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REVOGAÇÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS E SUA (IN)CONSTITUCIONALIDADE REPEAL OF TAX IMMUNITY TEMPLOS AND ITS (IN) CONSTITUTIONALITY Luiz Fernando Oliveira do Nascimento 1 Marcondes da S. Figueiredo Júnior (Or.) 2 RESUMO Este trabalho analisa a possibilidade da revogação da imunidade tributária dos templos em face do atual ordenamento jurídico nacional, bem como as consequências de uma alteração legislativa nesse sentido. O objetivo é apresentar, discutir e avaliar a proposta de extinção da prerrogativa fiscal das entidades religiosas, além das consequências em caso de aprovação de uma emenda constitucional. O estudo empregado no presente tema utiliza-se da pesquisa bibliográfica, qual seja a análise sobre a imunidade tributária dos templos e a possibilidade de sua extinção, e da pesquisa documental, retratando os motivos que deram ensejo à sugestão popular 02/2015. O resultado obtido foi a impossibilidade de reforma legislativa em face da atual Constituição Brasileira. Desse modo, devido às vedações trazidas pela vigente Carta Magna, a aprovação de uma emenda constitucional abolitiva deste direito dado às igrejas, acarretaria em posterior declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Palavras-chave: Imunidade Tributária. Garantia Constitucional. Sugestão Popular 02/2015. Inconstitucionalidade. Templos. 1 Graduado em Direito pela Faculdade Católica Dom Orione. 2 Bacharel em Direito pela Universidade Paulista, Pós-Graduado em Direito Tributário pela Universidade do Tocantins e Mestre em Estudos de Cultura e Território na Universidade Federal do Tocantins. Professor da Faculdade Católica Dom Orione.

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  • REVOGAÇÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS

    TEMPLOS E SUA (IN)CONSTITUCIONALIDADE

    REPEAL OF TAX IMMUNITY TEMPLOS

    AND ITS (IN) CONSTITUTIONALITY

    Luiz Fernando Oliveira do Nascimento1

    Marcondes da S. Figueiredo Júnior (Or.) 2

    RESUMO

    Este trabalho analisa a possibilidade da revogação da imunidade tributária dos templos em face

    do atual ordenamento jurídico nacional, bem como as consequências de uma alteração

    legislativa nesse sentido. O objetivo é apresentar, discutir e avaliar a proposta de extinção da

    prerrogativa fiscal das entidades religiosas, além das consequências em caso de aprovação de

    uma emenda constitucional. O estudo empregado no presente tema utiliza-se da pesquisa

    bibliográfica, qual seja a análise sobre a imunidade tributária dos templos e a possibilidade de

    sua extinção, e da pesquisa documental, retratando os motivos que deram ensejo à sugestão

    popular 02/2015. O resultado obtido foi a impossibilidade de reforma legislativa em face da

    atual Constituição Brasileira. Desse modo, devido às vedações trazidas pela vigente Carta

    Magna, a aprovação de uma emenda constitucional abolitiva deste direito dado às igrejas,

    acarretaria em posterior declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal.

    Palavras-chave: Imunidade Tributária. Garantia Constitucional. Sugestão Popular 02/2015.

    Inconstitucionalidade. Templos.

    1 Graduado em Direito pela Faculdade Católica Dom Orione. 2 Bacharel em Direito pela Universidade Paulista, Pós-Graduado em Direito Tributário pela Universidade do Tocantins e Mestre em Estudos de Cultura e Território na Universidade Federal do Tocantins. Professor da Faculdade Católica Dom Orione.

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    INTRODUÇÃO

    A imunidade tributária sobre os templos é uma limitação imposta pelo legislador

    constituinte para garantir o livre exercício destas entidades, desde que destinadas ao seu

    propósito ideológico-religioso. Entretanto, devido às diversas problemáticas e notícias de

    crimes praticados por estas instituições religiosas, muito se tem discutido sobre a possibilidade

    de seu fim.

    Assim, temos por certo que o pálio de sustentação para tal imunidade seria a

    manutenção da pluralidade litúrgica, ou seja, a facilitação do exercício da liberdade religiosa

    como forma, também, de reafirmar o estado laico.

    Tamanha é a relevância deste tema, que sua alteração atingiria sobremaneira os

    aspectos econômicos, sociais e morais da sociedade brasileira, ou seja, não envolveria apenas

    os templos, mas toda a coletividade que tem, em sua cultura, um entrelaço com a religião.

    Assim, a revogação desta limitação traria ao Estado mais arrecadação para a

    consecução de seus fins, impostos pelo artigo 3º da Constituição Federal, mas acarretaria um

    dano imensurável às religiões e, consequentemente, aos brasileiros, já que obrigação tributária

    causaria uma deficiência à autonomia das igrejas (no sentido amplo da palavra).

    Porquanto, afetados os templos, estes não conseguiriam realizar sua finalidade

    institucional de dar assistência moral, espiritual, social e material para seus membros e todos

    aqueles que de alguma forma são beneficiados.

    Para tanto, a metodologia empregada no presente tema utiliza-se da pesquisa

    bibliográfica, vez que esta é a base para todo trabalho que tem uma origem teórica, qual seja o

    estudo sobre a imunidade tributária dos templos e a possibilidade de sua extinção, bem como a

    pesquisa documental, a qual é realizada a partir de textos e documentos cientificamente

    autênticos, retratando os motivos que deram ensejo à sugestão popular 02/2015, em trâmite no

    Senado Federal.

    Ademais, temos como objetivo apresentar, discutir e avaliar a possibilidade de

    extinção da prerrogativa das entidades religiosas, bem como suas consequências em caso de

    aprovação de uma emenda constitucional revogando esta proteção.

    Por fim, indagamos, é possível uma emenda constitucional extinguindo a imunidade

    tributária dos templos, e, se existindo, quais as consequências jurídicas que estas acarretariam

    ao ordenamento jurídico pátrio?

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    Assim, para buscar responder tais indagações, o presente artigo traz de início um

    escorço sobre o sistema tributário nacional, faz alusão ao conceito e finalidade da imunidade,

    bem como alude sobre a imunidade religiosa frente à Constituição Federal.

    1 BREVE ANÁLISE DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

    Para respondermos à problemática apresentada, é necessário explorarmos alguns

    aspectos do sistema tributário nacional, para só então adentramos ao cerne da discussão

    trabalhada. Assim, para compreender a tratativa em comento, passaremos à análise do que é o

    tributo, suas espécies, nascimento e exequibilidade.

    Precipuamente, no que diz respeito ao tributo, o próprio Código Tributário Nacional

    (CTN) afirma, em seu artigo 3º, que “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em

    moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída

    em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Segundo

    PAULSEN, tal conceito pode ser definido como

    ...prestação em dinheiro exigida compulsoriamente, pelos entes políticos ou por outras

    pessoas jurídicas de direito público, de pessoas físicas ou jurídicas, com ou sem

    promessa de devolução, forte na ocorrência de situação estabelecida por lei que revele

    sua capacidade contributiva ou que consubstancie atividade estatal a elas diretamente

    relacionada, com vista à obtenção de recursos para o financiamento geral do Estado,

    para o financiamento de fins específicos realizados e promovidos pelo próprio Estado

    ou por terceiros em prol do interesse público. Tais características evidenciam-se

    quando da leitura, no texto constitucional, do capítulo Do sistema tributário nacional.

    (2017.p.54)

    Nesse sentido extrai-se que este instituto é uma obrigação paga em dinheiro por todos

    os membros da sociedade, que não constitui pena, cuja cobrança é obrigatório por parte do ente

    tributante.

    Não obstante, as espécies de tributos estão elencadas em diversos dispositivos legais,

    tais como o artigo 5º do CTN, artigos 145, 148 e 149 da Constituição Federal (CF/88) e

    estruturado em outros diplomas esparsos na legislação pátria, podendo salientar, enquanto

    espécies, os impostos, as taxas, a contribuição de melhoria, as contribuições sociais e o

    empréstimo compulsório, cada qual com suas peculiaridades.

    Ademais, faz-se imprescindível a abordagem apenas do imposto, sem o qual a análise

    das imunidades dos templos estaria prejudicada. Pois o comando inserto no art. 150, inciso VI,

    da Constituição Pátria, faz alusão à vedação dos entes em cobrarem impostos nos casos

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    delineados nas alíneas que se seguem, dentre eles, os templos de qualquer culto, art. 150, inciso

    VI, alínea “b” da Constituição Cidadã.

    Destarte, tal espécie tem seu conceito explanado no artigo 16 do Código Tributário

    Nacional, descrevendo que “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma

    situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. Desse

    modo, toda vez que a lei prescreve uma conduta normativa a ser tributada, temos a hipótese de

    incidência, que se concretiza com a prática do contribuinte da previsão legal, o que chamamos

    de fato gerador, ou seja, toda vez que alguém (sujeito passivo) pratica um fato (fato gerador)

    previsto na legislação tributária (hipótese de incidência), nasce o imposto, que acaba por criar

    uma obrigação tributária exequível após o lançamento (procedimento em que se apura o valor

    a ser cobrado).

    Diante disso, dito as nuances do sistema tributário brasileiro, passamos ao estudo do

    conceito fundamental ao desenvolvimento deste artigo, que com o apoio das informações já

    prestadas, elucidará os possíveis caminhos que a extinção da imunidade traria.

    2 CONCEITO DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

    Feitas as ponderações necessárias sobre o sistema nacional tributário, é mister

    trabalhamos o conceito de imunidade tributária, sem o qual torna inviável a compreensão da

    matéria abordada, conforme demonstraremos a seguir.

    Para PAULSEN (2017) “As regras constitucionais que proíbem a tributação de

    determinadas pessoas ou bases econômicas relativamente a tributos específicos, negando,

    portanto, competência tributária, são chamadas de imunidades tributárias”.

    Em suma, seu conceito se resume na determinação da própria Carta Magna de não

    incidir a cobrança de determinados tributos a algumas pessoas físicas ou jurídicas (SABBAG,

    2017). No caso das imunidades dos templos, estas são inexigíveis quanto à cobrança de

    impostos – uma espécie de tributo – como manda o artigo 150, inciso VI, alínea “b”, da

    Constituição Federal, o que não impede, entretanto, que ela preste contas ao Fisco sobre o fato

    gerador que lhe deu causa. Nesse sentido ALEXANDRE (2017) relata que a obrigação

    acessória independe da principal, de modo que o ente que se beneficia da não incidência do

    imposto, deve escriturar suas receitas e despesas, dentro das formalidades exigidas.

    Observe que quando o autor fala sobre a obrigação principal, ele se refere à própria

    obrigação tributária – sua finalidade principal (por isto o nome) – o qual nada mais é que o

    Estado impor ao indivíduo que ele pague determinado imposto. Outrossim, quando trabalha a

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    ideia de obrigação acessória, esta se relaciona com os mecanismos de fiscalização e controle

    das receitas das pessoas (físicas ou jurídicas) quando realizam o fato gerador de algum tributo,

    o que não significa que esta seja dependente daquela, já que ambas são autônomas.

    Não obstante, as entidades religiosas devem sempre atender às obrigações acessórias,

    para que o fisco verifique se o propósito ideológico-religioso atende aos fins do contribuinte.

    Logo, complementa o mesmo autor

    Mesmo no que concerne às entidades imunes, as obrigações acessórias existem no

    interesse da fiscalização e arrecadação de tributos, visto que são obrigadas a escriturar

    livros fiscais para que a Administração Tributária tenha como fiscalizá-las e verificar

    se as condições para a fruição da imunidade permanecem presentes (ALEXANDRE,

    2017, p. 331):

    Logo, percebemos que a imunidade dos templos não se traduz em uma

    irresponsabilidade fiscal, ou seja, a ausência de obrigação com relação ao ente federativo, pelo

    contrário, implica em uma obrigação ainda maior em prestar contas da destinação de seus

    recursos para atender à propositura ideológica descrita em seu contrato social ou estatuto.

    Destarte, SABBAG (2017, p. 299) finaliza, com o zelo que lhe é peculiar, abordando

    o conceito geral de imunidade tributária:

    Assim, a norma imunitória determina até onde o poder tributário pode agir,

    estipulando os contornos da competência tributária das entidades políticas e, também,

    revela um direito subjetivo de todos aqueles que se mostram como destinatários de

    seus efeitos, de forma direta ou indireta.

    Desse modo, verificamos que a imunidade tributária se resume em uma limitação do

    Estado, em favor do contribuinte, imposto pela própria Constituição Federal de 1988, se

    enquadrando, portanto, em uma garantia individual do cidadão, conforme analisaremos com

    mais profundidade ao final deste trabalho.

    3 FINALIDADE DA IMUNIDADE NOS TEMPLOS

    Precipuamente, cumpre ressaltar que esta garantia constitucional nem sempre se fez

    presente em nossa sociedade, muito embora a menção religiosa estivesse presente em todos os

    preâmbulos das Cartas Constitucionais Brasileiras (HARADA, 2017).

    Neste contexto, as Constituições Nacionais sempre garantiram a liberdade do exercício

    religioso, inclusiva a Imperial, que adotou, em seu artigo 5º, o Catolicismo, in verbis: “A

    Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras

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    Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso

    destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo”.

    Note-se que ela permite o exercício de outros cultos, mesmo que de forma restrita se

    comparado com a da Católica, nascendo, junto com o Estado Brasileiro, a base do que hoje

    entendemos ser uma garantia ao exercício da fé.

    Com a evolução da sociedade e inspirado pelos ideais norte-americanos, houve, em

    1891, uma ruptura com a monarquia, a qual deu origem à primeira Constituição Republicana

    do, então, Estados Unidos do Brasil, o qual, mesmo rompendo com a Igreja Católica e se

    tornando laico, previu direitos ao livre exercício de crença (independentemente da religião),

    permanecendo omisso quanto ao exercício da Fazenda sobre estas entidades.

    Dessa forma, as Constituições de 1934, bem como a de 1937, continuaram a tratar as

    entidades religiosas da mesma forma, dando-lhes o direito ao livre exercício sem mencionar a

    existência de imunidades.

    Destaca-se que a única novidade trazida pela Carta de 1937 foi enquadrar os direitos

    até aqui citados ao título “Dos direitos e garantias individuais”, enfatizando a importância dos

    cultos para o povo brasileiro.

    Assim foi até o advento da Constituição de 1946, a qual trouxe novamente em seu

    texto a previsão dos respectivos direitos no artigo 31, porém, foi inovadora ao trazer limitações

    ao poder de tributar, criando o que conhecemos hoje como imunidade tributária nos templos de

    qualquer culto.

    Foi com esta norma que surgiu à imunidade das igrejas, sendo replicada tal garantia

    em todas as Constituições posteriores, revelando-se a importância de se primar pela autonomia

    das instituições religiosas, que somente pode ser alcançada com a garantia de que o Estado não

    interfira em sua independência financeira, base para a consecução dos demais fins a que se

    destina.

    Vale mencionar que com o pleno exercício da liberdade religiosa, temos por certo que

    configura uma exegese para a possibilidade da pluralidade litúrgica, onde tem o papel de

    reafirmar a laicidade estatal.

    Quanto às imunidades dos templos de qualquer culto, CARRAZZA aduz que

    Nenhum destes impostos - nem qualquer outro – pode incidir sobre os templos de

    qualquer culto, em conseqüência da regra imunizante agora em estudo. É fácil

    percebermos que esta alínea “b” visa a assegurar a livre manifestação da religiosidade

    das pessoas, isto é, a fé que elas têm em certos valores transcendentais. As entidades

    tributantes não podem, nem mesmo por meio de impostos, embaraçar o exercício de

    cultos religiosos. A Constituição garante, pois, a liberdade de crença e a igualdade

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    entre as crenças (Sacha Calmon Navarro Coelho). Umas das fórmulas encontradas

    para isto foi justamente esta: vedar a cobrança de qualquer imposto sobre os templos

    de qualquer culto (2001, p. 618).

    Lado outro, a finalidade da imunidade sobre os templos se traduz em dar autonomia

    plena ao culto dos templos, de modo a limitar que a Administração Pública venha a constranger

    seu exercício, o que não significa em ausência de obrigação com o Fisco, como vimos

    anteriormente, mas uma dispensa ao pagamento de impostos, cujo valor será revestido a sua

    atividade, efetivando a liberdade e outros direitos previstos na Constituição da República

    Federativa do Brasil.

    4 (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO FIM DA IMUNIDADE DOS TEMPLOS

    Elucidado os elementos essenciais para a abordagem da problemática central,

    passaremos a análise dos motivos que ensejaram uma discussão para o fim da imunidade

    tributária nos templos com o advento da sugestão popular 02/2015, em trâmite no Senado

    Federal, e seus reflexos jurídicos em caso de aprovação. Vale mencionar que aqui também está

    em discussão se, de acordo com a Constituição Federal do Brasil de 1988, haveria possibilidade

    de supressão da imunidade religiosa.

    4.1 Motivos para seu Fim

    Os principais motivos que deram início a esta movimentação popular para a extinção

    deste “privilégio” seriam as reiteradas denúncias de crimes praticados por instituições religiosas

    e a suposta lesão ao princípio da igualdade ou, mais especificadamente, no Direito Tributário,

    solidariedade tributária, a qual determina que todos devem compartilhar da obrigação de pagar

    tributos.

    Tamanha vem sendo a incredibilidade das igrejas que até mesmo juristas se

    pronunciam pela extinção das imunidades, dentre os quais podemos citar um trecho da

    entrevista do Desembargador Federal Fausto Martin De Sanctis, o qual relata: "É impossível

    auditar as doações dos fiéis. E isso é ideal para quem precisa camuflar o aumento de sua renda,

    escapar da tributação e lavar dinheiro do crime organizado” (VALOR ECONÔMICO, 2014

    apud CONSULTOR JURÍDICO, 2014).

    Note-se que até mesmo na impressa o assunto ganha força, com destaque à matéria

    feita pelo colunista do jornal Folha de São Paulo, Hélio Schwartsman, em 04 de abril de 2017,

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    cujo título é “Por que deus não paga imposto?”. O respectivo autor faz uma crítica à volumosa

    quantia de dinheiro que estas entidades movimentam, in verbis: “Em tempos em que se debate

    a viabilidade fiscal do Estado, é estranho que templos, que movimentam R$ 21 bilhões de reais

    por ano (dados de 2011) – cifra igual ao faturamento do setor de serviços na cidade de São

    Paulo (2016) –, não paguem um centavo de imposto”.

    Curial observar, que é normal nos tempos atuais de crise econômica vivenciada em

    nosso país, que as pessoas queiram evitar que suas vidas sejam atingidas pelas exações fiscais,

    tentando, no caso, contestar o aumento da tributação, mormente, quando o estado deixa de

    arrecadar receita ao imunizar templos de qualquer culto. No entanto, devemos pensar de forma

    sistêmica, quanto às mudanças da sociedade, sem buscar prejudicar aqueles que atuam no bem

    estar coletivo; ademais, na grande maioria, tais entidades religiosas vem realizando a assistência

    social, tão deficitariamente realizada pelo Estado.

    Não obstante, é claro que existem instituições que fogem à regra e não cumprem os

    seus propósitos ideológico-religioso, mas, nem por isso, as imunidades tributárias devem ser

    extintas. Nos dizeres do filósofo Leandro Karnal, o qual o comparativo se faz presente no caso,

    o sábio professor menciona: “Por uma pessoa não está funcionando um remédio, não se deve

    executá-la na câmara de gás, mas mudar o remédio, achar algo mais eficaz [...]”.

    Desse modo, não é porque algumas instituições cometem crimes e/ou fogem de sua

    função social, que referida garantia deve ser revogada, pelo contrário, é necessária uma maior

    fiscalização sobre estas entidades, exigindo o devido cumprimento das obrigações tributárias

    acessórias e a implantação de novos métodos e instrumentos de fiscalização, a qual, com as

    inovações tecnológicas, se tornam de maior praticidade o seu incremento.

    Apesar de tudo isso, o movimento a favor da extinção ganhou destaque e em 2015,

    através do site do Senado Federal, foi criada a sugestão popular 02/2015, onde se aborda a

    possiblidade de supressão da dispensa constitucional de pagar o tributo, retirando tal

    beneplácito dos templos religiosos.

    4.2 Sugestão Popular 02/2015

    A respectiva sugestão popular surgiu através do Portal e-Cidadania, ferramenta

    disponível no sítio do Senado Federal, que oportuniza ao cidadão estímulos para a participação

    nos processos legislativos, inclusive propondo sugestões normativas, com as quais, atingida

    determinada quantidade de apoio, convertem-se em sugestão popular numerada e passa a ser

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    analisada e discutida pela respectiva casa. Consta no portal e-cidadania, presente no sítio

    https://www12.senado.leg.br/ecidadania/comofuncionaideia que

    As Ideias Legislativas que recebem 20 mil apoios em 4 meses são encaminhadas para

    a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e formalizadas

    como Sugestões Legislativas, nos termos do art. 6º, parágrafo único, da Resolução nº

    19 de 2015 e do art. 102-E do Regimento Interno do Senado.

    Na CDH, as Ideias Legislativas são debatidas pelos senadores e ao final recebem um

    parecer.

    A proponente desta reforma, Gisele Suhett Helmer, argumenta no sentido de que as

    igrejas trabalham com concorrência entre elas, buscando a captação de capital através do maior

    número de fiéis que frequentam o estabelecimento, ou seja, o recrutamento de membros agiria,

    em uma linguagem econômica, como uma capitalização de recursos, diferentemente do que

    ocorre com outras instituições sem fins lucrativos, cujo trabalho, segunda a internauta, se dá em

    harmonia com as demais pessoas jurídicas ou físicas, inexistindo qualquer conflito financeiro,

    já que os objetivos almejados são semelhantes.

    Dessa justificativa, percebemos que a visão dela advém de uma experiência empírica,

    a qual não reflete as finalidades e exigências que as entidades religiosas devem cumprir com

    estrita obediência, revelando, na verdade, a deficiência do Estado em fazer valer suas normas,

    o que acaba gerando um descontentamento da população ao ver o enriquecimento ilícito dos

    respectivos templos.

    Muito embora a autora da sugestão popular 02/2015 queira o fim, segundo ela, deste

    privilégio, a simples exigência da realização efetiva da obrigação tributária acessória, aliado à

    criação de novos mecanismos de fiscalização, seria suficiente para evitar a realidade

    demonstrada pela respectiva proposta, o que evitaria a distorção dos valores institucionais

    típicas dos templos, auxiliando o Estado na consecução dos fins a que se destina.

    Outrossim, as igrejas que seguem os seus propósitos, cada qual explanada no ato de

    sua criação (estatuto ou contrato social) e que de forma genérica deem assistência moral,

    espiritual, social e material ao cidadão, direta ou indiretamente, sem contrariar a lei, merecem,

    sem sobras de dúvidas, serem beneficiadas com o não pagamento de impostos.

    Dessa forma, não há que se falar em enriquecimento ilícito dentro destas instituições

    se devidamente fiscalizadas, uma vez que as atividades que fogem das finalidades, trabalhadas

    em tópico próprio, passam a atuar de acordo com as regras de mercado, sendo, portanto,

    tributáveis, já que a Administração Pública deve obedecer ao denominado Princípio da Livre

    Concorrência. Nesse sentido relata Kiyoshi Harada (2017, p. 276):

    https://www12.senado.leg.br/ecidadania/comofuncionaideia

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    Os atos de mercancia, praticados por algumas seitas, ainda que disfarçadamente, e que

    contribuem para erguer rios e montanas de dinheiro com a inocência de seus fiéis, não

    podem continuar à margem da tributação, sob pena de ofensa à isonomia tributária. A

    Constituição Federal de 1988 só coloca sob proteção da imunidade o patrimônio, a

    renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais dos templos (§4º do

    art. 150). Não estende os benefícios às atividades decorrentes de finalidades

    essenciais, como ocorre na hipótese de imunidade recíproca. Isto quer dizer que

    determinado prédio de propriedade de uma igreja, que não esteja sendo utilizado para

    fins religiosos, sujeita-se, por exemplo, à incidência do IPTU, não importando saber

    se o produto do aluguel desse prédio está ou não sendo aplicado na consecução de

    finalidade religiosa.

    Disso, extrai-se que a referida imunidade não fere o princípio da isonomia, desde que

    atendidas as suas finalidades, já que o não pagamento do imposto faz com que aquele dinheiro

    seja diretamente investido na sociedade, o que seria extremamente desnecessário e prejudicial

    se estes valores tivessem que sair das instituições, passar para o Estado, para só então destinar

    à sociedade, quando a própria igreja pode fazer de imediato, dando-se efetividade ao brocardo

    jurídico: “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua

    desigualdade”.

    Esta frase elimina a ideia de igualdade formal e traz à tona a igualdade substancial, a

    qual é a verdadeira essência da isonomia, que transparece em um verdadeiro Estado

    Democrático de Direito.

    Ademais, como acima explicitado, a imunidade religiosa já foi albergada na mais alta

    Corte, para fins de determinação do alcance da norma imunizante, no beneplácito das entidades

    de assistência social sem fins lucrativos, ou seja, da chamada imunidade subjetiva do art. 150,

    inciso VI, alínea “c”, justamente pelo papel social que as entidades religiosas desempenham.

    4.3 Reflexos Jurídicos

    Como visto anteriormente, a imunidade tributária nos templos de qualquer culto é um

    direito e garantia fundamental, a qual prevê a não incidência do imposto independentemente da

    quantidade de fiéis e seu campo de influência (SABBAG, 2017). Assim, tratando-se de garantia

    prevista na Constituição Federal em seu artigo 150, VI, “b”, vale destacar o mandamento do

    artigo 60, §4º, do mesmo diploma normativo:

    Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

    [...]

    § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

    I - a forma federativa de Estado;

    II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

    III - a separação dos Poderes;

  • 11

    IV - os direitos e garantias individuais.

    Denote-se que da interpretação do dispositivo constitucional, percebemos que os

    direitos e garantias individuais não são passíveis de emenda, o que nos remete a impossibilidade

    de revogar as imunidades conferidas às igrejas.

    Muito embora haja entendimento no sentido de que apenas os direitos e garantias

    fundamentais individuais não são passíveis de restrição, este posicionamento é minoritário, uma

    vez que, com passar do tempo, a jurisprudência e a doutrina passaram a realizar uma

    interpretação extensiva, aplicando aos direitos e garantias – individuais ou não – a

    imutabilidade, característica inerente às cláusulas pétreas, tendo como principal fundamento o

    Princípio da Vedação ou Proibição ao Retrocesso, previsto nos tratados internacionais, em que

    o Brasil é signatário.

    Destaca-se que quando falamos em imutabilidade, seu significado deve ser entendido

    como a inviabilidade de limitação, o que não impede, por consequência, uma alteração nos

    respectivos dispositivos, desde que destinados à ampliação de seu rol ou abrangência.

    Ademais, é impossível, nos termos da atual Constituição, a revogação da imunidade

    tributária dado aos entes sagrados, já que o poder constituinte derivado encontra-se limitado às

    cláusulas pétreas, que proíbem expressamente a restrição de qualquer garantia

    constitucionalmente prevista.

    Assim, uma possível aprovação da sugestão popular 02/2015, em trâmite no Senado

    Federal, estaria claramente eivada de vício material – irregularidade que afronta a matéria da

    constituição e não o procedimento (LENZA, 2005) – o que acarretaria em uma posterior (após

    entrar em vigência) declaração de inconstitucionalidade da respectiva alteração legislativa.

    Diante disso, uma discussão a respeito da extinção desta prerrogativa é inviável na

    conjectura fático-jurídica do atual ordenamento jurídico pátrio, a qual só cabe ser proposta no

    caso de uma ruptura jurídica que permita a presente tratativa, ou seja, o fim deste “privilégio”

    só seria possível com a criação de uma nova constituição, visto que este é o único meio

    juridicamente idôneo capaz de limitar as prerrogativas já consagradas.

  • 12

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Desse modo, a imunidade tributária nos templos de qualquer culto não é um privilégio

    como apontam os críticos, mas uma garantia dada pelo constituinte para dar proteção ao livre

    exercício da fé, que estaria abalada se houvessem cobranças, especialmente as que representam

    as crenças minoritárias deste país.

    Mesmo que os impostos sirvam para atingir as finalidades do Estado, previsto no artigo

    3º da CF/88, o não pagamento pela igreja se coaduna com o respectivo texto legal, uma vez que

    um dos objetivos da República Federativa do Brasil é a promoção do bem estar de todos, o que

    seria cabalmente abalado com a perda da autonomia dos templos, que deixariam de promover

    assistência material, moral, social e, principalmente, espiritual, direito, este, inclusive, que

    traduz o exercício dos cultos religiosos, previsto no artigo 5º, VI, da Carta Magna, consagrado

    como garantia fundamental.

    Destarte, é de extrema importância que a cidadão saiba qual o papel das entidades

    religiosas, cuja responsabilidade vai muito além da arrecadação de dízimos em troca de

    “palavras vazias”. Seu papel se estende à busca do bem estar coletivo, de modo a retribuir ao

    fiel a fé que é constantemente praticada, prestando ao participante daquela seita o amparo

    espiritual e/ou material, de que tanto necessita o povo brasileiro, que, por muitas vezes, acaba

    sendo ludibriado por instituições desvirtuadas, as quais lhes usurpam a dignidade, a esperança

    e a expectativa de uma vida melhor, além de ocasionar uma mancha tão grande à imagem

    religiosa a ponto de culminarmos na sugestão popular 02/2015.

    Ante o exposto, é inconstitucional qualquer medida que visa, nos termos do atual

    ordenamento pátrio, a abolição da referida garantia constitucional, por violar direitos expressos

    no próprio texto da Lei Maior, o que deve e será declarado pelo Supremo Tribunal Federal, se

    porventura vier a ser aprovado pelo Poder Legislativo.

  • 13

    REFERÊNCIAS

    ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 11ª edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2017.

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  • 14

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    Culto nas Constituições Brasileiras. Disponível em:

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