revISão ISSN 2238-1589 TESTE DE ROTAROD: … · 202 resbcal, são paulo, v.1 n.2, p. 202-212,...

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RESBCAL, São Paulo, v.1 n.2, p. 202-212, abr./maio/jun. 2012 201 ISSN 2238-1589 RESUMO REVISÃO TESTE DE ROTAROD: CONTRIBUIÇÕES NO ESTUDO DAS DOENÇAS NEUROMUSCULARES, DAS SÍNDROMES EXTRAPIRAMIDAIS E DAS ATAXIAS CEREBELARES Wladimir Bocca Vieira de Resende Pinto 1 *; Gui Mi Ko 2 O uso de testes comportamentais e neurológicos é ferramenta essencial na caracterização fenotípica de modelos animais para doenças neurológicas. O teste da barra rotatória ou Rotarod é um dos mais antigos empregados na área de estudo dos efeitos motores indu- zidos por uso de drogas em estudos pré-clínicos e na descrição do fenótipo de mutantes induzidos geneticamente para doenças cerebelares, extrapiramidais e neuromusculares. A quantidade de informação disponível referente à metodologia e às interpretações do teste é muito ampla, contudo é muito limitada ainda a uniformidade nos testes empregados nos diversos estudos. O objetivo desta revisão é destacar as principais contribuições do teste para a Neurologia Experimental, a metodologia empregada na maioria dos serviços e pelo nosso grupo e os aspectos atuais do emprego da avaliação motora em roedores. Palavras-chave: Modelos animais. Rotarod. Barra rotatória. Miopatias. Neuropatias periféricas. Transtornos de movimentos. 1 INTRODUÇÃO O número de modelos experimentais em ca- mundongos para estudo de condições neuroló- gicas é bastante amplo e oferece a oportunidade de semelhanças bioquímicas e genéticas com os correspondentes humanos 1 , o estabelecimento de correlações importantes no entendimento fenotípica dos modelos neurológicos (induzidos geneticamente por transgenia ou por mutagênese química ou induzidos por efeitos temporários ou - -hereditário) envolve diversas etapas, como testes testes comportamentais e neurológicos (motores, cognitivos, sensitivos ou combinando uma ou mais classes), podendo os mesmos ser indicados diante de suspeita observada na rotina com os 2,3 . Por testes neurológicos motores, podem-se - te de fatores comportamentais e sensitivos que permita estabelecer o desempenho de um ou mais componentes do sistema motor (vias piramidais e - entretanto, que distúrbios de outros componentes do sistema nervoso possam originar alterações no fenótipo observado em tais testes. De um modo geral, os testes motores podem ser divididos em: (i) gerais, incluindo o teste do cilindro, os testes de rastreamentos genéricos, como SHIRPA (Smi- thKline Beecham, Harwell, Imperial College and Royal London Hospital Phenotype Assesment) 4 , os sistemas de escalas de movimentos involuntários 1 Disciplina de Biologia Molecular, Departamento de Bioquímica - UNIFESP 2 CEDEME - UNIFESP * Autor para correspondência: Wladimir Bocca Vieira de Resende Pinto E-mail: [email protected] Recebido para publicação: 16/01/2012 Aceito para publicação: 23/04/2012

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ISSN 2238-1589

RESU

MO

revISão

TESTE DE ROTAROD: CONTRIBUIÇÕES NO ESTUDO DAS DOENÇAS NEUROMUSCULARES, DAS SÍNDROMES EXTRAPIRAMIDAIS E DAS

ATAXIAS CEREBELARES

Wladimir Bocca vieira de resende Pinto1*; Gui Mi Ko2

O uso de testes comportamentais e neurológicos é ferramenta essencial na caracterização fenotípica de modelos animais para doenças neurológicas. O teste da barra rotatória ou Rotarod é um dos mais antigos empregados na área de estudo dos efeitos motores indu-zidos por uso de drogas em estudos pré-clínicos e na descrição do fenótipo de mutantes induzidos geneticamente para doenças cerebelares, extrapiramidais e neuromusculares. A quantidade de informação disponível referente à metodologia e às interpretações do teste é muito ampla, contudo é muito limitada ainda a uniformidade nos testes empregados nos diversos estudos. O objetivo desta revisão é destacar as principais contribuições do teste para a Neurologia Experimental, a metodologia empregada na maioria dos serviços e pelo nosso grupo e os aspectos atuais do emprego da avaliação motora em roedores.

Palavras-chave: Modelos animais. Rotarod. Barra rotatória. Miopatias. Neuropatias periféricas. Transtornos de movimentos.

1 INTRODUÇãO

O número de modelos experimentais em ca-mundongos para estudo de condições neuroló-gicas é bastante amplo e oferece a oportunidade de semelhanças bioquímicas e genéticas com os correspondentes humanos1, o estabelecimento de correlações importantes no entendimento

fenotípica dos modelos neurológicos (induzidos geneticamente por transgenia ou por mutagênese química ou induzidos por efeitos temporários ou

--hereditário) envolve diversas etapas, como testes

testes comportamentais e neurológicos (motores, cognitivos, sensitivos ou combinando uma ou

mais classes), podendo os mesmos ser indicados diante de suspeita observada na rotina com os

2,3. Por testes neurológicos motores, podem-se

-te de fatores comportamentais e sensitivos que permita estabelecer o desempenho de um ou mais componentes do sistema motor (vias piramidais e

-

entretanto, que distúrbios de outros componentes do sistema nervoso possam originar alterações no fenótipo observado em tais testes. De um modo geral, os testes motores podem ser divididos em: (i) gerais, incluindo o teste do cilindro, os testes de rastreamentos genéricos, como SHIRPA (Smi-thKline Beecham, Harwell, Imperial College and Royal London Hospital Phenotype Assesment)4, os sistemas de escalas de movimentos involuntários

1 Disciplina de Biologia Molecular, Departamento de Bioquímica - UNIFESP

2 CEDEME - UNIFESP

* Autor para correspondência: Wladimir Bocca Vieira de Resende Pinto E-mail: [email protected]

Recebido para publicação: 16/01/2012Aceito para publicação: 23/04/2012

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TESTE DE ROTAROD: CONTRIBUIÇÕES NO ESTUDO DAS DOENÇAS NEUROMUSCULARES, DAS SÍNDROMES EXTRAPIRAMIDAIS E DAS ATAXIAS CEREBELARES

anormais, dentre outros; (ii) de atividades locomo-toras, incluindo o teste de campo aberto em arena circular ou quadrada, o rotômetro (automated rotometer test bowls) e o teste da roda para correr (wheel runningequilíbrio, incluindo o teste de Rotarod com ou sem

balance beam), a análise da marcha por footprinting, o teste de nata-

grip strength;

incluindo o teste de Collins, o teste da escadaria e o teste de alcance5 (Mouse Phenome Database). Alguns dos testes motores se sobrepõem como no caso do conhecido protocolo SHIRPA, que inclui em sua segunda de três etapas de rastreamento em mutagênese os testes motores no campo aberto, no

espontânea. Outros testes podem fornecer dados indiretos sobre atividade locomotora (como o labi-rinto em cruz elevado, o labirinto em zero elevado, o hole-board test e o labirinto aquático de Morris).

O teste de Rotarod representa junto com o cam-

fenotípica motora em modelos animais5. Apesar

50 anos6

formas anteriormente manuais e mecanicamente comandadas pelo experimentador até as formas mais modernas em que múltiplos animais podem ser testados simultaneamente, de forma automática, registrada eletronicamente e passível de progra-

físicos do teste. Assim, é importante que se reca-pitulem as principais indicações, metodologias e

2 METODOLOgIA DO TESTE DE ROTAROD

Ao se optar pelo teste da barra rotatória para

devem-se avaliar as principais características do aparelho: diâmetro da barra ou cilindro, em geral por volta de 3 cm até 5 cm (em diâmetros maiores,

geralmente desenhados para ratos, por exemplo,

a ratos, especialmente na performance inicial)5,7;

velocidades pré-programadas constantes ou com

variam de 0 a 40 rpm em 5 minutos, apesar de bas-tante variável)5; componentes da superfície da bar-ra rotatória, como presença de frisos de aderência

para evitar queda pelo animal); barra rotatória com

perpendicular entre placas verticais das divisórias (ou das paredes) do aparelho; número de animais

mínima capaz de gerar para as dimensões do ani-mal o efeito de fall avoidancegerar lesões físicas em caso de queda da barra (em geral valores entre 30 e 40 cm de altura)8. No inter-valo entre os testes, é corriqueiro o uso de álcool isopropílico a 70% na maioria dos estudos para limpeza da plataforma de testes dentre um animal testado em uma divisória e o próximo. Contudo, há evidências atualmente de que o uso de tal produto

Fazendo analogia bastante grosseira, há diver-sos autores que comparam o teste de Rotarod aos eventos esportivos humanos de “log rolling” ou “birling”, mais difundidos como esporte no nordes-te dos EUA e no Canadá, em que dois participantes se distribuem sobre uma tora ou barra rotatória co-locada na superfície da água, em cada extremidade da barra. Enquanto um deve permanecer o tempo todo apenas se equilibrando, o outro deve deam-bular sobre a barra em velocidades controladas pela própria pessoa, de forma a obter equilíbrio e ambos permanecerem o maior tempo na barra sem

roedores no Rotarod

Os parâmetros avaliados no teste de Rotarod incluem: tempo de latência (ou de resistência para queda), distância total percorrida (dependente da

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Wladimir Bocca Vieira de Resende Pinto; gui Mi Ko

-

dos), o fato do animal urinar ou defecar durante -

mental ou neurológico, diferentemente do que se observa para o teste de labirinto em cruz elevado e do que outros grupos consideram9. Se o objetivo

-

ser estudados nas repetições nos demais testes. Deve-se avaliar o número de repetições de sessões para cálculo de média ou do total de latência, desde que realizados treinamento prévio dos animais em

de atividade locomotora espontânea por se tratar de teste de performance forçado.

Ao interpretar o desempenho de um grupo de animais no Rotarod, devem-se considerar como possíveis vieses ou tendenciosidades: uso apenas de machos ou fêmeas; a espécie utilizada (desem-penho esperado para o teste em camundongos é muito distinto daquele observado em ratos); as li-nhagens isogênicas utilizadas; diâmetro do cilindro, principalmente quando a diferença no tamanho de barra ideal e a utilizada for de pelo menos 1,2 cm,

10; fêmeas em fases distintas do ciclo estral (daí alguns autores darem preferência pela homogeneidade do teste apenas em machos); testes realizados em fases

-tuante, conforme a fase do ciclo circadiano, além do camundongo ser noctívago e predominantemente inativo durante a fase clara do ciclo, daí alguns auto-

para o novo regime de fase claro-escuro (de prefe-rência por pelo menos 1 semana antes de iniciar os

contudo, fundamental, porém mínimo de 15 minu-tos); animais que logo ao posicionamento na barra apresentem quedas (comportamento incompatível com o teste); componentes do ambiente de teste (ruídos externos ao local de teste, luminosidade

pré-teste, grande distância para transporte do animal

plataforma entre as sessões, efeitos dispersivos de

possam alterar a resposta de genes modulados por derivados estrogênicos); idade do animal submeti-

desmame médio com 21 dias, idealmente por volta de 8 a 10 semanas); comprimento e massa corpó-reos dos animais testados (animais mais pesados apresentam desempenho pior que os de massa re-duzida), de preferência o mais homogêneo possível dentre grupos de controles e mutantes (se possível); presença de doenças associadas ao cuidado e ao

análise estatística5,11. Orienta-se nunca realizar o teste de Rotarodcasos de rastreamentos como teste em massa. Essa

-dualmente deve ser feita rotineiramente já que é possível detectar alterações funcionais da marcha

-

entre registros eletrônico e manual do momento da queda dos animais na base da plataforma. Do mesmo modo, deve-se sempre posicionar o animal com o dorso voltado para o examinador e nunca

de examinadores a apenas um por sala. Em caso -

portamental mais apurada, pode-se optar pelos

eletrônica durante as sessões11. Devem-se avaliar também os resultados de forma dependente no uso

que os dados obtidos em faixas de velocidades independentes constantes5. É interessante sempre

cilindro rotatório.Um dos protocolos mais bem estabelecidos para

o teste de Rotarod é o de Carter9, da Universidade

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de Cambridge, o qual adotamos em nosso serviço

utilizamos barra rotatória com diâmetro de 3,175 cm, com animais habituados por pelo menos 60 minutos na sala de testes, com caixas posicionadas a distância inferior a 1 metro do aparelho, sempre após mudança de fase claro-escuro dos testados, com mesmas condições de testes para as cinco divisórias de teste simultâneo do aparelho, com

adotando períodos máximo de teste de 60 segun-dos e entre sessões de 5 a 10 minutos. O número de sessões de treinamento, pré-treinamento e de

em geral variando de 4-5 sessões por dias por 2 a 4 dias. Outro protocolo que consideramos interes-

Cardiff12

pelo nosso laboratório apontam que, mesmo em 10 sessões diárias de treinamento simples em 2 dias consecutivos (espaçada cada etapa da outra por 5 minutos, sem fase de pré-treino, e controlados

-portamento observado em camundongos BALB/c controles no primeiro dia foi bastante semelhante entre machos (n=13; média de 14,34 segundos) e fêmeas (n=13; média de 13,72 segundos), sempre

tanto em machos quanto fêmeas (em fêmeas, 28,69 segundos no 2º dia, e em machos, 34,37 segundos no 2º dia), e com melhora percentualmente maior no grupo dos machos (239% em machos contra 209% em fêmeas) e isoladamente maior em mu-lheres (800 vezes em uma das fêmeas testadas). No protocolo empregado, com velocidades constantes (5 rpm, por 1 minuto, em barra com diâmetro de 3,175 cm, IITC Life Science Rotarod®, California, EUA), por ter se tratado de esquema de rastrea-mento fenotípico após mutagênese química por

recessiva) (n=969, machos e fêmeas), adotou-se valor de corte de permanência (tempo de latência) na barra rotatória menor ou igual a 10 segundos

neurológicas ou comportamentais durante o teste

ao 1º dia inferior a 20%. Valorizou-se também a -

mas ninhadas de desempenho motor semelhante. Após estabelecimento de tais critérios de corte, observou-se que 11,25% de tais animais testados (n=109) preenchiam critério de tempo de latência

-

demais faixas de 10 segundos de intervalo até 60 segundos entre controles e animais F3. Dentre os 11% de F3, 5 grupos de ninhadas distintas foram selecionadas, compreendendo 5,36% do total de animais F3 (47% dos F3 selecionados). Contudo, em apenas uma ninhada viu-se 100% dos testados selecionados, constituindo linhagem selecionada de mutantes, apesar de infértil como observado posteriormente. Todos estes animais F3 haviam sido rastreados em outros testes comportamentais e neurológicos previamente (labirinto em cruz

Dentro do grupo de roedores, utilizam-se fun-damentalmente camundongos e ratos no teste de Rotarod. Quando se considera cada uma das linha-gens de camundongos separadamente, observa-se desempenho dependente das velocidades nos testes12. O desempenho distinto entre linhagens se dá fundamentalmente em baixas velocidades no

-rendo principalmente pelo desempenho ruim da linhagem DBA/2, e com 6 e 10 semanas de idade, respectivamente, em intervalos de velocidade de 19 a 33 rpm e de 13 a 23 rpm. O desempenho no Rotarod contínuo mostrou que o desempenho de BALB/c foi inferior ao de 129S2/Sv, de DBA/2, e destacadamente inferior ao de C3H/He, de CBA/

inferior ao de BALB/c e de 129S2/Sv. Durante 5 semanas seguidas de treinamento, houve tendências bem claras: melhora nas duas primeiras semanas na latência de CBA/Ca com piora nas duas últimas semanas, em altas velocidades (mais entre 29 e 44 rpm); tendência a desempenho inferior ao das de-mais linhagens para DBA/2 entre 9 e 10 semanas

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de linhagem envolvida no estudo motor é deter-minante nos resultados observados12. As maiores taxas de aprendizagem motora foram encontradas em linhagens CBA/J e C57Bl/6J e as piores em linhagens DBA/2J, A/J e FVB/NJ13, assim como o desempenho motor de C57Bl/6J e de CBA/J foram melhores como um todo em conjunto. Em outro estudo, o melhor desempenho foi observado em

havia sido testada nos estudos anteriores14.

3 INTERPRETAÇãO DE RESULTADOS OBTIDOS NO TESTE

Assim como qualquer teste de rastreamento e de diagnóstico na área biomédica, o Rotarod está

adequadas) e sua reprodutibilidade. Da mesma forma que com outros testes comportamentais, o uso da barra rotatória em série com a caracteriza-

-

reduzir o número total de animais falsos-positivos selecionados em esquemas de rastreamento feno-

como um todo. A idéia, portanto, deste teste em caracterizações fenotípicas é o seu uso em série

eliminatório para o outro. O tempo de latência, principal medida obtida na

planejamento motor; (iv) aprendizagem motora; e (v) condições físicas gerais (em especial desem-penho cárdio-pulmonar e relações zoométricas) e neuromusculares7. As quedas mais rápidas com tempo de latência menor se associam em geral a

muscular5 -

belar ou extrapiramidal genericamente, é possível Rotarod

-

como núcleos denteados do cerebelo, pedúnculo cerebelar médio, complexo olivar inferior, pars compacta da substância negra, núcleos talâmicos ventro-laterais, ventro-mediais e centro-laterais, no segmento lateral do globo pálido e no segmento dorso-medial do estriado15. Assim, regiões como

cerebelo, as vias coeruleus-cerebelares, o segmento dorso-lateral do estriado e os córtices motor e parie-tal posteriores igualmente importantes no sistema

por outros testes motores15. Eventualmente lesões

Rotarod, devendo-se diferenciar, por exemplo, dos padrões lesionais descritos previamente16.

4 APLICAÇÕES CLÁSSICAS E INDICAÇÕES ATUAIS DO TESTE

Tradicionalmente o Rotarod vem sendo empre-gado em fases precoces nos estudos experimentais pré-clínicos de drogas com o objetivo de identi-

apenas tardiamente poderiam ser vistos na fase IV do estudo clínico, na etapa de fármaco-vigilância, e em estudos experimentais para efeitos motores adversos de drogas, como etanol e benzodiazepíni-cos. Atualmente a barra rotatória representa forma

modelos animais nocautes para genes associados

estritamente eficiente para estudo de déficits cerebelares e de núcleos da base do telencéfalo (destacadamente o estriado) no desempenho motor em roedores e no estudo da aprendizagem motora7. Destacamos a seguir alguns modelos animais que mostram a importância do emprego do teste de Rotarod para doenças neurológicas.

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5 MODELOS ANIMAIS PARA DOENÇAS NEUROMUSCULARES VERSUS ROTAROD

Já foram descritos modelos animais neuromus-culares caracterizados em testes comportamentais e no Rotarod para diversas condições neuroló-

musculares, nas doenças da placa mioneural, nas neuropatias periféricas e nas doenças do neurônio motor. Destacamos aqui o papel de um conheci-do modelo transgênico para estudo da Esclerose

17,18.A ELA representa doença neurodegenerativa

progressiva, do grupo das Doenças do Neurônio Motor junto com a Esclerose Lateral Primária, a

Progressiva, manifestando-se clinicamente por sinais e sintomas progressivos de lesões dos neurô-nios motores superior e inferior, seguindo os crité-rios revisados de El Escorial, da World Federation of Neurology19. Cerca de 10% do total de casos de

-ções no gene da Cu/Zn SOD1 citosólica (superóxido dismutase-1, no locus 21q22.1) e por expansões intermediárias de poliglutamina (27 a 33 unidades) no gene da ataxina-2 (ATXN2, no locus 12q24.12) (OMIM: #105400). A SOD1 encontra-se envolvida

ânion superóxido em peróxido de hidrogênio, sendo

-

quadro clínico dominado por síndrome piramidal de

superior, associada a fasciculações musculares,

achados sugestivos de doença do neurônio motor inferior. Da mesma forma que em outros casos de

motoneurônios do corno anterior da medula espinal e os tratos córtico-espinais laterais.

O modelo transgênico G93A para SOD1 (back-ground genético B6SJL-Tg(SOD1*G93A)1Gur/

gênica, apresenta fenótipo neurológico compatível com a forma familiar da ELA e resulta em óbito na maioria entre 5-6 meses de idade17

fenotípica, na história natural do modelo, observa-

cerca de 3 semanas e nos estágios mais avançados

do decúbito lateral em menos de 15 segundos e incapacidade de grooming para limpeza de secre-ções perioculares (existindo gap de sinais entre fêmeas e machos de 4 a 7 dias). Como achado his-topatológico, observaram-se acúmulo progressivo de agregados protéicos ubiqutina-positivos com SOD1 em neurônios, células da glia e neurópilo,

efeito neuroprotetor de exercícios físicos na ELA e utilizando o modelo animal transgênico G93A comprovou-se tal efeito em diversos estudos, evidenciado por melhora na expectativa de vida

20. Em estudo muito bem desenhado sobre atividade locomotora em exercícios físicos e abordagens terapêuticas para ELA, avaliaram-se os efeitos sinérgicos entre exercício físico de livre-demanda na roda de corrida (running wheel) e no uso de ve-tores virais de vírus associado ao adenovírus (AAV)

IGF-1 (insulin-like growth fator 1) e para GDNF (glial cell line-derived neurotrophic factor), ambos

terminal pré-sináptico através de todo axônio até o núcleo celular do neurônio correspondente, a partir

-morais dos mutantes18

de tais medidas no desempenho motor no Rotarod em animais assintomáticos (60 dias de vida) e em plenamente sintomáticos (90 dias de vida). Em ani-mais assintomáticos (60 dias de vida), observaram--se atraso no início da sintomatologia em 31 dias para IGF-1 e em 16 dias para GDNF, comprovados pelo tempo de latência em queda progressiva no Rotarod, e aumento na sobrevida geral em 11 dias para GDNF e em 37 dias para IGF-1. A expectativa de vida máxima para IGF-1 chegou quase ao dobro

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dias versus 140 dias). Em animais sintomáticos (90 dias de vida), observaram-se melhora da sobrevida geral em 7 dias para GDNF e em 22 dias para IGF-1 e atraso na piora motora (por queda no tempo de latência total) no Rotarod 20 dias após o grupo con-trole em IGF-1, por volta de 120-130 dias de vida (para efeito comparativo simbólico, considerar 10 a 14 dias do camundongo na amostra como 3 meses de vida na espécie humana). Os efeitos motores observados no Rotarod acompanharam-se pelos correspondentes moleculares e histopatológicos,

-tores, menor índice de astrogliose, menor conteúdo

de apoptose (via caspases-3 e -9, via Akt-PI3-K e quebra do DNA)18. Assim, neste estudo, o Rotarod

demonstrar e dimensionar os efeitos de uma nova abordagem farmacológica.

5 MODELOS ANIMAIS PARA ATAXIAS CEREBELARES VERSUS ROTAROD

O número de ataxias cerebelares para as quais modelos animais já foram desenvolvidos é muito grande21 e possibilita uma série de novas abordagens em estudos fisiopatogênicos e em desenvolvimento terapêutico. Será destacada aqui a abordagem feita para o modelo para a ataxia espi-nocerebelar do tipo 1 (SCA1) e os estudos motores pelo teste de Rotarod após terapêutica direcionada.

A SCA1 representa ataxia autossômica do-

trinucleotídeos CAG (semelhante ao que ocorre na síndrome do sítio frágil do cromossomo X,

ataxias espinocerebelares) no gene ATXN1 (locus

Notch (OMIM: #164400). A ataxina 1 gerada a

83 repetições) apresenta cauda de poliglutaminas expandida originando quadro de neurotoxicidade

e de proteínas nucleares ligantes de poliglutamina,

modular a histona desacetilase 3 e o co-repressor silencing mediator of reti-

noid and thyroid hormone receptors)22, gerando grandes inclusões nucleares com subunidade 20S da proteassoma e a chaperona HSJ2 da família Hsp40. O quadro clínico dominante é representado por ataxia cerebelar progressiva com início na 3ª

-

genética, disartria, disfagia, alterações da marcha e do equilíbrio, fala arrastada, síndrome das pernas

bulbar, paralisia do olhar vertical para cima, alte-

dismetria e disdiadococinesia (OMIM: #164400). Diversos modelos animais já foram gerados

para estudo da SCA1. Selecionamos modelo ani-mal produzido por transgenia knock-in para 154 repetições de expansões de trinucleotídeos CAG no locus do camundongo (com background genético de C57Bl6/J x 129Sv/Ev), apresentando fenótipo

cognitivos e morte prematura, acompanhada por

23. Também foi mostrado em tal modelo animal que a proteína

(Vascular Endothelial Growth Factor, VEGFA)24, descrito classicamente como alterado em doenças

no endotélio, nos neurônios, nas células de Purkinje e na glia cerebelares. Assim, a abordagem adotada foi acasalar tais animais atáxicos com camundongos

ou ministrar VEGF recombinante para os animais

para resultados no estudo foi o desempenho prévio e após intervenções no teste de Rotarod24. O desem-

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em nenhum momento ao observado em animais do grupo controle na idade de 13 semanas, apesar da nítida aprendizagem motora, se comparado ao desempenho de piora dos mutantes para SCA1 após 4 dias de treinamento. Contudo, com a idade de 6 meses, os parâmetros basais de desempenho pré e pós-treinamento equipararam-se ao desem-penho apresentado por animais do grupo controle,

possível melhora de desempenho motor. As me-

com achados histopatológicos, corroborando os importantes dados objetivos fornecidos pela barra rotatória24. Assim, para este modelo, conseguiu-se

--intervenções experimentais.

6 MODELOS ANIMAIS PARA DISTúRBIOS DE MOVIMENTOS VERSUS ROTARO

Dentre os principais modelos animais desenvol-vidos para estudo das síndromes parkinsonianas e de seus aspectos cognitivos e motores, destacam-

ao complexo de E3 ubiquitina ligase que degrada proteínas tóxicas para neurônios dopaminérgicos por via dependente da proteassoma e ao controle

-

autossômica recessiva da doença de Parkinson) e o modelo induzido quimicamente de forma seletiva por MPTP (1-metil-4-fenil-1,2,3,6-tetrahidróxi-

pars compacta da substância negra mesencefálica)7,25. Está comprovado que em roedores as alterações

fásica ou degenerações do sistema nigroestriatal e vias acessórias se encontram mais associadas

aprendizagem motora e na memória espacial do 7.

Rotarod em distúrbios de movimentos, vamos destacar o pa-

estudo do Parkinsonismo Juvenil Associado ao PARK2 (Doença de Parkinson Juvenil tipo Parki-na). O modelo é muito distinto fenotipicamente do

PARK2 (locus 6q26), carac-terizado fundamentalmente por parkinsonismo de início precoce, lentamente progressivo, antes dos 40 anos de idade (geralmente dos 20 aos 40 anos), alterações da marcha, alterações do tipo parkinso-nismo (bradicinesia, rigidez, instabilidade postu-

com melhora sintomática após o sono, podendo

e distonia de membros inferiores, acompanhadas por perdas neuronais (na pars compacta da subs-tância negra e no locus coeruleus), sem corpos de

#600116). De forma bastante interessante, o mode--

em células-tronco embrionárias (em background

negra26 (diferentemente do modelo induzido por MPTP) nem mudanças no conteúdo dopaminér-gico do estriado (assim como no bulbo olfatório e na medula espinal) nem fenótipo nítido de parkin-sonismo ou distúrbios de movimentos27, apesar do upregulation de receptores de dopamina e da

7.

com camundongos controle C57Bl/6J, houve de-

utilizando-se protocolo alternativo recente com barra de 9 cm de diâmetro e 5 sessões de treinamento por

10 rpm, por 4 dias consecutivos, para treinamento 7. Viu-se que o

tempo de latência foi menor, de forma estatistica-

testados com 4 meses de idade, desde o primeiro até

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o quarto dia de testes. Do mesmo modo, o índice total de aprendizagem foi menor, obtendo pela média de-sempenho na latência cerca de duas vezes menor que o grupo controle, duas vezes e meia menor que grupo

de noradrenalina e de dopamina) e semelhante a gru-

-mento. Tais resultados sugerem a presença de distúr-

-

distúrbio funcional da habilidade de aprendizagem motora, já que outros estudos e testes neurológicos e comportamentais (barra rotatória, grip strength, teste de catalepsia, teste de geotaxia negativa, vertical pole testcauda, teste de balance beamdesempenho semelhante27. Deste modo, o desem- penho motor do modelo animal para Parkina no teste de Rotarodpossível mecanismo fisiopatogênico funcional

de PARK2 em humanos e na doença de Parkinson idiopática, fundamentalmente pelo uso de nova abordagem na barra rotatória, possibilitando o estudo de novas abordagens terapêuticas baseadas nas alterações funcionais descritas.

6 CONCLUSãO

O teste de Rotarod, apesar de bastante semelhan-

sua utilidade na pesquisa biomédica. Trata-se de mé-

modelos animais. A expectativa atual é ampliar o seu

desenvolvimento de novas drogas no tratamento de condições clínicas raras, mas com modelos genéti-cos disponíveis, possibilitando análise comparativa de desempenho motor pré e pós-teste.

THE ROTAROD TEST: CONTRIBUTIONS TO THE STUDY OF NEUROMUSCULAR DISEASES, EXTRAPYRAMIDAL SYNDROMES AND CEREBELLAR ATAXIA

The use of behavioral and neurological testing is an essential tool in the phenotypic cha-racterization of animal models for neurological diseases. The Rotarod test is one of the oldest employed in the study of the motor effects induced by drugs in preclinical studies and in the description of the phenotype of genetically induced mutants of cerebellar, ex-trapyramidal and neuromuscular disorders. The amount of information available regarding the methodology and interpretations of the test is very broad, yet the uniformity is still very limited in the tests used in different studies. The purpose of this review is to highlight the main contributions of the test for Experimental Neurology, the methodology used in most services and by our group and current aspects of the use of motor assessment in rodents.

Keywords: Animal models. Rotarod. Myopathies. Peripheral neuropathies. Movement disorders.

ABST

RACT

210 RESBCAL, São Paulo, v.1 n.2, p. 202-212, abr./maio/jun. 2012

TESTE DE ROTAROD: CONTRIBUIÇÕES NO ESTUDO DAS DOENÇAS NEUROMUSCULARES, DAS SÍNDROMES EXTRAPIRAMIDAIS E DAS ATAXIAS CEREBELARES

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