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XI Salão de Iniciação Científica PUCRS, 09 a 12 de agosto de 2010 XI Salão de Iniciação Científica PUCRS Responsabilidade Civil Ambiental: uma análise crítica sobre o nexo de causalidade e seus limites em casos de pluralidade de agentes poluidores Natália Mallmann 1 , Orci Paulino Bretanha Teixeira 2 (orientador) 1 Estudante, Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, PUCRS, 2 Professor orientador, Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, PUCRS Resumo Em vista da problemática existente em relação ao meio ambiente, resultante dos riscos assumidos pelo progresso industrial e a visão utilitarista da sociedade quanto ao seu uso, cumulado com dificuldade da definição dos responsáveis pelos danos ao meio ambiente por meio das teorias da causalidade tradicionais, demonstra-se necessidade de um estudo mais aprofundado da responsabilidade civil, o qual além da sua função reparadora também passou a ter a função precaucionista, ultrapassando a concepção tradicional. Nessa nova configuração, com o intuito de garantir a proteção ao meio ambiente, sabendo-se que os danos causados por múltiplos poluidores nem sempre são identificados a tempo ou se o são, em virtude das ações que decorrem de mais de uma fonte, tornam o estabelecimento do nexo causal entre o fato e o dano muito difícil. Acerca disso, o presente trabalho pretende contribuir para o estudo do nexo de causalidade, como pressuposto da responsabilidade civil, no âmbito ambiental, com o objetivo de analisar, dentre as teorias da responsabilidade civil ambiental, a que melhor explica o nexo causal em relação à pluralidade de agentes responsáveis pela fomentação de um mesmo dano, assim como os limites da solidariedade que se impõem em relação aos que causaram esse dano. Para tanto, foi realizado um cotejo crítico em relação às teorias casuísticas e a sua aplicação em hipóteses de pluralidade de agentes poluidores e, dada a complexidade do estabelecimento do liame causal, os possíveis mecanismos capazes de solucionar essas questões, dos quais podemos destacar a presunção de nexo causal, a inversão do ônus da prova, ou ainda o desenvolvimento (e aplicação) de outros sistemas inéditos quanto ao elemento causal, como a teoria alternativa ou a teoria das probabilidades. Paralelamente, foi realizada uma análise crítica de decisões proferidas em diferentes tribunais do território nacional, para determinar como o ordenamento jurídico brasileiro se posiciona 2346

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XI Salão de

Iniciação Científica PUCRS

Responsabilidade Civil Ambiental: uma análise crítica sobre o

nexo de causalidade e seus limites em casos de pluralidade de

agentes poluidores

Natália Mallmann1, Orci Paulino Bretanha Teixeira2 (orientador)

1Estudante, Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, PUCRS,

2Professor orientador, Faculdade de

Ciências Jurídicas e Sociais, PUCRS

Resumo

Em vista da problemática existente em relação ao meio ambiente, resultante dos riscos

assumidos pelo progresso industrial e a visão utilitarista da sociedade quanto ao seu uso,

cumulado com dificuldade da definição dos responsáveis pelos danos ao meio ambiente por

meio das teorias da causalidade tradicionais, demonstra-se necessidade de um estudo mais

aprofundado da responsabilidade civil, o qual além da sua função reparadora também passou

a ter a função precaucionista, ultrapassando a concepção tradicional. Nessa nova

configuração, com o intuito de garantir a proteção ao meio ambiente, sabendo-se que os danos

causados por múltiplos poluidores nem sempre são identificados a tempo ou se o são, em

virtude das ações que decorrem de mais de uma fonte, tornam o estabelecimento do nexo

causal entre o fato e o dano muito difícil. Acerca disso, o presente trabalho pretende contribuir

para o estudo do nexo de causalidade, como pressuposto da responsabilidade civil, no âmbito

ambiental, com o objetivo de analisar, dentre as teorias da responsabilidade civil ambiental, a

que melhor explica o nexo causal em relação à pluralidade de agentes responsáveis pela

fomentação de um mesmo dano, assim como os limites da solidariedade que se impõem em

relação aos que causaram esse dano. Para tanto, foi realizado um cotejo crítico em relação às

teorias casuísticas e a sua aplicação em hipóteses de pluralidade de agentes poluidores e, dada

a complexidade do estabelecimento do liame causal, os possíveis mecanismos capazes de

solucionar essas questões, dos quais podemos destacar a presunção de nexo causal, a inversão

do ônus da prova, ou ainda o desenvolvimento (e aplicação) de outros sistemas inéditos

quanto ao elemento causal, como a teoria alternativa ou a teoria das probabilidades.

Paralelamente, foi realizada uma análise crítica de decisões proferidas em diferentes tribunais

do território nacional, para determinar como o ordenamento jurídico brasileiro se posiciona

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frente aos casos em que se configuram diversas fontes emissoras na produção de um dano ao

meio ambiente e o como o liame causal é estabelecido. Da análise dos casos concretos,

podemos concluir que o nexo causal, paulatinamente, está sendo atenuado, para cumprir seu

papel dentro da responsabilidade civil e proporcionar a reparação, suprimindo as necessidades

que a sociedade está inserida e que as teorias clássicas já não mais solucionam, protegendo

efetivamente o meio ambiente.

Introdução

A humanidade percorre um caminho incessante pela busca das causas dos

acontecimentos, sendo esta uma dúvida que paira em diferentes ciências. Exemplo disso é a

atração do físico Isaac Newton em descobrir a causa dos objetos lançados ao ar retornarem ao

solo, chegando ao que hoje se denomina de força da gravidade, ou ainda, antes de Newton, o

matemático e astrônomo Galileu Galilei, que observando a trajetória dos objetos quando

jogados para cima, afirmou que a Terra girava em torno do Sol. Esta busca pela explicação

das causas também se reflete no campo da ciência jurídica, onde a causalidade, frente as suas

implicações, merece especial atenção.

Os danos representam os resultados das condutas de pessoas físicas ou jurídicas em

desacordo com os preceitos consagrados no ordenamento jurídico. No entanto, o instituto da

responsabilidade civil clássico prevê que o dever de indenizar nascerá tão somente pelo

estabelecimento do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado danoso.

Portanto, para que haja a obrigação de indenizar, não basta que o agente tenha ferido o

Direito, tampouco que algo ou alguém tenha sofrido um dano, pois é preciso que se verifique

a relação de causalidade que ata a conduta do agente ou sua atividade ao dano.

É justamente o liame de causalidade, existente entre a conduta ou atividade e o dano,

que determinará a obrigação de indenizar, sendo este o mais delicado elemento da

responsabilidade civil e, por muitas vezes, o mais difícil de ser determinado. O desafio em

determinar o liame causal se torna ainda mais complicado quando relacionado aos danos

ambientais, onde essa determinação se mostra mais custosa às partes envolvidas,

principalmente quando relacionada aos casos onde há inúmeros agentes poluidores em

potencial.

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Este também é o posicionamento de Paulo Affonso Leme Machado (São Paulo,

2009) ao afirmar que “[...] quando é somente em um foco emissor não existe nenhuma

dificuldade jurídica. Quando houver pluralidade de autores do dano ecológico, estabelecer-se

o liame causal pode resultar mais difícil, mas não é tarefa impossível”.

O ordenamento jurídico brasileiro estabeleceu, relativamente à matéria ambiental,

que a responsabilidade civil pelo dano é objetiva, nos termos do artigo 14, § 1º, da Lei nº

6.938/81 e recepcionada pelo artigo 225, §§ 2º e 3º, da Constituição Federal, no entanto os

pressupostos da responsabilidade civil clássica permanecem inalterados: dano, conduta e nexo

de causalidade.

São duas as principais teorias que tem provocado debates fervorosos na doutrina

brasileira, sendo de um lado a teoria do risco integral, em que todo e qualquer risco deverá ser

incorporado do processo produtivo do empreendedor, e do outro, a teoria do risco criado,

segundo a qual há a definição tão-somente do que poderá ser periculoso e efetivamente gerar

situações lesivas com o intuito de responsabilização (STEIGLEDER, Porto Alegre, 2004).

Isso ocorre porque a aceitação de uma ou de outra teoria, entre as inúmeras existentes, será

refletida de forma direta na determinação do nexo de causalidade e, consequentemente, em

casos de pluralidade de agentes poluidores e de sua extensão solidária.

Annelise Monteiro Steigleder (Porto Alegre, 2004) entende que a admissão da teoria

do risco integral no Direito Brasileiro

[...] é justificada pelo âmbito de proteção outorgado pelo art. 225, caput, da

Constituição Federal de 1988, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

podendo-se vislumbrar a instituição de uma verdadeira obrigação de incolumidade

sobre os bens ambientais. Ademais, o §1º do art. 14 da Lei nº 6.938/81 faz incidir o

regime de responsabilização a qualquer atividade que gere dano ambiental, e não

somente às perigosas, como ocorre no art. 927, parágrafo único, do Código Civil.

A adoção da teoria do risco integral, no entanto, é conflituosa, uma vez que não são

admitidas excludentes de responsabilidade civil, o que por outro lado é possível na teoria do

risco criado, pelo qual a culpa exclusiva da vítima, fato de terceiros e força maior são

consideradas excludentes de causalidade, conduzindo ao rompimento do liame causal,

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resultando na constituição por si só as causas adequadas ao ato danoso (STEIGLEDER, Porto

Alegre, 2004).

Dessa forma, quando abordamos questões de excludentes de responsabilidade civil

em caráter ambiental estamos nos referindo a responsabilidade civil extracontratual em regra,

ou seja, daquela fundada em ato ilícito, isto é, contrário a legislação brasileira vigente, o que,

porém, não exclui casos de responsabilização civil contratual.

Na relação de causalidade haverá, assim, sempre a existência de um prejuízo para

fins de ligação entre a ocorrência do dano e a fonte poluidora (STEIGLEDER, Porto Alegre,

2004), tornando ainda mais difícil a responsabilização em casos de pluralidade de agentes

poluidores. A par disso, como afirma José de Aguiar Dias (Rio de Janeiro, 1997)

[...] a indivisibilidade do dano, portanto, pode aparecer como consequência da

dificuldade de fixar o montante do prejuízo atribuível a cada um, operando a fusão

dos dois danos num só e único prejuízo. Seria, na verdade, injurídico beneficiar os

autores do ato ilícito com a incerteza que só eles estão em condições de desfazer e

uma vez que não haja outra solução capaz de atender ao imperativo da reparação ao

lesado.

O nexo de causalidade suscita ainda outras controvérsias que estão longe de serem

pacificadas. Como por exemplo, como estabelecer o nexo de causalidade entre empresas

localizadas em um mesmo pólo industrial, que, em razão das atividades que desenvolvem,

poluíram o transcurso do rio que faz fronteira com as suas instalações? E, nesse sentido, quais

os limites para responsabilização solidária dessas empresas?

Com intuito de solucionar os percalços inerentes ao nexo de causalidade que

constitui pressuposto para responsabilização civil ambiental, a teoria do risco integral “supõe

que a mera existência do risco gerado pela atividade, intrínseco ou não a ela, deverá conduzir

à responsabilização” (STEIGLEDER, Porto Alegre, 2004), o que leva à teoria da conditio sine

qua non, a qual tem por objetivo atenuar o rigorismo do nexo causal, de modo que o liame

entre os riscos inerentes a determinada atividade e o dano seja baseado em juízos de

probabilidade (STEIGLEDER, Porto Alegre, 2004), o que poderá implicar em “mera conexão

entre atividade e dano [...] não se exigirá um nexo de causalidade adequada entre atividade e

dano” (STEIGLEDER, Porto Alegre, 2004).

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Branca Martins da Cruz (São Paulo, 1997) destaca, contudo, que

Desta (r)evolução nas teorias da causalidade, procurando adaptá-las às

necessidades probatórias desta nova realidade para o Direito que é o dano ambiental,

uma idéia, constantemente presente, afigura-se no dever ser posto em destaque: à

verdade substitui-se a verossimilhança; a certeza dá lugar à probabilidade. Não

abdicando embora da existência de um nexo causal entre a acção e o dano, o Direito

do Ambiente (leia-se a responsabilidade civil por danos ambientais) vem fundar este

elo em juízos de probabilidade séria, consubstaciados na experiência social

(normalidade e adequação) e apoiados no conhecimento científico, abandonando a

procura de uma causalidade certa e absoluta a que lhe e negado o acesso.

Mais uma vez, porém, salienta-se que em hipóteses de pluralidade de agentes

poluidores a determinação tão-somente da causa não se faz suficiente para responsabilização

civil ambiental, de modo que a própria identificação e a responsabilização solidária desses

agentes, sempre que demonstrado a contribuição concorrente entre os mesmos, é

imprescindível e prioritária.

Sabe-se, por fim, que o instituto da responsabilidade civil, infelizmente, ainda carece

de desenvolvimento pleno dentro de cada teoria da causalidade e, principalmente, no

concernente às hipóteses de pluralidade de agentes poluidores e a sua extensão, tendo por

objetivo este trabalho refletir de forma crítica sobre essas teorias casuísticas para o fim de

contribuir satisfatoriamente para a construção do Direito Ambiental no Brasil.

Metodologia

O método de abordagem teórica da pesquisa é dialético, sendo realizado um cotejo

crítico em relação às teorias casuísticas e a sua aplicação em hipóteses de pluralidade de

agentes poluidores. A par disso, foram verificaremos eventuais contradições existentes entre

as diferentes correntes doutrinárias sobre o nexo causal, as quais foram contrabalanceadas

para que fosse viável encontrar uma solução concreta dos parâmetros básicos necessários

construção efetiva do Direito Ambiental e da tutela ao meio ambiente.

Ademais, ainda foi utilizado o método dedutivo, partindo da premissa geral para a

aplicação das diferentes teorias e princípios aos casos concretos, analisando-se de que forma o

Direito estará proporcionando a melhor tutela do meio ambiente.

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Resultados

Um dos principais objetivos deste trabalho consiste em desvendar a teoria da

causalidade ou mecanismos jurídicos que melhor se adequam aos casos de pluralidade de

agentes poluidores, superando os limites apresentados em relação à problemática do nexo

causal. São inúmeras as soluções apresentadas por diferentes autores para esse fim, porém

aqui restringir-se-á aos entendimentos que melhor explicam essa relação entre nexo de

causalidade e pluralidade de agentes poluidores.

Nessa perspectiva, o nexo de causalidade, sendo pressuposto da responsabilidade

civil, está inserido em um complexo plano. Lucia Gomis Catalá (PAMPLONA, 1998) afirma

que em razão da complexidade em que os danos estão imersos a prova do estabelecimento do

nexo causal se torna difícil, o que por vezes conduz a ausência de reparação pela distância

(separação espacial existente entre a fonte e o dano ambiental ocasionado pela primeira), pela

multiplicidade de fontes (resultado de diferentes focos de emissão), pelo tempo (o fato do

dano não ser perceptível por um determinado período de tempo) e pela dúvida científica (os

conhecimentos científicos em matéria ambientais são incompletos, imprecisos e

contraditórios).

Todos os fatores suscitados pela autoria do dano tornam o nexo de causalidade

complexo, de modo que as teorias do risco integral e do risco criado, que se valem das teorias

clássicas da responsabilidade civil da equivalência de condições e da causalidade adequada, se

mostram ineficientes para solucionar a problemática ambiental, pois as mesmas se baseiam

em avaliação eminentimente fática, o que prejudica a prova do nexo causal (CARVALHO,

Rio de Janeiro, 2008).

Em virtude da complexidade que envolve a prova do nexo de causalidade, Antonio

Herman Benjamin (São Paulo, 1998) aponta algumas soluções, sendo a primeira declinada às

presunções de causalidade, segundo a qual, em regra, estamos em frente de uma atividade

perigosa e daí se presume, iuris tantum, o nexo. Esta é uma questão bem abordada pela autora

Lucia Gomis Catalá (Pamplona, 1998), classificando as presunções em refutables e

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irrefutables, sendo que a primeira está prevista no sistema jurídico alemão, em que a lei

estabelece a presunção iuris tantum que poderá ser excepcionada em determinados casos.

A Alemanha, em lei de 10 de dezembro de 1990, estabeleceu-se normas sobre

responsabilidade civil concernentes às atividades perigosas para o meio ambiente. Em seu

artigo 6o

e parágrafos presumem as hipóteses de nexo de causalidade e no artigo 7o

se

estabeleceu as hipóteses de exoneração da presunção (MACHADO, São Paulo, 2009). De

acordo com o entendimento de Paulo Affonso Leme Machado (São Paulo, 2009) o que

importa é perceber que a legislação alemã “dispensou, para a presunção de autoria ou

presunção de responsabilidade, que fosse estabelecido o liame de causalidade entre os atos

praticados pela instalação e o dano”.

Relativamente às presunções irrefutables, Lucia Gomis Catalá (Pamplona, 1998)

aponta um sistema que considera bem mais rígido, onde se torna quase impossível

descaracterizar a presunção de causalidade, referindo-se à Lei Francesa no

68-943/68, relativa

a responsabilidade civil no âmbito da energia nuclear, a qual estabeleceu que quando

determinadas circunstâncias causam danos à saúde dos cidadãos, em razão de acidente

nuclear, há a presunção de causalidade, a menos que se prove o contrário. Esta foi também a

solução, segundo a autora, encontrada pela legislação japonesa, que prevê que aquelas pessoas

que residam em determinado local e sofram de doenças resultantes da contaminação

atmosférica, estas têm o direito de pleitear o ressarcimento pelos danos sofridos, sem a

necessidade de prova do nexo causal, sendo a mesma presumida.

Outro exemplo que pode ser utilizado como paradigma são as presunções inseridas

no modelo americano, pelo qual há um alcance a todos aqueles considerados potencialmente

responsáveis pelo dano, mesmo que estranhos a este, gerando uma situação concreta de

rompimento com o nexo de causalidade, que implicará na presunção de causalidade

(CATALÁ, Pamplona, 1998).

Antonio Herman Benjamin (São Paulo, 1998), apresentando soluções para superar os

problemas relacionados ao nexo de causalidade, aponta a inversão do ônus da prova como

caminho em casos de multiplicidade de potenciais fontes de degradação. A inversão do ônus

da prova, semelhante ao que ocorre nas relações de consumo, sem dúvida também se torna

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uma opção viável, ainda mais se verificada a multiplicidade de potenciais fontes e a

hiposuficiência das vítimas (MILARÉ, São Paulo, 2005), o que não raro se verifica em casos

de danos ambientais, dada a difícil caracterização do fato gerador do dano ou mesmo a

pluralidade de agentes poluidores.

No que se refere ao nexo de causalidade e a inversão do ônus probatório, parte dos

doutrinadores portugueses da corrente do Professor Antunes Varela tem adotado a

denominada teoria das normas, segundo a qual a determinação do ônus da prova se dará de

acordo com a estrutura técnico-científica das normas aplicáveis e ao seu escalonamento

sistemático no caso concreto. Por essa teoria as presunções legais provocarão a inversão do

ônus da prova tão somente na esfera empírica da apreciação e valoração da prova (GOMES,

São Paulo, 1996).

A outra parte dos doutrinadores portugueses baseia-se na tese de normalidade/

anormalidade do fato concreto, onde há uma maior preocupação com o critério casuístico.

Essa teoria concebe uma flexibilização das regras de repartição do ônus da prova, de modo

que as presunções judiciais poderão levar à inversão casuística do próprio ônus da prova

(GOMES, São Paulo, 1996).

Com o mesmo escopo Édis Milaré (São Paulo, 2005) entende ser a inversão do ônus

da prova a melhor opção para resolução do problema em definir o nexo causal nos casos

concretos. Segundo o autor a inversão do ônus da prova transfere ao demandado “[...] a

necessidade de provar que este não tem nenhuma ligação com o dano, favorecendo, em última

análise, toda a coletividade, considerando que o bem ambiental pertence a todos”.

Outra opção para solucionar a problemática do nexo de causalidade seria o

desenvolvimento de outros sistemas inéditos em relação à causalidade, como a

responsabilidade civil alternativa (teoria da causalidade alternativa), pela qual é imputada a

responsabilidade pelo dano a todos, pelo fato de não se lograr determinar qual deles,

individualmente, produziu o dano, e a teoria da “parcela de mercado” (market share liability)

(BENJAMIN, São Paulo, 1998). Por meio de qualquer dessas teorias seria possível adotar

uma linha mais ampliada do nexo de causalidade e a sua aplicação no Direito brasileiro.

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Ou ainda, a teoria das probabilidades, desenvolvida na doutrina espanhola e para

quem as incertezas científicas não devem conduzir à incerteza jurídica. Esta teoria, em face da

tensionada dualidade entre os enfoques científico e jurídico, determina que a causalidade

deverá estar representada levando-se em conta un grado suficiente de probabilidad, expressa

em ocasiões de uma probabilidad próxima a la certeza, bastando estar caracterizada a alta

probabilidad (CATALÁ, Pamplona, 1998).

Essa teoria estabelece que o legitimado não estará obrigado a provar a relação de

causalidade e a exatidão científica, demonstrando a sensibilidade à que se expõe em relação à

complexidade e às incertezas. Bastará que o juiz esteja convicto da existência da

probabilidade determinante ou considerável para que o nexo de causalidade esteja

configurado (CATALÁ, Pamplona, 1998).

A partir dessa concepção estaria se substituindo a certeza pela probabilidade para

fins de atenuar o nexo de causalidade, já que as teorias clássicas não suprem as novas

necessidades da responsabilidade civil ambiental. José Rubens de Morato Leite e Délton

Winter de Carvalho (São Paulo, 2007) entendem que havendo a transferência da prova do

nexo causal ao degradador e a isso juntando um sistema de causalidade onde prevalece o

requisito de probabilidade, substituindo-se a certeza, tal como a teoria da causalidade

alternativa e outras, estaria-se renovando as normas tradicionais, visando à imputação do dano

ao meio ambiente.

Nem sempre é fácil determinar o nexo causal para identificar o responsável pela

causa do dano, não obstante havendo apenas um foco emissor tal tarefa se torna mais fácil. O

fato é que, como já afirmado, quando evidenciada a multiplicidade de fontes poluidoras, tal

tarefa torna-se quase impossível, o que justifica uma atenuação do relevo do nexo causal

(BENJAMIN, São Paulo, 1998) e justifica a substituição da certeza pela probabilidade.

A solidariedade dos agentes poluidores na responsabilidade civil

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O artigo 30, inciso IV, da Lei n

0 6.938/81, considera poluidor: “a pessoa física ou

jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente, por atividade

causadora de degradação ambiental”. Em outras palavras, o texto legal é claro ao

responsabilizar todos aqueles que contribuíram de qualquer forma para ocorrência do dano

ambiental.

Antonio Herman V. Benjamin (São Paulo, 1998) esclarece que o vocábulo poluidor

deve ser interpretado de forma ampla, devendo-se incluir aqueles que diretamente

contribuíram para o dano ambiental, citando como exemplo o fazendeiro, o industrial, o

madeireiro, o minerador, o especulador, bem como aqueles que concorrem de maneira

indireta, facilitando ou viabilizando a ocorrência do dano, neste caso estão incluídos os

bancos, o órgão público, o arquiteto, o incorporador, o corretor, o transportador, dentre outros.

Para explicar a responsabilidade indireta, por exemplo, das instituições financeiras,

Paulo Affonso Leme Machado (São Paulo, 2009) faz analogia a Lei no

8.974/95, que trata do

uso de técnicas de engenharia genética e da liberação, no meio ambiente, de organismos

geneticamente modificados, cujo texto legal prevê, expressamente, a co-responsabilidade dos

bancos em casos de financiamento dos projetos de biotecnologia. Naquela norma quem

financia tem a obrigação de analisar se o financiado está cumprindo com a legislação

ambiental, no momento do financiamento. O ilustre autor entende, por fim, que “o artigo 12,

da Lei no 6.938/81 estabelece a mesma obrigação de exigir-se a apresentação da licença”, de

modo que os órgãos financiadores se tornam co-responsáveis pelos eventuais danos

decorrentes da atividade produtiva.

De acordo com os ensinamentos de Lucia Gomis Catalá (Pamplona, 1998), tratando-

se de responsabilidade múltipla frente a um mesmo resultado lesivo, entende-se pela aplicação

do princípio da responsabilidad mancomunada, pelo qual o responsável somente será

responsabilizado pela parte do dano que pode lhe ser imputado de maneira concreta, ou pelo

princípio da responsabilidad solidária, cuja responsabilização atingirá qualquer dos co-

responsáveis de forma integral, isto é, responderá pela integralidade da reparação, não se

prejudicando qualquer direito de regresso em relação ao percentual de participação de cada

um dos responsáveis identificados.

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No Brasil, a jurisprudência tem se consolidado no sentido de que a responsabilidade

recaia solidariamente a qualquer daqueles que tenham de alguma forma contribuído para o

dano ambiental. Esse é o entendimento que se absorve do recente julgamento do REsp

1056540/GO, do Superior Tribunal de Justiça, ao decidir que a solidariedade, no caso

concreto, decorre da dicção dos artigos. 3º, incisos IV, e 14, § 1º, da Lei 6.398/1981, sendo

que “se é possível identificar o real causador do desastre ambiental, a ele cabe a

responsabilidade de reparar o dano, ainda que solidariamente com o atual proprietário do

imóvel danificado”.

Antonio Herman V. Benjamin (São Paulo, 1998) defende a aplicação subsidiária do

artigo 1518 [atual artigo 942], caput, do Código Civil, cujo teor é no sentido de configurar a

responsabilidade solidária pela reparação a todos que deram causa ao dano, isso porque

considera o fato danoso único e indivisível “consequência da impossibilidade de

fragmentação do dano”. A respeito do tema, Jorge Alex Nunes Athias (São Paulo, 1993)

afirma ser

[...] uma das maiores dificuldades que se pode ter em ações relativas ao meio

ambiente é exatamente determinar de quem partiu efetivamente a emissão que

provocou o dano ambiental, máxime quando isso ocorre em grandes complexos

industriais onde o número de empresas em atividade é elevado. Não seria razoável

que, por não se poder estabelecer com precisão a qual deles cabe a responsabilização

isolada, se permitisse que o meio ambiente restasse indene.

Outra solução encontrada para os casos de danos ocasionados por mais de uma

empresa no mesmo local é aquela adotada pelos Estados Unidos, pela qual se admite a

responsabilização de acordo com a parcela de mercado de cada empresa em relação à

potencialidade em produzir o dano, denominada market share liability (STEIGLEDER, Porto

Alegre, 2004). Esta teoria, essencialmente, como já exposto, flexibiliza o nexo de causalidade

a padrões extremados, pois não sendo possível identificar o responsável pelo evento danoso,

todas as empresas daquele seguimento são responsabilizadas. Admite-se também a

responsabilização, no âmbito das áreas contaminadas, pelo custo total de limpeza de forma

coletiva ou individual (STEIGLEDER, Porto Alegre, 2004).

No Brasil, porém, não há previsão legal para aplicação da teoria do market share

liability (STEIGLEDER, Porto Alegre, 2004), o que de certa maneira limita os aplicadores do

direito à teoria do risco integral, acolhida pelo nosso ordenamento jurídico e segundo a qual a

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mera existência da atividade potencialmente perigosa enseja na presunção de causalidade,

para fins de inverter-se o ônus da prova.

Com intuito de sanar os problemas relacionados com a relação de causalidade no

sistema jurídico brasileiro, quando depara-se com situações de dano em um determinado

distrito industrial, onde todas as empresas ali localizadas poderiam concorrer para o dano

ambiental, por serem fontes geradoras de riscos, há a possibilidade de conjugar as teorias do

risco integral com a causalidade alternativa, para fins de responsabilizar os causadores do

dano tão somente pela prova da existência do dano e dos fatores de risco (STEIGLEDER,

Porto Alegre, 2004).

Não obstante esta seja uma solução razoável, a jurisprudência brasileira não vem se

inclinando para essa seara. O Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao julgar

ação civil pública no

596046029 (1998), em que se pretendia a condenação dos curtumes a

reposição da situação pretérita à instalação dos equipamentos anti-poluição, face a poluição

secular do curso d’água do Arroio Pampa, no município de Novo Hamburgo, entendeu ser

impossível atribuir a responsabilidade pela poluição exclusivamente às rés. Concluíram os

julgadores da época que seria impossível isolar o quadro de poluição generalizada e

responsabilizar todas as empresas da região pela poluição de curso d’água, decorrente de

resíduos industriais e domésticos, os quais por muito tempo já preponderavam na região, sob

o argumento de que se assim o fizesse também teria que se condenar todos os outros

habitantes do município que contribuíram para deterioração das condições naturais, pela

justificativa de responsabilidade civil objetiva.

Os limites da aplicação da solidariedade entre os agentes poluidores

Sabe-se que a solidariedade é o caminho que deve ser seguido para viabilizar a

responsabilização em casos de pluralidade de agentes poluidores. Cabe, porém, indagar qual é

o limite para responsabilização objetiva dos agentes poluidores, levando em consideração as

dificuldades relativas ao estabelecimento do nexo de causalidade já abordadas deste trabalho,

que ora se relembra: indeterminação da fonte poluidora, substâncias imperceptíveis que levam

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um período de tempo para serem relacionadas ao dano, fazendo com que haja uma emersão na

incerteza sobre onde e como a eventual exposição se deu, ou ainda pela identificação do

modus operandi da causa do dano pela conduta do agente.

Considera-se que quanto aos limites para aplicação, a solidariedade entre os agentes

poluidores pode ser subdivida em duas, sendo a primeira linear entre aqueles agentes que

estão de alguma forma vinculados as atividades produtivas direita e indireta, como previsto no

artigo 3o, inciso IV, da Lei n

o 6.938/81, e a segunda sobre aqueles que de forma escalonada se

vinculam aos danos ambientais. Questiona-se: além do alargamento da responsabilidade

solidária, incluindo no rol de poluidores os agentes indiretos pelos danos (instituições

financeiras, órgãos públicos, incorporadores, etc.), seria ainda possível incluir os fornecedores

de materiais para que se chegasse a um produto final comercializável, o que pode ser o

resultado de um processo industrial de alto risco?

Sabe-se que, no que se refere à solidariedade linear, isto é, aquela estabelecida por

meio da ação ou omissão do agente direto/indireto para a ocorrência do dano, esta é possível e

já faz parte da prática jurídica, tanto em relação aos órgãos públicos, observadas as suas

peculiaridades, quanto em relação aos demais exemplos já citados para o evento danoso.

Justificando esta afirmação, pode-se observar que o próprio entendimento do

Superior Tribunal de Justiça em relação à solidariedade de agentes poluidores diretos e

indiretos, é de que tanto poluidores direitos como indiretos são responsáveis pelos eventuais

danos ambientais advindos do seu processo produtivo. Assim veja-se a seguinte ementa:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE.

LEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE ESTATAL. RESPONSABILIDADE

OBJETIVA. RESPONSÁVEL DIRETO E INDIRETO. SOLIDARIEDADE.

LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. ART. 267, IV DO CPC.

PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356 DO STF.

1. Ao compulsar os autos verifica-se que o Tribunal a quo não emitiu

juízo de valor à luz do art. 267 IV do Código de Ritos, e o recorrente sequer aviou

embargos de declaração com o fim de prequestioná-lo. Tal circunstância atrai a

aplicação das Súmulas nº 282 e 356 do STF.

2. O art. 23, inc. VI da Constituição da República fixa a competência

comum para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que se refere à

proteção do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas. No

mesmo texto, o art. 225, caput, prevê o direito de todos a um meio ambiente

ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

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3. O Estado recorrente tem o dever de preservar e fiscalizar a preservação

do meio ambiente. Na hipótese, o Estado, no seu dever de fiscalização, deveria ter

requerido o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório, bem como a

realização de audiências públicas acerca do tema, ou até mesmo a paralisação da

obra que causou o dano ambiental.

4. O repasse das verbas pelo Estado do Paraná ao Município de Foz de

Iguaçu (ação), a ausência das cautelas fiscalizatórias no que se refere às licenças

concedidas e as que deveriam ter sido confeccionadas pelo ente estatal (omissão),

concorreram para a produção do dano ambiental. Tais circunstâncias, pois, são aptas

a caracterizar o nexo de causalidade do evento, e assim, legitimar a

responsabilização objetiva do recorrente.

5. Assim, independentemente da existência de culpa, o poluidor, ainda

que indireto (Estado-recorrente) (art. 3º da Lei nº 6.938/81), é obrigado a indenizar e

reparar o dano causado ao meio ambiente (responsabilidade objetiva).

6. Fixada a legitimidade passiva do ente recorrente, eis que

preenchidos os requisitos para a configuração da responsabilidade civil (ação

ou omissão, nexo de causalidade e dano), ressalta-se, também, que tal

responsabilidade (objetiva) é solidária, o que legitima a inclusão das três esferas

de poder no pólo passivo na demanda, conforme realizado pelo Ministério

Público (litisconsórcio facultativo).

7. Recurso especial conhecido em parte e improvido.

(STJ, REsp 604725 / PR, Relator Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/06/2005, DJe 22/08/2005, p. 202)

Relativamente àqueles que de forma escalonada se vinculam à ocorrência do dano,

ou seja, daqueles que fornecedores do processo produtivo de determinado produto, não se

encontra na doutrina brasileira um estudo sobre o referido aspecto em relação ao dano

ambiental. Sabe-se, no entanto, que houve uma ampliação às hipóteses de responsabilidade

solidária (SCHREIBER, São Paulo, 2009). A responsabilidade civil do modelo individualista

previa que a reparação do dano era o resultado da relação estabelecida pela vítima e o ofensor,

sendo que a solidariedade passiva com caráter indenizatório se limitava aos casos de

cumplicidade para na produção do dano ou por responsabilidade por fato alheio, não se

podendo dar interpretação extensiva a essas hipóteses, em razão do axioma de que a

solidariedade não se presume (SCHREIBER, São Paulo, 2009).

Aos poucos, porém, esta restrição foi se rompendo, como por exemplo, com a

construção da teoria da causalidade alternativa, em que potenciais causadores do dano, na

impossibilidade de identificação do causador específico do dano, podem ser responsabilizados

solidariamente perante os danos ao meio ambiente (SCHREIBER, São Paulo, 2009). Embora

esta renovação das hipóteses de solidariedade tenha ajudado a solucionar alguns casos

considerados insolucionáveis, Anderson Schreiber (São Paulo, 2009) alerta que a

responsabilidade solidária passou a ter uma abrangência verdadeiramente assustadora aos

olhos da doutrina que se vinculam aos paradigmas individualistas.

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Tal circunstância advém da responsabilidade solidária instituída pelo Código de

Defesa do Consumidor, no artigo 3o, que define o fornecedor de produtos e serviços para, em

seguida, determinar, no artigo 12, a responsabilidade solidária entre uma variedade de

fornecedores. De acordo com os ensinamentos de Anderson Schreiber (São Paulo, 2009),

ainda que o código consumerista tenha previsão para possibilidade de ações de regresso

contra os demais responsáveis, em virtude da “dificuldade de determinação do percentual de

participação causal de cada um dos fornecedores excluem, na prática, a reunificação do custo

da reparação sobre um único responsável”.

Ou seja, a reparação toma nova forma, transferindo a responsabilidade individual

para a responsabilidade coletiva, resultando conforme afirma Anderson Schreiber (São Paulo,

2009) “[...] na maior parte dos casos, por todo o grupo de agentes potencialmente lesivos”.

Em matéria ambiental, assim, não se pode excluir totalmente a possibilidade de

responsabilidade solidária escalonada entre aqueles que forneceram materiais para fabricação

e aqueles que fabricam o produto.

O autor Anderson Schreiber (São Paulo, 2009), por fim, sabiamente afirma que

[...] parece bastante evidente que, ao difundir o ônus da reparação – e, em última

análise, do próprio dano – sobre mais de uma pessoa, a responsabilidade solidária

transcende as amarras individualistas da dogmática tradicional da responsabilidade

civil e se soma a outros instrumentos mais recentes que, em paralelo às técnicas de

responsabilização, vão ganhando espaço, na cultura jurídica contemporânea, como

forma de administração dos danos injustos. Nesse sentido, merecem particular

atenção as técnicas de prevenção e precaução dos danos.

Nessa perspectiva, em matéria ambiental, a solidariedade insere a responsabilidade

civil uma refuncionalização, conferindo-a uma função preventiva. Délton Winter de Carvalho

(Rio de Janeiro, 2008) afirma que tal alteração se concretiza com a objetivação da

responsabilidade civil, prevista no artigo 14, da Lei no

6.938/81, bem como ao

reconhecimento constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito

fundamental “com ênfase preservacionista que tem função preventiva da responsabilidade

civil [...]”.

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Annelise Monteiro Steigleder (Porto Alegre, 2004), a respeito da matéria, afirma que

também é por meio dos princípios da precaução e da prevenção que a responsabilidade civil

se refuncionaliza a) ampliando o conceito de dano, incluindo danos futuros e prováveis,

acabando com a ideia de danos certos e atuais; e b) alterando o modus operandi que

ocasionou a ocorrência do dano, o que resulta de uma avaliação sobre a sustentabilidade da

atividade poluidora.

Concluindo, a solidariedade proporciona um viés importante para atenuação do

relevo do nexo causal, pois basta que a atividade do agente poluidor seja potencialmente

degradante para que sua aplicação seja consolidada, se tornando possível a responsabilização

daqueles agentes poluidores que concorreram para que o dano se realizasse (BENJAMIN, São

Paulo, 1998).

Conclusão

O nexo de causalidade é um tema que nos trás mais dúvidas que incertezas, o que

concomitantemente nos motiva a estudar esse elemento que é essencial à responsabilidade

civil e que deverá conviver com as questões relativas ao meio ambiente de forma a garantir

efetivamente a sua principal função: a de reparação.

O nexo de causalidade é elemento indispensável, fazendo parte junto com o dano e

das atividades de risco dos pressupostos da responsabilidade civil. No entanto, levando-se em

consideração de que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é protegido pelo

Constituição Federal, e que muitas vezes, em razão da dificuldade em determinar o

responsável pelo dano ao meio ambiente, o nexo de causalidade foi atenuado, com vistas a

garantir a funcionabilidade da responsabilidade civil, por meio reparação. Logo, em algumas

situações não é mais necessária a prova cabal absoluta da relação de causalidade.

No Brasil, das teorias da causalidade examinadas, tendo em vista que o dano ao meio

ambiente é de responsabilidade objetiva, nos termos do art. 14, § 1º, da Lei de Política do

Meio Ambiente e recepcionada pelo art. 225, §§ 2º e 3º, da Constituiçao Federal, a teoria do

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risco integral, fundada na teoria de equivalência de condições, é a mais adotada pela doutrina

e jurisprudência.

Não obstante ao direcionamento dado pela doutrina e pela jurisprudência,

considerando que as teorias clássicas não mais suprimem as necessidades impostas pela

sociedade, a fim de superar os obstáculos postos em relação ao nexo de causalidade é que

entendemos ser o desenvolvimento de outras teorias mais adequadas para efetivação do dever

de reparação.

Nessa perspectiva, a teoria da causalidade alternativa seria uma das opções

escolhidas para melhor solucionar as questões que envolvem um grupo na geração de um

dano e o estabelecimento do nexo de causalidade, em face da indeterminação daquele que de

fato produziu o dano ao meio ambiente, provendo a responsabilização solidária e evitando-se

com isso a irresponsabilidade.

Concomitantemente à teoria da causalidade alternativa, a teoria da probabilidade

também seria capaz de sanar as questões relativas ao liame causal, proporcionando a sua

atenuação. Por meio dessa teoria abandonamos a certezas e buscamos no juízo de

probabilidade a resposta para configurar o nexo causal, que nascerá da atenuação concebida

pelos aplicadores do Direito.

Outro aspecto apresentado foi a inversão do ônus da prova como maneira de atenuar

a relação de causalidade e permitir a responsabilização daqueles que produziram o dano ao

meio ambiente. Esta é uma solução, ainda que tímida, que está à disposição, bastando a

coerência para sua aplicação. Este é também o atual posicionamento do Superior Tribunal de

Justiça para o julgamento de ações ambientais. Quanto ao estabelecimento de presunções, se

algum dia se fizer presente no ordenamento jurídico brasileiro, será uma porta de saída para a

atenuação e configuração do nexo causal, embora provavelmente não traga grandes avançados

quando relacionado à pluralidade de agentes poluidores.

Qualquer dos caminhos expostos, seja pela atenuação do nexo causal pela teoria da

causalidade alternativa ou da probabilidade, seja pelo estabelecimento de presunções da

relação de causalidade ou pela inversão do ônus da prova, o que se busca incessantemente é o

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aperfeiçoamento do instituto da responsabilidade civil frente aos novos desafios em que a

sociedade está inserida, já que as teorias clássicas não mais suprimem as suas necessidades.

No Brasil, estabelecido o liame causal entre aqueles que produziram o dano ao meio

ambiente, a responsabilidade será solidária, consoante o artigo 942, do Código Civil,

considerando a indivisibilidade do dano. No entanto, há que se salientar a dupla dimensão da

solidariedade, que poderá ser estabelecida linearmente, entre aqueles que produziram o dano,

ou de forma escalonada, ou seja, até que etapa no processo de produção aquele que colaborou

para o produto final deverá ser envolvido.

Não há respostas concretas para esse questionamento, porém temos como exemplo o

Código de Defesa do Consumidor que ampliou a solidariedade, determinando a

responsabilidade solidária dos fornecedores. Logo, se configura uma transferência do

responsável individual para o coletivo, em virtude do seu potencial lesivo, no âmbito

consumerista. Embora inexistente na esfera ambiental, esta é uma alternativa que não poderá

ser esquecida, eis que não raro os danos ao meio ambiente se apresentam por meio de uma

gama de agentes poluidores.

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