REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO …Revista nº 30 – T. 1 – 2004 - Versão Digitalizada...

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TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL Seção de Documentação - Biblioteca Cyro dos Anjos Revista nº 30 T. 1 2004 - Versão Digitalizada 1 REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 30 t.1 2004

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REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL

R. Tribunal de Contas do Distrito Federal, 30 t.1 2004

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REVISTA EDITADA PELA SEÇÃO DE DOCUMENTAÇÃO

SUPERVISÃO Conselheiro Paulo César de Ávila e Silva

COORDENAÇÃO Vânia de Fátima Pereira (Chefe da Seção de Documentação)

ORGANIZAÇÃO Lilia Márcia Pereira Vidigal de Oliveira (Bibliotecária)

REVISÃO Carmen Regina Oliveira de Souza Cremasco (Bibliotecária)

Toda correspondência deve ser dirigida a esta Seção - TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL - 70070-500 - SEÇÃO DE DOCUMENTAÇÃO - Praça do Buriti - Ed Costa e Silva - Brasília-DF - [email protected]

Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal, nº 1 - 1975 -

Brasília, Seção de Documentação, 2004.

CDU 336.126.55(81)(05)

ISSN 012-7751

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TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL

COMPOSIÇÃO DE 2004

Conselheiros:

Manoel Paulo de Andrade Neto - Presidente

Paulo César de Ávila e Silva - Vice-Presidente

Marli Vinhadeli

Ronaldo Costa Couto

Jorge Caetano

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

Antônio Renato Alves Rainha

Auditor

José Roberto de Paiva Martins

Ministério Público

Márcia Ferreira Cunha Farias - Procuradora-Geral

Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira

Demóstenes Tres Albuquerque

Inácio Magalhães Filho

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SUMÁRIO

DOUTRINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL

Plano estratégico do Tribunal - PLANEST - 2004 - 2007 .................................... 9

MANOEL PAULO DE ANDRADE NETO

Tribunal de Contas do Distrito Federal ............................................................. 25

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

A ação dos tribunais de contas sobre os contratos ........................................... 29

A ampla defesa e a retirada de autos nos tribunais ........................................... 39

Sustação de contratos administrativos pelos tribunais de contas ........................ 49

MÁRCIA FERREIRA CUNHA FARIAS

A alienação e uso das terras públicas: uma visão do controle externo ................ 59

DEMÓSTENES TRES ALBUQUERQUE

Imprescritibilidade da ação de regresso prevista no art. 37, § 5 , da Constituição

Federal .......................................................................................................... 75

INÁCIO MAGALHÃES FILHO

Desnecessidade de registro das admissões temporárias pelos tribunais de contas 85

CARLOS ANTONIO PEREIRA DA SILVA

O processo e procedimentos diferenciados nos tribunais de contas .................... 91

GIOVANA MARIA PIRES VIEIRA

Licitação - Asfalto borracha ............................................................................. 73

MARCIA DE MELO PEREIRA TISCOSKI

Admissão de Pessoal ...................................................................................... 135l

ÂNGELA ALVES DE ARAÚJO

Atos sujeitos à apreciação do Tribunal de Contas: aplicação da decadência prevista

na lei de processo administrativo ..................................................................... 141

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IVAN BARBOSA RIGOLIN

Contratos administrativos na Lei nº 8.666/93: nove causas para a elevação do seu

valor .............................................................................................................. 157

Licitações e contratos - algumas curiosidades................................................... 175

Licitações e contratos - algumas curiosidades - II ............................................. 185

Licitações e contratos - algumas curiosidades - III ............................................ 195

GINA COPOLA

O meio ambiente artificial ............................................................................... 205

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DOUTRINA

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PLANO ESTRATÉGICO DO TRIBUNAL PLANEST - 2004 - 2007

Tribunal de Contas do Distrito Federal

Apresentação. I - Modelo teórico adotado. II - Plano estratégico do Tribunal. 1. Missão 2. Análise de cenários. 2.1. Análise ambiental externa. 2.2. Análise ambiental interna. 3. Definição estratégica. 3.1. Visão de futuro. 3.2. Diretrizes estratégicas e operacionais . III – Considerações finais.

APRESENTAÇÃO

O planejamento estratégico visa estabelecer o direcionamento a ser seguido pela Instituição, em interação com o ambiente em que se insere, com a participação de toda a estrutura organizacional, para alcance dos propósitos explicitados em sua missão.

Revela-se, pois, potente instrumento gerencial que busca atuação proativa, otimização dos recursos disponíveis, maior dinamismo das atividades organizacionais, valorização e motivação das pessoas, além de envolvimento e compromisso com o aperfeiçoamento dos processos de trabalho e com os resultados por eles gerados.

Nesse sentido e, ainda, com o propósito de dar continuidade a iniciativas de gestões anteriores voltadas para munir o Tribunal de ferramentas de trabalho que o tornem referencial de excelência no contexto da Administração Pública, de forma a cada vez melhor atender aos anseios e às expectativas da sociedade, apraz-me divulgar, em sua terceira edição, o Plano Estratégico do Tribunal – PLANEST para o período 2004 a 2007, elaborado com base sobretudo em valiosas contribuições das autoridades, gerentes e servidores desta Corte de Contas e aprovado pela Decisão nº 49, de 23.10.03.

Assim, à luz do diagnóstico realizado, sobretudo com base na análise ambiental efetuada interna e externamente, dar-se-á ênfase à atuação profilático-pedagógica do Tribunal no sentido de orientar os jurisdicionados na consecução da finalidade estatal, ou seja, o atendimento das demandas e das necessidades sociais; à motivação e elevação da auto-estima dos servidores, devido a sua importância como agentes essenciais para o sucesso da ação do Estado; ao controle social, permitindo maior interação do cidadão com a Corte de Contas; e à pluralidade com vistas a agregar positivamente valores àqueles já cristalizados.

I – MODELO TEÓRICO ADOTADO

Cumpre destacar, preliminarmente, que o modelo teórico para formulação do planejamento do Tribunal vem, desde sua concepção, sofrendo ajustes, com vistas a simplificá-lo e facilitar sua assimilação pelas áreas envolvidas, sem, no entanto, desvirtuar seu arcabouço teórico básico.

Assim, o presente plano, materialização ordenada do resultado do processo de planejamento estratégico, é composto por tópicos, conseqüentes de etapas distintas, as quais objetivam precipuamente a avaliação da conjuntura, a construção de cenários e a formulação da Definição Estratégica do Tribunal.

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A avaliação da conjuntura traduz-se pelo conhecimento atual da organização em relação ao ambiente externo e a suas condições internas, inclusive com concepção prospectiva.

A concepção prospectiva, de que decorre a Visão de Futuro, é definida com base na identificação de cenários para antever determinados fatos, avaliar seus impactos e viabilizar ações com vistas a aproveitar potencialidades e minimizar ou neutralizar os pontos fracos internos.

Adotado um cenário, constrói-se a Visão de Futuro e estabelecem-se as Diretrizes Estratégicas, que, em conjunto, constituem a Definição Estratégica.

Uma vez fixadas, as Diretrizes Estratégicas são desdobradas em Diretrizes Operacionais Anuais. Em cada ano do período considerado para o alcance da Visão de Futuro, são estabelecidas metas e ações, pelas unidades do Tribunal, com base nas Diretrizes Operacionais. Essas ações compreendem projetos e atividades.

Com apoio nesse processo de planejamento, são definidos, como produtos finais, os seguintes planos:

Plano Estratégico do Tribunal – PLANEST, a partir da Definição Estratégica;

Plano Geral de Ação do Tribunal – PGA, a partir dos Planos Setoriais das unidades, derivados das Diretrizes Operacionais.

O diagrama adiante apresentado oferece um panorama geral do modelo de planejamento adotado pelo TCDF. No nível estratégico, o PLANEST é composto pela Missão do Tribunal, pela Análise Ambiental, pela Visão de Futuro, pelas Diretrizes Estratégicas e pelas Diretrizes Operacionais Anuais.

No nível tático, as unidades do Tribunal, com base nas Diretrizes Operacionais Anuais, definem seus Planos Setoriais de Ação – PSAs, contendo as metas e as ações a serem desenvolvidas no ano subseqüente.

No nível operacional, a unidade responsável pela função planejamento consolida as metas e as ações propostas nos PSAs das unidades, gerando o PGA para apreciação superior.

A implementação do PLANEST ocorre mediante execução, avaliação e realimentação do PGA, ao longo do período fixado para concretização da Visão de Futuro do Tribunal. Essa etapa final, com fulcro na análise das distorções em relação ao programado, permite identificar a necessidade de correção dos desvios acaso detectados ao longo de todo o processo.

A garantia da melhoria contínua da forma de atuação do TCDF está inserida no processo de planejamento ora apresentado, que inclui as etapas de planejamento, execução, monitoramento e correção de desvios, integrantes do ciclo gerencial do PDCA (Plan, Do, Check e Act), utilizado no modelo de Gerenciamento pelas Diretrizes.

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II – PLANO ESTRATÉGICO DO TRIBUNAL

1. Missão

A missão, razão de ser das organizações, tem função orientadora e delimitadora de suas ações; é o espectro de papéis que elas podem desempenhar em busca da satisfação dos interesses e aspirações de sua clientela.

Inferida da essência dos arts. 77 e 78 da Lei Orgânica do Distrito Federal - LODF, a missão do Tribunal pode ser assim enunciada:

Exercer o controle externo da administração dos recursos públicos do Distrito Federal, em auxílio à Câmara Legislativa, zelando pela legalidade,

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legitimidade, efetividade, eficácia, eficiência e economicidade na gestão desses recursos.

2. Análise de Cenários 2.1. Análise Ambiental Externa

Refere-se ao exame das condições e variáveis da ambiência externa, mediante a identificação dos fatores externos que possam ser traduzidos em termos de oportunidades a serem aproveitadas ou situações de risco que, na medida do possível, devem ser evitadas ou neutralizadas, para que a instituição alcance seus objetivos estratégicos e cumpra sua missão. Em síntese, a análise efetuada revelou o seguinte cenário:

crescente complexidade das organizações públicas, associada à dependência cada vez maior de recursos tecnológicos sofisticados, com a conseqüente demanda de elevados investimentos, aliada à necessidade de constante capacitação dos recursos humanos;

restrições orçamentárias e financeiras que impedem ou retardam a implementação de projetos relevantes para o aumento da efetividade, eficácia e eficiência da atuação do Controle Externo;

percepção distorcida, pela opinião pública, sobre o desempenho das Cortes de Contas;

precária atuação do Sistema de Controle Interno do Governo do Distrito Federal — atual Controladoria da Corregedoria-Geral do DF;

continuidade das cogitações sobre enfraquecimento, extinção ou transformação dos Tribunais de Contas, mediante alteração ou transferência de competências para outros órgãos;

novo dinamismo de integração e de interdependência da cena internacional, que exige maior agilidade e presteza na condução da Administração Pública — inclusive no combate aos desmandos administrativos e à corrupção pública —, como fatores condicionantes para afirmação da credibilidade político-administrativa dos países frente à comunidade internacional;

ampliação da demanda social por transparência, racionalização, economicidade e moralidade nos investimentos e nas ações governamentais e por efetividade do controle público para realização da justiça social, além de elevação da participação da sociedade no controle dos serviços públicos;

constantes reformulações na estrutura organizacional dos órgãos e entidades distritais, com criação e realocação de competências, pessoal e recursos;

possibilidade de participação em projetos governamentais como o Programa de Modernização do Sistema de Controle Externo – PROMOEX, que se propõe a modernizar e fortalecer o Sistema de Controle Externo do Brasil;

intensificação do processo de informatização e do uso da tecnologia da informação por parte das organizações públicas, com crescente inserção de dados em redes de informações, tais como sistemas integrados de administração financeira, orçamentária e de pessoal, além de sistemas de compra pela INTERNET,

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continuidade do processo de reforma e modernização do Estado, com ênfase nos aspectos voltados para desburocratização, descentralização, transparência, controle e avaliação de resultados, ética, profissionalismo, competitividade e foco no cidadão-cliente;

intensificação das pressões sobre os governos, empresas e pessoas por maior controle ecológico;

crescimento de parcerias, firmadas mediante contratos de gestão, entre o Poder Público local e organizações sociais, para fomento e execução de atividades de interesse público, especialmente as dirigidas à geração de emprego e renda, capacitação profissional, saúde e assistência social;

proximidade do Tribunal de Contas da União - TCU, da Secretaria Federal de Controle - SFC, do Congresso Nacional, de organismos internacionais, bem como dos órgãos e entidades jurisdicionados.

2.2. Análise Ambiental Interna

Diz respeito ao exame das condições internas da Instituição, mediante a identificação dos aspectos classificáveis como pontos fortes e pontos fracos, de modo a, de um lado, colocar em evidência as qualidades e potencialidades do Tribunal, que não devem ser negligenciadas, mas melhoradas, e, de outro, detectar as vulnerabilidades da organização, que devem merecer atenção especial com vistas a minimizá-las ou neutralizá-las, em prol do efetivo atingimento dos objetivos estratégicos e cumprimento da missão.

2.2.1. Pontos Fortes

Foram consideradas como principais características internas do Tribunal que podem influenciar positivamente o seu desempenho as seguintes:

pequeno porte da Instituição, favorecendo maior agilidade na formulação de idéias e transformação dos valores culturais vigentes;

participação na Associação dos Tribunais de Contas do Brasil, que funciona como instrumento de integração e intercâmbio;

existência de corpo técnico qualificado, com formação multidisciplinar, aptidão para aquisição de novos conhecimentos e potencial de resposta a fatores motivacionais, tornando o ambiente mais propicio a mudanças culturais e receptivo à pesquisa e implantação de novas tecnologias aplicáveis ao Controle Externo;

capacitação dos servidores para uso da linguagem da informática e predisposição para absorver tendências tecnológicas mais avançadas;

autonomia e independência institucional, favorecendo o caráter técnico das decisões e a isenção na utilização do poder sancionador,

poder normativo relativo às matérias de sua competência, o que pode viabilizar a uniformização e padronização de procedimentos afetos ao Controle Externo;

modelo colegiado e processo decisório compartilhado, concorrendo para o aumento da qualidade das decisões tomadas;

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bom relacionamento no ambiente de trabalho, constituindo fator higiênico positivo para aplicação de programas motivacionais que resultem em aumento de produtividade;

utilização de critérios técnicos objetivos - especialmente materialidade e relevância; estabelecidos pela metodologia denominada Matriz de Risco para subsidiar o planejamento das auditorias a serem levadas a efeito pela Instituição;

iniciativas da cúpula com vistas a promover a modernização administrativa do Tribunal, entre as quais a participação no PROMOEX e a implantação de ações iniciais do Programa TCDF da Qualidade e Produtividade;

2.2.2. Pontos Fracos

Os pontos vulneráveis, ainda não totalmente eliminados, podem, na realidade, ser traduzidos como possibilidades de melhoria relativas à atuação do Tribunal, as quais já vêm sendo aproveitadas pela Administração da Casa, tanto em gestões anteriores quanto na atual, com o objetivo de torná-los características positivas da Instituição.

De fato, inúmeras iniciativas já foram ou vêm sendo adotadas, nas áreas de comunicação interna e externa, fiscalização, planejamento e modernização administrativa, recursos humanos, materiais e orçamentários. Ademais, a participação do TCDF no PROMOEX certamente em muito contribuirá para o aprimoramento, a complementação e a consolidação das realização pretéritas e futuras da Casa.

Assim, vislumbram-se como passíveis de melhoria o(a):

sistema de comunicação interna mediante, sobretudo, ampliação dos mecanismos de divulgação de políticas, diretrizes e matérias relevantes, bem como maior interação entre as unidades do Tribunal e entre estas e os servidores;

sistema de comunicação externa, por intermédio, principalmente, da melhoria e ampliação dos instrumentos de: divulgação da missão e das realizações do Tribunal; fomento do controle social; integração com os entes jurisdicionados, demais Cortes de Contas e instituições congêneres, nacionais e internacionais;

política de recursos humanos, sobretudo nas áreas de retenção, dimensionamento e recomposição da força de trabalho necessária ao cumprimento das competências do TCDF, definição de seu perfil, desenvolvimento e capacitação de pessoal, avaliação de desempenho e progressão funcional;

área de tecnologia da informação, especialmente no tocante à adequação de sua estrutura organizacional às necessidades da Casa e à ampliação de investimentos, de forma a se garantir efetivo e permanente suporte à modernização das atividades desempenhadas por esta Corte de Contas;

ação fiscalizadora do Tribunal, de forma a torná-la mais seletiva, preventiva e orientadora, por intermédio, primacialmente de: ampliação dos instrumentos para seleção, acompanhamento e avaliação dos resultados das atividades de fiscalização; maior ênfase para o controle concomitante em relação ao controle a posteriori; migração gradativa do foco das fiscalizações de auditoria de regularidade para auditoria de desempenho;

atuação do Controle Externo, especialmente por intermédio de: simplificação e padronização da instrução de processos, objetivando ganhos de produtividade; maior

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celeridade de tramitação de processos; elevação do índice de decisões conclusivas; provimento de assessoramento jurídico formal para as ICEs; diminuição do número de processos sobrestados; aprimoramento da metodologia para avaliação dos sistemas de controle interno das jurisdicionadas; maior uniformidade nos julgamentos da Corte;

sistema de planejamento e modernização administrativa, primordialmente, por meio de: maior integração entre os sistemas de planejamento e orçamento; fomento à participação mais efetiva das unidades e servidores do Tribunal no processo de planejamento estratégico e operacional; incremento das ações de modernização com vistas à racionalização e integração dos processos de trabalho; concepção de sistema de avaliação de desempenho institucional e de aperfeiçoamento do sistema de informações gerenciais;

integração entre os principais processos finalísticos do Tribunal, quais sejam, a apreciação das Contas do Governo e o julgamento das Contas Anuais encaminhadas pelos órgãos e entidades jurisdicionados, especialmente, por intermédio de: compatibilização dos prazos legais definidos para remessa pelos entes jurisdicionados desses documentos e seu exame pelo TCDF; medidas de simplificação e modernização dos procedimentos de formação, entrega, instrução, tramitação e julgamento das tomadas e prestações de contas;

3. Definição Estratégica

A Definição Estratégica do Tribunal, configurada com base na sua missão institucional e nos fatores condicionantes identificados pela análise ambiental externa e organizacional, é representada pelo conjunto formado pela Visão de Futuro do Tribunal e pelas Diretrizes Estratégicas.

3.1. Visão de Futuro

A Visão de Futuro descreve o patamar de desenvolvimento que a organização deseja atingir e pelo qual quer ser reconhecida em determinado período vindouro, ou seja, representa o estado futuro da instituição que se pretende ver transformado em realidade, tendo em vista os propósitos estabelecidos em sua missão.

Com expectativa de ser alcançada pelo Tribunal até o final de 2007, foi estabelecida a seguinte Visão de Futuro:

“SER RECONHECIDO POR SUA ATUAÇÃO TEMPESTIVA, PREVENTIVA, ORIENTADORA E TRANSPARENTE NO EXERCÍCIO DO CONTROLE EXTERNO SOBRE A GESTÃO DOS RECURSOS PÚBLICOS DO DISTRITO FEDERAL, COM ÊNFASE NA ANÁLISE DAS CONTAS ANUAIS, MEDIANTE PROCESSOS DE TRABALHO RACIONALIZADOS E INTEGRADOS, SERVIDORES QUALIFICADOS, MOTIVADOS, PARTICIPANTES E COMPROMETIDOS COM OS RESULTADOS, E MECANISMOS DE DIVULGAÇÃO E ARTICULAÇÃO EXTERNA QUE REVERTAM EM DESTACADO DESEMPENHO E FOMENTEM O DESENVOLVIMENTO DO CONTROLE SOCIAL."

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3.2. Diretrizes Estratégicas e Operacionais

As Diretrizes Estratégicas compreendem as diretivas estabelecidas pela Alta Administração para um período plurianual, necessárias ao atingimento da visão organizacional. Correspondem às grandes orientações que servirão como base de sustentação para as tomadas de decisões dirigidas ao alcance do ideal de futuro almejado pela Instituição.

As Diretrizes Operacionais, extraídas das Estratégicas, representam as orientações da Alta Administração para o atingimento dos principais objetivos a serem perseguidos pela Instituição a cada exercício e visam nortear a elaboração anual do PGA, que, por sua vez, reúne as ações e metas de curto prazo prioritárias para concretamente viabilizarem, ao longo do período de vigência do PLANEST, o alcance dos desígnios de longo prazo.

Assim, foram estabelecidas as seguintes Diretrizes Estratégicas para o quadriênio 2004 a 2007 acompanhadas das respectivas Diretrizes Operacionais para o exercício de 2004.

DIRETRIZ ESTRATÉGICA Nº 1:

Cumprir tempestivamente, de forma preventiva e orientadora, as competências institucionais

DIRETRIZES OPERACIONAIS:

1. Controle do estoque de processos, objetivando mantê-lo atualizado em relação aos prazos previstos para sua instrução e para sua apreciação plenária.

2. Aumento das ações de controle concomitante.

3. Acompanhamento do cumprimento das decisões do Tribunal.

4. Elevação do índice de decisões conclusivas.

5. Incremento das ações de caráter preventivo e orientador.

DIRETRIZ ESTRATÉGICA Nº 2:

Promover o desenvolvimento e a modernização institucionais

DIRETRIZES OPERACIONAIS:

6. Aperfeiçoamento do sistema de planejamento do Tribunal, especialmente com vistas a estimular maior participação das diversas áreas.

7. Estabelecimento de forma participativa de indicadores de desempenho do Tribunal.

8. Mapeamento, melhoria, padronização, integração, informatização e manualização dos principais processos de trabalho do Tribunal.

9. Aperfeiçoamento dos normativos institucionais.

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10. Ampliação e aprimoramento do uso da tecnologia da informação.

DIRETRIZ ESTRATÉGICA Nº 3:

Desenvolver, valorizar e motivar os servidores para atingimento dos objetivos estratégicos institucionais

DIRETRIZ OPERACIONAL:

11. Estabelecimento de programas de qualificação e avaliação, bem como adoção de medidas direcionadas para o desenvolvimento e a valorização profissional e promoção da qualidade de vida no trabalho, orientados para o cumprimento de objetivos estratégicos institucionais.

DIRETRIZ ESTRATÉGICA Nº 4:

Melhorar a infra-estrutura do ambiente físico e o suporte logístico

DIRETRIZES OPERACIONAIS:

12. Melhoria dos recursos materiais e patrimoniais do Tribunal.

13. Melhoria dos equipamentos de informática e aperfeiçoamento do atendimento aos usuários de recursos de informática do Tribunal.

DIRETRIZ ESTRATÉGICA Nº 5:

Fortalecer a imagem institucional e estimular o diálogo com a sociedade e com os demais entes externos

DIRETRIZES OPERACIONAIS:

14. Divulgação do papel do Tribunal e do resultado das ações de controle externo e crescente interação e intercâmbio com entes jurisdicionados, demais Cortes de Contas e instituições congêneres nacionais e internacionais.

15. Fomento à vigilância social sobretudo no combate aos desvios e à malversação dos recursos públicos.

16. Aprimoramento do sistema de comunicação interna.

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III. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Espera-se que o presente PLANEST, para o período 2004-2007, além de apoiar o processo decisório e conferir melhor direcionamento às ações gerenciais, contribua, mediante materialização em ações das orientações nele contidas, para o pleno alcance da Visão de Futuro, a qual projeta para o amanhã um Tribunal mais atuante, proativo e sintonizado com a sociedade, com plena visibilidade das ações por ele desenvolvidas e das realizações decorrentes e com seu capital humano qualificado, motivado, participante e comprometido com os resultados.

O passo seguinte, no processo de planejamento, compreende a formulação, com base nas Diretrizes Estratégicas e Operacionais contidas neste Plano, dos Planos Setoriais de Ação – PSAs, os quais, após consolidados, geram o Plano Geral de Ação – PGA para cada exercício do quadriênio 2004-2007.

Cabe esclarecer, por último, que as Diretrizes Operacionais para 2004 — que nortearam a elaboração do PGA para esse ano, aprovado pela Decisão nº 76, de 11.12.03. — não traduzem, em toda sua extensão, as Diretrizes Estratégicas, porquanto refletem tão-somente a capacidade produtiva de o Tribunal materializar em metas e ações o direcionamento estratégico instituído neste PLANEST em seu primeiro ano de vigência. As demais orientações contidas nas diretrizes superiores e não incorporadas pelas Diretrizes Operacionais para 2004 — ou dessas integrantes mas que não sejam materializadas efetivamente em ações — deverão ser contempladas ou reiteradas nas Diretrizes Operacionais a serem fixadas para os anos seguintes, de 2005 a 2007.

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TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL

Manoel Paulo de Andrade Neto Conselheiro Presidente do TCDF

Criado em 13 de abril de 1960, como órgão auxiliar do Senado Federal, por meio da Lei nº 3.751 de 13 de abril de 1960, sancionada por Juscelino Kubitschek de Oliveira, o Tribunal de Contas do Distrito Federal teve a sua ata da sessão de instalação no dia 15 de setembro de 1960, com a primeira sessão plenária realizada no dia 26 de setembro do mesmo ano.

Desde sua criação até a edição da Constituição Federal de 1967, a atuação do TCDF no controle das finanças públicas do Distrito Federal estava concentrada no registro prévio dos atos de natureza financeira e na elaboração de pareceres prévios sobre as contas do Prefeito do Distrito Federal. Cabe ressaltar que o Ato Regimental nº 01 de 05 de julho de 1962, criou, de forma pioneira no Brasil, a figura da Inspeção in loco‖ uma espécie de gérmen das auditorias e inspeções adotada pela Constituição de 1967.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, que criou a Câmara Legislativa do Distrito Federal, aconteceram evoluções relacionadas, principalmente, à situação do TCDF, com a mudança da sua jurisdição para órgão auxiliar dessa nova Casa Legislativa, consumada em 1991. O novo texto constitucional também introduziu a figura da auditoria de desempenho ou operacional, com grande influência sobre a complexidade dos processos, além da obrigatoriedade da avaliação da legalidade dos atos de admissão de pessoal para fins de registro e outras relacionadas a avaliação dos resultados quanto à eficácia e eficiência da gestão orçamentária, financeira, contábil e patrimonial nos órgãos e entidades da administração do Distrito Federal.

Em apoio à Corte, passou a funcionar depois da edição da Lei nº 3.948/61, um corpo especial de 2 (dois) Auditores, sendo que, a partir de 1967, o Decreto-Lei nº 274 criou terceiro cargo. Desde o início, junto ao TCDF, aparece destacada atuação do Ministério Público, órgão com independência funcional em relação à Corte.

A atual Corte de Contas do Distrito Federal tem a seguinte composição – Conselheiro Manoel Paulo de Andrade Neto (presidente), Conselheiro Paulo César de Ávila e Silva (vice presidente), Conselheiro Ronaldo Costa Couto, Conselheira Marli Vinhadeli, Conselheiro Jorge Caetano, Conselheiro Jorge Ulisses Jacoby Fernandes e Conselheiro Antônio Renato Alves Rainha.

O Tribunal de Contas do Distrito Federal desempenha atividades que resulta, entre muitos feitos, na expedição, recomendações e orientações objetivando recuperar ou evitar prejuízos decorrentes do uso indevido dos bens, dinheiros e valores públicos. Os benefícios advindos das determinações, recomendações e orientações são de inegável relevância, independentemente de mensuração ou quantificação, pois só a existência da figura da entidade fiscalizadora por si só, quando não ilide, já minimiza ou inibe a prática de atos indevidos na gestão.

As realizações do TCDF, que são apresentadas à cada trimestre à Câmara Legislativa, atestam o empenho da Corte de contas na busca da melhoria continua da qualidade dos serviços prestados à sociedade, tendo como direcionamento a sua visão de futuro, traduzida pela atuação tempestiva e transparente na fiscalização da gestão dos recursos públicos.

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No primeiro semestre deste ano, os conselheiros do Tribunal de Contas do Distrito Federal proferiram 3.207 decisões preliminares e conclusivas. No mesmo período, houve 189 tomadas e prestações de contas sendo que mais de 50 % conclusivas. Ainda estão em análise 523 autos, sendo 302 tomadas de contas e 221 prestações de contas.

A apreciação das Contas do Governador que é apresentada à Câmara Legislativa e o julgamento das contas anuais dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos e as demais decisões referentes às atividades de controle externo são atos formalizados por deliberações do Plenário. Ao julgar as contas, o TCDF decide sobre a legalidade, legitimidade e economicidade dos atos de gestão e das despesas deles decorrentes, bem como sobre a aplicação de subvenções e a renúncia de receitas.

Ainda no primeiro semestre deste ano, os conselheiros analisaram 2.107 atos na área de pessoal, entre eles, admissão, aposentadoria, pensão civil e militar, reforma e revisão de contrato.

Com um total de 592 servidores, sendo 529 concursados como auditores, analistas de finanças e controle externo, técnicos de finanças e controle externo, analistas de administração pública, técnicos e auxiliares de administração pública, o TCDF conta hoje com uma equipe altamente técnica e profissional.

Há uma preocupação constante quanto à política de recursos humanos, com a qualificação e constante aprimoramento dos servidores, além da valorização profissional para evitar a rotatividade de pessoal que traz uma série de prejuízos aos cofres, entre eles, a normal queda de produtividade das atividades nos primeiros meses de adaptação dos empossados, além dos custos de contratação de novos servidores e conseqüente necessidade de ofertar capacitação para o cumprimento das funções inerentes ao controle externo.

Existe, no Tribunal, a Biblioteca ―Cyro dos Anjos‖, que hoje conta com 18.223 itens entre livros, revistas, periódicos e cds. Aberta à comunidade ela vem obtendo mais de 1.200 consultas por mês. Além de sua diversidade de títulos, oferece, ainda, duas salas de multimeios: uma contendo TV, vídeo e mesa para reuniões e outra com três computadores para estudos e pesquisas.

Especializada em Literatura e Direito, com ênfase em Direito Administrativo, a biblioteca é composta de uma diversidade de títulos sobre Economia, Finanças, Contabilidade e Administração, bem como arquivos de Diários Oficiais da União e do Distrito Federal, que datam desde a inauguração de Brasília em 1960. O investimento é constante. Neste ano de 2003, no primeiro semestre, foram adquiridos 400 itens e no ano passado houve a aquisição de 500 novos títulos.

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A AÇÃO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS SOBRE OS CONTRATOS

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes Conselheiro do TCDF

Diversamente dos poderes que concedeu aos tribunais de contas, em relação a atos administrativos em geral, o constituinte, ao tratar de contratos, definiu1 uma sistemática que envolve essas Cortes, o Poder Legislativo e o Poder Executivo, numa efetiva aplicação da teoria de freios e contrapesos cheks and balances.

Sustar um contrato significa retirar-lhe a eficácia, a produção dos efeitos financeiros – pagamento, por exemplo – e executivos, - realização do objeto.

O inciso X e §§ 1º e 2º do art. 71, da Constituição Federal, ao referir-se à sustação admitiu, implicitamente, que a mesma tivesse natureza cautelar ou definitiva.

Terá natureza cautelar, quando determinada no curso de um processo, visando resguardar o patrimônio público; natureza decisória definitiva quando for anunciado pelo Tribunal de Contas, com a recomendação para adotar as medidas legais, genericamente, ou implicar em providências incompatíveis com a continuidade do contrato.

Tecnicamente, nesse último caso, estará o Tribunal de Contas determinando a autoridade administrativa que rescinda ou anule o contrato. Na função de controle externo é possível determinar à autoridade que adote as providências visando ao exato cumprimento da Lei, expressão essa comum no âmbito das recomendações dos Tribunais de Contas.

Assim, embora tecnicamente a recomendação para sustação em caráter definitivo não seja adequada é possível entender que a competência constitucional para sustar assuma tal conotação, hipótese em que terá por corolário lógico a anulação ou rescisão.

Ao receber a comunicação para sustar o contrato, cabe a autoridade administrativa optar pela medida que melhor se harmonize com o interesse público. Divergindo da decisão, poderá impetrar recurso perante o próprio Tribunal de Contas ou iniciar a ação judicial pertinente contra o ato do tribunal. Concordando, verificará se a sustação deverá ter natureza cautelar, corrigindo/sanando o contrato, ou definitiva, rescindindo ou anulando-o.

a) o Tribunal de Contas tem poder de recomendar à Administração Pública que suste o

contrato

O ordenamento jurídico brasileiro, formado pela Constituição e lições do Supremo Tribunal Federal, com extrema parcimônia, harmonizou o primado do respeito ao ato jurídico perfeito com a secular discussão acerca dos efeitos do ato ilegal, admitindo a competência do controle externo para buscar inicialmente que a própria administração suste o contrato, observando-se, é claro, a legislação pertinente. Note-se que determinação à sustação não é rescisão, mas apenas ato cautelar impeditivo da consumação da despesa ou do fato gerador de pagamento (execução). A autoridade que recebe a comunicação é que avalia os efeitos da sustação na vida do contrato.

Cabe lembrar que, na atualidade, a anulação do contrato e até a sua rescisão, mesmo que seja por motivo de interesse público, obrigam a Administração Pública a observar o princípio do contraditório e da ampla defesa.2

1

No início do século, ao tempo do registro prévio, os contratos eram ―julgados‖ pelo Tribunal de Contas da União. BRASIL. Decreto nº 2.511, de 20 de dezembro de 1911. Regula a Tomada de Contas ao governo pelo Congresso Nacional. Coleção de Leis do Brasil 1911, v. 1, p. 80, c. 1, art. 5º. 2 Quando a nulidade é da licitação, essa induz à do contrato, e também deve ser garantido o direito

de ampla defesa e do contraditório, conforme art. 49, caput e §§ 2° e 3°, da Lei nº 8.666/93.

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Muito se tem debatido se o Tribunal de Contas deve originariamente assegurar o contraditório ao licitante vencedor ou ao contratado, conforme o caso, ou se esse dever compete apenas ao órgão jurisdicionado que recebe a determinação para sustar, anular ou rescindir o contrato.

Após o advento da Lei nº 9.784/99 com mais ênfase parece prevalecer entendimento, de que deve o próprio tribunal assegurar a ampla defesa e o contraditório. Desse modo se decidir que a licitação deve ser anulada, quando já proclamado o vencedor, antes de deliberar deve notificar esse licitante para integrar o processo; se analisa contrato, havendo indícios que possam levar a nulidade, deve o contratado também ser chamado ao processo.

Nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, sintetizado na seguinte ementa:

EMENTA: I. Tribunal de Contas: competência: contratos administrativos (CF, art. 71, IX e §§ 1º e 2º). O Tribunal de Contas da União - embora não tenha poder para anular ou sustar contratos administrativos - tem competência, conforme o art. 71, IX, para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou. II. Tribunal de Contas: processo de representação fundado em invalidade de contrato administrativo: incidência das garantias do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa, que impõem assegurar aos interessados, a começar do particular contratante, a ciência de sua instauração e as intervenções cabíveis. Decisão pelo TCU de um processo de representação, do que resultou injunção à autarquia para anular licitação e o contrato já celebrado e em começo de execução com a licitante vencedora, sem que a essa sequer se desse ciência de sua instauração: nulidade. Os mais elementares corolários da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa são a ciência dada ao interessado da instauração do processo e a oportunidade de se manifestar e produzir ou requerer a produção de provas; de outro lado, se se impõe a garantia do devido processo legal aos procedimentos administrativos comuns, a fortiori, é irrecusável que

a ela há de submeter-se o desempenho de todas as funções de controle do Tribunal de Contas, de colorido quase - jurisdicional. A incidência imediata das garantias constitucionais referidas dispensariam previsão legal expressa de audiência dos interessados; de qualquer modo, nada exclui os procedimentos do Tribunal de Contas da aplicação subsidiária da lei geral de processo administrativo federal (Lei nº 9.784/99), que assegura aos administrados, entre outros, o direito a "ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos (art. 3º, II), formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente". A oportunidade de defesa assegurada ao interessado há de ser prévia à decisão, não lhe suprindo a falta a admissibilidade de recurso, mormente quando o único admissível é o de reexame pelo mesmo plenário do TCU, de que emanou a decisão.3

Sustentam alhures que não se deve olvidar que há entendimento, em linha mais ortodoxa no sentido de que atos absolutamente nulos prescindem de ampla defesa.4

O entendimento mais consentâneo com o novo ordenamento jurídico, porém, é o retratado no acórdão transcrito, fato que deve obrigar os Tribunais de Contas à revisão de alguns procedimentos. De fato, a jurisprudência referida como mais ortodoxa não analisou

3 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 23.550/DF. Min. Relator: Marco Aurélio. Rel. do Acórdão

Min. Sepúlveda Pertence. DJ 31.10.01. 4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. R Ext. 22.4283/SP. Rel. Min. Ellen Gracie; Rec. Ext. 213.513.

Rel. Min. Ilmar Galvão.

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a competência do Tribunal de Contas, nem se contextualizou ao tema contratos e ao advento da Lei nº 9.784/99, como faz o processo cuja ementa de acórdão foi transcrita.

Aliás, o próprio Tribunal de Contas da União, paradigma federal do controle externo passou a adotar o mesmo entendimento, anulando suas deliberações quando o contrato já estiver em curso e a deliberação da Corte for determinando a rescisão do contrato, sem que tenha havido prévia audiência.5

b) se a Administração Pública não atender a recomendação, o Tribunal de Contas não tem poder para sustar diretamente

Entre a determinação do Tribunal de Contas e a promulgação do decreto legislativo que susta o contrato, está a administração obrigada a deixar de executar ou pagar o contrato?

Certamente não, porque a decisão do Tribunal de Contas não é vinculativa neste caso. Somente obriga, nos termos da lei, o decreto legislativo. Nessa linha de entendimento também é o escólio de Eros Roberto Grau.6

c) diante da recusa da Administração Pública, o Tribunal de Contas deverá comunicar a

recalcitrância ao Poder Legislativo, o qual tem a prerrogativa de sustar o contrato diretamente

Ensina Carlos Ari Sundfeld, com a argumentação lógica que o destaca, que:

a fiscalização da regularidade dos contratos administrativos é tarefa do Tribunal de Contas, a quem compete - de modo exclusivo - determinar, ao órgão ou entidade, a adoção de providências para a regularização da despesa. Somente após o esgotamento da ação da Corte de Contas, com a caracterização da ilegalidade não corrigida, é que o legislativo poderá agir, sustando o contrato irregular.7

Lembra, a propósito, que José Afonso da Silva obtempera ser esse controle de natureza política, mas sujeito à prévia apreciação técnico-administrativa do Tribunal de Contas.

Efetivamente, tal competência não integra o elenco daquelas atribuições definidas para o Poder Legislativo na Constituição Federal. Tem, porém, o direito-dever de exercê-la, tão somente, após a recusa do órgão em acatar a recomendação do Tribunal de Contas. Não tem, desse modo, competência originária para o exame de contratos, nem pode prescindir do formal exame técnico do Tribunal de Contas, nem a mesma subsistirá se não houver recusa. Confirma-se aí, mais uma vez, que o Tribunal de Contas não é órgão auxiliar do Poder Legislativo, mas, autônomo, na dicção do Supremo Tribunal Federal, e auxilia a função de controle do Congresso Nacional.8

5 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 882/03-Plenário, DOU, 24.07.03, p.68.

6 GRAU, Eros Roberto. Tribunal De Contas - Decisão - Eficácia. Parecer. Revista de Direito

Administrativo, v. 210, out./dez. 1997, p. 351-356. 7

SUNDFELD, Carlos Ari. Pode o Legislativo sustar contrato administrativo (CF, art. 71, §1°) sem a prévia decretação da ilegalidade pelo Tribunal de Contas ? 8 Considerando ilegal a sustação direta pelo Poder Legislativo, sem a participação do Tribunal de

Contas: SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Administrativo. Apelação nº 008.825.5/1-SP. Relator: Desembargador Antônio Villen. São Paulo, 20 de janeiro de 1998. Informativo de licitações e contratos, nº 48, p. 166-167, fev. 1998.

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d) o ato de sustação pelo Poder Legislativo independe de nova e prévia comunicação à Administração e ao contratado, porque essa já foi feita pelo Tribunal de Contas e não

acatada pela Administração Pública

Por esse motivo, ao requerer a sustação ao Poder Legislativo deve o Tribunal de Contas remeter cópia da correspondência que foi enviada à Administração Pública, requerendo a sustação do ato, posto que é um dos requisitos indispensáveis ao exercício da competência daquele. A Administração e o contratado devem ser notificados dessa comunicação.

Quanto ao não atendimento, poderá esse ser provado:

pela manifestação escrita da autoridade requerida;

pela prática de atos incompatíveis com o acatamento;

por provas coligidas pela inspeção ordenada pelo Tribunal de Contas; ou

pela simples afirmação do Tribunal de Contas ao Poder Legislativo.

e) simultaneamente ao ato de sustação, cabe ao Poder Legislativo “solicitar, de imediato,

ao Poder Executivo as medidas cabíveis”

A Constituição Federal coloca em paralelo à comunicação dirigida pelo Tribunal de Contas ao Poder Legislativo, visando sustar o ato, a requisição de medidas a cargo do Poder Executivo. Que medidas serão estas? Seriam as de sustação? Óbvio que não, vez que, pelo próprio sentido lógico, descabem sua repetição.

É importante notar que o Poder Legislativo e o Poder Judiciário também podem firmar contratos administrativos, assim como o Poder Executivo. Logo, à primeira vista, a restrição ao Poder Executivo parece indicar que o Tribunal de Contas só estaria cuidando de não atendimento da determinação pelo Poder Executivo. Ora, se pode haver recalcitrância por parte do executivo, também poderá ocorrer por parte dos demais poderes. Ademais, a expressão medidas cabíveis, aqui requeridas, não se refere à sustação do contrato pelo jurisdicionado, pois a norma superou essa etapa e agora cuida do não atendimento.

As medidas complementares aqui referidas, e o fato de serem dirigidas apenas ao Poder Executivo, decorrem de que, embora os três poderes e os órgãos autônomos como o Ministério Público e o Tribunal de Contas possam firmar contrato, fazem-no em nome do ente da esfera de governo a que se vinculam. Assim, o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, o faz em nome da União, pessoa jurídica correspondente; a Assembléia Legislativa de um Estado, em nome desse; a secretaria de obras de uma Prefeitura, em nome do Município. Por isso, é indispensável que, por meio do órgão jurídico encarregado da representação judicial da unidade, a entidade jurídica esteja apta a adotar as medidas complementares, como a prestação de contas do contrato, as ações de indenização, o arresto de bens, a assunção da obra no estado em que se encontra.9

f) o Poder Legislativo tem o prazo improrrogável de noventa dias para efetivar o ato de

sustação e adotar as medidas cabíveis, respectivamente

O prazo, exageradamente longo, especialmente se estiver subjacente grave lesão às finanças públicas - fato que justificaria o ato extremo da sustação -, é de 90 dias.

9 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição

Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, 22.06.93, art. 80.

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Pretendem os membros do Poder Legislativo que os prazos sejam contados na forma do regimento interno das casas parlamentares. Contudo, não é o correto, vez que o destinatário do prazo é o Tribunal de Contas. Assim, embora aceitável em outros casos que o prazo seja contado na forma regimental, neste, especificamente, não prevalece aquela regra, contando-se o prazo dia a dia, tendo por termo inicial, dies a quo, a data de recebimento pelo respectivo poder.

g) decorrido esse prazo sem deliberação, o Tribunal de Contas decidirá a respeito

Com esse comando, a norma restaura a competência do Tribunal de Contas, talvez muito tardiamente, numa tentativa de estabelecer um sistema de freios e contrapesos.

Decidirá a respeito da sustação - que o Poder Legislativo não decidiu - e também das medidas que cabiam ao Poder Executivo adotar e não adotou.

h) é implícita a competência do Poder Legislativo examinar a impugnação

E, se o Poder Legislativo decidir que o contrato não padece dos vícios apontados pelo Tribunal de Contas? Neste caso, a competência do Tribunal de Contas para sustar não é restabelecida porque o constituinte só permitiu o retorno da competência diante da omissão, fruição in albis do prazo.

i) a sustação deve submeter-se ao princípio da legalidade

É evidente que o exercício da competência não pode se concretizar com a ofensa às demais garantias do ordenamento jurídico.

Assim, a sustação cautelar ou definitiva não pode afetar a garantia constitucional do equilíbrio econômico-financeiro que tem como termo a quo, ou seja, inicial, a data da proposta.10

Tal garantia só não prospera se provado que a conduta dolosa do contratado consistiu na elevação arbitrária dos preços.11

Se a sustação tiver natureza cautelar e implicar o retardamento da execução, o ato que altera o prazo deve ser justificado e publicado;12 se implicar em desmobilização, o pagamento do custo correspondente para o contratado, nos termos previstos no edital;13 se tiver natureza definitiva, as garantias do art. 78, inc. XIV e XV e 79, da Lei 8.666/93.

Dada a complexidade de que se reveste a sustação de contrato e seus efeitos na órbita jurídica e econômica, o exercício dessa competência deve ser concretizado com extrema parcimônia, avaliando-se os efeitos decorrentes para o erário e a sociedade.

j) Conclusão

O fortalecimento das atividades dos Tribunais de Contas fez exsurgir a competência para sustação de contratos administrativos que deve ser exercitada nos termos da Constituição Federal e das leis em vigor.

10

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988, art. 37, inciso XXI. 11

BRASIL. Lei nº 8.666/93, art. 96, inciso I. 12

BRASIL. Lei nº 8.666/93, art. 40, inciso X c/c art. 78, inciso XVI. 13

BRASIL. Lei nº 8.666/93, art. 8º.

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A AMPLA DEFESA E A RETIRADA DE AUTOS NOS TRIBUNAIS

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes Conselheiro do TCDF

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 assegura aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes.1

O princípio do contraditório, comumente resumido na antiga parêmia latina - audiatur et altera pars -, consiste na obrigação do Juiz, em razão do seu dever de imparcialidade, de ouvir a outra parte do processo sobre as alegações deduzidas por uma parte. Também é chamado de princípio da audiência bilateral.

Tal axioma dá sustentação a teoria geral do processo, e sua inobservância acarreta a nulidade do ato, ressalvadas as exceções expressamente admitidas em lei, como a medida liminar sem oitiva da parte adversa, que, por isso mesmo, constitui-se instrumento restrito.

Com o descortino superior que lhe é peculiar, obtempera o Dr. João Bonifácio Cabral Jr. que, no Direito comparado, em especial na doutrina alemã, é reconhecido que, subjacente ao direito de defesa, estão presentes três outros direitos, quais sejam:

a) direito de informação

Pelo qual se garante que o interessado, num processo administrativo disciplinar, por exemplo, tenha acesso a todas as informações relativas ao andamento e aos atos do processo;

b) direito de manifestação

Pelo qual se garante o direito do interessado manifestar-se oralmente ou peticionando por escrito no processo;

c) direito de ver suas razões consideradas

Pelo qual se obriga o julgador, sob pena de nulidade, a considerar as razões de defesa, enfrentando-as, quer para acatá-las, quer, principalmente, quando for o caso, para mostrar, fundamentadamente na prova colhida na instrução, a improcedência ou inconsistência das mesmas.

Desafio relevante consiste em avaliar como os princípios da epígrafe afetam os diversos tipos de processos que estão submetidos no plexo de competências dos Tribunais de Contas.

O tema desafia a inteligência porque exige profundo conhecimento da natureza das diversas funções que essas Cortes exercem e como, quando e em favor de quem devem ser concretizados tais princípios.

Um dos pontos que até o mês de outubro próximo passado surpreendia os causídicos que iniciavam a militância nos Tribunais de Contas era a vedação à retirada de autos dos processos, mesmo quando o Advogado possuía procuração nos autos.

1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, art. 5º, LV.

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No âmbito do TCU, logo após a edição da Lei nº 8.906/94 foi constituído processo específico para tratar do assunto2, tendo a Corte deliberado pelo sobrestamento até a apreciação preliminar de várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade ingressadas no Supremo Tribunal Federal contra a referida norma.

A Resolução nº 36/95 do TCU, que definiu os parâmetros para assegurar aos responsáveis e interessados a ampla defesa e o contraditório acabou por manter a praxe da Corte, expressamente vedando a retirada dos autos do processo.

As motivações que justificaram a norma não podem ser simplesmente desconsideradas diante do aparente conflito com a Lei. A sustentar a razoabilidade da negativa desse exercício está o fato de que muitos processos tramitam com a chancela de sigilo, que a maioria deles envolve mais de um interessado ou responsável e que o Tribunal de Contas por vezes desempenha mera função administrativa e por outras vezes função de jurisdição.

As controvérsias estabelecidas sobre o assunto vieram a ter bom termo com a edição do novo Regimento Interno do TCU que dedicou um capítulo inteiro ao tema3 e

2 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Processo nº 013.966/1994-4, conforme consta do Processo

nº 005.972/1998-1. 3 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Resolução nº 155, de 04 de dezembro de 2002. Aprova o

Regimento Interno do Tribunal de Contas da União. [...] Art. 163. As partes poderão pedir vista ou cópia de peça do processo, mediante solicitação dirigida ao relator, segundo os procedimentos previstos neste capítulo, assegurada aos seus advogados a obtenção de vista ou cópia de peça de qualquer processo não sigiloso, desde que demonstrem semelhança de matéria e necessidade atual em face do processo em que estejam atuando.

§ 1º Na ausência ou impedimento por motivo de licença, férias, recesso do Tribunal ou outro afastamento legal do relator ou do seu substituto, e não havendo delegação de competência na forma do art. 164, caberá ao Presidente do Tribunal decidir sobre os pedidos previstos no caput.

§ 2º Poderão ser indeferidos os pedidos de que trata o caput se existir motivo justo ou, estando no dia de julgamento do processo, não houver tempo suficiente para a concessão de vista ou extração de cópias.

§ 3º No caso de processo encerrado, exceto por apensamento a processo em aberto, caberá à Presidência do Tribunal decidir sobre os pedidos previstos no caput.

§ 4º Do despacho que indeferir pedido de vista ou cópia de peça de processo cabe agravo, na forma do art. 289.

Art. 164. O relator, mediante portaria, poderá delegar competência aos titulares das unidades técnicas e ao chefe de seu gabinete, bem como aos dos membros do Ministério Público, para autorização de pedido de vista e de fornecimento de cópia de processo.

Art. 165. O despacho que deferir o pedido de vista indicará o local onde os autos poderão ser examinados.

§ 1º As partes não poderão retirar processo das dependências do Tribunal, exceto por intermédio de advogado regularmente constituído, que poderá fazê-lo pelo prazo de cinco dias, sob a sua responsabilidade, na forma e nas condições definidas em ato normativo.

§ 2º Se o processo, retirado das dependências do Tribunal, não for devolvido dentro do prazo prescrito no parágrafo anterior, o relator determinará a reconstituição das peças que entender necessárias ao julgamento, que em caso de revelia da parte poderá ter por fundamento exclusivamente as conclusões da unidade técnica.

Art. 166. Deferido o pedido, para o recebimento de cópias, a parte deverá apresentar comprovante do recolhimento da importância correspondente ao ressarcimento dos custos.

§ 1º O pagamento será dispensado nas solicitações de interesse de órgão ou entidade da administração pública federal, estadual ou municipal.

§ 2º Poderá ser fornecida cópia de processo, julgado ou não, mesmo de natureza sigilosa, ressalvados os documentos e informações protegidos por sigilo fiscal, bancário, comercial ou outros previstos em lei, a dirigente que comprove, de forma objetiva, a necessidade das informações para

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agora surge regulamentado por Resolução.4 Importante notar que havia registro de decisão judicial admitindo a possibilidade de vista fora do Tribunal de Contas pelo interessado ou seu Advogado, desde que regularmente constituído.5

DIREITO DE VISTA

Interessante notar que embora os Tribunais de Contas do Brasil admitam o jus postulandi, – capacidade da própria parte estar em juízo, sem a assistência de Advogado –, a regulamentação em tela limitou o direito de retirada dos autos do processo aos regularmente inscritos na OAB ou ocupantes do cargo de Procurador.

O relator da regulamentação, assinalou que

Com efeito, o pedido de retirada de processo pelo procurador, constituído pelo responsável ou interessado envolvido na relação processual, terá que ser, necessariamente, formulado por advogado, único a possuir a prerrogativa de postular a requisição e retirada de processos das dependências do Tribunal, a exemplo do que é feito nos Tribunais do Poder Judiciário. Além do que, só podem ser conhecidos e providos quando o profissional estiver devidamente credenciado pelas partes, para em nome destas postular seus direitos.6

A medida não impede a parte de conhecer e consultar o processo mas o pedido de vista fora da repartição é restringido. A regra encontra-se em absoluta consonância com o modelo judicial e não inibe de modo algum até o pedido de cópia pelo interessado ou responsável.

A própria norma que definiu o direito de vista, com muita propriedade conceituou:7

Art. 2º Para fins do disposto nesta Resolução considera-se:

I - parte no processo, o responsável e o interessado;

II - responsável, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, sujeita à jurisdição do Tribunal;

III - interessado, aquele que tem reconhecida pelo Relator ou pelo Tribunal, razão legítima para intervir no processo.

No âmbito do Tribunal de Contas da União o direito de retirada dos autos ficou assim definido:

Art. 3º O requerimento para retirada de processo deverá ser formulado por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra o

defesa do órgão ou entidade federal, estadual ou municipal.

§ 3º Constará registro do caráter reservado das informações em cada cópia de processo de natureza sigilosa a ser fornecida.

Art. 167. Não será concedida vista ou fornecida cópia de peças da etapa de instrução antes do seu término, observado o disposto no § 2º do art. 160. 4

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Resolução nº 163, de 8 de outubro de 2003. Dispõe sobre a retirada de processo das dependências do Tribunal de Contas da União. 5

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Administrativo. Mandado de Segurança. MS n.º 22.314-6. Relatar: Ministro Octávio Gallotti, Brasília, DF, 05 de setembro de 1996. Diário da Justiça, 07 fev. de

1997, p. 01340. 6

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Processo nº TC-005.972/1998-1. Acórdão nº 1.512/2003 – Plenário. Relator: Humberto Guimarães Souto. Brasília-DF, 08 de outubro de 2003. Diário Oficial da União, de 21 out. 2003. 7 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Resolução nº 163/2003, art. 2º.

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qual não pese qualquer impedimento que restrinja o livre exercício da profissão e ainda:

I - ser apresentado mediante formulário próprio, Anexo I deste normativo;

II - indicar o número do processo;

III - indicar a unidade da federação em que se pretende retirar os autos;

IV - estar acompanhado de cópia da carteira da OAB do procurador, frente e verso, devidamente autenticada por servidor do Tribunal; e

V - estar acompanhado de procuração com a firma do outorgante devidamente reconhecida, no caso de ainda não constar dos autos.

Parágrafo único. Fica dispensada a exigência do disposto no inciso V deste artigo quando se tratar de procurador de entidade pública, no efetivo exercício do cargo.

NEGATIVA DE VISTA FORA DA REPARTIÇÃO

Também difere do sistema ortodoxo judicial a negativa do pedido de vista fora da repartição, devido as peculiaridades inerentes a atuação do controle externo, nos termos a seguir:

Art. 5º O requerimento para retirada de processo das dependências do Tribunal pode ser indeferido pelo relator quando:

I - se tratar de processo sigiloso ou que contenha documentos sigilosos, nos termos do art. 7º, § 1º, item 1, da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994;

II - existirem nos autos documentos originais de difícil restauração e ocorrer circunstância relevante que justifique a permanência dos autos no Tribunal, conforme previsto no art. 7º, § 1º, item 2, da Lei nº 8.906, de 1994;

III - tratar-se de advogado que tenha deixado de devolver o respectivo processo ou algum de seus volumes no prazo, e só o tenha feito após notificado, hipótese em que não mais poderá retirá-lo até o seu encerramento, nos termos do art. 7º, § 1º, item 3, da Lei nº 8.906, de 1994;

IV - tratar-se de advogado que, após notificado, não devolveu ao Tribunal outros autos por ele retirados;

V - tratar-se de advogado descredenciado ou suspenso, constante de relação enviada ao Tribunal pela OAB ou divulgada na Internet;

VI - estiver o advogado impedido de exercer a advocacia, na forma da lei;

VII - existir motivo justo ou, estando o processo incluído em pauta, não houver tempo suficiente para a retirada dos autos do âmbito do Tribunal.

O acréscimo inserido nos itens VI e VII, teve a seguinte justificativa:

... a inclusão do inciso VI possibilita a negativa do pedido de retirada de processo, com base em motivo justo, cuja causa não esteja prevista nos incisos anteriores permitindo, dessa forma, ao relator ponderar as circunstâncias afetas ao caso concreto submetido a sua apreciação, hipótese esta prevista no artigo 163, § 2º, do Regimento Interno. Acrescenta, ainda, que, na eventualidade de o processo estar incluído em pauta, não haveria disponibilidade temporal para sua retirada pelo advogado. Esse indeferimento, por sua vez, não comprometeria a ampla defesa e o contraditório, princípios constitucionais assegurados à parte, uma vez que, na fase de julgamento, não cabe a juntada aos autos de documentos novos, podendo a parte

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fazê-lo somente até o término da etapa de instrução, consoante prescreve o art. 160, § 1º, do Regimento Interno/TCU.

Relativamente à inclusão do inciso VII, a argumentação do Ministro para que seja indeferido novo pedido de retirada de processo, quando o advogado, mesmo após cientificado, continuar de posse de processo, baseia-se no fato de que a autorização de nova retirada caracterizaria displicência por parte do relator.

SANÇÕES PECULIARES

A norma em tela, seguiu parcialmente as regras gerais que prevêem sanções para os advogados faltosos no dever de devolução, mas acrescentou outras típicas do controle externo da competência do Tribunal de Contas como a possibilidade de aplicação de multa diretamente.

No relatório do Ministro Humberto Souto destacou aquela autoridade:

Com relação à realização de diligência ao procurador responsável, vale dizer que a adoção dessa medida permite, em caso de não devolução dos autos no prazo inicialmente fixado, sem justa causa, caracterizar descumprimento à diligência do relator, situação que pode ensejar a aplicação de multa ao advogado infrator com base no artigo 58, inciso IV, da Lei nº 8.443/92. Dessa forma, se houver retenção indevida dos autos por advogado, o Tribunal poderá aplicar-lhe a pena, de modo a coibir a reincidência da irregular retenção dos autos.

Propõe sugestão no sentido de incluir mais uma alínea ao inciso I do art. 11 nos termos a seguir:

Art. 11. [...]

I - encaminhar diligência ao procurador responsável, notificando-o, pessoalmente ou via postal, mediante Aviso de Recebimento (AR), para que restitua os autos no prazo de 24 horas e apresente esclarecimentos sobre os motivos da não devolução do prazo fixado inicialmente, sob pena de:

a) [...]

b) [...]

c) aplicação da multa prevista no artigo 58, inciso IV, da Lei nº 8.443/1992, em razão do não atendimento, no prazo fixado, sem causa justificada, à diligência do Relator.

Como justificativa ao acréscimo da alínea ―c‖ esclarece o Ministro que convém consignar no texto do artigo 11 a pena prevista no artigo 58, inciso IV, da Lei nº 8.443/92, em caso de eventual descumprimento à diligência do Relator.

RESTAURAÇÃO DE AUTOS

Distanciando-se do modelo judicial, e de forma muito mais prática, a norma em tela previu a possibilidade de antes da concessão da vista fora da repartição, o Relator determinar a extração de cópia do processo8. Desse modo além da possibilidade de ordenar o procedimento de reconstituição dos autos, pode o Tribunal de Contas da União

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BRASIL. Tribunal de Contas da União. Resolução nº 163/2003, art. 5º [...] § 3º Em face da natureza do processo e da matéria nele tratada, pode o relator determinar que a unidade técnica providencie cópia integral do processo antes de entregá-lo ao advogado para retirada, devendo a mesma permanecer na unidade até que o TCU profira deliberação definitiva sobre a qual não caiba mais recurso.

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reter cópia que, na ausência de extravio ou devolução, seguirão o curso que teriam os originais.

PRAZOS

Os prazos para retirada e para devolução de processo por parte do advogado também tiveram contagem típica definida, guardando simetria com o modelo judicial, sendo de cinco dias, contados da ciência do deferimento da solicitação, para a retirada e igual prazo, contado da retirada, para a devolução.

Os prazos referidos não interferirão nos fixados para a citação ou audiência, ficando condicionado o deferimento do pedido de retirada, nessa fase, a uma única vez.

Do mesmo modo que ocorre na esfera judicial, havendo mais de uma parte com advogados diferentes, e sendo a elas comum o prazo para defesa, é permitida a retirada somente em conjunto ou mediante prévio ajuste formulado por escrito nos autos.

CONCLUSÃO

Aos que não militam ordinariamente nos Tribunais de Contas é incompreensível a resistência que têm com a retirada dos autos. A cautela com que se houve o Tribunal de Contas da União e, por conseqüência todos os Tribunais de Contas que seguem o paradigma federal do controle externo tem efetivamente dose de razoabilidade, decorrente da natureza dos processos e as peculiaridades do Tribunal, ora inserido em feições judiciais, ora de natureza meramente administrativa.

A aprovação da Resolução se faz em prosseguimento aos avanços que vem imprimindo na Presidência do Tribunal de Contas da União, o Ministro-Presidente, Valmir Campelo, e revela a consolidação de um ramo específico e muito particular da advocacia: a advocacia perante os Tribunais de Contas.

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SUSTAÇÃO DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes Conselheiro do TCDF

Diversamente dos poderes que concedeu aos Tribunais de Contas, em relação a atos administrativos em geral, o constituinte, ao tratar de contratos, definiu1 uma sistemática que envolve essas Cortes, o Poder Legislativo e o Poder Executivo, numa efetiva aplicação da teoria de freios e contrapesos ―cheks and balances‖.

Sustar um contrato significa retirar-lhe a eficácia, a produção dos efeitos financeiros – pagamento, por exemplo – e executivos, – realização do objeto.

O inciso X e §§ 1º e 2º do art. 71, da Constituição Federal, ao referir-se à sustação admitiu, implicitamente, que a mesma tivesse natureza cautelar ou definitiva.

Terá natureza meramente cautelar, quando determinada no curso de um processo, visando resguardar o patrimônio público; natureza decisória definitiva quando for anunciado pelo Tribunal de Contas, com a recomendação para adotar as medidas legais, genericamente, ou implicar em providências incompatíveis com a continuidade do contrato.

Tecnicamente, nesse último caso, estará o Tribunal de Contas determinando a autoridade administrativa que rescinda ou anule o contrato. Na função de controle externo é possível determinar à autoridade que adote as providências ―visando ao exato cumprimento da Lei‖, expressão essa comum no âmbito das recomendações dos Tribunais de Contas.

Assim, embora tecnicamente a recomendação para sustação em caráter definitivo não seja adequada é possível entender que a competência constitucional para sustar assuma tal conotação, hipótese em que terá por corolário lógico a anulação ou rescisão.

Ao receber a comunicação para sustar o contrato, cabe a autoridade administrativa optar pela medida que melhor se harmonize com o interesse público. Divergindo da decisão, poderá impetrar recurso perante o próprio Tribunal ou iniciar a ação judicial pertinente. Concordando, verificará se a sustação deverá ter natureza cautelar, corrigindo/sanando o contrato, ou definitiva, rescindindo ou anulando-o.

a) o Tribunal de Contas não pode sustar contrato, mas lhe é implícito o poder de

determinar à Administração que o faça

O ordenamento jurídico brasileiro, formado pela Constituição e lições do Supremo Tribunal Federal, com extrema parcimônia, harmonizou o primado do respeito ao ato jurídico perfeito com a secular discussão acerca dos efeitos do ato ilegal, admitindo a competência do controle externo para buscar inicialmente que a própria administração suste o contrato, observando-se, é claro, a legislação pertinente. Note-se que determinação à sustação não é rescisão, mas apenas ato cautelar impeditivo da

1 No início do século, ao tempo do registro prévio, os contratos eram ―julgados‖ pelo Tribunal de

Contas da União. BRASIL. Decreto nº 2.511, de 20 de dezembro de 1911. Regula a Tomada de Contas ao governo pelo Congresso Nacional. Coleção de Leis do Brasil 1911, v. 1, p. 80, c. 1, art. 5º.

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consumação da despesa ou do fato gerador de pagamento (execução). A autoridade que recebe a comunicação é que avalia os efeitos da sustação na vida do contrato.

Essa comunicação se faz, como regra, após o atendimento do princípio do contraditório. Embora inexista dispositivo a respeito, parece ser essa a única possibilidade, porque a sustação do contrato afetará obrigações contraídas perante terceiros, muitas vezes não jurisdicionados aos Tribunais de Contas, com os inerentes consectários2. Entre esses, cabe apenas lembrar que, na atualidade, a anulação do contrato e até a sua rescisão, mesmo que seja por motivo de interesse público, obrigam a Administração Pública a observar o princípio do contraditório e da ampla defesa3.

Muito se tem debatido se o Tribunal de Contas deve originariamente assegurar o contraditório ao contratado, conforme o caso, ou se esse dever compete apenas ao órgão jurisdicionado que recebe a determinação para sustar, anular ou rescindir o contrato.

Após o advento da Lei nº 9.784 de 29 de janeiro de 1999, com mais ênfase, parece prevalecer o primeiro entendimento, ou seja, deve o próprio Tribunal assegurar a ampla defesa e o contraditório. Desse modo, se analisa o contrato, havendo indícios que possam levar a nulidade, deve o contratado também ser chamado ao processo, pela Corte de Contas.

Nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, sintetizado na seguinte ementa:

EMENTA: I. Tribunal de Contas: competência: contratos administrativos (CF, art. 71, IX e §§ 1º e 2º). O Tribunal de Contas da União - embora não tenha poder para anular ou sustar contratos administrativos - tem competência, conforme o art. 71, IX, para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou. II. Tribunal de Contas: processo de representação fundado em invalidade de contrato administrativo: incidência das garantias do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa, que impõem assegurar aos interessados, a começar do particular contratante, a ciência de sua instauração e as intervenções cabíveis. Decisão pelo TCU de um processo de representação, do que resultou injunção à autarquia para anular licitação e o contrato já celebrado e em começo de execução com a licitante vencedora, sem que a essa sequer se desse ciência de sua instauração: nulidade. Os mais elementares corolários da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa são a ciência dada ao interessado da instauração do processo e a oportunidade de se manifestar e produzir ou requerer a produção de provas; de outro lado, se se impõe a garantia do devido processo legal aos procedimentos administrativos comuns, a fortiori, é irrecusável que a ela há de submeter-se o desempenho de todas as funções de controle do Tribunal de Contas, de colorido quase - jurisdicional. A incidência imediata das garantias constitucionais referidas dispensariam previsão legal expressa de audiência dos interessados; de qualquer modo, nada exclui os procedimentos do Tribunal de Contas da aplicação subsidiária da lei geral de processo administrativo federal (Lei nº 9.784/99), que assegura aos administrados, entre outros, o direito a "ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos (art. 3º, II), formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente". A oportunidade de defesa assegurada ao interessado há de ser prévia à decisão, não

2 No mesmo sentido manifesta-se a doutrina: amparado em José Nilo de Castro: SUNDFELD, Carlos

Ari. Pode o Legislativo sustar contrato administrativo (CF, art. 71, §1°) sem a prévia decretação da ilegalidade pelo Tribunal de Contas? Informativo de licitações e contratos, nº 29, p. 488-490, jul. 1996. 3 Quando a nulidade é da licitação, essa induz à do contrato, e também deve ser garantido o direito

de ampla defesa e do contraditório, conforme art. 49, caput e §§ 2° e 3°, da Lei nº 8.666/93.

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lhe suprindo a falta a admissibilidade de recurso, mormente quando o único admissível é o de reexame pelo mesmo plenário do TCU, de que emanou a decisão4.

Não se deve olvidar, que há entendimento, em linha mais ortodoxa, no sentido de que atos absolutamente nulos prescindem de ampla defesa5.

O entendimento mais consentâneo com o novo ordenamento jurídico, porém, é o retratado no acórdão transcrito, fato que deve obrigar os Tribunais de Contas à revisão de alguns procedimentos. De fato, a jurisprudência referida como mais ortodoxa não analisou a competência do Tribunal de Contas, nem se contextualizou ao tema contratos e ao advento da Lei nº 9.784/99, como faz o processo cuja ementa de acórdão foi transcrita.

b) se a Administração Pública não atender a recomendação, o Tribunal de Contas não tem poder para sustar diretamente

Entre a determinação do Tribunal de Contas e a promulgação do decreto legislativo que susta o contrato, está a administração obrigada a deixar de executar ou pagar o contrato?

Certamente não, porque a decisão do Tribunal de Contas não é vinculativa neste caso. Somente o decreto legislativo é que obriga o agente público. Nessa linha de entendimento também é o escólio de Eros Roberto Grau6.

c) diante da recusa da Administração Pública, o Tribunal de Contas deverá comunicar a recalcitrância ao Poder Legislativo, o qual tem a prerrogativa de sustar o contrato

diretamente

Efetivamente, a competência para sustar contratos não integra o elenco daquelas definidas para o Poder Legislativo na Constituição Federal. Tem, porém, o direito-dever de exercê-la, tão somente, após a recusa do órgão que recebe a recomendação do Tribunal de Contas. Não tem, desse modo, competência originária para o exame de contratos, nem pode prescindir do formal exame técnico do Tribunal de Contas, nem a mesma subsistirá se não houver recusa. Confirma-se aí, mais uma vez, que o Tribunal de Contas não é órgão auxiliar do Poder Legislativo, mas, autônomo, na dicção do Supremo Tribunal Federal, e auxilia a função de controle do Congresso Nacional7.

Ensina Carlos Ari Sundfeld, com a argumentação lógica que o destaca, que

a fiscalização da regularidade dos contratos administrativos é tarefa do Tribunal de Contas, a quem compete - de modo exclusivo - determinar, ao órgão ou entidade, a adoção de providências para a regularização da despesa. Somente após o esgotamento da ação da Corte de Contas, com a caracterização da ilegalidade não corrigida, é que o legislativo poderá agir, sustando o contrato irregular8.

4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 23550/DF. Relator: Ministro Marco Aurélio. Brasília, 04 de

abril de 2001. Diário da Justiça, 31.10.01, p. 00006. 5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 224283/SP. Relator: Ministra Ellen Gracie. Brasília, 11 de

setembro de 2001. Diário da Justiça, 11.10.01. 6 GRAU, Eros Roberto. Tribunal de contas - decisão - eficácia. Parecer. Revista de Direito

Administrativo, v. 210, out./dez. 1997, p. 351-356. 7 Considerando ilegal a sustação direta pelo Poder Legislativo, sem a participação do Tribunal de

Contas: São Paulo. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Administrativo. Apelação nº 008.825.5/1-SP. Relator: Desembargador Antônio Villen. São Paulo, 20 de janeiro de 1998. Informativo de licitações e contratos, nº 48, p. 166-167, fev. 1998. 8 SUNDFELD, Carlos Ari. Pode o Legislativo sustar contrato administrativo (CF, art. 71, §1°) sem a

prévia decretação da ilegalidade pelo Tribunal de Contas ?

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Lembra, a propósito, que José Afonso da Silva obtempera ser esse controle de natureza política, mas sujeito à prévia apreciação técnico-administrativa do Tribunal de Contas.

d) o ato de sustação pelo Poder Legislativo independe de nova e prévia comunicação,

porque essa já foi feita pelo Tribunal de Contas e não acatada pela Administração Pública

Por esse motivo, ao solicitar a sustação ao Poder Legislativo deve o Tribunal de Contas remeter cópia da correspondência que foi enviada anteriormente à Administração Pública, recomendando a sustação do contrato, posto que é um dos requisitos indispensáveis ao exercício da competência daquele.

Quanto ao não atendimento da recomendação de sustação, poderá esse ser provado:

pela manifestação escrita da autoridade requerida;

pela prática de atos incompatíveis com o acatamento;

por provas coligidas pela inspeção ordenada pelo Tribunal de Contas; ou

pela simples afirmação do Tribunal de Contas ao Poder Legislativo.9

e) simultaneamente ao ato de sustação, cabe ao Poder Legislativo “solicitar, de imediato,

ao Poder Executivo as medidas cabíveis”

A Constituição Federal coloca em seqüência à comunicação dirigida pelo Tribunal de Contas ao Poder Legislativo, visando sustar o contrato, a solicitação desse ao Poder Executivo para adoção de medidas cabíveis. Que medidas serão estas? Seriam as de sustação? Óbvio que não, vez que, pelo próprio sentido lógico, descabem repeti-las.

Considerando que o Poder Legislativo e o Poder Judiciário também podem firmar contratos administrativos, como explicar que a Constituição Federal tenha se referido à solicitação de medidas cabíveis apenas ao Poder Executivo? À primeira vista, a restrição ao Poder Executivo parece indicar que o Tribunal de Contas só estaria cuidando do não atendimento da determinação pelo Poder Executivo. Ora, se pode haver recalcitrância por parte do executivo, também poderá ocorrer por parte dos demais poderes. Ademais, a expressão medidas cabíveis, aqui requeridas, não se refere à sustação do contrato pelo jurisdicionado, pois a norma superou essa etapa e agora cuida do não atendimento.

As ―medidas cabíveis‖ aqui referidas, e o fato de serem dirigidas apenas ao Poder Executivo, decorrem de que, embora os três poderes e os órgãos autônomos como o Ministério Público e o Tribunal de Contas possam firmar contrato, fazem-no em nome do ente da esfera de governo a que se vinculam. Assim, o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, o faz em nome da União, pessoa jurídica correspondente; a Assembléia Legislativa de um Estado, em nome desse; a Secretaria de Obras de um Município, em nome do Município. Por isso, é indispensável que, por meio do órgão jurídico encarregado da representação judicial da unidade, a entidade jurídica esteja apta a adotar as medidas complementares, como a prestação de contas do contrato, as ações de indenização, o arresto de bens, a assunção da obra no estado em que se encontra10. Acresce ainda que

9 Consultar FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil. Jurisdição e

Competência. Belo Horizonte : Fórum. 2003. Subtítulo 17.3.2.2.3., Capítulo II, sobre a prova de fatos

negativos. 10

Consultar: Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.

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embora os três poderes e órgãos autônomos tenham competência para gerir recursos, as medidas cabíveis para defesa da Fazenda são titularizadas stricto senso no Poder Executivo.

f) o Poder Legislativo tem o prazo improrrogável de noventa dias para efetivar o ato de

sustação e solicitar as medidas cabíveis, simultaneamente

O prazo, exageradamente longo, especialmente se estiver subjacente grave lesão às finanças públicas - fato que justificaria o ato extremo da sustação -, não é em verdade, na prática, de apenas 90 dias, vez que são contados na forma do regimento interno das casas parlamentares. Contudo esse entendimento, não é o mais correto, vez que o destinatário do prazo é o Tribunal de Contas. Assim, embora aceitável em outros casos que o prazo seja contado na forma regimental, neste, especificamente, não prevalece aquela regra, contando-se o prazo dia a dia, tendo por termo inicial, dies a quo, a data de recebimento pelo respectivo poder.

g) decorrido esse prazo sem deliberação, o Tribunal de Contas decidirá a respeito

Com esse comando, a norma desloca para o Tribunal de Contas a competência para sustar contrato, talvez muito tardiamente, numa tentativa de estabelecer um sistema de freios e contrapesos.

Decidirá a respeito da sustação - que o Poder Legislativo não decidiu - e também das medidas que cabiam ao Poder Executivo adotar e não adotou.

h) é implícita a competência do Poder Legislativo examinar a impugnação

E, se o Poder Legislativo decidir que o contrato não padece dos vícios apontados pelo Tribunal de Contas? Neste caso, a competência do Tribunal de Contas para sustar não é reestabelecida porque o constituinte só permitiu o retorno da competência diante da omissão, fruição in albis do prazo.

i) a sustação deve submeter-se ao princípio da legalidade

É evidente que o exercício da competência não pode se concretizar com a ofensa às demais garantias do ordenamento jurídico.

Assim, a sustação cautelar ou definitiva não pode afetar a garantia constitucional do equilíbrio econômico-financeiro que tem como termo a quo, ou seja, inicial, a data da proposta11. Tal garantia só não prospera se provado que a conduta dolosa do contratado consistiu na elevação arbitrária dos preços12.

Se a sustação tiver natureza cautelar e implicar o retardamento da execução, o ato que altera o prazo deve ser justificado e publicado;13 se implicar em desmobilização, o

Diário Oficial da União, 22.06.93, art. 80. 11

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988, art. 37, inciso XXI. 12

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, 22.10.1993, art. 96, inciso I. 13

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, 22.10.1993, art. 40, inciso X c/c art. 78, inciso XVI.

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pagamento do custo correspondente para o contratado, nos termos previstos no edital14; se tiver natureza definitiva, as garantias do art. 78, inc. XIV e XV e 79, da Lei nº 8.666/93.

Dada a complexidade de que se reveste a sustação de contrato e seus efeitos na órbita jurídica e econômica, o exercício dessa competência deve ser concretizada com extrema parcimônia, avaliando-se os efeitos decorrentes para o erário e a sociedade.

Conclusão

O fortalecimento das atividades dos Tribunais de Contas fez exsurgir a competência para sustação de contratos administrativos que deve ser exercitada nos termos da Constituição Federal e das leis em vigor.

14

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, 22.10.1993, art. 8º.

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A ALIENAÇÃO E USO DAS TERRAS PÚBLICAS:

UMA VISÃO DO CONTROLE EXTERNO

Márcia Ferreira Cunha Farias Procuradora-Geral do Ministério Público do TCDF

1. Introdução; 2. Patrimônio público; 2.1. O conceito de patrimônio público na história; 2.2. O conceito de patrimônio público no direito comparado; 2.2.1. Sistemas nos quais existe a noção de um domínio público submetido a regras especiais; 2.2.2. Sistemas nos quais não existe a noção de um domínio público submetido a regras especiais; 3. Bens públicos no direito brasileiro; 4. Moradia, propriedade e posse; 5. Alienação e uso das terras públicas: uma visão do controle externo.

1. INTRODUÇÃO

A estabilidade social tem como um de seus pressupostos a distribuição do território nacional dentre seus habitantes, por meio do instituto da propriedade. A propriedade de sua moradia é uma das expressões máximas da cidadania do homem. O direito à moradia, insculpido na Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional nº 26/00, conduz ao direito de propriedade mas não o pressupõe, forçosamente, pois que é possível habitar um imóvel sem dele ser proprietário. A posse, albergada no direito positivo, ocorre também em relação aos imóveis públicos, pertencentes ao domínio do Estado. Todos querem ter a posse ou a propriedade de imóvel para moradia, sendo humilhante a expressão sem teto, que quase equivale a sem nada. Quem não tem moradia fixa não tem acesso à educação, mal tem acesso à saúde.

Neste colóquio, não há a finalidade de fazer uma abordagem sócio-cultural dos direitos constitucionais de posse, propriedade e de moradia; objetiva-se apenas focar uma visão jurídica desses conceitos, mais especificamente em relação à propriedade imobiliária do Estado; sua boa gestão; e o modo como, dentro do direito positivo e na visão sistemática do Direito, pode o Poder Público contribuir para o ordenamento territorial, a diminuição do déficit de moradias, e o assentamento da população de baixa renda no campo e na cidade.

Busca-se, especificamente, demonstrar quais institutos jurídicos devem ser empregados na alienação e na outorga de uso de bens imóveis públicos, e quais não devem ser utilizados. Discorrer-se-á brevemente sobre o domínio público no direito comparado e no direito brasileiro para referenciar o controle dos atos de alienação e outorga de uso de imóveis públicos, sobretudo o controle efetuado pelo Tribunal de Contas.

2. PATRIMÔNIO PÚBLICO

2.1. O conceito de patrimônio público na história

Interessa, de início, portanto, compreender a noção de patrimônio público.

O surgimento do patrimônio público está substancialmente ligado à construção do Estado. O patrimônio público teve grande importância na compreensão do conceito de Estado, diante da admissão progressiva de uma separação entre os bens da Coroa e os

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bens pessoais do soberano. Os bens da Coroa, apesar de pertencerem também ao soberano, eram inalienáveis porque ligados a uma entidade, um princípio: o Reino, ou o Estado, do qual cada monarca não era mais que uma encarnação temporária.

No Direito francês, a regra da inalienabilidade, conceituada desde o século XIV, foi claramente formulada em norma do século XVI e considerada, a partir de então, como lei fundamental do Reino. Em agosto de 1667, o princípio da imprescritibilidade foi instituído por ordenação.

Na era moderna, o patrimônio público do Estado sofreu, gradativamente, a intervenção estatal e a intervenção da sociedade em geral. O número crescente de missões e de responsabilidades estatais demandavam um patrimônio público, inclusive imobiliário, também crescente.

Na atualidade, o desenvolvimento do patrimônio estatal tende a desacelerar. Distinguem-se dois aspectos.

De um lado, as entidades públicas continuam a investir em seu patrimônio e, assim, a se dotar de bens suplementares ou de apoio à sua atuação (imóveis, equipamentos de transporte, patrimônio cultural).

Em alguns setores, ao contrário, o patrimônio do Estado tende a diminuir. É o que ocorreu e ocorre com as privatizações e os casos em que a atividade da Administração Direta foi reduzida, restando ociosos seus bens.

2.2. O conceito de patrimônio público no direito comparado

Como situam-se os patrimônios do Estado no direito comparado?

Veremos que, em todos os sistemas jurídicos, existem traços, mais ou menos acentuados, de singularidade do direito do domínio público. Assim, o domínio público não é jamais inteiramente submetido ao direito comum, mesmo nos sistemas em que, em princípio, seu regime não é específico.

E por que é assim?

Por várias razões.

Em alguns casos, devido à origem histórica do patrimônio público, notadamente a seus liames com o patrimônio pessoal do monarca.

Em outros casos, pelo fato de que, por sua função, certos bens públicos são de natureza tal que não podem ser tratados como os bens privados. É o caso dos bens de uso comum do povo: dos espaços públicos, das rodovias, das praças, dos rios, do espaço aéreo etc.

Podemos então separar os sistemas jurídicos em dois grandes grupos: a) sistemas nos quais existe a noção de um domínio público submetido a regras especiais; e b) sistemas em que não existe essa noção.

2.2.1. Sistemas nos quais existe a noção de um domínio público submetido a regras especiais

Neste primeiro grupo, enquadram-se duas situações.

1ºs - Há duas situações inseridas nesta categoria.

1ª - Os bens da Administração acham-se divididos em bens do domínio público, submetidos ao direito público; e bens do domínio privado, submetidos, em princípio, ao

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direito comum. É o que encontramos no Direito francês, no espanhol, no belga, no grego, no marroquino.

2ª - Existem outros sistemas nos quais o conceito de domínio público se inscreve dentro de uma classificação mais complexa de bens da administração.

É o caso do direito helvético, que classifica os bens em três categorias:

bens de uso comum do povo;

bens afetados à realização de um interesse público especial, que não podem ser utilizados pelo particular senão através de uma atividade administrativa (como é o caso dos hospitais, das escolas, das estações de ônibus e de trens etc);

bens dominicais, que constituem o patrimônio de mercado do Estado.

Vê-se que é nessa classificação que também se insere o domínio público no Direito brasileiro.

Em tais sistemas, como no brasileiro e no helvético, em princípio, os bens públicos que não são afetados a uso público regem-se pelo direito privado. Mas o que se verifica é que essa submissão não é absoluta. Longe disso: a legislação, ou princípios de direito público não escritos, interferem com freqüência nessa gestão.

Por exemplo, no direito grego, os contratos que tocam o patrimônio público nunca são puramente regidos pelo direito privado.

No direito belga, o artigo 537 do Código Civil permite a submissão de todos os bens púbicos a regras especiais.

No direito brasileiro, a gestão dos bens públicos de uso comum do povo e de uso especial – bens fora do comércio, portanto, é regida pelas características da inalienabilidade; e, em decorrência desta, da imprescritibilidade, da impenhorabilidade e da impossibilidade de oneração.

A gestão do patrimônio comercial do Estado brasileiro submete-se ao princípio constitucional da licitação pública.

2.2.2. Sistemas nos quais não existe a noção de um domínio público submetido a regras especiais

Analisam-se agora os sistemas jurídicos nos quais não há uma noção de domínio público submetido, em essência, a regras especiais.

Aqui também podem-se vislumbrar dois tipos de sistemas.

Em primeiro lugar, há os que consideram que, em princípio e de maneira geral, a Administração está submetida às mesmas regras que os particulares.

No common law, o direito dos bens públicos não é específico, e o conceito de domínio público não é conhecido.

Mas há sistemas que distinguem entre o direito público e o direito privado, não admitindo a submissão da Administração ao direito privado, mas nos quais considera-se que os bens imóveis das entidades públicas não são, em sua natureza, diferentes dos bens particulares, motivo pelo qual, em princípio, não se submetem ao direito público. É o caso do direito alemão.

Dito isso, é bom lembrar que esses sistemas, também, confirmam que os bens públicos não são completamente submetidos ao direito comum, pois há sempre regras

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especiais que se aplicam ao menos a alguns bens públicos, particularidade devida às características funcionais ou simbólicas desses bens.

Por exemplo, no direito inglês, o princípio da submissão dos bens públicos ao direito comum apresenta exceção considerável, que concerne os bens da Coroa. Esses bens, que constituem, na realidade, uma grande parte dos bens do Estado, não estão submetidos ao direito comum. Os monumentos históricos pertencentes ao poder público não são submetidos ao direito comum, as obras feitas nas terras pertencentes à Coroa não estão sujeitas à legislação de urbanismo etc. Em matéria imobiliária, como em outros setores, a Coroa não se submete à legislação salvo se a lei expressamente o declarar.

No direito alemão, a despeito do fato de a gestão imobiliária ser regida pelo direito comum, regras de direito público provocam, com freqüência, interferências. Hartmut Maurer1 dá-nos um exemplo: se um partido político pretende usar um imóvel municipal, o contrato de locação será contrato de direito privado, mas a decisão de autorizar ou não o uso tem caráter de direito público e é regida por princípios de direito público.

3. BENS PÚBLICOS NO DIREITO BRASILEIRO

Como vimos, então, o direito brasileiro classifica os bens públicos em duas grandes categorias:

- bens do patrimônio indisponível, que são os bens de uso comum do povo e os bens de uso especial e

- bens do patrimônio disponível, que são os bens dominicais, bens incluídos no comércio jurídico de direito privado.

O uso dos bens públicos no sistema jurídico brasileiro deve dar-se mediante modalidades previstas no direito administrativo. Institutos como o comodato e a locação devem ser evitados.

Quais são, então, as formas de alienação e de uso de terras públicas?

As formas de alienação de bens públicos são:

1. venda 2. doação 3. dação em pagamento 4. permuta 5. investidura 6. legitimação de posse

As formas de uso privativo de bens públicos imóveis são:

1. enfiteuse 2. cessão de uso (entre pessoas jurídicas de direito público) 3. autorização de uso 4. permissão de uso simples 5. permissão de uso qualificada 6. concessão de uso 7. concessão de direito real de uso 8. concessão de domínio – artigo 188, § 1º da CF

1

MAURER, Hartmut. Elementos de direito administrativo alemão. Porto Alegre: S.A. Fabris. 2001.

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4. MORADIA, PROPRIEDADE E POSSE

Feitas essas considerações, de ordem teórica, sobre o patrimônio público e sua gestão, vamos tratar de moradia, propriedade e posse.

O direito de propriedade é condutor do direito de liberdade. Complementar ao direito de propriedade é o direito de moradia, inscrito na Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 26, de 2000, como direito social. A moradia é o asilo inviolável do indivíduo (art. 5º, inciso XI).

A Declaração de Vancouver, enunciada pela Conferência das Nações Unidas sobre os Assentamentos Humanos, em junho de 1976, em seu Princípio Geral nº 10, assim pugnava, ao lembrar a função social da propriedade e incitar a distribuição justa de moradia e propriedade:

A terra é um dos elementos fundamentais dos assentamentos humanos. Todo Estado tem direito a tomar as medidas necessárias para manter sob fiscalização pública o uso, a propriedade, a disposição e a reserva de terras. Todo Estado tem direito a planejar e administrar a utilização do solo, que é um dos seus recursos mais importantes, de maneira que os crescimentos dos centros populacionais tanto urbanos como rurais se baseiem num plano amplo de utilização do solo. Essas medidas devem assegurar a realização dos objetivos básicos da reforma social e econômica para cada nação, de conformidade com o seu sistema e suas leis de propriedade da terra2.

De igual modo, a Segunda Conferência das Nações Unidas para Moradia, realizada entre 3 e 14 de junho de 1996, em Istambul, assim sintetiza, no preâmbulo de seu Relatório:

(...)

2. The purpose of the second United Nations Conference on Human Settlements (Habitat II) is to address two themes of equal global importance: 'Adequate shelter for all' and 'Sustainable human settlements development in an urbanizing world'. Human beings are at the centre of concerns for sustainable development, including adequate shelter for all and sustainable human settlements, and they are entitled to a healthy and productive life in harmony with nature.

3. As to the first theme, a large segment of the world's population lacks shelter and sanitation, particularly in developing countries. We recognize that access to safe and healthy shelter and basic services is essential to a person's physical, psychological, social and economic well-being and should be a fundamental part of our urgent actions for the more than one billion people without decent living conditions. Our objective is to achieve adequate shelter for all, especially the deprived urban and rural poor, through an enabling approach to the development and improvement of shelter that is environmentally sound3.

Com efeito, se é possível não ser proprietário e, ainda assim, embora precariamente, exercer a cidadania, o mesmo não se pode afirmar em relação à moradia. É preciso que o cidadão tenha moradia fixa, endereço certo.

No Distrito Federal, o direito de moradia regula-se, em primeiro lugar, mediante o Capítulo III do Título VII da Lei Orgânica do Distrito Federal. Verifica-se, dos artigos 327 a

2

Apud LIRA, Ricardo Pereira. O uso do solo urbano e o seu controle (Alguns Aspectos do Projeto de Lei Federal nº 775/83). In: Revista de Direito Administrativo, out./dez. 1983, p. 28. 3 Habitat Agenda and Istanbul Declaration. Nova Iorque: Departamento de Informações Públicas das Nações

Unidas, p. 12 e 13.

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331 da LODF, a relevância dos planos diretores de ordenamento territorial e local, que devem ser seguidos à risca pelo Poder Público. Dispõe o artigo 328 que a política habitacional do Distrito Federal será orientada em consonância com os planos diretores de ordenamento territorial e locais, especialmente quanto:

- à oferta de lotes com infra-estrutura básica;

ao incentivo para o desenvolvimento de tecnologias de construção de baixo custo, adequadas às condições urbana e rural;

à implementação de sistema de planejamento para acompanhamento e avaliação de programas habitacionais;

ao atendimento prioritário às comunidades localizadas em áreas de maior concentração da população de baixa renda, garantido o financiamento para habitação;

ao estímulo e incentivo à formação de cooperativas de habitação popular;

à construção de residências e à execução de programas de assentamento em áreas com oferta de emprego, bem como ao estímulo da oferta a programas já implantados;

ao aumento da oferta de áreas destinadas à construção habitacional.

5. ALIENAÇÃO E USO DAS TERRAS PÚBLICAS: UMA VISÃO DO CONTROLE EXTERNO

Chegamos agora ao título de nosso colóquio: Alienação e uso das terras públicas: uma visão do controle externo.

Cabe ao Tribunal de Contas, em auxílio técnico ao Poder Legislativo, o controle externo da Administração Pública.

Compete ao Tribunal de Contas a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas.

Os atos e contratos de uso de bens imóveis do Distrito Federal, assim como os contratos de alienação desses bens, devem ser examinados pelo Tribunal de Contas, levando em consideração todos os aspectos do controle elencados no artigo 70 da Constituição Federal. Em se tratando de ato administrativo, o Tribunal assina prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade, e susta, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, ou à Câmara Legislativa do Distrito Federal, no caso dessa unidade da federação (artigo 71, incisos IX e X da CF e 78, incisos X e XI da Lei Orgânica do Distrito Federal). No caso de contrato, contudo, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, ou pela Câmara Legislativa, mas, se estes não o fizerem, no prazo de noventa dias, o Tribunal decidirá a respeito (artigo 71, §§ 1º e 2º da CF e artigo 78, § 1º da LODF).

O controle exercido pelo Tribunal de Contas adquiriu grande relevo com a inserção, no texto da Carta de 1988, do controle operacional. Ao realizar o controle operacional da Administração Pública, o Tribunal de Contas está não apenas fiscalizando o ato ou o contrato de uso de bem imóvel público, mas, em última análise, o próprio programa ou

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projeto de governo, a política urbana e a política rural de distribuição de terras e assentamentos.

O Tribunal de Contas da União realiza auditoria de desempenho e avaliação de programas dentro do conceito de auditoria operacional.4

Conceitualmente, contudo, embora a auditoria de desempenho seja ―termo dúbio para uma classe de atividades de revisão predominantemente avaliativas (...), o termo 'auditoria de desempenho' é normalmente utilizado para demarcar a distinção entre esse tipo de atividade de revisão governamental e a auditoria tradicional de um lado e a avaliação de programas de outro.‖5

No Brasil, portanto, inexistindo a figura do avaliador de programas, essa avaliação é realizada pelo Tribunal de Contas no âmbito de sua competência constitucional de fiscalização operacional da atividade administrativa.

Daí resulta a grande importância do controle realizado pelos Tribunais de Contas na Federação brasileira6.

Na França, a Constituição - artigo 47 - e o CJF (Código das Jurisdições Financeiras) - artigo 1.111-2 determinam que o Tribunal de Contas assista o Governo e o Parlamento no controle da execução das leis de finanças. Relevante notar, contudo, que a Corte de Contas exerce papel também sobre a opinião pública, pois que publica, a cada ano, em linguagem acessível, um relatório geral e relatórios especializados nos quais consigna os ensinamentos advindos de suas observações.

Marco na Administração Pública francesa é a Lei Orgânica de 1º de agosto de 2001, que modificou, profundamente, os métodos da administração e esclareceu a missão do Tribunal de Contas.

Antes da Lei de 2001, a noção de bom emprego dos recursos públicos deixava grande margem de apreciação à Corte de Contas. A Corte, então, criticava sempre a organização, o funcionamento e os resultados da Administração mas inexistia referencial comum concernente à qualidade da gestão pública. Ao qualificar a Corte de Contas uma despesa como "elevada", ou um resultado como "fraco" ou "insuficiente", a Administração indagava-lhe: "em relação a quê?".7

4 "Essa modalidade de auditoria baseia-se no princípio de que ao gestor público cabe o dever de prestar contas

de suas atividades à sociedade (accountability), não somente agindo com integridade, mas atendendo a critérios de economicidade, eficiência e eficácia dos atos praticados. A auditoria operacional ocupa-se, portanto, da avaliação de fatores relacionados à qualidade da gestão, e busca aferir até que ponto os administradores públicos gerenciam os recursos sob sua responsabilidade com economia e eficiência, e se as atividades e os programas implementados atingem os objetivos pretendidos e as metas esperadas." (BASTOS, Glória Maia Merola da Costa. A Experiência do Tribunal de Contas da União em Auditoria Operacional e Avaliação de Programas Governamentais. In: O Controle Externo e a Nova Administração Pública: Uma Visão Comparativa. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2002, p. 7 e 8). 5 BARZELAY, Michael. Instituições Centrais de Auditoria e Auditoria de Desempenho: Uma análise comparativa

das estratégias organizacionais na OCDE. In: O Controle Externo e a Nova Administração Pública: Uma Visão Comparativa. Brasília: Tribunal de Contas da União, 2002, p. 25 e 29. 6 Explica Eros Roberto GRAU: ―A expressão políticas públicas designa todas as atuações do Estado, cobrindo

todas as formas de intervenção do poder público na vida social. E de tal forma isso se institucionaliza que o próprio direito, neste quadro, passa a manifestar-se como uma política pública – o direito é também, ele próprio, uma política pública.‖ (GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 22). 7

Palestra proferida em 14.07.02, por Rémi FRENTZ, Procurador do Ministério Público junto à Corte de Contas da França, no III Congresso Internacional da Associação dos Membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas.

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Em elaboração desde 1999, a Lei Orgânica de 1º de agosto de 2001 tem por objetivo restaurar as atribuições do Parlamento nos procedimentos orçamentários do Estado e modernizar a gestão pública. Seu slogan é "passer d'une culture de moyens à une culture de résultat".8

Assim sendo, a necessidade de desempenho reclama um controle que o possa verificar, não apenas no aspecto de conferir se as obrigações formais previstas pela lei foram satisfeitas, no papel, mas se os indicadores de resultado dos programas fornecidos pelos Ministérios são confiáveis e precisos.

Por esse motivo a Lei Orgânica expressamente previu que a Corte de Contas consagrará a cada ano parte de seu relatório sobre a execução orçamentária à apreciação dos resultados dessa execução, relatório esse que deverá, notadamente, analisar, por missão e por programa, a execução dos créditos.9

O cumprimento da nova lei exigirá adequações a serem procedidas pela Corte de Contas francesa, a fim de preparar-se para analisar os resultados obtidos para cada programa do Estado. Várias questões se impõem.

Em relação ao conteúdo do controle, indaga o Ministério Público de Contas francês:

a Corte (de Contas) deve abster-se de fazer uma análise sobre os objetivos fixados, quando lhe parecem imprecisos, desarrazoados, contestáveis?

quais os métodos que serão empregados pela Corte para avaliar esses objetivos?

a verificação deverá basear-se na definição dos indicadores de resultado (da Administração)?

A Corte poderá contestar as escolhas da Administração?

Propor indicadores que lhe pareçam mais pertinentes?

- como analisar se os sistemas de informação que alimentam os indicadores de resultados foram corretamente concebidos e aplicados?

- como interpretar os resultados?

- como não se ater às análises quantitativas, puramente estatísticas, e manter, ao mesmo tempo, uma abordagem qualitativa da despesa pública? Como articular esse exercício com a missão geral de controle do bom emprego dos recursos públicos aqui reportados e ocupar-se de uma parte importante do programa de trabalho do Corte?

No que diz respeito à organização desses controles, é de perguntar:

qual é o campo anual de intervenção? Cuida-se de examinar cada ano todos os programas ou somente uma seleção, mediante um ritmo plurianual para o conjunto de orçamento?

é necessário buscar estabelecerem-se comparações entre os programas do Estado? Ou mesmo com os programas equivalentes de outras administrações públicas francesas ou estrangeiras comparáveis?

a Corte procedia, tradicionalmente, ao controle da execução das leis de finanças ao início do ano N + 1. O controle de resultado não exige uma intervenção contínua?

8 Ibdem.

9 Ibdem.

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como articular os trabalhos da Corte em matéria de desempenho com aqueles conduzidos pelas inspeções genéricas ou com as próprias Administrações (uma comissão interministerial de auditoria reunindo o corpo de inspeção e as administrações foi enunciada)?

a Corte deve recorrer a peritos de acordo com as políticas públicas envolvidas?

Todos os novos métodos de trabalho elaborados e aplicados pela Corte de Contas serão objeto de verificação por parte do Ministério Público que junto a ela atua: controla o Ministério Público Especial, portanto, o órgão de controle.

No Brasil, a Lei Complementar nº 101, de 04.05.00 - Lei de Responsabilidade Fiscal - promove semelhante reviravolta na Administração Pública e em seu controle.10

Defende-se, enfim, um vastíssimo campo de controle do Tribunal de Contas que excede, por vezes, aquele reservado ao Poder Judiciário, ainda que sob a atual visão do controle jurisdicional dos atos da Administração. Outrossim, o Tribunal de Contas age de livre iniciativa, ou por provocação do Congresso Nacional (e das Assembléias Legislativas e Câmara Legislativa, no caso do Distrito Federal). Pode, ainda, ser provocado por denúncia de qualquer cidadão, nos termos de sua Lei Orgânica e de seu regimento interno, ou pelo Ministério Público que perante ele oficia.

Nesse ponto, inovou o Ministério Público de Contas do Distrito Federal, no qual foi criado Centro de Estudos Jurídicos que examina todos as normas jurídicas distritais publicadas e representa ao Tribunal sobre sua constitucionalidade.11

Desde 1998, o Ministério Público ofereceu trinta e nove representações ao Tribunal de Contas versando sobre inconstitucionalidade de leis distritais, ordinárias ou complementares, que alienam ou outorgam o uso de bens imóveis distritais, mediante variados instrumentos. A quase totalidade dessas representações já foi julgada pelo Tribunal, a maioria reconhecendo a inconstitucionalidade das normas e alertando o Chefe do Poder Executivo para o entendimento da Corte. Algumas dessas peças versam sobre várias leis de idêntica natureza, referentes a terras públicas diversas, de forma que a atuação do Tribunal de Contas e do Ministério Público atinge inúmeras normas, cuja inconstitucionalidade não as habilita a preencher o essencial requisito da autorização legislativa, exigido para as diversas formas de alienação e uso de bens imóveis públicos por particulares.

Além desse mecanismo de controle orientador, referente à constitucionalidade de leis, outros devem ser buscados.

Urge que o Poder Judiciário e o Tribunal de Contas, embora instâncias distintas, busquem sintonia. No Distrito Federal, por vezes, quando um entende danoso o ato praticado pela Administração ou por particular, assim não decide o outro.

Para atingir essa sintonia mínima, seria interessante que fossem realizados seminários, estudos e debates com membros do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas, especificamente a respeito da matéria.

Nesse propósito, o Ministério Público do Distrito Federal e o Ministério Público de Contas do Distrito Federal firmaram, ato de colaboração, entre si e com a participação do

10

Deixaremos de incursionar neste tópico devido à sua complexidade, evitando-se assim, redirecionar o foco deste estudo. 11

Instrução Normativa - IN/PG/MP Nº 01/02, de 25.03.02, publicada no Diário Oficial do Distrito Federal de 04.04.02, p. 49.

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Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, do Ministério Público do Trabalho, da Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região e da Procuradoria da República no Distrito Federal. O ato de colaboração tem por objeto, dentre outros fins, o estabelecimento de linhas de atuação conjuntas entre os Ministérios Públicos envolvidos.

O papel dos órgãos de controle é essencial para que seja garantida a função social da propriedade e para que as políticas urbanas e agrárias correspondam à justiça social.

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IMPRESCRITIBILIDADE DA AÇÃO DE REGRESSO PREVISTA NO ART. 37, § 5 , DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL

Demóstenes Tres Albuquerque Procurador do Ministério Público do TCDF

1. INTRODUÇÃO

Muito se tem debatido acerca do alcance da regra constitucional insculpida no § 5 do art. 37 da Constituição Federal, especialmente no que concerne à sua parte final. Nos termos do citado dispositivo, a lei determinará os prazos prescricionais para ilícitos praticados por agente público que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

Esta ressalva expressa prevista pelo constituinte originário tem levado diversos autores que trataram do tema a concluir que as ações de regresso da Administração Pública em desfavor do agente causador do prejuízo apurado em decorrência de ilícito são imprescritíveis.

Todavia, a matéria está longe de representar uma uniformidade doutrinária e jurisprudencial. No âmbito dos Tribunais de Contas, por exemplo, verifica-se que a questão não está devidamente consolidada até o momento. A Corte de Contas Federal, por exemplo, apresenta decisões, não poucas, que pugnam pela imprescritibilidade das ações de regresso, recusando as alegações de prescrição sustentada pelas partes, notadamente em processos de Tomada de Contas Especial.

Não é menos significativo, contudo, o número de decisões em que o E. TCU decidiu pela possibilidade de prescrição do direito de agir do Estado para cobrar débito causados por agentes públicos. Mesmo em relação a este entendimento (da prescritibilidade), a situação também é conflituosa no sentido de se saber qual norma prescricional se aplicar. Questiona-se acerca da possibilidade da aplicação da regra geral de prescrição estabelecida pelo Código Civil. Debate-se, ainda, que melhor seria admitir-se o mesmo prazo prescricional previsto para a cobrança de créditos contra o Estado, em nome do princípio da igualdade.

Dentro da esfera de atuação do Tribunal de Contas do Distrito Federal a matéria também vem sendo objeto de profícuos debates, tendo sido criado grupo de estudo com a finalidade específica de analisar o tema.

O presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto. Busca, de forma simples e em rápidas pinceladas, tão-somente, contribuir para o debate, a partir de pareceres já exarados no âmbito da Corte de Contas Distrital.

2. A PRESCRIÇÃO COMO FATOR DE ESTABILIZAÇÃO SOCIAL

O Direito tem sido um dos grandes pilares do desenvolvimento da civilização ao longo da história. Por meio da ordem jurídica previamente estabelecida, as expectativas de conduta das pessoas inseridas em determinado tecido social podem ser mais facilmente previstas, tornando o convívio intersubjetivo mais harmonioso.

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Desempenha o Direito, nesse contexto, importante papel de pacificação social, pois busca estabelecer regras gerais de condutas a serem obedecidas pelos integrantes de um determinado grupo de pessoas. Na sempre atual lição de Miguel Reale, "aos olhos do homem comum o Direito é lei e ordem, isto é, um conjunto de regras obrigatórias que garante a convivência social graças ao estabelecimento de limites à ação de cada um de seus membros." (in Lições Preliminares de Direito. 19a ed. Saraiva: São Paulo, 1991, p 1/2).

Para que a ordem jurídica consiga atingir de forma eficaz seu objetivo de manutenção do convívio pacífico e harmonioso dos cidadãos por ela regidos, alguns princípios basilares devem ser obedecidos. A estabilização das relações jurídicas presentes no seio social é uma das formas de se assegurar a eficiência do Direito como regulador das liberdades individuais.

Nesse contexto, ganha proeminência a segurança jurídica, princípio acolhido implicitamente pela Carta Magna a partir de diversas regras constitucionais espalhadas por todo o texto da Lei Maior. Tamanha sua importância que o constituinte vedou ao legislador infraconstitucional a possibilidade de editar ato normativo que possa violar

direito adquirido, ato jurídico perfeito ou coisa julgada (art. 5 , inciso XXXVI), consagrando tal regra como garantia fundamental da pessoa humana, imune, inclusive, à emenda constitucional, consubstanciando-se em verdadeira cláusula pétrea.

Diversos fatores são essenciais para se alcançar a segurança jurídica e com ela a tendência de estabilização das relações sociais, fundamental para a manutenção do convívio das pessoas em comunidade. Dentre estes, um dos principais é o tempo, que exerce papel de relevo no mundo jurídico.

É o passar do tempo, aliado à manutenção da situação jurídica existente, que consolida as relações existentes dentro de determinado ordenamento. Isso permite que as pessoas, diante de situações já sedimentadas, possam ter certo grau de certeza acerca do que esperar frente a casos que lhes são colocados diuturnamente.

Todavia, o tempo somente ganha relevância jurídica no momento em que o próprio ordenamento delimita sua função e estabelece as conseqüências que devem advir do simples decurso do prazo previsto. Tem-se, então, o fator tempo como essencial para se alcançar a segurança jurídica. Porém, é imprescindível que as normas delimitem expressamente como o tempo irá agir no ordenamento.

Nesse diapasão, a prescrição é uma das principais conseqüências prevista pelo Direito em decorrência do transcurso do tempo. Contudo, necessita, para ocorrer, estar expressamente prevista em lei. Exatamente por implicar a perda de determinado direito, pela inércia do titular, somente a norma jurídica pode estabelecer os casos e os prazos prescricionais.

Não obstante, a existência de normas prevendo casos de prescrição para as mais variadas hipóteses configura a regra no moderno sistema jurídico. Muito embora seja inafastável a necessidade de lei para a prescrição, a exceção é exatamente a ausência de regras estabelecendo sua incidência.

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3. O ALCANCE DA IMPRESCRITIBILIDADE PREVISTA NO § 5º DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO

FEDERAL

Na verdade, o tema objeto da presente discussão está relacionado com o instituto da prescrição do direito da administração em obter a recomposição do erário, conforme se mostrará a seguir.

Como é cediço, a prescrição só ocorre quando há lei que a estabeleça, uma vez que trata de matéria de direito estrito. Celso Ribeiro Bastos, por exemplo, examinando o assunto, conclui que "o que é certo é que a prescrição depende sempre da existência de lei" (Curso de Direito Administrativo. Saraiva, 1994, p. 330).

Dessa feita, é comum a citação da prescrição qüinqüenal, em virtude desta encontrar-se presente em muitos dispositivos que tratam da matéria, senão vejamos:

Este é o prazo prescricional para propositura de ações populares contra atos lesivos ao patrimônio público, conforme dispõe o art. 21 da lei n.º 4.717, de 19.06.65;

da mesma forma, este também é o prazo prescricional de dívidas passivas da Fazenda Pública (Dec. nº 20.910, de 06.01.32, art. 10; e Dec.-lei nº 4.597, de 19.08.42, art. 2º);

por sua vez, este é o prazo em que prescreve a ação correspondente ao direito de pleitear a restituição de tributos pagos indevidamente (Código Tributário Nacional, art. 168 e 174);

e ainda é o prazo para a Administração anular seu atos inválidos dos quais hajam decorrido efeitos favoráveis ao administrado, salvo comprovada má-fé, consoante art. 54 da Lei nº 9.784, de 29.01.99, disciplinadora do processo administrativo.

Contudo, nos casos em que, por intermédio dos Tribunais de Contas, procura a Administração se ressarcir de prejuízo causado por ilícito, inexiste a prescrição. O legislador constituinte criou uma exceção à regra da prescritibilidade quando se trata do direito de a Administração se ressarcir de prejuízos causados ao erário por ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não.

Isto é o que se depreende do disposto no art. 37, § 5º, da Carta Magna, in verbis:

A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento (grifou-se).

Em proveito do que ora se examina, Celso Ribeiro Bastos, comentando esse dispositivo constitucional (in Comentários à Constituição do Brasil. Saraiva, Tomo III, pág. 167), assim se manifestou:

No que tange aos danos civis, o propósito do texto é de tornar imprescritíveis as ações visando ao ressarcimento do dano causado. É de lamentar-se a opção do constituinte por essa exceção à regra da prescritibilidade, que é sempre encontrável relativamente ao exercício de todos os direitos.

De forma semelhante, o Professor José Afonso da Silva (in Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª ed. Malheiros, pág. 574) manifestou o seguinte entendimento quanto ao referido dispositivo constitucional:

A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu titular, é um princípio geral do direito. Não será, pois, de estranhar que ocorram

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prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, quer quanto às desta em face de administrados. Assim é especialmente em relação aos ilícitos administrativos. Se a Administração não toma providências à sua apuração e à responsabilização do agente, a sua inércia gera a perda do seu ius persequendi. É o princípio que consta do art. 37, § 5º, que dispõe: A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porém, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois, inafastável,

mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non sucurrit ius). Deu-se assim à Administração inerte o prêmio da

imprescritibilidade na hipótese considerada (grifou-se).

Esse também é o entendimento do eminente Conselheiro e Professor Dr. Jorge Ulisses Jacoby, em "Tomada de Contas Especial", 2ª ed. Brasília Jurídica, in verbis:

A Constituição Federal colocou fora do campo de normatização da Lei o prazo prescricional da ação de ressarcimento referente a prejuízos causados ao erário, só podendo a lei estabelecer o prazo prescricional para os ilícitos, como tal podendo-se entender os crimes;

(...) A TCE é um processo administrativo que objetiva quantificar um dano causado ao erário e identificar a autoria, possuindo natureza preparatória da ação civil. Sendo instrumental e acessória em relação à ação de reparação de danos, e considerada pela jurisprudência como prejudicial de mérito em relação à ação civil, deve seguir o mesmo prazo prescricional que essa ação. Logo, como desde a Constituição Federal a ação de ressarcimento de danos causados ao erário tornou-se imprescritível, a TCE não é mais alcançada pela prescrição. (grifou-se)

Discorrendo sobre tal imprescritibilidade, Pinto Ferreira, in Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1990, v. 2, p. 396, categoricamente afirma que:

A expressão agente é a palavra genérica, da qual a designação de servidor é subdivisão ou espécie. O prefeito é um agente, embora sem ser servidor público.

A lei estabelecerá os prazos de prescrição. A lei ordinária, a que alude o preceito, será de nível federal, estadual ou municipal, quando se tratar de prazos prescricionais para ilícitos administrativos. Será federal nos casos de ilícito penal.

As ações de ressarcimento ou as ações de responsabilidade civil, contudo, são imprescritíveis. Não se submetem ao disposto no art. 177 do CC, determinando

que as ações pessoais prescrevem em vinte anos e as ações reais em dez anos. Não ocorrendo prescrição, o direito do Estado é permanente para reaver o que lhe for ilicitamente subtraído. (grifou-se).

Na mesma trilha, porém com algumas críticas, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, in Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990, v. 1, p. 260, assim discursa reconhecendo a imprescritibilidade das ações de ressarcimento:

Parecem deduzir-se duas regras deste texto mal redigido. Uma, concernente à sanção pelo ilícito; outra, à reparação do prejuízo. Quanto ao primeiro aspecto, a norma ―chove no molhado‖: prevê que a lei fixe os respectivos prazos prescricionais. Quanto ao segundo, estabelece-se de forma tangente a imprescritibilidade das ações visando ao ressarcimento dos prejuízos causados.

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A imprescritibilidade é sempre condenada pela doutrina, seja qual for seu campo; entretanto, o constituinte demonstrou por ela um entusiasmo perverso e vingativo (v. art. 5º, XLII e XLIV).

Trago ainda à baila o entendimento firmado pela Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em sua obra Direito Administrativo. 14ª ed. p. 695, lecionando que "são, contudo, imprescritíveis, as ações de ressarcimento por danos causados por agente público, seja ele servidor público ou não, conforme o estabelece o artigo 37, § 5º, da Constituição."

Dessome-se, portanto, que, em princípio, é imprescritível, por força do dispositivo constitucional retrocitado, o direito da Administração de se ressarcir dos prejuízos a ela causados, decorrentes de atos ilícitos, festejando, assim, os postulados da supremacia do interesse público e da moralidade administrativa.

Nada obstante, algumas considerações devem ser trazidas à discussão a fim de se delimitar, de forma mais precisa, o verdadeiro alcance da norma constitucional sob comento.

Não se pode olvidar que a regra geral adotada no ordenamento jurídico é que todas as pretensões estão sujeitas a prazos prescricionais, surgindo a imprescritibilidade como preceito francamente de exceção. Isso, porque, conforme já salientado, a segurança jurídica configura verdadeiro princípio norteador de todo o macrossistema jurídico, sendo essencial para que o Direito possa exercer sua função de pacificação social.

É consabido que as exceções interpretam-se restritivamente, de modo que não devem ser extraídas de interpretação forçada ou literal da norma. Exceções devem estar contidas de forma clara e expressa no texto da lei, de forma a não se deixar qualquer margem de dúvida acerca da intenção do preceito legal.

A fórmula "ressalvadas as ações de ressarcimento" parece claramente voltada a desatrelar as ações de ressarcimento, de natureza civil, dos prazos prescricionais previstos nas respectivas leis que estatuem as demais sanções, nas esferas administrativa e/ou penal, decorrentes de ilícitos praticados pelo agente.

Com efeito, o que o Texto Constitucional quis foi afastar a possibilidade de que a prescrição dos ilícitos administrativos e/ou penais tivessem necessária repercussão sobre a esfera patrimonial, ou mais precisamente, sobre o direito de agir em regresso da Administração Pública em face da responsabilidade civil decorrente de prejuízos ocasionados pela conduta de agente público. Agente público tido aqui em sua concepção mais ampla possível, pois o constituinte deixou claro que os ilícitos de que trata o dispositivo são causados por agentes, servidores públicos ou não. Enfim, abrange todo aquele que, de qualquer forma, exerce algum tipo de atribuição pública.

Nesse contexto, merece especial atenção a presença do termo "ilícitos", contido no dispositivo constitucional. A lei não contém palavra inúteis ou menções supérfluas. Quando as encontra, deve o intérprete voltar-se e rever sua interpretação.

O sentido que se dá à palavra "ilícitos" é deveras polêmico, podendo-se conceituá-los, sob uma acepção mais abrangente, como sendo toda ação e omissão contrária ao Direito.

Não obstante, parece mais consentâneo com os princípios constitucionais em questão, entender que o significado da sobredita expressão reclama uma interpretação mais restrita, não se podendo afastar o ato ilícito do dolo ou culpa do agente, visto que, somente assim, poderia o ato praticado resultar em sanção administrativa e/ou penal, com possíveis repercussões no âmbito civil.

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O fenômeno prescricional encontra-se intimamente jungido ao postulado fundamental da segurança jurídica, princípio aliás, estampado no caput do artigo 5º da Carta Magna, razão pela qual, quando o constituinte ressalva as ações de ressarcimento, não o faz de forma absoluta, uma vez que essa possibilidade poderia comprometer o valor da certeza jurídica. Não existem direitos ou valores absolutos, pois devem sempre ser tomados dentro de uma circunstancialidade que os torna relativos.

Conclui-se, então, que a imprescritibilidade das ações de ressarcimento, de que trata o § 5º do artigo 37 da Constituição Federal, deve ser considerada em seus devidos termos, ou seja, apenas pode ser albergada quando o ilícito praticado pelo agente ensejar, em tese, a aplicação de sanção na esfera administrativa e/ou penal e causar prejuízo ao erário, repercutindo, também, na responsabilidade civil, entendida aqui como fonte do direito de ressarcimento da Administração Pública.

É que somente nesta hipótese a ressalva contida na parte final da citada norma constitucional ganha relevo jurídico. Imprescindível o destaque final para que se evidencie que apenas a repercussão patrimonial do ilícito é imprescritível, não o sendo as demais conseqüências do fato (administrativa e/ou penal) que terão seus prazos prescricionais previstos em lei.

Nesse sentido, apenas os atos praticados que demonstrem ter o agente atuado com culpa, em seu sentido lato, e que causarem prejuízo ao patrimônio público estão afetos à imprescritibilidade. Pois, ausente o elemento culpa, não haveria responsabilidade de natureza administrativa e/ou criminal a ser apurada e, portanto, desnecessária a edição de norma para se prever a prescrição de pretensões punitivas do Estado. Somente se prescreve o fato que pode gerar punições, que pressupõe dolo ou culpa do agente público.

4. CONCLUSÃO

O Direito foi uma das grandes conquistas da humanidade e que permitiu a evolução social do ser humano, possibilitando o convívio pacífico das pessoas, apesar das diferenças individuais, das necessidades próprias e da escassez dos bens da vida frente à crescente evolução dos interesses particulares.

Para que isso se tornasse possível, é imprescindível que os operadores do Direito sedimentem e consolidem as relações jurídicas existentes dentro do tecido social. Ganha a segurança jurídica status de verdadeiro direito fundamental do indivíduo, de forma a conferir a certeza de que as normas previamente estabelecidas serão respeitadas.

Nesse contexto, é o tempo fator preponderante para a concretização do referido princípio constitucional, dentro, porém, dos limites legalmente estabelecidos. Ou seja, o tempo tem o destaque e a importância na exata medida em que as normas estabelecem.

Tem-se, assim, que a existência de normas regulamentando o instituto da prescrição constitui verdadeira regra geral, constituindo exceção a omissão normativa a respeito da matéria.

Nesse diapasão, a leitura a ser dada à regra contida no art. 37, § 5º, da Constituição Federal não deve ser mais dilatada do que se pode extrair do conteúdo normativo expresso. Na verdade, está-se a ponderar dois princípios constitucionais: a segurança jurídica e a indisponibilidade do interesse público.

Calcado na lição de Alexey, pode-se asseverar que a solução a conflitos entre princípios constitucionais deve ser dada no caso concreto, podendo, em determinada

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situação, preponderar um em relação ao outro e, em outra ocasião, a ordem inverter-se. Todavia, na hipótese ora tratada, ousando um pouco, pode-se, de forma abstrata, concluir-se que a imprescritibilidade de que trata a parte final do dispositivo constitucional em tela somente pode ocorrer nas hipóteses em que o agente público, lato senso, agir com culpa ou dolo, pois nestes casos haveria, também, possibilidade de punir-se administrativa ou criminalmente sua conduta.

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DESNECESSIDADE DE REGISTRO DAS ADMISSÕES TEMPORÁRIAS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS

Inácio Magalhães Filho Procurador do Ministério Público do TCDF

Examinar o instituto da contratação temporária requer, de antemão, percuciente análise sobre os dispositivos constitucionais que tratam do tema. A propósito, reza o artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal, que "a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público".

Decompondo os termos legais, observa-se, prima facIe, que somente a lei poderá estabelecer os casos de contratação temporária. Em âmbito Federal, o instituto é regulado pela Lei n º 8.745/93 e no Distrito Federal pela Lei nº 1.169/96 e posteriores alterações. Tem-se, assim, por atendido esse primeiro quesito. Em seqüência, exige o texto constitucional que tal contratação reflita uma necessidade temporária de excepcional interesse público. Cabe, aqui, uma reflexão mais detalhada.

À guisa de exemplo, analisar-se-á a atividade educativa. A própria natureza da área educacional já representa excepcional interesse público. Distintamente de outros serviços, a falta de professores representa ausência de aulas e, com isso, possibilidade de o Estado não cumprir a missão constitucional de garantir a educação pública. Note-se que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo e sua oferta irregular importa responsabilidade para a autoridade competente, conforme estipulam os parágrafos 1º e 2º do artigo 208 da Lei Maior:

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

.......... omissis......

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

Desse modo, afigura-se que, independentemente da origem da vaga existente no quantitativo docente, seja oriunda de atividade provisória ou definitiva, o fato é que o Estado não se pode privar da responsabilidade de preenchê-la. Assim, nesse ponto, a contratação temporária atende a esse fim plenamente. Tal entendimento vale para outras situações específicas em que a ausência da prestação de serviços públicos prejudique os hipossuficientes.

O que se pretende com esse raciocínio é preservar o instituto em si, pois apresenta validade incontestável. Afinal, não seria razoável imaginar que o poder público realizasse concursos públicos a cada vez que o servidor público se afastasse temporariamente por motivo de saúde, licença gestante etc.

Não se pode negar, entrementes, a existência de desvios na utilização da contratação temporária. A resolução desse problema, todavia, não parece dar-se pelo caminho da ilegalidade de todas as contratações. A própria atividade de controle exercida pelos Tribunais de Contas merece ser reavaliada nesse caso. O mecanismo atual impõe que todas as admissões, excluídas as derivadas de cargo de provimento em comissão,

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devam ser registradas. Tal entendimento é decorrência da intelecção conjunta dos artigos 37, inciso II, 71, inciso III, da Constituição Federal.

Nesse momento, chega-se ao ponto nodal da análise empreendida, qual seja, a desnecessidade de se registrar as admissões temporárias, fato que proporcionará uma expressiva melhora nas condições de fiscalização empreendida pelos Tribunais de Contas, soando, dessa forma, como aprimoramento da utilização do instituto da contratação temporária.

A posição do Tribunal de Contas da União - TCU, adotada pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal - TCDF, faz uma leitura literal do artigo 71, inciso III, da CF, que define: "apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título (...) excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão". A seu turno, o artigo 37, inciso II, da CF, estabelece que a investidura em cargo público depende de aprovação em concurso público, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão. Assim, a egrégia Corte de Contas Federal combina os dois mandamentos legais, para construir o entendimento de que somente as admissões em cargo de provimento em comissão são liberadas da necessidade do registro.

Assim se expressou o TCU1:

EMENTA

(...) Possibilidade de contratação temporária nos casos especiais previstos na Constituição e na Lei 8.112/90. Admissão de Pessoal. Obrigatoriedade do registro pelo TCU para que se torne ato jurídico perfeito. Nulidade do ato e responsabilização dos administradores se negado o registro. Paralelo entre o concurso público e a licitação em geral, ante os princípios da Administração Pública.

Entretanto, é importante verificar que, conquanto a posição adotada pelo TCDF (Resolução nº 100/98) acompanhe a defendida pelo TCU, a Emenda Regimental nº 01/98 - TCDF permite outra interpretação. Dispõe o citado diploma legal no artigo 1º que a "autoridade administrativa que praticar qualquer ato de admissão de pessoal, para cargo ou emprego permanentes da Administração Direta ou Indireta do Distrito Federal, bem como de aposentadoria, reforma, pensão e respectivas revisões, deve submetê-lo à apreciação do Tribunal de Contas (...)". (grifou-se). É perfeitamente possível deduzir que somente os cargos permanentes teriam a obrigatoriedade do registro.

Não obstante, o que ocorre é que a análise dos dispositivos constitucionais deve ser feita de forma sistêmica. De fato, o artigo 71, inciso III, da CF, é expresso em afastar de registro apenas as admissões oriundas de cargo em comissão por se referir à forma de provimento prevista no artigo 37, inciso II. Veja-se que os dois comandos dizem respeito à forma regular de contratação de servidores, que deflui em dois tipos: o de caráter efetivo, que não prescinde do concurso público; e o de caráter de livre nomeação e exoneração, que não necessita do competitório.

Há que obtemperar, contudo, que o instituto da contratação temporária está regulamentado em outro dispositivo constitucional (artigo 37, inciso IX), logo, não se submetendo à rigidez do artigo 71, inciso III, uma vez que não representa um tipo de contratação regular efetivada pela Administração. Ao revés, reveste-se do caráter de excepcional interesse público.

Note-se, a propósito, que o pessoal contratado em caráter temporário não pode ser designado para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança, nem mesmo a

1

Decisão nº 236/92 - Processo TC 006.658/89-0:

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título precário ou em substituição (artigo 9º, II, da Lei Federal nº 8.745/9, e 7º, II, da Lei Distrital nº 1.169/96), circunstância que deixa transparecer outro tipo de contratação daquela prevista pelo artigo 37, inciso II, da CF.

Por outro prisma, se de um lado a contratação temporária se afasta do conceito de contratação para cargo em comissão, por outro, há um ponto centrípeto. Ambas têm o caráter precário, tendo em vista que a Administração pode a qualquer momento rescindir o vínculo laboral existente, sem maiores delongas. Veja-se, por relevante, o artigo 12, III, da citada Lei Federal e o artigo 11, III da mencionada Lei Distrital, que dispõem que o contrato firmado pode ser rescindido por conveniência administrativa.

Com efeito, se o cargo em comissão não necessita de registro, notadamente, em face da natureza jurídica precária, qual a razão de se exigir o registro de toda e qualquer admissão temporária, que, inclusive, tem duração limitada e improrrogável por lei?

Note-se que o ilustre Conselheiro Jorge Ulisses Jacoby Fernandes2, do TCDF, embora de forma breve, corrobora o entendimento aqui defendido:

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, verifica-se competir aos Tribunais de Contas o exame e o registro das admissões de pessoal, cujo procedimento vem reforçar a idéia de que as admissões do serviço público passaram, desde então, a serem atos complexos, pois precisando, para a sua validade, da análise e da confirmação dessas Cortes.

Determina a Constituição, porém, que não sejam registrados os casos de admissão para cargos de provimento em comissão, dada a precariedade das nomeações.

Sobre os registros das admissões de servidores por contrato temporário, parece que, pelos mesmos motivos, deveriam ser genericamente apreciadas pelo Tribunal, mas sem registro dos atos, em face à transitoriedade da ocupação."(grifos não são do original).

Como bem salientado pelo eminente Conselheiro, é mister esclarecer que o fato de as admissões temporárias não se submeterem a registro, não lhes exime do controle exercido pelos Tribunais de Contas. Entende-se que o controle externo, nesse caso, restaria aprimorado se fosse precedido de um encaminhamento ao Tribunal, pelos órgãos jurisdicionados, de um planejamento criterioso acerca das necessidades de contratação temporária, que possibilitasse uma fiscalização concomitante, em regra mais eficiente, capaz de coibir desvios na utilização indevida do instituto.

A propósito da eficiência, nunca é demais recordar tratar-se de um princípio norteador da Administração Pública (art. 37, caput, CF), de cuja disciplina não podem fugir os entes públicos. Conforme salienta Maria Sylvia Zanella Di Pietro3:

O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a

Administração Pública, também como o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público. (grifos do original).

Dessa forma, espera-se ter demonstrado de forma singela a desnecessidade de registro das admissões decorrentes de contratação temporária pelas Cortes de Contas, a partir de uma interpretação constitucional sistêmica combinada com a natureza precária

2 Processo - TCDF nº 600/03

3 In Direito Administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p.83

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dessas contratações, similares às dos cargos em comissão, bem como possibilitar aos órgãos de controle uma fiscalização mais eficiente e efetiva do instituto, com fito de evitar desvios em sua utilização que insofismavelmente é excepcional.

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O PROCESSO E PROCEDIMENTOS DIFERENCIADOS NOS TRIBUNAIS DE CONTAS

Carlos Antonio Pereira da Silva Analista de Finanças e Controle Externo

1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal atribuiu competências aos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para o exercício do controle externo, a cargo do Legislativo.

Para isso, confere competências para apreciar as contas anuais do Executivo, emitindo sobre elas parecer prévio, julgar as contas dos administradores e apreciar, para fins de registro, os atos de admissão de pessoal e concessões de aposentadoria, além de promover a fiscalização na Administração Pública, verificando os atos praticados. Nesse mister, confere, também, competências para determinar providências aos órgãos e entidades sob sua jurisdição, sustar atos e aplicar sanções.

Recentemente, a Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, Lei Complementar nº 101, de 04.05.00, acresceu novas atribuições aos Tribunais de Contas, notadamente quanto à fiscalização das normas de responsabilidade na gestão fiscal, art. 59 da LRF, reforçando a competência (art. 56 da LRF) para exarar o parecer prévio, separadamente, para as contas dos Chefes do Poder Executivo, Legislativo, Judiciário e do Chefe do Ministério Público, nos termos do art. 56.

A jurisdição, para o exercício das competências atribuídas aos Tribunais de Contas – TC's, alcança as pessoas físicas, órgãos ou entidades da correspondente unidade da federação a que pertence, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais responda ou que, em nome da unidade federativa, assuma obrigações de natureza pecuniária. Alcançam também aqueles que causarem dano ao Erário e as pessoas jurídicas de direito privado que recebam contribuições, recursos ou prestem serviços públicos, inclusive seus sucessores.

O exercício da competência atribuída aos TC's, além do parecer prévio sobre as contas do governo, é realizado mediante processo, seja de prestação de contas, tomada de contas ou na fiscalização de atos e contratos.

Nos processos, analisam-se fatos ocorridos no curso da administração pelo responsável. Tais análises, em regra, estão voltadas ao passado, verificando atos já praticados e avaliando suas repercussões no sentido de se obter um juízo de valor, seja aprovação ou não das contas, correção do ato sujeito a registro, determinação de providências, sustação de atos ou aplicação de sanções.

Entretanto, não raro, a fiscalização se vê diante de fatos merecedores de uma abordagem diferenciada, seja de prevenção, pela indicação de que uma irregularidade ocorrerá, seja pela constatação da necessidade de proteger determinado bem jurídico até final processo, ou ainda em casos de urgência que requerem sejam determinadas providências que antecipem os efeitos de uma decisão que só poderá ser tomada ao final do processo. Neste último caso, devem estar presentes elementos indicativos de fundado

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receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou ainda, abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório no processo, associado a fatos que demonstram de forma inequívoca uma verossimilhança ao direito à antecipação dos efeitos da decisão.

A partir do momento em que o Estado atribuiu aos Tribunais de Contas o dever do exercício do controle externo, mediante o parecer prévio, o julgamento de contas e a fiscalização e o registro dos atos da Administração, impelindo a administração a atuar no interesse público e limitando a discricionariedade do administrador, sobreveio-lhe o poder-dever do exercício da função jurisdicional como via fundamental para a proteção do patrimônio público e, dessa forma, inibir a prática de atos lesivos aos bens e direitos do Estado.

O Processo, no âmbito dos Tribunais de Contas, como instrumento para o exercício de suas atribuições, mediante julgamento de contas e fiscalização, tem por base o procedimento administrativo, o qual, por sua vez, requer tempo e, além das fases de instrução, julgamento e recursal, prevê a participação da Administração, dos administradores e, eventualmente, de terceiros particulares, dos responsáveis e demais interessados para o deslinde do feito.

Esse tempo, associado a um risco objetivamente fundado, em regra criado por responsáveis, por terceiros ou pelas circunstâncias, podem ser razões para a existência de um perigo de dano de impossível ou de difícil reparação a determinado bem jurídico merecedor de tutela, passível de ocorrer antes ou no curso do processo. Essa situação desafia a necessidade de prevenir ou afastar tal perigo.

Em outros casos, os fatos podem, diante de evidências concretas, ser indicadores razoáveis de que uma irregularidade está por ocorrer, ou ainda, se já ocorrida, as circunstâncias indicam a sua continuidade. Nessa situação, o ilícito pode ser combatido mediante ações preventivas, uma vez que negar o direito à prevenção é impor ao Estado que suporte a irregularidade, contentando-se apenas com a anulação do ato e, eventualmente, com a sua reparação.

Em todas essas situações, há que se ater ao devido processo legal, associado ao rigor necessário à interpretação das leis, e somente nos casos omissos o Julgador decidirá de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito (art. 4º da LICC), aplicando a legislação de forma a atender aos fins sociais a que ela se dirige e à exigência do bem comum (art. 5º da LICC).

2. O PROCESSO NAS CORTES DE CONTAS.

Os Tribunais de Contas, no exercício da competência instituída pela Constituição Federal, estendida aos Estados e ao Distrito Federal por força do art. 72 da Carta Magna, bem como aos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios, atuam mediante processos administrativos com procedimentos próprios, cujos delineamentos gerais, em regra, estão traçados nas respectivas leis orgânicas e regimentos internos, complementados por outras leis e normas interna corporis.

Esses procedimentos, tendentes a realizar a missão institucional dos TC's, são utilizados, em geral, no julgamento de contas e na apreciação de atos da Administração Pública, com vistas a assegurar a eficácia do controle externo e constituir elementos de subsídios à apreciação das contas de governo, mediante relatório analítico e parecer prévio.

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Dessa forma, além das atividades administrativas internas, os TC's se utilizam de processos administrativos próprios, na maioria das vezes para fins de julgamento de contas e na fiscalização dos atos da Administração Pública.

Os processos têm início mediante programação anual do próprio órgão, denúncia, representações, consultas, a pedidos do Legislativo ou qualquer outra demanda que requeira a atuação do Tribunal.

Os processos que julgam as contas, sejam originados de prestação de contas, tomadas de contas ou tomadas de contas especiais, possuem rito próprio que os distinguem daqueles que procedem à fiscalização a cargo dos TC's.

As contas são julgadas regulares, regulares com ressalva ou irregularidades, conforme evidenciem a exatidão dos demonstrativos com os atos de gestão, a impropriedade ou falta de natureza formal, ou, para a última, omissão no dever de prestar contas, grave infração à norma legal ou dano decorrente de gestão ilegítima ou antieconômica.

O processo de contas, em geral, compreende as fases de instrução, de julgamento e recursal.

Na fase instrutória, o processo é presidido pelo relator, que adotará todas as providências necessárias ao saneamento dos autos. Esta é uma etapa preparatória para o julgamento das contas. Nesta fase, é fundamental a descrição dos objetivos do processo, dos fatos apurados e a indicação das normas que regulam a matéria objeto dos autos, concluindo pela regularidade ou irregularidades dos atos praticados com as sugestões do corpo técnico responsável pela instrução.

Concluída a fase instrutória, o processo deverá estar pronto para julgamento. Entretanto, antes que o tribunal venha julgar as contas, o processo deve ser submetido ao Plenário para que este se manifeste sobre as irregularidades apontadas. Uma vez reconhecidas essas irregularidades pelo Tribunal, a responsabilidade é definida e o responsável é chamado a apresentar defesa ou recolher a quantia devida, se houver débito, ou apresentar razões de justificativas, em caso contrário. Pode, ainda, o Tribunal adotar outras medidas cabíveis (art. 12 da LOTCU).

Se a defesa apresentada for rejeitada pelo Tribunal, o responsável será cientificado para, em novo e improrrogável prazo, recolher a importância devida (art. 12, §1º da LOTCU). O recolhimento do débito no prazo e o reconhecimento da boa-fé pelo Tribunal, sem que se observe outra irregularidade nas contas, é elemento saneador do Processo (art. 12, §1º da LOTCU), regularizando a situação anterior tendente ao julgamento por irregularidade de contas.

A ausência de apresentação de defesa, recolhimento do débito ou das razões de justificativas, implicam em revelia. Nesse caso, o processo segue para julgamento.

Julgadas as contas, a decisão está sujeita ao recurso de reconsideração, no prazo de trinta dias, com efeito suspensivo. De toda a forma, das decisões em processo de tomada ou prestação de contas cabem, também, recursos de embargos de declaração e de revisão.

Os embargos de declaração são opostos face à decisão - em casos de omissão, obscuridade ou contradição - e têm o condão de suspender os prazos para o seu cumprimento e para a interposição dos recursos. O recurso de revisão pode ser interposto em até cinco anos, sem efeito suspensivo, em casos de erro de cálculo, falsidade de documento ou superveniência de documento novo e eficaz.

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Os processos que retratam a fiscalização a cargo dos TC's têm foco sobre as contas de governo, os atos sujeitos ao registro e a fiscalização de atos e contratos.

Os primeiros referem-se à apreciação da contas anuais do Chefe do Poder Executivo, Chefe do Poder Legislativo e do Chefe do Poder Judiciário, emitindo sobre elas parecer prévio, separadamente.

Os segundos visam apreciar, para fins de registro ou reexame, os atos de admissão de pessoal e concessão inicial de aposentadorias, reformas e pensões, incluindo melhorias posteriores que tenham alterado o fundamento legal do ato inicial.

Os últimos destinam-se a fiscalizar os atos que resultem receitas ou despesas, com vistas a assegurar a eficácia do controle e a instruir o julgamento das contas. Para tanto são realizadas auditorias, inspeções e acompanhamento das licitações, contratos, convênios e outras formas de acordos, ajustes ou outros instrumentos congêneres, bem como dos atos da Administração Pública ou de terceiros, que venham causar danos ao patrimônio público.

Da mesma forma que no processo de contas, o relator preside a instrução. Nesta fase, se apurado tão somente a falta ou a impropriedade de forma, determinam-se providências saneadoras, conforme o Regimento Interno.

Se no processo de fiscalização for verificada a ocorrência de irregularidade, determina-se a audiência do responsável para apresentar suas razões de justificativas. Estando o processo saneado, este segue para apreciação pelo Tribunal. Verificando o Tribunal que as razões de justificativa não ilidem a irregularidade constatada, poderá ser determinado que o responsável adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, que se não atendido, autoriza ao Tribunal a sustar o ato impugnado, comunicando ao Legislativo da decisão, e a aplicar multa ao responsável.

No caso de contrato, se o Tribunal não for atendido em sua decisão, comunicará o fato ao Legislativo, a quem cabe adotar o ato de sustação. A não efetivação da medida por este Poder, no prazo de noventa dias, autoriza o Tribunal a decidir sobre a sustação do contrato.

Se no curso da fiscalização for constatada a ocorrência de desfalque, desvio de bens ou qualquer outra forma de dano ao Erário, o processo de fiscalização deverá ser convertido em processo de tomada de contas especial, exceto se tratar de atos relativos à despesa de natureza reservada.

As decisões proferidas nos processos de fiscalização estão sujeitas ao pedido de reexame, no prazo de trinta dias, com efeito suspensivo. Ainda que não previsto explicitamente em leis orgânicas dos TC's, admitem-se embargos de declaração e recurso de revisão, nos termos previstos para os processos de contas.

Nos processos de fiscalização a cargo dos TC's, algumas medidas diferenciadas poderão ser adotadas, mediante expressa previsão legal. Uma delas consiste no afastamento temporário do responsável, se este puder retardar ou dificultar a realização de inspeção ou auditoria, causar outros danos ou inviabilizar o seu ressarcimento.

No mesmo sentido, os TC's podem decretar a indisponibilidade dos bens pelo prazo de um ano, na quantidade suficiente para garantir o ressarcimento dos danos em apuração, ou solicitar, ao órgão competente, o arresto dos bens dos responsáveis julgados em débito.

Há situações em que os TC's estão autorizados a aplicar multas aos responsáveis por: contas julgadas irregulares, em razão de ato com grave infração à norma; ato de

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gestão que resulte dano; não atendimento de diligência ou de decisão do relator ou do Tribunal; obstrução ao exercício da fiscalização, sonegação de processo, documentação ou informação em inspeções ou auditorias e ainda por reincidência no descumprimento de determinação do Tribunal.

Além das multas e de sujeição às penalidades administrativas, se a infração constatada for considerada grave pela maioria absoluta do Tribunal, o responsável poderá ficar inabilitado para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança por um período entre cinco e oito anos.

3. QUANTO AOS RECURSOS

Os recursos são, antes de tudo, instrumentos processuais destinados a impugnar uma decisão. Tal instrumento visa assegurar, na medida do possível, a qualidade das decisões.

Os recursos, além de impedir o trânsito em julgado da decisão impugnada, podem ter o condão de suspender a sua eficácia e devolve ao órgão julgador a matéria, para reavaliação. No caso dos TC's, a lei atribui ao órgão que decidiu a competência para reexaminar a matéria impugnada.

O duplo grau de jurisdição, matéria inerente aos recursos, em que pese não constar em texto expresso na Constituição, está ínsito em nosso sistema jurídico; uma vez que a possibilidade do reexame recomenda ao julgador maior zelo na elaboração das decisões, o que é salutar ao processo. Algumas decisões dos TC's podem ser objeto de apreciação pelo Judiciário competente para a matéria.

Atualmente, a aplicação de tal princípio tem propiciado maior probabilidade de acerto do que de erros. A experiência comum indica que uma segunda reflexão acerca da mesma questão conduz a uma conclusão mais precisa; uma vez que pode permitir seja observada por diversos ângulos, no mais das vezes até então ignorados.

Nos processos a cargo dos TC's estão previstos recursos de reconsideração, embargo de declaração e de revisão em face das decisões proferidas em processo de tomada ou prestação de contas. Das decisões proferidas em processos que tratam de atos sujeitos a registros e da fiscalização de atos e contratos, cabem pedido de reexame.

As legislações prevêem que o recurso de reconsideração tenha efeito suspensivo e que deva ser formulado por escrito uma só vez, no prazo estabelecido. Sobre a questão do prazo não há muitas controvérsias, mas em relação à recepção do efeito suspensivo pela sua simples interposição e de quais decisões estão sujeitas a esse recurso, não é matéria pacífica.

Quanto ao efeito suspensivo, se a legislação atribui ao recurso tal qualidade, não cabe ao intérprete elidi-la mediante simples interpretação. Assim, a simples interposição do recurso que tem esta qualidade prevista em lei tem o condão de suspender os efeitos da decisão. Não que a decisão seja inválida, a interposição do recurso impede o trânsito em julgado da decisão para suspender temporariamente sua aplicação até que o recurso seja apreciado. As preocupações, quanto ao efeito suspensivo dos recursos, estão relacionadas com a eficiência e eficácia da atuação da Corte de contas e com sua atuação tempestiva, quase sempre associada à urgência na aplicação da decisão proferida em processo.

A questão da atuação de urgência deve ser analisada no âmbito dos procedimentos diferenciados. Dessa forma, para uma decisão de qualidade, há que se considerar a

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possibilidade de que a mesma possa ser revisada, diante das análises que foram feitas na sua prolação. Novos esclarecimentos sobre os argumentos lançados merecem ser analisados, diante da forma como a Corte tratou a questão. Nesse caso, não há porque se efetivar a decisão, sob pena de tornar sua revisão inviável, diante de fatos consumados ou possuir efeito passageiro, prejudicando a segurança jurídica, razão que justifica aguardar o fim do processo e aplicá-la após o trânsito em julgado.

Diferente são as situações de urgência ou que o bem jurídico em questão merece proteção. Nesses casos devem ser aplicadas as medidas inerentes à tutela inibitória, cautelar ou antecipatória, mediante processo autônomo, ainda que apenso ao principal.

Sobre a forma de apresentação dos recursos, não há dúvida de que deverá ser por escrito, não se admitindo a oralidade, o que não impede a sustentação oral em sessão plenária.

Outra questão que merece análise diz respeito a qual decisão está sujeita ao recurso de reconsideração. Para isso, há que se considerar o comando legal de que o recurso será formulado por escrito uma só vez.

O comando sob análise indica que o recurso de reconsideração será formulado uma única vez. Nesse ponto cabe reflexão, havendo duas alternativas: se a única vez for comando com sentido absoluto, apenas uma das decisões do processo está sujeita ao recurso de reconsideração, se não for absoluto, a cada decisão no processo desafiará o recurso de reconsideração.

Esta última hipótese poderá levar à perpetuação do processo, pois se a cada decisão couber recurso, todas as decisões no processo estão sujeitas a recurso, inclusive a que decidir o recurso, o que pode ser impeditivo da prestação jurisdicional.

A primeira hipótese se apresenta como a mais indicada. Uma única decisão no processo desafia o recurso de reconsideração, a decisão final, definitiva, que põe fim ao processo, a que permite seja inaugurada a fase recursal. Assim, nos processos de contas, a decisão que julga as contas, regulares, regulares com ressalva ou irregulares, é a decisão que desafia recurso de reconsideração.

Nesse sentido, indica o Regimento Interno do TCU, art. 285, estabelecendo a decisão definitiva em processos de prestação ou tomada de contas como a que cabe recurso de reconsideração.

Diante dessa possibilidade, as demais decisões no processo, não estão sujeitas ao recurso de reconsideração, desafiam recurso de embargos de declaração ou o simples recurso admitido em processos administrativos, que não têm o condão de suspender a decisão, a exemplo do previsto no art. 61 da Lei federal nº 9.784, de 29.01.99, podendo a autoridade conceder efeito suspensivo ao recurso.

Ademais, o Regimento Interno do TCU prevê para algumas decisões o recurso de agravo, art. 289, dentre elas a da medida cautelar, cujo efeito suspensivo fica a critério de quem proferiu o despacho decisório.

Aliás, o direito de peticionar aos órgãos públicos encontra-se assegurado na Constituição Federal, especificamente no art. 5º, inciso XXXIV.

Enquanto as decisões estão sujeitas a recurso, os despachos de mero expediente não desafiam recurso algum. São exemplos de despachos de mero expediente: as diligências, os que promovem o sobrestamento do julgamento, a citação, a audiência dos responsáveis ou outras providências necessárias ao saneamento dos autos. Tais atos podem resultar em influência na esfera jurídica dos responsáveis, mas não se podem

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admitir obstáculos ao exercício de promover a fiscalização, a citação, a audiência dos responsáveis e a obtenção de elementos necessários a instruir o processo.

Nesses casos não há decisão, há obediência a um comando legal. A lei concede, em momentos certos, a prerrogativa do exercício de certo direito ou estabelece a prática de determinada providência.

O Tribunal de Contas da União adotou em seu Regimento Interno, art. 279, que não cabe recurso de decisão que determina a citação, audiência, diligência, inspeção ou auditoria, além da que converte o processo em tomada de contas especial.

4. QUANTO AOS PROCEDIMENTOS DIFERENCIADOS.

O exercício das atribuições conferidas aos TC's mediante processo requer tempo para o processamento do feito. Assim, há situações que não podem aguardar o tempo necessário ao desenvolvimento regular de um processo. Essas situações exigem uma providência imediata diante da existência de um risco que afeta o bem jurídico a ser tutelado pela atuação dos TC's.

No Direito Processual Civil brasileiro, o exercício da prestação jurisdicional devida ao Estado, em diversos momentos realiza-se mediante tutelas diferenciadas, cujo objetivo é o de assegurar a eficácia do processo civil.

Em que pese o Direito Processual Civil estar direcionado ao Judiciário, nada impede que tais conhecimentos venham a ser aplicados, subsidiariamente, aos processos administrativos nos tribunais de contas, com as devidas adaptações, mediante a absorção da longa e rica experiência naquele Poder.

A legislação aplicável diretamente às atividades dos tribunais de contas, no exercício de suas competências, prevê, em diversos momentos, providências cautelares com o condão de atribuir poderes às Cortes de contas para assegurar a normalidade e a efetividade da atuação jurisdicional.

De início, é de se lembrar o disposto na Constituição da República, em destaque o art. 75, que estabelece a aplicação aos tribunais de contas dos Estados, Distrito Federal e Municípios, das normas atribuídas ao Tribunal de Contas da União.

As competências dos tribunais de contas, assim estabelecidas, constam do art. 71 da Constituição da República. Nesse dispositivo, é de se destacar os incisos IV, VIII a X, que atribui aos TC's competência para realizar por iniciativa própria auditoria e inspeções, determinar providências, sustar atos e aplicar sanções.

Não se concebe o exercício de tais atividades apenas após a ocorrência de irregularidades, considerando o princípio de quem pode o mais pode o menos. Se podem os tribunais de contas aplicar sanções em caso de ilegalidade ou de irregularidade, determinar providências necessárias para o exato cumprimento da lei e sustar ato impugnado, pode, pelas mesmas competências, determinar que a Administração se abstenha de praticar ato sujeito a impugnação, implemente o exato cumprimento da lei e promova a adequada proteção do patrimônio público.

Elegendo, como se adotou nesse trabalho, o Tribunal de Contas da União como paradigma para os demais TC's, tem-se que a Lei Orgânica daquela Corte de contas, além de reproduzir o que dispõe os incisos IV, VIII a X do art. 71 da Constituição da República, estabelece atividades cautelares ao determinar o trancamento das contas consideradas iliquidáveis (art. 21); o afastamento temporário do responsável diante de indícios (art. 44); a decretação de indisponibilidade de bens (art. 44, § 2º); a inabilitação

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do responsável (art. 60) e o arresto de bens dos responsáveis julgados em débito (art. 61).

O Regimento Interno do TCU consolida esse entendimento ao dispor sobre as suas competências, no art. 1º, incluindo, no inciso XVII, a de aplicar as medidas cautelares previstas nos arts. 266 a 276, exercida pelo Plenário, art. 15, inciso I, alínea i, e sobre medidas cautelares nos arts. 273 a 276.

Dessa forma, ainda que não estejam amplamente regulamentadas as tutelas diferenciadas na atividade fiscalizadora dos tribunais de contas, certamente constitui matéria que necessita e merece tratamento imediato, uma vez estar entre suas prerrogativas.

A Lei Orgânica do TCU estabelece, no art. 12, inciso IV, que verificada a irregularidade nas contas, o Relator ou o Tribunal adotará outras medidas cabíveis. Vejam que tais providências podem preceder o julgamento, pois, depende tão somente da verificação de irregularidades nas contas, o que difere do julgamento por contas irregulares.

Pode-se considerar, também, providências cautelares ínsitas quando a norma legal permite ao Tribunal ou Relator que determine providências no caso de faltas ou impropriedades formal (art. 43).

No mesmo sentido, ao autorizar seja assinado prazo ao responsável para que adote providências ao exato cumprimento da lei (art. 45).

Inúmeras são as decisões que suspendem determinada licitação até a sua apreciação pelo Tribunal ou que determinam à Administração que se abstenha de praticar determinado ato.

No exercício das atividades de competência dos tribunais de contas, a fiscalização deve verificar não só os atos praticados e compará-los à norma legal, mas verificar, também, se constituem indicadores de que provavelmente a irregularidade será praticada, para tomar as medidas necessárias à sua prevenção, o agir vigilante e constante no exercício dos comandos insertos nos arts. 43 e 45 .

Pode ser o caso, não de provável ilícito, mas de perigo para a esfera jurídica da Administração Pública, risco este que deve ser afastado mediante a tutela adequada.

Ou ainda, para impelir eficiência à Administração Pública, mediante antecipação de atos que não merecem aguardar tão somente decisão final. Tem-se como exemplo o pagamento de aposentadoria antes da decisão final dos tribunais de contas sobre o seu registro.

Diferentemente do Judiciário, os tribunais de contas agem, em regra, de ofício, independente de provocação por interessados, no sentido de verificar os atos da administração Pública com vistas à proteção do patrimônio público e à regularidade dos atos administrativos. Diante de tal propriedade, podem e devem os tribunais de contas tomar a iniciativa em promover as medidas diferenciadas, a saber: a medida inibitória, a medida cautelar e a antecipação de tutela, podendo em todos os casos serem exercidas no início do processo, antes de ouvir o Administrador, nos casos em que este puder frustrar a medida, prejudicar a instrução, ou ainda em razão da urgência.

No âmbito do Direito Processual Civil brasileiro a tutela inibitória é prevista no interdito proibitório (art. 932 do CPC), na nunciação de obra nova (art. 934 do CPC), ao se admitir a proteção da marca comercial e à propriedade intelectual, proibindo que outro faça uso da marca ou comercialize a obra intelectual.

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A decisão que impõe a abstenção da prática de algum ato, de tolerar alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, tem proteção legal para alcançar o seu resultado prático mediante providências específicas ou aplicação de multas (as treinte), com fulcro nos arts. 287, 461 e 461-A do Código de Processo Civil – CPC, da mesma forma prevista no art. 84 do Código de Proteção do Consumidor.

A tutela inibitória deve ser aplicada no momento em que for verificado determinado fato indicador de que uma irregularidade ou um ilícito está para ser praticado. Essa verificação se faz em sede de probabilidade jurídica, não importando a certeza.

A probabilidade jurídica difere da possibilidade jurídica, por ser esta última representativa de todos os fatos jurídicos passíveis de ocorrer ou pertencer à esfera jurídica de uma pessoa.

A probabilidade jurídica resulta da análise racional dos fatos diante do que ordinariamente acontece. Autoriza a valoração da prova o art. 335 do CPC, na ausência de normas jurídicas particulares, o que é razoável diante da impossibilidade de as normas preverem a regulação para tudo o que acontece na esfera jurídica das pessoas. Justifica-se tal assertiva em que a lei não tem o condão de regular todos os acontecimentos possíveis e tampouco substituir a inteligência humana, por isso deve privilegiar o livre convencimento do julgador.

Importa também esteja demonstrado o perigo, ou seja, elemento caracterizador de que o ilícito provavelmente será praticado. Esta verificação deve estar acompanhada da análise de que o ato que está para ser praticado será ilícito.

Dessa forma, demonstra-se, diante dos fatos apurados, e do seu desenvolvimento, diante do que ordinariamente acontece, indicativo da probabilidade (não apenas possibilidade) de outros fatos conseqüentes, naturalmente, e que tais fatos constituirão irregularidades ou ilícitos, ferindo os princípios da Administração Pública.

Assim, se dos fatos narrados poder-se-á concluir logicamente pela ocorrência de que determinado ato será praticado, sendo tal ato uma irregularidade, uma ilicitude, ou ofensa aos princípios da Administração Pública, essa situação merece proteção, mediante atuação da jurisdição adequada para inibir que a irregularidade, a ilicitude ou a ofensa venha a ocorrer.

Nesse contexto não importa o dano, o que se pretende tutelar é a prevenção. O dano só pode ser avaliado após a ocorrência da irregularidade. Aqui, a tutela refere-se ao ordenamento jurídico, cuja violação merece ser repelida. A tutela jurídica pretendida está voltada à proteção do Direito.

Na administração pública, a sustentação jurídica dessa atividade encontra esteio, além dos dispositivos mencionados anteriormente no âmbito infraconstitucional, nos comandos constitucionais, notadamente o do Estado Democrático de Direito, os da cidadania e da dignidade da pessoa humana, refletida nas pessoas da população que esperam uma atuação eficaz dos tribunais de contas, associados aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência da Administração Pública.

A jurisdição sustentada tão somente na tutela repressiva e ressarcitória são incapazes de impedir a ocorrência de irregularidades, apenas as desestimulam, e em muitos casos incentivam a sua mercantilização, sabendo o sujeito passivo do preço a pagar pela irregularidade pretendida. A violação dos princípios da Administração Pública é incompatível com o ressarcimento, este diz respeito apenas ao patrimônio e não ao bem jurídico a ser tutelado.

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Veja-se, assim, que o patrimônio desgastado pode ser recomposto, mas a legalidade e a moralidade uma vez violadas, não podem ser reconstituídas. O tempo perdido no refazimento das atividades anuladas e os benefícios sociais que seriam gerados pelas atividades que seriam realizadas nesse tempo, não podem ser compensados apenas com o ressarcimento referente ao custo com despesas de pessoal e de material.

No tocante às providências cautelares, as leis orgânicas dos tribunais de contas trataram delas, como se enumerou anteriormente, o afastamento temporário, a decretação de indisponibilidade de bens, a inabilitação e o arresto de bens.

O Regimento Interno do TCU dedica um Título especificamente às medidas cautelares, além de prever sua competência no art. 1º, inciso XVII, considera-a como matéria de urgência com tramitação especial (art. 159 do RI), podendo ser adotada inaudita altera pars, determinando entre outras providências a suspensão do ato ou do procedimento até que o Tribunal decida sobre o mérito da questão (art. 276 do RI). Neste caso admite o recurso de agravo em face da decisão que adotou a medida cautelar e que seja desfavorável à parte (art. 289).

Entretanto, a tutela cautelar não se encontra regulada no mesmo grau de detalhamento como se tem no Direito Processo Civil. Neste, a medida cautelar é típica do processo cautelar, um terceiro gênero, ao lado do processo de conhecimento e de execução. Nesse particular, devem constituir processo autônomo instaurado antes ou durante o processo principal ao qual refere e tem por objetivo a preservação do bem jurídico litigioso até final sentença, diante da existência de um risco iminente e fundado.

Os requisitos para a concessão da medida cautelar são: o fumus boni iuris, o periculum in mora e o periculum in mora inverso, além de requisitos, constituem o mérito da ação cautelar. A medida cautelar é concedida em razão desses elementos. O direito material discutido no processo principal só importa para verificar o direito à cautela, à proteção processual da pretensão instada no processo principal. Assim, um pedido juridicamente impossível não merece cautela porque não merece processo, da mesma forma a ausência de interesse ou de legitimidade.

Representa o fumus boni iuris o direito de a parte ver a sua pretensão amparada em um processo principal. O fumus boni iuris consiste na aparência do direito que se desprende de uma ação a ser intentada ou em curso, no sentido de verificar a existência do direito de ação. Representa bem essa expressão os ensinamentos o Prof. Theodoro Júnior1

O periculum in mora deve estar representado pelo fundado receio de que o bem jurídico controvertido encontra-se diante de um risco que poderá implicar lesão de impossível ou de difícil reparação. Tal situação constitui condição necessária, ainda que não suficiente, para o eventual deferimento da medida vindicada.

O dano do qual receia o requerente não deve ser apenas possível, uma vez que possível é tudo o que pode vir a ocorrer no cotidiano, incluindo-se as excepcionais. O dano deve ser provável, baseado em fatos positivos que possam traduzir o fundado receio da sua ocorrência.

Tem-se por fundado perigo de dano à plausibilidade do receio em que o interesse processual não se encontrará suficientemente protegido de forma a que, ao se obter a composição do litígio, a sentença não alcance seu resultado útil no processo, diante da concretização do dano receado.

1 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 20ª ed. São Paulo : Universitária de Direito, 2002. p. 82.

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Por fim, deve estar demonstrado que o deferimento da medida cautelar não implicará em risco para a parte que a deverá suportar. Deve consistir na verificação da possibilidade da ocorrência do grave risco de dano irreparável ou de difícil reparação para o réu, em decorrência da eventual concessão da medida cautelar.

O requisito do periculum in mora inverso vem sendo reconhecido pelos tribunais, conforme Acórdão2 do Tribunal de Justiça do Paraná.

A medida cautelar é autônoma, com fundamentos, pedidos e propósitos distintos da lide principal, razão pela qual deve ser tratada em autos apartados ao processo principal. Em razão de ser medida provisória, pode ser revista a qualquer tempo, desde que alterada as questões de seu mérito. É concedida mediante processo constituído por petição inicial, contestação, assegurando o contraditório, instrução e julgamento com sentença que põe fim ao processo cautelar.

A apelação em face da sentença que decide o processo cautelar será recebida apenas em seu efeito devolutivo (art. 520 do CPC), não dispondo do efeito suspensivo, portanto. A decisão em processo cautelar pode subsistir até o trânsito em julgado da decisão no processo principal, quando perde o seu objeto, ainda que contrária ao autor que a requereu.

A pretensão à segurança cautelar pode ser em razão de um processo de conhecimento ou de execução. A medida cautelar pode ser concedida em sede de liminar, por conseqüência, antes da oitiva do réu, quando verificar que este, sendo citado, poderá torná-la ineficaz (art. 804 do CPC).

Em tempo, cabe lembrar que medida liminar é decisão temporal, refere-se ao momento processual initio litis. É impróprio empregar o termo liminar a uma decisão concedida após a citação do réu, o conceito de liminar está associado ao momento processual em que se aplica a medida. Considera-se liminar a medida concedida no início do processo. São liminares o indeferimento da inicial, o despacho que determina a citação e todas as que antecedem a manifestação do demandado. A respeito dessa abordagem expressam esse entendimento as lições do Prof. Fabrício3.

Além da tutela inibitória e da tutela cautelar como forma de tutelas diferenciadas, tem-se a antecipação de tutela como o provimento jurisdicional tendente a conceder, antecipadamente, os efeitos da tutela pretendida, existindo elementos autorizadores para sua concessão (art. 273 do CPC).

A antecipação de tutela funda-se na verossimilhança da alegação combinada com o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou o caracterizado abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu (incisos I e II, do art. 273, do CPC).

São raros os casos de antecipação de tutela nos processos dos TC's, em razão de sua jurisdição e competência. Se tomarmos o processo de aposentadoria como um ato complexo, envolvendo atos da autoridade e a atividade de registro por parte dos TC's, poder-se-ia considerar a sua concessão pela autoridade competente como uma antecipação de tutela, haja vista estarem presentes a verossimilhança da alegação e o perigo da demora de conclusão do ato, pela ausência da concessão do benefício.

2 BRASIL, Tribunal de Justiça do Paraná, 6ª Cam.Civel. Agravo de Instrumento nº 0110728-8. Rel. Des. Antônio

Lopes de Noronha – DJ PR 24.06.02 3 FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Breves notas sobre provimentos antecipatórios, cautelares e liminares. Revista

AJURIS v. 23, n. 66, mar 1996. p. 13/14

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Entretanto, não são raros os casos de tutela cautelar. Estão presentes nas situações em que os TC's devem agir em razão da urgência e para assegurar o resultado útil do processo. São exemplos a suspensão de editais de licitação, de editais de concursos públicos e outras atividades da Administração Pública que ponham em risco determinado objeto de fiscalização, diante da existência de fatos indicativos de irregularidades.

O mesmo ocorre com a tutela inibitória. Neste caso, a Administração Pública é instada a se abster da prática de determinado ato diante de fatos indicadores de que provavelmente um ato irregular será praticado. Ao decidir a Corte, a irregularidade ainda não foi praticada, mas, dos fatos colhidos resulta conclusão de que provavelmente o ato considerado irregular será praticado.

São exemplos: a ampla publicidade sobre a pretensa realização de ato que os TC's consideram irregular, despesas sem legislação que as autorizem, atos que indiquem a execução de despesa sem prévio empenho, atividade continuada considerada irregular, ajustes com entidades em situação irregular, atos que indiquem pela assinatura de contrato sem a regular, exigível e indispensável licitação e a concessão de benefícios irregulares em andamento, inclua-se aqui a renúncia de receitas.

Entre as tutelas diferenciadas são sutis as diferenças, tornando em alguns casos de difícil percepção. As distinções existem, mas não são essenciais. A tutela inibitória, a tutela cautelar e a antecipação de tutela são espécies do gênero tutelas de urgência ou tutelas diferenciadas. O importante é que a providência seja adotada diante da ocorrência de seus pressupostos.

Entretanto, todas elas têm em comum o dever da prestação jurisdicional e o risco fundado. Para a tutela inibitória há que se verificar a probabilidade da ocorrência do ato e da sua ilicitude. Para a tutela cautelar, o fumus boni iuris, o periculum in mora e o periculum in mora inverso, e por fim, para a tutela antecipada a verossimilhança da alegação, podendo substituir o periculum in mora pelo abuso do direito de defesa ou o pelo manifesto propósito protelatório do responsável, nos termos da experiência do Direito Processual Civil.

CONCLUSÕES

A Constituição Federal, ao atribuir aos Tribunais de Contas o exercício do controle externo, a cargo do Legislativo, sobreveio-lhe o poder-dever de função jurisdicional como via fundamental para a proteção do patrimônio público e da regularidade dos atos administrativos, mediante julgamento de contas, registro e fiscalização de atos da Administração e, dessa forma, poder para inibir a prática de atos lesivos aos bens e direitos do Estado.

A realização dessa competência perfaz-se mediante processo administrativo, como instrumento para o exercício de suas atribuições, com o julgamento de contas e a fiscalização da Administração Pública. O processo tem por base o procedimento administrativo, o qual, por sua vez requer tempo, por exigir a participação dos órgãos públicos, dos responsáveis e da atividade do próprio Tribunal para a conclusão do feito.

Esse tempo, associado a um risco objetivamente fundado, em regra criado por responsáveis, por terceiros ou pelas circunstâncias, podem ser razões para a existência de um perigo de dano de impossível ou de difícil reparação a determinado bem jurídico merecedor de tutela, passível de ocorrer antes ou no curso do processo. Essa situação desafia a necessidade de prevenir ou afastar tal perigo.

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Nesse contexto, o ideal do controle externo viria a ser a imediata sustação do ato irregular, inibindo a ocorrência de prejuízos, e, não sendo possível evitá-lo, a exemplar punição do faltoso, a pronta recomposição do ato inquinado e a devida reparação do prejuízo causado.

Mas, nem sempre tal providencia pode ser realizada com a rapidez desejada, porque o fato precisa ser apurado, mediante inspeção ou auditoria, e a Administração precisa ser ouvida. Ademais, concluída a coleta de dados e informações, estas precisam ser objeto de tratamento adequado, da forma como se procede na pesquisa científica, organizada de modo a se colher delas informações corretas, seguras e consistentes, de modo a identificar, mediante análise, a norma aplicável ao fato com que se depara. De toda a forma, o trabalho investigativo, ainda assim, é insuficiente para esgotar o conhecimento completo da questão, mas deve ser o suficiente para reunir informações que conduza a uma opinião fundamentada.

De outro lado, a Administração deve ser chamada a oferecer informações e o responsável a apresentar razões de justificativa ou defesa. Além do mais, incidentes processuais ocorrerem, com gastos de tempo, dilatando a chegada da decisão.

Exarada a decisão, tem-se em seguida a fase recursal. Depois dela é que terá lugar a sua execução, às vezes já prejudicada pelos fatos que o próprio tempo incumbiu-se de manejar, uma vez que, enquanto dura o processo, variados eventos podem acontecer às pessoas que com ele se ligam ou às coisas sobre que versa. Os bens objeto do processo estão sujeitos a ser alienados, onerados, desviados, ocultados, danificados, destruídos ou simplesmente perecer.

E quando chegasse a hora de atuar o processo no mundo exterior, de saltar a decisão do bojo dos autos para se fazer lá fora a efetivação, de realização, talvez já não mais houvesse como e onde se exercer o que o julgado acertou e determinou.

Para obviar a isso, isto é, aos males que o tempo traz ao processo, três grandes institutos do Direito Processual Civil são merecedores de atenção: a tutela inibitória, a antecipação de tutela e a tutela cautelar.

Renomada doutrina tem defendido a unificação dos institutos por considerá-lo com tal semelhança que estão a gerar inúmeras divergências na sua identificação e aplicação na lide. Não são raros os casos de dúvida fundada sobre os pedidos, se consistem em tutela antecipada ou tutela cautelar, ou mesmo se merecedores ou não de medidas liminares e quais são as suas condições.

Para isso, os institutos e seus procedimentos devem restar claros e com atuação eficiente de modo a realizar a paz social, mediante os instrumentos adequadamente formulados.

A sistemática jurídica atual reivindica segregação de funções processuais para se alcançar pretensões distintas, mediante atuação de processo diante das diversas situações que se apresentam. As exceções devem ser mantidas na forma expressa em lei, como se tem feito atualmente.

Ainda assim, com toda a boa técnica aplicada, tal tecnicismo não deve ser construído no sentido de restringir as funções do julgador, senão ao mínimo necessário a permitir a boa condução do processo. Ao contrário deve ampliá-las, porque não há norma que substitua a inteligência humana.

O processo cautelar tem exercido, no âmbito do Processo Civil, um papel relevante de equilíbrio na situação jurídica entre as partes que procuram o judiciário para a solução

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de seus conflitos. Nessa função, vem tratando vigorosamente da proteção processual da lide principal, fazendo valer sobre as partes providências temporárias de sua regulação, sobrepondo-se ao direito material interveniente.

A introdução dos institutos referentes às tutelas diferenciadas no Direito Processual Civil, constituiu um avanço considerável no ordenamento jurídico pátrio. Entretanto, na análise de situações concretas, tem-se apresentado dificuldades para a distinção em enquadrar a medida em um ou outro instituto, bem como estabelecer a melhor forma de sua aplicação.

Essa dificuldade se reflete nas demais áreas do Direito Processual, notadamente no Processo Administrativo, com peculiaridades próprias e, às vezes, inconciliáveis com as demais.

Nas reflexões desenvolvidas no presente trabalho, não se pretendeu esgotar o tema e tampouco a análise, mas simplesmente trazer a tona algumas meditações sobre a possibilidade de aplicação de institutos já instalados no Direito Processual brasileiro.

Para isso, pode-se ter como paradigma a sistemática processual adotada no segmento Cível, segregando o procedimento comum dos procedimentos de urgência ou de tutelas diferenciadas. Tal tratamento permite que o processo cumpra a sua função, sem a preocupação com os riscos a que estão envolvidos os bens jurídicos sob julgamento.

O tratamento diferenciado para as situações de urgência face ao processamento do exercício regular da função de controle externo, conciliada com a proteção adequada ao bem objeto desse controle, é instrumento de grande valia para assegurar a eficácia da decisão a ser exarada ao final processo.

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LICITAÇÃO - ASFALTO BORRACHA*

Giovana Maria Pires Vieira Técnica de Finanças e Controle Externo TCDF

Este trabalho se refere à Concorrência Internacional nº 007/2003, a ser realizada pelo DER/DF, para execução de obras de engenharia e de restauração das rodovias DF-002 (Eixo Rodoviário), DF-007 (EPTT) e DF-047 (EPAR), com extensão total de 19,20 Km, com a utilização de asfalto borracha (ecológico). A abertura da licitação está programada para 27.08.2003. Será dividida em dois lotes, sob o regime de empreitada por preço unitário, do tipo menor preço, no valor estimado de R$ 20.458.451,64 (vinte milhões, quatrocentos e cinqüenta e oito mil, quatrocentos e cinqüenta e um reais e sessenta e quatro centavos).

Nesta oportunidade, procedemos à análise do edital de licitação em referência, consoante as disposições legais contidas no Estatuto das Licitações e Contratos (Lei nº 8.666/93).

Inicialmente, considerando que o uso da tecnologia de emprego do asfalto de borracha é recente, foi necessário realizar uma pesquisa sobre suas propriedades, fabricação, emprego, distribuição, vantagens e custo-benefício em relação ao asfalto convencional, de forma a subsidiar os trabalhos não só desta unidade técnica, mas de dotar o Plenário de elementos consistentes para o julgamento da matéria.

Além das noções trazidas pelo Engenheiro Paulo Gontijo em palestra proferida no auditório desta Corte no dia 11.08.03, iniciamos a pesquisa do assunto pela Internet1, quando obtivemos as primeiras informações sobre o que é o asfalto de borracha e sua utilização pelas concessionárias de rodovias brasileiras privatizadas. Junto ao Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - DNIT2, conseguimos a notícia de que ainda não foram realizadas licitações com o uso desse material na área federal, estando em fase de estudo pelo Instituto de Pesquisas Rodoviárias (IPR) daquele órgão. O sistema SICRO 23 igualmente não possui cotação de preços para o asfalto de borracha, tendo sido juntadas aos autos apenas as cotações referentes ao asfalto convencional – ref. Maio/2003.

Continuando a pesquisa, no site da Petrobrás encontramos uma matéria sobre o asfalto borracha fabricado e lançado no mercado pela BR Distribuidora com o nome de Capflex-B. Foram feitos contatos com a empresa e apresentados alguns questionamentos, prontamente respondidos pela área técnica, que nos enviou farto

* Tese apresentada no Precesso-TCDF nº 1.339/03 aprovada pela Decisão nº 4.367/03. 1

Consulta aos seguintes sites: www.ces.clemson.edu/arts/faq.html www.br.com.br/portalbr/calandra.nsf www.construsite.com.br/o_empreiteiro/fevereiro2003/materiais/Rodovias/rodovias.html www.cargaecia.com.br/arquivo/maio2003/index_tendencias.php www.rubberpavements.org www.dnit.gov.br/ipr/rog_a_licitar.htm www.crea.rs.org.br/jornal/69/geral_09.htm www.abrati.org.br/pub/revista/materia.asp 2.

www.dnit.gov.br 3

Sistema SICRO 2 – Sistema de Custos Rodoviários, informativo região centro-oeste – maio 2003.

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material explicando todo o processo de fabricação, distribuição, aplicação e preço do asfalto borracha produzido por aquela estatal e comercializado no Brasil. Consultamos, ainda, a Centro-Oeste Asfaltos e, em inspeção no DER. solicitamos esclarecimentos técnicos complementares sobre o Edital em apreciação.

Da análise desse significativo material, fazemos as seguintes considerações gerais sobre o asfalto borracha:

O QUE É: O asfalto borracha é um asfalto modificado por borracha moída de pneus. Além de ser uma forma nobre de dar destino aos pneus inservíveis, resolvendo um grande problema ecológico, o uso de borracha moída de pneus no asfalto melhora em muito as propriedades e o desempenho do revestimento asfáltico.

COMO APLICAR: É aplicado por equipamentos convencionais de pavimentação.

ONDE APLICAR: É recomendado para aplicações que requeiram do ligante asfáltico um desempenho superior, alta elasticidade e resistência ao envelhecimento, tais como revestimentos drenantes, SMA (Stone Mastic Asphalt), camadas intermediárias de absorção de tensões, camadas anti-reflexão de trincas e outras

VANTAGENS: Alta elasticidade; alta resistência ao envelhecimento; alta coesividade; excelente relação custo/benefício; melhor comportamento em altas e baixas temperaturas e maior flexibilidade. Também se verifica a redução do efeito spray nos dias de chuva, redução do nível de ruídos e maior aderência pneu-pavimento.

PROCESSOS: Via seca (dry process) requer que a borracha moída seja misturada aos agregados previamente à mistura com o asfalto.

Via úmida (wet process) requer que a borracha moída seja misturada ao asfalto quente previamente à mistura do asfalto com os agregados.

O processo de incorporação da borracha ao asfalto, por via úmida (WET

PROCESS), especificado no edital, pode dar-se de duas formas:

1º - NO PARQUE INDUSTRIAL DA EMPRESA:

Ex. 1 - PETROBRÁS:

O processo de incorporação da borracha é realizado em unidades industriais, em reatores pressurizados e com controle de temperatura, processo este consagrado mundialmente. Devido à incorporação ocorrer dentro de uma planta industrial, todas as variáveis do processo são muito melhor controladas do que em uma mistura feita em canteiro de obras ou usinas4. O asfalto de borracha é posteriormente transportado até a usina de asfalto por meio de carretas apropriadas para tal, providas de misturadores horizontais em toda a sua extensão movidos por motores especiais (propulsor e hidráulico) com caixa de transmissão. Possuem também serpentinas especiais para suportar aquecimentos a temperaturas elevadas de forma contínua e adequada para seu transporte, de forma que o ligante possa chegar à usina de asfalto pronto para a sua usinagem com o CAP 20 (massa asfáltica final). Esses veículos são de propriedade da

4

Fonte: Petrobrás

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transportadora, cujo frete já se encontra embutido no preço final do produto. Essa tecnologia nacional foi desenvolvida pela Petrobrás no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Leopoldo A. Miguel de Mello (CENPES), já tendo sido comercializados 2.000 t. de CAPFLEX-B (asfalto borracha). Este já foi aplicado nos seguintes trechos:

SP 75 Rodovia Santos Dumont – 800 m. Massa Asfáltica tipo SMA;

Acesso ao aeroporto do Galeão Rio de Janeiro/RJ – 350 m – Massa Asfáltica tipo CBUQ faixa C-DNIT;

SP-191 Concessionária Intervias – 1600 m – Massa asfáltica com granulometria descontínua (GAP GRADED);

Avenida L4 sul, Brasília-DF – 400 m de tratamento superficial duplo;

Rodovia Anhangüera SP 330, Araras/SP a Rio Claro /SP – 3.300m (GAP GRADED);

SP 147 – Concessionária Intervias Limeira/SP e Engenheiro Coelho/SP 10.000m (GAP GRADED).

Ex. 2 - CENTRO-OESTE ASFALTOS

Também fabrica o produto em sua planta em Igarapé-Minas Gerais, a 26 Km da refinaria Gabriel Passos, sob a denominação de CAPBORRACHA5. O transporte é feito por carretas térmicas, com dispositivo para aquecimento e circulação do produto com entrega no local da obra. A capacidade de produção diária é de 150 t. Já foram realizados os seguintes trechos:

06 (seis) km na BR251-GO

70 Km na BR 070 (em execução)

trecho experimental de 1 Km na Av. das Nações, Brasília – DF

2º - NA PRÓPRIA USINA DE ASFALTO (IN LOCO) – WET PROCESS

Edital do DER

O processamento do ligante pode ocorrer na própria usina de asfalto convencional, por meio de equipamentos sofisticados de tecnologia estrangeira e instalados no canteiro de obra. Ainda não foi testada em nenhuma obra no Brasil, embora largamente utilizada, em especial, nos EUA. Portanto, as empresas brasileiras não realizaram obra com esta tecnologia específica de processamento do asfalto borracha in loco. O edital de licitação assim dispõe sobre o citado processamento:

a) a borracha granulada deve vir condicionada em embalagens de transporte e o dispositivo para a sua distribuição e adição ao ligante asfáltico de constituição deve ser dotado de sistema eletrônico de pesagem, com emprego de células de carga, capazes de proporcionar a dosagem correta da quantidade de borracha preconizada para a constituição do asfalto modificado com borracha (AMB);

b) numa primeira etapa, a ser realizada junto à usina de asfalto instalada no canteiro de obras, a mistura do ligante asfáltico com borracha reciclada deve ser obtida a partir da aplicação de uma energia mecânica capaz de promover uma perfeita miscigenação do asfalto com borracha. O dispositivo de misturação, para além de apresentar elevada potência cisalhante, deve ser hermeticamente acondicionado,

5

Fonte: Centro Oeste Asfaltos

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de forma a propiciar a elevação da temperatura do asfalto-base até cerca de 200 a 210º sem que se processe perda das qualidades originais do ligante asfáltico;

c) em uma segunda etapa, também a se processar junto à usina de asfalto instalada no canteiro de obras, deve se processar a modificação físico-química do cimento asfáltico de constituição pela incorporação de borracha reciclada através de reação por aquecimento (fusão), a ser obtida à temperatura da ordem dos 200-210ºC. Esta operação de modificação das características reológicas do asfalto-base através de sua fusão a quente com borracha reciclada de pneus, traduzida por reação química capaz de garantir a fixação dos maltenos componentes das frações voláteis e aromáticas do CAP; deve ser ainda auxiliada por um sistema de agitação mecânica com tempo de atuação não inferior a 45 minutos;

d) o novo ligante (asfalto modificado com borracha) deve ser armazenado sob condições especiais a temperaturas elevadas (185 a 190º); para a transferência direta do AMB para a usina de asfalto deve se dispor de um sistema servo-hidráulico compatível com a viscosidade do AMB, com potência ajustável eletronicamente de forma a permitir a injeção prevista na mistura asfáltica final. (grifo

nosso)

O edital do DER especifica o produto asfalto modificado de borracha – AMB - pelo wet process e de acordo com a norma da AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS – designação D-6114-97, de onde foram extraídos para integrarem o edital os requisitos para o ligante asfáltico modificado com borracha. É de se destacar que essa norma americana estabelece a especificação do produto em questão, porém em nenhum momento destaca que o seu processamento deve-se dar no local da obra, conforme exigência do edital em apreço. Destaca sim, as propriedades finais que o asfalto borracha deve atingir por meio de ensaios. Não existe norma técnica brasileira dispondo sobre o assunto.

Importante registrar que, a despeito dos diferentes processos de fabricação do ligante, na fábrica ou no local da usina de asfalto, os estudos técnicos realizados, bem como as informações prestadas pelas empresas consultadas, apontam para a assertiva de que o processo de incorporação da borracha ao asfalto, por via úmida (wet process) realizado no parque industrial das empresas que o efetivam, atende ao controle de qualidade exigido como resultado final da obra para o asfalto-base. Ou seja, os seus respectivos ligantes asfálticos modificados com borracha (capflex-B e capborracha) atendem aos mesmos requisitos técnicos do produto AMB wet process ASTM 6114 especificado pelo DER. Mais, as empresas sondadas afirmam que suas escalas de produção estão aptas a fornecer de imediato o quantitativo de material exigido no edital no prazo estipulado.

Outro fator a ser analisado diz respeito ao custo de cada um desses ligantes.

DER

Produto: AMB Wet process ASTM 6114 Preço: R$ 2.623,00/ t (ref. Edital = maio de 2003) Obs. Incluso custo do equipamento para produção do ligante na obra.

PETROBRÁS

Produto: CAPFLEX-B Preço: R$ 1.534,08/ t (preço de tabela – 18/08/03) Obs. Incluso frete, posto Brasília.

CENTRO-OESTE ASFALTOS

Produto: CAPBORRACHA Preço: R$ 1.580,00/t (preço de tabela- 18/08/03) Obs. Incluso frete, posto Brasília.

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Da análise dos citados processos de fabricação do ligante, a questão primordial concentra-se na diferença de seus preços. O asfalto borracha já processado pode ser encontrado ao preço de R$ 1.534,08/ t. (Petrobrás - 18.08.03). O mesmo produto processado em obra está cotado no edital a R$ 2.623,00/t. Assim sendo, a cotação do DER é 70,9% maior do que a da estatal brasileira.

Considerando-se as tabelas de fornecimento de materiais betuminosos, constata-se a seguinte situação:

Processamento do ligante na obra

Lote 1 - Balão do aeroporto- rodoviária Preço do lote: R$ 10.093.564,44 (fl. 100) Ref. Maio de 2003

SERVIÇO UNID. QUANT. PREÇO UNIT. TOTAL % S/ PREÇO

DO LOTE

AMB WET

PROCESS ASTM 6114

t 2.011,840 2.623,00 5.277.056,32 52,2

Processamento do ligante na obra Lote 2 - Rodoviária- Balão do Torto Preço do Lote: R$ 10.364.887,20 Ref. Maio de 2003

SERVIÇO UNID. QUANT. PREÇO UNIT. TOTAL % S/ PREÇO DO LOTE

AMB WET PROCESS ASTM 6114

t 2.086,230 2.623,00 5.472.181,29 52,7

Ligante da Petrobrás Lote 1 - Balão do aeroporto- Rodoviária Preço do LOTE: R$ 7.902.831,62 Ref: 18/08/03

SERVIÇO UNID. QUANT. PREÇO UNIT. TOTAL % S/ PREÇO DO LOTE

CAPFLEX-B t 2.011,840 1.534,08 3.086.323,50 39

Ligante da Petrobrás Lote 2 - Rodoviária- Balão do Torto Preço do LOTE: R$ 8.183.149,62 Ref: 18/08/03

SERVIÇO UNID. QUANT. PREÇO UNIT. TOTAL % S/ PREÇO DO LOTE

CAPFLEX-B t 2.086,23 1.534,08 3.200.443,71 39

Das tabelas acima, verifica-se que substituindo o preço do ligante da Petrobrás nos dois orçamentos do DER, permanecendo inalterados os demais itens, resultaria a licitação no preço global estimado de R$ 16.085.981,24, representando 27% a menos que o preço constante do edital de R$ 20.458.451,64.

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Salientamos, ainda, o DER não demonstrou a composição de custos do preço do ligante AMB WET PROCESS ASTM 6114, no valor de R$ 2.623,00/t. Foi argumentado apenas que esse valor originou-se da aplicação do percentual de 80 a 90% sobre o CAP 20 e que essas referências de custos para o AMB foram buscadas junto ao DNIT. No entanto, essa informação quanto à fonte de referência, além de não ter sido comprovada, não procede, pois foi levantada por esta Divisão Técnica a inexistência de qualquer cotação no Sistema SICRO II/DNIT do referido material. Ademais não foi encaminha a proposta de preços da empresa que atendeu ao pedido do DER.

É de se ressaltar que, independente do processo de fabricação do ligante, os processos de usinagem (adição do ligante ao CAP20) e aplicação do asfalto borracha utilizam basicamente os mesmos procedimentos e equipamentos do asfalto convencional, com as adaptações já previstas no edital. Assim, qualquer empresa que tenha capacidade técnica adquirida em obras de pavimentação com asfalto convencional e que tenha capacidade operacional para atender ao porte da obra em questão poderia participar dessa licitação, não fosse a obrigatoriedade de se processar o ligante na obra, como especificado no edital. Citamos como exemplo desse procedimento a Concessionária de Rodovias Intervias, que tem adquirido o ligante (capflex-B e Ecoflex-A) no mercado brasileiro e utiliza usina de asfalto de empresa de pavimentação nacional para o seu processamento e aplicação. A diferença entre esse procedimento e o disposto no edital está na opção da empresa em adquirir o ligante já pronto e a partir daí adicioná-lo ao asfalto convencional para sua aplicação. Ao optar pela aquisição do ligante em mercado próprio, a Concessionária mencionada se desonerou da aquisição de equipamento estrangeiro para fabricação do ligante in loco, reduzindo e otimizando os recursos financeiros para a conservação das rodovias. Considerando que o produto final, asfalto borracha, atinge a mesma característica, ou seja, alcança as mesmas propriedades especificadas na já mencionada norma americana traduzidas para o edital do DER, o que definirá a opção do adquirente do serviço de restauração de pavimentos com a utilização do asfalto borracha, por um ou outro processo, será a disposição em diminuir ou não o seu custo/ Km pavimentado.

Feitas estas considerações técnicas, importante reforçar que o asfalto de borracha é uma tendência mundial com forte apelo em termos de preservação ambiental.

O DER exaltou as vantagens técnicas, econômicas e ambientais do asfalto borracha. No entanto, ao afirmarem que a tecnologia de fabricação do asfalto borracha é ainda incipiente no Brasil, desconsideram o atual estágio de desenvolvimento tecnológico das indústrias nacionais que atuam na área, pois verifica-se que as empresas brasileiras consultadas, Petrobrás e Centro-Oeste Asfaltos, demonstram ter domínio de tecnologias próprias de incorporação da borracha ao asfalto e que já se encontram operando com êxito no mercado junto às empresas privadas, em especial as concessionárias de rodovias. Apenas no setor público pode-se falar no pioneirismo do emprego de asfalto borracha modificado para pavimentação. Quanto à questão de sua aplicação, a metodologia segue a do asfalto convencional qualquer que seja a forma de processamento do ligante, como já explicado.

Não obstante, quanto aos aspectos legais e técnicos que envolvem a presente análise, entendemos que a especificação de um único processo de fabricação do ligante, na forma disposta no edital, impedirá a participação de empresas licitantes nacionais ou estrangeiras que não estejam dispostas a mobilizar recursos para a aquisição dos equipamentos de alto custo necessários ao processamento do ligante na própria usina de asfalto convencional, mas que optem pela aquisição do ligante na forma processada, disponível no mercado nacional, produzindo o mesmo resultado

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final de asfalto borracha, a despeito do local de sua fabricação. Ademais, os preços do asfalto borracha pesquisados junto à Petrobrás e Centro-Oeste Asfaltos demonstram, inclusive, que essa opção poderá reduzir o custo final da obra sem prejuízo da qualidade do asfalto, vez que não serão computadas nos orçamentos as despesas com a importação do equipamento ―sistema servo-hidráulico‖ para a transformação do asfalto na obra. Assim, entendemos que o DER deve retirar do edital toda referência à forma como o ligante deverá ser processado, por ser irrelevante para a qualidade final do objeto do contrato, ou se preferirem, acrescentar a possibilidade de aquisição do ligante já processado no mercado, além do fabricado in loco, permanecendo como especificação as propriedades finais desejadas para o asfalto, a serem comprovadas pelos ensaios de prova já previstos no edital.

Outro ponto a ser analisado no edital diz respeito à exigência de habilitação relativa à qualificação técnica. O edital faz as seguintes exigências:

3.5.1.3 Habilitação relativa à qualificação técnica

(...)

c – Comprovação do Responsável Técnico da licitante ter executado a qualquer tempo, serviços de obras rodoviárias (ou de obras similares) compatíveis com o objeto da licitação, através de certidão(ões) e/ou atestado(s), em nome do próprio RT, fornecido por pessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente regularizados no CREA, conforme legislação pertinente em vigor, obedecendo, para as parcelas de maior relevância, que deverão estar explicitadas conforme constante a seguir para cada lote:

Lotes 1 e 2

1. Pavimentação;

2. Execução de pavimentação com aplicação de Membrana Intermediária de Tensões – (MIAT), fabricada com asfalto modificado em borracha (AMB) atendendo à especificação ASTM-D-6114/97(2002);

3. Execução de pavimento com Concreto de Asfalto-Borracha Usinado a quente (CABUQ) com granulometria aberta com ou descontínua composto em asfalto modificado com borracha (AMB) atendendo à especificação ASTM-D-6114/97 (2002).

d- Comprovação da licitante ter executado, a qualquer tempo, serviços de obras rodoviárias (ou de obras similares) compatíveis com o objeto desta licitação, através de certidões ou atestados, em nome da própria licitante, fornecido por pessoas jurídicas de direito público ou privado, devidamente regularizados no CREA, conforme legislação pertinente, para todos os serviços listados a seguir, as quantidades mínimas (sendo que no(s) atestado(s) deverão constar a execução de todos os serviços listados na tabela seguinte), que deverão estar explicitadas conforme constante da lista a seguir:

Item 1 2 3

Lote Fabricação de ligante asfáltico modificado com borracha (AMB) por via úmida(WET-PROCESS)-ASTM-D-6114/97(2002) (t)

Execução de pavimento com membrana intermediária de absorção de tensões com uso de asfalto modificado com borracha (AMB) por via úmida (wet process)-ASTM-D-6114/97(2002) m

2

Execução de pavimento com concreto de asfalto-borracha usinado a quente com granulometria aberta e/ou descontínua.CABUQ (m

3)

1 1005 42096 1254

2 1043 43263 1305

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d1- Nos atestados de CABUQ com quantidades em tonelada, caso não conste o peso específico, será adotado o valor de 2,1 t/m3 para o CABUQ com granulometria aberta e será adotado o valor de 2,3 t/m3 para o CABUQ com granulometria descontínua.

d2- deverá ser preenchido e apresentado o QUADRO 12, intitulado “Relação dos Serviços Executados pela Proponente Compatíveis com o objeto da Licitação” constante do Anexo VI;

d3 – a(s) certidão(ões) e/ou atestados apresentado(s) deverá(ão) conter as seguintes informações básicas:

Nome do contratado e do contratante;

Identificação do contrato (n.º do contrato e tipo ou natureza da obra;

Localização da obra (rodovia, trecho, subtrecho, extensão);

As quantidades e unidades;

Especificamente os nomes dos serviços indicados no quadro de quantidades mínimas.

e- relação dos principais itens de equipamentos que serão utilizados na execução da obra, conforme exigido na Relação de Equipamento Mínimo constante do Termo de Referência (Anexo III), mediante o preenchimento do Quadro 11 constante do Anexo VI;

f- declaração formal de disponibilidade de instalações e dos equipamentos técnicos adequados para a realização do objeto da licitação, em conformidade com as disposições contidas neste Edital;

g- relação de equipe técnica mínima, conforme constante no Termo de referência (Anexo III), proposta para os serviços e as respectivas fichas curriculares e atestados técnicos dos técnicos de nível superior em conformidade com o QUADRO 13, que se responsabilizarão pelos trabalhos. Será verificada pelo DER/DF a compatibilidade da documentação apresentada com o objeto deste Edital, especialmente no que tange à execução de

obras com concreto de asfalto-borracha usinado a quente (CABUQ) composto com granulometrias aberta e/ou descontínua e com Membrana Intermediária de Absorção de Tensões (MIAT). Os técnicos indicados pela licitante deverão participar da obra objeto desta licitação, admitindo-se a substituição por profissionais de experiência equivalente ou superior, desde que aprovada pela administração;

h- (...)

i- Termo de Compromisso de Fornecimento de Borracha granulada reciclada de Pneus,

que atenda às especificações técnicas constantes nos Projetos de Engenharia e às especificações ASTM-D-97 e ASSHTO-T255, por empresa beneficiadora de borracha, que comprove concomitantemente a capacidade de produção compatível com o objeto e com o prazo de execução previstos neste edital;‖

O DER, em documentação colhida em inspeção às fls. 208/209 fundamenta essas exigências da seguinte forma:

CAPACITAÇÃO TÉCNICA: a tecnologia a ser adotada na obra é inédita no âmbito do DF como também no Brasil. O DER/DF através de sua área técnica vem buscando em todo o mundo informações e especificações para o emprego da tecnologia Asfalto-Borracha, tendo assim, alcançado capacitação para especificar o emprego desta tecnologia em suas obras. Desta forma, na outra ponta do processo será exigido, da empresa que venha a ser contratada, um grau mínimo de experiência e conhecimento da tecnologia. A exigência de qualificação técnica das empresas passa desta forma a ter peso dobrado, em função das exigências do DER/DF no que se refere à qualidade dos serviços e ao atendimento das normas técnicas assim como o ineditismo da tecnologia a ser empregada. O DER/DF deve exigir, s.m.j., a

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experiência anterior da licitante como forma de garantir que esta domina a tecnologia a ser empregada nesta obra.

GARANTIA DE QUALIDADE: a busca pela qualidade deve nortear as ações da

administração pública principalmente quando esta emprega seus recursos. A exigência de execução anterior de serviços semelhantes aos que serão executados nos futuros contratos é uma forma de garantir a qualidade da obra, uma vez que a futura contratada já os realizou em outros empreendimentos, inclusive com quantidade aproximadas, o que garante também que a futura contratada possui capacidade logística para a realização de empreendimentos deste porte. O DER/DF deve exigir, s.m.j., a experiência anterior da licitante como forma de garantir a maior qualidade do objeto a ser contratado, o que conforme já foi mencionado anteriormente é fundamental face ao ineditismo da tecnologia a ser adotada nas obras."

De fato, no Brasil o processamento do asfalto borracha em obra nunca foi utilizado nem mesmo pelo setor privado. Assim, levando-se em consideração essa determinação do edital, as empresas licitantes serão obrigadas a importar esse equipamento e estar aptas a sua operacionalização se quiserem participar do certame e estarão impedidas de apresentar outra solução técnica disponível. Ressalta-se mais uma vez que, após o processamento do ligante, as fases subseqüentes de mistura com o CAP 20 (usinagem do asfalto) e aplicação seguem o padrão convencional. Mas por que essa imposição no edital de se fabricar o ligante in loco, quando essa decisão deve ser do licitante? Esse sim é que deverá avaliar os reflexos de sua opção no seu orçamento, processar o ligante na obra ou comprá-lo pronto no mercado nacional, para atender ao resultado final esperado pelo DER: um asfalto de borracha com determinadas propriedades que atendam ao controle de qualidade especificado no edital. E nesse caso, a escolha será pelo procedimento que lhe possibilite ser a vencedora do certame, com o melhor preço e atendimento de todas as exigências técnicas. Com essa abertura de alternativas técnicas, a administração pública só tem a se beneficiar, pois só assim será atendido o art. 3º da Lei das Licitações.

As exigências de habilitação técnica dispostas no edital implicam que somente empresas e profissionais que já tenham executado obras de pavimentação com asfalto borracha, cujo ligante tenha sido processado na obra, possam participar da licitação. Essa situação de imediato exclui a possibilidade de empresas nacionais que não estejam consorciadas com empresas estrangeiras, ou que não possuam em seus quadros responsável técnico que tenha executado serviço semelhante no exterior, de participarem do procedimento licitatório, pois nenhuma obra pública com essa característica foi realizada em território nacional. Assim, o edital, na prática, só possibilitará a participação de empresas nacionais consorciadas a estrangeiras. Mesmo que alguma empresa brasileira admitisse participar da licitação, o seu preço, por ter que embutir o imobilizado com equipamento, já seria desvantajoso em relação às empresas estrangeiras, que já possuam o equipamento necessário para a execução do ligante no local da obra e que já venham amortizando os custos dessa imobilização ao longo de outras obras realizadas no exterior.

Importante relembrar que, obtido o ligante, qualquer empresa com experiência em pavimentação com asfalto convencional, consolidada no mercado, com estrutura operacional compatível com as características da obra, independente de já ter aplicado anteriormente o asfalto borracha, poderia participar da licitação, pois o processo de mistura deste ligante ao CAP 20 e sua aplicação se dá tal qual no processo convencional, observadas as peculiaridades dispostas no edital. Assim, não faz sentido o DER estabelecer exigências tão restritivas de qualificação técnica impedindo a participação de empresas nacionais, que mesmo que estejam realizando uma primeira obra com a

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aplicação do asfalto borracha, têm plena condição de atender aos resultados pretendidos, especialmente se adquirirem o ligante já processado, possivelmente por um menor preço do que o cotado no edital. Aliás, o produto nacional e a sua aplicação já foram testados pelas concessionárias de rodovias privatizadas, empresas que primam pela qualidade dos serviços e durabilidade do asfalto, pois visam antes de mais nada o lucro.

Assim, como já exposto, considerando que há outras formas de se processar esse ligante, entendemos que além das do me já foi sugerido anteriormente, deve o DER retificar no edital o item 3.5.1.3 Habilitação relativa à qualificação técnica, excluindo qualquer referência à necessidade de comprovação de execução de asfalto borracha e membrana intermediária de absorção de tensões pela empresa ou profissional, e aos quantitativos mínimos inerentes a esse tipo de obra, compromisso de disponibilização de equipamentos e borracha moída para processamento do ligante in loco, pois essa disposições igualmente restringem a participação de empresas nacionais amplamente capacitadas a participarem do processo licitatório.

Do ponto de vista da Lei nº 8.666/93, o edital contraria o seu art. 3º , § 1º em que:

É vedado aos agentes públicos:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato. (grifo nosso)

Jessé Torres Pereira Júnior6 assim define o caráter da norma: O inciso reveste-se de caráter geral por desdobrar-se dos princípios da isonomia (universal) e da competitividade (específico), cuja desconsideração é vedada aos agentes públicos. O que se observa claramente no presente edital é uma preferência por determinado processo técnico para o processamento do ligante em detrimento de outros disponíveis no mercado, fato que é irrelevante para o resultado final da obra, que é o asfalto borracha com determinadas propriedades previamente estabelecidas no edital, e que acaba por restringir o caráter competitivo do certame.

Portanto, conclui-se que se permanecer o edital na forma apresentada, possivelmente ocorrerá o monopólio da execução de qualquer serviço de pavimentação com asfalto de borracha, processado em obra, no Distrito Federal.

Feitas as considerações técnicas e legais, sugerimos ao Tribunal que:

I – tome conhecimento:

a) o edital de licitação da Concorrência Internacional n.º 07/03 e anexos;

b) do resultado da inspeção realizada no DER;

c) dos documentos de fls. 127/233;

II – com fundamento no art. 45 da Lei Complementar nº 01/94, determine ao DER, no tocante à CI em comento, a adoção de medidas imediatas tendentes ao exato cumprimento da lei, consistente na retificação do edital, tendo em vista prever dispositivos que contrariam os termos do art. 3º,§ 1º da Lei nº 8.666/93, quais sejam:

6 JÚNIOR, Jessé Torres Pereira. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública .5ª

ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro, Renovar, 2002, p.56.

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a) retirar toda referência à forma como o ligante deverá ser processado por ser irrelevante para a qualidade final do objeto do contrato, ou se preferirem, acrescentar a possibilidade de aquisição do asfalto borracha já processado no mercado, além do fabricado in loco, permanecendo como especificação as propriedades finais desejadas para o asfalto, a serem comprovadas pelos ensaios de prova já previstos no edital;

b) retificar no edital o item 3.5.1.3 Habilitação relativa à qualificação técnica, excluindo qualquer referência à necessidade de comprovação de execução de asfalto borracha e membrana intermediária de absorção de tensões pela empresa ou profissional, e aos quantitativos mínimos inerentes a esse tipo de obra, compromisso de disponibilização de equipamentos e borracha moída para processamento do ligante in loco, pois essas disposições restringem a participação de empresas nacionais amplamente capacitadas a participarem do processo licitatório;

III - autorize o encaminhamento de cópia desta instrução como subsídio no cumprimento do item anterior;

IV - determine a remessa de cópia do novo edital para análise tão logo sejam feitas as correções;

V - reabra o prazo da licitação nos termos do art. 21, § 4º, da Lei nº 8.666/93;

VI - autorize o retorno dos autos à 3ª ICE para fins de acompanhamento.

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ADMISSÃO DE PESSOAL*

Márcia de Melo Pereira Tiscoski Analista de Finanças e Controle Externo do TCDF

No 2º trimestre de 2003, a 4ª Divisão Técnica da 4ª Inspetoria de Controle Externo realizou inspeção na Secretaria de Fazenda do Distrito Federal para análise dos atos de admissão de pessoal efetuados pelo Decreto de 28.06.2002, decorrentes do concurso público para o cargo de Auditor Tributário da Carreira Auditoria Tributária, integrante do Quadro de Pessoal do DF, normatizado pelo Edital nº 228/93-IDR.

Apesar de o prazo de validade do certame ter esgotado em 07.01.96, a questão da extemporaneidade das nomeações restou superada diante da decisão judicial proferida pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial nº 174.291/DF, que anulara duas questões da prova de Contabilidade. Assim, as nomeações, em 2002, decorreram de nova ordem classificatória do resultado final do concurso público para o cargo de Auditor Tributário, haja vista que a anulação de questões de prova gerou a conseqüente atribuição de pontos a todos os candidatos que não os haviam obtido quando da correção inicial das provas.

Importa trazer à colação a situação de determinado servidor nomeado pelo já citado Decreto de 28.06.02, que, no momento da posse, declarou ser aposentado do Banco do Brasil, percebendo os decorrentes benefícios pela Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil - PREVI.

Tornou-se imperiosa a necessidade de verificar se se tratava de acumulação inconstitucional de benefício previdenciário com a remuneração do cargo de Auditor Tributário, ante as novas regras impostas pela Emenda Constitucional nº 20/98.

In casu, o servidor é beneficiário do INSS, a ele não se aplicando a regra do artigo 37, § 10, da Magna Carta (com a redação dada pela EC nº 20/98), que assim estabelece:

É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

O dispositivo transcrito tornou expressa a proibição de percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do artigo 40 (servidores civis), do artigo 42 (militares dos Estados, Distrito Federal e Territórios) e do artigo 142 (membros das Forças Armadas) com a remuneração de cargo, emprego ou função pública.

O servidor em questão não percebe proventos decorrentes dos artigos 40, 42 ou 142 da CF. Percebe, sim, benefício previdenciário, eis que, quando de sua transferência para a inatividade, operou-se a extinção de seu contrato de trabalho com o Banco do Brasil, desvinculando-se completamente da Administração, a teor do disposto no artigo 453 da CLT. E é a própria Lei Maior que determina sua sujeição ao regime geral de previdência social, de caráter contributivo e em tudo igual ao regime do trabalhador privado, na forma

* Tese apresentada no Precesso-TCDF nº 7.526/93 aprovada pela Decisão nº 3.834/03 e revista pela Decisão nº 6.844/03

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do artigo 201 e seguintes. Repita-se que esses empregados não se sujeitam ao regime previdenciário próprio do servidor público, previsto no artigo 40 da CF.

O empregado público que se aposenta pelo regime geral de previdência social rompe o vínculo empregatício com a Administração, diferentemente do servidor público, que mantém a condição de servidor inativo, embora se afaste do cargo.

O caso ora em estudo refere-se à admissão no cargo público de Auditor Tributário de ex-empregado do Banco do Brasil sujeito às normas celetistas, que, por força de aposentadoria, teve seu contrato de trabalho extinto. A acumulação que se verifica decorre da percepção de remuneração de cargo público com benefício previdenciário, hipótese não contemplada pelo § 10 do artigo 37 da CF. Não se verifica, no caso, percepção simultânea de proventos de aposentadoria (típicos de servidores públicos regidos pela Lei nº 8.112/90) com remuneração de cargo público efetivo.

É oportuno trazer à aplicação o princípio geral de direito segundo o qual exceptiones sunt strictissimae interpretationes, ou seja, as normas que restringem o exercício de direitos devem ser interpretadas restritivamente. Para se chegar às conclusões ora firmadas, foi necessário partir de uma acurada interpretação da tão falada norma acrescentada pela EC nº 20/98 (artigo 37, § 10), por meio da qual não se deve acrescentar restrições onde o legislador não as quis contemplar.

O Colendo Tribunal de Contas da União, em decisão publicada no DOU de 02.07.02 (Decisão nº 295/02), considerou legal concessão de aposentadoria de servidor público que já se encontrava inativado pelo regime geral de previdência social. Considerando decisões judiciais do TJDFT, do TST, do STJ e do STF, o preclaro Relator do feito, Ministro Benjamim Zymler, trouxe fundamentos que aclaram qualquer dúvida que possa advir da interpretação das regras de acumulação previstas na Constituição Federal. Traz-se à baila, a seguir, excerto de seu acertado voto, que contempla situação similar à versada no presente estudo.

(...) ao aposentar-se, o empregado celetista rompe definitivamente os laços que o atavam à Administração e passa a receber benefício previdenciário como qualquer outro trabalhador. Frise-se que esse benefício não decorre do antigo emprego, nem vincula-se diretamente ao salário outrora percebido - como ocorre na hipótese de proventos em relação à remuneração do cargo efetivo. Vincula-se, sim, às regras da Previdência Social, que atingem indistintamente empregados do setor privado ou da Administração Pública. Tanto faz, nesse caso, que o trabalhador, no momento da aposentação, fosse empregado de um ou de outro.

Em sede de Apelação Cível (APC 2000.01.1.030430-4), o TJDFT entendeu pela possibilidade de acumulação de vencimentos de cargo público de professor com benefício de aposentadoria paga pelo INSS a ex-servidor celetista do BANESPA. O respectivo acórdão, abordado no voto do Ministro Benjamim Zymler, fora assim ementado:

Administrativo e constitucional - Cautelar inominada - Acumulação de benefício de aposentadoria paga pelo INSS com os proventos pelo exercício de cargo público - professor da FEDF - Possibilidade.

1. Não há óbice na Constituição Federal ao recebimento de proventos pelo INSS, a ex-servidor celetista, juntamente com vencimentos decorrentes do exercício de cargo, emprego ou função pública exercido junto à Fundação Educacional do Distrito Federal. Sentença reformada para se julgar procedente o pedido cautelar, com a autorização da acumulação de vencimentos e proventos até a apreciação do mérito da ação principal.

2. Recurso conhecido e provido. Unânime.

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O preclaro Ministro transcreveu trecho do voto proferido pela Desembargadora Maria Beatriz Parrilha na citada Apelação Cível, que, com muita clareza, aborda a questão, in verbis:

(...) a Carta Magna, em sua redação primitiva, não estabeleceu óbice à percepção simultânea do benefício da aposentadoria a ex-servidor público pago pelo INSS, e de remuneração pelo exercício de cargo, emprego ou função pública.

Destaco que este entendimento vem reforçado pelo disposto no artigo 37, § 10, da Constituição Federal, com a redação conferida pela EC nº 20/98. A acumulação de vencimentos decorrentes do exercício de função pública com benefício pago pelo INSS a ex-servidor público é admitida.

É inaplicável as normas do artigo 40 da Constituição Federal aos servidores públicos celetistas, submetidos ao regime geral de previdência social estabelecido pelo artigo 201 e seguintes da Carta Federal.

Vale dizer, a vedação constitucional de acumulação de proventos com vencimentos ou salários decorrentes do exercício de cargo, função ou emprego público quando não acumuláveis na atividade, não se estende aos servidores inativos que percebem o benefício da aposentadoria paga pelo INSS.

Ademais, a promulgação da Emenda Constitucional nº 20/98 não tornou prejudicadas tais conclusões. Destas, resultam que o apelante sempre se encontrou em situação regular, no que tange à percepção cumulativa de vencimentos pelo exercício do cargo de professor da FEDF, e de proventos percebidos pelo INSS, que exerceu sob o regime da CLT junto ao BANESPA.

A Emenda Constitucional nº 20/98 acrescentou o § 10 ao artigo 37 (...), sem mencionar as aposentadorias percebidas com base nos artigos 201 e seguintes, todos da Constituição Federal.

Tal circunstância constitui outro argumento em favor da inexistência de óbice constitucional à acumulação de benefício de aposentadoria paga pelo INSS a ex-servidor público com salários ou vencimentos pagos pelo exercício de cargo, emprego ou função pública.

O Ministro Benjamim Zymler acrescenta que:

a expressão "proventos" é sempre usada no texto constitucional para designar o pagamento de aposentadoria decorrente de exercício de cargo público. A Constituição atual, quando se refere ao regime geral, faz uso do termo "benefício". (...) Por certo que o valor da aposentadoria recebida pelo ex-empregado, vinculado ao regime geral de previdência, não guarda relação direta com o posto outrora ocupado, mas somente com os valores do salário de contribuição, como qualquer empregado de empresa privada. Tampouco está sujeito a variação em função de melhorias concedidas aos empregados "ativos".

Além das normas constitucionais de aposentadoria para os servidores públicos previstas no artigo 40, também rege o instituto a Lei nº 8.112/90. Da leitura do normativo, é inequívoco que a expressão 'proventos' refere-se tão somente ao servidor público, que, quando se aposenta, mantém a mesma condição de servidor público, porém aposentado.

Após a EC nº 20/98, é raridade encontrar julgados que se detenham minuciosamente sobre a acumulação de benefício previdenciário com o exercício de cargo público. O Colendo TCU esmiuçou o assunto e concluiu pela licitude de dita acumulação. No âmbito dos Tribunais Superiores, encontra-se jurisprudência sobre a impossibilidade de acumulação de proventos (aqui entendidos como a remuneração do

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servidor público inativo) com vencimentos de cargo público, podendo ser invocada, a título de exemplo, a ementa do AROMS nº 13.123, julgado pelo STJ (DJU de 22.04.03):

Servidor. Agravo regimental. Recurso em mandado de segurança. Aposentadoria. Professora. Acumulação com vencimentos de outro cargo. Emenda Constitucional nº 20/98. Impossibilidade.

- A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, em consonância com o pensamento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, vem proclamando que, nos termos preconizados pela Constituição Federal de 1988, mesmo antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 20/98, é inadmissível a cumulação de proventos decorrentes da aposentadoria em dois cargos públicos com o exercício de outros dois cargos.

- Agravo Regimental desprovido. (os grifos não constam do original)

Infere-se da ementa transcrita que o Judiciário frisa invariavelmente a impossibilidade de acumulação de proventos de aposentadoria de cargo público com o exercício de cargo, emprego ou função pública. Não restou afastada a possibilidade de acumulação de que se cogita no presente estudo.

Sendo assim, impõe-se concluir pela legalidade da admissão do servidor em questão no cargo de Auditor Tributário da Carreira Auditoria Tributária, integrante do Quadro de Pessoal do Distrito Federal, decorrente de aprovação no concurso público normatizado pelo Edital nº 228/93-IDR. Como o servidor não mais mantém qualquer vínculo com o Banco do Brasil, nada impede que exerça o cargo de Auditor Tributário, pois se encontra amparado por regimes de previdência diversos.

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ATOS SUJEITOS À APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS:

APLICAÇÃO DA DECADÊNCIA PREVISTA NA LEI DE PROCESSO

ADMINISTRATIVO

Ângela Alves de Araújo Assessora no TCDF

Resumo da Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília, como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito, sob a orientação da Professora M.Sc. Liliane dos Santos Vieira, e sob co-orientação do Professor M.Sc. Jorge Ulisses Jacoby Fernandes.

No âmbito do Direito Administrativo, a existência de processo estrito senso foi objeto de amplas discussões, que só foram superadas com o advento da atual Constituição Federal.

A presença do processo administrativo nas constituições é recente, sendo que a atual Constituição Brasileira1 é uma das mais ricas nesse tema. As anteriores constituições do Brasil2 faziam referências específicas somente sobre o processo disciplinar.

A atual Carta Magna trouxe orientações gerais sobre o processo administrativo em diversos dispositivos, tais como os artigos 5º, LV, 37, XXI e 41, § 1º, inciso II, sendo o último sobre a garantia à ampla defesa no processo administrativo para perda do cargo do servidor estável, o penúltimo acerca da licitação como processo, e o primeiro que trata a respeito do contraditório e da ampla defesa, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral.

1 BRASIL. Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil. 5. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2003, Art. 41. São estáveis, após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. § 1º O servidor público estável só perderá o cargo: [...] II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa. 2 BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 16 de

julho de 1934. Disponível em: <http://wwwt.senado.gov.br/netacgi...NJUR>. Acesso em: 03 out. 2003, Art. 169. Os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em geral, depois de dez anos de efetivo exercício, só poderão ser destituídos em virtude de sentença judiciária ou mediante processo administrativo, regulado por lei, e, no qual lhes será assegurada plena defesa. BRASIL. Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1937. Disponível em: <http://wwwt.senado.gov.br/netacgi...NJUR>. Acesso em: 03 out. 2003, Art. 156. O Poder Legislativo organizará o Estatuto dos Funcionários Públicos, obedecendo aos seguintes preceitos desde já em vigor: [...] c) os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em todos os casos, depois de dez anos de exercício, só poderão ser exonerados em virtude de sentença judiciária ou mediante processo administrativo, em que sejam ouvidos e possam defender-se;[...]. BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, 18 de setembro de 1946. Diário Oficial [dos] Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 19 set. Disponível em: <http://wwwt.senado.gov.br/netacgi...NJUR>. Acesso em: 03 out. 2003, Art. 189. Os funcionários públicos perderão o cargo: [...] II - quando estáveis, no caso do número anterior, no de se extinguir o cargo ou no de serem demitidos mediante processo administrativo em que se lhes tenha assegurado ampla defesa. BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 24 de janeiro de 1967. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 out. Disponível em: <http://wwwt.senado.gov.br/netacgi...NJUR>. Acesso em: 03 out. 2003, Art. 103. A demissão somente será aplicada ao funcionário: [...] II - estável, na hipótese do número anterior, ou mediante processo administrativo, em que se lhe tenha assegurado ampla defesa. BRASIL. Constituição (1967). Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Diário Oficial da União, 17.10.69. Disponível em: <http://wwwt.senado.gov.br/netacgi...NJUR>. Acesso em: 03 out. 2003, Art. 105. A demissão somente será aplicada ao funcionário: [...] II - estável, na hipótese do número anterior ou mediante processo administrativo, em que lhe seja assegurada ampla defesa.

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O processo existe juridicamente quando há lei que o regulamente, por isso só poderiam ser considerados como processo aqueles disciplinados por leis específicas, como o disciplinar. Poder-se-ia, então, notar que apenas em 29 de janeiro de 1999 foi editada a Lei federal nº 9.7843, a respeito do modo de atuação da Administração em relação aos administrados.

A primeira norma que versou sobre o processo administrativo foi a do Estado de Sergipe, Lei nº 33, de 26 de dezembro de 1996, sendo a seguinte a do Estado de São Paulo, Lei nº 10.177, de 30 de dezembro de 1998. Após, foram editadas a Lei nº 9.784/99, da Administração Pública Federal, a Lei nº 11.781, de 06 de junho de 2000, do Estado de Pernambuco, a do Distrito Federal, Lei nº 2.834, de 07 de dezembro de 20014 e, por derradeiro, a Lei nº 7.692, de 1º de julho de 2002, do Estado do Mato Grosso.

A norma atinente a cada Estado e ao Distrito Federal somente obriga os entes públicos vinculados a estes lugares. A norma federal obriga os entes federais. Acontece, por vezes, que certa norma é recepcionada, assim como aconteceu, no Distrito Federal, com a Lei local nº 2.834/01, que recepcionou in totum a Lei nº 9.784/99, a abrangência da lei será tanto na órbita federal como distrital.

Referida Lei de Processo Administrativo Federal regulou, em seu artigo 54, o instituto da decadência, estabelecendo que, após o prazo de cinco anos, a Administração ficará impedida de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários, salvo comprovada má-fé.

Nada obstante a existência dessa norma e apesar de posicionamento favorável à incidência da decadência dentro dos Tribunais de Contas brasileiros, os mesmos5 se negam à aplicação desse instituto, por haverem entendido que o prazo decadencial se iniciaria após a apreciação das Cortes de Contas, tendo em conta que os atos apreciados são considerados atos complexos.6

O Tribunal de Contas quando aprecia, por exemplo, os atos de aposentadoria, de reforma, de pensão ou de revisão de proventos, estará examinando ato complexo, haja vista que houve manifestação de outra vontade, bem como a decisão de editar o ato e, posteriormente, a decisão de considerar o ato legal ou ilegal resulta em capacidades de decisões autônomas.

Essa vontade se desenvolve em duas etapas: a primeira, no plano da Administração, encerra-se com o deferimento do pleito e a conseqüente expedição do abono provisório ou título de pensão; a segunda tem curso no Tribunal de Contas, que manifesta a vontade tendente ao aperfeiçoamento, consistente no registro.

Assim, se é ato complexo, o Tribunal de Contas participa da formação do ato ao conceder o registro e declará-lo legal. Logo, a apreciação desses órgãos de controle

3

BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Diário Oficial da União, 01.02.99. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9784.htm>. Acesso em: 06 maio 2003. 4 DISTRITO FEDERAL. Lei nº 2.834, de 07 de dezembro de 2001. Recepciona a Lei Federal nº 9.784, de 29 de

janeiro de 1999. Diário Oficial do Distrito Federal, 10.12.01. Disponível em: <http://tcdfnet2/silegispages/ta_02.asp>. Acesso em: 06 maio 2003. 5

Nada obstante pesquisa intensa nos sites de diversos Tribunais de Contas brasileiros, apenas os Tribunais de Contas da União e do Rio Grande do Sul disponibilizaram algumas decisões, contendo matéria pertinente. 6

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul. Recurso de Embargos nº 005288-02.00/00-9. Partes: Nelito Molon e 2ª Câmara do TCE/RS. Relator: Conselheira Terezinha Irigaray. Origem: Secretaria de Educação, Porto Alegre, RS, 24 jul. 2002. Publicado no Boletim 551/02 em 12 de setembro de 2002. Disponível em: <http://www.srv00.tce.rs.gov.br:8081/...Advanced&2.0>. Acesso em: 27 mar. 2003.

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externo significa, ao mesmo tempo, a vontade integradora da validade do ato e controladora do ato antecedente.

Mas se isso é verdade, é um ato complexo sui generis porque não há controlador da segunda vontade. Os demais atos complexos são controlados pelo Tribunal de Contas, que neles participa e controla, como por exemplo, o ato de admissão para preenchimento do quinto constitucional nos Tribunais de Justiça. A lista tríplice é entregue pelo Tribunal de Justiça – a primeira vontade –, ao Chefe do Poder Executivo que nomeará um dos candidatos ali destacados, perfazendo a última vontade.

Esse ato complexo – admissão – pode, em tese, ser apreciado pelo Tribunal de Contas, não havendo órgão controlador dessa vontade.

Isso acontece, nada obstante esse assunto não haver sido ainda abordado pela doutrina, pelo motivo de os Tribunais de Contas terem essa competência delineada na Constituição Federal. Esses atos devem, obrigatoriamente, ter seu destino último voltado para os Tribunais de Contas, tendo em conta serem órgãos com atribuição de verificar a sua regularidade.

Dessa forma, os atos complexos poderiam ser considerados atos sui generis, já que, em tese, os órgãos de controle externo manifestam a terceira vontade, mas essa última manifestação decorre de norma constitucional.

As considerações e os escólios doutrinários, bem como as decisões judiciais e administrativas que serão trazidos à lume visam definir contornos à discussão que se pretende enfrentar sobre a aplicação do instituto da decadência.

O Tribunal de Contas da União7 e o Tribunal de Contas do Distrito Federal8, por exemplo, posicionaram-se no fato de não estarem exercendo função administrativa quando no exercício do controle externo da Administração Pública Federal, especificamente na apreciação da legalidade das aposentadorias, reformas e pensões e, mesmo que estivessem assim desempenhando, não poderia Lei Ordinária restringir ou limitar essa atuação, já que se trata de atividade inerente ao Poder Legislativo.

Outra alegação, contudo, se sobrepõe em termos de lógica jurídica: o Tribunal, guardião da regularidade da despesa pública, não pode ordenar ato que, sob o aspecto da legalidade, o destinatário não lhe possa dar cumprimento. Quem expediu o ato inquinado, ou seja, a Administração, estaria impedida de exercer a determinação da Corte. E assim ocorreria se os Tribunais de Contas determinassem à autoridade dirigente do órgão jurisdicionado que reduzisse os proventos do inativo, quando já operada a decadência do direito de rever o ato.

Mesmo que não estivessem as Cortes de Contas sujeitas ao preceito sobre decadência que emana da Lei n.º 9.784/99, aquele que vai dar cumprimento à

7 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Processo nº 013.829/2000-0. Decisão nº 1020/00. Natureza: Consulta.

Assunto: Solicitação formulada pela Procuradoria da União no Estado do Espírito Santo sobre pronunciamento do TCU acerca da aplicabilidade do artigo 54 da Lei nº 9.784/99 aos processos de julgamentos da competência daquele Tribunal, relativamente à apreciação de atos de concessão de aposentadoria. Parte envolvida: Advocacia-Geral da União (Procuradoria da União no Estado do Espírito Santo). Relator: Ministro Marcus Vinicius Vilaça. Brasília, DF, 15 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União Disponível em: <http://www.tcu.gov.br/>. Acesso em: 18 set. 2003. 8 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Contas do Distrito Federal. Administrativo. Estudos Especiais - Lei nº

2.834/01, recepcionadora, no DF, da Lei Federal nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Processo nº 497/02. Decisão nº 1.675/03. Conselheiro Relator: Renato Rainha. Conselheiro Revisor: Ronaldo Costa Couto. Brasília, DF, 08 de abril de 2003. Diário Oficial do Distrito Federal, 17.0403. Seção 1, p. 18.

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determinação do Tribunal estaria inibido por completo de acatar a deliberação plenária imposta com tal escopo.

Trago aqui a regra imperativa do § 1º do art. 54 da Lei nº 9.784/99:

Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento;

Vê-se que o prazo decadencial inicia-se com a percepção do primeiro pagamento. Assim, por exemplo, se a Administração concedeu uma gratificação indevida a um servidor público, ou se essa vantagem foi deferida num percentual superior ao devido, os estipêndios que primeiro contarem com referida gratificação darão início ao prazo de decadência.

De se destacar que mencionada lei desconsiderou a classificação dos atos administrativos em atos complexos, deixando, inclusive, de contemplar a existência dos Tribunais de Contas, quando estabelece o marco inicial da decadência na percepção do primeiro pagamento.

Levando em conta o espírito da norma e a sua finalidade, não é razoável a interpretação que procura desobrigar o Tribunal de Contas de se assujeitar ao prazo preceituado na Lei de Processo Administrativo.

Com efeito, os valores que referida disposição legal consagra são de interesse geral e dizem respeito à própria dignidade da pessoa humana. São valores que emanam diretamente de princípios constitucionais, tais como o da segurança jurídica. Os posicionamentos favoráveis e seguidos, em muitos casos, fundamentaram-se, principalmente, nesse princípio.

De se ressaltar que o fundamento esposado do não exercício de função administrativa, deveu-se ao fato de, na Lei nº 9.784/99, no § 1º do artigo 1º, haver previsão da aplicação de sua norma quando os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União estiverem desempenhando essa função.

Nada obstante, ao apreciar os atos de inativação, por exemplo, as Cortes de Contas estariam exercendo função técnica de fiscalização, de registro e, essencialmente, executando atividade administrativa, pois, estariam, assim, em conformidade com o conceito de Administração Pública e em consonância com Cretella Júnior, desempenhando ―[...] atos concretos e executórios, para a consecução direta, ininterrupta e imediata do interesse público‖9.

Seria função administrativa essa apreciação por parte do Tribunal de Contas, pois, segundo magistério de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, ―[...] as pessoas podem recorrer ao poder judiciário, revendo a deliberação das cortes de contas ou os seus efeitos‖10. Os Tribunais de Contas exerceriam função administrativa quando apreciam os atos de sua competência, pois desempenham função judiciária apenas quando julgam as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos.

9

CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo. 2ª ed., atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 34. 10

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 172.

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O argumento de que mesmo que estivessem desempenhando função administrativa, não poderia Lei Ordinária restringir ou limitar essa atuação, já que se trata de atividade inerente ao Poder Legislativo, é razoável e verdadeiro, mas, igualmente à alegação de que o prazo decadencial se iniciaria após a apreciação das Cortes de Contas, tendo em conta que os atos apreciados são considerados atos complexos, não supera a controvérsia existente de haver um ato a ser apreciado pelo Tribunal de Contas e uma norma que determina a aplicação da decadência, se passados cinco anos.

Isto porque a Lei de Processo Administrativo estabelece que o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento, ou seja, a Administração ficará obstada de exercer o direito de anular o ato cinco anos após o percebimento do primeiro estipêndio. Desse modo, revigorou-se o princípio da segurança jurídica com o da estabilidade financeira.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, primeiramente, proferiu decisões no sentido de se entender aplicável a decadência, resultando no statu quo ante em que o interessado se encontrava, ou seja, antes da decisão das Cortes de Contas.

Posteriormente, começaram a aparecer acórdãos no sentido de se considerar inaplicável o instituto da decadência disposto no processo administrativo, haja vista o entendimento de que, por ser ato complexo, o prazo decadencial correria após a decisão do Tribunal de Contas.

Entendo que esse posicionamento decorreu de entendimento recorrente do Supremo Tribunal Federal, na apreciação da decadência prevista na lei do mandado de segurança, manifestando-se no mesmo sentido, qual seja, por ser ato complexo, o prazo para se impetrar mandado de segurança iniciaria após a incidência da vontade das Cortes de Contas.

De se ressaltar que a Lei nº 1.533, de 31 de dezembro de 195111, que altera disposições do Código do Processo Civil, relativas ao mandado de segurança, não dispõe expressamente e de forma clara sobre o início do prazo da decadência. O que se tem, de acordo com o artigo 18, é que o direito à impetração extinguir-se-á decorridos cento e vinte dias contados da ciência do ato impugnado.

Por essa ciência, pelo interessado, do ato impugnado, já houve várias interpretações doutrinárias e jurisprudenciais.

De se reiterar que na Lei de Processo Administrativo o prazo foi definido de forma taxativa e clara.

Observa-se, ainda, que a fundamentação das decisões do TJDFT não é o bastante para superar essa controvérsia, haja vista considerarem que o prazo decadencial inicia-se após a decisão das Cortes de Contas, esquecendo-se de abordar o parágrafo primeiro do artigo 54 da Lei de Processo Administrativo.

A solução que, a meu ver, se harmoniza com o Direito Administrativo, sem se olvidar os princípios da legalidade, do interesse público, da segurança jurídica e da eficiência, parece ser a mesma do voto do Desembargador Nívio Gonçalves, quando relator da Apelação Cível nº 2002.01.1.045439-412, que entendeu pela não aplicabilidade, naquele

11

BRASIL. Lei nº 1.533, de 31 de dezembro de 1951. Altera disposições do Código de Processo Civil, relativas ao Mandado de Segurança. Diário Oficial da União, 31.12.51. Disponível em: <http://wwwt.senado.gov.br/legbras/>. Acesso em: 14 out. 2003. 12

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Apelação Cível nº 2002.01.1.045439-4. Acórdão 177824. Partes envolvidas: Rosa Basílio e Distrito Federal. Relator: Desembargador Nívio Gonçalves. Brasília, DF, 30 de junho de 2003. Diário da Justiça, 24.09.03. Disponível em:

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caso concreto, da Lei de Processo Administrativo, por ser a edição da mesma posterior à concessão da vantagem guerreada.13

Dessa forma, o fundamento foi baseado na inexistência de legislação que disciplinasse sobre o eventual decurso de prazo decadencial, à época da prática do ato, agora anulado, que ocorreu em 1996.

De se ressaltar que a lei, de regra, não se refere ao passado, não se aplicando aos casos pendentes, destinando-se a regular o futuro. A lei, no entanto, pode, excepcionalmente, abranger o passado, quando inequivocamente expressa. É o que dispõe o artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil14, quando decretou que, salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada. A Lei nº 9.784/99, em seu artigo 70, preceitua que a vigência se dará na data de sua publicação.

Note-se, também, em consonância com Limongi França, que se respaldou no inciso XXXVI do artigo 5º da atual Constituição Federal, quando estabeleceu que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, a lei não deve retroagir, mas se assim acontecer, que se respeite o direito adquirido que, de acordo com o autor citado, ―[...] é aquele que o titular possa exercer [...]‖15.

Dessa forma, o titular – sendo a Administração Pública do Distrito Federal – poderia exercer o direito de anular o ato no prazo de cinco anos, com espeque na Lei nº 2.834, de 07 de dezembro de 2001, a partir de sua vigência, ou seja, a contar de sua publicação, em 10 de dezembro de 2001, sendo que a decadência seria aplicável a partir do ano de 2006.

Assim, daria tempo para os Tribunais de Contas se prepararem e agilizarem os trâmites processuais, com o fito de que citada norma não obste o exercício do controle externo, especialmente pelo constante nos artigos 70, 71 e 75 da Constituição Federal e nos artigos 77 e 78 da Lei Orgânica do Distrito Federal16.

O fato de a Constituição Federal haver deferido aos Tribunais de Contas a apreciação de tais atos, não altera a essência do instituto da decadência, que somente recairá sobre atos onde houve incúria ou inércia por parte da Administração, haja vista

<http://juris.tjdf.gov.br/docjur/176177/177824.doc>. Acesso em: 13 out. 2003. 13

Dois outros acórdãos foram no mesmo sentido, sendo que o primeiro dispõe que o ato anulado e que rendeu ensejo ao desconto, ―[...] foi praticado em 1991, com o pagamento indevido entre os meses de maio a novembro daquele ano‖. BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Apelação Cível nº 2001.01.1.109415-9. Acórdão 177820. Partes envolvidas: Valdete de Assis Pinheiro e Distrito Federal. Relator: Desembargador Nívio Gonçalves. Brasília, DF, 30 de junho de 2003. Diário da Justiça, 24.09.03. Disponível em: <http://juris.tjdf.gov.br/docjur/176177/177820.doc>. Acesso em: 13 out. 2003. O segundo, além de argumentar igualmente, diferindo somente na data da percepção do pagamento indevido, fez menção ao ato complexo, ao acrescentar que ―[...] somente após a aprovação pelo Tribunal de Contas é que a concessão de aposentadoria pode ser considerada inatacável, consubstanciando-se a aposentação num ato jurídico perfeito e acabado‖. BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Apelação Cível nº 2002.01.1.033208-2. Acórdão 175277. Partes envolvidas: Iolanda Eustáquia Marra de Sousa e Distrito Federal. Relator: Desembargador Valter Xavier. Brasília, DF, 02 de junho de 2003. Diário da Justiça, 13.08.03. Disponível em: <http://juris.tjdf.gov.br/docjur/174175/175277.doc>. Acesso em: 13 out. 2003. 14

BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil. 5ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 15

FRANÇA, R. Limongi. A irretroatividade das leis e o direito adquirido. 5ª ed. rev. e atual. do Direito intertemporal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 296. 16

DISTRITO FEDERAL. Lei Orgânica do Distrito Federal, 08 de junho de 1993. Diário Oficial do Distrito Federal, 09.06.93. Disponível em: <http://tcdfnet/silegispages/ta_02.asp>. Acesso em: 13 out. 2003.

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que esses órgãos poderão contar com o prazo de até cinco anos para poder atuar, a partir da edição da Lei de Processo Administrativo.

De tudo que ficou assente, pode-se assegurar que nada obsta, sendo, pelo contrário, recomendável, preservar esses atos administrativos em nome da segurança jurídica e da boa fé, em face de situações consolidadas pelo tempo, em relação à competência de apreciar a legalidade dos atos de aposentadoria, pensão, reforma e admissão, desde que a contagem do prazo decadencial se inicie a partir da edição da norma de processo administrativo vigente no âmbito da esfera de Poder do Tribunal de Contas.

É possível vislumbrar que o Tribunal, acolhendo essa exegese e aplicando-a de modo uniforme, estará valorizando a sua própria ação, porque reorganizará seu esforço para o controle, ainda que posterior ao ato, mas em tempo mais concomitante com a sua ocorrência, sendo mais útil à sociedade e ao contribuinte, porque poderá cumprir a parte mais nobre de sua função, que é precisamente redirecionar o processo decisório, consagrando com maior amplitude a Justiça, uma vez que deixaria de ordenar correção de atos com longo período de consolidação temporal, retirando do patrimônio daqueles que já incorporaram vantagens e verbas remuneratórias de caráter nitidamente alimentar.

REFERÊNCIAS

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CRETELLA JÚNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo. 2ª ed. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

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DISTRITO FEDERAL. Lei Orgânica do Distrito Federal, 08 de junho de 1993. Diário Oficial do Distrito Federal, 09.06.93. Disponível em: <http://tcdfnet/silegispages/ta_02.asp>. Acesso em: 13 out. 2003.

DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Contas do Distrito Federal. Processo nº 497/02. Diário Oficial do Distrito Federal, 17.04.03. Seção 1, p. 18.

DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Contas do Distrito Federal. Voto condutor da Decisão nº 1.675/03. Processo nº 497/02. Conselheiro Relator: Renato Rainha. Brasília, DF, 08 de abril de 2003. Diário Oficial do Distrito Federal, 17.04.03. Disponível em: <http://tcdfnet2/sistemas/DocsWord/Ord/Relatorio/2002/11/91746.doc>. Acesso em: 18 ago. 2003.

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. Belo Horizonte: Fórum, 2003.

FRANÇA, R. Limongi. A irretroatividade das leis e o direito adquirido. 5ª. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998.

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CONTRATOS ADMINISTRATIVOS NA LEI 8.666/93: NOVE CAUSAS PARA A ELEVAÇÃO DO SEU VALOR

Ivan Barbosa Rigolin

I

O título é eloqüente o bastante para dispensar introduções explicativas ou intróitos ao tema: apenas interessou neste momento focar as possíveis causas, todas expressamente previstas, admitidas e contempladas na Lei nº 8.666/93, de aumento do valor dos contratos administrativos. E ao que parece, e até este momento da história, são

em número de nove, como se examinará1.

Este assunto um dia despertou a atenção dos aplicadores da lei nacional de licitações, e desde então só fez crescer aquela atenção, já que ao fim e ao cabo licita-se alguma coisa para se a contratar, e não por diletantismo ou terapia ocupacional das entidades públicas; então, o valor do contrato, e todas as suas implicações e correlações, passa a ser sempre o foco da atenção máxima de todos quantos envolvidos, de dentro e de fora da Administração, no negócio que se celebrou.

O principal objetivo deste rápido estudo - não declarado no título, e talvez nem sequer suspeitado pelos autores da lei ao início - é entretanto o seguinte: demonstrar, por causa das cumulatividades (majoradoras de valor) admitidas pela lei, o tremendo e por vezes insuspeitado alcance de um específico acréscimo possível de valor, aquele previsto no § 1º, do art. 65, da lei de licitações, de até 25% no valor dos contratos que não de reforma, ou do acréscimo de até 50% nos casos de reformam, que a lei permite à Administração impor unilateralmente ao contratado. Vejamos.

II

Sem qualquer espécie ou pretensão de ordem pelo critério que for, estes são os - detectados até o momento - motivos de possíveis acréscimos de valor nos contratos administrativos regidos pela lei nacional das licitações e dos contratos administrativos:

a) prorrogação, prevista no art. 57, I e II, e §§ 1º e 4º;

b) extensão (art. 57, IV);

c) reajuste (art. 40, XI);

d) atualização financeira (art. 40, XIV, c);

1 Ao que apenas parece são nove, pois que a cada nova varredura da Lei nº 8.666/93 realizada para esse fim,

acredite-se se quiser, o examinador atento descobre novidade em matéria de possíveis causas de incremento do valor contratual. A lei de licitações faz recordar uma imensa gincana em que as surpresas espoucam a todo tempo aos olhos dos atônitos participantes quando menos se as espera, ou quando não mais se imagina que ainda existam por descobrir; uma gincana de horrores, neste caso. Lembra ainda, em sentido inverso , a música de Bach, a qual por mais que se ouça durante décadas nunca deixa de surpreender a cada nova audição, com uma faceta, uma vertente, um matiz ou uma nuance até então despercebidos. Se aquela música mais extasia e embevece quanto mais se a ouve, a lei de licitações, entretanto, produz efeito oposto, ensejando a cada releitura novos calafrios e espasmos.

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e) penalização (art. 40, XIV, d);

f) variação cambial (art. 42);

g) diferimento do preço no tempo, à base de um fator conhecido e outro desconhecido (sem

previsão específica na lei, mas possível como se examinará);

h) revisão (art. 65, II, d);

i) revisão (art. 65, inc. I, als. a e b, e § 1º).

Cada uma dessas ocorrências, legalmente previstas ou admitidas, origina, fundamenta ou constitui uma causa de acréscimo de valor nos contratos administrativos. Constituiria este um rol um elenco exaustivo, taxativo, numerus clausus, fechado a novas hipóteses, apenas se se pudesse ter certeza de que não existem outras hipóteses de incremento do valor contratual; mas temos tanta certeza disso quanto do dia em que será divulgada a cura definitiva da AIDS ou do diabetes; então, ao invés de taxativo será mais prudente denominar a este o rol conhecido até o momento.

III

Os fatores a, h e i (prorrogação, revisão I e revisão II) são os únicos que constituem alterações do contrato, a merecer por isso aditamento, submetido ao regime do § 2º, do art. 57, ou seja exige justificativa, pelo setor envolvido e necessitado da alteração, e autorização pela autoridade competente, que em geral é a mesma que mandou contratar. Os demais fatores de acréscimo do valor contratual não alteram o contrato, merecendo apenas, no máximo, anotação, averbação, apostilamento ou registro do fato, e podendo ser procedidos pelo gestor do contrato, se dos seus poderes constar esse - como se recomenda.

E se fala aqui, naturalmente, de contratos que tenham o objeto descrito e quantificado originariamente com precisão, e com isso tenham valor prestabelecido ou estimativo com base em projeção razoável e rotineira, e não daqueles com o valor apenas vagamente estimado, pois que nesse último caso o valor pago a final poderá ser acrescido, além de pelos fundamentos jurídicos já elencados, também por fatores variáveis como o acréscimo imponderável e imprevisível de quantidades de objeto, as quais apenas ao longo da execução se vão definindo. Em tais contratos de valor nem remotamente conhecido de início, faltando a própria referência inicial de preço, não se pode falar em fundamentos legais de aumento de valor, mas apenas de causas materiais ou operacionais que vão determinando as quantidades necessárias de objeto, o que a final resultará em preço equivalentemente variado, e disso, que nada tem de natureza jurídica, aqui não se vai cogitar.

Também não se cogita aqui de contratos de que não se sabe sequer se haverá preço, pois que tal pode acontecer em caso de pactos cujo objeto pode por acaso, durante a execução, revelar-se oneroso, como pode revelar-se não-oneroso como se desejaria ou esperaria. São hipóteses raras e especiosas de contratos cujo preço de início é apenas um ilustre desconhecido, mas vale tê-las presentes.

IV

Prorrogação (art. 57, I e II, e §§ 1º e 4º). Essa primeira ocorrência pode ser causa de aumento do valor contratual, sempre que implique em ampliação do objeto a ser

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entregue, seja ele obra, serviço ou compra2. Significa a aumentação do prazo contratual, fundamenta-se materialmente em necessidade e conveniência da administração contratante, e juridicamente nos dispositivos acima indicados. Precisa estar prevista como possível no edital ou no contrato, se fundamentada no inc. I, do art. 57, e não precisa estar prevista nem no edital nem no contrato se for baseada no inc. II, pois que nessa hipótese a lei já a autoriza independentemente de qualquer previsão contratual ou editalícia, bastando à Administração pactuá-la com o contratado, demonstrando a vantagem que ensejará, e efetuá-la por consensual aditamento. Os motivos justificadores das prorrogações, também em elenco taxativo, são aqueles consignados no § 1º, do art. 57.

Se as prorrogações com base no inc. II, em contratos de serviços continuados, precisam ser necessariamente por períodos iguais aos da contratação originária desde que a duração máxima do contrato não ultrapasse sessenta meses, entretanto aquela prorrogação, dita excepcional, com base no § 4º, do mesmo art. 57, poderá ser de duração diversa, durando até doze meses, e pode somar-se aos sessenta já exercitados com base no inc. II. Não se imagina, entretanto, muito sentido em se utilizar mais de uma vez, em cada contrato, a prorrogação do § 4º, vez que foi ela consignada tardiamente (pela Lei nº 9.648, de 27/5/98) na lei de licitações para dotar a Administração de um novo instrumento prorrogatório a par daquele já existente (inc. II), com caráter extraordinário e supletivo de situações possivelmente inesperadas ou excepcionais, a serem providas por nova contratação licitada tão-logo que possível; e se é assim não terá muito sentido repetir-se a prorrogação excepcional.

Por vezes a prorrogação não implica, só em si, em aumento de valor, como por exemplo em um contrato de obra que por motivo de chuva precisou paralisar-se por um mês, e com isso foi prorrogado para poder ser concluído, sem necessariamente ter sofrido aumento de valor. Casos assim de prorrogação sem aumento do objeto e do valor costumam ser raros, e em geral as prorrogações de prazo se dão para aumentar o objeto a ser entregue, o que evidentemente aumenta o valor contratado originariamente. A prorrogação pode dar-se pelo mesmo valor da contratação originária, se de mesma duração que aquela, ou pode se dar por valor superior, se a esse tempo incidiu algum outro fator de acréscimo, como por exemplo o reajuste, a ser examinado adiante. Seja como for, prorrogação é um primeiro fator de possível aumento do valor contratado, pois que ao valor originário se somará o valor da prorrogação.

V

Extensão (art. 57, inc. IV). Na sua origem havia mais hipóteses de extensão dos contratos do que a única que atualmente permaneceu na lei, consignada no inc. IV, do art. 57, relativa a aluguel de equipamentos (de informática) e à utilização de programas de

2

Compra e venda é um contrato civil e não administrativo, previsto e extensivamente disciplinado no Código Civil, arts. 481 a 532, e não administrativo, ainda que conste referido na lei de licitações, e que seja freqüentissimamente exercitado pela Administração pública. Nem por isso se torna contrato administrativo, porém a lei de licitações, ainda que o trate em separado das obras e dos serviços (englobados nos art. 7º a 13, nas Seções III e IV, do Capítulo I, enquanto que as compras mereceram a Seção V, do mesmo Capítulo I), com freqüência trata os contratos de compra como se administrativos fossem, fazendo sobre eles incidir disposições que somente têm sentido nos contratos administrativos, como faz em diversos momentos do art. 65. Em outro momento a Lei nº 8.666/93 manda aplicar ―no que couber‖ as regras administrativísticas aos contratos regidos ―predominantemente por normas de direito privado‖ (art. 62, § 3º, inc. I), reconhecendo que os contratos civis merecem tratamento distinto dos administrativos. Mas o que importa frisar é que na prática os contratos de compra ou de fornecimento, que são e sempre foram civis, são tratados como se fossem administrativos, pois que isso operacionalmente interessa à Administração, e financeiramente aos fornecedores. A lei, sabendo-o, não insiste muito na separação que tecnicamente seria curial, e com tudo isso também nós não insistiremos.

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informática. Para esse único caso a lei menciona extensão do contrato e não prorrogação, pois que o art. 57 já está com sua quarta redação desde sua origem no art. 47, do Decreto-lei nº 2.300/86, de que se originou toda a lei atual de licitações. Nas suas origens o inc. II, do art. 47, da lei anterior, mencionava que os contratos de serviços contínuos tinham duração que podia estender-se ao exercício seguinte ao da vigência do respectivo crédito. Com as sucessivas alterações que esse artigo, depois transmutado no art. 57 da lei atual, sofreu a seguir, o que era corretamente na origem extensão passou a ser prorrogação, como ainda o é.

É que extensão, na lei de licitações, é um conceito mais sutil que prorrogação, exprimindo uma continuidade no tempo que não precisa ser autorizada por quem mandou contratar, nem exige termo aditivo expresso, mas simples averbação, apostilamento ou anotação no contrato, procedida pelo próprio gestor e não pela autoridade sua superior. Tal simplicidade se deve ao fato de que a extensão não se dá por fato excepcional ou inesperado como na prorrogação, que tem motivos expressos e taxativos na lei (art. 57, § 1º), mas por fato tão certo quanto o dia suceder a noite, e tão esperado quanto isso. Por exemplo, prorroga-se um contrato de obra porque choveu um mês e a obra não se pôde concluir no tempo contratado, exigindo mais tempo a execução do contrato. Não se esperava que tal ocorresse, mas ocorreu. Estende-se, por outro lado, um contrato de vigilância, porque se sabe que a vigilância era necessária, é atualmente necessária e será amanhã e sempre necessária. Alguém precisará estar contratado, prestando o serviço, hoje e sempre, podendo ser o atual contratado, podendo ser outro contratado, mas alguém precisará prestar o serviço contínuo de vigilância. Quando é assim, uma simples extensão, sem aditivo necessário, sem autorização superior necessária, pode substituir a prorrogação, porém atualmente apenas no caso s do inc. IV, do art. 57, ou seja com relação a aluguel de equipamentos e programas de informática, e a nenhum outro serviço contínuo3.

Na sua exemplar imprecisão como elaborador legislativo, incapaz de perceber a não tão sutil diferença entre extensão e prorrogação, o legislador brasileiro veio alterando seguidamente, sempre para pior, o inc. II, do art. 57, da lei atual de licitações, iniciado com o art. 47 do decreto-lei anterior, de modo que atualmente converteu o que corretamente em 1986 era extensão em todos os contratos de serviços contínuos, para prorrogação, pois isso até mesmo o nosso legislador sabe o que significa, habituado como está a testemunhar freqüentes prorrogações de partidas de futebol. O legislador apenas não estragou o inc. IV, do art. 57, substituindo a correta extensão originária pela muito menos correta prorrogação, porque seguramente não chegou a enxergar o dispositivo4.

Assim, a extensão de um contrato de utilização de programas de informática, ou de equipamentos de informática, que sempre se dá para que a contratante obtenha mais objeto, é um segundo fator de acréscimo do valor contratual.

Esse segundo fator não pode ser cumulado com o primeiro, prorrogação, porque a teor do art. 57 ou se prorroga o contrato ou se o estende, sendo incompatíveis entre si, e autoexcludentes, os dois institutos.

3

Homenageie-se a Leon Frejda Szklarowsky, que ao que se saiba foi quem primeiro insistiu publicamente, em aulas e seminários nos idos de 1994, sobre a importante diferença entre extensão e prorrogação. 4

Como não enxergou o § 4º, do art. 62, onde manteve, ainda que entre aspas, a correta espécie termo de contrato, que foi incompreensivelmente substituída pelo seu gênero instrumento de contrato no caput do mesmo art. 62. Tivesse enxergado, teria estragado também o parágrafo.

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VI

Reajuste (art. 40, XI). Também tratado por reajustamento, essa comum e freqüente causa de acréscimo do valor contratual tornou-se praticamente obrigatória em contratos de largo fôlego, com mais de um ano de duração a contar da data da proposta. E é de bem que o seja, porque constitui apenas a reposição da perda do poder aquisitivo da moeda, ou da inflação havida, seja ela geral, seja compartimentada por segmentos específicos da economia, e como tal não constitui alteração do contrato, nem exige termo aditivo que a conceda, mas mera anotação do gestor, independentemente de requerimento do contratado, observado o índice expresso no edital da licitação respectiva ou no próprio contrato, ou em ambos. Sempre insistimos em que reajuste é assunto sério, de profissionais sérios, que repõe seriamente a perda inflacionária ou altista de preços; nesse ponto difere radicalmente da revisão, que como se irá em parte examinar.

Quanto ao índice, devem preferir-se, sempre que existentes, os setoriais, regionais ou de outro modo específicos do objeto, pois que mais que quaisquer outros haverão de expressar a subida real dos insumos próprios do mesmo objeto, mais do que os índices econômicos gerais, pela sua intrínseca generalidade e indiscriminação, o poderiam fazer.

Em havendo a previsão editalícia ou contratual de reajuste - que atualmente tem periodicidade mínima de um ano a contar da data da proposta ou do orçamento da própria Administração (o que se revelou tecnicamente muito desaconselhável na prática) por força da legislação regedora do assim denominado plano real5 - o reajuste, vencido o prazo aquisitivo pré-estabelecido, deve ser atribuído ao contrato em favor do contratado. Em não havendo previsão de reajuste, proibida fica a sua concessão.

Sendo atribuído constituirá, na aleatória seqüência que vimos seguindo, um terceiro fator de incremento do custo contratual. Esse fator pode se somar tanto ao primeiro elencado, a prorrogação, quanto ao segundo, a extensão, vale dizer: um contrato que foi prorrogado pode ser também reajustado, e um já estendido também o pode. Trata-se de causas acrescedoras de valor em tudo diversas, e que nenhuma incompatibilidade ou autoexcludência guardam entre si, como, diferentemente, e como já foi visto, são autoexcludentes a prorrogação e a extensão; quanto ao reajuste, pode cumular-se tanto com a prorrogação quanto com a extensão contratual.

VII

Atualização financeira (art. 40, XIV, c). Fator dos menos importantes de acréscimo do preço contratual, é daqueles de que poucos se lembram de que existe. Trata-se daquela - hoje - questiúncula inserida na al. c, do inc. XIV, do art. 40, muito importante nos primórdios da lei, em que a inflação mensal no país chegou a 84%, mas tornada desimportante a seguir, com o plano real e a queda da inflação, e sua manutenção em nível muito baixo, e sob controle, desde então até os dias de hoje. Tão desimportante se tornou que a maioria dos editais de licitação, e dos contratos, sequer a mencionam, quando deveriam a rigor de lei, ainda que o fator de atualização fosse zero.

Se a medição deve ser feita do dia 1º ao dia 30, para pagamento no dia 10 do mês seguinte, então deveria o edital, e o contrato, estabelecer o fator de atualização financeira do valor a ser pago no dia 10, como a lei exige que do contrato conste,

5

Muito particularmente centrado, quanto à questão dos reajustes anuais de contratos, no art. 2º, da Lei nº 10.192, de 14 de fevereiro de 2001, oriunda de uma medida provisória que foi reeditada 71 (setenta e uma) vezes, e que por último foi a MP nº 2.074-72, de 27 de dezembro de 2000.

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sabendo-se que por menor que tenha sido alguma corrosão inflacionária deve ter acontecido no período - essa ao menos sempre foi a regra nas últimas décadas. Mas, como a inflação nem de longe representa hoje o que representou economicamente no passado, pelo seu pequeno montante financeiro ou percentual quanto ao valor a ser pago, vem sendo contínua e reiteradamente desprezada a previsão editalícia e contratual daquela atualização, o que sem dúvida contraria a lei de licitações em desfavor do contratado.

O que impende saber é que o fator de atualização financeira constitui outra causa legal de aumento do valor contratual, a quarta em nosso elenco, podendo acumular-se com qualquer outra, ou também incidir quando outra causa já incidiu sobre o contrato.

VIII

Penalização (art. 40, XIV, d). Por eventual atraso no pagamento de suas obrigações contratuais a lei de licitações, no dispositivo acima indicado, estabelece que o edital preveja uma ―penalização‖ à Administração. Melhor teria dito apenação, pois que isso significa impor pena, ao passo que penalizar, no seu sentido mais próprio, significa causar pena - o que constitui apanágio do legislador brasileiro, o eterno verdugo do vernáculo, e não da Administração.

Se a causa anterior de aumento de valor, a atualização financeira, raramente é lembrada nos dias de hoje, pode-se dizer que esta quinta, ―penalização‖ contra a Administração praticamente nunca é lembrada, ou, em nome da verdade, o autor dos editais e dos contratos finge que não sabe que essa espécie é prevista na lei como obrigatória, pois que se direciona não contra o contratado mas contra a própria Administração contratante, em caso de essa atrasar os pagamentos devidos ao contratado. Não deve ter sido concebida por publicista que seja apenas isso, mas por deputado empresário, que na sua atividade privada é com freqüência contratado pelo poder público. Porém nada é mais justo, diga-se de passo, do que tratar o contratado como a receita federal trata quem atrasa um dia o pagamento de seu imposto de renda, ou como o Estado o trata se atrasar o pagamento de seu ICMS, ou como o Município o trata se atrasar o pagamento de seu IPTU, ou como autarquias como o INSS também o fazem em atraso de contribuições previdenciárias, ou ainda como identicamente o fazem as estatais concessionárias de serviços públicos, como de energia, por atraso no pagamento das contas.

Mas uma insidiosa amnésia acomete permanentemente os autores de editais de licitação e de contratos administrativos, que por esse infeliz acaso nunca se lembram de cumprir o disposto na al. d, do inc. XIV, do art. 40, do estatuto federal licitatório6.

Se cumprirem, e se um dia o contrato sair mais caro à Administração em face disso, nesse dia de júbilo para os justos de espírito aquele terá sido um quinto possível fator de incremento do preço contratual, o qual pode também cumular-se ou conviver com qualquer outro, ou com os outros, entre si cumuláveis, em conjunto no mesmo contrato.

IX

Variação cambial (art. 42). Facilmente compreensível esse fator de incremento do preço contratado, significa apenas a alteração da expectativa ou da base inicial de preço,

6 Rendamos neste passo homenagem a Diógenes Gasparini pela sua judiciosa formulação, in Direito

administrativo. 5ª ed. São Paulo : Saraiva, 2000. p. 376.

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em moeda nacional, com a qual se trabalhava quando da celebração, em face da variação para maior da moeda estrangeira que serve de base para as variações do preço a ser pago ao contratado.

Se, digamos, um contrato é celebrado em dólares para ser pago em reais, ou celebrado em reais com equivalência direta em dólares, qualquer elevação do dólar, superveniente ao início da execução do contrato, fará subir ou incrementar-se o preço-base inicialmente firmado.

É o art. 42, da lei de licitações, que, ainda que muito ligeiramente, disciplina as licitações internacionais, e abre a possibilidade de contratos a serem pagos com observância da razão moeda nacional - moeda estrangeira, e essa razão pode assumir os mais variados aspectos, sempre significando aumento de valor em caso de a variação da moeda estrangeira favorecer a última e não a nossa.

E, tal qual ocorre à maioria dos fatores anteriormente citados, este sexto fator de incremento de preço pode cumular-se com outros, vez que a rigor nada tem de limitação com relação àqueles, nem a limitá-los nem a por eles ser limitado.

X

Diferimento do preço no tempo, à base de um fator conhecido e outro desconhecido. Ainda que não exista na lei previsão alguma, expressa, dessa possibilidade, temo-la como perfeitamente possível uma vez que é sempre juridicamente possível a pactuação de um preço contratual inicial x por determinado tempo, a ser seguido pelo preço y por outro período, e a ser seguido pelo preço z por outro lapso subseqüente. Nessa hipótese, exceto o preço inicial, que é totalmente conhecido, os preços seguintes serão resultantes da multiplicação de um fator conhecido por outro desconhecido, disso resultando a cada oportunidade novo preço por determinado prazo.

Um exemplo da vida real, e diariamente exercitado pela entidades públicas, esclarecerá de pronto essa sétima hipótese de encarecimento de contratos: em contratos de serviço de limpeza ou de vigilância, em que a folha de pagamento constitui, de longe, o maior custo individualizado, analiticamente analisado, do contratado, é freqüente o pleito, pelo contratado, de revisão em face de aumento da folha, por dissídio coletivo que a categoria dos seus empregados obteve na Justiça do Trabalho. O dissídio, concedido em época certa e adrede conhecida, não é fato novo, nem constitui surpresa a nenhum empresário ou à Administração, porém o seu montante por vezes surpreende pelo percentual obtido pelos empregados, que francamente, e com justo motivo de ordem econômica, não se esperava. Advindo o dissídio em percentual maior que o imaginável ou o razoável, então é fatal o plangente e compungido pleito de revisão pelo contratado, acompanhado por vezes de centenas de páginas de planilhas, cálculos, equações de terceiro grau, invocações ao direito quântico e apelos à teoria da relatividade, complicados com alquimias, espagirias e mandracarias de fazer corar ao mais impassível dos homens. E a Administração se vê com isso face ao desgaste, nada técnico nem objetivo muita vez, de precisar examinar com máxima objetividade aqueles números todos, quase nunca tendo para isso condição material e humana. Digamos que neste exemplo, de pleito de revisão por dissídio e não por outro motivo, nunca são tão complicados os cálculos apresentados, mas o desgaste e o impasse são inevitáveis - e por isso esta formulação deste diferimento de preço.

Que não é, aliás, senão o seguinte: nas licitações para as contratações de objetos em que a folha de pagamento do contratado for fator importante de custo na proposta do

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contratado, a Administração precisará saber de antemão, por pesquisar no mercado, que percentual a folha representa com relação à proposta total; e, sabendo-o, determinar no edital que o proponente especifique com clareza esses números, indicando às claras aquela proporção, cujos parâmetros o próprio edital deverá indicar, desclassificando-se os proponentes que não se ativerem àqueles parâmetros limitativos descritos no edital.

Feito isso, o edital deve prever que o preço do contrato, digamos mensal, será o do vencedor até o mês do dissídio, e será outro a partir do dissídio e até o dissídio anual seguinte, resultante da multiplicação do percentual dado no dissídio (digamos que de 8%) pelo percentual que a folha de pagamento representa com relação à proposta (digamos 67%). E neste exemplo o aumento que será dado ao contratado será o resultado da multiplicação dos dois fatores, ou seja 67% de 8%, o que faz resultar 5,35%, a valer até o novo dissídio, que repetirá o cálculo considerando o novo percentual de dissídio, que não se conhece, para multiplicá-lo pelo percentual conhecido de 67%. Observa-se que um fator de aumento é conhecido desde o início do contrato, e outro é desconhecido.

Tal previsão, que não constitui nem revisão nem reajuste, nem atualização nem penalização, e que é perfeitamente admissível do plano jurídico desde que constitua regra do edital ou mesmo da contratação direta, constitui a diferenciação, ou o diferimento, do preço ao longo do prazo da execução contratual, e pode cumular-se com outros fatores de acréscimo do preço contratado porque com eles nada tem de incompatível - salvo evidentemente as razões que ensejaram o próprio diferimento, que não podem ensejar nenhuma revisão pelo mesmo motivo.

Pode ainda ocorrer o contrato com preço diferido no tempo porém inteiramente conhecido, como um serviço que de antemão se contrata a x por um ano, y no segundo ano e z no terceiro, todos esses preços tendo sido antecipadamente fixados e conhecidos na contratação; o diferimento do preço nesse caso, entretanto, não constitui incremento do contrato, porque o contrato, só por esse critério de preço, não foi acrescido em valor, que já era, ao início, totalmente conhecido.

XI

Revisão (art. 65, II, d). Existem duas possibilidades distintas e inconfundíveis de acréscimo do valor contratual por revisão, uma a constituir um oitavo motivo de incremento que se passa a examinar, e outro constituindo um nono, descrito no tópico seguinte e merecedor de particular cuidado.

A primeira espécie revisão que se pode dar em contratos administrativos é aquela prevista na al. d, do inc. II, do art. 65, de longa redação que menciona até o apelido que a doutrina publicística deu a ato de governo, o fato do príncipe.

São basicamente três os motivos que justificam essa revisão: a) fatos naturais, como calamidades, intempéries, fenômenos da natureza, que os anglicanos prosaicamente denominam acts of God; b) atos humanos, como sabotagens, terrorismo, outras práticas criminosas por terceiros ao contrato, e c) atos de governo, como criação de impostos ou majoração dos já existentes, ou supressão de vantagens comerciais e fiscais existentes em favor do contratado ao início do governo, sempre que esses atos quebrem, em desfavor do contratado, a relação econômica supostamente equilibrada ao início do contrato em preço e objeto contratado. Ocorrendo algum desses motivos, ou mais de um ao mesmo tempo, deve demonstrá-lo - e principalmente os seus efeitos econômicos - o contratado à sua contratante Administração pública, para então, comprovando o injusto prejuízo sofrido, pleitear a reparação do superveniente

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desequilíbrio, através de aditamento contratual a ser consensualmente firmado entre as partes, para se alterar o preço principal do contrato de modo a contemplar majoração que restaure aquele já mencionado equilíbrio inicial, com cuja permanência ambas as partes contavam.

Por esse dispositivo, em acontecendo aumento de custo do contratado, após ter sido celebrado o contrato e portanto durante a execução contratual por algum daqueles três motivos elencados (fato da natureza, ato de governo ou ato de terceiro), o contratado, demonstrando à Administração a ocorrência desse acontecimento e o reflexo detrimentoso ao seu interesse que terá nos preços contratados, dela pode obter uma revisão de preço, tendente a reequilibrar a equação financeira inicial, supostamente equilibrada como se presume. A Administração, a nosso ver, tem o dever de revisar o contrato nessas hipóteses, sempre que se demonstre convencida da veracidade dos fatos alegados no pedido do contratado, pois resta virtualmente inadmissível a qualquer das partes contratantes, sob qualquer argumento num país e institucionalizado, ignorar eventos que desequilibrem financeiramente o contrato em prejuízo da outra parte, se essa não lhe deu causa.

Trata-se apenas de levar a efeito demonstrações, planilhamentos, cálculos e comprovações de fatos econômicos ou com conseqüências econômicas imediatas, porém é certo que tais demonstrações podem conter muito de subjetivo e de controverso, e de difícil avaliação com a precisão aritmética desejável, e com isso o máximo cuidado deve ter a Administração quando receber algum desses pleitos do contratado, uma vez que lida e lidará com dinheiro público submetido ao princípio da indisponibilidade, da legalidade

fria e da economicidade, dentre outros, a obrigá-la a permanente austeridade nos gastos.

Essa primeira espécie de revisão nada, absolutamente nada, guarda de relação, como causa de encarecimento do contrato, com a revisão que pode ser dada por força do inc. I, do mesmo art. 65 - e que, repetindo, será o nono e último motivo de incremento de preço a ser examinado neste artigo.

Não existe limite legal para a revisão restauradora estabelecida pelo inc. II, al. d, do art. 65, porque não seria justo a lei limitá-la quando não foi o contratado que deu causa ao desequilíbrio, mas ou a natureza, ou terceiro ao contrato, ou o governo, que muitas vezes é a própria contratante. São muito freqüentes revisões concedidas a este título que simplesmente multiplicam o valor inicial do contrato, como é corolariamente freqüente a impiedosa fiscalização sobre tais ajustes, de resto mais do que necessária, pelos entes estatais de controle das contas públicas.

Por fim, trata-se de uma causa de encarecimento do contrato que, por sua natureza, também é plenamente cumulável com as demais até aqui elencadas, o que constitui outro fator de imprescindível atenção, e cuidado a ser observado pela Administração, sobretudo porque não existe planejamento que possa prevenir os efeitos, absolutamente inesperados e imprescrutáveis, dessa espécie de revisão.

XI

Revisão (art. 65, inc. I, als. a e b, e § 1º). Chega-se enfim ao nono e último fator, causa, fundamento ou motivo de acréscimo do valor contratual: a revisão baseada na determinação de aumento, pela Administração contratante, de quantidades contratadas,

ou de alteração qualitativa do projeto, que implique em maiores quantidades de

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material, serviço e da própria realização da obra. Isso está admitido no inc. I, als. a e b, do art. 65.

O limite de valor para tais alterações do objeto, determinadas pela Administração por força do inc. I, als. a e b, do art. 65, está dado por outro momento do mesmo art, o seu §1º, que fixa em 25% para mais ou para menos, e se se tratar de reforma de equipamento ou edifício serão até 50% de acréscimo, tudo isso relativo ao valor inicial atualizado do contrato seja ele de obra, de serviço ou de fornecimento. Estão portanto umbelicalmente vinculados o inc. I, com suas alíneas, do art. 65, com o § 1º, do mesmo artigo: os primeiros autorizam aumentar o objeto, e o outro limita o valor dessa alteração.

Mas toda a atenção deve ser voltada para a dicção valor inicial atualizado, pois é esse o referencial sobre o qual pode ser calculado o limite de valor para as alterações fundadas no inc. I - e esse o ponto de destaque deste artigo, pois que nem todos se dão conta da absurda enormidade de valor que isso pode representar, considerando-se que valor inicial atualizado é a soma de todos os valores que foram a pagos ao contratado por força do contrato, na data em que se quer aplicar o acréscimo de objeto (e de valor) com base no inc. I, als. a e b, do art. 65. Assim, se o contrato teve seu preço acrescido por diversos fatores cumulativamente, sejam eles reajuste, prorrogação, variação cambial, penalização, revisão por fato do príncipe, atualização financeira, e tendo sido calculado um título sobre o outro - o que é perfeitamente possível em direito e, aliás, é a única possibilidade material - então a soma de todos os valores que já foram pagos ao contratado representa o valor inicial atualizado do contrato, e já se pode ter idéia de a

quantas pode chegar aquele contrato. acrescido como foi por tantos e tão diversos motivos, causas, títulos e fundamentos.

Imaginemos, para ilustrar, uma gigantesca obra de reforma contratada para dois anos, prorrogáveis na forma do inc. I, do art. 57, da lei de licitações, com implemento de valor parcialmente em dólar, atualização financeira e penalização contra a Administração previstas, reajuste anual pelo INCC na parte que não em dólar, e que após três anos de execução, após prorrogação portanto, sofra revisão com base no art. 65, II, al. d, por inundação na sua sede. O valor inicial, era de 100 para o primeiro ano; com o reajuste anual, e a variação cambial após dois anos, em que também ocorreram penalizações e atualizações financeiras, foram pagos 260; surgiu então ensejo de revisão por inundação na sede, e após dois anos e meio de execução, já após a segunda prorrogação e o segundo reajuste portanto, o valor pago atingiu 580; com a terceira prorrogação, variação cambial desfavorável à Administração, novas penalizações por atraso e novas atualizações financeiras, e já no terceiro reajuste, o valor já pago não é de estranhar que andasse pela casa dos 800.

Eis que então resolve a Administração exigir do contratado mais objeto, mais reforma, até o valor máximo permitido, que então, considerando-se o valor inicial atualizado do contrato (800), é de 400, o que fará totalizar, apenas por esses títulos quando se encerrar o prazo do acréscimo do objeto, 1.200, em prazo que irá variar conforme o novo cronograma físico. Outros fatores, nesses últimos meses após a determinação do acréscimo, podem ainda fazer subir o último valor, porém o que interessa ressaltar é que nesse hipotético porém absolutamente realístico exemplo apenas uma alteração, aquela baseada no inc. I, b, do art. 65, da lei de licitações, significou quatro vezes o valor previsto para o primeiro ano de execução. Somente uma variação de preço, fundada em um isolado momento da lei, e lastreada em um singelo fundamento, terá representado o valor originariamente previsto para um ano inteiro de execução !

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XII

É em face de fatos assim, não retirados de algibeira de mágico mas da realidade do dia-a-dia de todas as entidades da Administração pública brasileira, que os contratos, sobretudo de obras, sofrem variações - para cima e para o alto - tão virtualmente inimagináveis por leigos, desavisados, ingênuos ou distraídos de todo gênero.

Veja-se com isso o potencial dinamitador das finanças públicas contido nos escaninhos quase indecifráveis da lei nacional de licitações e contratos administrativos, e sobretudo tenha-se sempre em destaque a imprescindível importância do planejamento da despesa pública.

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LICITAÇÕES E CONTRATOS ALGUMAS CURIOSIDADES

Ivan Barbosa Rigolin

I

Uma palestra que recentemente proferimos inspirou a idéia deste artigo, sobre temas e fatos curiosos sobre licitações, inclusive o pregão, e contratos administrativos. Desfilemo-los, portanto, assistemática e descompromissadamente como convém àquela proposta.

II

Inicia-se pelo convite. Essa utilizadíssima modalidade licitatória poderia ser realizada de modo muito mais simples e descomplicado do que em geral o é, e a principal simplificação consiste em eliminar sempre, e totalmente, a fase de habilitação, em todo e qualquer convite que se realize. A Lei nº 8.666/93 admite expressamente tal supressão, quando prevê, no art. 32, § 1º, que ―A documentação de que tratam os arts. 28 a 31 desta Lei poderá ser dispensada, no todo ou em parte, nos casos de convite, concurso, fornecimento de bens para pronta entrega e leilão‖ - e grifamos. Fosse de fato importante a habilitação, conforme sempre insistimos em iterar que não é, jamais a lei de licitações a trataria com tamanho, merecido, desprezo, dispensando-a sempre em três das cinco modalidades existentes, e também nas duas outras, concorrência e tomada de preços, se efetuadas para fornecimento de bens de pronta entrega.

Nessa hipótese de não se promover a fase de habilitação, perguntarão os aturdidos burocratófilos (filoburocratas?) do serviço público1, como poderá saber a Administração com quem estará contratando, se não habilitar previamente os pretendentes? Simplíssimo: basta exigir dos fornecedores, que se pretendia fossem convidados, porém fora de qualquer envelope e informalmente, todos os documentos que se pretendiam exigir, dentro do rol máximo admitido na lei, e simplesmente não convidar aqueles que não os tenham todos.

Como o convite deve dirigir-se, em casos normais, a ao menos três fornecedores escolhidos e convidados pela Administração, e como, tal qual em tese qualquer convite, não deve ser publicado (v. art. 21, que não manda publicar convite, e art. 22, § 3º, que manda apenas afixar os convites, e não publicar convite algum), então somente devem ser efetivamente convidados aqueles fornecedores que informalmente demonstrem deter todos requisitos documentais pretendidos. Os documentos obtidos de cada fornecedor devem , por outro lado, ser anexados desde logo ao expediente ou processo da licitação, para indicar que estão eles habilitados do modo como se pretendia apurar.

Quanto, por fim, ao fato de que (cf. art. 22, § 3º, da lei de licitações) também os cadastrados que o requeiram têm direito a receber o convite, isso em nada afronta a

1

Se ainda vivesse o grande e inigualável gênio de Monteiro Lobato por certo reescreveria seu conto Velha praga, referindo-se porém não mais a Jeca Tatu, como no início do século o fez, porém à burocracia na máquina estatal, que constitui a mais asquerosa e perniciosa praga da história da administração pública brasileira.

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simplificação aqui advogada, pois que inexiste qualquer embaraço em estender convites a quem já se habilitou previamente, e que por isso é já conhecido e qualificado pela respectiva entidade licitadora. Não é dos conhecidos que deve resguardar-se a Administração mas dos desconhecidos, muitos dos quais são aventureiros e paraquedistas da pior e mais temível espécie. E em geral são esses últimos, seres indesejáveis e que nada têm a perder, os primeiros a acorrer à publicação de quaisquer avisos de editais.

Se, por fim, ainda existem os que defendem a idéia da publicação do convite, numa tosca, deturpada, antitécnica, caolha e deletéria ampliação do princípio da publicidade, confessamos aqui nosso sadismo técnico: comprar-nos-íamos à grande se soubéssemos algum deles indiciado em ação popular, por ter realizado despesa pública não autorizada na lei. Desculpe-se o requinte de crueldade, porém o pior cego, alguém ilustre já disse, é o que não quer ver, e esse somente entende uma linguagem.

III

O próximo ponto a enfocar, vinculado umbelicalmente aos primeiros, refere-se a habilitação de licitantes, e a esta altura da construção doutrinária sobre licitações não constituirá novidade alguma. Quer-se apenas, uma vez mais aqui, repisar o que já vem sendo exaustivamente apregoado pelos estudiosos, pelos técnicos e pelos operadores de licitações dotados de bom-senso e de sentido prático, e que em sua profissão aplicam o princípio da razoabilidade: a habilitação deve ser a menor possível. Quase ousamos afirmar que quanto menor for o volume de documentos habilitatórios que o edital exija, melhor, por mais inteligente, será esse mesmo edital.

Neste mundo de hoje, em que ninguém dispõe de tempo para coisa alguma justamente quando o tempo é mais necessário do que nunca, e ainda quando a Administração pública é demandada como jamais o fora na história para prestar os mais variados e outrora impensáveis serviços, num quadro assim revela-se virtualmente incompreensível a antiga - pré-histórica - mentalidade de se exigir um vasto rol de documentos dos licitantes, seja para construir a ponte Rio-Niterói, seja para comprar dois caminhões de tomate.

A lei não obriga a exigir em verdade nada: a Constituição (art. 195, § 3º) é que proíbe ao poder público contratar pessoas jurídicas em situação irregular na previdência social, ou seja em débito não-negociado, e pendente de solução; quem exagera nas exigências documentais é o aplicador, velho e empedernido burocrata que imagina estar prestando o serviço mais relevante e proveitoso ao poder público ao exigir atestados de desempenho anterior aos vendedores de cenoura ou de papel sulfite; provas de regularidade fiscal emitidas por todos os níveis de governo, quando o seu Município nenhum interesse tem nisso, e muito ao contrário se souber que licitação é competição de propostas e não de documentos, sobretudo os que somente interessam a esferas alheias de poder; contrato social de multinacionais fabricantes de automóveis; o CNPJ dessas mesmas empresas; prova de grande capital integralizado a prestadores de serviços corriqueiros; registro ou inscrição em entidade profissional competente, que não se sabe se existe nem qual é, a vendedores de televisões ou de mandioca brava; grande índice de liqüidez a vendedores de mercadorias para entrega imediata e integral; registro comercial de empresas individuais, para construção de enormes edifícios; decreto de autorização de funcionamento de empresas estrangeiras, em licitações nacionais e que por isso naturalmente não admitem empresas estrangeiras; declaração de que o licitante não descumpre as regras de proteção do trabalho do menor, ao

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licitar obras de grande vulto que serão construídas por gigantescas construtoras as quais

por vezes não têm um só menor empregado2; prova de inscrição no cadastro

municipal de licitantes que não se precisam submeter a qualquer inscrição para executar o objeto pretendido; certidão negativa de falência a vendedores de pão-de-queijo, e outras intermináveis e incontáveis exigências, quase todas, além de desnecessárias e desarrazoadas, impertinentes ao objeto, e com isso abusivas, discriminatórias, irracionais, irrazoáveis, e desprovidas de qualquer finalidade ou motivação publicística com relação ao ente que licita.

A Administração precisa selecionar com máximo rigor e extrema parcimônia os documentos que exigirá em licitações, porque exigir mais do que necessita prejudica sempre, por afastar grande número de participantes, mais preocupados em prestar bom serviço ou vender bom material a bom preço que em juntar papeladas, e mais interessados em demonstrar sua qualidade trabalhando e não com dezenas de documentos.

E nem se argumente com a desgastada fórmula de que a Administração ―precisa conhecer muito bem quem pretende contratar‖, pois que isso de fato nunca foi verdade. A Administração detém a faca e o queijo nas mãos em qualquer contrato com particular, que se não desempenhar a contento sua obrigação será apenada com suspensões e multas, ou declarações de inidoneidade para licitar; deixará de receber e terá rescindido seu contrato, e poderá vir a arruinar-se como se arruinaram centenas e milhares de ex-empresas que, tendo contratado com o poder público após exaustivas licitações, simplesmente foram caloteadas, ou ―bigodeadas‖ pela Administração, por vezes jamais recebendo seus créditos.

Para a Administração, entretanto, caso rescinda o contrato com algum fornecedor que licitou, basta estalar um dedo e os demais participantes acorrerão às pressas, pela ordem de classificação, para contratar a parte faltante, ao preço do anterior contratado, atualizado.

Já dissemos mais de uma vez que quem porventura gosta de habilitação não gosta de licitação, e, se psicologicamente analisado com a merecida detença, provavelmente apresentará vocação para capataz de campo de concentração nazista - com toques inclusive de masoquismo - antes que de servidor racional e disposto a auxiliar a coletividade, a todos e a si mesmo.

IV

Abordemos agora um ligeiro aspecto do pregão, em duas palavras: ou a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, sem o declarar constitui norma d geral de licitação ou todo e qualquer pregão realizado no país é ilegal.

O § 8º, do art. 22, da Lei nº 8.666/93, com efeito, sem nenhum rodeio estabelece que ―É vedada a criação de outras modalidades de licitação ou a combinação das referidas neste artigo‖, e a Lei nº 10.520/02 simplesmente criou outra modalidade licitatória, a sexta, o pregão, que hoje vem sendo pacífica e desassombradamente realizado em todas as esferas da Administração pública de todo nível, inclusive autárquica e fundacional, e nas empresas estatais.

2

E o transpositor para a lei de licitações dessa idéia constitucional, concebida em prol do direito do trabalho no mundo empresarial, é alguma espécie de extraterrestre acaso ungido com mandato político, tal o seu grau de alienação com relação ao mundo real do direito. Com o mesmo sentido poderia a lei permitir que o edital exigisse prova de que o licitante não mantém escravos a seu serviço.

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Assim, se não se quiser enfrentar uma batalha jurídica que não terá fim - e que a esta altura dos acontecimentos já se sabe perdida de antemão -, será preciso considerar a lei do pregão como norma geral de licitação, pois que nesse caso revogou o § 8º, do art. 22, da lei de normas gerais de licitação, a Lei nº 8.666/93.

Ainda que a lei do pregão não o declare, como qualquer lei que introduza norma geral do que quer que fosse em boa técnica precisa declarar que o faz - até para demonstrar o seu enquadramento a alguma das previsões do art. 22 da Constituição relativas a competência legislativa privativa da União -, ainda assim é preciso, para se sustentar a permanência do pregão como sexta modalidade licitatória, que a Lei nº 10.520/02 é norma geral de licitação, pois que somente assim poderia ter o condão e a capacidade de revogar parcialmente a lei das normas gerais, já que lei que não de normas gerias jamais revoga, ou sequer arranha, a lei de normas gerais. Quanto ao pregão, tão magnífica foi essa idéia ante o panorama tenebroso e lúgubre da Lei nº 8.666/93 que o legislador não se deve haver lembrado de qualificar a lei do pregão como norma geral de licitação, como precisaria ter procedido se de fato era tal a sua intenção, como ao que tudo indica foi.

E, para rematar, aos que nos qualificam brigadores, saibam que esta briga de tentar provar a ilegalidade dos pregões ante a lei das normas gerais de licitações, não enfrentaremos, do mesmo modo como não nos é particularmente aprazível esmurrar extremidades de facas. Dom Quixote nos legou, afinal, sábias lições.

V

Prosseguindo nesta incursão sobre algumas curiosidades sobre licitações, permaneçamos no tema do pregão. De início, questão do - hoje tornado antigo - regulamento do pregão, o Decreto nº 3.555, de 8 de agosto de 2000.

A lei do pregão, a Lei nº 10.520, de 17.07.02, proveio, como se sabe, da conversão da Medida Provisória nº 2.182-18, de 23 de agosto de 2001, que foi a última da série das medidas provisórias que se iniciaram com a MP n° 2.026, de 4 de maio de 2000 e se repetiram, praticamente com a mesma redação por todo o tempo até se iniciar o processo de conversão.

O § 2º, do art. 1º, de todas aquelas dezoito medidas provisórias, previa que ―O regulamento disporá sobre os bens e serviços comuns de que trata este artigo.‖ Esse dispositivo, dessa forma, continha ou impedia a eficácia do caput até a edição do mencionado decreto, o qual descreveria os bens e os serviços passíveis de serem licitados por pregão. E de fato conteve até 8 de agosto de 2000, data da edição do referido Decreto nº 3.555. Uma vez editado, ficou livre a Administração, que naquele momento era apenas a federal, para licitar por pregão.

Assim foi, entretanto, até a publicação da Lei nº 10.520/02, a qual, surpreendentemente, durante a conversão sofreu drástica modificação, e o antigo § 2º, do art. 1º das MPs, foi simplesmente suprimido da redação final do art. 1º da lei, que teve então apenas o seu parágrafo único, do qual não constava a contenção da eficácia até a edição de regulamento.

Com isso, perdeu completamente seu papel ―liberatório‖ o já editado regulamento, o Decreto nº 3.555/00, passando a jazer no panorama legislativo como que perdido no espaço, algo sem função, tornado gratuito por inteiro, e desvinculado de qualquer finalidade. Servirá, no máximo, como inspiração a quem deseje licitar por pregão - porém

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cuidado ! Como modelo contém defeitos inumeráveis, inclusive de legalidade pois que contraria em diversos momentos a própria lei que regulamentava.

Esse, no máximo, de ―roteiro sugerido‖, passou a ser o condão e o escopo do mortalmente golpeado Decreto nº 3.555, de 2000. Não se tornou ilegal só por esse fato, porém deixou de ser necessário como rol de bens e serviços licitáveis por pregão. De tal sorte, doravante e desde a edição da lei cada edital de pregão livremente elegerá, dentro do critério do art. 1º, da Lei nº 10.520/02, os bens e serviços a licitar, dentro dos que a respectiva entidade pública considere comuns.

E, por fim, a julgar pela qualidade horrenda daquele decreto, até que fez por merecer seu destino.

VI

Encerre-se este curto artigo - que será prosseguido proximamente - com duas outras alusões ao pregão:

1ª) pode ser realizado pregão para registro de preços, a teor do disposto tanto no art. 9º, da lei do pregão, que manda ou autoriza aplicar subsidiariamente a Lei nº 8.666/93 ao pregão, e o registro de preços consta do art. 15, inc. II, daquela lei, podendo assim ser utilizado por aplicação do fundamento subsidiário, quanto por força do que dispõe o art. 12 da lei do pregão, que, modificando a Lei federal nº 10.191, de 14 de fevereiro de 2001, faz admitir expressamente, para todos os entes federados, o pregão para registro de preços para bens e serviços vinculados à área da saúde. E, comentamos nós, se para a saúde isso é possível ninguém postulará, em sã consciência, que para outras áreas do serviço público os bens e os serviços comuns estarão impedidos de se licitarem por pregão, já que nenhum sentido teria uma tal restrição.

Seja como for, e apenas pelo art. 12, da lei do pregão, está também tacitamente derrogado o inc. I, do § 3º, do art. 15, da lei de licitações, que exigia que o registro de preços se desse tão-só por concorrência. Com a admissão do pregão pelo art. 12 da Lei nº 10.520, foi por água abaixo aquela restrição;

2ª) consta que já tramita (ou dorme em alguma gaveta parlamentar de preferência, e que durma para sempre) um infame projeto de lei que pretende substituir a lei do pregão, com seus enxutos e adelgaçados artigos, contendo 175 (cento e setenta e cinco) grossos e grosseiros artigos, que instituem até mesmo a modalidade de júri (sic ! Acredite-se se se quiser !) para licitações de bens e serviços comuns.

Trata-se do maior retrocesso na legislação brasileira de todos os tempos, de uma doentia torpeza de concepção, não se sabe visando atender a que espécie de interesses, que mata de vergonha a quem tenha a mínima consciência jurídica e se disponha a ler até o fim o enorme amontoado de incongruências e tautologias, que complicam até o extremo o que foi brilhantemente simplificado com relação à lei de licitações, o pregão.

Aquela execrável iniciativa, cavernícola e telúrica, própria antes de primatas do direito que de homens do direito, e que não se sabe de onde veio e a que veio - mas somente para onde desejamos que vá -, não pode em hipótese alguma ser aprovada, ou mesmo tramitar normalmente, como se fora normal.

Encareçamos por isso o máximo tirocínio possível aos parlamentares brasileiros, que já brindaram nosso direito com a atual lei de licitações, para que não dêem seqüência à inominável insânia, e ainda mais agravem o atual e tétrico panorama das licitações brasileiras, que apenas é suavizado pela existência do pregão.

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LICITAÇÕES E CONTRATOS ALGUMAS CURIOSIDADES - II

Ivan Barbosa Rigolin

I

Em seqüência a um primeiro artigo sobre curiosidades em licitações1, enumeremos outras pitorescas particularidades dessa província do direito administrativo, em nosso continental país no qual, a crer na nem sempre acurada informação dos jornais, de 55 a 60% das contratações efetuadas pela União dão-se sem licitação, diretamente com o particular por via da dispensa ou da inexigibilidade.

E, se assim for de fato, a ninguém reste dúvida de que a zelosa lei das licitações oferece amplo resguardo e formal cobertura a semelhantes transações com o dinheiro público. A norma então parece, nesse passo, não a lei das licitações mas a lei das dispensas de licitação, ou a lei das licitações dispensadas. Ou, quiçá, a lei das não-licitações. Com todo o seu sacrossanto e formalismo, e a sua apregoadíssima austeridade, em verdade preconcebida para inglês ver...

II

Uma inicial curiosidade neste tema é a de que certos objetos em licitação conforme o caso tanto podem ser compras quanto podem ser serviços. Qualquer objeto que esteja pronto nas prateleiras de alguma loja, à espera de comprador, é compra, enquanto que outro objeto da mesma espécie e natureza, que, entretanto, pela sua dimensão, ou pelo material de que seja confeccionado, ou pela cor, ou pela peculiaridade de algum detalhe, precise ser fabricado segundo alguma norma ou projeto, sendo que o seu custo nesse caso será dado sobretudo pelo inédito e ingente trabalho que a produção envolve, então esse mesmo material deixa de ser compra para converter-se em serviço, eis que a mão-de-obra envolvida, muita vez dificílima ou tremendamente trabalhosa, com freqüência responde pela quase totalidade do seu valor final.

Em caso assim, por evidente toda desejável diluição de custos que uma linha de montagem acarretaria desaparece, ou não existe, já que nenhuma linha de montagem será montada para produzir tão incomum e especializado artefato. Como classificar como compra, se assim é, um tal objeto, em que o material utilizado pouco pesou no custo final, ante o especializado, demorado, complexo e custoso serviço que foi necessário. Trata-se, portanto, de serviço e não de compra nesse caso.

Como exemplos se podem citar próteses ou órteses, sempre individuais e

produzidas para atender a necessidades individualizadas, ocasiões em que serviço pesa em geral muito mais que o material empregado; houvesse a possibilidade de produção em massa de próteses, o custo de cada qual desabaria em face da sua multiplicação uniforme. Outro exemplo ocorre no caso de instrumentos musicais, os quais se forem de fábrica, produzidos em série com materiais por vezes comuns e baratos, têm um preço,

1

E nosso muito caro Cerdônio Quadros, ao deparar com o primeiro artigo sob este título, de pronto nos advertiu para a insanável redundância que continha, já que, obtemperou, desde que existe a Lei nº 8.666/93 todo e qualquer assunto relativo a licitação passou a ser no mínimo curiosíssimo.

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porém se confeccionados por autores renomados e com material selecionado, envelhecido e tratado com primor artesanal custam, por vezes, quinhentas vezes mais. No primeiro caso compram-se os instrumentos como material, e no segundo compra-se o serviço de confecção, o que resulta drasticamente diverso. Falando-se em violinos novos2 e em dólares americanos, o primeiro vale cem no mercado e é compra, e o segundo por vezes custa vinte e cinco mil, e somente pode ser tido como serviço.

Forçando-se um pouco a mão mas falando francamente, um automóvel popular é compra, mas um artesanal Rolls Royce, elaborado inteiramente a mão, garantido por toda a vida do primeiro proprietário e cujas portas são abertas e fechadas cem mil vezes antes da aprovação para a venda, esse objeto de uma dificilmente imaginável licitação como compra não pode ser caracterizado3.

O que para quem elabora editais se pretendeu levantar com este assunto foi a necessidade de atenção para a perfeita caracterização do objeto como compra ou como serviço, sabendo-se que se se confundir obra com serviço isso pouco afetará o regime jurídico do contrato, que será sempre administrativo, porém o mesmo não ocorrerá em caso de compra, contato sempre civil e que por isso se submete a regime jurídico privatístico e em tudo rigorosamente diverso do primeiro, com contornos e conseqüências equivalentemente díspares.

III

Serviços sociais autônomos. Esses invejavelmente organizados organismos particulares, valiosos auxiliares da formação de profissionais do comércio, da indústria, das micro e pequenas empresas (o assim chamado ―sistema S‖, integrado por SESC, SENAC, SESI, SEBRAE e outros entes de objetos similares), apenas por receberem subvenções oficiais, legalmente instituídas e percentualmente vinculadas a impostos, um dia foram informadas - e dificilmente hoje se saberá por quem - que deveriam submeter-se à legislação de licitações, tais quais fossem entes ou órgãos públicos.

Observou-se assim, na seqüência de tal tresloucada orientação, que tais entidades - repita-se, particulares, privadas, que nem sequer são paraestatais, e nem mesmo indiretamente governamentais - puseram-se com maior ou menor afinco a organizar seus regulamentos de licitações, naturalmente com base na Lei nº 8.666/93, e na sua conformidade passaram a licitar suas compras, seus serviços e suas obras, imagine-se com que dificuldades, e em que estranhíssimas condições institucionais, talvez como as de quem, calçando 44, é convidado a trajar sapatos 38, ou quiçá tal qual o rei Momo sendo compelido a comandar o tríduo carnavalesco envergando uma armadura medieval, com escudo, espada e acha d’armas. A inadequação era patente, e nesse nível insólita.

Após as vozes de costume se levantarem contra a absoluta impropriedade da idéia, enfim foram se conscientizando os órgãos de controle, sobretudo os Tribunais de Contas, e a seguir os empedernidos moralistas de plantão - que ainda crêem na geração espontânea e em que o Sol gira em torno da Terra -, de modo que atualmente restou

2

E conseguimos com isso, uma vez mais, falar de violinos, que ao fim e ao cabo é o mais nos apraz. Tal qual o incorrigível devorador de queijo parmesão que ingere macarrão apenas para devorar o laticínio, alguém já nos acusou de que tanto falamos de licitação apenas para, de um ou de outro modo, sempre recair no tema dos violinos. 3 E já que o assunto são curiosidades, a ninguém ocorra, dentre os gentis leitores que os desejarem adquirir nas

revendas autorizadas, indagar o preço de um desses extraordinários engenhos da indústria automobilística, eis que então poderá vir a saber, e da pior maneira, que quem adquire um Rolls Royce apenas escolhe a cor e o modelo, não cabendo falar em vulgaridades como preço.

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pacífico e indiscutível que, ainda que seja de todo desejável e curial que os serviços sociais autônomos orientem-se pelos princípios da licitação, pelas suas idéias centrais de economicidade e de vantajosidade como regra para suas contratações, em absoluto jamais estão sujeitas à legislação licitatória, eis que não são nem nunca foram órgãos públicos, e não é o só fato de que haurem receita oriunda da parcial vinculação de tributos oficialmente arrecadados pelo poder público que lhes altera a natureza inteiramente privada, de modo a afastar a incidência de legislação que apenas se aplicada para o poder público tem sentido. Nesse sentido a decisão do e. TCU, no proc. 014.238/94-2, Recurso de Reconsideração no proc. TC 018.320/93-74.

O tema das licitações também se presta a prestigiar e abrigar, pelo que se vê, as mais variegadas espécies de assombrações e abantesmas institucionais, pelo que se invoca a oportuna prédica: vade retro! 5

IV

Se, em face do mesmo apontado moralismo de fachada, de encomenda, ocasionalmente eleitoreiro mas sempre oportunístico e tão confiável quanto uma nota de quinze unidades de qualquer moeda no mundo, alguma dúvida pudesse restar sobre a legitimidade das despesas públicas com participação de autoridades políticas e administrativas em congressos, seminários, simpósios e outros eventos técnicos, envolvendo ou não viagens, desfaça-se qualquer laivo de dubiedade, vez que é regular e legítima, e de tempo imemorial, tais gastos.

Se todo abuso que se demonstre é sempre condenável; se todo desvio de finalidade deve ser coibido; se a predestinação do recurso público é sempre intolerável, o que entretanto não se admite, em casos como este ou em qualquer caso, é o preconcebido e incondicionado julgamento antecipado segundo o qual, por exemplo, ―são sempre irregulares despesas de viagem para participação de autoridades em congressos‖, ou formulações congêneres que generalizam e uniformizam o que precisa ser particularizado e sempre examinado caso a caso, sem as fórmulas prefabricadas de juízo que invariavelmente induzem injustiças.

Demonstrando a autoridade que a despesa pública, com viagem ou sem deslocamento da sede, relacionou-se com algum evento técnico, e que efetivamente se deu sua participação, então não cabe a nenhum fiscal das contas públicas, nem a moralista algum, de plantão e sempre à espreita do momento de dar o bote para aparecer na imprensa e nos holofotes, substituir-se ao juízo discricionário das autoridades que para precisamente exercê-lo foram eleitas, para o fim de àquelas autoridades recriminar, apostrofar, condenar, anatematizar ou enlamear de antemão, à moda dos santos representantes da inquisição européia, que, visando poupar aos cidadãos o incômodo de julgar seus semelhantes, já tinham prontos os vereditos aplicáveis aos ―hereges‖ da comunidade. Com efeito, falar-se em democracia e em igualdade é brincadeira de criança, enquanto que prezá-las, e aplicá-las com senso de justiça, não se vem revelando tão simples aos fiscais da moralidade pública - contra os quais, lobos vestidos de carneiro, jamais silenciaremos.

O e. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo pronuncia-se repetidamente, em instância final do julgamento de contas municipais, pela absoluta legitimidade de tais

4 In Boletim de Direito Administrativo ago. 1999, p. 539.

5 Enquanto, naturalmente, permanecer sem efeito a invocação da mesma prédica contra a lei de licitações inteira.

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gastos - observados os pressupostos declinados -, como se observa de processos protocolos 378/026/98, 4962/026/98 e 2014/026/97, todos pela regularidade quanto às

despesas pela participação de Vereadores em Congressos.

V

Relacionado com este tema acima é o de que alguém pretender que apenas por receber algum dinheiro público qualquer pessoa privada ficaria sujeita à fiscalização pelo Tribunal de Contas da esfera própria do ente público repassador daquela verba.

Absolutamente não, pois isso não tem sentido nem ante a Constituição, art. 70, que descreve o papel institucional dos Tribunais de Contas, nem frente a nenhuma lei orgânica de Tribunal de Contas, que no mais apenas repete, como não deixaria de ser, a orientação constitucional, E em tais diplomas vem claramente enunciado, como na Carta, art. 70, que a ―fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta (...) será exercida pelo Congresso Nacional (...), sendo que o art. 71 constitucional reza que o ―controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União‖, dando em seguida as competências específicas do TCU, em nenhum momento entretanto legitimando qualquer ofensiva fiscalizatória do Tribunal diretamente sobre empresas ou pessoas jurídicas particulares.

Quando, no inc. VI, do art. 71, a Carta fixa que cabe ao TCU ―fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo (...)‖, tal significa apenas que o repassador será fiscalizado, para se saber se exigiu do beneficiário a prestação de contas indicando a correta aplicação da verba que repassou, segundo a expressa vinculação que tinha, ou se não o fez, e nesse caso o repassador, autoridade pública, merecerá a sanção cabível - mas nunca o Tribunal fiscalizará o clube, o time de futebol, a associação beneficente, a entidade de benemerência, a sociedade filantrópica ou o outro ente particular que recebeu o repasse. Isso não integra, nem nunca integrou, responsabilidade dos Tribunais de Contas, fiscal como é de contas exclusivamente públicas.

Esse tema guarda apenas indireta vinculação com licitações. Ventilou-se neste artigo sobre licitações apenas para concluir que, se não está sujeito o particular que receba verbas públicas a fiscalizações oficiais, portanto por fiscais de órgãos públicos, também por óbvio o particular beneficiário de repasses públicos não está sujeito às regras da licitação para poder utilizar a verba pública que recebeu. Fora público o ente que a recebeu, aí, sim, a licitação se imporia como dever, mas não se for o recebedor, repita-se, particular.

VI

Sobre convênios de colaboração institucional e financeira entre entes públicos e particulares, acorre-nos preocupação em face do jovial, despreocupado e alegre art. 116, da lei de licitações, que manda aplicar a mesma lei, no que couber, aos convênios celebrados pela Administração.

Com o máximo respeito e reverência - longe de nós desdenhar essa atitude - seria de se convidar algum familiar do autor, quiçá a senhora sua genitora, a indicar em que casos de convênio, em que particularidade, em que meandro ou escaninho, poderia ter aplicabilidade a lei de licitações.

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Algum ente público licita convênio, ou convenente? Alguém procura entidade com quem conveniar através de concorrência? Alguma entidade do poder público sai à caça de ente particular, desconhecido, com o qual intimamente associar-se para alguma finalidade de interesse público, como o sequioso noivo que caçasse sua noiva em lista telefônica, concurso público ou licitação privada, ou como o aflito anfitrião que nos mesmos moldes procurasse convidados para um churrasco em sua casa, ou par o casamento de sua filha preferida?

A idéia do folgazão art. 116 é de um primarismo ridículo, amadorístico de fazer dó, e indica apenas que o autor - que deve andar desempregado, porque, conhecendo-o, ninguém o pode empregar - se acaso não é também autor do resto da lei, faz jus à reputação de sê-lo, porque o art. 116, da lei de licitações, faz jus à lei de licitações. Merece tanta atenção e tanta observância quanto os arautos do fim do mundo para a semana que vem, e assim será enquanto a lei de licitações permanecer a obra de alienados que é desde o dia 21 de junho do ano da graça de 1993.

VII

Um último tema para este momento diz respeito à efetiva possibilidade de a Administração indicar marcas ou modelos dos bens que pretende adquirir em licitação, o que aparenta contrariar a lei de licitações, em momentos como o art. 15, § 7º, inc. I, ou o art. 25, inc. I, ambos a proibir a indicação de marca nas licitações.

Temos ao menos três hipóteses em que mais do que permitido torna-se logicamente obrigatório ao edital indicar a marca, e quando for o caso também o modelo, do material, equipamento ou bem desejado:

1ª) se existir um só produto, de marca específica, que atenda a necessidade da Administração, e mais de um vendedor, então far-se-á obrigatória na licitação a indicação da mesma marca e das especificações pertinentes, ou de outro modo a Administração irá adquirir o que não deseja, ou que não lhe serve. Trata-se de uma regra de pura lógica, contra a qual não poderia prevalecer regra legal contrária alguma, e nem sequer caberia que tal regra existisse, por simplesmente ilógica;

2ª) se o material pretendido, com sua marca, seu modelo e suas especificações, é padronizado, e se existe na praça mais de um fornecedor, então será igualmente obrigatória a indicação de todos os aspectos padronizados do bem no edital, pena de outra vez, em não sendo isso providenciado, a Administração sujeitar-se a comprar material fora de seu padrão, ou seja fora da especificação que por qualquer motivo anteriormente levantado ensejou a padronização. E não seja olvidado que praticamente toda e qualquer característica de qualquer material - se houver justificativa técnica para tanto - é suscetível de padronização, tais como são marca, modelo, idade mínima ou máxima, desempenho mínimo, rendimento, cor, transparência, ruído máximo ou mínimo, regularidade, visibilidade, audibilidade, timbre, forma, peso, material, cheiro, gosto (por curioso que pareça), princípio ativo, origem, composição, fórmula, processo de fabricação ou qualquer outro que a imaginação humana possa engendrar. Em podendo ser tecnicamente justificada a padronização, pode ser efetuada, e o bem padronizado precisará ser indicado ns licitações, sem qualquer possível argüição de vedação, que nesse caso deixa de ter sentido;

3ª) nas reposições de peças ou componentes pode a Administração - e se considerarmos o dever de boa administração deve e não apenas pode - indicar a marca e o modelo da peça a ser adquirida, sendo da marca original do produto que integrará. É

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fato notório, além de que o barato sai caro, que peças não-originais de reposição, fabricadas em oficinas pela-porco de fundo de quintal por marreteiros merecedores do ergástulo com chicotadas semanais e oitiva forçada de música de Stravinsky por ao menos duas horas diárias, danificarão invariavelmente o equipamento que deveriam servir, e, assim, o referido dever principiológico da boa gestão pública manda exigir peças originais para reposições de equipamentos, ao menos daqueles que contenham certo grau de refinamento ou complexidade. A marca há então de ser destacada e exigida particularizadamente, sem meias-palavras, subterfúgios ou escamoteações, pois que somente assim estará atendido o melhor interesse da entidade compradora.

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LICITAÇÕES E CONTRATOS ALGUMAS CURIOSIDADES - III

Ivan Barbosa Rigolin

I

Pretendia-se que o presente artigo fosse o último desta pequena série, mas os cabelos encanecidos e a prudência inerente aos anciões recomenda não fechar questão de modo tão abrupto sobre este delicado ponto, já que ao que parece as curiosidades em licitação, com a lei que temos, aparentam não ter fim à vista, e nem mesmo, porventura, no horizonte que se aviste do Everest, inigualável culminância topográfica do planeta. Equivale a Lei nº 8.666/93, aliás, ao Everest jurídico, somente que para baixo e para o fundo, para o centro da terra e seus grotões obscuros, e não rumo ao firmamento.

Inicia-se com o tema dos parcelamentos, fracionamentos ou execuções parciais dos contratos administrativos, assunto cuja singela menção, só em si, costuma infligir aos aplicadores da lei o mesmo arrepio e calafrio que a alusão a certos demônios tradicionais, que povoavam o imaginário das gentes nas trevas medievais. Eis, entretanto, que um semelhante abantesma jurídico, genuíno sete-peles ou tranca-rua das licitações, não deveria revelar-se tão apavorante, porque tecnicamente não se justifica de modo algum o temor indiferenciado que com freqüência enseja. A matéria consta principalmente, no seu aspecto fantasmagórico, do art. 8º, da Lei nº 8.666/93, sendo que em outros momentos aquela mesma fantasmagoria se dissipa, como se pretende demonstrar.

O art. 8º referido, fixa que ―a execução das obras e dos serviços deve programar-se, sempre, em sua totalidade‖. Na sua deliciosa ingenuidade esta primaveril e alegre disposição, concebida decerto por algum burocrata às vésperas de entrar em férias, não leva em conta que nem sempre a autoridade dispõe de todo o recurso com que realizar a obra completa, ou programar o serviço necessário em sua desejável integridade, mas deles necessitando, ao menos na parte que for possível, em quase desespero. Falta-lhe verba para construir o hospital com seus dez andares, ou todas as escolas de que a cidade carece, ou ainda para contratar um serviço essencial por cinco anos e em todas as suas etapas e fases, e o numerário de que dispõe faculta-lhe apenas edificar parte daquilo, ou as duas etapas iniciais do serviço.

A despreocupada restrição do caput, entretanto, cede vez à razão no parágrafo único, que, sensata e ajuizadamente, restringe a proibição de parcelamento do objeto apenas em caso de existir toda a condição, técnica e financeira, para a contratação integral. Agora, sim, fala o legislador e não o feitor ou o capataz, e indica que é apenas o fracionamento desmotivado, injustificado e injustificável, irrazoável, sem causa, gratuito, divorciado da necessidade, sem finalidade de interesse público, o proibido. O que, por oposição, tiver causa, seja de ordem operacional, seja financeira, seja de outra natureza técnica, isso evidentemente está e é sempre permitido e cabível - simplesmente porque atende a estado de necessidade do administrador, e não decorre de seu capricho ou idiossincrasia.

Reforçam esta convicção outros dispositivos da lei, como, relativamente a compras, o art. 15, inc. IV, que ao invés de restringir a compra parcial manda subdividir as compras em tantas parcelas quantas se revelem vantajosas e econômicas, e sobretudo o

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art. 23, § 1º, relativo não apenas a compras mas também a obras e a serviços, que fazem o mesmo. E sepultam, com tanto, o repulsivo ectoplasma da maldição do fracionamento - em verdade uma brincadeira de criança...

II

Prosseguem nossas curiosidades abordando-se o tema do manifesto desinteresse dos licitantes, expressão utilizada pelo art. 22, § 3º, da lei de licitações, segundo o qual se por manifesto desinteresse não acudirem ao menos três convidados à licitação sob essa modalidade mesmo assim o certame poderá ser aproveitado, se indicado esse fato no expediente administrativo.

Regra excelente, de origem óbvia no Executivo e não em gabinetes de extraterrestres eleitos proporcionalmente, permite não se perder o convite ao qual atenderam menos que os três participantes que de outro modo - exceto se por demonstrada restrição do mercado - seriam exigíveis. Manifesto desinteresse é a desatenção propositada, a despreocupação pura e simples, o desinteresse verificado sob sua forma mais primitiva e rasa, seja a de simplesmente não responder ao convite formulado pela Administração. Ninguém precisa, neste específico tema das licitações, ―formalizar o desinteresse‖, ou manifestá-lo por escrito e formalmente, para caracterizá-lo ante uma situação concreta que não despertou no convidado a vontade de concorrer para fornecer obra, serviço ou compra ao poder público.

Ao contrário, quem o formaliza estará provavelmente manifestamente interessado em, nos futuros ensejos de novos convites, ser de novo lembrado e convidado, lamentando, decerto, neste momento não poder participar. Manifestamente desinteressado está e é quem recebe o convite e por ele simplesmente se desinteressa, deixando de respondê-lo, ainda que para comunicar a impossibilidade ocasional de participar. Exatamente como quem recebe convite para algum evento e o lança ao recipiente onde, respeitosamente, deveria jazer a lei nacional de licitações e contratos administrativos.

III

Prosseguimos com a questão da homologação e da adjudicação, a primeira da licitação, e a segunda do objeto daquela. Homologa-se, com efeito, o certame licitatório inteiro, endossando-se-o, avalizando-se-o e, quem o faz, assumindo com isso a responsabilidade pela sua correção formal. Já a adjudicação se dá com relação ao objeto da licitação, e significa tão- só a atribuição daquele objeto a alguém, ao vencedor do certame.

Quem pratica ambos esses atos é a autoridade superior à comissão de licitação, e nessa ordem prevista no art. 43, inc. VI, da lei de licitações. Após homologar o certame, o que se dá apenas após resolvidos todos os incidentes do julgamento das propostas, inclusive recursos, a autoridade homologa o certame para que possa produzir efeitos externos à Administração, e permitir a contratação de terceiro. Homologação é o ato que desembaraça algum procedimento administrativo exatamente para que possa produzir efeito externo, tal qual ocorre nos concursos públicos. A adjudicação do objeto somente terá sentido operacionalmente lógico, portanto, após a homologação do certame, ou de outro modo, se acaso a comissão, logo após o julgamento, adjudicar o objeto ao vencedor, algum recurso a seguir interposto poderá obrigar ao indizível vexame de a

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Administração precisar anular a precipitada adjudicação, para realizá-la em nome do efetivo vencedor, afinal extraído da fase recursal.

Por essa razão é, como no dizer de ilustre ex-Ministro, imexível a ordem de todos os atos descritos no art. 43, em cujo inc. VI antes aparece a homologação e apenas após a adjudicação, não se devendo levar em conta para esse efeito, como chegou a ser comum ocorrer, a falta de ordem escrita no art. 38, verdadeira lista de compras em supermercado que permite quaisquer alterações sem prejuízo do resultado desejável, e a demonstração disso é a ordem em que aparecem, naquele art. 38, o inc. VII, que menciona adjudicação e homologação, e o inc. VIII, que cita recursos, quando se sabe que os recursos sempre ocorrem anteriormente à homologação da licitação e à adjudicação do objeto. Fosse uma ordem certa e necessária a dos incisos do art. 38, então jamais surgiria o inc. VIII, com seu teor, antes do inc. VII.

IV

Outro tema que por vezes atenaza a já sempre ameaçada serenidade da autoridade contratante segundo a atual lei nacional de licitações e contratos administrativos é o de saber se é para valer a aparentemente imobilizante previsão da parte final do inc. IV, do art. 24, da lei de licitações, que reza ―vedada a prorrogação dos respectivos contratos‖. Trata-se de contratações emergenciais, para atender a situações a exigir urgência de atendimento, e procedidas com dispensa de licitação, em contratos de ate 180 (cento e oitenta) dias de duração. Tal vedação de prorrogação seria para qualquer contrato emergencial, de qualquer duração, ou apenas para aqueles que já atingiram o prazo máximo? Vale dizer: pode-se contratar emergencialmente por menos que 180 dias, e prorrogar-se esse contrato até no máximo 180 dias, ou, de outro modo, qualquer contrato emergencial, de qualquer prazo, só em si já é improrrogável?

Ficamos com a tese de que pode ser prorrogado, havendo motivo e justificativa, o contrato emergencial, desde que o prazo total final não ultrapasse o máximo estabelecido no inc. IV. Não será apenas por ser emergencial, entendemos, que estará proibida qualquer prorrogação, ou de outro modo quem pode o mais, que é contatar por até 180 dias, ver-se-ia sem poder o menos, que é contratar por menor prazo e prorrogá-lo até o máximo expresso.

Podem efetivamente surgir ensejos, e surgem com marcante freqüência, de se precisar prorrogar um contrato emergencial, cujo prazo tenha sido porventura subestimado segundo a real necessidade, porque a urgência persiste, ou porque ocorre nova situação de urgência, conjugada à primeira, ou dela decorrente, a qual se possa atender por prorrogação do contrato já celebrado. Não há razão por que entender restritiva a uma só celebração, em casos assim, a regra in fine do inc. IV, do art. 24, da lei de licitações, e simplesmente porque além de não estar expressa tal restrição ela nem seria lógica ou razoável, se o que ali se visa é atender a necessidades excepcionais da Administração dentro de prazo que, se exercido inteiro, é mais que razoável numa lei que prevê contratos de até 12 (doze) vezes aquilo (art. 57, inc. II, combinado com § 4º), ou até mesmo mais que isso (art. 57, inc. I, dependendo de sucessivas e indeterminadamente repetidas prorrogações de diretrizes dos planos plurianuais).

Parece-nos que a lei, por pior que em seu conjunto total se afigure, e que neste passo reconheceu e se curvou ante excepcionais estados de necessidade da Administração, dificilmente conteria um formalismo tão gratuito e despropositado quanto esse, se acaso alguém o advogue.

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V

O último tema escolhido para esta assistemática resenha é o das concessões e das permissões, distinguindo-se desde logo as de serviço público das de uso de bens públicos. Trata-se de grupos de instituições jurídicas tão similares entre si quanto um rinoceronte e uma suculenta berinjela, mas curiosamente ainda propiciam as mais inconcebíveis confusões por qualificados profissionais de diversas áreas, inclusive jurídicas, integrantes de diversos Poderes do Estado. Jura-se, ao se lerem certas assertivas sobre concessão de uso, ou sobre permissão de uso, que os seus autores nunca ouviram falar do assunto, e que jamais sequer suspeitaram que além das concessões e permissões de serviço público existem-nas também de uso de bens públicos. Se assim o é, aprendam a partir de agora que a) existem, e b) são institutos diferentes.

É preciso que os cultores do milenarmente tradicional direito privado voltem um pouco seus olhos, a esta altura da história e neste particular momento em que os institutos publicísticos se multiplicam, se avolumam e se agigantam na vida de todas as nações civilizadas, para o direito administrativo, o direito local por excelência, aquele ainda pouco conhecido ramo jurídico dotado de suas regras todas peculiares, suas instituições características que muita vez simplesmente se opõem àquelas do direito comum, suas estatuições típicas, seus meandros e seus delineamentos próprios, desde bem logo inconfundíveis. E, mesmo já se estando dentro do direito do Estado, faz-se imprescindível atentar para as regras constitucionais de distribuição de competências, entre as diversas pessoas jurídicas de direito público interno, conforme o assunto de que a cada momento se cuida, e que a cada instante se visa disciplinar.

VI

Não se podem tratar problemas privativos do direito público senão com as normas a cada momento aplicáveis. Antes de dizer o principal, figuremos um só exemplo de impropriedade no trabalho, sobre este assunto, que engulha ao profissional do direito administrativo como pouca coisa mais: é tremendamente irritante deparar-se alguém com relatório de auditoria, dos Tribunais de Contas, apontando irregularidade em algum contrato de concessão de uso de bem público, ou mesmo de concessão de serviço público, porque não observou a lei de licitações. E imaginar, esse profissional, que precisará perder seu escasso tempo para provar o óbvio, para demonstrar os rudimentos da matéria, conhecidos dos administrativistas mas que o auditor não detém, não deve lhe parecer sequer razoável. E o pior é que provavelmente no ano seguinte o mesmo se dará e nos mais diversos Municípios, até porque em geral os auditores não acompanham a seqüência do processo de fiscalização das contas, iniciados com seu relatório, restando sem saber que fim teve o seu - tecnicamente, data venia, infantil - apontamento. E tudo apenas porque o infinitamente obtuso e juridicamente nulo autor da Lei nº 8.666/93, com o refinamento de um açougueiro medieval, estabeleceu no art. 2º de sua obra, juntando alhos e bugalhos no mesmo saco, que ―As obras, serviços (...), compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.‖

É evidente que ignora que permissão não é contrato, mas ato administrativo unilateral de outorga, de caráter negocial, oneroso ou não, excepcionalmente por tempo certo mas em geral por prazo indeterminado e a título precário. Jamais deve ter lido um lei

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orgânica de Município, nem mesmo a Constituição Federal ou as Constituições estaduais que disciplinam, cada qual para seu âmbito, a matéria das concessões e das permissões.

Desconhece, por óbvio, que existem, dentro do direito administrativo nacional, quatro espécies de contratos administrativos de concessão, sejam: a) de obra pública, que em certos casos ganhou novo rótulo na Lei nº 8.987/94, art. 2º, inc. III1, mas que continua sendo e devendo ser disciplinada por legislação local; b) de serviço público, referido na Constituição, art. 175, parágrafo único, inc. I, e disciplinado para a União na Lei nº 8.987, de 13.02.94, e para cada Estado na sua Constituição e nas suas leis, e para cada Município na sua lei orgânica e nas suas leis; c) de uso de bem público, que não tem menção na Constituição Federal e que é disciplinado em cada ente federado exclusivamente por sua legislação, e d) de direito real de uso, disciplinado pelo art. 7º, do Decreto-lei federal (porque os existiram estaduais, mesmo contra dispositivo constitucional federal) nº 271, de 28.02.67.

E desconhecerá também provavelmente, e até o dia de hoje, que existem permissões de serviço público, também referidas no art. 175, parágrafo único, inc. I, da Constituição, ao lado das permissões de uso de bens públicos, figurantes das Constituições Estaduais e das leis estaduais para o âmbito dos Estados, e das leis orgânicas municipais, para esse escopo territorial.

VII

É ainda evidente que muitos profissionais fiscais das contas públicas, e fiscais da lei, desconhecem que na Constituição Federal inexiste a possibilidade de a União ditar normas gerais sobre concessão, qualquer delas, e sobre permissão, qualquer delas, porque simplesmente os arts. 21 a 24 da Carta não as prevêem, como prevêem, por exemplo, que a União estabeleça normas gerais de licitação e contrato administrativo (art. 22, inc. XXVII), ou como está constitucionalmente previsto, em outras palavras querendo significar o mesmo que ditar normas gerais, que pode a União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano (art. 21, inc. XX), ou então estabelecer princípios e diretrizes para o sistema nacional de viação (art. 21, inc. XXI).

Em todas as hipóteses constitucionalmente autorizadas a União dita regras gerais e amplas, ou princípios e diretrizes - que no mundo real e não no nefelibatismo acadêmico que acomete incontáveis pós-graduandos de todo gênero, repita-se, significam exatamente o mesmo - aos demais entes integrantes da federação, mas, por favor atenção, apenas naquelas estritas e taxativas hipóteses constitucionalmente enumeradas, e não no que a cada momento por modismo, demagogia, proximidade das eleições ou puro e simples alheamento do direito, der na veneta do legislador federal, do Executivo ou do Legislativo2.

1 E a concessão de serviço público precedida de execução de obra pública, referida no inc. III, do art. 2º, da Lei

federal nº 8.987/94, a lei das concessões de serviço público, nem sempre é a mesma concessão de obra pública conhecida do direito administrativo, porque ainda nos dias de hoje é possível ao poder público contratar a particulares a execução de uma obra pública a ser remunerada por pedágio durante alguns anos, como o caso de uma ponte, sem o envolvimento de qualquer serviço público. A isso se chama e sempre se chamou concessão de obra pública, antes da lei das concessões de serviço público, depois dela ou apesar dela. Mas aqui também o legislador federal foi por demais grosseiro para entrever a diferença. Só lhe interessou inovar, alterar o direito, jamais se dando conta de que a grande maioria das concessões de obra pública simplesmente passou ao largo das definições do art. 2º, da Lei nº 8.987. Assim, o Estado de São Paulo mantém a sua lei disciplinadora dessa espécie de concessões, que é a Lei nº 7.835, de 8 de maio de 1.992. A grosseria do legislador federal neste assunto não o contaminou. 2

Ninguém se olvide de que legislador em verdade, hoje em dia e há tempos no Brasil, é o Executivo, e o

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Em outras palavras, o único modo de a União poder ditar normas sobre assuntos de interesse local para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios seria fazê-lo através de normas gerais, ou diretrizes, ou ainda princípios, única e tão-somente para sobre as matérias para as quais estivesse a União constitucionalmente autorizada. No caso de concessões ou permissões, sejam do que for, nada semelhante a qualquer remota autorização consta da Constituição, e isso evidencia o caráter eminentemente local de tais assuntos.

Com todo efeito, concessão de serviço público municipal é assunto que apenas ao Município interessa, e o mesmo se diga de qualquer outra espécie de concessão que, contratada no Município, não espraie seus efeitos para fora do Município. O mesmo se afirme quanto à permissão, seja do que for. Nada existe de indício, parâmetro, norteamento, vestígio ou apontamento, na Constituição, a indicar que possa a União falar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios sobre concessão e sobre permissão, afora a ligeira e pouco ilustre menção a concessão e permissão de serviço público, no inc. I, do parágrafo único, do art. 175, da Carta. Jamais a Constituição, nos dois momentos em que se refere a licitação, sequer esbarra no assunto das concessões e das permissões.

Assim, e por tudo isso, que para um administrativista é o abc preliminar da introdução à primeira lição, é absolutamente extreme de dúvida que os temas das concessões e o das permissões apenas podem ser disciplinados por norma local, de cada ente para si próprio e para nada mais além do seu âmbito. Não existe competência federal para tratar desses temas senão para si própria, e jamais a título de norma geral, princípio ou diretriz aplicável a outras pessoas públicas.

Assim, o Estado, o DF e o Município somente licitarão concessão ou permissão - que não sejam de serviço, porque essas a Carta manda licitar sem permitir evasão - se e como disciplinado na sua legislação, sem precisar atentar para outros feixes normativos quaisquer. E, se as precisarem licitar porque sua legislação o determina, então atentarão muito mais à sua legislação sobre concessão e permissão de serviço3, a qual permitirá elaborar editais perfeitamente adequados e a essa espécie de objeto, e muito pouco, ou quase nada, à lei nacional de licitação de obras, serviços e compras, que é a Lei nº 8.666/93, totalmente a inadequada à licitação de qualquer concessão e permissão.

E não será o fato de o eterno alienado, o infinitamente bisonho e grosseiro legislador brasileiro ter escrito o art. 2º, da Lei nº 8.666/93, incluindo concessão e permissão, ou ainda o de haver redigido o parágrafo único, do art. 1º, da Lei nº 8.987/94, que irá inverter o que até aqui se examinou e se concluiu pelo simples compulsamento da Constituição Federal, pois que o império da ignorância e da insciência não podem prevalecer sobre quem, além de para usar chapéu, utilize sua extremidade mais alta para fins mais elevados.

parlamentar é o colegislador do Executivo, tão poucas as iniciativas que o sistema constitucional e legal ainda lhe permitem. 3 E a Lei federal nº 8.987/94 se aplica necessariamente apenas à União, já que não contém normas gerais de

absolutamente nada, uma vez que, como visto, não existem, porque constitucionalmente não podem existir, normas gerais sobre concessão ou sobre permissão do que quer que seja. Essa lei federal pode entretanto ser voluntariamente adotada pelo Estado, o DF ou o Município, por ato de sua própria vontade, e a tal adoção o edital da concessão se referirá; jamais pode ser obrigado a adotá-la, entretanto, outro ente que não a União. E a quem contra-argumentar com menção ao parágrafo único, do art. 1º, da Lei nº 8.987, recomenda-se ler de novo este tópico, do começo.

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O MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL

Gina Copola

1. BREVE INTRODUÇÃO AO TEMA

O meio ambiente artificial, também chamado construído, é constituído por aquelas construções que não compõem o meio ambiente natural, mas, sim, por construções realizadas exclusivamente por ação do homem.

O meio ambiente artificial também merece proteção legal, e sobretudo constitucional, é o que se denota pela simples leitura de alguns dispositivos da Lei Maior, que serão analisados mais detidamente a seguir.

A principal forma de meio ambiente artificial é o ambiente urbano, e que será aqui enfocado. Tal forma de meio ambiente artificial é disciplinada pelo Direito Urbanístico, que constitui ramo próprio do direito público, e que teve seu desenvolvimento a partir do momento que as cidades começaram a crescer.

2. O DIREITO URBANÍSTICO: NATUREZA E CONCEITO

O Direito Urbanístico possui a natureza jurídica de ramo próprio e autônomo do direito público, com feições próprias e especiais, porém, com a adição de diversas informações e conceitos provenientes de outros ramos do direito já amplamente conhecidos no mundo jurídico, notadamente do Direito Administrativo. Esse ramo do direito visa à ordenação das cidades e a prática da política de desenvolvimento urbano, conforme previsto nos arts. 182 e 183, da Constituição Federal.

José Afonso da Silva assim conceituara Direito Urbanístico: ―ramo do direito público que tem por objetivo expor, interpretar e sistematizar as normas e princípios disciplinadores dos espaços habitáveis1‖

O Direito Urbanístico pode ser conceituado, de forma singela, como a parte do direito público que regula os espaços habitáveis, em especial o ambiente urbano, e seu uso e ocupação, através de suas regras e princípios próprios.

3. COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR SOBRE O MEIO AMBIENTE CONSTRUÍDO

A competência para legislar sobre a defesa do solo e dos recursos naturais é concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, conforme se lê do art. 24, inc. VI, da Constituição Federal.

É da União a competência para legislar sobre planos nacionais e regionais de ordenação do território, conforme preceitua o art. 21, inc. IX, da Constituição Federal; e sobre diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transporte urbano, conforme se lê da CF, art. 21, inc. XX.

1

In Direito Urbanístico Brasileiro. 2ª ed. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 42, com grifos originais.

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É competência dos Estados, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, conforme reza o art. 25, § 3º, da Constituição Federal.

Aos Municípios cabe suplementar a legislação federal e estadual no que couber, conforme o disposto no art. 30, inc. II, da Constituição Federal. Compete, também, aos Municípios, legislar sobre assuntos de interesse local, conforme reza o art. 30, inc. I, da Magna Carta.

Compete aos Municípios, sobretudo, promover o ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, conforme reza o art. 30, inc. VIII, da Constituição Federal.

O art. 182, da Carta Magna, pontifica que a política de desenvolvimento urbano é executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei. Tal dispositivo foi regulamentado pela Lei federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 – o Estatuto da Cidade.

4. USO E OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO. O ZONEAMENTO URBANO.

O uso e a ocupação do solo urbano, conforme acima dito, constitui matéria de competência privativa do Município, sendo que, é imperioso observar, a lei instituidora do uso e ocupação do solo urbano deverá dispor, também, sobre o zoneamento urbano.

O zoneamento urbano que atualmente constitui um dos principais institutos de planejamento urbanístico, é a repartição do solo urbano segundo a sua destinação de uso e ocupação, considerando-se, ainda, suas características arquitetônicas, e estabelecendo-se, para tanto, quais são as áreas residenciais, comerciais e industriais, e suas subdivisões.

No dizer de José Afonso da Silva, ―o zoneamento pode ser entendido como um procedimento urbanístico destinado a fixar os usos adequados para as diversas áreas do solo municipal2‖

O zoneamento urbano, conforme é cediço em direito, é sempre realizado mediante lei específica do Município, acompanhada de anexos, que são mapas com as diversas zonas com seus respectivos usos. Tal lei pode ser regulamentada por decreto municipal.

5. O MEIO AMBIENTE URBANO: O SOLO URBANO E SEU PARCELAMENTO URBANÍSTICO

O solo urbano é assim classificado conforme os planos urbanísticos elaborados, e conforme as normas específicas existentes. Com todo efeito, o solo é urbano quando ordenado para atender finalidade urbanística, e conforme o disposto na Constituição Federal, em seu art. 182, caput, e § 2º. A Lei federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, modificada pela Lei federal nº 9.785, de 29 de janeiro de 1999, dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, e dá outras providências.

O art. 1º reza que o parcelamento do solo urbano será regido pela Lei nº 6.766/79, e o art. 2º pontifica que o parcelamento poderá ser realizado mediante loteamento ou desembramento, sempre observadas as legislações estaduais e municipais pertinentes. Observe-se, porém, que o loteamento já fora previsto e regulado pelo Decreto-lei federal nº 271, de 28 de fevereiro de 1967.

2 In ob. cit., p. 216, com grifos originais.

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Loteamento é a subdivisão da gleba em lotes destinados a edificação, com aberturas de vias de circulação e de logradouros públicos, conforme preceitua o art. 2º, § 1º, da Lei nº 6.766/79.

Desmembramento, por sua vez, é a subdivisão da gleba em lotes destinados à edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, conforme se lê do art. 2º, § 2º, da Lei nº 6.766/79.

A basilar diferença entre loteamento e desmembramento, de tal sorte, é que no primeiro há a abertura de vias e logradouros, enquanto no segundo não ocorre tal abertura, mas somente um aproveitamento das vias e logradouros já existentes.

O art. 3º reza que somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor, ou conforme aprovadas por lei municipal. O plano diretor, que é o conjunto de normas urbanísticas de determinada cidade, constitui um dos mais importantes instrumentos utilizados para viabilizar a política urbana, conforme consta do art. 4º, da Lei nº 10.257/01.

Os loteamentos que não observarem estritamente aos termos da Lei federal nº 6.766/79 são considerados loteamentos ilegais, que são classificados em clandestinos ou irregulares. Os loteamentos clandestinos são aqueles construídos sem prévia aprovação pela Prefeitura Municipal, e os irregulares, apesar de aprovados pela Prefeitura, são construídos sem a observância do plano previamente aprovado.

6. A PROPRIEDADE URBANA E SUA FUNÇÃO SOCIAL

A política de desenvolvimento urbano está disciplinada pelos arts. 182 e 183, da Constituição Federal, e tem por objetivo, conforme se lê do caput, do art. 182, constitucional, ―ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e

garantir o bem-estar de seus habitantes.‖ (Grifamos)

Observa-se, portanto, que o objetivo primordial da política de desenvolvimento urbano é a função social da propriedade urbana, que, por sua vez, está expressamente prevista pelo art. 182, § 2º, da Constituição Federal, que reafirmou o disposto expressamente no art. 5º, inc. XXIII, da Lei Maior, que, por sua vez, reza que a propriedade deve sempre atender a sua função social.

Reza o indigitado e relevante art. 182, § 2º, da Carta Magna, que a propriedade urbana atende sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

O plano diretor, conforme acima dito, constitui um dos mais importantes instrumentos utilizados para viabilizar a política urbana. É o plano diretor que conduz e norteia o ordenamento urbano e suas construções.

O saudoso Hely Lopes Meirelles assim definira plano diretor:

O Plano Diretor ou Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado, como

modernamente se diz, é o conjunto de normas legais e diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e constante do Município, sob os aspectos físico, social, econômico e administrativo, desejado pela comunidade local. Deve ser a expressão de aspirações dos munícipes quanto ao progresso do território municipal no seu conjunto cidade-campo. É o instrumento técnico-legal definidor dos objetivos de cada Municipalidade e, por isso mesmo, com supremacia sobre os outros, para orientar toda

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atividade da Administração e dos administrados nas realizações públicas e particulares que interessem ou afetem a coletividade.3

De tal sorte, a propriedade urbana atende sua função social quando lhe é dada a utilização e o aproveitamento adequados e previamente previstos no plano diretor aprovado pelo Município.

A elaboração do plano diretor é de competência do Executivo Municipal, por intermédio dos órgãos de planejamento da Prefeitura, e deve sempre ser aprovado por lei. São objetivos do plano diretor, dentre outros: promover a ordenação dos espaços habitáveis; ordenar a construção de casas populares; o saneamento; o zoneamento; o arruamento; os loteamentos; os desmembramentos; e a construção de vias expressas

7. DAS LIMITAÇÕES À PROPRIEDADE URBANA IMPOSTAS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Reza o art. 182, § 4º, da Constituição Federal, que o Poder Público Municipal, mediante lei específica, poderá exigir que o proprietário promova o adequado aproveitamento de solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, sob pena de determinar, sucessivamente: a) parcelamento ou edificação compulsórios; b) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo, e, por fim, c) a desapropriação.

O proprietário, conforme se lê do dispositivo constitucional, que não cumprir as exigências municipais de promover o adequado aproveitamento da propriedade urbana, pode sofrer as penalidades previstas pela Constituição Federal, que constituem verdadeiros instrumentos de intervenção urbanística.

Resta imperioso ressaltar que as penalidades previstas pelo art. 182, § 4º, da CF/88, não podem ser aplicadas cumulativamente, ou seja, as penalidades previstas em tal dispositivo constitucional só podem ser aplicadas uma de cada vez. Além disso, a palavra sucessivamente constante do dispositivo indica uma ordem de aplicação das penalidades, começando-se pelo parcelamento ou edificação compulsórios, depois aplicando-se o IPTU progressivo, até a última e extrema penalidade prevista, que é a desapropriação.

Além disso, cada Município deve editar sua lei específica que defina qual área ou região está sujeita à aplicação das penalidades previstas pelo indigitado art. 182, § 4º, da Carta Federal. E, ainda, a imposição da penalidade ao proprietário do imóvel é realizada sempre através de decreto a ser expedido pelo Prefeito Municipal.

O Município tem o dever e não a faculdade de regularizar o uso, no parcelamento e na ocupação do solo, para, com isso, assegurar os padrões urbanísticos. Nesse exato sentido, já decidiu recentemente o e. Superior Tribunal de Justiça, em Recurso Especial nº 448.216/SP, 1ª Turma, rel. Min. Luiz Fux, publicado in DJ de 17.11.03.

O parcelamento do solo urbano, conforme se viu acima, é disciplinado pela Lei federal nº 6.766/79, modificada pela Lei federal nº 9.785/99, e poderá ser realizado mediante loteamento ou desmembramento, já acima conceituados. Nesta hipótese, são impostas algumas limitações na propriedade urbana, através de diretrizes que devem ser estritamente seguidas pelo proprietário parcelador.

A edificação compulsória, por sua vez, é a determinação ao proprietário que realize construção em seu solo não edificado, com a finalidade de que a propriedade

3 In Direito de Construir. 6ª ed. São Paulo : Malheiros, 1994, p. 96, com grifos originais.

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atenda a sua função social. Dessa forma, se a área é residencial, o proprietário deve, conforme determinação do Poder Público, realizar construção de residência no solo urbano ainda não edificado.

Conforme nos ensinou Celso Ribeiro Bastos4, cabe ao proprietário escolher qual das duas formas de penalidade - parcelamento ou edificação - lhe seja aplicada, desde que, obviamente, a propriedade comporte tal escolha.

O imposto sobre a propriedade predial e territorial - IPTU, progressivo no tempo é aquele em que a cada ano o imposto passa a ter uma alíquota maior, onerando cada vez mais aquela propriedade não edificada, e que não atende sua função social. Tal imposição, todavia, não pode ter efeito de confiscar o bem, já que nenhum tributo pode ser utilizado com efeito de confisco, conforme reza expressamente o art. 150, inc. IV, da Constituição Federal.

E, por fim, a desapropriação é a medida extrema prevista no art. 182, § 4º, da CF/88, e é aquela a ser paga mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas. A desapropriação em comento, pode ser denominada como desapropriação-sanção, e é a utilizada estritamente como instrumento da política urbana, e, assim, difere da forma tradicional de desapropriação, na qual existe a indenização justa, prévia, e em dinheiro.

8. O ESTATUTO DA CIDADE

O Estatuto da Cidade instituído pela Lei federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001, ―regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências‖. Tal diploma contém relevantes inovações em termos de administração pública urbana, sempre observando a atual preocupação mundial com a questão do meio ambiente equilibrado, e com a imperiosa necessidade de cidades sustentáveis.

A falta de aplicação desse diploma e de seus imprescindíveis instrumentos pode causar danos irreparáveis na política urbana, como é o caso do Município mineiro de Ouro Preto, que é uma cidade histórica e tombada pelo patrimônio histórico, e que atualmente está sofrendo as duras conseqüências da ausência de um plano diretor, e de uma administração urbana eficaz.

O relevante art. 4º, da Lei nº 10.257/01 – a nosso ver, o mais importante de toda a lei – cuida dos instrumentos da política urbana, que são: a) planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social (inc. I); b) planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões (inc. II); c) planejamento municipal (inc. III); d) institutos tributários e financeiros (inc. IV); e) institutos jurídicos e políticos (inc. V), e f) estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) (inc. VI).

A nosso ver, o instrumento mais importante previsto no art. 4º, da Lei nº 10.257/01, é o Plano Diretor, já acima conceituado.

Outros relevantes e imprescindíveis institutos da política urbana são: a) o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), e b) o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV), ambos previstos no inc. VI, do art. 4º, da Lei nº 10.257/01.

4 In Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo : Saraiva, 1990, v. 7, p. 224.

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O Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA – é exigível para toda obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, conforme reza expressamente o art. 225, inc. IV, da Constituição Federal. Tal instrumento será analisado em capítulo apropriado desta obra.

O Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança – EIV, por sua vez, está disciplinado pelos arts. 36 a 38, do Estatuto da Cidade.

O art. 36, do Estatuto da Cidade, reza que a definição dos empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de EIV, para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento, deverá ser realizada por lei municipal.

O necessário art. 37, por sua vez, elenca as principais questões que devem, obrigatoriamente, constar do EIV. O elenco não é taxativo, uma vez que admite outras questões que podem constar do EIV. É a ilação que se retira ao ler a expressão ―no mínimo‖ ali inserta.

E, por fim, o art. 38 deixa claro que a elaboração do EIV não substitui a elaboração do EIA, requeridas nos termos da legislação ambiental.

Os demais instrumentos previstos no indigitado art. 4º, do Estatuto da Cidade, também apresentam relevância, e devem sempre ser observados no plano municipal.

9. O DIREITO DE CONSTRUIR E O SOLO CRIADO

O direito de construir está expressamente previsto pelo Código Civil, instituído pela Lei federal nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em seus arts. 1.299 a 1.313. Conforme se lê de tais dispositivos, é conferido ao proprietário a faculdade, e não a obrigação de construir.

Com todo efeito, reza o art. 1.299, do Código Civil, que o proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver. Dessa forma, a lei substantiva civil em nenhum momento exige que proprietário construa edifício em seu terreno, mas apenas faculta-lhe tal direito.

A Constituição Federal, a seu turno, preceitua, no indigitado art. 182, § 4º, que o Poder Público Municipal, poderá exigir, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, que o proprietário promova o adequado aproveitamento de solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, sob pena de aplicação das penalidades previstas naquele dispositivo, dentre elas a desapropriação.

Em análise superficial, pode-se concluir de forma equivocada que as disposições do Código Civil e da Constituição Federal se contradizem. Tal ilação, entretanto, não é correta, uma vez que os dois diplomas dispõem sobre âmbitos diversos. Conforme ensina-nos José Afonso da Silva, o direito civil não disciplina a propriedade, mas tão-somente regula as relações civis a ela pertinentes.5

Conclui-se, de tal sorte, que as disposições do Código Civil valem somente para as relações civis, e a Constituição Federal, por outro lado, cuida do regime jurídico da propriedade, e sua função social, além de discipliná-la como direito e garantia fundamental, em seu art. 5º, incs. XXII e XXIII.

5 In ob. cit., p. 63.

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Outro importante instituto que deve ser aqui lembrado é o referente ao solo criado. Conforme nos ensina Toshio Mukai, o Estatuto da Cidade institucionalizou o chamado solo criado, que é a outorga onerosa do direito de construir6.

O referido instituto, conforme é sabido, foi previsto pelo art. 28 e seguintes, do Estatuto da Cidade, e constitui na possibilidade de fixação, através do plano diretor, de áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.

Perfilhamos do entendimento de Toshio Mukai, no sentido de que o instituto é perfeitamente constitucional, uma vez que a contrapartida pela outorga onerosa do direito de construir não se constitui em tributo, mas, sim, em obrigação de dar, criada, de forma legítima, pelo Estatuto da Cidade7.

Diante de tais considerações, e em razão das feições que as cidades têm tomado, é forçoso concluir que o meio ambiente artificial, cada vez mais, apresenta grande relevância para nossos estudos, sobretudo em razão de seus institutos próprios e inovadores.

6 In Fórum de Direito urbano e ambiental, jan/fev. 2003, p. 626.

7 In ob. cit., p. 628.