisatildeo Psicologia em estudo v 14 No 3

pp439-445 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados SciELO

Platatildeo (1972) A Repuacuteblica (Pereira MHRTrad) Lisboa Portugal Fundaccedilatildeo

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Panorama histoacuterico Revista Asociacioacuten Espantildeola de Neuropsiquiatria v 29 n 2 pp

383-403 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados SciELO

Sampson A(2001) La psicoterapia como artefacto cultural Psychoterapy as a cultural

artifact Revista Colombiana de Psiquiatria v 30 n4 pp 359-368 Retirado em 8 de

abril de 2012 da base de dados SciELO

Santos MS Zanello V (2009) Soacute por hoje (prometo natildeo beber) atos de fala e

teacutecnica terapecircutica no AA In Anais da XXXIX Reuniatildeo Anual da Sociedade Brasileira de

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Searle J(1995) Expressatildeo e Significado Estudo da teoria dos atos de fala Satildeo Paulo

Martins Fontes

Soares L S B Zanello V (2009) A comida era uma anestesia e agora eu to

sentindo dor atos de fala e teacutecnica terapecircutica no grupo comedores compulsivos

anocircnimos In Anais da XXXIX Reuniatildeo Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia

Goiacircnia

Vinogradov S Cox PD Yalom DI (2003) Group Therapy Em RE Hales amp

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348

Wittgenstein L (1991) Investigaccedilotildees Filosoacuteficas Os Pensadores Satildeo Paulo Nova

Cultural

Wittgenstein L (1994) Tractatus Logico-Philosophicus Satildeo Paulo EdUSP

Wittgenstein L(1995) ldquoAlgumas Observaccedilotildees sobre Forma Loacutegicardquo Em Wittgenstein

Revista Manuscrito XVIII (2) 39-47

Wolberg L (1988) The Technique of Psychotherapy New York Grune amp Sttraton

Zanello V (2010) Filosofia da Linguagem e Psicanaacutelise Contribuiccedilotildees a partir dos

perlocucionaacuterios Em V Zanello C Carneiro amp N Mendes (Orgs) Fronteiras em

Psicanaacutelise (pp139-148) Guarapari Exlibris

345Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Referecircncias

Alfonso L A Zanello V (2009) Soacute eu posso (mas natildeo posso sozinho) atos de fala

e teacutecnica terapecircutica no Narcoacuteticos Anocircnimos In Anais da XXXIX Reuniatildeo Anual da

Sociedade Brasileira de Psicologia Goiacircnia

Aristegui R (2000) Proyecto y performatividad em terapia guestaacuteltica Cinta de

Moebio no 7 Faculdade de Ciencias Sociales-Universidad de Chile

Aristegui R Actos de habla em La conversacioacuten terapecircutica Terapia Psicoloacutegica vol

22 no 002 Sociedade Chilena de Psicologia Cliacutenica pp131-143

Ariacutestegui R Gaete J Muntildeoz G Salazar J Krause M Vilches O Tomicic A amp

Ramiacuterez I (2009) Diaacutelogos y autorreferencia Procesos de cambio en psicoterapia

desde la perspectiva de los actos de habla Revista Latino Americana de Psicologia v 41

349-359 Retirado em 10 de fevereiro de maio de 2012 da base de dados SciELO

Aristoacuteteles (1999) Poeacutetica Os Pensadores Satildeo Paulo Abril

Austin AL (1990) Quando dizer eacute fazer Palavras e accedilatildeo(Filho DMS Trad) Porto

Alegre Artes Meacutedicas Sul

Cordiolli AV(2008) As principais psicoterapias fundamentos teoacutericos teacutecnicas

indicaccedilotildees e contra-indicaccedilotildees In AV Cordioli e Cols (Orgs) Psicoterapias- Abordagens

Atuais Porto Alegre Artmed 2008 pp19-41

Cordiolli A V amp Giglio L (2008) Como atuam as psicoterapias os agentes de

mudanccedila e as principais estrateacutegias e intervenccedilotildees psicoteraacutepicas In AV Cordioli e

Cols (Orgs) Psicoterapias- Abordagens Atuais (pp42-57) Porto Alegre Artmed

Eneacuteas MLE (2008) Pesquisas em psicoterapia seccedilotildees especiais de perioacutedico (1981

a 1994) Psicologia Teoria e Pesquisa v 24 No 1 pp111-116 Retirado em 8 de abril de

2012 da base de dados SciELO

Eneacuteas MLE (2007) Pesquisas em psicoterapia seccedilotildees especiais de perioacutedico (1995

a 2005) Psicologia Teoria e Pesquisa Vol 23 No 3 pp333-340 Retirado em 8 de

abril de 2012 da base de dados SciELO

Espada AA (2003) Hacia donde va la psicoterapia Reflexiones sobre latildes tendecircncias

de evolucioacuten y los retos profesionales de la psicoterapia Revista Associacioacuten Espantildeola de

346

Neuropsiquiatria No 87 pp67-84 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados

SciELO

Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI amp

Vergara PAM(2008) Variables Inespeciacuteficas em Psicoterapia Terapia Psicoloacutegica v

26 No1 pp 89-98 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados SciELO

Frank J (1982) Therapeutic Components Shared by all Psychotherapies Em J

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293-316) Rio de Janeiro Imago

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151-222) Rio de Janeiro Imago

Houmlsel G Zanello V (2009) O tratamento se baseia em espelhos e natildeo em

conselhos atos de fala e teacutecnica terapecircutica In Anais da XXXIX Reuniatildeo Anual da

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Krause M (2011) La psicoterapia Ofiacutecio sin Ciencia y Ciencia sin Oficio Revista

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Janeiro Tempo Brasileiro

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XIII(140141) 81-97

Miranda F amp Martins F A(2004) Performatividade dos atos de fala no trabalho

cliacutenico de Freud Revista Psicologia Cliacutenica PUCRJ v 16 No 1 pp 25-42

347Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Montin R amp Zanello V (2008) Atos de fala e terapia comunitaacuteria na escola dos

diretivos ao auto-direcionamento In Anais da XXXVIII Reuniatildeo Anual da Sociedade

Brasileira de Psicologia Uberlacircndia

Peuker AC Habigzang LF Koller SH amp Araujo LB(2009) Avaliaccedilatildeo de

processo e resultado em psicoterapias uma revisatildeo Psicologia em estudo v 14 No 3

pp439-445 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados SciELO

Platatildeo (1972) A Repuacuteblica (Pereira MHRTrad) Lisboa Portugal Fundaccedilatildeo

Calouste Gulbenkian

Rorty R(1994) A filosofia e o espelho da natureza Rio de Janeiro Relume Dumaraacute

Sales C (2009) Aspectos metodoloacutegicos de la investigacioacuten de la psicoterapia

Panorama histoacuterico Revista Asociacioacuten Espantildeola de Neuropsiquiatria v 29 n 2 pp

383-403 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados SciELO

Sampson A(2001) La psicoterapia como artefacto cultural Psychoterapy as a cultural

artifact Revista Colombiana de Psiquiatria v 30 n4 pp 359-368 Retirado em 8 de

abril de 2012 da base de dados SciELO

Santos MS Zanello V (2009) Soacute por hoje (prometo natildeo beber) atos de fala e

teacutecnica terapecircutica no AA In Anais da XXXIX Reuniatildeo Anual da Sociedade Brasileira de

Psicologia Goiacircnia

Searle J(1984) Os Actos de Fala Coimbra Almedina

Searle J(1995) Expressatildeo e Significado Estudo da teoria dos atos de fala Satildeo Paulo

Martins Fontes

Soares L S B Zanello V (2009) A comida era uma anestesia e agora eu to

sentindo dor atos de fala e teacutecnica terapecircutica no grupo comedores compulsivos

anocircnimos In Anais da XXXIX Reuniatildeo Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia

Goiacircnia

Vinogradov S Cox PD Yalom DI (2003) Group Therapy Em RE Hales amp

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Psychiatric Publishing

348

Wittgenstein L (1991) Investigaccedilotildees Filosoacuteficas Os Pensadores Satildeo Paulo Nova

Cultural

Wittgenstein L (1994) Tractatus Logico-Philosophicus Satildeo Paulo EdUSP

Wittgenstein L(1995) ldquoAlgumas Observaccedilotildees sobre Forma Loacutegicardquo Em Wittgenstein

Revista Manuscrito XVIII (2) 39-47

Wolberg L (1988) The Technique of Psychotherapy New York Grune amp Sttraton

Zanello V (2010) Filosofia da Linguagem e Psicanaacutelise Contribuiccedilotildees a partir dos

perlocucionaacuterios Em V Zanello C Carneiro amp N Mendes (Orgs) Fronteiras em

Psicanaacutelise (pp139-148) Guarapari Exlibris

346

Neuropsiquiatria No 87 pp67-84 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados

SciELO

Fernaacutendez PMS Mella MFR Chenevard C L Garciacutea AEE Caacuteceres DEI amp

Vergara PAM(2008) Variables Inespeciacuteficas em Psicoterapia Terapia Psicoloacutegica v

26 No1 pp 89-98 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados SciELO

Frank J (1982) Therapeutic Components Shared by all Psychotherapies Em J

Harvey M Parks (Orgs) Psychotherapy Research and Behavior Change Washington

APA

Freud S(1905) Tratamento psiacutequico (ou mental) Ediccedilotildees Standard Brasileira VII (pp

293-316) Rio de Janeiro Imago

Freud S (1940 [1938]) Esboccedilo de psicanaacutelise Ediccedilotildees Standard Brasileira XXIII (pp

151-222) Rio de Janeiro Imago

Houmlsel G Zanello V (2009) O tratamento se baseia em espelhos e natildeo em

conselhos atos de fala e teacutecnica terapecircutica In Anais da XXXIX Reuniatildeo Anual da

Sociedade Brasileira de Psicologia Goiacircnia

Kleinman A (1988) Rethinking Psychiatry New York The Free Press

Krause M (2011) La psicoterapia Ofiacutecio sin Ciencia y Ciencia sin Oficio Revista

Colombiana de Psicologia v20 No1 pp89-98 Retirado em 8 de abril de 2012 da base

de dados SciELO

Laplantine F(2004) Antropologia da doenccedila Satildeo Paulo Martins Fontes

Leacutevi-Strauss C(1970) A eficaacutecia simboacutelica Em Antropologia Estrutural (pp 215-236) Rio de

Janeiro Tempo Brasileiro

Martins F(2003) Promessa e terapia Psicologia em Revista v 9 No13 pp 67-75

Martins F amp Zanello V(2000) Psicanaacutelise e promessa Acerca dos atos de

linguagem no iniacutecio do tratamento psicanaliacutetico Pulsional Revista de Psicanaacutelise

XIII(140141) 81-97

Miranda F amp Martins F A(2004) Performatividade dos atos de fala no trabalho

cliacutenico de Freud Revista Psicologia Cliacutenica PUCRJ v 16 No 1 pp 25-42

347Algumas contribuiccedilotildees da teoria dos atos de fala para a pesquisa e avaliaccedilatildeo das (psico)terapias

Montin R amp Zanello V (2008) Atos de fala e terapia comunitaacuteria na escola dos

diretivos ao auto-direcionamento In Anais da XXXVIII Reuniatildeo Anual da Sociedade

Brasileira de Psicologia Uberlacircndia

Peuker AC Habigzang LF Koller SH amp Araujo LB(2009) Avaliaccedilatildeo de

processo e resultado em psicoterapias uma revisatildeo Psicologia em estudo v 14 No 3

pp439-445 Retirado em 8 de abril de 2012 da base de dados SciELO

Platatildeo (1972) A Repuacuteblica (Pereira MHRTrad) Lisboa Portugal Fundaccedilatildeo

Calouste Gulbenkian

Rorty R(1994) A filosofia e o espelho da natureza Rio de Janeiro Relume Dumaraacute

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