Revista Do Professor de Educação Infantil

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Prêmio Professores do Brasil Entrevista Miguel Arroyo Relato Proinfantil Em debate Avaliação Revista do Professor de Educação Infantil do Professor de Educação Infantil

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  • Prmio Professores do BrasilEntrevistaMiguel Arroyo

    RelatoProinfantil

    Em debateAvaliao

    Revista

    do Professor de Educao Infantildo Professor de Educao Infantil

  • expediente

    Presidente da RepblicaLuis Incio Lula da Silva

    Ministro da EducaoFernando Haddad

    Secretrio ExecutivoJose Henrique Paim Fernandes

    Secretrio de Educao BsicaFrancisco das Chagas Fernandes

    Diretora de Polticas de Educao Infantil e Ensino FundamentalJeanete Beauchamp

    Coordenadora Geral de Educao InfantilKarina Rizek Lopes

    Consultora EditorialVitria Lbia Barreto de Faria

    Jornalista ResponsvelAdriana Maricato - MTB 024546/SP

    EditorAlex Criado

    ReportagemAdriana Maricato de Souza, Adriano Guerra e Edit Silva

    Direo de ArteProjects Brasil Multimdia

    Projeto GrcoProjects Brasil Multimdia

    Criao e DiagramaoProjects Brasil Multimdia

    FotograasAndr Dusek e Joo Castilho

    RevisoProjects Brasil Multimdia

    Foto da Capa:Jardim de Infncia 21 de abril, Braslia-DF

    Endereo para correspondncia:Ministrio da Educao - Coordenao Geral de Educao Infantil DPE/SEBEsplanada dos Ministrios, Bloco L - Edifcio Sede, 6o andar Sala 62370047-900 Braslia DF. Tel: (61) 21048645E-mail: [email protected]

    Tiragem desta edio: 200 mil exemplaresPublicao nanciada pelo Projeto Unesco 914 BRA 1095Novembro de 2006.

  • sumrio

    183

    2 Carta ao Professor

    3 Entrevista

    8 Caleidoscpio

    18 Matria de Capa

    26 Professor Faz Literatura

    27 Artigo

    30 Relato

    33 Reportagem

    35 Resenhas

    37 Notas

    39 Dilogo

    41 Artesum

    rio

  • 2 revista criana

    carta ao professorcarta ao professor

    Cara professora e caro professor,

    O Ministrio da Educao (MEC) apresenta uma nova edio da Revista Criana. Com isso, esperamos consolidar a idia de que um pas democrtico passa necessariamente pela educao. Uma educao com qualidade social e que comea logo na primeira infncia. Da, a importncia de valorizar o papel daqueles que cuidam e educam nossas crianas pequenas. Trabalhamos para que a Revista Criana continue sendo um real instrumento de formao continuada. Por isso, reunimos cuidadosamente artigos, reportagens e informaes que consideramos valiosos para professores e professoras.

    A Matria de Capa, por exemplo, sobre o Prmio Professores do Brasil 2005, que representa a uni cao dos dois prmios concedidos anteriormente: um para o ensino fundamental e outro para a Educao Infantil. A matria mostra os vencedores, mas principalmente, trata dos projetos premiados, na expectativa de que eles possam ser replicados pelo pas afora.

    O entrevistado desta edio Miguel Arroyo, especialista em educao e infncia e professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Ele fala da mudana drstica que a imagem da infncia sofreu nos ltimos anos e tambm de como deveria ser a formao daqueles que lidam com a Educao Infantil.

    Na seo Caleidoscpio, o processo avaliativo na Educao Infantil abordado sob trs pontos de vista. Esta edio da Revista Criana traz tambm uma complementao da reportagem sobre leitura, publicada no nmero anterior. Nela, abordamos a necessidade de o professor e professora tornarem-se leitores. Na seo Professor Faz Literatura, apresentamos dois poemas sobre a leitura. Este o espao para voc, professor e professora, mostrar a sua produo literria.

    A partir desta edio, a antiga seo Artigo foi divida em duas: Artigo e Relato. O primeiro continua sendo uma re exo terica. Neste nmero, trata do currculo na Educao Infantil. O segundo consolida o carter de relato de experincia signi cativa. Aqui, tratamos do programa de formao de professores e professoras da Educao Infantil, o PROINFANTIL.

    Trazemos ainda duas resenhas, uma das Memrias Inventadas de Manuel de Barros, e outra do CD P com P, do projeto Palavra Cantada. Na seo Arte, apresentamos quadros do pintor holands Albert Eckhout, que viveu no Recife no sculo XVII. E na seo Dilogo, continuamos respondendo as dvidas e sugestes de vocs, nossos leitores e leitoras.

    En m, esperamos que, com esta nova edio, a Revista Criana se torne cada vez mais a revista do professor e da professora de Educao Infantil desse imenso pas, que pode e deve ser de todos.

    Boa leitura!

  • Imagens quebradasAdriano Guerra | Belo Horizonte/MG

    As imagens da infncia eram vidro e se quebraram. O especialista em educao e infncia Miguel Arroyo busca compreender a realidade que est por trs da idia de que os alunos j no so os mesmos. Repensar os educandos , para ele, encontrar a prpria identidade do educador.Arroyo Professor emrito da Faculdade de Educao da UFMG e PhD (Doctor of Philosophy) em Polticas de Educao pela Universidade de Stanford, na Califrnia/EUA. Espanhol de nascimento e cidado brasileiro por opo, h muito tempo ele se disps a enfrentar um dos maiores desa os para o Pas: construir polticas de educao abrangentes, que levem em conta as desigualdades em que vivemos.

    revista criana 3

    Existe um choque entre a realidade da escola e o que as crianas vem fora dos seus muros?

    Estamos inseridos num mundo onde as imagens ro-mnticas da infncia j se destruram. Outro dia me fa-laram sobre um pai que esta-va muito preocupado porque apareceu um cadver na por-ta da creche e as crianas o viram. Esse um choque to brutal para crianas entre 3 e 4 anos, que o pro ssional de educao deve estar bem preparado para trabalhar com isso. Hoje h choques brutais que a infncia padece, cho-ques prprios de adultos. O professor tem que ser forma-do para trabalhar os valores, a tica, as identidades.

    Uma criana negra que vive, por exemplo, num meio cheio de preconceito racial: se os educadores souberem apenas ensinar a ler, a cantar, no d. No temos mais aquela in-fncia orida, de rodinha, de cantar. Hoje a infncia mui-to sofrida e temos que estar

    preparados para isso, assim como um pediatra tem que estar preparado para corpos desnutridos, baleados, vtimas de violncia sexual.

    Eu tenho medo de haver ain-da uma viso romantizada da infncia. As imagens romnti-cas da infncia se quebraram.

    hora de preparar os profes-sores para lidar com essa in-fncia real.

    O que signi ca culturas infantis?

    O ser humano no nasce pronto, ele construdo num processo longo que acom-panha a vida toda. A partir

    entrevista

    Foto: Joo Castilho

  • de determinantes biolgicos e das concepes culturais vo criando-se as diversas temporalidades e cada tempo tem suas especicidades. A infncia uma delas, como a adolescncia, a juventude, a vida adulta e como a velhice. So tempos em que o ser hu-mano est em um dado mo-mento da construo da sua mente, das suas faculdades superiores, assim como de seus valores e de sua tica. Estas temporalidades variam de acordo com cada povo e cultura. Num ambiente rural, a infncia, provavelmente, ser mais curta.

    As condies sociais e culturais determinam a pr-pria durao da infncia e desses outros tempos?

    Sim, determinam a durao, as maneiras de viver esses tempos e o imaginrio que se tem sobre eles. Desde o livro clssico de Philippe Aries na dcada de 19601, chamou-se a ateno para o fato de que a infncia no sempre a mes-ma, ela passa por temporali-dades diferentes e, historica-mente, ela se constri como um tempo diferenciado. Uma coisa a infncia nos tempos mais primitivos e outra a in-fncia na Idade Medieval.

    Como as diretrizes nacio-nais podem atender di-versidade cultural e ser, ao mesmo tempo, orientao segura para a formulao de propostas pedaggicas?

    entrevista

    4 revista criana

    Antes das diversidades re-gionais, ns temos a dos su-jeitos humanos. Passamos por tempos diversos da vida, ento temos que respeitar a infncia em suas especi-cidades. Temos que ter um currculo para a formao da adolescncia, dentro dessa especicidade do que ser adolescente. Os Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs) prevem isso, de certa forma.

    No, no d. Entre outros aspectos, so muito diferen-tes as vivncias de uma crian-a de classe mdia em rela-o a uma criana que mora na favela. Se vamos falar dos processos de humanizao, de construir-se como huma-nos, eles so muito diferentes. Hoje, temos crianas que no passam sequer por processos de humanizao.

    A infncia popular hoje est vivendo um dos seus momen-tos mais dramticos. No mo-mento em que voc encontra crianas na rua, em risco social, ameaadas pela droga, amea-adas pela violncia, crianas de 9 e 10 anos exploradas se-xualmente, ento precisamos ter um projeto especco de educao para elas.

    Diante disso, eu no posso ter o mesmo processo de Edu-cao Infantil, nem o mesmo currculo de Educao Infantil. Temos que tomar conscincia de que as polticas universa-listas no do conta das vi-vncias to desiguais da infncia.

    Como trabalhar as diversidades?

    Estvamos falando da di-versidade das infncias por classes. A mesma coisa por gneros: muito diferente um menino, que cedo o pai diz vai pra rua e tem que trazer comida e alguns trocados e voc, menina, ca cuidando de seus irmozinhos. Uma criana, uma pr-adolescen-

    1 Histria social da criana e da famlia. LTC Editora.

    As imagens romnticas da infncia

    se quebraram. hora de preparar os

    professores para lidar com a infncia real.

    As diversidades de classe so muito mais fortes: se at agora falamos em infncia, quando vemos as diversidades de classe, vamos ter que falar em infncias. Porque uma coisa ser criana em uma favela, com o pai desemprega-do, com uma me que tem que sair de casa cedo para poder trazer comida para a casa, ser uma criana de seis anos que cuida do irmozinho de dois. Essas infncias so muito di-versas das infncias de classe mdia, das infncias da elite. Nesse sentido, temos que ter um projeto de Educao Infan-til para cada infncia.

    D para atender s deman-das da infncia popular da mesma forma que se atende crianas da classe mdia?

  • te, normalmente, j tem que sair para trabalhar fora, para cuidar dos lhos dos outros, para trazer um dinheiro para a casa. E o menino sai e en-tra nas drogas. So condies diferentes para cada gnero, assim como, um problema muito srio, por raa. Tem que haver polticas especcas.

    O senhor defende as po-lticas armativas tambm dentro da infncia?

    Sim, quanto mais h reali-dades negativas, mais temos que ter polticas armativas. Se hoje as camadas popula-res e sua infncia vivem reali-dades to negativas, elas tm que ter aes armativas. Ou-tro dia, estava em uma escoli-nha ao lado de uma favela, e a diretora me colocou algumas questes que so muito dife-rentes daquelas de um jardim de infncia. Ela disse: eu no posso insistir que as crianas

    irmzinha e a irmzinha chega aqui duas horas depois. Na hora de sair, a mesma coisa. Voc pode ser rgido com a classe mdia, porque eu pego um carro, vou l e busco meu lho, mas na escolinha da fa-vela no, porque a prpria me no sabe que horas chega o nibus. Por isso, as propostas educativas para as infncias populares tm que ser muito mais sensveis.

    Que tipo de formao o professor da Educao In-fantil precisa ter para incor-porar este modelo?

    Temos que acabar com a formao generalista. Tem que ser bsica para todo edu-cador e depois para as especi-cidades dos tempos da vida. O educador de infncia teria que conhecer muito a histria social da infncia, a psicologia da infncia, isso de uma ri-queza! Deveramos conhecer a diversidade de formas da in-fncia, sobretudo em um pas como o nosso, de tantas de-

    sigualdades. Os futuros prossionais devem

    conhecer como vivem as crian-

    as, como se so-cializam, que valores

    aprendem, que cuidados pre-cisam, que proteo tm.

    Depois, tem que entender muito mais sobre o desenvol-vimento humano. Teramos que estudar como se processa o desenvolvimento no crebro

    de uma criana em cada tem-po. Depois, teramos que saber coisas especcas para traba-lhar os valores da infncia.

    No entanto, os cursos hoje nos preparam muito para co-nhecer os contedos, para transmitir as matrias. A esco-

    5revista criana

    Se hoje as camadas populares e sua infncia vivem realidades to negativas, elas

    tm que ter aes armativas.

    la trabalha muito as habilida-des de leitura, de escrita mas muito pouco os valores.

    Ainda hoje se pensa que a infncia um perodo de preparao para alguma coi-sa que ainda est por vir...

    A entramos na questo de como entender a infncia. O que torna a infncia um tem-po especco? Ela um tem-po de no fala, um tempo de no ter o domnio da razo, do verbo, da lgica do pen-samento racional. A infn-cia se dene pelo negativo, essa sempre foi a tendncia. A infncia era uma espcie de fase mais prxima entre o bicho e o ser humano: tempo dos instintos, do choro, do no controle, dos caprichos.

    Ela vista como um tempo que no tem identidade, que no se dene por si mesmo, se dene em relao vida adul-

    cheguem na hora certa, por-que h dias em que a me sai muito cedo, deixa por conta da

    entrevista

  • ta, tida como o tempo nobre da vida humana. A vida adul-ta o tempo do raciocnio, da fala, das grandes decises, da

    gesto do mundo, da gesto da cidade e, nesse sentido, todos os tempos anteriores vida adulta so considerados tempos preparatrios.

    Mas eu no considero que a infncia seja uma preparao para a cidadania. A infncia um tempo de cidadania. No se preparam crianas e ado-lescentes para um dia serem sujeitos de direitos, eles j so sujeitos de direitos, esta uma mudana recente.

    Essa concepo j est incorporada legislao brasileira, s diretrizes das polticas de educao?

    Est incorporada no Estatuto da Criana e do Adolescen-te (ECA) por exemplo. O ECA tem 15 anos e no diz apenas preparemos a infncia para um dia ter seus direitos, ele diz que os direitos da infncia e do adolescente devem ser vivi-dos agora. O ECA nos diz que a criana tem direito a comer, a brincar, moradia, educa-o. O maior direito que uma criana tem ser criana.

    Como o senhor situa o brincar na Educao Infantil e no ensino fundamental?

    Antigamente, nos referamos Educao Infantil a at, no mximo, 6 anos. Para a escola, a infncia muito curta. Uma das coisas que temos que fazer hoje alongar o tempo de infncia. O ideal seria en-tender que a infncia penetra na educao fundamental. Ela vai at os 9 anos, no mnimo. Na famlia, por exemplo, para ns, 8 anos criana, 9 anos criana.

    O que isso traria em termos de mudana para a escola?

    Isso muda radicalmente a escola. Se voc tivesse uma poltica de educao em que a infncia fosse de 0 a 9 anos, ns no estragaramos essa fase com os pr-escolares e escolares de 1a 4a srie. Se partssemos dos tempos da vida, de suas especicidades, poderamos dividir esse longo tempo da infncia em trs ou-tros perodos: de 0 a 3 anos, um perodo da primeira infn-cia; de 3 a 6, um perodo da segunda infncia; de 6 a 9, a terceira infncia.

    O que isso mudaria no currculo?

    Mudaria a concepo da educao. Primeiro, teramos que entender que educar permitir que o indivduo se de-senvolva como ser humano. Desenvolva todas suas poten-cialidades, identidades, valo-

    res, sua tica, sua mente, sua auto-estima, sua capacidade motora, sua corporalidade. A infncia um grande tempo para se desenvolver tudo isso. Mas, como? Seria o modelo escolar? Eu acho que no. O modelo escolar est muito fo-cado em apenas algumas ha-bilidades.

    Qual a mudana que preci-sa ocorrer?

    Precisamos pensar o que ser criana, o que signi-ca essa fase, esse tempo da vida, e nos perguntarmos: como desenvolver sua mente, que ainda de criana, seus valores, seu relacionamento, sua sociabilidade, seu corpo? Vamos desenvolver isso atra-vs do brinquedo, da habilida-de de mexer, trabalhar o sen-sorial, a dimenso corprea, a dimenso de sua identidade como menino, como menina.

    Isso tem sido feito de for-ma intuitiva...

    intuitivo, mas h proje-tos de Educao Infantil que fazem isso de uma maneira muito consciente, existem professores que se preparam para isso. A minha denio que tenhamos uma proposta de educao para a infncia que respeite seu tempo e tra-balhe a totalidade de desen-volvimento nesse tempo, at os 9 anos, invadindo o ensino fundamental. Eu diria que, no Brasil, a educao na primei-ra e na segunda infncia ainda tm uma concepo totalizan-

    O ideal seria entender que a infncia penetra

    no ensino fundamental. Ela vai at os 9 anos,

    no mnimo.

    revista criana6

    entrevista

  • te. O currculo seria um proje-to, uma proposta de educao que abrangesse essa totalida-de. No de uma maneira intui-tiva, espontanesta, que o que geralmente se faz.

    Como ver a nsia de alfa-betizao nesse tempo da infncia?

    Claro que temos que alfabe-tizar, mas fazendo da prpria alfabetizao um processo em que possamos desenvolver a plenitude da capacidade da criana. O que no podemos dizer que primeiro deve-se aprender a ler para, depois, aprender o resto. Claro que diferente a abordagem de 6 a 9 anos, como diferente de 3 a 6, ou de 0 a 3. Mas, a partir dessas especicidades, preciso ter um projeto de Educao Infantil mais amplo, que englobe todo o tempo da infncia.

    Isso representa tambm uma mudana radical na es-cola.

    Seria uma mudana radical no modelo de escola. Sobre-tudo, teramos que comear por fortalecer a educao nos primeiros anos da infncia, ter

    um projeto que d conta dis-so, preparar prossionais, ter projetos arquitetnicos ade-quados e, depois, esse projeto ir invadindo, contaminando, de baixo para cima, o antigo pr, at contaminar a 1a 4a srie, ao menos, que o que chamamos de ciclo da infn-cia no ensino fundamental.

    Como o senhor v essa discusso sobre a incluso da criana de seis anos no ensino fundamental?

    J inclumos a criana de 6 anos no primeiro ciclo quando implantamos a Escola Plural (Projeto Poltico-Pedaggico da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte), em 1994. O ci-clo da infncia no ensino fun-damental era at os 8 anos; 9, 10 e 11, o ciclo de pr-adoles-cncia; e 12, 13 e 14 o ciclo da adolescncia. Mas veja, o que ns zemos foi acabar com as sries. Ento, voc no estava incluindo a criana de 6 anos na 1a srie. Ns a inserimos no ciclo da infncia.

    O senhor estava aumen-tando a infncia?

    Sim, estvamos fazendo com que a infncia invadisse

    revista criana

    a 1a srie. E a pr-adolescn-cia, que era 9, 10 e 11 anos, ainda estava bem prxima da infncia. Na realidade, ns ti-ramos os de 11 anos, que an-tes estavam na educao de 5a a 8a srie e passamos para baixo. Em vez de invadir de cima para baixo, o contrrio: respeitar a infncia como infncia e a pr-adolescn-cia como pr-adolescncia. E nunca fazendo com que a pr-adolescncia fosse invadida pela adolescncia e nem inva-disse a infncia, que no Brasil de 0 a 6 anos. Agora, se for colocar os de 6 anos no en-sino fundamental, com todas as caractersticas de sries, de ensinar a ler e a escrever, de matar a infncia, eles vo sofrer. Isto pode ser um de-sastre. Se for para escolarizar a infncia, eu sou contra. Se for para respeitar a infncia, sou a favor.

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    entrevista

  • A avaliao na Educao Infantil uma das questes mais difceis para os professores. Por esta razo tem sido tema de muitas reexes dos especialistas nos ltimos anos. Novos conceitos foram construdos, novas prticas foram desenvolvidas. Mas continua sendo fundamental aprofundar esse debate, pois avaliar implica avaliar-se, rever conceitos, fazer escolhas e tomar decises: o que avaliar? para qu avaliar? como avaliar? com que instrumentos avaliar?

    Neste caleidoscpio, reunimos trs especialistas no assunto. Claudia de Oliveira Fernandes, professora da PUC do Rio de Janeiro e da UNIRIO, trata dos conceitos envolvidos na prtica avaliativa. A tambm professora da PUC-RJ e diretora pedaggica da Casa Monte Alegre, Adrianne Ogda Guedes, aponta aspectos que podem facilitar a construo de instrumentos avaliativos ecazes. E Rosana Arago relata a experincia de construo do Portflio como instrumento de avaliao, detalhando os caminhos trilhados e os avanos conseguidos.C

    AL

    EID

    OS

    C

    PIO

  • revista criana

    caleidoscpio

    Avaliao sempre envolve uma concepo de mundoClaudia de Oliveira Fernandes*

    ...Mal Alecrim segurou a maria-mole, percebeu como era incrivelmente macia. E cheirosa. Levou-a para seu cantinho na biblioteca, sentou-se em cima dela, pulou, e aprovou. Agora, tenho um timo travesseiro. Na manh seguinte, acordou com a cabea cheia de acar e coco ralado. Que maravilha! deslumbrou-se. Vai me dar pensamentos doces. Deu uma lambida na ponta dos cabelos. Hummm! E uma delcia tambm. Nunca tive um travesseiro to bom. Rosa Amanda StrauszAlecrim, Ed. Objetiva, 2003

    Um certo olhar

    A personagem Alecrim en-tende que ter sonhos doces ao dormir com um travesseiro de maria-mole. E voc, gosta de maria-mole? Voc teria um travesseiro em que, ao acordar pela manh, seu cabelo esti-vesse cheio de acar e coco ralado? Depende do ponto de vista, no? Alguns odiariam a idia, outros, como Alecrim, achariam o mximo! Com a avaliao acontece a mesma coisa: depende do ponto de vista!

    A concepo que o profes-sor possui sobre a funo da avaliao depende de sua histria de vida, de suas lem-branas escolares, de suas ex-pectativas em relao s suas crianas, de sua perspectiva terica, da maneira como se percebe na pro sso.

    Ora, se a Educao Infantil tem por funo primeira so-cializar, inserir nossas crian-as no mundo que as cerca de maneira criativa, compro-

    missada, responsvel, bem como perpetuar e criar conhe-cimentos e culturas, como si-tuar a avaliao escolar nessa perspectiva?

    Fala-se muito acerca de uma avaliao que no pode ser excludente, classi catria, que selecione, segregando as crianas e separando aque-las que prometem uma vida escolar de sucesso das que estariam fadadas ao fracasso, que infelizmente, no s es-taria reservado vida escolar do aluno, mas tambm a toda sua experincia de vida futura. Uma marca que o tempo nem sempre consegue desfazer.

    No entanto, at que ponto, ns professores, re etimos sobre nossas aes cotidia-nas na escola, nossas pr-ticas em sala de aula, sobre a linguagem que utilizamos, aquilo que pr-julgamos? Nossas prticas esto imbu-das de aes que fazem parte de nossa cultura, de nossas crenas, e que expressam um certo modo de ver o mundo.

    * Doutora em educao pela PUC-Rio. Professora Adjunta da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO. Realiza pesquisa na rea de avaliao escolar, polticas educacionais em avaliao e orga-nizao da escolaridade em ciclos. Participou da elaborao da proposta de avaliao do PROINFANTIL.

    Esse certo modo de ver o mundo ainda est muito im-pregnado pela lgica da clas-si cao e da seleo, no que tange avaliao.

    Um exemplo: as notas co-locam os avaliados em uma situao classi catria, certo? A partir desta classi cao, podemos separar os melhores dos piores classi cados. Em termos de educao escolar, os melhores seguiro em fren-te, os piores voltaro para o incio da la, refazendo todo o caminho percorrido ao longo de um ciclo de estudos.

    Podemos encontrar escolas privadas de Educao Infantil que, para terem maior legiti-midade e gozarem de maior credibilidade junto aos pais e sociedade, adotam um sistema de avaliao nesse segmento, no qual as crianas recebem uma nota e realizam provas! Isso muito estranho, ou pelo menos incoerente, se pensarmos que queremos que nossas crianas possam gos-tar de descobrir o mundo m-

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  • 10 revista criana

    gico do conhecimento e que aprendam que vo escola para ter prazer, para aprender sem que para isso precisem receber um prmio.

    Para se discutir mudanas no que tange avaliao, an-tes de se propor mtodos e alteraes prticas, preciso pensar no papel social que tem a escola, a pr-escola e a creche, bem como a pro- sso de professor. Ningum dir que a funo da escola selecionar, classi car, excluir. Ningum ousaria, entenden-do a educao escolar como um bem universal, dizer que a escola deveria car apenas com os melhores. Parece que temos claro qual nosso pa-pel e a funo social da insti-tuio a qual nos vinculamos pro ssionalmente. No entan-to, concordando com Sacristn (2001) necessrio desvelar o bvio para resigni car o papel da escola e do ensino pbli-co como um bem universal. fundamental que a discusso

    acerca da funo social da es-cola seja colocada novamente, entre ns educadores, a m de rea rmarmos os valores para os quais ela foi criada. A partir da, ento, podemos comear a discutir todos os elementos do currculo/proposta peda-ggica, inclusive a avaliao.

    Os princpios

    Ora, se pensar sobre avalia-o implica repensar o papel social da escola e da pro s-so de ser professor, estamos falando, portanto, de alguns princpios que devem nortear a avaliao. Eles no devem ser diferentes daqueles que orientam as prticas e as nos-sas crenas acerca do papel da escola e da instituio de Educao Infantil na vida das crianas, de suas famlias e da sociedade.

    Gostaria de destacar alguns princpios que, a meu ver, de-veriam ser norteadores de uma avaliao na instituio de Educao Infantil. So eles:

    caleidoscpio

    o olhar observador, a promo-o das crianas e de suas aprendizagens, a valorizao das experincias culturais das crianas, o desenvolvimen-to da autonomia, a incluso, o dilogo, a preservao da auto-estima favorvel ao cres-cimento, o comprometimento da escola e do professor com o social, o carter formativo da avaliao, a auto-avaliao, a participao, a construo da responsabilidade com o cole-tivo.

    Uma mudana na escola, em direo a prticas mais democrticas de avaliao e, portanto, no classi catrias ou segregadoras, no passa inicialmente, por mudanas de mtodos ou didticas mais contemporneos. Uma mu-dana profunda implica em uma re exo acerca dos prin-cpios que regem nossa ao pedaggica e que nos daro a base para a construo de nosso projeto pedaggico e para os processos de avalia-o que estiverem a inseri-dos. A clareza e a retido de princpios podero nortear uma prtica coerente e prpria de uma escola ou instituio democrtica, compromissada com o crescimento e a valo-rizao das crianas, profes-sores, educadores e funcion-rios.

    Uma avaliao formativa

    A Educao Infantil tem uma prtica de avaliao for-mativa. O que signi ca isto? Muitos autores j conceitu-

  • 11revista criana

    aram esse tipo de avaliao. Podemos entender que a ava-liao formativa aquela em que o professor est atento para os processos e apren-dizagens de suas crianas. O professor no avalia com o propsito de dar uma nota. A avaliao acontece, pois se entende que ela essencial para dar prosseguimento aos percursos de aprendizagem. Continuamente, ela faz par-te do cotidiano das tarefas propostas, das observaes atentas do professor, das pr-ticas de sala de aula. Por m, podemos dizer que avaliao formativa aquela que orienta as crianas para a realizao de seus trabalhos e de suas aprendizagens, ajudando-as a localizar suas diculdades e suas potencialidades, redire-cionando-as em seus percur-sos. Perrenoud (1999, p.143) dene a avaliao formativa como uma avaliao que aju-da a criana a aprender e o professor a ensinar.

    Considerando que a cons-truo da autonomia um dos princpios que orientam a Educao Infantil, apontamos que um aspecto fundamental de uma avaliao formativa

    diz respeito construo da autonomia por parte da crian-a, na medida em que lhe solicitado um papel ativo em seu processo de aprender. Ins-taurar uma cultura avaliativa, no sentido de uma avaliao entendida como parte ineren-te do processo e no desvin-culada para uma atribuio de nota, no tarefa muito fcil. Contudo, sabemos que na Educao Infantil os pro-fessores, de um modo geral, realizam uma avaliao muito prxima da formativa, dado que exercem uma avaliao mais contnua dos processos das crianas, desvinculada da necessidade de pontu-la com indicadores numricos ou de outra ordem, para ns de aprovao. As prticas avaliativas na Educao In-fantil, de modo geral, primam pela lgica da incluso das crianas com vistas sua permanncia e continuidade nas creches, pr-escolas e escolas de Educao Infantil. Dessa forma, podemos con-cluir rearmando que:

    1. fundamental transformar a prtica avaliativa em prtica de aprendizagem.

    2. Avaliar necessrio e condio para a mudana de prtica e continuidade do co-nhecimento.

    3. Avaliar faz parte do pro-cesso de ensino e de apren-dizagem: no ensinamos sem avaliar, no aprendemos sem avaliar. Dessa forma, rompe-se com a falsa dicotomia en-tre ensino e avaliao, como se esta fosse apenas o nal de um processo.

    Assim como Alecrim, pode-mos e devemos romper com o que est institudo. Dormir em travesseiro de maria-mole pode ser muito gostoso. Rom-per com amarras, com o que j est pr-estabelecido, com prticas antigas que s so coerentes com uma escola de dcadas passadas, com uma perspectiva seletiva e, por-tanto, com uma concepo de avaliao classicatria, faz parte do compromisso do educador desse incio de s-culo. Falar em avaliao im-plica, antes de se pensar em como avaliar, reetir acerca do porqu e para que avaliar. Ser que sabemos para que avaliamos?

    Referncias Bibliogrcas

    PERRENOUD, P. Avaliao: da excelncia regulao das aprendizagens, entre duas lgicas. Porto Alegre: Artmed Editora 1999.SACRISTN, G. A Educao Obrigatria - seu sentido educativo e social. Porto Alegre: Artmed Editora 2001.

    caleidoscpio

  • Adrianne Ogda Guedes*

    12 revista criana

    Para abrir nosso dilogo, vale discutir o sentido de ava-liar na educao. A avaliao estar presente o tempo todo em nossa prtica educativa, inclusive nos momentos de insero de novas crianas e ao longo de nossos planeja-mentos. A cada deciso que tomamos, a cada escolha que fazemos - desde uma ativida-de que planejamos, at a for-ma com que lidamos com as crianas - estamos avaliando. A avaliao , portanto, um ato que sugere movimento, re exo e transformao.

    importante ressaltar que a avaliao no um instrumen-to para medir o quanto a crian-a aprendeu nem tampouco uma forma de julgar, reprovar ou aprovar uma criana. A ava-liao, que de fato contribui para o crescimento da criana e para o trabalho do professor, precisa ser mediadora e aco-lhedora. ela que possibilitar o acompanhamento da crian-a em todos os momentos vividos na Educao Infantil, contribuindo com seu avano na ampliao do conhecimen-to de si e do mundo.

    Acompanhar o desenvol-vimento da criana ajuda o professor a rever e aprimorar seu trabalho. Neste sentido avaliar a criana nos leva tam-bm a avaliar nossa prpria ao pedaggica e tambm a instituio na qual estamos in-seridos. A nal, avaliar o mo-vimento de pensar tudo que envolve nossa prtica e bus-car caminhos de torn-la cada vez mais coerente e mais con-textualizada.

    A professora Jussara Hoffmann muito conhecida por suas pesquisas sobre o tema da avaliao educacional a rma que: A avaliao deve ser entendida como uma prtica investigativa e no sentenciva, mediadora e no constatativa. No so os julgamentos que justi cam a avaliao, as a rmaes inquestionveis sobre o que a criana ou no capaz de fazer. (2000: 15). Portanto, no devemos avaliar as crianas para classi c-las, julgando o que sabem ou no sabem fazer, padronizando comportamentos, constatando apenas as suas capacidades, quanti cando seus saberes e apontando seus erros. Sua

    histria deve ser considerada, as conquistas valorizadas, as descobertas apreciadas. Para Hoffmann, a avaliao uma forma de conhecer/investigar o movimento das crianas e, a partir desta investigao, pensar formas de interveno que possam favorecer o desenvolvimento e a ampliao dos conhecimentos da criana. Avaliar comprometer-se com a criana, seu sucesso e suas conquistas.

    Por isso, fundamental es-tudarmos mais sobre o desen-volvimento infantil. Muitas ve-zes as crianas com as quais trabalhamos nos surpreendem com respostas inusitadas que nos mostram o quanto elas pensam sobre o mundo sua volta, bem como as ligaes entre os diversos conheci-mentos que vo construindo na relao com os elementos da cultura, com seus parceiros e com o ambiente. A escuta do ponto de vista da criana , portanto, fundamental! Ela nos revela muito, por um lado, sobre quem aquela criana, quais so as suas vivncias e experincias e, por outro, so-bre a lgica infantil.

    *Diretora pedaggica da Casa Monte Alegre Educao Infantil (RJ), professora do curso de Especializao Educao Infantil: Perspectivas de Trabalho em Creches e Pr-escolas da PUC-RJ e doutoranda em Edu-cao da Universidade Federal Fluminense. Participou da elaborao de textos para o PROINFANTIL.

    Elaborao e organizao de instrumentos de acompanhamento e avaliao da aprendizagem e desenvolvimento das crianas

    caleidoscpio

  • As falas de nossas crianas nos fornecem preciosas pistas sobre suas hipteses, suas idias prprias e, partindo do que elas pensam, podemos desa ar o avano de seus co-nhecimentos com atividades interessantes e instigantes. Tal qual detetives, precisamos olhar, escutar, observar com ateno o que nossas crian-as demonstram, o que lhes chama a ateno. Isto nos for-nece elementos no s para compreender mais sobre cada uma delas, mas tambm para que possamos planejar nosso trabalho. Se soubermos os interesses, curiosidades, d-vidas, di culdades de nossas crianas, podemos pensar em propostas que vo ao encon-tro delas.

    Um aspecto signi cativo da prtica avaliativa o registro (escrito, fotogr co, ou outro). Registrar o vivido pela criana permite que acompanhemos suas conquistas e avanos. importante termos em vista que no podemos nos base-ar apenas na nossa memria, porque ela muitas vezes fa-lha. Se no registramos nos-sas experincias corremos o risco de esquecer detalhes preciosos do vivido!

    A escrita, registro mais co-mumente utilizado na escola, um excelente recurso para ampliar re exo. No de-vemos escrever para prestar contas aos pais ou institui-o. claro que, para os pais, os relatrios das crianas so

    excelentes instrumentos para que eles conheam mais so-bre seu lho e sobre o trabalho que estamos desenvolvendo, mas isso no quer dizer que escrevemos para mostrar o quanto zemos nem para in-dicar o que a criana sabe ou no sabe.

    Registrar por escrito nossas experincias e as observa-es sobre as crianas permi-te que possamos re etir sobre nossa prtica, revendo nos-sos atos, organizando idias e experincias, mapeando as dvidas, relacionando o que vivemos com as teorias. Ceclia Warschauer, professora e edu-cadora, acredita que o registro uma forma de retratar a hist-ria vivida, de deixar marcas. um instrumento que favorece a re exo (1993: 61) e o apri-moramento do professor.

    A re exo o repensar a ao pedaggica num tempo posterior a ela. Neste momen-to, o professor se distancia do imediatamente vivido, po-dendo, com essa distncia, olhar para seus atos de uma outra forma. por meio deste repensar que vamos revendo os caminhos trilhados, plane-jando os prximos passos e articulando os objetivos mais gerais da Educao Infantil e a realidade concreta de nossas crianas.

    Se surgem curiosidades so-bre algum assunto por parte das crianas, se registramos suas perguntas, podemos, em

    outro momento, buscar fontes de consulta para alimentar o trabalho. O professor no pre-cisa ter todas as respostas! Ele na verdade um pesqui-sador que vai buscando dia-a-dia ampliar tambm seus recursos e conhecimentos, junto com suas crianas. O professor algum que ques-tiona, que organiza o grupo em torno das necessidades e curiosidades que surgem. Mais experiente, vai sugerindo caminhos, desdobramentos, desenvolvimentos a partir das idias e sugestes infantis.

    En m, avaliar abrir uma ja-nela para compreender mais profundamente nossas crian-as e a ns mesmos. Assim teremos recursos para apri-morar a educao e faz-la mais e mais uma experincia rica e signi cativa para crian-as e professores.

    revista criana 13

    Referncias Bibliogr cas:

    ESTEBAN, Maria Teresa (org.). Avaliao: uma prtica em bus-ca de novos sentidos. Rio de Ja-neiro: Editora DP& A, 2000.

    HOFFMANN, Jussara. Avaliao na pr-escola: um olhar re exi-vo sobre a criana. Porto Alegre: Editora Mediao, 2000.

    FREIRE, Madalena. A Paixo de conhecer o mundo. Rio de Janei-ro: Paz e Terra, 1983.

    OSTETTO. Luciana Esmeralda. Deixando Marcas... A prtica do registro no cotidiano da educa-o infantil. Florianpolis: Editora Cidade Futura, 2001.

    WARSCHAUER, Ceclia. A roda e o registro, uma parceria entre professor, alunos e conhecimen-to. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1993.

    caleidoscpio

  • 14 revista criana

    O Portflio como novo instrumento de avaliaoRosana Arago*

    O CONTEXTO

    A nossa cultura escolar, ao longo deste sculo, construiu fortes representaes a res-peito da avaliao - padroni-zao, medio, comparao, seleo, mrito - que habitam ainda hoje o imaginrio da so-ciedade em geral. Estas idias in uenciam as prticas esco-lares e so entraves difceis de serem vencidos.

    Na Educao Infantil, ainda hoje, pais, professores, gesto-res e escolas de ensino funda-mental esperam que todas as crianas tenham alcanado a base alfabtica por volta dos 6 anos. Embora divergente das normas da poltica nacional, esta e outras exigncias da comunidade escolar acabam por pressionar a manuteno de uma prtica avaliativa pa-dronizadora e excludente.

    Temos em mente padres universais de desenvolvimen-to, aprendizado e comporta-mento infantil. Na verdade desta forma que construmos o nosso olhar sobre nossos alunos e alunas. Isto nos leva a uma inevitvel classi cao das crianas. Criamos a cate-

    goria das crianasproblema, passando a rotul-las e exclu-las desde muito cedo.

    muito comum, por exem-plo, que se espere que todas as crianas estejam andando com 1 ano, que estejam dese-nhando a gura humana aos 4 anos, ou que todos adorem brincadeiras movimentadas. Se isso no acontece, rapida-mente pensamos que estas crianas esto fora da nor-malidade. A soluo encon-trada encaminh-las para o atendimento de especialistas como psiclogos, fonoaudi-logos, entre outros. Avaliamos nossas crianas, quase sem-pre, levando em con-siderao aquilo que elas no do conta de fazer, segundo nos-sa expectativa.

    Raramente mu-damos o olhar para compreender a histria de cada uma delas, suas possibilida-des, o tanto que j cresceram e o que ainda podem crescer. Tem-se, por ou-tro lado, no prprio espa-

    *Rosana Arago ps-graduada em Educao Infantil pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educao de Minas Geraise Coordenadora Pedaggica do Centro Educacional Balo Mgico, em Lagoa Santa (MG).

    Organizar estratgias de avaliao na Educao Infantil no uma tarefa simples. Neste artigo, relatamos a experincia de construo do Portflio. Ele tem demonstrado ser um e ciente instrumento de avaliao. Alm disso, tem gerado transformaes efetivas nos rumos da nossa prtica pedaggica.

    o da escola um campo frtil para a realizao de mudan-as criativas.

    E neste contexto educacio-nal contraditrio que estamos aqui na escola construindo um projeto pedaggico para crian-as de 0 a 6 anos. Um dos nossos maiores desa os tem sido a organizao de estrat-gias de avaliao.

    No nosso entendimento, a avaliao deve ao mesmo tempo servir para acompa-nhar a trajetria da criana (apontando suas conquistas, possibilidades e di culdades);

    caleidoscpio

  • 15revista criana

    orientar os pais quanto a pos-sveis caminhos a serem tri-lhados na educao de seus lhos e, sobretudo, auxiliar a professora a reetir sobre sua prtica.

    No entanto, para que estas metas se tornem realidade, tem sido necessrio um tra-balho de construo coletiva, que ultrapassa os muros das salas de aula e envolve a to-dos, escola e famlia. Sabemos que esta construo intermi-nvel. Estamos constantemen-te nos avaliando, aprendendo e mudando aquilo que precisa ser mudado.

    A construo do Portflio fruto da nossa busca por uma forma de acompanhamento mais eciente. Este o 4o ano que o utilizamos.

    Breve histria

    Antes do Portflio, vrios tipos de instrumentos de ava-liao foram usados. Nos pri-meiros anos de funcionamento da escola, utilizvamos chas avaliativas contendo aspectos do desenvolvimento infantil. Eram objetivas, porm ex-tremamente padronizadoras. No revelavam o processo vi-vido por cada criana.

    Substitumos as chas por relatrios individuais, com a descrio do desenvolvimen-to das crianas de forma mais reexiva. Semestralmente, es-tes eram enviados para casa. Embora mais positivos que as chas, foram insucientes, pois no funcionavam nem

    como instrumento de acom-panhamento das crianas, nem como material de ree-xo e transformao da prti-ca pedaggica. Preocupadas com o seu formato e, em no rotular as crianas, as profes-soras acabavam fazendo rela-tos genricos, homogneos e subjetivos.

    de ensino-aprendizagem e no favoreciam a aproxima-o entre a escola e os pais. Faltavam tambm dados da histria da criana, sistemati-zados num nico instrumento, para que pudssemos acom-panh-la, individualmente.

    No ano de 2001, o trabalho com uma criana portadora de necessidades educacio-nais especiais estimulou-nos a busca de um novo meio de acompanhamento e avalia-o. Precisvamos recuperar a histria escolar da criana para compreendermos o cres-cimento dela. A construo do Portflio desta criana foi uma experincia estimulado-ra. Juntamos numa pasta toda a histria: fotograas, entre-vistas com as antigas profes-soras, laudos mdicos, pauta de reunio com os pais, psi-cloga, fonoaudilogo, rela-trios, desenhos e bilhetes da me. O resultado foi impres-sionante. Com aquele regis-tro pudemos demonstrar que, ao longo dos trs anos em que esteve na escola, aque-la criana havia conseguido crescer, e muito. Alm disso, cou claro que tinha muitas possibilidades para continuar desenvolvendo-se. Ficamos mais seguras para argumen-tar a favor de sua incluso em uma escola regular do ensino fundamental. Tnhamos em nossas mos registros e dados concretos para nos apoiar.

    No ano seguinte, a discus-so era exatamente o proces-

    Criamos a categoria de crianas-problema,

    passando a rotul-las e exclu-las desde

    muito cedo.

    Nos cinco anos anteriores implantao dos portlios, re-solvemos que os relatrios -cariam na escola, no dossi da criana. Alm do relatrio em si, o dossi conteria amostras de trabalhos e atividades das crianas. A medida priorizava o documento como instrumen-to de trabalho da escola.

    No lugar dos relatrios indivi-duais, passamos a enviar para casa um relatrio geral das atividades desenvolvidas no semestre e nos colocvamos disposio para conversar com os pais que nos procuras-sem. No nal do ano, fazamos uma reunio e compartilhva-mos com cada um deles a lei-tura que vnhamos fazendo do processo de desenvolvimento educacional da criana.

    Aos poucos, estes procedi-mentos tornaram-se insatis-fatrios, pois no permitiam a compreenso do processo

    caleidoscpio

  • 16 revista criana

    so de avaliao das crianas. Inspiradas no Portflio que tnhamos construdo, busca-mos novos materiais, textos e experincias de outras esco-las. Tnhamos em mos o de-sa o de desenvolver um proje-to original, mas sabamos que muitos seriam os obstculos. Assim, vivenciando sentimen-tos diversos de medo, des-con ana, mas tambm de entusiasmo, iniciamos a cons-truo deste projeto.

    O Portflio

    A utilizao de Portflio vem do campo da arte. Artistas plsticos, designers, arquite-tos costumam montar pastas na qual exibem uma seleo de produtos que marcam sua trajetria pro ssional. O pri-meiro passo da construo do Portflio na escola foi de nir os objetivos e as estratgias. Neste momento participaram professoras, coordenadora e diretora da escola.

    Os objetivos de nidos foram acompanhar o processo de aprendizagem e desenvolvi-mento de cada criana, alm de aproximar a escola dos pais, levando-os a participar das etapas do processo ava-liativo.

    Quanto s estratgias, o gru-po decidiu que os Portflios seriam construdos ao longo do ano, com fechamentos bimestrais, quando seriam compartilhados com os pais, em reunies. Organizaramos os Portflios em pastas com folhas plsticas e dele, ini-cialmente fariam parte os se-guintes documentos: cha de identi cao da criana, lista

    e foto com o nome de todas as crianas da turma, relat-rio dos trabalhos realizados a cada bimestre, amostras dos trabalhos das crianas com comentrios das professo-ras (desenhos, escritas etc), fotogra as e relatos escritos sobre o desenvolvimento s-cio-afetivo das crianas. Cada professora teria a liberdade de acrescentar ou retirar docu-mentos, quando assim achas-se necessrio. O Portflio, embora pertencesse s crian-as e aos pais, por no pos-suir cpia poderia ser levado casa, porm logo devolvido escola.

    Ao longo do ano nos dedi-camos para que a experincia fosse bem sucedida. No foi fcil, pois era um projeto novo e desconhecido. Entretanto, ousamos, tomamos flego e seguimos adiante. De um modo geral, o processo foi rico, favoreceu o crescimen-to das professoras, atendeu s expectativas dos pais, e, sobretudo constituiu-se num instrumento de acompanha-mento e avaliao mais com-pleto e e caz que os anterio-res. A escola toda sentiu-se grati cada com a experincia.

    Depois de um ano de ex-perincia, constatamos que havamos dado prioridade ao trabalho em sala, em de-

    trimento do processo de aprendizagem de cada crian-a. Alm disso, alguns pais esperavam que os objetivos do trabalho com as crianas fossem de nidos a cada pe-rodo para servirem de pa-rmetro avaliativo. Assim, depois de muito re etir e dia-logar, o grupo reestruturou o Portflio internamente.

    No segundo ano, o nos-so projeto tornou-se mais claro e conciso. Estvamos nos apropriando do Portflio como real instrumento de tra-balho. Assim, inclumos entre os objetivos do projeto que o Portflio contribuisse para a re exo, aprofundamento e enriquecimento da prtica pedaggica de cada profes-sor. Alm disso, pensamos que seria importante incluir os parmetros a serem utilizados para o acompanhamento das crianas. A incluso dos pais e das crianas no processo avaliativo deveria tambm ser incrementada neste ano.

    Para alcanarmos estes ob-jetivos teramos que modi car a estrutura do Portflio. Assim, inclumos metas bimestrais de trabalho, construdas em con-junto pela professora e coor-denadora e discutidas com os pais a cada novo perodo de trabalho. Estas metas seriam amplas, abrangendo as diver-sas reas do conhecimento e do desenvolvimento infantil.

    A cada bimestre o Portflio mostrava quais projetos e ati-vidades foram desenvolvidas

    Com aquele registro, pudemos demonstrar que, ao longo de trs anos, aquela criana

    havia conseguido crescer, e muito.

    caleidoscpio

  • revista criana 17

    dentro de cada meta e, prin-cipalmente, como cada crian-a se desenvolveu. Como praticamente impossvel que cada professora acompanhe as crianas profundamente em todas as reas, foi decidido que ela escolheria algumas metas por bimestre, para acompa-nh-las mais de perto. Para cada rea selecionada, a pro-fessora faria um relatrio minu-cioso contendo observaes do bimestre sobre a criana. Nas demais reas, ela faria um acompanhamento super cial.

    Uma professora do maternal, por exemplo, decidiu que no 1o bimestre daria mais ateno s metas de adaptao e organi-zao do espao e tempo; ao desenvolvimento da linguagem oral e ao desenvolvimento da autonomia em relao a cuida-dos de higiene e alimentao. No 2o bimestre, ela decidiu con-tinuar acompanhando a ques-to da autonomia das crianas, incluiu o desenvolvimento do desenho, deixando para o 3o bimestre voltar a relatar o de-

    senvolvimento da linguagem oral. Estas reas selecionadas exigiram da professora um em-penho maior de observao e registro. Ela foi intercalando ao longo do ano as reas que receberiam maior ateno, o que poderia variar tambm de criana para criana.

    Para realizar a avaliao des-ta forma, foi preciso reorgani-zar alguns aspectos da nossa prtica escolar. O planejamento do trabalho dirio, os projetos e atividades signi cativas e a avaliao deveriam considerar o eixo central do trabalho de cada bimestre. Ao nal do 2o ano, tnhamos chegado a uma boa estruturao do Portflio.

    A partir de ento passamos a re etir sobre o contedo da avaliao. Ainda temos ne-cessidade de buscar conheci-mentos para aprimorar o olhar sobre cada criana, sobre seus aprendizados, suas di culda-des. No nos contentamos mais em escrever um relatrio que no d continuidade ao anterior, que no tenha histria. Assim, os Portflios anteriores so continuamente utilizados por todas ns da escola e vm se transformando, aos poucos, em instrumentos de trabalho imprescindveis nossa prtica e re exo.

    Alm disso, os Portf-lios tm nos ajudado

    mais do que nunca a tomar conscin-cia da individualida-de de cada criana. Como conseqn-

    cia, temos pensado em

    prticas menos homogenei-zadoras. Novos desa os vm sendo postos medida em que aprofundamos o conhecimento do universo infantil.

    Finalizando, gostaria de en-fatizar que construir Portflios muito mais do que organi-zar uma pasta com amostras de trabalhos das crianas. Se todos da comunidade es-colar estiverem conscientes da sua importncia, tero em mos um valioso instrumento de avaliao do processo de crescimento das crianas, das professoras, e da escola como um todo.

    O Portflio deveria contribuir para o

    enriquecimento da prtica pedaggica de

    cada professor.

    Referncias Bibliogr cas:

    PERRENOUD, P. Avaliao. Da excelncia regulao das apren-dizagens: entre duas lgicas. Porto Alegre: Artmed Editora, 1999.

    HERNNDEZ, F. A avaliao na educao artstica In Cultura visu-al, mudana educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artmed Edi-tora, 2000.

    SHORES, E. e CATHY, G. Manual de Portflio - Um guia passo a pas-so para o professor. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.

    caleidoscpio

  • matria de capa

    Prmio Profess ores do Brasil

    A criatividade foi o caminho encontrado por professoras de Educao Infantil e do ensino fundamental em todo o pas para estimular o aprendizado e o desenvolvimento de crianas de 0 a 11 anos. As idias e so-lues simples, dignas de pr-mios e aplausos, so reconhe-cidas pelo Prmio Professores do Brasil 2005, em parceria com o Ministrio da Educao, Conselho Nacional dos Secre-trios Estaduais de Educao (Consed), Unio Nacional dos Dirigentes Municipais de Edu-cao (Undime) e as Funda-es Orsa e Bunge.

    O Prmio Professores do Brasil uni cou os Prmio Incen-tivo educao fundamental promovido com a Fundao Bunge, e o Prmio Qualidade na Educao Infantil, com a Fundao Orsa. Dessa forma, a iniciativa de identi car experin-cias pedaggicas de qualidade nas duas etapas da educao bsica permite maior integra-o entre elas. Em 2005, 1.330 projetos foram inscritos, sendo vinte premiados, dez na cate-goria Educao Infantil e dez na categoria ensino fundamen-

    tal (veja experincias do ensino fundamental na pgina 25).

    Cada professor premiado re-cebeu um cheque no valor de R$ 5.000,00, um trofu e um diploma. No dia anterior ce-rimnia de entrega do prmio, as professoras selecionadas participaram do 1o Seminrio Professores do Brasil, realiza-do em Braslia, para comparti-lhar suas experincias.

    Mostrar o que foi feito com poucos recursos serve de exemplo. Essa experincia demonstra que possvel me-lhorar e quali car com muito pouco, a rmou o Ministro da Educao Fernando Haddad durante a cerimnia de entre-ga dos prmios. Para ele, a divulgao dos trabalhos pre-miados d destaque s boas prticas educativas.

    As experincias premiadas foram desenvolvidas em es-colas pblicas. A observao e pesquisa de professoras e crianas sobre o cotidiano da comunidade levaram ao de-senvolvimento de experin-cias pedaggicas relevantes. Foi premiada tambm a Co-

    MEC reconhece iniciativas de professoras de todo o Brasil

    ordenao Destaque, respon-svel pelo apoio, divulgao e coordenao do Prmio no Estado que teve como vence-dores: Eva Antonia Cardos Iz-quierdo, da Secretaria Estadual de Educao do Acre, e Jos Claudionor Gomes Cordeiro, da Undime do estado do Acre.

    Os trabalhos no se resu-mem instituio, mas ultra-passam os muros da escola, proporcionando a socializao dessas experincias, desta-cou o secretrio de Educao

    Edit Silva | Braslia-DF

    revista criana18

  • matria de capa

    Bsica (SEB/MEC), Francisco das Chagas Fernandes. Se-gundo ele, o Brasil ainda tem grande dvida com o setor educacional, desde a forma-o do professor de Educao Infantil at a falta de espaos escolares adequados para crianas menores de 7 anos.

    Primeiro Seminrio Professo-res do Brasil

    Um prmio, por si s, no produz melhoria na qualidade

    da educao no pas, a rma Jeanete Beauchamp, diretora do Departamento de Polticas de Educao Infantil e Ensino Fundamental da Secretaria de Educao Bsica (SEB/MEC). O importante que os trabalhos premiados sejam socializados com outros pro-fessores. Assim, eles podem incrementar a sua prtica pe-daggica. Alm do seminrio realizado com os professores premiados, o MEC divulgar

    suas experincias por meio de uma publicao.

    Mostrar o que foi feito com poucos recursos serve de

    exemplo.

    Professoras de cidades do interior e de capitais foram Braslia orgulhosas de seus feitos, estimuladas e impul-sionadas por muitas crianas que ainda no falam, porque tm meses de vida, mas que j frequentam um espao educativo. Durante a realiza-o do seminrio, professoras emocionadas relataram suas experincias, que serviram de estmulo para aguar a inte-ligncia e a curiosidade das crianas, algo primordial nes-sa faixa etria.

    Em 2005, todos os vinte prmios foram entregues a professoras, fato que chamou a ateno da pedagoga Ana Clara Bretos Lima, da Fun-dao Orsa. Ela destaca que: em cinco anos, no mximo, trs professores foram premia-dos. Isso uma perda para a Educao Infantil, porque a -gura masculina fundamental nessa fase da vida.

    Entre as experincias pre-miadas, houve crianas que tiveram a oportunidade de

    Prmio Profess ores do Brasil

    revista criana 19

    Foto: Andr Duzek

  • conhecer instrumentos musi-cais, outras a histria da cida-de onde vivem, ainda as que discutiram o preconceito ra-cial, crianas que aprenderam sobre a educao no trnsito e tambm cultura clssica e popular.

    Pluralidade cultural, cidadania e histria

    O preconceito racial foi o tema do trabalho liderado pela professora Juceli Hack de Oliveira, na EMEF Vereador Arnaldo Reinhardt, em Novo Hamburgo (RS). O projeto A Me frica e seus Filhos bra-sileiros: resgatando a cultura Afro-Brasileira foi desenvol-vido com crianas de 4 a 6 anos, numa cidade marcada pela cultura de in uncia ale-m. Juceli ainda se lembra muito bem do incio: Quando recebemos o primeiro menino negro na sala, houve uma bri-ga por causa de brinquedo e o colega disse para ele esse brinquedo meu, negro. En-to, percebi ser o momento de tratar do tema e apresentei a capoeira, que nasceu no Bra-sil, com ritmos africanos.

    Com a colaborao do Ir-mo Cludio, um padre que viveu na frica, a professora passou a trabalhar com ima-gens, fotos de revistas, mo-delos, desenhos animados, sempre questionando a turma sobre o fato de no haver per-sonagens negros. O livro O Menino Marrom, de Ziraldo, foi lido em grupo e todos es-tudaram as obras da artista plstica Tarsila do Amaral, que retrata os negros. Telas como A Favela e Operrio foram observadas e serviram para que as crianas identi cassem as pessoas da prpria cidade. Houve crticas, mas a profes-sora Juceli assegura que mui-tos pais a procuraram para di-zer que seus lhos mudaram os assuntos das conversas dentro de casa. O debate ra-cial no tema para um ano, para toda a vida.

    moo, moa bonita! Querem aprender a pregoar? O que aprendemos com os pregoeiros vamos aqui lhes mostrar. Esses versos sinte-tizam a histria de vendedores ambulantes, conhecidos por pregoeiros, que usam a voz

    como instrumento de trabalho desde o sculo XIX, mas que esto desaparecendo em So Lus (MA). De tanto ouvir e ver os pequenos alunos de 6 anos brincarem em sala de aula, imitando gestos e cantos des-ses ambulantes, a professora Maria do Perptuo Socorro Costa Pereira, do Centro de Educao Bsica Paulo Freire, usou essa curiosidade como o ponto de partida. A proposta foi apresentada aos pais dos alunos, muitos deles pregoei-ros, o que resultou num painel sobre o desejo de conhecer esses pro ssionais. A turma passou, ento, a visitar ven-dedores de sorvete, pamonha, pirulito e carvo.

    O objeto da pesquisa come-ou a dar frutos. Primeiro veio o texto Voc Sabia?, em que as crianas falavam de coisas curiosas sobre esses pro s-sionais, e depois, a cada 15 dias, publicavam um Jornal Mural. O ponto alto do tra-balho foi quando as crianas venderam jornal, por preo irrisrio, e tiveram a oportuni-

    matria de capa

    revista criana20

  • dade de pregoar. Tambm foi lanado o livro Fragmentos da Arte de Pregoar, dedica-do aos pregoeiros de So Lus que, com seus versos e rimas, nos encantam e nos ajudam a manter viva a cultura ma-ranhense. So 50 pginas de histria e curiosidades que fazem parte do acervo da bi-blioteca da escola. Isso um resgate muito grande disse a professora, que h 22 anos leciona no mesmo local.

    A Educao no Trnsito foi o projeto desenvolvido na Escola de Educao Infantil Raimundo Quirino Nobre, em Cruzeiro do Sul (AC). Aps acidente de carro envolven-do uma criana, a professora Maria Dione da Silva Lopes decidiu tratar do tema com o grupo de 4 a 6 anos. Enfo-camos o porqu de tanto aci-dente. Montamos mural com fotos de revistas, zemos vi-

    sitas Circunscrio Regional de Trnsito (Ciretran), auto-es-colas, borracharias e ocinas, onde o grupo pde satisfazer suas curiosidades, com per-guntas espontneas. Esse co-nhecimento para a vida in-teira, destaca a professora. O grupo fez excurses aos bair-ros e percorreu as principais ruas, observando semforos e constatando a imprudncia dos motoristas. Foram dese-nhados faixas de segurana e semforos no ptio da escola e os pais construram carrinhos, que serviram de exemplos para as palestras dos policiais de trnsito. Ainda produziram cartazes e compuseram a msica Motorista Educado. Para mostrar a importncia desse trabalho comunida-de, pais, alunos e professores promoveram a passeata Paz no Trnsito, na avenida prin-cipal da Cidade.

    Mltiplas linguagens

    Em Niteri (RJ), os alunos de 4 a 6 anos da professora Renata dos Santos Melro, da Unidade Municipal de Educa-o Infantil Rosalina de Arajo Costa, estudaram Arte Naf, termo francs que signica ingnuo. As crianas pesqui-saram a vida e obra de Lia Mittarakis, Heitor dos Pra-zeres e Gabriel Joaquim dos Santos, artistas populares que no haviam tido a oportunida-de de estudar ou se aperfeio-ar em escolas de arte. Por de-senvolverem traos primitivos e ingnuos, suas pinturas so muito parecidas com traos infantis, o que facilita o conta-to entre os dois universos. A experincia mostrou a preo-cupao das crianas com as formas, cores e a distribuio dos elementos no papel, alm da recriao de telas e a cria-o de outros trabalhos.

    matria de capa

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    Foto: Andr Duzek

  • Em Campo Grande (MS), alunos de Mara Aparecida Manzoli Caldeira, do Centro de Recreao e Educao Infan-til Parque dos Poderes, pes-quisaram a histria da cidade onde moram. Inspirada nos versos ama com f e orgulho a terra em que nasceste, do poema Ptria, de Olavo Bilac, a professora passou a anali-sar, em classe, o registro de nascimento de cada uma das crianas. Filosofamos sobre isso e priorizei temas como matemtica, histria, portu-gus, artes e estudamos a his-tria de Campo Grande, para saber como eram os meios de transporte e o comrcio da ci-dade, relata Mara.

    Depois da pesquisa, o grupo fez passeios pela Cidade para observar traos do passado e do presente. As crianas tambm conheceram a hist-ria de Jos Antonio Pereira, fundador da Capital, e zeram a releitura da tela O Boi de Humberto Espndola, que re-trata a economia da regio, baseada na criao de gado e atividades agrcolas. Tam-bm entrevistaram famlias de artistas locais, como a do poeta Manoel de Barros. Para a professora, essa prtica ser-viu para mostrar que pos-svel trabalhar cultura e artes com as crianas, verdadeiros potenciais humanos. A esco-la no depsito de criana e todos os dias fazemos dela um local para a criana viver.

    O interesse por msica, manifestado pelas crianas do Centro de Educao Infan-til Bem-te-vi, de Florianpolis (SC), resultou no trabalho msica no ar.... A profes-sora Cristiane Lopes estimu-lou as crianas de 3 a 4 anos, a levarem seus CDs escola, de maneira a apresentar reper-trios diversos para os alunos. Isso fez com que valorizsse-mos as cantigas de roda, am-pliando o acervo musical de-las, a dana, contrapondo-se erotizao da infncia, lem-bra a professora, referindo-se s musicas mais divulgadas pela mdia. A partir da, a tur-ma visitou escolas de msica, escolas de dana, museus, lo-jas de instrumentos musicais, assistiu a ensaios de bandas e orquestras, conheceu as biogra as de compositores eruditos como Brahms e Hei-tor Villa-Lobos. Construiu ins-trumentos com sucata e con-feccionou um criativo painel com temas como boi da cara preta e fui no toror, alm de fantoches para estimular a brincadeira e a re-presentao.

    O Centro Muni-cipal de Educao Infantil Zlia Vianna de Aguiar, em Vi-tria (ES), foi o es-pao principal para desenvolver ativida-des com 25 bebs, cujas idades varia-vam de 6 a 17 me-

    ses. Na nsia de buscar mais prazer para as atividades, as professoras Lucinia Soprani Camargo, Mary Tavares dos Santos e Tatiane Souza da Sil-va observaram o interesse do grupo pela gua. Com o obje-tivo de aguar o conhecimen-to, as crianas foram levadas a locais onde havia gua, como o aqurio da escola. Observaram tambm a chuva e manusearam recipientes que pudessem ser cheios e esva-ziados. Alm disso, o projeto proporcionou a explorao de livros com obras de Claude Monet, que tem a gua como presena constante, diz Luci-nia. Segundo ela, o aprendi-zado cou visvel no interesse pelas imagens apresentadas e no comportamento das crian-as que passaram a sentir pra-zer em tomar banho. O proje-to tambm contribuiu para o desenvolvimento das crian-as ampliando o vocabulrio

    feccionou um criativo painel com temas como boi da cara preta e fui no toror, alm de fantoches para estimular a brincadeira e a re-

    cipal de Educao Infantil Zlia Vianna de Aguiar, em Vi-tria (ES), foi o es-pao principal para desenvolver ativida-des com 25 bebs, cujas idades varia-vam de 6 a 17 me-

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    revista criana22

  • dos pequenos. Subestima-mos a capacidade de nossas crianas, mas elas foram ca-pazes de compreender tudo, atesta orgulhosa a professora Lucinia.

    Em Cabedelo (PB), crian-as de 1 a 3 anos participaram de uma experincia indita com a professora Patrcia da Silva Dutra, na Creche Santa Catarina. O projeto Cons-truindo identidades comeou com a experincia de colocar um espelho em sala de aula, e quando as crianas se de-ram conta de seus re exos foi uma alegria. Elas beijavam e agarravam o espelho e com o tempo comearam a se

    acostumar e j se identi ca-vam nele. Usei roda de leitura, com o objetivo de envolver a comunidade e os pais, expli-cou Patrcia. Aps cinco me-ses de o cinas de interao, a professora colheu fotogra as com as mes e as crianas comearam a reconhecer fa-miliares e coleguinhas. Foram, ento, orientadas a produzir a prpria carteira de identida-de, com fotos e digitais. Ainda na sala de atividades, zeram maquiagem e fantoches.

    O corpo e a brincadeira

    Ensinar matemtica, lin-guagem e as demais reas do conhecimento por meio do mi-

    lenar pio foi a receita mgica da professora Cludia Beatriz Souza de Jesus, de Salvador (BA). Prtica leitora atravs do brinquedo: 1, 2, 3 lereuei do pio ao bey blade. Ela re-lata que o grupo de crianas, de 5 anos, na Escola Munici-pal de Nova Esperana Pro-fessor Arx Tourinho, na perife-ria da capital, levava imitaes de bey blade, pio moderno originrio de um desenho ani-mado. A partir da, zemos uma viagem no tempo porque essa criana no conhecia o brinquedo tradicional. Mas com o que ela via na televi-so, foi capaz de fazer o pr-prio brinquedo, com a mesma dinmica, que rodar sobre o

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    Foto: Andr Duzek

  • La Tiriba alertou para o risco de as crianas passarem muito tem-po em espaos fechados, pois isso pode torn-las adormecidas em sua curiosidade, em sua exuberncia hu-mana. A educadora ainda destacou a necessidade de uma educao como prtica de liberdade, comprometida com a apropriao e a construo de conhecimentos. Porque os conheci-

    O Primeiro Seminrio Professores do Brasil contou com a palestra da educadora La Tiriba, professora da PUC/RIO, especialista em questes da infncia, que elogiou as professoras premiadas. Ns, professores, trabalhamos em situaes muito duras. o entusiasmo que nos faz continuar!.

    Especialista defende educao como liberdade

    eixo. Essa atividade possibili-tou o trabalho com textos, co-nhecer nmeros e a verdadeira histria do pio, que surgiu na Babilnia, h cinco mil anos. Foram realizadas ocinas e todos aprenderam a tradicio-nal cantiga Roda Pio.

    Por que a mesma criana cai vrias vezes e no mesmo dia? O grande nmero de pe-quenos acidentes envolvendo os alunos de 4 a 6 anos fez com que a professora Maria de Jesus Gomes Almeida, da Escola Municipal Nilza Aires Pires, de Catalo (GO), desse incio ao projeto Descobrindo-se e movimentando-se. Ela

    comeou estudando o prprio terreno da escola. No encon-trou ali a resposta. A pesquisa prosseguiu com a observao dos hbitos caseiros das crian-as. Descobriu que boa parte delas, quando estava em casa, cava sentada vendo televiso. Decidiu, ento, que era hora de trabalhar a expresso corporal e o movimento para estimular a coordenao motora daqueles meninos e meninas.

    A primeira medida foi anun-ciar que no dia seguinte, a es-cola receberia a visita de Juve-nal, o que causou alvoroo entre as crianas e cada uma criava o prprio Juvenal, conta Maria

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    de Jesus. Como prometido, o visitante foi escola em forma de livro: O Joelho Juvenal de Ziraldo, que relata o sofrimen-to do joelho quando o corpo no d conta de se sustentar. A novidade serviu para que a professora trabalhasse com as crianas sobre o corpo em mo-vimento, ajudando todos a se descobrirem. Ela mostrou ima-gens do corpo humano, zeram teatro de fantoche e aprende-ram como abotoar a roupa e amarrar o prprio calado. Para que as crianas pudessem co-nhecer o prprio corpo, todos desenharam a mo num pa-pel e riscaram as articulaes. Tambm houve momentos em que a comunidade foi escola e os pais pularam corda e brin-caram com bambol. Houve ainda duas caminhadas. Isso melhorou consideravelmente o desempenho das crianas, re-lembra a professora.

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  • 25revista criana

    Especialista defende educao como liberdadementos so a matria prima sem a qual impossvel preservar a vida na Terra, sem a qual no se pode par-ticipar do processo permanente de criao e recriao da existncia. To-das as crianas precisam ter acesso aos conhecimentos que a humanida-de vem produzindo, porque eles so instrumentos, ferramentas de trans-formao da realidade emocional,

    social e ambiental em que estamos inseridos, armou. Na prtica, isso signica oferecer s crianas um cotidiano em que sejam respeitadas no s como cidads de direito, mas tambm como sujeitos de afeto, de sensibilidade, de conhecimento.

    Para La, as crianas no so todas iguais, pelo contrrio, trazem consigo a diversidade da vida: so meninos e

    meninas imersos numa cultura, her-deiros de distintas etnias, culturas e classes sociais. Quem cuida deve es-tar receptivo, aberto, atento e sensvel para poder perceber o que o outro precisa. Isso exige proximidade, tem-po, entrega. A especialista concluiu lembrando que atravs da formao permanente dos prossionais que atu-am junto s crianas que ser possvel assegurar a qualidade da escola.

    As dez premiadas do ensino fundamental Camisas para ler e aprender, de Jaqueline Maria de Souza Dias, Manaus/AM. O tema, desenvolvido com alunos da 2a srie, serviu para despertar o interesse pela leitura, quando cada um lia a mensagem da camiseta do colega.

    Para que a vida nos d or e frutos, de Evanir de Oliveira Pinheiro, Natal (RN). A professora orientou crianas entre 8 e 9 anos no estudo sobre os bens naturais e culturais da comunidade.

    Cidadania, infncia e a esttica do olhar, de Ana Lcia Machado, Florianpolis (SC). Estudantes de 3a e 4a sries desenvolveram o tema realizando pesquisa cultural e um lme.

    O mundo dos brinquedos e os brinquedos do mundo, de Regina Maria Schein dos Santos, Canoas (RS). Meninos e meninas estudaram a histria de cada brinquedo, desenvolvendo o projeto premiado.

    Das formas s frmulas - Arte e geometria num contexto interdisciplinar, de Maria Rita Lordo, Muria (MG). As crianas realizaram atividades a partir da educao artstica e dos conhecimentos matemticos, com o objetivo de melhorar a linguagem e a comunicao.

    Negro que te Quero SER Negro, de Valmria Martins da Silva, cidade satlite do Gama (DF). O objetivo foi resgatar a memria, a histria e os valores culturais, artsticos e religiosos da populao negra pelas crianas de 6 a 8 anos.

    Intercmbio Cultural: indgenas e no indgenas respeitando as diferenas, repudiando as injustias e discriminaes, de Cristina Pires Dias Lins, Dourados /MS. Ao observar preconceito em relao aos indgenas no grupo de alunos, a professora desen-volveu uma proposta pedaggica envolvendo conhecimento mtuo e a valorizao da diversidade cultural.

    O doce gostinho de aprender atravs de embalagens, de Paula de Ftima Cavagnari, Camb/PR. O objetivo foi desenvolver o interesse e o raciocnio dos alunos pela utilizao de balas de vrios tipos. As crianas eram estimuladas a associar palavras que comeassem com a mesma letra da marca da bala e isso serviu para a alfabetizao.

    Horticultura e meio ambiente - vivendo e aprendendo, de Eliana Francisca do Santo Garcia, Linhares/ES. Crianas de 4a srie aprenderam como melhorar a alimentao familiar, ajudar a comunidade e combater a desnutrio, cultivando hortas em casa.

    Desembalando o lixo do bairro Jardim Carapina, de Luciane Rosrio Sampaio Frizzera, Serra/ES. Estudantes da 4a srie estudaram a importncia da reciclagem e da proteo do meio ambiente, desenvolvendo pesquisas sobre o problema do lixo para o planeta e a coleta seletiva. O material recolhido e levado para a escola foi separado, classicado e pesado. A partir do material recolhido so confeccionados brinquedos e trabalhos artsticos.

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  • 26 revista criana

    Numa poltrona macia,No colo da av,Na cama aconchegante,Debaixo da amiga rvore... avio que me leva aoJapo, Quixad ou Bagd!Se a tristeza vem,Traz asas ligeiras, verdes de esperanas...Se a euforia crescente,Tece na medida a melancolia boa pra pensar.

    Se o sono no vem,Se o medo quer brincar,

    Inventa sonhos azuisPra eu acordar

    Manhs de sol e emoes...Se eu quero entender, desvendar o porqu, pra qu,

    Como, onde, cad? voc a chave que abre

    As gavetas, janelas e portas! voc: Livro Amigo!

    professor faz literatura

    Ler o melhor remdio

    Eis a um grande desa o:Criar vidos leitores!

    Que leiam, leiam, horas a oSobre cincia, poesia e amores.

    Adquirir o hbito de ler importantePara investigar, pesquisar, delirar

    Ler mesmo algo fascinante,Envolvente, pois te leva a criar.

    Diria que ler o melhor remdioContra a ignorncia, desinformao e tdio

    E qual a nal o papel do professor?

    Ser um exemplo, ser um elemento motivadorOferecendo plulas dirias de leitura

    Que leve as idias a constante fervura.

    Texto: Regina Clia MeloIlustrao: Rachel Dumont*

    * Giani Peres pedagoga formada pela Unicamp, especialista em Educao Infantil, ps-graduada em Mtodos e Teorias de Pesquisa.

    Amigo

    Giani Peres*

    *Regina Clia Melo e Rachel Dumont so professoras do Jardim de Infncia da 114 Sul, em Braslia. O material faz parte do Projeto Livrinho na mo.

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  • 27revista criana

    artigo

    O contexto multifacetado do currculo na educao infantilJodete Bayer Gomes Fllgraf*

    O conceito de currculo no corresponde a uma condio universal, natural, como algo sempre igual, homogneo e de signi cado bvio. Ele so-cial e historicamente constru-do, tendo sido crivado por di-ferentes concepes tericas ao longo da histria. Faz-se necessrio, portanto, analisar as condies e os contextos como o currculo para Educa-o Infantil est sendo gesta-do em nossa sociedade. Nessa direo, Campos indica que:

    Um dos aspectos que so-bressaem no debate atual, com signi cativas repercus-ses sobre as decises de poltica educacional que so tomadas, seja de forma des-centralizada nos municpios, seja na instncia estadual e federal, diz respeito s diver-gentes concepes sobre o modelo pedaggico que deve ser adotado nas creches e pr-escolas, agora de nidas como constituindo a primeira etapa da educao bsica (Campos, 2002, p.XV).

    Para ampliar o debate acerca do tema em questo, impor-tante levar em conta diversos aspectos que compem uma prtica educativa de qualida-de. Entre outras questes, preciso considerar:

    1- A criana um sujeito so-cial e histrico que se cons-titui na interao com outros sujeitos da cultura;

    2- As instituies de Edu-cao Infantil como espao de cuidado e educao das crianas de 0 a 6 anos que possibilite a integrao entre os diferentes aspectos do de-senvolvimento humano;

    3- As crianas enquanto sujeito de direitos;

    4- Os princpios ticos, po-lticos e estticos na elabora-o da proposta pedaggica;

    5- A identidade dos pro s-sionais, das famlias e de cada unidade educacional;

    6- A intencionalidade das aes educativas;

    possvel a rmar, portanto, que a construo e gesto de propostas curriculares para a Educao Infantil esto inseri-das num processo social am-plo e multifacetado. Kramer destaca que: na realidade brasileira, (...) o debate em tor-no do currculo tem mordido as pontas do problema, mas no o miolo: ou se refere es-cola; ou se vincula dimenso macro, aborda modelos, de-senhos e polticas numa pers-

    pectiva ampla, supondo que possvel mudar fora o real, com decretos, projetos, refe-renciais ou parmetros sem mudar as condies (Kramer, 2001, p.129).

    No contexto mais amplo, o Ministrio da Educao (MEC) e o Conselho Nacional de Educao (CNE) vm produ-zindo e publicando documen-tos que estabelecem diretrizes e orientaes para elaborao do currculo da Educao In-fantil. Neste processo, desta-ca-se a instituio pelo CNE, em dezembro de 1998, das Diretrizes Curriculares Nacio-nais, que so mandatrias. Este documento expressa a preocupao com a qualida-de do trabalho a ser desen-volvido neste nvel de ensino. Na mesma direo, o Parecer 04/2000 da Cmara de Edu-cao Bsica do CNE, apro-vado em 16/02/2000, de ne diretrizes operacionais para a Educao Infantil.

    Por outro lado, aponta-se tambm a publicao e dis-tribuio do documento Re-ferencial Curricular Nacional para Educao Infantil vol.1, 2, 3/ RCNEI. Segundo este documento, as creches e pr-escolas so espaos de inser-o das crianas nas relaes

    *Jodete Bayer Gomes Fllgraf professora do Ncleo de Desenvolvimento Infantil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutoranda em Educao e Currculo pela PUC/SP.

  • 28 revista criana

    ticas e morais que permeiam a sociedade. O documento ressalta, tambm, que o tra-balho educativo deve criar condies para as crianas conhecerem, descobrirem e ressignicarem experincias, sentimentos, valores, idias, costumes e papis sociais, por meio do aprender, do fa-zer e das mltiplas formas de expresso.

    Este documento tem sofrido diversas crticas de educado-res, pesquisadores e pros-sionais da rea . Para muitos, ele traz de forma implcita uma concepo de educao com-pensatria e escolarizante, alm de considerar a criana numa perspectiva universal, sem levar em conta particula-ridades regionais ou sociais, por exemplo.

    Tendo em vista a diversida-de de modelos de enquadra-mento curricular presentes na realidade educacional, os ter-mos propostas pedaggicas, currculo, projeto poltico pe-daggico, regimento escolar, diretrizes pedaggicas, ora tem o mesmo signicado, ora se diferenciam. Nessa direo Kramer destaca que:

    (...) currculo palavra polis-smica, carregada de sentidos construdos em tempos e es-paos distintos. Sua evoluo no obedece a uma ordem cronolgica, mas se deve s contradies de um momento histrico, assumindo, portan-to, vrios signicados ao mes-mo tempo (p.136).

    Muitos estudos que discu-tem propostas pedaggicas e currculo desvelaram uma realidade innita e mpar, na qual o processo educativo s pode ser observado de uma forma multifacetada. Segundo Sacristn (1998) a realidade do currculo no se mostra em suas modelagens documen-tais, ou seja, nos projetos pe-daggicos, mas na interao de todos os contextos educa-tivos que compem essas pr-ticas. Essa polissemia permite inferir a necessidade de um modelo pedaggico alicera-do em prticas cotidianas que respeitem as necessidades de desenvolvimento da criana.

    Assim, destacamos que as meninas e os meninos de-vem ser vistos na dimenso de sujeitoshistricos, ou como indica Ostetto (2004) preciso assimilar que no existe criana universal: so grupos diversos de meninos e meninas, de idades variadas, procedentes desta ou daquela regio, pertencentes a este ou quele grupo familiar.

    Nesse sentido, os prossio-nais que atuam em institui-es com meninas e meninos de 0 a 6 anos necessitam de-senvolver prticas educati-vas que considerem todas as dimenses e competncias humanas potencializadas nas crianas. Ou seja, essas prti-cas necessitam levar em con-ta o contexto social e cultural em que as crianas e suas fa-mlias esto inseridas. Segun-do Kuhlmann Jr., as relaes

    sociais no so exclusivamente um processo psicolgico, mas social, cultural e histrico. Acre-ditamos, portanto que os direi-tos fundamentais das crianas devem ser a base de toda e qualquer proposta educacional para as crianas pequenas.

    importante destacar que estas questes esto contem-pladas no documento Crit-rios para um Atendimento que Respeite os Direitos Funda-mentais das Crianas, elabo-rado por Maria Malta Campos e Flvia Rosemberg e publica-do pelo MEC/COEDI em 1995. O documento traz as bases e os princpios para uma poltica nacional de Educao Infantil.

    Na verdade, esses critrios de atendimento, passaram a orientar e nortear o trabalho desenvolvido em alguns con-textos educativos. Assim, em muitas instituies possvel identicar prticas concretas que buscam oferecer um es-pao estimulante e seguro, permitindo que as crianas manifestem seu potencial f-sico, afetivo, intelectual e cul-tural, bem como a aprendiza-gem de sua autonomia e de sua socializao.

    artigo

    Essas prticas necessitam levar

    em conta o contexto social e cultural em que as crianas e

    suas famlias esto inseridas.

  • 29revista criana

    artigo

    Portanto, preciso desta-car que os Critrios para um Atendimento em Creches que Respeite os Direitos Funda-mentais das Crianas podem ser adotados como ponto de partida para denir pressu-postos tericos e prticos de um modelo pedaggico de qualidade. Esses critrios ado-tam os seguintes princpios:

    Direito brincadeira, aten-o individual, a um ambiente aconchegante seguro e es-timulante, direito ao contato com a natureza, direito hi-giene e sade, direito a uma alimentao sadia, direito a desenvolver sua curiosidade, imaginao e capacidade de

    expresso, direito ao movi-mento em espaos amplos, direito proteo, ao afeto e amizade, direito a expressar seus sentimentos, direito a uma especial ateno durante seu perodo de adaptao creche, direito a desenvolver sua identidade cultural, racial e religiosa.

    Em sntese, estes princpios tm se constitudo um me-diador curricular que vm possibilitando a qualicao de muitas prticas educativas concretas na realidade bra-sileira, tendo os direitos dos pequenos como eixo central no trabalho cotidiano com as crianas de 0 a 6 anos.

    possvel identicar prticas concretas que buscam oferecer um espao estimulante e seguro.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    CAMPOS, M. M. A Formao de prossionais de educao infantil no contexto das reformas educacionais brasileiras. In: FORMOSINHO, J. O.; KISHIMOTO, T. Formao em contexto: uma estratgia de integrao. 2002, Thomson, So Paulo.

    FARIA, A. L.; PALHARES, M. Educao Infantil Ps-LDB; rumos e desaos. Campinas: Autores associados, 1999.

    KRAMER, S. Propostas Pedaggicas ou Curriculares de Educao Infantil: Para Retomar o Debate. In: Kramer S. (Coord.) Relatrio de Pesquisa: Formao de Prossionais da Educao Infantil no Estado do Rio de Janeiro. PUC/RIO/CNPq/FAPERJ, 2001.

    KUHLMANN, M. Jr. Educao infantil e currculo. In: Educa-o Infantil Ps-LDB: rumos e desaos. Campinas: Autores associados, 1999.

    OSTETTO, L. Mas as Crianas gostam! Ou sobre os gostos e repertrios musicais. In: OSTETTO, L & LEITE, M. L. Arte, Infncia e Formao de Professores. So Paulo: Papirus, 2004.

    SACRISTN, G. J. - O Currculo - uma reexo sobre a

    prtica. Porto Alegre: Artmed Editora, 1998.

  • O PROINFANTIL: Ontem, hoje e amanhRoseana Pereira Mendes*Vitria Lbia Barreto de Faria*

    O PROINFANTIL Ontem: a concepo

    A formao dos professores que atuam em creches e pr-escolas uma preocupao antiga daqueles que fazem a Educao Infantil acontecer em nosso pas.

    Nas ltimas dcadas, as lu-tas sociais aliadas aos estu-dos cient cos sobre a criana provocaram avanos signi ca-tivos na legislao. A Consti-tuio Federal de 1988 insere a Educao Infantil no captulo da Educao e a Lei de Diretri-zes e Bases da Educao Na-cional LDB 1996, ao inclu-la como primeira etapa da Edu-cao Bsica, determina que o pro ssional que nela atua o professor, com formao m-nima em nvel mdio, modali-dade Normal. Em seguida, o Plano Nacional de Educao PNE 2001 - estabeleceu pra-zos para que essa formao se efetive.

    A partir de ento, vrias ini-ciativas vm sendo tomadas em diferentes regies brasilei-ras. Entretanto, so ainda pon-tuais, atendendo a um nmero restrito de professores.

    Os dados do Censo Escolar 2004 demonstram a existncia de aproximadamente 40 mil professores em exerccio sem

    a devida formao. Tal fato jus-ti ca a ao do MEC de elabo-rar, em regime de colaborao com estados e municpios, um Programa para formar os pro-fessores de Educao Infantil o PROINFANTIL.

    Dessa forma, todos os que atuam na docncia , nas redes pblica ou privada sem ns lu-crativos, e que muitas vezes so chamados de monitores, pajens, recreadores ou ba-bs so o pblico alvo deste Programa. Neste contexto, o Departamento de Polticas da Educao Infantil e do Ensino Fundamental da Secretaria de Educao Bsica (SEB) iniciou as discusses para a elabora-o do PROINFANTIL.

    Constituiu-se na Coordena-o Geral de Educao Infantil (Coedi) um grupo de trabalho que buscou conhecer as v-rias experincias em anda-mento no pas. Assim, o grupo se aproximou da proposta de formao desenvolvida pela Secretaria de Educao a Distncia do prprio MEC para formar os professo-res do ensino fundamental o PROFORMAO, que j havia sido objeto de uma avaliao externa que o refe-rendou como um programa de

    qualidade.

    Entretanto, em funo das diferenas existentes entre professores do ensino funda-mental e daqueles que atuam em creches e pr-escolas, era preciso reelaborar o material utilizado. Foi necessrio, ento, de nir o per l e os domnios do professor de Educao Infantil, que se pretende formar, bem como traar um desenho cur-ricular do Programa. Esta dis-cusso conduziu construo dos eixos temticos em relao s reas pedaggicas: o de-senvolvimento infantil; cincia e cultura no mundo contempo-rneo; o professor: ser humano e pro ssional e a tica.

    Como a estrutura do curso prev a sua realizao em m-dulos, o grupo de niu a nfase a ser dada em cada um deles

    que buscou conhecer as v-rias experincias em anda-mento no pas. Assim, o grupo se aproximou da proposta de formao desenvolvida pela Secretaria de Educao a

    res do ensino fundamental o PROFORMAO, que j havia sido objeto de uma avaliao externa que o refe-rendou como um programa de

    relato

    *Roseana Pereira Mendes tcnica da Coordenao Geral de Educao Infantil (COEDI/MEC). Vitria Lbia Barreto de Faria Consultora Editorial da Revista Criana. Ambas foram responsveis pela coordenao pedaggica do projeto editorial do PROINFANTIL e por sua implementao.

    30 revista criana

  • relato

    revista criana 31

    em relao aos contedos pe-daggicos:

    Educao, sociedade e ci-dadania: perspectivas hist-ricas, sociolgicas e polticas da Educao Infantil;

    Infncia e cultura: lingua-gem e desenvolvimento hu-mano; Crianas, adultos e a gesto da Educao Infantil;

    Contextos de aprendiza-gem e o trabalho docente.

    Ao discutir as vises que aos poucos foram constituin-do o nosso Programa, tornou-se fundamental repensar as concepes e instrumentos de avaliao, que, mesmo considerando as especi cida-des de um curso a distncia, contribussem para a forma-o de um professor re exivo. Foi tambm neste momento que percebemos a necessida-de de um pro ssional quali -cado nas Agncias Formado-ras implantadas nos estados, com experincia na Educao Infantil. Este devia atuar como articulador, garantindo que as aes desenvolvidas resul-tassem na formao de um pro ssional quali cado. Da mesma forma, vimos tambm como fundamental um grande investimento na seleo e for-mao do tutor, vez que ele quem acompanha o professor cursista em seu cotidiano de estudo e quem observa e in-tervm em sua prtica.

    Tornou-se necessria, ento, a produo de um material espec co para a forma-o pedaggica: Fun-damentos da Educao e Organizao do Traba-lho Pedaggico. Quanto s reas temticas referentes ao Ensino Mdio, Lingua-gens e Cdigos; Identi-dade, Sociedade e Cultura; Matemtica e Lgica e Vida e Natureza, de nimos que passariam por algumas adequa-es, prevendo-se, na continuidade do Pro-grama, a produo de um novo material.

    Por esta razo, os textos de estudo foram organizados em volumes distintos, de forma a agrupar as reas do Ensino Mdio e as reas Pedaggi-cas. Alm disso, foram elabo-rados materiais de apoio, para orientar os tutores e o estudo dos professores cursistas.

    O PROINFANTIL hoje: a implementao

    Por se tratar de um curso de formao em nvel mdio, a implementao do Programa se d a partir de negociaes com as secretarias estaduais de educao, que se articu-lam com os municpios.

    No segundo semestre de 2005, iniciou-se o Projeto Pi-loto do qual participam os es-tados de Gois, Cear, Sergi-pe e Rondnia. Para 2006, as

    negociaes esto em curso, visando a ampliao para outros estados.

    A participao da equipe da Coedi nos momentos de formao em diversos muni-cpios possibilitou o conta-to com os pro ssionais das agncias formadoras, com os tutores e com os professores cursistas na fase presencial. Isto ampliou o nosso conhe-cimento sobre a realidade, estimulando a percepo so-bre o alcance do Programa. O acompanhamento do Mdulo I tem demonstrado seu im-pacto frente a esta realidade. Os depoimentos das equipes formadoras estaduais tradu-zem avanos signi cativos na prtica dos professores e no contexto institucional onde atuam.

    Tornou-se necessria, ento, a produo de um material espec co para a forma-o pedaggica: Fun-damentos da Educao e Organizao do Traba-lho Pedaggico. Quanto s reas temticas referentes ao Ensino Mdio, Lingua-gens e Cdigos; Identi-

    na continuidade do Pro-grama, a produo de um

  • 32 revista criana

    relato

    No que se refere ao universo observado, a despeito das di- culdades apontadas em mui-tos municpios, percebemos que tem havido um esforo no sentido de colocar a Educao Infantil na ordem do dia. Estes esforos ora se do pela von-tade poltica dos gestores, ora por presso da sociedade ou ainda por fora da Lei.

    Contudo, mesmo conside-rando os avanos realizados, constatamos que ainda h um longo caminho a ser trilhado em relao ao atendimento aos direitos da criana, visto que inmeras di culdades ain-da persistem, principalmente, no que se refere a infra-estru-tura; ao regime de atendimen-to; a razo professor/criana; a organizao interna das ins-tituies; a relao com as fa-mlias; a intencionalidade edu-cativa e a gesto.

    Outro aspecto constatado foi o entusiasmo manifestado pelos cursistas com a possi-

    bilidade de voltarem a estudar e com a perspectiva de serem habilitados como professores.

    O desenvolvimento do PROINFANTIL tem se constitu-do em uma prtica transforma-dora. Traz em seu bojo a pos-sibilidade da Educao Infantil construir uma identidade pr-pria medida que produz quali- cao para toda a estrutura.

    A formao dos professores provoca, sobretudo, mudan-as nas concepes das ins-tituies de Educao Infantil e dos sistemas de ensino. E tem possibilitado tambm o aparecimento de demandas por formao inicial para ou-tros pro ssionais, tais como coor