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ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS REVISTA BRASILEIRA DE publicação da associação nacional de pós-graduação e pesquisa em planejamento urbano e regional ISSN 1517-4115

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ESTUDOS URBANOSE REGIONAISREVISTA BRASILEIRA DEpublicao da associao nacional de ps-graduaoe pes quis aempl anej amentourbanoeregionalISSN 1517-4115REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS URBANOS E REGIONAISPublicao semestral da ANPURVolume 10, nmero 1, maio de 2008EDITOR RESPONSVELGeraldo Magela Costa (UFMG)EDITORA ASSISTENTEJupira Gomes de Mendona (UFMG)COMISSO EDITORIALAna Fernandes (UFBA), Carlos Antnio Brando (Unicamp), Lilian Fessler Vaz (UFRJ), Luciana Corra do Lago (UFRJ)CONSELHO EDITORIALAna Clara Torres Ribeiro (UFRJ), ngela Lcia de Arajo Ferreira (UFRN), Brasilmar Ferreira Nunes (UnB), Carlos Antonio Brando (Unicamp), Ermnia Maricato (USP), Heloisa Soares de Moura Costa (UFMG), Henri Acselrad (UFRJ), Joo Rovati (UFRS), Lia Osorio Machado (UFRJ), Linda Maria de Pontes Gondim (UFC), Marco Aurlio A. de F. Gomes (UFBA), Margareth Pereira (UFRJ), Maria Cristina da Silva Leme (USP), Nadia Somekh(Mackenzie), Norma Lacerda Gonalves (UFPE), Paola Berenstein Jacques (UFBA), Ricardo Cesar Pereira Lira (UERJ), Roberto Monte-Mr (UFMG), Rosa Acevedo (UFPA), Sandra Lencioni (USP), Sarah Feldman (USP), Wrana Maria Panizzi (UFRS)COLABORADORESAlisson Barbieri (UFMG), Allaoua Saadi (UFMG), Ana Fernandes (UFBA), Ana Lcia Brito (UFRJ), Ester Limonad (UFF), Eduardo Mrio Mendiondo (USP So Carlos), Felipe Nunes Coelho Magalhes (UFMG), Jan Bitoun (UFPE), Marlia Steinberger (UnB), Mnica Arroyo (USP), Ricardo Farret (UnB), Orlando Jnior (UFRJ), Ricardo Machado Ruiz (UFMG), Rosa Moura (IPARDES), Virgnia Pontual (UFPE)PROJETO GRFICOJoo Baptista da Costa AguiarCAPA, COORDENAO E EDITORAO Ana Basaglia REVISOAna Paula GomesIMPRESSO CTPAssahi Grfica e EditoraIndexada na Library of Congress (EUA)Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais v.10, n.1,2008. Associao Nacional de Ps-Graduao ePesquisa em Planejamento Urbano e Regional; editor responsvel Geraldo Magela Costa : A Associao, 2008.v.Semestral.ISSN 1517-4115O n 1 foi publicado em maio de 1999.1. Estudos Urbanos e Regionais. I. ANPUR (Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional). II. Costa, Geraldo Magela711.4(05) CDU (2.Ed.) UFBA711.405 CDD (21.Ed.) BC-2001-0983 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008ARTIGOS9 A GLOBALIZAO LIBERAL E A ESCALA URBANA PERSPECTIVAS LATINO-AMERICANAS PeterCharles Brand29 PLANEJAMENTO: DO ECONOMICISMOMODERNO DIALTICA SOCIOESPACIAL LucasLinhares 49 TEMPOS, IDIAS E LUGARES O ENSINO DOPLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL NO BRASIL RosliaPrissdaSilva PiqueteAnaClaraTorresRibeiro61 OS LIMITES POLTICOS DE UMA REFORMA IN-COMPLETA A IMPLEMENTAO DA LEI DOS RE-CURSOS HDRICOS NA BACIA DO PARABA DO SUL Antnio A. R. Ioris87 OS PARADIGMAS DA MODERNIZAO DO ES-TADO DO CEAR E O PROCESSO DE CONSTRUODA BARRAGEM DO CASTANHO FranciscaSilva-nia de Sousa Monte105 CULTURAS DA JUVENTUDE E A MEDIAODA EXCLUSO/INCLUSO RACIAL E URBANA NOBRASIL E NA FRICA DO SUL Edgar PieterseRESENHAS127 Peloespao:umanovapolticadaespacialidade,de Doreen Massey por Gislene Santos129 SoPaulo,cidadeglobal:fundamentosfinan-ceiros de uma miragem, de Mariana Fix por DanielaAbritta CotaESTUDOS URBANOSE REGIONAISREVISTA BRASILEIRA DEpublicao da associao nacional de ps-graduaoe pes quis aempl anej amentourbanoeregionalS U M R I OASSOCIAO NACIONAL DE PS-GRADUAO E PESQUISAEM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL ANPURGESTO 2007-2009PRESIDENTEEdna Castro (NAEA/UFPA)SECRETRIO EXECUTIVOLuiz Aragon (NAEA/UFPA)SECRETRIO ADJUNTOJos Jlio Lima (FAU/UFPA)DIRETORESAdauto Lcio Cardoso (IPPUR/UFRJ)Leila Dias (CFH/UFSC)Roberto Monte-Mr (CEDEPLAR/UFMG)Virgnia Pontual (MDU/UFPE)CONSELHO FISCALBrasilmar Nunes (SOC/UNB)Joo Rovati (PROPUR/UFRS)Renato Anelli (EESC/USP)Apoio5 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008EDI TOR I A LDois temas relevantes para a rea do planejamento urbano e regional so abor-dados neste nmero da Revista. O primeiro refere-se s tendncias e aos desafios doplanejamentoterritorial,bemcomoaoseuensino,considerando,porumlado,osprocessos recentes de globalizao e reestruturao espacial e, por outro, os contextoseconmico e poltico de formaes sociais especficas. O segundo tema o da gestodas guas, com a avaliao dos limites e das possibilidades da Poltica Nacional de Re-cursos Hdricos, de 1997, e uma anlise sobre o discurso da elite poltica cearense noprocesso de uso e de controle das guas. Alm desses temas, apresentada uma insti-gante anlise sobre culturas da juventude e a mediao da excluso/incluso racial eurbana no Brasil e na frica do Sul.Trs artigos so dedicados reflexo sobre a ampla problemtica do planejamentoterritorial. No primeiro deles, Peter Brand discute o novo arranjo territorial urbano naAmrica Latina, tendo como referncia o processo de globalizao e o surgimento da ci-dade-regio.Oartigoexaminaacidadelatino-americanatendoemcontaasrpidastransformaes socioterritoriais recentes e luz do que o autor denomina re-escalamen-to, um produto da globalizao, com o objetivo de contribuir para a anlise do Estadoe o estudo das polticas de desenvolvimento urbano latino-americanas, em diferentes es-calas. O carter elitista das polticas de competitividade e as formas de legitimao dosgovernos locais na administrao da crise urbana so identificados em estudos de casodas quatro maiores cidades da Colmbia: Bogot, Medelln, Cali e Barranquilla.De natureza essencialmente epistemolgica, o artigo de Lucas Linhares apresentaumatrajetriadosenfoquestericosdasconcepesdeplanejamento. Comeandocom as abordagens do planejamento na era moderna, de matriz positivista e economi-cista, o autor desenvolve um resgate crtico do tema, que passa pelo pensamento doschamados neomarxistas dos anos 1970 para introduzir o que ele considera impres-cindvel ao entendimento do objeto territorial do planejamento (o conceito de espao) e chegando viso dialtica, lefebvriana em sua essncia, sobre a produo social doespao. O autor sugere que este procedimento analtico essencial para que o planeja-mento de fato leve em conta as contradies do modo de produo capitalista.O terceiro artigo sobre o tema do planejamento tem como autoras Roslia Pi-quet e Ana Clara Torres Ribeiro. Trata-se do resgate da histria do planejamento e deseu ensino, com nfase em sua relao com as polticas e ideologias de desenvolvimen-to econmico vigentes no Brasil. A anlise resgata de forma sinttica as experinciasde polticas econmicas e de planejamento, comeando nos anos 1950 e 60, quandose perseguia a mudana atravs de aes do Estado. Foi tambm neste perodo que osprimeiros cursos sobre planejamento (no domnio pblico) sugiram na Amrica Lati-na. No perodo seguinte, segundo as autoras, assiste-se institucionalizao tanto doplanejamento quanto do seu ensino em universidades no Brasil. O perodo de rede-mocratizao que se segue faz com que os paradigmas do planejamento e seu ensinodo momento anterior sejam rejeitados e modificados. A nfase dos cursos desloca-sedo planejamento para os estudos urbanos e regionais. Os desafios postos ao resgate daidia de planejamento e de seu ensino compem as reflexes das autoras nas conclu-6 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008ses do artigo. Atender s demandas regionais e locais de formao profissional, reco-nhecer e tratar as diferenas sem gerar perdas tericas e superar generalizaes so al-guns desses desafios, que requerem o aprofundamento do debate entre especialistas eatores polticos.Otema das guas tratado em dois artigos. No primeiro deles, Antnio Ioris dis-cute os limites e possibilidades das reformas institucionais, especialmente aquelas ma-terializadas na Poltica Nacional de Recursos Hdricos de 1997. Para avaliar tais limi-tes e possibilidades na primeira dcada de existncia da Poltica, o autor faz uso de umestudo de caso sobre a gesto da Bacia Hidrogrfica do Rio Paraba do Sul (BHRPS), lo-calizada na regio sudeste do pas. Apesar de analisar um nico caso, a riqueza das in-formaes qualitativas obtidas essencialmente por meio de entrevistas com agentes so-ciais das instncias participativas no processo de gesto faz com que o estudo apresenteresultados importantes para se pensar a questo da gesto das guas no Brasil. Comoprincipal concluso, o estudo de caso permitiu constatar que as reformas institucionaispara o setor de recursos hdricos, em implantao desde fins dos anos 1990, tm sidomarcadaspelaafirmaodeumaracionalidadetecnoburocrtica,aqualvemapenasproduzindorespostasinadequadasaosproblemasdegestodasbaciashidrogrficas,com alto nvel de conflitos e continuidade da degradao ambiental.Em seguida, Francisca Silvania de Sousa Monte nos apresenta um estudo basea-do em sua tese de doutorado, em que a questo das guas analisada em outra dimen-so: o uso do discurso da modernidade pela elite poltica do Cear no processo deuso e de controle das guas. Alm de uma exaustiva reviso da legislao sobre a ques-to, a autora utiliza o estudo de caso da Barragem do Castanho. Constata que a se-ca continua servindo ao discurso dos polticos locais, e agora no mais com a nfasena chamada indstria da seca. Os interesses clientelistas dos coronis deram lugars demandas de uma burguesia urbano-industrial moderna que governou o Cea-r nas duas ltimas dcadas pela implantao de mega-projetos hdricos de suportes indstrias e agroindstrias. A autora defende a necessidade de uma adequada ges-to dos recursos hdricos no estado, que sempre conviveu com as irregularidades cli-mticas, ao mesmo tempo em que enfatiza o carter excludente da modernizao h-drica analisada. O ltimo artigo trata de um tema ao mesmo tempo atual e instigante: uma an-lise sobre culturas da juventude e a mediao da excluso/incluso racial e urbana noBrasil e na frica do Sul. Pela anlise do hip hop e outras manifestaes culturais con-gneres,EdgarPietersemostracomoistotemcontribudoparaposicionamentoseaes significativos de resistncia entre os jovens negros e pobres na Cidade do Caboe no Rio de Janeiro. O artigo ainda contribui metodologicamente para a aproximaoentre a observao emprica de prticas culturais e polticas com temas caros ao meioacadmico, como participao, espao pblico, cidadania e segurana.Duas resenhas completam o presente nmero. A primeira, elaborada por GisleneSantos, apresenta a publicao traduzida do mais recente livro de Doreen Massey ForSpace que tem por ttulo Pelo espao: uma nova poltica da espacialidade e foi publica-do em 2008. A segunda, de Daniela Abritta Cota, sobre So Paulo, cidade global: fun-damentos financeiros de uma miragem, livro de Mariana Fix publicado em 2007.GERALDO MAGELA COSTAEditor responsvelARTIGOSA GLOBALIZAO LIBERAL E A ESCALA URBANA PERSPECTIVAS LATINO-AMERICANASP E T E R CH A R L E S B R A N DR E S U M O Oprocesso de globalizao implicou o ressurgimento da cidade-regio comounidade geogrfica chave no desenvolvimento econmico e o nascimento de um novo perodo detransformao urbana. A reorganizao da economia mundial requereu, ao lado de novas for-mas de governo local, a reformulao das bases econmicas e tambm da infra-estrutura, de equi-pamentos e da prpria imagem das cidades. Este processo, que se iniciou nos Estados Unidos e nospases da Europa Ocidental no comeo dos anos 1980, levou uma dcada ou mais para se fazersentir na Amrica Latina. Enquanto as polticas urbanas avanavam neste sentido, a investiga-o acadmica e a reflexo terica, circunscrevendo-se essencialmente s pautas analticas e inter-pretativas estabelecidas em contextos radicalmente distintos do sul-americano, permaneceram naretaguarda, limitadas aos aspectos operacionais da competitividade urbana e marcadas por velhaspreocupaescomaconsolidaodademocracialocal.Estetrabalhoexaminaacidadelatino-americanaluzdodebatesobreore-escalamentocomoprodutodaglobalizao,aomesmotempo em que explora a contribuio representada por dito debate para a compreenso das estra-tgias de desenvolvimento urbano. Neste sentido, analisa-se a experincia de algumas cidades co-lombianas, com nfase especial para o tema da relao com o Estado nacional e as questes quedizem respeito s polticas de planejamento, s prticas de governo urbano e reconstruo ur-banstica. Pretende-se tambm, aqui, contribuir com algumas idias que sirvam elaborao deuma agenda de investigao para a Amrica Latina.P A L A V R A S - C H A V E Globalizao;re-escalamentogeogrfico;neolibe-ralismo; desenvolvimento urbano; Amrica Latina.INTRODUOOfenmeno da globalizao ocupa uma boa parte do esforo despendido pelas cin-cias sociais no seu intento de compreender as caractersticas e dinmicas da vida contempo-rnea. Por sua prpria natureza, a globalizao tem um interesse especial para a cincia geo-grfica, e no presente estudo se destaca sua influncia para a discusso da questo da escala.Pode-se argumentar, em linhas gerais, que a globalizao est mudando abruptamente a or-ganizao escalar herdada da poca moderna, construda sobre uma hierarquia de escalas quese articulava em torno da escala nacional. Este movimento se d tanto para cima, com osblocos de livre comrcio nos nveis continental e global, como para baixo, no mbito das re-gies, cidades e localidades. A partir deste esquema, tem-se afirmado que o processo de glo-balizao implicou a preeminncia da escala supranacional (blocos econmicos, acordosglobais) e o ressurgimento da escala local (regional, urbana), ficando a escala propriamentenacional relegada a uma posio secundria como locus de poder e princpio de organizaoda vida econmica e social. Em outras palavras, a globalizao ressalta as escalas tanto globalcomo local, em um processo de glocalizao (Swyngedouw, 1997; Borja e Castells, 1998).9 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008Ora, o debate sobre o re-escalamento1tem avanado principalmente entre ge-grafos e outros cientistas sociais europeus e norte-americanos, situados, tanto em umcaso como no outro, nos centros mais dinmicos desse processo, e cada qual com suasreferncias especficas. No caso europeu, a paulatina consolidao da Unio Europiaimplicou a cesso poltica de amplos poderes nacionais, de tal forma que hoje em diaa Unio Europia conta, entre outros, com Parlamento, instituies de governo, moe-da e passaporte prprios. Em conseqncia, a escala europia afeta uma enorme gamade atividades, desde a organizao econmica at as prticas da vida cotidiana, a quesepodeacrescentaroprpriocontextoinstitucionaledetrabalhodospesquisadoresacadmicos. Na Amrica do Norte, no obstante a integrao comercial em nvel con-tinental, o fenmeno ainda de maior impacto a hegemonia dos Estados Unidos e onovo imperialismo impulsionado por sucessivos governos com vistas a um novo scu-lo norte-americano (Harvey, 2003; Hardt e Negri, 2001). O que neste caso se tornaevidente , mais propriamente, a subverso da ordem internacional herdada e o surgi-mentodenovasformasdeimposiodavontadeimperialaosEstadosnacionaisnascondiesproporcionadaspelaglobalizao.Emambososcasos,contudo,tantonaEuropa como na Amrica do Norte, as cidades e regies tambm emergem com umaimportncia renovada.Tanto na realidade geopoltica como no debate acadmico, poder-se-ia dizer que aAmrica Latina ficou um tanto marginalizada no que se refere questo da escala. Ao lon-go das duas ltimas dcadas do sculo passado, enquanto o desenvolvimento econmicoe o surgimento de novos atores globais apontavam para o Oriente e a sia, os pases sul-americanos estavam saindo de um perodo devastador caracterizado por guerras civis, go-vernos militares e estagnao econmica. Os novos regimes democrticos, dos mais varia-dos tipos e, em muitos casos, bastante frgeis politicamente, ficaram merc dos ditamesdas agncias multilaterais do desenvolvimento neoliberal. Em tais condies, a integraoeconmica foi difcil e os acordos comerciais entre pases evidenciaram-se frgeis e inst-veis. Quanto escala urbana, atribua-se cidade, durante uma boa parte desse perodoe at certo ponto ainda hoje, um significado mais propriamente poltico, no sentido de seconstituir mais em espao chave para a consolidao da democracia participativa do quecomo unidade econmica.No obstante, juntamente com esta preocupao poltica com a democracia surgi-ram inevitavelmente novas estratgias econmicas das cidades, uma vez que os diferentespases, por caminhos os mais variados, se integraram plenamente globalizao. Um tan-to tardiamente as cidades latino-americanas viram-se obrigadas a adotar transformaesque respondessem aos desafios da globalizao, mas em condies endgenas muito dife-rentes das verificadas nas cidades dos pases desenvolvidos. Ainda que as estratgias ado-tadas pelas cidades latino-americanas no tenham recebido a mesma ateno acadmicaque no caso das cidades europias e norte-americanas, poder-se-ia dizer, grosso modo, queseguiram o padro preestabelecido de competitividade urbana posto em prtica em ou-tras latitudes. O objetivo do presente trabalho traar um esboo do debate sobre o re-escalamento e interrogarsobre a suapertinnciaparaacompreensodaheterogneaemutvel situao que caracteriza a Amrica Latina. luz deste debate sero comentadasas estratgias adotadas pelas quatro cidades colombianas mais importantes, destacando-seos temas do papel do Estado nacional, as polticas de planejamento, a governana urba-na e a reconstruo urbanstica.A G L O B A L I Z A O L I B E R A L10 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O20081 O termo re-escalamento temacentraldopresenteartigo-refere-sereconfi-guraodaimportnciarelativaedasrelaesfun-cionaisentredirerenteses-calasgeogrficas,apartirdo processodeglobaliza-o.Destaforma,entende-sequeoglobalnosim-plesmente uma nova escalamundialsuperiorquesesoma s relaes espaciaisexistentes, mas uma escalaque afeta e recoloca o signi-ficadoeasrelaesentretodas as escalas anteriores,tais como o local, o urbano,o nacional, os bloco e os im-prios.CONTORNOS DO DEBATE ACADMICO SOBRE A QUESTO DA ESCALAA globalizao um termo que rene mltiplos contedos e que tem sido amplamen-te utilizado, tanto nas cincias sociais como nos meios de comunicao, com o intuito decaptar e explicar o sentido e a direo de inmeras dimenses da vida contempornea. Co-mo observa Brenner (2004), a essncia indubitvel da globalizao geogrfica, no senti-do da mundializao dos processos e dinmicas de mudana econmica, poltica e social,tendo como conseqncia a introduo de noes geogrficas em muitas reas das cinciassociais. O especial interesse deste trabalho consiste na globalizao como reformulao daquesto de escala, na medida em que a escala global deixa de ser vista como um fenme-no novo para ser encarada como algo mais amplo, profundo e determinante do que at en-to o fora, e atentando-se para sua relao com as outras escalas de organizao da vida,tais como as representadas pelo plano nacional e principalmente o urbano.Ademais, depois de utilizada durante trs dcadas, tem-se argumentado haver recen-tementecertoesgotamentoouinsuficinciadanoodeglobalizao,comacrescenteadoo, nos estudos urbano-regionais, do conceito de neoliberalismo e do termo neoli-beralizao para se referir sua concretizao em espaos e lugares diferentes. Pretende-se entender por neoliberalizao no somente as novas interaes multiescalares da globa-lizao, mas tambm as foras que a regem e impulsionam, bem como os efeitos polticos,organizacionais e individuais nela implicados.Descries do neoliberalismo so j suficientemente comuns, tornando desnecessriasua explanao sistemtica neste trabalho. O termo refere-se ideologia de uma nova etapade acumulao capitalista (Moncayo, 2003), baseada na crena de que os mercados aber-tos, competitivos e desregulados, livres de toda forma de interferncia estatal, constituem omecanismo timo para o desenvolvimento econmico (Brenner, 2004), descrito por Bour-dieu (1998) como uma utopia de explorao sem limites, e por Harvey (2005) como acu-mulao por meio da despossesso. A noo de neoliberalismo no se limita a processospuramente econmicos, mas sua concretizao se d atravs de polticas do Estado e de no-vas formas de regulao econmica e social. Como observa Sparke (2006: 357):A lo largo de las ciencias sociales la N en maysculas del Neoliberalismo se ha convertido enun paraguas cada vez ms omnipresente para denominar las diversas ideologas, polticas y prcticasasociadas con la liberalizacin de los mercados y la expansin de las prcticas empresariales y relacio-nes de poder capitalista en esferas completamente nuevas de la vida social, poltica y biofsica. Desdeel libre comercio, la privatizacin y la desregulacin financiera a la austeridad fiscal, la reforma delbienestar y prcticas punitivas de control social (policing); a la imposicin de ajustes estructurales; ala expansin de modelos empresariales de identidad y las acciones de las instituciones de innovacincientfico,educativaydeentretenimiento;numerososautoresestnasignandoalneoliberalismouna increble diversidad y exigente conjunto de responsabilidades explicativas. Por cierto, se empleatan ampliamente hoy da que se lo encuentra aplicado a una gama de fenmenos sociales, polticos yeconmicos an ms amplia que en el caso de globalizacin misma (traduo do ingls pelo autor).2GLOBALIZAO, ESTADO NACIONAL E RE-ESCALAMENTONo obstante as mltiplas maneiras de enfocar e entender a globalizao, um temaconstantetemsidoosignificadodestefenmenoparaosEstadosnacionais,osquais,P E T E R C H A R L E S B R A N D11 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O20082 Aolongododesenvolvi-mento das Cincias Sociais,o NmaisculodeNeolibe-ralismoconverteu-senumaespcie de guarda-chuva ca-davezmaisonipresentepara denominar as diversasideologias,polticasepr-ticasassociadasliberali-zaodosmercadoseexpansodasprticasem-presariaiserelacionaisdepoder capitalista em esferascompletamente novas da vi-dasocial,polticaebiofsi-ca. Desde o livre comrcio,a privatizaoeadesregu-laofinanceiraataaus-teridadefiscal,incluindoareformadossistemasdeproteoeprticaspuniti-vas de controle social (polic-ing),imposiodeajustesestruturais,expansodosmodelosempresariaiseasaesdasinstituiesdeinovaocientfica,educati-vaedeentretenimento,nu-merososautorestmatri-budoaoneoliberalismoumaincrveldiversidadeeumexigenteconjuntoderesponsabilidadesexplicati-vas.Esteconceitohojeemdiaempregadoampla-mente,sendoaplicadoaumagamadefenmenossociais, polticos e econmi-cosaindadeformamaisgeneralizadadoqueaprpria globalizao .primeiravista,severiamdebilitadospelaintegraoglobal.Comadesintegraodosgrandesblocosgeopolticoseodesmontedasbarreirasprotecionistasdepasesindivi-duais, produziu-se uma formidvel ampliao e intensificao, atravs das fronteiras na-cionais, dos fluxos de bens, capitais, dinheiro, informao, servios, produtos culturais epessoas. As corporaes transnacionais, cujas receitas superam com vantagem at mesmoo oramento nacional de pases medianamente desenvolvidos, determinam a dinmica daeconomia mundial e impem seus interesses prprios sobre os governos nacionais. Favo-recida pelo desenvolvimento da informtica e das comunicaes, esta globalizao econ-mica foi promovida por instituies multilaterais como o Banco Mundial, o Fundo Mo-netrioInternacionaleaOrganizaoMundialdoComrcio,queconstituemnovasinstncias supranacionais de poder econmico, em face das quais tm surgido inmerasorganizaes, redes e foros no-governamentais de carter tambm autenticamente globalno que diz respeito aos seus interesses, agendas e atuaes.Sendo cada vez mais difcil o controle de tais fluxos por parte dos governos nacio-nais, quer se trate de divisas, capitais, informao, rendas, etc., argumenta-se que a din-mica da globalizao implica uma transferncia de poder para cima. A estreita circunscri-o dos territrios nacionais deixa de atuar como principal unidade poltico-geogrfica eemergemnovasformastransnacionaisdegoverno,constituindoumaespciedegover-nana global exercida por uma ampla variedade de organizaes inter e no-governamen-tais, representativas de uma grande diversidade de interesses (Held e McGrew, 2002).Quais as conseqncias deste processo para o papel e o significado dos Estados na-cionais? Mansfield (2005) observa que a globalizao, se a aceitamos como um fato pas-svel de mensurao e observao, adquire um status ontolgico que a coloca em oposioao Estado nacional. Implcita a est a idia de que o Estado nacional entra em declniona medida em que surgem novos poderes acima, abaixo e ao lado do Estado. Contra es-ta posio, Mansfield defende, frente questo da escala, uma viso relacional para a qualos distintos nveis geogrficos de poder se produzem mutuamente, sustentando, com res-peito globalizao, que o Estado nacional tem atuado menos como espectador passivodo que como um ator chave e promotor ativo. Juntamente com a reconsiderao da esca-la nacional, esta concepo relacional tem sido um aspecto importante no amadurecimen-tododebategeogrficosobre a globalizao(BoyereHollingsworth,1997;Harvey,2000; Jessop, 2000), que vale a pena resumir por constituir o marco conceitual impres-cindvel para uma indagao sobre o papel das cidades e a compreenso de suas estrat-gias de desenvolvimento. Nesta direo, Brenner prope (2004: 8-12) as seguintes consi-deraes gerais sobre a questo da escala geogrfica: As escalas geogrficas no so fixas, estticas nem permanentes, e sim produes da his-tria e dimenses de processos sociais, tais como a produo de capital, a reproduosocial, a regulao estatal e as lutas scio-polticas. A configurao institucional, a funo, a histria e a dinmica de uma escala particu-lar (local, urbana, regional, nacional, global) tem sentido unicamente em funo desuas relaes verticais e horizontais com as outras escalas. A organizao escalar um mosaico de hierarquias sobrepostas e mutuamente imbri-cadas, uma vez que cada processo social tem sua prpria geografia, que impossibilita aconfigurao de uma s pirmide coerente capaz de englobar todas. Portanto, toda e qualquer configurao escalar no pode ser mais do que uma fixaotemporal,umaconveninciaprovisoriamentecircunscritapelasatividadespolticas,econmicas e culturais.A G L O B A L I Z A O L I B E R A L12 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008 As transformaesescalaresnoocorremmedianteasubstituiodeumesquemaidealporoutroigualmenteajustadosnovascircunstnciashistricas,masestatransformao sempre experimental e condicionada por ajustes escalares herdados, is-to , pela dependncia do caminho (path dependency).O queestditoacimapermitecompreenderadiversificaoecomplexidadecres-centedaquestodeescalacomoresultadodaglobalizaoenquantofenmenocontin-gente e gerador de conflitos. fora de dvida que a globalizao trouxe consigo a deses-tabilizaodasslidasescalashierrquicasestabelecidasnapocadops-guerra,namedida em que favoreceu a emergncia de um sistema mais policntrico, multiescalar epolimrfico. Ademais, este processo acarretou no somente a redistribuio de funes es-tatais entre escalas, mas tambm a transformao qualitativa destas funes em diferentesescalas no que se refere, por exemplo, ao desenvolvimento econmico e ao bem-estar so-cial (Peck, 2002, citado por Brenner, 2004). Nesta perspectiva, a concepo relacional deescala serve no apenas para ressaltar a importncia da reconfigurao da relao entre oEstado nacional e a cidade, reconfigurao esta que no necessariamente se circunscrevea umreordenamento territorial formal, mas tambm s mltiplas intersees e dependn-cias (includas as escalas supranacionais) que condicionam qualquer conjunto de iniciati-vas empreendidas pelas prprias cidades.Na verso ortodoxa da globalizao, por outro lado, argumenta-se com uma lgicaimplacvel e peremptria que indispensvel continuar racionalmente mediante a ado-o de polticas congruentes. A estratgia argumentativa segundo a qual s pode haverumcaminhobuscaminimizarosconflitosdeinteresseresultantesdaglobalizao.Noentanto, a lgica espacial abstrata da acumulao capitalista global entra em choque comas racionalidades concretas das regies e lugares, e com a histria, tradies e configura-es de poder em cada cidade-regio ou localidade particular. Em conseqncia, a globa-lizao produz conflitos entre os nveis escalares e no interior de cada um deles, isto , en-tre interesses nacionais, regionais, urbanos e locais, bem como entre faces econmicas,polticas e sociais em cada nvel.Pode-se dizer que uma boa parte da investigao sobre temas urbanos na Amrica La-tina se volta implicitamente para estes conflitos e contradies, to evidentes nas cidades eregies de um extremo a outro do continente, freqentemente em oposio aberta glo-balizao tal como se est desenvolvendo, posicionando-se tambm criticamente diante daslimitaes das polticas de desenvolvimento territorial derivadas da globalizao neoliberal.O RESSURGIMENTO DA CIDADE-REGIOO ressurgimento da escala urbano-regional constitui um dos aspectos mais visveisdo processo deglobalizao.Nas duas ltimas dcadas, as grandes cidades, cuja impor-tnciaeconmicaeculturalemnadadiminuiuaolongodesseperodo,forampalcodeuma transformao arquitetnica e exerceram um papel to preponderante na vida pol-ticaesocial,quepareciamseindependizardeseuscontextosnacionais. TambmnaAmrica Latina j nos acostumamos aos macro-projetos urbanos, o melhoramento de in-fra-estruturas, a renovao dos setores histricos, a criao de centros de negcios inter-nacionais, a promoo do turismo, alm da especulao com o espao urbano e do pro-tagonismodosprefeitos.Emboraascidadeslatino-americanasapareamcompoucafreqncia nas listas de cidades globais, elas so amplamente mencionadas em listas se-cundrias representativamente importantes.P E T E R C H A R L E S B R A N D13 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008Oalto perfil da cidade-regio, do ponto de vista tanto arquitetnico e meditico co-mo poltico, econmico e cultural, contribui para reforar a viso da cidade como unida-de territorial desvinculada de seu contexto nacional e movida diretamente pelas dinmi-cas prprias da globalizao. No entanto, as prematuras interpretaes acadmicas destetipo foram objeto de questionamento e reviso. Em seus trabalhos mais recentes, a mes-ma Sassen (2001, 2003), pioneira, nos anos 1990, da noo de cidades globais como cen-tros de articulao no contexto da nova economia global, ressalta o papel exercido pelosEstadosnacionaiscomofacilitadoresdaarticulaodacidadecomoscircuitosglobais.Com seu interesse pela nova arquitetura organizacional dos articuladores empresariaisda globalizao e a multiplicao dos circuitos globais especializados, como tambm pelacriao de novas intersees e oportunidades de articulao das cidades, a expanso hie-rrquica lateral e a diversificao das redes interurbanas, Saskia Sassen continua contri-buindo de forma valiosa para a compreenso do papel e funcionamento das cidades, ob-jetodeumarenovadapreocupaodeoutrospesquisadores,maisdiretamentevoltadospara a dimenso poltica da escala, que nos interessa neste artigo.O tema das implicaes polticas da multiplicao e diversificao dos circuitos glo-baisfoidescritoemtermosdeumanovaeconomiapolticadaescala(Jessop,1999,2004). Aqui se ressalta a produo e as relaes entre escalas no s em termos de umanova geografia econmica, mas tambm no que diz respeito regulao estatal, repro-duo social e s lutas scio-polticas. Como j visto, a globalizao no ocorre de formahomognea em um plano vazio, mas em interao com territrios historicamente consti-tudos, o que pe em jogo diversas foras polticas e sociais. Jessop (2004) argumenta queascomplexasdinmicasdore-escalamentoimplicamnosaidentificaodenovasoportunidades econmicas e novos atores, mas tambm a defesa dos interesses existentesem face dos efeitos freqentemente desagregadores da globalizao. Neste processo essen-cialmente gerador de conflitos, Jessop (2004: 28) observa que o jogo competitivo sempreproduz, comparativamente, perdedores e ganhadores, tanto no nvel inter-regional comono interior de cada regio.Na mesma ordem de idias, Brenner (2003) opina que a cidade-regio, mais do quesimplesmente uma dinamizada unidade territorial, converteu-se em um espao institucio-nal chave no processo de reestruturao do poder do Estado nacional. Brenner recusa-sea encarar a cidade-regio como uma unidade relativamente autnoma dentro do territ-rio nacional e descarta, portanto, uma explicao do ressurgimento das cidades que tenhaem conta unicamente a globalizao da economia. Argumenta que o Estado nacional con-tinuaexercendoumpapelfundamentalnaformulao,implementao,coordenaoedirecionamento da poltica urbana, dando-se assim uma espcie de descentramento do po-der nacional. Segundo Brenner (2003:7): De acordo com este ponto de vista, no esthavendoerosodopoderdoEstadonacional,massimumare-articulaodestepodertanto com as escalas subnacionais como supranacionais.Os trabalhos tanto de Brenner como de Jessop se situam na escola do desenvolvi-mento geogrfico desigual, que se inspira no materialismo histrico-geogrfico de Har-vey (1985) e Smith (1984), e nas anlises espaciais do processo de acumulao capitalis-taps-fordista.Opostuladobsicoconsistenanecessidadedeentenderaproduodiferencialdoespao,bemcomoatransformaodoslocaisdesuaregulao,queaomesmo tempo se constitui por constitutiva de processos econmicos e polticos (Har-vey, 1996: 6). O re-escalamento contemporneo, portanto, pode ser entendido simul-taneamente como resposta e resultado da reorganizao do capital em escala global, comA G L O B A L I Z A O L I B E R A L14 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008todos os conflitos e incoerncias que este processo implica ao se superpor em territriose lugares herdados.No caso da Amrica Latina, o baixo nvel de industrializao e as caractersticas pr-prias do processo de urbanizao inibiram a homogeneizao territorial significativa deri-vada da poltica keynesiana de acumulao, fato que tambm dissimula a produo de no-vasdiferenasgeogrficassobalgicaneoliberal.Talvezporestarazo,osestudosgeogrficos se preocuparam mais com os novos padres de organizao e distribuio doaparelho produtivo em si, tratando as diferenas geogrficas como algo dado ou pano defundo. Em todo caso, depois do longo perodo marcado pela poltica de substituio deimportaes, as conseqncias da globalizao para o desempenho das economias urbano-regionais tm sido um tema importante nos estudos da nova geografia econmica da Am-rica Latina. As preocupaes dos estudiosos tm privilegiado a anlise da composio e dis-tribuio nacional das atividades econmicas (por exemplo, Cuervo, 2003; Lotero, 2005;Cao e Vaca, 2006) e a indagao das possibilidades da agenda neoliberal com base no de-senvolvimento de uma plataforma competitiva local atravs da inovao, a aprendizagem,o desenvolvimento tecnolgico, as instituies e a governana econmica (ver, por exem-plo, Helmsing, 2002; Mndez, 2002; Boisier, 2004; Sobrino, 2005; Dabat, 2006).Em tais circunstncias, as polticas nacionais de desenvolvimento territorial tendema dar prioridade quelas cidades e regies que apresentam maiores vantagens e melhorespossibilidades de xito para o investimento pblico. Tambm podem promover ativamen-te a criao de condies de competitividade em zonas menos desenvolvidas com poten-cial em setores especficos como servios e turismo, estimular diretamente a conectividadeentre regies e com o exterior, e implementar reformas na organizao poltico-adminis-trativa do Estado. No entanto, a estratgia mais generalizada aquela que induz ou obri-ga as cidades-regio a adotar suas prprias estratgias de competitividade, por limitadasque sejam, mediante o melhoramento de fatores bsicos como a infra-estrutura, a educa-o, a capacitao da fora de trabalho, a promoo de atitudes e iniciativas empresariaisetc.,juntamentecomincentivoseoportunidadesparaaatuaodosetorprivadopormeio de subsdios, iseno de impostos e privatizaes.Esta re-atribuio de funes nacionais s cidades-regio constitui um deslocamen-to geogrfico das responsabilidades polticas. A globalizao neoliberal conduziu dester-ritorializao da propriedade e do controle do aparelho produtivo, infra-estrutura e servi-ospblicos,concentraodarendaedariqueza,aodescumprimentocrnicodaspromessas de elevao geral da qualidade de vida e crescente desigualdade espacial e au-mento das tenses sociais. Persistem, portanto, fortes contradies entre a reestruturaodo espao urbano em funo do capital e os seus efeitos distributivos negativos. Isto vema ser um desafio agudo para os governos locais, descrito por Brenner (2004) em termosdanecessidadedeempreenderumaestratgiapermanentedeadministraodecrises,tipicamente voltada para problemas de pobreza extrema e excluso, e implicando partners-hips, isto , parcerias e novas acomodaes entre o Estado, o setor privado e organizaesda sociedade civil, para compensar o desmonte das instituies e programas de assistn-cia do Estado do bem-estar.A avaliao geral precedente refere-se especialmente Europa e Amrica do Norte,cabendo fazer, com relao Amrica Latina, duas observaes importantes. Em primei-ro lugar, a reorganizao territorial do Estado nacional, no caso latino-americano, ocor-reu tipicamente antes do pleno impacto da globalizao. Reorganizaes importantes sederam em resposta ao processo de rpido crescimento urbano dos anos 1960 e 70, e du-P E T E R C H A R L E S B R A N D15 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008rante ou imediatamente aps os regimes militares e conflitos armados dos anos 1980. Es-te fato, juntamente com o baixo nvel de integrao econmica e poltica dos pases lati-no-americanos no perodo que se seguiu, inibiu a formulao e implementao de refor-masnaorganizaopoltico-administrativadoEstadonacionalquerespondessemdinmica especfica da globalizao.Em segundo lugar, a noo da administrao de crises adquire um sentido parti-cular nas cidades latino-americanas. Enquanto as crises que tiveram lugar nas cidades eu-ropias e norte-americanas surgiram logo aps um perodo de crescimento estvel, altosnveis de emprego, reduo das desigualdades sociais e um aparelho pblico de bem-estarmais ou menos slido para amortecer seus piores efeitos, na Amrica Latina as crises ur-banas neoliberais produziram-se em circunstncias de reduzido desenvolvimento indus-trial, altos nveis de desigualdade preexistentes, sistemas de seguridade social de baixa co-berturaecomvastossetoresdapopulaourbanasobrevivendonainformalidade.Emoutras palavras, somavam-se novas crises s j acumuladas, agravadas ocasionalmente pe-los preocupantes nveis de violncia e a presena de economias ilegais e organizaes po-lticas paraestatais.O NEOLIBERALISMO: A GLOBALIZAO CAPITALISTA COMO PROJETO DE CLASSE DAS ELITES precisamente a dimenso scio-poltica da globalizao e suas prticas de regulaoem diferentes escalas geogrficas que levaram crescente utilizao do conceito de neolibe-ralismo, ou melhor, neoliberalizaes (Castree, 2006) para a compreenso das especificida-des espaciais e territoriais da globalizao. A este respeito, um detalhe no menos signifi-cante o fato de que a globalizao constitui uma vitria do capitalismo. Durante a maiorparte do sculo passado e at meados dos anos 1980, era perfeitamente admissvel postu-lar uma globalizao socialista. Mas enquanto os aparelhos burocrticos do bloco soviticoiam-se derruindo na prpria crise, comparvel crise de acumulao do modelo fordistado regime capitalista, este ltimo encontrou uma sada que, ao mesmo tempo, promoveua globalizao e dela ficou dependente. Esta soluo consistiu no crescimento baseado nasuperaodasfronteiraspolticas,barreiraseconmicaseobstculosculturaisemescalamundial. Ou seja, nascia o projeto neoliberal, entendido como ideologia, estratgia pol-tica e tecnologia de governo para facilitar a expanso do mercado e da empresa privada.Muitas anlises do neoliberalismo tm enfatizado seu carter de poltica econmica,contribuindo, com isto, para dissimular seu carter histrico e classista. Embora se tenhareconhecido a importncia de novas prticas de re-regulao estatal em mltiplos aspec-tos da vida econmica e social (Brenner e Theodore, 2002), bem como as amplas evidn-cias empricas dos custos sociais e ambientais, o neoliberalismo se apresenta com certa fa-cilidade como uma evoluo natural do capitalismo como modo de produo, na qual aproduo de desigualdades sociais e diferenas geogrficas considerada uma dificuldadeacidental e transitria.Em contrapartida, Harvey (2005), por exemplo, argumenta que o longo processo deneoliberalizao foi um projeto para restaurar o poder poltico e econmico das elites edasclassesdominantes,ameaadopelacrisedeacumulaodosanos1970.Oprojetoneoliberal, sustenta Harvey, deve ser entendido no simplesmente como um projeto ut-pico para a realizao de uma perspectiva terica de reorganizao do capitalismo inter-nacionalque,hipoteticamente,beneficiariaatodoomundocomocrescimentoeco-nmico.Eledeveservisto,aocontrrio,comoumprojetodestinadoarestabelecereA G L O B A L I Z A O L I B E R A L16 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008concentrar o poder econmico e poltico cedido pelas elites no perodo do Estado keyne-siano do bem-estar e que, em razo da crise de acumulao, se achava em situao de ex-tremo perigo. Os efeitos reais do neoliberalismo em termos de concentrao de renda eagravamento das desigualdades sociais so amplamente reconhecidos, mas tendem a rece-ber menos ateno nas anlises polticas sobre a cidade.No plano urbano, numerosos estudos tm sido dedicados descrio da espacializa-o deste fenmeno. A concentrao de renda nos setores econmicos e sociais articula-dos com a globalizao resultou em agravamento das disparidades no mercado do solo,fragmentaourbana,segregaosocioespacial,implantaodeilhasearquiplagosurbansticos para a expanso dos servios financeiros, tecnolgicos e dos negcios inter-nacionais, condomnios residenciais fechados, mega-projetos infra-estruturais para aten-der s empresas multinacionais e elites locais, abandono e degradao do habitat das clas-ses populares etc. Tudo isto constituiu, sem dvida, um eixo principal da recente geografiaurbana da globalizao na Amrica Latina, tal como a metropolizao (Prvot, Schapi-ra, 2002; Prez, 2006), as transformaes da estrutura urbana (Janoschka, 2002; Azcare Henrquez, 2003), os padres de segregao (Rodrguez, 2004; Hidalgo, 2004), as de-sigualdades scio-territoriais (Cariola e Lacabanca, 2001; Rodrguez e Sugranyes, 2004),os espaos exclusivos das elites (Cohen, 2005; lvarez-Rivadulla, 2006) e as condies devida (Da Silva, 2003). At que ponto tais fenmenos so produto direto da globalizaoouoresultadodetendnciashistricasendgenasumtemadedebate(DeMattos,2002), cuja clarificao dificultada pelas semelhanas estruturais dos padres socioespa-ciais anteriores plena insero das cidades na globalizao.Noentanto,entendidacomoprojetopolticodaselites,aneoliberalizaonaAmrica Latina tem outras conotaes na escala urbana talvez menos estudadas. Pode-ramos citar, entre outras, a teoria neoliberal como discurso legitimador, sua mobiliza-o mediante a tomada dos centros estratgicos de planejamento urbano, o papel dosmeios de comunicao, as diversas formas de uso da violncia e da represso como me-canismo de imposio do projeto neoliberal em escala urbana, o autoritarismo, etc. En-quanto temas como o papel das agncias internacionais, o conflito, a governana e asprticas participativas passam superfialmente pela questo do poder, so mais escassosos estudos que a encaram abertamente (ver, por exemplo, Restrepo, 2002; Davis, 2006)ouquetenhamresultadoemestudosempricosereflexestericasequivalentes,porexemplo,ateoriadosregimesurbanoselaboradaemrelaourbanizaoneoliberalnos Estados Unidos. possvel que as preocupaes especficas da Amrica Latina tenham levado a subes-timar estes temas no nvel urbano. Com as esperanas voltadas para a consolidao da de-mocracia participativa e seus mecanismos institucionais formais, possvel que os estudosurbanos tenham se descuidado da reconfigurao das classes e da promoo dos interessesdas elites (favorecidas pela desordem e o declnio dos partidos polticos tradicionais), dasalianas entre setores scio-econmicos, do efeito da poltica de privatizao, da apariode novos atores tanto pblicos como privados no cenrio da poltica urbana, do redirecio-namento do investimento pblico no interesse do grande capital nacional e estrangeiro, daspolticas fiscais municipais, etc. Ademais, muitos dos fenmenos espaciais associados coma globalizao nas cidades do mundo desenvolvido, tais como a informalidade, a pobreza,a marginalizao e as migraes, j existiam nos anos 1980 em forma endgena, freqen-temente mesclados com a existncia de economias ilegais, a corrupo e a presena de apa-relhos paraestatais.P E T E R C H A R L E S B R A N D17 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008Em todo caso, poder-se-ia dizer que ainda est por se elaborar uma anlise polticasistemtica deste tipo voltada para a cidade latino-americana. Existe uma tradio de estu-dos poltico-urbanos (sobre a configurao dos partidos, o caciquismo, o clientelismo co-mo mecanismo de poder, os movimentos sociais e a violncia, por exemplo) suficientemen-te forte para que se possa efetuar esta atualizao no contexto da globalizao neoliberal.Neste sentido, um tema importante tem a ver com a reconfigurao das prprias elites. certo que, na Amrica Latina, os caciques polticos regionais, as lideranas surgidas com aindstria tradicional e a propriedade da terra se mesclaram e cederam terreno a outros gru-pos elitistas menos visveis e menos comprometidos territorialmente. A representao po-ltica de seus interesses , hoje em dia, menos personalizada e mais tecnocrtica, concreti-zando-se atravs de organizaes corporativas capazes de articular e mobilizar os interessesdas empresas multinacionais, a indstria local moderna e o setor financeiro, etc., em pro-cessos mais complexos de transformao urbana. Esta tecnocratizao do poder das elitescontribuinosomenteparaaorientaotcnicadapolticaurbanaemfunodosseusprprios interesses de competitividade, mas tambm implica e requer, na chefia da admi-nistrao municipal, um novo tipo de lder poltico urbano, ao mesmo tempo global elocal, culto e popular, democrata e audaz, enfim, uma espcie de mago capazde assumir a difcil gesto das contradies da cidade em tempos de neoliberalismo.MATERIALIDADES E SUBJETIVIDADESPor ltimo, convm abordar no somente o tema dos processos e efeitos materiais eespaciais da globalizao neoliberal em escala urbana, como tambm a interrogao sus-citada pelo fato de ter sido possvel ir to longe na execuo de tal projeto, apesar dos con-flitos polticos e custos sociais que implica. Harvey (2005) coloca o problema em termosda construo do consentimento, com uma anlise que se desenvolve sobretudo em es-cala nacional. Reconhece que em pases como o Chile, o projeto neoliberal se realizou demaneira rpida e brutal mediante um golpe de Estado orquestrado pelos Estados Unidose levado a cabo pelo ditador Pinochet. Entretanto, argumenta Harvey, na grande maioriadoscasosaneoliberalizaoserealizoudemaneiragradualemediantemecanismosde-mocrticos. indubitvel que, na Amrica Latina e outras regies, o papel coercitivo dasinstituies financeiras, como o FMI, e a imposio de polticas de ajuste estrutural fre-qentemente se impuseram vontade democrtica nacional.Nas profundas anlises em que estuda detalhadamente os casos dos Estados Unidose doReinoUnido,Harveynonegligenciaaescalaurbana.Nocasonorte-americano,destaca a maneira pela qual a crise fiscal da cidade de Nova York, em meados dos anos1970, deu a oportunidade para se entregar a administrao da cidade aos bancos priva-dos, desregular o mercado imobilirio, desativar a fora de trabalho organizada, desfalcaros servios sociais, transformar o emprego em uma responsabilidade individual, crimina-lizarcondutasanti-sociais,etc.,numaespciedeiniciativa prototpicadeconcretizaodo projeto neoliberal em escala nacional. O caso de Londres foi diferente, pois ali o pro-jetoneoliberaldependiadodesmontedeumaparelhoestataldebem-estarmuitomaisamplo, apresentando-se a escala urbana menos como portadora dos novos horizontes neo-liberais do que como um espao onde se exerciam velhos hbitos. Mesmo assim, na esca-la urbana, o projeto neoliberal conduziu dissoluo da autoridade metropolitana (bas-tio do poder intervencionista estatal), intensificao do controle da cidade por parte dogoverno nacional, extenso da influncia do centro financeiro internacional, flexibili-A G L O B A L I Z A O L I B E R A L18 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008zao e ocasionalmente ao desmonte total do sistema de planejamento urbano, privati-zao da infra-estrutura e da habitao pblica, etc. Estes casos evidenciam a tomada decontrole das cidades por parte do governo central e a simultnea entrega aos interesses eorganizaes capitalistas.As anlises de Harvey voltam-se principalmente para os mecanismos polticos de re-distribuio do poder, mas tambm do nfase interao existente entre o avano desteprocesso e o apelo a valores culturais nacionais como liberdade, responsabilidade, opor-tunidade, justia, sentimento religioso, etc, modificando o seu sentido prtico em situa-esdemudanasocialradical.NaAmricaLatina,semdvida,temsidomaisdifcilconcretizarestaarticulao,oqueserefletenainstabilidadepoltica,naviolnciaenaoposio aberta globalizao neoliberal.Oprocesso de neoliberalizao, evidentemente, mais do que uma simples questo deideologia e de teoria econmica, tambm tem a ver com a transformao das relaes so-ciais, a experincia cotidiana, a formao de subjetividades e a criao de identidades. Aconstruo do consentimento foi facilitada, sem dvida, pela desconfigurao das insti-tuies do Estado e organizaes sociais estveis como os partidos tradicionais, os sindi-catos e as comunidades. Mas tambm influenciou o discurso neoliberal, enquanto esferaideolgica na qual se constri e se mobiliza o sentido comum juntamente com as manei-ras aparentemente bvias de entender o mundo, os problemas atuais, as aspiraes e oscaminhos legtimos para alcan-las, os horizontes do futuro e o lugar do indivduo nonovo esquema neoliberal. A partir desta perspectiva, foram analisadas a globalizao (Ca-meron e Palan, 2004), a cidade empresarial (Jessop, 1999) e muitos outros fenmenos daneoliberalizao como narrativas.Asopesanalticasabertasportaisperspectivassoamplasenocabeaquiumaabordagem sistemtica do tema, que se limitar simplesmente indagao geral sobre osignificadodaescalaurbanacomolugardeformaodesubjetividades.Seaescalana-cional percebida em seu papel de mero facilitador no processo de globalizao e comoentidadeabstratanaformaodeidentidadescoletivaseindividuaisemvriospasesabriram-se,defato,amplosdebatessobreoquesignificaseringlsoufrancs,porexemplo , ao passo que as cidades-regio assumem um papel cada vez mais predominan-te porm no necessariamente mais determinante na vida social, seria de se esperarque as cidades voltassem a ser lugares privilegiados para a formao de subjetividades emcondiesdeglobalizao.Talsituaoofereceria,almdisto,novaspossibilidadesdeaproveitamento poltico, no que se refere readaptao dos cidados em funo das opor-tunidades globais e das limitaes locais. A cidade se converteria no lugar privilegiado pa-ra se construir a legitimidade governamental, a solidariedade territorial e o cidado sub-misso,medianteestratgiaslocaisbaseadasnareconstruodenoescomocidadania,direitos e deveres do cidado, formas legtimas de participao, responsabilidade indivi-dual, relao com a autoridade, expectativas frente s instituies e a esfera pblica.AS ESTRATGIAS URBANAS NA COLMBIA:CONTRIBUIO A UMA REVISO CRTICANa parte anterior deste trabalho, foi esboado o debate sobre o re-escalamento eassinalados alguns pontos de maior relevncia para o entendimento das polticas e prti-cas do governo local. Nesta seo, pretende-se explorar a pertinncia dos argumentos de-P E T E R C H A R L E S B R A N D19 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008rivados das propostas gerais do re-escalamento, com referncia experincia das gran-des cidades colombianas. Na anlise a seguir destacam-se os seguintes aspectos: A relao entre as escalas urbana e nacional: a orientao nacional das polticas de com-petitividade, as iniciativas urbanas perante a globalizao, a incidncia da distribuioterritorial do poder poltico, as configuraes e relaes institucionais, as culturas lo-cais perante o empreendimento, etc. A concentrao do poder e o papel das elites urbano-regionais: a reconfigurao do po-der urbano, a composio e o papel das elites, as estratgias adotadas para impor e le-gitimar os interesses de classe, a orientao do investimento pblico, suas implicaesem termos de eqidade socioespacial, a noo de cidadania, etc. As polticas urbanas como administrao de crises: formas simblicas de criar novossentidos de unidade e coerncia territorial, a renovao urbana, a arquitetura e a infra-estrutura, o espao pblico, a cidade como espetculo e cenrio de atos culturais, a or-dem pblica e o exerccio da autoridade, etc.Uma reviso crtica dentro desta ordem de idias atua como contrapeso fetichiza-o da cidade no processo de globalizao. Criou-se a impresso de que o futuro das ci-dades depende somente delas, de sua capacidade endgena de transformao, inovao eliderana. Ainda que esta fetichizao da cidade seja uma caracterstica geral da globaliza-o, na Colmbia ela foi acentuada pelo forte sentido regionalista que existe no pas, jun-tamente com o processo extraordinrio de reconstruo de imagens e imaginrios urba-nos,especialmentenascidadesdeBogoteMedelln,aoladodecasosigualmentenotrios, mas opostos, de degradao de cidades grandes como Cali e Barranquilla atra-vs de crises profundas e prolongadas. A apario de um tipo de lder poltico frente daadministrao das cidades (prefeitos independentes, inovadores e carismticos na sua for-ma de governar) tambm reforou a sensao de uma autonomia funcionalista das cida-des perante a globalizao, na qual se descartam as trajetrias urbanas, os condicionamen-tos culturais e as articulaes nacionais e internacionais como fatores significativos.AS BASES PRINCIPAIS DA POLTICA URBANA NA COLMBIAEm contraste com pases como Chile, Mxico, Brasil e Argentina, a plena inseroda Colmbia nos circuitos da globalizao e a adoo de polticas neoliberais tiveram in-cio tardiamente, no incio da dcada de 1990. Embora seja certo que a indstria manu-fatureira tradicional teve problemas na dcada anterior, o pas manteve algumas medidasprotecionistas e evitou as grandes crises econmicas e a hiperinflao que tanto afetou aoutros pases da regio. Por sua vez, certa estabilidade fiscal e monetria permitiu que aColmbia chegasse a acordos menos rgidos com o FMI e os bancos internacionais. So-mente a partir do governo de Csar Gaviria (1990-1994) foi empreendida com seriedadea poltica de abertura econmica. Ainda assim, o processo foi gradual, e no houve umaonda massiva de privatizaes nem mudanas radicais na organizao institucional do Es-tado, fenmeno que somente se verificaria no comeo do novo sculo.O que houve na Colmbia foi, mais propriamente, uma crise de ordem poltica, es-treitamente associada com o problema do narcotrfico: a penetrao das mfias em todasasinstnciaspolticas,econmicasecivis,oestabelecimentodecontrolesterritoriaiseaparelhos paraestatais nos bairros populares e o aprofundamento de uma situao crni-ca de violncia. Tamanha foi a gravidade, que em 1990 se convocou uma assemblia cons-tituinte numa tentativa de salvaguardar as estruturas polticas e institucionais. Entre ou-A G L O B A L I Z A O L I B E R A L20 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008tras coisas, a nova Constituio Poltica de 1991 aprofundou o processo de descentraliza-o que havia se iniciado nos anos 1980, outorgando aos municpios uma boa dose de au-tonomia e uma extensa participao no oramento nacional, e ampliando consideravel-mente os mecanismos de participao cidad nos assuntos locais.Contra este pano de fundo se desenvolvia a poltica nacional de competitividade ur-bana,quenotevemaiorrelevnciaatmeadosdosanos1990.Desdefinaisdosanos1980, o governo nacional havia comeado a impulsionar a criao de um quadro norma-tivo e institucional destinado a modernizar a economia mediante mecanismos concebidospara acelerar e ampliar a abertura econmica, o comrcio exterior, o investimento estran-geiro direto, o mercado de capitais e o mercado de trabalho nacional. Tambm neste pe-rodo, o setor privado deu incio a uma srie de estudos prospectivos relacionados com ainsero da Colmbia na economia global, sob a coordenao das Cmaras de Comrciodas grandes cidades. Entretanto, a dimenso territorial ficou relativamente esquecida. Es-ta situao foi remediada com a realizao, entre 1995 e 1998, de uma srie de estudossobreacompetitividadenacionaledasgrandescidades,contratadospelafirmanorte-americana Monitor, de Michael Porter. Adicionalmente, o governo nacional instituiu, em1995, a poltica nacional urbana denominada Cidades e Cidadania, que se apropriou dasidias em circulao naquele momento sobre o papel da cidade como a fora motriz dodesenvolvimento. A ltima iniciativa estratgica foi a formulao, em 1999, da PolticaNacional para a Produtividade, a Competitividade e as Exportaes, com um forte com-ponente regional representado pelos Planos Estratgicos Exportadores Regionais (PEER),elaboradospelascidadessobasdiretrizesdoMinistriodoComrcioExterior,queporsua vez convocou os Comits Assessores Regionais de Comrcio Exterior (CARCE) parasua formulao. Controlados efetivamente pelas Cmaras de Comrcio (ver Brand e Pra-da, 2003), tais comits estavam, em princpio, abertos a todos os setores nas diferentes re-gies em que houvesse pessoas abertas a paradigmas e idias distintas (leia-se figuras deinclinao neoliberal).Os fatos acima foram objeto de estudo, mas so poucas as anlises, entre os estudosurbano-regionaisedeplanejamento,queossubmetemaumexamecrticorigoroso.Oassunto mais bvio do ponto de vista tcnico diz respeito crescente influncia do setorprivado na formulao da nova gerao de planos de desenvolvimento territoriais inspi-rada na competitividade, especialmente aqueles de ordem estratgica que definem as li-nhas tanto discursivas como programticas e de investimento pblico por meio de ma-cro-projetos.Claramentesepsemevidnciaamanifestaodonovopoderdasassociaes do setor privado na direo das cidades. Isto significou o ocaso definitivo doscaciques polticos tradicionais e lderes civis patriarcais de outrora; a partir desse momen-to,oempresariadoprivadocomeaaoperarcorporativamenteemobilizaseupodernointerior do sistema tecnocrtico e participativo de planejamento, fazendo-o em nome dasobrevivncia das cidades, mas agindo, de fato, em defesa de seus prprios interesses po-lticos e econmicos nas condies criadas pela globalizao.Outro tema de interesse est relacionado com as transformaes ocorridas no pro-cesso de planejamento. Atos legislativos que datam tambm de meados dos anos 1990 in-troduziram, entre outras coisas, medidas para separar os programas de governo dos pre-feitos e os planos de desenvolvimento territorial, obrigando os primeiros (de 3 ou 4 anos)a acomodarem-se aos segundos (de prazo mais longo e formulao participativa), e cria-ram, ao lado de mecanismos de superviso e prestao de contas, instrumentos de inter-veno no mercado do solo. Tudo isto despertou um inusitado interesse pblico pelo pla-P E T E R C H A R L E S B R A N D21 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008nejamento urbano, cujas caractersticas e conseqncias merecem uma maior indagao. certo que, pelo menos nas grandes e mdias cidades, as expectativas em torno dos no-vos planos resultaram em uma ampliao da participao cidad, permitindo atrair am-plos setores sociais para o discurso da competitividade e obtendo tambm a adeso de se-torescrticoscomoasONGs e as universidades,pormeiodaatribuiodepostosburocrticos, consultorias e assessorias. Enquanto se impulsionava a modernizao da in-fra-estrutura(aeroportos,estradas,comunicaes,centrosdenegcios,etc.),dentrodeumprocessoheterogneodeprivatizaeseconcessestambmdosserviospblicos,produziram-se situaes crticas em questes como a moradia, o acesso a servios de sa-de, a crescente precariedade do mercado de trabalho, o aumento da pobreza e a misria.Isto nos leva ao terceiro ponto, relacionado com a caracterizao das polticas urbanascomo administrao da crise. O Estado neoliberal operou um redirecionamento territorialdas responsabilidades pelo bem-estar econmico e social para os municpios, ao passo quelhes retirou os instrumentos tradicionais que o asseguravam. Evidentemente, a reconstru-o da noo de bem-estar tinha que ser buscada dentro da lgica prpria do neoliberalis-mo,queincluaomercado,ainovao,oempreendimento,asresponsabilidadesindivi-duais etc., e em meio ao empobrecimento da vida material e econmica de amplos setoresda populao e a uma acelerada fragmentao socioespacial. O xito de tal empresa depen-dia, ento, do reposicionamento da noo urbana de bem-estar no mundo simblico; dao reiterado discurso sobre a cidade e os direitos e deveres da cidadania, os smbolos arqui-tetnicos e infra-estruturais, a converso do espao pblico em cenrio de espetculo. Istorequeria um novo tipo de prefeito, relativamente independente das estruturas partidriastradicionais, culto e experimentado em matria de globalizao, e capaz de manejar con-vincentementeosinstrumentosdaculturalocal.Estestemasserocomentadosaseguir,muito brevemente, tendo como referncia as quatro maiores cidades da Colmbia.3O CASO DE BOGOTCapital e principal cidade da Colmbia, com uma populao de aproximadamentesetemilhesdehabitantes,Bogotapresentavacondiesurbansticaslamentveisparaenfrentar os desafios da globalizao. No incio dos anos 1990, Bogot ainda contava comuma infra-estrutura e equipamentos deficientes, um sistema de transporte catico e apre-sentava um quadro de degradao fsica e social especialmente acentuada no centro. Emum comentrio do Informe Monitor l-se que:O problema fundamental [de Bogot] no est na baixa qualidade de vida, nem em suaescassa conectividade com a economia global, nem na deficiente capacidade de seus recursos hu-manos. O problema que impede a cidade de ser competitiva muito mais profundo: Bogot ca-rece de uma viso sobre o que pretende ser e onde quer se posicionar no mundo. Bogot pode so-lucionar seus problemas de insegurana, reorganizar seu sistema de transporte e suas finanas, masse a cidade no consegue visualizar o que deseja ser, seguramente no vencer o desafio de se con-verter em uma cidade global capaz de oferecer prosperidade a seus cidados e cidads.4No obstante a tpica fetichizao da cidade e as falcias sociais da competitividade,este informe de alguma forma acertou em seu diagnstico no que diz respeito crise deidentidade e direo da cidade. A recuperao de Bogot na ltima dcada foi bastantereconhecida internacionalmente, a partir de um esforo mais ou menos contnuo basea-A G L O B A L I Z A O L I B E R A L22 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O20083 A apresentaodasatuaispolticaseprojetosdecadacidadepodeserencontradanasrespectivaspginasweboficiais:www.bogota.gov.co;w w w. me d e l l n . g o v . c o ;www.cali.gov.co;ewww.al cal di abarranqui l l a.gov.co.Tambmsepodeencontrarin-formaovaliosaem:www.bogota.comovamos.org e www.medellin.comovamos.org.4 ABogotqueSonhamos.InformeMonitor/CmaradeComrciodeBogot,1997,Resumo executivo.do no saneamento fiscal, no assentamento de uma cultura cidad, nos macro-projetosinfra-estruturais e de equipamentos, e no manejo do espao pblico. Esta transformaofoi impulsionada por uma nova estirpe de prefeitos Antanas Mockus, intelectual e ex-reitor da Universidade Nacional da Colmbia, e Enrique Pealosa, jovem e entusiasta ur-banista pertencente elite de Bogot, que tanto se sente em casa em Nova York como emBogot (Dvila e Gilbert, 2001). No entanto, para entender integralmente o ressurgimen-to de Bogot, haveria que se levar em conta, ainda, a sua posio privilegiada como capi-tal, sua facilidade de acesso s instncias de governo nacional e internacional, o fato deconstituir um elo na internacionalizao da economia e centro financeiro, e as polticasde segurana implementadas. Ainda assim, cresceram os problemas de pobreza, desigual-dade e segregao socioespacial, apenas reconhecidos nos ltimos anos pela administraocentro-esquerdista de Lucho Garzn.O CASO DE MEDELLNSegundo o Informe Monitor para a segunda cidade da Colmbia, cuja populao ul-trapassa dois milhes de habitantes:Medelln uma cidade de economia robusta, com um nvel aceitvel de tomada de riscos,acesso a capital mais barato, e indstrias de apoio em vrios setores, mas ainda marcada pela au-sncia de formao especializada em tecnologia, negcios e inovao que a leve a uma nova fasede desenvolvimento.5Sem dvida, Medelln contava com um setor empresarial organizado, capaz de rees-truturar-seeinfluenciarfortementenaspolticasenosmacro-projetosurbanos.ComoBogot, tambm contava com instituies pblicas de planejamento capazes de materia-lizar o projeto da competitividade. Entretanto, o desafio principal para Medelln nos anos1980 e 90 foi sair dos altos nveis de violncia que a situaram como a cidade mais violen-ta do mundo, em boa parte devido aos cartis de narcotrfico estabelecidos na cidade. Acombinao da audcia poltica com a liderana empresarial, a solidariedade regional e acapacidadedeseinseriremredesinternacionaiscomousemaintervenodogovernocentral, permitiram que Medelln enfrentasse com xitos os desafios da globalizao (verFranco, 2005). Por outro lado, esta insero nos circuitos globais foi alcanada logo apsa superao de uma crise social sem precedentes, de tal maneira que os conflitos posterio-res, diretamente relacionados com a competitividade neoliberal, pareciam de menor im-portncia, sendo habilmente monitorados, em primeiro lugar, atravs de uma estratgiaambiental (Brand, 2005) e, em seguida, por meio de uma verso prpria de cultura ci-dad, renovao urbana e espetculo. Ainda que nas primeiras etapas tenham sido im-portantes as lideranas polticas tradicionais, uma vez controlada a crise da ordem pbli-ca,apareceramprefeitosjovensprovenientesdasuniversidadesedasinstituiesvinculadas pesquisa, quer em aliana com as classes polticas tradicionais, quer com ba-se em um bem-sucedido movimento cvico independente.OS CASOS DE CALI E BARRANQUILLAA terceira e a quarta cidades do pas, com populao total estimada em trs milhesde habitantes (dois milhes em Cali e um milho em Barranquilla), se caracterizam pelasP E T E R C H A R L E S B R A N D23 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O20085 ConstruyendolaventajacompetitivaenMedelln.In-formeMonitor/CmaradeComrcio de Medelln, 1996.dificuldades de insero nos circuitos da globalizao. So casos distintos, que tm em co-mum a decadncia das elites locais, a corrupo e os conflitos polticos locais. Alm dis-so, enquanto as cidades de Bogot e Medelln rapidamente solucionaram o problema desuas finanas pblicas, Cali e Barranquilla entraram, nos anos 1990, em um longo pero-dodecrisesfiscaisque,continuandononovosculo,limitaramaindamaisqualquertentativa de competitividade. No caso de Cali, a emergncia dos novos cartis do narco-trfico em plena abertura econmica teve efeitos nefastos que minaram a economia, mar-ginalizaram as classes polticas tradicionais e arruinaram as anteriormente slidas institui-es pblicas. J em Barranquilla, como principal porto colombiano na costa caribenha,teria sido possvel esperar uma dinamizao da economia a partir da globalizao, mas es-tanuncasematerializou.Seriaumasimplificaoabusivaatribuirofatosadministra-es populares eleitas nos anos 1990 (ver Senz e Rodrguez, 1999), pois a empresa pri-vada j controlava o porto e os servios pblicos, e o governo central interveio cada vezmaisnosassuntosinternosdacidade. TantonocasodeBarranquillacomonodeCali,cabe se perguntar, entre outras consideraes, sobre o papel das culturas regionais nas es-feras poltica e empresarial dos setores tradicionais das economias urbanas (menos aber-tos que em Bogot e Medelln), sobre as trajetrias urbanas, sobre o posicionamento decada cidade com relao aos governos centrais, sobre os efeitos de novos grupos ilegais as-sociados ao narcotrfico e, mais recentemente, sobre o para-militarismo.NestabrevediscussodaexperinciadasquatroprincipaiscidadesdaColmbiachamamos a ateno, ainda que muito esquematicamente, para a presena das mltiplasintersees da globalizao em termos de dinmica e regulao multiescalar da vida eco-nmica, poltica e social. Frente tendncia geral da fetichizao da cidade, notam-se al-guns fatores supra-urbanos que matizam o significado desta escala espacial. O caso co-lombianopareceindicaropapelreduzidodaescalanacional,emboraanlisesmaissistemticas venham a considerar de forma mais detalhada sua funo reguladora em re-lao s condies de operao da empresa privada e o mercado de trabalho. Alguns dosfatores que mais sobressaem em escala urbana so o papel das elites locais e a capacida-de gerencial dos novos lderes polticos locais. Afinal, se a globalizao neoliberal umprojeto das elites, a adequada configurao destas no plano urbano-regional e a presen-a de prefeitos simultaneamente globais e enraizados na cultura regional em sua for-mao seriam apenas uma condio lgica do xito da glocalizao em um lugar con-cretoedeterminado.Hdeselembrartambmqueainseroglobaleabuscadacompetitividade urbana se desenvolvem com o problema, especialmente agudo na Am-rica Latina, da pobreza e da desigualdade socioespacial. Conseqentemente, a adminis-trao da crise urbana implica o sempre delicado balano entre as condies materiaise as formas simblicas do bem-estar das populaes urbanas, a aplicao de novas tecno-logias de governo e o uso da represso.COMENTRIOS FINAISO objetivo deste trabalho foi o de revisar a questo do re-escalamento e indagarsuapertinnciaepossveiscontribuiesparaaanlisedasestratgiasdedesenvolvi-mento urbano. De um modo geral, tanto na Colmbia como na Amrica Latina em ge-ral este tema tem relativamente recebido pouca ateno. Tentou-se demonstrar aqui que possvel contribuir com elementos teis para reestimular a anlise do Estado e o estu-A G L O B A L I Z A O L I B E R A L24 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008do das polticas urbanas, particularmente quanto a diferentes variaes de escala relati-vas ao desenvolvimento urbano, ao desmascaramento do carter elitista das polticas decompetitividade e s formas de legitimao dos governos locais na administrao da cri-se urbana.Esta aproximao limitou-se a algumas observaes gerais, s quais se acrescentou al-guma explorao preliminar do caso da Colmbia e suas cidades principais. Nota-se quea experincia da Amrica Latina foi extremamente diferente no que diz respeito ao modoe ritmo de insero na globalizao neoliberal. Desde o caso do Chile e as demais ditadu-ras do Cone Sul, passando pela integrao do Mxico, cuja particularidade est na sua si-tuao fronteiria com os Estados Unidos, os radicalismos dos pases do Pacto Andino eas sadas divergentes da Amrica Central, existem diferenas, dependncias e experinciasmuito heterogneas, tanto dentro de cada sub-regio como entre elas. Por outro lado, nonovo milnio surgiram resistncias nacionais globalizao neoliberal, assim como ino-vaessignificativasnaadministraoprogressistadacriseurbana.Entretanto,noseconsolidou ainda um projeto latino-americano de integrao econmica, e o futuro dascidades se debate entre correntes multiescalares complexas e indeterminadas.A democracia formal continua sendo uma preocupao compreensvel de muitos es-tudos urbano-regionais, em meio ao que aparenta ser uma organizao territorial do Es-tado relativamente estvel. Entretanto, a tese do re-escalamento consiste no somentenare-calibraodasrelaesentreoEstadonacionaleasinstnciaslocais,comoestare-calibrao se relaciona com a reconfigurao das mltiplas escalas e formas de regu-lao nas condies da globalizao neoliberal, fenmeno que se verifica independente deo arcabouo poltico-administrativo nacional ter que passar por reformas territoriais. Istosignifica a oportunidade de abordar em um novo contexto tambm os temas da descen-tralizao e participao cidad, assim como as crescentes preocupaes com a desigual-dade socioespacial e a fragmentao urbana.Finalmente, embora seja certo que a globalizao impe uma agenda de competiti-vidade nica em seu carter estrutural, tambm obriga que cada cidade elabore sua estra-tgia prpria de articulao com os circuitos globais e administre sua crise interna parti-cular. No caso da Amrica Latina, a ausncia de uma escala continental intitucionalizada,comparvel com a Unio Europia ou o NAFTA, por exemplo, acentua o papel que devemassumir as administraes urbanas. Entretanto, isto no quer dizer que estas atuem semrestries nem condicionamentos. Os governos nacionais continuam cumprindo um pa-pel fundamental de intermediao entre a escala urbana e os mercados internacionais, osorganismosfinanceirosdaglobalizaoeasagnciasmultilateraisdedesenvolvimento.Por outro lado, as tradicionais polticas regionais e as trajetrias urbanas tambm condi-cionam a capacidade de atuao das cidades, e disso decorre a importncia de um novotipo de lder poltico urbano, capaz de manejar a complexidade destas mltiplas intersec-es da globalizao que se produzem na escala urbana. A investigao comparativa seriaum caminho vivel para explorar este fenmeno em profundidade.REFERNCIAS BIBLIOGRFICASLVAREZ-RIVADULLA,M.J. (2006)Goldenghettos:gatedcommunitiesandclassresidential segregation in Montevideo, Uruguay. Environment and Planning A. Vol.39,n.1, pp.47-63.P E T E R C H A R L E S B R A N D25 R. B. 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While urban policy has since consolidated considerably in thissenseinLatinAmerica,academicresearchandtheoreticalreflectionhassomewhatlaggedbehind,frequentlycircumscribedbyanalyticandinterpretativeframeworksimportedfromoutside the Latin American context, limited to operative aspects of urban competitiveness ordominated by regional concerns over local democracy. This paper examines the Latin Americancityinthelightofthetheoreticaldebateonthereconfigurationofscalarhierarchiesandinterrelations produced by globalization. It then goes on to review the recent experience of someColombian cities, with special reference to the themes of state reorganization, planning policy,urbangovernanceandspatialrestructuring.Thepaperconcludeswithsomesuggestionsconcerning a research agenda.K E Y W O R D S Globalization; geographic re-scaling; neoliberalism; urban develop-ment; Latin America.A G L O B A L I Z A O L I B E R A L28 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008PLANEJAMENTODO ECONOMICISMO MODERNO DIALTICA SOCIOESPACIALL U C A S L I N H A R E SR E S U M O A teoria e a prxis do planejamento, nas sociedades capitalistas moder-nas, refletem a consolidao de um modelo de racionalidade fundado numa viso mecanicis-ta dos processos sociais. A matriz positivista da cincia que busca enunciar (e predizer) os fe-nmenos sociais por meio de leis universais alcanou posio hegemnica e assentou as basesdo planejamento moderno. No campo da Economia Poltica, dominada pela perspectiva me-canicista embutida na corrente neoclssica, a busca da construo de esquemas tericos gene-ralistas confere ao espao, enquanto categoria analtica, um papel secundrio. O presente ar-tigopropeinicialmenteumadiscussoepistemolgica,buscandoavaliarcriticamenteosignificado da incorporao de um paradigma economicista e mecanicista por parte da teoriado planejamento. Entrecortando a discusso epistemolgica, procuramos, amparados na pers-pectiva terica neomarxista, reafirmar o papel do espao como categoria elementar compre-enso dialtica da dinmica capitalista, sem a qual uma teoria do planejamento incorreria emimportante lacuna. O reconhecimento de que as contradies do modo de produo devem serdesvendadaspelainvestigaodoespaosocialmenteengendradocapazdenosconduzirauma teoria social mais robusta no balizamento do planejamento.P A L A V R A S - C H A V E Planejamento; dialtica socioespacial; modernidade;espao social.INTRODUOO planejamento da coisa pblica (res publica), envolvendo as instncias social, eco-nmicaeespacial,objetodeateneseintenesdesdeaantigidade.Pensadoresdoquilate de Plato e Aristteles tinham na poltica o arcabouo terico-prtico que funda-menta a atuao do Estado enquanto organismo de governo. Nessa concepo, o princi-pal desgnio do Estado encontrar a forma de vida ideal, que conduza os cidados vir-tudeeaoseuobjetivosupremo:afelicidade.Apoltica, nadefinioaristotlica,acincia da felicidade humana.Ademais, o corpus terico-prtico aristotlico considerava a cidade (polis) como o ob-jeto por excelncia da poltica, donde decorre que o meio concebido para o alcance da fe-licidade passaria necessariamente pela organizao da polis, o espao dos cidados. Obser-vamos, pois, que Aristteles revelava j naqueles tempos a percepo de que a felicidadeda coletividade humana condicionada edificao de formas socioespaciais adequadas;formasessasquedeveriamserfomentadaseasseguradaspeloEstado. Assim,identifica-mos na obra do filsofo estagirita incurses pioneiras no campo do planejamento, aindaquesemocarterqueamodernidadepositivistaconferiumatriasculosmaistarde.Uma vez que se apresentavam esquemas tericos que requeriam para si o status cientfico,e que visavam ao balizamento de atuaes no campo da praxis, comeava a ser sedimenta-da a idia do planejamento socioespacial, que, sob o epteto genrico de poltica, versava29 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008sobre os destinos da polis e, por conseguinte, sobre os destinos da reproduo social e ma-terial da humanidade, envolvendo uma dimenso espacial inescapvel.No obstante, a modernidade interps ao germe aristotlico foras contrrias de re-ao, tanto no plano epistemolgico quanto no plano poltico. Tais foras significaram atomada das cincias sociais pelo positivismo, que trazia embutida a primazia do indiv-duo em detrimento da coletividade e a emergncia do liberalismo como doutrina socialque garantiria aquela primazia.No campo da economia poltica, embora a penetrao do paradigma positivista te-nha se dado retardatariamente, verificamos a consolidao hegemnica de um modelo deracionalidade fundado numa viso mecanicista da sociedade, como se esta obedecesse aosmesmos ditames das cincias naturais. justamente a essa fsica social que vai sucum-bir o planejamento nas sociedades capitalistas da modernidade.Em ltima instncia, no esquema terico mecanicista clssico, a racionalidade do(s)mercado(s) era imposta como virtuosa na consecuo dos objetivos sociais, o que tinhacomo contrapartida, no plano poltico, a legitimao da ordem liberal-individualista. Asuposta existncia de indivduos racionais maximizadores garantiria uma tendncia ine-xorvel ao timo social, donde deriva que as ingerncias de instrumentos extra-merca-do significariam um obstculo harmonia natural dos interesses.Diante desse quadro, em que a economia poltica dominada pela perspectiva da f-sica social embutida na matriz neoclssica buscava a construo de esquemas tericosgeneralistas, o espao enquanto categoria analtica foi relegado a segundo plano, ao mes-motempoemqueoplanejamentoreduziaseuescopoaomnimo,umavezque,nestemundo ideal, sua presena era praticamente dispensvel. sabido que a extenso do capitalismo urbano-industrial como modo de produoe reproduo social s mais diversificadas partes do mundo pauta-se por heterogeneida-des. A dinmica do capital no espao marcada por uma dualidade centro-periferia, queconcentra oportunidades de desenvolvimento em alguns pontos, mantendo outros mar-gem das benesses do sistema.Considerandoaspartesdomundoemqueascontradiesdocapitalismoimpri-mem uma realidade especialmente adversa, pautada por graves desequilbrios sociais, eco-nmicos e espaciais, como o caso do Brasil, cumpre investigar em que medida a matrizepistemolgica que formou o alicerce do planejamento na modernidade, bem como seusdesdobramentos sobre os esquemas tericos e prticos contemporneos, oferecem subs-dios para compreender e superar tais adversidades.Buscamos, portanto, discutir a possibilidade terica do planejamento e do desenvol-vimento. Para tanto, encetamos uma viso segundo a qual o planejamento contempla pe-lo menos trs instncias: economia, sociedade e espao. As especificidades do modus ope-randi dessas trs instncias articuladas explicam a condio de (sub)desenvolvimento. Aanlise dialtica das estruturas sociais, econmicas e espaciais historicamente engendradasforneceelementosparaacompreensodarealidadesocialperifrica,constituindoumponto de partida para pensar os mecanismos de sua superao. Uma anlise dessa nature-za exige uma apreciao crtica das teorias e polticas do desenvolvimento hegemnicas,afeitas s teleologias generalistas. nesse substrato terico-poltico, sucintamente descrito acima, que o presente tex-toseplanta.Inicialmente,realizamosumadiscussodecunhoepistemolgico,ouseja,teorizamos sobre a prpria cincia, buscando perscrutar as matrizes cientficas que infor-maram o planejamento na modernidade. Nessa ambincia discursiva, discorremos acercaP L A N E J A M E N T O30 R. B. ESTUDOSURBANOSEREGI ONAI SV. 10, N. 1/ MAI O2008dos impactos da penetrao do positivismo nas cincias sociais, e particularmente na eco-nomia, sobre a teoria do planejamento. A incorporao de um paradigma economicista emecanicista pelo planejamento significou, contraditoriamente, seu prprio fenecimento,uma vez que tal paradigma veio a legitimar o liberalismo.Entrecortando a discusso epistemolgica, procuramos reafirmar o papel do espaocomo categoria elementar compreenso da dinmica capitalista, sem a qual uma teoriado planejamento incorreria em importante lacuna. Com esse propsito, absorvemos dostericos neomarxistas elementos para trazer o espao ao primeiro plano da compreensodialtica da realidade social. A configurao econmico-social , por princpio, um corposistmico espacialmente referenciado. Mais do que a cartografia cartesiana da cincia es-pacial, que no permite ir alm da superficialidade concreta do espao, preciso apro-fundar a substncia terica, reconhecendo a relao dialtica entre a configurao espaciale osprocessossociaiseeconmicos;nessesentidoampliandoadiscussosobreplane-jamento em torno da idia mais ampla de uma economia poltica da produo social doespao,adutoradadialticasocioespacial.Sobessaperspectiva,herdadadeHenri Lefebvre, o espao torna-se a categoria privilegiada para entender a realidade social. Namedida em que o espao conceb