Revista Bipolar 33

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EBHá cerca de vinte anos uma grande maioria

das pessoas diagnosticadas com a patologiaUnipolar e Bipolar desconhecia de todo os sin-tomas, a prevenção e a importância da farma-cologia existente à época e os cuidados a ter, nodia-a-dia. Por esta razão, foi constituídaa Associação de Apoio aos Doentes Depressivose Bipolares, ADEB, no ano de 1991, com o objec-tivo de ajudar e apoiar as pessoas no campo dainformação, educação para a saúde e habilitaçãopara a vida.

Desde a constituição da Associação quea comunidade tem tido uma porta aberta e umreduto onde pode usufru i r de va lênc iase serviços no campo da ReabilitaçãoPsicossocial (RPS), Educação MédicaEspeciaizada (EME), Apoio à Célula Familiar(ACF), Apoio e Orientação Profissional (AOP)e Apoio à Infância e Adolescência (AIA).

Cumpre salientar os dados e resultados obti-dos, durante o ano 2007, no que concerneao desenvolvimento das valências instituidas,os quais se encontram publicados no suplemen-to desta revista. Assim, é feita uma descriçãoe avaliação quantitativa e qualitativa, e respec-tivos ganhos de saúde, dos associados em con-formidade com os objectivos constantes doplano nacional de saúde:

a)Obter ganhos em saúde, aumentando o nível desaúde da população;

b)Contribuir para a plena execução das orientaçõesestratégicas do Plano Nacional de Saúde;

c) Promover a saúde das populações, em particular degrupos específicos e de grupos sociais vulneráveis

Índice

SÍNTESE DO ESTATUTO EDITORIALEditoriais temáticos;Publicação de documentos técnicos e científicos sobre as doenças mentaisem geral, e em especial sobre a doença Unipolar e Bipolar;Informação pedagógica de modo a contribuir para a Reabilitação, Educaçãoe Prevenção daqueles que sofrem da doença Unipolar e Bipolar;Entrevistas, artigos de opinião e documentários;Divulgação e testemunhos de pacientes e familiares;Relatório das actividades sociais desenvolvidas pela ADEB;Consultório jurídico abrangendo todos os ramos do Direito;Espaço para divulgação das potencialidades dos associados no campocultural, recreativo e social;

ESCREVA E DIVULGUE A REVISTA BIPOLAR

EditorialRetrospectiva evolutiva no campo associativo, social e de saúde

Deste modo, nos últimos cinco anos, 2003-2007, a ADEB admitiu 1051 novos associados.

Estes associados foram inseridos nas valên-cias instituidas na ADEB após avaliação primáriadas suas necessidades em Apoio Psicossocial, einseridas nas respectivas valências onde obtive-ram informação psicopedagógica, educaçãopara a saúde, consciêncialização e reabilitaçãorepresentando assim elevados índices de saúde.

É demonstrativo o papel comunitário rele-vante que a Associação tem tido, no campo dasaúde e social, em prol de mais e melhor saúdemental em Portugal.

Delfim Augusto OliveiraPresidente da Direcção Nacional da ADEB

[email protected]

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editorial

Doença Bipolar, Estigma e Psicoeducação 3

Família e Psicoeducação no tratamento da Doença Bipolar 8

Perturbações da Personalidade vsDoença Unipolar e Bipolar 12

Viver com a Doença Bipolar 14

Saúde e Qualidade de Vida nas pessoaspessoas com Perturbação de Humor 16

Margaret Trudeau - entrevista 18

Empowerment e Prevençãodo Estigma Social da Doença Mental 20

Livros e Guias 22

Poesia 23

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A Doença Bipolar é considerada justamentedentro das perturbações psiquiátricas cujacausa tem fundamentalmente uma base biológi-ca. Daí a relevância e eficácia das terapêuticasmedicamentosas para curar os episódios agu-dos, maníacos ou depressivos e a maiorimportância na sua profilaxia através dos fárma-cos com propriedades estabilizadoras do humor.

Será que estes factos tornam menos impor-tantes as intervenções psicossociais?

As perturbações do humor afectam a pessoano seu todo, manifestando-se em diversificadasvivências, com repercussão na interacção comos outros e em modificações na conduta e vidasocial. A prática clínica e terapêutica devem ori-entar-se em função de todos estes parâmetrospara que a pessoa possa recuperar a saúdee melhorar a sua qualidade de vida.

É sabido que em doenças crónicas ou recor-rentes do foro médico tem grande importânciaa educação do doente, no sentido de melhorlidar com os sintomas e assumir um papel acti-vo no tratamento, como pessoa conscientee informada cientificamente. A educação paraa saúde passa por uma aprendizagem sob como

lidar com as doenças e os respectivos tratamen-tos, envolvendo modificações de hábitos e estilosde vida, numa verdadeira parceria com o médico.Tenha-se em v is ta a Diabetes, a Asma,a Hipertensão, por exemplo.

O que acima se afirma é sobremaneira impor-tante nas doenças psiquiátricas, e muito emespecial na Doença Bipolar. O termo "psicoedu-cação" corresponde ao mesmo conceito de edu-cação sobre a doença, agora com um conteúdomais específico, psicológico, psicopatológicoe comportamental.

A realidade da doençae a luta contra o estigma

No livrinho "Depressão e Mania na primeirapessoa" (ADEB, 2006), um dos associados afir-ma de modo assertivo: "A doença Maníaco-Depressiva, hoje docemente denominada bipolar,advém de uma deficiência da química do cére-bro, é endógena e não tem cura; é tão só estabi-lizável por psiquiatra experiente na doençae muito conhecedor dos efeitos da medicaçãodisponível (...)".

DOENÇA BIPOLAR, ESTIGMAE PSICOEDUCAÇÃO

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A Associação de Apoio aos Doentes Depressivose Bipolares escolheu comemorar o Dia da Saúde Mental,editando, em 10 de Outubro de 2006, uma colectânea detestemunhos de pessoas que sofreram crises depressi-vas e de elevação do humor.

Depressão & Maniavários autores

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Sessão Psicopedagógica da ADEBno dia 23 de Fevereiro de 2008

Livro à venda na ADEB

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Este livro revela, pela primeira vez, as extensas históriasfamiliares de doenças psiquiátricas e de suicídio de váriosescritores, artistas, compositores e mesmo políticos,mostrando que a doença maníaco-depressiva, um mal muitomais comum do que se julga, é transmitida geneticamente.

Tocados pelo Fogokay Redfield Jamison

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A luta contra o estigma tem uma importânciasocial maior do que poderá pensar-se à primeiravista. Compreendemos que o doente não dêmuito crédito ao "eufemismo", pois no nome nãoestá a coisa, que para o próprio tem um pesomais compatível com a designação clássica. Noentanto, a diversidade de manifestações dealterações do humor com bipolaridade, tornamais adequada a designação de "DoençaBipolar" ou mesmo "Pertubações Bipolares", cor-respondente a um espectro contínuo entre ummáximo e um mínimo.

O facto de se falar de uma doença psiquiátri-ca específica já é um significativo avanço. Aindahá pouco mais de uma década era muito comumfalar de "doença mental", da "doença mental"e de "doente mental", num sentido muito geral,com uma conotação negativa, pejorativa e pes-simista. Não há "doença mental" em geral, comonão há uma "doença cardíaca" em geral. O maiscorrecto é o reconhecimento que há uma diversi-dade de doenças psiquiátricas, umas maisgraves que outras, como em qualquer especiali-dade médica. A noção demasiado geral dedoença "mental" conotava, pelas formas maisgraves, todos os transtornos psiquiátricos.

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DOENÇA BIPOLAR, ESTIGMA E Será que tem significado específico a luta

contra o estigma na Doença Bipolar?As Associações de Doentes Bipolares respondemque sim. Em muitos países do mundo, incluindoPortugal, têm desempenhado um papel insubsti-tuível na informação viva sobre a realidade, coma voz activa das suas experiências na primeirapessoa. A parceria que se soube criar, entre por-tadores da doença, familiares e técnicos desaúde mental, tem um eco muito positivo emmeios de comunicação social, desejosos de dara conhecer novidades sobre temas que foramtabu.

No nosso país, a Associação de Apoio aosDoentes Depressivos e Bipolares (ADEB), commais de 15 anos de trabalho, tem sido chamadaa participar em muitas iniciativas com a colabo-ração dos meios de comunicação, incluindoa televisão, permitindo que o público interessa-do disponha hoje de uma razoável informaçãocientífica, médica e psicológica, sobre a DoençaBipolar. Reconhecer a doença e as suas vari-antes, conhecer as terapêuticas, saber pedirajuda e informar o médico, são resultados deuma modificação da cultura e educação da popu-lação sobre estes temas. O estigma é resultadoem grande medida da ignorância, da visão fata-lista e moralista das doenças psiquiátricas e demedos atávicos e irracionais.

Um dos aspectos muito específicos que podecontribuir para a superação do estigma nadoença bipolar, deve-se ao facto de muitas pes-soas que sofrem de doença bipolar teremcapacidades criativas. No livro recentementeeditado em português (Tocados pelo Fogo, 2007)prova-se de modo exaustivo que a bipolaridadee as perturbações do humor ocorrem com invul-gar frequência em artistas de grande valor.

Mas o mais importante, numa perspectivamédica psiquiátrica, é salientar que a doençapode ser convenientemente diagnosticada(e quanto mais precocemente melhor) temtratamento, que, a ser seguido regularmente,permite para uma grande maioria de doentesa estabilização da perturbação e a recuperaçãoda saúde.

É necessário situar a doença no ponto certo,sem minimizar a gravidade, nem sobrevalorizá-la.

Livro à venda na ADEB

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Psicoeducação na Doença BipolarNo livro de testemunhos "Depressão e Mania

na primeira pessoa" (ADEB, 2006) eis como umdos sócios da associação fala de si e da suadoença, com a maior franqueza e grande lucidez:

"Chamo-me António Pereira, tenho 51 anos,possuo um curso universitário e trabalhei emduas multinacionais até aos 48 anos. Aos 27anos tive o primeiro episódio de Mania, tendopor isso quase perdido o emprego, divorciei-mee perdi o poder paternal em relação à minhafilha. Sou Bipolar I, ou seja tenho crises severastanto de Mania como de Depressão."

Este doente esteve nove vezes hospitalizadopor Mania com sintomas psicóticos, estandoestabilizado já há mais de cinco anos sem episó-dios agudos, mantendo sintomas residuais co-gnitivos e depressivos e pequenas fases de ele-vação do humor. A sua consciência de doençaé muito boa e cumpre com o maior rigor a tera-pêutica, além de ter a noção dos sinais precur-sores de elevação do humor e, com o apoio dafilha recorre de imediato ao médico para ajusta-mentos da medicação. A abordagem psicoeduca-tiva deu bons frutos.

Psicoeducação porquê? A necessidade de umamelhor instrução e educação, designada psi-coeducação quando aplicada às doençapsiquiátricas, tornou-se evidente já que a adesãoao tratamento e o estigma são reconhecidoscomo problemas da maior importância nestadoença (Bauer, 2002). Esta técnica já havia sidoincorporada de modo menos sistemático nas"Clínicas de Lítio", nos anos 70. Hoje, além defazer parte das outras abordagens psicoterapêu-ticas, a psicoeducação tem vindo a ser cada vezmais valorizada como um instrumento terapêuti-co, validado na sua eficácia em diversos estudose formalizado nos seus métodos. A sua práticacorresponde ao aumento do reconhecimento dodoente como parceiro activo no tratamento, par-ticularmente relevante em psiquiatria.

O que parece também consensual entre váriosautores (M. Thase, 2002) é o facto de se cons-tatarem factores comuns a todas as terapias(Psicoeducação, Terapia Inter-pessoal, TerapiaCognitivo-Comportamental, Terapia Interpessoale de ritmos sociais) e que são, em sumário,os seguintes: a educação sobre a doença, coma colaboração do doente e família na planifi-cação do tratamento da doença; reparação, esta-

bilização e, se possível, reforço das redes deapoio social; intervenções para saber lidar comos sintomas, reconhecer sinais percursorese resolver problemas concretos.

A psicoeducação que, inicialmente, foi umaabordagem sustentada no senso comum é hojeuma verdadeira técnica com resultados basea-dos na evidência. A afirmação do papel decisivoda psicoeducação no tratamento a longo prazoda doença bipolar (F.Colom, E.Vieta - 2006)é confirmada pela sua eficácia comprovadana prevenção das recorrências.

Porque é que a psicoeducação é tão crucialpara os doentes bipolares? Eis algumas dasrazões (F.Colom, E.Vieta - 2006): os doentesbipolares têm frequentemente falta de consciên-cia da doença e abandonam com frequênciaa terapêutica, sendo essa a primeira causa derecaída, numa doença cujo prognóstico dependeda adequação e cumprimento do tratamento.

Um dos aspectos importantes daPsicoeducação é a sua completa inserçãono modelo médico, sendo um meio de reforço daaliança terapêutica. Quais então as finalidadesprincipais desta técnica?

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De modo abreviado, seguindo os autores daEscola de Barcelona, acima citados: aumentara adesão ao tratamento, adquirir competênciaspara um reconhecimento precoce de um novoepisódio, desenvolver estratégias para lidar comos sintomas e melhorar os desempenhos sociaise ocupacionais. O programa psicoducativo podeser desenvolvido em grupo ou individualmente.

Os pontos importantes para uma melhorgestão do tratamento sobrepõem-se com o pro-grama psicoeducativo (Montgomery, Cassano,1996). E são os seguintes: par tilhar como doente as decisões terapêuticas, fazer com-preender a doença bipolar, procurar o apoio dafamília, ensinar a detectar sinais precoces decrise, manter a confiança no tratamento e, final-mente, ensinar a viver com a doença. Assim,a psicoeducação é um importante instrumentopara reforçar a aliança terapêutica na relação domédico com o doente. Embora possa ser umatécnica utilizada em separado, numa modali-dade de grupo, por exemplo, torna-se maisacessível se integrada na relação médico/doente.

Dizia um doente, em tom de desabafo: "reco-nhecer a doença não é fácil". A consciência teráde abranger a diversidade dos episódios, de sen-tidos opostos (as hipomanias gratificantes!),a recorrência ou periodicidade, a gravidade e osperigos, a necessidade do tratamento medica-mentoso e o factor evolutivo, interferido peloshábitos (bons ou maus) e pela terapêutica pro-filáctica, cujo cumprimento nem sempre é fácil.

Nos casos em que há uma instabilidade dohumor mais irregular e frequente, como nos "ci-clos rápidos", a colaboração do doente ou de umfamiliar pode ser preciosa, através de um registoem gráfico do humor, diário ou semanal. Poderátornar-se mais fácil correlacionar a evolução dohumor, para cima e para baixo, com as terapêu-ticas farmacológicas e com acontecimentos signi-ficativos. Facilita-se a cogestão do tratamento,com uma recolha apurada de dados preciosospara delinear a melhor estratégia preventiva.

Um ponto importante nos programas de psi-coeducação é a aprendizagem e detecção pre-coce de sinais que antecedem uma nova crise.Entre as manifestações mais típicas de umaviragem para a Mania contam-se a modificaçãodo padrão do sono, com despertar precoce(energético!), o aumento da sociabilidade (contado telemóvel!), a instabilidade emocional

e o aumento do desejo sexual. Pode haver pecu-liaridades singulares, como o aumento da reli-giosidade, a utilização de uma roupa chamativa,compras a mais e outros. Entre os factores quepodem concorrer para um acesso maníacoconta-se o stress excessivo, o abuso de psico-estimulantes (até a cafeína em exagero), a pri-vação do sono (noitadas seguidas), a utilizaçãocontinuada de antidepressivos e a sazonalidade(ver anamnese). O desencadeamento é maisrápido nas crises de Mania do que nasdepressões, sendo, por vezes, muito agudo.A informação do doente e dos familiares sobreos sinais iniciais e os factores precipitantes,além do rigoroso cumprimento da terapêuticaestabilizadora são factores decisivos para umintervenção precoce.

Os sinais de alerta para um novo episódiodepressivo não são tão relevantes. A depressãoproduz mais sofrimento ao paciente do que aosfamiliares, pelo menos num prazo cur to.As estratégias destinadas a reduzir um conflitofamiliar e o stress inter-pessoal (a atenuação deemoções agressivas!), e a redução das cogniçõesne g a t i va s t êm ma i o r re l e v ânc i a pa raa depressão.

A adesão ao tratamento deve merecerum destaque especial na psicoeducação daDoença Bipolar. A má adesão ao tratamento écom toda a certeza o factor isolado que resultanuma fraca resposta ao tratamento (Goodwine Jamison, 2007). Estes autores definem comtoda a acuidade as tarefas que cabem a um clíni-co no pleno sentido da palavra: ser professor dodoente e da família, dando uma informação clara

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e rigorosa; ser um terapeuta bem preparado,aberto, aceitando a controvérsia com empatia;psicofarmacologista, sabedor das diversasopções, doses, efeitos adversos e interacçõesmedicamentosas; facilitador da participaçãode outros, em defesa do doente e do seu melhortratamento; cientista, actualizado em relaçãoaos progressos e sabendo ajustá-los ao caso sin-gular.

A questão da adesão ao tratamento deve levara uma verdadeira monitorização, caso a caso.A discussão sobre a adesão não deve ser apres-sada, deve ter em conta a personalidade dodoente, e deve ser colocada aber tamentee repetidas vezes. A colaboração dos familiarespróximos, em sintonia, pode ser muito impor-tante. O doseamento periódico dos fármacostambém é uma boa ajuda. Os efeitos adversos,tanto somáticos como psicológicos, devem serexplicados abertamente, devendo ser atenuadoso mais possível. Todos os procedimentos devemcontar com a colaboração activa do doente.

A motivação para o tratamento resulta de umsomatório de factores, no qual é muito impor-tante a qualidade da relação médico/doente. Umtratamento mais simples é mais cumprido.O resultado positivo é um reforço para a adesão.Mas a longo prazo pode perder-se a ideia danecessidade do tratamento, pois as crises pare-cem longínquas. Pessoas que passam por aces-sos de hipomania podem ter baixa motivação,assim como doentes que sofrem uma crisepsicótica de Mania, que recalcam ou denegam.Outras pessoas vêem as crises como fenómenosisolados, relativizando a doença, "beneficiando"

da hipomania e apenas pedindo ajuda nas fasesdepressivas, numa recusa dos estabilizadores dohumor e uma clara "preferência" pelos antide-press ivos. Mui to em espec ia l , os jovens(F. Colom, 2005) têm uma natural relutância emtomar medicamentos regularmente, atribuindomais males à cura do que à doença.

É interessante observar que a própria pessoaque sofre de Doença Bipolar, num testemunhodirigido a outros, resultante de uma experiênciaprofícua em grupos de auto-ajuda, (Depressãoe mania na primeira pessoa, ADEB, 20006), fazuma clara proposta de psicoeducação:

"Pretendo informar as pessoas portadorasdesta doença, que têm sintomas mas não estãodiagnosticados; as que estão diagnosticadase que assim se poderão sentir identificadas comalguns aspectos da minha doença (…). Emsegundo lugar quero dirigir-me às famílias,muitas vezes mal informadas ou que não sequerem informar (…). Por fim, diri jo-meàs chefias, que muitas vezes não têm em contaas dificuldades da vida profissional, demitindo-se de lhes criar condições mais favoráveis (…)."

Para concluir, voltamos a repetir que a inter-venção psicoeducativa faz parte do arsenal tera-pêutico essencial no tratamento das pertur-bações bipolares. É uma condição sine qua nonpara que os fármacos estabilizadores do humorpossam resultar num claro benefício na quali-dade de vida da pessoa com perturbações dohumor de tipo bipolar.

Dr. José Manuel JaraPresidente da Comissão Cientifica e Pedagógica da ADEB

BibliografiaBauer, Mark S. (2002), Psychosocial Interventions for Bipolar Disorder: a Review,

285-286. In Bipolar Disorder, ed. M. May, H. Akiskal, JJ.Lopez-Ibor, N. Sarorius;WPA Séries, 5; J Wiley .

Colom, F. (2005), Psicoeducación en las fases tempranas de los trastornos bipo-lares, 147-148, In Trastornos Bipolares ( Las fases iniciales de las enfermedades

mentales), Elsevier, MassonColom, F; Vieta, E. (2006) The Pivotal Role of Psychoeducation in the Long-Term

Treatment of Bipolar Disorder, 337-341), in Bipolar Psychopharmacotherapy, caringfor the patient, Ed. H. Akiskal and M. Tohen ;Wiley

Depressão e Mania na primeira pessoa (2006), p. 39; p. 33; p. 25; Edição daADEB( Associação de Apoio aos doentes depressivos e bipolares; [email protected];

telefone 21 854 07 40.Jamison, Kay Redfield(2007), Tocados pelo Fogo, A doença maníaco-depressiva

e o temperamento artístico, Editora Pedra da Lua, [email protected] Goodwin, F; Jamison, K.R.(2007), 21- Medication adherence; Manic-Depressive

Illness (bipolar disorders an recurrent depression), Second Edition, OxfordMontgomery S., Cassano, G. (1996), Management of Bipolar Disorder, 24-29,

Martin Dunitz, LondonThase, M. (2002), Some comments on recent developments in psychosocial treat-

ments for Bipolar Disorder- 325.327; In Bipolar Disorder, WPW Series, Vol. 5, Wiley

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Grupo Psicoeducativo da ADEBno dia 20 de Fevereiro de 2008

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PSICOEDUCAÇÃO

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ResumoA perturbação bipolar tem sido tradicional-

mente tratada unicamente com enfoque farma-cológico, complementando-se por aumento deeficácia com intervenções psicoterapêuticas, emparticular com modelos psicoeducacionais.

Estudos recentes mostram que as crençasfamiliares sobre a doença podem predizera sobrecarga familiar, e esta poderá influenciaras manifestações da doença. Os cuidadores quetiveram acesso a psicoeducação aumentamos conhecimentos sobre a doença e reduzema sobrecarga, melhorando-se igualmente a quali-dade de vida e funcionamento do doente, bemcomo o curso da doença.

Este trabalho tem por objectivo descreveras intervenções psicoeducativas em quatro gru-pos, num total de 71 doentes/familiares, desen-volvidas na Associação Apoio DoentesDepressivos e Bipolares do Porto, desde 2004.

Estes programas permitem aosdoentes/familiares maior competência no recon-hecimento da sintomatologia precoce e pre-venção das crises, resultando em diminuição dehospitalizações, episódios menos debilitantese melhoria na comunicação familiar.

IntroduçãoA doença bipolar é uma perturbação do

humor, crónica, que não tendo cura tem trata-mento cada vez mais eficaz. Os doentes oscilamentre crises de humor depressivo e crises dehumor eufórico, que se repetem ao longo davida, e cuja gravidade varia, de individuo paraindividuo, ou até no mesmo individuo.

A prevalência do transtorno bipolar estima-secomo sendo entre 1 a 2,5 %, embora algunsestudos sugiram taxas de 3 a 6,5 % (Akiskal,1995).

É uma doença que interfere muito coma dinâmica familiar do paciente, com a sua vidaprofissional e com as relações interpessoais.

A intervenção com doentes bipolares e respec-tivas famílias, quer através de terapia familiarou de programas psicoeducacionais, temdemons-trado resultados muito favoráveis,estando directamente relacionada com umamaior estabilidade da doença.

Funcionamento Familiarna Doença Bipolar

A doença bipolar é uma perturbação dohumor que afecta não apenas o doente, mastambém os seus familiares. Tal como outrasdoenças crónicas (orgânicas ou mentais), estaperturbação provoca alterações no funcionamen-to familiar.

Os doentes bipolares constituem famílias fre-quentemente, sendo por isso, cônjuges e pais.Esta situação levará à multiplicação das relaçõese, ao consequente aumento do impacto dadoença nessas mesmas relações. Isto significaque, o curso e as manifestações da doença,interagem com o contexto psicossocial dodoente, interferindo com as rotinas e funçõesfamiliares de cada elemento do agregado. Sendoa doença bipolar marcada por agudizaçõesepisódicas, provocará mudanças específicas nadinâmica familiar durante as crises. Apósas mesmas, o indivíduo geralmente recupera assuas funções e os seus papéis. Estas alteraçõesque ocorrem podem ter consequências na toma-da de decisões, no acesso a recursos financeiros,assim como no desempenho das funçõesparentais.

Outra consequência desta doença nasrelações familiares é a preocupação com a possi-bilidade de recaída. Esta situação leva a umafamília hipervigilante, sendo o estado afectivo dodoente o foco da vida familiar, podendo resultarno desprezo pelas necessidades de outros ele-mentos da família e, num sentimento de inca-pacidade e angústia por parte do doente.

Relativamente ao estigma social este pode serdevastador no contexto da doença bipolar.Os comportamentos do indivíduo em crisepodem ser muito embaraçosos para a família oupara o indivíduo quando recupera. O estigmapode ser intensificado devido ao facto dos com-portamentos depressivos ou maníacos nãoserem distinguíveis de comportamentos "nor-mais" ou de características da personalidade.

O papel da família é muito importante quandofalamos de doença bipolar, nomeadamente nosentido da identificação precoce da sintomatolo-gia de descompensação, para que se actue aindaantes do eclodir da crise, com todas as reper-cussões negativas na vida do indivíduo.

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F MÍLIA E PSICOEDUCAÇÃO NOTRATAMENTO DA DOENÇA BIPOLAR

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Sobrecarga FamiliarO conceito de sobrecarga familiar ganhou

força a partir da progressiva desinstitucionaliza-ção dos pacientes psiquiátricos, derivada daevolução farmacológica, que levou as famíliasa assumirem um novo papel, de cuidadores(Reinares, Vieta, Colom, et al., 2002).

Como postula o modelo de vulnerabilidadeao stress (Zubin e Spring, 1977), as influênciasambientais, genéticas e biológicas, têm umpapel fundamenta l nesta per turbação.A importância do stress ambiental, assim comoa influência da coabitação dos pacientes coma família, tem levado à necessidade de desen-volvimento de estudos, com o intuito de elucidara relação entre o ambiente familiar e o curso dadoença (Reinares e Vieta, 2000).

A sobrecarga e a emoção expressa dos fami-liares estão associadas às recaídas do paciente,independentemente de outros factores clínicose sociais investigados (Vaughn e Leff, 1976).Miklowitz et al. (1988), observaram queos pacientes com famílias de alta EmoçãoExpressa e um Estilo Afectivo negativo tinham94% de possibilidade de recaída, contra 17% dedoentes com Emoção Expressa baixa e EstiloAfectivo positivo. De acordo com Perlick et al,2004, quando os cuidadores de doentes bipo-lares experienciam altos níveis de sobrecarga,o curso da perturbação é afectado.

Intervenção Familiar PsicoeducativaComo já referimos, a perturbação bipolar

interfere no funcionamento familiar e, este afec-ta por sua vez o curso da doença

O inquestionável avanço dos tratamentos far-macológicos, não tem sido suficiente para lidarcom as questões sociais e familiares. Estudosclínicos recentes demonstram a eficácia de inter-venções psicológicas como um acréscimo pro-filáctico à medicação. Embora o tratamento far-macológico seja essencial, apenas 40% de todosos pacientes que aderem à medicação per-manecem assintomáticos (Knapp y Isolan,2005).

Dessa forma, emerge a necessidade de trata-mento psicoterapêutico, que complementee facilite a farmacoterapia (Reinares e Vieta,2000).

Apesar de não existir ainda o suporte científi-co para afirmá-lo (American PsychiatricAssociation, 1994), a combinação da terapia degrupo com a abordagem psicoeducacional cons-tituiria o enfoque óptimo para conseguir um bommanejo da doença e das suas consequências porparte do paciente, melhorando a adaptaçãointerpessoal e sociolaboral e, rentabilizandoao máximo a intervenção

Os trabalhos de Peet e Harvey (1991) foramos primeiros a avaliar a eficácia da psicoedu-cação. O grupo experimental, que recebia infor-mação sobre o Lítio, apresentou melhorias signi-ficativa A nível terapêutico, os grupos psicoe-ducativos serão muito importantes ao permi-tirem fornecer informação, suporte e solução deproblemas. Dessa forma, ajudam nos episódios,mas especialmente na evolução a longo prazo.Nomeadamente ajudam na recuperação apósas crises, bem como nas consequências destase na prevenção de recaídas. Ajudam tambéma aliviar os efeitos de isolamento provocadospelo estigma

Os objectivos da abordagem familiar vão tam-bém no sentido de modificar as interacçõesfamiliares que interferem na adesão ao trata-mento, assim como nas recorrências afectivasem relação ao conhecimento e à atitude faceao tratamento.

Grupos Psicoeducativos na ADEBEstrutura dos Grupos

Os grupos de intervenção psicoeducativadecorrem na ADEB desde 2001, funcionandoactualmente quatro grupos. As sessões têma duração de 1h30m e periodicidade mensal.Cada grupo é constituído em média por 18 asso-ciados.

Em relação aos critérios de inclusão conside-ram-se: idade superior a 17 anos, diagnósticomédico prévio de Perturbação Bipolar ouUnipolar (feita pelo psiquiatra, de acordo comcritérios do DSM-IV-TR), doentes eutímicos (commedicação em curso), inexistência de consumode drogas e/ou abuso de álcool. Para o efeitorealiza-se uma avaliação psicopatológica prévia,com entrevista clínica, por parte de um psicólo-go da delegação desta associação. Até ascondições de inclusão estarem reunidas, torna-se por vezes necessária a realização de mais queuma sessão de avaliação ou fazer algum acom-panhamento psicoterapêutico.

Relativamente ao setting terapêutico, assessões realizam-se numa sala espaçosa e comluz directa. As cadeiras são dispostas em círculoe todos os elementos presentes (doentes oufamiliares e técnicos) se sentam nessa dis-posição, sendo dada a iniciativa aos doentes.Não é permitido comer nem fumar.

Caracterização dos GruposActualmente existem quatro grupos psicoe-

ducativos, sendo constituídos por 71doentes/familiares. Estes grupos dividem-se emdois para doentes bipolares (n=48), um paradoentes unipolares (n=9) e um para familiares(n=14).

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Grupo Bipolar 1Este grupo é constituído por 18 elementos,

sendo na sua maioria do sexo feminino (61%),com predomínio do grupo etário dos 40 aos 49anos. Relativamente à escolaridade o ensinosecundário prevalece com 39%. Quanto ao esta-do civil, verifica-se uma maior prevalência deindivíduos divorciados (50%). De realçar aindaque a maioria dos indivíduos estão desemprega-dos ou reformados (56%), estando apenas 38%da amostra em situação profissional activa.Grupo Bipolar 2

Este grupo é formado por 30 elementos,sendo estes maioritariamente do sexo feminino(63%), predominando a faixa etária dos 30 aos39 anos de idade (34%). O ensino superiorprevalece neste grupo (54%), assim como o esta-do civil casado (41%). A maioria dos associadosestão em situação profissional activa (63%).Grupo Unipolar

O grupo Unipolar é constituído por um menornúmero de elementos (n=9), sendo na sua maio-ria indivíduos do sexo feminino (67%). Ao con-trário dos grupos acima descritos, neste grupoos elementos são mais velhos, tendo grandeparte idades superiores a 50 anos (44%). Alémdisso, verifica-se um predomínio da situaçãoprofissional de reforma (41%), bem como doensino primário (44%).Grupo Familiares

Relativamente ao grupo dos familiares (n=14),constata-se um predomínio do sexo feminino(57%), sendo na sua maioria indivíduos comidades superiores a 50 anos (86%). Neste grupomais de metade da amostra (65%) são sujeitoscasados e em situação profissional activa (71%).Em relação à escolaridade, assiste-se a umaprevalência do ensino primário (57%).

Funcionamento dos GruposOs temas a serem desenvolvidos em cada

sessão, não obedecem a uma estruturação muitorígida. Não são definidos previamente, tendo-seo cuidado de valorizar as dificuldades e preocu-pações do momento, dos elementos presentesno grupo. Torna-se assim pertinente e mais ade-quado que o tema surja da dinâmica do grupoao invés de sugestão da equipa terapêutica. Sãoabordados como preocupações mais frequentesno desenvolvimento destes grupos: relaciona-mentos e conflitos em contexto laboral, relaçõesde amizade e importância desse suporte, esti-gma e exclusão social, importância da socializa-ção e das actividades de lazer, relacionamentose dificuldades familiares, divórcio, sexualidade,gravidez na perturbação afectiva, limites entrepersonalidade e características da doença,adesão à medicação e efeitos secundários,estratégias de prevenção de futuras crises:

A estrutura de funcionamento dos grupos, englobatrês fases:Aquecimento - nesta fase, a sessão é iniciada por umdos técnicos (após 15 minutos de tolerância) com umabreve introdução sobre a sessão e seus objectivosgerais. Em seguida todos os elementos se apresen-tam.Desenvolvimento - é lançado um tema de debate,após auscultação dos diferentes elementos presentes.Este tema é proposto preferencialmente por um dosdoentes/familiares, traduzindo uma preocupação,fonte de sofrimento ou de dúvidas. Quem propõe fazuma descrição mais detalhada sobre o problemae o seu contexto. É dada oportunidade a todos os ele-mentos de partilharem opiniões sobre o tema, a suaexperiência pessoal e estratégias usadas para lidarcom aquela situação. A sessão pode decorrer à voltado mesmo tema, ou podem surgir sub temas rele-vantes, relacionados com o primeiro.Conclusão - feita pelo técnico (aproximadamente 10minutos antes do término) para concluir, abreviandoe orientando para a conclusão da sessão. A sessão éconcluída com um breve resumo das problemáticasabordadas e da sua pertinência, sendo marcadaa sessão seguinte.

Com estes grupos definem-se como metas tera-pêuticas as seguintes: Ajudar a quebrar o isolamento, promovendo contactosem sistema de redeMelhoria da interajuda, funcionando como veículode troca de diferentes necessidades, acrescentadaspela doença e que se tornam comuns a todos oselementosMelhoria da adesão à medicaçãoAumento da flexibilidade comportamentalDesenvolvimento de mecanismos de copingalternativosPromoção da detecção precoce de sinais de alarmeque permitam a prevenção das crises

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Grupo Psicoeducativo da ADEB

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O papel dos co-terapeutas nestas sessõesé fundamentalmente de mediação de interac-ções, assegurando que todos os elementos ten-ham o seu tempo para falar, estando atentosà possibilidade de alguns dos elementos mani-festarem eventualmente sintomas de crise.Nesse caso, manter o controlo face à possíveldesestabilização de toda a sessão, introduzindotópicos de reflexão e partilha, quandonecessário, pontuando as interacções, reforçan-do aspectos positivos que vão surgindo. Deveráigualmente ser feito um reenquadrando de pos-síveis sentimentos negativos, ajudando a exter-nalização e normalização do impacto emocionalque as alterações provocadas pela doençaimpõem, co-construindo com os doentes/fami-liares um sentimento de união e de empatia,assim como um conhecimento decorrente daexpressão das suas necessidades e da troca deexperiências perante um mesmo sentir, separan-do as dificuldades colectivas das problemáticas

individuais.Conclusões

Por fim, lembrando Ausloos (1996) não háespecificidade de sintomas mas especificidadede transacções e de técnicas aplicáveis. O quepermanece certo é que, para o sistémico, fazerterapia é fazer circular a informação que vem dosistema para voltar a ele e o abrir às possibili-dades de transformação.

Nesta contextualização, pretende-se como presente trabalho descrever as formas de inter-venção psicoeducativa nos doentes bipolarese suas famílias, como veículo privilegiado decomunicação na transmissão de informaçãoe formação neste trabalho elaborado em equipamultidisciplinar.

Trata-se por isso, da apresentação de um tra-balho preliminar de enfoque psicoeducacional,que futuramente virá a ser consolidado coma apresentação de dados estatísticos a compro-var a sua eficiência, nomeadamente, no querespeita à redução da utilização dos cuidados desaúde mental (menor recurso a urgência, consul-tas, internamentos, etc.), assim como maior com-pliance com a medicação e consequentementemenor número de recaídas e recorrências dadoença.

Mafalda Fernandes Psicóloga Clínica ADEB - Norte

Lia FernandesMédica Psiquiatra - H.S.J. Porto

Paulo HortaMédico Psiquiatra - H.M.L. Porto

Lídia ÁguedaPsicóloga Clínica ADEB - Norte

Bibliografia1. American Psychiatric Association. Work Group on Bipolar Disorders. Practice

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2.Colom F, Vieta E, Martínez A, Jorquera A, Gastó C. What is the role of psy-chotherapy in the treatment of bipolar disorder? Psychother Psychosom1998;

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Kingdom, Cambridge University Press, 2006.4. Dubovsky S, Dubovsky, A. Transtornos do Humor. Nova Iorque: Artmed

Editora, 2004.5. Miklowitz DJ, Goldstein MJ. Bipolar Disorder. A Family-Focused Treatment

Approach. New York: Guilford Press, 1997.6. Mondimore FM. Perturbação Bipolar, guia para doentes e suas famílias.

Lisboa, Climepsi Editores, 2003. 7. Sluzki, C. (1996). La red social: frontera de la pratica sistemica (1ªedição).

Barcelona: Gedisa Editorial.8. Vieta & Gastó (1996). Transtornos Bipolares (1ºedição). Barcelona: Springer-

Verlag Ibéria

Sessão Psicopedagógica da ADEBno dia 24 de Novembro de 2007

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A personalidade é a forma de cada pes-soa estar no mundo e de vivenciar osacontecimentos.

Pode definir-se personalidade como aquiloque distingue um indivíduo de outros indivíduos,ou seja, o conjunto de características psicológi-cas que determinam a sua individualidade pes-soal e social. É o conjunto de sentimentos, valo-res, crenças e atitudes que se manifestam emrelação com o mundo e que emanam da indivi-dualidade.

A formação da personalidade, contudo,é processo gradual, complexo e único a cadaindivíduo.

A personalidade resulta do mecanismo psi-cológico que articula as emoções, os impulsose as motivações de natureza instintiva coma própria corporalidade e com o mundo externo.A forma satisfatória com que tal articulaçãoé feita determina a normalidade da personali-dade. A normalidade da personalidade dependetanto da individualidade do sujeito como dosobjectos que precocemente estão "presentes".Naturalmente que uma "insuficiente" ou "desade-quada" resposta dos objectos poderá levar a um"aumento" de um determinado "traço" de perso-nalidade.

Com efeito, a qualidade das relações precocese o processo de vinculação mãe - filho, e maistarde a qualidade e complexidade das relaçõescom os outros "objectos" parecem ser fundamen-tais na estruturação e organização da personali-dade. O processo de autonomia, de socialização,de construção de valores e da própria auto-esti-ma irá influenciar de forma determinante, embo-ra não imutável, a forma de estar no mundo.

Quando as características da personalidadelevam a uma desadaptação funcional e/oua sofrimento, estaremos em presença de umaperturbação da personalidade.

No estudo da depressividade importa distin-guir a pessoa com personalidade depressiva, ououtra perturbação da personalidade, da pessoacom perturbação unipolar ou bipolar.

Na depressão propriamente dita aconteceua perda. Perda do objecto mas também de partedo eu. Perda objectal + perda narcísica.

Na perturbação depressiva da personalidade("estrutura depressiva") não há perda, mas falta.O que acontece é a inviabilidade do amor fantasi-ado. Não existe perda do que nunca se teve.

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Perturbações da Personalidade vv

Poderá, contudo, existir perda do que seimaginou ter. A idealização do objecto irá deter-minar o grau de insatisfação e mesmo o desejoda perda do objecto idealizado, a que se associa-rá a perda culposa.

De uma forma geral podemos dizer que na"estrutura depressiva" existe uma falta dodesejado.

Na sua génese a personalidade depressivarelaciona-se com acontecimentos mais precocesque a doença depressiva.

Na personalidade depressiva acontece umainternalização do mau-objecto e a sua projecçãono ambiente pode facilmente levar a reacçõesparanoides persecutórias. Por outro lado umaretracção narcísica com apagamento dos laçosafectivos objectais, pode levar o indivíduo a umafastamento da realidade absorvendo-se empensamentos mágicos ou em investimento pelascoisas (em vez das pessoas).

Na doença depressiva há um reinvestimentonarcísico muito fixado em objectos internos.Surgem o pensamento poético e a criação artís-tica na sua concepção clássica.

O doente depressivo tende a não consubstan-cializar as sua relações afectivas, a não vivê-lasaté ao limite com receio da perda. Não se per-mitindo amar de forma inteira não faz lutos masdepressões. É um eterno apaixonado por umpassado idealizado que não deixa que o pre-sente aconteça.

Na personalidade depressiva, a carência deum bom abjecto securizante narcisicamente,pode levar a um "vazio" permanente. Quando oinvestimento narcísico se faz por identificaçãoà figura materna "cria-se" uma homossexuali-dade latente ou não, mas insatisfatória.

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ss Doença Unipolar e Bipolar

Por vezes a perturbação da personalidadepode ser mais grave e haver um vazio interiorcom "erosão narcísica" que leva a movimentoscompensatórios. Tais movimentos visam sobre-tudo evitar o abandono. A clivagem afectiva queleva à "bipolarização" - bom e mau objecto, levaa movimentos de idealização e de desvaloriza-ção do objecto. Nada escapa a estas personali-dades que têm de "experimentar" tudo e todos.

De facto, a DSM-IV enuncia os critériospara o diagnóstico de Perturbação limiteda personalidade do seguinte modo:

”Padrão global de instabilidade no relacionamentointerpessoal, auto-imagem e afectos, e impulsividademarcada com começo no inicio da idade adulta epresente numa variedade de contextos, como por 5(ou mais) dos seguintes:

esforços frenéticos para evitar o abandono real ouimaginado;um padrão de relações interpessoais intensas einstáveis, caracterizadas por alternância extremaentre idealização e desvalorização;perturbação da identidade: instabilidade persistentee marcada da auto-imagem ou do sentimento de sipróprio;impulsividade pelo menos em duas áreas que sãopotencialmente autolesivas ( gastos, sexo, abuso desubstâncias, condução ousada, ingestão alimentarmaciça).comportamentos, gestos ou ameaças recorrentes desuicídio ou de comportamento automutilante;instabilidade afectiva por reactividade de humor mar-cada (p. ex. : episódios intensos de disforia, irritabili-dade ou ansiedade…)sentimento crónico de vazio;raiva intensa e inapropriada ou dificuldades dea controlar (p. ex.: episódios de perda de calma,raiva constante, brigas constantes);ideação paranoide transitória reactiva ao stress ousintomas dissociativos graves."

Tais critérios incluem uma nítida sobreposiçãoà sintomatologia bipolar.

Existe na personalidade limite uma alternâncianas relações. Tais pessoas manifestam alternada-mente sentimentos de paixão e de ódio pelos quelhe são próximos. Uma alternância entre umaapatia (oriunda de uma anulação afectiva) e umahiperactividade maniforme em busca de estímu-los que lhes emprestem uma ideia de existência,pode induzir ao diagnóstico de Doença Bipolar.

É o perfil da historicidade destas pessoas quenos dá o diagnóstico diferencial. Na perturbaçãograve da personalidade o que é permanente éa instabilidade na identidade, na falta de coerên-cia externa e interna, na ausência de um projectoexistencial e na ausência de uma orientação.

Na doença bipolar as alterações do comporta-mento enxertam-se numa identidade e num pro-jecto pessoal, que é prejudicado pela doença.

É assim, na aproximação à individualidade quese consegue distinguir as duas perturbações.

Dr. António SampaioMédico Psiquiatra

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Enfrentar e aceitar a doençaA Doença bipolar não tem cura, mas apenas

tratamento e controlo. É uma doença devastado-ra em que os sintomas acabam por voltar deuma forma inevitável e repetida. A única formade controlar a doença é estar atento aos sin-tomas e obter rapidamente tratamento quandoeles aparecem. Na doença bipolar é o doenteque determina a eficácia do tratamento, poisé ele que aceita ou não as recomendaçõesterapêuticas.

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VIVER COM A DOENÇA BIPOLAROs sintomas da doença bipolar em cada indivíduo são tão únicos quanto

individuais, e o tratamento deve ser cuidadosamente direccionado para cadadoente e respectivos sintomas. Não existe qualquer medicamento ou abor-

dagem terapêutica para a doença bipolar que funcione com todos os doentes.

Assumir o compromisso do tratamento significa:

actividade e não passividade na formulação do planode tratamento, em conjunto com aqueles que oapoiam;assumir a implementação do tratamento em 100%do tempo;tomar a decisão de fazer tudo o que puder paraassumir o controlo desta doença em vez de ser con-trolado por ela.

Assumir este compromisso significa umamaior autodisciplina e restrições que conduzemmuitas vezes a alterações do estilo de vida.

Higiene do humorA higiene do humor refere-se aos hábitos e

práticas que promovem um bom controlo dossintomas do humor nas pessoas com pertur-bação bipolar. O controlo do stress e as regrasestabelecidas em relação ao estilo de vidaassumem grande importância. Se no início dadoença os episódios de descompensação se rela-cionam com factores de stress psicológicos, nodecorrer da sua evolução a doença progrideindependentemente destes factores. A isto sechama kindling da doença bipolar. Existem váriasobservações que indicam que o kindling podeacontecer em doentes bipolares:

Por vezes, os doentes têm maior número de episó-dios de alteração do humor desencadeados peloambiente no início da evolução da doença e, maistarde, surgem mais episódios espontâneos.Apresentam, frequentemente, uma aceleração dadoença à medida que envelhecem, com episódioscada vez mais frequentes;Os episódios de alteração do humor tornamos doentes mais sensíveis ao stress e com maioresprobabilidades de recidiva.

Page 15: Revista Bipolar 33

Por isto, é fundamental a higiene do humor naprevenção de recidivas. Sendo a medicaçãoo ponto fundamental no controlo da sintomatolo-gia e prevenção de recidivas. É importantereforçar que o abandono terapêutico para alémde aumentar o risco de recidivas, promovemuitas vezes a ineficácia da mesma terapêuticaquando se volta a utilizá-la.

O controlo do stress e a gestão de conflitos éoutro ponto fundamental a considerar na higienedo humor. Há que fazer um ponto da situação daprópria vida e decidir sobre as opções maisaconselhadas. Por vezes o aconselhamento ea terapia são uma boa opção nestas situações.

Estruturar a vida, é também um aspectomuito importante da higiene do humor. Emborapossa parecer aborrecido a adopção de determi-nadas regras é fundamental para evitar recidivas.

Definir e manter um horário pessoal, com horas dedeitar e levantar estabelecidas e que devem sercumpridas durante os sete dias da semana.Eliminar da dieta bebidas com cafeína; evitarrefeições pesadas à noite e praticar exercício físicoregularmente.Não deixar os assuntos para mais tarde. Adiartraba-lhos e tarefas aumenta invariavelmente osníveis de stress.Abandonar o consumo de álcool.Fazer um registo diário do nível de humor. Esta éuma medida de fácil aplicabilidade e que pode ajudara identificar a eficácia de determinado fármaco,a verificar as alterações sazonais de humor e a iden-tificar precocemente as alterações de humor.

Construir um sistema de apoio próprioUm familiar ou amigo de confiança pode ser

uma ajuda preciosa na identificação das alte-rações de humor. Os doentes bipolares têm fre-quentemente dificuldade em identificar alte-rações do humor. Deverá existir um amigo oufamiliar perspicaz que, ao notar alterações per-sistentes do humor, saiba comunicar as suasobservações de uma forma carinhosa e nãoprovocadora.

A decisão de revelar o diagnóstico a quemo rodeia cabe ao doente. O médico assistente eos outros técnicos de saúde devem ser informa-dos. A revelação do diagnóstico à entidadeempregadora acaba por não ser consensual. Sepor um lado o doente bipolar necessita de algu-ma rotina no seu local de trabalho que não per-mite o trabalho por turnos, viagens muito fre-quentes e trabalho fora de horas que reduzaas horas de sono; por outro a revelação dadoença poderá estigmatizá-lo e discriminá-lo.

Os grupos de apoio organizados por e paraindivíduos com perturbações do humor e paraas suas famílias prestam um apoio fundamentale fornecem informação rigorosa sobre os recur-sos disponíveis numa determinada comunidadepara estes doentes.

Não se torne uma vítima bipolarExistem dois tipos de vítimas bipolares:

Os doentes que suspendem a medicação, nãocumprem o tratamento necessário ou ignoramo stress ambiental contínuo, abdicando em favor doscaprichos e do ritmo da doença, não fazendo nadapara controlar os sintomas.Os doentes que se preocupam a todo o momentocom os sintomas e a doença, que evitam os desafiose se retraem em relação ao trabalho e comunidade,refugiando-se no mundo da medicação, das consul-tas e das reuniões de grupos de apoio.

É necessário algum tempo, bom aconse-lhamento e trabalho árduo para encontrar o equi-líbrio. O apoio, aconselhamento e oportunidadede trocar ideias, experiências e receios com indi-víduos com a mesma patologia é um caminhopara viver com a Doença Bipolar.

Ana PeixinhoFevereiro 2008

Bibliografia:Perturbação Bipolar, guia para doentes e suas famílias. Francis Mark

Mondimore. 2003. Climepsi Editores

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Living life. 2003Esferográfica e marcadores em cartãode 8 ½ cm x 11 cm

Daniel Dale Johnston,(nascido a 22 de Janeiro de1961) é um cantor, compositor,músico e artista americano.Johnston tem o diagnóstico dedoença bipolar, editou váriosdiscos e o seu trabalho artísticofoi exposto em várias galeriasem todo o mundo comoa Aquarium Gallery, emLondres, e a ClementineGallery, em Nova Iorque.

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A qualidade de vida é hoje, em dia, um termodo senso comum. Mas a sua definição não é con-sensual, tendo existido várias tentativas nessesentido. Em 1995, a Organização Mundial deSaúde definiu este conceito como "a percepçãodo indivíduo da sua posição na vida, no contextoda cultura e sistema de valores nos quais ele vivee em relação aos seus objectivos, expectativas,padrões e preocupações".

Abrange, assim, uma diversidade de aspectos,não apenas intra-individuais mas interpessoais eambientais. É, então, um conceito complexo.

Se pensar em "qualidade de vida" coloca algu-mas questões pela complexidade de factoresenvolvidos, fazê-lo relativamente às pessoas queexperienciam perturbações a nível do humor,acresce-nos a tarefa de algumas especificidades.

De facto, quem sofre desta perturbação, edevido à presença de alterações decorrentes dasintomatologia apresentada, quer se tratem deestados de euforia, quer se tratem de estadosdepressivos, pode facilmente colocar-se em situ-ações que põem em risco a sua própria quali-dade de vida.

Os objectivos de vida de cada um são, assim,susceptíveis de sofrer um enviesamento sempreque surgem momentos, mais ou menos prolon-gados ou acentuados de descompensação. Se,por um lado, a presença de ideias de grandiosi-dade nos momentos em que domina a euforia,tanto a nível de expectativas como da percepçãodas próprias capacidades individuais, pode tra-zer dificuldades na relação com os outros a nívelpessoal e profissional, também o domínio dopolo inverso, o polo depressivo, com as ideiasrecorrentes e, por vezes, avassaladoras queo acompanham, de autodepreciação e sentimen-tos de inutilidade e incapacidade de lidar comas mais variadas situações, podem influenciarno modo de interacção com os outros, logo noseu modo de estar na vida.

Os problemas laborais começam, assim, facil-mente a desenrolar-se, problemas com o cumpri-mento de horários, com o respeito pelas normas,regras e tarefas, mas também a nível da relaçãointerpessoal, especialmente em momento ondea irritabilidade, o desprezo e o sentimento irrea-lista de grandiosidade dominam, e que alternamcom momentos de apatia e de desinteresse pro-fundo pelo mundo e pela vida social, conduzindo

frequentemente a fases de isolamento comausências mais ou menos prolongadas.

Ora, as consequências mais frequentes, deprever, o absentismo e/ou o despedimentopodem trazer consequências, por vezes nefastaspara a manutenção de uma satisfatória quali-dade de vida, mas também para o equilíbrio, porvezes tão periclitante de quem é bipolar.

Estas perturbações na vida profissional acom-panhadas de comportamentos disruptivos des-encadeiam, também, alterações a nível pessoal efamiliar. Surgem conflitos, desentendimentos, eaté mesmo rupturas. A pessoa fica, assim,desapoiada, desorientada e sem se conseguirestruturar por si só.

O cuidar da saúde do próprio corpo fica, tam-bém, descurado, pelo que algumas doenças físi-cas podem começar a desenvolver-se ou mani-festar-se.

Todos estes factores contribuem para que,quando não devidamente acompanhadas e auxi-liadas, as pessoas que sofrem de perturbaçõesbipolares, tenham, de um modo geral, uma qua-lidade de vida pouco satisfatória.

Como Contribuir para melhorara qualidade de vida ?

Assim, e quando se trata de ajudar profission-almente pessoas com perturbação de humor,a intervenção ideal tem uma natureza multidisci-plinar, de forma a tornar possível uma actuaçãomultifocalizada com incidência nas várias áreasque podem ser actualizadas, em cada pessoa e,assim, potencializar uma melhoria da sua quali-dade de vida.

Deste modo, no âmbito mais restrito daPsicologia Clínica, o apoio ao nível psicoterapêu-tico apresenta-se como fundamental; ajudarcada pessoa a auto-conhecer-se, não apenas nosaspectos que respeitam a sua doença mas deuma forma mais global, como pensa, comosente, como enfrenta as situações, será umaforma de aumentar o domínio/controle da pes-soa sobre o seu funcionamento. Ao mesmotempo, o aprofundamento do conhecimentosobre a forma como a doença se manifesta sub-jectivamente será um meio de "alarme", de aler-ta para possíveis recaídas ou momentos demaior desequilíbrio psicológico. É importantetambém alertar e tentar intervir junto daqueles

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SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA NASPESSOAS COM PERTURBAÇÃO DE HUMOR

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que apresentam uma significativa resistênciapara a adesão ao tratamento já que, tendo perío-dos de euforia onde se sentem muito activos,preferem não prescindir deles, pois esta "sen-sação de actividade" acaba por preenchê-losmais do que a suposta "inactividade" (estabili-dade), induzida pelos estabilizadores de humor.

O apoio psicoterapêutico, juntamenteao acompanhamento psiquiátrico com a respec-tiva adesão à medicação, tornam-se pilaresestruturais significativamente determinantespara uma satisfatória qualidade de vida.

Paralelamente, num âmbito mais alargadomas não menos importante, a psicoeducaçãosurge como uma intervenção de extremaimportância, quer como medida de reabilitaçãoquer como medida de higiene mental, e não ape-nas num registo individual mas também familiar.Assim, o conhecimento da pessoa sobre a suadoença, (sintomas, limitações, recursos exis-tentes, etc.) torna mais apta a manter o controlosobre si própria, e pode funcionar como umredutor da ansiedade, ao diminuir o imprevistopossível e o desconhecido (que se apresentasempre como assustador). Ao mesmo tempo,a aceitação da doença é fundamental, já quea inexistência destepasso inviabiliza qual-quer intervenção; não épossível ajudarmosquem não sente quenecessita de ajuda.

Ao nível da família, a explicação de todasas características e especificidades da doença ede tudo o que vem associado a ela dota esse sis-tema (desejavelmente um sistema de apoio) demais ferramentas de suporte à pessoa comdoença; por outro lado, muitas vezes o trabalhopsicoeducativo pode ter uma função prévia deresponsabilização e comprometimento do grupofamiliar no processo terapêutico da pessoa,o que é vital para a manutenção da qualidadede vida.

O trabalho com a família é complementarao trabalho individualizado; esta intervençãomais alargada possibilitará à pessoa com doençamanter um determinado nível de relacionamentointerpessoal e afectivo, na medida do possível,sabendo nós que o que seria desejável seriaa existência de um clima familiar de boa quali-dade afectiva, que pudesse funcionar como mo-delo de relações e, ao mesmo tempo, possuiruma função contentora e securizante.

Outra das áreas fundamentais numa inter-venção vital de qualidade será a área profissio-nal. A qualidade de vida implica um sentimento

de auto-realização e concretização de algunsobjectivos de vida (partilhados pela maioria dosseres humanos, ainda que com devidas especifi-cidades subjectivas). No caso da pessoa manteruma actividade profissional, ou académica, devehaver um apoio à sua manutenção, quer atravésde uma intervenção de âmbito psicológico, queratravés de intervenções de outro nível comoo auxílio nos estudos, na preparação para situa-ções de stresse ou que possam tornar-se desor-ganizadoras, etc. E se existir um ambiente detrabalho positivo, onde o trabalho da pessoa comdoença seja valorizado e as suas competênciasreconhecidas, o sentimento de valorização e dereconhecimento pode contribuir para o aumentoda auto-estima do próprio.

Não existindo uma actividade profissional,o investimento na formação e na actualização edesenvolvimento de competências substitui,num primeiro momento, a realização profissio-nal. Qualquer pessoa tem potencialidades parase desenvolver e adquirir competências e ferra-mentas de trabalho. Incentivar o investimentoformativo pode contribuir para que a pessoa sesinta "capaz e útil", ainda que devam salientar-se,igualmente, as limitações subjectivas, caso

as haja (de uma formapositiva), no sentido deevitar expectativas irrea-listas e pouco ade-quadas à realidade e quepodem ter consequên-cias desorganizadoras.

A qualidade de vida é um conceito daOrganização Mundial de Saúde, mas não podeser entendida como um conceito individual, istoé, que tem em conta apenas as necessidades ecapacidades de cada um, uma vez que, sendoo ser humano um animal social, existem semprefactores externos, quer interpessoais quer ambi-entais, que contribuem para a avaliação subjecti-va da qualidade de vida.

Ainda há muito trabalho a ser feito, nestaárea. Os sistemas de apoio existentes (SistemaNacional de Saúde, instituições, organismos,etc.) funcionam muitas vezes ao nível do possí-vel e não do necessário. É imprescindível aumen-tar os recursos existentes, ao nível da inter-venção em Saúde Mental, não apenas com objec-tivos de tratamento e "reabilitação", mas tambémao nível da prevenção. A implementação de ini-ciativas e o desenvolvimento de processos indi-viduais, sociais e institucionais, que fomentema higiene mental será, no futuro, a forma maiseficiente de obter, um nível desejável de quali-dade de vida.

”...o aprofundamento do conhecimentosobre a forma como a doença se manifestasubjectivamente será um meio de "alarme",

de alerta para possíveis recaídas....”

Paula PomboPsicóloga Clínica ([email protected])

Rute Brites Psicóloga Clínica - Universidade Autónoma de

Lisboa (rbrites@universidade_autonoma.pt)

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Margaret Trudeau entrou na vida pública cana-diana em 1971 aos 22 anos, então noiva doPrimeiro Ministro Pierre Trudeau.

Ela cativou os olhares enquanto mãe de 3rapazes. No entanto, alguns anos depois, o casa-mento viria a ser alvo de uma telenovelanacional, e inclusive vulgar por causa dashistórias do seu mau comportamento, como porexemplo, a cantar num jantar em Cuba com FidelCastro em 1978 ou a sair com os Roíling Stones.O casal divorciou-se em 1984, nesse ano elacasou-se com um construtor de Ottawa, FriedKemper, de quem teve um filho e uma filha, eretirou-se da vida pública.

Margaret regressou à vida pública em 1998quando Michel Trudeau morreu aos 23 anos numacidente de Ski. Em 2004, foi acusada de con-duzir sob a influência de álcool. A acusação foi-lhe retirada.

Recentemente, Trudeau, agora divorciada deKemper e a trabalhar para uma empresa quedesloca os trabalhadores do govemo, tornoupúblico o seu diagnóstico da doença bipolar noano 2000. Aos 57 anos, ela tem muita jovialidadee emotividade que são características dosCanadianos. Mas agora está mais reservada, pro-tegendo a sua privacidade, recusando os pedidosde fotógrafos para tirar fotos perto do HotelChateau Laurier, onde ela falou com os Maclean'ssobre o seu processo de depressão em espiral,da sua recuperação e da actriz Margot Kidder,que foi namorada de Pierre Trudeau e que agoradefende o uso de suplementos nutricionais notratamento da doença bipolar.

A recuperação foi difícil?Tenho pensado muito nisso, mas ainda não

estou preparada para lhe responder, porquea minha recuperação não foi o que eu queria ediria, ou seja, "o tratamento e a terapia fun-cionam, consigo viver em equilíbrio."

Esteve alguma vez preocupada comas críticas e pressões que viriamassim que voltasse à vida pública ?

Sim, mas de uma maneira diferente. Há umadiferença entre ser usado e ser útil, e esta é umaforma que posso usar para ser útil aos outros,ajudá-los.

Olhando para trás, quais foram osprimeiros sinais da doença?

Acho que foi a depressão pós-parto, da qualsofri muito depois dos meus 2 primeiros filhos.Na altura, chamavam-lhe BABY BLUES, as pes-soas diziam que acabava ao fim de algunsmeses, mas não. A minha família olha para tráse diz que quando eu era adolescente, era muitocaprichosa - não eufórica - mas teria começadonessa altura. Por isso digo a todos os pais paraestarem atentos aos filhos, às suas emoções, seestão muito faladores, se dormem pouco, secomem pouco.

Mas, no seu caso, as suas variaçõesde humor tiveram impacto na suaimagem pública: a jovem rebeldeMargaret, a hippie.

Acho que apesar de ser bipolar eu era umapessoa muito positiva. Ser bipolar não quer dizerque se está constantemente num estado dedoença mental, significa sim, que se está porvezes triste e por vezes mais alegre do que éhabitual, e houve várias alturas assim na minhavida.

Contudo , nas suas memórias, a Annefala do isolamento em Sussex, aoqual se refere agora como o "Túnelda Escuridão"

Eu sei, mas na altura não o compreendia. Euestava muito sensível às críticas do Pierre, sen-tia-me muito magoada. Quando o Justin nasceu,o meu primeiro filho, disseram-me que se elefosse raptado, não receberia qualquer resgate!.Eu queria passear sem a polícia atrás, mas nãome deixaram, a polícia tinha de estar comigo.Ensinaram-me a esconder o meu bebé e a gritarbem alto para que eles pudessem rapidamentemeter-me num carro. Foi uma pressão para umamãe muito "verde".

Onde estava o seu marido nestasalturas?

0 Pierre ajudou-me muito para sair daescuridão, tanto que procurei a ajuda dos médi-cos. Durante algum tempo tomei Lítio, mas nãofuncionou. Fui internada. Aparentemente estavadeprimida, mas o que não era aparente é que eu

Sobre Perda, Amor, Filhos, Casamento, e a sua viagem muito longa até à alegria.

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estava debaixo de várias pressões: era muitojovem, e ter uma imagem pública. Não foi reco-nhecido que isto era algo muito importante.

Quais foram os outrossinais da doença?

A morte do meu cão despoletou umadepressão. Mas o sinal mais relevante, pois tivede recorrer a ajuda dos médicos, foi a morte doPierre […]. Perdi 30 quilos. Não era anorexia, euestava a morrer à fome. Ninguém reparou nisso.Cortei o contacto com a família e com os amigos.Fiquei sozinha a lidar com a doença.

Ninguém reparou na perda de peso?!Um amigo meu que tinha uma boutique ficou

muito satisfeito de eu finalmente poder vestirtodos os modelos para modelos esqueléticos.(Anne ri)

É um comentário triste sobre aobsessão das pessoas pela magreza.Como é que ficou tão isolada?

Toda a gente estava ocupada com as suasvidas. O Justin estava em Vancouver e o Sachaestava em Montreal e em viagem. Infelizmente,o meu segundo marido não sabia lidar coma doença. Ele queria uma mulher que fosse forte,que fizesse o jantar, tratasse da roupa, e eu nãoestava capaz de fazer estas coisas depois damorte do Michel, então ele escolheu deixar-me elevar os filhos. Eu não pedi ajuda às pessoas. Seme perguntassem como estava, eu respondiaque "estava bem, está a ser difícil, mas vouandando." Um amigo meu ligou ao meu filho edisse-lhe que eu precisava muito da ajuda dele.Nessa altura estava perto do fim. A tristeza dodesgosto é algo de terrível. Mal conseguimos sairda cama e pentear o cabelo ou lavar os dentes.E quando a família diz para nos aguentarmos, émais pressão!. Nós queremos escondermo-nos etratarmo-nos, mas há muita solidão, e não deve-mos deixar a nossa família sozinha a sofrer. Achoque uma grande parte da minha tristeza advémda perda da minha família, e a maior, da perdado Michel, depois a perda do Pierre, depoisa perda do meu marido, dos meus filhos. Foramsucessivas perdas.

Mas mesmo assim, resistiu enão pediu ajuda?

Claro! Estava cheia de medo, mas não estavabem psicologicamente. Achamos que ninguémnos vai valer.

Então alguém tratou do assunto?Sim, foi muito radical e traumatizante.

Se esperamos muito tempo quando esta-mos num episódio maníaco, é mais difícila recuperação, por isso é muito importanteestar atento aos sinais.

-Qual foi o seu tratamento?Fui observada durante 24 horas, recebi medi-

cação adequada para me acalmar e um nutri-cionista colaborou comigo. Deram-me 6 a 8refeições ligeiras por dia, para começar a comernovamente.

Quanto tempo demorou o tratamento?Alguns meses. Estava muito débil. Fiquei

muito agradecida pela ajuda que me deram efinalmente aceitei que tinha uma doença. O queacontece, infelizmente, depois de uma mania éa depressão, e o meu médico preparou-me.Quando saí do hospital, precisei de alguns anospara poder voltar a trabalhar.

Como foram esses anos?De muita solidão. Fiquei em casa e sozinha.

A recuperação é um trabalho difícil. O meu quar-to filho veio viver comigo, isso ajudou-me muito.A minha filha aos poucos também voltou. Umagrande parte da minha recuperação devo-a aosmeus filhos, não só aos médicos.

Que mais contribuiu paraa sua recuperação?O exercício físico. Faço caminhadas todos os diasde pelo menos uma hora, aproveito para meditartambém. Tenho cuidado com a alimentação:nada de açúcar ou comidas pré-cozinhadas.Procuro livros, músicas e pessoas bonitas.Enquanto estive em casa, nunca ligava a tele-visão durante o dia, ouvia muita música clássica.A recuperação é a procura do equilíbrio, dumavida simples, sem stress, agir com humildade eperceber que precisamos de sair de casa e teruma ocupação.

Achava-se especial?Explique-nos isso.

Não no sentido "eu sou uma pessoa especial!".Especial no sentido de ter noção do comporta-

mento a ter, estar atenta às expectativas dos ou-tros. Mas cheguei a conclusão que as minhasexpectativas é que eram importantes. -Como foivoltar à vida real? * Arranjei um emprego a aju-dar os outros, o que é muito compensador, eestar perto de pessoas boas e trabalhadoras. -Háalguma coisa que evita neste momento? *Nuncamais vou estar perto de pessoas que consomemdrogas.Nunca mais vou a festas onde há drogas!

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Este tipo de situações e circunstâncias sãoredutores e veiculam apenas informação particu-lar e especifica sendo frequentemente, por isso,desajustada e até contraditória em relaçãoà situação da maioria das pessoas com experiên-cia de doença mental.

A comunicação social, tal como outras institu-ições sociais, partilham o pensamento domi-nante da sociedade em relação às pessoas comdoença mental, pelo que, evitando uma abor-dagem mais alargada aos contextos específicospara promover a aproximação do público a essarealidade vivida, contribui-se, sobretudo, parao reforço dessa visão distorcida acerca das pes-soas com doença mental.

Para além da confusão que resulta do apareci-mento da doença, nas próprias pessoas e nosfamiliares e, do receio nos outros provocado poruma situação que não se compreende bem, tam-bém a prolongada manutenção das pessoas comdoença mental em organizações fechadas quelimitam a liberdade de circulação e o contactocom as pessoas na comunidade, tem tido comoconsequência o desconhecimento o medo e atéa incapacidade em relacionar-se com as pessoasque vivem uma doença mental, aparecendo estacomo um forte estigma do qual as pessoas emgeral procuram distanciar-se.

Como prevenir o Estigma e aDescriminação na Doença Mental?

O forte impacto destas circunstâncias na vidadas pessoas com doença mental tem levado aosurgimento de campanhas e iniciativas levadasa cabo por organizações de defesa cívica (advoca-cy) e, mais recentemente, aos primeiros estudosde investigação acerca dos factores que estão na

origem do próprio fenómeno bem como acercada eficácia da informação disponibilizada nascampanhas contra o estigma (Watson, Corrigan,2005).

Por exemplo, numa pesquisa recente(Corrigan, et al., 2001) os autores referem queexiste uma forte correlação entre os sentimentosde medo revelados e o nível de distância socialdo público em relação à doença mental, devidoà raridade dos contactos.

Defendem, por isso que a abordagemà mudança social implica intensificar a familiari-dade do público com as pessoas com experiên-cia de doença mental e dessa forma combatero estigma e a discriminação.

Outros autores referem também (Read eHarre, 2001), que os programas anti-estigmadevem abandonar as estratégias assentes emexplicações com base na doença porque, apesarde aumentarem o nível de informação disponíveljunto da população, não revelaram ter qualquerimpacto na redução do medo devendo, pelo con-trário, focalizar-se no aumento do contactoporque o "factor contacto directo com pessoascom doença mental" revelou estar relacionadocom atitudes mais positivas por parte da popu-lação ou seja, as experiências de comparaçãorealizadas concluíram que a estratégia de con-tacto directo apresentava melhores resultados namudança de atitudes do público.

Encontramos, por isso, propostas (Corrigan etal., 2001) que vão no sentido de apresentarestratégias para mudar as atitudes discrimi-natórias, através de acções de crítica (protesto)que procuram denunciar as atitudes estigmati-zantes, as de tipo educativo que procuram refor-mular os mitos sobre a doença mental através daapresentação de interpretações alternativas eas de contacto directo que estabelece uma forteproximidade e coloca desafios às representaçõespartilhadas pela maioria das pessoas.

Watson e Corrigan (2005), explanam que,em relação às estratégias de crítica/protesto,estas procuram trazer à luz do dia a injustiçacausada por determinados estigmas e apelampara que as pessoas parem de pensar dedeterminado modo.

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Empowerment e Prevenção doEstigma Social da Doença Mental

A discriminação e exclusão social das pessoas com doença mental é um assuntosobre o qual se debate pouco de forma alargada e, quando se debate,normalmente surge associado a factos ou ocorrências de carácter negativo.

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Muitas organizações de defesa cívicadedicam-se a esta estratégia de forma regularcom o propósito de conseguir com issomudanças de atitudes e a sua acção tem grandeimpacto junto dos meios de comunicação, porexemplo. Contudo, esta abordagem pode ter umefeito contrário de acentuar ou alargar um pre-conceito junto de outras pessoas que nunca ti-nham pensado daquela maneira, porque nãoaceitam "lições" de como pensar. Paralelamente,esta actuação denuncia mas só por si nãofornece um modelo alternativo ou uma referên-cia que as pessoas possam observar e adoptar.

Em relação às estratégias educativas/sensibi-lização, estes autores referem que se procuraalterar os estereótipos sobre a doença mentalatravés do fornecimento de informação e ele-mentos factuais confrontando as audiênciascom argumentos fortes acerca de uma determi-nada realidade. No entanto, também neste caso,mesmo perante informação fidedigna que revelaque as pessoas com doença mental não sãomais perigosas do que outras pessoas quais-quer, por exemplo, pode acontecer queos ouvintes/participantes possuam um referen-cial que, pelo contrário, reenquadra a informaçãode modo a concluir de forma diferente. Ou seja,os estereótipos podem ser muito resistentesa nova informação e, neste caso, as abordagenseducacionais apresentam-se insuficientes paraalterar as atitudes de discriminação.

Daí que, o contacto interpessoal com mem-bros do grupo estigmatizado, se apresente comoum meio eficaz para reduzir o preconceito inter-grupal devendo abranger quatro elementos(Pettigrew e Topp cit por Watson e Corrigan,2005); estatuto equitativo entre os grupos;objectivos comuns; ausência de competição eque o contacto seja enquadrado ou patrocinadopor uma entidade reconhecida socialmente (eg:organização de empregadores, uma organizaçãocomunitária,...). Alguns estudos que controlaramas condições enunciadas, revelaram que existiauma importante redução do preconceito e pro-moção de atitudes positivas em relação às pes-soas com doença mental mas principalmente,quando o contacto envolvia uma relação face-a-face e em contextos de trabalho ou organi-zacionais.

Tendo por base esta informação resultante derecentes estudos e investigação, mas tambéma inspiração e a aprendizagem do movimento deajuda mútua das pessoas com doença mental,considero determinante a implementação de umconjunto de processos colectivos de empowermentcom vista à diminuição do estigma e da discri-minação da doença mental.

Ou seja, a vivência das pessoas com doençamental nos contextos naturais (comunidade);o exercício da cidadania com base na possibili-dade de escolha e da existência de oportu-nidades reais de participação bem como a defe-sa de direitos através das suas diversas formas,a existência de organizações de representaçãode pessoas com experiência de doença mental ede familiares e ainda a criação de uma agendaacadémica inclusiva e socialmente responsável eque se apresenta no quadro seguinte:

Mecanismos de “Empowerment”/Diminuição Estigma

Integração das pessoas com doença mentalna comunidade / desinstitucionalização dos hospitais

Exercício da cidadania, promoção e defesa de direi-tos das pessoas com doença mental

Promoção de organizações independentes de repre-sentação das pessoas com doença mental

Realização de investigação sobre a integração e par-ticipação na comunidade/doença mental

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Para a construção deste modelo de referênciaé significativa a noção de liderança comunitáriaapresentada pelo National Extension Task Forceon Community Leadership (1986 cit porLangone, 1992) que refere que a liderançaenvolve influência, poder e intervenção nastomadas de decisão públicas e numa ou maisesferas de actividade, sendo que as esferas deactividade podem incluir uma organização, umaárea de interesse, uma instituição, uma cidade,uma localidade ou uma região.

O empowerment comunitário remete-nos paraa dimensão sócio-política e diz respeito à capaci-dade de uma comunidade responder aos proble-mas colectivos (Rich et al, 1995).

Em relação a esta dimensão de liderança daspessoas com experiência de doença mental,aquela onde existe um forte déficit no nosso con-texto nacional, devem ser equacionadasas estratégias de empowerment e as etapas quepodem promover um sentimento de comu-nidade, através de ligações formais e informaiscom vista a implementação de estruturas iniciaisde liderança comunitária e também promovera mudança da imagem tradicional das pessoascom doença mental junto da comunidade emgeral, nomeadamente, através do aumento dafrequência de contacto e participação na comu-nidade; da divulgação de informação e formaçãojunto da população em geral sobre as possibili-dades de recovery da doença mental.

Dra. Fátima Jorge-MonteiroPresidente da Direcção da Federação Nacional de Entidades de Reabilitação de

Doentes Mentais

Referências BibliográficasCMHA(1993). The Myths of Mental Illness. Canadian Mental Health Association.

Corrigan, P-W; River, L. P.; Lundin, R.; Penn, D.; Uphoff-Wasowski, K.; Campion,J.; Mathisen, J.; Gagnon, C.; Bergman, M.; Goldstein, H.; Kubiak, M. (2001).

Three Strategies for changing attributions about severe mental illness,Schizophrenia Bulletin, vol 27 (2), pp. 187-195.

Langone, C. A. (1992). Builiding Community Leadership. Journal of Extension,vol. 30 (4).

Link, B.; Struening, E.; Neese-Todd, S.; Asmussen, S.; Phelan, J. (2001). Stigmaas a barrier to recovery: The consequences of stigma for the self-esteem of peo-

ple with mental illnesses. Psychiatric Services, vol 52 (12), pp. 1621-1626.

Organização Mundial de Saúde (2001). Relatório sobre a Saúde no Mundo.Saúde Mental: Nova Concepção, Nova Esperança. Consultado em 8 de

Novembro de 2004 através dehttp://www.dgsaude.pt/upload/membro.id/ficheiros/i006020.pdf

Read,J., Harre, N. (2001). The role of biological and genetic causal beliefs in thestigmatisation of "mental patients", Journal of Mental Health, Vol. 10 (2), pp. 223-

235.

Rich, R.C., Edelstein, M., Hallman, W., Wandersman, A. (1995). CitizenParticipation and Empowerment: the case of local hazards. American Journal of

Community Psychology, vol. 23 (5), pp. 657-675.

Watson, A., Corrigan, P., (2005). Challenging Public Stigma: a TargetedApproach. In Corrigan, P. (Ed.), On the Stigma of Mental Ilness: Practical

Strategies for Research and Social Change , (pp.281-295) AmericanPsychological Association:Whashington.

Zimmerman, M. (1998). Empowerment and community participation: a review forthe next millenium. Actas do II Congresso Europeu de Psicologia Comunitária,

ISPA, pp. 17-42.

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“As Lógicas da Depressão”Daniel Widlöcher

“Era uma vez o Stress e a Depressão”

Vários autores

“Mais Amor Menos Doença”António Coimbra de Matos

Existem à venda na ADEBos seguintes livros:

LIVROS

Ansiedade e DepressãoStuart A. Montgomery

Pétalas Caídas, Sonhos e VidasSócios da ADEB

“A Manta”António Sampaio e Nazaré Tojal

“Uma Mente Inquieta”Kay Redfield Jamison

“A Depressão”Como lidar com a doença do nosso tempo

“Perturbação Bipolar”Francis Mrk Mondimore

“Razão Reencontrada”Dr. José Manuel Jara

“Causas da Psiquiatria”Dr. José Manuel Jara

“Adeus Depressão”Enrique Rojas

“Tocados pelo Fogo”Kay Redfield Jamison

“Como Deuses entre nós”António Sampaio

“Para além do Mal”António SampaioMiguel Vieira

GUIAS

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Existem à venda na ADEBos seguintes guias:

Doença BipolarGuia de Tratamento comValproato

Estão disponíveis também outros guias: “Manual de Auto-AAjuda”,“Electroconvulsivoterapia”, “Compreender a Doença Obsessivo-CCompulsiva”,“Carbamazepina e a Doença Bipolar”, “Lei de Saúde mental”

& Saúde MentalEstigma

Doença BipolarGravidez

Compreender a depressão e o seuimpacto nas relações interpessoaisFamília

Doença BipolarO quê? Quem? Onde? Quando? Porquê?...

e a Doença BipolarO Lítio

eMuitas PerguntasDepressão Algumas Respostas

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ADORMECI, NUMPASSARO AZUL

Adormeceu em mim um pássaro azul.

Toda a noite dormiu nos meus seios, silencioso.

A chuva gritava feroz na vidraça. O vento assobiava errante

por entre os penhascos.

Que alma de gente terás tu, meu lindo e sereno pássaro azul?

As tuas penas são tal e qual o sofrer de alguns seres humanos.

Em ti, esvoaço um sonho, semicerro o olhar.

Meu pássaro azul, não sei quem és!

Adormeceu em mim um pássaro azul.

Silencioso.

Meus dedos adormeceram de cansaço,

Meus seios de nenúfares desejados também.

Tudo em mim já adormeceu menos eu.

Eu que continuo a ouvir a melodia da chuva na vidraça,

agora mais calma,

Eu que continuo a embalar o meu pássaro azul,

Sem saber se ele e gente, ou se é efectivamente pássaro.

Enquanto vagueio no meu sono, distante

Sinto meus dedos tocarem em pássaros até de outras cores,

Laranjas, vermelhos, amarelos, brancos,...

Mas azul como aquele não,

Nem sequer em sonho.

Sinto que está ali,

No calor do meu peito,

Do meu coração.

Adormeceu em mim um pássaro azul.

Um pássaro de toda a gente e de ninguém como eu.

Adormeceu em mim.

Silencioso.

Nunca soube se teve alma de gente.

Sei que se aconchegou ao meu peito e ao morrer, voou.

Célia MouraSócia da ADEB

NAO DEIXEM MORREROS SONHOS

"Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem

não ouve música, quem destrói o seu amor-próprio,

quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma escravo do

habito, repetindo todos os dias o mesmo trajecto,

quem não muda as marcas no supermercado, não

arrisca vestir uma cor nova, não conversa com quem

não conhece.

Morre lentamente quem evita urna paixão, quem pre-

fere o "preto no branco" e os "pontos nos is" a um turbi-

lhão de emoções indomáveis, justamente as que res-

gatam o brilho nos olhos, sorrisos, corações aos

tropeções, sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando esta

infeliz no trabalho, quem não arrisca o certo pelo

incerto para ir atrás de um sonho, quem não se per-

mite, urna vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da

má sorte ou da chuva incessante, desistindo de um

projecto antes de inicia-lo, não tentando um assunto

que desconhece e não respondendo quando lhe

indagam o que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre

que estar vivo exige um esforço muito maior do que

o simples acto de respirar.

Estejamos vivos, então!"

Pablo Neruda

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