REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA • … · Vitor da Fonseca - Portugal...

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31 VOLUME PSICOPEDAGOGIA REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA • Nº 94 • 2014 • ISSN 0103-8486 30 ANOS EDITORIAL / EDITORIAL ...................................................................................................... 1 ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES • Avaliação de funcionalidade em atividades e participação de alunos com transtornos do espectro do autismo ....................................................................................................... 3 • Intervenção no uso de procedimentos e estratégias de contagem com alunos dos anos iniciais com baixo desempenho em matemática .............................................. 11 • Moralidade e concepção de amor em crianças de 6 e 9 anos ......................................... 21 • Avaliação da criatividade em universitários ....................................................................... 35 • Expectativas de alunos de enfermagem frente ao primeiro estágio em instituições de saúde ......................................................................................................... 44 ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE • O papel do psicopedagogo em relação ao bullying ......................................................... 56 ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES • Psicopedagogia em contextos hospitalares e da saúde: três décadas de publicações na Revista Psicopedagogia ............................................................................ 63 • Perfil de pesquisas relacionadas à dislexia: revisão de literatura...................................... 73 • Percepção auditiva em escolares com dislexia: uma revisão sistemática......................... 82

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31VOLUME

PSICOPEDAGOGIAREVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA • Nº 94 • 2014 • ISSN 0103-8486

30ANOS

EDITORIAL / EDITORIAL ...................................................................................................... 1

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

• Avaliação de funcionalidade em atividades e participação de alunos com transtornos do espectro do autismo .......................................................................................................3

• Intervenção no uso de procedimentos e estratégias de contagem com alunos dos anos iniciais com baixo desempenho em matemática .............................................. 11

• Moralidade e concepção de amor em crianças de 6 e 9 anos .........................................21

• Avaliação da criatividade em universitários .......................................................................35

• Expectativas de alunos de enfermagem frente ao primeiro estágio em instituições de saúde .........................................................................................................44

ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE

• O papel do psicopedagogo em relação ao bullying .........................................................56

ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES

• Psicopedagogia em contextos hospitalares e da saúde: três décadas de publicações na Revista Psicopedagogia ............................................................................63

• Perfil de pesquisas relacionadas à dislexia: revisão de literatura......................................73

• Percepção auditiva em escolares com dislexia: uma revisão sistemática .........................82

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SEÇÃO BAHIADiretora Geral: Nilzan Gomes Santos

Av. Tancredo Neves, 3343, sala 1105, Edif. CempreCaminho das Árvores – Salvador – BA – CEP 41820-021Tel: (71) 3341-0121 Seção / (71) 3362-0906 / 8838-9190 E-mail: [email protected] Vice-Diretora: Denise Lago de Miranda

SEÇÃO BRASÍLIADiretora Geral: Walderlene Ramalho

QNE 2, Lote 1, sala 203, Ed. Bombini ClínicasTaguatinga – Brasília – DF – CEP 72125-020 Tel: (61) 9986-9667E-mail: [email protected] Vice-Diretora: Marina Lima Beust

SEÇÃO CEARÁDiretora Geral: Andréa Aires Costa

Rua João Carvalho, 800, sala 1008, Ed. Talente Center Aldeota – Fortaleza – CE – CEP 60140-140Tel: (85) 8543-4331 / 9962-5131E-mail: [email protected]: Graça Maria de Morais Aguiar e Silva

SEÇÃO GOIÁSDiretora Geral: Lucila Menezes Guedes Monferrari

Av. 85, 684, sala 207 – Ed. Eldorado Center – Setor OesteGoiânia – GO – CEP 74120-090Tel/Fax: (62) 3954-2178 / 3259-3592 / 8153-9648E-mail: [email protected] Vice-Diretora: Denise A. S. Baiocchi Carneiro

SEÇÃO MINAS GERAISDiretora Geral – Regina Rosa dos Santos Leal

Av. Brasil, 248, sala 202 – Santa IfigêniaBelo Horizonte – MG – CEP 30140-001Tel: (31) 3221-3616 / 3239-5920 / 9238-1955E-mail: [email protected] Vice-Diretora: Maria Ana Tafner Pereira

SEÇÃO PARÁDiretora Geral: Maria de Nazaré do Vale Soares

Trav. 3 de Maio, 1218, sala 105, Ed. Alpha CenterSão Braz – Belém – PA – CEP 66060-600Tel: (91) 3229-0565 / 9981-2076E-mail: [email protected] Vice-Diretora: Eliane Souza de Deus Neto Almeida

SEÇÃO PARANÁ NORTEDiretora Geral: Neocleide Milani

Rua Dinamarca, 381 – CentroCambé – PR – CEP 86181-080Tel: (43) 3223-2654 / 9112-1964E-mail: [email protected] Vice-Diretora: Rosa Maria Junqueira Scicchitano

SEÇÃO PARANÁ SULDiretora Geral: Loriane Ferreira

Rua Fernando Amaro, 431 – Alto da XVCuritiba – PR – CEP 80045-080Tel: (41) 3363-8006 / 3282-9357 / 9106-9645E-mail: [email protected] Vice-Diretora: Heloisa Monte Serrat Barbosa

SEÇÃO PIAUÍDiretora Geral: Maria Alice de Santana Resende

Rua Coelho de Resende, 123 Sul, sala 2, andar superior – CentroTeresina – PI – CEP 64001-370Tel: (86) 9992-0817 / 9482-6447 / 9947-7154E-mail: [email protected] Vice-Diretora: Fabrício Cézar Moura Barbosa

SEÇÃO RIO DE JANEIRODiretora Geral: Maria Katiana Veluk Gutierrez

Av. Nossa Senhora de Copacabana, 861, sala 302 – CopacabanaRio de Janeiro – RJ – CEP 22060-000Tel: (21) 2236-2012 / 2527-1933 / 8877-1729E-mail: [email protected]

SEÇÃO RIO GRANDE DO NORTEDiretora Geral: Maria Bernadete Silva de Holanda Gomes

Rua Cel. Silvino Bezerra, 1178 – Lagoa SecaNatal – RN – CEP 50032-140Tel: (84) 9676-1203 / 3314-5878 / 9907-0016E-mail: [email protected] Vice-Diretora: Ednalva de Azevedo Silva

SEÇÃO RIO GRANDE DO SULDiretora Geral – Iara Caierão

Av. Venâncio Aires, 1119, sala 9 – BonfimPorto Alegre – RS – CEP 90520-000Tel: (51) 3333-3690 / 9624-2785E-mail: [email protected] Vice-Diretora: Gilca Maria Lucena Kortmann

SEÇÃO SANTA CATARINADiretora Geral: Maria Alice Moreira Bampi

Rua Rui Barbosa, 574, apto 801 – AgronômicaFlorianópolis – SC – CEP 88025-301Tel: (48) 3365-1097 / 9116-0753E-mail: [email protected] Vice-Diretora: Liliana Stadinik

SEÇÃO SÃO PAULODiretora Geral: Sandra Lia Nisterhofen Santilli

Rua Minas Gerais, 6 – HigienópolisSão Paulo – SP – CEP 01244-010Tel: (11) 99513-1411 / 3259-0837 / 99158-0993E-mail: [email protected] Vice-Diretora: Maria Cristina Natel

SEÇÃO SERGIPEDiretora Geral: Nielza da Silva Maia de Souza

Rua Riachuelo, 1188, sala 16 – São JoséAracajú – SE – CEP 49015-160Tel: (79) 3214-5363 / 222 / 9134-5652 E-mail: [email protected] Vice-Diretora: Maria de Fátima Vasconcelos Gomes

NÚCLEO ESPÍRITO SANTOCoordenadora: Cheila Araujo Mussi Montenegro

Av. Nossa Senhora da Penha, 1495 – sala 504 A, Ed. Corporate Center Santa Lúcia – Vitória – ES – CEP 29056-905Tel: (27) 98875-4508 / 99969-5545E-mail: [email protected] Vice-Coordenadora: Lucia Maria Godoy

NÚCLEO PERNAMBUCOCoordenadora: Manuela Barbosa Pimentel de Freitas

Rua Aviador Severiano Lins, 73 / sala 5 – Boa ViagemRecife – PE – CEP 51020-060Tel: (81) 3466-1362 / 9693-9978 / 9694-7857E-mail: [email protected] Vice-Coordenadora: Amanda Sheylla Leôncio de Araujo Freire

NÚCLEO SUL MINEIROCoordenadora: Janaina Cristiane Guidi Pereira

Rua Alberto Cabre, 300 – Vila PintoVarginha – MG – CEP 37010-630Tel: (35) 9808-2392 / 9841-6249E-mail: [email protected] Vice-Coordenadora: Marília Vieira Siqueira de Arantes

Sede: Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000 - São Paulo - SPPabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567 - www.abpp.com.br - [email protected]

Associação Brasileirade Psicopedagogia

SEÇÕES E NÚCLEOS

Triênio 2014/2016

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Conselho editorial internaCional

Alicia Fernández - ArgentinaCarmen Pastorino - UruguaiCésar Coll - EspanhaIsabel Solé - EspanhaMaria Cristina Rojas - ArgentinaNeva Milicic - ChileVitor da Fonseca - Portugal

Conselho editorial naCional

Ana Lisete Rodrigues SPAnete Busin Fernandes SPBeatriz Scoz SPDébora Silva de Castro Pereira BADenise da Cruz Gouveia SPEdith Rubinstein SPElcie Salzano Masini SPEloísa Quadros Fagali SPEvelise Maria L. Portilho PRGláucia Maria de Menezes Ferreira CEHeloisa Beatriz Alice Rubman RJLeda M. Codeço Barone SPMargarida Azevedo Dupas SPMaria Auxiliadora de Azevedo Rabello BAMaria Cecília Castro Gasparian SP

Conselho exeCutivoMaria Irene Maluf SPQuézia Bombonatto SPLuciana Barros de Almeida GOMaria Angélica Moreira Rocha BARosa M. Junqueira Scicchitano PR

editoraMaria Irene Maluf SP

Maria Célia Malta Campos SPMaria Cristina Natel SPMaria Lúcia de Almeida Melo SPMaria Silvia Bacila Winkeler PRMarisa Irene Siqueira Castanho SPMônica H. Mendes SPNádia Bossa SPNeide de Aquino Noffs SPNívea M.de Carvalho Fabrício SPRegina Rosa dos Santos Leal MGRosa M. Junqueira Scicchitano PRSônia Maria Colli de Souza SPVânia Carvalho Bueno de Souza SP

Consultores ad hoc

Ana Maria Maaz Acosta AlvarezJaime ZorziLino de MacedoLívia Elkis Luiza Helena Ribeiro do VallePedro Primo BombonatoSaul CypelSylvia Maria Ciasca

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PSICOPEDAGOGIA – Órgão oficial de divulgação da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp é indexada nos seguintes órgãos:

1) LILACS - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde - BIREME

2) Clase - Citas Latinoamericanas en Cien-cias Sociales y Humanidades. Universidad Nacional Autónoma de Mexico

3) Edubase - Faculdade de Educação, UNI-CAMP

4) Bibliografia Brasileira de Educação - BBE CIBEC / INEP / MEC

5) Latindex - Sistema Regional de Informa-ción en Línea para Revistas Científicas de América Latina, El Caribe, España y Portugal

6) Catálogo Coletivo Nacional – Instituto Brasileiro em Ciência e Tecnologia – IBICT

Psicopedagogia: Revista da Associação Brasileira de Psicopedagogia /Associação Brasileira de Psicopedagogia. - Vol. 10, nº 21 (1991). SãoPaulo: ABPp, 1991-

Quadrimestral

ISSN 0103-8486

C o n t i n u a ç ã o , a p a r t i r d e 1 9 9 1 , v o l . 1 0 , n º 2 1 d e B o l e t i m d aAssociação Brasileira de Psicopedagogia.

1. Psicopedagogia. I. Associação Brasileira de Psicopedagogia.

CDD 370.15

7) INDEX PSI – Periódicos – Conselho Federal de Psicologia

8) DBFCC – Descrição Bibliográfica Fundação Carlos Chagas

9) PEPSIC – Periódicos Eletrônicos em Psicologia

Editora Responsável: Maria Irene Maluf

Revisão e Assessoria Editorial: Rosângela Monteiro

Editoração Eletrônica: Rudolf Serviços Gráficos

O conteúdo dos artigos aqui publicados é de inteira responsabilidade de seus autores, não expressando, necessariamente, o pensamento do corpo editorial.É expressamente proibida qualquer modali-dade de reprodução desta revista, seja total ou parcial, sob penas da lei.

Associação Brasileirade Psicopedagogia

[email protected]

Rua Teodoro Sampaio, 417 - Conj. 11 - Cep: 05405-000 São Paulo - SP - Pabx: (11) 3085-2716 - 3085-7567

Acesse a revista na íntegra: www.revistapsicopedagogia.com.br

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diretoria da assoCiação Brasileira de PsiCoPedagogiatriÊnio 2014/2016

Ana Paula Loureiro e Costa RJClarissa Farinha Candiota RSDébora S. de Castro Pereira BAEvelise Maria Labatut Portilho PRFabiani Ortiz Portella RSFrancisca Francineide Cândido CEGaleára Matos de França Silva CEIara Caierão RSJoyce Maria Barbosa de Pádua PILuciana Barros de Almeida GOLuciana Queiroz Bem Portela CE

Márcia Alves Simões SPMaria Cristina Natel SP Maria José Weyne M. de Castro CEMaria Teresa Messeder Andion SPMárcia Alves Simões SPMarisa Irene Siqueira Castanho SP

SuplenteSEdimara de Lima SP Heloisa Beatriz Alice Rubman RJJozélia de Abreu Testagrossa BAMárcia Alves Affonso SP

PresidenteLuciana Barros de Almeida (GO)

Vice-PresidenteEdimara de Lima (SP)

1ª TesoureiraQuézia Bombonatto (SP)

2ª TesoureiraAna Paula Loureiro e Costa (RJ)

1ª Secretária AdministrativaMaria Teresa Messeder Andion (SP)

2ª Secretária AdministrativaHeloísa Beatriz Alice Rubman (RJ)

1ª Assessora CientíficaMarisa Irene Siqueira Castanho (SP)

2ª Assessora CientíficaEvelise Maria Labatut Portilho (PR)

Assessoras de Relações PúblicasDébora Silva de Castro Pereira (BA)Galeára Matos de França Silva (CE)Marilene Ribeiro de Azevedo (GO)

Assessoras de Comunicação e DivulgaçãoIara Caierão (RS)Maria José Weyne Melo de Castro (CE)Maria Katiana Veluk Gutierres (RJ)

ASSeSSoriASAssessora de Publicações Científicas Maria Irene Maluf (SP)

Assessora de Formação e Regulamentação Neide De Aquino Noffs (SP)

Beatriz Judith Lima Scoz SPEdith Rubinstein SPLeda Maria Codeço Barone SPMaria Cecília Castro Gasparian SPMaria Célia Malta Campos SP

Maria Irene Maluf SPMônica H. Mendes SPNeide de Aquino Noffs SPNívea Maria de Carvalho Fabrício SP

Conselheiras vitalíCias

Conselheiras eleitas – gestão 2014/2016

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Associação Brasileirade Psicopedagogia

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sumário

EDITORIAL / EDITORIAL

• Irene Maluf .......................................................................................................................................1

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

• Avaliação de funcionalidade em atividades e participação de alunos com transtornos do espectro do autismo

Assessment of functionality on activities and participation of students with autism

Camila Miccas; Andréa Aparecida Francisco Vital; Maria Eloisa Famá D’Antino .......................3

• Intervenção no uso de procedimentos e estratégias de contagem com alunos dos anos iniciais com baixo desempenho em matemática

Intervention in the use of counting procedures and strategies with students in the first years of school with low performance in mathematics

Yasmini Lais Spindler Sperafico ....................................................................................................11

• Moralidade e concepção de amor em crianças de 6 e 9 anos Morality and conception of love in 6 and 9 years old children

Ariadne Dettmann Alves; Heloisa Moulin de Alencar; Antonio Carlos Ortega..........................21

• Avaliação da criatividade em universitários Assessment of creativity in university students

Maria Célia Bruno Mundim; Queila Guise Milian; Eliezer Fernandes Gums; Solange Múglia Wechsler; Yung Sun Lee Damasceno .................................................................35

• Expectativas de alunos de enfermagem frente ao primeiro estágio em instituições de saúde Expectations of nursing students first stage in front of the health institutions

Emerson Piantino Dias; Beatriz Lemos Stutz; Tatiana Carneiro de Resende; Natália Borges Batista; Suéllen Siqueira de Sene ........................................................................44

ARTIGO ESPECIAL / SPECIAL ARTICLE

• O papel do psicopedagogo em relação ao bullying The role of psychopedagogists relative to bullying

Adalgisa Conceição Ferreira da Silva; Alice Maria Figueira Reis da Costa ...............................56

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ARTIGOS DE REVISÃO / REVIEW ARTICLES

• Psicopedagogia em contextos hospitalares e da saúde: três décadas de publicações na Revista Psicopedagogia

Psychopedagogy in health and hospital contexts: three decades of publications in Revista Psicopedagogia

Marisa Irene Siqueira Castanho ....................................................................................................63

• Perfil de pesquisas relacionadas à dislexia: revisão de literatura Profile of research related to dyslexia: literature review

Amábile Bianca Nogueira ..............................................................................................................73

• Percepção auditiva em escolares com dislexia: uma revisão sistemática Auditory perception in students with dyslexia: a systematic review

Ana Karina Lima Buriti; Marine Raquel Diniz da Rosa ...............................................................82

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rev. Psicopedagogia 2014; 31(94): 1-2

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EDiToriAL

Abrimos esta 94 edição da Revista Psicopedagogia com o artigo “Avaliação de funcionalidade em atividades e participação de alunos com trans-tornos do espectro do autismo”, de Camila Miccas, Andréa Aparecida

Francisco Vital e Maria Eloisa Famá D’Antino. O objetivo dessa oportuna pes-quisa foi aferir a funcionalidade de alunos com diagnóstico de Transtornos do Espectro do Autismo, por meio de um protocolo de avaliação funcional baseado no domínio de atividades e participação, proposto pela Classi ficação Inter-nacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, que apontou o ambiente escolar como potencialmente capaz de influenciar positivamente a evolução escolar e funcional desses alunos.

O artigo de pesquisa que se segue, “Intervenção no uso de procedimentos e estratégias de contagem com alunos dos anos iniciais com baixo desempe-nho em matemática”, é de autoria Yasmini Lais Spindler Sperafico, nos traz um estudo inédito sobre os efeitos do uso de procedimentos e estratégias de contagem na intervenção psicopedagógica e seu benefício na aprendizagem de outros conceitos matemáticos.

Ariadne Dettmann Alves, Heloisa Moulin de Alencar e Antonio Carlos Orte ga são os autores do texto “Moralidade e concepção de amor em crianças de 6 e 9 anos” onde são investigadas as concepções das crianças sobre amor, visando a contribuir para a formação moral das crianças.

Maria Célia Bruno Mundim, Queila Guise Milian, Eliezer Fernandes Gums, Solange Múglia Wechsler e Yung Sun Lee Damasceno são os autores de “Ava -liação da criatividade em universitários”. Nesse artigo foi estudada a cria -tividade verbal de estudantes de uma universidade da capital paulista e os au tores concluíram que a idade influencia positivamente uma maior expressão da criatividade em estudantes.

“Expectativas de alunos de enfermagem frente ao primeiro estágio em instituições de saúde”, de Emerson Piantino Dias, Beatriz Lemos Stutz, Tatiana Carneiro de Resende, Natália Borges Batista e Suéllen Siqueira de Sene, é um interessante estudo de abordagem qualitativa, onde seus autores objetivaram investigar as expectativas de alunos do primeiro período de um curso técnico em enfermagem de uma universidade pública, acerca do seu primeiro estágio em unidades de saúde.

“O papel do psicopedagogo em relação ao bullying” é o trabalho enviado por Adalgisa Conceição Ferreira da Silva e Alice Maria Figueira Reis da Costa. Trata-se não apenas de um estudo sobre essa temática que permeia a educação do século XXI, mas de um texto em que as autoras propõem a elaboração de planos de ação em que valores éticos contribuam para que a prática do bullying venha a diminuir e até mesmo se extinguir em nossas escolas.

O artigo de revisão “Psicopedagogia em contextos hospitalares e da saúde: três décadas de publicações na Revista Psicopedagogia”, de Marisa Irene Si-queiraCastanho, é um interessante e oportuno estudo que teve como objetivo identificar possibilidades, avanços e evolução da participação da Psicopeda-gogia e do psicopedagogo em contextos hospitalares e da saúde.

“Percepção auditiva em escolares com dislexia: uma revisão sistemática”, de Ana Karina Lima Buriti e Marine Raquel Diniz da Rosa, é outro artigo de

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rev. Psicopedagogia 2014; 31(94): 1-2

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revisão que descreve aspectos fundamentais da percepção auditiva em crian-ças com dislexia. Com esse artigo os autores contribuem para a atualização de fonoaudiólogos e educadores envolvidos no processo de desenvolvimento da linguagem em escolares, não só devido à necessidade de detectar as alterações da percepção auditiva em crianças com dislexia, mas também, que seja pro-posto pelo fonoaudiólogo o treinamento da percepção auditiva para promover um melhor desempenho das habilidades auditivas e linguísticas dos escolares, podendo diminuir os inúmeros fracassos escolares.

“Perfil de pesquisas relacionadas à dislexia: revisão de literatura”, de Amábile Bianca Nogueira, encerra esta edição e nos traz o tema da dislexia, mas como um dos distúrbios da escrita mais frequente com os quais trabalham os psicopedagogos. A autora desse artigo objetivou realizar um levantamen-to do perfil das pesquisas relacionadas à dislexia entre 2009 e 2013 na base SciELO Brasil e concluiu que, apesar da relevância do tema dislexia, ainda há poucos estudos relacionados a adolescentes e adultos. Além disso, nenhum dos pesquisadores identificou-se como psicopedagogo.

Encerramos o primeiro número do volume 31 da Revista Psicopedagogia, sugerindo aos leitores que se detenham nestas páginas e desejando a todos uma boa leitura!

Irene MalufEditora

EDiToriAL

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autismo: avaliação de funCionalidade

rev. Psicopedagogia 2014; 31(94): 3-10

3

ArTiGo oriGinAL

RESUMO – Objetivo: Este artigo apresenta pesquisa realizada com professores de uma escola de educação especial da cidade de São Paulo e teve por objetivo avaliar a funcionalidade de alunos com diagnóstico de transtornos do espectro do autismo. Método: Foi utilizado um protocolo de avaliação funcional baseado no domínio de atividades e participação, proposto pela Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Resultados: Esta pesquisa demonstrou diferenças significativas entre idade, ano/série e pontuação segundo a avaliação de funcionalidade, assim como mostra a literatura. Conclusão: Considera-se ainda como ponto fundamental de discussão o ambiente escolar em que os alunos avaliados estão frequentando, que pode influenciar positivamente a evolução escolar e funcional desses alunos, assim como o planejamento adequado das intervenções pedagógicas mediante uma avaliação bem realizada.

UNITERMOS: Avaliação da Deficiência. Transtorno Autístico. Trans tor-nos Mentais Diagnosticados na Infância.

CorrespondênciaMaria Heloisa Famá D’AntinoRua Piauí, 181 – 6o andar – Higienópolis – São Paulo, SP, Brasil – CEP 01241-001E-mail: [email protected]

Camila Miccas – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil. Andréa Aparecida Francisco Vital – Universidade Pres -biteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil.Maria Eloisa Famá D’Antino – Universidade Presbite ria -na Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil.

avaliação de funCionalidade em atividades e PartiCiPação de alunos Com transtornos

do esPeCtro do autismo

Camila miccas; Andréa Aparecida Francisco Vital; maria Eloisa Famá D’Antino

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miCCas C et al.

rev. Psicopedagogia 2014; 31(94): 3-10

4

INTRODUÇÃOO autismo é classificado pelo DSM 5 (Diag nos -

tic and Statistical Manual of Mental Disorders) como um transtorno global do desenvolvimen-to, que se caracteriza pelo desenvolvimento acentuadamente atípico na interação social e na co municação e pela presença de um repertório marcadamente restrito de atividades e interesses. Os comprometimentos nessas áreas estão pre-sentes antes dos três anos de idade, quando os pais, em geral, já percebem e preocupam-se com as limitações observadas, cada vez mais aparentes ao longo do desenvolvimento. Desse modo, observa-se uma dificuldade qualitativa de relacionar-se e comunicar-se de maneira usual com as pessoas, desde cedo1.

Pesquisa realizada em 17 países demonstrou prevalência variando entre 7 e 13 autistas para 10.000 indivíduos2. Outro estudo demonstrou que o autismo é o terceiro distúrbio do desen-volvimento mais comum, ocorrendo em 40 a 130 casos por 100.0003. Essa maior prevalência à mudança na definição pode ser atribuída pelo conhecimento mais amplo e disseminado do distúrbio4.

Para Classificação Internacional de Doenças (CID-10)5, o autismo é classificado nos trans-tornos invasivos do desenvolvimento (TID), de finindo-o como um grupo de transtornos caracterizados por alterações qualitativas das interações sociais recíprocas, dificuldades de comunicação e por um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Es-tudos já apon tavam a presença de prejuízos gra-ves na interação social e nas comunicações, tanto verbais como não-verbais, bem como a ausência de atividades imaginativas, substituídas por comportamentos repetitivos e estereotipados6.

As dificuldades na interação social nos trans-tornos do espectro do autismo (TEA) podem ma-nifestar-se como isolamento ou comportamen to social impróprio, pobre contato visual, dificulda-de em participar de atividades em grupo, indi-ferença afetiva ou demonstrações inapropriadas de afeto, falta de empatia social ou emocional. À medida que esses indivíduos entram na idade

adulta, há, em geral, uma melhora do isolamento social, mas a pobre habilidade social e a dificul-dade em estabelecer amizades persistem7.

As manifestações clínicas são bem caracterís-ticas nos TEA, variando na gravidade dessas apresentações8 e o diagnóstico deve ser clínico, baseado nos critérios do DSM-51. A medida em-pregada para avaliar o perfil de desenvolvimento e da cognição de crianças e jovens depende da idade e da funcionalidade da pessoa com TEA9.

Como visto, por se tratar de um quadro com espectro tão complexo, tanto no que se refere à gravidade à intensidade e à forma de apresen-tação dos sinais e sintomas, acredita-se que, a despeito da importância de um diagnóstico clínico, o conhecimento da funcionalidade de cada indivíduo em particular seja fundamental para que se possa desenhar sistemas de apoio educacional adequados a cada caso.

Nesse sentido, justifica-se o foco deste tra-balho, que buscou compreender e descrever o fun cionamento de crianças e jovens com TEA, no que se refere à atividade e à participação, proposta pela Classificação Internacional de Fun cionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), pela via de um protocolo elaborado e sistemati-zado para esse fim, conforme descrição posterior.

Tal classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS), diferentemente de outras, apre-senta um foco na funcionalidade dos sujeitos, ou seja, o intuito da CIF é trazer à luz as capacida-des e as potencialidades dos sujeitos avaliados10.

A CIF surgiu pela necessidade de se avaliar questões que a Classificação Internacional de Doenças (CID) não contemplava, trazendo uma visão biopsicossocial que o modelo médico an-terior não abarcava, passando a se preocupar com questões da vida dos indivíduos que devem passar pela avaliação de profissionais de dife-rentes áreas11.

A CIF tem, também, o objetivo de uniformizar informações a respeito de um mesmo sujeito para que diferentes profissionais padronizem relatórios e estes sejam utilizados em diferentes áreas, tais como saúde, educação e previdência social, entre outras12.

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autismo: avaliação de funCionalidade

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O modelo multidimensional da CIF introduz uma nova forma de se pensar a deficiência e/ou os transtornos do desenvolvimento à luz da fun-cionalidade, visando à avaliação de condições ambientais, estruturas físicas, aspectos externos, além da participação desse indivíduo no contexto social em que ele está inserido10.

Vale ainda ressaltar que, no mundo todo, a CIF vem sendo cada vez mais utilizada e protocolos e instrumentos de avaliação de funcionalidade têm sido elaborados ou adaptados para que seja possível avaliar diferentes e complementares funções dos sujeitos, abarcando as dimensões de corpo, atividade e participação e fatores contex-tuais e ambientais. No Brasil, ainda são escassos os trabalhos baseados nos pressupostos teóricos embutidos na CIF, especialmente no que se refe-re a maior aproximação tanto nas possibilidades quanto nas dificuldades apresentadas por alunos com deficiência intelectual, bem como aqueles com TEA.

As diretrizes legislativas existentes, tais como as definidas pelo Conselho Nacional de Educa-ção13, bem como o Decreto sancionado em 201114 que dispõe sobre a educação especial e o atendimento educacional especializado, não excluem, entretanto, a possibilidade de que a Educação Especial seja ofertada de modo priva-do e substitutivo em escolas e/ou instituições es pecializadas.

Em relação aos direitos voltados ao público do estudo em questão, no final de 2012, foi san cionada no Brasil lei15 que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, que garante aos alunos com TEA incluídos nas classes comuns do ensino regular, desde que comprovem ne-cessidade, a oferta do direito a acompanhante especializado. Não há especificações do perfil e da formação desse profissional e do grau de especialização do mesmo, tampouco é especi-ficado como a necessidade do acompanhante deverá ser comprovada. Dessa forma, é inevi-tável questionarmos se os direitos dos alunos com TEA estão sendo garantidos, uma vez que a própria legislação falha em contemplar aspectos

importantes do atendimento especializado de que esse alunado necessita.

No município de São Paulo, o “Programa In-clui“ procura garantir aos alunos com deficiência matriculados em sua rede diversas ações que atuam em diferentes âmbitos, tais como acessibi-lidade, avaliação das necessidades educacionais especiais, formação de professores, buscando atender de forma mais adequada a esse alunado. Embora saibamos que programas e legislações por si só não garantem a melhor educação, um atendimento em rede pode vir a sanar algumas das necessidades específicas de pais, alunos e professores da educação especial16.

Apesar de existir uma força tarefa para que a educação das pessoas com deficiência aconteça numa perspectiva da educação inclusiva, onde é previsto que esse público esteja matriculado no ensino regular e receba no contra turno o atendimento educacional especializado, sendo esse, um serviço complementar ou suplementar e nunca substitutivo. Contudo, vale ressaltar que a implementação de ações e práticas educacionais efetivas tem sido apontada como insuficientes em vários estudos.

A tradição de pesquisas sobre autismo parece envolver metodologias de estudos de casos com alguns poucos participantes que, embora retra-tem a situação atual, não permitem avaliar ade-quadamente políticas de sistemas educacionais em maior escala para a escolarização de crianças e jovens com autismo17.

MÉTODOParticiparam dessa pesquisa, alunos de uma

escola especial de ensino fundamental que aten-de, em quase sua totalidade, a alunos diagnos-ticados com TEA. Essa escola está localizada na zona leste do município de São Paulo, é conve-niada com o Governo do Estado de São Paulo e fiscalizada pela Diretoria de Ensino Leste 5.

O primeiro contato com a instituição acon-teceu por telefone, ocasião que expusemos à diretora da escola o nosso objetivo e o interesse em realizar a pesquisa na instituição, tendo em vista o número de alunos com TEA atendidos na

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mesma. Prontamente, a diretora marcou uma visita com duas das pesquisadoras deste estudo; nesse encontro foi apresentado a ela o instrumento (PAEDI) utilizado na avaliação da funcionalida-de dos alunos com TEA e esclarecido o intuito da pesquisa.

Foi marcada, então, uma segunda visita das pes quisadoras à escola, numa data em que pro-fessoras estariam em reunião pedagógica para a aplicação do instrumento pelas mesmas.

Em seguida foi realizada leitura e assinatura dos termos de consentimento livre esclarecido da instituição e dos sujeitos participantes da pesquisa. Foi utilizado instrumento descrito para avaliar a funcionalidade de alunos com TEA, onde foi solicitado aos participantes que o res-pondessem. Os professores e auxiliares de classe que participaram dessa etapa foram orientados a se agruparem de modo que respondessem o PAEDI para cada dois alunos atendidos por elas. Desse modo, foram avaliados 12 alunos diagnosticados com TEA.

O PAEDI11 foi elaborado com base teórica na CIF, com foco na funcionalidade de aspectos con-cernentes à atividade e participação de escolares com deficiência intelectual, contemplando as se-guintes áreas: percepções sensoriais, aplicação do conhecimento, comunicação, concentração, comportamento e socialização, coordenação mo-tora, tarefas e demandas do cotidiano.

Esse protocolo foi elaborado para ser utilizado por professores do ensino regular e/ou especial e possui breve introdução com explanação sobre como o instrumento deve ser preenchido, dados de identificação do aluno, 52 itens no total sobre Atividades e Participação, sendo que os itens de 1 a 39 podem ser classificadas como não, às vezes ou sim, e os itens de 40 a 52, não realiza, realiza com ajuda e realiza independentemente. Dessa forma, o professor ou aplicador escolhe a classificação que melhor avalia o aluno em cada item. O instrumento possui, ainda, uma tabela de pontuação em que possível somar os pontos com os diferentes classificadores, obtendo-se um es-core ou pontuação final. Tal protocolo apresentou evidências de validação quando de sua aplicação

no referido grupo de alunos com Deficiência Intelectual e, neste estudo que se apresenta, será aplicado em um grupo de alunos com TEA de uma escola de ensino fundamental especial do município de São Paulo, com o objetivo de avaliar a funcionalidade destes utilizando-se o PAEDI, comparando os resultados apresentados pelos dois grupos.

RESULTADOS E DISCUSSÃOA Tabela 1 apresenta em ordem cronológica

os alunos avaliados e os resultados obtidos pelos mesmos, os números equivalem à pontuação total obtida por cada um deles por meio da ava-liação de suas professoras.

Estudo anterior18 demonstrou que existe pouca oscilação na pontuação entre sujeitos com comportamento típico, variando entre 99 a 104 pontos. Diferente do que podemos observar na Tabela 1, onde a variação da pontuação, entre esses sujeitos de comportamento atípico, por de-corrência do TEA, acontece entre 17 a 96 pontos.

Os alunos avaliados apresentaram desempe-nho ruim nas questões: 25 (Produzir desenhos com detalhes gráficos mais elaborados, dife-rentes de garatujas), acima de 70% dos alunos não realizam essa atividade e também no item 41 (Realizar cálculos simples) acima de 60%. Esses itens estão relacionados a conteúdos da

Tabela 1 – Pontuação dos alunos com TEA.

Sujeitos Idade Pontuação

1 8 82

2 9 38

3 10 96

4 10 82

5 10 56

6 10 17

7 12 42

8 15 59

9 15 58

10 17 75

11 21 95

12 22 73

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esfera escolar. A questão 45 (Escovar os dentes) também demonstrou alto índice de dificuldade para os alunos com TEA, mais de 60% dos alunos não a realizam diferente das anteriores este item avalia uma tarefa do domínio do cuidado pessoal segundo a CIF19.

As áreas em que os alunos com TEA pare-cem não apresentar dificuldades em realizar as tarefas são comunicação e coordenação motora, segundo os itens do instrumento utilizado na avaliação. Em alguns itens, os indivíduos pare-cem não apresentar problemas, isto é, a maioria deles realiza as atividades. São as questões: 1 (observar acontecimentos do cotidiano), 13 (entender mensagens faladas), 15 (entender ordens simples), 16 (entender ordens sequen-ciais), 30 (segurar grandes objetos com as mãos), 31 (segurar e manipular pequenos objetos), 33 (alimentar-se), 43 (subir e descer escadas). É pe culiar que os alunos com autismo apresentem bom desempenho em tarefas da área de lingua-gem, tais resultados podem ser atribuídos a uma estimulação adequada.

O instrumento utilizado possui uma escala intermediária para classificação de cada item. Dos itens 1 a 39, a escala intermediária é “às ve-zes” e, para os itens 40 a 52, essa escala é “realiza com ajuda”. Os alunos com TEA avaliados com o PAEDI não foram significativamente classifica-dos nessas escalas intermediárias, sendo assim, ou os alunos realizam de forma independente e sempre as atividades avaliadas pelo instrumento ou não realizam as mesmas.

A Figura 1 analisa as áreas da funcionalidade avaliadas pelo instrumento e faz um compara-tivo entre as categorias de possibilidades de respostas.

Os resultados apresentados nos mostram que os alunos com TEA avaliados por seus pro-fessores apresentam maiores dificuldades nas áreas de “aplicação do conhecimento” e “com-portamento e socialização”. Esses dados vão ao encontro do que a literatura nos apresenta como características desse transtorno.

Foram calculadas a média e o desvio-padrão para os itens de cada categoria. As áreas em que

os alunos com TEA apresentaram maior dificul-dade foram: aplicação do conhecimento (média de 41,8% não realiza), seguida de comportamen-to e socialização (média de 32% não realiza) e comunicação (média de 31,4%). As áreas com menos dificuldade foram: percepção sensorial (69,2% realiza) e coordenação motora (59,6%).

Essas análises ilustram o quão díspares se dão os resultados das avaliações das funcionali-dades desses sujeitos. Isso se deve pela própria característica do espectro, onde o potencial de determinada funcionalidade depende muito da característica individual de cada sujeito. Deve-se aqui considerar que, independente da idade, cada indivíduo apresenta o seu poten-cial de maneira singular e única. Desse modo, salientamos a necessidade e a importância da avaliação da funcionalidade de cada um, e que esse instrumento seja orientador de intervenções que venham a responder as reais necessidades educacionais especiais de cada sujeito e que o professor possa, a partir dessa avaliação, traçar um caminho muito particular de intervenção para cada aluno com TEA.

CONSIDERAÇÕES FINAISPropusemo-nos a avaliar a funcionalidade de

alunos com TEA que frequentam uma escola de ensino fundamental especial. Para tanto, foi utilizado instrumento PAEDI, desenvolvido com

Figura 1 – Porcentagem média de respostas “Não realiza”, “Realiza às vezes ou com ajuda” e “Realiza independente-mente” por categoria.

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base na CIF, que tem como pressuposto avaliar a funcionalidade do indivíduo, ampliando seu foco para além da deficiência, conforme orientação da OMS e segundo o Estatuto da Pessoa com Deficiência20.

Os dados aqui apresentados são resultados da funcionalidade de crianças e jovens devida-mente matriculados em uma escola de ensino fundamental/especial, isto é, frequentam um am-biente escolar preparado, especificamente, para responder às demandas do público que atende, em sua maioria, crianças e jovens com TEA.

Constatamos que os alunos com TEA dessa unidade escolar apresentam maiores habilidades nas áreas de percepção sensorial, coordenação motora e tarefas do cotidiano, áreas consideradas de grande comprometimento pela literatura, em pessoas com essa condição de saúde.

Em relação ao perfil da percepção sensorial e motor, crianças com TEA demonstram hipo ou hipersensibilidade a diferentes estímulos senso-riais e possíveis dificuldades motoras decorren-tes de desordens voluntárias ou involuntárias21.

Tais resultados nos levam a inferir que o am biente escolar é um facilitador para o desen-volvimento de tais habilidades, uma vez que está preparado para acolher e estimular o desen-volvimento de crianças e jovens com TEA, fato que possibilita o controle de estímulos senso-riais. Vale aqui ressaltar ao menos um exemplo, quanto aos estímulos auditivos, que podem ser prejudiciais para o desenvolvimento de uma criança com TEA.

Alguns estudos demonstram que pessoas com TEA apresentam maior intolerância auditiva, apontando que a hipersensibilidade ao som é a modalidade sensorial mais evidentemente alterada no autismo22.

Considerando os participantes dessa pesqui-sa, concluímos que, para essa amostra, a unidade escolar especializada em atendimento de alunos com TEA em que a pesquisa foi realizada está preparada para controlar possíveis estímulos auditivos, oferecer ambiente confortável e es-timulador, reduzindo ao máximo os possíveis estímulos que desencadeiam alterações com-

portamentais, em prol de melhorar o desenvol-vimento do público atendido.

Em relação à comunicação, os alunos desta amostra, avaliados com este instrumento, não apre sentaram dificuldades, ao contrário do que demonstra a literatura, onde “anormalidades qualitativas e quantitativas, embora muito abran -gentes, afetam de forma mais evidente as áreas da interação social, da comunicação e do com-portamento”9. Devemos aqui considerar não só o ambiente facilitador, mas também a variabilidade do grau de comprometimento das diferentes habilidades de uma pessoa acometida por TEA.

A necessidade das avaliações realizadas com o indivíduo com TEA deve enfatizar a frequen -te variabilidade das habilidades, descartando, assim, qualquer interpretação global de resul-tados referentes a habilidades21.

Ao se refletir sobre a Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva em nosso país, constata-se que muito tem sido discutido nas últimas décadas e que consideráveis avan-ços legais em prol da garantia dos direitos à educação das pessoas com deficiência foram conquistados, sobretudo após a Constituição Federal de 198823, estabelecendo o direito à es colarização de toda e qualquer pessoa e a igual dade de condições para o acesso e para a permanência na escola, bem como a garantia de “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. Nessa mesma direção, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 199624 já havia estabelecido a oferta de serviço público educacional às pessoas com deficiência.

Com vista em tais resultados, inferimos que um atendimento educacional desenvolvido es-pecificamente para responder às demandas dos alunos com TEA dessa amostra traz considerá-veis benefícios.

Os alunos avaliados por esta pesquisa apre-sentaram maior dificuldade em itens relaciona-dos a conteúdos da esfera escolar, o que nos faz refletir no papel da escola em relação a educação dos indivíduos com deficiência de um modo geral e, nesse caso específico com autismo, até

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que ponto deve a escola focar o atendimento des se alunado apenas em tarefas e demandas do cotidiano? Têm esses alunos o direito de também terem acesso a conteúdos “escolares”, uma vez que a lei garante a todos o acesso aos níveis mais elevados do conhecimento?

Como previsto em lei, pessoas com deficiên-cia devem estar, preferencialmente, matriculadas em escolas regulares e a elas ser ofertado o AEE

SUMMARYAssessment of functionality on activities and participation

of students with autism

Objective: This article presents research conducted with teachers in a special education school in São Paulo and aimed to evaluate the functionality of students diagnosed with autism spectrum disorders. Methods: A protocol for functional assessment based on field activities and participation by the International Classification of Functioning, Disability and Health. Results: This study showed significant differences between age, year/grade score when evaluated for functionality, so as shown in the literature. Conclusion: It is further considered as a key point of discussion the school environment in which students are attending reviews, which can positively influence the academic and functional evolution of these students, as well as proper planning of pedagogical interventions through an evaluation performed well.

KEY WORDS: Disability Evaluation. Autistic Disorder. Mental Disorders Diagnosed in Childhood.

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no contra turno. Este estudo não pretende dis-cutir os motivos pelos quais esses alunos estão matriculados na escola especial. Observamos que o ambiente está estruturado para o atendimento dos alunos com TEA, uma vez que se apresenta capaz de monitorar, controlar e até reduzir, se preciso for, possíveis estímulos que possam de-sencadear qualquer tipo de prejuízo no desen-volvimento do público atendido.

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Trabalho realizado na Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil.

Artigo recebido: 8/1/2014Aprovado: 11/3/2014

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intervenção nos ProCedimentos e estratégias de Contagem

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ArTiGo oriGinAL

RESUMO – A contagem é uma habilidade essencial ao desenvolvimento de todo o conhecimento numérico, sendo um aspecto preditor do desempenho matemático posterior. Dentre as habilidades de contagem, encontram-se os procedimentos e estratégias de contagem que tratam de conhecimentos procedurais aplicados à resolução de problemas aritméticos. O presente estudo teve como objetivo avaliar os efeitos de uma intervenção psicopedagógica nos procedimentos e estratégias de contagem, verificando a evolução desses procedimentos e estratégias e a possibilidade de generalização dos efeitos a outros contextos matemáticos, com um grupo heterogêneo com cinco estudantes. Verificou-se uma evolução no uso de procedimentos e estratégias de contagem, sendo que a maior parte dos alunos passou a recuperar diversos fatos da memória. Observou-se, ainda, uma evolução no conhecimento numérico, em habilidades não abordadas durante as intervenções, evidenciando que o conhecimento de contagem traz benefício na aprendizagem de outros conceitos matemáticos.

UNITERMOS: Estudos de intervenção. Matemática. Conceitos ma te-máticos. Transtornos de Aprendizagem.

CorrespondênciaYasmini Lais Spindler Sperafico Av. Protásio Alves, 1320, apto. 12 – Petrópolis – Porto Alegre, RS, Brasil – CEP: 90410-005 E-mail: [email protected]

Yasmini Lais Spindler Sperafico – Doutoranda pela Uni versidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Psicopedagoga Clínica e Institucional pelo Centro Uni -versitário La Salle (UNILASALLE) e Licenciada em Matemática pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).

intervenção no uso de ProCedimentos e estratégias de Contagem Com alunos dos anos iniCiais Com

Baixo desemPenho em matemátiCa

Yasmini Lais spindler sperafico

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sPerafiCo Yls

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INTRODUÇÃOA contagem é uma habilidade essencial ao

de senvolvimento de todo o conhecimento numé-rico do sujeito, sendo um dos conhecimentos de base da área da matemática1. Alguns estudos abordam essa habilidade como um preditor signi-ficativo do desempenho matemático nos anos posteriores do ensino1,2.

Dentre a gama de conhecimentos conceituais e procedurais de contagem, encontram-se os pro cedimentos e estratégias de contagem. São formas de realizar a contagem de duas ou mais parcelas na resolução de problemas aritméti cos que evoluem e desenvolvem-se ao longo dos anos, em ritmo ditado pelas condições biológicas e ambientais da criança.

Estudos têm evidenciado que crianças com desenvolvimento atípico desenvolvem proce-dimentos e estratégias de contagem de forma se melhante a estudantes com desenvolvimento típico, entretanto, em ritmo diferenciado3-7. Pes -quisas têm demonstrado que intervenções fo-cadas nesses aspectos da contagem auxiliam os estudantes de desenvolvimento atípico a desen-volver procedimentos e estratégias de contagem mais desenvolvidas. Isso foi demonstrado em dois estudos com grupos mais homogêneos de estudantes, um com crianças com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e outro com crianças com deficiência intelectual.

O presente estudo tem como objetivo verificar os efeitos de uma intervenção psicopedagógica de curta duração, focada no uso de proce di mentos e estratégias de contagem, em um grupo de cinco estudantes com características heterogêneas, verificando a possibilidade de generaliza ção dos efeitos a outros contextos matemáticos. Para isso, inicialmente apresenta-se uma revisão de estudos que abordam a habilidade de contagem e a sua importância para a aprendizagem ma -temática posterior. Em seguida, conceituam-se os procedimentos e estratégias de contagem identificados nas crianças, bem como se discute a forma como esses evoluem e as diferenças de desenvolvimento dessa habilidade entre crian-ças de desenvolvimento típico e atípico. Na se-

quência, aborda-se brevemente o pequeno corpo de estudos descrevendo os efeitos de interven-ções nesse aspecto matemático e os resultados obtidos com grupos específicos de crianças. Por fim, apresenta-se o método utilizado e os re sultados obtidos que são discutidos à luz dos estudos revisados.

Desenvolvimento da habilidade de contagem A contagem é uma habilidade fundamental

para o desenvolvimento da capacidade de com-preensão numérica1. Possuir a habilidade de con -tagem significar estar apto a estabelecer relações de um-para-um entre objetos de uma série e suas representações numéricas1.

Estudos têm evidenciado que a habilidade de contagem é capaz de predizer o aprendizado matemático posterior1,2. Dessa forma, alunos que possuem uma maior capacidade de contagem, bem como fazem bom uso desse recurso, são melhor sucedidos nos conteúdos aritméticos e apresentam maior facilidade em realizar cálculos simples e complexos.

Nunes & Bryant8 evidenciam que diversas pes -quisas têm discutido que as primeiras experiên-cias matemáticas da criança ocorrem muito antes dessas ingressaram na vida escolar. A psico-logia vem apresentando resultados empíricos que evidenciam a capacidade dos bebês para perceber a numerosidade, ou seja, demonstram sen sibilidade à mudança da quantidade de um conjunto numérico com poucos elementos9. Essa capacidade foi verificada em diversos estudos experimentais, com numerosidades até três, sendo que a mudança na quantidade de objetos no conjunto foi identificada pelos bebês quando foram adicionados ou retirados objetos10,11.

Geary12, entretanto, alerta que, embora os bebês apresentem essa capacidade de detectar pe quenas quantidades, isso não significa que identifiquem que um conjunto de três objetos é maior que um conjunto de dois objetos, isto é, não possuem a capacidade de comparar e ordenar quantidades. Costa5 ainda questiona se possuir a capacidade de perceber a mudança de quantidades de um objeto significa identificar que foram retirados

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intervenção nos ProCedimentos e estratégias de Contagem

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ou adicionados itens a ele. A autora destaca que essa questão foi respondida por um estudo reali-zado, em 1992, por Wynn, com bonecos Mickey Mouse, que demonstrou que os bebês de 5 meses sustentavam por mais tempo o olhar quando a quantidade de bonecos era inesperada, ou seja, quando surgiam ou desapareciam bonecos, fornecendo evidências de uma competência aritmética elementar.

Esse conjunto de evidências empíricas sus-tenta a existência de uma capacidade inata de abs tração numérica – capacidade para formar re presentações sobre as numerosidades, também encontrada nos animais5. E são essas capacida-des que, conforme Costa5, dão origem aos prin -cípios de contagem que são desenvolvidos pos -teriormente em contexto cultural. Ainda não há consenso quanto à origem inata ou não das habilidades numéricas, mas há consenso na lite-ratura quanto aos cinco princípios da contagem que são desenvolvidos pelas crianças5.

Os cinco princípios da contagem foram ini-cialmente formulados por Gelman & Gallistel13 e discutidos em diversos estudos posteriores3,4,8,14. São eles: 1) correspondência termo a termo (cada objeto deve ser contado apenas uma vez, sendo utilizado um nome de número); 2) ordem estável (a ordem das palavras de contagem é invariante, seguindo a sequência um, dois, três, e assim por diante); 3) Cardinalidade (o total de objetos de um conjunto corresponde ao último nome de nú-mero, sendo que este envolve todos os números da sequência); 4) Abstração (objetos de qualquer tipo podem ser colocados juntos e contados); e 5) irrelevância da ordem (objetos de um dado con-junto podem ser contados em qualquer ordem).

Grande parte desses princípios é compreen-dida e aplicada pelas crianças de 5-6 anos de idade, exceto os princípios de abstração e irrele vância da ordem, que são adquiridos entre o primeiro e o segundo ano escolar3,15. Entre-tanto, estudos demonstram que crianças que apresen tam desenvolvimento atípico têm atrasos na aquisição desses princípios. Geary et al.3,4,14 de monstraram que crianças com dificuldades na matemática ou na matemática e na leitura

demoram mais tempo que crianças sem dificul-dades ou apenas com dificuldades na leitura para compreender o princípio de irrelevância da ordem, podendo chegar ao segundo ano sem a compreensão desse princípio.

Desenvolvimento dos procedimentos e estra-tégias de contagemGeary3 afirma que o desenvolvimento das

com petências procedurais é influenciado, em parte, pelo progresso das crianças na compreen-são da contagem e reflete na passagem gradual de procedimentos de contagem mais imaturos (contar todos) para procedimentos mais desen-volvidos (contar a partir de, contar a partir do maior). Do mesmo modo, o uso dos procedimen-tos de contagem resulta no desenvolvimento da representação dos fatos básicos na memória, possibilitando sua recuperação imediata.

Os procedimentos de contagem mais descri-tos na literatura são3-6:• Contartodos: representar todas as parce-

las e realizar a contagem começando por 1. Assim, para 3+2, representar-se-ia o 3 e o 2, contando, na sequência, a totalidade (1,2,3,4,5);

• Contarapartirde: percepção da não ne-cessidade de realizar a contagem de todas as parcelas, sendo assim, a contagem é rea lizada a partir da primeira parcela ou a partir da maior parcela identificada. Assim, 2+3 poderia ser resolvido com a contagem a partir de 2 (primeira parcela), com 3,4,5 ou, a partir da maior parcela (3), 4,5.

Esses procedimentos de contagem são executa-dos, frequentemente, com o apoio de estra tégias de contagem nos dedos (ou em outro ma terial con creto) ou com a contagem verbal ou silenciosa.

Costa5 afirma que, apesar dos procedimentos de contar possuírem uma característica evolu-tiva, “as crianças, na prática, usam simultanea-mente diversos deles, o que acaba resultando no desenvolvimento da representação desses fatos básicos na memória de longo prazo. Uma vez formada, a representação permite o uso desses processos de resolução apoiados na memória”.

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Dois procedimentos apoiados na memória são descritos na literatura3-6:• Recuperaçãoimediatadamemória: a res -

posta é recuperada imediatamente da me -mória de longo prazo;

• Decomposição: Reconstrução de respostas baseadas na recuperação de uma parte da soma. Por exemplo, o fato aritmético 6+7 pode ser decomposto em 6+6+1, sendo 6+6 recuperado imediatamente da memória, sob o resultado 12, basta acrescentar 1, para obter a resposta 13.

O uso de procedimentos apoiados na memó-ria resulta na solução rápida dos problemas e na redução de demanda da Memória de Trabalho (MT). A menor demanda da MT, por sua vez, facilita a resolução de problemas mais complexos (problemas verbais) com menos erros3.

O progresso dos procedimentos de contagem para os apoiados na memória não ocorre em etapas, havendo coexistência de diversos procedi-mentos. Isso ocorre por dois motivos. O primeiro se refere ao emprego do procedimento que varia conforme o objetivo do cálculo e o tipo de pro-blema. Se a criança quer ser rápida, utiliza os pro cedimentos apoiados na memória; se quer ser precisa, pode preferir os procedimentos de con tagem3. O segundo diz respeito ao fato desse progresso entre os tipos de procedimento ser um processo gradual, caracterizado por Hopkins & Lawson16 em três grandes mudanças:

1) Passagem do uso de procedimentos menos desenvolvidos para outros mais eficientes;

2) Desenvolvimento da confiança na recupe-ração (para alguns problemas) com base na prática bem sucedida e continuada no uso de procedimentos mais eficientes;

3) Substituição de procedimentos eficientes pela decomposição, sendo que a prática bem sucedida na decomposição auxilia no desenvolvimento da confiança na re-cuperação (para outros problemas).

Sendo assim, o procedimento de decompo-sição parece ser um mediador entre o procedi-mento contar a partir de e a recuperaçãoimediata para problemas com parcelas maiores que 4.

Costa5, com base em uma revisão de literatura, afirma que “paraaconstruçãodarepresentaçãodos fatos básicos na memória de longo prazo entre o problema e a resposta é importante que ambos sejam ativados ao mesmo tempo na me-mória de trabalho”. As crianças sem dificuldades desenvolvem a confiança na recuperação dos fatos para problemas com parcelas menores que 4, usando esse conhecimento para derivar as parcelas maiores16. Isso torna essas crianças mais eficientes na resolução de problemas mais complexos, sendo que, aos poucos, passam a au-tomatizar fatos com parcelas maiores. Entretanto, crianças com velocidade de contagem lenta, que apresentam desenvolvimento atípico, não apre-sentam essa evolução em tempo semelhante3-6.

Estudo de Geary3 evidencia que crianças com dificuldades na matemática e na leitura e apenas na matemática utilizam estratégias de contagem semelhantes às utilizadas por crianças de de-senvolvimento típico na resolução de problemas aritméticos simples, mas diferem no uso do pro-cedimento. No 1o e 2o ano, essas crianças come-tiam mais erros na contagem e utilizavam um procedimento imaturo (contar todos) com mais frequência que as crianças com dificuldades apenas na leitura ou sem dificuldades. Estudo de Costa et al.6 investigou o desenvolvimento dos procedimentos de contagem em estudantes com transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade (TDAH), verificando que esses permanecem por mais tempo utilizando procedimentos menos eficientes, o que caracteriza um atraso no de-sen volvimento dessa habilidade em relação a crianças de desenvolvimento típico. Esse atraso no desenvolvimento também foi evidenciado em estudantes com deficiência intelectual7.

Embora não haja consenso quanto às causas desse atraso no desenvolvimento dos procedi-mentos e estratégias de contagem, a literatura apresenta três paradigmas que apontam expli-cações para tal fato:

1) Senso numérico pobre: alguns autores de -fendem a existência de um déficit no sen so numérico2,17. O senso numérico pode ser de-finido como a habilidade de tra balhar com

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intervenção nos ProCedimentos e estratégias de Contagem

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números, o que envolve a com preensão do seu significado e das ideias a ele relacio-nadas. Assim, déficits nessa habilidade seriam responsáveis por dificuldades nas aquisições matemáticas posteriores;

2) Déficit de Memória de Trabalho (MT): a MT é a habilidade de armazenar temporaria-mente uma informação, manipulando-a18. Se a recuperação dos fatos básicos só é pos sível se o problema e a resposta esti vem ativos simultaneamente na MT, déficits nes-sa habilidade prejudicariam o desenvolvi-mento da recuperação imediata3. Em alguns casos, o limite e o tempo de ar mazenamento da informação pela MT podem estar preser-vados, mas o estudante excede esse limite por ser lento na contagem;

3) Lentidão na velocidade de processamen-to das informações: alguns autores têm obser vado que crianças com dificuldades aritméticas são mais lentas na contagem, processando a informação de forma mais demorada que crianças sem dificuldades ou se perdem durante a contagem4,16. Essa lentidão possibilita que ocorra o esqueci-mento antes que a sequência de cálculo seja completada.

Sendo assim, há fortes evidências empíricas que confirmam que muitos grupos de crianças com desenvolvimento atípico apresentam certa lentidão no desenvolvimento de procedimentos e estratégias de contagem se comparadas a seus pares de desenvolvimento típico. Entretanto, evi-dências da possibilidade de auxiliar essas crian-ças a desenvolver procedimentos e estratégias de contagem mais desenvolvidos ainda são escassas.

Intervenção no uso de procedimentos e estratégias de contagemEstudos têm demonstrado que intervenções

focadas no desenvolvimento das habilidades de contagem trazem benefícios a estudantes de diferentes grupos5,7. Costa5 desenvolveu um es tudo interventivo com sete estudantes entre 9 e 13 anos (3o a 4o ano), com TDAH. Todos os estudantes apresentavam QI acima de 80.

Os estudantes realizaram uma avaliação dos procedimentos e estratégias de contagem, sendo designados, aleatoriamente, para dois grupos, intervenção (n=4) e controle (n=3). O grupo de intervenção recebeu 10 sessões de uma hora de intervenção de ensino explícito de procedi-mentos e estratégias de contagem, sendo que o grupo controle trabalhou apenas com jogos que não envolviam a prática de procedimentos e estratégias de contagem.

Os resultados evidenciaram um ganho no nú-mero de fatos básicos recuperados da memória nos dois grupos do pré para o pós-teste. Entre-tanto, o grupo experimental apresentou maior frequência no uso de procedimentos apoiados na memória em relação ao grupo controle, que permaneceu mais nos procedimentos de conta-gem. Essa melhora se manteve após três meses. Esses resultados trazem evidências de que o ensino explícito de procedimentos e estratégias de contagem auxilia no desenvolvimento da recuperação de fatos básicos.

A intervenção apresentada no estudo de Costa5 foi replicada por Cechin et al.7, com três estudan-tes com deficiência intelectual, entre 8 e 12 anos de idade. Os resultados também evidenciaram o progresso dos estudantes que passaram a utilizar o procedimento contar a partir de, substituindo o contar todos. A evolução para o uso de um pro cedimento mais desenvolvido também teve efeitos sobre a média de acertos dos alunos no pós-teste, que aumentou significativamente.

Apesar da evidência empírica de que inter-venções que visem ao desenvolvimento de pro -cedimentos e estratégias de contagem bene ficiam estudantes ao auxiliar no desenvolvimento de pro cedimentos mais evoluídos, ainda são escas-sas pesquisas nessa área. Dessa forma, o presen-te estudo buscou desenvolver uma intervenção no desenvolvimento dos procedimentos e estra-tégias de contagem, com um grupo diferenciado de 5 alunos do 2o ao 4o ano do Ensino Funda-mental, por meio do uso de jogos diversificados.

MÉTODOO presente estudo caracteriza-se como uma

pesquisa qualitativa-quantitativa que teve como

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objetivo verificar os efeitos de uma intervenção psicopedagógica nos procedimentos e estratégias de contagem, com foco no uso de proce dimentos e estratégias mais desenvolvidos e no desempe-nho na resolução de problemas aritméticos sim-ples por estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, com queixa de baixo desempenho matemático. Optou-se por essa abordagem pela possibilidade de complementação dos resultados quantitativos pelos resultados qualitativos, geran-do informações em diferentes níveis de análise19.

A amostra para o estudo foi composta por cinco estudantes que frequentam o 2o e o 4o ano de uma escola privada do município de Canoas. Dois desses estudantes (duas meninas – Ju e Eda) possuem diagnóstico TDAH e três estudantes (três meninos – Rog, Dav e Mar) apresentam dificuldades na matemática (relatadas pelas pro-fessoras, dado o baixo desempenho escolar). Os estudantes possuem entre 8 e 10 anos de idade.

AvaliaçãoRealizou-se uma avaliação inicial em duas

sessões, aplicando-se um instrumento em cada uma delas, e uma avaliação final, uma semana após a última sessão de intervenção.

Como instrumentos na avaliação inicial, uti -lizou-se o Teste de Conhecimento Numérico20 e um jogo de memória de quantidades. Ambos os procedimentos permitiram a identificação dos pro-cedimentos e estratégias de contagem dois estu-dantes. O primeiro instrumento também permitiu verificar o desempenho na resolução de problemas aritméticos. Já o jogo de memó ria forneceu indí-cios da compreensão dos princípios de contagem13 pelos estudantes, por meio dos questionamentos realizados durante a interação com o material do jogo. Para a avaliação final, reaplicou-se o Teste de Conhecimento Numérico20 e realizou-se o Teste de Estratégias e Proce dimentos de Contagem e de Recuperação da Me mória4, conforme instruções utilizadas no estudo de Corso21.

IntervençãoA intervenção foi realizada ao longo de quatro

sessões, nas quais foram utilizados jogos diver-

sificados e organizadas atividades estrutura das com base nas situações de jogo. Os encontros tiveram entre uma hora e uma hora e meia de duração cada.

A cada sessão era realizada a exploração de um ou dois jogos coletivos, sendo realizadas a problematização do jogo e, para alguns jogos, representações de situações em atividades es-truturadas com lápis e papel. Na primeira sessão, explorou-se o jogo Faça 105. Na segunda sessão, utilizou-se um jogo de tabuleiro5 e o Tux of Math Comand, um jogo de computador com cálculos aritméticos envolvendo os fatos básicos da adi-ção. Na terceira sessão, explorou-se o jogo Circo Faça 105, desenvolvendo uma atividade com lápis e papel de exploração do jogo e utilizou-se novamente o jogo de computador (Tux of Math Comand). Na quarta sessão, utilizou-se os jo-gos Batalha dos Duplos e Duplo Problemático5, sendo realizada novamente uma atividade de lápis e papel de exploração da estratégia de de composição.

RESULTADOS E DISCUSSÃONa avaliação inicial, utilizou-se um jogo de

memória de quantificação, para verificar se os estudantes possuíam os princípios de contagem desenvolvidos, bem como verificar as estratégias e procedimentos de contagem predominante-mente utilizados. Essa última habilidade tam -bém foi avaliada por meio do Teste de Conheci-mento Numérico20 que, ainda, forneceu evidên-cias da habilidade dos estudantes na resolução de problemas aritméticos simples.

Verificou-se que o procedimento mais utiliza-do foi o contar a partir de, sendo que apenas um estudante (Rog) oscila entre o contar todos e esse procedimento mais desenvolvido. Para a utiliza-ção desse procedimento, os estudantes adotam, predominantemente, a estratégia de contagem nos dedos, sendo que apenas Dav utilizou, em alguns momentos, a contagem silenciosa.

Quanto à competência no Teste de Conheci-mento Numérico com resolução de problemas aritméticos simples, pode-se verificar o resul-

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intervenção nos ProCedimentos e estratégias de Contagem

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tado de cada aluno na Tabela 1. Verificou-se uma média de 29,83 acertos (de um total de 51 problemas), sendo que a maior parte dos estu-dantes encontra-se no Nível 3 (classificação de Okamoto & Case20) de conhecimento numérico ou em transição do Nível 2 para o 3. Apenas Mar se encontra no Nível 2, apresentando resultado um pouco inferior aos colegas. Já Dav alcançou o Nível 4 (último nível), apresentando conheci-mento numérico bem desenvolvido.

No pós-teste, aplicou-se o Teste de Estraté gias e Procedimentos de Contagem e de Recu pe ração da Memória4. O teste totalizava 14 pro blemas. A maior parte dos alunos utilizou o contar a partir do maior, com o uso da estratégia de contagem silenciosa e a recuperaçãoimediatadamemória. Os resultados de cada aluno podem ser visuali-zados na Tabela 2.

Os resultados demonstram que os alunos apresentaram evolução no uso de procedimentos e/ou estratégias de contagem. Dav foi o que teve maior evolução, passando a utilizar, predomi-nantemente, procedimentos apoiados na memó-

ria, em especial a recuperação imediata. Já Ju apresentou o menor crescimento, necessitando ainda de procedimentos de contagem, sendo capaz de recuperar da memória, apenas fatos com, pelo menos, uma das parcelas menor ou igual a três. Rog também recupera apenas fatos com parcelas pequenas, mas passou a utilizar uma estratégia mais desenvolvida, a contagem silenciosa. Os demais estudantes retornavam ao uso de estratégias menos desenvolvidas nos problemas em que as parcelas eram maiores que cinco ou quando tinham dúvidas quanto ao resultado recuperado.

Sendo assim, verifica-se que todos os estu-dantes evoluíram em seus procedimentos de contagem, sendo que alguns já utilizam pro-cedimentos apoiados na memória com maior frequência. O desenvolvimento observado nos alunos é semelhante ao descrito em estudos3,4,9 que evidenciam que os estudantes progridem, inicialmente, nos procedimentos de contagem (contar todos para contar a partir de) para então utilizarem procedimentos apoiados na memória, sendo que essa evolução é processual.

Os estudantes também apresentaram cres-cimento nos escores do Teste de Conhecimento Numérico20 do pré-teste para o pós-teste, como evidenciam os dados da Tabela 3. Entre os es-tudantes que apresentaram maior evolução está Mar, que evoluiu do Nível 2 para o Nível 4, em relação ao seu conhecimento numérico. Já Eda permaneceu na classificação de Nível 3, apesar de ter obtido pontuação maior. Tem-se como hipótese que as dificuldades da aluna estejam

Tabela 1 – Desempenho no Teste de Conhecimento Numérico20.

Aluno No de Acertos Nível*

rog 28 nível 2-3

Dav 43 nível 4

mar 27 nível 2

Ju 34 nível 3-4

Eda 32 nível 3*Classificação conforme indicação de okamoto e Case20.

Tabela 2 – Uso de procedimentos e estratégias de contagem de cada estudante.

AlunoProcedimentos de contagem Procedimentos apoiados na memória

Contagem nos Dedos Contagem Silenciosa Decomposição Recuperação Imediatarog 7,1 71,43 21,45Dav 7,1 7,1 85,4mar 7,1 42,86 7,1 42,86Ju 7,1 57,14 35,71Eda 7,1 42,86 50média 7,1 44,278 7,1 47,084

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asso ciadas aos prejuízos na atenção, ocasiona-dos pelo TDAH, já que a atenção é um importan-te aspecto do aprendizado matemático22.

Sendo assim, parece que o desenvolvimento de procedimentos e estratégias de contagem contribui para a melhora em outros aspectos do senso numérico, já que os estudantes obtiveram progressos em habilidades numéricas que não foram trabalhadas nas sessões, como operações com multidígitos e computação de distâncias, evidenciadas por meio dos resultados do Teste de Conhecimento Numérico.

CONSIDERAÇÕES FINAISO presente estudo teve como objetivo avaliar

os efeitos de uma intervenção psicopedagógica nos procedimentos e estratégias de contagem no

uso de procedimentos e estratégias mais evoluí-dos e na verificação de generalização dos efeitos a outros contextos matemáticos. Verificou-se evolução no uso de procedimentos e estratégias de contagem, sendo que a maior parte dos alunos passou a recuperar diversos fatos da memória. Observou-se, ainda, evolução no conhecimento numérico em habilidades não abordadas durante as intervenções, evidenciando que o conheci-mento de contagem traz benefício à aprendiza-gem de outros conceitos matemáticos.

Esses resultados corroboram a evidência em -pírica de que intervenções no uso de procedi-mentos e estratégias de contagem são eficazes ao auxiliarem os alunos na realização de tarefas matemáticas de forma mais eficiente, resultando em melhora do desempenho matemático.

Tabela 3 – Comparação de desempenhos no pré e pós-teste no Teste de Conhecimento Numérico20.

Aluno

Pré-teste Pós-teste

No de Acertos Nível* No de Acertos Nível*

rog 28 nível 2-3 34 nível 3

Dav 43 nível 4 47 nível 4

mar 27 nível 2 41 nível 4

Ju 34 nível 3-4 39 nível 4

Eda 32 nível 3 38 nível 3*Classificação conforme indicação de okamoto e Case20.

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intervenção nos ProCedimentos e estratégias de Contagem

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SUMMARYIntervention in the use of counting procedures and strategies with

students in the first years of school with low performance in mathematics

Counting is an essential skill for the development of the whole numerical knowledge being a predictor aspect of later math performance. Among counting skills, there are counting procedures and strategies which deal with procedural knowledge applied to solve arithmetic problems. The present study aimed to evaluate the effects of a psychoeducational intervention in the counting procedures and strategies checking the evolution of these procedures and strategies and the possibility of generalization of the effects in other mathematical contexts, with a heterogeneous group with five students. It was identified an evolution in the use of counting procedures and strategies, and most students recovered several facts from memory. It was also observed an evolution in numerical knowledge, even in the skills not addressed during interventions, showing that counting knowledge brings benefits in learning other mathematical concepts.

KEY WORDS: Intervention studies. Mathematics. Mathematical concepts. Learning disorders.

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Trabalho desenvolvido no Centro Universitário La Salle – UNILASALLE, Canoas, RS, Brasil.

Artigo recebido: 4/2/2014Aprovado: 21/3/2014

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moralidade e ConCePção de amor em Crianças de 6 e 9 anos

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ArTiGo oriGinAL

RESUMO – Refletindo sobre a importância das virtudes no de sen vol-vimento moral, nosso objetivo foi investigar as concepções das crianças sobre o amor. Entrevistamos, individualmente, 40 crianças, de 6 e 9 anos, em uma escola particular de Vila Velha-ES, de acordo com o método clínico proposto por Piaget. Solicitamos que cada criança mencionasse exemplos de experiência de amor e, posteriormente, justificasse suas respostas. Os exemplos mais citados foram ‘açõesdeamorparaoutrem’ (como ajudar e cuidar) e ‘amor por determinada(s) pessoa(s)’ (pessoas da família e amigos, entre outros), que aumentaram com a idade; e ‘açõescomamor’ (como brincar e beijar), que apresentaram um decréscimo. As justificativas ressaltaram, principalmente, a consequência positiva que o exemplo de amor propiciaria, especialmente, a si próprio, ou seja, um interesse próprio que aumentou com a idade. Salientamos que o sentimento foi mencionado tanto como exemplo de amor, como justificativa. Verificamos que a concepção que as crianças têm do amor é ampla, sendo importante, portanto, darmos ênfase no processo de formação dessa virtude, uma vez que o amor auxilia na formação moral. Assim, esperamos incentivar outros trabalhos e discussões sobre o amor, contribuindo para propostas de educação e auxiliando na formação moral das crianças.

UNITERMOS: desenvolvimento moral; juízo moral; virtudes; amor.

CorrespondênciaAntonio Carlos OrtegaUniversidade Federal do Espírito Santo. Programa de Pós-graduaçãoemPsicologia.Av. Fernando Ferrari, 514 – Vitória, ES, Brasil – CEP 29075-910

Ariadne Dettmann Alves – Doutoranda pelo Programa dePós-Graduação emPsicologia daUniversidadeFederal do Espírito Santo (UFES), Vitória, ES, Brasil.Heloisa Moulin de Alencar – Professora Doutora do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento edoProgramadePós-GraduaçãoemPsicologiadaUFES, Vitória, ES, Brasil.Antonio Carlos Ortega – Professor Doutor Colaborador ePesquisadordoProgramadePós-GraduaçãoemPsi-cologia da UFES, Vitória, ES, Brasil.

moralidade e ConCePção de amor em Crianças de 6 e 9 anos

Ariadne Dettmann Alves; Heloisa moulin de Alencar; Antonio Carlos ortega

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alves ad et al.

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INTRODUÇÃOO pioneiro das pesquisas psicológicas sobre

o juízo moral na criança foi Piaget1. Ele iniciou seus estudos sobre o desenvolvimento moral analisando a prática e a consciência das regras. Sobre a prática das regras, o autor definiu o pri -meiro estágio (até aproximadamente 2 anos) como sendo motor e individual, no qual a criança permanece no jogo individual, puramente motor; nesse sentido não podemos falar em regras pro-priamente ditas. No segundo estágio, chamado egocêntrico, a criança (cerca de 2 a 5 anos) joga sozinha, sem se importar com os parceiros. Mes-mo quando estão juntas, elas jogam cada uma para si, sem se preocupar com a codificação das regras. Piaget1 afirma que o egocentrismo seria uma conduta intermediária entre o individual e o social, e que para ser possível a cooperação é necessário estar consciente de seu eu para situá--lo em relação ao pensamento comum.

Por volta dos 7 ou 8 anos, segundo o referido autor, se desenvolve o terceiro estágio: coopera-ção nascente1. No jogo, a criança passa a obje-tivar vencer seu adversário, desenvolvendo-se a necessidade de um entendimento mútuo do jogo. Entretanto, as crianças desse estágio não conhecem as regras em seus pormenores, e cada uma tem uma opinião pessoal a respeito delas. Aos 11 ou 12 anos inicia-se o quarto estágio, a codificação das regras. As crianças tratam as re-gras em todos os detalhes e as discutem, os jogos passam a ser regulamentados e seus códigos são conhecidos por todos.

Sobre a consciência das regras, Piaget1 afirma que a criança até por volta dos 4 anos estaria em uma fase de anomia (pré-moral), pois não tem o conhecimento da regra como sendo coercitiva. Ao entender que há ações que devem ou não devem ser realizadas, desenvolve-se o pensa-mento heterônomo. Essa fase compreenderia, em relação à prática das regras, ao auge do egocentrismo até aproximadamente a metade do estágio da cooperação nascente. A criança aceita que toda regra imposta por uma figura de autoridade é correta, não precisando ser ela-borada nem compreendida, apenas obedecida.

Considera as regras como imutáveis, tendendo a interpretá-las ao pé da letra. Além disso, ela privilegia as consequências da ação, e não leva em conta a intenção que a motivou. Nessa fase, a criança respeita os pais por medo e amor: medo das punições e de perder o amor e proteção dos pais, e devido ao apego e admiração que tem por eles. Portanto, há o predomínio do respeito unilateral. Dessa forma, a entrada no mundo da moral se dá por coação, desenvolvendo o senti-mento de obrigatoriedade1.

Interagindo com outras crianças, as relações de coação podem ser substituídas pelas re lações de cooperação e de respeito mútuo. Por conse-guinte, a criança pode, por volta dos 10 anos, apresentar algumas características de autonomia, possibilitando-a agir por princípios de reciproci-dade e igualdade. Passa a compreen der e inter-pretar as regras, permitindo-a fazer suas próprias avaliações morais. Leva em conta a intenção do ato, e não sua consequência. É importante destacarmos que nenhuma criança é totalmente heterônoma ou autônoma, Piaget1 ressalta que é uma tendência na qual a criança pensa a moral.

Para ser possível o pensamento autônomo, é necessária a diminuição do egocentrismo ca-racterístico do período pré-operatório. Apesar de não ser nosso objetivo analisar o desenvolvi-mento cognitivo proposto por Piaget, devemos esclarecer que, em cada um dos quatro estágios, o egocentrismo se manifesta de uma forma particular. Assim, no estágio sensório motor (0 a 2 anos, aproximadamente), o egocentrismo relaciona-se à indiferenciação entre o sujeito e os objetos. Assim, a criança não tem uma cons-ciência pessoal, que é desenvolvida durante esse estágio. Por sua vez, no pré-operatório (por volta de 2 a 7 anos), há confusão entre o ponto de vista próprio com o de outra pessoa, assim a criança não diferencia seus pensamentos dos pensamentos de outrem, dificultando colocar-se na perspectiva do outro, agindo como se tudo acontecesse devido à própria vontade. Desen-volvendo as operações concretas (acerca de 7 a 11 anos), o egocentrismo se manifesta na difi-culdade de diferenciar os produtos mentais dos

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dados perceptuais, com isso, o pensamento da criança é dependente das suas percepções. No estágio operatório formal (a partir dos 12 anos, aproximadamente), o adolescente não diferencia seu mundo do mundo real, assim acredita que é capaz de modificar o mundo, uma vez que este deve se submeter às regras lógicas2-4.

Podemos concluir que o pensamento egocê n-trico se faz presente em todo o desenvolvimen to, entretanto, a dificuldade de diferenciar seus pensamentos dos pensamentos dos outros, e assim não perceber as intenções alheias, são características do período pré-operatório. Com o desenvolvimento, tende a diminuir, permitindo à criança reconhecer o ponto de vista do outro, e, juntamente com outros aspectos já discutidos, construir a autonomia. Retornando a discussão a respeito da moralidade, a heteronomia está relacionada à moral da obediência, do respeito unilateral e da coação, e a autonomia à moral da justiça, do respeito mútuo e da cooperação. La Taille5 afirma que o sujeito heterônomo obedece à moral devido ao sentimento de obrigatorieda-de. O sujeito autônomo, por sua vez, além desse sentimento, elege, entre outros, a equidade e a reciprocidade em suas concepções. Esse autor amplia a discussão no campo da moralidade, primeiramente, refletindo sobre os conceitos de moral e ética. Vejamos suas definições.

La Taille5 discute que a moral refere-se às regras obrigatórias, com a finalidade de garantir a harmonia do convívio social. Relaciona-se a deveres, respondendo a pergunta ‘como devo agir?’. Há, portanto, o sentimento de obrigato-riedade. Por sua vez, a ética remete à busca de “uma vida que ‘vale a pena ser vivida’”, elegen-do outra pergunta ‘que vida quero viver?’. Assim, temos na ética a ‘expansão de si próprio’ como motivação psicológica. O plano ético engloba o moral, pois saber ‘como devo agir’ depende de ‘que vida quero viver’, ou seja, a dimensão afe-tiva da ação moral tem suas origens nas opções éticas dos indivíduos. Dessa forma, é a moral que confere legitimidade às opções de ‘vida boa’, assim “confere-lhes as condições necessárias para que mereçam o nome de ética”.

La Taille5 discorre, baseando-se em Aristó-teles (384-322 a.C.), que a ética se relaciona ao cultivo das virtudes, uma vez que para o homem atingir a elevação é necessário esse cultivo. Des-taca que as virtudes são fundamentais para “a alimentaçãoda gênese da moral na criança”6, desempenhando papel na construção da mora-lidade. Para ele, todas as virtudes morais são merecedoras de estudos psicológicos.

Apesar dessa importância das virtudes mo-rais, La Taille7 relata que hoje o foco está nos vícios (contrário da virtude), nos problemas a serem superados, e não nas virtudes. Agora, assuntos como desrespeito, assédio sexual, vio-lência, bullying, indisciplina e falta de limites estão sendo discutidos na sociedade. No entanto, o tema das virtudes morais está reaparecendo. La Taille5 ressalta que - apesar de as necessidades de outrem muitas vezes não serem percebidas, demonstrando uma atitude autocentrada das pessoas - há a preocupação na defesa dos direitos humanos, sensibilidade frente aos que sofreram alguma deficiência e organizações que procuram dar apoio e visibilidade aos que sofrem miséria e exclusão. Podemos citar, também, diversos temas estudados na área da Psicologia da Moralidade, como justiça, generosidade, solidariedade, grati-dão, polidez, fidelidade, vergonha, humilhação, entre outros. Mencionaremos mais detalhada-mente alguns trabalhos sobre a generosidade devido a sua proximidade com a virtude do amor.

La Taille8 analisou, a partir de dois estudos com crianças de 6 e 9 anos, o lugar da genero-sidade no universo moral da criança. Ele desta ca três aspectos principais dessa virtude: o altruís-mo (o beneficiário da ação generosa é outrem), na generosidade há um sacrifício por quem pra-tica a virtude, e, por último, não se dá a outrem o que é de direito, mas o que é de necessidade. Por sua vez, Vale & Alencar9 investigaram a presença da generosidade em contraposição à satisfação de um interesse próprio. Relatam que a maioria dos participantes de 7, 10 e 13 anos optou pela virtude. Assim, pode-se afirmar que a generosidade faz parte do universo moral infantil e adolescente.

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Gostaríamos de nos referir, ainda, ao estudo de Miranda10 sobre projetos de vida dos adoles-centes, e qual o lugar do outro nesses projetos. Os 24 participantes, com idades entre 15 a 20 anos, declararam ter projetos de vida relaciona-dos a bens materiais, relacionamentos afetivos, atividade profissional, formação acadêmica e outros. Para análise das justificativas, a autora as categorizou como conectadas (quando incluíam outra pessoa em lugar central) ou desconectadas (quando não consideraram a existência de ou-tro, ou este era incluído em lugar secundário). Assim, 52% das justificativas foram conectadas e 48% desconectadas. Conclui discutindo que a existência dos dois tipos de justificativas pode significar que valores morais e éticos permeiam parte dos projetos de vida dos adolescentes, mas não sua totalidade.

Diante dessas reflexões e da relação entre a moral e as virtudes, escolhemos estudar sobre a virtude do amor. Segundo Comte-Sponville11, necessitamos de moral porque nos falta amor. Assim, se tivéssemos amor, não precisaríamos de moral. Por sua vez, só desenvolvemos a moral devido ao pouco de amor que temos. Comte--Sponville11 discorre sobre três tipos de amor: eros, philia e ágape. Eros é a paixão amorosa, caracterizado pelo desejo do que falta, ou seja, de se unir à sua outra metade. Sendo essa fusão absoluta impossível, eros é sofrimento e carência. Por outro lado, philia é o amor da amizade. É vontade de fazer o bem um ao outro; é desejar o bem aos amigos por amor a eles. Philia é “o amor que fazemos ou damos, é ação”11. Entretanto, nunca é totalmente desinteressada e gratuita, uma vez que o interesse de nossos amigos tam-bém é nosso interesse. Godbout12 afirma que a amizade, philia, repousa sobre a capacidade de dar e retribuir, sobre a reciprocidade. Exige generosidade e espontaneidade.

Para Comte-Sponville11, há ainda o amor que não é paixão nem amizade, é ágape. Este é a caridade, amor divino, universal, desinteressado e gratuito, é amar até seus inimigos. Consiste na renúncia de seu prazer, de seu bem-estar ou de seus interesses pelo amor ao outro. Betto &

Cortella13 também discorrem sobre a caridade, salientando que o amor deve ser direcionado até aos inimigos. Além disso, cada pessoa teria certa capacidade de praticar o amor, assim “há quem chegue, nesta vida, a quase esgotá-la, como Francisco de Assis, madre Tereza de Calcutá ou mesmo Gandhi”. Entretanto, de acordo com esses autores, temos dificuldade em desenvolver essa capacidade por conta do nosso egoísmo e da nossa cultura, que nos incentiva a tornarmos insensíveis às preocupações dos outros.

Sobre isso, devemos nos referir a Bauman14. Para ele, se investimos numa relação, contamos com o lucro da segurança, ou seja, o apoio quan-do se precisa, o socorro na aflição, a companhia, o consolo, o aplauso, enfim, esperamos que o re-lacionamento nos dê uma consequência positiva. Pensando dessa forma, o relacionamento seria um investimento como qualquer outro, podendo ser comparado ao mercado de ações. Os acio-nistas têm que estar sempre atentos para saber quando é momento de permanecer com as ações ou se desfazer delas. Ele considera, portanto, a existência da fragilidade dos vínculos humanos.

Apesar dessa ideia, podemos citar Godbout12, que discorre sobre a existência de amor nos vínculos de relacionamento. Reflete sobre o con-ceito de dádiva, definindo-a como o ato de dar espontaneamente algo sem garantia de retorno, mas a retribuição pode existir mesmo não sendo desejada. Para esse autor, a família seria o lugar básico para a dádiva, onde ela pode ser vivida com mais intensidade. Por sua vez, na relação com amigos, as estruturas da amizade são mais livres, pois nós que os escolhemos. Apesar de existir a reciprocidade, não é imediata, se es-tende no tempo. Discute, ainda, sobre a dádiva a desconhecidos, afirmando que religiões enco-rajam esse tipo de dádiva, o ‘amar ao próximo’, mas ressalta que o próximo deve se referir à humanidade inteira.

Por sua vez, Keleman15 considera que o amor inclui a paixão, a vitalidade do desejo e os pa-drões de intimidade. Salienta que é na família que aprendemos ou não o que é o amor, entre-tanto o modo como amamos não é mera repetição

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do modo como fomos amados ou como fomos ensinados a amar. Esse autor descreve que as crianças passam por quatro estágios do amor no processo de se tornarem adultas. São eles: cuidar, importar-se com alguém, compartilhar e cooperar. Essas atividades geram sentimentos que são associados a cada fase, por meio das relações dos pais com a criança pode resultar em distorções de amor quando adulto. Mace-do16 também discute sobre esses estágios de amor descritos por Keleman15, afirmando que essas ações (cuidar, importar-se, compartilhar e cooperar) são necessárias para o amor florescer. Mas questiona se ao realizarmos, estaríamos fazendo pelo outro ou por nós mesmos. Além disso, declara que o amor já está em nós, mas só o descobrimos na relação com o outro.

Alves et al.17 perguntaram a sete pessoas de 5 a 70 anos sobre a concepção de amor que possuíam. Os participantes de até 20 anos des-tacaram o amor direcionado a outrem por meio de ações como cuidar, compartilhar ou admirar, mas não definiram quem seria o recebedor da ação. Por sua vez, os mais velhos citaram o amor especialmente a família, amigos e companheiros. Os argumentos para as escolhas dos exemplos de amor ressaltaram, principalmente, a expe-riência pessoal ou exemplos de outras pessoas e a consequência positiva que esse amor traria.

Souza & Ramires18 também investigaram a concepção de amor em pesquisa sobre casamen-to, relacionamentos familiares e divórcio, para 85 crianças e adolescentes de 5 a 15 anos. Pri-meiramente, as autoras indagaram, individual-mente, 25 participantes sobre o que entendiam por amor. Os demais foram entrevistados em grupos, com o uso de figuras que abordavam vários tipos de vínculos afetivos, para estimular as discussões. Com esse estudo, Souza & Ra-mires18 constataram que o amor abrange vários sentidos, como o amor romântico, o amor à família, à amizade e a animais de estimação. A concepção que as crianças de 5 a 8 anos têm é do amor como ação (abraçar, beijar, ficar junto), não havendo referências às características do outro. Elas fazem uso de símbolos na tentativa

de explicar o amor, como, por exemplo, o uso de alianças para demonstrar o amor. A partir dos 8 anos definem o amor como sentimento, e essa conceituação torna-se mais frequente e mais detalhada com a idade. Evidenciam o namoro, entre 10 e 12 anos, ressaltando a necessidade de maturidade e preparação para essa relação. Por sua vez, para os adolescentes de 14 e 15 anos, o amor é um sentimento que remete a valorização e o reconhecimento da pessoa amada. Em todas as idades, o relacionamento entre pais e filhos foi considerado o vínculo mais forte, caracte-rizado pela irreversibilidade, evidenciando a importância da relação de apego e cuidado. Os participantes destacaram também a relevância do vínculo da amizade.

Partindo da reflexão desses autores, o objetivo do presente trabalho foi investigar e comparar, em um contexto psicogenético, os juízos de crianças de 6 e 9 anos, sobre a concepção de amor.

MÉTODOParticiparam do nosso estudo 40 crianças de

classe média de uma escola particular do municí-pio de Vila Velha–ES: 20 crianças de 6 anos e 20 de 9 anos, igualmente divididos quanto ao sexo. Os participantes foram selecionados por sorteio, levando em consideração a idade e o sexo. Rea-lizamos entrevista individual, solicitando que os participantes citassem exemplos de experiências de amor, e, em seguida, que justificassem cada exemplo mencionado. Utilizamos o método clí-nico proposto por Piaget1,19, que nos possibilitou a intervenção sistemática do pesquisador diante da atuação dos sujeitos, na ação de esclarecer as respostas e as justificativas dos participantes. Sa-lientamos que as entrevistas foram gravadas na íntegra, para fins, exclusivamente, de pesquisa.

Destacamos que a pesquisa segue os padrões éticos da Resolução Nº 196/1996 do Ministério da Saúde20. Dessa forma, para realização das entrevistas, obtivemos a permissão da direção da escola e dos pais, ambos por meio de assinatura dos termos de consentimentos. Os alunos foram esclarecidos verbalmente sobre os objetivos, pro-cedimentos da pesquisa e sigilo das informações,

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e foi respeitada a vontade de participar. Além disso, os participantes de 9 anos assinaram um termo de assentimento.

Priorizamos a análise qualitativa dos dados e utilizamos referências quantitativas em número e percentuais, para o auxílio na apresentação e discussão dos resultados. Assim, os dados foram analisados com base na teoria piagetiana e na sistematização proposta por Delval21.

RESULTADOS E DISCUSSÃOOs participantes mencionaram variados exem-

plos de amor, sendo que as crianças de 9 anos mencionaram mais exemplos do que as de 6 (Tabela 1).

Verificamos que os exemplos mais citados foram ‘açõesde amor para outrem’, ‘amor por de terminada(s) pessoa(s)’ e ‘açõescomamor’; com número aproximado de respostas. ‘Açõesde amor para outrem’ se refere a ações que be -neficiem outra pessoa, como: ajudar, doar, cuidar, respeitar, partilhar. Aqui, o outro é o fim da ação, ou seja, o objetivo da ação de amor é direcionado ao outro. Portanto, essa concepção é uma práti-ca virtuosa, conforme assinala Ariele (6 anos): “Cuidar das crianças pobres”.

Essa concepção de experiência de amor como uma ação de amor para outrem é semelhante a philia, definida por Comte-Sponville11 como vontade de fazer o bem um ao outro, é “o amor

que fazemos ou damos, é ação”. Godbout12 tam bém afirma que a philia relaciona-se com a capacidade de dar e retribuir, ou seja, ações. Podemos relacionar esses exemplos de ações de amor à generosidade. La Taille8 ressalta que na ação generosa há sacrifício por parte da pessoa que pratica a virtude, sendo que outrem é o beneficiário da ação. Dessa forma, o amor estaria representado por ações generosas? Para responder a essa questão devemos analisar as justificativas, uma vez que na generosidade nada se reivindica, ou seja, favorece quem é por ela contemplado, não quem age de forma generosa. Por ora, continuemos a apresentação e discussão dos resultados em relação às respostas.

Nossos dados estão de acordo com a pesquisa de Alves et al.17. Eles relatam que ações de amor também foram as mais mencionadas, no entanto, somente os participantes de até 20 anos fizeram menção a elas. Vale ressaltar que esses autores entrevistaram apenas uma pessoa de cada idade. Sendo assim, sugerimos que outras pesquisas possam ser realizadas, com outras faixas etárias e com maior número de entrevistados, investi-gando se essa concepção se faz presente em outras idades.

Constatamos que a frequência de ‘açõesdeamor para outrem’ aumentou com a idade. É im-portante refletirmos que, como afirmou Piaget1 no que diz respeito à prática das regras, por volta

Tabela 1 – Exemplos de amor mencionados pelos participantes de acordo com a idade.

Categoria6 anos 9 anos Geral

Nº % Nº % Nº %

Ações de amor para outrem 20 20,6 28 24,6 48 22,7

Amor por determinada(s) pessoa(s) 13 13,4 34 29,8 47 22,3

Ações com amor 32 32,9 13 11,4 45 21,3

sentimento 5 5,2 12 10,5 17 8,1

relacionamento amoroso 6 6,2 7 6,1 13 6,1

Ausência de ação de desamor 7 7,2 2 1,8 9 4,3

Amor a natureza e a animal 3 3,1 5 4,4 8 3,8

Amor a Deus 5 5,2 2 1,8 7 3,3

outros 6 6,2 11 9,6 17 8,1

Total 97 100,0 114 100,0 211 100,0

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dos 7 ou 8 anos, a criança começa a desenvolver o estágio cooperação nascente, diminuindo o ego centrismo. Passa a se situar em relação ao pensamento comum e, assim, pode cooperar, o que a permite sugerir uma ação de amor para outrem. Além disso, com a diminuição do tipo de pensamento egocêntrico característico do pe -ríodo pré-operatório, a criança pode, no que diz a consciência das regras, desenvolver traços de autonomia, facilitando se colocar no lugar do outro, e, portanto, desejar uma ação para o bem de outrem. Entretanto, destacamos, novamente, a necessidade de outros estudos para verificar se essa concepção de amor se faz presente em outras faixas etárias.

Por sua vez, ‘açõescomamor’ se refere a ações realizadas com amor, como, por exemplo, brin-car, abraçar ou beijar. O foco não está no outro, mas na ação em si, ou seja, o outro é o meio para realização do ato, como na explanação de Adriana (6 anos): “Um colega ir à casa do outro para brincar. [...] Ir à casa do outro às vezes para brincar, comer um lanchinho... [...] Ou ele pode dormir”. Esse foi o exemplo mais citado pelas crianças de 6 anos. Pode estar relacionado ao egocentrismo, mais intenso nos mais novos, uma vez que a ação com amor está centrada na própria pessoa; o outro é apenas o meio para realizar essa atividade, mas diminui com a idade.

Se somarmos as duas respostas, ‘açõesdeamor para outrem’ (22,7%) e ‘açõescomamor’(21,3%), verificamos que 44% dos exemplos se referem a ações, salientando sua importância na concepção das crianças. Fazendo esse cál-culo por idade, encontramos essa menção em 53,5% das respostas dos escolares de 6 anos e 36% das respostas dos de 9, ou seja, houve um decréscimo com a idade. Keleman15 e Macedo16 também se reportam a ações nas reflexões sobre o amor. O primeiro autor discorre sobre estágios de amor (cuidar, importar-se, compartilhar e cooperar), afirmando que a criança ao nascer receberia essas ações e, posteriormente, também demonstraria o amor por meio de atos. Por sua vez, Macedo16 assinala que essas atitudes são necessárias para o amor florescer.

Os dados da pesquisa de Souza & Rami-res18 demonstram, de forma semelhante, que as crianças de 5 a 8 anos relacionam o amor a uma ação, como abraçar, beijar, ficar junto, dar uma flor. As autoras não analisaram se as ações seriam de amor ou com amor, como fizemos em nosso trabalho. Todavia podemos verificar que as crianças definem o amor por meio da repre-sentação de ações.

Outro exemplo citado por nossos participan-tes foi ‘amor por determinada(s) pessoa(s)’, que se refere ao amor por alguma pessoa, podendo esta ser da família, amigo, professor, crianças, ou alguém que acha bonito. Ressaltamos que essa categoria foi a mais mencionada pelos escolares de 9 anos. Gostaríamos de descrever que das 47 respostas, 22 foram para a família e 18 para ami-gos, as demais se referiram à professora (n=3), às crianças (n=2), a alguém que ache bonita (n=1) e ao próximo, que na concepção do escolar seria a família e os amigos (n=1). Apesar de não ter sido nosso objetivo investigar quem da família seria o recebedor desse amor, dos 22 exemplos, alguns especificavam o amor aos pais (n=6), às avós (n=2), aos tios (n=2) e aos irmãos (n=2), e os demais citavam a família em geral (n=10). Nossos dados estão de acordo com os de Souza & Ramires18, uma vez que seus participantes (5 a 15 anos) elegeram os pais como vínculo mais forte, evidenciando a influência da relação de apego e cuidado, e consideraram a relação com os amigos sendo muito importante.

Esses vínculos (família e amigos) contribuem para o desenvolvimento da dádiva, segundo Godbout12. Ele ressalta que a família serve de base para a dádiva, na qual é vivida com mais intensidade. Na relação com os amigos, existe uma reciprocidade e a estrutura é mais livre, pois nós os escolhemos. Além disso, Piaget1 evidencia a importância dos pais e dos amigos ao discorrer sobre heteronomia e autonomia. Com o desenvolvimento da relação de coação (relação com a autoridade), a criança inicia a fase de heteronomia. Assim, ela respeita os pais por medo e amor, desenvolvendo o sentimento de obrigatoriedade e respeito às regras. Por sua

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vez, as interações com outras crianças favorecem o desenvolvimento da cooperação e respeito mútuo, necessários à autonomia. Dessa forma, a interação com os pais e amigos, no decorrer do seu desenvolvimento, pode estar relacionada ao aumento do número de exemplos sobre ‘amor por determinada(s) pessoa(s)’ com a idade. Além disso, como discutimos nas ‘açõesdeamorparaoutrem’, a diminuição do pensamento egocên-trico, característico do período pré-operatório, permite a criança se colocar no lugar do outro, e, assim, desejar o amor para outrem.

Nossos participantes mencionaram, ainda, exemplo de amor relacionado ao ‘sentimento’. Foram respostas que remetem, principalmen-te, ao gostar. Eis a explanação de Floriano (9 anos): “Provavelmente é quando duas pessoas se gostam muito”. Souza & Ramires18 também constataram essas afirmações na concepção de amor em crianças e adolescentes. As autoras evidenciaram que o desenvolvimento influencia no aumento do número dessas respostas com a idade, estando de acordo com nossos dados, uma vez que a frequência dessa categoria é maior no grupo de 9 anos, também devido ao aumento da facilidade para refletir sobre temas mais abstratos.

Poucos escolares citaram ‘relacionamento amo roso’. Esta categoria diz respeito, principal-mente, ao namorar ou casar; como afirma Adria-no (6 anos): “Amor é querer casar”. Por sua vez, ‘ausênciadeaçãodedesamor’ relaciona o amor à ausência de uma ação realizada com desamor, não chegando a ser uma ação para o bem de ou-trem. Assim, para Adilson (6 anos), um exemplo de amor é “não machucar o amigo”, ou seja, não se trata de uma ação de amor, mas uma ausência de uma ação de desamor (não machucar). Essa resposta foi mais assinalada pelo grupo de 6 anos. Dessa forma, a criança não conseguindo definir o que seria amor, ela descreveria o que não é. Essas afirmações demonstram a dificul-dade da construção do conceito, e, portanto, com o aumento da idade, desenvolvendo a facilidade de articular os conceitos, as crianças tenderiam a mencionar menos esse tipo de resposta.

Alguns participantes ainda fizeram alusão ao ‘amor a natureza e a animal’. Apesar de terem como objetivo a concepção de amor visando aos vínculos humanos, Souza & Ramires18 também descrevem que o amor a animal de estimação está presente na concepção das crianças e ado-lescentes.

Além disso, podemos verificar que a categoria menos citada foi ‘amor a Deus’. No estudo de Alves et al.17 com participantes de 5 a 70 anos, essa resposta só foi citada por um dos sete par-ticipantes, cuja idade era 30 anos. Sendo assim, conforme discorremos anteriormente, conside-ramos relevante que outras pesquisas possam ser realizadas, investigando a existência dessa concepção, com maior número de participantes e em diversas faixas etárias.

Em ‘outros’ agrupamos as respostas que não poderiam ser incluídas nas categorias anteriores e foram mencionadas com pouca frequência. Tivemos, por exemplo, o amor a um lugar (n=4), principalmente a escola, ou seja, uma referência ao lugar que passam grande parte do dia, sa-lientando sua importância. As crianças também citaram coração (n=2), que podemos considerá--lo como um símbolo do amor. Esse exemplo corrobora a ideia de Souza & Ramires18, sobre a utilização, por parte das crianças, de símbolos na tentativa de explicar o amor, quando não dispõem de conceitos e modelos representacio-nais de amor romântico. Mencionam ainda paz (n=2); harmonia; esperança; justiça; fé; história de amor na televisão; respeitar o mundo (para a criança, respeitar o mundo estaria relacionado a respeitar as regras do sinal de trânsito); amor pela arte; amor pela alimentação saudável e amor por roupas, que também foram agrupados em ‘outros’.

Após as crianças terem citado todos os exem-plos, pedimos que justificassem a escolha de cada um, sendo que poderiam dar mais de um argumento para cada exemplo. Vejamos, agora, as explicações dadas pela escolha do exemplo de experiência de amor (Tabela 2).

Da mesma forma que os exemplos, os par-ticipantes de 9 anos mencionaram mais justifi-

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cativas do que os de 6 anos. A maior parte dos argumentos diz respeito à ‘consequência positiva para si próprio’ que o exemplo de amor propor-cionaria. A explicação de Ângela (6 anos) sobre a escolha dos amigos como exemplo de expe-riência de amor ilustra esse motivo: “Os amigos porque eles só ficam do meu lado, quando estou com problemas, eles me ajudam. [...] Sempre estão do meu lado. [...] Sempre quando alguém me bate, eles me ajudam, eles me defendem, eles brincam comigo”.

Esse raciocínio está de acordo com Bauman14, pois, segundo esse autor, quando investimos em uma relação esperamos um retorno: o apoio quando necessitamos, o socorro na aflição, a companhia, entre outros. Desse modo, deseja-mos uma consequência positiva desse relacio-namento. Por sua vez, Comte-Sponville11 discute que o amor egoísta é eros, a paixão amorosa, ou seja, amar o outro para nosso próprio bem. O autor afirma, também, que o amor philia, ape-sar de ser amar o outro para o bem dele, não é totalmente gratuito. O amor completamente desinteressado seria ágape, o amor universal de amar até mesmo inimigos e desconhecidos. Dessa forma, constatamos que, em algumas con-cepções das crianças, há espera de um retorno,

não sendo um amor desinteressado, ou seja, não é ágape. Além disso, esses argumentos sobre ‘consequência positiva para si próprio’ foram os mais citados pelos dois grupos de escolares, apresentando, ainda, um aumento relevante na frequência com o aumento da idade.

Assim, verificamos em nosso estudo, o inte-resse próprio. Vale & Alencar9 investigaram a generosidade em contraposição à satisfação do próprio interesse, e relatam que a maioria (80%) de seus participantes (7, 10 e 13 anos) escolheu a virtude. Entretanto, 26,7% dos entrevista-dos que optaram pela generosidade, tentaram ini cialmente conciliar a ação generosa com a sa tisfação do interesse próprio. Após a contra--argumentação da pesquisadora demonstrando a impossibilidade de satisfazer o próprio interesse e ser generoso, esses participantes decidiram pela virtude. Dessa mesma forma, não podemos afirmar que por existirem argumentos sobre o interesse próprio não há virtude, uma vez que encontramos variadas explicações, sendo que algumas demonstram a preocupação com o outro, e ainda não tínhamos o objetivo de fazer uma contraposição entre o interesse próprio e a virtude. Podemos apenas considerar que o interesse próprio se faz presente na concepção

Tabela 2 – Justificativas dos participantes para os exemplos de amor de acordo com a idade.

Categoria6 anos 9 anos Geral

Nº % Nº % Nº %

Consequência positiva para si próprio 20 15,9 59 30,1 79 24,5

sentimento 13 10,3 31 15,8 44 13,7

Característica positiva 18 14,3 25 12,8 43 13,4

observação de experiência vivenciada 11 8,7 16 8,2 27 8,4

Consequência positiva para outrem 9 7,2 15 7,6 24 7,4

Consequência positiva recíproca 14 11,1 9 4,6 23 7,1

Ausência de consequência negativa 12 9,5 6 3,1 18 5,6

Dever 4 3,2 11 5,6 15 4,7

Argumento circular 13 10,3 2 1,0 15 4,7

Convivência 0 0,0 9 4,6 9 2,8

outros 11 8,7 12 6,1 23 7,1

Dado perdido 1 0,8 1 0,5 2 0,6

Total 126 100,0 196 100,0 322 100,0

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de amor das crianças e aumenta com a idade. Entretanto, nos indagamos: com a diminuição do egocentrismo característico do período pré--operatório e, assim, a possibilidade de se colo-car no ponto de vista do outro, o interesse próprio não deveria decrescer? Quais seriam os motivos para o aumento desses argumentos? Uma pos-sibilidade pode estar de acordo com Betto & Cortella13 que afirmam que somos influenciados por nossa cultura egoísta, que nos incentiva a defender primeiramente nossos próprios inte-resses. Além disso, La Taille5 ressalta que muitas vezes em nossa sociedade o outro é invisível, uma vez que suas necessidades não são perce-bidas, demonstrando uma atitude autocentrada das pessoas. Dessa forma, o acréscimo desses argumentos com a idade estaria relacionado à cultura? Para responder a essas questões, sugeri-mos que outras pesquisas possam ser realizadas, com preendendo as faixas etárias posteriores do nosso estudo e com o objetivo de contrapor a virtude do amor e o interesse próprio.

Em seguida, verificamos motivos sobre o ‘sen-timento’ e a ‘característica positiva’ do exemplo citado, com número aproximado de respostas. Vejamos a justificativa de Fabiana (9 anos), que corresponde a explicação sobre ‘sentimento’: “Ah, porque a gente sente amor por eles [pessoas da família]”. Assim, o amor se justifica pelo sentimento que a entrevistada sente pela famí-lia. Ressaltamos que essa categoria também foi citada como exemplo de experiência de amor, demonstrando sua importância na concepção das crianças, e, da mesma forma que na ques-tão anterior, aumentou com a idade, devido ao seu desenvolvimento, passando a compreender melhor os sentimentos. Os dados da pesqui-sa de Alves et al.17 também demonstram uma fre quência maior desse tipo de argumento, prin cipalmente pelos participantes maiores de 30 anos. Diante da frequência das respostas e justificativas sobre o ‘sentimento’, consideramos relevante que novas pesquisas sejam realizadas, para compreender seu papel na concepção de amor de crianças, e verificar se permanece o aumento no decorrer do desenvolvimento.

Por sua vez, ‘característica positiva’ estabe-lece que o exemplo citado é amor devido a seus próprios atributos, e estes são positivos. Um exemplo: “Porque os amigos são muito bons. [...] Eles são legais” (Flávio, 9 anos), assim, ama -ríamos os amigos devido a suas características. Refletimos que esses atributos de outrem podem resultar em uma consequência positiva para si próprio, e, portanto, estar relacionado a um interesse próprio. Souza & Ramires18 afirmam que as crianças de 5 a 8 anos não se referem a atributos do outro em suas concepções de amor. Entretanto, no presente trabalho, encontramos essa justificativa nos dois grupos pesquisados (6 e 9 anos).

Dada essa importância às características posi-tivas do outro, como ficaria o amor aos inimigos (que possivelmente não é possuidor de atributos positivos) e aos desconhecidos (que não sabemos suas qualidades)? Não estaria presente o amor ágape descrito por Comte-Sponville11 e defen-dido por Godbout12 e Betto & Cortella13? Apesar de grande referência a qualidades de outrem, podemos analisar outros argumentos (veremos no decorrer do texto) que demonstram ao menos um indício desse tipo de amor nas concepções das crianças.

Em ‘observaçãodeexperiênciavivenciada’ consideramos tanto as explicações que relatavam a experiência própria quanto à vivida por outras pessoas. Constatamos, portanto, a influência das experiências na formulação de suas concepções. Outro motivo para a escolha do exemplo de amor foi pela ‘consequência positiva para outrem’, ou seja, é amor devido a uma consequência positiva, mas o que a diferencia de ‘consequência positiva para si próprio’ é o fato de quem se beneficia do objeto de amor: neste último, quem se beneficia é a própria pessoa; já no primeiro, o beneficiado do amor é a outra pessoa. Eis o depoimento de Fabrícia (9 anos), que justifica o exemplo de ajudar a senhora a atravessar a rua: “Porque foi bom para aquela senhora, já que ela não estava sabendo atravessar direito”. Podemos relacionar esse argumento com o amor ágape, pois como afirmou Comte-Sponville11 não exige reciproci-

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dade, não espera nada em troca. Entretanto, não podemos afirmar que se trata desse tipo de amor, pois ágape é amar até nossos inimigos, consiste na renúncia de nosso bem-estar pelo amor ao outro, características que não são possíveis de ser verificadas nessas justificativas.

Temos, ainda, ‘consequência positiva recípro-ca’, na qual ambos são beneficiadores do exem-plo. Analisemos a explanação de Alana (6 anos) para o exemplo de duas pessoas se beijarem: “Porque as duas pessoas se sentem bem”. Dessa forma, beijar é amor, pois remete a uma conse-quência positiva para as duas pessoas que se bei-jam. Essa explicação não se refere só a si próprio (como na ‘consequência positiva para si próprio’) e nem somente ao outro, (como na ‘consequência positiva para outrem’), o que nos faz refletir se seria uma transição entre as duas. Além disso, fazendo uma comparação com os dois grupos, ‘consequência positiva recíproca’ apresentou um decréscimo com a idade, podendo evidenciar que a reciprocidade tornou-se menos necessária aos escolares de 9 anos.

Somando os argumentos sobre a ‘consequên-cia positiva para si próprio’ (24,5%), ‘consequên-cia positiva para outrem’ (7,4%) e ‘consequência positiva recíproca’ (7,1%) chegamos a um total de 39%. Assim, a escolha do exemplo de amor está pautada no retorno que esse pode trazer, principalmente para si próprio. Analisando essa relação do amor e o interesse próprio, gos-taríamos de citar o estudo de Miranda10. Essa autora analisou o lugar do outro nos projetos de vida de adolescentes, e concluiu que 52% das justificativas para escolha desses projetos eram conectadas (incluíam outra pessoa, grupo ou instituição) e 48% eram desconectadas (não se referiam a outro, ou este apresentava papel se-cundário). Apesar de não ter sido nosso objetivo verificar o lugar do outro na concepção de amor, podemos constatar que as justificativas sobre a consequência positiva do exemplo se referem mais a si próprio do que ao outro. Fazendo a correspondência com a categorização realizada por essa autora, poderiam ser argumentos desco-nectados. Ressaltamos, portanto, a necessidade

de trabalhos que discutam essa relação entre o outro e a satisfação de um interesse próprio.

Outra justificativa mencionada evidencia a ‘ausência de consequência negativa’, dessa for-ma, o exemplo é amor não por uma consequên cia positiva, mas pelo fato de não ter ocorrido uma consequência negativa. Antonio (6 anos) afirma que brincar é experiência de amor “Porque a gente não pode deixar o colega triste no par-quinho”. Demonstram a dificuldade em explicar a escolha do exemplo de amor, sendo referidas principalmente pelos escolares mais novos, sendo assim, desenvolvendo a capacidade de articular conceitos, as crianças tenderiam a as-sinalar menos argumentos como esse. Foram citados, também, motivos que remetem a uma obrigação, ao ‘dever’. Por exemplo, a Felícia (9 anos) explica que respeitar as pessoas é amor “porque tem que ter o respeito [...]. Tem que ter respeito pelas pessoas”, ou seja, é amor devido ao que deve ser feito.

Tivemos um número considerável de ‘argu-mento circular’, destacando a dificuldade de algumas crianças em explicar suas respostas. Piaget1 atribui esse fato à heteronomia, uma vez que nessa fase as regras são impostas à crian-ça (são dadas por outro, superior a ela), ela as aceita cegamente e não desenvolve sua própria concepção, tendo dificuldades em argumentar seus pensamentos. Ressaltamos que a frequência desse tipo de justificativa apresentou um decrés-cimo com a idade, uma vez que os escolares de 9 anos possivelmente estão desenvolvendo o pensamento autônomo e seus próprios conceitos, assim como justificando suas escolhas.

A categoria menos citada foi sobre a ‘convi-vência’. Vejamos a justificativa de Fabiana (9 anos) para a escolha do exemplo amor pelos animais: “Porque os animais ficam com a gente, convivem com a gente”. É importante destacar que ‘convivência’ foi mencionada somente pe-los mais velhos. Vemos a importância atribuída aos relacionamentos e aos vínculos por essas crianças.

Em ‘outros’ agrupamos as justificativas sobre consequência positiva indefinida (n=8), ne ces -

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sidade (n=5), não soube responder (n=4). Ain da, fizeram parte dessa categoria os argumentos sobre o fato de desejar um relacionamento amo -roso; mostrar que aprendeu o que foi ensinado; saber que a outra pessoa merece; se não res-peitar a pessoa, não a amaria; não saber até quando poderá ver a pessoa, por isso deveria fazer tudo de bom para ela; e nunca esquecer o exemplo de amor. Por sua vez, apesar de termos solicitado, dois exemplos não foram justificados, constituindo-se como ‘dado perdido’.

CONSIDERAÇÕES FINAISNeste estudo pudemos verificar que a con-

cepção que as crianças têm do amor é ampla: incluem ações de amor para outrem, amor à família e aos amigos, ações em que não há re-ferência ao outro, sentimento, relacionamento amoroso, entre outros. Constatamos que os exem plos diretamente relacionados para o bem de outrem (ações de amor para outrem e amor por determinada pessoa) e sobre o sentimento aumentaram com a idade, enquanto que os exemplos nos quais as ações que não têm o outro como foco, diminuíram. Os participantes justificaram principalmente pela consequência positiva para si próprio, que aumentou com a idade. O sentimento, além de ser citado como

exemplo, também foi mencionado como ar-gumento.

Diante desses dados, apesar do interesse próprio estar contido principalmente nas justi-ficativas da consequência positiva para si que o exemplo de amor proporcionaria, podemos ressaltar que o amor para o bem do outro já está presente nas respostas das crianças, especial-mente nos exemplos de ações de amor e amor por determinada pessoa, nos quais o amor é direcionado a outrem. Assim, sugerimos que ou-tras pesquisas possam ser realizadas sobre esse tema, investigando, principalmente, um maior número de faixas etárias, inclusive com adoles-centes, adultos e idosos, para que se verifique essa evolução no decorrer do desenvolvimento.

Além disso, devemos refletir sobre a influên cia da família e da escola nesse processo de constru-ção, e verificar o papel da educação no desen-volvimento das virtudes. Uma vez que o amor auxilia na formação moral, é importante darmos ênfase no processo de construção dessa virtude. Sendo assim, apesar de esse artigo ter sido uma abordagem inicial ao tema do amor na área da moralidade, esperamos que possa incentivar outros trabalhos e discussões sobre essa virtude, gerando resultados para propostas de educação, auxiliando na formação moral das crianças.

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moralidade e ConCePção de amor em Crianças de 6 e 9 anos

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SUMMARYMorality and conception of love in 6 and 9 years old children

Reflecting on the importance of virtues in moral development, our aim was to investigate children’s concepts about love. We individually interviewed 40 children, 6 and 9 years old, in a private school in Vila Velha-ES, according to the clinical method proposed by Piaget. We asked each child to mention examples of experiences of love, and then later, to justify their answers. The examples cited were ‘giving love to others’ (such as helping and caring) and ‘love for (a) particular person/ people’ (family members and friends, among others), which increased with age, and ‘actions with love’ (like playing and kissing), which showed a decrease. The reasons pointed out, especially, the positive result that an example of love would provide, especially to them, that is, an interest in oneself that increased with age. We underline that the feeling was mentioned both as an example of love and as a justification. It was verified that the concept children have of love is wide, so it is important, therefore, to give emphasis on the process of formation of this virtue, since love helps in the moral formation. Thus, hopefully we encourage other works and discussions about love, contributing to proposals for education and assisting in the moral formation of children.

KEY WORDS: moral development; moral judgments; virtues; love.

REFERÊNCIAS 1. Piaget J. O juízo moral na criança. São Pau-

lo: Summus; 1994. (Trabalho original publi-cado em 1932).

2. Parra N. O adolescente segundo Piaget. São Paulo: Livraria Pioneira; 1983.

3. Piaget J. Seis estudos de psicologia. 24ª ed. Trad. D’Amorim MAM, Silva PSL. Rio de Ja-neiro: Forense Universitária; 2004. (Trabalho original publicado em 1964).

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5. La Taille Y. Formação ética: do tédio ao res-peito de si. Porto Alegre: Artmed; 2009.

6. La Taille Y. Para um estudo psicológico das virtudes morais. Educ Pesqui. 2000;26(1): 109-21.

7. La Taille Y. As virtudes segundo os jovens. In: La Taille Y, Menin MSS, orgs. Crise de valores ou valores em crise? Porto Alegre: Artmed; 2009. p.46-69.

8. La Taille Y. A importância da generosidade

no início da gênese da moralidade na crian-ça. Psicol Reflex Crit. 2006;19(1):9-17.

9. Vale LG, Alencar HM. Generosidade versus interesse próprio: juízos morais de crian-ças e adolescentes. Psicol Reflex Crit. 2008; 24(4):423-31.

10. Miranda FHF. Projetos de vida na adolescên-cia: um estudo na área da ética e da morali-dade [Dissertação de Mestrado]. Vitória: Uni-versidade Federal do Espírito Santo; 2007.

11. Comte-Sponville A. Pequeno tratado das gran-des virtudes. São Paulo: Martins Fontes; 2002.

12. Godbout JT. O espírito da dádiva. Trad. Wuillaume PCFX. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas; 1999.

13. Betto F, Cortella MS. Sobre a esperança: diá-logo. Campinas: Papirus; 2007.

14. Bauman Z. Amor líquido: sobre a fragilida-de dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed; 2004.

15. Keleman S. Amor e vínculos. Uma visão somático-emocional. São Paulo: Summus; 1996.

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16. Macedo L. Para um amor florescer. São Pau-lo: Universidade de São Paulo; 2010. Dispo-nível em: http://paulofreirejundiai.blogspot.com/2010/09/artigo-do-prof-dr-lino-de-ma-cedo.html. Acesso em: 4/5/2011.

17. Alves AD, Alencar HM, Ortega AC. Amor e moralidade: um estudo com participantes de 5 a 70 anos. Rev Ci Hum. 2010;44(2):363-80.

18. Souza RM, Ramires VRR. Amor, casamen-to, família, divórcio... e depois, segundo as crianças. São Paulo: Summus; 2006.

19. Piaget J. Introdução. Os problemas e os

métodos. In: A representação do mundo na criança. Trad. Fiúza R. Rio de Janeiro: Re-cord; 2005. (Trabalho original publicado em 1926).

20. Brasil. Resolução 196/1996 do Ministério da Saúde. Diretrizes e normas regulamentado-ras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: Ministério da Saúde; 1996. Dispo-nível em: http://www.conselho.saude.gov.br.

21. Delval J. Introdução à prática do método clí-nico: descobrindo o pensamento das crianças. Trad. Murad F. Porto Alegre: Artmed; 2002.

Trabalho realizado na Universidade Federal do Espírito Santo, Programade Pós-graduação emPsicologia,Vitória, ES, Brasil.

Artigo recebido: 5/12/2013Aprovado: 2/2/2014

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avaliação da Criatividade em universitários

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ArTiGo oriGinAL

RESUMO – Objetivo: Avaliar a criatividade verbal de estudantes de uma universidade da capital paulista. Método: Foi aplicado coletivamente em classe o Teste Pensando Criativamente com Palavras de Torrance, composto de seis atividades que visam medir dez características verbais do indivíduo. O teste foi respondido individualmente por 90 graduandos (45 mulheres e 45 homens), dos cursos de Psicologia e Administração. Os estudantes foram divididos em três grupos etários: o primeiro composto por estudantes com idades entre 17 e 20 anos (n=17, média=19,27 anos e DP=0,91), o segundo com faixa etária entre 21 e 30 anos (n=54, média=24,55 anos e DP=2,76) e o terceiro grupo (Grupo 3) com idades entre 31 e 42 anos (n=19, média=35 anos e DP=3,44). Resultados: A análise multivariada da variância (MANOVA) indicou efeitos significativos quanto à idade (F=1,84, p≤0,05)para as características criativas e de fantasia (F=3,87, p≤0,05).Conclusão: Pode-se concluir que a idade influencia positivamente uma maior expressão de criatividade em estudantes universitários.

UNITERMOS: Criatividade. Estudantes. Testes psicológicos.

Maria Célia Bruno Mundim – Psicóloga, Doutoranda pela PUC-Campinas, Campinas, SP, Brasil.Queila Guise Milian – Psicóloga, Mestranda pela PUC-Campinas, Campinas, SP, Brasil.Eliezer Fernandes Gums – Psicólogo, Professor do Centro Universitário Adventista de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Solange Múglia Wechsler – Psicóloga, Professora Doutora doProgramadePós-GraduaçãoemPsicologiadaPUC-Campinas, Campinas, SP, Brasil.Yung Sun Lee Damasceno – Fonoaudióloga, Doutoranda pela PUC-Campinas, Campinas, SP, Brasil.

avaliação da Criatividade em universitários

maria Célia Bruno mundim; Queila Guise milian; Eliezer Fernandes Gums; solange múglia Wechsler; Yung sun Lee Damasceno

CorrespondênciaMaria Célia Bruno Mundim Pontifícia Universidade Católica de CampinasProgramadePós-GraduaçãoStrictuSensuemPsicologia,Campus IIAv. John Boyd Dunlop, s/n, Jardim Ipaussurama – Cam -pinas, SP, Brasil – CEP 13060-904E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃONas últimas décadas, estudos sobre a criativi-

dade no ambiente educacional têm ocorrido em vários países, embora haja um número reduzido de pesquisas no contexto universitário1. No Brasil, por exemplo, Nakano & Wechsler2 verifi-caram entre estudos realizados na área educa-cional que apenas 20,3% das teses e dissertações e 27,6% das publicações periódicas re feriam-se a criatividade na educação superior.

Devido a esse quadro, lacunas relativas à cria -tividade e à aprendizagem no ambiente univer-sitário vêm sendo identificadas. Amaral3, por exemplo, ao analisar os estudos de diferentes perspectivas teóricas, metodológicas e epistemo-lógicas, observou a prevalência de pesquisas quantitativas sobre o estudante universitário e uma tendência de relacionar criatividade com a aprendizagem dentro de uma perspectiva mais cognitivista ao invés de um enfoque generalizado. Por outro lado, Ribeiro & Fleith4 destacaram a pouca consideração que se dá à criatividade na formação profissional em diferentes áreas.

Os cursos de formação de professores, por sua vez, em boa parte das instituições brasileiras de ensino, privilegiam teorias de educação idealiza-das, distantes da realidade prática e pouco tra-balham com a criatividade por não valorizá-la5. Por conseguinte, os professores recebem pouca preparação nessa área, ignoram ações criativas que podem ser realizadas no processo de ensino e ficam desmotivados diante das condições do ambiente de trabalho6.

Autores internacionais, tais como Xu et al.7, afirmam que poucas são as universidades que oferecem a criatividade como uma área acadê-mica específica. Assim sendo, apesar do mercado de trabalho valorizar o profissional criativo, pois necessita de produtos inovadores em várias áreas, há falta de estímulo ao desenvolvimento da cria-tividade na formação de alunos para prepará-los para atender às exigências da sociedade8.

A omissão quanto à prática de programas de treinamento em criatividade no ensino superior também é notada no Brasil9-11. Exemplo do ex-posto é a pesquisa feita por Oliveira & Alencar12,

que investigaram professores do curso de Letras de duas instituições universitárias particulares e uma pública de uma cidade da região centro-oeste do Brasil. As pesquisadoras observaram que, em-bora os professores tivessem noções conceituais sobre criatividade e atribuíssem importância à mesma para a atualidade, eles a percebiam mais como procedimento pedagógico, não sentindo necessidade de tê-la como uma disciplina espe-cífica. Para Nuñez & Santos13, as crenças dos pro fessores sobre criatividade decorrem da falta de autocrítica por parte deles próprios, além das lacunas em sua formação escolar e acadêmica.

Para mudar as crenças dos professores, de acor-do com estudo realizado por Morais & Azevedo14 com aqueles do ensino básico e secundário, é pre ciso escutá-los sobre as representações que possuem acerca da criatividade, a fim de que suas necessidades e potencialidades possam ser percebidas. Por meio da sensibilização e plane-jamento, as crenças desses profissionais podem voltar-se para práticas educativas criativas e, portanto, tornar-se mais eficazes conforme as autoras. Foi o que verificaram Fadel & Wechsler15 em um Programa de Desenvolvimento de Cria-tividade junto a 30 docentes e 210 estudantes de uma universidade, no qual foram realizadas discussões sobre a conceituação da criatividade, os obstáculos e os aspectos facilitadores para o desenvolvimento da criatividade em classe. Os resultados indicaram que o Programa propiciou o desenvolvimento de habilidades criativas, além de influenciar os docentes e os estudantes para a percepção do ambiente criativo.

Embora o intuito da utilização da criatividade em classe seja o de desenvolver uma aprendizagem eficaz16, o que tem sido observado na educação superior é a prioridade de uma educação formal, que privilegia a memorização e o desenvolvimento do pensamento lógico, com pouco espaço para a criatividade17,18. Desse modo, alguns obstáculos ao estímulo da criatividade são a normatização do pensamento e a falta de pensamento questionador no processo de aprendizagem19.

Outro fator que pode interferir no desenvol-vimento da criatividade em estudantes universi-

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avaliação da Criatividade em universitários

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tários é a cultura20,21. Fatores culturais, tais como as expectativas dos professores no desempenho acadêmico dos alunos, os diferentes papéis espe-rados aos gêneros, as expectativas sociais, dentre outros, podem influenciar na expressão da cria-tividade20,21. Assim sendo, a influência cultural pode ser benéfica, quando o comportamento criativo for incentivado, ou maléfica, quando o mesmo comportamento for desaprovado pelo meio social, podendo, assim, ser desestimulado e até extinto22. No entanto, quando a pessoa apresenta traços criativos inerentes a sua personalidade, a sua criatividade será desenvolvida mesmo sob a pressão social por conformidade23.

O aspecto sociocultural pode ser observado no estudo realizado por Alencar & Fleith24, que teve como objetivo verificar como estudantes de engenharia percebiam os fatores facilitadores e inibidores à expressão da criatividade pessoal. Notou-se que os fatores inibidores mais frequen-temente citados foram medo de errar, falta de flexibilidade, falta de incentivo e de motivação, enquanto que os facilitadores foram incentivo, autoconfiança, preparação e inteligência. Em outro estudo, Pachucki et al.25 verificaram, por meio de narrativas de estudantes universitários, que as experiências diárias e as interações sociais foram percebidas por eles, tanto como fator estimula-dor quanto como fator restringidor da expressão criativa na universidade.

Foi analisada por Matud et al.26 a relevância dos fatores sociodemográficos sob as diferenças de gênero no pensamento criativo. Foram avalia-dos 466 mulheres e 273 homens, moradores das Ilhas Canárias, com os Testes de Pensamento Fi-gural e Verbal de Torrance. As mulheres com ní-vel universitário obtiveram maiores pontuações do que os homens com mesmo nível educacional para o Teste Verbal. Em outro estudo, Wu et al.27 pesquisaram 22 alunos da sexta série (10 a 12 anos de idade) e 22 estudantes universitários (19 a 22 anos de idade), para verificar a influência da faixa etária na criatividade. Foram utilizadas três tarefas dos Testes de Pensamento Criativo de Torrance. Na primeira tarefa, após olhar para uma imagem, os participantes foram convidados

a adivinhar e escrever tanto as causas como as con sequências do que aconteceu na imagem. Na segunda atividade, 10 figuras incompletas foram fornecidas e os participantes tiveram que adicionar desenhos às figuras. Para a terceira tarefa, os participantes tiveram que pensar em usos incomuns para caixas de papelão. Na primeira tarefa, os universitários obtiveram me lhores pontuações para o fator flexibilidade do que os alunos da sexta série, no entanto, não houve diferença para fluência entre ambos os grupos. Em contrapartida, no fator fluência da segunda atividade, os estudantes da sexta série se sobressaíram, sem diferença significativa para as amostras no fator flexibilidade. Já na ativi-dade três, os participantes não diferiram entre si. Tendo como fundamento a interação da base de conhecimento com a estrutura das tarefas, os resultados sugeriram que o conhecimento aumenta o desempenho, pois na primeira ativi-dade que se refere a problemas do mundo real os universitários foram melhores do que aqueles com idade menos avançada.

Quanto ao ambiente escolar favorável à pro-moção da criatividade, Bahia & Nogueira28 refe-rem ser aquele que incentiva o interesse pela aprendizagem por meio de uma reflexão crítica e flexível, propicia o aparecimento de uma atitude ativa e transformadora da realidade, encoraja a originalidade, gera a sensação de autoeficácia e, enfim, desenvolve um clima criativo em sala de aula. Além disso, Cheung et al.29 destacam que atenção diferenciada deve ser dada ao currículo, aos tipos de tarefas e às formas de ensino nos diferentes campos de estudo. Portanto, qualquer conteúdo disciplinar pode facilitar o desenvol-vimento da criatividade30.

No que refere ao comportamento dos pro fes so res voltado para a criatividade dos alunos, James et al.31 citam que os docentes que ofere cem feedback incentivam a curiosidade e a confiança e forne-cem apoio positivo necessário para o avanço do estudante, condições favoráveis ao desenvolvi-mento da criatividade. González-Fontao & Mar-tínez-Suárez32 descrevem o professor criativo como um indivíduo que apresenta flexibilidade,

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sem medo do ridículo, confiante em si mesmo e no que faz, capaz de desenvolver um trabalho sistemático e contínuo, que mostra interesse pela aprendizagem e pela capacidade criativa de seus alunos. Souza33, por exemplo, pesquisou como 24 docentes e 117 estudantes do Curso de Pedagogia percebiam as qualidades pessoais características dos docentes universitá rios que propiciavam o estímulo da expressão criativa nos alunos. A flexibilidade, a abertura às novas experiências e o estímulo ao aluno a expor suas ideias foram as qualidades apontadas com mais frequência pelos participantes.

Entretanto, para que os professores possam ter um desempenho mais criativo, devem ser ofe -recidas condições de trabalho adequadas, como, por exemplo, maior tempo para troca de conheci-mentos e opiniões sobre as atividades docentes34. Visto que Alencar & Fleith35 certificaram-se que, entre estes trabalhadores, há vários aspectos que os impedem de desenvolver-se de modo criativo, tais como a grande quantidade de alunos em classe, o tempo limitado para troca de ideias com colegas de trabalho sobre ações ins trucionais e a falta de interesse pela disciplina por parte do aluno.

A avaliação da criatividade no meio univer-sitário é outro aspecto a ser considerado. Embora a criatividade seja um constructo multidimensio-nal, instrumentos que a avaliam em estudantes são importantes para a identificação de alunos criativos e para o desenvolvimento de habili-dades de pensamento criativo20. Os Testes de Pensamento Criativo de Torrance, por exemplo, são frequentemente utilizados no campo educa-cional em diversos países36. Wechsler37 realizou dois estudos com o intuito de investigar a possi-bilidade de avaliação da criatividade verbal no contexto brasileiro. Os resultados apontaram evi-dências de validade inerentes ao Teste de Torrance (p<0,05; p<0,001), bem como a sua precisão de -monstrada por teste-reteste, viabili zando o uso do mesmo no Brasil. Também em outro estudo Wechsler38 verificou evidências da validade dos Testes Torrance de Pensamento Criativo (TTCT) por meio de uma amostra com 59 brasileiros (29 homens, 30 mulheres) que receberam reconheci-

mento público através de prêmios e 69 brasileiros (31 homens, 38 mulheres) que não receberam o reconhecimento. A correlação de Pearson indicou que foram significativas as relações entre as realizações criativas e os indicadores criativosnoTTCT(r=0,14parar=0,33,p≤0,05parap≤0,001).Alémdisso,nãofoiverificadadiferen ça de gênero.

Tendo em vista a relevância da criatividade para o ensino superior, o objetivo deste estudo foi avaliar a criatividade verbal de estudantes de uma universidade da capital paulista. Também foi investigada a existência de diferenças entre os gêneros na criatividade verbal.

MÉTODOParticipantesForam participantes desta pesquisa 90 gra-

duandos, sendo 45 do gênero feminino e 45 do gênero masculino, dos cursos de Psicologia e Administração de uma universidade particular da cidade de São Paulo. Os estudantes foram di vididos em três grupos etários: o primeiro gru-po (Grupo 1) foi composto por estudantes com idades entre 17 e 20 anos (n=17, média=19,27 anos e DP=0,91), o segundo grupo (Grupo 2), com faixa etária entre 21 e 30 anos (n=54, mé-dia=24,55 anos e DP=2,76), e o terceiro grupo (Grupo 3), com idades entre 31 e 42 anos (n=19, média=35 anos e DP=3,44).

Instrumento Foi aplicado o Teste de Torrance – Pensando

Cria tivamente com Palavras39, validado para o Brasil por Wechsler40. Esse teste é composto de seis atividades que visam à avaliação de dez ca racterísticas verbais do indivíduo. Há um tem po estabelecido para a execução do teste, totalizando 40 minutos. Na primeira atividade, é apresentada uma figura e solicita-se que o partici-pante faça perguntas sobre a figura, na segunda atividade, é solicitado que adivinhe causas para explicar as ações da figura e, na terceira atividade, pede-se que o indivíduo des creva consequências sobre a figura apresen tada. A atividade 4 apre-senta um desenho de um elefante de brinquedo

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e é solicitado que os participantes escrevam formas inteligentes e interessantes para mudar esse elefante, para que ele se torne mais divertido de se brincar. Na atividade 5, pede-se que os participantes escrevam usos diferentes para uma caixa de papelão vazia. Na sexta, é apresentada uma figura sobre uma situação improvável, em que as nuvens do céu teriam barbantes que che-gariam até a terra. É solicitado que o participante faça suposições do que aconteceria, escrevendo consequências dessa situação inusitada.

As características que o teste avalia são: fluên -cia (número de ideias relevantes), flexibi lidade (diversidade de categorias de ideias), elaboração (adição de detalhes à escrita), origina lidade (ideias incomuns), expressão de emoção (expressão de sen timentos), fantasia (presença de seres imagi-nários, de contos de fadas ou ficção científica), pers-pectiva incomum (descrição feita sob diferentes perspectivas) e analogias (comparação/metáfora do estímulo apresentado) Índice Criativo Verbal I (ICV I, soma das quatro primeiras característi-cas, consideradas cognitivas) e Índice Criativo Verbal II (ICV II, soma de todas as característi-cas, consideradas cognitivas e emocionais).

O instrumento teve sua validade preditiva con firmada por Wechsler38, a partir da obser va ção de que existiam relações altamente signi ficativas entre a medida por ele obtida e a produção cria-tiva dos indivíduos, reconhecida por meio de premiações e distinções. A validade de constru to também demonstrou que o teste poderia distin-guir pessoas, que realmente foram reconheci das por seu meio como altamente criativas, da quelas que não conseguiram demonstrar a sua produção. Já em relação à fidedignidade, ela foi obtida a partir da precisão entre cinco juízes, obtendo concordância acima de 0,90 na maioria das ca-racterísticas criativas avaliadas pelo instrumento.

ProcedimentoA aplicação se deu de forma coletiva na sala

de aula, após prévio consentimento da direção e do professor. A correção e pontuação do instru-mento seguiram o modelo proposto no manual

de Wechsler38, que realizou a padronização do mesmo para uso em amostras brasileiras. As médias por gênero e série foram calculadas para cada uma das oito características avaliadas pelo instrumento, além do ICV I e ICV II. A análise estatística empregada para estudar o efeito das variáveis gênero e idade foi a análise univariada da variância (ANOVA) e a análise multivariada da variância (MANOVA) e, posteriormente, o teste post hoc de Tukey, com auxílio do Statis-ti cal Package for the Social Sciences (SPSS), versão 19.

RESULTADOSNa Tabela 1, são apresentas as médias dos re-

sultados obtidos pelos diferentes grupos etários e pelos gêneros masculino e feminino em cada uma das características criativas. As caracterís-ticas criativas verbais mais pontuadas no teste foram fluência e flexibilidade, além dos índices criativos verbais I e II.

As médias de cada característica verbal quan-to ao gênero podem ser observadas na Figura 1. Percebe-se que as características mais pontuadas em ambos os gêneros foram fluência e flexibi-lidade. As diferenças de pontuação entre eles, no entanto, são mínimas, uma vez que nunca excedem mais que dois pontos.

A diferença entre os grupos etários pode ser observada na Figura 2. Ao analisar os resultados de cada habilidade criativa verbal, comprova-se a significante queda que essas sofreram conforme o aumento da idade, com exceção da originalidade.

A análise univariada da variância (ANOVA) por Índice Criativo II, que soma todas as carac-terísticas cognitivas e afetivas, foi utilizada com o objetivo de verificar a influência que as variáveis gênero e idade exercem sobre as características criativas verbais, conforme pode ser observado na Tabela 2. Ocorreram efeitos significativos quanto à idade (F=1,84, p≤0,05), sendo que a variável gênero não foi significativa.

Considerando que somente a idade demons-trou exercer influência no resultado dos par-ticipantes, uma análise mais detalhada dessa variável foi realizada para observar o efeito dela

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em cada uma das características verbais separa-damente (Tabela 3).

A Tabela 3 mostra que a característica Fanta-sia teve resultado significativo quando influen-ciada pela idade (F=3,87, p≤0,05).Apartirdesseresultado, foi feito o Teste post hoc de Tukey, para assim averiguar mais especificamente em qual grupo etário a característica Fantasia foi significativa. Ao realizar o post hoc foi possível determinar que a característica Fantasia teve resultados significativos no grupo etário três, sendo diferente dos outros dois grupos etários.

DISCUSSÃOA partir dos resultados dos graduandos, pode-se

verificar que as maiores pontuações nas caracte-rísticas criativas verbais do teste ocorreram em fluência e flexibilidade, além dos índices cria tivos verbais I e II. Isso se deve ao fato das caracterís-ticas de fluência e flexibilidade serem as mais fáceis de pontuar, uma vez que referem ao nú-mero de respostas relevantes e à diversidade nas categorias de ideias, respectivamente. Quanto às

Tabela 1 – Médias e desvios padrões das características criativas por gênero e grupos etários.

Característicacriativa

Grupos Etários

Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3

17-20 anos 21-30 anos 31-42 anos

Média Desvio padrão Média Desvio

padrão Média Desvio padrão

F M F M F M F M F M F M

Fluência 45,53 44,10 22,9 22,29 48,59 44,72 21,61 22,53 44,74 53,45 22,02 24,19

Flexibilidade 21,77 21,61 9,76 8,60 24,05 21,36 11,01 8,54 23,15 23,00 10,67 4,25

Elaboração 4,74 4,66 5,03 4,94 4,69 4,80 4,71 5,00 4,63 4,68 4,82 5,61

originalidade 15,33 14,85 19,22 18,81 15,00 15,47 21,28 19,11 13,88 19,81 18,48 30,68

Emoção 1,52 1,51 2,60 2,51 1,47 1,56 2,83 2,56 1,43 1,09 2,45 1,51

Fantasia 0,94 0,91 1,54 1,41 1,00 0,92 1,58 1,44 0,94 0,68 1,48 1,72

Perspectiva incomum

1,11 1,07 1,75 1,70 0,91 1,11 1,26 1,73 1,03 0,86 1,66 1,48

Analogias 2,28 2,18 3,56 3,47 2,32 2,28 3,64 3,53 2,03 2,09 3,39 3,05

Índice Criativo Verbal i

87,58 85,22 47,02 45,49 92,33 86,36 47,56 46,19 86,41 100,95 44,85 60,13

Índice Criativo Verbal ii

93,44 90,91 50,25 48,89 98,05 92,26 50,53 49,58 91,86 105,68 47,92 62,68

F=feminino; m=masculino.

Figura 1 – Médias das características verbais criativas quanto ao gênero.

Figura 2 – Média dos resultados das habilidades criativas ver -bais por grupo etário.

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altas pontuações nos índices criativos verbais, já são esperadas pelo fato de serem somas das habilidades verbais presentes no teste.

Apesar de haver melhor desempenho em fluên-cia e flexibilidade pelos participantes, não foram observadas diferenças significativas entre ambos os gêneros, o que pode ser confirmado pela pes-quisa de Wechsler23. Entretanto, tal resultado não vem de encontro com o estudo de Matud et al.26. Nesse estudo, as mulheres com nível universitário obtiveram maiores pontuações do que os homens com mesmo nível educacional para o Teste Verbal.

No que diz respeito aos grupos etários, pode ser notada diferença entre seus resultados. À me-dida que ocorre o avanço da idade, percebe-se um declínio significativo nos resultados das ha-bilidades criativas verbais, exceto para origina-lidade. Em estudo de Wu et al.27, a amostra com maior faixa etária (19 a 22 anos) obteve melhor pontuação do que aquela com menos idade (10 a 12 anos) somente para a característica flexi-bilidade na primeira tarefa do Teste Verbal de Torrance, na qual foi lhes solicitado adivinhar e escrever tanto as causas como as consequências do que aconteceu em uma imagem mostrada.

Quanto à influência do grupo etário três (31 a 42 anos de idade) para a característica Fantasia, sugere-se que as pessoas mais velhas utilizam maior imaginação, porém não foram encontrados estudos que confirmem esse resultado.

CONCLUSÃOO presente trabalho teve como objetivo inves-

tigar a criatividade verbal de estudantes de uma universidade da capital paulista.

Com base nos resultados obtidos neste estu-do, pode-se concluir que não existem diferenças de gênero nas características verbais criativas. No entanto, no que refere à faixa etária, há uma tendência de maior uso de imaginação conforme a evolução da idade dos participantes.

A limitação apresentada pelo estudo foi o ta-manho reduzido da amostra. Portanto, sugerem-se futuras pesquisas sobre o tema com um maior número de participantes e provenientes também de outros cursos de graduação.

Tabela 2 – Análise univariada da variância por gênero e idade por Índice Criativo II.

Variável F Significância

Gênero 1,20 0,306

idade 1,84 0,030**p≤0,05

Tabela 3 – Análise multivariada da variância por características criativas.

Características Criativas F Significância

Fluência 2,29 0,107

Flexibilidade 1,94 0,149

Elaboração 0,43 0,65

originalidade 2,78 0,067

Emoção 2,91 0,059

Fantasia 3,87 0,025*

Perspectiva incomum 2,77 0,068

Analogias 2,81 0,066*p≤0,05

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SUMMARYAssessment of creativity in university students

Objective: To evaluate the verbal creativity of university students in the capital city. Method: We used Torrance Tests of Creative Thinking. This is composed of six activities that aim to measure ten verbal characteristics of the individual. The test was applied collectively in class and it was answered individually by 90 undergraduates (45 women and 45 men). Psychology and Administration students were divided into three age groups: the first consists of students aged between 17 and 20 years (n=17, mean=19.27 years, SD=0.91), the second aged between 21 and 30 years (n=54, mean=24.55 years, SD=2.76) and the third group (group 3) aged between 31 and 42 years (n=19, mean=35 years, SD=3,44). Results: Multivariate analysis of variance (ANOVA)indicatedsignificanteffectsforage(F=1.84,p≤0.05)forcreativefeaturesandfantasy(F=3.87,p≤0.05).Conclusion: It can be concluded that age positively influences a greater expression of creativity in college students.

KEYWORDS: Creativity. Students. Psychological tests.

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Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica (PUC)-Campinas, Campinas, SP, Brasil.

Artigo recebido: 13/12/2013Aprovado: 3/2/2014

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ArTiGo oriGinAL

RESUMO – Neste estudo de abordagem qualitativa, objetivou-se in ves -tigar as expectativas de alunos do primeiro período de um curso técnico em enfermagem de uma universidade pública, acerca do seu primeiro estágio em unidades de saúde. Os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, gravada e transcrita, de acordo com a Resolução 196/96 que regulamenta a pesquisa com seres humanos. Os resultados obtidos demonstram que o início do estágio é permeado por sentimentos de medo, insegurança e ansiedade dos estudantes. Pode-se concluir que esse é um momento em que devem contar com a compreensão e o conhecimento dos docentes para que se sintam mais confortáveis e preparados para elaborar questionamentos e sanar dúvidas em relação ao exercício profissional.

UNITERMOS: Escolas de Enfermagem. Estudantes de Enfermagem. Estágio Clínico. Instituições de Saúde.

CorrespondênciaEmerson Piantino DiasAv. Rondon Pacheco, 5620 Apt. 22 – Tibery – Uberlândia, MG, Brasil – CEP 38405-142E-mail: [email protected]

Emerson Piantino Dias – Enfermeiro, Mestre em Pro-moçãodeSaúde,UniversidadeFederaldeUberlândia,Escola Técnica de Saúde, Uberlândia, MG, Brasil.BeatrizLemosStutz–Psicóloga,DoutoraemEducação,Universidade Federal de Uberlândia, Escola Técnica de Saúde, Uberlândia, MG, Brasil.Tatiana Carneiro de Resende – Mestre em Ciências da Saúde, Universidade Federal de Uberlândia, Escola Técnica de Saúde, Uberlândia, MG, Brasil.Natália Borges Batista – Enfermeira, Graduada, Uni ver -sidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil.Suéllen Siqueira de Sene – Enfermeira, Graduada, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil.

exPeCtativas de alunos de enfermagem frente ao Primeiro estágio em

instituições de saúde

Emerson Piantino Dias; Beatriz Lemos stutz; Tatiana Carneiro de resende; natália Borges Batista; suéllen siqueira de sene

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exPeCtativas de alunos de enfermagem frente ao Primeiro estágio em instituições de saúde

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INTRODUÇÃOO Código de Ética de Enfermagem1 concei-

tua essa profissão como um conjunto de práti-cas sociais, éticas e políticas, circunscritas no âmbito do ensino, pesquisa e assistência. Tem como função a prestação de serviços à pessoa, à família e à coletividade no ambiente em que vivem, considerando as variáveis que permeiam sua realidade cotidiana. A atuação do profis-sional de enfermagem envolve intervenções de caráter multiprofissional e interdisciplinar, cuja dinâmica de trabalho exige, frequentemente, a habilidade em lidar com situações e conflitos presentes em seus relacionamentos com a equi-pe, com os pacientes e familiares, tornando-os vulneráveis ao desenvolvimento de problemas que afetam sua saúde física e mental.

Nesse sentido, o tema formação dos profis-sionais de enfermagem é bastante atual, tendo sido alvo de debates e questionamentos pelas diversas entidades estudantis, acarretando cons-tantes mudanças, principalmente, nos currículos de graduação e pós-graduação. Frente a tais mudanças, nota-se a necessidade de aumentar os estudos científicos que abordem essa temática e que discutam novas propostas pedagógicas com o intuito básico de melhorar a formação dos estagiários ao qualificá-los profissionalmente2.

O estágio supervisionado é entendido como um importante instrumento para formação dos profissionais de enfermagem, no qual se de-senvolvem habilidades profissionais e se aper-feiçoam técnicas e procedimentos realizados diariamente no exercício da profissão. Esse pe-ríodo de aprendizagem em campo tem a função de consolidar o aprendizado teórico para formar profissionais mais capacitados e prepará-los para enfrentar o mercado de trabalho, que se encontra cada vez mais competitivo3.

Dessa forma, as atividades de estágio não se limitam apenas ao aperfeiçoamento das técnicas e procedimentos, mas tem, como intuito, desen-volver no aluno a capacidade de entendimento pessoal, auxiliando-o a reconhecer e manifestar a sua própria identidade profissional. Portanto, esse campo de estudo possibilita aos alunos de-

senvolverem uma opinião crítica e uma reflexão das formas de atuação profissional, contribuin-do para posteriores tomadas de decisões mais conscientes e adequadas à realidade de cada instituição4.

As escolas de educação profissional têm como característica comum proporcionar a seu corpo discente a aprendizagem prática da profissão, por meio da realização de estágio obrigatório, integrante da matriz curricular, havendo, contu-do, instituições escolares que oferecem estágio não obrigatório, remunerado, desenvolvido como projeto de extensão. Tais formas de aprendizado têm sido apontadas, tanto por professores, quanto por estudantes, como meios significativos de aprendizagem e, paralelamente, também fonte de conflitos5.

Ao comunicarem-se pela primeira vez com seu ambiente de estágio, os estudantes viven-ciam diversos sentimentos em suas relações com o cliente, com o professor e com os próprios colegas da área de saúde, mobilizando diferentes expectativas. Assim, podem surgir perguntas e possíveis reações emocionais, que se manifes-tam, muitas vezes, por meio de problemáticas, prejudicando a própria saúde dos estagiários e influenciando também sua formação.

Diante dessa temática, faz-se necessário evidenciar o significado da palavra “expectati-va” para maior embasamento teórico ao estudo. Conceitualmente, ela é definida como sendo a esperança fundada em supostos direitos, proba-bilidades ou promessas. Levando em considera-ção que expectativa se relaciona com os projetos pessoais e profissionais, pode-se descrevê-la como um sentimento gerado quando o indivíduo aguarda uma atitude ou fato, seja ele de qual na-tureza for, impondo algum nível de esperança6.

As dificuldades encontradas por estudantes de um curso técnico de nível médio na área de enfermagem, durante a realização do estágio curricular, estão diretamente ligadas à grande influência das relações interpessoais em seu processo de formação, vivenciadas durante a realização das atividades práticas. Dentre os resultados apresentados em sua investigação,

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os problemas, frequentemente enfrentados pelos aprendizes referem-se aos processos de comunicação e relacionamento com a equipe de trabalho, docentes e usuários do sistema de saúde, como também ao medo e à ansiedade diante de situações imprevisíveis7.

Diante das considerações aqui elencadas, o estudo das expectativas de estudantes do ensino técnico de nível médio, no momento que antece-de o início de suas experiências práticas, vem ao encontro da necessidade de produção de conhe-cimentos relativos à formação de profissionais para esse importante segmento da área da saúde.

A formação profissional se tornou um motivo de grandes questionamentos diante da comple-xidade do tema e da diversidade das variáveis envolvidas.

Desde o primeiro contato entre os professo-res e os estudantes estagiários no laboratório, seja ele em ambiente hospitalar ou não, tem-se a possibilidade de verificar falhas na formação profissional. Elas podem manifestar-se por meio da expressão de sentimentos, da falta de preparo, de relatos dos próprios estudantes, como também na forma como eles se relacionam com o campo teórico-prático. Daí a importância de discutir a temática de forma aprofundada para conseguir, por fim, produzir conhecimento que transforme a concepção dos professores e dos alunos, frente à formação dos profissionais de enfermagem.

Dessa forma, a relevância da presente pes-quisa reside na contribuição que o conhecimento acerca das expectativas de estudantes de cursos técnicos em enfermagem, em relação à sua in -serção no estágio, pode oferecer ao aprimora-mento de estratégias de ensino, que resultem em melhor preparo durante o processo de sua formação profissional. Em consequência disso, este trabalho pode contribuir, também, para o desenvolvimento profissional e pessoal dos pes-quisadores, atualizando seus conhecimentos e balizando suas ações na área da saúde.

O objetivo geral desta investigação foi ana-lisar as expectativas dos alunos de um curso técnico em enfermagem, relacionadas à sua in-serção nas unidades de atendimento em saúde,

para o início das atividades práticas inerentes ao estágio curricular obrigatório. Os objetivos espe-cíficos centraram-se na análise das influências das expectativas dos alunos frente ao primeiro contato com as unidades de atendimento em saúde sobre seu desenvolvimento psicoafetivo, bem como no que se refere à interação com os pacientes, com a equipe de trabalho e com o professor responsável por seu acompanhamento, durante a realização das atividades práticas de aprendizagem.

MÉTODOEsta é uma pesquisa qualitativa, realizada

no ano de 2012, em uma instituição federal de ensino básico técnico e tecnológico da área da saúde, no município de Uberlândia-MG.

Para a obtenção dos dados, foi elaborada uma entrevista semiestruturada, aplicada por alunas do curso de graduação em Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia, evitando--se dessa forma o contato dos docentes com os alunos entrevistados.

Participaram deste estudo alunos do primeiro período de um curso Técnico em Enfermagem, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em conformidade com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Para realização das entrevistas, foi obtida a assinatura do Termo de Autorização da Insti-tuição pela direção da unidade de ensino pes-quisada, onde foram realizadas as entrevistas e posterior análise. O projeto deste estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Uberlândia, com parecer positivo de número 129.194.

A amostra foi constituída por 16 estudantes do primeiro período do curso Técnico em En-fermagem, pautada pelo critério de saturação nas respostas, o que possibilitou a interrupção das entrevistas no momento em que esse fato começou a ocorrer.

A pesquisa foi realizada a partir da análise de livros, artigos, teses e dissertações sobre o

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tema em questão, ampliando as publicações aqui citadas e subsidiando a análise das entrevistas.

Com base na Análise de Conteúdo, utilizou-se a “análise temática”, enquanto um conjunto de técnicas para estudo da comunicação, visando à obtenção, por meio de procedimentos sistemá-ticos e objetivos, a descrição do conteúdo das mensagens8.

A análise do material obtido foi realizada em três etapas, sendo elas: 1. ordenação de dados com a transcrição das gravações, releitura do ma-terial e organização dos relatos; 2. classificação ou exploração dos dados para a elaboração dos núcleos de sentido; 3. análise final ou tratamento dos resultados obtidos, quando são estabelecidas as articulações entre os dados e as teorias.

Foram eleborados dois núcleos de sentido, sendo eles “O Preparo”, e “Expectativas”. Esta última tem como foco o estudante frente ao estágio e frente às relações aluno-professor, aluno-paciente e aluno-equipe.

Para identificação das falas dos entrevistados, foi utilizada a seguinte estratégia de classifica-ção: A1 - para o primeiro aluno entrevistado; A2 - para o segundo aluno entrevistado; A3 - para o terceiro aluno, e assim sucessivamente até o último aluno entrevistado, A16.

Em nenhum momento houve identificação dos entrevistados, tampouco riscos em decorrên-cia da coleta de dados. Após a transcrição das gravações as entrevistas foram desgravadas.

RESULTADOS E DISCUSSÃOA apresentação e discussão dos resultados

realizada a seguir dizem respeito a entrevistas com 16 alunos, na faixa etária entre 18 e 50 anos, sendo 4 do sexo masculino e 12 do sexo feminino. Verificou-se que 5 deles tiveram algum tipo de experiência na área de saúde. O presente estudo foi construído mediante análise dos núcleos de sentido apresentados a seguir.

O preparoO processo de formação do aluno para o

exercício profissional requer que ele adquira um

preparo para lidar com as diversas situações com as quais terá que enfrentar, além da aquisição e domínio de conhecimentos específicos, para prestar os cuidados na área de enfermagem. Tal preparo inclui estudos teóricos e realização de atividades práticas, desenvolvidas em labora-tório e no ambiente hospitalar, mediante ações supervisionadas por professores, que os acompa-nham durante o período em que se desenvolve essa aprendizagem.

Faz parte desse processo não apenas o trei-no de habilidades específicas para realizar as tarefas diárias que lhes são solicitadas, mas, fundamentalmente, desenvolver a compreensão dos conflitos causados por eventos internos ou intrapsíquicos, que combinados com aconteci-mentos externos ou interpessoais, são muitas vezes geradores de ansiedade, como consequên-cia de um desequilíbrio adaptativo da pessoa diante do modo como os percebe9.

Observa-se, com frequência, que o contexto no qual se desenvolve a aprendizagem prática de futuros profissionais da área de enfermagem é gerador de ansiedade e exige a aproximação entre professor e aluno, mediada por uma escuta do primeiro em relação ao segundo, que lhe sirva como suporte para superação das dificuldades encontradas, transformando aquilo que, inicial-mente, apresenta-se como expectativas, em um exercício constante de superação do desconforto psíquico e dos desafios inerentes ao confronto com a doença, a dor, as perdas e demandas ine-rentes às relações interpessoais, circunscritas ao contato com pacientes, familiares e equipe de trabalho.

Através de uma reflexão sobre aspectos que envolvem a formação acadêmica de alunos do curso de Medicina e a relação professor-aluno, evidenciou-se uma questão que sem dúvida se estende também à área da saúde como um todo: o professor que não escuta o aluno falha no mé-todo e oferece um modelo de não comunicação. Explicitando, podemos dizer que no encontro entre duas pessoas, no caso professor-aluno, o que é feito, a conduta que o professor demonstra, tem muito mais impacto no outro do que o que é

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dito. Coerência entre atos e discurso no ensino é essencial10.

Ao tratarmos, neste texto, das expectativas de alunos de um curso técnico em enfermagem frente ao primeiro contato com unidades de atendimento em saúde para realização de ativi-dades práticas, buscamos uma aproximação dos sentimentos que a espera mobiliza, bem como de suas influências sobre eles, tornando possível a construção de conhecimentos que contribuam para uma comunicação e atuação docente em sintonia com as necessidades apresentadas e que resulte em um processo de aprendizagem menos doloroso, com diminuição das contingências geradoras de ansiedade.

Comumente, a ansiedade é provocada por um aumento esperado de tensão ou desprazer, podendo desenvolver-se quando a ameaça a alguma parte do corpo ou da psique é muito grande para ser ignorada, dominada ou des-carregada11. Quando somos colocados frente a novas situações, sob as quais não temos domínio e com as quais temos que lidar, experimentamos esse sentimento.

Profissionais da área de enfermagem, fre-quentemente, enfrentam situações geradoras de ansiedade diante da tarefa de cuidar do outro, já que esse cuidado implica desenvolver habilida-des para lidar com questões referentes à equipe de trabalho, aos aspectos físicos e emocionais dos usuários, aos processos de comunicação com familiares e às demandas do meio no qual atua. Da mesma forma, o aprendizado prático da profissão, via instituição escolar, é caracterizado por um processo de aprendizagem que, como se constata no estudo aqui apresentado, está per-meado por uma insegurança diante do preparo exigido, tornando-se fonte de ansiedade clara-mente explicitada nas falas dos entrevistados:

“Ansiosa, muito preocupada com o que está me esperando lá. Eu tô sem saber o que vai acontecer, o que está me es-perando, então eu fico ansiosa e muito preocupada se eu vou dar conta de fazer tudo o que me aguarda, se eu vou estar preparada.” (A8)

Considerando tratar-se de discente da área de enfermagem, vale ressaltar o significado da expressão “tudo o que me aguarda”, na fala acima mencionada. Os aspectos sócio-históricos inerentes à profissão acabam por influenciar as expectativas daqueles que estão em fase de for-mação, prestes a manter os primeiros contatos com o ambiente real no qual ela se desenvolve. Os estudantes aqui entrevistados trazem consigo as influências dos processos socioculturais que permeiam as representações sociais acerca das profissões nessa área, além dos conhecimentos que começam a adquirir sobre ela ao iniciar o curso. Dessa forma, pode-se dizer que a imagem que fazem sobre aquilo que irão encontrar nos primeiros contatos com o trabalho relacionado aos cuidados está ligada, em primeiro plano, ao sofrimento humano e à morte, explicitados pelos autores a seguir:

É conhecido que, nas profissões da área da saúde, a ansiedade tende a ser comum, visto que os profissionais lidam com o sofrimento humano, a morte, que são situações altamente ansiogêni-cas. A ansiedade da morte é a mais básica, mais universal e inexplicável para a pessoa12.

O contato e a troca de informações com pro fessores e alunos que estão em período sub-sequente do curso também influenciam a visão sobre o significado da atuação nessa área e os atributos necessários para desempenhá-la ade-quadamente.

O processo de trabalho em saúde requer, além de uma articulação dos conhecimentos, em função de seu caráter multiprofissional, maior qualificação técnica, ético-política e de relacio-namento interpessoal13. Esses autores enfatizam que, na visão dos discentes, é necessário que o profissional de enfermagem desenvolva controle emocional e tenha compreensão e paciência ao relacionar-se com o paciente. Assim, as expec-tativas geradas nos discentes aqui entrevistados quanto ao preparo exigido podem também estar atreladas a tais questões.

A ansiedade gerada pelo desafio do enfrenta-mento de situações reais, impostas pelo contato direto com os pacientes, no ambiente hospitalar,

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sem a segurança característica de uma situação vivenciada em laboratório, evidencia a necessi-dade de preparo do aluno para lidar com esse sentimento, contribuindo para que o processo de aprendizagem torne-se menos doloroso.

“Então no início eu sinto ansiedade pra estar próxima já ao paciente, porque assim [...] o conhecimento que a gente adquire e a prática que a gente tem no laboratóriopassaumasegurança,umaexperiência de conhecimento maior, mas diante do paciente em si a ansiedade é um pouco maior.” (A9)

Ao abordar formas de comunicação na área da saúde, surge a importância da reflexão em torno dos sentimentos e dos níveis latentes da mensagem que o outro nos envia. Nessa direção, a reflexão depende da atitude de aprendizagem presente quando sintonizamos com o outro e en-tendemos o que se passa em seu interior. Subja-cente a essa questão, afloram os efeitos benéficos dessa atitude frente à tomada de consciência das situações obscuras, facilitando a autopercepção e contribuindo para o alívio de sentimentos do-lorosos ou difíceis com os quais temos que lidar. Esse processo requer, entre outras questões, um treinamento da sensibilidade para percebermos as pistas não-verbais que o outro nos envia14.

Infelizmente, a maioria de nós, na maior parte do tempo, consegue apenas olhar e escutar e não verdadeiramente ver e ouvir. É claro que isso acontece no cotidiano da vida e não somente na área profissional: olhamos sem ver, escutamos sem ouvir. Esse não é um mero jogo de palavras: a diferença entre olhar e ver e entre escutar e ouvir depende da ampliação da sensibilidade que possibilita captar os matizes das entrelinhas da comunicação14.

Ao tratarmos da aprendizagem prática da profissão no contexto da educação técnica de nível médio na área da enfermagem e as ex-pectativas de estudantes antes do início das atividades no interior de instituições de saúde, deve-se levar em conta o papel fundamental da relação professor-aluno e a dialética existente no movimento de ensinar e aprender.

A atividade assistencial, que exige o con-tato direto dos profissionais da saúde com o ser humano, é, ao mesmo tempo, fonte de gra-tificação e de estresse. Enumeram-se dentre os fatores gra tificantes, aconselhar, educar, sentir-se com petente e receber conhecimento. Por terem também que lidar frequentemente com a dor e o sofrimento, com as expectativas dos pacientes e familiares, alguns às vezes com comportamentos depressivos e hostis, além de limitações do conhecimento, veem-se diante da própria vida e, por conseguinte, de seus conflitos e frustrações15.

Diante desse quadro, a autora acima referida chama atenção para a importância dos cuidados com o ambiente de aprendizagem na área da saúde frisando que: “Do ponto de vista psicoló-gico,portanto,énecessáriocriarcondiçõesparaque o aluno possa ser ouvido e compreendido, ao falar de seus sentimentos em relação a simesmo e em relaçãoao cliente; é importanteque ele perceba seus erros técnicos, mas também seus acertos, já que estes últimos serão elemento fundamentalnaconstituiçãodaidentidadepro-fissional. Se o aluno percebe que há no ambiente deaprendizagemumarestrição,umacríticaàveiculaçãodosaspectosemocionaisdoaprendi-zado apresentará resistências para falar de seus problemas e sentimentos, principalmente para reconhecer em si alguns sentimentos não con-dizentes com os esperados de um profissional”15.

A preocupação com o ambiente de aprendiza-gem e com todos esses desafios diante dos quais será colocado é, sem sombra de dúvidas, foco de tensão e ansiedade, novamente explicitado pelos estudantes aqui entrevistados, cujo medo de errar é inerente àqueles que ainda não se sentem seguros e preparados para enfrentá-los. O medo de não conseguir realizar as tarefas que lhes serão exigidas, conforme lhes foi ensinado pelos professores, é frequente entre esses estu-dantes como se pode constatar a seguir:

“Bom, eu me sinto assim, ansiosa pra começar,mas aomesmo tempo tenhomedo de não fazer assim..., conforme os professores me ensinaram, e cometer

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erros lá na hora sabe. Eu quero, mas eu tô bem assim sabe.” (A4)

Considerando que a aprendizagem e o pre-paro exigido dos profissionais da saúde diante das demandas cotidianas no exercício de suas funções é uma construção diária, requerendo ação e reflexão imbricadas dialeticamente no tempo e no espaço em que ocorrem, cabe aos educadores responsáveis pela formação desses profissionais uma apropriação, não apenas dos conhecimentos teórico-práticos necessários, mas também um reconhecimento do papel social que ocupam enquanto mediadores desse processo.

Pode-se dizer que a atividade pedagógica é coletiva por essência na medida em que a apro-priação do conhecimento ocorre mediante uma interação dos sujeitos envolvidos. Uma interação na qual são aprendizes professores e alunos. Sob esse prisma, o produto do ensino, pode ser enten-dido como: “[...]aapropriaçãodoconhecimentocientíficopormeiodeaçõesdosestudantesquelhes possibilitem fazer uso de tais conceitos nas diversasrelaçõescomarealidadeobjetiva,tantonasuamanifestaçãoexternanasrelaçõesinter-pessoais, quantona suamanifestação internanasrelaçõesintrapessoais”16.

A importância do suporte e apoio do professor para minimizar a ansiedade do aluno, auxilian-do-o a adquirir autoconfiança, reduzindo o so-frimento psíquico provocado pelo medo de errar e pela insegurança diante dos desafios que terá que enfrentar ao transferir para situações reais, no ambiente hospitalar, a aprendizagem ocorrida em aulas de laboratório, é explicitado por um dos entrevistados no discurso a seguir:

“Bom, eu tenho muita expectativa pra poder fazer o estágio, principalmente sendo acompanhado com um professor, pra eu poder exercer tudo aquilo que a gente aprendeu nas aulas de laboratório, e também pra poder ter contato já direto com o paciente.” (A1)

Diante do aqui exposto, percebe-se que o de senvolvimento de habilidades necessárias para a formação dos estudantes que os tornarão

aptos a atuarem futuramente como profissionais requer um preparo que acontece gradativamen-te, incluindo, além dos aspectos aqui abordados, um processo de adaptação ao ambiente no qual a aprendizagem ocorre. A fala de um dos en-trevistados vem ao encontro dessa assertiva ao frisar que:

“É um pouco assustador, a gente fica assim com um pouco de receio, tensa, mas assim foi só a primeira vez, a partir dasegundaagentesesentiaàvontadefrente ao paciente pra desenvolver as técnicas que a gente aprendeu no pri-meiroperíodo.Pramimfoitranquilo;sóno primeiro impacto mesmo, a primeira visita que eu achei mais difícil.” (A2)

A experiência adquirida ao longo do processo de aprendizagem, mediante o contato gradativo com as unidades de saúde, promove a redução da ansiedade e melhor adaptação às situações novas e aos constantes desafios colocados para os estudantes. Aliado a isso, é necessário que haja um estreitamento da relação professor-alu-no, com diálogo constante e fundamentalmente a percepção clara do docente de que o aprendiz está em processo de formação e por isto mesmo é passível de dificuldades que só serão superadas paulatinamente, com um ritmo próprio.

Expectativas Frente ao estágioO estágio curricular, por muitas vezes, é a

última oportunidade de o aluno sanar suas dúvi-das, aprimorar técnicas e até mesmo ter a chance de colocar em prática tudo o que foi aprendido no decorrer do curso. Os pontos levantados pelos alunos devem ser levados em consideração. As dúvidas e os medos, comumente, geram ansie-dade, insegurança e desgaste emocional intenso, contudo, os alunos expressam a necessidade de passar um sentimento de segurança para o paciente.

Pesquisas voltadas para identificação e análise das percepções e sentimentos dos estudantes de enfermagem, com relação à sua formação como

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pessoa/ profissional, mostram que a formação acadêmica está mais centrada em conhecimentos técnico-científicos direcionados especialmente ao atendimento das necessidades daqueles que serão assistidos, sem considerar a pessoa que os assiste, além de sinalizar que a trajetória acadê-mica é permeada por vários sentimentos, dentre eles a ansiedade, que aparecem em função das experiências ocorridas ao longo dela17.

A inserção do aluno em campo prático gera novos conflitos e mudanças no seu cotidiano, proporcionando novas experiências associadas a novos e distintos sentimentos18.

O estágio propicia ao aluno experimentar sentimentos ambivalentes, provocados pela angústia relatada por colegas que já tiveram a mesma experiência. Essas angústias são viven-ciadas no relacionamento com o paciente, com o professor e com o ambiente, eliciando aspectos positivos e negativos diante de suas primeiras práticas que envolvem o cuidar. Em relatos re-gistrados, presenciar a morte é um dos fatores negativos apontados e entre os positivos estão a realização de procedimentos complexos e a assistência integral aos pacientes, visando sua recuperação19.

“A única coisa assim que eu tenho na mente que eu não posso deixar transpa-recer é a minha ansiedade que sempre vai ter mesmo. Mas, que eu quero passar toda segurança pro paciente, que elepossa confiar em mim, que eu estou ali pra cuidar dele, pra ajudar no que ele precisar.” (A14)

A entrada brusca dos alunos numa situação desconhecida no primeiro contato com a profis-são é fator desencadeante de tensões e ansieda-des que afetam de modo negativo o aprendizado, sendo imprescindível que o docente, em campo de estágio, esteja consciente disso e tenha ati-tudes de compreensão para com eles20.

“Eu estou muito ansiosa porque vai ser o primeiro contato com o paciente mesmo, euestoumuitoansiosapracomeçar.Es-pero que tenha alguém lá pra receber a gente, pra instruir porque eu fico muito

nervosa. Mas... Eu espero que seja legal. Vai ser uma experiência nova. Eu tenho certeza que vou gostar, porque eu sou apaixonada pela área.” (A12)

Frenteàrelaçãoprofessor-alunoO início do estágio curricular de enfermagem

no ambiente hospitalar é uma situação delicada, que gera muitas dúvidas, incertezas, inseguran-ça e medo nos alunos iniciantes, uma vez que esse ambiente é um mundo desconhecido para muitos.

Esse universo de reações acontece, espe-cialmente, no primeiro estágio curricular e gera ansiedade no aluno, além de uma situação des-confortável para o professor21.

O modo de agir de cada professor, seja em sala de aula, seja em campo de estágio, é de fundamental importância na formação do aluno. A relação entre professor-aluno, mesmo que seja de autoridade/subordinação, no sentido didático, requer do professor exercer uma boa comunicação e um ensino de qualidade que contribua com a formação desse futuro profissional. Ao iniciar uma caminhada junto aos alunos, o professor deve entender que se faz necessária a disponibilidade de espaços formais na instituição de ensino onde o estudante possa expressar seus conflitos, medos, questionamentos e desencontros22.

Podemos notar na fala de um entrevistado, uma situação negativa presente nessa relação:

“Eu tive uma experiência. Eu comecei a fazer o curso antes de passar aqui na UFU, na escola “X”, e eu não gostava muito por-que eu achava que o professor não dava muitaatenção,entãoeutinhaexpectativadeterissoaqui,eeuencontreiemrelaçãoaos professores. Aqui tem assistência, tem atenção...”(A12)

Na experiência acima relatada observamos a sensatez do aluno em perceber que houve uma falha no relacionamento professor-aluno, em que a falta de comunicação acaba por gerar uma sensação de insegurança, prejudicando o processo de ensino-aprendizagem.

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Quando existe um ambiente favorável ao ensi-no e uma boa relação interpessoal com o professor, o aluno se sente mais seguro e mais confiante. Notamos que a preocupação de um aluno com relação ao fato de poder cometer algum erro pode ser minimizada com a presença do professor.

“Ah, mesmo em sala de aula tá muito bom. O laboratório é muito bom e espero que lá no hospital continue do mesmo jeito o contato que a gente tem... essa abertura professor e aluno.” (A16)

“A minha expectativa é que eles fiquem bem coladinhos em nós lá, assim que, estejam por dentro de tudo, não nos dei-xem só pra gente não cometer erros.” (A4)

O professor experiente sabe que no início o aluno sente-se muito inseguro e precisa de mais apoio, mesmo para as tarefas aparentemente fáceis. Desde o momento da recepção do aluno até o final da sua avaliação, é importante que o professor, enquanto profissional de ensino, desenvolva uma postura de compromisso com a formação do estudante de enfermagem e com o conteúdo a ser ministrado, necessários a um desempenho de qualidade. Os alunos devem ser recepcionados, na hora certa e no local combi-nado, de forma motivadora e estimulante. Desta forma o aluno inicia seu estágio com uma boa impressão e aceitação do professor23.

Frenteàrelaçãoaluno-pacienteAo fazer uma reflexão sobre a experiência de

um primeiro contato do aluno com o paciente, podemos perceber que essa relação é norteada por medo e insegurança. O medo do desconhe-cido, assim como a insegurança, são sensações que podemos vivenciar em diversas ocasiões. Na fala a seguir o aluno retrata os sentimentos que pode vir a experimentar nesse primeiro contato.

“Temquemostrar segurança,aminhaexpectativa é o medo de não conseguir demonstraressasegurança,temqueseruma pessoa bem segura, bem tranquila, o máximo é passar tranquilidade pro paciente, porque dá medo (risos).” (A6)

Outro relato enfatiza que, se o paciente sou-ber que ele é estagiário o seu conhecimento pode ser colocado em dúvida.

“É... a gente sabe que é meio complicado. Quando você fala que é estagiário, ou... eles ficam assim meio... Ai, será que sabe mesmo? Mas..., aí a gente vai ter que pas-sarmuitasegurançamesmo,né?”(A14)

Nesses casos, a comunicação entre o aluno--paciente e aluno-professor deve ser aberta e, se o paciente vier a recusar sua assistência, isto deve ser trabalhado de modo a minimizar pos-síveis sentimentos de frustração.

O professor não deve esquecer-se de ofere-cer a oportunidade ao paciente de poder optar por ser ou não atendido pelo estudante, sem sofrer qualquer tipo de pressão. Ainda que o docente proponha a maior liberdade para o paciente optar, com pleno conhecimento sobre seus direitos, quem são as pessoas que o assis-tem e com todas as garantias necessárias de uma recusa em aceitar o estudante, não sofrerão qualquer consequência na qualidade dos seus cuidados23.

Frenteàrelaçãoaluno-equipeAs expectativas e dilemas enfrentados por

estudantes de cursos técnicos em enferma-gem, destacam que a visão daqueles que estão iniciando seu processo de formação é, via de regra, cercada de idealizações e demonstram uma preocupação com a hierarquização na área da saúde, influenciando suas perspectivas em relação ao futuro profissional. A importância de estudos nessa modalidade de ensino referentes à sua concepção teórica e prática, vivenciada em sala de aula, estabelecendo-se um debate que inclua os estudantes24.

A preocupação com o ensino nos faz pensar em requisitos, tais como responsabilidade, em-patia, preocupação com os pacientes e colegas de trabalho. Assim, é possível desenvolver uma reflexão sobre o cuidado com os pacientes, não só na perspectiva do paciente, mas também de todos os envolvidos no processo saúde/doença.

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A seguir observamos duas falas em que os entrevistados expõem suas preocupações com relação ao primeiro contato com a equipe de trabalho.

“Eu tô com um pouquinho de medo, as-sim..., porque a gente escuta muita coisa, falando que... quem já está lá já recebem a gente assim... com um pouco de despre-zo, que a gente não sabe nada e tal, então eutocomumpoucodemedo,encanação,mas é só isso.” (A4)

“Assim...,eutenhoqueterumarelaçãoboané,meio que...meio que... força-da porque têm algumas pessoas que trabalham no hospital que acham que não deveria ter aluno trabalhando, eles acham que a gente pode fazer muita coisa errada e meio que eles irritam, ou entãopõemagentepratrabalhardemaisné?” (A6)

Por mais que a escola busque oferecer ele-mentos teóricos e conceituais sobre a atividade profissional, o cotidiano pouco amistoso e nada acolhedor dos hospitais e ambulatórios, onde acontecem os estágios, acaba produzindo efeitos negativos, gerando frustração quanto às expec-tativas futuras em relação à atividade laboral. É necessário rever e criticar a forma e o conteúdo dos cursos, e, sobretudo, apontar as fragilidades estruturais quanto ao processo formativo pelo qual os alunos aprendem a ser “técnicos em enfermagem”24.

Por outro lado, percebemos que alguns alunos pensam de forma diferente com relação a esse encontro com a equipe que já trabalha no local onde irão estagiar.

“Eu espero que também sejam boas, com dedicação, com respeitoao colega.Euespero que eles também tenham para conosco o diálogo, empatia, respeito e ajuda também, porque nós vamos precisar dos profissionais que já estão há mais

tempo na área, pra passar pra gente a experiência.” (A3)

“A equipe também tem que ser unida, né? Tanto nós alunos que estamos chegando lá, quanto a do hospital, porque a gente tá entrando lá sem experiência nenhu-ma, né? Espero que a equipe nos receba bem,... tire as nossas dúvidas.” (A16)

As experiências no processo comunicacional entre aluno e professor, aluno e paciente, aluno e aluno, aluno e enfermeiro e aluno e grupos de pacientes e suas famílias, colegas ou profissio-nais são as mais frequentes durante a formação do futuro profissional. Mas este também é ex-posto a situações que envolvem a comunicação organizacional e de massa e precisa tomar consciência da existência delas e de qual é seu papel nesses contextos25.

Refletindo sobre o relacionamento e a co-municação dos alunos com a equipe de saúde, no campo de estágio, o professor é uma peça fundamental no preparo desses futuros profis-sionais. Os alunos de enfermagem devem ser preparados para a vida em equipe, uma vez que nunca atuarão sozinhos.

CONCLUSÕESPercebemos que os sentimentos de medo e

ansiedade dos alunos, ao passar pelo estágio, são ocasionados, principalmente, pela sensação de insegurança e despreparo diante das demandas cotidianas inerentes ao exercício profissional. Acresce que tais fatores estão, ainda, associados à necessidade de fazer com que os pacientes sintam-se seguros mediante os seus cuidados.

Trata-se de um momento em que os alunos estagiários precisam contar com a compreensão e o conhecimento do docente para que agreguem ao conhecimento obtido aos valores da autocon-fiança e se vejam claramente mais preparados e confortáveis para lidar com as práticas relacio-nadas ao processo de formação.

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SUMMARYExpectations of nursing students first stage in front

of the health institutions

This qualitative study aimed to investigate the expectations of students in the first period of a nursing technical school in a public university, about the first internship in health units. Data were collected through semi-structured interviews, recorded and transcribed, in accordance with the Resolution 196/96 which regulates research with humans. The results demonstrate that early internship is permeated by feelings of fear, insecurity and anxiety of students. It can be concluded that this is a moment that they must have understanding and knowledge of teachers, so that they can feel more comfortable and prepared to draw questions and clear doubts in relation to professional practice.

KEY WORDS: Schools, Nursing. Students, Nursing. Clinical Clerkship. Health Facilities.

AGRADECIMENTOS Agradecemos a Nathália dos Reis Montesino

e Mariana Tomás Marçal, às alunas do curso de graduação em Psicologia da Universidade Fe-deral de Uberlândia, que colaboraram com esta pesquisa na realização da coleta das entrevistas.

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exPeCtativas de alunos de enfermagem frente ao Primeiro estágio em instituições de saúde

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Trabalho realizado na Universidade Federal de Uber -lândia, Escola Técnica de Saúde, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, Brasil.

Artigo recebido: 4/1/2014Aprovado: 11/2/2014

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ArTiGo EsPECiAL

RESUMO – Nosso interesse pelo bullying partiu inicialmente do destaque desse assunto na mídia, e de como esse problema pode afetar nossa escola. O estudo dessa temática teve como ponto de partida conversas com professores, especialistas, funcionários e depois com pais e comunidade. Por essas discussões que ocorreram em várias redes sociais de diferentes níveis socioeconômicos, de um caso concreto diagnosticado dentro de sala de aula, se fez necessário este estudo direcionado ao processo educacional para que os membros da comunidade escolar estejam atentos a esse vilão que permeia a educação do século XXI e elaborem planos de ação em que valores éticos e políticos tão esquecidos em tempos atuais onde o individualismo impera, contribuem para que a prática do bullying venha a diminuir e até mesmo se extinguir de nossas escolas.

UNITERMOS: Bullying. Violência. Hostilidade. Instituições Acadêmicas.

Correspondência AdalgisaConceiçãoFerreiradaSilvaE-mail: [email protected]

AdalgisaConceiçãoFerreiradaSilva–ProfessoradoEnsino Fundamental na rede municipal de ensino do Rio de Janeiro. Especialista em Psicopedagoga pelo Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.Alice Maria Figueira Reis da Costa – Professora es pe -cialistaemPsicopedagogiaeEducaçãoEspecialdaFaetec/Escola Especial Favo de Mel e SME/Rio. Orien -tadoraacadêmicadoscursosdeespecializaçãolatosensu na modalidade EAD do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM). Coorientadora deste tra-balho de conclusão de curso, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

o PaPel do PsiCoPedagogo em relação ao BullYing

Adalgisa Conceição Ferreira da silva; Alice maria Figueira reis da Costa

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INTRODUÇÃONeste estudo, abordamos inicialmente o con-

ceito de “bullying”, sistematizando o consenso in ternacional já alcançado a respeito da especifi-cidade dessa manifestação da violência, além de assinalar as imperfeições e ambiguidades ainda presentes na demarcação do fenômeno.

Apresentamos o estudo de caso em uma es-cola particular na zona norte do Rio de Janeiro, em 2011, juntamente com um projeto empregado e os resultados obtidos, interpretando-os com base na literatura especializada.

Por fim, concluímos o trabalho apresentando uma breve análise sobre a questão do “bullying” nas escolas e como o psicopedagogo pode atuar. Permitindo-nos apresentar sugestões em torno do desafio de se combater esse mal que não pode mais ser aceito e suportado pela sociedade.

BULLYING: VIOLÊNCIA E CONTEMPO-RANEIDADEBrincadeiras de mau gosto, como chamar o

co lega de gordo, magricelo, feio, dentuço, ou seja, brincadeiras que de alguma forma tendem a ofender os colegas, estão presentes no cotidiano das salas de aula e a partir do momento em que essas vítimas passam a sofrer as consequências oriundas dessas brincadeiras, seja elas no âmbi-to afetivo ou na aprendizagem, essa criança se torna mais uma vítima do bullying.

O bullying é um problema mundial que vem se disseminando largamente nos últimos anos e que só recentemente vem sendo estudado no Brasil. Segundo Fante1, bullying pode ser defi-nido como “um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem um motivo evidente, adotado por um ou mais alunos contra outros, causando sentimentos negativos como raiva, angustia, sofrimento e, em alguns casos, queda do rendimento escolar”.

Fante1 acrescenta que o bullying escolar se re sume em insultos, intimidações, apelidos cons -trangedores, gozações que magoam profunda-mente, acusações injustas, atuações em grupo que hostilizam e ridicularizam a vida de outros alunos, levando-os à exclusão, além de danos

físicos, psíquicos, danos na aprendizagem. Mui-tos psicólogos o chamam de violência moral, per mitindo diferenciá-lo de brincadeiras entre iguais, propicio do desenvolvimento de cada um. A esse respeito, Fante1 identificou uma diferença:

“O bullying é um conceito específico e muito bem definido, uma vez que não se deixa confundir com outras formas de violência. Isso se justifica pelo fato de apresentar características próprias, dentre elas, talvez a mais grave, seja a propriedade de causar traumas ao psi-quismo de suas vítimas e envolvidos”.

Portanto, o conceito deve ser compreendido como um comportamento ligado à agressividade física, verbal ou psicológica, exercida de maneira contínua dentro do ambiente escolar.

ESTUDO DO FENÔMENO NAS ESCOLAS BRASILEIRASNo Brasil, ainda são poucas as pesquisas, po-

rém, as condições mais amplas de natureza social, econômica e cultural em nosso país denotam à li-dar com a possibilidade de indicadores ainda mais expressivos da violência. Os primeiros estudos acerca desse tema iniciaram em escolas do interior de São Paulo, após ataques agressivos e violentos de alunos, vitimando colegas e funcionários.

Sendo adotado o mesmo termo da maioria dos países “bullying”, traduzido como “valentão”, “tirano” e com o verbo brutalizar, amedrontar. Assim sendo, essa definição traduz o conjunto de comportamentos agressivos caracterizados pela repetição e desequilíbrio de poder, pelo fato da vítima não conseguir se defender, por ser menor, com menos força ou não apresentar agilidade física e pouca flexibilidade psicológica, perante o autor dos dois ataques.

Embora poucos estudos sobre o tema tenham ocorrido, percebemos a gravidade e a dimensão da violência vivenciada nas escolas brasileiras, variando estas desde a agressividade a atos de roubo de objetos de alunos e professores, sendo esse último a ocorrência mais comum, muitas vezes vista até como algo banal.

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Segundo Fante1, no Brasil, de acordo com pes quisas, o bullying ocorre, com mais frequên-cia dentro da sala de aula, diferentemente, de pes quisas internacionais que apontam que o bullying ocorre com mais frequência nos interva-los e horários de entrada e saída da escola. Outro dado importante é que a maioria dos autores de bullying relata que nunca foram repreendidos ou advertidos por conta disso. Assim sendo, as formas de violência sofridas por crianças e ado lescentes continuam desconhecidas ou subestimadas.

CONTRIBUIÇÕES DA PSICOPEDAGOGIAA Psicopedagogia visa, justamente, ao desen-

volvimento de um trabalho com a criança, a fa mília e a escola, sensibilizando-os sobre a im -portância de sua conduta. Institucionalmente, o trabalho psicopedagógico contribui para a pre-venção ou diminuição de dificuldades de apren-dizagem, objetivando favorecer um ambien te educacional saudável que não estimule bloqueio ou limitação da aprendizagem, por meio da apli-cação de métodos preventivos com os alunos, a equipe de profissionais e a família. Ademais, visa à detecção de problemas já instalados e, caso ne-cessário, propor mudanças na estrutura geral da escola, na conduta de profissionais específicos e/ou encaminhar o discente a um clínico.

A Psicopedagogia vem atuando com muito su cesso nas diversas instituições. Seu papel é analisar e assinalar os fatores que intervêm ou prejudicam uma boa aprendizagem em uma instituição. Propõe e ajuda o desenvolvimento dos projetos favoráveis a mudanças.

A aprendizagem deve ser olhada como a atividade de indivíduos ou grupos humanos, que mediante a incorporação de informações e o desenvolvimento de experiências, promove modificações estáveis na personalidade e na dinâmica grupal, as quais revertem no manejo instrumental da realidade.

O CONFRONTO DA TEORIA COM A PRÁ-TICANeste trabalho, os instrumentos metodológi-

cos utilizados foram a observação participante,

registro das práticas no caderno de ocorrências da turma e das falas da professora-pesquisadora que vivenciou esse problema em suas turmas de 5o ano do Ensino Fundamental. Esses documen-tos forneceram dados de como o bullying se ma-nifestava em sala de aula e de como as interven-ções dos professores frente a essa prática (esses comportamentos dos alunos) resultaram de uma maneira positiva ou negativa na prevenção e no combate ao bullying na sala de aula, viabilizando uma estratégia de intervenção do psicopedagogo institucional frente a essa problemática.

A metodologia da pesquisa-formação2 con-templou o objetivo desta pesquisa qualitativa, proporcionando uma reflexão da professora-pes-quisadora sobre sua prática no cotidiano escolar do ensino fundamental. O apontamento inicial para a metodologia do estudo de caso, seu foco principal, teve como objetivo analisar as ações do psicopedagogo prevenção do bullying. Em Santos2, encontramos os fundamentos necessários para o desenvolvimento desta pesquisa-formação:

“pesquisador não é aquele quem consta-ta o que ocorre, mas também aquele que intervém como sujeito de ocorrências. Ser sujeito de ocorrências no contexto de pesquisa e prática pedagógica implica emconceberapesquisa-formaçãocomoprocesso de produçãodeconhecimentossobre problemas vividos pelo sujeito em suaaçãodocente.(...)Apesquisa-forma-çãonãodicotomizaaaçãodeconhecerdaaçãodeatuar. (...)Opesquisadorécoletivo, não se limita a aplicar saberes existentes, as estratégias de aprendiza-gem e os saberes emergem da troca e da partilha de sentidos de todos envolvidos”.

Tendo em mente a discussão teórica sobre o tema em questão, buscamos pesquisar uma de-terminada escola localizada na região norte do Rio de Janeiro, na área da Leopoldina, visando a responder a seguinte questão: “Qual é o papel do psicopedagogo em relação ao bullying?”. A pesquisa foi realizada em sala de aula do 5o ano do ensino fundamental. Foi escolhida essa sala devido ao fato de que eu como professora

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da turma, aluna de pós-graduação do Centro Uni versitário Augusto Motta no curso de Psico-pedagogia e pesquisadora do tema tratado, po-deria observar, analisar e intervir com recursos psicopedagógicos, cuja tarefa seria oferecer possibilidades para os aprendizes continuarem construindo seus pensamentos, articulando ideias e promovendo ações para superar e pre-venir as consequências do bullying.

Desde fevereiro de 2010, a primeira autora (ACFS) atuava como professora regente na Es-cola A, na turma do 5o ano do turno da tarde. Foi dentro desse ambiente escolar que percebeu algumas violências entre os alunos, seja em horá-rio de recreio ou na própria sala de aula. Embora o tempo fosse curto em relação ao conteúdo que precisamos trabalhar com os educandos, no de-correr do ano letivo foram percebidas algumas manifestações violentas na sala de aula e fora dela, dentre estas algumas que enquadravam como bullying.

Em quase todas as aulas havia agressões físi-cas e piadinhas de mau gosto, além dos apelidos. Os alunos costumavam usar as diferenças para inventar apelidos. Essa turma era caracterizada como difícil, indisciplinada. Era uma luta diária para manter a ordem entre os alunos, que sempre tentavam tumultuar a classe, sendo necessário, muitas das vezes, o encaminhamento destes à supervisão, pois as crianças provocavam umas às outras e tentavam inclusive ignorar a presença do professor.

Dentre diversos casos, destaca-se o de um grupo de alunas que fizeram uma carta para uma colega constando 30 itens que a mesma teria que seguir num período de 21 dias para tornar-se amiga delas (Figura 1). Os itens 28 e 29 estavam rasgados e não apareceram na íntegra, o item 30 foi informado pela aluna (vítima). Os itens que apareciam com um OK já haviam sido cumpridos pela vítima.

Esse vínculo negativo parecia tomar corpo por meio da forma como é encaminhado o traba-lho pedagógico com a classe: falta de enquadra-mento de determinados alunos a regras e valores essenciais à convivência mútua. Percebia-se uma

dissociação nos campos psicológicos e geográfi-cos, o que dificulta a aprendizagem. No entanto, a turma manifestava o desejo de dissipar esse desconforto ocasionado pelas “brincadeiras de mau gosto” que andavam ocorrendo em sala de aula. A dinâmica de todo o grupo revelava real-mente essa relação conflitante e na maior parte do tempo dentre um determinado grupo de alunos.

Após observação mais detalhada e coleta de dados, com as entrevistas efetivadas ao longo das visitas à instituição, pudemos diagnosticar e orientar os profissionais, partindo do embasa-mento teórico sobre a questão em foco e a pro posta curricular da instituição. Sugerimos a construção de um projeto para trabalharmos junto à turma textos de revistas em que o tema abordasse as causas e as consequências do bullying. Para tal,

Figura 1 – Carta elaborada por grupo de alunas constando 30 itens que deveriam ser atendidos para se tornarem amigas de outra aluna.

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utilizamos da literatura infanto-juvenil, o livro “E se fosse com você?”3, orientando a lei tura e promovendo debates sobre o mesmo. Exibimos vídeos e promovemos palestras sobre a violên-cia nas escolas e a importância de resgatarmos valores importantíssimos para um bom convívio social.

Ao final, montamos um livro com histórias em quadrinhos feitas pelos próprios alunos. Nessas histórias os educandos deixaram em seus dese-nhos sua relação direta e indireta, sua posição na turma em relação ao bullying, digo, autor, vítima, testemunha, demonstrando preocupação na forma como tal fenômeno vinha ocorrendo em sua sala de aula e, o mais importante, como na visão deles esse comportamento inadequado poderia ser solucionado (Figuras 2 e 3).

CONCLUSÃOEste trabalho de pesquisa vem legitimar a

fala dos autores e demonstrar as experiências vi venciadas em sala de aula, enfatizando que quando o bullying é identificado logo de início, seus efeitos e consequências podem ser ame-

Figura 2 – Trecho de história em quadrinhos feita pelos próprios alunos sobre bullying.

nizados e reduzidos no espaço escolar com a atuação do psicopedagogo institucional, a partir de suas técnicas de intervenção nos problemas de aprendizagem. A conduta do psicopedagogo deve promover as mudanças necessárias para ajustar às necessidades múltiplas e diversas de seus usuários. Essa atuação deve ocorrer junto a uma equipe multidisciplinar, envolvendo profis-sionais de saúde, de educação e de assistência social.

Com esta pesquisa pôde-se observar que o bullying é, antes de tudo, uma forma específica de violência. Sendo assim, deve ser identificado, reconhecido e tratado como um problema social complexo e de responsabilidade de todos nós.

Apesar de estarmos vivendo a era dos direitos humanos (direitos de crianças, dos jovens, de ido-sos), observamos ainda o desrespeito ao direito do outro, a solidariedade humana foi trans formada em objeto de discurso não corres pondente às ações. Contudo, os sentimentos das pessoas que mais se afloram tendem a ser descrédito e desconfiança, fazendo emergir uma impressão de que alguns dos indivíduos estão insensíveis à

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Figura 3 – Trecho de história em quadrinhos feita pelos próprios alunos sobre bullying.

violência, à dor, aos sofrimentos, aos valores éticos de conduta, de conviver e, em muitos casos, in-sensíveis até mesmo às orientações educativas. As instituições escolares permanecem com o desafio de colaborar na construção e no desenvolvimento de políticas de prevenção ao bullying e de disse-minação de uma cultura de paz e de tolerância midiatizada pela prática do diálogo.

No caso de bullying, o diagnóstico deve ser feito o mais precocemente possível, cabendo a ele orientar professores, pais e alunos naquilo que devemos fazer em cada momento para que as mudanças possam ocorrer de fato e que sejam positivas. Diante do exposto, é necessário que haja uma parceria da instituição escolar, das fa-mílias e demais setores da sociedade que lutam pela redução da violência em nosso dia-a-dia.

O serviço de Psicopedagogia na escola, com o apoio e o envolvimento dos pais e demais mem-

bros do contexto educacional, deve promover campanhas de conscientização antibullying, para que as pessoas próximas possam identi-ficar os sintomas por meio da observação das crianças, ver se ela tem eventuais mudanças de humor, irritação, acessos de choro, insônia, falta de atenção ou dores que o obriguem a faltar aula. Esses podem ser sinais de que algo de errado está acontecendo nas relações interpessoais dessa criança.

O psicopedagogo, uma vez que tem o do-mínio das técnicas especializadas para agir como um solucionador de problemas de apren-dizagem e conduta, deve promover as mudan-ças necessá rias para ajustar as necessidades múltiplas e diversas de seus usuários, atuando numa equipe interdisciplinar envolvendo profis-sionais de saúde, de educação e de assistência social.

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SUMMARYThe role of psychopedagogists relative to bullying

Our interest in the bullying started initially highlight this issue in the media, and how this problem can affect our school. The study of this subject as a starting point had conversations with teachers, experts, officials and then with parents and community. For these discussions that occurred in various social networks from different socioeconomic levels, a case diagnosed within a classroom, this study was necessary to the educational process directed to members of the school community are aware of this villain that permeates education XXI century and develop action plans in which ethical and political values as forgotten in modern times where individualism reigns, that contribute to bullying will decrease and even become extinct in our schools.

KEY WORDS: Bullying. Violence. Hostility. Schools.

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Trabalho realizado no Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Artigo recebido: 12/1/2014Aprovado: 20/2/2014

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ArTiGo DE rEVisão

RESUMO – Este estudo teve como objetivo identificar possibilidades, avanços e evolução da participação da Psicopedagogia e do psicopedagogo em contextos hospitalares e da saúde. Considerou-se a relevância da pesquisa em sintonia com o atual momento de expansão do campo de atua ção da Psicopedagogia. Optou-se pela análise de publicações da Revista Psico pe dagogia por se tratar de periódico indexado e que vem ininterruptamente se dedicando às publicações na área da Psicopedagogia,desde 1982. Foram selecionados 19 textos do período 1982-2012 por meio de descritores específicos vinculados ao assunto. Os resultados apresentaram baixa incidência de publicações sobre o tema pesquisado, correspondendo a 2,7% dos trabalhos publicados no período, sendo 0,7% da década 1982-1991; 5,3% de 1992-2001 e 1,9% de 2002-2012. Por meio da análise de conteúdo os textos foram or ga nizados por categorias de atendimento: 7(36,8%) referiam-se à contribuição da Psicopedagogia nas internações hospitalares; 5 (26,3%), à participação da Psicopedagogia nos Ambulatórios de Psiquiatria, Neurologia e Fonoaudiologia no tratamento de distúrbios de aprendizagem; 4 (21,1%) tratavam teoricamente da importância da parceria entre Psicopedagogia e Pediatria na prevenção das dificuldades de aprendizagem; 2 (10,5%) configuravam-se como revisões his-tóricas da presença da Psicopedagogia nesses contextos e 1 (5,3%) referia-se à participação em comunidade terapêutica de dependentes químicos. Considera-se a importância dos resultados não pelo número de trabalhos, mas pela diversidade de possibilidades de participação do psicopedagogo em equipes interdisciplinares na avaliação e intervenção em processos de aprendizagem nesses contextos, o que merece debate aprofundado, em busca de sistematizações e teorizações.

UNITERMOS: Serviços de saúde. Transtornos de aprendizagem. Revista Psico-pedagogia. Publicações Periódicas como Assunto.

CorrespondênciaMarisa Irene Siqueira Castanho ProgramadePós-Graduação emPsicologiaEduca-cional. Centro Universitário Fieo – UNIFIEO – SPAv. Franz Voegeli, 300 – Vila Yara – Osasco, SP, Brasil – CEP 060020-190 E-mail: [email protected]

Marisa Irene Siqueira Castanho – Doutora em Psico-logia Escolar e do Desenvolvimento Humano pelo Ins -tituto de Psicologia da USP. Docente e pesquisadora do Programadepós-graduaçãostrictosensuemPsicologiaEducacional do Centro Universitário FIEO – Osasco, SP, Brasil.

PsiCoPedagogia em Contextos hosPitalares e da saúde: trÊs déCadas de PuBliCações

na revista PsiCoPedagogia

marisa irene siqueira Castanho

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Castanho mis

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INTRODUÇÃOA Psicopedagogia, considerando-se a caracte-

rização de seu objeto de estudo, os processos de aprendizagem e as dificuldades dele decorren-tes têm tradicionalmente encontrado espaço de atuação tanto nos contextos clínicos como ins ti tucionais, em processo de construção de sua pró pria identidade a partir da prática dos profissio nais da área. Com isso inscreve-se como um cam po de conhecimento e da prática por meio de uma construção que não é a priori, mas que se constitui pela ação de seus próprios profissio-nais, ao responderem às diversas demandas por aprendizagem nos variados espaços e contextos de atuação, fazendo-se, assim, protagonistas de sua história1-4.

No âmbito hospitalar e da saúde, no contex-to brasileiro, as experiências estão dispersas e ainda há uma insuficiência de teorias e estudos, quando comparados à realidade de outros países. França, Argentina, Estados Unidos, entre outros, têm de longa data o desenvolvimento de um corpo teórico e prático alicerçando experiências significativas, em pelo menos duas diferentes modalidades de inserção do psicopedagogo nos serviços de saúde: nos ambulatórios psiquiátri-cos, psicológicos e neurológicos em contextos hospitalares no atendimento da demanda de crianças e adolescentes com dificuldades de adaptação escolar e de aprendizagem; nos servi-ços hospitalares em geral, no acompanhamento de crianças hospitalizadas, no atendimento em brinquedotecas ou nas classes hospitalares, com a finalidade de minimizar o sofrimento da crian-ça ou adolescente pelo isolamento e afastamento da escola5,6.

O atendimento psicológico e psicopedagó-gico de crianças e adolescentes com dificulda-des de aprendizagem e fracasso escolar, nos ambulatórios hospitalares vinculados às áreas da Neurologia e Psiquiatria, remonta aos anos 1960 na Argentina7-9. Em suas origens na Fran-ça, a Psicopedagogia surgiu justamente na área da saúde, como especialidade profissional em equipes médico-psicopedagógicas nos centros ambulatoriais de saúde nos arredores de Paris9.

É esse modelo médico-assistencial que tem em sua base a formação teórica e prática que se generalizou na Argentina, trazendo algumas vantagens, segundo a autora, no que tange ao intercâmbio de saberes e significantes frente a um problema complexo, que responde à multicausa-lidade que, em geral, caracteriza os transtornos do desenvolvimento, da adaptação escolar e da aprendizagem9.

A Psicopedagogia no Brasil, fortemente mar-cada por essa visão clínica e médica do tratamen-to do fracasso escolar, teve esses serviços ambu-latoriais para atendimento médico-assistencial dos distúrbios de aprendizagem da criança e do adolescente, implantados a partir da década de 1970, a exemplo do Centro de Referência da In-fância e Adolescência (CRIA) do Departamento de Psiquiatria da Unifesp10, criado em 1976; do Ambulatório de Neuro-Dificuldades de Aprendi-zagem, do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas11, implantado no ano de 1985; e do Serviço de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de Porto Alegre12, criado em 1995. Esses são apenas alguns exemplos, julgando-se que faltam publicações que auxiliem nas tenta-tivas de se traçar um histórico desses serviços, bem como da sistematização dos avanços dessa modalidade de atendimento que conta com o psicopedagogo nas equipes multiprofissionais.

As experiências referentes à criação das clas-ses hospitalares para crianças com problemas de saúde ou hospitalizadas também têm origem na França, em 1935, quando Henri Sellier inaugu-rou a primeira escola para crianças desadaptadas nos arredores de Paris, experiência que teve em sequência outras iniciativas ao longo da Segun-da Guerra e em outros países da Europa e nos Estados Unidos para a assistência de crianças em institutos especiais e em hospitais13,14. No Brasil, encontra-se referência a uma primeira classe hospitalar na cidade do Rio de Janeiro, em um hospital público infantil, o Hospital Menino Jesus, em 19505,13. No entanto, só a partir de documentos oficiais, como a Lei no 8069/90 – o Estatuto da Criança e do Adolescente – e a Reso-lução no 41/95 – a Lei dos Direitos das Crianças e

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Jovens Hospitalizados – é que o número de clas-ses hospitalares no país começa a ser ampliado, garantindo o direito de atendimento pedagógico no hospital às crianças impedidas de frequentar a escola, por motivos de tratamento hospitalar14.

Outras iniciativas da inserção do trabalho psi-copedagógico no âmbito institucional da saúde na realidade brasileira remontam à década de 1980, com experiências significativas nos cursos de formação de psicopedagogos, como o do Ins-tituto Sedes Sapientiae, por meio da inserção de estagiários com supervisão no espaço do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (GRAAC)5.

Essas e outras experiências confirmam a ampliação da atuação do psicopedagogo em di-ferentes contextos, inclui sua participação nos espaços da saúde, o que implica em formação adequada para essa atuação, desenvolvimento de postura, competência técnica e ética, na construção de uma identidade que se pauta pela delimitação de sua atuação junto aos demais profissionais que integram as equipes de aten-dimento.

A partir do exposto, considerou-se oportuno o desenvolvimento de uma pesquisa bibliográfica documental, cujos resultados poderiam ajudar a responder a algumas questões básicas: O que tem sido publicado em periódicos indexados nacionais a respeito dos avanços e evolução do atendimento psicopedagógico hospitalar e da saúde? Como se define o papel do psicope-dagogo nos contextos de saúde? Que objetivos orientam sua prática? Que bases teóricas e meto-dológicas subsidiam sua ação? Como acontece o trabalho junto às equipes de saúde? Os objetivos deste trabalho foram: identificar as possibilida-des de atuação do psicopedagogo no ambiente hospitalar e da saúde, os avanços e a evolução da Psicopedagogia no âmbito hospitalar e da saúde, a partir de publicações em periódico indexado.

Pretende-se contribuir para a sistematização desse corpo de conhecimento teórico e prático da Psicopedagogia nos contextos da saúde, enten-dendo que as pesquisas do estado da arte têm por finalidade a busca e organização de informações,

no caso, nas publicações em artigos científicos, de relatos de pesquisas e de experiências, o que pode ser considerada uma amostra do que fazem os profissionais quando da atuação no campo. A esse respeito, cabe uma ressalva, com respaldo em Witter15: “[...] no discurso impresso se tem o produtoenãooprocessoquelevouàelaboraçãodo mesmo, e nem sempre é possível a partir dele detectar aspectos considerados cruciais para a análise pretendida”. Mesmo assim, entende-se o valor que tem a recuperação da informação e seu registro histórico, como contribuição para o caráter cumulativo da construção do conheci-mento em qualquer área de estudo.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOSA escolha da Revista Psicopedagogia se jus-

tifica por sua importância como instrumento de divulgação da Psicopedagogia a partir de 1982, constituindo-se durante anos na única fonte divulgadora de conhecimento na área16 e pela continuidade ininterrupta ao longo de mais de 30 anos. Utilizaram-se os seguintes descritores para a busca: psicopedagogia hospitalar; psico-pedagogia na saúde; atendimento psicopeda-gógico hospitalar contidos nos títulos, resumos (ou nos textos na íntegra) e palavras-chave (ou unitermos).

Por um procedimento de análise de conteúdo, os dados foram organizados em quadros, tabelas e gráficos sob os seguintes aspectos: 1) Distribui-ção total das produções no período analisado e a cada dez anos, nos subperíodos: 1982 a 1991; 1992 a 2001; 2002 a 2012; 2) Distribuição das produções de acordo com as modalidades: - tra-balho psicopedagógico em um ambulatório de Psicopedagogia inserido no contexto hospitalar, voltado especificamente para o diagnóstico e tratamento de crianças e adolescentes com di-ficuldades de aprendizagem (modalidade tera-pêutica); - trabalho psicopedagógico inserido em hospital geral (pediatria, hemato-oncologia, nefrologia, unidades neonatais, etc) na preven-ção de problemas de aprendizagem decorrentes de períodos longos de internação; 3) Distribuição dos trabalhos sobre o tema a partir da identifi-

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cação da instituição, setor do atendimento e áreas envolvidas; 4) Identificação dos autores, nacio-nais ou estrangeiros, formação, instituições que representam.

RESULTADOS E DISCUSSÕESDesde a primeira edição em agosto de 1982

até a última de 2012, foram publicadas 90 edi-ções, das quais foram selecionados 697 artigos para leitura, em diversas modalidades, como: artigos originários de apresentação em confe-rências e mesas redondas, relatos de experiên-cia, artigos de revisão, artigos de colaboração nacional (Tabela 1).

Foram localizados 19 artigos que aborda-vam a temática da psicopedagogia no contexto hospitalar e da saúde, representando em todo o período analisado apenas 2,7% das publicações examinadas. Ao se observar as duas colunas que apresentam os valores percentuais na Tabela 1, constata-se que a década de 1992-2001 detém 5,3% dessa produção, significativamente supe-rior à média de 2,7%; a década de 2002-2012 apresenta um percentual de 1,9%, portanto, abaixo da média e a de 1982-1991, significativa-mente inferior à média, com 0,7%.

A partir da leitura dos resumos e textos na íntegra, os mesmos foram agrupados por cate-gorias temáticas, considerando-se as áreas de atendimento (Tabela 2).

Dos 19 artigos analisados, 7 (36,8%) referi-ram-se ao trabalho psicopedagógico inserido no hospital geral, em unidades como da oncologia, da pediatria, de doenças hematológicas, de quei-mados e outros, no acompanhamento de crianças ao longo de seus períodos de internação. Incluí-

ram-se nesses textos as referências às classes hos pitalares; 5 (26,3%) artigos referiram-se à mo dalidade de atendimento psicopedagógico em ambulatórios junto às equipes de Psiquiatria da Infância e Adolescência, de Neurologia, e de Fonoaudiologia no diagnóstico e tratamen-to dos distúrbios de aprendizagem; 4 (21,1%) apre sentaram discussões sobre a importância da participação da Psicopedagogia na parceria com o médico pediatra para o diagnóstico pre-coce e a prevenção das dificuldades de aprendi-zagem; 2 (10,5%) constituíram-se como histórico e panorama dos serviços psicopedagógicos no con texto hospitalar e da saúde, um da década de 1982-1991 referia-se ao contexto da Argen-tina, o outro, da década 2002-2012, referia-se aos ser viços implantados no Brasil; um único texto, representando 5,3% dos artigos analisados, referiu-se a uma experiência de participação do psicopedagogo em comunidade terapêutica de atendimento a dependentes químicos.

Um levantamento das instituições de saúde onde os serviços se desenvolviam possibilitou constatar referências a contextos hospitalares e da saúde em âmbito nacional em 14 artigos; um artigo fazia referência a contextos e serviços da saúde na Argentina e, em dois artigos não havia especificação. A Figura 1 apresenta a distribuição dos artigos, considerando-se o total em números absolutos, por instituição de saúde nas quais os serviços figuravam.

Destaca-se a Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, com experiências relatadas em três diferentes setores: o Setor de Oncologia Pediátrica, do De-partamento de Pediatria, com a participação do

Tabela 1 – Distribuição dos artigos sobre Psicopedagogia no contexto hospitalar/saúde em relação ao total de publicações por década, Revista Psicopedagogia (1982-2012).

Década No de edições

Total de publicações

Artigos publicados na área

% em relação ao no de publicações

% em relação ao no artigos localizados

1982-1991 22 150 1 0,7 5,3

1992-2001 36 228 12 5,3 63,1

2002-2012 32 319 6 1,9 31,6

Total 90 697 19 2,7 100,0

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psicopedagogo no acompanhamento de crianças na internação; o Ambulatório de Gastropediatria, com a participação do psicopedagogo em equipe multidisciplinar de saúde, para o estabelecimen-to de possíveis correlações entre problemas nu -tricionais e dificuldades de aprendizagem; o Centro Paulista de Neuropsicologia – Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Infantil – CPN/NANI, com o desenvolvimento de protocolo psicopedagógico de avaliação interdisciplinar de crianças com lesão cerebral.

O Hospital de Clínicas da Faculdade de Me -dicina da USP se destaca com dois artigos, um referente ao histórico de atendimento no Projeto Brinquedoteca do Serviço de Psiquiatria da In -fância e Adolescência – SEPIA-HC-FMUSP e outro, um texto teórico sobre a educação e a pre -venção na saúde de adolescentes, da Unidade de Adolescentes do Instituto da Criança do HC--FMUSP. O Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto se apresenta com dois textos, um sobre a participação do psico-pedagogo na hospitalização infantil em Unidade de Emergência de Queimados, e outro sobre a intervenção psicopedagógica na dificuldade de aprendizagem no Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia Médica da FMRP-USP.

O atendimento psicopedagógico em Setor Pediátrico da Casa de Misericórdia de Cornélio Procópio – PR foi relatado em dois artigos, um no alívio do estresse da criança hospitalizada e outro no atendimento em enfermaria pediátrica. Dois artigos traziam um mapeamento e histórico da presença da Psicopedagogia em diferentes contextos hospitalares e serviços de saúde no Brasil; e um trazia um histórico, desde a década de 1960, da participação do psicopedagogo em contextos hospitalares de Psicologia e Psicopa-tologia na realidade argentina. Dois textos teó-ricos tratavam da importância da associação da

Tabela 2 – Distribuição dos artigos sobre Psicopedagogia no contexto hospitalar/saúde por área de atendimento por década, Revista Psicopedagogia (1982-2012).

Década

Psicopedagogia na internação

hospitalar/ unidades

hospitalares

Ambulatório de Psicopedagogia –

Setor de Pediatria/ Neurologia/

Fonoaudiologia/ Atendimento da Dificuldade de Aprendizagem

Psicopedagogia e Pediatria na prevenção da

D.A.

Histórico/ panorama da inserção do

psicopedagogo nos serviços de

saúde

Outros Total

1982-1991 0 0 0 1 0 1

1992-2001 3 4 4 0 1 12

2002-2012 4 1 0 1 0 6

Total 7 5 4 2 1 19

% 36,8 26,3 21,1 10,5 5,3 100,0

Figura 1 – Distribuição dos artigos em números absolutos, considerando-se as instituições de saúde que contam com a participação do psicopedagogo – Revista Psicopedagogia, 1982-2012.

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Pediatria com a Psicopedagogia na prevenção de dificuldades de aprendizagem, sem especificar instituições. Tratava-se de dois textos também de autores argentinos.

Por último, quatro trabalhos referiam-se a ins-tituições de saúde na realidade brasileira: um apresentava a experiência de inserção do psico-pedagogo em classes hospitalares do Hospital do Servidor Público Estadual em São Paulo (HSPE); um referia-se à participação do psicopedagogo no atendimento de crianças e adolescentes pacien tes de doenças hemato-oncológicas, com baixo rendi-mento escolar, em setor de oncologia do Hospital da Criança Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre – RS; dois tratavam do atendimento em ambulatórios de saúde no atendimento dos dis túrbios de aprendizagem: um do Ambulatório de Neurologia e Distúrbios de Aprendizagem da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp-SP e outro do Núcleo de Estudo e Coordenação das Ações para a Saúde do Adolescente do Hospital de Clínicas da Universidade de Goiás – GO.

A leitura dos dados da Figura 1 possibilita deduzir que, se de um lado, o número de artigos é pouco relevante quando comparado ao total de artigos publicados no período analisado, o mes-mo não se pode dizer da diversidade de situações de atendimento na área da saúde com serviços estruturados e equipes interdisciplinares, cons-tituídas com contribuições dos psicopedagogos tanto na avaliação/intervenção como na preven-ção dos problemas de aprendizagem de crianças e adolescentes.

A identificação das áreas e níveis de formação dos autores e coautores dos artigos analisados possibilita afirmar que se evidencia nos trabalhos examinados uma perspectiva interdisciplinar com potencial para a busca de ações integradas nas práticas de cuidados na interface entre o biológi-co, o psicológico, o social, o pedagógico, no aten-dimento das demandas dos sujeitos, em especial crianças e adolescentes, em contextos da saúde. A Tabela 3 apresenta a distribuição dos autores e coautores por áreas e níveis de formação.

Tabela 3 – Distribuição dos autores por áreas e níveis de formação – Revista Psicopedagogia (1982-2012).

Nível Cursos N

Graduação

Pedagogia 12

Psicologia 6

medicina - Pediatria/neuropediatria 3

Licenciatura 1

Especialização

Psicopedagogia 19

neuropsicologia 2

Formação em Psicanálise 1

Arteterapia 1

Pós-Graduação stricto sensu

mestrado em Psicologia Escolar/Educação/Educacional 4

mestrado em Educação 3

mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento 1

mestrado em Desenvolvimento Humano 1

mestrado em Educação e saúde da infância e Adolescência 1

Doutorado (não especificado) 2

Doutorado em Psicologia 1

Doutorado em medicina 1

Doutorado em Educação 1

outros Livre Docência 1

nota: Computaram-se todos os níveis e áreas informados pelos autores e coautores, e não apenas o nível mais alto de formação.

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Quanto à graduação, quatro áreas são infor-madas: 12 autores/coautores inscrevem-se na Pedagogia; 6 na Psicologia; 3 na área Médica, Pediatria/Neuropediatria e 1 em Licenciatura não especificada. Quanto a cursos de especialização, 19 autores informaram formação em cursos de Psicopedagogia, 2 em Neuropsicologia, 1 em Psi canálise e 1 em Arteterapia. Um número sig nificativo informa formação em nível de pós--graduação stricto sensu, sendo 4 com Mestrado em Psicologia Escolar/Educacional ou Psicologia da Educação; 3 com Mestrado em Educação; 1 com Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimen-to; 1 com Mestrado em Desenvolvimento Hu-mano e 1 com Mestrado em Educação e Saúde da Infância e Adolescência; 5 com doutorados, sendo 2 não especificados, 1 em Psicologia, 1 em Medicina e 1 em Educação. Por fim, uma livre docência em área não especificada. Como conjun-to, os au tores e coautores são profissionais que atuam nos departamentos e serviços de saúde, médicos (pediatras, neurologistas, psiquiatras, gastroclínicos, oncologistas ou outros), psicólo-gos, psicopedagogos, educadores; muitos atuam como docentes, orientadores e supervisores de alunos em formação em cursos de pós-graduação integrados aos departamentos médicos ou de programas que têm parceria para a inserção do psicopedagogo nas equipes interdisciplinares.

Em outras palavras, pode-se afirmar que se encontrou no conjunto das publicações analisa-das, o que Matos & Pires17 afirmam em relação à perspectiva da atuação interdisciplinar como possível solução para a fragmentação dos saberes, que comprometem a visão global daqueles que buscam cuidados de saúde. Na visão dos autores, “a perspectiva interdisciplinar tem potencial para compreender melhor a multidimensionalidade do objeto de trabalho em saúde e para proporcio-nar melhores resultados no trabalho”. Entende-se que os processos de aprendizagem transitam na interface da saúde e da educação e, portanto, merecem ser cuidados como parte inerente do desenvolvimento pleno e integral da pessoa, em especial aquela atendida nos contextos da saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAISAlgumas reflexões decorrem dos resultados

do levantamento realizado. A primeira refere-se à questão conceitual relativa ao objeto de inte-resse da Psicopedagogia de cuja clareza decorre a possibilidade de construção da identidade do psicopedagogo. Nos artigos cuja modalidade é a da inserção da Psicopedagogia em ambulatórios das várias especialidades da saúde no contexto hospitalar, há uma tendência em justificar a re -levância da atuação do psicopedagogo relacio-nando-a à humanização da saúde e minimização do sofrimento que decorre das internações. Seria esse o papel da Psicopedagogia? Em parte, sim, no entanto, isso não define sua competência específica, uma vez que essa prerrogativa como atitude compete a todos os profissionais que atuam junto às pessoas hospitalizadas, visando à minimização de sofrimento que decorre da experiência de internação. Poucos são os traba-lhos que definem a atuação da Psicopedagogia, nos casos de internação, como a de análise e in tervenção frente aos processos de aprendiza-gem e às dificuldades de aprendizagem que decorreriam dos longos períodos de afastamento do convívio social e familiar e escolar, em con-sonância com seu objeto de estudo.

Vale, também, ressaltar os trabalhos que abor -dam a parceria da Psicopedagogia no atendi-mento pedagógico das classes hospitalares, os quais sinalizam a contribuição do psicopedago-go junto aos professores de classe hospitalar no planejamento das atividades e na formação con-tinuada. Esse papel, embora possível, deve ser revestido de um cuidado para que não se coloque o psicopedagogo em uma posição de detentor de um suposto saber que faltaria ao professor por prováveis lacunas de sua formação para atuar frente a esses novos espaços de aprendizagem, o das classes hospitalares.

A segunda reflexão decorre do número sig -nificativo de artigos que se referem à prática es pecializada em ambulatórios de Neuropsico-logia, Psiquiatria, Fonoaudiologia na avaliação psicopedagógica de distúrbios de aprendiza-gem. Esse resultado parece indicar um papel

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claramente definido da Psicopedagogia, que encontra respaldo para sua inserção em equipes interdisciplinares da saúde. Ressalta-se que, ao se manter preservado esse lugar, confirma-se a tendência de conservação de uma leitura clínica e médica das dificuldades de aprendizagem com riscos de patologização e atendimento médico--assistencial dos distúrbios de aprendizagem da criança e do adolescente. Resta saber quais as ações sociais frente à escola e à família decor-reriam de tal prática.

A terceira e última questão refere-se ao nú-mero reduzido de artigos na temática pesquisada e que aparecem em uma ordenação crescente da primeira para a segunda década e decrescente da segunda para a terceira. Ao que parece, o contexto hospitalar e da saúde ainda não apa-rece como um campo emergente na atuação do psicopedagogo, o que não significa que não haja espaço aí nesses contextos para a participação e contribuição desse profissional. A continuidade de pesquisas nessa direção poderia responder,

num futuro próximo, aos reais desdobramentos e avanços na inserção da Psicopedagogia nos contextos hospitalares e da saúde.

As lacunas apontadas neste estudo sugerem a necessidade de consolidação e reconhecimento desses espaços para a atuação do psicopedago-go, com definições claras de seu papel, ligadas a objetivos de atenção à saúde e à educação da criança e do adolescente. Sugerem, ainda, a con -tinuidade no desenvolvimento e na criação de mo delos que confirmem uma maior operatividade às ações diagnósticas e de intervenção que inte-grem os aspectos afetivos e emocionais, cogniti-vos e sociais-relacionais em nível ins titucional, na garantia das aprendizagens e circulação dos conhecimentos. Por fim, os achados deste estudo sugerem a necessidade de, a partir de familiari-zação com os ambientes da saúde, suas rotinas e demandas, identificar as possibilidades de ação em parcerias com os demais profissionais envolvidos no atendimento, incluindo a família e a escola.

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SUMMARYPsychopedagogy in health and hospital contexts:

three decades of publications in Revista Psicopedagogia

The study aimed to identify possibilities, advances and developments in psychopedagogy and psychopedagogist participation in hospital and health contexts. It was considered the relevance of research in line with the current moment of expansion of the field of Psychopedagogy. We opted for the analysis of publications of the Revista Psicopedagogia for it was an indexed journal and since 1982, with no interruption, it has been publishing in the psychopedagogy area. There were selected 19 texts of the period 1982-2012 by means of specific descriptors related to the subject. The results showed low incidence of publications on the theme researched, corresponding to 2.7% of all works published in the period, being: 0.7% from 1982-1991; 5.3% from 1992-2001 and 1.9% from 2002-2012. By analyzing the content, texts were organized by categories of service: 7 (36.8%) of them referred to the contribution of Psychopedagogy in hospitalizations; 5 (26.3%), to the participation of Psychopedagogy in Psychiatric Clinics, Neurology, Speech-language Pathology in treating learning disorders; 4 (21.1%) treated theoretically the importance of the partnership between Psychopedagogy and Pediatrics in the prevention of learning difficulties; 2 (10.5%) configured as historical revisions of the presence of the psychopedagogy in these contexts and 1 (5.3%) referred to the participation in drug addicts therapeutic community. It is considered the importance of the results, not the number of works, but the diversity of opportunities for psychopedagogist participation in interdisciplinary teams in the evaluation and intervention in learning processes in these contexts, what deserves an in-depth debate in search on systematizing and theorizing.

KEY WORDS: Health Services. Learning Disorders. Revista Psico pe da-gogia. Periodicals as Topic.

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Trabalho realizado no Centro Universitário FIEO – Osasco, SP, Brasil.

Artigo recebido: 26/1/2014Aprovado: 5/3/2014

Nota da autora: Esta pesquisa teve início em disciplina ministrada por mim no segundo semestre de 2011: “Psicopedagogia e Saúde: Políticas Públicas, Planejamento e Ação Multidisciplinar” do Curso de Pós-Graduação lato sensu em Psicopedagogia Hospitalar do Centro Universitário Fieo – UNIFIEO, e contou com a participação das alunas Alana Cristina de Alencar Silva Bilar, Bianca Crozatti Rodrigues, Karina da Costa, Priscila Sanches, Roberta Vezetiv, Roseli Alves Martins, Rosemeire Correa Barone, Rosilene da Silva e Tatiane Rocha de Sousa, e que resultou na apresentação do Pôster intitulado: “A Psicopedagogia no contexto hospitalar: Um estudo das publicações da Revista Psicopedagogia”, no III Simpósio Nacional de Psicopedagogia, realizado em parceria com UNIFIEO, em novembro de 2011. Os resultados e as análises da pesquisa original foram ampliados e aprofundados para esta publicação.

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Perfil de Pesquisas relaCionadas à dislexia: revisão de literatura

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ArTiGo DE rEVisão

RESUMO – Introdução: A dislexia é um dos distúrbios da escrita mais frequentes com os quais trabalham os psicopedagogos. Conhecer o perfil das pesquisas relacionadas ao tema pode auxiliá-los no atendimento desse distúrbio. Objetivo: O objetivo deste estudo é realizar um levantamento do perfil das pesquisas relacionadas à dislexia entre 2009 e 2013, na base de dados SciELO Brasil. Método: Revisão sistemática de literatura relacionada aos descritores dislexia e transtorno da leitura entre 2009 e 2013, na base de dados SciELO Brasil. Resultados: Foram ldos 27 artigos que se enquadram nos parâmetros dessa revisão de literatura. Predominam artigos baseados em pesquisas de campo (96,3%), realizadas principalmente por fonoaudiólogos (45%), cujo número de participantes varia entre 21 a 40 (40,7%). Em 95,2% das pesquisas que especificam a escolarização dos indivíduos, estes cursam o Ensino Fundamental. Entre os escolares já diagnosticados como disléxicos, 71% são do sexo masculino. Conclusão: apesar da relevância do tema dislexia, ainda há poucos estudos relacionados a adolescentes e a adultos. Além disso, nenhum dos pesquisadores identificou-se como psicopedagogo.

UNITERMOS: Dislexia. Transtorno da leitura. Revisão.

CorrespondênciaAmábile Bianca NogueiraUniversidade Presbiteriana MackenzieRuadaConsolação,930–Consolação–SãoPaulo,SP,Brasil – CEP 01302-907.

Amábile Bianca Nogueira – Doutoranda em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. GraduaçãoemLetraseMestradoemFilologiaeLínguaPortuguesapelamesma instituição.Experiêncianaárea de Letras (Ensino Fundamental, Médio, Curso e Superior), com ênfase em Sociolingüística do Por-tuguês, atuando principalmente nas seguintes áreas: Linguística Histórica, Sociolinguística e Dialetologia.

Perfil de Pesquisas relaCionadas à dislexia: revisão de literatura

Amábile Bianca nogueira

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nogueira aB

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INTRODUÇÃOA leitura e a escrita são fenômenos linguísti-

cos complexos. O homem, em seu processo de aquisição de linguagem, passa, geralmente, por três fases: logográfica, alfabética e ortográfica1. Na fase logográfica, há o reconhecimento de palavras por meio de processos idiossincráticos. Na fase alfabética, há a análise dos grafemas e dos componentes fonológicos. Na fase ortográfi-ca, há a análise de morfemas e do léxico. Essas fases não são excludentes e coexistem no leitor e escritor competentes1. Além desse complexo processo de aquisição, a escrita e a leitura en-volvem atenção, organização, vários tipos de me mória, etc2.

Inúmeros problemas podem interferir no pro-cesso de aquisição da leitura e da escrita, como questões emocionais, dificuldades de aprendi-zagem e transtornos de aprendizagem3. Entre os transtornos de aprendizagem que afetam a escrita e a leitura, destaca-se a dislexia. Não há uma única definição de dislexia ou de suas causas, o que gera certa confusão tanto no meio clínico quanto no meio acadêmico2,4,5.

Para este estudo, considerar-se-á a dislexia como um distúrbio de aprendizagem de origem neurológica, que se apresenta na dificuldade de decodificar e soletrar palavras6. Esse distúrbio pode ser originado do comprometimento da rota fonológica de leitura ou do comprometimento da rota lexical. Em alguns casos, há o comprometi-mento de ambas as rotas1,2,5. Diagnosticada em indivíduos com capacidade cognitiva normal, ela também não é fruto de distúrbios sensoriais, de distúrbios de desenvolvimento em geral ou de escolarização inadequada7,8.

Vários estudos relacionam o desenvolvimento fonológico ao domínio da leitura e da escrita1-12. Estudantes com dislexia apresentam dificulda-des na fluência da leitura por inabilidade na decodificação e na discriminação dos grafemas/fonemas3. Ademais, podem apresentar proble-mas de memória de curto ou longo prazo3,11, nas funções executivas13 e na atenção seletiva14,15.

Desde 1996, os disléxicos têm seus direitos reconhecidos na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional16. Isso aumentou a necessi-dade de estudos voltados à intervenção e à in -serção de escolares disléxicos na escola e nas clínicas psicopedagógicas, uma vez que cabe ao psicopedagogo auxiliar no diagnóstico e no pro cesso de intervenção desses indivíduos.

Com base no exposto, o objetivo deste estudo é realizar um levantamento do perfil de pesqui-sas relacionadas à dislexia entre os anos de 2009 e 2013 publicadas na SciELO Brasil.

MÉTODOEste estudo de revisão de literatura foi rea-

lizado a partir de uma revisão sistemática de ar -tigos relacionados ao tema dislexia publicados entre o primeiro semestre de 2009 e o primeiro semestre de 2013, em língua portuguesa, na base de dados SciELO Brasil.

A pesquisa na base de dados foi realizada no primeiro semestre de 2013 com os descritores dislexia e transtorno da leitura. Foram encon-trados 57 artigos relacionados à dislexia e 26 ao transtorno da leitura. Primeiramente, a partir da análise dos resumos, foram descartados os artigos anteriores ao primeiro semestre de 2009, publicados em língua estrangeira, de revisão de literatura e não relacionados ao tema dislexia – a presença de comorbidades não foi um critério de exclusão. A seguir, esses artigos foram compa-rados entre si para evitar superposição. Dos 83 artigos levantados inicialmente (57 relacionados à dislexia e 26 ao transtorno da leitura), foram selecionados 27 por se enquadrarem nos parâ-metros dessa revisão de literatura (32,5%).

Esses artigos foram numerados aleatoriamen-te e analisados a partir dos seguintes pontos: a) caracterização da pesquisa: tipo de pesquisa, ano de publicação e área de atuação autores (Tabela 1); b) aspectos específicos da pesquisa: número, gênero, idade e grau de escolaridade dos participantes (Tabela 2).

RESULTADOSForam considerados, para a análise dos resul-

tados, 27 artigos relacionados ao tema dislexia entre o primeiro semestre de 2009 e o primeiro

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Tabela 1 – Caracterização da pesquisa: tipo de pesquisa, ano de publicação e área de atuação autores.No de referência dos artigos Tipo de pesquisa Ano de

publicação Área de atuação dos autores

16 Pesquisa de campo 2012 Fonoaudiologiaindivíduo relacionado a mais de uma área de conhecimento

3 Pesquisa de campo 2012 Fonoaudiologiaindivíduo relacionado a mais de uma área de conhecimento

17 Pesquisa de campo 2011 Fonoaudiologia18 Pesquisa de campo 2009 Educação

Fonoaudiologiasem identificação

19 Pesquisa de campo 2009 indivíduo relacionado a mais de uma área de conhecimentosem identificação

20 Pesquisa de campo 2012 neurologianeuropsicologia

21 Pesquisa de campo 2011 Fonoaudiologiaindivíduo relacionado a mais de uma área de conhecimento

22 Pesquisa de campo 2011 EducaçãoFonoaudiologia

neurologianeuropsicologia

Terapia ocupacional13 Estudo de caso 2011 Fonoaudiologia

neuropsicologia23 Pesquisa de campo 2011 Psicologia24 Pesquisa de campo 2011 Fonoaudiologia

indivíduo relacionado a mais de uma área de conhecimento25 Pesquisa de campo 2011 Fonoaudiologia

indivíduo relacionado a mais de uma área de conhecimento26 Pesquisa de campo 2010 Fonoaudiologia27 Pesquisa de campo 2010 Engenharia

Fonoaudiologianeurologia

neuropsicologia28 Pesquisa de campo 2009 Fonoaudiologia

Psicologia29 Pesquisa de campo 2009 Fonoaudiologia

indivíduo relacionado a mais de uma área de conhecimento30 Pesquisa de campo 2013 sem identificação31 Pesquisa de campo 2012 sem identificação32 Pesquisa de campo 2010 sem identificação33 Pesquisa de campo 2009 Fonoaudiologia34 Pesquisa de campo 2010 Fonoaudiologia

neurologianeuropsicologia

35 Pesquisa de campo 2010 Fonoaudiologia36 Pesquisa de campo 2010 indivíduo relacionado a mais de uma área de conhecimento

Terapia ocupacional37 Pesquisa de campo 2010 Fonoaudiologia38 Pesquisa de campo 2009 Fonoaudiologia39 Pesquisa de campo 2011 Fonoaudiologia40 Pesquisa de campo 2013 sem identificação

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Tabela 2 – Aspectos específicos da pesquisa: número, gênero, idade e grau de escolaridade dos participantes.No de referência dos artigos

Número de participantes Gênero Idade Grau de escolaridade

16 34 Ambos os gêneros 8 anos a 11 anos 2o a 5o ano

3 60 Ambos os gêneros 8 anos a 10 anos 2o a 5o ano

17 60 31 – masculino29 – feminino

118 meses 3o a 5o ano

18 20 12 – masculino8 – feminino

média de 10 anos e 4 meses

3o a 5o ano

19 40 não menciona o gênero dos participantes

9 anos a 14 anos 4o a 6o ano

20 20 Ambos os gêneros 8 anos a 12 anos 2o a 5o ano

21 30 Ambos os gêneros 6 anos a 7 anos 2o ano

22 22 18 – masculino4 – feminino

6 anos a 11 anos Ensino Fundamental

13 1 1 – masculino média de 10 anos e 7 meses

4o ano

23 45 32 – masculino13 – feminino

média de 9,6 anos 3o a 7o ano

24 30 21 – masculino9 – feminino

8 anos a 16 anos 3o a 5o ano

25 30 15 – masculino15 – feminino

6 anos a 7 anos 2o ano

26 61 Ambos os gêneros 8 anos a 9 anos 3o a 4o ano

27 40 32 – masculino8 – feminino

8 anos a 12 anos 3o a 5o ano

28 65 não menciona o gênero dos participantes

média de 10,6 anos 2o ano do Ensino Fundamental até o 2o ano do Ensino médio

29 26 Ambos os gêneros 8 anos a 12 anos 3o a 5o ano

30 45 29 – masculino16 – feminino

média de 7 anos 2o ano

31 60 32 – masculino28 – feminino

6 anos a 7 anos Processo de alfabetização

32 20 Ambos os gêneros média de 11,7 anos média de 4,6 anos de escolaridade

33 20 16 – masculino4 – feminino

média de 11,08 anos média de 4,8 anos de escolaridade

34 20 14 – masculino6 – feminino

8 anos a 14 anos não menciona a escolarização

35 40 não menciona o gênero dos participantes

7 anos a 12 anos não menciona a escolarização

36 80 46 – masculino34 – feminino

7 anos a 11 anos 3o a 5o ano

37 30 10 – masculino20 – feminino

média de 9,8 anos não menciona a escolarização

38 60 31 – masculino29 – feminino

9 anos a 10 anos não menciona a escolarização

39 134 Ambos os gêneros 7 anos a 13 anos não menciona a escolarização

40 38 44,5% – masculino55,5% – feminino

média de 10,9 anos não menciona a escolarização

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semestre de 2013, provenientes da base de da-dos SciELO Brasil. Desses 27 artigos, apenas um (3,7%) é estudo de caso13. Todos os outros artigos são pesquisas de campo (96,3%), isto é, há mais de um participante na pesquisa.

A Figura 1 apresenta a distribuição dos 27 artigos segundo o ano de publicação.

É possível observar um aumento progressivo entre 2009 e 2011 no número de publicações relacionadas ao tema dislexia. Entretanto, houve uma queda significativa a partir de 2012. Ao todo, são 89 autores – alguns se repetem e foram contabilizados a cada publicação. Desses, há 40 (45%) fonoaudiólogos, 7 (7,9%) neurologistas, 6 (6,7%) neuropsicólogos, 4 (4,5%) psicólogos, 3 (3,4%) terapeutas ocupacionais, 1 (1,1%) en -genheiro, 2 (2,2%) autores ligados à área da educação, 9 (10,1%) relacionados a mais de uma área de conhecimento e 17 (19,1%) identificados apenas pela instituição.

Os 27 artigos envolvem ao todo 1131 parti-cipantes. Desse grupo, apenas 306 (27%) são dis léxicos. O maior número de participantes compõe o grupo de controle – formado por esco-lares com bom desempenho acadêmico ou sem dificuldades de leitura ou escrita – 388 (34,3%). Entre os outros escolares, 121 (10,7%) estão em grupos para a identificação de indivíduos de ris -co para dislexia e 103 (9,1%) já são escolares considerados de risco para dislexia. Há, também, 5 (0,4%) escolares com distúrbios associados,

9 (0,8%) com diagnóstico inconclusivo, 20 (1,8%) com transtorno do processamento auditivo cen tral, 49 (4,3%) com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, 53 (4,7%) com dificul-dades de aprendizagem e 77 com transtornos de aprendizagem.

A maioria das pesquisas é realizada com até 60 indivíduos (85,1%). Apenas uma pesquisa39 apresentou mais de 100 participantes.

A Tabela 3 apresenta a frequência dos artigos de acordo com o número de participantes.

Em relação ao gênero, 16 (59,2%) artigos fa-zem distinção numérica do sexo dos participan-tes. Dentro do grupo de escolares disléxicos, em 14 pesquisas, das 16 que fazem essa distinção, predomina o sexo masculino (71%). Os autores utilizam dois métodos para fornecer a idade dos participantes: a idade média (33,3%) ou a faixa etária (63%). Apenas o estudo de caso13 forneceu a idade exata do participante: 10 anos e 7 meses (3,7%).

A escolarização dos participantes é especifi-cada em 21 (77,8%) artigos. Desses, 20 (95,2%) foram realizados com alunos exclusivamente do Ensino Fundamental. Apenas um (4,8%) artigo apresenta uma pesquisa que inclui, entre os participantes, escolares do Ensino Médio28.

DISCUSSÃOO estudo de campo, tipo mais frequente de

pesquisa que compõe os artigos publicados pela SciELO Brasil relacionados à dislexia, favorece o estudo comparativo entre corpora diferentes,

Figura 1 – Distribuição dos artigos publicados entre o pri -mei ro semestre de 2009 e o primeiro semestre de 2013.

Tabela 3 – Frequência dos artigos de acordo com o número de participantes.

No de Participantes N %

1 a 20 6 22,2%

21 a 40 11 40,7%

41 a 60 6 22,2%

61 a 80 3 11,1%

81 a 100 - -

mais de 100 1 3,7%

Total 27 100%

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geralmente o cotejo entre grupos de disléxicos com de controle (63%). Além disso, favorece a identificação de escolares disléxicos ou de risco para a dislexia (22,2%).

Apesar dos direitos dos escolares disléxicos estarem previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional16, o número de publica-ções encontrado no banco de estados escolhido para este estudo sofreu uma queda significativa em 2012. Em 2011, foram publicados 8 artigos relacionados à dislexia; em 2012, esse número caiu pela metade (4); no primeiro semestre de 2013, apenas 2. Essa queda é bastante signifi-cativa, uma vez que ainda há poucos trabalhos relacionados a esse tema se comparado à rele-vância dele.

É possível afirmar que esse tema desperta a atenção de múltiplas áreas de conhecimento, principalmente relacionadas à saúde e à educa-ção. Entretanto, o baixo número de artigos cujos autores são provenientes da área educacional (2,2%) demonstra a necessidade de ampliar essa discussão na escola – local em que, geralmente, manifesta-se a dislexia. Ademais, nenhum des-ses autores identificou-se como psicopedagogo.

Em relação ao número de participantes, a maioria das pesquisas é realizada com até 60 indivíduos (85,1%). Dentro desse grupo, predo-minam as pesquisas cujo número varia entre 21 a 40 indivíduos (40,7%). Um número significativo de participantes proporciona, assim como visto em relação ao tipo de pesquisa realizada, a pos-sibilidade de comparar dados e encontrar perfis recorrentes nos grupos que compõem a corpora. Ademais, possibilita a identificação de escolares de risco para dislexia, a funcionalidade de deter-minado método de diagnóstico ou intervenção, entre outros procedimentos.

Outros aspectos específicos das pesquisas, como gênero, escolaridade e idade dos partici-pantes, são dispostos nos artigos de forma bas-tante variável, principalmente o quesito idade. Este pode se apresentar de três formas: faixa etária (63%), idade média (33,3%) ou a idade exata do participante (3,7%). Essa variação impede, por exemplo, que se calcule a idade média dos

escolares que participam de estudos relaciona-dos à dislexia.

Um pouco mais da metade dos artigos (59,2%) distingue numericamente o gênero dos partici-pantes. Uma parte significativa (29,6%) apenas assinala que participaram indivíduos de ambos os sexos. Todavia, são poucos os trabalhos que não mencionam essa questão (11,2%). Predomi-na entre os disléxicos o sexo masculino (71%).

Especificar a escolaridade dos participantes é mais recorrente que diferenciá-los pelo gênero, pois 77,8% fazem essa especificação. A maioria dessas pesquisas (95,2%) foi realizada com alu-nos do Ensino Fundamental. Somente em uma (4,8%) pesquisa houve a participação de esco-lares do Ensino Médio. Não foram encontrados artigos relacionados a participantes de Ensino Superior. Esses dados são bastante significati-vos, uma vez que evidencia a falta de pesquisas relacionadas a esses grupos.

CONCLUSÃO Apesar do perfil dos artigos publicados na

SciELO Brasil relacionados à dislexia ser bastan-te variável, é possível reconhecer alguns pontos recorrentes na caracterização das pesquisas.

O número de publicações cresceu entre 2009 e 2011, mais houve uma queda significativa a partir de 2012. Predominam artigos baseados em pesquisas de campo (96,3%), realizadas prin cipalmente por fonoaudiólogos (45%), cujo número de participantes varia entre 21 a 40 (40,7%). Nenhum dos autores identificou-se como psicopedagogo, o que pode indicar falta de pro-dução científica da área.

Entre os escolares já diagnosticados como disléxicos, 71% são do sexo masculino. Em 95,2% das pesquisas que especificam a escolarização dos indivíduos, estes cursam o Ensino Funda-mental. Apenas um (4,8%) artigo apresenta, entre os participantes, alunos do Ensino Médio. Não foram encontrados estudos relacionados a estudantes de Ensino superior. Isso pode indicar um problema para o psicopedagogo, uma vez que o atendimento clínico não se restringe à fase de alfabetização.

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SUMMARYProfile of research related to dyslexia: literature review

Background: Dyslexia is a disorder of writing frequently they work with the psychologists. Knowing the profile of research related to the topic can assist them in meeting this disorder. Purpose: The purpose of this study is to survey the profile of research related to dyslexia between 2009 and 2013 in the SciELO Brazil database. Methods: A systematic review of the literature related to the descriptors dyslexia and reading disorders between 2009 and 2013 in the SciELO Brazil database. Results: 27 articles were found that fit the parameters of this literature review. Predominate articles based on field surveys (96.3%), mainly performed by audiologists (45%), the number of participants varies from 21 to 40 (40.7%). In 95.2% of searches that specify the education of individuals, they attend elementary school. Among students already diagnosed as dyslexic, 71% are male. Conclusion: Despite the relevance of the topic dyslexia, there are few studies related to adolescents and adults. Furthermore, none of the researchers identified as educational psychologist.

KEY WORDS: Dyslexia. Reading disorder. Review.

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Perfil de Pesquisas relaCionadas à dislexia: revisão de literatura

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Trabalho desenvolvido na Universidade Presbi teriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil.

Artigo recebido: 14/12/2013Aprovado: 1/2/2014

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Buriti aKl & rosa mrd

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ArTiGo DE rEVisão

RESUMO – Objetivo: O objetivo deste trabalho foi descrever aspectos fundamentais da percepção auditiva em crianças com dislexia, visando a contribuir para a atualização de fonoaudiólogos e educadores envolvidos no processo de desenvolvimento da linguagem em escolares. Método: Foi realizado um levantamento bibliográfico em bases de dados Medline, SciELO, LILACS, a partir da combinação entre os descritores, percepção auditiva, dislexia, criança, aprendizagem e linguagem infantil. Foram selecionados para análise deste estudo, 17 artigos nacionais completos, após a exclusão de artigos repetidos, não disponíveis, com palavras ou temas não condizentes com a temática. Resultados: Observou-se que a grande maioria dos estudos utilizou a avaliação do processamento auditivo para avaliação das habilidades auditivas, assim como o Teste de Desempenho Cognitivo-Linguístico, em crianças com faixa etária entre 6 a 14 anos. Quase todos os estudos encontraram relação significativa entre o aprendizado da leitura e o processamento auditivo temporal em escolares. Conclusão: Baseado nos estudos analisados percebe-se a necessidade não somente de detectar as alterações da percepção auditiva em crianças com dislexia, mas também, que seja proposto pelo fonoaudiólogo o treinamento da percepção auditiva para promover um melhor desempenho das habilidades auditivas e linguísticas dos escolares, podendo diminuir os inúmeros fracassos escolares.

UNITERMOS: Percepção auditiva. Dislexia. Audição. Aprendizagem. Criança.

Correspondência Marine Raquel Diniz da Rosa Rua Cidade Universitária, S/N – Departamento de Fonoaudiologia, Centro de Ciências da Saúde (CCS) – João Pessoa, PB, Brasil – CEP: 58051-900E-mail: [email protected]

Ana Karina Lima Buriti – Fonoaudióloga, Mestre em EnfermagemcomatençãoàsaúdepelaUniversidadeFederal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, PB, Brasil.Marine Raquel Diniz da Rosa – Fonoaudióloga, Pro -fes sora Adjunto I do curso de Fonoaudiologia Uni ver-sidade Federal da Paraíba (UFPB), Doutora em Pro dutos Naturais Bioativos e Sintéticos-LTF/UFPB, João Pessoa, PB, Brasil.

PerCePção auditiva em esColares Com dislexia: uma revisão sistemátiCa

Ana Karina Lima Buriti; marine raquel Diniz da rosa

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INTRODUÇÃOO sistema auditivo é um dos sistemas do corpo

humano, responsável pela sensação e percepção dos estímulos sonoros, o que permite ao indivíduo detectar, ao mesmo tempo, diferentes sons1.

Esse sistema funciona por ser constituído de estruturas sensoriais e conexões centrais respon-sáveis pela audição. O sistema auditivo pode ser dividido em três níveis: o periférico, responsável por captar os estímulos; o tronco encefálico, no qual ocorre a fase inicial do processamento au-ditivo, por meio da modulação e integração dos sinais; e o tálamo-cortical, onde os estímulos sensoriais poderão gerar respostas emocionais, cognitivas e linguísticas.

A percepção auditiva refere-se ao processa-mento de um sinal acústico audível, que é inicia-da por células receptoras, que são sensíveis a um determinado estímulo. O processamento desses estímulos consiste em uma série de conexões neuroanatômicas originada nos neurônios da cóclea e finalizadas no córtex auditivo cerebral, ou seja, envolve tanto o sistema nervoso auditivo periférico (SNAP) como o sistema nervoso au-ditivo central (SNAC), sendo este responsável por detectar e discriminar o som, de separá-lo do ruído de fundo, de compreendê-lo e de reconhecê-lo, entre outras funções1.

O processamento auditivo (PA) diz respeito ao modo como os indivíduos analisam os eventos acústicos que são recebidos pela via auditiva2. O processamento da informação acústica de-monstra que a percepção de sons não é imediata, pois é necessário que o sistema auditivo receba e transmita o sinal acústico recebido, que é transfor-mado, organizado, codificado e recodificado pelas estruturas auditivas3. Tais estruturas, nos primei-ros anos de vida, encontram-se em maturação e plasticidade neurais para o desenvolvimento normal das habilidades auditivas e linguagem.

Sabe-se que o desenvolvimento cognitivo--linguístico e o amadurecimento das habilidades auditivas ocorrem de forma concomitante, e qualquer alteração em alguma dessas funções pode trazer sérios prejuízos para o aprendizado da criança.

Cabe ressaltar que não há apenas uma área do cérebro (lobo temporal) responsável pela mo-dalidade auditiva, pois, como provê a Neurociên-cias, há uma integração com outras áreas rela-cionadas a atividades de memória, atenção, aprendizagem e linguagem, dentre outras4.

A aprendizagem, por sua vez, depende da in-tegridade funcional do cérebro e suas múltiplas atividades complexas, tais como: linguagem e cognição. Além disso, relaciona-se com a capa-cidade adaptativa necessária para modular fun-ções e conexões mediante as diversas situações do dia-a-dia, englobando a aprendizagem e a plas ticidade cerebral, assim como mudanças de padrões cerebrais pelas experiências5.

A leitura e escrita são as formas mais elevadas da linguagem, que exigem um processo linguís-tico anatômico e neuropsicológico altamente complexo6.

Dislexia é um distúrbio específico de apren-dizagem de origem neurológica, caracterizada pela dificuldade com a fluência correta na leitura e dificuldade na habilidade de decodificação e soletração, resultantes de um déficit no compo-nente fonológico da linguagem7. Também é defi-nido como uma dificuldade de realizar a leitura, mesmo com inteligência, motivação e educação normais.

Katz8 reportou que crianças com distúrbio de aprendizagem podem ter distúrbios neuroauditi-vos. Esses distúrbios envolvem o sistema nervoso auditivo central e podem ser identificados, anali-sados e quantificados através da avaliação do PA.

Diante dessa relação entre a percepção audi-tiva e a dislexia, o objetivo deste estudo foi des -crever aspectos fundamentais da percepção au-ditiva em crianças com dislexia por meio de uma revisão sistemática, visando a contribuir para a atualização de fonoaudiólogos e educadores que atuam com o processo de desenvolvimento da linguagem em escolares.

MÉTODOO presente estudo trata-se de uma revisão

sistemática da literatura com o objetivo de reunir e sintetizar conhecimento pré-existente sobre a te mática proposta.

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Foram utilizados artigos indexados nas bases de dados disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), como Medline, SciELO, LILACS. Para realização da busca foram utilizados os se-guintes descritores: percepção auditiva e dislexia; processamento auditivo e processamento lin-guístico; processamento auditivo e dislexia, além de outros descritos na busca da temática, como criança, aprendizagem e linguagem Infantil.

Com base nesses critérios foram selecionados 17 artigos completos nacionais, dos últimos seis anos, entre 2008 a 2013. Em atendimento ao objetivo do estudo, foram adotados os seguintes critérios de inclusão: ser uma publicação na in-tegra, com idioma em português. A partir deste, foram contemplados 31 artigos, sendo, portanto, excluídos artigos repetidos, de revisão, não dis-poníveis, com palavras ou temas não condizentes com a temática.

As variáveis a serem analisadas foram títu-lo, ano da publicação, tipo do estudo, amostra, ins trumentos utilizados para coleta dos dados e técnicas de avaliação do diagnóstico. Os dados obtidos foram analisados quanto às característi-cas da percepção auditiva e dislexia da popula-ção estudada e às contribuições na área.

Os resultados foram analisados com auxílio do programa Excel for Windows, versão 2007, e apresentados por meio de representações e ta belas.

RESULTADOS Após a análise dos artigos pesquisados, foram

analisados apenas 17 artigos completos nacionais e condizentes com a temática.

A faixa etária das amostras dos estudos foi va -riá vel, sendo 4 anos o mínimo e 16 anos o máximo, apresentado uma média de 10 anos e um desvio padrão de 8,485 anos de idade, considerando que quase a metade (41,2%) das pesquisas seleciona-ram crianças entre 8 a 12 anos de idade.

Ao analisar a amostra selecionada quanto ao grupo controle (GC) e grupo experimento (GE), observa-se que a média da amostra total das pesquisas, condiz com o valor mínimo de 20 e o

máximo de 61 crianças pesquisadas (Tabela 1). No entanto, essa variedade apresenta apenas uma média de 33,47 crianças em todas as pesqui-sas. É importante ressaltar que 9 (52,9%) estudos não apresentaram grupo controle para análise, por isso a média torna-se tão abaixo (7,29 anos) da média da amostra total.

Os estudos investigaram crianças disléxicas, ou com dificuldade de aprendizagem, ou com transtorno e déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Alguns (29%) investigaram isolada-mente o diagnóstico, outros (71%) fizeram corre-lação da percepção auditiva com a dislexia.

As análises dos estudos foram conduzidas por meio dos procedimentos de avaliação, que em sua maioria 11 (64,7%) foi utilizado o teste de processamento auditivo, seguida de 5 (29,4%) de uma avaliação da consciência fonológica, considerando relevante em 4 (23,5%) a neces-sidade da realização do diagnóstico básico da audição, por meio da audiometria e imitancio-metria (Tabela 2).

Os testes de processamento auditivo mais utilizados nos artigos analisados foram: monoau-rais de baixa redundância (fala no ruído, teste pediátrico de inteligibilidade de fala); processa-mento temporal (teste de padrão sequências de frequência e teste de detecção de intervalo alea tório); escuta dicótica (dicótico de dígitos e dissílabos alternados). Foram encontradas alterações: nos testes de escuta dicótica (63% n=7); testes monoaurais de baixa redundância (36% n=4); teste do processamento temporal (63% n=7). Sendo assim, das habilidades audi-tivas mais prejudicadas na população do estudo destacam-se figura-fundo, integração binaural e processamento temporal (Tabela 3).

Tabela 1 – Distribuição das frequências média e desvios padrão das variáveis do estudo.

Variáveis Média Desvio Padrão

Amostra 33,47 14,820

Amostra do GE 26,18 14,498

Amostra do GC 7,29 9,272

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Além disso, observou-se que 6 (35,29%) dos artigos pesquisados realizaram intervenção, acompanhamento ou deram sugestões/orienta-ções de treinamento do processamento auditivo

para auxiliar no aprendizado do processo de leitura e escritas das crianças com tais alterações ou dificuldades.

DISCUSSÕESA partir dos achados deste estudo, observa-se

uma variedade de estudos no diagnóstico das dificuldades de aprendizagem, relacionada com a percepção auditiva e a dislexia. Essa relação é relevante não somente no que se refere à in-vestigação das habilidades auditivas e de leitura, mas também à importância do treinamento como facilitador do processo de aprendizagem escolar.

Estudo comprova que crianças com dislexia apresentam alterações do processamento neuro-lógico central9 e podem apresentar alterações no processamento temporal auditivo com prejuízo no processamento fonológico10.

Quanto às alterações do processamento tem -poral auditivo, estudo11 refere que crianças com dislexia apresentam alteração das habilidades auditivas de processamento temporal e figura--fundo, evidenciado por meio de testes comporta-mentais de processamento auditivo. Pesquisa-dores indicam correlação entre as ha bilidades do processamento temporal e as habilidades de leitura e escrita12.

Outra pesquisa demonstrou que crianças com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade apresentam pior desempenho nas habilidades do processamento auditivo que crianças com dis lexia13. Porém, os dois grupos investigados apre sentaram alterações nas habilidades de fe -chamento auditivo, integração binaural, figura--fundo e padrões temporais.

No entanto, autores14 não relacionam o pobre desempenho nos testes de processamento auditi-vo temporal com o pobre desempenho em tarefas envolvendo leitura ou consciência fonológica em crianças com dislexia.

De acordo com autores15, crianças com dis-túrbio de aprendizagem apresentam baixo de-sempenho nas habilidades de leitura, escrita e velocidade de processamento, processamento auditivo e visual, indicando uma limitação no de sempenho linguístico desses escolares se com -

Tabela 2 – Distribuição dos 17 estudos referentes aos tipos de avaliação aplicado

em crianças com dislexia.

Tipos de avaliação durante pesquisa

Total

n %

Teste de processamento auditivo 11 64,7

Avaliação fonológica (consciência fonológica)

5 29,4

Audiometria 4 23,5

imitanciometria 4 23,5

Teste simplificado do processamento auditivo

2 11,8

Teste de Desempenho Cognitivo-Linguís tico 2 11,8

Avaliação de linguagem 1 5,0

Avaliação dos Processos de Leitura (ProLEC) 1 5,9

Testes de Compreensão de Complexidade sintática 1 5,9

Prova de leitura oral e compreensão 1 5,9

Exame de imagem (spect) 1 5,9

BAsE(1) 17(1)Considerando que um mesmo artigo cite mais de um pro-cedimento para avaliação da criança pesquisada, considera-se a base para o cálculo dos percentuais e não o total.

Tabela 3 – Distribuição dos testes do processamento auditivo (central) que se

apresentaram alterados nos 11 artigos pesquisados.

Alteração no resultado dos testes do processamento auditivo (central)

Total

n %

Testes de escuta dicótica 7 63,6

Testes de processamento temporal 7 63,6

Testes monoaurais de baixa redundância 4 36

BAsE(1) 18(1)Considerando que um mesmo artigo utilizou mais de um dos testes. sendo, a base para o cálculo dos percentuais n=11 artigos que realizaram o teste de processamento auditivo.

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parados com os do grupo controle, exceto na ha -bilidade de consciência fonológica, em que, os gru pos apresentaram dificuldades semelhantes, sugerindo que essa dificuldade não seja específi-ca de escolares com distúrbio de aprendizagem.

Comparando o desempenho nos testes de pro -cessamento auditivo entre escolares com trans -tornos de aprendizagem e com dislexia, estudo referiu que aqueles apresentaram desempenho inferior nos testes de processamento auditivo e maior número de habilidades auditivas altera-das, visto que apresentam atenção sustentada re duzida16. O grupo de escolares com dislexia apresentou alterações decorrentes da dificulda-de relacionada à codificação e decodificação de estímulos sonoros.

O teste de padrão de frequência (TPF) está cor re lacionado positivamente com habilidades de complexidade sintática. O baixo desempe-nho no TPF pode servir de indicativo adicional sobre déficits em processamento linguístico complexo17.

Estudos evidenciaram correlação entre pro-vas de memória auditiva e manipulação silábica e fonêmica e associação entre habilidades audi-tivas e fonológicas, sugerindo que os processos auditivos interferem diretamente na percepção de aspectos acústicos, temporais e sequenciais dos sons para formação de uma representação fonológica estável18,19.

A dificuldade nas provas dos processos de leitura apresentada em crianças com dislexia e com TDAH, evidenciada por autores20, pode ser justificada pela dificuldade de codificação e de codificação de símbolos. No entanto, estes autores não avaliaram tais habilidades, as quais poderiam ter sido comprovadas pelo teste do processamento auditivo temporal.

Tendo em vista a relação entre os resultados do processamento auditivo, principalmente o temporal, em crianças com problema de apren-dizagem e/ou dislexia, faz-se necessário o uso de ferramentas de auxílio do processo de ensino--aprendizagem, acompanhamento auditivo e/ou treinamento auditivo dessas crianças. Nesse contexto, pesquisas têm demonstrado a eficácia

do programa de remediação fonológica para o desenvolvimento de habilidades cognitivo-lin-guísticas e de leitura e compreensão de texto para escolares com dislexia21 e com dificuldade de aprendizagem22.

Além disso, é importante a implantação de pro gramas de investigação e acompanhamento das condições da orelha média e das habilida-des auditivas em crianças em idade escolar, a fim de eliminar e/ou minimizar alterações no de-senvolvimento sociolinguístico, já que, segundo pes quisadores23, as crianças mais jovens apre-sentaram maior ocorrência de alterações nas provas de habilidades auditivas e nas medidas de imitância acústica.

CONCLUSÃOObservou-se que a maioria dos estudos ana-

lisados apenas detecta o problema de aprendi-zagem, como a dislexia ou a alteração da habi-lidade auditiva envolvida no processamento au-ditivo. E por tais dificuldades serem visualizadas no período escolar, os estudos são totalmente direcionados à faixa etária de crianças.

Dessa forma, percebe-se a necessidade não somente de detectar as alterações da percepção auditiva em crianças com distúrbios de apren-dizagem e dislexia, mas que seja proposto pelo fonoaudiólogo o treinamento da percepção auditiva. Esse treinamento pode promover um melhor desempenho das habilidades auditivas e linguísticas dos escolares, diminuindo, assim, os inúmeros fracassos escolares. Além disso, pode promover programas de triagem pré-escolar que avaliem as habilidades auditivas e de leitura e escrita das crianças antes que as mesmas desen-volvam os problemas de aprendizagem.

Para tanto, é notória a importância e necessi-dade do investimento em pesquisas e programas relacionados à questão da percepção auditiva, às dificuldades de aprendizagem e às estratégias de auxílio do processo de ensino-aprendizagem, incluindo o treinamento auditivo e as habili-da des auditivas, pois, a audição, assim como a vi são, é uma das principais vias de acesso para o aprendizado.

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SUMMARYAuditory perception in students with dyslexia: a systematic review

Objective: To describe key aspects of auditory perception in dyslexic children aimed at contributing the updating of speech and language therapists and educators who work with the process of language development in schoolchildren. Methods: A bibliographical research was performed in Medline, SciELO, LILACS, from the combination of the descriptors: auditory perception, dyslexia, child, learning and children language. Seventeen complete national articles were selected for the analysis of this study, after deleting repeated items, not available, with no words or themes in keeping with the theme. Results: It was observed that the vast majority of studies have used the auditory processing to assess auditory abilities. The Cognitive Performance Test Language was also used in children aged between 6-14 years-old. Almost all studies have found a significant relationship between learning how to read and temporal auditory processing in schoolchildren. Conclusion: Based on the analyzed studies, it can be noticed the necessity not only to detect changes in auditory perception in dyslexic children, but also the creation of a proposal by the speech and language therapists of an auditory perceptual training to promote better performance of auditory and linguistic skills of schoolchildren, so that it may decrease the number of school failures.

KEY WORDS: Auditory perception. Dyslexia. Hearing. Learning. Child.

REFERÊNCIAS 1. Teixeira CF, Griz SMS. Sistema auditivo cen-

tral. In: Bevilacqua MC, org. Tratado de au-diologia. São Paulo: Santos; 2011. p.17-28.

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18. Capellini SA, Germano GD, Cardoso ACV. Relação entre habilidades auditivas e fonoló-gicas em crianças com dislexia do desenvol-vimento. Psicol Esc Educ. 2008;12(1):235-53.

19. Germano GD, Pinheiro FH, Cardoso ACV, Santos LCA, Padula NAMR, Capellini AS. Relação entre achados em neuroimagem, ha-bilidades auditivas e metafonológicas em es-colares com dislexia do desenvolvimento. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(3):315-22.

20. Oliveira AM, Cardoso MH, Pinheiro FH, Ger mano GD, Capellini SA. Desempenho de es colares com dislexia e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade nos processos de leitura. Rev Bras Cresc Desenv Hum. 2011; 21(2):344-55.

21. Germano GD, Capellini SA. Eficácia do pro-grama de remediação auditivo-visual compu-tadorizado em escolares com dislexia. Pró-Fo-no R Atuali Científ. 2008;20(4):237-42.

22. Silva APC, Capellini SA. Programa de reme-diação fonológica em escolares com dificul-dades de aprendizagem. J Soc Bras Fonoau-diol. 2011;23(1):13-20.

23. Toscano RDGP, Anastasio ART. Habilidades auditivas e medidas da imitância acústica em crianças de 4 a 6 anos de idade. Rev CEFAC. 2012;14(4):650-8.

Trabalhorealizadoparaconclusãodapós-graduaçãoem Psicopedagogia, pela Faculdade Nossa Senhora de Lourdes, João Pessoa, PB, Brasil.

Artigo recebido: 20/12/2013Aprovado: 30/1/2014

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ASSOCIADOS TITULARES – ABRIL 2014

ALAGOASMaceió

ELIANE CALHEIROS CANSANÇÃ[email protected] (82) 3223-4258 – Farol

BAHIAItabuna

GENIGLEIDE SANTOS DA [email protected](73) 3617-0372 – São Caetano

Salvador

DEBORA SILVA DE CASTRO [email protected](71) 3341-2708 – Candeal

CEARÁFortaleza

ANDRÉA AIRES COSTA DE OLIVEIRA [email protected](85) 3261-0064 – Aldeota

DALMA RÉGIA MACEDO [email protected](85) 3491-2280 – Vila União

ELIANE CÁSSIA ROCHA BLANES [email protected](85) 3244-2820 – Dionísio Torres

ELIANE LACERDA FERNANDES DE [email protected](85) 8699-3407 – Meireles

ELISABETE SILVEIRA CASTELO [email protected](85) 3281-1673 – Rodolfo Teófilo

FRANCISCA FRANCINEIDE CÂ[email protected](85) 3272-3966 – Fátima

GALEÁRA MATOS DE FRANÇA SILVA [email protected](85) 3264-0322 – Aldeota

GERALDO LEMOS DA [email protected](85) 3246-7000 – Dionísio Torres

LUCIANA QUEIROZ BEM [email protected](85) 3101-2201 – Farias Brito

MARIA JOSÉ WEYNE MELO DE CASTRO [email protected](85) 3261-0064 – Parque Manibura

Tianguá

GRAÇA MARIA DE MORAIS AGUIAR E [email protected](88) 9963-5854 – Centro

DISTRITO FEDERALBrasília

MARINA LIMA [email protected](61) 3326-9314 – Asa Norte

ESPÍRITO SANTOVitória

CHEILA ARAUJO MUSSI [email protected](27) 99969-5545 – Santa Lúcia

MARIA DA GRAÇA VON KRUGER [email protected](27) 3225-9978 – Praia do Canto

GOIÁSAparecida de Goiás

LUCILA MENEZES GUEDES [email protected](62) 3259-3592 – Setor Bueno

Goiânia

DENISE ARAUJO SANTOS BAIOCCHI [email protected](62) 3259-6666 – Nova Suíça

LUCIANA BARROS DE ALMEIDA [email protected](62) 3293-3067 – Setor Marista

MATO GROSSOCuiabá

ÂNGELA CRISTINA MUNHOZ [email protected](65) 9214-4484 – Jardim Cuiabá

MARIA MASARELA MARQUES DOS [email protected](65) 3028-1372 – Campo Velho

MINAS GERAISCampanha

RAMONA CARVALHO FERNANDEZ [email protected](35) 3261-2119 – Centro

Elói Mendes

JANAINA CRISTIANE GUIDI [email protected](35) 3264-3397 – Centro

Pouso Alegre

CLAUDIA MARQUES CUNHA [email protected](35) 3422-2050 – Fátima

SãoGonçalodoSapucaí

MARÍLIA VIEIRA SIQUEIRA DE [email protected](35) 3241-3195 – Centro

Uberlândia

MARIA CLARA R. R. [email protected](35) 3212-3496 – Centro

REGINA CLAUDIA A. S. [email protected](35) 3214-5660 – Jardim Andere

Varginha

ELISA MARIA MAGANHA SOARES CÂ[email protected](35) 3221-7949 – Vila Pinto

PARÁBelém

MARIA DE NAZARÉ DO VALE [email protected](91) 9981-2076 – São Braz

PARANÁCambé

NEOCLEIDE [email protected](43) 3223-2654 – Centro

Curitiba

ADRIANE CREDIDIO R. C. DYMINSKI [email protected](41) 3672-3454 – Jardim Menino Deus

CINTIA BENTO M. VEIGA [email protected](41) 3332-2156 – Rebouças

EVELISE M. LABATUT PORTILHO [email protected](41) 3271-1655 – Prado Velho

FABIANE CASAGRANDE C. O. [email protected](41) 3022-4041 – Batel

SONIA MARIA GOMES DE SÁ KUSTER [email protected](41) 3264-8061 – Centro

PERNAMBUCOJaboatão dos Guararapes

LEOPOLDINA MARIA ARAUJO DE [email protected](81) 3341-8411 – Candeias

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Recife

MANUELA BARBOSA PIMENTEL DE [email protected](81) 9694-7857 – Boa Viagem

PIAUÍFloriano

RAIMUNDA FERREIRA PAIVA [email protected](89) 3515-1156 – Centro

Teresina

JOYCE MARIA BARBOSA DE [email protected](86) 3221-1013 – Centro/Sul

RIO DE JANEIRONiteroi

FÁTIMA GALVÃO [email protected](21) 2710-5577 – Icaraí

Rio de Janeiro

ANA MARIA ZENÍ[email protected](21) 2556-3767 – Flamengo

ANA PAULA LOUREIRO E [email protected](21) 2436-1803 – Jacarepaguá

CLYTIA SIANO FREIRE DE [email protected](21) 2247-3185 – Ipanema

DIRCE MARIA MORRISSY [email protected](21) 2236-2012 – Copacabana

HELOISA BEATRIZ ALICE [email protected](21) 2259-9959 – Jardim Botânico

MARIA LÚCIA DE OLIVEIRA [email protected](21) 9345-4020 – Botafogo

MARLENE DIAS PEREIRA [email protected](21) 9739-5332 – Leblon

MARTHA IZAURA DO NASCIMENTO TA-BOA [email protected](21) 2570-0065 – Barra da Tijuca

RIO GRANDE DO NORTENatal

EDNALVA DE AZEVEDO [email protected](84) 3221-6573 – Lagoa Seca

RIO GRANDE DO SULCasca

BEATRIZ ANA ZAMBON [email protected](54) 3347-1394 – Centro

Espumoso

JUSSÂNIA MARIA GADENS [email protected](54) 8411-1438 – Jardim dos Coqueiros

Não-Me-Toque

MARIA DE LOURDES EILERT [email protected](54) 3332-1400 – Centro

Nova Prata

CLADISMAR LUIZA [email protected](54) 3342-2507 – Centro

Paraí

LIANE FÁTIMA PASINATO [email protected](54) 3477-1158 – Centro

Passo Fundo

EVA ALDA MEDEIROS [email protected](51) 3334-1675 – Petrópolis

IARA SALETE CAIERÃ[email protected](54) 3311-5230 – Centro

ROSANITA MOSCHINI [email protected](51) 3516-6859 – Boa Vista

SANDRA MARIA CORDEIRO SCHRÖEDER [email protected](51) 3328-3872 – Chácara das Pedras

SANTA CATARINAFlorianópolis

ANA CRISTINA BARBOSA [email protected](48) 3223-0641 – Centro

JANICE MARIA [email protected](48) 8453-7791 – Ingleses

Maravilha

SILVANA MARIA BEDUSCHI DA [email protected](49) 3664-2186 – Centro

SÃO PAULOBragançaPaulista

MÁRCIA [email protected](11) 4032-5809 – Centro

Campinas

MARIA LAURA CASSOLI [email protected](19) 3254-2714 – Jardim N. Sra. Auxi-liadora

São Paulo

ANA LISETE P. [email protected](11) 3885-7200 – Jardim Paulista

CARLA [email protected](11) 3815-5774 – Vila Madalena

CLEOMAR LANDIM DE OLIVEIRA [email protected](11) 99302-5501 – Moema

DILAINA PAULA DOS [email protected](11) 99219-5114 – Santana

LEDA MARIA CODEÇO [email protected](11) 3045-9064 – Vila Olímpia

LUCIA BERNSTEIN [email protected](11) 3209-8071 – Aclimação

MÁRCIA ALVES SIMÕ[email protected](11) 98192-0921 – Tatuapé

MARIA BERNADETE GIOMETTI PORTÁ[email protected](11) 2950-6072 – Santana

MARIA CRISTINA [email protected](11) 5081-2067 – Vila Mariana

MARIA IRENE DE MATOS MALUF [email protected] (11) 3258-5715 – Higienópolis

MARIA TERESA MESSEDER [email protected](11) 3023-5834 – Alto de Pinheiros

MARISA IRENE S. CASTANHO [email protected](11) 3491-0522 – Ipiranga

MÔNICA HOEHNE [email protected](11) 5041-1988 – Indianópolis

QUÉZIA BOMBONATTO [email protected](11) 3815-8710 – Vila Madalena

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www.abpp.com.br - [email protected]

A Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) éuma entidade de caráter científico-cultural, sem finslucrativos, que congrega profissionais militantes na área da Psicopedagogia.

Em 12 de novembro de 1980, um grupo de profissionais jáenvolvidas e atuantes nas questões relativas aos problemas da aprendizagem fundou a Associação Estadual dePsicopedagogos do Estado de São Paulo, a AEP.Devido ao grande interesse em torno dessa Associação, a sua expansão a nível Nacional surgiu como necessidade imperiosa.Em 1986, a AEP transformou-se na ABPp e gradativamente foram sendo criados os seus escritórios de representação por todo o Brasil, denominados de Núcleos e Seções.

Durante estes anos, a ABPp vem cuidando de questões referentes à formação, ao perfil, à difusão e ao reconhecimento da Psicopedagogia no Brasil, já tendo alcançado muitas vitórias na luta pela sua regulamentação. Atualmente (2014), a ABPp possui 15 Seções e 3 Núcleos, distribuídos pelo território nacional, estando devidamente vinculados e sob sua orientação.

A ABPp promove conferências, cursos, palestras, jornadas,congressos, bem como a divulgação de trabalhos sobre sua área de atuação, por meio da revista científica Psicopedagogia, da Revista do Psicopedagogo, do informativo Diálogo Psicopedagógico e do site www.abpp.com.br. Oferece, ainda, descontos tanto nos eventos queorganiza quanto em eventos de terceiros, que são parceiros einteressados nos assuntos desta área.

Preocupada com as questões sociais, a atual diretoria da ABPp Nacional organizou um novo trabalho de cunhosociocientífico, que visa não só ao atendimento da população carente, promovendo a inserção social e a divulgação da importância da prática psicopedagógica, como também à implantação de um novo modelo de estudo e pesquisa nesse campo. Dele poderão participar todos osassociados interessados em prestar um trabalho social.

Podem associar-se à ABPp todas as pessoas interessadas nessa área de atuação, tendo ou não concluído a sua especialização em Psicopedagogia.

30

ANOS

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