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Universidade Federal de Viçosa
João Francisco Ferreira Lucindo - 71324
Resumos dos capítulos 1 e 2 do livro “Doutor Golem -
Como Pensar a Medicina”
Viçosa
2015
O Furo no Coração da Medicina: O Efeito Placebo Será resumida neste texto a seguinte constatação de Collins
e Pinch (2010), descrita em seu livro Doutor Golem: como pensar a
medicina‟: apesar de todos os esforços na construção da ciência
médica, existe um furo no coração da medicina: o efeito placebo.
Esse é o nome que se atribui ao poder de cura da mente sobre o
corpo, considerando-se que nenhuma real intervenção física é
feita. Define-se como placebo qualquer tratamento falso - seja
através de pílulas quimicamente inertes, falsas cirurgias, etc. –
que produz esse efeito biológico de cura.
A existência do efeito placebo faz com que novos
medicamentos e tratamentos tenham que ser testados em uma espécie
de competição contra este. O efeito do falso tratamento é tão
forte que se torna impossível mensurar melhoras advindas dos
tratamentos reais sem que estes sejam comparados às suas falsas
versões, pois não se pode dizer se os efeitos advêm de melhoras
biológicas ou dos efeitos psicológicos advindos da expectativa de
tratamento. Esse é o furo no coração da medicina.
Diante do exposto, pode-se inferir que os médicos são hábeis
a ponto de desenvolverem novos tratamentos, porém, são pequenos
quando se analisa a sua compreensão sobre a interação entre corpo
e mente. É essa falta de compreensão que os leva a comparar os
efeitos da nova medicação com os da falsa versão. E, de forma
embaraçosa, muitas vezes o efeito do falso tratamento é tão bom
quanto o do verdadeiro, ou ainda melhor que este.
Uma das grandes dificuldades associadas ao placebo é o fato
de existirem „parentes próximos‟ a este. Logo, a ciência médica
atualmente se encontra em uma sala de espelhos quando se trata do
conhecimento sobre o efeito placebo. Quatro são os elementos do
efeito que devem ser levados em consideração: o viés inerente ao
relato do experimentador; o efeito placebo verdadeiro; o falso
efeito placebo e; o efeito da expectativa do experimentador.
O viés inerente ao relato do experimentador se trata do
efeito do relato do cientista médico. Sempre que os resultados
dos experimentos são definidos por uma margem mínima, a
interpretação dos resultados feita pelos experimentadores tem a
tendência de ser influenciada por suas expectativas quanto ao
resultado. Esse efeito existe de maneira inconsciente em todas as
ciências.
Conforme previamente formulado, o placebo se refere a uma
mudança fisiológica real advinda de falsos tratamentos.
Entretanto, algumas doenças tem um caráter mais subjetivo, como é
o caso de alguns tipos de depressão. Nesse tipo de caso, a medida
da melhora é feita pelo relato dos pacientes, o que novamente
permite que o efeito do relato influencie os resultados e
conclusões. Quando um paciente acredita que o tratamento pode lhe
trazer melhoras, este pode pensar se sentir melhor mesmo que não
haja uma real melhora fisiológica, o que gera o viés do relato do
paciente. Este é o falso efeito placebo e gera um problema: o
subjetivo muitas vezes pode ser objetivo.
Em casos de doenças como a depressão, em teoria é mais fácil
se separar o viés de relato do efeito placebo considerando a
lógica de que, se o paciente acredita estar melhor, ele de fato
se sente melhor. Porém, como não há medidas diretas de melhoria,
é difícil se avaliar a eficácia da psicanálise e áreas afins. E
mesmo a existência de medidas diretas, como é o caso da
capacidade pulmonar de um paciente, não garantem que este
problema possa ser evitado. Tomando-se como exemplo um teste que
requer que o paciente assopre dentro de um dispositivo, este, por
acreditar que está melhorando, pode fazer um esforço maior,
gerando um autorrelato de confiança na eficácia do tratamento sem
melhoras verdadeiras.
Por fim, tem-se a expectativa do médico. Estudos demonstram
que a expectativa do experimentador quando ao bom desempenho de
determinados indivíduos faz com que estes tendam a obterem
resultados melhores, mesmo nos casos em que, através do sigilo,
elimina-se o viés do relato do experimentador.
Em virtude da existência das quatro influências sobre o
efeito placebo, surge a necessidade de se criar o experimento
“duplo-cego‟. Neste: os pacientes não sabem se tomam o remédio
certo ou verdadeiro, para se evitar o falso efeito placebo (viés
do relato do paciente) e; os médicos experimentadores e aqueles
que analisam o experimento não sabem se o paciente está recebendo
um placebo ou o tratamento real, com a finalidade de se evitar o
efeito de expectativa do experimentador e o viés inerente ao
relato do experimentador.
Quando o tratamento afeta o bem-estar de um paciente através
do efeito planejado ou descoberto pela ciência, há o que se pode
chamar de “efeito físico, fisiológico ou químico direto”. Estes
contrastam com os “efeitos físicos, fisiológicos ou químicos
indiretos”, que são provenientes do efeito placebo verdadeiro.
Considera-se que o efeito placebo é uma parte cientificamente
estabelecida da medicina moderna pelo menos desde a década de 50.
Diversos estudos demonstram pacientes que se beneficiam do
uso de placebos. E estes benefícios advêm até mesmo de falsas
cirurgias, nas quais os pacientes sofrem melhora apenas recebendo
uma leve incisão na pele, sem intervenção cirúrgica
significativa. Porém, as descobertas sobre a cura por meio de
placebos podem ser questionadas, afinal, as pessoas também podem
se curar sem tratamento algum, sendo possível que a cura nesses
casos ocorra na mesma velocidade que a cura por efeitos
fisiológicos indiretos. Para se investigar se o placebo realmente
existe, deve ser feita a comparação de grupos que não foram
tratados com grupos que receberam falsos tratamentos. Diversos
estudos foram realizados, o que levou os médicos dinamarqueses
Hrobjartsson e Gotzsche a analisarem diversos artigos que
comparavam três grupos de pacientes: aqueles que recebem
tratamento médico, os que recebem placebos e aqueles que não
tiveram tratamento algum. Analisando 114 experimentos, os autores
concluíram que não havia diferença significativa entre pacientes
que recebiam placebo e aqueles que não eram tratados. Porém, a
observação cautelosa dos argumentos derruba a conclusão.
Primeiramente, havia indicações de que existiam placebos na
experiência da dor. Além disso, os resultados podiam estar
mascarados pela abordagem estatística. Entretanto, estes não são
os argumentos mais fortes que derrubam o estudo, afinal, é
impossível se fazer um teste às cegas de um tratamento, placebo
ou não, comparativamente a um não tratamento, pois os pacientes e
experimentadores do estudo saberão quem não está sendo tratado.
Essa situação pode tornar mais marcante a diferença do
placebo e do não tratamento, pois os pacientes não tratados devem
sentir-se pessimistas e o relato daqueles que tratam os pacientes
pode sofrer forte viés. Logo, deveria ao menos parecer que houve
um efeito placebo, o que leva à inferência de que houve algo de
errado com o experimento.
Outra complicação inerente aos problemas da ciência médica
pode ser dada pela máxima: a força do efeito placebo é uma função
da crença do paciente quanto ao tratamento. A título de exemplo,
quando tanto os pacientes que tomam placebo quanto os que tomam o
remédio real sentem que estão recebendo um medicamente cuja
eficácia é comprovada, o tratamento terá um efeito nítido. Esta
melhora que ocorre também nos pacientes que sofreram falsos
tratamentos advém da expectativa quanto à comprovada eficácia do
remédio.
Um grande dilema associado ao uso do placebo é dado pela
seguinte indagação: Se o efeito placebo funciona, porque não usá-
lo de forma sistemática? Primeiramente, vale-se ressaltar que a
partir do momento em que o paciente sabe que está recebendo um
tratamento falso, este deixa de ser um placebo e vira um não
tratamento. A oferta de uma escolha é impossível. Porém, médicos
podem oferecer placebos, contanto que o paciente não seja
informado. O grande problema é que a associação da medicina e das
agências de saúde com o uso de placebos é algo que gera
discussão, conforme será exposto nos seguintes trechos.
As diversas incertezas existentes na considerada medicina
tradicional (ortodoxa) dificultam a delimitação entre esta e a
medicina alternativa, que se refere às curas que não são
reconhecidas pela comunidade médico-científica. É inevitável que
ao menos uma parcela dos tratamentos utilizados pelas duas
medicinas não funcionam, ou seja, são tratamentos vazios em
termos de melhorias fisiológicas. Entretanto, a busca por todas
as alternativas disponíveis, sejam elas da medicina tradicional
ou da medicina alternativa, como religião, rituais, homeopatias,
etc., embora possa ser apenas um fruto da busca por todas as
possibilidades de cura, talvez possa trazer um efeito placebo com
mudanças fisiológicas reais. Entretanto, isso não é ideal para o
avanço da ciência médica, visto que os placebos não funcionam de
forma igual em todas as pessoas, devido às diferentes
suscetibilidades às crenças.
Deve-se distinguir a medicina como ciência da medicina como
socorro para que se possa continuar essa discussão. E é
justamente a primeira que interessa aos Estados, que tendem a
oferecerem apenas os tratamentos aprovados por testes
científicos. E esse discurso de superioridade do conhecimento
científico por sua vez acaba reduzindo a efetividade das curas
baseadas em placebo. Essa é a tensão entre o bem individual e o
coletivo. Para exemplifica-la, basta que se observe a luta dos
pacientes de câncer que atualmente buscam utilizar a
Fosfoetanolamina Sintética - remédio criado por pesquisadores da
USP de São Carlos -, que, embora apresente bons resultados quando
se analisam os discursos de pacientes que a utilizaram, não é
permitida pelo fato de não ter passado por testes clínicos com
humanos. Entretanto, alguns pacientes, por meio de medidas
judiciais obtêm o remédio.
O governo não permite a total liberação do remédio, pois
embora prejudique a medicina como terapia, é seu papel fazer com
que essa avance como ciência. E para que isto ocorra, deve-se
verificar a existência do efeito placebo através de experimentos
de controle randomizado (ECR), os quais se tornaram o padrão de
ouro da medicina, embora, de forma irônica, simbolizem a falta de
conhecimento da ciência médica acerca da relação entre a mente e
a cura. E para o preenchimento dessa lacuna, médicos devem
aspirar conhecer todas as doenças da mesma forma que conseguem
entender de ossos quebrados. Uma compreensão melhor do corpo
poderia fazer com que fossem abandonados estes tipos de testes.
Não se pode dizer se um dia o conhecimento médico irá
atingir tal estado de compreensão, porém, enquanto os tratamentos
forem testados por meio de ECRs, as tensões entre os interesses
individuais e coletivos persistirão. Enquanto perdura esse
problema, deve-se levar em conta que “maximizar o ganho
individual imediato à custa da ciência, ou em desafio a ela, nem
sempre é a escolha correta, ou nem mesmo a melhor escolha”
(COLLINS e PINCH, 2010, p. 35).
Tudo é possível na vida real: os falsos médicos Collins baseou principalmente no texto “Bogus Doctors: The
Simulation of Skill” [Falsos médicos: A Simulação da Habilidade],
também se baseou em matérias publicadas em jornais na Grã
Bretanha e nos EUA. Matérias essas que tinham como manchete o
desmascaramento de um falso médico
Collins então, leva a discussão baseada nos dados levantados
nessas matérias. Entre muitos casos de “falsos médicos”, foram
estudados somente aqueles casos em que o “falso médico” tentava
exercer alguma habilidade médica, como por exemplo, fazer uma
cirurgia ou a prescrição de algum remédio. Aqueles casos em que
os “falsos médicos” só usavam do Know-how médico foram
descartados.
O mais assustador que há casos em que os “falsos médicos”
exerciam a profissão por muitos anos, e até mesmo com maestria.
Esses charlatões aproveitam que muitas aptidões médicas são
fáceis de fingir habilidade. Um charlatão bem treinado pode
facilmente enganar seus pacientes e até mesmo fiscais reguladores
do serviço médico. Isso torna difícil diferenciar o verdadeiro
profissional do farsante. É tão difícil distinguir os dois que
normalmente a descoberta de um falso médico raramente está
relacionada a um erro, mas sim a um desvio de comportamento
apropriado para um profissional formado.
Com esses fatos em mente, Collins estuda mais profundamente
5 casos que ocorreram na Grã Bretanha e chega a assustadora
conclusão que pouquíssimos “falsos médicos” são desmascarados por
erros médicos em si. O que nos assusta, pois é muito provável que
a nossa sociedade esteja repleta de falsos médicos que ainda não
foram desmascarados e também a falta de maldade da população de
duvidar, de se perguntar, se tal pessoa tem o direito e a
competência de ditar aquilo que você vai fazer com a sua saúde ou
não. E até mesmo todos os enfermeiros e profissionais que
trabalham diretamente com esses “falsos médicos” e nunca
colocaram a prova um comportamento estranho.
Conclui-se que a medicina como é aplicado hoje é cercada de
incertezas e uma variações de diagnósticos absurdas, o que revela
o quão complexo é lidar com a saúde humana e no fundo pouco
importa a aprendizagem acadêmica dos médicos.