Revista Kalango #12

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Kalango12 ano III • dezembro 2012 consumo

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Revista independente de jornalismo, arte, sustentabilidade, cultura e turismo

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Kalango12ano III • dezembro 2012

consumo

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robson helton

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EDITORIALCaro leitor,

Chegamos ao final de mais um ano e a Revista Kalango chega até você com uma proposta de discussão sobre o consumo e o verdadeiro sentido do termo sustentabilidade – por meio da arte, da poesia, da prosa e da fotografia . Queremos discutir o que consumimos e para onde vai todo o lixo que produzimos. As relações que estabelecemos entre homens e homens, homens e objetos e até mesmo entre objetos e objetos. Queremos saber como vivem os jovens em Moçambique e como sobrevivem os moradores de rua na Praça da Sé. Como vivem os índios guarani-kaiowá em Mato Grosso do Sul e também os jovens de Estocolmo. Queremos saber o que o mercado pensa da terceira idade. E qual é a composição dos alimentos que a terceira idade compra nos supermercados. Nós precisamos saber como nossas roupas são feitas e o que nossos filhos estão vestindo. Ainda nesta edição nós pedimos por meio do historiador Mário Sérgio Moraes uma chance à Mãe-Terra para cuidarmos do planeta. O consagrado escritor Frei Betto nos fala sobre o verdadeiro sentido do Natal e Leonardo Boff aponta que, se não houver uma inversão de valores inspirada numa solidariedade básica, não haverá possibilidade de solução para a fome e a subnutrição mundial. Como o mundo está prester a acabar, nos despedimos dos nossos queridos leitores com uma retrospectiva fotográfica de 2012 da famosa agência de notícias France Press, o novo disco do Caetano e os lançamentos em livro, vídeo e música sobre o líder comunista Carlos Marighella.

Boa leitura!

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Dezembro de 2012

Editor: Osni Dias MTb21.511A Kalango trabalha de forma colaborativa. A publicação não tem vínculos políticos, econômicos nem religiosos. Você pode ler a Kalango online ou fazer download e, posteriormente, ler em seu computador.

Quer anunciar? Seja um patrocinador e ajude uma mídia independente a fazer comunicação com cara e coragem.

[email protected]

Kalango12

SEURAT, GeorgesA Sunday Afternoon on the

Island of La Grande Jatte

As ilustrações que você ao longo desta edição fazem parte do trabalho “99 Steps Of Progress”, uma série de ilustrações parodiando a famosa “Marcha do Progresso”. O resultado você encontra aqui: http://www.bloodyloud.com/99-steps-of-progress-maentis/ Saiba mais aqui: http://en.wikipedia.org/wiki/March_of_Progress

Pasteur: vidros e restos de móveis que ajudam a de-compor o passeio agradável das calçadas

A Praça da Sé e seus seres invisíveis: Zoreba contra a ganância

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WEBERSON SANTIAGO

http://webersonsantiago.carbonmade.com/

Cartão feito para o site UOL

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http://arteverbal.tumblr.com/

.projeto. de. thiago. cervan.

dó maioré ver o sol menorlá no fundo de si

Thiago Cervan

Thiago Cervan participou da FINALÍNIMA do menor slam do mundo, em São Paulo. O campeinho de 2012, o homem que acumula a maior quantidade de menoridades DO MILÊNIO, EL KIDDO: Victor praga de poeta Rodrigues. Os parabéns da Kalango!

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Por Nestor Lampros*

Roupagem Leve

O livro foi gestado por cerca de vinte anos. Tem cinco seções, cada se seção tem uma

característica: a primeira, pequenas poesias; a segunda: invenções (poesias mais experimentais); a terceira: poemas médios com uma temática variada (você vai encontrar desde as mais líricas como as mais satíricas); a quarta são quatro autorretratos; a quinta com poemas mais longos, de fôlego.

Os poemas do Roupagem Leve variam muito. O encontro do novo com a tradição que flui para uma visão crítica e também lírica da existência e especialmente de Atibaia. Lá há pessoas facilmente reconhecíveis e outras que me influenciaram, seja com barbaridades ou com a presença boa e terna... Acho que a discussão que girará em torno do livro será saudável para todos, pois sou cria de Atibaia. Onde tive abundâncias, e passei sede.

As ilustrações que abrem cada uma das cinco partes do livro são de minha autoria. Assim como a imagem da capa/contracapa. O projeto gráfico do livro e da capa é de Vinicius Berton.

Graças à iniciativa do concurso de projetos para publicação de obras literárias da Secretaria de Cultura de Atibaia, este livro foi possível. Assim como á Editora Patuá, sob o comando de Eduardo Lacerda.

* Nestor Lampros é artista plástico pós-graduado em Arte-Educação pela FAAT

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Greenpeace encomenda novo inquérito que investiga os produtos químicos perigosos utilizados na produção de moda de rua >>>>>

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Estimulado pelo sucesso da campanha Detox – do Greenpeace – que expôs as ligações entre empresas que utilizam produtos químicos

tóxicos e a poluição da água, uma investigação em curso no exterior foi expandida para incluir 20 marcas de moda mundiais - incluindo Armani, Levi e Zara -, bem como produtos químicos mais perigosos.

Um total de 141 peças de roupa foram compradas em abril de 2012 em 29 países a partir de revendedores autorizados. Os produtos químicos encontrados incluem altos níveis de produtos tóxicos em quatro das peças de vestuário, responsáveis por causar câncer pela utilização de certos corantes em suas peças.

Foram encontrados produtos altamente tóxicos (NPE)em 89 peças de vestuário, mostrando pouca diferença dos resultados do inquérito anterior (2011) à presença destas substâncias no vestuário desportivo. Além disso, constatou-se a presença de muitos outros tipos diferentes de produtos químicos potencialmente perigosos. Qualquer utilização de NPE, ftalatos, ou corantes azóicos que podem liberar substâncias cancerígenas.

Enquanto atores globais, marcas de moda têm a oportunidade de trabalhar em soluções para eliminar o uso de substâncias perigosas em toda sua linha de produtos, para assim conduzir uma mudança nas práticas de toda a sua cadeia de fornecimento.

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http://www.greenpeace.org/international/Global/international/publications/toxics/Water%202012/ToxicThreads01.pdf

SAIBA MAIS AQUI

http://issuu.com/greenpeaceinternational/docs/toxic-threads-1/1#download

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Por Leonardo Boff*

Por causa da retração econômica provocada pela atual crise financeira, o número de

famintos, segundo a FAO, saltou de 860 milhões para um bilhão e duzentos milhões. Tal fato perverso impõe um desafio ético e político.

Como atender as necessidades vitais destes milhões e milhões?Historicamente este desafio sempre foi grande, pois a necessidade de satisfazer demandas por alimento nunca pôde ser plenamente atendida, seja por razões de clima, de fertilidade dos solos ou de desorganização social. À exceção da primeira fase do paleolítico quando havia pouca população e superabundância de meios de vida, sempre houve fome na história. A distribuição dos alimentos foi quase sempre desigual.

O flagelo da fome não constitui, propriamente, um problema técnico. Existem técnicas de produção de extraordinária eficácia. A produção de alimentos é superior ao crescimento da população mundial. Mas eles estão pessimamente distribuídos. 20% da humanidade dispõe para seu desfrute 80% dos meios de vida. 80% da humanidade deve se contentar

com apenas 20% deles. Aqui reside a injustiça.O que ocasiona esta situação perversa é a falta de sensibilidade ética dos seres humanos para com seus coiguais. É como se tivéssemos esquecido totalmente nossas origens ancestrais, aquela da cooperação originária que nos permitiu sermos humanos.

Esse déficit em humanidade resulta de um tipo de sociedade que privilegia o indivíduo sobre a sociedade, valoriza mais a apropriação privada do que a coparticipação solidária, mais a competição do que a cooperação, dá mais centralidade aos valores ligados ao masculino (no homem e na mulher) como a racionalidade, o poder, o uso da força do que os valores ligados ao feminino (também no homem e na mulher) como a sensibilidade aos processos da vida, o cuidado e a disposição à cooperação.

Como se depreende, a ética vigente é egoísta e excludente. Não se coloca a serviço da vida de todos e de seu necessário cuidado. Mas está a serviço dos interesses de indivíduos ou de grupos com exclusão de outros.

A politica e a

etica da fome

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Uma desumanidade básica se encontra na raiz do flagelo da fome. Se não vigorar uma ética da solidariedade, do cuidado de uns para com os outros não haverá superação nenhuma.

Importa considerar que o desastre humano da fome é também de ordem política. A política tem a ver com a organização da sociedade, com o exercício do poder e com o bem comum. Já há séculos, no Ocidente, e hoje de forma globalizada, o poder político é refém do poder econômico, articulado na forma capitalista de produção. O ganho não é democratizado em benefício de todos, mas privatizado por aqueles que detêm o ter, o poder e o saber; só secundariamente beneficia os demais.

Portanto, o poder político não serve ao bem comum. Cria desigualdades que representam real injustiça social e hoje mundial. Em consequência disso, para milhões e milhões de pessoas, sobram apenas migalhas sem poder atender suas necessidades vitais. Ou simplesmente morrem em consequência das doenças da fome, em maior número, inocentes crianças.

Se não houver uma inversão de valores, se não se instaurar uma economia submetida à política e uma política orientada pela ética e uma ética inspirada numa solidariedade básica não haverá possibilidade de solução para a fome e subnutrição mundial. Gritos caninos de milhões de famintos sobem continuamente aos céus sem que respostas eficazes

lhes venham de algum lugar e façam calar este clamor.

Por fim, cabe reconhecer que a fome resulta também do desconhecimento da função das mulheres na agricultura. Segundo a avaliação da FAO são elas que produzem grande parte do que é consumido no mundo: de 80% – 98% na África subsaariana, de 50%-80% na Ásia e 30% na Europa central e do leste.

Não haverá seguridade alimentar sem as mulheres agricultoras, caso não lhes for conferido mais poder de decisão sobre os destinos da vida na Terra. Elas representam 60% da humanidade. Por sua natureza de mulheres são as mais ligadas à vida e à sua reprodução. É absolutamente inaceitável que, a pretexto de serem mulheres, se lhes neguem os títulos de propriedade de terras e o acesso aos créditos e a outros bens culturais. Seus direitos reprodutivos não são reconhecidos e se lhes impede o acesso aos conhecimentos técnicos concernentes à melhoria da produção alimentar.

Sem estas medidas continua válida a crítica de Gandhi: ”a fome é um insulto; ela avilta, desumaniza e destrói o corpo e o espírito…senão a própria alma; é a forma de violência mais assassina que existe”.

* Leonardo Boff é teólogo, escritor e autor de Saber cuidar. Ética do humano, compaixão pela Terrra, Editora Vozes.

www.leonardoboff.wordpress.com

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Quando o céu avermelhou,o medo me pegou de bermudas e pés no chão.O tempo era distante.A vida era lenta.As pessoas se falavam mais.A periferia tinha o cheiro de goiaba, de pipa no ar e molecada nas ruas.Quando o céu avermelhou,a minha mãe e uma tia na cozinhafalavam e mais falavamenquanto eu temia, gemia até.O céu tinha avermelhado, o mundo se acabaria, o fogo, enfim, me consumiria… O que eu faria com tantos pecados?Nada disso, gritou a minha tia:- É o sol menino, é o sol meninoque se pôs quando o céu avermelhou.

Poema publicado no Poesia Futebol Clube e outros poemas

* Paulo Netho é poeta, escritor e “um encantador de pessoas”.

Por Paulo Netho*

e o sol, menino!,

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Por Orivaldo Biagi*

Cidadao x Consumidor:

Um dos grandes problemas da atual vida cotidiana é uma

divisão implacável que todas as pessoas estão enfrentando entre ser cidadão e ser consumidor. Nem sempre é possível juntar os dois.

Por quê? Por um lado temos a necessidade da preservação do meio ambiente, o que implica na racionalização da produção, no controle de preços e numa seleção mais rigorosa do consumo de bens e serviços; e por outro lado somos estimulados a manter níveis excepcionais de consumo, situação esta que impõe grande produção, preços mais baixos e liberdade de escolha não muito seletiva – o que, efetivamente, atinge a natureza negativamente.

Em outras palavras, somos cidadãos ao cobrar por uma vida mais ligada à sustentabilidade – procurando fazer um consumo mais racionalizado - e, ao mesmo tempo, somos consumidores ávidos por melhores preços de produtos e serviços, buscando qualidade nos mesmos que nos satisfaça - mesmo que esta qualidade não esteja, necessariamente, dentro de uma política de sustentabilidade.

A resolução (ou não) deste problema é que irá decidir o futuro da humanidade.

confronto que atinge a sustentabilidade

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* Orivaldo Leme Biagi é Pós-Doutor em História pela USP e Professor da FAAT Faculdades

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Lúcifer late no quintal. Os dois outros não sei o nome mas respeitam-no.Corre o deserto pleno de água, na vida da casa onde moram Sirius- Esaú, e Aloha - Sophia.Seus pais baixaram dois exus- mirins. Minhaesposa a Yndi acha que Mariazinha é uma pequena capetinha.

Mas continuamos no infinito:

A casa está acesa. Cigarros onde fumo, fumamos, fumaríeis (agora não mais) - Deus se digna do cachimbo-na Paz ou da Guerra?Sou ascendente em Virgem. Meio mundo parou. Signo solar: Aquário.Para me ver desfilar na longe Atibaia. Nos braços geminianos de Yndi...

Estamos em Itatiba.

Casa de Esaú Sirius e Sophia Aloha.Eu e Yndi, minha mão, pé e coração me fezA graça de me convidar. EntramosNa dimensão dos santos e da cerveja.Romperíamos a glosa de tomar o que é meu- nosso.Mas eventualmente continuamos.Yndi conversa com Suzi- Marcos está no banheiro se preparando paraFazer dormir o sono.Adão está por perto.Nosferatus tem a orelha brincosa quente...

-Hahahhahahahah

Minha alma caminha com esta família. Loucura é se portar como louco.A procura determina nascer de novo.Amor, Amor, Amor, Amor.

E um pouquinho de café...

Sirius está defendendo o seu amor. Escreve para seu amor no celular.Seu pai diz que Esaú não confia na sombra, que pertence ao reino das luzes oblíquas.

E ele, Esaú-Sirius, nos eleva até as profundezas do átomo.Breve romperemos com o mito.O rito se fixou na família dos dois: Esaú e Sophia.Marcos diz que não é amigo do filho.Ele é pai e filho é filho. E filha é filha.

Célia- irmã de Yndiara- não sabe mas está nas palavras perto de nós.Ela dorme com seus dezoito gatos. Em sua noite. Em sua casa...

Mas Sophia é aquela que se estende além do ato. Yndi e Sophia se fixam no monte de Horebe. Não sabem mas escrevo com meus pés no milho.

E recolho na vida Esaú subindo; Sophia sabendo( ela é de Virgem) e Sirius é a estrela mais brilhante do céu dos abrasados.Disse Marcos, e viu isso ao sorver o nascimento do filho.

POEMA PARA A FAMÍLIA PUPO: ESAÚ SIRIUS E SOPHIA ALOHA

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Na noite em que fomos caudalosos Marcos, como Chica- a Chica espírito de toda carapintada de azul e vermelho, sabe e na noite canta o hino das mariposas que entrampelas janelas. A mão para- pois Esaú para o tempo e o espaço- e permanecemos vendo o que o Faustão ainda reduz ao chiste esquálido.A mariposa pousa e o vazio se enche de vinho.Abdico da ternura e tomo-a viva.

Rimos do tédio lá fora e me floresce nestas asas internas o coro dos desesperados,encontrando no novo Centro de Suzete (perto de casa),o que é ternura a apaziguar aos sóis do povo desencantado.E nascerem do ventre de todos reunidos naquele sábado.

Os olhos que nuncaSe viramNo infinito da companhiaÉO Infinito dos humanos.

Dos encontros: É maior que A raridade Do destino,Sendo apresentadosA todosComo VIDASNesteEncanto.

Por Nestor Lampros

www.nestorlampros.com.br

www.caligrafiadoimpossivel.blogspot.com.br/

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Joãozinho, filho do poetaescuro da Branquidão,fincou no mundo uma vidade terra sob erosão:andou com o corpo vergadodebaixo do som de um “não”!Pobre filho do poeta escuro da Branquidão!

Pobre João de Cruz e Souza,pobre menino João,emaranhou seu destinosem palmas, sem ovação,seu rastro breve no mundofoi um risco de carvão...Pobre João de Cruz e Souza,pobre menino João!

A noite engoliu a vidabreve do menino João,pedaço estreito de vidacomido na solidão, não sei se teve um amigo,amiga, senhora ou cão,nem o que fez da tristeza, nem o que fez da função de ser herdeiro de um nome,de um zero e o peso de um “não”!

Pobre João de Cruz e Souza,pobre menino João!

(do livro de poemas O estranho)

Joãozinho de Cruz e SouzaPor Oswaldo de Camargo*

* Oswaldo de Camargo nasceu em Bragança Paulista em 1936. Dos 12 aos 17 anos estudou no Seminário Menor Nossa Senhora da Paz, em São José do Rio Preto, de onde saiu em 1954. Estudou piano e harmonia no Conservatório Santa Cecília, em São Paulo.

Estreou em 1959, com o livro de poemas “O homem tenta ser anjo”, no tempo em que era diretor de cultura da Associação Cultural do Negro, em São Paulo e trabalhava como revisor no Jornal Estado de São Paulo, empresa na qual iniciou sua carreira no jornalismo, em 1955. O segundo livro, 15 POEMAS NEGROS, é de 1961, marcado por um prefácio de Florestan Fernandes. Na prosa, estreou com o livro de contos “O carro do Êxito”, de 1972, seguido da novela “A descoberta do frio”, de 1978, e os poemas de O ESTRANHO. Em 1987 teve editado pela Secretaria de Estado da Cultura o livro O NEGRO ESCRITO - Apontamentos da presença do negro na literatura brasileira.

Oswaldo de Camargo tem poemas e contos traduzidos para o alemão, francês e espanhol. Em 1998, recebeu da Secretaria da Cultura de Santa Catarina a “Medalha Cruz e Souza”, pelas publicações e estudos em jornais e revistas sobre o poeta. Atualmente é coordenador de literatura do Museu Afro Brasileiro, em São Paulo.

À memória do menino João de Cruz e Souza, nascido póstumo a 30 de agosto de 1898 e falecido a 15 de fevereiro de 1915

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O consumismo é a síntese última e imperfeita - posto que é fogo fátuo - do

capitalismo. O capitalismo é tese primeira e fátua - deposto que é, por si próprio - do consumismo.Aproveitando os restinhos de guloseimas do raloim e aproveitando a recente efervescência guarani, eu diria em última, e apertada, análise que o capitalismo é um boitatá (do tupi boi=cobra, tatá=fogo).O sistema é fogo! E cobra.Pode acreditar: só visa o débito; não dá para creditar.

Assim o sistema capitalista é uma cabeça sem mula; pois esta é abatida e devorada. Só fica aquela. Como diriam os revolucionários franceses: precisamos de menos juízes e mais guilhotinas. Falo isso, numa redundância circunscrita, porque o consumismo consome-se.Os gregos querem devolver o cavalo, mas nem Kaspar Hauzer o quer mais.

O consumismo, na ensimesmada Espanha, está exportando mão de obra qualificada para as Américas - que muitos pensam ser uma só, a do norte.

Por Delta9*

CONSUMISMO NAO E DADAISMO:

PAGA-SELutar contra o consumismo é lutar contra o opróbrio! E eis aqui uma ambiguidade.

Quando a publicidade inventou a adolescência, pegando carona com Holden Calfield na história de Jerome David Salinger, estava criada a base da grande revolução cultural que viria nos anos 60: o Shopping Center!! [Apesar de Holywood ficar correndo pra cima e pra baixo, até de moto, sobre o teto do Grande Bazar de Istambul, na Turquia. Queria ver é fazer isso no Mercado Coberto de Oxford!]

Ah o Shopping Center... Último grande baluarte do escravagismo econômico.E não profane o mítico nome dizendo “Centro de Compras”.Se procurar a palavra ‘coreto’ no Google, só encontrará ‘corretor’. Pois se nem praças existem mais, existirão coretos?

Vivemos na época das redes sociais em que, para se viver socialmente, é necessário afastar-se da sociedade livre e sociabilizar-se nos corredores vigiados dos chópins e torcer para

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que não seja marginalizado por não usar roupas de marca. A marca da zorra.

A não ser que o cara seja alternativo.A pseudosustentabilidade mercadologizada [matei o MKT!!] é um remendo mais caro que o rasgo.

Mais caro o molho que o peixe, como diria minha avó – que não é mais idosa. Por decreto deixou de fazer parte da terceira idade e foi incursionada na melhor idade, sob o auspício de forças ocultas. Não fê-lo por querê-lo.

Melhor idade quando consome, claro. Senão torna-se decrepitude, ociosidade degenerativa.

Falando em idade, não seria uma fatalidade saber que a identidade de nossa humanidade está-se a perder na futilidade, na mediocridade e na insensibilidade da mentalidade consumista?

* Delta9 é extraterrestre, publicitário e atua no Judiciário.www.undiverso.blogspot.com/

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Neste Natal, não quero essa pavorosa troca de produ-tos entre mãos que não se

abrem em solidariedade, compai-xão e carinho despudorado. Quero o Menino solto no mais íntimo de mim mesmo, semeando ternura em todos os canteiros em que as pedras sufocam as flores.

Neste Natal, não me interessam as oscilações dos índices financei-ros, as promessas viciadas dos po-líticos, os cartões impressos a gra-nel, cheios de colorido e vazios de originalidade. Quero as evocações mais ternas: o cheiro do café coado de manhã por minha avó, o som do sino da matriz, o rádio Philco exa-lando sabonete Eucalol enquanto a babá me via brincar no quintal.

Não quero as amarguras fami-liares que se guardam como poeira nas dobras da alma, as invejas que me alienam de mim mesmo, as am-bições que me tornam tristes como as galinhas, que têm asas e não voam. Quero os joelhos dobrados

no átrio da igreja, a cabeça curvada ao Transcendente, a perplexidade de José diante da gravidez inusita-da de Maria.

Neste Natal, não viajarei para longe de mim mesmo, à procura de uma terra na qual eu próprio me sinta estrangeiro, falando um idioma cujo significado me escapa. Mergulharei no mais profundo de minha subjetividade, lá onde as pa-lavras se calam e a voz de Deus se faz ouvir como apelo e desafio.

Neste Natal, não entupirei o meu verão de castanhas e nozes, panetones e carnes gordas. Nem deixarei o que me resta de sensatez resvalar pelo gargalo de uma bebida destilada. Porei sobre a mesa Deus fatiado em pão, a entornar de vinho cálices alados, e convidarei à festa os famintos de bem-aventuranças.

É insuportável a fissura desen-cadeada pelas festas de fim de ano. O consumo compulsório de produ-tos, o apetite compulsivo de comi-

Fazer renascero Natal

Por Frei Betto*

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lanças, a máscara da alegria estam-pada no rosto para encobrir o bolso furado, a corrida aos espaços de lazer, as estradas engarrafadas, as filas intermináveis nos supermer-cados, os sinos de papel envoltos nas fitas vermelhas dos shopping centers, aquela mesma musiquinha marota, tudo satura o espírito.

Seria esse anticlima um castigo divino à nossa reverência pagã à fi-gura de Papai Noel?

Natal é pouco verso e muito re-verso. Em pleno trópico, nosso mi-metismo enfeita de neve de algodão a árvore de luzinhas intermitentes. O estômago devora castanhas, no-zes, avelãs e amêndoas, quando a saúde pede saladas e legumes.

Já que o espírito arde de sede daquela Água Viva do poço de Jacó (João 4), afoga-se o corpo em álcool e gorduras. A gula de Deus busca, em vão, saciar-se no ato de empan-turrar-se à mesa.

Talvez seja no Natal que nos-sas carências ficam mais expostas. Damos presentes sem nos dar, re-cebemos sem acolher, brindamos sem perdoar, abraçamos sem afeto, damos à mercadoria um valor que nem sempre reconhecemos nas pessoas. No íntimo, estamos incli-nados à simplicidade da manjedou-ra. O mal-estar decorre do fato de nos sentirmos mais próximos dos salões de Herodes.

Mudemos nós e o Natal. Abaixo Papai Noel, viva o Menino Jesus! Em vez de presentes, presença — junto à família, aos que sofrem, aos enfermos, aos soropositivos, aos presos, às famílias das vítimas de crimes, às crianças de rua, aos de-pendentes de droga, aos (d)eficien-tes físicos e mentais, aos excluídos.

Façamos da ceia cesta a quem padece fome e do abraço, laço de solidariedade a quem clama por justiça. Instalemos o presépio no próprio coração e deixemos germi-nar Aquele que se fez pão e vinho para que todos tenham vida com fartura e alegria. Abandonemos a um canto a árvore morta coberta de lantejoulas e plantemos no fun-do da alma uma oração que sacie nossa fome de transcendência. Dei-xemo-nos, como Maria, engravidar pelo Espírito de Deus. Então, algo de misteriosamente novo haverá de nascer em nossas vidas.

* Frei Betto é escritor, autor de Ca-lendário do poder (Rocco), entre outros livros. twitter: @freibettohttp://www.freibetto.org/

Copyright 2012 FREI BETTO. Não é permitida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todos os artigos do escritor. Contato: MHPAL Agência Literária ([email protected])

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ZorebaPor Jean Takada*

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contra a ganancia^

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Cícero nasceu em Pernambuco. Filho de família grande conheceu cedo a face cruel do dinheiro. Criança, assistiu a

familia se desfazer aos poucos como um cacho de banana que diminui com o amadurecer de seus frutos. Primeiro o pai, depois os irmãos. Dinheiro, dinheiro, dinheiro. Adolescente mudou-se, com a mãe, para Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, para reencontrar o pai heroi, agora bêbado e desempregado. Dinheiro, dinheiro. Aos dezoito anos também recebeu seu chamado. Destino: São Paulo, onde dois irmãos e dinheiro o aguardavam. Dinheiro? Não encontrou. Encontrou a sujeira na alma das pessoas, a maldade, as drogas e a loucura. Cícero pediu socorro, mas o irmão estava ocupado demais juntando dinheiro. Dinheiro, dinheiro, dinheiro. Ligou para a irmã, mas deu caixa postal. Dinheiro? Foi preso, agredido, isolado. Na cadeia conheceu o alemão do olho azul. O único que lhe deu ouvidos e prometeu lhe ajudar. Cícero virou Zoreba e agora tem uma missão: alertar a humanidade sobre o futuro do mundo. Todos estão preocupados com dinheiro e ninguém quer saber das crianças. Dinheiro. O Alemão do olho azul nunca falou em dinheiro...

* Nota do autor: Cícero Zoreba mora nas ruas do centro velho de São Paulo. Ele nunca mais viu a mãe, pai, muito menos os irmãos. Só vê o alemão do olho azul. Perguntado sobre quem é esse tal alemão ele foi enigmático: “qual era a cor do olho de Jesus?” A história de Cícero e outros nove moradores de rua estão no livro Delírios - Histórias e retratos no centro velho de São Paulo a ser lançado no primeiro semestre de 2013.

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Fedores, odores e dissabores

Por William Araujo*

O lixo que todos colocam nas calçadas à noite, no dia seguinte não mais estará lá, pois bem cedo foram recolhidos pelos garis. Poucos param para pensar no fedor e nas excrecências que deixam de si, para que os outros levem para bem longe. No trajeto, a podridão de cada um —reservadas as devidas proporções— vão exalando fedores por vezes insuportáveis.

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Sugestão para esta experiência olfativa: que —mesmo de carro— sigam a curta

distância o caminhão coletor. Os sacos, ao entrarem na maquinaria explodem e os gases “guardados” durante a noite, aliado às sobras de chorume e ao sebo encrustado na lataria,exalam o perfume que entranha nas roupas e na pele dos catadores. O rastro de fedor é sentido de lon-ge, e poucos se questionam quan-to isso faz mal para estes traba-lhadores. Apesar de identificar os garis, situá-los no contexto social e de relacionar va-riadas exigências para esta tarefa, a pesquisadora Melanie Grunkvaut, em seu levantamento Gari e Cole-tores de Lixo, também não aponta a “máscara” entre os materiais de proteção necessários, artefato que ajudaria a evitar a invasão deste inimigo quase invisível.Curiosamente, no estado de São Paulo, onde se coleta diariamen-te 10 mil toneladas de lixo, não há qualquer indicativo para a proteção destes catadores no tocante aos odores, tampouco os efeitos des-tes no curto, médio e longo prazos.

Já na Amazônia, onde a natureza viceja, a vereadora Socorro Sam-

paio (PP) propôs a obrigatoriedade quanto à instalação de um sistema que permita neutralizar os odores dos carros coletores de lixo. Lá, esta proposta já foi aprovada na Comissão de Vigilância Permanen-te da Amazônia, e seguirá em se-gunda discussão na forma da Lei.Para a pesquisadora Patricia Bul-sing, o cheiro geralmente é detecta-do e processado rapidamente pelo

cérebro, levando a vários efeitos. Com caracterís-ticas microscópi-cas, num misto de odor, vapor, poeira e gases, este odor penetra o indiví-duo aos poucos e vai minando sua estrutura, na me-dida em que entra em contato com os dejetos e por certo

com os vírus, bactérias e substân-cias tóxicas perigosas.

No tocante às doenças daí deriva-das podem ser relacionadas, por exemplo, a cisticercose, o cólera, a disenteria, a febre tifoide, além de filariose, giardíase, leishmaniose, leptospirose, peste bubônica, sal-monelose, toxoplasmose, tracoma, triquinosel, entre outras. Apoiados em especialistas, os pesquisadores Rosana Cristina de Souza Giuliano, e Antonio Doni-zertti, ao estudaram o efeito des-tes mal-cheiros em estações de

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tratamento, destacam que estes odores além de diminuir o apetite, também prejudicam a respiração, provocam náuseas e vômitos, além de alterarem significativamente o humor daqueles que estão em con-tato com estes gases.

Nesse sentido concordam com pesquisadores renomados —como Metcalf e Eddy, 1885— , entenden-do que isso pode chegar a situações extremas, como por exemplo à de-terioração da dignidade pessoal e comunitária, bem como interferên-cias nas relações, como constrangi-mentos diante de visitas, restrição ao convívio e uso de áreas sociais, entre outros aspectos. O contrário disso ajuda a compro-var o que se disse até o momento. Em outras palavras, no comporta-mento oposto apresentado pelas pessoas, quando o odor se trans-forma em aroma. Pesquisa para isso foi publicada por Katie Liljen-quist, em parceria com Chen-BO

Zhong e Adam Galinsky. Nesta, su-gerem que “as pessoas são incons-cientemente mais justas e genero-sas quando estão em um ambiente com cheiro de limpeza.”

De outro modo, a perceptível ca-talogação e validação do status so-cial e cultural dos cheiros e odores adquirindo assim características de um padrão cultural aceitável quan-do agradável aos sentidos.

Desse modo, resta uma saída: neu-tralizar os odores, desodorizar e, mais que isso, aromatizar o que é podre e degradante. Se isso for viabilizado, apesar das “coisas” es-tarem à beira da morte e da de-composição, pelo menos poderão deixar uma boa impressão naque-les que estão mais próximos.

* William é Doutor em Comunica-ção Social pela UMESP, coordena-dor do curso de Jornalismo da UMC e professor da FAAT Faculdades, em Atibaia.

Documentário mostra a vida dos catadores de lixo na periferia do RJ

O documentário Lixo Extraordinário mostra o trabalho do artista plástico Vik Muniz com catadores de lixo do Jardim Gramacho, na periferia do Rio de Janeiro – um dos maiores aterros sanitários do mundo. Dirigido pelos brasileiros João Jardim e Karen Harley junto com a documentarista inglesa Lucy Walker, o filme relata a construção coletiva das famosas telas do artista. “Eu esperava ver pessoas destruídas, mas eles eram sobreviventes”, diz Vik. Além de ganhar prêmios em festivais consagrados como Sundance, Berlim e Paulínia, o filme foium dos 15 pré-selecionados para concorrer ao Oscar na categoria Melhor Documentário. Veja o trailer aqui: http://www.youtube.com/watch?v=35k6wH2mOTo

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reocupado com o descaso entre as pessoas e em relação ao ambiente no qual se vive, a reportagem da KALANGO percorreu um espectro de cinco quarteirões em um trecho da Zona Leste de São Paulo e constatou absurdos quanto aos objetos largados em calçadas alheias. Isso parece traduzir —com raríssimas exceções— o desrespeito aos semelhantes, ao ambiente e a si mesmos, haja vista não haver consideração com a estética dos locais e o asseio necessário a saúde. Veja o ensaio fotográfico e tire suas próprias conclusões.P

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Espectro do descaso

Por William Araujo

Em baixo: Terreno na Rua Manoel João Pereira, que em vez de praça vira campo aberto para outros

visitantes: baratas, ratos,

aranhas, escorpiões, cobras, lagartos...

Esquerda e abaixo: Rua Manoel João Pereira e Av. Pasteur: vidros e restos de móveis que ajudam a de-compor o passeio agradável das calçadas

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Av.Pasteur esquina com R.Joaquim Marra: proibição insuficiente para quem deixa na esquina as gavetas e as estantes, ou mesmo os entulhos na frente do imóvel alheio

R. Joaquim Marra e Dom João Maria Ogno: enquanto diante da escola se coloca caçambas para educar como descartar, quem volta para casa esbarra nos pneus ou fica impedido de andar nas calçadas recheadas de matagais

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Enquanto alguém ensaia morar nas “margens” do Rio Gamelinha, do outro lado, na avenida Bernardino Carvalho um Ferro-Velho se esforça em reciclar, tendo ali por perto as madeiras da Manoel João Pereira e os sacos em entulhos da R. do Trabalho, além do caminho carimbado pelas fezes de algum cão deseducado.

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Chris Jordan

by Kalango

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Chris Jordan é um fotógrafo norteamericano que tem chamado a atenção do planeta para a imensa quantidade de objetos de consumo que são descartados no planeta todos os dias. Através de belas fotos, ele denuncia uma sociedade consumista e materialista. Neste trabalho, Jordan reúne 426 mil celulares, número aproximado de aparelhos descartados diariamente nos EUA (dados de 2007).

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Em um de seus trabalhos, uma vista panorâmica dá ao expectador apenas a percepção de ruído, mas ao se aproximar da tela, percebe-se o grande número de objetos utilizados e a magnitude (e genialidade) do fotógrafo.

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38.000É o número de containers que passam através dos portos americanos a cada 12 horas

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Um olhar mais aproximado

revela cada um individualmente fotografado por

Jordan antes de ser arranjado

para o “patchwork

gráfico”

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106.000É o número de latinhas de alumínio usadas nos EUA a cada 30 segundos

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Depois de fotografar pilhas de latas em seu estúdio, Jordan

usou o software para formar um

mosaico com as referências

do trabalho de Georges Serat

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2,4 milhoesÉ o número de peças de plástico neste mosaico, o que corresponde aos quilos de plástico que invadem os oceanos a cada dia

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No ano passado, Jordan viajou para as Ilhas Midway, lugar conhecido como “Great Pacific Garbage Patch” – uma massa flutuante de plástico no norte do Oceano Pacífico, aproximadamente duas vezes o tamanho do Texas. O oceanógrafo Charles Moore foi o primeiro a encontrar a mancha de lixo, em 1997. Desde então ele volta regularmente a essa área para realizar testes e recolher alguns detritos com uma enorme rede de arrasto de seu barco. Todo o plástico usado neste mosaico veio dessas missões.

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O mais surpreendente, segundo Jordan, é que “a grande maioria desses milhões de quilos de plástico que seguem para dentro do oceano foram usados somente uma vez”

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Running the Numbers: An American Self-Portrait(Prestel Publishing, 2009)

Este trabalho você adquire emhttp://www.chrisjordan.com/books/

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No Atol de Midway, os detritos do consumo de massa encontram abrigo em um lugar surpreendente: os o estômagos dos milhares de albatrozes. Os filhotes são alimentados de quantidades letais de plástico, que confundem o lixo flutuante com alimentação, ao longo do vasto Oceano Pacífico poluído. Para mim, ajoelhado sobre suas carcaças é como olhar para um espelho macabro. Estas aves refletem o resultado espantoso do emblemático transe coletivo do nosso consumismo e do crescimento industrial descontrolado. Como o albatroz, nós nos encontramos sem a capacidade para discernir o que é mais nutritivo do que é tóxico para as nossas vidas e os nossos espíritos. Engasgado com nossos resíduos, o albatroz mítico nos convida a reconhecer que o nosso maior desafio não é lá fora, mas aqui dentro.

Seattle, fevereiro de 2011.

Chris Jordan se especializou em obras que retratam nosso consumismo e o impacto no meio ambiente. Nessa presentação no PopTech, em 2009, ele mostra as imagens do seu projeto. Saiba mais em: www.midwayjourney.com.

Midway: Message from the Gyre

(2009 - Current)

http://www.chrisjordan.com/gallery/midway

Chris Jordan: Polluting Plastics http://www.youtube.com/watch?v=pGl62LuQask

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Kalango

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Um olhar mocambicano sobre o Brasil

Por Aline Eusébio

Não me perguntem como, mas um dia descobri que Calisto Alexandre, natural de Moçambique, fazia parte de meus amigos na rede social Facebook. Resolvemos, então, aproveitar esta incrível manobra do destino, que nos colocou frente a frente, para trocar experiências: eu tentava saciar minha sede de saber como era a vida deste meu irmão africano, e ele sua ânsia de conhecer o Brasil por trás das telenovelas. E foi assim que, depois de muitos meses, resolvi que era hora de registrar tudo em uma matéria.

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Calisto Alexandre Mahoche, de 23 anos, mora com os pais e seis irmãos em

Maputo, capital e maior cidade de Moçambique. De acordo com os cálculos da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2010, 46,8% da população moçambicana enfrenta condições de vida que não atingem o mínimo considerado necessário para fugir à pobreza extrema. O maior agravante: 65% vivem abaixo da linha da pobreza. Nesta realidade Calisto, que cursou até a educação secundária, está inserido.

Estudar, aliás, não é uma missão fácil no Moçambique. Além da falta de incentivo, as escolas estão longe e há grandes problemas de transporte. “Ingressar na escola não é tão fácil para aqueles que têm idade um pouco avançada, porque são obrigados a comprar vaga numa escola pública”, afirma Calisto. No ensino superior, ingressar depende da capacidade de cada um. Para se manter lá, entretanto, há de se pagar propina.

Apesar de ainda estudar, o jovem trabalha na papelaria da escola secundária de Laulane. E, por seu trabalho, ganha menos que um salário mínimo local, 2.500 meticais, que correspondem à R$172,50. “Existe um salário mínimo estipulado, mas nem todos são obrigados a cumprir. Por exemplo: os empregadores privados pagam o que eles acham melhor. Cabe a você aceitar ou não”, comenta.

Bairro onde mora Calisto Alexandre: ruas largas e sem asfalto

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O consumo, para a maioria da população, representa um grande problema. “Com o salário mínimo, não conseguimos ter nem a cesta básica”, afirma. O Governo interfere no consumo mas, de acordo com Calisto, nada faz exatamente para melhorar. “Não há ação. Há sete anos o Governo diz que estamos lutando contra a pobreza, mas ainda temos muita gente passando fome”, diz. As diferenças sociais existem em vários níveis. Não só na educação e no mercado de trabalho, se estende também, dentre outros, no lazer. Enquanto o jovem da classe alta está no cinema, na piscina ou mesmo em casa jogando vídeo game ou navegando na internet, o da classe baixa esta na rua ou na esquina com amigos. “O único divertimento que temos em comum é jogar bola. Aí sim, pode nos encontrar juntos”, conta Calisto.

Com o salário mínimo, não conseguimos ter nem a cesta básica... lutamos contra a pobreza, mas ainda temos muita gente passando fome

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O Brasil não é referência de consumo, mas as telenovelas dão uma ideia – errônea – do que os moçambicanos imaginam que seja a vida aqui na América do Sul. As novelas brasileiras são preferência entre os jovens de Moçambique, mas repercute o modo de vida de forma negativa, de acordo com Calisto. “Nos faz esquecer aquilo que é a nossa realidade e começamos a copiar o que as novelas nos mostram”, afirma.

A maneira de vestir e o jeito de se expressar ganham destaque de Calisto. Assistindo às telenovelas, a visão que ele tem é que os brasileiros faltam com respeito aos seus pais. “Acho que aí é normal chamar sua mãe pelo próprio nome e sentar com seus pais com um shorts bem curto. Mas aqui não, é falta de respeito. Acho que pra vocês é normal andar na cidade assim, enquanto que aqui não. Algumas moças que se vestem como vocês não são olhadas com bons olhos”, diz.

Apesar disso, os brasileiros são bem vistos, e muitos são como “fonte de inspiração”. “O Brasil é um exemplo a se seguir de acordo com o que eu vejo na TV. O Brasil depende do próprio Brasil, e isso é uma das coisas que admiro. Outra coisa: o jeito com que vocês se preocupam para ajudar as pessoas desfavorecidas também é de se louvar”, conta Calisto. A imagem do Brasil em Moçambique é do país perfeito. “Se me dissessem que no Brasil há desemprego, sinceramente não acreditaria. Porque tudo o que você faz aí dá dinheiro. Se eu tivesse aí, acho que seria rico”, diz, e ri.

Se me dissessem que no Brasil há desemprego, sinceramente não acreditaria. Porque tudo o que você faz aí dá dinheiro. Se eu tivesse aí, acho que seria rico

‘ Alguns negocios feitos no bairro onde mora Calisto

Uma das ruas do bairro do jovem moçambicano:

falta infraestrutura e sobram promessas

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Para tentar mudar a realidade em seu país, Calisto Alexandre faz parte da Liga da Juventude do segundo maior partido da oposição do país. Em janeiro de 2013, deve concorrer à uma vaga na universidade, pois pretende ser jornalista ou advogado, para proteger os necessitados e (ou) denunciar as injustiças. E, um dia, quer vir ao Brasil conhecer o Rio de Janeiro.

Apesar da forte herança africana, o Brasil deu passos além e, hoje, é referência para muitas nações. Apesar disso, há de se pensar na imagem que queremos passar: se a do país das telenovelas, perfeito e radical, ou no país de pessoas que sentem-se honradas com o modo como são vistas por jovens como Calisto e muitos outros, em outros países da África, e fazer o possível para merecer esta atenção.

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Por Mario Sérgio de Moraes*

Carta aMae Natureza~

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Minha Mãe, senhora dos milhares de anos, vós que renovas suas águas, frutos

da terra, ar que respiramos, as cores nos céus e que, agora, estás em febre pelas nossas imundices – dióxido de carbono nos ares, nitrato nos solos, metano pelo descongelamento das geleiras nos pólos – saiba que somos culpados por nossa loucura. Se há 2000 anos Jesus disse: “Perdoe Pai, eles não sabem o que fazem”, neste século XXI, alguém poderia dizer, sem hipocrisia: “Pai, eles sabem o que fazem e, o pior: continuam fazendo”.

Estamos, outra vez, adorando nossos “bezerros de ouro”. Pelo Deus-Lucro, estamos desgovernados pela desigualdade social – 80% da riqueza mundial é dirigida a 20% da população – em busca de uma falsa prosperidade. Pelo Deus-Progresso intoxicamo-nos pelas terras queimadas nos campos, espigões construídos nas cidades, empresas que privatizam as águas. Como recompensa prometem melhor qualidade de vida, mas esta desaparece.

Pelo Deus-Imagem estamos zumbis em falsas publicidades (culto narcísico dos corpos, busca da eterna juventude) que nos insensibilizam na apatia social. Saiba, minha mãe, que preferimos beijar os chãos dos palácios do que protestar contra os reis e rainhas.

A ONU (Organização das Nações Unidas) nos alertou, desde 2007, que se não alterarmos em vinte anos nosso modo de vida, baseado no consumo irrefreável dos bens da natureza, não haverá como repor em tempo hábil os recursos da Terra. E o aquecimento global causará a explosão de epidemias, aumento da desertificação, guerras pelo controle da água e centenas de milhares de mortes. Daí pergunto: somos suicidas?

Aqui em Mogi das Cruzes, minha cara mãe, a insanidade existe no projeto da ocupação da Serra do Itapety pela construção de um grande condomínio com mais de 150.000 moradias destruindo o maior símbolo da cidade. Em lugar do cenário verde da mata que enfeita nosso olhar e pulveriza pulmões teremos torres de cimento para cultuarmos nosso Deus-Fortuna.

Sei pelos livros que o Homem é um elo muito recente na escala reprodutiva do mundo. Também entendo que somos apenas um ínfimo fio na rede extraordinária de todos os seres. Mas, pelo seu exemplo Mãe, sentimos – mais do que sabemos – que a Vida é mais forte que a Morte. Então, minha mãe, ainda temos uma chance.

* Mario Sérgio é Doutor em História pela Universidade de São Paulo.

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LISBOA:memoria e

modernidadeUma cidade metropolitana que conseguiu se modernizar, porém preservando boa

parte de sua história

Texto e fotos de Lisboa captadas pelas lentes de Luís Pires e Miriam Moraes

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Num final de tarde de verão, depois de perambularmos o dia todo pelas ruas e

vielas de Lisboa, atravessamos a Praça do Comércio e nos detivemos a admirar suas geométricas arcadas. Um vento fresco soprava do rio que mais parece um mar e decidimos tomar um cerveja para recarregarmos nossas baterias. Escolhemos um simpático café localizado numa das extremidades da praça chamado “Café Restaurante Martinho da Arcada”. Dentre as pessoas ilustres que passaram pela casa, destaca-se Fernando Pessoa (1888-1935), um dos maiores poetas do século XX. Conta a lenda que boa parte de seus poemas foram escritos às

mesas do Martinho da Arcada.Extasiados com essas informações, fizemos nossos pedidos ao garçom, quando então nos chamou a atenção uma frase pintada na arcada, parte superior da porta: “Casa Fundada em 1782”. Imediatamente fizemos um exercício de memória dos acontecimentos da época:- O Brasil ainda era governado pela corte portuguesa e Dom Pedro I, o proclamador de nossa independência ainda não havia nascido (o que ocorreria apenas em 1798).- Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, ainda nem pensava em tramar contra a corte portuguesa, no episódio conhecido como Inconfidência Mineira, que

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culminaria com sua morte por enforcamento e esquartejamento, em 1792.- O rei Luis XV ainda governava a França com pulso forte, mas acabou deposto e guilhotinado cerca de dez anos depois da fundação do café-restaurante.- A América do Norte ainda era formada por colônias britânicas. Somente no ano seguinte (1783) treze dessas colônias se uniram e formaram um país, ao qual deram

o nome de Estados Unidos da América.

Para nós, acostumados a vermos prédios ruírem (ou – pior -- serem derrubados pela especulação imobiliária) antes de completarem 50 anos, a emoção foi grande por estarmos num estabelecimento com 230 anos, que permanece quase intocado pelo tempo. A cerveja se tornou até mais saborosa.

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Por Sonia Novaes*

Troca, permuta, câmbio, apro-priação, consumo, uso... Quantas palavras vêm à men-

te mediando e nomeando as rela-ções estabelecidas entre homens e homens, homens e objetos e até mesmo entre objetos e objetos? A quantos sistemas pertencemos? Henri Lefebvre defende em “O di-reito à cidade” que “[...] todo sis-tema tende a aprisionar a reflexão, a fechar horizontes. [...]” e sugere abrir o pensamento às possibili-dades. Em outras palavras Bakhtin argumenta que o sistema vai à con-tramão do diálogo... Baudrillard re-fletindo sobre o sistema dos objetos diz que estes não mais correspon-dem e sim comunicam... Levando-nos a pensar o quanto somos obje-

Uma feira de intenções

tos dos objetos. Um exemplo bobo (e como este, há tantos outros): quantas vezes você esqueceu uma torneira ligada porque estava “acos-tumado” com a outra que desliga-va sozinha? Este “acostumar” nos amalgama aos espaços quando nos esquecemos de quem somos (se o sabemos). Nossos corpos não são mais nossos e passam a ser objeto, objeto de trabalho, objeto público – onde publicamos nossos modos de pensar. “Midiamos” a nossa es-sência nos permeabilizando aos ambientes, ora camuflando-nos, ora escancarando-nos... Em outras vezes o corpo é o negócio: um sor-riso bonito abre portas – principal-mente a do dentista... A maneira como “portar” no mun-do, para a grande maioria, tem mui-to mais a ver com o portar o mun-do e suas derivações: com-portar;

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su-portar; a-portar. Mas, o ser-no-mundo, como define Heidegger, é o ser que se importa, ou seja, está em dívida, antes com o próprio, com o que lhe diz respeito (pode-ríamos elucubrar em noções de público/privado, mas agora não...) enquanto ser que existe – Dasein – presença, neste sentido é cura/cuidado. O ser-no-mundo não “dá de ombros” quando percebe que há algo que não se “encaixa”. A sua consciência é o apelo da cura diante da estranheza à presença assumir o seu poder ser e estar. Estranheza, por exemplo, de estarmos enreda-do em sistemas taxonômicos que nos classificam por nosso poder de consumo, uso, costume e não pelo que realmente somos: Seres que não se conceitualizam, abertos em infinitas possibilidades, não nos esgotando em gêneros, classes, ra-ças, castas, crenças... Muito menos por aquilo que consumimos, troca-mos... Estamos-aí nas infinitas re-lações das feiras de intenções, mas não nos encerramos nelas, não so-mos prontos...

* Sonia Novaes é Doutoranda em Audiovisual pela ECA - USP

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Evangelismo e civilizacao:comentarios sobre a Missao Evangelica Caiua em Dourados, Mato grosso do sul

Por Leandro Possadagua

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o inicio do século XX, a situação dos índios Caiuá, no então estado de Mato Grosso, era altamente conflituosa, tensa. Segundo a antropóloga Graciela Chamorro, em seu livro Terra Madura/Yvy Araguyje: fundamento da pala-vra Guarani, além de alguns cristãos terem se apropriado da terra dos ín-dios, vastas porções de terras foram entregues à colonização de estran-geiros e, além de tudo, os indígenas ainda eram vistos como entrave ao desenvolvimento da região, sendo caçados por bugreiros pagos por fa-zendeiros que se desejavam livres deste incômodo invasor. A terra livre de índios era altamente valorizada, porque tornava mais fácil a ocupa-ção e produção. Tal afirmação soa, no mínimo, estranha, já que Caiuá no idioma Guarani significa procedentes da mata, mas eram percebidos como ocupantes de uma terra que não lhes pertencia.

Com a fundação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), em 1910, o Estado passou a ter a tutela dos ín-dios, tornando-se responsável pelos nativos. Na prática, significava que o órgão estava incumbido de tor-nar os indígenas aptos e autônomos para a convivência com a população que detinha as rédeas do poder em suas mãos, os não-índios. Tutelados, foram vítimas de inúmeras medidas arbitrárias por parte do SPI, tiveram seus espaços tradicionais de ocu-pação progressivamente invadidos, eram recrutados como mão-de-obra barata em estabelecimentos agrope-cuários vizinhos e suas terras eram oficial-mente delimitadas, entenda-se aqui, reduzidas. Ou seja, defendia-se uma autonomia para os índios, porém estranha aos seus modelos tradicio-nais de organização social.

No final da década de 1920, o Ser-viço de Proteção aos Índios ganhava mais um reforço, no que diz respeito ao projeto de civilizar os indígenas, a instalação da Missão Evangélica Caiuá, vizinha geograficamente à Reserva In-dígena de Dourados (criada em 1915). Este seria o primeiro esforço coope-rativo missionário criado e conduzido por igrejas protestantes brasileiras com o fim de cristianizar povos indí-genas, no caso específico, os Caiuá. Atuando como parceira do Estado em diversas ocasiões, a Missão tinha o claro intuito de evangelizar estas “po-bres almas” imersas no paganismo e na influência pecaminosa que o con-tato com a sociedade não-índia tinha lhes feito até então.

Leandro Possadagua é acadêmico de História da Universidade Federal de São Paulo/UNIFESP, também membro e colaborador da ONG Ação Comunitária Projeto Raízes (Taboão da Serra/SP).

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Alheios ao processo de alteridade, os missionários protestantes somaram na construção de uma iconografia in-dígena deturpada e pejorativa, que o mostrava como um ser pobre, bárbaro e relegado à própria sorte, que neces-sitava, portanto, ser evangelizado – ci-vilizado, ignorando assim, o contexto cultural. Ofertando pequenos uten-sílios e roupas, sempre com o apoio dos órgãos oficiais, a Missão buscava progressiva aproximação com os indí-genas, atuando como uma entidade facilitadora do contato, estreitando assim a relação com a cultura e costu-mes não-índios.

A Missão Caiuá fez uso de dois pilares estratégicos visando a “con-versão” dos indígenas: saúde e edu-cação. Com auxílio das igrejas coope-radoras, fundou um modesto hospital na década de 1930, os missionários médicos aplicavam novos métodos medicinais, considerados mais efica-zes que os tradicionais, geralmente, ministrados por lideres religiosos in-dígenas. Contudo, não se pode negar que, apesar de não levar em conside-ração os aspectos culturais do grupo, o cuidado com a saúde dos indígenas foi de suma importância, por exem-plo, no combate à Tuberculose, que

vitimou um grande número de indíge-nas na segunda metade do século XX.

s cantos e rezas evocados pelos indí-genas, não só em ocasiões em que buscavam a cura de um enfermo, mas em inúmeras outras circunstâncias, eram vistos a partir da ótica cristã ocidental, ou seja, entendida como manifestação deturpada de religiosi-dade. O que pode muito bem, ter sido considerado um entrave à conversão ao cristianismo protestante, deven-do, então, ser desestimulado ou até mesmo proibido pelos missionários. Segundo demonstra o artigo, Cantos Xamânicos: as palavras que agem [Pu-blicado na Revista Índio], do antropó-logo Spensy Pimentel, estes cantos e rezas Caiuá podem ser entendidos como convocação e apelo às entida-des de outro plano de existência que possibilitam o sucesso em tudo que está sendo iniciado, seja uma lavoura, a construção de uma casa ou o nasci-mento de uma criança.

Desacreditar os modos de crença, introduzir novos elementos sagrados e transformar o indígena em um ser apto à civilização era, além de um constante anseio dos não-índios, im-prescindível ao projeto evangelizador

Segundo o historiador Carlos Barros Gonçalves, em seu livro Até aos confins da terra: o movimento ecumênico protestante no Brasil e a evangelização dos povos indígenas, dentre as denominações que participaram desta cooperação de missão aos indígenas constam a: Igreja Presbiteriana do Brasil, Igreja Presbiteriana Independente, Igreja Metodista e Missão Leste do Brasil (EUA). o

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da Missão. Para tanto, era necessário que a oralidade indígena fosse posta em segundo plano. Assim, a alfabeti-zação, aliada ao ensino de princípios cristãos, sobretudo das crianças, foi um dos métodos empregados. Além disso, no decorrer dos anos, a alfabe-tização também auxiliou nos esforços em preparar missionários índios com o fim de que estes pudessem também atuar junto aos respectivos patrícios.

Personagem emblemático, fruto das ações de alfabetização da Missão Caiuá, foi o líder indígena Marçal de Souza. Os conhecimentos ad-quiridos em seu grupo, aliada a alfabetização e futura for-mação proporcionada pela Missão, foram instrumentos utilizados pelo pequeno deus (Tupãy no idioma Guarani) em sua destacada luta pela causa dos indígenas. Marçal tornou--se mundialmente conhecido ao discursar em defesa dos interesses indígenas e denun-ciar a condição desumana na qual se encontravam os índios no país durante a visita do Papa João Paulo II ao Brasil em 1980. Esta trajetória foi violentamente interrompida em 1983, quando foi brutalmente assas-sinado. A morte de Marçal não pa-rou a luta indígena pela reconquista de suas terras, mas, ao contrário, seu martírio chamou atenção do poder público para a necessidade de rever a ocupação/invasão do território indí-gena em todo o país.

Atualmente, o grupo Caiuá de Dou-rados tem uma história que já dura 83 anos com a Missão Evangélica Caiuá. O cenário e contexto no qual a Missão

se encontra foi alterado ao longo dos anos, porém, os indígenas ainda fre-quentam a escola, os cultos, usam o Hospital da Missão (mantido em par-ceria com o Sistema Único de Saúde/SUS) e o Instituto Bíblico. Segundo re-lata a pesquisadora Graciela Chamor-ro, em seu artigo O pluralismo religio-so entre babel e pentecostes: igrejas cristãs e alteridade indígena [Publica-do no III Simpósio Internacional sobre Religiosidades, diálogos culturais e hibridações, 2009], de certa forma, já não há um estranhamento da par-te da comunidade indígena frente ao

trabalho da Missão. Além dis-so, existem hoje líderes políti-cos e espirituais egressos das escolas da Missão, engajados na promoção da religião indí-gena e também participantes dos cultos protestantes.

Segundo Spensy Pimentel, por terem sido comprimidos em pequenas reservas e sem mata nativa que possibilite seu modo de vida tradicio-

nal, aumentam significativamente as mazelas enfrentadas por estes gru-pos, como a fome, aumento da taxa de suicídios entre os jovens e os al-tos índices de violência. Contudo, a situação atual dos Guarani e Caiuá é uma das mais alarmantes, já que, atualmente cerca de 12 mil pessoas sobrevivendo em uma área em torno de 3.500 hectares. Os problemas dos indígenas da região tem se agravado com as intensas (e não poucas vezes sob o signo da violência física contra os indígenas) disputas com fazendei-ros por terras tradicionalmente ocu-padas. Tais conflitos intensificaram-se com as publicações das portarias de

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autorização para o início de estudos para identificação de territórios tra-dicionais indígenas, realizadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Durante o longo período de atuação missionária houve re-ocupação de terras pelos indígenas, assassinatos de lideranças e professores índios, destruição de acampamentos, sig-nificante crescente nas taxas de sui-cídios, uma intensa propaganda na mídia local e estadual contrária às rei-vindicações dos indígenas e o reforço de estereótipos, preconceitos e ima-gens negativas dos índios pelos.

Em sua história, a Missão Evangéli-ca Caiuá cometeu erros e acertos em sua empreitada cristianizadora; auxi-liou em alguns casos, mas em outros acabou por prestar um desserviço aos indígenas. É possível que a Missão tenha alcançado alguns de seus ob-jetivos, entre eles o de “apresentar” a religiosidade cristã aos indígenas e proporcionar a eles uma medicina mais “eficaz”, porém, não se pode exi-mi-la de ter colaborado no processo de aculturação dos mesmos, fazendo com que sua religião e muitos outros aspectos culturais fosse prejudicado em suas práticas.

As igrejas que hoje atuam em áre-as indígenas precisam fazer uma re-formulação fé, exercitarem o ouvir, e, principalmente, trocar o ensinar pelo aprender. O cristianismo seria enriquecido se, ao invés de propor a negação da religiosidade indígena, observasse a forma com que estes re-verenciam a natureza que lhes supre a necessidade e de como estes nunca pensaram suas manifestações reli-giosas como superiores a outras. Em

suma, a principal “missão” deve ser o bem comum, com respeito e demons-trações práticas do que a religião pro-põe, ligar o homem à divindade – seja ela qual for.

Tendo em vista o conflituoso mo-mento em que os indígenas estão inseridos, um trabalho missionário engajado política e ideologicamente a favor da causa indígena é impres-cindível. É preciso se posicionar efe-tivamente e, se possível for, publi-camente. A despeito dos interesses latifundiários, de fazendeiros que matam e apostam na impunidade do sistema. Ser cristão, neste caso, é pre-zar pelo direito que o índio tem em permanecer em suas terras tradicio-nais, onde seus antepassados foram sepultados. Ser protestante, aqui, deve ser entendido não como o an-seio por agradar a Deus a fim de al-cançar as benesses do reino celeste, mas como designação daqueles que lutam por causas que transcendem os interesses capitalistas de acumu-lação. Ser cristão é, também, ser um pouco mais humano, um pouco mais “índio”. Porque, afinal, como aponta-do pelo antropólogo Eduardo Vivei-ros de Castro, “no Brasil, todo mundo é índio, a não ser quem não é”.

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caetano, 70by Kalango

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caetano, 70

Caetano fez 70 anos em 7 de agosto, mas fugiu das entrevistas alegando que “não queria transformar o aniversário em um evento”. O fato é que a obra do artista influenciou e continua a inspirar muita gente. Flertando com a nova geração de

músicos da chamada nova MPB, Caetano tem realizado vários espetáculos com a Banda “Cê”. Recentemente Caetano Veloso lançou seu mais novo trabalho, chamado “Abraçaço”. A vida do militante e guerrilheiro Carlos Marighella inspirou a faixa mais longa do seu trabalho, “Um Comunista”. A música, em forma de rap, é definida por ele como uma “tradicional canção de protesto”. Há 41 anos, exilado no Reino Unido, o músico lançaria o sexto álbum de sua carreira, “Caetano Veloso” (1971), um disco temático em que a tristeza por estar longe de suas raízes e a saudade se fazem presentes. A quinta faixa do disco faz uma breve referência ao guerrilheiro, dizendo “Shoot me dead” (mate-me a tiro), lembrando a morte do baiano e também poeta Carlos Marighella, assassinado nas proximidades da Avenida Paulista. “Nós estamos mortos: ele está mais vivo do que nós”, escreveu Caetano para o Pasquim naquela época.

Em 2012 Marighella é celebrado em livro, disco e DVD. A Kalango dá o toque pra você descobrir os caminhos do líder comunista que, segundo disse Caetano, “está mais vivo do que nós”.

Marighella, quem é você, afinal?Um mito para uma geração de resistentes, as ações e a história do guerrilheiro brasileiro chegam ao cinema. Leia o texto emhttp://revistacult.uol.com.br/home/2012/08/marighella-quem-e-voce-afinal/

MARIGHELLA (2011) - TRAILER OFICIALDirigido por sua sobrinha Isa Grinspum Ferraz, o longa-metragem Marighella é uma construção histórica e afetiva desse homem quededicou sua vida a pensar o Brasil e a transformá-lo através de sua ação.http://www.youtube.com/watch?v=6Hc7HeRY264

MARIGHELLA - O guerrilheiro que incendiou o mundo - Mário MagalhãesA vida de Carlos Marighella (1911-69) foi tão frenética quanto surpreendente. Do início ao fim, esta biografia de tirar o fôlego apresenta informações inéditas sobre a trajetória de Marighella e o atribulado e apaixonante tempo em que ele viveu. Leia um trecho: http://www.companhiadasletras.com.br/trechos/11862.pdf

Veja o book trailer do livro: youtube.com/companhiadasletras

Veja - Clip Mil faces de um homem leal: youtube.com/watch?v=ajrI1FldJ8E

Acesse - Um Comunista - http://www.youtube.com/watch?v=84fbY0T1sSY

Ouça - http://soundcloud.com/blogueoutroscriticos/06-um-comunista

Marighella, 101

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Entre as cenas capturas estão momentos de alegria, tristeza, terror, patriotismo, protesto, dor e muito mais. A AFP é um agência de notícias internacional que fornece informação rápida, verificada e completa em

vídeo, texto, foto, multimídia e infografia sobre os eventos que fazem a atualidade internacional: guerras e conflitos, política, esporte, entretenimento, saúde, ciência e tecnologia. Veja mais aqui: http://www.afp.com/pt

Em 2012 a agência conquistou o prestigiado prêmio Pulitzer de fotografia pelo trabalho do fotojornalista Massoud Hossaini, que fotografou o dramático resultado de um atentado a bomba no Afeganistão. A imagem (à direita) mostra uma menina de doze anos, Tarana Akbari, em pânico em meio ao caos provocado pelo atentado que matou 70 pessoas na capital afegã, no mais violento ataque dos últimos três anos no país. Mais sobre o prêmio aqui: http://www.pulitzer.org/

O site Denverpost foi responsável pela filtragem das imagens veiculadas pela renomada agência de notícias francesa, o que resultou numa seleção impressionante que aborda situações de perigo, emoção, diversão, cenas de terror, guerras, curiosidades, nevascas, exercícios (incluindo Barack Obama fazendo flexões) e protestos. Aqui você confere algumas imagens que fazem parte dessa lista.

o melhor do anoFrance-Presse mostra as

melhores fotos da agência de notícias em 2012

by Kalango

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A sueca Sannah Kvist, de 26 anos, fotografou estudantes de seu país com tudo o que possuíam para um ensaio intitulado “All I Own” (“Tudo o que possuo”). O objetivo foi criticar o consumismo exagerado e nos fazer questionar se realmente precisamos de tudo o que compramos. Além das críticas aos supérfluos, Kvist também quis denunciar a deterioração na qualidade de vida dos jovens suecos, considerada até então uma das melhores do mundo.

Segundo ela, os jovens de sua geração, nascidos na década de 80, vivem pior do que seus pais, ainda que sejam, em sua opinião, injustamente criticados pelo individualismo e consumismo exagerados.

Consumismoby Kalango

Os modelos (todos nascidos na década de 80) foram convidados pela fotógrafa a compor e a construir uma escultura com todos os seus pertences, de modo a fazer cabê-los num único quadro. A série de fotos foi inspirada nas próprias experiências pessoais da fotógrafa - ela se mudou para Estocolmo em um caminhão abarrotado de coisas. Quando decidiu viver em Gotemburgo, levou para lá uma única mala. Em sua bagagem havia apenas seu computador, sua câmera fotográfica e poucas roupas.

Saiba mais: http://sannahkvist.se/

O blog: http://sannah.tumblr.com/

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http://www.faat.com.br